Pedagogia Freinet e a ação do professor na sala de aula: um trabalho cooperativo 9788572735209

Prefácio Este livro escrito pela Profa. Dra. Joana D’arc de Souza Dantas constitui um documento extraído de sua tese de

221 3 17MB

Portuguese Pages 168 [172] Year 2011

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD PDF FILE

Table of contents :
Introdução......................................................................................................... 15
Capítulo 1
Uma prática alternativa de ensino........................................................ 21
Quadro sintético do problema: objeto e objetivos ...................... 21
Capítulo 2
Contribuições à renovação pedagógica............................................... 33
Capítulo 3
Concepções pedagógicas de Célestin Freinet.................................. 43
Origens e influências da Pedagogia Freinet..................................... 43
Bases de apoio da Pedagogia Freinet................................................... 52
O trabalho cooperativo............................................................................... 63
Capítulo 4
Fontes de informação do trabalho........................................................ 71
A investigação.................................................................................................. 71
Observação......................................................................................................... 74
Entrevistas......................................................................................................... 76
Questionários.................................................................................................. 77
Campo da pesquisa........................................................................................ 77
Participantes da experiência................................................................... 78
As professoras.................................................................................................. 78
Os alunos............................................................................................................ 79
Capítulo 5
A experiência.................................................................................................... 87
Técnicas desenvolvidas............................................................................... 90
A aula-passeio.................................................................................................. 96
Como se iniciou a aula-passeio na escola
- campo da pesquisa..................................................................................... 96
A técnica do ateliê..........................................................................................100
O ateliê em sala de aula................................................................................101
O texto livre......................................................................................................102
O jornal escolar.................................................................................................108
O jornal escolar na sala de aula...............................................................108
O Livro de Vida.................................................................................................112
A conversa livre...............................................................................................114
O projeto.............................................................................................................114
A correspondência escolar.........................................................................116
O balanço das atividades.............................................................................120
Capítulo 6
Atitudes didático-pedagógicas das professoras.............................123
Questões referentes à escolha e integração profissional..........124
Atividade docente..........................................................................................129
Concepções que fundamentam a prática docente..........................134
Algumas considerações ..............................................................................151
Referências.........................................................................................................159
Recommend Papers

Pedagogia Freinet e a ação do professor na sala de aula: um trabalho cooperativo
 9788572735209

  • 0 0 0
  • Like this paper and download? You can publish your own PDF file online for free in a few minutes! Sign Up
File loading please wait...
Citation preview

Joana D'arc de Souza Dantas é paraibana. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Orientação Educacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Mestra e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.

Especialista em Educação do Préescolar pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Professora adjunta e pesquisadora em Educação do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Disciplinas ministradas Organização da Educação Brasileira, Didática. Estágio Supervisionado da Prática de Ensino. Monografia I e II.

PEDAGOGIA FREINET E A AÇÃO DO PROFESSOR NA SALA DE AULA um trabalho cooperativo

JOANA DARC DE SOUZA DANTAS

PEDAGOGIA FREINET E A AÇÃO DO PROFESSOR NA SALA DE AULA um trabalho cooperativo

Natal, 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Reitora Angela Maria Paiva Cruz

Editor Helton Rubiano de Macedo Capa Edson Lima

Vice-Reitora Maria de Fátima Freire Ximenes

Revisão Noel Arantes

Diretor da EDUFRN Herculano Ricardo Campos

Conselho Editoral Cipriano Maia de Vasconcelos (Presidente) Ana Luiza Medeiros Humberto Hermenegildo de Araújo John Andrew Fossa Herculano Ricardo Campos Mônica Maria Fernandes Oliveira Tânia Cristina Meira Garcia Técia Maria de Oliveira Maranhão Virgínia Maria Dantas de Araújo Willian Eufrásio Nunes Pereira

Supervisão editorial Alva Medeiros da Costa Supervisão gráfica Francisco Guilherme de Santana

Pré-impressão Jimmy Free

Divisão de Serviços Técnicos

Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central Zila Mamede

Dantas, Joana D’arc de Souza. Pedagogia Freinet e a ação do professor na sala de aula: um trabalho cooperativo / Joana D’arc de Souza Dantas. -Natal, RN : EDUFRN, 2011.

168 p. ISBN: 978-85-7273-520-9

1. Ação pedagógica. 2. Cooperação. 3. Técnicas Freinet. I. Título.

RN/UF/BCZM

CDD 371.2 CDU 37.013

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN - Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil e-mail: [email protected] | www.cditora.ufrn.br Telefone: 84 3215-3236 | Fax: 84 3215-3206

“Se quisermos aprender a forjar for­

jando, temos de procurar, criar e fabricar os

instrumentos de trabalho à medida das nos­ sas necessidades e das nossas possibilidades; temos que aprender ou reaprender a nos ser­

vir deles, nas múltiplas incidências das vidas que nos confiam”.

Célestin Freinet

Dedico este livro aos meus filhos Sérgio e Silvana e aos meus netos Thiago e Tatianne.

Agradecimentos A todas as pessoas que contribuíram significativamente para a realização deste trabalho: À Profa. Dra. Djanira Brasilino de Souza que me iniciou na

Pedagogia Freinet. À Profa. Dra. Neide Varela Santiago pela criteriosa orientação deste trabalho. Ao Prof. Dr. José Pires pela contribuição valiosa. À Profa. Dra. Gláucia Pires pela revisão ortográfica.

Ao Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira, companheiro nessa cami­ nhada freinetiana, pela leitura criteriosa de revisão deste trabalho. À Profa. Francisca Sousa e à Profa. Hilda Antônia C. Martins

pela revisão bibliográfica. À Profa. Theresa Sila Moreira, Diretora da Escola Estadual A. Matias Moreira pelo convite e acolhida na sua escola. Às professoras que nos receberam em suas salas de aula, bem como aos alunos que participaram da experiência. Um agradecimento especial aos meus filhos Sérgio e Silvana, pela contribuição e apoio. Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN pela oportunidade, à equipe da Editora Universitária, pela colaboração, e um agradecimento especial ao professor Herculano pela atenção e prontidão com que me atendeu. Por fim, uma homenagem póstuma ao meu esposo Pedro que esteve comigo nos últimos momentos deste trabalho.

Prefácio Este livro escrito pela Profa. Dra. Joana D’arc de Souza Dantas constitui um documento extraído de sua tese de doutorado, o qual será útil a todos aqueles que têm a missão de educar: aos pais e, sobretudo, aos que escolheram como profissão formar as crianças e os jovens para o exercício de sua cidadania - os professores e os educadores, de um modo geral. Imbuída de seu espírito de educadora, percebe-se que a Profa. Dra. Joana Darc está sempre em busca de melhoria para a ação edu­ cativa dos professores e, consequentemente, de melhores condições de aprendizagem para os alunos. Nesse ínterim, ela se depara com a Pedagogia Freinet - que abre novos horizontes à ação educativa -, assim como evidencia perspectivas de uma ação pedagógica mais con­ dizente com as necessidades da nossa escola, razão pela qual ela resolve vivenciar, em sala de aula, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, os princípios norteadores dessa pedagogia, apoiados pelas suas técni­ cas de trabalho. Para tanto, ela transpôs os obstáculos, enfrentou o desafio em face da precariedade da nossa escola pública: péssimas condições de funcionamento da escola como um todo; salas de aulas com número excessivo de alunos; inexistência de material didático-pedagógico; professores não devidamente preparados. Para efetivar o seu intento, a autora toma como objeto de estudo “a Pedagogia Freinet, centrando-se no princípio da cooperação, como eixo do processo de ensino-aprendizagem”. Portanto, infere-se que a intenção desse trabalho é conduzir alguém a “fazer escola” e não fazer a escola. Pelo desenvolvimento das ações educativas no decorrer desse trabalho, percebe-se que não se trata apenas de apresentar um livro como forma de um trabalho de conclusão de curso, no caso doutorado, mas, sobretudo, de construir uma obra pedagógica, através de experi­ ências concretas vivenciadas em sala de aula. Portanto, pode-se dizer que este livro é um recolhimento de experiências e de vida.

A experiência vivenciada pela pesquisadora se situa numa dinâmica de pesquisa que encontra sua origem na vontade de achar soluções para que a nossa escola pública saia da situação de descaso do ensino, sentida por todos os brasileiros, e se ajuste às reais condições dignas do nosso povo. Eis a motivação que a conduziu a lançar mão de uma pedagogia que coloca o homem no centro do processo de sua formação. Sabe-se que muitos professores e renomados especialistas em educação ignoram uma pedagogia que coloca o aluno no centro do pro­ cesso de ensino-aprendizagem. Estamos convictos de que este livro traz uma grande contribui­ ção a todos os professores e aos educadores, de um modo geral, que desejam organizar uma escola e, sobretudo, uma sala de aula na qual os alunos possam vivenciar no dia a dia a sua cidadania. Faz-se por bem salientar que face às duras realidades do nosso ensino público, Joana Darc tenta dar curso a uma experiência de ensino desafiadora no recinto de uma escola pública, cujos resultados foram satisfatórios e assim poderão motivar tantos outros educadores a uma reflexão sobre sua prática docente. Se cada um fizer a sua parte, poder-se-á chegar, mesmo em tempo remoto, a uma escola mais con­ dizente com as necessidades do povo brasileiro. Djanira Brasilino de Souza

Sumário Introdução......................................................................................................... 15

Capítulo 1 Uma prática alternativa de ensino........................................................ 21 Quadro sintético do problema: objeto e objetivos ...................... 21

Capítulo 2 Contribuições à renovação pedagógica............................................... 33

Capítulo 3

Concepções pedagógicas de Célestin Freinet.................................. Origens e influências da Pedagogia Freinet..................................... Bases de apoio da Pedagogia Freinet................................................... O trabalho cooperativo...............................................................................

43 43 52 63

Capítulo 4

Fontes de informação do trabalho........................................................ A investigação.................................................................................................. Observação......................................................................................................... Entrevistas......................................................................................................... Questionários.................................................................................................. Campo da pesquisa........................................................................................ Participantes da experiência................................................................... As professoras.................................................................................................. Os alunos............................................................................................................

71 71 74 76 77 77 78 78 79

Capítulo 5 A experiência.................................................................................................... 87 Técnicas desenvolvidas............................................................................... 90 A aula-passeio.................................................................................................. 96

Como se iniciou a aula-passeio na escola - campo da pesquisa..................................................................................... 96 A técnica do ateliê.......................................................................................... 100 O ateliê em sala de aula................................................................................ 101 O texto livre...................................................................................................... 102 O jornal escolar................................................................................................. 108 O jornal escolar na sala de aula............................................................... 108 O Livro de Vida................................................................................................. 112 A conversa livre............................................................................................... 114 O projeto............................................................................................................. 114 A correspondência escolar......................................................................... 116 O balanço das atividades............................................................................. 120

Capítulo 6

Atitudes didático-pedagógicas das professoras............................. 123 Questões referentes à escolha e integração profissional.......... 124 Atividade docente.......................................................................................... 129 Concepções que fundamentam a prática docente..........................134 Algumas considerações .............................................................................. 151 Referências......................................................................................................... 159

Introdução Neste livro, tivemos como foco de interesse o desenvolvimento de uma pedagogia de ação - Pedagogia Freinet - na qual se tomou como centro de interesse a “cooperação”, princípio que propicia ao aluno meios como: a discussão conjunta das atividades realizadas, a troca de experiências, a ajuda mútua, a solidariedade, entre outros, para que ele, numa ação democrática com os demais colegas, seja o construtor de sua própria formação. Dessa forma, espera-se que esse assumir do aluno contribua para a minimização do fracasso escolar. Assim sendo, o próprio título deste livro tenta explicar a impor­ tância dessa dinâmica de ação que pode contribuir mais efetivamente no processo de ensino-aprendizagem, por ter como centro de suas pre­ ocupações o aluno como “agente” do seu próprio saber. O motivo de se perseguir essa linha de trabalho foi, por um lado, poder trazer subsídios à formação e ao aperfeiçoamento do professor através da orientação de sua ação em sala de aula e, por outro lado, poder continuar um trabalho que vem sendo desenvolvido desde 1994 no campo da extensão e pesquisa. Vale salientar que a razão da escolha da Pedagogia Freinet deve-se ao fato de um primeiro contato com essa pedagogia, através de um trabalho de extensão desenvolvido por um grupo de professores do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no qual se vislumbrou uma alternativa de ação pedagógica mais coerente com a atual visão de ensino-aprendizagem. Houve ainda maior incentivo quando da participação de uma oficina pedagógica cujos trabalhos foram desenvolvidos à luz dos princípios e técnicas da Pedagogia Freinet e de observações em salas de aula, cuja proposta pedagógica contemplava essa pedagogia. A participação em trabalhos de pesquisa e em seminários sobre essa pedagogia, promovidos pelo Departamento de Educação da UFRN, também contribuiu muito para essa escolha. Nessa ocasião, foram apresentados os princípios norteadores, assim como foi pos­ sível vivenciar atividades em ateliês, nos quais se colocou em prática algumas técnicas de ensino auxiliares na dinamização da Pedagogia Freinet, chamadas de Técnicas Freinet da Escola Moderna.

Constatou-se que os estudos realizados, apesar de terem aberto perspectivas para a necessidade de uma ação mais efetiva do professor na sala de aula, não foram suficientes para que se detectassem todos os pontos críticos do ensino em nossas escolas, sobretudo devido ao exíguo tempo dedicado ao trabalho de dissertação de mestrado. Acredita-se, então, que numa pesquisa mais ampla na qual se contemple a intervenção na sala de aula - momento de maior inte­ ração professor-aluno, alunos-alunos, interagindo nas suas trocas de experiências, o que ocorre com a Pedagogia Freinet -, obtêm-se maio­ res subsídios para o repensar da prática pedagógica. Assim, um momento que parece ser deveras oportuno para esse aprofundamento é precisamente o dedicado aos estudos em um doutorado, por se dispor de maior tempo para se refletir as questões concernentes ao sujeito da pesquisa, embora se saiba que, em face da amplitude do sujeito pesquisado e das limitações do pesquisador, jamais se chegará a esgotar tais conteúdos. Espera-se, contudo, que os horizontes se ampliem e que novos caminhos surjam no âmbito da pesquisa em educação. E inegável que hoje se vive em uma época em que o mundo está envolto numa grande complexidade, devido às grandes e rápidas mudanças, tanto no campo científico quanto tecnológico. Com isso, pode-se perguntar: qual tem sido a posição da escola em face dessas mudanças? Percebe-se que, no bojo desses acontecimentos, a escola, pela sua estrutura e funcionamento, continua à margem das conquistas e já sente a forte pressão que é exercida sobre ela, não só pela comunidade, mas também pelos próprios alunos, em particular, que não aceitam mais a atitude de alguns professores que persistem em tratá-los como cântaros vazios, a serem preenchidos com uma água que não contém os elementos químicos necessários a uma água saudável, capaz de lhes fornecer as substâncias indispensáveis ao seu organismo. Ou seja, os alunos não aceitam mais um professor que se detém a transmitir-lhes um conteúdo alienante às exigências de sua formação para o mercado de trabalho. Trata-se de um momento de desafio para a escola. Ela tem que ter coragem para libertar-se das estruturas alienantes, construídas por

16

um discurso formal e simbólico, cuja finalidade é perpetuar o sistema sociopolítico e econômico vigente, que, embora queira camuflar essa situação, a sua finalidade precípua é manter no “poder” uma minoria que vive à custa da exclusão da maioria que permanece na pobreza e, uma parte dela, em condições infrahumanas. Assim sendo, a escola brasileira como está estruturada - padro­ nizada e impositora no que concerne aos conhecimentos -, dificilmente formará indivíduos capazes de participar do processo de desenvolvi­ mento da sociedade. Ao contrário, se ela persistir em continuar nesse nível, a tendência é aumentar cada vez mais o número dos excluídos e, consequentemente, a marginalização e a desordem. E, portanto, urgente refletir a educação, cujas exigências são maiores e mais urgen­ tes nesse novo milênio, em face de um mundo globalizado. É evidente que a educação que exclui e marginaliza deve ser subs­

tituída por outra, cuja função primordial é “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualifica­ ção para o trabalho”, como está expresso no Art. 205, da Constituição Brasileira. Torna-se necessário que a escola dê outra direção à educação, substituindo a sua forma tradicional, centrada no professor, por outra, que favoreça a igualdade de oportunidades, a equidade e as diferenças individuais e abra espaço a todos, dando-lhes condições de participar do processo social, um direito que assiste aos cidadãos, independente de raça, língua, credo e nacionalidade. Assim, precisa-se colocar o aluno como centro do processo de ensino-aprendizagem, para que ele possa tomar parte ativa no processo de sua formação. Esse é o desafio com o qual se defronta a escola, a fim de poder cumprir a sua função de mediadora da transformação social. Para o enfrentamento desse desafio, a escola deve ser repen­ sada, desde a sua estrutura física, seu projeto pedagógico, à formação dos professores, tendo em conta a sua formação sociopolítica. Espera-se, portanto, que este trabalho propicie uma reflexão sobre as questões que envolvem a educação brasileira, no presente momento, sobretudo no que concerne diretamente à ação professor/ aluno - objeto do estudo. Na tentativa de contribuir para essa reflexão sobre a educação, procurou-se dar uma sequência organizacional ao trabalho, de modo 17

que propicie uma visão de suas partes, no seu conjunto. Foi, pois, orga­ nizado em sete itens assim distribuídos: uma introdução, seis capítulos e as considerações finais. Na Introdução, discorre-se sobre as razões da escolha da Pedagogia Freinet como norteadora da pesquisa. Essa pedagogia tem como finalidade dar continuidade às investigações realizadas anterior­ mente em nível de mestrado. No primeiro capítulo, faz-se uma abordagem sobre uma prática alternativa de ensino, em que se enfoca, de modo sintético o problema, levantam-se alguns questionamentos sobre o objeto da pesquisa e delineiam-se os seus objetivos. Já no segundo, são estabelecidas as ideias de alguns autores que se preocupam com um ensino renovado, centrado no aluno, com as de Freinet, na busca de meios que pudessem ajudá-lo na construção da “escola do povo”, como sempre ele a denominava. O quarto descreve as concepções pedagógicas de Célestin Freinet, de seu itinerário, em busca de contribuições que pudessem ajudá-lo na organização de sua proposta pedagógica. Apresentam-se também as bases de apoio à Pedagogia Freinet, ou seja, os seus princípios, assim como as técnicas dinamizadoras do processo de ensino-aprendizagem, que, numa perfeita integração, garantem a solidificação da filosofia preconizada por essa pedagogia - “a formação do homem”. Foi dada ênfase maior à reunião coopera­ tiva, tomada como ponto de partida para o desenvolvimento das ações pedagógicas durante todo o processo de intervenção, no percurso da pesquisa. A seguir, estabelecem-se as fontes de informações do trabalho utilizadas no processo de investigação, pautadas nas observações, entrevistas e questionários, incluindo como participantes da pesquisa

os professores e alunos. Prossegue-se no quinto capítulo com a apresentação da inter­ venção, na qual se descreve a experiência, enfocam-se as técnicas utilizadas em sala de aula no decorrer de todo o processo, destacando-se a participação dos alunos, através de ilustrações fotográficas e de seus trabalhos.

18

Dá-se continuidade, no sexto, à discussão das atitudes didático-pedagógicas das professoras, em que são abordadas questões referentes à sua escolha profissional, valorização do seu trabalho, satisfação/insatisfação na escolha profissional, facilidades e dificuldades encontradas, condução do trabalho, suas concepções sobre educação e ensino, as dificuldades do seu papel de professora, a significação da Pedagogia Freinet na sua prática pedagógica, a integração com os seus alunos, bem como as mudanças ocorridas em sala de aula. Finalmente, procura-se destacar alguns aspectos mais relevan­ tes da pesquisa, seguidos das considerações e recomendações.

19

Capítulo 1 Uma prática alternativa de ensino Neste capítulo, pretende-se abordar o problema e a problemá­ tica que envolve o presente trabalho, para justificar a busca de uma prática alternativa de ensino, bem como o seu objeto de estudo e os objetivos que o norteiam.

Quadro sintético do problema: objeto e objetivos Um estudo mais aprofundado da problemática que envolve o ensino brasileiro foi fundamental para se chegar às questões norteadoras desta pesquisa. Essa problemática estudada no momento atual toma como fun­ damento explicativo a política educacional brasileira a partir de 1964. Foi nesse período que se deu o golpe militar que depôs o então pre­ sidente da República, instalando-se de imediato um regime ditatório repressivo, que pôs fim à democracia populista iniciada em 1946. O período, que durou duas décadas (1964-1985), foi caracterizado poli­ ticamente pela repressão à liberdade de expressão crítica vivenciada pela sociedade brasileira. Como parte integrante do contexto, o sistema educacional sofreu grandes consequências, tais como: aumento da privatização do ensino; institucionalização da profissionalização em nível de 2o grau; estabelecimento de uma metodologia de ensino essencialmente tecnicista, ou seja, com ênfase nos multimeios, ocasionando a consequente queda dos conteúdos de ensino. Assim, durante os governos militares, a educação no Brasil, a exemplo do que vinha ocorrendo em vários setores da sociedade, foi submetida a um processo intensivo de reformulações na sua estrutura

e nas formas de funcionamento. A esse respeito, Saviane (1987, p. 96) diz: As modificações introduzidas na organização educacional brasileira visavam, fundamentalmente, ajustar a educação [...] à ruptura política operada em 1964, assestando, assim, um rude golpe nas aspirações populares que implicavam a luta pela transformação da estrutura socioeconômica do país.

Vale salientar que estava em curso no país, nesse momento, o projeto do capitalismo nacional, associado ao capital estrangeiro que se intensificou nos anos 1960, em consequência da privatização e internacionalização da economia brasileira. Assim, a nova política fixada em função desse contexto traz uma série de leis, decretos, pare­ ceres, cujas propostas seriam reformar o ensino brasileiro. Esse ímpeto reformista teve seu início em 1968 com a pro­ mulgação da Lei n° 5.540, da Reforma Universitária, que foi o ponto de partida para a reformulação geral do ensino, pois estava nas pre­ ocupações do Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Universitária a profissionalização do Ensino Médio - solução em longo prazo dos pro­ blemas da educação, como, por exemplo, a corrida para a Universidade,

a desproporção oferta /demanda, entre outros. Objetivando esse intento, foi promulgada a Lei n° 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixou as diretrizes e bases da educação nacio­ nal. A lei veio completar o ciclo das reformas educacionais destinadas a ajustar a educação à ruptura política gerada pelo golpe militar de 1964. Essa legislação veio, ainda, reafirmar o direito ao ensino público gra­ tuito (oficializado pela Constituição de 1969) para todos os brasileiros. As inovações mais significativas dessa lei referiam-se à extensão da escolaridade obrigatória (8 anos) e à generalização do ensino profissio­ nalizante no nível de 2o grau. Com essa legislação, as oportunidades de acesso à escola pare­

ceram ser ampliadas, haja visto o aumento de anos de escolaridade obrigatória, a eliminação do exame de admissão ao ginásio (Lei n° 4.024/61) e a obrigatoriedade da recuperação, que poderiam ser enten­ didos como interesse pela aprendizagem da criança.

22

Embora o direito de acesso à escola tenha criado nas pessoas a ideia de um ensino básico para todos, na verdade, para muitas crian­ ças brasileiras, a escola é uma instituição que não existe. Não lhes são dadas condições de acesso e, para as que conseguem ingressar na escola, a permanência não lhes é garantida, face às condições precá­ rias de funcionamento como um todo. A escola, que deveria atender a todas as crianças, sem distinção, na verdade, atende mais e melhor às crianças das classes economicamente mais favorecidas e às dos centros mais desenvolvidos, o que vem agravar ainda mais as desigualdades sociais. Apesar da relativa expansão das oportunidades educacionais, a qualidade do ensino decaiu profundamente, elevando-se o índice de evasão e repetência. De acordo com os dados da Secretaria de Educação1 do Estado, o Rio Grande do Norte não difere da média dos estados brasileiros no que se refere à situação educacional. Os indicadores mostram que há uma pertinência nos elevados índices de reprovação e evasão nas séries iniciais do Ensino Fundamental nas escolas públicas. Em 1992, de cada grupo de 1.000 alunos no Io grau, apenas 589 foram promovidos para a série seguinte; 307 repetiram a mesma série e 105 evadiram-se. Se forem observados os dados fornecidos pelo Grupo Auxiliar de Estatística Educacional (GAEE - USP/SEC), em 1994, não se constata uma mudança significativa em relação a esse quadro, pois o estado do Rio Grande do Norte apresentou um índice geral de repetência na Ia série do Io grau de 39,87% e na 2a série, de 29,83%. O estado integrou-se ao Universo da pesquisa do sistema de avaliação da Educação Básica (SAEB) que busca conhecer a situação do sistema de ensino a partir da gestão escolar, do desempenho do pro­ fessor, das condições de trabalho e do rendimento dos alunos. Quanto ao Rio Grande do Norte, os alunos não apresentaram um rendimento desejável, principalmente nos conteúdos de Português e Matemática. No teste de Português, em que foi avaliada a compreen­ são da leitura, o percentual foi 48,7% na 4a série e 59,3% na 8a série. No de Matemática, o percentual de acertos foi de 31,5% na 4a série e 38,9 na 8a série. Como o documento explicita, os dados de um modo

1 RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria de Educação, Cultura e Desportos. Ciclo Básico: um outro fazer pedagógico. Natal: SECD, 1996. p. 14.

23

geral, colocam esse estado em nível superior aos de Pernambuco, Piauí, Acre, Amapá, Tocantins, Alagoas e Maranhão. Mesmo assim, a desigualdade na oferta e na qualidade do ensino tende a fortalecer mais e mais o fracasso na escolarização, prin­ cipalmente da classe menos favorecida, impedindo que esta adquira os conhecimentos fundamentais para a aquisição das aprendizagens básicas e, consequentemente, para a continuidade da escolarização e, o que é pior, deixando um caminho aberto à marginalização da maioria dos jovens da nossa sociedade. De acordo com os princípios legais proclamados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 206, inciso I e IV, a escola garante a todos os brasileiros as mesmas oportunidades, sobre­ tudo aquelas referentes à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, e também um padrão de qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino. Porém, pela educação que oferece, através de um ensino elitista e, consequentemente, distante da rea­ lidade social do nosso povo, a escola confirma a desigualdade social, dificultando ou mesmo impedindo a aprendizagem que se faz necessá­ ria para esse crescimento. Como já se mencionou anteriormente, essa desigualdade atinge diretamente as crianças provenientes das famílias de nível socioeconômico mais baixo, pois, nessas condições, elas dificilmente têm sucesso nos estudos. A essa classe são negadas escolas em padrão compatível a um bom funcionamento, tanto na sua estrutura física como didáticopedagógica. Essa é a razão pela qual muitas famílias, cujas condições finan­ ceiras são precárias, vão em busca de escolas privadas, que na sua percepção oferecem um ensino em padrão desejável e garantem uma melhor aprendizagem. Corroborando com a literatura que analisa as questões básicas das dificuldades do ensino, especialmente na escola pública, constatou-se, a partir de observações informais realizadas anteriormente na escola, uma série de questões que podem interferir no bom anda­ mento do processo de ensino-aprendizagem. Alguns desses aspectos

chamaram a atenção:

24





Os conteúdos ministrados são deficientes e distantes da rea­ lidade do aluno. A ênfase do trabalho escolar está no livro didático seguido rigorosamente pelos professores e sem o qual eles parecem não saber nortear o seu trabalho em sala de aula; Os procedimentos de ensino não se adequam aos conteúdos ensinados, pois o único meio utilizado para trabalhá-los é a exposição didática, auxiliada pelo quadro de giz, porém, esvaziada de toda e qualquer participação do aluno, restrin­ gindo-se a este escutar o professor e a memorizar o que lhe é repassado.

Algumas vezes, as aulas expositivas são alternadas por ativi­ dades mimeografadas (quando se dispõe de material, ou seja, papel e mimeógrafo), não dando também oportunidade ao aluno para dis­ cutir, questionar, elaborar o seu pensamento e desenvolver a sua criatividade. Esses dois procedimentos de ensino são monótonos e quase nunca voltados para o interesse real dos educandos. •

A avaliação, utilizada sob orientação das instâncias superio­ res do ensino, é usada como “um fim em si mesma” e não como “um meio” para conduzir o refazer das aprendiza­ gens não alcançadas. Avalia-se sempre o produto esvaziado do contexto do que se está ensinando e não o processo de aprendizagem.

Resume-se, enfim, a avaliação como um ritual de provas peri­ ódicas, para verificar a quantidade de conteúdos memorizados pelo aluno, culminando com a aferição de notas e classificação, sem maior preocupação, com o seu desenvolvimento e a sua aprendizagem. Se o aluno demonstrou que aprendeu, tudo bem, se não, ficará esperando outra oportunidade. Não há, no entanto, uma interação do sujeito com o conhecimento adquirido. Essa é a forma mais comum de ensino nas salas de aula, sobre­ tudo nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Percebe-se que esse procedimento tem contribuído, de um lado, para que o professor vá perdendo pouco a pouco a sua competência didático-pedagógica e o próprio domínio de classe e, por outro lado, vá deixando o aluno

25

disperso, desinteressado, inquieto, traduzindo a sua inquietude no vai e vem da sala de aula, perturbando o bom andamento dos trabalhos

escolares. - As propostas curriculares, que parecem não se preocupar com o ritmo de aprendizagem das crianças e nem com a sua realidade, contribuem muitas vezes para a decepção delas, o que tem como con­ sequência dois grandes problemas: a evasão e o fracasso escolar. Os dirigentes de escolas e os professores parecem não questionar os conteúdos trabalhados. Os alunos não são ouvidos, a comunidade não tem voz e nem vez na escola, o que faz entender que, pela falta de diálogo entre os que estão diretamente ligados ao ensino, não há “pro­ posições curriculares”, e sim “imposições curriculares”. Portanto, não havendo nem participação e nem interação na construção do saber, os currículos tendem a se constituir de uma mistura de conteúdos desconectados da vida das crianças. No que concerne às modalidades de formação dos professores, tanto no magistério em nível de 2o grau (hoje quase em extinção) quanto no curso de Pedagogia, que forma os licenciados, e os especia­ listas em Educação, e também nas demais licenciaturas (Matemática, História, Geografia...), constata-se que sempre foram acríticas, não históricas, bitoladas - perdidas nos labirintos acadêmicos das teorias. E o que parece é que os responsáveis por essa formação estão sem­ pre convictos de que estão preparando professores para exercerem as suas funções e que esse preparo está pronto e acabado, esquecendo-se, no entanto, que esses professores vão atuar numa sociedade que tem outras exigências, reclama outros valores e competências para se ajus­ tar a um mundo em processo acelerado de transformação. Hoje, com a sociedade mergulhada na globalização, as exigências se ampliam em todas as direções e, assim sendo, os professores precisam de outras formas de ação pedagógica para atender a esses reclamos. Deveria, portanto, haver experiências que se voltassem para a renovação, para a transformação, que apostassem na criança e que suprimissem a imposição modelante do conhecimento. Seria neces­ sário ainda haver escolas abertas à experiência, à criatividade, à cooperação, à descoberta, escolas que valorizem a criança na sua tota­ lidade - como homem e ser social.

26

No que diz respeito às leis e pareceres para o ensino brasileiro, não se pode contestar. A cada governo, discursos de melhor reforma aparecem, embora os efeitos práticos sejam tão morosos, que nem sempre chegam a se concretizar totalmente. Em 1996, apareceu, no panorama do ensino brasileiro, uma lei que fixou novas Diretrizes e Bases para a Educação Nacional - a Lei Federal de n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Com a promulgação dessa lei, a educação brasileira passou por um processo de mudanças, principalmente em relação à Educação Básica. O Ministério da Educação tomou algumas iniciativas em relação ao currículo ao elaborar um referencial para a Educação Fundamental, em âmbito nacional, intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), cuja proposta inicial passou por um processo de discussão com a participação de técnicos, especialistas e educadores de diversas regi­ ões. Embora o seu discurso gire em torno de questões da “qualidade do ensino e preparação para o exercício da cidadania”, não estão claras as relações da escola com as necessidades básicas da criança. Nessas questões, permanece a mesma indefinição sobre qualidade de ensino. E bem verdade que têm surgido propostas curriculares que indi­ cam caminhos para um trabalho sério e consistente. Mas para que essas propostas saiam do papel e se concretizem no fazer pedagógico da escola é necessário a participação, a adesão e o compromisso de todos aqueles que são responsáveis pela educação brasileira, desde aqueles que comandam os meios, ou seja, os recursos necessários para que a educação aconteça, aos que executam - os professores. Vê-se, portanto, que a ausência de “qualidade de ensino”, bem como o fracasso escolar não estão atrelados à letra de nenhuma lei. Pode-se fazer ensino de qualidade quando se tem vontade e compro­ misso sociopolítico com a educação. Têm razão Silva e Gentille (1996, p. 110) quando comentam: Sabemos que o fracasso escolar é parte de um padrão mais amplo de distribuição desigual e injusta, de recursos materiais e simbólicos. Neste sentido parece certo que uma política econômica e social dirigida diretamente para a modificação desse padrão teria mais efeito que uma política de uniformização curricular.

