Da Psicologia à Pedagogia de Célestin Freinet


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Da Psicologia à Pedagogia de Célestin Freinet

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DIMENSÃO-EDITORA

Da Psicologia À Pedagogia de Freinet

DIMENSÂO-EDITORA

c 1992 by Dimensão - Editora e Distribuidora Ltda. Rua Dona Gercina Borges Teixeira nº 74 - Setor Sul Fone: (062) 225-8541 - CEP 74.015 - Goiânia - Goiás Impresso no Brasil. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, salvo com autorização, por escrito, do editor. Coleção: PSICOLOGIA - Volume 2 CAPA: Baltazar Souza Guimarães PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS: Maria Efigênia de Godoy Pires REVISÃO: Felícia Soares Maciel

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Minicucci, Agostinho. Da psicologia soviética à pedagogia de Freinet / Agostinho Minicucci. -- Goiânia : Dimensão, 1992. -- (Psicologia; v. 2) 1. Freinet, Celestin, 1896-1966 2. Pedagogia 3. Psicologia 3. Psicologia educacional 4. Psicologia educacional - União Soviética I. Titulo. II. Série.

CDD-370.15 -370.150947

91-2513

Índices para catálogo sistemático: 1. Freinet: Psicopedagogia 370.15 2. Psicologia educacional 370.15 3. Psicopedagogia 370.15 4. União Soviética: Psicologia educacional 370.150947

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 09 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11 - Estágio de Freinet em escolas soviéticas............................................................ 13 - Equipe francesa de estudos de Freinet.............. ..................................................13 - Makarenko e as escolas de trabalho.....................................................................14 1. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA NA UNIÃO SOVIÉTICA... 17 - Papel dos psicólogos escolares........................................................................... 19 - Técnicas de vida de Freinet................................................................................. 21 - A tentativa experimental da escola Freinet......................................................... 21 2. OS PSICÓLOGOS SOVIÉTICOS E A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA.. 23 - A teoria domovimento dos psicólogos soviéticos............................................... 25 - A formação da consciência na criança................................................................ 25 - A linguagem-corporal e a relação de sociabilidade.............................................26 - Desenvolvimento paralelo biológico-social........................................................ 26 - A importância da ação no desenvolvimento mental........................................... 28 - A Contribuição da linguagem no desenvolvimento mental da criança.... 29 - Personalidade da criança, unidade dialética e interdisciplinar............................ 30 - Freinet e a pedagogia das fases exploratórias......................................................32 - Formação de hábitos e apropriação da linguagem.............................................. 33 - A imitação no desenvolvimento da criança......................................................... 34 - A aprendizagem e o processo visual e verbal......................................................36 - Texto livre - socialização da escrita.................................................................... 37 - A literariedade e o contexto social...................................................................... 37 - O tateamento experimental de Freinet, fundamento do texto livre......................38 3. ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA APLICADA À EDUCAÇÃO.............................................................................................................. 41 - Análise crítica da psicometria............................................................................. 43 - Idade mental e desenvolvimento............. . .......................................................... 43 - Relação psicologia - pedagogia........................................................................... 43 - Etapas do desenvolvimento da criança................................................................44 - Novo conceito de psicologia experimental......................................................... 45 - Conceito de compreensão....................................................................................46 - A compreensão de um texto e o texto livre de Freinet........................................ 47 - Conceito de associação...................................................................................... 49 - As associações e as matérias escolares................................................................49 - Freinet e o conceito de inteligência..................................................................... 50 - Aspectos importantes de Psicologia da Aprendizagem...................................... 51 4. DOS PSICÓLOGOS SOVIÉTICOS À PEDAGOGIA DE FREINET.................. 53 - A escola socialista - conceito.............................................................................. 56 - Freinet e a reforma da escola...............................................................................56 - Kostiuk e o processo educativo........................................................................... 56 - O social e o coletivo. Distinção proposta por Chanché....................................... 56 - O texto livre, agente social de mudança..............................................................57 - Comunicação em educação.................................................................................57 - Texto livre. Comunicação dialética.....................................................................57

- Os efeitos da instrução programada....................................................................59 - Processo dialético do grupo................................................................................ 61 - Técnicas de vida de Freinet............................................................................... 63 - Relação entre ação educativa e desenvolvimento............................................... 64 - As reservas de infância na escola do povo..........................................................65 - Ensino da gramática e o seu papel na scola Freinet............................................ 68 - O texto livre como método natural..................................................................... 68 - Pesquisas em psicopedagogia......................................................................... 70 - A escola do trabalho........................................................................................... 71 5. APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO.................................................... 75 - Relação aprendizagem - desenvolvimento......................................................... 77 - Psicologia sensível de Freinet............................................................................. 77 - Técnicas de vida, estratégia da escola Freinet.................................................... 78 -Luria e a teoria da área potencial......................................................................... 79 - Pedagogia terapêutica......................................................................................... 79 - Le Bohec e a escrita............................................................................................ 80 - O problema das enfermidades escolares............................................................. 80 - Pedagogia institucional.......................................................................................81 - Pedagogia de classe.......................................................................................... 82 - Dolto e as doenças escolares...............................................................................83 6. LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO........................................................... 85 - A falácia do Q.I...................................................................................................87 - Princípios de desenvolvimento........................................................................... 87 - Teorias de Zaporozhets e Elkonin............. ........................................................ 87 - A escola do trabalho de Freinet........................................................................ 88 - Trabalho-jogo e jogo-trabalho, a nova teoria de jogos de Freinet...................... 89 - O trabalho da concepção marxista...................................................................... 89 - A aprendizagem e a apropriação de experiências............................................. 89 - A apropriação da cultura e o texto livre............................................................. 90 - Desenvolvimento social das aptidões..................................................................92 - Luria e o movimento em desenvolvimento...................................................... 93 - Educação de crianças mentalmente atrasadas................................................... 94 - Utensílio e cultura para Freinet.......................................................................... 95 7. A DIVISÃO DO TRABALHO NA ESCOLA...................................................... 99 - O desenvolvimento do trabalho na escola...................................................... 101 - Owen e o homem completo .... ................................................................... 101 - O texto livre e o conceito de trabalho...............................................................101 - O valor de uso e o valor de troca em educação.................. .............................. 102 - A imprensa, o texto livre e as necessidades sociais...........................................105 - Freinet e o livro de vida................................................................................... 106 - Pontos essenciais do processo educativo.......................................................... 106 - O indivíduo e a sociedade.............................................................................. 107 - Reflexão.......................................................................................................... 108 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 113

APRESENTAÇÃO Minicucci transmite nesta obra, a essência da pedagogia Freinet. Traça paralelos entre diversos autores com o objetivo de atingir um ponto de equilí­ brio para a educação. É um texto que avalia o modus-operandi do professor em sala de aula; o papel dos psicólogos escolares; etapas do desenvolvimento da psicologia apli­ cada à educação; as fases da educação psicomotora, aprendizagem, linguagem e desenvolvimento da criança e a evolução do trabalho na escola, suas técni­ cas e implicações. Apresenta Freinet como “o educador da escola pobre”, para a qual tenta estabelecer “técnicas de vida”, partindo da condição sócio-política-econômica da criança como referencial para o início de uma relação produtiva, observan­ do, também, sua influência no desenvolvimento psico-intelectual. O autor nos direciona, após complexa reflexão, a criarmos expectativas de mudança com o objetivo de estreitar a distância entre os modelos educacionais que seguimos e os nossos reais objetivos de vida. Que educação é essa que estamos “construindo”? Onde está a dinâmica da adequação de nossas “técnicas de trabalho” às nossas “técnicas de vida”? Modelos perfeitos não existem. Existe, sim, a criança brasileira, diante da qual e para a qual devíamos estabelecer uma relação mais humana e valorativa. Maria Efigênia de Godoy Pires

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INTRODUÇÃO Verificamos numa obra de Femand Oury e Aída Vasquez, “Vers une Pédagogie Institutionnelle” (1982), um trabalho com crianças inadaptadas esco­ lares e classificadas pela psicologia como anti-sociais, o relato da total recu­ peração caracterológica e escolar, reformulando conceitos, métodos, processos e técnicas psicopedagógicas. Abordam, de modo especial, as contribuições de Freinet nesse rico trabalho. Particularmente, nos chamou à atenção um texto cuja apreciação é descri­ ta a seguir. Interessou-nos a equivalência, em muitos pontos, do pioneirismo de Freinet, na França, com Makarenko e outros psicólogos e pedagogos da educação soviética. Procuramos elaborar um paralelo entre ambas as correntes psicopedagógi­ cas acreditando que Freinet, o educador da escola pobre, ainda não foi sufi­ cientemente descoberto por pesquisadores brasileiros na área da educação. Estas são as razões do nosso trabalho.

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ESTÁGIO DE FREINET EM ESCOLAS SOVIÉTICAS Em 1925, Freinet teve contato com a pedagogia soviética durante uma viagem à Rússia, participando de um colóquio dirigido por Krovpskaia. As impressões de Elise Freinet sobre a visita à União Soviética Elise Freinet, no estudo bibliográfico de Freinet, assinala as peripécias da visita do pedagogo francês à União Soviética: "Na pobreza dos primeiros anos construtivos da revolução, que lembra tão fielmente a pobreza de Bar-sur-loup, encontra-se a si mesmo. O impulso que anima tão profundamente os pedagogos soviéticos é o seu pão de cada dia e sua única riqueza. Encanta-se Freinet de poder falar larga­ mente de sua técnica da imprensa escolar e das perspectivas que ela abre à obra educativa. Krovpskaia, então ministro da educação, recebe a delegação no Kremlin e, em uma entrevista mui­ to espontânea e cordial, enquanto comem maçãs oferecidas com singeleza, os delegados escutam as realizações pedagógicas em curso e as criações futuras. O que mais surpreende os educadores soviéticos, nas palavras do ministro, humilde ante a imensa tarefa, é a preocupação constante pela criança, a modéstia de Freinet, a ambição de estar aberto constantemente a novas perspectivas".

Em um folheto, “Un mots avec les enfants russes”, Freinet expõe suas impressões sobre as escolas soviéticas que visitou e seu contato com os peda­ gogos russos.

EQUIPE FRANCESA DE ESTUDOS DE FREINET Em 1958, F. Oury e outros educadores franceses da linha Freinet estive­ ram em Moscou e visitaram escolas, participando de debates com Grikiv, pre­ sidente do Comitê Central do Sindicato de Trabalhadores em Educação. Dis­ cutiram, os educadores franceses, as possibilidades da utilização das técnicas Freinet nas classes elementares soviéticas. Os educadores entrevistados, ao comentarem suas atuações em classe, di­ zem-se seguidores de Makarenko em muitos pontos de atuação. As escolas renovadas da revolução soviética criticaram a atuação do pro­ fessor em classe, a ação autocrática do mestre, as lições e exercícios progres­ sivos sem ligação efetiva com a vida da criança e o dirigismo metodológico (métodos e manuais são recomendados). Há exigências de rendimento escolar, como por exemplo, aprender a ler em três ou quatro meses, etc. A psicologia ensinada nas escolas está voltada exclusivamente para os trabalhos de Pavlov, observando por conseguinte, uma descrença pela psi­ canálise e pelos trabalhos de Watson. Por outro lado, os organismos pára-escolares, pesquisadores e pioneiros 13

em educação e instituições ligadas à escola, dão rica contribuição aos profes­ sores sobre métodos ativos ou técnicas de organização no meio escolar. Com efeito, num contexto sócio-econômico diferente do nosso, a ligação entre a escola e a sociedade soviética permite às crianças ter uma atividade econômica válida socialmente, no tocante à produção: os alunos fabricam mó­ veis, roupas, equipamentos eletrônicos em Leningrado e outros constroem to­ talmente a escola (Prokoplevisk). Cooperativa Escolar Freinet e Makarenko são considerados pioneiros da Cooperativa Escolar, no valor educativo do “verdadeiro trabalho”, concepção cooperativista que se opõe à tradição que faz da escola uma beneficiária do trabalho do adulto, re­ cebendo tudo sem nada produzir ou oferecer em troca. Esta forma de abertura na sociedade econômica que oferece uma recipro­ cidade de troca, aparece nas colônias de Gorki e Kjerznski, e se estruturam à base das contribuições de Makarenko. A necessidade econômica enraiza a escola à realidade, com a vantagem de reforçar a coesão de grupo contra as dificuldades, justificando a organização do trabalho e a disciplina, reconhecida por todos como elemento indispensável à produção. O trabalho da cooperativa escolar e a necessidade de produzir jogam um rol comparável ao do estabelecimento de uma disciplina coletiva e, nesse as­ pecto, a atividade escolar assume um rol de produtividade que não é negligenciável, notadamente, nos grupos de crianças reputadas como difíceis e indisci­ plinadas escolares. A introdução desta noção de trabalho real na classe, com as exigências que comporta esta realidade, permite ultrapassar suas metas sem que ao mestre seja necessário comprovar competência pedagógica. A oposição aparente entre certas necessidades da criança que devem ser igualmente satisfeitas como necessidade de ordem, de segurança, de autorida­ de e as necessidades criadas ou propostas pelo professor, por outro lado, dão na escola da realidade, prevalência às naturalmente aceitas.

MAKARENKO E AS ESCOLAS DE TRABALHO Makarenko, pela introdução da noção de trabalho, apresenta um método ativo de cultura moral pela via coletiva quando, graças ao trabalho comum, substitui o autoritarismo magistral pela disciplina cooperativa, estrita, indis­ 14

pensável à ação coletiva, quando os mestres educam as crianças a estabelecer e a respeitar as regras. A autoridade toma-se aceitável por ela engrandecer o indivíduo em vez de diminuí-lo. Nessa filosofia adotamos os postulados de Makarenko. Um outro ponto de vista de Makarenko anima os dirigentes: num contexto de trabalho comum, um homem normal e equilibrado pode tomar-se um edu­ cador eficaz, sem que precise possuir as qualidades intelectuais e morais de psicologia ou pedagogia. A disciplina para Freinet Esse conceito de disciplina é proposto por Freinet em “Para uma Escola do Povo”. A disciplina racional é a emanação do trabalho organizado. Uma discipli­ na que é a própria ordem na organização da atividade e do trabalho, uma efi­ ciência que resulta de uma racionalização humana de vida escolar. A escola do futuro não pode ser, de forma alguma, uma escola anárquica, na qual o professor nem sempre consegue manter a necessária autoridade. Pe­ lo contrário, essa escola terá uma disciplina superiormente organizada. O que terá desaparecido é efetivamente aquela disciplina formal, exterior, sem a qual a escola atual será apenas caos e vazio. A disciplina da escola de amanhã, será a expressão natural e, a resultante da organização funcional da atividade e da vida da comunidade escolar. Enfim, a organização material, técnica e pedagógica, do trabalho, será o elemento essencial e decisivo do equilíbrio escolar.

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1. DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA NA UNIÃO SOVIÉTICA

Segundo Bogoyavlensky, os resultados da evolução da psicologia aplica­ da à educação na União Soviética, acentuaram-se essencialmente no campo pedagógico e psicológico. O desenvolvimento, as pesquisas e as investigações, foram dificultados pela adoção, sem crítica ou análise, das teorias dos psicólogos burgueses e pe­ la grande difusão e aceitação da psicometria. O Laboratório Central de Educação As atividades do Laboratório Central de Educação, criado nessa época, voltaram a pesquisar, com ênfase, os fracassos escolares em função, princi­ palmente, de: - elaboração de testes para avaliação de Q.I. e perfis psicológicos (Rossolimo e outros); - mensuração dos progressos do aluno no ensino e elaboração de escolas de mensuração; - estudo do espaço disponível e necessário aos alunos na classe, para me­ lhor rendimento escolar; - problema de alimentação escolar; - determinação dos níveis de idade para sucesso na aprendizagem.

PAPEL DOS PSICÓLOGOS ESCOLARES Um dos movimentos dos psicólogos escolares, mais conscientes dos princípios socialistas da educação, levou-os a uma revisão das bases da psico­ logia geral, da educação e, em especial, da aprendizagem constante de: - avaliação do significado do desenvolvimento dos alunos durante a aprendizagem e em função dela; - estudo de etapas específicas de aprendizagem, de ensino e das relações com as experiências que a criança adquire em seu desenvolvimento; - estudo da correlação aprendizagem - desenvolvimento; - retomada dos estudos sobre a psicologia do desenvolvimento - ação; - a proposta básica de que os processos mentais se formam essencialmente durante a atividade; - o desenvolvimento e a formação dos processos mentais levam a uma re­ 19

formulação dos objetivos e metas da psicologia, em geral e da aprendi­ zagem, em particular; - a importância que assume a maneira pela qual a atividade do aluno é de­ terminada pela educação (aprendizagem, conhecimento), chegando-se à conclusão de que o objetivo das pesquisas era descobrir as leis que de­ terminam este processo. Assim: Educação e Atividade educação —> atividade —> desenvolvimento —> processos mentais. A atividade mental passou a ser entendida como um processo dinâmico (ação-operação) e, não, função mental abstrata desenvolvida em exercícios ou tarefas escolares. A atividade mental passou a ser entendida como ação dirigida para objeti­ vos, metas histórico-sociais (dialéticas) específicas e que são orientadas e condicionadas por implicações sociais. Os psicólogos abandonaram o conceito da psicologia escolar como o es­ tudo e análise das funções mentais, em separado, e assumiram o estudo global de atividades reais e concretas da criança. Na relação entre psicologia-pedagogia, salienta-se que a psicologia não é o alicerce da pedagogia, mas que a psicologia da educação deverá fundamen­ tar-se na pedagogia, porque se vale do estudo do desenvolvimento da criança, enquanto estes são escolares. As atividades da criança na escola é que deter­ minam o material de estudo dos psicólogos. Inverteu-se a prevalência de obje­ tivos. O trabalho de psicometrista do psicólogo escolar foi reformulado. Ele passou a ser um pedagogo-psicólogo. O psicólogo não seria mais o aplicador de testes e perito em mensuração de comportamentos, atitudes e habilidades mentais. Detém-se o psicólogo escolar na observação, discussão, experimen­ tação e aperfeiçoamento das chamadas técnicas do método natural. Assumiu o psicólogo escolar um rol profissional fundamental, na teoria psicológica, que afirma que os processos mentais não se limitam apenas a ma­ nifestar-se, mas se formam durante a atividade. Nessa ótica copemiana, a função do psicólogo escolar reformula-se, na medida em que ele não é mais aquele que tem por função diagnosticar habilidades para aprender, mas cola­ borar com o professor na construção de processos mentais que se formam e elaboram durante as atividades de aprendizagem. 20

Daí a importância dos instrumentos ou técnicas de vida na escola. É um dos fundamentos da pedagogia de Freinet.

TÉCNICAS DE VIDA DE FREINET O problema do futuro do homem, diz Freinet, é o de sua preparação que deve ser inteiramente reformulada. Não basta estudarmos, separadamente, ca­ da um em sua própria fase para compor as peças dessa mecânica. É, no entan­ to, necessário encontrar ou reencontrar, cuidar ou reforçar o motor ou os mo­ tores, que permitirão sua verdadeira ação. Precisamos, acentua, rever e regular as nossas Técnicas de Vida. É ne­ cessário estabelecermos a unidade de nossa cultura e não abordar o problema escolar do saber, da inteligência e da ciência, sob um ângulo que nunca terá cabimento em nossa própria vida. Quer se trate do domínio dos primeiros movimentos do recém-nascido, quer se trate da aprendizagem do caminhar, da linguagem, de andar de bicicle­ ta, da prática do trabalhador rural, do mecânico ou do médico, tudo isso diz respeito à “Tentativa experimental”.

A TENTATIVA EXPERIMENTAL DA ESCOLA FREINET Afinal, o que seriam as tentativas experimentais que fundamentam o método natural de Freinet em busca das técnicas de vida? A tentativa experimental, para Freinet, compreende: - uma intensidade de vida máxima numa escola integrada no meio ambien­ te; - um material novo, permitindo o trabalho da criança nos diversos estágios de evolução; - modelos, os mais perfeitos, nos diversos gêneros da atividade: fala, es­ crita, leitura, música, desenho e comportamento geral; - atividade essencialmente auxiliar ao ambiente familiar, em primeiro lu­ gar, e sobretudo, no que diz respeito ao meio educativo. Apropriando-se de experiências tenteadas dos elementos fornecidos pelo meio, repetindo experiências bem sucedidas até a sua integração total, segun­ do uma progressão não constante, sendo alguns períodos de regressão segui­ dos ou precedidos de um salto em frente e de tempo de consolidação (es­ calão). 21

2. OS PSICÓLOGOS SOVIÉTICOS E A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA

A TEORIA DO MOVIMENTO DOS PSICÓLOGOS SOVIÉTICOS Grande influência tiveram os psicólogos soviéticos no estudo do movi­ mento dentro de um âmbito da educação da criança. Essa teoria psicomotora apresenta uma perspectiva materialista da evolução, numa noção antropológi­ ca do homem. Acentua que a ação (movimento) constitui o meio de relação concreto com o mundo exterior pelo qual se edifica e dá origem à consciência. Fazem parte dessa abordagem os psicólogos e os fisiologistas A.R. Luria, A. Leontiev, A.A. Lublinskaia, I.P. Pavlov, S.L. Rubinsthein, I.M. Sechenov, L.S. Vygotsky, A.V. Zaporozhets, D.B. Elkonin.

A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA NA CRIANÇA Nélson Mendes e Vítor da Fonseca estudaram a atuação desses pesquisa­ dores no desenvolvimento da teoria psicomotora do movimento, e as impli­ cações na educação da criança cuja influência tem sido acentuada na filosofia educacional da União Soviética. Dizem esses autores que é pela ação prática e concreta, que se forma e informa a consciência da criança. A consciência da criança reflete a sua história com o mundo exterior. São as múltiplas relações e correlações com o meio exterior, materializadas sob a forma de ação e mo­ vimento, que constituem (e são) as sensações e as percepções com as quais (e pelas quais) a consciência se organiza e auto-regula. Neste caso, portanto, consciência e conduta humana são a mesma coisa; são um só e mesmo fenômeno em pulsação - dialética, isto é, um é incompleto sem o outro, e o outro impossível sem aquele. É pela ação, como movimento consciencializado intrinsicamente intencio­ nal, que a criança se relaciona com a realidade. É graças ao movimento, como unidade psicomotora, que a criança organi­ za as sensações e as percepções, ao mesmo tempo que vai retendo essa vivên­ cia histórica que lhe permite conhecer, compreender e compreender-se. Note-se, no entanto, que o desenvolvimento da criança não resulta exclu­ sivamente de uma perspectiva biológica, em que o movimento vai organizando progressivamente as sensações e as percepções que, por sua vez, asseguram a maturação do sistema nervoso. O desenvolvimento da criança é ativamente guiado pela experiência so­ cial, isto é, a criança evolui através da interação com o adulto socializado.

