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Portuguese Brazilian Pages [1489] Year 2000
CONSTITUIÇÃO FEDERA[ INTERPRETADA
ARTIGO POR ARTIGO, PARÁGRAFO POR PARAGRAFO
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CONSTITUIÇAO
FEDERAL
INTERPRETADA
ARTIGO POR ARTIGO, PARÁGRAFO POR PARÁGRAFO
COSTA MACHADO
ORGANIZADOR
ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRAZ COORDENADORA
2018
INCLUI QUESTÕES DA OAB E CONCURSOS
Â_ Manole
Adriana Zawada Melo Alexandre Magno Borges Pereira Santos Alexandre Rego Anderson Rosa Vaz Anna Candida da Cunha Ferraz Antonio Carlos Caetano de Menezes Antonio Sérgio Pacheco Mercier Azor Lopes da Silva Junior BeneditoAntonio Alves Bernardina Ferreira FurtadoAbrão CarlosAlberto Valera carlos Eduardo SiqueiraAbrão Carlos Henrique Gasparoto Cildo Giolo Junior Cintia Regina Béo Dalmo Henrique Branquinho Daniela de Melo crosara EzequielAntonio Ribeiro Balthazar Francisco deAssis Cabral Franco Oliveira Cocuzza Frederico Thales deAraújo Martos Henrique Ribeiro Bonumá Filho lnez Siniauskas Cocuzza João Felipe Dinamarco Lemos José Francisco Cunha Ferraz Filho José Levi Mello do Amaral Júnior LeonardoAndré Paixão Margareth Leister Odair Márcio Vitorino Paulo de Tarso SiqueiraAbrão Reginaldo Lopes Minaré Renato Ferreira dos Santos Roberto Ferreira Roger Stiefelmann Leal Rubens Naman Rizek Junior Sérgio Fernando Harfouche Valmir Maurici Júnior
e Editora Manole Ltda., 2018> por meio de contr.uo com o org.rnizador. CAPA
Sopros Design Departamento Editorial da Editora Jvtanole
PROJFr GRÁFICO
Dados Internacionais de Catal ogação na Publicaç.ão (CIP) (Olmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Constituição Federal interpretada: artigo por artigo. parágrafo por parágrafo/Costa Machado. organizador; Alma Candida da Cunha 1:erraz. roordenadora.-9. ed.- Barueri, SP: Manole, 2018. Vários autores. loclui questões da OAJ3 e concursos ISBN 978-85-204-5659-0 1. Brasil-Constituiçito ( 19S8) 2. Direito constitucional- Brasil 1. Machado.Costa. li. Ferraz. Anna Candida da Cunha. 17-11062
CDU -342.4:347 .991 (81)(094.9)
fndicc para catálogo sistemático: 342(81 ) 1. Br.tsil: Direito constitucional lbdos os direitos reserwdo.s. Ncnhmna parte deste �vro poderá ser reproduzida, pc;)r qualquer processo, sem a permissão expressa dos edito1�s. Ê proibida a reprodução por fotocópia. Durante o processo de edição ck-"Sta obra, foram tomados todos os cuidados para assegurar a public.ação ck informações precüas e de práticas geralmente aceitas. Caso algum autor sinta-se prejudicado, favor entrar em contato com a editora. Os autores e os editores eximem-se da responsabilidade por quai$< 1uer erros ou o,uisS..10 constitucional ser demonstração de perigosa e excessiva libera lidade, posto que ganha aparência de faculdade de agir exercitável pelo traba lhador de forma unilateral, uma vez que ao utilizar a expressão "competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo" possibilita interpre tação no sentido de que inexiste sujeição a critérios que possam dar ao referido direito a dimensão de uma arma exercitável somente em condições extremas, passível de contramedidas que possam colocar o instituto no seu verdadeiro lugar, qual seja, uma disputa de força entre empregadores e empregados. O exercício ilimitado e irresponsável do direito de greve, ou seja, a sua utilização, não como medida extrema para solução de conflito de interesses, pode aparen tar verdadeiro repúdio ao direito de trabalhar. O direito de greve existe e deve ser respeitado desde que conciliado com as outras ideias estruturais contidas na CF. A matéria é regulamentada pela Lei n. 7.783/89. § 1° A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da c01nunidade. O legislador constituinte deixou para o legislador ordinário federal a 1nissão de definir os serviços e as atividades essenciais, com o intuito de possibilitar que um mínimo dos serviços, ou das atividades essenciais, imprescindíveis às necessidades básicas da comunidade, tenha condições de funcionar. No entan to, existem atividades absolutamente insubstituíveis, inexistindo, em um pri meiro momento, meios para assegurar o atendimento das necessidades inadiá veis da comunidade. Os trabalhadores que exercem atividades essenciais não estão proibidos de rea lizar greve, poré1n, o exercício desse direito é sob condição - o atendimento dos serviços e das necessidades inadiáveis da sociedade, definidos pela lei ordinária. § 2° Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Seguindo a teoria do abuso do direito, a norma constitucional em comento pretendeu penalizar o exercício abusivo da greve, como ocorre quando há a in-
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tenção de prejudicar, trazendo malefícios à empresa e à comunidade. Se a CF implicitamente admitiu a possibilidade do cometimento de abusos, está a ins tituir deveres míniJ11os, que não podem deixar de ser cumpridos, como a ma nutenção da prestação de serviços e as atividades que preencham necessidades inadiáveis da comunidade. Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação. A democracia representativa foi prestigiada no texto constitucional desde o momento em que se expressou em seu art. 1°, parágrafo único: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamen te, nos termos desta Constituição''. Garantiu a CF a democracia representativa nos colegiados dos órgãos públicos, não de forma exclusiva à classe dos traba lhadores, mas também à classe dos empregadores. No entanto, há uma restri ção em que essa participação pode ocorrer, a saber: a) é necessário que o órgão seja colegiado; b) o caráter público dos órgãos; e c) a matéria que será objeto de discussão e deliberação, ou seja, interesses profissionais e previdenciários. A regra jurídica constitucional trouxe uma promessa em forma de garantia coletiva social que pretende dar os primeiros passos para a prática da cogestão, sugerida no inciso XI do art. 7° da CF. Art. 11. Nas e1npresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de wn representante destes com a finalidade exclusiva de promover -lhes o entendimento direto com os empregadores. Este dispositivo constitucional reitera, até certo ponto, a ideia de cogestão prevista no art. 7°, XI, da CF, trazendo o direito de representação na empresa en1 complementação ao dispositivo anterior que tratou da representação nos colegiados públicos. Diante da dificuldade do encontro direto para entendi mento entre trabalhadores e empregadores, a regra jurídica constitucional de termina que nas empresas com mais de 200 empregados seja assegurada a par ticipação de um representante dos trabalhadores, por estes eleito, com a finalidade de promover o entendimento direto. CAPÍTULO Ili
DA NACIONALIDADE
Tema de acirrados debates está em torno da nacionalidade. Isso porque a ex pressão não é feliz para o fim a que se destina. De fato, o que se convencionou
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denominar nacionalidade, segundo Pontes de Miranda, "é o vínculo jurídico -político de Direito Público Interno, que faz da pessoa um dos componentes da din1ensão pessoal do Estado''. Esse é um conceito eminentemente jurídico, mas não podemos deixar de lado que, dentre as premissas consagradas para a caracterização do Estado (povo, território, soberania), não há que se confun dir a primeira - povo - com nação. São conceitos completamente diferentes. Nesse sentido, estamos com Daimo de Abreu Dallari que no seu Elementos de Teoria Geral do Estado nos ensina que o surgimento do termo nação, ainda no século XVIII, tinha por finalidade ser "a expressão do povo como unidade ho mogênea", mas que o uso dessa expressão para designar povo estaria incorreto. Conclui-se, portanto, que a conceituação de nacionalidade também é de preocupação de outras ciências, como a sociologia, cuja inquietação se atrela a outros ângulos de consideração como a identidade cultural, linguística etc. O que chama atenção é o fato de que o termo ou expressão nacionalidade se presta a conceituar, atualmente, algo que não é exatamente o que o vocábulo significa. Todavia, assim como Sir Arthur Conan Doyle jamais escreveu a frase que ca racterizaria o seu mais famoso personagem, Sherlock Holmes, a expressão "ele mentar, meu caro Watson" ou da mesma forma que Beethoven nunca denomi nou a sonata Op., 27, n. 2, de Sonata ao Luar, vox populi, vox Dei. Em outras palavras: a expressão, sob o ponto de vista jurídico, acabou ganhando a signi ficância de apontar quem, dentre todas as pessoas que habitain o planeta, o Estado considera como sua parte integrante, ou como seu povo. Feito esse alerta, resta dizer que o que virá a seguir tem a finalidade de ana lisar quem é considerado nacional brasileiro consoante as regras de direito cons titucional, porque as regras capitais sobre nacionalidade estão contidas na CF. O reconhecimento da nacionalidade é ato estatal que faz gerar diversas impli cações quanto às formas de sua aquisição, que pode ser primária (também cha mada pela doutrina de nacionalidade originária) ou secundária (que também pode ser encontrada sob o nome de derivada). A nacionalidade prin1ária é, ge rahnente, uma espécie de imposição estatal, ou seja, um ato unilateral do Estado, por ocasião do nascimento da pessoa, que, tendo em vista ser considerado di reito fundan1ental, pode ser enquadrado como um dever estatal e um direito subjetivo daquele que será considerado nacional. José Afonso da Silva informa que, observados os requisitos legais, não caberá alternativa ao Estado brasilei ro, senão o reconhecimento da nacionalidade. O ato de reconhecimento, por tanto, é vinculado. Veremos adiante que são considerados brasileiros natos, a princípio, aqueles que nascem em território nacional. Dessa forma, o Estado brasileiro não in quiriu aos pais ou ao interessado se é desejo ser considerado nacional brasiJei ro. O Brasil assim o considera e ponto final. Já a nacionalidade secundária, na
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maior parte das vezes, é adquirida por manifestação de vontade do interessa do, que deseja ser nacional de um determinado Estado, ainda que assim jamais o fosse considerado originariamente. A nacionalidade primária ou originária é, no mais das vezes, adquirida de duas formas: pelo critério da origem terri torial, ou o ius soli, ou dos laços familiares, o mal chamado ius sanguinis (qua lificamos de "mal chamado': uma vez que, a bem da verdade, esse critério ob serva não a origem étnica do nascido, mas a nacionalidade de seus ascendentes). Já a secundária ou derivada se dá por ato voluntário da pessoa, consoante as disposições do ordenamento jurídico, como a residência ininterrupta em um Estado por determinado período de tempo, o ius domicilii, ou, ainda, em razão da realização de serviços em prol do Estado, o ius laboris. Como exemplos, o art. 66, V, da Lei n. 13.445/2017 - nova Lei de Migração - reduz para um ano o prazo de residência no país de estrangeiro que deseje se naturalizar brasilei ro, no caso da efetiva prestação ou da possibilidade de efetiva prestação de re levantes serviços ao Brasil; já o art. 68, II, da mesma lei permite a naturaliza ção do estrangeiro que tenha trabalhado por dez ou mais anos ininterruptos, em representaç..'terior, além da alta relevância para os interesses nacionais, é uma contingência. O brasileiro, no caso, não foi residir fora do país apenas por sua livre e espontânea vontade, mas para representar, para auxiliar o país interna cionalmente. É um fato que vai acolá de uma simples imigração. É uma resi dência "imposta" ao brasileiro, em razão de seu trabalho, para a preservação dos interesses do país. Seria injusto, portanto, que uma criança nascida no ex terior, se sopesadas estas especiais condições, não fosse considerada brasileira. Trata-se, como adverte Jacob Dolinger, de combinação do ius sanguinis com o elemento funcional. Seguindo o ensinamento do mesmo autor, entendemos que, para fins de concessão da nacionalidade brasileira, considerar-se-ão bra sileiros, segundo a alínea em comento, os filhos daqueles que estejam a servi ço da República Federativa do Brasil, ou seja, não apenas os filhos daqueles que estejam a serviço da União, mas de todos os órgãos ou entes que compõem a República, como Estados, Municípios, Distrito Federal, empresas públicas ou de economia mista, posto que as atividades destas últimas encerram interesse público, conforme as palavras do mesmo autor. c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, des de que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; Alínea com redação dada pela EC n. 54, de 20.09.2007
Eis uma alínea que sofreu diversas modificações durante a vida da Consti tuição. Antes da EC n. 54/2007, vigia a disposição dada pela ECR n. 3/94: "os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira". Portanto, sob a égide daquele revogado comando, a Constituição permitia a aquisição da nacionalidade brasileira pelo critério do ius sanguinis, que é critério originário (ou primário) de aquisição de naciona lidade, mas, ressalte-se, combinado com um critério derivado (ou secundário): o da residência no Brasil. Disposições semelhantes já existiram em outras Cartas brasileiras, desde o Império, que previa no art. 6°, II, apenas a filiação e
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a residência, não impondo a necessidade de opção. Nessa mesma toada dispu nha a Constituição de 1891 em seu art. 69, § 2°. A Constituição de 1934 não exigia a residência no país (art. 106, b), o que foi mantido pela Constitujção de 1937 (art. 115, b). A Constituição de 1967 (art. 140, l, e) retoma a necessidade de residência no país, o que foi mantido pelas demais Constituições, inclusive pela atual, até o advento da EC n. 54/2007. Assim, segundo a disposição revogada, para adquirir a nacionalidade brasi leira, nos termos do art. 12, I, e, bastavam os requisitos de filiação brasileira (filiação de brasileiros natos ou naturalizados), residência no país e opção. Todavia, o que parecia ser uma norma simplificadora, acabou por se revelar um desastre. E o motivo é óbvio: filho de pai ou mãe brasileiro tinha que vir residir no Brasil para ser nacional deste país. Ora, se o país no qual o nascido reside não o reconhecesse como nacional e se para o reconhecimento da nacionalidade brasileira se fazia necessária a re sidência em território nacional, estaria criado um tremendo embaraço. Isso porque, se o país onde se deu o nascimento não reconhece o nascido como seu nacional, e para que isso ocorresse no Brasil, o nascido deveria aqui resirur (o que não era o caso), qual a nacionalidade desse indivíduo? Nenhuma. Então tínhamos pai ou mãe brasileiros, no exterior, com um filho apátrida. Como solução, teriam de vir residir Brasil para que a criança pudesse ser con siderada nacional brasileira. Para vir residir no Brasil, a criança teria de obter documentos de viagem. Emitidos por quem, já que se tratava de um apátrida? Isso fez surgir vários debates acerca da matéria. Por fim, chegou-se à conclu são de que os nascidos no exterior, filho de pai ou mãe brasileira, tinhan1 a condição de brasileiro nato que deveria ser conformado posteriormente, me diante a opção. Isso resolveria, a princípio, o problema relativo à emissão de passaporte. Não se perca de vista, contudo, que se faziam necessários, ainda, a residên cia e a opção. Ora, e se a pessoa não viesse a residir no Brasil? E se residindo não optasse? Qual o termo legal para a cessação dos efeitos da nacionalidade brasileira? A maioridade? Mas justamente a necessidade do exercício desse di reito até a maioridade foi revogada pela EC n. 3/94. Ou seja: o que tinha vindo para facilitar criou, em verdade, um problema maior. Daí por que, em bom tempo, nova alteração constitucional ocorreu, facili tando a possibilidade de reconhecimento da nacionalidade brasileira a filho de pai ou mãe brasileiros nascido no exterior. Pela nova regra, não se faz mais necessária a residência em território nacio nal, basta que "sejam registrados em repartiç,'ío brasileira competente''. Isso ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tem po, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.
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Com isso a Constituição ameniza, mas não expurga, certos anacronismos, como a imposição de residência para a concessão de nacionalidade brasileira. Muitos países concedem nacionalidade sem a necessidade de que a pessoa te nha posto os pés em seu território, permitindo, inclusive, a possibilidade de que votem no estrangeiro e nada perdem com isso. II - naturalizados: Naturalização é forma derivada (ou secundária) de aquisição de nacionali dade, mediante o preenchimento de certos requisitos. É ato de vontade, tanto do interessado quanto do próprio Estado que irá reconhecê-lo como seu nacio nal, e, como tal, está imbuído, a princípio, de discricionariedade para ambos. É ato volitivo do requerente (seja ele estrangeiro ou apátrida), posto que não de vesse ser possível impor nacionalidade secundária a ninguém. Portanto, o Estado - no caso, o brasileiro - não pode forçar alguém, nacional de outro país ou mes mo apátrida, a ser brasileiro. O interessado é quem, preenchidos determinados requisitos legais, deverá querer adquirir a nacionalidade brasileira. A Lei n. 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros), que antes disciplinava a atribuição de na turalização, estabelecia expressainente que por se tratar de ato soberano do Estado, a concessão da nacionalidade seria u1n ato discricionário, não i1npor tando se o estrangeiro tivesse ou não preenchido os requisitos previstos em lei. Era o que detenninava o art. 121 do Estatuto dos Estrangeiros: "A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro o direito à naturali zação''. Ocorre que a Lei n. 6.815/80 foi integralmente revogada pela Lei n. 13.445/2017 (nova Lei de Migração). E a legislação atual não possui correspon dente ao art. 121 da revogada Lei n. 6.815/80. Nesse sentido, fica a dúvida se, atualn1ente, por falta de autorização expres sa, o Brasil poderia negar, como ato discricionário, a naturalização a estrangei ro que a requeresse, desde que preenchidos os requisitos legais. Como a legislação atual é mais "amigável" quanto ao acolhimento de estran geiros pelo Brasil, aliada ao fato de que não há mais previsão legal expressa que permita ao Estado negar naturalização a quem requeira, desde que preenchi dos os requisitos legais, arriscamos a palpitar que, atualmente, a concessão de nacionalidade, seja para os natos seja para os naturalizados, é um ato vincula do, não cabendo mais a negativa por razões de conveniência e oportunidade. De outra feita, aiJ1da que se chegue à conclusão de que a naturalização é um ato discricionário, ressaltamos, como fizemos em edições anteriores, uma di ferença é importante que se ponha: a discricionariedade para concessão de na turalização é aplicada apenas ao estrangeiro, e não ao apátrida. Isso porque, a uma, a lei é clara em afirmar que o direito não será assegurado ao estrangeiro. Estrangeiro é o nacional de outro país. O apátrida não é nacional de país ne-
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nhum, não podendo ser enquadrado legalmente, portanto, na categoria de es trangeiro. Por outro lado, é sabido que o apátrida tem limitada, em razão de sua ausência de nacionalidade, uma série de direitos, onde quer que se encon tre, o que, naturalmente, viola uma série de princípios constitucionais brasi leiros, notadamente o da dignidade humana. Isso porque a própria nacionali dade é um direito fundan1ental, assegurado pela Declaração dos Direitos Humanos, em seu art. 15 ("Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e nin guém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade"). Ademais, o art. 32 da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas expressa, aos países contratantes, que seja facilitada ao apátrida a integração e a naturalização, motivos pelos quais acreditamos que sua con cessão de nacionalidade deva abandonar a esfera do poder discricionário do Estado brasileiro, para tornar-se um ato vinculado. Entretanto, essa não é a úni ca hipótese de naturalização "vinculada", ou seja, de concessão obrigatória ao Estado brasileiro para quem a requeira. Obrigatória também é a concessão de nacionalidade brasileira por meio da naturalização àqueles que incorram na hipótese da alínea b, do inciso II, do art. 12 da CF, como veremos logo a seguir. Nos demais casos, a naturalização se trata de ato discricionário. a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas
aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; A alínea a permite a concessão de nacionalidade brasileira aos estrangeiros que, "na forma da lei'; adquiram a nacionalidade brasileira. Se, "na forma da lei", e a lei determina, como vin1os, que a concessão de nacionalidade brasilei ra via naturalização é ato discricionário do Estado brasileiro, aqueles que inci dam na hipótese da alínea em comento não têm assegurado para si um direito subjetivo à naturalização. Ainda que os requisitos previstos em lei estejam so bejamente preenchidos, o Estado brasileiro, na hipótese em exame, estará livre para conceder ou não a nacionalidade brasileira. A CF cria uma distinção en tre os estrangeiros oriundos dos países de língua portuguesa e os estrangeiros originários dos países cuja língua não seja a portuguesa. Temos de enfrentar a questão se a alínea cria duas hipóteses de concessão da naturalização ou não. Em outras palavras, é necessário estabelecer se a distin ção relativa aos estrangeiros oriundos de países lusófonos é apenas no que se refere ao tempo de permanência no Brasil. Partindo dessa premissa, um nacio nal de Angola, ou Portugal, teria de preencher todos os requisitos previstos em lei, mas a permanência em território nacional seria reduzida para apenas um ano e essa seria a única benesse.
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Assim concluindo, o fato de ser oriundo de país de língua portuguesa não assegura a tal estrangeiro o direito à naturalização. Nesse diapasão, tanto para o estrangeiro natural de um país cuja língua seja a portuguesa, como para um nacional de país cujo idioma oficial seja outro, o ato de concessão da naciona lidade brasileira por intermédio da naturalização seria discricionário. A única diferença encontrar-se-ia no tempo de residência no país. Por outro lado, não se deve ignorar que a Constituição diz que aos estran geiros oriundos de países nos quais a língua oficial seja a portuguesa, será ne cessário apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. Ora, se são necessários apenas tais pressupostos, a concessão seria obrigatória, pos to que o vocábulo grifado teria o condão de subtrair da lei, que é o veículo nor mativo que prevê a discricionariedade da concessão, a possibilidade de ser apli cada nessa hipótese. Entendemos que não se trata de hipótese de concessão vinculada de nacio nalidade, em que pese a existência do apenas. Já se cansou de explicar: o legis lador não é um técnico. Assim, parece ser mais razoável que, se houvesse, ou melhor, se o legislador constituinte pretendesse criar duas hipóteses de conces são de nacionalidade (uma d.iscricionária e uma vinculada), a questão das pes soas oriundas dos países de língua portuguesa estaria na parte final da alínea seguinte, e não na alínea a. b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República
Federativa do Brasil há 1nais de quinze anos ininterruptos e sem conde nação penal, desde que requeiram a nacionalidade b rasileira. Alfnea com redação dada pela ECR n. 3, de 07.06.1994.
A alínea b, distintamente do que a Constituição dispõe na alínea a do artigo em comento, determina, ao Estado brasileiro, uma obrigação em conceder a na cionalidade brasileira ao estrangeiro que, residente no Brasil, quinze anos ou mais, a requeira, desde que não tenha incorrido em condenação penal. Isso por que a determinação constitucional retira da lei a prerrogativa de determinar qualquer disposição para a concessão da nacionalidade. Dessa forma, as restri ções contidas em normas inferiores não se aplicam ao caso em análise. Ainda, a Constituição, além de afastar a possibiJidade de restrição da concessão de na turalização no caso presente, de leis infraconstitucionais, prevê apenas uma res trição em seu bojo. Dessa forma, o requeriJnento de estrangeiro para fins de naturalização que tenha por base a alínea b do inciso II do art. 12 da CF deve ser acatado, não havendo para o Estado brasileiro hipótese legal que funda mente uma negativa, a não ser, é claro, o fato de o requerente ter incorrido em condenação penal.
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§ 1° Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos ineren tes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. Parágrafo com redação dado pelo ECR n. 3, de 07 06.1994. O presente comando constitucional não trata de nacionalidade em si, mas da aquisição de direitos similares ao do nacional brasileiro, sem que para isso haja a necessidade de naturalização. Nesse sentido, aos portugueses serão assegura dos os mesmos direitos garantidos aos brasileiros, verificados dois pressupos tos, a saber: visto de permanência e reciprocidade. O pressuposto para residên cia permanente no país é a obtenção da residência definitiva. Além da residência, é necessária a reciprocidade em favor dos brasileiros que estejam em Portugal. A reciprocidade é princípio norteador das relações internacionais. Em resumo, permite a um país tratar a um estrangeiro da mesma forma que seu nacional é tratado no país originário daquele. Assim, garantindo Portugal, em seu territó rio, os mesmos direitos inerentes ao nacional português para nacionais brasilei ros, o Brasil, reciprocamente, fará com que o nacional português goze dos mes mos direitos que o nacional brasileiro, exceção feita aos que a própria Constituição determina, ou melhor, assegura apenas e tão somente aos brasileiros natos. Assin1, o nacional português não adquire a nacionalidade brasileira, mas apenas e tão somente terá os mesmos direitos de um nacional brasileiro. Como a Constituição excetua a possibilidade do gozo de alguns direitos aos nacionais portugueses, os quais coincidem com direitos cuja fruição também é impossível aos brasileiros naturalizados, é possível afirmar que a equiparação para os fins do presente pa rágrafo se dá entre o nacional português e o brasileiro naturalizado. § 2° A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e na turalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. A partir do momento em que se passa a adquirir a nacionalidade brasileira, se é brasileiro. Não há nacionais de primeira e segunda categoria em nosso país. Assim, tanto os brasileiros natos, como os naturalizados, têm os mesmos direi tos e garantias. Questões relativas à soberania do Estado brasileiro permitem a existência de algumas distinções, sem que isso interfira na isonomia entre bra sileiros natos e naturalizados. Mas a Constituição não permite que a lei as crie. Somente a Constituição poderá estabelecê-las. A nossa Constituição estabele ce pouquíssimas distinções: a impossibilidade de o brasileiro naturalizado ocu par determinados cargos na vida pública, cujo rol é estabelecido pelos incisos Ia VIIdo § 3°, como se verá logo à frente, e também ao cargo previsto no art. 89, VII (membro do Conselho da República); a possibilidade da perda da na cionalidade brasileira por determinação judicial transitada em julgado, priva-
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tiva de brasileiros naturalizados e, ainda, a possibilidade de extradição, haja vis ta que o direito de não ser extraditado é exclusivo do brasileiro nato (art. 5°, LI); ainda, o brasileiro cuja naturalização seja inferior a 10 anos não pode ser proprietário de empresa jornalística, de radiofusão sonora e de sons e imagens, nos termos do art. 222 da Carta Política. José Afonso da Silva ensina uma re gra de ouro para que se saiba se deten11inados dfreitos são exclusivos de brasi leiros natos, ou se podem ser conferidos a brasileiros natos e naturalizados. Se a Constituição emprega o termo brasileiro, é direito que ambos podem usu fruir; se, por outro lado, emprega a locução brasileiro nato, trata-se de disposi ção exclusiva aos que adquiriram a nacionalidade brasileira originariamente. § 3 ° São privativos de brasileiro nato os cargos: I- de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas; VII - de Ministro de Estado da Defesa. Inciso acrescentado pelo EC n. 23, de 02.09.1999.
Como vilnos, a CF determina distinções entre o brasileiro naturalizado e o nato, sendo que ao primeiro a Magna Carta ilnpede o acesso a detenninados cargos públicos, pelos motivos que restaram e>..'"])licitados anteriormente. § 4° Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: Da mesma forma que nacionalidade é direito que se adquire, também se pode perdê-la e a Constituição brasileira vai determmar quando e de que forma um nacional do Brasil perderá a sua nacionalidade. A expressão "declarada", en contrada no presente artigo, está mal colocada. Isso porque, para que alguém perca a nacionalidade brasileira não se fará precisa a ocorrência, necessaria mente, de uma ação declaratória, sendo que, em muitos casos, a perda da na cionalidade brasileira se dará por detem1inação ministerial (competência de legada pelo Decreto n. 3.453/2000). I- tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; A primeira hipótese de perda da nacionalidade brasileira é exclusiva de bra sileiros naturalizados. A nacionalidade será cancelada por sentença judicial, em
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razão de atividade nociva ao interesse nacional. Ou seja, a presente hipótese considera a concessão válida de nacionalidade pelo Estado brasileiro. Não se perquirirá no curso do processo se houve nulidade ou anulabilidade quando da concessão da nacionalidade. Portanto, o priJneiro pressuposto é a naciona lidade brasileira válida. O segundo pressuposto é que a naturalização seja can celada por sentença judicial. Ou seja, o cancelamento só poderá advir depois de processo judicial no qual deverá ser garanüda ao naturalizado a ampla de fesa. Trata-se de processo previsto em lei especial (Lei n.818/49), cuja senten ça terá efeitos ex nunc, uma vez que, como bem pontua José Afonso da Silva, trata-se de cancelamento de uma nacionalidade considerada válida, pelo fato de o naturalizado ter incorrido em uma hipótese constitucional de perda da nacionalidade, e não a declaração de nulidade de nacionalidade concedida em uma situação de vício ou fraude. O terceiro pressuposto é ter o naturalizado incorrido em "atividade nociva ao interesse nacional", ou seja, aquela tenden te a, de alguma maneira, afetar os interesses precípuos do Estado brasileiro, como, entre outros, aqueles consignados nos arts. 1 ° a 3° da CF. Ou seja, o es trangeiro que atentar contra o Estado Democrático de Direito, a soberania na cional ou promover o racismo, por exemplo, pode ter essas atividades enqua dradas como nocivas ao interesse nacional. II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
Inciso com redação dado pela ECR n. 3, de 07.06.1994.
A princípio, a aquisição de outra nacionalidade importa da renúncia da na cionalidade origiJ1al. De fato, na generalidade dos casos, o interesse em adqui rir uma nova nacionalidade está diretamente conectado com a falta de interes se em preservar a antiga. A aquisição de nova nacionalidade, en1 regra, está ligada a uma vontade de fazer parte integra11te de outro Estado, geralmente por questões de afinidade. O fato de alguén1 residir, por exemplo, muitos anos em outro país pode fazer com que os vínculos antes existentes com o Estado onde nasceu passem a ser menos acentuados que aqueles em relação ao país no qual passou a residir, motivo pelo qual lhe é interessante a aquisição de outra na cionalidade. Baseada na premissa de que o desejo de adquirir nova nacionali dade por parte de brasileiros significa um distanciamento com o Brasil, ou seja, a falta de vontade de permanecer brasileiro, a CF determina que a aquisição de nova nacionalidade implica a perda da nacionalidade brasileira. a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
Alfnea acrescentada pela ECR n. 3, de 0706.1994.
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Duas exceções são aplicadas à regra de que a aquisição de nova nacionalida de implica a perda da nacionalidade brasileira. A primeira encontra-se na alí nea a ora em estudo. Determina a CF que o "reconhecimento de nacionalida de originária pela lei estrangeira" não será motivo para a perda da nacionalidade brasileira. Tal determinação é bastante razoável, por dois motivos: o prin1eiro é que, para que haja um confüto positivo de nacionalidades, ou seja, a hipóte se em que dois (ou mais) Estados disputam a nacionalidade de uma mesma pessoa, a forma do reconhecimento da nacionalidade originária deverá ser dia metralmente oposta. Melhor explicando, uma pessoa apenas poderá ter duas (ou mais) nacionalidades se um dos Estados a reconhecer como seu nacional originariamente em razão do local do nascimento (ius soli) e o outro, em ra zão de seus familiares (ius sanguinis). Um exemplo de algo bastante usual no Brasil facilitará o entendimento dessa questão. Os países da Europa, continen te do qual houve forte saída de pessoas, notadamente nos períodos das duas grandes guerras, costwnam atribuir nacionalidade baseados no critério do ius sanguinis, aquele pelo qual o nascido acompanha a nacionalidade de seus as cendentes. A Itália assim o faz. Para o Brasil, notadamente nas regiões Sul e Sudeste, houve uma grande chegada de imigrantes italianos. Esses imigrantes tiveram filhos em território nacional. O Brasil, por utilizar como forma de re conhecimento da nacionalidade o ius soli, passou a considerar brasileiras essas crianças. Já a Itália, por aplicar o critério do ius sanguinis, considerava-as ita lianas. Nesse diapasão, ambos os países consideram uma mesma pessoa como seu nacional, originariamente. Se isso ocorre, segundo a nossa Constituição, o nascido não perderá a sua nacionalidade brasileira. O segundo motivo também é bastante óbvio. Já asseveramos que o reconhecin1ento da nacionalidade ori ginária é uma imposição do Estado. Ora, se ta1nbém vimos que a aquisição de nova nacionalidade é uma disposição de vontade, e a perda da nacionalidade brasileira está ligada diretamente a esse ato de vontade, não se poderá negar a nacionalidade brasileira a alguém pelo fato de essa pessoa ser considerada tam bém, forçosamente, como nacional por outro Estado. Assim fosse, o Estado brasileiro estaria punindo, com a perda de nacionalidade, um brasileiro que te ria adquirido outra nacionalidade, não por vontade própria, mas por reconhe cimento direto de outro Estado. Por outro lado, o Brasil não pode impedir, por uma questão de soberania, que outro país reconheça alguém como nacional. b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Alfneo acrescentada pela ECR n. 3, de 0706.7994.
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A segunda hipótese, mais uma vez, determina que a perda da nacionalidade brasileira está diretamente ligada a um ato de vontade. Assim, se um brasilei ro é forçado a mudar de nacionalidade para permanecer em território estran geiro, ou para exercer direitos civis, ele não perderá a nacionalidade brasileira. Isso porque, repita-se, não será um ato voluntário do brasileiro, será uma im posição do Estado estrangeiro, um constrangimento pelo qual o nacional bra sileiro estará submetido. Nesse sentido, a norma constitucional ignora a "op ção" por nova nacionalidade, uma vez que a dita "vontade" de adquirir nova nacionalidade não foi livre, mas imposta por circunstâncias alheias. Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. A língua portuguesa tem raiz latina, e se originou na costa oeste da Península Ibérica. Sofreu influência de povos de origem germânica e dos árabes que con quistaram aquela região. Com a expansão marítima portuguesa, vários países que foram conquistados pelos portugueses passaram a adotar o idioma como oficial, entre eles o Brasil, já a partir de 1500, ao lado do tupi, cuja utilização foi proibida em 1757 por determinação real. Atualmente, o português é falado na Angola, no Brasil, no Cabo Verde, na Guiné-Bissau, em Moçambique, em Portugal e em São Tomé e Príncipe. Assim, o português, embora falado em um vasto território e por uma grande quantidade de pessoas (é a oitava língua mais falada no mundo), em razão da descontinuidade e da vastidão das áreas em que é falado, adquiriu características próprias e regionais de vocabulário, gra mática e de sotaque. Portanto, embora a Língua Portuguesa seja, em verdade, o idioma dos colonizadores portugueses, é fato que, no transcorrer da História, foi bastante modificada e contraiu características regionais próprias, sendo que, no Brasil, fala-se o português brasileiro, e essa é a língua que a Constituição detern1ina como idioma oficial, mesmo porque, ressalvadas algwnas caracte rísticas regionais, que pouco influem para a coesão do idioma no território bra sileiro, é falada pela quase totalidade dos brasileiros, em todo o território na cional, motivo pelo qual foi eleita pela Magna Carta como o idioma oficial do Brasil. Tanto é verdade que as sentenças estrangeiras cuja homologação se pre tende apenas poderão ser aceitas mediante a tradução em vernáculo (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 15). § 1° São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais. A bandeira, as armas, o hino e o selo nacionais são os símbolos oficiais do Brasil. Não podem ser utilizados por governo estrangeiro, sem a permissão do
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Estado brasileiro, dentre outras especificações arroladas na Lei n. 5. 700, de O 1.09.1971, que prevê, inclusive, os usos que considera indevidos e as penalida des para tanto. Como curiosidade, o§ 1° do art. 3° da Lei n. 5.700/71 (com re dação da Lei n. 8.421 de 11.05.1992), determina que "as constelações que figu ram na Bandeira Nacional correspondem ao aspecto do céu, na Cidade do Rio de Janeiro, às 8 horas e 30 minutos do dia 15 de novembro de 1889 (doze horas siderais) e devem ser consideradas como vistas por um observador situado fora da esfera celeste''. § 2° Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ter símbo los próprios. O parágrafo em comento prevê algo que, em uma Federação, é o óbvio. A Federação, por ser uma união de Estados, caracterizada pela separação de com petências, permite que cada ente federado tenha seus símbolos próprios, sem que isso ofenda ao poder central. CAPÍTULO IV
DOS DIREITOS POLÍTICOS Se no capítulo anterior falamos sobre nacionalidade, agora enfrentaremos questões relativas à cidadania. Bem esclarece José Afonso da Silva que nacio nalidade é o vínculo ao território estatal por nascimento ou naturalização, en quanto cidadania é um status ligado ao regime político. É de se notar que nos sistemas políticos, em geral, a condição de cidadão, ou seja, de participante na vida política do Estado, está relacionada com a nacionalidade. Na quase gene ralidade dos casos, os Estados impedem a participação de estrangeiros na vida política, tendo por base, inclusive, instrumentos internacionais (o art. 7° da Convenção de Havana de 1928, sobre a Condição de Estrangeiros, detennina que "o estrangeiro não se deve ingerir nas atividades políticas privativas dos ci dadãos do país no qual se encontre"; no mesmo sentido, o art. 21 da Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe que é um direito a participação po lítica das pessoas em seu país). O Brasil não é exceção a tal regra. Nesse senti do, podemos afirmar que embora nacionalidade e cidadania sejam conceitos diferentes, ambos estão intimamente relacionados. Na verdade, os direitos po líticos são um plus, uma aquisição de direitos derivada da nacionalidade, da condição de nacional brasileiro, em razão do regime político democrático. Os direitos políticos previstos na CF estão relacionados com as técnicas de demo cracia indireta (representativa) e também com as técnicas de democracia dire ta. Nesse sentido, os direitos políticos tratados pela Constituição têm por ob jetivo permitir e garantir a soberania popular, com base no art. 1°, parágrafo
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único, que trata do princípio democrático, quer seja, de que todo o poder na República Federativa do Brasil emana do povo. Constata-se desde logo que os direitos políticos são direitos subjetivos, ou seja, inerentes à condição de bra sileiro. Os direitos políticos garantem, portanto, ao cidadão brasileiro, o direi to subjetivo de participação no processo político, seja como cidadão eleitor, ca bendo-lhe a escolha dos representa11tes, seja como cidadão candidato, que se propõe a representar a vontade popular. Como pilar do Estado Democrático de Direito, a Constituição dispõe sobre as instituições fundamentais dos direi tos políticos, que são o direito de sufrágio, que pode ser ativo ( direito de votar) e passivo (direito de ser votado) e a participação popular direta. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
Inaugurando as disposições sobre direitos políticos, a Constinúção brasilei ra se preocupa, a princípio, com os modos pelos quais "todo o poder emana do povo" (CF, art. 1 °, parágrafo único) no Brasil. Nesse sentido, a Magna Carta re gra duas formas de participação popular. A prÍlneira tem a ver com o sistema representativo, vem inserida no próprio caput e determina que a soberania po pular será exercida mediante sufrágio universal. O sufrágio é o poder do povo em participar direta ou indiretamente da vida pública. Trata-se de um direito subjetivo, tendo em vista que não se faz necessária manifestação de vontade para sua aquisição. Tem como pressupostos o princípio da universalidade (o sufrá gio é universal) e o prÍ11cípio da igualdade (com igual valor para todos). Alerta Paulo Bonavides que não há sufrágio totalmente universal, uma vez que não é a universalidade das pessoas que tem esse direito subjetivo. Já vin1os que, por exemplo, o estrangeiro não tem direito ao sufrágio, da mesma forma que, como observaremos alhures, não têm direito ao sufrágio os brasileiros menores de 16 anos. Contudo, é de se facultar o reconhecimento de universal ao sufrágio cujas restrições impostas sejam justificadas e não impeçam que o regime político seja qualificado de democrático. Dessa maneira, o sufrágio pode ser considerado unjversal se a participação popular não for restrita às condições de riqueza, ins trução, nascimento ou raça, em outras palavras, se o direito ao sufrágio não es tiver vÍ11culado a requisitos censitários e culturais. O sufrágio é exercido median te o voto direto, secreto e igual. Portanto, sufrágio e voto têm sign ificados diferentes. José Afonso da Silva explana que enquanto o primeiro é direito que expressa a soberania popular, o segundo é a realização prática desse direito. Direto, porque intransmissível, secreto para que a manifestação de vontade não seja viciada pela coação. Igual em razão do princípio da igualdade. Essa igual dade é outra característica que qualifica o sufrágio como universal, uma vez que
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não importa a origem, o grau de instrução ou a riqueza: o voto tem valor igual para todos, o que fortalece o sentido democrático do regime político brasileiro. A segunda forma de participação popular é direta, ou seja, sem a intermedia ção dos representantes eleitos, na escolha de determinadas diretrizes para a so ciedade. Em relação à dita participação direta, a Carta Política deixa que a lei a disponha, todavia, taxa o rol, como se verá adiante, de quais são as modalida des de participação direta do povo no poder. I - plebiscito; A CF passa a dispor sobre o elenco dos instrumentos da Democracia direta, ou para alguns, senú-indireta. Seja qual a nomenclatura que se prefira, os ins titutos que se passa a analisar regram a atuação da vontade popular em deter minadas decisões, sem a intervenção representativa, ou seja, as hipóteses nas quais a decisão final, em atos estatais, pertença ao povo. Por óbvio que se tra tam de exceção à regra, até para a conservação da forma representativa de Democracia. Se para todo ato expedido pelos Poderes da nação houvesse a ne cessidade de ratificação popular, a Democracia no Brasil não estaria condicio nada à representação. O plebiscito é um dos institutos da democracia direta ou semi-indireta que muitas vezes é usado como unívoco de referendo. Mas não são sinônin1os. O plebiscito, na exata definição de Paulo Bonavides, é um ato extraordinário e excepcional, tanto na ordem interna como externa, e tem por objeto decisões relativas à estrutura essencial do Estado ou do governo, como a modificação ou manutenção de suas formas políticas. Assim, o plebiscito mui tas vezes encontra-se previsto na própria Constituição qual, por exemplo, aque le contido no art. 2° dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que passou ao el eitorado a prerrogativa de escolher a forma de governo (monar quia constitucional ou república) e o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo), ocorrido no Brasil em 21.04.1993 por força da EC n. 2/92. II - referendo; O referendo é um instrumento democrático no qual fica restrito ao povo o poder de sancionar, vetar ou revogar leis. A doutrina separa o referendo em di ferentes modalidades: com relação ao objeto, o referendo pode ser constituin te (quando se trata de aprovar leis de natureza constitucional) ou legislativo (quando se trata de aprovar matérias de natureza ordinária). Quanto aos efei tos, distingue-se o referendo constitutivo do referendo ah-rogativo. O primei ro faz com que a norma jurídica ingresse no direito positivo. O segundo retira a norma do mundo jurídico, fazendo com que ela perca sua eficácia e força co gente. No tocante à natureza jurídica, há o referendo obrigatório e o referendo
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facultativo. O primeiro se dá quando a Constituição ou a própria lei prevejam a sua necessidade para que uma norma passe a ter eficácia. No segundo caso, quando não ocorre a prévia determinação. A ocorrência do referendo é mera mente de cunho opcional e pode ser reservada a determinada parcela da po pulação (quando, por exemplo, a lei afete somente parte do povo, v. g., leis que cuidam de regularizar a forma de atuação profissional). No tempo, o referen do pode ser anterior ou posterior à lei. O referendo ante legem, também conhe cido como anterior, consultivo, preventivo ou programático é aquele em que a manifestação da vontade popular antecede a lei e é utilizado com o fito de bus car na vontade popular o desejo de que determinada norma possa ingressar no mundo jurídico, tornando-a eficaz. Nesse caso, a lei já foi votada e aprovada pelo l egislativo e necessita da aprovação popular para entrar em vigor. O refe rendo post legem, sucessivo ou pós-legislativo é aquele que se dá posteriormente ao ato, e tem o escopo de, por intermédio da vontade popular, confiar-lhe ou bloquear-lhe a validade. Ainda, é possível que seja convocado um referendo para que uma lei permaneça válida depois de sua entrada em vigor. O referen do também pode ser meramente consultivo e ter por objetivo apenas obter da população u1n parecer de opinião sobre determinada lei, sem que a decisão obrigue o poder público ou, ainda, vinculante, hipótese em que a determina ção popular terá de ser obedecida. Uma vez que o caput do art. 14 reserva à lei a forma pela qual se dará a participação do povo, é a ela que cabe determinar a forma de referendo que eventualinente seja utilizada. III - iniciativa popular. Forma de participação popular na qual os cidadãos indicam a solução legisla tiva para detenninada questão que ocorre no seio social. São as leis de iniciati va popular que obrigam o Legislativo, como acentua Paulo Bonavides, a mani festar-se sobre determinado assunto. O mesmo autor informa que a iniciativa popular pode ocorrer na forma de moção, na qual se consigna apenas os tra ços gerais, a inspiração de propósitos, o princípio da lei, ou na modalidade for mulada, mais comum, na qual a iniciativa popular já se propõe na forma de ar tigos legais. A.inda assim, o Congresso Nacional não fica vinculado à iniciativa; em outras palavras, o parlamento brasileiro não fica obrigado a aprovar uma lei de iniciativa popular. Pode o Legislativo rejeitar, aprovar ou, ainda, modifi car e emendar o projeto. Essas últimas prerrogativas podem levar a modifica ções substanciais no propósito da iniciativa popular, o que acarretará, muitas vezes, uma total transfiguração daquilo que havia sido originalmente propos to pelo povo. Por essa razão, é aconselhável que seja realizado um referendo após a aprovação da proposta popular.
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§ 1° O alistan1ento eleitoral e o voto são: O§ 1 ° do art. 14 passa a tratar de como a soberania popular será exercida mediante o sufrágio. A Constituição exauriu, primeiramente, as formas de par ticipação direta do povo no poder. Agora cuida dos requisitos necessários para essa participação (o alistamento eleitoral é necessário para exercer o direito de sufrágio e de plebiscito, por exemplo), bem como a forma pela qual o povo será representado. Em princípio a Magna Carta vai determinar a obrigatoriedade do alistamento e do voto. O brasileiro tem o direito subjetivo ao sufrágio me diante voto. Todavia, para exercer esse direito, terá de proceder ao alistamento eleitoral. O alistamento é de fundamental importância para o regime demo crático, pois visa impedir a ocorrência de fraudes eleitorais e é pressuposto es sencial ao voto direto, ou seja, intransferível. A fraude eleitoral é altamente no civa ao processo democrático, vez que malfere a soberania popular. Assim, o alistamento eleitoral e o voto estão diretamente relacionados com o direito de sufrágio que poderá ser ativo (direito de votar) e passivo (direito de ser vota do). Destaque-se desde logo que o direito ao sufrágio ativo é premissa para que se tenha o direito ao sufrágio passivo. Nesse sentido, só poderá ser votado e concorrer em eleições aquele que tiver direito a votar. De fato, como veremos a seguir, o direito de sufrágio passivo é mais restrito que o ativo. Mas o requi sito primeiro para que se possa ser votado é ter o direito ao voto. Em relação à capacidade eleitoral ativa, a Constittúção determina que poderão votar os que tiverem cmnprido as seguintes condições: nacionalidade brasileira, idade mí niina de 16 anos e alistamento eleitoral. Ainda que todas essas atribuições es tejam preenchidas há uma exceção à regra: a Constituiç,'io veda o sufrágio aos conscritos em serviço 1nilitar obrigatório. I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; A Constituição brasileira, a exemplo de grande parte das leis eleitorais dos sistemas jurídicos estrangeiros, toma como preceito lllna idade míniina para o exercício do sufrágio mediante o voto. Assim, um nacional brasileiro passa a ser um cidadão ao atingir determinada idade. O requisito da idade mínima tem por objetivo permitir que os eleitores possam exercer o direito de sufrágio com consciência da importância do ato, o que se presume, objetivamente, que seja adquirida com o passar dos anos, mediante a aquisição de experiência de vida. De outro lado, esse requisito não poderia in1pedir acesso dos jovens ao voto, o que desnaturaria o regime democrático, impedindo que essa importante par cela do eleitorado ditasse a sua vontade nos rumos do país. A idade em que o nacional começa a adquirir o direito de participação política geralmente coin cide com a maioridade civil ou penal, o que acarreta direito de sufrágio a to-
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dos os que já podem contrair direitos ou obrigações. No Brasil, anteriormen te ao advento do atual CC, a idade eleitoral coincidia apenas com a maioridade penal. Agora a coincidência se dá, outrossim, com a maioridade (ou capacida de) civil, posto que a legislaç:..l)loração desses serviços, por qualquer um dos contratos administrativos ou atos administrativos previstos (autoriza ção, concessão ou permissão), é ato administrativo complexo, pois dependerá do Poder Executivo, que praticará o ato inicial de outorga, mas deverá ser sub metido à apreciação do Congresso Nacional. Esse procedimento é aplicado para a renovação da outorga, que sempre se faz com prazo determinado (ver co mentário específico a respeito no art. 223 ). Uma das poucas diferenciações que o texto constitucional faz entre brasileiros natos e naturalizados se encontra presente neste caso, já que a propriedade (termo impróprio diante da necessi dade de outorga, não plenamente equiparável à propriedade privada) de em presas de radiodifusão sonora e de sons e unagens é privativa de brasileiros na tos ou brasileiros naturalizados há mais de dez anos, conforme dispõe o art. 222. Ressalte-se, por fun, que a delegação dos serviços previstos nesta alínea deve ser precedida de licitação, para, só então, serem praticados validamente os atos administrativos ou contratos administrativos referentes à autorização, à permissão ou à concessão. b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento ener
gético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; Sendo os potenciais de energia hidráulica, conforme disposto no art. 20, VTII, de propriedade da União, por consequência, os serviços relativos ao aproveita mento dos recursos hídricos que geram energia elétrica devem ser explorados por este mesmo ente federativo. Contudo, como ressaltamos nos comentários referentes ao art. 20, nem todos os cursos d'água são de propriedade da União, podendo estes ser bens estaduais. Por esta razão, é necessário conciliar uma eventual propriedade do Estado-membro (das águas) e uma propriedade da União (do potencial hidráulico). Faz-se mister uma cooperação federativa, em prol do interesse público, entre a União e um ou mais Estados-membros. O texto constitucional não contém referência expressa de como deve ser efetua da essa articulação. Desse modo, os demais dispositivos devem ser interpreta-
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dos de forma sistemática, abrindo-se espaço, no caso, para a concepção de uma competência concorrente em matéria legislativa (a respeito de competências concorrentes ver art. 24) e de competência material compartilhada, através, por exemplo, de convênios entre os entes federativos. e) a navegação
aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;
Sendo o espaço aéreo de extrema importância para a segurança nacional, é corretamente atribuída à União a competência da exploração dos serviços re lativos ao transporte aéreo. O dispositivo trata da navegação aérea, ou seja, o transporte de cargas ou passageiros, nacional ou internacional, mas não se re sume a esta, trazendo, também, a navegação aeroespacial. Assim, as empresas que pretendam explorar o transporte aéreo regular necessitam de prévia dele gaç,'ío pública, efetuada pela União. Inovando em relação aos textos anteriores, temos a previsão expressa da navegação aeroespacial, ou seja, que vai além da atmosfera. Ainda restrita, mesmo em países que dominam essa tecnologia, à exploração militar ou de finalidade científica, não havendo, por ora, transpor tes aeroespaciais regulares de passageiros, a previsão é necessária para fins de exploração, pesquisa, rastreamento, lançamento e utilização de satélites, entre outras medidas necessárias e factíveis atualmente. A infraestrutura aeropor tuária também deve ser desenvolvida pela União, ou seja, os serviços de apoio e logística à navegação aérea (e entendemos que também a navegação aeroes pacial) são atribuições da União, que, entretanto, pode delegar tais serviços aos particulares, como previsto no inciso que precede esta alínea. d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos bra
sileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; O transporte ferroviário compreende o sistema de transporte terrestre por via de trilhos, enquanto o transporte aquaviário ou hidroviário é realizado em quaisquer águas navegáveis (mares, rios, lagos etc.). Os serviços previstos nes ta alínea são aqueles que, excepcionalmente, são exercidos pela União. Assim, o transporte ferroviário ou aquaviário será efetuado, em geral, pelos Estados ·1nembros. Somente quando essas espécies de transporte alcançarem ligação com fronteiras internacionais ou quando transpuserem os limites estaduais é que serão competências da União. Caso o transporte seja estadual, ou seja, den tro de um Estado-membro da federação, a regra é que a competência será es tadual (conforme interpretação do art. 25, § 1°), sendo apenas, de acordo com esta alínea, o transporte marítimo, de plano, competência atribuída à União federal.
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e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; Apesar de nem todas as águas, como já explanamos neste inciso e no art. 21, serem de propriedade de um ou outro ente federativo, conforme o caso, os ser viços dos portos, situados no mar, nos rios ou nos lagos, serão efetuados pela União. Certamente, com as prerrogativas da União em relação aos portos, os Estados-membros que possuam águas internas, que banhem seu território, têm, em parte, diminuída sua autonomia, já que o constituinte preferiu atribuir ao poder central (a União) tal competência. XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios; Inciso com redação dado pelo EC n. 69, de 29.03.2012.
Sendo o Distrito Federal um membro sui generis da federação brasileira, para o qual há atribuições de Estado-membro, por vezes, e por outras, de Município, não há discrepância em atribuir à União a responsabilidade pela organização e manutenção dos órgãos judiciários e das funções essenciais à justiça. Assim, a União é responsável pela instituição e pela manutenção (sobretudo com ver bas orçamentárias) do Poder Judiciário e do Ministério Público do Distrito Federal. Já em relação aos Territórios, a previsão somente serve de reforço pe dagógico, em razão de o Território ser uma autarquia da União Federal, depen dendo, portanto, desta para a sua existência, visto que não possui renda pró pria, entre outras peculiaridades (ver art. 33). Até o advento da EC n. 69/2012, a Defensoria Pública do Distrito Federal também deveria ser organizada e man tida pela União. Por força dessa EC, a Defensoria Pública passa a ser responsa bilidade do próprio Distrito Federal, aplicando-se-lhe os mesmos pri11cípios e regras que, nos termos da CF, regem as Defensorias Públicas dos estados. XIV - organizar e ma11ter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros 1nilitar do Distrito Federal, bem como prestar assistência fi nanceira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; Inciso com redação dado pelo EC n. 19, de 04.06. 1998.
Em que pese o Distrito Federal ser um ente federativo e, portanto, gozar de todas as prerrogativas relativas à sua autonomia, a obrigação, imposta pelo dis positivo ora analisado, à União não trata de enfraquecimento do pacto federa tivo ou dos poderes dos quais goza o Distrito Federal, como explanaremos.
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Apesar de o Distrito Federal ser um ente federativo e gozar de competências legislativas, materiais e tributárias, tendo disciplina própria no art. 32 do tex to constitucional, ele possui a peculiaridade de abrigar Brasília, constitucional mente erigida à condição de Capital Federal (art. 18, § 1°). Assim, a União se serve da estrutura de Brasília, região administrativa do Distrito Federal (que não pode ser subdividido em Municípios), para a instalação de seus órgãos. Dessa forma, a colaboração para a manutenção dos serviços policiais, civis e militares, e do corpo de bombeiros é devida, já que a União se serve da estrutu ra desse membro da federação, e, portanto, deve ressarci-lo. A forma constitucio nal encontrada foi atribuir a organização e a manutenção desses serviços, que podemos considerar de segurança em geral, à União. Os demais serviços, cus teados por fundo próprio, são, outrossim, aproveitados pela União, de forma que a sua contribuição financeira é necessária, até mesmo para que haja um equilíbrio federativo, posto que o Distrito Federal deverá contar com a infraes trutura necessária para se manter como membro da federação; e impor-lhe os ônus da unidade central do poder, sem nenhuma contrapartida, certamente tolheria sua autonomia. XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; A estatística, como um ramo da matemática, cuida da coleta e quantificação de dados. Assim, as estatísticas se apresentam como as mais diversas possíveis, relativas, por exemplo, ao nível de analfabetismo, incidência de determinadas enfermidades, ocorrência de crimes, entre tantos outros indicadores que pos sam ser considerados relevantes. A geografia é wna ciência que estuda a Terra e os fenômenos físicos, biológicos e hwnanos que nela ocorre111, possuindo, portanto, várias subdivisões, como a geopolítica, a geografia econô1nica entre outras. Os dados geográficos são, outrossim, de interesse público, para a for mulação das ações políticas em u111 determinado Estado. A geologia, por sua vez, ocupa-se das formas de vida existentes no planeta. A cartografia, por tra tar de todas as técnicas necessárias para a elaboração de cartas geográficas ou mapas, é essencial para a determinação dos limites de fronteira entre países e para a navegação terrestre, marítima e aeronáutica. Assim, todos esses ramos do conhecimento são objeto de competência da União, devendo por esta se rem mantidos, no desenvolvimento dos dados de caráter nacional. Um órgão federal que executa a maior parte dessas atribuições é o IBGE, disciplinada pela Lei federal n. 5.878, de 11.05.1973, recepcionada pela CF/88. Esta competência é de todo compatível com o sistema federativo, pois ao poder central é que de vem ser atribuídas tais tarefas que devem guardar uma unidade nacional, além de serem fonte dos dados necessários para as políticas econômicas, sociais etc.,
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de caráter macro, ou seja, para todo o país. Ressalte-se que o texto restringe a competência da União aos organismos oficiais que coletem dados de caráter nacional. Portanto, tal dispositivo não retira dos demais entes federativos a pos sibilidade de coletar dados de âmbito local ou regional, para a orientação de suas políticas públicas. XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públi cas e de programas de rádio e televisão; O texto constitucional foi elaborado tendo como um de seus princípios ba silares a proteção dos direitos fundamentais. Sendo ela resLtltante de llm pro cesso de redemocratização, era de se esperar que os dispositivos constantes da CF trowcessem em si a mais abrangente declaração de direitos no histórico das constituições pátrias. Dentro desse quadro, os direitos de liberdade, sobretlldo o direito à liberdade de e>..-pressão do pensamento, sob todas as formas, tiveram substancial ampliação e zelosa disciplina pelos dispositivos constitucionais. Assim, remetemos o leitor à a11..'Pressos no art. 2° da Constituição: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si [ ...)".É dever de obediência, portanto, a preceitos constitucionais. A intervenção na unidade da Federação dependerá sempre de solicitação do Poder Executivo, se este for o Poder impe dido ou coagido a não exercer suas atividades. A intervenção dependerá sem pre de solicitação do Poder Legislativo, se for este o Poder impedido ou coagido. Se for exercida coação ou houver impedimento sobre a atuação do Poder Judi ciário, a intervenção dependerá de requisição do STF.
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V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: O inciso prevê que, no caso de desarranjo das fu1anças de uma unidade da Federação, seja um Estado, seja o Distrito Federal, cabe à União proceder à in tervenção com a finalidade de reorganizá-las. A Constituição, contudo, detenni nou taxativamente quais são as hipóteses consideradas próprias à desorgani zação financeira que ensejam a intervenção. Essas hipóteses são suspender o pagamento de dívida fundada por mais de dois anos consecutivos; e deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas na Constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei.
a) suspender o pagamento da divida fundada por mais de dois anos
c onsecutivos, salvo motivo de força maior;
É dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem du plicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação assumidas em vir tude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses (art. 29, I, da LC n. 101, de 04.05.2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal). Também in tegram a dívida pública consolidada as operações de crédito de prazo inferior a doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento (art. 29, § 3°, da re ferida Lei). Dessa forma, o não pagamento de dívida fundada diz respeito a um fato bem assente e, portanto, trata-se daquela dívida já consolidada. Assitn, o não pagamento de dívida consolidada pelo prazo de dois anos consecutivos en seja a necessidade de intervenção federal na unidade da Federação, seja ela Es tado Federado ou o Distrito Federal. Excetua-se o caso de motivo de força maior. A finalidade da intervenção é reorganizar as finanças do Estado Federado ou do Distrito Federal no caso de um desses ter suspendido o paga1nento da dívi da fundada por mais de dois anos consecutivos. Reorganizadas as finanças, cessará a causa que obrigou a União a intervir, cessando em consequência a intervenção. b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; A União deverá intervir no Estado Federado no caso de este não repassar aos seus Municípios as receitas tributárias fixadas na Constituição, observados in clusive os prazos estabelecidos em lei. A intervenção tem o escopo de obrigar o Estado Federado ao cumprimento de preceito constitucional. Uma vez cum prido o objetivo, cessa a causa que exigiu da União tal medida de restrição da autonomia estadual, cessando em consequência a intervenção. A hipótese con-
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sidera a intervenção apenas em Estado Federado; aqui não é contemplada a in tervenção no Distrito Federal, simplesmente porque este não pode ser dividi do em Municípios, a teor do art. 32. VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; A intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal enunciada no in ciso VI comporta três casos: prover a execução de lei federal, de ordem judicial ou de decisão judicial. Aos entes políticos de menor âmbito de atuação é defe so que possam obstar a execução de lei emanada de ente político mais amplo. Também é defeso aos Estados Federados e ao Distrito Federal, ou a quem os represente, obstar a execução de ordem judicial ou de decisão judicial. A recu sa dos entes políticos, Estados Federados e Distrito Federal, nesses casos men cionados anteriormente, enseja a necessidade da medida interventiva. VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: Princípio, arqué em grego, é o ponto de partida e fundamento de um pro cesso. Podem significar ponto de partida os alicerces de uma construção ou, até mesmo, uma decisão que determina movimentos ou mudanças. Os prin cípios constitucionais que devem ser obrigatoriamente aceitos e respeitados, ensejando a intervenção da União em Estado Federado ou no Distrito Federal desde que violados, encontra1n-se elencados neste inciso VII. Ele diz respeito ao Estado Democrático de Direito definido na opção política da Constituição. Menciona, também, a soberania popular ao guardar o sistema representativo, além de afirmar o conceito de República e proceder à defesa da Federação apon tando a autonomia municipal. Dispõe também sobre a fé pública e a exação na aplicação de receita resultante de impostos estaduais ou provenientes de transfe rências no ensino e na saúde. No que tange ao ensino, trata-se de sua manuten ção e desenvolvimento, e, no que concerne à saúde, ações e serviços públicos. a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
A alínea trata dos preceitos que são i111anentes. O regime democrático diz respeito à palavra democracia. Esta vem da união de duas palavras gregas - de mos, que em um dos seus significados é povo; e cratos, que também em uma de suas várias denotações significa poder. Daí que democracia pode ser referida como o governo do povo. Os cidadãos, na impossibilidade de gerir os negócios públicos, elegem representantes que irão constituir o corpo destinado a fazê -lo. É de onde vem o nome democracia representativa. É, portanto, regime de mocrático aquele que se constitui por eleição dos governantes pelos governa-
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dos. :Ê um regime em que há representação política do povo. Trata-se da criação do direito através do voto, vivificando as leis. :Ê o soberano poder; a soberania popular com seus três pilares - a isono1nia: expressão de igualdade perante a lei; a isotimia: expressão de igualdade não fundada no nascimento ou na rique za; e a isagoria: expressão de igualdade na formulação e expressão do pensamen to; expressão da vontade geral. Assim, regime democrático e sistema represen tativo se fundem. A alínea também diz respeito à forma republicana a qual foi objeto de plebiscito e saiu vencedora. A forma republicana tem, portanto, a le gitimidade do voto aquiescente da chamada soberania popular. Esse instituto forma republicana - é assim legitimado pelo sim popular. Toda vez que esses preceitos estiverem em perigo há que ser decretada a intervenção federal. b) direitos da pessoa humana;
A intervenção é cabível também para assegurar os direitos da pessoa huma na. Esses direitos se encontram em especial no art. 5°. Vários de seus incisos se ocupam dos direitos fundamentais sob a epigrafe "individuais", tais como o di reito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, à inviolabilidade da livre expressão da atividade intelectual, à inviolabilidade do lar etc. Há também os direitos decorrentes de tratados e convenções internacionais. Esses eram con siderados infraconstitucionais. A EC n. 45/2004, contudo, acrescentou ao art. 5° da CF os§§ 3 ° e 4 °. O§ 3° estabelece que os tratados e convenções interna cionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Con gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. e) autonomia municipal;
O termo autonomia compõe-se de duas expressões: autos, que significa pró prio; e nomos, do idioma grego, que significa nonna. Isso posto, autonomia municipal etimologicamente significa um ente dotado de nom1as próprias, ou seja, um ente com capacidade política. A intervenção da União nos Estados em decorrência da alínea e tem o objetivo de resguardar a autonomia municipal. Aqui a intervenção da União se refere somente aos Estados. A razão está em que, por força do art. 32 da Constituição, o Distrito Federal não pode dividir -se em Municípios. No Distrito Federal, já que não há Municípios, não há que falar em autonomia municipal. d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
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A União deverá intervir em algum Estado ou no Distrito Federal no caso da alínea d para fazer observar o princípio constitucional que exige a prestação de contas da administração pública, tanto a direta como a indireta. t exigência constitucional que em tal prestação de contas devam ser observados os requi sitos legais. t também obrigatório, sem o que não haverá intervenção na uni dade federativa, que o Procurador-Geral da República envie representação ao STF. Esse, por sua vez, concede provimento à peça oferecida pelo chefe do Mi nistério Público Federal. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos esta
duais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Alfnea acrescentada pela EC n. 14, de 12.09.1996, e com redação dada pela EC n. 29, de 13.09.2000. A alínea e ingressou na Constituição por força da EC n. 29, de 13.09.2000, em vigor desde 14 de setembro do mesmo ano, com a publicação no Diário Oficial da União. Anteriormente a essa emenda, o fato de não ser aplicado o mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais nas ações e nos ser viços públicos de saúde não conformava a intervenção da União. A EC n. 14/96 trazia a exigência de o Estado Federado ou o Distrito Federal aplicar receita re sultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Como se vê, a EC n. 29/2000 estendeu a obrigação de Estado e Distrito Federal aplicarem o mínimo exigido de receita proveniente da transferência nas ações e nos serviços públicos de saú de. Assim, a alínea e trouxe a obrigação aos Estados e ao Distrito Federal de apli carem, sob pena de intervenção, o minimo exigido de receita resultante de im postos estaduais, compreendida a proveniente de transferências na manutenção e no desenvolvimento do ensino e em ações e serviços públicos de saúde. Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: O Estado Federado é o ente que pode intervir nos Municípios existentes nos seus limites territoriais. Assim, a União não pode intervir em Município. O dispositivo em tela, entretanto, acolhe uma exceção, a de que a União pode in tervir em Municípios localizados em Território Federal. O§ 1° do art. 33, já examinado, autoriza a divisão dos Territórios em Municípios. A intervenção estadual nos Municípios e a intervenção da União em Município de Território Federal são medidas especiais porque a regra é a da autonomia municipal. As hipóteses de intervenção são taxativas e determinadas na Constituição da Re-
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pública, impedindo até mesmo que o legislador constituinte estadual estabe leça qualquer outra hipótese ensejadora de intervenção. Isso posto, depreen de-se que o Estado Federado é o ente que pode intervir em seus Municípios, mas não pode criar hipóteses de intervenção, eis que estas estão taxativamen te elencadas na Constituição. I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos conse c utivos, a dívida fundada; A dívida fundada, como se viu na alínea a do inciso V do art. 34, ta1nbém chamada consolidada, é a que resulta de ttm contrato de crédito estipulado em prazos ao longo do tempo, com o pagamento de juros e prestações ou tão so mente de juros. É espécie de dívida pública. O contrato de crédito chamado empréstimo é inscrito. O inciso acolhe a hipótese de o Município não pagar dí vida fundada por dois anos consecutivos sem motivo de força maior. O dispo sitivo exige requisitos para que o Estado intervenha em Município situado no seu território ou para que a União intervenha em Município de Território Fe deral, o qual se encontra na esfera de sua competência. Em ambas as hipóte ses, a de intervenção realizada pelo Estado e a de intervenção praticada pela União, um dos requisitos é o de dívida fundada que deixou de ser paga. O ou tro requisito é o do tempo: o Mtmicípio deixar de pagar por dois anos conse cutivos; e o terceiro requisito: sem motivo de força maior. A dívida fundada que deixou de ser paga por dois anos consecutivos, mas o fato se deu por mo tivo de força maior, não enseja a medida constritiva de intervenção. II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; Os Municípios têm o dever de prestar contas. Essas contas, como se viu ante riormente, devem permanecer por sessenta dias em local próprio a consulta do contribuinte, que pode arguir sobre a legitilnidade delas. Pode ocorrer que um Município não preste essas contas, ou as preste com tais vícios que importem em descumprimento dos preceitos legais atinentes à espécie. Se isso ocorrer falta de prestação ou prestação tão defeituosa que seja tida por inexistente-, ca berá intervenção estadual em Município local izado em seu Território; ou cabe rá intervenção da União em Município localizado em Território Federal. III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; Inciso com redação dado pela EC n. 29, de 13.09.2000.