27

Sabe-se que esse padrão de desigualdade é reproduzido na distribuição de recursos educacionais, em função do magistério mal remunerado e de preparo deficiente no que concerne ao domínio de conteúdos, de um lado, e à prática pedagógica, de outro. Assim sendo, a escola que ora temos não se engaja com o coti­ diano da criança, porque propõe uma realidade distanciada de sua vida no lar e no “habitat” de boa parte das crianças das classes populares. Parece, assim, que as nossas escolas não se detêm a analisar as variáveis que interferem no processo de ensino-aprendizagem e não estão preocupadas com a construção dos seus currículos. Silva & Gentille (1996, p. 109) acrescentam: Os baixos desempenhos educacionais demonstrados por grande percentagem das crianças e jovens que frequentam as escolas públicas estão ligados a um conjunto complexo de variáveis e elementos que dificilmente podem ser reduzidos a inexistência de um padrão curricular comum de referência.

Sabe-se que a causa desses desempenhos pouco eficientes está numa política econômica e social de exclusão e exploração na qual a maioria das crianças da classe proletária que ingressa na escola nos primeiros anos de vida escolar é excluída pela necessidade de um tra­ balho assalariado prematuro, muitas vezes acima de suas capacidades físicas, como cortar cana, apanhar algodão na roça, entre outros desse gênero e cujo tipo e ambiente de trabalho interfere em seu crescimento físico. Devido às condições ínfimas de vida em que vivem, elas tam­ bém buscam na rua atividades que possam ajudar na sobrevivência delas e da família, como guardar e limpar carros. Assim, muitas dessas crianças terminam enveredando pelo caminho do roubo, da delinqu­ ência e das drogas, embora haja entre elas algumas exceções, pois se conhecem crianças que, apesar de viverem nesse mesmo ambiente, conseguem progredir de alguma forma. Entretanto, a escola, como está estruturada, não oferece as míni­ mas condições para integrá-las na sociedade. Ao contrário, frustra-as através da repressão à sua liberdade, não lhes fornecendo condições de adaptação e de aproveitamento de suas experiências.

28

Elas têm de seguir um programa totalmente alheio à sua vivên­ cia e às suas necessidades. Tal programa é igual para todos, preparado para doutrinar, por ser totalmente adverso à formação da capacidade crítica de análise e de criatividade, de modo que elas possam expressar suas ideias, organizar e socializar os seus conhecimentos. As tarefas escolares são impostas e têm sempre em vista preencher o tempo da criança e, na maioria das vezes, sem grandes consequências para a sua aprendizagem. As experiências do dia a dia dos alunos - na família, no seu meio, na convivência com os seus parceiros - não são levadas em conside­ ração, ou seja, não são valorizadas. Isso pode ocasionar o descaso, o desinteresse e a falta de motivação para empreender qualquer esforço na realização de algumas tarefas que para eles são inócuas, por serem desprovidas de sentido para as suas vidas. Assim sendo, as crianças que deveríam se envolver no pro­ cesso de ensino-aprendizagem como “agentes ativos” não adquirem os conhecimentos necessários à sua formação e, consequentemente, à sua integração na sociedade. Para muitas crianças brasileiras, a escola é um lugar no qual não se sentem bem, sobretudo pelo fato de permanecerem diante de uma professora que está a ditar conteúdos para serem memorizados, a passar exercícios para preencher o seu tempo na escola, a corrigir, na maioria das vezes, abruptamente a sua maneira de falar e de se com­ portar e ditar normas a serem seguidas sem nenhum questionamento. Nessa discussão, não se pode esquecer outros fatores que também influenciam no processo de ensino-aprendizagem. É possível situá-los em vários níveis:







os relacionados ao contexto mais amplo (macroeconômico), que é o ambiente socioeconômico e cultural - principal res­ ponsável pelas grandes decisões sobre a educação e no qual está inserida a criança; as condições que envolvem mais diretamente a criança, como sejam, as relacionadas com o seu grupo imediato família, comunidade, grupo de amigos e escola; os que afetam mais veementemente a criança, como, por exemplo, as condições de vida no seio da família, as

29

deficiências ocasionadas por distúrbios biológicos e psico­ lógicos, além de outros, derivados da carência alimentar, dos maus hábitos de higiene e, consequentemente, de um estado precário de saúde. Esses e outros fatores, que, por serem tantos - sobretudo os de ordem socioeconômica -, torna-se impossível enumerá-los, têm sido a causa de uma grande insatisfação com o ensino, principalmente da escola pública, na qual se registram os maiores índices de reprovação e evasão escolar. Os pais insatisfeitos com as reprovações seguidas de seus filhos temem que o fracasso e a exclusão da escola possam pesar no seu futuro. A insatisfação também permeia os professores, tanto pela falta de condições objetivas de trabalho (classes superlotadas, falta de material didático etc.) quanto pela ausência de uma política de valorização do magistério. Em consequência dessa desvalorização, os professores são obrigados a assumir uma multiplicidade de trabalhos, muitas vezes, diferentes do seu preparo profissional, para garantir a sua subsistência. A partir dessas reflexões, foram levantadas algumas questões que nortearam a nossa investigação:



A ação pedagógica do professor fundamentada numa

pedagogia interativa geraria mudanças qualitativas na aprendizagem? •

É possível viabilizar nas primeiras séries do Ensino Fundamental uma experiência pedagógica centrada no desenvolvimento do senso cooperativo e na participação social entre os sujeitos envolvidos?

Antes de responder a essas questões, deve-se voltar a atenção para a escola e, em específico, para o ensino, não deixando de lado as preocupações com o problema maior e mais cruciante que afeta a edu­ cação, o problema socioeconômico. E evidente que a escola não pode permanecer nesse marasmo de indiferença em relação aos verdadeiros objetivos do ensino. Os profes­ sores precisam ter uma visão clara dos fins da educação e, portanto, compreender que no sistema educativo há um encadeamento lógico

30

que vai desde as finalidades da educação em geral à sua consonância com as necessidades da sociedade. Portanto, a escola deve escolher uma linha pedagógica que possa oferecer às crianças os meios de ascensão à cultura e ao saber. Isto se faz mediante uma reflexão crítica que os conduz à adaptação das situ­ ações novas que aparecem na vida cotidiana, impondo uma educação que não venha pronta, mas que se centre na vida ambiente, bem vigo­ rosa, capaz de educar as crianças para o exercício pleno da cidadania. Está evidente que a escola precisa de mudanças e que essas mudanças devam se processar no seu interior, ou seja, na sala de aula, espaço reservado à ação docente propriamente dita, em que há uma interação direta professor/aluno, que numa ação conjunta devem buscar a construção do saber. Partindo do princípio de que o professor é um dos mediado­ res do ensino-aprendizagem, ousa-se lhe atribuir, embora em âmbito restrito, uma parcela de responsabilidade quando o fracasso escolar atinge um grande contingente de crianças da escola pública, na maio­ ria, oriundas das classes populares. Por isso, acredita-se que se o professor utiliza uma dinâmica de trabalho em sala de aula que envolva o aluno como corresponsável do processo de ensino-aprendizagem, ele está investindo a “cota” que lhe cabe na mudança desse quadro. Essas reflexões acompanhadas dos questionamentos ajudaram no norteamento da proposta deste trabalho, razão pela qual se optou por desenvolver um trabalho ligado diretamente à ação do professor rrn sala de aula. Para desenvolver essa proposta, delimitou-se como “objeto de estudo” a Pedagogia Freinet, destacando-se o princípio da “coopera­ ção" como eixo condutor do processo de ensino-aprendizagem. É evidente que para desenvolver qualquer trabalho seja necessá­ rio estabelecer pontos que norteiem as ações, os quais são traduzidos rrn objetivos que devidamente elucidados possibilitarão a orientação dos estudos pretendidos. Por essa razão, almejou-se com o presente estudo buscar elementos mais concretos que pudessem esclarecer essa proposição aos nossos estudos, em todas as etapas da pesquisa. Assim, o objetivo mais geral seria “implementar novas formas de dinamização das atividades de ensino, através de uma experiência

31

pedagógica alternativa baseada nos princípios da cooperação e funda­ mentada na Pedagogia Freinet”. Para garantir o sucesso do aluno, a ação educativa foi conduzida por meio de um trabalho consciente e assumido, alicerçado no princípio da cooperação no contexto da Pedagogia Freinet. Aqui, poderia surgir uma questão: por que a Pedagogia Freinet? A resposta é simples. A Pedagogia Freinet tem como finalidade: 1) modernizar a escola, ou seja, torná-la acessível a todos que a ela têm direito e ofe­ recer-lhes um ensino de qualidade; 2) dar ênfase ao élan do indivíduo, à persistência de cada um no que diz respeito às suas faculdades cria­ doras e ativas, ao poder que ele tem para chegar à sua realização, ao mesmo tempo em que se preocupa com a riqueza do meio ambiente, com os materiais e as técnicas que, nesse meio, permitirão uma edu­ cação viva e complexa preconizada por essa pedagogia; 3) convidar a escola a um redirecionamento pedagógico que deverá ser conduzido sob a linha do equilíbrio e da harmonia ao serviço da construção do saber; sobretudo junto às classes populares. E ainda para dar conti­ nuidade a um trabalho iniciado no mestrado em educação, no qual algumas outras questões precisaram ser elucidadas. Sabe-se, porém, que a obra de Freinet não é fruto de um trabalho original, exclusivamente seu. Ele buscou apoio junto aos estudiosos e educadores que, ao longo dos anos, têm se preocupado com os proble­ mas do ensino e têm traçado algumas linhas de ação para uma melhor condução do processo de ensino-aprendizagem. A sua originalidade deve-se ao fato de ele ter tido a coragem de colocar em prática tudo aquilo que era dito como ideal em educação e que, salvo algumas pequenas experiências, continuavam nos livros como obra morta, sem penetrar no recinto de sala de aula. Portanto, achou-se por bem, neste trabalho, fazer algumas alu­ sões a essas propostas de renovação pedagógica para melhor elucidação da obra implementada por Freinet e, consequentemente, da escolha que se fez, em termos de pedagogia, para a condução dessa pesquisa, que se espera, apesar da simplicidade e das limitações do pesquisador, trazer uma contribuição valiosa para a escola e para a educação, de um modo geral.

32

Capítulo 2 Contribuições à renovação pedagógica Embora não esteja nos propósitos deste trabalho discorrer minuciosamente sobre essas contribuições, a elucidação de alguns passos de um ensino mais coerente com os anseios dos alunos vem aju­ dar à concretização dos intentos, sobretudo porque, sendo centrado na Pedagogia Freinet, essas contribuições muito o ajudaram a refletir sobre uma prática pedagógica mais integrada com os seus propósitos a organização de uma escola que viesse atender a todos, sobretudo aos filhos da classe trabalhadora. Desde o Renascimento, protestos se elevam contra as defi­ ciências de uma educação tradicional, que tem como fim principal o "adestramento”, o “servilismo” e a “obediência” da criança a regras e valores impostos pelo adulto. Eles se elevam ainda contra uma educa­ ção baseada na punição e na recompensa, nas classificações arbitrárias que perturbam a vida da criança e impedem o progresso de grande número delas. Além do mais, a educação parece se constituir uma norma inventada, para perpetuar o poder de uma minoria e, pelo seu teor doutrinador, sua estrutura e organização exclui os menos favo­ recidos social e economicamente, deixando, assim, os seus filhos à margem. Com a Renascença, começa, no século XV, nova fase histórica da cultura - a educação humanista que, por sua vez, constitui o princí­ pio da educação moderna. A Renascença não é apenas um movimento erudito ou literário, é antes uma nova forma de vida, nova concepção do homem e, assim sendo, rompe com a visão ascética da Idade Média e dá lugar a uma concepção humana mais aberta e mais valorizada da existência. Embora o movimento renascentista tenha começado na Itália por volta do século XIV, a sua influência maior foi no ensino e cultura superior, em academias fundadas no estilo platônico e em ateneus docentes. No início do século XV, a Renascença se expandiu

da Itália para o resto da Europa, onde adquiriu caráter intelectual e escolar.

Assim, logo no início, destaca-se Erasmo na Alemanha, o maior dos humanistas e o mais notável dos pensadores da Renascença. Para ele, o fim da educação deve ter em vista os conhecimentos sobre pie­ dade, estudos liberais, estudo sobre os deveres e boas maneiras. A educação deve começar desde a primeira infância com a aprendizagem das palavras antes das ideias ou coisas. Erasmo consagrou-se ao pro­ gresso do novo saber que, para ele, constituía um fator imprescindível para as reformas: moral, religiosa, educativa e social. Popularizou com muito brilhantismo a literatura, sendo por isso considerado um líder da educação. Ele põe claramente o problema da educação em todas as generalidades. Segundo ele, só torna plenamente homem aquele que é exercitado. No século XVI, surgem, na França, alguns pedagogos mais renomados no campo da teoria, da literatura e os mais representativos da cultura e da educação humanista: Rabelais e Montaigne notadamente. Embora sem nenhuma experiência em educação, Rabelais é um dos escritores mais representativos da pedagogia humanista. E o precur­ sor do realismo e do naturalismo em pedagogia. Do ponto de vista intelectual, ele é o primeiro a reconhecer o valor das ciências na edu­ cação, aprendidas em contato com a natureza, não menosprezando os conhecimentos dos clássicos, das artes liberais, do latim e do grego, as ciências exatas que considerava importantes na formação do homem. Montaigne é o homem mais representativo do humanismo fran­ cês. Escreveu em seus Ensaios algumas das páginas mais brilhantes sobre a educação francesa da época. Ele inspirou-se no realismo e no naturalismo com maior cunho literário do que em Rabelais. Advogava a formação do homem como um todo: corpo e espírito. Para ele, o pro­ fessor deve ter uma cabeça mais preparada do que provida de ciência e o aluno deve tomar parte ativa na sua educação. 0 professor deve mostrar aos alunos o exterior das coisas, fazendo-lhes experimentar, escolher e discutir, preparando assim os discípulos para a liberdade da busca, da construção. Enfim, Montaigne considera também o valor intelectual como aquele que preserva no homem a possibilidade infi­ nita da pesquisa.

34

Conquanto essa concepção de educação tenha tido representan­ tes em todos os tempos, foi mais especificamente vigorosa nos séculos XVI, XVII e XVIII. Nesse último, encontra-se Rousseau, cuja posição é mais expressiva e preponderante. Na sua obra Emílio, ele se detém no estudo do que é a própria criança, de sua natureza, de suas capa­ cidades e de seus interesses. Encontra-se no Emílio a concepção de uma psicologia própria da criança, a ideia de uma educação adaptada à criança e à sua evolução, uma educação que solicita à criança formar os seus próprios conceitos e não os receber passivamente do mestre, para se apoiar sobre a experiência e construir o seu futuro. As ideias de Rousseau possuem um aspecto filosófico original. Para Rousseau, a educação não é um processo artificial, repres­ sivo de todas as inclinações naturais, e sim um processo que dá liberdade às forças naturais da criança para que ela se desenvolva num ambiente agradável e o seu desenvolvimento seja racional, harmo­ nioso, equilibrado e útil. Como se acabou de verificar, encontra-se, no decorrer dos séculos, em toda parte, uma visão clara e aberta sobre a educação do homem, embora isolada, no que concerne a uma educação que consi­ dera a criança como um ser que pode se desenvolver livremente por sua própria natureza. Porém, na impossibilidade de analisar todas as tentativas de um ensino renovado, tenta-se mostrar, entre as pioneiras experiências vivenciadas, aspectos mais importantes que possam trazer algumas contribuições para um ensino mais adaptado às necessidades da criança e aos seus interesses, conforme a sua idade. Para E Chatelain (apud SOUZA, 1982, p. 107), a Escola Nova tem três grandes origens: de início as “escolas novas”, depois “as cria­ ções originais” e, por último, “Decroly e Montessori - ‘os mestres da educação nova na Europa’”. Como primeira origem de educação nova, encontram-se as “escolas novas”, criadas desde 1889 na Inglaterra e mais tarde na Alemanha, com a tendência de socializar a criança e deixá-la mais livre para aprender a viver para os outros, a trabalhar com os outros, a formar o seu caráter, a fazer da escola uma comunidade de trabalho na qual a troca de ideias e de ajuda esteja sempre presente. Nessas

35

escolas, apela-se para a atividade pessoal da criança a fim de atingir suas necessidades espontâneas e desenvolver suas aptidões. O ensino é centrado nos fatos reais da vida e assegura assim a aprendizagem real da vida social. Como observa Ferrière (1969), os estudos sâo organizados tendo em vista a própria natureza da criança, isto é, o ensino estrita­ mente individualizado. Os estudos são organizados em pleno ar livre ou nos laboratórios, o trabalho é frequentemente, individual, as pes­ quisas pessoais e as experiências primam pelo trabalho excluindo a memorização. Voltando-se para o mundo contemporâneo, em toda parte, esfor­ ços sâo empreendidos para ajustar a educação à natureza da criança. Em Roma, no ano 1904, madame Montessori cria a primeira Casa de Bambini. Ela apela para as forças internas da criança e procura explorar sua personalidade. Apoia-se em um sistema de autoeducação e sobre um material mais ou menos abstrato, adaptado às capacida­ des infantis, sempre escolhido em função dos “períodos sensíveis” em que a compreensão da criança desperta para a descoberta. A seguir, em 1907, em Bruxelas, Decroly abre a Escola da Ermitage, que tem como objetivo se ocupar das crianças com necessidades especiais. Mais tarde, ele tenta experimentar seu método com crianças normais, cujos resultados foram positivos. O método Decroly se apoia em princípios fundamentais, tais como: coordenar as diferentes atividades escolares, readaptar os estu­ dos às crianças, fazer da escola um meio de vida em que a criança exerce uma atividade pessoal. Decroly preconiza um programa de educação fundado sobre três processos de atividade infantil: a “observação” (partindo do concreto e da experiência); “a expressão” sob todas as formas (oral, gráfica, escrita, manual e artística); “a associação no espaço e no tempo”, que corresponde à História e à Geografia e tem por fim conduzir a criança a associar os conhecimentos adquiridos pela observação ou recolhidos em segunda mão e, assim, se apoia no estudo do meio próximo para ir ao que está mais distante no mundo e no pensamento. Na pedagogia decrolyana, o aluno observa, faz associações de ideias e exprime o seu pensamento pela palavra ou pela ação.

36

Decroly quis associar prática e teoria e por esse motivo procurou conduzir o ensino através da experiência da criança. Para Decroly, a educação deve combinar instrução com todas as necessidades naturais e espontâneas da criança e estas devem começar por perceber o con­ junto das coisas e em seguida fazer uma análise das partes, partindo do princípio de que a percepção infantil é antes de tudo uma percepção global. Ele utiliza, assim, o método global para a aprendizagem das leituras de pequenas frases que são apresentadas às crianças ligadas a uma ação simples e cotidiana para que elas reconheçam a sua própria ação. Uma outra contribuição à escola nova foi fornecida por Claparède, que unificou sua experiência de psicologia e pedagogia a partir de uma concepção geral e unitária das condutas de adaptação do organismo. Claparède avançou com sugestões sobre “como” a escola tradi­ cional deveria “mudar” para se tornar uma escola funcional. Para ele, a escola deve inspirar-se numa concepção funcional de educação e de ensino. Essa concepção consiste em tomar a criança como centro dos programas e dos métodos escolares e considerar a própria educação como uma adaptação progressiva de processos mentais em algumas ações determinadas por alguns desejos. O teórico defende que o traba­ lho deve ser sentido pela criança como desejável, de acordo com a sua idade, considerando suas funções intelectuais e o desenvolvimento de sua personalidade. A escola deve, portanto, mobilizar a atividade da criança e orientá-la, tendo em vista o meio social. Segundo Claparède (1953), a educação segue as leis da vida e se realiza numa escola sur mesure2, que considera a diversidade de apti­ dões individuais. Ele analisa as diversidades individuais de aptidões, de gosto e de espírito e, sobre esse aspecto, considera que a formação do adulto é uma aprendizagem e se faz desde a mais tenra idade, através da educação funcional ou pelo exercício do seu organismo e das ten­ dências vivas que seguem a lei da vida, e, como foi dito anteriormente,

2 Segundo Claparède, a escola sur mesure significa uma escola adaptada à mentalidade de cada um, ou seja, de acordo com a maturidade do aluno.

37

se realizam numa escola sur mesure, sendo aí o ensino individualizado um meio. Claparède (1953) considera as diversidades de aptidões, porque ir contra elas significa ir contra a natureza, e ir contra a natureza vai de encontro com um duplo inconveniente: a ausência de rendimento não proporcional ao esforço empreendido, e, em seguida - e é essencial -, a ausência de gosto. Daí, ele enfatizar a escola sur mesure. Para realizá-la, ele preconiza classes móveis, classes paralelas, aumento de número de secções de estudo na escola, enfim, um sistema de opções com uma maior parte deixada às ocupações individuais de cada aluno. Tendo em vista uma “escola funcional”, ou escola sur mesure, Claparède deixa claramente explícita a mudança do papel do professor e, por consequência, a transformação que deve haver concernente à formação dos profissionais do magistério, sobretudo, em sua prepara­ ção psicológica. Já nos Estados Unidos, a reforma do ensino teve a contribuição de Dewey. De 1894 a 1904, ele empreendeu uma reforma experimental que foi realizada em um laboratório de Chicago, criado especificamente para esse fim. A pedagogia de Dewey tem em vista o “princípio da conti­ nuidade”, em que, segundo ele, os professores necessitam de uma reconstrução contínua da experiência escolar. Ele não propõe um método específico, nem dá orientações que os professores possam seguir, pois segundo ele a “continuidade” é a qualidade de toda experi­ ência e isso é uma situação na qual o organismo entra em relação ativa com o meio ambiente para manter o seu equilíbrio. Ele diz haver uma interação harmoniosa e contínua com o meio ambiente. Essa é a ori­ ginalidade do seu pensamento. Dewey, preocupado naquele momento com a crise da sociedade em seu país, em que a máquina tinha que­ brado a unidade da família, pensou que, para superar esse problema, precisaria que a escola assumisse esse encargo. Por isso, ele atribuiu uma nova forma, um novo programa e uma nova maneira de trabalhar a prática pedagógica. Assim, Dewey, opondo-se à educação tradicio­ nal, concebe como progressista essa forma de educação na qual os seus princípios repousam sobre:

38

a) “filosofia da continuidade experimental”: própria experiência das necessidades de sua personalidade. O papel do professor é dirigir a experiência da criança, de modo que a continuidade desta seja auxiliar preciosa do seu progresso; b) “psicologia do interesse e do esforço”: esse tipo de psicologia é uma aplicação da filosofia experimental; c) “psicologia da atividade e da liberdade”. Para Dewey, a aprendizagem considerada simplesmente física comporta uma educação intelectual, pois ela não separa educação intelectual de educação manual. Para ele, a educação é um processo de vida, pois a educação autêntica consiste em ajudar a criança a viver num grupo social. Em síntese, o pensamento de Dewey repousa em ideias psicoló­ gicas e sociológicas, sua experiência experimental foi adquirida junto A criança. Sua doutrina se baseia numa concepção de homem, no seu contexto histórico, assegura o princípio da continuidade. E a vida que deve ser vivida no cotidiano de sala de aula e a educação deve ser progressista. Muitas outras experiências surgiram por toda parte do mundo e também foram inspiradoras de reformas no ensino dentro de uma visão mais voltada para a criança como centro do processo de ensinoaprendizagem. Entre estas, não se deve esquecer a de Dottrens em sua Escola Experimental de Mail, numa escola primária e que trouxe para os professores um meio de ensinar melhor e de educar os alunos. A sua técnica repousa sobre a “liberdade individual” e o “trabalho à medida

do aluno”. Ele procura fazer uma distinção nítida entre “trabalho indivi­ dual", que é imposto a todas as crianças qualquer que seja o nível de Inteligência, o grau de compreensão, o desenvolvimento de aptidões, o ritmo de trabalho e “trabalho individualizado”, que é adaptado a cada Indivíduo, preparado para ele e é necessário que ele execute dentro de algumas condições precisas. Para Dottrens, considerar a individualidade do aluno não signi­ fica apenas organizar a atividade intelectual de cada um, é, também, responder às necessidades de ordem moral, afetiva e social.

39

Para auxiliar nesse trabalho, ele idealizou fichas didáticas que variam de acordo com a necessidade do trabalho. Essas fichas propi­ ciam uma aprendizagem ativa em que o aluno trabalha de acordo com o seu ritmo.

Também se encontram as ligações de Adolphe Ferrière, na Suíça, com a Escola Nova - “Home Chez Nous”. Ele preconiza uma escola ativa e coloca em primeiro plano o ensino individualizado, no qual o aluno toma plena consciência do seu trabalho, isto é, ele sabe para onde vai. Ele cria uma escola em que o espírito da criança, ou seja, a inteligên­ cia, a afetividade e a vontade, é levado em consideração, em que o seu “querer viver,” “seu élan vital espiritual”, “seu interesse espontâneo” formam a base dos programas e dos métodos. O respeito à individualidade da criança está em primeiro plano. Cada criança avança conforme o seu ritmo e o trabalho coletivo reúnem aqueles que estão no mesmo tema e no mesmo nível de seu progresso e de seus interesses.

Para Ferrière, a Escola Ativa é a escola da espontaneidade e cria­ tividade da criança. Outra contribuição à educação evidenciou-se através do método clínico utilizado por Piaget nos seus trabalhos psicogenéticos. A sua participação nos diversos cursos de Psicologia, Lógica e Filosofia o aju­ dou a traçar o perfil da problemática psicológica. Do curso de Psicologia Patológica, surgem algumas opções metodológicas, como as técnicas de entrevistas clínicas e o método histórico crítico de Bruschvieg. Nos seus primeiros contatos com as crianças no laboratório de Binet, procurou manter conversas do tipo entrevistas clínicas para descobrir algo sobre o processo de raciocínio subjacente às respostas. O método não se restringe a problemas padronizados. Ele partia de ideias precisas e procurava adaptar às situações, respostas, atitudes e vocabulário dos sujeitos. Em suas primeiras obras, ele se baseava no pensamento verbal a partir de observações com seus próprios filhos e volta a considerar o papel da ação e a suspeitar do pensamento verbal. Dentro das caracte­ rísticas do método clínico, destaca (LEITE, 1971, p. 115):

40







a utilização de um método adaptável, que é colocado à dis­ posição da criança para que ela observe, manipule e emita julgamento sobre as transformações realizadas; o interrogatório flexível adaptado a cada sujeito. Com a realização de algumas questões básicas, procura-se manter um diálogo dirigido cujas hipóteses são formuladas durante a entrevista a partir das respostas das crianças, havendo assim um encadeamento sucessivo de pergunta-resposta, nova hipótese, nova pergunta que dá unidade e coerência ao interrogatório; a análise qualitativa das condutas do sujeito que procura apreender os processos psicológicos em diferentes situações de exame.

O método clínico através da observação busca o registro de uma grande quantidade de dados com a utilização de técnicas que assegu­ rem a sua objetividade, sem hipóteses previamente formuladas. Finalmente, vê-se surgir, em pleno esplendor da Escola Nova, Célestin Freinet, que, mesmo não se integrando a esse movimento, procurou retirar dele experiências que pudessem se adaptar à escola que ele quis construir junto às classes populares - a Escola do Povo. Essa é a proposta de ensino defendida por Freinet que permeia o pre­ sente estudo.

41

Capítulo 3 Concepções pedagógicas de Célestin Freinet Origens e influências da Pedagogia Freinet Os estudos realizados neste livro foram subsidiados pelos escritos de Elise Freinet em seus livros: Nascimento de uma pedagogia popular, O Itinerário de Célestin Freinet, pelos relatos de autores que com­ põem o Instituto Cooperativo da Escola Moderna - ICEM, publicados em livros, revistas e boletins e pelos escritos do próprio Freinet em suas obras, tais como: Escola do povo, Educação pelo trabalho, Pedagogia do bom senso, Ensaios de psicologia sensível I e II, Método natural I, II e III, Técnicas Freinet da Escola Moderna, O Texto livre, entre outros. Fazer uma transcrição da vida de Freinet seria repetir o que tantos outros já fizeram. Porém, toma-se necessário fazer uma contextualização histórica de sua obra, não só para explicitar a sua concepção pedagógica, mas, sobretudo, para compreender melhor a razão de ser da opção que se fez por uma pedagogia que viesse atender a todos indistintamente, em especial, às classes populares. Freinet sequer teve oportunidade de concluir os seus estudos de preparação para a função do magistério. Cursou dois anos da Escola Normal, concluindo apenas a parte teórica básica dos conhecimentos gerais, quando foi chamado a deixar a escola para atender aos recla­ mos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), impedindo-o assim de complementar a sua formação teórico-prática concernente aos conhe­ cimentos pedagógicos. Terminada a guerra e tendo se acalmado os grandes tormentos ocasionados por ela, a França retomou o curso normal do seu desenvol­ vimento, momento em que teve de reconstituir a sua escola, embora tivesse perdido grandes expoentes da educação. Nessa ocasião, ao

retornar da guerra, em 1920, Freinet foi nomeado para lecionar numa pequena escola de um vilarejo denominado Bar-sur-Loup3, situado nos Alpes Marítimos da França, na qual ele deveria desempenhar a função de professor. Esse foi o momento que ele teve para colocar em prática toda uma sua concepção em relação à formação do homem para o exer­ cício de sua cidadania; um homem que fosse capaz de reagir a toda e qualquer doutrinação que viesse ferir a sua dignidade de ser humano. Entre as grandes preocupações de Freinet, está, de um lado, o “homem”, cuja formação deverá elevá-lo a mais alta dignidade do seu ser, para que ele assim possa cumprir a missão que lhe foi destinada como a sua principal tarefa como homem na sociedade na qual está inserido: agir e interagir com consciência e responsabilidade. Do outro lado, o respeito, o amor pela criança e a confiança que se deve deposi­ tar nas suas potencialidades, fonte de seu crescimento e progresso. Para concretizar essas preocupações, Freinet pensou numa escola que pudesse colaborar na formação de um homem mais livre, mais autônomo e, consequentemente, mais apto a contribuir para a transformação da sociedade. Vale salientar que as preocupações de Freinet não se restringem apenas ao fato de a criança aprender a ler e a escrever; elas vão mais além, pois pensa na criança em sua pleni­ tude, cuja personalidade precisa ser formada, necessitando para isso de orientação, compreensão e afeto. Foi a partir dessas inquietações que Freinet passou a observar o comportamento e as atitudes das crianças, como elas agiam e reagiam às atividades escolares, traçando, assim, o perfil de cada uma. Para ele, observar o que o aluno sentia ao fazer um trabalho era essencial, uma vez que ele pretendia evidenciar a relação afetiva da criança com a realidade. O registro das observações constituía uma riqueza, sobre­ tudo, por se tratar de dados originais que subsidiavam o seu trabalho pedagógico, abrindo-lhe novas perspectivas na organização de suas atividades junto às crianças.