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A LINGUAGEM - CORPORAL E A RELAÇÃO DE SOCIABILIDADE Também, na perspectiva anterior, podemos confirmar como as interações da criança com o adulto socializado são inicialmente dependentes da lingua­ gem - corporal dita não verbal (reveja-se, por exemplo, a importância do diá­ logo tônico-corporal focado por Wallon ou por Ajuriaguerra). Só mais tarde a linguagem verbal surge naturalmente como base da comunicação entre a criança e o adulto, ao mesmo tempo que se transforma no meio de auto-regular e controlar os comportamentos da criança que vão dar origem à evolução do seu pensamento. Poderemos, pois, admitir que esta perspectiva dos autores soviéticos surge numa linha crítica aos trabalhos de Piaget e de todos os “Gestaltistas” e “Neo-Behavioristas”, tanto mais se verificarmos com cuidado como é subs­ tancialmente diferente a abordagem deste mesmo assunto por estes psicólogos (desde Vygotsky, Leontiev, Luria, Rubinsthein e muitos outros) e pelos psicó­ logos ocidentais e americanos. De fato, as relações com o mundo exterior não são mais do que relações de sociabilidade, na medida em que, o primeiro mundo exterior que surge para a criança é a mãe, isto é, um representante adulto e socializado. A crian­ ça nasce com uma série de dispositivos biológicos de adaptação, reflexos ou memória da espécie, mas é incapaz, por si própria, de se autodeterminar. O re­ sultado do êxito da sua adaptação ao meio ambiente depende de uma longa socialização. A imperícia inicial da criança é uma das características da sua dependên­ cia social. Sem meios de ação, isto é, sem motricidade, a criança não poderia adaptar-se às circunstâncias, nem satisfazer as suas necessidades. Esta tem que ser operada pelos adultos socializados (e é aqui que se destaca, mais uma vez, a importância da fase do corpo agido introduzido por Ajuriaguerra).

DESENVOLVIMENTO PARALELO BIOLÓGICO - SOCIAL A criança e a apropriação sócio-histórica Segundo os autores soviéticos, o que vai caracterizar o desenvolvimento da criança é a interiorização de aquisições extrabiológicas e com elas, a apro­ priação da experiência sócio-histórica dos adultos ou, por outras palavras, da humanidade. É pois, nesta perspectiva, que a criança é considerada e vista como um ser social em relação com o adulto socializado, nomeadamente com a mãe (à partida) que lhe vai permitir uma reedição sócio-histórica e biossocial. 26

Quer dizer, para estes autores, a criança não está meramente submetida às leis biológicas, mas também, às novas leis adquiridas pelo homem através dos tempos. A criança depende não só de leis biológicas, como também, de leis sócio-históricas, cuja soma ou quantidade de adaptação vai gerar uma nova qualidade de vida. Em outras palavras, a evolução da criança, isto é, o seu desenvolvimento psicomotor, realiza-se entre dois fatores dialeticamente dependentes: o bioló­ gico e o social... unidade biossocial que é uma histogênese psicomotora em contínua metamorfose com o envolvimento social. A evolução social, como afirma Leontiev, condiciona a evolução biológi­ ca da criança e vice-versa. Duas importantes indicações poderemos concluir dos psicólogos soviéti­ cos: - que o desenvolvimento da criança resulta da relação social com o adulto (Vygotsky); - que o desenvolvimento da consciência se forma pela e na ação, pela e na conduta (Rubinsthein). Seja como for, uma coisa nos parece importante admitir: que a criança não é um ser passivo ou contemplativo mas, sim, um ser ativo. É, aliás, esta ativi­ dade que toma expressa a relação concreta da criança com a realidade, na qual aparecem primeiro os adultos e só depois os objetos, que são resultado de uma socialização. t Portanto, e isso parece-nos interessante registrar, esta perspectiva só nos vem reforçar que: quer a maturação do sistema nervoso (fator biológico) quer a relação com o adulto (fator social) se processam através, e por intermédio do corpo e, neste caso, pela atividade corporal da criança... um ponto comum! Esta atividade (ou movimento se quisermos) mais uma vez nos surge como uma totalidade ou unidade psicomotora ou, melhor ainda, sócio - motora, na medida em que é através dela que a criança se apropria de toda a complexida­ de das atitudes e das ações que lhe vão permitir viver em sociedade. Quer di­ zer: - adquirir a postura e a locomoção bípede (recorde-se aqui que as crianças lobo, por exemplo, se deslocam a quatro-mãos ou pés); - manipular objetos; - participar nos jogos; - realizar imitações; - falar a linguagem dos adultos. 27

História psicomotora da criança A atividade humana, isto é, o movimento humano, como defende Rubinsthein, “consiste numa atividade consciente e orientada para um fim. Nela e por meio dela, a criança realiza os seus objetivos, objetiva os seus projetos e idéias, dentro da realidade que vai modificando”. Repare-se como nesta perspectiva, por meio da história psicomotora da criança, não só se estabelecem ligações ativas com os adultos socializados, mas também, com os objetos por ele fabricados e produzidos, e ambos através do movimento. É a partir deste momento que a relação com os adultos e com os objetos permite à criança surgir como um sujeito na seguinte base: só por­ que se diferencia do objeto pode vir manipulá-lo e a tranformá-lo. É fácil percebermos e admitirmos, nesta perspectiva, que pelo movimento e pela sua história a criança vai edificando a sua experiência social que lhe permitirá impor-se como sujeito e como personalidade... tendendo para uma socialização crescente e progressiva. Podemos, portanto, admitir que para estes autores o movimento na criança possui um conteúdo social, que lhe confere o verdadeiro sentido da ação hu­ mana, se for considerada como a expressão e materialização da sua consciên­ cia socializada. Gênese da consciência e da psicomotricidade Em resumo, a gênese da consciência é a gênese da psicomotricidade, onde entra a imagem do corpo do outro, a lateralidade e a motricidade, estando de­ pendentes do envolvimento social que caracteriza a conduta total da criança, e onde é impossível separar os fatores da conduta psicológica dos fatores da conduta motora. Note-se, no entanto, que por exemplo, Vygotsky defende uma idéia dife­ rente de Carmichael ou Mussen. Para aquele psicólogo soviético a criança não é um receptor passivo de estímulos mas, sim, um agente ativo capaz de movi­ mentos voluntários, atenção seletiva e consequentemente, um ser criativo que usa uma linguagem e possui um pensamento próprio. A consciência, para Vygotsky, é mais um processo de ação do que uma recepção e acumulação, ou armazenagem. As capacidades psicológicas da criança desenvolvem-se através das atividades motoras, práticas, de relação com o mundo dos objetos materiais e com o mundo social.

A IMPORTÂNCIA DA AÇÃO NO DESENVOLVIMENTO MENTAL É por meio da atividade motora que a criança vai construindo um mundo 28

cada vez mais complexo, não só em conteúdo como em estrutura. Primeiro, pela intervenção das outras pessoas como mediadoras entre ela e o mundo, depois, pelos êxitos e insucessos da sua ação ou movimento, a criança vai ad­ quirindo experiências que virão a ser determinantes em seu desenvolvimento psicológico. A criança assimila o mundo porque este lhe é apresentado por outras pes­ soas e não, em resultado do desenvolvimento de determinadas capacidades do recém-nascido como defendem, por exemplo, Bühler ou Stem. Quer dizer, pa­ ra os psicólogos soviéticos como Vygotsky, Luria, Leontiev e Rubinsthein, não se trata de conceber a evolução da criança como um simples processo de adaptação ou ajustamento individual ao seu desenvolvimento, como foi equa­ cionado por Spencer e outros “behavioristas” ou pelo próprio Piaget mas, sim, considerar que o desenvolvimento psicológico da criança segue a via da “hereditariedade social” (Engels) e a via da “apropriação da experiência so­ cial” (Marx).

A CONTRIBUIÇÃO DA LINGUAGEM NO DESENVOLVIMENTO MENTAL DA CRIANÇA Efetivamente, o papel determinante do adulto socializado na apresentação do mundo à criança, marca bem a importância desta interação na sua familiari­ zação com o mundo envolvente. É esta interação com o adulto que lhe permite sucessivamente a evocação das relações sensoriais primitivas, os gestos signi­ ficativos e as palavras que atraem a atenção da criança. Nesta perspectiva, aliás, podemos de certa forma encontrar uma identifi­ cação com o que já apontamos em Ajuriaguerra quanto ao papel da comuni­ cação que não é mais, para este autor, do que um misto de palavras e ges­ tos. A criança utilizando, e utilizando-se, como gesto e mais tarde palavra, consegue isolar os objetos do mundo e auto-regular a sua conduta. Só depois desta transferência, a linguagem se toma a avenida principal da interação entre a criança e o adulto. É através da linguagem que a criança organiza e controla todos os seus fu­ turos comportamentos. Quer dizer, logo que a criança começa a usar os con­ ceitos, as instruções e as orientações dos outros, como uma linguagem interior, o comportamento passa a ser estruturado e por ela melhor controlado. Parece que, pelo menos nesta perspectiva, fica bem claro como a atividade psicomotora e a linguagem possuem uma base social. Se assim não fosse, co­ mo explicar o desenvolvimento dos processos cognitivos que fazem da criança um candidato à socialização? 29

PERSONALIDADE DA CRIANÇA, UNIDADE DIALÉTICA E INTERDISCIPLINAR Assim, parece-nos que a contribuição trazida pelas análises expressas nas obras dos psicólogos soviéticos, são juntamente e em associação crítica com todas as perspectivas anteriores, americanas e européias, um quadro global da ontogênese da psicologia humana, que nos parece essencial registrar. A abor­ dagem do materialismo científico e da neurologia contemporânea, por exem­ plo, fornece-nos dados imprescindíveis para o estudo da personalidade da criança como unidade dialética e interdisciplinar. A singularidade da ontogênese do desenvolvimento psicológico humano não está exclusivamente no fator biológico (aqui os seres humanos são idênti­ cos aos animais, por exemplo, nos primatas) mas, sim, no fator da socialização que garantiu a cultura, cultura material e cultura não-material, criada e recria­ da pela humanidade, adquirida individualmente durante a infância. Não é por acaso que o ser humano é o animal com maior período de de­ pendência dos adultos, beneficiando, por isso mesmo, de um maior período de socialização, isto é, de um maior período de dependência, de uma maior difi­ culdade de independência, ou ainda, de um maior sentido latente de liberdade. As duas faces do processo de socialização Como diz Vygotsky, o processo de socialização por um lado enriquece o conhecimento e as aquisições motoras mas, por outro, precipita e acelera as mudanças essenciais dos vários processos psicológicos, originando um desen­ volvimento genuíno do psiquismo da criança. Quer dizer, o domínio da experiência social só se toma possível segundo estes autores, pelo desenvolvimento dos processos sensoriais e pela formação da atividade motora da criança. Aqui, portanto, fica bem destacada a im­ portância psicológica do movimento e o seu papel na organização da cons­ ciência que se concretiza, aliás, entre outras formas, através da imitação, do jogo e do trabalho. Daqui, portanto, a sua importância na formação da socie­ dade. Por outro lado, só se pode dominar o conhecimento e o pensamento acu­ mulado pela sociedade, através da sua prática e da sua utilização, segundo afirma Leontiev ao abordar a importância da atividade para a criança. Assim, e para este autor, o desenvolvimento da inteligência da criança é o resultado da sua prática e da existência determinante de um envolvimento so­ cial (aqui lembramos de novo o que se passa com as crianças - lobo). Enquan­ to no animal o envolvimento próprio é um conjunto de condições às quais este 30

tem de ajustar-se para sobreviver, na criança o envolvimento social não é ape­ nas uma condição exterior mas, sim, e fundamentalmente, a razão de ser de seu desenvolvimento. O envolvimento social, nesta perspectiva, contém uma experiência huma­ na adquirida e acumulada através dos séculos e que materializa, afinal, o fenômeno da civilização ou aprendizagem da humanidade. De fato, toda a complexidade da organização social humana está materializada em todo o co­ nhecimento prático e teórico da humanidade, poderá mesmo dizer-se que está expresso na fabricação de instrumentos e ferramentas, na utilização dos meios de comunicação e no domínio de determinados conhecimentos e técni­ cas que no seu todo, traduzem o processo de socialização ou de transformação da criança em adulto. A criança surge aqui, como um verdadeiro agente e ator da realização e do desenvolvimento social. De fato, como diz Zaporozhets, a aquisição e o domínio desse conhecimento não pode ser passivo mas, sim, conseguido através da ação, isto é, da conduta psicomotora da criança. Atividade exploradora e o processo cognitivo É pela manipulação dos objetos, pelo jogo, pela imitação ou, em uma pa­ lavra, por sua atividade psicomotora, que a criança aprende os vários tipos de participação social e de realização de tarefas sócio-escolares. O processo cog­ nitivo não é um acidente, nem acontece por ele próprio. É apenas (e só?) a re­ sultante da atividade exploradora e criadora da criança que assim satisfaz, por um lado, a sua indispensável necessidade de maturação orgânica e, por outro, o desenvolvimento da sua atividade global que lhe vai permitir e garantir, em última análise, a regulação das suas funções psicofisiológicas, traduzidas na prática e no concreto, pelo seu desenvolvimento e crescimento. Quer dizer, a atividade e o movimento colocam a criança em situação de confronto com a sua realidade, conferindo-lhe, por isso mesmo, uma tarefa cognitiva específica ao pedir-lhe e exigir-lhe soluções, métodos e orientações diferentes conforme o êxito que essa pretende. São, posteriormente, as cons­ tantes reestruturações e novas orientações, proporcionadas pela permanente atividade motora, que irão originando uma regulação cada vez mais atingida, melhorando a respectiva ação e, com esta melhoria, obtendo uma maior eficá­ cia e economia, conseqüentemente. É pela ação motora que as percepções, a memória e o pensamento, que re­ sultam da sua observação e controle, mudam constantemente. Isto é, o movi­ mento provoca uma correlação mútua entre a criança e o seu desenvolvimento; esta relação, porém, é progressiva e sucessivamente auto-regulada, consciencializada, e também interiorizada. É, aliás, este papel de interiorização que, 31

segundo Luria, constitui a função do controle que toma qualquer ação cons­ ciente (feedback). Em resumo e concluindo, segundo os autores soviéticos, o processo psí­ quico da criança é concreto e assenta numa experiência motora também con­ creta e socializante. Assim é que, qualquer alteração global da criança seja ela de natureza morfológica, neurológica ou cognitiva, é apenas resultante da sua atividade e motricidade socializada, sendo este o contexto em que concretamente e se­ gundo esses autores garantir-se-á à criança a sua evolução.

FREINET E A PEDAGOGIA DAS FASES EXPLORATÓRIAS No “Ensaio de Psicologia Sensível”, Freinet apresenta uma psicolo­ gia do desenvolvimento em que distingue as etapas da evolução ativa da vita­ lidade infantil. Em “Para uma Escola do Povo”, ao analisar as atividades da pré-escola e propor sugestões para reformulação da pedagogia da escola maternal, diz: duas tendências pedagógicas opostas ameaçam hoje a Escola Maternal: - a tendência escolástica que quer orientar com muita rapidez as crianças para os trabalhos e lições escolares, e se dirige, portanto, para as ativi­ dades que preparam as aquisições formais: preparação para a leitura e a escrita, leituras morais, iniciação ao cálculo com modos e quadros espe­ ciais, cultura sistemática prematura de uma forma menor da memória; - a tendência que designamos infantil que, ao contrário, parece querer conservar a criança num estado que ela já ultrapassou. Preocupar-se-ão em mandar o aluno brincar e entretê-lo com o intuito de obter o silêncio e a ordem. Essa tendência faz nascer uma infinidade de jogos que se dizem educativos e que não são mais que passatempos mais ou menos engenhosos, ou talvez, uma interessante fonte de rendimentos para aqueles que fabricam e vendem. Freinet distingue etapas na evolução ativa da vitalidade infantil, orientan­ do o pedagogo na linha da psicologia soviética e na sua genial criação, expos­ ta no livro “Ensaio de Psicologia Sensível Aplicada à Educação”. Apresenta Freinet, os períodos de desenvolvimento da atividade infantil que devem ser observados pelos professores de pré-escola: Um primeiro período de prospecção tateante, no decurso do qual a criança experimenta, procura, examina e ensaia para se familiarizar com o 32

meio ambiente e afastar cada vez mais para longe o mistério e o desconhecido que ameaçam o seu poder. Esse período completa-se por volta do fim do se­ gundo ano, logo que a criança anda e adquire uma maior autonomia nas reações, libertando desse modo, as suas mãos que irão permitir as primeiras atividades construtivas. Em um segundo período, que chamaremos de arrumação, a criança não se satisfaz em conhecer, em deslocar uma pedra para experimentar forças no­ vas ou para ver somente o que está por baixo. Ela começa a organizar a vida, e suas experiências tateantes agrupam-se e aglutinam-se, inconscientemente, à volta das necessidades psicológicas essen­ ciais e dos mistérios perturbadores da vida. Mas ainda não sai de si própria, onde há tudo a fazer e não pode, deste modo, entregar-se a nenhuma atividade continuada, seja o trabalho-jogo ou jogo-trabalho. O próprio jogo subsiste como uma atividade estritamente pessoal no qua­ dro desta organização. E o período do egocentrismo descrito por tantos psicó­ logos. Nós preferimos dizer organização, para melhor frisar a finalidade deste egocentrismo que não é simplesmente tendência para reduzir tudo a si, pois que a criança pode, ao mesmo tempo, fazer gestos de espantosa generosidade. Este período de arrumação vai até cerca dos quatro anos. Passa depois, segundo Freinet, ao período de trabalho. Temos assim, a par das indicações psicológicas sobre as atividades que lhe correspondem, as etapas essenciais de nosso sistema educativo: - Período de pré-ensino que corresponde à fase da prospecção tateante. - As reservas e jardins de infância para a fase de organização. - A Escola Maternal seguida da Escola Primária para a fase do trabalho.

FORMAÇÃO DE HÁBITOS E APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM Ainda na avaliação da influência que os psicólogos soviéticos tiveram na apreciação do movimento como elemento básico do desenvolvimento da criança, e a importância do processo social, Vítor Fonseca diz, interpretando Zaporozhets: é a partir do momento em que a criança se apropria da palavra, que toda a situação de aprendizagem pressupõe uma interação social. Zaporozhets e Luria sublinham o papel da linguagem na eficiência da aprendizagem, não só porque permite um processo cognitivo, mas também, porque favorece a antevisão da situação em que vai se processar a ação. 33

É nesta perspectiva que se dá, segundo estes autores, a formação dos há­ bitos não como uma coleção de atos, mas como uma soma de movimentos.

A IMITAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Verifica-se (segundo Neverovich, citado por Elkonin) que a criança se in­ teressa pelas ações do adulto, imitando-as, mas não consegue estabelecer co­ nexões internas entre as várias operações, isto é, a criança sabe o que fazer, mas não como fazer. A criança volta sua atenção primeiramente à finalidade das ações, não conseguindo isolar as suas variáveis. A criança interessa-se em obter resultados (lavar-se, vestir-se, etc.) mesmo que tenha de utilizar e explo­ rar movimentos pouco diferenciados. Ela está fundamentalmente interessada na ação, e só mais tarde se interessará por razões do seu desenvolvimento cognitivo pela planificação e compreensão da ação. Há como que um primeiro processo de exploração que é concreto, manual e baseado na observação, e só posteriormente, surgirá um outro processo de exploração que é cognitivo e re­ presentativo, isto é, um outro processo agora baseado em associações de ima­ gens e de significações. É à medida que a criança domina a linguagem que a sua função regulado­ ra lhe permite comportamentos mais ajustados. É a linguagem, que generali­ zando as ações, confere uma estrutura cognitiva determinada. Exploração Verbal Conclui-se, então, que para estes autores, as situações de aprendizagem em idade pré-primária devem orientar para a imitação na medida em que esta explora, em melhores condições, a antena sensorial da visão, que naquele período é de grande importância para o desenvolvimento da criança. Pela imi­ tação de um lado, reforçando a visão, e pelo jogo do outro, reforçando a ação, vão construindo-se as aptidões simbólicas elementares. Mais tarde, na idade da escola primária, as situações de aprendizagem devem orientar-se para as explorações verbais, porque aí a linguagem irá desenvolver funções de dis­ criminação, associação, significação de tensão e de decisão, isto é, irá se transformar no plasma que assegura todo o processo cognitivo. Segundo Zaporozhets e Elkonin, a estrutura de comunicação altera-se dos 3 para os 4 anos, a leitura do real fica essencialmente assegurada pela de­ monstração visual e pela exploração táctilo-quinestésica. Dos 6 para os 7 anos a leitura do real é um privilégio do desenvolvimento da linguagem, onde a verbalização das situações toma-se mais eficiente em termos de aprendizagem. Suporte visomotor e da linguagem Assim como, sem o suporte visomotor, a criança em idade pré-primária 34

não tem as condições neurológicas para aprender, a criança na escola primá­ ria, sem o suporte da linguagem, não consegue integrar nem desenvolver a sua aprendizagem. Quando se faz referência à suporte visomotor ou suporte da1 linguagem, note-se que apenas se diz que a criança tem de realizar ações e experimentar comportamentos que relacionem a visão com a ação, para depois verbalizar as respectivas ações e, refletindo sobre elas, individualizar a sua própria experiência. A criança em idade pré-primária, que não tem as estruturas da linguagem falada integradas no plano cognitivo, não consegue organizar a sua ação a partir de uma pré-instrução verbal. A criança nesta idade interessa-se pelo sentido global da ação, e é isso que possibilita experimentar-se. Somente mais tarde, na idade primária, dos 6 anos em diante, a criança mobiliza a linguagem para organizar seqüencialmente e em pormenor a ação. Ela é capaz de anteci­ pação e previsão, isto é, adquire o pensamento reflexivo do homo sapiens. Nesta fase de desenvolvimento, o que interessa não é a ação no seu fim, mas a sua metodologia e estratégia, a sua direção e respectiva regulação que, por si só, irão exigir novas aquisições, ligações e combinações em que a lin­ guagem interiorizada agirá como mediadora psíquica entre o indivíduo e o seu real envolvente. A linguagem atualiza assim, como diz Zaporozhets, antigas conexões neurológicas que tiveram a sua origem na atividade histórica da criança de acordo com a do adulto socializado que a envolveu ou desenvol­ veu. Linguagem: Comunicação exterior e interior Esta perspectiva é concordante com a de Luria e de Vygotsky, que dao à linguagem uma função não só de comunicação entre as pessoas, mas também, uma função de comunicação entre vários pontos do cérebro assegurada por processos bioelétricos e bioquímicos. É interessante notar que a criança, quando se apropria efetivamente da linguagem do seu grupo, ou dos outros que a rodeiam, não só está mais atenta aos estímulos exteriores, como também, consegue mobilizar e conservar por mais tempo a atenção, condição essa que lhe vai permitir uma resposta mais econômica, rápida, precisa e disponível perante o envolvimento. A confirmar esta afirmação, Zaporozhets conduziu uma experiência com crianças soviéti­ cas, em que provou que as crianças em idade pré-primária precisavam de seis tentativas para solucionar uma situação apresentada por instruções verbais, enquanto as crianças mais velhas necessitavam apenas de três tentativas. O mesmo autor conseguiu demonstrar que para as crianças mais velhas, a ins­ trução verbal tem um efeito mais facilitador na aprendizagem e no desenvol­ vimento da atenção, do que a demonstração visual pura e simples. 35

Podemos adiantar que é através da recombinação das aptidões anterior­ mente conservadas, ligadas e estruturadas pela linguagem, ou melhor, pela consciencialização da experiência anterior, que o ser humano pode ajustar os seus comportamentos a situações, condições ou acontecimentos novos, dife­ rentes e inéditos, isto é, inesperados e imprevistos.