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A manutenção e o desenvolvimento do ensino são deveres do Município. t também dever do Município providenciar ações e serviços públicos de saúde. Se cabe à União intervir em Estado Federado ou no Distrito Federal quando tais unidades federativas não aplicarem o mínimo exigido de sua receita seja na manutenção e no desenvolvimento do ensino, seja nas ações e nos serviços públicos de saúde, também cabe aos Estados Federados intervir nos Municí pios de sua área territorial que descumprirem tal mister, ou à União em Mu nicípios de Territórios Federais. São duas as hipóteses: é dever do Município aplicar o mínimo fixado pela própria Constituição de todas as suas receitas na manutenção e no desenvolvimento do ensino e é dever conferido aos Municí pios aplicar o mínimo fixado pela própria Constituição em ações e serviços pú blicos de saúde. IV - o T ribunal de Justiça der provimento a representação para assegu rar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Aqui a intervenção é do Estado Federado em um Município de sua área ter ritorial. Ela ocorre nos casos em que seja necessário assegurar a observância de princípios indicados na Constituição estadual ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Em tais casos, o requisito para que haja inter venção é o provimento da representação dado pelo TJ. Em caso de intervenção estadual em Município, em obediência a acórdão de TJ que defere o pedido de intervenção, não cabe recurso extraordinário, conforme a Sú1nula n. 637 do STF, que declara: "Não cabe recurso extraordinário contra acórdão do Tribu nal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município". Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: A intervenção é ato excepcional. As hipóteses que a ad1nitem estão taxativa mente expostas na Constituição. Isso posto, não se admitem, portanto, outras hipóteses de intervenção além das que estão fixadas na Constituição. A regra geral é a do equilíbrio federativo. As hipóteses elencadas em preceitos consti tucionais demonstram por si que a intervenção deverá ocorrer sempre levan do-se em consideração a possibilidade de desequilíbrio federativo causado por ato ou por atos que tendam a produzi-lo. E a intervenção dependerá em espe cial das hipóteses seguintes: I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou i mpedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;
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O inciso, no caso de ser necessária a intervenção para garantir o livre exer cício de qualquer um dos poderes nas unidades da Federação, obriga o Poder Legislativo ou o Poder Executivo coacto ou impedido a solicitar a intervenção, ou então deve ser efetivada requisição do STF, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário. O dispositivo trata de decretação de intervenção pela União nos Estados ou no Distrito Federal. Estabelece o pressuposto de que haja solici tação do Poder Legislativo, se esse for o coacto ou o impedido no exercício de seus poderes. Também é por solicitação agora do Executivo, se esse for o coac to ou o impedido. O dispositivo cria outro mecanismo no seu final. Se a coa ção for exercida contra o Poder Judiciário, em vez de solicitação, é necessária requisição do STF. Diga-se de passagem, uma solicitação pode ou não ser aten dida. Uma requisição deverá ser obrigatoriamente atendida. II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisi ção do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; O inciso trata do caso de desobediência. O dever de pessoa obrigada a um ordenamento jurídico é o dever de obedecer. Tal dever é nomeado de obriga ção política. A observância da obrigação política, ou seja, a obediência cons tante aos mandamentos das normas, é desejável, especialmente, quando se tra tar de wna ordem ou decisão. A desobediência aqui ou é ato contra uma ordem judiciária, a exemplo de um precatório que detennina o pagamento pelo Esta do de uma verba ou indenização, vindo de sentença transitada em jtt!gado, ou pode ser o desobedecer ao compreendido em decisão judiciária. A requisição dirigida ao Presidente da República para que este decrete a intervenção na uni dade da Federação, seja Estado Federado, seja o Distrito Federal, que por si ou por seu agente tenha descmnprido a ordem ou a decisão judiciária, pode par tir do STF, do STJ ou de TSE. III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. Inciso com redação dada pela EC n. 45, de 08.12.2004.
O inciso IH do art. 36 apresenta duas causas que podem levar à decretação de intervenção federal em Estado Federado ou em Município. As duas causas são as seguintes: a primeira é que a intervenção federal tenha o sentido de as segurar a observância dos princípios constitucionais explicitados nas letras a, b, e, d e e do mencionado art. 34, VII. A segunda causa que pode propiciar a in tervenção da União nos Estados e no Distrito Federal é aquela de recusa à exe-
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cução de lei federal. A intervenção da União, nesse caso, constava do inciso IV do art. 36, que detenninava: "De provimento pelo Superior Tribunal de Justi ça, de representação do Procurador-Geral da República, no caso de recusa à execução de lei federal". Esse inciso foi revogado pela EC n. 45/2004, que teve origem na PEC n. 25/2000. Com essa emenda, o caso de recusa à execução de lei federal passou para o âmbito de competência do STF. Em ambos os casos, na hipótese do inciso VII do art. 34 e na de recusa à execução da lei federal, são dois os requisitos para ulterior intervenção federal. O primeiro é o de repre sentação do Procurador-Geral da República nos casos elencados; o segundo é o de provimento pelo STF da representação do Procurador-Geral de Justiça. Veja-se que, no caso de recusa à execução de lei federal, a competência para prover a representação do Procurador-Geral da República foi deslocada do STJ para o STF por força da EC n. 45/2004, que revogou o inciso IV. IV - (Revogado pela EC n. 45, de 08.12.2004.) § l O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legis lativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. O
O decreto de intervenção deve especificar a amplitude, a extensão, o prazo, ou seja, o tempo de duração da medida e as condições da execução da mesma. O decreto de intervenção será submetido à apreciaçfío do Congresso Nacional, nos casos de intervenção da União em Estado Federado; intervenção da União no Distrito Federal; ou ainda de intervenção da União em Município de Terri tório Federal. Quando o decreto de intervenção com as especificações de direi to for de competência do Estado Federado em Município situado em seu ter ritório, caberá sua submissão à apreciação da respectiva Assembleia Legislativa do Estado. A expressão "apreciação", que é o ato ou efeito de apreciar, leva o va lor de estimar algwna coisa. Tan1bém serve como ligeira crítica. E, afinal, é um estudo para formar o juízo precedente a um julgamento. Dessa forma, o decre to de intervenção será submetido ou ao Congresso Nacional ou à Assembleia Legislativa de um Estado Federado para que estude a viabilidade e a procedên cia da intervenção e opine sobre elas. O prazo para que seja submetido o de creto de intervenção à apreciação é de 24 horas. § 2° Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.
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Na ocorrência das férias parlamentares, ou seja, do chamado recesso parla mentar, ou então por algum outro motivo, a exemplo de feriado nacional, pode suceder que o Congresso Nacional não esteja em funcionamento. O mesmo pode ocorrer com a Assembleia Legislativa. Se a intervenção for um ato da União, o Congresso Nacional será convocado extraordinariamente no prazo de 24 horas para que aprecie a intervenção, votando a legalidade ou não da me dida constritiva. Se a intervenção for ato de Estado Federado, a Assembleia Le gislativa é que será convocada extraordinariamente no prazo de 24 horas para apreciar e votar a legalidade ou não da medida. Esse prazo é fatal. § 3° Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apre ciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, s e essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. É ctispensada a apreciação do Congresso Nacional ou de Assembleia Legis lativa e o decreto se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade, nos seguintes casos: de provimento da execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; para assegu rar a observância dos princípios constitucionais, tais como forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; au tono1nia municipal; prestação de contas da administração pública direta e in direta; aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvol vimento do ensino e em ações e serviços públicos de saúde; e quando o TJ do Estado Federado der provimento à representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição estadual, ou para prover a execução de lei, de orden1 ou de decisão judicial. § 4° Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal. A intervenção da União em um Estado Federado, no Distrito Federal ou em Município de Território Federal acarreta o afastamento do Governador do Es tado sob intervenção, ou do Governador do Distrito Federal ou o de Prefeito de Município de Território Federal. Também a intervenção estadual acarreta o afastamento do Prefeito Municipal. O preceito constitucional em tela determi na que, uma vez cessados os motivos que ensejaram a medida restritiva da au tonomia de tais unidades federativas, cessa a intervenção. Cessados, portanto, os motivos que levaram à intervenção, cessa esta, e consequentemente as auto-
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ridades afastadas de seus cargos a estes voltarão. O dispositivo, entretanto, aco lheu a expressão "salvo impediJ11ento legal''. Isso posto, a autoridade afastada de seu cargo a este voltará, salvo se houver impedimento legal. A exceção não indica qual é o impedimento legal, parecendo ocorrer nos casos de impedimen to, de renúncia ou quando já findo o prazo do mandato. Em tais casos, na ver dade, a autoridade não voltará ao cargo, a exemplo da intervenção que cessou quando o prazo do mandato já havia expirado. CAPÍTULO VII
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A palavra administração, em seu sentido vulgar, encerra a ideia de gestão de negócios; no campo técnico-jurídico, usualmente empregada como substantivo próprio, refere-se à Administração Pública. Assim posto, surgem os critérios subjetivo - ou orgânico - e objetivo - ou material - para definir administra ção pública. Pelo critério subjetivo, define-se Administração, ou Administra ção Pública, como o conjunto de órgãos estatais encarregados de realizar os interesses públicos. Na verdade, unindo-se os dois critérios, o subjetivo e o ob jetivo, teremos que Adnünistração Pública é a atividade desenvolvida pelo Es tado, direta ou indiretamente, por seus órgãos ou por pessoas jurídicas de di reito privado, voltadas à gestão dos serviços públicos ou de utilidade pública. Note-se que ao nos referirmos aos órgãos deven1os usar a expressão com ini ciais maiúsculas (Administração Pública) e quando tratarmos das atividades serão usadas iniciais minúsculas como vemos no caput do art. 37 (administra ção pública). Seção 1 Disposições Gerais
Composta pelos arts. 37 e 38, a primeira Seção deste Capítulo cuida de esta belecer regras gerais aplicadas a toda AdJninistração Pública, tanto direta como indireta, prevalecendo, entretanto, regras especiais a uma categoria especial: a dos militares ( ver Seção III, art. 42). Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Po deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obede cerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicida de e eficiência e, também, ao seguinte: Caput com redação dado pela EC n. 19, de 04.06.1998.
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Fala-se em administração direta quando determinada atividade pública -ou de interesse público - é gerida diretamente pelo corpo de agentes públicos que compõem os órgãos superiores ou dirigentes (aqueles indicados pela própria CF e que detêm o poder de tomada de decisões de políticas públicas) ou ór gãos dependentes (aqueles, eventualmente até mencionados pela CF, mas que não detêm poder de decisão de políticas públicas, e simplesmente atendem ao comando dos primeiros realizando serviços públicos). Já a administração in direta é aquele conjunto de atividades de interesse público, entregue à gestão de pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou público, compondo as au tarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. O caput, como se vê, trata da administração pública dos "Poderes da União, dos Esta dos, do Distrito Federal e dos Municípios" mostrando que tanto no Executivo como no Legislativo e Judiciário teremos atividades administrativas. Diz-se que administrar é função típica do Poder Executivo e atípica e interna corporis nos outros, já que a função típica destes é legislar e julgar. Ainda assim, nas ativi dades administrativas de qualquer um desses, aplicar-se-ão os princípios e nor mas constitucionais aqui postas. Observe-se, ainda, no campo da divisão do poder, desta feita sob o critério espacial, que em se tratando de um modelo fe deral de Estado, a CF mitiga a autonomia dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, submetendo esses entes autônomos (ver art. 18) à simetria explícita. Os princípios elencados neste caputdemonstran1 claramen te o caráter analítico e não sintético do constituinte que preferiu consignar o óbvio (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Veja mos o porquê da obviedade: o princípio da legalidade é a encarnação da má xima ilwninista de u1n governo de leis e não de homens, e já é expresso entre os direitos funda1nentais (art. 5°, II, da CRFB); ainda assim preferiu o consti tuinte repeti-lo, e a doutrina esclarecer que, enquanto pelo princípio da lega lidade geral, ao adnúnistrador particular se faculta fazer tudo o que a lei não proíbe, ao adnünistrador público somente se autoriza fazer o que a lei deter mina; o princípio da moralidade, por mais óbvio que pareça, implica que ao administrador se imponha um dever ético de ação que o limite não somente pela legalidade do ato, mas pela atenção aos fins sociais, já que nem tudo que é lícito por vezes é ético ( non omne quod licet honesturn est); a impessoalidade, traduzida na própria natureza da atividade gerencial das coisas alheias (res pu blica, coisa pública), a publicidade que denota a transparência dos atos que de vem ser publicados em regra na imprensa oficial como condição de validade do ato administrativo, e a eficiência (incluída pela EC n. 19/98), hoje aferida por procedimentos de avaliação periódica de desempenho, nos termos do in ciso III do§ l do art. 41, passaram a mitigar até mesmo a tradicional estabi lidade do servidor público. O
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I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estran geiros, na forma da lei; Inciso com redação dada pela EC n. 19, de 04.06.1998.
Cabe aqui uma distinção doutrinária entre cargo, emprego e função públi ca: cargo público é o espaço ocupado por um servidor público no campo das atribuições que lhe são confiadas pelo Estado por meio de lei; empregado pú blico e funcionário, na visão de alguns administrativistas como José Cretella Júnior, são termos equivalentes, no entanto, tem-se usado a expressão empre gado àquele que trabalha em empresa pública (órgão paraestatal da Adminis tração Indireta), e funcionário público o realizador de função junto ao órgão da Administração Direta. O fato é que, sejam ou não sinônimos os termos, pre feriu o constituinte não dar margem a filigranas doutrinárias tratando de es tender o direito à acessibilidade, ou seja, de ocupação dos postos de trabalho de forma universal, inclusive aos estrangeiros. O texto original, seguindo o cos tume das Cartas anteriores, vedava o acesso aos estrangeiros, mesmo que do miciliados no País, o que, na visão de alguns, feria o princípio da isonomia di tado no art. 5°, caput, entretanto, a EC n. 19, de 1998, pôs a questão a termo. Mesmo assim, anote-se que já em 1996, pela EC n. 11, abriu-se a prüneira ex ceção à contratação de estrangeiros, assegurada às universidades relativamen te a professores, técnicos e cientistas (art. 207, § 1 °, da CRFB). Em 8 de abril de 2015, a Sú1nula vinculante n. 43 estabeleceu: "É inconstitucional toda modali dade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprova ção em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não in tegra a carreira na qual anteriormente investido" e, na mesma sessão, foi editada a Súnmla vinculante n. 44: "Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público". II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Inciso com redação dada pela EC n. 19, de 04.06.1998. A investidura é o ato pelo qual o agente público se vincula à Administração Pública, em regra pela nomeação. O funcionário nomeado tem direito à pos se {Súmula n. 16 do STF). Há, enu·etanto, no grande gênero de agentes públi cos, espécies, como a dos agentes políticos, em que a investidura se dá por su frágio, direto ou indireto, e aí a chamamos investidura política; noutra espécie,
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a dos servidores públicos, a investidura, chamada de investidura administrati va originária (a expressão originária refere-se ao ingresso inicial, e não às even tuais formas de promoção nas variadas carreiras, para a qual não se exige con curso público), há de se dar por concurso de provas (critério de seleção em que os candidatos a determinado cargo ou emprego são submetidos a exame uni versal e isonômico entre os concorrentes) ou de provas e títulos (além do exa me isonômico são considerados critério de seleção também os títulos acadê micos que possuam os concorrentes). Afastou o constituinte a acessibilidade simplesmente pelo critério de aferição de títulos, como se possibilitava na Cons tituição de 1946, claramente agora para se primar pela objetividade dos crité rios de seleção dos candidatos. O concurso, de natureza pública, há assim de ser divulgado pela imprensa oficial estabelecendo os critérios de seleção confor me a natureza e complexidade exigidos para a investidura no cargo ou empre go, o que é feito por um edital posto como a lei daquele concurso subordina do, por certo, a toda a estrutura normativa do Estado, especialmente a CF, Estadual ou Lei Orgânica do Distrito Federal ou do Município, e ainda a nor mas infraconstitucionais pertinentes. Ressalvou o constituinte a inexigibilidade de concurso público para a investidura em determinados cargos de livre no meação e exoneração - os conhecidos cargos de confiança que sofrem a cha mada investidura política (cf. a Súmula vinculante n. 13: "A nomeação de côn juge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pes soa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de ftmção gratifica da na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste me diante designações recíprocas, viola a Constituição Federal"). Tais cargos de elevada in1portância, investidos por agentes políticos, diferenciam-se dos ocupa dos pelos agentes políticos eleitos, já que esses têm período de exercício prede terminado constitucionalmente (o mandato eletivo), que somente se interrom perá pela renúncia ou pelo impeachment na forma da CF, enquanto aqueles são instáveis e demissíveis ad nutum ( do latim nutus: ad nutum praesto esse- estar às ordens de alguém), ou seja, se foram guindados por confiança- e não por sufrágio popular ou concurso público-, perdida essa relação com igual singu laridade são compelidos a deixar de ocupá-lo. Arrematou o constituinte que a investidura política somente poderá ocorrer quando previamente criado por lei - e como tal de livre nomeação - o respectivo cargo, já que a existência do cargo- noutras palavras: o posto de trabalho- é lógico pré-requisito à inves tidura de qualquer espécie. Destaca-se nesse tema o teor da Súmula vinculan te n. 13 já citada anteriormente neste comentário. Por derradeiro registre-se que a Súmula n. 685 do STF é categórica: "É inconstitucional toda modalidade
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de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido". III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período; A superada jurisprudência do STF que resultou na edição da Súmula n. 15 era no sentido de que a publicação de UJn concurso público não gera direito do inscrito, oponível à Administração Pública, quanto à sua realização pois, por critérios de oportunidade e conveniência, ela pode anular ou revogar o edi tal convocatório; o mesmo raciocínio poderia ser aplicado durante ou após a realização do sobredito certame; ainda, se encerrado e homologado o procedi mento, mesmo assim não ficaria obrigada a Administração Pública a dar pro vimento ao cargo vago, podendo, a seu critério, postergar o provimento e as subsequentes nomeação e posse do(s) candidato(s) vencedor(es) até o limite máximo de dois anos, prorrogável por igual prazo. Até que o provimento pela nomeação ocorresse, não emergeria direito concreto ao candidato, mas mera expectativa de direito, reservando-se ao Poder Público o jtúzo valorativo da oportunidade do provimento do cargo. Mesmo assim essa expectativa de di reito alçaria o patainar de direito oponível erga omnes em favor da preferência ao candidato aprovado em relação aos concorrentes com classificação inferior no certame; assim dita o verbete da Súmula n. 15 do STF: "Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quan do o cargo for preenchido sem observância da classificação''. Também não se deduziria que a Adnünistração Pública, após homologado o resultado de um concurso, tenha o dever de prorrogar por outros dois anos sua validade; trata -se de uma faculdade possibilitada pela CP, em nítido objetivo de economici dade, se julgada tecnicamente viável a prorrogação. Assim, mes1no que reali zado e homologado wn concurso público, se vencidos os dois anos a contar da sobredita homologação, poderá a Administração lançar novo certame descon siderando-se por completo o anterior sem a geração de direito em favor dos anteriores concorrentes. Anote-se que o descumprimento deste dispositivo ge rará a nulidade do ato administrativo e a punição da autoridade responsável nos termos da lei (ver o§ 2° deste artigo). Evoluindo essa orientação sumular com a invocação dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção à confiança, a partir do Recurso Extraordinário n. 227.480, o STF passou a ado tar o entendimento da Ministra Cármen Lúcia, afirmando que em favor dos candidatos aprovados no certame "há o direito subjetivo à nomeação, salvo se sobrevier interesse público que determine que, por uma nova circunstância, o que acontecer na hora da convocação ponha abaixo o edital': não na forma de
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direito adquirido, mas de direito líquido e certo; no Recurso Ex.1:raordinário n. 598.099, o Ministro Gil mar Mendes acrescentou que "O que não se tem admi tido é a obrigação da Administração Pública de nomear candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, simplesmente pelo sw·gimento de vaga, seja por nova lei, seja em decorrência de vacância''. De tudo se conclui que a nomeação do aprovado em concurso público homologado é direito público subjetivo (líquido e certo) em face do Estado, ressalvadas as excepcionais e fun damentadas hipóteses justificadas pelo interesse público e caracterizadas pela superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade capazes de legiti mar a ação da Administração Pública em sentido contrário, mesmo assim sem pre suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira; Neste ponto, em simetria com o inciso anterior, já evoluiu a jurisprudência do STF para considerar não mais como mera expectativa de direito de nomea ção ao cargo concorrido e direito público subjetivo de preferência em relação a qualquer outro pretendente, seja àqueles que no mesmo certame obtiveram posição na classificação final inferior, seja em relação a novos concursos reali zados para provimento dos mesmos cargos (ver Súmula n. 15 do STF), mas di reito líquido e certo, desde que presentes os seguintes requisitos: (1) previsão editalícia do número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados; (2) realização do concurso estritamente como estabelecido no seu edital; (3) homologação do concurso e proclamação da ordem de classificação dos aprovados, respeitado o número de vagas previsto pela autoridade admi nistrativa competente (sobre o tema veja-se a Lei n. 8.112/90).
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais 1nínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; Inciso com redação dada pela EC n. 19, de 04.06.1998. O texto original falava que a designaç,10, tanto para cargos em comissão como funções de confiança, deveria recair preferencialmente sobre servidores de car reira; a EC n. 19, de 04.06.1998, é que cuidou de substituir a faculdade de livre nomeação para a discricionariedade regrada ora posta; assim as funções de
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confiança passaram a ser exclusivamente exercidas por servidores ocupantes de cargo efetivo e os cargos em comissão por servidores de carreira, em núme ro mínimo estipulado em lei. Há que se distinguir pois função de confiança de "cargo em comissão''. Cargo é o posto de trabalho previsto em lei e que deve ser provido por um titular; função, por sua vez, é o conjunto de atribuições de legadas a uma categoria profissional ou, individualn1ente, a deten11inados ser vidores para serviços individuais (segundo Hely Lopes Meirelles); daí falar-se que existem funções permanentes e transitórias, estas são por natureza precá rias e delegáveis a juízo discricionário da autoridade competente, aquelas - as funções permanentes - devem ser desempenhadas por seus titulares. Em arre mate, a todo cargo corresponde uma função, mas nem toda função comporta um correspondente cargo. Vista a distinção entre cargo e função, e entre fun ções permanentes e transitórias, resta definir o que sejam "cargos em comis são"; dizemos que são aqueles de provimento provisório, pois, mesmo que o cargo seja permanente por conta de lei que o instituiu, seu desempenho é sem pre passível de demissão ad nutum, não adquirindo o agente público direito à estabilidade. Este inciso trata, conforme já assegurou o STF, de norma de efi cácia contida (RMS n. 24.287.0/DF, rei. Min. Maurício Correa). Todavia, se guindo a tradicional classificação das normas constitucionais quanto à sua apli cabilidade ou eficácia, entende-se que essas assim tidas como de eficácia contida (ou de conteúdo redutível ou restringível segundo Michel Temer) têm aplica ção it11ediata e podem sofrer redução em sua amplitude por conta de lei pos terior (ver doutrina de Pinto Ferreira), assim, portanto, dependente de lei que poderá reduzir sua amplitude de eficácia, mas não lhe subtrair a eficácia até o advento da norma complementar. Aqui, parece que o constituinte quis garan tir que as funções de confiança, assim entendidas por aquelas de direção, che fia e assessoramento de wn órgão, devessem, obrigatoriamente, ser ocupadas por membros efetivos da respectiva carreira, enquanto os cargos em comissão, destinados a agentes políticos não eletivos nem do grupo de efetivos, pudes sem ser ocupados por escolha livre da autoridade competente, mas, preferen cialmente, entre os da respectiva carreira, nos limites mínimos fixados em lei. O fato é que, enquanto não regulamentado o dispositivo, prevalece a decisão do STF que a autoridade competente tenha amplo e não regrado poder de li vre nomeação, ressalvada a vedação ao nepotismo ditada pela Súmula vincu lante n. 13 cuidada no comentário ao inciso II deste artigo. VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical; No capítulo dos direitos sociais (Título 1, Capítulo II), o art. 8° da CF cui dou de garantir aos trabalhadores em geral o direito à livre associação sindical
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e agora, aqui, estende-o aos servidores públicos civis (relativamente aos mili tares, ver comentário ao art. 42 desta Constituição). VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos liJnites definidos em lei específica; Inciso com redação dada pela EC n. 19, de 04.06.1998
Greve é a paralisação coletiva e temporária, total ou parcial, de uma catego ria profissional em reivindicação de direitos, consagrada pelas Convenções ns. 87 e 151 (essa dirigida às funções públicas) da OIT. Também aqui a EC n. 19/98 impôs alteração, ao estabelecer que"lei específica" definiria os termos e limi tes de seu exercício, ao passo que o constituinte originário falava em "lei com plementar". No campo das relações trabalhistas privadas, o direito de greve é regulamentado pela Lei n. 7.783, de 28.06.1989, que define como legítima quan do coletiva, temporária e pacífica a suspensão total ou parcial de prestação pes soal de serviços a empregador (cf. art. 2 °). Entretanto, no universo da Adminis tração Pública, o direito de greve de seus servidores civis não foi regulamentado, até hoje, seja por lei complementar (espécie normativa não mais exigível), seja por lei ordinária (espécie normativa ora adotada), o que deixa uma lacuna le gislativa que somente pode ser suprida pela tutela jurisdicional provocada por mandado de injtmção. No julgamento do Mandado de Injunção n. 708-0/DF, o STF acabou por garantir o direito, com a ressalva no que toca aos serviços es senciais e àqueles considerados de Estado, e decidir por"[ ... J determinar a apli cação das Leis ns. 7.701/88 e 7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envol vam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis'; cabendo à Justiça Estadual e F ederal - não à Justiça do Trabalho - o julgamento das cau sas decorrentes de greve dos servidores sejam, respectivamente, estaduais e mu nicipais ou federais. No julgamento do Mandado de Injunção n. 774/DF, o Ple no do STF, em 28 de maio de 2014, decidiu pela ausência de direito subjetivo público à greve em favor dos policiais civis: "As atividades exercidas por poli ciais civis constituem serviços públicos essenciais desenvolvidos por grupos ar mados, consideradas, para esse efeito, análogas às dos militares''. Relativamente à greve dos militares, vedada expressamente pela Constituição, veja-se o comen tário ao seu art. 42. A Convenção n. 154 e a Recomendação n. 159 da OIT sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, concluída em Genebra, em 19.06.1981, e aprovada pelo Decreto n. 1.256, de 2 9.09.1994, bem como a Convenção n. 151, vigente na ordem jurídica interna por força do Decreto Legislativo n. 206, de 07.04.2010, impõem à República Federativa do Brasil a edição de normas jurí dicas capazes de estabelecer espaços de negociação coletiva como alternativa de ajustes democráticos das relações de trabalho no âmbito da administração pública. A Convenção n. 154, em seu art. 1°, reserva que "a legislação ou a prá-
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tica nacionais poderão determinar até que ponto as garantias previstas na pre sente Convenção são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia e que, no que se refere à administração pública, a legislação ou a prática nacionais poderão fi xar modalidades particulares de aplicação", assim como o art. 1 °, 3, da Conven ção n. 15 l: "será definida por leis ou regulamentos nacionais a extensão em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias providas nesta Conven ção", o que não foi objeto de qualquer reserva ou ressalva do Estado brasileiro. Ainda, a Convenção n. 151 da OIT estabelece: "I. Alcance e Definições. Artigo 1 ° [ ... ] 3. Será definida por leis ou regulamentos nacionais a extensão em que se aplicarão às forças armadas e à policia as garantias providas nesta Conven ção''. Experiências no âmbito internacional mostram que países da Europa, América Latina e os Estados Unidos, também signatários das Convenções ns. 151 e 154 da OIT, já implementaram normas reguladoras de processos de ne gociação coletiva entre o Poder Público e seus servidores, empregados públi cos e forças de segurança e, no plano brasileiro, merece destaque a edição do Decreto n. 346, de 03.02.2012, do governador do Estado do Pará, que dispõe sobre a instituição da Mesa Permanente de Negociação. VIII- a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; O que na verdade ten1os é que distinguir isonomia formal de isonomia ma terial. No plano nacional infraconstitucional, define-se deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (Decreto n. 3.298, de 20.12.1999, regulamentador da Lei n. 7.853, de 24.10.1989, dispõe sobre a Política Nacio nal para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as nor mas de proteção). É assim considerado portador de deficiência aquela pessoa que se enquadre nas seguintes categorias: a) deficiência física - alteração com pleta ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, a qual acarreta o comprometimento da função física e apresenta-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, tri paresia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de mem bro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou ad quirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; b) deficiência auditiva- perda bilateral, par cial ou total, de 41 decibéis ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500, 1.000, 2.000 e 3.000 hertz; e) deficiência visual - {i) cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor cor reção óptica; (ii) baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no
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melhor olho, com a melhor correção óptica; (iii) os casos nos quais o somató rio da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; (iv) ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; d) deficiên cia mental -funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas; e e) deficiência múltipla -associação de duas ou mais deficiências. O Ministro Carlos Ayres Britto (STF), no Recurso em Mandado de Segurança n. 26.071 (DJ0l.02.2008), lembra que o escopo dessa medida de ação afirmativa é a construção de uma sociedade fraterna que se en volva em reparar ou compensar os fatores de desigualdade. Pois bem, percebi das as naturais e sociais desigualdades entre os seres, cabe ao hoje concebido Estado Social -ou de fins sociais -acentuar medidas interventivas nas relações jurídicas e sociais que promovam um regular reequilíbrio entre os coadjuvan tes dos papéis sociais. O candidato deficiente deve invocar tal condição já no ato da inscrição no concurso, e a partir daí concorrer à parte com outros igual mente hipossuficientes. Já assentou o STF que o percentual de reserva de va gas deve ser garantido com, no mínimo, uma vaga, ainda que por arredonda mento, para se garantir a eficácia da norma constitucional (RE n. 227.299, rei. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.10.2000). Ressalva deve ser feita, por respeito ao prin cípio da razoabilidade, em determinadas carreiras em que o vigor e higidez fí sica são requisitos naturais, situações em que não há que se aplicar este dispo sitivo por ocasião do concurso público ( v. g., é o que ocorre nas carreiras 1nilitares e policiais). IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por te1npo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; Este dispositivo veio a ser regulainentado, em âJnbito federal, pela Lei n. 8.745/93, mais recenten1ente alterada pelas Leis ns. 9.849/99, 10.667/2003, 10.973/2004, 11.784/2008, 12.314/2010, 12.425/2011, 12.772/2012, 12.871/2013, 12.998/2014, 13.243/2017 e 13.500/2017. Ê nítido o caráter de excepcionalida de à regra geral de ingresso no serviço público exclusivamente por concurso público; tanto o é que as mencionadas normas regulamentares cuidaram de, expressa e exaustivamente, elencar os casos assim considerados como excepcio nal interesse público. Pode-se indagar se o rol apresentado de atividades assim consideradas é exemplificativo ou e.'-1:raordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado", nada dispondo sobre indenização aos parlamentares. Posteriormente, a EC n. 19/98 acrescentou "vedado o pagamento de parcela in denizatória em valor superior ao subsídio mensal", parte mantida pela EC n. 32/2001, que acrescentou ainda a expressão "ressalvada a hipótese do§ 8°'; para deixar claro que, ocorrendo convocação extraordinária, o Congresso Nacional não pode deliberar sobre qualquer matéria, mas somente para a que foi con vocado, com exceção d e medi das provi sórias em vigor na data de con vocação ex traordinária, que deverão ser acrescentadas automaticamente na pauta da con vocação. Fica evidenciado também que o constituinte intentou impedir que fosse paga parcela indenizatória superior ao subsídio mensal. Contudo, com o
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advento da EC n. 50/2006, o constituinte derivado alterou a redação para ve dar o pagamento de qualquer parcela indenizatória, em razão de convocação para sessão legislativa extraordinária. § 8° Havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação ex t raordi nária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da convocação. Porógrofo acrescentado pelo EC n. 32, de 11.09.2001.
Conforme comentário anterior, as convocações extraordinárias do Congres so Nacional são para assuntos específicos objetos da convocação, sendo que ha vendo medidas provisórias em vigor nesta data, devem ser incluídas automa ticamente na pauta da convocaç,10. Trata-se da exceção prevista no§ 7° , para deliberação em convocação extraordinária. É um corretivo necessário e tem produzido resultados positivos. Evitar-se-ão as célebres caronas e os atropelos tão comuns em razão do congestionamento das pautas. E obriga o legislador a não se furtar de deliberar sobre as medidas provisórias, que agora têm disci plina adequada. Como é sabido, a medida provisória, com força de lei, somen te deverá ser adotada em caso de relevância e urgência. Seção VII
Das Comissões Comissão, palavra derivada do latün commissio, de commitere, tem o sentido
de ação de unir, como també111 de ação de confiar. É a união ou concurso de pessoas em auxílio ou cooperação na execução de determinada tarefa ou mis são. Na linguagem jurídica é um vocábulo de várias acepções. Via de regra, a palavra comissão é utilizada para indicar o exercício de cargo ou atribuições di ferentes, em caráter de interinidade, sem que se retirem do funcionário os direi tos ao cargo efetivo, que ocupa (ver De Plácido e Silva. Dicionário jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 465). Nos parlamentos, as comissões têm denomi nações e atribuições definidas nos regimentos internos das Casas Legislativas. As comissões parlamentares do Congresso Nacional são instituídas normal mente a fim de estudarem e darem pareceres a respeito dos vários assuntos sub metidos à apreciação do Legislativo Federal. Cabe destacar que no Congresso Nacional e..xistem comissões permanentes e temporárias, conforme disposto a segLúr no art. 58. Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanen tes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
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As comissões são órgãos colegiados do Congresso Nacional, denominadas permanentes as que integram a estrutura institucional da Casa, participando efetivamente do processo de elaboração de normas legais,examinando e delibe rando acerca das proposições que lhe forem submetidas, entre outras tarefas; e temporárias as que são criadas para apreciar determinado assunto,extinguin do-se quando atingido o seu objetivo, esgotado o seu prazo de duração ou pelo término da legislatura. As temporárias podem ser: especial, parlamentar de in quérito ou externa. A multiplicidade de matérias a ser apreciada justifica a cria ção desses órgãos que analisarão projetos de lei que lhes forem encaminhados. Participam das funções legislativas ou fiscalizadoras do Legislativo, sendo cons tituídas na forma e com atribuições previstas no respectivo regimento de cada Casa ou no ato de que resultar sua criação, no caso das comissões temporárias. As comissões formadas por parlamentares membros de ambas as Casas são de nominadas mistas e terão seus membros designados pelo Presidente do Sena do mediante indicação das lideranças. Se os lideres não fizerem a indicação, a escolha caberá ao Presidente do Senado (que também é o Presidente da Mesa do Congresso Nacional, art. 57, § 5° ). As comissões mistas compor-se-ão de onze Senadores e onze Deputados, obedecido o critério da proporcionalidade partidária, incluindo-se sempre um representante da minoria, se a proporcio nalidade não lhe der representação, ressalvado as comissões parlamentares mis tas de inquérito que terão o nú1nero de membros fixado no ato da sua criação, devendo ser igual a participação de Deputados e Senadores, obedecido o prin cípio da proporcionalidade partidária, e a comissão mista que relatará o veto de projeto de lei pelo Presidente da República, e estabelecer o calendário de sua tra1nitação que será composta de três Senadores e três Deputados, indjcados pelos presidentes das respectivas Casas, integrando-a, se possível, os relatores da matéria na fase de elaboração do projeto. § 1° Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. Às Mesas das Casas, na qualidade de Comissão Diretora, incumbe a direção dos trabalhos legislativos e dos serviços administrativos em geral. A composi ção da Mesa do Congresso Nacional foi apresentada no art. 57, § 5°. A Mesa do Senado se compõe do presidente, dois vice-presidentes e quatro secretá rios, tendo ainda quatro suplentes de secretários. A Mesa da Câmara dos De putados compõe-se de presidência e de secretaria, constituindo-se, a primei ra, do presidente e de dois vice-presidentes e, a segunda,de quatro secretários. Contará ainda com quatro suplentes de secretário. A exigência de que seja as segurada, tanto quanto possível,a representação proporcional dos partidos ou
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dos blocos parlamentares deixa clara a necessidade de reprodução do espec tro partidário representado na Casa no momento. Por exemplo, se um parti do dominar mais de 50% da composição da Casa, deverá dominar também mais de 50% da Mesa e da composição das Comissões. O escopo constitucio nal deste parágrafo foi o de preservar a salutar participação das minorias, evi tando que forças políticas de maior estatura venham a alijá-las. Nesse sentido, decidiu o STF em sede de Mandado de Segurança, conforme descrito a seguir: "Mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados, que indeferiu, para fins de registro, candidatura ao cargo de 3° Se cretário da Mesa, alegação de violação do art. 8° do Regimento da Câmara e do§ 1 ° do art. 58 da Constituição. Ato do Presidente da Câmara que, tendo em vista a impossibilidade, pelo critério proporcional, defere, para fins de re gistro, a candidatura para o cargo de Presidente e indefere para o de membro titular da Mesa. Mandado de segurança impetrado para o fim de anular a elei ção da Mesa da Câmara e validar o registro da candidatura ao cargo de 3 ° Se cretário. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8°). O fundamento regimental, por ser matéria interna corpor·is, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. Inexistência de ftmdamento constitucional (art. 58,§ I 0), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário. Mandado de se gurança não conhecido, por maioria de sete votos contra quatro. Cassação da liminar concedida" (MS n. 22.183/DF, rei. Min. Maurício Corrêa, j. 05.04.1995, DJ 12.12.1997). § 2° Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: Comissões, conforme mencionamos anteriormente, são órgãos temáticos in cw11bidos de apreciar e deliberar sobre assunto específico submetido ao seu exame. Dentro de suas respectivas áreas de competência, cada uma delas exer ce papel fundamental na análise, discussão e votação das matérias a elas perti nentes, no acompanhamento dos planos e programas governamentais e na fis calização orçamentária da União. As comissões permanentes, em razão da matéria de sua competência, deverão sempre se pronunciar sobre o mérito da proposição principal e das emendas, ainda quando decidir pela inconstitucio nalidade daquela. A competência das comissões permanentes encontra-se pre vista nos regimentos internos do Congresso Nacional e de cada uma das Ca sas. Em relação às comissões temporárias, o ato que a instituir também delimitará sua competência em razão da matéria.
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I- discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; A discussão e a votação de projeto de lei pelas Comissões são un1a forma de descentralização de competência permitida pelo constituinte, delegação inter na corporis, porque operada no próprio Legislativo, no qual a Comissão subs titui o Plenário da Casa respectiva. Trata-se da possibilidade da Casa, por meio do Regimento, delegar à Comissão a discussão e votação de projeto de lei, va lendo a decisão da Comissão pela do Plenário. A decisão da Comissão poderá ser rejeitada, havendo recurso ao Plenário, subscrito por no mínimo um déci mo dos membros da Casa. Esse procedimento, se realizado com eficiência, pos sibilita maior celeridade na apreciação e na elaboração de leis com conteúdo cada vez mais técnico. O poder da comissão de decidir pelo Plenário na Câma ra dos Deputados é chamado de poder conclusivo, e no Senado, de poder ter minativo. Ressalte-se que a competência para discutir, apreciar e votar os pro jetos de lei, via de regra, é do Plenário, a delegação interna corporis para as comissões é exceção. Nesse sentido, manifestou-se o STF, in verbis: "O proce dimento instituído por lei complementar estadual, que confere poder decisó rio a Comissão da Assembleia Legislativa, para o efeito de criação de municí pios, subverte os postulados disciplinadores do processo de formação das leis, pela transgressão do princípio geral da reserva de Plenário, que comete a este órgão colegiado a competência exclusiva para, enquanto instância legislativa suprema, discutir, apreciar e votar os projetos de lei. O princípio da reserva de Plenário, 'que sempre se presume: só pode ser derrogado, em caráter de abso luta excepcionalidade, nas situações previstas pelo texto constitucional. O novo direito constitucional positivo adnlite, é certo, a possibilidade de se afastar a incidência desse princípio sempre que, na forma do regimento - e não de qual quer outro ato normativo-, outorgar-se às Co1nissões das Casas Legislativas, em razão da matéria de sua competência, a prerrogativa de discutir, votar e de cidir as proposições legislativas" (ADI n. 652/MC, rei. Min. Celso de Mello, j. 18.12.1991, DJ02.04.1993). II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; O Poder Legislativo é a Casa onde os debates devem ser estimulados, para melhor proposição do tema e exercício da democracia, e uma das formas é a realização de audiências públicas com entidades da sociedade civil. Nas audiên cias públicas podem ser convidadas pessoas de grande conhecimento técnico sobre as matérias em discussão nas Comissões, dando-lhes subsídios para a to mada de decisões. A palavra "audiência" é derivada do latim audientia, de au-
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dire (escutar, atender), e significa escuta. Neste caso, significa o ato do Legisla
tivo de receber as entidades da sociedade civil a fim de escutar ou de atender acerca de assuntos de seu interesse. O vocábulo "público" é relativo ao povo, que se opõe ao particular ou privado. Logo, entende-se por audiência pública aque la marcada por uma autoridade administrativa, aberta ao público, para atender a toda e qualquer pessoa que tenha algum esclarecimento ou pedido a fazer. III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre as suntos inerentes a suas atribuições; A Constituição autoriza quaisquer de suas comissões a convocar Ministros de Estado para prestarem, pessoalmente, esclarecimentos sobre assuntos que deverão ser previamente determinados. A ausência sem motivo justificado é crime de responsabilidade. Caso queira expor assunto de relevância de seu Mi nistério, o Ministro, por sua iniciativa e mediante entendimentos com a Mesa respectiva, poderá comparecer ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados ou a qualquer de suas comissões (art. 50, caput e§§ l O e 2°). A possibilidade de convocação de Ministros para prestarem, pessoalmente, informações sobre as sunto previamente detenninado, perante órgãos legislativos, já era prevista na Constituição de 1934, em seu art. 37. IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qual quer pessoa contra atos ou 01nissões das autoridades ou entidades públicas; Este inciso democratiza o acesso ao Poder Legislativo federal. O objetivo do constituinte foi possibilitar que qualquer pessoa do povo manifeste seu descon tentamento com as autoridades ou entidades públicas. Assim, qualquer pessoa do povo que estiver insatisfeita poderá se expressar por meio de uma petição, reclamação, representação ou queixa que deverá ser endereçada às comissões das Casas. Cabe destacar que a Constituição prescreve que: ''Art. 5° [ ... ] XXXIVsão a todos assegurados, independentemente do paga1nento de taxas: a) o di reito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalida de ou abuso de poder"; e "Art. 37. [ ... ) § 3° A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: 1- as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços ; II- o aces so dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de go verno, observado o disposto no art. 5°, X e XXXIII; III- a disciplina da repre sentação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública" (art. 37,§ 30, com redação dada, e Ia IIIacrescen-
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tados pela EC n. 19, de 04.06.1998). Ê wna garantia de acesso de todos à maior Casa de debates e representatividade popular, protestar contra atos ou mesmo omissões das autoridades ou entidades públicas para que tomem as providên cias que julgarem necessárias. V -solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; O constituinte não investiu as comissões permanentes e as temporárias do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal dos po deres que foram conferidos às comissões parlamentares de inquérito, confor me o§ 3°, deste artigo, razão pela qual poderão tão somente solicitar depoi mento de qualquer autoridade ou cidadão. Depoimento designa o ato de poder em juízo, ou seja, o ato pelo qual a testemunha faz as suas declarações perante a autoridade. O vocábulo "autoridade" é um termo derivado do latim auctori tas (poder, comando), comumente utilizado na terminologia jurídica como o direito que se assegura a outrem para praticar determinados atos de poder. Ci dadão, em linhas gerais, é o nacional no exercício dos direitos políticos. VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer. Os programas, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento são apreciados pelas c01nissões em razão da matéria de sua competência emi tindo parecer sobre a qualidade do programa e a conclusão de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. Em razão disso, entre ou tras atribuições, caberá ao Presidente da República remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislati va, enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de dire trizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição, e prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior (art. 84, XI, XXIII e XXIV). Se tais contas não forem prestadas pelo Presidente da Re pública no prazo indicado, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, incumbirá à Câmara dos Deputados tomá-las (art. 51, 11). A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, diretrizes, ob jetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continua da. Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Consti tuição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional (art. 165,§§ 1° e 3°). Ou seja, a própria Constituição já determina o que as leis deverão conter, facilitando de alguma forma o traba-
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lho de fiscalização e controle que será exercido pela Comissão competente em razão da matéria. Dispõe a Constituição de 1988 que: "Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congres so Nacional, na forma do regimento comum.§ 1° Caberá a wna Comissão mis ta permanente de Senadores e Deputados: I -examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualn1ente pelo Presidente da República; II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exer cer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acor do com o art. 58': § 3° As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, me diante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabili dade civil ou criminal dos infratores. As Comissões Parlan1entares de inquérito -CP Is, espécie de comissão tem porária, são criadas com prazo certo pela Câmara dos Deputados e pelo Sena do Federal, em conjunto ou separada1nente, mediante requerilnento de pelo menos um terço de seus membros (de cada Casa), devendo ser aprovado pela maioria. Destinan1-se à apuração de fato determil1ado que diga respeito à ges tão da coisa pública, de relevante interesse para a vida pública e a ordem jurí dica constitucional, legal, econômica e social do país. A Lei n. 1.579/52 dispõe que as CPis terão atuação ampla na apuração dos fatos determinados que de ram origem à sua formação. Todavia, o poder de realizar investigações não é ilimitado, tendo sua amplitude de atuação concentrada em fatos espeóficos, respeitando os mesmos limites formais observados pelo Poder Judiciário, quan do da instrução de processo crimi11al evitando perseguição politica e humilha ção dos investigados com a devassa desnecessária e arbitrária de sua vida pri vada e intimidade. As CPis podem quebrar o sigilo bancário, fiscal e de dados; inquirir testemunhas, e caso se neguem a comparecer, podem determinar a condução coercitiva; ouvir investigados ou indiciados; realizar perícias e exa mes, requisitar documentos e buscar provas legalmente admitidas; e detenni nar buscas e apreensões. Cabe ressaltar que os sigilos bancário e fiscal, constitu cionalmente previstos como direitos e garantias individuais, somente poderão
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ser excepcionados por ordem judicial fundamentada ou de CPis desde que pre sentes requisitos que justifiquem a necessidade de conhecimento dos dados si gilosos e nos estritos limites da lei. Não podem praticar atos típicos do Poder Judiciário, como decretar prisão, salvo em flagrante delito; decretar a aplicação de m edidas cautelares, como indisponibilidade de bens, arrestos, sequestro, proibição de ausentar-se da comarca ou do país, entre outras. Além destes atos, é pacífico o entendimento, inclusive no STF, de que há matérias que a Consti tuição estabelece como de competência expressa dos órgãos do Judiciário, de nominadas cláusula de reserva jurisdicional. Assi1n, por exemplo, quando a Constituição prevê a possibilidade de invasão domiciliar ou de escuta telefô nica por determinação judicial (art. 5°, XI, e XII, respectivamente), proíbe as CPis de determinar a busca e apreensão domiciliar ou a escuta telefônica, por se tratar de atos constritivos da liberdade individual atribuídos constitucional mente com exclusividade aos membros do Poder Judiciário. Após terminar os trabalhos, a CPI, se for o caso, encaminhará suas conclusões ao Ministério Pú blico para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. O Ministério Público, como órgão independente, não está vinculado ao posicio namento ou conclusão adotada pela CPI. § 4° Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Con gresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja compo sição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária. Durante o recesso parlamentar, funciona uma Comissão representativa do Congresso Nacional integrada por sete senadores e dezesseis deputados, e igual número de suplentes, eleitos pelas respectivas Casas na última sessão ordiná ria de cada período legislativo, e cujo mandato coincidirá com o período de re cesso do Congresso Nacional, que se seguirá à sua constituição, excluindo-se os dias destinados às sessões preparatórias para a posse dos parlamentares elei tos e a eleição das Mesas. Considera-se período legislativo as divisões da sessão legislativa anual ( conferir, a respeito, comentário ao art. 57, caput), incluídas as prorrogações decorrentes das hipóteses previstas nos§§ 1° e 2 ° do mesmo artigo. Caso o Congresso Nacional seja convocado extraordinariamente, o man dato da Comissão representativa não será suspenso. Exercerão a presidência e a vice-presidência da Comissão, os membros das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, respectivamente. À Comissão compete: zelar pelas prerrogativas do Congresso Nacional, de suas Casas e de seus membros e pela preservação da competência do Congresso em face da atribuição normativa dos outros Poderes; autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a
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se ausentarem do País por mais de quinze dias; fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração indireta, receber petições e re clamações; convocar Ministros de Estado e enviar-lhes pedidos escritos de in formação; deliberar sobre a sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, desde que se caracterize a necessidade da medida cautelar em caráter urgente, entre outras. Possui ainda a possibilidade de exercer outras atribuições de ca ráter urgente, que não possam aguardar o início do período legislativo seguin te sem prejuízo para o País ou suas instituições, o que podemos denominar de um poder geral cautelar (ver art. 7° da Resolução n. 3, de 21.11.1990, do Con gresso Nacional). Convém assinalar que mesmo na Comissão representativa a composição reproduzirá, sempre que possível, a proporcionalidade da repre sentação partidária. Seção VIII
Do Processo Legislativo Subseção/ Disposição Geral
O processo legislativo consiste no conjunto de atos (iniciativa, emenda, san ção e veto) realizados pelos órgãos legislativos visando à elaboração de emen das à Constituiçc"io, leis complementares, leis ordinárias, resoluções e decretos legislativos (José Afonso da Silva). É definido pelos arts. 59 a 6 9 da CF. A lei será estruturada em três partes básicas: a) a parte preliminar, que co1npreende a epígrafe (qualifica a lei na ordem jurídica e a situa no tempo, por meio da data, da numeração e da denominação), a ementa (resume o conteúdo da lei), o preâmbulo (indica o órgão ou a instituição competente para a prática do ato e sua base legal - contém a declaração do nome da autoridade que vai promul gar a lei), o enunciado do objeto da lei e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas; b) a parte normativa, com as normas que regulam o objeto definido na parte preliminar; c) a parte final, com as disposições so bre medidas necessárias à implementação das normas constantes da parte nor mativa e as disposições transitórias; se for o caso, conterá a cláusula de vigên cia (dispõe sobre entrada em vigor da lei) - na falta desta, aplica-se a regra do art. 1 ° da LINDB, segundo a qual, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o País 45 dias após a sua publicação - e a cláusula de revo gação. As emendas à CF serão numeradas a partir da promulgação da Consti tuição; as leis complementares, as leis ordinárias e as leis delegadas terão nu meração sequencial, em continuidade às séries iniciadas em 1946. Finalmente, cumpre ressaltar que o STF consagrou diretriz jurisprudencial que reconhecia
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a possibilidade do controle incidental (difuso) de constitucionalidade das pro posições legislativas, desde que instaurado por iniciativa de membros do ór gão parlamentar perante o qual se achem em curso o projeto de lei ou a pro posta de emenda à Constituição, ou seja, era possível a impugnação judicial desses atos (tramitação do processo legislativo) por meio de mandado de se gurança, sendo legitimados ativos nesses casos, tão somente, os membros da casa legislativa em que tramita o projeto de lei, havendo invocação de ofensa a direitos subjetivos do parlamentar, amparados pelo ordenamento constitucio nal do Estado, bem como por vício de inconstitucionalidade diretamente rela cionado aos aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa. Porém, com a nova composição da Corte, essa orientação foi mitigada, conforme se verificou no julgamento do Mandado de Segurança n. 32.033, em 20.07.2013, que questiona o projeto de lei que cria restrições para a criação de novos par tidos políticos (PL n. 4.470/2012 - aprovado pela Câmara e recebido no Sena do Federal como PLC n. 14/2013). A maioria dos ministros decidiu negar o MS de autoria do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), cassando a liminar de ferida pelo relator do processo, Ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão do trâJnite do projeto de lei. Conforme noticiado no site da Corte, a maioria dos ministros acompanhou a divergência aberta pelo Ministro Teori Zavascki. Em seu voto, ele defendeu que "não há o direito constitucional de um parlamentar judicializar um projeto de lei para obstar a sua tramitação discor dando do seu conteúdo''. Nesse passo, destacou o Ministro Zavascki que "a es fera própria constitucionalmente estabelecida para discussão e deliberação da matéria é o Poder Legislativo, pois é ali que as matérias são discutidas, resolvi das e tornadas ou não normas jurídicas''. Ressaltou, ainda, em seu voto que "a tramitação regular que não atente contra esses limites materiais e modificáveis não dá ao parlamentar o direito de tentar abortar este projeto em sede judi cial''. Ponderou, ademais, que "não há competência do STF para adentrar com petência regularmente exercida pelo Congresso Nacional quando este esteja atuando em sua esfera de competência própria''. Em seguida, o Ministro Za vascki advertiu em seu voto que "o sistema constitucional pátrio não autoriza ria o controle de constitucionalidade prévio de atos normativos, e que a juris prudência da Corte estaria consolidada no sentido de, em regra, deverem ser rechaçadas as demandas judiciais com essa finalidade. Por fim, observou o Mi nistro Zavascki haver duas exceções a essa regra: "a) proposta de emenda à Constituição manifestamente ofensiva a cláusula pétrea; e b) projeto de lei ou de emenda em cuja tramitação se verificasse manifesta afronta a cláusula cons titucional que disciplinasse o correspondente processo legislativo". Nesse pas so, salientou o Ministro Zavascki que, "em ambas as hipóteses, a justificativa para excepcionar a regra estaria claramente definida na jurisprudência do STF. O vício de inconstitucionalidade estaria diretamente relacionado aos aspectos
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formais e procedimentais da atuação legislativa. Nessas circw1stâncias, a unpe tração de segurança seria admissível porque buscaria corrigir vício efetivamen te concretizado, antes e independentemente da final aprovação da norma''. Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: Este dispositivo estabelece, em seus incisos, o objeto do processo legislativo, que abrange a elaboração das leis em sentido próprio (ou seja, lei complemen tar, lei ordinária, lei delegada), bem como das emendas constitucionais, das medidas provisórias, das resoluções e dos decretos legislativos (parece relevan te abrir-se parênteses para mencionar que, a partir de decisões - veja-se o RE n. 340.703/RS-, o STF, seguindo voto do Min. Gilmar Mendes, acabou por in troduzir em nosso ordenamento nova categoria de normas não prevista na Constituição, quais sejam "as normas supralegais''. Assim, na hierarquia das normas brasileiras surge a chamada supralegalidade, categoria atribuída aos tratados e documentos internacionais de direitos humanos aprovados em nos so ordenamento antes da EC n. 45/2004. Embora se trate de decisão questio nável, está vigorando em nosso ordenamento). Do ponto de vista do processo legislativo, lei pode ser traduzida como ato normativo capaz de inovar origi nariamente a ordem jurídica. Quanto ao seu conteúdo, a lei pode ser material ou formal. As leis formais geram, apenas, efeitos concretos; são aquelas que no mesmo ato trazem a norma e a sua execução, sendo caracterizadas pela ausên cia de generalidade. Um exemplo desse tipo de norma pode ser identificado na lei Orçamentária Anual (art. 165, § 5°, da CF). Desse modo, a distinção entre lei formal e lei 1naterial decorre da ideia de generalidade (norma genérica é aquela que contém regras referentes a direitos gerais e in1pessoais). Se o ato normativo é genérico, é englobado no conceito de lei material, sendo descon siderada para essa distinção a origem do órgão que o produziu. A lei material tanto pode ser originada nos órgãos dotados de competência legislativa como nos órgãos da administração pública. Por outro lado, se o ato normativo for constituído de preceitos concretos, será denominado lei formal. Os atos nor mativos podem ser primários ou secundários: os atos normativos primários são autônomos, não se encontram materialmente vinculados a nenhuma ou tra norma (ato legislativo primário, ou seja, aquele fundado diretamente na Constituição). Os atos normativos secundários são aqueles que se assentam em outras normas, caracterizando-se, portanto, como atos normativos de nature za interpretativa ou regulamentar, e estão fora do rol de atos normativos que integram o processo legislativo previsto no presente artigo da Constituição ( v.g., decreto regulamentar, portaria ministerial e outros). I - emendas à Constituição;
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A Constituição pode ser modificada formalmente ( do que se deduz a possi bilidade de alteração do texto constitucional no âmbito do processo legislati vo) por meio de emendas, as quais podem ser efetivadas por meio de iniciati va dos seguintes legitimados (agindo separadamente): de un1 terço,no minimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presiden te da República; de mais da metade das assembleias legislativas das unidades da federação. A proposta de emenda será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (essa maioria corres ponde hoje a 302 Deputados e 49 Senadores). Nesse caso, os congressistas re presentam o poder constituinte derivado. Com fundamento no princípio da rigidez constitucional, o constituinte originário (Assembleia Nacional Consti tuinte) estabeleceu um processo especial, mais dificultoso, para alteração das normas constitucionais. Assim, na elaboração das emendas à Constituição, o constituinte derivado (Congresso Nacional) tem de observar as limitações im plícitas e as eÀ-pressas, sendo que estas últimas compreendem: a) as limitações circunstanciais (cuidam de evitar modificações na Constituição em períodos de anormalidade social ou política - estado de sítio, estado de defesa e inter venção federal, art. 60, § 1 ° ); b) as lünitações procedimentais ou formais, se gundo as quais o órgão do poder de reforma há de proceder com respeito a cer tas regras expressamente delineadas pela própria Constittúção e referentes ao processo legislativo (art. 60, I a III,§§ 2°, 3° e 5°); c) as limitações materiais (o constittúnte originário detenninou a exclusão de certas matérias da incidên cia do poder de reforma; são as denomüiadas cláusulas pétreas, invulneráveis à mutação por meio de emendas - art. 60, § 4°). Quanto às lin1itações ünplíci tas ( decorrentes dos princípios e do espírito da Constituição), pode-se afirmar que consistem em in1pedir quaisquer tentativas de supressão das limitações ex pressas no texto constitucional. II - leis complementares; A lei complementar é uma espécie normativa que foi estabelecida pelo cons tituinte originário com a finalidade de proteger determinadas matérias de ca ráter infraconstitucional, exigindo quorum especial para sua criação, sem, con tudo, dotá-la da rigidez dispensada às emendas constitucionais. Assim, as matérias albergadas pela lei complementar, apesar de sua importância, não po deriam ser tratadas no próprio texto constitucional; no entanto, por serem te mas relevantes, mereceriam um procedimento de elaboração legislativa dife renciado daquele dispensado à lei ordinária. Por esse processo de formação diferenciado, a lei complementar deve ser aprovada pela maioria absoluta de cada uma das casas: Câmara dos Deputados e Senado Federal (253 Deputados
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e 42 Senadores).No tocante ao aspecto material, pode-se afirmar que só pode rá ser objeto de lei complementar a matéria expressamente prevista na Cons tituição. Porém, o STF firmou entendimento para que as normas anteriores à CF/88, de qualquer espécie, que dissessem respeito a matérias que a Constitui ção reservou às leis complementares fossem recepcionadas pela nova ordem constitucional como leis complementaTes. Podemos citar como exe1nplo a Lei n.5.172/66 (CTN), que originalmente foi concebida como lei ordinária, mas que foi recepcionada pela nova ordem constitucional como lei complementar. Na hipótese de que haja uma lei votada com o procedimento característico de lei complementar, e assim denominada, mas que trate de matéria não reserva da constitucionalmente à lei complementar, ela terá efeitos jurídicos de lei or dinária, podendo ser revogada por lei ordinária posterior. Ao revés, a lei com plementar propriamente dita não admite a revogação por força de lei ordinária superveniente. Observa-se, enfim, que as matérias de abrangência da lei com plementar, da lei ordinária ou da medida provisória são diversas; desse modo, não há que se falar na existência de uma relação de hierarquia entre elas. To davia, essa questão não é pacífica na doutrina, sendo que para alguns autores há de fato uma relação de hierarquia entre as leis ordinária e complementar. III - leis ordinárias; A lei ordinária é uma espécie normativa que veicula, em regra, normas ge rais e impessoais. Para aprovação dos projetos de lei ordinária ( v. art. 47) exi ge-se maioria simples (maioria dos presentes), desde que esteja presente para a abertura da sessão a maioria absoluta de seus membros: 253 Deputados na Câmara dos Deputados e 42 Senadores no Senado Federal.A Constituição es tabelece que determinadas matérias somente podem ser disciplinadas por lei ordinária, vedando a delegação (art. 68, § 1°, Ia 111, da CF). Por outro lado, a Constituição exclui expressamente do campo de incidência da lei ordinária as matérias da competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49 da CF), atos normativos estes que são instituídos por meio de decreto legislativo. Também não podem ser disciplinadas por leis ordinárias as matérias cuja competência é privativa do Senado e da Câmara (arts.5 1 e 52 da CF). A EC n. 32/2001 re servou matérias à competência do Presidente da República, cuja ação ocorre mediante decreto (art. 84, VI, a e b, da CF); essa nova disciplina no campo le gislativo é denominada pela doutrina de decreto autônomo, o qual não se su bordina a outro ato normativo além da Constituição. IV - leis delegadas;
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A lei delegada (exceção à cláusula de não delegação de funções de poderes distintos) é un1a espécie normativa elaborada e editada pelo Presidente da Re pública com autorização do Congresso Nacional, veiculada mediante resolu ção e dentro dos limites nela traçados. Conforme observa Anna Candida da Cunha Ferraz, a supressão da cláusula-parân1etro que veda a delegação acom panha uma tendência universal, também abrigada pela doutrina pátria, no sen tido de se atribuir maior flexibilidade ao princípio da separação de Poderes, em especial no que concerne à capacitação da função legislativa. Todavia, ad verte que o Constituinte, ao adotar a lei delegada, procurou circunscrever a de legação legislativa a condicionamentos de forma e limitações materiais e tem porais. Desse modo, a transferência ao Executivo da função de legislar se faz com cautela (sua área de atuação é restrita), como convém a um sistema que considera a separação dos poderes como princípio fundamental. Assim, o tex to constitucional dispõe, expressamente, que não podem ser objeto de delega ção os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de compe tência privativa da Càmara ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar nem a legislação sobre: organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; nacionalidade, ci dadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; planos plurianuais, diretri zes orçamentárias e orçamentos. V - medidas provisórias;
Medida provisória é um ato normativo com força de lei, com vigência imedia ta, que pode ser editado pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência. Depois de editada, a medida deve ser submetida de imediato à deli beração do Congresso Nacional. As medidas provisórias perdem a eficácia des de a edição se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorro gável por mais sessenta dias. No caso de perda de eficácia de medida provisória não convertida em lei, o Congresso Nacional deverá disciplinar, por decreto le gislativo, as relações jurídicas dela decorrentes. Porém, transcorrido o prazo de sessenta dias contados a partir da rejeição ou da perda de eficácia da medida provisória sem que se proceda ao referido decreto, as relações jurídicas consti tuídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas definitivamente. As medidas provisórias têm por objeto, em re gra, as mesmas matérias das leis ordinárias. Todavia, não podem ser objeto de medida provisória (limites materiais), por expressa vedação constitucional, as seguintes matérias: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos polí ticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; orga nização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e cré-
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ditos adicionais e suplementares, ressalvada a abertura de crédito extraordiná rio, a qual é expressamente reservada à medida provisória; as que objetivem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; as reservadas à lei complementar; aquelas já disciplinadas em pro jeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendentes de sanção ou veto do Presidente da República; aprovação de Código; regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de EC promulgada no período compreendido entre O l.01.1995 e a promulgação da EC n. 32/2001. Finalmente, observa-se que, em relação ao período de vigência das medidas provisórias editadas antes da entrada em vigor da referida Emenda n. 32, vige rão por prazo indeterminado até que medida provisória ulterior as revogue ex plicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. VI - decretos legislativos; Os decretos legislativos veiculam matérias de competência exclusiva do Con gresso Nacional (toda matéria elencada nos incisos do art. 49 da CF) que te nham efeitos externos a esse órgão legislativo (não são submetidos à sanção do Presidente da República, nem a veto); são, formalmente, leis, ou seja, atos re vestidos de natureza legislativa. O decreto legislativo é também o instrumento indicado pela Constituição para disciplinar as relações jurídicas decorrentes das medidas provisórias. Contudo, o texto constitucional não trata do proces so de formação dos decretos legislativos, cabendo essa tarefa ao Regimento Interno do Congresso Nacional. Observa-se que, por veicularem atos norma tivos, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade pelas vias difusa e con centrada. VII - resoluções. As resoluções são atos normativos de competência do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (ou das assembleias legislati vas estaduais). A Constituição não estabelece o procedimento para sua elabora ção, assim como não o faz em relação aos decretos legislativos; essa disciplina ficou a cargo do regimento interno comum do Congresso Nacional. Segundo Anna Candida da Cunha Ferraz, a resolução é um ato normativo primário (de corre da própria Constituição) que dispõe sobre a regulação de determinadas matérias não incluídas no campo de incidência dos decretos legislativos e da lei. Não está adstrita ao procedimento relacionado a esses atos (também não está sujeita à sanção do Presidente da República). Pode ter origem no Congres so Nacional ou nas suas casas. Dependendo da matéria que regula, pode produ zir efeitos internos ou externos ao Congresso. Considerando os fins a que se
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destina, pode caracterizar ato de contTole político (resolução senatorial que re ferende nomeações), ato deliberativo (fixação de alíquotas), ato de coparticipa ção na função judicial (suspensão de lei declarada inconstitucional pelo STF) ou ato-condição da função legislativa (autorização ao Executivo para elaborar lei delegada: habilita a produção da lei delegada). Quando apresentam efeitos externos, as resoluções estão sujeitas ao controle de constitucionalidade das leis. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Este parágrafo foi disciplinado pela LC n. 95/98, com nova redação dada pela LC n. 107/2001, que dispõe que a elaboração da Consolidação da Legislação Federal consistirá na integração de todas as leis pertinentes a determinada ma téria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorpora das à Consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados. Desse modo, o projeto de lei de Con solidação manterá, obrigatoriamente, o conteúdo normativo original dos dis positivos consolidados, de modo que não poderá servir de instru1nento para imprimir alterações na vontade já consignada do legislador na legislação a ser consolidada. Porém, isso não ünplica vedação de alteração no texto das nor mas. Preservando-se o conteúdo normativo original dos dispositivos consoli dados, poderão ser feitas as segumtes alterações nos projetos de lei de consolida ção: ü1trodução de novas divisões no texto legal usado como base; diferente colocação e nun1eração dos artigos consolidados; fusão de disposições repeti tivas ou de valor normativo idêntico; atualização da denominação de órgãos e entidades da administração pública; atualização de termos antiquados e mo dos de escrita ultrapassados; atualização do valor de penas pecuniárias, con1 base em indexação-padrão; eliminação de ambiguidades decorrentes do mau uso do vernáculo; homogeneização terminológica do texto; supressão de dis positivos declarados inconstitucionais pelo STF, observada, no que couber, a suspensão pelo Senado Federal de execução de dispositivos, conforme o art. 52 da CF; indicação de dispositivos não recepcionados pela CF; declaração expres sa de revogação de dispositivos implicitamente revogados por leis posteriores. Finalmente, observa-se que a Consolidação não pode abranger medidas pro visórias não convertidas em lei, nem combinar na mesma matriz de consoli dação leis ordinárias e leis complementares. O procedimento legislativo ado tado será "simplificado", segundo o regimento interno de cada uma das casas. Quanto à iniciativa do projeto de Consolidação, será do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.
