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Portuguese Pages [706]
00569540000003 - PR-PATO História da pedagogia 370.71 C175
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNES!'
Presü1enle rio Crmselho CltHulrn' Marcos Macari
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DiTelnr-!'resirlenle Castilho Mal'ques Neto F.ri
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Conselho EriiloTial AcarLílmico Antonio Celso Ferreira Cláudio Antonio Rabello Coelho j osé Roberto Ernandes Luiz Gonzaga Marchezan Maria do Rosário Longo Mortatti Mario Fernando 13olognesi Pau lo César Corrêa Borge~ Maria Encarnação 13eltr.1o Sposito Robelto André Kraenkel Sérgio Vicente Motta F.rliO1
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FRANCO CAMBI
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
TRADUÇÃO DE
ÁLVARO LORENCINI
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© 1995 Gius. Laterza & Figli Título original em italiano: Slona delta pedagogia. Os capítulos 2 e 3 e os parágrafos 2, 3 e 4 do Capítulo 4 da Terceira Parte (A época moderna) do presente volume foram escritos por Giuseppe Trebisacce. © 1999 da tradução brasileira: Fundação Editora da UNESP (FEU) Praça da Sé, 108 01001900 São Paulo SP Te!. : (Oxx11) 32427171 Fax: (Oxx11) 32427172 www.editoraunesp .com. br feu@editora .unesp.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro , SP, Brasil) Cambi, Franco História da pedagogia/ Franco Cambi; tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo Fundação Editora da UNESP (FEU), 1999 (Encyc1opaidéia) Título original: Sloria delta pedagogia Bibliografia. ISBN 8571392609 1. Educação Filosofia História 2. Educação História 3. PedagogiaHistória I. Título: 11. Série.
993733
CDD370.9 Índices para catálogo sistemático
1. Educação: História 3 70.9 2. Pedagogia: História 3 70 .9 11111111111111111111 \111111111111111111
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i\soclaclón (]c Edl lorlales Unlversltar1 3S de J\mbi ca !..alio" Y cJ C" r1 1)c
Associação Drasllelra de Editoras Unlvcrsltnrlns
SUMÁRIO
:.-!:::::zc. - - P.aulo
Apresentação Prefácio
17
Introdução 1 2 3 4 5 6
11
21
Da história da pedagogia à história da educação 21 Três revoluções em historgaf~l 24 As muitas histórias educativas 29 Descontinuidade na pesquisa e conflito de programas 33 Ativar a memória para compreender o presente 35 A história que está por trás: a Antigüidade e a Idade Média, a Modernidade e a Contemporaneidade 37
PRIMEIIVI PARTE
O MUNDO ANTIGO I Caractedsticas da educação antiga
43
o mundo antigo na pesquisa histórica contemporàuea 2 3 4 5
O Mediterrâneoencruzilhada 46 Da j)(tidéia ao costume educativo 48 Modelos de formação numa sociedade estática As origens e a diferença 53
51
43
(j
fRANCO CAMBI
II O Oriente e o Mediterrâneo : modelos educativos 1 2 :3 4 5 6
57
A revolução do Neolítico e a educação 57 Sociedades hidráulicas e novos problemas educativos O Extremo e o Média Orientes 62 Egito e Mesopotâmia 64 Fenícios e hebreus 68 O "milagre grego" 71
IH A educação na Grécia
59
75
1 A idade arcaica e o modelo homérico: as armas e o discurso 75 2 À jJólis e a formação do cidadão: leis e ritos, agonística e teatro 77 3 A educação familiar, a mulher, a infância 80 , 4 Atenas e Esparta: dois modelos educativos 82 5 O nascimento da jJaidéia 85 6 Os grandes modelos teóricos: Sócrates, Platão, Isócrates, Aristóteles 87 7 O helenismo e a educação: as teorias e a práxis 94 8 A escola grega e a escola helenística 98 9 Nas origens da pedagogia ocidental 101 IV Roma e a educação
2 3 4 5
103
A Roma arcaica entre etruscos e Magna Grécia: modelos educativos 103 A paidéia grega conquista Roma 107 A educação helenística em Roma : modelos e figuras 110 A escola, o trabalho, as "corporações" 114 A época imperial: difusão e declínio da educação antiga 117
V O cristianismo como revolução educativa
2 3 4 5 6 7
121
Concepção do mundo, modelo de cultura, ideal de formação 121 Novo Testamento, cristianismo primitivo e educação 123 O nascimento da Igreja e a organização educativa 125 A herança do mundo clilSSico: a paidéia. cristã 128 O monasticismo e "uma escola a serviço do Senhor" 130 A família e a educação cristã: a infância e as mulheres 133 Santo Agostinho: o mestre da pedagogia cristft 135
HISTÓRlA DA PEDAGOGIA
SEGUNDA PARTE
59
A ÉPOCA MEDIEVAL Características da educação medieval
141
A Idade Média na historiografia contemporânea 141 A formação da Europa e a consciência cristã 144 O imaginário cristão e a educação: aristocracia e povo 14ó Entre sociedade hierárquica e mundo burguês, entre Alta e Baixa Idade Média 14 9 5 Uma longa época de transformações e o "fundo'" do moderno 152
