274 64 46MB
Portuguese Pages [92]
VIAGEM PELA COMARCA D
CU..JTIBA
VIAGEM PELA COMARCA DE CURITIBA Conselho Editorial Aroldo Murá Haygert Cassiana Lacerda Carollo Fábio Canlpana Geraldo Porrgy Jaiizil Snege Margarita Sansone Lziís Roberto Soares Rafael Greca de Macedo Wilson Martins
Traduçáo de Cassiana Lacerda Carollo
Todos os direitos desta ediç,?o reservados i Prefeitura Municipal de Curitibn
Coleção Farol do Saber - 3rdenaçZo Editorial: rpordenaçzo
L
DATA;! '.R$ I
' x d~ 1996
-1 m~çAo.,,?.,!~&.: .....b.
9
,. ......................"'--4
FFhbio ~ K O~nirilmirn Crirrrlmrrn
AUGUSTE DE SAINT-MILAIRE - Olhar poético de um cientista ....... 6
Projeto Cr"f"0: Jniiiil Saege Capa:
CAPITULO I ............................................................................................... Descrição Geral dos Campos Gerais .............................................. 11
"Liruiteiin Proviitcici de Siio Pnrilo c Crrritiltci" rlc Jcntr-BnptisteDelirct Projeto gráfico da miolo:
Hurry Avorr Preparaçáo:
CAP~TULOII ............................................................................................... Comes0 da viagem pelos Campos Gerais. - A Fazenda Jaguariaíba. - 0 s índios Coroados. -A Fazenda de Caxambu. ........................ 34
CAPITULO
IV'rirrcri Avorr Revisão:
Silvnrin Alrircidfi Bnrbedo Pesquisa: Linn Beriglii Depósito legal junto à BibIiotcca Nacional, conforme Decreto no 1823, de 20 cle dezembro de 1907 Ficha cataloçráfica preparada pela Index Consultoria cm Informação e Serviços S/C Lttla.
111 ............................................................................................. Continuação da viagem pelos Campos Gerais -A Fazenda Fortaleza - Ainda os índios Coroados. .................................................55
CAPITULO IV............................................................................................. A vila de Castro -Fim da viagem pelos Campos Gerais. .............. 73 CAPITULO V ............................................................................................... A parte do território de Curitiba situada entre essa cidade e os Campos Gerais ........................................................................................... 97
CAPITULO VI ............................................................................................. A vila de Curitiba s seu distrito ...................................................... 102 CAP~TULOVII ..................................................................................... :.... Descida da Serra de Paranaguá ........................................................ 130
CDD (20. ed.)
981.62
910.4 CDU ( 2. ed.) 981.62 910.4(816.2) IMPRESSO NO BMSIVPRINTED I N RMZIL
CAPITULO VI11 ........................................................................................... A vila de Paranaguá .......................................................................... 151
CAPITULO
IX ............................................................................................. Viagem de Paranaguá a Guaratuba. 166 Essa dltima vila e seu distrito .......................................................
Critérios para tradução Esta tradução foi feita a partir do original Voynge dc~tisles Provinces de Saint Pmt1 et Sd int Cathérine (4" ed., Paris, Bertrand, Librarie-Editeur, 1851 cap. XIV a XXII do tomo 2). Conservaram-se em itálico as palavras que no original o autor manteve em lingua portuguesa e, por isso mesmo, assinaIou-as. Alterou-se apenas a pontuação, procurando nos outros aspectos seguir o original. Na medida do possível, chamou-se a atençáo para equívocos de ordem histórica e outros apresentados no relato.
AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE - Olhar poético de um cientista Auguste-François-César ProvençaI de Saint-Hilaiwe, dito Auguste de Saint-Hilaire, nasceu em Orléans, na França, a 4 de outubro de 1779 e morreu em seu pais natal, na cidade de Tupinière, em 30 de outubro de 1853. Através da leitura de Goethe - escritor alemão cuja obra também inclui ensaios sobre botânica -Saint-Hilaire adquiriu suas primeiras noções de moxFologia vegetal. Começou sua atividade de botânico na qualidade de discípulo de A. L. de Jussieu, L. Claude Richard e Desfontaines. Seguindo a carreira da pesquisa e do magistério, r hoje "Museirrir Nnciorml cle Hisroire lecionou no 'yarditz d ~ Roi", Nrltrrralle". Viajou para o Brasil em 1816, onde permaneceu até 1822. Nesse período percorreu várias províncias, e dessa experiência resultou um importante conjunto de obras que relatam suas observações de viagem (retratando aspectos sociais e culturais das regiões visitadas), e vários títulos específicos sobre botAnica. Durante sua permanência no Brasil, ainda em 1819, tornouse sócio correspondente da Academia de Citncias da França. Os relatos de viagem de Saint-HiIaire constituem documento importante da vida e dos costumes brasileiros na primeira metade do século XIX, comprovando o que disse José Guilherme Merchior ao reiterar o significado do gênero relnto de vinjritztes, como narrativas que mostram as condições de vida e a mentaIidade dos primeiros colonos. Ressalta que são esses que "servem de auxilio 3 compreensão do fundo espiritual de
8
AUCUSTE DE SAINT-HILAIRE -Olhar poftico de um cientista
VIAGEM PEiA COMARCA DE CURITIBA
novo. E nesse aspecto que se verifica a sensibilidade de SaintHilaire, cuja narrativa é moldada pela atraçáo pelo novo, dai o tom de admiração, principalmente pela natureza, que sustenta sua narrativa. Observador sutil dos caracteres, seus relatos são excelentes painéis de personagens, nos quais soube observar as nuances psicológicas.
que nasceu a experiêiicia histórica do Brasil e, dentro dela, a literatura1." Seus livros de viagem são: "Aycrçrr d'irrr tqrngc &ris I'íritci c lcs A/lissiorrs dircs di ricrir rlii Brésil, In l ~ r o ~ ~ i r rCc ies ~ ~ l n t i r ct Pnrngliny" (1822); "Voyogc h l t s Ics Provirices ~ I Rio I de Jciriciro ct filirins Gcrnis" (1850); "Voynge h i i s le district des Dinrilnrirs cr srrr /c litornl dtr Brésil" (1855); "Voyngc nrrs sorrces dir rio SAo Frnlrcisco et h i r s In yrovirice dc Goilísn (1847-8); "'lbyngc dnns lcs ~ ~ r o v i r ~ clc c c sSfiirit Pnril c Snirrt Crrrlrérirrc" (1851); "l~oyngcir Rio Grrtride do Slil" (1887) e "Derrsièmc voynge ii I'iritcriei~rdu B r h i l "
Outro interesse permanente do autor é a questão da lingua. Discorre sobre pronúncia, etimologia e registro de falares, destacando sua preocupação em conhecer a língua dos indigenas. Para tanto, criou um cuidadoso método, valendo-se de um intérprete, anotando o vocabulário e conferindo sua pronúncia, além de ter recorrido ao apoio de bibliografia especializada .
(1887), o último reIatando a segunda viagem ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais.
Mas é seu amor à natureza que permeia toda sua obra. Sempre sensível i beleza dos grandes cenários, 2s promessas da terra fértil, não deixou de delatar hábitos nocivos, como o caso das queimadas, do desmatamento e da extinção da fauna, em particular da ave guará. Atento a uma paisagem coberta de capões, bosques e florestas deArrtrrcnrirt, não esquece de alertar para o significado da preservação das matas, como que antevendo a devastação ocorrida no Paraná. Aspecto que faz do relato de Saint-HiIaire um registro e um alerta sobre as riquezas vegetais que perdemos.
