Tratado de Direito Privado, Tomo XLII - Direito das obrigações: Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito [42, 4ª ed.] 9788520343265


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Tratado de Direito Privado, Tomo XLII - Direito das obrigações: Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito [42, 4ª ed.]
 9788520343265

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42 M672 2012

Vol.42

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Diretor Responsável A-VTC-VO BELINELO Diretora de Conteúdo Editorial GSSSOE DE MELLO BRAGA TAPAI Diretora de Operações Editoriais

OnE l NE PAVAN Analistas Documentais. Bethânia Mignolo dos Santos, Bruno Martins Costa, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Danielle Cândido de Oliveira, Henderson Rirst de Oliveira e ítalo Façanha Costa. Editoração Eletrônica Coordenadora ROSELI CAMPOS DE CARVALHO Equipe de Editoração: Adriana Medeiros Chaves Martins, Ana Paula Lopes Corrêa, Carolina do Prado Fatel, Gabriel Bratti Costa, Ladislau Francisco de U m a Neto, Luciana Pereira dos Santos, Luiz Fernando Romeu, Marcelo de Oliveira Silva e Vera Lúcia Cirino. Produção gráfica: Caio Henrique Andrade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasi!) Miranda, Pontes de, 1892-1979 Direito das Obrigações: Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito ! Pontes de Miranda; atualizado por Bruno Miragem. 1. ed. - S ã o Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2 0 1 2 . - (coleção tratado de direito privado: parte especial; 42) I S B N 978-85-203-4326-5 1.Direito civil 2. Direito civil-Brasil I. Miragem, Bruno. II. Série. 12-009SO

CDÜ-347(81)

índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito civil 347(81) 2. Brasil: Direito privado 347 (31)

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tf- tyfr Pontes de Miranda

TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL

TOMO XLII DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito

Atualizado por

Bruno Miragem

anos EDITORA REVÕSTÃ DOS TRDBUNA1S

PONTES DE MIRANDA

PARTE ESPECIAL

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TOMOXLII DIREITO DAS OBRIGAÇÕES: Mútuo. M ú t u o a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito

© Originais do Tratado de Direito Privado - 60 Tomos: PONTES DE

MIRANDA

© Desta Atualização [2012]: EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS L T D A . ANTONIO BELINELO Diretor responsável Rua do Bosque, 820 - B arra Funda Tel. II 3 6 1 3 - 8 4 0 0 - F a x 11 3613-8450 CEP 01136-000 - São Paulo, SP, Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfflmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videcgráficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a l l O d a Lei 9.610,de 19.02.1998,Lei dos Direitos Autorais). CENTRAL DE RELACIONAMENTO R T

(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor: [email protected] Visite nosso site: www.rt.com.br Impresso no Brasil [03.2012] Profissional Fechamento desta edição [05.03.2012]

EDnORA ATIUADA ISBN 978-85-203-4326-5 ISBN da Coleção 978-85-203-4321-0

À AMNÉRIS e à FRÂNCIS,

amor e gratidão de seu marido e de seu pai.

Í N D I C E G E R A L D O T O M O XLXI

APRESENTAÇÃO, 9 PREFÁCIO À L.A EDIÇÃO, 1 1 SOBRE O AUTOR, 2 5 OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR, 2 9 SOBRE O ATUALIZADOR, 3 3 PLANO GERAL DA COLEÇÃO, 3 5 TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS, 3 9 BIBLIOGRAFIA DO TOMO X L I I , 5 0 7 ÍNDICES

Alfabético dos Autores citados, 525 Cronológico da Legislação, 534 Cronológico da Jurisprudência, 559 Alfabético das Matérias, 571

APRESENTAÇÃO

A Editora Revista dos Tribunais - RT tem a honra de oferecer ao público leitor esta nova edição do Tratado de Direito Privado, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, reconhecidamente um dos mais ilustres juristas brasileiros, senão o maior. Para nós, da Editora, a republícação desta obra tem importância única: ao se consubstanciar num marco científico e editorial, pela contribuição que há tantas décadas traz à ciência do Direito e, especificamente, ao Direito Privado. Essas fundamentais características se compõem com as comemorações do primeiro centenário desta Casa Editorial e com a evocação dos 120 anos de nascimento do grande tratadista. O respeito ao texto original, também publicado por esta Editora em 1983, foi um dos maiores cuidados que nos determinamos a tomar, desde a estrutura e organização do texto, passando por alguns recursos usados pelo Autor, até a ortografia da época, com exceção do trema nas semivogais. O Direito, porém, como todas as ciências, vem sofrendo grandes transformações nas últimas décadas. Por isso, com o intuito de inserir a obra no contexto presente, notas atualizadoras foram elaboradas por juristas convidados entre os mais renomados do País. Inseridas ao final de cada tópico (§), encontram-se devidamente destacadas do texto original, apresentando a seguinte disposição: i

Panorama Atual:

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§ x: A - Legislação: indicação das alterações legislativas incidentes no instituto estudado § JC: B - Doutrina: observações sobre as tendências atuais na interpretação doutrinária do instituto estudado § x: C - Jurisprudência: anotações sobre o posicionamento atual dos Tribunais a respeito do instituto estudado

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Neste século de existência, a Editora Revista dos Tribunais se manteve líder e pioneira na promoção do conhecimento, procurando fornecer soluções especializadas e qualificadas aos constantes e novos problemas jurídicos da sociedade, à prática judiciária e à normatização. Nas páginas que publicou, encontra-se o Direito sendo estudado e divulgado ao longo de cinco Constituições republicanas, duas guerras mundiais e diversos regimes políticos e contextos internacionais. Mais recentemente, a revolução tecnológica, a era digital, e a globalização do conhecimento trouxeram desafios ainda mais complexos, e para acompanhar tudo isso, a Editora passou a compor, desde 2010, o grupo Thomson Reuters, incrementando substancialmente nossas condições de oferta de soluções ao mundo jurídico. Inovar, porém, não significa apenas "trazer novidades", mas também "renovar" e "restaurar". A obra de Pontes de Miranda permite tantas leituras, tamanha sua extensão e profundidade, que não se esgotam seu interesse e sua importância. E por isso, também - para inovar - , republicamos seu Tratado de Direito Privado. Não podemos deixar de registrar, ainda, nossos mais profundos agradecimentos à família Pontes de Miranda, pela participação que fez possível a realização de um sonho. EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

P R E F Á C I O À 1." E D I Ç Ã O

1. Os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sôbre elas, como se as marcassem. Em verdade, para quem está no mundo em que elas operam, as regras jurídicas marcam, dizem o que se há de considerar jurídico e, por exclusão, o que se não há de considerar jurídico. Donde ser útil pensar-se em termos de topologia: o que entra e o que não entra no mundo j urídico. Mediante essas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interêsses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. As proposições jurídicas não são diferentes das outras proposições: empregam-se conceitos, para que se possa assegurar que, ocorrendo a, se terá a'. Seria impossível chegar-se até aí, sem que aos conceitos jurídicos não correspondessem fatos da vida, ainda quando êsses fatos da vida sejam criados pelo pensamento humano. No fundo, a função social do direito é dar valores a interêsses, a bens da vida, e regular-lhes a distribuição entre os homens. Sofre o influxo de outros processos sociais mais estabilizadores do que êle, e é movido por processos sociais mais renovadores; de modo que desempenha, no campo da ação social, papel semelhante ao da ciência, no campo do pensamento. Esse ponto é da maior importância. Para que se saiba qual a regra jurídica que incidiu, que incide, ou que incidirá, é preciso que se saiba o que é que se diz nela. Tal determinação do conteúdo da regra jurídica é função do intérprete, isto é, do juiz ou de alguém, jurista ou não, a que interêsse a regra jurídica. O jurista é apenas, nesse plano, o especialista em conhecimentos das regras jurídicas e da interpretação delas, se bem que, para chegar a essa especialização e ser fecunda, leal, exata, a sua função, precise de conhecer o passado do sistema jurídico e, pois, de cada regra jurídica, e o sistema jurídico do seu tempo, no momento em que pensa, ou pensa e fala ou escreve.

Diz-se que interpretar é, em grande parte, estender a regra jurídica a fatos não previstos por ela com o que se ultrapassa o conceito técnico de analogia. Estaria tal missão compreendida no poder do juiz e, pois, do intérprete. Diz-se mais: pode o juiz, pois que deve proferir a sententia quae rei gerendae aptior est, encher as lacunas, ainda se falta a regra jurídica que se pudesse estender, pela analogia, ou outro processo interpretativo, aos fatos não previstos. Ainda mais: se a regra jurídica não é acertada, há de buscar-se, contra legem, a regra jurídica acertada. Nota-se em tudo isso que se pretendem contrapor a investigação do sistema jurídico, em toda a sua riqueza, dogmática e histórica, e a letra da lei. Exatamente o que se há de procurar é a conciliação das três, no que é possível; portanto, o sentido - dogmática e historicamente - mais adequado às relações humanas, sem se dar ensejo ao arbítrio do juiz. A separação dos poderes, legislativo e judiciário, esteia-se em discriminação das funções sociais (política, direito); e a história do princípio, a sua revelação através de milênios, a sua defesa como princípio constitucional, apenas traduz a evolução social. O êrro do legislador pode ser de expressão: prevalece, então, o pensamento que se tentou exprimir, se êsse pensamento é captável no sistema jurídico; não se desce ao chamado espírito, ou à vontade do legislador, porque seria atravessar a linha distintiva do político e do jurídico; não se contraria o princípio de que a lei é para ser entendida pelo povo, no grau de cultura jurídica em que se acham os seus técnicos, e não para ser decifrada. Por outro lado, as circunstâncias sociais podem ter mudado: o envelhecimento da regra jurídica participa mais do julgamento do povo do que do decorrer do tempo: o problema torna-se mais de mecânica social do que de fontes e de interpretação das leis. 2. O sistema jurídico contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo sôbre que elas incidem, apontado por elas. Aí é que se exerce a função esclarecedora, discriminativa, crítica, retocadora, da pesquisa jurídica. O conceito de suporte fáctico tem de ser guardado pelos que querem entender as leis e as operações de interpretação e de julgamento. A regra jurídica "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil" (Código Civil, art. 1.°) é regra jurídica de suporte fáctico simplicíssimo: "Homem". Se há um ser humano, se nasceu e vive um homem, a regra jurídica do art. 1.° incide. Incide, portanto, sôbre cada homem. Cada ho-

mera pode invocá-la a seu favor; o juiz tem dever de aplicá-la. Porém nem todos os suportes fácticos são tão simples. "São incapazes relativamente, os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos" (art. 6.°, I). Suporte fáctico: ser humano, dezesseis anos feitos. "Cessando a confusão, para logo se restabelecer, com todos os acessórios, a obrigação anterior" (art. 1.052). Suporte fáctico: A devedor a B, A sucessor do direito de B, mas a sucessão é temporária, qualquer que seja a causa. É fácil compreender-se qual a importância que têm a exatidão e a precisão dos conceitos, a boa escolha e a nitidez deles, bem como o rigor na concepção e formulação das regras jurídicas e no raciocinar-se com elas. Seja como fôr, há sempre dúvidas, que exsurgem, a respeito de fatos, que se têm, ou não, de meter nas categorias, e da categoria em que, no caso afirmativo, se haveriam de colocar. Outras, ainda, a propósito dos próprios conceitos e das regras jurídicas, que têm de ser entendidas e interpretadas. A missão principal do jurista é dominar o assoberbante material legislativo e jurisprudencial, que constitui o ramo do direito, sobre que disserta, sem deixar de ver e de aprofundar o que provém dos outros ramos e como que perpassa por aquêle, a cada momento, e o traspassa, em vários sentidos. Mal dá êle por começada essa tarefa, impõe-se-lhe o estudo de cada uma das instituições jurídicas. Somente quando vai longe a sua investigação, horizontal e verticalmente, apanhando o sobredireito e o direito substancial, é que pode tratar a regra jurídica e o suporte fáctico, sôbre que ela incide, avançando, então, através dos efeitos de tal entrada do suporte fáctico no mundo jurídico. O direito privado apanha as relações dos indivíduos entre si, e cria-as entre eles; mas a técnica legislativa tem de levar em conta que alguns desses indivíduos são Estados, Estados-membros, Municípios, pessoas jurídicas de direito público, que também podem ser sujeitos de direitos privados. Interpretar leis é lê-las, entender-lhes e criticar-lhes o texto e revelar-lhes o conteúdo. Pode ela chocar-se com outras leis, ou consigo mesma. Tais choques têm de ser reduzidos, eliminados; nenhuma contradição há de conter a lei. O sistema jurídico, que é sistema lógico, há de ser entendido em tôda a sua pureza. Se, por um lado, há tôda a razão em se repelir o método de interpretação conceptualístico (que se concentrava na consideração dos conceitos, esquecendo-lhe as regras jurídicas em seu todo e, até, o sistema jurídico), método que nunca foi o dos velhos juristas portuguêses nem o dos brasileiros, temos de nos livrar dos métodos que não atendem a que as regras

jurídicas se fazem com os conceitos e êsses tem a sua fixação histórica e hão de ser precisados. Principalmente, tem-se de levar em conta que a regra jurídica, a lei, viveu e vive lá fora, - foi para ser ouvida e lida pelos que hão de observá-la e é para ser lida, hoje, por êles. Nem o que estava na psique dos que a criaram, nem o que está na psique dos que hoje a criam, têm outro valor além do que serve à explicitação do que é que foi ouvido e lido por aqueles a que foi dirigida, ou o é por aqueles a quem hoje se dirige. O elemento histórico, que se há de reverenciar, é mais exterior, social, do que interior e psicológico. Se assim se afasta a pesquisa da vontade do legislador, no passado e no presente, o subjetivismo e o voluntarismo que - há mais de trinta e dois anos - combatemos (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archivflir Rechts und Wirtschaftsphilosophie, 16, 5 2 2 - 5 4 3 ) , há de evitar-se passar-se a outro subjetivismo e a outro voluntarismo, - o da indagação da vontade da lei. Ratio legis não é voluntas legis; lei não quer; lei regra, lei enuncia. O sentido é o que está na lei, conforme o sistema jurídico, e não o que se atribui ao legislador ter querido, nem à lei querer agora. Nem o que E. R. BIERLING (Juristische Prizipienlehre, IV, 2 3 0 e 2 5 6 s.), nem o que K . BINDING (Handbuch, I , 4 6 5 ) e J . KOHLER (Über die Interpretation der Gesetzen, Griinhuts Zeitschrift, 13, 1 s.) sustentavam. Interpretar é revelar as regras jurídicas que fazem parte do sistema jurídico, - pode ter sido escrita e pode não estar escrita, mas existir no sistema, pode estar escrita e facilmente entender-se e apresentar certas dificuldades para ser entendida. Nas monocracias, os trabalhos preparatórios ficavam mais ocultos, raramente se publicavam com propósito de servir à interpretação, e quase sempre se perdiam, ao passo que a interpretação autêntica tinha todo o prestígio de lei, uma vez que não existia o princípio constitucional de irretroatividade da lei. Nas democracias, com o princípio da irretroatividade da lei, a interpretação autêntica ou é nova lei, ou não tem outro prestígio que o de seu valor intrínseco, se o tem; é interpretação como qualquer outra, sem qualquer peso a mais que lhe possa vir da procedência: o corpo legislativo somente pode, hoje, fazer lei para o futuro', não, para trás, ainda a pretexto de interpretar lei feita. O tribunal ou juiz que consultasse o Congresso Nacional cairia no ridículo, se bem que isso já tenha ocorrido na Europa. Se o legislador A ou os legisladores A, A' e A", quiseram a e todos os outros legisladores quiseram b, mas o que foi aprovado e publicado foi c, c é que é a regra jurídica. Bem assim, se todos quiseram a, e foi aprovado e publicado c. Os trabalhos preparatórios são, portanto, elemento de valor mínimo. O que foi publicado é a letra da lei, com as suas palavras e frases. Tem-se de interpretar, primeiro, gramatical-

mente, mas já aí as palavras podem revelai" sentido que não coincide com o do dicionário vulgar (pode lá estar rescisão, e tratar-se de resolução; pode lá estar condição, e não ser de condido que se há de cogitar; pode falar-se de êrro, e só se dever entender o erro de fato, e não o de direito). O sentido literal é o sentido literal da ciência do direito, tendo-se em vista que o próprio redator da lei ao redigi-la, exercia função da dimensão política, e não da dimensão jurídica, pode não ser jurista ou ser mau jurista, ou falso jurista, o que é pior. Demais, estava êle a redigir regra jurídica, ou regras jurídicas, que se vão embutir no sistema jurídico e tal inserção não é sem conseqüências para o conteúdo das regras jurídicas, nem sem conseqüências para o sistema jurídico. Jurisprudência contra a lei é jurisprudência contra êsse resultado. Por isso, regra jurídica não escrita pode dilatar ou diminuir o conteúdo da regra jurídica nova. Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter na mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Os êrros de expressão da lei são corrigidos facilmente porque o texto fica entre êsses dois componentes do material para a fixação do verdadeiro sentido. Na revelação de regra jurídica não escrita é que se nota maior liberdade do juiz. Nota-se; mas ^há essa liberdade? Revelar a regra jurídica, se não está escrita, lendo-se na história e no sistema lógico, não é operação diferente de se ler na história, no texto e no sistema lógico. Não se cria a regra jurídica não escrita, como não se cria a regra jurídica escrita; ambas são reveladas, razão por que falar-se em lacuna do direito somente tem sentido se se critica o sistema jurídico, isto é, se se fala de iure condendo, ou se se alude a visão de primeiro exame, a algo que não se viu à primeira vista. Lacuna preenchida não é lacuna; lacuna que não é preenchível é lacuna de iure condendo. Analogia só se justifica se a ratio legis é a mesma (Ubi eadem ratio, idem ius); só se admite se, com ela, se revela, sem se substituir o juiz ao legislador: onde ela revela regra jurídica não-escrita, é analogia iuris, provém de explicitação do sistema jurídico e ainda é apenas reveladora, e não criadora. (A) Quando se revela por analogia legal, analogia legis, o que em verdade se faz é explicitar que a) a regra legal exprimiu, no texto, princípio particular, e b) há princípio mais geral em que êle se contém. (B) Quando se revela por analogia iuris, explicita-se regra jurídica que se há de ter como a), pois já existe, não escrita, no sistema jurídico. Fora de (A) e de (B), a chamada anal ogia é edicção de regra jurídica, contra o princípio da separação dos poderes.

3. A atividade mais relevante da ciência do direito consiste, portanto, em apontar quais os têrmos, com que se compuseram e com que se hão de compor as proposições ou enunciados, a que se dá o nome de regras jurídicas, e quais as regras jurídicas que, através dos tempos, foram adotadas e aplicadas. A sucessão histórica dessas regras obedece a leis sociológicas. Outra atividade, que não é menos inestimável do que aquela, está no interpretar o conteúdo das regras de cada momento e tirar delas certas normas ainda mais gerais, de modo a se ter em quase completa plenitude o sistema jurídico. Desde mais de dois milênios, porém principalmente nos últimos séculos, longo esforço de investigação, servido, aqui e ali, pela aparição de alguns espíritos gemais, conseguiu cristalizar a obra comum em enunciados sobre os próprios enunciados e sobre os têrmos, tornando cada vez "menos imperfeitas" a linguagem e a lógica do direito. A primeira necessidade da ciência jurídica passou a ser a mais rigorosa exatidão possível no delimitar os conceitos (E. I. BEKKER, System, IX). Os decênios passados puderam contemplar a obra imensa do século XIX, perceber o que não obtivera, até agora, "precisão"; e preparar-nos para a continuação criadora, que nunca seria possível sem a mole dos resultados anteriores e a depuração incessante de êrros. O valor do método etnológico assenta em que precisamos conhecer as instituições jurídicas em seu bêrço, mesmo em seus nascedouros, ou para distinguirmos dos outros processos sociais de adaptação o direito, ou para podermos escalonar, no tempo, as formas que o direito foi assumindo. Só assim poderemos datar o que apareceu no momento próprio e o que apareceu em momento impróprio (regressões, prematuridade legislativas). Com o método etnológico e o histórico-comparativo, podemos alcançar a discriminação das fases, na evolução social (método sociológico científico ou faseológico, que foi sempre o seguido em nossas obras, quer de sociologia, quer de dogmática jurídica). O valor dos estudos históricos para o conhecimento do direito vigente assenta em que não se pode conhecer o presente, sem se conhecer o passado, não se pode conhecer o que é, sem se conhecer o que foi. Não se poderia situar, no tempo, na evolução jurídica, cada enunciado do sistema lógico; nem se colheria o que estava na psique dos elaboradores da lei, porque estava no ambiente social (e continuou de estar), e se supôs incluso nos textos, ou entre os textos; nem se poderiam fixar certos conceitos, nem se determinariam certas categorias, que têm os seus limites marcados

pelos fios históricos. Ainda onde o direito mudou muito, muito se há de inquirir do que não mudou. O direito muda muito onde em muito deixou de ser o que era. 4. A noção fundamental do direito é a de fato jurídico; depois, a de relação jurídica; não a de direito subjetivo, que é já noção do plano dos efeitos; nem a de sujeito de direito, que é apenas termo da relação jurídica. Só há direitos subjetivos porque há sujeitos de direito; e só há sujeitos de direito porque há relações jurídicas. O grande trabalho da ciência jurídica tem sido o de examinar o que é que verdadeiramente se passa entre homens, quando se dizem credores, titulares ou sujeitos passivos de obrigações, autores e réas, proprietários, excipientes, etc. O esforço de dois milênios conseguiu precisar conceitos, dar forma sistemática à exposição, pôr êsses conhecimentos à disposição dos elaboradores de leis novas e aprimorar o senso crítico de algumas dezenas de gerações, até que, recentemente, se elevou a investigação ao nível da investigação das outras ciências, para maior precisão da linguagem e dos raciocínios. A subordinação dela à metodologia que resultou da lógica contemporânea, inclusive no que concerne à estrutura dos sistemas, é o último degrau a que se atingiu. Aliás, "ter direito" é, no falar diário, ambíguo, se não equívoco; Goethe tinha direito de escrever o que quisesse e, ainda naquele tempo, poderíamos ver no escrever o exercício de (direito de) liberdade de trabalho intelectual; A tem direito de se zangar com B, por B ter sido grosseiro, e vê-se bem que se está no mundo fáctico, a falar-se de direito, em sentido amplíssimo, que não é o sociológico, nem o técnico. Toda conveniência há em se evitar êsse sentido, extremamente largo, do falar comum; porém os juristas mesmos pecam em não verem que o direito abrange maior campo do que aquele que costumam, na rotina do ensino, da judicatura, ou da elaboração das leis, apontar ou pesquisar. Se A toma banho na praia, exerce direito de que êle não cogita, e é direito como os outros; se B vai ao cabeleireiro, com a filha, e diz que deseja as tranças do cabelo cortado, exerce direito. Onde quer que se distribuam bens da vida, inclusive os que se ligam à própria pessoa, aí está o sistema jurídico. Quem diz "aí está o sistema jurídico" diz há elementos fácticos sôbre os quais incidiu regra jurídica. Tal regra pode ser escrita, ou não escrita; em ambos os casos, faz parte do sistema jurídico, que é um cálculo lógico. A cada momento surgem problemas que somente podem ser resolvidos se se obedece a indicações e raciocínios exatos.

A incidência da regra jurídica é que torna jurídicos os bens da vida. Muitas vêzes, porém, a incógnita é a regra jurídica; outras vêzes, o conjunto de fatos, o suporte fáctico, em que a regra jurídica incide. Ali, responde-se às perguntas - "/Há a regra jurídica e qual é?"; aqui, a duas outras "/Quais os elementos que compõem o suporte fáctico; e qual a natureza de cada um dêles?" Tais questões são inconfundíveis com as da irradiação de efeitos dessa impressão da norma jurídica no suporte fáctico. Por onde se vê que não é de admitir-se, em ciência, que se comece a exposição, a falar-se dos efeitos, da eficácia (direitos, deveres ou dívidas; pretensões, obrigações; ações e exceções), antes de se descrever como os elementos do mundo fáctico penetram no mundo jurídico. O direito dos nossos tempos, depois de se haver o homem libertado do direito do clã e da tribo, bem como do privatismo oligárquico da Idade Média, é baseado em que cada um tem campo de autonomia em que pode rumar, como entenda, a sua vida. Supõe-se em cada uma aptidão biológica, social e psico-individual para alcançar fins autônomos, escolhendo os fins e, ainda, criando fins seus. A intervenção do Estado é excepcional, pôsto que, na elaboração das leis, se adotem - para os indivíduos e para o Estado - regras que não podem ser alteradas pela vontade de cada um. Algumas criam direitos; outras, deveres; outras, pretensões, obrigações e ações, ou só pretensões e obrigações. Outras criam direitos sem os subjetivar, de modo que o efeito, a que então se chama direito, é reflexo da norma jurídica que incidiu, sem ser, pois, o seu efeito adequado ou, sequer, anexo. Nem sempre o efeito reflexo cria direito sem subjetivação; o interêsse é protegido sem a criação de direito subjetivo, ou, sequer, direito. Todavia, guardemo-nos de reduzir a essa categoria alguns fatos do mundo jurídico, que ofereceram dificuldades às gerações anteriores ao terem de os classificar (e.g., a lesão da propriedade, ou da pessoa); e mais ainda nos havemos de precatar contra discriminações concretas entre direito e interêsses protegidos que corresponderam a momentos já passados, a momentos em que eram verdadeiras (hoje não mais o são), tanto mais quanto tais discriminações podem ter resultado de deficiência do direito público de povos grandemente progredidos no direito privado. A afirmativa, por exemplo, de que não há no sistema jurídico regra que proíba, em geral, causar dano à pessoa ou ao patrimônio alheio {e.g., A. VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I, 56) é falha: primeiro, desatende-se a que essa regra jurídica pode ser não-escrita e a que as regras jurídicas de sanções supõem a regra jurídica que se há de ter violado; segundo, não se vê que, noutro ramo do direito, que é o direito público, às vêzes no direito constitucional, a regra jurídica, que se supõe, vem, de ordinário, escrita.

5. Quando se trata de direito privado contemporâneo, poucos são os que se dão conta de que há mais de dois mil anos se vem elaborando toda a doutrina de que desfrutamos. Em verdade, foi como se, através desses milênios, estivesse o homem a descobrir o que seria melhor - ou é melhor - para regular as relações inter-humanas. "Descobrir" é o têrmo; pouco se criou: revelou-se, nos livros de doutrina, nas elaborações de regras jurídicas e nas críticas, o que se presta a resolver os problemas do interesse humano. Às vêzes por muitos séculos se procurou solução. No final, o direito, ainda o direito não-costumeiro, é a obra de milhares e milhares de inteligências. Daí ter-se de colher, aqui e ali, a verdade. Fácil é assim imaginar-se o que representa de esforço intelectual, de pesquisa, a Parte Geral do Direito Privado. 6. A respeito de conter, ou não, o Código Civil regras jurídicas de direito administrativo (portanto, heterotópicas), e de poder alguma regra de direito civil ser invocada como subsidiária do direito público, especialmente administrativo, tem havido graves confusões, provenientes de leitura apressadas de livros estrangeiros. No art. 1.°, diz-se que o Código Civil regula "os direitos e obrigações de ordem privada", de modo que é o fundo comum para o direito civil e o comercial; porém não para o direito público: para êsse, a regra jurídica de direito privado somente pode ser invocada se é elemento do suporte fáctico de alguma regra jurídica publicística o fato jurídico privatístico, ou se - o que é causa das maiores confusões nos inexpertos - a regra jurídica privatística revela, no plano do direito privado, a existência de princípio geral de direito que também se há de revelar no direito público. Exemplo de discussão imprecisa por ocasião dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, a 23 de junho de 1943, 5 de junho de 1944 e 5 de agosto de 1949 (R. dos T., 148,777; R. de D. A., II, 560; R. F., 129, 120). Em voto no acórdão da 2 a Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 23 de fevereiro de 1948 (R. dos T„ 184, 351), procurou-se critério distintivo, dizendo-se que, em direito privado, se permite o que não é proibido, ao passo que, no direito público, só se pode fazer o que é permitido; mas isso é fácil dito, sem qualquer apoio em princípios, - tanto há regras jurídicas permissivas e proibitivas no direito privado quanto no público e o campo da liberdade, no direito público, é ainda mais vasto do que no direito privado. 7. A Parte Geral do Direito é um dos ramos do Direito. Todo sistema jurídico é sistema lógico. Cada ramo também o é. Não é contemplação,

nem doutrina teleológica. Há de formar sistema lógico; ou, melhor, há de ser apanhado do que é geral e comum no sistema lógico, ou geral e comum nos sistemas lógicos de que se trata. O sistema jurídico pode ser o do Estado A, ou um dos sistemas jurídicos (o direito civil, por exemplo) do Estado A; ou o dos Estados A, B, C, ou um dos sistemas dos Estados A, B, C. Ou se restrinja a definições, ou explicite princípios ou regras, ou é sistema lógico ou é parte de sistema. Embora seja possível pensar-se em Parte Geral do Direito em algum sistema hipotético (imaginário) X, ou X, Y, Z, a Parte Geral do Direito, ou do Direito Penal, ou do Direito Privado, ou a que fôr, é a de direito existente, ou de sistemas jurídicos existentes, ou de ramo do direito existente ou de ramo de sistemas jurídicos existentes. O seu programa não pode ser o de filosofia do direito, nem o de sociologia do direito; menos ainda o de história ou etnologia do direito; nem o dela pode suprir, ou eliminar os programas dessas disciplinas, nem o de qualquer delas, nem os de todas o suprem, ou eliminam. Alguns conceitos, é de notar-se, são sobre os sistemas lógicos a que se dá a qualificação de jurídicos; por exigência prática, foram incluídos na Parte Geral do Direito, para se não recorrer a remissões. Outros são conceitos de que se precisa e, pois, subentendidos, o que os faz definições. APa?te Geral do Direito Privado tem, necessariamente, de trabalhar com, os conceitos que são comuns a todos os ramos do direito e a todos os ramos do direito privado; e com os conceitos que somente são comuns aos ramos do direito civil, ou ao direito comercial, ou a outro ramo. 8. A doutrina pandectista do século X K deve-se a elaboração da Parte Geral do direito civil a ponto de se haver imposto, no século XX, às codificações mais autorizadas, exceto, o que é lamentar-se, à codificação italiana. As categorias jurídicas foram classificadas; os seus conteúdos discutidos e aclarados; e não há negar-se que, aos primeiros decênios do século corrente, a tal ponto havia chegado a sistematização, que os esforços, a partir desses anos, foram em profundidade e no sentido de classificação de toda a teoria geral do direito, em irradiações do que se conseguira na Parte Geral do direito civil. Exatamente por isso, a obra, que verse, no meio do século XX, matéria que se acrisolou com tantas investigações e controvérsias, exige-se pôr-se em dia com o que deixaram os últimos grandes civilistas das três primeiras décadas e o que as duas últimas conseguiram corrigir e aperfeiçoar. Seria, porém, incompleto o pôr-se em dia, se não se atendesse ao que se irradiava, em compensação fecunda, dos outros ramos

do direito. Daí a razão de se reputar da mais alta responsabilidade empreendimento tão complexo, a despeito de caber a matéria, nos códigos, em duas centenas de artigos (§§ 1-240 do Código Civil alemão; arte. l.°-179 do Código Civil brasileiro). 9. A divisão das matérias da Parte Geral aparece, nesta obra, pela primeira vez, em ordem lógico-científica. Primeiro, expusemos o que concerne ao plano da existência; depois, o que se refere ao plano da validade; finalmente, o que somente pertence ao plano da eficácia. O fato jurídico, primeiro, é; se é, e somente se é, pode ser válido, nulo, anulável, rescindível, resolúvel, etc.; se é, e somente se é, pode irradiar efeitos, posto que haja fatos jurídicos que não os irradiam, ou ainda não os irradiam. No Plano I, a regra jurídica e o suporte fáctico sôbre que ela incide são o de que de início nos incumbimos tratar; depois da incidência, que torna fato jurídico o suporte fáctico, versa-se o que define os fatos jurídicos e os classifica. A personalidade e a capacidade entram no estudo do suporte fáctico, porque de tais conceitos precisamos desde logo. No Plano II, o assunto já supõe a existência dos fatos jurídicos; mais precisamente, dos atos jurídicos (negócios jurídicos e atos jurídicos stricto sensu), fora os fatos jurídicos stricto sensu. São a validade, a nulidade e a anulabilidade o que mais longamente nos ocupa. No Plano III, cogitamos da eficácia, que supõe existência e, de ordinário, pelo menos, não ser nulo o ato jurídico. Respectivamente, Tomos I-IH, IV e V-VI. A diferença entre o mundo fáctico e o mundo jurídico vê-se bem entre o passeio que alguém faz à casa do amigo e a entrega da carta com a oferta de contrato, entre o ato de cercar, interiormente, o terreno que lhe pertence e o de invadir o terreno do vizinho, entre a avulsão interior ao terreno de A e a avulsão entre o terreno de A e o de B. Duas pessoas que se divertem jogando cartas, sem parar qualquer valor (somente fichas de osso ou de matéria plástica, que voltam ao dono), mantêm-se no mundo fáctico; e duas que fizeram paradas de dinheiro, fizeram entrar no mundo jurídico, desde o momento em que acordaram em tal jogo, o negócio jurídico dos arts. 1.4771.479 do Código Civil. A diferença entre o plano da existência e o plano da eficácia percebe-se claramente quando se considera o fato jurídico e o direito, o dever, a pretensão, a obrigação, a ação e a exceção, que são efeitos, ou a condição e o têrmo, que só operam no plano da eficácia, e o distrato, a resolução sem ser por advento de condição ou têrmo, a própria resilição e a denúncia, que se passam no plano da existência. O distrato desfaz o ato

jurídico; a resolução resolve o ato jurídico, a resilição resile-o; a denúncia atinge o ato jurídico. A condição e o tênno somente apanham efeitos. 10. A fonte mais extensa do direito civil brasileiro é o Código Civil, que teve a data de 1.° de janeiro de 1916 e entrou em vigor um ano depois. "Este Código" disse o art. 1.°, "regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações". Em termos científicos, evitadas as elipses: o Código Civil regula os fatos de que resultam direitos e obrigações de ordem privada, quer de natureza pessoal, quer de natureza real. Como toda codificação, o Código Civil não foi exaustivo senão por algum tempo (= até a aparição de alguma regra jurídica derrogativa, ou a latere) e ainda assim não foi perfeita a sua exaustividade: somente onde se regulou alguma matéria foi, excluído o direito anterior (art. 1.807: "Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código"). No art. 1.806, estatuíra-se: "O Código Civil entrará em vigor no dia 1.° de janeiro de 1917". A fonte mais extensa do Código Comercial é o Código do Comércio (Lei n. 556, de 25 de junho de 1850). Os que não vivem atentos à história dos diferentes sistemas jurídicos dificilmente podem apreciar, com profundidade, a grande vantagem, que teve o Brasil, em receber o direito português e a doutrina jurídica dos séculos XV em diante, sem que direito estrangeiro fôsse imposto por invasores ou em imitações apressadas, como aconteceu a muitos dos povos hispano-americanos, em relação ao Código Civil francês. O Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que nos teria dado o melhor Código Civil do século X I X , prestou-nos, não se transformando em Código Civil, o serviço de pôr-nos em dia com o que êle genialmente entrevia e permitiu-nos sorrir dos imitadores do Código Civil francês, enquanto Portugal, imitando-o, deixou que a sua história jurídica se fizesse mais nossa do que dêle. O Código Civil brasileiro é bem, como disse L . ENNECCERUS, a mais independente das codificações latino-americanas. Para quem observa, isentamente, o que se passou com o direito comercial, nota a artificialidade com que se quis arrancar do direito privado o todo suficiente para aparecer, como autônomo, ramo de direito privado que apenas consistia em algumas leis especiais e algumas regras jurídicas concernentes aos comerciantes. Algumas leis foram soldadas ao direito comercial sem se justificar tal soldagem deliberada e violenta.

11. A obra obedece a programa rigorosamente científico: a distinção entre mundo fáctico e mundo jurídico, que é o do sistema jurídico, vem à frente, e concorre imensamente para clarear os assuntos e para a solução de problemas delicados que perturbavam a ciência européia; depois, a distinção entre o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia, sem a qual em tantas confusões incorrem os juristas, baralhando "ser", "valer" e "ter efeito", como se fossem equivalentes "ser", "ser válido", "ser eficaz", ou "não ser", "não ser válido", "ser ineficaz". A ciência do direito, colhendo das regras jurídicas, da sistemática e da prática os conceitos, obedece às diferenças; os juristas, aqui e ali, perdem-nas de vista. Tudo aconselha a que se ordenem as matérias com toda a precisão conceptual. Já TEIXEIRA DE FREITAS percebera que a parte do direito concernente à eficácia ("dos efeitos civis", dizia êle) havia de ser todo um livro, após as causas, as pessoas, os bens e os fatos jurídicos. Somente depois se trataria - no plano do direito civil - dos direitos pessoais e dos direitos reais. O Código Comercial fundir-se-ia, unificando-se o direito privado. Foi isso o que êle propôs em ofício de 20 de setembro de 1867, antes do Código suíço das Obrigações, - e a mediocridade circundante rejeitou. Há certo fio de coerência histórica e espiritual em realizarmos, já no plano da sistematização, com o material do direito vigente, complexo e de diferentes datas, versado lealmente, o que, no plano da técnica legislativa, fôra o sonho do jurista brasileiro, há quase um século. Serve isso para mostrar, mais uma vez, que o Brasil tem um destino, que lhe traçaram o universalismo português e as circunstâncias jurídico-morais da sua história de mais de quatro séculos. É Ele, e não apenas nós (o civilista do século XIX e o autor desta obra), que planeja e executa. Somos apenas os instrumentos da sua avançada na dimensão do Tempo, a serviço da ordem jurídica e da ciência, na América e no mundo. De nossa parte, outrem poderia levar a cabo esta obra, melhor e mais eficientemente; as circunstâncias trabalharam a nosso favor, de modo que cedo percebemos que sem elas não poderíamos, nem outrem qualquer poderia enfrentá-la. Também aí não se leve a conta de mérito excepcional do autor o que foi resultado, tão-só, da convergência, extremamente feliz, de múltiplos fatores, de ordem psíquica e de ordem material. Uma das circunstâncias foi a prática do direito, durante mais de quarenta anos; outra, a formação inicial, lógico-matemática; outra, a possibilidade de estar a par da ciência européia, especialmente alemã e austríaca, à custa de grandes sacrifícios. Porém não pesou menos o ter podido, materialmente,

realizar a obra, através de trinta anos de organizaçao minudente e de disciplina estrita. A ciência precisa, para ser verdadeiramente prática, não se limitar ao prático ( R . VON JHERING, Jahrbücher für die Dogmatik, I, 18: "Die Wissenschaft darf, um wahrhaft praktisch zu sein, sich nicht auf das Praktische bescbrãnken"). Êsse pensamento nos voltou à memória, várias vêzes ao revermos as provas deste livro. A falta de precisão de conceitos e de enunciados é o maior mal na justiça, que é obrigada a aplicar o direito, e dos escritores de direito, que não são obrigados a aplicá-lo, pois deliberam êles-mesmos escrever. O direito que está à base da civilização ocidental só se revestirá do seu prestígio se lhe restituirmos a antiga pujança, acrescida do que a investigação científica haja revelado. Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça e ao falar-se sôbre direitos, pretensões, ações e exceções. Para honestamente se versar, hoje, o direito privado brasileiro, precisa-se de preparação de alguns decênios, quer pela necessidade de se meditarem milhares de obras, quer pela assoberbante jurisprudência que se amontoou. Por outro lado, não se pode impor ao público a exposição sistemática, sem críticas, do direito privado. Tem-se de apontar o que se diz e está errado; e chamar-se atenção para os que, com o seu gênio, descobriram. ou. com o valor das suas conviccões, sustentaram a verdade. 7

Rio de Janeiro, 15 de março de 1954. Rua Prudente de Morais, 1356.

SOBRE O AUTOR

FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA

Nasceu em Maceió, Estado de Alagoas, em 23 de abril de 1892. Faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de dezembro de 1979. Foi um dos maiores juristas brasileiros. Também filósofo, matemático, sociólogo, deixou obras não só no campo do Direito, mas também da Filosofia, Sociologia, Matemática, Política e Literatura (poesia e prosa). Escreveu-as em português, francês, inglês, alemão e italiano. - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Recife, em 1911. - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil, em 1918. - Membro Correspondente da Ordem dos Advogados de São Paulo, 16 de dezembro de 1919. - Conselheiro da Delegação Brasileira à V Conferência Internacional Americana, 1923. - Prêmio de Erudição da Academia Brasileira de Letras, 1924, pelo livro Introdução à Sociologia Geral. - Juiz de Órfãos, 1924. - Prêmio Único da Academia Brasileira de Letras, 1925, pelo livro A Sabedoria dos Instintos. - Prêmio Pedro Lessa, da Academia de Letras, 1925. - Professor Honoris Causa da Universidade Nacional do Rio de Janeiro, 1928. - Delegado do Brasil à V Conferência Internacional de Navegação Aérea, 1930. - Conferencista na Keiser Wilhelm-Stiftung, em Berlim, 1931.

