Tratado de Direito Privado, Tomo XLV - Direito das obrigações: Contrato de transporte. Contrato de parceria. Jôgo e aposta. Contrato de seguro. Seguros terrestres, marítimos, fluviais, lacustres e aeronáuticos [45, 4ª ed.] 9788520343586


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Tratado de Direito Privado, Tomo XLV - Direito das obrigações: Contrato de transporte. Contrato de parceria. Jôgo e aposta. Contrato de seguro. Seguros terrestres, marítimos, fluviais, lacustres e aeronáuticos [45, 4ª ed.]
 9788520343586

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42 M672 2012 Vol.45

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TRATADO D E DIREITO

PRIVADO

Diretor Responsável ASTONIO BELINRO

Diretora de Conteúdo Editorial GÍSBXE DE MELLO BRAGA TAPAI

Diretora de Operações Editoriais ORÍENE PAVAN

Analistas Documentais: Bethânia Mignolo dos Santos, Bruno Martins Costa, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Danielie Cândido de Oliveira, Henderson Fiirst de Oliveira e ítalo Façanha Costa. Editoração Eletrônica Coordenadora ROSELJ CAMPOS DE CARVALHO

Equipe de Editoração: Adriana Medeiros Chaves Martins, Ana Paula Lopes Corrêa, Carolina do Prado Fatel, Gabriel Bratti Costa, Ladislau Francisco de Lima Neto, Luciana Pereira dos Santos, Luiz Fernando Romeu, Marcelo de Oliveira Silva e Vera Lúcia Cirino. Produção gráfica: Caio Henrique Andrade.

Dados Internacionais de Cataiogaçao na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Miranda, Pontes de, 1892-1979 Direito das Obrigações, contrato de transporte: contrato de parceria... I Pontes de Miranda; atualizado por Bruno Miragem. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. - (coleção tratado de direito privado: parte especial; 45) ISBN 978-35-203-4358-6 1. Direito civil - Brasil 2. Obrigações (Direito) I. Miragem, Bruno. II. Título III. Série. 12-03383

CDU-347.4(81)

índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito civil 347 (81) 2. Brasil: Direito privado 347 (81)

A,ov, como a de dois óbolos de Egina ao Pireu, ao tempo de P L A T Ã O (Gorgias, 6 7 ) , ou a de quatro, ao tempo de L U C I A N O (Navigium, 1 5 ) e a de duas dracmas, para levar uma família do Egito ao Pireu ( P L A T Ã O , Gorgias, 6 7 ; cf. A. B Õ C K H , Die Staatshaushaltung der Athener, 1 , 1 5 0 ; mas E. C A I L L E M E R , Le Contraí de Louage, 31, reputou absurdo o preço, comparado com o transporte de mercadorias, bem mais alto). No Papiro Fay, 91, do ano 91, fala-se de transporte de azeitona, que dama persiana, repetidas vêzes, contratou. Alude-se a dezesseis dracmas, a título de adiantamento. No Papiro Oxyrinchus, 140, do ano 550, e no Papiro Fiorentino, I, 75, do ano 380, há a particularidade de ter-se o capitão encarregado de transportar grãos, de Hermópolis para Alexandria, e de representar os dois pouÂemraí na entrega dos grãos e de receber os respectivos documentos e de exeqüir qualquer dever dos representados. Quando Roma estendeu a sua estrutura por sôbre tôda a península, compreende-se que outros interêsses surgissem para os quais não bastariam os negócios jurídicos da urbs nem as regras jurídicas do ius civile. Há momento histórico em que o povo romano se põe em negociações com os provinciais sem que pudesse empregar o ius civile. Foi o praetor peregrinas que cuidou de solver os problemas das relações jurídicas ou, melhor, juridiçizadas - do povo romano com os peregrini. Com os contratos do direito civil seria impossível estabelecer-se a vinculação. Os magistrados edicentes preestabeleciam o que haviam de seguir, no exercício da sua jurisdição. A vida, mais rica do que o direito existente, levava-os a isso. O que constituía controvérsia entre cidadãos romanos

e estrangeiros, ou entre estrangeiros, havia de ser resolvido, e faltavam regras jurídicas. A emptio venditio, a locatio conductio, o mandatum e a societas surgiram com superação do formalismo e a concluibilidade pelo nudus consensus in idem placitum. A locatio conductio apresentou três subespécies: a locatio rei, a locatio operis, a locatio operarum. Tudo leva a crer-se em que a espécie originária foi a primeira, a locatio rei, quando se locava coisa ou escravo, que também coisa era. Somente mais tarde, a locação de serviços foi usada por artesãos e trabalhadores diaristas livres. As altas classes sociais não admitiam que se prestassem serviços onerosamente: ao potentado só se permitia prestar serviços gratuitamente. O locatário dos serviços era patrão, conductor. O que importa frisar-se é que o contrato de serviços proveio da locação de coisas. Não é de surpreender, portanto, que seja o patrão ou o pai de família que figure como locador e, depois, se mencionem contratos de locação entre o patrão ou o pai e o liberto ou o filho (cf. L. 5, § 3, D., ad legem Aquiliam, 9, 2; L. 13, § 4, D., locati conducti, 19, 2; L. 25, D., de operis libertorum, 38, 1). Quem entregava o que se vai transportar era dito locator; quem o recebia e o transportava, era dito conductor. O conductor exeqüia o opus, que consistia em levar o objeto de um lugar para outro; o locator prestava a mercês. Ambos os contraentes respondiam por dolo, culpa lata e culpa levis; e o conductor, pela custódia, pela imperícia ou negligência sua ou dos seus subordinados, que se ligassem à obra. Se o contrato se concluía por stipulatio, tinha o locador, além da actio locati, a condictio certi. Na história das relações comerciais marítimas, teve o título do Digesto (Livro 14, Título 2), a suposta Lex Rhodia de iactu (uópoÇ 'QÓSÚOU vauxixóÇ ), papel por bem dizer-se único. Regulou os casos de avaria marítima e do lançamento ao mar, iactus, pelo magister da nave em perigo, de bens transportados. Tinha-se de resolver o problema jurídico da atribuição dos danos, se o magister não podia lançar ao mar os bens transportados, observada proporcionalidade. A ação locati, porque se tinham como locator os possuidores dos bens transportados, ia contra o magister navis. Êsse ia contra os que não sofreram dano em seus bens, nos limites da quota de danos. Quanto a essa ação há controvérsia: ^seria ação locati, ou ação conducti? Com a primeira solução, A . G U A R I N O ( / Rapporti dei' "ius pri-

vatum ", 2 5 5 ) ; com a segunda, B I A G I O B R U G I (Istituzioni di Diritto romano, 3 5 1 s.), bem como P I E T R O B O N F A N T E (Istituzioni di Diritto romano, 5 1 1 ) . Momento da maior relevância na história do transporte foi o da Lex Rhodia de iactu. Receberam princípios gregos os Romanos, já ao tempo da República, cf. S É R V I O S U P L Í C I O , A U L O O F Í L I O e L A B E à O , conforme se vê da L. 2, pr., e § 3, e da L. 4, pr., e § 1.°, D., de Lege Rhodia de iactu, 14,2 (cf. F R A N C . B A L D U I N O , Commentarii ad Leges de iure civili, 1 3 0 ) . O direito e a frota de Rodes estenderam-se por onde quer que chegassem os navios e os negócios (cf. Z I E B A R T H , Beitrãge zur Geschichte des Seeraubs und Seehandels im alten Griechenland, 27 s.). Cumpre, porém, advertir-se que não há prova de haver existido estatuto ródio que se chamasse ou pudesse ser aquilo que os juristas romanos apresentavam, no Livro 14, Título 2, do Digesto, como lex Rhodia de iactu. Alusões de C Í C E R O , de S A L Ú S T I O e de T E R T U L I A N O são ao direito ródio, não à lex Rhodia. Os textos gregos também são insuficientes (cf. K R E L L E R , Lex Rhodia, Zeitschriftfür das gesamte Handelsrecht, 85, 262 s.). Na L. 1 , D . , de lege Rhodia de iactu, 1 4 , 2 (PAULO), pôs-se a regra jurídica sôbre o iactus: "Estabelece-se na lei Ródia que, se, para aliviar navio, se lançam fora mercadorias (iactus mercium factus est), se ressarce com a contribuição de todos o dano que se fêz (datum est) em benefício de todos (pro omnibus)". Ora, nas Sententiae de P A U L O , I I , 7, 1 , de onde se tirou o texto, não há alusão à lex Rhodia, o que prova a interpolação ( K R E L L E R , Lex Rhodia, Zeitschrift für das gesamte Handelsrecht, 85, 337 s.), e a rubrica do Título 7,2, deve ter sido posterior à época clássica (cf. F. D E M A R T I N O , Lex Rhodia, Rivista di Diritto delia Navigazione, I I I , 4 9 s.). Na L. 2 e na L. 7, D., de lege Rhodia de iactu, 14, 2, não há referência à lex Rhodia. Nenhuma ligação há, na L. 2 e na L. 7, do iactus à lex Rhodia. Em verdade, as regras jurídicas eram romanas, e não gregas ( L E V I N Lex Rhodia, Zeitschrift für das gesamte Handelsrecht, 3 5 , 78); mas algumas expressões, como "commune conferre" (L. 2, § 2, e L. 3), "conferendum" (L. 2, §§ 1, 5 e 7, e L. 4, § 2), "tributum" (L. 2, § 2, e L. 4, pr.), "commune confene" (L. 2, § 2, e L. 3), "conferendum" (L. 2, § 4, L. 4, § 2, e L. 6) e "pro portione communicatur" (L. 2, pr., e § 4), fazem supor influência das concepções gregas, no tocante ao contrato de sociedade e à communio incidens. Aliás, pela L. 4, pr., vê-se que se cogitou da navegação fluvial, o que afasta a recepção direta. O direito romano, a despeito das influências, persistiu com as ações ex locato e ex conducto. É difícil sustentar-se que seja de origem ródia a solução do problema do GOLDSCHMIDT,

iactus (cf. W A C L A W O S U C H O W S K I , Appunti sul problema dei' "iactus" in diritto romano, Iura, I, 292 s.). Com invocação do contrato de locação, a pessoa que sofreu o dano tem ação contra o armador; e esse, a ação de regresso contra os donos dos bens salvados. O ressarcimento era de todos os danos e despesas oriundos do ato praticado, ou dos atos praticados para salvamento do navio e da car«a. O valor era o do preço de aquisição, e não o corrente (L. 2, § 4; contra, P H . H E C K , Das Recht der Grossen Haverei, 604 s.). Nos usos pós-romanos e hodiernos, distinguiram-se os jactos antes da metade da viagem e os jactos após o meio da viagem, a que correspondiam preço da aquisição e preço de venda (cf. F R A N Z . L U D W V O N C A N C R I N , Abhandlungen von dem Wasserrechte, TV, 62). Se houve transbordo para barco menor e esse foi a fundo (L. 4, pr.), não importava a mediatidade da perda. Idem, se houve deterioração da mercadoria que ficou no navio devido ao jacto de outras (L. 4, § 2). Dividia-se a soma de modo que os donos do que foi salvo (L. 4, pr., e § 1, e L. 5, pr.), nave ou carga, mesmo se tinham direito a ressarcimento, suportassem dever de prestar proporcionalmente (L. 2, § 2). O valor do que foi salvo era o atual (L. 2, § 4, e L. 4, § 2). A insolvibilidade de algum devedor elevava a contribuição dos outros (L. 2, § 6). Não se podia pensar na extensão dêsses princípios a outras espécies de contrato de locação (sem razão, T H . H E C K , Das Recht der Grossen Haverei, 589). Afortiori, no que concerne a ressarcimento pelo fato do perigo comum (sem razão, R . V O N J H E R I N G , Jahrbücher für die Dogmatik, 10, 347 s.). Teve-se de dar disciplina especial ao contrato de transporte. Não se restringiu à figura da empreitada, menos ainda à da locação de serviços. A própria espécie, que é o transporte de pessoa, não pôde ficar no âmbito da locação de serviços, nem de obra. Algumas regras jurídicas tiveram de acentuar diferenças entre o transporte de pessoas e o de coisas, entre os transportes terrestres e os transportes por água, fluviais ou marítimos. Longe vai o tempo em que se cogitava da locatio conductio. As estradas, os meios rápidos de comunicação por mar, pelos rios e pelo ar, exigiram a caracterização. ^ 2. C O N C E I T O D O C O N T R A T O D E T R A N S P O R T E . - Contrato de transporte e o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa ou bens. Há prestação de obra, que é trans-

ladação. O que importa é o resultado, o que bem mostra que, se se apagou a locatio, permaneceu o que, na língua portuguesa, se denomina "empreitada". A pessoa transportada, ou o possuidor do bem ou dos bens transportados, quer o ciclo elaborativo do resultado. Ainda mais do que no contrato de empreitada, senso estrito. De regra, o contraente não presta material. Pressupõe-se que o transportador tenha todos os meios para chegar ao fim, que se quer. Se, eventualmente, a pessoa transportada, ou o possuidor dos bens transportados, ou do bem transportado, presta o óleo, ou o carvão, ou outro meio, tem-se de considerar que é parte do preço. O freguês do transporte sabe que o transportador tem o veículo e os demais elementos para cumprir o que promete. Não há aleatoriedade; a comutatividade ressalta. O transporte pode não ser em distância geográfica, isto é, em latitude e longitude. Transporta-se de um andar para outro, ou da rua para o andar, ou para o tecto, ou para o cume da montanha. Transportam-se seres humanos vivos ou mortos, animais, minerais, vegetais, mercadorias e coisas que não têm valor comercial. Há regras jurídicas e estatutárias concernentes aos transportes de cadáveres. Os transportes de cartas fechadas, ou de cartas abertas que contenham comunicações que não sejam impressas para divulgação, têm de atender à legislação sôbre correios. 3 . F I G U R A N T E S D O C O N T R A T O DE T R A N S P O R T E . - Os figurantes do contrato de transporte são quem adquire para si o bilhete ou outra peça documentária e a emprêsa. Todavia, quem adquire para outrem, ou para duas ou mais pessoas, conclui contrato de transporte a favor de terceiro ou de terceiros. Se no bilhete, ou outra peça documentária, não figura o nome do viajante, ou dos viajantes, o contrato foi entre uhus expublico e a emprêsa. O bilhete ou outra peça documentária circula ao portador, respeitadas as restrições legais, ou estatutárias que o adquirente havia de conhecer.

A propósito dos bens transportados, discute-se qual a figura do destinatário. Preliminarmente, havemos de distinguir do destinatário, que tem direito de retirar, o destinatário, a que a emprêsa há de entregar. Ali, a emprêsa exige a apresentação dos documentos que são título de transporte; aqui, apenas tem de exigir a legitimação tal qual foi posta em cláusula contratual (e. g., "para entregar a F., residente na rua R., n. 100, apartamento 1001"; "para entregar na rua R., n. 100, apartamento 1001"; "para despachar na estação de estrada de ferro para São Paulo, em nome de F. ).

A posse própria mediata só se transfere ao destinatário, perdendo-a o remetente, se consta do contrato que foi em nome dêsse que se remeteu o bem, ou se, embora feito em nome do remetente, se diz de propriedade do destinatário o que se vai transportar. O destinatário não tem, em princípio, direito de disposição. É preciso que se lhe outorgue poder, ou se lhe atribua ou se lhe haja atribuído direito de dispor. Se o destinatário está de posse do título de transporte que fora dado ao remetente ou ao expedidor, é possuidor, com direito à retirada, mesmo se não constava do título ser o possuidor próprio, ou estar com poder para retirar. O remetente ou o expedidor somente não pode transferir a outrem a posse, ou mudar de destinatário, se não mais a tinha, ou se transferiu ao destinatário o título, o que significa ter-lhe transferido a posse suficiente para a retirada. Se no contrato de transporte, em nome do remetente, foi dito que o destinatário era o possuidor próprio, não se pode negar que ou há comissão, ou há cláusula de estipulação a favor de terceiro, porque o contraente foi a pessoa que se pôs em contacto com o transportador. Se, em vez disso, se declarou que o destinatário é o remetente e a pessoa em contacto com o transportador apenas opera em nome do destinatário, ou há mandato, ou outro negócio jurídico de que se irradia poder de representação, ou presentação, ou gestão de negócios alheios sem outorga. Se a pessoa em contacto com o transportador conclui em nome próprio o contrato de transporte e declara que o destinatário é quem irá retirar o bem transportado, o transportador não tem de entrar na apreciação do que se passa entre remetente e destinatário. Para êle, há cláusula a favor de terceiro, de jeito que os arts. 1.098-1.100 do Código Civil são invocáveis. Não se podem reduzir as espécies a um tipo único. A teoria do contrato de transporte com cláusula a favor de terceiro falharia, como falharia a que a negasse.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.852. A - Legislação

I

Ao tempo da redação do Tratado de Direita Privado, por Pontes de Miranda, nao contava o direito brasileiro com regras gerais disciplinando o contrato de transporte. Não havia no Código Civil de 1916 uma disciplina orgânica do contrato

; í

que lhe conferisse tipicidade legal. Isso o fez apenas o Código Civil de 2002, que, nos arts. 730 a 756, disciplina o contrato, distinguindo-o em duas espécies, o transporte de pessoas (arts. 734 a 742 do CC/2002) e o transporte de coisas (arts. 743 a 756 do CC/2002). Neste particular é de referir a influência evidente da obra de Pontes de Miranda sobre o legislador, que se faz sentir na própria definição do contrato de transporte presente no art. 730 do CC/2002, que verdadeiramente transcreve a lição doutrinária deste Tratado, ao referir que é aquele em que alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Anote-se, contudo, que na disciplina legal dos transportes entrelaçam-se nor-

'

mas de direito privado e de direito público. Ademais por ser certas modalidades de transporte qualificadas como espécie de serviço público. Não por outra razão,

í

o próprio Código Civil, em seu art. 731, estabelece que o transporte que se realiza

j

em virtude de autorização, permissão ou concessão públicas, rege-se pelas nor-

'

mas regulamentares - de direito público - e nos respectivos atos de delegação, sem prejuízo das disposições que estabelece.

!

A própria Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 21, XII, d e e, como de competência da União, que poderá explorá-lo mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territórios, bem como os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; Da mesma forma, constitui competência privativa da União legislar sobre transporte (art. 22, XI, da CF/1988). Já o art. 30, V, da CF/1988 confere competência aos municípios para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, o serviço público de transporte coletivo. As concessões e permissões de serviços públicos submetem-se às normas gerais estabelecidas na Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos). O art. 177, IV, da CF/1988, estabelece o monopólio da União para o transporte j

marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País. Já o art. 230, § 2.°, da CF/1988 assegura gratuidade dos

:

passageiros do transporte coletivo urbano aos idosos.

|

A legislação brasileira anterior ao Código Civil de 2002, pois dispunha de di-

;

versas normas sobre transporte, porém de modo assistemático, como é o caso

;

dos arts. 566 a 632 do CCo, que ao regular o comércio marítimo mediatamente dispunham de certas regras sobre o transporte marítimo, bem como, na mesma codificação, a regulação da profissão dos condutores de gêneros e comissários

• |

de transportes (arts. 93 a 118 do CCo).

j

Há ainda normas até hoje invocadas, especialmente pela inovação que repre-

j

sentaram no direito brasileiro, como é o caso do Dec. 2.681/1912, que ao dispor

;

|

sobre a responsabilidade civil das estradas de ferro, afastou a exigência da culpa

!

i

como pressuposto de imputação da responsabilidade mediante previsão original

{

>

da culpa presumida do transportador. Para além desse, o Dec.-lei 116/1967 dis-

^

põe sobre o transporte marítimo de mercadorias, e a Lei 7.565/1986, que institui o

i

Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei 9.432/1997, que dispõe sobre o transporte

,

i

aquaviário, a Lei 9.611/1998, que dispõe sobre o transporte multimodal de cargas.

j

|

p o s t e r i o r m e n t e à e d i ç ã o do C ó d i g o Civil de 2 0 0 2 , é d e relevo a Lei

!

11.442/2007, que dispõe sobre o transporte de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração. A regulação dos serviços públicos de transporte de sua

j

vez, é realizado atualmente por agências reguladoras específicas, conforme a

j

modalidade de transporte, sendo a Agência Nacional de Transportes Terrestres

j

(ANTT) e a Agência Nacional de Transportes A q u a v i á r i o s (Antaq), instituídas

j

pela Lei 10.233/2001, e a Agência Nacional de Aviação (Anac), instituída pela Lei

;

11.182/2005. Os arts. 13 e 14, da Lei 10.233/2001, com a redação que lhes determinou a i

MedProv 2.217-3, cuja vigência tornou-se definitiva por força da EC 32/2001, dis-

|

tingue em relação aos serviços de transporte, que o transporte ferroviário de passageiros e cargas se dá mediante concessão (art. 14, I, b, d a Lei 10.233/2001),

j

enquanto o transporte coletivo de passageiros, desvinculado d a exploração de

!

infraestrutura, por meio rodoviário ou ferroviário, é delegado mediante concessão

!

(art. 14, IV, a e b , da Lei 10.233/2001). Já o transporte terrestre coletivo de passa-

j

geiros não regular exige prévia autorização do órgão competente (art. 13, V, da Lei

j

10.233/2001). Já o transporte de cargas por via rodoviária ou por á g u a dependerá, igualmente de ato ou contrato do Poder Público (art. 2.°, da Lei 9.074/1995). Já no caso do transporte aéreo, o art. 180 do Código Brasileiro de Aeronáutica estabelece a exigência de concessão, para efeito do transporte aéreo público regular, e de autorização, no caso de transporte aéreo público n ã o regular e s e r v i ç o s especializados. I

O art. 730 do CC/2002, contudo, ao definir o contrato de t r a n s p o r t e c o m o

í

sendo aquele pelo qual alguém se obriga a transportar, mediante retribuição, de

|

um lugar para outro, pessoas ou coisas, ao exigir a retribuição econômica, atrai igualmente a incidência do Código de Defesa do Consumidor, quando presentes

j ;

as figuras do consumidor e do fornecedor, segundo a definição legal estrita dos arts. 2.°, caput, e 3 ° do CDC, ou ainda a equiparação a consumidor que admitem o art. 17 do CDC (às vítimas de evento danoso) e o art. 29 do C D C (aos expostos às práticas contratuais disciplinadas pelo Código). C o m o regra o contrato de trans-

j

porte de pessoas constitui relação de consumo, atraindo a incidência do Código

j

de Defesa do Consumidor. Já no transporte de coisas, há relação de consumo em

j

apenas parte das situações em que o remetente ou destinatário seja destinatário

j

final. Nesse sentido, vale mencionar o Enunciado 369, da IV Jornada de Direito Ci-

;

vil do Centro de Justiça Federal, segundo o qual, teleologicamente e considerando

'

uma visão constitucional de unidade do sistema, quando o contrato de transporte

i

constituir uma relação de consumo, aplicam-se as normas do Código de Defesa

í

de Consumidor que forem mais benéficas ao consumidor. Pode, contudo, como bem anota Pontes de Miranda, quando se trate do transporte de coisas, falar-se em cláusula em favor de terceiro, seja o destinatário ou possuidor da coisa objeto do transporte. Nesse caso, a incidência dos arts. 1.098 a 1.100 do CC/1916 toma-se atualmente pelos arts. 436 a 438 do CC/2002.

I

O contrato de transporte, via de regra, é celebrado mediante condições gerais contratuais estabelecidas pelo transportador às quais o usuário deve aderir. Neste

:

caso, caracterizando-se como contratos de adesão, ademais da proteção própria

1

do consumidor prevista no art. 54 do CDC, incide igualmente a regra de interpretação mais favorável ao aderente disposta no art. 423 do CC/2002.

j

§ 4.852. B - Doutrina

!

A ausência de uma disciplina legal orgânica não exigiu da doutrina a definição conceituai do contrato de transporte, tanto em vista de sua importância,

j

quanto de suas vicissitudes, decorrentes do meio empregado para a realização do transporte (terrestre, marítimo ou fluvial e aeronáutico), a exclusividade na utilização de um desses meios, ou a utilização, em um mesmo contrato, de mais de um meio de transporte (modais e multimodais), prestados por vários transportadores embora só um contrato (transporte cumulativo), ou mediante

|

transporte segmentado em diversos distintos contratos e transportadores (trans-

|

porte sucessivo). É nessa construção que se observa o contrato de transporte,

|

como espécie de obrigação de resultado, há finalidade certa a ser atingida que

;

é a chegada da pessoa ou coisa ao destino pré-definido. Para tanto a doutrina

j

contemporânea, não raras vezes, recorre à definição elaborada por Pontes de

!

Miranda (TREPAT CASES, José Maria. Código Civil comentado. São Paulo: Atlas,

|

2003. vol. VII. p. 126; TEPEDINO, Gustavo. Comentários

I

de Janeiro: Forense, 2008. vol. X. p. 444; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil

ao novo Código Civil. Rio

brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010. vol. 3, Contratos e atos unilaterais, p. 477; DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, j

2009. p. 520).

|

Recorda a doutrina, igualmente, a distinção realizada por Pontes de Miranda

'

no tocante ao fato de que o transporte não necessita ser transladação geográ-

I

fica, podendo se transportar, mediante contrato, independente da distância ou

i

situação geográfica maior ou menor (Assis, Araken de. Contratos nominados. São

!

Paulo: Ed. RT, 2005. p. 291). Desse modo, é transporte a deslocação vertical (eis os exemplos doutrinários do Elevador Lacerda, em Salvador, ou o "bondinho" do



Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro), como o são os serviços de entrega rápida tão comuns, atualmente, nas grandes cidades brasileiras. Há em sistemas jurídicos, inclusive, tal a importância que assumem os trans-

i

portes, que não trata a doutrina meramente do contrato, senão designa-se verda-

;

deiramente um direito dos transportes, multidisciplinar, conjugando sua disciplina nos âmbitos da legislação civil, empresarial e administrativa (MERCADAL, Barthé-

i

lémy. Droit des transports terrestres et aériens. Paris: Dalloz, 1996. p. 1; D 'ALESSIO,

Í

Wanda. Diritto dei trasporti. Milano: Guffrè, 2003; ANTONINI, Alfredo. Corso dei diritto dei trasporti. Milano: Giufrè, 2008; PAULIN, Cristophe. Droit des transports. Paris: Li-

I

tec, 2005. p. 1 -5; no direito brasileiro,

I

São Paulo: Saraiva, 1990. p. 1 et seq).

i

MENDONÇA,

Fernando, Direito dos transportes.

No que se refere à identificação do contrato de transporte como obrigação de resultado, ou nos termos indicado por Pontes de Miranda, em que o contratante

quer o "ciclo elaborativo do resultado". Isso leva ao reconhecimento, no contrato

j

de transporte, de uma obrigação de incolumidade, e m relação ao passageiro ou à

j

coisa transportada, significando não apenas a necessidade de que s e transporte

|

ao destino pré-estabelecido, como, igualmente, que assegure sua integridade,

j

protegendo o que se transporta de danos ou avarias.

j

Da mesma forma, é o contrato de transporte dependente e m boa medida da incidência de normas de direito público, especialmente as relativas ao serviço público de transporte. Neste sentido observa a doutrina que o serviço exclusivamente privado de transporte é hoje limitado ao carreto de mercadorias em curto percurso, às mudanças e deslocamento de pessoas por transporte individual (Go-

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MES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 375).

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§ 4.852. C - Jurisprudência

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A jurisprudência reconhece o contrato de transporte c o m o obrigação de resul-

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tado (STJ, REsp 151.401/SP, 3. a T., j. 17.06.2004, rei. Min. H u m b e r t o G o m e s de

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Barros, DJ01.07.2004; da mesma forma o REsp 302.397/RJ, 4. a T., j. 20.03.2001,

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rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 03.09.2001). A jurisprudência brasileira afirma-se, tradicionalmente, no sentido de considerar como não escrita a cláusula de não indenizar no contrato de transporte, da jus-

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tamente o reconhecimento da obrigação de incolumidade do transportador. Nesse sentido já assentava-se a Súmula 161 do STF, editada e m 1963. Da m e s m a forma

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a rejeição da culpa de terceiro como causa de exclusão do dever de indenizar do

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transportador, ora previsto expressamente no Código Civil, já era objeto de enten-

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dimento consolidado na Súmula 187, editada pelo S T F e m 1963.