3 A escola estava situada em Bar-sur-Loup, pequeno vilarejo, com aproximadamente 2.000 habitantes naquela época.

44

As descobertas levaram Freinet a se interessar mais e mais pela rducação e, para preencher a lacuna existente na sua formação peda­ gógica, ele passou, então, a ler alguns teóricos, como Marx e Lenine, cujos escritos demonstravam preocupação por uma sociedade mais justa e mais humana. Ele pretendia encontrar uma base social teó­ rica para uma pedagogia voltada para as classes populares. De fato, as Ideias marxistas o ajudaram no fortalecimento do seu compromisso político com a educação dessas crianças. No que diz respeito à construção da prática do seu projeto pedagógico, apoiou-se em alguns teóricos da educação, que, embora tivessem dito muito sobre a ação pedagógica do professor, pouco transferiram para uma prática autêntica junto às crianças das classes populares. O pensamento desses autores foi sintetizado no segundo capí­ tulo desse livro, com o objetivo de mostrar todos os caminhos que Freinet percorreu para a organização de uma proposta pedagógica que viesse atender a todos indistintamente, mas em específico àque­ les cujo acesso e permanência na escola não acontece, na maioria das vezes, por razões sociais. Freinet, ao ler Rabelais e Montaigne, já encontrou, no seu rea­ lismo, uma doutrina que preconiza o processo de copiar a natureza tal qual ela é e, no seu naturalismo, uma ligação com a sua proposta pedagógica, que é tomar a criança no seu estado natural e construir com ela a sua formação, ou seja, ela deve participar ativamente do seu processo de educação e não buscar uma criança ideal, como querem muitos educadores, para poder educá-la. “A vida é o que é; devemos construir com ela e para ela” (FREINET, 1978, p. 101). Isso significa dizer que o educador deve tomar a criança tal qual ela é em sua natu­ reza, com suas virtudes e seus defeitos, com a sua ingenuidade e a sua experiência, e com ela construir o processo de sua formação. Esse é um dos pontos culminantes da Pedagogia Freinet, que se traduz pelo respeito incondicional à criança. Em Rousseau, que, embora não sendo educador, deu um grande exemplo, quando deseja que o seu Emílio aprenda não nos livros, mas nas coisas tudo o que ele precisa saber e, também, quando o autor preconiza que a educação deve ensinar a criança a viver, ser ativa e realizar-se em ambiente de liberdade, uma educação que deve ser 45

adaptada a ela e à sua evolução, partindo da liberação de suas forças, para que se desenvolva num ambiente agradável. Assim propõe Freinet, ao não só tomar a criança como um ser natural, mas também a colocar em um ambiente mais livre, ou seja, em contato com os fenômenos naturais, para que ela, em liberdade, possa ser mais ativa e dê evasão à sua curiosidade, criatividade e ima­ ginação, tornando a sua aprendizagem um ato natural e espontâneo e não simplesmente copiada dos livros, como acontece ordinariamente nas nossas escolas. Tanto em Rousseau como em Freinet, a educação deve ver o indivíduo como um ser social e deve atender tanto ao aspecto físico, quanto ao intelectual e moral. 0 sentimento e a vida afetiva devem ser tão importantes quanto a razão. Ambos têm como preocupação pri­ mordial em educação a criança, suas necessidades e interesses. Freinet (1978, p. 101) diz com muita propriedade: “A educação não é uma fór­ mula de escola, mas sim uma obra de vida”. Segundo Cabral (1978, p. 72), um dos traços mais importantes que aproxima Rousseau e Freinet: “[...] é a ligação estabelecida entre o trabalho das crianças e o trabalho social, ou seja, entre o trabalho e as relações sociais de produção”. Ambos admitem uma única concepção

de trabalho: “o trabalho livre e criador”. Em Decroly, Freinet percebe uma grande aproximação das suas ideias, pois ambos dizem que a escola deve ser um meio de vida no qual a criança exerce uma atividade pessoal e a educação seja fundada na observação, na expressão e na associação espaço/tempo. O aluno é ativo, observa, faz associações e exprime o seu pensamento pela pala­ vra e ação. Associam teoria e prática. Em madame Montessori, apesar de pregar o respeito à criança, apelar para as suas forças internas e apoiar-se na autoeducação, encon­ tra-se um material por demais rico e previamente construído, o que inibe, de certa forma, a criatividade da criança. Apesar das semelhanças, esses estudos provocam em Freinet um impacto devido ao desnível entre a teoria ideal e a prática cotidiana de um professor que lecionava numa escola desprovida das mínimas condições, para melhor dizer, desprivilegiada.

46

Foi em Pestalozzi que Freinet encontrou maiores semelhanças com suas ideias, pois ele foi o criador da escola popular que tem como finalidade a humanização do homem e também se dedicou às crianças do meio proletário. Esses aspectos impulsionaram Freinet, ao mesmo tempo em que abriram novas perspectivas na busca de caminhos para a concretização dos seus intentos. Como se sabe, Freinet pensou numa escola para o povo, na qual os filhos da classe operária tivessem pleno acesso, nas mesmas condi­ ções de direitos e deveres dos demais cidadãos. Com Claparède, ele tem em comum a criança como centro do processo de ensino-aprendizagem, o respeito às aptidões individuais e um ensino baseado nas necessidades da criança, bem como a exaltação de um trabalho prazeroso em lugar de uma tarefa imposta, passível de rejeição e insucesso. Para dar mais ênfase à contribuição de Claparède, veja a pertinência de sua colocação: A escola para preencher sua missão de maneira mais adequada deve inspirar-se numa concepção funcional de educação e de ensino, Esta concepção consiste em tomar a criança como centro dos programas e dos métodos escolares e em considerar a própria educação como uma adaptação progressiva dos processos mentais de algumas ações determinadas por alguns desejos (CLAPARÈDE, 1973, p. 183).

Na mesma linha de pensamento de Claparède, Freinet, na busca de uma filosofia para dar sustentação a sua proposta pedagógica, diz: [...] É no próprio indivíduo que iremos procurar os fundamentos da nossa ação [...] A criança ainda menos que o adulto, não poderia ser considerada um ser pensante e filosofante. A sua função, a sua razão de ser, antes de mais nada, é viver (FREINET, 1978, p. 96-99-101).

Retomando a citação de Freinet já enunciada neste trabalho: “A vida é o que é; devemos construir com ela e para ela”, vê-se que a sua concepção filosófica está centrada no respeito ao indivíduo e, assim sendo, ele coloca a criança como centro de todo o processo educativo, tal qual ela é, com a sua simplicidade, ingenuidade e experiência, e pro­ cura, conjuntamente com ela, construir o seu saber.

47

No conjunto dessas concepções, constata-se que a educação deve ser centrada no interesse da criança, naquilo que ela faz. O traba­ lho deve ser desejado por ela, portanto, tem de ser atrativo e deve estar em consonância com a sua idade, considerando assim as suas funções intelectuais e a sua personalidade. “O interesse da criança nada mais é do que a sua necessidade, mas, uma necessidade positiva” (MAURY,

1994, p. 49). Entre essas contribuições, o respeito e a admiração de Freinet recai sobre Ferrière, que defende uma escola ativa, cujo centro de todo o processo é o aluno, considerado em sua totalidade, ou seja, nos seus aspectos físicos, biológicos e psicológicos, para com ela fazer crescer as energias úteis e construtivas do indivíduo, a fim de desenvolver uma personalidade autônoma e responsável. Para que isso aconteça, ele diz ser indispensável um meio social propício que favoreça as experiências dos alunos. Tomado pela ênfase da busca de Freinet, pode-se dizer que o livro L 'école active, de Ferrière, foi o norteador, o guia que não só despertou, mas também impulsionou Freinet para a organização e utilização de novas práticas pedagógicas, assim como para a leitura de outras obras e para a participação em eventos que pudessem lhe dar uma contri­ buição valiosa, sobretudo, que o ajudasse na construção de um ensino voltado para a classe proletária. Assim, Freinet procura estar sempre presente em todos os congressos que tinham como objetivo o debate sobre a educação. Em 1923, manteve contato com os aspectos essenciais da peda­ gogia alemã e com as escolas novas desse país e da Inglaterra. Vale lembrar que as escolas novas da Inglaterra e Alemanha tinham pre­ sentes em suas preocupações socializar a criança, deixá-la livre para aprender a viver para os outros, trabalhar com os outros, fazer da escola uma comunidade de trabalho, troca de ideias, ajuda mútua, apelo para a atividade pessoal da criança, a fim de atingir suas neces­ sidades espontâneas e desenvolvimento de suas aptidões. Apesar de muita teoria e pouca prática, mesmo assim, tudo isso ajudou nas refle­ xões de Freinet.

48

Em 1924, ele participou, em Montreux, na Suíça, do Congresso da Liga Internacional da Educação Nova, em cujo evento estavam Ferrière, Claparède e Bovet, discutindo as suas experiências. Tomando conhecimento de que em Genebra havia uma escola ideal, em que se praticava a individualização do ensino, Freinet se dirige para lá. Mas grande foi a sua surpresa e decepção face ao luxo com que era organizada aquela escola. O seu material era rico e por demais sofisticado, situação totalmente adversa às necessidades de sua pobre escola de Bar-sur-Loup: escola modesta, desprovida de material didático que pudesse ajudá-lo na implementação de um trabalho mais condizente com os seus anseios - a escola do povo, mas que todos nessa escola pudessem condignamente construir o seu saber. Em seu contato com todos os aspectos da Escola Nova, tão vibrante na época, Freinet percebeu que não poderia ser aplicada numa escola simples como a sua. Isso o entristecia, mas não o desanimava. Ele critica a proposta da Escola Nova pelo fato de que ela, em vez de criar mecanismos de ação que possam atender a todas as crian­ ças, indistintamente, ao contrário, veio reforçar cada vez mais o hiato existente entre a escola dos ricos, a quem cabe o “direito a tudo”, pois provida de todos os materiais necessários ao desenvolvimento das mais diversas atividades, e a escola dos pobres, a quem se reserva, pela escassez de meios, a “pedagogia da saliva”. Embora ambas tenham em comum o professor como mediador e senhor supremo do saber e o livro didático, que ainda hoje perdura nas escolas, como o manual guia das aprendizagens. Como se sabe, é um livro cujas ideias já vêm pron­ tas e acabadas, doutrinador do sistema vigente, e, pela sua filosofia, fora de qualquer contestação, tanto por parte do professor como dos alunos e não é de se admirar, preparado para esse fim. Em escolas em que já se faz alguma experiência centrada na experiência do aluno, como a Pedagogia Freinet e alguma outra de dinâmica similar, o livro didático é um livro a mais entre os outros, destinado à consulta dos alunos. As críticas de Freinet não se restringem apenas à Escola Nova, elas recaem, veementemente, sobre a escola tradicional doutrinadora e normatizadora das crianças pelo modelo que se lhes impõe. Uma escola que não respeita a diversidade das crianças, dando-lhes um

49

tratamento como se todas tivessem os mesmos componentes biológi­ cos e psicológicos e vivessem no mesmo meio social, com as mesmas condições de vida. Portanto, exigindo que todas aprendam tudo, num mesmo espaço de tempo, ou seja, não respeitando o ritmo de aprendi­ zagem de cada uma. Como se percebe, Freinet, um simples professor primário, cuja formação nem se completou devido ao infortúnio da guerra - para melhor dizer, apenas com os conhecimentos teóricos básicos, faltandolhe a teoria e a prática pedagógicas -, possuidor de uma visão ampla sobre educação, questionou o saber da época e criticou os métodos da escola primária francesa, defendendo uma escola cujo centro do pro­ cesso de ensino-aprendizagem seja o aluno e que desperte nele a sede pelo saber. Se o aluno não tem sede de conhecimento, nem qualquer apetite pelo trabalho que você lhe apresenta, também será trabalho perdido enfiarlhe nos ouvidos as demonstrações mais eloquentes. Seria como falar com um surdo (FREINET, 1996, p. 16).

Para Freinet, a escola deve ser ativa, dinâmica, aberta para o encontro com a vida e integrada à família e à comunidade. Deve ser um lugar de questionamento a tudo que permita reforçar o poder, a dominação e a exploração do homem pela sociedade, a fim de que este possa preservar a sua identidade pessoal e coletiva. Já naquela época, na visão de Freinet, a escola deveria inserir-se em dois aspectos: o pedagógico e o político, bem como se constituir de unidade e de uma dinâmica pessoal, a fim de que as crianças pos­ sam enfrentar todas as dificuldades, pequenas e grandes, em busca do sucesso, pois a pedagogia preconizada por ele tem como primeiro obje­ tivo o sucesso escolar e, consequentemente, a integração da criança no meio social, isenta de desajustes e frustrações, ou seja, que ela se sinta realizada entre as demais pessoas com as quais vive e convive. “Só o sucesso escolar reforça o dinamismo pessoal, e é sobre ele que quere­ mos nos apoiar” (FREINET, 1979, p. 73). Assim sendo, para garantir o sucesso do aluno, a ação educativa deve ser conduzida através de um trabalho consciente, responsável e assumido. A comunicação e a expressão livre devem ser utilizadas

50

como instrumentos de diálogo das ações pedagógicas docentes e dis­ centes. A cooperação deve ser estabelecida tanto na sala de aula como fora dela, ou seja, na escola como um todo, de modo que a ajuda mútua permeie todo o trabalho escolar, não dispensando a inserção dos pais e do meio social. Outro ponto importante a ser considerado é o respeito ao “cami­ nhar” do aluno, a fim de que ele possa, num clima de harmonia, interesse e compreensão, chegar à concretização de suas aprendizagens. Sabe-se que a preocupação primeira de Freinet é a “formação do homem” e para dar apoio a essa formação ele estabelece, entre outros, quatro grandes princípios que possam garantir um alicerce à sua proposta pedagógica: a educação pelo trabalho, a comunicação e a expressão livre, a cooperação e o tateamento experimental. Para engajar o aluno nesse processo, ele lança mão de uma gama variada de técnicas e instrumentos de trabalho. Como se vê, Freinet não estabelece uma forma específica de se trabalhar, ele propõe princípios a serem considerados na formação do aluno e mostra dinâmicas de trabalho que possam envolvê-lo, tornan­ do-o ativo na construção de suas aprendizagens. Portanto, trata-se de uma pedagogia e não de um método, embora, se referindo a algumas formas de trabalhar a leitura, a escrita, a gramática e o desenho, uti­ lize a expressão método natural da leitura, escrita etc.; mesmo assim, ele não estabelece passos a seguir, e, sim, recomenda deixar a criança livre, para que ela possa exercer a sua capacidade de busca, através do “tateamento experimental”. Assim, Freinet, na sua simplicidade de professor primário de uma escola pública, jamais colocou a sua pedagogia como original, mas como resultante da contribuição de muitos educadores renomados de sua época, os quais ele leu, ouviu, e procurou, de forma criativa, por em prática os seus ensinamentos. Sua originalidade está na organiza­ ção de uma prática pedagógica autêntica, dinâmica e adaptável a todos os níveis de ensino e na utilização de técnicas e instrumentos de traba­ lhos que envolvem os alunos na construção do seu saber e na vivência de sua cidadania.

51

Bases de apoio da Pedagogia Freinet Como idealizada, a Pedagogia Freinet necessita de um apoio firme para que possa conduzir a educação aos fins a que ela se propõe: “a formação do homem” livre, autônomo, consciente e responsável, para agir e interagir no seio da sociedade em que está inserido. Para isso, Freinet pensou numa base de apoio que pudesse fortalecer o tra­ balho pedagógico e, consequentemente, a educação. “A educação deve ser móvel e flexível na sua forma, deve forçosamente adaptar as suas técnicas às necessidades variáveis da atividade e da vida humanas” (FREINET, 1978, p. 116). Para atender à sua preocupação maior - “a formação do homem” -, sua proposta pedagógica se apóia em princípios que dão um direcio­ namento diferente às formas de condução das atividades escolares: abre espaço para a troca de experiências entre o professor e os alunos, através da socialização dos trabalhos que são realizados, seja individualmente, seja em grupo; estimula os alunos na busca incessante de novos conheci­ mentos, tomando as tarefas escolares mais atrativas e prazerosas. Assim sendo, não é mais preciso o professor impor, exigir ou mesmo forçar o aluno a realizá-las, basta apenas fornecer-lhe os ele­ mentos necessários e suficientes à sua realização, como sejam, os instrumentos e as técnicas que auxiliam na dinamização desse pro­

cesso de formação. Mas torna-se oportuno evidenciar que a origem e os princípios da Pedagogia Freinet não derivaram essencialmente de uma teoria da educação e nem tão pouco se trata de um método determinado por regras e prescrições. Trata-se, entretanto, de uma tentativa de condu­ ção do trabalho escolar, de uma maneira diferente, não por modismo, mas por uma convicção firme de que a educação não se faz por impo­ sição, e sim pela adesão e pelo envolvimento do sujeito educando no

processo educativo. Para tanto, Freinet tentou conduzir essa sua proposta peda­ gógica numa pequena escola de aldeia, colocando em evidência a utilização de instrumento e técnicas de trabalho, que, por conjugarem comunicação e expressão, geram na sala de aula, entre os grupos, uma

complexa rede de interações.

52

Enquanto os princípios fornecem as bases de sustentação dessa pedagogia, as técnicas constituem um meio de transformar a relação professor/aluno, estimulando o desenvolvimento da cooperação, da participação e da autonomia. Entre essas técnicas estão a aula passeio, o texto livre, a correspondência escolar, a reunião cooperativa, entre outras. [...] suas técnicas não podem ser vistas isoladamente, mas vinculadas a tarefas concretas que trazem a vida para a escola do trabalho, em cuja organização, os problemas da vida e da prática social são discutidos e avaliados em grupo para a realimentação e reorganização do trabalho conjunto (ELIAS, 1997, p. 90).

O ponto de partida para a ação pedagógica na Pedagogia Freinet é a “expressão livre”, princípio que impulsiona as diversas atividades, tanto na sala de aula, como fora dela: “A livre expressão não é uma invenção de um cérebro particularmente privilegiado: é a própria manifestação da vida” (FREINET, 1979, p. 12). Essa expressão é um meio de liberação do ser. A expressão livre e a comunicação propiciam uma aprendizagem viva e real pela liberdade que têm as crianças de expressarem suas ideias e seus sentimentos, dando curso à satisfação das necessidades que elas têm de atividades. Assim sendo, deve-se propiciar a essas crianças momentos de trabalho, colocando à sua disposição meios e instrumentos adequa­ dos aos seus interesses, para que desenvolvam a atividade espontânea, pessoal e produtiva e cheguem às descobertas, pois é somente por essa via que se pode chegar a conhecê-las, e, assim, poder orientá-las para as grandes aprendizagens. O professor não deve nunca ditar preceitos, ele deve fazer com que sejam descobertos. Cabe, pois, ao professor prever as maneiras mais eficazes que permitirão aos próprios alunos chegarem ao conhecimento das coisas (ROUSSEAU apud CABRAL, 1978, p. 78).

A criança tem necessidade e é livre para buscar sozinha, des­ cobrir e sentir-se realizada com as suas descobertas. Precisa-se ter sempre presente que a criança traz em si poderes suficientes para prescindir do autoritarismo do professor e para realizar, elas próprias,

53

os elementos de sua liberação cultural. Mas, para que haja expressão, é preciso suscitar a essencial presença da sensibilidade das crianças. Num artigo que escreve na revista l 'Educateur, em novembro de 1945, Freinet (apud FREINET, Elise, 1979, p. 24) diz: A infância não é um saco que enchemos; é uma pilha generosa­ mente carregada cujos fios complexos, mais cuidadosamente montados não correm o risco de deixar perder a corrente, rede delicada e poderosa profusamente distribuída, que penetra até os mais secretos recônditos do organismo para dar-lhe vitalidade e harmonia. Cabe ao professor oportunizar a livre expressão do aluno para preservar as delicadas conexões do organismo que vive, sem cessar, à espera das coisas para entrar no domínio do conhecimento. “Praticar a expressão livre é dar a palavra à criança e dar-lhe os meios de se expri­ mir e de se comunicar” (FREINET, 1979, p. 12). Ao utilizar o princípio da livre expressão, o professor tem opor­ tunidade de conhecer os interesses da criança e de valorizar suas criações, desenvolvendo assim novas relações no ambiente de sala de aula. O aspecto mais marcante e mais demonstrativo da livre expres­ são é, sem dúvida, o desenvolvimento da cultura artística e literária na infância: desenhos, pinturas, poemas, peças musicais, peças teatrais, entre outras que alimentam exposições, apresentações, revistas, jor­ nais etc. A conversa livre, o balanço das atividades, as conferências, a correspondência escolar e muitos outros momentos em que a criança tem oportunidade de se expressar são meios que reforçam a vivência do princípio “expressão livre”. Segundo Freinet, não importa o que a criança diz, nem o conte­ údo, mas o ato de se expressar é que deve ser acolhido, pois é por meio de suas manifestações que ela se libera em busca das aquisições. Entre as muitas manifestações das crianças, está o texto que ela própria elabora, cujas expressões e formas de apresentá-lo devem sair da sua criatividade, denominando-se, por isso, texto livre, uma das técnicas incentivadoras da expressão livre. Clanchè diz: “Ao ler um texto livre lemos uma obra de escritor que se julga escrevente, enquanto que ao ler uma redação lemos uma obra de escrevente que se julga escritor” (CLANCHÈ, 1977, p. 101).

54

O texto livre é a expressão natural inicial de vida das crianças no seu ambiente. Os textos são susceptíveis de serem testemunhas de uma personalidade. Sabe-se que as crianças não desenham na classe só por dese­ nhar, e, sim, para criar, para fazer alguma coisa que para elas é útil e interessante. Se elas têm necessidade de ajuda, de estímulo, de técnica de trabalho é para poderem ir mais longe, expressar melhor o seu pen­ samento e para se aprofundar mais. Portanto, deve-se permitir às crianças a se expressarem como melhor lhes convém, para que tenham sucesso nas suas expressões, como, por exemplo, as sensações sentidas na expressão, a satisfação de realizá-la e o bem-estar experimentado por elas. Cada um deve ter direito a se exprimir, de provar o direito de dizer, de traduzir suas ações, seus sentimentos, por vezes de maneira clara e simbólica. Cada um deve ter meios de criar [...] Cada um deve ter direito de se comunicar livremente no seio do grupo (FREINET, 1979, p. 97-98).

Então, torna-se necessário acolher cada indivíduo como ele é, onde está consigo mesmo e ajudá-lo a desenvolver e enriquecer a sua expressão, respeitando, não apenas sua personalidade, mas também o seu ritmo de trabalho. No momento em que o professor tenta dar livre curso aos pode­ res da criança, objetivando o seu crescimento e desenvolvimento, o esforço surge normalmente e as crianças multiplicam as suas criações de formas variadas. É por meio da expressão livre que elas manifestam suas emoções, seus sentimentos e o seu conhecimento anterior. Cabe ao professor ajudá-las a descobrir os seus valores e a tomar consciência deles. Conjuntamente com o texto da criança, muitas outras técnicas e instrumentos contribuem para a vivência da expressão livre, tais como: a utilização da imprensa (hoje do computador), meio que propicia à criança a satisfação de ver que o que ela faz tem sentido e tem valor; a correspondência e o jornal escolar, nos quais ela tem oportunidade de mostrar para os outros a sua capacidade de produzir e comunicar

a alguém o resultado de suas produções, estabelecendo, assim, uma

55

ligação com o meio. São inúmeras as técnicas que contribuem para o enriquecimento da expressão livre e entre elas também se colocam: a aula-passeio, o balanço das atividades, a reunião cooperativa, entre outras. Como se vê, a “expressão livre” é um dos grandes princípios da Pedagogia Freinet que ajuda na liberação do pensamento das crianças e, se desenvolvida através de atividades interessantes, apoiadas por técnicas de trabalho que as envolvam, abre perspectivas a uma apren­ dizagem mais profunda e mais duradoura, ao mesmo tempo em que as coloca em relação com o meio. Para que a criança sinta que é capaz de realizar alguma coisa sozinha, isto é, sem ser vigiada a cada passo de suas aprendizagens pelo professor, como sejam: o desenho, a escrita, a leitura, a matemá­ tica, bem como outras atividades mais práticas, Freinet recomenda deixá-la mais livre para que ela possa buscar sozinha a direção a seguir. E isso que ele denomina de “tateamento experimental” e defende como um dos princípios, alicerce de sua pedagogia. Vê-se, portanto, que Freinet valoriza a aprendizagem livre e espontânea da criança, adquirida pelo tateamento experimental, ou seja, pela busca contínua dos caminhos para concretizá-la, através das tentativas sucessivas que a criança empreende. Vale salientar que tate­ amento experimental não significa “ensaio e erro”, pois se trata de uma busca inteligente, racional e ordenada, realizada por uma pessoa inte­ ligente e devidamente organizada na sua constituição biopsicológica. Freinet acredita ter a criança, desde a sua origem, um tatear mecânico, desde o sugar do seio, dos dedos, que vai se aperfeiçoando até chegar às aprendizagens mais finas, como ler, escrever, contar; também, vai pouco a pouco se organizando através de sistematizações sucessivas de experiências bem sucedidas, chegando a se constituírem regras de vida. As experiências bem sucedidas estão na origem das construções mentais. Na fase infantil o processo poderá ser acelerado, desde que o meio contribua, com experiências e ensaios ricos em quantidade e variedade (ELIAS, 1997, p. 59).

56

Segundo Elias, em consonância com as ideias de Freinet, todas as aquisições infantis ocorrem pelo tateio experimental. Esse processo de aquisição se dá através de repetições bem sucedidas, que vão se repro­ duzindo para chegar ao automatismo, seguido por novas aquisições. Freinet diz que o tateamento experimental contribui para a codificação da inteligência do indivíduo e assegura as diferenças existentes, que provém da sensibilidade e da permeabilidade para a experiência. Ele acredita que o tateamento experimental permite a vontade, a intenção livre de fazer uma coisa boa, e não acredita no valor de um ato determinado por um estímulo provocado ou por uma reação do inconsciente. Sem dúvida, ele viu no tateamento experimental uma solução ou um paliativo aos defeitos da pedagogia dita tradicional e, como Rousseau, quis colocar a criança em contato com a natureza e com o mundo, mas com uma grande diferença: em vez de abandonar a criança ao laisser faire, ele lhe oferece essa técnica de investigação e de reflexão o tateamento experimental. A superioridade do tateamento experimental vem do fato de que, para Freinet, o homem e a criança não copiam um tateamento, mas eles o constroem, ou seja, buscam, de escalada em escalada, o domínio do objeto, de modo inteligente, em que a reflexão está sem­ pre presente: É caminhando que a criança aprende a andar; é falando que aprende falar; é desenhando que aprende a desenhar. Não cremos que seja exagero pensar que um processo tão geral e tão universal seja igualmente válido para todos os ensaios, incluindo os escolares e foi com esta convicção e esta certeza que realizamos os nossos métodos naturais e cujo valor os cientistas tentam contestar (FREINET, 1977, p. 14).

Isso se repete nas demais aprendizagens, pois o “fazer” (no caso, pela criança) ajuda-a a incorporar melhor as aquisições. Freinet parte do princípio de que o homem traz, na sua origem, um potencial de vida que o anima e o impulsiona para frente em busca de suas conquistas. Portanto, o que é importante para Freinet, na sua preocupação educativa, é a “ação do homem”, ou seja, seu “fazer”, que assegura um melhor domínio das aprendizagens. 57

Essa é a razão pela qual, antes de tudo, ele procura os funda­ mentos psicológicos que guiam a sua ação educativa na vida. Isso não implica dizer que ele não tenha buscado os conhecimentos básicos de psicologia para alicerçar a sua ação pedagógica no pensamento dos grandes sábios. Não só buscou, mas também o valorizou como ele­ mento indispensável à formação do homem. Então, para explicar esses fundamentos, aliando-os aos fenômenos da natureza, estabelece leis, nas quais tenta elucidar alguns aspectos do tateamento experimental. Freinet diz na sua primeira lei: A vida é. Na sua origem, o homem traz consigo um potencial de vida tal, como as infinitas variedades de seres vivos escalonados na hierarquia zoológica [•••].

Esse potencial anima a criatura com élan invencível, lança-a para frente, para a realização poderosa do seu destino (FREINET, 1976, p. 17-18). Assim sendo, a tendência natural do homem é crescer, é desen­ volver-se, é adquirir poder, entendido este como a capacidade que tem o indivíduo para mobilizar um potencial máximo de vida - para a ascensão normal do seu ser, ideia esta não separada do compor­ tamento racional dos indivíduos no ciclo da vida. Portanto, se no percurso de sua vida o homem encontra os meios favoráveis, ele cresce e atinge sua plenitude. Mas se ele encontra obstáculos, a tendência natural é lutar em busca da superação. A esse fenômeno de busca de superação Freinet chama de “via nàtural do devir humano”, que, diz ele, ser esquecida pelas teorias sociais, filosóficas e religiosas, que ten­ taram dar uma outra finalidade aos esforços do homem, obscurecendo assim a sua luta em busca de realização, em colaboração com os seus semelhantes. Toda a nossa pedagogia visará precisamente conservar e multiplicar esse potencial de vida, que os métodos tradicionais depreciam e, por vezes eliminam e cuja persistência e exaltação são como um barômetro de um método são (FREINET, 1976, p. 22).

58

Freinet considera a criança no seu “devir”, portanto, ela é um ser dinâmico sempre em busca de satisfazer sua necessidade de “poder” à procura do seu crescimento. “Desde o seu nascimento, a criança tem o seu potencial de vida e tem que satisfazer a sua imperiosa necessi­ dade de poder para crescer e cumprir o seu destino” (FREINET, 1976, p. 43). Portanto, a escola deve executar suas funções fundamentais, conhecer a fundo a natureza humana e desenvolver no indivíduo, desde a sua mais tenra idade, a consciência do que ele é e do que quer, dando-lhe os instrumentos para que possa desenvolver com eficiência suas tarefas sociais e sentir-se membro ativo, capaz de conquistar o seu espaço. Faz-se mister que as bases essenciais à formação do homem sejam desenvolvidas numa atmosfera favorável em que prevaleçam a compreensão, a autoconfiança e a liberdade. Preocupando-se com a formação básica da criança, a Pedagogia Freinet utiliza meios que garantem uma orientação sólida, desde as mínimas tarefas que ela realiza na sala de aula, a fim de que o seu tra­ balho escolar seja desenvolvido com consciência e responsabilidade, sabendo que o assumir demanda esforço, mas é condição essencial à sua formação e ao enriquecimento profundo de sua personalidade. A grande base do tateamento experimental está no método natural que, segundo Freinet, dá “permeabilidade à experiência” da aprendizagem da leitura, da escrita, do desenho ou na busca de outras aprendizagens. Freinet, retomando as palavras de Claude Bernad, diz: Só progredimos na medida em que refletimos, tentamos, experimentamos, comparamos e combinamos para encontrar as condições experimentais mais próprias para atingir a finalidade que pretendemos (FREINET, 1977, p. 68).

Na escola, a criança deve realizar suas atividades, não para se desobrigar de uma tarefa imposta pelo professor, como ordinaria­ mente costuma acontecer, sem compreender a razão do seu fazer, mas deve estar claro para ela que o desempenho de qualquer trabalho é inerente a todo ser humano, não importa qual a idade. Se ela estuda, a sua função é desenvolver bem as suas atividades estudantis, porque estão ligadas ao que ela pode e deve fazer como ser humano naquela

59

faixa de idade. É essa a consciência que a Pedagogia Freinet passa para o aluno quando estabelece “a educação pelo trabalho” como um dos seus princípios de sustentação.

Segundo Freinet, a escola precisa conhecer e organizar uma pedagogia que seja verdadeiramente a ciência da formação do traba­ lhador e do cidadão, tendo em vista que o que caracteriza e determina a vida do homem é o trabalho, por mais simples (o trabalho dos operá­ rios) ou mais erudito (o trabalho dos intelectuais) que seja: 0 que suscita e orienta o pensamento dos homens é o trabalho em tudo que ele tem hoje de complexo e de socialmente organizado, o trabalho motor essencial, elemento de progresso e de dignidade, símbolo de paz e de fraternidade (FREINET, 1974, p. 112).

Não é sem razão que Freinet coloca o trabalho como motor de sua pedagogia, o fundamento sobre o qual são construídas as ativida­ des, das mais simples às mais complexas da criança, permitindo a sua integração no processo normal da vida. Portanto, para ele, o trabalho é o grande principio, “o motor e a filosofia da sua pedagogia” e é essa filosofia que falta ao educador na sua prática cotidiana. Freinet diz: “se o trabalho é colocado como centro de toda a educação, vai oportunizar a criança melhores condições às suas realizações”. Esse trabalho tem de ser escolhido e assumido pela criança, e não impostas tarefas insuportáveis, fora de sua realidade e de seus interesses. “O trabalho é como o coração social do homem” (FREINET, 1996, p. 34). Desse modo, ele não se cansa em exaltar o trabalho quando o reconhece como uma função natural inerente à vida humana e, por isso, ele deve ter uma finalidade, um sentido e ser ordenado a fim de não romper o curso normal das realizações do indivíduo e, consequen­ temente, não provocar aversão. Na escola, para garantir a vivência desse princípio, recomenda-se que o trabalho não seja imposto de cima para baixo, isto é, não seja determinado pelo professor, e sim escolhido e organizado pelos alu­ nos, organização essa que suscita o interesse e o entusiasmo daqueles que a realizam.