Esses livros foram todos escritos ap6s seu retorno i França, daí porque procura complementar a narrativa de suas experiências com informações de ordem histórica e social, recorrendo 5 bibliografia mais atualizada e posterior à sua permanência no Brasil, como é o caso da obra de Pedro Daniel Muller, publicada em 1838, artigos do ArrrrRrio, Discursos de Presidentes de província, mapas e ensaios publicados na Revista Tritirestrnl do Institrrto Histdrico Geogrcífico Brrlsileiro e outras fontes que recebeu de colegas brasileiros. Poucos viajantes relataram com mais precisão e simpatia a natureza e os costumes brasileiros como Auguste de SaintHilaire, em cujos relatos não está presente apenas o botânico, mas o homem sensível capaz de apreciar os movimentos da alma provocados peIos belos cenários, sobretudo aqueles nos quais se destaca a majestosa "Arrtircnrin nirgr~stifolin". Em seu texto preciso também estáo presentes o estudioso de geografia e o observador perspicaz e destituído de preconceito dos costumes locais, que, mesmo quando tece análises comparativas com o mundo europeu, nunca reduz a falta de tradição do país I
MERCHIOR, ]os6 Cuill~crinc."De A~icl~ictn n Errslidcs; Irrcir Iiistórin dd litcrntirrfi /trrtsi/cir,i',Rio 1oPcrcirn, capitáo de mar-e-guerra, que, em 1654, fundou Curitiba. Segundo D. P. Muller, o rimeiro nome deste homem náo era Tlicodom, mas Hcliodaro (Pizarro, "Mon. Iiisr". VEI, 299; Pedro MiiIler, 'E~is.esr", 58) enfim o paulista Pedro Taques de Almeida Paes Leme, provavelmente melhor instruído que esses dois cscritores. dá a Ebano o nome de Leodoro ( ' H i ~ t .dn cnp. de S. I'iccti~c", in 'Rcvistn triiir.", seguida ser., 11 328). O nome correto é Eleodoro Ébano Pereira. A ele coube comunicar a existCncia de ouro na rcgigião de Serra Acima, através do auto datado de 20 de ~etembrode 1649, a sar de aIguns historiadores afirmarem ue coube a Heleodoro Ebano Pereira a fun&ão de Curitiba, a exemplo da 'I\,lerirórin~iistbricnrln Gryiiniiin dc SSno Pniilon,de Marcelino Pereira Cleto (1785) existente na Torre do Tombo, e de Vieira do Santos dizer que a mesma ocorreu em 1654. Ebano Pereira não foi sequer morador de Curitiba, apesar de haver recebido uma sesmaria em 1848. Dificilmente ode se falar num fundador, : ~ a b r i 8 d ie r a presidindo a elevaggião apenas regisirar dois atos ligados à ~ u n d a ~ áoode do Pelourinho (1868), porém a instalaç50 das justiças foi autorizada pelo capitão-povoador Mateus ieme em 1693. Isto porque o próprio ouvidor Pardinho ao organizar as justiças, diante de tanto trabalho, dirá que criou dc novo a vila. (N. T.)
'
104
VIAGEM P E J A COMARCA DE CURiTIBA
19 de fevereiro de 1812 recebeu ordem de transferir-se para Curitiba. A vila tornou-se, então, a verdadeira sede da cottrnrcn do sul, que recebeu o nome de Pnrnimglih e clrritibn6, com intenção, sem dúvida, de prevenir queixas ciumentas dos habitantes do litoral. Mas essa medida não foi muito eficaz, pois à época de minha viagem não havia ninguém que não se referisse habitualmente à corrrnrcn do sul, dando-lhe o nome de corrinrcn de C i i r i t i h . Foi por esta justa razão, aliás, que se transferiu para ali a residência do ouvidor. A coninrca encontra-se dividida peIa cordilheira marítima em duas partes muito desiguais, de difícil comunicação entre si, e nada mais justo que o principal magistrado da região morasse na parte maior. Dois jliízes ordinhrios faziam os julgamentos de primeira instância sob orientação do orividor e presidiam, de acordo com o costume, a camara municipal. Depois de estabelecido o governo constitucional no Brasil, Curitiba foi honrada com o título de cidcrde. Estabeleceu-se ali um professor de latim, podendo ser considerada a cidade como a capital da quinta comarca7. Muito próxima da província do Rio Grande do Sul, ela não participou, entretanto, de nenhuma forma, das pexturbaçbes que agitaram essa provincia. O presidente de São Paulo em 1840 fez merecidos elogios à sua fidelidade8, na verdade bastante louvável, considerando-se que os curitibanos vinham solicitando em váo, desde 1822~,a sua separação do resto da provincia de São Paulo, o que poderia justificar uma certa hostilidade da parte deles em relação ao governo central. Aqui se coloca, naturalmente, uma questão que não será destituída de interesse tentar resolver: de onde vieram os homens que povoaram inicialmente Curitiba, o seu distrito e 6 7 8 9
Pizarro. 'h.Iem. kisr." VIII, 299. Milliet e Lopes de Moura, 'Dicciotrnrio", I, 318. Manoel Machado Nunes, 'Disc~irsorecirndo iro dia 7dc jnnciro de 484OW,4. Francisco de Paula e Silva Gomes in Sigaud, "Atiirirnrio do Brnzil", 527.