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Segundo a jurisprudência, não caracteriza culpa de terceiro, inclusive quando se trate de freada brusca do condutor do transporte coletivo para evitar lesão a

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transeunte (STJ, REsp 209.062/RJ, 4. a T „ j. 22.06/1999, rei. Min. Ruy Rosado de

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Aguiar, D J 05.08.2002).

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A possibilidade de recusa de passageiros, e seu direito reconhecido de desistir da viagem quando não iniciada, t e m importantes reflexos na jurisprudência, no tocante à qualificação da abrangência do transporte, municipal, intermunicipal e/ ou interestadual (STJ, REsp 1250897/SC, 2. a T., j. 21.06.2011, rei. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 29.06.2011).

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Por outro lado, tratando-se de transporte coletivo prestado por intermédio de concessão ou permissão pública, o Poder Público tem o dever de assegurar ao delegatário-transportador, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, de modo que qualquer ato estatal que importe na violação desse equilíbrio, gera responsabilidade pela indenização dos respectivos danos (STJ, REsp 1191977/MG, 1 . a T., j. 05.04.2011, rei. Min. Benedito Gonçalves, DJe 14.04.2011) Porém, para os delegatarios cuja origem do ajuste com o Estado é anterior à Constituição de 1988, que exigiu prévia licitação para as delegações de transporte coletivo, apenas se tiver se submetido a esse procedimento (STJ, REsp 400007/MG, j. 10.12.2002 rei. Min. Eliana Calmon).

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A jurisprudência, igualmente, bem distingue as situações de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de transporte, reconhecendo a necessidade de se identificar ab iniíio, a natureza da relação entre os contratantes (STJ, REsp 705.148/PR, 4 . a T „ j. 05.10.2006, rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 01.03.2011), É o caso do transporte de pessoas, em que o passageiro, como regra é destinatário final, ou equiparado (STJ, REsp 958.833/RS, 3. a T., j. 08.02.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJ25.02.2008).

O contrário ocorre quando se trata do

transporte de coisas em que se caracterize relação mercantil (STJ, REsp 982.492/ SP, 4. a T., j. 27.09.2011, rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 17.10.2011). Assim também o entendimento pelo qual o prazo prescricional no caso da violação da obrigação de incolumidade no transporte de pessoas é o do Código de Defesa do Consumidor (STJ, REsp 286.441/RS, 3 . a T „ j. 07.11.2002, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.02.2003).

§ 4.853. N A T U R E Z A D O C O N T R A T O D E T R A N S P O R T E

1 . C L A S S I F I C A Ç Ã O D O C O N T R A T O D E TRANSPORTE. - (a) Contrato consensual o contrato de transporte conclui-se quando a vontade do freguês e a do transportador se acordam. O vínculo estabelece-se com o consenso, sem que, para a conclusão, seja preciso que haja a entrada da pessoa, ou das pessoas, ou do bem ou dos bens. Quem "compra" a passagem para o trem, ou para o navio, ou para o avião, já concluiu o contrato de transporte, e o transportador está vinculado. Freqüentemente, o freguês paga, antecipadamente, em relação ao transporte, o preço da passagem, ou do conhecimento; mas há transportes cuja retribuição ao transportador é depois de se iniciar a viagem, ou mesmo depois de ultimada, ou da entrega no lugar do destino. Isso não torna real, de jeito nenhum, o contrato, porque a conclusão já se deu quando o passageiro ou viajante entrou no veículo, ou pôs no veículo o bem que se havia de transportar, mesmo se não se deu cartão ou recibo à entrada. Por isso, o passageiro ou viajante que ainda não adquiriu o bilhete de viagem já vinculou o transportador à indenizar os danos eventuais. Nas próprias estradas de ferro e nos aviões pode ser dispensada, em cláusula ou uso, a prévia aquisição das passagens.

O contrato de transporte é contrato consensual. Se a lei exige, na espécie, o escrito, ou o cartão, ou a ficha, é outro assunto. Se o consenso se estabeleceu, o contrato de transporte se concluiu, como se a companhia de navegação responde, por telefone ou por telegrama, que a passagem

está tomada, isto é, considerada, definitivamente, do freguês. A expressão "está reservada" não significa conclusão, mas punctação, e tôda reserva de bilhete, ficha ou qualquer outro documento, é para se retirar (= concluir o contrato) dentro de prazo. Se a empresa recebe o preço, ou está à sua disposição em banco, ou algum lugar da cidade, o preço, tem-se como concluído o contrato de transporte, e entregue a posse mediata do bilhete, ficha, ou outra peça documentária. É inadmissível a opinião que vê no contrato de transporte contrato real (e. g., A U B R Y e R A U , Cours de Droit Civil français, I V , 5 . A ed., 6 2 1 ; C H . a L Y O N - C A E N e L. R E N A U L T , Traité de Droit commercial, E I , 3. ed., 448; L. S A R R U T , Législation et jurisprudence sur les transports de marchandises par chemins defer, n. 2 ; E . T H A L L E R , Traité élémentaire de Droit commercial, 2.a ed., 618). Nos transportes por ônibus, bondes, mesmo trens e outros veículos em que não se adquire previamente o bilhete, ficha, ou outro elemento documentário, e só se paga à entrada ou lá dentro, o contrato é consensual, pois o que ocorre é que só se tem por manifestável e manifestada a vontade se a pessoa se fêz passageiro, isto é, entrou no veículo para o tráfego. Quem entra, com permissão, para dar recado, ou entregar pacote, ou outro propósito, não manifestou vontade. O contrato não é real, razão por que a pessoa que penetrou deve a passagem desde que lhe permitiram entrar. Quase sempre, devido à lotação do veículo, o porteiro ou outro encarregado só consente na viagem, ou só deixa aberta a porta do vagão se ainda há lugar no veículo. Quem entra no bonde ou na barca sem ter adquirido o bilhete, por ser isso permitido, ou, devido a circunstâncias, por ter o responsável das entradas permitido que entrasse, ou fêz a oferta, que foi aceita pela emprêsa, ou aceitou a oferta que a emprêsa fêz ao público. Se, no meio da estrada, alguém faz sinal ao chofer do ônibus que está a vir, e êle, ou o recebedor normal dos bilhetes, permite que o interessado entre, está concluído o contrato. O elemento que aí se exige é apenas o da solvabilidade do transporte, durante a viagem, ou ao chegar no lugar a que se destina, ou na primeira estação ou ponto de parada, pela pessoa que obteve o lugar. Não há contrato de transporte se o chofer pára o carro para apanhar na estrada pessoa que desmaiara, ou gemia, ou estava com sangue ou sinal de desastre. Isso de modo nenhum pode ser alegado para se exigir a onerosidade como elemento essencial do contrato de transporte. A emprêsa que pôs à disposição dos turistas, gratuitamente, o ônibus, ou o

barco, ou automóveis, ou a aeronave, não se colocou na posição jurídica do condutor que desce para trazer ao veículo a pessoa desmaiada, ou ferida, ou que permitiu que outrem o fizesse, ou disse que entrasse ou fêz gesto para que ela entrasse. A diminuição do âmbito de auto-regramento da vontade nada tem com perda da consensualidade do contrato de transporte. Há o consenso, e êle basta, embora haja tarifa dos bilhetes ou outros elementos, ou da própria entrada, com ou sem atinência à distância. O que decresceu foi a autonomia da vontade, que persiste no essencial à negocialidade do ato. A emprêsa não pode querer preço maior, nem o freguês pode exigir que o preço seja menor. (b) O contrato de transporte é, de regra, contrato oneroso, porque o transportador se vincula, pela promessa de contraprestação, que pode ser imediata ou não, a transferir pessoa ou coisa de um lugar para outro. Surge a questão de se saber se há contrato gratuito de transporte. No sistema jurídico brasileiro, não se cogitou de regra jurídica especial que cogite do contrato gratuito de transporte, de modo que se pudesse afirmar que a responsabilidade do contraente que prometeu transportar seja diferente menor - do que a que teria se fôsse, in casu, oneroso o contrato. Não há essencialidade do elemento de onerosidade no contrato de transporte. Certamente, não contratou transporte quem leva à casa de cada um dos convidados da festa particular, nem o possuidor do barco a que o amigo pede para dar passeio pela baía, ou atende ao pedido do diretor do clube para mostrar a praia de Guarujá, ou de Boa Viagem. Mas é contrato de transporte o que se concluiu entre a emprêsa de ônibus e os turistas a que ela oferece, gratuitamente, o transporte. No Código Civil italiano, há o art. 1.681, 3.a alínea, onde se lê: "Le norme di questo articolo si osservano anche nei contratti di trasporto gratuito". As normas, a que o art. 1.681, 3,a alínea, se refere são a da responsabilidade em caso de sinistro, que atinja a pessoa do viajante, ou de perda ou avaria que o viajante leva consigo, "se non prova di avere adottato tutte le misure idone a evitare il danno", e a da nulidade das [Í/C] sofra o viajante. Pensou-se tirar daí que a própria lei considera contrato essencialmente oneroso o contrato de transporte (e. g., G I U S E P P E F E R R I , Manuale di Diritto commerciale, 496 s.; A N T O N I O B U T E R A , IINuovo Códice Civile italiano commentato secondo 1 'ordine degli articoli, Libro delle Obbligazioni, II, 97). Evidentemente sem razão. O art. 1.681, 3." alínea, do Código Civil italiano, teve apenas função de explicitude, para

afastar a interpretação que minorava a responsabilidade em caso de transporte gratuito. (c) Em princípio, o contrato de transporte é contrato não formal, isto é, sem exigências de forma escrita ou especial. Quando a lei exige passagem, carta de viagem, bilhete de transporte, conhecimento ou outro documento, o que se há de entender é que apenas se trata de escritos de legitimação. Se a pessoa entrou a bordo sem o bilhete de viagem, ou a passagem, ou as passagens, e não houve manifestação de vontade contrária à conclusão do contrato, concluído foi, oralmente, ou tàcitamente, ou pelo silêncio, o contrato de transporte. Uma vez que se há de considerar oneroso o contrato, a quantia da passagem é devida e há as responsabilidades dos contraentes. (d) A diferença entre o contrato de transporte e o contrato de empreitada senso estrito está em que nenhuma ingerência tem o freguês na atividade do outro contraente. O transportador apenas atende ao que dêle se quer como opus. Não importa se o caso é de navio que vai sair do porto do Rio de Janeiro para Santos ou para Gênova, ou de barco que tem de procurar no mar o navio que se reputa encalhado nalguma praia, ou do táxi que se toma para ir à cidade sem se saber ainda onde se vai descer e pagar. Dizer para onde se vai ou onde se quer descer não é ingerir-se no desenvolvimento da atividade do transportador, como. acontece, na empreitada senso estrito, de conformidade com os princípios que regem tal instituto. O passageiro não pode dar instruções de serviço ao motorista, ou ao piloto, ou ao maquinista do trem. uma vez que não se trata de locação de serviços. As suas "instruções" são as que predeterminam o opus que êle quer. 2. T R A N S P O R T E E E M P R E I T A D A . - O transporte distingue-se da empreitada em que, embora ambos sejam contratos de obra (evite-se dizer "locação de obra", locatio operis, para que não se volva à concepção romanística), o freguês do empreiteiro senso estrito quer a obra, construção, estrada, vestes, retratos, filmes, ou outra espécie, e o freguês do transportador apenas quer que êle, ou outrem, ou algum bem, ou alguns bens sejam levados de um lugar para outro. A espacialidade é, em tal contrato, que importa. 3. T R A N S P O R T E E F R E T A M E N T O . - No fretamento, quem tem o uso do navio, ou da aeronave, contrata com quem quer o uso. Ou é locação de coisa, ou comodato, ou contrato misto (Tomos XLI, § 4.571, 2, e XL, § 4.362, 2). No contrato de transporte, o objeto da prestação é outro: a obra. O elemento causai é diferente; diferente, o objeto da prestação (cf. A N D R É A

T O R R E N T E , Manuale di Diritto Privato, 4 3 9 ) . O outorgado, no contrato de fretamento, exerce a atividade de navegação, o que não ocorre no contrato de transporte, pois quem navega é o transportador, ou alguém por êle. Ali, transporta-se o veículo; aqui, a pessoa ou o bem.

Conceituar o contrato de transporte de pessoas comofretamento(fretamento que seria pluralizado), como se o viajante pagasse o frete que lhe corresponde, foi confusão, que se compreendia porque o contrato usual era o de fretamento. O que faltava era precisão sôbre o que era e é o contrato de transporte. Nem o transporte é espécie de fretamento, nem o fretamento é espécie ou símile do transporte. O fretamento da nave armada e equipada tem parecença com o contrato de transporte. Mas só parecença. No fretamento há transferência da posse da nave, o que afasta qualquer teoria que pretenda ver no fretamento da nave nua ou da nave armada e equipada locação de serviços, afastando-se radicalmente, que haja locação da coisa. No Tomo XLI, § 4.570,1,2, já frisamos que não se há de considerar fretamento a locação de espaço, que se insere no contrato de transporte, também não se pode reduzir o contrato de fretamento a locação de obra. Se compararmos o contrato de fretamento, com armação e equipagem, com-o contrato de locação de coisa, e com o contrato de transporte, veremos que há plus, no fretamento, em relação ao contrato de locação, e menos, no tocante ao contrato de transporte. O armador entrega a nave, com o dever de fazê-la navegar, e assume os riscos da navegação, sem que se responsabilize pelo aproveitamento pelo afretador (transporte, pesca, esporte, expedição científica, passeio, viagem de recreio). O fretador não é responsável pelo adimplemento de transportes, porque não é, ex hypothesi, transportador: transportador é o afretador. Esse transporta a suas expensas e a próprio risco. O fretador nada tem com a custódia dos bens transportados. Além de entregar a posse imediata da nave, assume dívida de fazer, cuja especificidade deu ensejo a investigações e discussões de séculos: fazer específico, que é o do fretador da nave armada e equipada. De modo que dá a posse imediata e faz navegar a nave, sem que se possa pôr à frente da tradição da posse imediata a prestação de serviço ou de obra. Não se pode mesmo pensar em negócio jurídico misto (locação de coisa + locação de serviço ou de obra), porque a posse da nave é o elemento preponderante, mesmo se se leva em consideração a organização armatorial do fretador, a gestão náutica. A falta de suficiente teoria da posse em muitos sistemas jurídicos concorre para confusões. O proprietário que não é armador tem posse mediata,

posse própria; tem posse mediata o armador que freta a nave; tem posse imediata o afretador. O transportador recebe posse imediata de bens transportados e essa posse nada tem com a posse da nave. Tanto assim que a pode receber antes que eles entrem na nave. O que importa para o afretador é a navegação da nave, elemento final, ao passo que, para o freguês do transporte, a navegação é meramente instrumental. Finalmente não é, de modo nenhum, contrato de transporte. O fretador nada tem com o que se passa na gestão comercial da nave. Emprêsa de navegação pode não ser emprêsa de transporte. Mesmo quando o fretamento é por viagem, e não por tempo, e o fretador estabelece o máximo de carga, não há pensar-se em contrato de transporte, a despeito de certa ambigüidade das expressões usuais "viagem a tempo", "para tanto tempo de viagem". Os fretamentos por vezes obedecem a tarifas, de origem oficial, como os contratos de transporte. Numa e na outra espécie, não há contrato de adesão, mas sim o chamado contrato-tipo diretivo (cf. D O M E N I C O B A R B E R O , Del Contratto-tipo nel diritto italiano, 135 s.), contrato tarifário. Quem estabeleceu o preço foi a entidade estatal, ou autarquia, de modo que não se pode ver oferta por parte da emprêsa. (Isso não quer dizer que, a despeito do preço tarifário, não possa haver contrato de adesão, que supõe oferta e aceitações adesivas.) Elemento que pode apresentar parecença é o de indicação da classe da nave. Mas, também aí, os objetos são diferentes. Dá-se o mesmo quanto ao "aviso de estar pronto" (notice of readness) e ao "aviso de partida", que não se podem confundir. 4. T R A N S P O R T E E C O N T R A T O D E O B R A . - Na terminologia jurídica, a empreitada compreende a de construção e a de outras obras. O transporte entra no conceito de empreitada senso lato. De modo que são subespécies o contrato de obra e o de transporte. Todos esses contratos só têm por fito o resultado. Quanto ao transporte, a espacialidade da prestação objeto da vmculação, ao lado da estraneidade a qualquer atividade criativa, modificativa ou extintiva, que caracteriza o opus, exigiu que se considerasse figura à parte. O opus do transporte não atinge a matéria, nem, sequer, a energia; só se passa no espaço-tempo. A pessoa e o bem, que se transportam) não são "trabalhadas"; o serviço apenas consiste em deslocá-los, para o que se exige tempo.

5. T R A N S P O R T E E L O C A Ç Ã O D E COISA. - Não há locação de coisa no transporte, porque o transportador é que utiliza o veículo. Se A telefonou ao ponto de táxi para que o apanhasse à porta de casa e o levasse à cidade, ou a algum bairro, o contrato é de transporte, que se enquadra, indiscutivelmente, na figura da empreitada. Mas, se chega o chofer, e A diz que prefere guiar o automóvel, mesmo que pague pelo relógio, não há contrato de transporte, mas de locação. É o que acontece quando se vai a alguma garagem alugar carros. As causas são diferentes. Com a locação do veículo, A, com ou sem bagagem, fêz-se possuidor-locatário. Tratando-se de navio, ou de aeronave, o possuidor-locatário é inconfundível com o outorgado do contrato de fretamento e do outorgado do contrato de transporte. O possuidor-locatário tem a posse imediata do veículo, bem assim o afretador, que locador é. O possuidor do bem, ou dos bens transportados, não tem posse imediata ou mediata do veículo: continua na posse do bem, ou dos bens, sendo quaestio facti se se mediatizou, ou não, a sua posse. De regra, o transportador é possuidor imediato (Tomo X, §§ 1.064, 2; 1.071, 5), porque a posse imediata de quem pediu o transporte somente ocorre se a pessoa continua com a imediatidade (e. g., se as malas foram postas na cabina, sem entrega das chaves delas ao comissário). 6. T R A N S P O R T E E E X P E D I Ç Ã O . - Quanto à diferença entre o contrato de transporte e o de expedição, dissemos o que se há de apontar como elementos de inconfundível caracterização de tais contratos (Tomo XLIV, §§ 4.756, 1, e 4.757, 5). Se a emprêsa de expedição também transporta, há dois contratos, o de expedição e o que ela concluiu consigo mesma. O expedidor vincula-se a contratar o transporte e a adimplir os deveres que do contrato de transporte se irradiam. É êrro pensar-se que o contrato de expedição é mandato, como faz, por exemplo, G I U S E P P E C A T U R A N I ( I I Trasporto, 15). O expedidor, como expedidor, não transporta; só expede, isto é, somente contrata, por conta do remetente, o transporte. Não há a atividade no espaço-tempo, que é a do transportador. A atividade dêle é negociai, em nome próprio e por conta de outrem. Na distinção entre expedidor-comissionário e expedicionário-transportador, o que em verdade se insinua é apontarem-se duas espécies onde o que há é a diferença entre outros dois negócios jurídicos que podem ocorrer com o contrato de expedição. Dai a superfluidade de considerações em torno. No transporte não intervém o viajante ou possuidor do bem transportado ou dos bens transportados, nem o expedidor. Se o transporte é do hotel

à estação ou ao aeroporto e o hotel o faz, trata-se de contrato que se inclui no de hospedagem, mesmo se há remuneração suplementar. 7. T R A N S P O R T E E M A N D A T O . - A assimilação que se tentou fazer entre o transporte e o mandato foi definitivamente repelida: a obra, que se quer, não é feita por mandado, mas sim porque o transportador se vinculou a prestá-la. Nas legislações, há o Código suíço das Obrigações, art. 440, 2.a alínea, que faz invocáveis a respeito do contrato de transporte as regras jurídicas concernentes ao contrato de mandato. Não se tire daí que se tenha mudado a natureza do contrato de transporte. Surpreende que alguns juristas tirem tal conclusão, diante de remissão legal, pouco feliz, às regras jurídicas sôbre o mandato. Não se pode dizer, apriori, em geral, que o transportador pode confiar a outra pessoa ou empresa o transporte. Quem chamou o táxi pelo número não está vinculado a partir pelo que chegou, a pedido do chofer do táxi chamado. Quem comprou bilhete de passagem pelo navio da emprêsa A não está adstrito a viajar por outro navio, de outra emprêsa, que o substitua. Se a emprêsa substituiu um dos seus navios por outro, que é da mesma classe e preço, compreende-se que, salvo algum elemento circunstancial que preestabeleça a insubstituibilidade, o freguês tenha de admitir a substituição. Porém, mesmo aí, não se pode pensar em invocação da regra jurídica referente ao substabelecimento do mandato ou da procuração, como se faz no direito suíço (cf. V O G E L , Das Dispositionsrecht beim Transport, 1 4 ) . 8. F I G U R A S M I S T A S E F I G U R A S C O M P L E X A S . - Na prática, aparecem contratos em que pessoa física ou pessoa jurídica se vincula a classificar, embalar e transportar (ou expedir) para algum lugar quantidade de bens, por vezes continuamente. Aí, há o contrato de seleção, o contrato de embalagem e o contrato de transporte, sem que se possa dizer, a priori, qual o que é o principal. Todavia, o que mais acontece é que os deis primeiros sejam apenas preparatórios. Pode dar-se que nenhum dos contratos prevaleça e absorva os demais. Há os contratos de viagem turística, que são atípicos, mas hoje de grande freqüência. A viagem pode ser para uma só pessoa, ou para duas ou mais, ou coletiva, pôsto que os figurantes sejam cada pessoa, ou família, ou pequeno grupo, e a emprêsa. Há combinação estreita de relações jurídicas negociais entre a emprêsa e outras emprêsas, mas o contrato entre o turista, ou a família turística, ou a coletividade viajante, e a emprêsa é um só, mesmo quando possa haver preferências

eventuais de pousada ou de roteiro. A heterogeneidade não desfaz a unitariedade, que se estabelece por necessidade técnica do negócio com fim turístico único. O contrato de viagem turística tem elemento de grande relevo, que é o transporte, mas nem sempre se pode afirmar que seja principal. Não se hão de considerar da mesma estrutura os contratos mistos em que o cliente vai à exposição universal, embora com paradas em algumas cidades, e aquêles em que não se tem a finalidade precípua de comparecer a determinada festa ou reunião. De qualquer modo têm-se de invocar os princípios concernentes a cada figura, como se a emprêsa fôsse a emprêsa transportadora, a emprêsa hoteleira, a emprêsa de diversões e a emprêsa de restaurantes e bares. Mas êsse trato global há de ser unitário, como se houvesse contrato extrapolado de expedição. A emprêsa não só se vinculou a contratar transporte marítimo, ou fluvial, ou aeronáutico, como a contratar hotel, restaurante, automóveis de passeio, barcos de passeio, ou de eventual utilidade, entradas em cabarés, salões de dança, casas de diversões (cinemas, teatros, salas de concertos, cassinos, arenas). A prestação que faz a emprêsa, a despeito da pluralidade objetiva, é unitária. Assim, a agência de viagens mais é expedidora do que transportadora, salvo se ela mesma é emprêsa de transporte que estendeu a atividade a outros ramos em que opera como expedidora ou emprêsa subordinada a ligações com outras. O problema mais delicado é o da responsabilidade como expedidora ou como transportadora. Tem-se de repelir que responda, sempre, como mandatária, ou mediadora. A emprêsa, se não transporta, responde como expedidora, e os princípios da expedição é que devem ser invocados, analògicamente, para os outros contratos que, no próprio nome mas por conta do cliente, fêz a emprêsa. Nem se há de admitir que a emprêsa seja mandatária, nem que seja transportadora. Se ela transporta, mesmo a respeito do transporte ela responde como expedidora, salvo no que se opera a legitimação do cliente a ir, in casu, contra as emprêsas que contrataram com a agência de turismo. Há o princípio de responsabilidade das emprêsas engrenadas, de modo que o hoteleiro responde ao cliente da agência de viagem como hoteleiro, a emprêsa de estrada de ferro como emprêsa de estrada de ferro, a emprêsa de navegação aérea como emprêsa de navegação, a despeito de os contratos terem sido concluídos com a agência de viagem, e o próprio guia como guia. Não se trata de contrato de mediação, nem de mandato, nem de comissão. Há expedição, com a particularidade de a emprêsa contratar, no

próprio nome e por conta do freguês, o transporte e outras prestações de diferentes espécies.

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Panorama atual pelo Atualizador § 4.853. A - Legislação No Código Civil de 2002, o contrato de transporte tem sua definição estabele!

cida no art. 730, que fixa seus elementos definidores, ao referir que pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Nesse sentido, admite-se, tal qual refere Pontes de Miranda examinando sua natureza anteriormente à s u a disciplina legal na codificação, a consensualidade do contrato. Isso se preserva, inclusive em relação ao contrato de transporte de pessoas em que incida regulamentação de direito público, ou mesmo diante do disposto no art. 739 do CC/2002, pelo qual o transportador não pode recusar passageiros, a não ser que isso o autorize regulamentos administrativos, ou condições de higiene ou saúde do interessado. Todavia, faz referência expressa a lei, que se d á o contrato pelo t r a n s p o r te "mediante retribuição", o que lhe denota, n e c e s s a r i a m e n t e , a o n e r o s i d a d e . Vale referir que o art. 736 do CC/2002, ao disciplinar o t r a n s p o r t e de pessoas, expressamente afasta a incidência de suas n o r m a s q u a n d o o transporte s e der

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gratuitamente, por amizade ou cortesia. Porém, ressalva a hipótese de não se

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considerar gratuito o transporte em que o transportador obtenha vantagens indi-

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retas. Nesse sentido parecem se incluir a gratuidade prevista e m lei, que integra

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a concessão, como por exemplo dos idosos no transporte coletivo urbano (art.

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230, § 2.°, da CF/1988), policiais militares e m serviço e carteiros (Dec.-lei 3.326,

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de 03.06.1941), dentre outros. A rigor, devem ter seu custo previsto na economia

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do contrato de concessão, razão pela qual não há gratuidade ou cortesia, mas sua remuneração pelos demais passageiros pagantes, por intermédio da tarifa,

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em acordo com a noção de vantagem indireta, que é a própria delegação dos

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serviços pelo Poder Público.

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O art. 731 do CC/2002, da m e s m a forma, preserva o regime jurídico-administrativo dos serviços de transporte que se deem mediante delegação ou autorização do Estado. Nesse sentido, observa-se que o Código Civil de 2002, ao dispor sobre a convivência entre suas normas e as que disciplinam o regime jurídico-administrativo do serviço de transporte, preserva expressamente tanto a legislação extravagante, que segundo seu art. 732 do CC/2002, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições do próprio Código, o disposto na restante legislação especial e nos tratados e convenções internacionais. Nesse particular ganha especial relevo a incidência concomitante do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte. Isso porque, sendo o passageiro ou o remetente ou destinatário da coisa transportada qualificada como

consumidor, nos termos do art. 2.°, caput, do CDC ou o art. 29 do CDC - quando

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se trate de equiparação a consumidor para fins contratuais - e mesmo pelo art. 14

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do CDC - para o caso de terceiros-vítimas de acidentes de consumo equiparadas

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a consumidor - a incidência do Código de Defesa do Consumidor tem sido con-

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siderada prevalente, inclusive frente a convenções internacionais, como é o caso mais conhecido da Convenção de Varsóvia, de 1929, e ratificada pelo Brasil em

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1931, atualizada e complementada pelos protocolos de Haia (1955), Guatemala

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(1971) e Montreal (1975), sobre transporte aéreo.

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§ 4.853. B - Doutrina Há entendimento marcadamente majoritário quanto à natureza consensual do contrato de transporte. Isso porque se contrata e há vínculo, mesmo quando a

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execução é diferida no tempo. Já há direitos e obrigações. E no caso, como bem assinala Pontes de Miranda, exigindo-se bilhete, ou passagem, trata-se de escrito de legitimação, no máximo prova da existência do contrato em certas condições (assim, por exemplo a oferta de lugares com comodidades distintas no transporte de pessoas). Afasta a doutrina contemporânea, portanto, na linha do que sustenta Pontes de Miranda, a alegada natureza real do contrato e seus respectivos argumentos (TREPAT CASES, J o s é Maria. Op. cit., p. 128).