1 2 3 4
II A Alta Idade Média e a educação feudal 1 2 3 4 5 6
155
A educação na sociedade feudal 155 Escolas abaciais, catedrais, palacianas 158 Cavalaria e formação da elite 1 ÓO Metamorfoses da f)(tidéia cristã 163 A educação do povo 1óó A educação em Bizâncio e no Islã 1 ó 7
III A Baixa Idade Média e a educação urbana
{J
117
123 125 130
171
I Depois do Ano Mil: uma virada também educativa 171 2 A cidade, os mercadores, as artes 173 3 Educação e vida social: as crianças, os jovens, as mulheres 17ó 4 Educação e imaginário popular : ciclos pictóricos e pregação, teatro e festas 178 5 A sociedade dos letrados e a formação: romance, poesia, enciclopédia 181 182 6 As universidades, os clérigos vagantes, a lectio 7 Mestres da pedagogia escolástica 186 190 8 O "outono da Idade Média" e a educaç~o TER CEIRA PARTE
A ÉPOCA MODERNA Características da educação moderna
133 ~
195
A Modernidade como revolução pedagógica 195 Estado moderno, con t role social , projeto educativo 199
7
8
FRANCO CAMl3l
3 4 5 6
Institucionalização educativa e escola moderna 203 Uma nova cultura para a instrução 208 Aventuras do saber pedagógico 2]2 A pedagogia entre conformação e emancipação 2] 6
11 O século XV e a renovação educativa
221
1 A "revolução" humanista 22] 2 O humanismo italiano como renovação educativa e pedagógica 224 3 Figuras e modelos da pedagogia humanista italiana 228 4 Pedagogia e educação no humanismo europeu 233 5 As escolas do humanismo 235 6 O "retorno dos antigos" entre filologia/dialética e jJaidéia 239
111 O século XVI: o início da pedagogia moderna 2 3 4 5 6
243
Um século de grandes fermentações 243 A Reforma e a educação 246 A pedagQgia da ContraReforma e as novas instituições educativas 255 O renascimento pedagógico na Europa: de Rabelais a Montaigne 263 Modelos de formação individual: Baldassare Castiglione, Giovanni Della Casa e Stefano Guazzo 270 As tensões utópicas da ped'1gogia 273
IV O século XVII e a revolução pedélgógica burguesél
277
1 O crescimento da Modernidade: educação e pedagogia 2 Comenius e a educação universal 28] 3 Outros modelos pedagógicos: PortRoyal e os oratoríanos 293 4 Percursos da educação na Europa: Fénelon, La Salle, Francke 296 5 A nova ciência, o método e a educação 300 6 O nascimento da escola moderna 304 7 A formação do homem civil: sociedade de corte e boas maneiras 308 8 A educação do imaginário: o romance, o teatro e a literatura infantil 3] ] 9 Locke: o novo modelo pedagógico 3] 5
277
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
!)
v O século XVIII: laicização educativa e racionalismo pedagógico
323
1 A laicização dos processos formativos: escola, imprensa, vida social 323 2 Contra os colégios, pela reforma da instrução 330 3 Iluminismo europeu e pedagogia : da França à Alemanha e à Itália 336 4 Rousseau : o "pai" da pedagogia contemporânea 342 5 Outros inovadores: os materialistas, Vico, Kant 355 6 A Revolução Francesa e a educação: pedagogia, escola, vida civil 365 7 Duas mudanças sociais e educativas : a Revolução Industrial e a formação do imaginário civil 369
216
_28
QUARTA PARTE
A ÉPOCA CONTEMPORÂNEA I Características da educação contemporânea 1 2 3 4 5 6 7
-
I
377
A época contemporânea e a identidade social da pedagogia Educação e ideologia 382 Novos sujeitos educativos 386 Mitos da educação 390 Instru'ção e trabalho 394 A escola e as reformas 398 O saber pedagógico: ciência, política e ülosof,ia 402
II O século XIX : O século da pedagogia. Conflitos ideológicos, modelos formativos, saberes da educação
2 3 4 5 6 7
Burguesia e povo: entre ideologias pedagógicas e conflitos educativos 407 A pedagogia romântica de Pestalozzi a Schiller e Fróbel 414 As pedagogias de Hegel e de Herbart 427 As pedagogias burguesas na França, Inglaterra, Suíça e Rússia 436 A pedagogia italiana do Risorgimento 443 Sociedade industrial e educação: entre positivismo e socialismo 465 A pedagogização da sociedade e o crescimento das instituições educativas 487
407
377
10
FRANCO CAMBl
8 A escola no século XIX europeu 492 O nascimento da pedagogia científica e experimental 10 Tensões pedagógicas do fim do século: Nietzsche e Dilthey, Bergson e Sorel 502
9
III O século XX até os anos 50. "Escolas Novas" e ideologias da educação 509 O século das crianças e das mulheres, das massas e
da técnica: transformações educativas 509 2 Renovação da escola e pedagogia ativista 513 3 Novas teorias pedagógicas: o idealismo 534 4 Entre pragmatismo e instrumentalismo: a pedagogia de J ohn Dewey 546 5 Modelos de pedagogia marxista (19001945) 555 G A pedagogia cristã e o personalismo 564 '7 Totalitarismo e educação na Itália, na Alemanha e na URSS 577 8 O crescimento científico da pedagogia 581 9 Educação e pedagogia nos países n~lO-europs 587 IV A segunda metade do século XX: ciências da educação e empenho mundial da pedagogia 595
