332 114 278MB
Portuguese Brazilian Pages [1833] Year 2017
DECRETO-LEI N. 4.657, DE 04 DE SETEMBRO DE 1942
1
Lei de Introdução às nom,as do Direito B1'asileiro. Ementa com red/Jçôo dada pela Lei n. 12.376, de 30. 12.20 ro.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que llie confere o arL 180 da Constituição, decret a: Em 30.12.2010 foi sancionada a Lei n. 12.376 (D0U3 1.l2.2010). Tal cliploma alterou a e.menta da antiga Lei de Introdução ao Cócligo Civil (LICC), que passou a se chamar Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lindb). O art. 1° da referida lei afirma textualmente que tal mudança visa a ampliar "seu campo de aplicação': Como já afirmara, tanto a doutrina quanto a jurisprudência assim entendiam relativamente à LICC. Com efeito, um ato jurídico qualque.r,mesmo o legislativo, ê aquilo que e.xpressaser (seu coo~ teúdo) e não aquilo que diz ser (sua nomenclatura). Nos presentes comentários, mantém-se referência à LJCC apenas nas decisões juri-sprudenciais antigas. Não se pode, todavia, deixar de criticar o legislativo por ter aprova~ do uma lei iniqua como esta e perdido a oportunidade de modificar clisposições ultrapassadas e desmesuradas do decreto-lei de 1942, que continuam ainda vigentes. Não havia qualquer motivo juridicamente relevante para que se procedesse à alteração legislativa da forma como esta se processou, O conflito aparente de normas no tempo é um fenómeno umbilicalmente ligado por razão de finalidade técnica ao problema do conflito aparente de normas no espaço, apesar da diferença de objeto das disciplinas (direito
2 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
intertemporaJ e direito internacional privado). Daí a asserção de Paul Roubier de sexem o direito intertemporal e o direito internacional privado (D[P) disciplinas irmãs. Essa é a razão para o tratamento de tais questões no !)lesmo diploma legal. Além disso, cuidou o legislador de regular a vigência da lei no tempo e no espaço. Bem por isso, em que pesasse a nowendatura anterior do diploma legal (Lei de Introdução ao Código Civil), não se tratava de lei que introduzia apenas o CC, mas, sim, verdadeira lei geral sobre a aplicação das normas jurídicas, nomenclatura preferida por Haroldo Valladão ao apresentar anteprojeto que visava a atualizar o regramento sob comento. A natureza dessa lei é ser verdadeira /ex legum, ou seja, lei das leis, verdadeiro sobredireito. Não naquele sentido hierárquico normalm.e nte reconhecido em relação à Constituição, mas, sim; no sentido de ser uma lei materialmente importante para regular a sucessão de leis no tempo, seus conflitos e os conflitos espaciais. Não tendo prosperado a análise do projeto de Valladâo, foi instítutda uma comissão na década de 1990 com o intuito de elaborar novo anteprojeto. Tal comissão foi p residida por João Grandino Rodas e formada por Rubens Limongi França, Jacob Dolinger e Inocêncio Mártires Coelho, e o resultado de seu labor, adequado às disposições do CC/2002, encontra-se em tramitação no Senado Federal (PLS n, 269/2004), reapresentado pelo senador Pec:h;o Simon. A alteração do CC/2002, com vigência a partu· de 2003, oão revogou a (então ainda chamada) LICC, que constitui diploma normativo autônomo desde 1942. Saliente-se, no entanto, que a lntroduçâo ao CC/1916 representava verdadeira introdução ao CC eotão vigente. Tal texto, no entanto, foi revogado pela edição do DL n. 4.657, de 04.09.1942, em vigor com as alterações determinadas por específicas leis posteriores (1957, 1977, 1995, 2009, 2010 e2013). Art. 1° Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 ( quarenta e cinco) dias depois de oficialtnente publicada. A aprovação das leis decorre de um processo legislativo constitucionalmente previsto e determinado. Para serem aprovadas, a discussão nas casas legislativas competentes, segundo rito determinado, é necessária. Depois de discutidas, são levadas à votação e aprovadas por determinado número de votos favoráveis, de acordo com sua natureza (lei complementar, lei ordinária, decreto legislativo com força de lei, medida provisória que se converte em lei etc.). Aprovadas pelo Poder Legislativo, as leis são remetidas, se for esse o caso {há casos em que o Legislativo é o Poder competente para promulgar a lei), para o órgão do Poder Executivo que pode vetá-las ou sancioná-las. Vetadas, retornam ao Legislativo para nova discussão. Sancionadas,
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
I
3
são remetidas para publicação pelo órgão oficial da imprensa nacional (Diário Oficial), tomando-se existentes. Sua validade, no entanto, depende da verificação de sua adequação aos comandos materiais e formais do sistema (controle de constitucionalidade ou controle de convencionalidade, por e..xem~ plo). Existente e válida, a lei não será, necessariamente, vigente, pois pode e~ tar dependente de um praro para que inicie a produzir efeitos. Vigente, pode ter sua invalidade declarada posteriormente e com efeitos ex tunc (hipótese em que seus efeitos sobre as pessoas, coisas e relações jurídicas são desconstituidos ou desconsiderados) ou ex nunc (em hipóteses raras e que trazem como consequência a perda da efetividade da lei a partir de então, porém com a manutenção dos efeitos que tiver produzido em sociedade). Lei vigente é aquela lei que, existente e válida, encontra-se apta a produzir seus efeitos, vinculando os atores sociais. Depende, nesse sentido, da observância do lapso ten1poral previsto para o início da produção de se.us efeitos, que pode ser concomitante à publicação ou posterior a esta. Normalmente, as leis trazem em seu bojo dispositivo legal que prevê a data do início de sua vigência. É o caso da expressão "essa lei entra em vigor na data de sua publicação" (vigência imediata, independente de vacatio legis) ou da expressão "essa: lei entra em vigo, um ano após sua publicação" (vigência posterior, dependente da observância da vaC4tio legis). Esses exemplos demonstram aprevisão expressa da vigência de determinada norma. Casos há, apesar de raros, em que tal previsão não é feita pelo legislador. Então, recorre-se ao caput do art. 1° da Lindb, que determina que tais leis passam a vigorar 45 dias depois da data de sua publicação. Hipótese curiosa decorre da entrada em vigor, em 2016, do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 06.07.2015), em janeiro, após vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, e do CPC/2015 (Lei n. 13.105, de 16.03.201 5),em março, após vacatio legis de um ano.A lei por primeiro aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Executivo revogou alguns dispositivos do CC n-o que se refere à interdição de incapazes, a partir de sua vigência, etn março de 2016, já que até esse momento a lei existia, era válida, mas não eficaz. Não obstante, a lei de julho, que entrou em vigor em primeiro lugar, produzindo seus efeitos a partir de janeiro de 2016, modificou aredação de alguns desses mesmos dispositivos do CC, que estavam expressamente para ser revogados pelo CPC. Numa análise temporal à luz da eficácia das normas em tela, é forçoso reconhecer que o Estatuto da Pessoa com Deficiência modificou a redação do CC para, cerqt de dois meses depois, o GPC revogar os mesmos dispositivos. A pergunta que fica, todavia, é a seguinte: se em março de 2015 o legislador quis revogar a redação originária do CC e não a redação determinada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência para os
4 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
mesmos artigos) sua vontade teria sido a mesma se a redação vigente já fosse a determinada pelo Estatuto? Impossível saber ao certo. Mas é, no mínimo, ridícl.lhi a sitµação, considerando-se que a legislatur;i. era a mesma em março e em julho de 2015 e que a Presidência da Repúb.lica era ocupada pela mesma pessoa em ambas as datas. Causa estranheza que ninguém nos corpos técnicos dos Poderes Legislativo e Executivo tenha percebido a incongruência. § 1° Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade dà lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) m eses depois de oficialmente publicada.
Nos Estados estrangeiros, no entanto, as leis brasileiras, quando aplicãveis, têm sua vigência iniciàda três meses depois de oficialmente publicadas (§ 1 ° do art. l O da Lindb). Casos há, no entanto, em que as leis vigoram, no Brasil, só depois de três meses ou mais, como foi o caso do CC. Quando isso ocorre, a Lindb silencia e a letra da lei levaria o intérprete à absurda situação de emprestar vigên cia internacional à norma, sendo ela não vigente no terr.itório nacional. Bem por isso, Maria Helena Diniz (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, 6. ed. São Paulo, Saraiva, 2000, p. 55) e outros doutrinadores que a antecederam interpretaram o caso como de vigência uniforme no Brasil e no e>..'terior, a partir do prazo estatuído para a vigência interna. § 2° (Revogado pela Lei n, 12.036, de 01.10.2009.)
O § 2° do art. 1° da Lindb foi expressamente revogado pelo art. 4° da Lei n. 12.036/2009, pondo fim a certa dúvida doutrinária acerca da não recepção de tal dispositivo pela Carta Magna de 1988. A repartição de competências entre os entes federados (União, estados e municípios) encontra-se estabelecida na CF/88. Casos poderiam existir, entretanto, em que o constituinte estabelecesse mecarusmo de.substituição de um ente federado por outro para fins de elaboração das leis. Apesar de raros e de na prática n ão se verificar tal hipótese, a antiga LICC expressamente determinava que a necessidade de aprovação do ato estadual pelo governo federal não teria o condão de alterar o prazo de vacatio legis estabelecido na lei estadualmente elaborada. § 3° Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova p ublicação de seu
tex to, destinada a correç.10, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr d a nova publica ção.
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
1
5
No peáodo da vacatio legis pode-se verilicar que a lei foi publicada com incorreções. Nesse sentido, como a lei ainda não adquiriu vigência, sua alteração decorrente da republicação do texto normativo, desta vez de forma correta, faz com que o prazo indicado pela lei ou o prazo geral estabelecido no caput do art. 1° da Llndb tenham sua contagem reirucíada. Trata-se de hipótese de interrupção do prazo da vacatio legis. A interrupção tem como consequência o início da contagem de novo interregno temporal, com a contagem de igual período, diferentemente do que ocorreria se a hipótese fosse de suspensão, pois, nesse caso, o desaparecimento da causa da suspensão implicaria a retomada do lapso anterior, pelo periodo faltante para sua complementação. Na interrupção, portanto, desconsidera-se o prazo anteriormente transcorrido, iniciando-se um novo prazo por igual lapso. Na suspensão, soma-se o prazo transcorrido anteriormente ao prazo que ainda transcorrerá. Ou seja, eventual republicação da lei silente acerca de sua entrada em vigor, no quadragésimo quarto dia de sua primeira publicação, com o intuito de corrigir erro formal decorrente da publicayão, implicará o reinício da contagem do prazo de 45 dias. § 4° As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
No entanto, caso a lei já esteja em vigor, a republicação COlll o intuito de corrigir imprecisões formais decorrentes de errônea publicação implica a existência de iei nova, que revogará a anterior, incorreta. Curiosamente, trata-se de lei nova que não dependerá da observância do processo legislativo de aprovação das leis, até porque, é necessário reconhecer, essa será a lei que corresponderá aos desígnios do Legislativo e não aquela outra, agora revogada, já que o erro na publicação faz com que seu conteúdo seja incompatível com as disposições efetivamente aprovadas pelo legislador.
Art. 2° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até q ue outra a modifique ou revogue.
A vigência de uma norma nova acarreta, em regra, a revogação das .normas que lhe eram antecedentes no tempo e que dispunham sobre o mesmo objeto. Bem por isso, até que sobrevenha lei nova, a anterior permanece em vigor. Há, entretanto, uma exceção: as chamadas leis temporárias. Essas leis, q1.1e normalmepte têm o intuito de regular um aspecto emergencial ou passageiro da vida em sociedade, costumam trazer em seu bojo o prazo final de sua vigência (dies ad quem), seja de forma expressa e determina~ dependente de evento futuro e determinado (dia x do mês y do ano z), seja de for-
6 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
ma determinável, dependente de evento futuro e certo, porém deter,minável a posteriori (no clia em que for celebrado o tratado de paz, por exemplo, para leis temporárias cuja '>'igência se destinava a regular os tempos de guerra), A revogação pode ser total (ah-rogação) ou parcial (derrogação). Assim, o CC/2002 ah-rogou expressamente o CC/1916 (art. 2.045 do CC), derrogou expressamente o CCom (art. 2.045 do CC), ab-rogou tacitamente leis como a do divórcio e derrogou, também tacitamente, o ECA, por exemplo, muito embora este último diploma tenha, posteriormente, recuperado parte de sua temática com a edição da nova Lei sobre Adoção, por exemplo. § 1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
qu ando seja com ela incomp atível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Não se tratando de leis temporárias, as leis vigoram até que outra lhes venha substituir. Nesse sentido, alei nova tem aptidão para revogar a lei temporalmente anterior. Isso se dá sempre que o novo diploma determinar expressamente quais sejam as normas revogadas (revogação expressa) ou sempre que as normas anteriores guardarem o mesmo âmbito material de aplicação que a nova lei, sendo em relação a esta mcompativeís, ou seja, quan,do disciplinarem as mesmas relações jurídicas, por modo diverso (revogação tácita). § 2° A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes-, não revoga nem modifica a lei anterior. Trata-se do critério da generalidade/especialidade, que serve para diferenciar as normas jurídicas. Com efeito, havendo normas que procuram regular aspectos especiais de instituto jurídico anteriormente regulado de forma genérica, essas novas disposições legais n ão revogam as anteriores, que permanecem em vigor para regular as hipóteses não especiais, ou seja, as hipóteses genéticas. Outras vezes1 em que pese a existência de regulação genérica, pode bem ocorrer de os avanços sociais exigirem nova mtervenção do legislador, com o intuito de regrar realidade nova que não seja a especial. Trata-se, assim, de complementação da normaúva genérica anteriormente existente. Nesse caso, também, não se deve falar em revogação da lei anterior, que permanece integra, mas de sua complementação, já que antes se mostrava Jacunosa em decorrência da evolução social. § 3° Salvo d isposição em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência.
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
1
7
Nos casos de revogação de uma norma qualquer, a revogação posterior da norma revogatóda não faz com que a norma revogada em primeiro lugar readquira vigêocia. Assim, se a lei A foi revogada pela lei B, a revogação da lei B pela lei C não faz com que a lei A volte a ser vigente. E bem verdade que tal problema não se colocará quando a norma bipotética C disciplinar amesma matéria que a norma B disciplinava, posto que, nesse caso, haverá a vigência material de C. O problema ocorreria se a norma C dispusesse, pura e simplesmente, o seguinte: ''revoga-se a lei B"', Nesse caso, haveria vazio legislativo, e os casos então regrados pela norma B necessitariam de nova regulação ou de solução jurisprudeocial por meio da analogia, dos princípios gerais do direito etc. justamente porque a norma A, que perdeu vigência com a edição da norma B, continuar revogada mesmo quando B tiver perdido seu vigor. A única hipótese de a norma A readquirir vigência seria a expressa previsão, pela lei C, para tal fato, no teor seguinte: "revoga-se a lei B, readquirindo a lei A sua vigência''. A esse fenômeno dá-se o non1e de repristinação. A situação, que pode parecer obra de ficção à primeíra vista, pode ter duas causas: a incompetência do legislador ou a percepção social de que a questão de que cuidavam as leis A e B não merece mais a preocupação do siste~ ma normativo, bastando-lhe eventual regulação ética, social, moral, etc., sendo dispensável a regulamentação jurídico-normativa. Art. 3° Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. A lei, quando publicada, toma-se de conhecímento público obrigatóúo,
sendo vedada a todo e qualquer cidadão a alegação de que deixou de cumpra: seus preceitos p.orque desconhecia seu conteúdo. Trata.se de ficção legal que o ordenamento jurídico institui em favor da segurança jurídica, posto que, de outra forma, seria muito fácil àquele que cometesse um ilfcito de qualquer natureza alegar, usando de má-fé, que não conhecia o teor da norma jurídica. Essa mesma norma se dirige ao juiz, que não pode deixar de julgar alegando que não conhece o direito. No entanto, nos termos do art. 376 do CPC/2015, se o juiz tiver de aplicar direito municipal, estadual, consuetudinário ou es~ trangeiro, poderá ele requisitar da parte que tiver invocado a incidência de uma dessas normas que faça prova de seu teor, vigência e sentido. Por óbvio, o juiz lotado numa comarcaxdeve conhecer o direito do municipiox, mas não do mUJ.1ictpio y. E o juiz do estado A deve conhecer; o direí.to estadual de A, mas não o de B, e assim por diante. Veja-se, todavia, que nesse caso a prova é de direito, cujo contet'.J.do o juiz não é obrigado a conhecer e não prova de fato. Por isso, nada impede que o
8 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
magistrado dispense as partes de fazerem tal prova se por acaso conhecer o direito a ser aplicado ou se julgar possuir condições de aceder a seu conteúdo. O adágio "quem alega deve provílI" aplica-se à prova de fatos, e não à prova de direito. Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso d.e acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. A integração da norma jurfdica consiste no preenchimento de lacunas mediante a aplicação de outra norma existente no sistema e adequada para outro caso algo semelhante ou mediante a aplicação dos costumes ou dos p rincípios gerais do direito. A possibilidade de existirem ou não lacunas .n o direito é algo polêmico e nada pacífico na doutrina. Para uns o direito é um todo coeso que não admite espaços não regulados. Para esses autores apenas a lei pode conter lacunas, mas ô direito, como sistema, uão as admite. já que contém, em si, prindpios gerais de oude se pode entrever a norma aplicável. Para outros o direito apresenta lacunas justamente por ser uma obra humana que se destina à vida social, mutável e complexa, to toando-se impossível prever respostas para todos os casos. Seja como for, o fato é que as lacunas, sejam do direito, sejam simplesmente das leis, precisam se:r .integradas segundo certos e determinados processos. A analogia é um processo lógico-dedutivo por meio do qual o aplicador do sistema jurídico estende as hipóteses de aplicação de uma norma a outras hipóteses, não abarcadas pelo texto legal. Quando o aplicador do Direito se vale de certo dispositivo legal isolado para chegar à norma pertinente para a resolução do caso sob exame, cuida-se de analogia legal. Por outro lado, constitui hipótese de analogia jurídica o preenchimento da lacuna que se vale do exame de várias normas integrantes do sistema, extraindo-se delas o espírito legislativo, chegando a uma norma especifica para o caso concreto. Trata-se de uma diferença de grau (Francisco Amaral. Direito civil: introdução, 3. ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Renovar, 2000, p. 91). Os costumes representam a prática reiterada de determinada conduta tida como n ecessária e decorrente do direito. Nascem, assim, de um erro interpretativo, pois se acreditava que decorriam das normas, quando na verdade acabam por ser fonte .normativa. Já os prindpios gerais do direito servem como critério de colmatagem da lacuna na Jnedida em que representam aquilo que há de homogêneo no pensamento jurídico atinente ao sistema que se está a aplicar, recorrendo-se, inclusive, e quando for o caso, a métodos e critérios de direito comparado.
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
1
9
Na excepcional hipótese de persistir a lacuna, e terminado o rol traçado pelaLindb em seu art. 4°, recorrerá o intérprete à equidade. Para Terdo Sampaio Ferraz Jr., "a solução de litígios por equidade é a que se obtéill pela consideração harmônica das circunstâncias concretas, do que pode resultar um ajuste da norma à especificidade da situação a fim de que a solução seja justa" (I11trodução ao estudo do Direito: téc11ica, decisão, dominaç-ão, 4. ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 248). Nesse sentido, devem-se tomar os fatos sob exame de forma harmônica, de modo a integrar-se uma solução justa.
Art. 5° Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
O direito, na qualidade de fenômeno cultural, exprime os valores de determinada sociedade, em determinada época. Diante de n1últiplos valores possíveis, o direito elege, por meio dos órgãos competentes para tal escolha, aqueles valores que quer ver protegidos, seguidos, respeitados pelos membros do grupo social, inclusive pelos juízes no processo de a plicação da norma jurídica. Os valores jurídicos fundamentais são aqueles dos quais depende todo o siste.rna (segurança jurídica, fins sociais, justiça e bem comttm), Valem-se de outros valores consequentes para a sua perfeita realização (liberdade, igual~iade, paz social) e se desenvolvem por meio de garantias instrumentais postas pela sociedade para a perfeita realização dos valores que a fundamentam (Francisco Amaral. Direito civil: introdução, 3. ed. Rio de Janeiro/São Paulo, Renovar, 2000, p. 15). Ar t. 6° A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Caput com redação dada pela Lei n. 3.238, de 01.08.1957. Via de regra, uma norma publicada.e em vigor terá efeitos imediatos, vale dizer que toda norma publicada e em vigor tende a regular o presente e o futuro, não retroagindo para regular fatos pretéritos. Assim, os fatos já consumados ou os julgados no passado, bem como aqueles fatos aperfeiçoados anteriormente à vigência da nova norma, são respeitados por essa nova lei. Trata-se de decorrência da tradição constitucional brasileira que sempre previu. de forma ~ressa ou impllcita, salvo na Carta de 1937, o respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Por isso, os fatos constituídos sob a vigência da lei pretérita, bem como os efeitos que esses fa-
10 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
tos produziram, são sempre regulados pela lei que vigia quando de sua realização, motivo pelo qual uma disputa íudicial posterior à revogação será regida pela norma revogada, que, não obstante não ser ma.is vigente, tem vigor ou poder sobre o caso. O critério distintivo d e um ato ju1fdico perfeito, de um direito adquirido ou de uma coisa julgada ( e destes todos para uma e.'Cpectativa de direito) é sempre um critério de qualificação da relação jurídica segundo o estágio de seu d esenvolvimento temporal. Assim, quando uma lei é alterada, .deve o aplicador do direito verificar a relação jurídica no tempo, encontrando-a em uma destas cinco hipóteses: (i) o ato foi consumado ou não, mas foi julgado pelo Poder Judiciário. Con6-gura-se, no caso, a coisa julga.da; (ii) esse ato está sob apreciação do Poder Judiciário e pendente de julgamento. Configura-se o direito adquirido, quer dizer, direito que pode ser exercido, tanto que o é perante o Poder Judiciário, por uma das partes; (iii) a relação jurídica pode ser tida como um ate jurídico perfeito, ou seja, que nasceu, desenvolveu-se e foi consumada de acordo com uma das leis - no caso, a lei que está sendo naquele momento revogada; (iv) a análise pode encontrar a relação jurídica conngucada como direito ad[juirido, que, apesar de pertencer ao patrimônio jurídico material ou imaterial do sujeito ou de fazer parte dele, n,ão foi levado a julgamento, não está pendente de julgamento, restando entâo a distinção dessa quarta hipótese para a segunda hipótese bá pouco aventada: aqui o direito não foi exercido ainda; (v) a relação jurídica pode se apresentar como mera expectativa de direito, que é o caso clássico do direito das sucessões, quando a pessoa morre sob a vigência da nova lei. Dessa forma, anteriormente, os berdeiros tinham mera expectativa de direitos sobre a totalidade da parte indisponível do patrimônio. Se o de cujus só faleceu depois da entrada em vigor do atual Código, a situação muda. Ou seja, onde havia expectativa de direito sobre a totalidade da legitima, haverá direito a parte desse montante, já que a le.i em vigor chamará o cônjuge ou o convivente do falecido a amealhar parte do valor. Nesta última hipótese genérica talvez resida o problema maior relativamente à verificação da proteção dispensada pela lei e pela CF. t que essâ expectativa
de direito,porvezes, se cottfundecomo um direito ad[juirido a termo ou.que se encontra sob condição, ainda que potestaciva, como eschi.rece Rubens limon~ gi França (A irretroatividade d45 leis e o direito adquirido, 3. ed. refundida e atualizada do Direito intertemporal brasileiro. São Paulo, RT. 1982, p. 221-37). § 1° Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vi-
gente ao tempo em que se efetuou. Porógrafo acrescentado pelo Lei n. 3.238, de 01.08.1957.
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRcfO-LEI N. 4.657/42
1 11
Ato jurídico perfeito é o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo
em que se efetuou. Trata-se daquela relação jurídica que já se extinguiu e que não pode ser reaberta, no sentido de ser nov~ente executada, simples.m ente porque a lei é mais favorável a uma das partes. § 2° Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou
alguém p or ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a ar bítrio de outrem. Par6grafo acrescentado pela Lei n. 3.238, de 01.08.1957.
Direito adquirido é o direito que integra o patrimônio jurídico moral ou material de um sujeito de direito, constituído sob o império da lei revogada, mas não exercido quando esta vigia. Seu exercício posterior, já sob o império da leinova, deve-se reger pelas dispôsiyães normativas da lei velha. Como esclarece Limongi França no anteprojeto da nova Lei de Introdução, direito adquirido é o que resulta da lei, diretamente ou por intermédio de fato idõ, neo, e passa a integrar o patrimônio material ou moca] do sujeito, mesmo que seus efeitos não se tenham produzido antes da lei nova. O direito adquirido difere da expectativa de direito, ou sej11, das "faculdades jurídicas abstratas ou em via de se concretizarem, cuja perfeição está na dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico". (A irretroatividade das leis e o direito adq,úrido, 3. ed. refundida e atualizada do Direito intertemporal brasileiro. São Paulo, RT, 1982, p. 258). § 3° Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que
já não caiba recurso. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 3.238, de 01.08.1957.
Coisa julgada é a decisão judicial imutável, no sentido de que não cabe mais recurso nenhum. Nesse caso, a alteração da lei não permite a rediscussão judiciàl da questão jurídica matetiál. Mesmo eventual ação rescisória pre~ cisará ser decidida com esteio na lei vigente ao tempo da tomada da decisão rescindenda.
Art. 7° A lei do país em q ue for dom iciliada a pessoa determ in a as regras sobre o começo e o .fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de fa mília,
12 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
Trata-se da primeira norma indireta estatuída pelo legislador da Lindb. Normas indiretas são as normas que não preveem hipótese e consequência, ou seja, não trazem a mesma estrutura das normas comuns, aptas a solucionar a hipótese que se quer resolver já que não se reduzem ao snodelo teórico segundo o qual "se h é, então deve ser B. Se não B, então deve ser S': onde "K é a situação da vida juridicamente relevante enquanto hipótese fática, "B" é a conduta esperadafproibida/devida/facultada ante a situação ''N: "não B" é a conduta inversa à esperada/proibida/devida/facultada e "S" é a sanção, ou seja, a conduta coercitivamente estabelecida pelo sistema como consequência da não observ-ância espontânea da conduta "B'"'. Diferentemente, as normas indiretas, típicas do direito internacional privado (DIP), tra2ern uma disciplina (direito de familia) ou um instituto jurídico (nome, capacidade) em sua primeira parte e um elemento de conexão na segunda. Dirigidas à resolução dos casos com elementos estrangeiros, ou seja, às situayêies da vida que nâô se ligam exclusivamente a uma única ordem jurídica, mas, antes, espraiam-se por mais de uma dessas ordens, as normas de DIP exigem, antes de sua aplicação, que se proceda à correta qualificação da questão que.se esteja a analisar. Qualificar é conceituar e classificar, ou seja, enquadrar a situação da vida em uma das estruturas jurídicas abstratamente consideradas. Assim, saber se alguém pode ou não casar é perquir.i.r acerca de sua capacidade n1atrí.monial. Longe de se tratar de relação de família, o que se está a inw,brar é a capacidade especial da pessoa para formar familia por meio de matrimônio. Daí a importância de uma correta qualificação. Há forte polêmica doutrinária sobre se a qualificação deve ser buscada segundo os desígnios da lei do foro (lexfori) ou da lei material que se quer determinar (lex causae), havendo clara preferência pe.Ja primeira das formas. Assim, deve-se buscar enquadrar a situação da vida em uma categoria jurídica segundo as regras vigentes no foro. Posteriormente, indo-se à Lindb chega-se a uma das normas indiretas, segundo a classificação empreendida, e nela se encontra o elemento de conexão, ou seja, o elemento normativo, vazio de conteúdo, mas preenchível por um dos elementos da situação fáti.Cà, que indicará a lei à ser aplicadà. Assim, se estiver estabelecido na Lindb que a lei do domicilio rege a capacidade, e se a pessoa a respeito de quem se quer saber acerca da capacidade - e em que grau - ou incapacidade for domiciliada na Inglaterra, ser.ão as normas inglesas as que dirão, materialmente, diretamente, se o individuo é capaz ou incapaz. É nesse sentido que se diz que as normas de DIP são indiretas: elas indicam o sisteJ;J13 no qual se deve buscar a resposta direta para o problema jurídico que se esteja a enfrentar.
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRcfO-LEI N. 4.657/42
1 13
As notmas .indiretas (de DIP) não estabelecem competência jurisdicional, mas, sim, .indicam o sistema juridico mais próximo, dentre os presentes na hipótese fática, para a resolução material da lide. É o juiz brasileiro quem decidirá, se assim lhe emprestarem competência as normas do CPC/2015, arts. 21 a 23. Mas sua decisão poderá se pautar pela própria lei brasileira - quando lex fori e lex causae c-0incidiriaro - ou por uma lei estrangeira qualquer. Nesse sentido, errôneo o posicionamento da Corte Especial do STJ no julgamento do pedido de homologação de sentença estrangeira proferida em Portugal (SEC n.1.763, rel. Min. Arnaldo Esteves de Lirna, j. 28.05.2009, DJU 25.06.2009) ao afumar que uA competência para conversão da separação judicial é exclusiva do juiz brasileiro, conforme inteligência do art. 7° da LICC, segundo o qual a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre os direitos de familia'~ O juiz português, ao decidir a questão, seguiu o elemento de conexão estabelecido pelo DIP português. O DIP brasileiro - art. 7° da Lindb - só seria chamado a atuar caso a ação tivesse sido proposta desde logo aqui no Brasil. Errou o STJ como no passado errara o STF ao julgar a SEC n. 4.'S 12 (rei. Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, j. 21.10.1994), quando considerou que a competência exclusiva estabelecida no art. 89 do CPC/73 (que encontra equivalência no art. 23 do CPC/2015) cedia em face da aplicação da lei brasileira pela autoridade judiciária estrangeira. Por outro lado, percebendo a distinção, posiciona-se o mesmo STJ, nos se,guintes termos: "Cuida o art. 7° da LICC dos chamados conflitos de leis ('direito internacional privado'), isto é, tem por objetivo definir qua] a norma de regência. se a nacional ou a alienígena; inservível,_pois, para definir a competência, ou não, da Justiça brasileua. Sendo a ré donuciliada no estrangeiro e, de igual forma, tendo o fato que deu origem à demanda ocorrido fora do território nacionaJ - conforme consignado no acórdão recorrido-, não há falar em incidência dos incisos I e Ili do art. 88 do CPC [art. 21, Te ill, do CPC/2015]" (STJ, REsp n. 325.587/RJ, 4• T., rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 05.09.2007). Da mesma forma, já se deixou assentado que as normas de DIP a atuar serão sempre as do sistema jurídico competente para o processamento da demanda: "Assentada a competência internacional, resta questão distinta rela~ tiva ao ordenamento normativo aplicável à hipótese, se luso ou brasileiro, existindo conflito de leis no espaço. Nesse caso, é o elemento de conexão estabelecido pelo Estado competente que .indicará a legislação substancial incidente, restando desirnportante aquele indicado pela legislação lusà' (STJ, REsp n. 512.401/SP, 4• T., rel. Min. Cesar A.sfor Rocha, j. 13.10.2003).
14
I DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
A escolha da lei aplicável, assim, é do legislador da Lindb. Foi ele quem esw tabeleceu as conexões para as questões privadas internacionais. E no caso concreto é que se bµscarã o elemento que preenche a eone.x.ão. Elemento nacional, indicando a aplicação do Direito brasileiro ou elemento estrangeiro, indicando a aplicação do Direito estrangeiro para regular materialmen.te a questão. Essa escolha legislativa se dá a partir da consideração da proximidade que aquela relação tem com o sistema jurídico a ser aplicado. ''O princípio do centro de gravidade, ou, como chamado no Direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de DIP deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadas as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem urna Ligação muito mais forte com outro direito. É o que se denomina válvula de escape, dando maior liberdade ao juiz para decidir qual o direito aplicável ao caso concreto'' (TST, RR n. 127/2006-446-02-00.1, 8• T., rel. Min. Maria Cristina Irígoven Peduzzi, j. 06.05.2009). Trata-se de princípio que deve ser usado com o devido cuidado, evitando-se que sirva como válvula de escape para a aplicação cotidiana do Direito brasileiro. Especialmente por não estar previsto positivamente no sistema da Lindb. Neste art 7°, a Lindb estabelece que, para as questões relacionadas à personalidade, à capacidade, ao nome e aos direitos de famOia, deve ser aplicada a lei do domicilio da parte. Assim, optou nosso legislador por se filiar à escola domiciliar, que defende a ideia de que os aspectos pessoais devem ser regidos pela lej do local em que a pessoa tem a sua residência com ânimo definitivo. Preteriu, por outro lado, o sistema da nacionalidade, ainda hoje vigente em grande parte da Europa continental mas em franca decadência, que prega a regência dessas questões pela lei de onde a pessoa é proveniente, ou seja, a lei do Estado cuja nacionalidade ostenta, seja essa nacionalidade atribuída em razão do nascimento no solo daquele país ( ius sol{), seja porque a pessoa descende de nacionais daquele Estado (ius sangttinis). Modernamente, no âmbito das convenções internacionais de DIP, pode-se superar essa dicotomia ( domicilio versus nacionalidade) pela adoção de outro critério de conexão: a residência habitual. Os sistemas de inspiração religiosa mandam aplicar a lei da religião das partes. É utilizado sobretudo naqueles países em que a separação total entre o Estado e a religião não se deu em definitivo já que, em regra, delegam para as confissões religiosas a regulação das questões materiais familiares. É curioso notac a possibilidade, no que diz respcito às relações familiares, que os membros da familia ostentem domicilios ou residências habituais diversas. Nesse caso, a lei a ser aplicada dependerá da situação fática que se esteja a resolver, podendo ser a lei do último domicilio comum do casal, a lei
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRcfO-LEI N. 4.657/42
1 15
mais favorável ao credor de alimentos, a lei do domicilio da criança, a lei mais favorável ao interesse superior da criança ou do adolescente etc., cabendo à doutrina e à jurisprudência colmatar ta.is lacunas enquanto não for aprovado texto normativo mais consentâneo com a realidade das modernas formas de estabelecimento de relações familiares. Para aprofundamento, v. Guarda internacional de crianças (MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. São Paulo, Quartier Latin, 2012). Realizando-se o casamen to no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § lO
Se o casamento for celebrado no Brasil, os impedimentos dirimentes, hoje chamados impedimentos absolutos, serão auferidos pela lex fori, ou seja, pela própria lei nacional. '!rata-se de necessidade de preservação da ordem pública vigente no país, que impede, por exemplo, a realização de um segundo ou terceiro matrimônio concomitantes de alguém que professe o islamismo ou que seja vinculado a outra cultura que preveja formas de poligamia. Isso porque, caso essa pessoa seja domiciliada no exterior, em país em que vigora a poligamia, esta seria aplicada, segundo a determinação do capi1t, para determinar a capacidade matrimonial do individuo. Dai a exceção estabelecida no parágrafo sob comento. Trata-se, todavia, de um parâmetro para a incidência do princípio da ordem pública. Com efeito, o caput desse artigo prevê que a capacidade, inclusive a matrjmonial - que capacidade é-, será regida pela lei do domicílio do nubente. Assim, detenninar no § 1° a aplicação da Jex foripara reger os impedimentos absolutos nada ma.is é que informa:r, a priori ao julgador. que a ordem pública brasileira encontra-se conformada pelas regras materiais brasileiras acerca dos impedimentos e.m tela. No que tange às formalidades de celebração, em que pese se estabelecer unilateralmente que os casamentos celebrados no Brasil obedecerão às formalidades de nossa legislação, pode-se interpretar o dispositivo de forma larga para a.firmar que a celebração do casamento, aspecto formal, obedecerá à lei do local da celebração, em apego ao princípio locus regit actum de longa tradição no DIP para questões formais. No âmbito do direito matrimonial, é inevitável reconhecer essa bilateralização da regra de conflitos porque os casamentos são atos juridícos de reconhecimento universal, dispensando-se quaisquer atos homologatórios dos casamentos celebrados no exterior, incidindo a tegra da aplicação da /ex loci celebrationis. Nesse sentido, a disposição do CC que determina o registro dos casamentos realizados no exterior no primeiro cartório do município em que se domiciliarem os nubentes tem nítido intuito probatório, facilitando a prova do estado civil
16 1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
dos membros do casal pela lavratura de certidão brasileira, redigida em lín~ gua portuguesa, com validade em todo o território nadonal. Com a entra~ da em vigor, em 14.08.2016, da Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, firmada na Conferência da Haia, em 05.l0.l961, publicada no Brasil pelo Decreto o. 8.660, de 29.01.2016, a regra do CC perde sua importância>pois o casal casado em Estado-parte nessa Conferência poderá providendar o apostilamento da certidão no exterior e, se for o caso, sua tradução juramentada para o português, e a certidão apostilada terá o mesmo valor jurídico da certidão lavrada pelo cartório brasileiro. § 2° O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autori-
dades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
Parágrafo com redação dado pelo Lei n. 3.238, de 01.08.1957. Caso dois estrangeíros domiciliados ou simplesmente residentes no Brasil desejem se casar perante as autoridades diplomáticas ou consulares de seu pais, a Líndb abte tal possibilidade. No entanto, em. atenção a certa praxe diplomática, estabelece.se a exigência de que ambos ostentem a mesma nacionalidade, Nesse caso, a lei que regerá a celebração do ato será a estrangeira, uma vei que a repartição diplomática ou consular goza de imunidade de jurisdição. § 3° Tendo os nuben tes domicílio diverso, regerá os casos de invali-
dade do matrimônio a lei do primeiro domicilio conjugal. Na hipótese de invalidade do casamento por vício material, de fundo eventuais vícios de forma devem ser verificados pela lex loci celebrationis -, tendo ambos os nubentes o mesmo domicílio, a lei material vigente neste presidírá a verificação de tais vfcios. No entanto, caso o domicilio seja diverso., estabelece a Lindb a conveniência de verificar tais vícios pela lei do primeiro domlcilio do casal. Com efeito, tratando-se os aspectos pessoais do casamento de verdadeiro conflito móvel (a alteração do domicilio do casal modifica a lei que determina os direitos e deveres de um e outro, além dos direitos e deveres reciprocos ), parece lógico fixar a lei aplicável na lei do primeíro domicílio do casal (lei da familia), por ter sido esta a lei que prírneiro regeu a vida do casal, consolidando a questão a bem da segurança jurídica. Evita-se, assim, que mudanças posteriores de domicílio alterem a lei de re~ gência de tal assunto,
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
1 17
§ 4° O regime d e bens, legal o u convencional, obed ece à lei d o pais em q ue tiverem os n ubentes d omicOios, e, se este for d iverso, à do primeiro
domicílio conjugal. Diferentemente do que se passa com os aspectos pessoais do casamento, caracterizado pela mobilidade do conflito de leis, os aspectos patrimoniais, mormente o regime de bens, configuram conflito fixo, ou seja, conflito que será regido, sempre, pela mesma lei,.ainda que no transcorrer do matrimônio as partes alterem o domicilio, que é o elemento da relação escolhido pelo legislador para preencber a cooexào da hipótesefática. Trata-se de homenagem à segurança jurídica dos membros do casal e, também, daqueles terceiros que com os membros do casal negociem. Dispõe a Lindb que, se os nubentes apresentavam o mesmo domicilio antes da celebração do casamento, a lei desse local regerá sua vida patrimonial comum. Todavia, caso o domicilio fosse diverso antes da convolação das núpcias, a lei indica o sistema jurídico vigente no local em que for fixado o primeiro domicilio conjugal como o competente para a regência de tais aspectos. Não se deve olvidar, no entanto, a possibilidade de que os nubentes estabeleçam, por acordo entre as partes, regime convencional de bens. Nesse caso, as formalidades do pacto antenupcial deverão obedecer à Jei do local da celebi:ação, mas o conteúdo da avença será livremente determinado pelas partes, desde que não ofenda a ordem pública, por exemplo. Trata-se da aplicação do princípio da autonomia privada em matéria patrimonial às relações plurilocalizadas. Discute-se na d outrina se, podendo os noivos livremente dispor relativamente ao conteúdo do pacto antenupcial, poderiam eles simplesmen te indicar a lei escolhid a pelas partes para reger sua vida patrimonial, em cujo arcabouço os intérpretes d o pacto deveriam buscar o regime de bens supletivo indicado pela Jej para atuar em caso de não opção expressa dos nubentes. A matéria, longe de ser pacífica, é aceita por esse autor, em homenagem ao prindpio da autonomia de vontade das partes. Se podem dispor por cláusulas materiais, não se compreende porque deveriam ser impedidos de dispor por meio de cláusula remissiva. :Em qualquer caso, do ponto de vista temporal, o regime de bens será estabelecido de acordo com as regras vigentes ao tempo da celebração do ma~ trimónio, como já decidiu o STJ: "Tratando-se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar- se o direíto brasileiro vigente na data da celebração do casamento, 11.07.1970, quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7°, § 4°, da Lei de Introdução" (STJ, REsp n. 275.985/SP, 4• T., reL Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 16.06.2003).
18
I DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
5° O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostiJe ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos.de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. §
Parágrafo com redaçôo dada pela Lei n. 6.515, de26.12.7977.
Trata-se de curiosa hipótese de mutabilidade do regime de bens do casamento que se encontrava vigente no sistema jurídico brasileiro antes mesmo da promulgação do CC/2002 que, como se sabe, introduziu no direito brasileiro a possibilidade de modificação do regime de bens para os casamentos eminentemente nacionais e, também, para os casamentos plurilocalizados em que os elementos estrangeiros existentes na relação fática dissessem respeito a questões outras que não a nacionalidade dos cônjuges. Com a possibilidade genérica de que os cônjuges decidam alterar o regime de bens na constância do matrimônio, deixa de ter muito interesse essa hipótese, em que pese a competência para a análise desse- pedido ser do juízo federal respon~ sável pelo procedimento de jurisdição voluntária tendente à naturalização do cônjuge estrangeiro e não do juizo de família, como nas hipóteses reguladas pelo CC. § 6° O divórcio realizado 110 estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges
forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (wn) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças es~ trangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexami.nar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. Parágrafo com redação dada pelo Lei n. 12036, de 01.10.2009.
Na segunda edição da presente obra, ao comentar a antiga redação do § 6° do art. 7°, afirmei: "o dispositivo está desapegado da realidade juridica nacional. Os prazos para a concessão de divórcio ou para a conversão da sepai;ação em divórcio mudaram com a evolução social e a rápida aceitação que o instituto teve por parte da população. Ademais, a homologação de sentenças estrangeiras, desde a EC n. 45/2004., deixou de ser atribuição do STF para o ser do STJ. Verifica-se, assim, a necessidade de que tal clisposítivo seja lido
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRcfO-LEI N. 4.657/42
1 19
sistematicamente, respeitando-se O$ prazos atualmente vigentes no ordenamento e a competência do Superior Tribunal de Justiça'~ Com a nova redação dada a este dispositivo, as sentenças estrangeiras que dissolvam o casamento de um brasileiro e que precisem, por qualquer razão, ser homotogadas oo Brasil para aqui produzirem seus ju.ridicos efeitos deverão obedecer ao lapso temporal de um ano para que o STJ possa, preenchidos os requisitos exigidos, homologá-las. Nesse sentido, a sentença estrangeira equivaleria a espécie de separação judicial prévia ao divórcio, exceto se houve, efetivamente, a decretação da separação judicial ao menos dois anos antes da sentença que concedeu o divórcio, hipótese em que a homologação poderá ser concedida desde logo. AJém de tais inovações, o dispositivo permite que o STJ volte a analisar sentenças estrangeiras jâ apreciadas, flexibilizando a coisa julgada em matéria de homologação de sentença estrangeira. Com a evolução do sistema e a possibilidade de que, atendidas as situações e os requisitos previstos na legislação brasileira, o casal opte por dissolver o vinculo matrimonial em cartório, sem necessidade de apreciação direta pelo Poder Judiciário, indagava-se se remanesceria a necessidade de homologação pelo STJ de decisão estrangeira concessiva do divórcio se o .ca~ sal se enquadrar nas hipóteses de divórcio extrajudicial brasileiro. Poderiam os mesmos levai; a decisão estr3llgeira diretamente a registro? A dó vida é es.clarecida pelo CPC que, em seu act. 961, § 5°, dispõe: "a sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiçà~ § 7° Salvo o caso de abandono, o domicilio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não em ancipados, e o do tutor ou
curador aos inca~azes sob sua guarda. A regra integral deste parágrafo podia ter sua razão de ser anteriormente a 198-S. A Lei n. 12.036/2009, que pretendeu adequar certas disposições da Lindb aos ditames constitucionais, poderia ter dado nova redação também a esta norma,mas não o fez. Com a Constituição de 1988dnstituiu-se em nosso país a igualdade entre homens e mulheres em geral e de marido e mulher, pai e mãe, na condução da vida familiar. Assim, não se fala mais em chefia da família, posto que as decisões devam ser tomadas em comum: marido e mulher, pai e mãe. Nesse sentido, há certa perplexidade quando marido e mulher se encontram separados de fato, vivendo cada um em país diferente. Da mesma forma se pai e mãe vivem em paises diferentes e um deles está com a guarda da prole. Se houver alteração das situações fáticas e o não guardião requerer judicialmente a alteração da guarda, qual domicilio deve pre-
20 1 DECRETO-LEI N, 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
valecer para fins de determinação da lei a aplicar? O do guardião ou o do não guarcllão? Como já afirmado, nesses casos a le.i a ser aplicada dependerá da situação ~rica que se esteja a resolver, podendo ser a lei do último domidLio comum do casal, a lei mais favorável ao credor de alimentos, a lei do domicílio da criança, a lei mais favorável ao interesse superior da criança ou do adolescente etc.1 cabendo à doutrina e à jurisprudência colmatar tais lacunas. A primeira parte deste dispositivo, que remete ao conceito de chefia da familia, é inconstitucional e não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Para maiores detalhes, v. Controle de constitucionalidade da lei estrangeira (MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. São Paulo, Quartier Latin, 2013), em especial a introdução. No que concerne à extensão do domicilio do tutor ou do curador aos incapazes sob sua guarda, trata-se de disposição recepcionada pela CF/88. § 8° Quando a pessoa não tiver domicilio, considerar-se-á domicilia-
da no lugar de sua residência ou naquele em q ue se encontre. Cuida o dispositivo de estabelecer elemento de conexão subsidiário, para as hipóteses de a pessoa não ter domicilio definido. Acredita-se que o dispositivo trílZ. ainda, cdtério apto a ser aplicado para resolver problemas atinentes a eventual pluralidade domiciliar. Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. A lei da situação dos bens (lex rei sitae) será aplicada para qualificar os bens, ou seja, serão dassificados segundo os critérios normalmente utilizados naquele ordenamento para separar os bens em razão de uma especial caracterfstica que se esteja a considerar. Assim, bens móveis e imóveis, principais e acessórios, fungíveis e infungfveis etc. são classificações que se poderão obter a partir da lex rei sitae, ou seja, da lei vigente no local em que tais bens estão situados. Não obstante essa remissão para a lex causae para fins de q ualificação, é inegável que uma primeira concepção de se tratar de bens decorre de conceitos típicos da le.x fori. Da mesma forma, tal lei servirá para regu~ lar os direitos reais (ius ín re), ou seja, para reger a posse e a propriedade, bem como seus consectários, além dos direitos reais sobre coisas alheias e dos direitos reais de garantia, com exceção do penhor, excepcionado no§ 2° deste clisposltivo. Os bens componentes de universalidades como o acervo hereditário e o patrimônio dos membros de um casal são regidos por leis especialmente designadas pelo legislador do DIP. Assim, a lei aplicável aos re-
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO-LEI N. 4.657/42
I 21
gj.mes de bens está definida no art. 7°, § 4°, desta lei, e a lei aplicável aos acervos bereditários do falecido é regida pelas disposições constantes do art. 10 da Lindb, para cujos CQmentários remete-se o leitor. § 1° Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário,
qu anto aos b ens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transp orte para outros lugares. Não havendo, entretanto, a possibilidade de determinar o local da situação dos bens móveis, porquanto estejam em companhia de seu proprietário ou por se destinarem a transporte para outros lugares, sob a guarda de terceira pessoa, a Lindb estabelece elementos de conexão especial, fazendo aplicar a lei vigente no local do domicilio do proprietário, uma vez que presume ser este o sujeito que maior interesse tem no destino dos bens de sua propriedade. Evita-se, assim, a possibilidade de estabelecer um conflito móvel, decorrente da transportação pelo proprietário ou por terceiro. Com efeito, se tais bens estivessem submetidos ao caput do dispositivo, seria forçoso reconhecer que a lei aplicável a tais bens se alteraria todas as vezes em que esses cruzassem uma frontei:ra ou estivessem em embarcação ou aeronave estrangeiras ou nacionais, conforme o caso. Fosse essa a situação, haveria aniplo espaço para a insegurança jurídica. § 2° O penhor regula-se pela lei do domicilio que tiver a pessoa, em
cuja posse se encontre a coisa apenhada. A lei vigente no local em que esteja domiciliado o possuidor da coisa empenhada (vocábulo utilizado atualmente em lugar de apenhada) regulará o penhor, estabelecendo, por exemplo, quais serão os seus efeitos, se a tradição do bem empenhado será essencial ou não à constituição da garantia real, pouco importando, nesse caso, a localização efetiva do bem. Aliás, em certa medida, este dispositivo da Lindb consagra o principio segundo o qual mo-
bilía persónam sequtmtúr. Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, a plicar-se-á a lei do p!ÚS em que se constituírem. A Lindb alude a obrigações, não apartando as contratuais das não contratuais. Indica como elemento de conexão a lei do local em que se constituem, ou seja, a lei do local da contratação (lex loci c-0ntractus) para as obrigações contratuais entre presentes e a lei do local do cometimento do ilícito (lex Zoei
22
l
DECRETO-LEI N. 4.657/47,
GUSTAVO F. C. MONACO
delíctí comissi) para as obrigações ensejadoras da responsabilidade civil por prática de atos ilícitos. No entanto, essas regras se referem sempre ao conteúdo da obrigação, nunca à sua forma, pois esta, em que pese o silêncio da Lindb, encontra-se afeta ao principio locus n:gitactum/contractum. de longa tradição no DIP. Não obstante o caput fazer expressa remissão à lex causae para fins de qualificação, é inegável que uma primeira concepção de se tratar de obrigação decorre de conceitos típicos da /ex fori. Muita dúvida se estabeleceu, a partir de 1942, acerca da possibilidade de as partes, nas relações obrigacionais contratuais, elegerem a lei que lhes parecesse mais indicada para reger o contrato (lex voluntatis). Isso porque, ao contrário da fntrodução ao CC/1916, não há na lei em vigor nenhuma referência expressa à autonomia da vontade das partes para a eleição da lei aplicável.Veja-se, com profundidade, João Grandino Rodas ("Elementos de conexão do direito internacional privado brasileiro relativamente às obrigações contratuais". ln: Rodas, João Grandino (coord.). Contratos itzternacíonais, 3. ed. São Paulo, RT, 2002). Parece-me excesso de formalismo não admitir a lex. volimtatis. Com efei~ to, desde que o exercício da autonomia privada não venha a modificar a natureza do contrato ou infringir disposições materiais inderrogáveis estabelecidas pela ordem. pública brasilei.fa ( co11tratos de consumo ou trabalho, por exemplo), nada obstaria que as partes, no curso das negocfações, fizessem inserir no contrato cláusulas traduzidas de un1a lei estrangeira qualquer. Assim, de se perguntar porque não poderiam, em homenagem a essa mesma autonomia, mas também de flagrante economicidade, fazer incluir, em vez de cláusulas materiais traduzidas da legislação estrangeira, uma única cláusula final que explicitasse o desejo comum dos contratantes de que suas obrigações fossem determinadas pela incidência de lei estrangeira diversa daquela vigente no local em que o contrato foi celebrado? Por outro lado, o principio da proximidade já foi invocado, relativamente a contratos de trabalho, para determinar a aplicação da lei brasileira: "Na hipótese, em se tratando de empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, para trabalho parcialmente exercido no Brasil. o princípio do centro de gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da legislação brasileira" (TST,,RR n. 127, Proc. n. 2006-446-02-00.I. 8• T., rel. Min. Maria Cristina frigoven Pe~ duzzi, j. 06.05.2009). Por :fim, ressalte-se que a regra do vigente Código Bustamante poderá ser aplicada nas hipóteses de reciprocidade: "Na hipótese de empregado contratado uo Brasil, por empresa subsidiária de sociedade de economia mista brasileira, para prestar serviços no exterior, a legislação pertinente para reger as obrigações decorrentes do pacto laboral deve ser apurada com base em dois critérios, representados, respectivamente, pelos se-
GUSTAVO F. C. MONACO
DECRETO·LEI N. 4.657/42
1 23
guintes brocardos latinos: jus lod contractus e lex loci executio11is. O primeiro, adotado pelo art. 9° da LJCC, assenta~se na diretriz segundo a qual 'para qua1.ifjcar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do pais eÍn que se coostituirem'. O segundo critério, ou seja, o da lex loci executionis, preconiza, por sua vez, ser aplicável a lei do lugar da prestação do trabalho. E o adotado pelo art 198 do Código Bustamante, ratificado no Brasil pelo Decreto n. 18.871, de 13.08.1929, segundo o qual 'l ... Jé territorial a legisla~ão sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador'. Considerando que ambos os critérios apresentados encontram-se previstos em regras de mesma hierarquia e simultaneamente em vigor no ordenamento jurídico pátrio, há que se fazer uma opção em relação a um deles, te.oda-se em conta o caráter mutuamente excludente das disposições neles contidas. Nessa hipótese, em vista do caráter especial do art.198 do Código Bustamantt:, que, especificamente, regula a questão referente ao conflito de leis trabalhistas no espaço1 há que ser afastada a aplicabilidade do art. 9° da LICC, dada a generalidade de suas disposições, nos exatos termos do Enunciado n. 207 desta Corte, que, assim como o art. 198 do C6digo Bustamante, em momento algum faz qualquer distinção entre empresas rrivadas e de capital misto, quando se refere à solução do conflito legislativo no espaço" (TST, ERR n. 265.6631 rel. Min. Milton de Mouxa Fraoça, DJU 03.03.2000, p. 32). § 1° Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependen-
do de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. 'frata-se de aplicação do elemento de conexão lex Zoei executionis, ou seja, da ideia segundo a qual a lei mais próxima ao contrato é a do local em que este será executado, produzindo a maior parte de seus efeitos. Dada tal proximidade, a lei do local de sua execução deve reger o seu conteúdo. Apenas não se entende porque essa conexão, mais efetiva, só tenha lugar se executada a obrigação no Brasil. Com efeito, dispõe este § 1° do art. 9° da Lindb que. destinando-se uma obrigação avençada no exterior à ser executada no Brasil, deve-se aplicar a lei brasileira para a determinação de seus limites e efeitos.Admite-se também aqui (e quanto às formalidades) que locus regit actum/co11tractun1, razão pela qual os requisitos extrínsecos do ato (formalidades) deverão obedecer à lei do h1gar de sua constituição. § 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no Lugar
em que residir o p roponente.
24
1 DECRETO-LEI N. 4.657/42
GUSTAVO F. C. MONACO
Na hipótese de contratos internacionais havidos entre ausentes, a obrigação deles decorrente reputa-se constituída no lugar em que reside o proponente. Assim, residindo o mesmo no exterior, será a lei estrangeira aplicada a menos que o contrato tenha de ser executado no .Brasil, hipótese em que, por força do § l º, será aplicada a /ex Loci executionis. Por óbvio, para fins de determinação da lei aplicável, incide a ideia de que se em face da proposta de uma parte houver contraproposta da outra, e essa contraproposta for aceita pelo primeiro p roponente, inverte-se a situação, com a consideração de que o autor da contraproposta passou à posição de proponente. Aplicada tal ideia no campo do DIP, em um contrato em que as partes encontram-se sob a vigência de leis diversas, o resultado será a inversão da lei aplicável.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. A pessoa que falece e deixa patrimônio para ser partilhado entre seus herdeiros terá a sucessão regida pela lei do local em que era domiciliada ao tempo de sua morte. Pouco importa o local do falecimento, a nacionalidade do de cujus ou o local da situação dos bens (tal aspecto é importante para fins de fu...'J)ressão imprópria não só do ponto de vista técnico, bem como quanto ao respeito devido à pessoa humana. Na redação original do Código de 2002, utilizou-se a e1..1>ressão "deficientes mentais que tenham discernimento reduzido': agora suprimida inteiramente pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei n. 13.146, de 06.07.2015, art. 114, que introduz reforma expressiva quanto a ela, com reflexos no direito de família1 além de outros em leis especiais.
III - aqueles que, por causa transitória ou p ermanente, não puderem exprimir sua vontade; Inciso com redaçãp dada pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
Sll.MARA J, CHINELLATO
AIITS. 4° E5°
1 43
O Estatuto da Pessoa com Deficiência- Lei n. 13.1461 de 06.07.2015, por meio do art. 114, alterou a redação do inciso m ao suprimir a expressão que se referia aos "excepcionais, sem desenvolvimento mental completo'~ I V - os pródigos.
Pródigo é aquele que despende com excesso, o dissipador; o esbanjador. ! aquele que, de modo desordenado, dissipa seus bens, caminhando para a miséria. Está sujeito à curatela (art.1.767, V), por meio de interilição (art. 1.782), em virtude da qual ficará privado de dispor de seus bens ( emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado) e praticar atos que não sejam de mera administração, necessitando de curador. Arestrição não se estende a outros atos que não importem disposição de bens, por exemplo, casar-se. Parág,;afo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legis1ação esp eeia l. Parágrafo com redação dado pelo Lei f1. 73. 146, de 06,07.2015. Entre as leis especiais, cite-se a Lei n. 6.001, de 19.12.1973, invocando-se, ainda, os arts. 231 e 232 da CF. Art. 5° A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. O Código antecipou a maioridade civil para 18 anos, a partir de quando a pessoa tem plena capacidade civil e pode, em regra, praticar pessoalmente todos os atos da vida civil, com ressalvas de hipóteses especiais previstas nos ü'lcisos li a IV e parágrafo único do art. 4°. Os incisos II e III, bem como o parágrafo ô.nico, foram alterados pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A antecipação da maíoridade não repercute automaticamente no dircit:o dos filhos a alimentos, que será sempre regido pelo binônimo "necessidade de q_uem pede e possibilidade de quem dá'~Se depois dos 18 anos necessh.ar dos alimentos, ainda que para prover as despesas com educação, o filho terá esse direito, o que encontta respaldo no art. 1.694 do CC. Consulte-se Comentários 40 Çódigo Civil (Chinellato, Silmara Juoy. São Paulo, Saraiva, 2004, v. 18). A Súmula n. 358 do STJ acolhe esse entendimento ao consignar: "O cancelamento de pensão alimentícia de filho que a.tingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos''.
44
1 ART. 5°
SILMARA J. CHINELLATO
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: A norma prevê as hipóteses legais em que se antecipa a plena capacidade, por meio de emancipação. Anote-se ser taxativo o rol do artigo, não comportando hipóteses ali não previstas. I - pela concessão dos pais., ou de \lDl deles na falta do outro, m ediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor t iver dezesseis anos completos; Regula a emancipação concedida pelos pais, bastando para tanto instrumento público. Na falta deles ou de um dos pais, a emancipação é judicial, ouvindo-se o tutor.
II - pelo casamento; O art 1.517 prevê, como idade para o casamento, 16 anos para o homem -e para a mulher, com a autorização de ambos os pais ou dos representantes legais dos menores. Segundo a maioria da doutrina, a anulação do casamento não se .reflete na plena capacidade adquirida. O mesmo ocorre em caso de viuvez, separação e divórcio. O Código pressupõe que a configuração das hipóteses previstas nos incisos III a V indicam maturidade do interessado, tornando-o apto à emancipação. Uma vez obtida, esta não pode ser revogada.
III - pelo exercício d.e emprego público efetivo; A expressão ''exercido de emprego público efetivo" parece indicar o emprego público não transitódo, não temporário, como ocorre no Estado de São Paulo, com os ACTs ( admitidos em caráter temporário). A expressão não se prende à técnica do direito administrativo que distingue emprego, cargo e função, pois a efetividade se prende a cargo público, não a emprego.
N - pela colação de grau em curso de ensino superior; O i.Q.ciso repete o do CC/1916, do qual suprimiu apenas o adjetivo "científi~ co" do substantivo "curso», ampliando-o para todos os de ensino superior. O legislador considera que quem o covclui, ainda que antes dos 18 anos, tem maturidade e discernimento suficientes para ser considerado absolutamente capaz.
SILMARA J, CHINEUATO
ARTS. 5° A 7° 1 45
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou p ela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis ano s completos tenha economia própria. A diretriz é a economia própria do menor, seja ela derivada de estabelecitnento civil ou comercial- como já considerava o Código revogado-, seja em virtude de relação de emprego, nova hipótese prevista pelo Código. Art. 6° A existência da pessoa natural ter mina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em q ue. a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Embora a existência da pessoa natural termine com a morte - cujo conceito é discutido pela medicina e pela bioética, direcionando-se para o de morte cerebral , a tutela do morto se dá por meio dos direitos da personalidade (arts. 12, parágtafo único, e 20, parágrafo único), além de normas de outros Códigos, como o Penal e o de Processo Penal, A presunção de morte do ausente se verifica nas hipóteses em que os art.s. 37 e 38 permitem a aber~ tura da sucessão definitiva. Conforme define o art. 22, ausente é aquele que desaparece de seu domicilio sem dele haver notícia, sem ter dejxado representante ou procurador para administrar-lhe os bens. A ausência é declarada pelo juiz, nomeando-se curador ao ausente. Ar t. 7° Pode ser declarad a a morte presumida, sem decretação de ausência: Não se confunde o ausente (arts. 22 a 39) com o denominado "desaparecido': em relação ao qual há a quase certeza ou mesmo a certeza da morte, mas muitas vezes só não existe o cadáver, conforme analisei na Enciclopédia Saraiva do Direito, verbete «desaparecido~ Essa hipótese ocorre em naufrágios, acidentes de avião, afogamentos, incêndios, atentados terroristas nos quais se tem a certeza de o desaparecido ter embarcado, ter estado presente no evento, mas não se lhe tem o cadáver. 1- se for extremamente provável a morte de quem estava em p erigo devid a; O inciso trata genericamente de hipóteses em que haja grande probabilidade da morte de pessoa que estava em perigo de vida. Mesmo sendo aniplo o inciso, cumpre salientar que o artigo no qual se insere elenca algumas hipóteses não taxativas, mas meramente exemplificativas. O cotidiano é mui-
46
1
ART5. 7° A9°
SILMARA J. CHINELLATO
to rico em fornecer diferentes casos de catástrofes nos quais a pessoa natural desaparece sem que se lhe encontre o cadáver, gerando um grande n úmero de problemas jurldicos a ser resolvido e que necessita do reconhecimento judicial da morte, fato jurídico de grande relevância. II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. O desaparecido em campanha ou feito prisioneiro mereceu hipótese expressa do Código, que fixou o tempo fictício de dois anos após o término da guerra para que lhe seja dedarada a morte presumida. A LRP (Lei n. 6.015, de 31.12.1973) já disciplinara a justi1icaç.ão judicial em tais casos, nos arts. 85, 86 e 88, parágrafo único. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
A LRP prevê no art. 88 a justificação judicial para lavratura de assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágios, incêndios, inundações, terremotos e catástrofes. Art. 8° Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos. O artigo trata da hipótese de comoriência, morte simultânea de duas ou mais pessoas, não sendo possível comprovar quem faleceu antes. Se essa prova fosse possível, diferentes consequências jurídicas existiriam, notadamente no direito sucessório. Se os comorientes A e B forem herdeiros um do outro e tiverem falecido na mesma ocasião, se há prova de que A faleceu antes de B, A transmitirá a herança para B, que, depois de declarado morto, trans~ mitirã a herança a seus próprios herdeiros. Não se podendo fazer tal {>fova, a lei presume que ambos os comorientes faleceram simultaneamente. Art. 9° Serão registrados em registro público: A finalidade do registro púbüco é dar publicidade aos atos relativos ao estado das pessoas possibilitando que qualquer um os coo beça para proteger os própiios interessados e terceiros. Há no registro civil tanto um interesse de ordem privada como de ordem pública. Segundo a doutrina, há três es-
SILMARA l CHINEUATO
ART. 9º
1 47
pécíes de registro, considerando os efeitos que produz: a) constitutivo; b) comprobatório; e) publicitário. A presunção que decorre do registro é relativa, podendo ele ser desconstituído. Quanto aos efeitos, são eles constitutivos quanto ao registro de nascimento e de casamento; e comprobatórios, com referência ao registro de óbito. O registro da emancipação tem efeito comprobatório e o da interdição, da sentença declaratória de ausência e de morte presumida têm efeito publicitário.
I - os n ascim entos, casamento s e óbitos;
A LRP (Lein. 6.015, de 31.12.1973) trata do nascimento nosarts. 50 esegs.; do casamento nos arts. 70 e segs.; e do óbito nos arts. 77 e segs. II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
A emancipação é regulamentada nos arts. 89 e seguintes da LRP. O art. 5°, parágrafo único, I, do CC considera a emancipação uma das hipóteses de cessação ,da incapacidade dvil para o menor que tiver 16 anos completos.
III - a interdição por incapacidade absoluta ou r elativa; A interdição consiste em restrição de direitos, declarada pelo juiz, para pessoas absoluta ou relativamente incapazes, mencionadas- no art. 1.767, que serão representadas por curador, cuja autoridade se estend e à pessoa e aos bens do curatelado e de seus filhos nascidos e nasci.turos. Estão sujeitos à interdição e consequente curatela, conforme o art. 1.767: "I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; TI - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; fV -os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V - os pródigos'~ O alcance da restrição de direitos será delimitado pelo juiz. considerando o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, podendo restringir-se apenas à proibição de praticar os atos mencionados no art. l. 782. A sentença qve decreta a interdição será regist.1;ada no Registro Civil, confor me os arts. 92 e segs. da LRP.
I V - a sentença declaratória de ausência e d e morte presumida.
48 1 ARTS. 9° E 10
SILMARA J. CHINELLATO
As sentenças declaratórias de ausência que nomearem curador serão registradas no cartór,io do domicilio anterior do ausente, conforme disposto no art. 94 da LRP. A tutela do desaparecido - ou aquele que tem morte presumida - ingressa no CC, no art. 7°, mas já era prevista na LRP nos arts. 85, 86 e 88, parágrafo único, para os desaparecidos em campanha e no art. 88 para os desaparecidos em "naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame'.
Art. 10 . Far-se-á averbação em registro público : O registro se refere a documento original, enquanto a averbação pressupõe a já existência de um registro no qual será feita uma alteração ou anotação. I - d!lS sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade COtJ.jugaJ; O CC vigente suprimiu a referência ao tegistro (anteriormente mencionado como "inscrição") de separações judiciais e divórcios. Houve um aperfeiçoamento técnico, pois o que se deve tornar público é o novo estado civil - de separado, de divorciado - passível de averbação. As mesmas razões embasam a averbação do restabelecimento da sociedade conjugal, que, igualmente, importa em novo estado civil para o casal: de separados judicialmente para casados. Haverá averbação também da escritura pública de separação consensual e de divórcio consensual, nos casos permitidos pelo art 1.124-A do CPC/73 (art. 733 do CPC/2015) introduzido pela Lei n.1 1.441, de 04.01.2007. Conforme dispõe o § l 0 : "a escritura não depende de homologação judicial e constituj titulo hábil para o 1:egistro civil e o registro de imóveis". II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;
A filiação pode ser reconhecida extrajudicialmente ou por sentença judicial, conforme previsto no art. l.609. Em ambos os casos, será feita a averbação no regi.stro original do filho reconhecido. Os provimentos dos Tribunais de Justiça dos diversos Estados enfatizam que, nos assentos e nas certidões de nascimento, não será feita nenhwna referência à origem da filiação, em obediência ao art. 227, § 60, da CP.
ARTS. 10 ~ 11
SILMARA J, CHINELLATO
1 49
UI- (Revogado pela Lei n. 12.010, de 03.08.2009.) O inciso III revogado dispunha, até o advento dessa Lei, que também seriam averbados os atos judiciais ou extrajudiciais de adoção. Embora a Lei n. 12.010/2009 tenha alterado e introduzido várias normas do ECA, que merece ser reestudado, o caput do art. 47 está em vigor. Segundo ele, o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial que será inscrita no regjstro civil, por meio de mandado do qual não se fornecerá certidão. O § 2°, que não foi alterado, determina o cancelamento do registro original do adotado, o que não lhe importa a destruição, pois há o reconhecimento, pelo próprio Estatuto no art. 48, do direito à identidade genética ou direito ao conhecimento das origens, direito da personalidade. Esse clireito, que antes era defendido pela Doutrina, como há muito sustentamos, hoje o é também pela lei Assim, é permitido ao adotado consulta ao processo de adoção, não s6 quando tiver 18 anos, conforme o caput do art. 48, mas também antes dessa idade, segundo admite o parágrafo único. Registre-se que a GR igualou todos os filhos, de quaisquer origens, inclusive os adotivos, em direitos e quali.ficaçõeii, sendo vedadas quaisquer designações cliscr.irpinatórias (art 227, § 6°), regra prestigiada pelo art. 20 do ECA. CAPfTULO li DOS DIREJTOS DA PERSONALIDADE
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos d a personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Direitos da personalidade são ''as faculdades juríclicas cujo objeto são os cliversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim seus prolongamentos e projeções" (Rubens Limon_gi França). A classificação fundamental segundo o autor é: direito à integridade tisica (à vida, ao corpo vivo e morto, a partes separadas do corpo); à integridade intelectual (liberdade de pensamento, direito de autor, de inventor, de esportista); à integridade moral (liberdade civil, política e religiosa, honra, honorificência, recato, imagem, segredo, identidade pessoaVnome, familiar e social). Em outra classificação básica, proposta por Carlos Alberto Bittar, são d.4-eitos físicos-, psíquicos e motais. Qualquer que seja ela, entendo que deve ser quadripartida, colocando-se à parte o direito à vida, direito primeiro, condicionante. Além das características mencionadas no artigo, os direitos da personalidade são, ainda, inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. O exerdcio de alguns direitos, como o direito à imagem (reprodução flsica da pessoa, no todo ou em par-
50
1 ARTS. 11 E12
SILMARA J. CHINELLATO
te} e à voz, pode ser cedido, por contrato expresso, como o de licença de uso. O próprio direito é incessível, como decorrência da inalienabilidade. Em regra, o exerdcio dos direitos não pode sofrer limitação voluntária pelo próprio titular. .Essa é a regra que comporta exceções: como a referente ao direito à imagem, à voz, ao nome, ao corpo. Diante da regra, com maior razão o exercício dos direitos da personalidade não poderá sofrer limitação involuntária, por ato de terceiros, considerando-se que uma de suas caracterlsticas é ser "personalíssimo~ pertencente, com exclusividade, ao próprio titular. Assim, só se admite o exercício por terceiros de alguns direitos da personalidade, que o comportem, com o consentimento expresso do titular, o qual não se presume.
Att. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. O artigo trata da tutela geral dos direitos da personalidade, inclusive no âmbito preventivo, podendo o lesado socorrer-se das medidas processuais cabíveis: medida cautelar nominada e inominada, tutela antecipada, mandado de seguraoça com pedido de ti minar (considerando-se a quaUdade do lesante), para a ameaça de direitos, bem como ação constitutiva ou declaratória para a lesão consumada. Há quem sustente que o ait.igo consagrou o direito geral de personalidade, parecendo-me, no entanto, que a opção do legislador foi pela enumeração não exaustiva dos direitos. Anoto que a não taxatividade é mais uma das características dos direitos da personalidade. Além da tutela geral, há sanções específicas previstas em leis especiais, como a Lei de Direitos Autorais (arts. 102 a 110 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Parágrafo único, Em se tratando de morto, terá legitimação para re~ querer a medida prevista neste a(tigo o cônjuge sobx-evivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. O parágrafo traz inovação digna de aplausos, reconhecendo legitimação a terceiros para a defesa dos direitos da personalidade do morto. O broca(do juridico mors omnia solvit não se aplica aos direitos da personalidade que se estendem desde a concepção e para além da vida da pessoa natural. O Direito brasileiro há muito consagra a tutela da personalidade do morto, como se vê no CP, que tipifica os crimes contra o respeito aos mortos nos arts. 209 a 212. O CPP admite expressamente a revisão ciimina1 em favor de morto no
SILMARA J. CHINELLATO
AIUS. 12 E 13
I
51
art. 623. Há acórdãos que analisaram casos de vfolação de direitos de personalidade do morto, como o direito à iro-agem. à in timidade, à honra e ao nome, mesmo antes da vigência do CC atual. Entres eles, cita.m os o proferido pelo TJRJ, no qual a tese vencedora consagra o direito à imagem do pintor Di Cavalcanti filmado morto pelo cineasta Glauber Rocha (Emb. Infring. na Ap. n. 18.515, rel. Des. Luís Lopes de Souza, j. 16.12.1982, m.v., RJTJRJ 50/83-96, 1984). Os direitos de personalidade ao companheiro amparam, ainda, a proteção do jazigo, tema pouco tratado na jurisprudência, que por vezes reconhece-a com fundamento na impenhorabilidade do bem de familia, estendido ao jazigo, como se vê no acórdão proferido pelo TJSP n o AI n. 645.328-4/5, rel. Des. Galdino Toledo Jr.,j. 25.08.2009, v.u. Embora louvável essa tese, parece-nos que não exclui a proteção em tela com fundamento nos direitos da personalidade do morto. Deve-se estender a legitimação ao companheiro, de acordo com interpretação sistemática do CC. Essa tese, que sustentamos há muito, foi acolhida pelos Enunciados ns. 275 e 400 das Jornadas de Direito Civil promovidas pelo CEJ da Justiça Federal e STJ. Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando impor tar d iminuição permanente da integridade física, ou contrariu os bons costumes. O artigo deve ser interpretado em harmonia com a Lei n. 9.434, de 04.02.1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo hwnano para fins de transplante, regulamentada pelo Decreto n. 2.268, de 30.06.1997. O art. 9°, § 3°, da lei permite doação quando se tratar de órgãos duplos, como os rins, o u de partes de órgãos, tecidos ou partes do próprio corpo, quando isso não acarrete risco de vida ao doador ou grave com1:'rometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e quando não cause mutilação ou deformação inaceitável A doação, que é revogável, será feita por documento escrito, devendo atender à necessidade terapêutica comprovadamente indispensável ao receptor. Esses e outros requisitos foram previs~ tos no art. 14 do Decreto n. 2.268/97. TI-atando-se de direito da personalidade, a autorização para a retirada de ór gãos e tecidos depois da morte não deveria ser presl,UllÍda, mas para facilitar a doação, e por razões de política legislativa, esse artigo do decreto estabelece que o não doador deve fazer constar essa circunstância na Carteira de Identidade Civil e oa Carteini Nacional de Habilitação, por meio da expressão "não doador de órgãos e tecidos". A expressão do início do caput do art. 13, de má redação, parece referir-se à exigência médica como requisito indispensável quanto à pessoa receptora
52 1 ARTS. 13 A 15
SILMARA J. CHINELLATO
do órgão ou tecido. Em todo caso, mesmo havendo essa necessidade terapêutica, o ato de disposição do próprio corpo não pode importar diminuição permanente da integridade física ou co.otrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Conforme explanei no comentário do caput do artigo, o ato de disposição do próprio corpo, com as restrições contidas nessa norma, é admitido para fins de transplante, nos termos da Lei n. 9.434/97 e do Decreto n. 2.268/97.
Art. 14. .E, válida, com objetivo científico, ou altruistico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. A norma trata da autorização para transplante post mortetn cujos requisi~ tos são explicitados pela Lei n. 9.434/97 (arts. 1° a 8°) e pelo Decreto n. 2.268/97. A gratuidade já era prevista pelo art. l O da lei e harmoniza-se com o disposto no§ 4° do art.199 da CR, que veda qualquer tipo de comercialização de 6rgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como coleta, processamento e transfusão de sangue e derivados. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer 1empo. A revogabilidade, a qualquer tempo, desde que não iniciados os procedimentos médicos a que a disposição se refere, coaduna-se com a característica de serem personalíssimos os direitos da personalidade. No mesmo sentido, o art. 9°, § 5°, da Lei n. 9.434/97, e o art. 14, § Sb, do Decreto n. 2.268/97.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. A autonomia do paciente é um dos temas relevantes para a bioética e o biodireito. Se admitido constranger alguém a submeter-se a tratamento médico ou cirúrgico, com risco de vida, haveria violação ao caput do art. S0 da CR, que assegura a inviolabilidade do direito à vida. A norma ordinária parece-me, pois, supérflua. Não prevê outra hipótese, de grande relevâncfa; obrigar alguém a submeter-se, sem risco de vida, a tratamento médico ou a interven~ão cirúrgica. Afronta a autonomia do paciente, o direito de personalidade à autodeterminação, com reflexos na própria irttegridade tisica, pre-
SILMARA J, CHINELLATO
ARTS. 15 E 16
I
53
tender a submissão contra sua vontade. Quanto aos enfermos, há uma nova reflexão a respeito da relevância do consentimento, da autonomia do paciente, da diferença entre eutanásia, ortotanásia e distanásja, dos cuidados paliativos, do denominado testamento vital, este objeto da Resolução n.1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, n ele compreendidos o prenome e o sobrenome. O direito à identidade divide-se em pessoal, familiar e profissional. Na pessoal, tem grande relevância o nome, encontrado desde os povos mais primitivos e considerado direito natural. O nome é composto pelo prenome e pelo patronímico, denonünado impropriamente "sobrenome" pelo Código, palavra que não tem significado, ao contrário de "patroníJJilco": o nome dopater. A LRP (Lei n. 6.015, de 31.12.1973) impõe a obrigatoriedade do registro de nascimentos (art. 29, I), no prazo de quinze dfas, que pode ser ampliado para até três meses para lugares distantes (art. 50). O art. 54 elenca o conteúdo do registro denominando "nome", o patronímico. O att. 55, parágrafo único, estatui que os oficiais do registro civil não registrarão prenomes que possam expor o registrando ao ridículo. Se houver insistência dos pais, a questão será submetida ao juiz com,peteote. Há inúmeros aspectos jurídicos quanto ao nome da mulher casada e aos reflexos na separação, no divórcio e na viuvez, tratados na obra Do nome da mulher casada: direito de familia e direitos da personalidade (Chinellato, Silmara Juny. São Paulo, Forense Universitária, 2001). O STJ prestigia essa visão, por exemplo, DO acórdão p rolatado DO R.Esp n. 358.598/PR, rei. Min. Barros Monteiro, D]U02.12.2002, v.u., cuja tese tem sido acolhida em outros acórdãos, como no proferido no REsp n. 247.949/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves,DJU31.05.2004, v:u. Por meio do nome, o direito à identidade pessoal e familiar é exercido. A Lei n. 12.010, de 03.10.2009, além de dispor, no§ 5° do art. 47, que a sentença de adoção conferirá ao adotado o nome do adotante, possibilitando, ainda, modificação do prenome, no art. 48 consagra outro aspecto do direjto à identidade - o direito à identidade genética. Há muito sustentado pela doutrina1 hoje é consagrado pela lei que permite ao adotado ter acesso irrestri~ to ao processo de adoção, após completar 18 anos ou mesmo antes, conforme o admite Q parágrafo único. O mesmo direito tem a pessoa concebida por meio de reprodução humana assistida com uso de sêmen ou óvulo de terceiro, que nâo seja o cônjuge ou companheiro(a). Frise-se que o direito à identidade genética não autoriza, por si, a desconstituição da paternidade ou maternidade.