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A disciplina do contrato de transporte não se confunde com sua regulação

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administrativa ou a definição de parte.do seu conteúdo por lei imperativa, como

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é o caso dos serviços de transporte de titularidade estatal. O conteúdo definido pela cogência da norma não exclui a efetiva possibilidade de convenção com o transportador. Na formação do consenso, destaca a doutrina distinção relevante no transporte de pessoas, quanto ao transporte coletivo e o transporte individual, indicando que naquele há dever de aceitação do transportador, o que não ocorre nesse (FARIAS DA SILVA, Justino Adriano. Contrato de transporte de coisas. São Paulo: Aide, 1986, p. 53). Refere-se, naturalmente, ao transporte objeto de delegação, no qual o dever de aceitação vincula-se ao princípio da generalidade do serviço público (MENDES DE SOUZA, Horácio Augusto. Regulação jurídica do transporte rodoviário de passageiros. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. p. 204-205). Todavia, faz do contrato de transporte, como regra, contrato de adesão (GOMES, Orlando. Op. cit., p. 373). No tocante à característica da onerosidade, em especial tendo em vista o disposto no art. 730 do CC/2002, nota-se que a exigência de retribuição dá causa a que se qualifique o contrato de transporte sempre como oneroso. Nesse sentido, a referência de Pontes de Miranda, a luz da legislação estrangeira e anterior ao Código Civil, hoje é confrontada. Note-se, nesse sentido os esforços da doutrina contemporânea em distinguir o transporte gratuito do transporte amigável, indicando ao primeiro a ausência de retribuição econômica e ao segundo que se subtrai à disciplina jurídica, remetendo-se à natureza de contato social (Assis, Araken de. Op. cit., p. 294). Diz-se mesmo, e com mais acerto, em relação ao art. 736, transporte aparentemente gratuito, para distingui-lo do que prestado por mera liberalidade do transportador (TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 447) Nesse particular,

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todavia melhor resolve a doutrina de direito do consumidor, ao identificar dentre os

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vários serviços oferecidos no mercado de consumo, distinção entre remuneração

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direta e indireta, situando-se o conceito dessa última com o mesmo significado da

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noção de vantagens indiretas, a que se refere o art. 736 do CC/2002, no tocante

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ao transporte de pessoas. Trata-se do que se convencionou denominar de um "si-

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nalagma escondido". E aqui se amolda o conhecido exemplo doutrinário das datas de passagem gratuita no transporte coletivo, ou atualmente nos programas de

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milhagem, todos serviços cujos custos são diluídos nas respectivas tarifas pagas

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pela execução normal do transporte. No caso, a gratuidade pontual dos serviços

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como regra tem por finalidade a promoção e divulgação c o m fins negociais do

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transportador, visando ao fomento da própria atividade, ou ainda quando obtenha

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o transportador outros benefícios do Poder Público titular do serviço delegado. É

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o caso da gratuidade assegurada por lei a u m a série de servidores públicos, cuja

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ausência de receita presume-se contabilizada na economia d a concessão. Registre-se, por fim, a referência de Pontes de Miranda aos contratos de via-

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gem turística, em que não deixava de notar, embora sua natureza atípica, a interligação dos diversos contratos integrantes dos serviços turísticos, indicando-lhes caráter unitário. Nestes casos, que como regra atualmente t ê m a incidência d a s normas do Código de Defesa do Consumidor, é o caráter unitário do contrato que

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vem merecendo da doutrina e jurisprudência o reconhecimento da solidariedade do organizador da cadeia de contratos pelo inadimplemento de algum dos prestadores de serviço, especialmente do transportador.

§ 4.853. C - Jurisprudência Resta assentado na jurisprudência o caráter consensual do contrato de transporte (STJ, REsp 236779/SP, 4. a T., j. 07.10.2008, rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 28.10.2008). Distingue a jurisprudência o contrato de transporte e o de locação de veículos, inclusive para descaracterizar a realização de transporte irregular, em desconformidade com a legislação e sem reconhecimento formal do Poder Público, quando couber (TJRJ, ApCiv 838832220098190001, 9. a Câm. Civ., j. 17.01.2012, rei. Claudia Pires, DJ 26.01.2012). De referir-se, ainda, alguns julgados, sem adesão majoritária que distinguem para fins de interpretação das normas tributárias o transporte de passageiros e o transporte de pessoas, indicando ao primeiro o serviço público de transporte coletivo, e ao segundo as demais formas que qualifiquem c o m o serviço público (TJRS, El 70022397715, 1.° Grupo de Câmaras Cíveis, j. 09.05.2008, rei. Carlos Roberto Lofego Canibal). Segundo a jurisprudência dominante, não responde pelo i n a d i m p l e m e n t o do contrato pelo transportador, a agência de viagens que apenas vende a pasm e m (STJ, REsp 758184/RR, 4.*T., j. 26.09.2006, rei. Min. Jorge Scartezzini, UJ 06.11.2006). Nao é o caso, todavia, daquela que organiza pacote turístico, em que ressalta seu caráter unitário, e respectiva responsabilidade solidária da

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agência (STJ, REsp 304.738/SP, 4. a T„ j. 08.05.2001, rei. Min. Sálvio de Figueiredo

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Teixeira, DJ 13.08.2001).



A constitucionalidade e aplicabilidade plena da norma que assegura gratuidade do transporte coletivo aos idosos foi declarada pelo STF (STF, ADIn 3768, j.

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19.09.2007, rei. Min. Cármen Lúcia, DJ 26.10.2007).

§ 4.854. E S P É C I E S D E C O N T R A T O S D E T R A N S P O R T E

1. ESPÉCIES CONFORME o OBJETO TRANSPORTADO. - O contrato de transporte ou é de transporte de pessoa ou é de transporte de coisa. Não se deve dizer que o transporte de pessoa seja sempre no interesse do próprio credor do transporte, porque o bilhete de passagem, ou outro escrito ou peça de legitimação, pode ter sido adquirido pelo pai, ou pela mãe, pelo amigo, pelo parente, ou por devedor de prêmio de viagem, ou outra pessoa que contratou. Dá-se o mesmo com outros contratos que o agente de viagens conclui. Mesmo a respeito de coisas, há diversidades objetivas que se refletem no contrato. E o que acontece com o transporte de cristais, quadros preciosos, prataria, com o transporte de óleo e outros combustíveis, com o transporte de mobiliário, com o transporte de animais. Pelo contrato de transporte de pessoas, o transportador desloca de um lugar para outro a pessoa, ou as pessoas. A movimentação do veículo pode ser do lugar a para o lugar b,oub& c, ou mesmo de a para a, como se a aeronave mostra a cidade, ou a floresta, ou o oceano, e volta para o mesmo lugar, de que partiu, ou se o automóvel ou o ônibus faz o percurso Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Congonhas, Ouro-Preto, Belo Horizonte, Sabará, Belo Horizonte, Rio de Janeiro. As viagens em figuras geométricas que se fecham também são deslocações. Quase todos os transportes turísticos são de ida e volta. O conceito de transporte abrange o de transporte de pessoas e o de coisas. As diferenças resultam da natureza do que se transporta e de interesses e particularidades administrativos, policiais ou sanitários. Quanto à causa, o transporte de pessoas não se distingue do transporte de'coisas: o objeto de um é que difere do objeto do outro; não a causa. Aliás, o objeto do contrato de transporte é a deslocação, a transferência no espaço, mesmo se há ida e volta; o objeto do transporte é que é pessoa ou coisa.

A propósito do contrato de transporte de coisas, tem-se insistido em que o dever de custódia, que há, distingue do contrato de transporte de pessoas o transporte de coisas. Primeiramente, o transportador de pessoas tem dever de resguardar a integridade física e psíquica do viajante, e o dever de custódia, concernente aos bens, atende à natureza do objeto do transporte e varia de intensidade conforme as espécies. Nas viagens que duram, ou em que o passageiro precisa de apoio, o transportador tem o dever de dar ao freguês espaço próprio (= lugar reservado, como camarote, cabina, cadeira), às vezes comida, banheiro e demais serviços. A extensão da eficácia pode resultar de cláusula contratual, inclusive dos prospectos que se tenham de considerar inclusos no contrato, ou de lei. Cf. A D R I A N O F I O R E N T I N O (II Contratto dipassaggio marittimo, 48 s.). Não se pode dizer que seja meramente instrumental a prestação, no que ela vai além do transporte stricto sensu, porque o conforto atende ao grau de imobilização e à conveniência dos clientes. Ninguém viajaria hoje do Rio de Janeiro para Lisboa, ou Gênova, ou Bolonha-do-Mar, em caravela, ou barco sem camarote, salvo excepcionalmente, por dificuldades econômicas extremas, ou força maior. O transporte, em sentido estrito, absorve o que o público exige e o que as emprêsas em concorrência apresentam de nôvo e de mais agradável e seguro. O contrato não é contrato misto, isto é, de transporte e de locação de coisa. A causa permanece a que fora no tempo dos primeiros contratos de transportes, nos tempos primitivos e na antigüidade, pôsto que a ciência do direito tenha, modernamente, fixado melhor qual a causa. Por vêzes, o freguês quer lugar especial, previsto, ou não nos programas da emprêsa, e essa cobra preço maior, ou adicional. Ainda assim, não se faz misto o contrato. Mesmo se a emprêsa, para dois camarotes, com porta de comunicação, cobra o preço de duas passagens, essa abstração, um tanto abusiva, do número de pessoas, não torna misto o contrato, nem impõe que se pense em dois contratos. Poder-se-ia pensar em dois contratos se o preço de cada cabina fosse o mesmo para uma ou duas ou três pessoas, e um freguês, a despeito de estar só, quisesse duas. O transporte não deixou de ser de pessoa, embora se dêsse mais importância ao espaço do que a quem os ocuparia. Se o veículo, com as suas cabinas, está cheio e alguém admite viajar sem cabina, dormindo em corredor do escritório, ou do bar, o contrato de transporte, esse, continua com a mesma causa.

Se a passagem pode ser sem cabine, ou sem cadeira, e se se paga mais para se ter cabina, ou cadeira, mesmo assim não há dois contratos (sem razão, A D R I A N O F I O R E N T I N O , I Contratti navali, 4 2 ) . O contrato de transporte que B quis concluir é que é diferente do contrato que A concluiu, por preferir pairar menos. Em determinados casos, por haver espaço entregue, têm-se de invocar princípios jurídicos e regras jurídicas especiais à locação de coisas, porém não se pode considerar diferente a causa e regredir-se à superada concepção do contrato de transporte misto. Quanto à alimentação, ou ela a) é tôda compreendida no preço da passagem, ou b) só o é em parte, ou c) não no é de todo. Na espécie c), evidentemente há tantos contratos quanto as despesas feitas. Na espécie a), o contrato de transporte é compreensivo do alimento e do que se bebe. Na espécie b), a cada despesa não incluída no preço da passagem corresponde outro contrato. Pode dar-se, até, que seja contrato com outra pessoa, como se não é a emprêsa que tem o serviço de restaurante ou o serviço de bar ou ambos. 2 . E S P É C I E S Q U A N T O À N A T U R E Z A DO PRÓPRIO TRANSPORTE. - O transporte é por terra, por mar, por algum rio, ou pelo ar. O transporte de montanha a montanha, ou de montanha para baixo, ou da superfície da terra para o subterrâneo, por meio de cordões de aço, ou elevadores, é algo de misto, quer o por terra e o por ar. Não poderiam ter a mesma disciplina o transporte por mar, o transporte pelo ar e o transporte de ônibus. Há princípios comuns.

Quando o transporte é de pessoa e essa leva consigo malas, ou outros objetos, não se pode pretender que a responsabilidade do transportador, quanto a esses bens, seja a responsabilidade do transportador de coisas. Aí, o transportador só é responsável por adimplemento ruim do transporte, inclusive por exigir a entrega em sala de bagagem, na estação, e ter desaparecido. Todavia, as regras jurídicas relativas à responsabilidade pelo transporte de coisas são invocáveis se da bagagem, a despeito de se tratar de transporte de pessoa, é feita tradição ao transportador. Então, responde ex recepto. Em verdade, há dois contratos, pôsto que componham contrato misto: o de transporte da pessoa e bagagem próxima e o de transporte dos objetos entregues. 3 . T R A N S P O R T E ONEROSO, TRANSPORTE GRATUITO E TRANSPORTE AMI-

GÁVEL.

- Em princípio, não há razão para serem necessariamente tra-

tados diferentemente a responsabilidade do transportador que recebe retribuição e a do transportador que ofereceu ou aceitou o contrato de transporte gratuito. O transporte gratuito do funcionário público, ou do deputado ou senador, ou do Ministro de Estado, ou do Presidente da República, em trem, aeronave, navio ou outro veículo do Estado, rege-se pelo que se estabelece para os contratos de transporte em geral. Não há aí o transporte por amizade, que não é contratual. Se A convida B para ir, de automóvel, a alguma festa, ou cidade, ou reunião, e B viaja com A, não houve contrato gratuito de transporte. Nenhuma responsabilidade contratual se irradia do ato-fato jurídico de transporte. Não se pode dizer que tal transporte não haja entrado no mundo jurídico; mas, como negócio jurídico, não entrou. Dá-se o mesmo se foi B quem rogou a A que o levasse a algum ponto, o que acontece a cada momento, na vida humana. A responsabilidade do invitante-transportador, seja êle ou algum empregado, ou pessoa pela qual êle haja de responder (Código Civil, art. 1.521), é extracontratual. Não se deve, sequer, exigir que o transportador alegue e prove não ser responsável, porque tal ônus de alegar e provar é concernente, tipicamente, à responsabilidade contratual.

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Panorama atual pelo Atualizador

1 ;

§ 4.854. A - Legislação

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O Código Civil de 2002, ao disciplinar o contrato de transporte, o distingue nas mesmas espécies preconizadas por Pontes de Miranda, o transporte de pessoas (arts. 734 a 742 do CC/2002) e o transporte de coisas (arts. 743 a 756 do CC/2002). O art. 736 do CC/2002, todavia, exclui a incidência das normas do contrato de transporte de pessoas daquele prestado gratuitamente, por amizade ou cortesia. Mantém, todavia a incidência das normas, quando mesmo que gratuitos, o transportador aufira vantagens indiretas.

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Contudo, sendo transporte de cortesia, refere-se à incidência no caso, d a responsabilidade extracontratual, a que Pontes de Miranda originalmente faz referência ao art. 1.521 do CC/1916. A responsabilidade extracontratual no Código Civil de 2002 se dá pela incidência dos arts. 186 (definição do ilícito culposo) ou 187 (abuso do direito), combinados com o art. 927, caput, do CC/2002 que imputa o dever de indenizar, ou ainda o art. 927, parágrafo único, do CC/2002 no tocante ao a responsabilidade independente de culpa por risco da atividade.

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§ 4.854. B - Doutrina Distingue a doutrina de modo uníssono, apoiada afinal na própria disciplina do Código Civil, as espécies de contrato de transporte em transporte de pessoas e de coisas, embora se admitam outras classificações, quanto a modalidade (terrestre, aquaviário ou aéreo), à forma (modais, intermodais, segmentados e sucessivos), à área em que são executados (nacionais/domésticos ou internacionais), quanto à possibilidade de utilização (públicos, particulares/privados e oficiais), dentre outras (MENDONÇA, Fernando. Op. cit., p. 2-4). Todavia se reconhece a causa comum do contrato, na linha do entendimento de Pontes de Miranda, da deslocação. Da mesma forma, compreende-se que o contrato pode se dar no interesse próprio do credor ou de terceiro, hipótese relevante especialmente na definição da legitimação ativa em face do inadimplemento do transportador. No tocante à responsabilidade do transportador no caso de transporte gratuito e desinteressado, observa-se grande debate doutrinário, dentre os que sustentam ser o caso de responsabilidade extracontratual e os que entendem ser o caso de responsabilidade contratual. Neste último caso, há tanto os que preferem incidência da regra de responsabilidade por contratos benéficos (art. 392 do CC/2002), segundo a qual aquele a quem não favoreça responde apenas por dolo, quanto os que sustentam a interpretação diferenciada desta regra, exigindo-se prudência especial do transportador, considerando a atividade de condução de veículos como atividade de risco (TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 528).Todavia refira-se que o STJ editou a respeito a Súmula 145 em que submete o transportador a responsabilização, nesses casos, apenas quando incorrer em dolo ou culpa grave (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 436). Não se confunde este entendimento, contudo, aos casos de transporte oficial, no qual, prestado pelo Estado ou em nome desse, incidem as regras de responsabilidade da Administração Pública, notadamente a responsabilidade objetiva a que se refere o art. 37, § 6.°, da CF/1988.

§ 4.854. C - Jurisprudência

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A obrigação de incolumidade inerente ao contrato de transporte é satisfeita

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não apenas com a manutenção da integridade da pessoa ou coisa, mas também

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no transporte de pessoas, com o dever de realizar o transporte com conforto

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(TJSP, ApCiv 991080911901,18. a Câm. de Direito Privado, j. 02.03.2012, rei. Ru-

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bens Cury, DJ 31.03.2010). Há obrigação de conforto, igualmente, no caso de atraso ou cancelamento da viagem, independentemente se há ou não responsa-

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bilidade do transportador pelo fato (TJSP, Recurso Inominado 4378, 3.a T. Civ., j.

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15.08.2008, rel.Theodureto de Almeida Camargo Neto, DJ29.08.2008).

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A gratuidade decorrente de lei não impede o reconhecimento da relação de

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consumo, considerando a identificação de remuneração indireta do transportador (TJDF, ApCiv 781877220088070001,1 , n T. Recursal dos Juizados Especiais, j. 29.09.2009, rei. Wilde Maria Silva Justiniano Ribeiro, DJ 13.10.2009; TJRJ,

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ApCiv 513536520098190000, 2.a Câm., Civ., j. 12.11.2009, rei. Carlos Eduardo

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Passos). Todavia, q u a n d o se trate do t r a n s p o r t e d e s i n t e r e s s a d o o u de m e r a cortesia, a s s e n t o u o STJ, em 1995, por i n t e r m é d i o d a e d i ç ã o d a S ú m u l a 145, que o transportador só responde q u a n d o se provar q u e agiu c o m dolo o u c u l p a grave. Entendimento esse, q u e se afirmou a n t e s do C ó d i g o Civil, tanto m e d i a n te a c o m p r e e n s ã o de inexistência de contrato, q u a n t o d e q u e t r a t a v a - s e , n a espécie, de contrato unilateral (STJ, R E s p 3 8 6 6 8 / R J , j. 2 5 . 1 0 . 1 9 9 3 , rei. E d u a r do Ribeiro, DJ 22.12.1993). Da m e s m a f o r m a , n e s s e s c a s o s , o proprietário do veículo responde solidariamente c o m o c o n d u t o r q u e d á c a u s a , c u l p o s a m e n t e , a danos em acidente automobilístico, e m f a c e do p e r i g o r e c o n h e c i d o ao automóvel (STJ, REsp 577.902/DF, 3. a T., j. 1 3 . 0 6 . 2 0 0 6 , rei. p/ a c ó r d ã o Min. N a n c y Andrighi, D J 28.08.2006).

§ 4.855. TRANSPORTE COLETIVO DE PESSOAS E DE COISAS 1 . C O N C E I T O . - Diz-se transporte coletivo o transporte em que no mesmo veículo vão duas ou mais pessoas, com dois ou mais contratos, ou bens pertencentes a duas ou mais pessoas que concluem os contratos de transporte, separadamente. A coletividade refere-se aos objetos transportados, mas supõe-se a pluralidade subjetiva negociai. Assim, o táxi que serve a cinco pessoas, uma das quais há de pagar, mesmo que entre si se quotize o preço, é veículo individual. Para que se considere transporte de táxi lotação, isto é, transporte coletivo, é preciso que haja prestação a que se vincula cada passageiro. Se foi uma família, ou um grupo de amigos, que tomou o táxi de lotação, o pagamento por uma das pessoas que foram transportadas é por si e pelos terceiros, dependentes ou não do pagante. Se o chofer do táxi individual anuiu em que cada um pague, porque cada um vai ficar em lugar diferente, ou por outro motivo, consentiu em lotar, o que transforma o táxi de transporte individual em táxi de transporte coletivo.

2. R E G I M E J U R Í D I C O . - Quanto ao regime jurídico, os transportes coletivos, por sua extensão e importância econômica, passaram a serviços ao publico, serviços a que em terminologia defeituosa se tem chamado "serviços públicos", confundindo-os com os serviços estatais. No fundo, há, por vezes, o monopólio. Muitos transportes coletivos permanecem livres, so subordinados a exigências de requisitos profissionais ou de segurança do veiculo.

Há lastro comum de regras jurídicas concernentes aos transportes coletivos, mas a cada momento surge a necessidade de regras jurídicas especiais. Entre os meios de transportes, há concorrência: o transporte marítimo e o terrestre lutam pela clientela, como o transporte aéreo com aquêles. Dentre os transportes terrestres, o automóvel e o trem continuam a concorrer.

Panorama atual pelo Atualizador §4.855. A-Legislação A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 21, XII, de e, como de competência da União, que poderá explorá-lo mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territórios, bem como os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; Da mesma forma, constitui competência privativa da União legis-

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lar sobre transporte (art. 22, XI, da CF/1988). Já o art. 30, V, da CF/1988 confere

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competência aos municípios para organizar e prestar, diretamente ou sob regime

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de concessão ou permissão, o serviço público de transporte coletivo. O art. 175

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da CF/1988, de sua vez, refere que cabe ao Poder Público, diretamente ou sob

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regime de concessão ou permissão a prestação de serviços públicos, na forma a

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ser disciplinada em lei e antecedida de licitação pública.

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A Lei 10.233/2001, com as alterações que lhe fizeram as MedProv 2.217-3 e

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2.201-2, disciplinam o regime de delegação dos serviços de transporte coletivo

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terrestre em âmbito federal. Da mesma forma, em relação ao transporte aéreo,

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dispõe a Lei 7.565/1986, que institui o Código Brasileiro de Aeronáutica.

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§ 4.855. B - Doutrina

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A crítica de Pontes de Miranda à expressão serviço público que qualifica a atividade do transporte coletivo de passageiros justifica-se por conta do debate doutrinário que envolve seu conceito, a partir de sua matriz de direito francês. No direito brasileiro, distinguem-se essencialmente os entendimentos de que serviço público é a atividade prevista pelo Estado por intermédio de lei, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 294). Todavia, por outro lado, o entendimento que agrega ao conceito a incidência de um regime jurídico necessário de direito público (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 16. ed. São

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§ 4.856. TRANSPORTES COMBINADOS



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Paulo: Malheiros, 2003. p. 612). Todavia considera-se o transporte coletivo de pas-

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sageiros espécie de serviço público, porque de titularidade do Estado, nos t e r m o s

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estabelecidos pela Constituição e serviço público exclusivo, uma vez que pode ser

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prestado pelo Estado ou por particulares, mediante d e l e g a ç ã o (Di PIETRO, Maria

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Sylvia Zanella. Direito administrativo.

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direito público condiciona os termos do contrato In: FIÚZA, Ricardo (coord.). Código

! )

São Paulo: Atlas, 2 0 0 3 . p 106). O regime de Regina Beatriz.

j

6. ed. rev. e atual. S ã o Paulo:

'

( T A V A R E S DA SILVA,

Civil comentado.

Saraiva, 2008. p. 664). No caso de serviços de t r a n s p o r t e rodoviário especial d e p a s s a g e i r o s s ã o constituídos pelo serviço de transporte interestadual e internacional sob r e g i m e de fretamento contínuo e sob regime d e f r e t a m e n t o eventual ou turístico ou ainda pelo transporte internacional e m período de t e m p o r a d a turística, t o d o s mediante autorização do Poder Público.

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§ 4.855. C - Jurisprudência Na qualidade de serviço público, não há direito adquirido à outorga pelo transportador, de permissão prevista em n o r m a revogada (STJ, R E s p 1208580/RJ, 2. a T., j. 02.12.2010, rei. Min. H u m b e r t o Martins, DJe 14.12.2010). D a m e s m a f o r m a , não pode o Poder Judiciário substituir o Poder Executivo na a u t o r i z a ç ã o dos serviços, frente à ausência de legislação que o regulamente (STJ, R E s p 661,122/PR, 2. a T „ j. 06.03.2008, rei. p/ acórdão Min. Eliana C a l m o n , DJe

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11.11.2009).

Na hipótese de d e l e g a ç ã o a o particular, p r o t e g e - s e o equilíbrio e c o n ô m i c o -financeiro do contrato (STJ, REsp 8 2 1 , 0 0 8 / M G , 1 , a T., j. 22.08.2006, rei. Min. J o s é

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Delgado, DJ 02.10.2006).

§ 4.856. TRANSPORTES COMBINADOS 1 . C O N C E I T O . - Os transportes combinados são transportes para os quais um dos transportadores, quase sempre o inicial, assume em próprio nome, perante o cliente, a dívida de transporte no percurso que lhe corresponde e o de contratar, por conta do cliente, outro ou outros transportes, ou contratar, por conta do cliente, outro transporte ou outros transportes e vincular algum ou alguns dos transportadores sucessivos a obter a vinculação de outro ou de outros. Ao contrato de transporte junta-se, aí, outro, que é o contrato de expedição. O transportador que se vinculou vinculou-se a si mesmo e prometeu vincular outro ou outros transportadores. Caracteriza-se, ai, a sucessividade, sem que o contrato de transporte se unifique.

O que caracteriza o transporte combinado não é a pluralidade de transportadores, porque, num só percurso, pode haver dois transportadores, mas sem a utilização sucessiva dos meios, diferentes, de transporte. 2. E F I C Á C I A . - As prestações não são de origem tal nem supõem a mesma vinculação básica de modo que se impusesse a unidade do contrato. Em vez disso, há dois contratos, um dos quais é para que o contraente conclua outros contratos de transporte. Os efeitos do segundo contrato de jeito nenhum alteram o primeiro contrato ou a sua eficácia. Por um, responde êle como transportador; por outro, como expedidor. Aquele, pelo fato da combinação de negócios jurídicos, é, de regra, gerador da dívida principal, porque, no contrato de expedição, se supôs que o contraente adimpla a sua obrigação de transportador. Porém havemos de considerar outras espécies que têm escapado aos juristas (e. g., A D R I A N O F I O R E N a T I N O , I Contratti navali, 2. ed., 209). Se quem contratou o transporte e a expedição não foi o primeiro transportador, a falta de adimplemento quanto ao transporte anterior ou quanto aos transportes anteriores acarreta inadimplemento dos dois contratos. Por onde se vê que a principalidade não é do contrato de transporte, nem da obrigação de transporte, mas sim da prestação anterior ou das prestações anteriores. O tempo exerce, em tais circunstâncias, função precípua. Embora se trate de transportes combinados, nenhum dever de prestá-los se pode adimplir sem que as outras prestações se adimplam. Cumpre frisar-se que o transportador pode ter assumido em nome próprio o dever de prestar todos os transportes combinados. Aí êle pôs de lado a função de expedidor e representou ou gestionou, sem poder de representação, negócios alheios. Seja como fôr, vinculou-se como cada sucessivo transportador se vincularia. Se houve o contrato de transporte e o de expedição, e o transportador-contraente direto transportou e entregou ao outro transportador com quem contratara em nome próprio o que havia de ser transportado, exeqliiu êle a sua obrigarão de transportar. Nos transportes sucessivos, ou a sucessividade é negociai ou é apenas fáctica. Se cada transportador se vinculou a transportar e a expedir, quanto ao outro, ou aos Outros transportadores, entende-se que há a entrega ao outro transportador e que exigiu no contrato com o outro quefizesseo mesmo, sucessivamente. Cada dívida de transporte se extingue com a tradição ao transportador seguinte. Aí, a sucessividade tomou-se negociai.