- Membro da Comissão de Reforma Universitária do Brasil, em 1931. - Membro da Comissão de Constituição, em 1932. - Chefe da Delegação do Brasil na Conferência Internacional de Navegação Aérea, em Haia, 1932. - Professor de Direito Internacional Privado na Académie de Droit International de la Haye, 1932. - Juiz dos Testamentos (Provedoria e Resíduos). Desembargador do Tribunal de Apelação e Presidente das Câmaras de Apelação até 1939. Ministro Plenipotenciário de I a classe, em 1939. Embaixador em comissão, 3 de novembro de 1939, sendo designado para Bogotá de 1940 a 1941. Chefe da Delegação do Governo Brasileiro na XXVI Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em Nova Iorque, 25 de setembro de 1941. Representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho, em Montreal, 29 de agosto de 1941; no posto de 15 de setembro de 1941 a março de 1943. Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Recife, 1955. Ordem do Tesouro Sagrado do Império do Japão, Primeiro Grau, 1958. Medalha Comemorativa do Centenário do nascimento de Clóvis Beviláqua, 4 de outubro de 1959. Prêmio Teixeira de Freitas, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, 1961. Ordem do Mérito Jurídico Militar, pelo Superior Tribunal Militar, 1966. Medalha Monumento Nacional ao Imigrante, Caxias do Sul, 1966. Professor Honoris Causa da Universidade Federal de São Paulo, 1966. - Comenda de Jurista Eminente, Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 1969.

- Professor Honorário da Faculdade de Direito de Caruaru, 26 de maio de 1969. - Grã-Cruz do Mérito da Única Ordem da República Federal da Alemanha, 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 8 de agosto del970. - Professor Honoris Causa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 11 de agosto de 1970. - Titular Fundador da Legião de Honra do Marechal Rondon, 5 de maio de 1970. - Sumo Título de Mestre do Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 19 de setembro de 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1971. - Prêmio Munis Freire de Pernambuco outorgado pela Associação dos Magistrados do Espírito Santo, 12 de agosto de 1974. - Prêmio Medalha Osvaldo Vergara outorgado pela OAB, Seção do Rio Grande do Sul, 6 de novembro de 1974. - Professor Emérito da Faculdade de Direito de Olinda, 15 de maio de 1977. - Prêmio Medalha do Mérito Visconde de S. Leopoldo, Olinda, 15 de maio de 1977. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas, 1978. - Prêmio Medalha do Mérito Artur Ramos outorgado pelo Governador de Alagoas, março de 1978. - Imortal da Academia Brasileira de Letras, 8 de março de 1979. - Membro Benemérito do Diretório Acadêmico Rui Barbosa. - Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. - Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. - Membro da Ordem dos Advogados do Brasil. - Membro da Academia Brasileira de Arte.

TRATADO DE DIREITO PRIVADO - Tomo XL1I

- Honra ao Mérito, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. - Grau de Grã-Cruz (Ordem Albatroz) Museu de História, Sociedade Cultural Tradicionalista. Membro da Association of Symbolic Logic. Membro da Academia Carioca de Letras. Membro da Academia de Artes. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Letras. Cidadão Honorário de Minas Gerais.

OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR

JURÍDICAS

Sistema de Ciência Positiva do Direito (1922), 2 Tomos; 2. ed., 1972, 4 Tomos. Os Fundamentos atuais do Direito Constitucional (1932). Tratado do Direito Internacional Privado, 2 Tomos (1935). Tratado das Ações, I-VH (1971-1978). Tratado de Direito Privado, Tomos I-LX, 3. ed. Comentários à Constituição da República dos E. U. do Brasil (1934), Tomos I e III. Comentários à Constituição de 10 de novembro de 1937,1.° e 3.° Tomos. Comentários à Constituição de 1946, 3. ed., Tomos I-Vm. Comentários à Constituição de 1967, Tomos I-VI; 2. ed., com Emenda n. 1. La Conception du Droit internacional privé d'après la doctrine et la pratique au Brésil, Recueil des Cours de VAcadémie de Droit Internacional de La Haye, T. 39, 1932. La Création et la Personalité des personnes juridiques en Droit international privé, Mélanges Streit, Athènes, 1939. . Nacionalidade e Naturalização no Direito brasileiro (1936). Â Margem do Direito (1912). História e Prática do Habeas Corpus (1916); 7. ed. (1972), 2 Tomos. Tratado de Direito de Família, 3. ed., 3 Tomos (1947). Da Promessa de Recompensa (1927). Das Obrigações por Atos Ilícitos, 2 Tomos (1927). Dos Títulos ao Portador (1921); 2. ed., 2 Tomos. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, história, lacunas e incorreções do Código Civil (1928). Tratado dos Testamentos, 5 Tomos (1930).

Tratado do Direito Cambiário: I. Letra de Câmbio. II. Nota Promissória. III. Duplicata Mercantil. IV. Cheque, 2. ed., 4 Tomos (1954-1955). Tratado de Direito Predial (1953); 5 Tomos, 2. ed. Comentários ao Código de Processo Civil (1939), 2. ed., Tomos I-IX. Comentários ao Código de Processo Civil (de 1973), Tomos I-XVII. Embargos, Prejulgados e Revista no Direito processual brasileiro (1937). Tratado da Ação Rescisória (1973), 5. ed. História e Prática do Arresto ou Embargo (1937). Conceito e Importância da "unitas actus" (1939). Die Zivilgesetz der Gegenwart, Band Et, Brasilien (Einleitung von Dr. Pontes de Miranda), unter Mitwirkung von Dr. Pontes de Miranda u. Dr. Fritz Gericke, herausgegeben von Dr. Karl Heinscheimer (1928). Rechtsgefühl und Begriff des Rechts (1922). Begriffdes Wertes und soziale Anpassung (1922). Brasilien, Rechtsvergleichendes Handwõrterbuch, do Prof. Dr Franz Schlegelberger, em colaboração (1929). Questões Forenses, 8 Tomos (1953). Princípio da relatividade gnosiológica e objetiva (1961). Dez anos de Pareceres, 1-10 (1974-1977).

D E FILOSOFIA O Problema Fundamental do Conhecimento (1937), 2. ed. (1972). Garra, Mão e Dedo (1953). Vorstellung von Raune, Alti dei V Congresso Internazionale di Filosojia (1924), Napoli, 1925.

SOCIOLÓGICAS Introdução à Sociologia Geral (1926), 1." prêmio da Academia Brasileira de Letras. A Moral do Futuro (1913). Democracia, Liberdade, Igualdade, os três caminhos (1945).

Introdução à Política. Científica (1924). Método de Análise Sociopsícológica (1925). O Novos Direitos do Homem (1933). Direito à Subsistência e Direito ao Trabalho (1935). Direito à Educação (1933). Anarquismo, Comunismo, Socialismo (1933). Los Princípios y Leis de Simetria en la Sociologia General, Madrid, 1925.

LITERÁRIAS

Poèmes et chansons (1969). Obras Literárias (1960), 2 Tomos. A Sabedoria dos Instintos (1921), 1." prêmio da Academia de Letras, 2. ed., 1924. A Sabedoria da Inteligência (1923). O Sábio e o Artista, edição de luxo (1929). Penetração, poemas, edição de luxo (1930). Inscrições da Esteia Interior, poemas, edição de luxo (1930). Epiküre der Weisheit, München, 2. ed. (1973).

SOBRE O ATUALIZABOR

BRUNO MIRAGEM

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Mestre em Direito, com Especialização em Direito Internacional e em Direito Civil, pela mesma instituição. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação, e Coordenador-Geral de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde também coordena os Cursos de Pós-Graduação em Advocacia Corporativa, Direito Privado Contemporâneo e Direito Bancário e dos Seguros. Professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais da UFRGS. Professor convidado nos Cursos de Especialização de Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Internacional e Direito Ambiental da UFRGS. Professor convidado no Curso de Pós-Graduação em Direito Contratual da PUC - São Paulo. Professor convidado no Curso de Pós-Graduação em Direito Empresarial e Direito de Danos da Universidad dei Litoral (Santa Fé, Argentina). Professor convidado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito dos Contratos e da Responsabilidade Civil da Unisinos. Conferencista, com participação em vários congressos e seminários, e trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Advogado, consultor jurídico e parecerista. Foi assessor jurídico do Gabinete do Governador do Estado e Subchefe Jurídico da Casa Civil - Gabinete do Governador do Estado do Rio Grande do Sul e Ouvidor-Geral da Justiça e da Segurança do Rio Grande do Sul.

Foi Secretário-Geral (2004-2006) e Vice-Presidente Nacional (20062010), sendo atualmente Diretor de Assuntos Legislativos do Brasilcon Instituto Brasileiro de Direito e Política do Consumidor, entidade científica que congrega especialistas brasileiros em direito do consumidor de todas as carreiras jurídicas. E membro da Comissão de Direito do Consumidor e do Tribunal de Ética da OAB/RS bem como do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul - IARGS. Integra o Conselho Diretor da Revista de Direito do Consumidor, publicada pela Editora Revista dos Tribunais.

PLANO GERAL DA COLEÇÃO

PARTE G E R A L

Tomo I - Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. Tomo II - Bens. Fatos Jurídicos. Tomo III - Negócios Jurídicos. Representação. Conteúdo. Forma. Prova. Tomo IV - Validade. Nulidade. Anulabilidade. Tomo V - Eficácia jurídica. Determinações mexas e anexas. Direitos. Pretensões. Ações. Tomo VI - Exceções. Direitos mutilados. Exercício dos direitos, pretensões, ações e exceções. Prescrição.

PARTE ESPECIAL

Tomo VII - Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (Existência e validade do casamento). Tomo Vm - Dissolução da sociedade conjugai. Eficácia jurídica do casamento. Tomo IX - Direito de Família: Direito Parental. Direito Protetivo. Tomo X - Direito das Coisas: Posse. Tomo XI - Direito das Coisas: Propriedade. Aquisição da propriedade imobiliária. Tomo XII - Direito das Coisas: Condomínio. Edifício de apartamentos. Compáscuo. Terras devolutas. Terras de silvícolas. Tomo XIII - Direito das Coisas: Loteamento. Direitos de vizinhança. Tomo XIV - Direito das Coisas: Pretensões e ações imobiliárias dominicais. Perda da propriedade imobiliária. Tomo XV - Propriedade mobiliária (bens corpóreos).

Tomo XVI - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade industrial. Tomo XVII - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade industrial (sinais distintivos). Tomo X V m - Direito das Coisas: Direitos reais limitados. Enfiteuse. Servidões. Tomo XIX - Direito das Coisas: Usufruto. Uso. Habitação. Renda sobre o imóvel. Tomo XX - Direito das Coisas:.Direitos reais de garantia. Hipoteca. Penhor. Anticrese. Tomo XXI - Direito das Coisas: Penhor rural. Penhor industrial. Penhor mercantil. Anticrese. Cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas. Transmissões em garantia. Tomo XXH - Direito das Obrigações: Obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. Tomo X X m - Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. Tomo XXTV - Direito das Obrigações: Efeitos das dívidas e das obrigações. Juros. Extinção das dívidas e obrigações. Adimplemento. Arras. Liquidação. Depósito em consignação para adimplemento. Alienação para liberação. Adimplemento com sub-rogação. Imputação. Compensação. Tomo XXV - Direito das obrigações: Extinção das dívidas e obrigações. Dação em soluto. Confusão. Remissão de dívidas. Novação. Transação. Outros modos de extinção. Tomo XXVI - Direito das Obrigações: Conseqüências do inadimplemento. Exceções de contrato não adimpüdo, ou adimplido insatisfatòriamente, e de inseguridade. Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro. Eficácia protectiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso. Tomo XXVH - Concurso de credores em geral. Privilégios. Concurso de credores civil. Tomo XXVm - Direito das Obrigações: Falência. Caracterização da falência e decretação da falência. Efeitos jurídicos da decretação.da falência. Declaração de ineficiência relativa de atos do falido. Ação revocatória falencial. Tomo XXIX - Direito das Obrigações: Administração da massa falencial. Restituições e vindicações. Verificação de créditos. Classificação de créditos. Inquérito judicial. Liquidação. Extinção das obrigações.

Tomo XXX - Direito das obrigações: Concordatas. Crimes falenciais. Liquidações administrativas voluntárias e coativas. Tomo XXXI - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Denúncia. Revogação. Reconhecimento. Promessas unilaterais. Traspasso bancário. Promessa de recompensa. Concurso. Tomo XXXII - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Títulos ao portador. Tomo XXXIII - Direito das Obrigações: Títulos ao portador (continuação). Títulos nominativos. Títulos endossáveis. Tomo XXXIV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Tomo XXXV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Nota promissória. Tomo XXXVI - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais Direito cambiariforme. Duplicata mercantil. Outros títulos cambiariformes. Tomo XXXVH - Direito das Obrigações: Negócios Jurídicos unilaterais. Direito cambiariforme. Cheque. Direito extracambiário e extracambiariforme. Direito internacional cambiário e cambiariforme. Tomo XXXVHI - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos bilaterais e negócios jurídicos plurilarerais. Pressupostos. Vícios de direito. Vícios do objeto. Evicção. Redibição. Espécies de negócios jurídicos bilaterais e de negócios jurídicos plurilaterais. Tomo XXXIX - Direito das Obrigações: Compra-e-venda. Troca. Contrato estimatório. Tomo XL - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Locação de uso. Locação de uso e fruição. Tomo XLI - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Renovação de contrato de locação. Fretamento. Tomo XLII - Direito das Obrigações: Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito. Tomo XLm - Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. Tomo XLIV - Direito das Obrigações: Expedição. Contrato de agência. Representação de emprêsa. Fiança. Mandato de crédito. Constituição de renda. Promessa de dívida. Reconhecimento de dívida. Comunidade. Edição. Representação teatral, musical e de cinema. Empreitada.

Tomo XLV - Direito das Obrigações: Contrato de transporte. Contrato de parceria. Jõgo e aposta. Contrato de seguro. Seguros terrestres, marítimos, fluviais, lacustres e aeronáuticos. Tomo XLVI . - Direito das Obrigações: Contrato de Seguro (continuação). Seguro de vida. Seguros de acidentes pessoais. Seguro de responsabilidade. Seguro de crédito. Seguros de riscos especiais e de universalidade. Seguros mútuos. Resseguro. Contrato de comodato. Contrato de doação. Contrato de hospedagem. Tomo XLVn - Direito das Obrigações: Contrato de locação de serviços. Contrato de trabalho. Tomo XLVIH - Direito das Obrigações: Contrato coletivo do trabalho. Contratos especiais de trabalho. Preposição comercial. Ações. Acôrdos em dissídios coletivos e individuais. Contrato de trabalho rural. Tomo XLIX - Contrato de sociedade. Sociedades de pessoas. Tomo L - Direito das Obrigações: Sociedade por ações. Tomo LI - Direito das Obrigações: Sociedade por ações (continuação). Sociedade em comandita por ações, Controladas sociedades. Sociedades de investimento, de crédito e de financiamento. Tomo LÊ - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos bancários e de Bolsa. Corretagem de seguros. Transferência de propriedade mobiliária, em segurança. Subscrição, distribuição e colocação de títulos e valores mobiliários. Tomo LIE - Direito das Obrigações: Fatos ilícitos absolutos. Atos-fatos ilícitos absolutos. Atos ilícitos absolutos. Responsabilidade. Danos causados por animais. Coisas inanimadas e danos. Estado e servidores. Profissionais. Tomo LIV - Direito das Obrigações: Responsabilidade das empresas de transporte. Exercício ilícito na Justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação. Tomo LV - Direito das Sucessões: Sucessão em Geral. Sucessão legítima. Tomo LVI - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. Tomo LVII - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. Tomo LVm - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Formas ordinárias do testamento. Tomo LIX - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamentos. Codicilo. Revogação. Tomo LX - Direito das Sucessões: Testamenteiro. Inventário e Partilha.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS M A T É R I A S TÍTULO XXVII MÚTUO

PARTE I CONTRATO DE M Ú T U O CAPÍTULO I CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO

§ 4.585. DADOS HISTÓRICOS E CONCEITO

55

1. Dados históricos. 2. Direito germânico e direito medievo § 4.586. CONCEITO DE MÜTUO

57

1. Código Civil, art. 1.256. 2. Classificação do contrato de mútuo § 4.587. ESPÉCIES DE MÚTUO

63

1. Realidade e consensualidade. 2. Mútuo e objeto do mútuo. 3. Mútuo de convenção. 4. Mútuo para pagamento a terceiro. 5. Mútuo mercantil. 6. Mútuo com direito real de garantia. 7. Mútuo com destinação. 8. Mútuo com destino ilícito. 9. Condições e contrato de mútuo § 4.588. NATUREZA DO CONTRATO DE MÚTUO

70

1. Sentido econômico efimjurídico. 2. Natureza do contrato de mútuo. 3. Contrato real. 4. Pluralidade de mutuários § 4.589. CONTRATO DE MÚTUO E OUTROS NEGÓCIOS JURÍDICOS 1. Precisões. 2. Mútuo e comodato. 3. Mútuo e depósito irregular. 4. Mútuo e contrato de desconto. 5. Mútuo e abertura de crédito. 6. Mútuo e adiantamento bancário. 7. Mútuo e contrato estimatório. 8. Contrato fiduciário e mútuo. 9. Mútuo e negócios jurídicos a prestações, com ou sem interêsses. 10. Mútuo e depósito irregular

79

§ 4.590. PROMESSA DE MÚTUO (PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO) 1. Conceito. 2. Ofertas de mútuo e ofertas de promessa de mútuo. 3. Vinculação e pré-contrato. 4. Determinação do quanto mutuando. 5. Crédito, pretensões e ações. 6. Compensação e direito de retenção. 7. Incedibilidade do crédito e da pretensão. 8. Lugar do adimplemento. 9. Extinção da dívida oriunda do pré-contrato de mútuo CAPÍTULO II PRESSUPOSTOS

SUBJETIVOS

E OBJETIVOS DO CONTRATO DE

MÚTUO

§ 4.591. CAPACIDADE PARA DAR EM MÚTUO, PARA PROMETER MÚTUO E PARA RECEBER EM MÚTUO

95

1. Poder de dispor e capacidade. 2. Relativamente incapazes. 3. Podêres para contratar mútuo ou para pré-contratar mútuo. 4. Sanção. 5. Mútuo a pessoa menor. 6. Espécies de objeto do mútuo § 4.592. OBJETO DO MÚTUO

105

1. Fungibilidade. 2. Tradição de todo o objeto, ou de parte § 4.593. FORMA DO CONTRATO DE MÚTUO

108

1. Regras jurídicas gerais. 2. Código Civil, art. 133 § 4.594. TRADIÇÃO DO BEM MUTUADO

109

1. Contrato real de mútuo. 2. Casos especiais de tradição. 3. Lugar da entrega § 4.595. TEMPO E LUGAR PARA A RESTITUIÇÃO PELO MUTUÁRIO

111

1. Restituição e tempo. 2. Vencimento antecipado. 3. Lugar da restituição CAPÍTULO III EFICÁCIA DO DE

CONTRATO

MÚTUO

§ 4.596. EFEITO MÍNIMO, EFEITOS COMUNS E EFEITOS DIFERENCIADORES

119

1. Três figuras e efeito mínimo e efeito comum. 2. Efeitos diferenciadores § 4.597. INTERESSES E JUROS MORATÓRIOS 1. Interesses. 2. Necessidades profundas de crédito. 3. Mútuo e inflação. 4. Sociedades de participação em lucros. 5. Mútuo e títulos abstratos. 6. Economia popular e mútuo

122

CAPÍTULO I V AÇÕES

DERIVADAS

DA R E L A Ç Ã O JURÍDICA D E

MÚTUO

g 4.598. AÇÕES DO MUTUANTE 1. Ação declaratória e ação condenatória. 2. Ação executiva § 4.599. AÇÕES DO MUTUÁRIO 1. Ação declaratória. 2. Outras ações do mutuário. 3. Código Civil, art. 1.263. 4. Pré-contrato de mútuo CAPÍTULO V EXTINÇÃO DA R E L A Ç Ã O JURÍDICA D E

MÚTUO

§ 4.600. CAUSAS DE EXTINÇÃO 1. Restituição. 2. Impossibilidade de restituição não imputável ao mutuário. 3. Inadimplemento e resilição. 4. Denúncia. 5. Concurso de credores. 6. Danos oriundos da mora §4.601. REVOGAÇÃO 1. Revogação do pré-contrato de mútuo. 2. Contrato de mútuo P A R T E II CONTRATO DE MÚTUO A RISCO CAPÍTULO I MÚTUO A RISCO OU CÂMBIO OU DE VIAGEM

MARÍTIMO

COMERCIAL

§ 4.602. CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO MARÍTIMO A RISCO 1. Conceito. 2. Cláusula de risco § 4.603. DADOS HISTÓRICOS 1. Direito grego. 2. Direito romano. 3. Direito brasileiro § 4.604. NATUREZA DO MÚTUO A RISCO 1. Bilateralidade. 2. Comercialidade § 4.605. PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DO CONTRATO DE MÚTUO A RISCO 1. Pressupostos necessários. 2. Forma. 3. Quem pode concluir contrato de mútuo a risco. 4. Data e lugar em que o empréstimo se faz. 5.

Objeto do mútuo a risco (capital e interesses). 6. Bens sujeitos ao privilégio especial. 7. Riscos tomados. 8. Percurso a que o mútuo a risco se refere CAPÍTULO II VALIDADE E

EFICÁCIA

DO CONTRATO DE MÚTUO A

RISCO

§ 4.606. PRESSUPOSTOS DE VALIDADE 1. Validade e invalidade. 2. Empréstimo tomado pelo capitão ou pessoa que lhe corresponda § 4.607. EFICÁCIA DO MÚTUO A RISCO

160

1. Registo ou visto. 2. Vencimento do mútuo a risco. 3. Responsabilidade criminal dos figurantes § 4.608. CLÁUSULAS, INCIDENTES E ACIDENTES DO PERCURSO

161

1. Cláusula de tocar e cláusula de escala. 2. Cláusula de pré-exclusão das avarias comuns. 3. Transferências e baldeações. 4. Dever de notificação da prêsa, desastre ou outra ocorrência ligada ao risco. 5. Mútuo a risco e seguro. 6. Privilégio especial do mutuante a risco § 4.609. TRANSFERÊNCIA DO CRÉDITO A RISCO

164

1. Cessão e circulação. 2. Endosso § 4.610. DIREITOS E PRETENSÕES DO MUTUANTE

165

1. Adimplemento da dívida pelo mutuário. 2. Pretensão e ação para haver a importância a descoberto. 3. Ocorrência de perda total ou parcial. 4. Ação para adimplemento da dívida do capital e interêsses. 5. Prescrição CAPÍTULO III EXTINÇÃO DA RELAÇÃO DE MÚTUO A

JURÍDICA

RISCO

§ 4.611. PAGAMENTO DO CAPITAL E INTERÊSSES

167

1. Capital e interêsses. 2. Extinção total ou parcial, por ter acontecido perda total ou parcial § 4.612. RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO A RISCO POR INFRAÇÃO 168 DO DEVER DE DESTINAÇÃO 1. Dever de destinação. 2. Resolução e resilibilidade

CAPÍTULO I V LETRAS DE

RISCO

§4.613. CONCEITO E NATUREZA

171

1. Letras. 2. Letras a risco subscritas pelo capitão ou por pessoa que lhe corresponda g 4.614. CAUSAS DA SUBSCRIÇÃO 1. Atitude do capitão. 2. Privilégio

174

TÍTULO XXVIII CONTRATO DE CONTA

CORRENTE

CAPÍTULO I CONCEITO E

NATUREZA

DO CONTRATO DE CONTA

CORRENTE

§ 4.615. CONCEITO DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE

177

1. Precisões iniciais. 2. Conceito. 3. Chegadas § 4.616. NATUREZA DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE

184

1. Primeiras explicações. 2. Contrato consensual. 3. Bilateralidade do contrato. 4. Créditos e pretensões. 5. Normatividade do contrato de conta corrente. 6. Conta comum (ou conta conjunta) e solidariedade § 4.617. CONTRATO DE CONTA CORRENTE E OUTROS CONTRATOS OU ATOS PARECIDOS

190

1. Contrato de conta corrente e tiragem de conta. 2. Contrato de conta corrente e contrato de abertura de crédito. 3. Mútuo e contrato de conta corrente. 4. Contrato de conta corrente e conta corrente bancária. 5. Contas de gestão e contrato de conta corrente CAPÍTULO II CONCLUSÃO DO DE CONTA

CONTRATO

CORRENTE

§ 4.618. PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E PRESSUPOSTOS OBJETIVOS.... 1. Conclusão do contrato de conta corrente. 2. Capacidade. 3. A que créditos se refere a vinculação à conta corrente. 4. Forma e prova do contrato de conta corrente. 5. Garantia real ou fidejussória a crédito que entrou. 6. Chegada do crédito contra terceiro

195

§ 4.619. INTERESSES DOS CRÉDITOS

206

1. Juros. 2. Juros negociais e juros não negociais. 3. Regra jurídica dispositiva. 4. Capitalização. 5. Juros e reconhecimento de saldo CAPITULO III EFICÁCIA DO DE CONTA

CONTRATO CORRENTE

§ 4.620. EFEITOS DAS ENTRADAS

213

1. Entradas de créditos. 2. Efeito precípuo. 3. Se há compensação entre créditos entrados. 4. Fechamento da conta corrente. 5. Garantia real ou pessoal do futuro e eventual crédito do saldo §4.621. SALDO E RECONHECIMENTO

219

1. Reconhecimento do saldo. 2-, Crédito certo e líquido do saldo. 3. Compensação § 4.622. FECHAMENTO DA CONTA CORRENTE E EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA IRRADIADA DO CONTRATO

222

1. Extinção da relação jurídica oriunda do contrato de conta corrente. 2. Distrato. 3. Expiração do prazo. 4. Falência, liquidação coativa e concurso de credores civil. 5. Erros de cálculo e de escrita, inexatidões materiais. 6. Ações do figurante. 7. Prescrição. 8. Medida cautelar ou executiva sôbre o saldo

TÍTULO XXIX ABERTURA DE CRÉDITO CAPÍTULO I CONCEITO E

NATUREZA

DA A B E R T U R A D E

CRÉDITO

§ 4.623. CONCEITO DE ABERTURA DE CRÉDITO

231

1. Conteúdo e extensão do conceito. 2. Função do crédito. 3. Conteúdo das retiradas na abertura de crédito § 4.624. NATUREZA DA ABERTURA DE CRÉDITO 1. Precisões. 2. Teoria da abertura de crédito contrato de mútuo. 3. Teoria da atribuição do poder de disposição. 4. Teoria do contrato de abertura de crédito pré-contrato. 5i Teoria da abertura de crédito antecipação bancária. 6. Consensualidade do contrato de abertura de crédito. 7. Abertura de crédito, onerosidade e outros caracteres. 8.

235

Abertura de crédito e normatividade. 9. Unilateralidade do contrato de abertura de crédito § 4.625. ABERTURA DE CRÉDITO E OUTROS NEGÓCIOS JURÍDICOS 1. Abertura de crédito e mútuo. 2. Abertura de crédito e pré-contrato. 3. Abertura de crédito e contrato de fornecimento. 4. Abertura de crédito e depósito bancário. 5. Abertura de crédito e desconto. 6. Abertura de crédito e acreditivo

245

§ 4.626. ESPÉCIES DE ABERTURA DE CRÉDITO

250

1. Abertura de crédito contra documento e abertura de crédito a favor de terceiro. 2. Abertura de crédito simples e abertura de crédito em conta corrente. 3. Abertura de crédito e contrato de conta corrente § 4.627. GARANTIA À ABERTURA DE CRÉDITO

254

1. Abertura de crédito a descoberto e abertura de crédito garantida. 2. Abrangência da garantia e extinção da relação jurídica § 4.628. PRORROGAÇÃO E RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO

257

1. Prorrogação do contrato. 2. Renovação do contrato. CAPÍTULO II EFICÁCIA DO

CONTRATO

DE ABERTURA DE

CRÉDITO

§ 4.629. EFEITO PRINCIPAL DE ABERTURA

261

1. Momento da eficácia principal. 2. Direito, pretensão e ação § 4.630. MODO, LUGAR E TEMPO DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO DO CREDITADO

262

1. Conteúdo do contrato. 2. Retiradas. 3. Abertura de crédito em moeda estrangeira. 4. Comissão do creditador. 5. Juros e abertura de crédito. 6. Incompensabilidade do crédito aberto. 7. Duração prolongada. 8. Limite do quanto retirável. CAPÍTULO III EXTINÇÃO DA R E L A Ç Ã O DE ABERTURA DE

JURÍDICA

CRÉDITO

§ 4.631. EXISTÊNCIA E EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE CREDITADO CREDITADOR 1. Causas de extinção. 2. Tsrmo ou condição. 3. Prazo indeterminado, denúncia e renúncia. 4. Prazo determinado e denúncia cheia. 5.

269

Falência, insolvência e abertura de crédito. 6. Impossibilidade superveniente. 7. Incapacidade, morte e abertura de crédito §4.632. CONSEQÜÊNCIAS DA EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE ABERTURA DE CRÉDITO

275

1. Extinção e crédito. 2. Juros, comissões e outras despesas. 3. Espécies de causas de extinção TÍTULO X X X ASSINAÇÃO E

ACREDITIVO

(Negócios jurídicos unilaterais para compor ângulo) PARTE I ASSINAÇÃO CAPÍTULO I CONCEITO E NATUREZA DA

ASSINAÇÃO

§ 4.633. CONCEITO DE ASSINAÇÃO

279

1. Conceito. 2. Espécies de assinação. 3. Os figurantes da assinação § 4.634. NATUREZA DA ASSINAÇÃO

288

1. Precisões. 2. Assinação e assunção de dívida alheia. 3. Assinação e entrega de documento. 4. Natureza da assinação e eficácia da prestação. 5. Relação jurídica de cobertura e relação jurídica de valuta. 6. Abstração. 7. Forma e modalidades da assinação. 8. Assinação e mandato de pagar CAPÍTULO II EFICÁCIA DA

ASSINAÇÃO

§ 4.635. RELAÇÕES JURÍDICAS IRRADIANTES

299

1. Assinante e assinado. 2. Assinante e assinatário. 3. Assinatário e assinado. 4. Aceite. 5. Carta de crédito. 6. Adimplemento § 4.636. OBJEÇÕES E EXCEÇÕES DO ASSINADO

309

1. Antes do aceite. 2. Efeitos do aceite do assinado sôbre as relações jurídicas de valuta e de provisão § 4.637. TRANSFERÊNCIA E CESSÃO DA ASSINAÇÃO 1. Atos do assinatário. 2. Comunicação ao assinado. 3. Eficácia da transferência

311

§4.638. DIREÇÃO E EFICÁCIA 1. Direção da assinação. 2. Documento apresentável da assinação. 3. Prescrição. 4. Depósito em consignação. 5. Relações jurídicas do assinado com o assinante CAPÍTULO II! EXTINÇÃO DA

ASSINAÇÃO

§ 4.639. CAUSAS DE EXTINÇÃO

319

1. Casos de extinção. 2. Entrega do documento e destruição do documento § 4.640. EXAME DAS CAUSAS DE EXTINÇÃO

320

1. Revogação. 2. Destruição do documento. 3. Adimplemento pelo assinado P A R T E II ACREDITIVO CAPÍTULO I CONCEITO E NATUREZA DE

ACREDITIVO

§ 4.641. CONCEITO DE ACREDITIVO

325

1. Conceito de acreditivo e de assinação. 2. Angularização das relações jurídicas. 3. Atos internacionais (Câmara de Comércio Internacional) § 4.642. NATUREZA DO ACREDITIVO

330

1. Considerações prévias. 2. Teoria do acreditivo contrato a favor de terceiro. 3. Teoria do acreditivo assinação. 4. Teoria do acreditivo mandato de crédito. 5. Acreditivo, negócio jurídico de vinculação e negócio jurídico de reembolso. 6. Acreditivo e letra de câmbio § 4.643. ESPÉCIES DO ACREDITIVO

339

1. Revogabilidade e irrevogabilidade. 2. Acreditivo limpo e acreditivo documentário CAPÍTULO II PRESSUPOSTOS DO

ACREDITIVO

§ 4.644. TRÊS FIGURAS 1. Análise das relações jurídicas no acreditivo. 2. Importância da concepção precisa do acreditivo. 3. Acreditante e pessoa em nome de quem se credita

343

345

§ 4.645. FIGURA DO ACREDITANTE 1. Primeira figura. 2. Relação jurídica entre o acreditante e o acreditado. 3. Nulidade e anulabilidade do acreditivo

349

§ 4.646. FIGURA DO ACREDITADO 1. Conceito. 2. Direito do acreditado § 4.647. FIGURA DO PRESTADOR ACREDITIVO

351

1. Conceito. 2. Determinação e determinabilidade do prestador. 3. Confirmação. 4. Unilateralidade da confirmação. 5. Abstratividade da confirmação. 6. Substituição do futuro prestador acreditivo. 7. Transferência dos direitos oriundos da confirmação § 4.648. PRAZO

357

1. Acreditivo e negócio jurídico causai. 2. Relação jurídica entre acreditante e futuro prestador acreditivo § 4.649. FORMA

358

1. Acreditivo e negócios jurídicos subjacentes. 2. Cláusula ou pacto. 3. Manifestações de vontade em ângulo. 4. Revogabilidade e irrevogabilidade. 5. "Confirmação", negócio jurídico unilateral CAPÍTULO III EFICÁCIA DO

ACREDITIVO

§ 4.650. RELAÇÕES JURÍDICAS ACREDITTVAS

365

1. Irradiação de eficácia. 2. Relação jurídica entre o acreditante e o acreditado. 3. Acreditivo e prestação acreditiva. 4. Transferência de direitos § 4.651. DEVERES DO PRESTADOR ACREDITIVO

367

1. Exame dos deveres. 2. Remessa e entrega dos documentos. 3. Deveres quanto aos documentos. 4. Eficácia da confirmação § 4.652. PROBLEMAS CONCERNENTES À RELAÇÃO JURÍDICA DE VALUTA 1. Relação jurídica de valuta e relação jurídica de acreditivo. 2. Conseqüências jurídicas da abstração.'3. Direito de retenção sôbre os documentos e privilégio especial

375

CAPÍTULO I V E X T I N Ç Ã O DA R E L A Ç Ã O J U R Í D I C A D O

ACREDITIVO

§ 4.653. CAUSAS DE EXTINÇÃO I Relação jurídica de valuta e relação jurídica acreditiva. 2. Morte e superveniente incapacidade. 3. Falência, liquidação coativa, ou concurso de credores civil, e acreditivo. 4. Enumeração das causas de extinção.

383

§ 4.654. ANÁLISE DAS CAUSAS DE EXTINÇÃO

385

1. Revogação. 2. Destruição do documento e perda sem recuperação. 3. Adimplemento pelo prestador acreditivo. 4. Ações TÍTULO X X X N E DEPÓSITO CAPÍTULO I CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE

DEPÓSITO

§ 4.655. CONCEITO DO CONTRATO DE DEPÓSITO

393

1. Conceito. 2. Objeto do contrato de depósito § 4.656. CUSTÓDIA E DEPÓSITO

396

1. Dever de custodiar. 2. Contratos de custódia. 3. Custódia e dever de prestação § 4.657. NATUREZA DO CONTRATO DE DEPÓSITO

400

1. Gratuidade e onerosidade. 2. Depósito, contrato real. 3. Direito brasileiro. 4. Posições jurídicas dos figurantes § 4.658. DEPÓSITO E OUTRAS FIGURAS JURÍDICAS

407

1. Custódia. 2. Depósito e comodato. 3. Depósito e mandato. 4. Depósito e locação. 5. Depósito e contratos com elemento de guarda. 6. Outros contratos. 7. Depósito e ato ou relação de gentileza § 4.659. PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS 1. Depositante incapaz. 2. Depositário incapaz. 3. Pluralidade de depositantes. 4. Bem depositado. 5. Modo de entrega. 6. Se a forma é pressuposto necessário. 7. Nulidade e anulabilidade Nota do Editorial: Numeração conforme a obra original.

412

§ 4.660. DURAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DEPÓSITO

419

1. Espécies. 2. Contrato de duração. 3. Depósito e determinação de tempo. 4. Termo a favor do depositante e têrmo a favor do depositário CAPÍTULO II EFICÁCIA DO CONTRATO DE

DEPÓSITO

§4.661. DIREITOS E DEVERES DO DEPOSITANTE

423

1. Despesas feitas pelo depositário. 2. Posse, elemento do suporte fáctico. 3. Elementos de outros contratos. 4. Contrato de exposição. 5. Contrato oneroso ou gratuito. 6. Remuneração parcial. 7. "Sequestratio" e seqüestro. 8. Lugar dado sem assunção de dever de custódia § 4.662. USO E CUSTÓDIA DO BEM DEPOSITADO

428

1. Uso e propriedade. 2. Regras jurídicas concernentes ao depósito. 3. Alterações aos princípios do depósito. 4. Depósito em segurança. 5. Depósito nos armazéns gerais § 4.663. DEVERES E DIREITOS DO DEPOSITÁRIO

:

433

1. Dever de custodiar. 2. Bem e acessões. 3. Restituição. 4. Restituição fora de tempo. 5. Ação contra o depositário, dita ação de depósito. 6. Ação de depósito e procedimento. 7. Depositário e caráter pessoal da custódia. 8. Incompensabilidade da dívida CAPÍTULO III DEPÓSITO

IRREGULAR

§ 4.664. DEPÓSITO DE COISAS FUNGÍVEIS, COM TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE

455

1. "Depositum irregulare", em sentido estrito. 2. Conceito e considerações gerais sôbre a espécie. 3. Depósito e restituição § 4.665. DEPÓSITO IRREGULAR E OUTROS CONTRATOS

459

1. Precisões. 2. Depósito irregular e vinculação. 3. Depósito bancário. 4. Depósito irregular e contrato de reporte. 5. Suporte fáctico do art. 1.280 do Código Civil § 4.666. NATUREZA E EFICÁCIA DO DEPÓSITO IRREGULAR 1. Precisões. 2. Depósito irregular e outros contratos. 3. Contrato de depósito de títulos de crédito e de títulos representativos. 4. Depósito irregular e regras jurídicas concernentes ao contrato de mútuo. 5. Depósito irregular e regras jurídicas sôbre depósito regular

467

CAPÍTULO I V DEPÓSITO

NECESSÁRIO

§ 4.667. CONCEITO E NATUREZA DO DEPÓSITO NECESSÁRIO

475

1. Conceito. 2. Bagagens de viajantes, hóspedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão § 4.668. TRANSMISSÃO E EXTINÇÃO DAS PRETENSÕES DO HÓSPEDE...

4-S4

l. Morte do hóspede. 2. Retirada dos bens. 3. Falta de comunicação § 4.669. DEPÓSITO EM DESEMPENHO DE DEVER LEGAL

4S5

1. Extensão do sentido de dever legal. 2. Depositário de bens em caso de penhora ou de medida cautelar § 4.670. DEPÓSITO EM OCASIÃO DE CALAMIDADE PÚBLICA

491

1. Espécies. 2. Responsabilidade pela custódia § 4.671. DEPÓSITO EM CASO DE INFRAÇÃO

492

1. Depósito de objetos que interessam ao processo penal. 2. Responsabilidade do Estado. 3. Embarcações apreendidas § 4.672. DEPÓSITO E VIAGENS

494

1. Custódia e dever de prestação de transporte. 2. Objetos que o viajante leva consigo CAPÍTULO V EXTINÇÃO DA JURÍDICA DE

RELAÇÃO DEPÓSITO

§ 4.673. CAUSAS DE EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA E DEPÓSITO..

