História da pedagogia 8571392609


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História da Pedagogia (1) - Franco Cambi
História da Pedagogia (A) - Franco Cambi
História da Pedagogia (1) - Franco Cambi
História da Pedagogia (2) - Franco Cambi
História da Pedagogia (3) - Franco Cambi
História da Pedagogia (B) - Franco Cambi
História da Pedagogia (C) - Franco Cambi
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História da Pedagogia (4) - Franco Cambi
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História da pedagogia
 8571392609

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00569540000003 - PR-PATO História da pedagogia 370.71 C175

HISTÓRIA DA  PEDAGOGIA  

FUNDAÇÃO  EDITORA DA  UNES!' 

Presü1enle rio Crmselho CltHulrn' Marcos Macari 

Jo~é

DiTelnr-!'resirlenle Castilho Mal'ques Neto  F.ri

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jézio Herna ni  130mli m Gutierre 

Conselho EriiloTial AcarLílmico Antonio Celso Ferreira   Cláudio Antonio Rabello Coelho   j osé Roberto Ernandes   Luiz Gonzaga Marchezan   Maria do Rosário Longo Mortatti   Mario Fernando 13olognesi   Pau lo César Corrêa Borge~   Maria Encarnação 13eltr.1o Sposito   Robelto André Kraenkel   Sérgio Vicente Motta   F.rliO1

·es-A~ilnt

 

Nobara   Denise Katchuian Dognini   Dida  B e~sa na   And

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FRANCO CAMBI

HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

TRADUÇÃO DE 

ÁLVARO  LORENCINI 

C  f\H3UOTECA 

".

lffiÊsp

©  1995 Gius. Laterza  & Figli   Título original em italiano:  Slona delta pedagogia. Os capítulos 2 e  3 e os parágrafos 2,  3  e  4 do Capítulo 4 da   Terceira Parte  (A época moderna) do presente volume  foram escritos por Giuseppe Trebisacce.  ©  1999  da  tradução  brasileira:   Fundação  Editora  da UNESP  (FEU)   Praça da Sé,  108   01001­900  ­ São Paulo ­ SP   Te!. :  (Oxx11)  3242­7171   Fax:  (Oxx11)  3242­7172   www.editoraunesp .com. br   feu@editora .unesp.br  

Dados  Internacionais de Catalogação  na  Publicação  (CIP)   (Câmara Brasileira do Livro , SP, Brasil)   Cambi, Franco  História da pedagogia/ Franco Cambi;  tradução de Álvaro  Lorencini. ­ São Paulo  Fundação Editora da  UNESP  (FEU),  1999 ­ (Encyc1opaidéia)  Título original:  Sloria delta pedagogia Bibliografia.  ISBN  85­7139­260­9  1.  Educação  ­ Filosofia  ­ História  2.  Educação  ­ História  3.  PedagogiaHistória  I.  Título:  11.  Série. 

99­3733 

CDD­370.9  Índices para catálogo sistemático 

1.  Educação:  História  3 70.9  2.  Pedagogia:  História  3 70 .9  11111111111111111111 \111111111111111111

00569540000003 - PR-PATO História da pedagogia 370.71 C175

i\soclaclón (]c Edl lorlales Unlversltar1 3S de J\mbi ca !..alio" Y cJ C" r1 1)c

Associação Drasllelra de Editoras Unlvcrsltnrlns

SUMÁRIO

:.-!:::::zc. - - P.aulo 

Apresentação  Prefácio 

17  

Introdução  1 2  3  4  5  6 

11  

21  

Da  história da pedagogia à  história da educação  21   Três  revoluções  em  historgaf~l 24   As  muitas  histórias  educativas  29   Descontinuidade na  pesquisa e conflito de  programas  33   Ativar a  memória  para compreender o  presente  35   A  história que está por trás:  a Antigüidade e  a  Idade  Média,  a  Modernidade e  a  Contemporaneidade  37  

PRIMEIIVI PARTE

O MUNDO ANTIGO I  Caractedsticas da educação antiga 

43  

o mundo antigo na  pesquisa  histórica contemporàuea  2  3  4  5 

O  Mediterrâneo­encruzilhada  46   Da  j)(tidéia ao costume educativo  48   Modelos  de formação  numa sociedade  estática  As  origens e  a diferença  53  

51  

43  

(j

fRANCO  CAMBI 

II  O  Oriente e  o  Mediterrâneo : modelos educativos  1  2  :3 4  5  6 

57  

A revolução  do Neolítico e a  educação  57   Sociedades  hidráulicas e  novos  problemas educativos  O  Extremo e  o  Média Orientes  62   Egito e  Mesopotâmia  64   Fenícios  e  hebreus  68   O  "milagre grego"  71  

IH A educação na Grécia 

59  

75  

1  A idade arcaica  e  o modelo  homérico:   as  armas  e  o  discurso  75   2  À jJólis e a formação  do cidadão:   leis  e  ritos,  agonística e  teatro  77   3  A educação familiar,  a  mulher,  a infância  80   , 4  Atenas  e Esparta:  dois  modelos educativos  82   5  O  nascimento da jJaidéia 85 6  Os  grandes modelos  teóricos:   Sócrates,  Platão,  Isócrates,  Aristóteles  87   7  O  helenismo e  a educação:  as  teorias e a  práxis  94   8  A escola  grega e a  escola  helenística  98   9  Nas  origens da pedagogia ocidental  101 IV  Roma e  a  educação 

2  3  4  5 

103

A Roma  arcaica  entre etruscos e  Magna Grécia:   modelos  educativos  103 A paidéia grega conquista Roma  107 A educação  helenística em  Roma : modelos  e figuras  110 A escola,  o  trabalho,  as  "corporações"  114   A época imperial:  difusão e  declínio  da educação antiga  117  