O que mais importa é que se explicite a responsabilidade durante os percursos, não sendo suficiente, pela possibilidade de objeções quanto à irresponsabilidade por força maior ou caso fortuito, difíceis de serem repelidas, a da assunção pelo último transportador. No contrato de transporte combinado, há a cadeia de transportadores sucessivos (transportes marítimos, aéreos, de estrada de ferro e rodoviários); mas ou há podêres para um só representar os outros, ou só um ou alguns se vinculam, ou só se vinculam o primeiro e o último. O interessado, dito carregador, tem de dar as indicações quanto a quem há de receber e quanto ao objeto. É raro não haver pluralidade de transportadores, como se a mesma emprêsa é de navegação de ferro carril e de barcas, ou de aeronave e veículo de rodovia.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.856. A - Legislação Não há regra específica no Código Civil sobre t r a n s p o r t e s c o m b i n a d o s ou sucessivos. Havendo a distinção entre os contratos e os transportadores, a princípio não é de se identificar responsabilidade solidária entre eles. U m a questão é se no regime do Código de Defesa do Consumidor, a noção de c o m b i n a ç ã o

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do transporte, em situações que os próprios transportadores se organizem entre

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si, ou ainda em situações nas quais haja um organizador da cadeia de contratos

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(agência de viagens, por exemplo), que m e s m o sendo distintas e separáveis as |

obrigações de cada transportador, possam identificar-se como espécie de cadeia de fornecimento a fazer incidir regra de responsabilidade solidária e m proteção do

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consumidor, ao organizador, conforme a interpretação que se empresta aos arts.

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7 ° , parágrafo único, 14 (fato do serviço) e 20 (vício do serviço) do CDC.

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§ 4.856. B - Doutrina

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A doutrina distingue o contrato de t r a n s p o r t e c o m b i n a d o e t r a n s p o r t e cumulativo, especialmente em face do critério da unicidade contratual que está contemplado apenas no segundo, mas não no primeiro cuja utilidade diz respeito a responsabilidade dos transportadores envolvidos. Nesse sentido, no transporte combinado, ou sucessivo, conforme desenvolve a doutrina, o transportador contrata em seu próprio nome e obriga-se a contratar outros transportadores em nome e por conta do cliente, identificando-se as obrigações e respectivos percursos a serem seguidos por cada um. Neste caso se encontra, geralmente, quando se

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utiliza diversos transportadores e vários meios de transporte, ou ainda quem

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adquira em transporte de passageiros, várias passagens com transportadores distintos necessários a chegar ao destino almejado. Neste caso, a regra é de cada um responda por sua respectiva parte, uma vez que os trajetos são identificáveis

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e atribuíveis a cada transportador, afastando a solidariedade (TEPEDINO, Gustavo;




a obediência às normas legais (STJ: REsp 993.712/RJ, 1. a T., j. 26.10.2010, rei' Min. Luiz Fux, DJe 18.11.2010; REsp 1250897/SC, 2. a T., j. 21.06.2011, rei. Min.

;

Mauro Campbell Marques, DJe 29.06.2011; REsp 255.820/RJ, 2. a T., j. 19.08.2003 rei. Min. Franciulli Netto, DJ 13.10.2003). Todavia, pode responder solidariamenté

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com o transportador pelo adimplemento do contrato de transporte (STJ, REsp

i

404.745/SP, 4 a T , j.04.11.2004, rei. Min. Jorge Scartezzini,

DJ06.12.2004).

Admite a jurisprudência, igualmente, a equiparação a consumidor daquele que se utiliza do transporte marítimo (STJ, AgRg no REsp 1202756/RJ, 3. a T., j. i

14.12.2010, rei. Min. Sidnei Beneti, DJe 17.02.2011), inclusive no caso de sub-

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-rogação pelo segurador (STJ, REsp 302.212/RJ, 3. a T., j. 07.06.2005, rei. Min.

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Castro Filho, DJ 27.06.2005) e situações nas quais se percebe clara interpretação

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extensiva (STJ, REsp 286441/RS, 3. a T., j. 07.11.2002, rei. Min. Antônio de Pádua

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Ribeiro, rei. p/ acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.02.2003).

§ 4.878. N A C I O N A L I D A D E B R A S I L E I R A DAS EMBARCAÇÕES DE CABOTAGEM

1. T E X T O S D E 1850 E D E P O I S . - Disse o Código Comercial, art. 457: "Somente podem gozar das prerrogativas e favores concedidos a embarcações brasileiras, as que verdadeiramente pertencerem a súditos do Império, sem que algum estrangeiro nelas possua parte ou interêsse. Provando-se que alguma embarcação, registada debaixo do nome de brasileiro, pertence no todo ou em parte a estrangeiro, ou que êste tem nela algum interêsse, será apreendida como perdida; e metade do seu produto aplicada para o denunciante, havendo-o, e a outra metade a favor do cofre do Tribunal do Comércio respectivo. Os súditos brasileiros domiciliados em país estrangeiro não podem possuir embarcação brasileira; salvo se nela fôr comparte alguma casa comercial brasileira estabelecida no Império". Na Constituição de 1934, art. 132 (Constituição de 1937, art. 149), constitucionalizou-se o princípio da nacionalidade brasileira dos navios de cabotagem. A Constituição de 1946, art. 155, foi clara: " A n a v e g a ç ã o de cabotagem para o transporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais, salvo caso de necessidade pública". No parágrafo único, a c e n t u o u -se: "Os proprietários, armadores e comandantes de navios n a c i o n a i s , bem

§

4.878. NACIONALIDADE BRASILEIRA DAS EMBARCAÇÕES DE CABOTAGEM



219

como dois terços, pelo menos, dos seus tripulantes, devem ser brasileiros (art. 129, ns. I e II)". A clareza do art. 155 dispensa comentários. Quanto à tripulação, não se há de entender a que está matriculada, ou inscrita, para um navio, mas a que está destinada a êle, e nêle efetivamente se acha; de modo que, em qualquer pôrto, a tripulação do navio há de ser em dois terços, pelo menos, composta de Brasileiros natos (art. 129,1 e II). Cf. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 20. Com a informação explícita de pretender regular a aplicação do art. 149 da Constituição de 1937, foi publicado o Decreto-lei n. 988, de 28 de dezembro de 1938, com o seguinte artigo único: "Aos Brasileiros naturalizados, que em 10 de novembro de 1937-estavam exercendo as atividades reservadas no art. 149 da Constituição aos Brasileiros natos, fica marcado o prazo de três anos, a contar da data desta lei, para deixarem o seu exercício; revogadas as disposições em contrário". Afastada a questão de poder ser alterada, sem o rito próprio, a Constituição de 1937, ficaria a de se saber se o Poder Legislativo - fôsse o Parlamento, fôsse o Presidente da República, - tinha competência para marcar prazos naquelas espécies em que a Constituição se aplicaria sem prazo, segundo o teor das suas regras jurídicas e, pois, conforme os princípios de direito iritertemporal da Constituições, - imediatamente. A resposta tinha de ser negativa: o prazo fixado pelo Decreto-lei n. 988 era inconstitucional. Rege, hoje em dia, a navegação de cabotagem o Decreto-lei n. 2.784, de 20 de novembro de 1940, que é, no caso essencial, perfeitamente acorde com a Constituição de 1946. No art. 20 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ressalva-se o direito dos que já exerciam a profissão de armador, capitão ou tripulante: "O preceito do parágrafo único do art. 155 da Constituição não se aplica aos brasileiros naturalizados que na data dêste Ato, estiverem exercendo as profissões a que o mesmo dispositivo se refere". Não está incluído o proprietário. 2. E M B A R C A Ç Õ E S Q U E N Ã O S Ã O D E C A B O T A G E M . - Outro problema e o da nacionalidade das embarcações que não são de cabotagem. Diz o Decreto n. 5.798, de 11 de junho de 1940, art. 183: "Para que a embarcaçao mercante seja considerada brasileira e possa gozar dos privilégios que se relacionem com esta qualidade deve reunir as condições seguintes: a) ser propriedade de brasileiro nato ou de sociedade ou emprêsa brasileira na forma da legislação vigente; b) ser inscrita nas Capitanias e tripulada

de acordo com as leis em vigor". Acrescenta o § 1.°: "Poderão pertencer a estrangeiros as embarcações classificadas na navegação de pôrto, exceto as de pesca". E o § 2.°: "As embarcações empregadas na navegação de pôrto são nacionais, ainda mesmo que sejam de proprietários estrangeiros". Os §§ 1.° e 2.° estariam revogados, porque infringiriam o art. 155, parágrafo único, da Constituição de 1946. Todavia, a propriedade de barcos de passeio pode ser de estrangeiros, se restrita ao pôrto de navegação. De qualquer modo houve derrogação aos §§ 1.° e 2.°. Acrescenta o Decreto n. 5.798, art. 184: "Poderão obter a qualidade de nacional e gozar dos privilégios decorrentes: a) embarcações capturadas ao inimigo e consideradas boa presa; b) as confiscadas por contravenção às leis do Brasil; c) as encontradas em abandono em alto mar por embarcação brasileira". E o parágrafo único: "Em qualquer das hipóteses deste artigo deverão ser satisfeitas as condições do art. 183". Lê-se no Decreto n. 5.798, art. 185: "A nacionalidade brasileira da embarcação será provada pela provisão do registo expedida pelo Tribunal Marítimo Administrativo ou pelo título de inscrição expedido pelas Capitanias para as embarcações de menos de vinte toneladas". No caso de perda, faz-se a prova por outros meios. Quanto à necessidade da inscrição, diz o Decreto n. 5.798, art. 202: "As embarcações brasileiras, excluídas as pertencentes à Marinha de Guerra, estão sujeitas à inscrição nas Capitanias ou repartições subordinadas em cuja circunscrição fôr domiciliado o proprietário ou seu representante legal". 3 . P E R D A D A N A C I O N A L I D A D E B R A S I L E I R A . - Estatui o Decreto n. 5.798, art. 186: "A embarcação deixará de ser brasileira: a) capturada pelo inimigo em caso de guerra quando a captura fôr considerada boa prêsa: b) confiscada no estrangeiro; c) sendo vendida a estrangeiro exceto a da navegação de pôrto; d) quando deixar de preencher outros requisitos prescritos neste regulamento e nas leis em vigor". O inciso c) está derrogado, no que não se refere à navegação de cabotagem. Lê-se no Código Comercial, art. 458: "Acontecendo que alguma embarcação brasileira passe por algum título a domínio de estrangeiro no todo ou em parte, não .poderá navegar com a natureza de propriedade brasileira, enquanto não fôr alienada a súdito do Império". A despeito da referência a instituições políticas do passado, o art. 458 está em vigor. Se estrangeiro adquire a propriedade da embarcação brasileira, perde essa a n a c i o n a l i d a d e

;. NACIONALIDADE BRASILEIRA DAS EMBARCAÇÕES D E CABOTAGEM



221

brasileira. Aliás, o princípio foi repetido no art. 186, c), do Decreto n. 5.798, onde se ressalva a nacionalidade brasileira a despeito da propriedade ter passado a estrangeiro. O art. 186, c), do Decreto n. 5.798 somente pode ser interpretado em sentido que não ofenda o art. 155 da Constituição de 1946.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.878. A - Legislação Atualmente, o art. 178 da CF/1988, com a redação que lhe determinou a EC 7/1995, admite que a navegação interior e de cabotagem seja realizada por embarcações estrangeiras, segundo as condições que a lei estabelecer. Nesse sentido, o art. 7.° da Lei 9.432/1997, as embarcações estrangeiras só poderão

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participar da navegação interior e de cabotagem quando afretadas por empre-

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sas brasileiras de navegação, mediante autorização governamental (art. 9.°), cuja

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competência é da Agência Nacional de Transporte Aquaviário, conforme art. 27,

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XXIV, da Lei 10.233/2001. O mesmo é estabelecido em relação à navegação de

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apoio marítimo e de apoio portuário. A navegação de longo curso é admitida a embarcações nacionais e estrangeiras. No caso de navegação interior de per-

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curso internacional, admite-se a participação de empresas estrangeiras, desde que em conformidade com acordo celebrado pelo Brasil e o país de origem da embarcação.

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A nacionalidade brasileira, de sua vez, se considera das embarcações inscritas no Registro de Propriedade Marítima de pessoa física residente ou domiciliada no Brasil ou de empresa brasileira, assim como de embarcações sob contrato de afretamento de casco nu, desde que suspensa a bandeira do país de origem da embarcação (art. 3.° da Lei 9.432/1997).

§ 4.878. B - Doutrina Observa a doutrina de direito marítimo, que a atividade naval, embora regule-se, em geral, pelas regras de direito civil, observa peculiaridades decorrentes do interesse do poder público na atividade de navegação. Nesse sentido, identifica-se o princípio da nacionalidade dos navios, a produzir efeitos no plano do direito interno, ao admitir a definição por cada país das condições a serem cumpridas

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para que as embarcações possam ostentar sua bandeira, assim também ao organizar a juridicidade em alto mar, submetendo-o a determinada jurisdição nacional (MARTINS,

Eliane

M.

Octaviano. Op. cit., p. 162).

No que diz respeito à navegação de cabotagem, é privilégio que se assenta em larga tradição histórica o de reservá-la apenas às embarcações de bandeira nacional.

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§ 4.878. C - Jurisprudência Admite-se a utilização de embarcações estrangeiras para afretamento quando inexistentes ou indisponíveis embarcações nacionais (TRF-2. a Reg., Ap em MS 200202010071410, 7 . a T „ j. 13.06.2007, rei. Des. Federal Reis Friede, DJU 21.06.2007).

§ 4.879. REGISTO DAS EMBARCAÇÕES 1 . N E C E S S I D A D E D O R E G I S T O . - Acrescenta o Decreto n. 5 . 7 9 8 , art. 203: "As embarcações brasileiras de vinte toneladas brutas para cima, excluídas as pertencentes à Marinha de Guerra, ficam sujeitas, além da inscrição nas Capitanias dos Portos, ao registo de propriedade no Tribunal Marítimo Administrativo". Acrescenta o § 1 " E s t ã o isentas desta exigência as registadas ou arroladas nas Capitanias dos Portos até 30 de julho de 1935 e cuja propriedade não tenha sido posteriormente modificada". E o § 2.°: "O disposto no § 1.° não impede que os proprietários dessas embarcações façam facultativamente o registo no referido Tribunal".

Já o Código Comercial, art. 466, disse: "Tôda a embarcação brasileira em viagem é obrigada a ter a bordo: 1. O seu registo (art. 460). 2. O rol da equipagem ou matrícula. 3. O guia ou manifesto da Alfândega ou pôrto brasileiro donde houver saído, feito na conformidade das leis, regulamentos e instruções fiscais. 5. A carta de fretamento nos casos em que este tiver lugar, e os conhecimentos da carga existente a bordo, se alguma existir. 6. Os recibos das despesas dos portos donde sair, compreendidas as de pilotagem, ancoragem e mais direitos ou impostos de navegação. 7. Um exemplar do Código Comercial". Em vez de "Código Comercial", leia-se "legislação de direito marítimo". Acrescenta o Código Comercial, art. 467: "A matrícula deve ser feita no pôrto do armamento da embarcação: 1. Os nomes do navio, capitão, oficiais e gente da tripulação, com declaração de suas idades, estado, naturalidade e domicílio, e o emprêgo de cada um a bordo. 2. O pôrto da partida e o do destino, e a torna-viagem, se esta fôr determinada. 3. As soldadas ajustadas, especificando-se, se são por viagem ou ao mês, por quantia certa ou a frete, quinhão ou lucro na viagem. 4. As quantias adiantadas, que se tiverem pago ou prometido pagar por conta das soldadas. 5. A assinatura

do capitão, e de todos os oficiais do navio e mais indivíduos da tripulação que souberem escrever (arts. 511 e 512)". Cf. Código Comercial, art. 459: "É livre construir as embarcações pela forma e modo que mais conveniente parecer; nenhuma, porém, poderá aparelhar-se sem se reconhecer prèviamente, por vistoria feita na conformidade dos regulamentos do govêrno, que se acha navegável. O auto original da vistoria será depositado na Secretaria do Tribunal do Comércio respectivo; e antes deste depósito nenhuma embarcação será admitida a registo". Ainda o Código Comercial, art. 460: "Tôda embarcação brasileira destinada à navegação do alto mar, com exceção somente das que se empregarem exclusivamente nas pescarias das costas, deve ser registada no Tribunal do Comércio do domicílio'do seu proprietário ostensivo ou armador (art. 484), e sem constar do registo não será admitida a despacho". Acrescenta o Código Comercial, art. 462: "Se a embarcação fôr de construção estrangeira, além das especificações sobreditas, deverá declarar-se no registo a nação a que pertencia, o nome que tinha e o que tomou, e o título por que passou a ser de propriedade brasileira; podendo omitir-se, quando não conste dos documentos o nome do construtor". 2. P E D I D O S D E I N S C R I Ç Ã O E I N S C R I Ç Ã O . - Explicita o Decreto n. 5.798, art. 204: "Os pedidos de inscrição e de registo serão feitos de acordo com os modelos adotados mencionando as indicações exigidas no art. 206, e serão apresentados dentro do prazo de quinze dias após a aquisição da embarcação, conclusão da sua construção ou chegada ao pôrto em que deverá ser inscrita". Acrescenta o § 1 " O proprietário da embarcação, ou seu representante legal entregará na Capitania da jurisdição dois requerimentos com firma reconhecida, sendo um dirigido ao Capitão dos Portos pedindo a inscrição e outro ao Presidente do T. M. A. pedindo o registo". E o § 2.°: "Os pedidos de inscrição dessas embarcações não precisam ser acompanhados dos documentos exigidos no art. 205, visto terem sido os mesmos anexados ao pedido de registo". E o § 3.°: "Quando a embarcação fôr somente sujeita à inscrição, bastará apenas o requerimento ao Capitão dos Portos, acompanhado dos documentos exigidos no art. 205". Quanto à documentação, estatui o art. 205, que os pedidos de registo e de inscrição deverão ser feitos "de acordo com os modelos adotados, contendo as declarações necessárias aos lançamentos referidos no art. 206 e instruídos pelos seguintes documentos: a) certidão de registo civil de nascimento do proprietário ou documento legal que prove sua nacionalidade,

assim como ser nacional a emprêsa a que pertença a embarcação conforme o art. 183; b) título de aquisição que comprove a propriedade, ou certificado de quitação do construtor e prova de que o projeto foi aprovado pela autoridade competente, quer a embarcação tenha sido construída no País ou por encomenda no estrangeiro; c) plantas da embarcação, conforme estabelece o art. 174; d) procuração com podêres especiais para este fim, quando os requerimentos forem feitos por um representante do proprietário; é) licença passada pelo consulado brasileiro, caso tenha sido a embarcação adquirida no estrangeiro;/) certificado de acordo com o estabelecido pela convenção internacional para a salvaguarda da vida humana no mar". Lê-se no Código Comercial, art. 461: "O registo deve conter: 1. A declaração do lugar onde a embarcação foi construída, o nome do construtor, e a qualidade das madeiras principais. 2. As dimensões da embarcação em palmos e polegadas, e a sua capacidade em toneladas, comprovadas por certidão de arqueação com referência à sua data. 3. A armação de que usa, e quantas cobertas tem. 4. O dia em que foi lançada ao mar. 5. O nome de cada um dos donos ou compartes, e os seus respectivos domicílios. 6. Menção especificada do quinhão de cada comparte, se fôr de mais de um proprietário, e a época da sua respectiva aquisição, com referência à natureza e data do título, que deverá acompanhar a petição para o registo. O nome da embarcação registada e o do seu proprietário ostensivo ou armador serão publicados por anúncios nos periódicos do lugar". Lê-se no Decreto n. 5.798, art. 206: "As Capitanias, Delegacias e Agências terão um livro para inscrição das embarcações, sendo neste feitos os lançamentos seguintes: nome da embarcação, armação, aplicação, classe, divisão e subdivisão, número de cobertas, comprimento, boca, pontal, contorno, calado máximo, material do casco, tonelagens bruta e líquida, pêso máximo da carga, número de passagens por classes, número de tripulantes; máquina: tipo, construtor, fôrça em HP, nominais e efetivos; caldeiras: tipo, construtor, pressão de regime e número combustível, capacidade das carvoeiras ou tanques, propulsão, velocidades máxima e econômica, construtor da embarcação, lugar e data da construção, nação a que pertenceu, nome anterior; proprietário, nacionalidade e domicilio; natureza e data do título de propriedade, estação radiotelegráfica, indicativo de chamada, se pode navegar no oceano e valor atoai". E o parágrafo único: "Além dos lançamentos mencionados acima, outros que interessem ao Estado-Maior da Armada ou à D. M . M . , conforme instruções prévias. Essas anotações serão feitas no verso da inscrição".

Acrescenta o art. 215: "Quando uma embarcação inscrita em determinada repartição, seu proprietário ou representante transferir residência para local subordinado a outra repartição, nesta será feita nova inscrição, observando as normas estabelecidas nos §§ 3° e 4.° do art. 214". Está no Código Comercial, art. 463: "O proprietário armador prestará juramento por si ou por procurador nas mãos do presidente do Tribunal, de que a sua declaração é verídica, e de que todos os proprietários da embarcação são verdadeiramente súditos brasileiros, obrigando-se por têrmo a não fazer uso ilegal do registo, e a entregá-lo dentro de um ano no mesmo Tribunal, no caso da embarcação ser vendida, perdida ou julgada incapaz de navegar; pena de incorrer na multa no mesmo têrmo declarada, que o Tribunal arbitrará. Nos lugares onde não houver Tribunal do Comércio, todas as diligências sobreditas serão praticadas perante o juiz de direito do Comércio, que enviará ao Tribunal competente as devidas participações, acompanhadas dos documentos respectivos". 3. A N O T A Ç Õ E S . - Diz o Código Comercial, art. 464: "Tôdas as vezes que qualquer embarcação mudar de proprietário ou de nome, será o seu registo apresentado no Tribunal do Comércio respectivo para as competentes anotações". Aí não se trata de mudança de propriedade, sendo outorgado estrangeiro; mas de aquisição por pessoa que possa registar no Brasil a embarcação. Diz o Código Comercial, art. 465: "Sempre que a embarcação mudar de capitão, será essa alteração anotada no registo, pela autoridade que tiver a seu cargo a matrícula dos navios, no pôrto onde a mudança tiver lugar".

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Panorama atual pelo Atualizador

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§ 4.879. A - Legislação

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O Dec. 5.798/1940 encontra-se revogado. O registro das embarcações se dá

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nos termos do art. 2.° da Lei 7.652/1988, que determina que o registro tem por

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objeto estabelecer a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da proprie-

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dade de embarcações. Da mesma forma obriga o registro no Tribunal Marítimo se

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a embarcação possuir arqueação bruta superior a cem toneladas, para qualquer

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modalidade de navegação (art. 3.°, parágrafo único, da Lei 7.652/1988). O registro

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faz presunção de propriedade em relação a quem seja seu titular (art. 5.°, pará1

grafo único, da Lei 7.652/1988). O registro da hipoteca do navio se dá nos termos dos arts. 12 e ss. da Lei 7.652/1988.

Ainda, conforme o art. 8.°, da Lei 7.652/1988, estrangeiro não residente no Brasil só pode registrar embarcação classificada na atividade de esporte ou recreio. A Lei 9.432/1997 criou o Registro Especial Brasileiro, como requisito para fomento da atividade de navegação, o qual não se confunde, e coexiste com o registro de que trata a Lei 7.652/1988. Da mesma forma, note-se que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, conhecida também como Convenção de Montego Bay, de 1982, a qual vigora no direito brasileiro por força do disposto no Dec. 1.530/1995. Esta Convenção, em seu art. 91, exige como condição de registro e nacionalidade da embarcação a existência de vínculo substancial entre o Estado e o navio que nele se registra.

§ 4.879. B - Doutrina A exigência de vínculo substancial entre o Estado e o navio que nele se registra, previsto pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, é objeto de atenção, especialmente em relação à ausência de critérios para sua determinação. Trata-se de conceito indeterminado, cuja precisão é deixada às diversas regulamentações nacionais. A doutrina remete aos critérios de que dispunha a Convenção de Genebra, de 1958, pela qual exigia-se relação autêntica, genuína ou efetiva entre o navio e o Estado de registro, como condição para o reconhecimento internacional da nacionalidade. Todavia, esta Convenção não foi ratificada, de modo que não se deu vigência ao critério indicado

(MARTINS,

Eliane

M.

Octa-

viano. Op. cit., p. 170). Desse modo, distinguem-se dentre os países aqueles que impõe exigências que caracterizam vínculo efetivo do navio com o território, de outros, bastante mais flexíveis, que admitem o registro do navio por razões de conveniência.

§ 4.879. C - Jurisprudência A autoridade marítima tem poder para apreensão de embarcações irregulares (TRF-2 a Reg., Ap em MS 200251010257350, 5. a T. Especializada, j. 07.10.2009, rei. Fernando Marques, D J 16.10.2009). Da mesma forma, a autorização para navegação submete-se ao cumprimento das normas expedidas pelo ente regulador competente, titular de poder normativo para fixar as respectivas exigências (STJ, REsp 894442/RJ, 1. a T., j. 16.10.2008, rei. Min. Denise Arruda, DJe 05.11.2008).

• § 4.880. NOME DAS EMBARCAÇÕES

1. N E C E S S I D A D E D O N O M E . - As embarcações hão de ter nome. O nú mero não as individualizaria, porque cada Estado (ou mesmo Estado-mein

bro, Município ou clube) teria a sua numeração. Não se exige aos outros veículos. Passa-se o mesmo com as embarcações e material flutuante de entidades públicas. Lê-se no Decreto n. 5.798, de 11 de junho de 1940, art. 225: "As embarcações e material flutuante das repartições públicas federais, estaduais e municipais serão caracterizadas por meio de letras ou distintivos adotados pelas repartições a que pertencerem". 2. N O M E S E M U D A N Ç A D E N O M E . - Diz o Decreto n. 5.798, art. 226: " É vedado o uso de nomes iguais entre navios ou entre quaisquer embarcações que naveguem em alto mar. Quando fôr constatada a existência de embarcações contrariando o disposto acima, a D. M. M. determinará qual a embarcação cujo nome deverá ser substituído". Acrescenta o parágrafo único: "Sempre que fôr possível, as embarcações da navegação do pôrto, inscritas na mesma repartição, terão nomes diferentes". Possível é sempre dar-lhes nomes diferentes, salvo se foi preferida a numeração, ou se o nome de uma é provisório, enquanto não se substitui pela que está em consêrto. Acrescenta o art. 227: "Nenhuma mudança de nome de embarcações será feita sem o prévio consentimento da D. M. M. e por intermédio da Capitania onde a mesma estiver inscrita". Acrescenta o § 1.°: "A mudança de nome só poderá ser feita quando a embarcação tiver passado por transformação no casco, armação ou máquina, que lhe alterem seus característicos, ou por mudança de proprietário". E o § 2.°: "A mudança de nome sendo permitida, serão feitas as alterações no registo, na inscrição e na embarcação". E o § 3.°: "A Capitania, depois de fazer a mudança de nome na provisão de registo, informará o T. M. A. para a devida anotação". E o § 4.°: "Sendo alterado o nome da embarcação sem as formalidades previstas, o proprietário ou seu representante legal ficará sujeito à multa de Cr$ 100,00 em se tratando de embarcações até vinte toneladas brutas, e de Cr$ 500,00 quando de tonelagem maior, sendo obrigatório restabelecer o nome anterior". As multas são, pelo importe, obsoletas.

Panorama atual pelo Atualizador §4.880. A-Legislação O nome da embarcação como requisito do registro é exigido pelo art. 461, item 6, do CCo, em vigor. A Lei 9.537/1997 estabelece o dever de inscrição da embar-

cação com a respectiva atribuição de nome (art. 2.°, VI, da Lei 9.537/1997), sendo atribuição da autoridade marítima, regulamentar os procedimentos para esse fim.

§ 4.880. B - Doutrina Segundo observa a doutrina, serve o nome para a individualização de um navio em relação às demais embarcações, razão pela qual deve observar o princípio da novidade, para que se impeça o registro de dois navios com a mesma denominação, de modo a permitir a confusão entre si.

§ 4.880. C - Jurisprudência A reivindicação de posse ou propriedade de embarcação que conte com mais de um nome, diante da ausência de registro, exige a demonstração cabal da legitimidade da pretensão por outros meios de prova (TJPA, ApCiv 200430031956, j. 09.09.2008, rei. Maria Angélica Ribeiro Lopes Santos, DJ 30.09.2008).