A VILA DE CURiTIBA E SEU DISTRiTO
105
os Campos Geraist Pertencendo em sua maioria i raça caucásica pura, falando português sem alterações, os atuais habitantes dessa região não podem, evidentemente, descender de seus vizinhos, os mestiços dos distritos de Itapetininga e de Itapeva. Não se pode também supor que descendam de uma colônia oriunda da sede da capitania, pois nesse caso eles apresentariam alguns traços de uma mistura com o sangue indígena, já que os bandos que partiam de São Paulo e se embrenhavam nos sertões da América eram compostos em grande parte de marnelucos: Parece, pois, difícil não admitir que a coiitcircn de Cziritibn tenha sido originariamente povoada por europeus que teriam vindo diretamente de Portugal para Paranaguá, provavelmente atraídos pelas minas de ouro da região, e que'teriam mais tarde atravessado a serra do Mar para expandir suas buscas ou talvez fugir do ar insalubre do litoral a fim de poderem cultivar as plantas do seu pais. Essa opinião parece melhor fundada por haver GabrieI de Laxa estabelecido residencia em Paranaguá em 1647, como representante do marques de Cascais, donatário daquelas terras, trazendo muitas famílias européias10. Curitiba foi construída numa das partes mais baixas de uma vasta planície ondulada que, como já vimos, apresenta uma agradável alternativa de matas e campos e é limitada do sul ao nordeste pela serra de paranaguaN. A cidade tem uma Forma quase circular e se compõe de duzentas e vinte casas (1820), pequenas e cobertas de telhas, quase todas de um só pavimento, sendo, porém, um grande número delas feitas de pedra. Cada casa, como em Minas e mas, nestas espécies de pomares, Goiás, possui o seu qi,i~~tn112, não se vê apenas bananeiras, mamoeiros ou cafeeiros, e sim 10 Milliet e Lopes Moura "Dicciottnrio do iinpcrio do Brnzil", 11, 236 11 Observe-se a riqueza da vegetaçáo de Curitiba A Ppcca da viagem de Saint-Hilaire. (N. T.). 12 Um quiitint é menos que um pomar. E uma espécie de pátio irre larmente plano com árvores fnirfferas. Pode-se ver o que escrevo sobre os q~tit~rnis $Plural de qrriiirn/) nos
meus relatos publicados.
106
VIAGEM PELA COMARCA DE CURITIBA
macieiras, pessegueiros e se costuma plantar outras árvores frutíferas da Europa. As ruas são largas e bastante regulares, algumas totalmente pavimentadas, outras calçadas apenas diante das casas. A praça pública é quadrada, muito grande e coberta por um relvado. As igrejas são em número de três, todas feitas de pedra. A que mais se destaca é a igreja paroquial, dedicada a Nossa S e ~ l r o r dn n Luz; ela é construída isoladamente na praça pública, mais perto de um de seus lados do que de outros, prejudicando a harmonia e sua regularidade, Aigreja não tem torre nem sino. A cdpeli tnori3 e os dois altares laterais são bastante bonitos e bem ornados, a nave é elevada e tem cerca de 30 passos de comprimento, mas não tem abóbada, nem forro, e é inteiramente nua. Vê-se em Curitiba duas fontes de pedra sem nenhum ornamento. Abaixo da cidade passam dois córregos, cujas águas são usadas pelos seus habitantes; um deles, que tem uma ponte feita de tábuas, corta a estrada de castroi4. Existem também em torno da vila algumas nascentes de água muito boa, que são de bastante utilidade para seus habitantes. Além das três igrejas que mencionei, v&-sea uma centena de passos de Curitiba uma capelinha construida no alto de um outeiro que domina não s6 a cidade como uma parte da planície, e de onde se descortina uma bela vista15. Curitiba mostra-se tão deserta, no meio da semana, quanto a maioria das cidades do interior do Brasil. Ali, como em 13 ]i expliquei, no capitulo desta obra intitulado ' A viln de 1111, eic.", o que é cnycln-iiior. 14 Não me deram o nome do córrego na região: deve ser o rio de Ciiritibn indicado por Feldner e por Milliet ("Rciscii dirrcl~iiiclircrc pmi~iitzetiBrnsiliciis" I , 159; 'Dicciorinrio", I, 318). O rio Cttriiili~é o começo d o rio Igiiqtr, do uaI j6 falei antes.