497

1. Depósito e extinção da relação jurídica. 2. Restituição do bem depositado. 3. Pluralidade de depositantes. 4. Pluralidade de depositários. 5. Depositário tornado incapaz § 4.674. PARTICULARES EVENTUALIDADES NO TOCANTE À RESTITUIÇÃO 1. Restituição voluntária e restituição exigida. 2. Restituição ao terceiro referido no contrato. 3. Frutos e acrescidos do bem depositado. 4. Herdeiro do depositário. 5. Bem depositado e sucedâneo. 6. Bem próprio do depositário. 7. Esbulho e turbação da posse do depositário

501

TÍTULO XXVII M Ú T U O

PARTE I CONTRATO DE

MÚTUO

CAPÍTULO I

CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO

§ 4.585. D A D O S H I S T Ó R I C O S E C O N C E I T O

1. DADOS HISTÓRICOS. - AS operações de crédito baseiam-se, quase sempre, em empréstimos, principalmente em empréstimos de bens fungíveis. O empréstimo de dinheiro vem, hoje, no primeiro plano; porém não foi sempre assim. Já o era na vida romana, tal como a conhecemos através do direito romano. Antes, mais havia o empréstimo de produtos naturais, o que ressalta nos papiros que correspondem ao Egito do tempo dos reis Ptolomeus. A evolução foi para o empréstimo de dinheiro. Depois, para as múltiplas espécies de negócios jurídicos de crédito. Na L. 2, § 1, D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1, está texto de PAULO, no qual se define o mútuo: "Mutui datio consistit in his rebus, quae pondere numero mensura consistunt; quoniam eorum datione possumus in creditum ire, quia in genere suo functionem recipiunt per solutionem quam specie: nam in ceteris rebus ideo in creditum ire non possumus, quia aliud pro alio invito creditori solvi non potest". A dação do mútuo é dação de coisas que consistem em peso, número e medida. Com isso, podemos constituir crédito, pois o pagamento é com bens do mesmo gênero, e não com a mesma espécie. A respeito das demais coisas, não podemos criar crédito, pois solver com uma, em vez de outra, não se poderia, discordando o credor. Não importa ao outorgante se o bem pereceu, sem culpa daquele (GAIO, L . 1, § 4 , D . , de obligationibus et actionibus, 44, 1). Sôbre a interpolação e a estropiação do texto de PAULO (L. 2, 1), G. (La categoria delle res fungibiles, Bulletino deli'Istituto di

SAVAGNONE

Diritto romano "Vittorio Scialoja", 55-56, 18 s.). Nem a língua nem a doutrina romana tinham a expressão "res fungibiles". No direito romano antigo, o empréstimo de dinheiro era negócio jurídico formal. Pesava-se o dinheiro que se emprestara diante de cinco testemunhas (per aes et libram). Chamava-se nexum o negócio jurídico. O nexum punha o devedor na situação de sofrer a execução por inadimplemento. As discussões prosseguiram em torno da figura. A execução seria pela manus iniectio, por ser certa e líquida a dívida, por sua formalidade, dispensado, assim, o pronunciamento judicial. Sobre isso, P H . E . HUSCHKE (Über das Recht des Nexum und das alte rõmische Schuldrecht, 1 s.) e F R . EISELE (Studien zur rõmischen Rechtsgeschichte, 1 s.). Sustentou L. MITTEIS que o nexum foi automancipação do devedor que assim se submetia ao credor, na qualidade de escravo. H . SIBER (Rõmisches Privatrecht, II, 162 s.) só o viu como contrato a que a causa é indiferente. Parece que cada um só prestou atenção a determinado momento da evolução. Nem importa muito saber-se em que época o pegar-se o dinheiro passou a ser fictício. O empréstimo não-formal era o mutuum. Na Sicília, há a prova da sua antigüidade; |J.OXTOV, mutuum, devia lembrar o intercâmbio amistoso entre pessoas que viviam perto, ou eram vizinhos, o que faz pensar-se em que abrangia o empréstimo de espécies. Com o desaparecimento do nexum, fêz-se o mutuum o único tipo de empréstimos romanos. Entregava-se ao outorgado o bem, transmitindo-se-lhe o direito de propriedade. Pela L. 68, D., de verborum obligationibus, 45, 1, sabe-se que a promessa de mútuo não vinculava: "Si poenam stipulatus fuero, si mihi pecuniam non credidisses, certa est et utilis stipulatio quod si ita stipulatus fuero: 'pecuniam te mihi crediturum spondes?', incerta est stipulatio, quia id venit in stipulationem, quod mea interest". Cumpre advertir-se que a entrega material já não era exigida a rigor. Nem pelo próprio mutuante. Podia ser, por exemplo, certo devedor (ULPIANO, L. 15, D., de rebus creditis si certumpetetur et de condictione, 12, 1). Admitiu-se mesmo o mútuo se o outorgante e o outorgado pactavam que o mútuo se constituísse com o que o outorgado devia por outra causa (e. g., contrato de compra-e-venda). A respeito, atente-se na interpolação da L. 1, § 34, pr., D., mandati vel contra, 17, 1. Outrossim, havia mútuo se A entregava a B o bem, para que o vendesse e ficasse com o preço, em contrato de mútuo (ULPIANO, L. 11, pr., D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1).

O mutuante tinha as ações nascidas da stipulatio certi: a actio certae creditae pecuniae, se o que se emprestou fôra dinheiro, e a condictio triticaria, se o que se emprestou fôra outro bem fungível. O senatusconsulto Macedoniano, por volta do ano 47, retirou eficácia a empréstimos feitos a filho-familia, mesmo se tomado capaz com a morte do pai (L. 1, pr., D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6). Assim se evitou que, em vida do pai, se especulasse com os filhos. O senatusconsulto não incidia se o pai emancipava o filho e êsse voluntàriamente pagava, ou se o pai ou terceiro solvia a dívida. Na L. 7, C, ad senatus consultum Macedonianum, 4,28, falou-se de ser ratificado o contrato se o pai assentia, mas, na espécie de que cogitamos, não há invalidade, mas ineficácia, de modo que não é prudente barulharem-se as espécies. Em todo o caso, a rigor, não havia, aí, obrigação natural ( H . SIBER, Gedenkschrift fiir LUDWIG MITTEIS, 6 0 s.). 2. DIREITO GERMÂNICO E DIREITO MEDIEVO. - No antigo direito germânico, o mútuo inseria-se no comodato. No século XIII, a despeito das cominações da Igreja, o mútuo com juros se difundiu. Todavia, através dos séculos, as proibições pulularam, até que se limitaram à fixação da taxa de juros.

§ 4.586. C O N C E I T O D E M Ú T U O

1. CÓDIGO CIVIL, ART. 1.256. - No art. 1.256 do Código Civil define-se o mútuo: "Mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade". Deu-se o bem, a propriedade do bem, e não só o uso, o cômodo. No art. 1.248, ao definir-se o comodato, frisou-se que é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. £ Que nome há de ter, portanto, o empréstimo oneroso de coisas não fungíveis? Não é empréstimo; é locação de coisas. Só o dinheiro ou bens fungíveis podem ser objeto de contrato de mútuo. Se se entregam títulos de crédito - ou, mais largamente, títulos de valor, como bilhetes de banco e ações ao portador - com indicação de cotação do dia, é questão de interpretação determinar-se se foi prestado o valor dêles em dinheiro, ou se número igual de valores da mesma espécie.

Há os três momentos: contrato de empréstimo, acordo de transferência, tradição; e não só dois: acordo de transferência, em mútuo; tradição. No mútuo contrato real, os momentos são num só momento. A estrutura do mútuo gratuito, real, caracteriza-se por somente prestar o mutuante e somente, após êle, ter deveres e obrigações o mutuário (P. OERTMANN, Das Recht der Schuldverhãltnisse, 3. A ed., 6 5 2 ; G. PLANCK, Kommentar, II, 4. A ed., 5 4 2 ; F. ENDEMANN, Lehrbuch, I , 8. A -9. A ed., 1 1 5 5 , nota 2 ; CARL CROME, System, II, 5 9 6 , e Die partiarischen Rechtsgeschafte, 3 9 8 ; contra,-JOSEF KOHLER, Lehrbuch, II, 3 3 9 ; KONRAD COSACK, Lehrbuch, I, 5 8 0 ; H . LAMMFROMM, Teilung, Darlehen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 7 8 ; A . A F F O L T E R , Das verzinsliche Darlehen, Archiv für Bürgerliches Recht, 26, 11). No direito brasileiro, o mútuo é, de regra, contrato real: exige, para ser, o elemento "entrega da coisa", A entrega da coisa, aí, não é elemento necessário à validade do contrato, nem à sua eficácia; é elemento necessário à sua existência. Sem a entrega da coisa, não há ainda mútuo: o suporte fáctico do negócio jurídico é insuficiente; e não deficiente; tudo se passa no plano da existência, onde o "não" importa que não se possa pensar em validade ou invalidade, eficácia ou ineficácia. Há o dever e a obrigação de restituir, porque houve o acordo e a entrega, de modo que, se o acordo foi anterior à entrega, o suporte fáctico só se torna suficiente com a entrega. No direito brasileiro, pode haver o mútuo consensual; porque se tem como suporte suficiente o que a lei não considera o ordinário. Aqui, convém que frisemos a diferença entre pré-contrato de mútuo e mútuo consensual. O mútuo consensual já é mútuo. Não há mútuo no pré-contrato de mútuo. Por isso mesmo, se alguém defende a existência, no sistema jurídico, do contrato consensual de mútuo, não pode satisfazer-se com os argumentos que teria para sustentar que existe o pré-contrato de mútuo. Se se prometeu dar mútuo, há promessa unilateral de mútuo; se se prometeu receber mútuo, há promessa unilateral de receber em mútuo; se um prometeu dar e outro receber, há promessa bilateral, porém, não mútuo consensual. São as três figuras do pactum de mutuo dando, do pactum de mutuo accipiendo, e do pactum de mutuo dando et accipiendo. Veja Tomo M, §251,5.

A opinião que atribuiu ao direito romano admitir o mútuo consensual (e. g., F. SCHÃFER, Der Darlehensvoi-vertrag, 4 0 , com referência a L . 3 1 , D., locati conducti, 19, 2) foi repelida.

Hoje, se não se disse que se transmitia a propriedade do dinheiro ou da coisa fungível, mas apenas que se prometia prestar, não houve mútuo contrato real, e sim mútuo contrato consensual ou promessa de mútuo (pactum de mutuo dando, pré-contrato de mútuo). Para que o mútuo real ocorra, é preciso que o mutuário adquira, à conclusão do contrato, o uso do bem fungível; não que seja proprietário da coisa entregue o mutuante. O mutuário pode receber do mutuante a coisa que é de outrem, mas da qual podia dispor, ou recebê-la de terceiro, em virtude de ordem ou mandato de mutuante, ou de assinação, ou de cessão de crédito. O mútuo contrato real conclui-se no momento em que se dá a transferência do dinheiro ou do título; não só no momento em que o portador do título receba a soma constante do título. É freqüente concluir-se o mútuo com o ato de creditar-se na conta do mutuário a soma, ou de se entregar ao mutuário a ordem de transferência do crédito. O recibo do valor para efeito de se considerar paga ao mutuante alguma conta do mutuário, ou de terceiro, é elemento suficiente. O mútuo pode ter finalidade, escopo, que resulta de alguma cláusula, ou de lei. Por exemplo: A dá em mútuo a B, para que pague o que deve a C, ou para que acabe a construção do edifício (pode ser, até, que A tenha pré-contrato para a compra de andar, ou de apartamento), ou para que B compre uma casa ou um escritório. Para que nasça a B o dever de aplicação, é preciso que haja cláusula ou pacto expresso. Fora daí, a aplicação do bem fungível é simples motivo. Se foi estipulado que o mutuário aplicaria a soma, ou parte da soma, a não-aplicação é infração do contrato, e dela resultará resolução, se foi inseria, ainda só implicitamente, a cláusula. A infração é do dever de aplicar. Se é a lei que exige a aplicação, há o dever de aplicar, salvo se a regra jurídica é de recomendação, ou para que nasça algum direito do mutuário. Os mútuos feitos pelo Estado, para determinado fim, são sempre com o dever da aplicação, por ser implícito ou explícito, em tais espécies, que se vinculou a isso o mutuário. O mutuário tem de restituir. Os juros e outros proveitos que se prometam ao mutuante é que correspondem ao poder de uso e de disposição que adquire, por algum tempo, o mutuário. Os juros e outros proveitos bilateralizam o contrato de mútuo. Discute-se a) se a causa do mútuo está na transferência da propriedade, por algum tempo, ou b) se no uso e disponibilidade do bem mutuado. A solução verdadeira é b): a transmissão foi para permitir o uso, e não o fim em si, como ocorreria na transmissão

da propriedade sob condição resolutiva. O que é possível na locação de coisas, o uso, ou o uso e a fruição, ou no próprio comodato, não é possível no mútuo, que recai sôbre bens fungíveis. O negócio teve de ser indireto: para que se obtenha o que se quer, recebe-se mais do que seria preciso se não houvesse a fungibilidade (e consumibilidade) do bem. A palavra "empréstimo" que corresponde ao mútuo e ao mútuo e ao comodato, é expressiva. 2. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO. - Quando os juristas se encontram diante de contratos como o de compra-e-venda, ou o de troca, e o de doação, facilmente os classificam, respectivamente, como contrato bilateral e como contrato unilateral. A propósito do mútuo, a falta de expressões como emptio venditio e locatio conductio serviu para não se pensar em qualquer bilateralidade do contrato. Mas as dúvidas surgiram. Houve quem a visse no dar prestação e no restituir outra prestação, o que estala de contradição. Mais: quem apontasse na fixação do prazo, que se deu, somente o têrmo; portanto, se a propriedade se transferiu, isso só resolutivamente ocorreu. No mútuo com interêsse contrapresta-se, salvo se êsses interêsses não correspondem ao que se retira pela entrega do bem fungível, temporariamente. Se o bem não fôsse fungível, ou se lhe admitisse, pelo contrato, a fungibilidade, tratar-se-ia de locação. O aluguer está para os juros como a coisa trocada está para o preço do bem vendido. Se o mútuo é sem interêsses, é o correspondente do comodato, com a diferença que resulta de ser fungível o que se emprestou.

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Panorama atual pelo Atualizador

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§ 4.586.

I j i I | i | !

O Código Civil de 2002 reproduziu ipsis iiteris, em seu art. 586, a definição legal do contrato de mútuo presente no art. 1.256 do CC/1916. Da mesma forma, note-se que o Código Civil de 2002, sob a pretensão de disciplina uniforme das obrigações civis e comerciais, passou a normatizar também o mútuo mercantil, uma vez que revoga o disposto no art. 247 do CCo. Todavia, permanecem em vigor as disposições sôbre empréstimo de risco ou câmbio marítimo prevista nos arts. 633 a 665 do CCo, porque relativas ao comércio marítimo, cuja vigência não foi afetada pelo Código Civil de 2002.

A -

Legislação

Por outro lado, tratando-se de empréstimos contraídos por sociedade anônima, mediante emissão de debêntures simples ou conversíveis em ações, aplica-se o disposto nos arts. 52 a 74 da Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.). Já no caso do mútuo que se desenvolva como espécie de contrato bancário, a disciplina, a par das regras gerais sobre mútuo, fixadas pelo Código Civil, se dá pela competência reconhecida ao Conselho Monetário Nacional - CMN - e ao Banco Central do Brasil - Bacen - , nos termos da Lei 4.595/1964. Inclusive para fixação, quando for o caso, da disciplina de juros, no contrato de mútuo oneroso, não se aplicando a este, quando se trate de mutuante instituição financeira, o limite estabelecido pelo Decreto-Lei 22.626/1933. E nesses casos, quando se caracterize como contrato de consumo, aplicam-se concomitantemente as disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).

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No que se refere ao mútuo de escopo, vinculado a uma finalidade específica, cite-se a legislação do Sistema Financeiro da Habitação, especialmente a Lei 4.380/1964 e a legislação que a ela se seguiu. Assim como para o mútuo com finalidade de financiamento agrícola, o art. 9.° da Lei 4.829/1965. Inclusive, podem dar causa à emissão de título representativo da dívida, caso da cédula de crédito comercial, de que trata o Dec.-lei 413/1969 e cédula de crédito comercial, de que trata a Lei 6.840/1980. Pode incidir sobre os contratos de mútuo, ainda, o disposto no Dec.-lei 857/1969, que consolida a legislação sobre moeda de pagamento de obrigações exeqüíveis no Brasil, especialmente quanto aos limites para definição do objeto do mútuo.

§ 4.586.

B-

Doutrina

Mantém-se atual o debate acerca da natureza jurídica do contrato de mútuo, se contrato real, porque exige a entrega da coisa requisito de existência do negócio, ou contrato consensual, se apenas necessário o acordo de vontade das partes. O entendimento majoritário, inclusive com fundamento na doutrina de Pontes de Miranda, é de que se trata de contrato real, distinguindo especialmente a celebração do contrato de mútuo e a promessa de mútuo. Vale dizer que assim se posiciona a maioria dos comentadores do Código Civil de 2002. Por outro lado, sustentando a natureza consensual do contrato, e qualificando a entrega da coisa fungível como única obrigação do mutuante, na fase de execução do contrato, posiciona-se Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. III, p. 315). Ainda se observa na doutrina a posição que distingue o mútuo gratuito do mútuo oneroso, de modo que no primeiro, por não haver contraprestação do mutuário senão a obrigação de devolução, somente a entrega da coisa caracterizaria a manifestação da vontade. Já no caso de mútuo gratuito, segundo esta visão, poderia ser identificado o mútuo como contrato consensual. Na classificação de Pontes de Miranda, contudo, essa distinção será relevante para outro fim, qual seja, critério de classificação da natureza unilateral ou bilateral do mútuo. No tocante ao mútuo de dinheiro vinculado à realização de uma determinada finalidade, a doutrina refere-se a ele mediante a expressão "financiamentoTcontrato

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de financiamento", referência adotada também pela legislação (por exemplo, o art 52 do CDC, Lei 8.078/1990). '

§ 4.586.

C - Jurisprudência

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O contrato de mútuo, especialmente o mútuo de dinheiro, tem largo desenvolvimento na jurisprudência recente das Cortes brasileiras.

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Há entendimento consolidado no sentido de que, quando o mutuante for instituição financeira, não se aplica o limite para juros fixado no Dec.-lei 22.626/1933 (Súmula 596 do STF), mas ao disposto pelos órgãos reguladores do Sistema Financeiro Nacional (CMN e Bacen) e, inclusive, na ausência de limite pré-definido, ao livre estabelecimento das taxas pelas instituições financeiras. Esse entendimento já havia sido sufragado pelo STF na ADIn 4/DF (STF, ADIn 4, Pleno, j. 07.03.1991, rei. Min. Sydney Sanches, DJ 25.06.1993).

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Da mesma forma, observa grande repercussão o julgamento da ADIn 2.591/ DF, pelo STF, cuja decisão pela improeedência teve efeito de declarar a constitucionalidade da previsão do art. 3.°, § 2.°, parte final, do CDC quando prevê expressamente como objeto da relação de consumo, sob incidência do Código de Defesa do Consumidor, as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias (STF, EDcl na ADIn 2.591/DF, j. 14.12.2006, rei. Min. Eros Grau, DJ 13.04.2007). A partir desta decisão, restou assentado que quando se trate de contrato bancário em que o mutuário seja um consumidor (destinatário final de produto ou serviço, art.2°, caput, do CDC), ou ainda seja equiparado a consumidor (art. 29 do CDC), o conteúdo do contrato se submete aos limites estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor. Em relação ao contrato de mútuo, mesmo o controle de juros e interesses submete-se ao Código de Defesa do Consumidor, e poderão ter sua nulidade reconhecida, ou serem modificados pelo juiz, no caso de serem estabelecidos à taxa excessiva e serem considerados abusivos (STJ, AgRg no Ag 1371651/RS, 3.aT., j. 18.08.2011, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 25.08.2011). Neste particular, note-se, igualmente a tendência jurisprudencial no sentido do reconhecimento dos mutuários de contratos de mútuo celebrados com instituição financeira como consumidores por equiparação (e.g. STJ, REsp 231.208/PE, 4." T., j 07.12.2000, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 19.03.2001), inclusive quando deem causa à emissão de cédula de crédito rural (STJ, AgRg no REsp 1106642/ MG, 3.a T, j. 03.02.2011, rei. Min. Massami Uyeda, DJe 05.04.2011) ou cédula de crédito industrial (STJ, AgRg no REsp 1121432/MG, 4.aT., j. 15.09.2011, rei. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 23.09.2011).

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Da mesma forma, em se tratando de mútuo de dinheiro garantido por alienação fiduciária, admite-se a revisão do contrato quando h o u v e r abusivídade, o que foi reconhecido pela jurisprudência brasileira tanto pela aplicação da teoria da imprsvisão, em relação aos contratos civis (arts. 317 e 480 do CC/2002), quanto nas situações em que dispensável a imprevisibílidade, nos contratos de consumo, de acordo com o disposto no art. 6.°, V, do CDC, e.g. STJ, REsp 361.694/RS, 3." T„ j. 26.02.2002.. rei. Min. Nancy Andrighi, DJ25.03.2002).

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§ 4.587. E S P É C I E S D E M Ú T U O

- Pôsto que real seja o contrato típico de mútuo, há o contrato consensual de mútuo e o pré-contrato de mútuo. 1. REALIDADE E CONSENSUALIDADE.

2. M Ú T U O E OBJETO DO MÚTUO. - O mútuo pode ser de dinheiro e está sujeito ao princípio nominalístico; ou ser de outro bem fungível, inclusive de moeda. No art. 1.258 do Código Civil diz-se: "No mútuo em moedas de ouro e prata pode convencionar-se que o pagamento se efetue nas mesmas espécies e quantidades, qualquer que seja ulteriormente a vacilação dos seus valores". Cf. art. 947. Sôbre a cláusula-ouro, ou qualquer outra, que tenda a recusar ou restringir o curso forçado do cruzeiro, Decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, arts. I o e 2.°, Decreto-lei n. 236, de 2 de fevereiro de 1938, arts. l.° e 2.°, e Decreto-lei n. 6.650, de 22 de junho de 1944, arts. l.° e 2.° (Tomos III, § 259, 1; XXV, § 3.073, 2; XXXIV, § 3.873, 2; XXXV, § 3.975, 1; XXVI, § 3.174, 2, 3, 4; XXXVII, §§4.103,2; 4.120, 1). Por vêzes, o mutuante e o mutuário aludem ao gênero e à quantidade e omitem a referência à qualidade. Tem-se de interpretar que se há de restituir o bem de qualidade não inferior à média. 3. M Ú T U O DE CONVENÇÃO. - O credor em contrato de compra-e-venda, ou noutro contrato, pode concluir outro contrato, ou incluir naquele a cláusula de ficarem os bens comprados ou adquiridos, ou o preço, em poder do devedor, a título de mútuo. É o pacto de mútuo de prestação, de mútuo de convenção (Vereinbarungsdarlehen). Com isso, o comprador continua com o bem, quase sempre pagando juros. Não há, aí, adiamento da solução da dívida. Há outra dívida. Surge o problema de se saber se as garantias que tinha o primeiro contrato persistem. Não pode haver resposta a priori, como a que deu KARL L A R E N Z (Lehrbuch des Schuldrechts, II, 154), no sentido de sempre persistirem, salvo cláusula em contrário. O que se há de entender é que houve outro contrato e as garantias não persistem, como aconteceria mesmo em caso de novação. Se alguém compra e fica a dever o preço, pagável, por partes, em diferentes datas, há a figura da compra-e-venda a prestações. Se, porém, o interessado entrega o bem como avaliação para que o adquirente fique a dever, como mutuário, o valor, há dois contratos, o de compra-e-venda e o

de mútuo, pois que se considerou concluído o contrato de compra-e-venda e satisfeita a dívida do preço (G. PLANCK, Kommentar, II, 545; H. D E R N BURG, Das Bürgerliche Recht, II, 2, 267). Quando se dá título ao portador para que o recebedor restitua o que recebeu, o objeto do mútuo foi o título ao portador, porém pode ocorrer que o mútuo tenha sido de dinheiro. No primeiro caso, a restituição é pelo preço corrente ao tempo da entrega. Se o mútuo de convenção se refere a dívida incobrável, como a de jôgo ou de aposta (Código Civil, arts. 1.477-1.479, também a dívida resultante da convenção de mútuo é inacionável ( O . WARNEYER, Kommentar, I, 998). Pode haver mútuo de convenção a respeito de dívida prescrita. Bem assim quanto a dívida futura ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, I , 9 9 8 ) . Não assim a entrada para capital social, pois o título que se entregar representa dinheiro e o contribuinte responde por êle como negócio jurídico à parte. A manifestação de vontade pela qual se "fica a dever o resto de uma conta", e não se quer ter pago em parte, compõe o -mútuo. Se quem, ao pagar, em vez de prestar tudo, ou o que devia, entrega algum bem em garantia, o que se há de entender é que fêz nôvo contrato, que é de mútuo com a garantia. 4. M Ú T U O PARA PAGAMENTO A TERCEIRO. - Se o mútuo foi feito com o fim de solver alguma dívida do mutuário a outrem, o mutuante sub-roga-se nos direitos do credor satisfeito com a dação daquilo que se prestou, se houve cláusula a respeito (Código Civil, art. 986, II), ou se há o plus que se prevê no art. 985,1 e IH (mutuante, que era, também, credor e evita o privilégio do outro, ou interessado em que se solvesse a dívida). Seja negociai (art. 986,1 elU), seja legal a sub-rogação pessoal (o que só nas espécies do art. 985,1 e m , pode ocorrer; portanto, não sempre, cp. GIOVANNI M A RIO M E R L O , La Surrogazione per pagamento, 95 s., 305 é 325, que saiu dos princípios, sustentando ser sempre legal, aí, a sub-rogação pessoal, e LODOVICO BARASSI, Teoria generale delle Obbligazioni, I, 2.a ed., 313, que a viu negociai). Operada a sub-rogação, extingue-se a relação jurídica de mútuo, pois, com a assunção da posição do outro credor, a.posição de mutuante desaparece. 5. M Ú T U O MERCANTIL. - No Código Comercial, art. 247, estatui-se: "O mútuo é empréstimo mercantil quando a coisa emprestada pode ser considerada gênero comercial, ou destinada a uso comercial, e pelo menos

o mutuário é comerciante". Regra jurídica evidentemente defeituosa. Há mútuo de dinheiro ou de outros bens que podem ser considerados gêneros comerciais, feito a comerciante, sem que seja mercantil (cf. Relação da Côrte, 14 de novembro de 1873, O D., II, 173). Por exemplo: A empresta a B, comerciante, trezentos mil cruzeiros, porque B tem de entregar à mulher tal quantia para viagem. Há mútuo a pessoa não comerciante que se há de considerar mercantil. Por exemplo, os mútuos feitos pelos bancos e casas bancárias a pessoas que não comerciam. O comerciante que dá em mútuo, por ser o empréstimo ato da sua profissão, necessàriamente contrata mútuo mercantil. Se tomou em mútuo, como comerciante, para aumentar a sua disponibilidade de dinheiro ou de outro bem fungível, contratou mútuo mercantil. Há mútuos mercantis por fôrça de lei; porém não se pense nos títulos cambiários e cambiariformes que são mercantis, mesmo se não foram mercantis os negócios jurídicos subjacentes, justacentes ou sobrejacentes. A garantia civil não atinge a comercialidade do mútuo. K g . , a hipoteca, que é instituto civil (Código Civil, art. 809), pode garantir mútuos mercantis (Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de dezembro de 1904 e 24 de maio de 1905, São Paulo J., VIII, 108 s.). Para que o mútuo seja mercantil, não basta que o mutuário seja comerciante. O ser comerciante o mutuário é um dos pressupostos (Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de dezembro de 1892, G. J., I, 241). Diz o art. 247 do Código Comercial que "o mútuo é empréstimo mercantil quando a coisa emprestada pode ser considerada gênero comercial, ou destinada a uso comercial, e pelo menos o mutuário é comerciante". Se o comerciante pediu ou aceitou o dinheiro para uso comercial, ou para a sua especulação, mercantil é o mútuo (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 21 de novembro de 1928, R. dos T., 70,423). Se o dinheiro ainda fôra para se instalar como comerciante (e. g., para aquisição de maquinaria), entendeu a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 4 de novembro de 1954 tR. R, 165, 298), que ainda não fora mercantil o mútuo. O empréstimo de dinheiro a fazendeiros, mesmo com a promessa dêsse quanto a futura remessa de gêneros a comissão, não constitui mútuo mercantil. No direito comercial, tem o sistema jurídico brasileiro a regra jurídica dispositiva, ius dispositivum, que faz oneroso o contrato de mútuo (cp. Código Comercial, art. 248). Se o mútuo é mercantil, há contagem de juros - noutros têrmos, é sempre oneroso - e rege o art. 248 do Código Comercial: "Em comércio

podem exigir-se juros desde o tempo do desembolso, ainda que não sejam estipulados, em todos os casos em que por este Código são permitidos ou se mandam contar. Fora dêstes casos, não sendo estipulados, só podem exigir-se pela mora do pagamento de dívidas líquidas, e nas ilíquidas só depois da sua liquidação". Os juros moratórios só se exigem, nas dívidas ilíquidas, depois da liquidação; mas contam-se desde a mora (cp. Supremo Tribunal Federal, 19 de novembro de 1941, R. de D., 140, 257; sem razão, a 5.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de fevereiro de 1934, R. dos T., 93, 390, e o 3.° Grupo de Câmaras Civis, 6 de novembro de 1951, 220, 142, pois seria de extrema injustiça que, proposta ação de cobrança, só se contassem juros, decênios depois, quando se liquidasse a sentença que reformou a anterior e julgou procedente o pedido). O art. 1.536, § 2.°, do Código Civil é comum a todo o direito privado (l. a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de janeiro de 1957, R. dos T., 268,461). Não se argumente, contra o que dissemos, com as palavras do art. 248 do Código Comercial: "nas ilíquidas só depois da sua liquidação". O art. 248 não estava a falar de fluência de juros, mas do tempo para a exigibilidade, feita a conta. Melhor: aludiu à contagem, à operação de cálculo, e não à fluência dos juros. 6. M Ú T U O COM DIREITO REAL DE GARANTIA. - Se foi constituído direito real de garantia, o mútuo é negócio jurídico principal e o negócio jurídico de constituição (acordo de constituição) cria direito acessório. Não há uma só relação jurídica, que seria complexa: duas relações jurídicas, uma obrigacional e outra real. É artificial dizer-se que o dever do mutuante de restituir o bem empenhado funciona como contraprestação, com referência ao dever do mutuário de restituir o tantundem, de modo a poder-se falar de relação jurídica bilateral (assim, fora de tôda a ciência, a Cassação italiana a 15 de maio de 1934 e a Apelação de Roma, a 17 de junho de 1950). Aliás, a garantia pode ser prestada por terceiro, o que evidencia o êrro da bilateralização. Se o mútuo é garantido com títulos de crédito, sendo o penhor irregular, mesmo assim se há de pôr em relêvo a dualidade de relações jurídicas. 7. M Ú T U O COM DESTINAÇÃO. - O mútuo com destinação, mútuo de escopo, ou mútuo para fim preciso, pode ser oriundo de lei, ou de negócio jurídico. A destinação atende a interêsse público, ou a interêsse privado.

De regra, a destinação de origem negociai é para algo de interêsse privado. Ou o mutuário alega tal interêsse e o mutuante somente empresta com o fito de que se empregue o bem mutuado com a aplicação em que acordaram, ou o interêsse é do próprio mutuante, como se dá com o comuneiro de edifício de apartamentos que empresta dinheiro aos outros comuneiros para que se faça no prédio outro elevador, ou se aproveite como outro andar a laje do tecto, ou se construa outra garagem. A destinação decorrente de lei é de interêsse público, ou de interêsse privado digno de tutela. De ordinário, há cláusulas que servem à observância estrita da destinação, ou à fiscalização, ou a ambas (mútuos fundiários, agrários, para hotéis, ou serviços de água, produção industrial, escolas primárias, secundárias ou superiores, e outros estabelecimentos de ordem intelectual). A destinação não altera a figura contratual. Apenas se pôs a finalidade de aplicação como pressuposto para haver o acordo dos figurantes, de modo que, tenha sido oferente o mutuário ou tenha sido oferente o mutuário, o desrespeito à cláusula de escopo dá ensejo à resilição do contrato, por adimplemento ruim. O mútuo pode ser para destinações posteriores, nos financiamentos de maquinarias agrárias, ou para viagens (planos turísticos). Então, empresta-se dinheiro, para que se pague em objetos ou em bilhetes de viagem. 8. M Ú T U O COM DESTINO ILÍCITO. - No tocante aos mútuos com destino ilícito, vem em primeira plana o mútuo para jôgo, ou aposta, no momento de se jogar, ou apostar (Código Civil, art. 1.478). Não há nulidade, nem anulabilidade. O contrato de mútuo vale; apenas o direito do mutuante é desprovido de pretensão (Tomos VI, § 645, 1, 3; XXIV, § 2.912, 3; XXXn, § 3.729, 4; XXXVIII, § 4.228, 3, sôbre não caber a responsabilidade pela evicção, se houve dação em caso de prestação em pagamento de dívida de jôgo, o que também se há de entender no de dação em soluto para solver dívida regida pelo art. 1.478 do Código Civil). O assunto é assaz diferente quando o mútuo tem objeto ilícito ou ilícita é a sua causa. Aí, há nulidade do contrato de mútuo, seja real seja consensual, ou do pré-contrato (Código Civil, art. 145, II, l. a parte). Quase sempre se remunera a imoralidade, ou a ilegalidade; e. g., relações sexuais, violação de registos, relevação de multa, permissão de entrada em lugar proibido. Se o mútuo se conclui para que o mutuante obtenha o que, por lei, ou evidente regra de ética, não poderia obter, nulo é o contrato.

Também é nulo o contrato de mútuo quando se presta para que o mutuário execute o ilícito, ou o imoral. Cumpre observar-se, todavia, que, se o jôgo é proibido, ou se é proibida a aposta, há nulidade do mútuo destinado a êle, sem que o seja o mútuo para que se jogue ou aposte, ou se solva dívida de jôgo ou de aposta, se o jôgo não é proibido, ou não o é a aposta. O assunto das nulidades é estranho aos arts. 1.477-1.480 do Código Civil. É preciso atender-se à diferença entre o direito brasileiro e outros sistemas jurídicos. 9- CONDIÇÕES E CONTRATO DE MÚTUO. - O contrato de mútuo pode conter cláusulas de condição. Mesmo se real o contrato de mútuo, o implemento da condição resolutiva tem por efeito a resilição do contrato. A restituição há de ser feita. Se suspensiva a condição, como se A conclui com B, com que se acha dinheiro ou outro bem fungível e com êle acorda em que fique com o bem em mútuo, se B compra a casa da rua tal, o mutuário, que recebera o bem antes do implemento da condição suspensiva, responde como depositário irregular, se a condição não se imple. A condição resolutiva exerce papel de grande importância quando, por exemplo, o objeto do mútuo tem destinação e se quer que algum acontecimento opere a resilição do contrato (e. g., suspenderam-se as obras para cujo andamento se emprestara o dinheiro). Nos mútuos com destinação, a cláusula de resolução quase sempre é implícita; aliás, o infrator inadimplira um dos seus deveres. Se foi a lei que impusera a destinação, não há condido, mas, de qualquer modo, a inobservância do pressuposto é infração de dever e acarreta, portanto, a resolução ou a resilição (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). O contrato de dinheiro a risco ou câmbio marítimo é sujeito a condição resolutiva.

Panorama atual pelo Atualizador ;

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Ainda hoje constitui objeto do mútuo, segundo as necessidades dos negócios privados, o dinheiro. A regra mencionada por Pontes de Miranda sobre a possibilidade de mútuo de moedas de ouro e prata (art. 1.258 do CC/1916), não foi reproduzida pelo Código Civil de 2002. Encontra-se revogada. A rigor, especialmente quando se trate de contratos financeiros, são várias as modalidades que atualmente se desenvolvem - dada inclusive sua atipicidade, embora com alguma regulação do CMN e Bacen - tais como, quando utilizados os limites tornados

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Legislação

disponíveis no "cheque especial", cartões de crédito, adiantamento a depositante e outros que são, na essência, similares ao mútuo, embora revestidos de peculiaridades previstas em contrato. Assim como quando hoje se refere ao contrato de financiamento, que afinal é o que Pontes de Miranda define como mútuo de destinação. No caso do dinheiro, mantém-se o custo forçado da moeda, hoje o Real (R$), conforme art. 1.° da Lei 9.069/1995. No Código Civil vigente, o art. 315 consagra o princípio do nominalismo, pelo qual as dívidas devem ser pagas em moeda corrente, por seu valor nominal. O art. 318 do CC/2002, da mesma forma, decreta a nulidade de convenções para pagamento em ouro e em moeda estrangeira, mesmo para compensar o valor dessa em relação à moeda nacional, na linha do que já dispunha o Dec.-lei 857/1969.

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Em relação ao mútuo mercantil, não merecem mais tratamento legislativo distinto do mútuo civil, tendo as disposições do Código Comercial que o disciplinavam sido revogadas pelo Código Civil de 2002, o qual regula indistintamente o mútuo - civil ou mercantil - pelos arts. 586 e ss. O exemplo de Pontes de Miranda quanto ao mútuo realizado a fazendeiros como espécie de mútuo civil, não mercantil, atualmente deve ser cotejado com o disposto no art. 971 do CC/2002, que faculta a inscrição dos empresários rurais no Registro Público de Empresas Mercantis. Foi revogada a regra do art. 248 do CCo sobre a contagem de juros no contrato de mútuo mercantil. Todavia, o art. 591 do CC/2002 refere que sendo o mútuo destinado a fins econômicos, presumem-se devidos juros, o que mantém a atualidade do exemplo citado por Pontes de Miranda. Quando se trate da possibilidade de resilição do contrato de mútuo de destinação, em face do descumprimento da finalidade a que se destina, atualmente tem por fundamento a regra geral sobre resilição, do art. 475 do CC/2002.

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Refira-se, ainda no tocante ao mútuo com fim ilícito, que as regras sobre nulidade do negócio jurídico abrangem atualmente tanto o objeto ilícito (art. 166, II, do CC/2002), quanto o motivo ilícito comum a ambas as partes (art. 166, III, do CC/2002).

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B - Doutrina

O exame do mútuo mediante distinção entre mútuo mercantil e mútuo civil, realizado por Pontes de Miranda, deve ser situado atualmente frente ao debate sobre a efetiva unificação ou não do direito civil e do direito da empresa. A unificação legislativa das obrigações e a introdução do Livro do Direito da Empresa pelo Código Civil de 2002, foi identificado por parte da doutrina como causa da j unificação do direito privado. Há, todavia, dissenso nesse particular, de modo que j muitos autores sustentam, apesar da unificação legislativa, a permanência da j distinção entre o direito civil e o direito de empresa, razão pela qual se manteria j atual a distinção entre contratos civis e empresariais, ainda que por critérios dis- j tintos para interpretação destas normas legais (TEIXEIRA, Sávio Figueiredo (coord.). j Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. IX, p. 116).

Por outro lado, assume maior relevância a distinção em relação ao mútuo celebrado com fins econômicos que se caracterize como relação de consumo, quando o consumidor é o destinatário final do dinheiro dado em mútuo, e o utiliza para fins não profissionais, ou ainda, quando se considere que em face da vulnerabilidade do empresário frente à instituição financeira, justifica-se sua equiparação a consumidor e aplicação do Código de Defesa do Consumidor (art. 29). No que se refere ao mútuo de destinação, a doutrina e jurisprudência o denominam pela expressão financiamento, a qual também tem assento legal, como é o caso do art. 52 do CDC. Da mesma forma, como apontam Nancy Andrighi, Sidnei Benetti e Vera Andrighi, há inúmeras situações em que o mútuo surge como espécie de contrato coligado a um contrato principal (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. IX, p. 113).

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Jurisprudência

A jurisprudência, sobretudo em questões tributárias, reconhece a distinção entre o mútuo civil e mercantil (e.g. TRF-1 .a Reg., ApCiv 200001000095499, j. 28.09.2010, rei. Leomar Amorim de Sousa).O princípio do nominalismo, contudo, é relativizado, especialmente em período inflacionário (STJ, REsp 8.222, 3.a T., j. 21.06.1991, rei. Min. Cláudio Santos, DJU26.08.1991, «7677/229), O desatendimento à finalidade no caso de mútuo de destinação não implica nulidade do título a que deu causa (STJ, REsp 480.261/SC, 4.a T , j. 03.05.2005, rei. Min. Barras Monteiro, DJ 13.06.2005).

§ 4.588. NATUREZA DO CONTRATO DE MÚTUO 1. SENTIDO ECONÔMICO E FIM JURÍDICO. - Em seu sentido econômico e em seu fim jurídico, o mútuo opera a transferência da propriedade do bem fungível, quer tenha o mutuante, ou não, direito a juros (percentagem ou outra quantidade que corresponda ao aproveitamento temporário pelo mutuário). Tanto há mútuo entre pessoas amigas, que prestam o dinheiro com o só intuito de restituição, como o mútuo entre os agiotas, que cobram pela dação do dinheiro mais do que seria razoável que exigissem.

O mútuo de dinheiro é o mais freqüente. O mutuário recebe o dinheiro, e gasta-o ou o emprega, mas está vinculado a restituí-lo. A restituição é em bem do mesmo gênero e quantidade. O que é essencial é que o mutuário possa dispor do bem prestado - dinheiro, ou não - como seu, pois que seu se tornou.