§ 4.881. TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS

- Com o dever de se pagar o preço do transporte, o contrato de transporte é tipicamente bilateral (oneroso). 1 . T R A N S P O R T E M A R Í T I M O E C O N T R A T O BILATERAL.

O primeiro Código Comercial - aliás, o primeiro código - que tratou do transporte de passageiros foi o Código Comercial brasileiro. 2. D E V E R D E A D I M P L E M E N T O D O PREÇO. - Quase sempre, o preço das viagens é pago adiantadamente. Por vêzes, em duas ou mais parcelas, uma das quais nas vésperas da partida. Na L. 19, § 7, D., locati conducti, 19,2, tirou-se de U L P I A N O que, se alguém contratou o transporte de mulher em navio e no navio nasceu criança, nada se deve pela criança, porque não e muito o que da embarcação tem ela, nem usa de tudo que se prepara para os navegantes. Já falamos em geral do transporte gratuito, como ocorre com os transportes de jornalistas, de pessoas cujo nome serve à propaganda da empresa, espécies bem diferentes dos transportes de empregados da própria emprêsa.

A emprêsa tem direito de retenção pelo pagamento de tôda a bagagem que o passageiro ou viajante tenha a bordo e tem crédito privilegiado (Código Comercial, art. 632, 1." alínea). Diz o Código Comercial, art. 632: "O capitão tem hipoteca privilegiada para pagamento do preço da passagem em todos os efeitos que o passageiro tiver a bordo e direito de os reter enquanto não fôr pago. O capitão só responde pelo dano sobrevindo aos efeitos que o passageiro tiver a bordo debaixo da sua imediata guarda, quando o dano provier de fato seu ou da tripulação". Em vez de "hipoteca privilegiada" leia-se "crédito privilegiado". 3. Ô N U S D E C H E G A R A T E M P O . - O passageiro ou viajante tem de achar-se a bordo no dia e hora designados, quer no pôrto de partida, quer no pôrto de escala, ou no de arribada (Código Comercial, art. 629). Se deixou de partir, perdeu a passagem. Se devia parte do preço, tem de pagar o que deve (art. 629, 2.a parte). Se já fora começada a viagem, a denúncia vazia ou a omissão em chegar a bordo, pelo passageiro ou viajante, implica a perda da passagem (art. 629,2.a alínea, 2.a parte). Se a denúncia vazia foi a tempo, antes de se começar a viagem, tem a emprêla direito à metade do preço (art. 630,2.a alínea, l. a parte). Dá-se o mesmo se morre o passageiro antes de começada a viagem (art. 630, 3.a alínea). 4. D E V E R D E T R A N S P O R T A R . - O transportador tem o dever precípuo de, antes de iniciar a viagem, ter pronto o navio para a navegação adequada. Há de estar em estado satisfatório a embarcação e pôsto à disposição do viajante o meio de transporte até o navio, se não está atracado. Mesmo que o bilhete da passagem não o diga, a emprêsa tem de assegurar aos passageiros os meios de condução até o navio. Se está atracado, o acesso é fácil, pois que há as escadas do navio. Se, imprevistamente, a escada não pode funcionar, o meio é o guindaste, ou a lancha. Êsses deveres se incluem pois são pressupostos - no dever de transportar. Não há dever de parar o navio para que o passageiro atrasado entre. A viagem há de ser conforme foi prometida, ou dentro das cláusulas contratuais. O itinerário e a rota de segurança têm de ser observados. A bordo, além das comodidades usuais e convencionadas, têm de ser resguardadas a incolumidade física e psíquica do passageiro ou viajante, a prestação de alimentos, segundo foi prometida e a de assistência médica. Pela aptidão do médico que foi profissionalmente habilitado e contra o

qual não há restrição legal ou de ato administrativo, não responde a emprêsa. Responde, porém, se, em caso de o médico não atender a tempo, ou com o devido cuidado, houve falta da emprêsa em tomar as providências necessárias. A emprêsa responde pelos danos causados aos passageiros, conforme os princípios que se apontam na legislação sôbre responsabilidade das estradas de ferro, no que fôr invocável cf. Lei n. 2.081, de 7 de dezembro de 1912, arts. 17-26). 5 . F Ô R Ç A M A I O R E C O N S E R T O D O N A V I O . - Se a viagem foi suspensa pela emprêsa ou interrompida pela emprêsa, por fôrça maior no pôrto de partida, resolve-se o contrato, sem que qualquer dos contraentes tenha de indenizar ou pagar preço da passagem (Código Comercial, art. 631, l.a parte). Se houve suspensão ou interrupção em pôrto de escala ou arribada, o passageiro, que pagou inteiramente, tem direito à restituição do que corresponde ao resto da viagem, ou, se nada pagou, tem dever de prestar o que corresponde à viagem feita (Código Comercial, art. 631,1.® alínea). Aí, o caso é de resilição do contrato de transporte.

Lê-se no Código Comercial, art. 631: "Se a viagem fôr suspensa ou interrompida, por causa de fôrça maior no pôrto de partida, rescinde-se o contrato, sem que nem o capitão nem o passageiro tenha direito a indenização alguma; tendo lugar a suspensão ou interrupção em um outro qualquer pôrto de escala ou arribada, deve-se somente o preço correspondente à viagem feita. Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de consêrto do navio, o passageiro pode tomar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita. Se quiser esperar pelo consêrto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada". Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto do navio, o passageiro pode tomar passagem em outro, pagando - diz a o Código Comercial, art. 631, 2. alínea, 1." parte - o preço correspondente à viagem feita. Entenda-se: pagando o preço correspondente à viagem feita, se nenhum pagamento houve, ou se houve insuficiente; e podendo exigir a restituição do que correspondente ao resto da viagem. O caso é de resilição. Se houve suspensão, e não interrupção, o passageiro ou viajante ou espera que se ultime o consêrto, ou não lhe convém esperar. O caso e de denúncia cheia. O art. 631, 2.a alínea, 2.a parte, prevê quanto à estadia

do passageiro ou viajante: "Se quiser esperar pelo conserto, o capitao não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrou navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova passagem exceder o da primeira na proporção da viagem andada". 6. B A G A G E M D O S P A S S A G E I R O S O U V I A J A N T E S . - O transporte das bagagens do passageiro ou viajante entende-se incluso no preço da passagem, salvo se houve cláusula em contrário, ou se excedeu o máximo em pêso ou tamanho (dita franquia). Mesmo se há pagamento à parte, no navio de transporte de passageiros, o contrato é um só, e só o preço é que é em duas partes (fixa e variável). Não se deve pensar em união de contratos, salvo se a bagagem foi despachada sem referência à passagem, caso em que a emprêsa não pode fazer descer a bagagem pelo fato de não ter partido o passageiro [ex hypothesi, não tinha o ônus de partir). A remessa de bagagem por navio, tendo o passageiro de viajar de aeronave, ou trem, é objeto de outro contrato. Aí, o contrato é de transporte de coisas, a despeito de se tratar de navio de passageiros. A aparição da navegação aérea impôs tais práticas, porém antes mesmo já se expediam bagagens em navios de passageiros sem que viajasse o dono ou interessado na-remessa. Lê-se no Código Comercial, art. 632, alínea 2.a "O capitão só responde pelo dano sobrevindo aos efeitos que o passageiro tiver a bordo debaixo da sua imediata guarda, quando o dano provier de fato seu ou da tripulação". Cf. Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 11.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.881. A - Legislação Aplicam-se as normas que disciplinam o contrato de transporte, previstas no

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Código Civil de 2002, ao transporte marítimo. Nesse sentido, incide o art. 730 do

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CC/2002, o qual define o contrato de transporte como sendo aquele pelo qual ai-

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guém se obriga a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas, median-

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te retribuição econômica, daí sua onerosidade. Incide, igualmente, tratando-se

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de relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, quando presentes

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as figuras do consumidor e do fornecedor, segundo a definição legal estrita dos

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arts. 2.°, capute 3.°, ou ainda a equiparação a consumidor que admitem o art. 17 (as vítimas de evento danoso) e o art. 29 (aos expostos às práticas contratuais disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor).

O contrato de transporte, via de regra, é celebrado mediante condições gerais contratuais estabelecidas pelo transportador às quais o usuário deve aderir. Neste caso, caracterizando-se como contratos de adesão, ademais da proteção própria do consumidor prevista no art. 54 do CDC, incide igualmente a regra de interpretação mais favorável ao aderente disposta no art. 423 do CC/2002. No Código Civil, a responsabilidade contratual do transportador é prevista em diversas disposições. O art. 733 do CC/2002 diz respeito à responsabilidade solidária dos vários transportadores, no caso de transporte cumulativo; o art. 734 do CC/2002 estabelece a responsabilidade do transportador por danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo por motivo de força maior; o art. 735 do CC/2002 estabelece que a responsabilidade do transportador por acidente com passageiro não é elidida por culpa de terceiro, o que se dá em vista da denominada obrigação de incolumidade do transportador; o art. 737 do CC/2002 define a responsabilidade do transportador no caso de não atendimento aos itinerários e horários ajustados; o parágrafo único do art. 738 do CC/2002 prevê causa de redução da indenização quando haja culpa concorrente do passageiro em relação ao dano que venha a sofrer, em vista do desatendimento a normas regulamentares; o art. 750 do CC/2002 dispõe sobre a responsabilidade do transportador no transporte de cargas, fixando os termos da responsabilidade, desde o momento em que recebe a coisa até sua entrega ao destinatário, salvo no caso quando este não for encontrado, devendo ser depositada em juízo; o art. 753 do CC/2002 estabelece a responsabilidade do transportador pelo perecimento ou deterioração da coisa em razão da interrupção do transporte; e o art. 756 do CC/2002 reafirma, em relação ao transporte de coisa, a regra de solidariedade dos transportadores no caso do transporte cumulativo. Em regra, os contratos de transporte de pessoa caracterizam-se como relação de consumo. O mesmo, todavia, não ocorre com o transporte de coisa, no qual o exame da finalidade para a qual será realizado poderá caracterizá-lo ou não como de submetido à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, da maior relevância é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos casos de fato

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do serviço, disciplinados por seu art. 14, no qual se prevê responsabilidade objetiva e solidária (art. 7.°, parágrafo único, do CDC), no caso de violação do dever de segurança tanto em relação aos sujeitos vinculados contratualmente com o trans-

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portador (passageiros e remetentes da carga), que se subordinem aos efeitos do

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contrato (destinatário) e, especialmente, os terceiros (bystanders) que venham

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a ser atingidos pelos danos, com fundamento na equiparação a consumidor de

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todas as vítimas do evento danoso (art. 17 do CDC). Isso implica a aplicação do

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art. 14 do CDC também em matéria de excludentes (art. 14, § 3.°), assim como do

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prazo prescricional de cinco anos, contados do conhecimento do dano e da sua

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autoria, a que se refere o art. 27 do CDC.

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A legislação brasileira firma-se na proibição, e conseqüente nulidade, das cláusulas de exclusão de responsabilidade do transportador (arts. 734 do CC/2002, e 51, I, do CDC). Exige-se seguro obrigatório de danos pessoais de embarcações, nos termos da Lei 8.374/1991.

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§ 4.881. B - Doutrina A aplicação das regras sobre o contrato de transporte previstas no Código Civil importam reconhecer, também em relação ao transporte marítimo, a obrigação de incolumidade, indicando também nesse caso a obrigação de resultado. Naturalmente, pela utilização que comumente se dá ao transporte aquaviário, no caso do transporte de pessoas - de grande importância em certas regiões do Brasil - considerando-se que se dá mediante remuneração, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor. Assim, da mesma maneira, cruzeiros ou passeios marítimos que a par da finalidade recreativa ou de lazer, configuram transporte, fazendo incidir em comum, de igual forma, a disciplina do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

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Isso é relevante, especialmente em face das características do transporte aquaviário, cujas condições de navegabilidade se alteram em tal grau a exigir, de um lado, deveres de perícia e prudência do transportador acerca da manutenção, interrupção ou alteração do trajeto de viagem e por outro lado, a identificação em determinadas situações dessas, da força maior que exclui a responsabilidade, especialmente no caso de interrupção, alteração de itinerário ou atrasos, em vista da incidência dos arts. 737 e 741 do CC/2002. A possibilidade de recusa de passageiros, da mesma forma, diz respeito diretamente, à obrigação de segurança/ incolumidade a qual se vincula o transportador, especialmente nos casos em que a embarcação estiver com lotação esgotada, ou que as condições da via recomendem a adoção, por cautela, de certos limites de peso.

§ 4.881. C - Jurisprudência A obrigação de incolumidade no transporte marítimo se estende até a conclusão do último desembarque do passageiro (TJSP, A p C i v 905434545.2009.8.26.0000, j. 08.02.2012, rei. Jacob Valente). Não é elidida por culpa de terceiros (TJRJ, ApCiv 00168147220068190002, 1 , a Câm. Civ., j. 14.02.2012, rei. Adolpho Andrade Mello). Há responsabilidade do transportador, igualmente, pelo atraso da chegada ao destino (TJRJ, ApCiv 0297885-13.2009.8.19.0001, 12. a Câm. Cível, j. 12.01.2011, rei. Nanei Mahfuz), assim como pelo extravio de bagagem (TJSP, ApCiv 990104345200,13 a Câm. de Direito Privado, j. 24.11.2010, rei. Ulisses do Valle Ramos, DJ09.12.2010). j ! | I | i

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Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte marítimo de passageiros (TJRS, ApCiv 70029289816, 9.a Câm. Cível, j. 19.08.2009, rei. Marilene Bonzanini Bernardi; TJRJ, ApCiv 0024571-25.2003.8.19.0002, 7. a Câm. Cível, j. 31.03.2010, rei. José Mota Filho). Da mesma forma, a jurisprudência indica ao transportador o dever de informar sobre as exigências legais para embarque de passageiros (TJRS, ApCiv 70041286626, 11 , a Câm. Cível, j. 06.07.2011, rei. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil;TJRS, ApCiv 70040635666, 12. a Câm. Cível, j. 31.03.2011, rei. Umberto Guaspari Sudbrack). Sendo agência que promove cruzeiros marítimos, da mesma forma, pode ser responsabilizada solidariamente por eventuais vícios dos serviços prestados (TJSP, ApCiv 0001468-50.2009.8.26.0562, C â m d e Direit0 ^ Privado, j. 14.09.2011, rei. Lígia Araújo Bisogni).

§ 4.882. TRANSPORTE MARÍTIMO DE BENS

1. T R A N S P O R T A D O R E I N T E R E S S A D O N O T R A N S P O R T E . - Transportador é quem se obriga a transportar, o que o distingue do proprietário que não seja transportador e do armador que não o seja, como do expedidor. Há o proprietário transportador, o armador transportador e o expedidor que contrata consigo mesmo o transporte dos bens expedidos. Assim, transportador efretador ou subfretador são figuras diferentes. O interessado no transporte pode ser proprietário, ou não, dos bens. Quase sempre é possuidor, mas pode ocorrer que o signatário do contrato de transporte não seja possuidor. Pelo contrato de transporte de bens, o transportador vincula-se a transportar; o interessado, que é o outro contraente, a pagar o preço. 2. O B J E T O S T R A N S P O R T A D O S . - A natureza do objeto que se vai transportar pode exigir navio especial. É o caso do petróleo e outros óleos, do carvão e das matérias. Em geral, tal não se dá, podendo a carga ser de diferentes bens. 3. C A R G A À P R A N C H A E C A R G A À C O L H E I T A . - O Código Comercial, no art. 566, distingue a carga à colheita, que ocorre se o transportador faz condição ou termo incerto da partida do navio o ter-se atingido mínimo de carga ou de soma de preços, o que supõe escassez de clientes; e a carga à prancha, que é a que, no dia da partida, chegue a bordo. Aqui, o navio parte com a carga que tem, por ter sido fixado o dia ou o tempo em que teria de iniciar a viagem, ou continuá-la. 4 . C O N C E I T O E E S P É C I E S D E C O N H E C I M E N T O . - O conhecimento é o documento em que se enuncia ter sido recebida pelo capitão o objeto que se há de transportar. É um dos papéis de bordo (Código Comercial, art. 466, inciso 5). É inconfundível com a carta-partida, que é documento do fretamento total ou parcial. O conhecimento é expedido pelo capitão ou comandante, porque se refere à entrada do objeto ou dos objetos no navio. A carta-partida nada tem com isso. Se o proprietário ou alguém por êle carrega à colheita ou à prancha, ou contrata o transporte de c a r r e g a m e n t o completo, não se pode pensar em carta-partida. Se houve fretamento, houve carta-partida, mas isso nada tem com o contrato de transporte. A carta-partida só diz respeito à relação entre o fretador e o afretador. O c o n h e c i mento concerne às relações entre quem transporta e quem dá a t r a n s p o r t a r ,

sendo o capitão ou comandante quem assina. A carta-partida é nominativa. O conhecimento pode ser à ordem ou ao portador. A eficácia do conhecimento é independente de qualquer registo. A carta-partida somente é eficaz se foi inscrita no registo. Conhecimento "embarcado " (Shipped Bill of Lading) diz-se o conhecimento que somente se entrega no momento em que o objeto entra no navio, ou em que o objeto é deixado no lugar próprio para o embarque. Assim, a Convenção de Bruxelas (25 de agosto de 1924), art. 3, § 7. Com o conhecimento que se considera conhecimento embarcado, podem ser feitas as operações bancárias, porque os riscos foram transferidos pelo remetente, se os tinha. A mercadoria pode ser facilmente localizada. Os inconvenientes são devidos à grande quantidade de conhecimentos e a poder demorai- a entrega do conhecimento, com a possibilidade do embarque do objeto ou dos objetos. O conhecimento "recebido para embarque" é aquêle em que se não enuncia já ter sido embarcado o objeto ou terem sido embarcados os objetos, nem se ter de considerar como tendo sido: o transportador passa-o com a declaração de estar o objeto, ou de estarem os objetos em poder do transportador, para o embarque. É o Bill of Lading -receivedfor shipment. No Código Comercial de 1850, como em todos os outros Códigos Comerciais, não se cogitou disso, porque só se pensava no conhecimento feito pelo capitão. Não somente se passou a redigir conhecimento pelo transportador, como também cresceu a importância da expedição. Por outro lado, com a freqüência dos transportes pela mesma emprêsa, começou-se a não se exigir o nome do navio. O transportador, êsse, recebe o preço do transporte antes do embarque, o que lhe trouxe vantagens econômicas e de escrituração. Nas Regras e Usos uniformes concernentes aos créditos documentários, aprovados pelo Congresso da Câmara de Comércio Internacional de Viena (1933), os bancos podem admitir os conhecimentos "recebido para embarque" nas contas dos clientes, e o Congresso de Lisboa (1951) referiu-se ao conhecimento direto, se emitido pelo armador. O conhecimento "recebido para embarque" compreende o conhecimento "navio no pôrto" (Port Bill of Lading) e o conhecimento "navio esperado" (Custody Bill of Lading). O conhecimento "recebido para embarque" é definitivo, e não provisório, o que supõe considerar-se superada a exigência da emissão pelo capitão ou comandante. Sem razão, C H . L Y O N - C A E N e L . R E N A U L T ;

também, depois, R . F A E S C H (Reederhaftung, 2 6 ) . O conhecimento "recebido para embarque" substitui título sincero a título que os bancos exigiram e se introduzira na prática: o conhecimento "embarcado" sem ainda ter havido o embarque (cf. E D W I N H A E S L I , Das Konnossement, Arten und Funktionen, 1 3 8 ; aliás, antes já o frisava F . S C H U L T Z E ) . 5. C O N H E C I M E N T O D I R E T O E M I S T O . - Diz-se conhecimento direto ou conhecimento misto o conhecimento de transportes sucessivos, mas é conveniente considerar-se a diferença dos transportes e distinguirem-se o conhecimento direto, que supõe pluralidade, e o misto, que alude às naturezas dos transportes (marítimo, aéreo e terrestre, ou vice-versa; marítimo e aéreo, ou vice-versa; marítimo e terrestre, ou vice-versa). Cf. E D W I N H A E S L I (Das Konnossement, Arten und Funktionen, 1 7 7 ) . Na terminologia alemã, fala-se "Durch-Konnossement", mas também de "durch-gehendes Konnossement" "Durchfuhr-Konnossement" "Durchgang-Konnossement" "durch-stehendes Konnossement" "direktes Konnossement" "Durchfracht-Konnossement" Durchgang-Konnossement", "Durchfuhr-Konnossement". Na terminologia inglesa e norte-americana, Trough Bill ofLading. Na italiana, Polizza di carico per transito, ou Polizza di carico diretta. Na holandesa, de Door loopened cognossement, ou Doorvoercognossement. Na danesa, Gjennemgaaende Konnossement. Em Portugal, conhecimento em trânsito. O conhecimento direto, incluído o misto, supõe documento separado, em vez da simples cláusula à margem, como era a princípio c'oncebido. Já no comêço da segunda metade do século XIX se usava o conhecimento direto ( H A N S - J O A C H I M W E I B G E N , Das Durchkonnossement aufseine besonderer Klauseln, 6 2 ; R E N É B O S M A N S , Le Connaissement direct, 1 9 ) . O conhecimento direto tem de conter o nome do primeiro transportador e o nome do interessado no transporte, dito "carregador" (Código Comercial, art. 575,1), o nome do destinatário, ou, se fôr concebido à ordem do interessado, sem o nome do destinatário. Se houve expedição, o nome do expedidor. Também há de conter o nome e porte do navio ou dos navios ou dos outros veículos sucessivos e o lugar do destino, com as escalas, e a menção da qualidade e quantidade dos objetos da carga, marcas e números anotados à margem, preço dos transportes e passagens, lugar e modo do pagamento. Cf. Convenção de Bruxelas (1924), art. 3, § 3, c), que supõe espécies em que o transportador não pode declarar ou mencionar no conhecimento marcas, número, quantidade e pêso se êle tem razão séria para suspeita de que não são verdadeiras as indicações.

Se o título é emitido por transportador que não é o do primeiro percurso, discute-se se o conhecimento é conhecimento direto. Nega-o o H E R M A N N K L E I N (Der Übergang der Rechte vom Absenãer aufden Empfander, 1 ) , que o considera, quando muito, conhecimento "recebido para embarque". Em verdade, porém, se o conhecimento menciona todo o trajeto, há conhecimento direto ( G E O R G E S - O . R O B E R T - T I S S O T , Le Connaissement direct, 7 3 ) . O conhecimento direto pode ser emitido pelo transportador que seja (ou se considere) o transportador principal, ou em nome de todos, ou de alguns. Se todos se vinculam, há o chamado conhecimento direto comum (gemeinschaftliches Durchkonnossement). Ou todos assinam, ou algum ou alguns representam os outros ("for the carriers" "on behalf of carriers", "for the carrying companies". Trata-se, então, de dívida indivisível, salvo cláusula em contrário (e. g., "for the carriers severally, but not jointly"). 6 . P E R D A OU D E S T R U I Ç Ã O D O C O N H E C I M E N T O D E T R A N S P O R T E . -

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número de vias do conhecimento é dado pelo remetente ou carregador, dentro de vinte e quatro horas, substituídos os recibos provisórios que se hajam entregue (Código Comercial, arts. 577 e 578). O remetente ou carregador tem interêsse em, por exemplo, endossai: o original e guardar a segunda via, ou em endossar em penhor a segunda e guardar o original, ou endossá-lo em propriedade com a ressalva do endôsso-penhor. Sem a restituição de tôdas as vias, não pode o remetente ou carregador exigir do transportador a mudança do nome do destinatário. No caso de perda das vias do conhecimento, o destinatário somente pode retirar o objeto ou os objetos transportados mediante caução. Na Lei n. 149-B, de 20 de julho de 1893, art. 16, não se incluem os conhecimentos de transporte, mas a regra jurídica não é exaustiva. As soluções para os diferentes casos foram apontadas no Tomo XXXIII, § 3.810). Todavia, em se tratando de conhecimentos, há as regras jurídicas do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. 9.°. No art. 10, diz o Decreto n. 19.473: "Os conhecimentos e a entrega de bagagem, encomenda, bem como de animais, valores e objetos, remetidos a domicílio continuarão a reger-se pelo regulamento geral de transportes, o qual continuará em vigor, mesmo no concernente a cargas, em tudo quanto não colida com as disposições dêste decreto e da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912". 7. E N T R E G A D O S B E N S T R A N S P O R T A D O S . - Diz o Código Comercial, • 578: "Os conhecimentos serão assinados e entregues dentro de vinte

e quatro horas, depois de ultimada a carga, em resgate dos recibos provisórios; pena de serem responsáveis por todos os danos que resultarem do retardamento da viagem, tanto o capitão como os carregadores que houverem sido remissos na entrega dos mesmos conhecimentos". O art. 578 não foi deirogado pelo Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930. Desde que não se trata de fretamento, ou de contrato de integral lotação por um carregador, a emprêsa ou o capitão não pode recusar o transporte, sob a alegação de não haver pedido suficiente de carga, salvo se havia cláusula nos recibos provisórios. Estatui o Código Comercial, art. 523: "O capitão, ou qualquer outro indivíduo da tripulação, que carregar na embarcação, ainda mesmo a pretexto de ser na sua câmara ou nos seus agasalhados, mercadorias de sua conta particular, sem consentimento por escrito do dono do navio ou dos afretadores, pode ser obrigado a pagar frete dobrado". O art. 523 é invocável pelo dono do navio, ou pelo afretador. Nada tem com as regras jurídicas fiscais, com as suas sanções específicas. Não só se proíbe o transporte clandestino ou de contrabando como o negócio jurídico consigo mesmo, salvo se há permissão por escrito da emprêsa proprietária ou fretadora. Mas a proibição não é causa de nulidade, pois que se concebeu como sanção o frete duplo ou o preço duplo do transporte. Se o bem ou os bens são de uso pessoal ou provadamente para a sua família (e. g., com as iniciais da senhora ou da filha do capitão, a pasta de couro com o nome do filho ou neto do capitão). No Código Comercial, art. 525, supõe-se não haver contrato entre o capitão e o dono do navio, ou o afretador: "É proibido ao capitão fazer com os carregadores ajustes públicos ou secretos que revertam em benefício seu particular, debaixo de qualquer título ou pretexto que seja; pena de correr por conta dêle e dos carregadores todo o risco que acontecer, e de pertencer ao dono do navio todo o lucro que houver". Em todo o caso, no tocante ao que faça de má fé, a despeito da convenção com o dono do navio, ou com o afretador, o art. 525 é invocável. O capitão não é transportador. É empregado do dono do navio, ou do armador, ou, se a espécie ocorre, do afretador. Não éfigurante,em nome próprio, dos contratos de fretamento, de locação ou de transporte. Lê-se no Código Comercial, art. 530: "Serão pagas pelo capitão todas as multas que forem impostas à embarcação por falta da exata observância das leis e regulamentos das Alfândegas e polícia dos portos; e igualmente os prejuízos que resultarem de discórdias entre os indivíduos

da mesma tripulação no serviço desta, se não provar que empregou todos os meios convenientes para os evitar". Na l. a parte do art. 530, há regra jurídica cogente. Na 2.a parte, também; e o ônus de alegar e provar ter procurado evitar, embora sem bom êxito, a discórdia no serviço, incumbe ao capitão. Tem o capitão de observar, estritamente, as regras jurídicas penais, alfandegárias, policiais e contratuais. Não o exime de responsabilidade a alegação de ter recebido ordens ou instruções do dono do navio, do afretador, ou do carregador. A multa ao escrivão de bordo ou a outra pessoa da tripulação não exclui a responsabilidade do capitão, que é solidária (Supremo Tribunal Federal, 11 de junho de 1901, O D., 85, 510). Lê-se no Código Comercial, art. 581: "Falecendo o capitão da embarcação antes de fazer-se à vela, ou deixando de exercer o seu ofício, os carregadores têm direito para exigir do sucessor que revalide com a sua assinatura os conhecimentos por aquêle assinados, conferindo-se a carga com os mesmos conhecimentos; o capitão que os assinar sem esta conferência responderá pelas faltas; salvo se os carregadores convierem que êle declare nos conhecimentos que não conferiu a carga. No caso de morte do capitão ou de ter sido despedido sem justa causai serão pagas pelo dono do navio as despesas da conferência; mas se a despedida provier de fato do capitão, serão por conta dêste". O art. 581 perdeu muito da sua invocabilidade. Os contratos de transporte marítimo, de ordinário, não são mais entre capitão e carregador ou clientela, mas sim entre emprêsa de transporte e carregador ou clientela. Se há sucessão, quanto à emprêsa, continua a eficácia do contrato de transporte, sem necessidade de nôvo contrato, nem sequer de assinatura nos conhecimentos. Se o conhecimento foi assinado pelo capitão, é pertinente o art. 581. O capitão que sucede ao que faleceu, ou deixou o cargo, nenhuma responsabilidade tem quanto ao que aconteceu antes da sua investidura, salvo se, na ocasião, o substituía temporariamente. Diz o Código Comercial, art. 582: "Se as fazendas carregadas não tiverem sido entregues por número, pêso ou medida, ou no caso de haver dúvida na contagem, o capitão pode declarar nos conhecimentos que o mesmo número, pêso e medida lhe são desconhecidos; mas, se o carregador não convier nesta declaração, deverá proceder-se a nova contagem, correndo a despesa por conta de quem a tiver ocasionado. Convindo o carregador na sobredita declaração, o capitão ficará somente obrigado a entregar no pôrto da descarga os efeitos que se acharem dentro da embar-

cação pertencentes ao mesmo carregador, sem que este tenha direito para exigir mais carga; salvo se provar que houve desvio da parte do capitão ou da tripulação". O art. 582 também é invocável se é o transportador quem assina o conhecimento, em vez do capitão. Se o capitão declarou desconhecer o número, o pêso ou a medida e o carregador anui na declaração, não tem direito a mais do que aquilo que se encontra, à chegada, no navio, salvo alegação e prova de desvio por parte do capitão ou da tripulação. Deixar que se desvie é o mesmo que desviar. Se o carregador não anui na declaração, tem de exigir nova contagem, correndo a despesa por conta da emprêsa ou do capitão, se a dívida resultou de ocorrência de serviço do navio, ou do carregador se, por exemplo, a embalagem mal feita deu ensejo à mistura de pacotes, ou trocas de indicações de pêso ou de medida. Lê-se no Código Comercial, art. 583: "Constando ao capitão que há diversos portadores das diferentes vias de um conhecimento das mesmas fazendas, ou tendo-se feito seqüestro, arresto ou penhora nelas, é obrigado a pedir depósito judicial, por conta de quem pertencer". Aqui, supõe-se que haja dúvida quanto ao titular do direito sôbre os bens transportandos, ou transportados, ou medida cautelar ou executiva. Aliás, o juiz que seqüestra, ou arresta, ou penhora, tem de considerar possuidor imediato o transportador e, no momento do seqüestro, do arresto ou da penhora, pode o transportador declarar que não pode ou não quer continuar de ser o possuidor imediato e isso é que lhe permite requerer o d e p ó s i t o judicial. O depósito judicial ou resulta de haver dúvida sôbre a titularidade do direito e não querer o transportador ser o depositário, ou de ter havido a medida cautelar ou executiva. Se o transportador não requerer o depósito judicial, depositário judicial passa a ser, em virtude do seqüestro, ou do arresto ou da penhora. Sempre que há dúvida justificável quanto à legitimação de quem se apresenta, pode ser pedido o depósito judicial. Se o capitão levantou dúvida incabível, mesmo que o juiz defira o pedido de depósito, sem reputar justificável a dúvida, responde pelo prejuízo que ao carregador causa o retardo, ou o próprio depósito. O depósito judicial, de que se trata, regese pelo Código de Processo Civil, arts. 314-318, derrogado - ou, melhor, superado - o art. 402 do Reg. n. 737. Acrescenta o Código Comercial, art. 584: " N e n h u m a penhora ou embargo de terceiro, que não fôr portador de algumas das vias de conhecimento, pode, fora do caso de reivindicação segundo as disposições deste