Assim, para que esse princípio seja posto em prática sem nenhum constrangimento, tanto por parte do aluno como do

60

professor, utilizam-se os planos de trabalhos individuais e coletivos, cujas atividades são organizadas e apresentadas pelo professor, que as discute com os seus alunos e faz conjuntamente os ajustes necessá­ rios, momento em que cada um escolhe o que vai fazer, organizando no horário preciso as suas atividades, assumindo assim a sua escolha e execução. Como se vê, os planos de trabalhos constituem-se em um reforço à vivência do princípio da “educação pelo trabalho”. Reforçando essa concepção, Freinet diz: “Não há plano de traba­ lho verdadeiro, se não há a participação, formulada ou não, motivada pela vida, se não há escolha e aceitação dos interessados” (FREINET, 1968, p. 8). Reportando-se ao trabalho da criança na escola e a fadiga que este provoca, Freinet diz: Não é porque você exigiu trabalho demais, mas porque perturbou uma função natural, porque você apresentou como trabalho, exigências que se incorporaram mal às nossas necessidades vitais, porque você fez o motor girar em vão, com risco de obstruí-lo, ou porque você o alimentou com um combustível impuro e oxidante (FREINET, 1996, p. 34).

O trabalho deve ser empreendido em sala de aula como um trabalho-jogo para não cansar as crianças, lembrando-se sempre que as crianças não vão jogar em vão, mas para atender a sua necessidade de aprender, de progredir tanto no aspecto intelectual quanto na forma­ ção de seus hábitos e atitudes. Segundo Freinet (1998), a escola tem uma única função que é

primordial: “formar o homem”. Para que isto seja atendida satisfa­ toriamente, ela deve empreender um trabalho inteligente, eficiente, prazeroso e desenvolver com entusiasmo e consciência todas as tare­ fas sociais que contribuem para essa formação. E de se notar que a visão de trabalho defendida por Freinet envolve o homem na sua plenitude, ou seja, na sua dimensão social e humana, preocupando-se com a sua transformação, seja integrando-o à natureza, seja mudando as suas relações sociais, o que difere do tra­ balho desenvolvido, ordinariamente, na maioria das nossas escolas, que se detém na realização de tarefas impostas e que pouco ou nada contribuem para a transformação do homem.

61

A escola jamais cumprirá a sua função, se ela permanece estag­ nada, ou melhor, arraigada ao processo exclusivo de memorização dos conteúdos, o que significa uma parada no tempo e no espaço, conhe­ cendo o passado isolado do presente e de suas exigências. Por isso, a escola pretendida e pensada por Freinet é a escola do trabalho, porque, assim sendo, ela está perfeitamente integrada ao processo geral da vida. Na sua concepção, a escola deve ser uma estrada aberta para os horizontes que se devem necessariamente conquistar e que são infinitos. Essa percepção reforça a ideia de uma educação pelo trabalho, no seio da escola, trabalho este assumido em toda a sua ple­ nitude, em busca de um saber que deve estar sempre aberto a outras conquistas.

Nesse sentido, o professor não pode ter um conhecimento limi­ tado ao conteúdo específico que ele vai ensinar. Ele deve compreender que o aluno não é um indivíduo isolado, mas que vive num meio social, no qual as exigências se multiplicam sobre a sua participação efetiva. Por esse motivo, o professor deve dispor de amplos horizontes nos âmbitos intelectual, social, técnico e pedagógico, acessíveis ao traba­ lho do aluno, para poder atender a essas exigências. Freinet exorta os educadores, no sentido de não trabalharem um aluno hipotético, que se imagina, e sim um aluno real, com todas as implicações que o envolvem. Tomar a criança, tal qual ela é, com suas impregnações, suas virtualidades insuspeitadas, nas quais devemos fundamentar o nosso processo educativo [...] e acrescenta: a vida é o que é, devemos construir com ela e para ela (FREINET, 1997, p. 150-151).

Assim, Freinet procura construir uma pedagogia ativa capaz de conciliar as experiências da Escola Nova com as da criança para darlhe oportunidades de desabrochar, onde os valores pessoais possam desenvolver o espírito crítico, a iniciativa, a ajuda mútua e a coope­ ração. Aproveita as condições essenciais de funcionamento e procura introduzir inúmeras inovações na sala de aula, utilizando para isso, a “cooperação”, um outro princípio da sua pedagogia. Esse autor define uma nova postura que transforma a escola, a sala de aula num espaço aberto aos processos da vida de trabalho e da aprendizagem democrática através da participação cooperativa. 62

O trabalho cooperativo O trabalho cooperativo permite desenvolver, entre as crian­ ças e entre elas e o professor, relações que conduzem à organização das diversas maneiras de trabalhar em busca de um enriquecimento mútuo em todos os sentidos. Para uma organização cooperativa, seja na sala de aula ou na escola, é importante a participação do professor na escolha e na apre­ sentação de um modo de vida cooperativa. Assim como, também, é importante que a administração da escola e os pais envolvam-se nesse processo, fiquem ao lado dos professores, participem das discussões, para, assim, poderem questionar conjuntamente as atividades da escola e reorganizá-las, se necessário. Esse é um procedimento que auxiliará a classe cooperativa a responder a uma demanda real - a demanda da segurança e da ordem -, desde que aqueles que fazem a escola estejam conscientes e seguros dos seus papéis. Para que uma classe cooperativa chegue no nível de cooperação desejado, ela precisa de uma tomada de consciência, o que não se pro­ cessa de um instante para outro. Ela se dá e se fortalece por meio de um processo constante e gradativo da vivência de um grupo. Vasquez e Oury4 advertem: Seria profundamente irrealista acreditar, que essa tomada de consciência se fará por via administrativa ou mesmo por métodos didáticos. Ela virá de uma reflexão coletiva e o que a nós se propõe é incentivá-la, torná-la possível e nutri-la (VASQUEZ; OURY, 1974, p. 32).

Na vida cooperativa, os alunos tornam-se promotores de um sis­ tema organizacional cooperativo que eles o adaptam às circunstâncias,

criando, se necessário, as leis internas de funcionamento “As leis que eles fazem e respeitam, que faz dos membros do grupo sujeitos livres: sujeitos de seus atos e de seu poder” (BOLETIM INFORMATIVO Núcleo São Paulo n° 18,1998, p. 3).

4 Aida Vasquez - psicoterapeuta de crianças - e Femand Oury - professor.

63

Faz-se necessário que cada membro do grupo compreenda que a ordem e a organização são essenciais ao funcionamento da classe e que esse funcionamento é condição de sua própria liberdade: A organização para o funcionamento da classe através de oficinas expõe o grupo classe a uma nova visão da disciplina (autodisciplina), leva o aluno a estabelecer um conjunto de relações sociais que atuam sobre suas concepções de homem, mundo e sociedade (ELIAS, 1997, p. 77).

Numa classe cooperativa, as crianças se expressam e decidem livremente. Professores e alunos falam juntos, num mesmo nível de igualdade, propõem, tentam se organizar e questionam os conteúdos de ensino, os métodos de trabalho, o modo de gestão da classe e da escola e até o poder da instituição. Inúmeros momentos da sala de aula, da escola, são ocasiões que fazem surgir questionamentos, situações que exigem soluções através do sistema cooperativo. Provavelmente, há cooperação quando se tem um projeto comum. A partir daí, vai-se precisar considerar a construção conjunta, a elaboração de técnicas de trabalho, a divisão de tarefas em função das competências, capacidades e desejos de cada um. Mas para viver cooperativamente é indispensável chegar a um consenso mínimo comum, de maneira que o projeto ou a obra empreendida seja de todos e de cada um.

Para dar maior ênfase ao que se está discutindo, faz-se neces­ sário lembrar que a Pedagogia Freinet em si já se constitui pela sua própria essência um projeto comum, no qual todos têm que viver o princípio da cooperação, embora de um modo não tão específico quanto é a organização de um projeto-alunos, que requer uma organi­ zação mais minuciosa, ou seja, uma organização que propicia ao aluno traçar sua própria trajetória de trabalho, que o conduza a uma aprendi­ zagem mais consciente e, consequentemente, mais responsável. E evidente que, quando o aluno elabora o seu projeto de estu­ dos, ele se liberta das aquisições limitadas de um saber transmitido pelo professor e passa a ter uma produção concreta, integrando sabe­ res novos que têm uma ação transformadora sobre a realidade social.

64

O projeto-aluno é um conjunto de atividades significativas per­ mitindo a um aluno ou a um grupo de alunos realizar uma produção concreta. Ele é aberto e vivo, pois o aluno, trabalhando só ou em grupo, tem oportunidade de apresentar as suas aquisições ao grupo classe, momento em que enriquecerá as suas experiências pela discussão e reflexão dos problemas e das aprendizagens adquiridas, permitindo uma complementação entre o saber-aprender, o saber-compreender e o saber-ser. Não é intenção deste trabalho discorrer sobre projeto-alunos, mas, apenas para situá-lo no tempo. Vale lembrar que ele surgiu no século XVIII, com a filosofia de Fichte e mais tarde com Rousseau, quando procurava um livro de cabeceira para o seu Emílio, pois dese­ java que este buscasse o seu saber não nos livros, mas nas coisas, por serem mais verdadeiras e isentas de interpretações errôneas. Outras experiências surgiram no fim do século XIX e início do século XX, nas escolas ativas alemãs americanas e soviéticas, bem como no início da Escola Nova. Também Dewey, filósofo e psicólogo americano, na primeira metade do século passado, iniciou os métodos ativos em pedagogia e, especificamente, o método dos projetos na Escola Experimental da Universidade de Chicago. A sua doutrina é “aprender fazendo e não escutando”. Muitos outros educadores procuraram em suas experiên­ cias educacionais utilizar o projeto-alunos, como Decroly e madame Montessori. Porém, cada um com sua especificidade. Sendo a Pedagogia Freinet uma prática pedagógica centrada no respeito à criança, à sua autonomia, à sua liberdade de expressão, e que defende o princípio da cooperação, tendo no projeto-alunos uma técnica bastante utilizada por responder a esses propósitos. Reportando-se à cooperação, precisa-se também compreender que a sua vivência na sala de aula vai oportunizar à criança o desenvol­ vimento de sua aptidão para a vida social, como seja, saber:

• • •

expressar-se sem medo ou receio de errar; defender o seu ponto de vista; escutar e respeitar o seu colega, valorizando-o e jamais o ironizando;

65

• • •

opinar, tomar decisões e respeitá-las; priorizar as necessidades do grupo, interessando-se pelos problemas de todos; aceitar, respeitar e assumir decisões do grupo.

Pela cooperação, é possível cada um viver com suas diferenças em perfeita harmonia - consigo mesmo e com os outros. Pode-se dizer que cada um encontra seu espaço num conjunto, no qual tudo é signi­ ficativo para todos, no qual cada um se reencontra e tem a sua palavra a dizer, seu projeto a apresentar, seu trabalho a submeter à apreciação do grupo e onde tudo é aceito, é considerado importante para uma discussão conjunta. Outro aspecto muito importante na vida cooperativa é o Conselho. E o que é o Conselho? Alguns perguntam devido à variedade de terminologias que se empregam, tais como Reunião Cooperativa, Reunião de Cooperativa, Reunião do Conselho Cooperativo, Reunião do Conselho, entre outras. Para essa discussão, vamos tomar apenas três terminologias: Reunião Cooperativa, designada para a reunião geral, em que se deve tratar de todos os assuntos pertinentes à vida da classe e da escola de um modo geral; o Conselho, se os assuntos relati­ vos a este forem tratados, num momento à parte, dentro da Reunião Cooperativa e Reunião do Conselho Cooperativo ou simplesmente Reunião do Conselho, se os alunos se reúnem apenas para tratar dos problemas que estão entravando o processo educativo, na sala de aula e na escola.

O Conselho é um momento de vida da classe, no qual a dinâ­ mica das relações gira em torno de objetos e atividades variadas. Esse momento é reservado ao grupo, para administrar os conflitos, colo­ cando em pauta para discussão o que não vai bem na organização da classe, da escola e até no comportamento de cada um, em relação à participação e à cooperação na vida do grupo, conflitos esses que entravam o bom andamento dos trabalhos. O Conselho é um instrumento de análise, de interpretação, de crítica, de elaboração coletiva e de decisões. E o momento em que se faz a lei no grupo, que se concretiza em regras de vida, que são obe­ decidas, ou melhor, respeitadas por todos os componentes do grupo - professor e alunos.

66

Segundo Oury (1979, p. 86), ele aparece como um “instrumento de ótica”, favorecendo a observação, um “aparelho de radiografia”, detectando as estruturas microscópicas, um “comportamento gre­ gário”, conforme o espírito a firmeza de um psiquiatra, informando sobre a energia do grupo. É nesse sentido que ele chama o Conselho de

“olho do grupo”. O Conselho pode ser um momento fecundo, um lugar de expres­ são e de autêntica imaginação, desde que seja possível organizar a reunião e captar forças. Pode também ser considerado como uma reu­ nião de: •







informações - o professor é o porta-voz das informações dos alunos, das decisões que forem tomadas. Ele se limita a escu­ tar, facilitar a expressão para que haja retroalimentação; análise - em que os problemas são postos em comum, a fim de identificá-los com mais clareza e poder tomar as decisões

necessárias; decisões - discute-se, de modo especial, sobre o que não vai bem. Para isso, se faz uma discussão prévia sobre todos os problemas, vão se levantando as possíveis alternativas de soluções, que devem ter o consenso de todos. No caso de possíveis desacordos, por parte de alguns, prevalece a opi­ nião da maioria; regulamento da vida da classe - aqui, a discussão centra-se precisamente no dia a dia de sala de aula, em torno dos pro­ blemas que de algum modo estejam entravando o processo de ensino-aprendizagem, tanto em relação à participação dos alunos, aos procedimentos de ensino, à interação professor/aluno, ao modo como se está conduzindo a avaliação, entre outros.

Por ser o Conselho um momento privilegiado de linguagem, os participantes abandonam seus papéis, seus status habituais e também um certo número de defesas, para, em conjunto, falar a respeito do que está acontecendo na ocasião, ou seja, das coisas vivenciadas e que precisam tomar um melhor rumo e até do que é traumatizante para o grupo ou mesmo para cada um de seus membros.

67

As comunicações se estabelecem em um plano de relações sociais, em que todos colocam a significação dos papéis de cada um, das pessoas e dos acontecimentos. Devido às emoções coletivas, a comunicação se estabelece em um plano mais profundo, momentos ricos de possibilidades, de intervenções muito eficazes. É na reunião do Conselho que se tem oportunidade de colocar em ordem a vida da classe e da escola, substituindo o que não está con­ tribuindo para o desenvolvimento harmonioso dos trabalhos na sala de aula e na escola, por proposições positivas que possam contribuir mais e melhor na organização do processo educativo. Essa substituição se faz estabelecendo regras de vida, que devem ser elaboradas pelo grupo e por ele respeitadas, bem como por cada membro do grupo e jamais por san­ ções, como pensam alguns professores e alunos iniciantes na Pedagogia Freinet. “A classe torna-se uma verdadeira comunidade de indivíduos que participam da elaboração de regras para alcançar o melhor desenvol­ vimento em seus projetos e atividades” (ELIAS, 1997, p. 66). É papel essencial do Conselho retomar, sempre que possível,

e reconduzir todos os acontecimentos vividos pelo grupo-dasse e pelos alunos individualmente, mas não obrigatoriamente da mesma maneira. Para compreender melhor o que se passa, é necessário conhecer a história da classe e seus problemas atuais. Faz-se, também, neces­ sário conhecer melhor as instituições (o que se institui), os papéis, as responsabilidades de cada membro do grupo-dasse, como também saber decifrar a sua linguagem. Freinet está sempre lembrando que a criança é um ser inteli­ gente, portanto, capaz de assumir suas responsabilidades, devendo ser tratada como tal e não como um animal irracional que precisa ser adestrado por meio de castigo. 0 castigo não constrói, porque gera revolta, decepção e até frustração que podem perdurar por toda vida da criança. Assim sendo, o diálogo, sobretudo na Reunião Cooperativa, é o melhor meio que se pode lançar mão para conduzir essas questões. De acordo com os trabalhos de Oury e Aida Vasquez, realiza­ dos em classe de Io grau, o trabalho cooperativo é considerado, por eles, como a chave da cúpula do sistema, porque essa reunião tem o poder de criar novas instituições, ou seja, de institucionalizar o meio

68

de vida comum. A forma de reunião não é a mesma, pois não se trata de um modelo, mas todas as classes cooperativas são caracterizadas pela importância de cada Conselho. Para organizar a Reunião Cooperativa ou do Conselho Cooperativo, os participantes dispõem-se em círculo, afim de favorecer uma boa comunicação e compreensão das mensagens colocadas. Cada um deve se sentir como um membro ativo e responsável. Ninguém deve se sentir protegido pelo outro como se fosse um fraco ou incom­ petente. Assim dispostos, um ritual se estabelece para que a reunião proceda numa organização desejada. Nesse momento, distribuem-se as funções: presidente, vice-presidente e secretário. No início, quando os alunos ainda não estão habituados a essa vivência, o professor pode exercer a função de presidente, mas lembrando-se que deve se comportar como um membro do grupo, embora com mais experiência e com o poder de intervir em qualquer ocasião em que a reunião seja ameaçada pela desordem de algum dos seus membros, mas sempre tendo o cuidado de exercer a democracia e não o autoritarismo, que não constrói, e, sim, destrói. O papel primordial do presidente é conduzir a reunião, dar a palavra, porque ele fala em nome da lei, deve garantir a segurança, conduzir o grupo à boa discussão e à tomada de decisões precisas. À medida que os alunos forem se engajando no processo da Reunião Cooperativa, a função de presidente pode ser delegada a um aluno, sendo substituído a cada reunião, a fim de não se estabelecer o poder de alguém sobre os seus colegas. O vice-presidente, se necessário, ajudará o presidente na condu­ ção dos trabalhos e também pode anotar as questões mais pertinentes à discussão, para uma retomada a qualquer momento que se fizer neces­ sário. Já o secretário se encarrega de anotar todas as ocorrências da Reunião Cooperativa, bem como de elaborar a ata final dos trabalhos. É evidente que, para a classe cooperativa funcionar bem, precisa-se de crianças livres e ativas. Precisa-se também compreender que a orga­ nização e a ordem são condições essenciais ao funcionamento de uma classe cooperativa. Uma Reunião Cooperativa ou uma Reunião do Conselho bem conduzida favorece a construção da cidadania, pois este é um momento

69

de linguagem, no qual todos têm pleno direito de se expressarem e, consequentemente, de criarem novas relações dinâmicas. Não é por demais lembrar que não é para “punir” que o Conselho existe, e, sim, para educar. Essa educação não se faz por adestramento, mas através de uma orientação segura e conveniente de todos os mem­ bros do grupo, como célula social, viva e participativa. A cooperativa é uma reunião de classe, que organiza as apren­ dizagens sociais, cognitivas e sociopolíticas, assim como as relações recíprocas entre a escola e o meio ambiente. Favorece a construção dos diversos saberes, tais como: saber dizer, saber viver em grupo, entre outros. Portanto, é necessário que as relações entre os indivíduos sejam desenvolvidas harmoniosamente, para que amanhã, mais justa ou menos injusta, possam ser instaladas pelos seres humanos, uma socie­ dade que eles tentaram construir ou pelo menos cooperaram na sua construção. Assim, eles terão no interior de si próprios a lembrança de que alguma coisa bem feita e harmoniosa é sempre possível realizar.

70

Capítulo 4 Fontes de informação do trabalho

A investigação O estudo desenvolveu-se numa instituição que atende uma população considerada de classe popular, em que o interesse demons­ trado pela direção e corpo docente em desenvolver uma experiência de ensino baseada em uma pedagogia alternativa, no caso a Pedagogia Freinet, foi o principal estímulo. Pode-se dizer que a escolha do campo de pesquisa centrou-se basicamente no interesse da diretora e das

professoras. Inicialmente, foram mantidos os primeiros contatos com a dire­ ção e, em seguida, com as professoras, equipe técnica e funcionários, que se mostraram receptivos a esse trabalho. Pretendia-se, de início, trabalhar com toda escola, pois, diante de tanto entusiasmo e recep­ tividade, acreditou-se no sucesso dessa prática. Porém, pelo fato de a experiência exigir um acompanhamento mais direto, tornou-se impossível a sua continuidade nessa amplitude, o que levou à redução

da amostra. A experiência passou a ser desenvolvida nas turmas em que as professoras mostraram-se mais interessadas: quatro classes de terceira e quarta séries, embora o assessoramento tenha se estendido a outras classes, através de estudos e planejamentos voltados ao trabalho alter­ nativo, de modo que outras professoras pudessem utilizar a Pedagogia Freinet, mediante os seus princípios e as suas técnicas, como apoio para a realização das atividades junto aos alunos, pois a escola não tinha uma proposta pedagógica definida.

Durante o ano de 1997, período em que se iniciou a pesquisa, trabalhou-se com duas classes (de 3a e 4a séries).5 Em 1998, a experi­ ência continuou com duas classes de 4a série, uma iniciando e outra dando continuidade ao trabalho desenvolvido no ano anterior, na 3a série. A pesquisa foi desenvolvida em quatro classes, com um total de 102 alunos e a participação de três professoras. Envolveu ainda a direção, vice-direção, equipe técnica e todas as pessoas que faziam a escola, inclusive os pais dos alunos. As professoras dessas classes sentiram-se atraídas pela experiên­ cia, primeiro, porque esperavam, através dessa alternativa pedagógica, poder minimizar as dificuldades de aprendizagem dos seus alunos refe­ rentes à leitura e à linguagem escrita. Segundo, porque, como estavam iniciando o curso de Formação de Professores de Ia a 4a séries em nível de 3o grau, acreditaram que somando os conhecimentos adquiridos no curso com essa orientação pedagógica teriam uma maior contribuição para a sua prática na sala de aula. Como a nossa intenção nesse primeiro momento era investi­ gar a ação das professoras e sua interação com os alunos, tornou-se necessária a definição de instrumentos que se mostrassem eficazes na coleta de informações sobre as situações de ensino-aprendizagem, no cotidiano da professora e dos alunos no seu próprio contexto - a sala de aula. Assim, para desenvolver uma interação com os sujeitos da pes­ quisa (professoras e alunos), procurou-se inicialmente desenvolver estudos em tomo da abordagem da pesquisa qualitativa do tipo etno­ gráfico, por ser um referencial metodológico mais indicado ao uso das técnicas de observação participante, entrevistas e análise de docu­ mentação, pois, segundo André, “essas técnicas são tradicionalmente associadas à etnografia” (ANDRÉ, 1995, p. 28). Porém, a evolução do desenvolvimento do trabalho culminou num segundo momento em processo interativo de intervenção (ação sistemática e controlada desenvolvida pela pesquisadora), seguimento

5 Quando se nomeia 3a e 4a séries, refere-se ao 2o nível do Ciclo de Sistematização do Ensino Fundamental, (documento CICLO BÁSICO - Um novo fazer pedagógico SECD/RN -1996).

72

característico da pesquisa-ação explicitado por Ihiollent (1985, p. 14)

como: A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo.

Segundo Thiollent (1985), a finalidade da pesquisa-ação é favorecer, aos pesquisadores e grupos envolvidos, a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transfor­ mação para que, através da troca de experiências, eles possam buscar a melhoria da qualidade do ensino. Ela é, sem dúvida, um tipo de pesquisa social que mantém uma articulação do conhecer e do agir, estabelecendo uma ação coletiva e participativa numa dinâmica de produção e conhecimento coletivo. O autor afirma: “Com a pesquisa ação pretende-se alcançar realizações, ações efetivas, transformações ou mudanças no campo social” (THIOLLENT, 1985, p. 41). Com relação às mudanças no campo social, convém destacar Kurt Lewin (1984), iniciador desse tipo de pesquisa, pois ele pretendia investigar as relações sociais e obter mudanças de comportamento e atitudes do indivíduo. A esse respeito, Barbier (1985, p. 38) informa: “A pesquisa ação de Lewin pode ser definida como uma pesquisa psi­ cológica de campo, que tem como objetivo uma mudança de ordem psicossocial”. A pesquisa-ação é também vista como um instrumento de trabalho com grupos numa situação real, no qual os grupos partici­ pantes da situação buscam, através da construção coletiva, a solução de problemas. Pela pesquisa-ação é possível estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação (THIOLLENT, 1985, p. 19).

73

A natureza da pesquisa-ação e os seus objetivos oportunizaram maior interação entre pesquisadores e sujeitos envolvidos, os quais, através de discussões e troca de experiências, foram identificando os problemas a serem pesquisados e as soluções a serem encaminhadas, buscando esclarecer ou mesmo resolver os problemas observados. Assim, para manter uma interação constante entre pesquisadores e o grupo observado, foram utilizados, como instrumentos mediadores dessa interação, as técnicas de observação participante, a entrevista e os questionários.

Observação A observação, de um modo geral, é uma atividade inerente a todas as pessoas, pesquisadoras ou não. E imprescindível à adaptação ou mesmo à inadaptação das pessoas no seu meio. Mais especificamente, pela sua profissão, professores e educadores, psicólogos e sociólogos têm necessidade de utilizá-la para conhecerem fatos, comportamentos que lhes interessam, estudar no seu ambiente de trabalho, de acordo com as necessidades que lhes impõem. Em todos os casos, a observa­ ção é utilizada para designar a percepção mais ou menos atenta dos comportamentos. Como no estudo precedente, delimitou-se o termo “observação” para a observação direta. Definiu-se como observação direta a situação em que o obser­ vador está na presença do observado no quadro habitual da ação em seu cotidiano, no caso da sala de aula, em que as informações são recolhidas diretamente pelo investigador, sem se dirigir aos sujeitos

interessados. Quivy (1998, p. 164) diz: “os sujeitos observados não intervém na produção da informação procurada”. Como é recomendável em situação de pesquisa, esta foi conce­ bida como um processo a ser construída, evitando-se registros que pudessem introduzir vieses na descrição e análise dos resultados. A atenção do observador neste estudo se voltou àqueles proces­ sos que pareciam conduzir a um melhor e mais real conhecimento da

74

dinâmica de trabalho do observado, tanto no que concerne à forma de transmissão de conteúdo quanto à interação do professor-aluno. A investigação da sala de aula foi desenvolvida basicamente mediante a observação participante, a fim de desenvolver um processo de reconstrução da prática pedagógica do professor na sala de aula. “A observação é chamada de participante, porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada afetando-a e sendo por ela afetado” (ANDRÉ, 1995, p. 28). De acordo com Chizotti (1998), a observação participante é obtida através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado. Segundo os princípios da pesquisa etnográfica, quanto mais direto e prolongado for o contato do pesquisador com as pessoas do grupo em estudo, nos eventos e em outras situações, mais ricas serão as suas informações. A esse respeito, André (1995, p. 41) esclarece: A pesquisa do tipo etnográfico, que se caracteriza fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com a situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as relações que configuram a experiência escolar diária.

Nesse sentido, procurou-se aproveitar as oportunidades de con­ vivência com o grupo envolvido na experiência em todas as ocasiões: na sala de aula, no recreio, no lanche com as professoras, nas reuni­ ões de estudo e ainda nas reuniões de pais e mestres. Na observação realizada, foram consideradas as anotações de campo feitas através de registros escritos e gravados, a fim de captar o maior número possível de informações capazes de subsidiar este trabalho. As observações perduraram durante todo o período da expe­ riência. Para as primeiras observações, que foram realizadas mais diretamente na sala de aula com professoras e alunos, foram reser­ vadas dez semanas, as quais foram ocupadas pela pesquisadora, na condição de pesquisadora observante, sem interferir no trabalho do observado. O formulário de observação de aulas foi flexível. Registravam-se informações sobre o comportamento didático das professoras sem

usar categorias predefinidas.

75

Os dados das observações eram discutidos e subsidiados por um suporte teórico que fornecia contribuições significativas para um tra­ balho pedagógico ajustado às necessidades e às exigências dos alunos.

Entrevistas A entrevista semiestruturada também utilizada como técnica de coleta de dados, teve a intenção de registrar ao máximo a fala das pro­ fessoras e, através dela, aprofundar algumas questões e obter outras informações da sua prática pedagógica, como dimensão importante do processo de construção do saber, pois, segundo André (1995, p. 28), “As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados”.

As entrevistas foram desenvolvidas sob a responsabilidade da pesquisadora e foram realizadas na sala da direção da escola, na qual estava presente apenas a professora que estava sendo entrevistada, no momento reservado para ela. Elas constaram de um roteiro com ques­ tões abertas e fechadas em torno da temática central do trabalho. Embora tenha seguido um roteiro básico, procurou-se deixar as entrevistandas à vontade para as suas manifestações verbais, suas opiniões, de modo que as informações coletadas possibilitassem um maior conhecimento de sua prática docente. O roteiro das entrevistas incluía tópicos gerais, relativos à famí­ lia, à escolha e à integração profissional, dados referentes à sua vida funcional, à sua formação, às representações da prática docente, con­ cepção sobre educação, entre outros. Foram feitos registros escritos e gravações delas. No início das entrevistas, as professoras foram avisadas de que as suas informações teriam um tratamento anônimo, como é recomendá­ vel em situações de pesquisa, a fim de facilitar as suas manifestações.

76

Questionários Ainda como técnica de coleta de dados, lançou-se mão dos ques­ tionários que foram aplicados junto aos pais, cuja intenção era obter informações sobre os sujeitos (alunos) das classes onde se desenvol­ veu a experiência. As questões desse instrumento referiam-se aos dados escolares, à participação dos pais nas atividades educacionais dos filhos, ao grau de instrução dos pais, ocupação, profissão e dados relativos à interação

pai-filho. Na aquisição dos dados, considerou-se uma amostra significa­ tiva de professoras e alunos, atingindo um percentual de 100% das professoras envolvidas na pesquisa e 58,8% dos alunos.

Campo da pesquisa Para contextualizar a experiência, procurou-se coletar algumas informações concernentes à estrutura e ao funcionamento geral da instituição - campo da pesquisa. É uma instituição confessional rela­ tivamente pequena, mesmo assim, o seu espaço interno dispõe de 12 salas de aula, pouco espaçosas, biblioteca, sala da direção, sala de vídeo, cozinha, banheiros, sala dos professores e uma pequena quadra para recreação. Dispõe ainda de uma capela, cujas atividades religiosas são celebradas com a colaboração de um capelão, nomeado pelo arce­ bispo da arquidiocese de Natal. A equipe técnico-pedagógica é constituída de uma diretora e vice-diretora, uma supervisora e duas secretárias para os dois turnos. O corpo docente é formado por vinte e duas professoras, das quais três desenvolvem suas atividades na educação infantil. A escola funciona em dois turnos, matutino e vespertino, com um efetivo de setecentos alunos. Tem como finalidade ministrar o ensino básico fun­

damental do Io ao 5o ano a crianças do bairro.

77

As atividades pedagógicas são orientadas pela proposta edu­ cacional do Estado e os critérios de avaliação são determinados pelas normas da Secretaria de Educação e Desportos. A partir de 1998, a escola foi incorporada à rede estadual de ensino, através do Decreto n° 13435 de 21 de julho de 1997.

Participantes da experiência A experiência contou com a participação de professoras em exer­ cício no Ensino Fundamental e de alunos de quatro classes do ciclo de sistematização, junto aos quais as professoras trabalharam de modo sistemático.

As professoras Embora o estudo tenha se estendido a todas as professoras, apenas três participaram efetivamente da experiência. Elas foram escolhidas porque demonstraram interesse em buscar, através de uma nova forma de trabalho, melhoria para a sua prática docente e por acreditarem que através de um trabalho mais dinâmico, orientado nos princípios e técnicas da Pedagogia Freinet, fosse possível transformar o clima de sala de aula, visando a superação de práticas tradicionais por práticas democráticas. As educadoras demonstram acreditar que um trabalho desenvol­ vido em consonância com o referencial teórico-metodológico adotado, que oferece o máximo de possibilidade aos alunos, estimulando-os a participar, criar regras de vida, realizar projetos, numa ação coopera­ tiva, poderia contribuir para minimizar os problemas de aprendizagem vivenciados na sala de aula. As informações adquiridas ao longo da experiência, através de observações, entrevistas e conversas informais, revelaram que as três professoras eram casadas, com idade entre 29 e 49 anos. Contam com um tempo de docência entre nove a dezesseis anos, ocupando

78

uma carga horária de 40 horas semanais. Elas têm a mesma forma­ ção profissional: curso de Formação de Professores de Ia a 4a séries e Licenciatura Plena. Essas professoras buscaram, através de um curso superior, aperfeiçoar a sua ação pedagógica, a partir de uma funda­ mentação teórica e prática necessária ao desempenho de sua função. Ao enfatizar o gosto pela leitura, disseram que costumam ler histórias, romances, assuntos políticos, livros didáticos, revistas e jor­ nais e que não têm preferência por nenhum tipo de leitura. Embora não demonstrem essa preferência, elas veem a sua importância na rea­ lização de qualquer trabalho pedagógico. Assim, sugerem que o hábito de ler seja também desenvolvido no aluno a partir de atividades que envolvam a leitura e a escrita. Com relação ao livro didático, ele é visto por elas como uma imposição e um comércio. Acham que deve ser usado pela professora como auxiliar à orientação para as atividades e não para segui-lo tex­ tualmente como se fosse uma bíblia. Da mesma maneira que a leitura, enfatizam ainda o valor dos programas educativos e informativos da televisão. Assistem qualquer programação, excluem, apenas, os programas policiais, porque acham que eles trazem influências negativas, principalmente para a criança, por não terem a devida maturidade para saber discernir o bem e o mal.