54
1 ARTS. 17 A 19
SILMARAJ. CHINELLATO
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exp onham ao d esp rezo público, a inda quando não haja intenção difamatória. O artigo traz inadmissível restrição ao nome, direito de personalidade, cujas características são inalienabilidade, incessibilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade, razões por que a utilização por terceiros depende do consentimento do titular. No comentário ao art. 11, explicou-se tratar de direito personaJissimo. Segundo o art. 17, o nome poderia ser empregado por outrem se não expusesse a pessoa ao desprezo público, ainda que sem intenção difamatória. A restrição não é compatível com as características dos direitos da personalidade, reconhecidas pelas doutrinas nacional e estrangeira. A interpretação do artigo deve harmonizar-se com as diretrizes dos direitos da petsonaüdade que repudiam essa restrição. Algumas hipóteses poderão caracterizar violação de direitos autorais (Lei n. 9.610, de 19.02.1998). O nome da pessoa não pode ser empregado por terceiros em quaisquer publicações, sem autorização do tit ular, sob pena de sujeitá-los à indenização por danos patrimoniais e/ou morais. Considerando a evolução da doutrina e da jurisprudência, antes do CC vigente, considero um retrocesso o artigo em análise, que se prestará a muitos litígios.
Art. 18. Sem au torização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
As mesmas razões que fundamentam o comentário ao a11. 17 são aqui invocadas. O nome da pessoa natural e jurídica não pode ser usado em propaganda comercial ou institucional. Não há fundamento jurfdico que autorize taJ forma de expropriação de direito da personalidade.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Pseudônimo é o nome convencional fictício que oculta a identidade da pessoa, para fins profissionais, artisticos e outros, integrando-lhe a identida~ de. Os contratos celebrados com quem utiliza pseudónimo devem indiqir-lhe a identidade civil, embora só aquele seja conhecido pelo público. A alcunha, ou apelido, também é vertente da identidade e, poi: isso, deve ser protegida. A despeito da omissão do CC, considere-se que os direitos da personalidade não são taxativos, razão por que é plenamente sustentável a tutela legal da alcunha ou apelido, também já reconhecida pela doutrina e ju-
SILMARA J, CHINELLATO
ARTS. 19 E20
1 55
r.isprudência, ambas formas de expressão do Direito. A citação por edital deve conter, além do nome, o pseudônimo do réu, para que seja adequadamente identificado (RT440/67-71). A lei que tutela os direitos autorais (Lei n. 9.610, de 19.02.1998) conceitua obra pseudônima, ou seja, aquela en1 que o autor se oculta sob nome suposto. O autor que utiliza pseudônimo tem a mesma proteção que aquele que não o faz, observando-se que, para maior segurança, o negócio jurídico deve mencionar o nome civil e o pseudônimo por meio do qual o a utor, o artista, o intérprete ou o executante se apresenta ao público.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da j ustiçaou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da iodenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. A redação do art. 20 do CC peca pela extensão, o que traz dificuldade para compreendê-lo, tarefa que se aclara quando se deduzem a regra e as exceções. O artigo em tela deveria terminar nas palavras "indenização que couber", suprimindo-se inteiramente o restante. Se houvesse ta1 supressão, o elenco de três exceções estaria correto, permitindo-se a utilização de direitos da personalidade, entre os quais se incluem direitos morais de autor, e de direitos patrimoniais: se autorizada, ou se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. A regra do artigo afirma, no entanto, que a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão .s er proibidas, a seu requerimento: a) na hipótese de lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade; ou b) se forem destinadas a fins comerciais. Só nesses casos a 1,1tilização poderia ser proibida, a não ser: a) que o titular consentisse expressamente (hipótese difícil de ser vislumbrada, notadatnente se a utilização atingir-lhe a honra, a boa fama e a respeitabilidade); b) por razões de interesse público da Justiça; ou e) para a manutenção da ordem pública. A regra coloca restrições aos direitos de personalidade do titular, parecendo permitir, a contrario·sensu, a utilização por parte de terceiros se não con~ figurarem as hipóteses que menciona. Viola a inalienabilidade e a incessibilidade dos direitos da personalidade, descaracterizando o traço fundamental que subsume os demais: ser personalíssimo. Essas restrições são ioadmissiveis porque afrontam as características dos direitos da personalidade reco-
56 1 ART.20
SILMARA J. CHINELLATO
nhecidos, sem polêmica, pela doutrina1 razão por que a interpretação literal da regra do artigo não se sustenta. Só as razões de interesse plÍblico, da alinea b, justificam a restrição. Sob outro ângulo, no entanto, o art. 20 do CC merece ser excepcionado por outras razões de interesse público, como o conhecimento da História, para alcançar biografias e obras que cuidem de pessoas notórias - impropriamente denominadas "pessoas públicas'1 - cuja trajetória de vida seja relevante para esse conhecimento, no que se relacione a fu.tos, passagens e episódios, afu.stando-se a mera curiosidade por detalhes da vida privada, intimidade ou segredo que não tenham pertinência com os dados importantes para a História. Nesse interesse diferenciado, induem~se não só os personagens da História política do pais, como os que se destacaram, pela excelência, nas artes, nos esportes, no exercício de profissões e em outras atividades. O STF decidiu favoravelmente â liberdade de expressão na denominada "ADin do humor" (ADln n. 11.451-MC-REF/DF, Tribunal. Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 02.09.2010, publicàdo em 01.07.2011). Decidiu-se pela suspensão da eficácia da expressão "ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ourepresentantes", contida no inciso m do art. 45 da Lei n.. 9.504/97. Conduta proibida existirá, segundo o acórdão, "quando a critica ou matéria jornalisticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das paJtes na disputa eleitoral·~ hipóteses a serem avaliadas em cada caso concreto. A suspensão de eficácia abrange, ainda, o inciso TI do art. 45 da lei mencionad~ bem como, "por arrastamento': os §§ 4° e 5° do mesmo artigo. A liberdade de expressão não é ilimitada, conforme já decidiu o STP no HC n. 82.424, do quàl foi relator o Ministro Moreira Alves, julgado em 17.09.2003, m.v. Trata-se de obra literária com conteúdo pejorativo e discriminatório aos judeus, analisada pelo Tribunal cuja decisão, considerando o caso concreto, negou o habeas corpus pleiteado pelo escritor, por configurar-se crime de racismo, não afastado pela liberdade de expressão, ambos direitos fundamentais consagrados pela CR. Há várias tentativas para restringir o art. 20, da qual é exemplo o PL n. 393/2011 que pretende incluir§ 2° ao art 20, segundo o ci.ual: "A meta ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com .finali(hide biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dirnen~'âo pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade'~ A redação do parágrafo proposto não deixa claro se a imagem e/ou os escritos são de autoria do autor da biografia ou se alude a imagens e escritos de terceiros, que serão utilizadas na biografia.
SILMARA l CHINELLATO
AAt 20
1
57
O teor é muito amplo. Se a referência for à última hipótese, desconsidera direito autoral do fotógrafo, de criadores de obras audiovisuais e literárias. Haveria, assim, ofensa à própria CR (art. 5°, XXVIl), à Lei de Direito Autoral (Lei n. 9.610/98) e à Convenção de Berna. Se as imagens forem feitas pelo próprio autor/criador da biografia e/ou se for o autor da obra literária ("escritos"), como nos parece ter sido a intenção do legislador, se for aprovado o texto original do PL, a dispensa da autorização ou do consentimento não tem a consequência pretendida, pois não há relação de causa e efeito entre a dispensa (ou mesmo de sua outorga pelo titular do direito) e a inexistência de Tesponsabilidade civil. A contrario serisu, não há relação de causa e efeito entre existência de consentimento do titular do direito e inexistência ou afastamento de responsabilidade civil, a menos que ele tome ciência do inteiro teor da obra biográfica e assim o declare expressàmente. A responsabllidade civil é, desde antes das Leis das XI1 Tábuas, uma garantia em favor da pessoa lesada que evoluiu muito no tempo~setnpre em favor da vítima, alcançando-se boje o pleno alargamento com -a t.endência da responsabilidade objet:iv-.1, em favor da vítima, pois dispensa a prova da culpa. A responsabilidade civil é uma das conquistas da democracia, em lent.i mas firme e positiva evolução durante séculos. Em favor do interesse público ligado à História, tratando-se de pessoa notória cuja trajetória de vida seja relevante, o parágrafo proposto pode ser aceito, desde que com a necessária ressalva de haver responsabilidade civil, se houver dano. As exceções por ele trazidas balizariam sua aplicação, com maior ponderação, no interesse público, a ser visto no caso concreto, sem prejuízo daresponsabilidade civil a ser apurada a posteriori. A falta de autorização não excluirá eventual indenização pelos excessos cometidos, com fundamento nos arts.186 e 187 do CC, a ser analisada no caso concreto1 o que ocorreria, por exemplo, se os fatos explorados pela biografia não tivessem pertinência com os aspectos da vida do biografado que fundamentam sua notoriedade ou relevância. A causa da notoriedade é uma boa diretriz para balizamento do conteúdo permitido para a biqgrafia, mas somente o caso concreto é que dará a medida certa para a análise da ponderação entre liberdade de expressão e os outros direitos da personalidade, incidindo a responsabilidade civil por danos materiais e morais. Impedir a publicação ou retirar de circulação uma obra publicada dependem do exame do caso concreto. Preferível é e>..-purga:r os trechos julgados ofensivos à intimidade ou honra do interessado.
58
1 ART.20
SILMARA J. CHINELLATO
Problema que não desconhecemos e que não pode ser prestigiado pelo Poder Judiciário com análise de cqda caso concreto é a recusa fundada em interesses meramente financeiros por parte de sucessores do biografado, o que não justifica tornar disponível direitos da personalidade - nem direitos patrimoniais de autor por parte de terceiros, a priori, afastando a responsabilidade civil, por força de lei, segundo presumido interesse público na publicação de biografias de pessoas notórias. A hipótese não se enquadra no rol do art. 188 do CC e não há justificativa para se reconhecer uma espécie de "cheque em branco", "ilha de imunidade" para os autores de biografias de pessoa notória, ou obra similar a elas. Ao contrário, a delicadeza dos direitos da personalidade e a irreparabilidade de eventuais danos, meramente compensáveis, reclamam cautela. AADin n. 4.815 interposta pela Anel perante o STF questiona a constitucionalidade dos art. 20 e 21 do CC quando se trata de biografia de pessoa notória e propõe que, tratando-se de biografias de pessoas com relevância para a História, não haveria dano a ser ressarcido, pretendendo a não incidência da responsabilidade civil. Em que pese a respeitabilidade de tal opinião, não nos convencemos arespeito da alegada ineonstitucionalidade, nem também assim pareceu à Advocacia-Geral da União, em R Parecer de 13.08.2012, A interpretação pode levar à desnecessidad.e do consentimento do biografado o que, no entanto, não tem como consequência não incidir a responsabilidade civil e a indenização por eventuais danos, o que deve ser apreciado em cada caso concreto, de riqueza a1npla em peculiaridades, análise que sopesará a colisão de direitos fundamentais, segundo o princípio da proporcionalidade. Não se pode presumir que a liberdade de expressão prevaleça sempre nem que se dê tratamento especial a qualquer meio de reprodução, inclusive a inte1net. Em novembro de 2013 o STF promoveu Audiência Pública na qual ouviu dezessete representantes das diversas instituições e associaiyões interessadas no tema liberdade de expressão, direitos da personali~ dade e o reflexo nas biografias não autorizadas. Dela participamos, ocasião em que sustentamos que a dispensa de autorização prévia não afasta a responsabilidade civil e a consequente indenização se houver dano material e/ ou moral A tutela jurisdicional prevista no art, 5°) XXXV, da CF garante não só a tutela reparatória como a preventiva, com respaldo, runda, no CPC/73 e no art. 12 do CC. A AD ln n. 4,815 foi julgada em 10.06.2015 com relatoria da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. foi julgada procedente a ação "para dar interpretação confo1me à Constituição aos arts. 20 e 21 do CC, sem redução do texto". Do voto da relatora transcreve-se o item a: "Em consonância com os direitos fundamentais à libedade de pensamento e de sua expressão, de cria-
SILMARA J. CHINELLATO
ARf. 20
1 59
ção artística, produção científica, declarar inexígível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literá,rias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária a autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas)'~ O item b foi suprimido, durante o julgamento, pois embora reafinnasse o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, conforn1e o inciso X do art. 5° da Constituição, a expressão "cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização" poderia levar a entendimento no sentido de que não haveria tutela preventiva e só a posteriori. Enfatizada pelo Ministro Gilmar Mendes, em boa hora e com nosso aplauso, bem como avalizada pelo Presidente Ministro Ricardo Lewandowiski, com menções pelos Ministros Celso de Mello e Dias Toffoli, a inafastabilidade da tutela jurisdicional prevista no art. S0 , XX.XV, da Constituição da Republica, e1n sentido amplo, a abranger a tutela preventiva, é de ser observada sempre, e não há norma constitucional nem processual que a excepcione quando se tratar de liberdade de expressão.A jurisprudência do próprio STF indica que n ão há prevalência ou primazia abstrata dela em confronto com outros direitos e garantias fundamentais, entre os quais muitos têm tam~ bém natureza de direitos da personalidade. Imagem significa reprodução física da pessoa, no todo ou em parte, por qualquer meio como pintura, fotografia, filme. Esse sentido é o corretamente empregado no inciso XXVlll, a, do art. 5° da Constituição da República que, no inciso X do mesmo artigo, parece confundi-la com patrimônio moral. No sentido tradicionalmente empregado pela doutrina e também implicitamente pelas leis, antes da Constituição, refere-se, no entanto, à reprodução fisica da pessoa, de modo autônomo, sem depender da intimidade, como bem anota o REsp n. 46.420, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar. A Súmula n. 403 do STJ - lastreada em vários acórdãos, entre os quais o REsp n. 270. 730/RJ, rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,j. 19.12.2000, in Lex-ST/144/191, citado como precedente em outros, como nos Embargos de divergência no R.Esp n. 230.268/ SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 11.12.2002-considera esse cônceito ao estabelecer que "independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais'~ Não nos parece que a indenização dependa da finalidade lucrativa. O direito foi violado, mesmo com fins supostamente gratuitos, podendo haver, no entanto, reflexos no valor da indenização, q_ue deverá ser maior em caso de finalidade lucrativa de qualquer natureza. AvaJiviroos a opinião ainda atual do Min. Ruy Rosado de Aguiar, como relator do REsp n. 100.764/RJ, j. 24.1 l. 1997, no sentido de que o valor do dano sofrido pelo titular não está limitado ao lucro do infrator, pois o dano do lesado não se confunde com este, que pode, inclusive, ter sofrido prejuízo com o negócio.
60
1
ARTS. 20 E21
SILMARA J. CHINELlATO
I
REGINA SAHM
Parág rafo único. Em se tratand o de morto ou de a usen te, são p a rtes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascen dentes ou os descendentes. O parágrafo único haimoniza-se com o disposto no art. 12, parágrafo único, ao qual faço remissão. Anoto que a legitimação aqui é menos extensa do que naquele parágrafo, já que omite os colaterais. f. sustentável admitir alegitimação também a eles, bem como aos companheiros, urna vez que o art. 12 se refere genericamente à tutela de direitos da personalidade, entre os q uais se incluem os previstos pelo art. 20.
Art. 2L A vid a privada da pessoa n atural é inviolável, e o juiz, a requ erimento d o interessado, adotará a s p rovidências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norm a. A inviolabilidade da vida privada está consagrada no art. 5°, X, da CR, ao lado da intimidade, da honra e da imagem das pessoas. O artigo em análise corretamente não faz as restrições que apôs no art. 20, quanto a outros direitos da personalidade, entre os quais a imagem. Vida privada e intimidade não são sinônimos. Aquela tem âmbito maior, que contém a intimidade, ou seja, vida privada e intimidade podem ser consideradas círculos concêntricos. O Código também foi omisso quanto ao segredo, círculo menor contido dentro do relativo à intimidade. Quem está autorizado a ter acesso à vida pr ivada de alguéin não está, automaticamente, autorizado a tê-lo quanto à intimidade do mesmo titular. O mesmo se afirme quanto à intimidade e ao segredo. A tutela processual já foi prevista pelo art 12 e a norma nada mais faz do que prestigiar a inafastabilidade dessa tutela, consagrada no art. 5°, XXXV, da CR
CAPITULO Ili DA AUSÊNCIA O fim da personalidade e de determinados direitos da personalidade se opera apenas por morte (real ou presumida) e por ausência. A morte presumida pode se configurar com ou sem declaração de ausência (arts. 6° e 7° do CC). Na Antiga Roma, a capaddade e a personalidade da pessoa se extinguiam com a morte e ainda com a aplicação da capitis deminutio maxima, que consistia na perda do status libertatis em vida, cabeodo aos parentes do falecido declararem a qualquer magistrado ocorrência do óbito. Na Idade Média, o direito vigente dispunha sobre a morte civil. Mesmo em vida, as pessoas poderiam ser impedidas de exercer seus direitos, o que equivalia à
REGINASAH~
1 61
morte para o mundo jurídico. Resquícios do instituto encontram-se contemporaneameote na disciplina da indignidade em matéria de sucessão legítima. O indigno é afastado da herança corno se morto fosse. Seus sucessores herdam os bens que ~eriam a ele (art. L816 do CC). Denomina-se ausência o desaparecimento da pessoa do seu domicílio, sem que se saiba onde ela se encontra e dela também não se tenha noticia. Necessária é a configuração do elemento "incerteza jurídica'', de decurso _prolongado de tempo, determinado pela lei, e das circunstâncias do desaparecimento, complementados por sentença declaratória do juiz (arts. 22 a 39 do CC; arts. 1.159 a 1.169 do CPC/73; arts. 744 e 745 do CPC/2015). O direito não reconhece efeitos jurídicos ao mero desaparecimento. É necessário que haja incerteza quanto ao lugar em que se encontra o desapatecido. Quando ele manda notícias ora de um lugar, 01·a de outro; há certeza de sua existência. No regime do CC/1916, a ausência se disciplinava pelo direito de família {Título N do Livro N da Parte Especial e art. 463) e o ausente era considerado relativamente incapaz (art. 5° do CC/1916). Os legisladores do CC/2002 rejeitaram a qualificação do ausente como relativamente ioçapaz, "jamais o fora'; pondera José Carlos Moreira Alves, os ausentes gozam de plena capacidade de fato no lugar onde eventi,ialmente se enco.ntram. A sistematização da ausência, no Livro I do CC/2002, ressalta a sua importância na parte relativa às pessoas naturais quanto à titularidade jurídica, à capacidade de fato e à legitimidade negocial. A sua inclusão no direito de familia justifica-se pela disciplina de interesses personalíssimos como o exercício exclusivo do poder familiar pelo outro progenitor, com a ressalva do art. 1.728 quanto a nomeação de tutor. ~ necessária sua consideração ainda para fundamentar ação de separação judicial (art. 1.572, § 1°, do CC), podendo o cônjuge presente convolarnovas núpcias caso o ausente seja considerado presumidamente morto. Os interesses patrimoniais independem da declaração de morte presumida para que sejam protegidos. Exemplo é a curadoria dos bens do ausente. A legislaÇão da matéria no direito estrangeiro está diretamente vinculada ao envolvimento do país em conflitos. Apresentam dispositivos na matéria os C6digos português, francês e italiano. O mandado judicial de reconhecimento de morte presumida é o documento hábil para assentamento do óbito no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (efeitos da ausência no direito de familia: Súmula n. 331 do STF). Seção 1 Da Curadoria dos Bens do Ausente
O entendimento dos arts. 22 a 25 do CC deve ser combinado c-0m os arts. 744 e 745 do novo CPC (Lei n. 13.105/2015).
62
1 ART. 22
REGINASAHM
A matéria disciplinada no CC foi regulada pelo NCPC, arts. 744 e 7451 e dá ênfase ao destino dos bens que eve11tualmente caberão aos ascendentes e descendentes caso o desaparecido não retorne e define a titularidade daqueles interessados para requerer a abertura da sucessão provisória (arts. 689 a 692). Os dispositivos a seguir dencados demonstram a preocupação do legislador com a conservação de eventuais bens, por isso a diminuição dos prazos de forma a adaptar-se ao evoluir da sociedade com o apoio da rede mundial de computadores. Consulte a Lei n. 13.256/2016, que foi promulgada à época da vacatio legis do CPC/2015 e entrou em vigor juntamente com o novoCPC. Sobre o assunto, veja: "Agravo de instrumento. Substituição de curador provisório. Indeferimento da antecipação de tutela liminar. Ausência deverossimilhança nas alegações. Necessidade de dilação probatória. Correta a decisão agravada que indeferiu o pedido de antecipação da tutela, pois os dados informativos existentes, em sede liminar da ação de remoção de curador provisório, são insQ.ficientes para convencer da necessidade de remoção do curador provisório. Negam provimento" (TJRS,Af n. 70.066.054.818, 8• Câm. Ovei, reJ. José Pedro de Oliveira Eckert, j. 12.11.20151 publ. 17.11.2015). E ainda: "Declaração de ausência. Procedimento de jurisdição voluntária. Duas fases. A;recadação de bens-e nomeação de curador. Abertura da sucessão provisória. Ausência de bens. Interesse processual na sirpples artes. Ou seja, precisa haver entre as partes a pretensão de adqui~ rir, conservar, modificar ou extinguir direitos com a realização do negócio. No negócio jurídico há uma çomposição de interesses, um regramento bila~ teral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. O ato jurídico é a prática de um ato por manifestação de ~a simples intenção, cujo efeito está predeterminado na lei, por exemplo, o reconhecimento da paternidade. Aqui, não há wna vontade qualificada, mas um.a mera intenção, que se situa em um patam-ar aquém daquele necessário para que se tenha um negócio jurídico perfeito e acabado. No ato-fato jurídico, por sua vez, há um fato resultante de um ato, sem levar em consideração a vontade de praticá-lo. Ressalta-se a consequência do ato. Muitas vezes o efeito não é buscado nem imaginado pelo agente, mas é
M• AMÁLIA f. P. ALVARENGA
ART. 104
1 153
sancionado pela lei em virtude de sua conduta, independentemente de sua vontade. Cite-se o exemplo da pessoa que acha casualmente um tesouro (art. 1.264 do CC) e fica com a metade dele, independentemente de ter ou não querido achá-lo. Em suma, fato jurídico é todo acontecimento da vida que o ordenamento juridico considera relevante no campo do Direito, que cria direitos e obrigações, possíveis de serem exigidos nas relações humanas, e que1>ode ser decorrente de fatos naturais ou humanos. Os fatos naturais são classificados em ordinários e extraordinários, sendo 1nera manifestação da natureza. Os fatos hwnanos se subdividem em ilícitos e lícitos. Os atos lícitos comportam três divisões: negócio jurídico, ato jurídico em sentido estrito e ato-fato jutfdico. Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
Fazendo coro com outros doutrinadores, podemos asseverar que a norma em exame se refere tanto ao plano de existência como ao de validade. O negócio jurídico, antes de ser válido, precisa existir no mundo jurídico. Para tanto, prescinde da existência dos seguintes elementos: declaração de vontade, finalidade negocial e idoneidade do objeto. A vontade precisa ser manifestada, ainda que de forma tácita ou presumida, para compor o suporte fático do negócio jurídico. Esta manifestação de vontade, para que o negócio jurídico exista, necessita estar direcionada para uma finalidade negocial, ou seja, o propósito de adquirir, modificar, conservar ou extinguir direitos e obrigações. E, por fim, o último elemento da existência diz respeito à idoneidade do objeto, que nada mais é do que o enquadramento do objeto envolvido no ato negocial aos req_uisítos ou qualidades que a lei exige para que o negócio produza os efeitos desejados. No plano da validade teremos os seguintes requisitos: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. O negócio jurídico é válido se cumpridos os requisitos de forma (se a for-ma adotada for adequada),licitude (se seu objeto for licito) e capacidade (se for praticado por agente capaz). Os requisitos citados são essenciais à validade do ato negocial. Esses elementos p odem ser gerais quando são comuns à generalidade dos negócios jur1dicos, como a capací,dade do agente e o objeto lícito e possível, e ao consentimento dos interessados, e particulares quando são pertinentes a determinado negócio jurídico. I - agente capaz;
154
1 ARt 104
M" AMÁllA F. P. ALVARENGA
A capacidade do agente é indispensável à validade do negócio jurídico e tal capacidade deve ser aferida no momento do ato. Traduz a q1pacidade da pessoa para que, por si só, possa exercer os atos da vida civil. O CC, nos arts. 3° e 4°, indica o rol dos absoluta e relativamente incapazes, que não poden1, pessoalmente e sozinhos, praticar nenhum negócio jurídico. O ato praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação é nulo (art. 161, I, do CC) e o realizado pelo relativamente incapaz sem assistência é anulável (art. l 7i, I, do CC). A capacidade superveniente à prática do ato não é suficiente para sanar a nulidade. Por outro lado, a incapacidade que sobrevém ao ato não o invalida nem o vicia. Essa capacidade é conhecida como geral, e existe tambétr1 a capacidade especial ou legitimação, porquanto certos negócios jurídicos exigem, além da capacidade do agente, quê ele também seja legítimo, isto é, que tenha competência para praticá-lo. A falta de legitimação pode tomar o negócio jurídico nulo ou anulável. É o caso do marido que vende uma residência sem o consentimento da sua mulher, alienação passível de anulação (arts.1.649 e 1.650 do CC), exceto se o regime de bens for o da separação absoluta (art. 1.647 do CC).
II - objeto licito, possível, determinado ou determiílável; Para a validade do negócio jurídico é também necessário observar se o objeto é lícito, de acor do com os bons costumes, com a ordem pública e com a moral. Pois, sendo ilícito o objeto, nulo será o negócio jurídico (art. 166, II, do CC). Em relação à possibilidade do objeto, deve ser física ou jurídica. A possibilidade física deve ser verificada de modo a tornar efetivo o negócio jurídico; tal verificação é feita no plano físico ou natural. Assim, sendo o objeto impossível fisicamente, por exemplo, contrato que obriga uma pessoa a reunir todo o sal do litoral brasileiro em um pote, é nulo. Já a possibilidade jurídica se verifica no plano legal, não podendo ser válido o negócio jurídico se este resultar de prestações que o próprio ordenamento juddico prolbe expressamente, como vender herança de pessoa viva (art. 426 do CC). Determinado é o objeto previamente descrito, qualificado e individuali~ zado no início do negóeio. Às partes só caberá seu cumprimento da forma combinada no momento da execução (por exemplo, a compra de um carro na concessiopária). Determinável é quando a individualização di1 prestação é futura, suscetível de determinação até o momento da execução (por exemplo, a compr a e venda de soja a ser plantada, que no momento da celebração do contrato não podem ser individualizadas).
m - forma prescrita ou não defesa em lei.
M~ AMÁLIA f. ~- ALVARENGA
ARTS. 104 E 105
1
,ss
Forma é a declaração de vontade. É adotada, em princípio, a forma livre, que pode se manifestar por todos os meios. Mas há negócios jurídicos que deverão seguir determinada forma de manifestação de vontade ao se praticar o ato, hipótese das formas especiais, situação em que a lei exige certas formalidades para revestir o negócio jurídico. A inobservância dessas formas especiais acarretará a ineficácia do negócio. Portanto, o princípio geral é manifestação de vontade de forma livre, independente de alguma formalidade, sendo relevante somente a intenção do declarante, mas dentro dos limites em que seus direitos podem ser exercidos. A forma especial ou solene é a exigida pela lei, como requisito de validade de determinados negócios juddicos. Isso para assegurar a autenticidade dos negócios, garantir a livre manifestação da vontade, demonstrar a seriedade do ato e facilitar a sua prova. São exemplos o art. 108, do CC, que considera a escritura pública essencial à validade das alienações imobiliárias, e os arts. 1.535 e 1.536, também do CC, que estabelecem formalidades para o casamento. A forma contratual é aquela convencionada pelas partes, quando os con~ tratantes podem, portanto, mediante convençãoj determinar que o instrumento públfoo se torne necessário para a validade do ato (art. 109 do CC). Art.105. A incapacidade relativa de wna das partes não pode ser invocada pela outra em beneficio próprio, nem aprovejta aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum. A incapacidade relativa é uma exceção pessoal e ela somente poderá ser arguida pelo próprio incapaz ou pelo seu representante legal. A intenção do legislador é proteger os interesses do relativamente incapaz em relação aos agentes de má-fé nos negócios bilaterais. Assim, se num negócio jurídico um dos contràtantes for capaz e o outro incapaz, aquele não poderá alegar a incapacidade deste em seu próprio proveito, presumindo-se que deveria saber, desde o início da celebração do negócio, com quem estava negociando. Somente o incapaz, ou seu representante legal, poderá invocar a anulabilidade do ato para assim proteger seu patrimônio contra abusos de outrem. Este dispositivo legal se estende também aos coioteressados capazes. A única exceção será quando o objeto do negócio jurídico for indivisível (v. g., cavalo de raça, obra de arte de autor consagrado etc.), pois nesse caso a incapacidade de um deles poderá tornar o ato anulável~ mesmo que invocada pelo capaz, aproveitando assim aos cointeressados, pois não é possível separar o interesse de uma parte do da outra, o que faz o vício da incapacidade se estender a toda a obrigação.
156
1 ARTS. 106 A 108
M" .AMÁLIA F. P. ALVARENGA
Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Vimos no art. 104, 11, que a impossibilidade absoluta do objeto ocorre quando ninguém consegue satisfazer a obrigação assumida, é algo impossível, irrealizável, tornando o ato inválido {art. 166, Il, do CC). Já a impossibilidade relativa do objeto é quando a prestação puder ser realizada por outrem, e.mbora não seja o devedor, não alterando assim a sua essência. Por esse motivo não invalida o negócio jurídico, uma vez que nos casos de impossibilidade relativa do objeto poderá haver cessação dela no curso do tempo. Também no caso do negócio jurídico contendo objeto relativamente impossível condicionado a um evento futuro e incerto, e no decorrer do negócio essa condição a que está subordinado cessar, válido também estará o neg6cio Jurídico. Art. 107. A validade da declaração de vontade não depepderá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. A doutrina adota o prindpio da forma Livre, ou seja, a declaração de vontade pode manifestar-se de qualquer maneira nos negócios jurídicos. Essa manifestação pode ser escrita, falada, ocorrer mediante gestos ou até mesmo pelo silêncio. Mas, às vezes, será imprescindível seguir determinada fonna de manifestação de vontade, hipótese em que a lei determinará uma for ma especial para o negócio jurídico. Certas formalidades deverão ser respeitadas para a concretização do negócio. Portanto, a regra geral é a manifestação da vontade de forma livre. Somente haverá determinação de formalidades quando a lei exigir; e o não cumprimento dessas formalidades acarretará a ineficácia do ato. Essas formalidades serão prévia fixação do meio a ser utilizado para execução do negócio jurídico. Nesse sentido: "Pacto antenupcial. Ato solene. A certidão de casamento não é suficiente para demonstrar que o ca~ sarnento foi celebrado sobre o regime de separação de bens. É i.mprescindi~ vel ter havido pacto antenupcial com convenção nesse sentido" (RT 783/255). Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Neste caso, a lei determina que para o ato negocial ter validade deverá ser registrado através de escritura pública. Todos os negócios jurídicos que vi-
M• AMÁLIA F. P. ALVARENGA
ARTS. 108 A JJO 1 157
sem constituir, modificar, transferir ou renunciar clireitos reais sobre imóveis, cujo valor exceda trinta vezes o maior salário mínimo, exige-se que ele se concretize mediante escritura pública. Aqui há duas exigências: uma de forma, exigindo a lei que o negócio jurídico seja efetivado mediante escritura pública; e outra de solenidade, pois a escritura pública é lavrada perante tabelião competente que lhe dará publicidade e oponibilidade contra terceiros. Essas exigências são condicionantes da validade do negócio. Em relação aos negócios relativos a imóveis cujo valor seja inferior ao exigido em lei, poderão ser efetivados através de escritos particulares, mas só terão validade se revestidos de forma permitida em lei, e nada impede que sejam registrados através de escrituras.
Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.
O presente artigo est.abelece uma forma especifica para concretização do negócio jurídico, mas essa forma é um requisito estabelecido pelas partes contratantes através de cláusula contratual, não se cuidando propriamente de uma exigência da lei. Entretanto, a partir do momento que constar do contrato uma cláusula determinando que sua efetivação somente se dará mediante instrumento público, este passará a ser da substância do negócio. Portanto, se o negócio jurídico não for concretizado mediante escritura pública, tornar-se-á inválido. Para que tal declaração de vontade tenha eficácia juríclica, o ato negocial deverá revestir-se de forma prescrita contratualmente. Então, as partes podem estabelecer um requisito de validade específico e o não cumprimento dessa exigência invalidará o ato.
Art 11 O.A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. A reserva mental seria uma divergência entre a vontade e a declaração. Ocorre q uando uma declaração é emitida intencionalmente, mas não é que~ rida em seu conteúdo, nem tampouco em seu resultado. Porém, na maiotia das vezes o objetivo dessa reserva legal é enganar a o utra parte. O dispositivo legal deste artigo é resguardàr o cont ratante de boa-fé, dando-lhe segurança e confiabilidade no n egócio realizado. Por essa razão,se for do conhecimento da outra parte (destinatário da declaração) q ue o intuito era enganá-lo, evidentemente não terá negócio com reserva mental, pois há ausência de vontade, e, consequentem.e nte, a inexistência do negócio jurídico, uma vez que a intenção do declarante não era criar o ato, mas sim enganar o decla-
158
1 ARTS. 110 A 11:S
M" .AMÍlllA F. P. ALVARENGA
ratário. Caso con trário, se o destinatário não tinha conhecimento da intenção do declarante, o ato subsistirá até a validade do negócio jurídico.
Art. 111. O silêncio imp orta anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. A manifestação da declaração de vontade é de forma livre, podendo ser feita de qualquer maneira, escrita, fula da, gesticulada ou até mesmo pelo silêncio, que pode dar origem ao negócio jurídico quando indicar consentimento, quando a boa-fé ou a prática teria requerido uma oposição caso não houvesse acordo. Todavia, para que o silêncio seja admitido como expressão de vontade, deverá estar conforme os costumes, práticas e acordos do local e desde que não seja imprescindível a forma expressa para a efetivação do negócio, pois a declaração mediante o silêncio existe sempre que a lei não haja prescrito outra forma ou quando não exigir por lei ou por contrato uma declaração explicita. O ditado popular "quem cala, consente" não tem juridicidade. Para quem permanecer silente, seu puro silêncio apenas terá o valor que a lei circunstancial.mente determinar, consoante a realidade, conjeturas ou usos e costumes do lugar do negócio jurídico.
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá m ais à intenção n elas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. A parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, e essa vontade precisa ser esclarecida, interpretada, para que p ossa fixar o real conteúdo do negócio. O dispositivo deste artigo vem afirmar que quando o intérprete do ato negocial for analisá-lo, deverá ater-se não ao exame literal ou restritamente a seus termos, mas sim fixar-se na vontade, procurar suas consequências jurldicas, indagando a intenção dos contratantes, sem se prender ao sentido linguístico do ato negocial. Então, caberá ao intérprete investigar a real intenção dos contratantes, já que a declaração de vontade somente terá significado se realm.ente a vontade existe, pois o que importa é a vontade real e não a declarada. Nesse sentido, é o entendimento do STJ; ''.Avalista. A palavra avalista, constante do instrumento contratual, deve ser entendida, em consonância com o CC/1916,art 85 [art.112 do CC], como coobrigado, codevedor ou garante solidário" (RSTJ 140/257).
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados confor me a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração,
M• AMÁLIA F. P. ALVARENGA
ARTS. 113 A 115
1 159
A boa-fé é o princípio basilar da vida dos negócios, é dever de cada parte contratante agir de forma a não defraudar a confiança da outra parte, para que ambos possam alcançar os objetivos previstos e intencionados por cada um. A boa-fé pode s~r objetiva ou subjetiva. É objetiva quando atende à conduta normal e correta para as circunstâncias, seguindo o critério sinalizado pelo princípio da razoabilidade. A boa-fé subjetiva é aquela intimamente refletida e pensada pelo declarante no negócio jurídico e que também poderá ser analisada pelo intérprete da lei. A presença do principio da boa-fé dará mais segurança aos contratantes, ao julgador e ao ordenamento jurídico, uma vez que as partes devem agir com lealdade e também de acordo com os usos do local onde for celebrado o negócio jurídico. Este artigo está intimamente interligado com o anterior, pois, se frustrada a interpretação intencional do contratante, deverá o hermeneuta ou o aplicador da lei recorrer aos usos e costumes do local da celebração do ato. Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Negócios benéficos são aqueles que se caracteriZlo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. Primeiramente, importa frisar que os representantes não são terceiros, na medida em que agem em nome do próprio representado. Feita essa observação, têm-se duas situaÇÕes previstas neste artigo: o dolo praticado pelo representante legal e o praticado pelo representante convencional. O primei-
GILBfRT R. l. FlO!mJOO
ARTS. 149 A 151
J
187
ro caso, representação legal, isto é, a representação nascida por imposição de lei, obriga o representado a restituir à parte prejudicada o ganho extra obtido em função do ato viciado. Na representação convencional, isto é, nascida de wn contrato de mandato, responsabilizar-se-á o mandante (representado) solidariamente com o mandatário (representante) por perdas e danos.
Art. 150. Se ambas as partes procederem co m dolo, n enhuma po d e alegá-lo para anular o negócio, o u reclamar indenização.
As ações dolosas de uma e de outra parte se compensam (doltJs inter utram-
que partem compensatur), independentemente de tratar-se de dolo principal ou acidental, obstando a anulação do negócio ou a indenização respectiva, pois a torpeza de uma das partes não pode ser escusada pela da outra. Seção Ili Da Coação Art, 151.A coação, para viciar a d eclaração d a vontade, há d e ser tal que incuta ao paciente fundad o temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Coação é um estad o de espirito no qual o agente, perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato que lhe é exigido. A coação é mais grave do que o dolo, pois incide diretamente sob re a liberdade do coacto. A coação apresenta -se sob dois aspectos: ab intrinseco e ab extrinseco. O primeiro diz respeito ao estado de espírito no qual o agente realiza o ato exigido; o segundo refere-se à violência, fisica ou moral, exercida sobre a pessoa para constrangê-la à prática de um ato. Os requisitos da coação são: deve ser a cansa determinante do ato; deve incutir ao paciente um temor justificado; esse temor deve dizer respeito a dano iminente e considerável; deve o dano referir-se a sua pessoa, sua família ou seus bens, à exceção do disposto no parágrafo único, a seguir comentado. Presentes tais requisitos, viciada está a manifestação da vontade. Importante salientar que caminhou bem o legislador, porquanto extirpou do novel diploma civil a necessidade de o dano equivaler ao receável do ato extorquido, como previa a vetusta codificação, o que, por vezes, tornava dificultosa ou obstava a aplicação do instituto, por absoluta impossibilidade de se extrair tal equivalência, por exemplo, no caso de ameaça à vida no escopo de auferir vantagem financeira, em que eram postos em cotejo um valor patrimonial - o dinheiro - e outro, extra patrimonial - a vida.
188
1
ARTS. 151 A 154
GILBERT R, L FLORÊNCIO
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à familia do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação. Possibilidade não prevista no CC/1916, ora se apresenta como sensata novidade. Sucede, por vezes, pessoas não pertencentes à família serem pelo paciente (coacto) tidas em tão alta conside.ração e amizade que, certamente, podem ser usadas como meio de coagi-lo. O magistrado, ante as circunstâncias que permearem cada caso em concreto, decidirá acerca da existência ou não da coação e, por consequência, anulará ou não o ato praticado.
Art. l 52. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo>a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela. Refere-se este artigo às circunstâncias, aos peculiares elementos havidos em cada caso a fim de aquilatàr-se gravidade e intensidade da força coativa exercida sobre o coacto. A norma, ao elencar os fatores sexo, idade, condição, saúde e temperamento, não está sendo exaustiva, mas apenas exemplificativa, admitindo, pois, quaisquer Ol.\tros motivos que possam t0rnar mais ou menos vulnerável ô coacto às açôes do coator. Art. 153. Não se considera coação a ameaça d o exercício normal de um direito, n em o simples temor reverencial. Agir consoante a lei, valendo-se das prerrogativas por ela conferidas para tutelar pretensões legitimas, é um direito que não pode ser preterido. E menos ainda ser tido seu exercício como atô de violência capaz de macular a vontade. Assim, por exemplo, cobrar dívida vencida sob o argumento de que se não for paga serã ajuizada competente ação, não se trata, por certo, de coação, mas de exercício nonnal de um direito. Temor reverencial, por seu turno, é o receio de desgostar ascendentes, superior hierárquico ou outra pessoa a quem se deve respeito e consideração. Não vicia o consentimento por a deferência não ter o condão de obliterar a vontade livre e servir de apoio a uma ação, salvo se houver ameaça ou violência irresistível. Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a p arte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
GIIJIERT ll l. FLOmJCIO
ARTS. 154 A 156 1 )89
Eis af urna alteração substancial em relação à codificação anterior. Ocorre q ue antes, soubesse ou não da coação a parte que dela se beneficiou, re..putava-se viciada a manifestação de vontade, o que não mais se dá neste Código, no qual a coação de terceiro somente vicia o negócio jurídico se o beneficiado dela tivesse ou devesse ter conhecimento. Assim, acerca da responsabilidade da parte beneficiada pela coação, é preciso saber se dela tinha ou deveria ter conhecimento, isto é, não se cinge o vício aos casos em que há o seu conhecimento; operando-se também naqueles cujas circunstâncias indicam que o beneficiado deveria dele conhecer. Dessa forma, sendo a coação conhecida da parte a que dela aproveite, ou havendo elementos indicadores de que deveria saber, responsável, solidariamente com o terceiro, será a parte favorecida; caso contrário, verificar-se-á a hipótese do art. 155, a seguir examinado. Art. 155. Subsistirá o-negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver ca usado ao coacto.
Como asseverado oo comentário ao arti.go anterior, sob a vigência do CC/1916, a coação sempre viciava o negócio juiidico, situação que se alterou, prestigiando o legislador a boa-fé do beneficiado inocente, isto é, daquele que desconhecia os elementos que p udessem !e.vá-lo à cognição do vício do consentimento ou sequer dispunha deles.Em casos que tais, mantido será o negócio realizado, respondendo por perdas e danos em face do coacto tão somente o terceiro coator.
S~olV Do Estado de Perigo
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessida de de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conh~ cido pel a outr,i parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Dispositivo inédito no ordenamento jurídico brasileiro, corresponde ao st4to de pericolo do CC italiano, diferindo deste na medida em que na Itália acarreta rescindibilidade, enquanto no Brasil acolhe-se a anulabilidade. O estado de perigo nem sempre macula o negócio realizado sob sua égide. Para o negócio viciar-se sob circunstância de perigo, é indispensável que a parte beneficiada conhecesse, à época da realização do negócio, a situação de perigo na qual se encontrava a outra parte ou p essoa de sua família, ca-
190
1
GILBERT R. L FLORÊNCIO
ARTS. 156 E 157
paz de retirar-lhe a vontade consciente, uma vez que governada unicamente pelo propósito de salvar-se ou de salvar alguém de sua familia de grave risco. necessário, aioda, a obrigação assumida ser onerosa em excesso, caso contrário, não se há cogitar de negócio viciado. Com isso, pretendeu o Direito proteger não apenas a livre vontade, como também a moralidade, cuja ofensa deve estar inserta no negócio jurídico como meio de sua existência. A guisa de exemplo, pode-se citar a situação do náufrago que concorda em pagar uma recompensa ex.cessivamente elevada pelo socorro.
.e
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à familia do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. Tal qual seu caput, este parágrafo constitui ineditismo na legislação pátria, que autoriza o magistrado, ante as circunstâncias que permearem cada caso concreto, a decidir acerca do cabimento ou não da alegação de estado de perigo em função de ente não familiar, podendo, para tanto, valer-se dos prin~ clpios gerais de direito, da analogia, dos costumes e, inclusive, da equidade, isto é, respeito à igualdade, que exttapola a lei posta. atrelando-se a um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções, de modo que bem resguarde os fins sociais e o bem comum, assim como anteriormente o fez o CDC, em seu art. 7° e, também, conforme dispõem os arts. 4° e 5° da Lindb. Seção V Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quand.o uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. O instituto da lesão era previsto nas Ordenações Filipinas, tendo sido eliminado do ordenamento jurídico brasileiro por ocasião do CC/1916, que, fortemente influenciado pelo positivismo, via a.lesão como incompatível com o princípio da a1.1tonomia privada. Entretanto, ainda sob a vigência do Código Beviláqua, retornou a lesão ao ordenamento jurídico pátrio, oa forma de repressão à usura, pelo Decreto n. 869/38, denominado Lei de Proteção à Economia Popular, posteriormente substituído pela Lei n. 1.521/51, no âmbito do direito penal. Mais tarde, o CDC, no art, 51, IV, previu a chamada onerosidade excessiva, reputando cláusulas que tais como "nulas de pleno direito': Por certo que a nulidade a que alude referido artigo deve ser ju-
GIIJIERT ll l. FLOIIDJCIO
Al{T. 157
1 191
dicialmente declarada, a fim de que surta seus efe.itos. Todavia, o ato que finalmente consagrou o instituto foi a MP n. 2, 172-32, de 23.08.2001, pou~ co tempo antes da aprovação do novo CC. A lesão, a exemplo do estado de perigo, é figura ora acolhida pelo novo CC, a exemplo do stato di bisogno do CC italiano, em que se aplica a rescindibilidade em vez da anulabilidade, c01no aqui se dá. Diferentemente do estado de perigo, não advém da necessidade de salvar-se, mas da desigualdade havida entre os contratantes e.m função de inexperiência ou premente necessidade. Outra diferença reside no fato de a lesão nascer por ato da parte que aproveita da realização do negócio, situação diversa da que se sucede e no estado de perigo. Há, portanto, os elementos subjetivos, quais sejam, a necessidade premente e inexperiência, que induzem o lesado a agir de fórma a prejudicar- se, ante a debilidade de seu poder volitivo e o descumprimento do dever de boa-fé do outro contratante, que age com o chamado dolo de aproveitamento, presumJvel na forma juris tantum, que é precisamente valet-se da conhecida vulnerabilidade da outra parte para auferir lucro excessivo. Tal presunção acarreta a inversão do ônus da prova em favor da vítima. Quanto ao elemento objetivo, consiste na desproporcionalidade da prest.ação em relação à prestação oposta. Mister se fuz apontar ainda a diferença entre lesão e onerosidade excessiva a que fazem menção os arts. 478 usque 480, em que .se cuida da denominada teoria da imprevisão, ou cláusula rebus sic stantibus. A distinção reside no momento no qual o desequili'brio instala-se no negócio jurídico, sendo que na lesão o desequilíbrio já existe no momento mesmo da realização do negócio, ao passo que, na onerosidade ex_cessiva, o desequilibrio ocorre em moment o posterior, como decorrência da alteração da realidade econômica dos cont ratantes. § 1° Aprecia-se a desproporção das presta~ões segundo os valores vi-
gentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. Para concluir-se pela ocorrência ou não da lesão, é necessário regressar ao tempo da realização do negócio e, então, nesse contexto, avaliar se houve ou não desproporção entre prestação e contraprestação. Se a desproporção deu-se em momento posterior ao da celebração do negócio, não há lesão. § 2° Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplem en-
to suficiente, o u se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Constatada a lesão, em conformidade com o§ 1°, a anulação do negócio deverá ser o derradeiro remédio, ministrado apenas se não for oferecido su-
192
1
GILBERT R. L FLORÊNCIO
ARTS. 157 A 159
plemento ao lesado ou concordância do lesante em reduzir seu proveito, ou seja, anular-se-á o negócio tão somente se não se puder equilibrar a relação negocial.
Seção VI Da Fraude contra Credores
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou.remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. A fraude contra credores é composta por dois elementos: objetivo, todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido praticado em estado de insolvência; e subjetivo, ciência pelo devedor que de seus atos advirão prejuízos.ao credor. Credor quirografário é o que não possui garantia certa; o contrário do que ocorre com penhor e hipoteca, nos quais o credor tem garantia real. São atos aptos a configurar a fraude não apenas a transmissão gratuita de bens ou a remissão de dívida, como disposto neste artigo, mas também a realização de contratos onerosos, pagamento antecipado de dívidas a um credor, em prejuízo dos de1nais, e outorga de direitos preferenciais. Estes são atos que o legislador entendeu por bem não elencar de uma única vez, mas aos poucos, conforme se verá nos arts. 159, 162 e 163 adiante comentados. § 1° Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tomar insuficiente.
Equiparam-se aos credores quirografários, podendo alegar fraude, aqueles cuja garantia se mostre insuficiente para suprir-lhes o crédito. § 2° Só os credores que já o eram ao tempo daquele~ atos podem pleitear
a anulação deles. Apenas aos credores contempor"aneos dos -atos fraudulentos é dado pleitear suas respectivas anulações, Créditos constituídos a posteriori não guardam ta1 prerrogativa. Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
GILBERT R. l. FLOtmllOO
ARTS. 159 A 162 1 193
A insolvência é dita notória quando houver elementos objetivos indicando nesse sentido (presunção juris tantum), tais como existência de títulos protestados, execuções em curso que possam reduzir o devedor ao estado de insolvência etc. Elementos desse jaez, pela publicidade ínsita, constituem, igualmente, motivo para serem conhecidos do outro contratante, que deve acautelar-se no sentido de averiguar a situação daquele com quem contrata.
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o p reço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados. Proteção ao adquirente de boa-fé, que pode resguardar-se retirando dos credores quirografát;ios ou daqueles a estes equiparados (art.158, § 1°) alegitimação para propositura da ação revocatória, também designada ação pauliana. Para tanto, se ainda não tiveradi.mplido o preço, basta depositá-lo em juízo e promover a citação de todos os interessados. Parágrafo. nnico. Se iJ1fedor, o adq uii:ente, para conservar os bens, poderá depositar o preço q ue lhes corresp onda ao valor real Caso efetuado pagamento em quantia aquém do valor real (média de mercado), poderá o adquirente, para conservar os bens, depositar a quantia correspondente ao valor real.
Art. 161. A ação, n os casos dos ar ts. J58 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros a dquirentes que hajam procedido d e m á-fé. A ação cabível à espécie é a revocatória, também denominada ação panliana, que objetiva anular o negócio realizado pelo devedor insolvente e que gerou prejuízo ao credor quirograf"ário ou ao credor a ele equiparado (y. art. 158, § 1°). Pode referida ação voltar-se contra quem celebrou o negócio com o devedor ou contra terceiros adquirentes, se tiverem procedido de má-fé. Seg1.1ndo entendimento jurisprudencial (RT 447/147), em casos envolvendo terceiros, é obrigatório o litisconsórcio. Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolven te o pagamento da dívida aind a n ão vencid a, ficará obr igado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetua r o concurso de credores, aquilo que recebeu.
194
1
ARTS. 162 A 164
GILBERT R, L FLORÊNCIO
Em prol do tratamento equânime que deve ser dispensado aos credores quirogi:afários, não se poderia permitir a um deles, em detrimento dos demais, ser beneficiado com recebimento antecipado de dívida ainda não vencida. Assim ocorrendo, e interposta a competente ação, o valor recebido deverá ser restituído ao acervo, não beneficiando apenas os credores que ingressaram em juízo, mas todos os que tiverem seus créditos devidamente habilitados no concurso creditório. Todavia, é de se frisar que o presente dispositivo aplica-se apenas quando já.aberto o concurso de credores; assim, pagamentos antecipados de dívida, em momento anterior à abertura do concurso, não implica prohta restituição ao acervo, sendo preciso, primeiramente, proceder-se à anulai;ão do ato, até porque proveniente de negócio oneroso, não sendo possível, em tal cenário, presumir-se a má-fé do accipiens ou do solvens. Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as
garantias de dividas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. Tal qual o art. 162, pauta-se o presente pelo respeito à equanimidade que deve viger entre os credores quirografái(os, não se concebendo, portanto, um deles receber, por manobras fraudatórias, privilégios em detrimento dos demais; no caso em estudo, o privilégio da garantia real. N'ão importando a dívida estar ou não vencida, preswne-se ser fraudatório o ato. Essa presunção é, todavia, relativa (juris tantr,m). Art. 164-. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua familia. Presunção relativa (juris tantum) de boa-fé a laborar em prol do devedor insolvente, se este, ao tealizar negócios ordinários, ou seja., os que impliquem a constituição de novas dividas que, em tese, agravarão a insolvência, assim o faça por ser indispensável à manutenção de estabelecimento mercantil, ru~ ral, ou industrial., ou à subsistência SUíi e de sua familia. Justifica-se a presunção pelo princípio da função social dos contratos, na medida em que o objetivo buscado seja o de evitar-se mal maior, por exemplo, paralisação ou fechamento de empresa com geração de desemprego que gerará, aí sim, prejuízo efetivo aos. credores quirografários originários, pois nascerá a figura paiadoxal do credor qiurografário com crédito privilegiado, tal é a figura do credor trabalhista. No campo da subsistência pessoal do devedor e de sua familia, é igualmente justificável, em respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, não per-
GIIJIERT R. l. FLOm-JOO
ARTS. 164 A 166 1 195
mitindo interesses pura.mente capitalistas suplantarem aquele para o qual existe o direito e pelo qual este teve sua gênese, e homero.
Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Como já exposto no comentário ao art. 162, interposta a competente ação e obtida a anulação dos negócios fraudulentos, o valor (vantagem) recebido deverá ser restitufdo ao acervo, não beneficiando apenas os credores que ingressaram em juízo, mas todos os credores que tenham seus créditos devidamente habilitados no concurso creditório. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da pi:eferência ajustada. Tratando-se de negócios que tenham tido como objetivo tão somente conferir direitos preferenciais, outorgando garantias reais a algum dos aredores em prejuízo dos demais, a declaração de invalidade desse negócio fará apenas cancelar tais garantias, restabelecendo a equidade entre os credores.
CAPITULO V DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURIDICO Art. 166, :B nulo o negócio jurídico quando: O termo invalidade engloba negócios anuláveis e nulos, ou seja, as nulidades relativas e as absolutas. Divergem as relativas das absolutas em função da relevância social e dos interesses públicos sobre os meramente particulares. Os negócios nulos e os anuláveis têm existência reconhecida (plano da existência satisfeito), mas, pelos vícios que apresentam em sua formação, a atingir-lhes os requisitos essenciais, são inválidos (plano da validade comprometido), exsurgjndo o ato nulo, que produz efeitos até assim ser pronunciado em julzo, por meio de ação declaratória, operando-se ex tunctal declaração, e o ato anulável que, não coovalidado, pode ser desconstituí.do por meio de ação anulatória, cuja sentença, de natureza desconstitutiva, produiirá, igualmente, efeitos ex tt.mc (plano da eficácia,~ vi comentário ao art. 171). Traz a doutrina, também, a figura do ato inexistente, que se distingue do ato inválido (nulo e anulável), haja vista a invalidade pressupor existência, atributo que o ato inexistente não tem, justamente por não ser, e que, por lhe faltarem
196
1
ART. J66
GILBERT R, L FLORÊNOO
os pressupostos necessários para que adentre o plano da existência, quais sejam: agente, objeto, forma e manifestação de vontade, consubstancia-se no nada jurídico. Logo, se não existe (plano da existência), não produz efeitos (plano da eficácia). Todavia, ainda que pese o status de inexistente, o ato deste jaez, uma vez praticado, não se lhe pode negar a existência material, factual, realidade fática esta da qual podem advir consequências (efeitos) igualmente inexistentes na seara da legalidade, mas bem vivas no mundo dos fatos e que reclamam, pela materialidade que representam, um pronunciamento judicial, via ação declaratória, a reconhece.r que o ato do qual decorreram jamais gozou de uma realidade jurídica e, portanto, nunca existiu, o que implica, necessariamente, extirpar da órbita jurídica as repercussões até então materializadas. Bo caso, por exemplo, de uma sentença condenatória judicial, sem a assinatura do magistrado, e que, inadvertidamente, passa à fase de cumprimento, chegando à penhora de bens do devedor, momento em que se constata o vicio (falta de assinatura) que impediu o ingresso do decisum cognitivo no plano da existência. Dest.ute, apesar de inexistente, a sentença, mesmo assim, conduziu à constrição de bens para a sua satisfação, situação que não se sustenta e diante da qual se impõe obter um provimento jurisdkional que declare o estado de ineX'istência da sentença, tendo como corolário o inexorável retorno da lide ao status quo ante, como se aquela realidade meramente factual (sentença sem assinatura) não tivesse ocorrido. Outro interessante exemplo de ato inexistente é a manifestação de vontade de pessoa jurídica emanada por meio de sócio despido de poderes de representação (v. STJ, REsp n. 115.966, 4ª T., rcl. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 17.02.2000, DJ 24.04.2000; RSTJ 134/361; RT 781/179). Tecidas essas considerações, tem-se que este artigo cuida. especificamente, da nulidade absoluta que, declarada, remonta à época na qual se deu o negócio, atuando a declaração, portanto, ex time, para aniquilá-lo desde a origem. Desse modo, as hipóteses previstas nos incisos adiante ofendem o ordenamento jurídico tão profundamente, que não se lhes pode conferir validade, sequer relativa {passivei de convalidação). São, pois, nulos os negócios nascidos sob tais circunstâncias. I - celeb.rado p or pessoa absolutamente incapaz; A validade de um negócio jurídico requer agente plenamente capaz. Praticado por relativamente incapaz, será o negócio anulável, por ser passivei de ratificação; praticado por absolutamente incapazes, hipótese deste inciso, nulo será o negócio. Os absolutamente incapazes, cujo rol encontra-se no art. 3° deste Código, somente podem praticar os atos da vida civil por intermédio de seus respectivos representantes legais.
GILBERT R. l. FLOlmllCIO
AR'[
166 1 197
II - for ilicito, impossível ou indeterminável o seu objeto; A ilicitude do objeto é verificável sob dois aspectos, moral e legal. O primeiro varia em confonnidade com o pensamento social de cada época; o segundo encontra- se previsto em lei. Assim, não se pode realizar negócio de compra e venda de órgão humano, em decorrência de vedação legal. Paravalidade do negócio é preciso, ainda, seu objeto ser possível e determinável Não é necessário o objeto, desde a celebração do negócio, estar determinado ou mesmo ser existente, conquanto que seja determinável. É o que ocorre, por exemplo, na compra e venda de coisa futura.
m - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; Veda às partes, sob pena de nulidade absoluta, a realização de negóáo ju~ rídico e)ll conluio, sob aparente legalidade, pata atingir fun ilícito. É preciso, portanto, que ambas as partes estejam imbuídas da vontade de alcançar fun ilícito. Se apenas uma delas se mover com tal escopo, não há de se falar em nulidade. IV - não revestir a forma prescrita em lei; Fonna é o conjunto de solenidades que se devem observar para a declaração de vontade ter eficácia jurídica. Há dois tipos de forma especial ou solene. A primeira é a forma única, de obrigatória observação, não admitindo a lei sua substituição por outra; por exemplo, os pactos antenupciais devem se dar por escritura pública. A segunda é a forma plural, a lei faculta às partes a realização do negócio por diversos modos; por exemplo, a aceitação da herança pode ser expressa ou tácita. Não se pode olvidar ainda da forma contratual, isto é1 a estabelecida em contrato pelas partes como requisito de sua validade. Enfim, não satisfeita a forma posta pela lei, nulo será o negócio pra~ ticado.
V - for preterida alguma solenidade que a lei co,isidere essencial para a sua validade; Aparentemente, confunde-se o inciso N com este. No enWJl.tO, refere-se o presente .inciso às situações cuja forma prescrita é observada, deixando, todavia, de ser obedecida solenidade essencial para a validade do negócio. A guisa de exemplo: escritura regularmente lavrada por wn tabelião, mas que deixou de ser lida às partes e testemunhas, ou não contém suas assinatw·as; casamento celebrado por juiz competente, com participação do respectivo
198
I
ARTS. 166 E 167
Gl~BERT R, L FLORÊNCIO
escrivâo 1 cujo termo tenha sido lavrado no livro próprio, mas cuja celebração se tenha dado sem a exigida publicidade. VI - tiver p or objetivo fraudar lei imperativa; Certamente não se poderia permitir prevalecer a fraude em detrimento da lealdade e boa- fé. Assim, quando o negócio p retendido objetivar conferir vantagem às partes mediante fraude à norma posta, nulo será o negócio, por ofender os alicerces do bom convivia s ocial, causando um dano de ordem pública.
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Negócio realizado sob norma taxativa, ou seja, ineq\lÍvoca declaração de nulidade absoluta, ou cuja prática seja vedada não pode prosperar ou sequer produzir efeitos, em prol da segurança jurídica e, portanto, social, que deve envolver os negócios praticados, de modo a imprimir-lhes con.fiabilidad e.
Art. 167. ~ nulo o n egócio jurídico simulado, m as subsistirá o que se dissimulou, se válido for n a substância e n a forma. Inovação do CC/ 2002 que, seguindo o modelo alemão, dá por simulado o negócio decorrente de uma falsidade com o intuito de enganar a quem venha dele tomar conhecimento, independentemente de causar-se ou não prejuízo a terceiro, diferentemente do que previa o Código anterior. Então, a simulação, pelo CC/2002, não mais se car acteriza pelo prejuízo causado, mas pela forma enganosa com que visa a iludir terceiros, pouco importando se houve boa ou má-fé dos simuladores, isto é, se houve ou não a intenção de prejudicar, bastando que tenha havido a vontade de enganar, de ludibriar. Simulação não é vício do consentimentô, poís os simuladores não têm sua vontade obstruída ou mitigada, até porque um dos requisitos de existência de simulação é o acordo simulatório, ist o é, o conluio entre os contratantes no objetivo de enganar terceiros (ainda que não de prejudicar), Destarte, a simulação, consistente na declaração bilateral e enganosa de vontade, que visa a alcançar objetivo diverso do mdícado, no intuito ou qão de enganar terceiro, prejudicando-o ou não, sob o enfoque do novel diploma civil, que assenta suas bases nos princípios da eticidade, socialidade e operabilidade, é um vicio social, na medida em que se dá em desprestígio, em desvalorização da ética, da lealdade e d a boa- fé que devem nortear a condut a das partes negociais, razão pela qual toda simulação é nula, seja ela "inocente~ assim comumente
Gll.$ERT R. 1.. FLOff!NCIO
ARI 167 j 199
denominada a que não lesa direito de terceiros, v. g., pessoa solteira que sirnul.a compra e"enda para encobrir doação, ou "maliciosa': em que há o objetivo de prejudicar outrem. É salutar ressalvar que parte da doutrina entende que a simulação inocente não acarreta a nulidade do negócio simulado. Contudo, não esposa.mos tal entendimento, pois sendo a simulação um vício social, há sempre um terceiro prejudicado, que é a própria sociedade, independentemente de ser ou não perpetrado algum dano a um ente individualizado. Nesse sentido trilhou o Enunciado n. 152 do CJF, aprovado na UI Jornada de Direito Civil, e que assevera: "Art. 167: Toda simulação, inclusive a inocente, é mvalidante'~ Isso posto, importa distinguir entre os vocábulos simulação e dissimulação, empregados pelo legislador no texto legal. Dissirnulaç.ão difere de simulação, pois nesta faz-se aparecer o inexistente, enquanto naquela se oculta o que é. Na simulação provoca-se uma crença falsa em um estado não real, na dissimulação oculta-se ao conhecimento dos outros uma situação existente. Então, há o negócio que se aparentou fazer (negócio simulado) e o que na realidade foi feito (negócio dissimulado), isto é, o fingido (simulado) e o real (dissimulado), o invólucro (simulado) e o conteúdo (dissimulado). Em função disso, pode-se dicotomlzar a simulação em absoluta e relativa. Absoluta é aquela na qual os simulantes, na verdade, não desejam praticar negócio nenhum, não havendo, desse modo, outro negócio acobertado (dissimulado). Por exemplo, alguém que, para livrar-se de familiares que lhe pedem fiança, simula a venda de seu patrimônio. Vê-se, nessa exemplificação, que não se pretendeu encobrir com a simulação nenhum outro negócio. Portanto, declarada a nulidade do negócio jw·ídico em face de simulação absoluta, nada resta a subsistir. Quanto à simulação relativa, diversamente da absoluta, os simulantes buscam encobrir o verdadeiro negócio pretendido (dissimulado). Com efeito, a nulidade do que se simulou não acarreta, necessariamente, a do que se dissimulou, que é o negócio realmente almejado pelos sujeitos. Então, o negócio simulado sempre será nulo, mas o negócio dissimulado, ou seja, aquele que se procurou encobrir, será mantido, desde que seja válido na substância e na forma. À guisa de exemplo, tem-se a simulação de um contrato de venda e compra para encobrir uma doação. Nesse exemplo, embora a venda e compra seja nula, porquanto simulada. a doação, se válida na substância e na forma, subsistirá. Por fim, há de se tecer algumas considerações acerca da supressão do art. l 04 do CC/1916 que, basicamente, impedia quaisquer das p..'traidas por ele ou sob sua vigilãnciá e por ele subscritas''. Com uma pequena alteração, o dispositivo foi reproduzido pelo art. 425, I, do CPC/2015: ~as cer-
FIÁVIO TARTUCE
ARTS. 218 A220
j
249
tidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou do chefe de secretaria, se extJ;aidas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas'~ Mais uma vez, as correlações devem ser mantidas, entre a lei substantiva e a adjetiva. Caso os originais qo documento sejam utilizados em juízo para provar algun1 fato ou conduta, o mesmo deve ser dito quanto a traslados e certidões verbum ad verbum, que valem como se fossem instrumentos públicos.
Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Como não poderia ser diferente, continua a toda prova o sistema pelo qual os documentos assinados, públicos ou particulares, têm eficácia entre as partes que lançaram neles suas assinaturas. Isso porque esse comando material equivalia ao art. 368, caput, do CPC/73, que tinha a seguinte redação: ''As,declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem se verdadeiras em relação ao signatário'\ Houve repetição integral pelo art. 408 do CPC/2015, sem modificações. Nos dois dispositivos - material e processual -, a presunção é relativa (iuri.s tantum), admitindo prova em contrário e objetivando a certeza e a segurança jur ídica. 0
Parágrafo único. Não tendo relação direta,porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-la.s. As disposições principais - ainda conceituadas como dispositivas - são as que mantêm relação direta com os elementos essenciais do ato: partes, objeto, vontade e forma. Por outra via, as declaraÇÕes enunciativas, de modo geral, não mantêm relação imediata com as regras principais do ato ou do negócio, muito menos com a legitimidade das partes. Como exemplos de disposições enunciativas, podem ser citadas as relacionadas à qualificação dos negociantes, não sendo esta essencial ao ato. Mesmo assim, cabe ao declarante o ônus de provar a veracidade de sua declaração.
Art- 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento. Em alguns casos específicos, a lei exige anuência ou autorização de terceiro para a prática de alguns atos, caso que se denomina legitimação. Como
250 j ARTS. 220 En1
FLÁVIO TAlmJCf
exemplo, há a necessidade de outorga conjugal ( uxória ou marital) para a prática de alguns negócios, conforme previsto no art. 1.647 do CC, sendo desnecessária essa autorização se o regune entre os cônjuges for o da separação absoluta. Conforme art. 1.649 do mesmo Código, não sendo observada a autorização, o negócio será anulável, desde que proposta ação pelo outro cônjuge ou pelo interessado no prazo de dois anos, contados do fun da sociedade conjugal. Como.segundo exemplo, cite-se a venda de ascendente a descendente, que também depende de autorização dos outros descendentes e do cônjuge, exceção feita ao regime da separação obrigatória. conforme art. 496 da codificação material. Na fulta dessa automação, tal venda será anulável, devendo ser aplicado o prazo que consta do art. 179 ( decadencial de dois anos, contados da celebração do negócio) do CC e não mais o da Súmula n.494 do S1F (prescricional de vinte anos, contados da celebração do ato). Nos dois caso~, conforme o art. 220 do CC prevê, para a venda de imóvel mediante escrinrra ptíblica, a outorga conjugal ou dos filhos também deverá assumir a mesma forma, fazendo prova do ato ou negócio jurídico.
Art. 221. O instrumei1to particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público. O instrume.nto particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Porém, conforme o mesmo comando, os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público. Em relação a tal dispositivo material, debateu-se logo apôs a emergência da codificação material de 2002 se ele revogou ou não a então norma do art. 585, II, do CPC/73, que estabelecia ser titulo executivo extrajudicial o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas. O debate pode persistir, pois o comando processual anterior foi dgorosamente repetido pelo art. 784,Ill, do CPC/2015. Coqio o .u:t. 221 da atual codificação material usa o termo doc\11Dento so~ roente assinado, estaria afastada a necessidade de assinatura de duas testemunhas para os negócios jurídicos, visando à ação executiva? Sempre respondeu positivamente o jurista e magistrado paulista Antonio Jeová Santos, nos seguintes termos: "O art. 221 do CC/2002 revogou, de forma tácita, o art. 585, Il, do CPC, na parte que exige duas testemunhas para que o documen-
Fµ\VIO TARTUCE
ART•.2.21
J
251
to seja considerado título executivo, porque 'lex porterior dermgat priorem' ou no vernáculo: 'lei posterior revogii. a anterior'. Aos contratos celebrados na vigência do atual Código, não roais será necessária a presença de testemunhas para a existência do título executivo. Ao deixar de ter este requisito para a validade de contrato, não pode a regra processual subsistir, mantendo a exigência para que o contrato seja tido como título executivo extrajudicial. Contratos firmados depois da vigência do CC/2002 que não tenham testemunhas, quando descumpridos e se tiverem os demais requisitos para a execução, como a liquidez, certeza e exigibilidade, servirão como titulo executivo, abstraída a parte do art. 585, II, do CPC que mahtinha a obrigatoriedade de que no documento constasse a assinatura de duas testemunhas, para que a parte pudesse lançar mão do processo de execuÇâo" (Santos, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo C6digo Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, p.122). Com o devido respeito, o presente autor nunca se filiou a esse entendimento, desde os seus primeiros escritos sobre o CC/2002. Ao contrário do posicionamento de Antonio Jeová Santos, entendemos que, no caso descrito, não haveria uma antinomia de primeiro grau aparente, devendo a norma posterior (o CC/2002) prevalecer sobre a norma anterior (o CPC/73), gerando a revogação do seu art. 585, IL Se assiro fosse, a questão igualmente estaria solucionada com a emergência do novo CPC, que é posterior. Na realidade, a nossa posição sempre foi no sentido de que o art 221 do CC/2002 constitui uma norma geral posterior, se comparada com o art. 585, n, do CPC/73, norma especial anterior. A prin1eira constitui norma geral porque não trata especificamente do processo de execução, mas da prova do negócio juridico de maneira genérica. Aliás, esse é o posicionamento sempre defendido em relação a todo o tratamento previsto no CC quanto à prova do negócio jurídico. Por outra via, o art. 585, II, do CPC/73 constituía norma especial anterior. Especial porque tratava do processo de execução, como norma processual específica.Anterior porque realmente o CPC antigo entrou em vigor antes do CC/2002. Sendo assi.m,havia, no caso em questão, uma antinomia, conflito de normas entre os dois clispositivos. No entanto, tratava-se de uma antinomia aparente, uma vez que sempre houve metacritério para so11.1ção desse conflito, devendo prevalecer a especi.i.lidade do CPC. A antinomia era, ainda, uma colisão de segundo grau, envolvendo, além desse critério, o cronológico. Como é notório, o critério da especialidade deverá prevalecer sobre o critério cronológico, eis que consta da CP, na segunda parte do princípio constitucional da isonomia, consagrado pelo art. 5°, caput, da Lei Maior (a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais). Essa é a razão relevante para
25;2
1 ART.
n,
FLÁVIO TAlíllJCf
que continuasse a ser aplicada a regra processual, estabelecida no art 585, TI, doCPC/73. Por isso, esse autor continuava a entender pela necessjdade da assinatura de duas testemunhas, para que determinado negócio jurídico ou contrato fosse considerado título executivo extrajudicial. Adotando as nossas lições, vejamos duas ementas do tribunal paulista: ''Execução de título extrajudicial. Contrato de compra e venda de fundo de comércio. Ausência de assinatura de duas testemunhas. Extinção do feito sem julgamento do mérito. Sentença mantida. Recurso não provido. 1- Ação executiva fundada em contrato particular de compra e venda de fundo de comércio, sem assinatura de duas testemunhas. Impossibilidade. 2 - Documento que não constitui título executivo extrajudicial. Art. 585, II, CPC. 3 -Antinomia com o art. 221 do CC em vigor. Inocorrência. Norma civilista genérica e que diz respeito à prova do negócio jurídico. 4- Prevalência da regra específica do CPC, a qual contém os requisitos para qlle o neg6cio jurídico válido e eficaz constitua tí.tulo executivo. Precedentes. 5 - Sentença de extinção do feito, sem julgamen· to de mérito, mantida. 6 - Apelação da autora não provida" (TJSP, Ap. n. 0034458-20.2011.8.26.0564/São Bernardo do Campo, 6• Cãm. de Dir. Prív., rel. Des. Alexandre Laz2arioi, j. 06.09.2012). Em complemento: "Contrato. lnstrumento particular de confissão de divida. Assinatura por duas testemunhas. imprescindibilidade para conferir executividade ao documento. Hipótese em que testemunhas, advogados, vieram a propor ação de execução do contrato que subscreveram, representando a credora. Impedimento legal (art. 405, § 2°, Ili, do CPC). Presunção absoluta de interesse. Titulo destituído de eficácia executiva. Extinção da execução sem resolução do mérito. Embargos do devedor procedentes. Apelação provida para esse fim" (TJSP, Ap. n. 991.07.085930-1/Mogi Guaçu, 19ª Câm. de Dlr. Priv., rei. Des. Ricardo Negrão,j. 27.07.2010, DJESP 31.08.2010). Cabe ressaltar que outros julgados da mesma corte paulista vinham seguindo a mesma premissa, que acabava prevalecendo no tribunal bandeirante, na linha do primeiro aresto transcrito. De toda sorte, como o novo CPC repetiu a exigência da$ duas testemunhas, a tese anterior e minoritária parece ter perdido totalmente a sua força. Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pe]as outras de caráter legal. O instrumento particular não tem força probante absoluta, como apretensa forma do escrito público. Eventualmente, o constante do instru1nento particular pode ser provado por outras form as, como por meio de testemunhas. ~ notório, por regra, que o instrumento particular gera efeitos en-
FI.ÁVIO TARTU(E
ARTS. 221 E1.22 J 7.53
tre as partes negodantes. Para valer perante terceiros, deverá ser registrado no cartório de títulos e documentos, situação em que passa a ter eficácia erga
omnes. Art. 222. O telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado. O art. 222 da codificação material trata do telegrama, prevendo que, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado. Mesmo não havendo regl"a semelhante no Código de 1916, compreendia-se que o comando em questão era novidade parcial, uma vez que constavam normas sobre o telegrama no CPC/73 (arts. 374 e 375). O CPC/2015 reproduziu literalmente esse tratamento anterior, mantendo o diálogo em relação aó CC/2002. Segundo o seu art. 413, caput, o telegrama, o radiograrna ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do documento particular, se o original constante da estação expedidora tiver sido assinado pelo remetente. Em complemento, nos termos do seu parágrafo, a firma do remetente poderá ser reconhecida pelo tabelião, declarando-se essa circunstância no original. depositado na estação expedidora. Além clisso, conforme o art. 414 do novo Codex, o telegrama ou o l'adiograma presume-se relativamente de acordo com o original, provando as datas de sua expedição e do recebimento pelo destinatário. Como destacávamos anteriormente, a então inovação deste art, 222 nasceu desatualizada, pela falta de menção ao fax e à mensagem enviada por correio eletrônico (e-mail), via internet. Contudo, mesmo diante da falta de previsão legal, o art. 222 da atual codificação material também poderia ser aplicado a esses docwnentos, os quais têm força probante se não houver qualquer ilicitude. Relativamente ao correio eletrônico, é interessante observar que a conclusão semelhante chegou a Comissão de Obrigações e Contratos da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF, pelo teor do seu Enunciado n. 18: "Art. 319: a 'quitação regular' referida no art. 319 do novo CC engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer formas de 'comunicação à dis~ tâ;ncia', assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e praticar atos juridicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes'~ O art. 319 do CC/2002 trata da prova do pagamento, dad.i pela quitação. Como reforço à questão da prova eletrônica, podem ser mencionados os Enunciados os. 297 e 298 do CJP/STJ, da IV Jornada de Direito Civil. O novo CPC, como exposto anteriormente, t t ata expressamente da prova construida na rede mundial de computadores, merecendo destaque o seu art, 422, § I O •
254
1 ART. 223
FLÁVIO TAJITTJCf
Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original.