Código (art. 874, n. 2), privar o portador do mesmo conhecimento da faculdade de requerer o depósito ou venda judicial das fazendas no caso sobredito- salvo o direito do exeqüente ou de terceiro opoente sôbre o preço da venda". Se há penhora, seqüestro ou arresto, sem que o requerente se haja legitimado como portador de via de conhecimento, o portador conhecimento é possuidor mediato e pode requerer o depósito judicial ou a venda. Em todo o caso, uma vez que se fêz o arresto, o seqüestro ou a penhora, há a constrição do preço da venda. Na ação de reivindicação e na ação de vindicação de posse, pode o terceiro vir com os seus embargos de terceiro (Código de Processo Civil, arts. 707-711). Já assim sob o Reg. n. 737.'. art. 604. A respeito da demora quanto à retirada dos bens transportados, estatui o Código Comercial, art. 585: "O capitão pode requerer o depósito judicial todas as vêzes que os portadores de conhecimento se não apresentarem para receber a carga imediatamente que êle der princípio à descarga e nos casos em que o consignatário esteja ausente ou seja falecido". O transportador, que não tem armazém em que fiquem os bens transportados, até que sejam retirados, ou se a retirada não se fêz no prazo convencionado, por escrito, ou pelo uso, não pode ser constrangido a mantê-los no navio, ou em lugar em que desembarcou. Daí o seu direito e pretensão ao depósito judicial, mediante o qual deixa de ser possuidor imediato. O que importa, para a invocabilidade do art. 585, é que o capitão ignora a quem há de entregar a carga, o que aliás está previsto no art. 528. O capitão - aliás, a emprêsa de transporte ou o capitão - pode exigir do dono da carga ou do destinatário a importância do transporte, das avarias grossas e das despesas que teve de fazer. Se não recebe o que é devido, nem lhe foi depositado o montante, ou dada garantia, pode pedir o arresto que então recai nos bens transportados, quando entregues ao dono ou ao destinatário, ou postos em estações. Tal medida cautelar somente pode ser pedida nos trinta dias contados do último dia da descarga. Se os bens forem de fácil deterioração, há a pretensão à venda em público leilão, caso em que sôbre o preço se dá sub-rogação real (Código Comercial, art. 527; Reg. n. 737, arts. 358 e 359). Se há dívida do dono ou destinatário dos bens transportados, há a tradição, o arresto e a venda em público leilão. Se não há dívida, a pretensão da emprêsa transportadora ou do capitão é ao depósito, se o dono ou destinatário se recusa a receber os bens transportados, ou não se sabe a quem se

na de fazer a entrega. Idem, se o valor da avaria grossa não puder ser desde logo liquidado (Código Comercial, art. 619). Desembarcada a mercadoria, os riscos são por conta do destinatário mas a emprêsa ou o capitão têm de requerer o depósito judicial, ou prevenir os carregadores, se há armazém em que fiquem. Daí a conveniência de explicitude nos conhecimentos de transportes. Ao capitão incumbe funções técnicas, porque é a pessoa que comanda a tripulação e dirige a nave (Código Comercial, art. 497: "O capitão tem a faculdade de impor penas correcionais nos indivíduos da tripulação, que perturbaram a ordem do navio, cometerem faltas de disciplina, ou deixarem de fazer o serviço que lhes competir; e até mesmo de proceder à prisão por motivo de insubordinação, ou de qualquer outro crime cometido a bordo, ainda mesmo que o delinqüente seja passageiro; formando os necessários processos, os quais é obrigado a entregar com os prêsos às autoridades competentes no primeiro pôrto do Império onde entrar"; Decreto n. 5.798, de 11 de junho de 1940, art. 462, inciso 27). Cf. Código Comercial, art. 499; Decreto n. 5.798, arts. 414, 415 e 462, inciso 27. Além das funções técnicas, tem o capitão a função de empregado da emprêsa de transporte, se não é o dono do navio.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.882. A - Legislação Em relação ao transporte de mercadorias, mantém-se vigente, como regra, a Parte Segunda do Código Comercial de 1850, que regula o comércio marítimo, naquilo que não for incompatível com o disposto nos arts. 743 a 756 do CC/2002.

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Das normas do Código Civil de 2002, o art. 743 estabelece as informações que deverão constar da coisa a ser transportada. Em relação ao transporte de cargas perigosas, há numerosa legislação, integrada por decretos-lei, decretos, portarias e resoluções dos diversos órgãos competentes. No caso do transporte de material radioativo, incide a Lei 9.765/1998. O art. 744 do CC/2002, estabelece a obrigatoriedade do transportador emitir o conhecimento, documento em que deve constar os dados que identifique a coisa, para o que remete a lei especial. Poderá exigir, também, que o remetente entregue relação das coisas a serem transportadas em duas vias, com a respectiva discriminação. Tratando-se de transporte multimodal de cargas, o art. 8.° da Lei 9.611/1998 define e emissão do conhecimento como condição de eficácia do contrato de transporte, estabelecendo seu art. 10, as informações que devem conter.

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Em razão do disposto no art. 19 da Lei 8.088/1990, admite-se apenas a emissão

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do conhecimento nominativo ou à ordem, não podendo ser emitido ao portador.

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O art. 745 do CC/2002 define que, no caso de haver informação falsa ou inexata no documento relativo à descrição da coisa, há direito do transportador à indenização, pelo prejuízo que sofrer, devendo interpor a ação em cento e vinte

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dias da data do ato.

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O art. 746 do CC/2002 faculta ao transportador recusar a coisa quando esteja

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embalada de modo inadequado, bem como possa colocar em risco a saúde das

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pessoas ou causar danos ao próprio veículo ou a outros bens. Da mesma manei-

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ra, constitui dever do transportador recusar-se a transportar coisas que a lei não

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lhe permita, que tenha comercialização proibida, ou que venha desacompanhada

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dos documentos previstos em lei, conforme dispõe o art. 747 do CC/2002.

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O Código Civil, da mesma forma, confere ao remetente o direito de resolver o contrato, desistindo antes da entrega da coisa, ou pedindo-a de volta, ou alterar seu destinatário. Nesse caso, o art. 748 do CC/2002 condiciona ao pagamento

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das despesas decorrentes da contra-ordem, mais as perdas e danos. Exige-se, portanto, demonstração do prejuízo que o transportador possa pretender ter res-

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sarcido. No caso de valer-se de cláusula penal, anote-se os limites previstos nos

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arts. 412 e 413 do CC/2002, de modo a assegurar sua função e proporcionalidade. O art. 749 do CC/2002 consagra a obrigação de incolumidade no transporte de coisas, indicando o dever do transportador de conduzir a coisa a seu destino, com todas as cautelas para conservar seu bom estado e realizar a entrega no prazo convencionado.

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O art. 750 do CC/2002 limita a responsabilidade do transportador ao valor

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constante do conhecimento, desde o momento em que seja a coisa recebida por

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ele e seus prepostos, até sua entrega ao destinatário. Neste sentido tem a coisa consigo, devendo conservá-la, e caso venha a guardá-la ou armazená-la antes da entrega, refere o art. 751 do CC/2002 que deve observar, no que couber, as disposições relativas ao depósito, previstas nos arts. 627 et seq do CC/2002. Quando do desembarque de mercadorias, o art. 752 do CC/2002 estabelece que não há dever do transportador de avisar o destinatário ou de entregar a domicílio, se isso não tiver sido convencionado previamente. Por outro lado, no caso de impossibilidade de realização do transporte, ou mesmo de longa interrupção que venha a sofrer, o transportador tem o dever de informar e solicitar instruções ao remetente sobre como proceder. Mantém-se, todavia, responsável pelo pere-

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cimento ou deterioração da coisa, obrigação da qual só se desincumbe se, não sendo a causa do inconveniente imputável a si, depositando a coisa em juízo

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ou vendendo-a, observadas as exigências legais, conforme preceitua o art. 753,

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caput e parágrafos, do CC/2002. Sendo a causa que impede o transporte impu-

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tável ao transportador, responde pelo risco do depósito, admitindo-se que possa

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vender a coisa apenas se for perecível, tudo o que deverá informar ao remetente.

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Em qualquer caso, se deixar a coisa em depósito nos seus próprios armazéns,

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permanecerá responsável, porém, poderá exigir remuneração pela custódia (art.

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753, § 4.°, do CC/2002).

I

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O art. 754 do CC/2002 prevê que a entrega da coisa deve se dar ao destinatário ou a quem apresentar o conhecimento endossado, cabendo a quem recebe fazer sua conferência, e apresentar as respectivas reclamações, sob pena de decadência do direito de reclamar. Ocorrendo de não ser perceptível, estabelece o parágrafo único do art. 754 do CC/2002 que o destinatário conserva a ação, desde que denuncie o dano em dez dias contados da entrega. Nesse caso, todavia, note-se que se tratando de relação de consumo, deve-se observar o disposto nos arts. 20 e 26 do CDC, que disciplinam a responsabilidade do fornecedor por vícios do serviço, e prevê o prazo de 90 (noventa) dias para a reclamação, o qual, tratando-se de vício oculto, passa a contar do momento em que se tornou evidente (art. 26, § 3.°, do CDC). No caso de extravio de coisas, contudo, há entendimentos divergentes, um indicando a prevalência da regra já mencionada do art. 26, outro de que o prazo da ação de reparação seria o do art. 27 do CDC, de 5 (cinco) anos contados da data do dano e sua autoria. O art. 755 do CC/2002 estabelece dever do transportador, no caso de dúvida sobre quem seja o destinatário, e ausentes instruções do remetente, de promover seu depósito judicial. Contudo, se a demora puder dar causa à deterioração da coisa, deverá vendê-la, depositando em juízo os valores auferidos. Por fim o art. 756 do CC/2002 disciplina o transporte de coisa cumulativo, em reforço à regra do art. 733 do CC/2002, ao impor a todos os transportadores responsabilidade solidária pelo dano causado ao remetente, preservada ação de regresso. Tratando-se de transporte multimodal, incide a disciplina da Lei 9.611/1998, inclusive no tocante ao contrato de transporte, emissão do conhecimento de transporte e responsabilidade do operador de transporte multimodal. Em relação ao conhecimento de transporte, o Decreto 19.473/1930 que o disciplinava, foi revogado pelo Decreto sem número de 25.04.1991. Todavia, embora não seja mais direito vigente, pela falta de legislação específica, continua sendo invocado pela doutrina para efeito de informar sobre os elementos que devem constar no documento em questão. Refira-se, ainda, que, embora não se trate, em sentido estrito de legislação,

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no comércio internacional costuma-se referir à UCP (ou brochura) 500 (Uniform

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Customs and Practice for Documentary Credits), editada pela Câmara de Comércio Internacional, que estabelece regras sobre a emissão e aceitação de cartas

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de crédito como meio de pagamento de contratos internacionais. Estas regras e usos uniformes, em matéria de crédito documentário, além dos atos internacionais mencionados por Pontes de Miranda (Congressos da Câmara de Comércio Internacional de Viena, 1933, Lisboa, 1951), merece menção o Congresso da Câmara de Comércio Internacional do México, de 1962, que aprovou normas e costumes uniformes para créditos documentários, assim como as revisões realizadas em 1970, 1974 e 1993. São três as principais normas internacionais de transporte marítimo de mercadorias, porém apenas a primeira, a Convenção de Bruxelas, de 1924 (International Convention for Unification of Certain Rules related to bill of ladings), com as alterações promovidas pelo Protocolo de 1968, e depois, com o Protocolo dos Direitos Especiais de Saque, de 1979, foi ratificada pelo Brasil. A Convenção de

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Hamburgo, de 1978 (United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea), e a uniformização norte-americana Carriage of goods by Sea Act, de 1939, embora ratificadas por alguns países, não integram o direito brasileiro.

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§ 4.882. B - Doutrina

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O dever de custódia do transportador, o qual importa na s u a custódia até o

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destino, tem por fundamento o regime legal explícito no art. 749 do CC/2002, os deveres anexos decorrentes da boa-fé objetiva ísa Helena;

MORAES,

(TEPEDINO,

Gustavo;

BARBOZA,

Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado

Helo-

conforme

a

Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. vol. II, p. 550). O regime !

de responsabilidade do transportador atualmente, contudo, considera-se objetivo,

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independente de culpa, em vista do inadimplemento da obrigação de resultado.

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No tocante ao conhecimento de transporte, constitui-se como instrumento do

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contrato, e se caracteriza como título de crédito impróprio, podendo ser nego-

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ciado

(MARTINS,

Fran. Contratos

e obrigações

comerciais.

14. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1999. p. 211). A perda ou extravio do conhecimento, todavia, não impede o exercício do direito pelo expedidor ou pelo destinatário, uma vez que não é da substância do contrato, mas apenas meio de prova. Pode, nesse sentido, ser substituído por segunda via emitida pelo transportador.

§ 4.882. C - Jurisprudência A apresentação do conhecimento de transporte é dispensável nas ações que discutam o extravio de mercadorias no transporte marítimo, desde que seja possível provar por outro meio (STJ, REsp 151.079/SP, 4. a T., j. 24.08.2004, rei. Min. Barros Monteiro, D J 29.11.2004). Não se opera cláusula excludente de responsabilidade do transportador em relação a danos o u extravio de mercadorias transportadas no convés, em face da responsabilidade objetiva legal (TJSP, ApCiv 196598020088260562, j. 16.11.2011, rei. Luiz Sabbato,

DJ28.11.2011).

A jurisprudência brasileira afirma-se, tradicionalmente, no sentido de considerar como não escrita a cláusula de não indenizar no contrato de transporte, dá justamente o reconhecimento da obrigação de incolumidade do transportador, i

Nesse sentido já assentava a Súmula 161 do S T F editada em 1963. Da mesma forma a rejeição da culpa de terceiro como causa de exclusão do dever de indenizar do transportador, ora prevista expressamente no Código Civil, já era objeto de entendimento consolidado na Súmula 187 do STF, editada em 1963. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio da Súmula 109 do STJ, fixou entendimento de que a indenização por extravio de mercadoria transportada pela via marítima independe de vistoria. No caso de sobre-estadia de container M dever de indenizar o transportador, para o que a jurisprudência indica a aplicação analógica das normas acerca da sobre-estadia do navio (STJ, REsp 678.100/SP, 3. a T „ j. 04.08.2005, rei. Min. Castro Filho, DJ 05.09.2005).

§ 4.883.

RESPONSABILIDADE DO

TRANSPORTADOR

- Se não se inicia, ou se inicia e não chega ao pôrto do destino a viagem, de modo que se deixa de entregar o objeto transportando, ou que foi transportado porém sem a entrega, infringiu o transportador o dever de transportar. A entrega fora do prazo convencionado, por atraso na viagem ou na entrega, é adimplemento ruim, que se há de tratar como inadimplemento. Outrossim, & perda parcial do objeto ou dos objetos, ou a entrega com avaria no objeto ou nos objetos. O transportador é responsável por falta sua, ou por falta do capitão ou da equipagem. Se não é o armador, tem o transportador ação regressiva contra aquêle, se culpado o capitão ou alguém da equipagem. 1.

INADIMPLEMENTO DO DEVER DE TRANSPORTAR.

O dano pode ter resultado de defeito ou vício do navio, inclusive oculto, pois não se pode importar, diante dos arts. 1.101-1.106 do Código Civil - regras jurídicas que se estendem ao direito comercial e ao próprio direito público - a tese de não poder o armador conhecer todos os defeitos e vícios, dada a complexidade dos navios de hoje. Se a natureza do objeto transportando foi declarada no conhecimento, ou se consta da destinação do navio, a falta de qualidades ou dimensões ou aparelhos para isso é elemento de culpa do transportador, que, se ocorrem os pressupostos, tem ação regressiva contra o armador. É o caso de não haver ar suficiente, nos vagões, para os animais transportados, ou serem fracos ou não serem bastantes os frigoríficos, ou haver demasiada umidade que atinja objetos que não se possam umedecer. O ônus da alegação e da prova de não ser responsável compete ao transportador, como objeção, inclusive quanto a ter havido fôrça maior ou caso fortuito. A responsabilidade do transportador é correspondente aos seus deveres e aos deveres do capitão e da tripulação. Lê-se no Código Comercial, art. 526: "É obrigação do capitão resistir por todos os meios que lhe ditar a sua prudência a tôda e qualquer violência que possa intentar-se contra a embarcação, seus pertences e sua carga; e se fôr obrigado a fazer entrega de tudo ou de parte, deverá munir-se com os competentes protestos e justificações no mesmo pôrto, ou no primeiro onde chegar (arts. 504 e 505) • 2. CLÁUSULA DE IRRESPONSABILIDADE. - A cláusula de irresponsabilidade de modo nenhum pode afastar a responsabilidade pelo dolo ou pela culpa. Resta apenas o problema da validade da cláusula de ixxesponsabili-

dade se o fato alheio ao transportador, ao capitão e à equipagem, somente causou dano por não ter o transportador tomado as providências usuais ou usuais ou necessárias. Não se deve, portanto, no estado atual do direito brasileiro, dar ao destinatário o ônus de alegar e provar que houve o dolo ou culpa do transportador. O ônus é dêsse. Como argumento de política jurídica, diz-se que a proibição das cláusulas de irresponsabilidade concorreram para a decadência ou insuficiente desenvolvimento da navegação marítima no Estado que as veda; diz-se também o contrário. De qualquer maneira, não é com argumento de política jurídica que se hão resolver problemas de iure condito. Na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, que regulou a responsabilidade das estradas de ferro, o art. 12 foi mais claro do que o lêem os que desejam "afrancesar" o direito brasileiro: "A cláusula de não garantia das mercadorias, bem como a prévia determinação do máximo de indenização a pagar, nos casos de perda ou avaria, não poderão ser estabelecidas pelas estradas de ferro senão de modo facultativo e correspondendo a uma diminuição de tarifa. Serão nulas quaisquer outras cláusulas diminuindo a responsabilidade das estradas de ferro estabelecida ija presente lei". No Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. 1.°, 1.' alínea, que regulou os conhecimentos de transportes de mercadorias por terra, água ou ar, e deu outras providências, estatui-se: "O conhecimento de frete" - leia-se o conhecimento de transporte - "original, emitido por emprêsas de transporte por água, terra ou ar, comprova o recebimento da mercadoria e a obrigação de entregá-la no lugar do destino". Na 2.a alínea, acrescenta-se: "Reputa-se não escrita qualquer cláusula restritiva, ou modificativa dessa prova, ou obrigação". Tem-se querido insinuar diferença entre restrição ou modificação da obrigação e restrição ou modificação da responsabilidade do transportador, o que é sem senso. Transportar é receber o objeto e entregá-lo tal como foi recebido. A responsabilidade pelos danos que o objeto sofreu é inclusa no dever contratual de entrega. A jurisprudência é no sentido de não valerem tais cláusulas de irresponsabilidade pelos danos, inclusive perda (e. g., Supremo Tribunal Federal, D. da J. de 2 de setembro de 1950, apenso 203, 295; Tribunal Federal de Recursos, D. da J. de 22 de junho de 1950, apenso n. 142, 1908, e D. daJ. de 24 de junho de 1950, apenso n. 144, 1926; 4.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 27 de julho de 1948, D. da J. de 8 de dezembro de 1948, apenso n. 283; 5.a Câmara Cível. 18 de novembro de 1947, D. da J. de 1° de julho de 1948, apenso n. 150, 1730 s.; contra:

3.a Câmara Cível, 21 de agosto de 1945, D. da J. de 28 de agosto de 1945; 7.a Câmara Cível, 17 de novembro de 1947, D. da J. de 1.° de julho de 1947' apenson. 150,1730). É preciso que não se admitam cláusulas de irresponsabilidade que retirariam ao contrato de transporte a sua estrutura. Por outro lado, o que mais importa é saber-se se, na espécie, a regra jurídica invocada é ius cogens, ou ius dispositivum, ou ius interpretativum. Se a regra jurídica é cogente, não há pensar-se em qualquer permissão de cláusula de irresponsabilidade. No Código Civil italiano, o art. 1.229, l.a alínea, permite pré-exclusão ou restrição da responsabilidade pela culpa leve: "È nullo qualsiasi patto che esclude o limita preventivamente la responsabilità dei debitore per dolo o per colpa grave". Na 2.a alínea acrescenta-se: "È nullo altresi qualsiasi patto preventivo di esonero o di limitazione di responsabilità per i casi in cui il fatto dei debitore o dei suoi ausiliari costituisca violazione di obblighi derivanti da norme di ordine pubblico". O direito brasileiro não tem a regra jurídica da l. a alínea. A da 2.a alínea está incluída no art. 145, V, do Código Civil. Nos casos em que se pode pré-excluir ou restringir a responsabilidade também se pode alterar a atribuição do ônus da alegação e da prova. Se nada se dispôs, o ônus da alegação e da prova de não ser responsável incumbe ao devedor. Portanto, a cláusula de irresponsabilidade só se atende no direito material. Para a aplicação processual, é preciso que tenha havido cláusula de inversão do ônus de alegar e provar. Essa pode existir sem existir aquela, como aquela pode existir sem que essa exista. O pactum de dolo non praestando é nulo. Se o transportador não infringe qualquer dever de ordem pública, e se mencionou o risco, fazendo o remetente conhecedor do que ocorre no navio, ou pode, com grande probabilidade, ocorrer, a cláusula é válida. O que não se pode afastar é a responsabilidade do transportador por omitir medida que êle, no percurso, poderia tomar e não tomou, daí resultando o dano. Se o direito público exige elementos técnicos que afastem os riscos e a culpa consistiu em não se ter observado, deve-se considerar inválida a cláusula de irresponsabilidade. Não se precisa exigir que tenha havido o dolo, ou a má fé, a que se referia a Côrte de Cassação belga, a 26 de outubro de 1877. A falta grave, a culpa grave, é conceito que não bastaria à d i s c r i m i n a ção do que é lícito e do que é ilícito na pré-exclusão ou na restrição da res-

p o n s a b i l i d a d e . Mesmo porque a culpa grave quase sempre dolo é, uma vez que o transportador antepôs algum interesse seu ao interêsse do remetente ou do destinatário. Transportador que leva ao extremo a sua negligência dolosamente se comporta. Por vêzes se alegou contra a cláusula de irresponsabilidade que favorece a má fé, que, sendo o contrato de transporte contrato de receber e entregar, afastar-se a responsabilidade pela culpa seria contraditório, pois que a cláusula dificulta a circulação do conhecimento. A favor, insinua-se que, se as leis permitem o seguro mesmo contra a barataria do capitão (Código Comercial, art. 711, inciso 12), não se compreende que êsse não se possa eximir (o que revela o nível intelectual dos que o dizem).

As cláusulas "que diz ser", como as cláusulas "pêso e medidas desconhecidos", não são pré-excludentes da responsabilidade: não pode ser responsabilizado quem não acordou sôbre a qualidade, a quantidade ou pêso. Porém, mesmo assim, acordou no transporte e o destinatário pode alegar e provar o que em verdade foi entregue ( J O S É D A S I L V A C O S T A , Direito Comercial Marítimo, 1,2.a ed., 430). A cláusula "livre de queda", ou "livre de avarias", ou "livre de derramamento", ou outra semelhante, afasta a responsabilidade do transportador, mas, ainda assim, pode o destinatário alegar e fazer a prova da culpa do transportador (ou do capitão) ou de pessoa da equipagem. 3 . T E M P O D A C U S T Ó D I A . - LÊ-se no Código Comercial, art. 519: " O capitão é considerado verdadeiro depositário da carga e de quaisquer efeitos que receber a bordo, e como tal está obrigado à sua guarda, bom acondicionamento e conservação, e à sua pronta entrega à vista dos conhecimentos (arts. 586 e 587). A responsabilidade do capitão a respeito da carga principia a correr desde o momento em que a recebe, e continua até o ato da sua entrega no lugar que se houver convencionado, ou que estiver em uso no pôrto da descarga". Raramente é ao capitão que, hoje, se entrega a carga. Há o recebimento pela emprêsa transportadora, quando ainda não se embarca o objeto ou se não embarcam os objetos, como há a entrega em terra, conforme o contrato de transporte.