V  O  cristianismo como revolução  educativa 

2  3  4  5  6  7 

121  

Concepção  do mundo,  modelo de  cultura,   ideal  de  formação  121   Novo Testamento,  cristianismo primitivo e  educação  123   O  nascimento da  Igreja  e a organização educativa  125   A herança  do mundo clilSSico:  a paidéia. cristã  128   O  monasticismo  e "uma escola  a serviço  do Senhor"  130 A família  e a  educação cristã:  a infância e as  mulheres  133   Santo Agostinho:  o  mestre  da pedagogia cristft  135  

HISTÓRlA DA  PEDAGOGIA 

SEGUNDA PARTE

59  

A ÉPOCA MEDIEVAL Características da  educação medieval 

141  

A Idade  Média  na historiografia contemporânea  141   A formação  da  Europa e  a  consciência cristã  144   O  imaginário cristão e  a  educação:  aristocracia  e  povo  14ó   Entre  sociedade hierárquica  e  mundo  burguês,   entre Alta  e  Baixa Idade Média  14 9   5  Uma longa época de  transformações  e  o  "fundo'"   do  moderno  152  

1  2  3  4 

II  A Alta  Idade  Média e  a  educação feudal  1  2  3  4  5  6 

155  

A educação na sociedade feudal  155   Escolas  abaciais,  catedrais,  palacianas  158   Cavalaria  e  formação  da  elite  1 ÓO Metamorfoses  da f)(tidéia cristã  163   A educação do  povo  1óó   A educação em  Bizâncio e  no Islã  1 ó 7  

III A Baixa Idade  Média e  a  educação urbana 

{J

117  

123   125   130

171  

I Depois  do  Ano  Mil:  uma virada  também educativa  171   2 A cidade,  os  mercadores,  as  artes  173   3  Educação  e vida social:   as  crianças,  os jovens,  as  mulheres  17ó   4 Educação  e  imaginário popular :   ciclos  pictóricos  e  pregação,  teatro  e  festas  178   5 A sociedade dos  letrados e a  formação:   romance,  poesia,  enciclopédia  181   182 6 As  universidades,  os  clérigos vagantes,  a  lectio 7  Mestres  da  pedagogia escolástica  186   190 8  O  "outono da Idade Média"  e  a  educaç~o TER CEIRA PARTE

A ÉPOCA MODERNA Características  da educação moderna 

133   ~

195  

A Modernidade como  revolução  pedagógica  195   Estado  moderno, con t role  social ,  projeto educativo  199  



8

FRANCO CAMl3l

3  4  5  6 

Institucionalização educativa e  escola  moderna  203 Uma  nova cultura para a  instrução  208 Aventuras  do  saber pedagógico  2]2  A pedagogia entre conformação e  emancipação  2] 6 

11  O  século XV e  a  renovação educativa 

221 

1  A "revolução"  humanista  22]  2  O  humanismo italiano como  renovação educativa e  pedagógica  224  3  Figuras e  modelos da pedagogia humanista italiana  228  4  Pedagogia e  educação no  humanismo europeu  233  5  As  escolas  do  humanismo  235 6  O  "retorno dos  antigos"  entre filologia/dialética  e  jJaidéia 239 

111 O  século XVI:  o  início da pedagogia  moderna  2  3  4  5  6 

243 

Um  século  de  grandes fermentações  243 A Reforma  e  a  educação  246  A pedagQgia  da  Contra­Reforma e  as  novas  instituições  educativas  255 O  renascimento  pedagógico na Europa:  de  Rabelais a  Montaigne  263 Modelos  de  formação  individual:  Baldassare Castiglione,  Giovanni  Della Casa e Stefano Guazzo  270 As  tensões utópicas  da ped'1gogia  273 

IV  O  século XVII  e  a  revolução  pedélgógica  burguesél 

277 

1  O  crescimento da  Modernidade:  educação e  pedagogia  2  Comenius e  a  educação universal  28]  3  Outros modelos  pedagógicos:  Port­Royal  e  os  oratoríanos  293 4  Percursos  da  educação na Europa:  Fénelon,  La Salle,  Francke  296  5  A nova ciência,  o método e  a  educação  300 6  O  nascimento da  escola  moderna  304 7  A formação  do  homem civil:  sociedade de  corte e  boas  maneiras  308 8  A educação do  imaginário:  o  romance,  o  teatro e  a  literatura infantil  3] ]   9  Locke:  o  novo modelo  pedagógico  3] 5  

277 

HISTÓRIA  DA  PEDAGOGIA 

!)

v  O  século  XVIII:  laicização  educativa  e   racionalismo pedagógico 

323

1   A laicização  dos  processos  formativos:  escola,  imprensa, vida  social  323 2  Contra os colégios,  pela  reforma  da  instrução  330 3  Iluminismo europeu  e  pedagogia :   da França à Alemanha e  à  Itália  336 4 Rousseau : o  "pai"  da  pedagogia contemporânea  342 5 Outros  inovadores:  os  materialistas, Vico,  Kant  355   6  A Revolução  Francesa e  a  educação:  pedagogia,   escola,  vida civil  365   7  Duas  mudanças  sociais  e  educativas : a  Revolução  Industrial   e  a  formação  do imaginário civil  369

216

_28 

QUARTA PARTE

A ÉPOCA CONTEMPORÂNEA I  Características da educação contemporânea  1  2  3  4  5  6  7 

-

I

377  

A época contemporânea e a  identidade social  da pedagogia  Educação e  ideologia  382   Novos sujeitos  educativos  386   Mitos  da educação  390 Instru'ção e  trabalho  394 A escola e  as  reformas  398   O  saber pedagógico:  ciência,  política e  ülosof,ia  402

II  O  século  XIX :  O  século da pedagogia.  Conflitos   ideológicos,  modelos formativos,  saberes da educação 