Se o bem fôsse especifico, a figura contratual ou seria o comodato, que supõe infungibilidade e normal gratuidade, ou a locação de coisa, que só transfere o poder de usar. O mútuo é contrato com relação jurídica permanente ou duradoura. Há a transferência da propriedade, que é instantânea, mas dura. Se há juros, de jeito que se bilateralize o contrato de mútuo, isto é, que se faça oneroso, o mutuário tem de prestá-los periodicamente, ou, se foram pagos à conclusão do contrato, correspondem ao tempo do contrato, ou ao que está dentro do que fica aquém do têrmo para ser feita a contraprestação. No mútuo há a transmissão do direito de propriedade; mas essa transmissão, elemento do contrato real, ou adimplemento do contrato consensual, é oriunda de acordo de transmissão, que é ineliminável, muito embora se tenha como elemento do contrato real. Trata-se de contrato de restituição: o mutuário, que recebe, tem de restituir. Economicamente, o mútuo é contrato de crédito. O contrato real de mútuo supõe o ato de disposição, que se opera com o acordo de transmissão; porém evite-se dizer que êle é ato de disposição. O que não se há de esconder é que o mútuo não tem por fito a transferência do direito de propriedade: só se transfere a propriedade porque disso se precisa para se poder dar ao mutuário o gôzo do bem mutuado. 2. NATUREZA DO CONTRATO DE MÚTUO. - Em todos os mútuos, o patrimônio do mutuante diminui, no tocante ao bem emprestado, e no lugar que estaria vazio fica o crédito contra o mutuário. Desde que se haja retirado a fungibilidade do objeto, não é de mútuo que se trata, mas sim de comodato ou de locação. O perigo que corre o mutuante é maior do que aquêle que tem o comodato ou o locador: transferiu-se o direito de propriedade; deixou de ser dono; e só pode esperar o pagamento em bem do mesmo gênero, qualidade e quantidade. O que se restitui não é o que se deu, e sim o que corresponde ao que se deu. Não há, necessàriamente, a volta do mesmo bem, como ocorre no comodato e na locação de coisas, pôsto que possa o mutuário (e é o caso de quem toma dinheiro emprestado somente para se precatar contra necessidade repentina) devolver o mesmo dinheiro, ou o mesmo bem fungível não-pecuniário, que recebera. Até pouco tempo não se via qualquer dever ou obrigação do lado do mutuante. Deu de empréstimo; o que lhe importa é que o mutuário venha

a prestar-lhe o que prometeu. Tal concepção e a do mútuo sem deveres do mutuante (ainda assim, PAUL OERTMANN Das Recht der Shuldverhaltnisse, 6 5 2 , L . ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, I I , 14. A recomposição, 5 7 4 , R U D . SCHMIDT, Bürgerliches Recht, II, 2. A ed., 1 1 2 , PALANDT, Bürgerliches Gesetzbuch, 14.a ed., 590, e outros). O mutuante somente presta, mas é de entender-se que se responsabiliza por ter prestado e, recebendo juros, de certo modo se bilateraliza o contrato e se há de considerar transmitente de direito de propriedade, que o mutuário possa exercer duradouramente (A. AFFOLTER, Das verzinsliche Darlehen, Archiv für Bürgerliches Recht, 2 6 , 1 s.; JOSEF KOHLER, Das Vereinbarungsdarlehn, 3 3 , 1 s.; E . LÜBBERT, Der Kreditvertrag, Jherings Jahrbücher, 5 2 , 3 7 9 s.; P H . HECK, Grundriss des Schuldrechts, 3 2 8 ; JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 3 4 2 ) . Quem paga juros presta. Quem dá em mútuo responde pelo que deu. Uma vez que transmitiu o direito de propriedade tem de assegurar que o mutuário não a perde por alguma causa anterior, que'dêle pode dispor e que não está sujeito, por exemplo, a impostos e taxas (mútuo de bem fungível sem ser dinheiro). O mútuo oneroso é contrato bilateral. O mútuo sem juros é contrato unilateral, sem que se possa dizer que o mutuante não tenha deveres. Aquele se assemelha à locação de uso e de fruição. Esse, ao comodato. O contrato de mútuo com juros ou mútuo oneroso pode ser resilido por infração de dever de qualquer dos figurantes (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). Respeitados os prazos a que se refere o art. 1.264,1 e II, do Código Civil, é denunciável pelo mutuante. As regras jurídicas sôbre evicção (Código Civil, arts. 1.107-1.117) e sôbre vícios redibitórios (defeitos e vícios ocultos do objeto, arts. 1.1011.105) são invocáveis. Sôbre a bilateralidade do contrato de mútuo oneroso (= com juros) houve discussão na doutrina. Alguns juristas a negavam; outros falavam de estrutura imperfeitamente bilateral, o que traria confusões (e. g., E. PAa CIFICI-MAZZONI, Istituzioni, V, 2, 5. ed., 398, e GIULIO VENZI, Manuale, 4 0 8 ; MARIO ROTONDI, Istituzioni, 4 7 6 ) . A bilateralidade existe, pois que há contraprestação que não corresponde a todo o valor do direito de propriedade porque há dever de restituição mais juros. Por outro lado, não se há de exagerar a parecença do mútuo com a locação de coisas. No mútuo, transfere-se o direito de propriedade e cessa qualquer atividade do mutuante para que o mutuário tire proveitos do bem, que já é seu. Na locação de coisas, o locador do bem tem deveres durante todo o tempo do contrato.

O mútuo gratuito é contrato unilateral, sem que isso signifique que o mutuante, vinculado como está, não tenha deveres, ainda que seja o do efeito mínimo dos negócios jurídicos. O mútuo oneroso é tão evidentemente bilateral que um dos pontos principais da técnica jurídica, no tocante às limitações à liberdade de contratar, é de evitamento da excessiva onerosidade (limitação das taxas de juros, regras jurídicas sôbre usura dos mutuantes). No Código Civil italiano, art. 1.815, presume-se (aliás, estatui-se dispositivamente) que o mútuo é oneroso. Com isso, pensou-se atender a que a vida contemporânea se baseia no lucro e o mútuo gratuito é obsoleto. Em verdade, porém, o intento especulativo também se sacia com o mútuo gratuito, com juros ou juros e comissão, por fora, com as finalidades de ocultamente. A sinalagmaticidade do contrato de mútuo oneroso ressalta, pois a prestação dos juros não é acessória. No direito civil brasileiro, o contrato de mútuo só é oneroso se houve cláusula de juros, ou outra cláusula que estabeleça a prestação do mutuário, a título de pagamento pela atribuição do direito de proprietário por algum tempo. Lê-se no Código Civil, art. 1.262, alínea l. a : "E permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis". Na alínea 2.a, acrescenta-se: "Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização". No Código Comercial, art. 248, diz-se: "Em comércio podem exigir-se juros desde o tempo do desembolso, ainda que não sejam estipulados, em todos os casos em que por êste Código são permitidos ou se mandam contar. Fora destes casos, não sendo estipulados, só podem exigir-se pela mora no pagamento de dívidas líquidas e nas ilíquidas só depois da sua liquidação. Havendo estipulação de juros sem declaração do quantitativo, ou do tempo, presume-se que as partes convieram nos juros da lei, e só pela mora (art. 138)". Não se cogitou, na 2.a parte do art. 248, da fluência dos juros, mas sim da contagem: nas dívidas ilíquidas, fluem antes da liquidação, mas a contagem depende de serem liquidadas as dívidas. 3. CONTRATO REAL. - No art. 1 . 2 5 7 do Código Civil, diz-se que "êste empréstimo" - o mútuo - "transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição". Noutros têrmos: tem-se a tradição como elemento do contrato, em vez de ser adimplemento de dever do mutuante. A propósito do mútuo como do comodato, muito se discutiu para se manter a estrita concepção romana, que se recebera como afastante de qualquer irradiação de pretensão a entregar o

que se prometera em mútuo. O que em verdade se deu não foi o apagamento de tôda a distinção dos contratos em contratos consensuais e contratos reais, mas sim o assentar-se que tôdas as manifestações de vontade com que se promete geram dever e obrigação. Há, em princípio, a acionabilidade de tôdas as promessas. Falou-se em ser pré-contrato se não foi prestado o bem, desde logo, o que resolvia o problema, na prática. Alguns juristas têm o contrato de mútuo como consensual, por ser obsoleta a exigência de ser real. Sôbre isso, cf. Tomo Dl, § 251,5. E raro prometer-se para outro dia, ou mês, ou ano o mútuo; mas pode dar-se e haver interesse nisso. O que mais acontece é o contrato real, contrato em que se diz que o mutuante presta e o mutuário recebe. Enquanto o mutuário não tem em mãos o bem fungível, não está no dever de oportunamente restituir. Se os figurantes disseram que um dêles entregaria a tantas horas o dinheiro, ou o gênero alimentício, e o outro estaria à porta do banco, ou do armazém, para recebê-lo, não se pode dizer que se não concluiu contrato de mútuo, nem se precisa dizer que apenas se concluiu pré-contrato. O contrato de mútuo é real, sem que, com isso, se pré-exclua o mútuo anômalo, consensual, em que um dos figurantes, o mutuante, merece a confiança do outro. A entrega pode suceder ou vir antes da conclusão do contrato. O contrato consensual tem vantagem em relação ao pré-contrato de mútuo: nesse, o crédito não pode ser cedido (o mutuante levou em conta a pessoa do mutuário); naquele, a cessão é sem obstáculos, salvo se houve cláusula contrária a isso. Aliás, advirta-se que tal cessão não libera o cedente do dever de restituição, porque não houve assunção da dívida (Tomo XXIII, §§ 2.820, 2.852-2.866). Certo, JOSEF K O H L E R (Das Vereinbarungsdarlehn, Archiv fur Bürgerliches Recht, 33,16). Contra qualquer cessibilidade do crédito, H. SIBER (Schuldrecht, 320) e JOSEF ESSER {Lehrbuch des Schuldrechts, 344), quer se haja firmado contrato consensual de mútuo quer se tenha preferido o pré-contrato. O conceito de "contrato real" (dinglicher Vertrag), como está em F. (System, M , 3 1 2 s.), opõe-se ao de contrato consensual puro, ou contrato só obrigacional, porque envolve, a mais, a entrega do bem, o direito real, de modo que -o contrato recai sôbre a coisa, o bem e não só a dívida é o que se atribui no contrato.

VON SAVIGNY

Rigorosamente, o contrato só é real porque, na linha histórica, se manteve a transferência e a promessa, a "realidade" e a dívida ou vinculação, como necessariamente simultâneas. Consensualidade há em todos os contratos, de modo que o elemento real apenas colore certos contratos. O próprio acordo de transmissão só é real se cumprido.

No fundo, os contratos somente são reais se lhes é exigida, pela lei, a simultaneidade, ou, o que dá no mesmo, a imediatidade da prestação. Nem devemos referir-nos ao senhorio material sôbre o bem, porque essa alusão de FR. VON SAVIGNY foi superada, principalmente no direito brasileiro, que, em matéria de posse, abstraiu do animus e do corpus. O acordo de transmissão, êle mesmo não transmite, se não houve a tradição ou o registo, que seja indispensável; Não se pode dizer que a tradição, a transmissão, seja a forma do acordo de transmissão (e. g., R . JOHOW, Begründung [.Sachenrecht], II, 755). No contrato real, há o consenso e a exigência legal do elemento real (GEORG ORTLIEB, Einigung und dinglicher Vertrag, 3 5 s.). A lei, impondo a certos contratos serem reais, como que colou o negócio jurídico e o negócio jurídico ou o ato-fato jurídico da prestação. De certo modo sugeriu que, separando-se os dois atos jurídicos, se pense em pré-contrato. Cf. GASTON STEYERT (.Der dingliche Vertrag, 3 4 s.). Na doutrina italiana, quer sob o Código Civil de 1865 quer sob o Código Civil vigente, é preponderante a afirmação da realidade do contrato de mútuo (e. g., sob o Código Civil de 1865: ROBERTO DE RUGGIERO, Istituzioni, I I , 6.a ed., 369; GIULIO V E N Z I , Manuale, 531; M A R I O ROTONDI, Istituzioni, 476; F. CARNELUTTI, Teoria giuridica delia Circolazione, 96; contra, E. PACIFICI-MAZZONI, Istituzioni, V, 2, 5.a ed., 400; sob o Código Civil vigente: L. BARASSI, La Teoria Generale delle Obbligazioni, I I , 149; a F. MESSINEO, Manuale, n , 2, 7. ed., 439; PAOLO FORCHIELLI, I Contratti reali, 5 s.; contra, C . A . FUNAIOLI, La Tradizione, 521, e FRANCO CARRESI, II Comodato, II Mutuo, Trattato de F. VASSALLI, V I I , I I ) . No Código Civil italiano, há o art. 1 . 8 1 3 , que mantém a figura do mútuo contrato real, e o art. 1 . 8 2 2 , que o admite consensual (cp. PAOLO FORCHIELLI, I Contratti reali, 5 s.). Mas parece-nos absurdo que se sustente ter-se afastado o pré-contrato de mútuo, uma vez que se tem o consensual: não há confundir-se uma figura com a outra. Reputar-se a entrega como estranha ao conteúdo do contrato real, porque o conteúdo é que há de determinar como e em que consiste a entrega, é êrro que se deve exprobrar. Nada impede que o resto do conteúdo diga como há de ser a entrega, o que é que se entrega. Os elementos contenutísticos, para se empregar o têrmo que já se impõe a outras línguas, não precisam ser, todos, vontade. Os que daí partem esquecem os outros suportes fácticos, em que há atos-fatos jurídico e até fatos jurídicos stricto sensu. O suporte fáctico do contrato real contém, necessariamente, acordo e entrega

(tradição). Entrega da posse, qualquer que seja o meio de tradição, mesmo o constituto possessório. O que não basta é a tença (WOLFGANG STINTZING, Die Übertragung beweglicher Sachen, 16). Se a aquisição da posse (frise-se: da posse) foi a non domino, o mutuário, no mútuo oneroso, tem a ação de evicção. Muito se tem procurado assimilar o mútuo oneroso e o mútuo gratuito aos contratos de duração, com o que se substitui a concepção dos dois momentos (o da transmissão da propriedade e o da restituição) pela concepção da linha entre êles. Como pelo contrato de locação de coisa se dá o uso por algum tempo, quis-se que a propriedade se dêsse por algum tempo. Ora, o direito de propriedade se transfere instantaneamente e a restituição é prestação de outro bem (ou do mesmo, como se outro fôssé). À propriedade pode faltar a continuação, como se o mutuário consumiu, ou alienou o bem. Não há o uso continuativo, como na locação; ou pode ser que não haja. O mutuante não somente permitiu que o mutuário usasse; deu-lhe o direito de propriedade, sem qualquer condição. O mutuário assumiu o dever de restituir; tem êle de pagar a dívida. A duração não é mais do que a espera do vencimento da dívida de restituição do bem fungível, mesmo quando há vencimentos intercalados. Se aprofundamos o exame, o que em verdade se passa é que a contingência da. fiingibilidade e da ccnsumibilidade torna alienativo o negócio jurídico do mútuo. Ele, em si, é como é o comodato. Apenas, quando se dá o cômodo do fungível, do consumível, tem-se de sofrer a transferência da propriedade. 4 . PLURALIDADE DE MUTUÁRIOS. - Se no instrumento de contrato de mútuo há muitos outorgados, sem solidariedade, ou conjuntividade, há tantos contratos quanto os outorgados.

Panorama atual pelo Atualizador § 4 . 5 8 8 .

A - L e g i s l a ç ã o

Na ausência de prazo estipulado no contrato de mútuo, presumem-se os dispostos no art. 592 do CC/2002 (art. 1.265 do CC/1916), quais sejam, até a próxima colheita, se for mútuo de produtos agrícolas para consumo ou semeadura; 30 dias, se mútuo de dinheiro, e o período de tempo declarado pelo mutuante, quando se trate de outra coisa fungível. Presunção júris tantum.

Menciona Pontes de Miranda a submissão do mutuante, no caso de mútuo oneroso, à responsabilidade por evicção e vícios redibitórios. A evicção regula-se pelos arts. 447 a 457; os vícios redibitórios, pela regra dos arts. 441 a 446, ambos do CC/2002. A remuneração do mútuo oneroso se dá mediante pagamento de juros pelo mutuário ao mutuante. O Código Civil de 1916, a que se refere Pontes de Miranda, estabelecia a necessidade de cláusula expressa que estipulasse a obrigação de pagar juros. O art. 591 do CC/2002, estabelece que destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros. Ainda no Código Civil anterior, indicava-se que a fixação da taxa de juros pode ser acima ou abaixo da taxa legal (art. 1.262, parágrafo único). O Código vigente, todavia, estabelece limite expresso no mesmo art. 591, estabelecendo que não poderão ser superiores a taxa a que se refere o art. 406 do CC/2002, qual seja, a taxa de juros para mora dos impostos devidos à Fazenda Nacional. A mesma regra do art. 591 do CC/2002, estabelece também a possibilidade de capitalização anual. Segundo entendimento jurisprudencial, contudo, estes limites não se aplicam ao mútuo em que o mutuante é instituição financeira, a qual se submete à disciplina do CMN e do Bacen, observando atualmente liberdade de convenção de taxas de juros em contrato, passível de controle apenas quando excessivas, pela incidência do Código de Defesa do Consumidor.

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No tocante à capitalização de juros, a MedProv 2.170-36/2001, em seu art. 5.°, permite a capitalização de juros em período inferior a um ano, nas operações realizadas por instituições financeiras, que, portanto, escapam à limitação imposta pelo Código Civil.

§ 4.588.

B-

Doutrina

A natureza jurídica do mútuo definida por Pontes de Miranda, indicando tratar-se de contrato real e que pode ser unilateral, quando se trate de mútuo gratuito, ou bilateral, quando devidos juros pelo mutuário ao mutuante, é tema de longa divergência no direito brasileiro. Em relação a sua natureza real opõe-se Caio Mário da Silva Pereira (Op. cit., 315) e dentre os comentadores do Código Civil vigente, tendem a essa posição os comentários de Tepedino et alli (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 308). De acordo com o entendimento definido por Pontes de Miranda, considerando o mútuo de natureza real porque elemento legalmente exigido para a constituição do contrato, posiciona-se a majoritária doutrina, mesmo sob

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G I D E do Código Civil de 2002 (ANDRIGHI; BENETTI; ANDRIGHI. Op. cit., p. 139; NERY

JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 626; e LOPEZ, Teresa Ancona. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 7, p. 144). Mesmo a doutrina italiana contemporânea, no esteio daquela mencionada por Pontes de Miranda, mantém-se na defesa da natureza real do contrato (e.g. GALGANO, Francesco. II contrato. Corso di diritto civile. Padova: Cedam, 2007. p. 240) ainda que ciente das críticas que a ela se opõe em face do princípio da autonomia contratual (BIANCA, Cesare Massimo. Diritto civile. II contrato. 2. ed. Milano: Giuffré, 2007. t. 3, p. 241-242).

No tocante à natureza unilateral ou bilateral do contrato de mútuo, parte da doutrina brasileira divergiu de Pontes de Miranda no sentido de identificá-lo como contrato unilateral (GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 355). Esta visão, contudo, é criticada pela doutrina mais atual, que reconhece razão a Pontes de Miranda, quando este indica a distinção entre o mútuo gratuito e oneroso, reconhecendo o primeiro como unilateral, porém o segundo como bilateral (TEPEDINO; BARBOSA; MORAES. Op. cit., p. 309). Afinal a obrigação de pagar juros "bilateraliza" o contrato, na expressão cunhada por Pontes de Miranda. No tocante à limitação dos juros convencionados no contrato de mútuo, a doutrina indica a necessidade de observar o limite estabelecido pelo art. 406 do CC/2002, havendo, contudo, dissenso quanto à taxa a ser aplicada, se a estabelecida pela Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) para remuneração pela União dos títulos públicos que emite, de que trata a Lei 9.065/1995, ou se a prevista no art. 161, § 1.°, do CTN. Nesse particular, diga-se que as instituições financeiras não estão a príorí submetidas a êsse limite, segundo entendimento jurisprudência! dominante. Pontes de Miranda, igualmente, antecipa uma tendência no contrato de mútuo no que se refere à distinção quanto a sua gratuidade ou onerosidade, indicando que mesmo em negócios gratuitos pode haver finalidade econômica oculta, escondida, o que foi desenvolvido posteriormente pela doutrina do direito do consumidor mediante a distinção entre a remuneração direta e a indireta, sendo essa a que, sob aparente gratuidade, oculta finalidade negociai do fornecedor (cf. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Ed. RT. 2011. p. 410).

§ 4.588.

C-

Jurisprudência

A natureza bilateral do mútuo oneroso é reconhecida pela jurisprudência (REsp 328.408/SP, 4.aT., j. 02.05.2002, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 01.07.2002). No que se refere à limitação de juros, a jurisprudência a afasta quando se trate de contratos bancários, tanto em relação à antiga Lei da Usura (REsp 214.003/ SC, 3. a T.,j. 11.04.2000, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ05.06.2000), quanto o limite estabelecido pelo art. 591 do CC/2002, combinados com art. 406 do CC/2002, conforme decisão de recurso especial julgado pelo STJ, com eficácia vinculante nos termos do art. 543-C do CPC: "São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02". A mesma decisão, contudo, admite a possibilidade de revisão de juros quando estabelecidos em patamar exagerado que caracterize a abusividade, inclusive com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (STJ, REsp 1061530/RS, 2.a Seção, j. 22.10.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009). A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo quando se caracterizem como relações de consumo é igualmente assentado pela jurisprudência nacional (STF, EDcl na ADIn 2.591/DF, j. 14.12.2006, rei. Min. Eros Grau, DJ 13.04.2007).

§ 4.589. CONTRATO DE MÚTUO E OUTROS NEGÓCIOS JURÍDICOS 1. PRECISÕES. - Primeiramente, afastemos qualquer confusão entre as operações consistentes em negócios jurídicos unilaterais, de que são exemplos principais as de subscrição, aval e endosso de títulos cambiários, e o contrato de mútuo, que é negócio jurídico bilateral.

O contrato de mandato de renda, pelo qual A entrega a B dinheiro ou certo bem fungível, para que B o empregue e lhe pague a renda, de modo nenhum é contrato de mútuo. Há, em tal negócio jurídico, a álea. Não faltou quem quisesse assimilar o mútuo à locação, a ponto de se falar de "locação de crédito" (Kreditmiete), como se pudesse ser locado o que se transferiu, na propriedade, a outrem (e. g., H. DANKWARDT, Nationalõkonomie und Jurisprudenz, E I , 6 2 ; JOSEF KOHLER, Das Vereinbarungsdarlehn, Archivfiir BürgerUches Recht, 33, 3). 2. M Ú T U O E COMODATO. - O mútuo supõe a transferência da posse própria e da propriedade; no comodato, só se atribui posse imprópria, e o bem há de ser infungível, ou, se fungível, considerado in indivíduo. A posse imprópria é só por algum tempo e os direitos do comodatário também só são por algum tempo. O comodatário tem o cômodo; o mutuário, o próprio bem, porque, dando-se o cômodo do fungível, do consumível, se aliena. O comodatário há de restituir o mesmo, o idem; o mututário, o tantundem, isto é, o idem ou o alter do mesmo gênero. 3. MÚTUO E DEPÓSITO IRREGULAR. - No depósito irregular (Código Civil, art. 1.280), transfere-se ao depositário a propriedade do bem depositado, de jeito que o depositário tem de restituir o tantundem dus generis et qualitatis, em vez do idem (posto que possa restituir o idem). Por onde se vê como se parecem o depósito irregular e o mútuo. Mas a parecença é apenas no tocante a um dos elementos do suporte fáctico e a identificação, que alguns juristas e legisladores pretendiam, de modo nenhum se justifica. No resto do conteúdo do contrato, há a vontade dos figurantes, e essa vontade, no mútuo, é diferente da vontade no depósito irregular. Quem deposita não dá em mútuo. No art. 1.280 do Código Civil diz-se: "O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo". Cf. Código Civil alemão, § 700. A regra jurídica, remetendo às regras jurídicas sôbre o mútuo, não identifica mútuo e depósito irregular. A

finalidade do contrato, no mútuo, é crédito; no depósito irregular, conservação do bem, a despeito da transferência a que conduz a fungibilidade do objeto. O interêsse do depositante como que persiste inalterado. O interesse do mutuário sobressai, no contrato de mútuo. Cf. Tomo XXXVI, § 4.107,2. 4 . M Ú T U O E CONTRATO DE DESCONTO. - No contrato de desconto, quem desconta (descontante) recebe do descontatário o crédito contra terceiro, por cessão pro solvendo, deduzidas do importe do crédito os interesses do desconto. Se o crédito consta de título à ordem, o endosso é negócio jurídico abstrato, de que o desconto é negócio jurídico subjacente, sobrejacente ou justajacente.

O mútuo não se confunde com o desconto. No mútuo, há a dação do bem fungível e o nascimento do crédito contra o mutuário. No desconto, o descontatário cede crédito e o que recebe é contraprestação da cessão do crédito. Ali, nasce o crédito; aqui, cede-se. O descontatário responde pelo que cedeu, isto é, se o terceiro não solver a dívida. O mutuário deve, desde que recebeu o bem fungível; o descontatário pode vir a dever, se o terceiro não paga. A subsidiariedade da dívida põe ao vivo a diferença. (O desconto distingue-se da ordinária cessão de crédito, principalmente pela não incidência do art. 1.074 do Código Civil, que pré-exclui a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor.se não houve cláusula em contrário.) mútuo é, em princípio, contrato real. No contrato de abertura de crédito, o dinheiro é prestado já em adimplemento do que se prometeu, e o mesmo ocorre se a abertura de crédito resultou de declaração unilateral de vontade. O mútuo que resultaria da abertura de crédito seria negócio jurídico solutório, negócio jurídico com que se cumpriria a obrigação oriunda da abertura de crédito; mas a prestação que se levanta em virtude da eficácia do contrato de abertura de crédito não é negócio jurídico solutório (sem razão, ADOLFO G I A N N U Z Z I , Trattato delle Aperture di credito, 4 2 , e outros). Os levantamentos são atos de exigência do prometido, e não contratos de mútuo. Não é argumento sério contra essa afirmativa poder o outorgado não exercer a sua pretensão aos levantamentos. Exatamente aí está um dos elementos diferenciadores do contrato de abertura de crédito. Quando, no contrato de abertura de crédito, o outorgado retira dinheiro, não está a tomar emprestado. Não há, em tal ato, negócio jurídico; o que há é exercício de pretensão, que a eficácia do contrato de abertura de crédito criara ao outorgado. Quando o outorgado retira parte da quantia, ou toda 5 . M Ú T U O E ABERTURA DE CRÉDITO. - O

a quantia, o outorgante adimple. Há tradição do dinheiro, e não negócio jurídico, seja de mútuo seja outro qualquer. Na abertura de crédito, o outorgado adquire direito e pretensão aos levantamentos, é credor do crédito aberto. No mútuo, se consensual, o outorgado exige que se cumpra a promessa de dar em mútuo. O mútuo supõe entrega (contrato real), ou promessa de bem fungível (contrato consensual). A abertura de crédito supõe promessa de atender a levantamentos; há direito a dispor do dinheiro do outorgante, de modo que o dinheiro vai a mãos de terceiro, ou do próprio outorgado. No mútuo, o dinheiro, mesmo se prestado ao terceiro, é dinheiro do mutuário. Na abertura de crédito, há outorga de poder de disposição do dinheiro do outorgante (GIUSEPPE DONADIO, Gli Accreditamenti bancari, 69), em vez de entrega de dinheiro que, tornando-se do outorgado, êsse disponha dêle como seu. Na abertura de crédito, há outorga de poder de disposição sôbre bem de outrem. 6. M Ú T U O E ADIANTAMENTO BANCÁRIO. - A antecipação bancária, ou, melhor, o adiantamento bancário é o contrato pelo qual, tendo-se dado em garantia algum bem, o banco põe à disposição do outorgado quantia que é percentual ao valor do bem dado em garantia, tendo o banco pretensão a exigir o aumento da garantia, se ela diminui, para que se mantenha a quantia fixada, proporcionalmente, como máximo de disponibilidade, e o outorgado a pretensão a pedir parte da garantia, com a diminuição da quantia posta à disposição. Não se pode reduzir o contrato de adiantamento bancário a acordo de constituição de penhor, ou de hipoteca, porque, frisemos, nos direitos reais de garantia, o perecimento e a deterioração, que permitem a exigência de reforçamento da garantia, são o perecimento e a deterioração materiais, ao passo que, no contrato de adiantamento bancário, basta a perda ou a diminuição do valor por alguma causa econômica ou político-econômica (valor de mercado), para que o percentual diminua, automaticamente. No mútuo com direito real de garantia há a pretensão fundada no art. 762,1, do Código Civil, na abertura de crédito com direito real de garantia, há aquela pretensão e a pretensão à redução, se a perda ou deterioração foi por alguma causa econômica ou político-econômica; no contrato de adiantamento, a insuficiência faz a diminuição, mesmo se a garantia cobriria a dívida, uma vez que a percentualidade fixada foi atingida.

Se o outorgado quer, pode retirar parte da garantia, se, com isso, não desrespeita o percentual, ou se previamente o evitou, com restituição antecipada. No mútuo com direito real de garantia, não se pode proceder

assim (há o princípio da individualidade do penhor, ou da hipoteca, ou da caução). No adiantamento bancário, há, de regra, a permissão de restituição parcial, o que, no mútuo, só existe se houve cláusula nesse sentido. 7. M Ú T U O E CONTRATO ESTIMATÓRIO. - No contrato estimatório, a propriedade do bem fica ao outorgante, posto que passe ao outorgado o poder de disposição. O outorgado dispõe do objeto e presta preço ou restitui a posse própria. O mutuário tem de restituir o tantundem, porque o objeto se tornou seu, desde o início, isto é, desde a entrega. 8. CONTRATO FIDUCIÁRIO E MÚTUO. - O pactum fiduciae também é contrato real, pelo qual alguém recebe a propriedade e tem o dever de restituir. No direito brasileiro, há a propriedade fiduciária, no plano do direito das coisas. Nem aquêle contrato, que desaparecera do direito romano, nem a propriedade fiduciária (propriedade sob condição resolutiva, com a volta ao alienante, ou a outrem), se confundem com o mútuo, nem nunca se confundiu ( O T T O GEIB, Actio fiduciae undRealvertrag, 9 s.). Aliás, as pretensões e as ações são diferentes (cf. STAS, De contractu fiduciae, 14 s.). 9 . M Ú T U O E NEGÓCIOS JURÍDICOS A PRESTAÇÕES, COM OU SEM INTE-

- De ordinário, nos negócios jurídicos a prazo ou a prestações sucessivas (Abrahlungsgeseschãfte), o vendedor dá o preço dos bens à vista e o comprador prefere que os pagamentos sejam em diferentes datas. Se com isso acorda o vendedor, tem o comprador de atender a que o vendedor deixa de receber o quanto total do preço e a que, durante os prazos, as quantias parciais não podem ser invertidas pelo vendedor, a fim de obter rendimento em outras operações. Nas épocas de industrialização e crescimento do nível de vida, há interêsse das empresas em que os compradores sejam também os que somente podem comprar a prazo. Por isso mesmo, já se prevêem preços à vista e preços a prestações; às vêzes, diferentes preços conforme o número de prestações. Para a determinação dêsses preços contam-se os juros desejados, ou os usuais, ou os convencionados que se somam aos preços, só se mencionando a prestação total, ou se referem em separado. A diversidade de expressão não altera o negócio jurídico.

RESSES.

Os juros, nos contratos de compra-e-venda, de empreitada e noutros contratos em que se insere a cláusula de pagamento a prestações, são interesses que atendem a não investibilidade das quantias durante o tempo em

que se espera que nasçam as pretensões. Há o direito às prestações, mas o têrmo (algumas vêzes a condição) retarda o nascimento da pretensão, da exigibilidade. O tempo, nos meios sociais em que há procura de fundos, tem sempre de ser levado em conta, porque o dinheiro, cujo recebimento se aguarda, raramente pode ser investido e o investimento de créditos se faz abaixo do valor do crédito. Juros são os interesses, as usuras do direito romano, donde, posteriormente, em sentido pejorativo, "usura", "usurário", "usurar" (cf. Constituição de 1946, art. 154, onde a palavra se emprega em sentido pejorativo). Produtos do capital, seja consistente em dinheiro, seja consistente em bem que não seja dinheiro, os juros entram na classe dos frutos, o que deu ensejo à distinção entre "fructus naturales" e "fructus civiles". Os juros são os rendimentos de um direito, seja crédito ou não. Por isso mesmo, não só no mútuo, empréstimo de dinheiro ou de outro bem fungível, se pode estabelecer a fluição de juros; nem todo mútuo é com juros. Pode-se dar em empréstimo dinheiro, sem que se exijam juros. O art. 1.262, l. a alínea, do Código Civil supõe que o mútuo, quer de dinheiro quer de outro bem fungível, possa ser sem cláusula de juros: "É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis". Se não se inseriu a cláusula, o mútuo é sem juros. Nas compras-e-vendas em que o objeto vendido é entregue a comprador antes de estar completo o pagamento do preço, que foi dividido em quotas, ditas em prestações sucessivas, o comprador tem de submeter-se a exigências que dêem ao vendedor plus que corresponda ao deferimento das frações do preço. Um dos meios mais em uso para que não sejam o mesmo o preço à vista e o preço a prazo, ou em pagamentos parciais, é o cômputo de percentagem, que aí exerce a função de rendimento do preço (capital), ou da parte do preço, ou das partes do preço, que o vendedor não recebeu ao entregar o bem vendido ou os bens vendidos. Outro expediente dos vendedores é a reserva de propriedade, com ou sem estipulação do aluguer. Nem êsse aluguer, nem os juros que se cobrem porque se dividiu em prestações sucessivas o preço do bem vendido, ou dos bens vendidos, introduzem na compra-e-venda a figura jurídica do empréstimo, do mútuo. Apenas se trata de exigência que equilibra o prejuízo oriundo da dilação do adimplemento, pois o dinheiro que se receberia agora, empregado, por exemplo, em bens alugáveis, ou bens que pudessem ser vendidos acima do preço por que se compraram, só se vai receber mais tarde. Põe-se no lugar dêle algo, que encha o tempo que se vai perder.

Quem empresta, quem mutua, "dá em préstimo", expressão usada na linguagem dos séculos passados. Quem vende e entrega, mesmo se reserva propriedade, não dá em préstimo, porque recebe preço ao entregar, ou aguarda que se lhe pague o preço. Os juros, êsses, não só se estipulam no mútuo. São meio para que não se deixe de perceber - por exemplo, com a venda a prazo - o equivalente ao que provavelmente se perceberia, durante o tempo em que se aguarda o pagamento, se noutro negócio se aplicasse o dinheiro. Se o comprador promete juros, no tocante às quotas que fica a dever, atende a que o preço do bem vendido a prazo não pode ser o mesmo que o preço do bem vendido à vista. Se o vendedor não os exige, nas vendas a prazo, é porque já calculou o preço com os interêsses relativos aos tempos das prestações, ou fêz abatimento no preço à vista, por alguma razão eventual. Se a compra-e-venda seria a prazo, mas o vendedor anuiu ou preferiu que a compra-e-venda fôsse à vista e o comprador subscrevesse e emitisse letras de câmbio ou notas promissórias, provavelmente nessas letras de câmbio ou notas promissórias a quantia já abrange os interêsses, uma vez que não se admite a cláusula de juros em títulos cambiários. Aí, há compra-e-venda e empréstimo, no sentido lato (cf. W O L F G A N G H I L D E B R A N D T , Schlegelberger Handelsgesetzbuch, III, 3.a ed., 1678). Não há, porém, dois negócios jurídicos se a compra-e-venda foi a prazo. Pode acontecer que outrem financie o crédito, e então, conforme disse, precisamente, W O L F G A N G H I L D E B R A N D T , O negócio jurídico de empréstimo de modo nenhum se liga ao negócio jurídico de compra-e-venda, nem os princípios concernentes à compra-e-venda a prestações se aplicam ao empréstimo. Os juros nos negócios jurídicos a prestações sucessivas (Abzahlungsgeschãfte) são apenas elementos da formação do preço (Preisbildung). Costuma-se calcular o interêsse e somá-lo ao que se teria de pagar, se simultâneo à tradição fôsse o pagamento. Aí, os juros não aparecem; foram computados, e a prestação a ser paga já os contém, invisivelmente. Tal o que, devido à proibição da cláusula de juros nos títulos cambiários, se passa, regularmente, com as letras de câmbio e as notas promissórias. Nada obsta, porém, a que se deixe explícita a operação contabilística. Em vez de se falar de (p + x %), claramente se refere p + x%. As prestações em que se incluem os interesses são. prestações mais juros, empregados os parênteses.

O negócio jurídico de financiamento com entidade que contratou ou vai contratar com outra, mesmo se se prevê fiscalização ou velamento por parte da emprêsa financiadora, não apanha o terceiro com quem a emprêsa financiada contrata. Por outro lado, a função dos bancos, no tocante aos pagamentos, nada tem, negocialmente, com a pessoa física ou jurídica, que há de receber, nem a função do banco que de outro banco recebe encargo de pagar a dívida de alguém o põe em relação jurídica com o remetente da quantia. O assunto é de grande relevância técnica. Por exemplo: diz-se no art. 33 da Constituição de 1946 que é defeso aos Estados-membros e aos Municípios contrair empréstimos externos sem prévia autorização do Senado Federal. Empréstimo, no art. 33 da Constituição de 1946, está no sentido de mútuo. Não se inclui no conceito a compra-e-venda a prestações como não se incluiria a locação, inclusive o fretamento. Seria absurdo que se proibisse a entidades estatais, paraestatais ou autárquicas contratar compra-e-venda no estrangeiro, a prazo ou com pagamentos sucessivos, ou contratar fornecimentos, a prazo, ou com pagamentos sucessivos. Se o comprador e o vendedor estabelecem que a compra-e-venda é à vista e o comprador subscreve e emite título de crédito, mesmo sem juros, trata-se de título ou a que corresponde negócio jurídico unilateral, ou que diz respeito a negócio jurídico bilateral. De qualquer modo, há dois negócios jurídicos: o contrato de compra-e-venda que, feito o pagamento à vista, não mais gera dívida por parte do comprador; e o negócio jurídico unilateral (título ao portador, letra de câmbio, nota promissória, duplicata mercantil, ou outro título cambiariforme), ou o negócio jurídico bilateral de empréstimo. Se o contrato de compra-e-venda foi a prestações, os pagamentos são sucessivos. Se a compra-e-venda se concluísse com a cláusula do pagamento parcial à vista e do pagamento parcial ou pagamentos parciais a prazo, dizendo-se como se há de fazer a prestação ou se hão de fazer as prestações futuras, só existe um negócio jurídico, que é o da compra-e-venda. 10. M Ú T U O E DEPÓSITO IRREGULAR. - No depósito irregular falta a função creditícia da relação jurídica, mesmo da parte do depositário. Não há o fim do emprêgo do dinheiro ou de outro bem fungível, nem o interesse do depositário passa à frente do interêsse do depositante. No próprio depósito para poupança, a prazo, mais se tem o propósito de conservar do que dar em mútuo.

A explicação que tenta mostrar no depósito irregular negócio jurídico de título, que substitua o dinheiro ou outro bem fungível, há de ser repelida. Quando se retira título, mediante depósito irregular, ou se dá ao depositário o encargo de pagar a quem se legitime com a apresentação do título, provavelmente mediante endosso, ou se trata apenas do instrumento do contrato de depósito irregular. O prazo longo de pré-aviso pode transformar o que se consideraria contrato de depósito irregular em contrato de mútuo, mas, ainda em tais circunstâncias, pode caracterizar-se o depósito. No depósito irregular em conta corrente, a função custodiante do banco não se apaga. Volveremos ao assunto ao tratarmos do depósito.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.589.

A-

Legislação

A remissão do depósito de coisas fungíveis às regras que disciplinam o mútuo atualmente é feita pelo disposto no art. 645 do CC/2002, com mesma redação do art. 1.280 do CC/1916, revogado. No tocante à disciplina constitucional dos juros, a Constituição Federal de 1988 estipulou em seu art. 192, § 3.°, a limitação de taxa de juro real em 12% ao ano. Esta disposição, contudo, não foi considerada autoaplicável, dependendo, portanto de regulamentação, pelo STF ao decidir a ADIn 4 (STF, ADIn 4/DF, Pleno, j. 07.03.1991, rei. Min. Sydney Sanches, DJ25.06.1993). Até que a EC 40/2003, revogou a norma em questão. A distinção mencionada por Pontes de Miranda entre a cessão de crédito e o contrato de desconto, fundada no art. 1.074 do CC/1916, que pré-exclui a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor se não houve cláusula em contrário, mantém-se atual no direito vigente, segundo o art. 296 do CC/2002. Da mesma forma, a cobrança de juros, que se admitia apenas em vista de cláusula expressa em contrato, conforme art. 1.262 do CC/1916, atualmente submete-se à regra que admite a presunção de juros quando se trate de mútuo celebrado para fins econômicos, em acordo com o disposto no art. 591 do CC/2002. j |

Ainda, ao examinar a distinção entre o mútuo e o contrato de abertura de crédito, Pontes de Miranda observa que enquanto na abertura de crédito se pode reduzir a quantia tornada disponível ao devedor, no direito vigente, há possibilidade do mutuante, nos termos do o art. 590 do CC/2002, exigir garantia de pagamento, se antes da restituição o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.