Segundo este art. 223 do CC/2002, a cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original. Apesar da falta de menção de tratamento quanto à cópia fotográfica ou reprográfica (popular xerox), havia regra correspondente no art. 385 do CPC/73, pelo qual, "a cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a cooforrrúdade entre a cópia e o original. § J O Quando se tratar de fotografia, esta terá de ser acompanhada do respectivo negativo. § 2° Se a prova for uma fotografia publicada em jornal, exigir-se-ão o original e o negativo", O caput do diploma revogado foi repetido integralmente pelo art. 423 do CPC/2015, sem os seus parágrafos, o que merece elogios. Primeiro, porque as exigências do negativo e do original da fotografia eram formalidades excessiVllS, muito eicageradas. Segundo, pela prevalência fática anm1 de fotobrrafias digitais, sem a existência de negativos. O art, 223 do CC ainda tinha correspondência parcial com o art. 384 do CPC anterior, relacionado ao art. 423 do novo CPC. Estabelecem atnbos os comandos processuais que as reproduções dos documentos particulares, fotográficas ou obtidas por outros processos de repetição, vale1n como certidões, sempre que o escrivão ou o chefe de secretaria certificar sua conformidade com o original. Pelo que consta de todos esses dispositivos, a conferência pelo tabelião estabelece apenas a presunção relativa (iuris tantum) de autenticidade do documento. Na hipótese de impugnação de sua autenticidade, torna-se imprescinclivel a apresentação do original, visando à certeza, à segurança jurídica e à verdade real. Parágrafo único. ,A prova .o.ão supre a ausê11cia do título de crédito, ou do oribri.nal, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição,
Em al!,runs casos, para exercício de um determinado direito, a lei exige a exibição do documento original ou do titulo de crédito (duplicata, cheque etc.). Nessas situações, a prova produzida não dispensará a apresentação do documento correspondente, mais uma vez em prol da certeza e da segurança jurídica.
FI.ÁVIO TARTUC,E
Alíl'S. 224 EUS 1 755
Art. .224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no País. O CC/2002 continua exigindo que o negócio jurídico seja celebrado em nossa língua vernácula. Assim, para os documentos estrangeiros é exigida a tradução por especialista juramentado, autorizado juridicamente, visando à validade e à eficácia no ato em nosso país. Continua em vigor o art. 148 da LRP (Lei n. 6.015/73): "os títulos, documentos e papéis escritos em língua estrangeira. uma vez adotados os caracteres comuns, poderão ser registrados no original, para o efeito da sua conservação oa perpetuidade. Para produzirem efeitos legais no País e para valerem contra ter-ceiros, deverão, entretanto, ser vertidos em vernáculo e registrada a tradução, o que, também, se observará em relação às procurações lavradas em língua estrangeira'~ Outrossim, continuava merecendo aplicação o art. 157 do CPC/73, pelo qual, "só poderá ser junto aos autos documento redigido em língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, fumada por tradutor jw:amentado". O novo CPC traz a mesma previsão no seu art. 192, de maneira aperfeiçoada, ao enunciar que, "em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso da língua portuguesa. Parágrafo único. O documento redigido em li.ngua estrangeira ~-omeote poderá ser juntado aos autos quando acompanhado de versão para a língua portuguesa tramitada por via diplomática ou pela autoridade central, ou firmada por tradutor juramentado~ Con10 se percebe, passou-se a admitir a versão elaoorada por autoridade diplomática ou afim. Não se pode afastar a relação entre esses dispositivos e o art. 13 da CF/88, que compara a língua portuguesa aos demais símbolos da República Federativa do Brasil (a bandeira, o hino nacional, as armas e os selos nacionais). Art. 225, As reproduções fotográficas, çinematográficas,, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem e~bidos, não lhes impugnar a entidão.
Esse comando legal, novidade na codificação civil, equivalia ao art. 383 do CPC/73, segundo o qual, "qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade. Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução 1necânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial': O diploma civil aprimorava a regra processual anterior, estabelecendo que a força probante
256 j ARTS. 225 E226
FLÁVIO TAlmJCf
das reproduções não depende de autenticação por tabelião, desde que a parte contra quem forem exibidas não fhes impugnar a ex:atidão. Pela lei processual civil anterior, exigia-se que a parte contrária admitisse a autenticidade das reproduções; já pelo CC, essa autenticidade é presumida sempre que a parte contrária não impugnar tais documentos. Trata-se, mais uma vez, de presunção relativa, ou iuris tantum, sendo interessante sempre a perícia quando houver dúvidas, na linha do que estava no parágrafo único do art. 383 da codificayão processual civil. O último dispositivo foi ampliado pelo novo art. 422 do CPC/2015, que aprimora o tratamento, cuidando agora dos documentos eletrônicos obtidos na internet. Para abrandar mais ainda o texto, o novel preceito utiliza a expressão "tem aptidão para fazer prova dos fatos" em vez de "faz prova dos fatos'~A possibilidade de impugnação do documento passa a compor cabeça da norma, e não mais o seu parágrafo únicó. Deve-se entender, em diálogo com o CC, que a autenticidade dos documentos é presumida relativamente, sempre quando não houver impugnação de alguém. O § l O do art. 422 do novo CPC, como visto, trata das fotografias digitais e das extra.idas da rede mundial de computadores, fazendo prova das imagens que reproduzem. Em situações de sua impugnação, deverá ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possivel, realizada perícia, para os devidos fins probatórios. Seguindo, conforme o § 2° do art. 422 do CPC/2015, se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, se for impugnada a suaveracidade pela outra parte. Por fim, todas essas regras são aplicadas à forma impressa de mensagem eletrônica, conhecida popularmente como e-mail (art. 422, § 3°, do CPC/2015).
Art. 226. Os livros e fichas dos empresários.e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vicio extrínseco ou intrinseco, forem confirmados por outros subsídios. Como novidade, o CC incorporou dis_positlvos anteriormente presentes no CPC/73, particularmente nos seus arts. 3 78 a 382. Esses comandos equivalem, com algumas alterações de redação -especialmente pelo uso do termo empresarial, em substituição acomerdal, com variantes-, aos arts. 417 a 421 do CPC/2015. Como é notório, a ideia de comerciante foi substituída pela de empresário, especialmente pela revogação do CCom de 1850 pelo CC/2002, que incorporou a matéria nele tratada no seu livro sobre o direito empresarial, unificando parcialmente o direito das obrigações.
HAVIO TARTUC_E
ARTS. ll6 E227 1 257
Resumindo as regras previstas na lei processual anterior e emergente, e confrontando-as com o que está na rodifi,cação pr;ivada, pode-se afumar que os livros e as ficbas dos empresários provam contra as pessoas a eles relacionadas. Eventualmente, não havendo vícios confirmados, a interpretação poderá ser favorável a essas pessoas, empresários, sócios e administradores. Continua ainda vigente a regra pela qual a escrituração é indivisível. Sendo alguns fatos resultantes dos lançamentos favoráveis aos interesses de seu autor e outros desfavoráveis, ambos devem ser considerados em conjunto, situação em que o aplicador do Direito apreciará com equidade e razoabilidade. Em situações que envolvam o interesse público e social. o juiz poderá ordenar, ex officio, a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo deles o que interessar ao litígio. O art. 226 do CC reproduz, ainda, regra contida no CCom de 1850, ora revogada, segundo a qual os registros lançados nos livros empresariais fazem prova contra os empresários (art. 23). Por estar adaptada-à teoria da empresa e à consolidação parcial do direito privado, a codificação material em vigor utiliza o termo empresários em vez de comerciantes, na linha do que foi exposto. Parágrafo ónico. A prova resultante dos livros e fichas não é bastante nos casos em que a lei exige escritura pública, ou escrito particular revestido de requisitos especiais, e pode ser ilidida pela comprovação da falsidade ou inexatidão dos lançamentos. A força probante de livros e fichas empresariais não é absoluta, sucumbindo frente aos casos nos quais a lei exige escritura pública ou documento particular para a prova de fato, ato ou negócio jurídico. Como exemplo do último caso - exigência de escrito plU'ticular - , pode ser citada a regra do art. 288 do CC, pela qual a cessão de crédito somente será eficaz em relação a terceiros se forem observados os requisitos m ínimos para o mandato (art. 645, § l 0 , do CC): indicação do lugar onde foi passado, qualificação do cedente e do cessionário, data, objetivo da cessão, com designação e enensão de poderes e direitos transmitidos. Em todos os casos, a prova pode ser afastada, elidida, pela comprovação de falsidade ou inexatidão dos lançamentos, via perfcia técnica. Mais uma vez, o CC privilegia a busca da certeza, da segurança e da vei:dade real.
Art 227, (Revogado pela Lei n. 13.105, de 16.03.2015,) Cuidava o dispositivo, especificamente, da testemunha instrumentária. Esse comando material, na realidade, repetia a regra do art. 401 do CPC/73,
258 ) ARTS. 12_7 E228
FlAVlO TAJmJCE
segundo o qual, "a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos con~ tratos cujo vaJor não exceda o décuplo do maior salário minimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados''. Acertadamente, com alcance mais genérico, a codificação civil utilizava a expressão negócios jurídicos em vez de contratos, o que veio em boa hora. De acordo com o princípio da operabilidade, no sentido de efetividade ou concretude, o valor estava expresso em salários mínimos, afastando a p ossibilidade de a inflação ou a desvalorização declinar a aplicação da regra, como ocorreu com o art. 141 do CC/1916, seu correspondente, que previa o valor de dez mil cruzeiros. O novo CPC revoga expressamente este art. 227, caput, do CC, conforme consta do seu art. 1.072. Além disso, não reproduziu o que estava no art.401 do CPC anterior. Em tom ampliado, o art. 442 do CPC/2015 determmaque a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo di~ verso. Entendemos que a revogação do caput do art. 227 do CC/2002 vem em boa hora, na linha de redução de burocracia e de busca da verdade real. Ademais, faz desaparecer uma e>..-pressão de prova tarifada, pela e,xigêncía de requisitos para a prova testemunhal . Todavia, p ode surgir polêmica se uma lei processual tem o condão de revogar norma material Possivelmente, esse debate existirá nos próximos anos, entre civilistas e processualistas. Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova teste.munhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito. Como visto pelo comentário ao captJt do preceito ora revogado, a prova testemunhal passa a ser utilizada como meio de prova de negócios jurídicos de qualquer valor. Parece não ter sentido a permanência, pois não houve revogação expressa deste parágrafo único do art. 227 do CC. Ora, a prova testemunhal não será m ais prova subsidiária, mas sempre meio principal e cabivel em todas as situações concretas, não importando mais o valor do negócio juridico correspondente. Art. 228. Não podem ser adnútidos como testemunhas: O CC/2002 repetiu regra anteriormente prevista no art. 142 do CC/1916, dispondo que "não podem ser admitidos como testemunhas" em sentido genérico, ao contrário do art. 405 do CPC/73, que apresentava a divisão eotre incapazes, impedidos e suspeitos para atuarem como testemunhas. Fez o mesmo o art. 447 do CPC/2015.
FIÁVIO TARTUCE
ART, U8
J 159
Relativamente às testemunhas impedidas e suspeitas, continua ainda em vigor a regra que prevê a sua oitiva como informantes do juizo, caso seja necessário (arts. 447, §§ 4° e 5°, do CPC/2015 e 405, § 4°, do CPC/73). Como inovação, o novo dispositivo instrumental restringe essa regro para os menores.
I - os m enor,e.s de dezesseis anos; Os menores de 16 anos, menores impúberes e absolutamente incapazes (art. 3°), não podem ser ouvidos como testemunhas, sendo considerados, pela lei processual, incapazes (arts. 447, § 1°, III, do CPC/2015 e 405, § 1°, III, do CPC/73 ). No caso em questão, não merecerá subsunção a exceção de sua oitiva como informante, qúe somente se aplica para os impedidos ou suspeitos.
Il- (Revogado p ela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.) m- (Revog4do pe'4 Lei 1L 13.146, de 06.07.2015.)
IV - o interessado no litígio, o amigo intimo ou o ínimigo cii.pital das partes; V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de algwna das partes, por consanguinidade, ou afinidade. Para fins didáticos, pede-se licença para comentar os dois incisos de uma só vez, Os interessados no litígio, bem como cônjuges, companheiros, ascendentes, descendentes e colaterais até terceiro grau continuam não sendo admitidos como testemunhas, ã luz do que já constava da codificação anterior. A regra aplica-se tanto ao parentesco consanguíneo (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios, sobrinhos e primos) como por afinidade (sogro, sogra, madrasta. padrasto, enteados e cunhados), e mesmo àquele decorrente de parentesco civil (adoção, inseminação artificial heteróloga eparentalidade socioafetiva). No que tange aos parentes, pelo que consta do CPC, particularmente nos arts. 447, § 2°, Ido CPC/2015 e 405, § 2°, I, do CPC/73, tais pessoas devem ser consideradas impedidas para ser testemunhas. Pelo que consta do art. 226, § 3°, da CF/88, o mesmo impedimento existia para as relações de~ correntes c!a união estávet conforme parecer jurisprudencial consolidado (STJ, REsp n. 81.551/TO, 3• T., rei. Min. Waldemar Zveiter,j. 23.09.1997). O novo CPC incluiu expressamente a menção ao compauheiro, sepultando qualquer discussão quanto ao tema. Pontue-se, aliás, que o estatuto processual emergen te teve a feliz. opção de equalivir a união estável ao casamento para todos os fins processuais.
260 1 ARt 228
FLÁVIO TAlITUCf
Ainda de acordo com a jurisprudência anterior, os descendentes podem prestar depoimentos em causas que envolvam. o casamento ou a unjão estável de seus ascendentes, o que deve ser mantido. Quanto ao interessado no litígio - art. 228, IY, 1ª parte, do CC -, há caso de suspeição, conforme o art. 447, § 3Q, IV, do CPC/2015 e o art. 405, § 3°, IY, do CPC/73.
l O Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo. Antigo parágrafo único renumerado pela Lei n. 13.746, de 06:07.2075. §
Como antes exposto, o dispositivo foi renumerado com a emergência do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Quanto ao seu conteúdo, não alterado pelo último diploma, foi ampliada a possibilidade de se ouvirem pessoas impedidas e suspeitas, a despeito do que constava do art. 143 do CC revogado. De qualquer forma, pelo tom genérico, a hipótese dos ascendentes por consanguinidade ou afinidade enquadra-se no § 1° ora comentado, principalmente em relação àquelas ações que envolvam o nascimento e o óbito dos filhos. Sob outro prisma, pelo constante do estatuto processual em vigor, a todos os casos de suspeiçãa e impedimento aqui comentados podem as pessoas ser ouvidas como informantes do juízo, desde que menores (art 447, §§ 4° e 5°, do novo CJ?C). ~ interessante deixar claro que continuam em vigor as demais regras de impedimentos e suspeição previstas na lei processual codificada. Assim, a pessoa que é parte na causa continua impedida, e o inimigo das partes continua suspeito. § 2° A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de
condições com as demais pessoas, sendo -lhe assegurados todos os recurso s de tecnologia assistiva. Parágrafo acresçentado pela Lei n. 73.146, de 06.07.2015.
Como antes salientado, este parágrafo foi incluído pelaLein.13.146/2015, assegurando a capacidade civil plena para testemunhar das pessoas com deficiência, tratando~os como iguais para tais fins. Quanto à tecnologia assistiva, ainda pouco conhecida no Pais, é associada a todos os recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar as habilidades funcionais das pessoas com deficiência e, consequentemente, promover a sua inclusão social. A titulo de exemplo, podem ser citados os sistemas computadorizados especiais, os programas de informática que conte.m plam a acessibilidade, o uso de roupas adaptadas, a implannição de dispositivos para adequação da postura, os recursos para mobilidade manual, os equipamentos de
FLAVIO TARTU(E
ARTS. 228 A 23;2
1 261
comunicação alternativa, os aparelhos de escuta assistida, as chaves e os acionadores especiais e os auxilias visuais. Art.229. (Revogado pela Lei n. 13.105, de 16.03.2015.) Art. 230. (Revogado pela Lei n. 13.105, de 16.03.2015.)
Art. 231.Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aprQveitar-se de sua recusa. O CC/2002 inova substancialmente, apresentando neste dispositivo enlendimento consolidado anteriormente pela doutrina e pela jurisprudência. O novo CPC não disciplinou sobre o assunto, o que poderia ter sido feito. Assim, a matéria continua sendo tratada na codificação material. Apesar de mencionar o exame médico em geral, o comando legal tem aplicação intensa e imediata nos casos envolvendo exame de DNA. Cotno é notório, tendo em vista a proteção dos direitos da personalidade, particularmente dos direitos de qiiarta geração, ninguém pode ser obrigado a fazer o dito exame, sendo vedada qualquer forma de condução coercitiva determinada pelo juiz, como já entendeu o STF (HC n.. 71.373/RS, re). Min. Francisco Rezek, rd. Min, Marco Aurélio, j. 10.l l.1994). Adem-ais, coutinua em vigor o principio pelo qual ninguém pode ser compelido a fazer prova contra si mesmo. No entanto, o CC apresenta uma primeira presunção no caso descrito, não podendo o pai que se nega a fazer o exame aproveitar-se dessa recusa (presunção relativa ou iuris tantum). Nesse sentido, há no artigo a consagração da regra pela qual ninguém pode beneficiar-se da pr6pria torpeza, o que tem relação com a boa-fé. O objetivo do legjslador é claro: mais uma vez buscar a certeza, a segurança jurfdica e a verdade real. Além disso, como vem reconhecendo o STJ, o direito à verdade biológica é um direito fundamental, relativo à dignidade humana (REsp n. 833.712/RS, 3• T., rei. Mio. Nancy Andrighi, j. 17.05.2007,.DJ 04.06.2007, p. 347). Art. 232. A recusa à l'erícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Também em busca da verdade real e biológica, o CC apresenta presunção relativa (iuris tantum) pela qual aquele que se nega a fazer o exame médico ordenado pelo juiz terá contra si a presunção da prova à qual o exame almeja. Exemplificando, em tons práticos, contra o suposto pai que se nega a fazer o exame haverá presunção relativa da paterojdade. t interessante deixar claro tratar-se de wna presunção relativa, afastada pela realização poste~
262
1
ART, 232
FlÁVlO TAlITUCf
rior do exame de DNA. Por uma questão de bom-senso e pela igualdade consagrada no Texto Maior, o artigo em questão também se aplica à mãe que eventualmente se nega a fazer a pericia médica visando a identificar a maternidade, situação que se tornou comum nos últimos tempos, principal~ mente nas hipóteses de troca de bebês em n1aternidade e hospitais. O exame de DNA vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência como meio de prova dos mais eficazes, pois dá certeza quase absoluta de ausência ou presença do v(nculo biológico. Compreendemos o artigo ora estudado constituir norma de ordem pública, em relação direta com o principio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. l 0 , IIJ, da CF/88), bem como com a igualdade entre filhos, havidos ou não da relação de casamento (art. 227, § 6°, da CF/88, e art. 1.596 do CC). Confirmando o teor do dispositivo em análise e tudo aqui comcmtado, o STJ editou a Súmula n. 30 l: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade'~ Mais recentemente, entrou e.ro vigor a Lei n. 12.004/2009i que acrescentou à Lei n. 8.560/92 o art. 2°~A, determinando que "Na ação de .investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fàtos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório': Discute-se a necessidade da referida lei, eis que a conclusão do seu conteúdo já era retirada dos dispositivos do CC aqui comentados e também da jurisprudência consolidada. Por fim, cabe anotar que o novo CPC nada trouxe sobre o conteúdo desse preceito, continuando o tema a ser tratado pelo CC.
PARTE ESPEOAL LIVRO 1 DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O CC/2002 mantém a estrutura do Código anterior, dividido em uma Parte Geral e uma Parte Especial, facilitando o estudo dos 'institutos privados. Esta óltima parte recebe nova organização, constando agora coroo primeiro Üvro o direito das obrigações e não mais o direito de família, como outrora. Diante da grande importância do mundo negocial, a obrigação e o contrato assumem o papel de institutos jurídicos privados mais importantes. Muitas vezes relegada a segundo plano, a matéria direito obrigacional merece estudo aprofundado, comum que é a sua problemática na vida do cidadão.
TITULO 1 DAS MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES A obrigação pode ser conceituada como a relação jurídica transitória existente entre um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor), tendo como objeto imediato a prestação. No caso de inadimplemento da obrigação, nos termos dos arts. 389 a 391 do CC, haverá responsabilidade patrimonial do devedor. A obrigação-vincula-se seinpre à ideia de dever, cujo descwnpri.tnento gera consequências amplas para todos os envolvidos, surgindo daí a responsabilidade. Cresce na doutrina pós-moderna, ou contemporânea, a adoção da teoria dualista da obrigação. Essa teoria procura amparar a obrigação nos conceitos de débito (debitum ou Schuld) e de responsabilidade (obligatio ou Haftung). A última somente existe nos casos en1 que o dever jurídico obrigacional não
264
1 ARTS. 233 E 234
FlAVlO TAlITTJCE
é cumprido, surgindo a favor do credor um direfto subjetivo decorrente da
responsabilidade do devedor. Vale a.inda dizer que existem si tuações em que há débito sem responsabilidade (Schuld sem Haftung), como ocorre nas ob!igações naturais ou incompletas. Por outro lado, há responsabilidade sem débito (Haftung sem Schuld) na fiança, em que a dívida não é do fiador, mas de um terceiro ( devedor p rincipal).
CAPITULO 1 DAS OBRIGAÇÕES DE DAR Seção 1 Das Obrigações d e Dar Coisa Certa
Art. 233. A obrigação de dar cois a certa abrange os acessórios dela e.m bora não mencionados, salvo se o c-ontrário r esultar do tít ulo ou das circunstâncias do caso. Sem qualquer novidade, o CC/2002trata inicialmente da obrigação de dar coisa cer ta, também denominada obrigação especlfica, pois o seu objetivo se encontra individualizado, não h avendo qualquer escolha cabível às partes. O objeto da prestação - objeto mediato da obrigação - já é determinado, incluindo por regra os seus acessórios. Desse modo, quanto ao direito obrigacional, continua em vigor o princípio pelo qual o acessório segue o principal (accessorium sequitur principale) - prindpio da gravitação jurídica. Como acessórios, devem ser incluídos os frutos, os produtos, as benfeitorias e as pertenças que tenham natureza essencial, nos termos dos arts. 93 e 94 da codificação. Como modalidade de obrigação de dar coisa certa está a obrigação pecuniária. t interessante deixar claro que, para fazer cumprir a obrigação de dar coisa certa pelo devedor, o credor poderá ·fazer uso das técnicas de tutela específica, caso da busca e apreensão da coisa e da multa (astreintes), pelo constante do art. 461-A do CPC/73, dispositivo introduzido pela Lei n. 10.444/2002. Essa sistemática foi plenamente mantida pelo art. 495 do ÇPC/2015 que de igual for ma possibilita a tutela especifica para cumprimento das obrigações de dar. Art.234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa d o devedor, antes da tradição, ou pendente a condição susp ensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais p erdas e danos.
FLÁVIO TARTUCJ
ARTS, n4A2.36
j
,255
Continua em vigor a regra pela qual, na obrigação de dar coisa certa, não havendo culpa do devedor para a perda da coisa, antes da tradição ou pendente condição suspensiva, resolve-se a obrigação e o respectivo contrato para ambas as partes, sem o pagamento de perdas e danos, cuja menção consta nos arts. 402 a 405 do CC. Assim, a coisa perece para o dono (res perit domino), conforme consagrado desde o Direito romano. f importante deixar claro que os casos nos quais a culpa é ausente, por regra, envolvem as ocorrências de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) e força maior (evento totalmente imprevisível). Interessa ainda lembrar o conceito de condição suspensiva, evento futuro incerto ao qual fica subordinada a eficácia de um negócio jurídico, obrigação ou contrato. Caso haja culpa em sentido amplo do devedor (a culpa l.ato seiisu, que engloba o dolo, e a culpa strido sensu), ele responderá pelo valor da obrigação, sem p rejuízo de perdas e danos. As perdas e danos aqui mencionados incluem os danos emergentes ou positivos, bem como os lucros cessantes ou danos negativos, previstos especificamente no art. 402 do CC. Se.m prejuízo, de acordo com a concepção civil-constitucional do direito privado devem ser indenizados também os danos morais, pelo constante do art. 5°, V e X, da CF. Entendemos ser esse o melhor caminho para imputar o dever de reparar moralmente o credor no caso de responsabilidade contratual, eis que o art. 186 da codificação material, apesar de mencionar expressamente o "dano exclusivamente moral" é aplicado aos casos de responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resol ver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. Na obrigação de dar coisa cert a, caso esta seja deteriorada ou desvalorizada sem culpa do devedor, o credor terá duas opções: a) resolver a obrigaçào, sem o direito a perdas e danos, já que não houve culpa genérica da outra parte; b) ficar com a coisa, abatido do preço o valor correspondente ao perecimento parcial. Por óbvio, não há de se falar no dever de pagar perdas e danos, pois não há culpa do devedoi:, em sentido genérico. Como exemplo, pode ser invocada a deterioração de um imóvel por uma grande tempestade (força maior). Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.
266 1 ARTS. 236 E 237
FlAVlO TAlITUCE
Não há nenhuma novidade no dispositivo, que merece interpretação complementar ao constante do antecedente, ou seja, para as situações de deterioração ou desvalorização da coisa individualizada. Nos casos de culpa estrita ou dolo do devedor, o credor terá as seguintes opções: a) exigir o valor equivalente à obrigação, como o preço pago anteriormente, se1n prejuízo das perdas e danos complementares (danos materiais e morais, conforme comentado); b) aceitar a coisa deteriorada ou desvalorizada, também semprejuízo das perdas e danos que o caso concreto determinar. Ilustrando, imagine-se o caso em que o devedor, de propósito, deteriora a pintura do imóvel que deveria ser entregue.
Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor n.ã o anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. Continua vigente aregca pela qual, até sua entrega (tradição), tanto a coisa como todos os seus melhoramentos, inclusive os de natureza acessória, pertencem ao devedor. Valorizada a coisa, o devedor poderá exigir aumeoto no preço, tendo em vista a manutenção do ponto de equilJbrío da obrigação (sinalagma obrigacional) e a vedação do enriquecimento sem causa, conforme art. 884 da codificação. Caso a outra parte não concorde com o aumento do preço, o devedor poderá resolver a obrigação,.sem pleitear perdas e danos, pois não se pode falar em culpa de qualquer uma das partes. Logicamente, como melhoramentos devem ser incluídos os frutos, bens acessórios que são retirados do principal sem lhe diminuir a quantidade. Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes. Consoante o que foi explicado, como melhoramentos da coisa devem ser incluídos os frutos. Estes podem ser classificados quanto ao estado em que se encontrarem, da seguinte forma: a) frutos pendentes, aqueles que ainda não foram colhidos; b) frutos percipiendos) aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas o.ão foram; e) frutos percebidos, aqueles que já foram colhidos pelo dono; d) frutos estantes, aqueles que já foram colhidos e encontram-se armazenados; e) frutos consumidos, aqueles que foram colhidos e desapareceram. No que diz respeito aos frutos percebidos e pendentes, conforme regra constante do artigo em questão, estes são do devedor e do credor, respectivamente. Quanto aos demais, entendemos que, por regra, são todos do deve-
fl..ÁVIO TARTU(E
ARTS. '}.37 A.239
1 267
dor. Relativamente aos frutos percipiendos, entretanto, é interessante deixar claro que, se oão colhidos após a tradição, serão do credor,, novo proprietário do bem principal.
Art 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa d o devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvad os os seus direitos até o dia da perda. A obrigação de restituir coisa certa é wna modalidade de obrigação específica. Nesta, o devedor tem a obrigação de devolver coisa que não lhe pertence, podendo inclusive ser dinheiro (obrigação de restituir pecuniária). No caso de perda da coisa sem culpa do devedor e antes da tradição, aplica-se a regra pela qual a coisa perece para o dono ( res perit domino), suportando ô credor o préjuízo. Eveorualmente; o credor, proprietário da coisa que se perdeu, poderá pleitear os direitos que existiam até a referida perda. Dois exemplos são interessantes, No primeiro, se vigente um comodato e o comodatário (devedor) for assaltado à mão armada, sendo levado o veículo emprestado, o comodante (credor) sofrerá a perda, não podendo pleitear qualquer direito da outra parte. Como segundo exemplo, cite-se uma locação, em que há o dever de devolver o imóvel ao final do contrato. Na hipótese de incêndio causado por caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior ( evento previsível, mas inevitável), e que destruiu o bem locado, o locador nã.o poderá pleitear um novo imóvel, ou o valor correspondente, mas terá direito aos aluguéis vencidos e não pagos até o evento danoso.
Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos . .Esse comando legal merece ser interpretado em complemento ao artigo antecedente. Assim, se houver perda da coisa por culpa do devedor, ele responderá pelo valor equivalente à coisa, mais as perdas e danos suplementa~ res. No exemplo descrito, caso o locatário seja responsável pelo incêndio que causou a perda total do imóvel, diga- se provado o seu dolo ou a sua culpa, o locadot poderá pleitear o valor correspondente ao bem,, sem prejllÍ2o de perdas e danos. Na concepção civil-constitucional, tratando-se de responsabilidade civil contratual, deve ficar claro que a expressao pe,·das e danos inclui os danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes, nos termos dos arts. 402 a 405 do CC), bem como os danos morais (art 5°, V e X, da CF/88).
;168
j
ARTS. 240 A 242
FLÁVIO TAlmJCf
Nt 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa.do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239. Para a obrigação de restituir, também há regras específicas para eventuais deteriorações ou desvalorizações da coisa, a saber: a) havendo deterioração sem culpa do devedor, o credor receberá a coisa no estado em que se encontrar, sem direito a qualquer indenização, como nos casos que envolvem caso fortuito e força maior; b) havendo culpa do devedor, o credor passa a ter direito de exigir o valor da obrigação ou a mesma como se encontrar, semprejuízo de perdas e danos. Conforme Enunciado n.15 aprovado peló CJF, na I Jornada de Direito Civil, "as disposições do art. 236 do novo CC também são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fine''. É de se concordar integralmente cotn tal enunciado, por ser esta a lógica do direito obrigacional Por óbvio, havendo culpa do devedor e deterioração da coisa, além de exigir o valor da coisa mais perdas e danos, o credor também tem a opção de ficar com ela, no estado de deterioração em que se encontrar e sem prejuízo das perdas e dos danos. Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização. Tendo em vista a vedação do enriquecimento sem causa, este artigo prevê que, ausente culpa e não havendo trabalho desenvolvido ou despesas desembolsadas por parte do devedor, bem como havendo melhoramentos ou valorização da coisa, o credor lucrará, não sendo o caso de pagamento de qualquer indenização. Como visto, a coisa perece pata o dono, e pelos mesmos fundamentos, havendo melhoramentos, essas vantagens também serão acrescidas ao património do proprietário da coisa, no caso, o credor.
Att. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-
-fé. Mais uma vez, diante da vedação do enriquecimento sem causa, a codificação prevê que o devedor deverá ser indenizado pe1as benfeitorias úteis e necessárias, conforme os arts. 1.219 a 1.222 da mesma legislação. Desse modo, havendo justo título na posse do devedor (ius possidendí), o que induz à pre-
FI.ÁVIO TARTUCE
ARTS, 242 E243
j
269
sunção de sua boa-fé (art. 1.201, parágrafo único, do GC), ele terá direito de indenização e retenç"ão por benfeitorias necessárias e (jteis. No que conceme às benfeitorias voluptuárias, o devedor poderá levantá-las, desde que isso não gere diminuição do valor da coisa principal e que haja boa-fé do sujeito passivo da obrigação. Em caso, de má-fé, se provada, somente serão ressarcidas as benfeitorias necessárias, não havendo qualquer direito de retenção quanto a estas (art. 1.220 do CC). No que tange às benfeitorias úteis e voluptuárias, havendo má-fé do devedor, não lhe assistirá qualquer direito.
Parágrafo linico. Quanto aos frutos percebido5i observar-se-á, domesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé. Relativamente aos frutos percebidos, que, como visto, são os que já fotam colhidos pelo proprietário, no caso pelo devedor, deverão ser observadas as regras dos arts. 1.2 14 a 1.216 do ÇC. Desse modo, sendo o devedor possuidor de boa-fé - como regra. pela presunção do justo título -, terá direito aos frutos referidos no artigo em análise. No entanto, se o possuidor for de má-fé, não haverá qualquer clireito, além de responder por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como por aqueles que, por culpa sua, deixou de perceber (art 1.216).
Seção li Das Obrigações de Dar Coisa Incerta
Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. A obrigação de dar coisa incerta é também denominada obrigação genê~ rica, sendo apenas identificada por gênero e quantidade. Nessa obrigação, o objeto é meramente determinável ( conforme o art. 104, Il, parte final, do CC), sendo passível de determinação pelo sujeito ativo ou passivo, por meio de uma escolha denominada concentração. O PL n. 699/2011 (antigo PL n. 276/2007) pretende alterar o comando legal em questão, para que tenha a sehrui.nte redação: "Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pela espécie e pela quantidade''. Para o autor do projeto, a palavragenero teria um sentido muito amplo. O Deputado Vicente .Arruda, relator nomeado na Câmara dos Deputados vetou a proposta, por considerar que "alterar a expressão 'gênero' contida no texto do Código por 'espécie' não vai resolver o problema. Se, como pretende o autor do projeto
270
1 ARTS. 243 A 245
FLÁVIO TAlITUC.f
'feijão' é espécie do gênero 'cereal: a palavra 'tecido' é espécie de 'algodão', de 'lã~ de 'fibrí!- sintética', ou tecido é 'gênero' e tecido de algodão, de lã, de seda, de microfibra, são espécies? Por outro lado quer nos parecer que se substituirmos gênero por espécie, estaremos u·ansformando a coisa incerta em coisa certa, determinável dentre certo número de coisas certas da mesma espécie. Pela manutenção do texto". Não há como concordar com o parecer do Deputado Vicente Arruda. Com o devido respeito, parece-nos que o ilustre parlamentar não compreendeu bem o sentido da proposta, pois ela trata da obrigação quase genérica, que merece um tratamento legislativo, o que facilita o trabalho didático. Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não tesultar do titulo da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem seni obrigado a prestat a melhor. A concentração, relacionada à escolha a ser feita na obrigação genérica, ou de da. coisa incerta, continua cabendo ao devedor, se regra contrária n ão constai: no instrumento obrigacional o u contrato. A segunda parte do dispositivo legal apresenta o princípio da equivalência das prestações, pelo qual a escolha do devedor não pode cair sobre a co.isa menos valiosa. Ademais, o devedor não poderá ser compelido a entregar a coisa mais valiosa, devendo o objeto obrigacional recair sempre dentro do gênero intermediário. Essa previsão está recebendo proposta de alteração pelo PL n. 699/2011, segundo o qual o dispositivo passaria a ter a seguinte redação: "Nas coisas determinadas pela espécie e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do titulo da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor~ Na verdade, a redação proposta melhora o texto, dentro do princípio da operabilidade ou simplicidade, razão pela qual se filia à proposição. Em todo o conteúdo do dispositivo, consagra-se a vedação do enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC). Trata·se de norma de ordem pública, não afastada pela autonomia pdvada das partes e,ovolvidas na relação obrigacional.
Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente. Após a escolha realizada do devedor, tendo sido cientificado o credor, a obrigação genérica é convertida em obrigação específica. Com essa co11ver-
FIÁVIO TARTUCE
ARTS, 245A247
l
271
são, incidem as regras previstas para a obrigação de dar coisa certa (arts. 233 a 242 do CC), já estudadas. É interessante deixar claro que, com a dita alteração estrutural, aplica-se também a regra do art. 313 do CC, podendo ocredor se negar a aceitar coisa mais valiosa, teodo em vista a individualização realizada pda escolha, pela qual o objeto da obrigação deixa de ser determinável e passa a ser determinado. Vale dizer que, se a escolha cabe ao credor, a partir do momento em que ele a realiza estará cientificado, ocorrendo aí a referida conversão.
Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. O comando legal continua consagrando a regra de direito pela qual o gênero não perece (genus non perit). Logicament~ porque ainda não bá individualização da coisa, o devedor não poderá alegar perda ou deterior,;1ção antes da concentração, ou melhor, da cientificação do credor quanto a esta. Isso decorre de que o comando legal em comentário deve ser lido em sinto~ nia com a primeira parte do artigo antecedente, o que nos traz a conclusão de que não se pode falar em inadimplemento da obrigação de dar coisa incerta. Isso pode ser constatado pelo fato de o CC não trazer regras de descumprimento da obrigação genérica, mas apenas da específica (dar coisa certa e restituir coisa certa). Consta proposta do PL n. 699/2011 para alterar este dispositivo, que passaria a ter a seguinte redação: "Antes de cientificado da escolha o credor, não poderá o de.vedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, salvo se tratar de divida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação está compreendida'~ Parece-nos que a proposta é louvável, pelo seu tom didático e esclarecedor. Assim, não há como concordar com o parecer do Deputado Vicente Arruda, que optou pela manutenção do textO; pois "o acréscimo da expressão -ionário que lhe.apresenta, com o titulo de cessão, o d a obrigação cedida; quando o crédito constar d e escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação. Não há prazo previsto em lei _para a notificação da cessão ao devedor. Ela deverá ser feita antes do pagamento do débito, sob pena de ele ser exonerado da obrigação de pagar ao credor primitivo, de modo que o cessionário nenhuma ação terá contra o devedor não notificado, mas sim contra o cedente. O fato de o devedor não ter sido notificado da cessão de crédito não o exonera da obrigação, pois esta não é uma condição da cessão, mas apenas um ônus do próprio credor em assegurar o recebimento do valor a que tem direito. Isso porque, a teor deste artigo, o devedor fica desobrigado se, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo. O objetivo do legislador ordinário foi garantir ao cessionário o recebimento do valor, a fim de que o devedor saiba a quem pagar, bem como lhe é assegurada a garantia de que está pagando ao legítimo portador do título. Seria um contrassenso exonerar o devedor da mora, caso efetuasse o pagamento em cheque, dentro do prazo acordado, mas que somente disponibilizasse ao credor os valores doi.s ou três dias úteis após o depósito, e cot1dená- lo às penas contratuais, se houver, ou por mero inadimplemento obrigacional (art. 389 do CC), por ter efetuado o depósito no primeiro dia útil seguinte ao vencimento, em dinheiro. Aplicação, nesse exemplo, dos postulados da proporcionalidade e da vedação do enriquecimento ilícito (arts. 884 a 886 do CC).
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cession ário exercer os atos conservatórios do direito cedido. O cessionário tendo os mesmos direitos, com todos os seus acessórios, vantagens e ônus, do credôr a quem substituiu na obrigação principal, portanto, independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode exercer os atos conservatórios do direito cedido. Nesse sentido, o CPC/20l5 em seu art. 301, entre outras medidas cautelares, permite o arresto e o arrolamento de bens pertencentes ao devedor cedido, ações essas que poderão ser exercidas pelo cessionário a fim de garantir o recebimento de seu crédito, já que o devedor poderá praticar atos que inviabilizem o recebim.e nto do crédito objeto da cessão, como quando o obrigado pretender fugir do pais ou tentar dissipar seu ativo com o intuito de não cumprir a obrigação, inclusive fazendo simulação (art.167 do CC).
298
j
ARTS• .294 E295
LUIZ F. V. A. GUILHERME
Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, b em como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. O devedor cedido n ão perderá, com a cessão do crédito, o direito de opor ao cessionário as exceções que lhe competirem nem as que tinha contra ó cedente no instante da notificação da cessão. Portanto, as defesas contra este que teria o devedor no momento em que veio a ter ciência da cessão, jamais ulteriores à notificação, poderão ser opostas ao credor primitivo e ao cessionário. São exemplos os títulos cedidos sob condição de exigibilidade, por força de decisão j udicial, em que a responsabilidade do cessionário está nos limites do crédito recebido. Se recebeu os títulos e estes se encontravam sob condição de exigibilidade, por força de decisão judicial, sofre o cessionário os mesmos limites, por força desté artigo, respondendo igualmente pelos danos que vier a causar. A jurisprudência entende que "a inscrição ocorreu após a concessão da medida antecipatória, no processo de revisão de contrato, em que se disq1tiam justamente os valores consignados nos títulos cedidos, onde se proibiu cadastrar o nome da demandante nos órgãos de proteção ao crédito. O dever de indenizar, pela ré, decorre, pelo menos, da negligência com que agiu, não se acautelando na aqrn~ição dos créditos, o que se lhe impunha, sobretudo por tratar-se de empresa financeira que negocia créditos, Apelo provido" (TJRS, Ap. o. 70.009.767.013, rei. Des. Umberto Guasparí Sudbrack, j. 02,12.2004). Art. 295. Na cessão por titulo oneroso, o ceden te, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a m esma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se t iver procedido de m á-fé. Se a cessão ocorreu~onerosa ou gratuitamente, de má-fé (art. 187 do CC), um título inexistente, nulo ou até mesmo anulável, deverá ressarcir todos os prejuízos causados. O cedente, independentemente da autonomia privada (;irt. 421 do CC), assumirá a responsabilidade civil (art. 927, caput, do CC) perante o cessionário pela existência do crédito ao tempo em que fora cedido o título. A má-fé (art. 187 do CC) opõe-se à boa-fé (arts. 113 e 422 do CC), indicativa dos negócios que se praticam ser;n maldade ou sem contra~ venção aos preceitos legais. Ao contrário, o que se faz contra a lei, sem justa causa, sem fundamento legal, com ciência disso, é feito de má-fé. Em suma, em qualquer cessão de natureza onerosa, o credor origjnal será sempre responsável pela existência do crédito e de seus acessórios, se houver; ainda que exista cláusula de irresponsabilidade, a mesma é tida como nula porque a or-
LUIZ f. V. A. GUILJjERME
ARTS. :.igs A297
j
299
dem jurídica se opõe à autonomia privada dos contratantes (art. 421 do CC), de modo que a jurisprudência é cristalina nesse sentido "Na prática do factoring, na cessão por título oneroso, o cedente-faturizado, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário faturizador pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu (arts. 1.073 do CC/1916 e 295 do CC/2002). A lei impõe-lhe a obrigação de responder pela positiva exhtência do crédito. Legitimidade passiva reconhecida. Improvimen1o do recurso" (TJSP, Ap. n. 7.098.047-9, rei. Pedro Ablas, j. 25.04.2007).
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não r esponde pela solvência do devedor. O cedente, salvo estipulação em contrário, não responde pela so1vência do devedor, pois o cedente, via de regra, apenas assume uma obrigação de garantia e existência do crédito. No dirêito civil, a solvência exprime a boa situação econômica, em virtude do que o devedor possui haveres em valor superior ao montante de suas dividas. O cedente, quando da cessão do crédito, responde pela sua existência,mas não pela solvência do devedor. Essa regra, porém, não é absoluta, já que o primeiro estará obrigado à liquidação da dívida se tiver agido de má-fé, ou seja, se mesmo ciente da insolvência do d~ vedor transferir seu crédito induzindo o cessio:nário a erro. Ademais, as partes podem impor sua liberdade de contratar (iut. 421 do CC) utilizando a regra do art 297 do CC, a ser comentado a seguir.
Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário p ela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver foito com a cobrança. No cáSo de convenção entre as partes, pode-se estabelecer a responsabilidade do cedente pelo crédito cedido, portanto, nesse caso, este poderá se responsabilizar pela solvência do devedor citando-o para a execução promovida pelo cessionário a fim de receber o seu crédito nos termos do art. 778, ~ 1º, lll, do CPC/2015. Por fim, enquanto na garantia de direito o cedente será responsável pelo valor da dívida cedida, na chamada garantia de fato, denominação usada para se referir à responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, aquele somente responderá pelo que recebeu do cessionário, e não pelo total da dívida cedichi. A responsabilidade do cedente pela solvência do devedor não poderá ir além do montante que o cessionário recebeu no tempo da cessão. No caso de não constar valor do negócio ou preço pago ao cedente pelo ces-
LUIZ F. V. A. GUII.J1E.RME
ARTS. 299 A301
1 301
assumiu a dívida sem a devida anuência do credor, requ.isito este indispensável para que a mesma operasse seus efeitos (TJSP,Ap. n. 991.06.065123-8, rel. Des. Moura Ribeiro, j. 16.09.2010). Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa. Uma vez que o caput do artigo em comento expressamente condiciona a assunção da dívida ao consentimento do credor, é facultado a qualquer das partes, ou seja, de.vedar ou terceiro, fixar prazo para que o mesmo se manifeste a esse respeito. Na hipótese de silêncio do credor, a presunÇáo será de sua oposição. Tal dispositivo visa à segurança do possuidor de crédito em relação a determinado devedor, eis que esse oão pode ser obrigado a contratar com pessoa estranha. A lei não proíbe que haja a assunção da dívida, porém, preocupou-se em proteger o credor para que esse não contrate, sem sua anuência, pessoa insolvente ou que não possua condições de cumprir a obrigação. Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor. Consideram-se extintas a partir da assunção da dívida as garantias especiais origjnariamente dadas ao credor, com exceção do assentimento expresso do devedor primitivo. As garantias especiais dadas pelo devedor primitivo ao credor são aquelas que não integram a essência da dívida e que foram prestadas em atenção à pessoa do devedor, por exemplo, fiança, aval etc. Conforme visto anterior.mente (arts. 233 e 286 do CC), o principal efeito da assunção é a exoneração da obrigaçã o principal para o devedor anterior, originando, como consequência 16gica, também a extinção dos acessórios, mediante a aplicação da regra "os acessórios seguem o principal". Portanto, as garantias fidejussórias que haviam sido conferidas ao credor por terceiros estarão automaticamente extintas com a celebração da assunção da dívida. Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação. Este disposto traz o mesmo efeito de restabelecimento da obrigação que consta nos arts. 359 (dação em pagamento) e 384 (confusão), tendo por fi-
302
1
LUIZ F. V. A. GUILHERME
ARTS. 301 A 303
nalidade evitar o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC), ou seja, no caso de anulação da substituição do devedor, restaura.se o débito, com todas as suas garantias, exceto as garantias prestadas por terceiros, saJvo se este conhecia o vício que maculava a obrigação. Portanto, se o contrato de assunção vier a ser anulado, ocorre o renascimento da obrigação para o de,vedor originário, com todos os seus pr ivilégios e garantias, salvo as que tiverem sido prestadas por terceiros. Em suma, se a obrigação não for satisfeita pelo antigo devedor, os novos garantidores poderão ser acionados pelo credor em lugar daquele que inadimpliu a obrigação (art. 389 do CC).
Art 302. O novo devedor não pode opor ao credor as e:x.ceções pessoais que competiam ao devedor primitivo. O novo devedor não pode opor ao credor as defesas pessoais - incapacidade absoluta (art. 3° - gerando nulidade do art. 166, incapacidade relativa (art, 4° - gerando anulação do art. 171, I), defeitos do negócio jurídico, como o Vício de consentimento etc. ( v. a.rts. 138 e segs.) - que competiam ao devedor primitivo. Essa faculdade, portanto, somente poderá ser oposta pelo devedor primitivo, já que se trata de exceções ligadas à pessoa dele, exonerado da dívida por força da assunção; por exemplo, no caso de alegar compensação do devedor pretérito, o obrigado atual não poderá se utilizar delas cootra o credor, restando-lhe apenas opor as defesas de ordem geral. Note-se que a dívida assumida pelo novo devedor é exatamente a mesma anteriormente constituída1 com osacréscin1os a ela inerentes (art. 389 do CC).
n,
Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentiment o. Por este dispositivo, o adquirente de bem imóvel hipotecado pode assumir o pagamento do crédito garantido, se o credor notificado da assunção de dívida pelo adquirente do imóvel gravado não vier a impugná-la dentro de trinta dias; sua inércia, no término desse prazo, deverá ser entendida como se aquele assentimento tivesse sido dado. Trata-se da aceitação tácita do credor hipotecado, ou seja, neste artigo o silêncio é interpretado como um modo de consentimento tácito com a assunção. Ocorre isso porque, não satisfeita a obrigação pelo novo deveclor-adqu.irente do bem imóvel hipotecado, o credor continua com o direito de exercitar a garantia a fim de satisfazer o crédito, além de deter um crédito privilegiado, conforme dispõe o art. 1.422 deste Código.
LUIZ f. V. A. GUIL.HERME
ARTS. 304 E305
j
30}
TfruLO Ili DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CAPITuLO 1 DO PAGAMENTO
Seção 1 De Quem Deve Pagar
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá·la, usando, se o credor se opuser, dos meios condu1Zentes à exoneração do devedor.
Pagamento é a execução voluntária e ex.ata, por parte do devedor, da prestação devida ao credor, uo tempo, forma e lugar previstos no titulo constitutivo. Se a obrigação não for intuitu personae, será indiferente ao credor a pessoa a solver a prestação - o próprio devedor ou outra por ele-, pois o que lhe importa é o pagamento, já que a obrigação se extinguirá com ele. A pessoa que deve pagar será qualquer interessado, juridicamente, no cumprimento da obrigação, como o próprio devedor, o fiador, o coobrigado, o herdeiro, outro credor do devedor, o adquirente do imóvel hipotecado e, enfim, todos os que, indiretamente, fazem parte do vínculo obrigacional, hipótese em que, se pagarem o débito, sub-rogar-se-ão em todos os direitos c.reditórios. Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste. O parágrafo único deste artigo dispõe que até mesmo terceiro não interessado poderá pagar o débito, em nome e por conta do devedor. Terceiro não interessado juridicamente é aquele que não está vinculado à relação obrigacional existente entre credor e devedor, embora possa ter interesse de ordem moral, como é o caso do pai que paga dívida do filho, do homem que resgata dívida de sua amante, da pessoa que cumpre a obrigação de um am.igo etc. Como o pagamento realizado em nome e à conta do devedor configura verdadeira doação em benefício deste último, a parte final do dispositivo permite sua oposição ao pagamento, além disso, por ser a doação um contrato, o devedor não está obrigado a receber tal crédito. Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.
304 1 ARTS. 305 E 306
LUIZ F. V. A. GUILHERME
Como é proibido por lei o locupletamento à custa alheia, a lei exige que o terceiro que pagou a divida ingresse com uma ação in rem verso. Ação in rem verso é a denom.in.ação que também se dá à ação de repetição do indébito. Dessa forma, o in rem verso, por seu sentido obrigatório, quer exprimir o que é feito por uma pessoa em benefício ou proveito de outren1. Generalizando-se, porém, a actio in rem verso tomou sentido mais alto. Assim., é o direito de agir que assiste a todo aquele que possa ir buscar das mãos de outrem o que The é devido, por desembolso ou p or qualquer outro dispêndio, por ato que tenha praticado em proveito ou benefício dele, ou seja, diferentemente do que ocorre no caso do terceiro interessado (art. 304, caput', do CC), o terceiro não interessado tem direito ao reembolso, cuja ação respectiva é a de regresso ou actio in rem verso. Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ·ao reembolso no vencimento. O parágrafo único deste artigo dispõe que, caso haja o pagamento da dívida mesmo antes de vencida, o terceiro não interessado somente terá direito ao reembolso no vencimento. Terceiro não interessado será toda pessoa que não tenha nenhuma ligação, ou que não seja afetada, sob qualquer aspecto, com o ato jurídico ou com a ação judicial de que outros participem, podendo nesse caso ingressar com a ação regressiva, ou seja, requerendo o seu direito ao reembolso somente depois de vencida a dívida. Essa regra reitera a proteção dada pelo legislador aos interesses do devedor que não pode ser compelido pelo credor original a cumprir sua obrigação antes do vencimento do prazo fixado ou em relação ao implemento da condição estabelecida (art. 939 do CC).
Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação. O pagamento feito por terceiro com desconhecimento ou oposição do de~ vedar não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para refutar, Se um terceiro, interessado ou não, efetuou o pagamento com o desconhecimento ou contra a vontade do devedor, não poderá obter reembolso caso o devedor possua meios para ilidir a ação do credor na cobrança da dívida. Este dispositivo beneficia o devedor na medida em que o isenta do reembolso quando não for previamente cientificado pelo terceiro - inte-
LUIZ f. V. A. GUILHERME
ARTS, 306 E307
j
305
ressado ou não - ou quando, ciente da intenção do terceiro em solver a dívida, opõe-se expressamente ao pagamento, isso porque o devedor tinha o direito de extingttir a obrigação transacionando, compensando ou até alegando prescrição, nulidade da obrigação.
Art. 307. Só terá eficácia o p agamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. O captJt do art. 307 dispõe que somente terá eficácia o pagamento que importar transmissão de propriedade, seja bem imóvel ou móvel, quando feito pelo dono titular do direito real, ou seu representante legal. Portanto, este dispositivo considera o pagamento ineficaz. se o bem dado em cumprimento não pertencer ao proprietário ôu à terceiro que transmitiu ôs direitos de propriedade, não gerando assiro e.feito liberatório para o devedor. O direito civil em outra regra preleciona: "quem paga mal paga duas vezes': e é exatamente isso que ocorre neste artigo, não adianta pagar se não for respeitado o requisito formal do pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem de direito em relação à coisa. O credor ficará isento da obrigação de restitllir pagamento de coisa fungível se agir de boa-fé e se já a consumiu; já o verdadeiro proprietário _poderá ingressar contra o devedor que pagou com o que não 1he pertencia. Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la. Este parágrafo único trata primeiramente de coisa fungível, que é aquela que pode ser substituída, trocada. permutada por outra sem alteração de seu valor, tendo J?Or requisito medida ou peso. O credor ficará isento da obrigação de restituir pagamento de coisa fungível se agir de boa-fé e se já a consumiu; já o verdadeiro proprietário poderá ingressar contra o devedor que pagou com o que não lhe pertencia. Nesse caso, o legítimo proprietário poderá ingressar com ação de indenização (art. 186 c/c o a.rt. 927, caput, do CC), inclusive requerendo dano moral (Súmula o. 37 do STJ), já que a coisa foi consumida daquele que não tinha direito de alieoá-la. Em suma, o polo passivo da ação de indenização dependerá do animus daquele que deu a coisa e do próprio credor.
306
j
llJll F. V. A. GU ILHERME
ARTS. 308 E309
Seção li Daqueles a Quem se Deve Pagar Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o
represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito. O pagamento deve ser feito ao credor, ao cocredor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito. Caso o pagamento não seja feito ao credor ou a seu legítimo representante, será inválido e não terá força liberatória. No caso de oficial de justiça portando mandado executivo, com legitimidade para receber o pagamento, a jurisprudência entende que: "admite-se que o oficial de justiça, portador do mandado, tenha qualidade para receber o pagamento em nome do credor. O oficial é o órgão destinado ao exercício de funções executivas, que devem compreender a de receber o _pagamento exigido, se assim ordenado pelo juiz" (RF 115/105). Isso assegura a própria ordem pública e a segurança dos negócios jurídicos. Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor p uta tivo é válido,
ainda provado depois que não er11 credor. Credor putativo é aquele que se apresenta aos olhos de todos c.omo o verdadeiro credor, embora não o seja Portanto, o pagamento feito de boa-fé {arts. 113 e 422 do CC), ou seja, o que é feito pelo devedor que acredita piamente que o credor putativo seja o verdadeiro credor, é válido. Para que o pagamento tenha validade é necessário que.haja boa-fé do devedor, esctlSabilidade e reconhecibilidade de seu erro, uma vez que agiu cautelosamente. A teoria da aparência é analisada pela jurispn1dência da seguinte forma, no caso do credor declarado judicialmente: "se é válido o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo, com maioria de razão dera o feito a quem é declarado o credor, em decisão judicial" (STF, RF 146/197). Essa regra privilegia o devedor de boa-fé que imagina estar realizando o pagamento ao verdadeiro sucessor do credor, entendimento completado e consolidado pela jurisprudência quando prolata que "pela aplicação da teoria da aparência, é válido o pagamento realizado de boa-fé a credor putativo e que para que o erro no pagamento seja escusável, é necessária a existência de elementos suficientes para induzir e convencer o devedor di~ ligente de que o recebente é o verdadeiro credor" (STJ, REsp n. 1.044.673/SP, 4ª T.1 rei. Min. João Otávio de Noronha, j. 02.06.2009).
LUIZ F. V. A. GUIIJ1E.RME
ARTS. 310 A ,312
1 307
Art. 310. Não vale o pagamento dentemente feito ao credor incapaz d e quitar, se o d evedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu. Ninguém poderá reclamar o qu.e pagou a um incapaz se não provar que reverteu em proveito dele a .importância paga (art. 181 do CC), portanto o devedor deverá provar que o pagamento reverteu em benefício do credor para que seja considerado válido, caso contrário, tal pagamento será nulo (art. 166, 1, do CC, efeito esse gerado pela incapacidade absoluta mencionada no art. 3Qdo CC) ou anulável (arl 171, 1, efeito esse gerado pela incapacidade relativa mencionada no art 4° do CC). Portanto, a norma considera inválido (nulo ou anulável) o pagamento feito a credor incapaz, se o devedor sabia dessa situação, mas no caso de a prestação ter sido útil ao incapaz, seja relativo, seja absoluto, o legislador entende que há a validade do pagamento.
Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante. Este artigo dispõe que o devedor poderá pagar para a.\guém ·que se apt:esente perante ele com o titulo, ou seja, o portador do título é aquele a quem se deve pagar, devendo ser entregue o documento como quitação, já que existe presunção iuris tantum (art. 212, IV, do CC) de que está autorizado pelo credor a receber o pagamento. O devedor também poderá se recusar a pagar o terceiro já que, caso este aja de má-fé (art. 187 do CC), deverá pagar novamente ao credor e terá direito regressivo contra o terceiro mais perdas e danos, ou seja, pagamento efetuado a pessoa inapta a recebê-lo. Paga mal aquele que paga a quem não é portador de quitação assinada pelo credor nem a este representa, mormente se o devedor sabe tratar-se de pessoa não autorizada a receber (RF200/143). Art. 312. Se o deved or pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra o credor. Existe um ditado popular, muito utilizado nas aulas pela professora Maria Helena Diniz, em que se diz: "quem paga mal paga duas vezes'~E o caso deste artigo, que traz duas situações em que não se deve realizar o pagamento diretamente ao credor: I) quando o devedor for intimado pelo credor de seu crédito correspondente à obrigação a ser cumprida e II) quando estiver ciente da existência de impugnação ao pagamento oposta por terceiros. Se o
308
1
LUIZ F. V. A. GUILHERME
ARTS. 3l2 A314
devedor pagar a credor impedido legalmente de receber, por estar seu crédito penhorado ou impugnado, deverá pagar novamente. Caso o devedor tenha consciência desses dois fatores, mas m.e smo assirn opte por pagar, poderá ser compelido a pagar novamente àqueles terceiros, restando, nesse caso, direito regressivo contra o credor.
S~o Ili Do Objeto do Pagamento e sua Prova
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. E.~te artigo dispõe sobre o princípio fundamental da obrigação, em que o credor não poderá ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é de~ vida, ainda que mais valiosa. O devedor, para extinguir a obrigação, deve entregar exatamente o objeto ou a prestação. No caso de o credor aceitar a ptestação ou o objeto diverso daquele devido, ter-se"á dação em pagamento. O art 356 dispõe: "o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida': Portant9, dação em pagamento é o acordo entre credor e devedor no qual o primeiro recebe um objeto ou uma prestação diversa da pactuada. O objeto do pagamento e de sua prova será aquilo que foi pactuado pelas partes. Quando paga a divida, o devedor tem o direito de receber a prova do pagamento (quitação regular), que tem o condão de exonerá-lo da obrigação.
Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, n em o devedor a pagar, por partes, se aSsim não se ajustou. Este artigo cuida da obrigação unitária, ou seja, mesmo podendo ser fracionado o seu objeto, a divida necessita ser cumprida integralmente, sendo aplicada a fracionalidade somente quando as partes não silenciarem a respeito da forma do pagamento. Subentende-se que a obrigação deva ser exi~ gida pelo credor e satisfeita pelo devedor de uma só vez. Obrigação divisivel é aquela em que a prestação é suscetível de cumprimento parcial, sem prejuízo de sua substância e valor. Este artigo dispõe que, no caso do não aj,us~ te da possibilidade de pagamento p arcelado, o devedor não pode pagar e o credor não pode receber prestação divisível. Em suma, prometendo o devedo r quatro sacas de feijão para o dia 30 de novembro, não poderá o credor exigir a entrega de duas e o restante para o próximo mês.
LUIZ f. V. A. GUIU1E.RME
ARTS. 315 A 317
j
309
Art. 315 . .As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em
moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes. Este artigo trata das obrigações que têm por objeto uma prestação em dinheiro, chamadas de obrigações pecuniárias, por visarem a proporcionar ao credor o valor nominal que as respectivas espécies possuem como tais. O pagamento será efetuado no vencimento em moeda corrente e pelo valor descrito nominalmente. Importante se faz distinguir a dívida em dinheiro (descrita anteriormente) da dívida de valor. Na última tem-se uma prestação diversa, intervindo o dinheiro apenas como meio de determinação do seu quantitativo ou da respectiva liquidação, por exemplo, a prestação de pagar alimentos. No caso do inadimplemento, seja na dívida em dinheiro, seja na dívida de valor, considera-se em mora o devedor (art. 394 do CC), podendo responder por perdas e danos, mais juros e atualização monetária se~ gundo índices estabelecidos e honorários de advogados (art. 389 do CC).
Art. 316. É ltcito conveAcionar o aum.e nto p rogressivo de prestações sucessivas.
E lícito pactuar o aumento progressivo de prestações sucessivas no contrato, se..mpre respeitando os delimitadores da autonomia da vontade: equi~ librio contratual, boa-fé objetiva (arts. 113 e 422 do CC), função social do contrato (arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do CC) e o próprio ordenamento jurídíco. Portanto, a atualização será feita via cláusula de atualização de valores monetários, tendo como referência a desvalorização da moeda. Este dispositivo se aplica às obrigações pecuniárias que não .serão solvidas de uma única vez, mas divididas em parcelas a serem pagas de forma diferida no tempo, durante certo período, permitindo o legislador civil que taís prestações sofram uma elevação sucessiva de seu valor, mas não devendo gerar eorique~ cimento sem causa (arts. 884-a 886 do CC). Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o jwz corrigi-lo, 11 pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Este artigo trata de correção judicial do contrato. Portanto, no caso de des~ p roporção provocada por motivo imp revisível, manifesta entre o valor da prestação devida e. o do 1nomento de sua execução, poderá o magistrado corrigi-la, mas sempre a pedido da parte, de 1nodo que assegure o equilíbrio
310
1 ARTS. 317 A 319
LUIZ E V. A. GUILHERME
contratual, não trazendo perd'lt patrimonial para uma parte e eruiquecimen~ to ilícito para outra. O fato de o obrigado cumprir com a sua prestação prevista em contrato não o impede de vir a jui7..o discutir a legalidade da e.xlgência feita e que ele, diante das circunstâncias, julgou mais conveniente cumprir. Se proibida a sua iniciativa, estará sendo instituída, como condição de ação no direito contratual, a inadi.tnplência, o que serviria de incentivo ao descumprimento dos contratos. Além disso, submeteria o devedor à alternativa de pagar e perder qualquer possibilidade de revisão, ou não pagar e se submeter às dificuldades que sabidamente decorrem da inadimplência (STJ, R.Esp n. 293.778/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 29.05.2001, D] 20.08.2001).
Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor des~ ta e o da moeda nacional, excetuados os casos pr evistos na legislação especial, Serão nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estran~ geira, bem como para compensar a dife~ença entre o valor da moeda estrangeíra e o ,d a nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial - como o Decreto n. 857/69. Este artigo evita a perda patrtmonial e o enriquecimento ilícito, no caso de inflação ou perda do valor da moeda. Portanto, com o advento da Lei n. 9.069/95, o padrão único monetário utilizado no país nos dias atuais é denominado Real (R$). No caso de contratos internacionais em que a dívida foi contraída no exterior mas será executada no Brasil, pode-se adotar moeda de outro país ou ouro, mas, no momento de sua execus:ão, a obrigação deverá ser efetiva e obrigatoriamente paga no padrão monetário Real. A jurisprudência entende que os contratos que convencionaram o adimplemento em moeda estrangeira são legais desde que no momento do pagamento o mesmo seja convertido em moeda nacional (TJSP, Ap. n. 994.00.079107-5, rel. José Joaquim dos Santos, j. 29.07.2010).
Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada. Quítação é a declaração documentada em que o credor ou seu representante reconhece ter recebido o pagarnepto de seu crédito, exonerando o devedor da obrigação. Com a quitação nas mãos do devedor presume-se que foi extinta a obrigação. Portanto, é direito do devedor recebê-la no caso do pagamento. Muitos julgados já aceitam a quitação dada por meios eletrônicos ou por qualquer forma de comunicação a distância. Porém, na vida mo-
lUll f. V. A. GUIIJ1E.RME
ARTS, 319 E 320
i
311
derna, os condomínios e as pessoas jurídicas emitem documentos de ordem de crédito em substituição a recibos. Emitidos os boletos, são eles pagos em agências bancárias, ~ervindo a autenticação mecânica como prova de pagamento das despesas. Esses boletos devem ser exibidos ao credor quando solicitados para comprovaI o adimplemento (arts. 319 e 320 do CC). Porém, tratando-se de cobrança de cotas condominiais, por exemplo, não incide o disposto no art. 322 do CC, conforme descrito adiante (ll TACSP, Ap. n. 779.126-00/2, rei. Juiz Júlio Vidal,j. 21.10.2003).
Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante. A declaração deverá conter os seguintes elementos: valor, espécie da dívida quitada, nome do devedor ou de quem pôr este pagou, o tempo e o lugar do pagamento1 com a assinatura do credor ou do seu representante. Esses elementos não são de validade, já que mesmo sem esses requisitos valerá a quitação, se se puder comprQvar que o débito foi pago. A quitação não precisa ser feita por instrumento público, poderá ser ela dada por instrumento particular, resolvendo assim antiga discussão doutrinária acerca do requisito formal da quitação, ou seja, de sua obrigatoriedade na forma p(lblica do instrumento de determinados débitos. Este caput traz a palavra ''sempre" para demonstrar que se presume no direito civil a boa-fé entre as partes, podendo a quitação ser dada sempre por instrumento particular.
Parágrafo único. Ainda sem os .requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, Sê de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida. No mesmo diapasão, o art. 416 do CPC/2015 dispõe: "a nota escrita pelo credor em qualquer parte do documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor'~ Portanto, havendo dúvidas, o árbitro deverá concluir pelo pagamento, se diante dos termos ou das circunstáncias de tal ato jurídico, como no caso do boleto bancário autenticado pela instituição financeira ou depósito bancário (TED ou DOC) realizado pela internet. No mundo globalizado, novas formas de quitação aparecerão e o operador do direito deverá estar preparado para não cometer injustiças, principalmente em matéria de obrigação, por tratar do patrimônio e da relação patrimonial entre as pessoas.
312
1 ARTS. 321 A 323
LUIZ F. V. A. GUILHERME
Art. 3:21. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido. Quando o credor perde o título, o devedor pode exigir que ele faça uma declaração se comprometendo a não utilizar o título desaparecido. Caso o credor não queira entregar ou fazer tal documento, o devedor poderá reter o pagamento até receber essa declaração. Portanto, tal declaração é de swna importância, já que se atesta a extinção de uma parcela da obrigação principal ou da própria obrigação. Em suma, se o credor perdeu o título objeto do pagamento,a lei confere ao devedor o direito de reter o pagamento (art. 319 do CC) e exigir do primeiro uma declaração de que o titulo obrigacional fica sem nenhum valor, por se achar extinta a obrigação, e que a sua restituição não se efetua por não ter sido encontrado. Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódi,cas, a quitação da
última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores. Até prova em contrário, presume-se que nos débitos, quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última quota estabelece que as anteriores foran1 pagas e que seu pagamento extingue a relação obrigação total. Todavia, não há esse tipo de presunção quando for feito o pagamento por boletos bancários, já que nesse caso o credor recebe peJo banco e este não controla se houve ou não o cumprimento das obrigações anteriores. A jurisprudência entende que: "cuidando-se de p restações periódicas, cobradas entre 1995 e 1998, com quitação dos últimos cinco anos das cotas posteriores, r-ecebidas e sem ressalvas do credor, aplica-se a presunção contida no art. 322 do CC/2002, revertida a prova de inadimplemento ao condomínio" (TJSP, Ap. n. 946.077-0/9, reL Des. Norival Oliva, j. 05.12.2005). Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes preswn~-sepagos.
No caso de o credor dar quitação do capital sem reserva de juros, existe a presu11ção iuris tantum de que houve o pagamento do débito militando em prol do devedor. Note-se que a rese.r va de juros é acessória à principal, portanto, havendo quitação, presum.e-se que fora tudo pago, já que isso abrange também os juros. Do in.s trumento da quitação deve haver expressamente dizeres se há juros a ser pagos, pois caso contrário a quitação efetuada trará a presunção de que os acessórios se extinguiram em conjunto com o
LUIZF. V. A. GUJUjE_RME
AR'(S. 323 E324
1
313
principal. Ademais, a presunção é relativa, ou seja, nada obsta que o credor faça prova em outro sentido. Portanto, sendo a quitação do capi~ sem adescrição dos juros e nada dizendo sobre os acessórios, presumem-se pagos em conjunto com o principal. Em suma, se porventura, o credor der quitaçã o do capital sem reserva dos juros, ou seja, se1n ressalvar que os juros ainda continuam em aber to, existirá a presunção iuris ta11tum de que o pagamento do débito foi efetuado somados os juros, já que eles são acessórios do capital, logo o acessório acompanha o principal, portanto, preswne-se que a quitação abrangerá também juros (GUUffilRME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil coment'ado, São Paulo, Rideel, 2013).
Art. 324. A entrega do titulo ao devedor firma a presunção do pagamento. A quitação poderá ser dada pela devolução do titulo;,se se tratar d e-débitos certificados por um titulo de crédito~ou seja, t rata mais uma vez de presunção iuris tantum de p agamento de obrigações representadas por títulos de crédito. P resume-se nesse caso que, tendo o devedor o título em seu poder, houve o pagamento, mas o p arágrafo único dispõe que, se o credor provar no prazo decadeocial de sessenta dias a falta de pagamento, ficará sem efeito a quitação, Entregue o título ao devedor, a presunção legal é de q ue a divida foi paga- caput do art. 324 do CC. A jurisprudência acompanha esse entendimento quando diz: ''não se pode estigmatizar para sempre o devedor, muito embora ele já tenha efetivado o pagamento do tit ulo, pois é evidente que o indeferimento do pedido de cancelamento traz e1nbaraços ao prosseguimento normal de suas atividades, devendo ser ressalvados, no entanto, possíveis interesses de terceiros"' (RT 484/212). Parágrafo wúco. Ficará sem efeito a quitas:ão assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do p agamento. O p arágrafo único do art. 324 impõe ao credor a prova da inadimplência do devedor, ou seja, apesar de a presunção operar a favor do devedor, a lei confere ao credor o direito de demonstrar a inexistência do pagamento. Pelo princípio da aplicabilidade - norteador do CC/2002 - , o credor poderá investir contra o devedor mediante ação declaratória o u simples justificação avulsa, dentro do prazo decadenáal de sessenta ruas, cujo termo inicial conta-se do dia imed iatamente posterior ao do vencimento, devendo o credor comprova_r que a obrigação não foi satisfeita pelo devedor até aquele momento. A decadência é a perda do direito subjetivo material pelo decurso do prazo estabelecido para o seu exercício.
314
LUIZ F. V. A. GUILHERME
1 ARTS. 325 A 327
Art. 325. Presume.m -se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.
O credor tem direito a receber sua prestação livre de qualquer encargo ou gravame que restrinja seu direito, por esse motivo as despesas com o pagamento e a quitação, salvo estipulação em contrário, serão suportadas pelo devedor. Portanto, não pode o credor receber seu pagamento com algum dispêndio que traga prejuízos ou restrinja seus direitos. Já a segunda parte deste dispositivo prevê a possibilidade de as despesas aumentarem por fato imputável ao credor. Nesse caso, e somente nesse, o credor deverá suportar as despesas tidas pelo·devedor se, por exemplo, mudou de donlidlio. Este artigo equilibra as partes,já que é estruturado pela boa-fé e tenta afastar o enriquecimento sem causa por uma ou outra patte (arts. 884 a 886 do CC).
Art. 326. Se o pagamento se houver de fazer por m edida, ou p eso, entender-se-á, no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução. Lugar da execução significa o lugar onde,deverá ser cumprida a obrigação nos moldes dos artigos analisados a seguir. Este dispositivo estabelece que, no caso de não haver nenhuma ressalva do credor ou do devedor, o pagamento de uma obrigação cujo objeto é uma coisa que se deva medir ou pe.sar, a medida ou o peso devem respeitar o lugar de sua execução, ou seja, de seu efetivo cumprimento. Utilizando o exemplo da arroba, que em determinados lugares corresponde a doze quilos e em outros a quinze, verifica-se que este artigo torna claro que, caso a prestação a cumprir seja objeto que se paga por peso ou medida, presumir-se-á que as partes pretenderam adotar a medida do lugar da execução do contrato, no silêncio dessas, ou as partes convencionarão.
S~olV Do Lugar do Pagamento Art. 327. Efet uar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. Nos contratos escritos, pode-se convencionar, tendo em vista a autonomia da vontade (art 421 do CC), o lugar do pagamento; caso ele não esteja convencionado, o pagamento deverá ser efetuado no domicílio (arts, 70 e segs. do CC) do devedor. Dmnícilio da pessoa natural é o lugar onde ela estabe-
LUIZ f. V. A. GUIU1E.RME
ARlS. 327 E328
J
315
lece a sua residência com ânimo definitivo, já o d-a pessoa jurídica é o lugar indicado no contrato normalmente (arts. 70 e 75 do CC). Como lugar do pagamento entende-se o lugar onde deve ser realizado o pagamento e dada a quitação. A regra geral é que o pagamento deva ser realizado no domicilio do devedor, a fim de se lhe evitar maiores despesas (dívida quesível ou quérable). Entretanto, podem as partes estipular que o pagamento seja feito no domicilio do credor (dívida portável ou portable). Como delimitadores da autonomia da vontade, sendo exceção, podem-se citar: I) a cláusula contratual de eleição; TI) a entrega do legado; UI) a mercadoria despachada por via férrea, com fre·te a pagar; IV) o trabalho em determinado local; V) o diplomata etc. Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre eles. O art 71 do CC dispõe: "Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se~á domicilio seu qualquer delas'~ No mesmo sentido está o art. 72 do mesm.o Codex: "é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes ã profusão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicOio para as relações que lhe corresponderem': No parágrafo único deste artigo, caberá ao credor escolher qualquer um dos lugares designados, ou seja, o direito é do credor em escolher um dos vários domicilias do devedor, que terá o dever de declarar todos para assim haver o cumprimento da obrigação.
Art, 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em presta~es relativas a imóvel, far-se-á n o lugar onde situado o bem. .Este artigo segue a mesma linha do art. 341 deste diploma: "se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada". Em suma, se o pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas a imóvel, o cumprimento da obrigação se dará no lugar onde situado o bem. O PL n. 699/2011 propõe alterar a redação deste artigo já que o considera redundante e,m relação a imóvel, limitando-se a repetir a regra do art. 951 do CC/1916. Portanto, o art. 328, por meio desse projeto, teria a seguinte redação: "se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, far-se~á no lugar onde situado o bem. Se consistir em prestações decorrente de serviços realizados no imóvel, no local do próprio serviço, salvo convenção em contrário das partes'~
316
LUl:Z. F. V. A. GUILHERME
1 ARTS. 329 A 331
Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em o utro, sem prejuízo para o credor. O motivo grave traçado neste artigo descreve casos como doença, calamidade pública ou qualquer evento destrutivo. Ocorrendo qualquer desses motivos para que o pagamento não se realize no local estipulado no negócio jurídico, o devedor poderá, evitando a mora (art. 394 do CC) , efetuar opagamento em outro local, arcando com as despesas para não prejudicar o credor. A mora se efetiva não só no caso de pagamento intempestivo, mas também no caso de pagamento em lugar diverso ou por outra forma, diversa daquela estipulada na lei ou no contrato. Qualquer que seja a gravidade do motivo para a satisfação da dívida em local diverso daquele avençado pelas partes, não poderá haver prejuízos ao credor, devendo o devedor, além de eÀl)licitar os motivos, arcar com o ônus da mudança. Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local fuz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. Este artigo somente trouxe o que para o costume já era prática, ou seja, o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir iuris tatitum renó.ncia do credor relativamente ao previsto no negócio jurídico. O devedor fazendo reiteradamente o pagamento da prestação em lugar diverso do estipulado no negócio jurídico enseja a presunção iuris tantum de que o credor renunciou ao local do pagamento, já que era direito dele. O credor não poderá, a partir de então, exigir que volte a ser feito o pagamento no local previsto no contrato. Em sentido contrário está o entendimento jurisprudencíal: ª o fato de o recebimento ter sido levado a efeito, por algumas vezes, na residência do locatário não tem a força de derrogar a estipulação contratual de pagamento na residência do locador ou local r,or ele indicado" (RT 188/266).
Seção V Do Tempo do Pagamento Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente. O principio da satisfação imediata estrutura este artigo, já que, se as partes não vieram a ajustar determinada data para o pagamento da dívida, poderá o credor exigi-la imediatamente. Esse princípio é afastado pela própria
LUIZ f. V. A. GUJIJjE_RME
ARTS. 331 A 333
1 317
natureza da obrigação, portanto, as partes devem estabelecer um novo prazo, já que ninguém poderá exigir, imediatamente, a obrigação de dar algo que não está ao sell alcance, por exemplo. Em suma, não tendo sido ajustada época para o pagamento e não havendo disposição legal em contrário (arts. 315 e 316 do CC), pode o credor exigir o cumprimento da obrigação. Mesmo assim, o credor deverá constituir o devedor em mora e aguardar prazo razoável para o cumprimento.
Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor. Este artigo trata das obrigações condicionais, que são aquelas que subordinam seu efeito, total ôu parcialmente, a evento futuro e incerto, portanto, cumpre-se na data do implemento da condição, competindo ao credor a prova de que de tal evento teve ciência o devedor. Um exemplo desse tipo de obrigação: alguém se obriga a adquirir um carto de uma montadora por preço "x" fixo depois de já terem sido vendidos um milhão de automóveis sem dar problema eui nenhum. Atingida a venda necessária e desta tendo ciência inequívoca o devedor, a obrigação deverá ser imediatamente satisfeita. Ao credor cabe a prova que deverá ser enviada via notificação para que o de,vedor seja informado, a fim de que seja constituído em mora. Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de ven-
cido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato (autonomia da vontade-art 421 do CC) ou por norma (ordenamento jurídico), nos casos descritos nos incisos deste artigo. No entanto, se houver na dívida solidariedade passiva, seu vencimento antecipado, nos casos arrolados, relativo a um dos codev'edores não atingirá os demais. A lei civil proíbe que o credor exija antecipadamente o cumprimento da obrigação, permitindo apenas a cobrança antecipada se ocorrerem algumas das hipóteses previstas nos três incisos deste artigo ou outras hipóteses de cunho especial, como no caso do art. 1.4251 que dispõe: "a dívida considera-se vencida: 1- se, deterioraJldo-se, ou depreciando-se o bem dado em seguran~ desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou: substitui.r; IJ - se o devedor qijr em insolvência ou falir; UI - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execuç.'io imediata; IV - se pere-
318
1 ARl 333
LUIZ F. V. A. GUILHERME
cer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor''. I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; A falência pode ser analisada sob dois·aspectos: 1) estático: é a situação do devedor comerciante que não consegue pagar pontualmente seu débito líquido, certo e exigível; e II) dinâmico: é um processo de execução coletiva institwdo por força da lei e em benefício dos credores. Falência é, pois, a condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha a disposição para executar a contraprestação, em valor suficiente, realizável no momento da prestação. A falência é, por isso, um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas. Assim, a falência se caracteriza aomo um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante, no q_ual concorrem todos os credores para o fim de ao-ecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais. Falido é o insolvente, porque sem património não faz frente às suas dividas. Inadimplente é aquele que não paga as suas dívidas. O primeiro passo do insolvente é a inadjmplência. Pessoa física não comporta falência. Pessoa f{sica é ínadimplente e insolvente. A finalidade da falência é reunir os bens do devedor, e com o que se salvar paga-se aos credores. Portanto, ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores. II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; Ao credor assistirá o direito de cobrar a divida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado em leí, também, se os beos, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor. O art. 856, caput e§ 2°, do CPC/2015 dispõe: "a penhora de crédito) representada por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do doc1,1.me11to, esteja ou não em poder do devedor, [. , . ] § 2° O terceiro só se exonerará da obrigação, depositando em juízo a importância da dívida". III - se cessarem, ou se se tornarem insuficien tes, as garantias do déb ito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
LUI.Z f. V. A. GUJIJjE_RME
ARlS. 333 E334
J
319
Além dos incisos I e U deste artigo, o inciso em comento prevê que ao credot assistirá o direito de cobrar a divida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado no ordenamento jurídico se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Garantia é a obrigação que uma pessoa tem perante a outra de indenizar pelo dano sofrido ou de assegurar uma obrigação, uma intenção, um sentimento etc.; prova, segurança; docun1ento com que se assegura a autenticidade ou a boa qualidade de um produto ou serviço e se assume, co1n o comprador ou usuário, o compromisso deressarci-lo em caso de ineficiência ou fraude comprovadas. Garantia fidejussória ou pessoal é a que estabelece um direito pessoal daquele a quem é dada, já a garantia real é aquela que constitui um direito real (art. 1.225 do CC) em favor daquele a quem é dada; tais como penhor, anticrese, hipoteca (Adcoas, n. 76.301, 1981) e propriedade fiduciária ou alienação fiduciária em garantia (arts. 1.361 a 1.368-B do CC, art. 66 da Lei n. 4.728/65, com alterações do DL n, 911/69, e art. 4° da Lei n. 6.071/74). Parágrafo úni,co. Nos casos deste artigo, se houver, n,o débito, solid(U'iedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes. O parágrafo único do artigo em comento trata da solidariedade passiva. A solidariedade é a vinculação jurídica pela qual, na mesma obrigação, concorrem vários credores ou devedores, cada qual com direito ou ob1igação na divida toda. A solidariedade pode, portanto, ser ativa (vários credores) ou, como no caso em tela, passiva (vários devedores) (arts. 130, III, e 1.005, parágrafo único, do CPC/2015, e arts. 264 e 265 do CC). Portanto, se houver, na divida, solidaiiedade passiva, seu vencimento antecipado, nos casos anteriormente comentados, relativo a um dos codevedores, não atingirá os demais. CAPÍTULO li
DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO
Art. 334. Consider.a-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais. O conceito de -pagamento em consignação vem expresso no próprio artigo em que se considera pagamento, e extingue-se a obrigação de dar, não sendo -possível na de fazer e não fazer pela impossibilidade física de tal coo-
320
1
ARTS. 334 E335
LUIZ F. V. A. GUILHERME
signação, o depósito judiciaJ ou em instituição financeira da coisa devi.da. O pagamento em.consignação é o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, através da ação de consignação. O efeito do depósito judicial é a liberação do devedor. Sua natureza jurídica é mista ou híbrida, já que tem tanto natureza processual como n1aterial. O depósito extrajudicial, e1nbora esteja previsto em norma de natureza processual (arts. 539 a 549 do CPC/2015), é um instrumento de natureza material, apto à extinção de obrigações de natureza pecuniária.
Art. 335. A consignação t em lugar: Nos casos legais de consignação poderá ser proposta ação se: I) houver mora accipiendi; II) o credor for incapaz de receber; III) ocorrer dúvida sobre quem seja o legítimo credor; e IV) pender litígio sobre- o objeto do pagamento. Pot exemplo, na consignação etn pagamento cambial vencida e em poder do beneficiário, não pode ele discutir a causa da obrigação para evitar o seu resgate (RT 291/772). Os incisos do art. 335 elencam as hipóteses que admitem a consignação em pagamento.
I - se o credor não puder, ou, sem justa ca usa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; Este inciso autoriza a consignação em pagamento na hipótese de mora do credor, nesse caso sendo caracterizada na hipótese em que esse não puder receber nos termos e condições aprazados ou, ainda, caso esse se recuse injustificada1nente- a recebê-lo ou a dar a devida quitação, que é um direito do devedor expressamente previsto no art. 319 deste Código, e que, caso violado, poderá gerar a retenção do pagamento, sendo a via consignatótia a apropriada para a solução dessa questão. A lei determina como regra do local de pagamento o domicílio do devedor, salvo convenção das partes, pela natureza da obrigação, das circunstâncias ou disposição legal em contrário. Nessas hipóteses, caso o credor não for pessoalmente ou mandar um tercei~ ro para receber o pagamento no local, seja no domicilio do devedor, seja em qualq_uer outro local combinado, no tempo e nas condições devidos, o mesmo estará em moi:a, o que consequente-mente dará ao devedoI o direito de consignar a coisa devida, para que o credor a receba, sem escusas, afastando a mora do devedor. II - se o credor não for, nem mandar r eceb er a coísa 110 lugar, tempo e condição devidos;
LUIZ f. V. A. GUJUjE_RME
ART. 335
1 321
O inciso U também autoriza a consignação em pagamento na hipótese de mora do credor, nesse q,.so, como no do inciso anterior, sendo caracterizada na hipótese em que este não puder receber nos termos e condições aprazados ou, ainda, caso ele se recuse injustificadamente a recebê-lo ou a dar a devida quitação, que é um direito do devedor expressamente previsto no art 319 deste Código, e que caso violado poderá gerar a retenção do pagamento, sendo a via consignatória a apropriada para a solução dessa questão. III - se o credor fo r incapaz de receber, for desconhecido, d eclarado ausente, ou residi:r em lugar incerto ou de acesso perigoso o u difícil; O inciso III trata da hipótese de o credor ser incapaz de receber, .s.e for desconhecido, declarado ausente ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso. A possibilidade de consignação nesses casos preserva ô devedor, que poderá eximir-se da mora e do inadimplemento. Como exemplo podemos citar uma obrigação devida ao credor que falece, devendo o pagamento ser efetuado diretamente para o sucessor do de cujus que é desconhecido do devedoc, ou ainda que é conhecido mas que não se sabe onde reside. Outro caso típico é do credor menor que não terá poderes para dar a quitação ao devedor, n.esse caso é legítima a consignação da coisa até amaior:idade do credor para que assim receba o pagamento. IV - se ocorrer d óvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; Nos mesmos moldes do inciso anterior, determina o inciso IV que será admitida a consignação quando o devedor não tiver certeza da pessoa legítima para receber o objeto do pagamento. Mais uma ve:z. a legislação protege o devedor de eventual alegação de mora ou inadimplemento e ainda oferece ao mesmo uma forma segura de efetuar o pagamento da dívida.
V -se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Por fim, permite a lei a consignação da coisa na hipótese de pender litígio sobre o objeto do pagamento. Por exemplo, caso haja disputa judicial pela propriedade de determinado únóveJ, ficará o locatário do mesmo autorizado a depositar o valor dos aluguéis devidos, uma vez que dessa fonna oão pagará indevidamente, resguardando seu direito. Entende-se, portanto, que os três últimos disposhivos que tratam da consignação visam à proteção do devedor para que o mesmo não efetue o pagamento à pessoa errada, eis q ue, se o ti-
322
1
ARTS. 335 A 338
LUIZ F. V. A. GUILHERME
zer, deverá pagar novamente, segundo os ditames do art. 308 deste diploma legal, que originou o consagrado ditado "quem paga mal paga duas vezes'~ Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo; todos os requisitos sem. os quais não é válido o pagamento. Para que se tenha a consignação como força de pagamento, é necessário reuniJ as condições subjetivas (arts. 304 a 312 do CC) e objetivas (arts. 233, 244,313 a 315 e 318 a 320 do CC).A consigna~odeverâ ser livre, completa e real. O depósito integral é o que corresponde à totalidade da prestação sobre a qual pende o litígio {art 545 e parágrafos do CPC/2015). Se a lide versar sobre a totalidade de um contrato, integral é o depósito que corresponde a esse valor atualizado e com todos os acréscimos devidos em virtude do contrato e da norma jurídica, Caso o litígio se circunscrever a parcela desse negócio jurídico, o pagiunento ocorrerá com todos os acréscimos devidos pela lei e pelo conti:ato. Por fim, entende-se que pagamento é a execução voluntária e exata, por parte do devedor, da prestação devida ao credor, no tempo, forma e lugar previstos no título constitutivo.
Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto q ue se efetue, para o depositante, o s juros da dívida e o s riscos, salvo se for julgado improcedente. A oferta do depósito deverá proceder no local convencionado para o pagamento; feito o depósito, o devedor estará liberado da obrigação, exceto se for a ação de consignação julgada improcedente, porque, nessa hipótese, não houve pagamento. Ademais, no caso de o autor não protestar na inicial, prestações vincendas, o depósito destas, irregularmente feito, não influi no valor da causa (RT 181/299). O lugar do pagamento, foro competente para a consignatóría, em regra é o do domicilio do devedor, já que a dívida quérabk, podendo as partes pactuar de maneira diferente. Se tiver sido designado mais de um lugar para o pagamento, este se fará no lugar que o credor escolher. Duas são as exceções à regra de que as p11.rtes podem livremente pactuar o local do pagamento: I) pagamento referente a obrigação cuja natureza imponha solução diversa da regra e II) se o pagamento copsistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far- se-á no lugar onde sjtuado o bem (art 328 do CC). Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as
LUIZ f. V. A. GUJLHE.RME
ARTS. 338A340
1 323
respectivas despesas, e subs•stindo a obdgação para tod1,1s as consequências de direito. A consignação é um meio de cumprir a obrigação que a lei oferece ao interessado em evitar os efeitos do inadimplemento, portanto, nesse caso, se a consignação for extrajudicial, o credor será notificado por depósito bancário para, no prazo de dez dias, impugná-la, sob pena de o devedor ficar exonerado; caso o credor a aceite, não poderá ser mais levantada pelo devedor a quantia depositada. Portanto, o devedor só poderá levantar o depósito se houve recusa expressa do credor. O artigo é autoexplicativo em dispor que, enquanto o credor não declarar, por livre-inidativa, que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo o vínculo. Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá le,vantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.
Julgado procedente o depósito na ação de çonsign.ação, o devedor n.ã o poderá levantá-lo, embora o credor consinta, e,cceto se houver acordo com outros devedores para resguardar seus direitos. Na ação consignatóri.a, não é devido o depósito de parcelas vencidas posteriormente à sentença. O depósito de valor maior que o efetivamente devido, em decorrência de erro de cálculo, não obsta a que se declare extinta a obrigação pelo valor correto, deferindo-se ao credor o levantamento da quantia efetivamente devida (II TACSP, Ap. n. 543061-00/0, reJ. Juiz Diogo de Salles, j. 05.04.1999). Pararesguardar os direitos de outros- devedores e fiadores, a lei delimita a autonomia da vontade do devedor em levantar o depósito realizado havendo anuência de todos, ou seja, credor, codevedores e fiadores; o depósito poderá ser levantado atendendo-se à liberdade de contratar (art.421 do CC).
Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no levant~ento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam. com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores que não tenham anuído. Caso o credor, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, consinta no levantamento desse, os codevedores e fiadores têm direito a ser ouv:idos. Se não o forem ou se discordarem, ficarão então desobrigados. ft importante ressaltar que a obtigação não se extingue, permanecendo vinculado o consignante, mas, em relação à coisa consignada, perde o credor os direitos e
324
1 ARTS. 340 A 342
LUIZ F. V. A. GUILHERME
garantias sobre esta. Em sede de ação de consignação em pagamento, não pode o credor se recusar a receber seu crédito com base na alegação de que o depósito efetuado pelo devedor foi insuficiente, pois se trata de questão insuscetível de discussão no procedimento consignatório. Eventuais diferenças em favor do credor poderão ser cobradas em ação própria (TJRN, Ap, n. 99.001393-6, rei. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 25.10.1999, RT 782/380).
Art. 341. Sea coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no m esmo lugar onde estâ, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada. Quando a coisa for imóvel ou corpo certo, porque era o único bem devido ou por ter perdido o credor o direito de preferência, ou seja, o direito de prelação (revogado nô DL n. 25/37 pelo novo CPC), antes de ocorrer a consignação deverá o devedor citar o credor para que venha recebê-la nolocal onde se encontrar ou naquele que seja o local do pagamento, sob pena de ser deposit.ada, isentando-se o devedor de qualquer responsabilidade. O art. 540 do CPC/2015 dá estrutura instrumental a este artigo do CC, que dispõe: "quando a coisa devida for corpo que·deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a consignação no foro em que ela se encontrà~ Note,-se que o artigo em comento trata de tornar a obrigação de prestar corpo certo quérabte, independentemente do que tenha sido anteriormente pactuado, diante do permissivo alusivo à natureza da ação (caput do art. 327 do CC). Art. 342. Se a escolha da coi.c;a indeterminada competir ao credor, será ele citad o para esse fim, sob comínação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente. Caso a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, deverá este ser citado a fazê-la, sob a cominação de perder esse direito e·de ser a opção devolvida ao devedor. Não comparecendo o primeiro para exercitar o seu direito, o devedor fará o depósito da coisa que escolher. Portanto, verifica-se que coisas determinadas pelo gênero e pela qualidade Jazem com que a escolha pertença ao devedor, se o contrário não resultar do título. O art. 244 do CC complementa a disposição do art 34Z quando faz a ressalva que o devedor não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor. A coisa incerta é gênero e seu objeto vem a ser determinado quando do ad.implemento em ato de escolha; caso não baja disposição convencionando, a escolha cabe ao devedor, q ue deverá ser balizada: nem o pior nem o melhor, e sim o mediano,
LUIZ F. V. A. GUJLHE.RME
Al{TS. 343 A 345
1 325
Art. 343. As despesas com o dep ósito, quando julgado proced ente, correrão à conta do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor. Quando efetuado o depósito, as despesas judiciais caberão ao credor, se o magistrado julgar a ação procedente, e ao devedor, se improcedente. A jurisprudência entende que as despesas do depósito referidas neste artigo ~iio estritamente as da guarda da coisa depositada (RT 188/266). Os arts. 82 a 96 do CPC/2015, além das resoluções de cada Tribunal pátrío, tratam das despesas judiciais tidas como aquelas destinadas a promover o andamento de um processo. Abrangem custas processuais, pagamento de peritos, comissões, taxas, conduções e remuneração do assistente técnico. Em suma, a5 despesas de que trata este artigo devem-se ater ao objeto do depósito, ou seja, a guarda da coisa depositada, e não todas as despesas judicia.is descritas anteriormente.
Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento. Se ocorrer litígio sobre a coisa e se não estive( esclarecjdo a quem caiba o recebimento dessa, havera ensejo para consignação. Todavia, caso o devedor não promova a consignação, assumi(á então os riscos da escolha que fu,.er da pessoa a quem pagar, dependendo do êxito da demanda. Caso o vencedor seja terceiro, ficará o devedor obrigado a pagar ao verdadeiro credor que venceu a demanda, tendo o direito de pedir a devolução do que pagou antes da decisão da ação, ao litigante vencido, a fim de não gerar enriquecimento sem causa (art. 884 do CC). Em suma, o devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, asswnirá o risco do pagamento.
Art. 345. Se a divida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação, Como a ação de consignação é privativa do devedor ( ou terceiro, nos termos do art. 539 do CPC/2015) para liberar-se do débito, caso a dívida vença e não haja depósito feito por ele, qualquer um dos credores estará autorizado a receber a consignação. Dessa forma, estará garantido o direito de receber a satisfação do crédito, ficando o devedor exonerado de tal obrigação e sendo irrelevante saber qual dos credores será reconhecido como detentor legítimo do direito creditório. Portanto, não é possível a consignação de prestação vencida antes da data do ajuizamento da ação consignatória (H
326
LUIZ F. V. A. GUILHERME
1 ARTS. 34 5 E346
TACSP, Ap. n. 95994:0·0/6, reL Des. Gomes Varjão, j. 07.11.2000). Orlando Gomes prelecionava que, com o escopo de proteger aquele que será apontado como verdadeiro credor, admite-se, como e."raticados p or q uem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nom e foram praticados, salvo se este o s ratificar. O dispositivo institui uma hipótese de ineficácia relativa, ou seja, ato praticado com abuso de poder pelo mandante existe e é válido, porém, não produz efeitos perante o mandatário, face ao qual é ineficaz. Sobre abuso de poder, veja-se o quanto anotado ao art. 665 do CC, adiante. Em se tratando de atos, assim inquu1ados e praticados em juizo, são havidos por inexistentes, conforme texto expresso do art. 37, parágrafo único, do CPC/73 (art. 104, § 1°, do CPC/2015). Nesse sentido, a Súmula n. l 15 do STJ assim expõe: ''Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos''. Se o mandatário não age além dos seus limites contratuais, mas atua contra o firmado no mandato, submete-se às consequências do art. 665 do CC. Se agir contra as instruções do outorgante, aplica-se-lhe o art. 679 do CC. Os defeitos do ato praticado sem poderes, ou sem poderes suficientes, são afastados pela ratificação daquele em nome de quem foi praticado. Ratificar é confirmar ou autorizar o ato juridico praticado por quem n ão tem poderes para tanto após a prátka do ato, e, para os efeitos do ato (De Plácido e Silva), equivale, ao outorgar poderes, ao próprio ato de fir:mar o mandato, constituindo mandatário, com a especificidade temporal de ser praticado posteriormente. Veja-se o art. l.205, II, do CC, sobre aquisição da posse por quem não tempoderes, sujeita a ratificação. Par ágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato ineq uívoco, e retroagirá à data d o ato. Pode um tal ato, todavia, irradiar sua eficácia desde a data de sua prática, retroativamente, portanto, se ratificado pelo mandante. A ratificação pode ser expressa, se dirigida direta.mente a essa :finalidade, ou tácita, se consistente em algum ato dirigido a outro objetivo incompatível com a impugnação, tal como, por exemplo, um ato de pagamento da dívida assumida. Art. 663. Sempre que o mandatário estip ular negócios expressamente em nome d o mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mand atário pessoalmente obrigado, se a gir no seu próprio nome, a inda que o negócio seja de conta do manda nte. Responsabilidade pessoal do mandatário que agiu em nome próprio é a responsabilidade incidente sobre o patrimônio desse mandatário, a pessoa que praticou os atos em questão, ou a atividade de administração de interes-
LUIS V. OONDELU
ARTS. 66l A 665
j
517
ses, sem fazer emprego do nome do mandatário. A regra constante deste artigo há de ser interpretada com atenção à exceção de ratificação posta pelo art. 662, parte final do caput, do CC. Daí decorrem dojs efeitos: o mandante oão tem ação contra quem concluiu os contratos com o mandatário atuante em nome próprio, e vice-versa, as mesn1as pessoas não podem acionar o mandante. A Súmula n. 60 do STJ citada an teriormente nas explicações ao art. 653 do CC, e harmônica com a presente regra, é enunciada nos seguintes termos: "ti nula a obrigação cambial assumjda por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste':
Art. 664. O m andatário tem o direito de reter, do objeto da operação q ue lhe foi cometida, qua nto baste p ara pagamento de t udo que lhe for devido em consequência do mandato.
A regra deste artigo institui dfreito de retenção a faV(>r do mandatário. Objeto da operação compreende o bem, ou bens, sobre o(s) qual(is) mcidiram os atos ou a atividade administrativa do outorgado. Os atos e a atividade de administração constituem o objeto do próprio contrato de mandato. Assim, tem-se uma norma juridica cujo objeto é um comport(lmento humano consistente em um contrato de mandato. Esse contrato tem por objeto o ato ou a atividade de administração. O ato ou a atividade de administração, por sua vez, têm por objeto wn bem jurídico, que pode tanto ser corpóreo, uma coisa imóvel a ser vendida, por exemplo; um bem imaterial, um crédito qualquer a ser negociado; ou ainda amb os, o corpo e o patrimônio postos em comunhão no âmbito de um casa1nento celebrado mediante procuração, verbi gratia. Tal regra expressa decorre da proibição do enriquecimento sem causa. Em sendo oneroso o contrato, podem ser retidos os valores pertinentes às despesas - custas, por exemplo - e aos honorários; porém, se gratuito, apenas podem ser retidos os meios necessários à restituição das despesas havidas pelo 1nandatário. Sobre executividade da decisão judicial q ue determinar os honorários, e do próprio contrato escrito de manaato; bem como seu privilégio e alcance, veja~se o art. 24, caput e§ 4°, da Leí n. 8.906, de 04.07.1994. Sobre o direito de retenção de cojsa possuída em razão do mandato para pagamento de despesas havidas no desempenho dos deveres do mandatário, veja-se o art. 681 do CC.
Art. 665, O mandatário q ue exceder os poderes do m andato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.
518
1 ARTS. 665 E666
LU!s V. DONDE.lll
Exercido de poder em excesso é ato ou atividade praticada além dos limites estabelecidos; é uma espécie de abuso de poder. Também é espécie de abuso de poder - e o te:>.'to do artigo menciona o procedimento contra os poderes recebidos - o desvio de finalidade, isto é, a prática de ato com finalidade diversa daquela estabelecida pelo mandante. No mesmo gênero está o abuso por omissão, concretizado na recusa do mandante em praticar atos devidos ou aptos a atender ao interesse do mandatário. A prática de ato excessivo do mandatário, ou procedimento contrário aos poderes recebidos, retira-o, quanto aos atos abusivos, do sistema de regras pertinentes ao mandato e faz da pessoa saliente um mero gestor de negócios, mantido nessa posição até que eventual ratificação dos atos seja praticada pelo mandante. A relação jundica, caso instaurada em consequência desse exerácio abusivo, vincula apenas o pretenso mandatário e o terceiro contratante - por exemplo, algum comprador de uma casa que foi vendida e deveria ter sido apenas locada, ou nem isso. Se o excesso for temporal, ou seja, o ato foi praticado ap6s o termo final do prazo de vigor do mandato, incidem as mesmas regras 1 especialmente quanto à irresponsabilidade do antigo mandante. A responsabilidade pelos atos excessivos alcança até as despesas e os encargos decorrentes da prática iUcita. Sobre a gestão de negócios, vejam-se adiante os atts. 861 e seguintes do CC; especialmente sobre a ratificação de atos de gestor de negócio, a qual produz todos os efeitos de mandato, veja-se o art. 873 do CC. Sobre aresponsabilidade pessoal decorrente de assinatura lançada, abusivamente, em titulo de crédito, veja-se o art. 892 do CC. Sobre o ato de abuso dos-poderes do mandato por excesso, no Direito romano, veja-se Paul. 32 ad ed., D. 17, 1, 5. Sobre a gestão de negócios no Direito romano, veja-se D. 3, 5 - De negotiis
gestis. Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformJdade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores. O artigo contém regra sobre a capacidade jurídica de pessoa fi'sica inserta na Parte Especial do CC, que excepciona o quanto esmtuido no art, 171, I, deste Código. Legitima o sujeito maior de 16 anos e menor de 18 para o fim espeçífico de ocupar, como outorgado, polo 11a relação jurídica decorrente do contrato de mandato. Embora ponha regra especial, o si.stema geral sobre responsabilidade civil do menor é invocado expressam.ente· no pertinente ao demais da matéria. Cabe, portanto, a assistência do representante legal do sujeito relativamente incapaz mandatário. Tudo coerente com a estrutura das relações jurídicas instauradas, com fundamento em um mandato, em nome
LUIS V. OONDEW
AJUS. 666 E667
i
519
do mandatário e por sua conta ou responsabilidade, excluídos seus atos abusivos. Existem outras regras aplicáveis ao tema, situadas alhures, porém, neste mesmo CC; por exemplo, foi estabelec.ido que a menoridade ocultada, dolosamente, não é apta para elidir a responsabilidade do adolescente, conforme consta do art. 180 deste Código. Sobre o descabimento de Testituição da quantia pecuniária paga a incapaz, em razão de obrigação anulada, veja-se o art. 181 do CC. Quanto à legitimidade para ser outorgante, veja-se o comentário sobre o art. 654, caput, supra.
Seção li Das Obrigações do Mandatário
A seção em tela institui um rol do complexo de posições jurídicas subjetivas enfeixadas ao redor do polo chamado mandatário, da relação jur!dic.a constituida pelo contrato de mandato. Não se trata de um rol taxativo, mas meramente exemplificativo, pois há deveres postos em outros artigos, por exemplo, nas disposições gerais do capitulo comentado, no art. 663. Ao contrário das disposições gerais, os deveres aqui articulados, bem como as respectivas exceções, têm aplicação exclusiva ao mandatário.
Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência h abitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prej uízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, podesres que devia exercer pessoalmente. Este artigo distribui a responsabilidade civil em matéria de substabelecimento, que é ato praticado pelo mandatário, no sentido de transferir, no todo ou em parte, os poderes outorgados pelo mand:wte. Não tem forma prescrita em lei - art. 655 do CC -, salvo o estatufdo pelo art. 654 do CC, sobre seu conteúdo. Pode conter a cláusula de reserva de iguais poderes, pela qual o substabelecenté e o substabelecidó mantêm os poderes substabelecidos em cotitularidade, cooperando para a consecução dos fins do mandato. O ini~ cio do caput deste artigo, combinado com o art. 675, caracteriza a bilateralidade do mandato e impõe, ao mandatário, a obrigação de agir com "toda sua diligência habitual"; ou seja, o outorgado tem o dever de praticar os atos e administrar os interesses do outorgante, como se dispusesse do que lhe é próprio. Por exempJ.o, no conserto de um veiculo, está obrigado a buscar os mesmos serviços, ou profissionais, que utilizaria para reparar o próprio automóvel. Isso é o devido pelo mandatário e esperado pelo mandante. Tal expectativa de uma atividade zelosa é o que se chama confiança. Aqui o legislador recorre à noção romana do bo11us pater familias, sem referência ex-
520
1 ART. 667
LU!s V. DONDElll
pressa ao instituto. Para um estudo das fontes romanas sobre o conceito mencionado, veja-se Ulp. 46 ad ed., D. 50, 16, 195, 2. Já a parte final do artigo e.m questão atribui ao mandatário culposo o dever de indenizar algum prejuízo exper imentado pelo mandante, seja em decorrência da conduta p rópria do mandatário, seja em decorrência da conduta culposa praticada por agente substabelecido em poderes que deveriam ter sido exercidos diretamente pelo mandatário. A respeito da situação do cônjuge possuidor dos bens particulares do outro, veja-se o art. l.652,1I, do CC. § 1° Se, não obstante pr oib ição d o m andante, o mandatário se fizer substituir n a execução do m a ndato , responderá ao seu constituint e pelos p r ejuízo s ocorridos sob a gerência do substituto, em bor a provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria s obrevindo, ainda que não tivesse havido substab elecimento.
O § 1° deste artigo estabelece regra sobre a responsabilidade do mandatário que substabelece seus poderes, violando proibição do mandante. No Direito romano>o caráter personalíssimo do mandato e.ra tão marcante a ponto de ser incluído entre os bons ofkios da amizade, eonforme·consta de Paul. 32 ad ed., D. 17, 1, 1, 4 .Alargada a deUmitaçâo estatuídano caput deste artigo, a responsabilidade do mandatário, em tal caso, é exclusiva, integra] e alcança mesmo os prejuízos decorrentes de caso fortuito. Dentro de tal situação, a única defesa posta à disposição do mandatário é a alegação de superveniência dos prejuízos independentemente do substabeledmento, isto é, a falta do nexo causal entre o substabelecimento, praticado violando a proibição, e os p rejuízos experimentados pelo mandante. Depreende-se das linhas deste artigo que o substabelecimento praticado, mesmo se for proibido, não é inválido, mas ocasiona uma responsabilidade civil mais ampla do mandatário, e sua eficácia perante o mandante está sujeita a r atificação - art. 662 deste Código. Sobre a noção de caso fortuito, veja-se o art. 393i parágrafo único, do CC. Sobre as p erdas e os danos no âmbito contratual, vejam-se os arts. 402 a 405 deste estatuto civil. Para um estudo de Direito r omano sobre a responsabilidade contratual por culpa, veja-se Ulp. 28 ad ed., D. 13, 6, S, 2 e segs. § 2° H avendo poderes de substabelecer, só ser ão imputáveis ao m and atá rio o s danos causad.os p elo substab elecido, se tiver agido com culpa na escolha d este ou nas instruções dadas a ele.
O § 2° deste artigo te.m por objeto uma hip ótese de contrato de mandato em que é prevista, em seu conteúdo, uma cláusula permissiva de subs-
LUIS V, OONOELU
ART. 667
1 521
tabelecimento. À semelhança da hipótese prevista no§ 1°, o contrato de mandato hipotético aqui previsto tem disposição e:Kpressa a respeito dos poderes de substabelecer, porém, em sentido contrário àquele do § 1°, pois, enquanto este último prevê hipótese em que há proibição de substabelecer, o§ 2° aborda hipótese em que há, justan1ente, -uma autorização para substabelecer e estabelece a responsabilidade imputável ao mandatário nos tern1os seguintes: o mandatário responde por danos, se nomeou, culposa1nente, o substabelecido, situação e1n que se verifica um caso de culpa in eligendo; ao contrário, se não há culpa na eleição do substabelecido, mas a culpa ocorre no momento de realizar as devidas instruções ao eleito, então o mandatário será, igualmente. responsabilizado. Para um estudo de Direito romano sobre o instituto jurídico da culpa in elígendo, veja-se Ulp. 18 ad ed., D. 9, 2, 27, 9. § 3° Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos
praticados pelo substabelecido não ob rigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato. O § 3° deste artigo trata, sob aspecto diverso, do substabelecimento levado a efeito contra expressa proibição do mandante, o que já foi matéria do § l 0 , muito embora deva ser ressaltada a circUDstância da forma contratual escrita mencionada pelo § 30, quando alude a procuração, que não é mencionada pelo § 1°. Além da referida circunstância formal, o§ I 0 estatuiu a responsabilidade atribuída ao mandatário que substabeleceu com proibição de fazê-lo, enquanto o § 3° tem -por objeto a eficácia dos atos praticados pelo substabelecido espúrio na esfera juridica do mandante. Conforme seus termos expressos, se o substabelecimento era proibido, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante - isto é, são ineficazes-, salvo ratificação expressa, ratificação essa que acarretará a irradiação retroativa da eficácia dos atos confirmados. Tais atos existem e são válidos, apenas têm sua eficácia suspensa, aguardando a eventual ratificação do mandante para que, somente então, seja irradiada retroativamente, a partir da data de sua prática. O conceito de nulo não se identifica com o de ineficaz: ambos têm em comum a circunstãncia de existirem, porém, nulo é o ato praticado por sujeito incapaz~ ou cujo objeto é ilicito1 ou cuja forma seja ilegal, ou ainda se a lei, expressamente, assim o declarar; mas pode ser eficaz. Vejam-se, por exemplo, os efeitos civis de casamento nulo. Ineficaz é o ato que e.'ressão "ainda que da apólice conste a restrição'' deve ser entendida como a possibilidade de as partes restriugirem os efeitos do contrato de seguro de pessoa a determinados sinistros que provoquem morte ou incapacidade do segurado. A terceira regra é que existem certos riscos que nunca restringirão os efeitos do contrato de seguro, quais sejam a utilização de meio de transporte mais arriscado. a prestação de serviço militar, a prática de esporte ou atos de humanidade em awól.io de outrem. Art, 800. Nos seguros d e pessoas, o segurador não pode sub~rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro. A sub-rogação do segurador nos direitos e ações do segurado contra o au-
tor do dano, nos limites do valor segurado pago, foi objeto de comentário no art 786. O CC estabeleceu, naquele artigo, uma regra. Neste artigo, contudo, o CC prevê uma exceção à regra da sub-rogação. O contrato de seguro de pessoa tem a finalidade de garantir a integridade tisica do segurado; dessa forma, não existe, nessa modalidade de seguro, o pagamento de dívida do segurado nem a indenização (a indenização só existe no seguro de dano) por danos patrimoniais sofridos. Por essa razão, o legislador proibiu a sub-rogação do segurador nos direitos e ações do segurado ou do beneficiário, contra o causador do sinistro, em todas as modalidades de seguro de pessoa.
Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em l'roveito de grupo que a ela, de qual segundo previsão dos arts. 12 e 943, ambos do CC (TRT, 12ª R, RO n. 000197141.2011.5.12.0045, ld T., rel Juíza Águeda Maria 1. Pereira,DOESC31.07.2012).
R.OSAi.JA t V. OMITTO
ART. 94J
1
759
O espólio possui legitimidade ativa para pleitear em juízo a reparação de danos morais sofridos pelo de cujus, direito que se transmite com a herí111ça, em decorrência de inscrição indevida em banco de dados, ao qual se impõe o arbitramento da indenização de R$ 10.000,00 (TJRS,Ap. Cível n. 70.046.874.160, rel. Frederico Westphalen, 9• Câm. Cível, rel.Des. Tasso Caubi Soares Delabary, j. 28.12.2011, DJ 17.01.2012). Direito de herança preservado, por não se confundir o direito personalíssimo da vítima com o direito à ação de seus herdeiros. Dano corporal como cobertura prevista, estende-se aos valores de personalidade, ensejando o dano moral (TJSP, Ap. n. 9l 5l 241-53.2009.8.26.0000, 34ª Câm. de Dit. Priv., rei. Des. Hélio Nogueira, j.06.02.2012, DJ 16.02.2012). CAPfruLO li DA INDENIZAÇÃO
A indenização é o reflexo da obrigação de .indenizar, pois todo aquele que for considerado responsável civilmente terá de ressarcir ou reparar os danos causados. Nesse capítulo estão os parâmetros legais e gerais das normas civis sobre como indenizar. As formas de indenização, no decorrer da história, têm-se mostrado diferentes das da atualidade, entretanto, sempre traduzem uma semelhança com os anseios socioeconómicos da época em que estão em vigor. A realidade do CC/2002 é da reparação do dano, se possível de forma integral, salvo nos casos que serão analisados adiante. Deixou-se o critério da ação cuJposa do lesante do CC/1916 para o critério da indenização do dano e, na medida do possível, reparado integralmente, porque o lesado não deve arcar, além do dano sofrido, com o prejuízo dele decorrente também. A legislação brasileira não entende que a indeni7..ação seja tarifada em 2007. Entende-se que a indenização deve seguir um parâmetro de cláusula geral, com princípios e não com tabelas de tarifação. Importante é atuar na efetiva indenização com critérios de desestimulo ao lesante e compensação ao lesado (Regina Beatriz Tavares da Silva). Critério muito importante é a equidade nos casos de indenização no CC/2002. Convém destacar que a indenização tem algumas funções importantes e inerentes: reparatória (danos materiais); compensatória (danos morais, ainda que não se restabeleça o status quo dos direitos da personalidade); sancionat6ria ou punitiva; e preventiva ou dissuasória (buscando a educação do lesante) (Silmara Juny de Abreu Chinellato). Destaca-se que a responsabilidade objetiva visa à reparação inte!,'J'al do dano; na responsabilidade subjetiva, caso isso não seja possível, pode haver uma análise da culpa do lesante para estabelecer uma indenização proporcional. Há de se considerar que uma parte da doutrina e da jurisprudência tem adotado a teoria da perda de uma chance na aplicação das indenizações. Os dru1os ligados a chances perdidas hão de ser certos, isto
760
1
ART. 944
ROSÁLJA T. V. OMmo
é, danos que não sejam apenas consequência adequada de um determinado fato juddico, como também objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência (Fernando Noronha). A chance não precisa ser analisada por meio de um percentual mlnimo do que seria provável obter, mas deve representar uma probabilidade certa etn obter uma vantagem ou obstar um prejuízo (Glenda Gonçalves Gondin). Para Flávio Tartuce, com suporte em Antonio Junqueira (dano social) e em Giselda Hironaka (responsabilidade pressuposta). o dano social é aquele que r epercute em toda sociedade, podendo ser de ordem patrimonial ou imaterial, em decorrência de condutas socialmente reprováveis, que fazem mal ao coletivo; há dificuldades práticas na efetivação das indenizações, que poderão ser destinadas a um fundo ou, com base no art. 883, parágrafo único, do CC, ser destinadas a uma instituição de caridade local, sendo urna aplicação da função social da responsabilidade c:ivi1.
Art. 944. A indenização med e-se pela extensão do dano. O artigo refet:e-se à indenização integral do dano, ou seja, é uma inovação do presente CC que prestigiou a dignidade da pessoa bµmana. A responsabilidade objetiva não depende da verificação de culpa do lesante, deve ser como está em lei. A doutrina principal da responsabilidade civil deste Código é a busca da reparação do dano. O lesado não deve ficar à mercê de sua própria sorte. O amparo legal e a segurança jurídica trazem estabilidade social. Busca-se uma sociedade com mais responsabilidades independentemente d e verificação de culpa do agente, para que se destaque a valorização da pessoa humana. Com isso, almeja-se, sobretudo, o desestimulo das ações lesivas que geram responsabilidades, obrigações de indenizar e efetivamente indenizações. Não dar margem ao enriquecimento ilícito. O critério legal da indenização na medida da extensão do dano é enfocar o dano em si e não as partes. O caput deste artigo preenche as expectativas de reparação por danos materiais, de forma integral, pelos danos comprovados e lucros cessantes. Entretanto, não atende à reparação aos danos morais, porque dificilmente se terá a efetiva dimensão e a extensão dos danos aos direitos da personalida~ de. A doutrina sugere, como critério, a compensação do lesado e o desestl~ mulo do lesante, com a observação do patrimônio e das condições socioeconômicas das partes envolvidas. O a.rt. 942, anteriormente comentado, estabelece que a reparação de danos tem, como garantia, os bens do responsável para o pagamento da reparação imputada. Importante é destacar que a sistemática do CC veda qualquer medida que deixe o lesante em estado de necessidade ou penúria. Se os critérios para indenização de danos materiais estão presentes, os de fixação de indetüzação de danos morais não. Assim, ao
R.OSÁI.JA T, V. OMITTO
ART, 944
1 761
julgador caberá a tarefa árdua e de alto discernimento: a fixação do q14antum da indenização por danos mora.is, devendo levar sempre em conta as fun~ ções intrfnsecas da indenização em virtude da violação dos direitos morais, ou seja, ser compensatória (não esperar restabelecimento dos direitos da personalidade no status quo anterior)1Assim, a indenização por violação de direitos que geram responsabilidade civil deve ser sancionatória ou punitiva e ser preventiva ou dissuasória (buscando a educação do lesante). Na teoria da perda de uma chance, considera-se que a reparação pela extensão da chance não é contrária ao principio da reparação integral,.pois não se trata de reparação parcial, mas sim da chance, como um dano especifico. Não há de se falar em gradação da culpa, aplicando-se o art. 944, caput, ele art. 403 do CC (Glenda Gonçalves Gondim). Súmula n. 562 do STF: ''Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, paTa esse fim, dentre outros critérios, dos índices de correção monetária". Súmula n. 281 do STJ: "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa". Súmula o. 326 do STJ: "Na indenização por dano moral,. a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência reciproca''. Súmula n. 387 do STJ: "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral''. Súmula n. 498 do STJ: "Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais': Súmula n. 537 do STJ; "Em ação de reparação de da.nos, a se,guradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos lilnites contratados na apólice''. Enunciado n. 456 do CJF - V Jornada de Direito Civil: "art. 944: a expressão 'dano' no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados por legitimados para propor ações coletivas". Sobre o tema: Trauma irreversível, em que se constata a perda dos atributos da neurossensibilidade, mobilidade, consciência, mantendo incólume apenas funções fisiológicas, em quadro de respiração e circuJaCrão, configurada a res{>onsabilidade do cirurgião-chefe da equipe que atendeu a paciente como fulha na prestação do serviço com negligência. Indenização arbitrada em peosionamento mensal de 2 salários rofoiroos, ressarcimento das despesas e danos morais para a paciente emR$ 200.000100 e para o coautor em R$ 50.000,00, com base no art. 944 do CC. Correção desta data (Súmula n. 362 do STJ) e juros de mora contados do evento (TJSP, Proc. n. 000170-20.2001.8.26.0201, 8• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Salles Rossi, j. 19.10.2016, DJESP 08.11.2016, v.u.). Responsabilidade extracontratual do Estado com pedido de reparação material e moral em decorrência de erro médico e ausência de vaga em UTI, comprovados gastos com hospital particular e nexo causal caracter izado,
762.
1
ART. 944
ROSALIA T. V. OMIT(O
dano patrimonial demonstrado e dano moral configurado arbitrado em R$ 5.000,00, com base no art. 944 do CC (TJSP, Proc. n. 3022865-22.2013.8.26.0024, S• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Fermi.no Magnani Filho,j. 21.10.20 16, v.u.}. Erro odontológico configurado por laudo conclusivo em que se demonstrou o erro e a interrupção do tratamento, configurados os danos materiais e arbitrados R$ 9.000,00 por danos morais, pois a situação supera o n1ero dissabor (TJSP, Proc. n. 0006723-60.2013.8.26.0008, 2• Câm. de Dir. Priv., rel Rosangela TelJes, j. 18.10.2016, v.u.). S possível a cumulação da reparação econômica com indenização por danos morais decorrente de prisão e perseguição políticas sofridas à época da ditadura militar (STJ, Ag. Reg. no REsp n. 1.546.152, 2• T., rel. Min. Humberto Martins, j.08.09.2015, Dfe 16.09.2015, v.u.). Autor diagnosticado com nódulo hepático sugestivo de metástase de neoplasía pancreática que teve negativa de coberrura do procedimento de "Radiôblaçào de Nódulo Hepático" pelo seguro saiÍde, considerou-se irrele~ vante a questão do tratamento de lesões hepáticas secundárias não constar do rol de procedimentos obrigatórios da ANS e caracterizando a recusa da cobertura como indevida e abusiva, e reduzindo os danos morais in re ipsa de 50 salários mínimos para R$ 15.000,00, com base no art. 944 do CC. Obra realizada pela ré que importou em danos no imóvel vizinho. Danos materiais configurados, trincas e fissuras, 110 imóvel do autor, no importe de R$ 20.000,00 e danos morais pelo desassossego anormal vivenciado pelo autor em razão das fissuras e trincas causadas pela obra da ré, bem con10 a ,quebra da rotina com vistas à solução do problema, com adoção, inclusive, de ação judicial, fixados em R$ 10.000,00, atendendo as diretrizes traçadas pelo art 944 do CC (TJSP, Emb. Decl. n. 4004930-49.2013.8.26.0224, 3• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Donegá Morandini, j. 21.09.2015, v.u.). Policial militar, em treinamento para controle de tumultos, é alvejado por projétil de borracha com perda do olho esquerdo, do olfato, da mobilidade do lado esquerdo da face, da órbita e seu respectivo assoalho, além de rompimento do nervo inftaorbitário, tem estabelecido o nexo de causalidade com o evento danoso, estabelecendo a responsabilidade da Administração Pública, pois transcenderam os meros dissabores da vida cotidiana, majorando-se a indenização que foi fixada a título de danos morais e estéticos em R$ 300.000,00, ressar~ cimento a título de danos materiais do comprovado nos autos e pensionamento vitalício na base de 30% de sua remuneração (TJSP, Ap. n. 000018585.2012.8.26.0400, 3• Cãm. de Dir. Públ,, rel. Des. Ronaldo Andrade, j. 01.07.2014, v.u.). Dano social caracterizado com a necessidade de se coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contr~tos de seguro saúde cuja indenização tem caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de reais que não se confunde com a destinada ao s~gurado, revertida ao Hospital das Clínicas de São Paulo, nos termos do parágrafo único do art.
R.OSÃUAT, V. OMITTO
AR1944 1 763
883 do CC (TTSP, Emb. Decl. n. 0027158~41.2010.8.26.0564/SOOOO, 4• Câ.m. de Dir. Ptiv., rel. Des. Teixeira Leite, j. 18.07.2013, DJESP 21.01.2014). A de-
cisão que condena, de oficio, em ação inCÜvidu:11, a parte ao pagjllllento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide, extrapola os limites da der manda, configurando um julgamento extra petita e deve ser considerada nula. Danos soei.ais devem ser avaliados em demandas coletivas (STJ, Recl. n. 24.692/ GO, 2• S., rel. Min. RaulAraújo, j. 12.11.2014, DJe 20.11.2014). Diante da ausência de critérios legais para a fixação de quantum indenizatório por danos morais, a intervenção deste Tribunal limita-se aos casos em que a verba for estabelecida em patamar desproporcional à luz do quadro delimitado em primeiro e segundo graus de jurisdição para cada feito. Tendo em vista a jurisprudência desta Corte a respeito do tema e as circunstâncias da causa, deve ser mantido o-valor da indenização, ante sua razoabilidade, em R$15.000100 (STJ, Ag. Reg. no Ag. n. 1.076.860/PR, 3° T., rel. Mio. Sidnei Beneti, j. 17.02.2009, DJ 09.03.2009). Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. As normas contidas neste parágrafo são aplicáveis à indenização que teve. como base a obrigação de indenizar mediante responsabilidade subjetiva, na qual se analisou a culpa do agente causador do dano. Não há lógica juridica em entender que este parágrafo possa ser aplicável em casos de responsabilidade objetiva, em que a culpa não é questionada. Ambas as responsabilidades, objetiva e subjetiva, vigoram no nosso ordenamento jurídico e para cada qual deve haver um critério que seja compatível com sua estrutura. Deve-se ter em mente ao analisar este parágrafo: a responsabilidade subjetiva baseia-se, principalmente, na verificação da culpa; o enriquecimento sem causa é vedado; a função da responsabilidade civil é compensatória, reparatória, punitiva e preventiva; é a cllgni.dade da pessoa humana deve prevalecer, tanto en1 relação ao lesado quanto em relação ao lesante. Assim, a tarefa de estabelecer um critério justo para atender ao ordenamento juridico como um todo está no presente parágrafo, ao possibilitar ao juiz, analisando o caso concreto diante dos elementos fáticos comprovados, estabelecer uma pro~ porcionalidade mais justa, especialmente tendo em vista as necessidades do lesado e as condições do lesante. Certo é que, se o lesant.e tiver condições econômicas para suportar a indenização imposta, ou se sua conduta for culpa grave ou dolo, não há de se falar em redução de indenização. A inteligência do parágrafo está nas situações de culpa leve ou levíssima. De grande importância é a declaração de Miguel Reale: "não existe a plenitude do direito escrito, mas, sim, a plenitude ético-jurídica do ordenamento. O Código é um
764
1 ART. 944
ROSALIA T. V. OMmo
sistema, um conjunto harmônico de preceítos que exigem, a todo instante, recursos à analogia e a princlpios como esse da equidade, de boa-fé, de correção". Parte da doutrina e da jurisprudência pátria tem adotado a presente norma como fundamento para a teoria da perda de uma chance. Trata-se de uma possibilidade e uma certeza, posto que é verossímil que a chance pode,ria se concretizar e é certo que a vantagem esperada está perdida, e disso resulta un1 dano indenizável, há incerteza no prejuízo e certeza na probabilidade; inexiste dúvida que a perda de uma chance contempla casos singulares de culpa médica, quase sempre levíssima ou leve, no que encontra, portanto, terreno apropriado à incidência da redução da indenização por equidade (Miguel Kfouri Neto). Sobre o assunto: Responsabilidade civil com danos morais reflexos. Pensão fixada pelo tribunal de origem ao menor, com iuros contados a partir do vencimento mensal de cada prestação. O princípio da integral reparação deve ser entendido como a exigência de conceder reparação plena àqueles legitimados a tanto pelo ordenamento iuddico. A norma pr evista no art. 944, parágrafo único, do CC consubstancia a baliza para urn juízo de ponderação pautado na proporcjonalidade e na equidade, quando houver evidente desproporção entre a culpa e o dano causado. O Tribunal de origem fixou danos morais reflexos ao autor, menor .impúbere, filho e irmão das vítimas a indenização por danos morais em R$ 140.000,00, à segunda autora - mãe, sogra e avó dos falecidos, o importe de R$ 70.000,00 e aos dois últimos autores - ambos irmãos, cunhados e tios dos de cujus, o valor de R$ 47 .000,00, baseado na lógica de que, se a indenização pode ser limitada para evitar a desproporção a que fuz referência o parágrafo único do art. 944 do CC, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria também uma diluição de valores, em evidente prejuízo daqueles que efetivamente fazem jus à compensação dos danos morais, como cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes (STJ, REsp n. 1.270.983, 4" T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 08.03.2016, DJe 05.04.2016). Autores que reservaram com um ano de antecedência a melhor cabine do navio, contudo, por uma falha no serviço prestado pela agência de turismo, houve a reserva de uma cabine um pouco inferior, o que importou em frustração para os autores, que deverão ser ressarcidos da diferença que pagaram pela cabine efetivamente usufruída em R$ 5.961,20, bem como a inclusão dos honorários advocatícios no importe de R$ 3,011,77 e aplicando-se o parágrafo único do art. 944 do CC, visto que o dano somente foi a frustração e nada mais, readequando-se à indenização e reduzindo os danos morais pa.ra R$ 2.500,00 para cada autor (TJSP, Ap. n. 016068725.2012.8.26.0100, 25• Câm. de Dir. Priv., reL Des. Hugo Crepaldi, j. 17.09.2015, v,u.). A indenização por danos morais, diante da frustração, raiva e humilhação sofddas pelos autores pelo atraso significativo da entrega do imóvel que
ROSÁUA T. V. OMETTO
ARTS. 944 E945
1 765
necessitavam para iniciar a vida de casados, deve ser reduzido de R$ 30.000,00 para R$ 10.000,00, pois o valor deve observar a extensão dos danos e aten, der o princípio da ra.1..oabilidade (TJSP, Ap. n. 1008498-27.2013.8.26.0 I 27, 3• Câm. de Dir. Priv., rel Des. Carlos Alberto Salles, j. 06.04.2015, v.u.). Acidente de consumo decorrente de defeito de qualidade de segurança legitima1ne.11te espeJ"ada do serviço bancário ao se constatar irregularidade na transferência do pagamento da aposentadoria, com restrição creditícia, e c01n base no art. 944, parágrafo único, diante da vultosa capacidade econômica do transgressor; aplicando-se o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, aumenta-se a fixação dos danos morais de R$ 3.000,00 para R$ 10.000,00 (TTSP,Ap. n. 0131954-25.2007.8.26.0003,4ª Câm. Extr. de Dir. Priv., rei. Des. Salles Rossi, j. 11.03.20 IS, v.u.). Relação de consumo entre banco e correntista que teve valores subtraídos de sua conta bancária de forma fraudulenta, cabja ao banco a prova da sua excludente de reSponsabilidade, o que não o fez, contudo, iliante das circunstâncras da causa, a capacidade econômica das partes e as :finalidades reparatórias e pedag6gicas da condenação dessa natweza, considerou-se adequada a redução dos danos morais para o importe de R$ 7.000,00 {TTSP, Ap.n. 4001793-57'. 2013.8.26.0451, rei. Des. Melo Colombi, j. 16.06.2014, v.u.). Acidente de trânsito em que houve vitima fatal de tenra idade com culpas concorrentes, com base no art. 944, parágrafo único, do CC. Aplicação da redução da indenização por dano moral para fixar o valor em R$ 75.000,00 (TJSP, Ap. n. 0000194-02.2004.8.26.0344, 34ª Cãm. de Dir. Priv., rel. Des. Nestor Duarte, j. 22.04.2013, D] 03.05.2013). Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. O artigo trata de distribuição de responsabilidades, ou seja, caso a vítima tenha concorrido para o evento culposo, e aqui se está tratando de responsabilidade subjetiva, deverá ser estabelecida a sua participação no evento para verificar o quantum deverá ser imputado ao autor do dano. :E. importante destacar que, nos casos de responsabilidade objetiva, s6 se admite a culpa exclusiva da vítima como causa excludente de responsabilidade e, portanto, não há causa para indenização. O problema está em como analisar a conduta culpos;i. da vítima.A doutrina especializada, especialmente ao tempo do CC/1916, dava solução matemática: a culpa concorrente seria dividida metade para cada um; outros conduziam à proporcionalidade. Assim, "se a vitin1a tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano" (Flávio Tartuce). Mas corno estabelecer esses cri-
766
1 ART. 945
ROSALIA T. V. OMITl'O
téríos b.oje? A solução encontrada, diante do CC/20021 est.1 na equidade, apurando-se o valor da indenização de acordo com os critérios objetivos (fatos comprovados na ação, por exemplo) e subjetivos das partes envolvidas na obrigação de indenizar. Destacam-se os requísitos da equídade, esclarecendo o tema: "l -A despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, concernente ao uso da equidade, essa autorização não é indispensável, uma vez que não apenas pode ser implícita, corno ainda o recurso a ela decorre do sistema e do direito natural. 2 - A equidade, entretanto, supõe a inexistência, sobre a matéria, de texto claro e inflexível. 3 -Ainda que, a respeito do objeto, haja determinação legal expressa, a equidade tem lugar, se o mesmo for defeituoso ou obscuro, ou simplesmente, demasiado geral pata abarcar o caso concreto. 4 -Averiguada a omissão, defeito ou acentuada generalidade daJei, cumpre, entretanto, antes da livre criação da norma equitativa, apelar para as formas complementares de expressão do direito. 5 - A construção da regra de equidade não deve ser sentimental ou arbjtrária, tnas o fruto de uma elaboração cientifica, em harmonia com o espúito que rege o sistema e especialmente com os princípios que informam o instituto objeto da decisão" (Rubens Limongi França). Sobre o assunto: Acidente de trânsito com atropelamento. Caracterizada a culpa concorrente, com violação do dever de cuidado. Configurado esse dever de diligência qualificado pelas coodições adversas da pista, sendo suficiente a prova da imprudência a justificar a indenização, com base no art. 944, parágrafo único, e no a:rt. 945 do CC (TJSP, Proc. n. 1003708-07.2014.8.26.0663, 30ª Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Maria Lúcia Pizwtti, j. 19.10.2016, DJESP 07.11.2016). Direito de vizinhança em que se constata pela prova técnica uma combinação de diversos fatores que resultaram no acidente e que as partes negligenciaram a manutenção do muro divisório, o que contribuiu para o seu desmoronamento, a .fixação da responsabilidade de reparação dos danos causados deve ser igualmente repartida entre as partes, com base no art. 94-5 do CC (TJSP, Proc. n. 0034640-22.2012.8.26.0224, 29• Câm. de Dl.r. Priv., rel. Des. Carlos Dias Motta, j. 26.10.2016, DJESP 07.11.2016). Autor, vítima do furto, contribuiu para o evento danoso ao esquecer a chave da motocicleta na ignição quando estacionou o veículo.Após a ocorrência do fato, o autor noticiou o acontecido ao segurança do estacionamento do shopping e declarou. por escrito, que percebeu que esqueceu a chave na ignição do veículo e depois não o encontrou, assim, reconhecida a concorrência de responsabilidades, com base no art. 945 do CC, deve-se redUZÚ' o montante a ser indenizado pelo réu e estabelece-se que a repartição do prejufao seja proporcional entre as partes, em igual repartição de culpas, ou seja, reduzindo-se pela metade o valor do prejuízo do réu. E o dano moral tem natureza in re ipsa e, por isso, prescinde de demonstração, mantendo-se a indenização em R$ 2.500,00 (TTSP, Ap. n. 1007427-
R.OSÁLJAT. V. OMITTO
ARTS. 945 E946 1 767
13.20] 4.8.26.0011, l O• Câm. de Dir. Prív., rei. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 15.09.2015, v.u.). Diante da omissão da prefeitura de município em sinalizar e fechar buracos na avenida, o que contribuiu para a queda da autora com sua motocicleta, que trafegava em alta velocidade, vindo a perder o controle e chocar-se contra o muro, assim, reconhece-se a culpa concorrente da vítima, com base no art. 945 do CC, para reduzir a condenação à metade da indenização moral e material (TJSP, Ap. o. 0005919-25.2011.8.26.0344, 28• Câm. de Dir. P:riv., rei. Des. Celso Pimentel, j. 26.08.2015, v.u.). Pais e avós que querem embarcar com bebê para Argentina sem RG do menor concorrem em culpa, nos termos do art. 945 do CC, com a agência de turismo que não informou adequadamente sobre a questão da necessidadedo documento. Indenização reduzida à metade (TJSP, Ap. n. 0003507-52.2013.8.26.0506, 28• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Celso Pimentel, j. 14.08.2015, v.u.). Aciden· te de trãnsíto em que há o reconhecimento da culpa concorrente; a indeni· zação deve ser reduzida à metade, pois a autota não era habilitada e sofreu acidente com o proprietário da moto na garupa, e em decorrência do acidente fica tetraplégica. São reconhecidos os danos, reduzindo-se à metade os danos morais (75 salários mínimos), cumulados com pensão vitalícia de um terço do salário mirúroo e danos materiais relativos ao tratamento serão suportados no importe de 50% pelo réu (T)SP, Ap. n. 001l902-64.2008.8.26.0132, 30~ Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Penna Machado, j. 13.08.2014, v.u.). Na compra e venda de veículo com faturamento que recaiu sobre bem com ano de fabricação divergente do que constou no contrato, cuhninando com o registro do veículo incorreto perante a autoridade de trânsito, uma vez que a correção dependia do fornecimento de documentos por parte da adquirente e, todavia, esta se recusou a fornecê-los administrativamente, contribuindo culposamente para o ag1"avamento dos danos materiais reclamados na exordial. A indenização foi reduzida nos termos do art 945 do CC em SOo/o da condenação de primeira instância de R$ 5.000,00 (TJSP, Ap. o. 000974506.2011.8.26.0006, 32• CâJn. de Dir. Priv., rei. Des. Ruy Coppola, j. 08.08.2013, DJ 15.08.2013).
Art. 946. Se a oprigação for indeterminada, e n ão houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar. A norma contida no presente artigo trata da liquidez da obrigação de indenizar. Assim, se a indenização não for exequível na própria sentença condenatória, ou seja, se for sentença. ilíquida, deve-se promover a liquidação da mesma por ação, nos moldes do direito processual ou por convenção entre
768
1
ARTS. 946 E !147
ROSÁLIA T. V. OMIT(O
as partes (arts. 509 a 512 do CPC/2015). Se a indenização já for exequível, ou seja, a se.ntença condenatória já trouxe a indenização de forma Uquida e certa, o lesante poderá promover a cobrança desse título e.xecutivo judicial. Sobre o tema: Ação de indenização em que ficou comprovado a culpa do réu, com dever de indenizar configurado, há dano certo, mas indeterminado que depende de liquidação por artigos, com base no art. 946, relacionado às despesas com o tratamen to, pensão vitalícia e redução dos danos morais para R$ 60.000,00 (TJSP, Ap. n. 0000903-50.2008.8.26.0262, 29• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Hamid Bdine, j. 29.01.2014, v.u.). Indevida interrupção na prestação de serviços de telefonia fixa e de banda larga de internet por preposto da ré, que deveria apenas cancelar serviço de TV a cabo, com serviço restabelecido somente após a concessão de antecipação de tutela. A ré foi condenada a indenizar a autora pelos danos emergentes, a serem apurados em sede de liquidação por arbitramento, sendo que a estimativa de danos pode ser feita na fase de liquidação, nos termos do art. 946 do CC, tendo em vista que na data de ajuizamento da ação o serviço ainda se encontrava interrompido, som ente restabelecido após a concessão da antecipação da tutela (TJSP, Ap. n.0118901-25.2008.8.26.0008, 12• Câm, de Dir. Priv., rel. Des. Jacob Valente, j. 26.06.2013, Df 04.07.2013).
Art. 947. Se o devedor não puder cump rir a p restação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente. A reparação da r~onsabilidade civil pode ser por espécie determinada (coisa previamente estabelecida, por contrato, ou ajustada em sentença), ou por moeda .c orrente. Assim, se o devedor não curopdr a obrigação de dar a coisa determinada, a obrigação será substituída por valor correspondente em moeda conente. Entende-se que, se for possfvel, em se tratando de coisa, restabelecê-la conforme seu stattts qtto anterior é preferível à reparação pecuniária, que é subsidiária. Muito difícil é a reparação por espécie ( ou natural) em caso de danos morais, porque é m u ito difícil restabelecer a situação anterior ao dano gerado pela violação dos direitos da personalidade; multo mais comum é a reparação pecuniária, que é uma compensação pelos danos morais sofridos. Sobre o tema: Aquisição por empresa de arrendamento mercantil de veículo automotor deixado para venda, em consignação, em sociedade comerciante de veículos usados, em que não se constata má- fé na aqui~ siçâo, implicando na impossibilidade jurídica de se imputiu à compradora responsabilidade pelo inadimplemento de obrigação por parte do consignatáJio, sendo acolhido o pedido contra a consignatária, com base no art. 947 do CC, dada a impossibilidade física e jurídica de se restituir à autora a pos-
R.OSÁLJAT. V. OMITTO
AATS, 947 E948
I
769
se e domínio do veículo (TJSP, Proc.n. 0000866-82.2009.8.26.0619, 32ª Cãm. de Dir. Priv., rei. Des, e.aio Marcelo Mendes de Oliveira, j. 18.08.2016, DJESP 25.08.2016, v.u.). Adernais, o CC, em seu art. 947, prevê o pagamento em dinheiro quando o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, o que não se configura no caso (fornecimento de vale no valor a ser apurado) (TJPR, Ap. Cível Reex:. n. 0891782-4, 1° Cârn. Cível, rel. Des. Salvatore Antonio Astuti, DJ 06.07.20 L2, p. 421). Para se fixar o valor indenizatório ajustável ao caso concreto, deve-se ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este principio encontra amparo legal no art. 947 do CC. No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada. Indenização arbitrada em R$ 8.000100. Vencida a relatora, com voto do Des. làsso Caubi Soares Delabary (TJRS,Ap. Cfvel n. 70.036.416.485, 9• Câm. Cível, rei. Des. lris Helena Medeiros Nogueira, j. 01.11.2011, Df 24.11.2011). Art. 948. No qtso de hotnicfdio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: O artigo trata de responsabilidade civil indenizável em virtude de homicídio, trata nos incisos adiante de danos estritamente materiais, mas deixa dara, no caput, a possibilidade de reparação por outros danos materiais e danos morais também. V. as seguintes súmulas: n. 490 do STP - "A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores"; n. 491 do STF - "É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado"; n. 562 do STF - ''Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, os índices de correção monetária"; n. 37 do STJ - ''São cumuláveis as índenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato"; n. 43 do STJ - "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo"; n. 54 do STJ - "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual"; n. 246 do STJ: "O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fucada"; n. 313 do STJ: "Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado'~
770
1
ARt948
ROSALIA T. V. OMmo
I - no pagamento das despesas com o tratamento da víti ma, seu funeral e o luto da família; Em toda responsabilidade civil baseada em homicídio, é imposição legal que o lesante arque, além dos pedidos formulados na ação de indenização, com o pagamento do tratamento anterior ao óbito, do funeral da vitima e das despesas decorrentes do luto da família. Necessário expor que a sistemática do presente Código é que as despesas estejam condizentes com a condição socioeconômica da vltima(v. comentário ao art. 872 deste Código). Sobre o assunto: Acidente em que uma tora de eucalipto caiu em cima da vitima, marido e pai dos autores, enquanto essa dirigia sua moto, ocasionado morte imediata. Assim, a responsabilidade da transportadora está comprovada, gerando indenização por danos morais e materiais e, no que tange às despesas de funeral, com base no art. 948, I, do CC, fol deferida a indenização no montante comprovado de R$ 2.400,83, corrigidos monetariamente e com juros moratórios legais a contar do aju.iz.'Ullento da ação (TJSP, Ap. n. 003133766,2010.8.26.045 1, 25• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Çlaudlo Hamilton, j. 11.06.2015, v.u). Em caso de falecimento, decorrente de acidente de veículo, não h.á necessidade de comprovação das despesas com funeral e sepultamento, por se tratar de fato notório a sua ocorrê11cia. Entretanto, o valor deve ser limitado ao montante estabelecido pela legislação previclenciária, a ser apurado em fase de liquidaç.'io (TJSP, Ap. n. 00 l 4804-02.2012.8.26.0309, 31 ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Antonio Rigolin, j. 12.05.2015, v.u.). Diante da culpa concorrente da vítima, que subiu voluntariamente na garupa da n1otocicleta conduzida pelo filho dos réus, os réus foram condenados a arcar com o pagamento de 50% do valor efetivamente despendido e comprovado em face de liquidação das despesas de funeral (TJSP,Ap. n. 0232878-48.2010.8.26.0000, 1• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Christine Santini,j. 14.01.2014, v.u.). Demonstrada a culpa, responde o causador do dano pelo pagamento das despesas do funeral e da prestação de alimentos aos autores, exegese do art. 948, I e II, do CC, sem prejuízo da indenização por danos morais. Decorrente de acidente de trânsito {DSP, Ap. n. 0028452-89.2007.8.26.0320, 35ª Câm. de Dir. Prtv., rel. Des. Clóvis Castelo, j. 30.07.2012). Responsabilidade pelas despesas de funeral, vez que sediment-ada a orientação da Turma no sentido de que inexigjvel a prova da realização dos gastos, em razão, primeiramente, da certeza do fato do sepultamento; em segundo, pela insignificância no contexto da lide, quando linútada ao mlnimo previsto na legislação previdenciária; e, em terceiro, pelo relevo da ver ba e sua natureza social, de proteção à dignidade hwnana (Precedentes: REsp n. 625.161/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJU 17.12.2007; e REsp n. 95.367/RJ, rei. Mln. Ruy Rosado de Aguiar, DJU03.02.1997)"
R.OSAi.JA t V. OMITTO
ART. 948
1 771
(STf, REsp n. 210.101/PR, 4• T., rei. Min. Carlos Fernando Mathias,j. 20.11.2008,
DJe 09.12.2008). II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os d evia, levando-se em conta a duração provável da vid a da vítima. A _prestação de alimentos às pessoas dependentes do morto é obrigação do lesante, e a inovação deste inciso está na duração dessa prestação legal, desse dever legal, que é o tempo provável de vida da vitima. A doutrina e a jurisprudência têm sustentado que 65 anos é a idade de vida média do brasileiro e que 25 anos é a idade em que a pessoa termina sua formação escolar, com possibilidade de se sustentar, entrando para o mercado de trabalho. Tal construção baseia-se, sobretudo, na constância das ações de pensões e alimentos do direito de família. Assim, quando a vítima for filho que sustentava os pais, o termo final da prestação de alimentos é a data em que os pais completassem 65 .mos de idade, há correntes jurisprudenciais do STJ que contemplam como termo final 70 e até 74 anos de idade, com base na expec,. tativa de vida apontada pelo IBGE. No caso de pensão de pais a filhos meooTes, ou seja, a vítima seja o responsável pela obrigação de alimentos, tem-se que o termo final seria aos 25 anos de idade do filho beneficiário, porque nessa idade teria completado sua formação escolar. Sobre o tema: O termo final da pensão por morte decorrente d e ato ilfcito deve levar em conta as peculiaridades do caso concreto, bem como observar os dados atuais sobre a expectativa de vida média do brasileiro, baseada esta nos dados estatísticos fornecidos pelo IBGE (STJ, AI no AREsp n. 794.430, 4"- T., rel. Min. Raul Araújo, j. 28.06.2016, D]e 03.08.2016, v.u.). Com o falecimento dos ienitores em acidente automobilístico, por serem menores de idade e dependentes financeiramente dos genitores, estes têm o direito de receber pensão do causador do acidente, até que completem 25 anos de idade, quando, se presum e, tenham completado curso superior ou adquirido total indefendência dos pais, com base no art. 948, II, do CC. A pensão previdenciária tem natureza distinta da dvel, sendo que uma não exclui a outra, pois essa tem natureza de compensação pela perda da renda e aquela advém do seguro social (TJRS, Proc, n. O126885-30.2015.8.21.7000, 12• Câm. C(vd, rei. Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, j. 09.03.2016, DJERS 14.03.2016).Acidente de trânsito com vítima que origina indenização por danos wateriais e morais, com pensionamento por morte do 6Jho, determinou-se que esta ocorreria até que este completasse 25 anos, no iro.porte de 1/3 do salário comprovado nos autos à época do falecimento (TJSP, Ap. n. 0019931 73.2013.8.26.0344, 36• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Jayme Queiroz Lopes, j. 30.07.2015, v.u.). Morte do companheiro da autora que foi vítima de aciden-
m
I
ARTS. 948 E949
ROSALIA T. V. OMmo
te de trabalho em que carregava betoneira a quase três metros de altura em cima de estrutura metálica precárÍll, dever de indenizar reconhecido, sendo de fàmflia de baixa renda em que se presume a dependência econômica, fixa-se o pensíonamento, com base no art. 948, li, do CC, em 1/3 dos rendimentos da vítima até a data em que completaria 70 anos, além de danos morais configurados (TJSP. Ap. n. 0002160-53.2007.8.26.0066, rel. Des. Hamid Bdine, j. 20.05.2015, v.u.). O dano material é patente no homicídio injustificado e rompe o equilíbrio psicológico daqueles que geraram e criaram a vitima, caracterizando dano in re ipsa. A pensão mensal fixada no valor de meio salário mínimo está adequada às circunstâncias do 'Caso, sendo que o filho contribuía para o sustento da casa e fixa o dano moral em R$ 150.000,00 (TJSP, Ap. n. 0004092-I0.2009.8.26.0615, 4.. Cârn. de Dir. Priv., rel. Dés. Milton Carvalho,j. 24.07.2014, v.u.). A idade de 65 anos, como termo final para pagamento de pensão indenizatória, não é absoluta, sendo cabível o estabelecimento de outro limite, conforme o caso concreto, estabelecendo o termo final do pensionamento à viúva na suposta idade de 70 anos do ·falecido (STJ, REsp n.. 1.027.318/RS, 2• T., rei. Min. Herman Benjamin, DJe 31.08.2009). A rt. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor in denizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. O artigo trata da reparação de danos materiais (toda despesa de tratamento oriw1da do dano sofrido e os lucros cessantes do período entre o dano e o restabelecimento do lesado), bem como dos danos morais resultantes da ofensa ao direito da personalidade, ou seja, à ofensa da integridade flsica do indivíduo. Essa reparação poderá ser concomitante à convalescença ou posterior, no caso dos danos materiais, por comprovação efetiva dos gastos de tratamento e dos lucros cessantes desse período. A doutrina especializada faz crítica sobre a prova do prejuízo em concreto, porque o dano moral dispensa prova dessa natureza e é presumível por verificar-se a "realidade fática" e por emergir da própria ofensa, já que exs urge da violação a um direito da personalidade que diz respeito à "essencialidade humana" (Carlos Alberto Bittar), bastante cabível nessa circunstância de integridade tisica; entretanto, outros direitos da personalidade, quando violados, geram danos morais de ordem íntima e não explicita à realidade, portanto, há que ter all,>uma prova desse dano moral. Sobre o tema: Reconbecida a culpa do condutor do .caminhão que, ao ingressar em rodovia, não observou as normas gerais de circulação, deixou de agir com especial cautela e deixoti de dar passagem ao veículo que transitava pela via preferencial e, ainda que tenha tomado algum
ROSAi.JA T, V. OMITTO
ART, 949
1
n;
cuidado, tem-se que não foi suficiente para executar a manob(a que se propôs a fazer, provocando a colisão narrada nos autos. DçlrlQS materiais devidamente comprovados pelos documentos trazidos aos autos. Indenização decorrente de despesas realizadas para tratamento médico e hospitalar, medicamentos não fornecidos pelos hospitais e despesas com alimentação, entre outras, bem como do valor atinente à perda total do veículo conduzido, e coro base no art. 949 do CC, no caso de ofensa ou lesão à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro proveito que o ofendido prove ter sofrido. Indenização por dano moral fixada em R$ 40.000,00 e pelos danos estéticos fixado o valor de R$ 10.000,00. No que se refere à segurada, a indenização respeitará os limites da apólice (TJSP, Proc. n. 000050473.2009.8.26.0 l 04, 34• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Kenarik Boujilcian, j. 06.07.2016, DJESP21.07.2016, v.u.). Relatório médico de atendimento hos~ pitalar identificou trauma de crânio, braço e falange distal, com ne:xo de causalidade com o acidente de ónibus colocado em movimento antes do desembarque do passageiro, e com base no art. 949 do CC, fazendo jus a indenização dos gastos decorrentes do tratamento e convalescença, além de danos morais (TJSP, Ap. n. 0004113-67.2010.8.26.0609, 38• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. César Peixoto, j. 02.09.201 S, v.u.). Atropelamento de pedestre por viatura da policia militar, e diante da .responsabilidade objetiva gera indenização por danos morais fixada em R$ 54.000,00, pensão mensal de um salário mínimo até completar 65 anos de idade, e, com base no art. 949 do CC, as despesas com tratamento englobam a aquisição de prótese para o membro inferior amputado no acidente (TJSP, Ap. n. 0004842-04.2006.8.26,0587, 28• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Berenice Marcondes Cesar, j. 21.07.2015, v.u.). Demonstrado que houve erro no procedimento do parto, levando à anoxia cerebral do recém-nascido, mantém-se o dano moral e,m 100 salários mínimos e reduziu os danos materiais de 20 para r salário mínimo mensal \litalicio, a ser pago de uma vez só, posto que a criança faleceu em 2011 (TJSP, Ap. n. 0010266-73.2002.8.26.0132, 3ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 10.06.2014, v.u.). À falta de critérios legais para a fi.".ação do valor da indenização por danos morais, a doutrina e a jurisprudência passaram a adotar como parâmetros a capacidade econômica dos réus, a extensão do dano, considerando o disposto no art. 944 do CC, sem buscar equivalência exata entre a les~o e a reparação, dada a impossibilidade de retornar ao status quo ante; o grau de culpa ou intensidade de dolo do ofensor, levando-se ero conta o parágrafo único do indigitado artigo; a razoabilidade (limitando e condicionando a discricionariedade do juiz); a proporcionalidade (compatibilizando o valor ao dano); o não enriquecimento sem causa da vítima; o caráter punitivo-pedagógico do agressor e o intuito compensató-
774
1
ARTS, 94-9 E 950
ROSALIA T. V. OMffiO
rio da indenização. Nos moldes dos arts. 949 e 950 do CC, a indenização é devida até o fim da convalescença. Pela pericia comprovou-se a pseudoart:rose, com impossibilidade de recupe.ração total, com a especifiQlção do termo final não na aposentadoria, tnas, tendo em vista a média de expectativa de vida apontada pelo IBGE (74 anos), para a data em que o reclamante completar 73 anos e 1 mês, conforme requerido na exordial (TRT, 173 R., RO n. 0054600-31.2011.5.17.0181, 1° T., rel. Des. Carmen Vtlma Garisto,j. 23.09.2013, Df 27.09.2013, p. 212). Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu oficio ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e Lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Este artigo é semelhante ao antecedente, entretanto mais específico quanto à extensão do dano, ao impossibilitar o trabalho (ofício ou profissão) do lesado ou provocar a diminuição da capacidade laboratiya em decorrência do dano. Assim, a legislação pune o lesante que imputar tal situação ao lesado, situação esta que perdurará até a convalescença, em que havendo opagamento da obrigação, esta se extingue; entretanto, se o dano oc;asionar adiminuição da capa.cidade laborativa, gerando invalidez ou redução de ganhos, o lesante será obrigado a prestar pensão no valor que o lesado auferia na época dos fatos ou a diferença entre o que ganhava e o que passou a ganhar depois· do dano sofrido. Ver os comentários sobre dever de lhnites doutrinários e jurisprudenciais sobre tempo de pensão em decorrência de dano, no art. 948 supra, e sobre as características da indenização por danos materiais e morais e sua abrangência, no art. 949, todos deste Código. Considera-se que o dano estético, ainda que não esteja explicitamente elencado no presente caput, está inserido nessa norma, em decorrência do ordenamento jurídico como um todo. Cumpre ressaltar que o dano estético é espécie de dano moral. Sobre o tema: Responsabilidade civil em acidente de trânsito em que houve a violação à integridade fisica da pessoa configurando dano moral in re ipsa, com quantum majorado para R$ 20.000,00, e pelo dano estético que se reconhece, tendo em vista. que o demandante, em razão do sinistro, teve e,.~tirpado o quarto dedo de sua mão direita, com arbitramento em R$ 20.000,00, seodo que, pelo fato de a vftima ter -ficado com sequelas permanentes, que limitam, ainda que parcialmente, a sua capacidade labora.tiva, impõe-se a condenação da parte adversa ao pagamento de pensão mensal, na forma do art. 950 do CC, no importe de 10% do valor líquido auferido pelo deman-
R.OSÁLIA t V. OMITTO
ART. 950
I
775
dante a título de vencimentos (TJRS, Proc. n. 0144972- 97.2016.8.21.7000, 12• Câ.m. Cível, rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 27, 10.2016, DJERS 03.11.2016). Danos materiais, morais e estéticos comprovados decorrentes de injeção aplicada em Pronto Atendimento 1nfantil Municipal por auxiliar de enfermagem que apresentava sérios problemas de visão, com fulta de cuidados e de técnica necessários na aplicação intramuscular da medicação, com dosagem muito superior à suportada por uma criança de 6 anos, desencadeando processo infeccioso, com realização de cirurgia e evolução do quadro para lesão neurológica com comprometimento dos nervos ciáticos, tibial posterior e fibular, com encurtamento do membro inferior direito, além de limitação funcional e deformidade (TJSP, Ap. n. 0003346-85.2011.8.26.0191, 11° Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Oscild de Lima.Junior, j. 08.09.20151 v.u.). Tratamento médico-hospitalar, com incapacidade para as atividades habituais por mais de trinta dias, fazendo jus a indenização pela perda da capacidade laboral, em razão de acidente em decorrência de defeito na prestação do serviço de contrato de transporte em que motorista abciu a porta do ônibus antes de sua parada, possibilitando que adolescente tentasse ingressar em seu interior ainda em movimento, acelerando logo em seguida, ocasionando a queda do menor, com grave lesão em seu tornozelo. Indenização devida. com danos materiais comprovados, danos morais reduzidos para R$ 30.000,00 (TJSP, Ap. n. 0005871-79.2011.8.26.0081, 38• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Spencer Almeida Ferreira. j. 19.08.2015, v.u.). A periodicidade da pensão leva em conta a duração temporal da incapacidade da vítima, considerando o momento de consolidação de suas lesões, podendo ser temporária ou permanente. A incapacidade permanente caracteriza-se quando, consolidadas as lesões, restaram sequelas definitivas, que reduzem ou suprimem a capacidade laborativa do ofendido, conforme disposto no att. 950 do CC, e, no caso da amputação da perna esquerda de ambos os autores, a incapacidade deve ser considerada vitalícia. Portanto, não procede o pedido de limitação do pensionamento até a idade provável de sobrevida das vítimas se elas ainda estão vivas (STJ, REsp n. 1.278.627, 3° T., rei. Mio. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18.12.2012, Dfe 04.02.2013). Comprovada a invalidez total e definitiva para qualquer atividade laborativa, para todas as atividades da vida diária e para todos os atos da vida c;ivil, de vítima que sofreu acidente•de trânsito, mesmo tendo sido atribuída culpa concorrente, e comprovado que exercia atividade laboratíva, faz jus à indenização das despesas de tratamentos e pensão (TJSP, Ap. n. 0011902-64.2008.8.26.0132, 30• Câm. de Dir. Priv., rei. Des. PennaMachado,j. 13.08.2014, v.u.). O dever de indenizar decorre unicamente da perda da capacidade laboral, sendo que a indenização de cunho civil não se confunde com aquela de natureza previdenciária, posto que a civil busca o ressarcimento da lesão física causada, não propriamente a meia
n6
1
ARTS. 950 E 951
ROSALIA T. V. OMmo
compensação sob a ótica econômica (STJ, REsp n. 1.062.692, 3• T., rei. Min. Nancy Andrighl, j. 04.10.2011, D]e 11.10.2011). Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a inde~ nização seja arbitrada e paga de uma só vez. A inovação deste parágrafo traz beneficio ao lesado, que pode solicitar que a indenização seja arbitrada e paga integralmente de uma só vez. Esse beneficio tem de levar em conta a perspectiva de que o lesante não pode ficar em estado de penúria ou necessidade para cumprir essa obrigação de uma só vez; entretanto, se realizar o pagamento da indenização em parcelas, sob a forma de pensão, e isto não lhe causar estado de necessidade ou penúria, o juiz da causa assim deverá arbitrax a forma de pagamento da indenização. A finalidade da indenização gerada por violaçãó às obrigações materiais e morai&, por força da responsabilidade civil, não é o e.ariquecimento sem causa, mas a reparação ou compensação de dano material ou moral. Súmula n. 313 do STJ: ..Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pag-dlllento da pensão, indepe.ndepteme.nte da situação financeira do demandado". Sobre o tema: Comprovado que em razão do acidente a autora teve reduzida sua capacidade laboral diante das sequelas em seu punho esquerdo, faz jus ao pagamento de pensão mensal na proporção da redução da capacidade, sendo o valor da pensão mensal mantido, em pare.ela única, nos termos do art. 950, parágrafo único, do CC (TJRS, Ap, n. 184692-76.2013.8.21.7000, 9• Câm. Cível, rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary,j. 26.06.2013, DJ 27.08.2013). Acidente de veículo em que se constata incapacidade permanente, em que foi mantido o valor da pensão vitalícia no importe de R$ I 7,5% sobre dois salários mínimos, inclusive 13° salário, pois, de acordo com a perícia; não ficou o autor inválido, podendo trabalhar em outras atividades que se adequem às suas limitações, servindo a pensão como complementação de sua renda mensal. No entanto, defiro o seu pagamento integral, nós termos do art. 950, parágrafo único, do CC, devendo a ré lhe pagar a totalidade da pensão fixada na sentença, arbitrando-a no total que seria devido até a data em que o autor completasse 65 anos de idade, .incidindo correção monetária, tendo por base a data da primeira parcela, até o dia do pagamento e juros de mora, no qiso, a partir deste julgamento (TJSJ>,Ap. n. 000133502.2002.8.26.0126, 34• Câm. de Dir. Prív., rel. Des. Nestor Duarte, j.25.06.2012, v.u.). Art. 951. O disposto nos arts, 948,949 e 950 aplica-se ainda no,caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atív:idade profissional,
ROSA1.JA t V. OMITTO
AIIT. 951 1
m
por n egligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o m al, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Este artigo corresponde ao art. 1.545 do CC/ 1916, que tratava da responsabilidade médica e de outros profissionais da saúde. Por isso, o presente artigo causa polêmica entre os especialistas, sobretudo quanto ao direito do conswnidor, porque a lei especial trata especificamente dos profissionais liberais no seu art. 14, § 4ras que regem a atividade rural, posto que, ao se tornar empresário comum, todas as regras, vantagens, privilébrios e obrigações da atividade rural cessarão. Estará sujeito à falência, mas em contrapartida poderá beneficiar-se do instituto da recuperação de empresas, previsto n a Lei n. 11.101/2005.