Os alunos A segunda população - sujeitos da experiência - se constitui de quatro classes com um efetivo de 102 alunos. Para melhor conhecer essa população, foram aplicados questionários junto aos pais, dos quais sessenta, ou seja, 58,8 %, foram devidamente preenchidos. Além desse instrumento, foram utilizados outros dados fornecidos pela secretaria da escola e pelas professoras. Os dados situaram os alunos pertencentes a uma classe de nível socioeconômico baixa, com muitos problemas relacionados à afeti­

vidade, gerando comportamentos agressivos e alguns apresentando dificuldade de concentração na sala de aula durante a realização das 79

atividades. A faixa etária desses alunos concentra-se entre 9 e 13 anos, sendo 30, ou seja, 29,5%, do sexo masculino e 72, ou seja, 70,5%, do sexo feminino. A maioria iniciou a sua escolarização na escola - campo da pesquisa - e reside no mesmo bairro. Para uma melhor visualização das informações sobre os alunos, foram organizados alguns quadros referentes aos seus dados pessoais e escolares.

TABELA 1 Percepção do desempenho dos alunos nos estudos INDICADORES

Não

Sim

Total

Fr.

%

Fr.

%

Fr.

%

Estuda e faz os deveres de casa

59

98,0

01

1,6

60

100,0

Tem orientação nos estudos

57

95,0

03

5,0





Sente dificuldade nos estudos

45

75,0

15

25,0





Costuma fazer outras leituras em casa

43

71,6

17

23,0

Desenvolve outras atividades em casa

43

71,0

17

23,0





Gosta da escola e da professora

60

100,0

0

0,0

-





De acordo com os dados, os alunos foram unânimes em afir­ mar que gostavam da escola e da professora. Para eles, a professora é muito boa, pois ensina bem, se dedica aos alunos e os trata com muito carinho. Vale salientar que os dados referentes ao contexto familiar

80

revelam que os alunos, em sua maioria, estudam em casa e fazem as tarefas escolares. De acordo com eles, dedicam uma a duas horas aos estudos e alguns ainda ajudam as mães nos afazeres domésticos, como lavar louças, varrer, passar pano na casa e cuidar do irmão mais novo. Outros disseram se dedicar a leituras fora do contexto da sala de aula, como revistas, histórias em quadrinhos, livros infantis, além do livro didático. A maioria disse sentir dificuldade na realização das tarefas esco­ lares, principalmente em Matemática e Português, embora contasse com a ajuda dos familiares, especificamente dos pais, que, apesar da boa vontade, também sentem dificuldades por não possuírem um nível de escolaridade mais elevado.

TABELA 2 Grau de instrução dos pais MÃES

PAIS

INDICADORES

%

Fr.

%

Fr.

Analfabetos

03

5,0



Ensino fundamental incompleto

25

41,6

25

41,6

Ensino fundamental completo

13

21,6

08

13,3

Ensino médio incompleto

05

8,3

10

16,6

Ensino médio completo

05

8,3

07

11,6

Ensino Superior



02

3,3

Ensino Supletivo

01

1,6

01

1,6

Sem respostas

08

13,3

07

11,6

TOTAL

60

100

60

100

81

Através dos dados visualizados no quadro acima, foi possível identificar que o nível de escolaridade dos pais desses alunos con­ centra-se no Ensino Fundamental incompleto, pois não chegaram a concluir a escolaridade básica obrigatória. Uma informação impor­ tante que chamou a atenção é que entre as mães, duas possuem o curso superior e entre os pais três são analfabetos. Diante das informações, acredita-se que, levando em considera­ ção o nível de escolaridade dos pais, a sua ajuda é insuficiente, pois não chega a atender totalmente às suas necessidades escolares. Também com relação à situação econômica desses alunos, pode-se observar que, pelas profissões que os pais ocupam, a situação financeira não é boa.

TABELA 3 Distribuição dos pais ou dos responsáveis pelo aluno, segundo a

ocupação que exercem OCUPAÇÃO

82

Fr.

%

Pedreiro

10

16,0

Motorista

09

15,0

Marceneiro

07

11,6

ASG

07

11,6

Comerciante

05

8,3

Eletricista

04

6,6

Comerciário

03

5,0

Mecânico

05

8,3

Telefonista

02

3,3

Vigia

02

3,3

Pintor

03

5,0

Fiscal

01

1,6

Garçom

01

1,6

Montador

01

1,6

TOTAL

60

100,0

As informações expressas na Tabela 3 mostram que os pais, na sua maioria, desenvolvem atividades de baixa remuneração, conse­ quentemente, fazendo com que a renda dessas famílias seja bastante precária. Das profissões exercidas pelos pais, a de pedreiro tem maior predominância seguida pela de motorista de instituição pública ou de empresa. Alguns pais desenvolvem atividades informais, sem renda fixa, como marceneiro, eletricista, mecânico, vigia, garçom, montador de imóveis e pintor.

TABELA 4 Distribuição das mães, segundo a ocupação que exercem PROFISSÃO OU TAREFA QUE EXERCEM

Fr.

%

Trabalho do lar

18

30,0

Doméstica

10

16,6

Comerciária

06

10,0

Comerciante

04

6,6

Cabeleireira

04

6,6

Funcionária pública

02

3,3

Costureira

04

6,6

Cozinheira

03

5,0

Operária

04

6,6

Aposentada

02

3,3

Auxiliar de enfermagem

01

1,6

Professora (pedagoga)

01

1,6

Roupeira

01

1,6

TOTAL

60

100,0

83

No que concerne às profissões das mães, são bastante varia­ das. Um grande número de mães não exerce atividades profissionais fora do lar, dedicando-se apenas aos afazeres domésticos (dona de casa vulgarmente chamada). Outra parte menor desenvolve ativida­ des remuneradas fora do lar. Constata-se, ainda, que algumas mães se ocupam de atividades informais, sem renda fixa, como cabeleireira, cos­ tureira, cozinheira e roupeira. Outras mães disseram ocupar profissões no setor de serviços, tais como auxiliar de enfermagem, professora e funcionária pública. Algumas afirmaram ser comerciantes autônomas e outras comerciárias. Apenas duas delas disseram estar aposentadas e não desenvolver atividade remunerada. Diante das Tabelas 3 e 4, evidenciou-se que as condições financeiras da maioria dessas famílias são de instabilidade, gerando, possivelmente, problemas e dificuldades no atendimento às suas necessidades básicas, referente à alimentação, à saúde, à moradia, entre outras. Em relação à Tabela 2, identificou-se também que o nível de escolaridade dos pais e das mães desses alunos reflete-se, de alguma forma, nas orientações das atividades escolares que os pais e as mães dão aos seus filhos. Mas, apesar das dificuldades, os pais, em sua maio­ ria, tiveram uma participação efetiva nos trabalhos escolares. Mesmo não possuindo um nível de instrução mais elevado, demonstraram, através do seu discurso, a sua preocupação em relação à escolaridade dos filhos, ajudando-os, dentro dos seus limites, e incentivando-os a realizarem as atividades com responsabilidade, pois acreditam que, através do estudo, será possível conseguir uma profissão melhor. A fim de conhecer de perto o contexto familiar dos alunos-sujeitos da pesquisa e confirmar os dados levantados, foram realizadas visitas a algumas residências localizadas nas proximidades da escola. Através dessas visitas, constatou-se que a maioria dos lares des­ sas famílias não oferece condições físicas adequadas para o estudo e a realização de atividades extradasse dos alunos e que as condições financeiras são bastante precárias. Quando os pais foram consultados sobre o tipo de controle uti­ lizado por eles para educar os filhos, a maioria, 36 pais, ou seja, 60%, responderam que a conversa era a forma mais adequada que haviam

84

encontrado para educá-los. Acreditam, portanto, na possibilidade de um bom relacionamento com eles através do diálogo. Respondendo, ainda, às questões sobre a satisfação deles em rela­ ção ao trabalho pedagógico realizado na escola e sobre a aprendizagem dos filhos, disseram estar satisfeitos e se posicionaram, demonstrando a sua satisfação através dos comentários que estão expressos nos ques­ tionários, os quais foram aqui registrados. - Estou satisfeito porque o meu filho, além de aprender a ler e escrever, está também aprendendo a conversar com as pessoas, inclusive com os colegas. Está aprendendo como é a vida dentro da escola e fora dela. - As aulas estão sendo boas, pois a minha filha tem participado das atividades com muito interesse. - O ensino aqui na escola parece que melhorou, pois meu filho está se desenvolvendo e se relacionando melhor com os colegas. Ele desenvolve as atividades com mais facilidade e participa dos trabalhos com mais responsabilidade. - Hoje, o meu filho prepara as suas tarefas da escola sozinho, sem haver nenhuma cobrança da nossa parte.

Pelo que foi possível detectar através dos dados coletados, a maioria dos pais dos alunos-sujeitos da pesquisa procura ajudar os seus filhos, na medida do possível, dentro de suas limitações, utili­ zando um controle adequado sobre eles. Porém, durante a experiência, não se contou com uma participação mais assídua dos pais nas ativida­ des educacionais desenvolvidas na escola. No entanto, nas reuniões, que eram realizadas em cada bimes­ tre letivo, contava-se com uma frequência de 50%, embora nem todos participassem das discussões sobre o trabalho pedagógico, acredita-se que por timidez ou mesmo pela falta de conhecimento em relação ao assunto. Alguns comentavam a respeito do desempenho e aprendiza­ gem dos filhos, enquanto outros permaneciam calados e, quando se manifestavam, diziam apenas que o trabalho estava muito bom e que deveria ter continuidade.

85

Capítulo 5 A experiência A intervenção na sala de aula iniciou-se a partir do segundo semestre de 1997 e constou do desenvolvimento de técnicas interati­ vas da Pedagogia Freinet - como a Reunião Cooperativa, a aula-passeio, o jornal escolar, entre outras - mais diretamente nas classes do ciclo de sistematização do Ensino Fundamental, em que os alunos tiveram uma participação ativa e cooperativa, através da troca de experiências, ajuda mútua e solidariedade. Com relação às técnicas interativas, convém esclarecer que se trata de uma ação conjunta e integrada, através da qual a criança interage em cooperação com os seus colegas. E através dessa técnica que se desenvolve o relacionamento interpessoal professor-aluno, aluno-aluno e entre os grupos, criando situações de aprendizagens diversificadas de jogos de ideias, interpretação e criatividade. A intervenção desenvolveu-se em dois momentos distintos, porém, interligados pela sua própria dinâmica.

1° momento - Preparação, treinamento e reuniões A preparação constou de treinamento, intercalado por reuniões de avaliação, as quais forneciam subsídios para inclusão de aspectos que deveríam ser discutidos e aprofundados. O treinamento antecedeu o segundo semestre letivo de 1997 e baseou-se em estudos e discussões de textos, a fim de dar um apoio teórico-prático às professoras da escola-campo da pesquisa. Assim, antes do início da nossa ação propriamente dita, fez-se um treinamento com as professoras, através de estudos teóricos

e atividades práticas, baseados nos princípios da Pedagogia Freinet. Para o treinamento inicial, buscou-se algumas orientações básicas através de textos, a fim de obter uma visão global dessa pedagogia. Prosseguiu-se com o estudo dos livros Nascimento de uma peda­ gogia popular, em que foram destacados os princípios básicos dessa pedagogia e As técnicas Freinet da Escola Moderna que subsidiaram com as suas informações a organização e o funcionamento de ateliês. Estes foram os estudos prioritários desde o momento em que se deu o primeiro treinamento. A partir daí, os estudos foram acon­ tecendo segundo as necessidades do planejamento e precediam à realização de cada atividade. No momento da preparação, foram realizadas duas reuniões, uma para discutir a proposta pedagógica em estudo e outra na qual se desenvolveu uma reflexão em torno das dificuldades vivenciadas pelas professoras, como: carência de material didático, espaço físico, entre outras, que foram registradas durante as observações e entrevis­ tas. Fez-se ainda uma avaliação da prática docente desenvolvida nos semestres anteriores, a fim de detectar tanto os pontos positivos do processo de ensino-aprendizagem, como verificar as possíveis falhas, que deveríam ser retomadas no desenrolar do processo de ensino seguinte. Pois, segundo Luckese (apud LIBÂNEO, 1991, p. 196), “A avaliação é uma apreciação qualitativa sobre os dados relevantes do processo de ensino e aprendizagem, que auxilia o professor a tomar decisões sobre o seu o trabalho”. Nessa ocasião, discutiu-se o planejamento para o referido semes­ tre, tendo em vista a situação dos conteúdos que seriam trabalhados, bem como a delimitação das atividades concernentes ao conteúdo do programa oficial e à forma de condução de todo o processo de ensinoaprendizagem. Semanalmente, mais precisamente às sextas-feiras, desenvolvia-se o planejamento das aulas e uma avaliação das ativida­ des realizadas na semana.

88

2o momento - Atividades com professores e alunos No segundo momento, deu-se curso à ação propriamente dita, ou seja, à atuação na sala de aula, compreendendo: planejamento, ava­ liação, ação direta com as professoras na sala de aula e reuniões. Esse momento foi caracterizado por um trabalho efetivo entre pesquisadora, professoras e alunos, no sentido de implementar uma prática pedagógica que, aliada à teoria, pudesse contribuir para o sucesso escolar dos educandos. Antes de dar início às nossas atividades com as professoras e alunos, manteve-se um contato com os pais através de uma reunião na qual foi apresentada e discutida a proposta de trabalho que seria desen­ volvida na escola - campo da pesquisa. Acredita-se que a participação deles no processo educativo poderia trazer uma grande contribuição ao trabalho como um todo, pois, através da solidariedade e ajuda mútua, a sala de aula poderia transformar-se numa classe cooperativa, “meio para se assumir um ensino democrático, podendo encontrar soluções para uma luta contra o fracasso escolar” (BOLETIM INFORMATIVO Núcleo Freinet da cidade de São Paulo, 1998, p. 3). Os 36 pais presentes na reunião, ou seja, 60%, mostraram-se receptíveis à experiência e demonstraram interesse em dar a sua contribuição junto aos alunos. Através da interação com os pais, pretendia-se desenvolver uma ação docente mais dinâmica e integrada, numa relação mais efetiva entre as pessoas envolvidas no processo educativo - professores, alunos, pais e comunidade. Outras reuniões foram acontecendo durante o processo de ensino-aprendizagem e, ao final de cada bimestre letivo, para entrega dos boletins, avaliação dos conteúdos e das atividades desenvolvidas pelos alunos e para aferição dos resultados da aprendizagem. Nessas reuniões, procurou-se refletir mais minuciosamente sobre o processo educativo, colocando o interesse do aluno como refe­ rência para a intervenção pedagógica do pesquisador. Refletia-se ainda sobre a situação dos alunos, tanto em relação ao processo de ensinoaprendizagem, quanto aos comportamentos (atitudes) apresentados por eles, como: agressividade, competição, falta de respeito com os colegas, desordem na sala de aula, entre outros. A fim de amenizar esses comportamentos, a preocupação cen­ trou-se basicamente na formação de hábitos e atitudes, colocando à 89

disposição dos professores e alunos, técnicas e instrumentos de traba­ lho necessários ao relacionamento cooperativo, à formação de atitudes e ao desenvolvimento de aptidões. A primeira iniciativa foi desenvolver a Reunião Cooperativa. Essa técnica tem como finalidade possibilitar uma convivência grupai mais harmoniosa e favorecer o crescimento de cada um, tornando um grupo coeso, capaz de agir e interagir, quando necessário, com res­ peito, responsabilidade e autonomia. Para o encaminhamento dessa técnica, organizou-se um planejamento no qual foram delineadas as atividades.

Técnicas desenvolvidas

FIGURA 1 - Reunião Cooperativa: alunos da 3a série discutem assuntos concernentes ao desenvolvimento das atividades escolares

Para a realização dessa técnica, era reservada uma aula semanal. Um dia antes da reunião, os alunos manifestavam as suas sugestões e as suas críticas, através de bilhetes devidamente identificados, os quais eram colocados em diferentes envelopes e cujos conteúdos cons­ tituíam a pauta da reunião.

90

Exemplos de bilhetes apresentados pelos alunos na reunião (procurou-se conservar a linguagem dos alunos)

Eu critico A falta de educação dos alunos. Mileny

Critico a conversa que tem aqui. Filipe

Eu critico os banheiros, a bagunça na fila e não ter sabão na pia e a água quente. Vanessa Gomes

A bagunça na fila. O lixo no pátio. Os meninos dar nas meninas. Aldeíze

No meu colégio tem muitos meninos mal educados, quando é a hora do nosso recreio, eles bagunçam uns com os outros Luciana Eu critico as crianças na hora do recreio porque elas sujam o pátio e dá trabalho para as meninas que varrem Riquelmo

Eu proponho Que a biblioteca fique aberta durante o recreio. Jefferson

Que a Diretora coloque um ventilador no pátio, porque é muito quente. Luciana

Que as alunas não estraguem as nossas merendas, um dia poderá fazer falta e ficarem com fome. A economia é a base da prosperidade. Riquelmo

91

Que o colégio tenha educação física, piscina. Que o espaço seja maior. Que cada um traga o seu copo para beber água. Que bote outras portas. Que bote ordem. Para não jogar comida fora, por­ que comida é para comer. Que o portão tenha um ponto etc. Obrigado. Simone Colocar descarga no banheiro e aumentar o pátio e as salas de aula. Francisca

Eu parabenizo A amizade e a limpeza dessa classe. Philipe

A professora que ensina tão bem. Tamires

A escola por ser limpa a as merendeiras por fazerem a comida da gente, com carinho e as professoras por ensinarem com carinho. Obrigada. Anaísa A Escola por ter tomado uma decisão de higiene na Escola. Emicarla

Eu parabenizo a escola pela biblioteca. Roberto

Eu parabenizo a professora que ensina muito bem. Fabiana

Foi escolhida ou indicada uma equipe que seria aprovada pela maioria da turma. A equipe responsável era assim constituída: - Um presidente que se encarregava de ler os bilhetes, em voz alta, dava oportunidade às explicações, tanto ao autor da crítica

92

quanto ao criticado, controlava o uso da palavra e garantia a disciplina na reunião. - Um vice-presidente que antes da reunião selecionava os bilhe­ tes, agrupava-os por semelhanças de temas e entregava ao presidente para que este procedesse à leitura. Os bilhetes anônimos eram destru­ ídos pelo vice-presidente. - Um secretário que registrava as decisões tomadas. - Um vice-secretário que colocava os bilhetes em um caderno, que era guardado, para que os assuntos, quando necessário, fossem retomados na reunião seguinte. O presidente, ao iniciar a reunião, solicitava ao secretário a lei­ tura dos conteúdos dos bilhetes, passava a palavra a quem o escreveu para os devidos esclarecimentos. Se a crítica era referente a um colega ou ao professor, estes tinham direito à réplica. Os outros participantes poderiam também manifestar a sua opinião, se assim o desejassem. É importante lembrar que o grupo cooperativo dispõe de um momento nas reuniões para discutir o que não vai bem, ou seja, os pro­ blemas que estão interferindo no bom andamento da vida do grupo durante os trabalhos escolares. E esse momento que se denomina pre­ cisamente Reunião do Conselho. Nessas reuniões, os alunos discutiam tudo que estava relacio­ nado à organização e ao desenvolvimento do trabalho e tomavam as decisões que se faziam necessárias à boa execução dele. Assim, pouco a pouco, os alunos foram aprendendo a determi­ nar as regras de vida da classe6 e todos se comprometiam a cumpri-las com responsabilidade. As regras existiam não para gerar um clima de sansões, mas para facilitar o convívio entre os alunos e entre estes e o professor. No final de cada semana, fazia-se uma autoavaliação com os alu­ nos, para verificar o cumprimento das “regras de vida da classe”. Exemplos de Regras de vida

• •

Ficar em silêncio quando tem visita na sala de aula. Conservar o pátio do recreio limpo.

6 Conjunto de normas organizadas e determinadas pelos próprios alunos em sala, sobretudo, no momento da Reunião Cooperativa.

93

• •

Saber escutar quando o colega está falando. Pedir e esperar a sua vez para falar.

As regras de vida são importantes na formação de hábitos e ati­ tudes. Elas se apoiam sobre uma disciplina livre e concreta, elaborada pelo grupo-classe. Essas regras de vida são expostas na sala de aula, em cartazes e num local em que todos possam visualizá-las. Nas relações de cooperação, o aluno aprende a tomar consciência de seus problemas, dos seus limites, das possibilidades e dificuldades de uma vida grupai. Não é o professor que, a todo o momento, procura estabelecer a disciplina, impondo-a aos seus alunos. E o próprio aluno que, no trabalho cooperativo, recebe a pressão do grupo, sem que essa disciplina se torne repressora, uma vez que a pressão do grupo substi­ tui o autoritarismo do professor. As reuniões do Conselho Cooperativo se prolongavam até o momento em que todos os bilhetes fossem lidos e discutidos ou até que se esgotasse o tempo previsto para a sua realização. No caso de o tempo ser esgotado, os bilhetes restantes eram rasgados, conforme as normas estabelecidas pelos alunos anteriormente. Essas reuniões eram ricas em discussões, momento em que se retomava e se reconduzia todos os acontecimentos vividos pelo gru­ po-classe e pelos membros de modo individual. Para propiciar uma melhor comunicação e a reciprocidade de informações, os alunos se organizavam em círculo. A professora participava da reunião como qualquer outro aluno e não interferia diretamente, a não ser quando era solicitada ou quando surgia um problema mais grave como, por exemplo, indisciplina, agressão entre os participantes ou qualquer outro problema da mesma natureza. Faz-se necessário deixar bem claro que a não diretividade não impede o professor de “existir” e de “exercer” a sua autoridade, quando necessário.

A partir das reuniões cooperativas, os alunos se desinibiam e passavam a participar mais ativamente nos grupos, bem como a desen­

volver hábitos e atitudes, tais como: saber ouvir e respeitar a opinião dos outros, defender o seu ponto de vista, a tomar decisões e respeitá-

las, enfim, a compreender e se fazer compreendido.

94

É isso que se passa numa classe cooperativa: os alunos se expres­ sam e decidem livremente, trabalham, produzem e fazem as suas

regras de vida, as quais eles obedecem e tomam decisões no Conselho de Classe. Assim se entende que a classe cooperativa responderá a uma

demanda real - demanda da segurança e da ordem.

Uma das decisões do Conselho Cooperativo da 4a série foi orga­ nizar cartazes com críticas aos comportamentos discutidos por eles na

reunião. O conteúdo desses cartazes foi apresentado nas outras clas­

ses através de dramatizações. A Reunião Cooperativa, enquanto atividade pedagógica, permite

ao aluno o desenvolvimento da linguagem oral e escrita e possibilita o desenvolvimento de outras atividades, que podem surgir a partir das sugestões do grupo.

Nesta pesquisa, por ocasião da primeira reunião cooperativa, os alunos solicitaram a realização de um passeio no bairro para o

esclarecimento de algumas questões levantadas durante a reunião.

Aproveitando a solicitação, organizou-se uma aula-passeio - técnica utilizada por Freinet para auxiliar a aprendizagem dos seus alunos. A aula-passeio é uma técnica incentivadora da expressão da

criança. Ela dá oportunidade à observação, à descoberta, à reflexão,

à concretização e à socialização dos seus conhecimentos. Tem como finalidade as descobertas relacionadas tanto aos conhecimentos já

aprendidos - aqui ela funciona como complementação de estudos -,

quanto em função de novos conhecimentos que irão ser iniciados na programação escolar.

95

A aula-passeio Proporciona as aquisições que permitirão compreender o meio

que circunda a criança e as implicações sociais que dele decorrem e vai

gradativamente introduzindo-a na sua realidade, preparando-a para agir e interagir oportunamente com a sua comunidade. A Pedagogia Freinet, desde o seu início, deu importância à

abertura para o meio, pois o estudo do meio tira a criança do mundo

particular e isolado da escola. Freinet percebeu essa realidade ainda nas suas primeiras experiências, quando introduziu a aula-passeio na

vida escolar das crianças de sua escola em Bar-sur-Loup.

Como se iniciou a aula-passeio na escola - campo da pesquisa Para iniciar essa técnica, organizou-se um passeio no bairro onde se situa a escola. Precedeu-se a essa realização, uma apresenta­

ção sobre o que seria uma aula-passeio, seus objetivos e finalidades. A seguir, fez-se uma explanação sobre o local do passeio, momento em que foi organizado, com os alunos, um roteiro de observações, a fim de

que eles não se distanciassem das informações necessárias ao estudo

pretendido.

Durante a aula-passeio, os alunos observaram as diferenças entre os tipos de moradia, tais como: casas, apartamentos, vilas e organização dos condomínios residenciais. Em seguida, entrevistaram

alguns moradores do bairro, a fim de obterem informações sobre a sua origem, seus antecedentes e as suas condições de vida, anteriores e atu­

ais. Enquanto caminhavam, algo novo ia sendo descoberto - animais, carroças, ruas sujas e limpas, estreitas e largas, pontos comerciais,

entre outros.

Ao retornar à escola, deu-se início ao segundo passo dessa ativi­ dade, quando os alunos apresentaram as suas observações, que foram

96

discutidas e analisadas conjuntamente, momento este que Freinet

chama de “texto oral” dos alunos.

Na discussão, outras questões foram surgindo, tais como: saúde, profissões, meios de transporte, as quais precisavam ser esclarecidas. Para responder aos anseios dos alunos em relação a essas ques­

tões, pensou-se na possibilidade de outras aulas-passeio.

Decidiu-se, conjuntamente com o grupo, a realização de duas

aulas-passeio: uma ao Museu Câmara Cascudo e outra à Base Aérea de Natal - CATRE.

Novas orientações foram dadas aos alunos, nas quais foram mostradas os objetivos de cada uma dessas aulas, a fim de que eles não se deixassem levar apenas pela euforia dos passeios e esquecessem

suas finalidades.

FIGURA 2 - Museu Câmara Cascudo. Aula-passeio com alunos de 3a e 4a séries

97

FIGURA 3 - CATRE. Aula-passeio com alunos de 3a e 4a séries

O projeto pedagógico dessas aulas, bem como o trajeto da viagem e as normas de comportamento, para evitar possíveis inci­ dentes que viessem interferir no bom andamento dos trabalhos e, consequentemente, na aquisição dos conhecimentos, foram discutidos e organizados com os alunos, a partir de suas percepções e dos seus interesses. Durante as aulas-passeio, os alunos foram acompanhados por guias que se encarregavam de explicar e mostrar o valor histórico do material ali existente, bem como de esclarecer as questões levantadas por eles.

No dia seguinte, após a realização de cada aula-passeio, os gru­ pos apresentaram e discutiram os resultados das suas observações, momento rico de questionamentos. Todas as informações foram registradas e exploradas em textos elaborados pelos alunos ao longo do trabalho.

98

FIGURA 4 - Relatório da aula-passeio no CATRE - Base Aérea de Natal/ RN. Texto escrito por dois alunos da 4a série

Vale salientar que as aulas-passeio proporcionaram informa­ ções diversas, nas quais os alunos aproveitaram todos os momentos na construção dos seus conhecimentos, não apenas nos aspectos inte­ lectual, cultural e social, mas também no aspecto afetivo. Auxiliaram nessa construção: as pesquisas, as projeções de filmes relacionadas às visitas e os ateliês, em que foram construídos álbuns e maquetas.

99

A técnica do ateliê É uma técnica utilizada no desenvolvimento das atividades dos alunos. Os ateliês são momentos de criação, de comunicação e de abertura dos alunos para o mundo que os cerca. Eles oferecem mui­ tas formas de apropriação do mundo como instrumento ao serviço do “devir” da pessoa. Os ateliês abrem largos horizontes no campo do conhecimento e estimulam os alunos a trabalharem com interesse e responsabilidade na construção de suas aprendizagens. O trabalho com ateliê permite a troca de comunicação e de conhecimento mútuo entre professor e alunos e entre os próprios alu­ nos, pois facilita a tomada de consciência cooperativa e uma educação social mais ampla, o que resulta em melhor aprendizagem. Os ateliês pressupõem uma organização flexível de projetos de estudos que facilitam o desenvolvimento da ação ensino-aprendizagem e a oferta de materiais dispostos de forma ordenada, que permite o acesso dos alunos com o menos possível de intervenção do professor. Dois fatores são importantes na sua organização: a) o espaço de sala de aula, que deve possibilitar aos alunos se movimentarem de um lado para outro, de acordo com as necessidades do seu trabalho; b) a ordem, para que se possa desenvolver bem o ateliê. As condições para um bom funcionamento são: quantidade de materiais, que não precisam ser sofisticados nem de alto custo, basta que ao lado de um material básico (lápis, cola, tinta, papel etc.), acres­ centem-se outros trazidos do meio ambiente (as sucatas). Nos ateliês, os conteúdos são explorados de acordo com o plano de trabalho e o interesse dos alunos e as atividades são divididas coo­ perativamente entre os grupos dentro de uma proposta comum.

100

O ateliê em sala de aula Os temas para os ateliês foram escolhidos pelos alunos dentre aqueles listados que despertaram mais interesse durante a visita ao Museu Câmara Cascudo. Antes do início dessa atividade, deu-se uma orientação geral sobre a organização e apresentação dos ateliês. Para a sua realização, distribuiu-se o material em “cantos” (locais onde se organiza os materiais), na própria sala de aula, para que os alu­ nos pudessem escolher o ateliê que desejassem trabalhar e pudessem manusear os materiais sem nenhuma dificuldade, mantendo-se assim a organização e a disciplina do grupo. De acordo com os conteúdos registrados, os alunos agrupavam-se de maneira que cada grupo trabalhasse um aspecto do conteúdo detec­ tado na aula-passeio. Esses conteúdos foram apresentados através de maquetas, cartazes, painéis, álbuns seriados, entre outros. As apresentações feitas pelos grupos eram acompanhadas de questionamentos e discussões.

FIGURA 5 - Produção dos ateliês

Os ateliês constituíam-se meios de sensibilização e desbloqueamento dos alunos que não só apresentavam e explicavam com detalhes todas as realizações, mas mostravam também o seu valor na apren­ dizagem dos conteúdos curriculares, que eram trabalhados nas aulas subsequentes, com o auxílio das fichas de exercícios, jogos e textos livres. 101

O texto livre É uma atividade que o aluno faz livremente, sempre que sinta necessidade de expressar suas ideias e emoções. A utilização dessa técnica na sala de aula foi uma constante, pois este estava sempre pre­ sente nas demais atividades.

O texto livre é uma prática muito utilizada na Pedagogia Freinet e é incentivada pela valorização que se dá à expressão livre do aluno um dos princípios dessa Pedagogia. Para tanto, ela requer um ambiente de trabalho adequado que suscite no aluno o desejo de exteriorizar algo que está “fervilhando” dentro de si, para satisfazer uma necessi­ dade sua, um prazer de se expressar, e que jamais deve ser utilizada para cumprir uma determinação do professor como tarefa imposta. Segundo Freinet (1976), o texto livre é o ponto de partida de uma pedagogia viva. Por isso, ele deve ser livre e elaborado em qual­ quer momento que o aluno o desejar, ou seja, no momento em que ele está sensível para fazê-lo, seja em casa, seja na escola, seja durante ou após um passeio, mesmo no momento das brincadeiras. O importante é que o aluno sinta o valor que tem para ele a aprendizagem da escrita, sobretudo partindo de si próprio, e que se sinta livre para se expressar e transmitir o que sente, de uma maneira tanto significativa quanto prazerosa.

0 texto livre constitui-se num dos meios importantes para a socialização da expressão livre do aluno, pois este, sabendo que a sua escrita vai ser socializada, sente-se mais estimulado e passa a escrever não apenas o que lhe interessa particularmente, mas também passa a escrever o que é susceptível ao interesse dos outros. Sendo bem conduzido e estimulado, o texto livre constitui um elemento importante no desenvolvimento do pensamento do aluno e, consequentemente, um provocador da aprendizagem da leitura e da escrita.