2  3  4  5  6  7 

Burguesia e  povo:  entre ideologias pedagógicas   e  conflitos  educativos  407 A pedagogia romântica  de  Pestalozzi   a  Schiller e  Fróbel  414 As  pedagogias  de  Hegel  e  de Herbart  427 As  pedagogias burguesas  na França,  Inglaterra,   Suíça e  Rússia  436   A pedagogia italiana  do Risorgimento 443 Sociedade industrial e  educação:   entre  positivismo  e  socialismo  465   A pedagogização da  sociedade e  o  crescimento das   instituições  educativas  487

407

377  

10 

FRANCO  CAMBl 

8  A escola  no  século XIX  europeu  492 O nascimento  da pedagogia científica e  experimental  10  Tensões pedagógicas do  fim  do  século:   Nietzsche  e  Dilthey,  Bergson  e  Sorel  502

9

III  O  século  XX  até os  anos 50.  "Escolas Novas"  e   ideologias da educação  509 O século  das  crianças  e  das  mulheres,  das  massas  e  

da  técnica:  transformações  educativas  509 2  Renovação da escola e  pedagogia ativista  513   3  Novas  teorias  pedagógicas:  o  idealismo  534   4 Entre  pragmatismo  e  instrumentalismo:   a pedagogia de J ohn Dewey  546 5 Modelos  de  pedagogia marxista  (1900­1945)  555   G A pedagogia cristã e  o  personalismo  564 '7 Totalitarismo e educação na Itália,  na Alemanha   e  na  URSS  577 8  O  crescimento científico  da  pedagogia  581   9 Educação  e  pedagogia nos  países  n~lO-europs 587 IV  A  segunda metade do século  XX:  ciências da educação e   empenho mundial da pedagogia  595

2  3  4

5 6 

7  8  9

Da pedagogia às  ciências da educação:   um  problema  em  aberto  595 Guerra  Fria  e  pedagogia  600 A pedagogia cognitiva:  primado da instrução e   tecnologias educativas  608 1968:  crítica da ideologia, desescolarização  e   pedagogias radicais  617   A escola do pós­guerra até hoje  625 J'v'Iass media e  educação  630 Epistemologia do  discurso  pedagógico e   imagem do  saber educativo  634   Novas  emergências educativas:  feminismo,   ecologia,  intercultura  638   Um universo em  fermentação  na  fronteira   do ano 2000  641  

Bibliografia 

645

Índice  onomástico 

693

498

>

498  

APRESENTAÇÃO

A  leitura  da  História da Pedagogia de  Franco  Cambi  lembrou­me,  de  imediato,  a  mais  célebre  das  histórias  da  pedagogia,  escrita  h:\ mais  de  um  século  por  Gabriel  Compayré,  que  a  justificava  assim  no  novo  Dictionnaire de Pédagogie et d'Instruction Primaire, publicado em  1911  sob  a  coordenaçáo de  F.  Buisson:  A utilidade da  história da pedagogia não pode ser posta e111  causa.  Não falo  apenas da atracção que ela pode exercer, [pois] a história ela  pedagogia não p()cle  ser  encarada  unicamente  como  um  espectáculo  agradável:  ela  é,  de  facto,  uma  escola de educação, uma das  fontes  da pedagogia definitiva.  Quando se  trata  cle  física  ou de química, a  história destas ciências  no  passado não  é  mais cio  que U111  assunto de erudição e  de curiosidade  ...  Na ciência da  educação,  pelo contrário,  C01110  em  todas as  ciências filosóficas,  a  história  é  a  introdução necessária, a  preparação para a  própria ciência. 

Gabriel  Compayré  marcou  uma  época .  E um  estilo.  O  seu  trabalho  serviu de modelo a grande parte das histórias da educaçáo escritas e ensinadas nos séculos XIX  e  XX.  A sua obra ilustra, talvez melhor do que qualquer outra, a importància da História da Educaç;lO como disciplina fundadora  das  Ciências  ela  Educação.  A citação  anterior lembra a  formulação  kantiana: "A teoria  sem a  história é vazia;  a  história sem a  teoria é  cega".  As  ciências  humanas  são  históricas,  por  natureza,  tanto  pelos  seus  objetos  como  pelos  seus  modos  de  conhecimento.  Por  isso,  a  história  é  consubstanciaI  à  própria constituição  dessas  ciências.  Os homens  que  no 

12 

FRANCO CNvIEI 

final  do século  XIX  se bateram pela afirmaçào científica e  institucional da  Ciência  da  Educaçào  perceberam­no  claramente .  E  escreveram,  uma  e  outra vez,  que o  ensino da pedagogia não podia deixar de ser, simultaneamente, teórico, histórico e prático . Em 1888, Georges Dumesnil considera que "os professores que refletiram sobre a teoria e sobre a filosofia da sua profissão estão mais aptos para resolver as dificuldades práticas com que se deparam no campo da educaçào". Na mesma linha de raciocínio, D. L. Kiehle escreve, em 1901: "É possível ser um bom professor sem ter qualquer conhecimento da história da educação, do mesmo modo que um cidadão leal pode não conhecer a história do seu país. Este pode ser um especialista político, mas não será um estadista. Aquele pode ser um professor, mas não será um educador". Disciplina fundadora de uma Ciência da Educação amplamente "teórica", a História da Educação perdeu grande parte do seu sentido no momento em que a Pedagogia passou a definir-se numa perspectiva "aplicada", com base nos critérios "científicos" da psicologia experimental e da sociologia positivista . Nas décadas de transiçào do século XIX para o século XX , a História da Educação vai perder, progressivamente, o seu papel de disciplina que permite reconstruir a historicidade do processo educativo - e do esforço de teorização pedagógica - para se transformar, primeiro , numa e~ocaçã descritiva de fatos, idéias e prá ticas para consumo dos futuros professores e, mais tarde, num tempo dominado pelas "ciências da observação", numa disciplina sem qualquer utilidade.