2 3 4
5 6
7 8 9
Da pedagogia às ciências da educação: um problema em aberto 595 Guerra Fria e pedagogia 600 A pedagogia cognitiva: primado da instrução e tecnologias educativas 608 1968: crítica da ideologia, desescolarização e pedagogias radicais 617 A escola do pósguerra até hoje 625 J'v'Iass media e educação 630 Epistemologia do discurso pedagógico e imagem do saber educativo 634 Novas emergências educativas: feminismo, ecologia, intercultura 638 Um universo em fermentação na fronteira do ano 2000 641
Bibliografia
645
Índice onomástico
693
498
>
498
APRESENTAÇÃO
A leitura da História da Pedagogia de Franco Cambi lembroume, de imediato, a mais célebre das histórias da pedagogia, escrita h:\ mais de um século por Gabriel Compayré, que a justificava assim no novo Dictionnaire de Pédagogie et d'Instruction Primaire, publicado em 1911 sob a coordenaçáo de F. Buisson: A utilidade da história da pedagogia não pode ser posta e111 causa. Não falo apenas da atracção que ela pode exercer, [pois] a história ela pedagogia não p()cle ser encarada unicamente como um espectáculo agradável: ela é, de facto, uma escola de educação, uma das fontes da pedagogia definitiva. Quando se trata cle física ou de química, a história destas ciências no passado não é mais cio que U111 assunto de erudição e de curiosidade ... Na ciência da educação, pelo contrário, C01110 em todas as ciências filosóficas, a história é a introdução necessária, a preparação para a própria ciência.
Gabriel Compayré marcou uma época . E um estilo. O seu trabalho serviu de modelo a grande parte das histórias da educaçáo escritas e ensinadas nos séculos XIX e XX. A sua obra ilustra, talvez melhor do que qualquer outra, a importància da História da Educaç;lO como disciplina fundadora das Ciências ela Educação. A citação anterior lembra a formulação kantiana: "A teoria sem a história é vazia; a história sem a teoria é cega". As ciências humanas são históricas, por natureza, tanto pelos seus objetos como pelos seus modos de conhecimento. Por isso, a história é consubstanciaI à própria constituição dessas ciências. Os homens que no
12
FRANCO CNvIEI
final do século XIX se bateram pela afirmaçào científica e institucional da Ciência da Educaçào perceberamno claramente . E escreveram, uma e outra vez, que o ensino da pedagogia não podia deixar de ser, simultaneamente, teórico, histórico e prático . Em 1888, Georges Dumesnil considera que "os professores que refletiram sobre a teoria e sobre a filosofia da sua profissão estão mais aptos para resolver as dificuldades práticas com que se deparam no campo da educaçào". Na mesma linha de raciocínio, D. L. Kiehle escreve, em 1901: "É possível ser um bom professor sem ter qualquer conhecimento da história da educação, do mesmo modo que um cidadão leal pode não conhecer a história do seu país. Este pode ser um especialista político, mas não será um estadista. Aquele pode ser um professor, mas não será um educador". Disciplina fundadora de uma Ciência da Educação amplamente "teórica", a História da Educação perdeu grande parte do seu sentido no momento em que a Pedagogia passou a definir-se numa perspectiva "aplicada", com base nos critérios "científicos" da psicologia experimental e da sociologia positivista . Nas décadas de transiçào do século XIX para o século XX , a História da Educação vai perder, progressivamente, o seu papel de disciplina que permite reconstruir a historicidade do processo educativo - e do esforço de teorização pedagógica - para se transformar, primeiro , numa e~ocaçã descritiva de fatos, idéias e prá ticas para consumo dos futuros professores e, mais tarde, num tempo dominado pelas "ciências da observação", numa disciplina sem qualquer utilidade.
Uma interrogação está sempre presente: a História da Educação é História ou é Educação? Trata-se, a vários títulos, de um falso problema, de uma questão circular que encerra o debate em dicotomias insuportáveis, do gênero arte versus ciência ou instrução versus educação, nas quais o pensamento pedagógico se tem esgotado. Hoje em dia, os campos disciplinares definem-se não só pela adoção de instrumentos teóricos e metodológicos semelhantes, mas também pela definição de objetos de estudo afins e pela existência de "comunidades interpretativas" que dão sentido à produção científica. Ora, é inegável que a História da Educação construiu objetos específicos e uma comunidade científica dotada das suas próprias regras e meios de comunicaçftü (revistas especializadas, associações etc.).