É importante que o texto escrito seja acolhido pela turma, inde­ pendente da sua natureza. Isso contribui para que as dificuldades da leitura e da escrita desapareçam e o aluno se dedique mais corajosa­ mente a escrever.

102

Freinet, a todo instante, nos seus escritos, está lembrando a importância que se deve dar a expressão livre da criança, pois nos seus primeiros “rabiscos”, nos seus desenhos, que parecem ainda não terem significado para os adultos, ela tenta expressar algo que está dentro de si. Haja vista, quando ela já se expressa oralmente, por exemplo, dizer que um simples traço é a figura do pai, da mãe ou mesmo da casa em que ela mora. Portanto, numa situação de sala de aula, por mais simples que seja a expressão do aluno - desenho, desenho e escrita e a própria escrita “desajeitada" do aluno iniciante -, a criança deve ser valorizada e incentivada, considerando-se que tudo isso representa caminhos para a construção progressiva da aprendizagem da leitura e da escrita. É importante lembrar que, ao introduzir a prática da escrita do

texto pelos alunos, precisa-se de momentos de ensaios acompanhados de estímulos, para que eles descubram sua importância e se apliquem com interesse nas suas realizações. Também não se deve surpreender quando, nas tentativas das primeiras escritas, eles se detiverem na reprodução de histórias lidas e ouvidas anteriormente. O importante é a valorização do esforço empreendido por eles. Se as estimulações forem constantes e duradouras, eles irão se libertando e, gradativamente, introduzindo na sua escrita um toque pessoal, de modo que, com o decorrer do tempo, os seus textos se constituirão em verdadeiras expressões de sua vida no ambiente que os cerca. Isso está bem patente na experiência em questão. Nessa experiência, o texto livre teve grande expressão após a aula-passeio realizada ao Museu Câmara Cascudo, quando os alunos retornaram à sala de aula e fizeram um comentário sobre o passeio, concretizando aí o texto oral. A partir daí, muitos outros textos foram produzidos, tanto individualmente quanto em grupos, e lidos por seus autores para toda a classe. Dentre os textos produzidos, fez-se escolha de um, através da votação dos alunos e da professora. O texto lido foi reapresentado pelo seu autor e escrito no quadro de giz, procedendo-se a seguir com a sua correção pelo grupo. Freinet (1976, p. 53) destaca: “A correção coletiva do texto escrito, constitui o mais fecundo dos exercícios de composi­ ção, de gramática e síntese”.

103

A transcrição do texto foi corrigida pelos alunos, sempre respei­ tando a organização do pensamento do autor. Constituiu a expressão da vida do aluno que cheio de emoção transmitiu e compartilhou com o grupo um sentimento de amor para com o seu pai quando o recebeu como filho e, ao mesmo tempo, a tristeza que invadia o seu interior quando o via entregar-se ao vício. Texto escolhido pelos alunos. Natal, 05 de agosto de 1998.

“Meu querido pai”.

Eu gostaria de dizer que amo o senhor e sempre amarei. Quando eu estou triste, lá está o senhor perguntando o que está acontecendo e me ajuda a botar para fora tudo o que eu estou sentindo. Pai, não vou mentir, às vezes quando o senhor dá em mim, eu não gosto do senhor e fico com tanta raiva que dá vontade de me intrigar com o senhor, mas eu não faço isso porque o senhor é meu pai e tem todo o direito de reclamar e de mandar em mim. Eu, às vezes, fico tão feliz quando estou conversando com vó e ela me diz que meu pai era um excelente filho e ajudava o pai dele, o meu avô, também fico feliz quando os meus tios dizem que o meu pai era muito bom para o meu avô, que ele acordava cedo, mais cedo que o meu avô e ele ia pegar as vacas e tirar o leite que era muito.

Pai, também fico feliz ao saber que o senhor assumiu que eu e o Airton éramos filhos seus. Só não gosto quando vejo que o senhor está bebendo ou fumando. Acho isso prejudicial à saúde, o senhor pode morrer e eu não quero que o senhor morra.

Bem pai, a carta já está acabando, eu escrevi na quarta-feira, na escola e o senhor está lendo agora no domingo. Bem pai “feliz dia dos pais” e se cuide, nem fume, nem beba mais porque o senhor pode morrer e eu não quero que o meu velho esteja num caixão tão cedo. Né? Um aluno da 4a série -11 anos.

104

Concluída a correção, cada aluno escreveu o texto no seu caderno, dando-se sequência à aula com a seleção e discussão dos con­ teúdos que o texto oportunizou, de acordo com a programação, tanto os conteúdos referentes ao estudo da língua portuguesa - aspectos ortográficos e gramaticais -, como as demais disciplinas. Os textos que não foram escolhidos pelo grupo para a correção conjunta foram corrigidos inicialmente pela professora, que apenas apontou os erros, e a seguir pelos alunos, com auxílio do dicionário. Terminada a correção, cada aluno escreveu o seu texto já corrigido, no seu caderno e no livro de textos da classe. Faz-se por bem notar que o trabalho com o texto livre é rico em oportunidades de aprendizagem, uma vez que ele abre espaço a outras atividades dele decorrentes, como: organização de cartazes, álbuns, histórias em quadrinhos, desenhos, versos, entre outros, aguçando cada vez mais a criatividade e a expressão livre, além de se constituir de um bom material para o livro de vida da classe ou do aluno indivi­ dualmente e para o jornal da classe e da escola. É também importante lembrar que a prática do texto livre não se constitui um incentivo por si só, isolada de outras práticas que o impulsione e que o torne vivo e interessante. Outros incentivos se fazem necessários a essa prática, como: o jornal escolar, a correspon­ dência, o álbum seriado, o livro de vida, entre outros. Os primeiros textos livres produzidos na sala de aula transformaram-se em páginas de jornal. O trabalho com o jornal constitui-se um treino para a atividade em sala de aula, em que as crianças, através de uma ação conjunta, davam início ao jornal escolar. Na prática freinetiana, o jornal escolar se compõe de textos dos alunos, organizados sob a forma de textos simples, de poemas, de his­ tórias em quadrinhos e de desenhos, acrescidos dos resultados dos questionamentos, entrevistas, debates e pesquisas.

105

O jornal escolar Como qualquer outra técnica, o jornal escolar deve ser o centro do sistema pedagógico, pois ele é um elemento inserido nos demais e não uma prática complementar. Construído e organizado pelos alunos, deve ser uma expressão de vida que cresce, uma permanente preocupação de troca e de comuni­ cação, um instrumento que permite o reconhecimento da importância da palavra do aluno. Pode-se dizer que o jornal escolar é um instru­ mento cooperativo e socializante. É um documento com realização original, normas próprias, diferentes das do adulto. Para Freinet, o jornal escolar, uma vez impresso, constitui um conhecimento de centro de interesses emanados diretamente dos alu­ nos, respeitando os seus interesses imediatos e o interesse dominante da classe. O papel do professor no jornal escolar é de orientador na tomada de decisões, sendo aquele que escuta, pondera e opina como um outro elemento do grupo, embora com maior experiência. Podemos dizer que o professor é o animador, ou a memória à qual os alunos recorrem, sobretudo nas tomadas de decisões mais sérias e difíceis. A ele também compete oferecer um bom material, adaptado às necessidades dos alunos. Enfim, ele deve ser o denomina­ dor, ajudando ao máximo possível a conduzir o grupo classe e o comitê de redação na realização do seu projeto.

O jornal escolar na sala de aula A introdução do jornal escolar mudou a rotina do trabalho na sala de aula, uma vez que todos contribuíram com entusiasmo e parti­ ciparam cooperativamente das atividades. Os alunos, ao organizarem o jornal da classe, escolheram, entre as demais atividades, aquelas que oportunizaram um maior conhe­ cimento, tais como: resultados de pesquisa, de uma aula-passeio, de reuniões de cooperativa, de atividades comemorativas, por exemplo, o Dia do índio, a Semana da Independência, o Natal, entre outros.

106

FIGURAS 6 e 7 - Alunos de 3a e 4a séries organizando o jornal escolar

Esse trabalho foi uma atividade de equipe que teve como obje­ tivo preparar os alunos para atuarem com cooperação, interesse e responsabilidade na vida social. Além de ser um exercício vivo de reda­ ção, de ortografia e de gramática, propiciou o conhecimento do meio ambiente, do ponto de vista histórico, geográfico, científico e social. O nome do jornal, escolhido pelo grupo através de votação, foi: Jornal Mundo Escolar. Concluído o jornal escrito, deu-se início ao jornal falado, com a apresentação para os colegas. O professor coordenou os trabalhos sem interferir na forma como foi apresentado.

107

FIGURAS 8 e 9 - Alunos de 3a e 4a séries apresentando o jornal escolar

Dentre as atividades comemorativas, anteriormente referidas, duas delas despertaram o interesse dos alunos: o Dia do índio e a Independência do Brasil. A atividade comemorativa do Dia do índio constituiu-se de um desfile com a representação das tribos indígenas. Essa atividade contou com a participação de todos os alunos da escola, os quais representaram tipicamente os instrumentos musicais, a reli­ gião, os costumes, a dança e a alimentação. Esse trabalho, além de constituir um treino para uma atividade prática organizada, permitiu ao aluno participar de um trabalho intelectual, produtivo e social.

108

FIGURA 10 - Comemoração do Dia do índio

A comemoração da Independência do Brasil também foi orga­ nizada pelos alunos das 3a e 4a séries, com a participação de todas as turmas e com a orientação das professoras. Um grupo de alunos da 3a série organizou uma atividade utilizando a música “Brasil mostra a tua cara”, do cantor Cazuza. Essa música foi representada pelo grupo com o auxílio da dramatização.

FIGURA 11 - Dramatização representada pelos alunos da 3a série do ensino fundamental

109

FIGURA 12 - Júri simulado de acusação e defesa do Brasil, representado pelos alunos da 3a e 4a séries do ensino fundamental

Ambas as atividades objetivaram contribuir para a formação de uma consciência política dos alunos. Na dramatização realizada pelos alunos sobre a Independência do Brasil, as palavras proferidas pelos atores, por ocasião do discurso de acusação, propiciaram ao grupo uma reflexão dos problemas vigentes em nossa sociedade. Essas atividades, entre outras, foram expostas em cartazes na sala de aula e se constitu­ íram, também, materiais para o Livro de Vida7 do aluno ou da classe.

O Livro de Vida O Livro de Vida é um trabalho de equipe, organizado num clima de cooperação entre os alunos. É ilustrado por eles e contém apresen­ tações dos textos, dos desenhos, das fotografias e de outros trabalhos realizados, tanto em sala de aula como extraclasse. Ele é importante

7 Manual organizado pelo aluno e que contém as suas produções. É a memória escrita do aluno ou da dasse.

110

para consultas posteriores dos alunos e, assim sendo, deve fazer parte da biblioteca da classe ao lado dos demais livros de leitura.

FIGURA 13 - Livro de Vida da 4a série

Por ocasião da comemoração do Dia Nacional do Livro, aprovei­ tou-se esse evento para fazer o lançamento do Livro de Vida da Classe, que a seguir foi entregue à professora da 4a série por uma aluna esta­ giária - auxiliar da pesquisa. Uma aluna da 4a série “A" pronunciou algumas palavras de agradecimento, ocasião em que mostrou a impor­ tância do Livro de Vida, dizendo: Nós alunas e alunos da 4a série A”, deixamos registrados nesse documento, fotos, desenhos e cenas da nossa vida escolar, que pela sua importância marcaram os nossos dias com realizações produtivas que foram desenvolvidas com a participação cooperativa de todos.

Os trabalhos aqui registrados são resultados de esforços, coope­ ração, responsabilidade e força de vontade; e neles estão expressos o que fizemos e o que compreendemos através da construção de textos, aulas-passeio, jornal escolar, reunião cooperativa, entre outros. Essas atividades nos uniram e nos ensinaram a trabalhar cooperativamente. Agradecemos o incentivo para a elaboração e organização desse documento.

111

Outras atividades foram se somando no dia a dia de sala de aula: a conversa livre, os projetos, a correspondência escolar, a biblioteca de classe e o balanço das atividades. Na execução dessas atividades, contou-se com a participação das alunas estagiárias, que ajudaram orientando e acompanhando as professoras e os alunos.

A conversa livre É um momento em que o aluno comunica fatos de sua vida.

Essa conversa desenvolvida no início das aulas deixa os alunos à von­ tade para transmitir os seus sentimentos, desejos, acontecimentos em casa, no seu fim de semana, no passeio e nas brincadeiras com os ami­ gos e em muitos outros momentos, tanto de afazeres como de lazer. É um momento rico em conhecimentos, no qual o aluno amplia a sua aprendizagem e intensifica uma relação afetiva com o professor e com os colegas.

E uma ocasião importante, pois permite ao aluno se liberar de algumas situações não desejadas, tomar consciência de alguns fatos da vida, tomar decisões em relação às atividades coletivas, tais como opi­ nar sobre a realização de um passeio, de um trabalho ou de uma festa. Um aluno da 3a série, em uma dessas conversas livres, sugeriu a montagem de um projeto para a confecção de fantoches. Essa ideia foi discutida no grupo, que foi favorável à realização. Sabe-se que o projeto é uma técnica de trabalho muito utilizada na Pedagogia Freinet, tanto para atender às exigências dos estudos já programados no currículo escolar como complementar os estudos extracurriculares.

O projeto Como mostram alguns estudos sobre projetos, a sua utilização na educação remonta ao século XVIII (como já foi abordado anterior­ mente). Portanto, Freinet não foi o primeiro a utilizar o projeto como forma de trabalho escolar. 112

Entretanto, é importante salientar que o projeto é uma técnica de trabalho muito utilizada, hoje, nas atividades escolares que estão

voltados para uma pedagogia interacionista e que respeita a individua­ lidade do aluno, no que concerne ao seu ritmo de aprendizagem.

Assim sendo, a Pedagogia Freinet que tem no centro de suas

preocupações a interação constante do aluno com as suas aprendiza­ gens, ou seja, a sua participação no processo de sua formação através de um caminhar ativo e pessoal, utiliza o projeto-alunos, por ser um

meio que propicia uma certa liberdade e autonomia na busca do saber,

abrindo perspectivas às descobertas, aguçando a curiosidade, abrindo espaço a maiores e melhores relações sociais através de sua dimensão

cooperativa e mostrando ao aluno a imagem de si próprio, de sua capa­ cidade de busca e apreensão do saber. Essa técnica de trabalho pode ser utilizada tanto para o desen­

volvimento das atividades preestabelecidas e obrigatórias, como para complementar e aprofundar estudos já realizados.

Sempre é bom lembrar que, na elaboração de um projeto, tem

que se levar em consideração a análise das necessidades, a definição dos objetivos a ser atingidos, a escolha dos meios que serão utilizados durante o processo e a avaliação contínua, a fim de que se possa efe­

tuar as retomadas necessárias e corrigir as possíveis falhas, chegando, assim, aos fins propostos. Segundo Santos, “O projeto é um con­

junto de ações que visam a concretização de um objetivo específico”

(SANTOS, 1993, p. 111). Portanto, os projetos se constituem de ativi­ dades espontâneas que estimulam os alunos às realizações pessoais.

Quanto ao projeto sugerido pelos alunos da escola - campo da pesquisa -, esse foi desenvolvido em dois dias e contou com a orienta­ ção da aluna estagiária. Para discutir a confecção do material e a construção dos fanto­

ches, os alunos sentaram-se no chão, formando um grande círculo, e receberam as orientações necessárias ao desenvolvimento das ativida­ des. Eles se mostraram entusiasmados na realização dessa atividade,

diferente da rotineira e, mais uma vez, ficaram altamente concentra­ dos no que estavam fazendo. O projeto teve a seguinte sequência no

seu desenvolvimento:

113

Io - montagem dos fantoches; 2o - criação dos personagens. Esses personagens foram deter­ minados de acordo com o interesse de cada aluno; 3o - realização das tarefas: a) apresentação e discussão da proposta no grande grupo; b) criação dos personagens; c) apresentação dos personagens criados; d) montagem do cenário e e) culminância de todo o trabalho, através de uma dramatiza­ ção, envolvendo todos os personagens.

FIGURA 14 - Socialização do Projeto “O fantoche”, pelos alunos da 3a série

É importante salientar que, em todos os momentos da ativi­ dade, a interação e a cooperação se fizeram presentes entre os grupos.

A correspondência escolar Com relação à correspondência escolar, ela surgiu espontanea­ mente, através de bilhetes escritos para o nosso visitante, o professor Pierre Clanché, para as estagiárias e para a pesquisadora.

114

FIGURA 15 - Cartas de duas alunas da 4a série para o professor visitante Pierre Clanchè

Esse procedimento mostrou a necessidade que os alunos tinham em dividir as suas criações com outras pessoas. É verdade que não só os alunos, mas a criança de modo geral gosta de se corresponder com alguém, sobretudo no período em que ela descobre a escrita e começa a reproduzir no papel as suas criações. Assim sendo, é importante que a criança, desde cedo, aprenda a divi­ dir as suas criações, os seus projetos e as suas realizações com outras

115

pessoas e que saiba que pode receber em retorno tudo aquilo que ela ofereceu, num clima de amizade e confiança. A prática da correspondência escolar dá oportunidade ao aluno de se comunicar com os colegas, não só da sua escola, mas também de outras escolas, de outras cidades e mesmo de outros países. Nesse sentido, passou-se a estimular essas criações, desenvol­ vendo a correspondência entre os alunos da mesma turma, pois não foi possível estabelecer, de imediato, esse contato com alunos de outras salas de aula e de outras escolas. Sabe-se, porém, que, enquanto técnica educativa, a correspon­ dência favorece a expressão livre e o desejo que o aluno tem de se comunicar. É uma das atividades que influencia sensivelmente o clima da sala de aula, pela necessidade que o aluno tem de adquirir sua auto­ nomia e de se relacionar com os outros. Outras atividades foram surgindo em sala de aula, como a criação de desenhos, dramatizações, criação de textos, poemas, repre­ sentação dramática de leituras, entre outras. Para a realização dessas atividades, pensou-se na criação de uma biblioteca de classe, a fim de facilitar o contato mais direto dos alunos com os livros e despertar o seu interesse pela leitura. “O incentivo a lei­ tura requer, além de uma orientação personalizada, um contato mais direto com os livros... O contato direto com os livros torna-se viável prática com a biblioteca de classe” (SANTOS, 1993, p. 136). Ao introduzir a biblioteca de sala de aula, procurou-se orientar os alunos para a leitura através de comentários sobre algumas obras, estimulando-os a gostar de ler, sem imposições de leitura alheias às suas necessidades e interesses, mas realizando atividades livres (deci­ didas pelo próprio aluno). De início, organizou-se o “cantinho da leitura”, tarefa realizada pelos próprios alunos. Atendendo à solicitação da professora, cada um trouxe, para a sala de aula, revistas de histórias em quadrinhos que eles já tinham lido e gostado. Para socializar esse trabalho, organizou-se uma reunião quinzenal para que cada aluno tivesse oportunidade de falar do livro que doou, comentar o que gostou e assim incentivar a leitura entre os colegas. Não foi possível organizar o “cantinho” em todas as salas de aula, devido ao espaço físico bastante limitado.

116

Nessas reuniões, eram sugeridos temas para discussões, como, por exemplo, solicitar ao aluno a fazer comentários sobre o perso­ nagem principal do livro que leu ou mesmo do tema, se este fosse interessante. Para a atividade de leitura, organizava-se a sala de aula num grande círculo, escolhiam-se alguns alunos para fazer as observações, até mesmo para avaliar os colegas sobre a sua postura, maneira de falar, a entonação da voz etc. A professora se responsabilizava pela organização, orientação e procurava sanar as dificuldades. Durante o primeiro ano da nossa experiência, foi organizada a biblioteca da escola, cujo acervo é constituído de livros didáticos, revis­ tas, livros de leitura infantil e dicionários. Os livros didáticos e os de literatura infantil foram adquiridos através da Secretaria de Educação do Estado. Os dicionários e as revistas já pertenciam à escola. Para organizá-la, contou-se com a participação de uma professora do Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

FIGURA 16 - Biblioteca

Essa biblioteca, embora pequena, atende aos alunos dos dois turnos (matutino e vespertino), que realizam trabalhos de pesquisa e outras atividades de leitura. E aberta diariamente para consultas durante as aulas e para empréstimos, cuja retirada e entrega de livros

117

é feita através de fichas de controle pelos funcionários da secretaria da escola, uma vez que esta não dispõe de uma bibliotecária que se responsabilize por esse trabalho. A socialização dos trabalhos realizados, tanto na biblioteca como em outros momentos do processo de ensino-aprendizagem, realizava-se através de apresentações que eram acompanhadas de questionamentos e discussões, momento esse denominado “balanço das atividades”.

O balanço das atividades Este é o momento no qual os alunos têm oportunidade de falar dos seus trabalhos, ou seja, de suas produções, de discutir e de avaliar com os demais colegas as suas realizações. Ele oportuniza aos alunos uma reflexão sobre suas aprendizagens em todos os domínios - afe­ tivo, psicomotor e, sobretudo intelectual - no que concerne ao campo do conhecimento dos conteúdos estudados. Não é tarefa fácil, principalmente para quem está iniciando, porém as dificuldades vão sendo superadas à medida que essa prática vai fazendo parte do cotidiano de sala de aula e sem perceber o aluno adquire o domínio e passa a realizá-la sem dificuldade. Por não ser tão fácil, como pode parecer, aconselha-se que essa prática vá sendo introduzida gradativamente, mas com uma certa persistência. Por exemplo, no fim de cada aula, para os iniciantes e semanalmente ou mesmo quinzenalmente para os que já estão engaja­ dos na Pedagogia Freinet. Assim, na nossa experiência, a dinâmica da ação educativa ia sendo construída, no cotidiano escolar, através da interação das téc­ nicas e instrumentos de trabalho, pois nenhuma dessas atividades encontra eco, ou seja, sua profunda significação, se não se desenvolver no quadro de uma organização realmente cooperativa. Essas atividades constituíam-se de sensibilização e desbloqueamento dos alunos que não só apresentavam com detalhes as suas produções, mas também mostravam o seu valor na aprendizagem dos conteúdos.

118

Em se reportando à cooperação, é bom lembrar que, na classe cooperativa, se prevê um local para a exposição das atividades e para a socialização das produções dos alunos. Um ponto importante a ser enfatizado é que, em se tratando de Pedagogia Freinet, nenhuma técnica a constitui ou a determina se ela é vivenciada isolada do respaldo teórico que constitui a essência dessa pedagogia. Esse cuidado foi preservado, durante todo o processo de desen­ volvimento desse trabalho, o que permitiu uma interação entre os alunos e as professoras que trabalharam num clima de amizade e compreensão, reduzindo assim as situações de egoísmo, competição e conflito. É tanto que aqueles alunos que eram considerados indiscipli­ nados e agressivos tornaram-se participantes e cooperativos, à medida que passaram a se engajar e, consequentemente, a se interessar pelas atividades que realizavam.

119

Capítulo 6 Atitudes didático-pedagógicas das professoras Este item é consagrado essencialmente à apreciação das ques­ tões dirigidas às professoras utilizadoras da Pedagogia Freinet, sobre a sua formação profissional, o seu desenvolvimento docente, entre outros. As interpretações apreendidas nesse momento foram coleta­ das através de entrevistas realizadas junto às professoras, ocasião em que foram registradas todas as informações que pudessem auxiliar na resposta aos objetivos pretendidos, procurando-se manter um com­ portamento neutro diante dos fatos. Completou-se a entrevista com questões referentes à experiên­ cia que estava sendo desenvolvida, a fim de sentir dos próprios sujeitos as suas apreciações sobre o trabalho da pesquisa ora implementada. Na tentativa de se fazer uma discussão em torno dos resultados das entrevistas realizadas com as professoras-sujeitos da pesquisa, voltou-se aos dados para reavaliá-los. Assim, para desenvolver essa discussão, selecionou-se as questões abertas no sentido de identificar características pessoais e profissionais das professoras, que, para pre­ servar o anonimato, foram designadas de A1, A2 e A3. Essa discussão propiciou condições para o entendimento dos conteúdos expressos na fala das professoras e para um maior conheci­ mento da sua prática pedagógica, principalmente no cotidiano de sala de aula. Partindo das entrevistas, fez-se agrupamentos das respostas dadas às diversas questões, transcrevendo o discurso das entrevista­ das nos diversos quadros, para uma melhor visualização dos resultados obtidos.

Questões referentes à escolha e integração profissional

QUADRO 1 Principais motivos que levaram as professoras a escolherem essa profissão Al

Imagem positiva da mãe como professora influenciou o direcionamento para essa profissão.

Gostava de imitá-la, brincando de professora, quando criança.

A2

Era a única opção que me apresentava naquele momento.

A3 Influência da direção e dos professores da escola onde exercia atividades de secretária por nove anos.

Gosto pelo estudo. Desejo de ascensão

social (ascender a um melhor lugar).

A descrição dos dados do Quadro 1, ao enfatizarem os motivos

da opção das professoras pela profissão escolhida, mostra a coerência das respostas das professoras Al e A3. Influências familiares e profis­ sionais são motivações determinantes na escolha.

A professora Al, no seu memorial de conclusão de curso (1998, p. 7), fez o seguinte comentário: Na escola eu experimentava o rigor de uma professora que em outros momentos era minha mãe, com quem me mirei na escolha da profissão. Desejei ser essa professora autoritária, exercendo poder sobre os outros fazendo, a exemplo dela, com que todos me obedecessem.

122

Em relação à professora A3, houve uma motivação de ordem pessoal (gosto e aspiração) e de uma experiência ocupacional que pesa­ ram de maneira positiva na escolha profissional.

Porém, para A2, as motivações que influenciaram a sua opção pela profissão do magistério foram de ordem contextual. A ela não se

apresentava, no momento, nenhuma oportunidade de escolha, sendo essa a sua única alternativa. Essas educadoras, no seu discurso, deixam perceber a coerên­

cia existente entre a escolha da profissão e o gosto pelo que fazem,

percebendo-se, assim, uma identificação destas com o ensino e com a

característica básica do exercício docente: o trabalho inteligente cuja

prática só pode ser entendida num clima de interação professor/aluno, através de uma forma construtiva de autoestima de ambos.

Ficou, portanto, evidente que:

- as professoras escolheram a profissão pelo gosto de ensinar e estudar;

- espelharam-se nos seus mestres; - viram na função do professor uma oportunidade para ascen­

derem profissionalmente; - a profissão de professor, embora em menor escala, ainda é o

espelho para muitas jovens.

Diante do entusiasmo das professoras em relação à sua esco­

lha profissional, a qual parece dar-lhes segurança e tranquilidade,

sentiu-se a necessidade de questioná-las sobre a sua situação como professora em relação ao trabalho docente.

123

QUADRO 2 Situação do professor em relação à valorização do seu trabalho

A2

Al

Desvalorização profissional e

Professor não é

salarial tecem uma

valorizado.

situação péssima,

sobretudo na escola pública.

Exige-se muito sem lhe

Não se tem o

serem dadas

mínimo respeito

oportunidades

pelo professor.

profissional.

Desvalorização

profissional

e salarial são permanentes e

crescentes.

Professores

do professor

de crescimento

A3

relapsos com seus deveres são responsáveis, em

parte, por essa desvalorização.

De acordo com o Quadro 2, a constatação da desvalorização do trabalho do professor é unânime entre as entrevistadas. A desva­ lorização por elas identificadas volta-se particularmente para duas vertentes: - a profissional, ocupação de alta relevância social - educação do cidadão; - a salarial, cada vez mais desestimulante.

Se essa é uma situação negativa, de um modo geral, ela se apresenta como uma atividade profissional desvalorizada, contraditoriamente. As expectativas relativas ao professor são de grande exigência.

124

Essa desvalorização é traduzida pelos baixos salários, que segundo as professoras são insuficientes para a sua sobrevivência, obrigando-as a buscarem outras atividades de trabalho, fora da escola, para complementação de sua subsistência. Em relação às causas da desvalorização salarial, as profes­ soras fizeram referência a duas delas, as quais foram consideradas fundamentais:

- parte desses profissionais não se faz valorizar. Muitos deles são relapsos face aos seus deveres; - a própria sociedade, através de suas agências empregatícias não dá ao professor a oportunidade de crescimento e enriquecimento profissional. Na verdade, essa primeira questão colocada é um problema bastante sério que se vem observando, no dia a dia, entre alguns profissionais da educação, principalmente naqueles que se mostram insatisfeitos com a profissão do magistério. Como diz Franchi: A consequência mais grave é que, dos professores que permanece contra tudo no magistério, com as exceções de sempre, uma boa parte deles devolve em trabalho o que recebe: desestimulados e desinteressados e produzem uma rotina de trabalho, passam o tempo em uma atividade acrítica e repetitiva, sem atender às exigências da formação de seus alunos e sem poder dispor de qualquer esforço conjunto de renovação (FRANCHI, 1995, p. 80).

Em pesquisa realizada por essa educadora, com professores de Io grau, nas regiões de São Carlos e Campinas, no estado de São Paulo, sobre a carência docente, os seus salários e as orientações pedagógicas dadas em cursos de extensão a esses professores, foram detectados aspectos semelhantes aos levantados pelas nossas professoras, que interferem nas condições atuais do trabalho docente. Referem-se os professores à situação salarial e às consequências dessa situação, em face da inadequação da jornada de trabalho e a situação instável do professor no corre-corre para obter outras possibilidades de comple­ mentar um salário que seja condizente às suas necessidades vitais.

125

É de se lamentar o descaso com que é trabalhada a educação. Professor sem local de trabalho definido, sem tempo integral em uma só escola, sem condições de trabalho docente, ou seja, sem materiais didático-pedagógicos adequados, salários aviltantes. Não há, por­ tanto, integração do professor no projeto pedagógico da escola. Ainda por cima, os professores que estão se aposentando são substituídos por estagiários ainda em formação - alunos dos cursos de graduação. Exige-se dos professores um ensino específico, de acordo com a localidade e as características dos alunos. Mas não se proporcionam ao docente sequer as mínimas condições de estabilidade em que possa vivenciar essa realidade e acumular experiências significativas para um trabalho contextualizado (FRANCHI, 1995, p. 30).

As professoras mostraram acreditar que essa situação nega­ tiva apresenta-se particularmente crítica na escola pública, na qual o professor não é respeitado. Mas, mesmo diante das dificuldades e dos vários problemas enfrentados, as professoras da experiência afirmaram a sua satisfação com a profissão do magistério, conforme demonstra o quadro a seguir.

QUADRO 3 Satisfação/insatisfação com a escolha profissional Profa.

Al

A2

A3

126

Satisfação

Razões

Sinto-me satisfeita.

Doação de si aos alunos.

Sinto-me realizada.

Por sentir-me mediadora na construção da cidadania.

Sinto-me realizada.

Paixão pela educação.

Insatisfação Apesar... de tudo.

Penso em outras atividades por questão de sobrevivência. Salário insuficiente, não dá para ficar somente com essa.

De acordo com o Quadro 3, em nenhum momento as professoras revelaram algum tipo de insatisfação em relação à escolha profissional.

Ao contrário, mostraram-se realizadas profissionalmente e enumera­ ram as razões dessa realização.

Elas dizem acreditar que, através do magistério, podem ajudar os alunos a desenvolverem as suas potencialidades e a descobrirem

a sua cidadania, para que como cidadãos eles possam refletir critica­ mente sobre eles mesmos e sobre o mundo que os cerca. Essas

educadoras

revelaram

uma

postura

positiva

em

relação às situações difíceis da profissão, ao assumirem essa experi­ ência pedagógica, participando efetivamente do trabalho com muita

responsabilidade.

As condições objetivas da escola e do aluno, apontadas por essas professoras, são consideradas por elas como empecilho ao bom anda­ mento do trabalho pedagógico.

No quadro a seguir, observa-se as críticas das professoras sobre

as condições do trabalho docente, críticas essas mais comumente ouvi­ das e que incidem mais precisamente na escola - campo da pesquisa.

Atividade docente Os dois quadros a seguir permitem a visualização das condições de trabalho apontadas pelas professoras no exercício de sua profissão. Essas condições estão voltadas para dois aspectos: a) dificuldades e b) facilidades, que influenciam de maneira positiva ou negativa no desen­

volvimento do processo de ensino-aprendizagem.

127

QUADRO 4 Dificuldades no exercício profissional Al Péssimas condições de ambiente físico (salas pequenas, sem ventilação).

A2

Falta de material didático.

A3

Falta de material didático.