A APRENDIZAGEM E O PROCESSO VISUAL E VERBAL Por estas investigações psicopedagógicas, podemos efetivamente admitir que na criança de idade primária as aprendizagens, como mudanças adquiridas de comportamento, são mais flexíveis e plásticas quando desenvolvidas num processo verbal, do que quando formadas num processo visual - demons­ trações que tendam a desenvolver estereótipos. A dedução pedagógica a tirar destas experiências será no desenvolvimento biopsicológico, o primeiro siste­ ma que permite a assimilação do real, isto é, a aprendizagem é o sistema mo­ tor, enquanto que mais tarde é que estas aquisições são reconstruídas, substi­ tuídas e simplificadas por um novo sistema, o sistema verbal, que não é mais do que uma reflexão dinâmica e direta das influências que provocaram o sis­ tema motor, ou melhor, o sistema psicomotor. Conseqüentemente, a participação da linguagem desenvolve e facilita o “transfer” das aquisições anteriormente retidas, para outras condições e si­ tuações. É aqui que se encontra, para estes autores, o papel socializante da aprendizagem humana, visto que a linguagem tem origem social, e é exata­ mente o que permite a comunicação entre os indivíduos que compõe uma de­ terminada sociedade. Aprendizagem humana e animal É aqui que se diferencia a aprendizagem humana da animal, ponto focado por Pavlov. O animal aprende estereótipos que o caracterizam numa dada espécie, e que são determinados despoticamente pela hereditariedade. O ser humano aprende comportamentos socializados e situados pela linguagem, po­ dendo por isso, desafiar o despotismo biológico e ser o resultado dialético en­ tre a hereditariedade e o meio, entre o biológico e o social. Chanché, na magnífica análise do texto livre de Freinet, diz que o seu aparecimento episódico (uma criança que fala no “interior” da aula sobre o que acabou de ver no “exterior” imediatamente antes) não deve iludir-nos, mas servir de paradigma: o “fora” entra no “dentro” não por intermédio de uma tecnologia alienante mas, sim, pela própria instituição que segrega a pró­ pria tecnologia, e que por seu intermédio se liberta. 36

TEXTO LIVRE - SOCIALIZAÇÃO DA ESCRITA A eficácia estritamente pedagógica da instituição - aceleração, facilitação da aprendizagem da língua - não está em causa. Esta eficácia que se pode co­ locar em causa, mas apenas em nossa opinião, com critérios extrínsecos à pe­ dagogia de Freinet, não é e nem pode ser considerada como um “feliz apêndi­ ce”, ao tomar em suas mãos, por parte da criança, a socialização da escrita. Pelo contrário, essa socialização é o “motor” dessa eficácia, é o que quer di­ zer Freinet quando se refere ao método natural do mesmo modo que a socia­ lização do vagido, acolhimento pela mãe, é o motor da aprendizagem da pala­ vra. Assim, o acolhimento da escrita deve tomar-se o motor da aprendizagem da escrita. É, portanto, a estrutura institucional que cria o campo de aperfei­ çoamento do texto livre, e não o contrário, como julgam algumas pessoas. O texto livre não pode, portanto, em caso algum, ser considerado como uma téc­ nica separável. Texto Livre - produto social O texto livre é a própria socialização, e ele contribui para o desenvolvi­ mento da linguagem, da comunicação e da apropriação do social que vem de fora para dentro da classe. Por isso, continua Chanché, o texto livre é apenas parte de um conjunto de práticas. Temos de incluir o texto livre na categoria muito mais vasta de expressão livre que compreende, além da expressão gráfica, o desenho, a pintura, a dança, o jogo dramático, a música, etc., que não se separam, mas se interligam, podendo o texto ser desenhado, jogado, colocado em cena e inver­ samente. O texto livre não subsiste sozinho, ou se toma uma prática escolástica, ou anula-se. Mal surge como centro de uma prática pedagógica, deve descentrar-se para se tornar elemento estrutural de uma práxis totalizante. É este descentramento do texto livre em cadeia que assegura a sua sobrevivência. Surge, assim, um duplo problema. Por um lado, o texto livre é expressão de uma particularidade, por outro, circula em uma cadeia de práticas escolares como uma prática social, isto é, um produto social acolhido e, depois, trans­ formado pelo grupo de um produto bruto para elaborado, consumido, corrigi­ do, passado a limpo, impresso, ilustrado, etc.

A LITERARIEDADE E O CONTEXTO SOCIAL Ao analisar a importância do texto livre no desenvolvimento do compor­ tamento social da criança, diz Chanché que o fato de o texto livre contribuir 37

para uma mais rápida socialização do pensamento, não deve levar a pensar que a comunicação é a única função. Antes, diremos que esta função de co­ municação se apóia na função poética, como na literatura folclórica. Ao analisar a literariedade das redações escolares e do ensino da lingua­ gem pela linguagem, coloca o conceito de J. Melher “o conhecimento por desaprendizagem”. E em um esquema de Levi Strauss diz que a desaprendizagem da literariedade caminha a par da aprendizagem da gramaticalidade so­ cial. Coloca Piaget e Strauss em óticas diversificadas na teoria do desenvolvi­ mento, este nos retraimentos culturais e aquele, nos alargamentos individuais. A este propósito, houve durante muito tempo um divórcio entre os profes­ sores da escola moderna e os teóricos da psicologia genética. Estes, tendem a considerar as etapas da evolução psicológica das crianças como um dogma. Se uma criança não atingiu tal estágio é incapaz de fazer o que você lhe diz... É importante interrogarmo-nos por que motivo as crianças sabiam e já não sabem, por que motivo escreviam e já não escrevem. A resposta a esta pergun­ ta só pode ser fruto de uma colaboração entre o teórico e o prático.

O TATEAMENTO EXPERIMENTAL DE FREINET FUNDAMENTO DO TEXTO LIVRE A resposta a essa questão da práxis dialética do desenvolvimento, aborda­ da pelos psicólogos soviéticos, é a descoberta genial de Freinet, o tateamento experimental que compõe a sua obra “Ensaio de Psicologia Sensível”. O tateamento experimental, diz Chanché, é a manipulação livre do real concreto, a que Piaget chama de operação, conduz a vitórias bruscas que fa­ zem com que uma criança se encontre “repentinamente avançada” em re­ lação à sua evolução normal. A descoberta provoca na criança um desequilí­ brio salutar que vai exigir uma nova adaptação do genoma, que vai integrar a descoberta mais lentamente, então, tomar-se-á “estrutura”, mas talvez muito mais tarde, após um tempo de amadurecimento. As instituições da pedagogia Freinet facilitam particularmente este gênero de adaptação, no sentido em que multiplicam as suas possibilidades de ocorrência. Ensino de redação Em uma crítica ao ensino da redação nas escolas, como um processo de bloqueio do desenvolvimento da literariedade social e, concomitantemente 38

poética, diz Chanché que o texto livre é uma forma de tateamento experimen­ tal. A diversidade matricial dos textos manifesta a procura tateante da criança, em face dos múltiplos desequilíbrios que a sua inserção prematura no mundo ocasiona e, neste sentido, a repetição compulsiva de uma mesma fórmula fun­ cional é o sinal de uma desadaptação da literariedade. Esta desadaptação ar­ rasta a longo prazo o desaparecimento deste modo de adaptação, então, inade­ quado. Pelo contrário, a multiplicidade e o caráter transformável das fórmulas são o sinal de uma plasticidade e de uma maior longevidade dos comporta­ mentos literários.

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3. ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA APLICADA À EDUCAÇÃO

ANÁLISE CRÍTICA DA PSICOMETRIA A partir da década de 30, iniciou-se a análise crítica da psicometria, as­ pecto dominante na orientação dos psicólogos soviéticos até aquela época, com o levantamento de perfis psicológicos e a elaboração de sofisticados tes­ tes. A psicologia e a educação realizaram verdadeira revolução pedagógica escoimando o ranço das teorias burguesas, ainda dominantes nesse período de transição.

IDADE MENTAL E DESENVOLVIMENTO O conceito de idade mental rígido começou a ser substituído por um outro mais amplo, de desenvolvimento, para avaliação da criança. Procurou-se acen­ tuar que os processos mentais não se manifestam em idades preestabelecidas, mas, se formam e desenvolvem-se durante a atividade mental, através de téc­ nicas de vida, como queria Freinet. A atividade e o aluno Nesse caso, as pesquisas se voltaram às atividades do aluno. Estabeleceu-se que o objeto da pesquisa é o modo como as atividades dos alunos são determinadas pela educação e, portanto, o objetivo será descobrir as leis psi­ cológicas que regem este processo. A atividade mental é a própria atividade dos seres humanos que pode ser avaliada, e não mais, a sua manifestação em abstrato. Essas atividades são desenvolvidas e verificadas em condições históricosociais específicas e dirigidas por intenções socialmente condicionadas.

RELAÇÃO PSICOLOGIA - PEDAGOGIA Aquisição de conhecimento Aqui verifica-se a íntima relação entre psicologia e pedagogia. O processo de aquisição de conhecimento em todos os seus aspectos pas­ sam a ser um tema central e importante, investigando-se: - o processo de compreensão e assimilação de conceitos; - a construção do pensamento durante o estudo das matérias fundamentais do currículo; 43

- a estratégia, tão importante, da solução de problemas; - o estudo do problema das aptidões, hábitos e habilidades; - estudo dos erros cometidos pelos alunos e a maneira mais eficaz de combatê-los; - o papel da motivação e reforço positivo no processo de assimilação. Metodologia das disciplinas Isto levou a psicologia da aprendizagem a voltar a sua atenção à metodo­ logia das disciplinas, psicologia da aprendizagem, psicologia da aprendizagem da leitura e da escrita, do cálculo, das ciências e de outras matérias compo­ nentes do currículo escolar. Assim, a atenção não centrava-se nas linhas gerais que regem a assimi­ lação do material escolar, mas em leis parciais e específicas, relativas à assi­ milação de material com conteúdos específicos. Dessa forma, apesar da valiosa contribuição dos psicólogos ao estudarem os aspectos específicos da atividade escolar, e contribuir para a construção de uma base científica para a didática e a psicologia da aprendizagem, deixaram de lado os problemas das leis gerais que regem o pensamento da criança no processo de aquisição de noções. Teorias psicológicas de Pavlov As teorias psicológicas de Pavlov exerceram influência acentuada sobre o desenvolvimento nas pesquisas de psicologia da aprendizagem. Influenciou as teorias sobre conexão temporal, a forma como se produz a transição do co­ nhecimento e não conhecimento, as etapas sucessivas de assimilação do co­ nhecimento e o desenvolvimento das capacidades e hábitos, bem como, a ma­ neira pela qual a criança pode trabalhar a capacidade de desenvolver o traba­ lho escolar.

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA A atenção concentra-se, também, nas etapas de desenvolvimento qualita­ tivamente novas na simulação de conhecimento e hábitos, e não quantitati­ vamente em etapas preestabelecidas e, de antemão, prognosticáveis pela psicometria em mensuração de compartimentos estanques do pensamento. Averiguou-se e esse é um fato significativo na psicologia da aprendiza­ gem, que as etapas a níveis de assimilação de conhecimentos e hábitos depen­ 44

dem não só da idade, como também, da etapa alcançada no aperfeiçoamento dos métodos de aprendizagem e do conteúdo do material escolar aprendido.

ETAPAS OU NÍVEIS DE ASSIMILAÇÃO

NÍVEIS

- Idade - Desenvolvimento Escolar - Aperfeiçoamento dos métodos de aprendizagem - Conteúdo aprendido

Hábitos Conhecimentos Habilidades

NOVO CONCEITO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL Processos de aprendizagem e desenvolvimento mental Enfim, o desenvolvimento mental da criança não se dá através de aulas mas, sim, através dos processos de aprendizagem. Todas as pesquisas sobre a psicologia da aprendizagem, nos últimos anos, le­ vam a crer que o desenvolvimento mental da criança se dá através do processo de aprendizagem. Processo de

Desenvolvimento

Aprendizagem ------------------ t* Mental

Diferenças individuais A investigação sobre a psicologia da aprendizagem tem equacionado também as diferenças individuais na aquisição de conhecimento. A capacidade de aprender é variável e diversificada nos alunos de uma classe, o que deve chamar a atenção do professor. A psicologia se ocupa das dificuldades que os alunos encontram no pro­ cesso de aprender, e dos erros que cometem ao assimilar e aplicar as noções, ou a dominar e utilizar hábitos. Assim, o papel do psicólogo escolar é o seguinte: 45

Papel do Psicólogo Escolar

Processo de aprender erros que cometem os alunos (tipos, repetição e superação); Formação e utilização de hábitos de estudo.

psicologia da aprendizagem

A atividade cognoscitiva é global e analítico - sintética (método psicogenético de Piaget) e, não, uma atividade mental específica, constituída de uma gama de funções mentais em comportamentos estanques. Aspectos da investigação Dentre os múltiplos aspectos da investigação têm merecido especial ênfase, a compreensão, formação de conceitos, solução de problemas e formas de capa­ cidade e hábitos.

CONCEITO DE COMPREENSÃO A compreensão é um elemento fundamental da aprendizagem. Quando você aprende com as atividades, com os colegas, com o livro, com os exercícios e até com o professor, você compreende e prende junto a você os conceitos, informações e conteúdos. A compreensão abrange diversos aspectos: - de várias ciências como a matemática, ciências e outras; - de história geral e geografia; - de língua escrita e falada; - de textos. Aspectos de compreensão Há dois aspectos de compreensão: - o direto que se verifica imediatamente no processo de percepção; - o indireto que se verifica no decorrer do tempo e necessita estabilizar-se com uma série de operações e pensamento. As investigações se detiveram no processo de compreensão indireto. 46

Analisaram-se as mudanças de compreensão do mesmo material escolar, segundo as etapas de aprendizagem, em alunos diferentes. Verificaram-se mudanças no processo de compreensão do mesmo aluno em conseqüência do trabalho sobre determinado material. As experiências foram realizadas com alunos de diferentes classes e de di­ ferentes idades. O processo de compreensão passa por etapas de síncrese, análise e sínte­ se, segundo a teoria psicogenética de Piaget.

A COMPREENSÃO DE UM TEXTO E O TEXTO LIVRE DE FREINET Psicólogos estudaram o processo da intelecção e compreensão de um texto por crianças, adolescentes e adultos, e a influência das gravuras na motivação de um texto. Kaplan analisou o processo de compreensão de um texto por adultos, ajuizando-se com Pavlov a compreensão e a utilização das conexões temporais anteriormente adquiridas. As investigações demonstraram que a compreensão se toma difícil quando implica a dissolução de dois universos de associações - retroação interferente. Assim, a compreensão fica associada, de um lado, pela intenção do autor e, de outro, pela experiência anterior do aluno que lê o texto. O que quis dizer o autor e como o interpretou o aluno, de acordo com as suas conexões temporais anteriores. Realizaram-se investigações, principalmente pelo pesquisador Nikiforowa. À vista de imagens provocadas pelo texto, os indivíduos reconstroem-no, mediante a imaginação, através de uma idéia individual e pessoal, às vezes de uma palavra, de uma frase ou contexto. Nestes casos, a idéia individual reflete a experiência específica da pessoa, segundo as características de sua persona­ lidade. A saturação emotiva da imagem desloca a idéia da palavra. O mesmo texto não é igual na compreensão dos diferentes alunos. Assume importância a investigação dos processos mentais ligados a carac­ terísticas da personalidade infantil. Compreensão do texto e o comportamento Na compreensão de conceitos e regras de matemática são significativos 47

Reorganização certos aspectos da personalidade, como a força de vontade e as atitudes emo­ tivas. Blaonadesnina observou que os alunos de 5- série (11-12 anos) identificam-se com o protagonista da obra, participam de suas ações e acontecimen­ tos, nos quais se vêem incluídos, ao passo que os da 7- série (13-14 anos) se concentram menos sobre o herói principal e se interessam pelas personagens secundárias, o que já indica o interesse social de grupo. O conteúdo objetivo da obra converte-se em objeto de conhecimento e de­ termina atitudes. Diversas outras pesquisas têm sido realizadas sobre a compreensão de tex­ tos literários e o comportamento de crianças e adolescentes, sobre comicidade, atividades sobre atuação do herói e outros. Vygotsky verificou que a assimilação da linguagem transforma o caráter de ação sobre os objetos, acentuando que não se verifica uma simples intemalização de uma ação externa, mas uma reorganização da ação da criança sobre os objetos com o auxílio da linguagem. Neste aspecto, coincide com o conceito de operacionalização do pensa­ mento de Piaget e as técnicas de vida de Freinet. Esta reorganização da experiência se apresenta e configura com o chama­ do tateamento experimental da linha Freinet. Diz Chanché que o tateamento é a manipulação do real concreto que Pia­ get chama de operação, opera-ação. Conduz a vitórias bruscas, que fazem com que uma criança se encontre repentinamente “avançada”, em relação à sua evolução normal. A descoberta provoca na criança um desequilíbrio salutar que vai exigir uma nova adaptação do genoma - reorganização da ação - que vai integrar a descoberta mais lentamente. Toma-se, então, a “estrutura”, mas talvez muito mais tarde, depois de um tempo de amadurecimento. Ação

Linguagem Ação

Desequilíbrio

Ação

O texto livre O texto livre é uma forma de tateamento experimental, interiorização e reorganização da experiência. A diversidade do material dos textos, manifesta a procura tateante de uma criança, face aos múltiplos aspectos do desequilí­ brio que a sua inserção prematura no mundo adulto ocasiona. 48

CONCEITO DE ASSOCIAÇÃO Ao assimilar conhecimentos, no processo de aprendizagem, o aluno após passar pela etapa inicial de compreensão - prender com, ligar, interiorizar depara-se com a fase de associação. E, neste caso, se englobam manifes­ tações de generalização e diferenciação. As pesquisas dos psicólogos soviéti­ cos dirigiram-se à psicologia de associação de Pavlov. Sherav verificou que, por um lado, há percepções ou ações unitárias, es­ pecíficas, singulares e, por outro, propriedades gerais das percepções ou ações. E esse fato está relacionado desde os simples hábitos à solução de pro­ blemas mais complexos. Os investigadores do Instituto de Psicologia da Academia de Ciências Pe­ dagógicas de Moscou, reinterpretando o conceito de associação proposto por Pavlov, consideraram a síntese como formação de associações, e a análise como a sua separação ou desdobramento. Neste particular coincidem com a teoria espistemológica de Piaget no pro­ cesso de elaboração de conhecimento em síncrese, análise e síntese.

AS ASSOCIAÇÕES E AS MATÉRIAS ESCOLARES As pesquisas da psicologia da aprendizagem direcionaram-se também, pa­ ra a formação de associações entre as matérias escolares e a capacidade dos alunos para reorganizar os sistemas de associação já formados e, da capacida­ de de unir séries associativas originárias de sistemas diferentes para formar outros novos.

série associativa original de sistemas diferentes

séries novas 49

FREINET E O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA As pesquisas deram grande importância à chamada mobilidade contra o imobilismo escolástico dos sistemas escolares. A mobilidade faz lembrar o conceito de inteligência proposto por Freinet. A inteligência - inter - legere, isto é, ler através de - é, para Freinet, a “permeabilidade à experiência”. Reformula assim, o conceito tradicional de inteligência e do quociente de inteligência - Q.I. Inteligência, permeabilidade à experiência Para Freinet, inteligência é a permeabilidade à experiência. Existe no indivíduo uma espécie de terreno sensível sobre o qual a mínima gota d’água deixa vestígios. Uma criança executou um gesto bem sucedido, que se repro­ duz automaticamente, e que se tomará imediatamente técnica de vida, meio de ação. Esse indivíduo progredirá muito depressa na construção de sua persona­ lidade. Da mesma maneira, o nosso comportamento organiza-se pela sistematização sucessiva de experiências bem sucedidas, que farão como que parte de nossa natureza, de nosso ser. Assim sendo, continua, o nosso papel como educadores consistirá em fa­ cilitar e enriquecer a aprendizagem experimental em tomo da criança sensível à experiência, fazendo-as saudáveis, exercendo uma troca favorável de afetividade; permitindo-lhes efetuar inúmeras tentativas que conduzem a êxitos; organizando e dando ocasião a repetições; destacando os obstáculos; refor­ çando a corrente para que se instituam as técnicas de vida favoráveis. Ao analisar o desenvolvimento da criança através do desenho, afirma que a concepção de inteligência como permeabilidade à experiência, orientou-nos para a idéia de patamares sucessivos. Os degraus de nossa escada de dese­ nhos, conseguindo o automatismo gráfico, conduz à procura de um novo ca­ minho para uma etapa seguinte. É sempre em função dos obstáculos que a criança encontra, no caminho em que se determina, a velocidade da sua ascensão e maior aptidão para do­ minar os problemas. Quanto mais importante for o obstáculo, mais imperiosa se toma a necessidade de procurar uma via de ascensão rumo à vida. Se pu­ dermos catalogar tais obstáculos por ordem de freqüência e de importância, conseguiremos estabelecer de antemão a linha provável do comportamento da criança. Foi o que tentamos conceituar com o nosso chamado perfil vital. Perfil vital O perfil vital se apresenta muito mais seguro, completo e vivo que os per­ fis pedagógicos clássicos, como os Q.Is. 50

ASPECTOS IMPORTANTES DE PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM Outros aspectos importantes do estudo da psicologia da aprendizagem, na reformulação da didática e metodologia das disciplinas escolares, são o efeito da generalização primária na análise inadequada de um fenômeno estudado, implicando a análise também inadequada de problemas cotidianos, o que é comum em nossos alunos. A generalização primária leva o estudante a elaborar conceitos incomple­ tos e não válidos. Esse fator associado a um bombardeio de ensino visual ou audiovisual, conduz a uma generalização lateral e a uma visão distanciada do social, o que implica um fenômeno político de controle do pensamento lógico ou analítico. Este aspecto da educação enseja o formalismo no ensino, ou a chamada escolástica, como conceitua Freinet. É a educação a serviço da política do “não pensar”. No estudo de qualquer disciplina leva-se o aluno à chamada análise ele­ mentar, não rara, por insuficiência de capacidade de abstração ou generali­ zação de nossos professores, também conseqüência desse processo. O aluno não é capaz de analisar o fato de que o Brasil foi descoberto “por acaso” mesmo porque, não é capaz de conceituar “por acaso”. E a nossa história é uma sucessão de “por acasos” inseridos no conteúdo das informações lançadas em nossos manuais escolares. E o mesmo acontece em outras disciplinas, em uma acentuação de genera­ lização primária superficial que não desenvolve a análise, conseqüência e cau­ sa, ao mesmo tempo, do desenvolvimento. A ênfase da natureza visual do ensino e das informações pela T.V., livros infantis ricamente cartunizados, ensino “motivacionalmente” ilustrado e as semelhanças não essenciais entre os conceitos científicos e os conceitos cor­ rentes, determinam a “facilidade” incentivada pelos professores à generali­ zação primária nos alunos. Ela passa a exercer uma influência inibidora so­ bre o processo de abstração. O desenvolvimento da abstração e da generalização como crescimento da análise e síntese foram estudados, dentre outros, por Pavlov, Shvarts, Kabanova e Meller. Esses estudos levam à conclusão de que por mais abstrato que seja um conceito, a sua fonte é sempre a experiência direta do homem, a sua atividade 51

prática ou intelectual em relação ao mundo real. É apenas nestas condições que a abstração - abs - trair, tirar de - poderá ter um caráter científico, pene­ trando na essência das coisas. Esta é a filosofia de Freinet na chamada “tenta­ tiva experimental” do método natural que é a base didática em que se erige a sua escola social. O pensamento abstrato, colhido da prática deve levá-lo, novamente, à prá­ tica, porém, em um retomo criativo. Esse papel desempenha o método natural de ensino de Freinet. Daí a importância do papel da Didática nesse processo dialético de ensi­ no. A sistematização dos conceitos, das noções, o seu intercâmbio leva à so­ lução de problemas reais e à formação de hábitos de pensar. É assim que se pode ter uma macrovisão social que expurgue o microensino de noções fragmentadas de um mundo irreal e de um conhecimento atomizado da realidade. A solução de problemas como um processo amplo de abstração, generali­ zação e síntese, não deve limitar-se à solução de problemas de matemática, análise sintática e outros. Enfim, a formação do hábito de pensar leva a desenvolver os componen­ tes da atividade do pensamento criativo que facilita a solução de problemas novos, e não apenas, problemas escolares propostos pelo professor em sala de aula, com solução pré-programada e uniforme a todos os alunos, no estilo de um regime autocrático.