HISTÓRIA DA PEDAGOCIA
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A minha defesa da História da Educação baseiase em quatro idéias pnnClpals: "A História é a ciência de uma mudança e, a vários títulos, uma ciência das diferenças" (Marc Bloch). A História da Educação deve ser justificada, em primeiro lugar, como História e deve procurar restituir o passado em si mesmo, isto é, nas suas diferenças com o presente. Como escreveu Vitorino Magalhães Codinho, a história é um modo o mais pertinente, o mais adequado de bem pôr os problemas de hoje graças a uma indagação científica do passado. A História da Educação pode
o mundo clássico: ela nos leva para as origens do Ocidente, permitindo-
tec/me -,
trata-se de colher o nascimento do Lagos, da Lei, do homem moral, que
= mod elos de formação
são, ao mesmo tempo, as infra-estruturas da cultura ocidental e o produto mais alto da civilização clássica, vista da ótica grega (isto é, que põe a
n·do heréde Cristo, t:=:::::J'"!n I i çõ e s de ClIoo"--"'Lild O o s p e I o .:... periências tra nsformar .:e sentido, e m editações
~Jes
nos __ . sociedade ma visão do e comporta
duas fases pelo menos duas profundamente diversas entre si: a primeira, que começa depois das invasões bárbaras e se encerra por volta do Ano Mil (ano simbólico da renovação do milênio, mas também data , histórica de uma complexa ruptura social e cultural, e até econômica), que recebe o nome de Alta Idade Média e se agrega em torno do modelo da sociedade feudal, marcada por uma atitude defensiva, por problemas de sobrevivência, por intercâmbios reduzidos, mas também por grandes ardências religiosas e políticas (o monasticismo, a renovatio imperii, a civitas christiana etc.) e por um fervilhar de eventos no interior das estruturas bloqueadas do mundo feudal; a segunda é a da Baixa Idade Média que, a partir do Ano Mil, pelo despertar das cidades e do comércio, das ciências e das artes, pelas lutas sociais e religiosas (entre heresias e jacqueries ou revoltas camponesas), pela constituição de Estados nacionais (a França, a Inglaterra, depois também a Espanha) e de principados (na Itália), pelos grandes conflitos que atravessam a vida da Igreja, dá corpo a uma sociedade mais dinâmica, mais inquieta, mais livre também, que alimenta um espírito :10VO, o burguês (individualista, produtivo, autonomista etc.), que encontrará depois a mais nítida vitória no mundo moderno, chegando a impor novos modelos políticos, novas estruturas sociais, uma nova cultura (mais mundana e mais articulada/especializada) e também um novo modelo humano (empreendedor, emancipado, consciente do próprio valor e da própria liberdade) por volta do final dos anos Qua trocentos. É então que a Europa vai definindo suas próprias fronteiras (a leste e ao sul: pela invasão turca; a oeste: pela descoberta das rotas atlânticas) e reorganizando sua própria identidade social, cultural e política através da aventura do humanismo italiano.
150
FRANCO CAMBI
Se a Alta Idade Média modelase em torno do princípio do feudo e das relações de vassalagem que organizam sua vida interna e sua própria estrutura política; se socialmente essa época se delineia como marcada por uma sociedade hierárquica, por relações de fidelidade e de dependência, por uma estaticidade social desconhecida do mundo antigo e também, depois, do moderno; se culturalmente ela é dominada pela religião e pela idéia da res jmblica christiana que anula em boa parte os ecos da cultura clássica e reconstrói no imaginário popular uma nova concepção do mundo, com novos mitos, novos ideais, novos textos e novos modelos, toda a educação - e a pedagogia - da Alta Idade Média caracteriza-se como estática e uniforme ao redor do princípio da fé cristã e da Igreja como depositárias do modelo de paidéia cristianizada e da função de magistério, que ela exerce por muitas vias numa sociedade de cultura predominantemente oral e visual, mas vias eficazes que agem nas profundezas do indivíduo, moldando o seu imaginário. Não é por acaso, de fato, que as pesquisas sobre as mentalidades e o imaginário, típicas da historiografia atual, tenham tido na Idade Média seu campo próprio de desenvolvimento (com Huizinga e a civilização do gótico florescente nos Países Baixos; com Aries e o estudo das imagens da infância e da morte etc.) e o maior terreno de expansão (pense-se em Le Goff e em Duby e suas pesquisas sobre os imaginários medievais: do purgatório à contracultura dos clerici vagantes etc.). Naquela sociedade fechada, mas fervilhante, o imaginário é um regulador fundamental: produtor de ordem e de tensões ao mesmo tempo, consolida os vínculos sociais, mas também renova os limites (ideais) daquela sociedade . Nessa sociedade hierárquica, também a educação se organiza em formas diferentes, geralmente contrapostas: se, de um lado - nas aristocracias -, ela se refina, se formaliza, se ritualiza (pense-se na cultura literária e ligada ao castelo, à Cavalaria, às Cruzadas, à mulher idealizada tanto pelos trovadores como pelos praticantes do estilo novo) e remete aos modelos clássicos (Virgílio em primeiro lugar), nutrindo-se de antigos mitos (de Tróia, de Enéias etc.); de out(o, no povo, coagula-se uma cultura do mágico e do "baixo" (do corpo, do sexo, como já mencionamos), ligados aos temas da sorte (a roda que gira) e da morte (a foice que decepa), do gozo (o país da Cocanha) e da inversão (o Carnaval), como bem salientou Bakhtin na sua obra sobre Rabelais; cultura popular que é ain-