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Subseção li Da Emenda à Constituição
Esta subseção cuida do procedunento de elaboração das emendas à Consti tuição, disciplinando, inicialmente, os órgãos responsáveis pela iniciativa de pro por emendas para depois estabelecer as limitações circw1stanciais ao poder de reforma (intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio); cuida, ainda, da deliberação parlamentar. Quanto à fase complementar, dispõe que a promul gação da emenda será feita pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (cada uma atuando separadamente), com o respectivo número de or dem; estabelece, também, as limitações materiais (cláusulas pétreas). Finalmen te, dispõe que matérias constantes de proposta de emenda rejeitada ou havidas por prejudicadas não poderão ser objeto de nova proposta na mesma sessão le gislativa. É certo que o poder de reforma, como poder constituído, tem campo de atuação limitado. Para tanto, deve o constituinte derivado (Congresso Na cional), na elaboração das emendas à Constituição, respeitar os limites formais e materiais estabelecidos pelo constituinte originário (Assembleia Nacional Constituinte), de sorte que toda emenda que afronte direta ou indiretamente qualquer princípio constitucional ou forma prevista no texto constitucional es tará marcada pelo vício da inconstitucionalidade. Assim, não poderá ser formu lado projeto de emenda tendente a abolir (ou restringir) a forma federativa do Estado, o voto direto secreto e universal, a separação dos poderes e os direitos individuais (veja comentário ao art. 59, 1). Vale destacar que o STF exerce a fun ção de fiscalizar a legitimidade das emendas à Constituição (isso quer dizer que, embora integrem a Constituição, as emendas submetem-se ao controle de cons titucionalidade pelas vias difusa e concentrada). Outra forma de manifestação do constituinte derivado é a revisão constitucional (de que é produto a emen da de revisão), sendo que o procedunento de emenda previsto no art. 60 da CF e a revisão prevista no art. 3° do ADCT constituem modos distintos de mani festação do poder constituinte de reforma. Essa revisão já se realizou, não sen do mais possível, portanto, outra revisão na forma ali estabelecida. Oportuno ressaltar que, além do processo formal de alteração constitucional (por meio de emendas), há também wn processo informal, que é denon1u1ado pela doutrina mutação constitucional (o texto constitucional vai se trans1nudando ao longo do tempo em decorrência dos costumes, da tradição, da interpretação judicial etc. sem, contudo, ocorrer alteração na forma como o te.xto constitucional foi originalmente escrito). Por último, vale registrar que o poder constitumte ori ginário não está submetido a nenhum tipo de lin1itação, formal ou material, nem se sujeita ao controle de constitucionalidade; assim sendo, no Brasil não se admite a declaração de u1constitucionalidade de dispositivo originário da Cons tituição.
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Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: A iniciativa de proposta, no caso, é concorrente, e compete aos membros da Câmara ou do Senado (mínimo de um terço), ao Presidente da República e às assembleias legislativas (mais da metade destas casas legislativas). Todavia, o te.>..'to constitucional não estabelece em qual das casas legislativas do Congres so Nacional terá início a proposta de emenda à Constituição, deixando essa disciplina para o regimento interno das referidas casas. Desse modo, no Regi mento do Senado Federal a matéria é regulada pelo art. 212; já no âmbito da Câmara dos Deputados, a matéria está disciplinada pelo inciso I do art. 201 do regimento interno. Importante questão que vem sendo enfrentada no âmbito do ST F é no sentido de se definir se as emendas à CF estão sujeitas às cláusu las de reserva de iniciativa previstas no art. 61 da CF. Conforme noticiado no site do STF,em 18.05.2016,"o Plenário da Corte con cluiu o julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalida de (ADI) n. 5.296 contra a EC n. 74/2013, que estendeu às Defensorias Públi cas da União e do Distrito Federal a autonomia funcional e administrativa bem como a iniciativa de proposta orçamentária asseguradas às Defensorias Públi cas estaduais. Por maioria de votos {8 a 2), os ministros indeferiram o pedido de liminar, sob o entendimento de que não houve violação a princípios cons titucionais. Na ADI, a ex-presidente da República, Dilina Rousseff, sustentava que a emenda de iniciativa parlamentar teria vício de iniciativa, na medida em que somente o chefe do Poder Executivo poderia propor tal alteração. A EC n. 74/2013 acrescentou o§ 3° ao art. 134 da CF, no capítulo dedicado às Fw1ções Essenciais à Justiça. O julgamento foi retomado com o voto-vista do Ministro Dias Toffoli, que destacou o caráter autônomo das Defensorias Públicas, na medida em que não se sujeitam a nenhum dos três Poderes da República, as siJn como acontece con1 o Ministério Público e a Advocacia Pública. O Minis tro Toffoli acompanhou o voto da relatora, Ministra Rosa Weber, mas por ou tros funda1nentos. Para ele, não há como aceitar a alegação da Presidente da República de que teria havido vício de iniciativa na propositura da emenda, simplesmente porque a Defensoria Pública da União não é integrante do Po der Executivo e de nenhum outro Poder. 'Ao contrário, portanto,da pretensão da inicial de atribuir pecha de incompatibilidade com o texto da Constituição, vislumbro no espírito da norma a busca pela elevação da Defensoria Pública a um patamar adequado a seu delineamento constitucional originário - de fu11ção essencial à Justiça-, densificando um direito fundamental previsto no art. 5° da CF, que ordena ao Estado a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos', afirmou o Ministro Dias Toffoli em seu voto. O presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski, também acompanhou a relatora, votando pelo indeferimento da liminar na
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ADI. O ministro afirmou não verificar, de plano, qualquer vício na emenda constitucional pelo fato de ter sido proposta pelo Parlamento, não havendo como se falar em afronta ao princípio constitucional da separação dos Pode res. Em seu voto, o ministro registrou as alterações constitucionais que têm dado efetividade ao trabalho executado pelos defensores públicos. 'Houve uma evolução constante em busca do fortalecimento da Defensoria Pública, sobre tudo pelas ECs ns. 45/2004, 74/2013e8 0/2014, no sentido de garantir a inde pendência desse importante órgão da Administração Pública que surgiu com a Constituição de 1988; afirmou Lewandowski, acrescentando que as Defen sorias Públicas têm contribuído para reduzir o grau de exclusão social, dando efetividade ao clireito constitucional do acesso à Justiça. Votaram com a rela tora, Ministra Rosa Weber, os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen L úcia, Dias Toffoli e o presidente, Ministro Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Mar co Aurélio''. Cu111pre observar que no âmbito dos estados a iniciativa de emen da à constituição estadual tem de seguir a regra de iniciativa privativa ou re servada, como ficou consignado no volto da relatora, Ministra Rosa \.Yeber, no julgamento em questão. I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; Trata-se neste caso de ato coletivo, que exige aprovação de um terço, no 111í niI110, dos membros de cada casa legislativa, condição cujo escopo é dificultar a proliferação de emendas à Constituição. Conforme dispõe o art. 212 do Re gimento Interno do Senado Federal, a tramitação de EC poderá ser iniciada nesta casa legislativa quando proposta por no mínimo um terço dos seus mem bros ou por mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Fede ração (art. 60, III, da CF). O interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, pelo menos, cinco dias úteis (art. 362 do regimento interno do Senado). Aprovada sem emendas, a proposta será remetida à Câmara dos Deputados; emendada, será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidada nia, que terá o prazo de três dias para oferecer a redação final (art. 365 do Re gimento Interno do Senado). Por sua vez, a Câmara apreciará proposta de emen da à Constituição apresentada: pela terça parte, no mínimo, dos Deputados; pelo Senado Federal; pelo Presidente da República; ou por mais da metade das assembleias legislativas, manifestando-se cada uma delas pela maioria de seus membros (art. 201, I, do Regimento Interno da Câmara). O rito a ser observa do, no tocante ao proceclimento relativo a emendas constitucionais na Câma ra dos Deputados, é explicitado no art. 202 do seu regimento, aplicável tam bém no caso de emendas originadas no Senado Federal.
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II - do Presidente da República; A proposta de emenda apresentada pelo Presidente da República (ato sim ples porque emanado de un, único legitunado) terá início, obrigatoriamente, na Câmara dos Deputados, conforme o inciso I do art. 201 do regimento in terno da referida casa legislativa. III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. No caso de proposta de emenda à Constituição feita por iniciativa das as sembleias legislativas, o processo poderá ter início perante qualquer uma das casas do Congresso Nacional; é o que se depreende da conjugação dos Regi mentos da Câmara e do Senado. No âmbito do Senado, essa matéria é discipli nada no Regimento pelo art. 212, caput, dispondo que "Poderão ter tramita ção iniciada no Senado propostas de emenda à Constituição de iniciativa:[ ... ] II - de mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federa ção[ ... ]': Veja também o art. 201, I, do Regimento Interno da Cfünara, que, igualinente, trata de proposta de emenda à Constituição, que deve ser "apre sentada pela terça parte, no mínuno, dos Deputados; pelo Senado Federal; pelo Presidente da República; ou por mais da metade das Assembleias Legislativas, manifestando-se cada uma pela maioria de seus membros': Como já ressalta do,em qualquer das Casas do Congresso poderá ter início a proposta de emen da à Constituição apresentada pelas assembleias estaduais. O quorum de maio ria relativa (siJ11ples) consiste na maioria dos presentes à sessão (quorum para deliberação - votação da proposta), desde que presentes os parlamentares que representem a maioria dos membros ( esta última condição,portanto,determi na o quorum exigido para abertura da sessão legislativa). § 1 ° A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Este dispositivo impõe ao poder reformador (constituinte derivado) uma li mitação circunstancial para a elaboração das emendas à Constituição; o propó sito é evitar modificações na Constituiç,10 em períodos de anormalidade social ou política (na vigência de estado de sítio, de estado de defesa ou de interven ção federal). Assim, ao lado das limitações formais (referentes ao processo legis lativo, art. 60, I, II e III,§§ 20, 3° e 5°) e materiais (cláusulas pétreas, art. 60, § 4°), as limitações circunstanciais integram a categoria das limitações ex-pressas no texto constitucional. Observa-se, por último, que não se podem confundir
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as limitações circunstanciais de que trata este§ l 0, ora comentado, com as cha madas limitações temporais, cujo escopo é impedir alterações no texto constitu cional por determinado lapso temporal. Essa regra foi descartada no Br asil des de a Constituição Republicana de 1891 (figurou apenas na Constituição do Império de 1824). Do mesmo modo, não se pode confundir, também, a limita ção temporal mencionada com a revisão constitucional realizada após cinco anos, contados a partir da promulgação da Constituição, prevista no art. 3° do ADCT. § 2° A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Esta regra consagra o princípio da rigidez constitucional quanto à delibera ção parlamentar na votação de emendas à Constituição. Desse modo, o texto constitucional estabelece quorum especial para aprovação de emendas (três quintos dos membros das casas do Congresso: 302 deputados e 49 senadores art. 60,§ 2°, da CF) e, ainda, exige dupla votação em cada Casa Legislativa. As sim, a EC tramitará em dois turnos em cada uma das casas, procedimento este que dificulta ainda mais o processo de alteração do texto constitucional. Ob serva-se que, diferentemente da Constituição anterior, o qual previa discussão e votação da emenda em sessão unindo as duas casas, o parágrafo em questão estabelece que elas atuem separadamente. § 3° A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo nú1nero de ordem. Trata-se da fase c01nple1nentar do processo de elaboração das e1nendas à Constituição. Se aprovada, ao contrário do projeto de lei, a emenda à Consti tuição não dependerá da sanção do Presidente da República, tampouco estará sujeita a veto, sendo promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e indicada por seu respectivo número de ordem. § 4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: Lida-se aqui com o núcleo expressamente inalterável da Constituição, que consiste nos limites materiais ao poder de reforma. O constituinte originário determinou a exclusão de certas matérias do campo de abrangência do poder de reforma, que são designadas pela doutrina como cláusulas pétreas, imutá veis por meio de emendas. Assim, o poder de reforma da Constituição, além
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de obedecer aos parâmetros expressos de ordem formal (referentes ao proces so legislativo, art. 60, I a III,§§ 2°, 3° e 5°) e aos limites circunstanciais (art. 60, § 1°, da CF), deve respeitar, também, no processo de elaboração de emendas à Constituição, as limitações materiais e>..1Jlícitas, de sorte que é inconstitucional a emenda ou a revisão que afronte direta ou indiretamente a estrutura desse núcleo, promovendo deliberação que vise a abolir ou restringir: a forma fede rativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; os direitos e garantias individuais. Cumpre observar, outrossim, que certas normas constitucionais, embora não estejam diretamente albergadas no rol das cláusulas imutáveis expressas neste§ 4°, são tidas pela doutrina e juris pn1dência do STF como cláusulas pétreas em decorrência da plenitude lógica do sistema constitucional; são limitações materiais decorrentes porque limi tam o poder de reforma por sua relação sistemática com as cláusulas pétreas. A Suprema Corte assentou que a regra prevista no art. 2° da Constituição é considerada cláusula pétrea com base no que foi estabelecido no § 4 ° do art. 60, do mesmo modo que todas as matérias elencadas no art. 5°. São li1nitações materiais explícitas, sob dois aspectos ( diretamente, por interpretação literal do texto, ou por interpretação sistemática), porquanto resultam do núcleo ex pressamente imodificável estabelecido pelo constituinte originário (Assembleia Nacional Constituinte). No julgamento da medida cautelar, na ADI n. 5.296, a relatora, Ministra Rosa Weber, acrescentou que, "a se entender incidente a cláusula da reserva de ini ciativa do Presidente da República sobre as propostas de emenda à Constitui ção, sua inobservância traduziria, também, afronta à separação de Poderes, in dependentemente do conteúdo 1naterial da emenda. O desequilíbrio estaria caracterizado pela ingerência de um poder constituído no terreno exclusivo de outro - o Executivo. Por outro lado, afastada a emenda constitucional do âm bito de incidência da cláusula de reserva de iniciativa legislativa, ainda se lhe impõem os limites materiais do art. 60,§ 4°, da CF. Assim, seria necessário ana lisar a EC n. 74/2013 à luz desse postulado. A respeito, reputou que o§ 2° do art. 13 4 da CF, introduzido pela EC n. 45/2004, deveria ser também verificado sob esse aspecto. No ponto, a legitimidade da EC n. 45/2004, no que assegura autonomia às Defensorias Públicas estaduais, estaria respaldada pela jurisprudên cia do STF, embora ainda não tivesse sido objeto de análise específica. Pontuou, entretanto, que o art. 60,§ 4°, da CF, não veda ao poder constituinte derivado o aprimoramento do desenho institucional de entes com sede na Constituição. Esta, ressalvada a imutabilidade das cláusulas pétreas, consagra, mormente por meio das emendas constitucionais, abertura dinâmica ao redesenho das insti tuições, com vista a seu aperfeiçoamento, desde que observadas, no processo, as garantias constitucionais voltadas a impedir a deturpação do próprio me canismo e a preservar a essência constitucional. No caso, sob esse enfoque, a
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concessão de autonon1ia às Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e estaduais não pareceria incompatível com a ordem constitucional. Pelo contrá rio, essa medida seria tendente ao aperfeiçoamento do próprio sistema demo crático. Nesse contexto, a assistência jurídica aos hipossuficientes seria direito fundamental, na linha do amplo acesso à justiça. Além disso, essa arquitetura institucional encontraria respaldo em práticas recomendadas pela comm1ida de jurídica internacional, a exemplo do estabelecido na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Sublinhou, ainda, que o art. 127, § 2°, da CF, assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa. Esclareceu, entretanto, que nem sempre seriam legítimas alterações de outra ordem ou em outros segmentos. Seria indispensável o exame de cada caso, em face do art. 60, § 4°, III, da CF. Seria certo, porém, que as atribuições da Defen soria Pública não teriam vinculação direta com a essência da atividade execu tiva. Por fim, a relatora apontou a ausência de periculum in mora, tendo em vis ta o ajuizamento da ação decorrido mais de um ano da promulgação da EC n. 74/2013. Além disso, o apontado risco de lesão aos cofres públicos não teria re laç,'ío direta com a emenda" (STF, Informativo n. 802). I - a forma federativa de Estado; Este inciso consagra a ideia de Estado federal indissolúvel (art. 1° da CF), cujo escopo é manter a autono1nia dos entes federados (a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios - art. 18 da CF) mediante um desenvolvimen to harmonioso entre eles, no âmbito da organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. Para tanto, os Estados e os Municípios tiveram suas competências ampliadas no atual texto constitucional, notadamente pela ca pacidade de auto-organização, de autoadministração, de autogoverno e pela competência legislativa, com repartição das atribuições e igualdade de repre sentação entre os estados no Senado Federal. Assün, a forma federativa de Es tado encontra-se albergada no rol das cláusulas imutáveis, não sendo admiti da, por consequência, nenhuma proposição de emenda que retire dos entes federados qualquer parcela de suas atribuições constitucionais. Cabe, porém, a observação sobre o tema firmada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, se gundo o qual a proposta de emenda não poderá suprimir a federação, estabe lecendo em seu lugar um Estado unitário descentralizado, como era o Brasil no Império, ou uma organização de Estado regional, como a da Espanha na Constituição de 1978, mas poderá reequacionar a estrutura federativa, alteran do a repartição da competência e a distribuição de renda, por exemplo, ainda que jamais possa eliminar a autonomia dos Estados, pois nesse caso estaria abo lindo a Federação.
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II - o voto direto, secreto, universal e periódico; O dispositivo em questão consagra os direitos poüticos do cidadão, sendo corolário do princípio constitucional da sobera1úa popular e da democracia como direitos inalienáveis e insuscetíveis de alteração por meio de emendas à Constituição ("A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igu al para todos, e, nos termos da lei, median te: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular" - art. 14 da CF). III - a separação dos Poderes; A independência ou separação dos Poderes, base do sistema presidencialis ta, em que cada Poder tem esfera de atuação própria, pressupõe partilha cons titucional de competências, relacionamento harmonioso, independência de or ganização e funcionamento, inacumulabilidade de funções e não delegação de atribuições. Desse modo, as exceções a esses pressupostos, expressas constitu cionalmente ou não, buscam, acima de tudo, estabelecer o chamado sistema de "freios e contrapesos", base da doutrina de poderes moderados (separação dos Poderes), e possibilitar que os poderes poüticos mantenham-se em harmonia (Anna Candida da Cunha Ferraz). Com efeito, o texto constitucional eleva esse princípio à categoria expressa de cláusula intocável pelo poder derivado de re forma constitucional (Congresso Nacional). Isso demonstra a importância que o Constituinte dispensou a esse princípio. Por sua vez, as normas que tratam do exercício do poder político não podem ser substancialmente alteradas, ain da que não estejam inseridas diretamente no rol das cláusulas pétreas. São exem plos na Constituição: o presidencialismo, como forma essencial do exercício do poder; o pluripartidarismo; e o sistema republicano, inalterável desde o ple biscito realizado em 1993 etc. IV - os direitos e garantias individuais. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma ser a expressão direitos e garantias equivalente a direitos e garantias fundamentais; ela abrange também os direi tos sociais, que, desse modo, não podem ser suprimidos do texto constitucio nal. Nesse mesmo sentido, o STF entendeu que, em decorrência da regra inser ta no§ 4°, inciso IV, do art. 60, ora abordado, e de urna interpretação sistemática do texto constitucional, os direitos individuais, sociais, de nacionalidade e po líticos seriam explicitamente (diretamente ou por decorrência) inalteráveis, por quanto os direitos sociais, políticos e de nacionalidade são essenciais para o exer cício válido e eficaz dos direitos individuais e, como consequência lógica, inalteráveis por meio de emendas à Constituição. Oportuno observar que no
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Brasil não há consenso entre os estudiosos do direito constitucional sobre a sis tematização dos direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988: para alguns são os estabelecidos em todas as normas da Constituição; para ou tros, são direitos fundamentais tão somente aqueles estabelecidos no art. 5° da CF. Sobre o tema, compartilhamos da opinião de André Ramos Tavares, que, em relaç.'io aos direitos fundamentais, ressalta: "são todos aqueles preceitos ex pressos na Constituição e todos aqueles ligados à ideia central desta, embora não expressamente consignados. É a noção de preceitos que derivam direta e indiretamente (ou implicitamente) da Constituição': Desse modo, verifica-se que no sistema jurídico brasileiro as normas consagradoras de direitos funda mentais não estão, obrigatoriamente, estabelecidas segundo um padrão siste mático, em razão de que uma sistematização rigorosa dessas normas poderia implicar a limitação de outras possibilidades do exercício dos direitos, garan tias e liberdades fundamentais. Tal precaução é explicitada no texto constitu cional, art. 5°, § 2 °: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte': § 5 ° A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legis lativa. Este dispositivo contempla uma limitação formal (expressa) ao poder de re forma constitucional. Contudo, a Constituição deixa a regulamentação dessa disciplina para as normas regimentais das casas do Congresso Nacional, de mo do que, no âmbito dos respectivos regimentos, considera-se prejudicada a pro posição idêntica a outra aprovada ou rejeitada na mesma sessão legislativa, aquela que tiver substitutivo aprovado ou for semelhante a outra considerada inconstitucional, aquela cujo objeto perdeu a oportunidade etc. (arts. 163 e 164 do Regimento Interno da Câmara). O arquivamento ocorre por sugestão da comissão competente (art. 57, IV, do Regimento); quando todas as comissões de mérito dão parecer contrário (art. 133 do Regimento); ao fi.m da legislatu ra (art. 105, caput). Por fim, observa-se que a sessão legislativa corresponde ao período anual em que deve estar reunido o Congresso Nacional para os traba lhos legislativos, indo de 2 de fevereiro a 22 de dezembro. Divide-se em dois períodos legislativos: o primeiro vai de 2 de fevereiro até 17 de julho e o segun do tem início em 1° de agosto, terminando em 22 de dezembro (art 57, caput, da CF). Já a legislatura (que tem duração diversa em relação à sessão legislati va) perdura por quatro anos e corresponde ao período que vai do início do mandato dos membros da Câmara dos Deputados até seu término (art. 44, pa rágrafo único, da CF). Quanto ao Senado, essa regra não se aplica em razão da
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renovação apenas parcial dos seus membros a cada quatro anos (art. 46, § 2°, da CF). Esse tema foi levado ao STF por parlamentares da oposição, em man dado de segurança, contra tramitação da PEC sobre reforma política com o ob jetivo de suspender a tramitação da PEC n. 182/2007, que visa a promover al terações nos sistemas político e eleitoral. Conforme noticiado no site da Corte: "os deputados sustentam que a Emenda Aglutinativa n. 28, que permite aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou de bens estimá veis em dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas, permitindo aos candidatos uni camente o recebimento de doações de pessoas físicas, seria semelhante a outra proposta de emenda constitucional rejeitada wn dia antes de sua aprovação. Segundo o MS, a votação da segunda proposta representaria violação do devi do processo legislativo, pois a Constituição Federal veda a apreciação de emen das constitucionais sobre o mesmo tema durante a mesma sessão legislativa': Em relação à alegada violaç,'io do art. 60, § 5°, da CF (impossibilidade de apre ciação de proposta de emenda rejeitada na mesma sessão legislativa), a relato ra observou que os autores do MS abordam a questão sob uma perspectiva es tática, sustentando a inconstitucionalidade a partir da comparação literal entre duas proposições normativas. Apesar de as duas emendas aglutinativas fundi rem elementos das mesmas duas propostas originais, a Ministra Rosa Weber explicou que a visão dinâmica do processo legislativo, em oposiç,'io à perspec tiva estática da comparação simples de dois textos, "concede amparo, em juízo de delibação, à votação de propostas em ordem de generalidade, da maior para a menor, demonstrada a ausência de identidade absoluta entre elas". No refe rido MS, a autoridade tida por coatora, Presidente da Câmara, "manifestou-se no sentido da total ünprocedência das alegações da inicial, porque edificada sobre pre1nissa equivocada. Após le1nbrar os conceitos de emenda e de emen da aglutinativa, consoante o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, afirmou rotineiro o procedimento por meio do qual a votação é iniciada a par tir da e1nenda aglutinativa mais ampla, passando-se às de conteúdo mais es treito em caso de rejeição daquela, com amparo no art. 163, VI, do RICD, que prevê a prejudicialidade apenas das emendas idênticas à aprovada ou rejeita da anteriormente" (STF/Notícias, 17.06.2015). Subseção Ili Das Leis
Os projetos de lei têm seu procedimento legislativo iniciado na Câmara dos Deputados (arts. 61, § 2°, e 64 da CF), exceto as proposições apresentadas por Senador ou comissão do Senado, as medidas provisórias e projetos de leis fi nanceiras. Na elaboração das leis ordinárias ( excluídas as leis financeiras e os códigos) e complementares, eles têm lugar nas comissões permanentes e no
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plenário de cada uma das casas legislativas. Quanto à votação, os projetos de lei ordinária sujeitam-se, em regra, a turno único de discussão e votação; os de lei com plementar, a dois turnos, salvo quando tenham passado à casa revisora. Encer rada a discussão e cumpridos todos os prazos e interstícios cabíveis, o projeto será votado. Para aprovação dos projetos de lei ordinária exige-se maioria sim ples (significa a maioria dos membros presentes) - desde que presente a maio ria absoluta de seus membros (quorum de abertura, art. 47 da CF): 253 Deputa dos na Câmara dos Deputados e 42 Senadores no Senado Federal. Tratando-se de projeto de lei complementar, o quorum exigido para aprovação é o da maio ria absoluta dos votos dos membros da casa onde estiver no momento da vo tação, ou seja, metade mais um. Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. A iniciativa é o ato pelo qual se deflagra o processo legislativo, ou seja, a com petência atribtúda pela Constituição a determinados agentes políticos, a certos órgãos e aos cidadãos para que apresentem projetos de lei para a deliberação da casa legislativa destinatária. Pode ser conferida concorrentemente a mais de uma pessoa ou outorgada de forma exclusiva a mn órgão ou representante. Desse modo, a iniciativa comum (ou concorrente) é aquela atribuída ao Pre sidente da República, a qualquer Deputado ou Senador, a qualquer comissão de qualquer uma das casas do Congresso e aos cidadãos (iniciativa popular). A modalidade de iniciativa deno1ninada exclusiva (ou reservada) consiste na outorga de iniciativa referente à legislação sobre certas matérias, privativamen te, a certos órgãos (ou seus representantes): a iniciativa privativa do Presiden te da República (art. 61, § 1°, da CF); a iniciativa reservada à Câmara dos De putados e ao Senado Federal quanto aos projetos de lei de organização de seus serviços administrativos (arts. 51, IV, e 52, XIII, respectivamente, da CF); a ini ciativa reservada aos tribunais para que proponham a criação de novas varas judiciárias; a competência privativa do STF e dos tribunais superiores para que proponham a criação ou a extinção dos tribunais inferiores, a criação e a ex tinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros, inclusive dos tri bunais inferiores, a remuneração dos serviços auxiliares e dos jtúzos que lhes forem vinculados, a alteração da organização e da divisão judiciária (art. 96, I, d, e II, da CF). O ST F é detentor, ainda, de iniciativa de lei complementar para dispor sobre o Estatuto da Magistratura (art. 93 da CF). A Constituição atri bui competência exclusiva ao Ministério Público para iniciativa de projeto de
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lei que cuide da criação ou extinção de seus cargos ou de seus serviços auxilia res (art. 1 27, § 2°, da CP). Finalmente, nota-se que o texto constitucional esta belece uma forma de iniciativa vinculada, ou seja, a apresentação do projeto é obrigatória (o chefe do Executivo federal deve enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e o projeto de or çamentos, previstos no art. 165 da Constituição). Importante questão que vem sendo enfrentada no âmbito do STF é no sen tido de se definir se as emendas à CF estão sujeitas às cláusulas de reserva de iniciativa previstas no art.61 da CF, conforme noticiado no site da Corte, no julgamento de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.296, ajuizada pela Presidente da República contra a Emenda Constitucio nal (EC) n.74/2013, que estendeu às Defensorias Públicas da União e do Dis trito Federal autonomia funcional e administrativa conferida às Defensorias Públicas estaduais. A ADI sustenta que a emenda, de origem parlamentar, te ria vício de iniciativa, pois apenas o chefe do Poder Executivo poderia propor alteração no regune jurídico dos servidores públicos. O STF, em 18.05.2016, por maioria e nos termos do voto da Relatora, inde feriu o pedido de medida cautelar, vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Mar co Aurélio, que o deferiam. A relatora, Ministra Rosa Weber, consignou que "os limites fonnais ao Poder Constituinte derivado são os inscritos no art.60 da CF, segundo o qual a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Se nado Federal; b) do Presidente da República; ou c) de mais da metade das as sembleias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Já a iniciativa privativa de leis so bre determinadas matérias é assegurada, no plano federal, ao Presidente da Re pública, ao STF, aos tribunais superiores e ao Procurador-Geral da República. Não haveria, portanto, identidade entre o rol dos legitimados para a proposi tura de emenda à Constituição e o dos atores aos quais reservada a iniciativa legislativa sobre detern1inada matéria. Seria, pois, insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CP, à leitura conjunta desse dispositivo com o art. 61, § l 0, que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presi dência da República. Do contrário, as matérias cuja iniciativa legislativa é re servada ao STF, aos tribunais superiores ou ao Procurador-Geral da Repúbli ca não poderiam ser objeto de emenda constitucional. De u111 lado, nenhum daqueles legitimados figura no rol do art. 60 da CF e, de outro, nenhum dos relacionados no mesmo dispositivo poderia propor emenda sobre essas maté rias. Observou a existência de diversas emendas constitucionais em vigor, cuja constitucionalidade poderia ser legitimamente desafiada, caso prevalecesse a tese da aplicação, às propostas de emenda, das cláusulas que reservam ao Exe-
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cutivo e ao Judiciário a iniciativa legislativa sobre certos temas. No caso da EC n. 74/2013, frisou que o preceito por ela introduzido diria respeito à Defenso ria Pública como instituição, e não ao regime jurídico de seus integrantes. Ain da que, indiretamente, em momento posterior, alteração dessa natureza pudes se refletir no regime jurídico citado, a EC n. 74/2013 não teria como objeto o reconhecimento de vantagens funcionais, sequer equivaleria a norma dessa na tureza. Nesse contexto, estaria ausente o fumus boni iuris necessário à conces são da cautelar" (MC na ADI n. 5.296/DF, rei. Min. Rosa Weber, 08.10.2015) (STF, Informativo n. 802). § 1° São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: Essa iniciativa é reservada (ou exclusiva) e compreende a propositura pelo Presidente da República de projetos de leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos da administração direta e autárqtúca ou aumento de remttneração; os servidores públicos da União, seu regime jurídi co, o provimento de cargos, a estabilidade e aposentadoria; a criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública. Poré1n, a EC n. 32, de 11.09.2001, reservou matérias à competência do Presidente da República vei culadas mediante decreto, ou seja, não serão enviadas como projetos de lei para o Congresso (art. 84, VI, a e b, da CF); essa nova disciplina no campo legislati vo é denmninada pela doutrina de decreto autônomo. Desse 1nodo, a extinç..'tinção de seus cargos e serviços auxiliares (art. 127,§ 2°, da CF). A iniciativa reservada, nesse caso, é corolário da autonomia da instituição ministerial. Contudo, há previsão cons titucional de iniciativa concorrente da Lei Orgânica do Ministério Público da União e dos Estados (art. 128,§§ 2° e 5°, da CF). d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no a rt. 167,§ 3°; Alfneo acrescentado pelo EC n. 32, de 11.09.2001.
O referido§ 3° do art. 167 dispõe que: "A abertura de crédito extraordiná rio somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, ob servado o disposto no art. 62". Portanto, as matérias elencadas nesta alínea, res salvada a exceção apontada, são insuscetíveis de tratamento por medida pro visória, tendo em vista que o texto constitucional exige expressamente que sejam administradas por lei de iniciativa exclusiva do Poder Executivo (art. 165 da CF), com observância do devido processo legislativo. Conforme noticiado no site do STF, em 02.05.2016, "foi suspenso crédito extraordinário para publi cidade da Presidência da República. O Ministro Gilmar Mendes concedeu li minar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.513, ajuizada pelo partido Solidariedade (SD), para suspender parcialmente a vigência da MP n. 722/2016, apenas na parte em que abre crédito extraordinário em favor da Pre sidência da República, sob as rubricas Comunicação Institucional (R$ 85 mi lhões) e Publicidade de Utilidade Pública (R$ 15 milhões). A decisão será sub metida a referendo pelo Plenário. Em uma análise preliminar, o relator afirmou que esses créditos desrespeitam o art. 167,§ 3°, da CF. O dispositivo prevê que a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a des pesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção inter na ou calamidade pública". Segundo o Ministro Gilmar Mendes, "nada está a indicar que essas sejam, de fato, despesas imprevisíveis e urgentes. São despe-
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sas ordinárias. Certamente, não se pode dizer que os gastos com publicidade, por mais importantes que possam parecer ao Governo no quadro atual, sejam equiparáveis às despesas decorrentes de guerra, comoção interna ou calamida de pública, que compõem o parâmetro estabelecido no art. 167, § 3°, da Cons tituição': De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI n. 4.048, o STF assentou que os requisitos para edição de medida provisória para abertura de crédito extraordinário são mais estreitos do que os necessários para a generalidade das MPs. "A Constituição deu maior densidade normativa aos pressupostos e reduziu a margem de discricionariedade do chefe do Executivo nessa hipótese." II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; Inciso acrescentado pela EC n. 32, de 7 I.09.200 7.
Este dispositivo tem por finalidade evitar a adoção de medida provisória em relação à matéria de ordem econômica que possa vir a desestabilizar a econo mia interna do país, protegendo, desse modo, o cidadão da edição dos famo sos pacotes econômicos, tão utilizados no passado recente do Brasil. O exemplo de maior repercussão desse expediente foi o chamado Plano Collor, lançado em 1990 no governo Fernando Collor, quando se determinou, por meio da MP n. 168, o bloqueio da liquidez no país (havendo o confisco da maior parte dos valores contidos nas cadernetas de poupança existentes à época), cujo objeti vo era a derrubada da inflação. Porém, o resultado foi desastroso, provocando a quebra de inúmeras empresas e dificuldades financeiras para as pessoas que tinham dinheiro aplicado na poupança. III - reservada a lei complementar; Inciso acrescentado pelo EC n. 32, de 71.09.200 7.
O objeto de lei complementar será a matéria expressamente prevista na Cons tituição, com observância do quorum qualificado. As matérias albergadas pela lei complementar, apesar de sua importância, não poderiam ser tratadas no pró prio texto constitucional; no entanto, por serem temas relevantes, mereceriam um procedimento de elaboração legislativa diferenciado daquele dispensado à lei ordinária. Por esse processo de formação diferenciado, a lei complementar deve ser aprovada pela maioria absoluta de cada uma das Casas: Câmara dos Deputados e Senado Federal (253 Deputados e 42 Senadores). Portanto, é to talmente incompatível a natureza emergencial da medida provisória com o rito determinado pela Constituição para a elaboração da lei complementar. Contu do, antes da vedação expressa neste inciso, introduzida pela Emenda n.32/2001,
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parte da doutrina entendia cabível a edição de medida provisória em matéria reservada a lei complementar. IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. Inciso acrescentado pelo EC n. 32, de 11.09.2001. Esta vedação guarda harmonia com o princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que, se fosse dada permissão ao Presidente da República para que editasse medida provisória referente à matéria já deliberada pelo Poder Le gislativo, pendente apenas de sanção ou veto, estar-se-ia promovendo inter venção direta no devido processo legislativo. Assim, de modo coerente, o tex to constitucional traz, expressamente, essa vedação, pois, do contrário, seria um flagrante meio de supressão da competência atribuída ao Congresso Na cional no campo legislativo. § 2° Medida provisória que implique instituição ou majoração de im postos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 32, de 11.09.2001. Por essa regra, a medida provisória que implique a instituição ou majoraç..'to da medida provisória e designa comissão mista para estudá-la e emitir um parecer, conforme dispõe o art. 2° da Resolução n. 1/2002 do Congresso Nacional. Após essa fase preliminar, são examinados os pressupostos de constitucionalidade, a urgência, a relevância e a adequação financeira e orça1nentária, em consonância com o art. 5° da Re solução n. 1/2002 do Congresso Nacional. Se o Plenário da Câmara dos Depu tados ou do Senado Federal decidir que não há atendimento dos pressupostos constitucionais ou adequação financeira ou orçamentária por parte da medi da provisória, a consequência será seu arquivamento. § 6° Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subse quentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações le gislativas da Casa em que estiver tramitando. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001.
Este parágrafo disciplina a tramitação da medida provisória no âmbito do Congresso Nacional, impondo sua prevalência sobre quaisquer outras delibe rações, de modo que deve ser apreciada em até 45 dias a partir de sua publica ção. Caso não seja apreciada nesse prazo, entrará em regime de urgência, sub sequentemente (que significa inclusão automática para votação), em cada uma das casas do Congresso Nacional. A inércia da votação em relação ao mencio nado prazo implicará o sobrestamento (trancamento de pauta) das outras ma térias que aguardam a deliberação, na casa em que ela estiver tramitando, en quanto não se ultimar sua votação. Finalmente, observa-se que o art. 57 da
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Constituição, que trata das reuniões ordinárias do Congresso Nacional, dispõe em seus§§ 7° e 8° que o Congresso Nacional somente poderá deliberar sobre a matéria responsável pela convocação da sessão, além das medidas provisó rias vigentes à época da convocação, as quais serão incluídas, independente mente de qualquer providência. O ST F adotou interpretação mais flexível ao sobrestamento das deliberações legislativas, previsto neste§ 6°, conforme no ticiado no I11formativo n. 870 da Corte "em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança impetrado por parla mentares contra decisão do presidente da Câmara dos Deputados em questão de ordem. No ato coator, foi fixada a orientação de que a interpretação ade quada do art. 62,§ 6°, da CF implicaria o sobrestamento apenas dos projetos de lei ordinária, apesar de o dispositivo prever o sobrestamento de todas as de liberações legislativas da Casa em que estiver tramitando medida provisória que não seja apreciada em 45 dias ( v. Informativos ns. 572 e 770). O Colegiado entendeu que a interpretaç,'io emanada do presidente da Câmara dos Deputa dos reflete, com fidelidade, solução jurídica plenamente compatível com o mo delo teórico da separação de Poderes. Tal interpretação revela fórmula herme nêutica capaz de assegurar, por meio da preservação de adequada relação de equilíbrio entre instâncias governamentais (os Poderes Executivo e Legislati vo), a própria integridade da cláusula pertinente à divisão do poder. Nesse con texto, deu interpretação conforme ao§ 6° do art. 62 da CF, na redação resul tante da EC n. 32/2001, para, sem redução de texto, restringir-lhe a exegese. Assim, afastada qualquer outra possibilidade interpretativa, fixou-se entendi mento de que o regime de urgência previsto no referido dispositivo constitu cional - que impõe o sobrestamento das deliberações legislativas das Casas do Congresso Nacional - refere-se apenas às matérias passíveis de regramento por medida provisória. Excluem-se do bloqueio, em consequência, as propostas de emenda à Constituição e os projetos de lei complementar, de decreto legislati vo, de resolução e, até mesmo, de lei ordinária, desde que veiculem temas pré -excluídos do âmbito de incidência das medidas provisórias [CF, art. 62, § 1°, l, II e IV (2) ]" (MS n. 27.93 l/DF, rei. Min. Celso de Mello, j. 29.06.2017). § 7° Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de me elida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. Parógrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.200 /.
Cuida-se aqui da prorrogação do tempo de eficácia da medida provisória, com a possibilidade da dilatação de sua vigência, uma única vez, por igual pe ríodo. Do enunciado deste dispositivo depreende-se que a prorrogação se dá automaticamente, desde que a votação não tenha sido encerrada no prazo de
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sessenta dias nas duas casas legislativas; portanto, essa prorrogação independe de qualquer formalidade ou decisão do Legislativo, ou seja, decorre de impe rativo constitucional. § 8° As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001.
O processo de votação da medida provisória ocorrerá em sessão separada e não mais conjunta, como dispunha o texto constitucional modificado pela Emenda n. 32/2001, tendo início na Câmara dos Deputados e cabendo ao Sena do Federal o papel de casa revisora. No dia da publicação da medida provisó ria no Diário Oficial da União, o Presidente da República enviará o seu texto ao Congresso Nacional, acompanhado da respectiva mensagem e de documen to expondo a motivação do ato. Em seguida, a medida provisória, com o pare cer da comissão mista, será apreciada pelo plenário de cada uma das casas ( Câ mara e Senado). Cumpre ressaltar que qualquer alteração no texto da medida provisória implicará apresentação de projeto de lei de conversão. § 9° Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as me didas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de c ada uma das Casas do Congresso Nacional. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001.
O texto constitucional não trata de como a comissão n1ista procederá para a elaboração do parecer mencionado, sendo essa matéria disciplinada pela Re solução n. 1/2002, do Congresso Nacional. Esta dispõe que os trabalhos da co missão mista serão iniciados com a presença de, no mínimo, un1 terço dos membros de cada uma das Casas. As deliberações serão tomadas por maioria de votos, desde que presente a maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas, conforme previsto no§ 6° do art. 4°. Determina, ainda, o art. 5° da mes ma Resolução que a comissão terá o prazo improrrogável de quatorze dias, contado da publicação da medida provisória no Diário Oficial da União, para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucionais, inclusive sobre os pressupostos de rele vâ11cia e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária e quan to ao cumprimento da exigência prevista no§ 1° do art. 2° da referida Resolu ção (apresentação da mensagem e da motivação do texto enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional). Ainda que a comissão conclua que não há atendimento dos requisitos constitucionais ou adequação financeira ou or çamentária, deverá pronunciar-se sobre o mérito da medida provisória.
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O STF declarou a inconstitucionalidade incidental de dispositivos da Reso lução n. 1/2002 do Congresso Nacional, que trata do rito das medidas provi sórias. Conforme noticiado no site da Corte, "o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 07 de março de 2012, declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 1 l.516/2007, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Bio diversidade (ICMBio), mas deu um prazo de dois anos para que o Congresso Nacional edite nova lei para garantir a continuidade da autarquia. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4.029, ajuizada na Corte pela Associação Nacional dos Servidores do lbama. [ ... ] Os ministros entenderam que a tramitação da MP n. 366/2007, que deu origem à Lei n. 11.516/2007, não respeitou a tramitação legislativa prevista na ConstitLúção Federal" (disponível em: www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDe talhe.asp?idConteudo=202057&caixaBusca=N). Em acolhimento de uma ques tão de ordem levantada pela AGU na ADI n. 4.029, o Plenário modificou a pro clamação da decisão e declarou a inconstitucionalidade incidental dos arts. 5 °, caput, e 6°, §§ 1° e 2°, da Resolução n. 1/2002 do Congresso Nacional, que não enquadraram o rito de tramitação das medidas provisórias nos exatos termos previstos pela Constituição. Assim, a partir da decisão tomada em 08.03.2012, as novas medidas provisórias que vierem a ser encaminhadas pelo Poder Exe cutivo ao Congresso Nacional terão de observar, em sua trainitação, o rito pre visto pela CF em seu art. 62, § 9° , isto é, deverão ser obrigatoriamente aprecia das por uma comissão integrada por deputados e senadores, não podendo mais ser apreciadas pelo Parlamento apenas com parecer do relator, quando esgota do o prazo para sua apreciação pela c01nissão mista. A decisão do STF, entre tanto, não alcança as medidas provisórias já convertidas em lei e as que estão em tramitação no Legislativo, conforme noticiado no site da Corte. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida pro visória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001 A sessão legislativa é o período anual de reunião do Congresso Nacional para os trabalhos legislativos. Vai de 2 de fevereiro a 22 de dezembro de cada ano. Divide-se em dois períodos legislativos: o primeiro vai de 2 de fevereiro até 17 de julho; o segundo tem início em I O de agosto e termina em 22 de dezembro. A vedação imposta neste dispositivo significa que uma medida provisória não poderá ser reeditada (o Presidente da República não poderá adotar renovada medida provisória) quando se reproduzir a disciplina jurídica versada em me dida provisória anteriormente rejeitada, ou seja, quando se reproduzir total ou parcialmente o conteúdo jurídico (objeto) da medida provisória tida por re-
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jeitada na mesma sessão legislativa (não se deve confundir a vedação aqui tra tada com a reedição da mesma medida provisória promovida a cada trinta dias pelo Presidente da República, como era previsto no regime anterior à EC n. 32/2001). A rejeição pode ser: expressa, quando não atende aos pressupostos de constitucionalidade de urgência e relevância, bem como quando não há ade quação financeira e orçamentária; ou tácita, caracterizada pela perda da eficá cia por decurso de prazo. Este, por sua vez, pode ocorrer em duas situações: a primeira surge se o Congresso Nacional não apreciar a medida provisória no prazo de sessenta dias. A segunda hipótese se dará quando, após a prorrogação da vigência da medida provisória (por mais sessenta dias, conforme a regra prevista no§ 3° do art. 62), o Congresso não venha a apreciá-la; a rejeição será definitiva, de modo que as relações jurídicas dela decorrentes serão reguladas pelo Congresso Nacional mediante decreto legislativo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o§ 3° até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigên cia conservar-se-ão por ela regidas. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001.
Este dispositivo tem como escopo resguardar a segurança das relações jurídi cas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medi da provisória tida por rejeitada. Isso sig1úfica que, ainda que essa espécie norma tiva emergencial seja rejeitada, expressa ou tacitamente, após sua edição pelo Executivo, produzirá efeitos no mundo jurídico. Os fatos ocorridos na sua vigên cia (e por ela alcançados), diante da inércia do Congresso Nacional quanto à edição de decreto legislativo para discipliná-los, serão regidos de acordo com a forma estipulada no texto da medida provisória rejeitada. Cumpre observar, contudo, que, nos termos do art. 2° da EC n. 32/2001, permanecerão em vigor indefinidamente as medidas provisórias editadas em data anterior à publica ção da referida Emenda, até que medida provisória ulterior as revogue expli citamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional nesse sentido. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. Parágrafo acrescentado pela EC n. 32, de 11.09.2001.
Observa-se, inicialmente, que, se o texto da medida provisória for aprova do conforme editado pelo Presidente da República, ou seja, sem alteração de mérito, o Presidente do Congresso Nacional o promulgará para publicação,
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como lei, no Diário Oficial da União (art. 12 da Resolução n. 1/2002 do Con gresso Nacional). Porém, se o Legislativo propuser modificação do texto (emen das parlamentares: aditivas, modificativas ou supressivas), será originado um projeto de lei de conversão, que, se aprovado, será submetido à sanção ou ao veto presidencial. O período de sanção é de quinze dias úteis (art. 66, § 1°, da CF), permanecendo em vigor no referido período o texto original da medida provisória, qual seja, aquele que foi enviado inicialmente pelo chefe do Exe cutivo. Desse modo, se a medida provisória for emendada, terá natureza de projeto de lei de conversão, sendo que seu texto original continuará vigendo até que o Presidente da República aprecie o referido projeto. Finalmente, ve rifica-se que, em razão das alterações introduzidas no texto original da me dida provisória, deverá o Congresso Nacional editar decreto legislativo disci plinando as relações jurídicas decorrentes da parte modificada, ocorrendo o mesmo se o Presidente da República decidir pelo veto, total ou parcial. O tema foi destaque no site do STF, em 13.06.2012: "o ministro Luiz Fux arquivou {não conheceu) o Mandado de Segurança (MS n. 31.397) impetra do no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida provisória (MP n. 571) que altera o Código Florestal.[... ) Editada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, a MP n. 571 complementou o novo Código Florestal e foi pu blicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 28 de maio deste ano. [ ... ) Para o ministro Fux, a edição da medida provisória não impede que o Con gresso Nacional aprecie os vetos da presidenta. Por outro lado, ele afirmou que, ao alterar dispositivos sancionados por Dilma Rousseff, a MP somente suspendeu a eficácia deles, sem revogá-los. 'Caberá ao próprio Congresso Na cional, quando da deliberação da MP, o juízo decisivo de saber se haverá ou não a revogação dos preceitos sancionados no PL n. 1.876/1999. Nesta oca sião, o Congresso Nacional examinará tanto os pressupostos de edição - re levância e urgência - quanto a oportunidade e conveniência da sua conver são em lei ou da rejeição da MP', ponderou o ministro. 'Essa decisão é atribuída soberanamente ao Congresso Nacional', disse. O ministro acrescentou que os preceitos vetados por Dilma Rousseff não ingressaram no ordenamento jurídico e, portanto, não produzem efeito. Conforme explicou, cabe ao Con gresso deliberar sobre o veto da presidenta, e isso não impede que ela edite uma MP regulando o tema, desde que os pressupostos constitucionais sejam respeitados. Ele advertiu que o controle político do cumprimento desses pres supostos cabe ao Congresso Nacional". Quanto ao controle de constitucio nalidade, o STF assentou que "modificações significativas introduzidas no procedimento de conversão legislativa de medida provisória em lei configu ram hipótese de prejudicialidade de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e consequente extinção do processo sem resolução do mérito. Essa foi a decisão do Ministro Luiz Fux na ADI n. 5.313, impetrada pelo Fórum Na-
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cional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate) contra dispo sitivos da MP n. 664/2014, posteriormente convertida na Lei n. 13.135/2015, que altera mecanismos de leis que disciplinam benefícios previdenciários e trabalhistas. Em recentes decisões, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem assentado que quando a ADI se volta contra medida provisória, em caso de superveniente conversão em lei e preservado seu teor normativo, deve ser adi tada a petição inicial, sob pena de extinção da ação por sua prejudicialidade". Noticiado no site do STF em 14.10.2015. A rt. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: Esta regra veda a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares (limitação ao poder de emendar) que visem ao aumento de despesas nos pro jetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, §§ 3° e 4°, além dos projetos sobre organização dos serviços adnu nistrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos tribunais fede rais e do Ministério Público. Cumpre esclarecer que a emenda parlamentar é a proposição apresentada como acessória ao projeto de lei. Pode ser supressiva, aglutinativa, substitutiva, modificativa ou aditiva. No julga1nento da ADI n. 4.759, o STF reafirmou "a obrigatoriedade de os entes federados observarem a separação de Poderes, inclusive quanto às regras específicas de processo legis lativo". No referido julgamento, o Ministro Celso de Mello destacou "que a Constituição ad1nitiria a possibilidade de emenda independentemente da ex clusividade de iniciativa, desde que dela não resultasse aumento de despesa. ADI n. 4.759 MC/BA, rei. Min. Marco Aurélio, 05.02.2014 (ADI-4.759)" (In formativo do STFn. 734). I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, res salvado o disposto no art. 166, §§ 3° e 4° ; O presente dispositivo visa a resguardar a independência dos poderes da Re pública e a harmonia entre eles, com a proibição de aumento de despesas, por meio de emendas parlamentares, nos projetos de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo. Porém, o texto constitucional prevê exceção quando a matéria tratada no projeto de lei disser respeito ao plano plurianual, às diretrizes orça mentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais. Para tanto, estabele ce que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias; TI - indiquem como obter os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas, excluídas as que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus en-
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cargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou lll - sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei (art. 166,§ 3°, da CF). Já o§ 4° do art. 166 dispõe que as emendas ao pro jeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando in compatíveis com o plano plurianual. Ressalta-se,por ser oportuno,que o mo delo orçamentário brasileiro tem início com a elaboração da lei orçamentária anual pelo Executivo, cabendo ao Legislativo emendá-la desde que efetuada dentro de limites estabelecidos no próprio texto constitucional. As emendas parlamentares que alteram tais projetos podem ser propostas após sua remes sa à comissão mista permanente de Deputados e Senadores (no caso específi co de orçamento da União). A posição do STF é no sentido de que é possível emenda parlamentar a projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, desde que haja pertinência temática e não acarrete aumento de des pesas, conforme ficou assentado no julgamento da ADI n. 5.087 MC/DF, rei. Min. Teori Zavascki,j. 27.08.2014. II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público. A impossibilidade quanto à apresentação de emenda parlamentar que im plique amnento de despesa nas matérias arroladas neste inciso é absoluta, não se admitindo nenhmna exceção. Esta vedação pennite o controle sobre os re cursos públicos e o equilíbrio orçamentário da União. Vale lembrar,ainda,que a Constituição reserva aos tribunais a iniciativa de propor a criação de novas varas judiciárias; atribui, também, competência privativa ao STF e aos tribu nais superiores para que proponham a criação ou a extinção dos tribunais in feriores, a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros,inclusive dos tribunais inferiores,a remuneração dos serviços auxi liares e dos juízos que lhes forem vinculados, a alteração da organização e da divisão judiciária (art. 96,I, d, e II,da CF). Quanto ao Ministério Público, que não é um poder do Estado, mas é dotado de autonomia administrativa e finan ceira, detém poderes próprios de iniciativa ligada a determinadas matérias, competindo-lhe propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus car gos e serviços auxiliares (art. 127,§ 2°, da CF). Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presi dente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Supe riores terão início na Câmara dos Deputados.
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A iniciativa tem por finalidade deflagrar o processo legislativo e obrigar a casa legislativa na qual o projeto de lei esteja tramitando a apreciá-lo. O dispo sitivo ora comentado expressa que a discussão e a votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do STF e dos Tribunais Superiores te rão início, obrigatoriamente, na Câmara dos Deputados. A iniciativa popular será exercida pela apresentação do projeto de lei à Câmara dos Deputados. Em bora o texto constitucional não seja explícito nesse caso, os projetos de lei de iniciativa do Ministério Público deverão começar seu trâmite na Câmara dos Deputados, conforme o disposto no art. 109, § 1°, VU, do Regimento Interno desta Casa legislativa. § 1° O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. O procedimento legislativo swnário (regime de urgência) encontra-se disci
plinado nas normas regimentais das Casas do Congresso Nacional, tendo como finalidade conferir urgência a certas proposições. Todavia, o próprio teÀ'tO cons titucional estabelece aqui um regime de urgência. É o que se verifica nos proje tos de lei de iniciativa do Presidente da República ( exceto os projetos de códi gos), se a mensagem de encaminhamento contiver manifestação presidencial no sentido de prevalecer a urgência. Visa esta regra evitar retardamento na apre ciação, pelo Legislativo, de certas matérias prioritárias, por juízo discricionário do chefe do Executivo, mas dependendo sempre de solicitação expressa deste. § 2° Se, n o caso do§ 1°, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas a s de1nais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo cons titucional determinado, até que se ultiJne a votação. Parágrafo com redação dada pela EC n. 32, de 11.09.2001.