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4. DOS PSICÓLOGOS SOVIÉTICOS À PEDAGOGIA DE FREINET

A ESCOLA SOCIALISTA - CONCEITO O problema principal de uma revolução de caráter socialista é o da refor­ mulação de suas escolas. Elas formam as novas gerações, propõem novos va­ lores e, em conseqüência, novos conteúdos reformulando as técnicas de ins­ trução. A escola socialista em um regime capitalista encontra obstáculos, re­ pressões e contestações, como aconteceu com a Escola Freinet na França, toda uma odisséia de lutas. A sobrevivência de um sistema político depende de suas escolas e da for­ mação das crianças e dos jovens, que, amanhã, irão dirigir o país. O que leva o aluno a aprender? Sem dúvida, a resposta a essa pergunta depende dos valores sociais e políticos que solicitam a motivação do aluno. Princípios da educação soviética Aprender para ser o melhor aluno, para poder competir na busca de me­ lhores condições de vida, para ingressar em uma faculdade, para tirar boas no­ tas,... Os psicólogos da educação soviética dizem que a educação é um processo formativo, de formar, dar forma, estrutura, e não meramente informativo de conteúdos e conhecimentos pré-fabricados em uma ciência capitalista. A pala­ vra formação tem o sentido de redescoberta e interiorização de valores socia­ listas, mais importante que a simples aquisição de conteúdos. Os princípios fundamentais da psicologia da aprendizagem soviética abrangem três pontos importantes: - problema da comunicação; - desenvolvimento - aprendizagem; - divisão do trabalho na escola. Para a maior parte dos pais, diz Freinet, o que importa não é a formação, o enriquecimento profundo da personalidade de seus filhos, mas a instrução suficiente para enfrentar os exames, ocupar lugares invejados, entrar nesta escola ou conseguir aquela profissão ou aquele emprego. Sem dúvida, são considerações humanas cuja fraqueza não se referem exclusivamente aos pais, pois é a conseqüência de uma concepção demasiado utilitária da cultura, da crença exclusiva na virtude da aquisição formal. 55

FREINET E A REFORMA DA ESCOLA Para a reformulação da escola, não se trata de modo algum de queimar raivosamente todos os vestígios do passado... essa adaptação se fará sob o signo do equilíbrio, da harmonia ao serviço da vida. Isso supõe uma educação mais do que nunca baseada na terra, na família, na tradição, no esforço perse­ verante dos homens que nos precederam, uma formação que não vem de cima, quaisquer que sejam a boa vontade e a compreensão da autoridade que a pre­ conize, mas da busca da vida ambiente bem enraizada, bem alimentada, vigo­ rosa e forte, capaz de formar profundamente a criança. Enfim, o feudalismo teve a escola feudal, a igreja teve a sua educação es­ pecial, o capitalismo criou uma escola bastarda com sua verborréia humanista, disfarçando a timidez social e o imobilismo técnico. Ascendendo ao poder, o povo terá a sua escola e a sua pedagogia.

KOSTIUK E O PROCESSO EDUCATIVO Para Kostiuk, a partir do momento em que um problema fundamental do processo educativo é o da formação social e o da formação individual, ligadas entre si por uma relação dialética, deduz-se que a comunicação no interior do grupo de estudantes adquire a máxima importância. Uma classe não é um gru­ po passivo de ouvintes pouco interessados e dominados por um professor mas, sim, pelo contrário, um “coletivo”, um grupo de pessoas que interatuando en­ tre si possui um único objetivo.

O SOCIAL E O COLETIVO DISTINÇÃO PROPOSTA POR CHANCHÉ Ao analisar o texto livre de Freinet, Chanché faz uma distinção entre o social e o coletivo. Se falarmos da escrita do texto livre não queremos ver ne­ la um colocar entre parênteses o sujeito, o que exatamente faz a prática da re­ dação que, pelo logro da ordem e da originalidade, só encoraja uma individua­ lização “abstrata” da escrita, enquanto a prática social do texto livre encoraja uma individualização “concreta”. Althuser precisa que os indivíduos humanos, isto é, sociais, sejam ativos na história como agentes das diferentes práticas sociais do processo histórico de produção e reprodução - é um fato. Mas, considerados como agentes, os indivíduos humanos não são sujeitos “livres” e “inconstituintes” no sentido filosófico desses termos. Agem nas e sob as determinações das formas de existência históricas das relações sociais de produção e reprodução. 56

O TEXTO LIVRE, AGENTE SOCIAL DE MUDANÇA Parte Chanché a ressaltar a importância do texto livre, como agente social e coletivo, acentuando que se pode dizer que a socialização da escrita, ponto principal e não acessório da práxis do texto livre, gera uma diferença enquan­ to a redação, prática ideológica dessocializada, apenas gera separações ideo­ logicamente diferenciais, o que é totalmente diferente.

COMUNICAÇÃO EM EDUCAÇÃO Kostiuk acentua o papel fundamental da comunicação em educação, como um fator de desenvolvimento mental. Através do processo de comunicação com os outros membros do coletivo, constrói um modo de ser socialista que depois se interiorizará como ideologia consciente. Sempre através deste pro­ cesso de comunicação, no interior do coletivo, e do coletivo com o professor, os estudantes tomam consciência da insuficiente clareza e precisão dos seus conceitos, das contradições que eles determinam, do fato de que são freqüen­ temente inadequados para novos aspectos da realidade. Para que a comunicação verbal seja adequada é necessário que satisfaça pelo menos dois critérios: - deve ser clara e precisa, deve ser capaz de fazer tomar consciência das contradições e insuficiências dos velhos conceitos, de modo que crie as condições necessárias para iniciar um processo construtivo; - isto implica um conhecimento preciso por parte de professores, psicólo­ gos e pedagogos, entre outras coisas, das relações entre linguagem e pensamento, da função de regulador do comportamento que exerce a linguagem, das técnicas de confronto de conceitos, das possíveis combi­ nações entre comunicação verbal e comunicação visual, e do grau de eficiência que responde a cada uma destas combinações. O problema da relação linguagem-pensamento foi enfrentado, pela primei­ ra vez, de forma sistemática por Vygotsky em aberta polêmica com a tendên­ cia behaviorista desenvolvida principalmente nos Estados Unidos.

TEXTO LIVRE, COMUNICAÇÃO DIALÉTICA Freinet sentiu a importância do chamado texto livre, em comunicação dialética, quando contrapôs o texto livre, social e coletivo, numa construção e reconstrução política à redação escolar. 57

O texto livre é uma prática fundamentalmente social que não pode, pelo menos em um primeiro tempo, ser aprendida senão em seu modo social e alienante de disfarce. Fala-se do texto fàvre como “construção”, e esta palavra no sentido de ação ativa, construtiva, do espírito que se apropria e procura em vez de apenas assimilar e suportar. A prática da escrita, diz Chanché, é sempre uma prática social e, encerrála num esquema behaviorista de ocorrência, volta a tomá-la abstrata e fechála nos paradoxos da crítica literária tradicional. Freinet pretende delimitar o texto livre no seu duplo aspecto, social e in­ dividual, nas perspectivas de um duplo encontro do individual com o social: - a um nível epistêmico: acesso do indivíduo epistêmico ao epistema fundamentalmente social, a escrita, e isto no local de possibilidade con­ creta de apreciamento deste epistema, a prática socializada e tradicionalizável; - a um nível psicológico: acesso da significância a uma leitura social. Significância individual essa que encontra no social a possibilidade da sua constituição, como sistema de oposições, e da sua manifestação (a mensagem que encontra imediatamente os decodificadores que o consti­ tuem enquanto mensagem concreta). Dessa forma, o texto é o texto de antes de ser o texto sobre. A palavra (porque o texto se toma palavra para poder ser socializado) não é nunca um “alguém”, mas a do “autor”, do sujeito único da enunciação. Na pedagogia Freinet, é o mais social que garante o mais pessoal. É através da comunicação - texto livre - social que poder-se-á modificar a escola e o sentido livre na composição, e a aprendizagem passa a ter um sen­ tido polêmico e dialético.

Relação visual-verbal Na comunicação se discute o problema da relação entre o verbal e o vi­ sual. Esses dois tipos de comunicação poderiam ser combinados para favore­ cer ou estimular os chamados “processos construtivos” que fazem a aprendi­ zagem. Por outro lado, ter-se-ia que evitar que a informação visual, ao apre­ sentar e enfatizar a presença de elementos concretos, estimule a “concreti­ zação de conceitos” e dificulte os processos de abstração e generalização, se­ gundo a linha de Pavlov. 58

A nossa literatura infantil está toda recheada de livros que apresentam 90% de ilustrações, como apelo visual, e apenas 10% de texto, levando a criança a não pensar e a situar-se nas chamadas operações concretas de Piaget. “É bom não deixar a criança pensar, refletir e desenvolver as operações formais”. A “fantasia” da construção pela imaginação de personagens, cenários, es­ truturas de comportamento, é superada pelo requinte do visual em cores, formas e detalhes ricamente trabalhados. E assim, não se deixa a criança tra­ balhar os processos cognitivos interiores, preparando o homem de amanhã pa­ ra um mundo visual, do concreto.

OS EFEITOS DA INSTRUÇÃO PROGRAMADA O chamado reflexo operante da psicologia behaviorista vale-se do concei­ to reforço positivo-útil, se a resposta é considerada pelos educadores boa ou justa, e do negativo-frustrador, se a resposta não é correta para aqueles pa­ drões. Esse tipo de condicionamento foi aplicado “com sucesso” na comunicação-aprendizagem denominada instrução programada. Esse fato leva Freinet a criticar a chamada instrução programada, no sen­ tido de que ela condiciona o aluno a um comportamento condicionado operan­ te e não livre. Quando Freinet criou o texto livre, como prática fundamental numa escola socializada, acentuou com evidência que parece supérflua: “o texto livre deve ser verdadeiramente livre”. Chanché afirma que a tradição escolástica é tão tenaz, marcou definitiva­ mente a maior parte dos professores, que eles confiam pouco na criança, que acreditam ser necessário orientá-las para determinados assuntos que devem exprimir ou desenvolver... Não vamos deixá-los escrever o que lhes vem à ca­ beça. Não raro, numa distorção das técnicas Freinet, por professores acostuma­ dos à escolástica, introduzem o texto livre como se fazia antigamente com a redação imposta. Pedia-se às crianças que escrevessem, a determinada hora, um texto livre ou com assunto livre. Isto é, a escolha do assunto da redação é deixado a critério da criança. Este exercício deveria, de preferência, chamar-se redação com assunto livre. Se, naquele momento, a criança não tem disposição para escrever, mesmo 59

assim terá de escrever. Neste caso ser-lhe-á sugerido um assunto. É, portanto, a liberdade de aparecimento que faz a liberdade do texto, o que não quer dizer que o texto livre esteja livre de estereótipo. O texto deve ser livre no sentido de que não há lugar determinado para escrever (tópico), nem momento determinado ou ritmo de produção imposto (temporalmente), bem como não há um caderno determinado para receber o texto (suporte e instrumentos). É preciso descolarizar a prática da escrita em si mesma essencialmente ritual. Acentua Chanché: “a escrita no sentido material do termo não é mais do que a primeira etapa do processo de produção do texto, enquanto produto e construção. É ao longo deste processo de socialização que se faz a aquisição do epistema. Uma das grandes novidades do movimento Freinet foi ter intro­ duzido, na pedagogia, um processo de produção que não foi amputado de seus corolários: a socialização e o consumo. É no interesse do circuito da pro­ dução, no sentido marxista do termo, que circula o epistema, enquanto na pe­ dagogia tradicional ele é injetado de fora”. Elaboração de conceitos Os psicólogos soviéticos desenvolveram uma concepção criativa do pro­ cesso de aprendizagem e não passiva, como queriam os psicólogos americanos da linha de Skinner. O princípio básico da psicologia da aprendizagem é que “os conceitos não são assimilados passivamente, mas têm de ser construídos”. O princípio da construção constante na epistemologia de Piaget e no mé­ todo natural de Freinet, é essencialmente tarefa do docente no desenvolvimen­ to do pensamento da criança. É dever do professor, em primeiro lugar, de­ monstrar como a utilização de um conceito velho - ou a não utilização de um conceito novo - cria contradições e incertezas. Isso cria a “ansiedade constru­ tiva”, facilitando o processo da construção de um conceito próprio, superando assim, as contradições e reduzindo a ansiedade da incerteza. É dessa forma que se constrói a “apropriação construtiva” do conhecimento. O método natural de Freinet, em que o educando constrói os conceitos em sua realidade, com os elementos que ela lhe fornece, não importa se a escola é rica ou pobre. Introduz o conceito de produção na escola. A escrita, no sentido natural do termo, não é mais do que a primeira etapa do processo de produção do tex­ to, enquanto produto; é ao longo deste processo de socialização que se faz a aquisição do epistema. Uma das grandes novidades do movimento Freinet foi 60

ter introduzido na pedagogia o processo de produção que não foi amputado de seu corolário fundamental: a socialização é o consumo. É no interesse do cir­ cuito de produção - no sentido marxista do termo - que circula o epistema, en­ quanto na pedagogia tradicional ele é injetado de fora. Como Freinet, o construtor da escola socialista, os psicólogos soviéticos acreditam que, salvo lesões cerebrais irreversíveis, qualquer estudante é capaz de construir novos conceitos no contexto de sua realidade e desenvolvimento ontogênico. A instrução programada aliena o estudante de sua realidade e massifica-o ao conhecimento universal.

PROCESSO DIALÉTICO DO GRUPO Cecchini, ao avaliar o termo “construção”, diz que a construção de novos conceitos, com suas correspondentes conseqüências - além da superação das contradições e da redução de incertezas -, enseja a ampliação do campo de ação e de comunicação. Isso constitui a motivação, o “reforço do próprio pro­ cesso”. O processo de “construção” é automotivado para assegurar a sua prossecução, uma vez iniciado. Neste caso é necessário e suficiente que sub­ sistam as condições para que o processo continue a desenvolver-se. A comunicação no interior do grupo desempenha um papel fundamental na realização deste processo criativo. O grupo passa a ser processo dialético no intercâmbio aluno-meio. Relembrando Piaget: “o grupo é o fator moral da sociedade”. As construções do grupo englobando a comunidade e instituições, passam a ser criativas e não competitivas, como no processo de aprendizagem na es­ cola tradicional. A democracia toma-se atuante à medida em que desenvolve-se o grupo operativo e criador. Na instrução programada, em que se dispensa o grupo por orientação psi­ cológica ou política, existem os conceitos e o estudante. A tarefa do docente é, dentro dos limites do projeto, expor os conceitos de forma clara e coorde­ nada. A elaboração dos conceitos é tarefa de professores ou “técnicos”. A única tarefa do estudante é a de assimilar os conceitos e, não, construí-los. Um conceito comunicado pelo docente, continua Cecchini, ou pelo proje­ to, é “assimilável” quando o estudante consegue memorizá-lo e aplicá-lo nas condições e dentro dos limites exigidos pelo programa. Modelagem de comportamento Modela-se o comportamento da “elaboração de conhecimento” dos alu­ nos, para utilizar uma expressão da psicologia behaviorista. 61

Se a repetição e a aplicação estão corretas, o docente ou o projeto são reforçadores, e se uma ou ambas estão incorretas, o reforço é negativo. O “reforço externo” é o instrumento necessário para modelar o compor­ tamento mental, e também, para motivar o estudante para que prossiga na tare­ fa que por sua natureza passiva e, portanto, não construtiva-criativa, necessi­ ta a todo instante de um reforço-motivação externo para ser continuada. Mais tarde, a universidade ou empresa, oferecerão treinamentos de moti­ vação no reforço de comportamento do “empregado eficaz”, que assimilou a “filosofia” da instituição. Assim, se constrói a metodologia e a filosofia da educação, não permitin­ do uma relação dialética do estudante com o grupo, mas apenas uma relação competitiva, e por isso não construtiva, quer com o projeto que proporciona sempre o número de respostas erradas, quer com os estudantes que assimilirão o mesmo programa com um número inferior de respostas erradas. Transmite-se um conteúdo de uma forma “produtivamente” didática, no entanto, desenvolve-se um comportamento passivo de assimilação e aceitação de conceitos pré-estabelecidos e considerados essencialmente válidos por fluí­ rem de uma “autoridade”. Coloca-se o acento sobre a uniformidade, a passividade e o individualis­ mo, e não, sobre a diferenciação, criatividade e a relação dialética grupo-indivíduo. O processo de comunicação e o seu desenvolvimento, colocam linhas eqüidistantes do pensamento behaviorista americano e da escola socialista. O processo de comunicação é concebido pelos psicólogos e pedagogos soviéti­ cos como um processo “maiêutico”. Ele deveria determinar através da tomada de consciência das contradições, e do conseqüente nascimento da incerteza (ansiedade) a construção de novos conceitos. O grupo, enquanto tal, é o centro deste processo de comunicação e for­ mação, onde construção e motivação coincidem. A concepção behaviorista alicerça-se em que o processo de comunicação deve determinar a transmissão e a assimilação de informação completamente organizada. Ao “estudante”, encerrado numa relação individualista com o projeto docente ou levado a competir continuamente com os outros “estudan­ tes”, é destinado um papel passivo e, portanto, não motivado, pois ele deve ser continuamente reforçado a partir do exterior. O indivíduo, enquanto tal, é o centro deste processo de comunicação. Passividade e assimilação de conteúdos programados coincidem. Freinet, em sua vivência dialética do pós-guerra, realizou e projetou 62

“construção e motivação” com o seu método natural e, essencialmente, de­ senvolveu a comunicação com o chamado texto livre. Este instrumento, bem trabalhado, é a mola do processo de reformulação da escola tradicional e de implantação da escola socializante.

TÉCNICAS DE VIDA DE FREINET Como levar a criança a assimilar e viver o processo de comunicação nos primeiros momentos de utilização da linguagem, em “técnicas de vida” como quer Freinet? Como aliviá-la das cartilhas “habilmente” trabalhadas pela escolástica e “aplaudida” por pais e educadores, numa técnica ricamente visual e gráfica? Aprender a descobrir, a reconhecer e a utilizar os sinais da linguagem es­ crita - decodificação e codificação -, diz Freinet, pode corresponder, entre os 5 anos e os 7 anos, à necessidade de decifrar o meio e de se apropriar dos seus sinais: palavras, símbolos e grafos. Isto é, basear-se: - na sua necessidade de expressão pelo gesto, palavra, desenho, e em seguida, pela linguagem escrita; - como que na sua necessidade de comunicação, do diálogo verbal entre crianças e com a professora. E, se a educadora souber escutar e es­ timular a atenção mútua, passar-se-á naturalmente pelo diálogo escrito entre duas escolas, através de uma troca de correspondência que será um partilhar de toda a vida das crianças, através da expressão escrita das descobertas, dos sentimentos, alegrias, surpresas e acontecimentos da vida infantil. É esse partilhar que incita à cooperação entre crianças, ao trabalho de equipe, à volta de um texto a imprimir, de uma carta coletiva a “contar-se” e a ilustrar, de documentos e cartas pessoais a enviar aos correspondentes. As­ sim, a ligação natural entre a linguagem falada e a linguagem escrita pode ser assegurada por um método natural de aprendizagem da linguagem escri­ ta, que é o da pedagogia Freinet, baseado na expressão livre na imprensa, na escola e na correspondência interescolar. Ao pensar num método natural de “construção” e “criatividade”, Freinet acrescenta: - se a inteligência é a sensibilidade à experiência, se a tentativa experi­ mental é o processo natural e exclusivo do crescimento de qualquer ser, inclusive o animal, cultivaremos essa inteligência e enriqueceremos a 63

vida, permitindo às crianças um máximo de experiências em todos os domínios; - as idéias só se inscrevem em nosso comportamento e em nossa vida se tiverem bases na experiência complexa dos indivíduos. É como um canal de corrente irreversível. Qualquer explicação ou teoria que pretendesse economizar experiência, como a instrução programada, seria uma falsa pista que podería, em certas condições, cavar um sulco paralelo, como é o caso da escolástica; - transportada para o plano educativo, esta concepção natural dos proces­ sos do comportamento condena os métodos escolásticos que partem do pensamento, da vida e do conhecimento dos adultos, de que a criança te­ ria somente que se apoderar, como se a sua quinta essência fosse magi­ camente transmissível pela via professoral. A pedagogia moderna parte da criança que progride imediatamente através da tentativa experimental até se apoderar, com eficiência, de todos os dados da nova vida; - não basta partir da infância. É o processo da tentativa experimental que é preciso colocar a funcionar para normatizar a educação. Esta necessi­ dade pressupõe uma nova concepção de formação, tanto na família como na escola, com, por um lado, possibilidades de observação e de expe­ riências e, por outro, uma atitude cooperante da parte dos pais ou do professor. A escolástica preparou-nos para falar, explicar e demonstrar, porém, não nos treinou a trabalhar, observar, experimentar e a realizar. Cultivou em nós a atitude do professor que interroga, controla, sanciona e nos faz perder o dom natural das mães que preparam e suscitam o êxito, que abrem os caminhos por onde, com entusiasmo, passa a construção ativa da vida. Enfim, este método de tentativa experimental é geral e universal. Não é válido somente no domínio escolar, para a psicologia e para a pedagogia da criança na escola. É válido em todas as circunstâncias da vida, para todos os indivíduos e seres vivos. Afeta, nesse caso, a própria filosofia de vida e, é es­ se, um dos aspectos fundamentais que deverão ser estudados, também, numa síntese e unidade que poderão, de hoje em diante, condicionar nossas Técni­ cas de Vida.