Diz o Código Comercial, art. 520: "O capitão tem direito para ser indenizado pelos donos de tôdas as despesas necessárias que fizer em utilidade da embarcação com fundos próprios ou alheios, contanto que nao tenha excedido as suas instruções, nem as faculdades que por sua

natureza são inerentes à sua qualidade de capitão". O capitão, ou, melhor o transportador. Estatui o Código Comercial, art. 521: "É proibido ao capitão pôr carga alguma no convés da embarcação sem ordem ou consentimento por escrito dos carregadores; pena de responder pessoalmente por todo o prejuízo que daí possa resultar". A carga posta no convés é carga que está em lugar atingível por tôdas as intempéries e acessos de tripulação e de visitantes. A permissão sem ser por escrito é ineficaz, mas as circunstâncias podem suscitar o consentimento telegráíico, e o que se deu por telefone fica dependente de posterior comunicação por escrito ou de confirmação. 4. D E V E R D E E N T R E G A P E L O T R A N S P O R T A D O R . - Diz o Código Comercial, art. 529: "O capitão é responsável por tôdas as perdas e danos que por culpa sua, omissão ou imperícia sobrevierem ao navio ou à carga; sem prejuízo das ações criminais a que a sua malversação ou dolo possa dar lugar (art. 608). O capitão é também civilmente responsável pelos furtos, ou quaisquer danos praticados a bordo pelos indivíduos da tripulação nos objetos da carga, enquanto esta se achar debaixo da sua responsabilidade". Os princípios que aí se assentam são princípios de direito comum. Lê-se no Código Comercial, art. 588: "Contra os conhecimentos só pode opor-se falsidade, quitação, embargo, arresto ou penhora e depósito judicial, ou perdimento dos efeitos carregados por causa justificada". O art. 588 exemplifica as objeções e exceções que o transportador pode opor. Ao transportador cabe objetar a falsidade ou falsificação do conhecimento de transporte, o ter sido entregue o bem transportado, ou terem sido entregues os bens transportados, e haver recibo do apresentante do conhecimento de transporte (ao terceiro de boa fé, que não passou recibo, não pode ser oposto que há recibo de entrega), ter havido embargo ou arresto, ou seqüestro, do que havia de ser entregue, ou depósito judicial, ou m e d i d a judicial executiva. Finalmente, pode ter havido perda ou destruição, com "causa justificada", isto é, causada a perda, ou a destruição sem que, conforme os princípios, tenha de responder pela indenização o transportador. O transportador não tem direito de retenção, mas há as pretensões a medidas cautelares. Diz o Código Comercial, art. 527: "O capitão nao pode reter a bordo os efeitos da carga a título de segurança do frete; mas tem direito de exigir dos donos ou consignatários, n o ato da entrega a

carga, que depositem ou afiancem a importância do frete, avarias grossas e despesas a seu cargo; e na falta de pronto pagamento, depósito, ou fiança, poderá requerer embargo pelos fretes, avarias e despesas sôbre as mercadorias da carga, enquanto estas se acharem em poder dos donos ou consignatários, ou estejam fora das estações públicas ou dentro delas; e mesmo para requerer a sua venda imediata, se forem de fácil deterioração, ou de guarda arriscada ou dispendiosa. A ação de embargo prescreve passados trinta dias a contar da data do último dia da descarga". No momento em que o legitimado a receber exige a entrega, têm de ser alegadas a falta de pagamento do frete, das avarias grossas e das despesas que o transportador teve ou tem de fazer. Se o legitimado a receber não o faz, nem dá a garantia, tem o transportador de requerer o embargo ou arresto dos bens transportados ou do bem transportado. O prazo do art. 537 é prazo preclusivo, e não prescripcional. A ratio legis do art. 537 está em se explicitar a existência da pretensão à medida cautelar, afastando-se a retenção até que se pague, ou se deposite o que é devido, ou se dê garantia (caução ou fiança). Se tal não ocorre, o que o transportador tem de fazer é exercer a pretensão à medida cautelar, nos trinta dias, contados após a descarga. Se o objeto foi entregue, ou se foram entregues os objetos, a medida cautelar só tem cabimento enquanto a carga está em poder do devedor da quantia, quer se achem em armazéns ou depósitos do Estado, ou não. O que importa é que não tenha o devedor alienado a terceiro de boa fé o que fôra transportado. Se ainda não ocorreu a entrega, o transportador ou pede ao juiz a medida cautelar do arresto ou embargo, ou, se a carga é de fácil deterioração ou de guarda arriscada ou dispendiosa, desde logo a medida cautelar da venda imediata. Pode acontecer que o possuidor do conhecimento de transporte não apareça, nem seja encontrado. Daí estabelecer o Código Comercial, art. 528: "Quando por ausência do consignatário, ou por se não apresentar o portador do conhecimento à ordem, o capitão ignorar a quem deva competentemente fazer a entrega, solicitará do juiz de direito do Comércio, e onde o não houver da autoridade local a quem competir, que nomeie depositário para receber os gêneros e pagar os fretes devidos por conta de quem pertencer". O texto legal supõe que haja no lugar autoridade a que se entregue a mercadoria ou outro bem. Tal entrega é somente da posse imediata, porque a posse imediata do transportador se mediatizou, abaixo da posse mediata do possuidor do conhecimento de transporte, se é o caso, aliás o mais freqüente. Se no lugar não há tal autoridade, o transportador pode pedir ao juiz que nomeie depositário. A esse compete a custódia do

462



TRATADO DE DIREITO PRIVADO - Tomo XLIV

bem transportado, ou dos bens transportados, e solver as dívidas que provenham do transporte. Se o depositário não recebe o quanto devido, tem de requerer a venda, segundo os princípios de direito processual. Quanto ao fretamento e à locação, diz o Código Comercial, art. 522: "Estando a embarcação fretada por inteiro, se c capitão receber carga de terceiro, o fretador tem direito a fazê-la desembarcar". Aí, o contrato, que se supõe, não é o de transporte, mas sim o de fretamento ou de locação da embarcação. O outorgado tem direito ao espaço e a ocupação dêsse espaço turba-lhe a posse. Em todo o caso, no próprio contrato de transporte, se há a cláusula de transporte em determinado lugar, o remetente ou carregador, embora sem posse da nave, ou de parte dela, tem ação contra o transportador por inadimplemento ou por adimplemento ruim. Não tem o direito de fazer desembarcar, porque não fretou a nave, nem locou a nave ou parte da nave. — Quanto aos deveres do capitão, estatui o Código Comercial, art. 533: "Sendo a embarcação fretada para pôrto determinado, só pode o capitão negar-se a fazer a viagem, sobrevindo peste, guerra, bloqueio ou impedimento legítimo da embarcação sem limitação de tempo". A emprêsa, que se vinculou ao fretamento, ou ao contrato de transporte, para pôrto determinado, tem de cumprir o que prometeu, salvo fôrça maior ou caso fortuito (peste, guerra, bloqueio, impedimento legítimo da embarcação sem limitação de tempo, isto é, por tempo indefinido). Se há tempo definido, a viagem tem de ser feita, se convém ao afretador ou carregador. 5 . DEVERES E DIREITOS DA EMPRESA E DO CAPITÃO.

A responsabilidade do capitão ou da emprêsa, que freta, ou contrata transporte, cessa, nos casos do art. 533, se há guerra, ou se há perigo de declaração de guerra entre o país estrangeiro e o Brasil, ou entre o país do pôrto e outro país, de jeito que se possa admitir existir perigo grave. A guerra ou a proximidade de guerra com país que não é o destino do navio não basta, salvo se o percurso tem de ser próximo de um dos países em guerra. No que concerne ao falecimento de passageiro, durante a viagem, diz o Código Comercial, art. 534: "Acontecendo falecer algum passageiro ou indivíduo da tripulação durante a viagem, o capitão procederá a i n v e n t á r i o de todos os bens que o falecido deixar, com assistência dos oficiais da embarcação e de duas testemunhas, que serão com preferência p a s s a g e i r o s , pondo tudo em boa arrecadação e logo que chegar ao pôrto da saída fará

entrega do inventário e bens às autoridades competentes". No momento mesmo em que ocorre a morte, ou em que é de prever-se que seja próxima, tem o capitão o dever de inventariar os bens do falecido ou moribundo, presentes os oficiais da embarcação e duas testemunhas, que hão de ser, se possível, passageiros. No pôrto em que o falecido ou moribundo teria de desembarcar, ou chega ainda com vida, inventário e bens têm de ser entregues à autoridade competente, ou a quem esteja a isso legitimado, mediante recibo. Finda a viagem, para o capitão, quando o navio chega ao seu destino, se há fôrça maior ou caso fortuito, se o próprio capitão resolve parar o navio, ou se cessam as suas funções. Os direitos do capitão, finda a viagem, são d) o de receber a soldada ajustada e a primagem, créditos, esses, privilegiados (Código Comercial, art. 470, inciso 5) e não suscetíveis de constrição cautelar ou executiva (Reg. n. 737, de 25 de dezembro de 1850, arts. 529, § 4.°, e 339; Decreto de 13 de dezembro de 1872; Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 102, § 1.°). No art. 529, § 4.°, do Reg. n. 737 está explícito que não podem ser absolutamente penhoradas "as soldadas de gente de mar e salários dos guarda-livros, feitores, caixeiros e operários". O capitão, como as outras pessoas que têm soldada de serviço marítimo, têm a pretensão e a ação de soldada (Reg. n. 737, art. 289-298; Decreto-lei n. 5.452, de 1.° de maio de 1943, arts. 248-252,457-467), que prescreve, hoje, em dois anos (Decreto-lei n. 5.452, art. 11), e não mais em um ano, como se dizia no Código Comercial, art. 449, inciso 4 (Tomo VI, §§704, 2; 713, 3). Quanto à prestação de contas do capitão, diz o Código Comercial, art. 535: "Finda a viagem, o capitão é obrigado a dar sem demora contas da sua gestão ao dono ou caixa do navio, com entrega do dinheiro em que se tiver, livros e todos os mais papéis. E o dono ou caixa é obrigado a ajustar as contas do capitão logo que as receber, e a pagar a soma que lhe fôr devida. Havendo contestação sôbre a conta, o capitão tem direito para ser pago imediatamente das soldadas vencidas, prestando fiança de as repor, a haver lugar". Há o dever de prestar contas e o direito a receber o que lhe é devido. Quanto às soldadas vencidas, não há cômputo com as outras despesas. A fiança à reposição da soldada é obsoleta. O capitão tem direito a ser indenizado das despesas necessárias que fizer no navio, uma vez que não haja excedido as instruções recebidas (Có-

digo Comercial, art. 520). Aliás, a necessidade não prevista pode ser fora das instruções, o que afasta a literalidade do art. 520. Diz o Código Comercial, art. 536: "Sendo o capitão o único proprietário da embarcação, será simultaneamente responsável aos afretadores e carregadores por tôdas as obrigações impostas aos capitães e aos armadores". Aí, supõe-se que o dono da nave seja o capitão e a sua responsabilidade é tripla: de dono, de capitão e a de armador. Tem-se no Código Comercial, art. 531: "O capitão que, fora do caso de inavegabilidade legalmente provada, vender o navio sem autorização especial dos donos, ficará responsável por perdas e danos, além da nulidade da venda, e do procedimento criminal que possa ter lugar". Trata-se de venda de bem alheio, com o suporte fáctico de crime. Todavia, conforme o art. 531, l. a parte, em caso de inavegabilidade provada juridicamente, se há prova, segundo as leis, de não se poder navegar com o navio, pode o capitão vendê-lo, ou trocá-lo. Para que, fora de tal espécie, tenha êle podêres para a alienação, é preciso que êsses podêres sejam especiais. Lê-se no Código Comercial, art. 532: "O capitão que, sendo contratado para uma viagem certa, deixar de a concluir sem causa justificada, responderá aos proprietários, afretadores e carregadores pelas perdas e danos que dessa falta resultarem. Em reciprocidade, o capitão que, sem justa causa, fôr despedido antes de finda a viagem, será pago da sua soldada por inteiro, pôsto à custa do proprietário ou afretador no lugar onde começou a viagem, e indenizado de quaisquer vantagens que possa ter perdido pela despedida. Pode, porém, ser despedido antes da viagem começada, sem direito a indenização, não havendo ajuste em contrário". A responsabilidade é do capitão, mas o transportador responde pelos atos do capitão. No tocante à 3.a parte do art. 532, cumpre advertir-se que os capitães se inserem, hoje, no pessoal das emprêsas, com os deveres e direitos resultantes da incidência da legislação do trabalho.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.883. A - Legislação As normas do Código Comerciai de 1850 relativamente ao transporte marítimo permanecem aplicáveis, dada a vigência da sua Parte Segunda, sobre o comercio marítimo. Todavia, não deve conflitar com a disciplina do transporte de coisas do Código Civil (arts. 743 a 756 do CC/2002).

Quanto ao dano que seja causado por vício do navio, a referência aos arts. 1 1 0 1 a 1.106 do CC/1916, feita por Pontes de Miranda, deve ser tomada pelos arts. 441 a 446 do CC/2002. O Dec.-lei 7.661/1945, mencionado por Pontes de Miranda, disciplinava o regime das falências e concordatas, vindo a ser revogado e substituído pela Lei 11.101/2005, sobre recuperação judicial e falências.

§ 4.883. B - Doutrina Também a obrigação do transportador de mercadorias pela via marítima é de fim, não de meio. Trata-se de característica própria do contrato de transporte (ALVIM, Agostinho. Da inexecução

das obrigações

e suas conseqüências.

São Paulo:

Saraiva, 1955. p. 341). Todavia, entendido que se afasta a responsabilidade do transportador no caso de força maior, em vista da ausência de definição no Código Comercial, também nesse ponto orienta-se a doutrina à aplicação do Código Civil (Assis, Araken de Assis. Contratos

nominados.

São Paulo: Ed. RT, 2005. p.

330). Nesse sentido, a regra e m relação à responsabilidade do transportador é sua natureza objetiva, independente de culpa, u m a vez que assume o risco d a atividade. Admite-se, todavia, a culpa concorrente c o m o c a u s a de redução de indenização. Da mesma forma, sustenta-se que sendo o fato de terceiro e a conduta do próprio transportador concausas do dano, no contrato de transporte tavo. Comentários

(TEPEDINO,

Gus-

ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 518).

Lembre-se, todavia, que segundo majoritária doutrina, no âmbito das relações de consumo não se considera terceiro aquele que integra a cadeia de fornecimento, uma vez que presume-se seu proveito econômico do contrato. Não se cogita, atualmente, na linha do entendimento de Pontes de Miranda, a possibilidade de afastar a responsabilidade do transportador mediante cláusula de não indenizar. Repulsa tanto à lei quanto à uníssona doutrina. Admite-se, todavia, limitação de responsabilidade do transportador, nos termos do art. 750 do CC/2002. Exclui -se, todavia, a responsabilidade do transportador por vício próprio da coisa, uma vez que o perecimento ou avaria não terá por causa o transporte (FARIAS DA SILVA, Justino Adriano. Contrato de transporte de coisas. São Paulo: Aide, 1986. p. 114). Também o cumprimento das formalidades fiscais constituem obrigação do transportador, cujo não descumprimento importa responsabilidade ( M A R T I N S , Fran. Op. cit., p. 229). Não por outra razão é que se reconhece ao transportador o direito de recusar a coisa desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento (art. 747 do CC/2002).

§ 4.883. C - Jurisprudência A obrigação de incolumidade no t r a n s p o r t e marítimo s e e s t e n d e até a conclusão do último d e s e m b a r q u e do passageiro (TJSP, A p C i v 9 0 5 4 3 4 5 -

|

1

45.2009.8.26.0000, j. 08.12.2012, rei. Jacob Valente). Não é elidida por culpa de a

|

terceiros (TJRJ, ApCiv 00168147220068190002,1.

|

Adolpho Andrade Mello). Há responsabilidade do transportador, igualmente, pelo

Câm. Civ., j. 14.02.2012, rei i

i

atraso da chegada ao destino (TJRJ, ApCiv 0297885-13.2009.8.19.0001', 12. a

í

j

Câm. Civ., j. 12.01.2011, rei. Nanei Mahfuz), assim como pelo extravio de baga-

I

I

gem (TJSP, ApCiv 990104345200,13. a Câm. de Direito Privado, j. 24.11.2010, rei.

í

I

Ulisses do Valle Ramos, DJ09.12.2010).

!

'

!

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte ma-

!

'

rítimo de passageiros (TJRS, ApCiv 70029289816, 9. a Câm. Cível, j. 19.08.2009,

I

|

rei. Marilene Bonzanini Bernardi; T J R J , A p C i v 0024571-25.2003.8.19.0002,

|

7.® Câm. Cível, j. 31.03.2010, rei. José Mota Filho). Da mesma forma, a júris-

:

prudência indica ao transportador o dever de informar sobre as exigências le-

j

gais para embarque de passageiros (TJRS, A p C i v 70041286626, 11. a Câm.

|

Cível, j. 06.07.2011, rei. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil; TJRS, ApCiv

|

70040635666,12. a Câm. Cível, j. 31.03.2011, rei. Umberto Guaspari Sudbrack).

i

|

Da mesma forma, sendo agência que promove cruzeiros marítimos pode ser res-

j

ponsabilizada solidariamente por eventuais vícios dos serviços prestados (TJSP,

!

'

ApCiv 0001468-50.2009.8.26.0562, 1 4 a Câm. de Direito Privado, j. 14.09.2011,

í

rei. Lígia Araújo Bisogni).

j

i

A apresentação do conhecimento de transporte é dispensável nas ações

j

i

que discutam o extravio de mercadorias no transporte marítimo, desde que seja

j

l

possível provar por outro meio (STJ, REsp 151.079/SP, 4. a T , j. 24.08.2004,

|

rei. Min. Barros Monteiro, DJ 29.11.2004). ! :

i

Não se opera cláusula excluden-

te de responsabilidade do transportador em relação a danos ou extravio de

j

mercadorias transportadas no convés, em face da responsabilidade objetiva

;

legal (TJSP, ApCiv 196598020088260562, j. 16.11.2011, rei. Luiz Sabbato, DJ

í

28.11.2011).

,

Age no exercício de direito, não sendo responsabilizado civilmente ou criminal-

j

mente, o comandante de navio de transporte de bens que surpreende passageiro i

clandestino e o mantém sob sua guarda em favor da ordem e segurança do navio

!

sob seu comando (TRF-5. a Reg., HC 2001.05.00.046850-8, 1 . a T „ j. 25.04.2002,

; j

rei. Margarida Cantarelli, DJU 15.05.2002).

j

[

A jurisprudência brasileira afirma-se, tradicionalmente, no sentido de consi-

i

derar como não escrita a cláusula de não indenizar no contrato de transporte,

,

1

dá justamente o reconhecimento da obrigação de incolumidade do transportador.

;

|

Nesse sentido já assentava a Súmula do 161 STF, editada em 1963. Da mesma forma a rejeição da culpa de terceiro como causa de exclusão do dever de indeni-

,

;

zar do transportador, ora previsto expressamente no Código Civil, já era objeto de

|

entendimento consolidado na Súmula 187 do STF, editada em 1963. Da mesma

;

I

forma, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio da Súmula 109 do STJ, fixou

,

|

entendimento de que a indenização por extravio de mercadoria transportada pela

;

!

via marítima independe de vistoria.

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§ 4.884. C I R C U L A Ç Ã O

CAMBIARIFORME

DO CONHECIMENTO DE

TRANSPORTE

1. C O N H E C I M E N T O D E T R A N S P O R T E E C L Á U S U L A S D E C I R C U L A Ç Ã O .

-

O conhecimento de transporte tem de satisfazer os requisitos exigidos pelo art. 575 do Código Comercial. A referência do art. 575 ao capitão já é, no tocante a muitos transportes, obsoleta. De ordinário, o transportador é que assina o conhecimento, o transportador é que o emite, ao transportador, no lugar do destino, é que se apresenta o título. A escolha da lei de circulação cabe ao transportador, sendo de admitir-se que haja predeterminado qual seja: Se nada se disse no contexto do conhecimento de transporte, a circulabilidade é à ordem. A mudança de lei de circulação somente pode resultar da substituição do conhecimento de transporte. 2. CARTA DE FRETAMENTO E C O N H E C I M E N T O DE TRANSPORTE. - D i z

o

Código Comercial, art. 576: "Sendo a carga tomada em virtude de carta de fretamento, o portador do conhecimento não fica responsável por alguma condição ou obrigação especial contida na mesma carta, se o conhecimento não tiver a cláusula - segundo a carta de fretamento". O art. 576 frisa a diferença entr& fretamento e contrato de transporte, a despeito das confusões em que, nos arts. 566-589, incorrera o legislador. Diz o Código Comercial, art. 575: "O conhecimento deve ser datado, e declarai" 1. O nome do capitão e o do carregador e consignatário (podendo omitir-se o nome deste se fôr à ordem), e o nome e porte do navio. 2. A qualidade e a quantidade dos objetos da carga, suas marcas e números, anotados à margem. 3. O lugar da partida e o do destino, com declaração das escalas, havendo-as. 4. O preço do frete e primagem, se esta fôr estipulada, e o lugar e forma do pagamento. 5. A assinatura do capitão (art. 577), e a do carregador". O Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. 2.°, superou o art. 575 do Código Comercial. O nome do remetente ou carregador há de ser inserto. O nome que se pode omitir é o do destinatário. Se omitido foi o nome, entende-se que o remetente pode endossar o titulo. Falta, no conhecimento, o que, na letra de câmbio, seria o nome do tomador. Não se fala, no art. 575 do Código Comercial, da circulação ao portador. Basta que o endôsso pelo remetente ou carregador seja endôsso em

branco para que a circulação seja ao portador. Ter-se-ia de discutir se o endosso pelo remetente ou carregador pode ser "ao portador", o que iniciaria a circulação ao portador sem se poder encher o branco. Se do próprio contrato consta a cláusula ao portador, não pode haver dúvida, porque o Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. l.°, alínea 3.\ é explícito, bem assim o Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938 art. 77, inciso e): "o nome e o enderêço do destinatário, se houver cabimento"). A transferência do conhecimento faz-se freqüentemente por endosso, mas o endosso pode ser endosso em branco, o que da ensejo a circulação ao portador. Diz o Código Comercial, art. 577: "O capitão é obrigado a assinar todas as vias de um mesmo conhecimento que o carregador exigir, devendo ser tôdas do mesmo teor e da mesma data, e conter o número da via. Uma via ficará em poder do capitão, as outras pertencem ao carregador. Se o capitão fôr ao mesmo tempo o carregador, os conhecimentos respectivos serão assinados por duas pessoas da tripulação a êle imediatas no comando do navio, e uma via será depositada nas mãos do armador ou do consignatário". Na 2.a parte do art. 577 admite-se que o próprio capitão seja o carregador, o que, ao tempo em que era êle quem, de regra, assinava o conhecimento, suscitou a redação da regra jurídica da 2.a parte do art. 577. Mas, ainda hoje, pode ser invocado o art. 577, 2.a parte, porque nem sempre pode ser assinada pelo transportador, como se os objetos já chegam a bordo após o fechamento do expediente da emprêsa, ou se a entrada foi em lugar em que não há filial, sucursal ou agência da emprêsa. 3. N O M I N A T I V I D A D E E CIRCULAÇÃO. - O conhecimento de transporte pode ser nominativo e intransferível por endôsso. Para isso, é preciso que conste do contexto a exigência da nominatividade exclusiva; e. g., "destinatário, F., sem transferibilidade à ordem", "não à ordem", "intransferível". O direito incorporado no conhecimento somente se transmite, em tais casos, a causa de morte, ou em virtude de medida judicial executiva, ou de acôrdo com as regras jurídicas sôbre a cessão de direitos, porque a nominatividade, com intransferibilidade, só se refere ao título. Em todo o caso, pode dar-se que se haja inserto a cláusula de incedibilidade do direito, como se o que se transporta é prêmio pessoal em concurso de literatura, ciência, arte ou esporte. Aí, o título é intransferível, e incessível o direito. Cumpre observar-se que a nominatividade com i n t r a n s f e r i b i l i d a d e , ou mesmo com a incedibilidade, não pré-exclui o por procuração. S e e n d ô s s o

a cláusula não importa incedibilidade, pode ocorrer que se lance o próprio endôsso-penhor ou endôsso em garantia. 4. E N D Ô S S O D O C O N H E C I M E N T O D E T R A N S P O R T E . - O endôsso pode ser com o nome do endossatário, ou em branco, ou endôsso-mandato, ou endôsso-penhor. No art. 361 do Código Comercial, diziam-se quais os requisitos do endôsso completo, mas o art. 361 foi revogado, pela sup e r v e n i ê n c i a da Lei n . 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 8.° (Tomo XXXIV, §§ 3.886-3.891). Para a validade do endôsso, basta a assinatura do próprio punho do endossante, ou de quem tenha podêres para isso, no verso do conhecimento; e o endossatário pode completar o endôsso. A cláusula "por procuração", lançada no endôsso, é a de endôsso-procura, ou de endôsso-mandato, que pode ter restrições expressas. Não há o endôsso parcial. O endôsso do conhecimento transfere os direitos que tem o endossante. A assinatura do transportador - ou do capitão ou comandante, o que hoje é muito menos freqüente - põe o signatário na posição de aceitante. A posse do título pela pessoa cujo nome consta do conhecimento, ou pelo endossatário, legitima o possuidor. A entrega pelo transportador é como o pagamento da letra de câmbio pelo aceitante, porque se trata de título cambiariforme. A propriedade dos objetos pode não ser da pessoa que consta do título como destinatário, ou do endossatário, e sim de outrem, inclusive do remetente ou carregador, mas isso é assunto de negócios jurídicos subjacentes, justajacentes ou sobrejacentes. O que importa é que o destinatário, ou o endossatário, com a posse, tem a legitimação ao exercício da retirada dos objetos transportandos ou já transportados. De ordinário, com a legitimação coincide a titularidade. Em todo caso, pode ocorrer que o proprietário não esteja legitimado a retirar os objetos e seja legitimado quem não é proprietário. O direito contra o transportador está incorporado no título. Daí a literalidade, a autonomia e a abstratividade do título e, pois, do direito. Em conseqüência, não há exceções contra o apresentante legitimado se não consta do título; nem o apresentante pode alegar o que não consta do título. A literalidade do direito cartular é ressaltante. A autonomia faz o direito do possuidor estreme do que seria pessoal aos possuidores anteriores. O apresentante do conhecimento está, diante do transportador, como se fôsse o originário legitimado.

A falta de causa é inalegável contra o apresentante do conhecimento, se de boa fé, porque o título é abstrato. As exceções oponíveis pelo transformador ou a) são quanto à forma, que, por sua objetividade, atinge a quem quer que apresente o titulo, ou outro elemento objetivo, portanto - absoluta, como a falta de capacidade ou de podêres suficientes de quem subscreveu o conhecimento, e as que se fundam no contexto literal do título, como a falta de pagamento do transporte devido pelo destinatário ou seu sucessor, ou de impostos pagos pelo transportador; ou b) são pessoais ou relativas, como a que se opõe ao apresentante que se apoderou, por furto, do conhecimento, antes de emitido, ou que, tendo recebido, antecipadamente, o título, não entregou os objetos, ou alguns, ou algum deles. Ao apresentante, terceiro de boa fé, tais excepções não podem ser opostas. Quanto ao endôsso-penhor, Tomo XXXIII, § 3.799. 5 . C I R C U L A Ç Ã O A O P O R T A D O R . - Não há obstáculo legal a que o conhecimento de transporte seja ao portador. Ao portador são todos os conhecimentos em que se não menciona o nome do destinatário, nem do remetente ou carregador; mas, no que se refere aos transportes marítimos, o nome do remetente ou carregador ou expedidor tem de ser inserido. Precisa-se, portanto, de cláusula explícita. Sem se pré-excluir a circulação ao portador.

6. T Í T U L O S D E T R A N S P O R T E F R A C C I O N Á R I O S . - Os conhecimentos de transporte podem ser fraccionários. A prática introduziu tais títulos. Há, então, o delivery order. Com o título fraccionário não se há de confundir a carta a favor de apresentador do conhecimento de transporte para que o transportador entregue parte dos objetos transportados. Aí, não se trata de conhecimento de transporte, mas de simples documento de legitimação. O documento fraccionário ou é próprio, dito também regular, se emitido pelo transportador, ou alguém por êle, ou é impróprio, dito também irregular, se quem o emite é o legitimado a receber. Mas em conhecimento de transporte só se pode pensar na primeira espécie. Na segunda, depende das circunstâncias e dos usos a vinculação do transportador a atender quanto à retirada parcial. O conhecimento fraccionário, êsse, é titulo representativo, quanto a parte a que se alude. Transferível segundo os princípios gerais.