Esta regra assegura a efetivação do regi.me de urgência previsto no parágra fo anterior. Assim, estabelece o prazo de 45 dias para tramitação em cada casa e determina que, decorrido o prazo sem que haja a apreciação do projeto, a proposição seja incluída na ordem do dia para votação, sobrestando a delibe ração sobre outros assuntos até que se ultime sua votação (significa o trancamen to da pauta de votação da casa legislativa em que o projeto esteja tramitando, para priorizá-lo). Para garantir a celeridade, o Senado Federal fixou a aprecia ção simultânea do projeto pelas comissões, reservando-lhes apenas 25 dos 45 dias para apresentarem o parecer (Regimento Interno do Senado Federal, art. 375, II e III). Caso o Congresso não aprecie em até 45 dias o projeto em rela-
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ção ao qual há pedido de urgência do Presidente da República, ficarão sobres tadas todas as demais deliberações legislativas, exceto as que tenham prazo de terminado pela própria Constituição, por exemplo, a apreciação das medidas provisórias que têm prazos para deliberação legislativa fixados no texto cons titucional. § 3° A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao m ais o disposto no parágrafo anterior. Para garantir a celeridade no pedido de urgência, o Senado Federal fixou a apreciação simultânea do projeto pelas comissões, estabelecendo o prazo de 25 dos 45 dias para apresentarem o parecer (Regimento Interno do Senado Fede ral, art. 375, II e Ili). O Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê que, sendo emendado no Senado o projeto, a apreciação dessas emendas pela Câmara dos Deputados ocorrerá no prazo de dez dias. Contudo, não há previsão de que medida poderá ser adotada caso a Câmara dos Deputados não aprove as emen das apresentadas pelo Senado; pela regra estabelecida no art. 65, parágrafo úni co, do texto constitucional, pode-se concluir que o projeto voltará ao Senado. § 4° Os prazos do§ 2° não correm nos períodos de recesso do Congres so Nacional, nem se aplicam aos projetos de código. Isso significa que, durante o recesso do Congresso Nacional, os prazos de ur gências ficam suspensos, voltando a correr com a retomada das atividades. Vale ressaltar que, mesmo no caso de convocação extraordinária do Congresso, não correm os mencionados prazos, porquanto nesse período só poderá haver de liberação sobre a matéria para a qual houve a convocação (art. 57,§ 7°, da CF). Com efeito, também não se pode aplicar a regra do procedimento sumário (re gime de urgência), contida no§ 2° deste artigo, aos projetos de código, tendo em vista que o procedimento de elaboração de códigos, dada a complexidade e a ex.tensão da matéria que alberga, exige um rito menos célere, para que se possibilite uma discussão ampla e profunda. O art. 374, parágrafo único, do Regimento Interno do Senado Federal diz que o trâmite mais demorado se apli ca exclusivamente "aos projetos de código elaborados por juristas, comissão de juristas, comissão ou subcomissão especialmente criada com essa finalidade, e que tenham sido antes amplamente divulgados". Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulga ção, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
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Este dispositivo contempla regras de harmonização do processo legislativo impostas pelo texto constitucional. Porém, a Constituição não trata detalha damente da discussão e instrução do projeto de lei, ficando essa disciplina, ba sicamente, a cargo dos regimentos das casas legislativas. O projeto de lei apro vado por uma casa será revisto pela outra, mediante deliberação, em um só turno de discussão e votação. Vale ressaltar que não há prazo prefixado para a deliberação, exceto quando o projeto for de iniciativa do Presidente da Repú blica e este requerer expressamente sua apreciação sob regime de urgência. No caso de proposição normativa submetida a regime de urgência, se ambas as ca sas não se manifestarem, cada qual sucessivamente, em até 45 dias, o projeto deve ser incluído na ordem do dia, ficando suspensas as deliberações sobre ou tra matéria, até que seja votada a proposição do Presidente. A votação da maté ria legislativa ocorre, em regra, após a instrução do projeto nas comissões e os debates no plenário. Essa decisão toma-se por maioria de votos, da seguinte forma: maioria simples para aprovação dos projetos de lei ordinária (maioria dos membros presentes), desde que presente a maioria absoluta para a abertu ra da sessão (257 Deputados e 41 Senadores); os projetos de lei complementar exigem maioria absoluta para a abertura da sessão, bem como para a aprova ção; as emendas constitucionais exigem, para aprovação, a maioria de três quin tos dos membros das casas do Congresso {302 Deputados e 49 Senadores). Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora. A casa legislativa revisora poderá aprovar o projeto fazendo alterações, por meio de emendas. Nesse caso, o projeto retornará à casa iniciadora, como dis põe este parágrafo único, para que possa apreciar as emendas apresentadas pela casa legislativa revisora. Assim, poderá ocorrer wna das situações a seguir: o projeto pode ser aprovado nos 1nes1nos termos propostos pela casa revisora, sendo encaminhado à sanção ou promulgação; pode ser rejeitado e arquivado; ou, ainda, pode ser encan1inhado novamente pela casa onde teve início para apreciação da casa revisora, em razão de novas alterações, agora efetuadas pela casa iniciadora. Verifica-se que a regra em questão estabelece igualdade entre as casas do Congresso Nacional. A emenda parlamentar consiste na proposi ção apresentada como acessória ao projeto de lei. Pode ser modificativa, aglu tinativa, supressiva, aditiva ou substitutiva. A modificativa é a que altera a pro posição sem modificá-la substancialmente. A aglutinativa é a resultante da fusão de outras emendas, ou destas com o texto. A supressiva é a que manda eliminar qualquer parte de outra proposição. A aditiva é a que se acrescenta a outra proposição. A substitutiva é a apresentada como sucedânea a uma parte de outra proposição, denominando-se substitutivo quando a alterar, substan cial ou formalmente, em seu conjunto. No julgamento do MS n. 33.630/DF a
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relatora, Ministra Rosa Weber, ressalta que "as Emendas aglutinativas não se destinam a inovar em termos de proposições. Sua aplicação colin1a a fusão de propostas semelhantes e anteriores. t o que preceitua o art. 118 do Regimen to Interno da Câmara dos Deputados': Aduz a ministra que "as emendas aglu tinativas operam, assim, no contexto da existência de duas proposições nor mativas anteriores assimiladas pela proximidade de seus objetos, fundindo-os por transação': Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o proje to de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. A sanção é o ato pelo qual o chefe do Executivo manifesta a sua concordân cia com projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo; pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando o Presidente da República manifestar seu assenti mento ao projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de quin ze d.ias úteis, contados a partir do dia seguinte ao recebimento do projeto. Com efeito, o texto constitucional fundiu, com essa regra, a vontade do Congresso Nacional com a do Presidente, para que, mediante essa conjugação, o resulta do seja a formação da lei. Já a sanção tácita ocorrerá quando, findo o prazo de quinze dias úteis, não houver manifestação do chefe do Poder Executivo, consi derando-se, assim, sancionada tacitamente a lei. No julgamento da Reclamação n. 14.156 MC/AP, o Ministro Celso de Mello ressalta o perfil político-jurídico da sanção presidencial, ponderando que "com efeito, tenho que a sanção - en quanto momento essencial na fase constitutiva do processo de formação da lei constitui ato de direito público, irredutível à condição de mero ato adnünis trativo, que se subsume, inteiramente, à estrutura do processo legislativo, ainda mais se se considerar que a lei resulta da coalescência de vontades homo gêneas manifestadas, de maneira autônoma, pelo Poder Legislativo (ao apro var o projeto de lei) e pelo Chefe do Poder Executivo (ao sancionar a proposi ção legislativa), integrando, sob tal perspectiva, tais expressões volitivas, uma estrutura procedimental complexa. Daí a qualificação que se tem dado à san ção como ato de perfil político-jurídico, de extração essencialmente constitu cional, que se situa na gênese da própria lei, não podendo, por isso mesmo, ser degradada à condição secundária de mero ato administrativo, como sustenta a parte ora reclamante" (Informativo do STF n. 70). § 1° Se o Presidente da República c onsiderar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do rece bimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
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O veto é um ato de natureza legislativa e integra o processo de elaboração das leis (é o ato pelo qual o Presidente da República nega sanção ao projeto ou a parte dele,obstando à sua conversão em lei). Poderá manifestar-se segundo dois fundamentos: inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. Con tudo, o veto há de ser expresso e justificado, devendo ser aposto no prazo de quiJ1Ze dias úteis, contados da data do recebimento do projeto, e comunicado ao Congresso Nacional. No tocante às características do veto,temos: quanto aos fundamentos, o veto pode ser jurídico (inconstitucionalidade) ou político ( con trariedade ao interesse público); quanto à forma, o veto há de ser expresso; quanto à e.x.1ensão, o veto pode ser total ou parcial; quanto ao efeito, o veto é relativo, tendo em vista que apenas suspende, até a deliberação definitiva do Congresso Nacional, a conversão do projeto em lei; quanto à devolução, a atri buição de apreciar o veto é confiada, exclusivamente, ao Poder Legislativo (veto legislativo). Oportuno ressaltar que o veto é irretratável, ou seja, uma vez ma nifestado, não pode o chefe do Executivo retirá-lo ou retratar-se para sancio nar o projeto vetado. É necessária a deliberação dos vetos presidenciais na sua ordem cronológica de comunicação ao Congresso Nacional (STF, MS n. 31.816, Ag. Reg.-MC/DF, rei. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavas cki, 27.02.2013).Em 11.07.2013,o Congresso Nacional aprovou a Resolução n. 1/2013, que altera a redação dos arts. 104 a 106 do Regimento Comum do Con gresso Nacional. Em 12.03.2015, foi publicada a Resolução n. 1/2015 do Con gresso Nacional, que altera os arts. 46, 106, caput,§§ 1° a 3°, 106-A, caput,§ 1°, I a VIII,§§ 2° e 3° , 106-B, caput, §§ 1° a 3° , 106-C e revoga o caput e o § 2° do art. 104 e o art. 105 da Resolução n. 1, de 1970-CN (Regimento do Congresso Nacional). O novo texto aprovado traz inovações no procedimento de aprecia ção dos vetos presidenciais. A justificativa da Presidência do Congresso é no sentido de que a Resolução tem como objetivo agilizar a análise de vetos. Na re dação anterior, a análise dos vetos ocorria por cédula de papel, o que tornava lentas as sessões e a apuração das decisões do plenário. A Resolução n. 1/2015 prevê votação em painel eletrônico, com possibilidade de destaque. Casos po lêmicos serão analisados separadamente, se houver sobcitação dos líderes. A Resolução estabelece como regra a votação em bloco,em painel eletrônico, e permite que sejam feitos destaques para análise individual de determinado veto. O procedimento agiliza a votação, ao mesmo tempo em que permite a discus são de temas polêmicos. Com o objetivo de agilizar as sessões de votação, a pro posta também bmita o tempo de discussão e o número de destaques por Lide ranças. Geralmente, parlamentares estendem a discussão como estratégia para atrasar o início da votação de temas considerados incômodos ou dos quais dis cordem. De acordo com a resolução,a quantidade de pedidos de destaque de verá variar conforme o tamanho das bancadas dos partidos, podendo ser de 1 a 4, para grupos de deputados e de senadores separadamente. Caso a pauta da
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sessão do Congresso seja extensa, com mais de oito projetos ou oitenta vetos para análise dos parlamentares, o número de destaques por grupo de parlamen tares dobrará. Antes da Resolução n. 1/2015, utilizava-se os regimentos das duas Casas e, subsidiaria mente, o regimento comum do Congresso Nacional. Em meados de 2015, o tema do veto presidencial ganhou destaque no cenário po lítico nacional, especialmente em razão da crise política e econômica que se ins talou no Brasil. Vários projetos de lei que foram aprovados pelas casas legisla tivas, que implicavam aumento de despesa da já combalida economia brasileira, foram vetados pela ex-presidente Dilma Rousseff. A apreciação dos vetos pelo Congresso dessas matérias foi denominada popularmente pela im prensa "pauta-bomba". Alvo de grande preocupação do governo, eventual der rubada dos vetos anularia quase todo o esforço de corte de gastos que o gover no anunciou como parte do pacote de ajuste fiscal para tirar o Brasil da crise. Por fim, cumpre ressaltar que o veto presidencial não pode ser questionado por meio de mandado de segurança, nos termos da jurisprudência do STF, os ve tos presidenciais a projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional não são suscetíveis de questionamento por meio de mandados de segurança, por se tra tar de atos políticos sujeitos ao exame de deputados e senadores. A Ministra Cármen Lúcia indeferiu a petição de Mandado de Segurança (MS n. 33.694) impetrado em causa própria por um advogado de Curitiba (PR), que tem de ficiência visual, e que se considera prejudicado pelo veto da ex-presidente Dil ma Rousseff ao art. 29 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.13.146/2015). Segundo consignou a ministra, "o veto não constitui ato definitivo, tampouco conclui o processo legislativo, sendo suas razões remetidas ao Congresso Na cional, a quem incumbe deliberar sobre a validade ou não de seus motivos". No julgamento da ADPF n. 269, a relatora, Ministra Rosa Weber, por entender in cabível o controle de constitucionalidade preventivo, negou seguimento à ar guição de descumprimento de preceito fundamental em questão. Segundo a ministra, "o direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou -como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite -o sistema de controle jurisdicional preventivo de cons titucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucio nal de meras proposições normativas pelo STF. Atos normativos in fieri, ainda em fuse de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ense jam nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionali dade, que supõe - ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridica mente relevante -a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas.Acerca da admissibilidade de arguições de descumprimento de pre ceito fundamental que tenham como objeto veto do Presidente da República, a jurisprudência do STF não está absolutamente pacificada. Sobre o tema, o Mi-
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nistro Celso de Me!Jo, no julgamento da ADPF n. 330, assentou que "traduz matéria que tem merecido decisões contrastantes no âmbito desta Suprema Corte, como se vê, de um lado, dos julgamentos proferidos na ADPF n. 1-QO/ DF, rei. Min. Néri da Silveira, na ADPF n. 73/DF, rei. Min. Eros Grau, e na ADPF n. 269/DF, rei. Min. Rosa Weber (que reconheceram inviável a impugnação, me diante referida ação constitucional, do processo legislativo e do veto aposto pelo chefe do Poder Executivo), e, de outro, da decisão na ADPF n. 45/DF, rei. Min. Celso de Mello (em que se entendeu possível a utilização desse instrumento constitucional contra vetos governamentais)''. Por fim, cumpre destacar que, para haver a derrubada de uma negativa presidencial a um projeto de lei (veto), são necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores. § 2° O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de pará grafo, de inciso ou de alínea. Este parágrafo trata da extensão do veto, que pode ser total ou parcial. O veto total incide sobre o projeto de lei na sua integralidade. O veto parcial somente pode abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. No caso de rejeição do veto total, compete ao Presidente da República a promul gação da lei e, se este não a efetivar, ao Presidente ou ao Vice-Presidente do Se nado F ederal. Na hipótese de vetos parciais, é facultado ao Congresso Nacio nal acolher certas objeções (ratificação parcial do projeto vetado) contra partes do projeto e rejeitar outras. Oportuno ressaltar que o STF firmou entendimen to no sentido da admissibilidade de rejeição parcial de veto total. Por último, verifica-se que a lei sancionada parcialmente entra em vigor consoante a cláu sula de vigência nela estabelecida, ou no prazo de 45 dias previsto na LINDB. § 3° Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do P residente da Re pública importará sanção. Ocorre nesse caso a chamada sanção tácita da lei, significando que a Cons tituição atribui ao silêncio do Presidente da República uma declaração de von tade de índole positiva. Assim, decorrido o prazo de quinze dias úteis sem que haja manifestação do chefe do Poder Executivo, considera-se sancionada taci tamente a lei. § 4° O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. Porógrofo com redação dado pela EC n. 76, de 28.11.2013.
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O veto presidencial não impede a conversão do projeto em lei (o sistema adotado pela Constituição é o de veto relativo), podendo ser derrubado por deliberação do Congresso Nacional. Embora este parágrafo determine o pra zo máximo de trinta dias para a análise dos vetos, sob pena de impedir novas votações no P lenário do Congresso, isso não vinha sendo cumprido, levando ao acúmulo de mais de 3 mil vetos não analisados pelo Congresso. Com a pu blicação da Resolução n. 1/2013 do Congresso Nacional, os vetos publicados a partir de 1° de julho de 2013 serão apreciados em trinta dias. Para cada novo veto, será instalada uma comissão mista de três senadores e três deputados, que deverá apresentar relatório em até vinte dias. Após trinta dias, com ou sem votação, a matéria vai ao Plenário para análise, trancando a pauta. A referida resolução estabelece, ainda, que a apreciação dos vetos ocorrerá em sessões do Congresso a serem convocadas para a terceira terça-feira de cada mês, impre terivelmente. Determina a resolução que se por qualquer motivo a sessão não ocorrer, será convocada nova sessão conjunta da Câmara e do Senado para a terça-feira seguinte. A mudança obriga o Legislativo a cumprir o prazo de trin ta dias já previsto neste parágrafo para a votação dos vetos a partir da sua pu blicação. Caso isso não ocorra, os vetos passam a trancar a pauta de votações do Congresso. Ou seja, na prática a regra constitucional não vinha sendo cu1n prida pelo Congresso Nacional, que escolhia de forma aleatória a apreciação dos vetos que a Casa julgava convenientes, como ocorreu no caso da aprecia ção do veto parcial da ex-presidente Dilma Rousseff ao PL n. 2.565/2011 (con vertido na Lei n. 12.734/2012), que trata da partilha de royalties relativos à ex ploração de petróleo e gás natural. Como bem consignou o Ministro Luiz Fux no julga1nento do MS n. 31.816 (Ag. Reg.-MC/DF): "É inconstitucional a de liberação aleatória dos vetos presidenciais pendentes de análise legislativa, cuja simples existência subtrai do Poder Legislativo a autonomia para definição da respectiva pauta política, ex vi do art. 66,§ 6°, da CF/88". Nos termos do art. 104-A do Regimento Comum do Congresso, o prazo de que trata o§ 4° do art. 66 da CF será contado da protocolização do veto na Presidência do Senado Fe deral. Em 2013, o Congresso Nacional promulgou a Proposta de Emenda à Constituição que prevê o fim do voto secreto para cassação de mandato de de putados federais e senadores. A denominada PEC do Voto Aberto, como ficou conhecida, põe fim também ao voto secreto na análise de vetos presidenciais. A referida PEC deu origem à EC n. 76/2013, que suprimiu a expressão "em es crutínio secreto': constante na redação primitiva deste§ 4° ora comentado. Com isso, o voto será aberto na apreciação, pelo Legislativo, de vetos presiden ciais. A Resolução n. 1/2015, do Congresso Nacional, acrescentou o art. 106-A ao Regimento Comum, dispondo que: "Art. 106-A. A votação do veto será no minal e ocorrerá por meio de cédula com identificação do parlamentar, nos termos do art. 46, da qual constarão todos os vetos incluídos na Ordem do Dia,
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agrupados por projeto.§ 1° Até o início da Ordem do Dia, poderá ser apre sentado destaque de dispositivos individuais ou conexos para apreciação no painel eletrônico, a requerimento de líderes, que independerá de aprovação pelo Plenário, observada a seguinte proporcionalidade: I - de 5 até 24 Depu tados: um destaque por cédula; II- de 25 até 49 Deputados: dois destaques por cédula; III- de 50 até 74 Deputados: três destaques por cédula; IV - 75 ou mais Deputados: quatro destaques por cédula; V - de 3 até 5 Senadores: um destaque por cédula; VI - de 6 até 11 Senadores: dois destaques por cédula; VII - de 12 até 17 Senadores: três destaques por cédula; VIII - 18 ou ma.is Se nadores: quatro destaques por cédula.§ 2° É inadmissível para efeito do cons tante no§ 1 ° a sobreposição de lideranças, sendo admissível, contudo, a com binação.§ 3° Quando a cédula contiver mais de oito projetos de lei ou mais de oitenta dispositivos será admitido quantitativo de destaques até o dobro do previsto". Para efeito de quorum para votação do veto presidencial, a Resolu ção n. 1/2015 acrescentou o art. 106-C ao Regimento Comum, que estabelece uma forma de obstrução, dispondo que "será considerado em obstrução em relação ao item da cédula que estiver em branco o parlamentar cujo líder nes se sentido houver se pronunciado, não sendo, nesse caso, sua presença com putada para efeito de quorum". Segundo destaque da Agência Cân1ara de No tícias, obstrução é "recurso utilizado por parlamentares em determinadas ocasiões para impedir o prossegui1nento dos trabalhos e ganhar tempo. Em geral, os mecanismos utilizados são pronw1ciamentos, pedidos de adiamento da discussão e da votação, formulação de questões de ordem, saída do plená rio para evitar quorum ou a simples manifestação de obstrução, pelo líder, o que faz com que a presença dos seus liderados deixe de ser computada para efeito de quorum'� § 5° Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para pro1nulgação, ao Presidente da Repúb)jca.
Cuida-se aqui dos efeitos do veto. Assim, pode-se afirmar que a principal consequência do exercício do poder de veto é a de suspender a transformação do projeto, ou parte dele, em lei. Em se tratando de veto parcial, a parte do pro jeto que foi sancionada será transformada em lei, com aplicação no ordena mento jurídico desde a sua entrada em vigor. Se o veto for mantido pelo Con gresso Nacional, o projeto, ou parte dele, será considerado rejeitado, podendo a matéria dele constante ser objeto de nova proposição, na mesma sessão legis lativa, somente se for apresentada pela maioria absoluta dos membros de qual quer das casas do Congresso Nacional.
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§ 6° Esgotado sem del iberação o prazo estabelecido no § 4°, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais pro posições, até sua votação final. Parágrafo com redação dada pela EC n. 32, de 1109.2001. Esta regra impõe que, ao ser vetado um projeto de lei pelo Presidente da Re pública, o veto terá de ser apreciado em seu mérito, com a votação obrigatória do texto vetado, sob pena de paralisação dos trabalhos do Congresso referen tes a outros assuntos, até que se ultime tal votação. Note-se que, quanto a essa hipótese, o texto alterado pela EC n. 32/2001 não traz a ressalva que é feita para a apreciação de projeto com pedido de urgência pelo chefe do Executivo, pre vista no art. 64,§ 2°, da CF, que dispõe: " Se, no caso do§ 1°, a Câmara dos De putados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual suc essivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham pra zo constitucional determinado, até que se ultime a votação''. Assim, a votação prevista no presente parágrafo tem prioridade absoluta sobre qualquer outra matéria, não comportando, como se vê, nenhuma exceção. Quanto à regra pre vista neste parágrafo, a Resolução n. 1/2013 do Congresso Nacional traz nova diretriz para a apreciação dos vetos, que ocorrerá em sessões do Congresso a sere1n convocadas para a terceira terça-feira de cada mês, impreterivelmente. Estabelece a referida resolução, ainda, que se por qualquer motivo a sessão não ocorrer, será convocada nova sessão conjunta da Câmara e do Senado para a terça-feira seguinte. A Resolução n. l/2015 do Congresso Nacional acrescen tou o§ 3° ao art. 106 do Regin1ento Comu1n, dispondo que:"§ 3° Após o es gotamento do prazo constitucional, fica sobrestada a pauta das sessões conjun tas do Congresso Nacional para qualquer outra deliberação, até a votação final do veto''. Co1no se verifica, a resolução só reafirma o que já era determinado pelo texto constitucional. O não sobrestamento da pauta do Congresso em ra zão da não apreciação e votação dos vetos na forma determinada pela Consti tuição foi objeto de questionamento, por sua inconstitucionalidade, perante o STF pela via de um mandado de segw·ança (MS n.31.816) impetrado por par lamentar, tendo o Min. Luiz Fux concedido liminar para que se procedesse a sustação da pauta no Congresso.Essa liminar foi reconsiderada pelo voto do Min. Teori Zavascki e o mandado de segurança, sem análise do mérito, foi de negado tendo em vista ter o Congresso Nacional, segundo informado ao STF, examinado o veto pendente no julgamento. A propósito, veja-se, também, a ADI n.4.029/DF (cf. FERRAZ, Anua Candida da Cunha. ln: Direito Economia e Política: lves Gandra, 80 anos do Humanista. JASP, 2015, p. 287-308).
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§ 7 ° Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos §§ 3 ° e 5°, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presi dente do Senado fazê-lo. A promulgação e a publicação constituem etapas distintas e necessárias para a eficácia da lei. A promulgação tem por escopo atestar a existência da lei. Pro duz dois efeitos básicos: reconhece os fatos e os atos geradores da lei e indica sua validade. Pode ocorrer nos seguintes casos: a) quando o projeto é expressa mente sancionado pelo Presidente da República, verificando-se a sua transfor mação em lei, sendo que a promulgação ocorre concomitantemente à sanção; b) quando o projeto é transformado em lei mediante sanção tácita, cabendo ao Presidente da República ou, na sua omissão, ao Presidente ou ao Vice-Pre sidente do Senado proceder à promulgação solene da lei; c) quando o projeto é vetado, mas o veto é rejeitado pelo Congresso Nacional. Nesse caso, não há sanção, devendo a lei ser promulgada pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente do Senado. Por seu turno, a publicação consiste na comunicação da existência da lei aos seus destinatários. É também condição de vigência e eficácia da lei, que deverá ser publicada no Diário Oficial da União. Por último, cumpre ob servar que a LC n. 95/98, em seu art. 8°, estabelece que as leis passem a indicar o início da vigência de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que delas se tenha conhecimento. Contudo, na falta de cl,1usula de vigên cia expressa, determina o art. 1 ° da Lei de Introdução ao CC Brasileiro que, sal vo disposição contrária (regra supletiva), a lei começa a vigorar em todo o País 45 dias depois de oficialmente publicada (o período intercorrente entre a pu blicação da lei e a sua entrada em vigor denomina-se vacatio legis). Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos 1nembros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. Este artigo disciplina a renovação de projeto de lei cuja matéria já tenha fei to parte de projeto que fora rejeitado na mesma sessão legislativa (a sessão le gislativa corresponde ao ano legislativo e vai de 2 de fevereiro a 22 de dezem bro de cada ano; já o período legislativo compreende o espaço, dentro de um ano, entre um recesso e outro). Cumpre observar que o procedimento legislati vo pode findar antecipadamente, se ocorrer alguma das hipóteses que dão ense jo à declaração de prejudicialidade ou ao arquivamento do projeto de lei. Portan to, considera-se prejudicada a proposição de projeto idêntica a outra aprovada ou rejeitada na mesma sessão legislativa, aquela que tiver substitutivo aprova-
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do ou for semelhante a outra considerada inconstitucional, aquela cujo obje to perdeu a oportunidade, entre outros casos. A reapreciação do projeto de lei pela maioria absoluta de uma das casas do Congresso Nacional indicaria que, por força de novos argumentos ou de novas circunstâncias, tornou-se possível a superação do óbice à sua tl'ansformação em lei. Isso, porém, é relativo, tendo em vista que o projeto pode ser rejeitado na outra casa ou vetado pelo Presi dente da República (Manoel Gonçalves Ferreira Filho). Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. A lei delegada é exceção ao princípio da não delegação de funções de pode res; é elaborada e editada pelo Presidente da República, após autorização do Congresso Nacional, veiculada mediante resolução e dentro dos limites nesta traçados. A proposta de delegação é encaminhada pelo Presidente da Repúbli ca ao Presidente do Senado Federal, que convocará sessão conjunta para que, dentro de 72 horas, o Congresso Nacional tome conhecimento dela. Na sessão conjunta, distribuída a matéria em avulsos, constituir-se-á comissão mista para emitir parecer sobre a proposta. O Regünento Comum trata da delegação le gislativa nos arts. 116 a 127. Conforme destacado no voto do Ministro Luiz Fux na ADI n. 4.568/DF, "a rigor, as leis delegadas atua1n em verdadeira substitui ção à lei formal, como ato normativo de natureza primária, ainda que sujeito a controle, pelo Congresso, quanto ao respeito aos limites do ato de delegação (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo, São Paulo, Sa raiva, 2002, p. 231)''. No referido julgamento, o Ministro Luiz Fux faz impor tante distinção entre lei delegada e decreto do Poder Executivo:"[ ... ] enquan to a lei delegada é ato normativo primário, o decreto do Poder Executivo na hipótese de deslegalização é de natureza secundária, com fundamento imedia to na lei ordinária habilitante" (Informativo do STFn. 650). § 1° Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputa dos ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: O constituinte procurou circunscrever a delegação legislativa a condiciona mentos de forma e limitações materiais e temporais. Desse modo, a transferên cia ao Executivo da função de legislar se faz com cautela (sua área de atuação é restrita), como convém a um sistema que inscreve a separação dos Poderes como princípio fundamental. Assim, o texto constitucional dispõe, expressa mente, que não podem ser objeto de delegação os atos de competência exclu-
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siva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara ou do Se nado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garan tia de seus membros; b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políti cos e eleitorais; c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. A especificação dos lin1ites materiais se esgota no próprio texto constitucional, valendo observar que outros da mesma natureza não podem ser criados pelo poder delegante (Anna Candida da Cunha Ferraz). I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; Esta vedação tem por finalidade evitar a interferência do chefe do Executivo na estrutura do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem como assegurar a independência do Judiciário em relação ao Executivo. Desse modo, a Cons tituição reserva aos tribunais a iniciativa de propor a criação de novas varas ju diciárias e atribui, também, competência privativa ao STF e aos Tribunais Su periores para que proponham a criação ou extinção dos tribunais inferiores, a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros, in clusive dos tribunais inferiores, a remuneração dos serviços auxiliares e dos juí zos que lhes forem vinculados, a alteraç,'ío da organização e da divisão judiciá ria. O STF é detentor, ainda, de iniciativa referente à lei complementar para dispor sobre o Estatuto da Magistratura. Quanto ao Ministério Público, ape sar de não ser um poder do Estado, é dotado de autonomia administrativa e fi nanceira, bem como é detentor de poderes próprios de iniciativa no que diz respeito a determinadas matérias, tendo previsão constitucional de iniciativa concorrente com o Presidente da República em relação à Lei Orgânica do Mi nistério Público da União e dos Estados. Compete, exclusivamente, ao chefe do Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares (art. 127, § 2°, da CP). Pode-se dizer, assim, que a vedação de delegação referente à matéria aqui tratada reforça a ideia de auto nomia da instituição ministerial. II -nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; Esta mesma vedação é imposta também à edição das medidas provisórias. Por causa da relevância dessas matérias, o constituinte optou por deixá-las no âmbito da reserva legal stricto sensu, de modo que, por expressa disposição constitucional, são disciplinadas com observância do devido processo legisla tivo, em razão do fato de que a lei oriunda do Poder Legislativo, o qual é for-
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mado pelos representantes do povo, reflete melhor a ideologia e os valores es senciais da sociedade, a proteção dos direitos fundamentais. III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. As matérias elencadas neste inciso são insuscetíveis de delegação, tendo em vista que o texto constitucional exige expressamente que sejam veiculadas por lei de iniciativa exclusiva do Poder Executivo (art. 165 da CF). § 2° A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exer cício. O texto constitucional exige que a resolução especifique a matéria a ser re gulada (objeto), bem como as condições de seu exercício, de modo que o des vio desses parâmetros por parte do poder delegado implicará excesso de po der. Esse procedimento será efetivado por meio de parecer da comissão mista do Congresso, que deverá concluir pela apresentaç..-posto no inciso anterior, exi ge-se que os notórios conhecimentos necessários sejam comprovados por meio do efetivo exercício de funções junto à administração pública ou de efetiva ati vidade profissional nas áreas jurídica, contábil, econômica ou financeira. Essa exigência é evidenciada mediante prova documental. § 2° Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
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Este parágrafo estatui a distribuição da competência para a indjcação e a no meação dos Ministros do TCU pelos Poderes Executivo e Legislativo, respei tando-se a regra da proporcionalidade, sendo que o Presidente da República escolhe 1/3, isto é, três Ministros, e o Congresso Nacional escolhe 2/3, isto é, seis Ministros. I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Mi nistério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribu nal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento; Em consonância com este inciso, dispõe o art. 84, XV, da CF/88, que é da competência privativa do Presidente da República nomear três dos Ministros do Tribunal de Contas da União. Essa escolha ocorre em um processo que com porta três momentos distintos. Primus, o TCU elabora e envia ao Presidente da República uma lista tríplice, de acordo com os critérios de antiguidade e me recimento, indicando, alternadamente, três auditores ou três membros do Minis tério Público que atuam junto ao órgão. Secundus, o Presidente escolhe um dos indicados para o cargo, ao enviar seu nome ao Senado Federal, que possui com petência privativa para aprovação do nome inrucado. Tertius, no Senado Fede ral, conforme os termos do art. 52, III, b, da CF/88, a aprovação do nome do indicado ao cargo de Ministro é feita por voto secreto da maioria simples, após a arguição pública, com o escopo de aferir se o indjcado para o cargo preenche os requisitos legais exigidos no parágrafo anterior. Uma vez aprovado pelo Se nado, cabe ao Presidente proceder à nomeação do Ministro escolhido. II- dois terços pelo Congresso Nacional. O Congresso Nacional escolhe 2/3 dos cargos de Mi1ústros a serem preenchi dos no TCU, em um total de seis Ministros, de acordo com o seu Regimento Interno e com as disposições contidas no Decreto Legislativo n. 6, de 22.04.1993, que regulamenta a matéria. Todos os candidatos devem cumprir cumulativa mente os quatro requisitos exigidos no parágrafo anterior, quais sejam: limi tação etária; idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos da atividade financeira do Estado ou qualificação profissional nas áreas jurídica, contábil, econômica e financeira; e comprovação de mais de dez anos do exer cício da função pública que comprovem esses notórios conhecimentos. Ade mais, o art. 105, r a TII, da Lei Orgânica do TCU, trata dos critérios para o preen chimento das vagas de Ministros do TCU pelos Poderes Executivo e Legislativo.
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§ 3° O s Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. Porógrofo com redação dado pelo EC n. 20, de 15.12.1998. Os Ministros do TCU têm garantias, prerrogativas, impedimentos, venci mentos e vantagens semelhantes aos Ministros do STJ. As garantias de vitali ciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios estão descritas no art. 95, I, II e III, da CF/88. Uma das prerrogativas do cargo fica por conta do foro privilegiado, pois serão julgados originariamente perante o STF, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, nos termos do art. 102, !, e, da CF/88. As demais prerrogativas são as mesmas de que gozam os jtúzes e es tão insertas no art. 93 e seus incisos da CF/88, dentre as quais destacamos: a aquisição imediata da vitaliciedade logo após a posse e a perda do cargo, so mente por decisão judicial transitada em julgado, assegurados os princípios constitucionais do devido processo legal e seus corolários da ampla defesa e do contraditório. Os impedimentos estão arrolados no art. 95, parágrafo único, I a III, quais sejam: exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou fun ção, exceto magistério; receber, a qualquer titulo ou pretexto, custas ou parti cipação em processo e dedicar-se à atividade político-partidária e, ainda, as constantes no art. 74 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei n. 8.443, de 16.07.1992). Os vencimentos e as vantagens pecuniárias dos Minis tros do TCU (que atualmente denominain-se subsídio) correspondem a 95% do subsídio mensal fixado para os Ministros do STF, a teor do art. 93, V, da CF/88. No pertinente à aposentadoria dos Ministros do TCU, esse parágrafo teve nova redação dada pela EC n. 20, de 15.12.1998, que modificou o sistema da previdência social. Na redaç.'io originária, os Ministros somente poderiam aposentar-se com as vantagens do cargo, se tivessem exercido as funções, de modo efetivo, por um período superior a cinco anos. De acordo com a nova redação, aplicam-se, no caso de aposentadoria e pensão, as normas constantes no art. 40 e seus 21 parágrafos da CF/88. Importante registrar que o próprio art. 40 vigente em 1998, o qual trata do sistema de aposentadoria dos servido res titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, foi novamente modificado pela EC n. 41, de 19.12.2003, que refor mou o regime de previdência social e acrescentou seis parágrafos, e, na reda ção atual, contém 21 parágrafos, nos quais se acham insertas as regras para ser vidores pensionistas e aposentados, estendidas aos Ministros do TCU.
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§ 4° O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas ga rantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atri buições da judicatura, as de juiz de T ribunal Regional Federal. Na estrutura organizacional do TCU, o auditor é investido no cargo após aprovação em concurso público de provas e títulos, sendo o substituto do Mi nistro, e possui as garantias e os impedimentos atinentes do titular, no exercí cio da substituição. Entretanto, no exercício das demais atribuições de seu car go, os auditores possuem as mesmas garantias e impedimentos dos juízes dos Tribunais Regionais Federais, entre os quais o foro privilegiado junto ao STJ, a quem compete, ex vi do art. 105, 1, da CF/88, julgar, originariamente, os mem bros dos Tribunais Regionais Federais, logo, também os auditores do TCU, por força deste parágrafo, em combinação com aquele dispositivo. De acordo com o art. 77 da Lei Orgânica do TCU, três serão os auditores nomeados pelo Pre sidente da República, entre os cidadãos que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de Ministro do TCU. Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: A norma constitucional exige que os três Poderes da República mantenham, de forma integrada, o controle interno de suas contas, com o escopo de apli car de forma legal, eficiente e eficaz o dinheiro público, o que se faz, na práti ca, por meio da contabilidade gerencial e financeira, posto que a fiscalização da execução orçamentária efetua-se a partir das informações contábeis. Esse sistema de controle opera-se de forma integrada e, mesmo que cada Poder te nha o seu próprio controle interno, na prática, o sistema é coordenado pelo Poder Executivo (por meio do Órgão Central de Contabilidade da União: art. 50, § 2°, da LRF), a quem compete, ao final de cada exercício financeiro, pre parar a prestação de contas conjuntas, o que se faz com base nas informações contidas nas contas consolidadas de todos os Poderes, nos moldes do disposto no art. 50 da LRF e nos demais dispositivos legais aplicáveis à espécie. Como a contabilidade evidencia os fatos Ligados à administração orçamentária, finan ceira, patrimonial e industrial (art. 89 da Lei n. 4.320/64), o controle interno é fundamental para o êxito da administração, pois, com base nas informações contábeis, o administrador se orienta na tomada de decisões e no controle dos atos praticados na gestão do erário. I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
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Cumpre ao controle interno verificar se as metas e os programas traçados pela administração federal em sua atividade financeira estão sendo cumpridos conforme o que foi planejado. Na prática, isso se opera por meio do sistema contábil, em que são geradas as informações necessárias para avaliar se as me tas estabelecidas no Plano Plurianual (PPA) estão sendo devidamente cumpri das, bem como avaliar a execução dos programas de governo e dos orçamen tos da União, que, além daquele programático (PPA), o qual contém as metas governamentais do dirigente estatal para um período de quatro anos, há tam bém a LDO, que estabelece as regras gerais para a elaboração do orçamento anual, que contém o anexo de metas fiscais e a LOA, cujo projeto, elaborado em consonância com o PPA, a LDO e a LRF, prevê receitas e fixa despesas para o exercício financeiro seguinte, sendo, portanto, de natureza operativa. Em sín tese, nesse autocontrole, cabe ao órgão público verificar se o que foi planejado por meio das leis orçamentárias está sendo executado, procedendo, se necessá rio, as correções cabíveis, tais como medidas em face da renúncia de receita, corte de despesas, cancelamento de empenho etc. II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; Cabe ao controle interno o dever prévio e conconlitante de comprovar a le galidade da gestão pública e da aplicação dos recursos públicos repassados a entidades de direito privado e, subsequentemente, avaliar os resultados dessa gestão e aplicação, no pertinente à sua eficiência e eficácia. A gestão pública, que em seu bojo compreende ta1nbém o repasse de recursos a entes privados, se faz por meio da prática de atos administrativos que devem obedecer ao prin cípio da legalidade preco11izado no caput do art. 3 7 desta Norma Fundamen tal. Essa legalidade é comprovada desde a expedição da autorização da despe sa, que deve, antes de ser empenhada, conter previsão orçamentária, depois passar pelo processo de licitação e liquidação. No que se refere à avaliação dos resultados, o que se faz, a posteriori, quando da prestação de contas, cabe ao ór gão do controle interno a comprovação de que o dinheiro público federal foi legal e eficiente1nente aplicado, mediante a avaliação dos resultados contidos nos relatórios e pareceres técnicos, originados a partir da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e do controle operacional realizado e se houve o cumprimento do princípio da economicidade, o que resulta, destarte, benefício à sociedade brasileira ( v. comentários sobre o princípio da economi cidade no art. 70).
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III- exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; Aqui, a exigência normativa é o controle dos empréstimos, dos avais e do oferecimento de garantias por parte da União. É importante frisar que a LRF define a responsabilidade na gestão fiscal como ação planejada e transparente mediante, entre outros deveres, o de obediência aos limites das dívidas conso lidada e mobiliária, bem como operações de crédito, inclusive por antecipação de receita (art. 1 °, § 1°, da LC n. 101/2000). Assim, cabe ao órgão do controle interno verificar a legalidade e controlar as operações de crédito (definidas no art. 29, III, da LRF) que alimentam o endividamento interno e externo da União. Cabe, ainda, ao sistema em tela exercer o controle efetivo dos contratos dessa natureza em que a União for avalista ou que ofereça garantia de pagamento do crédito tomado por outra entidade. A União apenas poderá proporcionar ga rantia condicionada ao oferecimento de contragarantia, em valor igual ou su perior ao da garantia concedida, nos moldes do art. 40 da LRF. Importante re gistrar que a Lei n. 10.028/2000 alterou o art. 10 e acrescentou os arts. 39-A, 40-A e 41-A da Lei n. 1.079/50 (Lei do Impeachment), que define os crúnes de responsabilidade dos altos dirigentes do Estado, acrescentando oito novos ti pos penais ao art. 10, todos pertinentes a operações de crédito, aptos a serem aplicados ante o caso concreto. IV - apoiar o c ontrole externo no exercício de sua missão institucional.
Este dispositivo preceitua que o controle interno seja um efetivo sistema de apoio ao controle externo no exercício de sua missão institucional. Na reali dade, o controle interno é uma espécie de preparação para o externo, que não pode controlar todos os atos da administração. Pode-se entender aqui, por mis são institucional, não só aquela do Poder Legislativo Federal em sua alta fun ção fiscalizadora, como também ao controle exercido pelo TCU, cuja missão institucional é assegurar a efetiva e regular gestão dos recursos públicos em be nefício da sociedade. § 1° Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribw1al de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. Sob pena de responderem solidariamente, ou praticar prevaricação ou con descendência criminosa, os responsáveis pelo controle interno dos órgãos que compõem os Poderes da União, ao tomarem conhecimento de qualquer irre gularidade ou ilegalidade na gestão da coisa pública, devem, imediatamente,
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cientificar o TCU. Considerando-se que o controle interno está centrado no princípio da hierarquia, cabe à autoridade hierárquica superior verificar a le galidade dos atos que resultem na arrecadação da receita ou na realização da despesa; o surgimento ou a extinção de direitos e obrigações; a fidelidade fun cional dos agentes da administração responsáveis por bens ou valores públi cos, bem como zelar pelo cun1primento do programa de trabalho expresso em termos monetários, de realização de obras e prestação de serviços, conforme preceitua o art. 75 e seus incisos da Lei n. 4.320/64. § 2° Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é par te legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Tem-se aqui o instituto do controle privado, exercido pelos cidadãos, de modo individual ou coletivo. A bem da verdade, este parágrafo coaduna-se com o dis posto no art. 31, § 3°, da CF/88, que garante a disposição das Contas dos Mu nicípios por sessenta dias a qualquer pessoa, com as recentes disposições da LRF sobre planejamento, controle e transparência na gestão da coisa pública, e com o art. 5°, LXXIII, da CF/88, que garante às associações e a outros órgãos a defesa dos direitos públicos coletivos e difusos, inserindo-se aí o papel do Mi nistério Público. Dessa forma, o Tribunal de Contas passa a ser um órgão fis calizador auxiliar não apenas do Poder Legislativo em uma das partições de sua função precípua, mas da comunidade em geral, no exercício dos seus direitos atinentes ao princípio da soberania popular, consagrado no art. 1° , parágrafo único, da CF/88. A norma constitucional inova ao conceder à coletividade não apenas o direito, mas também o dever de controlar e fiscalizar as contas públi cas. Entretanto, em que pese a crescente indignação da sociedade diante das práticas de corrupção que envolvem gestores do erário, passados 21 anos da pro1nulgação da Carta Política, essa prerrogativa ainda não foi quantitativa mente utilizada como deveria, seja por falta de conscientização política da po pulação com relação aos seus direitos, seja porque aqueles que são conscienti zados se omitem na participação popular da vida pública, permitindo, assim, a proliferação dos malversadores dos dinheiros públicos. Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Em sua organização estrutural, composição de membros e fiscalização dos atos de gestão da coisa pública, os Tribunais de Contas dos Estados e do Dis-
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ART. 75
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trito Federal, bem como os Tribunais e os Conselhos de Contas dos Municí pios, devem seguir os pri .ncípios informadores do modelo jurídico federal, ins culpidos siste1naticamente nesta Constituição, em especial nos arts. 70 usque 75, adequando-se, por sua competência legiferante, às suas peculiaridades lo cais. Atualmente, no Brasil, existem apenas Tribunais de Contas municipais em São Paulo e no Rio de Janeiro, que já existiam antes do advento da CF/88, haja vista que em seu art. 31, § 4°, a Carta Política proibiu a instituição de novas Cortes municipais. Além das Constituições estaduais e Leis Orgânicas munici pais, a legislação complementar e regulamentar, considerando-se o sistema es calonado de normas, deve obediência ao modelo federal aqui preconizado, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. No mesmo diapasão do caput, compete ao legislador constituinte estadual, em ra2undo turno. Nesse particu lar, o impasse é resolvido pelo§ 5° do art. 77, que classifica o candidato mais idoso para participar do segundo turno. Em situações análogas, como a igual dade de votos no segundo tun10 da eleição presidencial, a Constituição não fornece, ao menos de modo expresso, critério subsidiário. Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. A posse nos cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República consti tui ato solene a ser realizado perante o Congresso Nacional, reunido em sessão conjtmta (art. 57,§ 3°, III). Caso o Legislativo não esteja retmido, será convo cado extraordinariamente pelo Presidente do Senado Federal para essa finali dade específica (art. 57,§ 6°, I). É a posse o ato pelo qual o candidato eleito ma nifesta formalmente sua aceitação ao cargo, bem como às responsabilidades, obrigações e prerrogativas a ele inerentes. Juntamente à posse, é prestado pe rante o Congresso Nacional o respectivo "compromisso de manter, defender e cun1prir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasi leiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil''. Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago. A Constituição assina o prazo de dez dias para que o Presidente e o Vice-Pre sidente da República tomem posse e assumam seus cargos, sob pena de que se jam declarados vagos. O prazo passa a fluir a partir da data fixada para a pos se que, de ordinário, é prevista para 1 ° de janeiro do ano seguinte ao da eleição presidencial (art. 82). Transcorridos os dez dias sem que a posse tenha se reali zado, o cargo será declarado vago, salvo motivo de força maior. Ou seja, caso o Presidente ou o Vice-Presidente da República fique iinpossibilitado de tomar posse por causa alheia à sua vontade - inevitável e imprevisível - não haverá vacância, apesar de escoado o prazo estipulado pela Constituição. Nesse caso, ficam excepcionalmente assegurados o resultado da eleição e a posse do Presiden te e do Vice-Presidente da República, mesmo após o decurso do decêndio cons titucional. O motivo de força maior deverá ser, ademais, objeto de comprova-
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ção. O juízo sobre a sua ocorrência e a declaração de vacância do cargo situa-se na esfera de competência do Congresso Nacional. Se a posse e o respectivo com promisso são tomados perante o Congresso, a ele deve caber, por decorrência lógica, a) o reconhecimento da inobservância do prazo constitucional e b) o exame sobre eventual motivo de força maior, e assim c) a consequente decla ração de vacância do cargo. Trata-se da solução interpretativa que, na falta de e>q,ressa disposição constüucional, melhor se ajusta à sistemática em vigor. Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder -lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente. A principal função do Vice-Presidente consiste em assumir a Presidência da República nas hipóteses de impedimento de seu titular ou de vacância do car go. Há impedimento quando o titular fica privado, por razões de fato ou de di reito, voluntárias ou não, de exercer as atribLúções do cargo. A vacância, por sua vez, ocorre quando o cargo fica sem titular, ou seja, é o estado resultante da per da do cargo, seja por causa natural (por exemplo, morte), voluntária (por exem plo, renúncia) ou jurídica (por exemplo, condenação por crime de responsabi lidade). Desse modo, havendo Ílnpedunento, cabe ao Vice-Presidente substituir o titular até que cesse sua causa. Em caso de vacância, ao Vice-Presidente cum pre suceder o Presidente da República, passando a exercer o cargo na condição de titular até o final do mandato. A substituição é, como regra, transitória, ao passo que a sucessão implica a assLmção definitiva do cargo até a conclusão do período do antecessor. De outra parte, é corrente na prática constitucional bra sileira qualificar o afastamento do país pelo Presidente da República em viagem oficial como causa de impedimento, passível, portanto, de substituição pelo Vi ce-Presidente. Em outros ten1pos, porém, tal prática encontrava justificativa plausível nos sérios obstáculos decorrentes da precariedade dos meios de comu nicação e de transporte, que tornavam unpraticável ao Presidente, à distância, tomar decisões, chefiar a ad111Íl1istração e informar-se devidamente sobre as principais questões nacionais do momento. A realidade do mundo contempo râneo, porém, é outra. O avanço tecnológico, o incremento dos meios de comu nicação e de transporte, bem como o advento da internet, permitem, de algum modo, descaracterizar como impedimento o afastamento temporário do Presi dente da República para viagens oficiais. Atualmente, o exercício das atribuições presidenciais é plenamente factível, ainda que em território estrangeiro. Con vém, nesse ponto, rever o alcance do comando constitucional. Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atri buições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presi dente, sempre que por ele convocado para missões especiais.
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A Constituição não reserva competências próprias ao Vice-Presidente, res salvados os casos de substituição e sucessão do Presidente da República (art. 79, caput), bem como a participação nos conselhos da República (art. 89, I) e de Defesa Nacional (art. 91, 1). Admite, porém, que lei complementar lhe con fie tarefas e atribuições. Na mesma linha, o Presidente da República pode re correr ao auxílio do Vice-Presidente, convocando-o para missões especiais. Em ambos os casos, é vedado conferir ao Vice-Presidente atribuições privativas de feridas constitucionalmente a outros órgãos, poderes e autoridades, inclusive ao próprio Presidente da República. As missões diretamente confiadas pelo Pre sidente da República, além de dispensar fundamento jurídico em lei comple mentar, devem ter marcadamente caráter especial, que refoge ao ordinário. Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Além do Vice-Presidente, a ordem de substitutos do Presidente da Repúbli ca contempla respectivamente os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do STE Determina a Constituição, neste ponto, que, em caso de impedimento ou vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da Re pública, proceder-se-á a devida substitniç,'io, observada a precedência definida no art. 80. Importante ressaltar que, salvo o Vice-Presidente, as demais autori dades apenas substituem, não ocupando a Presidência da República mediante sucessão. Vagos os cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República, deve ser realizada nova eleição nos termos do art. 81. Descabe, portanto, falar e1n sucessão pelos Presidentes da Câmara, do Senado ou do STF, pois não se trata de assunção definitiva ao cargo na condição de titular pelo resto do mandato. Assün, até a posse do novo Presidente eleito (art. 81), o cargo será exercido transitoriamente pela autoridade competente segundo a ordem estabelecida neste artigo, caracterizando caso de substituição, e não de sucessão. Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Repúbli ca, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a últüna vaga. Em caso de vacância no cargo de Presidente da República, sucede-lhe, nos termos do art. 79, o titular do cargo de Vice-Presidente. Se, porém, ficarem va gos os cargos de Presidente e Vice-Presidente, impõe o texto constitucional a realização de nova eleição. Ocorrendo a vacância no primeiro biênio do man dato presidencial, o novo pleito será realizado noventa dias após a abertura da última vaga, aplicando-se, de resto, as normas que regem ordinariamente o
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processo eleitoral. De outra parte, havendo titular no exercício da Presidência da República, eventual vaga na Vice-Presidência não suscita nova eleição, nem outra modalidade de preenchimento do cargo. § 1 ° Ocorrendo a vacância nos últi1nos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Também no último biênio do mandato presidencial, caso resultem vagos os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, haverá nova eleição. Nes se caso, porém, o pleito será realizado no prazo máximo de trinta dias conta dos da última vaga. Ademais, a eleição será indireta, realizada pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Isto é, a disciplina desse processo eleitoral extraor dinário requer lei específica que defina os parâmetros normativos mínimos do certame. Por sua vez, a Lei n. 4.321, de 07.04.1964, tem como objeto a eleição indireta no último biênio do mandato, sendo, em grande parte, compatível com a Constituição de 1988. No entanto, a sua recepção ante a Constituição de 1967 e a Emenda n. 1/69 não remanesce isenta de dúvidas. § 2 ° Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o p eríodo de seus antecessores. O mandato dos candidatos eleitos no pleito realizado por força da vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República restringe-se ao tempo que resta para o final do período normal do governo do antecessor. Não há, portanto, inauguraç.10 de novo período de quatro anos (art. 82), tanto no caso de eleição direta - que será realizada caso a vacância ocorra no primeiro biê nio do mandato - como no de eleição indireta - a ser promovida na hipótese de vaga no segundo biênio. Os novos titulares deverão apenas completar o pe ríodo iniciado pelo antecessor. Art. 82. O mandato do Presidente da República é de 4 (quatro) anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição. Artigo com redação dada pela EC n. 16, de 04.06.1997. Ê característica essencial da forma republicana de governo a limitação tem poral do mandato do chefe de Estado. Nessa linha, o texto constitucional defi niu originariamente em cinco anos o mandato do Presidente da República. Mais tarde, reduziu-se - a partir da ECR n. 5, de 07.06.1994 - o período para quatro anos. O limite de quatro anos alcança também o mandato do Vice-Pre sidente. O texto constitucional designou, ademais, o dia 1° de janeiro do ano
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seguinte à eleição como a data de início do mandato presidencial. Como regra, é nesse dia que ocorre a sessão do Congresso Nacional em que o Presidente e o Vice-Presidente da República tomam posse e prestam compromisso (arts. 57, § 3°, III, e 78). A magnitude de solenidades como essa certamente ultrapassa as fronteiras do país. É comum - e previsível - que, além das autoridades nacio nais, autoridades estrangeiras, representantes de outras nações - inclusive che fes de Estado - e emissários de organismos internacionais tenham interesse em presenciar cerimônia de tamanho significado. Entretanto, a proximidade da data constitucionalmente assinalada para o início do mandato e, por conse guinte, a sessão de posse - 1 ° de janeiro - com os festejos de fim de ano acaba por inviabilizar a presença de autoridades nacionais e estrangeiras. Na prática, a sessão de posse do Presidente da República ganha a desleal concorrência das festividades natalinas, diminuindo o prestígio político que poderia alcançar. Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo. Para que o Presidente e o Vice-Presidente da República se ausentem do país por período superior a quinze dias, requer o texto constitucional o cumpri mento de formalidade específica. Seu afastamento, nessa hipótese, fica condi cionado à licença do Congresso Nacional (arts. 49, III e 83), a ser veiculada me diante decreto legislativo. Caso o Presidente e o Vice-Presidente da República afastem-se do país sem a observância desse requisito, incorrerão em infração sujeita à perda do cargo. O afastamento por período inferior a quinze dias dis pensa a manifestação do Congresso Nacional. A Constituição silenciou, porém, quanto à competência para decretar, no caso, a perda do cargo. Contudo, sen do a e1nissão da licença atribuição do Congresso Nacional, a sistemática cons titucional sugere que seja tambén1 competência congressual o exame da inob servância de tal formalidade e a decretação da perda do cargo. Seção li
Das Atribuições do Presidente da República A segunda seção do Capítulo referente ao Poder Executivo é dedicada a de finir as atribuições do Presidente da República. É composta apenas pelo art. 84, que estabelece as competências privativas do Presidente da República, bem como as hipóteses em que seu exercício cabe ser delegado. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
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Este dispositivo relaciona as atribuições constitucionalmente reservadas ao Presidente da República. Cuida-se de suas competências privativas, ou seja, das tarefas que cabem ser desempenhadas somente pelo próprio Presidente. É cer to, porém, que, de forma excepcional, algumas delas podem ser exercidas, me diante delegação presidencial expressa, por outras autoridades, notadamente os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (art. 84, parágrafo único). Em geral, as competências listadas no art. 84 guardam direta vinculação com as funções de chefe de Estado, chefe de gover no e chefe da administração. Ou seja, evidenciam a adoção do sistema presi dencialista de governo, que tem como característica basilar a concentração de tais funções em apenas um titular. I- nomear e exonerar os Ministros de Estado;
Os Ministros de Estado têm como função precípua o auxilio do Presidente da República no exercício de suas atribuições. O perfil unipessoal do Poder Exe cutivo no sistema político brasileiro enseja que seus principais auxiliares não tenham sua designação submetida a qualquer outra autoridade ou instância política. Suas nomeação e exoneração ficam sujeitas à livre disposição do Pre sidente da República. São cargos da sua estrita confiança. No entanto, a práti ca constitucional brasileira tem admitido que autoridades integrantes do Po der Executivo cuja nomeação dependa de aprovação de outra esfera de poder-como o presidente do Banco Central e diretores de agências reguladoras (art. 52, III) - possam ter seus cargos definidos em lei como de Ministros de Estado. Desse modo, dependendo do que detem1inar a legislação en1 vigor, poderá ha ver duas espécies de ministros: a) os de livre nomeação do Presidente e b) aque les cuja escolha depende não apenas da indicação presidencial, mas també1n da aprovação de outro órgão ou poder. II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; Ao reservar ao Presidente da República o exercício da "direção superior da administração federar: o texto constitucional reconhece-o como instância má xima da estrutura administrativa da União. A defü1ição sobre questões atinen tes à ad1ninistração pública federal - tais como metas, licenças, aplicação de recursos e processos administrativos - deve observar as determinações estabe lecidas pelo Presidente da República, na condição de autoridade máxima do aparato administrativo. Os Ministros de Estado, desse modo, exercem impor tante função ancilar, sujeitando sua atuação - principalmente na supervisão, na coordenação e na orientação dos órgãos e entidades da administração vin-
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culados à área de sua competência (art. 87, parágrafo único)-às diretrizes im postas pelo titular do Poder Executivo. III-iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; Refoge aos cânones da teoria clássica da divisão dos poderes, conforme enun ciada por Montesquieu (cf. O espírito das leis, livro XI, cap. VT), a participação do chefe do Poder Executivo no processo legislativo mediante a apresentação de projetos de lei. Trata-se de competência decorrente do fortalecimento da chefia de governo que caracteriza os modelos políticos contemporâneos. Nessa condi ção, incumbiu-se o Presidente da República de formular e oferecer proposições legislativas que correspondam, em substância, à plataforma política do gover no que representa. Desse modo, é reconhecida ao Presidente a competência para "iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos" na Constituição. A redaç,'ío do preceito constitucional impõe, nesse caso, importante elemento limitador, que autoriza a iniciativa presidencial apenas "na forma e nos casos" definidos pela Lei Maior. Assim, em deter minados assuntos, o poder de iniciar o processo legislativo é privativo do Presidente da República (art. 61, § 1 °, da Constituição). Em alguns deles, o texto constitucional estabelece, ademais, li nútações sobre a oportunidade do exercício da iniciativa legislativa. É o que ocorre, por exemplo, com o projeto que define a revisão geral da remuneraç,'ío dos servidores públicos federais, que, nos termos do art. 37, X, deve ser realizada anualmente, ou seja, a proposiç,'ío legislativa deve ser encaminhada pelo Presi dente da República a cada ano. Restringe-se, nesse particular, a prerrogativa pre sidencial de eleger, de modo discricionário, o momento para apresentar a pro posta. De outra parte, tan1bém cabe ao Presidente da República o exercício da iniciativa genérica, isto é, a competência para oferecer projetos de lei sobre ma térias que não se subn1etem à iniciativa privativa de qualquer outra autoridade. IV-sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; Atribui-se ao Presidente da República, segundo este dispositivo, a consecu ção dos atos conclusivos do processo legislativo. Cabe-lhe"sancionar, promul gar e fazer publicar as leis''. A sanção-expressa ou tácita-corresponde à con cordância por parte do Presidente da República em relação ao projeto de lei aprovado e encaminhado pelo Poder Legislativo. Cuida-se de ato que conver te a proposição legislativa em lei, ultimando - como regra geral - o processo de elaboração do diploma legal. Evidentemente que, tendo o Presidente veta do o texto proposto, a rejeição congressual do veto também resulta na conclu-
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são do iter legislativo, transformando igu almente o projeto em lei. Já a promulga ção constitui ato posterior à elaboração stricto sensu da lei. Designa o exercício do poder de certificar a regularidade do processo de formação da lei, sua exis tência, bem assim sua aptidão para produzir efeitos. No entanto, cumpre sa lientar não ser a promulgação das leis atribuição propriamente privativa do Presidente da República. O texto constitucional cogita da negativa presidencial em promulgar leis que não tenham obtido sanção expressa. Em tais casos - san ção tácita ou rejeição congressual de veto-, a Constituição admite que a pro mulgação seja levada a efeito pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente do Sena do Federal (art. 66, § 7°). Ademais, a prática constitucional brasileira tem legitimado a promulgação pelo Presidente do Congresso Nacional de diploma derivado do processo de conversão em lei de medida provisória, desde que essa não tenha sido objeto de modificações durante a sua tramitação. Por seu tur no, resulta a publicação na competência presidencial de dar conhecimento pú blico do teor do novo diploma legal. Configura, assim, condição indispensável para suas eficácia e observância. O preceito ora em exame confere, ainda, ao Presidente o poder de "expedir decretos e regulamentos" para a "fiel execução" das leis. Na qualidade de chefe da administração federal, compete-lhe tomar as providências necessárias para dar execução à legislação aprovada. Entre essas providências encontra-se o poder de editar regulainentos: instrumentos nor mativos de caráter secundário que explicitam e determinam as medidas ad111i nistrativas básicas à consecução dos ditames legais. Nesse sentido, o poder re gulamentar é confiado ao Presidente da República com a finalidade de dar "fiel execução" à lei. Isto é, aos decretos regulamentares descabe inovar no ordena mento jurídico, devendo restringir-se aos limites in1postos pelo texto legal. A lei é o lin1ite e o fundamento do poder regulamentar. V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; Na fase conclusiva do processo de elaboraÇ..'tin ção, nesse particular, submetida a decreto presidencial de caráter autônomo. VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus repre sentantes diplomáticos; A função de chefe de Estado, exercida pelo Presidente da República, implica a representação do país, em sua totalidade, perante a c01nunidade internacio nal. Nessa perspectiva, a Constituição reconhece ao titular do Poder Executivo a competência privativa para "manter relações com Estados estrangeiros". Cum pre-lhe, também, "acreditar seus representantes diplomáticos". Assim, no âm bito das relações u1ternacionais, o Presidente da República conta com agentes diplomáticos para representá-lo nesta tarefa. Tais representantes, para assumi rem suas respectivas missões, recebem credenciais por parte do chefe de Esta do. A representação diplomática do Presidente encontra, desse modo, fu ndamen to na credencial por ele outorgada. Ê com ela que o representante se apresenta perante o Estado estrangeiro ou a organização internacional para desempenhar sua missão diplomática. VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
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Da representação do país em âmbito internacional, que recai sobre a figura do Presidente da República enquanto chefe de Estado, decorre a competência para celebrar acordos com os demais países, bem assim com organismos inter nacionais. Desse modo, o texto constitucional confia privativamente ao Presiden te da República o poder de "celebrar tratados, convenções e atos internacionais': constituindo-o como únka autoridade habilitada para asswnir compromissos em nome do país perante a comunidade internacional. Trata-se, ademais, de competência que não se sujeita à delegação (art. 84, parágrafo único), o que pode lançar dúvidas sobre a constitucionalidade de determinados tratados fir mados, não pelo Presidente, mas por Ministros de Estado ou mesmo por agen tes diplomáticos, na condição de plenipotenciários. Os tratados, convenções e atos internacionais, depois de celebrados pelo Presidente da República, são submetidos a "referendo do Congresso Nacional" (art. 49, I) para que, se apro vados, passem a integrar o direito positivo interno. Cabe, ainda, ao Presidente da República, após a aprovação de instrumento normativo internacional pelo Legislativo, promulgar seu texto mediante decreto, conferindo-lhe executorie dade no âmbito do ordenamento jurídico pátrio. IX- decretar o estado de defesa e o estado de sítio; Ao Presidente da República cabe, no exercício da função de chefe de Estado, promover e proteger os valores e objetivos permanentes do Estado e da Consti tuição. Em situações de grave crise em que tais valores e objetivos estejam seria mente ameaçados, é tarefa do chefe de Estado tomar as medidas necessárias ainda que em caráter extraordinário - para resguardá-los e, consequentemente, restaurar a normalidade institucional. Para isso, o texto constitucional apare lha o Presidente da República com instrumentos jurídicos de extrema gravida de de modo a fazer frente a tais circunstâncias. Entre esses instrwnentos en contram-se o estado de defesa (art. 136) e o estado de sítio (arts. 137 a 139). Cumpre salientar, porém, que a decretação de estado de sítio e a de estado de defesa, muito embora configurem competência privativa do Presidente da Re pública, submetem-se à apreciação do Congresso Nacional. No caso de estado de defesa, o Congresso deverá decidir por maioria absoluta sobre o seu cabimen to em dez dias contados do recebimento do respectivo decreto (art. 136, § 6°). Já a decretação de estado de sítio é condicionada à autorização por maioria ab soluta do Legislativo, isto é, depende de deliberação congressual prévia para que seja levada a efeito (art. 137, parágrafo único). X- decretar e executar a intervenção federal;
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Na mesma linha do inciso IX, o inciso X do art. 84 agrega à esfera de compe tências do Presidente da República outra prerrogativa de natureza excepcional, que tem por finalidade manter e defender valores fundamentais do Estado e da Constituição. Nesse caso, fica reservada ao Presidente a tarefa de "decretar e executar a intervenção federal'; mecanismo constitucional voltado à defesa da forma federativa de Estado. A decretação de intervenção federal tem cabimen to apenas em face da ocorrência de uma das hipóteses elencadas no art. 34 do texto constitucional. Embora configure competência privativa do Presidente da República, a decretação de intervenção federal fica sujeita à apreciação de outros órgãos ou Poderes, conforme o caso, segundo o disposto no art. 36. Tam bém compete ao Presidente da República a execução da intervenção federal. Nesse sentido, além de estabelecer as bases da intervenção, o Presidente a exe cutará mediante a atuação de um interventor por ele nomeado (art. 36, § 1°). Em deternünados casos, porém, o decreto de intervenção pode limitar-se "a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabeleci mento da normalidade" (art. 36, § 3°). XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; Ao Presidente da República cumpre, por ocasião da abertura de cada sessão legislativa ordinária - que ocorre, como regra, no dia 2 de fevereiro de cada ano (art. 57) -, encaminhar ao Congresso Nacional mensagem e plano de governo. Devem constar de tais documentos: a) a exposição da situação do país, bem as sim b) a solicitação das providências que o Presidente julgar necessárias. Ape sar da dimensão que formalidades como essa assumem em outros sistemas po líticos, não há repercussão de maior significado na sua realização em face da ordem constitucional vigente no país. Cabendo ao Presidente da República, en tre outras prerrogativas, oferecer projetos de lei e editar medidas provisórias, fica minimizada a importância das solicitações formuladas. Ademais, o plano de governo apresentado solenemente ao Congresso Nacional não tem alcança do o condão de obrigar o chefe do Poder Executivo. Ao contrário, encontram -se na prática constitucional brasileira casos em que iniciativas legislativas de origem presidencial confrontam textualmente com os termos do plano de go ven,o enviado ao Legislativo, sem que daí tenha derivado qualquer reflexo ju rídico específico. Isto é, a mensagem e o plano de governo têm gerado, no má ximo, compromissos de natureza política, destituídos, portanto, de qualquer caráter vinculativo em relação à atuação do Presidente da República.