Uma interrogação está sempre presente: a História da Educação é História ou é Educação? Trata-se, a vários títulos, de um falso problema, de uma questão circular que encerra o debate em dicotomias insuportáveis, do gênero arte versus ciência ou instrução versus educação, nas quais o pensamento pedagógico se tem esgotado. Hoje em dia, os campos disciplinares definem-se não só pela adoção de instrumentos teóricos e metodológicos semelhantes, mas também pela definição de objetos de estudo afins e pela existência de "comunidades interpretativas" que dão sentido à produção científica. Ora, é inegável que a História da Educação construiu objetos específicos e uma comunidade científica dotada das suas próprias regras e meios de comunicaçftü (revistas especializadas, associações etc.).

HISTÓRIA DA  PEDAGOCIA 

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A  minha  defesa  da  História  da  Educação  baseia­se  em  quatro  idéias  pnnClpals:  "A História é a ciência de uma mudança e,  a vários  títulos, uma ciência  das  diferenças"  (Marc  Bloch).  A  História  da  Educação  deve  ser  justificada, em primeiro lugar,  como História e  deve procurar restituir  o  passado  em  si  mesmo,  isto  é,  nas  suas  diferenças  com  o  presente.   Como escreveu Vitorino  Magalhães  Codinho,  a  história  é  um  modo o mais pertinente, o mais adequado ­ de bem pôr os  problemas de hoje   graças  a uma indagação científica do passado.   A  História  da  Educação  pode 

o mundo clássico: ela nos leva para as origens do Ocidente, permitindo-

tec/me -,

trata-se de colher o nascimento do Lagos, da Lei, do homem moral, que

= mod elos de formação

são, ao mesmo tempo, as infra-estruturas da cultura ocidental e o produto mais alto da civilização clássica, vista da ótica grega (isto é, que põe a

n·do  heréde  Cristo,  t:=:::::J'"!n I i çõ e s de  ClIoo"--"'Lild O ­ o s  p e I o  .:... ­periências  tra nsformar  ­.:e  sentido,  e  m editações 

~Jes

nos  __ .  sociedade  ma visão do  e  comporta­

duas  fases  ­ pelo  menos  duas  ­ profundamente  diversas  entre  si:  a  primeira,  que  começa  depois  das  invasões  bárbaras  e  se  encerra  por volta  do  Ano  Mil  (ano  simbólico  da  renovação  do  milênio,  mas  também  data  ,  histórica  de  uma  complexa  ruptura  social  e  cultural,  e  até  econômica),  que recebe o  nome de Alta Idade Média e se agrega em torno do modelo  da sociedade feudal,  marcada  por uma atitude defensiva,  por problemas  de  sobrevivência,  por intercâmbios  reduzidos,  mas  também  por grandes  ardências religiosas e políticas (o monasticismo, a renovatio imperii, a civitas christiana etc.)  e  por  um  fervilhar  de  eventos  no  interior  das  estruturas  bloqueadas do mundo feudal;  a segunda é a  da Baixa Idade Média que,  a  partir do Ano Mil,  pelo despertar das cidades e  do comércio, das ciências  e  das  artes,  pelas  lutas  sociais  e  religiosas  (entre  heresias  e jacqueries ou  revoltas camponesas), pela constituição de Estados nacionais (a  França, a  Inglaterra,  depois também a  Espanha) e de principados (na  Itália),  pelos  grandes conflitos  que atravessam  a vida da Igreja,  dá  corpo a uma sociedade  mais dinâmica,  mais  inquieta,  mais livre  também,  que  alimenta um  espírito :10VO,  o burguês (individualista, produtivo, autonomista etc.), que  encontrará depois  a  mais  nítida vitória  no  mundo moderno,  chegando a  impor  novos  modelos  políticos,  novas  estruturas  sociais,  uma  nova  cultura  (mais  mundana e  mais articulada/especializada)  e  também  um  novo  modelo  humano  (empreendedor,  emancipado,  consciente  do  próprio  valor  e da própria liberdade) por volta do final  dos anos Qua trocentos.  É então  que  a  Europa  vai  definindo  suas  próprias  fronteiras  (a  leste  e  ao  sul:  pela  invasão  turca;  a  oeste:  pela  descoberta  das  rotas  atlânticas)  e  reorganizando  sua  própria  identidade  social,  cultural  e  política  através  da aventura do  humanismo italiano. 

150 

FRANCO  CAMBI 

Se  a  Alta  Idade  Média  modela­se  em  torno  do  princípio  do  feudo  e  das  relações de vassalagem que organizam sua vida interna e sua própria  estrutura  política;  se  socialmente  essa  época  se  delineia  como  marcada  por uma  sociedade  hierárquica,  por  relações  de  fidelidade  e  de  dependência, por uma estaticidade social desconhecida do mundo antigo e também, depois, do moderno; se culturalmente ela é dominada pela religião e pela idéia da res jmblica christiana que anula em boa parte os ecos da cultura clássica e reconstrói no imaginário popular uma nova concepção do mundo, com novos mitos, novos ideais, novos textos e novos modelos, toda a educação - e a pedagogia - da Alta Idade Média caracteriza-se como estática e uniforme ao redor do princípio da fé cristã e da Igreja como depositárias do modelo de paidéia cristianizada e da função de magistério, que ela exerce por muitas vias numa sociedade de cultura predominantemente oral e visual, mas vias eficazes que agem nas profundezas do indivíduo, moldando o seu imaginário. Não é por acaso, de fato, que as pesquisas sobre as mentalidades e o imaginário, típicas da historiografia atual, tenham tido na Idade Média seu campo próprio de desenvolvimento (com Huizinga e a civilização do gótico florescente nos Países Baixos; com Aries e o estudo das imagens da infância e da morte etc.) e o maior terreno de expansão (pense-se em Le Goff e em Duby e suas pesquisas sobre os imaginários medievais: do purgatório à contracultura dos clerici vagantes etc.). Naquela sociedade fechada, mas fervilhante, o imaginário é um regulador fundamental: produtor de ordem e de tensões ao mesmo tempo, consolida os vínculos sociais, mas também renova os limites (ideais) daquela sociedade . Nessa sociedade hierárquica, também a educação se organiza em formas diferentes, geralmente contrapostas: se, de um lado - nas aristocracias -, ela se refina, se formaliza, se ritualiza (pense-se na cultura literária e ligada ao castelo, à Cavalaria, às Cruzadas, à mulher idealizada tanto pelos trovadores como pelos praticantes do estilo novo) e remete aos modelos clássicos (Virgílio em primeiro lugar), nutrindo-se de antigos mitos (de Tróia, de Enéias etc.); de out(o, no povo, coagula-se uma cultura do mágico e do "baixo" (do corpo, do sexo, como já mencionamos), ligados aos temas da sorte (a roda que gira) e da morte (a foice que decepa), do gozo (o país da Cocanha) e da inversão (o Carnaval), como bem salientou Bakhtin na sua obra sobre Rabelais; cultura popular que é ain-

HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

'plO do  feudo  e  e  sua própria 

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ligo e tamp  ela religião e O ' ecos da e

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escola  ocupa um  lugar cada vez  mais  central,  cada vez  mais  orgânico  e  funcional para o desenvolvimento da sociedade moderna: da sua ideologia  (da ordem e da produtividade) e do seu sistema econômico (criando figuras  profissionais,  competências das quais o sistema tem necessidade).  Enfim,  mudam também as  teorias pedagógicas, que se emancipam de um modelo  uni tário, definido a priori e considerado invariante, e tomam uma conotação  histórica e empírica, encarregando­se das novas exigências sociais  de formação e de instrução, modelando fins  e meios da educação em relação ao  tempo histórico e às condições naturais do homem, que, portanto, deve ser  estudado cientificamente (ou mais cientificamente, pelo menos), de modo  analítico  e  experimental,  seja  nas  suas capacidades de  aprender seja  nos  seus itinerários de crescimento físico,  moral,  social.  Com a  Modernidade  nasce a pedagogia como ciência: como saber da formação humana que tende  ·a controlar racionalmente as complexas (e  inúmeras) variáveis que ativam  esse processo . Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece  como parte orgânica d'o  processo da sociedade em  seu conjunto,  na qual  ela desempenha uma função insubstituível e cada vez mais central: formar  o homem­cidadão e formar o produtor, chegando depois , pouco a pouco,  até  o  dirigente . Como  também  nasce  uma  pedagogia antropológico­utópica que tende a desafiar a existente e a colocar tal  desafio como o verdadeiro sentido do pensar e fazer pedagogia (como faz Comenius, como faz  Rousseau).  Na  Modernidade,  a  pedagogia­educação  se  renova,  delineando­se  como  saber  e  como  práxis,  para  responder  de  forma  nova  ~quela passagem  do mundo tradicional para o  mundo moderno, sobre a qual  insistiram,  ainda  recentemente,  historiadores  e  teóricos  da  pedagogia,  como  Clausse e Suchodolski. E a renovação se configurou como uma revolução:  como um impulso e um salto em relação ao passado e como o  nascimento  de uma nova ordem . 

2  ESTADO  MODERNO,  CONTROLE SOCIAL,   PROJETO  EDUCATIVO  

o  mundo  moderno  é  atravessado  por uma  profunda  ambigüidade:  deixa­se  guiar  pela idéia de  liberdade,  mas  efetua  também  uma  exata  e 

200 

FRANCO  CAMBI 

constante  ação  de  governo;  pretende  libertar o  homem,  a  sociedade  e  a  cultura de vínculos,  ordens e  limites,  fazendo  viver de maneira completa  esta  liberdade,  mas,  ao  mesmo  tempo,  tende a  moldar profundamente o  indivíduo  segundo  modelos  sociais  de  comportamento,  tornando­o  produtivo e integrado. Trata-se de uma antinomia, de uma oposição fundamental que marca a história da Modernidade, faz dela um processo dramático e inconcluso, dilacerado e dinâmico em seu próprio interior, e portanto problemático e aberto. Cumpre salientar também que na primeira fase da Modernidade - aquela que coincide com a época moderna, que vai de 1492 a 1789 -, tal antinomia não se torna consciente e, entre fortes impulsos para a libertação (de classes, de indivíduos, de idéias) e uma precisa idealização da liberdade (pense-se no humanismo ou no iluminismo, nos quais a liberdade é vista como a dignitas hominis e o fermento da história), prevalece o elemento da conformidade, de uma nova regulamentação da sociedade e do indivíduo . Será depois na época contemporânea - da Revolução Francesa até hoje - que a antinomia será assumida como uma estrutura inquieta e como um problema aberto e contraditório, acentuando a dramaticidade e a incompletitude da Modernidade. Até 1789, naquele que foi chamado Ancien Régime, o mundo moderno se organiza, ~obretud,

em torno dos processos de civilização (Elias),

de racionalização (Weber), de institucionalização (Foucault) da vida social no seu conjunto, dando lugar a um estilo de vida radicalmente novo. Nele se afirmam comportamentos de autocontrole e de conformidade a modelos de "boas maneiras", que revelam o nascimento de uma nova sensibilidade social e de uma convivência que redescreve cada âmbito de ação do sujeito (desde assoar o nariz - com o uso do lenço - até estar à mesa - com o uso do garfo), censurando comportamentos demasiado grosseiros e solicitando um minucioso controle. Amadurecem também atitudes de racionalização: de unü ética da responsabilidade, em relação à da convicção (ideal e ideológica), que elabora um cálculo. dos custos e dos benefícios de uma ação, que indaga sobre sua produtividade e eficácia. Assim, a razão calculista se estende a toda a vida social: da economia à etiqueta, à política, à cultura que se redefine no sentido científico e experimental. Há depois a dimensão da institucionalização, do minucioso controle social, articulado no tecido da sociedade, exercido por meio