(N.T. Trata-se de equívocodo autor, que deve terconkndido comos r i o s ~ a r i ~ ou i i i lraí.)
15 Lê-se, na nota do Sr. Francisco de Paula e Silva, inserida no 'Aiiiirrnrio" do Sr. Sigaud para 1847, que, depois de vinte anos, começou em Curitiba uma sede da Prefeitura e uma prisão, mas que náo foram concluidas. O autor acusa de negligencia o governo provincial sediado em São Paulo.
A VIIA DE CURTTIBA E SEU DISTRITO
107
muitos outros lugares, quase todos os seus habitantes são agricultores que só vêm à cidade nos domingos e dias santos, trazidos pelo dever do ofício divino. Em Curitiba e nos seus arredores há um número muito pequeno de pessoas abastadas. Eu vi o interior das principais casas da cidade, e posso afirmar que nas outras cabeças de cotrrarcas ou mesmo de tertitos não havia então nenhuma casa pertencente às pessoas importantes do Iugar que fosse tão pouco arrumada assim. As paredes eram simplesmente caiadas e o mobiliãrio das pequenas salas onde se recebia tinha apenas uma mesa e alguns bancos. Entretanto, havia em Curitiba várias lojas muito bem abastecidas. Os negociantes traziam suas mercadorias diretamente da capital do império, mas s6 as vendiam aos fazendeiros do distrito, porque os comerciantes das cidades vizinhas também se abasteciam no Rio de Janeiro. Com exceçáo da fazenda sem (mercadorias secas), dos armarinhos, dos tecidos e dos utensílios, o sal era o artigo de mais alto custo, devido ao seu grande consumo pelo gado. A cidade de Curitiba enviava ao porto de Paranaguá, situado abaixo deIa, toucinho, milho, feijão, trigo, fumo, carne seca e mate, sendo este último consumido em parte no litoral e em parte despachado para as cidades de Buenos Aires e Montevidéu, impossibilitadas de receberem esse produto do alto Paraguai devido à situação política. Entre os artigos de exportação não posso deixar de mencionar uma certa quantidade de gado que Curitiba vendia a São Paulo ou ao Rio de ~aneixo'~.
16 Os artigos de exportaçáo são ainda aqueles de hoje, mas a quantidade necessariamente aumentou, por causa do crescimento da populaç50, r: da extensa0 muito mais considerável das terras cultivadas. O Sr. Francisco de Paulada Silva e Gomes disse, que num dos últimos anos, a comarca de Curitiba expediu muitas centenas dealqueires de feijão para o Rio de laneiro que então sofreu a falta do produto, e que essa venda fez cair o preço de 20,000 réis para 8,000 (Sigaud, "Anirttnriodo Brnzil", 1847, p. 526). O mesmo autor acrescenta que, se os caminhos fossem melhores, Curitiba poderia fornecer ao Rio de Janeiro excelentes batatas.