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XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; Constitui o poder de graça prerrogativa que, historicamente, compõe o per fil funcional dos chefes de Estado. Remonta a essa tradicional prerrogativa a atribuição de "conceder indulto e comutar penas", conferida pelo texto cons titucional ao Presidente da República. O indulto implica extinção da punibili dade. Libera do cumprimento da pena, ou do que lhe resta, o condenado por sentença criminal transitada em julgado. A comutação da pena, por sua vez, consiste na substituição da sanção judicial aplicada por outra, geralmente mais branda. Como regra geral, o Presidente da República pode impor critérios, con dicionamentos e limitações para que o condenado seja indultado ou tenha sua pena comutada. O indulto e a comutação da pena não afastam, porém, os efei tos civis e administrativos que decorrem da condenação criminal. É vedado, de outra parte, o exercício dessa atribuição presidencial em face de condenação pela prática de tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes, bem como aquelas infrações definidas em lei como crimes hediondos. Conforme dispõe o art. 5°, XLIII, da Constittúção, tais delitos são "insuscetíveis de graça': que como se viu - compreende o indulto e a comutação da pena. O texto constitu cional assevera, ainda, que o Presidente da República pode, caso entenda ne cessário, ouvir os "órgãos instituídos em lei" previamente ao exercício de sua competência. XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; Inciso com redação dada pela EC n. 23, de 02.09.1999. O te>..1:o constitucional reconhece ao Presidente da República o supremo co mando e a direção das Forças Armadas. Assim, confere-lhe o mais alto posto da hierarquia militar no país. Naturalmente, o exercício dessa atribuição deve fazer-se nos limites da lei, com a observância dos critérios de hierarquia e dis ciplina que informam, segundo o art. 142, a organização das Forças Armadas. Cabe, também, ao Presidente da República a nomeação dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Cuida-se, nesse ponto, de determina ção explicitada a partir da EC n. 23/99, que introduziu a figura do Ministério da Defesa em substituição aos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aero náutica. Assim, com a finalidade de preservar semelhante regime de nomeação do comando das Forças Armadas, foi necessário dar nova redação ao inciso XIII do art. 84. Ou seja, além do Ministro da Defesa (art. 84, [), é competência
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privativa do Presidente da República nomear os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Inclui-se, ainda, no âmbito das atribuições presi denciais a promoção dos oficiais-generais e a sua nomeação para os cargos que lhe são privativos. XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os direto res do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;
O texto constitucional reserva ao Presidente da República a prerrogativa de escolher e, após aprovação do Senado Federal, nomear os ocupantes dos car gos de Ministro do STF e dos Tribunais Superiores, bem assim de Governador de Território, de Procurador-Geral da República, e de presidente e diretor do Banco Central. Em tais casos, a participação do Presidente da República ocor re, primeiramente, na indicação do nome e após arguição e aprovação do Se nado Federal (art. 52, III), cabe-lhe ultimar a nomeaç,10. A Constituição admi te, ainda, que a lei possa impor o mesmo procedimento à nomeação de outros servidores, submetendo-os, a priori, à apreciação senatorial co1no condição para que seja111 nomeados. Esse é, justamente, o caso dos diretores de diversas agências reguladoras. XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; É, também, competência privativa do Presidente da República promover a
nomeação dos Ministros do Tribunal de Contas da União. Segundo expressa detenninação constitucional, o exercício dessa atribuição deve, contudo, ob servar o disposto no art. 73, que, entre outras questões, estabelece os requisi tos exigidos para a ocupação do cargo, bem como o procedimento de indica ção. Desse modo, cabe ao Presidente da República (art. 73, § 2°, I) escolher um terço dos Ministros, "sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tri bunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento''. Os outros dois ter ços são apontados pelo Congresso Nacional. Os indicados do Presidente da Re pública devem ser aprovados, mediante votação secreta, pela maioria absoluta dos Senadores (art. 52, III, b) para, enfim, serem nomeados. Tal procedimento é, porém, dispensado no caso dos indicados pelo Congresso Nacional, que, a exemplo dos demais, tem sua nomeação formalizada em ato do Presidente da República, em face da atribuição constante do art. 84, XV, da Constituição.
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XVI-nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União; O texto constitucional cuidou no inciso XIV do art. 84 da competência para nomeação dos integrantes do STF e dos Tribunais Superiores. Desse modo, o preceito que define a atribuição do Presidente da República para "nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição", logicamente não os al cança. Os magistrados a que se refere o presente inciso não dependem de apro vação do Senado Federal para serem nomeados; não se sujeitam ao regime do art. 52, III, da Constituição. Trata-se aqui, principalmente, dos membros dos Tribunais Regionais Federais (art. 107) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (art. 115), bem como dos integrantes oriundos da classe dos advogados dos Tribunais Regionais Eleitorais (art. 120, § 1°, III). Cabe, também, ao Presiden te da República a nomeação do Advogado-Geral da União. Tal atribuição, atual mente, apresenta sobreposição aparente com a competência instituída no in ciso I do art. 84, visto que a legislação vem, já há algum tempo, considerando Ministro de Estado o titular da AGU. XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII; O texto constitucional reserva ao Presidente da República a prerrogativa de nomear membros do Conselho da República, órgão superior de consulta do chefe do Poder Executivo. O exercício dessa atribuição fica, contudo, sujeito aos termos do art. 89, VII. Ocorre que a Constituição já define, a priori, oito dos membros que compõem o Conselho. O inciso VII do art. 89 reconhece ao Presidente da República o poder de nomear dois membros entre "cidadãos bra sileiros natos, com 1nais de trinta e cinco anos de idade': para o exercício de mandato de três anos, vedada sua recondução. Cabe, ainda, às Casas do Con gresso Nacional eleger, cada uma, outros dois integrantes com os mesmos re quisitos. Ou seja, a competência do Presidente da República resume-se, nesse particular, à nomeação de dois conselheiros, além do Ministro da Justiça, no meado nos termos do art. 84, I.
XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; O Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional são órgãos que integram a estrutura político-administrativa do Poder Executivo, tendo como função pronunciar-se sobre assuntos de relevo ao Estado brasileiro. Consti tuem, segundo a literalidade do texto constitucional (arts. 89 e 91 ), órgãos de
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consulta do Presidente da República. Desse modo, o art. 84, XVIII, da Consti tuição, insere na esfera de competência do Presidente da República a prerro gativa de convocá-los e presidi-los. Assim, cabe-Lhe, não apenas requerer o com parecin1ento dos membros dos respectivos Conselhos, mas também exercer a direção de suas reuniões e atividades. XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no interva lo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; Na condição de chefe de Estado, cabe ao Presidente da República adotar me didas extremas diante de situações de gravidade excepcional, que coloquem em risco a Constituição, o Estado e a sociedade brasileira. É o caso das agressões estrangeiras. O texto constitucional, desse modo, confia ao Presidente da Re pública, ante a ocorrência de situações dessa espécie, o poder de declarar guer ra e decretar a mobilização nacional. A declaração de guerra em resposta à agressão estrangeira não se submete, porém, exclusivamente ao juízo presiden cial; ela fica sujeita à autorização do Congresso Nacional (art. 49, II), que, como regra, deve ocorrer previainente ao ato presidencial. Em caso de recesso parla mentar, no entanto, cabe ao Presidente da República, desde logo, declarar guer ra, cumprindo ao Congresso decidir posteriormente sobre sua ratificação. A decretação de mobilização nacional sujeita-se, segundo expressa determinação constitucional, às mesmas condições da declaração de guerra. Assim, somente pode ocorrer em virtude de agressão estrangeira. O uso desse instrumento foi disciplinado pela Lei n. 11.631, de 27.12.2007. Segundo o disposto em seu art. 2°, 1, mobilização nacional constitui "o conjunto de atividades planejadas, orien tadas e empreendidas pelo Estado, complementando a Logística Nacional, des tinadas a capacitar o País a realizar ações estratégicas, no campo da Defesa Na cional, diante de agressão estrangeira". Ademais, o legislador, ao interpretar o art. 84, XIX, da Constituição, acabou por determinar a sujeição do decreto de mobilização nacional à autorização do Congresso Nacional, nos mesmos ter mos exigidos para a declaração de guerra (art. 4° da Lei n. 11.631/2007). XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Na cional; A celebração da paz, a exemplo da declaração de guerra, constitui atribuição privativa do Presidente da República. O texto constitucional coerentemente es tabeleceu ritos semelhantes para o exercício de ambas as competências. Assim, para celebrar a paz, o juízo presidencial é necessário, mas não suficiente. Exi-
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ge-se também a aprovação pelo Congresso Nacional. No entanto, o texto cons titucional não ordena expressamente a sequência dos atos, admitindo que a deliberação congressual seja a priori ou a posteriori do ato presidencial. Poder -se-ia considerar, por simetria, que impende observar a mesma sequência exi gida para a declaração de guerra, ou seja, a manifestação congressual seria pos terior apenas na hipótese de recesso parlamentar. Todavia, cumpre notar que a celebração da paz geralmente ocorre mediante tratado ou acordo internacio nal. Nesse sentido, impõe-se, no caso, o iter aplicável aos atos internacionais, definido no art. 84, VIII, da Constituição. Ou seja, a apreciação parlamentar deve ocorrer, como regra, após a atuação do Presidente da República. XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas; Insere-se na esfera de competência do Presidente da República a prerrogati va de "conferir condecorações e distinções honoríficas': Trata-se de atribuição de natureza protocolar voltada a homenagear, em caráter oficial, autoridades e personalidades de relevo no cenário nacional e internacional. XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam tem porariamente; O trânsito de forças estrangeiras pelo território nacional ou a sua temporá ria permanência nele submetem-se à emissão de ato permissivo do Presiden te da República. A decisão quanto à pennissão, poré111, não se subordina exclusivamente ao juízo discricionário do Presidente. Somente cabe ser conce dida nos casos definidos em lei complementar. Atualmente, a matéria é disci plinada pela LC n. 90, de 01.10.1997. Ressalte-se, ainda, que o texto constitu cional confia ao Congresso Nacional a competência para autorizar a permissão do Presidente da República, "ressalvados os casos previstos em lei complemen tar" (art. 49, II). Em face do quadro constitucional ora descrito, a LC n. 90, de 1997, em seu art. 1 °, listou os casos em que o Presidente da República poderá emitir permissão, sem a necessidade de manifestação congressual. O parágra fo único do mesmo artigo dispõe que, nos demais casos, a permissão depen derá necessariamente de autorização do Congresso Nacional, ouvido o Con selho de Defesa Nacional. XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;
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O envio do plano plurianual, do projeto de lei de diretrizes orçamentárias e das propostas de orçamento - definido no inciso XXIIT do art. 84 como compe tência privativa do Presidente da República - consubstancia-se na apresenta ção ao Congresso Nacional de proposições legislativas de iniciativa reservada do Presidente da República. Trata-se, prima facie, da prerrogativa assegurada no art. 165 do texto constitucional. Ou seja, o inciso XXIII do art. 84 especifi ca atribuição que, sob certo aspecto, já estaria abrangida pelos termos do inci so III do próprio art. 84, que reconhece ao Presidente da República o poder de "iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constitui ção''. O texto constitucional, nesse particular, faz alusão à competência para "iniciar o processo legislativo" relativamente às proposições de conteúdo orça mentário. X.XIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessen ta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exer cício anterior; Cumpre ao Presidente da República prestar contas ao Congresso Nacional. Tal atribuição, definida no inciso XXIV do art. 84, corresponde à competência do Poder Legislativo para "julgar anualmente as contas prestadas pelo Presi dente da República" (art. 49, IX), após exame, mediante parecer prévio, do Tri bunal de Contas da União (art. 71, I). Desse modo, a prestação de contas im plica, no caso, genuíno poder-dever, na medida e1n que seu exercício não se sujeita ao juízo de conveniência e oportunidade do chefe do Poder Executivo. Cuida-se, na verdade, de imposição constitucional a ser compulsoriamente ob servada dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa. Nesse pra zo, devem ser apresentadas as contas referentes ao exercício anterior. O descum primento da exigência no prazo assinalado autoriza a Câmara dos Deputados a proceder à to1nada das contas do Presidente da República, conforme o dis posto no art. 51, II, da Constituição. X.XV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; O provimento e a extinção dos cargos públicos federais constituem tarefas submetidas à competência privativa do Presidente da República. Trata-se, con tudo, de atribuição que deve ser exercida "na forma da lei''. Tanto o provimen to quanto a extinção de tais cargos sujeitam-se ao princípio da legalidade. Conforme o art. 48, X, da Constituição, cabe à lei dispor sobre "criação, trans formação e extinção de cargos, empregos e funções públicas". Em caso de va cância de funções e cargos públicos, fica o próprio Presidente da República au torizado a dispor diretamente sobre sua extinção mediante decreto autônomo
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(art. 84, VI, b). Não são, porém, todos os cargos públicos federais que são pro vidos segundo a competência estabelecida no inciso XX.V do art. 84. O texto constitucional contempla hipóteses de provimento de cargos públicos federais por outras autoridades. São esses, por exemplo, os casos dos tribunais (art. 96, I, ce e) e do Ministério Público (art. 127, § 2°). XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; Entre os instrumentos normativos que compõem o processo legislativo, o te>..1:o constitucional contemplou a medida provisória com força de lei (art. 59, V). Trata-se de espécie de legislação de urgência, editada a título precário, que se sujeita à conversão em lei por parte do Congresso Nacional, nos termos do art. 62. A edição de medidas provisórias constitui competência privativa do Presidente da República. No entanto, o disposto no art. 84, XXVI, não exclui, segundo a prática consagrada pela jurisprudência do STF, que as Constituições Estaduais reconheçam atribuição semelhante aos Governadores de Estado. Cabe, ainda, cogitar da aplicação de raciocínio análogo em relação à esfera mu nicipal. XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição. Muito embora apresente e>..1:ensa relação, o art. 84 não é exaustivo quanto às competências do Presidente da República. Significa dizer que seus termos não excluem outras tarefas e atribujções confiadas ao Presidente pelo te>..1:0 consti tucional. O disposto no inciso XXVIl tem, nesse sentido, o objetivo de eviden ciar que o art. 84 não esgota as competências do chefe do Poder Executivo, ad rnitindo o exercício de outras atribuições previstas pela Constituição. Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações. Como regra geral, as competências reservadas ao Presidente da Repúbljca com base no art. 84 da Constituição são indelegáveis. Configuram atribuições de exercício privativo do chefe do Poder Executivo. No entanto, o parágrafo único do art. 84 admite, em caráter excepcional, que algumas dessas compe tências podem constituir objeto de delegação presidencial. Expressamente é conferido ao Presidente da República o poder de delegar o exercício de encar-
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gos e prerrogativas que lhe foram constitucionalmente atribuídos. Não é, po rém, qualquer autoridade que detém legitimidade para receber del egação e de sempenhar tais funções. O texto constitucional define como destinatários apenas os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República e o Advoga do-Geral da União. As competências que se sujeitam a esse regime são poucas. Somente podem ser delegadas atribuições para a) conceder indulto e comutar penas (art. 84, XII); b) prover cargos públicos federais (art. 84, X.XV, primeira parte); e c) dispor, mediante ato normativo autônomo, sobre organização e funcionamento da admii1istração federal, bem assün a extinção de funções e cargos públicos quando vagos (art. 84, VI). O ato de delegação dispensa fun damento em texto de lei. Constitui medida sujeita à esfera de discricionarieda de do Presidente da República, a quem cabe, observados os parâmetros constan tes do parágrafo único do art. 84, estabelecer condições e limites ao exercício da atribuição delegada. Trata-se, nessa perspectiva, de ato veiculado mediante decreto autônomo. Saliente-se, ainda, que a edição do ato de delegação não obsta o exercício da competência delegada pelo Presidente da República. A au torização para prática de atos de caráter presidencial não impede a aplicação da norma constitucional que confere a atribuição diretamente ao chefe do Po der Executivo. Tem o decreto de delegaç..1:0 constitucional, por exemplo. Só é possível fa lar em contrariedade do texto constitucional quando este contar, além da su premacia material, com a supremacia formal. A Constituição, escrita ou não, é a norma fundadora de um Estado, já que nela estão consignados sua organiza ção, a forma de aquisição e o exercício do poder, o rol de direitos fundamen tais, enfim, os preceitos básicos de conformação estatal. Em razão de sua impor tância, assume papel de destaque dentro de qualquer ordenamento jurídico, residindo aí sua supremacia material. No entanto, para que seja parâmetro de validade para as demais emanações do poder público, é preciso que ela possua
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supremacia formal, ou seja, deverá figurar no ápice da pirâmide normativa kel seniana. Mas não é qualquer Carta Constitucional que conta com tal hierar quia, para tanto é necessário que a Constituição de um Estado possua atribu tos que lhe garantam esse status. Tais qualidades são: priJneiro, ser fruto de um poder absoluto, ilimitado, inicial e incondicionado, que é o poder constituin te originário; em segundo lugar, ser uma Constituição rígida, ou seja, que pre veja mecanismo próprio e diferenciado para sua alteração, o que garante a sua intangibilidade em relação às demais espécies normativas que diferem do pro cedimento de modificação previsto. Nesses termos, tendo em vista que ao STF compete a proteção da Lei Constitucional brasileira, justifica-se a previsão da possibilidade de recurso para esta Corte Suprema quando uma decisão judi cial violar as premissas máximas de tal norma. No caso em análise, o STF esta rá realizando o chamado controle difuso, via incidental e concreto, no qual não há uma declaração formal da inconstitucionalidade, por não constituir o mé rito do processo. b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
Quando uma decisão declarar inconstitucional um tratado ou uma lei fede ral, igualmente será possível a utilização do recurso extraordinário para refor má-la. AssiJn como na hipótese anterior, trata-se de verificar a validade de atos normativos perante a Constituição, 1nediante controle difuso e incidental. Por lei federal entende-se todo e qualquer ato normativo proveniente da União, não se restriJ1giJ1do à lei propriamente dita. No que concerne aos tratados in ternacionais, há longo tempo pacificou-se o entendimento segundo o qual eles devem receber o mesmo tratamento da lei federal, posto que ao ingressar no ordenamento jurídico passam a ter status de norma infraconstitucional, não podendo violar a Constituição. Porém, com a EC n. 45/2004, que acrescentou o§ 3° ao art. 5°, nova questão surge. Isso porque, nos termos do referido dis positivo, os tratados sobre direitos humanos podem ingressar no nosso orde namento pelo mesmo procedin1ento de elaboração de uma EC, a ela se equipa rando. Doutro turno, o STF admite o questionamento da validade de emendas, por entender que são fruto de poder limitado, qual seja o poder reformador. Nesses termos, sempre que as emendas se afastarem dos limites formais, ma teriais e circunstanciais previstos no art. 60 do texto constitucional, podem ser declaradas inconstitucionais. Seguindo a mesma liJ1ha de raciocínio, quando um tratado internacional ingressar no ordenamento jurídico pátrio por meio de procedimento de emenda, a ela se equiparando, também poderá ser invali· dado se contrariar o texto constitucional. Assim, as decisões que entenderem, incidentalmente, que um tratado é inconstitucional podem ser reformadas por meio do recurso extraordinário.
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e) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; A hipótese em questão traz um tratamento diferente daquele das demais ali neas. Aqui o recurso extraordinário não será interposto contra decisão que invalide ato infraconstitucional ou que viole algwna norma constitucional. 1àl recurso será manejado quando a mencionada decisão entender que não existe afronta ou contrariedade ao texto constitucional. Isso ocorre quando, em determinado processo, é suscitada de maneira incidental, como uma questão prejudicial, a inconstitucionalidade de mna lei ou ato do governo local, por violar a Constituição, mas o tribunal não reconhece a contrariedade. Enten dem-se por lei ou ato do governo local todos aqueles provenientes dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, seja do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário estadual, municipal ou distrital. Para ser possível a interposição do recurso extraordinário, faz-se necessário que o julgado seja proveniente de úni ca ou última instância. Justifica-se a presente hipótese de cabimento de recur so extraordinário para permitir à corte constitucional brasileira o resguardo amplo da Carta Magna vigente, criando-lhe mais uma possibilidade de reali zar controle difuso.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Alfneo acrescentado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
A presente alínea foi acrescentada pela EC n. 45/2004. A hipótese em tela, ou seja, a decisão pela validade de lei local contestada em face de lei federal, era objeto de recurso especial interposto perante o STJ. A atribuição para o STJ apreciar recurso com esse objeto se justificava na medida em que é ele o tribu nal responsável pela manutenção da integridade da ordem jurídica federal. Tan to é assim que remanesce como sendo de sua competência apreciar, por meio do recurso especial, decisão que defina como válido ato do governo local contes tado em face de lei federal (art. 105, III, b). No entanto, o retorno ao tratamen to dado pela Constituição de 1967 à questão, atribuindo ao STF tal possibili dade, não fica desprovido de fundamento. Quando uma lei local é contestada em face de uma lei federal, o que se está analisando é o descumprimento de uma lei federal, que teve o seu âmbito de competência invadido por outro ente da federação. A atribuição de cada um dos entes da federação é matéria consti tucional e está prevista explícita e implicitamente na Carta Magna vigente. Por esse motivo, nada mais coerente do que designar ao STF a possibilidade de apreciar essa situação (Antônio Cláudio da Costa Machado). Destaca-se que lei local é aquela proveniente dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.
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§ 1° A arguição de descumpritnento de preceito fundamental, decorren te desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. Antigo parágrafo único renumerado pela EC n. 3, de 17.03.1993.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental prevista neste pa rágrafo compõe o rol das ações do controle concentrado brasileiro, juntamen te com a ADI, a ADC, a ADI por omissão e a representação interventiva. Sen do assim, tem por escopo realizar a análise abstrata da validade de lei ou atos do Poder Público frente à Constituição. Ao se referir a preceito, o dispositivo constitucional está fazendo alusão às regras e aos princípios constitucionais. Isso ocorre porque o termo em questão deve ser entendido como comando, or dem ou mandamento, o que implica coincidência entre a sua definição e a de norma jurídica, que, por sua vez, tem por espécies os princípios e as regras. Apesar da proximidade dos dois termos, o constituinte preferiu "preceito" para favorecer a técnica legislativa, deixando claro o que deveria ser protegido. Isso porque a terminologia "norma" não foi usada de maneira uniforme pelo texto constitucional, o que certamente daria margem a sentidos variados, que cau sariam acirradas e intermináveis disputas doutrinárias. O constituinte não criou rol taxativo ou exe1nplificativo de quais são os preceitos considerados funda mentais, permitindo uma flexibilização da jurisprudência em determinar o que é fundamental no m01nento em que se dá a interpretação da norma. Criou, portanto, um núcleo aberto, o que possibilita a proteção de um número maior de artigos, conforme as necessidades da realidade sempre mutante. Traçar um rol de preceitos fundamentais, no entanto, não é o mesmo que criar uma hie rarquia normativa entre os dispositivos da Constituição. Pode-se dizer que são preceitos funda111entais todas as normas constitucionais que tratam da essên cia da Constituição e da estrutura do Estado, como os arts. 1° a 3° e 18 a 43, entre outros, bem como os direitos fundamentais espalhados pelo texto cons titucional. Tudo que confere identidade à Constituição e é imprescindível para a ordem jurídica pátria é preceito fundamental. Diante de tais considerações, conclui-se que o âmbito de proteção do texto constitucional por parte da ADPF é mais restrito do que o da ADI, pois esta não tutela a incolumidade de toda a Constituição, mas apenas das normas constitucionais reconhecidas como fun damentais. Por outro lado, é preciso estabelecer qual o alcance da expressão "decorrente desta Constituição''. Alguns doutrinadores entendem ser possível aceitar preceitos não contidos diretamente na Constituição, mas que derivem dela, como objeto de tutela da ação em pauta. No entanto, ainda que o termo "decorrente" ofereça margem para as interpretações mais extensivas possíveis, deve-se ter o cuidado de conformá-las ao sistema de controle do qual faz par-
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te a ADPF. Sabe-se que a interpretação literal peca por não permitir a melhor adequação do sentido da norma, posto não levar em consideração o conjunto normativo em que está inserido o dispositivo nem as finalidades que pretende alcançar. Em face disso, prefere-se a interpretação sistemática e teleológica. Diante dessa lógica, se o controle de constitucionalidade é o mecanismo cria do para garantir a superioridade da Constituição, afirmar que a arguição pode ser usada para invalidar qualquer ato do poder público por ferir um preceito externo a esta Constituição, mas que de alguma forma dela deriva, seria o mes mo que elevar esse ato infraconstitucional ao status de parâmetro de validade, contando, portanto, ainda que indiretamente, com supremacia normativa so mente conferida à Carta Constitucional. Por todo o exposto, a melhor exegese da expressão seria admitir que a arguição pode ser usada não apenas para pro teger dispositivos explícitos, mas também preceitos implícitos dentro da Carta Magna. Em resumo, pode-se assumir que o descumprimento se dirige apenas aos atos do poder público, não estando preso, contudo, aos atos normativos e leis, mas sim a qualquer ato estatal. Vale ressaltar que a previsão constitucio nal da arguição foi formulada com baixa densidade normativa, sendo uma nor ma de eficácia limitada, necessitando de lei posterior para completá-la (Danie la de Melo Crosara). Por esse motivo, foi editada a Lei n. 9.882, de 03.12.1999, responsável pela regulamentação da arguição. § 2° As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declarató rias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vin culante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à adminis tração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 3, de 17.03.1993, e com redação dado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
O art. 102, § 2°, antes da EC n. 45/2004, tratava apenas dos efeitos das deci sões proferidas em sede de ADC. No entanto, a referida emenda inclui no dis positivo em análise as ações diretas de inconstitucionalidade, que terão os mes mos efeitos da ADC. Antes da EC n. 45/2004, os efeitos de tais ações estavam expressos apenas em norma infraconstitucional, qual seja, a Lei n. 9.868/99, pois não existia previsão constitucional nesse sentido. Conforme dito anterior mente, tanto as ações diretas de inconstitucionalidade quanto as ações decla ratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal pertencem ao controle concentrado. A ADC, especificamente, visa a declarar a validade da lei ou do ato normativo federal, pondo fim à controvérsia judicial em torno de sua constitucionalidade. O seu intuito é preservar a segurança jurídica e a im peratividade da lei, bem como a tutela da Constituição. Trata-se de uma ação
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diretamente oposta à ADI, que, por sua vez, pretende ver uma lei ou um ato normativo federal ou estadual declarados inconstitucionais. A decisão de mé rito prolatada nessas ações terá efeito erga omnes, ou seja, poderá ser oponível contra todos, indo além das partes envolvidas no processo, o que decorre, lo gicamente, da forma de controle da qual faz parte: concentrado e abstrato. Por meio desse tipo de fiscalização, busca-se a proteção de um interesse público de defesa do texto constitucional, que, portanto, pertence a todos. Produzirá ain da efeito vinculante, permitindo a propositura de reclamação perante o STF, bem como a responsabilização do agente público que descumprir o detenni nado no julgado. Tal efeito dirige-se apenas à administração direta e indireta (federal, estadual, municipal e, por analogia, do Distrito Federal) e ao Poder Judiciário, não atingindo o Poder Legislativo. A exclusão do Poder Legislativo é justificada em razão da natureza da atividade por ele desempenhada, de cunho eminentemente político, sendo ele o único órgão com competência para apre ciar a conveniência da edição de determinada lei. Portanto, o Legislativo pode editar norma com idêntico conteúdo ao da norma que foi objeto da ADC e das ações diretas de inconstitucionalidade, mesmo que tenha sido ao final decla rada inconstitucional. Não se fala igualmente em autovincLtlação do STF, ten do em vista os inconvenientes de acorrentar o Supremo, que não mais poderia rever sua decisão, caso houvesse uma alteraç.."io na realidade jurídica ou factual e, ainda, na própria Constituição. § 3° No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a reper cussão ger al das questões constitucionais discutidas no c aso, nos termos da lei, a fi1n de que o Tribunal examine a admissão do recurso, s01nente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Parágrafo acrescentado pela EC n. 45, de 08.12.2004.
A EC n. 45/2004 acrescentou o§ 3° ao art. 102, criando mais um requisito para a utilização do recurso extraordinário, qual seja, a repercussão geral. Com a entrada em vigor do dispositivo constitucional mencionado, o recurso extraor dinário deverá cingir-se a questões constitucionais que possuam repercussão geral, sob pena de não ser conhecido quando submetido ao juízo de admissi bilidade. A intenção do constituinte reformador, ao acrescentar esse pressupos to, foi diminuir o número de recursos, permitindo a otimização da função ju risdicional da suprema corte brasileira, tendo em vista que justiça lenta não é justiça. Uma grande crítica à existência de "repercussão geral" como pressu posto para o manejo do recurso extraordinário está na falta de definição cons titucional para termo tão abrangente, o que poderia dar oportunidade para in terpretações restritivas de seu uso em dissonância com a sua finalidade de tutela da higidez constitucional. Por outro lado, o constituinte reformador de-
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legou ao legislador ordinário a missão de definir o que seria a mencionada "re percussão geral': sendo que o CPC/2015 (Lei n. 13.105/2015) o fez em seu art. 1.035. Assim, ainda que exista definição legal para o termo, não se deve perder de vista, quando da análise da existência ou não da repercussão geral, que a prestação da tutela jurisdicional de forma efetiva, com qualidade e sem moro sidade, é um impera6vo constitucional, mas também o é a proteção do texto constitucional, pois a contrariedade à Constituição abala a sua supremacia e, como consequência,a sua força normativa. Assim, todos os mecanismos de tu tela da supremacia constitucional devem ser ampliados e não restringidos, e o recurso extraordinário é um dos instrumentos mais utilizados para a realiza ção de controle difuso no ordenamento jurídico pátrio. Soma-se a isso o fato de o Supremo ter por função precípua justamente a guarda da Constituição, nos termos do caput do art. l 02, em apreço. Assim sendo,o recurso extraordi nário é um dos veículos previstos pelo constituinte originário com a finalida de de permitir ao STF a realização do seu munus de protetor da Constituição, e as restrições à utilização desse recurso diminuem o papel designado consti tucionalmente ao Supremo. Vale ressaltar que o texto constitucional impôs uma cláusula de reserva de plenário para o caso de rejeição do recurso extraordiná rio, fundada na ausência de repercussão geral. Nessa hipótese, somente se 2/3 dos 1nembros do STF recusarem o recurso por falta de repercussão geral da questão constitucional ventilada é que ele será inadinitido. Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: Caput com redação dado pelo EC n. 45, de 08.12.2004. O dispositivo em estudo elenca os legitünados ativos para a propositura da ADI genérica e da ADC. Em face da EC n. 45/2004,a legitimação ativa da ADC, que antes estava prevista no art. 103,§ 4°, foi ampliada, não mais se restringin do ao Presidente da República, à Mesa do Senado, à Mesa da Câmara dos De putados e ao Procurador-Geral da República. Além disso, por analogia,a legi timidade disposta no artigo em exame se estende à ADI por omissão, prevista no§ 2° do art. 103 da CF/88. Vale destacar que o legislador elegeu como legi timados ativos autoridades, órgãos e entidades que, em razão de sua função institucional ou dos fins a que se destinam,buscan1 assegurar interesses da so ciedade,como é o caso da proteção da Constituição. Tal legitimidade ampliou as possibilidades para a instauração do controle concentrado de constitucio nalidade,que antes da Constituição vigente era iniciado com exclusividade pelo Procurador-Geral da República. Como consequência do alargamento da legi timação ativa, o número de ações de controle de constitucionalidade abstrato perante o ST F aumentou consideravelmente. Tendo em vista que entre os au-
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tores das mencionadas ações estão as entidades de classe e confederações sin dicais, sem mencionar todos os Governadores de Estado e mesas de suas res pectivas Assembleias Le gislativas, além dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, seria tarefa árdua precisar quantos ór gãos e entidades estão efetivamente autorizados a instaurar o controle concen trado. Pode-se dizer que mais de cem entes ou órgãos desfrutam essa capaci dade, destacando-se que, a exemplo da legitimidade para o Conselho Federal da OAB, diversos segmentos e grupos sociais podem submeter a questão da in constitucionalidade ao STF. Em face disso, o Supremo consolidou posiciona mento no intuito de restringir o acesso a tal ação, diminuindo o número de processos. Assim é que, tomando emprestada a terminologia de Clemerson Merlin Cleve, o STF criou duas modalidades de legitimados, os universais e os especiais. Tal diferenciação ocorre pelo fato de o Supremo exigir dos chamados legitimados especiais a comprovação de um interesse específico ou de uma re lação de pertinência temática, que deverá existir entre a função exercida pela pessoa ou órgão, ou ainda, entre as finalidades da entidade, e a matéria trata da pelo ato estatal que se pretende impugnar. Significa dizer que o legitimado especial deve comprovar a existência de uma relação entre a matéria da lei ou do ato normativo impugnado e a função que exerce ou sua finalidade quando tratar-se da entidade, para poder propor a ADI ou a ADC. Já os legitimados universais, por força de suas próprias atribuições institucionais, têm interesse presumido em preservar a supremacia da Constituição, não tendo de compro var o requisito da pertinência temática, o que lhes confere legitimidade irres trita. O mesmo não ocorre com os legitimados especiais, que têm legitimida de restrita, necessitando que o ato impugnado apresente algun1a relação com os interesses das unidades federativas da qual fazem parte ( como ocorre com o governador e as Mesas das Assembleias Legislativas) ou com os interesses dos seus respectivos filiados ou associados, no caso das entidades de classe e das confederações sindicais. Contudo, tal posicionamento, que exige a existência de um interesse específico, implica uma contradição com a própria natureza do processo objetivo, manejado para a defesa de interesse público. Ademais, o entendimento em questão do STF cria uma diferença restritiva entre os legiti mados ativos que não existe no texto constitucional, esbarrando não somente no princípio da isonomia como na própria possibilidade de limitar disposições constitucionais. I - o Presidente da República; O Presidente da República exerce a função de chefe de Estado, representan do a República Federativa do Brasil internacionalmente, além de ser o respon sável pela preservação da unidade interna do Estado Federal. Em razão de se
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ter adotado no Brasil o presidencialismo como regime ou sistema de governo, o Presidente acumula com esta função a de chefe de governo, determinando as diretrizes político-admin istrativas internas de âmbito nacional. Desse modo, é inerente a tais atribuições o zelo pela incolumidade do texto constitucional, re quisito indispensável para a manutenção do pacto federativo. Em decorrência disso, o Presidente da República é considerado legitimado universal para a pro positura das mencionadas ações do controle de constitucionalidade concen trado, não tendo de provar a relação de pertinência temática. II - a Mesa do Senado Federal; O Senado Federal compõe o Congresso Nacional, que, por sua vez, é o ór gão legislativo federal. Por meio dos senadores eleitos, os entes da Federação, quais sejam, os Estados e o Distrito Federal, participam da vontade criadora da ordem jurídica total (Michel Temer), equilibrando o pacto federativo. Sendo assim, os trabalhos realizados nas sessões legislativas e deliberativas do Senado Federal são conduzidos por sua respectiva Mesa. Logo, pode-se dizer que as Mesas das Casas legislativas são órgãos diretivos do exercício das competências atribuídas ao Poder Legislativo. O dispositivo em análise confere à Mesa do Se nado capacidade para ser parte, ainda que ela não tenha personalidade jurídi ca, bem como legitünidade, na promoção de ADI ou ADC, sendo representa da em juízo pelo Presidente do Senado (conforme Antônio Cláudio da Costa Machado). A Mesa do Senado Federal, tendo em vista o âmbito de suas atri buições, é considerada legitimada ativa universal para a propositura das ações do controle concentrado, possuindo legitimidade irrestrita, sem ter de provar a pertinência temática, por restar presumido o interesse em proteger o texto constitucional. III - a Mesa da Câmara dos Deputados; Assim como se passa com a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados é órgão diretivo das atividades desempenhadas por essa Casa, sen do responsável por conduzir os trabalhos por ela realizados. Nesses termos, conta com legitimidade para a propositura das ações mencionadas no caput do art. 103, bem como capacidade de ser parte, mesmo não possuindo personalida de jurídica (Antônio Cláudio da Costa Machado). Sua representação em juízo cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados. A Mesa da Câmara dos Depu tados é legitimada ativa universal, possuindo legitimidade ampla para a pro positura das ações do controle concentrado, não lhe sendo exigida a compro vação de pertinência temática. A legitimidade irrestrita que lhe é conferida pela corte suprema brasileira deve-se ao âmbito e à relevância de suas atribuições.
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fV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Dis trito Federal; Inciso com redação dada pela EC n. 45, de 08.12.2004
A Assembleia Legislativa corresponde ao órgão do Poder Legislativo esta dual,assim como a Câmara Legislativa corresponde ao órgão do Poder Legis lativo distrital. No mesmo sentido do exposto nos incisos precedentes, as Me sas das Assembleias Legislativas, bem como a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, são os órgãos diretivos dos trabalhos desempenhados pelo Po der Legislativo de determinada unidade da Federação. Por força constitucio nal, as referidas Mesas ganham legitimidade para a propositura das ações de fiscalização abstrata e capacidade de ser parte,mesmo sem possuir personali dade jurídica (Antônio Cláudio da Costa Machado). Em virtude de possuírem um âmbito territorial restrito para o exercício de suas competências, as Mesas das Assembleias Legislativas estaduais e da Câmara Legislativa do Distrito Fe deral são consideradas legitimadas ativas especiais,devendo comprovar a exis tência de uma pertinência temática entre a lei ou o ato normativo objeto da respectiva ação e os interesses das unidades federativas a que pertencem. Somen te se existir a referida relação é que tais órgãos terão possibilidade de lançar mão das ações da fiscalização abstrata de constitucionalidade. Vale destacar que, antes da EC n. 45/2004,que acrescentou expressamente a Câmara Legis lativa do Distrito Federal, o STF já admitia a sua legitunidade, por meio de in terpretação analógica do art. 32, § 1 °, da CF/88. Tanto que a Lei n. 9.868/99, que regulamenta o procedimento da ADI genérica e da ADC,já previa a legi timidade ativa às mencionadas Mesas. V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
Inciso com redação dada pela EC n. 45, de 08.12.2004.
Os Governadores dos Estados e do Distrito Federal são chefes do Poder Exe cutivo estadual e distrital respectivamente, traçando as diretrizes de cunho po lítico e administrativo para o ente da federação correspondente. Portanto,como o alcance de suas atribuições se limita aos seus Estados ou ao Distrito Federal, entende o STF que são legitimados especiais para a propositura das ações do controle concentrado. No tocante ao Governador do Distrito Federal, vale des tacar que, mesmo antes da EC n. 45, que o inseriu expressa1nente entre os le gitimados ativos do art. 103, prevalecia no Supremo o entendimento de que sua legitimidade para a propositura da ADI se justificava em razão da aplica ção por analogia do art. 32, § 1°,da CF/88. Em razão do posicionamento de longa data, solidificado no seio da Corte Suprema, o texto da Lei n. 9.868/99,
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que regulamenta o procedimento da ADI genérica e da ADC, já previa a legi tinl.idade ativa para o Goven1ador do Distrito Federal. VI - o Procurador-Geral da República;
O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, que engloba, por sua vez, o Ministério Público Federal, o do Trabalho, o Mili tar e o do Distrito Federal, bem como os dos Territórios. Será nomeado pelo Presidente da República, entre os integrantes da carreira, desde que maior de 35 anos, mediante aprovação de maioria absoluta do Senado Federal. Possui, como todos os demais membros do Ministério Público, o dever de zelar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em razão de suas atribuições, resta patente a sua escolha como um dos legitimados para a propositura da ADI e da ADC, haja vista que, para proteger a ordem jurídica, a democracia e os demais interesses mencionados, deve igualmente buscar a tutela da Constituição. Nesses termos, é legitimado universal em razão da largueza das suas funções. VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; A OAB é a entidade que representa todos os advogados, zelando pelos seus interesses e pelos da sociedade como um todo, já que o exercício da advocacia é indispensável à administração da justiça, confonne preceitua o art. 133 da Constituição vigente. Por outro lado, o Estatuto da Advocacia da OAB traz em seu art. 44, 1, entre suas 1nissões institucionais, a de defender a Constituição. Ainda o mes1no estatuto, no art. 45, § 1 °, elege como órgão supremo da OAB e dotado de personalidade jurídica própria o seu Conselho Federal. Em ra2..1.raordinário contra decisão do TSE, contado, quando for o caso, a partir da publicação do acórdão, na própria sessão de julgamento, nos termos do art. 12 da Lei n. 6.055/74, que não foi revogada pela Lei n. 8.950/94". Já foi visto (comentário ao art. 119, r, a) que o STF não participa diretamente da Justiça Eleitoral. Ocorre, entretanto, que o STF é o guardião da Constituição (art. 102,
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caput) e, por isso, aprecia todos os atos normativos que surgirem contrários ao seu texto, seja por meio do controle difuso, em grau de recurso, seja da forma concentrada, via ADI. Quanto à competência para apreciar o habeas corpus e o mandado de segurança, tem-se que são ações para coibir ordens de ilegali dade ou de atos abusivos (art. 5°, LXVIII e LXIX, da CP). § 4° Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: O Código Eleitoral estabelece que as decisões dos TREs são terminativas. En tretanto, o constituinte relacionou cinco exceções em que é cabível recurso para o TSE, inclusive decisões que versarem sobre matéria administrativa (veja-se, a seguir, comentários aos incisos I a V). Ademais, compete aos TREs, de modo terminativo, como se disse, o reexame das decisões dos Juízes Eleitorais quan do julgam a respeito de alistamento ou da transferência eleitoral, do cancela mento ou da suspensão de inscrição de eleitor, assim como apreciar recursos contra diplomação de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Assim, o art. 276 do Código Eleitoral define que são cabíveis para o Tribunal Superior os recur sos especial e ordinário. I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei; É cabível recurso especial para o T SE quando as decisões dos TREs forem proferidas contra disposição expressa da Constituição ou de lei. Ainda assim, se a decisão for contrária à CF, é possível interpor recurso ordinário perante o STP, nos termos do art. 121, § 3°, da CP, já comentado. Será tern1inativa, con tudo, a decisão do TSE que dirimir conflito sobre aplicação de lei. II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tri bunais eleitorais; Havendo divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais, busca-se a solução no TSE por meio do recurso especial. O TSE é o órgão que decide de forma terminativa conflitos dessa natureza, já que o art. 121, § 3°, da CP impede que o STF pronuncie-se em outras matérias eleitorais, exceto naquelas lá definidas. III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas elei ções federais ou estaduais;
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Cabe recurso ordinário ao TSE quando se discute sobre inelegibilidade ou sobre expedição de diplomas em eleições federais ou estaduais. Ainda que o re corrente interponha recurso especial, o TSE recebe o pedido como determina o Código Eleitoral: pelo modo ordinário. Nas eleições municipais, o juiz elei toral será competente para conhecer e processar a representação de inelegibi lidade, regulada pela LC n. 64, de 18.05.1990, atualizada pela LC n. 135, de 04.06.2012. Essa lei complementar, além de disciplinar as condições dos inele gíveis, estabelece prazos de desincompatibilização, ou seja, períodos de afasta mento de cargos ou de funções para o exercício da candidatura. IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; Das decisões dos TREs que anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais caberá recurso ao TSE. Ao se realizar a diplomação, se ainda houver recurso pendente de decisão em outra instância, será consignado que os resultados poderão sofrer alterações decorrentes desse julgamento. V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção. Finalmente, o TSE apreciará recurso advindo dos TREs quando estes dene garem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de in junção. São os chainados remédios constitucionais colocados à disposição dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a fim de que possam resguardar seus direitos e defendê-los de atuação ilegal ou arbitrária do Estado e de seus agentes. Seção VII Dos Tribunais e Juízes Militares
A seção VII, que ora se comenta, se insere no Capítulo Til, das disposições sobre o Poder Judiciário, que, por sua vez, se encontra no T ítulo N, da Orga nização dos Poderes. O Poder Judiciário na CF/88, por sua vez, é disciplinado por disposições gerais, seguidas da organização dos dois órgãos de cúpula do sistema judiciário pátrio, o ST F (arts. 101 a 103-B) e o STJ (arts. 104 e 105). Em seguida, temos a análise da Justiça Federal comum (arts. 106 a 110), segui da das Justiças Especializadas: a) nos conflitos relativos às relações de empre go e trabalho, Justiça do Trabalho (arts. 111 a 116); b) nas questões relativas aos pleitos eleitorais e todas as demais relativas ao processo eleitoral, com uma
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vasta gama, de elegibilidade à diplomação dos candidatos eleitos, pela Justiça Eleitoral; e c) nas questões relativas às corporações militares, a Justiça Militar. Assim, a Justiça Militar é uma das três justiças especializadas existentes no tex to da Constituição da República Federativa do Brasil. Esclareça-se que a Justi ça Militar constante dos arts. 122 a 124 é um órgão do Poder Judiciário de ca ráter federal, diferentemente da criação facultativa da Justiça Militar Estadual, prevista no art. 125, § 3°, tendo, cada qual, sua competência definida e, portan to, finalidades diversas. Assim, o texto constitucional dispõe sobre duas esferas de justiça castrense. A Justiça Militar Federal, sobre a qual dispõem os próxi mos artigos que passamos a comentar, possuirá jurisdição para processar e jul gar os integrantes das Forças Armadas, da Marinha, do Exército e da Aeronáu tica, além de civis e assemelhados, no termos da CF e da legislação específica. Art. 122. São órgãos da Justiça Militar: O caput do art. 122 da CF enuncia como se dará a composição da Justiça Mi litar Federal, especificada nos incisos I e II. I- o Superior Tribunal Militar; O STM tem as raízes de criação antes mesmo da independência do país, pois o primeiro órgão de Justiça Militar foi criado por D. João VI por um alvará da tado de 01.0 4.1808 que instituiu o Conselho Supremo Militar e de Justiça, com funções administrativas e judiciais, vinculado, no entanto, ao Poder Executivo. Compunham esse órgão: Conselheiros de Guerra, Conselheiros do Al1niranta do e Vogais. O Con selho Supremo Militar e de Justiça deu lugar ao Supremo Tri bunal Militar, por força do Decreto Legislativo n. 149, de 18.09.1893, e seus membros passaram a ser denominados Ministros. Somente na Constituição de 1934 é que o então Supremo Tribunal Militar passa a integrar o Poder Judiciá rio, sendo que a denominação atual deste órgão judicial - Superior Tribunal Militar- veio a ser dada pela CF/46, não mais alterada desde então. II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei. A lei que organiza a Justiça Militar e dispõe sobre a matéria prevista neste inciso é a Lei federal n. 8.457, de 0 4.09.1992. O referido diploma adota uma nomenclatura específica para a Justiça Militar, dispondo que a Justiça Militar da União será composta pelos seguintes órgãos: STM, Auditoria de Correição, Conselhos de Justiça, Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos. A Audi toria de Correição é um órgão de caráter administrativo e, conforme explicita o art. 13 da referida Lei federal n. 8.457/92, possui funções de fiscalização e
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orientação judiciário-ad1ninistrativa. Os Conselhos de Justiça subdividem-se em Conselho Especial de Justiça e Conselho Permanente de Justiça. Compete ao Conselho Especial de Justiça processar e julgar oficiais, exceto oficiais-gene rais, e ao Conselho Permanente de Justiça compete processar e julgar acusados que não sejam oficiais, ou seja, os chamados praças (soldado, cabo, sargento, subtenente e aspirante-a-oficial). Em a1nbos os casos, a competência refere-se ao julgamento de delitos previstos na legislação penal militar. O primeiro grau da Justiça Militar Federal é denominado Auditoria Militar, constituída pelos Conselhos de Justiça, enquanto o STM funciona como órgão de segunda ins tância. Os Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos compõem os Conse lhos de Justiça, sendo que os membros são militares ou civis, que ingressam na carreira por meio de concurso de provas e títulos. Diferentemente da Justiça Federal ou Estadual Comum, portanto, o órgão de primeira instância da Jus tiça Militar Federal é um colegiado que possui a denominação de escabinado. Estes juízes gozam das mesmas garantias, prerrogativas e sofrem as mesmas ve dações dos magistrados em geral, previstas nas disposições gerais deste capítu lo, sobretudo aquelas previstas no art. 93 da CP. Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais -generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da car reira, e cinco dentre civis. A composição do Conselho Supremo Militar e de Justiça, órgão precursor do atual STM, ao qual nos referünos nos comentários ao art. 122, I, foi criada com quiJ12e membros. No entanto, esta composição foi alterada, chegando-se a diminuir o número de membros a nove e voltando-se ao número de quinze Ministros por emenda à CF/67, o que foi mantido no texto da CF/88. A esco lha destes ministros, como se dá no STF (art. 101, parágrafo único), no STJ (art. 104, parágrafo único) e no TST (art. 111-A), é efetuada pelo Presidente da Re pública, prevalecendo esta escolha, no entanto, somente se a indicação for apro vada pelo Senado Federal. Ressalte-se que os membros dos tribw1ais regionais federais também serão nomeados pelo Presidente da República, preenchendo -se outros requisitos e não existindo a necessidade de aprovação do Senado Fe deral, razão pela qual indicamos ao leitor os comentários ao art. 107. No caso do STF e do STJ, a aprovação, por previsão eÀ"Pressa, deve ser por maioria ab soluta. Silente o artigo em comento, temos que a aprovação pode dar-se com maioria simples já que o art. 52, que trata das competências privativas do Se nado Federal, não trata de quórum de aprovação, limitando-se a estabelecer
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que Lhe compete aprovar previamente, por voto secreto, após arguição públi ca, a escolha de magistrados, quando a CF assim o determinar (art. 52, III, a). Se a escolha presidencial para compor o STF e o STJ deve ser dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e repu tação ilibada, no STM os requisitos referem-se à qualidade de militar da ativa ou civil dos Ministros. Assim, temos que o STM também possui urna compo sição mista, como os órgãos de primeira instância referidos no art. 122. Ao to tal temos dez ministros militares, todos oficiais-generais, sendo que quatro de verão ser provenientes do Exército, três da Marinha e três da Aeronáutica. Os requisitos a serem preenchidos pelos cinco Ministros civis estão previstos no parágrafo único. Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: Diferentemente dos ministros do STF (art. 101, parágrafo único), do STJ (art. 104, parágrafo único), do TST (art. 111-A) e dos desembargadores dos Tribu nais Regionais Federais (art. 107), para os quais a CF prevê idade mínima de 35 anos e máxima de 65, no ato de nomeação não há esse lunite máximo de idade para os ministros do STM. O STF já decidiu que esse limite de idade es tabelecido pela CF, nesses casos, é para fins de tempo mínimo de exercício da judicatura para efeito de aposentadoria facultativa, a despeito do previsto no art. 93, IV, do texto constitucional, levando-nos à conclusão de que seria, em tese, possível a no1neação de qualquer civil que preenchesse os requisitos dos incisos l e II, desde que não tivesse atingido a idade de 70 anos, que é um luni te geral para os cargos públicos. Os incisos I e li que se seguem estabelecem uma procedência dos civis a serem nomeados Ministros do STM, de observân cia obrigatória. I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional; Ternos, então, que dos cinco Ministros civis que compõem o STM, obriga toriamente três são oriundos da advocacia, o que é urna proporção maior do que o quinto constitucional, o qual determina nos tribunais que um quinto de seus membros seja oriundo da advocacia ou do Ministério Público, que oficia perante aquele Tribunal. No caso do STM, um quinto de seus membros (três entre quinze) são exclusivamente oriundos da advocacia. C om relação à defi nição do que vem a ser efetiva atividade profissional pelo período de mais de dez anos, esclareceu o STF em julgados anteriores que esta não precisa neces sariamente ser a advocacia forense, pois o próprio Estatuto da Advocacia e da
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Ordem dos Advogados (Lei federal n. 8.906/94) prevê atividades privativas do advogado, as quais não se resumem ao postular em juízo. II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar. Este inciso privilegia, na composição do STM, a participação de membros da carreira, que têm afinidade e conhecimento profundo da justiça castrense, tendo atuado ou como juiz-auditor ou como membro do Ministério Público Militar. Esse é um dos ramos do Ministério da União, previsto no art. 128, I, e, a cujos comentários remetemos o leitor. Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes milita res definidos em lei. A CF não pormenorizou a competência da Justiça Militar, mas definiu bem seu âmbito de atuação - trata-se de uma Justiça criminal. Os crimes militares estão disciplinados no CPM (DL n. 1.001, de 21.10.1969) e não se confundem com a punição por violação de regras de hierarquia e disciplina, que são san cionadas no âmbito das corporações. Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência, da Justiça Militar. Além do CPM, temos, como essencial para a organização da Justiça Militar, a Lei federal n. 8.457, de 04.09.1992, já mencionada. Os criines militares, con forme previsão do caput deste artigo, poderão ser cometidos por militares e ci vis, em tempo de paz ou guerra, não se constituindo tribunal de exceção. A doutrina se refere a crimes militares próprios, que têm como condição para o julgamento do delito pela justiça castrense a circunstância de o autor do deli to possuir a condição de militar, e a crimes militares impróprios, que são crimes comuns em sua natureza, previstos em geral também no CP, mas que, dadas as circunstâncias relacionadas às Forças Armadas, devem ser julgados pela Justi ça Militar, independentemente da condição do agente, sendo, portanto, aplicá veis a militares e civis. Ou seja, temos que a competência da Justiça Militar, em razão das previsões penais, poderá atingir civis, sendo competente para julgá -los, sem que isso se constitua em tribunal de exceção ou violação do princí pio do juiz natural. O STF assentou, em relação à organização da Justiça Mili tar, que esta não comporta a inclusão, na sua estrutuTa, de um júri, para o fim de julgar os crimes dolosos contra a vida, o que constitui uma exceção à regra geral estabelecida no art. 5°, XX.XVIII, d.
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Seção VIII
Dos Tribunais e Juízes dos Estados Após a previsão de questões gerais, das funções dos órgãos de cúpula do Po der Judiciário e das Justiças Especializadas (Trabalho, Eleitoral e Militar), te mos a Justiça dos Estados. Em que pese a Justiça Federal ser também uma Jus tiça comum, sua competência é prevista em um rol fechado nos arts. 108 e 109 da CF. Assim, temos que todas as demandas que não são especificamente aco metidas a um dos ramos especializados ou à Justiça Federal tornam-se da com petência da Justiça Estadual. Ou seja, a Justiça Estadual é competente para jul gar tudo aquilo que não for acometido especificamente a nenhum outro órgão, o que se constitui em uma competência residual. No entanto, não se entenda que esse residual se traduz em poucas demandas - pelo contrário. Em razão da especialidade dos demais órgãos do Poder Judiciário, é na Justiça dos Estados que deságua o maior número de lides, devido à amplitude das atribuições que, dessa forma, lhe foram acometidas. Além disso, a Justiça dos Estados possui uma função supletiva na inexistência das Justiças Especializadas. Por exemplo, as causas trabalhistas, onde inexista Vara da Justiça do Trabalho com jurisdi ção naquela localidade, serão decididas pelos Juízes de Direito (conforme dis põe o art. 112 da CF). Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. O caput do art. 125 detennina que os Estados-membros organizem o Poder Judiciário Estadual, desde que observados os princípios da CF. Estes princípios deve1n ser entendidos de forma ampla, ou seja, não somente aqueles específi cos do Capítulo no qual se trata do Poder Judiciário, mas como qualquer ou tra previsão principiológica do texto constitucional. A não interferência na or ganização da Justiça nos Estados consagra tanto o princípio da separação dos poderes como o princípio federativo, decidindo os Estados pela melhor forma de promover o acesso à ordem jurídica, de acordo com suas peculiaridades, não se olvidando ainda da capacidade de auto-organização atribuída ao Poder Ju diciário. § 1 ° A competência dos tribunais será definida na Constituição do Es tado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. Este parágrafo delineia as atribuições da Justiça Estadual de primeira e se gunda instâncias. A competência dos tribunais, ou seja, da segunda instância,
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seja originária ou recursai,deverá ser definida pela Constituição dos Estados, sem que isso infrinja, como claramente estatui o caput deste artigo, previsões da CF. Assim, por exemplo, se deu no caso dos Tribunais de Alçada. Previstos no texto originário da CF/88,foram extintos com a EC n. 45/2004, o que im pôs aos Estados-membros a obrigação de reverem suas Cartas Estaduais, a fim de adequá-las à previsão constitucional, dentro do prazo de 180 dias. Ademais, a referida emenda determinou que os membros dos extintos Tribunais de Al çada viessem a integrar o TJ por ato administrativo deste,criando-se, portan to, uma regra na CF que se impôs à regra da liberdade de organização judiciá ria estadual. No entanto, esta foi uma previsão excepcional,pois o entendimento geral é da prevalência da competência estadual para disciplinar a matéria. Nes se sentido, o STF admite que as Constituições Estaduais prevejam reclamações para a preservação de sua competência e da autoridade de seus julgados,re vendo posicionamento anterior contrário. Observe-se, ademais, que a Magna Carta demanda que a Constituição Estadual organize o órgão de cúpula do Po der Judiciário Estadual, pois já julgou inconstitucional previsão de Constitui ção Estadual que não esgotou a matéria e acometeu à legislação ordinária, em parte,a organização e competência dos tribunais estaduais. Com relação à pri meira instância, temos que o texto constitucional dá prevalência à capacidade de auto-organização dos tribunais, pois indica que a organização da justiça dos Estados se dará por previsão legal,que, no entanto, é de iniciativa privativa do TJ. Contudo,esta prerrogativa não significa que o projeto de lei elaborado pelo TJ estadual não possa sofrer emendas na Assembleia Legislativa, tendo, toda via, como lúnites,as previsões da CF e da própria Constituição Estadual. Re gistre-se que, sobre os lünites das competências dos tribunais estaduais, o STF já se posicionou em diversas ocasiões,editando as Súmulas ns. 508,516,556 e 721, além das Sún1ulas vinculantes ns. 27 e 45. § 2° Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucio nalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. O parágrafo em comento trata de controle de constitucionalidade e da supre macia do texto constitucional estadual. Ao estabelecer que os Estados devem instituir a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos que violem a Constituição Estadual, reconhece-se o Poder Constituinte Derivado Decorren te, de auto-organização do Estados,que prevalece sobre leis e atos normativos estaduais e municipais. A vedação que se atribua a um único órgão a legitimi dade para a propositura desta representação de inconstitucionalidade reflete a alteração que o reconhecimento do Estado Democrático de Direito acarretou.
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A representação de inconstitucionalidade, em âmbito federal, ou seja, da CF, an tes do advento da Constituiçào de 1988, era atribuída ao Procurador-Geral da República, que, por sua vez, não possuía as mesmas características que o atual texto lhe atribui, não sendo garantida suficientemente sua independência para desenvolver esse mister. Com o advento da CF/88, o art. 103 ampliou o rol de legitimados a conduzirem o processo de controle abstrato, ajuizando a ADI. Para assegurar a mesma pluralidade e amplitude no âmbito estadual, prevê-se que não se poderá acometer a legitimidade para a propositura da representação de inconstitucionalidade - comparável a uma ADI em âmbito estadual - a um único órgão. As Constituições Estaduais em geral se utilizam de uma adaptação do art 103 da CF, sendo comum encontrar como legitimados a propor a represen tação de inconstitucionalidade: o Governador do Estado; a Mesa da Assembleia Legislativa; o Prefeito Municipal; a Mesa da Câmara Municipal; o Procurador -Geral de Justiça; o Conselho da Seção Estadual da OAB; as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando seu interesse ju rídico no caso; e os partidos políticos com representação na Assembleia Legis lativa, ou, em se tratando de lei ou ato normativo municipais, na respectiva Câ mara. Sobre o objeto da demanda, a representação pode ser interposta nos casos em que lei ou ato normativo estadual ou mmlicipal viole a Constituição Esta dual. Pois bem, grande questionamento causou no STF inúmeras Constituições Estaduais que previram a si a competência de julgar a representação de incons titucionalidade de lei ou ato normativo que violasse a CF. Isso se deu, sobretudo, porque na ADI julgada pelo STF, somente cabe a arguição de leis ou atos nor mativos federais ou estaduais que violem a CF, excluindo-se, portanto, de seu âmbito, as leis municipais. Além disso, à época em que as Constituições Esta duais deveriam ser pro1nulgadas (até um ano após a promulgação da CF), a ADPF não havia sido regulamentada com essa possibilidade de questionamen to, perante o STF, de lei ou ato normativo municipal que viesse a ferir a CF. Des tarte, o STF suspendeu e julgou inconstitucionais todos os dispositivos das Cons tituições Estaduais que ampliaram o escopo do controle deste parágrafo, que se refere tão somente à Constituição Estadual. No entanto, o STF admite que haja representação de inconstitucionalidade, nos Estados, de lei ou ato normativo municipal que viole dispositivo da Constituição Estadual que repita a CF. Nes tes casos, no entanto, da decisão do TJ Estadual, caberá recurso extraordinário ao STF, o que é uma exceçào, pois em regra, as decisões de inconstitucionalida de dos Tribunais de Justiça dos Estados são irrecorríveis. Diga-se, por derradei ro, a respeito deste dispositivo, que a doutrina entende que a representação de inconstitucionalidade no âmbito dos Estados também pode abranger os casos de inconstitucionalidade por omissão, já que a inconstitucionalidade é um gê nero do qual derivam duas espécies: inconstitucionalidade por ação ou incons titucionalidade por omissão.