PAULO R. COLOMBO ARNOLOJ
ARTS. 971 E 972
1 811
Sobre sociedade empresária e ativjdade rural, v. art. 984. Sobre registro, v. arts. 1.150 a 1.154. V. também Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra), Lei n . 4,947/66 (fixa normas de direito agrário, dispõe sobre o sistema de organização e funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária), art 3° da Lei n. 5.889/73 (Lei do Trabalho Rural) e art. 2° da Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.). V. também os seguintes Enunciados do CEJ do CJF: n. 201- "O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro p úblico de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata [recuperação judicial]"; n. 202 - "O registro do empresário ousociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regimejurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção". CAPÍTULO li
DA CAPACIDADE A r t. 972. Po dem exercer a atividade de empresário o s que estiverem em pleno gozo d a capacidad e civil e não forem legal mente impedidos. Para o exercício da atividade empresarial, o empr esári.o deve ser capaz civüm.e nte e não estar impedido legalmente. Nesse sentido, há de se distinguir capacidade e impedimento. Em princípio, o art l O do CC diz que "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil", capacidade esta adquirida aos 18 anos. São os denominados absolutamente capazes. Eventualmente, pode ocorrer a incapacidade adquirida posteriormente. Nesse caso, poderá a empresa continuar com suas atividades normalmente por intermédio de representação ou assistência, tendo em vista que o Código adotou a teoria da preservação da empresa (art. 974). As proibições inicialmente estavam previstas no CCom de 1850, art. 2° (revogado). Posteriormente, passaram para legislação especial, como nos casos dos funcionários públicos, deputados e senadores (art. 54, II, a, da CF), médicos quant o ao exerôcio simultâneo de farmácia, magistrados, membros do MP (art. 128, ll, e, da CF), leiloeiro, cônsul remunerado, corretores de navio, despachantes aduaneiros, falidos não reabilitados (arts. 159 e 181 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas), penalmente proíbidos e os militares em geral, Caso essas pessoas que estão legalmente impedidas de exercer a atividade empresarial vietem a fazer, responderão pelas obrigações contraídas e por eventuais danos causados a terceiros (art. 973). Todavia essas pessoas podem exercer a atividade emp resarial como sócio ou acionista de sociedade empresária, desde que não ocupem cargo administrativo, mas respondam pela pessoa jurídica. Os absolutamente incapazes não podem exercer atividade empresarial, só poden-
812
1 ARTS. 9n A 974
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
do fazê-lo por meio de representação. Entre os 16 e 18 anos poderá ser suprida a incapacidade relativa, com o instituto da emancipação prevista no art. 5°, parágrafo único e incisos, devendo posteriormente ser averbada no Registro Público das Empresas Mercantis. A incapacidade relativa é suprida pela assistência. Sobre incapacidade absoluta e relativa, v. arts. 3° e 4°. Sobre emancipação, v. art. 5°, parágrafo único, I e V. Sobre registro de emancipação, v. arts. 9°, II, e 180. Sobre conceito de empresário, v. art. 966. Sobre empresário incapaz, v. art. 974. Sobre registro da prova da emancipação de empresário incapaz, v. art. 976. Sobre autorização em regime de bens, v. art. 1.643. V. também arts. 54, II, a, 128, § 5°, II, e, 176, § l 0 , 178, parágrafo único, 222 e 226, § 5°, da CF; art.1.112, I, do CPC/73, que com as novas disposições do CPC/2015, Lei o. 13.105, em vigor desde março de 2016, passou a ser o art. 725, I; arts. 1° (-revogado) e 524 do CCom; Lei o. 4.504/64 (Estatuto da Terra); Lei o. 4.947/66 (fua normas de direito agrário e dispõe sobre o sistema de organização e funcionamento do instituto Brasileiro de Reforma Agrária); art. 3° da lei n. 5.889/73 (Lei do Trabalho Rural); art. 2° daLein. 6.404/ 76 (Lei das S.A.); art. 36, I e II, da LC n . 35/79 (Loman); art. 117, X, da Lei n. 8.112/90 (servidores públicos civis da União); art. 44, III, da Lei n. 8.625/93 (Lomp); art. 482 da CLT; art. 36, a, 1, do Decreto n. 21.981/32 (leiloeiro). V. também arts. 102 e l 81, 1 e § l O , da Lei n. 11. J01/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências); art. 204 do DL n. 1.001/69 (CPM); arts. 21, § 1°, 99 e 106 da Lei n. 6.815/80 (situação jurídica do estrangeiro no Brasil); e art. 29 da Lei o. 6.680/80 (Estatuto dos Militares).
Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas. Os impedidos referenciados no art. 972, caso venham exercer a atividade empresarial, serão responsáveis pelas obrigações assumidas com terceiros, além de estarem sujeitos a sanções ilisciplinares na órbita administrativa e passíveis de persecução criminal. Os atos praticados não serão nulos, tendo em vista que a proibição não € objetiva, mas diz respeito ao sujeito, ou seja, à sua função exercida. Os atos são válidos e eficazes, e se exercerem profissionalmente a empresa, em nome próprio, receberão da lei o mesmo tratamento dispensado aos empresários irregulares, podendo incidir em falência - art, 176 da Leio. 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências). Art, 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidam ente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.
PAUlO R. COLOMBO ARNOLOJ
ARt974 1 813
A matéria relacionada à continuação da empresa por incapaz autorizado não é nova. E,ra resultado da construção jurisprudencial, .inclusive do STF. O Código veio a disciplinar o novo embasamento legal a ser seguido. Este artigo prioriza o interesse social em lugar do interesse particular. Preocupa-se com a continuidade dos negócios da empresa por incapaz, devidamente autorizado (entre eles os menores), por meio dos institutos da representação e da assistência. Continuará a empresa antes exercida pelo sócio enquanto capaz, em caso de sua incapacidade superveniente, por seus pais ou pelo autor da herança em caso de morte. Sobre incapacidade absoluta e relativa, v. arts. 3° e 4°. Sobr~ representação, v. arts. 115 a 120. Sobre nulidade do negócio jurídico, v. art.166. Sobre invalidade do negócio jurídico, v. art. 178, Ill. Sobre pagamento a incapaz, v. arts. 181 e 892. Sobre capacidade para exercer a atividade de empresário, v. art. 972. Sobre registro da prova da emancipação do empresário incápaz, v. art. 976. A esse respeito, v. o Enundado n. 203 do CEJ do CJF: "O exercido da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte''. § 1° Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogãda pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.
Nos termos do § 1°, para a continuidade dos negócios é necessário possuir autorização judicial, que considerará aspectos de conveniência cortelacionados aos interesses do incapaz. Possuindo tal autorização em caráter relativo, ela poderá a qualquer tempo ser revogada. § 2° Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz
já possuía, -ao tempo da st.1cessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização. De acordo com o~ 2°, foram excluídos das responsabilidades pelo negócio os bens que o incapaz já possuía ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo da empresa, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização. Adota-se o conceito de patrimônio de afetação, que distinguiria, em relação ao empresário individual, os bens afetos ao negócio, que não se confundiriam com seus demais bens.
814
1 ART. 974
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
§ 3° O Registro Pt1blico de Empresas Mercantis a cargo das Juntas
Comerc;iais deverá registrar contratos o u alterações contratua is de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos: Parágrafo acrescentado pela Lei n. 12.399, de 01.04.2011.
O parágrafo em comento, ao:escentado pela Lei n. 12.399/2011, veio dispor e regulamentar sobre a obrigatoriedade do Registro do Comércio, que deverá registrar contratos e alterações contratuais de sociedade que seja integrada por sócio incapaz, de forma que sejam observados determinados pressupostos. Por meio dele, colocou-se fim na discricionariedade antes existente dos órgãos de registro, no sentido de poderem recusar-se ao registro ou à averbação das alterações contratuais no caso da sociedade formada por sócio incapaz. Para que a obrigatoriedade do registro ou da averbação das alterações contratuais teste caracterizada, tais condições devem ser preenchidas: a) o sócio incapaz não pode ser gestor da sociedade (não pode pra~ ticar atos de administração); b) o capital deve estar 100% integralizado; e) assístência do sócio relativamente incapaz ou representação do absolutamente incapaz. Da leitura da norma verifica-se o que o Enunciado n. 467 do CJF sobre este parágrafo dispõe: "A eJCigência de integralização do capital social [... ] o,ão se aplica à participação de incapazes na sociedade anônima e em sol"' ciedades com sócios de responsabilidade ilimitada nas quais a integralização do capital social não influa na proteção do incapaz~
I - o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; Inciso acrescentado pela Lei n. 12.399, de 01.04.2011.
Observa-se da disposição deste inciso que, no caso de incapaz que venha eventualmente a assumir a condição de sócio de uma sociedade, em virtude de aquisição de cotas por sucessão ou herança, exercida anteriormente por ele mesmo enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança, fica impedido de exercer a administração dessa sociedade. Por disposição legal, o incapaz, como é de conhecimento, n ão pode exercer qualquer atividade, a não ser que esteja devidamente representado, e o relativamente capaz deverá estar assistido por um representante. II - o capital social deve ser totalmente integralizado; Inciso acrescentado pela Lei n. 12.399, de 01.04.2011.
Para o sócio incapaz ou assistido poder participar da sociedade, é condição indispensável que o capital social esteja totalmente integralizado. Tal me-
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS. 974 E 975
1 815
d.ida se impõe para dar maior segurança jurídica às pessoas (fornecedores, bancos, trabalhadores, em suma, como se tem na literatura em inglês, o conjunto dos stakeholders) que, com ela, transacionam. III - o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. Inciso acrescentado pelo Lei n. 12-399, de 07.04.2017.
O inciso nr é expresso e objetivo no sentido de que o sócio relativamente incapaz deve estar assistido e o absolutamente incapaz, representado, praticamente repetindo a disposição do caput deste artigo. Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes.
O artigo cuida do impedimento do representante ou assistente do incapaz. Nesse caso deverá ser nomeado, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes, fato esse que não exonerará o representante das responsabilidades pe.los atos praticados pelos gerentes nomeados. Será nomeado gerente em todos os casos que o juiz achar conveniente, Sobre dissolução da sociedade, v. art. 1.033 do CC. Essa nomeação, devidamente autorizada, deverá ser arquivada na Junta Comercial, caso não conste da autorização judicial para continuação da ei.npresa pelo incapaz. Sobre capacidade para exercer a atividade de empresário, v. art. 972. Sobre gerente, v. arts. 1.172 a 1.176. V. também art.150 da Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.). &sa nomeação, devidamente autorizada. deverá ser arquivada na Junta Comercial, caso não conste da autorização judicial para continuação da empresa pelo incapaz. § 1° Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em I
acobertar práticas fraudulentas dos sócios (RT 725/279), podem dar ensejo à desconsideração transitó.ria do princípio, conforme dispõe a regra do art. 50 do CC. Sobre pessoa jurídica de direito público interno, v. arts. 40 a 42, de direito privado, v. arts. 44 a 46. Sobre fundações, v. arts. 52, 62, 63 e 65 a 69. Sobre conceito de empresário, v. art. 966. Sobre inscrição, v. arts. 967 e 986. Sobre disposição transitória, prazo para as sociedades se adaptarem ao CC/2002, v. arts. 2.031 e 2.033. Sobre associações de poupança e empréstimo de crédito, -v. art. 8° do DL n. 70/66 (cédula hipotecária). V. também arts. 35 a 43 da Lei n. 4-.380/64 (sociedades imobiliárias) e art. 3° da Lei n. 5.764/71 (sociedades cooperativas). V. art. 1° da Lei n.11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências). V. LC .n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas;LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e 1N n. 118, de 22. J1.20ll, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário .individual em sociedade empresariá.l, contratual, ou em empresa individual deresponsabilidade limitada e vice-versa e dá outras providências. Sobre o tema, v. o Enunciado n. 206 do CEJ do CJF: "A contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art 1.094, I) e·nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2• parte)". Sobre os arts. 981 e 983, v. o Enunciado n. 474: "Os profissionais liberais podem organizar-se sob a forma de sociedade simples, convencionando a responsabilidade limitada dos sócios por dividas da sociedade, a despeito da responsabilidade ilimitada por atos praticados no exercício da profissão"; e n. 475: "Considerando ser da essência do contrato de sociedade a partilha do risco entre os sócios, não desfigura a sociedade simples o fato de o respectivo contrato social prever distribuição de lucros, rateio de despesas e concurso de auxiliares''. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se â realização de um ou mais neg6cios determinados. Este parágrafo possibilita que a atividade empresarial seja restrita a um ou mais negócios determinados. Exemplo de constituição para apenas um negócio é a formação de consórcios de veículos, o qual se extingue quando formado o grupo e feita a distribuição dos bens a todos os consorciados. Art 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária asociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
PAULO R. COLOMBO ARNOLOI
ART. 982 1 825
As sociedades, conforme normas estabelecidas no Código, são classificadas em dois tipos: as não personl!lizadas e as personalizadas, estii última subdividindo-se quanto ao objeto de suas atividades em "empresária" e "simples", con10 nomenclatura geral. Simples é a sociedade que possui objeto social distinto da atividade própria de empresário; que, por sua vez, consiste no exercício de atividade económica organizada para a produção ou circul.ação de bens ou serviços. O objeto da sociedade simples poderá incluir a prestação de serviços intelectuais, artlsticos, cientlficos ou literários. A sociedade empresária sempre estará sujeita a registro obrigatório e antecipado, no Registro de Comércio (Repem), a cargo nos estados das Juntas Comerciais. A vida da sociedade empresária não pode estar apartada do REPEM, em vista de que a formalizaÇão dos atos que interferem em sua estrutura organizacional é condição de eficácia perante terceiros (como aquisição de sua personalidade jurídica individual e apartada - arts. 985 e 1.150) e em relação aos sócios e aos demais atos de sua vida societária como arquivamento de atas de assembleias (art. 1.075), aumento e redução de capital, modificação e alteração do contrato social {art. 999), constituição de filia.is e transformação, incorporação, fusão, cisão e exclusão de sócio (art. l .031). Associedades simples devem requerer inscrição ao Cartório de Registro Civil elas Pessoas fur(dicas de sua sede (art. 998). Cumpre esclarecer que a sociedade será nacional quando se organizar em consonância com a legislação brasileira e que tenha sua sede no território nacional. A nacionalidade não poderá ser alterada sem o consentimento unânime dos sócios (arts. 1.126 a 1.133). Estrangeira, quando se constituir de acordo cmn a legislação do seu país de origem, onde tem sua sede e administração (arts. 1.134a 1.141). Sobre inscrição, V; art. 967. Sobre sociedade simples, v. arts. 997 a 1.038. Sobre sociedade em nome coletivo, v. arts. 1.039 a 1.044. Sobre sociedade anônima, v. arts. 1.088 e 1.089. Sobre sociedade em comanclita por ações, v. arts. 1.090 a 1.092. Sobre clisposição transitória de aplicação aos empresários e sociedades empresárias das djsposições de lei não revogadas, v. art. 2.037. V., ainda, LC n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e IN n. 118, de 22.11.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário inclivi~ dual em sociedade empresarial, contratual, ou em empresa individual de responsabilidade limitada e vice-versa e dá outras providências. V. também art. 4° da Lei n. 5.764/71 (sociedades cooperativas), Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.) e art. 15 da Lei n. 8.906/94 CEAOAB). V art. l O da Lei o. 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências), Nesse sentido, v. o Enunciado n. 207 do CEJ do CJF: "A natureza de sociedade simples da cooperativa, por força legal, não a impede de ser &ócia de qualquer tipo societário, tampouco de praticar ato de empresa". E, também, Enunciado n.
826
j
ART, 982
PAULO R. COLOMBO ARNOU>I
476, sobre o art. 982: "Eventuais classíficações conferidas pela lei tributária às sociedades não influem para sua caracterização como empresárias ou simples, especialmente no que se refere ao registro dos atos constitutivos e à submissão ou não aos dispositivos da Lei n. ll.101/2005". Pa rág rafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. Este parágrafo expressamente definiu o tipo societário das sociedades por ações, que sempre serão consideradas "empresárias", e das sociedades- cooperativas, determinadas "simples" pelo Código. Em relação à primeira delas (sociedades por ações), hoje se acha disciplinada pela Lei n. 6.404/76 e suas alterações posteriores, representando este texto legal um grande avanço oo campo das relações societárias, pois_,_ além de cuidar e reguJar as sociedades anônimas em si mesmas, foi além, disciplinando aspectos importantes do mercado de valores mobiliários, particularmente com a criação da CVM Comissão de Vl!lores Mobiliários-, órgão que foi incumbido de fiscalizar, regular e promover o desenvolvimento do setor. Da reforma realizada no ano de 2001, o novo texto realçou algumas prioridades, estando em primeiro lugar a empresa, na manutenção do mercado de trabalho e, especialmente, no respeito e na defesa dos menos protegidos na relação societária- os acionistas minoritários. No tocante às cooperativas, embora se trate de sociedade simples, os atos das cooperativas encontram-se sujeitos à formalização no Registro Público das Empresas Mercantis (Juntas Comerciais), por força do que determinam os arts. 1.093 a 1.096 do CC, vigorando a legislação especial (Lei n, 5.764/71). V. Leisns. 6.404/76 (sociedades por ações) e9.867/99 (cooperativas sociais). V., ainda, LC n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e rN n. 118, de i2.l l.201 l , que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresarial, contratual, ou em empresa individmtl de responsabilidade limitada e vice-ver5a e dá outras providências. A esse respeito: "Cooperativa. Liquidação extrajudicial. Lei n. 5.764/71. Exclusão da multa e dos juros moratórias. Impossibilidade. As cooperativas são sociedades simples, nos termos do art. 982, parágrafo único, do CC, que :por definição não exercem atividade empresarial (art. 1.093 do mesmo diploma legal). Por esta razão ní'io se sujeitam à legislação falimentar, .mas sim ao procedimento de liquidação previsto pelos arts. 63 a 78 da Lei n. 5.764/78, que não contempla o beneficio da exclusão de multas e d9s juros moratórias. Precedentes do STF (STJ, Ag. Reg. no REsp n. 808.241/SP, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 28.04.2009, DI 17.06.2009).
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
ART. 983
1 827
Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constit uir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas- que lhe são próprias.
Este artigo determina as regras a serem observadas na constituição, tanto da sociedade empresária como da sociedade simples, como estabelecia o CCom de 1850. O Código nesse aspecto enumera taxativamente quais associedades que podem ser constituídas, são um numerus clausus. O fato de a sociedade simples optar por um dos tipos societários definidos nos arts. 1.039 a l.092 (sociedade em nome coletivo, art. 1.039; sociedade em comandita simples, art. l.045; sociedade limitada, art. 1.052; sociedade anônima, art. 1.088; sociedade em comandita por ações, art. 1.090; e sociedade cooperativa, art. 1.093) não afasta sua natureza de sociedade simples, que terá regramento próprio, não se sujeitando à falência, somente as empresárias. Apesar do disposto no caput, a sociedade simples não pode constituir-se sob a forma anônima, em vista de que esta, por definição legal, é sempre empresária, conforme dispõe o parágrafo único do art. 982. Cabe ressaltar que o Código deixou de contemplar a sociedade de·capital e a indústria, como era previsto no revogado art. 317 do CCom. Nessa sociedade um dos sócios era chamado de "indústria': pois ingressava apenas com seu trabalho, e não tinha responsabilidade pelas dívidas assumidas pela sociedade. De acordo com a nova sistemática adotada pelo Código, em qualquer sociedade empresária, deve o sócio contribuir com bens ou dinheiro para formação do capital social, não podendo, apenas, fornecer sua força de trabalho para o incremento das atividades, e todos respondem subsidia.riamente, de forma limitada, ou ilimitada, pelas dívidas sociais, de acordo com a espécie da sociedade adotada. Sobre sociedade em conta de participação, v. arts. 991 a 996. Sobre sociedade simples, v. arts. 997 a 1.038. Sobre sociedade em nome coletivo, v. arts. 1.039 a 1.044. Sobre sociedade em comandita simples, v. arts. 1.045 a 1.051. Sobre sociedade limitada, v. arts. 1.052 a 1.087. Sobre sociedade anônima, v. arts. 1.088 e 1.089. Sobre sociedade em comandita por ações, v. arts. 1.090 a 1.092. Sobre sociedade cooperativa, v. arts. 1.093 a 1.096 e Leio. 5.764/71. V. também os seguintes Enunciados do CEJ do CJF: n. 57 - "a opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade"; n. 208 - "As normas do CC para as sociedades em comwn e ern conta de participação são aplicáveis independentemente de a atividade dos sócios, ou do sócio ostensivo, ser ou n ão própria de empresário sujeito a registro (distinção fei.ta pelo art, 982 do CC entre sociedade simples e empresária)"; e n. 477, sobre o art. 983 - "O art. 983 do CC permite que a sociedade simples opte por um dos tipos em-
BZB
I
ARTS. 983 E984
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
presariais dos arts. 1.039 a 1.092 do CC. Adotada a forma de sociedade anônima ou de comandita por ações, porém ela será considecada empresária. Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições con cernentes à s ociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, p ara o exercício de certas atividades, imponham a constituição da.sociedade segundo determinado tipo. A regra das disposições do art. 98.3 do CC não se aplica às sociedades em conta de participação, às sociedades cooperativas e às que têm disposições em legislação especial, como é caso da Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.) e suas posteriores alterações,
Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968,. requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.
As sociedades, considerando a natureza da atividade econômica desenvolvida, podem ser: empresárias por força de lei (art. 982) e empresárias por equiparação (art. 984), constituindo estas as que tenham por objeto o exercício de atividade rural. Este artigo reproduz o que afirma o art. 971, devendo ser igualmente interpretado como uma previsão legal de re.núncia de direito ao tratamento favorecido, simplificado e diferenciado de que goza o empresário de pequeno porte e o microempresário. Sobre requerimento de inscrição do empresârio, v. art. 968. Sobre tratamento especial ao empresário rural e ao pequeno empresário, v. art. 970. Sobre atividade rural de empresârio, v. art. 971. Sobre conceito de sociedade empresária, v. art. 982. Sobre a observação das normas sobre inscrição e constituição, v. art. 1.113. V., ainda, LC n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e 1N n. 118, de 22.11.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresarial, contratual, ou em empresa individual de respoµsabilidade limitada e vice-versa e dá outra5 providências. V. também Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra), Lei n. 4.947/66 (direito agrário) e Lei n. 8.934/94 (Regfatro Público de Empresas Mercantis),
PAULO R. COLOMBO ARNOLOI
ARTS. 984 f985 1 829
Parágrafo único. Embora já constituída a sociedade segundo um daqueles tipos, o pedido de inscrição se subordinará, no que for aplicável, às normas que r egem a transformação. De acordo com este parágrafo, c/c o art. 1.114, esse,requerimento depende do consentimento de todos os sócios. V., ainda, LC n. 123/2006, conh ecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e [N n. 118, de22.l l.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresarial, contratual, ou em etnpresa individual de responsabilidade limitada .e vice-versa, em especial, arts. 2ó, 3° e 14.
Art. 985, A sociedade adq uire personalidade juridica com a inscriçã o, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, na for.ma de ki, do seu contrato social, ou estatuto, no Registro P iiblico de Empresas Mercantis de sua sede, a cargo da Junta Comercial do estado. Deferida essa i..nscrição, a sociedade passa a ter a qualificação de sujeito de direito e obrigações, com a existência diversa da de seus membros (sócios). Sua personalização gera os seguintes efeitos cardeais: autonomia patrimonial (distinta da de seus sócios) , titularidade negocial e jurídica, e capacidade própria de estar em juízo, ou seja, capacidade patrimonial, negocial e processual. V. LC n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e IN n. 118, de 22.11.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresarial, contratual, ou em empresa individual deresponsabilidade limitada e vice-versa, em especial, arts. 2°, 3° e 14. V. art.1° da Lei n. 5.056/66 (modificadora da Lei n. 2.180/54), Lei n. 4.503/64 (institui o cadastro geral de pessoas jurídicas do Ministério da Fazenda), arts. 114 a 121 da Lei n, 6.015/73 (LRP), art. 32, II, a, da Lei n. 8.934/94 (Registro Público de Empresas Mercantis e atividades afins), art. 32, II, d, do Decreto o. 1.800/96 (regulamento aLei n. 8,934/94), Lei n. 6.739/79 (registro de imóveis rurais), Lei n. 7.433/85 (requisitos para a Javratura de escrituras públi~ cas), Decreto o. 93.240/86 (regulamenta a Lei n. 7.133/85), Lei n. 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), arts. l 0 , § 2°, e 15, § l 0 , dalei n. 9.279/96 (direitos e obrigações relativos à propriedade industrial). Sobr e o tema, v. o Enunciado n. 209 do CEJ do CJF: "O art. 986 deve ser interpretado em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada em comu1n asociedade que não tenha seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
830 1 ARTS. 985 E986
em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé'~
SUBTITULOI DA SOCIEDADE NÃO PERSONIFICADA CAP(TULO 1 DA SOCIEDADE EM COMUM Art. 986. Enquanto não inscr itos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto p or açõ es em organização, pelo disp osto neste Capítulo, observadas, subsidiariam ente e no que com ele forem compatíveis, as n ormas da so ciedade simples.
As sociedades não personificadas, ou seja, aquelas que não registram seus atos constitutivos, estão subdivididas em sociedade em comum e sociedade em conta de participação. A primeira é disciplinada n este artigo até o art. 990, aplicando-se subsidiariamente as regras das sociedades simples, no que couber (ar t. 986, 2• parte) e, a segunda, nos arts. 99 1 a 996. As sociedades. personificadas, isto é, aquelas devidamente registradas no órgão competente,.são disciplinadas nos arts. 997 e seguintes, As regras determinadas para a sociedade em comum eram previstas na legislação anterior, intituladas de "sociedade de fato'' e "sociedade irregular". Corroborando essa afirmação, basta observar a regra prevista no art. 990, ao determinar q ue "todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do beneficio de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade''. A marca básica de toda sociedade em comum é, pois, a ausência de registro e, consequentemente, de personalidade jurídica. A sociedade em comum (de fato ou irregular) não está personificada juridicamente, não possuindo capacidade jurídica p ara adquirir direitos e assumir obrigações. Nesse sentido, não se constitui pessoa jurídica e, portanto, não é possível separar o património da sociedade do patrimônio particular dos sócios~ gerando confusão patrimonial. Ela é uma ficção. Ela existe, mas não legalmente, porque não está registrada. Su-a existência é presumida para que seus membros respondam pelos atos praticados, como se ela eJdstisse. Cabe fazer urna distinção entre sociedades irregulares e sociedades de fato. As iriegulares são aquelas que possuem ato constit1.ttivo (por exemplo, çontrato, mas não registrado), ou estava funcionando regularmente mas não procedeu as alterações no órgão competente. Por outro lado as sociedades de fato atuam como uma sociedade, mas não possuem o documento constitutivo que rege a sua funda-
PAULO R. COLOMBO ARNOLOJ
ARTS. 986 A 988
1 831
ção, como as obri1,rações dos sócios entre si e com terceiros, responsabilidades, objeto social etc. Cumpre esclarecer que o atual CC abandonou essa distinção, que era feita pela doutrina na legislação revogada. Sobre sociedade simples, 11. arts. 997 a 1.038. V. também os seguintes Enunciados do CEJ do CJF: n. 58 - "a sociedade em comum compreende as .figur as doutrinárias da sociedade de fato e da irregular''; n. 383 - "A falt a de registro do contrato social (irregularidade originária- art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (iJ"regular idade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduzem à aplicação das regras da sociedade em comwn (art. 986)~
Art. 987. Os sócios, n as r elações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer mQdo. Os terceiros que mantiverem relações jurid.icas com a sociedade poderão provar sua existência por qualquer modo lícito. Quer a lei favorecer os terceiros que transacionarem com a sociedade, facili.tando-lbes a prova de sua e,çjstência, de modo que possam acioná-la ou agir em face dos sócios com maior proficiência. A lei dispõe, nesse sentido, com a intenção de proteger os terceiros de boa-fé. Para os sócios, seja no runbito de suas relações recíprocas, seja nas relações com terceiros, somente por prova escrita se admite comprovar a existência da sociedade. V. art. 12, § 2°, do CPC/73, Esse artigo, com o CPC/2015, em vigor desde março de 2016, passou a ser o art. 75, IV, VIII e IX, dentro do Capítulo "Das Partes e dos Procuradores"; e arts. 212 e 990 do CC.
Art. 988. Os ben s e dívid as socia is constituem pat rimônio especial, do q ua l o s sócios são titulares em comum. No que se refere aos bens e dívidas sociais, a lei os define como um patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em col]lum, ou seja, são comunheis:os do patrimônio e dos débitos da sociedade. Dessa forma, os sócios pode(iío partilhar o acervo social remanescente na hipótese de extinção da sociedade, segundo o que foi por eles pact uado, procedimento que se justifica em função da comt.mhão de interesses existentes. Nesse sentido, 11. o Enunciado n. 210 do CEJ do CJF: "O patrimônio especial a que ~-e refere o art 988 é aquele afetado ao exercício da atividade, garantidor de terceiro, e de titularidade dos sócios em comum, em face da ausência de personalidade juridid.
832
1
ARTS. 989 E990
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer. Conforme se depreende da exposição, tratando-se de sociedade em comum, os sócios respondem perante terceiros, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais, excetuando-se os terceiros que saibain o que devam saber, seja a sociedade irregular ou de fato. Contudo, a lei adota mn caráter subsidiário, facultando aos sócios o benefício de ordem previsto nos arts. 1.015 e 1.024. Observa-se uma impropriedade: se a sociedade em comum não tem personalidade jurídica, não se justifica a responsabilidade subsidiária. Com efeito, todos os sócios, e não só aqúele que contratou pela sociedade, deveriam ter uma responsabilidade pessoal e direta, ou seja, que pode ser exigida independentemente da exaustão do patrimônio social. O Código sob esse aspecto abraça a teoria da distinção do patrimônio da empresa do empresário, no sentido de que os bens·e dívidas sociais constituem um patrimônio especial, cujos titulares são os sócios em comum. V. arts. 591 a 597 do CPC/73. Esses artigos estão revogados com o advento do CPC/2015, Lein. 13.105, em vigor desde março de 2016, no Capitulo "Da Responsabilidade Patrimonial", arts. 789 a 796, interessando especificamente os arts. 790, 11 e VIl, e 795, §§ l O a 3°. Nesse sentido, v. o .Enunciado n. 211 do CBJ do CJF: "Presume-se disjuntiV'a a administração dos sócios a q ue se refere o art. 989".
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações s ociais, excluído do b en efício de ordem, p revisto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade. No que se refere às dívidas sociais, todos os sócios por elas respondem em conjunto solidária e ilimitadamente, pois em última análise as obrigaçí5es são dos próprios sócios. O CCom discutia se a responsabilidade era direta ou subsidiária, pois não havia um tratamento sistemático da matéria. Contudo, a lei atual adota um caráter subsidiário, facultando aos sócios o beneficio de ordem previsto no art. 1.024, segundo o q_ual os seus bens particulares só podem excutir p or dívidas da sociedade após executados os bens sociais. Só se encontra excluido do beneficio o sócio que contratou pela sociedade. A crítica que se faz a este artigo é que não só aquele que contratou pela sociedade mas todos os sócios deveriam ter responsabilidade pessoal e direta, ou seja, que pode ser exigida independentemente da exaustão do patrimônio social, pois, conforme o caso, os resultados obtidos beneficiarão a todos indistintamente e não só ao que contratou.
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS. 990 E 991
j
833
Sobre solidariedade, v. arts. 275 a 285. Sobre bens particulares dos sócios e respo.nsabilidade por dividas da sociedade, v. art. 1.024. V. também arts. 591 e 597 do CPC/73. Esses artigos foram revogados com o advento do CPC/2015, Lei n. 13.105, em vigor desde março de 2016, no Capitulo "Da Responsabilidade Patrimonial", arts. 789 a 796, interessando especificamente os arts. 790, II e VII, e 795, §§ 1° a 3°. Conferir também os seguintes Enunciados do CEJ do CJF: n. 59 - "os sócios gestores e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091, todos do CC"; n. 212- "Embora a sociedade em comum não tenha personalidade jurídica, o sócio que tem seus bens constritos por dívida contraída em favor da sociedade, e não participou do ato por meio do qual foi contraída a obrigação, tetn o direito de indicar bens afetados às atividades empresariais para substituir a constrição~ CAPfruLO li
DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO Art. 991. Na s ociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente p elo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob su a própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. A sociedade em conta de participação é wn dos dois tipos de sociedade não personificada; sendo apenas um simples contrato entre o sócio ostensivo - o que aparece nos negócios com terceiros, assumindo com estes as atividades societárias, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, podendo ser um empresário individual ou uma sociedade - e o sócio oculto - que não aparece nos negócios com terceiros, sua responsabilidade é somente perante o sócio ostensivo, nos termos pactuado entre ambos. O CCom de 1850, em seu a rt. 325 (revogado), definia muito bem este tipo de sociedade. Cabe frisar que o sócio oculto participa com capital e tam~ bém dos resultados (positivos ou negativos) correspondentes. Perante terceiros esta sociedade não existe. Trata-se de sociedade acidental, momentânea ou anónim.i, não estando sujeita às formalidades prescritas para a formação das demais sociedades. A sociedade permjte a participação de mais de um sócio ostensivo ou oculto e não apenas um sócio representando cada categoria. Havendo plufalidade de sócios ostensivos, deverá o contrato definir a participação de cada um na exploração do objeto contratual, bem como as responsabilidades internas dos diversos sócios ocultos. São denominadas
834
j
ARTS. 991 E 99:2
PAULO R. COLOMBO ARNOLJ)I
de sociedades de natureza secreta, mas não significa que sejam ilícitas nem irregulares. Sobre denominação social da sociedade em conta de participação, v. art. 1.162, Casuística: "O sócio ostensivo é aquele que se relaciona com terceiros, em nom e da sociedade em conta de participação. Isso não significa, entretanto, possa ele simplesmente ceder todos os direitos e obrigações relativos ao objeto da sociedade, unilateralmente, sem a anuência do sócio oculto, que, e1nbora não tenha o nome exteriorizado, compõe o ente tanto quanto aquele" (TJSC, Ap. Civel n. 2004.020141-9, 2• Câm. de Dir. Civil, rel. Des. Jaime Luiz Vicari,DJ 07.01.2009). Parágrafo único. Obriga-se p erante ter ceiro tão somente o ·s ócio ostensivo; e, exclusivamente pel'anfe este, o sócio participante, nos termos do contrato social. O parágrafo único é praticamente a repetição do que dispunha o art. 326 (revogado) do CCom de 1850, que por sinal era mais claro em sua disposição: "Na sociedade em conta de participação1 o sócio ostensivo é o único que se obriga para com terceiros; os outros sócios ficam unicamente obrigados para com o mesmo sócio por todos os resultados das transações e obrigações sociais empreendidas nos termos precisos do contrato". A esse respeito, v.: "Duplicata. Emissão por fornecedora de mobiliário contra o proprietário de unidade autônoma de edifício. Sociedade em çanta de participação. Responsabilidade perante terceiros. Sócio ostensivo. Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em deçarrência da sociedade, nunca o sócio participan te ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata" (STJ, R.Esp n. 168.028/ SP, 4• T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha,j. 07.08.2001, DJ 22.10.2001); "Recurso especial p arcialmente conhecido e nessa parte provido'' (STJ, REsp n. 192.603/SP, 4° T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 15.04.2004, DJ 01.07.2004). Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer fonnalidade e pode provar-se por todos os meios de direito,
A sociedade pude constituir-se verbalmente ou por escrito. Mesmo sendo o contrato verbal, a sociedade é legal. Os sócios podem prová-la por qualquer meio. Firmado contrato escrito, este poderá, se assim quiserem os sócios, ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos. Entretanto, o seu registro é indiferente, pois mesmo que seja feito, não surgirá uma pessoa ju-
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
.ARJS. 992 A 994
j
835
ridica; a sua existência só produz efeito nas relações internas e recíprocas entre os sócios. A ela se aplica, subsidia.riamente e no que com ela for compatlvel, as regras das sociedades simples. Sobre prova dos fatos juridicos, v. art. 212. V. também o art. 325 (revogado) do CCom, Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
O artigo analisa a questão da eficácia do contrato social, reafumando o princípio de que o contrato só produz efeito entre os sócios. Não é da característica deste tipo societário a exteriorização da sociedade e dos atos societários, não se podendo por isso denominá-la de sociedade oculta ou secreta, uma vez que se trata de uma sociedade regular, legal, podendo ser registrada e, dessa forma, terceiros podem vir a tomar conhecimento da sua ex:istêocia e da identificação dos sócios ocultos. Etn eventual existência. de contrato escrito, devidamente registrado, não lhe conferirá personalidade jm-ídica. V. art. 326 {revogado) do CCom. Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante n ão pode tomar parte nas rela9ões do sócio ostensivo com terceiros, sob pen a de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier. A regra nesse tipo de sociedade é a de que o sócio ostensivo é que se obriga para oom terceiros pelos resultados das transações e obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade. O sócio participante ou oculto pode fiscalizar a gestão dos negócios sociais exercida pelo sócio ostensivo e é de conveniência que o faça, mas não poderá tomar parte das relações com o sócio ostensivo perante terceiros; pois com estes nada tratou. Se o fizer, indevidamente, responderá solidariamente com o ostensivo nas obrigações que intervier. Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio esp ecial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. Conforme se depreende do artigo sob análfae, o capital do sócio participante é distinto e separado do capital do sócio ostensivo. Não fàz parte do capital da sociedade aportado pelo ostensivo, para efeitos das obrigações contraídas junto a terceiros. Todavia, gera efeitos entre os sócios, representando
8.36 1 ARt 994
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
o montante da participação. As contribuíções do sócio oculto e do sócio ostensivo constituem, na definição legal, um patrimônio especial, com valores e contribuições individuais, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. V. art. 328 (revogado) do GCom. § 1° A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação
aos sócios. Tal patrimônio especial não pertence à sociedade, mas aos sócios em condomínio. Os sócios constituem wn capital social para efeitos de distribuição de lucros e pagamento de pro-labore, conforme a determinação deste parágrafo. Nesse tipo de sociedade, não se constitui a personalidade jurídica, os bens com os quais os sócios ingressam na sociedade não se transferem para ela. Daí subentender-se que os sócios conservam o domínio sobre os bens, transferindo exclusivamente o proveito destes. § 2° A falência do sócio osten sivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da i;esp ectiva conta, cujo saldo const it uirá crédito quiro-
grafário. A sociedade, ainda que seu insttumento venha a ser inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis, não estará sujeita à falência. Quem poderá inco1Ter em falência será o sócio ostensivo, empresário individual ou sociedade empresária, que se obriga direta e pessoalmente perante terceiros, ainda que no interesse da realização do objeto do contrato de participação. A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade, isto é, a resolução do contrato de participação e a liquidação da respectiva conta. Apurando-se saldo em favor do sócio oculto, este constituirá crédito quirografário em seu proveito, devendo, assim, proceder à sua habilitação no passivo falimentar - art. 83, VI, da Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências). § 3° Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às nor-
mas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido. No caso do sócio participante (oculto), se empresário, qualquer credor particular poderá requerer a sua falência. Todavia, a critério do administrador judicial, a sociedade poderá continuar suas atividades (v. art. 117 da Lei n.11.101/2005- Lei de Recuperação de Empresas e Falêocias), wna vez que pode ser interessante e lucrativa a sociedade. Mas não na condição de sócio oculto, posto que, na sociedade em conta de participação, ele não se obriga
PAULO R. COLOMBO ARNOLOI
ARTS. 994 A 996
1 837
pessoalmente p erante terceiros, responsabilidade reservada ao sócio ostensivo. Este, não sendo empresário ou sociedade empresária, não estará sujeito à falênda, mas revelando-se insolvente poderão seus credores requerer-lhe a declaração de insolvência civil, prevista no CPC/73, arts. 748 a 786-A. Essa matéria relacionada à execução contra devedor insolvente está mantida no CPC/2015, Lei n. 13.105, Livro TI, Título IV, art. 1.052, até que seja expedida nova regulamentação, que acreditamos seja incorporado na Lei de Falências e Recuperação de Empresas, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países. V., ainda, CC, art. 955.
Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais. Há um VÚlculo pessoal entre ô sócio participante e o sócio ostensivo; trata-se de umasociedade de pessoas. Sendo assim, a lei não admite a possibilidade do sócio ostensivo admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais, salvo se isso já tiver sido pactuado anteriormente. Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual. Esclarece a lei que se aplicam subsidiariamente, desde que cotn ela compatível, as normas da sociedade sitnples. Não se processa a liquidação deste tipo de sociedade seguindo o procedimento ditado para as demais sociedades. Em caso de insolvência, é a mesma do sócio, e não da sociedade. Todavia, falindo o sócio, por extensão, inclui-se na falência o negócio ou empreendimento do qual participam os sócios ocuJtos. No caso, porém, de simples clissolução, reger-se-á pelas normas relativas à presr.ação de contas, na forma da lei processual civil. Deve-se assim proceder porque o sócio ostensivo é o gestor e administrador do patrimônio ou do negócio. Ele que controla os bens e os investimentos dos demais sócios. É o administrador, ao qual os demais sócios confiaram o trabalho e seus investimentos, o brigando-se perao~ te terceiros e assumindo o risco do empreendimento. Em vista de ser sócio ostensivo, apa{ece como dono do negócio .ipresentando-se como seu tih,tlar e, portanto, não se faz arrecadação dos bens e livros da sociedade, mas simplesmente se processa a prestação de contas. Não se deve confundir a ação de prestação de contas destinada a responsabilizar o sócio ostensivo e a destinada à liquidação da sociedade em conta de participação. Antes da entrada em vigor do CC/2002, a jurisprudência entendia ser possível ação ordinária
838
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
1 ARt 996
para a dissolução da sociedade em conta de participa~o. Sobre sociedades simples, v. arts. 997 a 1.038. V. também arts. 914 a 919 do CPC/73. Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no m esmo processo. Caso existam dois ou mais sócios ostensivos, segue-se a mesma disposição, ou seja, as contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo.
SUBrfTuLO li DA SOCIEDADE PERSONIFICADA CAP(nJLO 1
DA SOCIEDADE SIMPLES
Trata-se de grande novidade do CC. Sua origem remonta do Código de Obrigações suíço do final do século XIX, sendo seguido pelo CC italiano de 1942 e incorporado ao atual CC. Ela veio substituir as antigas sociedades ci~ vis. Ela pode ou não adotar um dos modelos societários previstos no Código. Se não fizer, submeter-se-á às regras que lhe são próprias, prevista nos arts. 997 a 1.038, conforme dispõe o art. 983, segunda parte, Este tipo de sociedade tem por objeto a exploração de atividades econômicas específicas, ou seja, aquelas sociedades que não exercem atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 982). Por exemplo, prestação de serviços profissionais de natureza cientifica, literária, artística, atividades relativas a agricultura e pecuária (quando não realizadas de forma empresária), administração de venda de imóveis e cooperativas. Nessa linha de raciocínio, por força de expressa reserva da lei, algumas das antigas sociedades civis com fins econômicos se emolduram como sociedades simples. Este modelo societário foi concebido com dupla finalidade, a primeira, já mencionada, é diStingui-la das sociedades empresárias adotando objeto ruverso desta. A segunda finalidade rcfere•se à possibilidade de servir de modelo ou fonte suplerlva dos demais tipos societários. A estrutura do Código permite que as normas particulares da sociedade simples sejam aplicadas subsidiariamente aos tipos societários por ele contemplados, por serem regras gerais em m atéria de direito societário. Tol opção é motivo c;le criticas, pois melhor teria sido que o Código estabelecesse regras gerais atinentes a t odas as sociedades em um capftulo apartado. Além disso elas não se destinam ao exercício de atividades empresáriais, sendo wn contrassenso buscar nelas soluções para as sociedades limitadas. Faltando essas normas integradoras, subsiruárias, aplicam-se as disposições concernentes às associações, pois o art. 44, § 2°, do CC dispõe:
PAULO R. COLOMBO ARNQLPI
ART. 997
j
839
"As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código".
Seção 1 Do Contrato Social
Art. 997. Asociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: A sociedade simples é uma sociedade contratual, tipicamente pessoal, ou seja, intuitu personae. Para modificação do contrato social, a lei impõe certa rigidez. É necessário o consentimento unânime dos sócios nas deliberações que alterem as cláusulas referentes aos elementos essenciais do contrato previstos em seus oito incisos. A inscrição desta sociedade será feita no Registro Civil d;i.s Pessoas Jurídicas (art. 998), que se revistam das formas previstas nas leis comerciais, salvo as anônimas. Pelo que se depreende deste artigo, são fixadas as regras essenciais que de~ verão ser observadas na constituição do contrato social. São cláusulas obrigatórias do contrato das sociedades. Caso não conste, o órgão competente deixará de arquivar os atos constitutivos da sociedade e não real.i7Ará a inscrição, conforme dispõe os arts. 53 e 88 a 91 da Lei n. 12.529/2011. Sobre consentimento dos sócios, v. art. 999, Sobre inicio e término das obrigações dos sócios, v. a.rt. l.001, primeira parte. Sobre obrigações dos sócios baseadas em serviço, v. art. 1.006. Sobre participação do sócio nos lucros e nas perdas, v. art. 1.007. Sobre administração da sociedade e excesso por parte dos administradores, v. art. l.015. Sobre sociedade limitada, v. arts. 1.052 e l .OS3. V. também arts. 335 e 420 a 4-39 do CPC/73. O CPC/2015, Lei n. 13.105, em vigor desde março de 2016, regula a matéria sobre provas no Capítulo XI, Seção I, "Disposições Gerais", arts. 369 a 380 e sobre prova pericial nos arts. 464 a 480, revogando o CPC/73. Art. 302 (revogado) do CCom, art. 35 da lei n. 8.934/94 (Registro Público de Empresas Mercantis e ativi~ dades afins) e Lein, 9.307/96 (arbitragem). Sobre o terna, conferir os seguiu~ tes Enunciados do CEJ do CJF: n. 214- "As indicações contidas no art, 997 não sã,o exaustivas, aplicando-se outras exigências contidas na legislação pertinente para fins de registro"; n. 384 - "Nas sociedades personificadas previstas no CC, exceto a cooperativa, é admissível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes ao acordo de acionistas"; n. 385 - "A WJanimidade exigida para a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no c;ontrato"; n. 478 - ''A integraliza-
840 1 ART. 997
PAULO R. COLOMBO ARNOLJ)l
ção do capital social em bens ímóveis pode ser feita por instrumento particuJ.ir de co.n trato soei.ai ou de alteração contratual, ainda que se trate de sociedade sujeita ao registro exclusivamente no registro civil de pessoas jurídicas". v; também: "Verificação do caráter não empresarial da sociedade. Análise do contrato social. Súmulas ns. 5 e 7 do STJ. Processo civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de violação dos arts. 458 e 535, I e II, do CPC/73" (STJ, Ag. Reg. no AI n. 1.118.796/PR, l • T., rei. Min. Benedito Gonçalves, j. 08.09.2009,DJ 21.09.2009). O CPC/2015,Lei n. 13.105, que entrou em vigor em março de 2016, deu nova redação à ação de prestação de contas no Livro II, Título III, Capítulo II, arts. 550 a 553 com o título de "Ação de Exigir Contas''.
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturai.$, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se juridicas; O inciso I obriga constar no contrato social a qualificação dos sócios, se pessoas físicas: a firma ou a denominação, a nacionalidade e a sede dos sócios, quando se tratar de pessoas jurídicas. Para ser válido, o contrato social deve atender aos requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, definidos, no Direito brasileiro, pelo art. 104 do CC. Por tratar-se de negócio jurídico, necessita preencher os requisitos de validade, sem os quais não se consideram válidos os contratos privados constituinte de sociedade empresária. Assim, para preencher a primeira condição de validade, o contrato social deve ser celebrado entre agentes capazes, ter objeto licito e observar a forma prescrita ou não defesa na lei. V. comentário ao art. 1.054. II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; No inciso Il, são solicitadas a denominação social, que deverá ser a moda~ tidade de nome soda! para a sociedade simples, a declaração precisa e detalhada do seu objeto, além do local da sede, e respectivo endereço, inclusive das filiais declaradas. O objeto define se a sociedade é empresária ou simples, além disso :fixa as atribuições do sócio, gerente ou administrador. O objeto também determina a finalidade para qual a sociedade foi criada. O prazo de duração da sociedade pode ser por tempo indeterminado, vinmtlado à conclusão de uro objetivo específico ou, ainda, por prazo determinado. Na hjpótese da sociedade ter prazo de dissolução determinado e, ao final do prazo houver opção pela continuidade de suas atividades sem oposição de qualquer sócio, entende-se existir, nesse caso, uma prorrogação tácita desse. Sobre o tema, v. o
PAULO R. COLOMBO ARNQLPI
ART. 997
1 841
Enunciado n. 213 de;, CEJ do CJF: "O art. 997, Il, não e.xclui a possibilidade de socieçlade simples utiliz;u firma ou razão social". III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo com preender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; O capital da sociedade deve ser expresso em moeda corrente e pode ser integrado com qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária (m óveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos), ou seja, bens econômicos. O capital social constituirá o primeiro patrimônio da sociedade empresarial. É seu fundo originário essencial, c.o rrespondendo à soma representativa das participações (em dinheiro ou em bens) dos sócios. Trata-se de cifra contábil expressa no contrato social. Capital social é diferente de patrimônio, apenas se e·quivalem no início da constituição da sociedade. Genericamente, o capital social é nominal e intangível. O património social é real e variável, podendo aumentar ou diminuir nas situações previstas em lei. A fixidez é característica do primeiro; a mobilidade é traço inerente ao segundo. O patrimônio responde pelo passivo social e não pode ser inferior ao valor do capital social. IV - a quota de cada sócio no capital social, e o m odo de realizá-la; O capital social é dividido e1n cotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. As cotas deverão ser integralizadas em bens ou dinheiro. De acordo com seu aporte, participará nos lucros ou nas perdas do negócio. V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; Merece destaque o disposto no inciso V, ao admitir, expressamente, que a capitalização possa ser feita em serviços, antes denominado sócio de indús~ trfa, considerando, portanto, o trabalho como um b em susceptível de ava~ liação vecuniária, por força do inciso IlI deste art. 997. O Código não veda que o mesmo sócio participe da sociedade com bens e sei;viços. É da essência da condição do sócio de serviço não responder com.seu patrimônio particular para com os credores da sociedade, exceto se ele participar da mesma com alguma quota em dinheiro. O sócio de serviço não participa das perdas da sociedade, apenas dos lucros (art. 1.007); o serviço a ser prestado pelos sócios não é valorado, não integra o capital social. Os sócios podem estipular livremente outras cláusulas contratuais, observados os requisitos de va-
841
1
AIU"S. 997 E998
PAULO R. COLOMBO ARNOU>I
lidade do negócio jurídico. Essa possibilidade não é permitida à sociedade limitada, conforme dispõe o art. 1.055, § 2°. VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; Este inciso é claro no sentido de que no contrato social deve constar as pessoas que irão administrar a sociedade, seus poderes e suas atribuições para efeito de representação e eventual responsabilidade.
Vil - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; Todos os sócios devem participar dos resultados sociais, quer sejam eles positivos ou negativos. V. Enunciado n. 479 sobre este inciso: "Na sociedade símples puxa (art. 983, parte final, do CC/2002), a responsabilidade dos sócios depende de previsão contratual Em caso de omissão, será ilimitada e subsidiária, conforme o disposto pos arts. J .023 e 1.024 do CC/2002''. VIII - se os sócios respondem, ou não, s ubsidiariamente, pelas obrigações sociais. A situação deste inciso dependerá do que dispõe o contrato social. Mas se agirem com dolo, ma-fé, fraude, respondem por seus atos civil e criminalmente, inclusive se for o caso com a desconsideração da personalidade jurídica para atingir diretamente o seu patrimônio pessoal (art. 50). O CPC/2015, Lei n. 13.105, que entrou em vigor em março de 2016, também cuida dessa matéria nos arts. 173 e segs. Parágrafo único. '.e ineficaz em relação a terceiros qualquer p acto separado, contrários ao disposto no instrumento do contrato. O que vale é o que consta no contrato social que está registrado na Junta Comercial, exatamente para dar publicidade e conhecimento a terceiros desse contrato. Dessafonna, as partes não poderão realizar qualquer pacto, em separado, contrário ao seu conteúdo. Caso ocorra, não tem força perante terceiros. Art. 998. Nos trinta dias subsequentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.
PAULO R. COLOMBO ARNOLOJ
AJIT. 998 1 843
Fixa a lei o prazo de trinta cüas, subsequente à sua constituição, para que seja requerida a inscrição da sociedade no órgão competente. 1gual prazo deve ser observado nos casos da averbação de qualquer modificação do contrato social. A inobservância do prazo acarreta a produção de efeitos quanto à aquisição da personalidade juridica, tão somente a contar da data de concessão efetiva do registro (art. 1.15 l, § 2°). As pessoas obrigadas a requerer o registro responderão, em virtude da omissão ou da demora, por perdas e danos junto aos prejudicados. É possível a adoção pela sociedade simples de uma das formas da sociedade empresária (ai1. 983). Sendo assim, o Registro Civil das Pessoas Jurícücas deverá aplicar a Lei n. 8.934/94 e seu regulamento (Decreto n. l.800/96) naquilo que for compatível. A utilização de uma das formas relativas às sociedades empresárias pela sociedade simples não impõe o seu registro na Junta Comercial, permanecendo a competênci-a do Registro Civil das Pessoas Juridicas. A exceção ocorre com as sociedades por ações, que obrigatoriamente são registradas na Junta Comercial. V. LC n. 123/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do :MEI; e IN n. 118, de 22.11.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário incüvidual em sociedade empresarial, contratual, ou em empresa individual ·deresponsabilidade limitada e vice-versa, em especial, arts. 8°, 9° e 14. Sobre inicio da existência legal das pessoas juricücas, v. art. 45. Sobre condições de extinção do registro da sociedade, v. ait 46. Sobre domicílio da pessoa jurídica, v. art. 75, IV. Sobre registro, v. arts. 1.150 a 1.154. V. também a Lei n. 8.934/94. V também o Enunciado n. 215 do CEJ do CJP: "A sede a que se refere o caput do art. 998 poderá ser a da administração ou a do estabelecimento onde se realizam as atividades sociais''. § l O O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento auten-
ticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente. Quando do pedido de inscrição, deverá o inter~sado apresentar no Regis~ tro Civil das Pessoas Jurídicas do lo~ de sua sede, o contrato devidamente autenticado e se algum sócio tiver sido representado por procurador, a res~ pectiva pr-ocuração, bem como, se for o caso, prova de autorização da autoridade competente. § 2° Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será
a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem continua para todas as sociedades inscritas.
844
1
ARrS. 998 E999
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
A inscrição, uma vez cumpridas as indicações prevístas no § l º, será tomada por termo no livro de registro próprío e obedecerá a número de ordem contínuo para todas as socíedades inscritas. Art. 999. As modificações do con trato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unâni me.
Este dispositivo cuida das alterações do contrato social que tenham por objeto matéria elencada no art. 997. Tem o intuito de dar p roteção ao sócio minoritário. Todavia, em contrapartida, "engessou" este tipo de sociedade, posto que torna praticamente imutável a sociedade simples quando constituída. Essa disposição alterou, fundamentalmente, ô princípio que levou muito tempo para ser aoeito e consagrado péla jurisprudência, e que veio a ser acolhido p ela Lei n. 8.934/94, qual seja, o prindpiô da vontade da maioria, consagrado em seu art. 53. Exigir 110aniroidade para aprovação de todos os atos enumerados no art. 997, quando se tratar de alterá"los, é um retrocesso e tende a provocar dissolução judicial de sociedades. No caso das sociedades limitadas não haverá maior dificuldade qu.anto a essa matéria, pois o sócío dissidente poderá utiliz.ar do direito de retirada oos seguintes casos: modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra. Entende-se, por analogia, que o direito de retirada poderá ser aplicado a essa sociedade, bem como às demais, em obediência ao princípio da preservação da sociedade, Pela orientação atual, o que é mais i.tnportante na sociedade não é só o que ela produz, mas o conjunto social, ou seja, a função que exerce perante a sociedade com responsabilidade social, como a empresa em si, o estabelecimento, os empregados, os credores, enfim, toda uma gama de elementos que vivem e se movimentam em torno da sociedade, justificando sua própria existência. Sobre pessoas jurídicas de direito privado, 11. art. 44. Sobre dissolução de sociedade, v. arts. 1.033 a 1.038. V. também art. 19 (revogado) do CCom e arts.120 e 121 da Lei o. 6.015/73 (LRP). Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente. As eventuais modificações que os sócios fizerem no contrato social, da mesma forma que o ato constitutivo, devem ser averbadas no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídkas. V. arts. 1.002, 1.003 e 2.033 do CC. V.:
PAULO R. COLOMBO ARNQLOJ
ARTS. 999 E 1.000 1 845
LC o. 123/2006, conhecida: como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. l28/2008, que cuida do MEI; e lN n. 118, de 22.1 t.2011, que clispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade.empresarial, contratual, ou em empresa in&vidual de responsabilidade limitada e vice-ven-a, em especial, o art 5°.
Art. 1.000. A sociedade .simples que instituir sucursal, filial ou agência na circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurfdicas, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária. Esclarece o Código que quando a sociedade simples quiser instituir sucursal, filial ou agência em outro local que não a sua sede, deverá proceder a inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas desta localidade, com a prova da inscrição originária e, posteriormente, averbá-la no Registro Civil dares~ pectiva.sede. Ressalte-se que os Cartórios de Registro das Pessoas Jurídicas têm circunscrição municipal, enquanto as Juntas Comerciais têm circunscrição estadual, dai a necessidade de sua inscrição local. V. arts. 969 e 982 do CC. V. LC n. I23/2006, conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas; LC n. 128/2008, que cuida do MEI; e 1N n. ll~ de 22.11.2011, que dispõe sobre processo de transformação de registro de empresário individual em sociedade empresarial, contratual, ou ero empresa individual de responsabilidade limitada e vice-versa, em especial, os arts. 6° e 7°. Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição da sucursal, filial ou agência deverá ser averbada no Registro Civil da respectiva sede. Constituída a sucursal, filial ou agência, esta deverá também ser averbada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua respectiva sede. Lembrando que as sociedades empresa.rias, diferentemente, devem ser registradas no Registro Público das Empresas Mercantis do estado (Junta Comercial) de sua respectiva sede. V. art. 969 do CC.
Seção li Dos Direitos e Obrigações dos Sócios Aplicam-se as &sposições desta Seção às sociedades simples em nome coletivo, à sociedade em comandíta simples e, supletivameote, às sociedades limitadas. As sociedades cooperativas, por serem, por definição legal, sociedades simples, são regidas pelos arts. 1.093 a 1.-096, ressalvada a legislação especial a ela aplicada (Lei n. 5.764/71).
846 J AIU"S. 1.001 A 1,003
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
Art, 1.001. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este n ão fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais. Ao participar de uma sociedade, independentementé da espécie (sociedade simples ou empresária) ou do tipo (limitada, anônima, nome coletivo e comandita por ações ou simples), nasc.e para o sócio a obrigação fundamental de contribuir para a formação do capital social. Essa obrigação não pode ser confundida com a eventual responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais. Além dessa obrigação fundamental, é imposto o dever de lealdade; o sócio não poderá exercitar seus direitos para auferir vantagens e beneficios pessoais em detrimento da sociedade e dos outros sócios, sob pena de vir a responder pelo abuso de direito decorrente da deliberação que vier a causar prejuízo para a sociedade ou pata os outros sócios. O respeito a essas obrigações inicia-se imediatamente com o contrato, momento em que se opera a aquisição da qualidade de sócio e as obrigações inerentes a essa condição passam a se impor. O contrato, necessariamente, não precisa estar registrado, posto que o termo inicial ocor:re a partir da data do contrato social e não do registro, caso não seja fixada outra data, e terminam quando liquidada a sociedade e extintas as responsabilidades sociais. V. arts. 329 a 334 (revogados) do CCom. Art. 1.002. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções, sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social. O Código esclarece que a administração da sociedade simples é personalissima. não cabendo mais a prática comum do exercido via mandato, outorgado por sócio. Somente o sócio pode exercer suas funções, e para delegá-las a terceiro terá de obter o consentimento unânime (arts. 997, VI, e 999) dos demais, com modificação do contrato social. Sobre registro de alteração do con~ trato social, v. art. 999. Sobre poderes de administração, v. arts. 1.018 e 1.019. Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade. Na cessão total ou parcial da quota. social por parte de um dos sócios, para que seja oponível aos demais sócios, à sociedade e a terceiros, o Código exige a observância de três requisitos: 1) a modificação do contrato social; 2) o ingresso do cessionário, com assentimento de todos os demais sócios; e 3) a
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS. 1.003 E1.004
i
847
averbação do ato na inscrição da sociedade perante o órgão competente. Trata-se de uma forma de garantir aos sócios remanescentes seus direitos sem, contudo, tirar do cedente a possibilidade de desligar-se da sociedade, Só com a anuência de todos os sócios, sem qualquer limitação de tempo e p.razo, aquele que não mais quiser prosseguir na sociedade, dela poderá livremente retirar-se. O cessionário que não c.onseguir efetivar seu ingresso no quadro social, por falta do concurso de um dos requisitos, terá, em tese, ação contra o cedente para o devido ressarcimento. Sobre alteração do contrato social, v. art. 999. Sobre cessão de quotas, v. arts. 1.055 a 1.059. V. art. 339 (revogado) do CCom. Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionárío, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. Quanto ao parágrafo único, trata-se de uma inovação que, se de um lado dá a o adquirente das quotas, à sociedade e a terceiros certa segurança, de ou~ tro, inibe o cedente, tomando, o c.oobrigado pelos atos e obrigações sociais, até dois anos após a cessão. Tal regra foi inserida no CC, arts. 275 a 285 e 1.057, com o intuito de realizar um progresso moral nas relações mercantis, evitando os chamados "laranjas~ selldo, no entanto, excessiva. Se o objetivo era coibir tal prática, parece justo e pertinente, pois só virá moralizar as relações mercantis. Mas, querer obrigar aquele que não mais pode influir nas decisões da sociedade a responder por elas, por dois anos após seu desligamento, é ferir o principio constitucional de que ninguém é obrigado a manter-se associado (art. 5°, XX, da CF). Causuística: ''Não se aplica a limitação de dois anos após a desvinculação da sociedade para a responsabilização do sócio retirante (arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032 do CC), se ao tempo da retirada já se processava contra a empresa a reclamalória na qual se discute essa responsabilidade" (TRT, 2• R., Ap. n. 00797200900402006, l " T., rel. Wilson Fernandes, DOE 26.02.2010). Art. l.004. Os sócios são obrigados, na form a e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pe1a sociedade, responderá perante esta pelo d ano emergente da mora. A principal obrigação do sócio é, na forma e prazo previstos no contrato social, promover as respectivas contribuições para a constituição do capital social. Não procedendo dessa forma, a lei impõe a notificação prévia do sócio devedor constituindo-o em mora. O não atendimento à notificação o co-
848
1
ART. 1.004
PAULO R. COLOMBO AANOU>I
locará na condição de sócio remisso, sujeito ao efeito da mora. Como a lei é omissa quanto à sua forma de noti_ficação, poderá ser judicial ou extrajudicial. O legislador desprezou o fato de poder a obrigação ser positiva, líquida e a termo, pois havendo no contrato a previsão do montante da prestação a que o sócio se obrigou, bem como a forma de realizá-la e o p razo, não parece sensato exigir sua prévia notificação. A regra em n1atéria de direito obrigacional determina que o não pagamento de obrigação positiva e líquida oo seu vencimento constin.1i, de pleno direito, em mora o devedor. Sobre mora, v. arts. 394 a 401. Sobre perdas e danos, v. arts. 402 a 404. Sobre indicação das pessoas incumbidas pela administração da sociedade no contrato social, v. art. 997, rv: Sobre exclusão de sócio falido, v. arts. 1.030 e 1.031. V. art. 289 (revógado) do CCom. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá .a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio r emisso, ou reduzir-lhe a quota ao mon,tante já realizado, aplican,do-se, em ambos os casos, o disposto no§ 1° do art. 1.031. Nos termos deste píJ.tágrafo único, constituída a mora (art. 397), responde o sócio remisso pei:ante a sociedade pelos prejuízos a que der causa, além dos juros e atualização monetária, conforme dispõe o art. 395, computados do vencimento da obrigação positiva e liquida. Entretanto, se o contrato não fixar o prazo, os consectários de mora serão computados a partir da data da notificação. A lei exige a interpelação para que se caracterize a condição de sócio remisso, não simplesmente para a comprovação da sua mora. A indenização deve ser integral. Todavia, é facultado, aos demais sócios, mediante a deHberação que represente a maioria do capital, não se considerando para sua aferição o sócio remisso, optar pela sua exclusão em lugar da indenização. Terão, ainda, segundo o mesmo quortim, a opção de reduzir-lhe a quota social ao montante já realizado s~ é claro, a mora se referir apenas à par~ te da obrigação que já foi parcialmente adimplida. Devendo, em ambos os casos, ser reduzido o capital. Sobre o tema, 11. o Enunciado n. 216 do CEJ do CJF: "O quoriJm de deliberação previsto no art. 1.004, parágrafo único, e no a:rt. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio cemjsso ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado".
PAULO R. COLOMBO ARNQLJ)I
ARTS. 1.005 A 1.007
j
849
Art, 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse o u uso, responde pela evicção; e pela sol vência do devedor, aquele que transferir crédito. A contribuição para a formação ou o aumento do capital social busca capacitar a sociedade para a realização da sua atividade-fim. A previsão no contrato social, ou qualquer pactuação em separado que exclua a responsabilidade do subscritor pela evicção, ou que o exonere de responder pela solvência do devedor, serão consideradas nulas de pleno direito. Incorre em omissão este artigo ao restting'tr a responsabilidade do sócio somente en1 caso de evicção, deixando de fora os vícios redibitórios. No que se refere à responsabilidade do sócio subscritor péla transferência do crédito, a lei não se satisfaz apenas com a garantia de sua real existência, exigindo também que ele responda pera solvência dó devedor, ou seja, se o crédito não for realizado, tem a sociedade o direito de exigi-lo do sócio. A responsa.bilidade é subsidiária, ou seja, a. sociedade deverá, de início, promover a cobrança judicial do deve~ dor e, posteriormente, provada a frustração de seu recebimento, em função da ausência de bens livres e capazes de satisfazê-lo, exigir o pagamento do sócio subscritor. Possuem, assim, os demais sócios 0 beneficio de ordem expressamente previsto na lei. O bem transmitido à sociedade deve estar concretamente Ligado ao objeto social, ou ser útil ao seu desenvolvimento. Não é admissível a integralização em bens que não sejam capazes de execução, ou seja, que não possam ser executados pelos credores da sociedade, sob pena de acobertar a fraude ou o abuso de direito, bem como os impenhoráveis. Sobre cessão d e crédito, v. art. 286. Sobre cessão de crédito e solvência, v. art. 297. Sobre evicção, v. arts. 447 a 457.
Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, _não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob p ena de ser privado de seus lucros e dela excluído. Quando a contribuição do sócio consistir em prestação de serviço, é vedado a ele empregar-se em atividade estranha à sociedade, salvo convenção em contrário. A inobservância desse preceito legal gera como sanção a privação na participação dos lucros em proporção da média do vàlor das quotas e a sua excl\lsão da sociedade. Sobre especificações das prestações a que se obriga o sócio no contrato social, v. arL 997, V, Sobre exclusão de sócio falido, v. art. 1,030.
Art. 1.007. Salvo estipulaçio em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja
850
1
ART. 1.007
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da m édia do valor das q uotas. A participação do sócio na sociedade gera-lhe direitos e obrigações, como o direito de participar da partilha dos lucros e das perdas, auferidos na exploração de seu objeto, em regra na proporção das respectivas quotas. No entanto, como dispõe o artigo em questão, podem os sócios validamente convencionar de forma distinta. O mesmo raciocínio aplica-se ao sócio cuja contribuição para o capital se deu em serviços, ou seja. a sua participação se fará na proporção da média do valor das quotas, isso se não houver, repita-se, convenção em contrário. Trata-se de wn novo tipo de sócio, que ingressa na sociedade com uma forma de integralização especial do capital - o seu trabalho. O chamado "sócio de trabalho" é o profissional que traz para a empresa como patrimônio o seu conhecimento. A solução do legislador, para estabelecer a participação do sócio de serviços, não foi d.as melhores, haja visto que, tanto o capital-moeda como o capital-ttabalbo podem e devem ser mensurados de forma clara, pois, de outra forma, estamos diante de dois tipos de sócios; o primeiro que ingressa com recursos, estando bem definida sua posição societária, ao passo que, em relação ao segundo, pelo ,que ficou estabelecido, ele nunca terá seu capital como integralizado, que lhe permita se igualar aos demais, e será um "sócio de segunda categoria': o que, com toda certeza, não foi, nem pode ser, a vontade do legislador, Sendo assim, a regra cabível a esse caso seria a de uma quantificação, dara e precisa. do valor como tais serviços ingressariam para a formação do capital social, e, uma vez atingidos tais parâmetros, estaria o sócio nas mesmas c.ondições dos demais sócios. Como está redigido, parece que a participação no lucro faz-se divi'dindo o montante por 1,5 (uma vez e meia), cabendo meio (0,5) para os sócios de serviços e um inteiro (1,0) para os demais sócios. A regra do CCom era mais simples, pois, em seu art. 318, determinava que no conttato da sociedade fosse especificada a quota de lucros do então denominado sócio de indústria, agora sócio de serviços. Melhor será que no próprio contrato esta quota fique especificada. Sobre participação dos sócios n os lucros e nas perdas no contrato social, v. art. 997, vn. Nesse ~entido, y. os seguintes Ena.nciados do CBJ do CJF: n. 386 - "Na apuração dos haveres do devedor, por consequência da liquidação de suas quotas na sociedade, não devem ser consideradas eventuais disposições contratuais restritivas à determinação de seu valor"; n. 387 - "A opção entre fazer a execução rec!ii,r sobre o q ue ao sócio couber uo lucro da sociedade, ou na parte que lhe tocar em dissolução, orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa''.
PAUi.O R. COLOMBO ARNOLDI
ARTS. 1.008 E 1,009
1 851
Ar t. 1.008. É oula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. A essência da sociedade é o intuito de obter lucro, que deve ser partilhado. Todavia não poderá ser acordado que o sócio de serviços, por exemplo, seja excluído de participar dos lucros e o capitalista, das perdas. O CCom, em seu art. 288, fulminava de nulidade a sociedade em que se atribuísse somente a um ou a alguns sócios a totalidade dos lucros ou das perdas. O CC/1916, disciplinando a matéria de 1nodo diverso em relação às sociedades civis, em seu art 1.372, limitava-se a decretar a nulidade da cláusula, e não do contrato social. O CC italiano de 1942 prestigiou esse fundamento no art. 2.265. O CC/2002 também consagrou este mesmo princípio. Embora o art. 1.008 fale em nulidade da ('estipulação contratual", não pode essa disposição ser interpretada literalmente. No conteúdo do contrato social é vedada a inserção de pactos parassociais (patto parasociale da doutrina italiana), por exemplo, em um acordo de cotistas de uma sociedade limltada, no qual se convencionou a partilha dos lucros em desacordo com a regra: legal. Em síntese, é vedada a inclusão de qualquer cláusula leonina, sendo nula de pleno direito. Atualmente, a expressão "cláusula leonina" tem sido utilizada não apenas em sede de direito societário, mas também em referência a qualquer tipo de contrato, no qual se verifique acentuada desproporção entre as obrigações assumidas pelos contratantes. Tratando-se de contrato de consumo, a cláusula com esse sentido é considerada abusiva e, consequentemente, nula (art. 51, IV, do CDC). Quanto aos demais contratos comerciais ou civis, apenas a caracterização de vício de consentimento pode implicar a invalidade da cláusula. Sobre participação dos sócios nos lucros e nas perdas no contrato social, v. art. 997, Vll. Sobre participação dos sócios nos lucros e nas perdas, v. art. 1.007.
Art. 1.009. A distribuição de lucros ilkitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegi-
timidade. A distribuição dos lucros deve ser feita de fo:rma lícita e real. A. eventual clistribuição de lucros ilicitos ou fictícios acarretará responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade. O Código ampliou a responsabilidade decorrente da clistribuição de lucros que, na lei anterior, restringia-se aos lucros ilícitos mas que, agora, também abrange os lucros
esi I
ARTS. 1.009 E 1,010
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
fictícios, ou seja, os inexistentes ou produto de fraude e simulação na conta" bilidade da sociedade. Respondem por isso não só os sócios que os receberem, conhecendo ou_ devendo conhecer as irregularidades, .m as também os administradores que realizarem esta operação. Deve-se fazer uma distinção entre lucro e pro labore. A este último só deve fazer jus o sócio 01.1 os sócios que se dedicarem à administração social. Entretanto, seu pagamento, em última análise, estará subordinado à previsão expressa no contrato social que deverá indicar o seu valor ou a fórmula para estabelecê-lo. Sobre a matéria, a Lei n. 6.404/76 - Lei das S.A. - trata do assunto, em especial em sua Seção IV do Capítulo XII, com destaque para o seu art. 158, em relação ao administrador e ao acionista, no seu§ 5°, ao determinar que: "Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto': Da mesma forma responderá o contabilista que aprovar o balanço social. Trata-se da aplicação da teoria ultra vires. Sobre obrigações solidárias, v. arts. 264 e 275 a 285.