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
'plO do feudo e e sua própria
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ligo e tamp ela religião e O ' ecos da e
199
escola ocupa um lugar cada vez mais central, cada vez mais orgânico e funcional para o desenvolvimento da sociedade moderna: da sua ideologia (da ordem e da produtividade) e do seu sistema econômico (criando figuras profissionais, competências das quais o sistema tem necessidade). Enfim, mudam também as teorias pedagógicas, que se emancipam de um modelo uni tário, definido a priori e considerado invariante, e tomam uma conotação histórica e empírica, encarregandose das novas exigências sociais de formação e de instrução, modelando fins e meios da educação em relação ao tempo histórico e às condições naturais do homem, que, portanto, deve ser estudado cientificamente (ou mais cientificamente, pelo menos), de modo analítico e experimental, seja nas suas capacidades de aprender seja nos seus itinerários de crescimento físico, moral, social. Com a Modernidade nasce a pedagogia como ciência: como saber da formação humana que tende ·a controlar racionalmente as complexas (e inúmeras) variáveis que ativam esse processo . Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece como parte orgânica d'o processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela desempenha uma função insubstituível e cada vez mais central: formar o homemcidadão e formar o produtor, chegando depois , pouco a pouco, até o dirigente . Como também nasce uma pedagogia antropológicoutópica que tende a desafiar a existente e a colocar tal desafio como o verdadeiro sentido do pensar e fazer pedagogia (como faz Comenius, como faz Rousseau). Na Modernidade, a pedagogiaeducação se renova, delineandose como saber e como práxis, para responder de forma nova ~quela passagem do mundo tradicional para o mundo moderno, sobre a qual insistiram, ainda recentemente, historiadores e teóricos da pedagogia, como Clausse e Suchodolski. E a renovação se configurou como uma revolução: como um impulso e um salto em relação ao passado e como o nascimento de uma nova ordem .
2 ESTADO MODERNO, CONTROLE SOCIAL, PROJETO EDUCATIVO
o mundo moderno é atravessado por uma profunda ambigüidade: deixase guiar pela idéia de liberdade, mas efetua também uma exata e
200
FRANCO CAMBI
constante ação de governo; pretende libertar o homem, a sociedade e a cultura de vínculos, ordens e limites, fazendo viver de maneira completa esta liberdade, mas, ao mesmo tempo, tende a moldar profundamente o indivíduo segundo modelos sociais de comportamento, tornandoo produtivo e integrado. Trata-se de uma antinomia, de uma oposição fundamental que marca a história da Modernidade, faz dela um processo dramático e inconcluso, dilacerado e dinâmico em seu próprio interior, e portanto problemático e aberto. Cumpre salientar também que na primeira fase da Modernidade - aquela que coincide com a época moderna, que vai de 1492 a 1789 -, tal antinomia não se torna consciente e, entre fortes impulsos para a libertação (de classes, de indivíduos, de idéias) e uma precisa idealização da liberdade (pense-se no humanismo ou no iluminismo, nos quais a liberdade é vista como a dignitas hominis e o fermento da história), prevalece o elemento da conformidade, de uma nova regulamentação da sociedade e do indivíduo . Será depois na época contemporânea - da Revolução Francesa até hoje - que a antinomia será assumida como uma estrutura inquieta e como um problema aberto e contraditório, acentuando a dramaticidade e a incompletitude da Modernidade. Até 1789, naquele que foi chamado Ancien Régime, o mundo moderno se organiza, ~obretud,
em torno dos processos de civilização (Elias),
de racionalização (Weber), de institucionalização (Foucault) da vida social no seu conjunto, dando lugar a um estilo de vida radicalmente novo. Nele se afirmam comportamentos de autocontrole e de conformidade a modelos de "boas maneiras", que revelam o nascimento de uma nova sensibilidade social e de uma convivência que redescreve cada âmbito de ação do sujeito (desde assoar o nariz - com o uso do lenço - até estar à mesa - com o uso do garfo), censurando comportamentos demasiado grosseiros e solicitando um minucioso controle. Amadurecem também atitudes de racionalização: de unü ética da responsabilidade, em relação à da convicção (ideal e ideológica), que elabora um cálculo. dos custos e dos benefícios de uma ação, que indaga sobre sua produtividade e eficácia. Assim, a razão calculista se estende a toda a vida social: da economia à etiqueta, à política, à cultura que se redefine no sentido científico e experimental. Há depois a dimensão da institucionalização, do minucioso controle social, articulado no tecido da sociedade, exercido por meio
" HISTÓRlA DA PEDAGOGIA
ruem, a sociedade e a
de instituições ad hoc e que diz respeito à classificação dos indivíduos e
de maneira completa
dos comportamentos, à criação de tipologias sociais diferenciadas (os lou-
,dar profundamente o
cos, os criminosos, os doentes, os pobres, os órfãos etc.) que são estudadas e dirigidas em vista ou de uma integração produtiva na sociedade
~
e-n w, tornandoo prode uma oposição fund eIa um processo draseu próprio interior, e tam bém que na pri- _ m a época moderna, • ,.3 consciente e, en tre j,.-íduos, de idéias) e r
"-
201
~-_