" HISTÓRlA DA PEDAGOGIA

ruem,  a  sociedade  e  a 

de instituições ad hoc e que diz respeito à classificação dos indivíduos e

de maneira completa 

dos comportamentos, à criação de tipologias sociais diferenciadas (os lou-

,dar  profundamente o 

cos, os criminosos, os doentes, os pobres, os órfãos etc.) que são estudadas e dirigidas em vista ou de uma integração produtiva na sociedade

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201

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ou de uma separação desta, para torná-Ias inofensivas. O centro motor de todo este complexo projeto de pedagogização da sociedade, de reorganização e de controle, de produção de comportamentos integrados aos fins globais da vida social é o Estado: o Estado moderno, entendido como poder exercido por um centro, segundo um modelo de eficiência racional e produtiva, em aberto contraste com o exercício de outros poderes (eclesiástico, aristocrático) e com a sobrevi-

h u manismo ou no

vência da desordem dos marginalizados (pobres, criminosos etc.). O pên-

iflls hominis e o fer-

dulo desse centro é o rei, figura burocrática, mas ainda sacralizada, que

de uma nova

- exerce uma indiscutível·.hegemonia, funcional para o crescimento de um

epo is na época cona ntinomia será as-

Estado absoluto e centralizado. A teorização do soberano operada por Maquiavel e chegando depois até Hobbes delineia com exatidão os re-

; d . em  relação a  este  . eo de  afetos  e  ani-1. m ais da criança o . cu idados e de con~

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e de inocência,

205

sentimento moderno da família. Os pais "não se contentam mais em apenas pôr filhos no mundo, em cuidar só de alguns desinteressando-se dos outros. A moral da época impõe que se dê a todos os filhos, não só ao primogênito , e no fim dos anos Seiscent.os também às filhas, uma prepa. ração para a vida. A tarefa de assegurar tal afirmação é atribuída à escola. A escola substitui o aprendizado tradicional". As teses de Aries sobre a família foram retomadas e aprofundadas desde Laslett até Manoukian e Barbagli, estudiosos com diferentes orientações disciplinares e ideológicas, mas que sublinharam a radical mudança das estruturas familiares na época moderna, à qual não é estranha também a requalificação educativa da instituição familiar, que se foi caracterizando cada vez mais como família nuclear, ou seja, constituída por um único núcleo parental (mãe-pai-filhos), na qual os vínculos afetivos se . colocam cada ve z mais ao centro, atribuindo aos filhos um papel-chave na vida da família (como já o lembramos). Ao lado da família, a escola: uma escola qu e instrui e que forma, que ensina conhecimentos mas também comportamentos, que se articula em torno da didática, da racionalização da aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina, da conformação programada e das práticas repressivas (constritivas, mas por isso mesmo produtoras de novos comportamentos). Mas, sobretudo, uma escola que reorganiza - racionalizando-as - suas próprias finalidades e seus meios específicos. Uma escola não mais sem graduação na qual se ensinam as mesmas coisas a todos e segundo processos de tipo adulto, não mais caracterizada pela "promiscuidade das diversas idades" e, portanto, por uma forte incapacidade educativa, por uma rebeldia endêmica .por causa da ação dos maiores sobre os menores e, ainda, marcada· pela "liberdade dos estudantes ", sem disciplina interna e externa. Com a instituição do colégio (no século XVI) , porém, terá início um processo de reorganização disciplinar da escola e de racionalização e controle do ensino , através da elaboração de métodos de ensino/educação - que fixavam um prograo mais célebre foi a Ratio studioTtlm dos jes~íta ma minucioso de estudo e de comportamento, o qual tinha ao centro a disciplina, o internato e as "classes de idade", além da graduação do ensino/aprendizagem . Escreve ainda Aries : "Dos anos Quatrocentos em diante, e sobretudo nos anos Quinhentos e Seiscentos, embora perdurasse a concepção medieval indiferente à idade, o colégio veio se consagrando

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inteiramente  à  educação  e  à  formação  da juventude,  inspirando­se  nos  elementos  de  psicologia  que  se  vinham descobrindo".  Também "é dessa  época  a  descoberta  da  disciplina:  uma  disciplina  constante  e  orgânica,  muito  diferente  da violência de uma autoridade não  respeitada  ... A disciplina escolar tem raízes na disciplina eclesiástica ou religiosa; é menos instrumento de exercício que de aperfeiçoamento moral e espiritual, é buscada pela sua eficácia, como condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor próprio de edificação e de ascese". Sobre a produtividade da disciplina também dentro do trabalho escolar, do ensino/aprendizagem, insistiu igualmente Foucault em Vigiar e punir, o estudo de 1975 dedicado à prisão, mas ao mesmo tempo à identificação das estruturas sincrônicas entre as diversas instituições que internam para separar e para melhor educar, ou recuperar, ou conformar à (unção produtiva que os vários sujeitos devem cumprir na sociedade, sem resistências e sem desvios ou oposições. Tais instituições, da prisão à escola, passando pelo exército, pelo hospital etc., operam antes de tudo um minucioso controle do corpo: assim o faz também a escola, que disciplina os gestos e as posições do corpo, conformando-o (ou tentando conformá-lo) a um corpo "bem regulado", que introjetou as boas maneiras e se submete à autodisciplina . Depois, opera uma divisão produtiva do tempo, visando a organizá-lo, sem desperdícios e aproveitando cada parcela: toda a vida escolar é uma sucessão de obrigações produtivas organizadas em unidades temporais. Tudo isso produz eficiência na aprendizagem, mas também a interiorização de um uso produtivo do tempo, que deve permanecer no centro da mentalidade do homem moderno, tanto no trabalho quanto na vida privada. Enfim, a escola ritualiza o momento do exame atribuindo-lhe o papel crucial no trabalho escolar. O exame é o momento em que o sujeito é submetido ao controle máximo, mas de modo impessoal: mediante o controle do seu saber. Na realidade, porém, o exame age sobretudo como instrumento disciplinar, de controle do sujeito, como instrumento de conformação. Segundo Foucault, a escola, através da "vigilância hierárquica" (múltipla e cruzada), do "controle interno e contínuo ", da "sanção nor" malizadora" (o sistema de prêmios e castigos, que introduz uma "micropenalidade"), que tem função corretiva e capacidade de reafirmar o caráter regulativo do Normal, através enfim do exame, com o "aparato