Incompreensão dos supervisores.

Falta de material didático.

Falta de colaboração dos pais.

Falta de participação dos pais na vida escolar do aluno.

Falta de estímulo. Falta de cursos de aperfeiçoamento.

Os sujeitos entrevistados expressam, através dos seus sentimen­ tos, a sua insatisfação em relação à situação exposta. De acordo com o Quadro 8, no que diz respeito às dificuldades, não somente há con­ cordância absoluta com algumas delas, como também e, sobretudo, no caso da professora A3, são explicitadas dificuldades de outra ordem. Assim, referindo-se às dificuldades encontradas no desempenho de sua função, elas apontam pontos muito sérios que comprometem a educação, como: falta de recursos didático-pedagógicos, ausência dos pais na vida escolar dos filhos e falta de cursos de aperfeiçoamento. O que se entende na fala das professoras é que não há interesse por parte daqueles que dirigem os destinos da educação, que se traduz, de um lado, pela não oferta de recursos mínimos necessários indispen­ sáveis a uma melhor dinamização do processo de ensino aprendizagem. Por outro lado, a não oferta de cursos de atualização e/ou aperfeiço­ amento que possam informar os professores sobre os avanços tanto científicos e tecnológicos como didático-pedagógicos.

128

QUADRO 5 Facilidades no exercício profissional Al

A Pedagogia Freinet.

Bom assessoramento na Pedagogia Freinet.

Ter se formado no Instituto de Formação de Professores (IFP).

A2

A3

Contar com assessoramento pedagógico no planejamento e nas atividades de sala de aula.

Assessoramento pedagógico baseado na Pedagogia Freinet.

Bom relacionamento com a equipe técnica.

A formação profissional em nível de 3o grau.

Visualizando-se o Quadro 5 (facilidades), constata-se que os indicadores, à exceção do que se refere ao processo formativo, que é bastante significativo, têm caráter provisório ou de descontinuidade. As professoras são unânimes em afirmar que o assessoramento pedagógico baseado na Pedagogia Freinet trouxe uma contribuição importante no desempenho de sua ação docente. Segundo comentário da professora Al, através do seu memorial de conclusão de curso (1998), a Pedagogia Freinet, através do asses­ soramento pedagógico, com os ensinamentos recebidos no curso de formação de professores, proporcionou momentos de discussões e troca de experiências, levando-a a refletir a sua prática docente, que, até então, era desenvolvida basicamente mediante o repassar de ativi­ dades e conteúdos prontos e acabados dos livros didáticos, sem uma visão crítica, tendo, até então, a certeza que estava fazendo o melhor para os seus alunos. Refletindo sobre esse mesmo discurso, diz a pro­ fessora A3 no seu memorial (1998, p. 41). A Pedagogia Freinet veio somar-se aos conhecimentos adquiridos no curso, respaldando - me para desenvolver nos alunos o senso de

129

responsabilidade, o planejamento pessoal, a reflexão individual e coletiva [...] a fim de elevá-los a mais alta dignidade do ser, à realização plena de sua responsabilidade.

Um outro indicador que, segundo a professora A2, facilitou o seu trabalho pedagógico foi o bom relacionamento com a equipe técnica da escola. Torna-se evidente, nessa análise, que a Pedagogia Freinet e a formação acadêmica foram um desafio para enfrentar as dificuldades na condução do trabalho em sala de aula. No que concerne à condução do trabalho docente, o quadro a seguir visualiza muito bem o depoi­ mento das professoras entrevistadas.

QUADRO 6 Condução do trabalho na sala de aula Al Planos em consonância com a vivência dos alunos.

Aulas passeio, texto livre, jogos, oficinas etc.

A2

Utilização das técnicas da Pedagogia Freinet: oficinas, pesquisas, debates etc.

A3 0 aluno constrói o seu conhecimento de forma dinâmica e prazerosa.

Preocupação com a formação do cidadão crítico e participativo.

Ao analisar o Quadro 6, tem-se a compreensão da maneira como o trabalho docente era conduzido anteriormente pelas professoras e como, hoje, elas têm conseguido realizá-lo. A professora A3, na sua fala, deixa claro que as atividades eram desenvolvidas a partir de tarefas mimeografadas e reproduzidas fiel­ mente e que as explicações e anotações dos conteúdos eram registrados no quadro de giz, as quais os alunos copiavam nos seus cadernos, sem criticá-las ou questioná-las.

130

Como referiu a professora A3, antes da experiência ora desen­ volvida, o trabalho docente era arraigado dos métodos tradicionais de ensino (professor dono do saber e alunos meros executores das ordens do professor). Havia por parte das professoras uma preocupação excessiva na transmissão dos conteúdos, os quais eram trabalhados seguindo rigorosamente o livro didático, sem serem questionados e sem a preocupação de relacioná-los ao cotidiano do aluno. A esse respeito, a professora A3 fez o seguinte comentário em seu trabalho de conclusão de curso (1998, p. 21): “Copiava tudo que me davam, gostava de livros para reproduzir tudo o que neles conti­ nham, pois achava que assim estava transmitindo o melhor”. Na fala dessa professora, ficou evidente que ela procurou mudar a sua atitude em relação à prática docente, assim como as outras profes­ soras haviam também avançado, tanto nas suas atividades quanto na sua ação. Passaram a reestruturar os seus planos de ensino de maneira que atendessem a idade do aluno, suas possibilidades e a vivência de

cada um. Segundo as entrevistadas, elas passaram a adotar algumas técni­ cas de ensino da Pedagogia Freinet, procurando desenvolver no aluno o espírito cooperativo, através da ajuda mútua, da solidariedade e da troca de experiências, pois, pela vida cooperativa, os alunos foram se firmando nas suas escolhas e decisões, foram se libertando das tarefas impostas pela professora e, pouco a pouco, passaram a assumir com os demais colegas, parafraseando Freinet, a função de operador social e político que lhe é inerente na sociedade democrática na qual está

inserido. Vale salientar que, se essas técnicas forem utilizadas devida­ mente pela professora, ou seja, adaptadas a cada atividade, facilitarão não só o trabalho docente, como também propiciarão ao aluno a reali­ zação de um bom trabalho, socialmente produtivo. Sobre essa mesma temática, comenta Freinet (1976, p. 12): “Certamente os instrumen­ tos cada vez mais bem adaptados à atividade das crianças dariam um rendimento máximo nas salas de aula, especialmente arranjadas para os receber”. Não é demais lembrar que a prática pedagógica na concepção freinetiana não se restringe apenas ao emprego de técnicas para a

131

dinamização do processo de ensino aprendizagem. As técnicas são meios utilizados pelo professor para envolver mais veementemente o aluno no processo de sua formação, pois elas oportunizam ao aluno a participação nas discussões, nos questionamentos, nas decisões e, dessa forma, ele vai, passo a passo, construindo o seu saber, consequen­ temente, exercitando a sua cidadania. A essência da Pedagogia Freinet está nos princípios que norteiam todo o processo dessa construção. Para tanto, faz-se necessário que o professor possua uma fun­ damentação teórica e prática adequada, para que ele possa oferecer ao aluno todos os meios de apropriação possíveis, permitindo-lhe a escolha dos modos “privilegiados” do seu desenvolvimento. Em relação à prática docente, questionou-se as professoras sobre a sua concepção de educação, ensino e aprendizagem.

Concepções que fundamentam a prática docente

QUADRO 7 Definições pessoais de educação, ensino e aprendizagem Ensino

Aprendizagem

Ensinar o aluno a ser crítico e ativo.

Transmissão de conhecimento, como ler, escrever e contar.

Compreensão do aluno na construção do conhecimento.

A2

Caráter informal, como conversas etc.

Transmissão de conteúdos

Elaboração de conceitos.

A3

Interação entre escola, família, comunidade e meio ambiente.

Formar o cidadão crítico e participativo.

Profa.

Al

132

Educação Caráter amplo e abrangente.

Resultado das percepções, descobertas e das vivências . do aluno.

O Quadro 7 mostra a diversidade de concepções das professoras em relação à educação, ao ensino e à aprendizagem. No seu discurso, revelaram que “educação” tem um caráter amplo e abrangente, é infor­ mal e se desenvolve através da interação escola, família, comunidade e meio ambiente. Ficou evidente, na fala das professoras, que educação, no seu sentido pleno, é uma prática social que se realiza através de uma mul­ tiplicidade de agências sociais em movimentos e atividades humanas, ou seja, nos meios de comunicação, na igreja, na família etc. e, através dessa prática, o indivíduo desenvolve a sua personalidade de acordo com as orientações recebidas na relação com esse meio social. Nesse mesmo sentido, Libâneo (1991, p. 22-23) diz: A educação corresponde pois, a toda modalidade de influência e interrelações que convergem para a formação de traços de personalidade social e do caráter, implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modo de agir que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação, frente a situações reais e desafios da vida política.

Para ele, “educação” em sua formulação ampla é Instituição Social, responsável por toda a organização educacional de um país. É um processo que orienta as suas finalidades específicas e através da qual as gerações são preparadas não apenas para adquirir novos e necessários conhecimentos, mas também torná-las capaz de busca­ rem um desenvolvimento técnico, cultural e científico. “A educação é processo por consistir de transformações sucessivas tanto no sentido histórico quanto no desenvolvimento da personalidade” (LIBÂNEO, 1991, p. 23). Nesse sentido, a educação é um processo condicionado pelas relações sociais que desenvolvem, influenciando na formação

humana. A educação segundo Freinet é ação e intervenção. Deve ser flexível em sua forma, de modo que o professor possa tomar novas iniciativas junto aos seus alunos e proporcionar-lhes oportunidades para um crescimento humano e profissional. Ainda nessa perspectiva, Elias (1996, p. 22) comenta:

133

Abordar a educação e a formação do educador segundo seus princípios, implica, antes de tudo, não separar a ação pedagógica da vida. É preciso reconhecer que a educação é um processo que deve ter objetivos claros, ou seja, saber onde se quer ou pretende chegar.

No que concerne ao “ensino” (Quadro 7), é concebido pelas pro­ fessoras Al e A2 como transmissão de conhecimento e conteúdos. Já a professora A3 diz que ensinar é formar o cidadão crítico e participa­ tivo. Pelas afirmações, percebe-se que as duas primeiras professoras têm ainda uma visão tradicionalista de ensino, cujo comando das ati­ vidades está centrado no professor, enquanto a terceira, embora não tenha feito nenhum outro comentário sobre a sua definição, demons­ tra ter uma visão de ensino centrada no aluno. Segundo Libâneo, o ensino centrado no professor ainda predo­ mina na quase totalidade das nossas escolas. É um ensino denominado tradicional, em que o saber é imposto ao aluno, as lições são alienantes, por estarem distantes do seu cotidiano, o professor trabalha e decide sozinho sobre o conteúdo a ensinar e a forma de trabalhar, que não vai além das exposições enfadonhas e dos exercícios repetitivos, cujo obje­ tivo é a memorização por parte do aluno. Este, por sua vez, tem que demonstrar a sua aprendizagem, repetindo para o professor, de forma memorizada, o que lhe foi ensinado e cujo instrumento de avaliação nem sempre contempla as lições estudadas. Sabe-se, porém, que essa forma de ensinar não se coaduna às exigências de uma sociedade em processo acelerado de transformação que passa a exigir dos indivíduos outras formas de comportamentos, ou seja, outras aprendizagens indispensáveis ao acompanhamento do progresso científico e tecnológico e a outras formas de viver. Assim sendo, a função do professor, numa sociedade em cons­ tante processo de mudança, não deve estagnar-se numa simples transmissão de conhecimentos do aprender a ler, escrever e contar, como definiu a professora Al. O professor precisa buscar outras formas de condução do processo de ensino aprendizagem, de modo que possa inserir o aluno como agente desse processo, propondo-lhe maneiras mais viáveis à aquisição dos conhecimentos essenciais à sua adaptação às exigências dessa sociedade. Portanto, o professor deve ser um guia, que conduz o aluno, com sabedoria e segurança, na busca de suas aprendizagens e,

134

consequentemente, na construção do seu próprio saber. Para Libâneo (1991, p. 79), “O verdadeiro ensino busca a compreensão e a assimi­ lação sólida das matérias”. Segundo ele, o processo de ensino é uma atividade de mediação entre a condução do processo e a assimilação do aluno, através da qual são oferecidos meios necessários para que este desenvolva suas potencialidades, tornando-se um agente ativo e participativo da sua aprendizagem. Cabe ao professor conduzir o processo de ensino e garantir a unidade entre o ensinar e o aprender, isto é, não dissociando uma função da outra, pois no ensino sistematizado essas funções são indis­ sociáveis e quanto mais inter-relacionadas, mais sólidas e duradouras serão as aprendizagens. Tem razão Libâneo (1991, p. 90) quando diz: A relação entre ensino e aprendizagem não é mecânica, não é uma simples transmissão do professor que ensina para um aluno que aprende. Ao contrário é uma relação recíproca na qual se destacam o papel dirigente do professor e a atividade dos alunos.

Segundo as professoras entrevistadas, a aprendizagem é: “A compreensão do aluno na construção do conhecimento; a elaboração de conceitos e o resultado das percepções descobertas e da vivência dos alunos”. Retomando o primeiro conceito das professoras (Quadro 7), que define a aprendizagem como a compreensão do aluno na construção do conhecimento, Coll diz: A aprendizagem entendida como construção do conhecimento, pressupõe entender tanto sua dimensão como produto, quanto sua dimensão como processo, isto é, o caminho pelo qual os alunos elaboram pessoalmente os conhecimentos (COLL, 1997, p. 88).

O autor destaca a importância de ensinar o aluno aprender a aprender e de ajudá-lo a compreender que, quando ele aprende, deve considerar não apenas o conteúdo “objeto” da aprendizagem, mas também como ele se organiza e como atua para aprender. Freinet diz que o aluno aprende a aprender através do tatea­ mento experimental. Segundo ele, o tateamento experimental conduz o aluno a uma busca contínua da aprendizagem. Mas faz-se necessário

135

lembrar: a) que esse tateamento se constitui de uma ação inteligente e ordenada, portanto, não se dá no vazio e nem ao acaso. Ele deve ser organizado de modo que o aluno possa proceder a sua caminhada, sem tropeços, na busca de suas aprendizagens; b) que os alunos devem ter algumas habilidades que lhes assegure um controle sobre seus conhe­ cimentos para que eles possam elaborar uma representação pessoal do conteúdo, “objeto” da aprendizagem. No entanto, para que haja um maior desenvolvimento da apren­ dizagem, o professor deve oferecer estímulos e propiciar oportunidades ao aluno, através da sua ajuda na pesquisa e na descoberta do que ele tem necessidade e desenvolver atividades que o auxiliem a construir com mais solidez o seu conhecimento. Diante dessas discussões, entende-se que a aprendizagem é um processo através do qual o sujeito incorpora as informações de acordo com a sua interação com o meio ambiente e com o outro, segundo suas necessidades e interesses. Nesse sentido, a família tem um papel preponderante na vida do indivíduo, uma vez que é na interação familiar que ocorrem as primeiras aprendizagens, as quais são essenciais à sua integração na sociedade. Vigotsky (1988) diz ser na relação com o outro que se dá a aprendizagem, sendo ela construída pela interação das ações entre indivíduos e meio social. Freinet, que defende uma pedagogia mais ativa e atuante, valo­ riza a ação. Para ele, o papel do professor e a sua função são constituídos essencialmente do agir, observar, comparar, experimentar e ajustar, porque são esses elementos de vida que se contrapõem à escola verbalista, cujo conteúdo é esvaziado de reflexões e de questionamentos, tanto por parte do professor quanto do aluno. No conjunto da apreciação dos pontos de vista, das professoras, identifica-se claramente uma visão de educação e uma prática esco­ lar pouco contextualizada e pouco questionadora, que expressam, no seu todo, um condicionamento às práticas autoritárias, contrárias aos desafios postos por uma ação pedagógica libertadora, como propõe a Pedagogia Freinet.

136

QUADRO 8 Definição do papel do professor Al

A2

A3

Educar.

Ser mediador do conhecimento.

Ser crítico, dinâmico e interessado (não apático).

Transmitir conhecimento.

Transformar o aluno num ser crítico, ativo, participativo.

Trabalhar o aluno para tornar-se cidadão.

Fazer do aluno um cidadão.

Criar as condições de aprendizagem.

Recuperar-se com a aprendizagem do aluno.

O Quadro 8 visualiza a concepção que as professoras têm em

relação ao seu papel na aprendizagem do aluno. 0 seu papel, segundo

a professora A2, é de “mediadora do conhecimento, tornando o aluno um cidadão crítico, participativo e ativo, dando-lhe condições de aprendizagem”. As entrevistadas Al e A3 afirmam que “o professor tem a responsabilidade de transformar o seu aluno em cidadão”.

Observa-se que a definição do papel do professor apresentada pelos sujeitos da experiência tem uma terminologia de verbos no

infinitivo, como educar, transmitir, transformar, criar etc, o que não demonstra profundidade; são termos soltos, sem uma explicação mais clara do que elas querem expressar realmente. Embora se entenda

que, para essas professoras, o professor se preocupa em transformar

o aluno, tanto no que concerne ao desenvolvimento de hábitos e habi­ lidades imprescindíveis à aprendizagem, quanto ao que se refere ao preparo intelectual e profissional deles. Com certeza, o papel social do professor é compreender o aluno

em sua dimensão humana, na qual estão presentes os aspectos inte­

lectuais e afetivos, e ainda respeitar e valorizar o aluno como ele é,

137

colocando-o no centro do processo educacional, para que possa desen­ volver com a máxima eficiência suas tarefas sociais e passe a sentir-se membro ativo da sua aprendizagem.

Agindo dessa maneira, o professor tem possibilidade de mudar o clima de sala de aula e organizar as atividades de modo que o aluno

passe a ser o autor do seu processo educativo. Freinet (1996, p. 20) diz: Se você conseguir transformar assim o clima de sala de aula, se você deixar desabrochar a atividade livre, se souber dar um pouco de calor ao coração, como um raio de sol que desperta a confiança e a esperança, você ultrapassará a corvéia do soldado e o seu trabalho renderá cem por cento.

Como é da inteira responsabilidade do professor a questão metodológica, ele tem condições de transformar o clima de sala de aula, pois, através de sua intuição, equilíbrio, responsabilidade e auto­

nomia, poderá conseguir resultados satisfatórios na aprendizagem do

aluno. É verdade que a escola tem as suas prioridades educacionais devido às exigências da sua organização, mas isso não impede que o

professor ajuste o seu trabalho às necessidades do aluno, através de uma organização harmoniosa das atividades, de modo a lhe proporcio­ nar gosto e prazer pelo que faz. “A atmosfera de uma classe depende,

sobretudo do gênero e da qualidade do trabalho que se faz nela”

(FREINET, 1996, p. 53). Nesse sentido, questionou-se as professoras sobre o significado

da Pedagogia Freinet na sua prática pedagógica.

138

QUADRO 9 Significado da Pedagogia Freinet na prática pedagógica do professor Al

Mudança significativa na prática pedagógica: passagem da passividade e da “indiferença” à participação e à formação da consciência crítica.

A2

Facilitou o meu trabalho como um todo.

Melhorou o processo interativo em sala de aula.

A3

Abriu um leque de conhecimentos. Apelou para a minha consciência profissional. Despertou-me para uma nova prática (a Pedagogia Freinet).

Serviu de estímulo pessoal profissional.

O discurso das entrevistadas, visualizados no Quadro 9, mostra o seu entusiasmo em relação ao trabalho com a Pedagogia Freinet, pela

contribuição importante que ela propiciou à sua prática pedagógica. Assim, declarou a professora A2: “facilitou o meu trabalho como um

todo e melhorou o processo interativo na sala de aula”. O processo interativo, ao qual se referiu a professora, desenvolveu-se através da cooperação, princípio estabelecido por Freinet como

base de sua pedagogia, portanto, eficaz para dinamizar o trabalho

em sala de aula e estabelecer relações cooperativas entre professor e aluno. Assim sendo, tanto o professor como a escola precisam traba­

lhar as relações no grupo e as responsabilidades de cada um, para que

se desenvolva o crescimento pessoal e social da classe. A professora A3 fez também referência à Pedagogia Freinet,

dizendo ter servido de estímulo pessoal e profissional, despertando-a

1 on

para uma nova prática: “Antes de conhecer os princípios da Pedagogia Freinet, o trabalho em sala de aula era desenvolvido de uma maneira

estereotipada, onde o aluno recebia tudo pronto”. Entende-se através do comentário da professora que essa dinâmica interativa propiciou um maior envolvimento dela e dos alunos no processo educativo, esta­

belecendo um clima de solidariedade e cooperação na realização das atividades em sala de aula.

Segundo a professora Al, a Pedagogia Freinet foi muito signifi­ cativa pela mudança ocorrida em sua prática pedagógica: “Passagem da

passividade, da indiferença à participação e a formação da consciência crítica”. Essas professoras assumiram a experiência com entusiasmo e

dedicação, desenvolvendo sua ação num clima de solidariedade e coo­ peração, no qual a criança foi treinada a viver em grupo, a falar e a

assumir a responsabilidade do seu próprio saber. Na pedagogia cooperativa, “O aluno toma-se construtor de sua

formação, pois é levado a se responsabilizar e a se avaliar de uma forma positiva” (BOLETIM INFORMATIVO n° 18,1998, p. 3).

As professoras ao desenvolverem a sua prática levaram em

consideração a experiência do aluno, valorizando a sua criatividade e oportunizando situações de descobertas recíprocas, de companhei­ rismo e de solidariedade. Pela solidariedade e ajuda mútua, a classe cooperativa é um meio para se assumir um ensino democrático, podendo encontrar soluções para uma luta contra o fracasso escolar (BOLETIM INFORMATIVO n° 18, 1998, p. 3).

A experiência através da cooperação oportunizou uma relação

mais criativa, mais flexível e a instalação de formas de relações coope­

rativas com os alunos e as professoras em sala de aula.

Conforme as informações do Quadro 9, a Pedagogia Freinet facilitou o trabalho das professoras e, ao mesmo tempo, oportunizou a aquisição de novos conhecimentos, abrindo espaço para a troca de experiências entre professoras e alunos. Percebe-se, pelos estudos

empreendidos e o contexto das declarações das professoras, que a

140

Pedagogia Freinet apresenta-se como uma proposta de ensino viável, pois:



oferece alternativas didático-pedagógicas claras e segu­ ras, para uma melhor condução do processo de ensino aprendizagem;



envolve o aluno como “agente” na construção do seu saber;



tem nos seus propósitos preparar um homem autônimo, consciente e responsável, portanto, capaz de exercer plena­ mente a sua cidadania.

Na opinião das entrevistadas, o “princípio da cooperação”,

tomado como eixo norteador do processo de ensino aprendizagem, na experiência em questão, foi muito eficaz na dinamização das ati­ vidades em sala de aula, estabelecendo uma relação de amizade e um

clima de confiança entre elas e os alunos, o que facilitou a condução e o desenvolvimento de todo trabalho docente/discente. Percebe-se,

portanto, uma integração das questões estudadas com o objeto deste estudo.

141

QUADRO 10 Mudanças observadas na sala de aula - razões das mudanças Profa.

Mudanças

Mais interesse dos alunos. Al

Comportamento desejável.

Maior participação.

Mais interesse dos alunos. A2

Mais responsabilidade. Cooperação/participação nos trabalhos.

Razões das mudanças

A orientação pedagógica baseada na Pedagogia Freinet. 0 projeto sobre a Pedagogia Freinet.

Processo formativo no Instituto de Professores (Presidente Kennedy).

Melhor planejamento das atividades.

A3

Mudanças da postura do professor e dos alunos. Adequação da metodologia.

A aplicação dos princípios da Pedagogia Freinet na sala de aula.

Maior busca do conhecimento.

Mais autonomia dos alunos.

O Quadro 10 registra o depoimento das professoras em relação à mudança ocorrida na sala de aula, a partir do momento que passa­ ram a vivenciar os princípios da Pedagogia Freinet, especificamente o princípio da cooperação. Elas afirmaram ter havido uma mudança significativa, tanto em relação aos alunos que passaram a ter uma maior participação, inte­ resse, responsabilidade e mais autonomia no desenvolvimento dos seus trabalhos quanto a um espírito mais cooperativo, e a elas mesmas, que passaram a ser mais atentas no que concerne à prática pedagógica, buscando novos conhecimentos que pudessem inová-la. Isso se refle­ tiu no relacionamento com os seus alunos, no planejamento de ensino

142

e, consequentemente, no cotidiano de sala de aula e na vida de cada um, em particular. Percebe-se, por esses depoimentos e pela percepção que se tem hoje da mudança de atitude dos alunos, que o norteamento dado pela Pedagogia Freinet contribuiu de modo significativo na vida profissio­ nal das professoras, passando estas a assumir outra postura na sua prática de sala de aula, ou seja, a sua ação educativa ganhou mais dinamicidade e compromisso e, porque não, dizer, elas passaram a ser mais autênticas face às suas obrigações como educadoras. Retomando as palavras de Freinet: transformando a sala de aula num “canteiro de obras”, em que se prioriza os elementos essenciais à formação do aluno como a comunicação e a expressão livre, a socialização do saber, o desenvolvimento de hábitos, atitudes e habilidades, bem como a responsabilidade e o compromisso com a sua aprendizagem. Freinet chama a atenção para o fato de as crianças serem capazes de realizar obras importantes e com muito empenho quando estão sozinhas, sem a dependência dos professores. Obras essas que são, para elas, verda­ deiras demonstrações de arte. Organize a Cooperativa escolar, essa sociedade de crianças que nasce espontaneamente logo que se trata de construir a cabana dos índios; dê aos seus alunos ferramentas de trabalho, uma imprensa, linólio para gravar, lápis coloridos para desenhar, fichas ilustradas para consultar... e a Escola será esse canteiro em que a a palavra trabalho aparecerá em todo o seu esplendor, ao mesmo tempo manual, intelectual e social, no seio do qual a criança nunca se cansa de procurar, de realizar, de experimentar, de conhecer e de subir, concentrada, séria, refletida e humana! (FREINET, 1996, p. 84).

Através de observações em sala de aula, constatou-se um clima de solidariedade e cooperação, maior interesse na busca do saber, tanto por parte dos professores quanto dos alunos, e maior participação nas atividades realizadas, sobretudo nos trabalhos em grupo. Na medida em que o trabalho cooperativo desenvolveu uma relação mais afetiva entre alunos, eles começaram a mudar os seus hábitos e atitudes em relação aos colegas, arrefecendo a agressividade, a competição, passando a ouvir uns aos outros com mais atenção e a criticar, de forma construtiva, num clima de bom relacionamento entre eles e entre eles e a professora.

143

A pedagogia cooperativa vai contra os valores tradicionais de seleção de competência, de hierarquia de classificação e de notas, pro­ pondo uma pedagogia do sucesso do reforço, da imagem de si próprio (BOLETIM INFORMATIVO, n° 18,1998, p. 3).

QUADRO 11 Integração com o aluno

Profa.

Al

1. Percepção do aluno que chega a escola.

Muito assustado.

2. Relações com o aluno em sala de aula

3. Interferência da relação na aprendizagem

Conversa amigável.

A relação interfere na aprendizagem.

Tratamento igual para todos. Respeito mútuo. Bom relacionamento.

A2

Traz conhecimento não elaborado.

Conversa amigável. Tratamento respeitoso.

A3

É tímido.

Conversa tranquila e amigável.

Traz uma experiência natural a ser aproveitada.

Tratamento amigo e respeitoso.

Traz uma leitura do mundo.

Essa é a base de um bom relacionamento.

Boa relação evita rejeição, facilita a aprendizagem e estimula o aluno. Influi às vezes. O incentivo desenvolve a autoestima.

Interfere muito. Gera grito, desinteresse no estudo, antipatia, afetando diretamente a aprendizagem.

Respondendo ao item 1 do Quadro 11, as professoras dizem que os alunos que chegam na escola são assustados, tímidos, com um

144

conhecimento elaborado sobre a leitura do mundo e uma experiência que deve ser aproveitada. Tanto o conhecimento quanto a experiência, referenciados pelas professoras A2 e A3, devem servir de ponto de partida para a estruturação científica dos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula - fato esse que se tornou relevante na Pedagogia Freinet. Em relação ao aluno, sabe-se que, ao ingressar na escola, se defronta com uma realidade totalmente adversa àquela que ele vivenciou. Então, ele passa a viver duas realidades diferentes e que se contrapõem: o ambiente familiar, no qual as suas experiências são valo­ rizadas, estimuladas, impulsionando-o sempre para o sucesso em suas primeiras aquisições, e o escolar, em que ele é de imediato submetido a regras de comportamento que reprimem toda a sua espontaneidade e as obrigações impostas, sem lhe dizer o "porque” e o “para que” dessas exigências. Esta pode ser a causa de muitos problemas e desajustes, cujas consequências, muitas vezes, incidem no fracasso e na evasão escolar. Paiva (apud ELIAS, 1996, p. 93) diz: “Para alguns alunos, esse é o momento há muito desejado, que se concretiza; para outros é um de forte tensão”. Segundo ela, muitos alunos já chegam à escola marcados pela falta de afeição da família. Este é um problema tão sério que pode conduzir o aluno a se sentir rejeitado e em represália, ter um compor­ tamento agressivo, o que compromete o seu relacionamento com os colegas e a professora e, consequentemente, a sua aprendizagem. No que concerne ao item 2, as professoras dizem manter um relacionamento amigável com os seus alunos, num clima de tranquili­

dade e respeito mútuo, tendo como base o diálogo. No entanto, as suas afirmações se contrapõem ao resultado das observações realizadas, no início da experiência, em sala de aula. Constatou-se uma postura autoritária por parte das professoras, as quais demonstravam papéis bem definidos entre professor e aluno, onde um determina e o outro executa sem questionar. Esses dados serviram de base para se trabalhar a postura das professoras em sala de aula. Para isso, foi montada uma programação que contemplou não só os conhecimentos teóricos relacionados à Pedagogia Freinet, mas,

145

sobretudo, a sua filosofia, que coloca no centro de suas preocupações o aluno, agente por excelência do processo de ensino aprendizagem. Isto posto, a primeira ação implementada centrou-se na prática pedagógica das professoras, de maneira que elas pudessem refletir o dia a dia da sala de aula, como sejam: o desenvolvimento do conte­ údo, a sua dinâmica de trabalho e, sobretudo, o relacionamento com os seus alunos, de modo que as relações de poder absoluto sobre ele fos­ sem sendo substituídas por posturas democráticas e o conhecimento fosse sendo produzido numa interação contínua e produtiva de troca e parceria. E através do processo de interação que o professor deve criar condições para que o aluno possa superar as dificuldades e plane­ jar situações educativas que favoreçam uma aprendizagem sólida e permanente. Cabe ao professor envolver-se no processo interativo, procu­ rando entender e dialogar com os alunos, sobretudo no momento de suas dificuldades, ver como eles se comportam diante de determinadas situações, tornar as interações produtivas na sala de aula, superando as possíveis barreiras que venham surgir na turma. E evidente que quando a relação professor-aluno é natural, não existe lugar para o autoritarismo, e sim para a cooperação - meio para eliminar as relações de poder, o individualismo, o egoísmo e a competição. No que concerne à questão sobre a interferência do relaciona­ mento professor-aluno na aprendizagem, as entrevistadas disseram que a forma de comunicação mantida entre aluno e professora interfere de maneira positiva ou negativa, dependendo do tipo de relaciona­ mento mantido entre ambos. A esse respeito, Claro (apud FRANCHI, 1995, p. 119) comenta: O modo como o professor trabalha o conteúdo e comporta-se com os alunos acaba por influenciar a visão que o educando tem sobre o processo de ensino aprendizagem: como uma aventura conjunta de vivências e descobertas ou como uma tarefa obrigatória, maçante e enfadonha.

Através do comentário de Franchi, entende-se que existem dois tipos de interferência na aprendizagem: positiva e negativa. 146

Segundo o depoimento da professora Al, “a boa relação evita rejeição, estimula o aluno e facilita a aprendizagem”. É certo, essa é uma interferência positiva, a qual se manifesta

naturalmente, oportunizando situações de descobertas recíprocas, de conquistas mútuas e de companheirismo. Perdigão (apud FRANCHI, 1995, p. 157) diz: Os aspectos afetivos e uma interação professor-aluno, positiva, tem papel preponderante nas afinidades que se desenvolvem entre aluno e professor - “no gostar do professor” - o que por sua vez acaba por favorecer o gosto pela matéria.