RELAÇÃO ENTRE AÇÃO EDUCATIVA E DESENVOLVIMENTO Os psicólogos soviéticos ressaltaram a necessidade de esclarecer as re­ lações recíprocas entre a ação educativa e o desenvolvimento da personalida­ de, em uma época de rápido progresso dos meios de comunicação. Estes têm notado, e isso não pode ser ignorado, a decisiva influência da educação e pro64

cessos de comunicação sobre o desenvolvimento psico-intelectual. São impor­ tantes os estudos de Kostiuk, Zankov, Vygotsky que coincidem com as pes­ quisas de Piaget, na psicologia, e de Freinet, na pedagogia. Kostiuk: "O desenvolvimento psico-intelectual da criança realiza-se no processo de interação com o ambiente natural e social. Conduzir o desenvolvimento através da educação significa organizar es­ ta interação; dirigir a atividade da criança para o conhecimento da realidade, e para o domínio por meio da palavra - do saber e da cultura da humanidade; desenvolver, concepções sociais; con­ vicções e normas de comportamento moral ”. "O problema principal é o da relação recíproca entre aprendizagem, educação e desenvolvímento psico -intelectual".

Vygotsky demonstrou a unidade e a diversidade entre aprendizagem e de­ senvolvimento, bem como salientou o papel fundamental da ação educativa neste processo. Rubinstein afirmou que a criança se desenvolve enquanto re­ cebe educação e instrução. A aquisição de experiências sociais pela criança, o papel desempenhado no processo de condução da educação e as modalidades de elaboração de no­ vas ações e conexões, entre o primeiro e o segundo sistema de sinais subja­ centes a eles, constituem o fulcro de pesquisas da psicologia da aprendizagem. A este respeito, oferecem especial interesse as observações sobre o efeito que o domínio da linguagem tem no desenvolvimento psico-intelectual da primeira infância, Como demonstraram as investigações, os processos verbais adquiridos e dominados pela criança, como atos sociais imediatamente tenden­ tes à satisfação de determinada necessidade se convertem, na sua forma inte­ rior e exterior, em fatores importantes no desenvolvimento da personalidade e pensamento e, de toda a organização e regulação do seu comportamento, afirma Ananiev. Observações experimentais permitem compreender que as ações mentais, formadas na criança na idade pré-escolar como atos “interindividuais” da ati­ vidade cogniscitiva, derivada de comunicações verbais com os adultos - per­ guntas e respostas, agrupamento de objetos e determinação da igualdade quan­ titativa de grupos, a sua Composição, enumeração, etc. -, convertem-se em atos “intrá-individuais” que a criança realiza até à margem de uma específica situação de ensino.

AS RESERVAS DE INFÂNCIA NA ESCOLA DO POVO Ao abordar o período de pré-ensino na obra “Para uma Escola do Po­ vo”, Freinet diz, ao referir-se às reservas de infância, que qualquer que seja a 65

etapa da vida que se considere, a educação verdadeira desenrola-se segundo um princípio geral de “experiência tateante”, que ultrapassa todos os outros métodos mais ou menos científicos. A educação sistemática erra ao pretender substituir um processo, que é a própria lei da vida, pelos seus métodos racio­ nais. Tudo o que ela pode e deve fazer, é tomar esta experiência tateante cada vez mais rica e acelerar a sua evolução no intuito de permitir a ascensão má­ xima dos indivíduos à eficiência social. A fim de se prepararem eficazmente para a vida, as crianças têm, portan­ to, necessidade de estar em um meio rico e “auxiliar” onde possam entregarse a estas experiências tateantes. Quando dizemos rico, afirma Freinet, não consideramos de forma alguma a situação econômica dos pais, que não é con­ dição suficiente, mas a quantidade e a variedade, o interesse e atividades fun­ cionais que este meio permite à criança para formação de sua personalidade. Um tal meio existe raramente, diz Freinet, nas famílias de trabalhadores subjugados pela maldição capitalista. Aridez de casebres; na cidade a acumu­ lação de casas operárias - as ditas casas populares - sem ar, sem horizonte, sem árvores, sem flores, sem animais. Pobreza, no campo, de um meio huma­ no e social que nem sempre compensa a extrema riqueza da natureza. Na ci­ dade, no entanto, a situação dos filhos do povo é semelhante à daqueles ani­ mais que, no jardim zoológico, são obrigados a adaptar-se o melhor possível, a um espaço reduzido, como um esqueleto de árvore, um simulacro de rio e a terra morta e nua. No meio natural, o trabalho do educador será mais fácil. Bastar-lhe-á compreender o novo espírito pedagógico e saber “ajudar”, como convém, a experiência infantil. A nossa reserva de infância não será uma sala ou um parque qualquer. As dependências de nossas reservas não são apenas uma sala com alguns brinquedos, carteiras, quadro, giz de cor e outros, sem quintal ou área ampla. Ela estará situada em um parque, em um jardim público, em um espaço livre, o mais próximo possível dos meios urbanos interessados. O que reprovamos em nossos jardins-de-infância, acentua Freinet, é serem de aclimatação mais ou menos opulenta em que nada falta dos modernos aper­ feiçoamentos, mas que não deixam, por isso, de ser jardins de aclimatação. Comunicação inter e intra-individual Enfim, se a criança interagiu com os professores, em comunicação nos dois sentidos, interindividual e intra-individual e, principalmente, se procedeu à prospecção metódica do meio que a rodeia, já em posse das primeiras con­ clusões entregou-se a uma primeira ordenação da personalidade (construção). 66

Aos 4 anos tenta dominar este meio. Começa aí o período de trabalho, o qual se apresenta sob duas formas paralelas e complementares de “jogo-trabalho” e de “trabalho-jogo”. As ações mentais, de que fala Galparin, formadas na idade pré-escolar em segmentos interindividuais da atividade cogniscitiva, são o correlato de tenta­ tivas experimentais de que fala Freinet, em sua pedagogia. Essas ações mentais não são, de forma alguma, tal como a escola tradicio­ nal concebe a leitura, a escrita, a tradução gráfica do pensamento; primeiro pela fala e, em seguida, pelo desenho e pela escrita e, finalmente, pelo reco­ nhecimento de palavras e frases (leitura) até a compreensão do pensamento que traduzem. O progresso neste caminho, não se faz segundo regras mais ou menos ra­ cionais mas, sim, através de uma lenta expressão tenteada pela repetição au­ tomática de tentativas bem sucedidas. Tentativa experimental Tais tentativas experimentais supõem a permanência de um motor íntimo que, na primeira fase, é a necessidade de perfeição e de força na criança sen­ do, na fase seguinte, a motivação através de técnicas apropriadas da noção de correspondência, razão de ser inicial da escrita e da leitura. Enfim, a tentativa experimental (ações mentais operacionalizadas) supõe: - uma intensidade de vida máxima numa escola integrada no meio ambien­ te; - um material novo permitindo o trabalho da criança nos diversos estágios de sua evolução; - modelos os mais perfeitos possíveis nos diversos gêneros de atividade: fala, escrita, leitura, música, desenho e comportamento geral; - atividade essencialmente auxiliar do ambiente familiar em primeiro lugar e, sobretudo, no que nos diz respeito, no meio educativo. Conexões temporais Pavlov observou que, sob o ponto de vista fisiológico, toda a aprendiza­ gem consiste na formação de conexões temporais. O desenvolvimento é reali­ zado pela formação de tais conexões. Sem a formação de conexões nervosas temporais não pode nascer, nem nasce nada de novo no comportamento da criança, em sua atitude perante a realidade que a rodeia e, portanto, não pode haver desenvolvimento. 67

Os dados experimentais relativos ao desenvolvimento mental que se pro­ duz durante a aprendizagem, permitem-nos estabelecer que o crescimento cognitivo é decurso do processo de assimilação social. À falta dessa assimi­ lação deteriora-se o desenvolvimento cognitivo. Os dados experimentais, diz Sinitsa, demonstram que p domínio pela criança, de palavras da linguagem do adulto não traz mudanças imediatas à sua atividade, nem lhe confere uma nova capacidade para organizar suas pró­ prias ações. A criança adquire esta função, progressivamente, através de pe­ quenos intervalos cuja soma provoca mudanças qualitativas mais evidentes. São estes intervalos, as chamadas conexões temporais propostas por Pavlov, que se enquadram no iniciar do período de operações concretas de Piaget. A verdade é que o ensino verbalístico do professor - com termos e ex­ pressões da linguagem adulta, principalmente nos conceitos de gramática, es­ tudos sociais, ciências e outros - leva o aluno a não realizar mudanças em sua atividade.

ENSINO DA GRAMÁTICA E O SEU PAPEL NA ESCOLA FREINET As pesquisas demonstram que quando uma criança, em idade pré-escolar, adquire uma nova palavra de um livro ou um texto, esta não faz parte de seu vocabulário ativo de imediato. A criança continua a utilizar, na conversação ou na escrita (se já escreve) vocábulos conhecidos e mais familiares. Esse fato leva Freinet a verberar contra o ensino da gramática, com toda a sua terminologia esotérica, povoando a cabeça da criança de termos e de uma lógica de sintaxe que ainda não alcançou o seu desenvolvimento mental. A nossa experiência hoje, longa e decisiva, apenas demonstra que se pode aprender a escrever perfeitamente sem conhecer as regras de gramática. Se is­ so for verdade, a escola enganou-se no caminho ao colocar as regras de gramática como a base do estudo escolar da língua. É preciso, em conjunto, procurar, encontrar e popularizar as normas do novo ensino da língua, através do método natural e da eficácia Propõe, então, medidas para a solução dos problemas com uma práxis vivenciada de atuação pedagógica, isto é, ó método natural e o texto livre.

O TEXTO LIVRE COMO MÉTODO NATURAL Em nosso método natural de aprendizagem da língua, partimos não do texto do adulto, mas da vida da criança, daí sua expressão oral e escrita, do seu texto livre, onde reside um dos primeiros resultados positivos de nossas 68

técnicas. Os nossos métodos naturais, continua, baseiam-se exatamente nos mesmos princípios das práticas ancestrais que asseguram, com total sucesso, a aquisição da linguagem e do sentido da marcha pela criança, técnicas que nin­ guém nunca antes tentou praticar e que transformariam em monstros as regras, os trabalhos e as lições, Em nossas aulas, efetuamos atividades através da tentativa experimental, que substituem o ensino da gramática proporcionando ao aluno o domínio na­ tural da língua, como: - escrevendo freqüentemente Textos Livres; - procedendo naturalmente à leitura desses textos à classe, para que se es­ colha o texto a imprimir; - deixando que as crianças leiam os textos e as cartas de seus correspon­ dentes; - permitindo que escrevam aos seus correspondentes; - redigindo ao longo da semana, conforme o seu plano dc trabalho, textos para avaliação e conferências; - que os seus pensamentos e a sua expressão se encontrem verdadeiramen­ te no centro de suas vidas. Quando se associam as pesquisas de Pavlov sobre as conexões temporais, e que estas formas de atividade são. elaboradas no decorrer do processo de as­ similação da experiência social, cujo estudo Sechenov considera tarefa fundamental da psicologia, sente-se como o Texto Livre dc Freinet vai ao encon­ tro dessa realidade. O texto livre, diz Chanché, é apenas um conjunto de práticas. Temos de incluir o texto livre na categoria muito mais vasta, de expressão livre que com­ preende, além da. expressão gráfica, o desenho, a pintura, a dança, o jogo dramático, a música, etc. , que não se separam, mas se interligam, podendo o texto ser desenhado, jogado e posto em cena. O texto livre não subsiste sozinho, ou então, torna-se prática escolástica e anula-se. Deve descentrar-se para tomar-se um elemento estrutural de uma práxis totalizante. Encarar uma prática literária fora de seu modo de aparecimento social, is­ to é, fora das outras práticas literárias e sociais às quais ele se opõe diferencialmente, seria aberrante, o que em caso nenhum quer dizer que desprezamos ou minimizamos o individual. 69

PESQUISAS EM PSICOPEDAGOGIA Recentes pesquisas no campo da psicopedagogia, diz Kostiuk, demons­ tram que no decorrer do processo educativo se desenvolvem as atitudes das crianças perante a realidade circunstante, que se formam novas atitudes sob a influência de tarefas propostas, quais são os métodos educativos mais eficazes e quais os menos eficazes, para este fim. Já na idade pré-escolar se definem algumas dessas atitudes sob a influência de formas especiais de educação. As­ sim, na idade pré-escolar, começam a formar-se na criança tendências gerais de comportamento em formas simples, por exemplo, o desejo de fazer algo útil às pessoas mais próximas, uma atitude positiva perante o trabalho, etc. Na formação dessas tendências, desempenha um importante papel não só a cons­ ciência que as crianças têm do significado das tarefas fixadas, mas também, a organização das atividades coletivas, no sentido de satisfazer às necessidades da coletividade e de uma análise coletiva dos resultados. Como demonstraram os resultados de algumas experiências, a formação de uma atitude positiva perante o trabalho escolar passa por uma série de eta­ pas. De início, esta atitude desenvolve-se como conseqüência das instruções do professor e das exigências da coletividade, depois, como resultado da ex­ periência acumulada, a criança começa a realizar os seus deveres sem ajuda. Desenvolve-se assim, uma atitude interior positiva perante o trabalho, que se manifesta de início, dentro dos limites muito restritos adquirindo com a conti­ nuação, um caráter de generalidade. Certos valores e atitudes são desenvolvidos no aluno, como por exemplo, gosto pelo trabalho, comportamento auto-regulado, responsabilidade, etc. Os resultados das pesquisas, neste sentido, indicam que as normas morais, que regulam o comportamento do aluno, se formam sob a influência de determina­ das exigências sociais exteriores, aceitas e assimiladas, que depois se trans­ formam em exigências internas. A consciência dessas exigências por parte da criança não se converte, de imediato, num elemento regulador do comportamento, mas adquire esta função através de graus. Com a continuidade da prática, transforma-se em regulador interno do comportamento e atua mesmo sem estímulo e reforço dos outros, sem auxílio alheio, por própria iniciativa deles. Comunicação Importante papel desempenha a comunicação nesta construção de ações. Primeiro, por influência do adulto e, depois, por etapas interiorizadas pelo aluno, pelo esforço próprio e da “criação” de valores seus e individuais. O social aparece, de início, como elemento desencadeador de estímulo e 70

aquisição de novas ações e comportamentos, para depois, criar uma linguagem própria de operacionalização.

A ESCOLA DO TRABALHO Nesta formação de valores, no gosto pelo trabalho, as atividades desen­ volvidas pela Escola Freinet são significativas com a práxis aluno - trabalho. Freinet deu grande importância à escola do trabalho, escrevendo uma de suas melhores monografias, “A Educação pelo Trabalho”, em linguagem pitoresca, didática e filosoficamente completa na teoria que defende. Afirma que a escola do futuro é a escola do trabalho. Ressalta, porém, que isso não significa que se utilize o trabalho manual como ilustração do tra­ balho intelectual escolar, nem que se oriente para um trabalho produtivo pre­ maturo, ou que a pré-aprendizagem destrone o esforço intelectual e artístico. “O trabalho será o grande princípio, o motor e a filosofia da pedagogia popu­ lar, a atividade de onde advirão todas as aquisições”. Na sociedade do trabalho, enfatiza, a escola assim regenerada e retificada será perfeitamente integrada ao processo geral da vida ambiente, um elo do mecanismo de que está atualmente bastante desligada. Diz bem, quando deu ao seu livro o título de “A Educação pelo Traba­ lho” e não, educação para o trabalho, como são os nossos atuais cursos pro­ fissionalizantes, que preparam o operário para o desempenho do trabalho pro­ fissional e não desenvolvem as potencialidades do homo faber que é o pró­ prio homo esse. Neste caso, constrói o homem pelo trabalho ou trabalho-jogo, como quer Freinet, e não “se adapta o homem ao trabalho ou a determina­ da profissão”, como querem aqueles. O que é trabalho e o que é jogo, pergunta Freinet. A criança brinca e, quando deve assumir a responsabilidade do trabalho, passa a ser adulto. Este deve trabalhar, ainda que o trabalho seja penoso. Não questionemos com palavras e designações, mas procuremos antes apurar-lhes o conteúdo. Estamos aqui, diz Freinet, na origem dessa separação arbitrária e partidária entre trabalho e jogo. Eu sei que é geralmente admitido que trabalho quer dizer constrangimento, pena e sofrimento, e supõe o repou­ so da sua antítese, o jogo, tal como o sofrimento supõe o clarão obstinado de um bem-estar cujo regresso esperamos, tal como a fadiga supõe o período de repouso que se lhe seguirá. Mas se há sofrimentos que nos são mais preciosos do que a alegria, fadigas que nós procuramos mais do que o repouso, e se o trabalho nos basta porque traz em si os elementos do jogo, onde estará esta monstruosidade? 71

Se queremos consolidar poderosamente a natureza humana, precisamos tentar, a esta profundidade, realizar uma atividade ideal a que chamaríamos trabalho-jogo para mostrar que ela é os dois ao mesmo tempo, respondendo às múltiplas exigências que normalmente nos fazem suportar um e procurar o ou­ tro. Isto não é certamente impossível, pois se realiza espontaneamente em cer­ tas circunstâncias. separação atualmente consumada, continua Freinet, entre jogo e trabalho tem um alcance humano cuja trágica importância não sabemos medir. Esse desconhecimento, essa separação, estão na origem da degradação do trabalho humano, e nós sofremos as consequências disso. Se o trabalho não é mais do que sofrimento, se ele não nos é substancial, se o novo Deus tão falaciosa­ mente prometedor é o jogo, então é normal que se acabe por fugir do trabalho ou, pelo menos, se a ele somos constrangidos por aceitá-lo passivamente como um mal necessário, é apenas porque ele nos permite a satisfação de certas ne­ cessidades. Para fazer “amar” o trabalho, vocês começariam por desconsiderá-lo, destronando-o, fazendo crer que se pode, pelo jogo, chegar aos mesmos resulta­ dos. E, assim, os pedagogos criam métodos de alfabetização pelo jogo, técni­ cas de ensino lúdicas, afastando a criança do fastio do trabalho. Ou, quando se diz: - “Se você fizer a lição, poderá ir brincar, ver televisão ou jogar...”Estará separando, de um lado, o trabalho, atividade cansativa, monótona, enfastiante e, de outro, 9 prêmio, o reforço positivo, e o jogo. Dessa forma, pais e alunos começam logo cedo a utilizar conceitos que a criança interiorizará: “Você só pode ser feliz, depois de ter sido infeliz, isto é, só jogar depois do trabalho”. Repete assim, a maldição do Velho Testamento de que você será punido porque comeu a maçã do prazer e essa paga será com o “suor do teu rosto”. Se o trabalho não é mais do que constrangimento, por mais que, vocês fa­ çam não conseguirão amá-lo. Você sabe a ineficácia quase total dás palavras com as crianças pequenas, diz Freinet. É imoral fazer-lhes discursos sobre a nobreza e a dignidade do trabalho no próprio momento cm que se substituiu esse trabalho por processos edulcorados, para atenuar o rigor da obrigação a que Vocês estão reduzidos, mas as crianças não são idiotas... Elas não gos­ tarão dê trabalhar. Recoloquemos adequadamente o trabalho no centro da atividade e do de­ ver humanos. Isso é possível, se nos orientarmos para obter um êxito total pa­ ra o trabalho-jogo, recolocado no seu quadro familiar e social, que será em si mesmo e simultaneamente, aprendizagem e cultura. 72

Freinet recoloca o jogo, o brinquedo, o divertimento e o trabalho em seus devidos lugares, reafirmando a síntese dialética do trabalho-jogo e jogo-trabalho, uma filosofia de educação de grande alcance na formação de nossas crianças. Freinet: Ao sintetizar as atividades do trabalho-jogo e jogo-trabalho, verdadeira metodologia do trabalho, afirma: - "quanto mais trabalho vivo e funcional houver, trabalho-jogo ou jogo-trabalho, menos se fará sentir a necessidade de jogos de distração ou de descontração compensadora. Em condições óti­ mas, estas duas últimas categorias de jogos devem ser totalmnente ignoradas ou abandonadas; - "o trabalho não funcional, imposto, quer por uma autoridade brutal, quer pela ambiência social, ou mesmo por um processo aparentemente não autoritário, provoca a necessidade de descon­ tração compensadora pelos jogos simbolizados ou pelos jogos de ganhar; - "quanto mais o trabalho custa, mais se afasta das grandes linhas naturais da vida, mais exigente se torna a necessidade de desconcentração compensadora; - "dito de outro modo: a paixão pelo jogo está na razão direta da opressão pelo trabalho, e na razão inversa do interesse funcional deste; - "quanto mais nos afastamos do trabalho, mais nos aproximamos do jogo sob as suas diversas formas; - "quanto mais nos aproximamos das grandes linhas da vida, centradas no trabalho funcional, in­ teressante, compreendido e desejado, mais o indivíduo satisfeito se afasta das atividades de des­ contração compensadora’ ’. " Vocês entendem que a criança ao se entregar a tarefas escolares deve ‘aprender'. Aprender o quê? Aprender a trabalhar?"

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5. APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

RELAÇÃO APRENDIZAGEM - DESENVOLVIMENTO A relação aprendizagem - desenvolvimento tem sido um dos problemas mais estudados e pesquisados pelos psicólogos soviéticos e, em especial, Vy­ gotsky e Eontev . Para Vygotsky, a aprendizagem é um fator fundamental no processo de desenvolvimento cognitivo. A relação desenvolvimento - aprendizagem deu origem à “teoria potencial do desenvolvimento” que teve repercussões, quer no, plano pedagógico, quer no de investigação psicológica. Essa teoria constitui a base de um importante princípio pedagógi­ co. A única docência válida, diz Vygotsky, é a que precede o desenvolvimen­ to. Percebeu-se a importância do processo de aprendizagem como fator desencadeante do desenvolvimento. As técnicas e os instrumentos pedagógicos, bem como o meio, favorecem o desenvolvimento cognitivo e aceleram o processo.

PSICOLOGIA SENSÍVEL DE FREINET Essa teoria é amplamente desenvolvida por Freinet em “Ensaio de Psi­ cologia Sensível”, em que fundamenta toda a sua filosofia pedagógica no processo que denomina tateamento experimental e nas técnicas de vida. Segundo Freinet, o homem traz consigo um potencial de vida que anima a criatura num elan invencível, lança-o para frente, para o real, concretização poderosa do seu destino. Desde que as condições externas sejam favoráveis há uma força que des­ perta. cresce e começa a escalada para o esplendor do seu devir. O potencial de vida tende não apenas a conservar-se, mas a recarregar-se. Toda nossa pedagogia visará precisamente conservar e multiplicar esse potencial de vida, que o s métodos tradicionais depreciam e, por vezes, elimi­ nam, e cuja persistência e exaltação são como o próprio barômetro de um mé­ todo. Aponta o tateamento experimental como um processo geral de adaptação, sem o qual a própria vida não seria possível. 77

Afirma que este processo de tateamento com êxito, fixa-se na repetição automática do ato reflexo que se transforma em regra de vida. É esse reflexo regra de vida, a norma de comportamento do homem durante sua existência. Referindo-se ao tatear inteligente (2ª etapa), conceito que introduz na Psicologia Sensível, diz que em qualquer indivíduo - animais ou humanos intervém a permeabilidade à experiência, que é o primeiro escalão da inte­ ligência. É pela rapidez e segurança, com o que o indivíduo intuitivamente se beneficia das lições do seu tatear, que mediremos o seu grau de inteligência. Alinhando-se à teoria de Vygotisky, em desenvolvimento e aprendizagem, afirma que a importância dos primeiros anos de infância - o período em que se constroem os alicerces vitais por meio do tateamento experimental - é devido a uma lei de economia estrita. As tendências, ao se fixarem e sistematizarem, tomam-se regras de vida as quais originam-se das experiências bem sucedidas.