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§ 3° A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Jus tiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, e1n segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. Porógrofo com redação dado pela EC n. 45, de 08.12.2004. A primeira questão que deve ser suscitada é que a Justiça Militar Federal e a Justiça Milüar Estadual possuem finalidades diversas. Em primeiro lugar, en quanto a Justiça Militar Federal é de constituição obrigatória, pode-se depreen der do parágrafo ora comentado que a Justiça Militar Estadual é de instituição facultada aos Estados, pois é um permissivo à lei estadual, de iniciativa priva tiva do TJ. Ademais, a instituiç..'ío de um TJ Militar estadual está condicionada à existência de um efetivo militar superior a vinte mil integrantes. Caso venha a ser instituída, a Justiç..1 Militar Estadual possuirá wna estrutura muito pare cida, em primeiro grau, à Justiça Militar Federal, como se depreende dos co mentários ao art. 122, II. Possuirá Conselhos de Justiça Especial e Permanen te, compostos por cinco membros, sendo quatro nülitares, oficiais, e wn juiz auditor civil, que deverá ingressar na carreira por meio de concurso de provas e títulos. Novamente, ter-se-á um órgão colegiado já em primeira instância, com a deno1ninação de escabinado, em razão de ser composto por civis e mi litares. Não obstante reconhecida a competência da Justiça estadual na maté ria, o ST F entende que o art. 125, § 4°, da Constituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo (Súmula n. 673). § 4° Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e a s ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quan do a vítima for civil, cabendo a o tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Parógrafo com redação dada pela EC n. 45, de 08.12.2004. Da mesma forma que o art. 124 define a competência da Justiça Militar Fe deral, em sendo criada, a Justiça Militar Estadual terá competência criminal de julgar os militares estaduais, ou seja, os policiais miLitares estaduais e os bom beiros militares. Além disso, atribui-se à Justiça Militar dos Estados a compe tência civil de julgar ações contra atos disciplinares militares. A EC n. 45/2004 alterou o texto da CF para que em casos de crimes dolosos contra a vida, que são de competência do Tribunal do Júri, este prevaleça sobre a especialidade da Justiça Militar, caso a vítima seja civil. Assim, o caso mais comum de alte ração foi de homicídio de civil praticado por militar, que passou a ser julgado
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pelo Tribunal de Júri, o qual integra a Justiça Estadual. No entanto, cabe res saltar que a EC veio apenas a constitucionalizar matéria já alterada em âmbi to infraconstitucional. Com o advento da Lei federal n. 9.299, de 07.08.1996, o CPM e o CPPM foram alterados, de forma a excluir da competência da Justi ça Militar o julgamento de crimes que serian1 propriamente militares (crimes dolosos contra a vida), pois, pela qualidade de civil da vítima, entendeu-se ser mais apropriado o julgamento pelo Tribunal de Júri, que é a regra geral nesses casos. Todos os estados-membros da Federação possuem Justiça Militar em sua organização, a despeito da norma constitucional ser autorizativa, ainda que es tejamos mais diante de uma instituição tradicional na organização do Poder Judiciário nos textos constitucionais. Ressalte-se, entretanto, que nem todos os estados-membros possuem o efetivo necessário para a constituição de um TJ Especifico. Por derradeiro, é importante salientar que o STF considera que este dispositivo, ora comentado, não impede a perda da graduação de militar me diante procedimento administrativo, conforme constante da Súmula n. 673. § 5° Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judi ciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. Porógrofo acrescentado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
Este parágrafo possui pequena alteração em relação à regra do julgamento colegiado em primeira instância da Justiça Militar Estadual. A princípio, os cri mes militares praticados contra civis e as ações civis contra atos disciplinares militares seriam julgados pelos Conselhos de Justiça, que é wn órgão colegia do. No entanto, no entendimento de dar maiores garantias ao jurisdicionado - como ocorreu na questão comentada no parágrafo anterior, em relação ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida passar para a Justiça comum entendeu o legislador que o juiz de direito seria o julgador adequado para es sas causas. Esta inovação na Justiça Militar dos Estados decorre diretamente da EC n. 45/2004, sem ter havido alteração legislativa prévia, como a referida no parágrafo anterior. § 6° O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. Porógrofo acrescentado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
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Como o TJ é o órgão de cúpula do Poder Judiciário Estadual, sua sede de funcionamento sempre foi centralizada nas capitais, tanto para as questões ad ministrativas, como administração do pessoal, como para as questões jurisdi cionais. Os Tribunais de Alçada eram uma forma de descentralização da ativi dade jurisdicional, mas também acabavam mantendo suas sedes nas capitais. Com a extinção destes tribunais, veio a lume, na EC n. 45/2004, a norma auto rizativa da descent ralização, apontada por muitos como uma solução para a morosidade processual, já que o texto constitucional também consagrou com a EC n. 45/2004 a celeridade processual como um direito fundamental. A maior proximidade do jurisdicionado ao Tribunal permite-lhe acompanhar o proces so em todas as fases e aperfeiçoa os mecanismos de uma ordem jurídica justa. Ou seja, a previsão do parágrafo ora analisado em nada afeta a função do ór gão de cúpula, já que continuaram a existir corregedorias, julgamentos pelo Pleno ou pelo Órgão Especial. Na verdade, o trabalho de Câmaras é que seria passível de descentralização. § 7° O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 45, de 08.12.2004. A Justiça Itinerante também é uma fonna de ampliar o acesso à Justiça, faci litando a aprox.iI11ação do jurisdicionado aos órgãos jurisdicionais. Antes mes mo da EC n. 45/2004, vários Estados já haviam instituído a Justiça Itinerante como forma de alcançar vilas e povoados distantes das sedes das comarcas como ocorreu em Estados como Amazonas e, ao mesmo tempo, em áreas densa mente povoadas -1nas para dirimir conflitos de competência de juizados espe ciais, com n1aior celeridade, como no Estado de São Paulo, para resolver questões relativas a direito do consumidor, planos de saúde, cobranças e1n ge ral, conflitos de vizinhança e acidentes de trânsito. O uso dos equipamentos públicos e comunitários, como escolas, reduz os custos e aproxima ainda mais a população dos órgãos jurisdicionais, por se darem julgamentos em locais que Lhe são familiares. Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça pro porá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias. Caput com redação dado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
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A EC n. 45/2004 alterou substancialmente o trato especializado das questões agrárias. Na redação original da CF/88, o art. 126 previa a designação de juízes de entrância especial para decidirem, com competência exclusiva, as questões agrárias. A atual redação é mais consentânea com a garantia do juiz natural e da vedação dos tribunais de exceção, pois indica a criação de varas especializa das, institucionalizadas com essa competência específica, que somente serão criadas onde houver demanda suficiente para tanto. Outrossim, é uma sinali zação da CF, que estabeleceu no caput do art. 125 uma independência substan cial dos Estados-membros na organização de seu Poder Judiciário, de que os conflitos agrários possuem relevância suficiente para merecerem tratamento especial. Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicio nal, o juiz far-se-á presente no local do litígio. Na mesma esteira que o caput, o parágrafo único do art. 126 demonstra a preocupação do constituinte com o litígio no campo. A inspeção judicial já é prevista na legislação processual civil, podendo o juiz inspecionar coisas e pes soas. Porém, a previsão constitucional em comento de1nonstra, novamente, a especialidade dos conflitos agrários e que o conhecimento da realidade da ques tão, pela presença do juiz no local do litígio, pode ser fundamental para a pa cificação social e para o deslinde da demanda. CAPÍTULO IV
DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA O constituinte dedicou um capítulo inteiro a algumas funções que recebe ram o status de "essenciais à Justiça': Desempenham essas funções o Ministé rio Público, a advocacia pública, a advocacia privada e a Defensoria Pública. O fundainento dessa previsão constitucional reside no fato de que a jurisdi ção é regida pelo princípio da inércia, que impede o Poder Judiciário de agir de ofício (em regra). Ou seja, a atividade jurisdicional depende de provocação e esta é exercida pelos entes indicados no parágrafo anterior. Essa necessidade de provocação cria wna relação de interdependência entre o Poder Judiciário e os provocadores da jurisdição, que é imprescindível para o perfeito funcionamento da Justiça. Daí, o sentido da terminologia adotada pelo texto constitucional ("funções essenciais"). É possível identificar duas finalidades perseguidas pela Constituição ao confe rir status constitucional a essas carreiras. Em primeiro lugar, é definida a estru tura básica de cada uma delas, conferindo prerrogativas, princípios, atribuições e modo de funcionamento; tudo de modo a criar un1 ambiente de equilíbrio
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entre elas. Sem tal equjJJbrio, o funcionamento da Justiça ficaria comprometi do e seria inócuo todo o esmero dedicado pelo constituinte ao Poder Judiciá rio (Capítulo III do Título IV). Em segundo lugar, cria-se uma orientação ao legislador infraconstitucional a ser observada na elaboração das normas que dão corpo a tais carreiras jurídicas. Com seus perfis cristalizados na Carta Maior, impedem-se eventuais desvios legislativos capazes de causar deformidades a esses entes e, por consequência, comprometer todo o sistema jurisdicional. Seção 1
Do Ministério Público A origem histórica do Ministério Público é bastante controvertida. Muito embora alguns autores pretendam remontar as origens do Ministério Público aos tempos do Direito romano, em que encontram traços da institui ção no ofício dos rationalis e dos procuratores Caesaris (órgãos ligados à ativi dade administrativa-fiscal), a verdade é que foi na França que se encontrou o berço da instituição, como bem observa José Frederico Marques (Elementos de direito processual penal).
Predo1nina a tese de que seu embrião remonta ao século XIV, quando, na França, foram criados os"procuradores do rei" (les gens du roi), que eram ape nas representantes dos interesses privados do monarca perante os tribunajs_ O papel desses advogados e procuradores do rei foi gradativa1nente se amplian do com o fortalecimento dos poderes dinásticos; e eles tornaram-se, assim, "agentes do poder público junto aos tribunais''. Foi a ordonnance, de 25.03.1303, que, pela primeira vez, fez menção, em um diploma legislativo, a" les gens du rol''. Dessa instituição cuidaram ainda as or donnances de 1493, de Carlos V IH, as de 1498, de Luís XII, e, ainda, as de agos to de 1522, novembro de 1533 e maio de 1586. Finalmente, a ordonnance de Luís XIV, de agosto de 1670, constituiu a grande codificação do processo cri minal da monarquia francesa, a qual ampliou o campo de atuação do Minis tério Público. Por essa razão, entende Roberto Lira, iniciou-se aí a evolução do Ministério Público a caminho da autonomia institucional e da dignidade al cançadas no atual cenário jurídico. A instituição, nascida e desenvolvida na França, adquiriu seus contornos de finitivos com a Revolução Francesa, em que se transformou em verdadeiro guardião do Estado Democrático de Direito. Também vem da tradição francesa a denominação parquet (assoalho), utili zada como sinônimo de Ministério Público. A origem da expressão está no fato de que, nos primórdios, seus membros não tinham assento na bancada reser vada aos magistrados e que esta era posicionada sobre o estrado ou tablado das
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salas de audiências. Tinham bancada própria, instalada diretamente sobre o as soalho (parquet). No Brasil, encontramos as origens do Ministério Público nas velhas Orde nações Manuelinas. O Código de Processo Crin1.inaJ de 1832 também referiu -se à instituição, colocando-a em plano por demais subalterno. Daí a razão pela qual, durante o Império, o Ministério Público não obteve maior grau de im portância. O Decreto n. 1.030, de 14.11.1890, considerou o Ministério Público, no pla no federal, como instituição. A primeira Constituição que tratou do Ministério Público foi a de 1934, ao inseri-lo no capítulo "Dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamen tais''. A partir daí, nas demais Constituições, o Ministério Público foi situado de maneira bastante oscilante: em título próprio na Constituição de 1946, in serido no capítulo do Poder Judiciário na Constituição de 1967 e situado no capítulo do Poder Executivo na Constituição de 1969. Já na constituição vigen te, o Ministério Público experimentou seu maior grau de desenvolvimento. Com atribuições e prerrogativas de alto relevo (e em diversas áreas), ficou no passado a visão monolítica do parquet, que o identificava somente com a titu laridade da ação penal pública. Também é controvertida a natureza jurídica do Ministério Público. Há quem sustente tratar-se de verdadeiro Poder de Estado (um quarto Poder); no entan to, predomina o entendi1nento de que sua natureza jurídica deve ser extraída da essência de suas atribuições, que são tipicamente executivas, uma vez que não cabe ao Ministério Público julgar e nem legislar. Assün, o Ministério Pú blico pode ser definido como instituição funcionalmente independente, po rém, vinculada ao Poder Executivo (José Afonso da Silva, Curso de direito cons titucional positivo, 2003). Art. 127. O Ministério Público é instituição pern1anente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurí dica, do reghne democrático e dos interesses sociais e individuais indis poníveis.
- Instituição permanente A organização do Estado compete à constituição (sentido material de cons tituição). Desse modo, o constituinte concebeu o Estado brasileiro como um corpo complexo e sistematizado, em que cada aspecto de sua estrutura é indis pensável ao seu perfeito funcionamento. A afirmação de que o Ministério Público é instituição permanente revela tra tar-se de ente que compõe o estado e é dotado de uma parcela de sua sobera nia. Além disso, esse caráter permanente constitui verdadeira imposição do po-
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der constituinte originário, de modo a impedir a supressão da instituição pelo poder constituinte derivado e pelo legislador.
- Essencial à função jurisdicional do Estado
O Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado na medida em que é dotado da capacidade de figm·ar como um dos "atores do processo': provocando a jurisdição. Nesse ponto, é possível retomar as ideias expostas na análise do nomen iuris deste capítulo. Parte da doutrina faz duras críticas a essa redação do texto constitucional. Isso porque, ao lado da atuação processual, o parquet tem diversas funções emi nentemente extraprocessuais (o inquérito civil é uma delas) . E, por outro ân gulo, ao mesmo tempo, nem toda atividade jurisdicional exige a participação do Ministério Público, uma vez que a grande maioria das causas cíveis não exi ge intervenção ministerial (Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 2007). No entanto, também é possível interpretar tal menção como mera retoma da do conceito inicial do capítulo. Ou seja, ao conceituar a instituição, o cons tituinte utilizou essa terminologia apenas como recurso para contextualizá-la na estrutura do Estado, reforçando a ideia de que se trata de "Função essencial ao funcionamento da Justiça", e não no sentido de vincular exagerada e equi vocadamente a atuação do Ministério Público ao âmbito processual.
- Defesa da ordem jurídica
D esde sua fase embrionária, o Ministério Público tem por incumbência o papel de fiscal do cumprimento da lei (custos legis). Com a evolução da insti tuição, outras atribuições de natureza semelhante foram-lhe conferidas, como a legitimidade para o ajuizamento de ADI e a representação de intervenção fe deral no caso de recusa à execução de lei federal (art. 35, lV, da CF). Assün, na atualidade, o par quet tem como atribuição ser o guardião da or dem jurídica, velando pela correta aplicação da lei e pela harmonia do ordena mento jurídico consistente na adequação das demais normas em relação à Cons tituição.
- Defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indispo
níveis
O regime democrático pode ser definido como aquele que é estruturado de modo a vincular o exercício do poder à vontade popular. Ele foi expressamen te adotado pela Constituição de 1988, tal como previsto no seu preâmbulo e no art. 1 °. E, por disposição expressa, cabe ao Ministério Público a defesa desse regime político. Dentre os mecanismos de que dispõe para tal objetivo, pode-se des tacar a ADI interventiva prevista no art. 34, VII, a, da CF; o mandado de injun ção em caso de omissão nonnativa; e a fiscalização do processo eleitoral.
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Também cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses indisponíveis. Tal indisponibilidade decorre da presença de um interesse público, que pode estar ligado a pessoas indeterminadas (sociais) ou a pessoas detenninadas (in dividuais). O interesse público que é objeto dessa tutela é o primário (de toda a coletividade), o qual não se confunde com o secundário (da Administração Pública). No entanto, há uma zona de intersecção entre essas espécies de inte resse público, de modo que é possível que, em determinadas situações, haja coincidência entre elas. Por fim, convém observar que a defesa da democracia e a defesa do interes se público estão intimamente ligadas. Na medida em que se tutela o bem co mum, privilegia-se toda a sociedade; e, em última análise, fica fortalecido o po der popular. § 1° São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
- Unidade A unidade consiste na característica de ser uma só instituição (da qual fa zem parte seus diversos membros), dirigida por uma só chefia, que é o seu Pro curador-Geral. No entanto, essa unidade deve ser concebida dentro de cada mn dos Ministérios Públicos arrolados pelo art. 128 da CF, pois não há unida de entre Ministérios Públicos de Estados diferentes e nem mesmo entre estes e o Ministério Público da União. Por isso, é possível afirmar que, entre Minis térios Públicos diversos, a unidade é apenas conceituai e serve para correlacio nar entes que desempenham a mesma função. Porém, cada um em sua esfera, com campo de atuação próprio e com sua efetiva unidade (esta sim em senti do próprio).
- Indivisibilidade
A indivisibilidade consiste na impossibilidade de fracionamento interno do Ministério Público em outras instituições ou órgãos desvinculados entre si. Da indivisibilidade decorre a possibilidade de substituição de seus membros uns pelos outros e a ausência de vinculação em relação aos feitos em que oficiem. No entanto, essa possibilidade de substituição não é livre, mas sim regrada (pela lei). A indivisibilidade é um desdobramento da unidade, portanto, inexiste subs tituição entre membros de Ministérios Públicos distintos.
- Independéncia funcional
A independência funcional consiste na ausência de subordinação dos mem bros do Ministério Público em relação aos demais membros da carreira, ao Procurador-Geral e aos governantes. Sua finalidade é garantir que a atuação do parquet seja pautada estritamente pela convicção de seu representante, afas-
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tando-se ingerências políticas. A chefia exercida pelo Procurador-Geral só in cide no plano administrativo (atividade-meio), como o poder de designação, o poder de dirimir conflitos de atribuições, dentre outros. Já no plano funcio nal (atividade-fim), não há nenhuma hierarquia. Com relação à independência funcional, a doutrina e a jurisprudência reco nhecem o prinópio do promotor natural. Este proíbe designações casuísticas pela chefia do Ministério Público, evitando a figura do"acusador de exceção", que não encontra amparo em nossa ordem jurídica. Os critérios para a atuação de um ou de outro membro do Ministério Pú blico devem ser abstratos e predeterminados pela lei, não podendo ser altera dos ao bel-prazer da chefia da instituição. O STF já reconheceu que o princí pio do promotor natural tem base constitucional (Plenário, HC n. 67.759/RJ, rei. Min. Celso de Mello, j. 06.08.1992, DJ0l .07.1993). § 2° Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e admi nistrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, pro vendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. Parágrafo com redação dado pelo EC n. 19, de 04.06.1998.
Existe clara distinção entre independência funcional e autonomia funcional. A independênciafuncional diz respeito à liberdade de atuação que detêm os membros da carreira. Já a autonomia funcional diz respeito à liberdade de atua ção e de decisão pertencente à instituição; é o que a manté1n livre da ingerên cia de outros órgãos e poderes, somente se submetendo à Constituição e às leis. Em razão da autonomia funcional da instituição, dentro da classificação dos órgãos públicos, o Ministério Público integra a categoria mais alta: de" órgão independente''. É originado na Constituição e representa Poder Estatal, situan do-se no ápice da pirâmide governamental e não devendo subordinação hie rárquica a ninguém. Seu controle se dá pelos mecanismos constitucionais de freios e contrapesos (limitação de um poder por outro poder). E, por conta da independência funcional, os membros do Ministério Públi co são classificados como"agentes políticos''. Não são funcionários públicos em sentido estrito, pois possuem atribuições constitucionais (que desempenham com poder decisório) e integram os mais altos escalões do estado (Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 1985). A autonomia administrativa consiste no poder de gerir seus próprios negó cios e de se auto-organizar. Ou seja, o Ministério Público não se subordina a regulamentos e atos normativos do Poder Executivo. Sua orga nização e gestão
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são realizadas por meios próprios, em que se vinculam somente à Constitui ção e à lei. A autonomia administrativa não se confunde com a autonomia po lítica, que é o poder de editar normas de caráter geral (para todos os cidadãos) e vinculante (de observância obrigatória). A autonomia política é reservada àqueles entes estatais que possuem Poder Legislativo (União, Estados e Muni cípios). É interessante notar que a personalidade jurídica não é requisito para a au tonomia (funcional ou administrativa). O Ministério Público não tem perso nalidade jurídica, assim como também não a têm o Poder Judiciário, os Tribu nais de Contas e os Órgãos Legislativos (Senado, Câmara dos Deputados, Assembleias de Deputados e Câmaras de Vereadores). Como desdobramento da autonomia administrativa, cabe ao próprio par queto ato de provimento dos cargos pertencentes a seus quadros, tanto no caso de investidura origiJ1ária (ingresso do agente público na Administração Públi ca) como no caso de investidura derivada (movimentação interna do agente já investido anteriormente). O provimento desses cargos segue a regra constitu cional de ingresso por meio de concurso público de provas ou de provas e tí tulos, cuja organização e realização também são incumbência da instituição. A Constituiç..'tin ção de seus cargos (STF, RTJ 153/3). No entanto, com a EC n. 19/98, o texto constitucional mcorporou expressamente o entendimento jurisprudencial, su perando a questão. Por fim, a Constituição deixa a cargo da lei o detalhamento da matéria rela tiva à organização e ao funcionamento do Ministério Público, o que foi feito na LC n. 75/93 (Lompu), na Lei n. 8.625/93 (LONMP) e na Lei n. 11.415/2006, que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Ministério Público da União. § 3° O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos Limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. A LDO deve dispor, dentre outras coisas, acerca de limites para a proposta orçamentária do Ministério Público e do Poder Judiciário. Assim, embora o parquet não conte com recursos financeiros próprios (receitas), sua proposta é
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elaborada pela própria instituição, descrevendo valores e rubricas orçamentá rias, porém, sempre respeitando os limites da LDO. Essa capacidade de elaboração de sua própria proposta orçamentária confi gura a independência financeira do Ministério Público. Entretanto, não se trata de poder de iniciativa para o projeto de lei orçamen tária. Tal iniciativa é exclusiva do Poder Executivo, e a disposição constitucio nal não abalou em nada essa regra. A atuação do Ministério Público ocorre so mente em momento anterior (fase pré-legislativa) à apresentação do projeto de lei. Nesse sentido, já se posicionou o STF (Plenário, MC na ADI n. 883/RJ, rei. Min. Carlos Velloso, j. 24.06.1993, RTJ 152/677). § 4° Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta or çamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do§ 3°. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 45, de 08.12.2004.
A omissão do Ministério Público (ou de seu Procurador-Geral) na remessa da proposta orçamentária ao Executivo implica a repetição dos valores do úl timo orçamento aprovado (a título de nova proposta). No entanto, evidentemente, incidem as limitações impostas na LDO para esta situação também. Do contrário, eventual reduç..-pirado o prazo fi xado no decreto, ou os trinta dias, extinto restará o estado de sítio. No caso do inciso II do mesmo dispositivo, isto é, guerra declarada ou invasão estrangei ra, por óbvio, as medidas excepcionais podem vigorar até que a guerra ou as agressões estrangeiras cessem. § 2 ° Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o Presidente do Senado Federal, de imediato, convo cará extraordinariamente o Congresso Nacional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato. Por se tratar de medida extrema, exige o texto constitucional que, solicitada a decretação do estado de sítio e estando o Congresso em recesso (art. 57 da CF: "O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de l de agosto a 22 de dezembro"), este será, por seu Presidente (o Presidente do Senado é quem preside o Congresso Nacio nal), de ünediato convocado de forma extraordinária, e deverá, em até cinco dias, deliberar sobre o ato. Ocorrendo a aprovação por maioria absoluta dos membros, o decreto de instituição poderá ser editado e as medidas poderão ser levadas adiante. Rejeitada a solicitação, o estado de sítio não será instalado e nenhuma medida restritiva ou coercitiva poderá ser aplicada, sob pena de responsabilidade. O
§ 3° O Congresso N acional permanecerá em funcionamento até o tér mino das medidas coercitivas. Durante a vigência do estado de sítio e visando sempre a fiscalizar os atos e medidas decorrentes do decreto, o Congresso Nacional deverá permanecer em funcionamento até o término do estado de exceção. Como se cuida de medida gravosa e de excepcionalidade marcante, mister se faz que os representantes do povo, ou seja, os congressistas, permaneçam no pleno e regular desempenho de suas funções, exercendo com independência a fiscalização de todas as me didas adotadas no decreto. Deve, ainda, o Congresso Nacional, dentro de sua esfera de competência, adotar toda e qualquer medida que vise a coibição de qualquer tipo de abuso ou desvio perpetrados pelo executor das medidas e seus
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agentes. Preocupou-se o constituinte em dotar o próprio poder público e as pessoas em geral de instrumento válido e eficaz de fiscalização e repressão de quaisquer atos ilegais e abusos perpetrados sob o manto do estado de sítio. Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no a rt. 137, 1, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: No estado de normalidade, a regra é que os direitos e garantias individuais e coletivos devem ser observados com a mais absoluta prioridade e da forma mais ampla e irrestrita possível. Contudo, como já ponderado, existem situa ções que exigem a decretação de "sistemas constitucionais de emergência", en tre os quais inclui-se o estado de sítio, durante o qual, ante a ocorrência de cau sas e situações que em última análise ameaçam a sociedade como um todo e podem comprometer a paz e a ordem sociais, fica facultado ao poder público (União) limitar tais direitos e garantias, em face do interesse público maior, vi sando ao restabelecimento do estado de normalidade. Por se tratar de medida excepcional, as limitações impostas no texto devem ser interpretadas de forma restritiva e se traduzem em numerus c/ausulus. I - obrigação de permanência em localidade determinada; Durante o estado de sítio, o Estado (União), por seu executor, pode obrigar as pessoas a permanecerem em suas localidades, ou seja, pode-se restringir o direito de ir, vir e ficar (art. 5°,XV, da Carta Política de 1988: "é livre a locomo ção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos ter mos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens" ). As causas para tal determinação podem ser as mais variadas possíveis, v. g., ataque inimigo. O dispositivo é claro no sentido de que, em situação emergencial e excepcional, visando ao bem maior das pessoas, ou seja, a integridade física e até psíquica, ou mesmo interesses nacionais, pode-se restringir o direito de ir, vir e ficar. Como se apura, cuida-se de cotejar dois direitos e optar em prol da coletivida de e do bem comum, e, dada a situação de excepcionalidade, em restringir um em prol do outro, buscando a proteção das pessoas e a defesa dos interesses na cionais. II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; Pode-se, ainda, determinar que as pessoas sejam confinadas (detidas) em edifícios não destinados a acusados ou condenados por crime comum, v. g., prisões militares. O dispositivo é desdobramento do inciso anterior. Como
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dito, a regra é a liberdade das pessoas de irem, virem ou ficarem, e, ainda, que a prisão de qualquer pessoa só pode se dar em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, exceto para os milita res (art. 5°, LXI: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei"). To davia, em situações excepcionais e depois de decretado o estado de sítio, sem pre visando à proteção social e ao restabelecimento da normalidade, os execu tores da medida podem deter pessoas em outros estabelecimentos penais não usuais. III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comwlicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; Fica também facultada a restrição do direito de sigilo de correspondência, podendo ocorrer devassa por parte dos executores da medida que detêm au torização legal para abrir, ler e vasculhar todo tipo de correspondência públi ca e particular, ressalvada a hipótese de utilização indevida das informações, o que dará azo à responsabilidade dos agentes violadores. O sigilo das comuni cações tainbém fica afastado, podendo os agentes do Estado interceptar, sem necessidade de autorização judicial e sem limite de prazo, todo tipo de comu nicação (os meios de informação, a liberdade de imprensa, radiodifusão e te levisão), na forma da lei. A última hipótese enseja do Congresso Nacional a edi ção de legislação que regule as situações e fonnas, devendo-se esclarecer que a última restrição não se aplica aos meios de comunicação do próprio Congres so e de suas Casas Legislativas, desde que liberadas pelas respectivas Mesas. IV - suspensão da liberdade de reunião; O d.ireito de reunião também se traduz em direito e garantia individual (art. 5 , XVI, da CF/88 "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frus trem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo ape nas exigido prévio aviso à autoridade competente") que pode ser restringido. Os executores podem deliberar se permitem ou não a ocorrência das reuniões quer abertas ou fechadas. A medida se insere no rol das restrições, pois, dada a situação de anormalidade e excepcionalidade, pode ocorrer que tais reuniões prestem-se a fins ilícitos ou ponham em risco a própria segurança das pessoas, já que reunidas podem ser mais facilmente atingidas pelo inimigo em caso de ataque. °
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V - busca e apreensão em domicílio; A inviolabilidade do domicílio também pode ser restringida (art. 5°, XI, da CF/88 "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial"), fican do facultado aos agentes executores da medida a entrada e a busca em quais quer domicílios, sem necessidade de ordem judicial. Não é incomum que as pessoas utilizem suas próprias residências para a prática de atividades ilícitas. Destarte, como se cuida de situação excepcional que exige, em regra, pronta ação estatal, facultou o constituinte o direito a busca e apreensão domiciliar sem a prévia autorização judicial, pois, exigida esta, a diligência pode se tornar infrutífera, v. g., pela fuga do agente infrator, por destruição de provas, entre outras possibilidades. VI - intervenção nas empresas de serviços públicos; Algumas empresas concessionárias de serviços públicos desempenham pa pel estratégico na sociedade (concessão pública é o contrato celebrado entre o poder público [União, estado, 1nunicípio e Distrito Federal] e pessoas físicas ou jurídicas que em nome próprio irão explorar, diretamente, serviços públi cos mediante o recebimento de tarifa ou preço público). Tais empresas operam na área de comunicações, transporte, combustíveis, água, energia elétrica, en tre outras. Destarte, em algumas hipóteses, mister se faz que os executores da medida assw11am o controle operacional de tais empresas, as quais, em regra, são privadas. A medida interventiva, por exemplo, pode ter por escopo impe dir seu do1nínio pelo agente iniJnigo ou assegurar o abastecimento da popula ção, entre outras medidas a cargo dos executores. VII - requisição de bens. A CF/88 assegura o direito de propriedade (art. 5°, XXII: "é garantido o di reito de propriedade"). Todavia, diante do estado de sítio e dada a excepciona lidade da situação, pode o poder público (União, via seu executor) valer-se da requisição de bens particulares, obrigando-se o proprietário a sua entrega ou cessão, quer se cuide de bem móvel ou imóvel. O apossamento administrativo de bens móveis e imóveis (utilização dos bens pelo poder público) é permiti do durante o estado de sitio. Cessada a medida excepcional, por óbvio, o po der público (União) fica obrigado a devolver, se por ventura os bens não foram exauridos ou consumidos, e ainda a indenizar os particulares que tiverem seus bens atingidos pela execução da medida levada a efeito.
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Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa. Como já dito alhures, a restrição aos meios de informação e comunicação, neles incluídos radiodifusão e televisão, não se aplicam às Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), desde que os pronunciamentos parlamentares sejam previamente liberados pelas Mesas das respectivas Casas e tenham lugar dentro da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ou du rante a reunião do Congresso Nacional. O dispositivo, evidentemente, contras ta com a garantia já assegurada no art. 53, caput, da CF/88 ("Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."). A ressalva é proposital e necessária, pois, como já visto, o Congresso Nacional deve continuar em funcionamento regular durante o es tado de sítio, inclusive para desempenhar função de fiscalização, logo, seria um contrassenso facultar ao executor da medida exercer censura prévia em face de órgão que tem por mister fiscalizá-lo. Seção Ili Disposições Gerais Os arts. 140 e 141 trazem normas gerais a serem observadas de forma fiel e impostergável por todos os protagonistas envolvidos, quer na hipótese de decre tação do estado de defesa, quer na do estado de sítio. O desiderato do legisla dor constituinte, por certo, foi reduzir a marge1n interpretativa e discricioná ria, impondo uma série de exigências constitucionais. Não poderia ser diferente. Tanto o estado de defesa quanto o estado de sítio restringem direitos e garan tias individuais das pessoas, saliente-se, ambos conquistados por meio de gran de luta pelas classes sociais através dos séculos. No Estado Democrático de Di reito tais hipóteses, dado o grande risco de retrocesso social e volta de imposições ditatoriais, requerem a imposição de inúmeras exigências, as quais deverão ser fielmente observadas para se poder impor a situação excepcional. Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao estado de sítio. Por se tratarem de medidas excepcionais e até extremas, o estado de defesa e o estado de sítio são submetidos ao controle político. A Mesa do Congresso Nacional, após oitiva das lideranças políticas, designará (deverá designar) uma
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Comissão composta por cinco de seus membros, os quais deverão acompanhar e fiscalizar as medidas referentes aos dois estados de exceção. Mais uma vez a preocupação do legislador constituinte em dotar o Poder Legislativo de instru mentos efetivos e eficazes de controle e fiscalização das medidas de exceção. De se registrar que, no caso do estado de defesa, o decreto e a execução das medi das podem anteceder a oitiva do Congresso Nacional, o que não ocorre com o estado de sítio, medida mais grave, que exige sempre a prévia autorização do Congresso Nacional. Art. 141. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão tam bém seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes. O estado de defesa e o estado de sítio cessarão, quer pelo advento do lapso temporal quer pela dissipação das causas que lhe deram ensejo. Cessados o es tado de defesa e o estado de sitio, também cessan1 seus efeitos. Contudo, fica ressalvada a possibilidade de responsabilização dos executores e seus agentes. A responsabilização diz respeito a ilícitos de índole civil (dever de indenizar os danos materiais e morais eventualmente causados) e penal (crimes próprios ou impróprios, estes últimos denominados de crime de responsabilidade). Re gulando a hipótese dos crimes de responsabilidade há a Lei n. 1.079/50. A res ponsabilização atinge não só os executores nomeados e seus agentes como tam bém o próprio Presidente da República. Parágrafo ú1úco. Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos, e indicação das restrições aplicadas. Terminados os estados de defesa e de sítio, o Presidente da República deve rá relatar todas as medidas que foram aplicadas durante a vigência dos estados de emergência. O relatório deverá ser minucioso, pormenorizado, especificando e indicando as medidas adotadas, informando-se, ainda, a relação nominal de to das as pessoas naturais e jurídicas atingidas, bem como as restrições aplicadas a cada uma delas. A exigência constitucional, mais uma vez, tem por finalida de possibilitar ao Congresso Nacional (órgão representante da sociedade) a fis calização das medidas e sua adequação aos termos da decretação. Os atos de abuso ou que transbordem dos termos estritos dos respectivos decretos ense jam não só os executores como também o próprio Presidente da República a responsabilidade civil, administrativa, penal e política.
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CAPÍTULO li DAS FORÇAS ARMADAS
Dentre os elementos do Estado, ao lado do povo e do território (alguns co locam a finalidade como um quarto elemento do Estado) insere-se a sobera nia. A soberania se traduz no poder de auto-organização e de não sujeição a qualquer outro poder superior. Aliás, o termo superanus advém do latim e sig nifica superior, super, sobre. Para preservação da soberania no âmbito externo e para defesa da lei e da ordem no âmbito interno, mister se faz que o país con te com poderio bélico e efetivos militares para tal tarefa. Dessa necessidade sur giran1 as Forças Armadas. No Brasil as Forças Armadas se desdobram em Ma rinha, Exército e Aeronáutica. A Marinha exerce a fiscalização do nosso mar (inclusive da plataforma continental), a Aeronáutica do nosso espaço aéreo e o Exército de nossas fronteiras terrestres. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade su prema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. As Forças Armadas são constittúdas pela Marinha - força do mar, Exército força da terra, e Aeronáutica - a força do ar. Nos termos constitucionais, tais ins tituições são entidades de caráter nacional (têm atuação em todo território nacio nal) e permanente (não podem ser extintas), dotadas de regularidade ( os efetivos devem se1npre ser repostos). Organizam-se com base na hierarquia e disciplina, sob o comando supremo do Presidente da República. Têm por finalidade, em primeiro plano, a defesa externa do país e, em segundo plano, a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer wn deles, da lei e da ordem. Todo Estado necessita de Forças Armadas que lhe deem suporte e auxílio na manutenção de sua soberania. A ausência de poderio bélico deixa vulnerável o Estado, facilitando a usurpação da soberania quer por outros paí ses quer mesmo, nos tempos hodiernos, pelas organizações criminosas. § 1° Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. A lei complementar ora reclamada já foi editada, ou seja, LC Federal n. 97, de 09.06.1999, a qual traça as diretrizes para a organização, preparo e empre go das Forças Armadas. O Diploma legal é composto de 23 artigos e traz de
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forma minuciosa as atribuições de cada Força, quais sejam, do Exército, da Ma rinha e da Aeronáutica. Disciplina as normas orçamentárias, as formas de co mando, entre outras situações. Vale consignar que as Forças Armadas integram a adn1inistração pública direta, logo, a exemplo de todas as demais instituições do Estado ( em sentido amplo), se submetem aos princípios constitucionais da administração pública, em especial os do art. 37, caput, da Carta Constitucio nal de 1988 ("A administração pública direta e indireta de qualquer dos Pode res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [ ... )"). § 2 ° Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares mi litares. A regra no Estado Democrático de Direito é que toda lesão ou ameaça de le são pode ser deduzida perante o Poder Judiciário (art. 5 °, XXXV, da CF: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"). To davia, em matéria de punições disciplinares, dadas as peculiaridades da orga nização militar, que está baseada na hierarquia e na disciplina, o legislador cons tituinte excluiu da apreciação do Poder Judiciário, via o remédio heroico do habeas corpus, as punições disciplinares militares. Vale dizer, são os próprios membros das Forças Armadas que, respeitada a hierarquia, impõem sanções disciplinares militares, inclusive aquelas que inibem a liberdade de ir, vir e fi. car. Nesse sentido, há regra geral no próprio art. 5°, LXI, da CF: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de au toridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou cri me propria111ente militar, definidos em lei". § 3° Os membros das Forças Armadas são denominados militares, apli cando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes dis posições: Parágrafo acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998. A Emenda n. 18, de 05.02.1998, atribuiu aos militares (das três forças, Exér cito, Marinha e Aeronáutica) a nomenclatura de "militares': disciplinando ain da várias disposições constitucionais e infraconstitucionais. A medida visa a diferenciar os militares integrantes das Forças Armadas Federais das demais forças públicas dos Estados-membros, pois nestes existe a figura dos policiais militares, os quais, em regra, são chamados tão só de "militares''. Para deixar dara a distinção à mencionada emenda, atribuiu aos integrantes das três For ças Federais a expressão já reproduzida, ou seja, "militares".
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I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os t ítulos e postos 1nilitares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uni formes das Forças Armadas; Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998. As patentes (grau hierárquico, traduzido em promoções: tenente, capitão, major e assim sucessivamente), as quais trazem prerrogativas, vantagens e de veres, são outorgadas pelo Presidente da República (art. 84, XIII, da CF: "exer cer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Mari nha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos"). A outorga pode se dar para oficiais da ativa (que ainda continuam trabalhando), da reserva (quando o militar conta com mais de dez anos e é eleito para cargo público ou toma posse em cargo ou emprego público civil) e reformados (aposentados). O uso de uniformes, títu los e demais honrarias militares é exclusivo aos militares do Exército, da Mari nha e da Aeronáutica. II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego pú blico civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea e, será transferido para a reserva, nos termos da lei; Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998, e com redação dada pela EC n. 77, de 11.02.2014. Como as carreiras militares das três Forças são destacadas das demais, ten do por base a disciplina e a hierarquia, se o militar en1 atividade tomar posse em cargo ou emprego público civil, de caráter permanente, será transferido para a reserva, nos termos da lei. O dispositivo constitucional ainda não foi re gulamentado.Procura-se, com tal imposição, evitar-se a eventual quebra de hierarquia e disciplina, pois o servidor público civil é regido por regras pró prias (Estatuto) e o militar também (Código de Disciplina). Saliente-se que as normas de regência de um ou outro cargo público são completamente diver sas e mesmo opostas, logo não pode o militar ver-se submetido a dois regimes díspares, o que pode trazer prejuízo para os dois atributos necessários e in1prescindíveis na vida n1ilitar, a disciplina e a hierarquia. III -o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea e, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá,
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enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e trans ferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contí nuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998, e com redação dada pelo EC n. 77, de ll.02.2014. A CF facultou ao militar o exercício de cargo público sem ter de necessaria mente passar à reserva. Vale dizer, pode o militar ostentar cargo, emprego ou função pública, desde que não eletivos (pois ao se tratar de cargos eletivos, vi sando a não contaminação político-partidária das unidades militares, deverá passar para a reserva ex vi do art. 14, § 8°, r e II, da CF). Na hipótese de função, cargo ou emprego civil temporários, o militar estará agregado ao posto e ao lo cal onde desempenhava as atividades, ficando afastado das funções militares. Durante o afastamento, o militar pode receber promoções tão só pelo critério da antiguidade, ressalvado, contudo, que o tempo da função, emprego ou car go civil será computado para fins de aposentadoria (reserva). Se a assunção do cargo, emprego e fw1ção civil perdurar por mais de dois anos ( contínuos ou não), o militar será transferido para a reserva, nos termos da lei, salientando -se que a lei ainda não está editada. IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; Inciso acrescentado pelo EC n. 18, de 05.02.1998. Visando, por óbvio, impedir a politização e o comprometin1ento dos mem bros das Forças Armadas, veda-se aos militares a sindicalização e a greve, situa ções que trariam ao seio militar insubordinação e quebra da hierarquia, com prometendo o desempenho das fw1ções. Aqui, como se trata de norma especial e específica, não se aplica a hipótese do art. 5°, XVII, da CF ("é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar"), pois forte no princípio da interpretação constitucional, só o próprio texto da Lei Maior pode se excepcionar. Conclui-se, então, que não obstante a regra geral do art. 5°, tra tando-se de militares das Forças Armadas, o direito individual da sindicaliza ção e da greve cede espaço à norma especial ora tratada. V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a parti dos políticos; Inciso acrescentado pelo EC n. 18, de 05.02.1998. Também se veda aos militares a filiação partidária, pelos mesmos motivos que se veda a sindicalização e a greve. Vale dizer, quer se impedir no âmbito
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militar a politização, que em alguns casos pode comprometer o próprio Esta do Democrático de Direito, aliás, como já ocorreu em nosso passado, eis que as Forças Armadas, dada a relevância e o poder bélico que possuem, se politi zadas, podem iJnpedir o eventual curso democrático que não corresponda à ideologia partidária da qual comungam. As Forças Armadas, por deterem todo o poderio bélico nacional e fiscalizarem outras instituições, por exemplo, a pró pria Polícia Militar dos Estados-membros, deve ficar imune a qualquer ataque político partidário, impedindo-se que se seduzam ou se curvem às ideias polí ticas. Devem, como dito alhures, submeter-se aos princípios constitucionais da administração pública, em especial, ao princípio da legalidade. VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998.
Mesmo na Justiça Militar Federal, ramo especializado do Poder Judiciário, assegurou-se aos membros das Forças Armadas, em especial aos oficiais, as garantias constitucionais do contraditório, da an1pla defesa e do devido pro cesso legal, entre outras, só se podendo falar em perda de cargo por indignida de após regular julgamento por tribunal militar em tempo de paz e por tribu nal especial em tempo de guerra. O dispositivo reforça a regra do art. 5°, LV, da CF: "aos litigantes, em processo judicial ou ad1ninistrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes''. E nem poderia ser diferente. Não se compadece com o Estado Democrático de Direito a aplicação de qualquer sanção, ainda que administra tiva, sem a possibilidade de contraditório, ampla defesa e observância de regras mínimas procedimentais. Excluir tais garantias, mesmo em prol da hierarquia e da disciplina, seria um retrocesso inaceitável. VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior; Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998.
Assegurou-se aos militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica a prer rogativa de, mesmo condenados pelas Justiças comuns (Justiça dos Estados e a Justiça Federal) ou militar a pena superior a dois anos, a perda não automá tica do cargo, exigindo, além da condenação, a submissão a julgamento sobre a indignidade ou não do ato (por tribunal militar, em tempo de paz ou espe-
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cial,em tempo de guerra),com as garantias e direitos já explicitados. Tal prer rogativa não se aplica aos demais servidores públicos (da União,dos estados, dos municípios e do Distrito Federal),os quais,de forma automática,nos ter mos do art. 92,l,a e b, e parágrafo único,do CP,ao perpetrarem crimes e re ceberem condenação criminal em razão do cargo,nas hipóteses citadas,per dem-no. VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7°, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea e;
Inciso acrescentado pelo EC n. 18, de 05.02.1998, e com redação dado pela EC n. 77, de 11.02.2014.
Por serem,em última análise, categoria de servidores públicos da adminis tração direta,restaram assegurados aos nlilitares os direitos sociais e a política remuneratória do art. 7°,VIII {"décimo terceiro salário com base na remune ração integral ou no valor da aposentadoria"), XII ("salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei"),XVII ("gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos,lun terço a mais do que o salário normal"), XVIII ("licença à gestante,sem prejuízo do emprego e do salário,com a duração de cento e vinte d.ias" - atualmente,a licença é de 180 d.ias,por força da Lei n. 11.770/2008),XIX ("licença-paternidade,nos termos fixados em lei" - o prazo é de cinco d.ias) e XXV ("assistência gratuita aos fi füos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas"), e do art. 37,Xl ("a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos,funções e empregos públicos da administração direta,autárquica e fi.mdacional,dos membros de qualquer dos Poderes da União,dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios,dos detentores de mandato eletivo e dos de mais agentes políticos e os proventos,pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza,não poderão exceder o subsídio mensal,em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal [ . ..]"),XIII ("é vedada a vincula ção ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de re muneração de pessoal do serviço público"), XIV ("os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fim de concessão de acréscimos ulteriores") e XV ("o subsídio e os vencimen tos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis,ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39,§ 4°, 150,II,153,III e 153,§ 2°, I").
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IX- (Revogado pela BC n. 41, de 19.12.2003.) X - a lei disporá sobre o i ngresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromis sos internacionais e de guerra. Inciso acrescentado pela EC n. 18, de 05.02.1998.
Cuida-se de dispositivo constitucional de eficácia limitada, exigindo produ ção legislativa infraconstitucional, a qual ainda não sobreveio. De se acrescer, por óbvio, que não obstante o comando constitucional outorgar ao legislador infraconstitucional a fi xação dos critérios enumerados, está claro que para fi xação de tais critérios, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, deve o legislador pautar-se pelos princípios de regência, dentre os quais sobrelevam -se a proporcionalidade e a razoabilidade, sendo vedada a fixação de discrimi nações, exigências e requisitos que não atendam ao desiderato constitucional das Forças Armadas, pois o dispositivo ora citado deve ser cotejado com o art. 5 ° do mesmo Diploma legal, o qual impede a ocorrência das hipóteses já men cionadas. Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos tennos da lei. O Brasil adotou o princípio da nação em armas, isto é, obriga a pessoa do sexo masculino (homem maior de 18 anos de idade) a submeter-se ao serviço militar obrigatório. Busca-se com tal detenninação, em última análise, prote ger-se a soberania nacional, eis que após o treinamento militar cria-se uma re serva de contingência (homens civis com treinamento militar) e, em caso de guerra, pode-se utilizar tais efetivos que já contan1 com treinamento militar básico para a defesa do país, mandando-os para o combate. A obrigatoriedade do serviço militar constou de todas as nossas Constituições. A primeira Cons tituição da República de 1891 já estabelecia que todo brasileiro era obrigado ao serviço militar, em defesa da Pátria e da Constituição. § 1° Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alter nativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter es sencialmente militar.
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O serviço militar é obrigatório para todos (homens maiores de 18 anos de idade), contudo, o legislador constituinte criou exceções, derivadas do impe rativo de consciência, fruto de ideologias religiosas, filosóficas ou até políticas, atribuindo a tais pessoas outros serviços compatíveis com tais crenças, isto é, o jovem pode recusar-se ao treinamento clássico, porém está obrigado ao de sempenho de outras atividades dentro de uma das Forças. Todavia, se mesmo atribuída prestação alternativa a pessoa recusar-se ao cumprimento, terá seus direitos políticos suspensos (art. 15, IV, e art. 5°, VIII, ambos da CF/88). Há dis senso sobre a expressão, para alguns há perda, para outros suspensão dos di reitos políticos. Parece-nos que a expressão "suspensão" é mais adequada, mor mente, frente os termos do art. 4°, § 2°, da Lei n. 8.239, de 04.10.1991: "Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, o certificado só será emitido após a de cretação, pela autoridade competente, da suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a qualquer tempo, regularizar sua situação median te cumprimento das obrigações devidas", pois, como se cuida de imposição obrigatória e geral, não há como se escusar ao cumprimento, devendo-se sub meter o conscrito a prestação alternativa. De se registrar que, cwnprida a obri gação, os direitos políticos serão restabelecidos. § 2° As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obri gatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir. Às mulheres e aos eclesiásticos (pessoas ligadas às Igrejas, sacerdotes) dá-se, em tempo de paz, isenção do serviço 1nilitar obrigatório, por certo pela forma ção e natureza de tais pessoas. Contudo, as mulheres e os eclesiásticos estão obrigados ao dese1npenho de outras funções em tempo de guerra. O consti tuinte atribuiu a tais categorias encargos secundários em tempo de guerra, podendo ser convocados para prestaren1 auxílios no campo médico (como enfermeiros, atendentes ou mesmo médicos se possuírem habilitação legal), religioso (celebração de cultos, missas e outros ofícios), laboral (confecção de uniformes, alimentação, entre outros) e assistencial, tudo nos termos da Lei n. 8.239, de 04.10.1991. CAPÍTULO Ili
DA SEGURANÇA PÚBLICA
O constituinte reservou à segurança pública um capítulo especial. A preocu pação fixou-se no passado recente, no qual segurança pública e segurança na cional se confundiam e a segunda passou a ser utilizada como ato de império. Utilizavam-se as forças públicas e militares para perseguir e mesmo aniquilar
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os críticos do regime militar ditatorial. A segurança é dever de todos (poder público e sociedade) e tem como objetivo a preservaç,'io da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio, enfim, é a manutenção da ordem pú blica no âmbito interno. Preocupou-se o constituinte em criar órgãos com atri buições específicas e definidas, na esfera federal, estadual e municipal. Inovou o texto constitucional, pois possibilitou ao município a criação de forças pú blicas, denominadas, em regra, guardas municipais, com função específica de proteção a bens, serviços e instalações municipais. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabili dade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da inco lumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: A vida em sociedade, por sua própria dinâmica, faz surgir em seu meio a fi gura do delito. Não há grupamento social que não sofra os efeitos da crünina lidade em maior ou menor grau. Tal preocupação sensibilizou o legislador cons tituinte de 1988, o qual, de forma inédita, reservou um capítulo específico sobre a segurança pública. Teve o constituinte a preocupação de separar as fun ções de defesa da soberania, a cargo das Forças Armadas, e a segurança inter na, a cargo das entidades policiais, quer no âmbito federal, estadual e mesmo municipal. Explicitou-se, no texto constitucional, que a segurança pública, hoje, não é mais dever exclusivo do Estado (em sentido amplo), cabendo a respon sabilidade a todas as pessoas que vivem no país. 1- policia federal; O prii11eiro órgão ou instituição criados na Carta Constitucional foi a Polí cia Federal, que há de ser iinplantada por meio de lei federal, devendo ser com posta por órgãos permanentes e organizada em carreira. Suas atribuições, além de outras correlatas, são apurar infrações penais contra a ordem política e so cial ou em detriinento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entida des autárquicas e empresas públicas, assiin como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, conforme dispuser em lei, prevenção e repressão ao tráfico ilícito de entorpe centes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fa zendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. A Polícia Federal está vinculada ao Ministério da Justiça (e como desdobramen to lógico em última instância ao Presidente da República) e é custeada com re cursos da União. II - polícia rodoviária federal;
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A exemplo da Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal deve ser criada por meio de lei federal, composta por órgãos permanentes e organizada em carreira. Nas suas atribuições, além de outras correlatas, na forma da lei, inse re-se o patrulhamento ostensivo das rodovias federais. De se observar que vá rias rodovias federais estão passando por um processo de concessão à iniciati va privada. Todavia, mesmo que ocorra a concessão, persistirão as atribuições da Polícia Rodoviária Federal, que continuará a deter poder de polícia nas es tradas federais objeto da concessão. A subordinação, manutenção e custeio da Policia Rodoviária Federal também está a cargo do Ministério da Justiça e da União. III - polícia ferroviária federal; A polícia ferroviária federal tem por atribuição o patrulhamento ostensivo das ferrovias federais, mesmo as que foram ou venham a ser cedidas por con cessão à iniciativa privada. A exemplo da polícia federal e da polícia rodoviá ria federal, prescinde da criação por lei federal, deve ser composta por órgãos permanentes e organizada em carreira. Subordina-se ao Ministério da Justiça e também é custeada e mantida pela União. IV - polícias civis; As polícias civis, criadas pelos Estados-men1bros, também exigem lei para sua criação, composição de órgãos permanentes e organização em carreira. De vem ser dirigidas por delegados de polícia de carreira, com curso de bacharela do em Direito. Têm como atribuições o exercício de polícia judiciária no âmbi to da jurisdiç.ão estadual, competindo-lhe a apuração de infrações penais (crimes e contravenções), excetuadas as de competência da polícia federal e os delitos militares perpetrados por membros das polícias militares dos respecti vos Estados-membros. As polícias civis, em regra, estão subordinadas ao secre tário de justiça (ou de defesa social e, em última instância, aos governadores), são mantidas e custeadas com recursos dos Estados-membros a que pertençam. V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. O poder de polícia, na lição administrativa, se traduz no poder/dever da ad ministração pública, via seus mais variados órgãos, em fazer cumprir as limita ções legais, incluindo-se, por óbvio, o fiel cumprimento das leis penais. Basica mente, o poder de polícia se divide em dois grandes blocos: a polícia administrativa e a polícia de segurança ou judiciária, neste último segmento inserem-se os seis órgãos já nominados. Cabe à polícia militar de cada Estado-membro, a polícia
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ostensiva e a preservação da ordem púb[jca. Os bombeiros militares, braço es pecializado da polícia militar, têm por atribuição a prevenção e o combate a in cêndios e as atividades de defesa civil (inundações, desabamentos, entre outras). As polícias militares e os bombeiros militares subordurnm-se aos respectivos conrnndos e são mantidos e custeados pelos Estados-membros que integram. No Distrito Federal e nos territórios (se por ventura forem criados) a organi zação e a manutenção toca à União (art. 21, XN, da CF). As forças militares dos Estados-membros são "forças auxiliares" do Exército. § 1° A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, orga nizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: Parógrafo com redação dada pela EC n. 19, de 04.06.1998. A polícia federal é um órgão permanente da ad1ninistração pública direta, organizada em carreira, que exige para seus cargos de delegado o curso de ba charelado em Direito, sendo mantida pela União. O Regimento Interno da Po lícia Federal está disciplinado na Portaria n. 1 .300, de 04.07 .2003, do Ministé rio da Justiça, publicada no Diário Oficial da União em 05.07.2003. I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em de trimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja práti ca tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; O dispositivo traz a competência funcional da polícia federal atribuindo-lhe a apuração de infrações penais (crimes e contravenções) contra a ordem polí tica e social, ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas (art. 109, IV, da CF/88) e, ain da, infrações penais cuja prática tenha repercussão interestadual ou interna cional e exija repressão uniforme, nos termos da lei. A Lei n. 10.446, de 08.05.2002, em seu art. 1 °, dispõe sobre as infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme (sequestro, cárcere privado e ex torsão mediante sequestro [arts. 148 e 159 do CP], se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel [incisos I, a, rr, III e VII do art. 4° da Lei n. 8.137, de 27.12 .1990]; violação aos direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valo res, transportados em operação interestadual ou internacional, quando hou ver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um estado da federa-
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ção) e a Lei n. 8.137, de 27.12.1990, define crimes contra as relações de consumo, entre os quais o cartel. II - prevenir e reprimir o tráfico iücito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; Incumbe também à polícia federal a prevenção e a repressão ao tráfico ilí cito de entorpecentes e drogas afins, bem como o combate ao contrabando (in serção em território nacional de produtos cuja entrada e venda são proibidas) e ao descaminho (entrada no território nacional de produtos desacompanha dos de documentação fiscal e sem o pagamento dos devidos tributos), ressal vada a competência dos demais órgãos, inclusive fazendários. Os Decretos ns. 2.730, de 10.0 8.1998, e 2.781, de 14.07.1998, tratam do combate ao contraban do e ao descaminho. De se registrar que se houver sonegação de outros impos tos ou taxas da competência de outros entes federados (Estados-membros e Municípios), nada impede que tais entes promovam suas respectivas investi gações, respeitadas, é claro, as normas processuais penais na fixação da com petência jurisdicional penal. III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; Inciso com redação dado pela EC n. 19, de 04.06.1998.
O dispositivo ora citado foi inserido pela En1enda n. 19, de 04.06.1998, e aperfeiçoou a redação do dispositivo primitivo, atribuindo-se, de forma clara, que também compete à polícia federal exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, otimizando as atribuições do órgão e possibili tando urna melhor fiscalização, pois antes da emenda havia inún1eros questio namentos sobre a competência ou não da polícia federal para proceder às fun ções de polícia marítima, aeroportuária e das fronteiras, situação que diminuía e, em alguns casos, até comprometia o trabalho da instituição. IV - exercer, com exclusividade, as funções de policia judiciária da União. Compete à polícia federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciá ria da União. Assim, cometida qualquer infração penal (crime ou contraven ção) contra bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autár quicas ou empresas (art. 109, IV, da CF), a polícia federal deverá deflagrar a investigação, via inquérito ou outro procedimento policial cabível (termo cir cunstanciado de ocorrência, por exemplo) para total apuração dos fatos, en viando o resultado das apurações ao Ministério Público Federal {respeitada a
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especialização) para o eventual manejo da ação penal respectiva junto ao juízo federal competente. § 2° A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e man tido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Porógrofo com redação dado pelo EC n. 19, de 04.06.1998. Ao lado da polícia federal, que tem como atribuição, em regra, a atividade repressiva e de investigação, criou-se a polícia rodoviária federal; igualmente, órgão permanente, organizado e mantido pela União, com caráter ostensivo/ preventivo e que tem como atribuição o patrulhamento das rodovias federais. A Lei n. 9.654, de 02.06.1998, disciplinou as funções, os direitos e os deveres dos policiais rodoviários federais e a Portaria n. 3.741, de 15.12.2004, publica da no Diário Oficial da União em 16.12.2004, regulamentou, em Regimento In terno, as atribuições da polícia rodoviária federal. § 3° A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e man tido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Porógrofo com redação dado pelo EC n. 19, de 04.06.1998. Para concluir a proteção aos bens, serviços e interesses federais criou-se tam bém a polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado em carreira e mantido pela União com atribuições específicas no patrulhamento ostensivo das ferrovias federais, cedidas à iniciativa privada, por meio de concessão, ou não. O patrulhamento de estradas estaduais e ferrovias estaduais, ou munici pais, continua a cargo dos órgãos estaduais, em especial das polícias 1nilitares e civis dos respectivos Estados-membros e do Distrito Federal. § 4 ° Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia ju diciária e a apuração de infrações penais, exceto a s militares. As polícias civis, exceto as do Distrito Federal e dos Territórios, cuja incum bência toca à União (art. 21, XIV, da CF/88), são de responsabilidade dos Es tados-membros e deverão ser dirigidas por delegados de polícia de carreira (com curso de bacharelado em Direito e aprovados em virtude de concurso público de provas e títulos). Possuem competência residual, isto é, excluídas as competências da União, as quais tocam à polícia federal, todas as demais infra ções (crimes ou contravenções penais), exceto as de natureza militares, serão
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apuradas pela polícia judiciária estadual, o que denota seu caráter repressivo, ou seja, o desenvolvimento de seus trabalhos, em regra, após a consumação do fato delituoso. § 5° Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. As polícias militares e os corpos de bombeiros, mais uma vez excetuando-se o Distrito Federal e os Territórios, também são de competência estadual. Às polícias militares cabem o patrulhamento ostensivo/preventivo e a preserva ção da ordem pública, ou seja, manutenção da ordem pública interna. Aos cor pos de bombeiros militares, além das atribuições que forem definidas nas res pectivas leis, incumbe a execução de atividades de defesa civil (inundações, acidentes de trânsito, entre outras) e o combate e a prevenção de incêndios. § 6° As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxi liares e reserva do E xército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Como órgãos de defesa social e por representarem o "braço armado" do Es tado, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares traduzem-se em forças auxiliares do Exército, este último exercendo fiscalização e controle so bre os demais, subordinando-se, ainda, junto às polícias civis, aos respectivos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. O dispositivo constitucional, a exemplo de muitos outros, visou assegurar o controle efetivo e direto sobre as forças estaduais, do Distrito Federal e dos Territórios, impe dindo a usurpação dos poderes e o comprometimento do Estado Democráti co de Direito. § 7° A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. Visando a otimização dos serviços de todos os órgãos de defesa social, em especial das seis entidades listadas (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombei ros militares) no art. 144, da Carta da República de 1988, o legislador consti tuinte remeteu ao legislador infraconstitucional a edição de lei que discipline a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pú blica, de maneira a garantir a eficiência das atividades. A lei mencionada não
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foi editada até o momento. Balizando a questão existe o Decreto n. 2.169, de 04.03.1997, do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp). § 8° Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. O constituinte de 198 8 relutou na criação de polícias municipais com atribui ções na persecução penal. Contudo, facultou aos municípios a criação de guar das municipais com competência específica destinada à proteção de bens, ser viços e instalações do município, conforme disposição legal. Na prática, todavia, as forças municipais acabam reforçando o policiamento ostensivo/preventivo, pois não é incomum guardas municipais efetuarem em conjunto com as demais polícias, ou mesmo isoladamente, a detenção de pessoas que se encontram em situaç,'io de flagrante delito. Se não há dever legal de efetuar a prisão, eis que as guardas municipais não são dotadas de atribuições criminais, nada impede que seus membros exerçam a prerrogativa legal do art. 301 do CPP ("Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito"), denotando, na prática, que também contribuem no combate a criminalidade. O Estatuto Geral das Guardas Muni cipais está disciplinado na Lei Federal n. 13.022, de 08.08.2014. § 9 ° A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos re lacionados neste artigo será fixada na forma do§ 4° do art. 39. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 19, de 04.06.1998. Como os policiais referidos nos artigos antecedentes integram a administra ção pública direta, tendo por escopo a uniformização e o limite das remune rações em todos os estados, territórios e no Distrito Federal, a Emenda n. 19, de 04.06.1998, acrescentou o§ 9° ao art. 144, submetendo os policiais às regras do§ 4°, do art. 39, da CF ("o membro de Poder, o detentor de mandato eleti vo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remu nerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acrés cimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI"), o qual visa a impedir o aviltamento ou a criação de vultosos salários no meio policial. Enfu11, o dispositivo cria uma política remunerató ria até então inexistente. § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: Parágrafo acrescentado pela EC n. 82, de 16.07.2014.
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A segurança viária, por força da EC n. 82/2014, passou a figurar expressa mente no rol de atribuições das forças policiais federais, estaduais militares e civis e municipais. O trânsito e seus desdobramentos, infelizmente, matam cen tenas de milhares de pessoas e servem de abrigo para outra infinidade de deli tos patrimoniais violentos, notadamente, os roubos à mão armada. Esse con texto motivou a inclusão do djspositivo constitucional, o qual tem por escopo deixar claro que a segurança viária integra o complexo das ações dos entes po liciais aqui tratados e compõe o conceito amplo de segurança pública. A emen da constitucional também tem por finalidade deixar claro que o poder de po lícia é indelegável e só pode ser exercido por integrantes das forças policiais enumeradas. I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e Inciso acrescentado pela EC n. 82, de 16.07.2014.
Para o desempenho das ações de segurança viária, o texto constitucional as segura que os órgãos de segurança pública possam desenvolver ações educa cionais visando à conscientização da população, promovam estudos de enge nharia que assegure111 a proteção viária e, ainda, realizem a fiscalização do trânsito urbano, intermunicipal, interestadual e internacional, respeitadas as devidas co111petências, além de outras atividades previstas em lei, em especial, no CTB-Lei n. 9.503, de 23.09.1997-, todas com a finalidade de assegurar ao cidadão o direito à mobilidade urbana, a ordem pública, a sua incolumidade e a de seu patrimônio. II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí pios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. Inciso acrescentado pela EC n. 82, de 16.07.2014.
A EC n.82/2014 prevê a criação da carreira de agente de trânsito. A questão da mobilidade urbana e da violência no trânsito em sentido lato tem provoca do grande reação popular. Nesse contexto, cobra-se do poder público (União, estados, Distrito Federal e municípios) a resolução desses graves problemas, os quais, por óbvio, exigem que a fiscalização do trânsito seja cada vez mais efi ciente e intensa. Dessa forma, o texto constitucional abre a possibilidade de que os entes federados, por leis próprias e atendidas as diretrizes da legislação fe deral, possam dispor sobre a estruturação e demais peculiaridades de seus agen tes de trânsito.