S~o Ili Da Administração
Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social. competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quota.s de cada um. A administração é um órgão de representação legal, por meio do qual a sociedade exterioriza a sua vontade. Em principio, o administrador deve ser sócio, mas sócio pessoa natural, tal qual determina o inciso VI do art. 997. Todavia, nada obsta que o administrador não seja sócio. Disciplinam o artigo e seus parágrafos, a forma e o quorum de como devem ser tomadas as deliberações societárias. Determina que a apuração da maioria se fará não pelo número de quotas, mas sim pelo valor de cada uma. Sobre perdas e danos, v. arts. 402 a 404. Sobre administração da socieda" de e aplicação de créditos, v. art. 1.017. V. comentários sobre administração e o comentário ao art. 1.060. Sobre deliberações, v. arts. 1.071 a 1.080, § 1° Para formação da maioria absoluta são necessários votos corres-
pondentes a mais de metade do capital. A "maioria absoluta" do § 1º ' é entendida como os votos correspondentes a mais da metade do capital social. A vontade do sócio ou dos sócios repre,sentativos de mais da metade do capital social é que prevalecerá na decisão
PAULO R. COLOMBO ARNOLOI
.ART. 1.010
j as;
dos negócios sociais, salvo se a lei ou o contrato impuserem outro quorum. O número de votos é, pois, proporcional ao valor da quota ou das quotas de titularidade c;lo sócio no capital(§ 2°). Caso ocorra empate, a orientaç.10 legal levará em conta a prevalência da decisão sufragada pelo maior número de sócios. § 2° Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz.
No caso de persistência do empate, prevê o § 2° que a decisão caberá ao juiz. No entanto, acredita-se que os sócios acabarão por adotar procedimento alternativo para a solução do conflito, como o da arbitragem, evitando uma contenda judicial, pois a demora na composição da controvérsia poderá trazer prejuízos de difícil reparação à sociedade. O interesse privado e a autonomia da vontade dos sócios devem ser respeitados, posto que ninguém melhor que eles para delinear o sistema adequado para a solução dos conflitos societários. Normalmente, o contrato social regula a matéria atinente à administração da sociedade empresária. Entretanto, quando isso não ocorre, a adrnini.stração social incumbe separ1:1-darneote-a cada um dos sócios. ~ a chamada administração disjuntiva. Nessa conjuntura, eventuais impugnações de um sócio a operações cogitadas por outro serão decididas pela maioria social. A realização de negócios com inobservância da vontade da maioria acarreta a responsabilidade por perdas e danos. Podem os sócios, no contrato social, optar pela administração conjunta, a fi.1n de evitar problemas futuros. Nada dispondo o contrato social, os administradores podem praticar todos os atos de gestão necessários à r ealização do objeto social. A tegraé que o excesso de mandato não pode ser oposto a terceiros, salvo se houver limitação de poderes inscrita ou averbada em registro social e do conhecimento do terceiro, ou quando tratar-se de operação estranha ao objeto social. Nos atos que reclamem decisão conjunta de vários administradores, a adoção d e- providências depende de todos, exceto na iminência de dano irreparável decorrente da omisSão ou da protelação. § 3° Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma ope-
ração interesse contrµio ao da sociedade, píU'ticjpar da deliberação que a aprove graças a seu voto. De acordo com o § 3°, o sócio que com seu voto aprovar deliberação contrária aos interesses da sociedade, mas favorável aos seus, responderá, perante a sociedade, pelas perdas e danos decorrentes desta decisão. V. arts. 402 a 405, 1.017, parágrafo único, e 1.071 do CC.
854 1 ART, J.011
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
Art. 1.0.1 l . O administrador da sociedade deverá ter, no exerckio de suas funções, o cui dado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus p róprios negócios. Toda sociedade, de maneira geral, necessita de um ou alguns administradores que sejam responsáveis pela condução de ~'\las atividades e respondam juridicamente para com os demais sócios e para com terceiros que com ela negocia, regendo essas disposições pelas normas do mandato. A regra determinada no caput deste artigo é cópia do art. 153 da Lei n. 6.404/76. Emerge de tal preceito os deveres de diligência, prudência e lealdade do adminístrador. Quando não agir como homem diligente e leal, e desta conduta resultarem danos à sociedade, será o administrador responsabilizado civilmente pela respectiva reparação, estando sujeito à revogação judicial dos seus poderes de administração. Sobre mandato, 11. arts. 653 a 692. Sobre enriquecimento sem causa, v. arts. 884 a 886. Sobre capacidade para exercer a atividade de empresário, v. art. 972. Sobre membros do con~elho, v. art. 1.066. V. também arts. 171 a 179, 289 a 337~D e 359-A a H do CP (crimes contra a administração p ública), arts. 2° a 4° da Lei n. 1.521/51 (crimes contra a economia popular), art. 153 da Lei n. 6.404/76 (Lei das S.A.), arts. 27-C a E da Lei n. 6.385/76 ( mercado de valores mobiliários e criação da Comis~-ã.o de Valores Mobiliárjos), art. 2° a 23 da Lei n. 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), arts. 1° a 7° da Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária econômica e relações de consumo), arts. 1° e 2° da Lei n. 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica), Lei n. 8.112/90 (servidores públicos civis e federais), arts. 61 a 76 da Lei n. 8.078/90 (CDC), arts. 9° a 11 da Lei n. 8.429/92 (enriquecimento ilícito), arts. 83 a 98 da Lei n. 8.666/93 (licitações e contratos da administração pública), art. 36 da Lei n. 12.529/2011 (transforma o Cade em autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão das infrações contra a ordem econômica), art. l O da Lei n. 9.613/98 (crimes de "lavagem'' ou ocultação de bens, direitos e valores). Nesse sentido, v. o Enunciado n. 218 do CEJ do CJF: "Não são necessárias certidões de nenhuma espécie para comprovar os requisitos do art. 1.011 no ato de registro da sociedade, bastando declaração de desimpedimento'~ § 1° Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por
lei especia l, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou su borno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de d efesa d a
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
ARTS. l.011 E l.Oll
j
855
concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou apropriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. No que refere ao seu§ 1°,verifica-seque o legislador se filiou à corrente que adota como regra a expressa tipologia dos delitos, de caráter linútativa, ao fixar quais delitos impedem a condição de adnúnistrador. Evitou o critério genérico, consagrado no Decreto n. 1.800/96, e.m seu art. 53, II, de redação idêntica à da Lei n. 8.934/94 (art. 35, II), que dispõe: "Não podem ser arquivados [ ... ] os documentos de constituição ou alteração de empresas mercantis em que figure como titular ou admlnistrador pessoa que esteja condenada pela prática de crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil1~Permitiu o legislador da época uma interpretação mais elástica, não adotada p elo CC/2002, de caráter literal e restrito. Dessa forma, não enquadrado o interessado numa das figuras tipificadas no mencionado parágrafo, não estará impedido de administrar a sociedade -art. 65 da Lei n. 4.591/64 (condomínio em edificações e incorporações imobiliárias), e art. 48, I, e Capitulo VII (Disposições Penais), Seção I (Dos Crimes em Espécie) da Lei n. 11.101/2005. Sobre o tema, v. o Enunciado n. 60 do CET do CJF: "as expres~ sões de peita ou suborno do § l O do !lrt. 1.011 do novo CC devem ser entendidas como corrupção, ativa ou passiva''. § 2° Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato. Os administradores possuem responsabilidade solidária perante a sociedade e terceiros prejurucados, quando agirem com culpa funcional. São investidos de funções, cujos poderes foram delegados pelos demais sócios, em cláusula própria do contrato social. Assim, suas atribuições são juridicamente equiparadas ao mmda:to. A delegação de poderes deve ser especificada no instrumento de constituição do mandatário, pois determina o § 2° que ao administrador sejam aplicáveis, no que couber, as normas pertinentes ao mandato. V. arts. 653 a 691 do CC. Art. 1.012. O administrador, nomeado po,: instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade, Como analisado anteriormente, a figura do administrador, que poderá ser sócio ou mesmo pessoa estranha à sociedade, mas sempre pessoa natural, está definida no Código, prevendo este artigo a sistemática de sua nomea-
856 1 ARTS. 1.012 f 1,013
PAULO R. COLOMBO ARNOLPI
ção, caso não seja feita no corpo do próprio contrato. Se o administrador for nomeado por instrumento em separado e não o averbar à margem da inscrição da sociedade, responderá pessoal e solidariamente com a sociedade pelos atos que praticar. Os atos procedimentais devem ser praticados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Cabe ressaltar que, o legislador, em vez de procurar estimular a modernização do sisten1a cartorial, optou pelo vetusto sistema, colocando de lado os avanços da digitalização e da informação via satélite e tudo mais que a ciência e a tecnologia têm colocado à nossa disposição. Sobre solidariedade passiva, 11. arts. 275 a 285. Sobre registro de alteração do contrato social, 11. art. 999. Sobre poderes do sócio investido na administração, v. art. 1.019, parágrafo único. V. comentário ao art. 1.062. Art. 1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios.
Este artigo dispõe sobre a forma da administração da sociedade, fixando nos seus §§ 1° e 2° a maneira como deverão se portar os administradores em relação aos atos que praticarem e suas responsabilidades. Sobre perdas e danos, v. atts. 402 a 404. § 1° Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cab endo a decisão aos sócios, por maioria de votos.
O§ 1°prevêa hipótese de a administração competir separadamente a vários administradores, quando cada qual poderá impugnar a operação pretendida pelo outro. Ocorrendo a situação, verificando-se o impasse, caberá ao corpo social, por maioria absoluta de votos, resolver a questão. V: art. 1.384 doCC. § 2° Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador
que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria. E seu § 2° determi.n.a que o administrador, além de estar adstrito aos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo e pautar seus atos de admi~ Distração com zelo e lealdade, deve também agir no sentido da vontade da maioria, ou seja, deve atuar como competente administrador e, mesmo que vislumbre negócio interessante para a sociedade, deverá abster-se da sua realização, caso a maioria discorde do ato. Todavia, fica difícil entender quan-
P1WLO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS. 1.013 A 1.015
1 857
do o administrador pode praticar atos de gestão, conhecendo a vontade da maioria, pois inclw grande dose de subjetividade. A expressão legal "devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria" merece uma interpretação lógica e razoável. Não se pode inferir do texto a necessidade de o administrador ter de adivinhar a vontade da maioria. A situação se caracteriza quando o administrador tem o dever de saber da orientação majoritária, como na hipótese na qual, em reunião ou assembleia dos sócios, venha a ser realizada deliberação majoritária para orientar um negócio social e o gestor, não presente a ela nem procurando inteirar-se da decisão, atua no sentido contrário ao da orientação traçada. Sendo um administrador diligente, teria ele o dever de saber da deliberação tomada. Parece ser esse o espírito da lei. Pensamento em sentido oposto conduziria a distorções contrárias ao bom senso. Para que incorra na obrigação de reparar perdas e danos, necessário se faz que o ato realizado em desacordo com a maioria resulte em prejuízo para a pessoa jurídica. Não sendo verificado o prejuízo, não se pode exigir indenização do administrador, posto que não se indeniza dano hipotético. A regra do Código contempla a responsabilização do gestor (aplicação da teoria ultra vires) não só quando atue sabendo estar em desacordo com a maioria, mas também quando deveria saber da ação contrária. Por se tratar de uma sociedade de pessoas, quis o Código nos dois parágrafos enfatizar o poder dos sócios, ao p rever regras de decisão pela maioria. Buscou a supremacia da vontade geral, propiciando a realização do fim almejado, pois a vontade geral é o sucesso do empreendimento. Art. 1.014. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, etn que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o conjunto de todos ou do número mínimo previsto no contrato social para a realização do ato. No entanto, permite aJei, em casos de extre~ ma urgência, que sejam requeridas imediatas providências a fim de evitar dano grave ou irreparável à sociedade, que sua implementação se viabilize validamente por decisão isolada de um dos administradores, devidamente justificada, evitando assim prejuízo maior para a sociedade. Devendo, posteriormente, esta decisão ser con validada pelos demais administradores.
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem pratica.r todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo
858
1
ART. 1.015
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Cabe inicialmente ressaltar a má redação deste artigo, que peca quanto a sua clareza. O contrato social deve definir claramente a competência gerencial de cada administrador, ou seja, a situação corno cada um irá atuar dentro dos limites de suas atribuições contratualmente estabelecidas. Entendimento que reforça a disposição do art. 47. No silêncio do contrato, os administradores estarão habilitados a praticar todos os atos pertinentes e indispensáveis à boa gestão da sociedade, evitando, assim, o casuismo que pode inviabilizar a gestão dos negócios sociais. De acordo com o caput do artigo, in fine, a lei exige que a venda de bens imóveis ou seu oferecimento em garantia (hipoteca) seja decidida por deliberação da maioria absoluta dos sócios, a não ser nos casos em que negociar com imóveis seja a atividade principal da sociedade. Levando em consideração aqueles que envolveram bens imóveis, a deci~o não será tomada pelo número de quotas, mas pelo número de sócios, demonstrando o caráter personalíssimo desta sociedade, como anteriormente colocado em relevo. Seja o sócio majoritário ou minoritário, pouco importa, todos têm o mesmo valor e peso em relação a tais deliber.ições. Ttat;vse de votação democrática. Sobre indicação das pessoas incumbidas da administração da sociedade no contrato social, v. art. 997, Vl. V. também o Enunciado n, 219 do CET do CJF: "Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (e) o CC amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o art. 1.015 às sociedades J?Or ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 158, li, Lei n. 6.404/76)''. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
Al{TS, 1.015 A 1.017
j
859
Dispõe o parágrafo único que os atos dos administradores praticados com excesso de poderes só podem ser opostos pela sociedade a terceiros, desde que ocorram urna das seguintes hipóteses: a) a limüação do poder gerencial estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provando-se que era conhecida de terceiro; ou e) tratar-se de operação evjdentemente estranha aos negócios da sociedade, ou seja, ao seu objeto social. Tôd.o administrador, em princípio, é responsável pelos atos que praticar e que possam vir a prejudicar a sociedade. A matéria versada neste dispositivo é de suma importância, pois veio preencher uma lacuna da legislação anterior no sentido de,disciplinar em relação aos atos que serão tidos como de gestão da sociedade. Ao interpretar os arts. 1.015, supra, e 47, para determinar seu alcance, deve-se considerar em cada caso concreto a boa-fé, subjetiva e objetiva, neles .coDsagradas. Reconhecida a boa-fé. de terceiro, a pessoa jurídica será considerada responsável pelos atos praticados, mesmo que o administrador tenha extrapolado sua alçada de atribuições. Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa 110 desempenho de suas funções. No caso ero. que a sociedade é gerida por vár.ios administradores, eles são solidariamente responsáveis entre si. A regra preconiza que os administradores respondam solidaiiamente perante a sociedade e terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Essa determinação toma a expressão culpa em seu sentido lato, ou seja, incluindo também o dolo. Agindo com violação da lei ou do contrato social, os administradores serão responsáveis perante a sociedade e terceiros prejudicados. Se terceiros demandarem contra a sociedade e esta indenizá-los, poderá ela, por via de ação regressiva, proposta em face do mau administrador, reembolsar-se dos prejuízos sofridos. Sobre solidariedade passiva, v. arts. 275 a 285. Sobre rela~ões com terceiros e bens da sociedade e dos sócios, v. art. 1.023. Sobre conselho fiscal, v. art. 1.070. V. também arts. 591 a 596 do CPC/73. Esses dispositivos legais são tra~ tados no CPC/2015, Lei n. 13.105, nos atts. 789 a 796 sob o título "Respon~ sabilidade Patrimonial", mais especificamente arts. 790, II e VII, e 795, §§ 1° a 3. V. ainda En unciado n. 220 da ID Tornada de Direito Civil. Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócio.s, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio o u de terceiros, terá de restitui-los à sociedade, o u pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.
860
1
ARrS. 1.017 A 1.019
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
O administrador não pode aplicar créditos ou bens da sociedade em proveito próprio ou de terceiros. O patrimônio da sociedade só pode ser empregado para os fins da atividade econômica para a qual ela foi constituída. Aplicando créditos ou bens da sociedade em proveito próprio ou de terceiros, o administrador estará agindo com desvio de finalidade, justificando a aplicação d.as sanções previstas na lei. Ocorre a aplicação da teoria ultra vires. Sobre perdas e danos, v. arts. 402 a 405. Sobre operação do sócio em interesses contrários ao da sociedade, v. art 1.010, § 3°. Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao d-a sociedade~ tome parte na correspondente deliberação. Com relação ao parágrafo ón.icô, a lei estabelece que o administrador que tiver algum interesse contrário à sociedade e vier a votar na deliberação, responderá pelos atos praticados com eventuais perdas e danos. V. comentário sobre administração nas sociedades limitadas e Enun~do n. 220 da IIl Jor~ nada de Direito Civil.
Art. 1.018. Ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar. O artigo repete a condição personalíssima do cargo de administrador. A lei veda, a exemplo do que ocorre com os sócios (art. l.002), a sua substituição no exercfcio de suas funções. A possibilidade é fazer-se representar por mandatário, como exceção, assim mesmo, dentro de expressos limites de poderes, a serem especificados no instrumento, os atos, as operações e os prazos em que podem ser praticados. Os atos praticados serão em nome da sociedade e não do administrador - pessoa fisica . .S importante frisar que esta procuração não precisa ser averbada no registro d.a sociedade. Sobre man~ dato; v. arts. 653 a 69 L Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na .i.dminis~ tiação por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. O sócio que ocupe a posição juridica de administrador, cargo privativo de pessoa natural, nomeado por cláusula contratual, não poderá ter revogados
PAULO R. COLOMBO ARNOLPI
ARTS. 1.019 E l,OlO 1 861
seus poderes, salvo por decisão judicial transitada em julgado, desde que seja reconhecida justa causa, em ação ajuizada por qualquer dos sócios. Interpretando Literalmente o caput, teriam os uma situação desconexa, pois só seriam irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato. Não teria sentido dar tratamento diverso ao sócio investido nos poderes de administração por instrumento apartado, posto ~e a figura legal é a mesma, ou seja, de administrador. Assim, o principio que a lei quer consagrar é o da estabilidade do administrador, se.ndo irrelevante a forma de sua investidura. Ao permitir a nomeação em instrumento separado, quis a lei simplificar a investidura, não sendo razoável impor uma capitis deminutio ao gestor nomeado em apartado, o que frustraria o escopo legal. Não se trata de simples procurador, rnas de administrador, consoante os termos doprefalado art. 1.012. Sobre extinção do mandato e validade dos atos, v. art. 686. Sobre mandato, v. arts. 653 a 692. Sobre registro da nomeação dos adroio istradores, v. art. 1.012. Sobre representação em sociedade, v. art. 1.022. Parágrafo único, São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio. O parágrafo fuúco não faz referência à figura do administrador investido em instrumento apartado, mas ao instrumento do mandato. O ato separado é a procuração que não precisa ser levada a registro. Refere-se aos mandatários da sociedade. Esses podem ser terceiros estranhos ao corpo social, ou mesmo sócios que não se encontram na administração da pessoa jur[dica. O Código faculta aos administradores o poder de constituí-los, podendo, a qualquer tempo, serem revogados. É conveniente que se adote as disposições do parágrafo fuúco para o bom e adequado funcionamento desse tipo de sociedade. Representa essa norma prejuízo e retrocesso, não só para os sócios, mas também para a sociedade como un1 todo, que lança sua sorte às decisões do Poder J udiciário e que, via de regra, não obtém resposta imediata. A melhor e mais rápida solução para os conflitos é a utilização das formas alternativas, como a arbhragem, mediação ou conciliação. Assim, recomenda-se que se omita no contrato social a parte gerencial, deixando apenas consignado que a matéria será tratada em ato próprio e específico, como admitido no permiiisivo legal, consubstanciado no parágrafo único deste mesmo artigo, evitando, assim, a aplicação do disposto no art. 1.013.
Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
862
j ARJS. 1.020 E 1.o:21
PAULO R. COLOMBO ARNOlDI
Todo sócio que ocupe cargo de administrador em uma sociedade está obrigado por força de lei a dar informações e prestar contas justificadas de sua administração, bem como apresentar anualmente o inventário, o balanço patrimonial e de resultado econômico. A fiscal ização dos atos gerenciais é um direito do sócio, visando a proteção dos seus interesses consistentes não apenas na obtenção mediata dos lucros, mas também na consecução última dos fins sociais. Pode ocorrer, todavia, que o sócio, não tendo o devido conhecimento da ciência contáb il e jurídica, tenha de se socorrer de p rofissionais competentes para essa tarefa. Caso ocorra recusa de exibição e abertura dos livros e documentos, caberá ao sócio interessado o recurso ao Poder Judiciário. V. comentário ao art. l .065. Sobre atribuições do conselho fiscal na sociedade limitada, v. arts. l.065 e 1.069, III. Sobre objetivo da assembleia anual, v. arts. l.078, I e§ 3°, e 1. 140. V. art. 31 da Lei n. 4.595/64 (dispõe sobré a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias e cria o Conselho Monetário Nacion al) e arts. 178 a 184 da Leio. 6.404/76 (sociedade por ações). Sobre contabilidade e escrituração, v. axt.s. 1.179 a 1.195. V. CCom (artigos revogados). V. art. 178 da Lei n . 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências). Art. 1.021. Salvo estip ulação q ue determ in e épo ca p r ópria, o sócio pode, a qualq uer t empo, examinar os livros e d ocumen to s, e o estado d a caixa e d a carteira da sociedade. O direito de fiscalizar a sociedade é um direito assegurado a todos os sócios em qualquer tempo, salvo se for estipulado época determinada para tal exame. Essa exibição envolve, além dos livros mercantis e documentos, ''o estado da çaixa e da carteira da sociedade". Merece atenção cuidadosa quando da elaboração do contrato social as disposições desse item, posto que a omissão em regulamentá-lo poderá gerar para a sociedade um estado de permanente insegurança, com solicitação de exames periódicos dos seus negócios. Essas solicitações trazem sérias dificuldades no exercício diuturno das suas atividades. Agravando-se a situação com a possibilidade de garantir ao sócio minoritário, com uma única cota, solicitar, constantemente, informações descabidas, que vão tnuito além do que anteriormente lhe era admitido. Caract erizada essa possibilidade pelo sentido amplo e ilimitado do exame. V. art. 290 (revogado) do CCom e arts. 109, IU, l32, I, 142, UI, e 163, I, VI e VII, da Lei n. 6.404/76 (sociedade por ações).
ARTS. I.OU A 1.024 1 89}
PAUlO R. COLOMBO ARNQLDI
Seção IV Das Relações com Terceiros
Art. l.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede
judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. A sociedade é inicialmente responsável, como pessoa jurídica, pelas obri-
gações assumidas perante terceiros. Os sócios na sociedade simples respondetão pelas dívidas sociais em conformidade com o estipulado no contrato social (art. 997, VII), que poderá ser de forma subsidiária e ilimitada. Não havendo responsabilidade subsidiária, o sócio fica obrigado apenas ao valor de sua quota, cessando sua responsabilidade, caso sua contribuição esteja integralizada. Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os s6cios pelo saldo, na proporção em que participem das perd,as sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
Se os bens da sodedade não forem suficientes para pagar suas dívidas, respondem os sócios>subsidiariamente, pelo saldo da dívida restante, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo se no contrato constar cláusula de responsabilidade solidária. A participação nas perdas, em princípio, dar-se-á proporcionalmente às respectivas quotas de capital, salvo e~'tipulaçâo coÃ1tratual em contrário. Com a observância de ser nula a cláusula que venha a excluir algum sócio da participação dessas perdas (cláusula leonina). Estabelecido no contrato cláusula de responsabilidade solidária dos sócios, a obrigação será ilimitada em relação a seus bens particulares até o pagamento integral dos débitos existentes. Assim, o credor da pessoa jwídica tem o direito de, na falta dos bens da sociedade, exigir o valor integral da dívida de um ou de todos os sócios. Sobre culpa no desempenho das funções do administrador, v. arts. 275 a 285 e 1.016. V. arts. 592, Il, e 596 do CPC/73. Esses dispositivos legais são tratados no CPC/2015, Lei n. 13.105, nos arts. 789 a 796, sob o título "Responsabilidade Patrimonial", mais especificamente arts. 790, II e VII, e 795, §§ 1° a 3°. A esse respeito, Ver o Enunciado n. 61 do CEJ do C]F: "o termo 'subsidiariamente: constante do inciso VIII do art. 997 do CC, deverá ser substituído por 'solidariamente' a fim de cómpatibilizar esse dispositivo com o art. 1.023 do mesmo Código". Art. 1.024. Os b ens particulaxes dos sócios não podem ser executados po.r d.Jvidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
864
1
ARrS. 1.024 E 1.Q25
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
O artigo delimita as circunstâncias em que o principio da desconsideração da personalidade jur.ídica (art. 50) deve ser aplicado, evidenciando que o sócio desfiuta do beneficio de ordem, após executados os bens sociais. Assim, nas sociedades simples estarão os sócios protegidos por força de lei, não admitindo tentativa contrária, seja em face de ação fiscal, seja em razão de débitos trabalhistas, sendo estes, atualmente, os dois maiores setores que aplicam tal princípio, obrigando, dessa forma, os credores a respeitarem a referida gradação legal. Ou seja, primeiro responde os bens sociais da sociedade, não sendo suficiente para saldar as dividas, aí sim, poderão os sócios vir a responder com seus bens particulares. Quanto à desconsideração da personalidade j uddica, o CPC/2015, Lei n. 13.105, em vigor desde março de 2016, veio melhor disciplinar essa matéria no Capitulo IV, arts. 133 a 137, por n1eio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Sobre responsabilidade dos sócios, v. art. 990. V. também art. 596 do CPC/73. Esse dispositivo legal é tratado n o CPC/2015, Lei n. 13.1 OS, nos arts. 789 a 796 sob o titulo "Responsabilidade Patrimonial'~ mais esp ecificamente arts. 790, II e VII, e 795, §§ 1° a 3°. Caswstica: "O encerramento das atividades da empresa, mediante trâmite de ação falimentar, constitui forma regular de dissolução das sociedades comerciais. A simples falência da empresa executada e a insuficiência de bens da falida para satisfazer os débitos não compõem o suporte fático da responsabilidade dos seus sócios. Inviável a responsabilização pessoal do sócio pelas dividas da sociedade"' (TRF, 4• R., AI n. 2008.04.00.007168-6/RS, 3"- T., rel. Marcelo De Nardi, j. 03.06.2008, DJ 25.06.2008), Art. 1.025. O só cio, a dmit ido em so dedade já constit u ída, n ã o se exime das d.ívidas so cia is anteriores à admissão. O novo sócio poderá ingressar em sociedade já constituída, e em funcionamento, com possíveis gravames por ele desconhecido. Não pode eximir-se das dívidas sociais anterior es à sua admissão; potessa raZão, é recomendável q ue, antes de ingressar em qualquer sociedade, analise sua situação financeira e econ6mica pelo exame d e seus livros e d as demonstrações con~ tábeis, de preferência por meio de auditoria. No contta:to de cess~o de quotas existindo estipulação exonerando o cessionário das dívidas anteriores ao ato, tal cláusula somente prodU2irá efejto aos çontratantes, cedente e cessio~ nário, não se aplicando aos terceiros credores da sociedade, que poderão exigi-las do sócio que ingressa. Se este qujtá-las, poderá reembolsar-se com o cedente, com os acréscimos legais, se outros não forem contratualmente estabelecidos, O critério utilizado é est ranho, particularmente, se visto sob a ótica do parágrafo único do art. 1.003, ao determinar a responsabilidade do
PAUlO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS. 1.025 E 1.026 1 865
cedente solidariamente com o cessionário, por dois anos após averbada a modificação do contrato. Esta superproteção legal com os terceiros vem, e.m última análi.se, substituir a 1:ivre manifestação da vontade das partes contra-
tantes. Art. 1.026. O credor particular d e sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.
11 facultado ao credor particular do sócio, verificada a insuficiência de outros bens do devedor para a integral satisfação do crédito, fazer recair a execução sobre o que a ele couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocaria em liquidação. O artigo regulamenta e soluciona a questão sobre a possibilidade ou não da penhora de quotas sociais. Sobre exclusão de sócio falido, v. art. 1.030. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a Uqu.idação da quota do devedor, cµjo valor, apu(ado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Não estando totalmente dissolvida a sociedade, é admitido pelo parágrafo único que o creI
ráter, vedada a entrada de terceiros estranhos ao quadro social, ainda que decorra de sucessão por morte de um dos s6cios, sendo o capital social dividido em cotas. 1?. constituída por duas ou mais pessoas físicas (fugindo d-a unidade vocabular, o Código utiliza a e..'{pressão pessoas físicas em vez de pessoas naturais). O objetivo colimado pode ser a realização de determinada atividade econômica, comercial ou civil. Pode adotar a forma de sociedade en1presária ou simples. ~ classificada como sociedade personificada; ocorrendo a personificação com a inscrição dos atos constitutivos no registro próprio, toro ando-se, de direito, pessoa jurídica. Esse tipo de sociedade não mais se justifica na sociedade atual, em vista da responsabilidade ser ilimitada. Parece fora de propósito que podendo as pessoas realizar empreendimentos sem o comprometimento de seus bens particulares e familiares, optem pela responsabilidade ilimitada, total e solidária. Dai porque são poucos os casos de registros desta sociedade. Os beneficiários deste tipo de sociedade são os credores, pois todo o patrimônio particular dos sócios garante as obrigações assl.llDldas. A tendência após a edição da Lei das Sociedades por Cota de Responsabilidade Limitada é a limitação da responsabilidade dos sócios e do risco da atividade produtiva. Sobre sociedade em com.andita simples, v. arts. J.045 e 1.046. V. também arts. 305,313,315 e 316 (revogados) do CCom. V. arts. 20, 77, 81, caput, 123 e 190 da Lei de Recuperação de Empresas e Falêucias. Parágrafo único. Sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um.
Os sócios, pessoas físicas, obrigam-se perante terceiros, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais, ou seja, os bens particulares dos sócios podem ser alcançados numa evenrual execução de dívidas, que, em prindpio, deveria ter como garantia o patrimônio da sociedade; facultando-se a eles limitarem, entre si, no ato constitutivo ou por unânime convenção posterior, a responsabilidade de cada um, sem prejuízo, porém, da responsabilidade perante terceiros. Esse critério adotado é que inspirará o eventual regresso de um sócio em relação aos demais. Art. 1.040. A sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste Capítulo e, no que seja omisso, pelas do Capitulo antecedente. As sociedades em nome coletivo são regidas, supletivamente, pelas normas da sociedade simples. Essas estabelecem-se como regras no plano do direito societário, com a qual guardam grande similaridade (v. arts. 997 a 1.039).
PAULO R. COLOMBO ARNQLDI
ARTS. 1.040 A 1.043
1
881
Na omissão destas, legislação supletiva da sociedade simples, aplicam-se as disposições concernentes às associações (art. 44 do CC). Art. 1.041. O contrato deve mencionar, além das indicações referidas no art. 997, a firma social. A sociedade em nome coletivo adota como nome empresarial a firma social, também conhecida como firma coletiva ou razão social; vez que a responsabilidade dos seus .sócios é solidária e ilimitada (art. 1.039), dela poderão figurar um, alguns ou todos os sócios. Não havendo a designação do nome de todos os sócios na firma social, esta deverá ser seguida da palavra companhia, por extenso ou abreviadamente ("& Cia.").
Art. 1.042. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes. Todos os sócios podem ser gerentes; o contrato social, no entanto, deve designar qual(is) dos sócios ficará(ão} encarregado(s) da gestão dos negócios sociais, devendo também especi.ficar e Umitar o el)'.erdcio desses poderes, bem como fixar os limites para o uso da nrma social, Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquídação da quota do devedor. A limitação estipulada no art. l .043, qual seja, de não poder o credor particular de sócio pretender a liquidação da quota do devedor antes da dissolução da sociedade, só tem aplicação nas que forem constituídas por prazo determinado. Essa disposição é extremamente restritiva, -impossibilitando o exercício do direito do credor. É inconcebível que se vede a penhora da quota e leve a mesma liquidação, sem a necessidade da antecedente de soluyão. V. arts. 335 e 336 {revogados) do CCom. Sobre o tema, v. o Enunciado n . 63 do CEJ do CJF: «suprimir o art. 1.043 ou interpretá-lo no sentido de que só será aplicado às sociedades ajustadas por prazo determinado". Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando: I - a sociedade houver sido prorrogada tacitamente; O parágrafo único estabelece exceções, -autorizando a liquidação se prorrogada tacitamente. Se na data prevista para a dissolução da sociedade o prazo de duração for tadtamente prorrogado - o que se verifica quando expirado o
882
j ARJS. 1.043 A 1,045
PAULO R. COLOMBO ARNOLJ)l
prazo e sem oposição de sócio-, não entra em liquidação, prorrogando-se, assim, por prazo indeterminado, podendo o credor de qualquer sócio, nesse caso, requerer de imediato a liquidação das quotas de seu devedor. II- tendo ocorrido prorrogação contratual, for acollúda judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório. Ocorrendo a prorrogação contratual expressamente deliberada pelos sócios, formalizada por instrumento escrito aditivo ao cóntrato social, e acolhida judicialmente a oposição do credor, só poderá requerer a liquidação das quotas de seu devedor, no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório, ou seja, a contar da publicação do registro desse documento no Diário Oficial. Art. L044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. A sociedade dissolve-se de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art, }.033, mesma situação prevista para a sociedade simp les. Sendo sociedade empresária, também pela declaração de sua falência. Essa disposição dá a entender que a sociedade simples não está sujeita à falência. As sociedades em nome coletivo encontram-se em desuso em face da responsabilidade ilimitada dos seus sócios perante terceiros. Não obstante, tal sociedade permanece regulada nas diversas legislações. Sobre conceito de sociedade empresária, v. art. 982. Sobre constituição da sociedade estrangeira, v. art. 983. Sobre averbação da redução do capital social de sociedade limitada, 11. arts. 1.083 e 1087. V. arts. 94, 99 e 100 da Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências).
CAPÍTULO Ili DA SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES
Art. 1.045. Na sociedade em comandit11 simples tom11m parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota. A sociedade em comandita simples é aquela que comporta duas categorias de sócios: os cornanditados e os comanditários. Os primeiros, oecessa-
PAULO R. COLOMBO ARNQLOJ
ARTS, 1.045 E 1.046
1
883
damente pessoas fisicas, que representam e administram a sociedade e respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; os segundos, pessoas naturais ou jurldicas, respondem somente pelo valor de suas quotas de capital investidas na sociedade, estando legalmente proibidos de participarem da administração, não podem ter seu non1e na finna ou -razão social, sob pena de se tomarem solidária e ilimitadamente responsáveis, O contrato social deverá discriminar cada uma dessas classes de sócio. São sociedades de pessoas, de natureza contratual., cujo contrato deve ser registrado no órgão competente. O capital social é dividido e.m cotas. É vedado o ingresso de terceiros estranhos ao capital social. O contrato deverá disciplinar em caso de morte de um dos sócios a forma de sua sucessão. Em razão da nova disciplina Jurídica das sociedades, introduzida pelo CC/2002, a sociedade em comandita simples pode ser empresária, quando seu objetivo for a produção e/ou a circulação de bens e serviços, ou sociedade simples, quando seu objetivo for a prestação de serviços vinculados ao exercício de atividades intelectuais, de natureza cientifica, literária ou artística. V. arts. 275 a 285. Sobre solidariedade, v. art. 264. V. Lei n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), art. 281 da Lei das S.A., arts. 311 a 3 14 {revogados) do CCom. V. arts. 77, 81, caput, e 123 da Lci de Recupera~ de Empresas e Falências. Parágrafo único. O contrato deve discritninar os comanditados e os comanditários. Na sociedade em comandita simples, por determinação legal, o contrato deve discriminar as duas categorias de sócios: os comanditados que tem a responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações sociais e os comanditários que limitam as respectivas responsabilidades. Os direitos dessas d uas classes de sócios são diferentes. O sócio comanditário, como simples prestador de capital e em decorr.encia da natureza da sua J?articipação, tem os direitos restritos pela lei e não pode ter o seu nome na razão social, pois responde limitadamente pelas suas obrigações sociais. Se, por acaso, isso vier a acontecer, perderá ele a limitação da responsabilidade, tornando-o ilimitadamente responsável, da mesma maneira que os s6cios comanditados. Os sócios comanditários também não podem set gerentes da sociedade ou mesmo seus procuradores. A responsabilidade dos s6cios, seja limitada ou ilin:útada, se,á sempre subsidiária, aplicando-se o beneficio de ordem (art. 1.024). Art. 1.046. Aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis com as-deste Capítulo.
884 1 ARJS. 1.046 E 1,047
PAULO R. COLOMBO ARNOU>I
Esta sociedade provém do Díreito ítaliano, partindo do verbo "comand.itar", com ideia de "custódía" ou "tutela". E>.-pressa a ideía de entrega de valores ou fundos a fim de serem geridos em atividade negocial ou representar o ato de gerir a atividade empresarial. Também expressa a ideia de fornecer os fundos para uma sociedade em comandita e entregar-lhes a outrem o comanditado. Os valores eram usados ein operações de compra e venda e os lucros repartidos. O commerulator só assumia o risco de perder o que entregava ao tratact'or. Era utilizado com mais freguesia no comércio 1narítimo, porém, não significava que a comenda não pudesse ser utilizada em operações terrestres. As normas da sociedade em comand.ita simples que forem compatíveis com a natw-eza e as características deste tipo societário são aplicáveis, subsid.iariamente, à disciplina legal da sociedade em nome coletivo. Esse tipo de sociedade, a exemplo da sociedade em nome coletivo, também é pouco utilizado, em vista da responsabilidade ilimitada e solidária exigida dos sócios comandítados, que respondem com seus bens particulares em eventual execução para o cumprimento das obrigações contraídas pela sociedade. Sobre solidariedade, v. art. 264. Sobre sociedade em nome coletivo, v. arts. 1.039 a l.044. V. também art. 281 da Lei das S.A. e art. 313 (revogado) do CCom. Parágrafo único. Aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações d os sócios da sociedade em nome coletivo. Aos sócios comanditados cabe os mesmos direitos e obrigações dos sócios na sociedade em nome coletivo, podendo, porém, no contrato social ou em convenção unânime posterior (da qual não participarão os comanditários), limitarem entre si suas responsabilidades.
Art. 1.047. Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as opera~ões, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. O artigo é claro no sentido de que o sócio comandítário pode participar das deliberações da sociedade, bem como fiscalizar suas operações, sem, contudo, praticar atos de gestão de negócios. Caso este sócio venha praticar qualquer ato de gestão, ou seu nome vier a constar da firma ou nome empresarial, sua responsabilidade toma-se solidária e ilimitada, da mesma forma que o sócio comandítado. V. art. 314 (revogado ) do CCom e art. 282 da Lei das S.A. iodavia,, ele também tem díreito aos lucros obtidos pela sociedade. Parágrafo único. Pode o comanditário ser constituído procurador da sociedade, para negócio determinado e com poderes especiais.
PAULO R. COLOMBO ARNQLOI
ARTS, 1.047 A 1.049 1 885
A novidade inserida pelo Código neste parágrafo é a possibilidade do comanditário ser con.stitul.do procur.ador para negócio determinado, com poderes especiais para realizá-lo. Todavia, não se trata de grande novidade, pois qualquer estranho poderá sê-lo, ou seja, se estranho pode ser constituído procurador especial para negócio determinado e com poderes especiais, por que não, com muito mais razão, o sócio comanditário?
Art. 1.048. Somente após averbada a modificação do contrato, produz efeito, quanto a terceiros, a diminuição da quota do comand itário, em consequência de ter sido reduzido o capital social, sempre sem prejuízo dos credores preexistentes. O artigo cuida da questão da redução do capital social e diminuição da quota do s6cio comaudhário. A diminuição da quota social do sócio comanditário, em consequência de ter havido a redução do capital social, somente será eficaz em relação a terceiros após o arquivamento da modificação do contrato social no registro competente. Mas se fará sempre sem prejuízo dos credores preexistentes à modificação. Sobre requerimento de inscrição do empresário, v. art. 968, § 2°. V. art. 312 (revogado) do CCom.
Art 1.049. O sócio comandi tário não é obrigado à reposição de lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço.
O sócio comand.itário não é obrigado a repor lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço patrimonial. Entretanto, se o capital social, em virtude de perdas supervenientes, for reduzido, o comand.itário não pode receber quaisquer lucros antes que o capital seja reintegrado. V. art. 313 (revogado) do CCom. Pará.grafo óníco. Diminuído o capital social p or perdas supervenientes, não pode o comanditário receber quaisquer l ucros, antes de reintegrad o aquele. Esclarece o referido parágrafo que caso ocorra a diminuição do capital social, em virtude de perdas supervenientes, o comand.itário não pode receber quaisquer lucros antes que o capital seja reintegrado. V. ait. 313 (revogado) do CCom e também os arts. 129 a 138 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, quando comenta a ineficácia e revogação dos atos do devedor praticados antes da falência1 ação revocatória.
886 1 ARrS. 1.050 E 1,051
PAULO R. COLOMBO ARNOLD!
Art. 1.050. No caso de morte de sócio comandit.ário, a sociedade, salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente. Ocorrendo o falecimento de sócio comanditário, a sociedade continuará com seus sucessores, que designarão quem os represente, salvo disposição expressa em contrário no contrato social. Se quem morrer for sócio cornanditado, haverá dissolução parcial a não ser que o contrato social disponha de forma diversa, autorizando o ingresso de sucessores. Sobre sociedade simples, v. arts. 997 a 999. Art. 1.051. Dissolve-se de pleno direito a sociedade! I - por qualquer das causas previstas no art. 1.044; II - quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio. Como visto, a dissolução marca o fim da pessoa jurídica, encerrando-se a sua fase ativa ou a da st1a crise económlco-financeira, entrando em liquidação, que é uma espécie de preparação para a sua morte. Durante o pecíodo de liquidação, a sociedade mantém sua personalidade jurídica, podendo somente pi;ati~r os negócios inadiáveis e necessários à SUll extinção. A dissolução poderá ser de pleno direito, amigável (quando se opera por meio do distrato social), ou judicial. O inciso 1I diz que a sociedade em comandita simples dissolve-se de pleno direito quando, por mais de 180 dias, perdurar a falta de uma das categorias de sócio ou por qualquer das causas previstas para a sociedade simples (art. 1.033) e, se empresária, pela falência. A remissão do inciso é de péssima redação e técnica legislativa, em vis-ta que o art. 1.044 faz remissão ao art. 1.033. O art. l .044 diz gue a sociedade de natureza empresarial dissolve-se por qualquer das causas enumeradas no art. l .033 e, também, pela declaração da falência. A redação mais conveniente para o inciso II seria: ''por qualquer das causas enumeradas no art. l .033 e, se empresária, também. pela declaração da falência''. Deve-se ressaltar que se aplicam à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, a qual, por sua vez, é regida subsidiariamente pelas regras da sociedade simples. V. LC n. 128, de 19.12.2008, com redação dada pela Lei n. 12.441, de 11.07.2011, e parágrafo único do art. 1,033. Parágrafo ó nico. Na falta de sócio coman.ditado, os comanditários nomearão administrador provisório para praticar, durante o período referido no inciso II e sem assumir a condição de sócio, os atos de administração.
PAUW R. COLOMBO A.RNOLOl
I
CÉUA GUEDES F. L
ARTS. 1.051 E 1.052 1 887
Na falta da categoria de sócios comanditados, os comanditários nomearão administrador provisório, pelo prazo de 180 dias, pani praticar, até que fique recomposta a sociedade, os atos necessários e indispensáveis à administração da sociedade. Todavia, este administrador não assumirá a condição de sócio.
CAPITULO IV DA SOCIEDADE LIMITADA Até o início da vigência da Lei n. 10.406/2002, em janeiro de 2003, associedades limitadas eram reguladas pelo Decreto n. 3.708/ 19, composto, apenas, por dezenove artigos. A concisão desse dispositivo legal, apesar de elogiada por parte da doutrina, por permitir uma flexibilidade maiot de sua interpretação, deu origem a muitos questionamentos judiciais. O CC, apesar de menos conciso quanto ao tema, em grande parte, limitou-se a chancelar a interpretação dada pelos tribunais ,1.os dispositivos do referido decreto; não trouxe grandes inovações, salvo no tocante à adoção de maiores formalidades para deliberações e atos societários. Em boa hora, surgiu a LC n. 123/2006 {Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), com as alterações da LC n. 128/2008, que livrou microempresas e empresas de peq_uenoporte das formalidades institu(das pelo CC para deliberações e publicações. O titulo deste capítulo nos mostra que a primeira alteração quanto ao tipo societário em estudo ocorreu em sua própria denominação: de sociedade por quotas de responsabilidade limitada passou a ser chamada, simplesmente, sociedade limitada. Contudo, o Enunciado 11. 65, aprovado na I Jornada do CJF, aduz que a expressão "sociedade limitada" deve ser interpretada stricto se11su, como "'sociedade por quotas de responsabilidade limitada". Até a presente data foram feitas inúmeras altera9ões na parte empresarial deste Código, inclusive, com a promulgação da Lei n. 12.441/2011 (DOU de 12.07.2011 ), que introduziu o art. 980-A e parágrafos no CC para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Em que pesem as alterações realizadas, a parte empresarial do CC é alvo de severas críticas, tanto que jáse encontra em tramíta~o o PL n. 1.572/2011, que institui o novo CCom. O referido Código cfuciplinará, en~ tre outros assuntos, o direito societário, ai incluída a sociedade limitada.
Seção 1 Disposições Preliminares
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a resp onsabilidade de cada.sócio é restrita ao valor de suas q uotas, mas todos respondem solidariam en te pela integralização do capital social.
888
I ARTS 1,052 E 1.053
CÉUA GUEDES f. L
A principal característica da sociedade limitada é a limitação da respon~ sabilidade dos sócios; perante a sociedade, cada sócio se torna responsável apenas pda integralização do valor correspondente às suas quotas e, em relação a terceiros, todos os sócios são, de forma solidária, responsáveis até o limite do capital social não integralizado. Exemplificando: uma sociedade limitada com çapital social subscrito (prometido pelos sócios, no contrato social) de um milhão de reais, composta por três sócios (Antônio, que subscreveu quinhentos mil reais, ainda não integralizados; Pedro, que subscreveu e integralizou duzentos mil reais; e Maria, que subscreveu e integralizou trezentos mil reais). Caso tal sociedade contraísse débito e não tivesse meios para saldá-lo, os sócios - aí inclufdos os que já integralizaram suas quotas seriam, solidariamente, responsáveis até o limite do capital ainda não integralizado (no caso, quinhentos mil reais, subscritos e ainda não realizados por Antôni.o).Aqueles sócios que porventura respoudêssem, pessoalmente, pela parte não integralizada, teriam direito de regresso em face de Antônio. Entretanto, se o débito fosse constituído depois de integralizado todo o ca~ pital social e não ocorresse hipótese alguma de desconsideração da persona~ !idade jurídica (v. comentários aos arts. 50 e 1.080), nenhum sóci.o poderia ser chamado a responder por débito que a sociedade não pudesse saldar. Nesse sentido: TJMG, AI n. l.0134.06.065956-9/001, rei. Des. Amorim Siqueira, j. 30.04.2013, DJe 06.05.2013, v.u.; TJMG, Proc. n. 1.0261.05.03682 l-4/001 (1 ), rel. Silas Vieira, j. 24.07.2008, DJ 26.08.2008, v.u.; STJ, REsp n. 876.066/PR, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.05.2010, Dfe 22.06.2010, v.u.; e STJ, lª T., Ag. Reg. 11 0 REsp n. 1.157.261/MG, rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 22.06.2010,DJe 03.08.2010, v.u. No sentido de que, salvo ocorrente fraude ou excesso de poder ou infração à lei, não há coroo responsabilizar sócio por débito da sociedade Limitada quanto a débitos fiscais: STP, RE n. 108.386-7, 2ª T., rel. Min. Djaci Falcão, DJ 07.08.1987. Quanto à limitação da responsabilidade dos sócios, ver; ainda, STJ, Ag. Reg. no AI n. 960.733/RJ, 1q T., rei. Min. Denise Anuda, j. 03.04.2008, D]e 08.05.2008, v.u.
Art. 1,053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade sunples. A sociedade limitada será regida pelas disposições contidas no Capitulo IV, Título II, Livro II, da Parte Especial, do CC. Como se trata de uma sociedade contratual, em caso de questionamentos, consultar-se-á, primeiramente, o respectivo ato constitutivo (o qual não poderá dispor de forma contrária ao previsto nos arts. 1.052 a I.087). Omisso o contrato social, consultar-se-á o presente capítulo (arts. 1.052 a l.087). Existindo lacuna no referido capitulo, a sociedade limitada reger-se-á pelas normas da sociedade simples (arts.
CÉLIA GUl;llES F. L,
ART. 1.053
j
889
997 a 1.038), desde que não colidentes com o instituto e desde que o respectivo contrato social não contenha dispositivo determinando aplicação supletiva das normas da sociedade anônima, nos moldes do paxá,grafo a seguir. Há, ainda, artigos da sociedade simples que, por remissão e.xpressa contida no capítulo relativo a sociedades limitadas, aplicam-se a esse tipo societário. Embora o CC somente faça menção à apÜcação supletiva das normas relativas a sociedades simples ou anônimas, nos moldes aqui estudados, não há como deixar de relembrar que, caso se trate de sociedade limitada caracterizada como núcroempresa ou empresa de pequeno porte, também ser-lhe-ão aplicados dispositivos contidos na LC n. 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), com as alterações da LC n. 128/2008, que livrou microempresas e empresas de pequeno porte das formalidades instituídas pelo CC para deliberações e publicações. Parágrafo único. O contrato social p oderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Conforme explanado, o CC, reconhecendo a característica híbrida da sociedade limitada, que tanto pode ser sociedade de pessoas (na qual prevale1::e a affectio societa.tis) quanto pode assumir feições de sociedade de capital, facultou-lhe optar entre a aplicação supletiva dos dispositivos da sociedade simples (sociedade de pessoas) e os da Lei das Sociedades por Ações (sociedade de capital). No silêncio do contrato social, a regência supletiva da sociedade limitada se dará pelos dispositivos da sociedade simples, como visto no caput deste artigo. Caso, entretanto, a opção seja pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, o contrato social deverá. expressamente, mencionar que, em caso de omissões no contrato social (que não poderá contrariar as normas contidas nos arts. l.052 a 1.087) e no capítulo relathro a sociedades limitadas, será aplicada, de forma supletiva, a Lei das Sociedades por Ações. Percebe-se, assim, a existência de duas espécies de sociedades limitadas: aquelas nas quais há regência supletiva dos dispositivos da sociedade sim~ ples e aquelas nas quais há regência supletiva da Lei das S.A. Poderá, ainda, haver uma mescla entre os dois institutos. O Enunciado n. 223, aprovado na m Jornada do CJF, posiciona-se no sentido de que o parágrafo ora comentado n-ão obriga a aplicação em bloco da Lei n. 6.404/76 ou das disposições sobre a sociedade simples, visto que o contrato social poderá adot. Malgrado exista grande divergência doutrinária, adota-se, aqui, a corrente que admite que bens imóveis integrem o estabelecimento empresarial. Há, ainda, entendimentos de o estabelecimento não ser formado, apenas, por bens corpóreos e incorpóreos, nele se incluindo, ainda, os serviços do empresário ou de seus empregados no lntwto de exercer determinada atividade empresarial. Porém, filia-se, aqui, ao entendimento de que os serviços do empresário e/ou de seus empregados não integram o estabelecimento empresarial O Enunciado n. 233 aprovado na fil Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF, posiciona-se no sentido de que as normas estabelecidas para o con~ trato de trespasse no artigo em comento e no~ seguintes, especialmente quan~ to aos seus efeitos obrigacionais, aplicam-se somente quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial.
Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de d ireitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.
984 1 AJm. 1.14:3 E 1.144
CÉUA GUEDES F. L
Há controvérsias quanto à natmeza jurídica do estabelecimento empresa~ ri-ai. O CC/2002, inovando em relação ao anterior, apresenta os conceitos de universalidade de fato e de direito (respectivamente, arts. 90 e 91). Perfilha-se o posicionamento doutrinário que o classifica como uma universalidade de fato, tendo em vista o estabelecimento não representar um patrimônio separado, específico, como ocorre, por exemplo, na massa falida e na herança (universalidades de direito). O estabelecimento constitui uma pluralidade de bens singuJares que, pertencentes a um empresário ou sociedade empresária, tenham destinação unitária (utilizados para o exercício da empresa). Dessa forma, podem ser objeto de relações jurídicas próprias, tais como atos translativos ou constitutivos, desde qüe esses sejam compatíveis com a natureza do estabelecimento e que sejam obedecidas as formalidades exigidas. Não importa que o empresário ou a sociedade empresária seja titular do complexo de bens, pois Lhe é facultado dispor de tais bens, por meio de venda (trespasse), de arrendamento ( espécie de locação que abrange todos os seus bens corpóreos e incorpóreos) ou de instituição de usufruto. O estabelecimento ( complexo de bens destinado ao exerdcio da empresa) poderá, ainda, ser objeto de oneração, arresto, penhora etc, É de se pressupor que tanto trespasse quanto arrendamento e usufruto tenham por objeto todos os elementos - corpóreos e incorpóreos - que integram o estabelecimento. Somente se admitirá ao alienante ou arrendante reservar-se alguns dos elementos que compõem a universalidade do estabelecimento, caso a exclusão não descaracterize o estabelecimento empresarial.
Art. 1.144-. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à m argem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado n a imprensa oficial. A eficácia jurídica da venda do estabeJecimento empresarial (trespasse), de seu arrendamento ou constituição de usufruto subordina~se à respectiva averbação, às margens da inscrição do empresário ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e à publicação no Diário Oficial (v, art. 70 da LC n. 123/2006, que wspensa a microempresa e as empresas de pequeno porte das publicações exigidas pelo CC). Antes de tais providê11cias, não produz.irá efeito algum em relação a terceiros. Este wspositivo visa a coibir fraudes. O Enunciado n. 393, aprovado na N Jornada de DiJeito Civil promovida pelo CJF, dispõe que a validade da alienação do estabelecimento empresarial não depende de forma específica. observado o re-
CÉLIA GUE,O~ F. L
ARTS. 1.144 A 1.146 1 985
gime jurídico dos bens que a exijam. Bntretanto1 em razão da exigência da respectiva averbação, entende-se que o contrato deverá ser escrito, devendo assumir a forma pública, quando a natureza do bem assim o exigir. Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para s olver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação. O artigo visa a garantir os credores contra atos que lhes possam importar prejuízos, com o esvaziamento do patrimônio utilizado para o exercício da empresa. Assim, caso empresário ou sociedade empresária se tome insolvente com a alienação do estabelecimento empresarial, a eficácia da venda ficará subordinada ao pagamento de todos os credores, ou ao consentimento deles. Para tanto, os credores deverão set pessoalmente notificados do tres~ passe, e a anuência desses dar-se-á, de forma e>..1Jressa ou tácita, no prazo de trinta d.ias contados da data da notificação. Vê-se, dessa forma, que, se ocredor não se opuser, formalmente, no prazo de trinta d.ias, será presumida sua anuência tácita. Entretanto, havendo oposição àaliena~o, ela só p oderá ocorrer mediante pagamento do passivo reclamado. Aconselha-se que a notificação seja feita por escrito e com comprovantes de recebimento e de conteúdo.
Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagameoto dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do \l'encimento. Como comentado alhures, na alienação (trespasse), a complexidade de bens - corpóreos ou incorpóreos - utilizados no exercício do objeto social é transferida a outrem. Nessa complexidade de bens estão incluídos o ativo e o passivo relativos ao estabelecimento. Portanto, o adquirente do estabelecimento ficará solidariamente responsável pelos débitos anteriores à transferência desde que tenham sido contabilizados, O alienante, por sua vez, ficará solidaria.mente responsável pelos débitos vencidos e vincendos, e.xistentes à época do trespasse, pelo prazo de um ano. Tal prazo contar-se-á da seguinte forma: quanto aos débitos já vencidos à época do tre~-passe, a partir da data da publicação do ato de trespasse oo Registro Público de Empresas Merc.mtis; quanto às dividas existentes e ainda não vencidas, a partir dos respectivos vencimentos. "[... ] Antes da vigência do novo CC, assentava-se a doutrina nacional no sentido da intransmissibilidade da responsabilidade dos
986 1 AJITT. 1.146 E 1.147
CÉUA GU~DES f. L
débitos da empresa transmitente, ente.ndendo que o estabelecimento comercial seria formado pelos bens corpóreos e incorpóreos, mas não pelas dividas e obrigações da sociedade. A partir da entrada em vigor do CC/2002, a compreensão pacífica bipartiu-se, entendendo alguns pela assunção dos dér bitos, face ao disposto neste artigo do incipiente estatuto legal - doutrina de Fábio Ulhôa Coelho ( Curso de direito comercia~ 6. ed., 2002, p.118)- sustentando outros o posicionamento anterior. Independentemente da discussão, este artigo é cristalino ao prever a responsabilidade do adquirente do estabelecimento pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, seja caso de integração do passivo ao conceito de estabelecimento comercial, seja hipótese unicamente de responsabilidade solidária'' (a respeito da transmissibilidade do passivo, -v.: TJMG, AI n. 453597-3, Proc. 11. 2.0000.00.4535973/000(1), rel. Des. Sebastião Pereira de Souza, DJ 23.09.2004, v.u.; e TJSC, Ap. Cível n. 2010.087421-7, rei. JuizRobson Luz Varella, j. 06.06.2011, v.u.). Em relação à tra.nsferência do estabelecimento comercial (sucessão); sugere-se; ainda, um estudo da legislação trabalhista e tributária (v. arts. 10 e 44.8 da GLT e art. 133 do CTN). A rt, 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecim ento não pode fazer concorrência ao adqu irente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Para que o alienante possa,imediatamenteapós o trespasse, fazer concorrência ao adquirente do estabelecimento empresarial, ou seja, exercer a mesma atividade empresarial, na mesma praça, disputando a mesma clientela, é necessário que do instrumento de alienação - que pode ser público ou particular - conste, expressamente, anuência do adquirente em tal sentido. Não existindo a expressa pennissão do adquirente, o alienante somente lhe poderá fazer concorrência. disputando a clientela na mesma praça, após cinco anos contados da data da alienação, sob pena de responder por perdas e danos. Mesmo antes do CC/2002, já prevalecía o entendimento jurisprudencial de que,.sendo omisso o contrato de trespasse, deve ser entendida implícita a cláusula de não restabelecimento, a qual, se descumprida, sujeita o alienan~ te ao fechamento do novo estabelecimento e à indenização pelo prejuízo causado. Assim, não existindo a expressa permissão do adquirente, o alienante somente lhe poderá fazer concorrência, disputando a clientela na mesma praça, após cinco anos contados da data da alienação, sob pena de responder por perdas e danos. Nesse sentido; TJMG, AI Cível n. 1.0384.14.0003037/00I-0120617-64.2014.8.13.0000(1), 1411 Câm. Cível, rei. Des. Valdez Leite Machado, j. 18.07.2014, publ. 25.07.2014, v.u.; e TJMG, Ap. Cível n. 1.0518.05.077669-0/002( 1), rel. Des. Domingos Coelho, D] 23.03.2009, v.u.
CÉUA GUEOES F. L,
ARTS. 1.147 E 1.148 J 987
O Enunciado n. 490 da V Jornada de Direito Civil do CJF posiciona-se no sentido de que caso haja ampliação contr.atual do prazo de cinco anos de vedação de concorrêncía, o mesmo poderá ser revisto, judicialmente, se abusivo. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo p ersistirá durante o prazo do contrato. O parágrafo em análise estende a proibição de concorrência (nesse C!a.SO, durante o período de vigência do contrato de arrendamento ou da instituição do usufruto) ao anendador e ao dono ou nu-proprietário, salvo anuência expressa do arrendatário ou do usufrutuário. Assim, caso seja intenção do alienante, do arrendante ou do dono do estabelecimento continuar no mesmo ramo de negócio, na mesma praça, deverá obter autorização expressa do adquirente, do arrendatário ou do usufrutuário.
Art. 1,J 48. Salvo disposição e.m contrário, a transferência .importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados- para exploração do estabelecimento, se n ão tiverem caráter pessoal, podendo os- terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante. Na transferência do estabelecimento, o adquirente substitui o alienante, nos contratos de t rato sucessivo que este tenha firmado com terceiros para exploração do estabelecimento empresarial. Essa substituição (sub-rogação) somente não ocorrerá em duas hipóteses: quando houver cláusula contratual, expressa, vedando a sub-rogação; e quando os contratos fumados pelo alienante com terceiros para exploração do estabelecimento tiverem caráter pessoal. Contratos de caráter pessoal são aqueles nos quais, em virtude das características próprias do alienante do estabelecimento, cabe a este, exclusivamente, satisfazer a obrigação contratada (art. 247 do CC). Ressalta-se que o Enunciado n. 8 dar Jornada de Direito Comercial do CJF (ao contrário do Enunciado n. 234 da ID Jornada de Direito Civil do CJF) adota o entendimimto de que a sub-rogação do adquirente uos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, desde q ue não possuam caráter pessoal, é a regra geral, incluindo o contrato de locação. O dispositivo em comento permite, ainda, que o terceiro rescinda o contrato fumado anteriormente, no prazo de noventa dias contados da publicação da transferência, se ocorrente justa causa, hipótese em que fica ressalvada a
988
i ARrS. 1.148 A 1.150
CÉLIA GUEDES F. L
I
EVA H. A, C. AANOLDI
responsabilidade do alienante. A rescisão por justa causa deverá ser feita mediante notificação com comprovante de recebimento no prazo mencionado. Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos resp ectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.
Como o estabelecimento empresarial é composto por uma complexidade de bens, entre esses se compreendem os créditos contabilizados 110 ativo da empresa. Para parte da doutrina, a transferência do estabelecimento implica, também, cessão de todos os créditos contabilizados na empresa. Para outra parte, a cessão de tais créditos não se dá de forma automática, mas facultativamente, conforme art. 286 do CC. Entende-se, em princípio, a transferência do estabelecimento envolver todos seus bens, corpóreos ou incorpóreos. Entretanto, será admjssível o alienante ou arrendante, pa transferência do estabelecimento, reservar, para si, alguns dos elementos que compõem a uníversalidade do estabelecimento desde que a exclusão não descaracterize o estabelecimento empresarial.. Assim, sob essa ótica, não há qualquer óbice a que os créditos do estabeleci~ meoto sejam exduídos da transferência. Se for intenção das partes contratantes efetuar a exclusão dos créditos, aconselha-se existir previsão contratual expressa a respeito do tema, no instrumento de transferência, sob pena de se considerar a ocorrência da cessão automática de tais créditos. Ao contrário do estipulado no art. 290 do CC, a cessão de créditos em decorrência de transferência do estabelecimento produzirá efeito em relação aos respectivos devedores após publicação da transferência (art 1.144). Entretanto, ainda que posteriormente à publicação, o devedor ficará exonerado da dívida quanto ao cessionário se1 de boa-fé, pagar ao cedente. Nessa hipótese, caberá ao adquirente ou cessionário promover a cobrança do cedente.
TÍTULO IV DOS INSTITUTOS COMPLEMENTARES CAPlllJLO 1 DO REGISTRO Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Regjstro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual
EVA H. A. C. AANOLDI
.AAT. 1.150 1 989
deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. Disciplinado pela IN n. 1 Orei, de 06.12.2013.
O artigo recepciona a Lei do Registro Público de Empresas Mercantis, Lei n. 8.934/94, e a Lei n. 6.015/73 para registros públicos civis, de modo que o einpresário e as sociedades empresárias vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais. As sociedades simple.s, associações e fundações terão seus atos registrados pelo Cartório de Registro Civil, que deverá atender as regras do Registro Público de Empresas Mercantis quando a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. A matéria diz respeito ao Sinrem - Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis composto pelas juntas comerciais e pelo DNRC - Departamento Nacional de Registro de Comércio, órgão e.>..'tinto pelo Decreto n. 8.001/2013 que criou em seu lugar o Drei-Departamento de Registro Empresarial e Integração com a Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República em sua estruttu·a. Agora a expedição de atos normativos e a 6scalização juridiea dos órgãos incumbidos do Registro Público de .Empresas Mercantis e Atividades AfinsRPEM caberão ao Drei. A IN n. 12/2013 do Drei disciplinou o uso da certificação digital na execução dos serviços de registro mercantil e atividades afins, observadas as alterações da IN n. 29/2014 que acrescenta um capítulo para tratar do sistema de registro e licenciamento de empresas - RLE, uma vez que as empresas constituídas como Empresário Individual, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EfRELf e Sociedade Limitada deverão solicitar o encerramento dos seus registros nas Juntas Comerciais mediante referido registro - RLE. O emprego da tecnologia eletrônica conforme IN n. 12/2013 consiste na adoção de atos pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins pelos órgãos integrantes do Sinrem e por seus usuários de procedimentos e operações técnicas pertinentes à produção, transmissão, recepção, tramitação, despachos, manifestações, deliberações, procedimentos revisionais, arquivamento, publicação, armazenamento e adequada preservação por meio eletrôpjco. Considerando meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais referentes a Departamento de Registro Empresarial e Integração a elaboração de atos ou documentos com todos os seus elementos materiais e formais, inclusive do pagamento dos preços devidos e demais documentos que componham
990
j
Al{fS.
1.150 E 1,151
EVA H. A, C. AANOL.01
os respectivos processos, n1ed.iante a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a internet. O Código torna obrigatória a inscrição antes do início da atividade empresarial (art. 967). Todavia, o registro permanece meran1ente declaratório, ficando a cargo do empresáJ.io seu próprio registro. Uma vez não inscrita, a empresa de sociedade não personificada ou de sociedade comum - conforme Enunciado n. 209 do CEJ do CJF: "[ ... ) de modo a ser considerada em comum a sociedade que não tiver seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro [ ...], ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé'' - ficará à margem das prerrogativas que lhe são próprias, trazendo impedimentos ao exercício da atividade, sob pecha de irregular com restrições de ordem administrativa, processual e mercantil, como sanções indiretas pela não inscrição: não poderá requerer sua recuperação judicial, extrajudicial ou falência de outro, nem obter o enquadramento de microempresa (IN n. 18/2013 do Drei, que trata dos procedimentos no âmbito do registro mercantil decorrentes do processo de inscrição, alteração, extinção, enquadramento e desenquadramento de empresários na condição de microempreendedores individuais - MEis e dá outras providências), participar de licitações públicas (Lei n. 8.666/93, art. 28, II e III, conforme exige LC n. 123/2006, com nova redação dada pela LC n. 147/2014), ou contratar com o poder público, por falta do registro nos cadastros de contribuintes fiscais - CNPJ, sujeitando-se, em caso de falência, aos crimes tipificados do CP, por não poder levar a registn> seus livros na Junta Comercial. Sobre início da existência legal das pessoas jurídicas, v. art. 45. Sobre inscrição da sociedade simples, art. 998. Inscrição das sucursais, filiais ou agências, art. 1.000. V. também os arts. 1° e 114 a 121 da LRP e a lN n. 1/2013 do Orei, sobre a fiscalização jurídica dos órgãos incumbidos do registro público de empresas mercantis e atividades afins. Sobre o tema: arquivamento no registro mercantil de contrato social com a inserção de elementos ·inexatos, em conflito com a realidade dos fatos, quanto ao seu quadro societário, ectiva cotação da Bolsa de Valores; os não cotados e as participações não acionárias serão considerados pelo seu valor de aquisição;
Os valores dos produtos que tenham cotação em bolsa podem ser utilizados em substituição ao valor de aquisição, ao passo que as participações não acionárias serão consideradas pelo valor de aquisição, não havendo a figura da equivalência patrimonial. As disponibilidades em moeda estrangeira são convertidas ao valor da moeda corrente nacional, à taxa de câmbio da data da avaliação. As aplicações financeiras de liquidez imediata, representadas por tltulos negociáveis, são avaliadas pelo custo histórico, acrescidos os ren~ dimentos proporcíonais auferidos até a data de avaliação. Os investimentos temporários são avaliados ao custo de aquisição e, quando aplicável, acrescidos da atuali2ação monetária de juros e outros rendimentos auferidos.
IV - os créditos serão considerados de conformidade com o presumível valor de realização, não se levando em conta os prescritos ou de difícil l iquidação, salvo se houver, quanto aos últimos, previsão equivalente.
Os direitos e titulos de crédito, originados das atividades-fim são avaliados pelo valor nominal; aqueles sujeitos a ajustes derorrentes de atualização monetária, variação cambial, encargos financeiros de mercado e outras cláusulas rontratuais têm seus valores ajustados, já excluídos os créditos prescritos. Os outros créditos para com terceiros e com.empresas roligadas, controladas, ou de qualquer forma associadas, são considerados pelo seu valor nominal e ajustados segundo condições estabelecidas ou contratadas. Direitos, títulos de crédito e quaisquer outros créditos mercantis, financeiros e outros prefixados, são ajust.ados ao Vlllor presente. Parágrafo único. Entre os valores do ativo podem figurar, desde que se preceda, anualmente, à sua amortização: O parágrafo único indica os valores do ativo que poderão integrar o inventário, com observação à amortização anual. Apesar de constar em seu caput o termo "preceda", este deve ser entendido como "proceda~ wna vez. que
EVA H. A. C. AANOLDI
A/IT. 1.187 1 1033
poderão se integralizar entre os valores do ativo, na medida em que se proceda à sua amoi:tização anualmente. Valor de mercado é o preço à vista praticado deduzido das despesas de realização e da margem de lucro. As avaliações fcitas pelo valor de mercado devem ter corno base transação mais recente, cotação em bolsa e outras evidências disponíveis e confiáveis. Valor presente é o que expressa o montante ajustado em função do tempo a transcorrer entre as datas da operação e do vencimento, de crédito ou obrigação de financiamento ou de outra transação usual da entidade, mediante dedução dos encargos financeiros respectivos, com base na taxa contratada ou na taxa média de encarios financeiros praticada no mercado. I - as despesas de instalação da sociedade, até o limite correspondente a dez por cento do capital social; Em consonância com o disposto no caput do artigo, estabelecendo critérios de avaliação a$erem adotados na coleta de elementos para o inventário, que se.r virá de base para o balanço anual, há, no parágrafo único1 inclusão de certos valores que poderão intey-ar o ativo, as despesas de instalação da sociedade, até o lirn.ite de 10% do capital social; os juros pagos aos acionistas da sociedade ô,IJÕnima, no período antecedente ao início das operações desta; e quantia paga a título de aviamento de estabelecimento adquirido pelo empresário ou sociedade. A única ressalva é que se proceda anualmente a sua depreciação. II - os juros pagos aos acionistas da sociedade anônima, no período antecedente ao i n icio das operações sociais, à taxa não superior a doze por cento ao ano, fixada no estatuto; Pode também figurar entre os valores componentes do ativo os juros pa~ gos aos acionistas da sociedade anônima, no período antecedente ao início das operações sociais, à taxa não superior a 12o/o ao ano, fixada no estatuto. ID - a quantia efetivamente paga a titulo de aviamento de estabelecimento adquirido pelo empresário ou sociedade. Neste inciso, há uma das principais inovações introduzidas em Telação ao valor do aviamento ou à quantia efetivamente paga a título de aviamento de estabelecimento adquirido por empresário ou sociedade empTesária, pois o aviamento abrange uma conotação especial de apreciação de seu valor justamente por tratar de valor suscetível de apreciação ou avaliação subjetiva,
1034
1 ARTS. 1.187 E t.188
EVA H, A, C. ARNOL.01
integrada pelo modo como recrnsos e fatores de produção de empresa são organizados para captação de clientela, política de mercado para geração de lucros pela empresa e outras estratégias. Art. 1.188. O balanço patrimonial dever á exprimir, com fidelidade e clareza, a sit uação real da empresa e, atendidas as peculiaridades d esta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.
O balanço patrimonial é a demonstração contábil destinada a evidenciar, quantitativa e qoalitativamente, em uma determinada data. a posição patrimonial e financeira da entidade. É constituído por ativo, passivo e patrimônio líquido. O ativo compreendendo aplicações de recursos representadas por bens e direitos; o passivo, origens do recurso representadas pelas obrigações; e o patrimônio líquido compreendido pelos recursos próprios da en~ tidade, ou seja, a diferença a maior do ativo sobre o passivo. Trata-se de obrigação a todos que exercem atividades empresariais, semestrais para instituições financeiras e anua.is para os demais empresários. Deve refletir com fidelidade a situação da empresa, indicando ativo e pa5$i"º· O balanço tem por fim delinear o perfil da situação econômica da empresa, demonstrando os resultados positivos e negativos das transações efetuadas. É de extrema importância para os credores, tendo em vista o relevante papel do ctédito. V. IN n. 24/2014 Drei, que dispõe sobre o procedimento a ser adotado no âmbito das juntas comerciais para o cumprimento do disposto nos arts. 10 e 11 da Lei n. 9.613, de 03.03.1998. V. também as Normas Brasileiras de Contabilidade Técnicas - NBCT (Resolução Cf'C n. 785/95) que aprovam a normatização das Características da Informação Contábil. Nesse mesmo sentido, conferir: "Indenização. Compra e venda de ações. Aqllisição supondo o autor o extinto Banco Nacional se encontrasse com boa saúde financeira. Pareceres da ré que apontavam nesse sentido. A entidade bancária, entretanto, na prática insolvente, mero~ de criminosos est(atagemas maquiando sua con~ tabilidade, transfortnava prejuízos em lucros. Liquidação decretada pelo Banco Central pouco após a aquisiçii.o das ações, fazendo com que estas deixassem de valer o que quer que fosse" (TJSl',Ap. Civel n. 994.05.097558-5, 8ª Câm., rel. LuizA.robra,j. 12.05.2010, v. u.). Parágrafe ú n ico. Lei especial disporá sobre as informações que acompanharão o bala nço patrimonial, em caso de sociedades coligadas.
EVA H, A. C. ARNOLD!
ARTS. 1.188 E 1.189
1 1035
Consideram,se coligadas as sociedades quando uma participa com 10% ou mais do capital social da outra, sem controlá-la. O parágrafo único remete à legislação especial no referente à apresentação de relatórios e informações específicas que devem acompanhar o balanço patrimonial das sociedades vinculadas a um mesmo grupo econômico. O investimento permanente de companhia aberta em coligadas, localizadas no país ou no e.'cterior, deve ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial, correspondente ao valor do investimento determinado mediante aplicação da percentagem de participação no capital social sobre o patrimônio liquido de cada coligada, sua equiparada e controlada. Diz respeito à operação contábil na qual se fundem em uma só duas ou mais demonstrações financeiras, referentes a sociedades distintas., a fim de se estabelécer a real situação patrimonial das empresas coligadas como se se tratassem de uma única instituição. Refere-se a procedimento obrigatório quando a sociedade se enquadra na Lei das S.A, (arts. 247 a 253). No mesmo sentido, há a Instrução CVM n. 247 /96, que dispõe sobre avali13-ção de investimentos em sociedades coligadas e controladas, sobre os procedimentos para elaboração e divulgação das demonsqações contábeis consolidadas. Assim, deverão ser avaliados pelo método da equivalência patrimonial o investimento em cada controlada e o investimento em cada coligada ou sua equiparada, quando a investidora tiver influência na adminis~ tração ou quando a percentagem de participação, direta ou indireta, da investjdora representar 20% ou mais do capital social da coligada. Art. 1.189, O balanço de resultado econômico, ou demonstração da conta de lucros e perdas, acompanhará o balanço patrimonial e dele constarão crédito e débito, na forma da lei especial. O balanço de resultado econômico ou demonstração da conta de lucros ou prejuízos acumulados é a demonstração contábil destinada a evidenciar, em um determinado período, mutações nos resultados acumulados da entii;lade. Discriminará: saldo no inicio do petiodo; ajustes de exercícios anteriores; reversões de reservas; parcela correspondente à realização de reavaliação líquida do efei,to dos impostos correspondentes; resultado liquido do peóodo; compensações de prejuízos; destinação do lucro liquido do periodo; lucros distribuídos; parcelas de lucros incorporadas ao capital; e saldo n o final do período. Dessa forma, o balanço deverá compreender todos os bens de raiz, mercadorias, móveis, dinheiro, papéis de crédito, enfim, qualquer espécle de valor com representação econômica e acompanhará o balanço patrimonial, incluindo todas as dívidas e obrigações decorrentes da atividade. Por fim, deve ser ele datado e assinado pelo empresário a quem pertencer a
1036 1 ARTS. 1.189 E 1.190
EVA H, A, C. ARNOLD!
empresa. Nesse assunto: "Empréstimo compulsório de energia elétrica, eventual manipulação dos balanços anuais com objetivo de causar prejuízo" (STJ, Ag. Reg. no AREsp n. 254.406/PR, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 18.12.2012, DJe 08.02.2013, v.u.). "Licitação. Impetrante inabilitada por desatendimento da prova quanto à capacidade econômico-financeiro. Impetrante que satisfaz as exigências do Edital, e apresenta a documentação exigida, consistente em Balanço Patrimonial e Demonstrativo Contábil" (TJSP, Ap. Cível n. 329.448-5/1-00, 11 ª Câ.m., rel. Aroldo Viotti, j. 14.12.2009, v.u.). Sobre prestação de contas em administ ração da sociedade, v. art. 1.020; quanto atribuições do conselho fiscal em sociedade limitada, v. art. 1.069. Sobre objetivo de assembleia anual, v. art. 1.078. Sobre publicação do balanço patrimonial em sociedade estrangeira, v. rut. 1.140. A respeito da escrituração de pequeno empresário, v. art. 1.179 e também art 176 da Lei n. 6.404/76 (Le.i das S.A.), alterada pela Lei o. 13.129/2015.