TÉCNICAS DE VIDA, ESTRATÉGIA DA ESCOLA FREINET A técnica de vida não decorre de um processo de atividade consciente e pessoal, é uma forma mais ou menos metódica de organização em face dos re­ cursos - barreira. É estudando estas reações em toda a sua complexidade, que poderemos descobrir as possibilidades de ação educativa, sobre as quais se deverá basear um método pedagógico seguro e eficiente. Ao sentir a importância da aprendizagem no processo de desenvolvimen­ to, diz Freinet que a criança vai experimentar as realidades do meio que a ro­ deia. Para tal, o próprio meio deverá ser favorável à organização das técnicas de vida que desejamos. Temos que tentar criar esse meio. Não está em nossas mãos modificar diretamente, pelos nossos próprios meios, nem o meio natural, nem o meio social. No entanto, indiretamente, te­ mos a obrigação de trabalhar para essa modificação por meio da cooperação social e do esforço político que, por assim dizer, são o seu instrumento dinâ­ mico. Em contrapartida, está inteiramente em nossas mãos a organização do meio familiar e escolar. Nessa organização, no entanto, é preciso evitar dar aos conceitos de atividade, sinceridade, honra, bondade, etc., um sentido abs­ trato e livresco. Estas qualidades devem exclusivamente resultar da própria organização do jogo regular das relações mútuas que as caracterizam. A vida em família não se aprende, vive-se. A vida social também não se aprende, inscreve-se em nossos reflexos, prepara as suas regras e contribui para a insti­ tuição das técnicas de vida. As relações com os outros indivíduos resultam da fricção mais ou menos delicada dos indivíduos entre si. 78

LURIA E A TEORIA DA ÁREA POTENCIAL A teoria da área potencial, retomada por Luria, contribuiu para determinar uma oposição às teorias fatoriais e psicométricas de testes de inteligência. Os psicometristas não levavam em conta uma das variáveis fundamentais da aprendizagem - desenvolvimento, preocupando-se apenas, com o resultado fi­ nal da mensuração. A aprendizagem está, segundo os potencialistas, em função não apenas da comunicação, como também, do nível de desenvolvimento alcançado. Esse binômio aprendizagem-desenvolvimento leva à análise de processos de orien­ tação da aprendizagem, como: - metodologia da aprendizagem; - estudo dos erros; - estudo dos processos de generalização; - estudo da elaboração de conceitos e sua modificação, reelaboração, em função do desenvolvimento; - construção, pela criança, da própria solução de seus problemas, em vez da busca de performances finais. A teoria potencialista procura estabelecer o diagnóstico da aprendizagem e, essencialmente, o prognóstico do seu desempenho. A psicometria procedeu a uma avaliação quantitativa e os potencialistas a uma avaliação do processo de desempenho. Problema das deficiências Esses fatos levaram os psicólogos a reformular o problema do atraso esco­ lar ou deficiência cognitiva. A não ser em casos de lesões cerebrais irreversí­ veis, o baixo rendimento é colocado como insuficiência no processo de comu­ nicação e principalmente da linguagem, influenciada por fatores sociais e pela posição em que se encontra o estudante, isto é, a posição do aluno alienado e não do aluno criativo, construtor da própria experiência.

PEDAGOGIA TERAPÊUTICA Em vista disso, a terapêutica do atraso escolar não deveria ser fundamen­ tada na exclusão do aluno em classes diferenciais, especiais ou de reclusão. A terapêutica deve atender à modificação dos programas escolares e à formação 79

dos docentes, a fim de facilitar ao estudante o desempenho de um papel criati­ vo. Freinet escreveu dois cadernos sobre oassunto, B.E.M. - 5 - Biblioteca da Escola Moderna -, abordando o problema das "Enfermidades Escolares”, e M.E.M. - 11, “A Saúde das Crianças” Na França, Fernando Oury, Aida Vasquez e Paulo Le Bohec trataram da pedagogia terapêutica e institucional, seguindo a linha Freinet. Estudaram casos de desadaptação escolar, propondo soluções a nível de aprendizagem. Paulo Le Bohec, ao estudar oproblema do sinistrismo, trabalhando com uma classe de disléxicos potenciais, aduz às seguintes conclusões; "Quer queiram, quer não, temos de verificar que as doenças escolares existem e exigem uma terapêutica especial que é, na maioria dos casos, o regresso puro e simples a métodos de descon­ tração e confiança, de iniciativa e criatividade, que constituem os caminhos do Método Natural de Freinet".

LE BOHEC E A ESCRITA Mostra Le Bohec, que o professor poderá realizar peló Método Natural de Aprendizagem a terapia das crianças através de sua socialização. A integração com o meio leva a criança a apoderar-se dele. A trabalhar a escrita em si e realizar a grafoterapia. Verifica que o indivíduo modifica a escrita à medida que reformula o seu comportamento. A escrita, relação da criança com o meio, não é uma questão menor, mas tem muita importância. Contudo, não deve ser nem para o professo nem pa­ ra o aluno, uma fonte de traumatismos o que seria, aliás, o melhor meio de fa­ lhar. A escrita pode ser o testemunho e uma revelação da saúde mental, sobre­ tudo, quando muda bruscamente. Pode ser um auxílio ao equilíbrio, ao mesmo tempo que um sinal de desequilíbrio. Deve ser respeitado porque depende muito da personalidade de cada um, das metamorfoses que se conhecem ao longo da primeira infância e da vida escolar. A primeira escrita é superestrutura, só podemos modificá-la quando agindo sobre a infra-estrutura da persona­ lidade; o que a maior parte das. vezes escapa ao ensino.

O PROBLEMA DAS ENFERMIDADES ESCOLARES Essa enfermidade escolar não é nova. O que ocorre é que se agravou por causa das exigências anormais da escola, dos métodos sem vida que se empre­ gam. No entanto, se nega obstinadamente a tomar consciência desse estado de fato. Prefere-se afirmar sabiamente que a criança não é inteligente, que não 80

tem nenhuma curiosidade, que seu estado de ânimo é preguiçoso, obtuso e que nestas condições, não se pode realizar nenhum progresso. Anorexia Devemos denunciar, diz Freinet, a gravidade da anorexia escolar cujos prejuízos deverão ser relatados por médicos, psicólogos e psiquiatras. “Remé­ dios?” - pergunta. Apresentamos grandes remédios dando um objetivo às ati­ vidades das crianças, permitindo a sua afirmação através da tomada de cons­ ciência de sua dignidade e de seus poderes, através da criação de obras pes­ soais que lhe dêem um sentimento de confiança e potência. Para Freinet: É difícil determinar os sintomas das enfermidades escolares e, consequen­ temente, diagnosticá-los, comparando-se com os casos de enfermidades fi­ siológicas de que ainda não se tenha inventado nenhum aparelho que permita realizar análises seguras. E, neste domínio, ainda permanecemos ao nível de enfermidades mentais cujo diagnóstico e cura continuam sempre aleatórios... Esse fato agrava a circunstância de se estar num meio fugidio, onde o indiví­ duo se defronta sutilmente, camuflando suas reações a ponto de tomar qual­ quer diagnóstico impossível. Mostra-nos Freinet, que o processo de domesticação da escola tradicio­ nal leva os alunos à alienação e à passividade. A domesticação é um processamento amplo de deterioração da personali­ dade e do desenvolvimento. O fato de impor a todas as crianças os mesmos gestos, ritmo, no mesmo momento e na mesma classe, é fatalmente domesticador e destruidor de personalidades. Cita os processos que a escola tradicional, escolástica, utiliza para domes­ ticar os seus alunos: - o hábito dos cadernos bem feitos; - a preparação superficial e com vista sempre aos exames; - a desolação de um ensino sem perspectivas.

PEDAGOGIA INSTITUCIONAL Femand Oury e Aída Vasquez propõem a formação de Grupos de Edu­ cação Terapêutica (GET) e dos Institutos de Educação Terapêutica (IET). Na experiência com classes primárias tentaram seguir as linhas diretivas 81

de uma pedagogia chamada Institucional. A originalidade do projeto reside no seguinte: - possibilidade de utilização dos meios escolares como dinâmica da classe ativa e terapêutica, da própria instituição; - instalação de classes ativas, de apoio, diversificadas e disponíveis a todo momento e a qualquer criança; - a não segregação da criança “problema”; - a utilização de um plano de psicologia preventiva, total e permanente, ao nível dos recursos efetivos de todo o pessoal em contato com a criança, e não apenas, os profissionais de saúde e, com o dinamismo do grupo; - a colaboração dos pais, organizada como o grupo escolar; - a importância dada aos problemas de relação com o adulto, correlação fundada numa ação terapêutica e eficaz.

PEDAGOGIA DE CLASSE Acentuam esses psicólogos, seguidores de Freinet, que a pedagogia pura, de classe, é um logro se o aluno se enferma dentro da classe, se ele se aliena do meio em que está inserido, se foge aos problemas sociais que a escola, ou a classe ignoram voluntariamente. A psicologia na classe A psicologia renuncia sua ótica tradicional e entra na classe, em sala de aula, no grupo e com o grupo. Ela trabalha com a criança, participa da dis­ cussão e da impressão dos textos - imprensa escolar -, envolve-se nos jogostrabalho e trabalhos-jogos. Ela é participativa na crítica e nas felicitações no Conselho de Cooperativa. Deixa de ser a psicologia da observação da classe em um cubículo de vidro que o aluno não vê. De acordo com os professores, ela intervém centrada no campo da sala de aula. A psicologia está envolvida com: - a escola, no seu papel na sociedade, na sua organização e filosofia, nas suas potencialidades e possibilidades, na sua metodologia e orientação educativa; - a criança, seu envolvimento familiar, seus estados de fé no conceito que 82

ela tem da escola, assim como, as idéias que determinam o seu compor­ tamento familiar; - o professor, o seu status social, seus papéis na escola, sua situação mate­ rial, sua história e personalidade profunda; - o envolvimento social, ao longo da vida da criança, as múltiplas infor­ mações extra-escolares, mas sociais, como o cinema, futebol, música, política, TV e outros. Estes dados estão eles próprios condicionados por outros como: a estrutu­ ra econômica e política, os eventos mundiais, os fatos políticos, dando à criança o direito de falar sobre os acontecimentos..., ou seja, deixando o so­ cial entrar na classe.

DOLTO E AS DOENÇAS ESCOLARES Françoise Dolto, da linha Freinet, afirma que ao longo de sua prática mé­ dica, após a guerra de 39, conheceu muitas crianças inadaptadas ao sistema escolar, principalmente as que vinham da zona rural para a cidade. Conheceu crianças “problema” na escola, quando a psicologia estava ainda fortemente estruturada e distante do social. Acompanhou (sentindo) o desenvolvimento dessas crianças. Verbera o malfadado Q.I. de Binet, citando casos, dizendo que havia vis­ to crianças que não sabiam escrever as letras, não sabiam escrever os núme­ ros, mas seus desenhos eram coerentes, coloridos e “normais” para a sua ida­ de. Essas crianças, apesar disso, eram tachadas de apresentar comportamentos de dislexia e discalculia. Neste caso, as dificuldades afetivas em relação à escola ou trazidas da família levaram a um Q.I. rebaixado, complicado por um retardamento motor ou social, o que satisfazia a um diagnóstico psicológico onisciente e definiti­ vo. A filosofia de escolarização centrada num nível homogêneo de inteligên­ cia, equiparado a um ritmo comum de produtividade, parece-nos, diz Dolto, uma aberração pedagógica. Com efeito, é este sistema escolar que alimenta tantas neuroses na idade de freqüência obrigatória à escola. O prazer de aprender Nas classes Freinet, diz Chanché, a criança sente o prazer de ser. Ela tem o prazer de que as histórias sejam suas e que falem de sua vida. Isto leva-nos a uma hipótese inspirada pelo ponto de vista de M. Jouvet acerca do sonho: 83

por intermédio do texto livre, a criança reprogramar-se-ia e ao mesmo tempo marcaria a sua diferença. Quando os professores do ensino elementar não estragarem o prazer, quando compreenderem que a escrita não serve apenas para exprimirmos “bem” - como nas receitas de cozinha em que se diz: “espremer bem” o sumo do limão - para nos inserirmos em uma cultura, na ideologia dominante, então, contribuirão para a atividade da escrita sair do seu “ghetto” cultural. É numa fase lapidar, concluiu Chanché: “A criança que tenha uma vez experimentado plenamente o difícil prazer da escrita, nunca mais o esquece”.

84

6. LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO

A FALÁCIA DO Q.I. Os psicólogos se preocupam muito com as mensurações e os resultados que se obtêm com os testes, na análise e avaliação do desenvolvimento. A verdade é que, diz Leontiev, os testes não descobrem nunca a natureza do atraso, nem permitem interpretá-lo de qualquer forma. Os testes não podem proporcionar uma base válida para decidir sobre os métodos que devem ser usados com as crianças para superar as deficiências escolares. É grave o fato de que se possa decidir o futuro de uma criança baseando-se exclusivamente em um “frio” Q.I.

PRINCÍPIOS DE DESENVOLVIMENTO Leontiev propõe alguns princípios, de desenvolvimento e aprendizagem, de importância aos psicólogos e pedagogos. São eles: - o desenvolvimento mental da criança está associado ao processo de as­ similação (apropriação) da experiência do gênero humano; - o desenvolvimento das “aptidões” se verifica como um processo de formação de sistemas cerebrais funcionais; - o desenvolvimento mental da criança surge como um processo de for­ mação de ações mentais. O desenvolvimento mental da criança é, diz Leontiev, qualitativamente di­ ferente do desenvolvimento ontogênico do comportamento animal. Essa dife­ rença é determinada, em primeiro lugar, pelo fato de que o aspecto mais im­ portante do desenvolvimento da criança - absolutamente inexistente no mundo animal - é o processo de apropriação da experiência acumulada pelo gênero humano no decurso da história social.

TEORIAS DE ZAPOROZHETZ E ELKONIN Esses autores, ao estudarem a evolução do movimento e dos hábitos moto­ res, afirmaram que com o equilíbrio dinâmico, de um lado, e a relação sócioafetiva de outro, poderão levar-nos a compreender o sentido dialético da aprendizagem. Acentuaram a importância da linguagem como elemento fundamental do 87

desenvolvimento da criança. Dizem que é a partir do momento em que a criança se apropria da palavra, que toda a situação de aprendizagem se apre­ senta, pressupõe e decorre da interação social que o ato de aprender exige. Zaporozhetz e Luria sublinharam o papel da linguagem na eficácia da aprendizagem, não só porque permite um processo cognitivo, mas também, porque favorece a antevisão da situação em que se vai processar a ação, fun­ damento motor da aprendizagem. É nessa perspectiva que ocorre, segundo esses autores, a formação de há­ bitos. Afirmam, em uma teoria que contradiz as afirmações da psicologia tra­ dicional, que o hábito não é uma coleção de atos, mas uma soma de movimen­ tos. As conquistas do desenvolvimento histórico humano mostram que a acu­ mulação de experiência filogenética, ou mais concretamente histórico-social, surgiu porque a forma específica da atividade do homem é a atividade produ­ tiva, ou seja, a atividade fundamental do homem é o trabalho, a ação.

A ESCOLA DO TRABALHO DE FREINET Esse conceito amplo propõe Freinet, em “Para uma Escola do Povo”, quando diz que a escola do futuro será a escola do trabalho. Esclarece, no en­ tanto, que isso não significa que se utilizará o trabalho manual como ilus­ tração do trabalho intelectual escolar, nem que ele se oriente para um trabalho produtivo prematuro ou, que a pré-aprendizagem destrone o esforço intelec­ tual e artístico. “O trabalho será o grande princípio, o motor e a filosofia da pedagogia popular, a atividade de onde virão todas as aquisições”. Na sociedade do trabalho, a escola assim regenerada e retificada será perfeitamente integrada no processo geral da vida ambiente, um elo do grande mecanismo de que está atualmente bastante desligada. A necessidade de fundamentar no trabalho toda a atividade escolar, pres­ supõe que a escola volte definitivamente as costas ao vício de uma instrução passiva e formal pedagogicamente condenada, reconsidere inicialmente o pro­ blema da formação ligada ao da aquisição, e se organize de modo a auxiliar as crianças a se realizarem pela atividade construtiva. Na extraordinária obra “A Educação pelo Trabalho” discrimina as di­ ferenças entre trabalho e jogo, e, propõe as atividades de trabalho-jogo e jogo-trabalho no desenvolvimento da criança. Persuadimo-nos de tal modo que há oposição radical e definitiva entre trabalho e jogo, e, de que o trabalho cuja tirania comum se conhece, não é pa­ 88

ra crianças, que não pedimos a estas qualquer atividade social, deixando-as cada vez mais no domínio do jogo que lhes seria próprio. É incontestável que tal concepção tenha tendência para se generalizar, que cada vez menos se su­ jeitam as crianças a trabalhar, que se concede ao jogo uma atenção e im­ portância crescentes. E a escola, neste domínio, não se limitou a seguir o mo­ vimento, ela contribuiu para justificá-lo ao aceitar sem reação essa separação. Os vossos psicólogos e os vossos pedagogos, diz em uma crítica às atividades lúdico-pedagógicas, têm aplicado o seu engenho, nestes últimos anos, em de­ monstrar o poder particular do instinto lúdico à custa de uma concepção de trabalho cujo calor íntimo eles nunca sentiram. O jogo veio vergonhosamente em auxílio do trabalho e não se hesitou, por vezes, em apelar para práticas que excitam apetites menores...

TRABALHO-JOGO E JOGO-TRABALHO, A NOVA TEORIA DE JOGOS DE FREINET Freinet propõe a inclusão, nas escolas, dos jogos-trabalho e dos trabalhos-jogos, uma das mais geniais criações do mestre francês. Há entre as nossas concepções de trabalho e de jogo uma espécie de questão de precedência. Se se admite que é o trabalho a função essencial, na­ tural, e que corresponde sem encenação, sem substituição, primitivamente, por assim dizer, às necessidades específicas da criança, o jogo, então, aparece apenas como uma atividade subsidiária que não merece ser assim elevada ao primeiro plano do processo educativo.

O TRABALHO NA CONCEPÇÃO MARXISTA Leontiev: “A verdade é que a primeira análise científica da atividade-trabalho foi feita por Marx. A ati­ vidade humana, tanto mental como material, tal como se manifesta no processo de produção, está cristalizada no produto. O que em um extremo manifesta ação e movimento, no outro, o do produ­ to, transforma-se em uma propriedade estavelmente definida".

A APRENDIZAGEM E A APROPRIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS Leontiev; "O processo de desenvolvimento da criança não consiste exclusivamente em um processo de adaptação, como queria Piaget, pois o conceito de adaptação não reflete os pontos essenciais do desenvolvimento mental. A criança não se adapta ao mundo e aos fenômenos que a circundam, mas torna-os seus, apropria-se deles”.

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Diferencia adaptação de apropriação, dizendo que apropriação é um pro­ cesso que tem como conseqüência a reprodução no indivíduo, de qualidades, capacidades e características humanas de comportamento. É um processo pelo qual se produz na criança a transmissão para o indivíduo das conquistas do desenvolvimento da espécie. Por exemplo, a criança encontra a linguagem no mundo em que a rodeia. A linguagem é um produto objetivo da atividade das gerações humanas prece­ dentes. No processo de desenvolvimento, a criança apropria-se da linguagem, isto significa que na criança se formam capacidades de funções especifica­ mente humanas: a capacidade de falar e entender, as funções de ouvir e de ar­ ticular a linguagem falada. Naturalmente, estas capacidades e funções não são inatas, mas surgem du­ rante a ontogênese, e o que a faz surgir é a existência da linguagem no am­ biente da criança, enquanto as características biológicas herdadas constituem apenas as condições necessárias às crianças para possibilitar a formação des­ tas capacidades e funções. A apropriação da experiência humana acumulada pelas crianças é um fenômeno sempre ativo. Para se apropriar dos objetos ou dos fenômenos é preciso empreender uma atividade adequada ao conteúdo no objeto ou no fenômeno dado. Quando dizemos, por exemplo, que a criança “assimila” ins­ trumentos, isto significa que começa a usá-los com precisão, que forma as cor­ respondentes ações e operações motoras e mentais. Estas ações e operações estão contidas, dadas no objeto, mas subjetiva­ mente para a criança são apenas tarefas. Segundo Leontiev: “Tudo isso pode resumir-se no seguinte: os processos mais importantes que caracterizam o desenvolvimento da criança, são os processos específicos mediante os quais assimila e se apropria das conquistas das gerações anteriores humanas, que ao contrário das conquistas do desenvolvi­ mento genético nos animais, não estão morfologicamente fixadas e não se transmitem por heredi­ tariedade".

A APROPRIAÇÃO DA CULTURA E O TEXTO LIVRE Ao abordar a importância do texto livre, da imprensa e da fabilidade do manual escolar, Chanché apresenta uma das mais profundas análises em “a apropriação da escrita: um ato político”. Diz, entre outros fatores, que em face da contradição entre a modernista ideologia pedagógica e a ideologia conservadora vinculada pelo material esco­ lar, Freinet vai utilizar a imprensa, instrumento concreto elogiado por um 90

adepto da pedagogia progressista; é o primeiro passo para a resolução da con­ tradição, a utilização de um meio concreto, o único, ou quase, saído de teorias abstratas para resolver um problema concreto. No entanto, esta utilização da escrita impressa não terá por objetivo completar ou imitar a escrita impressa do manual, mas lutar contra. Assim, Freinet perverte o utensílio, ou melhor, toma o seu lugar não ideológico e ao mesmo tempo perverte a idéia pedagógi­ ca de Cousinet. Julgamos não contrariar, diz Chanché, a idéia de Freinet de que a imprensa não é um verdadeiro utensílio de revolução pedagógica - não dizemos revolução - a não ser à medida em que é, não antes nem depois, mas ao mesmo tempo, sobre determinação quantitativa, um utensílio polêmico, no sentido em que Bachelard confere a este termo. Freinet, na análise da imprensa escolar, ou melhor, da impressão do texto livre pelos alunos, diz: “Gostaria, sobretudo, de contribuir para desenvolver ainda mais o bom senso dos filhos dos trabalhadores. Espero que, quando forem grandes, os meus alunos se recordem do que são as fo­ lhas impressas: vulgares pensamentos humanos sujeitos ao erro. E, do mesmo modo que hoje criti­ cam as modestas folhas que imprimem, espero que saibam ler e criticar mais tarde os jornais que lhes oferecerem". (Nascimento de uma Pedagogia Popular).