HISTÓRlA DA  PEDAGOGIA 

inspirando­se  nos  Também  "é  dessa  tante  e  orgânica,  ­ :­espeitada  ...  A dis:I re ligiosa; é menos . o ral e espiritual, é do tr abalho em cot de ascese". :TO do trabalho es-

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do exame ininterrupto" que caracteriza a escola moderna, instaura um poder sobre o sujeito, produzindo-o segundo as instâncias do Poder: cria um corpo dócil e um sujeito normalizado, que é antropologicamente algo de novo, um novo sujeito que interiorizou o poder e se foi conformando segundo o seu modelo. Isso significa também que à escola foram atribuídos um papel e um perfil decididamente ideológicos: ela se torna agente da reprodução social e, em particular, da ideologia dominante, do poder e seus objetivos, seus ideais e sua lógica . A escola se torna, como dirá Althusser, "aparato ideológico de Estado" que conforma reproduzindo a força de trabalho, mas sobretudo a ideologia. Certamente, a escola moderna foi também outra coisa; foi igualmente uma etapa da emancipação dos indivíduos (do folclore, como viu Gramsci) e das classes sobretudo populares (elevando-as da condição de governadas à de potenciais governantes); foi um "lugar" social complexo e ambíguo, onde ideologia e crítica (cultura crítica) se enfrentam e se opõem, dando vida a processos que, sobretudo nos anos Novecentos, ampliaram sua identidade e seu projeto (pondo-a ora como escola libertadora ora como escola da conformação) . A sociedade moderna, na sua identidade educativa e no seu desejo de pedagogização, atribui assim um papel central à família e à escola, renovadas na ·sua identidade, mas estende a sua ação conformativa também a muitos outros âmbitos, até o do trabalho (com o sistema de fábrica e a elaboração de regras funcionais aos tempos e às funções da máquina) ou do tempo livre (com o desenvolvimento do associacionismo, que torna não-ocioso e programado também o tempo de não-trabalho); realizando assim um projeto cada vez mais explícito, cada vez mais vasto, cada vez mais ambicioso de controle e conformação de toda a sociedade e colocando depois nas mãos do Estado o projeto de pedagogização da sociedade civil. Será enfim a época contemporânea que, seja nas democracias de massa seja nos Estados totalitários, levará o projeto à execução máxima, mas produzindo agora - em relação a ele - também anticorpos precisos: tomada de consciência do seu papel repressivo e alienante; desmascaramento da sua lógica de domínio; alternativas possíveis que se tornem garantias da divergência e da liberdade individual. Será esta uma das heranças incompletas da Modernidade que, tanto em política como em educação, ainda atormentam a pesquisa contemporânea.

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4  UMA NOVA  CULTURA PARA A INSTRUÇÃO  Outra  área  de  renovação  pedagógica  que  veio  estabelecer  uma  ruptura com o passado diz respeito ao curriculum de estudos. A Modernidade começa com uma retomada da paidéia clássica e da sua idéia de cultura, literária e retórica, histórica e humanística, como se configurava na tradição antiga, de Isócrates a Quintiliano, mas também de Platão aos estóicos, aos neoplatônicos, mesmo que reativada por meio de um trabalho de restauração científica, filológica, em relação a textos, conceitos, léxicos etc., de modo que a recuperação dos clássicos comportasse também reviver seu mundo, na sua inteireza, complexidade e especificidade, assumindo-o como um novo modelo de formação do homem. Se o humanismo nasce retórico e filológico, o desenvolvimento da cultura moderna que se vinha ativando com este processo manifestará também outras dimensões: religiosas, políticas, científicas. Estas, gradativamente, chegarão aos limiares da educação e procurarão espaço nos curricula formativos. Serão sobretudo os anos Seiscentos que trarão à luz essas novas tensões na cultura escolar, incluindo-as no projeto formativo e escolar: com Comenius, com Locke, por exemplo, mas também com o processo de crescimento e inovação que a cultura sofre nos colégios, colocando-se de maneira nova já nos primeiros anos dos Setecentos. Já Garin lembrava em L'educazione in Europa 1400/1600 que "a função da instância humanística" não se limitava ao "estudo do latim e do grego" e dos autores clássicos", mas indicava "um método, que se concretizou naquele acesso ao mundo greco-romano, mas poderia viver melhor, em situação diferente, na relação com outros mundos culturais, e talvez até em diferentes maneiras de encontrar, e idealmente experimentar, o processo da obra humana". Isso significa que a filosofia humanística era já um início de mentalidade científica e se punha na linha daquela renovação da cultura que explodirá nos anos Seiscentos e que terá no centro a nova ciência. O aspecto literário do humanismo, de fato, entre os anos Quinhentos e Seiscentos, foi se desenvolvendo no sentido retórico-formal e gramatical, tornando os studia hwnanitatis bem mais pobres em relação à exigência dos humanistas. Entretanto, novos elementos do conhecer e do saber, além do lingüístico, serão postos em foco também na formação escolar.