Art. 1.190. Ressalvados os caso s p revistos em lei, n enhuma autor idad e, juiz ou tribu nal, sob qualquer pret n "to, poderá fazer ou o rdenar diligência para verificar se o empresário o u a socied ad e empresária observam , ou nã o, em seus livros e fich as, as formalidades prescritas em lei. O CC manteve o princípio do sigilo dos livros empresariais, previsto no CCom, cont ra verificações arbitrárias. Trata-se de garantia imprescindível ao bom andamento do negócio, pois nos livros t ransparecem as estratégias utilizadas pela empresa para seu desenvolvimen to no mercado altamente competitivo, pesquisas de preços, estratégias de venda, polftica de custos e desenvolvimento de crédito, entre outros. Se efetivamente o segl"edo for a alma do negocio, é aceitável a inviolabilidade dos livros e até mesmo recomen dável que se mantenham em absoluta reserva, com finalidade principal de coibir atos de conGorrência desleal. Contudo, essa não é a tendência moderna, que indica padronização e publicização do sistema de escrituração, tendo em vista o destino de uma empresa não mais afetar somente seus proptietádos, e sim uma vasta gama de pessoas com as quais ele se relaciona, e até mesmo com a coletividade, considerando o mercado no qual atua. Observe-se, porém, essas restrições não se aplicarem às autoridades fazendárias no exercício da fiscaliza~o do pagamento dos t ributos (art 1.193) e também à Lei n. 8.212/91, que dispõe sobre a seguridade social, conferindo prerrogativa do Instituto Nacional de Seguro Social - 1NSS - e do Departamento da Receita Fed eral o exame da contabilidade da empresa, obrigando a empresa e o segurado a prestar todos os esclarecimentos e as informaçóes solicitados. O exame é limitado aos pon-
EVAH. A. C. AANOl.Dl
ARTS, 1.190,E 1.191 j 1037
tos objetos de investigação (Súmula n . 439 do STF). V, art. 195 do CTN e Lci o. 8.212/91. Art.1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando n ecessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, adminis tração ou gest ão à conta de out rem, ou em caso de falência. A exibição em juízo dos livros destinada à realização de prova ou solução de questões judiciais pode se dar pela exibição total ou parcial, sendo a exibição total admitida, ex:cepcionalm.e nte, em casos de liquidação de sociedade, sucessão por morte do sócio, e comunhão, administração ou gestão mercantil por conta de outrem. Além desses, incluem-se todos os casos de recuperação de empresa com dificuldades ecônõrnicas, com o liquidação extrajudicial (Lei n. 6.024/74), falência e em recu peração judicial (art. 7° da Lei n. 11.101/2005). Sobre prova, livro e fichas do empresário, v. arts. 41 O, m, 4 17, 418 e 420 todos do CPC/2015 e art. 195 do CTN. "Exibição de documentos elivros,comerciais a não sócio. Acerto de questões ligadas à sucessão dos bens deixados pelo pai falecido) o que, em tese, autoriza seja ordenada a exibição" (STJ, REsp n.270.169/MG, 4• !., rel. Min.RaulAraújo,j.17.11.2011, DJe 21.11.20] 1, v.u.). § l O O juiz ou t ribunal que conhecer de m edida cautelar ou de ação
pode, a requerimen to ou d e ofício, ordenar que os livros de qualquer das p artes, ou de ambas, sejam exam inados na presença do empresá rio ou da sociedade empresária a q ue pertencerem, ou de p essoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão. O § 1° trata da exibição parcial de livros e documentos, q ue pode ser determinada de oficio ou a requerimento da parte interessada. O exame dos livros deverá ser feito na presença do emp resário ou de pessoa por ele habilitada, em qualquer ação judicial, sempre que for útil para a solução do conflito. Nesse caso, o juiz deve preservar o interesse da pessoa jurídica a quem se ordena a exibição dos livros, permitindo e>.'1:rair somente o estritamente necessário para solução da disputa, § 2° Achando-se os livros,ern outra jurisdição, nela se fará o exame,
perante o respectivo juiz.
1038
1 ARTS, 1.191 A 1,193
EVA H. A, C. ARNOL.01
Se os livros dos quais depende exib1ção para solução do conflito estiverem sob outra jurisdição, será posslvel o exame perante autoridade judicial da respectiva comarca. Art. 1.192. Recusada a apresentação dos l ivros, nos casos do artigo a ntecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu§ l 0 , ter-se-á como verdadeiro o alegado pela p arte contrária para se provar pelos livros.
Em regra, cabe à parte produzir a prova de suas alegações, todavia, quando o instrumento hábil para servir de prova não estiver disponfvel a quem lhe aproveita como prova, mas à parte contrária, poderá este, por sua iniciativa ou do juiz, requerer a produção de prova por meio de exibição de documento que possa elucidar questão relevante da demanda. Quando houver recusa na apresentação dos livros, o artigo estabelece duas alternativas: ao se tratar da recusa de exibição parcial dos livros, incidirá a regra da confissão 6.cta, como consequência jurídica de ônus processual não cumprido, na qual presumem-se verdadeiros os fatos alegados pelo autori já no caso derecusa da exibição de livro comercial na íntegra, serao estes apreendidos judicialmente. V. arts. 410, Ill, 417,418 e 420 do CPC/2015. Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser elidida por prova documental em contrário. A despeito da recusa da exibição de livros ou documentos, entretanto, poderá a confissão ser elidida por prova documental epi contrário, ou seja, admite-se contraprova. faso significa dizer que prevalecerá o principio da verdade real para a solução da demanda. Os livros comerciais provam contra seu autor, porém, é permitido ao empresário demonstrar, por todos os meios admitidos em direito, os lançamentos :não corresponderem à verdade dos fatos. Observe- se, no entanto, o artigo fazer alusão somente aos casos da recusa de exibição parcial de livro. Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou p or inteiro, n ão se aplicam às autoridades fazendárias, no exerdcio da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.
EVA H, A. C. AANOIJ)I
ARTS. 1.193 E 1.194 1 10,39
A legislação processual entende que a escrituração contábil é indivisivel, e, se dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são con trários, ambos serão considerados em conjunto, como unidade (art. 419 do CPC/2015). As leis ,tributárias afastaram a regra pertinente ao segredo dos livros e, de acordo com o art.195 do C1N, asseguraram aos agentes fiscais o direito de exigir exibição administ rativa dos livros, inexistindo sigilo em relação ao Fisco. No mesmo sentido dispõe a Súmula n. 439 do STF: "estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação''. Contudo, o direito de ex:igir a exibição administrativa dos livros do comerciante é limitado, no relativo ao objeto da investigação e pela proibição de divulgação de qualquer informação obtida em livros e docwnentos contábeis do empresário, tanto por parte da Fazen da como de seus funcionários. V. arts. 195 e 198 do C1N e art. 419 do CPC/2015. Art , l .194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escritui:ação, correspondência e mais papéis ,concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados. O artigo refere-se à conservação da escrituração comercial que, segundo o DL n. 486/69, obrigava conservação enquanto não p rescritas eventuais ações pertinentes a escrituração, correspondências ou outros papéis relativos a atividade ou operações que modifiquem ou possam n1odificar sua situação patrimonial. A devida conservação da escrituração é o escudo do empresário na defesa de seus interesses. Como a principal atenção se volta para os compromissos tributários, é o prazo da prescrição fiscal que vem determinando o zelo na conservação da escrituração (cinco anos para prescrição). Ressalte-se, porém, a existência de outras obrigações igualmente importan~ tes que demandam lapso temporal superior. A retificação de lançamento feito com erro, em livro já autenticado pela Junta Comercial, deverá ser efetuada n os livros de escrituração do exercício em que foi constatada a sua ocorrência, não podendo o livro já autenticado ser substit uído por outro, de mesmo número ou não, contendo a escrituração retificada. Em caso de extravio, deterioração ou destruição de qualquer dos instrumentos de escritu.raçâo, o empresário fará publicar aviso relativo ao fato, em jornal de grande circulação do local de seu estabelecimento, e prestará minuciosa informação à Junta Comercial de sua jurisdição em até 48 horas para obter novos livros (art. 34 da IN n. 11/2013).
1040 1 ARTS, 1.194 E 1.195
EVA H, A, C. AANOLDI
Recomposta a escrituração1 o novo instrumento receberá o mesmo númei;o de ordem do substitu.ldo, devendo o termo de autenticação ressalvar, expressamente, a ocorrência comunicada. No caso de livro digital, enquanto for mantida uma via do instrumento objeto de extravfo, deterioração ou destruição no Sped, a Junta Comercial não autenticará livro substitutivo, devendo o empresário ou a sociedade obter reprodução do instrumento com a administradora daquele Sistema. Vale ressaltar, que caberá às Juntas Comerciais manter o controle dos instrwnentos de escrituração autenticados por meio de sistemas de registro próprios.
Art. 1.195. As disposições deste Capítulo aplicam-se às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro. A sociedade .mercantil estrangeira que desejar estabelecer filial, sucursal, agência ou estabelecimento no Brasil deverá solicitar autorização do governo federal, em requerimento dirigido ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, protocolizado no D.rei, que o examinará sem prejuizo da competência de outros órgãos federajs. No ato de deliberação deverão constar as atividades que a sociedade pretenda exercer com destaque do capital, em moeda brasileira, destinado às operações no país. A sociedade merC'c10til estrangeira é obrigada a ter, permanentemente, representantes no Brasil, e reproduzir no Diário Oficial da União, do Estado ou do Distrito Federal, conforme o local em que esteja estabelecida, e em outro jornal de grande circulação editado regularmente na mesma localidade, as publicações que segundo a lei nacional sejam obrigados a fazer, relativamente a balanço, demonstrações financeiras e atos de sua administração, sob pena de ser cassada autorização para instalação e funcionamento no pais, sem prejuízo das demais regras sobre escrituração dispostas neste capítulo, a que se sujeitarão sucursais, filiais ou agências1 no Brasil, do empresário ou sociedade com sede e1n pais estrangeiro. Sobre escrituração, v. arts.1.179 a 1.194.
1LIVRO 111 DO DIREITO DAS COISAS
Inicialmente, destacamos que, apesar da terminoJogia utilizada pelo legislador, as expressões "Direito das Coísas" e "Direitos Reaís" são usadas como sinônimos por boa parte da doutrina e, frisamos aqui, com a mais absoluta correção, eis que o vocábuJo "reais" vem justamente de res que, em latim, significa coisa. Para o Livro UI do CC,.sugeriu-se, em substituição a "Direito das Coisas'; a adoção da expressão "Da Posse e dos Direitos Reais': consubstanciada no Projeto de Lei o. 276,,apresentado e1n 01.03.2007 e de autoria do Deputado Federal LéoAkântara, arquivado em 31.01.2012. Optamos por efetuar apenas essa breve menção, considerando que a _proposta da obra é iustamente a de analisar somente o CC vigente e não propostas para sua. alteração, ainda que ressaltemos que o projeto em questão poderá trazer futuramente diversas mudanças, não só na questàô possessória e nos direitos reais, mas no CC como um todo. O livto que versa sobre o "Direito das Coisas" abrange o instituto da posse e também os direitos reais, sendo qu e estes possibilitam ao titular do direito maior segurança jurídica em comparação com a posse, já que este é um meio de aquisição de direitos reais (propriedade, servidão) por intermédio da usucapião. Em tal contexto, apesar da inegável importância da posse e.m nosso sistema e da existência de alguns pontos de contato com os direitos reais, notadamente em relação à sua defesa (por meio das ações possessórias, também denomi-
ANTONIO C. MORATO
1042 1
nadas de interditos possessórios), sustenta-se que não é possível inseri-la entre os direitos reais, por vontade expressa do legislador, como veremos em seguida, que afastou a tese da posse como direito real, apesar de posicionamento jurispr udencial e doutrinário (ainda que parcial) em sentido contrário. Os direitos reais, tipificados no art. 1.225 do CC, envolvem tanto o direito de propriedade (direito sobre coisa própria) como direitos sobre coisas alheias dividindo-se em três categorias: direitos reais de aquisição, de uso e de garantia). Pertinente ainda acrescentar que o Direito das Coisas trata apenas dos bens corpóreos, que são materialmente tangiveis, não disciplinando mais ( como no passado) os direitos referentes à propriedade intelectual (e, em especial, o Direito de Autor, regulado atualmente pela Lei n. 9.610, de 19.02.1998, visto que este apresenta.natureza dúplice, por envolver tanto o direito patrimonial como o direito moral do autor, enquadrando-se o último entre os direitos da personalidade).
e
TITULO 1 DA POSSE A posse é um dos ternas mais controvertidos do direito civil e, por tal razão, de di.fkil estudo. Em que pese a controvérsia apontada inicialmente (e que será discutida no momento oportuno), o relevante é que a posse consiste na exteriorização da propriedade e que essa exteriorização é protegida pelo Direito. Para melhor compreensão do instituto estudado, esclarecemos que tal exteriorização nada mais é do que a aparência de propriedade. Exemplificando, essa aparência de propriedade ocorrerá quando visualizarmos alguém fechando a porta de um apartamento, dirigindo um automóvel, abrindo uma mala. Nesse momento, a pessoa que realizou ta.is atos aparenta ser proprietária perante aquele que a observa, mesmo que não seja titular do direito de propriedade (e frisamos que, tal corno na ptopriedade, o conceito de posse é aplicável tanto aos bens imóveis quanto aos móveis). De fato, a posse não se confunde com a propriedade, porque a última exige o registro para os bens imóveis e a tradição (entrega do bem com vontade e legitimidade para transferi-lo) para os bens móveis. Assim, voltando aos exemplos, quem fechou a porta de um apartamento pode estar utilizando o local temporariamente, por liberalidade de um parente (hipótese de comodato); quem dirigia o automóvel poderia ser simplesmente um cliente de umalocadora de automóveis (hipótese de locação de bens móveis) e, por último, aquele que abriu a mala poderia ser alguém que a tivesse furtado e que verificava, no momento, se existia algo de valor dentro dela (illcito penal).
ANTONIO C. MORAJO
1 1043
Ainda nesse tema, cabe resgatar a histórica polêmica entre os alemães Friedrich Karl Von Savigny e RudolfVon Jhering. De acordo com Savigny, a posse necessitaria de dois elementos para caracterizar-se~ um de natureza física (co,pus) e ou outro fundado na intenção de quem possuJa o bem (animus) e, pela relevância atribuída ao último, tal corrente foi denominada de subjetiva. Posteriormente, Jhering desenvolveu a chamada teoria objetiva, na qual refutou os principais argumentos de Savigny, visando a demonstrar que o que importa é o elemento físico (corpus), vez que a intenção (animus), quando muito, está ao ntida no próprio corpus. Embora seja frequente a afirmação de que tal polêmica estaria há muito superada, ainda hoje se discute se no Direito brasileiro o legislador teria adotado a corrente subjetiva ou a objetiva. De fato, reconhecemos que existem doutrinadores de renome defendendo que o CC/2002 teria adotado exdusivamente uma ou outra. Todavia, tendo em vista o te)d:o legal, é necessário reconhecer que ambas deixaram sua influência tanto no CC anterior como no atual, De fato, sob tal aspecto o CC adota quase uma teoria mista, pois ora reconhece que na posse a intenção (cmimus) é relevante (nos arts. 1.238 a 1.240, 1.242 e 1.260; quando estabelece que, pata adquiJ"ir a propriedade por meio da usucapião - seja o bem móvel ou imóvel - é necessário que o possuidor considere o bem como seu), seguindo a teoria subjetiva, e ora admite ateoria objetiva determinando que a posse é daquele que tem de fato o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (corpus), como resta claro na leitura do art. 1.196. Atualmente, não é mais possível falar em posse de direitos e de sua defesa pelos interditos possessórios (como pretendeu Ruy Barbosa no passado, para viabilizar o acesso a cargo póblico em que alguém era impedido de tomar posse), pois as ac;;ões possessórias só podem defender bens corpôreos, e.itistindo no ordenamento jurídico outros meios aptos a defender tais direitos (mandado de segurança, cautelar inominada) e, curiosamente, nosso idioma até daria razão a quem ainda pretende defender tal visão (embora supe~ rada e absolutamente desnecessária nos dias de hoje) eis q_ue, quando alguém assume qualquer cargo, falamos que tal pessoa totnará posse ou ainda que
será empossacla. Por fim, não faltam excelentes autores que sustentam ser a posse um direito real, sob arg\Ullentos que vão desde sua natureza acessória diante do direito de propriedade, que seria o principal (como sustentou Maria Helena Diniz, lembrando que a natureza jurídica do acessório só poderia ser amesma do principal e já que a propriedade, como direito principal, é direito real, a posse só poderia ter idêntica natureza), até a relevância dada à oponibilidade que existe na posse e que també1n caracteriza os direitos reais (como
1044 1
ANTONIO C. MORATO
defendeu Caio Mário da Silva Pereira, sustentando que a posse era oponNel a todos, bem como Orlando Gomes, Washington de Barros Monteiro e Rubens Limoogi França}. Outro interessante argwnento favorável à inserção da posse entre os direitos reais foi trazido por José Osório de Azevedo Júnior no sentido de que o título de legitimação de posse previsto na Lei n. 11.977/2009 (Prograina Minha Casa, Minha Vida), ao ser regist rado, o converte em propriedade e dispensa a ação de usucapião, argumento este que é utilizado em consonância com a função social da propriedade consagrada constitucionalmente e que influenciou o reconhecimento da posse de extensas áreas pot um número considerável de pessoas e a redução dos prazos para a usucapião no CC. A crítica central decorre do posicionamento adotado pela maioria da doutrina nacional ao considerar que a posse não constitui um direito real, o que ensejaria a perda de grande parte de sua relevância jurídica e social ao considerá-la um instituto jurídico de segunda classe, uma vez que a posse pura e simples estaria desamparada de qualquer registro desconsiderando a realidade brasileira tanto social como jurídica. A Lei n, 1 l .977/2009 (Programa Minha Casa, Minha Vicia) determinou que a legitimação de posse não altera o dotn1njo dos bens imóveis sobre os quais incidir (art. 47, § 1°) o que ocorre apenas por meio daconversão da legitimação de posse em proptiedade (art. 60), mesmo que o escopo do último dispositivo citado seja, ainda de acordo com José Osório deAzevedo Júnior, salvaguardar o direito de propriedade decorrente do fato de o possuidor ter atendido a exigência do lapso temporal para a usucapião. Sua concepção é coerente com o pe.rfodo em que atuou como desembargador do TJSP, no qual defendeu a legalidade da posse das comunidades (ou "favelas''), denotando com isso sua marcante preocupação social com a chamada "cidade ilegal" ( expressão muito utilizada pelos urbanistas, como salienta tal autor). Como relator em acórdão paradigmátic'O do TJSP, em decisão mantida pelo REsp n. 75.659/SP, norteado pelo princípio da função social, José Osó~ rio de Azevedo Júnior decidiu que: "Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada h á- cerca de 20 (vinte) anos. Está dotada, pelo poder público, de pelo menos 3 (três) equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. As fotos de fls. [ ... ] mostram algumas obras de alvenarias, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costweira etc., tudo a revelar uma vida urbana estável, no seu desconforto[ ... }. No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. é uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passan1, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas
ANTONIO C. MORATO
1 1045
centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os 9 (nove) lotes reivindicados residem 30 (trinta) familias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel [ ... ]. O desalojamento forçado de 30 ( trinta) familias, cerca de 100 (cem) pessoas, todas inseridas na comunidade urbana muito 1naior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza ético-social, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito. É uma operação socialmente impossível. E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível. [ ... ] No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma antissocial. O loteamento- pelo menos no que diz respeito aos· 9 (nove) lotes reivindicados e suas imediações - ficou praticamente abandonado por ma.is de 20 (vinte) anos; não foram implantados equip amentos urbanos; em 1973, havia árvores até l)as ruasi quando da aquisição dos lotes, em 1978. 1979, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão pop ulacjonal, com p roblemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar tal comportamento de proprietários" (TJSP,Ap. Cível n. 212.726-1-4/SP, 8• Câm. Cível, rel. José Osório de Azevedo Júnior,j. 16.12.1994). Concordamos com suas observações, realmente procedentes e fundadas em sucessivas alterações do texto legal que, de uma forma ou de outra, não alteram as normas gerais sobre a posse, ao menos sinalizam urna tendência de que esta seja reconhecida como um direito real, tal como ocorreu com o direito real de aquisição, incorporado ao CC em vigor (com a ressalva deste ter sido tipificado desde o DL n. 58/37). Acrescentamos o "direito favel~ termo utilizado por Ricardo César Pereira Lira, que inclui o "direito à laje" ( que existe em muitas comunidades no Rio de Janeiro) e semelhante a um direito de superfkie que permite a alguém construir sobre uma laje algo que constitui uma realidade até há pouco tempo negligenciada pelo direito formal que, como salientam Silmara Juny de Abreu Chinellato e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, deve reconhecer na posse1 assim como na propriedade, uma funcionalidade social. Destaque-se, a tal respeito,o reconhecimento da sua relevância com sua inserção p or meio da MP n. 759, de 22.12.2016, na qual foi acrescentado o "direito à laje" (mediante a inclusão do inciso XIll do art, 1.225 do CC ("Art. 1.225. São direitos reais [ ... 1XIII - a laje"). No que tange à natureza jurídica, a dificuldade maior resjde, em nosso sentir, na tipificação inequívoca da posse como um direito real que pode ser mitigado pelo Poder Judiciário, mas demanda atuaç.ã o do legislador, ao contrário de outras áreas do direito civil, como o direito de família.
1046 1
ANTONIO C. MORATO
Em tal contexto, mesmo com a alteração trazida pela inserção do art. 216-A pelaLRP (lei n_6.0l5/73) por meio do art 1.071 do C,PC (Lei n. 13.105/2015) com a admissibilidade da usucapião extrajudicial, é imponante observar que
esta não exclui a necessidade de um controle rigoroso (realizado pelo cartório de registro de imóveis pela via administrativa) para o reconhecimento do direito de propriedade mediante a usucapião que demanda a apresentação do justo titulo ou de docwnento que igualmente demonstre a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, bem como o pagamento dos tributos que incidirem sobre o bem itn6vel. Henrique Ferraz Correa de Mello, em valiosa obra sobre a desjudicialização da usucapião ímobiliária (Usucapião Extrajudicial), relatou que, de forma distinta da usucapião extrajudicial instituída pelo CPC/ 2015, a usucapião administrativa estabelecida pela Lei n. 11.977/2009 (Programa Minha Casa Minha Vida) constituiu a etapa final da regularização fundiária de interesse social, sendo destinada aos ocupantes das glebas regularizadas que não ostentassem titulos hábeis com força de aquisição de domínio e que já tivessem preenchido os requisitos da usucapião de imóvel urbano. A usucapião extrajudicial ou administrativa não se limita aos imóveis urbanos e também dispensa registro anterior, como assinalou o mesmo autor, "da legitimação de posse expedida pelo poder público no âmbito da regularização fundiária e, a partir da{, a consumação da posse qualificada para fins de moradia, pelo prazo prescricional aquisitivo, de acordo com as modalidades aplicáveis previstas no ordenamento jurídico". Há autores céticos, como é o caso de Christiano Cassetari, que acredita que tal modalidade não irá prosperar na prática em face de exigências do art. 216-A, II, da LRP, como a assinatura no memorial descritivo que exige também a assinatura dos titulares de direitos reais (proprietário, credor hipotecário ou usufrutuário), justificando seu posicionamento no fato de que sendo a usucapíão forma originária de aquisição da propriedade e não havendo transmissão da propriedade para o usucapiente seria difícil imaginar a possibilidade de que o proprietário aceitasse perder o bem imóvel J?ela usucapião sem ter uma contrapartida por isso e, na rara hip6tese disso ser J?OS~ sível, observou o autor ser mais prático recorrer à escritura de compra e venda ou à doação do que enfrentar todos os requisitos exigidos pela usucapião extrajudicial. Voltando à nos~ concepção quanto à natureza jurídica da posse e divergindo respeitosamente dos ilustres autores que entenderam que o advento da Lei n. 11.977/2009 teria tr ansformado a posse em direito real e ainda que reconhecendo que nosso posicionamento talvez peque pelo formalismo, consideramos que, caso não ocorra alteração no CC (mesmo não olvidando da importância da atuação do Poder Executivo na demarcação urbanística como
ANTONIO C. MORATO
1
1047
um ponto de partida para a concessão do título de legitimação de posse de acordo com a Lei n. 11.977/2009) ou por meio de lei especial que admita a posse como direito real, continuamos a adotar a orientação de Clóvis Beviláqua, Silvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves, considerando que a posse ainda não constitui direito real por expressa vontade do legislador, que não a tipificou dessa forma nem permitiu seu registro em simetria com o direito de propriedade (realizado no Cartório de Registro de Imóveis}, posto que a transferência da posse é considerada mera cessão de direitos, registrável em cartórios de ofícios de notas ou, mais frequentemente, em cartórios de registros de títulos e documentos, tomando mais razoável o entendimento de que seria até mesmo um direito pessoal (que encontra amparo em alguns julgados) ou ainda um terceiro gênero (considerado um direito especial, visão com a qual concordamos), que não se enquadra entre os direitos reais ou entre os direitos pessoais, apesar de não olvidarmos do fato de que ocorrem exigências para a propositura das ações possessórias próprias de quero seria titular de um direito real. Não olvidamos, igualmente, dos aspectos processuais que envolvem a questão, uma vez que, como assinalou Antonio Carlos Ma.reato, ô § 2° do art. 47 do CPC/2015 incluiu as ações possessórias imobiliárias no rol de ações reais, atribuindo, inclusive, competência absoluta ao juízo ao qual for distribuída para concluir que, com isso, o novo CPC reconheceria natureza real à posse. Contudo, cumpre salientar, o mesmo autor que apresentou pontos nos quais, seja no CPC anterior (art 10, § 2°), seja no CPC atual, não se reconheceria natureza real ao direito de posse, uma vez que o § 2° do art. 73 do CPC/2015 exige, com todas as letras, nas ações possessórias, a participação do cônjuge ou do convivente da parte (sendo esta dispensável apenas na hipótese de composse ou atos praticados pelo casal) e, em tais casos, a necessidade da participação do casal decorre não da natureza jurídica da posse, mas da comunhão obrigacional e de direitos existente. Ponderamos, uma vez mais, que se existe tal argumento no âmbito processual e, com isso, adnute-se um argumento a mais a fim de sustentar teoricamente a posse como direito real, persiste a dificuldade prática de registrá-la em um cartório de registro de imóveis e fazê-la constar em uma matrícula. Assim sendo, sob o prisma do direito material, continua a usucapião como um meio de aquisição da propriedadé móvel e imóvel e a posse como a aparência de propriedade, por mais formalista que seja tal posicionamento, ainda que não discordemos em tese das premissas e de algumas aspirações sociais que norteiam as mudanças no instituto, o Direito é sobretudo segurança sem a qual corremos o risco da erosão de todo o sistema e a segurança almejada pelo direito registral pode ser utilizada como wn exemplo do que aqui a.firmamos.
IQ48 1 ARTS, 1.196 E 1.197
ANTONIO Ç. MORATO
CAPÍlVLO 1 DA POSSE E SUA CLASSIFICAÇÃO
A classificação da posse é uma operação de grande utilidade, já que permite não só organizar o estudo desse instituto jurídico (em posse justa e injusta, direta e indireta., nova e velha, de boa e de má-fé, pro diviso e pro indiviso), mas também verificar sua indiscutível importância prática (como é possível depreender, por exemplo, da divisão existente entre a posse ad interdicta, que trata do direito ao exercício das ações possessórias e a posse ad usucapionem, que admite a aquisição da propriedade - móvel ou imóvel pela usucapião). Art.1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. A posse é interesse juridicamente protegido, mas que emerge de uma situação fática. No dispositivo, podemos identificar nitidamente a concepção objetiva da posse (priorizando o corpus), fundada na aparência de propriedade. Entre os poderes inerentes à propriedade ( usar, gozar, dispor e reivindicar), o que mais corou.mente se manifesta é o de usar, pois aquele que usa aparenta ser o proprietário.
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coii,-a em seu p oder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, n ão anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. Quando visualizamos a posse, tendemos a identificar nela wn único titular. Porém, a posse pode ser desdobrada, pois nem sempre o possuidor utiliza diretamente a coisa e, dessa maneira, aquele que cede a posse a outrem passa a ter posse indireta (não tendo mais contato fisico com a coisa), enquanto quem a recebe toma-se possuidor direto. A origem da posse direta resulta de wn direito pessoal (como um contrato de locação ou de comodato, no qual o locatário ou o comodatário usam o bem, devendo restituí-lo ao final do contrato) ou de direito real ( como no penhor, em que o credor pignoratício recebe, por exemplo, um relógio como garantia e deve restituir tal garantia no momento em que o valor devido, garantido pelo penhor, seja a ele devolvido). O possuidor direto tem a possibilidade de sair em defesa de sua posse e, sendo assÍ.(n, se o locatário sofrer esbulho por parte de terceiro, poderá utilizar em face deste ação possessória e, até mais do que isso, poderá utilizar tal ação até diante do próprio locador {que é o possuidor indireto), sem es-
ANTONIO C. MORATO
ARTS, 1.197 E 1.198
1 1049
quecer também a autotutela da posse, por meio do desforço imecüato ou da legitima defesa (art:. l.210, § l 0 ). Todavia, é de suma importância ressaltar que jamais o possuidor direto poderá invocar em seu favor a usucapião (posse ad usucapíoriem), tendo em vista a temporariedade da transmissão da posse quando ocorrer o desdobra1nento dela, situação que exigirá o cumprimento do dever de restituição por parte de quem tem a posse direta, tendo por esses motivos o possuidor direto somente posse precária, que não lhe dará qualquer direito de pretender a aquisição da propriedade pelo decurso do temp o {arts. 1.200 e 1.208). Em tal sentido, menciona.mos o voto do Des. Renato Sartorelli em acórdão da 26• Câm. de Dir. Priv. do TJSP (Ap. e/ Rev.n. 0067357-85.2009.8.26.0000, j. 27.04.2011) em que foi proposta ação de usucapião por autora que, por sua vez, tinha ciência de que o automóvel que foi objeto da ação era oriundo de contrato de arrendamento mercantil no qual houve inadimplemento diante da instftuição financeira em que existia o dever de restituição do bem, não gerando - em razão da posse precária - qualquer direito à usucapião. Da mesma forma, a 18ª Cã,m, Cível do TJRT (Ap. Cível n. 0029343-97.2004. 8.19.0001,j. 12.07.2011), em voto do Des. Jorge Luiz Habib em ação de usucapião urbana que analisou posse decorrente de contrato de locação, considerou q ue esta, em razão do dever de devolução do imóvel após o término da locação, não autorizada o pedido de reconhecimento da usucapião pela precariedade da posse.
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com o utro, conserva a posse em nome deste e em cump rimento de ordens ou instruções suas. O detentor não poderá ser confundido com o possuidor, vez que a detenção surge de mera relação de dependência para com outro, de quem o detenior recebe ordens ou instruções. No direito do traballio utiliza-se o termo subordinação, mas o vocábulo depen dência cumpre a mesma função no âmbito civil, caracterizando melhor a existência de relação jurídica (e consequente competência) distinta. Dessa forma, são exemplos de detenção; o caseiro que cuida de determinado sítio, o motorista de ônibus ou táxi que dirige veículo de frota e o vendedor que tem amostras dos produtos da empresa que representa, e, em razão das situações !\presentadas, é que também se denominam os detentores de "fãmulos" ou "servos" da posse, porque aquele que detém está em situação inferior (no sentido aqui empregado, obviamente) diante de quem possui e, logicamente, diante de quem é proprietário.
1050 1 ARTS. 1.198 E 1,199
ANTONIO C. MORATO
Nesse contexto, verificamos com clareza que o conceito de detenção é aplicável tanto aos bens móveis como aos imóveis e, no que dii respeito à dependbicia para com outrem, relembramos a lição,de Jhering no sentido de que, para estabelecer o que é detenção, devemos simplesmente consultar o texio legal (o conceito de detenção também é objetivo), sendo este o critério para distingui-la da posse. Nessa linha, o CC utiliza o conceito de dependência cmno elemento fundamental para caracternar a detenção. Ressaltamos ainda que é curioso observar que, muitas vezes, de forma técn ica, utiliza-se o termo ''deter" para descrever quem posslri (por exemplo: aquele que detêm o bem) quando seria recomendável utilizara palavra "possuir", pois o infinitivo ''deter' deveria ser prioritariamente reservado para o detentor e não para aquele que possui o bem, a fun de possibilitar melhor compreensão da ideia a ser transmitida. O detentor não é considerado possuidor do bem, não sendo possível confundir llID conceito com o outro, sendo vedada ao detentor qualquer proteção possessória, como observou em seu voto o Des. Lucas Pereira, da 17ª Câm. Cível do TJMG (Proc. n. l.0708.06.016063-5/001, j. 09.02.2007). Parágrafo único, Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à o utra p essoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. Diante daquele que cumpre ordens ou instruções há uma presunção de detenção, da qual cabe prova em sentido contrário (ju ris tantum). A prova em questão poderia surgir, por exemplo, de um detentor que comprovasse ter adquirido o bem de seu empregador ou ainda de que teria continuado com o bem após aquele de quem dependia tê-lo abandonado, deixando evidente a intenção de não mais pemJanecer com o bem e, a partir daí, os tributos sobre o imóvel teriam sido pagos pelo ex-empregado.
Art. 1.199. Se dµas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. Em principio, a posse, da mesma forma que a propriedade ( da qual a posse é extei;iorização), é exclusiva. Porém, tal regra comporta ~eçâo e, assim como a propriedade admite o condominio (no qual ex:istero dois ou até mesmo wna pluralidade de proprietários), também a posse admite a chamada compasse, em que são diversos os possuidores do b em. Ao tratar da composse, o dispositivo constata que ela deriva da indivisibilidade da coisa, tal coroo ocorre com os herdeiros enquanto não ocorrer a
ANTONIO C. MORATO
I\RTS. 1.199 E J.200 1 1051
partilha dos bens; na doação ou no legado em que conste cláusula de inalienabilidade ( que será sempre temporária e, ressalte-se, só poderá surgir de negócios jurídicos gratuitos); por acordo de vontade entre os próprios compossuidores; ou ainda de coisa comum que pertença a cônjuges casados no regime de comunhão universal ou comunhão parcial de bens. A indivisibilidade, com exceção da legal (como ocorreria nas áreas comw1s de um edifício), é sempre temporária. Como a composse pressupõe o exercício de direitos derivados de coisa comum, a p osse do bem pode ser defendida por qualquer compossuidor, desde que tal direito não exclua o dos demais, pois o direito do compossuidor deve ser exercitado em harmonia com o todo. Nesse contexto, os mesmos direitos de defender a posse são conferidos a cada um dos compossuidores, seja por meio da tutela conferida pelo Estado (ou hétero-tutela, no caso das ações p ossessórias) ôu da realizada pelo pr óprio possuidor (autotutela, casos de desforço imediato ou legítitna defesa da posse). Na classificação da posse, divide-se a posse em pro diviso, na qual cada compossuidor (baseado em simples divisão fática) tem uma parte do bem (como um terreno em que dois compossuidores dividem o mesmo pela metade e, em cada uma, constrói sua respectiva casa) e em pro indiviso, em que existe a indivisibilidade fática, pois os compossuidores utilizam a área con,iuntamente. Se a divisão fática (posse pro diviso) consolidar-se com o tempo (posse de mais de um ano e um dia, nos termos do art. 558 do CPC/2015), será possível até que o compossuidor defenda sua posse diante do outro, mas essa é uma exceção no tema da compasse, no qual a composse parte de uma situação de indivisibilidade do bem.
Arl. 1.200. É justa a p osse que não for violenta, clandestina ou precária. A posse justa é um conceito residual, pois tal espécie de posse decorre da inexistência de violência, dandestirudade ou precariedade e, dessa forma, primeiro será necessário estabelecet se a posse é ou não injusta para depois chegarmos à posse justa. A clandestinidade pressupõe a ausência do antigo possuidor e, sem q ue este saiba, o imóvel é ocupado por outrem. Na violência, que poderá surgir por intitnídação fisica ou psicológica, o antigo possuidor ou proprietário é retirado do bem pelo uso da força. Por fim, na precariedade há a obrigação de restituir (como no contrato de comodato ou de locação) e quem tem o dever legal de restituição nega-se a cumpri-lo.
IOS2
1 ART. 1.200
ANTONIO C. MORATO
Apesar da injustiça presente na posse, há a proteção legal quando superada a violênda e a clandestinidade (após o período de um ano e um dia), mas tal superação não ocorre no que diz respeito à precariedade, pois quem tem a posse dessa natureza abusou da confiança de outro contratante (locador ou comodante). Ressalte-se, quanto ao momento em que a posse precária torna-se injusta, que, quando não ocorrer a restituição do bem, após a notificação para a devolução deste, está consubstanciada a posse injusta. Demonstram tal momento, entre outras decisões, acórdãos oriundos do TJDF ("Agravo de instrumento. Reintegração de posse. Indeferimento de liminar. Comodato. Notificação para desocupar o imóvel. Esbulho possessório. Necessidade de audiência de justificação prévia. A posse precária transforma-se em injusta quando o possuidor, devidamente notificado para a devolução do bem, não o entrega, caracterizando o esbulbo possessório no momento em que o proptíetário denuncia o rompímento do comodato" [TJDF, AI n. 2002002008 0101, Sª T. Cível, rei. Des. Romeu Gonzaga Neiva,DJU 18.06.2003]) e do TJRN (" l - Reintegração de posse. Discussão com bc1$e no domínio. Súmu~ la o. 487 do Excelso Pretório. 2 - Contrato de comodato verbal demonstrado. Notificação para desocupar o imóvel. Negativa de devolução do bem. Esbulho possessório caracterizado. Posse precária que se transforma em injusta. l - Disputada a posse com fundamento no donúnio, prepondera a daquela que ostenta o melhor título. Incidência da Súmula n. 487, do Excelso STF. 2 - A posse precária transforma-se em injusta quando o possujdor, devidamente notificado para a devolução do bem, não o entrega, caracterizando o esbulho possessório no momento em que o proprietário denuncia o rompimento do comodato. 3 - Apelação dvel conhecida, porém desprovida" [TJRN,Ap. Cível n. 2004.004333-3, 1• Câm. Cível, rel. Des. Manoel dos Santos, j. 14.11. 2005]). Um acórdão da 4" Turma do STJ (REsp n.302.137/RJ,j. 15.09.2009}, relatado pelo Min. Honildo Amaral de Mello Castro, demonstrou com clareza a impossibilidade de alegação de posse precária na usucapião reconhecida pelo TJRJ, considerando que, após o término do comodato, deve o comodatário restituir o bem ao comodante, sendo licita a este a reintegração por meio de ação possessória. Igualmente não foi reconhecido o direito da comodatária usucapir o imóvel em situação em que foi coQstat:ada a permanência no imóvel por muitos anos, sem qualquer oposição, na qual persistia a posse indireta dos proprietários, na medida em que a permanência oo imóvel decorria da autorização dada pelos apelados qu_e, a não ser em virtude de separação (apelante e filho dos apelados), jamais havirun tentado retomar a posse do imóvel (TJSP,Ap.
ANTONIO C. MORAJO
ARTS. 1100 E 1.201
1 1053
n. 0013309-80.2009.8.26.0032, 12• Câm. de Dir. Priv., rei. Lidia Conceiçâo, j. 10.07.2014). Em principio, a posse precária jamais será convalidada, excetuando-se a hipótese de interversão da posse ( termo técnico-jurídico, no qual a intenção com que é constituída a posse sofre alteração). O vocábulo "interversão" deriva do latim "interversio", relacionado ao verbo ''intervertere" que significa, como relata De Plácido e Silva, um "desvio': um rumo diverso que, em seu sentido contemporâneo, denota a transformação, "que se pode operar em wn título ou numa posse, em virtude do que a simples detenção ou posse precária passa a ser tida como legitima e o detentor a ser reputado como verdadeiro possuidor'~ apresentando o mesmo sentido que "inversão da posse''. No art. 558 do CPC/2015, encontramos previsão de que a ação de força nova ( que não se confunde com a posse nova), como uma açâó de reintegração de posse ou uma ação de manutenção da posse, admite liminar, desde que tenha sido proposta a ação dentro de um ano e um dia da turbação ou do esbulho. O CC/1916 trazia expressamente norma que previa que, se a posse fosse superior a um ano e um dia, o possuidor seria man.tido sumariamente, até ser convencido pelos meios o rdinários. A menção a tal norma, ainda que ausente na redação atual, é justificável por seu amparo doutrinário e jurisprudencial que, a nosso ver, não sofreu alteração. Como observou Antonio Carlos Marcato, ainda que o CC em vigor não trate da posse nova e da posse velha con10 1nodalidades de posse, o marco temporal por elas estabelecido acarreta sérias consequências inclusive procedimentais (art. 558 do CPC/2015).
Art. 1.201. ~ de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Na posse de boa-fé, o possuidor desconhece que existiu vício na aquisição do bem. De fato, ele acredita ser o proprietário {pois comprou o bem de quem acreditava ser o verdadeiro propdetário, por exemplo, compra do imó, vel de um herdeiro que foi excluído da herança por indignidade). Contudo, a partir do momento em que o possuidor toma ciência do vício relati vo ao bem, sua posse passoderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.
A semelhança do que ocorre no art. 1.645 do CC, cabe ao cônjuge preju~ dicado ou a seus herdeiros pleitear judicialmente a anulabilidade dos atos pratiq1.dos sem sua anuénciaou suprimento judicial (nesse sentido: TJSP, A1 n. 0502908-27.2010.8,26.0000, 18ª Câm. de Dir. Priv., rei. Des. Jurandir de Sousa Olivei.J:a, j. 10.08.20U; TJSP, A1 n. 1.121.007-0/4, 30• Cãm. de D.ir. PríY., rel. Des. Andrade Neto, j. 17.10.2007). Ressalva-se o direito de regresso de terceiro prejudicado ern fàçe do cônjuge que realizou o negócio jurídico (art. L646do CC).
1450 1 ARTS, 1.651 E 1.652
FRI\NOSMA.R LAMENZA
~rt. 1.651. Quando um dos cônjuges não puder exercer a administração dos bens que lhe incumbem, segundo o regime de bens, caberá ao outro: O art. 251 do CC/1916 mencionava hipóteses em que exa aceita a administração dos bens pela mulher, fossem eles dela, do marido ou do casal ( estando o marido em lugar ignorado, encarcerado por mais de dois anos ou declarado judicialmente interdito).Note-se que a lei não mais se refere à pessoa do marido como cabeça do casal ou à mulher como simples colaboradora. com atuação secundária; ambos têm seus direitos e deveres em situação de absoluta igualdade constitucional. Tal se reflete na administtação dos bens, a qual será realizada por um dos cônjuges na impossibilidade - témporária ou defirutiva - do outro exercer a tarefa que lhe cabia (nesse sentido: TJSP, AI n. 567.068-4/0, J• Câm. de Dir. Priv., reJ. Des. Guimarães e Souza, j. 04.11.2008). I - gerir os bens comuns e os do consorte; Em caso de superveniência de fato que tome impossível ao ,cônjuge gerir os bens comuns e os do outro, estabelece-se ao outro o dever de realizar esse munus, evitando-se a depreciação ou o perecimento de tais bens. II - alienar os bens móveis comuns; A alienação dos bens que sejam móveis e comuns poderá ser realizada pelo cônjuge incumbido da gestão do patrimônio, sem que haja necessidade de prévia autorização judicial. III - alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do consorte, mediante autorização judicial. Deve haver a anuência prévia do magistrado em relação à aliena~ão pelo consorte administrador de bens imóveis que sejam comuns ou de bens móveis ou imóveis pertencentes ao outro cônjuge. O juiz analisará os fundamentos do pedido de alienação e verüicará se taJ providência realmente se faz necessária. Especificamente no que tange aos bens imóveis, qualquer que seja a titularidade de sua propriedade, a exigência de autorização judicial para a aJjenaÇão se justifica em virtude do que dispõe o art.1.647, 1, do CC. Art. 1.652. O cônjuge, que estiver na posse dos bens particulares do outro, será para com este e seus herdeiros responsável:
AAT. 1,6$2 1 1451
fAANCISMAA lAMENZA
O art. 260, caput, do CC/1916 disciplinava a situação do marido que esta~ va na posse dos bens particulares da mulher. Atento à i~dade constitucional entre os cônjuges, o legislador também a fixou quando da redação do art 1.652 do CC. Note-se que a responsabilidade do cônjuge que está na posse de bens particulares do outro também será vinculada aos herdeiros deste, observado o disposto no art. 1.829 do CC no que se refere à ordem de vocação hereditária. I - como usufrutuário, se o rendimento for comum; Se o cônjuge está na posse de bens particulares do consorte e houver rendimento c:omum deles, o possuidor será tratado como osufrutu.frio e, como tal, terá direitos e deveres decorrentes dessa relação (arts. 1.394 a 1.409 do CC). Aqui se tem típica hipótese de usufruto legal (in~titu(do pcla lei em favor de certa pessoa -no caso, do cônjuge sobre os bens do outro). II - como procurador, se tiver mandato expresso ou tácito para os administrar; O mandato poderá ser expresso (por manifestação da parte) ou tácito (decorrente de presunção legal, como no caso do art.1.324 do CCH9l6). Quando o cônjuge estiver na posse dos bens particulares do outro e tiver mandato, será considerado procurador do consorte. Observe-se que este poderá cobrar do mandatário a devida prestação de contas, bem como revogar a procuração que der, como lembrado por Caio Mário da Silva Pereira. III - como depositário, se não for usufrutuário, nem administrador. Se o cônjuge estiver na posse de tais bens e não for considerado usufrutuário ou administrador, será.necessariamente deposit:áii o. Como tal, incumbir-se-á de zelar adequadamente pela guarda e conservação dos bens, restituindo-os ao cônjuge (ou a seus herdeiros) quando por cle exigidos, com todos os frutos e acrescidos {art. 629 do CC). Se o cônjuge depositário dos bens particulares do outro tiver despesas de conservação do patrimônio ou prejuízos daí decorrentes, poderá ser ressarcido (art. 643 do CC).
CAPITULO 11 DO PACTO ANTENUPCIAL
Segundo Sílvio Rodrigues, o pacto antenupcial é um "contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regi-
1452 1 ARTS. 1.653 A 1.655
FRANOS!'MR L.AMENZA
me de bens que vigorará entre elas desde a data do matrimônío~ em respeito ao disposto no art 1.639, § 1°, do CC. Destaque~se a possibilidade de reali7..ação de contrato escrito entre os conviventes - na falta do instrumento, aplicar-se-á no que couber o regime de comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento. O pacto antenupcial é por definição um contrato solene. Sendo assim, deve obedecer a determinadas formalidades para fazer surtir seus efeitos legais e jurídicos. Pressuposto essencial de existência do pacto é sua realização por escritura pública, sob pena de nulidade. Como anotado em referência ao art. 1.640, parágrafo único, do CC, os nubentes poderão optar pelo regime de comunhão parcial de bens, reduzindo-se a termo a opção no processo de habilitação para o matrimónio. Caso optem por outro regime de bens, deverão se valer do pacto antenupcial por escritura pública. Além disso, existe a subordinação da eficácia do pacto à re-alização do casamento. Caio Mário da Silva Pereira indica caducidade do pacto -a ntenupcial por falt;i de requisito essencial, sem necessidade de declaração judicial, se um dos nubentes falece ou contrai casamento com terceira pessoa.
Art. 1.654. A eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica condicionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses de regime obrigatório de separação de b ens. Há aparente incongruência neste artigo, já que, no caso de matrimônio contraído por menor, por suprimento de consentimento (art. l.519 do CC) ou de idade ntíbil (art. 1.520), o regime de bens será o de separação obrigatória, que logicamente não pode ser alterado por pacto antenupcial. Silmara Juny de Abreu Chinellato, diante da questão, indica alguns exemplos em que há convenções especiais entre os nubentes que não descaracterizam a separação obrigatória de bens, como a porcentagem de contribuição de cada um para as despesas do lar, em valores desiguais, e a religião em que os filhos serão educados. Art. 1.655, É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de l ei.
Não pode.m constar do pacto antenupcial, sob pena de nulidade, disposições que firam princípios de ordem pública. Não se admitem, por exemplo,
FRANCISMAR lAMENZA
ARTS. 1.655 A 1.657 1 1453
cláusulas que venham a dispor sobre regime de bens diverso, no caso de separação obrigatória. Igualmente, são nulas as disposições que dispensem os nubentes do cumprimento de deveres conjugais (art. 1.566 do CC) ou que prívem o marído ou a mulher do poder familiar (art 1.631, caput, do CC). Note-se que, no caso de nulidade da convenção, vigorará entre os cônjuges o regime de comunhão parcial de bens (art. 1.640, caput, do CC).
Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares. A regra prevista no art. 1.673, parágrafo único, do CC, é a de que a administração dos bens próprios no regime de participayão final nos aquestos é exclusiva de cada cônjuge, havendo liberdade para alienação deles apenas se forem móveis. Há restrição em relação aos bens imóveis, mas tal desaparece com a aplicação do disposto no art. l.656, que prevê a livre disposição de tais bens, desde que convencionada em pacto antenupcial. Art. 1.657. As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registrad as, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges. Para que o pacto antenupcial possa valer contra terceiros, faz-se-necessário seu assentamento em livro especial no Registro de Imóveis do dotnicilio dos cônjuges (art. 167, I, 12, e II, 1 ). Sobre o tema há entendimento do extinto II TACSP (Ap. Cível n. 0013012-82.200.3.8.26.0000, l 1• Câm. do 6° Grupo, rel. Artur Marques, j. 01.09.2003). Caso não seja levado a registro, o pacto não é nulo, somente deixando de valer erga omnes (surte efeitos entre os cônjuges e herdeiros). Além disso, o pacto antenupcial do nubente empresário será objeto de assentamento no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 979 do CC). CAPÍl\lLO Ili DO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL
Segundo conceito de Silvio Rodrigues, o regime de comunhão parcial de bens "é aquele em que, basicamente, se excluem da comunhão os bens que os cônjt\ges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente. Trata-se de um regin1e de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro", Por avanço
1454 1 ARTS. 1.658 E l,659
FRANOSMAA LAMENZA
da legislação, constitui o regi.me legal de bens (art. l.640, caput, do CC), substituindo nesse ponto o regime de comunhão universal por ser mais consentâneo com as necessidades da sociedade atual. Art 1.658. No regime de comu nh ão parcial, com unicam -se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. O regi.me de comwilião parcial de bens é tido como extremamente positivo para os cônjuges (justamente por isso é que foi escolhido pelo legislador para ser o regime 1egal). Cada llin deles traz e conserva como seu o pattimônio próprio formado anteriormente ao casamento e, na constância da união, contribui para a formação de um montante único (nesse sentido: STJ, REsp n. 701.170/RN, 1ª T., rel.Min. Luiz Fux,j. 03.08.2006). O conceito que o artigo traz é claro a respeito das características desse regime de bens - ao contr4rio do art. 269 do CC/1916, que se limitava a arrolar as exceções à comunhão. A rt, 1,659. Excluem-se da comun hão:
Embora haja a regra de comunicabilidade do patrimônio amealhado pelo casal na constância do casamento, esse preceito apresenta exceções relativas ao patrimônio pessoal do marido ou da mulher (bens incomunicáveis) . Quanto às obrigações, serão de responsabilidade conjunta ( entrando para a comunhão) ou não, dependendo da época em que forem assumidas (antes ou dep ois da celebração do casamento) e de sua natureza (a beneficiar ou não o grupo familiar) . É importante destacar que, além das hipóteses elencadas neste artigo, há outro caso de incomunicabilidade de bens, previsto em legislação própria: o dos direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, salvo pacto antenupcial em contrário (art. 39 da Lei n. 9.610/98). I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; Os bens particulares, pertencentes a cada um. dos consortes ao casar, não entram para a comunhão (nesse sentido: TJSP, Ap. Cível n. 990.10.195215-7, 3• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Donegá Morandini, j. 16.11.2010). Além disso, para que haja comunicação de bens doados ou herdados recebidos pelos cônjuges na constânciíi do casamento, faz-se necessário que o doador ou tes-
fAANCISMAA lAMENZA
ART. 1.659 1 1455
tador não beneficie apenas um dos cônjuges, mas contemple expressamente o casal. Caso contrário, haverá a exclusão desses bens da comunhão. II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um d.os cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; Os bens particulares, como visto anteriormente, não, fazem parte da comunhão. Da mesma forma não o fazem os bens adquiridos cotn valores exclusivamente pertencentes a um dos consortes em sub-rogação dos bens particulares. Se o cônjuge, por exemplo, posswa um automóvel ao casar, posterionnente à celebração do casamento vende esse bem e com o produto da venda adquire outro carro, há a sub-rogação, fazendo com que esse bem seja e:xclmdo da comunhão (nesse sentido: TJSP, AI n. 9030806-50.2009.8.26.0000, 4• Câm. de Dir: Priv:, rel. Des. Ma.ia da Cuoha,j. 04.02.2010).
ID-as obrigações anteriores ao casamento; Essas obrigações são de caráter estritamente pessoal, não sendo justo exigir que o cônjuge responda por dividas contraídas pelo consorte em época anterior ao casamento. O que assumiu a obrigação pretérita deve se responsabilizar por ela com os bens que possuía ao casar. IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; O cônjuge que assumir obrigações decorrentes de atos ilícitos deve seresponsabilizar por elas, onerando seu próprio patrimônio. Todavia, se for demonstrado que ambos os consortes se beneficiaram com tais atos, devem .ser utilizados os bens comuns do casal para o adimplemento dessas obrigações (v. Súmula n. 251 do STJ, art. 655, § 2°, do CPC/73 e art. 749 do novo CPC, Lei n. 13.105/2015).
V - os bens d.e uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; Devido a seu caráter estritamente pessoal, bens como roupas, sapatos, retratos, joias etc. não integram a comunhão de bens (nesse sentido: TJSP,Af n. 9029714-37.2009.8.26.0000, 4ª Câtn. de Dir. Priv., cel. Des. Maia da Cunha, j. 04.02.2010.). Quanto aos livros, também serão excluídos, desde que não constituam urna coletividade considerável e sujeita a apreciação pecuniária de relevo (uma coleção, por exemplo). Por sua vez, os instrumentos de pro-
1456 1 ARTS. 1.659 E \.660
FRANOSl'MR 1..AMENZA
fissão são excluídos porque é da utilização deles que os cônjuges dependem para a sobrevivência. VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; Segundo Maria Helena Diniz, o produto do trabalho dos cônjuges e os bens com ele adquiridos não se comunicam, tendo os cônjuges sobre eles os poderes de gozo, disposição e administração (nesse sentido: DSP, Ap. Cível n. 685.919-4/5, 6• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Vito Gublielmi, j. 19.11.2009), exceção feita aos bens imóveis, que exigem consentimen to conjugal para a alienação. Entende-se este dispositivo como antagônico à ideia de constituição da família, já que desencoraja os cônjuges no que toca à intenção de formação de um patrimônio sólido e único para a mantença do grupo. VII - as pensões, m eios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Pensão constitui a quantia paga periodicarnente por força de lei, decisão judicial, ato entre vivos ou causa mortis a uma pessoa para custear seu sustento. Meio-soldo é a metade do soldo paga pelo Estado a militar reformado (art. 108 do DL n. 9.698/46 - revogado, não havendo previsão no atual Estatuto dos Milita:res,Lei n. 6.880/80). Montepio é a pensão que o Estado paga aos herdeiros de funcionário falecido, em atividade ou não. Essas rendas, assitn como outras que forem assemelhadas, não entram para a comunhão por constituírem bens de caráter estritamente pessoal.
Art. 1.660. Entra m na comunhão: Esta norma se refere a fatores especiais que contribuem para o estabelecimento da comunhão pardal de bens. Note-se que, à semelhança do artigo anterior, os elementos determinantes da inclusão dos bens na comunhão serão aferidos de acordo com a natureza desse patrimônio e a época de sua aquisição. I - os bens adqui ridos na constância do casamento por titulo oneroso, ainda q ue só em nome de um dos cônjuges; O patritnônio que o casal adquire na constância do matrimônio por titulo oneroso (compra, troca etc.) é presumido como fruto de t rabalho conjunto dos cônjuges e por esse motivo entra para a comulilhão (nesse sentido: TJSP, Al n. 990.10,264220-8, 35• Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Artur Marques, j. 08.10.2010). Para que o consorte exclua bens nessa situação, com a afirma-
fAANCISMAA lAMENZA
ARTS. 1.660 E 1.661
1 1457
ção de que são próprios, deverá demonstrar que os adquiriu apenas e.m seu nome e que o fez em data anterior ao matrimônio (art. 1.662 do CC). II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; Este inciso se refere à comunhão dos bens adquiridos por sorteios, r ifas, apostas e afins, haja ou não concurso de ambos os cônjuges para a aquisição. III - os bens adquiridos por doação, h erança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; Ao contrário do disposto no art. 1.659, I, do CC, se o doador ou testador contemplar ambos os cônjuges com doação ou legado, esse patrimônio integrará a comunhão. IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; Embora se faça menção a bens particulares1 se forem realizadas neles benfeitorias, estas entrarão para a comunhão, presumindo-se que foram adquiridas com o esforço comum do casal. V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na co11stância do casamento, ou pendentes !lO tem po de cessar a comunhão. Os frutos integrarão a comunhão, inclusive aqueles oriundos de bens particulares. Somente haverá a exclusão dos frutos do patrimônio comum se for comprovado que eles advieram em época posterior à cessação da comunhão (nesse sentido: STJ, REsp n. 646.529/SP, 311 T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 22.08.2005). Art. 1.661. São incomunicáveis os b ens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento. Há casos em que bens são adquiridos na constância do matrimônio, mas que seu título precede o casamento. Exemplifica-se com uma venda a crédito realizada antes da união do casal, sendo que a renda é percebida somente em época posterior à celebração do casamento. Essa quantia será excluída da comunhão. Da mesma forma tem-se a exclusão na hifótese de condição estipulada em um contrato celebrado antes do,casamento e que somente se ve~ rifica na constância do matrimônio.
1458
I
ARTS, 1.662 E. 1.663
FRI\NOSI\W 1..AMENZA
Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior. Ainda com a ideia de esforço conjunto do casal para a formação de um patrimônio comum, há a presunção de que os bens móveis foram adquiridos na constância do casamento e,,nessa situação, devem entrar para a comunhão (a propósito, confira-se o disposto no art. 1.660, I, do CC). Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges. Em respeito ao disposto no art. 226, § 5°, da CR, há não somente igualdade dos cônjuges tratando-se de direitos, mas também de deveres. Entre eles es~ o de administração do patrimônio do casal, derivado da direção da sociedade conjugal por ambos os consortes (art. 1.567 do CC). Quando a lei fala em qualquer dos cônjuges, isto significa ausência de subordinação. Há paridade entre eles, e não exclusão de um em proveito do outro. A administração do patrimônio apenas por um dos cônjuges somente ocorre nos casos de o outro se encontrar impossibilitado para tanto, nos casos previstos no art 1.570 do CC, ou de malversação de bens pelo consorte (art. 1.663, § 3°, do mesmo texto legal). § 1° As dívidas contraídas no exercido da administração obrigam os
bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido. Quando o cônjuge administra bens, comuns e/ou particulares, tem resp0nsabllidade em relação a eles, a qual será estendida ao outro consorte, dependendo do alcance do proveito atÚerido. Se houver dívida resultante de ato a beneficiar a família (como na aquisição de um automóvel, por exemplo), a obrigação atingirá o patrimônio comum do casal (nesse sentido: TJSP, AI n. 991.09.075819-7, 23• Cârn. de Dir. Priv., rei. Des. Paulo Roberto de Santana, j. 09.12.2009). O novo CPC no art. 592, IV, prevê expressamente quais os bens estão sujeitos à execução, entre eles, "os bens do cônjuge, nos casos em que seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela divida''. Quando os bens do devedor não forem suficientes para satisfazer a divida, podem ser executados os bens do outro cônjuge, pois, segundo este artigo, presume-se que as dívidas tenham sido contraídas em beneficio da familia. Cabe, pois, ao cônjuge provar o contrário (arts. 1.643 e 1.644 deste Código). Se o regime de bens do casal for o da comunhão utúversal, todos os bens responderão pelas
FAANCISMAA LAMENZA
AAJS, 1.663 E l.664 1 1459
dividas contraídas por qualquer dos cônjuges, excluindo.se as exceções previstas nos arts, 1.667 e 1.668 deste Código, Tanto no regime da comunhão parcial c.omo na participação final dos aquestos, todas as dívidas contraídas em favor do casal tên1 como garantia seu patrimônio, ainda que a divida tenha sido contraída por um só dos cônjuges (arts. 1.659, IV; 1.663, § 1°, e 1.677). Na hipótese da penhora recair sobre bens imóveis, será necessária a intimação do cônjuge do executado {v. arts. 1.643, 1.644, 1.659, N , 1.663, § 1°, L677 e 1.678). § 2° A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a tí-
tulo gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns. Sendo os bens comuns do casal objeto de cessão de uso e gozo a título gratuito, ambos os cônjuges dever'ã o consentir com o ato. Tal medida é de extrema importância, principalmente para garantir a proteção do patrimônio. Havendo desgaste dos bens pelo uso e gozo, haverá em contrapartid.t despesas para sua manutenção ou reposição, que deverão ser suportadas por ambos os cônjuges. Se assim o é, correta a legislação ao exigir para esses atos. a prévia anuência de ambos os consortes. § 3° Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a admi-
nistração a apenas um dos cônjuges. Se um dos cônjuges, na administração dos bens, faz mau uso do patrimônio, correndo o risco de arruiná-lo (como no caso de prodigalidade), poderá o outro pedir que o juiz lhe atribua exclusividade na direção, afastando o consorte responsável pela malversação. Não há com o gesto a finalidade de diminuir a pessoa do cônjuge inapto para o dever, mas apenas de proteger o patrimônio familiar. Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido 011 pela mulher para atender aos encargos da familia, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal. Para que se verifique a necessidade ou não de emprego dos bens da comunháo para adimplemento de obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher, deve-se estudar a finalidade dessas obrigações. Os bens da comunhão serão atingidos se houver dívidas para atender a encargos familiares (despesas de manutenção do lar, aquisição de alimentos, vestuário etc.), se corresponderem a despesas de adroin.istração (gastos condominiais, por exemplo) ou decorrere1n de imposição legal (como impostos, taxas e tarifas). Se, por outro lado, as obrigações forem contraídas para proveito pessoal de um dos
FRANOSMAR LAMENZA
1460 1 ARTS, 1.664 A 1,666
cônjuges, os bens da comunhão não serão afetados (a respeito, confua-se também o disposto no art. 1.666 do CC),
Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial. São bens particulares os que foram adquiridos por um dos cônjuges antes do casamento ou que, sobrevindo durante o matrimônio, tiveram título antecedente à união (arts. 1.660, I, e 1.661, ambos do CC). Nesses casos, a administração e adis-posição dos bens competem ao cônjuge proprietário, mas pode ha\'er estipulação em pacto antenupcial a atribuir essas obrigações ao outro con sorte. Caso esse se revele mau administrador, poderá ser notificado para 1im de deíxar essa função. Contudo, se ele apresentar resistência para tanto,.será necessário se valer da via judicial (art 1.663, § 3°, do CC). Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns. Novamente faz-se remissão à finalidade das obrigações contraidas pelo cônjuge. Se a dívida se destina, como no caso do art. 1.666 do CC, à administração dos bens particulares ou ocorre com proveito deles, o patrimônio comum do casal não responde por tais obrigações. Essa regra foi alterada pelo novo CPC, cujo art. 749 assim dispõe: "Se o devedor for casado e o outro cônjuge, assumindo a responsabilidade por dívidas, não possuir bens próprios que bastem ao pagamento de todos os credores, poderá ser declarada, nos autos do mesmo processo, a insolvência de ambos". Com essa norma houve a el.'tensão da declaração de insolvência do devedor ao cônjuge, em certas circunstâncias. O art. 592, IV; do mencionado Código também prevê que na hipótese do cônjuge assumlr expressamente a responsabilidade con" junta em relação às dívidas do devedor e, mesmo que casado pelo regime da comunhão de bens, se estes bens n ão forem suficientes para saldar os credo" res, a declaração de insolvência afetará ambos.
CAPITuLO IV DO REGIME OE COMUNHÃO UNIVERSAL
Segundo Maria Helena Diniz, neste regime não integram a comunhão somente os bens adquiridos antes ou depois da realização do matrimônio, mas também as dívidas passivas se tornam comuns, constituindo uma só massa.
fAANCISMAA lAMENZA
ARTS. 1.667 E 1.668
j
1461
Há wn estado de indivisão, tendo cada cônjuge direito a metade ideal dopa~ trimônio comum. Apesar da determinação contida no art. 977 do GC, atualmente predomina o entendimento de que os que se casam sob o regime de comunhão universal de bens poderão constituir sociedade entre si, principalmente em razão do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62). A exceção de alguns bens de caráter estritamente pessoal ( e que por isso mesmo são excluídos da comunhão, conforme determina o art, 1.668 do CC), tudo o que os cônjuges adquirirem na constância do casamento se torna comum, havendo meaçâo em todos os bens do casal (ainda que um dos consortes nada traga de anterior à união ou adquira durante o casamento).
Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação d.e todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte. Todos os bens trazidos pelos cônjuges por ocasião do matrimônio e aqueles que sobrevierem à união integrarão uma massa única. Contudo, as dividas comuns também farão parte desse patrimônio comum do casal. À exceção de bens de caráter personaUssimo, todo o patrimônio que compuser o acervo do casal se submete ao regime de comunhão universal (nesse sentido: TJSP, Ap. Cível n. 703.878-5/0, 6° Câm. de Dir. Públ., rel. Des. Sidney Romano dos Reis, j. 02.03.2009; DSP, Emb. Ded. n. 9041368-21.2009.8.26.0000, Sª Câm. de Dir. Públ., rel. Des, Fermino Magnani Filho, j. 23.05.2011).
Art. l.668. São exduidos da comunhão: Fugindo à regra da comunhão universal de bens em relação a todos os bens, presentes ou futuros, a integrar o acervo do casal, há algumas exceções, indicadas especialmente em razão da existência de alguns bens de caráter estritamente pessoal- e que, justamente por esse motivo, não integram a comunhão. Além das hipóteses arroladas neste artigo, também não se comunicam os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, salvo pacto antenupcial em contrário ( art. 39 da Lei n. 9.610/98). I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-ro~ados em seu lugar; Se determinado bem é doado ou herdado a um dos cônjuges com cláusula de incomwlicabilidade, esse bem é ex:cluido da comunhão. O mesmo se diga em relação aos bens sub-rogados em seu lugar (o bem é vendido e; com
1462 1 ART, 1.668
FRI\NOSl'MR L.AMENZA
o produto dessa venda, adquirem-se outros, que igualmente serão incomunicáveis). Também são exdtúdos da comunhão os bens doados com cláusula de reversão (art. 547 do CC)- ou seja, fàlecendo o donatário antes do doador, os bens reverterão ao patJ"ímônio deste, não sendo transmitidos ao cônjuge do donatário falecido. Interessante também se faz a análise da Súmula n. 49 do STF, para a qual a cláusula de inalienabilidade incluí a incomunicabilidade dos bens. Sendo assim, os bens que são doados ou herdados com cláusula de inalienabilidade também são excluídos da comunhão.
II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição s uspensiva;
No direito das sucessões, o fideicomisso é o instituto no qual o testador (fideicomitente) estabelece que o fiduciário, a quem caberá inicialmente a herarn;:a ou legado, deve.tá transmitir, por ocasião de sua morte, depois de certo tempo ou cumprida certa condição, o patrimônio ao herdeiro fideicomissário (destinatário final), de acordo com o att. 1.951 do CC. Deve haver a incomunicabilidade dos bens a fim de que o fiduciário possa cumprir a obrigaç~o de transmissão patrimorual. A propriedade desses bens por parte do fiduciário é resolúvel ( art. 1.953 do CC). O direito do -fideicomissário não entra para a comunhão enquanto não reali:;;ada a condição suspensiva (da concretização desta depende a aquisição do domínio). III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; Se o cônjuge contraiu obrigações anteriores ao casamento, procede ao adímplemento com seus bens particulares. Somente integrarão a comunhão as dívidas anteriores que forem oriundas de despesas c9m aprestos do casamento (aquísição de 1nóveis, enxoval, festa, cerimônia matrimonial etc.) ou que reverterem em proveito do casal (como no caso de divida para aquisição do imóvel de residência familiar). IV - as doações antenupdais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; Estas doações com cláusula de íncomunicabilidade têm por objetivo a proteção do donatário, ainda que o doador seja o outro cônjuge. V - os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
fRANCISMAR LAMENZA
ARTS. 1,668 A 1,671
1 1463
Aqui fa2-se remissão aos comentários dos incisos V a VII do art. 1.659, ressaltando o caráter personalíssimo desse patrimônio e sua finalidade, aspectos que vedam o ingresso na comunhão. ArL 1.669. A incomunicabilidade dos b ens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento. Emb ora trate o art. 1.668 dos bens que não são sujeitos à comunhão, h averá comunicação dos frutos percebidos ou vencidos durante o matrimônio (como o aluguel de bens incomunicáveis, por exemplo). Esses frutos somente poderão ser considerados excluídos da comunhão no caso de os nubentes realizarem essa indicação expressamente por meio de pacto antenupcial.
Art. 1.670. Aplica-se ao regime da comunhão universal o disposto no Capítulo antecedente, quanto à administração dos b ens. Reporta-se, aqui, aos comentários dos arts. 1.663 e 1.664, ressaltando-se a equivalência de abm;dagem legal da questão da administração do patrimônio comum dos cônjuges tanto na comunhão universal como na parcial de bens. Art. 1.67 l. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro. Dissolve-se a comunhão a partir da data da sentença da separação judicial ou divórcio. Calculam-se o ativo e o passivo e realizam-se as divisões em duas partes iguais para os cônjuges. O que havia de responsabilidade conjunta em termos de dívidas comuns se extingue, não podendo mais haver a um dos cônjuges cobrança de adimplemento de obrigações referentes ao outro con~ sorte. CAPÍlVLOV DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
Segundo Teixeira de Freitas, aquestos são "bens que cada um dos cônjuges ou ambos adquirem na constância do casamento por qualquer título que não seja o de doação, h erança ou legado". A. ex'Plicação de Silui_a,ra Juny de Abreu Chínellato a tespeito da participação final oos aquestos é no sentido de que ''permanece cada bem sob a propriedade exclusiva do cônjuge que o tenha adquirido e surge para o outro um direito de participaçao no seu va-
1464
1 ARTS, 1.672 E 1,673
FRI\NOSI\W 1..AMENZA
lor". Igualmente importante é a conceituação dada por RolfMadaleno, para o qual "cuida-se, em realidade, de um regime de separação de bens, no qual cada consorte tem a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal, dele podendo dispor quando for bem móvel e necessitando da outorga do cônjuge se imóvel. Apenas na hipótese de ocorrer a separação judicial é que serão apurados os bens de cada cônjuge separando, tocando a cada um deles a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento".
Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cab e, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Há duas esferas distintas de patrimônio no regime de participação final nos aquestos: a do património de cada um dos cônjuges (próprio) e a dos bens comuns adquiridos pelo casal a títQ.]o oneroso na constância no matri~ mônio, que serão di,;,ididos pela metade quando da dissolução da sociedade conjugal. Ao contrário do que ocorre na comunhão parcial de bens, não se presumem comuns os bens adquiridos a titulo oneroso na constância do casanieoto - tal dever.á constar expressamente do instrumento de aquisição. No caso de bens imóveis onde essa titularidade conjunta não é expressa no instrumento, caberá ao prejudicado comprovar a aquisição de bem comum (art. 1.681, parágrafo único, do CC). Art. l.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na con stância do casamento. O patrimônio próprio indicado no artigo anterior subdivide-se em duas esferas: a dos bens que cada um dos cônjuges tinha ao casar e a dos adquiridos apenas por um deles a qualquer título na constância do matrimônio. A expressão utilizada pelo artigo com relação a "qualquer título" engloba tan~ to o oneroso como o gtatuito (doação ou herança), além do fato eventual (sorteio, rua, aposta etc.), Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis. Aqui se faz remissão ao comentário do art. 1.656, que prevê, no caso de participação final nos aquestos, a liberdade de disposição de bens próprios
fAANCISMAR lAMENZA
ARTS. 1.673 E 1,674 1 1465
imóveis, desde que convencionada em pacto antenupdaL Dessa forma, fica(á assegurada a possibilidade de o cônjuge livremente dispor sobre tais bens, à semelhança do que ocorre com os bens móveis. Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: Há dois momentos distintos na participação final nos aquestos: o primeiro, em que cada um dos cônjuges conserva seu patrimônio próprio e o administra com exclusividade; e o segundo, em que sobrevém a dissolução da sociedade conjugal, ensejando a apuração dos bens e subsequente partilha. Nesse cálculo, é interessante notar que os frutos dos bens particulares e os que forem com eles obtid~ também serão objeto de divisão. Os incisos deste artigo tratam especificamente dos bens que, referentes a um cônjuge, são excluídos do cômputo do patrímônio próprio do outro consorte (soma de patrimônios próprios).
I - os ben s anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; Por serem de natureza incompatível com a divisão entre os cônjuges, os bens anteriores ao casamento e os que se sub~rogam no lugar são excluídos da soma dos patrimônios próprios no 1nomento de apuraç-ão dos aquestos. II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;
As doações e os legados que são feitos para um dos cônjuges não servem para aproveitar ao outro no momento da divisão patrimonial. Para que haja essa possibilidade, necessário se faz que o doador ou o testador contemple o casal como beneficiário daquele ato a título gratuito.
m - as dívidas relativas a esses bens. Pot via de consequência, sendo excluídos os bens, também o serão as dividas a eles relativas. Se elas afetam o património de um dos cônjuges, não pode o outro j,gualmente responder por tais obrigações. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
1466 1 ARTS, 1.674 A 1.677
FRANOSI\W L.AMENZA
Havendo a partilha, serão considerados os bens móveis para fim de meação - isto porque a própria lei presume que foram adquiridos durante a constância do casamento. Trata-se de presunção j1,ris tantum, cabendo ao prejudicado a prova inequívoca no sentido de que a aquisição a titulo oneroso não foi feita pelo casal, a fim de afastar determinado bem móvel da divisão. Art. 1.675. Ao determinar-se o montante dos aquestos, computar-se-á o valor das doações feitas pot um dos cônjuges, sem a n ecessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser reivindicado p elo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução. E mbora o texto legal não e>..l)licite, entende-se que se refere à doação de bens comuns (não haveria cabimento na reívindicaçâo pelo cônjuge prejudicado ou pelos herdeiros de bens próprios). Essa doação sem consentimento do cônjuge pode ser interpretada como um ato do outro a dilapidar opatrimônio para fim de reduzir a meação. Para assegurar a integridade do patrimônio comum, o prejudicado poderá íngressar em juízo com medidas cautelares para que haja a gacantia da maio r paridade possfvel no processo de divisão de bens (as medidas podem consistir, por exemplo, em arrolamento de bens ou bloqueio judicial de bens imóveis, automóveis, valores depositados em instituições financeiras etc.). O consorte que for lesado poderá, em vez de reivindicar o bem, requerer a inclusão do valor des te no monte partilhável, correspondente ao da época da dissolução, como forma de compensação pelo prejuizo causado pelo cônjuge doador.
Art. 1.676. Incorpora-se ao m onte o valor dos bens aliena dos em detrimento da m eaçào, se não houver p referência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reiv indicar. Aquí Se trata de hipótese da alienação indevida de bens a desrespeitar a meação. Do mesmo modo, poderá o cônjuge (ou seus herdeiros) reivíndicar os bens (ajuizando eventualmente medidas cautelares a assegurar a integridade do patrimônio a ser divjdido) ou requerer a inclusão do valor correspondente a eles no monte partilhável. A respeito da livre atuação do cônjuge prejudicado na tomada de n-iedidas em face da aliepação de bens sem sua an uência, confira-se o disposto no ar t. 1.642, m, do CC. Art. 1.677. Pelas d ividas posteriores ao casamento, contraídas por um d os cônjuges, s omente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou tota lmente, em beneficio do outro.
FRANCISMAR lA,MENZA A
ARTS. 1.677 A 1.679
1 1467
mens legis direciona-se para a fixação de responsabilidade por dívidas
contraídas pelos cônjuges de acordo com o proveito auferido. Se houver demonstração de que houve benefício de ambos os cônjuges (ou do grupo familiar, de uma forma mais abrangente), responderão eles conjuntamente pelas dívidas contraídas. Assim também é estabelecido nos arts. 1.643, 1.644, 1.663, § 1°, e i.670, todos do CC. O n ovo CPC, no art. 592, IY, prevê expressamente quais bens estão sujeitos à execução, entre eles, "os bens do cônjuge, nos casos em que seus b ens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida". Quando os bens do devedor não forem suficientes para satisfazer a dívida, podem ser executados os bens do outro cônjuge, pois, segundo este artigo, presume-se que as dívidas tenham sido contraídas em benefício da família. Cabe, pois, ao cônjuge, provar o contrário (arts. 1.643 e 1.644 deste Código). Se o regime de bens do casal for o da comunhão universal, todos os bens responderão pelas dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, excluindo-se as exceções previstas nos arts. 1.667 e 1.668 deste Código. Ta,nto no regime da comunhão parcial como na participação final dos aquestos, todas as dívidas contraídas em favor do casal têm como garantia o patrimônio do casal, ainda que a dívida tenha sido contraída por um só dos cônjuges ( arts. 1.659, IV; 1.663, § l 0 , e 1.677). Na hipótese da penhora recair sobre bens imóveis, será necessária a intimação do cônjuge do executado ( v. arts. l.643, 1.644, 1.659, TV, 1.663, § l 0 , 1.677 e t.678). Se o cônjuge não constou como parte no processo OU-se ele foi intimado da penhora, em ambos os casos ele poderá fazer a defesa de seus bens ou de sua meação, através de embargos de terceiro (embargos de terceiro e embargos à exe.c ução). Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com behs do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge . .Este artigo tem por finalidade evitar indevidoJocupletamento por wn dos cônjuges no caso de dívida a que está obrigado ser solvida pelo outro com bens de seu patrimônio. Nesse caso, o consorte responsável pelo adimpletnento da obri~ção deverá imputar o valor ( devidamente atualizado) à mea~ ção do outro. Art.1.679. No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por a quele modo estabelecido. Na participação final nos aquestos, não há a presunção de que houve atuação conjunta do casal na construção de patrimônio na constância do casa-
1468
1 ARTS, 1.679 A 1.682
FRANOSI\W! 1..AMENZA
mento, como ocorre na comunhão parcial de bens. Deve haver comprovação efetiva de que ambos concorreram conjuntamente para a formação do patrimônio - e, assim, cada um fará jus a uma quota igual no condomf.n.io ou no crédito. Art. 1.680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro. Aqui há a presunção de que as coisas móveis sejam de domínio do cônjuge devedor, em se tratando de dividas para com terceiros. Todavia, podem ser esses bens de uso pessoal (roupas, sapatos, adornos etc.), motivo pelo qual é dissociada a figura do cônjuge devedor daquela do consorte que exerce domínio sobre os bens. Art. 1.681. Os ben-s imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar n o registro.