O transportador não tem dever de emitir título fraccionário. Tal dever somente pode resultar de negócio jurídico entre êle e o remetente ou carregador. Se quem o exige é terceiro, possuidor do conhecimento de transporte, a vinculação somente pode derivar do contexto do conhecimento de transporte, ou de acôrdo entre o apresentante do conhecimento de transporte e o transportador. Sempre que o transportador entrega parte dos objetos transportados, tem de anotar no conhecimento original de transporte, que fica com o apresentante. A anotação há de precisar a qualidade, se há diferentes qualidades, ou a quantidade, e tem de ser assinada pelo transportador e pelo apresentante-recebedor. Uma vez que a emissão de título fraccionário há de constar do conhecimento de transporte, o transportador é responsável, perante os terceiros de boa fé, quanto aos objetos que tenham sido retirados sem que haja alusão no conhecimento de transporte ao título fraccionário ou aos títulos íraccionários. Quando se completa o número ou quantidade_dos objetos entregues, quer de uma vez quer sucessivamente, o conhecimento de transporte é entregue ao transportador e pois retirado da circulação. Se o transportador não o exige, fica responsável perante o terceiro de boa fé, que adquira o conhecimento de transporte sem as indicações, ou sem alguma ou algumas das indicações. A vinculação do transportador ao possuidor do título fraccionário é literal, autônoma

e

abstrata.

No tocante ao legitimado pelo conhecimento de transporte, a emissão de título ou de títulos fraccionários esvazia, aos poucos ou de uma vez, o conteúdo objetivo. O que se retira, ou o que, pela anotação no conhecimento de transporte, se pode retirar, é subtraído ao direito do legitimado pelo conhecimento de transporte. Algo se passa, desde o início, que é extintivo, parcial ou totalmente, do direito do destinatário, ou de quem tem a posse do conhecimento de transporte, com a legitimação a retirar. O transportador, que era vinculado a entregar de uma vez, assumiu o dever de soluções sucessivas. Se o legitimado é o próprio possuidor do conhecimento de transporte, não há novação da dívida, porque tudo somente ocorre no que concerne ao adimplemento pelo transportador. A atribuição de direito e de posse ao legitimado pelo título fraccionario pode ser ao próprio destinatário, ou ao endossatário-remetente,

ou a outrem, nominativo, endossável, ou ao portador. Se o legitimado é outra pessoa que o legitimado à apresentação do conhecimento de transporte, há substituição subjetiva. Tôdas as objeções e exceções que o transportador tem, oriundas de relação jurídica com o portador, são oponíveis a êsse, não as que êle teria contra o portador do conhecimento de transporte, salvo má fé por parte do apresentante do título fraccionário de transporte. No que se refere ao título fraccionário impróprio ou irregular, a subscrição pelo possuidor do conhecimento de transporte não vincula o transportador, vincula o possuidor do conhecimento de transporte, que fêz a declaração unilateral de vontade no título fraccionário impróprio ou irregular. A situação do transportador é apenas a de invitado a adimplir, trate-se de título para a entrega ou de parte do todo. Ainda assim, os usos podem estabelecer a obrigação de pagar, por parte do transportador. Se o transportador promete ao portador do título impróprio ou irregular, seja fraccionário seja total, a entrega, o título transforma-se em título próprio ou regular. Nas relações com a pessoa a que foi atribuído o título impróprio ou irregular, seja ou não seja fraccionário, o outorgante prometeu, em título de crédito, ato de terceiro. Se o transportador não atende, responde pela indenização o outorgante (Tomo XXIV, § 2.884,1). Se, a despeito da emissão do título fraccionário, impróprio ou irregular, o possuidor do conhecimento de transporte o apresenta, o transportador tem de entregar o objeto ou os objetos transportados. Se o possuidor transfere a posse do conhecimento de transporte, conforme os princípios que regem a circulação, o possuidor de boa fé nada tem com o ato de subscrição do título fraccionário impróprio ou irregular. 7. A P R E S E N T A Ç Ã O D O C O N H E C I M E N T O D E T R A N S P O R T E . - O apresentante do conhecimento de transporte, seja êsse nominativo, seja à ordem, ou ao portador, tem de identificar-se. 8. E F I C Á C I A D O C O N H E C I M E N T O D E T R A N S P O R T E . - Lê-se no Código Comercial, art. 586: "O conhecimento concebido nos têrmos enunciados no art. 575 faz inteira prova entre tôdas as partes interessadas na carga e frete, e entre elas e os seguradores; ficando salva a estes e aos donos do navio a prova em contrário". O art. 586 contínua em vigor, como o art. 585, a que o art. 2 o , § 1.°, do Decreto n. 19.473, de 19 de dezembro de 1930, se refere. A prova em sentido contrário somente se admite se o interessado

estava de má fé ao adquirir a cártula. "Partes interessadas" são os figurantes iniciais e os possuidores legitimados segundo os princípios. Quanto aos seguradores e aos donos do navio, a regra jurídica do art. 587 do Código Comercial apenas inverte o ônus da prova, se não há elementos para que se tenha como vinculado à letra do título o segurador ou o dono do navio e se não é contra possuidor de boa fé. Acrescenta o Código Comercial, art. 587: "O conhecimento feito em forma regular (art. 575) tem fôrça e é acionável como escritura pública. Sendo passado à ordem, é transferível e negociável por via de endosso". O título é certo e líquido, título executivo extrajudicial. Se à ordem, há a transferibilidade por endosso, inclusive em branco. A cláusula ao portador teria de ser inserta no conhecimento de -transporte, explicitamente, ou resultar do seu contexto e natureza. O conhecimento de transporte é título circulável. Não se pode admitir que se atendam as pretensões do remetente ou carregador ou do destinatário sem a apresentação da cártula. Em todo caso, se houve emissão de recibos provisórios, uma das quaestiones facti pode ser a de o remetente ou expedidor ter exigido, improficuamente, a emissão do conhecimento de transporte, o que dá ensejo ao protesto. Idem, em caso de sinistro. Daí estabelecer o Código Comercial, art. 589: "Nenhuma ação entre o capitão e os carregadores ou seguradores será admissível em juízo, se não fôr logo acompanhada do conhecimento original. A falta deste não pode ser suprida pelos recibos provisórios da carga; salvo provando-se que o carregador fêz diligência para obtê-lo e que, fazendo-se o navio à vela sem o capitão o haver passado, interpôs competente protesto dentro dos primeiros três dias úteis contados da saída do navio, com intimação do armador, consignatário ou outro qualquer interessado, e na falta dêstes por editais; ou sendo a questão de seguros sôbre sinistro acontecido no pôrto da carga, se provar que o mesmo sinistro aconteceu antes do conhecimento poder ser assinado". Quanto ao conhecimento de transporte, é óbvio o que se estabelece no Código Comercial, art. 579: "Seja qual fôr a natureza do conhecimento, não poderá o carregador variar a consignação por via de novos conhecimentos sem que faça prévia entrega ao capitão de tôdas as vias que êste houverassinado. O capitão que assinar novos conhecimentos sem ter recolhido tôdas as vias do primeiro ficará responsável aos portadores legítimos que se apresentarem com alguma das mesmas vias". O dever de quem recebeu conhecimento de transporte e obtém outro para o substituir é o dever

de tôda vinculação toma-lá-dá-cá. Se o remetente ou carregador, ou mesmo destinatário, recebe o nôvo conhecimento de transporte e não restitui o que havia de ser substituído, o que se há de entender é que houve a tradição do conhecimento de transporte, que estava com o remetente ou destinatário, e aquêle ou êsse não lestitm^jncticamente, mas houve a tradição, juridicamente. Daí haver a ação possessória contra o faltoso e responder o transportador perante os terceiros adquirentes de boa fé, inclusive terceiros a que se outorgou direito real limitado.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.884. A - Legislação As normas do Código Comercial de 1850 relativamente ao transporte marítimo permanecem aplicáveis, inclusive ao conhecimento, dada a vigência da sua Parte Segunda, sobre o comércio marítimo. Todavia, não deve conflitar com a disciplina do transporte de coisas do Código Civil (arts. 743 a 756 do CC/2002). Tratando-se o conhecimento de transporte de título de crédito, a ele se aplicam as disposições do art. 887 e ss. do CC/2002. Para ser ao portador, depende de lei especial (art. 907 do CC/2002), o que não ocorre na espécie. Pelo contrário, em razão do disposto pelo art. 19 da Lei 8.088/1990, admite-se apenas a emissão do conhecimento nominativo ou à ordem, não podendo ser emitido ao portador.

§ 4.884. B - Doutrina A doutrina atual converge ao considerar o conhecimento de transporte como j

instrumento do contrato e título de crédito impróprio, podendo ser negociado ( M A R T I N S , Fran. Op. cit., p. 2 1 1 ) . Como títulos representativos da mercadoria, admi-

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tem a sua plena disponibilidade :

( R O S A JR.,

Luiz Emygdio

F.

da. Títulos de crédito,

j

Rio de Janeiro: Renovar, 2 0 1 1 . p. 8 0 ) . Lembre-se, contudo, que essa constatação

I

1 9 . 4 7 3 / 1 9 3 0( T E P E D I tavo. Op. cit., p. 5 6 0 ) , cuja revogação pelo Decreto sem número, de 2 5 . 0 4 . 1 9 9 1 , apoia-se no fato de assim ser previsto no Decreto

i

' ;

é desconsiderada ou rejeitada,

(RIZZARDO,

Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro:

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Forense, 2 0 1 1 . p. 790). Fundamenta a crítica, o fato de que a matéria não se ;

encontra disciplinada por outra norma e, sobretudo, que dada a hierarquia de lei

i

daquela norma frente à Constituição Federal de 1 8 9 1 , ocorreria impossibilidade

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de sua revogação por decreto.

j j j

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A perda ou extravio do conhecimento, todavia, não impede o exercício do di-

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reito pelo expedidor ou pelo destinatário, uma vez que não é da substância do

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j

contrato, mas apenas meio de prova. Pode, nesse sentido, ser substituído por

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)

segunda via emitida pelo transportador.

§ 4.884. C - Jurisprudência Segundo a jurisprudência não é imprescindível a apresentação do conhecimento de transporte em demanda versando sobre responsabilidade por danos. Da mesma forma, quando o for, não é necessário que seja redigido em língua portuguesa (STJ, REsp 151.079/SP, 4. a T., j. 24.08.2004, rei. Min. Barros Monteiro, DJ 29.11.2004). Da mesma forma, reconhece como título de crédito, invocando para tanto, o Dec. 19.473/1930, ainda que formalmente revogado pelo Decreto sem número, de 25.04.1991 (TJPR, ApCiv 4460237, 15. a Câm. Cível, j. 12.12.2007, rei. Luiz Carlos Gabardo).

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CAPÍTULO T R A N S P O R T E

§ 4.885. C O N S I D E R A Ç Õ E S

VIII A É R E O

PRELIMINARES

1. C O N C E I T O D E A E R O N A V E . - No art. 18 do Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938, diz-se, com precisão, que aeronave é "todo e qualquer aparelho, que, apto a efetuar transportes, possa ser elevado e dirigido no ar". O balão cativo não é aeronave; o trem aéreo, que vai da terra ao morro, ou de morro a morro, não é aeronave. Mas é aeronave o balão solto, que transporta sem ser dirigido de dentro. A aeronave pode ser pública (no sentido de bens estatais) ou privada (= pertencente a particular). Cf. Decreto-lei n. 483, art. 19, cujo parágrafo único acrescenta: "Não obstante, considera-se militar tôda aeronave comandada por pessoa incorporada às Forças Armadas em serviço ativo; e se assimilam às aeronaves privadas, as públicas empregadas exclusivamente em tráfego comercial ou postal, quando dirigidas por civis". Ali, hápublicização por atividade funcional; aqui, há a privatização, por destinação de serviço. (Temos de atender a que, com a evolução dos inventos de foguetes e outros aparelhos, não é essencial à aeronáutica a dirigibilidade por dentro. O que importa é que haja vôo e direção, sem que se tenha de exigir que seja de dentro que se dirige o aparelho.) Foram os processos de técnica na construção das aeronaves que permitiram a grande importância que hoje tem a navegação aérea. Os riscos diminuíram. Diminuiu o curso de transporte por quilômetro. O contrato de transporte aéreo é, hoje, o mais freqüente no plano internacional. Mesmo no interior de alguns países, ha milhões de passageiros por ano.

Aeronave é bem móvel. O fato de ser exigido o registo e o de se ter concebido a hipoteca de aeronave não lhe altera a natureza mobiliária Tem ela partes integrantes e pertenças. O motor é parte integrante; os instrumentos de navegação, pertenças. Diante do Código de Navegação italiano, art. 862, 3.a alínea, a doutrina italiana errou em ter o motor como pertença. O motor é essencial, é parte integrante. A aeronave pode não ter nome; o navio, não. Há de ter a marca da nacionalidade e da matrícula e outras indicações. A aeronave há de ser matriculada e registada. Há de ter os seus papéis de bordo (Decreto-lei n. 483, arts. 24 e 26). "É obrigatória a existência de aparelhos de radiocomunicação a bordo da aeronave privada, quando destinada ao transporte remunerado, com capacidade para mais de quatro passageiros, e quando cobrir distâncias superiores a duzentos quilômetros, sendo que a sua instalação, em quaisquer circunstâncias, dependerá sempre de prévia autorização" (Decreto-lei n. 483. art. 25). Os pára-quedas são pertenças da aeronave; não são aeronaves. A figura corresponde à do barco salva-vidas, que têm os navios. Não se instituiu no direito brasileiro de profissão a figura do comandante de aeronave. As aeronaves, que se destinam à exploração do transporte comercial têm técnicos que exercem os podêres que teriam os comandantes (Decreto-lei n. 483, art. 148: "Tôda aeronave, destinada ao serviço de transporte comercial, deverá ter a bordo técnico investido de podêres de comandante, na forma dos regulamentos em vigor"). Há a função, há os podêres; e há o nome. Se a capacidade ou lotação é mínima, a escolha pode recair no respectivo pilôto ou quem se ache dentro da aeronave como navegador (art. 148, parágrafo único). Além do pilôto e do navegador, há o mecânico e o radiotelegrafista (Decreto-lei n. 483, art. 28). Existe o Registo de Matrícula de Aeronautas, mas tôda essa matéria escapa ao assunto do presente título. 2. D O C U M E N T O S . - A aeronave pode ter livro de bordo, à semelhança do que ocorre, com o navio, que obrigatòriamente o tem (Código Comercial, art. 504; Decreto-lei n. 483, art. 24: "... quaisquer documentos mais, nas formas e modaüdades que prescrevam os regulamentos administrativos").

A aeronave pode ser explorada pelo dono ou por outrem. No art. 129 do Decreto-lei n. 483, está dito, explicitamente: "Considera-se explorador quem tenha a aeronave à sua disposição e a utilize por conta própria". No

parágrafo único, cria-se presunção iuris tantum: "Caso o nome do explorador não se ache inscrito no Registo Aeronáutico Brasileiro, o proprietário será reputado explorador, até prova em contrário". No art. 149, precisa-se: "Deverá constar dos documentos previstos no art. 24 o nome do comandante, escolhido pelo proprietário, pelo transportador ou pelo explorador da aeronave". No art. 150: "O comandante investido dos podêres de autoridade e disciplina a bordo da aeronave é, durante a viagem, o representante do proprietário, do transportador ou explorador, e o depositário das mercadorias e bagagens despachadas". A expressão "depositário" está em sentido atécnico. Custódia não é sempre depósito. O comandante "representa": é empregado, com podêres que resultam da função, inclusive podêres de procura (art. 152). Não temos aqui de falar do fretamento de aeronave, nem da locação de aeronave, mas apenas do contrato de transporte aéreo, figura diferente daquelas. Freta-se aeronave como se freta navio. Há a figura do fretador e a do afretador e o contrato rege-se pelos princípios que expusemos no Tomo XLI, §§ 4.560-4.584. - Pode haver o contrato de reboque de aeronave e, até mesmo, o reboque aéreo. Não se confunde êle com o contrato de impulsão, que é o contrato pelo qual algum aparelho motorizado empuxa ou puxa a aeronave para que ela se eleve. Nem com o contrato de propulsão de planadores (aviões sem motor). 3. C O N T R A T O DE REBOQUE.

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Panorama atual pelo Atualizador

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§ 4.885. A - Legislação

I

O Dec.-lei 483/1938, mencionado por Pontes de Miranda, foi o primeiro Código

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Brasileiro do Ar. Foi revogado pelo Dec.-lei 32/1966, que instituiu novo Código,

í

uma vez mais revogado pela Lei 7.565/1986, que instituiu o Código Brasileiro de Aeronáutica em vigor. O conceito de aeronave é estabelecido pelo art. 106 do

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Código vigente (Lei 7.565/1986), que o define como o aparelho manobrável em

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voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aero-

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dinâmicas, e apto a transportar pessoas ou coisas.

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Foi mantida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica vigente a exigência de matricula. O lugar em que se procede a matrícula é critério para definição da nacio-

nalidade (art. 108). O Registro Aeronáutico Brasileiro é disciplinado, atualmente, pelos arts. 72 e ss. do Código Brasileiro de Aeronáutica, regulamentados pelo Dec. 96.266/1988. Distingue, Pontes de Miranda, a aeronave como bem móvel compreendida por

i

partes integrantes e pertenças. Essa distinção que é claramente identificada com

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a doutrina ponteana, foi consagrada pelo art. 93 do CC/2002. Todavia se pode hi-

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potecar, conforme previsto no art. 1.473, VII, do CC/2002. Os procedimentos para sua constituição, contudo, são definidos pelo art. 138 e ss. do Código Brasileiro

i

de Aeronáutica, aos quais remete expressamente a lei civil (art. 1.473, parágrafo

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único, do CC/2002).

i

'

A definição do explorador da aeronave é, atualmente, a do art. 122 do Código

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Brasileiro de Aeronáutica. É explorador a pessoa física ou jurídica, não importa se proprietária ou não, que legitimamente utiliza a aeronave, por conta própria, com

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ou sem fins lucrativos. O Comandante da aeronave, sua designação e atribuições são estabelecidos pelo art. 165 e ss. do Código Brasileiro de Aeronáutica. A regulamentação da profissão de aeronauta é objeto da Lei 7.183/1984.

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Distinguem-se os contratos de transporte aéreo, fretamento e locação de aeronave também na legislação. No contrato de transporte aéreo a causa é a deslocação, mediante retribuição, conforme se percebe da sua disciplina legal (art. 222

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e ss. do Código Brasileiro de Aeronáutica). Pelo contrato de fretamento se coloca

i

a aeronave à disposição do afretador aeronave para que realize certo número de viagens ou por certo tempo (art. 133 do Código Brasileiro da Aeronáutica). A

I

tripulação e a condução técnica da aeronave são de responsabilidade do fretador. Na locação, que é definida em lei como arrendamento de aeronave, o arrendante coloca à disposição do arrendatário, mediante retribuição, a aeronave e seus motores. Neste caso, a direção e condução técnica da aeronave são do arrendatário, mesmo quando a aeronave seja entregue equipada e tripulada pelo arrendante (art. 129, parágrafo único, do Código Brasileiro de Aeronáutica). Quanto aos documentos da aeronave é previsto pela legislação a obrigatorie-

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dade de diário de bordo, o qual será autenticado pelo serviço de registro aeronáutico, e no qual serão lançadas as ocorrências de que tratam os arts. 172 e 173 do

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Código Brasileiro de Aeronáutica.

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§ 4.885. B - Doutrina Concorda a doutrina com Pontes de Miranda, quanto a não haver necessida-

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de, no tocante à dirigibilidade como atributo da aeronave, que seja realizada por

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dentro. Admite-se sua dirigibilidade remota, ademais pela evolução tecnológica já noticiada pelo jurista

(MENDONÇA,

Fernando. Direito dos transportes. São Paulo:

Saraiva, 1990. p. 122).

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i § 4.885. C - Jurisprudência Os contratos que digam respeito à propriedade ou posse da aeronave, para que tenham eficácia em relação a terceiros, necessitam estar registrados no Re-

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gistro Aeronáutico Brasileiro (STJ, REsp 70535/SP, 4. a T., j. 30.10.1995, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, DJ 18.12.1995). Observa-se, no direito brasileiro, igualmente, a proibição de duplo registro concomitante (TJRJ, Agln 002818379.2000.8.19.0000, 14." Câm. Civ., j. 13.03.2001, rei. Mauro Nogueira).

§ 4.886. T R A N S P O R T E A É R E O D E P E S S O A S

1. D O C U M E N T O S . - No transporte aéreo, o transportador entrega bilhete de passagem, que há de conter: a) o lugar e a data de emissão; b) o ponto de partida e o ponto de destino; c) o nome e o endereço da pessoa transportada ou das pessoas transportadas (Código do Ar, Decretolei n. 483, de 8 de junho de 1938, art. 70, onde há êrro de revisão). A falta, irregularidade ou perda do bilhete não prejudica a existência, nem a validade, nem a eficácia do contrato de transporte (art. 71). Se o transportador admite viajante a quem não fora entregue bilhete de passagem (aliter, por exemplo, se o viajante o perdeu, ou o bilhete foi deteriorado), não pode invocar regras jurídicas que lhe excluam ou limitem a responsabilidade (art. 71, parágrafo único). Para a bagagem, entrega-se ao viajante a nota de bagagem. Diz o art. 72 do Decreto-lei n. 483: "No transporte de bagagem, excetuados os pequenos objetos que o viajante conservar sob sua guarda, o transportador é obrigado a fazer entrega de uma nota de bagagem, extraída em duas vias, uma para o viajante e outra para o transportador, e que indicará: a) o lugar e a data da emissão; b) os pontos de partida e destino; c) o número do bilhete de passagem; d) a quantidade e o pêso dos volumes; e) a importância do valor declarado, se tiver cabimento". O art. 73 repete, a propósito da nota de bagagem, o que o art. 71 disse sôbre o bilhete de passagem. O parágrafo único do art. 73 acrescenta: "Se o transportador aceitar bagagem sem que tenha sido entregue a respectiva nota, ou se esta não contiver as indicações das letras c e d do artigo anterior, não assistirá àquele o direito de prevalecer-se das disposições do presente Código, que lhe excluam ou limitem a responsabilidade". Cf. Convenção de Varsóvia de 12 de outubro de 1920, arts. 3 e 4 (Decreto n. 20.704, de 24 de novembro de 1931). O contrato de transporte aéreo é consensual. Tratando-se de bens, ou de bagagens, o fato de poder a emprêsa recusar-se a receber o que possa

causar dano, ou seja impróprio à aeronave, de jeito nenhum torna real o contrato de transporte aéreo. Aliás, o possuidor da aeronave particular (= não posta ao serviço do público) é livre quanto a qualquer rejeição de objeto ou mesmo de contratar. Figurante do contrato de passagem ou de transporte de coisas é o passageiro ou remetente e a emprêsa de navegação aérea, mas é possível que o figurante seja emprêsa de viagem (expedidor e comissionário). Os corretores de transportes não são figurantes; aliter, os comissionários e os expedidores. Os expedidores, êsses, por definição, contratam em nome próprio e por conta alheia. 2. P R I N C Í P I O S G E R A I S S Ô B R E T R A N S P O R T E . - Quanto ao transporte aéreo de pessoas, podem ser invocados princípios gerais sempre que a legislação especial não dê solução ao caso examinado. Não se deve descurar da apreciação da diferença entre as legislações de transporte, mas, com igual rigor, se há de considerar que o transporte aéreo, a despeito da sua posterior aparição, se enquadra com os outros ramos de transportes. As horas de partida e de chegada constam dos horários de viagem, mas, no tocante a transportes aeronáuticos, não é possível assegurar-se, em quaisquer circunstâncias, a exatidão. A atmosfera tem papel relevante, pela quase imprevisibilidade. Isso não pré-exclui tôda a responsabilidade pela demora em partir ou em chegar. Cair-se-ia em regime de arbitrariedade. Há o dever de diligência, pôsto que não se possa exigir que os transportadores pelo ar prometam o que não podem prometer, por ser aleatório, ou de difícil previsão (cf. P. C H A U V E A U , Droit aérien, 171). O que se há de firmar é que não há arbítrio em sair e em chegar, tanto mais quanto há, por exemplo, culpa do transportador em escolher o pessoal e em fazer navegar o que não está adequado para isso. Algumas emprêsas estabelecem pagamento da passagem em prestações (e. g., vinte por cento à vista, dez por cento em oito meses). Regem os princípios gerais. O transporte aéreo é, hoje, quase todo internacional. Segundo a Convenção de Varsóvia, o contrato de transporte aéreo é consensual, tanto assim que se podem receber bens para serem transportados sem se ter assinado conhecimento e se pode assinar conhecimento antes de serem entregues. O contrato pode existir a despeito da falta ou da deficiência do conhecimento.

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Panorama atual pelo Atualizador

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§ 4.886. A - Legislação

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Verificar sobre o Dec.-lei 483/1938, Dec.-lei 32/1966 e Lei 7.565/1986, as ano-

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tações do § 4.885. A. As normas que disciplinam o contrato de transporte no Código Civil, arts. 730

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e ss., aplicam-se ao transporte aéreo. Disciplina também o Código Brasileiro de

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Aeronáutica, arts. 222 e ss. O comando do art. 732 do CC/2002, contudo, assegura prevalência da lei civil. Destaque-se, entretanto, que em se tratando do transporte de pessoas, em

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regra, há relação de consumo, por força dos arts. 2.°, caput, 3.° e 29 do CDC,

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razão pela qual é cogente, neste caso, a incidência de suas normas, e m especial

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na disciplina do contrato e no conteúdo da responsabilidade do transportador,

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inclusive perante terceiros (art. 17 do CDC). Impõe responsabilidade objetiva e solidária ao transportador e à cadeia de fornecimento (art. 14 c/c parágrafo único do art. 7.° do CDC).

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Há responsabilidade do transportador por lesões ao passageiro, por avaria

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ou extravio de bagagem, ou ainda por atrasos ou descumprimento de itinerário, quando for o caso. Formaliza-se o contrato de transporte aéreo pelo bilhete de passagem, nos termos do art. 227 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Assim também a obri-

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gação do transportador de entregar nota de bagagem ao passageiro, art. 234 do

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Código Brasileiro da Aeronáutica. Trata-se, contudo, de forma ad

probationem,

conforme se percebe do art. 226, da mesma Lei, que prevê à falta, irregularidade ou perda do bilhete de passagem, nota de bagagem ou conhecimento de carga, não prejudica a existência e eficácia do respectivo contrato.

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§ 4.886. B - Doutrina

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Quanto à conjuntura socioeconômica do contrato de transporte aéreo, há vi-

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sível transformação no tempo, conforme se percebe das palavras de Pontes de

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Miranda, quanto ao caráter eminentemente internacional de sua utilização. Espe-

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cialmente nas últimas décadas houve incremento notável do uso desse meio de

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transporte também internamente, no território nacional. Concorda a majoritária

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doutrina, sobre o caráter consensual do contrato de transporte, apartando-se de discussão teórica superada sobre sua alegada natureza real i

Maria. Código Civil comentado.

Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 770; ;

José

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RIZZARDO,

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Caio Mário da

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(TREPAT C A S E S ,

São Paulo: Atlas, 2003. t. VIII, p. 128; PEREIRA,

Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. III, p. 287). Por eficácia do art. 732 do CC/2002, reconhece, a doutrina, prevalência da lei

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civil em relação Código Brasileiro de Aeronáutica, e às convenções internacionais

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sobre transporte aéreo (Assis, Araken de. Contratos nominados.

São Paulo: Ed.

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RT, 2005. p. 312) Isso se reflete, especialmente, em relação à Convenção de

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Varsóvia sobre transporte aéreo internacional, de 1929, ratificada pelo Brasil em 1931, atualizada e complementada pelos protocolos de Haia (1955), Guatemala (1971) e Montreal (1975). '

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A majoritária doutrina, igualmente, indica a prevalência das normas do Códi-

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go de Defesa do Consumidor ao transporte de pessoas, inclusive em relação a

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convenções internacionais, e aplicação de norma mais favorável ao consumidor (MORSELLO,

Marco Fábio. Responsabilidade

Atlas, 2007. p. 433-434;

TEPEDINO,

civil no transporte aéreo. São Paulo:

Gustavo. Comentários

j í

ao novo Código Civil.

Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. X, p. 464). Isso é especialmente relevante no