§ 4.589. *

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B - Doutrina

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A noção de juros como frutos civis acessórios ao capital principal está assente na doutrina (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2003. Série de Pesquisas do CEJ, vol. 11, p. 8-9). No caso do depósito de dinheiro que se liga aos contratos bancários em geral, mantém-se a doutrina classificando-o como depósito irregular, reconhecendo, contudo, quando se trate de depósito de poupança ou quaisquer outros depósitos para fins de investimento a dívida de juros da instituição financeira depositária, que neste particular equipara-se ao mutuário do contrato de mútuo para fins econômicos. Indica a doutrina, contudo, distinção no sentido de que enquanto o mútuo seria feito no interesse do mutuário o depósito irregular se dá no interesse do depositante (LOPEZ, Teresa Ancona. Op. cit., p. 412). Na doutrina de direito bancário, contudo, há dissenso (BARRETO, Lauro Muniz. Direito bancário. São Paulo: Leud, 1975. p. 174). No direito do consumidor, identificou-se, especialmente no depósito de poupança, a existência de remuneração indireta pelo depositante, em vista do proveito econômico do depositário (instituição financeira), o que acabou sendo afirmado pela jurisprudência. No tocante às distinções entre a abertura de crédito e o mútuo, a interpretação de Pontes de Miranda, segundo a qual o levantamento do crédito disponível, a tradição do dinheiro é execução do próprio contrato e não negócio jurídico novo, de mútuo, é seguida pela doutrina (COVELLO, Sérgio. Contratos bancários. 3. ed. São Paulo: Leud, 1999. p. 187).

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I s

§ 4.589.

C-

Jurisprudência

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O entendimento jurisprudencial é de que não há limite a príorí dos juros do mútuo e demais contratos bancários, não se aplicando o art. 591 do CC/2002 (STJ, REsp 1061530/RS, 2.a Seção, j. 22.10.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009). No caso do depósito de poupança, reconhece-se sua remuneração indireta frente ao custo de oportunidade pelo depositário, dando causa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (REsp 160.949/SP, 3.aT., j. 19.03.2001, rei. p/ acórdão Min. Paulo Costa Leite, DJ 22.04.2002). Não faz a jurisprudência, contudo, com absoluta precisão a distinção indicada por Pontes de Miranda, entre as figuras da abertura de crédito e do mútuo, especialmente por considerar a finalidade comum em concreto, afastando-se da distinção mencionada (STJ, AgRg no REsp 1199347/SP, 4.aT., j. 07.12.2010, rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJe 14.12.2010). Da mesma forma, corrobora a jurisprudência, o entendimento de Pontes de Miranda, segundo o qual a aplicação das regras do mútuo ao depósito bancário, como depósito irregular, não o desnatura como tal (STJ, REsp 501.401/MG, j. 14.04.2004, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

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§ 4.590. PROMESSA DE MÚTUO (PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO) 1. CONCEITO. - A promessa de mútuo {pactum. de mutuo dando) é contrato unilateral, ou bilateral, conforme só há um promitente ou se há dois (um promete emprestar; e o outro, aceitar). Por vêzes, a promessa de mútuo se insere em contrato, sendo apenas uma das promessas em contrato bilateral, ou sendo contraprestação.

No direito brasileiro, a declaração unilateral de vontade pode ser de dar mútuo, de mutuo dando, ou de receber mútuo, de mutuo accipiendo (= de ser mutuante ou de ser mutuário). Também é permitida e assaz empregada a promessa bilateral, que contém a declaração de dar mútuo e a de receber mútuo (pactum de mutuo dando et accipiendo). Se no pré-contrato já se fala de juros, estabeleceu-se a bilateralidade do contrato. A expressão "pactum de mutuo dando", como as outras "pactum de contrahendo", "pactum de commodando", "pactum de deponendo", empregadas no direito comum, são estranhas ao direito romano (cf. LUDWIG FOURMANN, Das pactum de mutuo dando, 9 ; GEORG DEITER, Der Verpflichtungsvertrag [pactum de contrahendo] im BGB., 3). Os pressupostos de forma são os de qualquer contrato não sujeito a forma especial (WILHELM SCHMITZ, Über den Vorvertrag bei den Konsensualkontrakten, 3 0 1 ) . salvo se lex specialis se refere ao pacto de mutuo dando. A prescrição da ação oriunda do pré-contrato de mútuo e a ordinária, tal como acontecia no direito comum (cf. P A U L GOTTSCHALK, Beitrage zur Lehre vom Vorvertrag, 18). Uma corrente da doutrina considera que o mútuo já se caracterizou, e não só o pré-contrato (GUSTAV BOEHMER, Realvertrag im heurigen Recht, Archivfiir Biirgerliches Recht, 38, 314; H A N S REICHEL, Kosten und Gefáhrtragung beim Lèihvertrag, Leipziger Zeitschrift, 16, 543; JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 275; P H . H E C K , Grundriss des Schuldrechts, 247 s.; H . SIBER, Schuldrecht, 312; KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, D, 148 e 151). Da revogabilidade da promessa de mútuo já se tratou no Tomo XXV, § 3.076,3. art. 1 . 0 9 2 , 2. A alínea, do Código Civil não incide em se tratando de simples promessa de dar em mútuo, porque o contrato não é bilateral ( G . PLANCK, Kommentar, I I , 5 4 9 ; P. OÉRTMANN, Das Recht der Schuldverhãltnisse, 663; sem razão, R. STAMMLER, Recht der Schuldverhãltnisse, 94). O

Argumenta-se contra o contrato consensual de mútuo que em verdade se trataria de pré-contrato de mútuo. Mas é falsa a afirmação. Primeiramente, não há qualquer óbice a que se conclua pré-contrato de contrato real. Depois, pode haver pré-contrato de contrato real e pré-contrato de contrato consensual. 2. OFERTAS DE MÚTUO E OFERTAS DE PROMESSA DE M Ú T U O . -

As

ofertas de empréstimos podem ser feitas pelos outorgantes ou pelos outorgados. Enquanto a "oferta" não é recebida pelo destinatário não começa a sua eficácia vinculativa e essa é retirada se a nova declaração de vontade chega antes da oferta. Enquanto os órgãos da pessoa jurídica, ou os empregados da pessoa física procedem à correção, ou à revisão, do que se vai oferecer, há apenas punctações, que não vinculam, e é possível que, durante elas, haja exame e discussão pelos dois ou mais futuros figurantes do negócio jurídico. O direito brasileiro sempre teve pré-contratos (Vorvertrãge). Apenas, aqui como alhures, faltava o nome, que não poderia ser, em boa terminologia, o de contratos preliminares, pois nem sempre a preliminariedade de um contrato o faz pré-contrato. - Sempre que se conclui algum negócio jurídico, unilateral ou bilateral, que somente se refira à conclusão futura de um contrato, sem condicionalidade, vige o princípio da acionabilidade de todos os acordos vinculantes, e assim muito perdeu de importância prática a diferença entre contratos reais e contratos (somente) consensuais, pôsto que não haja desaparecido (sem razão, K A R L L A R E N Z , Lehrbuch des Schuldrechts, II, 46). 3. VINCULAÇÃO E PRÉ-CONTRATO.

Hoje, é dispensável a alusão explícita a ter-se feito pré-contrato. Desde que se fêz contrato que seria real, sem ter havido a entrega da coisa, o que se há de entender é que houve pré-contrato (e. g., quanto ao comodato, quanto ao mútuo). Todavia, pode haver elementos de interpretação, inclusive circunstanciais, que façam considerar-se existente, in casu, contrato consensual de mútuo. Na dívida, o que se há de assentar é tratar-se de pré-contrato. Se há mútuo, seja de dinheiro, seja de outro bem fungível, ao que sai do patrimônio do mutuante se substitui a pretensão à restituição. A entrega somente se dá se o outorgado passa a ter a disposição do que recebeu. A propriedade, que está num patrimônio, vai ao outro patrimônio.

Se há juros, o mútuo é oneroso. A transferência do capital é a prestação do prestamista. O "mútuo", a que falta a entrega, ou é pré-contrato de mutuo dando e accipiendo, ou ainda lhe falta elemento essencial, compondo-se a figura do contrato consensual, que alguns juristas vêem como a figura mais freqüente, em vez de pré-contrato. A vida e, com ela, a doutrina têm mostrado que só se exige o elemento real como pressuposto da figura típica do mútuo, e que, de regra, nos negócios jurídicos de alto vulto, dependentes de garantias, ou de escritura pública, está sempre precedida de pré-contrato. O pré-contrato de mútuo é inconfundível com a abertura de crédito. Na abertura de crédito há a atribuição do poder de dispor, atual, do que se credita ao outorgado. No pré-contrato de mútuo, só se promete contratar mútuo: disponibilidade o outorgado terá quando o outorgante concluir o contrato de mútuo que foi prometido. Entre as duas figuras fica a do contrato consensual de mútuo, em que o mutuante se vinculou a entregar o bem a que o contrato se refere e só após a entrega tem o mutuário a disponibilidade. O pré-contrato de mútuo não tem de indicar a soma precisa, ou a quantidade de bens não pecuniários, que há de ser objeto do contrato de mútuo que se promete. Basta que se diga qual o máximo, ou por outro modo se faça determinável o que^se há de dar em mútuo; e. g., o necessário para se terminarem as obras da ponte, ou do edifício da fábrica, ou o percentual do orçamento que fôr feito. Também é de admitir-se a fixação do mínimo promessa de mútuo tem de conter determinação do que se há de mutuar. No pré-contrato, que é o pactum de mutuo dando, não se precisa dizer expressamente qual é o montante. Basta a determinabilidade do quanto exato; ou do máximo, conforme as circunstâncias objetivas ou o fim a que se destinam a quantidade e a qualidade mutuandas. Os arts. 947 e 875 são invocáveis. 4 . DETERMINAÇÃO DO QUANTO MUTUANDO. - A

5 . CRÉDITO, PRETENSÕES E AÇÕES. - Do negócio jurídico bilateral de promessa de mútuo irradiam-se o crédito (= direito a que se preste o negócio jurídico de mútuo), pretensões e ações. O promissário pode pedir o adimplemento (assinatura do negócio jurídico de mútuo, sem a prestação, porque o mútuo é contrato real), ou, com base no art. 879,2. a parte, do Código Civil, indenização. A dívida é de fazer, porque é de declarar, e de dar,

porque é de prestar o objeto do mútuo (o mútuo é contrato real), mas o que prepondera é o elemento negotium. Todavia, pode dar-se a invocabilidade dos arts. 875-877 do Código Civil. Entende L . MONTESANO (I Provvedimenti d'urgenza nel processo civile, 114 s.) que não se pode invocar o Código de Processo Civil, art. 1.006 (= Código Civil italiano, art. 2.932), em se tratando de contrato preliminar unilateral (pré-contrato e negócio jurídico); mas tal opinião é insustentável, uma vez que a obrigação, que se tem de adimplir, é a mesma, quer unilateral quer bilateral o negócio jurídico de pré-contrato. No direito brasileiro, o § 1° do art. 1.006 do Código de Processo Civil bem mostra que o pré-contrato bilateral é apenas uma das espécies. Por outro lado, quem promete unilateralmente declaração de vontade também está sujeito à ação do art. 1.006. Em princípio, o crédito oriundo da promessa de mútuo é impenhorável, mas, se há penhora, o que se constringe é o valor: o credor continua credor e com êle é que se conclui o contrato de mútuo, se nãõ houve revogação. 6. COMPENSAÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. - Contra a pretensão oriunda do pré-contrato de mútuo não cabe alegação de compensação, nem de direito de retenção. Mas pode ser oposta a exceção de direito de retenção que nela se funde, bem assim a alegação de compensação (P. O E R T M A N N , Das Recht der Schuldverhãltnisse, 661; F . REGELSBERGER, Nachscrift, Jherings Jahrbücher, 52, 416; sem razão, E. LÜBBERT, Der Kreditvertrag, 52, 377), se a promessa de mútuo satisfaz os pressupostos do Código Civil, art. 1.010, ou do Código Comercial, art. 439. 7. INCEDIBILIDADE DO CRÉDITO E DA PRETENSÃO. - Em princípio, a pretensão é incedível, porque a pessoa do outorgado é elemento essencial. Todavia, a cessão apenas é relativamente ineficaz: o que se presta ao cessionário entende-se prestado ao cedente, pois o contrato de mútuo se conclui com esse, e não com aquele, devido à ineficácia relativa da cessão. Se os pré-contraentes previram a cessão, designando a pessoa ou as pessoas a quem podia ser cedido o crédito, não há obstáculo à eficácia total da cessão. A autorização para exigir o negócio jurídico de mútuo não é cessão, ainda mesmo cessão de eficácia relativa. Se o pré-contrato de mútuo é para obras, instalações ou serviços, a cessão é de eficácia relativa, salvo se o incorporador é que assume, conforme o pré-contrato, a dívida para a futura hipoteca global.

8. LUGAR DO ADIMPLEMENTO. - O lugar do adimplemento do crédito decorrente do pactum de mutuo dando é o domicílio do devedor, e não o do credor (dívida de ir buscar); de jeito que, se o promissário pede a remessa, lhe tocam gastos e riscos (J. KOHLER, Über das Konsensualdarlehn, Archiv für Biirgerliches Recht, II, 238; F. REGELSBERGER, Nachschrift, Jherings Jahrbücher, 52, 415; G. PLANCK, Kommentar, II, 158; sem razão, FR. L E ONHARD, Erfíilhingsnrt und Schuldort, 59). 9. EXTINÇÃO DA DÍVIDA ORIUNDA DO PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. -

A dívida de contratar mútuo extingue-se como as outras dívidas. Tem-se, porém, de levar em conta a mudança in peius da situação econômica do outorgado. Se, por exemplo, com a abertura do concurso de credores do outorgado, o crédito que nascesse do prometido contrato de mútuo se venceria (Código Civil, art. 954, I), seria profunda contradição que tal emergência concursal não determinasse a extinção do direito ao contrato de mútuo. A vontade do promitente-mutuante era a de prestar e receber mais tarde, porém as circunstâncias pessoais, do promissário-mutuário mostram que, se prestar, perde ou provavelmente perde. Viu isso H. D E R N B U R G (Pandekten, I I , 7. A ed., 2 3 2 ) . Se foi prometido o contrato de mútuo ao construtor do edifício, ou a quem comprou as terras para exploração de indústria, com destinação de financiamento, e o outorgado mudou de profissão, ou vendeu as terras, não há mais a intangibilidade da relação jurídica pré-contratual. Em princípio, quem promete contrato de mútuo, pode denunciar a promessa se a situação patrimonial do outro contraente se empiorou gravemente, de modo que se torne difícil a restituição. A regra jurídica, que, no direito brasileiro, é não-escrita (aliter, no Código Civil alemão, § 610), tem-se de considerar ius dispositivum, e não ius interpretativum, como. o § 610 do Código Civil alemão. O art. 1.092, 2. a alínea, do Código Civil, como o § 3 2 1 d o Código Civil alemão, e ius dispositivum (cf. EDUARD KREHBIEL, Der Vorvertrag, 33). Tudo isso pode ocorrer mesmo se, sendo dois ou mais os pré-contratos de mútuo, algum foi exeqüido, ignorando o outorgante a verdadeira situação econômica do outorgado. Não há a extinção automática. Tem de ser feita a denúncia cheia, isto é, a denúncia com a fundamentação. A denúncia do pré-contrato de mútuo é afastável pelo oferecimento de garantia suficiente.

P a n o r a m a

a t u a l p e l o

A t u a l i z a d o r

§ 4.590. ALegislação A oferta de mútuo disciplina-se pelas regras da oferta do Código Civil de 2002 (arts. 427 et seq) e igualmente, quando se trate de relação de consumo, pelas regras do Código de Defesa do Consumidor. Este estabelece em relação à oferta, que qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor que a fizer veicular (art. 30 do CDC), importando, inclusive execução específica (art. 35 do CDC). No caso da oferta de crédito, o fornecedor do crédito deve cumprir com deveres específicos de informação (art. 52 do CDC).

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O art. 875 do CC/1916, citado, corresponde hoje, ao art. 244 do CC/2002. Já o art. 947 do CC/1916, que permitia pagamento em moeda corrente do lugar do cumprimento da obrigação não é reproduzido na legislação vigente, sendo referido pelo art. 315 do CC/2002, apenas que o pagamento deve se dar em moeda corrente. A alteração das condições econômicas do promissário do mútuo como causa de extinção da dívida (dever de contratar) do promitente, como a abertura do concurso de credores ou insuficiência ou extinção da garantia c.onstam do art. 333 do CC/2002. Já a exceção de inseguridade prevista no art. 1.092 do CC/1916, hoje é prevista no art. 477 do CC/2002. Os arts. 462 a 466 do CC/2002 disciplinam o contrato preliminar. § 4.590.

B-

Doutrina

A doutrina atualmente, sob o influxo do princípio da boa-fé e da proteção à confiança despertada pela informação e a publicidade, confere eficácia jurídica vinculativa à conduta daquele que promete contratar, limitando-se a revogabilidade da promessa. É o que ocorre na promessa de mútuo, em que as restrições à oferta deverão ser informadas do mesmo modo e com o mesmo destaque do conteúdo da informação dirigida à celebração do negócio. No que se refere à possibilidade de se extinguir o dever de contratar por dúvida sobre o cumprimento, orienta-se a doutrina no sentido de que a força obrigatória do contrato não pode ser atenuada pela ausência de diligência de uma das partes em verificar a situação patrimonial da outra, de modo a exigir-se que o fato que suscita a dúvida seja novo (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. VI, t. II, p. 835). § 4.590.

C-

Jurisprudência

O dever de informar da oferta de mútuo é assentado na jurisprudência, inclusive para efeito de admitir revisão do contrato (TJRJ, ApCiv 16.654/99,'2? Câm., j. 02.12.1999, rei. Des. Sérgio Cavalieri Filho). Da mesma forma, as informações prestadas vinculam a instituição financeira e limitam a revogabilidade (TAMG, Ap 314.642-3, 3.a Câm., j. 11.10.2000, rei. Edilson Fernandes, F?7"793/409).

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CAPÍTULO II PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS OBJETIVOS DO CONTRATO DE

E

MÚTUO

§ 4.591. CAPACIDADE PARA DAR EM MÚTUO, PARA PROMETER MÚTUO E PARA RECEBER EM MÚTUO 1. PODER DE DISPOR E CAPACIDADE. - A disposição é inclusa no contrato real de mútuo, ou é posterior, no contrato consensual de mútuo, ou, ainda mais, no pré-contrato de mútuo. De qualquer maneira, somente pode ser mutuante, em qualquer das três figuras contratuais, quem tem capacidade, no tocante à disposição. Se real o contrato de mútuo, há de ser proprietário e de ter poder de dispor quem se vincula como mutuante. O mutuário assume dívida, de modo quetambém há de ser capaz. No tocante ao contrato consensual de mútuo e ao pré-contrato de mútuo, não é preciso que seja proprietário, no momento da conclusão do contrato, porque o ser proprietário ou ter poder para transferir o direito de propriedade é requisito necessário do acordo de transmissão. Nas duas figuras consensuais, pode-se negociar o bem alheio, ou o bem futuro. Se o mutuante entregou bem fungível que não era seu, há a pretensão do mutuário à prestação, sem que se precise pensar em transformação do contrato real em contrato consensual, absurdo ventilado por alguns juristas. Se o contrato foi consensual, com a entrega o mutuante adimpliu defeituosamente e adimplemento assim é inadimplemento.

2. RELATIVAMENTE INCAPAZES. - A pessoa relativamente incapaz, para contrair mútuo, precisa da assistência do pai, tutor ou curador. A respeito, lê-se no art. 1.259 do Código Civil: "O mútuo feito a pessoa menor,

sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem mutuário, nem de seus fiadores e abonadores (art. 1.502)". A re»ra jurídica só alude a menor. Há outras pessoas relativamente incapazes, a respeito de cujos negócios jurídicos há a sanção da anulabilidade. Anulado o contrato de mútuo, art. 157 do Código Civil, e não o art. 1.259, que se há de invocar. O mutuante somente pode exigir de volta o que provar ter revertido em proveito do incapaz. Se, por exemplo, o interdito por prodigalidade tomou empréstimo de dinheiro e com êsse dinheiro, ou parte dele, evitou que desmoronasse a ponte, ou que ficasse sem curativo urgente, o mutuante tem a ação para haver o que foi ütilmente invertido. O contrato de mútuo pode ser nulo, ou anulável, nos mesmos casos em que são nulos, ou anuláveis os outros contratos. 3 . PODÊRES PARA CONTRATAR M Ú T U O OU PARA PRÉ-CONTRATAR MÚ-

TUO. - Os podêres para dar ou tomar em mútuo dinheiro ou outro bem fungível hão de ser especiais. Na outorga de podêres gerais não se compreende o de se fazer mutuário, nem mutuante. Todavia, devemos entender que pode contrair mútuo o comandante, capitão ou mestre da embarcação, em falta de fundos, durante a viagem, se não está presente algum dos proprietários, seus mandatários ou consignatários, ou algum interessado na carga, ou, se presente qualquer deles, ou se presentes quaisquer dêles, não providenciarem (Código Comercial, art. 515). Outrossim, com os mesmos pressupostos, qualquer condutor de automóvel, ou outro veículo. A mudança na circulação por terra, com a sua intensidade crescente, impõe que se leia a regra jurídica do art. 515 do Código Comercial como abrangente de todos os casos que a providência imediata se imponha. 4. SANÇÃO. - Os titulares do pátrio poder somente podem contrair mútuo como representantes ou assistentes dos filhos se há necessidade e evidente utilidade do representado e assistentes, mediante prévia autorização judicial (Código Civil, art. 386). Não importa se o mútuo é oneroso ou gratuito. Os tutores e curadores (Código Civil, art. 453) também precisam da autorização do juiz, porque não se justificaria que tivessem mais podêres do que os titulares do pátrio poder. As pessoas jurídicas podem contrair mútuo, qualquer que seja a sua atividade, civil, industrial ou comercial. Todavia, os estatutos podem prever restrições aos poderes dos órgãos e dos representantes das pessoas

jurídicas. Por outro lado, as leis podem discriminar, conforme a atividade creditícia profissional, as espécies de operações de mútuo que as pessoas jurídicas, principalmente os bancos, podem fazer. Há pessoas jurídicas criadas, ex lege, para alguns negócios jurídicos de mútuo; ou que tiveram autorização para concluí-los, como atividade profissional única, ou como uma das suas atividades. A restrição por ato administrativo ou a limitação por lei pode ser relativa à natureza dos bens que servem de garantia às operações creditícias (e. g., bancos de crédito real, bancos de crédito imobiliário, crédito agrário, crédito pecuário, casas de penhores de jóias, casas de penhores de animais, crédito cinematográfico). Cumpre observar-se que há regras jurídicas que vedam aos diretores de sociedades por ações tomar empréstimos à sociedade sem prévia autorização da assembléia geral (Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 119, parágrafo único), inclusive em se tratando de bancos (Decreto n. 9.346, de 10 de junho de 1946, art. 12, d,'que cogita da própria suspensão das atividades do estabelecimento). Tais regras jurídicas não são modificáveis pelos estatutos. É de discutir-se se essas vedações importam a) nulidade, ou apenas b) punibilidade criminal e responsabilidade civil pelo ato ilícito. A favor de a), há o argumento de a regra jurídica do art. 120, parágrafo único, do Decreto-lei n. 2.627 não se haver referido ao art. 119, subordinando, ássim, a infração à sanção de nulidade. Ainda a favor de a), é de alegar-se que se fêz ilícito o objeto (Código Civil, art. 145,1, l. a parte). A favor de b), sustenta-se que apenas se impôs o não-praticar-se o ato jurídico, de modo que o contrato de mútuo vale e o que resulta é responsabilidade civil e penal ( M I C H E L E FRAGALI, Del Mutuo, Commentario de A. SCIALOJA e G . BRANCA, 278). No direito brasileiro, a solução a) é a consentânea com a letra da lei. (Os assuntos da subscrição de debêntures, notas promissórias, letras de câmbio e outros títulos de crédito são estranhas a este Título, por que não se trataria de contratos, mas sim negócios jurídicos unilaterais, razão por que dêles já cogitamos ou vamos cogitar nos lugares próprios.) Se a ilegitimação, ativa ou passiva, para o mútuo é absoluta, há a nulidade do contrato. Quando se trate de incapacidade relativa, há anulabilidade. Quanto às formalidades e "solenidades" exigidas, por lei, cumpre frisar-se que, no direito brasileiro, a falta produz nulidade (Código Civil, art. 145, m e IV), e não anulabilidade. A conclusão do contrato de mútuo para o qual seria de exigir-se autorização ou parecer de alguém, ou de

algum corpo, é atingida, se não foi satisfeito o pressuposto, com a sanção de nulidade, desde que a espécie seja regida pelo art. 145, III, ou pelo art. 145, IV, do Código Civil. O argumento de se estar diante, apenas, de pressuposto de exercício não tem acolhida no sistema jurídico brasileiro posto que a possa ter alhures (cp. PAOLO RAVÀ, La Convalida degli Atti amministrativi, 180 e 184). Se no mútuo tem interesse oposto ao da sociedade por ações o diretor, ou quem haja de tomar parte na deliberação (Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 120), não há invalidade. Há somente a responsabilidade civil e a eventual responsabilidade penal. Sempre que as leis ou os estatutos enumeram os casos de aplicação de dinheiros sem se referir ao mútuo, tem-se de entender que a exorbitância não implica nulidade, mas apenas a responsabilidade civil e a penal. Se a regra jurídica ou estatutária só se refere à boa ordem da administração, os negócios jurídicos não são atingidos, salvo se cabe a ação de anulabilidade por dolo. Ocorre o mesmo se a regra jurídica ou estatutária apenas restringe o importe das operações de mútuo, ou regula a correspondência entre o que se empresta e o valor da garantia, ou das garantias, ou exige que haja necessidade da operação. 5. M Ú T U O A PESSOA MENOR. - Diz o Código Civil, no art. 1.259: "O mútuo feito à pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores, ou abonadores". A regra jurídica veio-nos do D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6 (ULPIANO), senatusconsulto do império de Vespasiano. O pretor dera contra a ação do mutuante a exceptio senatus consulti Macedoniani, assim chamado por ser a propósito de certo menor Macedo. Não se trata de pré-exclusão completa do vínculo: a obligatio naturalis persistia e persiste. Ao tempo em que havia maiores incapazes, sem serem interditos, o senatusconsulto também a eles concernia. Só se referia ao mútuo de dinheiro. A sanção era a irrepetibilidade, se oposta a exceção, pelo mutuário, pelo titular do pátrio poder ou da tutela, ou pelo fiador. Ainda depois de cessar a menoridade (L. 1, pr., D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6) e ainda provado o enriquecimento (L. 9, § 2). A exceção perdia-se: pela renúncia do menor, depois de se tornar maior (não bastaria o reconhecimento da dívida, porque se entenderia reconhecimento da obligatio naturalis, certo, quase contra todos, H . J . H . DUECKERS, De Senatusconsulto Macedoniano, 122 s.; sem razão, G. DIETZEL, Das Senatus consultam Macedonianum, 132). A renúncia, durante a menoridade, não é vinculativa.

O art. 1.259 do Código Civil não é regra de nulidade, nem de anulabilidade. É regra jurídica no plano da eficácia. Refere-se a qualquer mútuo. Pode ter havido empréstimo nulo, ou empréstimo anulável, ou, até, empréstimo válido (espécie do art. 155), mas a regra jurídica do art. 1.259 pré-exclui a ação contra o mutuário, os íiadores e abonadores. É assaz importante saber-se que o art. 1.259 incide ainda que haja incidido o art. 155. A r e g r a jurídica do art. 155 é regra jurídica de validade. Aliás, o art. 1.502, a que o art. 1.259 remete, dá, de nôvo, ao fiador a exceptio, ainda que o incapaz não argua a nulidade ou anulabilidade. A exceptio do art. 1.259 acaba se o menor, tornado capaz, renuncia a ela; então, cessa, em conseqüência, a exceptio do fiador ou do abonador. Se o que tem o pátrio poder, tutela, ou curatela, posteriormente consente, ou assente (L. 7, § 15, e L 16, D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6), a exceptio desaparece. Se o que devia consentir ou assentir se locupletou com o mútuo ao menor (sôbre a in rem patris versio, L. 7, §§ 12-14, e L. 17), há a ação de enriquecimento injustificado contra o que não consentiu ou assentiu; se consente, ou assente depois, extinguindo-se a exceção do menor, a ação de enriquecimento injustificado nasce a êsse. Nas Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 50, § 2), recebeu-se a regra do senatusconsulto Macedoniano quanto ao mutuário, aos pais e aos íiadores. Negou-se a ação ao credor (ne... actiopetitioque daretur) e deu-se contra o que emprestou ao filho-família exceção ao pagamento. Fraudava-se, não raro, a regra jurídica com a venda a crédito, ou contrato semelhante, revendendo o filho-família, ou passando a outrem, as coisas adquiridas, ou alugadas, ou por outro modo havidas. U L P I A N O (L. 3, § 3, D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6) observou que a exceção só existia quanto ao mútuo, mas admitiu que, em caso de fraude à lei, coubesse a sanção, que é a da excepcionabilidade. Na L. 7, § 1, informa êle que CELSO já falava da exceção adversas fraudem se alguém tem como devedores ao filho-família e aTício, só êsse figurando como devedor. No art. 1.259 persiste a exceção por infração direta da lei, no caso de mútuo ao menor, e as exceções por infração indireta, fraus legis, segundo a L. 3, § 1, e a L. 7, § 1. Menor, diz a lei; não se distingue idade, nem sexo. Nas Ordenações Filipinas aludiu-se aos fundamentos da regra jurídica, tal como ao tempo de Vespasiano e segundo TÁCITO (Anais, 11, 3). Macedo fora um jovem, que estava prestes a matar o pai, acossado por dívidas (TEÓFILO, ao § 7, L, quod cum eo, 4,7). O intuito foi de política jurídica criminal e civil, e não só civil (ano 47 após Cristo).

A regra jurídica não incide se comerciante o menor (cf. Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 50, § 3). Não importa se o mútuo foi com juros, ou sem juros (L. 7, § 9). Mas, se o mútuo fôra para servir ao pai, cessaria a ratio legis, - o Código Civil, art. 1.259, não incidiria (L. 7, §§ 12-14, e L. 17); e. g., se foi para pagar dívida do pai (L. 7, § 14), ou operação cirúrgica a que teve de sujeitar-se o pai, ou a mãe. Não há margem no Código Civil, art. 1.260, para essa ilação. A ratificação pelo pai, ou pela mãe, que tem o pátrio poder, ou se o filho não tem pai, ou se somente ela pagaria a dívida, exclui a incidência (cp. L. 7, § 15). Se há o suporte fáctico do Código Civil, art. 155, pode replicar à exceção o credor (L. 3, pr., e §§ 1 e2, L. 19). Trata-se de direito desmunido de ação: negou-se a ação e deram-se exceção ao pagamento e a pretensão por enriquecimento injustificado, também oponível no processo executivo. Perdura ainda após a morte do genitor e da cessação da incapacidade. Não cabe invocar-se o art. 157 (L. 9, § 2). Se o negócio jurídico seria eficaz, se não se tratasse de incapaz, há direito desmunido de ação, de modo que o incapaz não pode repetir o que pagou (AGOSTINHO DE B E M FERREIRA, Suma da Instituía, III, 4 5 ) . Se o incapaz paga com dinheiro do que teria de o assistir, não há repetição, se bem que 0 direito romano admitisse que o pai exercesse a condictio. Cumpre, hoje, distinguir: a) se a transmissão da propriedade do bem dado in solutum não se operou (e. g., art. 622 e parágrafo único), há a reivindicabilidade; b) se foi com dinheiro que o incapaz pagou, ainda sem dele poder dispor, não há repetibilidade. Quanto ao direito romano, a contradição entre a L. 9, § 1 (ULPIANO), D . , de senatus consulto Macedoniano, 1 4 , 6 , e a L . 1 4 ( U L PIANO), D . , de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1, foi objeto de minudentes pesquisas: excluindo qualquer repetição de caráter pessoal, seguido por outros, H. A. SCHWANERT (Die Naturalobligationen, 192 s.); negando a condictio ex mutuo e a condictio indebiti, porém não a sine causa, G . M A N D R Y (Das gemeine Familiengüterrecht, I, 5 0 8 ) ; achando irredutível a contradição, G . D I E T Z E L (Das senatus consultem Macedonianum, 1 2 2 s.), M . VOIGT (Über die condictiones ob causam, 7 5 2 s.) e H. J . H. DUECKERS (De Senatus consulto Macedoniano, 8 9 s.); entendendo que se há de distinguir o credor em boa e em má fé, PH. E. HUSCHKE (Die Lehre des rõmischen Rechts vom Darlehn, 184 s.) e B. WINDSCHELD (Lehrbuch, n, 9. A ed., 5 8 8 s.). Mas a L . 9 , § 1, foi interpolada (H. H. PFLÜGER, Ciceros Rede pro Qu. Roscio comoedo, 62 s.). Assim, temos, para o direito romano: o pai tem a condictio, exceto se o credor consumiu o dinheiro (MARCELO), porque não teria o credor podido exercer ação pelo mútuo, ou se o pai pagou por êrro.

(Os romanistas vêem na regra jurídica do senatusconsulto Macedoniano apenas exceptio, encobrimento da eficácia da pretensão, e. g., G. D I E T Z E L , Das senatus consultem Macedonianum, 102 s., H . D E R N B U R G , System, II, 9.a ed., 735. Mas no texto da L. 1, pr., corta-se a própria ação: "ne.. actio petioque daretur". O direito é mutilado, porque nasceu sem pretensão.) A exceção perde-se pela renúncia, se o mutuário chegou a ser capaz, porém não é renúncia o reconhecimento ato jurídico stricto sensu que estudamos a propósito do art. 172, V (H. J . H. D U E C K E R S , De Senatusconsulto Macedoniano, 122 s.; sem razão: G. D I E T Z E L , Das senatus consultam Macedonianum, 132, que não distinguia; G. M A N D R Y , Das gemeine Familiengiiterrecht, I, 490, e P H . E . H U S C H K E , Die Lehre des rõmischen Rechts vom Darlehn, 192 s., que negam a eficácia extintiva dos reconhecimentos). Aliás, a renúncia é mais à tutela jurídica, pois nasce a ação ao credor. Os romanistas não prestaram suficiente atenção à L. 7, § 16, verbis "cessabit senatus consultam". Se o mutuante também fôr incapaz, nem por isso deixa de ser invocável o art. 1.259 (sem razão, C O R R E I A T E L E S , Doutrina das Ações, § 320, nota 1, 315). Estatui o art. 1.260 do Código Civil: "Cessa a disposição do artigo antecedente: I. Se ã pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente. II. Se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais. HL Se o menor tiver bens da classe indicada no art. 391, n. II. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças". 6. ESPÉCIES DE OBJETO DO MÚTUO. - O objeto mais freqüente do mútuo é o dinheiro. Em vez de dinheiro, podem-se dar em mútuo mercadorias ou objetos que tenham certo valor, como se dá com a entrega de título ao portador. Todavia, é de mister que se diga (ou seja de interpretar-se) que se considerou o valor como elemento suficiente, porque, de ordinário, se há de entender que se entregou o título para cobrança, de modo que só ao se receber se conclua o mútuo. Também pode acontecer que o mutuante entregue ao mutuário bem que esse tenha de vender, dependendo do êxito no exercício do poder de venda concluir-se o mútuo (contractus moliatrae); se bem que possa ser dito (ou ter de interpretar-se) que já se transferiu a propriedade do bem ao mutuário, fixado o valor como recebido.

Aqui não há outorga de poder de alienar. A primeira espécie é a mais encontrável. Porém em ambas há irrevogabilidade. Sempre que há juros corridos, desde já ou a dia fixo, há obrigação de receber, ou se considera concluído o mútuo com a entrega do objeto de preço mínimo debitável ao mutuário (um tanto diferente, sem razão, K I N N E , Der Contractus Mohatrae, Gruchots Beitrãge, 56, 482 s.). Nos casos em que o mútuo só se conclui com a venda, outro ato de disposição por parte do mutuário compõe o elemento fáctico que faltava. Na dúvida, entende-se que, não se tendo dito "pelo preço tal", ou "emprestando x, que é o valor mínimo do objeto entregue", ou "entregue o diamante tal que vale x", o mútuo se conclui ao vender-se o bem e receber-se o preço (P. OERTMANN, Das Recht der Schuldverhültnisse, 3. a -4. a ed., 655; L . E N N E C C E R U S - H . L E H a a MANN, Lehrbuch, I I , 31. -35. ed., 464 s.; H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, I I , 2, 3.a ed., 265; contra, G. P L A N C K , Kommentar, I I , 4.a ed., 544). Se ainda não houve a transferência de propriedade, não se concluiu o contrato real de mútuo, de modo que ainda não se podè pensar em invocação do art. 1.257 ("Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição"), salvo se houve cláusula em contrário (P. OERTMANN, Das Recht der Schuldverhültnisse, 655; G. P L A N C K Kommentar, I I , 4.a ed., 545; mas sem razão, B . M A T T H I A S S , Lehrbuch, 6.a-7.a ed., 328). É questão de interpretação a de se saber se ao que recebe o bem foi apenas outorgado poder de alienar, ou se tem o dever e a obrigação de alienar (G. a PLANCK, Kommentar, I I , 4. ed., 544 s.; com distinção incabível, K I N N E , Der Contractus Mohatrae, Gruchots Beitrãge, 56, 463). O objeto do mútuo somente pode ser bem fungível (art. 1.256, verbis "coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade"). (Bem fungível. Ou fungibilizado. Os bens infungíveis e inconsumíveis que se entregam para que se restituam os mesmos ou outros de igual qualidade e quantidades fungibilizaram-se, e há mútuo. Aliás, também se pode tratar como infungível o fungível, e concluir-se, a respeito, comodato, e não mútuo.) O contrato de mohatra é de origem medieval. Nele, o mutuário comprava ao mutuante algum bem, a preço alto, pagável a preço fixo, e revendia-o a preço mais baixo. Percebe-se a usura. Houve precisão do instituto. Não mais o bem era objeto do mútuo, mas o valor. Quanto ao papel do mutuário, ao vender, não se há de pensar em procuração em causa própria: já se fizera dono.

O que importa, se real o contrato de mútuo, é que se dê a transferência da propriedade. Se não se deu nem se pode dar, apenas dependendo de ato do outorgado, não há mútuo contrato real. Se ainda não se deu, mas só depende de ato do outorgado, o efeito do ato do outorgado conclui o contrato de mútuo, cujo suporte fáctico estava em formação. Se a propriedade não se transferiu, não há a responsabilidade do que acordou em que se transferisse e não há pretensão do outorgado a haver a coisa, salvo se consensual o contrato de mútuo; o contrato real não se concluiu; e não há contrato consensual de mútuo, se não ficou expresso no negócio jurídico, atenta a liberdade de contratar. Ou se configurou promessa de mútuo (pactum de mutuo dando) ou a responsabilidade é só por ato ilícito absoluto (Código Civil, art. 1 5 9 ; O T T O VON G I E R K E , Deutsches Privatrecht, I I I , 5 7 9 , nota 5 7 ; O. WARNEYER, Kommentar, I, 9 9 5 ; sem razão, H . N E U MANN, Handausgabe, I, 6. A ed., 4 8 5 ) . Se a propriedade não se transferiu, - ou não se concluiu contrato real, ou ainda não se ultimou, ou o contrato foi concluído como consensual, ou houve apenas pré-contrato de mútuo.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.591.

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A-

Legislação

A regra sobre mútuo celebrado por pessoa menor, disciplinado pelo art. 1.259 do CC/1916, ora o é pelo art. 588 do CC/2002. Este refere que ausente a autorização prévia daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido do mutuário e de seus fiadores. Não refere, contudo, aos "abonadores" constante da regra revogada. A ausência de autorização faz com que o negócio não gere efeitos, anulabilidade ou nulidade, conforme se trate de relativamente incapaz (art. 171,1, do CC/2002), ou absolutamente incapaz (art. 166,1, do CC/2002). A incapacidade, no Código Civil de 2002, cessa aos 18 anos (art. 5.° do CC/2002). As situações de incapacidade absoluta e incapacidade relativa são previstas, respectivamente, nos arts. 3.° e 4.°, do CC/2002. A regra do art. 155 do CC/1916, que veda a invocação da incapacidade relativa de uma parte pela outra, em beneficio próprio, consta do art. 105 do CC/2002. A regra do art. 1.260 do CC/1916, quanto às exceções à regra da ineficácia do mútuo feito a menor é reproduzida pelo art. 589 do CC/2002. Quanto à discriminação em relação às operações de mútuos que podem ser realizadas por pessoas jurídicas, tem-se tanto a possibilidade, em se tratando de bancos públicos, de que a lei autorizativa indique as operações admitidas, assim como, também em relação às demais instituições financeiras, a autorização do Banco Central do Brasil (art. 10, X, da Lei 4.595/1964).