ou de uma separação desta, para torná-Ias inofensivas. O centro motor de todo este complexo projeto de pedagogização da sociedade, de reorganização e de controle, de produção de comportamentos integrados aos fins globais da vida social é o Estado: o Estado moderno, entendido como poder exercido por um centro, segundo um modelo de eficiência racional e produtiva, em aberto contraste com o exercício de outros poderes (eclesiástico, aristocrático) e com a sobrevi-
h u manismo ou no
vência da desordem dos marginalizados (pobres, criminosos etc.). O pên-
iflls hominis e o fer-
dulo desse centro é o rei, figura burocrática, mas ainda sacralizada, que
de uma nova
- exerce uma indiscutível·.hegemonia, funcional para o crescimento de um
epo is na época cona ntinomia será as-
Estado absoluto e centralizado. A teorização do soberano operada por Maquiavel e chegando depois até Hobbes delineia com exatidão os re-
; d . em relação a este . eo de afetos e ani-1. m ais da criança o . cu idados e de con~
~ocJLa
cl e
e de inocência,
205
sentimento moderno da família. Os pais "não se contentam mais em apenas pôr filhos no mundo, em cuidar só de alguns desinteressando-se dos outros. A moral da época impõe que se dê a todos os filhos, não só ao primogênito , e no fim dos anos Seiscent.os também às filhas, uma prepa. ração para a vida. A tarefa de assegurar tal afirmação é atribuída à escola. A escola substitui o aprendizado tradicional". As teses de Aries sobre a família foram retomadas e aprofundadas desde Laslett até Manoukian e Barbagli, estudiosos com diferentes orientações disciplinares e ideológicas, mas que sublinharam a radical mudança das estruturas familiares na época moderna, à qual não é estranha também a requalificação educativa da instituição familiar, que se foi caracterizando cada vez mais como família nuclear, ou seja, constituída por um único núcleo parental (mãe-pai-filhos), na qual os vínculos afetivos se . colocam cada ve z mais ao centro, atribuindo aos filhos um papel-chave na vida da família (como já o lembramos). Ao lado da família, a escola: uma escola qu e instrui e que forma, que ensina conhecimentos mas também comportamentos, que se articula em torno da didática, da racionalização da aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina, da conformação programada e das práticas repressivas (constritivas, mas por isso mesmo produtoras de novos comportamentos). Mas, sobretudo, uma escola que reorganiza - racionalizando-as - suas próprias finalidades e seus meios específicos. Uma escola não mais sem graduação na qual se ensinam as mesmas coisas a todos e segundo processos de tipo adulto, não mais caracterizada pela "promiscuidade das diversas idades" e, portanto, por uma forte incapacidade educativa, por uma rebeldia endêmica .por causa da ação dos maiores sobre os menores e, ainda, marcada· pela "liberdade dos estudantes ", sem disciplina interna e externa. Com a instituição do colégio (no século XVI) , porém, terá início um processo de reorganização disciplinar da escola e de racionalização e controle do ensino , através da elaboração de métodos de ensino/educação - que fixavam um prograo mais célebre foi a Ratio studioTtlm dos jes~íta ma minucioso de estudo e de comportamento, o qual tinha ao centro a disciplina, o internato e as "classes de idade", além da graduação do ensino/aprendizagem . Escreve ainda Aries : "Dos anos Quatrocentos em diante, e sobretudo nos anos Quinhentos e Seiscentos, embora perdurasse a concepção medieval indiferente à idade, o colégio veio se consagrando
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inteiramente à educação e à formação da juventude, inspirandose nos elementos de psicologia que se vinham descobrindo". Também "é dessa época a descoberta da disciplina: uma disciplina constante e orgânica, muito diferente da violência de uma autoridade não respeitada ... A disciplina escolar tem raízes na disciplina eclesiástica ou religiosa; é menos instrumento de exercício que de aperfeiçoamento moral e espiritual, é buscada pela sua eficácia, como condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor próprio de edificação e de ascese". Sobre a produtividade da disciplina também dentro do trabalho escolar, do ensino/aprendizagem, insistiu igualmente Foucault em Vigiar e punir, o estudo de 1975 dedicado à prisão, mas ao mesmo tempo à identificação das estruturas sincrônicas entre as diversas instituições que internam para separar e para melhor educar, ou recuperar, ou conformar à (unção produtiva que os vários sujeitos devem cumprir na sociedade, sem resistências e sem desvios ou oposições. Tais instituições, da prisão à escola, passando pelo exército, pelo hospital etc., operam antes de tudo um minucioso controle do corpo: assim o faz também a escola, que disciplina os gestos e as posições do corpo, conformando-o (ou tentando conformá-lo) a um corpo "bem regulado", que introjetou as boas maneiras e se submete à autodisciplina . Depois, opera uma divisão produtiva do tempo, visando a organizá-lo, sem desperdícios e aproveitando cada parcela: toda a vida escolar é uma sucessão de obrigações produtivas organizadas em unidades temporais. Tudo isso produz eficiência na aprendizagem, mas também a interiorização de um uso produtivo do tempo, que deve permanecer no centro da mentalidade do homem moderno, tanto no trabalho quanto na vida privada. Enfim, a escola ritualiza o momento do exame atribuindo-lhe o papel crucial no trabalho escolar. O exame é o momento em que o sujeito é submetido ao controle máximo, mas de modo impessoal: mediante o controle do seu saber. Na realidade, porém, o exame age sobretudo como instrumento disciplinar, de controle do sujeito, como instrumento de conformação. Segundo Foucault, a escola, através da "vigilância hierárquica" (múltipla e cruzada), do "controle interno e contínuo ", da "sanção nor" malizadora" (o sistema de prêmios e castigos, que introduz uma "micropenalidade"), que tem função corretiva e capacidade de reafirmar o caráter regulativo do Normal, através enfim do exame, com o "aparato