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TÍTULO VI DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO Optou o legislador constitucional em destinar um título da Carta Magna ao conjunto de princípios e regras voltados para a tributação e para o orçamen to. A medida visou, primeiramente, a proteger o contribuinte, tendo em con ta que as normas constitucionais são hierarquicamente superiores ao restante do ordenamento e possuem maior grau de rigidez, algumas delas, inclusive, como o princípio da anterioridade, já reconhecidas como cláusulas pétreas pelo STF; e, depois, a ratificar a forma de tributação escolhida pelo legislador cons tituinte com ênfase no consumo. CAPÍTULO 1
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL O Sistema Tributário Nacional é composto pelo conjunto de princípios e re gras que visam a disciplinar e a orientar a forma de transferência da riqueza dos contribuintes para o Poder Público pela cobrança de tributos. Importante registrar que não poupou esforços o legislador constitucional para elencar de forma exaustiva na Carta Magna as matérias consideradas como as mais Íln portantes, inclusive com a repetição de princípios já existentes no te>..'to cons titucional, como legalidade, igualdade etc. Seção 1
Dos Princípios Gerais Foi extremamente acertada a decisão do legislador constitucional de iniciar o título destinado ao Sistema Tributário Nacional pelos princípios gerais que o compõem, porquanto eles têm a função fundamental de harmonizar e orien tar todo o sistema constitucional. Todo o restante do sistema deverá pautar-se pela inteligência e pela racionalidade dos princípios que constituem seu alicer ce. Sem eles não existiria o ordenamento jurídico, mas sim um acumulado in findável de regras sem conexão. Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pode rão instituir os seguintes tributos: A classificação dos tributos sempre foi matéria controvertida na seara tribu tária. Todavia, com base nas disposições constantes da CF/88 e do art. 3 ° do CTN (Lei n. 5.172, de 25.10.1966), nas recentes decisões do STF e na doutrina predominante, é possível classificá-los em Ílnpostos, taxas, contribuição de me-
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lhoria, contribuições especiais e empréstimo compulsório. As contribuições es peciais subdividem-se em sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse de categorias profissionais ou econômicas. As contribuições sociais, por sua vez, dividem-se em gerais e previdenciárias. Essa classificação é feita com base na análise: do fato gerador, da base de cálculo, da destinação do pro duto da arrecadação, da previsão de devolução dos valores arrecadados e dos tributos previstos na Carta Magna. I -impostos; O imposto é a espécie de tributo cuja exigência é desvinculada de qualquer atividade estatal específica ou contraprestação ao contribuinte. Na verdade, até mesmo a destinação do produto da arrecadação dos impostos a órgão, fundo ou despesa é expressamente vedada pela CF/88, com exceção das hipóteses pre vistas em seu art. 167, IV. Vale registrar que recentemente o ST F considerou in constitucional a vinculação de 1 o/o do produto da arrecadaç,'io do imposto inci dente sobre a circulação de mercadorias e serviços - ICMS - paulista ao financiamento de programas habitacionais. A finalidade dos impostos é arre cadar numerário para custear as mais diversas despesas estatais, eles correspon dem à principal fonte de arrecadação para União, Estados, Distrito Federal e Municípios de receita desvinculada. II- taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados a o contribuinte ou postos a sua disposição; Ao contrário do que acontece com os impostos, a taxa é uma espécie de tri buto vinculada a u1na atividade estatal específica, seu objetivo é re1nunerar a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pelo custo de sua atua ção em relação ao contribuinte (contraprestação) no exercício do poder de po lícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, efetivamente prestados ou postos à disposição. Na primeira hipóte se, a exigência se materializa por meio da criação, pela administração pública, de limitações de ordem formal (alvarás, licenças etc.) que condicionam o exer cício de certos direitos individuais ou coletivos, com a finalidade de proteção ao interesse público (ver art. 78 do CTN). No segundo caso, trata-se de cobran ça por serviço público específico e divisível, não se exige que o contribuinte efetivamente o utilize, basta a sua colocaç,'io à disposição. A vinculaç,'io das ta xas a uma atividade estatal específica impõe que seu valor represente o custo efetivo do serviço ou seu montante aproximado, quando não for possível a mensuração exata. Tal afirmação é importante para se evitar a criação de ver-
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dadeiros iJnpostos com o rótulo de taxa. Também não se confundem as taxas com os preços públicos, pois esses não são compulsórios, têm natureza contra tual e decorrem de atividades normalmente exercidas pela iniciativa privada. III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. A contribuição de melhoria é a espécie tributária destinada ao custeio de obra pública que resulte em valorização imobiliária. Trata-se de tributo vincu lado a uma atuação estatal específica que tem como fato gerador a valorização imobiliária decorrente de obra pública. Importante frisar que somente ocorre o fato gerador com a efetiva existência do binômio obra pública e valorização, não podendo haver cobrança sem algum deles. Conforme a jurisprudência as sentada no âmbito do STF e do STJ, o cálculo do montante da contribuição de melhoria deve ser efetivado levando-se em conta o valor total da obra e a va lorização individual de cada imóvel, tendo em conta que a ünportância arre cadada com o pagamento do tributo não pode ser superior ao custo da obra. § 1 ° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão gra duados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à ad ministração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses ob jetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. O dispositivo consagra o chainado princípio da capacidade contributiva e trata-se de um dos con1andos tributários mais importantes nas Constituições modernas. A ideia básica do postulado é a de que a tributação não pode exigir mais do que a capacidade econômica do contribuinte permite e não pode ir além de suas forças, sob pena de torná-la injusta ou mesmo confiscatória. Para tanto, o princípio impõe que a graduação dos impostos seja feita levando em consideração elementos pertinentes à realidade do contribuinte, em última ins tância ele visa a aplicar a pessoalidade na tributação. Questão extremamente controvertida pertinente a este princípio é a análise da expressão "sempre que possível"; parcela da doutrina sedimentou entendimento no sentido de que sem pre é possível levar em conta os elementos exigidos pela norma constitucional na graduação dos impostos, todavia, predomina na doutrina e na jurisprudên cia do STF ( v. Súmula n. 668) o posicionamento de que somente deverão ser levados em consideração esses elementos quando a característica constitucio nal do imposto assim o permitir. § 2° As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
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A prescrição contida no dispositivo supra visa, fundamentalmente, a evitar a criação de impostos rotulados de taxas, não obstante a dicção contida no art. 4°, I, do CTN, de que a denominação constante da lei é irrelevante para deter minação da espécie tributária. Torna-se oportw10 registrar que a regra sob aná lise tem natureza de mero preceito didático, tendo em conta que a própria na tureza de contraprestação da taxa impede a utilização de bases de cálculo como renda, venda de mercadorias etc., porquanto essas, típicas de impostos, não se prestam para mensurar o custo da atuação estatal passível de custeio por taxas de que trata o art. 145, § 2°, da CF/88 ("prestação de um serviço público divi sível e específico ou o exercício do poder de polícia"). A rt. 146. Cabe à lei complementar: Dentre as várias espécies legislativas existentes, optou o constituinte em re servar certas matérias para a chrunada lei complementar. Algumas peculiari dades que acompanham essa espécie normativa são a necessidade de quórum qualificado, maioria absoluta, para aprovação (art. 69 da CF/88). A utilização de tal medida tem nítido objetivo de dificultar a alteração dos dispositivos a ela reservados. Além disso, torna-se imperioso destacar a existência notória de duas vertentes de leis complementares: a primeira destinada a cuidar de certas ma térias de interesse exclusivo da União; e a segunda destinada aos assw1tos de interesse da nação, como no caso da lista de serviços para o imposto sobre ser viços ou da exclusão do ünposto incidente sobre a circulação de n1ercadorias e serviços no caso de exportação. I - dispor sobre conflitos de competência, em 1natéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; Pode-se afirmar com segurança que a finalidade precípua do dispositivo em tela é a estabilização de conflitos de competência relacionados com a institui ção, a fiscalização e a cobrança de tributos entre a União, os estados, o Distri to Federal e os municípios por meio de uma lei complementar nacional que esteja acima de interesses regionais. Importante registrar o acerto de parte da doutrina que afirma caber ao Poder Judiciário a solução dos conflitos de com petência por meio da aplicação da norma complementar e não diretamente à referida lei, trata-se de crítica relativa à imprecisão semântica do texto consti tucional extremamente pertinente. II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
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O poder de tributar não foi concedido de forma ampla e absoluta aos entes tributantes (União, estados, Distrito Federal e municípios). A própria CF/88 criou limitações ao exercício das competências tributárias, retirando determi nadas situações e pessoas de direito público e privado do alcance do Fisco. Cou be a lei complementar nacional- norma de integração do sistema tributário e instrumento legislativo infraconstitucional mais rígido- a regulação dessas li mitações. Essa regulação, todavia, deve se limitar a disciplinar o alcance dos institutos, complementando a regra constitucional, por meio da fixação de con dições formais ou matérias ao seu alcance, e não pode, em nenhuma hipótese, suprimir ou afastar o benefício de seus destinatários ( v. também julgamento da ADI n. 2.028/99 pelo STF). III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, es pecialmente sobre: O dispositivo sob análise delegou a lei complementar as normas de integra ção do Sistema Tributário Nacional, com objetivo de uniformizar o tratamen to de determinadas matérias, as chamadas normas gerais, para a União, os Es tados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionando segurança jurídica ao contribuinte, tendo em conta que ela é o instrumento legislativo infracons titucional mais rígido, e harmonia no sistema, uma vez que se trata de lei na cional em sintonia com o pacto federativo. Atualmente, as chamadas normas gerais estão contidas no CTN, lei ordinária recepcionada como lei complemen tar pela atual Carta Magna. Vale registrar que parcela minoritária da doutrina sedimentou o entendimento de que as normas gerais de direito tributário são somente as constantes dos incisos I e II deste artigo (chamada corrente dico tômica), adotando posicionamento contrário às disposições constitucionais e.>qJressas e à jurisprudência pacificada no âmbito do STF. Essa divisão doutri nária resultou e1n uma legislação infraconstitucional controvertida sobre vá rios temas constantes deste inciso, especialmente no que tange à decadência e à prescrição em matéria tributária. a) definição de tributos e de suas espécies, bem co1no, e1n relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos gera dores, bases de cálculo e contribuintes; Inicialmente, o dispositivo outorga a lei complementar a definição de tribu tos e de suas espécies, todavia, essas matérias já são tratadas diretamente pelo texto constitucional, que os define taxativamente, inclusive no que tange ao exercício da competência residual prevista no art. 154 da Carta Magna e à ins tituição de novas fontes de custeio para a seguridade social. Já em relação à se-
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gunda parte do dispositivo, voltada aos impostos discriminados na Constitui ção, a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que a lei ordinária é via adequada para fixação de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos constantes do texto constitucional originário (competência originá ria), sendo necessária a lei complementar somente para os demais casos expres samente previstos. Importante frisar, todavia, que caso já exista lei complemen tar disciplinando os requisitos para exigência do tributo, como no caso do IPTU (art. 32, § 1 o, do CTN), a lei ordinária deverá obedecer suas condições. b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
A regra sob enfoque exige que as matérias relacionadas nesta alínea, notada mente de integração do sistema tributário, sejam tratadas por meio de uma lei complementar nacional. A finalidade da norma, à evidência, é harmonizar e unificar a definição e o alcance desses institutos em toda a Federação, atual mente a n1atéria é regulada pelo CTN (lei ordinária recepcionada como lei complementar pela CF/88). Entretanto, não obstante a clareza da dicção do texto constitucional, ainda é comum a adoção da chamada corrente dicotômi ca, teoria que afasta a necessidade de lei complementar nacional para as matérias contidas neste inciso III, especialmente prescrição e decadência em matéria tri butária. Todavia, com base na jurisprudência pacificada no âmbito do STJ e do STF, pode-se afirmar com segurança que todos os diplomas legais ordinários e infra legais instituidores de prazos decadenciais e prescricionais distintos dos constantes na legislação complementar (CTN) são inconstitucionais, inclusi ve os arts. 45 e 46 (revogados) da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, os quais fixam prazo de dez anos para as contribuições previdenciárias, estes, por sinal, já são objeto da Sún1ula vinculante n. 8 do STF. e) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;
A análise do dispositivo resta sensivelmente prejudicada porquanto a lei com plementar exigida ainda não foi editada pelo Poder Legislativo, a matéria con tinua sendo tratada na Lei n. 5.764, de 16.12.1971. Importante salientar que a tributação das cooperativas tem gerado grandes debates juTídicos ao redor do disposto nesta alínea e. A definição de ato cooperado tem dividido a doutrina e a jurisprudência, muito embora predomine na doutrina o caráter instrwnen tal da cooperativa em relação a seus associados, inclusive com o repasse inte gral da receita auferida, independentemente da presença de não cooperados na relação jurídica. A jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de que so mente existe ato cooperado quando o negócio jurídico é feito entre os próprios
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cooperados (posicionamento adotado pelo Fisco). Nesse ponto, vale registrar a maior coerência da tese sustentada pela doutrina, na medida em que é ilógi co acreditar que todas as cooperativas realizem negócios apenas com seus as sociados. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microem
presas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do i.inposto previsto no art. 155, II, das contri buições previstas no art. 195, I e§§ 12 e 13, e da contribuição a que se re fere o art. 239. Alínea acrescentada pela EC n. 42, de 19.12.2003.
A novidade instituída pela EC n. 42/2003 tem nítido objetivo de dar cumpri mento ao disposto no art. 179 da CF/88 por meio de uma lei complementar nacional que institua regimes especiais ou simplificados em relação ao impos to incidente sobre a circulação de mercadoria e serviços - ICMS, às contribuições previdenciárias e a contribuição ao programa de integração social - PIS. Vale frisar que o "tratamento diferenciado e favorecido" não significa necessaria mente a concessão de isenção tributária, mas sim a criação de mecanismos des tinados a incentivar as microempresas e as empresas de pequeno porte por meio da reduç,'io da carga tributária e da burocracia, da simplificação dos pro cessos de exportação de mercadorias e serviços etc. Atualmente, a matéria é tra tada pela LC n. 123, de 14.12.2006, e1n âmbito Federal, e por diversas leis es parsas nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contri buições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: Parágrafo acrescentado pela EC n. 42, de 19.12.2003.
A finalidade da prescrição supra é permitir a instituição, por meio de uma norma complen1entar nacional, de um regime tributário de arrecadação único. A ideia não é nova, o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contri buições-Simples Federal, de que trata a LC n. 123, de 14.12.2006, por meio de convênios com alguns Estados e o Distrito Federal, já atinge parte dos objeti vos buscados pela inovação constitucional. Pode-se afirmar com segurança que entre os principais objetivos da nova legislação estão a simplificação da tribu tação e o equilíbrio do custo tributário nos diversos membros da Federação. Importante registrar que a nova sistemática em nada fere o princípio federati vo, na medida em que serão feitos os repasses proporcionais do produto da ar-
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recadação para os demais entes tributantes. Além disso, a diretriz da nova sis temática já estava no texto originário da CF/88 (art. 179). O dispositivo também não fere o art. 151, III, da CF/88, porquanto a nova sistemática e as isenções eventualmente concedidas serão instituídas por intermédio de uma lei com plementar nacional, e não por ordem da União Federal. I -será opcional para o contribuinte;
Inciso acrescentado pela EC n. 42, de 19.12.2003.
A regra sob exame é fundamental para a constitucionalidade da unificação dos regimes de arrecadação. Tal qual já acontece com o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições - Simples Federal, de que trata a LC n. 123, de 14.12.2006, a opção do contribuinte pelo regime é facultativa. Vale dizer, o contribuinte não poderá ser obrigado a mudar de regime tributário. A explicação é relativamente simples: a forma de tributação constante do texto constitucional originário (inteligência do sistema), inclusive com a distribui ção de competências, é direito individual dos contribuintes, não podendo, por tanto, ser objeto de revogação. II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferencia das por Estado; Inciso acrescentado pelo EC n. 42, de 19.12.2003.
A participação no novo sistema unificado deverá ser condicionada ao preen chimento de requisitos a serem fixados na lei comple1nentar nacional, todavia, as desigualdades regionais poderão ser levadas em consideração no estabeleci mento das condições de enquadramento, com o objetivo de propiciar condi ções isonômicas de desenvolvimento aos entes economicamente menos favo recidos da Federação. A regra consagra um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a redução das desigualdades regionais (art 3°, III, da CF/88). Ili - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da
parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; Inciso acrescentado pelo EC n. 42, de 19.12.2003.
A análise da inovação trazida por intermédio da EC n. 42/2003 não permite outra conclusão senão a de que caberá à União Federal, único ente tributante com estrutura administrativa em nível nacional, unificar, centralizar e distri-
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buir os recursos decorrentes do novo regime tributário unificado. A determi nação de imediata distribuição dos valores é fundamental para manutenção do princípio do pacto federativo. Não pode haver, a qualquer título, retenção ou condicionamento do repasse das parcelas arrecadadas pertencente aos demais entes federados, sob pena de esses tornarem-se reféns da União, sob o ponto de vista econômico. IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser comparti lhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contri buintes. Inciso acrescentado pela EC n. 42, de 19.12.2003.
Trata-se de outra inovação trazida pela EC n. 42/2003; a regra contida neste inciso tem o objetivo de permitir uma maior integração dos entes tributantes por meio da faculdade de delegação da capacidade de arrecadação, fiscalização e cobrança do novo regime unificado de tributação. Nota-se, também, a preo cupação do legislador constituinte derivado em dividir entre os entes não só o produto, mas também os custos de arrecadação e fiscalização dos tributos. A criação de um cadastro nacional de contribuintes representará considerável avanço de integração dos departamentos de arrecadação de tributos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tendo em conta que pode rão ser obtidas informações precisas, rápidas e em nível nacional de todos os contribuintes que optarem pelo novo regime. Art. 146-A. Lei comple1nentar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. Artigo acrescentado pela EC n. 42, de 19.122003.
A análise deste dispositivo enseja cuidados especiais, pois, se de um lado os critérios especiais de fiscalização a serem instituídos poderão objetivar o comba te rigoroso à formação de organizações como cartéis, monopólios, oligopólios e demais associações prejudiciais à concorrência, à livre-iniciativa e ao próprio Estado, de outro, poderão ser utilizados para ampliar os poderes da autorida de administrativa para desconsideração de atos ou negócios jurídicos além dos já outorgados pela chamada Lei Antielisão (LC n. 104, de 10.01.2001). A cons titucionalidade da lei complementar a ser instituída dependerá fundamental mente dos limites de sua criação e da observância aos direitos dos contribuin tes constantes da CF/88.
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Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais. Desde a transformação de Roraima e do Amapá em Estados, o Brasil já não possui mais nenhwn território, portanto, tornaram-se letra morta na CF/88 as disposições relativas à distribuição de sua competência tributária. No artigo sob análise, somente a segunda parte, aquela que outorga ao Distrito Federal a competência para exigência dos impostos municipais, continua com eficácia. Vale registrar que a competência tributária do Distrito Federal não se confun de com a dos Estados ou Municípios, tendo, inclusive, regramento constitucio nal próprio, como no caso do presente dispositivo. Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir emprés timos compulsórios: O empréstimo compulsório é uma espécie de tributo destinado a situações extraorrunárias que possui unia característica peculiar em relação a outras an teriormente discriminadas: a obrigatoriedade de devolução dos valores arre cadados. A exigência de lei complementar se apresenta como garantia para os contribuintes dadas as características excepcionais do tributo. Vale frisar que o fato gerador do empréstimo compulsório nunca será a guerra, a calamidade ou o investimento, mas sim um signo de riqueza , como auferir renda, ser pro prietário de imóvel rural etc. A base de cálculo escolhida deverá guardar wna relação de pertinência com o fato gerador, sendo capaz de mensurá-lo. Ques tão importante diz respeito à previsão de quais fatos poderiam ser incluídos na hipótese de incidência do empréstimo con1pulsório, se somente os já outorga dos à União ou também os reservados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Para parcela substancial da doutrina, a União não poderia utilizar os fatos reservados a outros entes da Federação, todavia, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que essa restrição é exclusiva para os impostos, não se aplicando, por consequência, aos empréstimos compulsórios. I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; Nessa hipótese objetivou o legislador constituinte criar uma fonte de arre cadação no caso de despesas extraordinárias decorrentes de calamidade públi ca ou guerra externa. A calamidade pública é uma situação imprevisível ou de difícil previsão que exigirá a atuação imediata da União no atendimento aos cidadãos e também em investimentos para restauração da normalidade. A pró-
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pria Carta Magna faz referência às inundações e às secas como situações de ca lamidade pública (art. 21, XVlII, da CF/88), não sendo, à evidência, taxativo esse rol. Já a guerra externa ou sua iminência será aquela já declarada pelo Pre sidente da República, nos termos do art. 84, XIX, da CF/88, ou sob ameaça de ocorrer. O tributo deverá ser uniforme em todo o território nacional, inclusi ve nas áreas atingidas pela calamidade, e terá vinculado o produto de sua arre cadação às despesas que o originaram. Tendo em conta a urgência exigida na instituição desse tributo, a doutrina majoritária sedimentou entendimento de que não se aplica a ele o princípio da anterioridade anual ou mesmo a noven tena, de que tratam as alíneas b e e do inciso III do art. 150 da Carta Magna. II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. Nesse caso, objetivou o constituinte pernlitir a arrecadação de numerário por meio de empréstimo compulsório para realização de investimentos públi cos. Os requisitos são o caráter urgente e a relevância do investimento no inte resse nacional. Na verdade, trata-se de wna fonte de arrecadação para custeio dos mais diversos tipos de investimentos, tendo em vista a dificuldade de con ceituação de "relevante interesse público" e da relatividade da urgência, uma vez que a instituição do tributo deve observar o princípio da anterioridade, de que trata o art. 150, III, b, da Carta Magna. Ademais, a análise do dispositivo conduz inexoravelmente à ideia de que, muito embora com naturezas jurídi cas semelhantes, somente a previsão do inciso anterior realmente está em sin tonia com o arquétipo da espécie tributária denominada empréstimo compul sório. Inexistindo a urgência, é perfeitamente p ossível se prever no orçamento o numerário necessário para detern1inado investimento público. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição. Trata-se de outra particularidade dos empréstimos compulsórios que é a vin culação legal do produto da arrecadação à despesa que o fundamentou. A lei que instituir o tributo em tela deverá prever a vinculação do produto da arre cadação às despesas com a calamidade, a guerra - ou sua iminência - ou o investimento de interesse público. Essa característica, ao lado da obrigatorie dade de devolução do montante arrecadado, individualiza o empréstimo com pulsório como espécie tributária. Importante salientar que a doutrina majori tária se posicionou no sentido de que a utilização do produto da arrecadação de tributo legalmente vinculado com outras despesas, além das constitucional-
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mente previstas, não a torna inconstitucional, todavia, enseja crime de respon sabilidade (art. 85 da CF/88). Art. 149. Compete exclusiva1nente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profis sionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6°, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Previstas inicialmente na Constituição de 1967, exclusivamente para inter venção no domínio econômico e custeio da previdência social, as chamadas contribuições especiais permaneceram até a Carta Magna de 1988, quando fo ram ampliadas. Atualmente são contempladas três espécies de contribLúções especiais: a) sociais; b) de intervenção no domínio econô1nico; e c) no interes se de categorias profissionais ou econômicas. As contribuições sociais se sub dividem em gerais e previdenciárias. Trata-se de espécie de tributo vinculado a uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte (fato gerador híbri do), cujo produto da arrecadação é destinado ao custeio dessa atuação estatal. Preceitua ainda o texto constitucional que as contribuições deverão ser insti tuídas por lei complementar, todavia, restou decidido pelo STF que tal exigên cia não se aplica às contribuições previstas pelo poder constittúnte originário. Noutro giro, determina a Carta Magna que as contribuições esteja1n restringi das pelos princípios da legalidade e da anterioridade, com exceção das contri buições previdenciárias (art. 195 da CF/88), e, atualinente, com a edição da EC n. 42/2003, pela noventena. Yale dizer, não poderão ser instituídas ou aumen tadas contribuições sem lei no mesmo exercício financeiro e antes de decorri dos noventa dias da data de publicação da lei que as instituiu ou aumentou. Em relação às chamadas contribuições previdenciárias, incidem apenas a exi gência de legalidade e a noventena. § 1° Os E stados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contri buição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. Porógrofo renumerado pelo EC n. 33, de 11.12.2001, e com redação dado pelo EC n. 41, de 19.12.2003.
O dispositivo em tela permite que os Estados, o Distrito Federal e os Muni cípios instituam uma modalidade específica de contribuição previdenciária destinada ao custeio dos seus sistemas internos de previdência e assistência so-
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ciais. Atualmente existe o regime geral de previdência destinado aos trabalha dores da iniciativa privada, o regime dos serviços públicos e a previdência com plementar (planos de previdência privada). Vale frisar que, visando a manter o equilíbrio no custeio desses sistemas, o legislador constituinte derivado de terminou que o valor da alíquota não será inferior à contribuição dos servido res da União, em igualdade de condições. § 2° As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: Porógrofo acrescentado pelo EC n. 33, de 11. 12.2001. 1- não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; Inciso acrescentado pelo EC n. 33, de 11.12.2001. A imunidade em relação à instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico relativas à exportação tem o nítido objetivo de incentivar a venda de produtos e serviços nacionais no exterior por meio da desoneração das receitas dela decorrentes, tornando-os mais competitivos. Torna-se opor tuno lembrar que, além das contribuições de intervenção no domínio econô mico, també1n não podem incidir sobre as exportações vários outros impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, Imposto sobre Circu lação de Mercadorias e Serviços - ICMS etc. II - incidirão também sobre a importação d e produtos estrangeiros ou serviços; Inciso acrescentado pelo EC n. 33, de 11.12.2001, e com redação dado pelo EC n. 42, de 19.12.2003.
A instituiÇ-.-pressa da competência tem o nítido objetivo de evitar a edição de legislações infraconstitucionais conflitantes pelos entes interessados no recebimento do produto da arrecadação do imposto em tela. II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doa dor, ou ao Distrito Federal; O dispositivo sob enfoque fixa a competência para a instituição do imposto incidente sobre transmissão causa mortis em relação a bens móveis, títulos e créditos. No caso, são duas as regras constitucionais de competência diferen tes, na hipótese de sucessão legítima ou testamentária competirá ao Estado que processar o inventário ou o arrolamento, por outro lado, no caso de doação, competirá ao Estado em que tiver domicílio o doador ou ao Distrito Federal. III - terá a competência para sua instituição regulada por lei comple mentar: a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; A finalidade de outorga da competência para instituição do imposto no caso de doaç..'Ploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindus trial", apesar de encontrar-se inserido na zona urbana do Município, sobre o qual incidiria, portanto, o ITR, e não o IPTU. A mencionada orientação juris prudencial suscita, contudo, questão referente ao regime constitucional apli cável à observância dos requisitos para o cumprimento da função social da pro priedade de in1óvel urbano caracterizado por sua utilização econômica como rural, uma vez que a Constituição de I 988 previu um conjunto de quesitos es pecíficos para qualificação das condições ensejadoras da possibilidade de de cretação da desapropriação constitucional agrária. A propósito dessa questão, é oportuno ponderar que o esquema associado à tradicional classificação di cotômica urbano/rural, que constitui o suporte fático-jurídico da discrimina ção de competências tributárias entre os Municípios e a União, já não é mais suficiente, nos tempos que correm, para abarcar todas as variáveis relevantes para a configuração do uso do solo não urbano, pois sin1plesmente não con-
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segue integrar todos os fatores e peculiaridades que diferenciam e singulari zam a estrutura econômica de cada um dos territórios municipais. Sob esse as pecto, é de se destacar o modelo de planejamento territorial adotado pela metrópole paulistana, com a instituição de seu Plano Diretor Estratégico, Lei municipal n. 13.430, de 13.09.2002, focado na previsão de instrumentos que concorram para a melhoria da qualidade dos mananciais e das áreas de preser vação permanente remanescentes em seus domínios. Nesta Lei foram estabe lecidas as bases analíticas de um macrozoneamento fundado essencialmente sobre o diagnóstico das interações recíprocas entre aspectos urbanos e ambien tais, no qual a atualização da real vocação das regiões extremas do Município de São Paulo evidenciou o esvaziamento do papel econômico das atividades propriamente agropecuárias, dessa forma circunscrevendo-as a microzonas de uso distribuidas de forma intermitente por seu espaço periférico. § 1 ° As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. O pagamento da indenização em dinheiro para as benfeitorias úteis e neces sárias insere-se na regra geral relativa à desapropriação por necessidade ou uti lidade pública, decorrente do disposto no inciso X.XIV do art. 5° da CF/88, e à garantia mais ampla ao direito de propriedade, nos termos do seu respectivo inciso XXII. Somente pode-se reputar verdadeiramente prévia a fonna de in denizaç,'ío objeto do presente dispositivo, já que é tão somente o lançamento ou a colocação dos títulos da dívida agrária, e não propriamente o pagamento efetuado por meio deles, que se apresenta impregnado com aquela caracterís tica. É fora de dúvida que o pagamento efetuado por esses meios importa em ampla dose de diferiinento, vinculado que está à possibilidade de resgate em até vinte anos, com carência míniina de dois anos da respectiva emissão. Já as ben feitorias voluptuárias serão indenizadas pelo critério de exceção estabelecido pelo constituinte especificamente para a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do solo da propriedade territorial rural, ou seja, mediante títulos da dívida agrária. A propósito do tema, o Tribunal Regional Federal já se pronunciou no sentido de não se incluírem entre as benfeitorias a rede elétrica, os açudes, os rios, as estradas de acesso e os demais atributos comuns em propriedades rurais, até porque constituem elementos ínsitos à própria avaliação econômica do bem. Não são indenizáveis em dinheiro, pos to que também não são caracterizadas como benfeitorias as culturas e as pas tagens naturais, as quais não representam acréscimos sobrevindos ao bem, em consequência da intervenção do trabalho e esforço do proprietário, possuidor ou detentor. O Judiciário também vem admitindo a possibilidade da indeniza ção autônoma, paga em dinheiro, separadamente da correspondente ao valor da terra nua, das coberturas vegetais ou florísticas e das matas nativas, afinal
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reconhecidas como acessões assemelhadas às benfeitorias úteis e necessárias, desde que suscetíveis de exploração econômica e submetidas a efetivo aprovei tamento e comercialização do potencial madeireiro, em conformidade com o plano de manejo aprovado pelo órgão ambiental competente, independente mente das áreas florestais sujeitas à tutela ambiental específica existentes no imóvel expropriando. Incabível, em tese, a verba compensatória em caráter substitutivo de lucros cessantes, nos processos referentes à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, posto que inexistem, em tal caso, rendas, frutos ou lucros anteriores, provenientes de concreta utilização do imó vel, ressarcíveis desde a antecipada imissão na posse, até a data do laudo técni co-pericial, segundo o princípio constitucional da justa indenização (art. 5°, XXIV, da CF/88). § 2° O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. A edição do decreto declaratório constitLÚ, da mesma forma que para as de mais modalidades expropriatórias, requisito formal da desapropriação para fins de reforma agrária, tendo lugar ainda em sua fase administrativa. Por seu intermédio, a União manifesta a intenção de incorporar ao seu patrÍinônio o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social, para os fins expres sos no art 18 da Lei n. 4.504/64 (veja art. 2°, I a lll e VII, da Lei n. 4.132/62). A declaração de interesse social para fins de reforma agrária singulariza-se pela vinculação a uma causa pretérita relacionada à própria conduta do exproprian do, bem como pelo fato de o exercício do poder expropriante destinar-se, nes se caso, não à simples incorporação do bem Ílnóvel rural inexplorado ou ina dequadamente aproveitado ao patrimônio público do Estado, mas sim à transferência de sua titularidade a outros particulares, como forma de imple mentação das políticas públicas voltadas à utilização da terra. A especificidade do ato declaratório pelo qual tem ensejo a desapropriação punitiva constitui, pois, o argumento central em favor da tese da inconstitucionalidade da chama da declaração genérica ou de objeto indiscriminado, em que a ausência de in dividualização, de indicação precisa, do bem imóvel a ser desapropriado ope ra contra a presunção de real e legítimo interesse dos motivos que levaram o Poder Público a baixar o decreto expropriatório, sendo, pois, insuficiente para proporcionar o respeito à garantia constitucional do direito de propriedade. A declaração de interesse social para fins de reforma agrária legitima a autorida de administrativa a promover a vistoria e a avaliação do imóvel, inclusive, se for o caso, com o auxílio de força policial, mediante prévia autorização do juiz (art. 2°, § 2°, da LC n. 76, de 06.07.1993), além de detern1inar o termo inicial de contagem do prazo de 2 anos para a propositura da ação de desapropriação
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(art. 3° da LC n. 76/93). A declaração não gera, porém, ao expropriando, um direito subjetivo à desapropriação, ressalvado a ele o direito de buscar o ressar cimento em juízo de perdas e danos eventuabnente causados pela desistência do Poder Público. A incompleta ou inexistente discriJ11inação do bem alcança do pelo ato declaratório esbarra, ainda, nas exigências ad1ninistrativas decor rentes da aplicação do princípio da especialidade registrária, assim como das normas de escrituração constantes do art. 1 76, § l 0, II, itens 3 e 4, da Lei n. 6.015, de 31.12.1973 (Lei dos Registros Públicos). Dentro do chamado "período suspeito", que é aquele que medeia entre a declaração de interesse social e a transferência do imóvel ao expropriante, mantém o expropriando a faculdade de dele clispor livremente. Discute-se o motivo de ter o constituinte vinculado, expressamente ao ato declaratório de iJ1teresse social, a autorização automáti ca para a propositura da ação expropriatória, sobretudo porque a competên cia para a prática do ato permissivo respectivo recai sobre a mesma autorida de política responsável pela sua execução, qual seja, o Presidente da República. § 3° Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. A lei complementar adjetiva integradora aqui reclamada para regular o trâ mite da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de refor1na agrária, é a de n. 76, de 06.07.1993, com as alterações da L C n. 88, de 23.12.1996, e Lei n. 13.465/2017. O rito estabelecido pela referida norma se ca racteriza por uma alta concentração de atos processuais a cargo do juiz, bem ilustrada pelo número de providências estabelecidas por ocasião dos despachos da petição inicial (art. 6°, Ia III) e de recebimento da contestação (art. 9°, I a IV). O intento de abreviação do procedimento reflete-se também em previsões, tais como as dos arts. 13, § 2°, 17 e 20 da LC n. 76/93. A notificação prévia pelo órgão expropriante ao proprietário de imóvel rural destinado à vistoria e à ava liação adJninistrativa de que trata o § 2° do art. 2° da LC n. 76/93 constitui for malidade essencial à legitimidade do ato declaratório, cuja exigência deriva, conforme orientação firmada pelo STF, das garantias inerentes à cláusula do devido processo legal. A falta dessa providência é, portanto, de molde a de terminar a invalidade e a insubsistência do próprio decreto presidencial. Pré via também não se afigu ra a comunicação efetuada no dia de início da visto ria. A Magna Corte reputa também ineficaz a notificação efetuada a apenas um ou alguns dos condôminos, sejam eles usufrutuários ou nus proprietários, ao proprietário de imóvel invadido ou submetido a projeto de reflorestamento de vidamente registrado ou aprovado, com observância do respectivo cronogra ma, ou ainda, quando procedida em data posterior à divisão ou ao desmem bramento do bem, formalizada mediante registro com matrículas próprias no
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serviço de imóveis competente. Cabível ao expropriado, em troca da devolu ção do valor da indenização recebida, o direito de retrocessão quando não ti ver sido conferido ao imóvel o destino anunciado no decreto expropriatório, ressalvado ao Poder Público consentir ou não na restituição do bem. A previ são constitucional da competência da Justiça Federal para processar e julgar as desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária (art. 109, l, da CF/88; veja também art. 2°,§ 1°, da LC n. 76/93) é alvo de críticas tanto em ra zão dos embaraços desnecessários criados ao expropriando, cuja defesa, demais disso, já se encontra restrita à discussão do quantum indenizatório e à alegação de aspectos de natureza formal, quanto pelo que dispõe o art. 126 da Carta Bá sica, que comete ao TJ a designação para dirimir conflitos fundiários, de juízes de entrância especial, com competência exclusiva para questões agrárias. § 4° O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. O pagamento de indenização com títulos da dívida pública foi instituído ori ginariamente pela EC n. 10, de 09.11.1964, que modificou a redação do§ 16 do art. 141 e acrescentou seis parágrafos ao art. 147, todos da CF/46. Logo em seguida, como resultado da prioridade conferida pelo governo militar à ques tão agrária, foi editada a Lei n. 4.504, de 30.11.1964, que dispõe sobre o Esta tuto da Terra, a qual, em seu art. 105, com a redação da Lei n. 7.647, de 19.01.1988, previu a possibilidade da e1nissão dos T ítulos da Dívida Agrária (TDAs). Os TDAs constituem o meio de pagamento próprio das indenizações relativas à desapropriação punitiva, por interesse social, de imóvel rural que não cumpre sua função social. Concebidos a fim de fazer face à carência de recursos gover namentais para o financiamento da aquisição de propriedades campesinas, den tro do ProgramaNacional de Reforma Agrária - PNRA, equiparam-se às cam biais como títulos nominativos causais, vinculados necessariamente à aquisição de imóvel rural para fins de reforma agrária, inconfundíveis com os títulos da dívida pública em geral, e de circulação condicionada a usos especificamente previstos em legislação afu11. O lançamento dos TDAs, que atualmente é regu lamentado peloDecreto n. 578, de 24.06.1992, e pela InstruçãoNormativa Con junta STN/Incra n. 1, de 07.07.1995, fur-se-á pela forma escriturai, não mais cartular (art. 1°, caput e parágrafo único, do Decreto n. 578/92), por solicita ção do Incra ao Departamento do Tesouro Nacional (art. 3°,§ 1 °, do Decreto n. 578/92), em séries autônomas relacionadas ao seu prazo de vencimento, con forme a necessidade de cada caso especifico (veja caput do art. 6°), devendo preceder a celebração de escrituras de composição amigável para pôr termo à ação de desapropriação (veja art. 3° da Instrução Normativa Conjunta STN/
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Incra n. 1/95) e de escrituras de compra e venda de imóvel rural destinado à implantação de projetos integrantes do programa de reforma agrária ( vejaDe creto n. 433, de 24.01.1992). As condições para o pagamento da aquisição por compra e venda com TDAs encontram-se previstas no art. 11 do referido Decre to n. 578/92. Assente na Corte Suprema o entendimento quanto à inconstitu cionalidade da exigência do depósito imediato em dinheiro, fixado na decisão judiciária final da ação expropriatória,em complemento ao valor da indeniza ção oferecido pelo expropriante por ocasião da inicial, na parte relati va às ben feitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais, tendo em vista tratar-se de verba cujo importe não é conhecido a priori, condição em que não pode ser objeto de dotação orçamentária específica,consignada em face de recursos disponíveis. A previsão contida no art. 14 da LC n. 76/93 não se coaduna, portanto, com o sistema de pagamento de precatórios estabelecido no art. 100 da Carta de 1988. A vinculação orçamentária não significa, entre tanto,que o poder expropriante não possa livremente se utilizar dos TDAs para a compra, em vez da desapropriação de imóvel rural, como um dos meios de promover legitimamente o acesso à propriedade rural, autorizados pelo art. 17 da Lei n. 4.504, de 30.11.1964 (Estatuto da Terra), opção que se afigura, ade mais,inegavelmente menos onerosa para os cofres públicos. Da mesma forma, não está a União cingida exclusivamente ao pagamento de indenização em di nheiro pelas benfeitorias úteis e necessárias. Pode fazê-lo parcial ou integral mente por meio dos TDAs,mediante a convergência da vontade do proprietá rio do bem e observados os critérios, as condições e os princípios que orientam o procedunento administrativo para a realização de transações, previstos na Instrução Especial/Incra n. 44, de 24.04.1992. Os Títulos daDívida Agrária in tegram os recursos financeiros do Fw1do de Terras e da Reforma Agrária - Ban co da Terra, fundo especial de natureza contábil criado pela LC n. 93, de 04.02.1998, e regulamentado pelo Decreto n. 4.892, de 25.11.2003. § 5° São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de unóveis desapropriados para fins de reforma agrária. O dispositivo abriga impropriedade terminológica cometida pelo constituin te de 1988, que reproduziu a imprecisão originariamente incorrida no texto do parágrafo 5° do art. 161 da EC n. 1, de 17.10.1969,já que se trata efetivamen te não de isenção, mas de imunidade incidente exclusivamente sobre a trans ferência, ao património da União, de imóvel rural desapropriado por interes se social para fins de reforma agrária. De idêntico defeito se ressente,sob este aspecto partiCLtlar, a regra do art. 26 da Lei n. 8.629, de 25.02.1993, que regu lamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária,embora por seu intermédio tenha o legislador infraconstitucional cuidado de afastar qual-
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quer dúvida quanto à não incidência tributária sobre os atos de transferência promovidos pelo órgão expropriante a beneficiários de programa de reforma agrária, se bem que, neste caso, nem mesmo de tJansmissão se ocupa a norma imunitária, de vez que a desapropriação importa em aquisição originária do imóvel rural pelo expropriante. O STF já teve a oportunidade de proclamar re petidamente, em sede de recurso extraordinário, a impossibilidade de eKten : são do benefício constitucional ao terceiro, que adquire os títulos de reforma agrária do expropriado, considerando que a imunidade é concedida em virtu de do principio constitucional da justa indenização, estritamente para reposi ção, tanto quanto possível, do valor real do bem excluído do patrimônio do ex propriado, princípio que não pode sofrer nenhuma restrição não expressamente autorizada pelo texto constitucional, sob pena de lesão à própria cláusula de garantia constitucional do direito fundamental à propriedade, inserta no inci so XXII do art. 5° da CF/88. De acordo com a orientação jurisprudencial soli dificada pelo STF, a imunidade não alcança os Títulos da Dívida Agrária res gatados pelo terceiro adquirente, possuidor ou portador, o qual, na verdade, realiza com o expropriado negócio jurídico estranho à reforma agrária. Nessa vertente, estivessem os TDAs recebidos pelo expropriado em pagamento das desapropriações de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrá ria, sujeitos à incidência de tributos sobre a operação de transferência do bem ao expropriante, haveria reduç,10 do próprio valor da indenização, com enri quecimento indevido do Poder Público. Já os TDAs adquiridos por terceiro di retamente do e>,.'])ropriado ou no mercado de capitais, em decorrência de ope ração mercantil impulsionada invariavelinente no pressuposto da existência do propósito especulativo de auferimento de renda proveniente de ágio futu ro, não podem, por óbvio, ficar ao abrigo dos impostos incidentes sobre a com pra e venda de títulos mobiliários. Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: Mais uma inovação do constituinte de 1988 anuncia-se na breve chamada consubstanciada no teÃ1:0 de abertura do presente dispositivo, qual seja, o al çamento ao plano constitucional, da imunidade objetiva à ação expropriató ria de caráter sancionador da União Federal, cláusula de inexpropriabilidade para fins de reforma agrária de que se beneficiam certos tipos específicos de imóveis rurais, até então contemplada somente na legislação infraconstitucio nal pela norma do art. 19, § 3°, a, b e e, da Lei n. 4.504, de 30.11.1964 (Estatu to da Terra). I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
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A fim de promover o enquadramento na inovadora tutela constitucional ob jetiva e integral frente ao poder expropriatório da União para execução dos propósitos de reforma agrária, utilizou-se o constituinte de 1988 de novos atri butos para qualificar o imóvel rural quanto ao seu dimensionamento físico, de vez que o Estatuto da Terra operava, até então, para tal efeito, tão somente com as definições de propriedade familiar, minifúndio e latifúndio (art. 4° , II, IV e V, da Lei n. 4.504, de 30.11.1964). Cada uma dessas três espécies de imóveis ru rais ancorava-se no conceito de Módulo Rural, instituto de caráter social, re conhecido pela doutrina como típico de direito agrário, que representa uma unidade de medida legalmente fixada, variável de acordo com o tipo de explo ração econômica e da região do país onde se localize o únóvel rural, e capaz de proporcionar a obtenção de uma renda igual a pelo menos um salário míni mo, desde que tanto baste à subsistência e ao progresso social e econômico do agricultor e de sua familia ( veja art. 11 do Decreto n. 55.891, de 31.03.1965). O Módulo Rural teve sua importância atenuada com a criaç,'ío da fração mínima de parcelamento, unidade que se traduz por uma regra de indivisibilidade ú1cidente sobre as transmissões e divisões de imóvel rural, tendo por base o mó dulo determinado conforme o tipo de exploração econômica que nele se de senvolve {veja art. 8° da Lei n. 5.868, de 12.12.1972). Trata-se de mecanismo de correção das distorções da estrutura fundiária, instituído com a perspectiva de conter a disseminação de propriedades economicamente inviáveis (veja art. 65 da Lei n. 4.504/64; art. 8°, § 4° , da Lei n. 5.868/72; e arts. 2°, I e II, e 3° , caput, ambos do Decreto n. 62.504, de 08.04.1968). Com a instituição do Módulo Fis cal como urna nova unidade de medida da área agricultável para efeito de cál culo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, o potencial de exploração familiar de imóvel rural passou a ser dimensionado não mais re gionahnente, segundo as classes de atividade agropecuária e florestal de maior significação econômica, para cada zona de características ecológicas e econô micas homogêneas, mas sim para cada município individualmente considera do, vindo a respectiva utilização a ser generalizada pela Lei n. 8.629, de 25.02.1993 {art. 4 °, II e III), inclusive para fins de classificação da pequena e média pro priedades rurais, as quais correspondem aos imóveis rurais com área compreen dida entre respectivamente 1 a 4 e 4 a 15 módulos fiscais {veja arts. 49 e 50 da Lei n. 4.504/64, com a redação da Lei n. 6.746, de 10.12.1979; arts. 5° , caput, e 22, II, a e b, do Decreto n. 84.685, de 06.05.1980). Conforme iterativo provi mento do STF, a satisfação do pressuposto relativo à dimensão territorial do imóvel rural não é cumulativa com a do grau adequado de produtividade fun diária, cabendo exclusivamente ao expropriante o ônus da prova negativa de domínio, a que se refere à cláusula final do presente mciso. Também a ausên cia de menção à área do imóvel não implica nulidade do ato declaratório bai xado pelo Chefe do Poder Executivo, nem restrição ao princípio da ampla de-
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fesa, uma vez que esses elementos constituem pré-condição tão somente para o início dos procedimentos administrativos visando à desapropriação. II - a propriedade produtiva. Trata-se aqui da outra hipótese de imóvel rural qualificado à conquista da imunidade objetiva à desapropriação para fins de reforma agrária, de satisfa ção não cumulativa com a do inciso anterior, introduzida no texto constitu cional em consequência de triunfo estratégico da bancada ruralista, como fru to de acirrados debates travados ao longo do processo constituinte de 1988. A doutrina identifica fundadas razões para a assimilação da empresa rural ao con ceito de propriedade produtiva, já que, de acordo com a definição que da pri meira se faz no inciso III do art. 22 do Decreto n. 84.685, de 06.05.1980, como o "empreendimento de pessoa fisica ou jurídica, pública ou privada, que ex plore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro das condições de cum primento da função social da terra e atendidos simultaneamente os requisitos" expressos nas respectivas alíneas, verifica-se ser ela a única categoria de imó veis rurais da qual se exige, explicitamente, o cumprimento da função social da propriedade. Na regulainentação do presente capítulo, a Lei n. 8.629/93 sim plesmente reproduziu a norma constante do art. 186 da Carta Magna, sem a imposição da mesma exigência à propriedade produtiva, em cuja definição es tão presentes apenas requisitos de natureza econômica, tais como os relativos ao grau de utilização da terra igual ou superior a 80%, calculado pela relação entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel (veja art. 6°, § 1 °, da Lei n. 8.629/93) e ao grau de eficiência na exploração da terra igual ou superior a 100%, calculado para os produtos vegetais e para a explo ração pecuária, na forma dos incisos 1 a 111 do § 2° do seu art. 6°. A empresa rural encontra-se, portanto, jungida ao cumprnnento de requisitos legais adi cionais, que incorporam os aspectos sociais e ambientais do uso da terra, não havendo, dessa forma, sentido em abstraí-la do conceito de propriedade pro dutiva, para efeito de aplicação da tutela constitucional. O STF já declarou a constitucionalidade da regra do a11. 6° da Lei n. 8.629/93, cuja definição de imóvel produtivo não extrapola, ao contrário, reforça, a eficácia do art. 186 da CF. A mais alta Corte vem, também, repetidamente acolhendo, em sede de man dado de segurança, a cassação do decreto expropriatório expedido com base em vistoria realizada em meio a sucessivas invasões organizadas de terras e da qual sobrevenha alteração da respectiva classificação constante do Cadastro de Imóveis Rurais - Cafir, de grande produtiva para improdutiva, por entender caracterizada a exceção impeditiva de caso fortuito e força maior, constante do art. 6°, § 7°, da Lei n. 8.629/93. Cabe observar que à propriedade produtiva não se aplica a observância do requisito de "unititularidade dominial", exigido pelo
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inciso anterior, para o reconhecimento da imunidade constitucional a peque nas e médias propriedades. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. Como ressaltado em comentário feito ao inciso II do presente artigo, a Lei n. 8.629/93, que regulamentou as normas do capítulo referente à política agrí cola e fundiária e à reforma agrária, não cuidou de fixar condições específicas para o atendimento da função social da propriedade produtiva, como o fez o art. 2° da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra), em relação à propriedade da ter ra, e o art. 22, III, do Decreto n. 84.685/80, em relação à empresa rural, de modo que, além dos pressupostos econômicos estabelecidos pelo art. 6° da Lei n. 8.629/13 para a definição da propriedade produtiva, o cumprimento da sua função social rege-se, na prática, pelos requisitos gerais dispostos no art. 186 da CF/88. Ao inserir no regime constitucional de insuscetibilidade à desapro priação o imóvel que comprove ser objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos requisitos estabelecidos nos seus respectivos incisos, o art. 7° da Lei n. 8.629/93 expressa1nente versou sobre uma situação concreta, ensejado ra da garantia de trata1nento especial conferida pelo presente parágrafo, à pro priedade produtiva. O ST F já deferiu mandado de segurança por inobservân cia aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, para anulaç..1>licitado que também o empregado doméstico deve contribuir. III - sobre a receita de concursos de prognósticos; Os concursos de prognósticos são modalidades de jogo de apostas em pro babilidades que, organizados por entidades como a Caixa Econôn1ica Federal, movimentam muitos recursos. No entanto, como todo tipo de jogo, trazem consequências individuais por vezes nocivas. Conjugando essas duas variáveis, este inciso prevê que a receita auferida em tais atividades seja também passível de incidência de contribuição para o custeio da seguridade social, de forma que eventuais efeitos indesejáveis causados pelos concursos de prognósticos sejam compensados pelo aporte significativo que trazem ao orçamento do sistema protetivo. A regulamentação genérica dessa norma encontra-se no art. 26 da Lei 11. 8.212/91. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. Inciso acrescentado pelo EC n. 42, de 19.12.2003.
Este inciso foi acrescentado pela EC n. 42/2003, no intuito de din1inuir a di ferença entre o ônus agregado ao preço dos produtos nacionais, em função da incidência das contribuições previstas no inciso l, o que não ocorre no caso dos bens e dos serviços provenientes do exterior, e, com isso, tornar os produ tos nacionais mais competitivos que os importados. Trata-se de uma alteração baseada em razões de política fiscal e não proprian1ente de preocupação em aumentar os recursos da seguridade social; ela foi acompanhada da alteração promovida pela mesma EC no art. 149, § 2°, II. A aplicação legislativa da nor ma em comento veio por intermédio da Lei n. 10.865/2004, com os substan ciais acréscimos da Lei n. 12.649/2012. § 1° As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios des tinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.
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A razão de ser dessa norma é o respeito à forma federativa de Estado adota da no Brasil, que tem na repartição das receitas tributárias uma de suas pedras de toque. O dispositivo é igualmente coerente e necessário à concretização de um dos princípios enunciados no art. 194, parágrafo único, VU, que é o cará ter descentralizado da administração da seguridade social. § 2° A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabeleàdas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. Cuida-se aqui de garantir a observância também dos princípios que impõem o caráter democrático e descentralizado da administração (art. 194, parágrafo único, VII), ao mesmo tempo em que se preserva o caráter integrador da segu ridade social. As metas e as prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orça mentárias, que dizem respeito sobretudo a programas de Governo (art. 165, § 2°), precisam ser coadunadas com as precedências previstas na própria Cons tituição e com as necessidades identificadas em cada área da seguridade social, já que cada un1a delas gerirá os seus recursos. A proposta de orçamento da se guridade social deve ser feita de forma integrada para fins de elaboração da lei orça1nentária anual, porque essa lei se compõe de três orçamentos, um dos quais é o orçamento da seguridade social, que abrange todas as entidades e ór gãos a ela vinculados (art. 165, § 5°, III). § 3° A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. A restrição in1posta pelo presente dispositivo demonstra a preocupaÇ..'Ploração (art. 20,§ 1°, da CF/88). Art. 46. São sujeitos à correção monetária desde o vencimento, até seu efetivo pagamento, sem interrupção ou suspensão, os créditos junto a en tidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação extrajudicial, mesmo quando esses regimes sejam convertidos em falência. Correção monetária é um mecanismo de atualização da moeda que sofreu perda no seu poder de compra devido ao impacto inflacionário, feito median te un1 aumento nominal do valor retificado. O caput do art. 46 torna sem efei to toda a legislação ordinária anterior à promulgação da CF/88 que ratificava a isenção da correção 1nonetária relativa à intervenção ou à liquidação e>..'tra judicial em pessoas jurídicas, mesmo quando convertidas em falência. Cabe evidenciar que essa norma transitória não regulamenta os juros de mora, mas apenas estabelece a incidência da correção monetária. Por outro lado, a aplicação do Enunciado n. 304 do TST (os débitos traba lhistas das entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação ex trajudicial estão sujeitos à correção monetária desde o respectivo vencimento até seu efetivo pagamento, sem interrupção ou suspensão, não incidindo, en tretanto, sobre tais débitos, juros de mora) em unissonância com o art. 46 do ADCT limita-se apenas às entidades submetidas aos regimes de intervenção e liquidação extrajudiciais decretadas pelo Bacen, o que afasta a hipótese dos au tos, cuja extinção foi decretada em face do programa de desestatização. Por demais, a jurisprudência tem caminhado de forma vigorosa no sentido de que este dispositivo diz respeito tão somente à correção monetária dos cré ditos junto a entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação
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extrajudicial, e que nada prescreve sobre os juros de mora sobre dívidas de em presas sujeitas a intervenção e extinção. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também: Essa norma transitória amplia as hipóteses de determinação da correção mo netária, enumerando, em seus incisos, diversas situações em que se estende a aplicação da correção monetária desde o vencimento até seu efetivo pagamen to, sem interrupção ou suspensão, revelando posições a que o caput do art. 46 também se aplicará. I - às operações realizadas posteriorn1ente à decretação dos regimes referidos no caput deste artigo; O inciso I dá eficácia ex tuncà aplicaç,'ío da correção monetária às hipóteses de créditos junto a entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liqui dação extrajudicial. Dessa forma, o dispositivo prevê o cumprimento da nor ma a partir da origem dos fatos a ela relacionados, ainda que a decisão seja to mada posteriormente. II - às operações de empréstimo, financiamento, refinanciamento, as sistência financeira de liquidez, cessão ou sub-rogação de créditos ou cé dulas hipotecárias, efetivação de garantia de depósitos do público ou de compra de obrigações passivas, inclusive as realizadas com recursos de fun dos que tenham essas destinações; O inciso II é uma verdadeira extensão do caput do artigo, pois estende as prerrogativas discrim.inadas naquele dispositivo para as situações específicas de empréstimo, financiamento, refinanciamento, assistência financeira de li quidez, cessão ou sub-rogação de créditos ou cédulas hipotecárias, efetivação de garantia de depósitos do público ou de compra de obrigações passivas. III - aos créditos anteriores à promulgação da Constituição; A aplicação do Enunciado n. 304 do TST em unissonãncia com o art. 46 do ADCT limita-se apenas às entidades submetidas aos regimes de intervenção e Liquidação extrajudiciais decretadas pelo Banco Central do Brasil, o que afas ta a hipótese dos autos, cuja extinção foi decretada em face do programa de desestatização. Assim sendo, estão sujeitos à correção monetária os créditos oriundos de questões trabalhistas que envolvam as empresas em liquidação ex trajudicial.
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IV - aos créditos das entidades da administração pública anteriores à promulgação da Constituição, não liquidados até 1° de janeiro de 1988. O djspositivo desdobra o emprego das regras definidas no caput também para as pessoas jurídicas de direito público, dando eficácia ex tunc aos créditos não liquidados das entidades da administração pública até o primeiro dia do exercício fiscal do ano da promulgação da Constituição Cidadã. Dessa forma, a medida produz efeito retroativo desde a edição da Lei Maior até a data origi nal da dívida, desde que não liquidados até 1 ° de janeiro de 1988. Art. 47. Na liquidação dos débitos, inclusive suas renegociações e com posições posteriores, ainda que ajuizados, decorrentes de quaisquer em préstimos concedidos por bancos e por instituições financeiras, não exis tirá correção monetária desde que o empréstimo tenha sido concedido: O benefício do presente artigo, que é tratado como isenção, pode ser visto como uma verdadeira exclusão de correção monetária, eis que não se trata do instituto da isenção adotado pelo direito tributário, no sentido de desobriga ção do pagamento de tributo. Além disso, apesar do que pugnavam alguns, tra ta-se o presente dispositivo transitório de norma de eficácia plena, tendo, assim, uma aplicação imediata, direta e integral, não dependendo da complementação de qualquer outro dispositivo, pois dispõe de maneira 1ninudenciada as quali dades requeridas como ideais para a autorização do auxílio monetário. Portan to, é incabível mandado de injunção que tenha por objeto a regula1nentação de tal norma constitucional temporária. Por fim, observe-se que os contratos de arrendamento mercantil (locação financeira ou leasing) não são considera dos empréstitnos para os fins a que se destina o presente dispositivo. I - aos micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos no pe ríodo de 28 de fevereiro de 1986 a 28 de fevereiro de 1987; Esta norma teve sua eficácia exaurida pelo transcurso do lapso temporal. A exoneração de correção monetária feita aos micros e pequenos empresários ou seus estabelecimentos não foi aplicável automaticamente ou de ofício, tendo sido imposto ao devedor a sua adequada provocação. O dispositivo é suigene ris e surgiu para remediar a situação econômico-financeira abalada dos micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos, isentando-os de correção monetária relativamente aos débitos contraídos junto a instituições financei ras e bancos, por ocasião dos catastró ficos planos econômicos, pelo prazo de um ano constante deste inciso.