Os deveres e responsabilidades de tutores e curadores são disciplinados, no direito vigente, pelos arts. 1.740 e ss. e 1.767 e ss., respectivamente. No que se refere às disposições da sociedade por ações, o Dec.-lei 2.627/1940, mencionado por Pontes de Miranda, que dispunha sobre as sociedades por ações, foi revogado quase integralmente pela Lei 6.404/1976, que o substituiu. Esta dispõe em seu art. 154, § 2°, b, vedação aos administradores tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia sem a autorização prévia da Assembleia Geral ou do Conselho de Administração. No caso de liquidação da companhia, o liquidante necessita, como regra, de autorização assemblear para contrair empréstimos, ressalvados (art. 211, parágrafo único, da Lei 6.404/1976). Pontes de Miranda discute, sob a égide da lei anterior, se o caso de infração a tais comandos seria caso de nulidade ou anulabilidade, convencendo-se da ilicitude do objeto (ora, art. 166, I, do CC/2002). Não se trata este caso de incidência da regra do art. 156, § 2.°, da Lei 6.404/1976, que ao disciplinar conflito de interesses, estabelece como anulável o contrato entre o administrador e a companhia.

§ 4.591.

B-

Doutrina

Há divergência doutrinária em relação ao mútuo prestado a menor, se ineficaz apenas em relação ao incapaz por idade, ou aos demais. Jsso porque embora os arts. 824 e 837 do CC/2002 tenham aberto exceção à invalidade derivada da incapacidade pessoal do devedor, a regra do art. 588 do CC/2002, aplica-se aos menores, não aos demais incapazes. Parte majoritária da doutrina sustenta, na linha do entendimento de Pontes de" Miranda, que a ineficácia do mútuo beneficia penas os incapazes por idade (cf. SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Contratos nominados II. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 332). Contudo, parte da doutrina, sob o argumento dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, assim como dos fins sociais da norma, a extensão da ineficácia aos demais incapazes (cf. ANDRIGHI, Vera; BENETTI, Sidnei e ANDRIGHI, Nancy Andrighi. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. 9. p. 143). No tocante à ausência de poderes para contratar mútuo pelo administrador das sociedades ou por outra pessoa em seu nome, a doutrina tempera reconhecimento da invalidade mediante aplicação da teoria da aparência, fundada na boa-fé. Contudo, sua aplicação será limitada, no direito empresarial, pela teoria do ultra vires societatis, que sustenta a invalidade dos atos praticados por quem não tem poder, que sejam estranhos ao objeto da sociedade. No direito do consumidor, a teoria da aparência imputa solidariedade do fornecedor por obrigações decorrentes de atos praticados por seus prepostos ou representantes autônomos (nos termos do art. 34 do CDC).

§ 4.591.

C-

Jurisprudência

A jurisprudência aplica a teoria da aparência para legitimar ação do mutuário interposta contra pessoa pertencente ao. mesmo grupo econômico do mu-

iuário (STJ, REsp 879.113/DF, 3.aT.', j. 01.09.2009, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 11 09 2009) porém não a reconhece para a prestação de garantia em contrato de mútuo, por quem não tinha poderes (STJ, REsp 278.650/PR, 4. a T„ j. 08.05.2001, rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 15.10.2001).

§ 4.592. O B J E T O D O M Ú T U O

- Dá-se em mútuo o que pode ser restituído com o mesmo bem ou com outro do mesmo gênero qualidade e quantidade. No art. 50 do Código Civil está a definição, que corresponde ao têrmo criado depois do direito romano, que desconheceu a expressão "res fungibiles". Diz o art. 50: "São fungíveis os móveis que podem, e não fungíveis os que não podem substituir-se por outros da mesma espécie qualidade e quantidade". "Espécie" está, aí, por "gênero". Certo, o art."1.256, onde se emprega a palavra "gênero". O Código Civil, no art. 1.256, alude à "quantidade", não se exige, com isso, que haja pluralidade. O bem fungível, que se dá em mútuo, pode ser um só. O que não se pode mutuar é o individuum. O bem fungível, que se entrega sozinho, também é quantidade. (Grave êrro foi dizer-se que o objeto do mútuo é ó crédito que nasce ao mutuário à entrega do bem mutuado, como fêz FRANCO CARREST, II Commodato, II Mutuo, Trattato de F. VASSALLI, V I I I , II, 97. Primeiramente, falou-se de suporte fáctico, de pressuposto, no plano, portanto, da existência do negócio jurídico; pula-se, sem razão, para o plano da eficácia. O crédito, como a dívida, é efeito. Segundo, o objeto é o bem, e não se poderia deixar sem classificação o papel do bem prestado). O dinheiro é objeto, quer se preste como gênero, quer como subgênero. Donde o mútuo pecuniário e o mútuo monetário. Se mutuei mil libras-ouro não mutuei pecúnia, mas moeda; mesmo se permiti prestar-se o valor da moeda ao custo do ouro, na data do vencimento, ou da conclusão do contrato, ou da entrega. 1. FUNGIBILIDADE.

O que se restitui é o tantundem. Bens inconsumíveis podem ser dados em mútuo, pois há interêsse em que se adquira a propriedade do bem, a despeito da sua inconsumibilidade. Há mutuabilidade dos bens inconsumíveis, posto que só se possa dar em mútuo o que é fungível. Se os figurantes consideraram fungível bem que naturalmente não o é, nem por isso

o contrato deixa de ser contrato de mútuo: fungibilizou-se o infungível, e satisfeito foi o pressuposto objetivo. Se, em vez disso, os figurantes tiveram por infungível o que é fungível, o contrato não é de mútuo: ou há comodato, ou há locação de coisa. Desde que se pode restituir outro bem, é de mútuo o contrato. Quem empresta o livro ao amigo, ou ao colega, dá em comodato, ou em locação. Quem empresta o livro ao livreiro que dêle precisa para atender a freguês, dá em mútuo. Se alguma lei impõe a infungibilidade, não se pode dar em mútuo o bem; e. g., não se pode dar em mútuo a arma de que o Estado só a seus militares permite o uso, nem o produto industrial que só para o Estado se pode produzir. Os bens infungíveis, mesmo se consumíveis, não podem, em princípio, ser objeto de contrato de mútuo; mas é preciso atender-se a que a fungibilidade pode ser estabelecida se se abstrai de qualidade, ou de qualidades que infungibilizavam o bem. Daí poder haver mútuo de vinho Chateauneuf du Pape, podendo o mutuário restituir êsse ou outro vinho francês. Mas o contrato de dar vinho Tocai para restituir vinho Málaga, que FRANCESCO M E S S I N E O (Operazioni di borsa e di banca, 1 0 0 ) considerou de mútuo, de mútuo não é: aí, há troca, com a só particularidade de não serem simultâneas as duas entregas. No Código Civil francês, art. 1 . 8 9 4 , estatui-se: "On ne peut pas donner à titre de prêt de consommation des choses qui, quoique de même espèce, diffèrent dans l'individu, comme les animaux: alors c'est un prêt à usage". Não há tal regra jurídica no sistema jurídico brasile iro, nem conviria que houvesse. Podem ser emprestados cavalos, bois, carneiros, porcos, cabras, galinhas, pelo gênero, pelo peso e pela qualidade. Quanto às universitates, a individualidade delas ressalta, de modo que, mesmo se compostas de bens fungíveis, não são mutuáveis. A mutuabilidade dos seus elementos não se impõe a elas. Quanto aos títulos ao portador, são fungíveis, e nada impede que sejam dados em mútuo. Os títulos endossáveis também o são. Nenhum obstáculo há quanto a transferir-se a alguém a propriedade, por exemplo, de ações ao portador e exigir-se que se prestem, em retribuição, outras tantas ou as mesmas. Os próprios títulos nominativos são fungíveis: as ações nominativas ou outros títulos nominativos que dou a B, para que me restitua outros tantos, são objeto de mútuo. A diferença de vencimento não traz

dificuldades. Se o que se entregou em mútuo se vencia no ano de 1962 e a restituição é quando não há mais tais títulos, o que se há de entender é que se restituem títulos de subscrição da mesma pessoa jurídica ou física a que correspondam os mesmos direitos. Os títulos tanto podem ser tratados como bens fungíveis como podem ser infungibilizados. 2. TRADIÇÃO DE TODO O OBJETO, OU DE PARTE. - No contrato de mútuo em que a entrega é por partes, dita restituição rateai, quer isso resulte do contrato quer de lei, como se atende a necessidades sucessivas para construção, ou aquisições, ou obras, há u m só contrato de mútuo, e não tantos contratos quantas as entregas parciais (sem razão, F. MESSINEO, Operazioni di borsa e di banca, 173). As garantias, salvo cláusula expressa em contrário, são para todo o contrato, e não para as prestações parciais correspondentes às entregas, nem para as entregas rateais. (Não se há de cogitar, aqui, das subscrições de ações e de debêntures, ou outras semelhantes, porque, ali, não há mútuo, e aqui o negócio jurídico de mútuo é subjacente ao negócio jurídico unilateral.)

Panorama atual pelo Atualizador i

§ 4.592.

A-

Legislação

A definição de bens fungíveis consta no art. 85 do CC/2002, com redação semelhante a do art. 50 do CC/1916. A referência ao art. 1.256 do CC/1916, ora se deve tomar pelo art. 586 do CC/2002.

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§ 4.592.

j | |

Acentua a doutrina, na linha do entendimento de Pontes de Miranda, que a fungibilidade ou não do objeto se dá em concreto, segundo a relação e o interesse das partes. Coisa que se consideram por seu gênero, não por sua individualidade (LOPEZ, Teresa Ancona. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 7. p. 143).

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B-

Doutrina

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§ 4.592.

C

-Jurisprudência

Reforça a jurisprudência o entendimento de que a fungibilidade pode ser con| j

vencional (STJ, REsp 551.956, 4.aT., j. 24.08.2010, rei. Aldir Passarinho Júnior, DJe 14.09.2010).

§ 4.593. FORMA DO CONTRATO DE MÚTUO 1. REGRAS JURÍDICAS GERAIS. - A lei civil e a lei comercial não contêm regra jurídica especial sôbre a forma do contrato de mútuo, nem sôbre a forma do pré-contrato de mútuo. Se há garantia hipotecária, ou anticrética, a exigência da escritura pública concerne ao direito real de garantia, e não ao contrato de mútuo.

É preciso que se não confunda o mútuo, negócio jurídico bilateral, com os negócios jurídicos unilaterais dos títulos abstratos (e. g., títulos cambiários, títulos ao portador). As apólices das dívidas públicas e as debêntures não contêm contrato de mútuo. O mútuo seria, aí, negócio jurídico bilateral subjacente. 2. CÓDIGO CIVIL, ART. 133. - A despeito da regra jurídica geral do art. 129 do Código Civil, o art. 133 estabelece: "No contrato celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, êsse é da substância do ato".

Panorama atual pelo Atualizador § 4.593.

A -

Legislação

O art. 133 do CC/1916 tem seu teor reproduzido no art. 109 do CC/2002. A MedProv 2.172-32/2001 confere o ônus da prova ao credor ou beneficiário do contrato de mútuo acerca da regularidade das obrigações contratadas, sempre que demonstrada pelo autor a verossimilhança de suas alegações. Exclui da sua aplicação, contudo os mútuos em que é mutuante instituição financeira. Por força do art. 585, II, do CPC, o instrumento particular assinado por duas testemunhas caracteriza-se como título executivo extrajudicial.

§ 4.593.

B-

Doutrina

A regra no direito brasileiro é da liberdade da forma de celebração do negócio jurídico, o que vaie igualmente para o contrato de mútuo. Não exige, pois, forma especial, sendo a forma escrita forma de prova (art. 221 do CC/2002). Sustenta-se a aplicação do art. 401 do CPC, de modo admitir prova testemunhai quando o objeto não exceda a dez salários mínimos (c/c art. 227 do CC/2002).

j I I

§ 4.593. C - Jurisprudência A jurisprudência reconhece a expedição de cédula de crédito como forma de prova do contrato de mútuo (STJ, AgRg no AgRg no Ag 1094203/SP, 4.a T„ j. 26.04.2011, rei. Min. Raul Araújo, DJe 10.05.2011). Da mesma forma reconhece o instrumento escrito e firmado por duas testemunhas como prova do contrato de mútuo (TRF-1.3 Reg, Ap 2000.01.00.135704-5, rei. Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, DJU 02.05.2006, RT851/366).

§ 4.594. TRADIÇÃO DO BEM MUTUADO 1. CONTRATO REAL DE MÚTUO. - No contrato real de mútuo, a tradição do bem mutuado, ou dos bens mutuados, integra o contrato, se os outros pressupostos estão satisfeitos, ou se junta aos pressupostos já satisfeitos, para que a integração se dê após, concluindo-se o contrato. Se o contrato de mútuo é, excepcionalmente, consensual, a tradição é adimplemento pelo mutuante. No pré-contrato de mútuo, há, ainda, entre o pré-contrato e a tradição o intervalo em que se tem de exercer a pretensão ao contrato e se adimplir a promessa" de contratar. Se o contrato, que se prometeu e se conclui, é real, a tradição integra o contrato prometido; se consensual, ainda há o contrato e o adimplemento da dívida que dele se irradie. A função da tradição, aí, é apenas a de dar ao mutuário direito de propriedade sôbre o bem mutuado, criando-se-lhe o dever de restituição. Não há plus de entrega para obra, como na locação de obra ou na empreitada. O mútuo pode ser feito mediante a extinção de dívida do mutuário, que figura, então, como se houvesse solvido o crédito de alguém, mutuante no contrato em que o objeto da dívida extinta passa a ser o bem mutuado. Nem sempre há novação. Também o mútuo se pode concluir com a assunção, pelo outorgante, de dívida do outorgado, ou pelo pagamento de dívida dêsse, devendo-se entender que, ao pagar, o mutuante entregou o dinheiro ou outra prestação ao outorgado que por sua vez, através do outorgante, solveu a dívida. Qual o papel do outorgante, diante do credor, não se pode determinar a priori. Tanto pode ser representante do mutuário, ou interessado, como simples núncio, ou terceiro não interessado. O que importa é que, no contrato de mútuo, a entrega ocorreu conforme o reconhecimento do mutuário.

Sempre que o mútuo se conclui com a sucessão do mutuante em relação jurídica de crédito contra o mutuário, muda-se a causa; portanto, há outro negócio jurídico, ou negócio jurídico que vem após a dívida oriunda de fonte não-negocial de obrigações. 2. CASOS ESPECIAIS DE TRADIÇÃO. - O m u t u á r i o , q u e a s s u m e a sua po-

sição porque devia ao mutuante, por outra causa, e passa a responder como devedor de restituição do bem fungível, põe-se na posição de quem pagou e recebeu, em mútuo, o que havia pago. Se A empresta a B, entregando a C, ou, por ordem de B, dando quitação a C, a tradição ocorreu, tanto mais perfeitamente quanto, no sistema jurídico brasileiro, se abstrai, na posse, do animus e do corpus. Pode bastar à tradição o simples pôr à disposição, e é o que acontece, por exemplo, sempre que o mutuante credita na conta do mutuário o que emprestou a esse, ou se o mutuante, por ordem do mutuário, credita a quantia na conta de outrem, ou paga a outro. Se o mutuante entrega, em vez de dinheiro, nota promissória vencida ou a vencer-se, ou outro título cambiário ou cambiariforme, o contrato real de mútuo só se integra com o recebimento da quantia, ou outro modo de extinção em que o mutuário concordou. Ou as circunstâncias permitem que se pense em contrato consensual de mútuo, no qual, se o título cambiário ou cambiariforme não é pago, o mutuante deve a quantia. Dificilmente se estaria diante de pacto de mutuo dando. São freqüentes os mútuos reais em que o mutuante empresta o que o mutuário vai receber ao descontar o título cambiário ou cambiariforme. 3. LUGAR DA ENTREGA. - O lugar da entrega é, de ordinário, o lugar em que se conclui o "contrato de mútuo. Pode dar-se que se faça alhures; e. g., no domicílio do mutuário, ou de alguém a quem o mutuário quer que se entregue o bem mutuado (como se o mútuo é para se pagar dívida do mutuário). Nada obsta a que acordem em que o mutuante faça a expedição do bem mutuado, ou dos bens mutuados, tendo-se como feita a entrega no momento em que o mutuante transfere a posse ao transportador, ou ao correio, ou ao banco.

Panorama atual pelo Atualizador

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§ 4.594.

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A - Legislação

As regras sobre pagamento por terceiro interessado ou não interessado são as dos arts. 304 a 307 do CC/2002. Nesse sentido, refira-se que o art. 307 dispõe sobre a eficácia do pagamento que importe na transmissão da propriedade apenas quando realizado por quem tenha poder de alienar o objeto que nele consiste. Podem as partes convencionar o lugar do pagamento, nos termos do art. 327 do CC/2002. . Nos contratos de consumo, pode se dar a situação em que quem financia o bem por intermédio de contrato de mútuo com o adquirente, entrega o valor correspondente a seu preço ao vendedor (fornecedor), devendo observar, dentre outras disposições, o que estabelece o art. 52 do CDC.

§ 4.594.

B-

C-

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Doutrina

Quanto ao mútuo que se faz no qual o mutuante entrega o dinheiro a terceira pessoa credora do mutuário que passa a se obrigar, tem-se situação que a doutrina contemporaneamente vem denominando de contratos conexos, celebrados entre diferentes partes, mas vinculados a uma finalidade supracontratual comum (cf. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 110). Seu efeito é identificado tanto na imposição de deveres de informar, com fundamento na boa-fé, quanto na extensão de responsabilidade aos partícipes, especialmente sob o regime do Código de Defesa do Consumidor.

§ 4.594.

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Jurisprudência

A jurisprudência reconhece a conexidade contratual no contrato de mútuo para financiamento (e.g.STJ, REsp 331340/DF, 4. a T„ j. 02.12.2004, rei. Min. Barras Monteiro, DJ 14.03.2005, p. 340; também: TJSP, ApCiv 205.137.4/4-00, 6.a Câm. Civ., j. 20.06.2005, rei. Des. Marcelo Bennachio).

í

§ 4.595. TEMPO E LUGAR PARA A RESTITUIÇÃO PELO MUTUÁRIO 1. RESTITUIÇÃO E TEMPO. - Se houve prazo determinado, ou determinavel, sabe o mutuário quando tem de restituir e o mutuante quando pode

exigir. Havia o crédito do mutuante e a dívida do mutuário. À data do vencimento, nascem a pretensão de um e a obrigação do outro. Lê-se no art. 1.264 do Código Civil: "Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será: I. Até à próxima colheita, se o mútuo fôr de produtos agrícolas, assim, para o consumo, como para a semeadura. II. De trinta dias, pelo menos, até prova em contrário, se fôr de dinheiro. 331. Do espaço de tempo que declarar o mutuante, se fôr de qualquer outra coisa fungível". O mútuo pode ter termo inicial, como pode ter termo final. Se o têrmo é inicial, necessariamente se consensualizou o contrato de mútuo. Conceber-se, aí, o contrato de mútuo como contrato real com inserção de condição suspensiva é contraditório: no momento da conclusão do contrato faltaria elemento contenutístico do contrato de mútuo real (sem razão, MiCHELI FRAGALI, Del Mutuo, Comméntario dei Códice Civile de ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 3 5 3 ) .

O têrmo final não é cláusula necessária. Apenas se tem de atender às regras jurídicas do Código Civil, art. 1 . 2 6 4 , que são ius dispositivum. Não podia ser acolhida a opinião dos que consideravam elemento essencial do mútuo o têrmo final, para que se pudesse distinguir do depósito irregular (ISIDORO L A L U M I A , Depositi bancari, 9 4 ; PAOLO GRECO, Le Operazioni di banca, 1 3 4 s.; contra, L I O N E BOLAFFIO, II Diritto commerciale, 2. A ed., 425). Certamente, o mutuário precisa de tempo para, tendo disposto do que recebeu, procurar os meios a fim de solver a dívida, mas isso não faz pressuposto essencial o têrmo final, nem, fora dos casos previstos em lei, se há de impor ao mutuante que não exija a restituição. Nada obsta, sequer, que se haja concebido a exigibilidade à vista, ou a nuto do mutuante (cf. Código Civil suíço, art. 318), posto que as circunstâncias possam fazer pensar-se, em tal espécie, que se concluiu depósito irregular, e não mútuo (BERTO BRACCO, IDepositi a risparmio, 1 2 4 s.). Em todo o caso, o mútuo à vista não pode ser, sempre, mútuo cuja restituição é exigível imediatamente. Por exemplo: B está, em companhia de A, diante do guichê do banco, onde resolveu comprar moeda estrangeira imediatamente, por estar a fechar-se o serviço, e o dinheiro, que tem, ficou no cofre do hotel, ou está na maleta que não lhe convém abrir por estar com objetos preciosos ou ser perigoso saber-se que está cheia de cédulas, e A lhe empresta à vista o dinheiro suficiente. Não pode A exigir-lhe que abra a maleta, ou vá ao hotel no mesmo momento, se os dois tinham de ir almoçar em algum lugar distante do hotel, ou se A sabia que B só voltaria ao hotel mais tarde. O

art 952 do Código Civil não pode, aí, ser invocado sem atendimento das circunstâncias. (De passagem observemos que era absurda a opinião que tinha a exigência imediata como revogação. Cf. GIORGIO OPPO, I Contratti di durata, Ri vista dei Diritto commerciale, 1943,1, 160 s.) O art. 1.264 do Código Civil é invocável a respeito dos mútuos mercantis. O art. 137 do Código Comercial não incide quanto ao mútuo, pois ali só se cogita da exigibilidade da dívida, e não da denúncia do contrato; mas a denúncia não pode dar prazo menor de dez dias (art. 1.264, III), porque essa é a concepção do direito comercial, quanto a prazo de eficácia. Se o mútuo não tem termo final, ou explicitamente é à vista, há: de entender-se que o credor pode demorar em exigi-lo. Se o mutuário quer liberar-se e o mutuante não quer receber, a solução - no direito brasileiro é a do depósito em consignação. Se militam circunstâncias, que, a despeito da falta de têrmo final, devem ser atendidas, tem o mutuário de expor ao juiz a situação e declarar qual o tempo em que pode.pagar. Se no contrato de mútuo se inseriu a cláusula de pagar quando possa, sem haver qualquer têrmo final, à interpretação cabe evitar a invocação do art. 115, 2.a parte, infine, do Código Civil, sôbre condição potestativa, e permitir que o credor peça ao juiz que, examinando os fatos concernentes à aptidão econômica do mutuário, fixe o prazo para o pagamento. Se assim não se entendesse, transformar-se-ia em doação o mútuo, ao que o contrato, por seus elementos contenutísticos, não dá ensejo. Tem-se de repelir que o exame da situação econômica do mutuário implique considerar-se de condição, e não de têrmo, a cláusula de pagar quando possa. É de discutir-se se a sentença favorável, que então se profira, é constitutiva (FRANCO CARRESI, II Comodato, II Mutuo, Trattato di Diritto Civile de F. VASSALLI, VIII, II, 129), ou declarativa. O juiz interpreta o que foi posto em cláusula e procede à indagação do que se passa com o devedor, para declarar que o devedor já pode pagar. O elemento constitutivo é eficácia mediata (declaratividade, *****; constitutividade, ****). São cláusulas da mesma especie: a cláusula quando tiver meios, a cláusula o mais breve possível e a cláusula quando o mercado bancário lho permita. A cláusula quando tenninar o edifício e a cláusula quando mudar para outro Estado-membro são tôdas cláusulas de condição. Por vezes, o têrmo final está implícito ou é tácito; e. g„ foram prestados interesses adiantados por três meses, ou um ano, ou outro tempo (L. 57, pr., D., de pactis, 2, 14: "Qui in futurum usuras a debitore acceperat, tacite pactus videtur, ne intra id tempus sortem petat").

Implícito é o têrmo final quando se alude a mútuo para instalação de estabelecimento comercial, ou industrial, ou profissional, ou para a construção do edifício de apartamentos, tendo-se omitido a explicitude. Se o mutuante deixa, após o vencimento, de exigir a restituição, há mora (se mercantil o mútuo, de eficácia com a interpelação judicial), e não prorrogação, nem renovação. O têrmo final é de considerar-se, salvo cláusula contrária, como a benefício do mutuário e do mutuante, se há onerosidade. Se gratuito o mútuo, também, porque pode dar-se o caso de ter o mutuante, que, por exemplo, está fora, interêsse em só receber ao têrmo convencionado. Quando a restituição há de ser de bem do gênero, que se entregou, sem ser, portanto, como meio para aquisição do dinheiro, não há cogitar-se de preço corrente, nem de qualquer outro critério para se saber qual o valor. Se o objeto do mútuo foram moedas de ouro, ou prata, também não se há de procurar qual o valor no momento de se adimplir a obrigação de restituição. Mas cláusula contratual pode estabelecer que se preste a quantidade correspondente ao valor ao tempo do mútuo, caso em que o mútuo foi de dinheiro, e não de moedas. Também é possível o inverso: emprestar-se dinheiro, como moeda, isto é, dar-se em mútuo o valor aquisitivo. Ou ocorre que o mutuário tenha de restituir mais, ou de restituir menos; ou o que recebeu, se o câmbio é o mesmo. Se há cláusula de restituir, se quiser, há contrato de doação, e não contrato de mútuo. 2. VENCIMENTO ANTECIPADO. - C o m a d e c r e t a ç ã o d e abertura da fa-

lência do mutuário,- ou da decretação de abertura da liquidação coativa, ou do concurso civil de credores (Código Civil, art. 954,1; Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 25; Código Comercial, art. 136), há vencimento antecipado da dívida de mútuo. Se o pagamento em virtude do mútuo foi garantido por hipoteca, penhor, ou anticrese, e recai nos bens gravados penhora pedida por outro credor, há o vencimento antecipado (Código Civil, art. 954, II). Outrossim, se a fiança ou os bens, com que se garantiu o adimplemento da dívida do mutuário, se tornaram insuficientes e o mutuário, intimado a reforçar a garantia, não o fêz (Código Civil, art. 954, III). Se o bem dado em garantia se deteriora ou deprecia, desfalcando-a, e o mutuário não a reforça, vence-se a dívida irradiada do contrato de mútuo (Código Civil, art. 762,1). Se no mútuo

se estabeleceu restituição por prestações e uma delas não é feita pontualmente, também se vence a dívida (Código Civil, art. 762, III). Idem, se perece o bem dado em garantia (Código Civil, art. 762, IV), ou se se desapropria o bem dado em garantia, caso em que há de ser depositada a parte do preço que fôr necessária ao pagamento integral do mutuante (Código Civil, art. 762, V). (O Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de dezembro d e l 9 1 5 e a l 3 de outubro de 1916, Revista dos Tribunais, 17, 39, e 19, 306, julgou que, entregues títulos cambiários como prestações de hipoteca, o vencimento de um importa o de tôdas as outras. Entendeu J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VI, Parte l. a , 166, que foi boa decisão. De modo nenhum. Os títulos cambiários são abstratos e autônomos. O vencimento de um não se estende-aos outros. Na espécie, ou havia mútuo, com a garantia hipotecária, e os títulos cambiários foram entregues para que significassem adiantamento em título de valor para negociação, ou a garantia foi aos títulos mesmos. No primeiro caso," o mutuante tinha de executar a hipoteca para que se garantissem os pagamentos do título vencido e dos outros, oportunamente; no segundo caso, dá-se o mesmo, porque cada título tem a sua-sorte.) Se acaba a garantia fidejussória e o mutuante não dá outra fiança, vence-se o mútuo (Código Civil, art. 954, m ; Código Comercial, art. 263: "Desonerando-se, morrendo ou falindo o fiador, o devedor originário é obrigado a dar nova fiança, ou a pagar imediatamente a dívida"),Também se vence a dívida do mutuário se foi concedida alguma medida preventiva ou cautelar, conforme o art. 136 do Código Comercial e o art. 321 do Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1950, hoje revogado pelo Código de Processo Civil, art. 675, que disciplinou a matéria? A medida preventiva ou cautelar, no caso, principalmente, o arresto, de modo nenhum determina vencimento da dívida. O art. 136 do Código Comercial está, nesse ponto, obsoleto (verbis "ou permite ação de remédios preventivos"). Certa, já a Relação do Rio de Janeiro, a 02 de julho de 1878 (O D., 17, 332), que viu o êrro de técnica legislativa; sem razão, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de setembro de 1899 (R. de J., VIII, 273 s.). Os figurantes podem estabelecer em cláusula do contrato de mútuo, ou em pacto, casos em que se dá antecipação do vencimento. 3. LUGAR DA RESTITUIÇÃO. - No art. 950 do Código Civil põe-se a regra jurídica de que, salvo disposição em contrário, o lugar do pagamento

é o do domicílio do devedor; porém as circunstâncias, a natureza da obrigação e a lei podem estabelecer diferentemente (art. 950, infine). O mútuo de dinheiro, em princípio, é de restituição no lugar do domicílio do devedor, mas isso não se justificaria se se trata de mútuo feito por banqueiro, ou outro comerciante, que o fêz em seu estabelecimento. Em geral, se o mútuo não é de dinheiro, ou se é gratuito.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.595.

A-

Legislação

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O mencionado art. 1.264 do CC/1916 é reproduzido no direito vigente, pelo art. 592 do CC/2002. Em relação ao mútuo de dinheiro, o inc. II, do artigo revogado admitia prova em contrário, constituindo o prazo mínimo de trinta dias em presunção júris tantum. O Código atual não menciona expressamente a natureza de presunção da norma em destaque. A regra do art. 952 do CC/1916, atualmente consiste no art. 331 do CC/2002. A disciplina do mútuo mercantil constante do Código Comercial de 1850, foi revogada pelo Código Civil de 2002, que unifica a disciplina legislativa do contrato de mútuo.

i j | | j !

A "cláusula de pagar quando possa" mencionada por Pontes de Miranda, o é em referência ao art. 115 do CC/1916, ora reproduzido no art. 122, que todavia incluiu expressamente entre os limites da disposição de condições no conteúdo do negócio jurídico a ordem pública e os bons costumes. A cláusula potestativa, nesse caso, observa igualmente o disposto no art. 51, IX e XI, do CDC, quando se trate de relações de consumo.

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As hipóteses de vencimento antecipado da dívida, no Código Civil de 2002, são disciplinadas pelo disposto no art. 333, que reproduz parcialmente a legislação anterior. Na legislação falimentar vigente, a eficácia do vencimento antecipado das dívidas em decorrência da decretação de falência decorre do disposto no art. 77 da Lei 11.101/2005.

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No tocante ao vencimento antecipado de dívidas garantidas por direito real, a regra no Código Civil em vigor é do art 333, III, quando as garantias cessarem ou se tornarem insuficientes. No caso da garantia fidejussória, quando cessa ou se torna insuficiente, considera-se igualmente vencido o mútuo, conforme art. 333, II, do CC/2002. No tocante ao lugar do pagamento a regra do Código Civil vigente, art. 327, mantém-se no mesmo sentido do art. 950 do CC/1916, indicando o lugar de domicílio do devedor, salvo se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

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§ 4 . 5 9 5 .

B -

D o u t r i n a

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Observa a doutrina contemporânea o disposto no art. 592 do CC/2002 como atenuação à regra de exigibilidade imediata da prestação (LOPEZ, Teresa Ancona.

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Op. cit., p. 187; ANDRIGHI, BENETI, ANDRIQHI. Op. cit., p. 193;TEPEDINO, BARBOZA, MORA-

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ES, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II. p. 319), tratando-se de regra supletiva no caso da ausência I determinação expressa do prazo do mútuo pelos contratantes. No caso da antecipação do pagamento e extinção do mútuo, parte da doutri• na assinala que o prazo do mútuo, quando exista, vigora em favor de ambos os contratantes. Todavia, assinala-se que no caso do mútuo regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, consta regra expressa assegurando ao mutuário sua liquidação antecipada, com redução proporcional de juros, assim como nos finan! ciamentos do Sistema Financeiro da Habitação (No caso do mútuo sob a égide do Código de Defesa do Consumidor). No tocante ao vencimento antecipado, em se tratando da hipótese de falência do devedor, considera-se parte do efeito da sentença (PACHECO, José da Silva. Processo de falência e concordata. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 278). No caso de cessão ou insuficiência de garantias, é uníssona a doutrina na interpretação da hipótese legal, ressalvando-se as situações em que a ausência de garantia deriva de conduta imputável ao credor. Admite da mesma forma, a doutrina, em uníssono, a revisão do mútuo, na hipótese de onerosidade excessiva, com fundamento nos arts. 478 a 480 do CC/2002, exigindo-se a presença j do caráter extraordinário e imprevisível que lhe deu causa. E em se tratando | de relação de consumo, de acordo com o art. 6.°, V, do CDC, que não exige a imprevisibilidade com pressuposto da pretensão revisional. Da mesma forma, com base no art. 51 do CDC, a outorga de poder para, quando do vencimento antecipado da dívida seja autorizado o mutuante a emitir em seu favor, título de crédito representativo da dívida toda (cláusula mandato) é considerada abusiva, ! nula de pleno direito.

§ 4.595. ;

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C-

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j j | j ; j j j j I ! j

Jurisprudência

Entende a jurisprudência que permanecem os títulos vinculados a contrato de mútuo quando não circulem, devendo ser a causa do contrato apresentada ao juízo, quando da execução do título (TJSP, ApCiv 112.731-4/2-00, 3.a Câm., j. 19.10.2009, rei. Des. Ênio Zuliani). Admite-se, igualmente a possibilidade de revisão de contratos de mútuo bancário já extintos, mesmo por novação, considerando-se a impossibilidade de convalidação do nulo, matéria obieto da Súmula STJ 286. As hipóteses de cabimento do vencimento antecipado por iniciativa do mutuante nao lhe autorizam a deixar de receber o pagamento por terceiro interessado (TRF-3.a Reg., Ap 91.03.031117-1, 5. a T„ j. 26.09.2000, rei. André Nekatschalow, DJU 07.11.2000, RT786/461)

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C A P Í T U L O III

EFICÁCIA DO CONTRATO DE MÚTUO

§ 4.596. EFEITO MÍNIMO, EFEITOS COMUNS E EFEITOS DIFERENCXADORES 1. TRÊS FIGURAS E EFEITO MÍNIMO E EFEITO COMUM. - E n t r e o c o n t r a -

to real de mútuo, o contrato excepcionalmente consensual e o pré-contrato de mútuo, o elemento eficacial comum é o efeito mínimo, a vinculação. Os três são contratos. Também é comum o elemento eficacial que faz dos três contratos negócios jurídicos de crédito "stricto sensu". Os dois primeiros são empréstimos de consumo, ou, melhor, de bens fungíveis. O terceiro, não; porque, nêle, apenas se promete um dos dois outros negócios jurídicos. No contrato real de mútuo, já há ato de disposição. No contrato consensual de mútuo, promete-se dispor. No pré-contrato de mútuo, promete-se contratar realmente, ou consensualmente. Ainda não se dispõe, pôsto que, se se promete contrato real de mútuo, já se prometa o que contém ato de disposição. Recentemente, ao tratar-se do contrato real de mútuo, tem-se exagerado o papel de possibilitação do gôzo duradouro do bem, como se não pudesse B tomar de empréstimo o bem fungível para destruí-lo, isto é, como se fôsse essencial ao mútuo a permanência, em mãos do mutuário, do bem cujo direito de propriedade se transferiu. Não há necessidade de se pensar em linha que vai da transferência à restituição, mesmo porque há dilatação do sentido de restituir quando alguém se vincula a prestar o que corresponde, genèricamente, ao que se recebeu, e não precisamente o que se recebeu. O que se deu em mútuo saiu, totalmente, do patrimônio do mu-

tuante. Não é o que se passa com a locação de coisas, ou com o comodato. A linha, que tanto impressiona alguns juristas, não existe. O que há entre os dois momentos é o crédito, o que se crê de volta, o que se deu com a crença no adimplemento pelo devedor. A propriedade passa a ser do mutuário. Não se pode pensar em mútuo com reserva de domínio. Desde a tradição, todos os riscos são do mutuário. 2. EFEITOS DIFERENCIADORES. - Se houve contrato real de mútuo, quer oneroso quer gratuito, há o acordo de transmissão implícito no contrato, como elemento necessário, de jeito que o contrato é contrato translativo de propriedade. No fundo, fêz-se de dois acordos um só. Se houve contrato consensual de mútuo, o acordo de transmissão apenas serve ao ato de adimplemento, que é a tradição. Se houve pré-contrato, ainda não se cogitou de acordo de transmissão; afortiori, de tradição. A transmissão fica para além da sua eficácia. Já se prende ao contrato que se prometeu. A transferência do direito de propriedade é um dos elementos característicos do mútuo. Com a dação, a propriedade está transferida. O perecimento e a deterioração são sem qualquer importância para o direito, porque o mutuante não mais tem dever quanto ao objeto. Todavia, quanto ao que há de ser restituído, pode acontecer que a lei ponha fora de comércio o gênero, mesmo se está em causa gênero ilimitado (sem razão, GINO GORLA, Del Rischio e Perícolo nelle obbligazioni). O mutuante prestou, a sua promessa foi de prestar imediatamente, e êle o fêz. Tornou-se credor do que seja incluível na classe do que prestou e dos juros. Por vezes, há outras cláusulas, como a de sorteio, a de prorrogabilidade a líbito do mutuário, a de garantia se algo acontece, como a mudança de domicílio, a de permissão de pagamentos parciais com aviso de qualquer dos figurantes, ou de um dêles. A entrega do bem que se há de dar em mútuo pode ser de uma vez, ou em porções iguais ou diferentes, mas o que ainda não foi entregue torna o mútuo em parte real e em parte consensual. Se o mútuo consiste na prestação de títulos de crédito ao portador, ou em endossáveis, criados pelo mutuante, para que o mutuário os desconte, há o negócio jurídico bilateral de mútuo.e o negócio jurídico unilateral da criação dos títulos. A restituição há de ser de dinheiro, porque se deu em mútuo o que fêz as vêzes de dinheiro.

,. EFEITO M Í N I M O , EFEITOS C O M U N S E E F E I T O S D I F E R E N C I A D O R E S



121

Se foram mutuados títulos nominativos, são indispensáveis todos os atos de que se necessite para que se dê a transmissão. Conforme já dissemos, aí tratou-se o título nominativo como bem fungível. Se o mutuante presta papéis-valôres ou mercadorias, o que se há de restituir é o papel-valor do mesmo gênero, ou a mercadoria do mesmo o-ênero, salvo se o que se emprestou foi dinheiro e o papel-valor ou a mercadoria apenas vivia para aquisição daquele, conforme o preço corrente no lugar e no momento da entrega (cp. Código suíço das Obrigações, art. 317).

Panorama atual pelo Atualizador § 4.596.

A-

Legislação

O Código Civil de 2002 reproduziu ipsis literis, em seu art. 586, a definição legal do contrato de mútuo presente no art. 1.256 do CC/1916. Da mesma forma, note-se que o Código Civil de 2002, sob a pretensão de disciplina uniforme das obrigações civis e comerciais, passou a normatizar também o mútuo mercantil, uma vez que revoga o disposto no art. 247 do CCo. Todavia, permanecem em vigor as disposições sobre empréstimo de risco ou câmbio marítimo prevista nos arts. 633 a 665 do CCo, porque relativas ao comércio marítimo, cuja vigência não foi afetada pelo Código Civil de 2002. Por outro lado, tratando-se de empréstimos contraídos por sociedade anônima, mediante emissão de debêntures simpies ou conversíveis em ações, aplica-se o disposto nos arts. 52 a 74 da Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.). Tratando-se de pré-contrato de mútuo, aplicam-se as regras do contrato preliminar, previstas nos arts. 462 a 466 do CC/2002.

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§ 4.596.

B-

Doutrina

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Pontes de Miranda bem identifica o objeto do mútuo como crédito. Assim também o faz numerosa doutrina, identificando aí sua causa. Há transferência do domínio da coisa e o dever de restituição (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 578). A transmissão da coisa dada em mútuo é identificada como característica distintiva do contrato de mútuo (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. IM, p- 314; GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 389; GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012. vol. 3, p. 350).