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do exame ininterrupto" que caracteriza a escola moderna, instaura um poder sobre o sujeito, produzindo-o segundo as instâncias do Poder: cria um corpo dócil e um sujeito normalizado, que é antropologicamente algo de novo, um novo sujeito que interiorizou o poder e se foi conformando segundo o seu modelo. Isso significa também que à escola foram atribuídos um papel e um perfil decididamente ideológicos: ela se torna agente da reprodução social e, em particular, da ideologia dominante, do poder e seus objetivos, seus ideais e sua lógica . A escola se torna, como dirá Althusser, "aparato ideológico de Estado" que conforma reproduzindo a força de trabalho, mas sobretudo a ideologia. Certamente, a escola moderna foi também outra coisa; foi igualmente uma etapa da emancipação dos indivíduos (do folclore, como viu Gramsci) e das classes sobretudo populares (elevando-as da condição de governadas à de potenciais governantes); foi um "lugar" social complexo e ambíguo, onde ideologia e crítica (cultura crítica) se enfrentam e se opõem, dando vida a processos que, sobretudo nos anos Novecentos, ampliaram sua identidade e seu projeto (pondo-a ora como escola libertadora ora como escola da conformação) . A sociedade moderna, na sua identidade educativa e no seu desejo de pedagogização, atribui assim um papel central à família e à escola, renovadas na ·sua identidade, mas estende a sua ação conformativa também a muitos outros âmbitos, até o do trabalho (com o sistema de fábrica e a elaboração de regras funcionais aos tempos e às funções da máquina) ou do tempo livre (com o desenvolvimento do associacionismo, que torna não-ocioso e programado também o tempo de não-trabalho); realizando assim um projeto cada vez mais explícito, cada vez mais vasto, cada vez mais ambicioso de controle e conformação de toda a sociedade e colocando depois nas mãos do Estado o projeto de pedagogização da sociedade civil. Será enfim a época contemporânea que, seja nas democracias de massa seja nos Estados totalitários, levará o projeto à execução máxima, mas produzindo agora - em relação a ele - também anticorpos precisos: tomada de consciência do seu papel repressivo e alienante; desmascaramento da sua lógica de domínio; alternativas possíveis que se tornem garantias da divergência e da liberdade individual. Será esta uma das heranças incompletas da Modernidade que, tanto em política como em educação, ainda atormentam a pesquisa contemporânea.
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4 UMA NOVA CULTURA PARA A INSTRUÇÃO Outra área de renovação pedagógica que veio estabelecer uma ruptura com o passado diz respeito ao curriculum de estudos. A Modernidade começa com uma retomada da paidéia clássica e da sua idéia de cultura, literária e retórica, histórica e humanística, como se configurava na tradição antiga, de Isócrates a Quintiliano, mas também de Platão aos estóicos, aos neoplatônicos, mesmo que reativada por meio de um trabalho de restauração científica, filológica, em relação a textos, conceitos, léxicos etc., de modo que a recuperação dos clássicos comportasse também reviver seu mundo, na sua inteireza, complexidade e especificidade, assumindo-o como um novo modelo de formação do homem. Se o humanismo nasce retórico e filológico, o desenvolvimento da cultura moderna que se vinha ativando com este processo manifestará também outras dimensões: religiosas, políticas, científicas. Estas, gradativamente, chegarão aos limiares da educação e procurarão espaço nos curricula formativos. Serão sobretudo os anos Seiscentos que trarão à luz essas novas tensões na cultura escolar, incluindo-as no projeto formativo e escolar: com Comenius, com Locke, por exemplo, mas também com o processo de crescimento e inovação que a cultura sofre nos colégios, colocando-se de maneira nova já nos primeiros anos dos Setecentos. Já Garin lembrava em L'educazione in Europa 1400/1600 que "a função da instância humanística" não se limitava ao "estudo do latim e do grego" e dos autores clássicos", mas indicava "um método, que se concretizou naquele acesso ao mundo greco-romano, mas poderia viver melhor, em situação diferente, na relação com outros mundos culturais, e talvez até em diferentes maneiras de encontrar, e idealmente experimentar, o processo da obra humana". Isso significa que a filosofia humanística era já um início de mentalidade científica e se punha na linha daquela renovação da cultura que explodirá nos anos Seiscentos e que terá no centro a nova ciência. O aspecto literário do humanismo, de fato, entre os anos Quinhentos e Seiscentos, foi se desenvolvendo no sentido retórico-formal e gramatical, tornando os studia hwnanitatis bem mais pobres em relação à exigência dos humanistas. Entretanto, novos elementos do conhecer e do saber, além do lingüístico, serão postos em foco também na formação escolar.