Com relação à interferência negativa, pode-se utilizar como exemplo o comentário da professora A3: “O grito gera desinteresse no estudo e antipatia, afetando diretamente a aprendizagem”. O que se entende, que se a professora não se comunica bem com o aluno, esse passa a rejeitá-la e, consequentemente, a aprendizagem torna-se prejudicada, porque a criança vai perdendo o estímulo pelo conteúdo. Tem razão Claro (apud FRANCHI, 1995, p. 119) quando diz: “A forma como a professora se relaciona como os seus alunos, vai determinar, entre outros aspectos, a forma como estes se relacionam com o conteúdo”. A autora diz ser o professor o orientador e mediador entre aluno e conhecimento. Ele é capaz de tornar o conteúdo significativo para o aluno, despertando nele o interesse pela aprendizagem e a confiança não só no professor, mas também em si mesmo. Essa confiança se desenvolve quando o professor passa a valorizar o seu aluno, avalian­ do-o quanto ao seu próprio progresso e não fazendo comparações com as aquisições obtidas pelos seus colegas.

147

Algumas considerações A experiência vivenciada numa Escola da rede oficial de ensino constituiu um desafio para a autora. Esse desafio situa-se em primeiro lugar no nível das condições de funcionamento da escola como um todo, que, como as demais Instituições de ensino público, não foge à regra - salas pequenas, com número excessivo de alunos, sem ventila­ ção adequada, escuras e desprovidas de recursos didáticos necessários ao desenvolvimento de uma dinâmica mais interativa. Assim, considerando a precariedade dos recursos didáticos pedagógicos, procurou-se adaptar essa proposta às dificuldades da escola, ao mesmo tempo em que à sensibilização das professoras no sentido de utilizar outros meios mais acessíveis retirados do ambiente, como, por exemplo, “as sucatas”, e com elas desenvolver um processo de ensino dinâmico e, consequentemente, mais atraente para o aluno. Muitas dificuldades foram enfrentadas, como, por exemplo, falta de espaço físico, tanto para acomodar o material como para guar­ dar as produções dos alunos, pois muitas vezes os trabalhos expostos nas suas salas de aula eram destruídos pelos alunos de outros turnos. Esse fato dificultou o processo educativo, porque as crianças viam suas produções destruídas e ficavam revoltadas e sem ânimo para partici­ par das atividades. No sentido de amenizar essa situação, desenvolveu-se um tra­ balho de sensibilização junto aos alunos das outras salas de aula da escola, voltado para a valorização e preservação das produções realiza­ das, mostrando-se a importância e a riqueza dos trabalhos construídos por eles e a contribuição que cada um dava para a aprendizagem de todos. A partir daí, foi se instalando um clima de respeito, o que pro­ piciou o êxito desse trabalho. Mas a sensibilização do grupo não se encerrou com esse primeiro trabalho. Em cada atividade desenvolvida, procurava-se ressaltar junto aos alunos a importância daquela reali­ zação e estimulá-los a prosseguir com entusiasmo, cujo propósito era obter sucesso nas suas aprendizagens. Outra grande dificuldade refere-se às limitações apresen­ tadas pelas professoras, tanto em relação à ausência de uma boa

fundamentação teórica quanto no que concerne à sua ação em sala de aula. Como se sabe, o professor não conta com uma atualização per­ manente e, quando lhe é dada essa oportunidade, com raras exceções, não foge aos modos de uma receita a ser seguida. Vale por bem lembrar que, em observações realizadas em salas de aula, verificou-se que algumas professoras, embora já tives­ sem participado de estudos teóricos e práticos na Pedagogia Freinet, continuavam a repetir a mesma prática dos seus mestres anteriores, utilizando-se do grito, das ameaças de castigo do tipo “se não ficarem quietos eu os coloco para fora da classe”, faziam comparações entre os alunos para conseguirem um pouco de silêncio na sala de aula, insta­ lando assim um clima não favorável à aprendizagem. O autoritarismo ainda estava muito evidente no poder de quem “sabe” para quem “nada sabe”. Isso foi evidenciado, não apenas no repassar dos conteúdos, mas também no relacionamento professoraluno, no qual, por sua vez, os alunos já estavam habituados a manter a disciplina sob o comando do professor. E evidente que, na medida do possível, foi se amenizando esse quadro, pois, no decorrer da experiência, já se percebia algum esforço das professoras para melhorar a sua prática autoritária. Embora com recaídas constantes, percebia-se a vontade do “fazer melhor”. Mesmo enfrentando os limites e as dificuldades pedagógicas vivenciadas no cotidiano de sala de aula, elas passaram a acreditar que, para desenvolver um bom trabalho, seria necessário uma atua­ lização de sua prática educativa, o que facilitou a implementação de um estudo permanente sobre a Pedagogia Freinet, a qual se pretendeu desenvolver naquela escola.

Foi com essa compreensão que as professoras assumiram o compromisso de utilizar na sua ação educativa uma pedagogia - a Pedagogia Freinet - que as ajudasse a desenvolver uma dinâmica de trabalho em que o aluno, como sujeito do processo, passasse a partici­ par de modo criativo, crítico e consciente da construção do seu saber, preparando-se e vivendo a cada momento, a cada instante, em pleni­ tude, a sua cidadania.

Outro fator que interferiu nesse trabalho foi o contexto socioeconômico e cultural em que vivem os alunos, refletido nas condições

150

físicas do lar em que eles habitam, sem ambiente para a realização das tarefas escolares, na falta de preparo dos pais para orientar os seus filhos e na priorização dos seus estudos, ficando, a maioria deles, à mercê dos ensinamentos recebidos nas minguadas três ou quatro horas em que ficam na escola. A estrutura financeira da escola foi outro fator que pouco contri­ buiu para a realização desse trabalho, principalmente no início, pois, por não ser pública, os recursos financeiros dos quais ela dispunha eram escassos. Contava-se apenas com uma contribuição simbólica dos pais que não cobria nem mesmo as necessidades didático-pedagógicas. Mas, em contrapartida, contou-se com a disponibilidade da escola, que abriu suas portas à realização da experiência, aliada à vontade e ao compromisso das professoras em levar a termo a então intentada pesquisa. Assim, em meio às dificuldades, foi se desenvolvendo, gradati­ vamente, um clima de harmonia e solidariedade entre professoras e alunos, foi se trabalhando, em primeiro lugar, os hábitos e as atitu­ des, alicerçados em regras de vida, estabelecidas pelos próprios alunos sobre a orientação das professoras e que as cumpriam com responsa­ bilidade, de modo que a interação ia ocupando o seu espaço na sala de aula e a comunicação ia se processando em cada atividade realizada pelo(s) aluno (s). Concomitante à formação de hábitos e atitudes, ia se introduzindo os conteúdos essenciais às aprendizagens básicas, dina­ mizando-os através de técnicas de trabalhos que pudessem envolver o aluno no processo de sua formação, a fim de que os princípios básicos que norteiam a Pedagogia Freinet fossem trabalhados integralmente, garantindo assim a formação do homem para o exercício pleno e cons­

ciente de sua cidadania, como preconiza Freinet. Neste trabalho, deu-se maior ênfase ao princípio da cooperação como eixo norteador de todas as atividades, daí a Reunião Cooperativa ter tido maior destaque entre as técnicas utilizadas. O que animava a prosseguir na experiência era o fato de que, mesmo face aos contratempos existentes, vislumbrava-se pontos positivos, tanto em relação às atitudes das professoras quanto às dos alunos.

151

Com relação às professoras, já demonstravam preocupação em se informar melhor sobre a pedagogia alternativa a ser utilizada, bem como uma certa crença nos seus princípios e propósitos, aliando isso a uma vontade de fazer e de acertar, embora o tempo reservado à sua preparação e à intervenção fosse exíguo demais ao que se propunha realizar. Quanto aos alunos, algumas mudanças foram se concretizando em relação ao interesse, à participação, à organização, à realização e à socialização dos trabalhos. No que concerne aos conteúdos, passaram a ter mais consistência e profundidade. As tarefas escolares já não pareciam difíceis como antes, pois os alunos já conseguiam realizá-las com empenho, na certeza de que o que eles faziam tinha sentido para si e para a classe como um todo, por ser objeto de apresentação e discussão e ponto de partida para outras atividades. Verificou-se uma grande vibração dos alunos na semana da cultura, quando da exposição dos seus trabalhos, os quais eles explica­ ram com detalhes, momento em que sentiram o grande valor de suas produções na aprendizagem dos conteúdos. Nessa ocasião, os pais se fizeram presentes e ficaram surpresos com a criatividade e facilidade de expressão de seus filhos. Assim, no decorrer dos dias da experiência, os alunos mos­ travam-se cada vez mais interessados, o que propiciou resultados concretos, tanto na aprendizagem dos conteúdos quanto no desenvol­ vimento de hábitos, atitudes e habilidades. Os alunos, considerados antes indisciplinados e egoístas, foram se tomando pouco a pouco mais compreensivos, participativos e cooperativos, integrando-se com mais interesse e desenvolvendo com mais harmonia as suas atividades. Os resultados obtidos mostraram o valor e a eficácia de um tra­ balho pedagógico desenvolvido e orientado no seio de uma pedagogia interativa, no caso, a Pedagogia Freinet, que se procurou evidenciar, como norteadores de uma formação mais sólida, portanto, mais con­ sistente, e aplicou-se as suas técnicas como dinamizadoras do processo dessa formação. De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria da Escola, dos 102 alunos, sujeitos da pesquisa, que frequentaram as 3a e 4a séries 96 alunos, ou seja, 94,0%, foram aprovados, sem nenhuma pendência e/

152

ou restrição e 6, ou seja, 6,0%, foram reprovados, devendo-se o insu­ cesso destes aos problemas exteriores à escola, como sejam, a não assiduidade às aulas, portanto, a não realização das tarefas e a não consequente participação na vida do grupo-classe, motivadas, sobre­ tudo, por problemas de ordem familiar. Considerou-se, portanto, válido o resultado da pesquisa, por ter mostrado que a aplicação de uma pedagogia interativa, como a Pedagogia Freinet, na qual os alunos participam ativamente do pro­ cesso de ensino aprendizagem, exerceria influência na aprendizagem, como mostraram quantitativamente os resultados obtidos e quali­ tativamente na sua formação, cujos comportamentos em relação ao interesse, participação e cooperação foram vislumbrados no decorrer da pesquisa, através da adesão dos alunos ao processo. Contou-se, também, com a adesão total das professoras para a viabilização da experiência. Portanto, acredita-se ter respondido às duas questões mais per­ tinentes deste trabalho e, consequentemente, ter atingido os objetivos delas decorrentes para o norteamento desta experiência: “A ação pedagógica do professor fundamentada numa pedagogia interativa geraria mudanças qualitativas na aprendizagem, de modo a poder auxiliar na melhoria do quadro do insucesso escolar?” “É possível viabilizar, nas primeiras séries do Ensino Fundamental, uma experiência pedagógica centrada no desenvolvi­ mento do senso cooperativo e na participação social entre os sujeitos

envolvidos?” Foi constatado, no decorrer dos trabalhos, que novas dinâmicas de ensino foram implementadas com sucesso, enfatizando-se, entre outros meios, na ação do professor, na cooperação como condutora do processo de ensino aprendizagem. O sucesso quantitativo da apren­ dizagem dos alunos foi demonstrado no documento dos resultados apresentados pela secretaria da escola e os resultados qualitativos estão expressos na forma de proceder dos alunos em cada momento de suas atividades e nas ações das professoras ao assumirem com compromisso o desenvolvimento da experiência, como também o testemunho dado por elas, em suas falas. Esses são os indícios mais palpáveis que levam a pesquisadora a dizer que os objetivos foram atingidos, embora não considere uma experiência acabada, e sim um

153

espaço aberto a outras investigações, que poderão complementar esses estudos preliminares. Vale, portanto, salientar que este trabalho contribuiu para que as professoras compreendessem a razão de ser de sua prática educativa e buscassem caminhos para redimensioná-la, na certeza de que sem o compromisso com um ensino de qualidade e sem o envolvimento dos alunos no processo de sua formação, a escola jamais sairá do marasmo em que se encontra, e, consequentemente, não dará as contribuições necessárias às mudanças e transformações sociais. Na verdade, o trabalho implementado não foi tão fácil e simples, como pode parecer. Pode-se dizer, sem medo de errar, que foi árduo e difícil devido à falta de condições físicas e didático-pedagógicas da escola - campo da pesquisa. Mesmo assim, tomou-se possível, porque os envolvidos foram corajosos e ousados para implementar um traba­ lho dessa envergadura, que requer uma base humana por parte dos sujeitos envolvidos (professoras, alunos e direção da escola) e, sobre­ tudo, um preparo profissional do professor, baseado no compromisso sociopolítico com a educação das classes menos favorecidas. Tratou-se, portanto, de um desafio e os desafios só podem per­ durar naqueles que acreditam no que fazem e se sentem responsáveis pela contribuição que podem e devem dar para a reversão das dificul­ dades das nossas escolas públicas. Vale lembrar que os resultados obtidos nessa experiência deixa­ ram evidentes que o trabalho cooperativo entre professores, alunos e escola exerceram grandes influências nas mudanças de atitudes: a) dos alunos, que passaram a ser mais responsáveis, participativos e coope­ rativos; b) das professoras, que viram com mais nitidez a importância do seu preparo para a aprendizagem dos seus alunos, requisitando-se uma definição pedagógica da própria escola para que, vivenciando os princípios freinetianos com determinação, possa tornar o seu ambiente importante na formação do aluno, redundando no sucesso escolar. Portanto, precisa-se ter bastante clareza que:

154



a preparação do professor é o “ponto chave” para um ensino de melhor qualidade, aliando-se esta ao “compromisso sociopolítico” com a educação e à “vontade de fazer” e “fazer bem”;



a Pedagogia Freinet é um caminho viável, por oferecer alter­ nativas didático-pedagógicas claras e precisas para uma melhor condução do ensino-aprendizagem e por ter nos

seus propósitos o envolvimento do aluno como “agente” autônomo e responsável pela sua própria formação, vivenciando este, desde já e a cada momento do processo de sua formação, a sua cidadania.

Esses testemunhos foram reforçados pelas professoras, quando de suas falas nas respostas às entrevistas referentes às suas percepções sobre a Pedagogia Freinet, com a qual se estava trabalhando. Em face dessas considerações, recomenda-se: Que a escola, se julgar conveniente, explicite e assuma efetiva­ mente em seu projeto político-pedagógico a perspectiva de trabalho freinetiano, com um envolvimento direto da sua direção e equipe técnico-pedagógica, a fim de se evitar duplicidades de orientações e divergências de encaminhamentos. O conhecimento e vivência de alternativas pedagógicas viáveis, como, por exemplo, a Pedagogia Freinet e outras desse gênero, que abrem caminhos para a orientação de um ensino mais condizente com as necessidades reais dos alunos, propiciando assim um ensino signi­ ficativo e de bom nível. Que a aplicação da Pedagogia Freinet não se restrinja a esse ensaio, mas que ela vá se perpetuando no dia a dia da prática peda­ gógica dessas professoras e de outros que dela venham tomar conhecimentos. Sugere-se, primeiro, conhecer, dominar e aplicar gradativamente esse conhecimento, compartilhando as suas experiências com outros colegas a fim de que possam, através de uma atitude cooperativa, abrir novas perspectivas, ampliar os horizontes em busca da formação de um homem-educando que saiba agir e interagir com responsabilidade no seio da sociedade a qual pertence. Essas parecem ser as recomendações mais pertinentes nesse momento. Outras virão no decorrer das experiências vivenciadas. Nada mais indicado para concluir essas considerações do que as pala­ vras de Freinet (1996, p. 15): “Não preparamos homens que aceitarão passivamente um conteúdo-ortodoxo ou não, mas cidadãos que ama­ nhã saberão enfrentar a vida com eficiência e heroísmo”.

155

Referências ANDRADE, J. M. Valença. O Conceito de Cultura e apreensão da historicidade na 4a série. Tese (Doutorado em Educação) - Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1998. ANDRÉ, Marli Eliza Da de. Etnografia da prática escolar. São Paulo, Papirus, 1995.

ARROYO, Miguel G. (Org.). Da escola carente à escola possível. São Paulo, Loyola, 1991. (Coleção Educação Popular, 8). AURY, L. Freinet et lapédagogi. Paris, PUF, 1988.

BARBIER, René. A pesquisa: ação na Instituição Educativa. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. BARBIER, J. M. Elaboration de Projects d'action et planinification. Paris, PUF, 1991. (Coll. Pédagogie d'aujourd'huit). BICUDO, Maria Aparecida V.; ESPOSITO, V. H. C. Pesquisa qualitativa em edu­ cação: um enfoque fenomenológico. Piracicaba, UNIMEP, 1994.

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria dos métodos. Tradução de Maria João Álvares et al. Porto, Ed. Porto, 1994. BOLETIM INFORMATIVO. Conselhos de cooperativa. São Paulo, Núcleo Freinet. Cidade de São Paulo, 18,1998. BORDALLO, I.; GINESTET, J. P. Pour une pédagogie du project. Paris, Hachette, 1993.

BRANDÃO, C. R. Pesquisa participante. 2. ed., São Paulo, Brasiliense, 1982.

. Repensando a pesquisa participante. São Paulo, Brasiliense, 1984.

BRANDÃO, Zaia; BAETA, A. M. B.; ROCHA, A. D. C. Evasão e repetência no Brasil: a escola em questão. Rio de Janeiro, Achiamé, 1983.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil atualizada até a emenda constitucional n° 27, de 28.11.1985 e acompanhada de completo índice alfabético-remissivo, 31. ed., São Paulo, Saraiva, 1986. (Série Legislação Brasileira).

. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei n° 9394 de 20 de dezem­ bro de 1996. Rio de Janeiro, Pargos, 1997. (Apresentação Ester Grosse).

BRUILIARD, Luc; SCHELMMINGER, G. Le mouvement Freinet: des origins aux années quatre-vingt. Paris, l'Harmattan, 1996. BRUC, Marc; NOT, Louis. Oü va la pédagogie du project. Toulouse: PUF du Soud, 1987 (Coll. Recherches et pratiques éducatives).

CABRAL, M. I. Cavaliere. De Rousseau a Freinet ou da teoria a prática: uma nova pedagogia. Sâo Paulo: Hermes, 1978. CARLONI, Marli; DANTAS, Joana D'arc de Souza. Oficinas pedagógicas. Natal, UFRN/CCSA/DEPED, 1990.

CARVALHO, Tânia C. Araújo. Pré-escola: a desvinculação entre a constru­ ção do saber e o fazer pedagógico. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1998. CASTRO, Cláudio de Moura. A prática da pesquisa. São Paulo: Mc Graw - Hill do Brasil, 1977.

CHARMEUX, Eveline. Aprender a ler: vencendo o fracasso escolar. São Paulo: Cortez, 1994. CLANCHE, Pierre. La pédagogie Freinet: mises à jours et perspectives. Bordeaux: Presses Universitaire de Bordeaux, 1994.

. O texto livre escrita das crianças. Tradução de Maria do Rosário Quintel. Lisboa: Estampa, 1977. . L 'enfant écrivain - génétique et symbolique du texte libre. 1988 (Collection “Paidos” Editions du Centurion).

CLANCHÈ, Pierre; TESTANIÈRE, Jacques. Actualité de la pédagogie Freinet. Bordeaux, Presses Universitaire de Bordeaux, 1992.

158

CLAPARÈDE, E. L 'éducation fonctionnelle. Paris, Delachaux et Niestlé, 1973.

. L 'école surmesure. Paris, Neuchatel/Delachaux, 1953. COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula. Tradução de Cláudia Sdilling. São Paulo, Ática, 1997.

COSTA, Messias. O rendimento escolar no Brasil e a experiência de outros países. São Paulo, Loyola, 1990.

COULON, Alain. Etinometodologia. Tradução de Ephraim Ferreira. Rio de Janeiro, Vozes, 1995.

CUNHA, L. Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981. CUNHA L. A.; GOIS, Moacir de. O golpe na educação. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.

DANTAS, Joana D'arc de Souza. O ateliê: ponto de partida para a organiza­ ção das atividades em sala de aula. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1996. DEHEINZELIN, Monique. A fome com a vontade de comer: uma proposta curri­ cular de educação infantil. Petrópolis, Vozes, 1994.

DOWBOR, Ladislau et al. Desafios da globalização. Petrópolis, Vozes, 1998. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução de Gilson César C. de S. São Paulo, Dummus, 1989.

ELIAS, Marisa Del Cioppo. Pedagogia Freinet: teoria e prática. Campinas, Papirus, 1996.

. Célestin Freinet: uma pedagogia de atividade e cooperação. Rio de Janeiro, Vozes, 1997.

ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Org.). Métodos e Técnicas de investigação cientí­ fica em educação. Lisboa, Porto, 1997. . A decisão em educação. Lisboa, Porto Editora, 1998.

159

EZPELETA, Justa; ROCKWEL, Elsie. Pesquisa participante. São Paulo, Cortez, 1986. FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo, Cortez, 1989 (Coletânea de textos de vários autores).

FERNANDES, Florestan. O desafio educacional. São Paulo, Cortez, 1989.

FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo, Cortez, 1992. FERREIRA, Salonilde; BARROS, E. C. A. Câmara. Escola paraíso pequeno bur­ guês? Natal, CCSA/UFRN, 1992 (Cadernos NEPEB, 2).

FERRIÈRE, Adolphe. L 'école active. 8. ed. Paris, Delachaux et Niestlé, 1969. FONVIEILLE, R. L 'aventure du mouvement Freinet: analise institutionnelle. Paris, Meridiens Klinchsieck, 1989. FRANCHI, Eglê Pontes (Org.). A causa dos professores. Campinas, Papirus, 1995 (Coleção Magistério, Formação e Trabalho Pedagógico).

FREINET, C. L 'Education du travail. Paris, Delachaux et Niestlé, 1978.

. Les dits du Mathieu. Paris, Delachaux et Niestlé, 1978. . Les plans de travail. Cannes, B. E. M., 1962. . Conseilauxjeunes. Cannes, B. E. M., 1969.

. L' enseignement des Sciences. Cannes, B. E. M., 1962. . Méthode naturelle de la grammaire. Cannes, B. E. M., 1969.

. La formation de Tenfance et de la jeunesse. Cannes, B. E. M., 1960.

. A educação do trabalho. Tradução de Maria Ermantina G. G. Pereira. São Paulo, Martins Fontes, 1998. . Pedagogia do bom senso. Tradução de J. Batista. São Paulo, Martins Fontes, 1996.

160

FREINET, C. BALESSE, L. La lecture par 1'imprimerie à 1'école. Cannes, B. E. M., 1960.

FREINET, C. SALENGRO, R. Moderniser 1'école. Cannes, B. E. M„ 1960. FREINET, C. Ensaios de Psicologia sensível. Tradução de Margarida M. Palma e M. de Fátima M. Ferreira. Lisboa, Presença. 1976. v. 1-2.

. O texto livre. Tradução de Ana Barbosa. Lisboa, Dinalivro, 1976. . Perspectives d'éducation populaire. Paris, Petite Collection Maspero,

1979 . As técnicas Freinet da escola moderna. Tradução de Silvia Letra. 4. ed. Lisboa, Estampa, 1975. . O jornal escolar. Tradução de Filomena Quadros Branco. Lisboa, Estampa, 1974. . O método natural IIIIII. Tradução de Franco de Souza e Maria Antonieta Guerreiro. Lisboa, Editorial Estampa, 1989. FREINET, Elise. Naissance d 'une pédagogie populaire. Paris, François Maspero, 1981.

. O itinerário de Célestin Freinet. Tradução de Priscila de Siqueira. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1979.

. Dessin etpeinture des enfantes. Cannes, B. E. M., 1967.

La parte du maítre: huit jours de classe. Cannes, B. E. M., 1966. . L 'école Freinet réserve des enfants. Paris, François Maspero, 1979. FREINET, Madeleine. Elise et Célestin Freinet: souvenir de notre vie. Paris, Editions Stock, 1997.

. L 'expression libre en classe de perfectionnement. Cannes, B. E. M., 1965.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo, Paz e Terra, 1987. .A importância do ato de ler. 17. ed. São Paulo, Cortez, 1987 (Coleção Polêmica do nosso tempo).

161

FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4. ed. São Paulo, Morais Editora, 1980. GADOTTI, Moacir. Organização do trabalho na escola: alguns pressupostos. São Paulo, Ática, 1993.

GARCIA, Walter E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo, Mc. Graw - Hill do Brasil, 1976.

GERMANO, José W. Estado militar e educação no Brasil (1964-1985). São Paulo, Cortez, 1993. GIROIT, A. Poslaniec. Une journné à l 'école en pédagogie Freinet. Paris, Retz, 1985. GLASSER; WILLIAM. Escolas sem fracasso. São Paulo, Cultrix, 1972. GUIRALDELLI, Junior Paulo. História da Educação. São Paulo, Cortez, 1994.

HUBER, Michel. Aprendre em projects: la pédagogie du project-élèves. Lyon, Chronique Sociale, 1999.

. Du projects- élèves à la convergence des démarches de projects dans 1'étabissement scolaire. Thèse. Paris, CNAM, 1996. IBGE. Crianças e adolescentes. Rio de Janeiro, IBGE, 1992 (Indicadores Sociais).

I.C.E.M. Perspective d'éducation populaire. Paris, 1979 (Petit Collection Maspero). KAPLAN.A. A conduta na pesquisa: metodologia para as ciências do comporta­ mento. São Paulo, EPU/EDUSP, 1975.

KRAMER, Sonia (Org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo, Ática, 1989.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade de. Fundamentos de meto­ dologia científica. 3. ed. São Paulo, Atlas, 1991. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico social dos conteúdos. 4. ed. São Paulo, Loyola, 1986.

. Didática. São Paulo, Cortez, 1991 (Coleção Magistério 2o grau. Formação do Professor).

162

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo, Cortez, 1996. MARTINS, Joel; CELANI, M. A. Alba. Subsídio para redação de tese de mestrado e de doutoramento. 2. ed. São Paulo, Cortez, 1979. MARTINS, Lúcia de A. Ramos. A análise da formação profissional de educação especial em Natal - RN. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1993.

MAURY, L. Freinet et la pédagogie. Paris, PUF, 1988.

. Freinet e a pedagogia. Tradução de Yara M. Laranjeira e Mário Laranjeira. São Paulo, Martins Fontes, 1994. MELLO, Guiomar Namo de. Magistério de Iagrau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo, Cortez, 1984.

NIDELCOFF.M. Tereza. Uma escola para o povo. São Paulo, Brasiliense/Cortez, 1985.

PATTO, Maria Helena Souza (Org.). A produção do fracasso escolar: histórias, submissão e rebeldia. São Paulo, T. A. Queiroz, 1991. PEREIRA, Francisco de Assis. A contribuição do texto livre na vitalização pedagó­ gica da sala de aula: uma experiência na escola pública natalense. Tese (Doutorado em Educação) - Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1997.

PILETTI, Claudine Nelson. Filosofia e história da educação. 6. ed. São Paulo, Ática, 1988. PIMENTA, Selma Garrido; GONÇALVES (Org.). Revendo o ensino de 2o grau, propondo a formação de professores. São Paulo, Cortez, 1990 (Coleção Magistério de 2° grau).

PIRES, José; ALLOUFA; JOMÁRIA, M. Lima; TAVARES, Otávio de.Apesquisa em educação: abordagem teórico-metodológicas. Natal, Cooperativa Cultural Universitária do Rio Grande do Norte (Coleção sala de aula, 23). QUIVY, Raymond; CAPENHAUDT, Luc Van. Manual de investigação em ciên­ cias. Lisboa, Gradativa, 1998.

163

RASIA, Maria da Guia R. A influência da afetividade na relação professor-aluno: um estudo em duas escolas de Campina Grande PB. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1998.

RIBEIRO, Márcia Maria Gurgel. A criança e o outro: um estudo sobre a cons­ trução da identidade pessoal. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1997.

RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 8. ed. São Paulo, Cortez, 1988. RODRIGUES, Neidson. Da mistificação da escola a escola necessária. 8. ed., São Paulo, Cortez, 1989. ROMANELLE, Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis, Vozes, 1991.

SÁ, Maria Lecy Araújo. Os desafios postos por uma prática alternativa em educação: limites e possibilidades. Dissertação (Mestrado em Educação) Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 1991. SALM, Cláudio L. Escola e trabalho. São Paulo, Brasiliense, 1980.

SALOMOM, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 9. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999. SALVADOR, R. Ângelo Domingos. Métodos e técnicas de pesquisa. Porto Alegre, Sulina, 1986.

SANTOS, M. L. A expressão livre no aprendizado da língua portuguesa. São Paulo, Scipione, 1993.

SANTOS, Teotônio dos. Conceito de classes sociais. Tradução de Orlando Reis. 4. ed. Petrópolis, Vozes 1987. SANTIAGO, Eliete Maria. Escola pública do 1° grau: da compreensão à inter­ venção. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. SAVIANI, DermevaL Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. São Paulo, Cortez, 1987.

164

. Análise crítica da organização escolar brasileira, através das leis 5.540/68 e 5.692/71. In: ESTEVES, Garcia Walter (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. 3. ed. São Paulo, Mc. Graw - Hill, 1976. p. 174-194.

SAMPAIO, Rosa Maria W. Ferreira. Freinet: evolução e atualidade. São Paulo, Scipione, 1989. SECD. Síntese da situação educacional do Rio Grande do Norte. Natal, SECD, 1997.

SECD/CONAP. Ciclo básico: um outro fazer pedagógico. Natal, SECD/CONAP, 1996.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTOS/SEC - Ciclo Básico: um outro fazer pedagógico. Coordenadoria de Normas e Ações Pedagógicas. Natal, 1996.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. Sâo Paulo, Cortez, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu da; GENTILE, Pablo (Org.). Escola SA. Brasília, CNTE, 1996.

SNIDERS, George. Escola, classe e luta de classe. Tradução Maria Helena Albarran. Lisboa, Morais, 1977. SOUZA, D. B. Pedagogia Freinet: caminho para o sucesso escolar. Natal: CCSA/ UFRN, 1992 (Caderno NEPEB). L 'individualisation de lènseignement (rapport à la Pédagogie Freinet). Tese (Doutorado em Ciências da Educação) - Université de Paris VIII, Paris, 1982.

Célestin Freinet: uma pedagogia popular? Revista Educação em Questão. Departamento de Educação/PPGE/CCSA/UFRN. Natal, v. 2/3. n. 2/1,1987. p. 63-71. A Pedagogia Freinet nas séries iniciais do 1° grau: algumas sugestões de organização do trabalho pedagógico. Natal, CCSA/UFRN, 1996. (Caderno NEPEB).

165

SOUZA, Paulo Natanael Pereira; SILVA; BRITO Eurides (Coord.). Educação: escola-trabalho. São Paulo, Pioneira, 1984.

TEBEROSKY, A. Psicopedagogia da linguagem escrita. São Paulo, Trajetória Cultural, 1989.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, 1985. TRAVERS, Robert M. W. Introdución a la investigación educacional. Buenos Aires, Paidos, 1971. VASQUEZ, Aída; OURY, F. Vers une pédagogie institutionnelle. François Maspero, 1977.

. De la classe cooperative à la pédagogie institutionnelle. Paris, François Maspero, 1974. v. I-II. . Qui c 'est le conseil?. Paris, François Maspero, 1979.

1KR

Associada da AFIRSE - Associação Francofone Internacional de Pesquisa Científica em Educação. Associada da FIMEM - Federação Internacional do Movimento da Escola Moderna/Pedagogia Freinet. Associada do Movimento Brasileiro de Educação e Pesquisa Pedagógica-ABDEPP. Associada do Núcleo Freinet do Rio Grande do Norte. Participação em Congressos Nacionais e Internacionais; Brasil, França, Portugal e Espanha, com apresentação detrabalhos. Foi coordenadora do Curso de Pedagogia PROBÁSICA da UFRN.

Vice-coordenadora do Curso de Pedagogia do Departamento de Educação da UFRN. Chefe do Serviço de Assessoramento e Apoio

Pedagógico - SAAP - Projeto

MEC/UFRN.

Na escola deve-se conservar ordem, disciplina, autoridade e dignidade, mas a ordem que resulta de uma melhor organização do trabalho, a

disciplina que se torna solução natural de uma cooperação ativa no seio da

nossa sociedade escolar, a autoridade moral primeiro, técnica e humana depois, que não se consegue com ameaças ou castigos, mas por um

domínio que leva ao respeito; a dignidade da nossa função comum de

professores e de alunos, a dignidade do educador que não se pode conceber sem o respeito total pela dignidade das crianças que ele quer preparar para a função de homens..

Célestin Freinet

Associação Brasileira

das Editoras Universitárias

1

766572

735201