E na medida em que, continua Chanché, a imprensa e o texto livre desmitificam politicamente é que se tomam bons utensílios para a aprendizagem técnica da língua, aspecto que Freinet desenvolverá em “Métodos Naturais”, mas que é inseparável do seu contexto polêmico, para não dizer revolucioná­ rio. A imprensa e o texto livre Assegura Chanché que poder-se-á notar, de passagem, a anterioridade do político sobre o pedagógico; se é necessário suprimir o uso do manual, não é tanto porque é mal feito, mas porque escraviza. É, então, intenção clara de Freinet, na introdução da imprensa na escola, dizer que não tanto o macaquear o imperialismo da coisa impressa, mas desmistificá-la, mistificando a própria escrita, isto é, praticá-la com uma finalidade libertadora contrária à sua habi­ tual finalidade ideológica. Instaurando na aula uma verdadeira prática de “classe”, Freinet derruba esta prática para lhe dar a sua função semiótica; a imprensa continua o seu papel de socialização da escrita, mas priva-a de seu caráter constrangedor. A imprensa não é um prolongamento ou um estímulo “a posteriori” do texto livre, escreve para ser impresso, é pelo contrário, a possibilidade de “agarrar”, pelas crianças, do utensílio de socialização da palavra que condiciona o “agarrar” da própria palavra. Na perspectiva de Freinet, o texto livre sem a imprensa não tem qualquer significado. 91

Isto mostra a distância que pode existir entre o agarrar a palavra no texto livre e o “agarrar de palavra”. O ato de agarrar a palavra em Freinet, é políti­ co antes de ser pedagógico ou terapêutico, catártico. Para Chanché, a aparência do texto de Freinet é política, mas a sua verda­ de é pedagógica. Makarenko: "A pedagogia é a ciência da educação em particular, é uma ciência que tende para um fim prático. Não podemos muito simplesmente educar o homem, não temos o direito de fazer uma obra de educação sem nos propormos um fim político determinado".

O texto livre, continua Chanché, não é uma invenção técnica espontânea, mas o seu aparecimento representa um verdadeiro salto qualitativo no sentido dialético do termo. O seu aparecimento episódico - uma criança que fala no interior da aula do que acaba de ver no exterior imediatamente antes - não deve iludir-nos, mas servir de paradigma: o fora entra no dentro, não por in­ termédio de uma tecnologia alienante, mas pela própria instituição, que segre­ ga a sua própria tecnologia e que por seu intermédio se liberta. O texto livre não é uma simples redação ou uma técnica separável, ele é a própria apropriação social da cultura. Quando Freinet fala do método natural de aprendizagem, fala do texto livre como a socialização da escrita. Do mes­ mo modo como a socialização do vagido, acolhimento pela mãe, é o motor da aprendizagem da palavra e da língua, o acolhimento da escrita deve tomar-se o motor da aprendizagem da escrita.

DESENVOLVIMENTO SOCIAL DAS APTIDÕES O desenvolvimento das “aptidões” ou dos processos mentais superiores, especificamente humanos, não dependem do fundamento anatômico - fisioló­ gico destas capacidades e funções que não são estáveis, mas se transmitem por meio de uma “herança” social que provoca polêmica. É válido afirmar a existência, no homem, de estruturas cerebrais inatas das quais depende a presença de variadas capacidades e funções. Por outro lado, é importante também afirmar que o desenvolvimento social leva ao de­ senvolvimento destas “aptidões” na direta dependência da hereditariedade. Vygotsky e outros pesquisadores afirmaram que simultaneamente à for­ mação dos processos mentais superiores, especificamente humanos, se formam também nas crianças os órgãos essenciais para o seu funcionamento, ou seja, formações estáveis de reflexos ou sistemas usados para realizar atos específi­ cos. 92

Estes sistemas determinam novas formações no desenvolvimento mental, cuja constituição é um princípio importante da ontogênese. Estas novas formações apresentam três características que são as seguin­ tes: - uma vez formados funcionam como um órgão típico e individual; - os sistemas funcionais são formados por conexões condicionadas, mas não se extinguem como os reflexos condicionados, possuem duração; - estes sistemas duram tanto que os seus diversos componentes podem ser substituídos por outros, tomando estável todo o sistema funcional. Luria, Vygotsky e Rubinsthein apresentam trabalhos de cunho acentuadamente experimental.

LURIA E O MOVIMENTO EM DESENVOLVIMENTO Luria reforça a perspectiva de dar grande importância à relação córtex movimento. Segundo esse pesquisador soviético é preciso enfatizar o papel dos analisadores proprioceptivos e extereoceptivos. O movimento, ação, resulta de in­ formação dada por estes analisadores a qual é posteriormente trabalhada e re­ fletida, por meio de uma atividade analítico-sintética. Isto quer dizer que pen­ samos o mundo exterior de uma forma material e concreta, através do movi­ mento. De fato, o movimento desde o primeiro dia de vida assegura a maturação do sistema nervoso, sendo simultaneamente a materialidade sobre a qual as­ senta a história de cada um. Nesse aspecto histórico, por sua vez, está implícita uma Relação de Unidade entre os centros de memória e os mecanismos de percepção. O movimento como comportamento (intencional) não é o resultado de contrações musculares puras mas, sim, uma resposta a uma causa exterior (in put) integrada e conservada por uma atividade superior de análise e síntese, e que se materializa sob a forma de uma ação, ou gesto humanizado (out put). O movimento, como é representado por Luria, surge-nos como a razão de ser da inteligência, conforme se pode concluir ou recordar o que ele exige: re­ gulação, seleção, organização e controle. Esse autor permite-nos situar, portanto, a importância do movimento e, do seu papel no desenvolvimento global da criança ao apresentá-lo como um re­ 93

sultado da ação e da assimilação da experiência acumulada pela humanidade.

EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS MENTALMENTE ATRASADAS O desenvolvimento da criança e de suas “aptidões” é uma prática, práxis, isto é, uma ação-psicomotora em unidade dialética, que permite a aqui­ sição da experiência social. Esta posição reformula o conceito de educação de excepcionais ou men­ talmente atrasadas. Em tese, afirmam estes pesquisadores, em particular Luria, que a criança não nasce com órgãos preparados para cumprir funções que representam o produto do desenvolvimento histórico do homem; estes órgãos desenvolvemse durante a vida da criança, derivam de sua apropriação da experiência histó­ rica. Os órgãos destas funções são os sistemas funcionais cerebrais, órgãos fisiologicamente móveis do cérebro, segundo Vytomsky formados com o pro­ cesso efetivo de apropriação. O papel da escola no desenvolvimento Luria afirma, ao avaliar o papel da escola no desenvolvimento, que na es­ cola não apenas sobressaem as capacidades que se desenvolveram, mas for­ mam-se e logo se desenvolvem novas capacidades. Todas as crianças normais, ao adquirirem os métodos e os hábitos de aprendizagem da escola, desenvol­ vem as suas capacidades, compensam as deficiências e realizam o seu poten­ cial de desenvolvimento mental. A escola, como a própria vida, é um podero­ so fator formativo, seria um grave erro subestimar esta influência formativa e pensar que “as capacidades inatas” determinam inevitavelmente o futuro da criança e que as dificuldades que algumas crianças encontram para aprender se devem a um baixo nível de “capacidades inatas”. Existem certas crianças, no entanto, com atraso principalmente na assimi­ lação de noções mais abstratas. Essas crianças têm características anormais em virtude de graves perturbações cerebrais. Ao estudar as características do atraso mental, Luria considera os seguin­ tes aspectos de análise: - Caracterização clínica; - Atividade elétrica do cérebro; - Reflexos de orientação; - Atividade nervosa superior. 94

Ao verificar as diferenças entre os processos nervosos superiores da criança mentalmente atrasada e, a de atividade nervosa superior de uma crian­ ça da mesma idade, “normal”, afirma: "As formas complexas da atividade nervosa superior da criança normal, estruturam-se no decorrer da comunicação com os adultos. Neste processo, a linguagem é assimilada e se transfor­ ma estavelmente de meio de generalização em instrumento de pensamento e, em instrumento para regular o comportamento. Pode dizer-se que cada ação isolada do comportamento se forma na criança normal com a participação da linguagem, que sistematiza a experiência anterior e dirige o comportamento ativo".

O fenômeno é completamente diferente no caso da criança atrasada. Du­ rante o desenvolvimento, esta criança também assimila a linguagem, mas os processos nervosos em que se baseia mostram desvios patológicos, e não per­ mitem o aparecimento de sistemas complexos e móveis de conexões, necessá­ rios para o normal funcionamento da linguagem. As conexões de linguagem da criança atrasada não revertem, portanto, esse papel ativo necessário para a formação da atividade intelectual e para a regulação do comportamento. Os traços que caracterizam a criança atrasada são: - transtornos na participação da linguagem na formação de processos men­ tais complexos; - deficiências nas funções reguladoras e generalizadoras.

UTENSÍLIO E CULTURA PARA FREINET Na filosofia de aprendizagem, baseada na “apropriação da cultura”, Frei­ net propõe o recurso do “utensílio à assimilação da cultura” como estratégia de desenvolvimento. Na monografia propõe:

“Método

Natural



III,

Aprendizagem

da

Escrita”

"... O utensílio, instrumento específico do progresso e da civilização, não tem outra função senão acelerar a experiência através da tentativa experimental, para um mais rápido êxito na adaptação dos atos essenciais da vida. “Isto é, cada indivíduo deve construir esse edifício simbólico que é a imagem da sua própria vida. E terá de o construir penosamente, ao ritmo da sua espécie, se tiver de refazer todas as tenta­ tivas experimentais dos seus antepassados. Avançará tanto mais depressa nessa construção, quan­ to mais aperfeiçoados forem os utensílios que lhe permitirão franquear, a uma velocidade acelera­ da, as etapas da necessária e indispensável experiência. “Contudo, há uma tentação evidente: que o indivíduo seja simplesmente levado a partir da experiência de outrem, que ele considera como segura e definitiva. Um resíduo mais ou menos im­ portante fica do indivíduo que acabou a corrida. Parte-se daí como se esse resíduo fosse um aci­ dente natural do solo, uma colina de onde já se domina o vale e cuja solidez e orientação não nos preocupamos em verificar.

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“A civilização faz do resíduo uma espécie de trampolim do qual o homem atinge mais facil­ mente os frutos da ciência. A criança pousa nele um pé inquieto, ajusta o seu equilíbrio, ergue-se sobre as pedras oscilantes e chega à ramagem frondosa da árvore. Este êxito dá-lhe confiança na soídez e utilidade desse resíduo que utilizará, então, como base da sua própria construção, sem ter repensado, reconstruído, reassegurado. Ficará espantada quando um belo dia o edifício, que para ir mais depressa foi erguido audaciosamente alto, oscila sobre a base carunchosa e frágil, a ponto de necessitar, talvez, suportes mais ou menos eficazes e harmoniosos, a menos que desabe total ou parcialmente. "Insistimos no perigo que há, na escola, em partir assim - apesar da tendência evidentemente contrária das crianças - da aquisição anterior, considerada como definitiva e segura, que é impos­ ta como base, sem a perscrutar, sem a repensar ou reviver. Insistimos no perigo que reside em crer que o progresso conseguirá evitar assim, aos homens, a minuciosa tentativa para a construção da sua personalidade. “...O indivíduo que construiu ele próprio a sua personalidade é como se se tivesse apropriado dos utensílios que usa. Esses utensílios são então para ele aquilo que essencialmente são: prolon­ gamentos da mão e dos dedos, que permitem ir mais longe, agir com maior potência, tanto no ata­ que como na defesa. Nesta apropriação, o homem mantém naturalmente como principal preocu­ pação a conservação do equilíbrio, sem o qual, mesmo com prolongamentos das mãos, seria ape­ nas um pobre enfermo. E esta necessidade de equilíbrio é instintiva e geral, tanto no plano mental e psíquico como no físico. "... Na origem, mímica, gestos, gritos e palavras são empregados exclusivamente para pro­ longar a personalidade, para lhe dar supremacia e potência. E como uma emanação de nós pró­ prios, um instrumento precioso que nos permite chegar mais longe, mais alto e mais fundo que com os mais maravilhosos utensílios. Durante muito tempo o "verbo" guardou esta virtude e este valor de personalidade, como um utensílio raro que tratamos e que só empregamos com conhecimento de causa, com medo de usá-lo e de enfraquecê-lo. A palavra é uma porção de nós próprios, e a mais nobre, que lançamos para frente, ou para cima, para procurar um ponto de apoio como res­ sonância. Em sua forma comovente e superior, conservou esta eminente característica, nomeada­ mente entre os poetas que, para além da perversão da língua, exteriorizavam através dos seus can­ tos, como que uma parcela de personalidade, uma emanação do cérebro e do coração que vai, quente e viva, acordar a vibração simpática de outros cérebros, de outros corações e de outras vi­ das".

Mas aconteceu à linguagem a mesma coisa que ao utensílio e, o parentes­ co que lhe reconhecemos, tomar-nos-á mais sensíveis essa similitude do desti­ no. Enquanto o conhecimento íntimo do utensílio não pudesse ser adquirido senão através do trabalho efetivo, a explicação não podia ir buscar outra forma que não fosse a própria ação. Tal como a criança que, não sabendo ain­ da falar com clareza suficiente, nos pega na mão para nos ir mostrar e expli­ car, pela observação direta e ação, aquilo que não nos consegue fazer com­ preender de outro modo. Esse é o meio mais seguro, mas é lento: necessita da nossa presença e do nosso esforço pessoal; nada será sem nós nem a seguir a nós; e aliás nem sempre é possível. Tudo isto são considerações que prejudi­ cam a aceleração da experiência. Quando conseguimos explicar-nos através de: gestos, mímica, desenho, fala e escrita, podemos evitar a deslocação; economizar a ação material, o que se toma mais rápido e até mais seguro, e, de qualquer modo, favorece a 96

tendência do homem para economizar esforços e obter um máximo de potên­ cia. Assim, a expressão pelo gesto, a palavra e a escrita, tendem a substituir a própria ação. O vício não cessou de aumentar e de se agravar. A palavra e a escrita, nomeadamente, tomam-se utensílios universais, cuja perfeição, sutileza e no­ breza ideal destronaram a pouco o esplendor da própria ação. É como um utensílio maravilhoso e dócil, que se oferece a nós em todas as ocasiões e que temos tendência a utilizar indiferentemente para a solução de todas as dificul­ dades, a tal ponto que a linguagem, a escrita e a leitura se tornaram como que antinômicos de ação. Os que falam bem, fazem honra em ter as mãos limpas, os que possuem o dom de manejar a linguagem escrita especializam-se num único trabalho, o do pensador, escritor e, eventualmente, escrevinhador; outros lêem tanto que abandonam qualquer trabalho. Uns e outros esquecem que a sua personalidade não é, apesar do que possa parecer, uma atividade essen­ cial: que não bebem, não comem, não amam, nem se reproduzem através da palavra e da escrita. Nasceu o divórcio entre a realidade das coisas, o trabalho efetivo e a expressão oral e escrita. Divórcio que se irá aprofundando até se­ parar, por vezes totalmente, a ação da sua expressão, o gesto do seu substitu­ to, o trabalho da sua razão de ser. O divórcio não era ainda tão total, nem tão dramático, enquanto se tratou apenas da palavra. Tão insidiosa quanto possa vir a ser, a palavra permane­ cerá contudo integrada na vida, pois aprende-se ao mesmo tempo que corri­ ge-se e aperfeiçoa-se com a experiência da vida. Durante muito tempo, aliás, a criança prefere a ação à palavra. Fala muito quando não quer ou não pode agir. Dêem-lhe ocasião de proceder na prática à tentativa experimental que lhe é indispensável, de se realizar através de um trabalho que responda às suas necessidades fundamentais e ela será tão sóbria de vãs palavras como o pastor atrás de suas ovelhas, ou o camponês nas suas terras. A linguagem utensílio ajudará a vida, mas não a substituirá. As coisas são mais graves no que diz respeito à escrita, ao impresso e à leitura. Apresentam de repente à criança um utensílio cujo sentido e utilidade ela não concebe. Fazem com que brilhe aos seus olhos, agitam-no, desmontam-no e embelezam-no, fazem-no funcionar para empenhar a criança no seu manejamento. Ela, no entanto, não sabe para que servem esses sinais que dan­ çam sobre a página; não distingue as relações que eles têm com seu próprio porvir e o seu desenvolvimento. A criança consegue, contudo, apreender as imagens, depois as idéias abstratas expressas pela escrita impressa, mas não situa nada no plano da vida. Chegareis talvez a familiarizá-la com esse utensí­ lio; a criança pode mesmo adquirir uma certa mestria, mas não se servirá dela para erguer o seu próprio edifício. A criança tem os seus métodos mais ou 97

menos empíricos. Na prática, efetivamente, a massa dos indivíduos que passou pela escola onde aparentemente aprendeu o mecanismo e o manejo do utensí­ lio, nunca se serve dele para construir a sua vida; nunca vereis homens do po­ vo escreverem os seus pensamentos ou observações a menos que tenham, so­ zinhos, repensado a sua cultura e como autodidatas reaprendido o sentido e o uso do utensílio. Basta-lhes saber anotar, mais ou menos desajeitadamente, as dimensões de uma sala, a data de uma sementeira ou a dívida de um amigo, é por isso que o cálculo figura entre as técnicas mais apreciadas das dispensadas pela escola. Nunca escreve, ou então as letras são banais e estereotipadas por­ que lhe falta o verdadeiro utensílio; e se ler, é para se extasiar com essa lantejoula que fazemos brilhar aos seus olhos, para se evadir em construções anor­ mais e inumanas que somente as palavras permitem, e não para fortificar e en­ riquecer a vida. Este fosso, cavado por uma falsa concepção do utensílio, devemos tentar preenchê-lo com uma nova concepção da educação fundamentada na inda­ gação experimental e no trabalho, através do emprego de utensílios que conti­ nuam a ser o prolongamento da mão, integrados no destino da personalidade. Sobretudo não pode haver, compreende-se, aprendizagem separada da língua, da escrita, da leitura e do impresso. Haverá somente, com a ajuda des­ ses utensílios, uma subida acelerada da personalidade humana individual e so­ cial. Partiremos deste princípio pedagógico: às palavras e os conceitos mais ou menos lógicos que exprimem, só constituirão um enriquecimento se forem o resultado e o prolongamento da nossa experiência pessoal, incorporados na nossa vida, ligados ao nosso futuro. Existe apenas um meio de aceder à verdadeira ciência, que é potência: é partir modestamente da base, da tentativa experimental empírica, e em segui­ da, da tentativa experimental metódica e científica.

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7. A DIVISÃO DO TRABALHO NA ESCOLA

O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO NA ESCOLA Um dos pontos mais discutidos, não só pela psicologia como pela peda­ gogia soviética, foi a questão da divisão do trabalho na escola. O sistema tradicional de ensino isolava a escola, separando-a da comuni­ dade. Por outro lado, estabelecia distinção entre trabalho intelectual e manual, privilegiando aquele. A educação e a participação da escola na comunidade A filosofia dominante da geração renovada é que o estudante deve ser um participante ativo da vida econômico-social da comunidade, e, que a atividade tecno-manual é parte integrante do currículo. Não deve haver a elitização da cultura humanística e literária, reservan­ do-se o trabalho técnico aos menos favorecidos pela fortuna. Os valores da escola passam a concentrar-se, em um sentido democrático, nos valores ligados à ideologia da produtividade - consumo - competitividade.

OWEN E O HOMEM COMPLETO Ao analisar o sistema de educação de Freinet, Chanché cita Owen: “Basta consultar os livros de Owen para ficarmos convencidos de que o sistema de fábrica foi o que primeiro fez germinar a educação do futuro, educação que unirá para todas as crianças, acima de certa idade, o trabalho produtivo com a instrução e a ginástica, e isso não apenas cOmo método para aumentar a produção social, mas como único método para produzir homens comple­ tos" .

A grande novidade, acentua Chanché, reside na expressão “homens com­ pletos”: para Marx, a instrução separada da produção fabrica “homens abstra­ tos”, e apenas a combinação dos dois tomará o homem completo.

O TEXTO LIVRE E O CONCEITO DE TRABALHO Analisando a importância do texto livre como elemento fundamental do “homem completo”, Chanché acentua que a escrita do texto livre deve ser considerada como trabalho no sentido pleno do termo, e o próprio texto como um produto social, consumido socialmente. Produção humana, texto livre e redação “Enquanto tal, o seu valor reside, não na obediência à uma ordem mais ou menos explícita como a redação, mesmo com assunto livre, mas apenas na quantidade de trabalho necessário à

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sua produção. É necessário considerar “trabalho" no seu sentido mais vasto: imaginação, investi­ mento, tempo consagrado, grafia, etc., e também freudiano (Traumarbeit). É um ponto que não fi­ gura no conjunto reconhecido: ao escrever um texto, admite-se que o escritor trabalha no sentido social do termo, isto é, que produz. Pelo contrário, a criança quando escreve não produz, ‘apren­ de’: não pode ser assimilado a um trabalhador social. Freinet foi o primeiro a denunciar esta ilusão”.

O VALOR DE USO E O VALOR DE TROCA EM EDUCAÇÃO Estudemos agora a relação entre a criança que produz e o objeto produ­ zido. É a este nível que a referência aos “Manuscritos de 1844” se impõe. Coloquemos de imediato a nossa hipótese de trabalho: (1) Produção humana vs (2) trabalho alienado = = (3) texto livre vs (4) redação. Preferimos o termo produção humana ao de trabalho livre, que não tem especial significado. Uma vez colocada este equação, convém justificá-la. Fálo-emos apoiando-nos, em primeiro lugar, na famosa distinção entre valor de uso e valor de troca, depois na crítica da noção de salário. Consideremos a relação (1), (3): Tanto na produção humana como no texto livre, o valor social do trabalho é essencialmente valor de uso, ou melhor, a relação entre o produtor e o seu produto é uma relação de uso, o texto é escrito apenas para aquilo que diz. Do mesmo modo, entre o produto e aquele que o consome, este não o recompensa como uma nota - salário - valor de troca). Assim, a relação entre o produtor e o consumidor é uma relação não mediatizada, não coisificada, é uma relação troca-uso. Em momento nenhum há cisão entre o produtor e o seu produto: no texto, a criança produzindo, produz-se, e assim, manifesta a sua particularida­ de não em uma prática onanística, mas por meio de um instrumento social. A comunidade, ao ouvir o texto, ao apreciá-lo, ao criticá-lo, assume esta particu­ laridade consumindo-a enquanto tal. Não há hiatos, o trabalho no texto livre é o trabalho humano de que Marx faz a grandiosa descrição num texto que de­ vemos citar in extenso, de tal modo, que nos parece ter sido escrito por Frei­ net: "Suponhamos que produzíamos como seres humanos: cada um de nós afirmar-se-ia dupla­ mente na sua produção, nós próprios e o outro. "Na minha produção, eu realizaria a minha individualidade, a minha particularidade: expe­ rimentaria ao trabalhar, a felicidade de uma manifestação individual da minha vida e, na contem­ plação do objeto, eu teria a alegria individual de reconhecer a minha personalidade como potência real, concretamente palpável e escapando a qualquer dúvida. "Na tua felicidade ou no teu emprego do meu produto, eu teria a alegria espiritual imediata de satisfazer, com o meu trabalho, uma necessidade de realizar a natureza humana e de fornecer a outro, o objeto de que ele necessita.