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Serão as matemáticas com Descartes e a ciência experimental com Galileu; serão novas instâncias religiosas com o protesta ntismo e depois com a ContraReforma, que influenciarão também o curso dos estudos (como manifesta exemplarmente Comenius, cujo pensamento educativo, inclusivê no sentido escolar, se move sobre o fundo de um objetivo irenista, religioso e político, que coloca a formação num itinerário de compreensão do sentido do real no seu conjunto, humano, cósmico e metafísico, que vê na concepção cristã seu próprio fundamento); serão exigências políticas, m ais democráticas, postas em vigor por Locke (na forma ção do
gentleman como modelo da classe dirigente e aberto ao conhecimento da sociedade e seus problemas de governo). A própria cultura escolar, portanto, foi se renovando profundamente. Matemática e ciência, política e reiigião universal, ou tolerância, compreensão, diálogo, começarão a fa, zer parte do curriculum formativo ideal, pelo menos dos grupos sociais privilegiados e destinados a um papel de direção política. Tanto Locke como Rousseau, tanto Comenius como os mestres de PortRoyal ou Fénelon delineiam curricula mais ricos e complexos do que os da escola humanística e vão esboçando os conteÓdos culturais da escola moderna que , retomados pelos propagandistas do iluminismo europeu, se tornarão o modelo e o itinerário formativo da escola burguesa. Gusdorf, no capítulo dedicado à pedagogia no volume sobre As ciências humanas no século das Luzes, sublinhou com força essa linha divisora de águas setecentista, relativa a "programas e métodos de ensino". A autoridade do latim permanece indiscu'rível, mas temperada pela solici-
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tação da presença das línguas nacionais; a querelle des anciens et des modernes opera na direção de uma valorização das literaturas vulgares e do seu
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papel formativo (subíinhando a superioridade dos modernos que, como anões nas costas de gigantes, conseguem enxergar mais longe); a mate mática é indicada como a regula ad diTectionem ingenii e as ciências devem encontrar espaço na escola, não mais como ciências dedutivas e filosó-
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ficas (à maneira aristotélica), mas como ciências empíricas e experimentais; depois a história deve tornarse história das sociedades e dos Estados , história dos povos e das nações, e a geografia deve ligarse a ela para delinear o pluralismo das condições econômicas e civis da humanidade nas diversas áreas da Terra, diferenciadas por clima e por recursos; existem depois as línguas modernas, necessárias para a comunicação en-
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tre os pOVOS e para a formação "política" do jovem dos grupos dirigentes, que deve conhecer diretamente países e povos, com os quais deve comunicar-se diretamente, a partir do seu tour de instrução a cumprir nos albores da juventude. Gusdof escreve que foi, porém, sobretudo o espaço delineado para a ciência que renovou radicalmente o cuniculum de instrução. "Bem antes do momento intelectual, representado pela Enciclopédia, as testemunhas da importância assumida pelas novas instituições, como a Real Sociedade de Londres ou a Academia de Ciências de Paris, têm consciência de que a inteligência moderna, a exemplo de Bacon, requer uma renovação do conteúdo dos estudos. A ciência. matemática do tipo galileano impõe um modelo de racionalidade, que determina comportamentos intelectuais diferentes daqueles que predominavam no humanismo clássico. O espírito estético e arcaizante deve dar lugar ao espírito científico, justificado e consolidado pelo progresso do conhecimento." Não que os programas escolares, no curso dos anos Setecentos, encontrem na ciência o seu centro de gravidade, mas a instância de uma revisão dos programas tradicionais (em uso nos colégios) se faz sentir e algumas linhas de atuação dessa revisão já estão traçadas. Mais ainda: a técnica também encontra lugar neste novo programa e novo método de estudo . "Os inovadores esperam que a educação não se feche na cultura da palavra e do pensamento. O homem deve formar-se em contato com a matéria, em vista da sua participação nas atividades do m\mdo." Com Locke, a cultura técnica - mesmo como hàbby - foi integrada no curriculum formativo. Será depois Rousseau quem a retomará e a levará muito além de Locke, esboçando uma "educação profissional". Essa mudança de conteúdos na instrução aparece por ora apenas planejada e desejada, mas ainda não realizada nas escolas do século XVIII, que só foram reformadas e renovadas em alguns períodos e em alguns poucos países europeus , em contato sobretudo com a cultura iluminista: será porém no século XIX que as instâncias iluministas expressas em torno da escola encontrarão satisfação com o nascimento das escolas técnicas e com a afirmação de curricula de base científica além de humanísticô . Na base deste processo, porém, está uma mudança também nos objetivos da educação : esta não versa mais sobre a formação do "bom cristão" ou do douto-cortesão (que dava ênfase a uma cultura ornamental, desenvolvida em chave religiosa, antimundana e literária), mas sim sobre a for-
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