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A Lei n. 9.841/99 instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pe queno Porte, dispondo sobre o tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido previsto nos arts. 170 e 179 da CF, conceituando essas empresas de acordo com as faixas de suas rendas brutas anuais. Essa lei posteriormente deu lugar à LC n. 123, de 14.12.2006. II - aos mini, pequenos e médios produtores rurais no período de 28 de fevereiro de 1986 a 31 de dezembro de 1987, desde que relativos a crédito ruraJ. A legislação constitucional transitória concedeu aos mini, pequenos e mé dios produtores rurais exoneração de correção monetária aos pagamentos de seus débitos exclusivamente rurais contraídos junto a bancos e instituições fi nanceiras, desde que esse pagamento ocorresse no prazo de noventa dias (art. 47, § 3°, I, do ADCT), a contar da promulgação da Constituição. Da mesma forma que o inciso I, o dispositivo surgiu para remediar a situação econômi co-financeira abalada desses produtores rurais, por ocasião dos catastróficos planos econômicos. Os tribunais têm entendido que se o mutuário efetuou o depósito de quantia manifestamente insuficiente para o pagamento do débito, naquele prazo de noventa dias, não poderá receber o benefício constitucional. § 1° Consideram-se, para efeito deste artigo, microempresas as pessoas jurídicas e as firmas individuais com receitas anuais de até dez mil Obri gações do Tesouro Nacional, e pequenas empresas as pessoas jurídicas e as firmas individuais com receita anual de até vinte e cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional. Para que a norma transitória não perdesse o seu caráter de unediatidade, re legando a definição de micro e pequenas empresas à legislação infraconstitu cional, o legislador constituinte entendeu por bem conceituar a microempresa como sendo as pessoas jurídicas e as firmas individuais com receitas anuais de até 1 O mil OTN, e as pequenas empresas como sendo as pessoas jurídicas e tam bém as firmas individuais com receita anual de até 25 mil OTN. § 2° A classificação de mini, pequeno e médio produtor rural será feita obedecendo-se à s normas de crédito rural vigentes à época do contrato. O constituinte relegou a classificação de mini, pequeno e médio produtor rw·al à norma infraconstitucional que tratava do assunto, determinando o res peito às normas creditícias vigorantes ao tempo do contrato. Isso se deve ao fato de que, de tempos em tempos, há uma modificação substancial na classi-
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ficação existente entre as faixas de produtores rurais aqui tratadas. Não deve ria ser de outra forma, eis que não cabe à Lei Maior tratar de questiúnculas, como aconteceu no parágrafo anterior, quando tratou das microempresas. § 3° A isenção da correção monetária a que se refere este artigo só será concedida nos seguintes casos: Achou por bem o legislador criar condições específicas para a aplicação da exoneração da correção monetária aos dois grandes grupos enfatizados nos§§ 1° e 2°: os micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos e os mini, pe quenos e médios produtores rurais. O § 3° inventaria situações para a melhor aplicação da dispensa de atualização financeira. I - se a liquidação do débito inicial, acrescido de juros legais e taxas judiciais, vier a ser efetivada no prazo de noventa dias, a contar da data da promulgação da Constituição; Os casos evidenciados nos incisos do§ 3° são situações isoladas de aplicabili dade da medida de exclusão de correção monetária prevista no caput deste arti go, e não condições específicas de aplicabilidade que tinham de ocorrer em con junto para a concessão da benesse monetária constitucional. Todavia, não era suficiente para a permissão da graça um simples protocolo de petição dentro do tempo determinado pelo inciso. Era também determinante que o interessa do procurasse o Poder Judiciário no lapso temporal de noventa dias contados da promulgação da CF, para que fosse decidida a liquidação do débito por sen tença, por meio de ação declaratória. O prazo em questão era decadencial, não sendo passível de suspensão ou interrupção, acarretando a extinção do próprio direito material em si, ocasionando tan1bém a extinção das dívidas acessórias. A presente norma teve sua eficácia exaurida, eis que o prazo chegou ao fim em 3 de janeiro de 1989. A previsão dos juros legais está no art. 1.062 do CC. II -se a aplicação dos recursos não contrariar a finalidade do financia mento, cabendo o ônus da prova à instituição credora; O dispositivo denota uma condição para a exclusão de aplicabilidade da cor reção monetária, em um verdadeiro respeito à natureza do contrato de finan cian1ento firmado anteriormente, pertencendo à instituição financiadora a especificação do ônus da prova. Deve o beneficiário da isenção provar sua qua lificação como mini, pequeno ou médio produtor rural, ou pequeno ou mi croempresário ou seus estabelecimentos, e provar o depósito do valor devido, excluído logicamente do montante o relativo à correção da moeda. Cabe à ins-
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tituição financiadora credora o dever de provar que o contrato não foi cum prido ao fim a que se destinava. III - se não for demonstrado pela instituição credora que o mutuário dispõe de meios para o pagamento de seu débito, excluídos desta demons tração seu estabelecimento, a casa de moradia e os instrumentos de tra balho e produção; De acordo com o dispositivo, cabe à instituição financeira credora provar de forma concludente que o devedor mutuário tem condições para a quitação da dívida, excluída desse e,ílculo a parte relativa ao seu patrimônio, compreendi do como o seu estabelecimento e os bens impenhoráveis: a casa de moradia e os instrumentos de trabalho e de produção. Dessa forma, a concessão da anis tia constitucional da correção monetária depende do cálculo aritmético que comprove ter o devedor condição financeira de pagamento da dívida, descon tando-se desse montante o valor respectivo de seu patrimônio impenhorável, mais o valor do estabelecimento do mutuário devedor. Vale salientar que o le gislador excluiu desses meios o produto de seu trabalho, ou seja, a produção, e não propriamente os instrumentos de produção, a que se refere o texto. O onus probandi é da instituição financiadora credora. IV - se o financiamento inicial não ultrapassar o limite de cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional; Com esse inciso, buscou o legislador constituinte criar um limite norteador para a aplicação da exclusão da correção monetária, que foi de cinco mil OTN. Se houver vários financiamentos, o somatório do valor nominal de todos não poderá ultrapassar a fronteira criada pela norma transitória. Assiin, haverá a incidência da correção monetária ao valor excedente ao limite. V - se o beneficiário não for proprietário de mais de cinco módulos rurais. Da mesma forma que ocorrido no inciso anterior, o legislador constitucio nal buscou restringir a aplicação do dispositivo de exclusão da incidência de correção monetária. Entretanto, enquanto no inciso IV o legislador criou um bloqueio em razão do montante da dívida financiada, no inciso V, buscou o constituinte fixar um critério em relação à quantidade de módulos rurais, com ponentes da propriedade rural do beneficiado. Observe-se que, em se tratan do de várias partes no polo processual passivo, se a somatória dos lotes rurais
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não ultrapassar o quantum máximo de cinco módulos, inexistirá óbice à apli cação da exclusão da incidência de correção monetária. § 4° Os benefícios de que trata este artigo não se estendem aos débitos já quitados e aos devedores que sejam constituintes. Excluiu o legislador constitucional das benesses de não incidência da corre ção monetária a si mesmo e aos ex-devedores de dív idas financiadas que já ti nham sido cumpridas antes da promulgação do texto constitucional. Quanto à exclusão do legislador constituinte como beneficiá rio da não incidência, ela foi feita em respeito ao princípio da impessoalidade administrativa, pelo qual a lei deve servir a todos sem prejudicar ou beneficiar pessoas específicas. As sim, a lei como qualquer ato administrativo deve visar a finalidade, ou seja, o bem comum. § 5° No caso de operações com prazos de vencimento posteriores à da ta-limite de liquidação da dívida, havendo interesse do mutuário, os ban cos e as instituições financeiras promoverão, por instrumento próprio, alteração nas condições contratuais originais de forma a ajustá-las ao presente benefício. Se aquele que recebeu o empréstimo tivesse interesse, os bancos e as institui ções financeiras que são credores deveriam, por meio da formalização de instru1nento próprio, promover a mudança nas cláusulas contratuais originais de forma a harmonizá-las ao benefício da exoneração de correção monetária. A "data-lilnite" de liquidação da dívida a que se refere o presente dispositivo de caráter transitório era o último dia do prazo de noventa dias da liquidação do débito inicial, acrescido de juros legais e taxas judiciais, referidos no art. 47, § 3°, 1, do ADCT. O prazo foi contado a partir da data da promulgação da CF, ten do expirado no dia 2 de janeiro de 1989. § 6° A concessão do presente benefício por bancos comerciais privados em nenhuma hipótese acarretará ônus para o Poder Público, ainda que através de refinanciamento e repasse de recursos pelo banco central. Para que os bancos comerciais privados alcancem o benefício da exoneração de correção monetária, eles deverão efetuar repasses de recursos por parte do Banco Central, que serão feitos por meio de refinanciamento. Entretanto, es sas operações não poderão gerar, de forma nenhuma, sobrecarga financeira ao Poder Público. O dispositivo é claro ao afirmar que essa exclusão de imposição
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de obrigação ocorrerá mesmo se a verba for repassada à entidade financiado ra original por concessão de crédito pelo Banco Central. § 7° No caso de repasse a agentes financeiros oficiais ou cooperativas de crédito, o ônus recairá sobre a fonte de recursos originária. O legislador, nesse parágrafo, continuou a tratar da supressão de ônus ao Po der Público, oriundo do possível repasse de financiamentos do Banco Central para as instituições de crédito. Novamente, o legislador constituinte isentou o Poder Público de ônus proveniente da aplicação da exoneração de correção monetária. Segundo a interpretação do dispositivo transitório, se houver qual quer ônus natural do repasse financeiro a qualquer dos agentes financeiros ofi ciais ou mesmo às cooperativas de crédito, a obrigação superveniente caberá somente ao banco ou à instituição financeira credora, que são as chamadas fon tes de recursos originárias e são responsáveis pelo financiamento original com o beneficiário da exoneração. Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promul gação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. Disposiç,'io de eficácia exaurida, posto que, como norma receptora, cumpriu seu mister cmn o advento da Lei n. 8.078, de 11.09.1990, que aprovou o Códi go de Proteção e Defesa do Conswnidor. Apesar de extravasar o prazo estipu lado, o CDC regulamenta os arts. 5°, XXXII, e 170, V, da CF e teve por escopo obrigar o Congresso Nacional a disciplinar as relações de consumo - fez isso ao estabelecer o direcionamento que deveria ser perseguido na realização des sa tarefa: o da defesa do conswnidor. Disso resultou que o referido Código, ins pirado nos direitos e garantias fundamentais consagrados no Título II da Car ta Magna, inaugurasse uma nova categoria: a da proteção aos direitos individuais e coletivos dos consumidores. Esta opção pela defesa de wn dos polos integran tes da relação de consumo, aquele hipossuficiente ou "mais fraco': mantém atual o princípio da igualdade na perspectiva aristotélica, ou seja, aquinhoan do os iguais de maneira idêntica e os desiguais na medida de sua desigualda de. Na sociedade de massas, com efeito, proliferam os contratos de adesão, aos quais elas simplesmente se obrigam, sem nenhuma chance de discussão quan to às suas cláusulas; assim é com o contrato bancário, o comercial, o de telefo nia, o de prestação de serviços de água e energia etc. Por isso é que se tornou tão importante proteger os indivíduos e a coletividade, para corrigir a desigual dade que as práticas do mercado de consumo impõem. No tocante à pessoa fí sica, outro princípio constitucional projetado no CDC foi o da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo de que irradiam todos os demais
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direitos e garantias fundamentais do ser humano. °É a partir da observância des se princípio que emana a leitura das demais disposições constitucionais, pos to que alimenta o núcleo dos direitos essenciais e inderrogáveis já estabeleci dos. Nesse diapasão, o art. 1° do CDC declara que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social e o art. 4°, por sua vez, estabelece que a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a melhoria de sua qualidade de vida e a harmo nia das relações de consumo, mediante alguns princípios, harmonizados aos já citados: o princípio da i sonomia- o inciso I do art. 4° do CDC reconhece a vul nerabilidade do consumidor no mercado e, via de consequência, prevê a pos sibilidade de inversão do ônus da prova por determinação do juiz, inserida no inciso VIII do art. 6° e corroborada pelo art. 38; o princípio da boa-fé eda equi dade- são nulas as cláusulas contratuais que conflitem com o equilíbrio, a equi dade e a b oa-fé; o princípio da respon sabilidadeobjetiva - nos arts. 12 e 18, o CDC adotou a teoria do risco, que significa que o fornecedor é obrigado a re parar os danos decorrentes do fornecimento de produto ou serviço, indepen dentemente de ter agido com culpa ou dolo; o princípio da transparência - o fornecedor tem o dever de prestar informações claras e precisas acerca do pro duto a ser vendido ou dos serviços a serem prestados. Assim, o Código a que se refere esta disposição transitória segue independente e se consolidando gra dativamente na tutela das garantias fundamentais do consmnidor. Art. 49. A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos afo ramentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos. A enfiteuse consubstancia o direito real sobre coisa alheia pelo arrendamen to perpétuo de imóvel para utilização agrícola ou edificação, com a outorga de seu domínio útil, mediante o pagamento anual de valor certo e não reajustá vel ao proprietário, o senhorio direto. A perpetuidade constitui requisito indis pensável, posto que a contratação por prazo determinado torna a enfiteuse mero arrendamento, que decai do direito real para direito pessoal. Por sua pe renidade, abarca o uso, o gozo e a disposição como expressão máxima do jus inrealiena ao enfiteuta, que é o possuidor direto do imóvel, vedando-se-lhe, tão somente, a destruição da substância. Surgiu no Direito grego, sendo trans ladada para o Direito romano por Justiniano. Teve seu apogeu na Idade Mé dia, mas desvirtuada dos matizes de sua origem, vez que a serviço do interesse dos senhores das terras. No Brasil, desempenhou papel fundamental à toma da e à exploração de nosso território, estimulando a ocupação das glebas e evi-
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tando invasões. Disciplinada pelo CC/1916, que previa o resgate da proprieda de, voltou às raízes de sua construção romana. Hodierna111ente, em face da evolução econômica e política, não logra o mesmo êxito, eis que a proprieda de deve ter função social e permjtir a circulação de riquezas. À parte o anacro nismo, até porque vincula ad perpetuam o enfiteuta e seus herdeiros ao senho rio direto, e a inutilidade da enfiteuse frente à concepção moderna da propriedade privada, o legislador constitucional, no art. 49 do ADCT, remeteu a enfiteuse à extinção por lei infraconstitucional. A ocasião veio a efeito pelas Disposições Transitórias do CC vigente, que proíbem expressamente a constituição do ins tituto, bem como a subenfiteuse, nos termos de seu art. 2.038, subordinando ao CC/1916 às já existentes, até sua extinção. Ressalta-se que as enfiteuses cons tituídas antes da vigência do CC/2002 - a partir de quando a modalidade de obrigação de que fala este dispositivo legal foi extinta - só subsistem por força do direito adquirido, pelo que pode ser considerado inconstitucional o desres peito às enfiteuses já constituídas, ferindo-se o ato jurídico perfeito. Por fim, sobre a enfiteuse, vale salientar que o CPC/2015 (Lei n. 13.105/2015) trouxe, principalmente, na parte em que trata do processo de execução, dispositivos que antes não existiam no CPC/73 e que citam o instituto. São eles: arts. 791, § 2°, 799, V e VI, e 804, § 4°. § 1 ° Quando não existir cláusula contratual, serão adotados os critérios e bases hoje vigentes na legislação especial dos imóveis da União. Para as enfiteuses em processo de transição, justificadas pela oposiç.ão da le gislação à perpetuidade da exploração da terra, determina-se que, ocorrendo silêncio contratual, aplicam-se as normas da enfiteuse de direito público, em caráter supletivo, cujo objeto são os in1óveis da União, como no caso dos ter renos da marinha. Trata-se de enfiteuse de natureza especial, restringida por contratação em favor de brasileiro e não passível de resgate, disciplinada pelo Decreto-lei n. 9.760/46, com as alterações da Lei n. 9.636/98 e estudada pelo di reito administrativo. § 2° Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade de contrato. O legislador constitucional cuidou dos direitos dos atuais ocupantes de imó veis, devidamente inscritos, preservando seus interesses, mesmo quando apli cadas as normas inerentes a contratos similares, já que o instituto foi extirpa do pelo CC vigente, como já previsto no caput. Quanto à enfiteuse sobre bens da União, recebeu tratamento delineado na Lei n. 9.636/98, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de do-
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mínio da União, altera dispositivos dos Decretos-leis ns. 9.760/46 e 2.398/87 e dá outras providências. § 3° A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Contudo, no parágrafo em comento, preserva-se a enfiteuse em terrenos da Marinha e seus acréscimos, quais sejam, as águas de mares, lagos e rios sob a influência das marés. Pelo sistema métrico decimal, terrenos da marinha são fai xas de terra de até 33 metros de profundidade, a partir da linha da preamar pa ra o interior das terras banhadas pelo mar. Sua concessão depende de autori zação administrativa da União. O texto ainda encampa "seus acréscimos", em referência à formação somada por aluvião, como prevê o art. l.250 do CC. O foro e o laudêmio devem ser cobrados via ação de execução fiscal, sendo, toda via, vedada a incidência de pensão quando o enfiteuta contar com renda fami liar inferior a três salários mínimos, em familia integrada por cinco dependen tes. A referida carência será comprovada anualmente pela Secretaria do Patrimônio da União. § 4 ° Remido o foro, o antigo titular do domínio direto deverá, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar à guarda do regis tro de imóveis competente toda a documentação a ele relativa. Com o objetivo de derribar qualquer obstáculo à regularização da extinção da enfiteuse, remido o foro, cabe ao antigo senhorio direto confiar ao cartório competente toda a documentação necessária, sob pena de ser responsabiliza do, e1n um prazo máximo de noventa dias. Destaca-se, ainda, a previsibilida de de causas extintivas da enfiteuse, como: a natural deterioração do bem en fitêutico; o conüsso, pela inadimplência, por três anos, das pensões devidas pelo foreiro; e o óbito do enfiteuta sem herdeiros, esta última, merecendo decisões das Sún1ulas ns. 122 e 169 do STF. Art. 50. Lei agrícola a ser promulgada no prazo de um ano disporá, nos termos da Constituição, sobre os objetivos e instrumentos de política agrícola, prioridades, planeja1nento de safras, comercialização, abasteci mento interno, mercado externo e instituição de crédito fundiário. Apesar da especificidade da natureza da regulamentação normativa exigida por disposições como a do artigo em questão, sua composição carece de ade quação técnica. J. Cretella Jr. observa que melhor redação traria a expressão lei federal em detrin1ento da oficial "lei agrícola". De regra, mais uma disposição
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focada na regulamentação do Título VII da CF, desta feita, do Capítulo 111, art. 187. Tal artigo, em seus incisos, enumera prioridades a serem observadas no planejamento e na execução da política agrícola. No ADCT, como dispositivo constitucional transitório, teve sua vigência fixada para data determinada, a sa ber, 05.10.1989. A pro1nulgação da Lei n. 8.171, de 17.0 l.1991, que dispõe so bre a Política Agrícola, divide a doutrina, quanto ao esgotamento da eficácia do art. 50, em exame. Para Ives Gandra da Silva Martins, o governo não se de sincumbiu integralmente da regulamentação determinada, pois as prioridades destacadas no texto constitucional sequer foram atendidas. Celso Ribeiro Bas tos, além de outros, entende que, dada a natureza exemplificativa do art. 187 da CF não se poderia exigir lei exauriente, e as alterações ou modificações su pervenientes dessa Lei não implicariam sua revogação. Pinto Ferreira, por seu turno, sustenta que a norma teve sua promulgação por meio da Lei n. 8.629, de 25.02.1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitu cionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da CF. Ao menos, o Governo Federal segue editando decretos vertentes sobre a maté ria, em franco exercício da competência privativa conferida pelo art. 84, IV, da Constituição. Exemplo disso é a edição dos Decretos ns. 4.623, de 21.03.2003, e 4.560, de 30.12.2002, esse últiino, por sua vez, altera o Decreto n. 90.922, de 06.02.1985; Decreto n. 2.250, de ll.06.1997, que dispõe sobre Reforma Agrá ria - Vistoria em Imóvel, que entrou em vigor somente após 12.06.2001. De qualquer forma, a legislação infraconstitucional se ocupou de definir o que en tende por atividade agrícola, reservando, para isso, o parágrafo único do art. l da Lei n. 8.17 l/9 l, incluindo a produção, o processa1nento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insmnos agrícolas, pecuá rios, pesqueiros e florestais. O art. 4°, em seus iI1cisos, registra como ações e instrumentos de política agrícola: planejamento agrícola; pesquisa agrícola tec nológica; assistência técnica e extensão rural; proteção do meio ambiente, con servação e recuperação dos recursos naturais; defesa da agropecuária; infor mação agrícola; produção, co1nercialização, abastecimento e armazenagem; associativismo e cooperativismo; formação profissional e educação rural; in vestimentos públicos e privados; crédito rural; garantia da atividade agropecuá ria; seguro agrícola; tributação e incentivos fiscais; irrigação e drenagem; habi tação rural; eletrificação rural; mecanização agrícola; crédito fundiário, tudo detalhado nos 108 artigos da referida lei (repetindo em parte o art. 187 e inci sos da CF/88). A Lei n. 10.246, de 02.07.2001, acrescentou ao art. 4° o parágra fo único, para registrar que os instrumentos de política agrícola deverão orien tar-se pelos planos plurianuais. Por fim, o art. S0 da Lei n. 8.171/91 instituiu o Conselho Nacional de Política Agrícola - CNPA, cujas atribuições foram am pliadas pela Lei n. 8.174, de 30.01.1991, e, posteriormente, ocorrendo nova mo0
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dificação por meio do Decreto n. 4.623, de 21.03.2003. A Lei n. 4.504, de 30.11.1964, dispõe sobre o Estatuto da Terra e dá outras providências. Outra inovação à Lei n. 8.171/91 foi a trazida em seu art. 48, LV, que foi incluí do pela Lei n. 13.158/2015 e busca incentivar o sistema de pecuária intensiva em detrimento da extensiva. Ainda, o inciso seguinte do mesmo dispositivo, também incluído pela mesma lei, tem por objetivo estimular o desenvolvimen to do sistema orgânico de produção agropecuária. A fim de dar efetividade a tais artigos, os objetivos estampados no art. 48, VII e VIII, servem como pré -requisito para a concessão de crédito rural (art. 48, caput) e como meio de concessão de incentivos, pelo poder público, aos produtores que os observa rem (art. 103). Art. 51. Serão revistos pelo Congresso Nacional, através de Comissão mista, nos três anos a contar da data da promulgação da Constituição, todas as doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares, realizadas no período de 1° de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987. A fixação de prazos para cumprimento dos dispositivos constitucionais é o que lhes empresta a natureza transitória e, invariavelmente, com decurso ini ciado na pro1nulgação da Constituição. Três anos foi o prazo estipulado ao Congresso Nacional para a revisão das doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três 1nil hectares, realizadas no interregno esta belecido. Desde a Constituição de 1946, por seu art 156, o constituinte passou a acrescentar a expressão "terras públicas" com o intuito de disciplinar a utili zação social do solo para fins de reverter o êxodo rural. A atual Constituição, ao tratar da competência exclusiva do Congresso Nacional, assim o faz para, em seu art. 49, XVII, limitar a outorga na destinação de terras públicas. Desta feita, os atos de "doações", "vendas" e "concessões" se equivalem ao de "aliena ção ou concessão" de terras públicas com área superior a 2.500 hectares. Já a abordagem do art. 188 e seus parágrafos inclui, além das terras públicas, as ter ras devolutas, enquanto vincula a essa destinação, também, a política agrícola e o plano nacional de reforma agrária (esta última - a reforma agrária - exce tuada da carência de prévia aprovação pelo Congresso Nacional, pelo§ 2°). Surge, assim, a necessidade de distinguir terras públicas de terras devolutas. Am bas apresentam naturezas jurídicas distintas, sendo que as devolutas, como o próprio termo sugere, são aquelas adquiridas por devolução ou as que jamais foram sujeitas à propriedade alguma. Uma vez devolvidas ao Estado, perma necem sem que lhe exerça domínio público. A competência para legislar sobre terras devolutas somente é vedada ao Município, cabendo ao Estado fazê-lo, excluída a parcela essencial à segurança e ao desenvolvimento nacional, quan-
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do a competência será federal. A melhor conceituação emprestou o texto da Lei n. 601, de 18.09.1850, regulamentada pelo Decreto n. l.318, de 30.01.1854. Por seu turno, as terras públicas apresentam perfil jurídico bem delineado por constituírem patrimônio da União, dos estados ou dos municípios como ob jeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades (art. 60, III, do CC/1916). O CC de 2002, no art. 98, amplia a propriedade sobre terras públi cas a todas as pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41). § 1° No tocante às vendas, a revisão será feita com base exclusivamente no critério de legalidade da operação. Sem perder de vista a razão da revisão em exame, qual seja, a de melhor apro veitar propriedades rurais com área acima de três mil hectares, dando destina ção de maior alcance social, a limitação proposta neste teÀ'to não garante o aten dimento de seu desiderato. § 2° No caso de concessões e doações, a revisão obedecerá aos critérios de legalidade e de conveniência do interesse público. O conteúdo inerente a esta disposição já perdeu eficácia. Entretanto, com o intento de conhecimento, é salutar consignar que as concessões e doações de terras públicas, em princípio, são atos de liberalidade, em detenninadas situa ções, com encargos. Estes aspectos e particularidades possibilitariam seu desfa zimento não unicamente com fundamento na ilegalidade, mas principalmen te pelo bem-estar do interesse público. Não há importância se no momento da liberalidade foi contrariado o interesse público. O importante é saber se no ato da revisão o interesse público lastreava o desfazimento dos atos, e se, com o re sultado da reversão, houve ou não a incorporação das terras ao patrimônio da União. § 3° Nas hipóteses previstas nos parágrafos anteriores, comprovada a ilegalidade, ou havendo interesse público, as terras reverterão ao patrimô nio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Vide interpretação ao§ 2° deste artigo. Art. 52. Até que sejam fixadas as condições do art. 192, são vedados:
Caput com redação dodo pela EC n. 40, de 29.05.2003.
A disposição evidenciada neste artigo e seus respectivos incisos e parágrafo único está atrelada aos preceitos do art. 192 da CF/88, o qual estabelecia que
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lei complementar esboçasse acerca do Sistema Financeiro Nacional - SFN. A norma contida no artigo supracitado foi incisivamente modificada pela EC n. 40/2003, que impôs mais de uma lei complementar e afastou, de modo inclu sivo, a alusão ao inciso III que consistia da disposição em análise. Desse modo, independentemente da maneira, a disposição ainda é válida e eficaz, em face do prognóstico de parte da regulamentação que se estabeleceu às leis comple mentares. I - a instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domici Iia das no exterior; Vide interpretação ao caput deste artigo.
II - o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no País, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior. Vide interpretação ao caput deste artigo.
Parágrafo único. A vedação a que se refere este artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos internacionais, de reciprocidade, ou de interesse do Governo brasileiro. Vide interpretação ao caput deste artigo.
Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de opera ções bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei n. 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: O
O art. l da Lei n. 5.315/67 conceitua ex-combatente como todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, como integrante da For ça do Exército, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha Mercante e, no caso de militar, tenha sido licenciado do serviço ativo e retornado à vida civil definitivamente durante a Segunda Guerra Mun dial, findada em 1945. Desde então, os direitos desses foram assegurados pelos arts. 18 do ADCT da Constituição de 1946, J 78 da Constituição de 1967 e 1 97 da EC n. l/69. Mister ressaltar que a EC n. 1/69 reformou o art. 178 da CF/67, assegurando também ao civil que efetivamente participara de operações béli cas da Força Expedicionária Brasileira, vindo porém na Constituição de 1988 a prestigiar somente os militares ex-combatentes.
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1- aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade; Por meio desse direito, os ex-combatentes regressos dos campos de batalhas poderiam ser empregados nos quadros dos serviços públicos para adquirir a estabilidade na função a ser exercida sem a necessidade da aprovação em con curso público. Tal política visa honrar o serviço prestado pelos ex-combaten tes que, ao retornarem da guerra, teriam grandes dificuldades para inserirem -se novamente no mercado de trabalho. II - pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacu mulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exce to os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção; O dispositivo visa a estabelecer remuneração privilegiada com piso nunca inferior àquele correspondente ao de segundo-tenente quanto à pensão espe cial, que poderá ser requerida a qualquer tempo. Porém, não será acumulada com qualquer outro rendimento oriundo dos cofres públicos, exceto o direito a benefícios previdenciários. III- em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior; A extensão do benefício à viúva e aos dependentes declarados foi contem plada por meio do presente inciso, o que é inovador, considerando que os tex tos constitucionais anteriores silenciaram a respeito. IV - assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; Aos pracinhas também é assegurado o direito de uma assistência médica es pecializada das Forças Armadas, bem como a educação nas instituições de en sino militares. V - aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, em qualquer regime jurídico; Para os ex-combatentes, o prazo para aposentadoria com proventos integrais foi reduzido de 35 (art. 3° da EC n. 47/2005) para 25 anos de efetivo serviço, independentemente do regime a que esteja submetido.
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VI - prioridade na aquisição da casa própria, para os que não a possuam ou para suas viúvas ou companheiras. Nos programas habitacionais financiados pelo Governo Federa], os ex-com batentes terão preferência para aquisição de imóvel residencial, caso ainda não tenham casa própria. Parágrafo único. A concessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida ao ex -combatente. O referido parágrafo veda a concessão de outra pensão para evitar o acúmu lo de benefícios previdenciários, conforme já tratado no inciso II deste caput. Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-lei n. 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-lei n. 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos. Em 14.09.1943, o DL n. 5.813 aprovou tun acordo inerente ao recrutamen to, ao encaminhamento e à colocação de trabalhadores para a Amazô1úa e criou a Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Ama zônia - Caeta, cujos três membros, não remunerados, foram diretamente no meados pelo Presidente da República. O acordo firmado pelo coordenador de mobilização econônüca e pelo pre sidente da comissão de controle dos acordos de Washington com a Rubber De velopment Corporation intencionava incrementar a produção de borracha, por meio de uma política de incentivos para atrair os seringueiros, conferindo-lhes algumas vantagens pecuniárias. A verba que viabilizava o acordo, depositada pela Rubber Development Corporation, somou 2,4 milhões de dólares enviados para o Governo brasileiro e, ainda, 350 mil dólares disponibilizados ao Depar tamento Nacional de Imigração - DNI. Em contrapartida, o Governo pátrio aplicaria os 2,4 milhões de dólares para que 16 mil seringueiros iniciassem o trabalho de extração do látex na safra do ano de 1944. O texto em estudo ain da alude que, além de migrarem em função do programa de envio dos serin gueiros sob a égide do acordo supramencionado, os beneficiários deveriam es tar amparados pelo DL n. 9.882/46, que autorizou a elaboração de tun plano para a assistência aos trabalhadores da borracha, assinado pelo então Presiden te da República, Eurico G. Outra. O auxílio legislado por esse Decreto-lei, direcionado para o Vale Amazôni co, teve eficácia imediata, justificado pela intensa produção de borracha exi-
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gida no período de guerra. De forma expressa, extirpando eventuais dúvidas sobre os receptores da pensão vinculada à carência dos trabalhadores que mi graram para as florestas da Amazônia em busca de l átex, o Departamento Na cional de Imigração do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, bem como a Comjssão de Acordos de Washington e o Ministério da Fazenda, rece beram a incumbência de elaborar um programa que, desde o ano de 1946, as sistiria os trabalhadores do Vale Amazônico. Conforme mencionado, o auxílio assumiu as feições de uma verdadeira "re compensa" pelo esforço empregado durante a Segunda Guerra Mundial, quan do extraída borracha dos seringais em larga escala. A aprovação do plano assistencial deu-se pelo Ministro do Trabalho, Indús tria e Comércio e pelo Ministro da Fazenda, sendo a respectiva execução dele gada a uma Comissão composta pelo Diretor do Departamento Nacional de Imigração e pelo Diretor Executivo da Comissão de Controle dos Acordos de Washington, sob a presidência do Ministro do Trabalho ou seu representante. A verba foi transferida da Caeta à Comissão de Controle dos Acordos de Washington, pelo DL n. 8.416, de 21.12.1945. Defendemos a posição de que o benefício da pensão somente cabe aos que, concomitantemente, amoldarem-se aos dois Decretos-leis mencionados no ca put, salvo exceção expressa em sentido contrário, por força da conjunção "e" que restringe a incidência da pensão àqueles casos em que pesem argwnentos contrários. § 1° O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guer ra Mundial. O acordo firmado pelo coordenador de mobilização econômica e pelo pre sidente da con1issão de controle dos acordos de Washington com a Rubber De velopment Corporation deixa clara a necessidade de mão de obra para a retira da do l átex das seringueiras manauenses, remetendo-se ao número de 16 1nil trabalhadores que o Governo brasileiro teve como compromisso, por força do acordo, recrutar e enviar para o Vale Amazônico. Visto que o DL n. 5.813, de 14.09.1943, não antevia as necessidades que emer giram por força da guerra, certamente a borracha extraída até então seria in suficiente à demanda que se sucederia. Deste modo, o advento da Segunda Guerra Mundial e, por suas dimensões, a exigência de borracha para a confec ção e o fornecimento dos materiais bélicos e todos os artefatos desenvolvidos e empregados durante o conturbado período levaram o Governo e as empre sas envolvidas a conclamar mais mão de obra para o Amazonas.
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Em face da problemática deflagrada pela guerra e a urgência da matéria-pri ma mencionada, além das vantagens prometidas aos seringueiros, o legislador confere outro benefício àqueles que operaram nas seringueiras, viabilizando a remessa do látex para as indústrias interessadas. O§ l 0 do art. 54 amplia os destinatários da pensão apontada em seu caput, alargando as fronteiras dos DLs ns. 5.813/43 e 9.882/46 para abarcar todos os trabalhadores de seringais que colaboraram com a retirada de borracha durante a Segunda Guerra. Da leitura do texto legal, tanto no caput como no§ 1° do art. 54 eviden ciam-se alguns requisitos exigidos para a obtenção do benefício. Primeiro, o exercício da função de seringueiro; segundo, operando no Vale Amazônico; terceiro, recrutado ou não pelo DL n. 5.813/43, desde que o labor tenha ocor rido durante o período da Segunda Guerra Mundial. Por fim, a carência do receptor da pensão, requisito esse a ser tratado nas considerações oportunas. § 2° Os benefícios estabelecidos neste artigo são transferíveis aos depen dentes reconhecidamente carentes. O§ 2 ° do art. 54 passa a tratar dos beneficiários da pensão de dois salários mínimos prevista aos seringueiros que trabalharam no Vale A1nazônico du rante o período da Segunda Guerra Mundial, quer recrutados pelo DL n. 5.813/43, quer em atendimento ao apelo do Governo brasileiro, em face da grande demanda de látex e a necessidade de mão de obra capaz de atendê-la. A questão trazida à baila pelo parágrafo comentado concentra-se na expres são "dependentes", utilizada pelo legislador, ao permitir a transferência do bene fício assistencial previsto pelo art. 54 àqueles. A ideia implícita no texto, extraí da pela análise do caput do referido artigo, bem como o exame dos Decretos-leis mencionados em seu bojo, permite-nos asseverar que a longevidade da pensão não estará ligada à permanência com vida do seringueiro que a recebe. Haven do preenchido os demais requisitos e credenciado o recebi1nento da verba as sistencial, o seringueiro conquistará, para seus dependentes, o mesmo direito ao benefício. Emerge, ainda, das entrelü1has da norma posta que os dependentes carentes somente perceberão a pensão por transferência do detentor original do benefí cio ou, falecido o seringueiro, já tramitar o pedido de pensão, apesar de ainda não concluído. A legislação competente não discorreu sobre o grau de paren tesco necessário à transferência, limitando-se a repetir o termo "dependentes''. devendo o problema da delimitação ser definido concretamente pela instância autorizadora do benefício. Considerando a teleologia da construção legal examinada, em seu perceptí vel caráter retributivo e assistencial, pode-se entender que a dependência men cionada será a econômica. Entretanto, pela amplitude da determinação, con-
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sequência da falta de requisitos delimitadores, exige-se, em nome do bom senso, que se conjugue a dependência econômica aos laços civis que unem o requerente ao beneficiário detentor do direito à pensão, sob pena de abrirem -se precedentes aos quais, mesmo sem quaisquer vínculos, sobreviviam sob o teto e às expensas do seringueiro beneficiário, fato muito comum dentre os que vivem em pobreza extrema. Os pedidos de transferência serão processados e julgados no prazo de 45 dias, sob pena de responsabilidade. Cabe, ainda, aos dependentes demonstrarem que são economicamente carentes. § 3° A concessão do benefício far-se-á conforme lei a ser proposta pelo Poder Executivo dentro de cento e cinquenta dias da promulgação da Constituição. Em observância ao§ 3° do art. 54, entrou em vigor a Lei n. 7.986, de 28.12.1989, que regulamenta as questões inerentes à pensão prevista pelo artigo mencio nado. A legislação de 1989 reprisa quem são os sujeitos ativos do benefício e da transferência deste; o valor da pensão estabelece o entendjmento do requisito carência, necessário à percepção dos salários e, por fim, determina o processa1nento do pedido da verba. A pensão, de caráter vitalício, perfaz a monta de dois salários mínimos vigen tes e será deferida ao requerente, ou transferida ao dependente do seringueiro, que tenha laborado na região amazônica como extrator de borracha durante a Segunda Guerra Mundial, quer por recrutamento, nos termos do Decreto-lei n. 5.813/43, quer por atendimento ao chamado do Governo brasileiro, duran te o mesmo período. A lacônica expressão "carência': encontrada no texto comentado - art. 54 do ADCT -, trata-se de condição sine qua non para o deferimento do pedido de pensão e, no entender do legislador infraconstitucional, refere-se à incapaci dade ou inviabilidade financeira do seringueiro em prover a sua subsistência, bem como a de sua família. O pedido será interposto perante os órgãos do Ministério da Previdência e Assistência Social. Ao perpetrar o pedido de pensão, cumpre ao requerente mu nir-se com documentos pessoais, comprovação da efetiva prestação dos servi ços nos seringais do Amazonas e prova de carência patrimonial. Os meios pro batórios dos serviços de extração serão os mesmos admitidos em direito, em toda a sua amplitude, entre os quais elencamos a prova testemunhal, documen tal, pericial, além da justificação administrativa ou judicial do referido tempo de trabalho. No caso da justificação judicial, esta será proposta pelo representante do Mi nistério Público, por solicitação do interessado, e o procedimento será isento
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de custas e despesas judiciais. A justificação deverá ser julgada em quinze dias. A celeridade que se impõe ao feito deve-se ao caráter alimentar da verba plei teada, sendo indiscutível a urgência que lhe é inerente. Fornecido o atestado de carência por órgão oficial e juntados os demais do cumentos pessoais do requerente e as provas do trabalho junto aos seringais no lapso temporal exigido, o pedido será julgado dentro de 45 dias, sob pena de responsabilidade. A verba deverá ser depositada preferencialmente onde residir o beneficiário. Na inviabilidade do pagamento em sua residência, deve-se preferir o local mais próximo desta, nos termos da legislação específica. Art. 54-A. Os seringueiros de que trata o art. 54 deste Ato das Disposi ções Constitucionais Transitórias receberão indenização, em parcela única, no valor de R$ 2 5.000,00 (vinte e cinco mil reais). Artigo acrescentado pela EC n. 78, de 14.05.2014. O art. 54-A, inserido no ADCT por força da EC n. 78/2014, assegura indeni zação, em parcela única, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) aos seringueiros amparados pelo DL n. 5.813, de 14.09.1943, e pelo DL n. 9.882, de 16.09.1946. Há de se citar a ressalva trazida pelo art. 2 ° da mencionada emenda, que esta belece critério temporal, qual seja, a data da entrada e1n vigor, além da condi ção de dependente (na forma do§ 2° do art. 54 do ADCT), para que os depen dentes dos seringueiros possam efetiva1nente perceber a indenização em tela. Em virtude de se tratar de alteração recente, somando-se a isso a escassez de informações sobre o tema nos tribunais pátrios, pouco se tem a acrescer. To davia, tem-se que tal indenização vinha sendo recentemente debatida pela Co missão de Constituição, Justiça e Cidadania (relator: Senador Aníbal Diniz), por ocasião da PEC n. 61/2013 (n. 346/2013, na Câmara dos Deputados), a cha mada "PEC dos Soldados da Borracha''. A PEC original previa a equiparação das pensões dos Soldados da Borracha às dos veteranos da Força Expedicioná ria Brasileira, no valor de R$ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais) mensais, e indenização de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). A título de esclarecimento, os "Soldados da Borracha" são as pessoas que, du rante a Segunda Guerra Mundial, foram recrutadas pelo Governo brasileiro em diversas partes do País para trabalharem nos seringais da região amazônica, ex traindo látex natural que seria utilizado para abastecer a indústria bélica dos Estados Unidos. Recebem esse nome porque são brasileiros que de al gu ma for ma lutaram na Segunda Guerra, não nos campos de batalha propriamente di tos, mas na difícil e perigosa Floresta Amazônica, enfrentando um exército de adversidades, como doenças típicas da região (especialmente a malária), pés-
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simas condições de vida e a distância da família. Nessa batalha, muitos não vol taram para casa com vida. O requerimento do benefício é feito no Instituto Nacional do Seguro Social, embora tais verbas possuam natureza jurídica de benefícios assistenciais, pois não existem contribuições prévias e individualizadas destinadas a seu custeio. Por fim, convém lembrar que a EC n. 78 entrou em vigor no exercício finan ceiro de 2015, ano seguinte ao de sua publicação. Art. 55. Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor de saúde. O§ 1 ° do art. 198 da CF/88 detern1inou que a saúde fosse financiada com recursos do orçamento da seguridade social (que abrange saúde, previdência e assistência social), tendo por fontes de financiamentos os recursos dos tesou ros federal, estadual e municipal, sem contudo definir uma vinculação de re ceitas para a saúde. O art. 55 do ADCT estabeleceu um percentual mínimo de 30% sem deter minar a porcentagem fixa para as transferências intergovernamentais. Referi da on1issão, vale dizer, foi suprida pela Lei n. 8.142/90. A criaç..1:o constitucional, ao qual se deve conferir a máxinla efetividade. No art. 68 do ADCT em comento nota-se que o tipo legal contém todos os requisitos para sua aplicabilidade, assim é nonna de eficácia plena, em razão de não indicar processos especiais e não exigir a elaboração de normas que completem o seu alcance. O grande problema, que trouxe uma enorme dificuldade na sua aplicabilida de, está em como o Estado poderá atestar a propriedade, pois o direito discipli nado, em tese, já deveria ter exaurido o seu poder normativo com as titulações. Assim, com o passar dos anos, algumas questões tornaram-se comuns, tais como: será necessária a edição de uma norma jurídica complementar ou o art. 68 do ADCT já é dotado de efetividade? Far-se-á por meio de desapropriação? Como será o reconhecimento de que a comunidade é remanescente de quilom bo? Caberá ação declaratória? Poderá o Estado emitir título, ainda que o imó vel esteja registrado no cartório imobiliário em nome de particular? Essas ques tões frequentemente são abordadas em seminários e palestras a respeito. Para responder a tais questionamentos, o Estado editou o Decreto n. 4.887/2003 e detenninou em seu art. 12 que, nos imóveis registrados em nome do Estado, o próprio ente federativo deverá emitir o título respectivo, reconhecendo o di reito de propriedade para as comunidades remanescentes de quilombos. Esta beleceu em seu art. 13 que, estando o imóvel registrado em nome de particu lar, a política governamental para a efetivação do direito de propriedade para as áreas de quilombos será a desapropriação dos imóveis com o consequente pagamento de verba indenizatória à pessoa em cujo nome estiver registrada a
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terra ocupada pelo quilombo. Este dispositivo está eivado de inconstituciona T ljdade por afrontar diretamente a norma contida no art. 68 do ADC . Além de trazer outras situações inusitadas, por exemplo: o Estado "expropriará" e "con cederá" título a quem, a bem da verdade, já é o verdadeiro proprietário na for ma do que disciplina o art. 68 do ADCT? Será que os próprios quilombolas re ceberão indenização? Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas se paradas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenha111 órgãos distintos para as respectivas funções. V ários Estados-membros utilizaram-se do permissivo, porém, para a cria ção das consultorias jurídicas, em desacordo com o dispositivo sob comento que determina como pré-requisito a existência de órgão distinto preexistente à promulgação da CF. Como na estrutura de alguns Estados-membros não ha via tal distinção entre as respectivas funções, algumas consultorias criadas fo ram consideradas ustupadoras da competência funcional exclusiva da Procu radoria-Geral do Estado. Ver STF, ADI n. 1 .679, Plenário, rei. Min. Gilmar Mendes, DJ 21.11.2003 . Art. 70. Fica mantida a atual competência dos tribunais estaduais até que a mesma seja definida na Constituição do Estado, nos termos do art. 125, § 1°, da Constituição. Os Estados-membros devem organizar sua Justiça de acordo com as deter rninações constitucionais inerentes. A co1npetência é matéria definida pela Constituição do Estado-n1embro, observando-se que a lei de organização ju diciária é de iniciativa do respectivo TJ. O ADCT tem eficácia provisória, as sim, em face do advento de um fato ou de uma data certa, a sua eficácia será exaurida, até que um dia todas as regras do ADCT sejam exauridas. No artigo em epígrafe, uma vez que o art. 11 do ADCT determinou que até um ano após a promulgação da Constituição todas as Asse1nbleias Legislativas, com pode res constituintes, teriam de elaborar a Constituição do Estado, a eficácia do art. 70 do ADCT foi exaurida em razão de data predetenninada. Art. 71. É instituído, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim nos períodos de 1° de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997 e 1° de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, o Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados prioritariamente
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no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, incluindo a com plementação de recursos de que trata o§ 3 ° do art. 60 do Ato das Dispo sições Constitucionais Transitórias, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e despesas orçamentárias associadas a programas de rele vante interesse econômico e social. Caput acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dado pelo ECn. 17, de22.11.1997 O Fundo Social de Em ergência - FSE sofreu questionamentos quanto à sua constitucionalidade, visto que, exaurido o seu prazo de vigência em 31.12.1995, não poderia a EC n. 10, de 04.03.1996, retroagir em seus efeitos a O 1.01.1996, pois, assim dispondo, feriria o direito adquirido dos Estados, do Distrito Fede ral e dos Municípios, em relação à participação no Fundo a que se refere o art. 159, I, da CF e a incidência do art. 160, no período de 01.01.1996 até o início da vigência da citada EC n. 10. Ver STF, Plenário, ADI n. 1.420-MC, rei. Min. Néri da Silveira, DJ 19.12.1997. § l O Ao Fundo criado por este artigo não se aplica o disposto na parte final do inciso II do § 9 ° do art. 165 da Constituição. Antigo parágrafo único renumerado pelo ECn. 10, de 04.03.1996. O legislador, no dispositivo sob comento, determina a não aplicabilidade da parte final do inciso II do§ 9° do art. 165 da CF, que trata das condições para a instituição e o ftmcionainento de fundos, indicando que cabe à LC estabele cer as normas de gestão financeira e patrimonial, da administração direta e in direta. Dessa forma a EC, mais wna vez, deturpa o entendimento do que é e para que se presta o ADCT, utilizando-o para abrir exceções ao ordenan1ento constitucional, no intuito de alcançar seus objetivos. § 2 ° O Fundo criado por este artigo passa a ser denominado Fundo de Estabilização Fiscal a partir do início do exercício financeiro de 1996. Parágrafo acrescentado pelo ECn. 10, de 04.03.1996. A nomenclatura utilizada a princípio - Fundo Social de Emergência - foi substituída em razão de que as justificativas apresentadas inicialmente para a instituição do Fundo, fuce ao período de sua vigência, não mais se justificavam para sua continuidade. Assim, a estabilização econômica foi a argumentação utilizada para a continuidade do Fundo sob nova denominação, com aplica ção prioritária no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, liqui dação do passivo previdenciário e auxílios assistenciais de prestação continuada.
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§ 3° O Poder Executivo publicará demonstrativo da execução orçamen tária, de periodicidade bimestral, no qual se discriminarão as fontes e usos do Fundo criado por este artigo. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 10, de 04.03.1996. A inclusão deste parágrafo se deu em razão de questionamentos recorrentes, visto que surgiram muitas dúvidas em relação à aplicação dos recursos, inse ridos de forma genérica, provenientes do Fundo Social de Emergência que pres tava contas anualmente e não detalhava sua utilização. Dessa forma, não cum pria a determinação constitucional do princípio da publicidade imposto pelo art. 37, caput, da CF. Além disso, após a promulgação da LC n. 101, de 04.05.2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, a transparência da aplicação é uma obrigatoriedade e seu descumprimento acarreta ao administrador o enquadra mento do ato como in1probidade adn1inistrativa. Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência: Caput acrescentado pela ECR n. /, de 01.03.1994. O legislador elenca nos incisos a seguir a origem dos recursos que compo riam o Fundo. Nota-se que a EC n. 1 O, de 04.03.1996, deveria ter alterado a no menclatura do Fundo, em razão do§ 2° do artigo anterior. I - o produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza incidente na fonte sobre pagamentos efetuados, a qual quer título, pela União, inclusive suas autarquias e fundações; Inciso acrescentado pela ECR n. /, de 01.03.1994. Imposto de renda retido na fonte sobre pagamentos efetuados, a qualquer título, pela União,suas autarquias e fundações. A EC n. 17, de 22.11.1997, deter minou que: "Art. 3° A União repassará aos Municípios, do produto da arrecada ção do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza, tal como con siderado na constituição dos fundos de que trata o art. 159, I, da Constituição, excluída a parcela referida no art. 72, I, do ADCT, os seguintes percentuais: I um inteiro e cinquenta e seis centésimos por cento, no período de 01.07.1997 a 31.12.1997; II - um inteiro e oitocentos e setenta e cinco milésimos por cen to, no período de 01.01.1998 a 31.12.1998; III - dois inteiros e cinco décimos por cento, no período de 01.01.1999 a 31.12.1999. Parágrafo único. O repasse dos recursos de que trata este artigo obedecerá a mesma periodicidade e aos mesmos critérios de repartição e normas adotadas no Fundo de Participação dos Municípios, observado o disposto no art. 160 da Constituição".
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II - a parcela do produto da arrecadação do imposto sobre renda e pro ventos de quaJquer natureza e do imposto sobre operações de crédito, câm bio e seguro, ou relativas a títulos e valores 1nobiliários, decorrente das aJ terações produzidas pela Lei n. 8.894, de 21 de junho de 1994, e pelas Leis ns. 8.849 e 8.848, ambas de 28 de janeiro de 1994, e modificações posteriores; Inciso acrescentado pelo ECR n. 1, de 07.03.1994, e com redação dado pelo EC n. 10, de 04.03.1996. Integram a composição do Fundo os valores de 5,6% de toda a arrecadação do imposto de renda, deduzida a parcela a que se refere o inciso anterior que trata do percentual que faz parte do Fundo de Participação dos Municípios, e de 100% do IOF fundo de carteira livre, conforme discriminado no inciso, ou seja, toda a arrecadação originária de tais operações financeiras. III - a parcela do produto da arrecadação resultante da elevação da alí quota da contribuição social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o§ 1° do art. 22 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, be1n assim no período de 1° de ja neiro de 1996 a 30 de junho de 1997, passa a ser de trinta por cento, sujei ta a alteração por lei ordinária, mantidas as demais normas da Lei 11. 7.689, de 15 de dezembro de 1988; Inciso acrescentado pela ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dada pela EC n. 10, de 04.03.1996. Com a alteração da contribuição, houve um ganho decorrente da elevação efetiva do montante arrecadado pelas instituições aos cofres públicos, dessa forma o valor adicionado integra o Fundo Social de Emergência. IV - vinte por cento do produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União, já instituídos ou a serem criados, excetuado o previsto nos incisos I, II e III, observado o disposto nos§§ 3 ° e 4° ; Inciso acrescentado pela ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dada pela EC n. 10, de 04.03.1996. Compreende 20% da arrecadação dos impostos e contribuições da União, deduzindo-se da base de cálculo os itens a, b, e e d, e ainda outros fundos que não cabe aqui detalhar. V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei Complementar n. 7, de 07 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos
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exercícios financeiros de 1994 a 1995, ben1 assi1n nos períodos de 1° de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997 e de 1° de julho de 1997 a 31 de de zembro de 1999, mediante aplicação da alíquota de setenta e cinco centé simos por cento, sujeita a alteração por lei ordinária posterior, sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza; Inciso acrescentado pelo ECR n. 1, de O1.03.1994, e com redação dado pelo ECn. 17, de22.ll.l997 A parcela da arrecadação devida ao Programa de Integração Social - PIS, criado pela LC n. 7, de 07.09.1970, para bancos comerciais, bancos de investi mentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédi to, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, socieda des corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, en1presas de seguros priva dos e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, passou a integrar a for mação do referido Fundo ora em comento.
VI - outras receitas previstas em lei específica. Inciso acrescentado pelo ECR n. /, de 01.03.1994. A norma acrescida diz respeito a uma aberração legiferante, visto que os atos incluídos no ADCT, por sucessivas emendas constitucionais, em sua maioria, tratain de matéria tributária, em que busca1n o awnento da arrecadação da União, prorrogando-se situações que inicialmente seriam temporárias ou pro visórias e, além disso, desenvolvendo possibilidades de criação de novas recei tas para a manutenção do Fundo de Estabilização Fiscal, wna impropriedade, pois o ADCT deveria tão s01nente estabelecer uma transição entre a ordem constitucional anterior para a atual, buscando a segurança jurídica nas modi ficações efetuadas pelo novo ordenamento constitucional. § 1° As alíquotas e a base de cálculo previstas nos incisos III e V apli car-se-ão a partir do prin1eiro dia do mês seguiJ1te aos noventa dias posterio res à promulgação desta Emenda. Porógrofo acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994. Para os incisos constantes do parágrafo foi determinado a vacatio legis de no venta dias, respeitando-se os princípios de direito tributário.
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§ 2° As parcelas de que tratam os incisos I, II, III e V serão previamente deduzidas da base de cálculo de qualquer vinculação ou participação constitucional ou legal, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 159, 212 e 239 da Constituição. Porógrofo acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dado pelo EC n. 10, de 04.03.1996. O art. 159 da CF dispõe sobre os percentuais a serem entregues pela União para os Fundos de Participação dos Estados e do Distrito Federal, para o Fun do de Participação dos Municípios e para a aplicação em programas de finan ciamentos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O art. 212 da CF trata dos percentuais mínimos a serem aplicados na manutenção e no desenvolvi mento do ensino. E o art. 239 distribui os percentuais do PIS. Porém, a altera ção efetuada no ADCT, além de não tratar somente de questões de transição constitucional, ultrapassa seus lim.ites quando criadas exceções às regras dos dispositivos constitucionais. § 3° A parcela de que trata o inciso IV será previamente deduzida da base de cálculo das vinculações ou participações constitucionais previstas nos arts. 153, § 5 °, 157, II, 212 e 239 da Constituição. Porógrofo acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dado pelo EC n. 10, de 04.03.1996. Da mesma forma como anteriormente co1nentado, alteram-se os cálculos para as vinculações constitucionais para distribuição e gastos com detern1ina das áreas. § 4° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos recursos previs tos nos arts. 158, II, e 159 da Constituição. Parágrafo acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dado pelo EC n. 10, de 04.03.1996. Para determinação do quantum do§ 3°, os recursos pertencentes aos Muni cípios - 50% do produto da arrecadação do imposto da União sobre a proprie dade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados-, bem como os recursos que a ünião entregará obrigatoriamente para os Fundos de Participa ção e financiamentos produtivos, não comporão as fontes do Fundo Social de Emergência. § 5° A parcela dos recursos provenientes do imposto sobre renda e pro ventos de qualquer natureza, destinada ao Fundo Social de Emergência,
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nos termos do inciso II deste artigo, não poderá exceder a cinco inteiros e seis décimos por cento do total do produto da sua arrecadação.
Parágrafo acrescentado pelo ECR n. 1, de 01.03.1994, e com redação dado pelo EC n. 10, de 04.03.1996.
Como já comentado antes, os valores provenientes do imposto de renda e dos proventos de qualquer natureza não poderão ultrapassar, em seu somató rio, os limites previstos no parágrafo, ou seja, 5,6% do total do produto arre cadado. Art. 73. Na regulação do F undo Social de Emergência não poderá ser utilizado o instrumento previsto no inciso V do art. 59 da Constituição. Artigo acrescentado pela ECR n. 1, de 01.03.1994.
É vedada a utilização de medidas provisórias na regulamentação do Fundo Social de Emergência. A lei regulamentadora deverá ser formal e produzida dentro dos trâmites legislativos, para que assim possa efetivamente ser regula mentada, observando-se e respeitando-se a autonomia e independência dos Poderes, no caso o Poder Legislativo, dentro dos moldes da representatividade, visto que a medida provisória, ato normativo do Presidente da República, com força de lei, somente pode ser utilizada nos casos de relevância e urgência. Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movi1nentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. Caput acrescentado pelo EC n. 12, de 15.08.1996. O Governo do Presidente Itamar Franco foi o primeiro a utilizar o artigo em comento, quando criou o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira - IPMF, em 1993. O IPMF, aprovado pelo Congresso, iniciou sua cobrança no mesmo exercício fiscal, o que é inconstitucional visto que não observou o princí pio tributário da anualidade. Durou até 1994, quando estava prevista sua extin ção. Na prática, durou pouco mais de um ano. Posteriormente, criou-se a Con tribuição Provisória sobre Movimentação FiJ1anceira - CPMF. Para facilitar o entendimento histórico da criação à extinção da CPMF, veja o resumo a seguir: - Em 1993, foi criado o Imposto Provisório sobre Movimentação Financei ra -IPMF. A cobrança do IPMF findou-se em dezembro de 1994. A destinação dos recursos seria para o aumento da arrecadação do Estado em face da crise financeira em que se encontrava o País; sua alíquota era de 0,25%. - Em 1996, ocorreu a aprovação da EC n. 12, de 15.08.1996, que criou a CPMF. Destinada a investimentos na área de saúde, sua alíquota era de 0,20%.
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- Em 1999, por meio da EC n. 21, de 18.03.1999, que inseriu o art. 75 ao ADCT, houve a prorrogação por mais 36 meses da cobrança da CPMF com au mento da alíquota para 0,38% nos primeiros doze meses e 0,30% no período restante e ampliação da destinação para investimentos na área de saúde e des pesas de custeio da previdência social. - No ano de 2001, houve elevação da alíquota da CPMF em 0,08%, verba destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Foi previsto ainda que a alíquota deveria ser reduzida para apenas 0,08% em 2004. Assim, do to tal da alíquota de 0,38%, a destinação passou a ser a seguinte: Fundo Nacional de Saúde, 0,20%; previdência social, O, 10%; e Fundo de Erradicação da Pobre za, 0,08%. - Por meio da EC n. 31, de 14.12.2000, acrescentou-se o art. 80 ao ADCT, o qual em seu inciso I determina que uma parcela da CPMF irá compor o Fun do de Combate e Erradicação da Pobreza. -A EC n. 37, de 12.06.2002, prorrogou a cobrança da CPMF até 31.12.2004. - Por meio da EC n. 42, de 19.12.2003, o governo mais uma vez alterou a vigência do prazo previsto no caput do art. 84 do ADCT, inserindo o art. 90 no ADCT, em que prorrogou a vigência da CPMF até 31.12.2007. -Em 2004, ao contrário do prometido em 2001, houve a reinstituição da CPMF com alíquota de 0,38% até dezembro de 2007. - No ano de 2007, a CPMF encontra seu fun. Após onze meses de dura ne gociação, o governo perdeu a votação que estenderia a cobrança da contribui ção até 2011. O Plenário do STF reconheceu a plena legitimidade constitucio nal da CPMF, tal como prevista, na redação que lhe deu a EC n. 21, de 18.03.1999, vindo a rejeitar as alegações de confisco de rendimentos, de redução de salá rios, de bitributação e de ofensa aos postulados da isonomia e da legalidade em matéria tributária (STF, Ag. Reg. no RE n. 389.423, 2• T., rei. Min. Celso de Mello, DJ 05.11.2004). § 1 ° A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi -la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei. Parágrafo acrescentado pela EC n. 12, de 15.08.1996.
A contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos de natureza financeira inicialmente, em razão da determinação le gal, ficou limitada ao máximo de 0,25%. Porém, como já explanado no caput do artigo em comento, com o passar dos anos houve alterações que propicia ram o seu aumento.
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§ 2° A contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, § 5°, e 154, I, da Constituição. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 12, de 15.08.1996.
O ouro, quando defu1ido em lei como ativo financeiro ou instrumento cam bial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto sobre operações de cré dito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos de valores mobiliários. O ouro, como ativo financeiro, encontra-se inserido na Lei n. 7.766, de 11.05.1989, porém o parágrafo em comento criou mais uma exceção à disposição constitucional. § 3° O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financia mento das ações e serviços de saúde. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 12, de 15.08. 7996.
Originalmente, a CPMF deveria ser inteiramente aplicada na área da saúde, mas, por meio de alguns artifícios jurídicos, o governo federal conseguiu utili zar os recursos provenientes em outras áreas da Administraç,'ío Pública Federal. § 4 ° A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade su bordinada ao disposto no art. 195, § 6°, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos. Parágrafo acrescentado pelo EC n. 12, de 15.08.1996.
A exigência da contribuição fica condicionada ao decurso de prazo de, no mínimo, noventa ruas contados a partir da data da publicação da lei que a ins tituiu, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b, da CF. Art. 75. É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei n. 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei n. 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo. Caput acrescentado pelo EC n. 21, de 18.03.1999. A contribuição social tratada no artigo em comento foi instituída em 15 de agosto de 1996, pela EC n. 12. Surgiu em substituição ao IPMF que foi julga do inconstitucional pelo STF (ADI n. 939/DF). Como todas as contribuições sociais, sua receita é vinculada a uma atuação estatal. No caso, quando de sua instituição, a receita integral arrecadada pela CPMF se destinava ao financia mento das ações e aos serviços à saúde ( v. comentário ao art. 74 do ADCT).
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Além da função fiscal, a referida contribuição, com o advento da Lei n. 10.174/2001, que alterou o art. 11,§ 3°, da Lei n. 9.31 1/96, passou a ter impor tante função fiscalizadora, na medida em que o Fisco passou a utilizar os da dos referentes à movimentação financeira dos contribuintes para compará-los com os montantes declarados nos diversos tipos de declarações que compõem o rol de obrigações acessórias dos contribuintes. A EC n. 21 fez tábula rasa do disposto no§ 4° do art. 74 do ADCT, que pre via peremptoriamente que a CPMF não poderia ser cobrada por prazo supe rior a dois anos. A conduta do Poder Executivo em propor a prorrogação da contribuição em comento, ignorando por completo seu prazo preestabelecido de vigência, fica no limiar do mal ferimento do princípio da moralidade administrativa. Tal atitude leva-nos a crer que o prazo de vigência de dois anos somente foi colocado para dünü1uir as pressões da sociedade contra um novo aumento de carga tributária. Como tal awnento era provisório, a sociedade tenderia a acei tar tal sacrificio momentâneo em nome do equilibrio fiscal. Ocorre que o histórico de prorrogações de tal contribuição leva-nos a acre ditar que ela perdera o caráter provisório, passando a ser permanente. Além disso, quando a EC n. 21 foi aprovada, a CPMF já havia esgotado seu prazo de vigência que findara em 22.01.1999. Em razão de o prazo de vigência das normas ter se esgotado anteriormente à promulgação da EC n. 21, parte da doutrina entendeu que a redação do art. 75 não restabelecia a vigência da contribuição em comento. Isso porque, se manticainente, somente pode ser prorrogado algo que ainda persiste, diferen temente da vigência da CPMF, que já havia acabado. Tal rigor semântico foi afastado pelo Poder Judiciário, notadamente pelo STF no julgamento da ADI n. 2.031-5 (D! 17.10.2003, p. 13). § 1° Observado o disposto no§ 6° do art. 195 da Constituição F ederal, a alíquota da contribuição será d e trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subsequentes, fa cultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos llinites aqui defini.dos. Parágrafo acrescentado pela EC n. 21, de 18.03.1999.
Além de desrespeitar o prazo preestabelecido de vigência da CPMF, a EC n. 21 aumentou sua alíquota, passando para 0,38%, o que representou um subs tancial aumento de carga tributária. Tal fato fez com que a arrecadação das re ceitas federa.is em julho de 1999, mês em que houve recolhimentos regulares da contribuição, tivesse aumento real de 21,19% em relação ao mês de junho, quan-
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do a contribuição somente foi cobrada durante uma semana (dados disponí veis na página da Secretaria da Receita Federal- www.receita.fazenda.gov.br). § 2° O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999, 2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social. Parógrafo acrescentado pela EC n. 21, de 18.03.1999.
Neste parágrafo, temos uma previsão de destinação de receitas tributárias. Segundo o referido dispositivo, a parcela de arrecadação da CPMF referente a 0,13% de sua alíquota seria destinada ao custeio da previdência social, de modo a minimizar seu déficit. Tal dispositivo, de suma importância no combate ao déficit previdenciário, sofreu acentuada perda de efetividade em razão da entrada em vigor da Des vinculação das Receitas da União - DRU ( v. comentário ao art. 76 do ADCT), que diminuiu em 20% o montante de repasse previsto neste parágrafo. § 3 ° É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999. Parógrafo acrescentado pela EC n. 21, de 18.03.1999.
O parágrafo em comento foi declarado inconstitucional pelo STF, no julga mento da ADI n. 2.031-5 (D} 17.10.2003, p. 13), em razão de o texto aprovado no Senado Federal ter sofrido alteração quando de sua apreciação pela Câma ra dos Deputados. O texto aprovado no Senado possuía a seguinte redação:"§ 3° É a União autorizada a e1nitir títulos da dívida pública interna, cujos recur sos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montan te equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não rea lizada em 1999, hipótese em que o resultado da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal''. A Câmara dos Deputados suprimiu a expressão "hipótese em que o resulta do da arrecadação verificado no exercício financeiro de 2002 será integralmen te destinado ao resgate da dívida pública federal'; mas não devolveu a matéria para reapreciação no Senado, infringindo, consequentemente, o disposto no art. 60, § 2 °. Em razressa,compete privativamen te à União, mediante convênio ou contrato D) Ela tem aplicabilidade indireta e imediata, de direito público, autorizar a participação não integral, produúndo efeitos restritos e limitados em normas infraconstitucionais de instituições privadas no SUS. quando da promulgação da Constituição da V. art. 199,§ 1°,CF. República. 44) (XXIII Exame de Ordem Unificado/ V. art. 14, §§ 4º a 8°, CF. FGV/2017) A Lei Orgânica do Município "Z'; 46) (XXI\/ Exame de Ordem Unificado/ com 70.000 habitantes, dispõe que o Poder Le gislativo deverá fi.xar o número de vereadores FGV/20l7) Ntunerosos partidos políticos de para a composição da Câmara Municipal. Re oposição ao governo federal iniciaram tratati soluç.io da C'\mara Municip.il de "Z" fixou em vas a fim de se fundirem, criando um novo par 13 o número de vereadores para a próxima le tido, o Partido Delta. Almejam, com isso, criar gislatura. Considerando a situação narrada e o uma força política de maior relevância no con sistema constitucional brasileiro, assinale a afir texto nacional. Preocupados com a repercus são da iniciativa no âmbito das políticas regio mativa correta. nais e percebendo que as tratativas políticas A) A Lei Orgânica e a Resolução são inconsti estão avançadas, alguns deputados federais bus tucionais por afrontarem a Constituiç.'lo da cam argumentos jurídico-constitucionais que impeçam a criação desse novo partido. Em reu República. B) Como ato normativo secundário, a Resolu nião, concluem que, embora o quadro jurídi ção não pode ser objeto de controle de cons co-constitucional brasileiro não vede a fusão de partidos políticos, estes, como pessoas jurí titucionalidade. C) A resolução é inconstitucional, em razão do dicas de direito público,somente poderão ser criados mediante lei aprovada no Congresso número de vereadores estabelecido. D)A Lei Orgânica do Município "Z'' é incons Nacional. Ao submeterem essas conclusões a titucional, pois viola o princípio da separa um competente advogado, este, alicerçado na Constituição da República, afirma que os de ção dos Poderes. putados federais V. art. 29, IV, d, CF. 45) (XXI\/ Exame de Ordem Unificado/ FGV/2017) Edinaldo,estudantede Direito, rea-
A) estão corretos quanto à possibilidade de fu. são entre partidos políticos, mas equi vo-
CONSTITUIÇÃO FEDERAL INTERPRETADA cados quanto à necessidade de criação de partido por via de lei, já que, no Brasil, os partidos políticos possuem personalidade jurídica de direito privado. B) estão equivocados quanto à possibilidade de fusão entre pa1tidos políticos no Brasil, em bora estejam corretos quanto à necessidade de que a criação de partidos políticos se dê pela via legal, por serem pessoas jurídicas de direito público. C) estão equivocados, pois a Constituição da República não só proibiu a fusão entre par tidos políticos como também deixou a cri tério do no,,o partido polftico escolher a per sonalidade jurídica de direito que irá assumir, pública ou privada. D) estão corretos,pois aConstituição da Repú blica, ao exigir que a criação ou a fusão de partidos políticos se dê pela via legislativa, concedeu ao Congresso Nacional amplos poderes de fiscalização para sua criação ou fusão. V. art. 17, § 2°, CF; art. 44, V, CC; arts. 1 •, 2• e 29, Lei n. 9.096/95. 47) (X.XJV Exame de Ordem Unificado/ FGV/2017) Em observância aos princípios da transparência, publicidade e responsabilidade fiscal, o prefeito do Município Alfa elabora de talhado relatório contendo a prestação de con tas anual,ficando tal documento disponível, para consulta e apreciação, no respectivo Poder Le gisl1tivo e no órgão técnico responsá,,el pela sua eL1boração.Carlos,morador do Mw1icípio Alfa, contribuinte em dia com suas obrigações civis e políticas, constata diversas irregularidades nos demonstrativos apresentados, apontando indí cios de superfaturamento e de�-vios de verbas em obras públicas. Em função do exposto e rom base na Constituição da República,você,como ad,o0gado de Carlos,deve esclarecer que A) a fiscalização das referidas informações, con cernentes ao Município Alfa, conforme pre visto naConstituição brasileira, é de respon sabilidade exclusiva dosTribunais deContas do Estado ou do Município, onde houver. B) Carlos tem legitimidade para questionar as contas do Município Alfa, já que, todos os anos, as contas permanecem à disposição
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dos contribuintes durante sessenta dias para exa1ne e apreciação. C) a impugnação das contas apresentadas pelo Chefe do Executivo local exige a adesão mí nima de um terço dos eleitores do Mw1icí pio Alfa. D) a CRFB/88 não prevê qualquer forma de participação popular no controle das con tas públicas,razão pela qual Carlos deve re correr ao Ministério Público Estadual para que seja apresentada ação civil pública im pugnando os atos lesivos ao patrimônio pú blico praticados pelo prefeito do Município Alfa. V. art. 31, § 3°, CF. 48) (XXIV Exame de Ordem Unificado/ FGV/2017) Maria,maior e capaz, reside no Mu nicípio Sigma e tem um filho, Lucas, pessoa com deficiência, com 8 (oito) anos de idade. Por ser wna pessoa humilde, sem dispor de re cursos financeiros para arcar com os custos de um colégio particular, Maria procura a Secre taria de Educação do Município Sigma para matricular seu filho na rede pública. Seu reque rimento é encaminhado à assessoria jurídica do órgão municipal, para que seja emitido o respectivo parecer para a autoridade executiva competente. A partir dos fatos narrados, con siderando a ordem jurídico-constitucional vi gente, assinale a afirmativa correta. A) O pedido formulado por Maria deve ser in deferido, uma vez que incumbe ao Municí pio atuar apenas na educação infantil,a qual é prestada até os 5 (cinco) anos de idade por meio de creches e pré-escolas. l.ogo,pelo sis tema constitucional de repartição de com petências, Lucas,pela sua idade, deve cursar o Ensino Fundamental em instituição esta dual de ensino. 8) O parecer da assessoria jurídica deve ser fa vorável ao piei to formulado por Maria, ga rantindo ao menor uma vaga na rede de en sino municipal. Pode, ainda, alertar que a Constituição da República prevê expres.�a mente a possibilidade de a autoridade com petente ser responsabilizada pelo não ofe recimento do ensino obrigatório ou mesmo pela sua oferta irregular.
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q O pleito de Maria deve ser deferido, ressal
vando-se que lucas, por ser pessoa com de ficiência, necessita de atendimento educa cional especializado, não podendo ser incluído na rede regular de ensino do Mu nicípio Sigma. D) A assessoria jurfdica da Secretaria de Edu cação do Município Sigma deve opinar pela rejeição do pedido formulado por Maria, pois incumbe privativamente à União, por meio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), organizar e prestar a educação bá sica obrigatória e gratuita dos 4 (qmtro) aos 17 (dezessete) anos de idade. V. arts. 205 e 208, 1 e § 2°, CF.
49) (XXIV Exame de Ordem Unificado/ FGV/2017) Marcos recebeu, por herança, gran de propriedade rural no estado Sigma. Dedicado à medicina e não possuindo maior interesse pelas atividades agropecuárias desenvolvidas por sua família, Marcos deixou, nos últimos anos, de dar continuidade a qualquer ativida de produtiva nas referidas terras. Ciente de que sua propriedade não está cumprindo uma fun-
CONSTITUIÇÃO FEDERAL INTERPRETADA ção social, Marcos procura um ,idvogado para saber se existe alguma possibilidade jurídica de vir a perdê-la. Segundo o que dispõe o sistema jurídico-constitucional vigente no Brasil, assi nale a opção que apresenta a resposta correta. A) O direito de Marcos a manter suas terras de verá ser respeitado, tendo em vista que tem título jurídico reconhecidamente hábil para caracteri1,1r o seu direito adquirido. B) A propriedade que não cumpre sua função social poderá ser objeto de expropriação, sem qualquer indenização ao propriet,írio que deu azo a tal descumprimento; no caso, Marcos. C) A propriedade, por interesse social, poderá vir a ser objeto de desapropriação, devendo ser, no entanto, respeitado o direito de Mar· cos à indenização. D) O direito de propriedade de Marcos está ca balmente garantido.já que a desapropria· ção é instituto cabível somente nos casos de cultura ilegal de planias psicotrópicas. V. art. s•, XIII, XXII e XXII/, CF.
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