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- "Eu teria consciência de servir de mediador entre ti e o gênero humano, de ser reconhecido e sentido por ti como um complemento do teu próprio ser e como uma parte necessária de ti mes­ mo, de ser aceite tanto no teu espírito como em teu amor. - "Eu teria, em minhas manifestações individuais, a alegria de criar a manifestação da tua vi­ da, isto é, de realizar e de afirmar na minha atividade individual a minha verdadeira natureza, a minha sociabilidade humana. As nossas produções seriam espelhos em que os nossos seres se refletiríam um ao outro".

Este admirável texto - mesmo que lhe possamos criticar traços ainda muito hegelianos - podería servir perfeitamente de prolegômeno a uma teoria mar­ xista da pedagogia cooperativa. No trabalho alienado, o produto não é considerado em seu valor de uso, mas em seu valor de troca; é certo que o trabalho produz um valor de troca, mas este é estranho ao produtor que entra em relação com a sua obra por in­ termédio de um terceiro termo abstrato: o salário, que não recompensa o valor do trabalho, mas apenas permite reproduzir a força de trabalho. O trabalho não se reconhece num produto que, no entanto, deveria ser o seu: está alie­ nado. A redação e o valor de troca É o que se passa na redação: a relação entre a criança e o seu produto é duplamente uma relação de alienação. Em primeiro lugar ao nível da pro­ dução: impondo-lhe o assunto sobre o qual vai compor, dando-lhe um tempo determinado e limitado, etc., confisca-se-lhe a sua particularidade, ordenan­ do-lhe que em contrapartida: “Seja original!”. Seguidamente, ao nível do consumo: o produto não é consumido enquanto valor de uso pelos alunos, mas enquanto valor de troca, pelo professor; re­ gressa ao seu produtor acompanhado de um salário: nota ou apreciação. A partir de então, o produto toma-se um ser abstrato, um mediador que serve pa­ ra obter uma aprovação, a que B. F. Skinner chama de contingência de refor­ ço, que servirá como o salário do operário para regenerar a sua força de traba­ lho. Devido a esta dupla alienação, a produção toma-se-á cada vez mais exte­ rior à criança; para esta, trata-se de obedecer cada vez mais às indicações ex­ plícitas ou implícitas do professor para ter um salário cada vez mais elevado, ou mais freqüentemente, para ter uma espécie de SMIC lingüístico que lhe permita ter paz na aula e em casa! A nossa análise do tipo marxista é confirmada pelas análises muito preci­ sas, de redações de crianças, feitas por D. Bomix, B. Soulié, J. Dubois e J. Sumpf no liceu de Saint-Germain-en-Laye e por D. Messe e Delepine na Bél­ gica. 103

Os primeiros afirmam: "A redação é um discurso fechado, acabado e responde a uma ordem, isto é, àquilo a que se chama o ‘tema’. [ ...] O trabalho responde a certas instituições: o aluno sabe que deve introduzir o tema, seguir uma certa retórica (descrever, depois expor os seus sentimentos, por exemplo) e fechar o trabalho com uma conclusão. "O julgamento do professor é função da aplicação ideal destes princípios. Tanto pela forma como pelo conteúdo, o trabalho deve responder ao modelo de perfeição que o professor tende a impor".

Os outros analisam, a partir de 3 critérios transcritos, em percentagem (tema tratado, tema ultrapassado, fora do tema) a fidelidade ao tema. As suas conclusões não são de modo algum eufóricas. Sem dúvida que Brandicourt viu com clareza quando declara: “São con­ dições muito artificiais do exercício escolar de redação, que falseiam o jogo e desviam as crianças do verdadeiro esforço permanente de uma expressão do pensamento”. Estes dois estudos, no seu rigor e frieza experimental, deixam de lado aquilo que, em nossa opinião, somente uma análise marxista pode tentar: uma abordagem sob o ponto de vista institucional. Não são considerados nem o funcionamento da instituição literária propriamente dita. No artigo de D. Messe e Delepine, a teoria literária subjacente mantém-se em grande parte behaviorista e apoia-se numa visão “realista” do texto. Cen­ trando a sua análise na noção de fidelidade (e do seu corolário negativo e de­ preciado, o afastamento) os autores situam-se numa perspectiva não literária, ou de não literariedade do texto, que hoje já não se aceita depois do breve, mas decisivo artigo de R. Jakobson, “Du réalisme en art”. Ali, a literariedade do texto é simplesmente colocada entre parênteses, no entanto, não é posto em questão o fim da redação, a saber, “o meio privilegiado de comunicar nosso próprio pensamento a propósito de um tema dado”. A redação, tal como está concebida atualmente, é um meio mal adaptado. No entanto, no primeiro artigo, a crítica ideológica parece subjacente e legível na disfarçada ironia da conclusão: “A melhor aluna, Irene, empregou todos os meios sintáticos para que o seu discurso pertencesse ao modelo enunciado, enquanto foi a única a ter feito uma descrição da praia que perten­ ce ao modelo do enunciado. Não é, portanto, penalizada e o seu trabalho é ‘apreciado’ pelo professor”. O que há de comum nos dois artigos é uma crítica formal e, afinal, ideológica no sentido marxista da redação. Com Marx, a crítica é institucional no sentido em que se coloca ao nível das relações de produção; a redação não é considerada como uma produção li­ 104

terária infeliz ou retrógrada, mas alienada. A particularidade que se pede é, de fato, uma produção de mais valia: o aluno é original na medida em que os outros são demasiado fiéis. O afasta­ mento positivo da “originalidade” é uma diferença de classe, não uma afir­ mação da particularidade. Esta é confiscada. Em que consiste o desapossar do trabalho? Em primeiro lugar no fato do trabalho ser exterior ao operário, isto é, não pertencer ao seu ser; o operário não se afirma no seu trabalho, nega-se; não se sente satisfeito, mas infeliz; não despende uma livre energia física e intelec­ tual, mas mortifica o seu corpo e arruina o espírito. É por esse motivo, que o operário sente que só pertence a si mesmo fora do trabalho; no trabalho sente-se exterior a si próprio. É ele próprio quando não trabalha e quando traba­ lha não é ele. O seu trabalho não é voluntário, mas obrigatório. Trabalho forçado não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas, um meio de sa­ tisfazer necessidades fora do trabalho. A natureza alienada do trabalho surge claramente no fato de que, quando não existe obrigatoriedade física ou outra, foge-se do trabalho como da peste. Neste texto, pode substituir-se “trabalhador” por “aluno” (por não querer considerar o aluno como um trabalhador) para termos a análise institucional mais correta da instituição redação. Não que tal análise elimine as outras: a nosso ver, fundamenta-as. A redação é bem a expressão da força de trabalho do aluno e, não, do seu valor de trabalho, onde reside a sua grande diferença com o texto livre. Assim, gostaríamos de ter mostrado que a liberdade do texto livre não é uma liberdade abstrata, uma espécie de livre-arbítrio literário que, a partir de Freud, não é evidentemente mais do que um mito, mas uma liberdade concreta ao nível do processo social de produção.

A IMPRENSA, O TEXTO LIVRE E AS NECESSIDADES SOCIAIS Elise Freinet, ao relatar a “história de uma escola moderna”, em “Nasci­ mento de uma Pedagogia Popular”, afirma que a imprensa na escola não foi apenas um meio para que a criança atue em sentido físico e intelectual, por oposição à imobilidade imposta pela escola tradicional, nem o meio para rea­ tivar o interesse escolar da criança para uma disciplina. Foi muito mais que is­ to: abriu para Freinet a personalidade psicológica e humana da criança no seu devenir e na relação estrita com o ambiente. Freinet, diz Elise, dá as costas a qualquer psicologia tradicional, artificial e espiritualista que se apoie em enti­ dades imaginárias, como as chamadas faculdades da alma e orienta-se para a 105

concepção unitária e dinâmica que ligue a criança ao meio social. O texto li­ vre não é unicamente um exercício sintático, mas, antes de tudo, uma espécie de teste psicológico e social; através dele se compreende a ação do meio so­ cial sobre a criança reciprocamente, a ação da criança sobre o ambiente. Se o meio é desfavorável, o ser sofre seus efeitos nocivos e sua eficácia está amea­ çada. Nada poderá ser aprofundado e nada será definitivo para a educação, enquanto a sociedade representar uma espécie de madrasta para a maioria das crianças.

FREINET E O LIVRO DE VIDA Pelas raízes com que a escola se funde ao meio social, com a ajuda do texto livre, delimita seus centros de interesse e constrói um programa da vida dos trabalhadores. Citação de Freinet: "Um fato que tem me surpreendido é que, quando releio os textos dos Livros de Vida, cons­ tato que a distribuição dos temas é mais ou menos a mesma que atacam aqueles que preconizam a técnica de centros de interesse".

Rendendo homenagem a Decroly, criador da imprensa na escola, diz que levando a idéia desse inovador à frente conduziu a pedagogia ao seu ponto de partida: o sentido comum e a vida.

PONTOS ESSENCIAIS DO PROCESSO EDUCATIVO Há pontos essenciais que devem ser observados no desenvolvimento do chamado processo educativo, na opinião dos psicólogos da aprendizagem e pedagogos soviéticos, que são: a comunicação, a relação desenvolvimentoaprendizagem e a divisão do trabalho. A pedagogia dos países ocidentais, em especial a dos Estados Unidos, de­ senvolveu a teoria experimental do reforço externo aplicado à instrução pro­ gramada, procurando comprovar o behaviorismo com a experiência de valida­ de científica. Diminui-se a criatividade do grupo e, em conseqüência, do in­ divíduo, acentuando a autoridade do texto e do professor com noções pré-estabelecidas e validadas. As classes sociais menos favorecidas, como o proleta­ riado, camponeses e favelados elevaram, pelos dados da psicometria, os 25% de crianças infradotadas escolares. Passaram a ter importante papel o estudo das associações no trabalho es­ colar, a sua constituição e classificação; o estudo da aprendizagem e a apli­ cação das noções; a generalização primária e análise elementar, o desenvolvi­ 106

mento da abstração e da generalização, a função da imagem e da palavra, a passagem do pensamento abstrato à prática, a sistematização das noções e ên­ fase na solução de problemas que constitui um trabalho prioritário na escola e, principalmente, a formação de hábitos que passou a uma abordagem inteira­ mente nova. Toda essa linha de pesquisa, dos psicopedagogos soviéticos, constitui a linha de trabalho e orientação de Freinet e seguidores, voltados ao desenvolvimento-aprendizagem em um contexto social amplo e envolvente.

O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE Elise Freinet, ao abordar a escola elementar em “Nascimento de uma Pedagogia Popular” diz - citando Freinet - que é direito da criança viver plenamente sua vida, capacitação, formação integral de sua personalidade, muito bem. Mas para o pedagogo, estas preocupações não podem constituir uma finalidade separada do objetivo final humano e social. / A educação burguesa, individualista ao extremo, pode colocar problemas semelhantes, ao estar em função da exploração e da opressão social. Cremos que, em lugar de uma formação integral da personalidade que, com freqüên­ cia, autoriza as piores anomalias, devemos apontar para a realização da har­ monia individual na harmonia social. Se nos referimos particularmente ao ensino do primeiro grau, que é nosso verdadeiro raio de ação - tudo se complica muito mais em segundo e terceiro grau, em virtude das necessidades sociais que implicam uma rápida especiali­ zação, inclusive no campo da filosofia -, podemos dizer que o conhecimento dos fatos, a capacitação e aptidão particular, inclusive a formação de opiniões - tão frágeis a esta idade -, são preocupações secundárias de nossa pedagogia. O ensino de primeiro grau escolar não é mais do que uma iniciação, um ponto de partida, a justificação de um impulso. Nossa preocupação central de­ veria ser a conservação e o desenvolvimento do impulso individual e social do filho do povo, tão prometedor de realizações futuras. Convém lembrar que as pesquisas de psicologia da aprendizagem têm in­ fluído pouco ou distorcidamente na prática do ensino e no ensino prático, bem como, no processo de aprender e na metodologia escolar. A escola tem sido um transplante não assimilado numa sociedade em mu­ dança, não só alheia às exigências desta como, não raro, conflitante a ela. A psicologia deixa de ser social e ampla, para tornar-se individualista e elitista, influindo nos rumos da didática e nos seus caminhos. 107

REFLEXÃO A escola tem sido um centro rígido de tradição cultural e de controle polí­ tico-social de desenvolvimento da criança. Os movimentos inovadores de reforma e reformulação da escola foram sustentados por revolucionários psicopedagogos, que auferiram as expectati­ vas sociais, alicerçados nos filósofos pioneiros da educação. Nenhum movimento educacional terá sucesso se não estiver integrado à ansiedade e expectativa de mudança. Os psicólogos da linha soviética e o movimento Freinet emergiram de si­ tuações semelhantes, ainda que não idênticas. Ambas emergiram da des­ truição, de guerras que derrubaram valores que não respondiam mais às neces­ sidades do povo. Os psicopedagogos soviéticos encontraram o respaldo político da necessi­ dade de reforma. Freinet lutou com a pressão capitalista emergente do pósguerra, com dificuldades, como descreveu Elise Freinet na lírica obra autobifráfica “Nascimento de uma Pedagogia Popular”, verdadeira saga da obra heróica do educador francês. Chanché: “Como resume Engels - em sua famosa carta a Marx que Sartre ‘aceita sem reservas': os próprios homens fazem a sua história, mas num dado meio que os condiciona”. “Em que sentido é Freinet um produto?"

- pergunta Chanché.

Revela-se um produto da Primeira Grande Guerra, mas num duplo sentido fundamental: - produto coletivo: ideológico, arquétipo da geração sacrificada com a mistura de horror e nojo, mas, também, de otimismo utópico que o ca­ racteriza; - produto físico: Freinet ficou muito ferido nos pulmões, este diminuído ser físico - produto vai tomar-se um elemento determinante, ou melhor, subdeterminante, para falar com L. Althusser. Freinet não era de modo algum estranho à reflexão teórica do seu tempo. O pós-guerra é extremamente rico em movimentos de investigação e ação pe­ dagógicas. A partir daí, como bom “materialista”, Freinet moderniza o seu ensino, não com idéias de conjunto sobre a escola e a educação (ideologia), mas com 108

utensílios tecnológicos. É o processo de produção do trabalho escolar que ele modifica, como o fizeram os psicólogos da educação soviética. Segundo Freinet: "A técnica é sempre o melhor ‘utensílio’ do ensino: constitui efetivamente o utensílio de traba­ lho com o qual a criança se entrega a uma atividade completa para um fim concreto, imediato; o interesse confunde-se coma própria atividade”.

Freinet sentiu, pela experiência escolar e de vida, a miséria da escola, su­ blinhando a contradição entre os ideais da educação nova e a miséria material, tecnológica e logística da escola; miséria a que as teorias quase sempre tão bem se acomodaram. Construiu seus próprios instrumentos de trabalho como o texto livre, a imprensa escolar, a cooperativa, o livro de vida, a correspondência interescolar, alicerçados na filosofia da psicologia sensível, método natural, tentativa experimental e outros. Soube criar, inovar, como produto de um meio pobre retalhado pelo pósguerra, numa síntese integradora de filósofos da educação, concretizando con­ ceitos abstratos numa realidade viva e atuante. Foi ele o processo-produto dialético de um meio. Nisso, talvez, tenha ido além dos psicopedagogos socia­ listas. Não se pode utilizar o texto livre como mero exercício de redação; o jogo-trabalho como motivação para a alfabetização, ou ainda, a correspondência interescolar como atividade extra escolar motivadora. Não se deve dizer que uma escola segue a linha Freinet simplesmente porque se valoriza, na escola, o desenho da criança. Não há métodos Freinet padronizados. Ao segui-los pode-se cair na es­ colástica, tão criticada pelo pedagogo francês. A reformulação do ensino começa pela reformulação do professor, numa filosofia de mudança, da qual ele é o agente fundamental e desencadeador. Não há escola nova sem novos professores. A práxis Freinet é a própria orientação de sua didática. Os seus instru­ mentos são válidos à medida em que sofrem o crivo dialético do meio, do agente, da política educacional e filosofia de educação. Para Freinet, o que se quer que o mundo seja, deve ser conseguido na es­ cola, sabendo-se claramente o que... quando... e como se quer. Makarenko, conforme descreve Chanché, dizia o mesmo quando declara­ va: 109

"A pedagogia é a ciência da educação, em particular, é uma ciência que tende para um fim prático. Não podemos muito simplesmente educar o homem, não temos o direito de fazer uma obra de educação sem nos propormos a um fim político determinado".

Nós estamos no clima tenso do pós-guerra que abalou a Europa, levando Freinet a criar e operar a sua Pedagogia Social para uma escola pobre. As nossas condições sociais, políticas e econômicas refletem o momento da Revolução Russa e a ansiedade da década de 30 que fez emergir psicólo­ gos e pedagogos de educação socialista. O meio, a situação e a problemática social são a cultura dos movimentos educacionais de renovação pedagógica. Vimos que Freinet sempre dizia a seus discípulos que os seus instrumen­ tos não devem ser simplesmente imitados, reproduzidos em outras escolas, em outros meios e países. Há a eclosão de maturidade social, conseqüência de uma revolução de in­ satisfação e ansiedade de mudança, na busca de novos valores que satisfaçam as expectativas de uma nova clientela de alunos e professores, emergidos de uma práxis de libertação. Estamos preparados para uma revolução pedagógica cultural, no modelo Freinet, ou temos que criar a nossa pedagogia e estruturar o nosso modelo, ainda que alicerçados na filosofia dos psicólogos da revolução e na revolução de Freinet? Os instrumentos Freinet são os nossos instrumentos, ou são os anti-ins­ trumentos de um momento histórico diverso? A simples cópia do modelo Freinet não é uma antítese da filosofia do notável pedagogo-filósofo da pedagogia pobre? É necessário pensar... As palavras do pedagogo Nélson Mendes, adequam-se bem. São significativas as suas palavras, ao apresentar conclusões sobre a edu­ cação do cotidiano numa “tese... não, talvez um mote!... uma pergunta de fundo...” Diz ele: "Sou pela ciência do cotidiano e pela investigação que vai-e-vem, da-casa-da-escola-e-darua e por lá vê e colhe apontamentos vivos, concretos, à solta; investigação que (porque procura) encontra as ligações, um sentido, uma interpretação”. "E numa profunda filosofia do cotidiano, numa metodologia Freinet e orientação de vida afirma que sim, e no mais ‘nada’, mais vulgar, mais simples e sóbrio que tudo está, sempre. Sim.

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É lá, no nada, que tudo está, que a vida salta de tudo (estala) ... é no mais simples, no mais vulgar’’. “Vulgar é ouvir, todos os dias... dia-a-dia, o adulto (pai, professor, governante, líder políti­ co, etc.) dizer-semuito preocupado coma criança. É ou não, isto, um fato muito concreto e palpá­ vel do nosso cotidiano?... A - criança para aqui... A - criança para ali.... A - criança para acolá... A - criança precisa disto... A - criança precisa daquilo... A - criança precisa... precisa... precisa..."

Em uma interrogação incisiva questiona: “Mas afinal, concretamente, do que precisa A - criança? “Pessoalmente penso (e contra-proponho) que A - criança precisa é justamente de... UM ADULTO DIFERENTE! “Mas diferente em quê? “Diferente em sua PRÁTICA DO DIA-A-DIA (e também, das suas noites)! “Penso que a criança precisa é, isso sim, de um novo cotidiano, de um cotidiano decodifica­ do, livre de pressupostos mesquinhos, tendenciosos, podres. Se alguém tem de mudar (e)mendarse não será ela, A - criança mas, sim, o adulto”.

Mais adiante, em crítica aos modelos estrangeiros, ou àqueles que tendem a burocratizar ou escolatizar o cotidiano, como diria Freinet, ou a parar o de­ senvolvimento, fixando-o em normas e regras didáticas, em afreinetizando o método natural em roteiros e roles de “instrumentos de educação” e instru­ mentação pedagógica, com rótulos de inovação, diz Mendes: “Sim, proponho ao adulto português (substitua-se por brasileiro) que deixe de uma vez para sempre (e já) o seu ‘doutoramento’ abstrato em que nem tempo tem para si próprio (quanto mais para a criança) e inicie um outro 'doutoramento'... o do seu cotidiano (a própria aprendizagem) onde, então, encontrará naturalmente A - criança!” “Claro que somos o resultado da criança que não nos deixaram ser (compensação?): ansio­ sos, frustrados, competitivos, ambiciosos do poder, carreiristas, facciosos, machistas, mandões, racistas-de-relação, ocos, mancos, sem capacidade de admiração, invejosos, calculistas, interesseiros, desmotivados, esvaziados, sem vocação, abúlicos-do-coração, nobéis-do-medo... medo da morte... morte-s(ntese-dos-medos-vivos (de vida)!"

E com Mendes lançamos o questionamento: “E QUEM QUEBRARÁ ESTE CÍRCULO VICIOSO?”

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OUTROS TÍTULOS DESTA EDITORA: Lima Filho & Rebouças. O Pensamento Formal em Piaget. Chamorro, Manuel Sánchez. Psicoterapia Dinâmica na Deliqüência Juvenil. TÍTULO EM TRADUÇÃO: Moreno, F. L. Who Shall Survive? TÍTULO EM PREPARAÇÃO: D’alfonso. Símbolos e Inconsciente Pessoal.

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NOTA SOBRE O AUTOR AGOSTINHO MINICUCCI 1 Trabalhou com texto livre no Instituto Roosevelt, durante 10 anos. Fez um trabalho inédito de texto livre com peões de um acampa­ mento de construção civil (pessoas semi-analfabetas), elaborando um dicionário com os termos regionais utilizados pelo grupo, co­ locando nele verbetes sobre o folclore da região. Foi um treina­ mento personalizado, um "treinamento caipira", estabelecendo a troca de correspondência entre os peões e a empresa, sediada em São Paulo, através da seção de Recursos Humanos. Desenvolveu um trabalho na Faculdade de Guarulhos baseado no "Livro da vida”, com diversos grupos, o que deu origem a trabalhos sobre a vida não-acadêmica, a vida relacionai, social de cada grupo. “Esse material foi levado para outras capitais para ser apresenta­ do em cursos de nível universitário". Trabalha atualmente com um grupo de psicólogos de terapia infantil, baseada em Freinet. Faz parte do grupo a psicóloga Tatiana Aidar, que aplica as téc­ nicas Freinet com crianças, em São Caetano do Sul, há quatro anos. 117

IMPRESSO GRÁFICA PILOTO - 251-8588 composição, diagramaçâo PPA - Pesquisas, Produções e Artes Gráficas Ltda.

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