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§ 4.596

C. -

Jurisprudência

Segundo entendimento jurisprudencial uníssono, a demonstração da existência do contrato de mútuo depende da prova da tradição da coisa ou valores que integram o objeto do contrato (TJSP, ApCiv 9150957792008826, 35.a Câm. de Direito Privado, j. 21.03.2011, rei. Manoel Justino Bezerra Filho, p. 23.03.2011). Entende-se, igualmente, que a promessa de mútuo não constitui título executivo extrajudicial (TRF-4.a Reg., ApCiv 2008.70.01.004281 -8, rei. Silvia Goraieb, 4.aT., j. 09.06.2010, p. 28.06.2010)

§ 4.597. INTERÊSSES E JUROS MORATÓRIQS 1. INTERESSES. - Os interêsses são, de regra, em dinheiro. Isso não obsta a que se estipule prestação de quantidade determinada de bens fungíveis que não sejam dinheiro, nem a que o bem prestado como interêsse seja de quantidade do bem fungível ou fungibilizado que se deu em mútuo, inclusive em obra ou obras ou parte em dinheiro e parte em bem que não seja dinheiro, ou em bem diferente do capital (sem razão, GIAN CARLO MESSA, UObbligazione degli interessi e le suefonti, 19). Podem ser apenas determináveis; e. g., percentual sôbre esperado lucro do mutuário. Os interesses podem ser pagáveis por sorteio. Aliás, o sorteio pode ter como conseqüência a liberação de algum ou alguns dos mutuários, quer no tocante aos interêsses quer no tocante ao capital, ou ao capital e aos interêsses. Os interêsses - juros ou outros - nada têm com os juros da mora. Aqueles são contraprestação, correspectivo do uso e fruição do capital que se emprestou. Êsses supõem o não cumprimento da obrigação, a mora eficaz. Se foram estipulados interêsses ultralegais, por pacto em separado, tem de ser verificada a ligação com o negócio jurídico do mútuo. Os interêsses pagos e não devidos são irrepetíveis e inimputáveis ao capital (Código Civil, art. 1.263). Se, porém, há a infração da lei de usura ou da regra jurídica de limitação legal do máximo, há ato ilícito, com as suas conseqüências. Lê-se no Código Comercial, art. 249: "Nas obrigações que se limitam ao pagamento de certa soma de dinheiro, os danos, e interêsses resultantes da mora consistem meramente na condenação dos juros legais".

Sôbre a interpretação do art. 249 do Código Comercial, Tomos XXIV, § 2 899, 1, 4; e XXXIX, § 4.333, 3. Se o pagamento não é em dinheiro, o art 249'não incide (cf. voto vencido ao acórdão do Supremo Tribunal Federal, 21 de janeiro de 1911, R. de D., 22, 113; Supremo Tribunal Federal, 8 de julho de 1911, 23, 547, e 7 de dezembro de 1912, 28, 460. Encerrada, pela decretação de abertura da falência, a conta corrente, não se contam juros (2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 26 de setembro de 1955, R. dos T., 243, 409). Diz o Código Comercial, art. 250: "O credor que passa recibo ou dá quitação de juros menores dos estipulados não pode exigir a diferença relativa ao vencimento passado; todavia, os juros futuros não se julgam por êsse fato reduzidos a menos dos estipulados". Daí, se o credor tem de passar recibo ou dar quitação (do capital), e entende que os juros devidos seriam maiores, precisa de passar o recibo com ressalva do que reclama, ou dar quitação quanto ao capital e fazer ressalva quanto aos juros. 2. NECESSIDADES PROFUNDAS DE CRÉDITO. - A g r a v e d i f e r e n ç a e n -

tre o vulto dos empreendimentos industriais e comerciais de hoje e o dos empreendimentos industriais e comerciais dos tempos passados resulta da concentração de capitais, com que se planeja, nos nossos dias, a criação das empresas. Por outro lado, a produção e os negócios, por sua elevação, exigem altos meios financeiros para a própria atividade (gastos com material, formação de quadros administrativos, contactos e vinculações com mercados de matéria-prima e de consumidores). É indispensável, incessantemente, o crédito. Nos tempos normais, há estabilidade e ritmo na organização do crédito, quer quanto aos investimentos quer quanto aos financiamentos em senso estrito. A instabilidade e, em conseqüência, os atos de atenuação e de correção, ou de simples tentativa, caracterizam os momentos de inflação, de deflação e de perturbação na dimensão política externa ou interna. A economia contemporânea é fundada no crédito, na aplicação do que as pessoas poupam (deixam de gastar), com o conhecimento de que ao dinheiro de muitos se deve a possibilidade de empreender o que o dinheiro de um ou de alguns não poderia. O investimento passou a ser em capital e em títulos rentáveis. A soma das pequenas economias é que permite investimentos e financiamentos que não seriam possíveis se não houvesse a captação e a destinação dos fundos do grande número populacional. Com as dispo-

nibilidades dos que deixam de consumir tudo que eles ganham, pode o industrial ou o comerciante empregar bens ou serviços, ou bens e serviços muito acima daquilo que compõe o seu capital. Para isso, há outros agentes do mundo econômico. 3 . M Ú T U O E INFLAÇÃO. — Quando há inflação ou outra causa para que a moeda não possa adquirir hoje o que ontem poderia e, provavelmente, não possa adquirir amanhã o que hoje pode, tem-se de reputar lucro o que enche a diferença de aptidão aquisitiva mais os interesses propriamente ditos. Não é possível abstrair-se da desvalorização de mais de um por cento ao mês quando se pensa em obter renda de um por cento ao mês.

Sem entrarmos na análise do que é legal e do que é ilegal, mencionemos algumas práticas que a inflação suscitou, no Brasil, de algum tempo para cá. Quando o comerciante tem x títulos de crédito, ainda não vencidos e com os vencimentos a, por exemplo, trinta dias, sessenta dias, noventa dias e cento e vinte dias, e os leva a algum banco, ou casa bancária, ou a particular, que os recebe, endossados, ou, se ao portador, por tradição, mas por eles dá apenas x - x/y, de modo que os juros sejam de um por cento em cento e cinqüenta dias, há a conta vinculada. As prestações pagas pelos tomadores, ou outros obrigados pelos títulos de crédito, são recebidas pelo banco, pela casa bancária, ou pelo particular, mas é indisponível o que foi recebido. Cobram-se, portanto, adiantadamente, os juros, como se os títulos fossem com o vencimento a cento e cinqüenta dias. É encontradiça tal espécie. São conseqüências da inflação, por exemplo, as atividades recentes das empresas de financiamentos e de investimentos. As empresas de investimentos, no tempo de inflação, contam com a subida do preço das ações e com os dividendos, razão por que podem pagar mais do que os juros que a lei considerou infringente das leis de economia popular. As empresas de financiamento operam atraindo pessoas que querem juros acima do limite legal e descontando títulos de crédito dos comerciantes e industriais com pagamento adiantado dos juros. O próprio Banco do Brasil, com as letras de importação, abriu entrada para as operações das empresas de financiamento. Emprêsas da alta indústria emitem letras de câmbio, com 3% de deságio mensal. Tomam de empréstimo, portanto, acima do que seria permitido que alguém emprestasse. Mas alguém, aí, é o público. O público não poderia ser acusado de crime contra a economia popular.

Cada pessoa pode empregar, como entenda, os recursos pecuniários que tem, desde que não viole direitos de terceiros. É essencial à livre economia ( K E N N E T H E . BOULDING, Economic Analysis, 1941, 1 8 1 ; R A L P H H. BLODGETT, Comparative Economic System, 29). Quando se quer e se exige maior salário, maior aluguer, maior preço, maior lucro, o que se quer e se exige é que se dê pelo serviço, pelo que foi adquirido com o dinheiro não empregado no consumo, ou pelo dinheiro assim poupado, vantagem razoável. A renda correspondente ao dinheiro que se empresta com remuneração fundada em percentual dos lucros, quer em sociedade quer em mútuo parciário ou noutro contrato parciário, não é renda que possa ofender a economia popular: serve à economia popular. 4. SOCIEDADES DE PARTICIPAÇÃO EM LUCROS. - Na sociedade de participação de lucros (.Beteilungsgesellschaft), a finalidade é ou d) permitir a capitais que necessitem de ser aplicados a participação em empreendimentos de rentabilidade acima do que.se costuma obter e se pode obter com a inversão direta (sociedade de aplicação de capitais, Kapitalanlagegesellschaft), ou b) para abrir caminho a investimentos que o público não faria diretamente, por parecerem ou serem arriscados, ou remotos em relação ao mercado ordinário de créditos (sociedades de tomada de títulos, Effektenübernahmegesellschaft), ou c) subscrição e emissão de títulos, vendidos ao público, para aquisição de títulos de empresas existentes (holding, Kontrollgesellschaft).

A empresa de investimentos não se encarrega da direção das empresas em que inverte os capitais. Tal finalidade caracteriza o holding. A holding company controla ou influencia, materialmente, na direção de uma ou mais emprêsas (JAMES C . BONBRIGHT e GARDNER C . M E A N S , The Holding Company, 10). LEO VON PETRAZYCKI (Die Lehre von Einkommen, 1 2 3 ) chamava à retribuição, qualquer que fôsse, juros; CARL C R O M E (Die partiarischen Rechtsgeschüfte, 366), que distinguia o interêsse percentual e os outros, não deixaria de chamar juros ao que se promete nos contratos de que se trata. Porém há a álea, que obsta a tratar-se como exploração criminosa a operaçao com alguém que, mediante o emprêgo do que recebe, ganha mais do que o mutuante.

5 . M Ú T U O E TÍTULOS ABSTRATOS. - As notas promissórias são títulos abstratos, de que os contratos são os negócios jurídicos subjacentes. Os tí-

tulos abstratos têm a alta função de permitir a negociabilidade dos créditos, elemento essencial da economia hodierna (ANTOINE JUTZ, Le Placement collectif, 95; JOHN R. COMMONS, Institiitional Economics, 392: "...this was not enough for the merchants. They needed also the legal power to buy and sell debts"). Os títulos abstratos permitem que se transfira a terceiro a cártula, desde o momento em que dela se está de posse. Os títulos de crédito e todos os títulos negociáveis, inclusive os títulos em que se incorporam direitos reais, servem a essa função de circulação dos direitos. Mas, enquanto os títulos em que se incorporam direitos reais são ou podem ser títulos de garantia, os títulos cambiários, isto é, a nota promissória e a letra de câmbio, de modo nenhum se podem considerar títulos de garantia. O mutuário, que faz notas promissórias, ou letras de câmbio, de modo nenhum, com a promessa da devolução do dinheiro, dá garantia. A devolução do dinheiro é característica do mútuo (Código Civil, art. 1 . 2 5 6 : "O mútuo é empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade"). Quando é preciso juntar dinheiro de muitos para se prover ao financiamento de um, ou de alguns interessados, torna-se difícil ir o mutuário ou irem os mutuários a diferentes endereços, para solver as dívidas. É usual a emissão de cheques correspondentes ao dia do vencimento, máxime quando há escritório que se encarrega da apresentação dos cheques e entrega dos títulos. Nas relações entre mutuantes e mutuários não pode haver coação ou pressão, se há emissão de cheques para pagamento, porque, a despeito de serem abstratos os títulos, as exceções pessoais podem ser opostas pelos mutuários aos mutuantes, figurantes ditos em contacto (cf. Tomo XXXTV, §§ 3 . 8 6 0 e 3 . 8 6 9 ; antes, Tratado de Direito cambiário, 2.A ed., 221 s.). Somente haveria ilicitude se o mutuante apresentasse o cheque, para receber a quantia, e apresentasse o título cambiário, para também a receber, ou os endossasse como dois títulos sem a ligação do cheque à função de pagamento da nota promissória. 6. ECONOMIA POPULAR E MÚTUO. - N o art. 4.°, a), l . a p a r t e , da L e i n. 1.521, de 2 6 de dezembro de 1951, considera-se crime contra a economia

popular "cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sôbre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei". Trata-se de percentagem

sôbre o capital emprestado, e não, por exemplo, sôbre os lucros previstos, ou a serem apurados, que o mutuário frua com a aplicação do que recebeu. A percepção percentual poderia ser em sociedade e pode ser em mútuo parciário. Os juros podem ser acima da taxa máxima se há álea, como é o caso dos arts. 633-665 do Código Comercial (contrato de dinheiro a risco ou câmbio marítimo). É crime contra a economia popular "obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida (Lei n. 1.521, art. 4.°, b). São pressupostos: o abuso, por parte do infrator; o fato da necessidade de dinheiro, ou da inexperiência, ou leviandade, por parte do ofendido; o lucro patrimonial acima do que seria o valor corrente ou justo mais um quinto dêsse valor. Os contratos parciários em que há percentual sôbre o lucro, mesmo quando igual, ou maior do que o que resta para o recebedor do capital, de modo nenhum poderiam ser incluídos na classe dos contratos de que fala o art. 4.°, b), porque o recebedor - digamos, nos mútuos parciários, o mutuário emprega o dinheiro alheio e presta parte do que venha a lucrar. O fato de não se deduzir do capital o interêsse provável põe em evidência a álea, no tocante aos lucros. É possível que se obtenham lucros como é possível que falhem.

Panorama atua! pelo Atualizador § 4.597. ; |

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A-

Legislação

A norma do art. 1.263 do CC/1916, não foi reproduzida no Código Civil vigente. Da mesma forma, estão revogadas as disposições citadas acerca do Código Comercial de 1850. Entende-se aplicável hoje limite de juros segundo a disciplina do art. 591, c/c art. 406 do CC/2002. Tais limites, contudo, não se aplicam aos juros devidos por contratos celebrados por instituições financeiras. É admissível o controle de juros, quando deem causa à excessiva onerosidade, segundo a disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Regra do art. 323 do CC/2002 refere que ocorrendo a quitação de capital, sem reserva de juros, estes se presumem pagos. O tipo penal mencionado no texto, constante da Lei 1.521/1951, continua em vigor. Contudo, foi revogada pela MedProv 2.172-32, a disposição que impunha a nulidade dos juros usurários (art. 4.°, § 3.°, da Lei 1.521/1951). Essa nulidade, todavia, decorre igualmente do Dec. 22.626/1933, do art. 187 do CC/2002, e do

art. 51, § 1.°, III, do CDC, na linha do entendimento de Pontes de Miranda, como conseqüência do ilícito. No tocante à obtenção de vantagem aproveitando-se de premente necessidade ou inexperiência, o Código Civil de 2002 introduziu como defeitos do negócio jurídico o estado de perigo (art. 156) e a lesão (art. 157), com os mesmos pressupostos. Com relação à referência sobre a definição legal do mútuo, remete-se ao art 586 do CC/2002, que reproduz o conteúdo do art. 1.256 do CC/1916. Sobre as holdings, a que se refere o texto, têm previsão legal expressa no art. 2.°, § 3.°, Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações).

§ 4.597.

B-

Doutrina

A definição da holding no contexto dos modelos de estruturação do controle das empresas observou desenvolvimento pela doutrina (cf. SALOMÃO FILHO, Calixto, O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros. p. 56; LOBO, Jorge. Direito dos grupos de sociedades, RT 763/22), especialmente quanto à multiplicidade de formas de captação de recursos para investimento. As grandes companhias brasileiras estruturam-se sob a forma plurissocietária. Contudo, revela-se como realidade submetida a transformações em decorrência de interesses fiscais, jurídicos e mercadológicos presentes na economia globalizada. No que se refere ao controle dos juros nos contratos de crédito, há largo tratamento doutrinário em nosso direito, tanto em vista da aplicação do Código Civil, quanto do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, construiu-se o entendimento pela possibilidade de controle, mesmo na ausência de taxa legal expressa, em razão da verificação e controle de cláusulas abusivas, mediante cominação de nulidade (cf. o nosso Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010).

§ 4.597.

C-

Jurisprudência

A abstração do título de crédito em relação ao contrato de mútuo é relativizada pela jurisprudência contemporânea, em proteção do devedor (STJ, REsp 791.676/ GO, 4.a T.,j. 28.06.2011, rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18.08.2011). No tocante ao controle de juros, ao mesmo tempo em que a jurisprudência fixou-se no sentido da inexistência de limite a príori para contrato de mútuo em que seja mutuante instituição financeira (Súmula STF 596), admite seu controle quando manifestamente excessivo (STJ, REsp 1061530/RS, 2a S., j. 22.10.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009). Todavia, a Súmula STJ 381, objeto de severa crítica doutrinária, sustenta entendimento que impede o reconhecimento das cláusulas abusivas de ofício nos contratos bancários. No contrato particular de mútuo, a jurisprudência de sua vez inclina-se pela redução de juros, quando excedam ao limite imposto pelo Dec. 22.626/1933 - Lei de Usura (REsp 1106625/PR, 3.aT., j. 16.08.2011, rei. Min. Sidnei Beneti, DJe 09.09.2011).

CAPÍTULO I V AÇÕES DERIVADAS DA JURÍDICA DE

RELAÇÃO

MÚTUO

§ 4.598. AÇÕES DO MUTUANTE 1. AÇÃO DECLARATÓRIA E AÇÃO CONDENATÓRIA. - O m u t u a n t e p o d e

propor ação declaratória no que respeita ao quanto do crédito ou a qualquer outro ponto que lhe interesse e seja suscetível de resposta positiva ou negativa de existência. A ação condenatória supõe a exigibilidade do crédito. A restituição é feita ao mutuante (ou a seu representante), ou à pessoa que êle indicara. Trate-se de terceiro a que se atribuiu a propriedade do título, trate-se de terceiro a que o mutuante se referiu como o legitimado a receber o bem restituído, o mútuo acaba e a restituição supõe que as relações jurídicas cessem. Se ficou estabelecido que a restituição não fôsse de uma só vez (restituição gradual), só há pretensão a cada momento em que se pode exigir a parte do que se mutuou. O mutuante não pode exigir a restituição gradual ou por períodos se o contrato não o previu; nem o mutuário o pode exigir se não o foi. Se o mutuário não adimpliu como deveria ter adimplido, tem de ressarcir os danos ao mutuante. É devida a diferença de valor do bem entre o momento em que teria de ser feita a restituição e aquêle em que se restituiu.

2. AÇÃO EXECUTIVA. - Para que o mutuante tenha ação executiva é preciso que já haja título judicial (sentença executável), ou o crédito seja certo e líquido. Se o mútuo é garantido, com isso não se faz bilateral, mesmo se quem presta a garantia é o mutuário ou se há penhor de títulos. No penhor irregular (= mercantil), os títulos dados em garantia passam a ser propriedade do mutuante, porém, ainda aí, não há bilateralidades. Há as ações oriundas do mútuo e as ações oriundas do negócio jurídico de garantia.

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Panorama atual pelo Atualizador § 4.598.

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A-

Legislação

A disciplina sobre quem pode receber o pagamento consta dos arts. 308 a 312 do CC/2002. O art. 585, II, do CPC estabelece que o documento particular assinado por duas testemunhas constitui título executivo extrajudicial, viabilizando a ação executiva. Sobre o momento do nascimento da pretensão incide o art. 189 do CC/2002 que define sua origem a partir do momento de violação do direito subjetivo. A obrigação de ressarcir perdas e danos em razão do inadimplemento da obrigação consta do art. 389 do CC/2002. Seu conteúdo é disciplinado pelo art. 402 et seq, da mesma lei.

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A Lei 10.931/2004 instituiu, dentre outros títulos, a cédula de crédito bancário, representativa de operações de crédito realizadas pela instituição financeira (inclusive mútuo), e que se caracteriza como título executivo extrajudicial.

§ 4.598. I

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B-

Doutrina

Entendimento expressivo da doutrina contemporânea reconhece a teoria das ações, de Pontes de Miranda, como decisiva para conciliação das relações entre o direito material e o direito processual, ainda que se discuta sobre o cabimento de sua classificação quinária. Quando se trate de mútuo garantido, note-se que nas hipóteses em que há, ou conexidade do mútuo com o penhor mercantil - como menciona Pontes de Miranda - ou mesmo situações em que a há equiparação do mutuário a depositário do bem em garantia (caso da alienação fiduciária em garantia), grande discussão houve sobre a possibilidade da aplicação da sanção de prisão aplicável ao depositário infiel. Neste caso, critica-se a própria equiparação, admitindo-se sua configuração como meio de execução indireta. Atualmente, contudo, não se admite, em vista da Súmula vinculante STF 25, a prisão do depositário infiel, resultado de evolução da jurisprudência daquela Corte.

§ 4.598. C - Jurisprudência Conforme a jurisprudência dominante, a garantia de penhor não afasta a vinculação de nota promissória a contrato de abertura de crédito (STJ, REsp 435.221/MG, 3.a Turma, j. 10.12.2002, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ10.03.2003). Da mesma forma, o desaparecimento da garantia pignoratícia em contrato de mútuo autoriza a compensação entre a dívida que daí emerge para o mutuante e a dívida original do mutuário (STJ, REsp 8453/SP, 4.aT., j. 16.03.1992, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 03.08.1992). A confissão de dívida, mesmo que decorrente de contrato de abertura de crédito, é título executivo extrajudicial (Súmula STJ 300). A natureza executiva do contrato de mútuo assinado por duas testemunhas, embora não precisem estar presentes no momento da celebração, exige que nenhuma dessas tenha interesse no negócio (STJ, REsp 541.267, j. 20.09.2005, rei. Min. Jorge Scartezzini, DJ 17.10.2005).

§ 4.599. AÇÕES DO MUTUÁRIO 1. AÇÃO DECLAMATÓRIA. - O mutuário tem ação declaratória para que o juiz afirme ou negue a existência da dívida, ou de algum ponto que seja concernente à existência da dívida. 2. OUTRAS AÇÕES DO MUTUÁRIO. - Se O bem mutuado tinha vícios e êsses vícios causaram danos ao mutuário, o mutuante, sendo oneroso o mútuo, tem de indenizá-los, salvo se alega e prova que não teve qualquer culpa. A simples ignorância dos vícios não o exime da responsabilidade. Se o mútuo é gratuito, dá-se, no direito brasileiro, o mesmo. Cf. Código Civil italiano, art. 1.821. Quanto à redibição, o mútuo oneroso permite-a, bem como a ação quanti minoris (Código Civil, arts. 1.101-1.105). Em caso de tais vícios, sendo gratuito o mútuo, tem o mutuário a denúncia. O mutuante, que vem a saber, após a entrega do bem mutuado, da existência do vício, tem o dever de comunicar ao mutuário, respondendo pelos danos a êsse e aos terceiros. Mesmo que se trate de falsidade do dinheiro ou dos títulos mutuados (H. DERNBURG, Pandekten, II, l.a ed., 23S). Civil, ART. 1 . 2 6 3 . - Lê-se no Código Civil, art. 1 . 2 6 3 : " O mutuário, que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem im3 ; CÓDIGO

putar no capital". Diz-se o mesmo no Código Comercial, art. 251, porém com limitação a que não se tem de atender em todo o direito privado: "O devedor que paga juros não estipulados não pode repeti-los, salvo excedendo a taxa da lei; e neste caso só pode repetir o excesso, ou imputá-lo no capital". Todavia, se o que foi prestado excedeu o limite máximo, que signifique ato ilícito (usura), há a repetição. Se pagamento foi feito por terceiro, inclusive o herdeiro, há repetibilidade. Taxa da lei é a taxa dos juros não estipulados; ou a do máximo dos juros, se estipuladas foram (cf. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 4 de maio de 1950). No Código Comercial, art. 252, estatui-se: "A quitação do capital dada sem reserva de juros faz presumir o pagamento dêles, e opera a descarga total do devedor, ainda que fossem devidos". Coincide com isso o Código Civil, art 944, de que tratamos (Tomo XXIV, §§ 2.889, 5; 2.893, 2; 2.894, 2; 2.901, 2, 3; 2.965,1; 2.981, 1). 4. PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. - Há tendência, na doutrina, para se afastar a execução especifica em se tratando de pré-contrato de mútuo. Mas a execução específica do pré-contrato de mútuo consiste, em primeira plana, na conclusão do contrato. O contrato de mútuo, que resulte da ação executiva do pré-contrato, é que pode ser executado especificamente. Ali, a res é o contrato; aqui, sim, a res é o dinheiro ou outro bem fungível que se dê em mútuo.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.599.

A-

Legislação

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Sobre vícios redibitórios incide a regra dos arts. 441 et seq do CC/2002. Já a regra que impedia o mutuário de restituir-se do pagamento de juros não estipulados não permanece vigente, admitindo-se a possibilidade de repetição de indébito pela regra do art. 884 do CC/2002, que disciplina as conseqüências do enriquecimento sem causa.

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As normas do Código Comercial de 1850, citadas no texto, foram revogadas. A regra de quitação do art. 944 do CC/1916, atualmente é reproduzida no art. 323 do CC/2002, vigente. Sobre a possibilidade de execução do pré-contrato, mediante o exercício da pretensão que obrigue a sua celebração, vige o art. 461 do CPC.

§ 4.599.

B-

Doutrina

A possibilidade de execução do pré-contrato é admitida largamente pela doutrina contemporânea, especialmente mediante ação de cumprimento específico de obrigação de fazer, prevista em recentes reformas processuais, inclusive com a possibilidade de imposição e astreintes (GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer. Revista de Processo, vol. 79. p. 65. São Paulo: Ed.RT.jul. 1995).

§ 4.599.

C-

Jurisprudência

A jurisprudência reconhece o direito à restituição dos juros pagos a maior, ou em face de cláusula declarada nula em contrato de crédito (STJ, REsp 440.718/ RS, 4.a T., j. 24.09.2002, rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 16.12.2002), com fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa (AgRg no REsp 1021350/ RS, 4.aT.,j. 22.11.2011, rei. Min. Marco Buzzi, DJe 29.11.2011)

CAPÍTULO

V

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE

MÚTUO

§ 4.600. C A U S A S D E E X T I N Ç Ã O

1. RESTITUIÇÃO. - A relação jurídica de mútuo extingue-se com a restituição, que o mutuário faça, do que recebera do mutuante, ou com a restituição de parte e a indenização. Se o mútuo é gratuito, o devedor pode, a qualquer momento, restituir o que recebeu. Aliter, se é com juros ou outra prestação pelo mutuário, espécie em que o mutuário sem prazo certo tem de observar o art. 1.264 do Código Civil. A restituição pelo mutuário é do tantundem eiusdem generis et qualitatis, e não daquilo que se entregou, posto que também isso satisfaça a exigência de gênero e qualidade. Uma vez que o bem é fungível (vicem fungitur) e, por vezes, consumível, só se poderia pensar em restituição que não fôsse in indivíduo. O que, no depósito, seria irregular, no mútuo é regular e essencial. A restituição pode ser de menos, se ao contrato de mútuo se colou contrato de doação de alguma quantidade, como se parte do entregue não satisfaz requisitos exigidos pelo mutuário. O dinheiro há de ser restituído conforme a unidade monetária que a lei fixar como medida comum de valor (valor extrínseco, e não intrínseco). O bem que se há de restituir há de ser do mesmo gênero (aliud eiusdem generis). Pode-se restringir o gênero (e. g., café da região tal, ações ao portador da emissão de 1962). O mútuo pode ser de genus limitatum ou subgênero. Não é mútuo entregar vinho para ser restituído em conhaque,

porque aí se troca, não se mutua. Se o mutuante presta cavalos ou automóvel, para que o outorgado venda e fique com o dinheiro em mútuo, há mandato ou outra outorga de poder de venda e há mútuo, ou, se apenas se disse "podendo ficar com o dinheiro em mútuo", oferta de mútuo. Se se deixa ao outorgante, ou ao outorgado, restituir o gênero, ou o gênero ou bem de outro gênero, à escolha do outorgante ou do outorgado, não há pensar-se em contrato de mútuo ou noutro contrato, conforme o que se escolheu, porque não seria admissível que fôsse da eficácia que resultasse a natureza do contrato. Não se pode deixar de considerar concluso o contrato (portanto, não há duas ofertas, alternativas; nem se pode esperar o que é que se "restituirá", para se saber o que foi que se contratou). Não se trataria de alternatividade das obrigações, mas dos contratos, o que repugnaria à dogmática jurídica. Não se pode raciocinar a respeito de contrato (de qual contrato se trata) com os princípios, que regem as obrigações alternativas. Está-se a discutir existência, e não eficácia, plano posterior. Mútuo, na espécie, foi o que se contratou. Apenas, no vencimento, se permite que, em vez do tantundem, se preste algo diferente; de modo que a escolha consiste em restituir-se o que tinha de ser restituído, ou, com o dinheiro, ou outro genus, adquirir o que se permitiu dar. Portanto, escolha. O contrato de mútuo não se alterou; o que há é plus: o plus que a escolha suscita, eventualmente. Uma das figuras que entram na categoria acima referida é a dos mútuos com o pacto de conversão em ações. Empresta A a S, sociedade anônima, x, com a permissão para S de, se aumentar o capital, restituir em ações. Não há propriamente cláusula do contrato de mútuo. Há oferta de subscrição e aquisição de ações. Não importa se as ações são da própria sociedade S, ou de outra. Nem se a escolha é para o outorgado, mutuário, ou para o outorgante, mutuante. A restituição tem de ser de bem ou de bens da mesma qualidade. Entenda-se: a qualidade a que o contrato, explícita ou implicitamente, se refere. A mudança de valor do bem mutuado é sem conseqüências. Pode ser inserta cláusula que atenda ao poder aquisitivo do bem restituível, mas tal cláusula infringe o princípio nominalístico, em se tratando de moeda. Transformaria em dívida de valor a dívida de pecúnia. Se o mutuário tem de depositar o dinheiro do pagamento, as despesas com o depósito são por conta dêle, e nãó do mutuante, tal como se daria em caso de depósito em consignação, inclusive se o adimplemento tem de

ser feito a terceiro (GERHARD VON BUCHKA, Die indirekte Verpflichtung zur Leistung, 4). 2. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO NÃO IMPUTÁVEL AO MUTUÁRIO.

- Se foram dados em mútuo bens diversos do dinheiro, e há impossibilidade de restituí-los ou dificuldade extrema (e. g., proibição da importação), sem causa imputável ao mutuário, tem êsse de prestar o valor, conforme o tempo e o lugar em que se teria de operar a restituição. O mutuário recebeu os bens, fê-los seus, e agora não os pode restituir, por impossibilidade de que não foi causador. Era adstrito à restituição em natura. Não o põe, sem que se lhe possa imputar a impossibilitação. Em vez da res, presta o pretium. Se o mútuo consistiu em dinheiro, pode acontecer que tenha sido posto fora de curso, ou ter sido de moeda que foi recolhida. No mútuo de dinheiro, há sempre moeda que substituiu a outra, ou, excepcionalmente, a lei a substituiu por títulos de crédito (e. g., conversãò de moeda em títulos). Praticamente, não há problema. Acima falamos de "dificuldade extrema", equiparando-a à impossibilidade. Não se trata de excessiva onerosidade (sem razão, FRANCESco MESSINEO, Dottrina generale dei contratto, 3.a ed., 419). Trata-se de óbices materiais ou jurídicos, que só com sacrifícios extremos poderiam ser afastados. Quanto ao dinheiro, o princípio nominalístico pré-exclui alegação de impossibilidade ou de extrema dificuldade. Se o dinheiro é de outro Estado, regem os princípios sôbre negócios jurídicos com prestação em moeda estrangeira. Se há mora do mutuário, ou se houve culpa do mutuário, há a prestação com ressarcimento dos danos, além dos juros moratórios. 3. INADIMPLEMENTO E RESILIÇÃO. - Se o mútuo se concluiu com a

entrega do bem e o mutuário deixa de pagar os juros ou de adimplir algum dever, há a resilibilidade do contrato de mútuo. Se o mutuário não presta a garantia a que se refere o art. 1.261 do Código Civil, nasce a pretensão à resilição do contrato. Se o mútuo é oneroso, qualquer falta de adimplemento, por parte do mutuário, faz nascer a pretensão à decretação da resolução (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). Se o pagamento havia de ser em frações, peri-

ódicas ou não, a omissão em pagar uma delas é suficiente, quer no mútuo oneroso quer no gratuito, para o pedido, ali, de decretação de resolução do contrato e, aqui, de restituição integral, após denúncia, pois que se vencem todas as dívidas rateais. Se o mútuo é gratuito, o art. 1 . 0 9 2 , parágrafo único, do Código Civil não é invocável, e precisaria ter havido cláusula de resolução por falta de pagamento rateai. O inadimplemento quanto aos interêsses permite que se peça a resolução do contrato. São a contraprestação, no contrato de mútuo. Não se pode falar de resolução do contrato, com invocação do art. I . 0 9 2 , parágrafo único, do Código Civil, se o mútuo é gratuito, de modo que o pedido, se o mutuário deixou de pagar a fração da dívida, é de restituição integral, e não de resolução (com razão, ROBERTO DE RUGGIERO, Istituzioni, II, 6.A ed., 261; sem razão, FRANCESCO MESSINEO, Manuale, HI, 195).

Se o mútuo é gratuito, não há a bilateralidade. Em conseqüência, não há a resolução, mas sim a restituição em virtude do ato jurídico unilateral do mutuante, a que o inadimplemento causou prejuízo. Embora gratuito o mútuo, o mutuante contava com a restituição parcial ou rateai; daí, a denúncia cheia, que pode ser manifestada pelo mutuante, se alguma obrigação deixou de ser cumprida, e o pagamento parcial é uma delas. 4. DENÚNCIA. - Se o mútuo não foi com indicação do prazo, a relação jurídica termina com a denúncia vazia. Nas espécies do art. 1.264,1 e II, do Código Civil, a denunciabilidade somente se dá se houve cláusula de prorrogação na falta de denúncia. Se não houve tal cláusula e o mutuante não reclama contra a não-restituição, há renovação do contrato. Lê-se no art. 1.264 do Código Civil: "Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será: I. Até a próxima colheita, se o mútuo fôr de produtos agrícolas, assim para o consumo como para a semeadura. II. De trinta dias, pelo menos, até prova em contrário, se fôr de dinheiro, m . Do espaço de tempo que declarar o mutuante, se fôr de qualquer outra coisa fungível". 5. CONCURSO DE CREDORES. - Se do mutuário se abre concurso de credores, vence-se o mútuo. A situação patrimonial do devedor mudou e há restituição, antecipadamente, porque não mais se justificaria o gôzo do objeto pelo mutuário, inapto a solver integralmente os seus débitos.

6. DANOS ORIUNDOS DA MORA. - Os juros são estipulados em cláusula do contrato de mútuo, ou em pacto separado, antes ou depois da conclusão do contrato de mútuo. Se esse não tinha a cláusula de juros, ou há novação do contrato, ou modificação, ou o negócio jurídico à parte não atinge o contrato de mútuo. Não importa como se concebe o pagamento dos juros (e. g., por semana, por mês, por trimestre, por semestre, ou por ano). Pode haver diferença entre as prestações e os períodos. Os pagamentos por conta imputam-se primeiramente nos juros, quanto baste para a solução dos vencidos (Código Comercial, art. 433, inciso 5). Se o mutuário paga juros não estipulados, não os pode reaver. Se pagou mais de seis por cento, pode repetir o excesso ou imputá-lo no capital (Código Comercial, art. 251). O que se há de entender é que o mutuário os devia, ou assumiu a dívida de juros, e não que se pagaram por amizade, gratidão ou em retribuição de serviço. Desde que ocorre a mora do mutuário (ou, se mercantil o mútuo, desde que a interpelação judicial deu eficácia à mora), são devidos os juros moratórios sôbre o capital e os juros. Lê-se no Código Civil, art. 1.061, que as perdas e danos, nas obrigações pecuniárias, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional. Estabelece o art. 249 do Código Comercial: "Nas obrigações que se limitam ao pagamento de certa soma de dinheiro, os danos e interêsses resultantes da mora consistem meramente na condenação dos juros legais". Primeiramente, advirta-se que os juros moratórios podem ter sido fixados abaixo ou acima da taxa legal. Em segundo lugar, havemos de interpretar o art. 249 do Código Comercial como ressalvante da pena convencional, à semelhança do Código Civil, art. 1.061. Ambas as regras jurídicas só se referem a obrigações pecuniárias, sendo que a da lei comercial se limitou a falar do mútuo. Porém, mesmo a respeito do mútuo, a atitude do intérprete do art. 249 do Código Comercial tem de ser a q u e t i v e r a m JOSEF UNGER e J. VON SCHEY d i a n t e d o § 1.333

do Código Civil austríaco, finalmente seguida pelo Tribunal Supremo da Áustria. O mutuante não tem de provar os danos se apenas cobrar os juros moratorios. Tem, porém, o ônus de alegar e provar os danos que sofreu além da taxa legal dos juros moratórios, ou do que se estipulou, no contrato de mútuo, como juros moratórios. Sôbre o assunto, Tomo XXXIX, § 4 . 3 3 3 , 3.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.600.

A-

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Legislação

A norma dispositiva sobre prazos do contrato de mútuo, que no Código Civil anterior era a do art. 1.264, é reproduzida no art. 592 do CC/2002.

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No caso de alteração patrimonial do mutuário como causa de exigência de garantia de cumprimento, o art. 590 do CC/2002 preserva o sentido do art. 1.261 do CC/1916. A exceção de inseguridade, decorrente da dúvida de cumprimento que impõe ao devedor o dever de oferecer ou reforçar garantia é norma que no Código Civil anterior constava no art. 1.092, parágrafo único, reproduzido pelo art. 477 do CC/2002.

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As regras do Código Comercial citadas foram revogadas pelo Código Civil de 2002. Todavia, preserva o mesmo sentido do art. 433, V, revogado, o disposto no art. 354 do CC/2002. A possibilidade de restituição de juros pagos, embora não estipulados, constante no art. 251, do CCo revogado, ora cede espaço à aplicação do art. 884 do CC/2002, admitindo-se a restituição com fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa.

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No tocante às perdas e danos decorrentes do inadimplemento, atualmente são previstas no art. 389 e disciplinadas pelos arts. 402 et seq, do CC/2002. Sobre os juros moratórios, a regra do art. 406 do CC/2002 é que se convencionados pelas partes não incide limitação legal. Se não convencionados, ou o sendo sem taxa, aplica-se a taxa de juros dos tributos devidos à Fazenda Nacional. Há dissenso, contudo, quanto à taxa a ser aplicada, se a estabelecida pela Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), do Banco Central, para remuneração pela União dos títulos públicos que emite, de que trata a Lei 9.065/1995, ou se a prevista no art. 161, § 1°, do CTN.

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§ 4.600.

B-

Doutrina

O princípio do nominalismo, pelo qual as dívidas em dinheiro devem ser pagas conforme a unidade monetária que a lei constitui como medida comum, é assente na doutrina nacional. No tocante à extinção do contrato por inadimplemento, embora a regra seja a resolução, reconhece a doutrina, de modo crescente, a limitação do direito do credor de declarar o vencimento antecipado da dívida ou ainda reputar inadimplemento sem dar oportunidade da purga da mora pelo devedor. Tal posição orienta-se a partir da incidência do princípio da boa-fé objetiva e dos deveres de colaboração e lealdade entre os contratantes, a fundamentar, inclusive, a introdução no direito brasileiro, da teoria do adimplemento substancial (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2003. Série de Pesquisas do CEJ, vol. 11, p. 540-542).

No mesmo sentido, observe-se o posicionamento doutrinário segundo o qual, quando se trate de mútuo por prazo indeterminado, deve ser assegurado ao mutuário tempo suficiente para que possa usufruir do bem emprestado (TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA; MORAES. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 319).

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§ 4.600. C - J u r i s p r u d ê n c i a

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É entendimento objeto da Súmula STJ 379 que nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios só poderão ser convencionados até o limite de 1 % ao mês.

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Da mesma forma, o adimplemento substancial como limite ao exercício do direito de resolução do credor é reconhecido pela jurisprudência nacional (STJ, REsp 272.739/MG, j. 01.03.2001, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar e REsp 1051270/RS, j. 04.08.2011, rei. Min. Luis Felipe Salomão). Assente, também, o entendimento de que responde o mutuante garantido com penhor se, após ter a dívida adimplida, verifica-se o extravio da coisa empenhada (STJ, REsp 83.717/ MG, j. 12.11.1996, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RDB 5/203). No caso de mútuo vinculado à finalidade de aquisição de moradia, reconhece, a jurisprudência, o direito daquele a quem houve cessão de direitos pelo mutuário original, pagar a dívida como terceiro interessado, de modo a extinguir o contrato (STJ, REsp, 184.577/SP, j. 01.04.2003, rei. Min. Franciulli Netto, DJ 04.08.2003).

§ 4.601. R E V O G A Ç Ã O

1. REVOGAÇÃO DO PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. - O pré-contrato de

mútuo é revogável pelo promitente-mutuante se há perigo, devido a situação posterior do outorgado, em restituir o bem fungível que recebesse (Tomo XXV, §§ 3.070, 5, e 3.076, 3). 2. CONTRATO DE MÚTUO. - A revogação não pode dar-se se o contrato de mútuo é real, ou se foi concebido como consensual. Sem razão, KARL LARENZ {Lehrbuch des Schuldrechts, II, 155), que estende ao contrato consensual de mútuo a regra jurídica sôbre revogabilidade do pré-contrato de mútuo (Código Civil alemão, § 610). Nessas duas espécies, o mutuante pode exigir garantia (Código Civil, art. 1.261: "O mutuante pode exigir garantia da restituição se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança na fortuna").

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Panorama atual pelo Atualizador § 4.601.