HISTÓRIA DA  PEDAGOGIA 

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Serão as  matemáticas com Descartes e a ciência experimental com Galileu;  serão  novas  instâncias  religiosas  com  o  protesta ntismo  e  depois  com  a  Contra­Reforma,  que  influenciarão  também  o  curso  dos  estudos  (como  manifesta  exemplarmente  Comenius,  cujo  pensamento educativo,  inclusivê  no  sentido  escolar,  se  move  sobre  o  fundo  de  um  objetivo  irenista,  religioso  e  político,  que  coloca a  formação  num  itinerário  de  compreensão  do  sentido  do  real  no  seu  conjunto,  humano,  cósmico  e  metafísico,  que  vê  na  concepção  cristã  seu  próprio  fundamento);  serão  exigências  políticas, m ais  democráticas,  postas em vigor por Locke (na forma ção  do 

gentleman como  modelo  da classe  dirigente  e aberto ao  conhecimento  da  sociedade  e  seus  problemas de  governo).  A própria cultura escolar,  portanto,  foi  se  renovando profundamente.  Matemática e  ciência,  política e  reiigião universal,  ou  tolerância,  compreensão,  diálogo,  começarão a  fa, zer  parte  do  curriculum formativo  ideal,  pelo  menos  dos  grupos  sociais  privilegiados  e  destinados  a  um  papel  de  direção  política. Tanto  Locke  como  Rousseau,  tanto  Comenius  como  os  mestres  de  Port­Royal  ou  Fénelon  delineiam  curricula mais  ricos  e  complexos  do  que  os  da  escola  humanística  e  vão  esboçando  os  conteÓdos  culturais  da  escola  moderna  que , retomados pelos propagandistas do iluminismo europeu, se  tornarão  o  modelo e  o  itinerário formativo  da escola  burguesa.  Gusdorf,  no  capítulo  dedicado  à  pedagogia no volume  sobre As ciências humanas no século das Luzes, sublinhou  com  força  essa  linha  divisora  de  águas  setecentista,  relativa  a  "programas  e  métodos  de  ensino".  A  autoridade  do  latim  permanece  indiscu'rível,  mas  temperada  pela  solici-

poderia viver me_ mu ndos  culturais,  e 

tação  da presença das línguas nacionais;  a querelle des anciens et des modernes opera  na  direção  de  uma  valorização  das  literaturas  vulgares  e  do  seu 

id ealmente  experi-

papel  formativo  (subíinhando a  superioridade  dos  modernos  que,  como  anões  nas  costas  de  gigantes,  conseguem  enxergar mais  longe);  a  mate mática é  indicada como a  regula ad diTectionem ingenii e  as  ciências  devem  encontrar  espaço  na  escola,  não  mais  como  ciências  dedutivas  e  filosó-

mo  início  de mentaliaç 'io  da  cultura  que  o  anos Quinhentos 

ficas  (à maneira aristotélica),  mas  como  ciências  empíricas e  experimentais;  depois  a  história  deve  tornar­se  história  das  sociedades  e  dos  Estados ,  história  dos  povos  e  das  nações,  e  a  geografia  deve  ligar­se  a  ela  para  delinear o  pluralismo das condições econômicas e  civis  da  humanidade nas diversas áreas  da Terra,  diferenciadas por clima e  por recursos;  existem depois as  línguas modernas,  necessárias para a  comunicação en-

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tre os  pOVOS  e  para a formação "política" do jovem dos grupos dirigentes,  que  deve  conhecer diretamente  países e  povos, com os  quais  deve  comunicar-se diretamente, a partir do seu tour de instrução a cumprir nos albores da juventude. Gusdof escreve que foi, porém, sobretudo o espaço delineado para a ciência que renovou radicalmente o cuniculum de instrução. "Bem antes do momento intelectual, representado pela Enciclopédia, as testemunhas da importância assumida pelas novas instituições, como a Real Sociedade de Londres ou a Academia de Ciências de Paris, têm consciência de que a inteligência moderna, a exemplo de Bacon, requer uma renovação do conteúdo dos estudos. A ciência. matemática do tipo galileano impõe um modelo de racionalidade, que determina comportamentos intelectuais diferentes daqueles que predominavam no humanismo clássico. O espírito estético e arcaizante deve dar lugar ao espírito científico, justificado e consolidado pelo progresso do conhecimento." Não que os programas escolares, no curso dos anos Setecentos, encontrem na ciência o seu centro de gravidade, mas a instância de uma revisão dos programas tradicionais (em uso nos colégios) se faz sentir e algumas linhas de atuação dessa revisão já estão traçadas. Mais ainda: a técnica também encontra lugar neste novo programa e novo método de estudo . "Os inovadores esperam que a educação não se feche na cultura da palavra e do pensamento. O homem deve formar-se em contato com a matéria, em vista da sua participação nas atividades do m\mdo." Com Locke, a cultura técnica - mesmo como hàbby - foi integrada no curriculum formativo. Será depois Rousseau quem a retomará e a levará muito além de Locke, esboçando uma "educação profissional". Essa mudança de conteúdos na instrução aparece por ora apenas planejada e desejada, mas ainda não realizada nas escolas do século XVIII, que só foram reformadas e renovadas em alguns períodos e em alguns poucos países europeus , em contato sobretudo com a cultura iluminista: será porém no século XIX que as instâncias iluministas expressas em torno da escola encontrarão satisfação com o nascimento das escolas técnicas e com a afirmação de curricula de base científica além de humanísticô . Na base deste processo, porém, está uma mudança também nos objetivos da educação : esta não versa mais sobre a formação do "bom cristão" ou do douto-cortesão (que dava ênfase a uma cultura ornamental, desenvolvida em chave religiosa, antimundana e literária), mas sim sobre a for-

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HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

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