108
VIAGEM PELA COMARCA DE CURITIBA
A cidade de Itapeva, como já disse anteriormente, só dispunha de comunicações extremamente difíceis com o porto de ~ ~ u a ~ eCuritiba ''. podia, pois, ser considerada como a única cidade no interior que, a partir de São Paulo, mantinha contato frequente e direto com o litoral; em conseqüência, sua situação era extremamente favorável ao comércio, e não há a menor dúvida de que ela se tornaria uma cidade muito florescente se a estrada que atravessa a serra de Paranaguá não fosse tão acidentada, Com efeito, como veremos mais adiante, poucas estradas são tão horríveis como essa à +oca de minha viagem. Quem não imaginaria estar ainda nos primeiros tempos da descoberta do Brasil ao saber que, numa extensão de mais de 110 légiins paralelas ao mar e muito pouco distantes dele, só existia praticamente um único centro de população que mantinha contato com o litoral, e ainda assim através de uma estrada capaz de assustar os homens mais intrépidos$ Esse trecho, distante apenas 20 Iiguns do interior, conta com quatro ou cinco portos, mas os habitantes do litoral se acham tão alheios ao que se passa por lá, quanto a França com relação ao que ocorre na Rússia ou no reino de Nápoles. Garantiram-me que habitantes do litoral jamais tinham visto uma vaca, e no entanto a poucas léguas dali havia rebanhos imensos. O trecho da província de São Paulo que eu tinha percorrido entre Sorocaba e Curitiba era formado por uma língua de terra estreita, isolada no meio de uma região inculta, e se poderia dizer que na extremidade dessa língua de terra o Brasil se interrompia. Com efeito, do lado do mar encontrava-se, a serra quase inacessível de Paranaguá, e depois de Lapa, também chamada Vila Nova do Príncipe, situada a 12 Iéglins de Curitiba, era necessário, para sair da província, atravessar 60 léguas do Serrrio do Sril (Serrrio do Virirrriio), sem nenhuma povoação e
17 Veja ocapítuto dessa obra intitulado 'Viagem de Irapetininga aos Campos Gerais" (V. I).
A VILA DE CURITIBA E SEU DISTRITO
109
infestada de selvagens, onde a estrada não passa de uma sucessão de perigosos atoleiros...18 Na verdade, além do caminho que ligava Curitiba a Paranaguá, havia um outro que partia da paróquia de Siio José dos ~i,rlrnis'~, e ia desembocar quase no litoral, num ponto ?I altura da Ilha de São Francisco, pertencente 5 província de Santa Catarina; entretanto, pelo que me disseram, esse caminho era pouco frequentado e ainda mais difícil e perigoso do que o de Paranaguá. A carga tinha de ser transportada nos ombros dos homens, no espaço de 17 léguas, e os selvagens inimigos dos brancos não era raro aparecerem2'. Poucos anos antes de minha passagem por ali, o venerável bispo do Rio de Janeiro, José Caetano da Silva Coutinho, visitando sua vasta diocese, tinha percorrido a comarca de Curitiba; depois de atravessar a serra de Paranaguá ele prometeu aos habitantes da região que solicitaria ao rei os meios necessários para se construir naquelas montanhas uma estrada pratidvel. De volta ao Rio de Janeiro a bispo foi fiel à sua palavra, e pouco tempo depois o ministro escreveu às autoridades locais, solicitando-lhes informaçóes precisas sobre o atual estado do caminho da serra, as melhorias necessárias e a 18 O presidente da rovínciadeSanta Catarina noano de 1847,marechal decampo Antero Jose Ferreira de [rito, disse positivamente, em seu discurso na assembléia Iegislativa, ue tinham sido concluídos os estudos (cxplorn$õcs) retativas ao caminho que ligava zuritiba. a Lages, vila fronteiriqa de Santa Catarina, e ele se felicitou muito por ter rido descoberto um trajctomuito fácil que torna aviagem maiscurta. (°Fnl~qi~coPrcsidciitc, crc.", 6). Vemos ue, se em 1847 para ir de Curitiba ati. Lajes há um caininho muito melhor que em 1120, os viajantes que faziam inicialmente até Paranagui não eram t.ío privilegiados. 19 São José dos Pínaís, situada a 3 léguas sudoeste de Curítiba, segundo me disseram a Gltimavila, mais anti a ue a primeira. Em 1820, Sáo José não era senão uma paróquia dependente de Curiri&alorisso, Manoel Ayres de Cazal, ueescreveu em 1817,errou em citá-la como cidade (YCorog. Brrts." 1,226,229). D. P. dU11er em 1838, o residente ManoeI Felizardo de Souza e Mel10 em 1844, enfim o Sr. de Villiers, em 1847, indicam sempre São josé como uma sim les paróquia ("Eirsnio cstniísricoo";-"D~scrrrsorccirndo iro dici 7dc jnrieiro dc 1844", 33, $4; - 'Cnrin iovogriificn dn {mviitcin dc S i o Pn