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A -

Legislação

O art. 1.261 do CC/1916 corresponde ao art. 590, do Código Civil vigente. No tocante à revogabilidade da promessa de contrato, é limitada, atualmente, pelo Código de Defesa do Consumidor, incidente quando se trate de relações de consumo, sob a égide da eficácia vinculativa da oferta, prevista no art. 30 daquela codificação.

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§ 4.601.

B-

Doutrina

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A doutrina de direito bancário é uníssona em reconhecer a possibilidade de revogação da promessa de mútuo, considerando que a concessão do crédito, em qualquer caso, pressupõe o exame do risco de inadimplência do tomador. A doutrina de direito do consumidor, por outro lado, parte da premissa da eficácia vinculativa da oferta, e sua conseqüente irrevogabilidade.

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I

§ 4.601.

C-Jurisprudência

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Reconhece amplamente, a jurisprudência, a possibilidade de revisão de contratos de mútuo já extintos (STJ, REsp 861.196/SC, 4. a T„ j. 06.10.2011, rel.Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27.10.2011).

PARTEH CONTRATO D E MÚTUO A RISCO

CAPÍTULO I

MÚTUO A RISCO OU CÂMBIO M A R Í T I M O OU DE VIAGEM C O M E R C I A L

§ 4.602. CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO MARÍTIMO A RISCO 1. CONCEITO. - O mútuo de dinheiro, ou de outro bem, a risco, é o mútuo em que o mutuante perde o direito à restituição se o mutuário perde o bem, a propósito do qual se fêz o empréstimo. O elemento de álea introduz-se. O contrato de mútuo a risco pode ser empregado em qualquer viagem de bens, "pois interessa, não só aos comerciantes de profissão, senão também a toda a classe de pessoas que, pelas leis das nações e do país, não são proibidas de dar o seu dinheiro a algum juro mercantil" (JOSÉ DA SILVA LISBOA, Princípios de Direito mercantil, II, 6.a ed., 221). O Código Comercial fere o ponto principal quando, no art. 662, fala do privilégio especial - dito, ali, erradamente, "hipoteca", como no art. 633 e 658 - que tem o mútuo a risco, quanto ao objeto a que se refere, e diz que o mutuante "fica sujeito a perder todo o direito à soma mutuada, perecendo o objeto", "no tempo e lugar e pelos riscos convencionados" e que "só tem direito ao embolso do principal e prêmio por inteiro no caso de chegada a salvamento". 2. CLÁUSULA DE RISCO. - O contrato de mútuo a risco é contrato de mútuo, com a cláusula de risco e o atendimento dos pressupostos subjetivos e objetivos que o caracterizam e atribuem o privilégio especial ao crédito. No que concerne ao risco, se o caso, que se tem de examinar, não

foi previsto nos arts. 633-664 do Código Comercial, tem-se de resolver analògicamente, consultando-se a legislação sôbre seguros marítimos. Aliás, a respeito dos seguros marítimos, também se permite a interpretação por analogia (art. 665: "Quando sôbre contrato de dinheiro a risco ocorra caso que se ache prevenido neste Título, procurar-se-á a sua decisão por analogia, quanto seja compatível, no Título Dos Seguros marítimos, e vice-versa"). Não se trata de contrato de seguro, nem de contrato de compra-e-venda. No seguro, o prêmio é recebido pelo segurador, e nada presta, antes. No mútuo a risco, o mutuante presta, e talvez nada receba (nem capital nem interesses), ou só receba parte. O prêmio, no seguro, tem de ser menor do que o interesse, no mútuo a risco, porque o risco é do capital e do interesse. A chegada feliz, no seguro, extingue a relação jurídica do seguro, sem que se haja de prestar. No mútuo a risco, a chegada feliz é que faz nascer a pretensão ao capital e ao interesse. O mútuo a risco é, de certo modo, o contrário do seguro. As legislações muito confundiram o contrato de mútuo a risco e o seguro, porém isso não os tornou idênticos, nem os poderia tornar. E. g., Preussisches Allgemeines Landrecht, § 2.359; Código Comercial português, art. 1.621; Código Comercial francês, arts. 316-318, 328 e 330; Código Comercial holandês, art 576. De modo nenhum se pode assimilar o mútuo a risco à compra-e-venda, considerando-se objeto da compra-e-venda o valor invertido no navio ou na carga, ou num e noutro (e. g., F. P. BREMER, Hypothek und Grundschuld, 73). Contra, acertadamente, O. STOBBE (Handbuch des deutschen Privatrechts, II, 2. a ed., 280), B. MATTHIASS (Das Foenus nauticum und geschichtliche Entwicklung der Bodmerei, 112 s.) e WILLIAM LEWIS (Das deutsche

Seerecht,

II, 2. a e d . , 5 s.).

A bem dizer-se, os interesses são fundidos ao capital; não são separados, como acontece com o capital e os juros no mútuo ordinário. O foenus nauticum compreende os dois (CLAUDIUS SALMASIUS, De Usuris, 24). O interesse, aí, é contraprestação do perigo, pretiumpericuli. Os limites, que teve o nauticum foenus - e tem hoje o mútuo a risco - não são os dos juros; e, se o anatocismo era proibido, como pensou M. J. HUDTWALCI-IER (Dissertatio de foenore náutico romano. § 9), só se podia explicar pela necessidade de se evitar a fraude à lei (cf. I. G. GOLDSCHMIDT, De náutico foenore, 33). Se o risco existe para outro mútuo que não seja o de viagem

4.602. CONCEITO E N A T U R E Z A D O M Ú T U O M A R Í T I M O A R I S C O



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por mar, não se pode, hoje, fazer qualquer diferença, desde que lícito seja (dito, outrora, quasi náutico foenus). Nem cabe a discussão que havia em torno da L. 5, D., de náutico foenore, 22, 2(C. MOLINAUS, Tractatus commerciorum et usurarum redituumque pecunia constitutorum et monetarum, 119, que via no quod náutico foenore maior risco, isto é, maior probabilidade de perda do que de ganho, diferença que CLAUDIUS SALMASIUS, De modo usurarum, 372 s., combateu). O mútuo a risco não pode ser a propósito de percursos de embarcações que só servem dentro do porto, ou da baía. Nas viagens por terra, em países da extensão do Brasil, se há grande risco, nada obsta a que analògicamente se invoquem os princípios do mútuo a risco regido pelos arts. 633-665 do Código Comercial, a respeito quer de percursos fluviais quer de percursos terrestres, como os que se fazem através de florestas, ou por longas estradas. O que é preciso é que não haja a ilicitude ou a fraus legis, no tocante à lei de usura e a outras normas jurídicas.

Panorama atual pelo Atualizador § 4.602.

A-

Legislação

As disposições acerca do contrato de câmbio marítimo, dos arts. 633 a 665 do CCo de 1850 permanecem vigentes, preservados a contrario sensu, pela cláusula de revogação do art. 2.045 do CC/2002.

§ 4.602. | I i I

I

B-

Doutrina

O contrato de câmbio marítimo é praticamente desconhecido pela doutrina brasileira contemporânea. Mesmo autores representativos do direito comercial contemporâneos a Pontes de Miranda a ele se referiam como espécie de contrato em desuso, especialmente pelo surgimento de outras operações mais atuais, como a própria hipoteca naval ou os seguros marítimos, assim como o desenvolvimento de relações de correspondência por bancos e armadores em todo o mundo (SAMPAIO DE LACERDA, J. C. Direito comercial marítimo e aeronáutico. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. p. 369-370). Quem a ele se refere atualmente, indica-o como antecedente do seguro marítimo (CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino. Aspectos introdutórios do direito marítimo. Revista de Direito Privado, vol. 19. p. 215. São Paulo: Ed. RT, jul. 2004).

§4.603. "DADOS fflSTÓRICOS 1. DIREITO GREGO. - No direito grego, ó contrato de mútuo a risco, que atendia a possível acidente de mar, era chamado sxSocrtç ou vauir/òv SàvsiGLia . Tem-se procurado assimilá-lo ao mandato e até à sociedade. Alguns o reputam contrato sui generis, afirmação que em nada esclarece a figura. Aliás, é preciso repelir qualquer confusão com a sociedade: o contrato grego não se ligava ao lucro, posto que houvesse o interesse, como em todos os mútuos onerosos. Os comerciantes precisavam dos capitais para as suas compras fora e de certo modo garantiam com o que empregavam na viagem o que se lhes emprestava (B. BÜCHSENSCHÜTZ, Der Besitz und Erwerb im griechischen Altertume, 486). Por outro lado, não havia o contrato de seguros marítimos, embora seja fora do exame dos fatos chamar-se ao mútuo marítimo gêmeo do seguro (B. M. EMÉRIGON, Traité des Assurances et des Contrats à la grosse, II, 377). No seguro, o segurador cobre o dano; no mútuo a risco, de modo nenhum: o dano, sofrem-no os dois, o mutuante, que perde o capital e os interesses, e o mutuário, porque os bens eram seus. A álea, ali, é para o segurador; aqui, para ambos. No direito grego, o mútuo a risco servia ao armador e a quem ia comprar mercadorias, ou vendê-las. Às vezes, era feito durante a viagem, em caso de avarias ou de outras circunstâncias. O mutuário, armador do navio, podia tomar a risco sôbre o navio, com ou sem as pertenças. Em pleito contra Polides, DEMÓSTENES (§ 55) fala de pedido de mútuo a risco (R. DARESTE, Du Prêt à la grosse chez les Athéniens, 10, e Plaidoyers civils de Demosthènes, 257; E. CAILLEMER, emDAREMBERG e SAGLIO, Dictionnaire des Antiquités grecques et romaines, verbo "foenus", 1221; A. BÕCKH, Die Staatshaushaltung derAthener, I, 167; contra, sem razão, DE VRIES, De foeneris nautici contractu iure attico, 43, que não via no texto mútuo a risco). Fora feito pelo tetrarca Apolodoro a Polides, para cobrir pertenças do navio, que eram suas, posto que do Estado fôsse o navio. O frete pode ser o objeto do risco, recaindo sôbre êle o privilégio (E. PLATNER, DerProzess und die Klagen bei denAntikern, II, 303; R. DARESTE, Du Prêt à la grosse, chez les Athéniens, 9). Os riscos eram os do mar. Os interesses eram pagos com o capital, e não periodicamente. Perecidos os objetos, extinguia-se a dívida.

2. DIREITO ROMANO. - Se O mutuante acha que o empréstimo é perigoso, porque o bem ou os bens com que o mutuário poderia solver, ou dos quais poderia tirar lucro, estão expostos a riscos, é compreensível que exija juros mais altos, assumindo o risco que regularmente seria do mutuário. Em conseqüência disso, deixa de ser credor da restituição se ocorre o que temia. O mútuo para viagem por mar, correndo o risco o mutuante, que, se a nave não chegava ao lugar do destino, perdia o direito à restituição, o foenus nauticum ou traiecticia pecunia foi o primeiro caso e continuou sendo o mais importante. A L. 5, pr., D.,.de náutico faenore, 22, 2 (CÉVOLA), cogitou de outras espécies: "Periculi pretium est et si condicione quamvis poenali non exsistente recepturus sis quod dederis et insuper aliquid praeter pecuniam, si modo in aleae speciem non cadat: veluti ea, ex quibus condictiones nasci solent, ut 'si non manumittas', 'si non illud fatias 1 , 'si non. Convaluero' et cetera, nec dubitabis, si piscatori erogaturo ira apparatum plurimum pecuniae dederim, ut, si cepisset, redderet, et athletae, unde si exhiberet exerceretque, ut, si vicisset, redderet". Muitas palavras do texto são objeto de discussões. Alude-se ao preço do risco e fala-se do dinheiro que se presta ao pescador, para que, se pescar, restitua, e ao atleta, para que se mantenha e exercite, devolvendo-o, se vencer. O que se havia de evitar era a dissimulação da aposta. Note-se que no contrato de mútuo a risco se permitem juros acima da taxa legal, por isso mesmo que há a assunção do risco. Interesse náutico, nauticum foenus, que escapava à regra jurídica da usura, porque o capital, no seu trajecto, se expunha (pecunia traiecticia), mesmo se o dinheiro se convertia em outros bens, para a viagem (MODESTINO, L. 1, D., de náutico faenore, 22, 2). Quando o risco não era de navegação, como se apenas se emprestou dinheiro para algum negócio arriscado, falava-se de. foenus quasi nauticum, posto que, às vezes, se chame quod nauticum o interêsse pelo mútuo para viagem não-marítima (cf. B. MATTHIASS, Das Foenus nauticum und geschichtliche Entwickhing der Bodmerei, 22). No Digesto, diz-se faenus, e não foenus. Foenus, ou faenus, fenus, feno (erva), produto, juros; com a mesma origem, de-fendere, feliz (felix). As controvérsias quanto aos truncamentos daL. 5 foram grandes. Para (Untersuchungen zurL. 122, § 1, D., de verborum obligationibus, [ 4 5 , 1 ] , 2 4 e 2 7 ) e outros (como P H . E . H U S C H K E , R . VON JHERING e H . DERNBURG), O dinheiro, embora dito trajectício, não precisava estar na nave ou ser empregado nela. Sôbre a evolução que se teria operado, B . MATTHIASS (Das Foenus nauticum, 1 8 s.). Contra, H . SIEVEKING (Das

L . GOLDSCHMIDT

Seedaiiehen des Altertums, 34 s.), que sustentou ser necessária a travessia do capital (fosse dinheiro, ou outro bem), tal como pensava K. BÜCHEL (Das gesetzliche Zinsmaximum beim, foenus nauticum, 41). A permissão de interesses mais elevados justifica-se pela «assunção do risco (PAULO, L. 7, D., de náutico faenore, 22, 2). Discute-se se o foenus nauticum era mútuo, ou se o não era. Mas em verdade era mútuo. Se não ocorria o que se tinha como perigo, tudo se regulava pelo mútuo, mesmo quanto aos riscos (L. 4, D., de náutico faenore, 22,2). ^A perda do capital e a perda da nave não podia ser separada ("salva nave", "salva pecunia")? A solução é admitir-se que a liberação seria parcial, considerando-se nave e capital como um todo. Na Idade Média latina, falava-se de câmbio marítimo ou contrato de dinheiro a risco, de prestito a cambio marittimo, de prêt à la grosse aventure. A tendência era para se pensar em gravame dos bens, em hipoteca ou em penhor. A expressão "letra de risco" é velha na língua portuguêsa. As condenações de teólogos e juristas quanto aos prêmios dos mútuos a risco foram postas de lado pelo Alvará de 5 de maio de 1810. Já no Império do Brasil, a Lei de 24 de setembro de 1832 voltou à não-taxação de juros máximos para quaisquer mútuos. A limitação veio mais tarde, após a primeira guerra. 3. DIREITO BRASILEIRO. - No Código Comercial, art. 633, define-se o contrato de empréstimo a risco ou câmbio marítimo como contrato pelo qual o "dador estipula" e pois o tomador (mutuário) promete "prêmio certo e determinado por preço dos riscos do mar que toma sôbre si", que sofra o objeto, "sujeitando-se a perder o capital e prêmio se o dito objeto vier a perecer por efeito dos riscos tomados" Alude-se, sem qualquer pertinência, a "hipoteca especial". Hipoteca está em vez de "privilégio". Cf. Código Comercial, arts. 651-653; Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 102, § 2.°, I, 2.a parte.

§ 4.604. NATUREZA DO MTJTUO A RISCO 1. BILATERALIDADE. - O contrato é bilateral, de ordinário é real, mas pode ser consensual, e nada obsta a que se conclua pré-contrato de mútuo

a risco. Aleatório e sob condição resolutiva. Além disso, contrato sujeito aformalidades, para eficácia contra terceiros, como resulta do Código Comercial, art. 633, verbis "só pode provar-se por instrumento público ou particular", "o qual será registado", na Junta Comercial, "dentro de oito dias da data da escritura ou letra". "Se o contrato tiver lugar em país estrangeiro por súditos brasileiros, o instrumento deverá ser autenticado com o visto do cônsul", "se aí o houver". "E em todo o caso anotado no verso do registo da embarcação se versar sôbre o navio ou fretes". "Faltando no instrumento do contrato alguma das sobreditas formalidades, ficará este subsistindo entre as próprias partes, mas não estabelecerá direitos contra terceiros". O contrato é escrito. As formalidades a mais são para eficácia contra terceiros. No mútuo a risco há condição resolutiva do dever de restituição. O mútuo pode ser feito ao pescador, ao que transporta boiadas ou grande número de cavalos para os vender em lugares distantes, ao atleta que vai entrar em campeonato. • 2. COMERCIALIDADE. - O mutuante, que é o dador do bem a risco, pratica ato de comércio, e há de satisfazer os requisitos de capacidade. Quase sempre são os bancos e pessoas, sem estabelecimento comercial, mas que fazem tais negócios, os mutuantes.

§ 4.605. PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DO CONTRATO DE MÚTUO A RISCO 1. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS. - Diz o Código Comercial, no art. 634, alínea l. a : "O instrumento do contrato de dinheiro a risco deve declarar: 1. A data e o lugar em que o empréstimo se faz. 2. O capital emprestado e o preço do risco, aquele e este especificados separadamente. 3. O nome do dador e o do tomador, com o do navio e o do seu capitão. 4. O objeto e o efeito sôbre que recai o empréstimo. 5. Os riscos tomados, com menção específica de cada um. 6. Se o empréstimo tem lugar por uma ou mais viagens, qual a viagem, e por que têrmo. 7. A época do pagamento por embolso, e o lugar onde deva efetuar-se. 8. Qualquer outra cláusula em que as partes convenham, contanto que não seja oposta à natureza deste contrato, ou proibida por lei".

Na 2.a alínea do art. 634 do Código Comercial, acrescenta-se: "O instrumento em que faltar alguma das obrigações enunciadas, será considerado como simples crédito de dinheiro de empréstimo ao prêmio da lei, sem hipoteca nos efeitos sôbre que tiver sido dado, sem privilégio algum". Em lugar de "sem hipoteca" leia-se "sem privilégio especial". 2. FORMA. - O contrato de mútuo a risco é, como gênero, contrato de mútuo, pecunia credita. Se algum dos pressupostos especiais falta, como o deforma, o que fica, como simples negócio jurídico de crédito, pode ser e valer (WILLIAM LEWIS, Das deutsche Seerecht, II, 2.A ed., 16). O credor deira de ter, com isso, o privilégio especial, e não escapa às regras jurídicas sôbre limitação de juros e sôbre usura. Discutiu-se se ficavam os juros conforme a taxa legal, ou se caía todo o quanto de interesses, do "prêmio", porque só se destinava à cobertura aleatória. Ora, o mútuo supõe-se gratuito. Se, além do "prêmio", não havia juros, de juros não se há de cogitar. No art. 636 e 638 do Código Comercial fala-se de "escritura ou letra de risco". Exige-se ser escrito o contrato. Mais: ser por escritura pública, ou por letra de risco, título cambiariforme. Afasta-se o princípio Locus regit actum. Com a exigência da escritura pública, ou da letra de risco, foge-se ao que mais se segue nos outros sistemas jurídicos (e. g., no direito inglês, D. MACLACHLAN, A Treatise on the Law ofMerchant Shipping, 3.a ed., 59). O instrumento público pode ser feito no cartório do tabelião, ou no escritório do corretor de fundos; o instrumento particular, pelo escrito ou dactilografia, assinado pelos figurantes, ou como título cambiariforme, que é a letra de risco, semelhante à letra de câmbio, na qual sacador é o mutuante a risco e é tomador o mutuário a risco. 3. QUEM PODE CONCLUIR CONTRATO DE MÚTUO A RISCO. - O con-

trato de mútuo a risco pode ser concluído pelos armadores e viajantes do mar que vão comprar, ou vender, como também se, em vez de nave, é de aeroplanos, ou de ônibus, ou de outro transporte que se trata. Bem assim, nas circunstâncias dos arts. 515-518 do Código Comercial, pelos capitães, pilotos e condutores de veículos. Se o outorgado pode dispensar o empréstimo a risco, por ser fácil outro meio de obter suprimentos, pecuniários ou não, diz-se voluntário; e necessário, ou, melhor, por necessidade,, se as circunstâncias impuseram a conclusão do contrato, quase sempre ao capitão do navio, ou ao piloto do avião, ou ao condutor do veículo.

Ao capitão incumbe levar o navio aos portos de destino, dirigi-lo e conduzir-lhe a carga, evitando-lhe'avarias e perdas. É de supor-se, hoje em dia, que não lhe faltem os recursos para isso, ou porque possa, nos portos, sacar contra a companhia, ou porque lhe seja fácil comunicar-se com ela, ou porque ao agente local caiba atender às suas necessidades de dinheiro. A correspondência rápida, aérea, telefônica, ou telegráfica, talvez lhe baste em circunstâncias menos favoráveis. Marcada pela idade que tem, a velha regra do dinheiro a risco espontou no Código Comercial, arts. 515 e 516. Se, durante a viagem, lhe faltam fundos e não está presente algum dos proprietários da embarcação, mandatários, ou consignatários, ou, na falta deles, algum interessado na carga, ou, se, presentes, não providenciam, pode o capitão contrair dívidas, tomar dinheiro a risco sôbre o casco e pertenças do navio e remanescentes dos fretes, depois de pagas as soldadas (privilégio, não garantia real). Até mesmo, na falta absoluta de outro recurso, vender mercadorias da carga (ou dar em garantia), entenda-se, sempre que tal dinheiro seja para reparo ou provisão da embarcação. Tem êle de explicitar nos títulos das obrigações, que contraia, a razão por que as contrai (Código Comercial, art. 515, alínea l. a ). Contudo, para assumir obrigações de tal guisa, o capitão precisa de justificação prévia. É de tal justificação que cogitam os arts. 754 e 755 do Código Comercial. Não há gradação nas obrigações. O art. 754 reproduz o art. 516 do Código Comercial, que é, por sua vez, miudeamento dos pressupostos do art. 515 mais o da deliberação, na forma da lei comercial, art. 504. Está claro que o instituto só se refere ao dinheiro tomado pelo capitão, e não aó tomado por alguma das pessoas mencionadas no art. 754, III, do Código de Processo Civil. A obrigação não pode ser garantida por hipoteca do navio (Decreto n. 15.788, de 8 de novembro de 1922, art. 14), por ser restrita ao proprietário ou ao seu representante com poderes especiais. Não vale a convenção contra as regras jurídicas dos arts. 515 e 516 do Código Comercial. São de direito cogente. O mútuo a risco pode ser para evitar arresto do navio ou da carga, ou para que se substitua o bem arrestado (LORD TENTERDEN ABBOTT, A Treatise ofthe Law relative to Merchant Ships and Seamen, 12.a ed., 114). O consignatário não tem legitimação para contratar mútuo a risco. Se há condomínio do navio, ou de outro veículo, no mútuo a risco têm de figurar todos os condôminos; ou cada um dêles somente pode submeter ao privilégio especial a sua parte indivisa.

No direito brasileiro, o capitão ou quem a êle corresponda somente pode tomar empréstimo a risco "durante a viagem". Tal regra jurídica resulta da natureza da própria destinação do empréstimo e não poderia o capitão, antes da partida, isto é, antes de deixar o porto da matrícula, contrair mútuo a risco. 4. DATA E LUGAR EM QUE O EMPRÉSTIMO SE FAZ. - A data e o lugar

têm, além da função de determinação espácio-temporal, a de fixação da transferência do risco. 5. OBJETO DO MÚTUO A RISCO (CAPITAL E INTERESSES) . - O objeto d o

mútuo a risco é, de ordinário, o dinheiro. Posto que possam ser entregues bens diferentes, não-pecuniários, esses bens têm de ser estimados, para que se saiba o que se há de restituir em dinheiro (Código Comercial, arts. 633 e 643). Lê-se no art. 633, 2.a alínea: "É permitido fazer empréstimos a risco não só em dinheiro, mas também em efeitos próprios para o serviço e consumo do navio, ou que possam ser objeto de comércio", isto é, que possam ser vendidos para se obter o dinheiro; "em tais casos, a coisa emprestada deve ser estimada em valor para ser paga com dinheiro". A redação é má. Não se paga o objeto que se prestou; paga-se a quantia da estimação. A destinação - servir à viagem e às inversões do negócio para o qual se faz a viagem - é elemento intrínseco. Não é preciso que se trate de "extraordinária necessidade" do navio, ou da carga (ou de outro veículo), para que haja o contrato de mútuo a risco. JOSÉ DA SILVA COSTA (Direito Comercial Marítimo, n , 407 s.) confundiu o gênero do contrato de mútuo a risco, que se regula nos arts. 633-664 do Código Comercial, com uma das espécies, que é o contrato dos arts. 515-518 do Código Comercial, contrato que depende de circunstâncias extraordinárias, apontadas no art. 515. Os Alvarás de 14 de fevereiro de 1609 e de 23 de agosto de 1623 foram hostis aos mútuos a risco a navegações de ultramar. O primeiro tinha por fito "atalhar com remédio conveniente aos grandes danos e inconvenientes" de "tomarem os homens do mar a risco das ditas naus e navios da navegação da índia". O segundo, referindo-se ao primeiro, disse que o tempo havia "mostrado convir muito ser esta lei geral, de maneira que compreenda todas as naus e navios e mais embarcações que navegarem para quaisquer dos portos". A razão da lei: desde 1609 haviam sido tomados "muitos navios, caravelas e outras embarcações das que navegam para as outras partes e portos das conquistas deste reino e vendidos aos inimigos, sem se defenderem deles". A causa da omissão era a de "os homens do

mar tomarem dinheiro a responder a risco dos ditos navios e embarcações e cascos dêles". O Alvará de 11 de maio de 1655 regulou a avaliação dos navios, caravelas e embarcações, que tivessem de empreender viagem ultramarina, para se fixar a quantia até a qual se poderia "tomar sôbre a tal embarcação dinheiro a responder". "As embarcações ordinariamente são de terceiras pessoas e os mestres têm nelas a menor parte, e muitas vêzes nada". Daí a regra jurídica de que "nem até a quantia da avaliação" poderem tomar dinheiro, "sem consentimento especial, para cada partida, de todos os donos da embarcação, ou de seus bastantes procuradores". O Alvará de 16 de janeiro de 1757 fixou a taxa legal de juros, excluído o mútuo a risco por prazo de, pelo menos, um ano. Se não se cogitou de interesses no contrato, ou há doação, sob condição resolutiva (cp. Código Civil, art. 1.174), ou contrato de mútuo, com a cláusula de extinção da dívida se houver perda. Quanto aos interesses, ditos "prêmio", estatui"o art. 659 do Código Comercial: "É livre aos contraentes estipular o prêmio na quantidade e o modo de pagamento que bem lhes pareça, mas, uma vez concordado, a superveniência de risco não dá direito a exigência de aumento ou diminuição do prêmio; salvo se outra coisa fôr acordada no contrato". 6. BENS SUJEITOS AO PRIVILÉGIO ESPECIAL. - B e n s s u j e i t o s ao privi-

légio especial são os bens cujos riscos são assumidos pelo mutuante. Emprestou, mas só recebe se esses bens não foram perdidos, ou só recebe em parte se só em parte se perdem. O art. 639 do Código Comercial explicita: "O empréstimo a risco pode recair: 1. Sôbre o casco, fretes e pertences do navio. 2. Sôbre a carga. 3. Sôbre a totalidade destes objetos conjunta ou separadamente, ou sôbre uma parte determinada de cada um deles". Acrescenta o art. 640, l. a , 2 A e 3. a alíneas: "Recaindo o empréstimo a risco sôbre o casco e pertences do navio, abrange na sua responsabilidade o frete da viagem respectiva. Quando o contrato é celebrado sôbre o navio e carga, o privilégio do dador é solidário sôbre uma e outra coisa. Se o empréstimo fôr feito sôbre a carga ou sôbre um objeto determinado do navio ou da carga, os seus efeitos não se estendem além dêsse objeto ou da carga". A 2.A alínea impunha-se, em boa técnica legislativa (C. VON KALTENBORN, Grundsãtze des praktischen europãischen Seerechts, II, 258; WILLIAM LEWIS, Das deutsche Seerecht, II, 2.A ed., 26). Se o navio ou a carga pertence a diferentes pessoas, pode haver entre eles ação de regresso pro rata

(WILLIAM LEWIS, II, 26; diferente, n a Inglaterra, D . MACLACHLAN, A Trea-

tise ofLaw ofMerchant Shipping, 3.a ed., 153). A propósito do mútuo a risco, convém afastar-se o inconveniente da imprecisão com que, de ordinário, os juristas falam de ser da essência do mútuo a risco a ligação a algum objeto ou a alguns objetos que vão correr risco. ,-De que ligação se trata? Nos sistemas jurídicos, que estabeleceram a gravação do objeto ou dos objetos, essa ligação seria a de haver direito real de garantia que necessariamente lhe corresponderia. Nos sistemas jurídicos em que apenas se preestabeleceu o privilégio especial, mais se trata de previsão do que de atualidade. Se o crédito produzir a pretensão, em vez de extinguir-se de todo, o credor poderá sustentar o privilégio especial. Supõe-se, portanto, futuro em que a lei seja a mesma. Isso faz vir à tona delicado problema de direito intertemporal. De regra, os privilégios especiais e gerais não são direitos adquiridos, razão por que só se exercem quando se abrem os concursos de credores, A respeito, cumpre ler-se o que escrevemos no Tomo XXII, § 2.683, 2, onde mostramos o que é direito acessório e frisamos que o privilégio é qualidade do crédito, e não direito acessório ao crédito, como seria o penhor ou a hipoteca. ^O privilégio especial, que as leis atribuem ao crédito de mútuo a risco, foi feito, excepcionalmente, direito acessório? Certamente, o mutuário pode hipotecar ao mutuante a risco o navio e constituir penhor mercantil sôbre bens da carga, ou outros bens; então, com isso, se criaria direito acessório. Mesmo no direito grego, onde expressões de gramáticos (não juristas) podiam fazer crer-se em ligação essencial a direito acessório, o pleito de DEMÓSTENES contra Policies (§17) mostra que o mútuo a risco tomado pelo capitão Nicipo em Apolodoro não tinha qualquer garantia. No pleito contra Formion (§ 6), vê-se que fora garantida a viagem de ida e não a de volta (cf. R. DARESTE, DU Prêt à la grosse chez les Athéniens, 9; H. SIEVEKING, Das Seedarlehen, 19 s.). No direito grego, já todos os bens do mutuário a risco respondiam pelo mútuo a risco, posto que não houvesse sôbre todos o privilégio especial: vmmxòv ôáveiojia era chamado porque havia a referência aos riscos e a necessidade de haver bens que suportassem a execução. O mútuo a risco pode só ter privilégio especial sôbre parte do navio, pois só houve referência a essa parte. A avaliação das mercadorias, se não é feita no contrato de mútuo a risco, tem de o ser como se faz em caso de seguro (Código Comercial, art. 665).

A Bodmerei germânica teve espécime notável na gheldt op ships bodem holandesa (cf. Estatuto de Amsterdão de 13 de agosto de 1527 e Ordenança holandesa de 29 de janeiro de 1529, cap. 19). Cumpre observar-se que, no direito brasileiro, a despeito de tacteamentos, se afastou qualquer concepção de penhor do navio ou da carga. A fortiori, o princípio *Res solum obligata est. Quem se vincula é o mutuário a risco, sem gravame do bem. Com isso se repeliu o que escreveram K. FR. EICHHORN (Einleitung in das deutsche Privatrecht, § 116), M. PÕHLS (Seerecht, III, 818 e 840) e A. DE COURCY (Questions de Droit maritime, I, 32, e II, 114); com ainda mais forte razão, os absurdos de se ter o navio como pessoa ou algo para se tratar como pessoa (respectivamente, CRESP, Cours de Droit maritime, I, 59, e A. DES JARDINS (Traité de Droit commercial maritime, I, 84). 7. RISCOS TOMADOS. - D i z o art. 6 3 7 d o C ó d i g o C o m e r c i a l : " S e n o

instrumento do contrato se não tiver feito menção : específica dos riscos com reserva de algum, ou deixar de se estipular o tempo, entende-se que o dador do dinheiro tomará sôbre si todos aqueles riscos marítimos e pelo mesmo tempo, que geralmente costumam receber os seguradores". No art. 643, alíneas l. a e 2.\ do Código Comercial, estatui-se que "o tomador que não carregar efeitos no valor total da soma tomada a risco é obrigado a restituir ó remanescente ao dador antes da partida do navio ou todo se nenhum empregar; e se não restituir, dá-se ação pessoal contra o tomador pela parte descoberta, ainda que a parte coberta ou empregada venha a perder-se (art. 655). O mesmo terá lugar quando o dinheiro a risco fôr tomado para habilitar o navio, se o tomador não chegar a fazer uso dêle ou da coisa estimável, em todo ou em parte". As espécies de que fala o art. 643 do Código Comercial só se referem às relações jurídicas entre mutuário a risco e mutuante a risco, ditos, ali, "tomador" e "dador". E óbvio que o mutuante a risco, que se conluiara, ou estava de má fé, não tem a ação de que ali se trata. Aliás, afaste-se qualquer interpretação que veja o art. 643 como contendo regras jurídicas sôbre validade. O contrato é e vale (com razão, J. CAUVET, Traité des Assurances maritimes, I, 155; A. DE COURCY, Questions de Droit maritime, 34). De modo nenhum se pode invocar o art. 643 contra o endossatário de boa fé. A letra de risco é título abstratizado, como, hoje, a duplicata mercantil. Diz o art. 645 do Código Comercial: "Se ao tempo do sinistro parte dos efeitos obieto de risco já se achar em terra, a perda do dador será redu-

zida ao que tiver ficado dentro do navio; e se os efeitos forem transportados em outro navio para o porto do destino originário (art. 614), neste continuam os riscos do dador". O Alvará de 24 de julho de 1793 resolveu, acertadamente, que, sendo de menos que o valor do navio ou da carga, ou do navio e da carga, o mútuo a risco, se, além da soma mutuada, que estava a bordo, havia valores que podiam ser vendidos e se venderam "no curso da viagem e nas diferentes escalas", não fica obrigado pelo que vendeu o mutuário. 8. PERCURSO A QUE O MÚTUO A RISCO SE REFERE. - D e s d e as suas

mais remotas origens, o mútuo a risco somente se entende para viagem e depende do percurso a que a viagem corresponde. Daí a exigência do art. 634, inciso 6, do Código Comercial. No art. 638, l. a e 2.a partes, foram incertas duas regras jurídicas dispositivas: "Não se declarando na escritura ou letra de risco que o empréstimo é só por ida ou só por volta, ou por uma e outra, o pagamento, recaindo o empréstimo sôbre fazendas, é exeqüível no lugar do destino destas, declarado nos conhecimentos ou fretamento; e se recair sôbre o navio, no fim de dois meses depois da chegada ao porto do destino, se não aparelhar de volta". O mútuo a risco pode ser por viagem de ida, ou de volta, ou de ida e volta, com tempo determinado. As estadias, mesmo quando demoram mais do que se previa, não interrompem a viagem. O risco do mútuo pode não coincidir com o risco do navio e da carga. Por exemplo: a escala seria A, B e D, e o navio fêz A, B, C e D. O mútuo não correu risco entre B e C, salvo no que o caminho para C era o caminho para D. No tempo do risco compreende-se o do desembarque (NEWSON, A Digest ofthe Law ofShipping and ofmarine Insurance, 2.a ed., 144).

CAPÍTULO I I

VALIDADE E E F I C Á C I A D O C O N T R A T O DE M Ú T U O A R I S C O

§ 4.606. PRESSUPOSTOS DE VALIDADE 1. VALIDADE E INVALIDADE. - O contrato de mútuo a risco exige todos os pressupostos sem os quais seriam nulos ou anuláveis os outros contratos. A incapacidade, a ilicitude e a impossibilidade, a falta de forma ou de solenidade e outras infrações são comuns. Todavia, há, a mais, o art. 656, l. a e 2.a alíneas, do Código Comercial, que estabelece: "É nulo o contrato de câmbio marítimo: 1. Sendo o empréstimo feito a gente da tripulação. 2. Tendo o empréstimo somente por objeto o frete a vencer, ou o lucro esperado de alguma negociação, ou um e outro simultânea e exclusivamente. 3. Quando o dador não corre algum risco dos objetos sôbre os quais se deu o dinheiro. 4. Quando recai sôbre objetos, cujos riscos j á têm sido tomados por outrem no seu inteiro valor (art. 650). 5. Faltando o registo, ou as formalidades exigidas no art. 516 para o caso de que aí se trata. Em todos os referidos casos, ainda que o contrato não surta os seus efeitos legais, o tomador responde pessoalmente pelo principal mutuado e juros legais, posto que a coisa objeto do contrato tenha perecido no tempo e no lugar dos riscos". Primeiramente, observemos que a sanção somente concerne à assunção de risco, e não ao contrato. O mútuo houve, e o mútuo vale. Não é válida ou não é eficaz a cláusula de assunção do risco. Rigorosamente, há invalidade da cláusula ou das cláusulas típicas se ocorre o que se prevê no art. 656, incisos 1, 2, 3 e 5, 2. a parte; e ineficácia da cláusula ou das cláusulas, nos casos do art. 656, incisos 4 e 5, l. a parte. De qualquer modo, nenhum efeito da cláusula ou das cláusulas típicas se pode esperar.

2. EMPRÉSTIMO TOMADO PELO CAPITÃO OU PESSOA QUE LHE CORRES-

PONDA. - No art. 652, o Código Comercial previu o empréstimo pelo capitão (piloto ou condutor de veículo, conforme a interpretação analógica): "O empréstimo de dinheiro a risco sôbre o navio tomado pelo capitão no lugar do domicílio do dono sem autorização escrita produz ação e privilégio somente na parte que o capitão possa ter no navio e frete; e não obriga o dono, ainda mesmo que se pretenda provar que o dinheiro foi aplicado em benefício da embarcação". A despeito da referência ao privilégio (que é especial), a espécie é de regramento de eficácia, e não de validade. O contrato de mútuo a risco vale e é relativamente eficaz. O art. 652 afasta a pretensão do mutuante a risco, contra o proprietário, ou quem lhe faça as vezes, pelo enriquecimento injustificado; não, porém, a pretensão pelo enriquecimento injustificado que possa ter o capitão, ou pessoa a êle equiparada, contra o dono do meio de transporte, ou quem lhe faça as vêzes.

§ 4.607. E F I C Á C I A D O M Ú T U O A R I S C O

1. REGISTO OU VISTO. - Se. faltou o registo oportuno, ou o visto, o crédito não tem o privilégio especial (Código Comercial, arts. 633 e 653). Cf. arts. 515 e 516. Trata-se de exigência de publicidade. Só a eficácia quanto a terceiros é que se pré-elimina (WILLIAM LEWIS, Das deutsche Seerecht, II, 2.a ed., 15 s., nota 2, sôbre o art. 633 do Código Comercial brasileiro). 2. VENCIMENTO DO MÚTUO A RISCO. - N o contrato d e m ú t u o a risco

tem-se de determinar a data do pagamento e o lugar em que se há de fazer (Código Comercial, art. 634, inciso 7). Lê-se no art. 660 do Código Comercial: "Não estando fixada a época do pagamento, será este reputado vencido apenas tiverem cessado os riscos. Desse dia em diante correm para o dador os juros da lei sôbre o capital e prêmio no caso de mora, a qual só pode provar-se pelo protesto". Entenda-se: a mora só é eficaz com o protesto, conforme os princípios do Código Comercial. 3. RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS FIGURANTES. - " S e entre o da-

dor a risco e o capitão se der algum conluio por cujo meio os armadores

ou carregadores sofram prejuízo, será este indenizado solidàriamente pelo dador e pelo capitão, contra os quais poderá intentar-se a ação criminal que competente seja" (Código Comercial, art. 654). "Incorre em crime de estelionato o tomador que receber dinheiro a risco por valor maior que o do objeto do risco, ou quando este não tenha sido efetivamente embarcado (art. 643); e no mesmo crime incorre também o doador que, não podendo ignorar esta circunstância, a não declarar à pessoa a quem endossar a letra de risco. No primeiro caso, o tomador, e no segundo, o dador, respondem solidàriamente pela importância da letra, ainda quando tenha perecido o objeto do risco" (Código Comercial, art. 655).

§ 4.608. CLÁUSULAS, INCIDENTES E ACIDENTES DO PERCURSO 1. CLÁUSULA DE TOCAR E CLÁUSULA DE ESCALA. - A cláusula de tocar

pode ser positiva, ou negativa (= de não tocar). A cláusula de escala é cláusula que alude às estações ou portos do percurso. No Código Comercial, o art. 644 estatui: "Quando no instrumento de risco sôbre fazendas houver a faculdade de tocar e fazer escala, ficam obrigados ao contrato, não só o dinheiro carregado em espécie para ser empregado na viagem e as fazendas carregadas no lugar da partida, mas também as que forem carregadas em retorno por conta do tomador, sendo o contrato feito de ida e volta; e o tomador neste caso tem faculdade de trocá-las ou vendê-las e comprar outras em todos os portos de escala".