No regime de comunhão parcial de bens, há a presunção legal no sentido de que é comum o patrimônio formado durante o caS;l.Illento. Tratando-se de participação fi,nal nos aquestos, por outro lado, o fato de haver o registro da titularidade do imóvel em nome de apenas um dos cônjuges não faz pre.sumir que a propriedade seja de ambos. Pertence o bem apenas ao que tem seu nome no registro, até disposição em contrário. Justamente por esse motivo é aconselhável, nos casos de alienação a título oneroso pelo casal, fazer constar essa circunstância expressamente no instrumento de aquisição. Parágrafo único. Impugnada a titularidade, cab erá ao cônjuge proprietário provar a aquisição regular dos bens. Caso haja o registro de bens apenas em nome de um dos cônjuges, compete a ele, na qualidade de proprietário ( e não àquele que impugna a titularidade), demonstrar de forma cabal que houve a aquisição r~gular desses bens. Note~se que háa inversão do ônus da prova diante da intenção do ou~ tro cônjuge de tornar o patrimônio comum. Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessivel ou p enhorável na vigência do regime matrimonial.
O direjto à meação não é presumfvel, mas sim passível de reconhecimento após demonstração induvidosa de que houve colaboração conjunta do casal para a formação do patrimônio comum, adquirido a tít ulo oneroso. O
fRANCISMAR lAMENZA
ARTS. l.682 A 1.685 1 1469
cônjuge, em função disso, não pode renunciar a sua meação na vigência do regime matrimonial, pois os quinhões somente serão calculados com a clissolução da sociedade conjugal. Da mesma forma não será o direito à meação cessível ou penhorável. Todavia, nada impede que, uma vez partilhados os bens comuns por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, estes possam se sujeitar à alienação ou penhora.
Art. 1.683. Na dissolução do regi.me de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-se-á o montante dos aquestos à data em que cessou a convivência. Essa verificação a que se refere o art. 1.683 é considerada de natureza contábil. Comparam-se os patrimônios inicial e final dos cônjuges, tomando-se por termo final a data de ôcorrência da separação de fato (nàô da judicial,jâ que o tex.1:o legal fala na "data em que cessou a convivência"). Divide-se entre os cônjuges o patrimônio comum, amealhado a titulo oneroso pelo casal na constância do casamento. Ainda quando da verificação dos aquestos deverá ser observado o disposto no art. l.674 do CC.
Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário. Por vezes não se faz possível ou conveniente para os cônjuges a divisão dos bens in natura (casos de indivisibilidade física ou de depreciação dos bens, cujo valor será maior se não houver divisão). Nesse caso, transmite-se o bem a um dos cônjuges na qualidade de proprietário, faz-se o cálculo do quantum devido ao outro consorte e posteriormente lhe é feita a reposição em pecúnia. Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem. Se oão puder ser realizada a reposição pecuniária a um dos cônjuges, poder~o ser avaliados e alienados após autorização do magístrii.do tantos bens quantos forem oecessádos para alcançar o valor da meação.
Art. 1.685. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos
1470
1
ARTS. 1.685 ,A 1.687
FRANOSI\W l.AMENZA
antecedentes, deferindo-se a h erança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código. Sobrevindo falecimento de um dos cônjuges, a verificação da meação do consorte sobrevivente seguirá as mesmas regras dos artigos anteriores, sendo chamados os herdeiros por ocasião da abertura da sucessão. D everá ser observado o disposto no art. 1.829, I, do CC ( concorrência dos descendentes cotn o cônjuge sobrevivente, posto não ser este exchúdo pelas hipóteses indicadas no referido artigo). Art. 1.686. As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros. Aqui se faz utn paralelo com a responsabilidade sucessória intra vires hereditatis, ou seja, a herança responde pelo pagamento das dividas do falecido (art. 1.997 do CC), sem atingir o patrimônio pessoal dos herdeiros. Do mesmo modo, em se tratando das dividas de um dos cônjuges, se estas superarem a meaçâo deste, nem o outro nem seus herdeiros terão seu patrimônio pessoal atingido. CAPfruLOVI DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS Na conceituação de Silvio Rodrigues, o "regime da separação de bens é aquele em que os cônjuges conservam não apenas o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao casamento'~ Por esse regime, embora os nubentes se unam para constituir uma vida em comum, construindo uma familia, durante essa união cada um continua tendo para si seus bens, administrando-os exclusivamente e livremente dispondo deles.
An. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
Os cônjuges, pela separação de bens, mantêm incomunicáveis seus bens, presentes e futuros. Da mesma forma respondem de forma independente por dividas con traídas antes e durante a constância do matrimônio. É importante lembrar que o regime de separqção de bens pode decorrer não somente de convenção estabelecida entre as partes, como da própria lei (art. 1.641 e incisos do CC, a tratar da separação obrigatória de bens).
FRANCISMAA 1.AMENZA
I
MARINA. V. DE O. BOLlvAR GROSS
AIUS. 1,688 E 1.689
1 1471
Art . l .688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendim entos de seu trabalho e de seus ben s, salvo estipulação em contrá rio no pacto antenupcial. Este dispositivo é decorrente do preceito do art. 226, § 50, da Constituição da República. Além dele, há determinação legal genérica (independentemente do regi.me de bens a ser adotado) sobre o dever dos cônjuges de sustentar a familia e educar os filhos na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho (art. 1.568 do CC). A exceção se dá com a estipulação em contrário por pacto antenupçial (como no caso de atribuir exclusivamente a um dos cônjuges a responsabilidade pelos gastos relativos ao lar).
SUBTfnJLO li DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES Art. I .689. O pai e a m ãe, enquanto no exercido do poder familiar: I - sáo usufrutuários dos bens dos filh os; rr - têm a admin:istração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. O presente dispositi vo legal do CC/2002 inovou em relação ao CC/1916, traçando uma clara distinção entre a existência de direitos pessoais e díreitos patrimoniais entre pais e filhos. Trata da figura jurídica denominada "poder familiar", que pode ser conceituada como conjunto de direitos e obrigações exercido pelos pais em igualdade de condições, com o objetivo de defender o melhor interesse dos filhos menores. Esse poder é tanto do pai como da mãe, cabendo a ambos a mesma porção do poder decisório sobre os bens dos filhos menores não emancipados (REsp n. 727.056/RJ, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi; REsp n. 109.675/RJ, 4" T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teíxeira; AI n. 1.282.549/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi). O poder familiar surge no CC/2002 como uma resposta à evolução doutrinária e legislativa (CF/88, Estatuto da Mulher Casada e ECA), apesar do CC/1916 conhecer e tratar de um poder-dever dos pais para com seus filhos menores ou incapazes, de acordo com o espírito que norteava as normas do inído do século XX, sob a denominação de "pátrio poder''. Os dois indsos deste artigo apresentam dois dos principais aspectos desse instituto, a saber: o usufruto e a administração dos bens dos filhos menores. Esse instituto torna patente a intervenção do Estado no direito privado. Por força de lei, o poder familiar deve atender o melhor interesse dos menores. Visando proteger o patrimônio, o usufruto não pode ser alienado (art
14n
I
ART. 1,689
MARINA V. DE: O. BOÚVAR GROSS
1.393), entretanto, desde que protetivo, o seu e.xercicio pode ser exercido tan-
to a título oneroso como gratuito. Podemos afirmar que o poder familiar é: a) irrenunciável; b) inalienável, pois não pode ser transferido pelos pais a terceiros tanto a título oneroso como gratuito, permitida, todavia, a delegação do poder familiar, desde que o objetivo seja evitar possível situação irregular dos menores e que haja anuência dos genitores; e) imprescritível, pois os responsáveis natos só perde1n o poder familiar por força de lei; d) é incompatível com o instituto de tutela, a menos que o poder fumiliar dos genitores esteja suspenso ou dele tenham sido destituídos; e e) relação de autoridade, considerando a existência de uma relação de subordinação hierárquica nata entre pais e filhos. O artigo regulamenta os direitos patrimoniais de familia, no entanto, até por conta de evolução legislativa no compasso da evolução social, o CC/2002 não faz menção à regra do art. 225 do CC/1916, que determinava como pena civil a perda do direito ao usufruto dos bens dos filhos menores ao cônjuge viúvo que contraísse novas núpcias antes do término do inventário e partilha dos bens do casamento anterior. Deixando de lado a pena civil, o CC/2002 obriga a adoção compulsória de regime de separação de bens ao casal que deix,a.r de atender às normas do art. 1.523, que trata das causas suspensivas do casamento (art, L641, I). Não existe poder familiar sem seu exercício, obrigando os pais a7,e]ar e administrar o patrimônio e os bens dos menores, permitindo, no entanto, que seus rendimentos revertam em benefício da unidade familiar. O inciso II refere-,Se a menores "sob sua autoridade", ou seja, aos pais que exercem de fato e direito o poder familiar. Diferencia-se da chamada guarda do menor, pois não sofre alteração no caso de separações conjugais em que a guarda dos menores é atribulda a apenas um dos cônjuges. O poder familiar é um complexo de direitos e obrigações, visando sempre atender ao melhor interesse do menor, desde que esse interesse fique demonstrado pelo pedido e desde que cumpridas as formalidades legais (REsp n. 292.974/SP, rei. Min. Nancy Andrigbi). Por conta desse poder-dever, a lei defere aos pais o beneficio de usufruir dos rendimentos dos bens dos filhos menores, todavia, ficam eles obrigados a administrar esses bet1$ com equilíbrio, sob pena de, uma vez provada em juízo que não foram diligentes no mister, serem a.fustados pelo juiz que irá nomear na mesma decisão um tutor especial para fazê~lo. Por expressa determinação legal, mesmo destituídos do e.xercício da administração, os pais continuam como beneficiários do usufruto desses bens. O usufruto decorrente do poder familiar é wn instituto de direito de família de caráter especial, regido por normas cogentes, Abrange todos os bens
MARINA V. OE O. BOÚVAR GROSS
/1.RTS. 1.689 A 1.691 [ 1473
do menor e não pode ser cedido para terceiros. Independe de transcrição no Registro de ímóveis. O poder familiar contemplado pelo CC/2002 é o resultado da influênda do ECA e particularmente do princípio da igualdade jurídica dos cônjuges agasalhado na CF/88. Decidiu o STJ "Morte da vítima, Valores destinados aos irmãos menores. Movimentação da conta pela mãe. Possibilidade. Exercício do poder familiar. Recurso especial conhecido e provido" (REsp n. 727.056/RJ, 3• T., rei Mio. Nancy Andrighi, j. 17.08.2006, DJ 04.09.2006). Art. 1.690. Compete aos p ais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a m aioridade ou serem emancipados. O presente dispositivo é uma repercussão da aoteci.pação da maioridade civil para 16 anos, conforme estatuido pelos arts. 3° e 5° do CC. O menor de idade é representado até atingir 16 anos e, assistido, entre essa idade e os 18 anos, ou até eventual emancipação, de acordo com as normas do parágrafo único do art. 5P da mesma codificação normativa. A própria lei determina que a atuação do instituto de representação tenha origem no poder familiar. É uma representação substitutiva em razão da incapacidade dos representados. Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergên cia, poderá qualquer deles r ecorrer ao j uiz para a solução necessária. O texto deste parágrafo referenda a igualdade entre homem e mulher reconhecida, expressamente, pela CF/88. Caso haja divergência entre os pais quanto à melhor forma de administração, podem os interessados solicitar a mediação furuiJiar. Caso esta não logre êxito em uni acordo entre os envolvidos, cabe às partes procurar o Judiciário, que decidirá levando em consideração, sempre, o melhor interesse dos menores. A assistência e a representação dos filhos menores têm limitações, não podendo o ato ultrapassar os limltes de adm inistração e gestão dos bens sob pena de intervenção do MP.
Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, ne1n contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os.limites da simples administração, salvo por n ecessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
1474
j
ART. 1,6.91
MARINA V. OE O. BOÚVAR GROSS
O dispositivo supra repete a norma do art. 386 do CC/1916, mantendo a expressão "simples administração'~ indicando que a atuação do adminfatrador está restrita à prática dos atos para os quais a lei não exige autorização judicial, quais sejam conservação, melhoramentos e aplicação de .rendimentos, vetando implicitamente os atos que importem em constituição de ônus para o patrimônio ou para a disposição de bens. Por opç.10 legislativa, tratam-se apenas de bens imóveis, todavia, ébastante co1num que a composição de um patrimônio tenha como elementos tanto bens imóveis como bens móveis, valendo observar que estes óltimos podem atingir um valor bastante representativo, tais como automóveis-, joias, obras de arte, o que conduz- ao raciocínio e à conclusão de que sempre que a natureza do ato implicar disposição de bens, sejam eles móveis ou imóveis, ficam os detentores do poder familiar obrigados a prestar contas da transação. Na hipótese de haver nomeação judicial de tutor ou curador, o juiz pôde~ rá determinar que a alienação judicial desses bens seja somente precedida de autorização judicial. O procedimento para obtenção de autorização judicial para a prática dos atos conforme o caput deste artigo é de jurisdiçãovoluntária1 consoante arts. 1.103 e seguintes do CPC/73 (arts. 719 e segs. do CPC/2.015). Os administr-adores podem, justificadamente, em jutzo, pleitear a venda de um bem, desde que o produto da venda reverta em favor dos menores. Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo: I - os filhos; II - os herdeiros; III - o representante legal. A legitimidade pata propor ação visando declaração da nulidade dos atos praticados e seus efeitos é dos filhos ou herdeiros, agindo por si ou por seus representantes legais. Os filhos ou herdeiros, se menores impúberes, serão · representados; se púberes serão assistidos. O art. 1.69 l não faz mais referência à existência de um prazo prescricional, como fazia o CC/1916, significando com isso que o prazo prescricional não corre em face aos incapazes relacionados no art. 3° do Código vigente. Relevante consignar, também, que em razão do art. 198, I, não corre prescrição entre ascendentes e descendentes durante a vigência do poder familiar. O CC/2002, ao contrário do CC/ 1916, mas adotando os mesmos critérios das legislações contemporâneas, afasta-se do individualismo e passa a proteger os titulares de direitos coletivos na relação jurídica. Por essa nova ótica,
MARINA V. OE O. BOÚVAR GROSS
ARTS. 1,691 A 1,693
1 1475
a administração dos bens do menor está sempre sujeita à fiscalização judicial. Uma vez que fique comprovado que houve prejuízo, independentemente da arguição de culpa ou dolo, os administradores estarão sujeitos às penas dos arts. 1.637, caput, e 1.638, Ili. .8 um artigo que cerca de proteção os bens dos menores dos possíveis atos de má administração praticados pelos pais durante o exercício do poder familiar. "Agravo de instrumento. Alvará judicial. Venda de bem de menor. Podem os pais exorbitar dos atos de administração. Em caso de necessidade evidente ou utilidade da prole, mediante autorização do jufa. Dá-se provimento ao recurso" (TJMG, AI n. l.0151.0S.011913-1/001, rel. Des. Célio César Paduani, 4ª Câm. Cível, j. 12.06.2007, DJ 26.07.2007).
Art. l.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial. A atuação do curador p revista neste artigo é transitória, vigorando até a solução de um conflito especifico entre o interesse do menor e dos pais. Essa nomeação busca atender o interesse do menor, diferente, portanto, da nomeação de tutor cujo papel é m.ais amplo, pois administra os bens do m.enor até sua maioridade. A legislação vigente não prevê a necessidade de hipoteca legal dos bens do administrador em beneficio dos menores. Nesse sentido, o Código atual é menos rigoroso que o CC/1916, tanto no tratamento que dá aos administ radores, como aos usufrutuários de bens.
Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais: I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens.com tais recursos adquiridos; m - os bens deixados ou doados a o filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pai.s; IV - os bens que aos filhos couberem na _herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. O inciso I corresponde ;10 inciso I doart. 391 do GC/1916, excluindo da administração e do usufruto paterno os bens adquiridos pelo menor antes do reconhecimento da paternidade, visando com essa medida proteger o fi.lho menor de eventual ganância paterna.
1476
1
ARTS. 1.693 E 1.6.94
MARINA V. DE O. BOLIVAA GR.OSS
I
GUSTAVO F: C. MONACO
O inciso II remete ao filho maíor de 16 anos, portanto, relativamente capaz, já emanqpado por concessão dos pais ou pelo estabelecimento de atividade profissional rentável, para a qual, segundo o legislador, ao conseguir se estabelecer profissionalmente demonstra ter atingido maturidade suficiente para administrar seu patrimônio. O inciso III é comparável ao inciso I do art. 390 do CC/1916. A questão enfrentada neste inciso é prima facieuma aparente incompatibilidade com o caput, já que esse usa a conjunção "e", enquanto neste inciso é usada a conjunção "ou'~ Parece-nos a mais adequada interpretação do inciso III entender que o caput está redigido com a conjunção "ou" em vez de "e", significando que a lei determina a exclusão do usufruto ou da administração e não de ambos em todos os casos. A exclusão cumulativa do usufruto e da administ:Fação como regra do caput do art. 1..693 só se aplica nas hipóteses dos incisos 1, Il e TV.
SUBrfrvLO Ili DOS ALIMENTOS A sistematização dos dispositivos relacionados à obrigação de se prestar pensão alimentícia ocorre no CC/2002 de forma diversa da que ocorría na legislação anterior, tratando o legislador do tema de modo uniforme, ou, quando muito, contíguo. Quer isso significar que o legislador optou por tratar do tema alimentos de forma sistemática e única, regulamentando tanto os alimentos devidos en1 razão do parentesco como os alimentos decorrentes do término de uma relação afetiva preexistente (casamento ou união estável). Para maior aprofundamento sobre o que segue, consulte-se: Chinellato, Sllinara Juny de Abreu. Comentários ao Código Civil, v. 17 - arts. 1.591 a 1.710 (coord. Antônio Junqueira de Azevedo). São Paulo, Saraíva, 2004. No que concerne à cobrança internacional de alimentos e à lei aplicável às obrigações alimentícias, remeta-se o leitor a Monaco, Gustavo Ferraz de Campos. Giuirda internacional de crianças. São Paulo, Quartier Latin, 2012. Art. l.694. Podem os p arentes, o s cônjuges ou companheiros p edir uns aos outros os alimento s de que n ecessitem para viver d e modo compatível com a sua condição social, inclusive para atend er às n ecessidades d e sua educação. A obrigação de prestar alimentos pode surgir em razão do parentesco. Para tanto, o Código estabelece regras de vocação e distribuição do encargo,em virtude da proximidade das relações familiares, baseando-se, claramente, nos laços de consanguinidade existentes. ~ irrelevante, nestes casos, a afetivida-
GUSTAVO f. CMONACO
AAT, 1,694
I
14n
de que existe entre os parentes, posto que a lei a presume, enquanto decorrência do aspecto familiar que os une. Relativamente aos cônjuges e companheiros, trata~se, por óbvio, de regular a prestação de alimentos em razão da dissolução do casamento ou da união estável até então existentes, enquanto u1n prolongamento do dever de manutenção conjugal, wn resto de solidariedade familiar (Coelho, Pereira; Oliveira, Guilherme de. Curso de direito da familia, 3.ed. Coimbra, Coimbra, 2003, v. I, p. 737-8) que, obviamente, incide também quando se estiver a dissolver um vinculo - formal ou não - entre dois homens ou duas mulheres, conforme decidiu recentemente o STJ: "É juridicamente possfvel o pedido de alimentos decorrente do rompimento de união estável homoafetiva. De início, cabe ressaltar que, no STJ e no STF, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiTos do mesmo sexo sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e o repúdio à discriminação de qualquer natureza (STF: ADPF o. 132, TribunalPleno,DJe 14.10.2011; eAg. Reg. no RE n. 477 .554, 2" T., DJe 26.08.201 L STJ: REsp n. 827.962/RS, 4• T., DJe 08.08.2011; e REsp n. 1.199.667/Mt, 3• T., DJe 04.08.2011). [...] Ora, se a união homoafetiva é reconhecidamente uma familia e se o fundamento ,da e,~stência das normas de direito de familia consiste precisamente em gerar proteção jurfdica ao núcleo familiar, parece despropositado concluir que o elevado instrumento jurídico dos alimentos não pudesse alcançar os casais homoafetivos, relação também edificada na solidariedade familiar'' (REsp n. L302.467/SP, re1. Min. Luís Felipe Salomão, j. 03.03.2015, DJe 25.03.2015). Com efeito, não se trata aqui de regular a prestação de alimentos entre pessoas que se mantenham casadas ou unidas de forma estável, pois a subsistência e a manutenção material dos cônjuges e dos conviventes decorre da comunhão plena de vida entre eles estabelecida (arts. 1.511 e 1.723) e do dever geral de.assistência daí consequente (arts.1.566, I1I, e 1.724). No que concerne à Lei n. 11.804/2008, que regula os chamados alimentos gravidicos, trata-se de hipótese de concessão de verba alimentícia em favor do nascituro e não, como faz supor a nomenclatura escolhidã pelo legislador, em favor da gestante. .Esta tem direito à alimentação especial decorrente das necessidades do estado gravfdico, bem como deve suportar uma série de despesas em razão da gravidez. No entanto, tais necessidades deve.m ser suportadas. pela mãe e pelo pai - ou pelo suposto pai - em favor do nascituro. Veja-se, arespeito: Monaco, Gustavo Ferraz de Campos. A proteção da criança no cenário internacional. Belo Horizonte, Dei Rey, 2005. Aspecto relevante, no entanto, neste caput, é a previsão de que o pedido compreenda o quantum necessário para a manutenção de um modo de vida compatível com a condição social do necessitado. Trata-se da consagração
1478
1 ART. 1,694
GUSTAVO F: C. MONACO
da figura dos alimentos civis ou côngruos (necessaríum personae), posto que estabelecidos dentro dos parâmetros legais da necessidade,possibili.dade e na ausência de culpa do necessitado, sendo, assim, fixados em razão da pessoa necessitada, do padrão econômico-social com o qual estava acostumada durante o matrimônio ou a convivência. Relativamente aos parentes, tal regra é importante na hipótese da guarda dos filhos ter sido atribuída ao cônjuge que não possui as mesmas c;ondiçôes financeiras para a manutenção do padrão de vida dispensado à prole, quando o casal vivia unido. O m esmo se diga no que concerne à manutenção da educação dos filhos, com a con tinuidade de seus cursos básicos (padrão do instituto de ensino) e de seus cursos extracurriculares (línguas estrangeiras, música, artes, esportes etc.), ainda qúe a fase educacional apenas se complete depois de o alimentado ter atingido a plena capacidade, como é o caso dos filhos m aiores que se encontram matriculados em curso de formação superior. A esse respeito, a Súmula n. 358 do STJ, editada em 2008, esclarece sobre a necessidade de amplo contraditório para que o alimentante possa ser exonerado do dever de prestar alimentos pelo simples implemento de idade do alimentado. §' 1° Os alimentos devem ser-fixados n a proporção das necessidades do r eclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
A fixação das prestações alimentícias deve ser feita segundo um binômio consagrado e que se traduz na correlação entre a necessidade de quem requer o benefício e a possibilidade da pessoa demandada, ou seja, daquele parente, ex-cônjuge ou ex-companheiro em face de quem o pedido é formulado. Referido binômio (necessidade-possibilidade) deverá leva r em conta o fato de que o p restador dos alimentos necessita, também ele, de subsistência, motivo pelo qual a prestação acordada entre as partes ou a fixada pelo juiz não deverá privar o devedor dos alimentos da capacidade para a sua própria manutenção, sob pena de se configurat a hipótese indesejável de se garantir a subsistência de uma pessoa às custas dos recursos de outra, sendo certo que esta última fique privada das condições mínimas de sobrevi~ vência. O equilíbrio e a equidade devem nortear a solução da questão. § 2° Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quan-
do a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. O dispositivo cuida das hipóteses em que a pessoa que pleiteia alimentos coloca-se, culposamente (vale dizer, conscientemente e com manifesta intenção), em situação que lhe impede de prover a própria subsistência. Não se trata, por óbvio, dos filhos incapazes, pois estes gozam do direito de ser
GUSTAVO f. C. MONACO
ARTS. 1,694 E 1,695 [ J479
sustentados, guardados e educados por seus genitores (arts. 1.566, IV, e 1.724). Também não será o caso daqueles filhos que, matriculados em um curso superior que lhes exija dedicação em período jntegral, tenham escolhido uma futura profissão que desa1,rrade a intenção dos pais. Mas será, sim, a hipótese daquelas pessoas que, como lembra Francisco José Cahali, tenham comportamento irascivel e que, consequentemente, encontram dificuldade de inserção no mercado de trabalho (Direito de família e o novo Código Civil. Belo Hor izonte, Del Rey, 2001, p. 185), bem como daquelas pessoas viciadas em jogos ilícitos, dos toxicómanos, dos alcoólatras, a menos que se lhes reconheça a impossibilidade de determinação. E por expressa remissão do art. 1.702, vale a regra, ainda, para as hipóteses de obrigação alimentar entre ex-cônjuges e ex-companheiros. Consequência do dispositivo sob comen to é que a fixação, nas hipóteses de culpa, não poderá abarcar quantia superior àquela que se mostre eStritameote necessária pata a subsistência. Já não mais se trata, assím, dos alimentos civis ou c6ngruos, estabelecidos em razão da situação pessoal do alimentado, mas, sim, da fixação de alimentos naturais ou necessários (necessarium vitae), estabelecidos simplesmente para a manutenção da vida, restringindo-se, por isso, ao mínimo necessá.do para alimentação, saúde, habitação etc., excluindo-se, em consequência, qualquer verba destinada a gastos ou situações consideradas de menor relevânda, coroo são aqueles destinados à ma.outenção do status social, os referentes ao lazer desmedido, a viagens desnecessárias etc. Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria manten~ e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem d esfalque do necessário ao seu sustento. A necessidade de quem pleiteia a fixação de prestação alimentícia deve ser auferida segundo os parâmetros fixados neste artigo, razão pela qual farão jus aos alimentos aqueles que não possuem bens suficientes em seu patrimônio, como é o caso da pessoa que possua apenas um imóvel, onde esteja fixada aresidência de sua faroílía, por exemplo. A este requisito a lei cumula outro: o de não poderem, com a força de seu trabalho, garantir a própria manutenção, como é o caso da pessoa impossibilitada para o trabalho, temporária ou definitivamente, por algtµna razão retevante, como a perda de faculdades motoras especificas ou psíquicas, e que não conseguem manter sua atividade laboral lucrativa O mesmo pode ser dito daquelas pessoas que estejam desempregressa: "ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela" de outras pessoas, distintas do curador dos bens. No entanto, quanto aos deveres e às obrigações decorrentes da curadoria especial, os curadores observariam o quanto lhes seria exigido, caso fossem nomeados tutores. Para tanto, veja-se a redac;:ão do art. 24 do CC/2002, que se aplica, também, a tal modalidade de curadoria: "Art. 24. O juiz, que nomear o curador, fixar-lhe-á os poderes e obrigações, conforme as cirCUÍlstàncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores". Ai:t. l.734. As crianças e os a dolescentes cujos país forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destit u(dos do poder fumiliar terão t utores nomeados pelo Juiz o u serão incluídos em programa de colocação familiar, na for ma prevista pela Lei n . 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Cria nça e do Adolescente. Artigo com redação dada pela Lei n, 12.010, de 03.08.2009.
O termo "menor abandonado" utilizado no revogado Código de Menores (Lei n. 6.697/79), oriundo do CC/1916, cedeu lugar para o termo "criança e adolescente cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituidos do poder familiar". Assim a lei fala expressamente em quais situações essas pessoas terão tutores nomeados pelo juiz ou serão incluídas em programa de colocação familiar. Da mesma for ma que se fazia quanto aos comentádos ao art. 412 do CC/ 1916, aqui vale a crítica de Sílvio Rodrigues, no sentido de ciue o Código tratou uma única vez dos ''menores abandonados'~ fazen do-o neste artigo. No entanto, no mesmo esteio que o Código revogado, não se deixou de cuidar do património e zelá-lo. Tanto que as medidas protetivas e assecuratórias quanto aos bens dos menores postos em tutela estão sob a vigência da nova legislação. Para Silvio Rodrigues, os menores abandonados são postos em tutela para que o direito lhes socon;a em seus pleitos previdenciários, assistenciais, decorrentes de recebimentos de ver bas oritindas de acidentes de trabalho etc. Decorrência disso é que a "legislação de previdência indiretamente democratizou a tutela, tornando-a um instit uto indispensável à vida das classes menos abastadas da popuJação. Daí, decerto, a sua crescente importância dentro dos quadros do direi-
MARU A, SAMPAIO
/\RfS. 1.734 E1.735
1 1515
to" (Direito civil: direito de família. 27. ed, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 436). Veja-se, ainda, no ECA, art. 33, § 3°, c/c art. 36, parágrafo único, que o ~to de serem os menores colocados em tutela pressupõe a prévia decretação do dever de guarda, ocorrendo todas as condições de dependências, inclusive para fins previdenciários. Seção IJ Dos Incapazes de Exercer a Tutela Conforme mencionado no comentário ao art. 1.732, caput, dos motivos que ensejam a incapacidade para exercer a tutela, constantes do rol do art. 1.735, nem todos di2em respeito à inidoneidade. Enqúanto os incisos Ia Ill e VI tratam dos casos de impedimentos das pessoas que, por motivos vários, se encontram impedidas do e.xercíci:o dô instituto de carâter proterivo e assistencial ao menor, os incisos IV e V t ratam dos casos de inido.neidade. São pessoas consideradas incapazes, por atos próprios, de exercerem a tutela, e se o menor estiver em sua companhia, poderá sofrer influência negativa ao seu desenvolvimento e à formação de caráter, A seguir serão vistos cada um desses dispositivos.
Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam: ''Não podein", no sentido legal significa que: a) algumas pessoas não gozando de capacidade para administrar seus próprios bens, não poderão admirústrar os bens alheios; b) a algumas pessoas, face sua patente desonestidade, seria temerário confiar-lhes a administração de bens de menores; e) a algumas pessoas, em virtude de relação de débito e crédito que possam ter com o menor, seria incompatível conceder-lhes a administração de seus bens; d) por fim, diz o «não podem" para algumas pessoas, em virtude do cargo que oc;upam, às quais não lhes é permitido ocupar o munus público, de caráter assjstencial e protetivo ao menor, em substituição ao poder familiar. Es~ sas pessoas, e aquelas que revelem, p or qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da tutela ou não ofereçam ambiente fam iliar adequado (.is chamadas inidôneas para o exercício da tutela- art. 29 do ECA), caso venham a. exercê-la, mesmo por disposição expressamente contrária da lei, sofrerão processo para aplicação da smção de remoção. I - aqueles que não tiverem a livre administ ração de seus b ens;
1516 1 ARI 1.755
MARLI A. SAMPAIO
Trata-se de modalidade de impedimento, em que a pessoa, embora nomeada por testamento, ou ocupe, na ordem de nomeação, a condição de tutor legitimo, não se encontra, Livremente, na administração de seus bens. São aqueles casos de incapacidade de exercício, ou incapacidade de fato, de que falam os arts. 3° e 4° do CC, com redação dada pela Lei n. 13.146, de 2015: ''.Art, 3° São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos" e ''Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exe.rcer: I - os maiores d e dezesseis e menores de dezoito anos; TI - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puder em exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial'~ Se essas pessoas não podem, li'Vremente, sem que se valham dos institutos da representação, ou da assistência, administrar seus bens, não poderão administrar os bens do menor. Daí avedação legal.
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou t iverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o m enor; Trata-se d.a segunda modalidade de impedimento, pois os devedores e credores do menor, seus pais, ou cônjuges não poderão ser seus tutores, se assim o fizerem, sofrerão processo no qual se aplicará a sanção da exoneração. Nesse caso, o tutor não poderá exercer o mimus especificamente quanto àquele menor, não estandó obstado quanto a outros. III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela; Trata-se da terceira modalidade de impedimento, porquanto a incompatibilidade de interesses entre o menor, seus inimigos e os inimigos de seus pais é das razões mais patentes para se evi:tar que os interesses do menor entrem em confronto total com o tutor. Também nesse caso, o tutor não poderá exercer o mu11us especificamente quanto àquele menor, não estando obstado quanto a outros. IV - os condenados por crime d e furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a familia ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
MARU A. SAMPA.10
,AR1'S. 1.7;55 E 1.736
1 1517
Modalidade de incapacidade strícto sensu. Contra essas pessoas, ocorre a presunção ~soluta de inidooeídade para o exercicio da tutela. Decorre apresunção por dois motivos: a) A própria lei penal consagra corno efeito da condenação a incapacidade para o exercício da tutela. Veja-se: "Art. 92. São também efeitos da condenação:[... ] II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crúnes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado". b) O novo dispositivo contém mruor severidade que a lei penal. O inciso IV do art. 1.735 vai além do art. 92 do CP e pune com a presunção legal de inidoneidade não só o condenado por crime contra filho_, tutelado ou curatelado, mas qualquer condenado, pela prática de qualquel' crime. Vai mais além ainda: os efeitos da incapacidade para o exerdcio da tutela não ocorrem somente durante o cumprimento da pena (incapacidade temporária), mas perduram tenha-se ou não cumprido a pena. V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores; Trata-se da segunda modalidade de incapacidade stricto sensu. Também aqui se traduz a presunção absoluta da inidoneidade, quanto mais se provar serem pessoas de mau procedimento falha de probidade e abuso em tutorias anteriores. Essas pessoas serão exoneradas da tutela. VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administtação da tutela. Trata-se da terceira modalidade de impedimento, aplicável somente a funcionários públicos, cujo exerdcio do cargo possa interferir no bom exercicio da tutela. Não havendo a possibilidade de interferência, o impedimento poderá ser relevado, mormente se prevalecer o interesse do menor.
S~o Ili Da Escusa dos Tutores
Art. 1.736. Podem escusar-se da tutel~ Não existe, fora do estrito campo legal, justificativa para a escusa da tutela. As pessoas chamadas estão vinculadas, por lei, ao seu exercício, podendo, somente dentro das hipóteses legais, escusar-se de cumprir. O rol de escusas a seguir é taxativo e não comporta restrições ou ampliações.
1518
1 ARI 1.736
M.ARU A. SAMPAIO
I - mulheres casadas; Flagrante-a inconstitucionalidade do dispositivo. Porquanto se homens e mulheres são iguais em teanos de direitos e obrigações decorre.a tes da sociedade conjugal (art. 226, § 5°, da CF/88), não se justifica a violação ao princípio da igualdade e a discriminação. Em nada evoluiu, nesse ponto, o CC/2002. No diploma revogado (art. 414, 1), às mulheres era adinitida a escusa, simples1nente pelo fato de serem mulheres. No entanto, dando continuidade à flagrante inconstitucionalidade, neste inciso o legislador apenas restringe o campo da desigualdade. atingindo as mulheres casadas, contrariando os arts. 5°, caput, e 226, § 5°, da CR Urge revogar a norma em comento, porquanto o ordenamento jurídico não tolera tamanha contrariedade ao comando maior. Para tanto, no PL n. 699/2011 consta a proposta de revogação do referido dispositivo. Neste sentido o Enunciado n. 136 do CJF/SD: "Não há qualquer justificativa de ordem legal a legitimar que mulheres casadas, apenas por essa condição, possam se escusar da tutela''.
II - maiores de sessenta anos; A Lei o. 10.741/2003 (Estatuto do ldoso) destina-se a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (art. I 0 ). Em. seu art. 2°, determina que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a Lei, sendo-lhe assegurado, também por outros meios, todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física, mental, aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Em face das determinações legais, constantes na referida lei, não poderia viro legislador civil trazer gravame ao idoso, impondo-lhe a obrigação de arcar com o inúnus público de exercer a tutela. Compreende-se tal escusa porquanto, no dizer de Sílvio Rodrigues (2002, p, 544), "'depois desta idade não é de bom alvitre impor-se o ônus da tutela': Seria impor ao idoso mais obrigações do que a idade lhe pennite assumir. A busca, pelo idoso, em dar conta dos deveres oriundos da tutela, mormente se considerar que essa somente se dá par-a crianças e adolescentes, muitos sacrifícios e constrangimentos poderiam lhe causar, sendo que à sociedade compete restituir ao idoso condições seguras e estáveis para seu envelhecimento digno e não o onerar com encargos que o jovem tem perfeitas condições de assumir. III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
MAAU A. SAMPAIO
AllT, 1.736 1 1519
O dispositivo do Código revogado (art. 414, III) falava em cinco filhos. Natural e moderna a redução, porquanto em 1916 eram outras as condições dos casais que optavam por ter cinco filhos. Hoje, a sociedade mudou. A tendência moderna da família é a redução do nfunero de filhos. Não se poderia impor o ônus da tutela a pessoa que já tem um número elevado de filhos, posto que aumentaria em grande volume a dificuldade de criação de numerosa prole, aumentada pelos encargos decorrentes da tutela.
IV - os impossibilitados por enfermidade; Também os enfermos, cuja saúde já apresenta debilidade, são merecedores da dispensa. O encargo da tutela corresponde não somente ao dever de administrar o patrimônio, mas também ao dever de guarda, zelo, educação, afeto. Aquele que encontra sua saúde debilitada não terá, obvíatnente, saúde e vigor físicos necessários para acompanhar o desenvolvimento, a criação e a guarda do menor.
V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; Excetuando o caso do tutor dativo (art.1.732), alei não exige que o tutor testamentál'io ou legal seja residente no domicílio do menor. Assim, para os tutores testamentários ou legais, a distância como causa de escusa se opera por expressa manifestação de vontade daquele que for chamado. Nesse caso, a escusa visa a atender interesse do menor, e do tutor, para que a tutela não lhes traga gravame de sobremaneira. A faculdade de concessão de dispensa legal ao tutor que resida longe do lugar onde deva exercer a tutela, conforme dito no comentário ao art. 1.732, dá-se face o caráter assistencial da tutela e, também, pelo conjunto de poderes e deveres daí decorrentes. Para que o tutor possa zelar pela educação, pela proteção pessoal e dos bens e pela representação legal, deve sempre estar perto, fisicamente, do menor.
VJ - aqueles que já el-ercerem tutela ou cu.ratela; O conjunto de poderes e deveres decorrentes da tutela faz com que o tutor que já a ex.e.rça o faça com esmero e dedicaçiio, sob pena de responder legalmente. Excetuando o caso de i.rmãos órfãos, em que se nomeará um único tutor (art, 1.733),nos demais casos em que o tutor for chamado, mais de uma vez, ao exercício do munus, poderá opor a dispensa.
Vil - militares em serviço.
1520
1
ARTS. 1.736 A 1.738
MARU A. SAMPAIO
Da mesma forma que no inciso anterior, o conjunto de poderes e deveres decorrentes da tutela faz com que o militar, estando em serviço, se veja impossibilitado de exercer o cargo de tutor, posto que cumulará o servíço de interesse público. Daí a possibilidade de, em sendo chamado, ser-lhe facultado opor a dispensa. Art. 1.737. Quem n ão for parente do menor n ão pod erá ser obrigado a aceitar a tutela., se houver no lugar parente idô neo, consanguíneo ou afim, em condições de exercê-la. A lei não obtiga as pessoas que não possuem vínculo de parentesco com o tutelado a aceitar a tutela. Estes, se chamados, poderão opor o benefício da ordem, chamando parente, mesmo que não esteja elencado no art. l. 73 J. Pergunta-se: em que momento pode o 1' não parente" chamar ôs parentes afins para o exercício da tutela? Serão chamados quando o juiz nomear tutor dativo (art. 1.732), e esse tutor dativo apresentar escusa, invocando o beneficio de ordem (convocação preferencial de parente), dizendo-se desobrigado1 por não ser parente, apontando aquele vinculado por afinidade, que será chamado a servir. Nesse caso, o parente por afinidade somente poderá apresentar as escusas legais do art. 1.736. A polêmica que traz a norma em comento, quanto à possibilidade de chamar para servir o parente por afinidade, é que a estes, excluídos que são da ordem de vocação hereditária (art. 1.829), é imposto o ônus da tutela. Ou seja, parentes afins não são chamados a herdar, mas são chamados para o gravame. Art. 1.738. A escusa apresentar-se-á nos dez dias subsequentes à designação, sob p ena de entender-se renunciado o direito d e alegá-la; se o motivo escusatório ocorrer depois d e aceita a tutela, os dez dias contar-se-ão do em que ele sobrevier. A entrada em vigor do CPC/2015 -Lei n.13.105, de 16.03.2015, reacendeu uma discussão que desde a entrada em vigor do CC/2002 parecia ter-se atenuado. Trata-se do prazo decadencíal, que dispõe acerca das pessoas chamadas ao exercício da t utela pata apresentar suc1.- escus11,. Isso porque o CPC/2015, no caput do seu art. 760, repetiu a redação do art.1.192 do CPC/73 - Lei n. 5.869/73, trazendo novamente o prazo de 5 (cinco) dias para apresentação da escusa: "Art. 760. O tutor ou o curador poderá eximir-se do enr cargo apresentando escusa ao juiz no prazo de 5 (cinco) dias contado: [... ]'~ E, por sua vez, o art. 1.738 do CC/2002 também repetiu a norma do art. 416 do CC/1916 (10 dias para a escu~-a). Em comentário às edições anteriores, dissetnos que ocorrera, entre as normas dos arts. 1.192 do CPC/73 e 416 do
MAAU A. SAMPAIO
ART. 1,738
j 1521
CC/1916, umarevogação, porquanto o CPC/73, sendo lej posterior ao CC/1916, aquele havia regulamentado inteiramente a matéria, referente ao prazo de escusa. Dissemos ainda que, muito embora os dois diplomas regulassem diferentes matérias (dLreito material e direito processual), tratava de regulamentação de prazo decadencial, já que o direito de escusa, ou o direito daquele que pretende ser dispensado ao exerdcio da tutela, é modalidade de direito potestativo, tujo exercício está sujeito a prazo decadencial especial, fixado por lei (Amorim Filho, Agnelo. "Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis''. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3, p. 95-132, jan./jun. 1961 ). Pois bem, desde a entrada do CC/2002, prevalecia o prazo de dez dias do art. 1.738 do CC/2002 para a escusa. No entanto, com a entrada em vigor .do CPC/2015, veio o art. 760 .regulamentando toda a matéria e encurtando o prazo para cinco dias. Estaria anonna do CPC/2015 (cinco dias) colidindo com a norma do CC/2002 (dez dias)? Não se trata de colisão entre normas vigentes, mas sim de aplicação da regra de interpretação, prevista na Lindb (DL n. 4.657/42, que em seu art. 2°, § 1°, diz: "Alei posterior revoga a cU1terior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatlvel ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior''. "Como é notório, além de revogar e alterar dispositivos da codificação material, o CPC/2015 continua a tratar de assuntos de cunho substantivo como sempre foi a nossa tradição. O CPC/2015 foi além, regulando também 1natérias sobre os negócios jurídicos processuais, desconsideração da personalidade jurídica e ações de direito de fanúlia, todas aqui analisadas em uma primordial interação entre o material e o instrumental" (Tartuce, Flávio. O novo CPC e o direito civil 2015: impactos, diálogos e interações. 2. ed. São Paulo, Método, 2016, p. 13). Pois bein, se o CPC/2015 tratou do tema no seu art. 760, e a norma do CPC/2015 é posterior e mais especial que o CC/2002, "parece que sobre ela prevalece, havendo uma revogação tácita, nos termos do art. 2° da Lei de Introdução, notadainente por tratar Jnteiramente da mesma matéria. Como aspecto de organização do dispositivo, sem modificação de conteúdo, o teor do art.1.193 do estatuto processual passou a compor um parágrafo do novo preceito. No mais, os conteúdos foram mantidos, devendo agora prevalecer" (Tartuce, Flávio. O novo CPC e o direito civil: impactos, diálogos e interações. 2.ed. São Paulo, Método, 2016, p. 445 e segs). "Naturalmente, a contagem do prazo só se inicia a partir da intimação do tutor, não se admitindo possa fhtir sem que tenha conhecimento da nomeação" (Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de famflia. v. VI, 2. ed. rev. atual São Paulo, Saraiva, 2006, p. 585). ~emplificando, temos a hipótese de que "o tutor pode, desse modo, nos dez dias seguintes à data em que completou 60 anos, pedir ao juiz a dispensa do encargo. Não o fazendo, presume-se ter
152t
J
MARLI A. SAMPAIO
ARTS, 1.738 A 1.740
renunciado ao direito de se escusar" ( Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v. Ill. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 215).
Art. 1.739. Se o juiz não admitir a escusa. exercerá o nomeado a t utela, enquanto o recu rso interposto não tiver provimento, e responderá desde logo pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer. Veja a redação do art. 760, § 2°, do CPC/2015, o qual, ainda disciplinando o mesmo conteúdo, oferece melhor técnica de redação: "Art. 760. [... ] § 2° O juiz decidirá de plano o pedido de escusa, e, não o admitindo, exercerá o nomeado a tutela ou a curatela enquanto não for dispensado por sentença transitada em julgado~ Mesmo opondo escusa, aquela pessoa nomeada para o cargo de ·tutor ainda estará a ele vinculada ao cargo, até que lhe sobrevenha julgamento final favorável. Sé por um lado a norma vem como garantia de qué o menor não seja exposto, sem que ninguém o ampare e represente, por outro lado, ocorre o desconforto, para ambos: ao menor que tenha discernimento, pois uma vez ciente da escusa, mesmo assim será obrigado a aceitar a tutoria provisória; ao tutor, pois já tendo manifestado escusa, se vê obrigado a responder contra sua vontade e, mais grave ainda, contJ;a sua falta de condições .fisicas (maiores de 60 anos, impossibilitados por enfermidade), falta de condições fi,nanceir,as (aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos, aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela, aqueles que já exercerem tutela ou curatela), e, por vezes, por limitações iinpostas por função que exerça (militares em serviço ou aqueles que exercem função pública).
S~olV Do Exercido da Tutela Nesta seção encontram-se disciplinados os deveres do tutor para com a pessoa do menor; os deveres do tutor na adm.ínístração dos seus bens; os atos de representação legal pelo tutor; a fiscalização dos atos do tutor pelo protutor nomeado pelo juiz; os deveres das outras pessoas, detentoras de conhe~ cimentos técnicos, que colaboratâo com o tutor, no exercído da tutela; e a responsabilidade do juiz. Todos esses atos compõem o que legalmente se denomina exercido da tutela, que corresponde à disciplina legal, à forma como será exercida a tutela e aos a tos dos responsáveis, bem como a sanção para o descumprimento des&es deveres. Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:
MARU A. SAMPAIO
ART, 1.,740
J 1523
Na redação do dispositivo no diploma revogado constava que a incumbência do tutor em reger e velar pela pessoa do menor, bem como a administração de seus bens, fazia-se sob inspeção judicial. Agoré\., muito menos severo, e muito mais voltado para a elevação do respeíto à dignidade da pessoa do menor tutelado, vem o novo dispositivo tratando em três incisos que compete unicamente ao tutor o dever de zelar pela educação, prestar alimentos e adimplir demais deveres que normalmente competem aos pais, em relação aos pupilos, recorrendo ao juiz somente em casos de necessária providência quanto ao comportamento do menor. I - dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição; O dever dó tutor em dirigir a educação do menor e defendê-lo é decorrência da série de poderes e deveres que caracterizam a tutela e da consequência lógica da tutela que é a guarda. No entanto, quanto à prestação de alimentos, somente terá obrigação o tutor caso o menor n ão tenha parentes, ou os tendo, não retinam condições de prestá-los. Não tendo condições o tutor, e p ossuindo o menor bens aptos a tanto, o tutor se valerá desses bens para proceder à manutenção do menor. Veja-se o art. 1.746 adiante. II - reclamar do juiz q ue providencie, como houver por bem, qua ndo o menor haja mis ter correção; O tutor, assim como os pais, não pode aplicar castigos físicos imoderados ao menor. Os corretivos aplicados serão somente de ordem moral, sob pena de incorrer no crime de maus-tratos (art. 136 do CP). No entanto, caso o tutor não consiga, por si, corrigir o desvio de conduta ou mau comportamento do menor, recorrerá ao juiz, que se encarregará de providenciar a correção, na orden1 moral, se for suficiente, e aplicação de medidas de proteção (art. 101 do ECA), se necessário. ·
III - adimplir os d emais deveres que J10rmalmente qibem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade. Os deveres que ~qµj se refere o inciso em comento são aqueles dos pais ecn relação aos filhos. Como participar e acompanhar seu desenvolvimento escolar, 6sico e psíquico. A tutela se constitui um sucedâneo do poder familiar, seu caráter essencialmente assistencial faz com que seja obrjgação dos tutores fornecer ao menor t udo que necessite para sua boa formação moral, cultural, física e psicológica, bem com.o sua manutenção alimentar.
1524
1
ARTS. 1.741 A 1.743
M.ARU A. SAMPAIO
Art. 1.741. lncumbe ao tutor, sob a inspeção do juiz, administrar os bens do tutelado, em proveito deste, cwnprindo seus deveres com zelo e boa-fé. Permanece aqui a redação anterior do art. 422, em que ao tutor competia, entre os inúmeros deveres decorrentes da tutela, o de administrar, com zelo e boa-fé, os bens do tutelado. Com a adnlinistração dos bens do menor sob inspeção judicial ocorre no dispositivo uma limitação dos poderes do tutor, concedidos em menor amplitude que detêm os pais. "O tutor não exerce uma livre administração, pois o juiz participa, indiretamente, dos negócios que tem de autorizar, até mesmo, como visto, no âmbito social, na o'tientação de como corrigir o men.or tutelado. [ ... ] A administração atribuída ao tutor implica conservação e gestão dos ben s do pupilo, com o zelo do bom pai de familia" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, cit., V. VI, p.593). Art. 1.742. Para fiscalização dos atos do tutor, pode o juiz nomear um protutor. Como corolário da limitação dos poderes do tutor, vem a fiscalização de seus atos, a prudente critério do juii, mediante a nomeação de wn protti.tor. ~ que a tutela, em si, não se constitui em ato isolado, praticado em uma única ação, a de tutelar, centrada nas pessoas do tutor e do pupilo. Não só quando o menor é proprietário de bens, que carecem de administração, mas também nos demais atos, poderá ser assistido pelo protutor, apto a garantir os direitos do menor e a ajudar o tutor, nas atividades que assim o demandem. Incumbe ao protutor noticiar ao magistrado sobre o bom ou mau andamento da tutela e a boa ou má administração de bens do tutelado.
Art. 1. 743. Se os bens e interesses administrativos exig,irem conhecimentos técnicos, forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do tutor, poderá este, mediante aprovação judicial, delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício pa.tcial da tutela. O exercício de poderes e deveres decorrentes da tutela ao tutor são pessoais, intransferíveis e indelegáveis. Não pode o tutor designar outras pessoas para que venham divfdir com ele parte dos poderes ou deveres para com o menor. No entanto, existe uma possibilidade da qual o tutor poderá se valer, mediante aprovação judicial, em que uma terceira pessoa vem a ajudá-lo na administração dos bens: quando os bens e interesses administrativos (do menor) exigirem conhecin1entos técnicos, forem complexos ou realizados em
MAAU A, SAMPAIO
ARTS. 1.743 E 1.744 1 1525
lugares distantes do domicilio do tutor, poderá, mediante aprovação judicial, delegar a outras pessoas fisicas ou jurídicas o exercicio parcial da tutela.
Art. 1.744. A responsabilidade do juiz será: Tão importante e relevante interesse público envolve o instituto da tutela, que ao juiz foi dado o dever de diligência na nomea,ção de tutor e responsabilidade patrimonial. Concorrem, ainda, com o juiz, o protutor e o MP, na reparação de danos advindos ao menor, se aqueles descumpriram o dever de fiscalização que lhes é imposto por lei. Veja-se, para tanto, o art. l.752, § 2°. I - direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente; Exceto se demonstrado que a omissão foi voluntária, age com culpa o juiz da Vara da Infância e da Juventude competente, cuja não nomeação de tutor ou sua demora acarretarem danos ao menor tutelado. Os danos podem ser materiais ou exclusivamente morais (arts. 186 e 927 do CC), devendo ser apurados no devido processo legal, garantida a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos e meios de prova cabíveis. II - subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido, tanto que se tomou suspeito. O instituto da responsabilidade subsidiária do juiz visa garantir proteção aos bens do menor, caso seu tutor, no curso da tutela, tenha se tornado suspeito de inidoneidade, e o juiz, tendo ciência, não tenha exigido garantia legal. Caso recaia suspeita de inidoneidadesobre a pessoa a ser nomeada tutor, não haverá que lhe conceder a tutela, conforme comenta Zeno Veloso: "obviamente, ninguém pode ser nomeado tutor se não for pessoa idónea'' ( Código Civil comentado. v. XIX. São Paulo, Atlas, 2002, p. 185). A nova redação dada pela Lein. 12.010, de 03.08.2009, ao mudar a redação do art. 37 do ECA, afastou de uma vez por todas a antiga obrigação de especificação de hipote~ ca fegal. Assim, o termo "garantia da tutela", a que se refere este inciso, acompanhando o entendimento da nova redação do art 37 do ECA, não mais se define como a especificação da hipoteca legal, mas sim como a simples exigência de prestação de caução em casos extremos, conforme o art. 1.745, parágrafo ónico, em que o juiz poderá exigi-la quando o patrimônio do menor for de valor considerável, condicionando sua prestação o exercício da tutela. Ainda assim, a referida garantia não perde a característica de exigíbilidade mediante prudente critério do juiz, que poderá dispensá-la sendo o tutor pes-
1526
J
ARTS. 1.744 E l.745
MARLI A. SAMPAIO
soa de reconhecida idoneidade. Quanto à segunda parte, também cabe responsabilidade subsidiária do juiz que, por negligência, deixou permanecer no cargo o tutor suspeito de praticar atos incompatíveis com o exercício da tutela, mesmo após serem denunciadas suas práticas. Cabe ao juiz determinar que se apure a ocorrência de práticas de tais atos, e, até que não sobrevenham resultados da apuração, o tutor deverá ser removido, sob pena de responder subsidiariamente por danos que venha a experimentar o menor.
Art. 1.745. Os bens do menor serão entregues ao tutor mediante termo especificado deles e seus valores, ainda que os pais o tenham dispensado. Conforme mencionado no comentátio ao inciso II do art. 1.744, a nova redafrão dada pela Lein. 12.010, de 03.08.2009, ao mudar a redação do -art. 37 do ECA, afastou de wna vez pôr todas a antiga obrigação de especificação de hipoteca l~al. Os dispositivos da especificação de-Wpoteca legal, que era modalidade de garantia legal da tutela exigida no CC/19 16 (arts. 418 a 421 ), não foram retomados, deixando de existir correspondentes a eles no CC/2002, sigi:ufi.cando um abrandamento na exigência de garantias da tutela. Os abrandamentos têm por fundamento a .flexibilização do instituto d-a tutela, visando a alcançar um número maior de pessoas dispostas a cumprir o munus, sem onerar os próprios bens, ou, não os tendo suficientes, isentá-las de buscar reforço da hipoteca, na caução real ou fidejussória (art 419 do CC/1916). No entanto, diga-se abrandamento, e não total liberação dos bens do menor, à ad1ninistração do tutor sem lhes resguardar. Mesmo abrandadas as garantias, existem 1nedidas de proteção conferidas aos bens do menor, a serem tomadas no ato da nomeação da tutela, como condição ao seu exerdcio. São elas: a) a especificação detalhada de cada bem, mediante termo, que o tutot tomará ciência - art. 1.745, caput, do CC; b) a exigência de prestafrão de caução, art. 1.745, parágrafo único, do CC, que será comentado a seguir. Veja-se, ainda quanto ao fim da exigência de especificafrão de hipoteca legal, interessante opinião do MP do Rio Grande do Sul: "Destarte, a situação agora é diversa, porquanto o art. 1.489, CC/2002, que arrola as bip6teses legais de hipoteca, não repetiu o inciso rv; do art. 827, CG/1916. Isso foi diretamente confirmado pelo art. 2.040, CC/2002, quando deteonina que: 'A hipoteca legal dos bens do tutor ou do curador, inscrita em conformidade com o inci.so N do art. 827 do CC anterior, Lein. 3.071, de 01.01.1916, poderá ser cancelada obedecido o disposto no parágrafo único do art. J.745 deste Código'. Pelo art. 1.745, CC/Z002, 'os bens do menor serão entregues ao tutor mediante termo especificado deles e seus valores, amda que os pais o tenham dispensado'. Assim, quando o tutor for nomeado por testamento ou qualquer documento, não há mais a obrigatoriedade de hipoteca legal
MAAU A. SAMPAIO
ART, 1,745
J 1527
nos casos do Estatuto1 mas apenas um termo de entrega dos bens ao tutor ( art. 1.745, CC/2002) especificando os bens e seus valores. Para Arnaldo Rizzardo, existem fundadas razões na supressão de normas quanto à garantia hipotecária, uma vez que, para ser nomeada tutor, a pessoa já teve sua conduta-analisada previamente, havendo inúmeros requisitos que devem ser atendjdos relativos à sua idoneidade. Ademais, a tutela representa um sério encargo, com incumbências de toda ordem, pelo que o tutor ainda ficava com 'os bens constritados ou indisponíveis, cerceando sua vida e, inclusive, seu futuro econômico'. Enfim, nova pela lei civil oodincada as hipotecas legais constituídas à luz do art 827,N, CC/1916, antigo art. 37, ECA, poderão ser canceladas com efeito contra terceiros, depois de averbada no respectivo registro. No mesmo sentido é a lição de Maria Helena Diniz, sustentando que 'não há mais obrigatoriedade da hipoteca legal dos tutores ou curadores', devendo haver observância ao disposto no parágrafo único do art. 1. 745 do novo CC, isto é, se o patrimônio da criança ou adolescente for de valor considerável, o juiz pode condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo dispensá-la se o tutor for de reconhecida idoneidade. Evidentemente, poderá surgír discussão a respeito de o ato constitutivo de hipoteca anterior não poder ser modificado, porque constituído à luz da lei vig~te à época (ato jurídico perfeito). Todavia, certameote, isso ficará ao prudente arbítrio do juiz, sob o cdvo ministerial, q ue averiguará o melhor interesse do tutelado (criança ou adolescente). Dessa forma, mesmo que nomead o por testamento o t utor não tem 'direito líquido e certo' a assumir a tutela, pois, o juiz, antes de deferir ao tutor a administração dos bens do pupilo deverá ver comprovado que a medida é vantajosa ao t utelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la. Assim, por ocasião do pedido do tutor para assumir o encargo, pedido que deve atender aos requisitos para colocação em familia substituta (arts. 165/170, ECA), o tu tor haverá de fazer prova de que tem condições pessoais e idoneidade suficientes para assumir o encargo deferido pelo testador, sob pena de outro ser nomeado. Essa pode ser outra hipótese de não cumprimento da vontade do testador, em nome do melhor interesse da criança ou adolescente e de sua proteção integral" (Fonte: bttp://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id63 l. htm. Acesso em: 30.09.2016). Parágrafo ún ico. Se o pat rimônio d o menor for de valor considerável, poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à pres tação d e caução bastan te, podendo disp ensá-la se o tutor for de recon hecida idoneidade. A dispensa da especificação de hipoteca legal revolucionou o instituto da tutela. Mas o legislador aiou, na exigência à prestação de "caução bastante'~
1528
J
ARTS. 1.745 A 1.747
MARLI A. SAMPAIO
novo instituto protetivo aos bens do menor tutelado, que se apresente devalor considerável. Por ''caução bastante?' entenda-se aquela que reúna tantos bens quantos bastem para garantir o bom exercfcio da tutela. Outta inovação do CC/2002 é a faculdade, atribuída ao juiz, de dispensar a prestação da caução, face à reconhecida idoneidade da pessoa. Atente~se para o fato de que a simples apresentação de pessoa considerada de reconhecida idoneidade não a torna dispensada da prestação de caução. Trata-se de faculdade do juiz, que o fará de acordo com seu livre convencimento, por fundadas razões. Como motivo relevante, para exigência da prestaçã o de caução, pode-se tomar como exemplo a nomeação de tutor, pessoa de bem, sendo ou não legítimo ou testamentário, mas de reputada idoneidade, que não possui bens.
Art. 1.746. Se o menor possuir bens, será sustentado e educado a expensas deles, arbitrando o juiz para tal fim as quantias q ue lhe pareçam necessárias, considerado o rendimento da fortuna do pupilo quando o pai ou a mãe não as houver fixado. Conforme comentado no inciso II do art. 1.740, o tutor somente prestará al.ú,nentos ao tutelado, caso não tenha parentes, ou O!i tendo, não possuam condições de prestá-los. Possuindo o menor bens que o possam manter, o tutor se valerá desses bens para fins de proceder à manutenção do menor.
Art. 1.747. Compete m ais ao t utor: Ao exercício da tutela decorre uma série de poderes e deveres que o tutor deve responder,.sob pena de .sofrer as sanções legais. Alguns desses deveres estão consagrados n os arts. 1.747 e 1.748, devendo, para tanto, o tutor cumpri-los com zelo e responsabilidade, mormente porque os fará sem necessidade de recorrer a pleito de autorização judicial. Caso não tenha conhecimento técnico para tanto, poderá se valer de ajuda de técrricos especializados, nos termos do art. l.743. I - representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte; Em conformidade com o art. 3° do CC, são absolutamente incapazes os menores de 16 anos-. O art. 4° diz que os maiores de 16 e menores de 18 anos possuem incapacidade relativa para a prática de iitos da vida civil. Os menores absolutamente incapazes serão representados por seus pais, tutores e curadores, e os menores relativamente incapazes serão assistidos por seus pais, curadores ou tutores, conforme art. 8° do CPC/73 (sem correspondente no
MAR.U A. SAMPAIO
ARl 1,747
1 1529
CPC/2015). Ora, se o menor, seja ele relativa ou absolutamente incapaz, encontra-se fora do poder familiar, posto em tutela, necessitará que alguém o assista ou represente aos atos da vida civil que necessitar praticar e esteja incapacitado, em razão da idade. Conforme noticia Silvio Rodrigues (veja ço1nentário ao art. 1.734), a legislação previdenciária democratizou a tutela, trazendo os menores abandonados para dentro dela. Esses menores passaram a pleitear em juízo direito a pensões, indenizações por acidentes de trabalho etc. E a nomeação de tutores veio lhes dar a representação e assistência, para que possam_, em nome dos menores, pleitear. seus direito.s. II - receber as rendas e p ensões do menor, e as quantias a ele devidas; Também aqui se fula em atos da vida civil em que os menores, não podendo praticar, são representados pelos tutores. Esses atos não são adstritos somente ao ingresso e à participação como parte, mas também a atos que requerem o recebimento de créditos. Para essas práticas, também os menores tutelados são representados e assistidos por seus tutores. Caso esses atos sejam praticados sem a intervenção do tutoi:, serão anulados, se praticados por menor relati~amente incapaz -art. 171 - e-nulos, se praticados por menor absolutamente incapaz.- art. 166. Quanto às quantias devidas ao menor, houve &-anca evolução na permissão de recebimento, por parte do tutor, de quantias, sem necessidade da autorização judicial que constava no art. 427, U, do CC revogado, III - fazer-lhe as despesas de subsistên cia e educação, b em como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens; Aqui também se fula em evolução no que se refere às despesas pagas pelo tutor na conservação e melhoramento dos bens. Pelo CC revogado, o tutor somente procedia a tais atos mediante autorização do juiz {art. 427,1). No dispositivo en1 comento, pode o tutor fazer tais despesas sem autorização judicial, nunca deixando de prestar contas periódicas. Sensata a modificação da regra, porquanto se ao tutor cumpre receber rendas, pensões e quantias devidas ao menor, cumpre empregar parte da renda çom subsistência, educação, administração e melhoramentos dos bens de propriedade do menor. A autorização para que destaque parte da renda para fazer frente às despesas encontra-se no art. 1. 74.6. Não só a educação e subsistência do menor, como a boa administração e conservação dos bens, faze01 parte do rol de deveres do tutor, a quem cumpre exercer com zelo e presteza. IV - alienar os bens do menor destinados a venda;
1530
1
ART, 1.747
/'MRLI A. SAMPAIO
Mesmo que a alienação não dependa de autorização judicial, há de se tomar toda cautela por se tratar de bens com destinação especifica por disposição testamentária ou de terceiro. A cautela é no sentido de verificar se, em face da natureza da coisa, de fato existe autorização expressa para a alienação, ou se esta se faz necessária evitando que a coisa se deteriore. t o caso, por exemplo, de venda de colheita existente em uma fazenda de propriedade do menor, em que a demora na alienação possa causar o perecimento das coisas colhidas, cuja destinação não poderia ser outra, que não a alienação. No caso de mercadorias que compõem o estabelecimento comercial, deve haver prévia autorização do juiz, não para a venda propriamente dita, mas para o próprio exercício do comércio que, obviamente, poderá englobar a venda de mercadorias (arts. 974, §§ 1° e 2°, e 975). Trata-se de modalidade de continuidade no negócio deixado pelos pais ou pelo testador. Dessa forma, mesmo em se tr atando de dar continuidade à empresa, antes exercida pelos pais. ou pelo autor da herança, somente se fará mediante prévia autorização judicial. Perceba-se que, também no caso de imóveis, mesmo que destinados à venda pelo doador, testador etc., deve ser aplicado o disposto no art. 1.748, IV, c/c o art. 1.750, ou seja, será sempre necessária a autorização judicial, já que este último artigo determina que a aljenação deve sempre cepresentar uma manifesta e "comprovada" vantagem para o incapaz. V - promover-lhe, mediante preço con veniente, o arrendamen to de be.ns de raiz. Assim como a modificação de tratamento nas quantias devidas ao menor (inciso 11) e nas despesas pagas pelo tutor, na conservação e melhoramento dos bens (inciso ill) representou evolução, também houve no inciso franca evolução no tratamento dado à permissão concedida ão tutor para "arrendamento de bens de raiz~ Essa evolução .se operou de duas formas: a) para o arrendamento de bens de raiz, o tutor não mais necessita de autorização ;udicial, basta que preste contas periódicas do arrendamento, nas quais será analisado o bom emprego do valor do arrendamento; b) com a nova redação do inciso, foi abolida a necessidade de praça pública (art 427, V, do CC/1916) para arrendamento dos bens de raiz, passando a se exigir apenas que o preço do arrendamento seja conveniente. Preço conveniente sígnifiqi ser razoável de acordo com a prática do mercado; aquele preço que não seja vil. Bens de raiz são aqueles classificados, na lei civil, como sendo os bens imóveis, constantes dosarts. 79 a 81 do CC: "Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as
MARU A. SAMPAIO
AfUS. 1,747 E 1.748
1 1531
ações que os asseguram; TI - o direito à sucessão aberta. Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem". Art. 1.748. Compete t ambém ao tutor, com autorização do juiz: Muito embora o tutor represente ou assista o menor na prática dos atos da vida civil, esses atos não podem, sob pena de nulidade, ser praticados sem autorização do juiz.
I - pagar as dívidas do menor; As dívidas a que se refere o inciso não sãô aquelas decorrentes de gastos com subsistência e educação, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens. Esses gastos não dependem de autorização judicial, e, louva-se a modificação trazida pelo atual Código. São outras as dJvidas. E, em face da possibilidade de que tais dJvidas venham ser de elevada monta, com necessidade de justificativa quanto à sua origem, melhor que se proceda à prévia autorização judicial para lhes fazer &ente. II - aceitar p or ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos; O recebimento de herança, legados ou doações diz respeito à alteração substancial no patrimônio do menor tutelado, e, como tal, deverá passar pelo crivo judicial. Ainda que seja para aumentar o patrimônio, ou que do aumento se tenha qualquer redução, face os encargos, urge que se tenha a outorga judicial.
m - transigir; Se a transação representa "negócio jurídico bilateral em que, mediante mútuas concessões, cuidam os interessados de prevenir ou terminar litígio, extinguindo obrigações duvidosas': não poderá o tutor proceder a ela sem autorização do juiz, sob pena de responder pelos efeitos danosos que puderem advir ao tutelado.
IV - vender-lhe os bens móveis, cuja con servação não convier, e os imóveis nos casos em que for permitido;
1532
1
ARTS. 1.748 E 1.749
MARU A. SAMPAIO
Por vezes, falecendo os pais, restam em herança bens móveis de diflcil conservação. Ocorrendo tal hipótese, não poderá a tutela ensejar maior gravame ao tutor, forçando-o a levar para sua casa móveis que não possa conservar. Daí a possibilidade de, mediante autorização judicial, receber autorização para venda. Pode ocorrer ainda que venham com a herança do menor bens móveis valiosos (quadros, por exemplo) , cuja venda possa onerar o patrimônio do menor, necessitando, para tanto, de autorização para alienar. V - propor em juízo as ações, ou nelas assistir o menor, e promover todas as d iligências a bem deste, assim como defendê-lo nos pleitos contra ele movidos. O dever do tutor em proteger a pessoa e o patrimônio do menor engloba ó de promover ações judiciais ou defendê-lo em ações. O titular do direito de ação é o menor, que vai a juízo pleitear ou se defender, mas o ato de proposição de ação ou de defesa é praticado por representante ou assistente (conforme o menor absoluta ou relativamente incapaz). Ingressa a figura do tutor no processo visando a supressão da incapacidade para ser parte (para estar em juízo) do menor. No entanto, mesmo o menor sendo representado ou assistido por tutor, cll.(ador ou mesmo os pais, é obrigatór:ia a intervenção do Ministério Público. A função do MP no pi:ocesso "não é integrativa da capacidade processual do incapaz, que se integrou pela representação ou assistência, e sim fiscal da lei, suprindo omissões do representante ou aS1>istente, fazendo respeitar a lei" (swros, Moacir Amaral dos. Primeiras linhas de direito processual civil. 17.ed. São Paulo, Saraiva, 1994, v. I, p. 354). Par ágrafo único. No caso de falta declutorização, a eficácia de ato do tutor dep ende da aprovação ulterior do juiz. Compreende-se a redação do parágrafo, porquanto nem sempre é possível e hã tempo hábil para requerer a autorização judicial. Exemplo disso ocorre quando o menor é citado em uma ação cautelar, cujo prazo de resposta é de cinco dias, e deve constituir advogado de imediato, visando a proteger seus direitos. Outra saída não terá o tutor senão se constituir patrono e tomar todas as providências urgentes, entre elas, buscar a autorização judicial, davdo ciência ao jui2 dos atos que de urgência praticou, pleiteando a convalidação. A redação do dispositivo leva em consideração a proteção de direitos do menor, mas sempre o tutor deverá buscar a aprovação ulterior. Art. 1.749. Ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade:
MARU A. SAMPAIO
ART; 1.749
1 1533
Nesse caso, praticando o tutor qualquer dos atos enumerados nos incisos a seguir, mes.mo com autorízação judícial, responderá solidariamente, com o juiz, protutor e promotor. Além da decretação de nulidade, todos responderão por perdas e danos. Falta com honestidade o tutor que praticar tais atos. I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, m ediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor; Se o tutor é o representante ou assistente do menor na prática de atos da vida civil, entre eles a celebração de contrato, não pode, nem mesmo com autorização judicial, celebrar contrato particulatpara aquisição de bens móveis ou imóveis do menor. A dúvida que se apresenta é saber se teria validade uma compra de móveis ou imóveis do menor, pelo tutor, mediante lavratura de instrumento público. Como a lei é expressa e enfática, quando diz que a vedação se dá "mediante contrato p articular'~ crê-se que a vontade do legislador foi no sentido de vedar somente a c.eiebração do contrato particular, permitindo que se proceda à aquisição mediant e instrumento público. Quisesse o legislador vedar qualquer tipo de aquisição de bens do menor, pelo tutor, tê-lo-ia dito, ou não teria incluido na redação do dispositivo a expressão: "mediante contrato particular''. Se presente a especificação, também presente a permissão para aquilo que não está especificado, no caso, a celebração de contrato por instrumento público. ll - dispor d os ben s d o m enor a t ítulo gratuito ; Dos direitos relativos à propriedade está o de usar, gozar e dispor. Não tem o tutor a propriedade dos bens do menor tutelado, ele só os administra. Daí não poder dispor de algo que n ão tem. ID - constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o m enor. Se aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, acharem-se cons~ tituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra esse, e aqueles n1jos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor se encont ram impedidos d e exercer a tutela, caso a exerçam serão e.xonerados (art. 1.735, II), se o tutor, no curso da tutela, vier a se constituir cessionário de crédito ou de direito, contra o menor, tam.bém sofrerá a aplicação da sanção da exoneração. Trata-se de modalidade de impedimento pela q ual recai o tutor no curso do exercicio.
1534
1
ARTS. 1.750 A1.752
MARU A. SAMPAIO
Art. 1.750. Os imóveis per ten centes aos meno res sob tutela somente podem ser ven didos qu ando h o uver m ani fest a vantagem , media nte prévia avaliação judicial e aprovação do juiz. Houve aqui, também, manifesta evolução do instituto. Eis que se baniu a exigência de hasta pública para venda de bens imóveis pertencentes ,a o menor. Era a exigência do art. 429 do diploma revogado. No entanto, a norma em comento elenca três requisitos que norteiam a venda. A razão de ser dos requisitos é a necessidade de proteção aos bens do menor para evitar que ocorra simulação na celebração de negócio: a) manifesta vantagem, b) prévia avaliação judicial, e) aprovação do juiz.
Art. 1.751. Antes de assumir a tutela, o tutor declara rá tudo o q ue o menor lhe deva, sob pena de não Jhe,poder cobrar, enquanto exerça a tutoria, salvo provando q ue nã o conhecia o déhíto q uando a assumiu. Não pode o tutor ser, ao mesmo tempo, assegurador, protetor e credor do menor. São situações incompatlveís que não podem se dar simultaneamente, sob pena de ensejar a exoneração do tutor do cargo. Art. 1.752. O t utor responde pelos prejuízos que, por culpa, ou dolo, causar ao t utelado; m as tem direito a ser pago pelo que realmente despender no exerdcio da t utela, sa lvo n o caso d o art. 1.734, e aperceber remuner ação proporcional à importância dos bens administrados.
A responsabilidade do tutor, em relação ao menor, é a aquiliana, porquanto sempre se haverá que provar sua culpa ou atos dolosos que praticou. As excludentes de responsabilidade, como a força maior e o caso fortuito, aqui se operam em defesa do tutor. Por outro lado, torna-se evidente que tendo o menor condições financeiras, o tutor não poderá experimentar prejuízos etn virtude do exercício do cargo. Diferente será o menor abandonado (art. 1.734). Nesse caso, o tutor exercerá o cargo a titulo gratuito, não podendo falar jamais em compensação de despesas que realmente :fizer, justificada e reconhecidamente proveitosas ao menor. A remuneração será fixada pelo juiz e possui a natureza de indenização, e não de pagamento pelo serviço de administração dos bens prestados. § 1° Ao protutor será arbitrada um a gratificação m ódica pela fiscali-
zação efetuada.
MAAU A. SAMPAIO
I
RICARDO A. GREGÓRIO
ARTS, 1.752 E t.753 j 1535
Ainda que módica, a quantia paga ao protutor também possui a natureza de indenização, somente a recebendo se o menor dispuser de recursos. Caso se trate de menor abandonado, tanto o exercido da tutela como da protutela serão gratuitos. § 2° São solidariamente responsáveis pelos prejuízos as pessoas às
quais competia fiscalizai a atividade do tu tor, e as que concorreram para o dano.
As pessoas que respondem solidariamente com o tutor são: a) o pro tutor, a quem incumbia o dever de fiscalizar os atos e as atividades do tutor; b) o Ministério Público, a quem incumbia o dever de zelar pela preservação dos direitos do menor; e) o juiz, sendo responsável pessoal e diretamente pelos danos causados,ainda nos termos do art. 1.744, I e II, deste Código.
Seção V Dos Bens do Tutelado Nesta Seção percebe-se claramente a preocupação do legislador em zelar pelo patrimônio pertencente ao incapaz, impondo ao tutor uma série derestrições e deveres - entte eles, o dever de conservar e administrar com seriedade os bens de seu pupilo. Cabe observar que todos os dispositivos a seguir, inclusive sobre prestação de contas, também se aplicam quanto aos bens dos curatelados conforme previsto nos arts. 1.774 e 1.781, adiante comentados, com exceção do prazo de dois anos para apresentação das contas pelo tutor, que no caso do curador de pessoa com deficiência foi reduzido para um ano (art. 84, § 4°, da Lei n. 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência, mencionada no capitulo seguinte). Vale finalmente anotar que, no caso de patrimônio pertencente ao idoso curatelado, além das sanções civis, ainda constitui crime previsto no art. 102 da Lei n.10.741/2003 -Estatuto do Idoso, "apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, d~do-lhes aplicação diversa dade sua finalidade': ape~ nado com reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Art. 1.753. Os tutores não podem conservar em seu poder dinheiro dos tutelados, além do necessário para as despesas ordinárias com o seu sustento, a sua educação e a administração de seus bens. O presente dispositivo encerra uma obtigação de cunho negativo, no sentido de o tutor não 1nanter, sob sua posse, numerário supexior ao valor que normalmente despenderia com o tutelado. Todavia, como se tratam, precipua-
1536
1
ART, 1.753
RICARDO A. GREGÓRIO
mente, de despesas de cunho alimentar, estas têm uma abrangência maior do que aquela referida pela noana, já que aos alimentos correspondem também outras verbas, a saber: habitação, vestuário, saúde, higiene, transporte, lazer etc. É por isso que o tutor, nesse sentido, deve pedir ao juiz que arbitre um limite mensal para estas despesas de acordo com a condição socioeconômica do tutelado, como prevê o art. 1.746. Nesse particular, convém deixar registrado que, tratando-se de tutelado adolescente, ele possui o direito de manifestar sua opinião a todos os envolvidos: tuto r, protutor, promotor de justiça e juiz responsável pelo processo, a respeito destas despesas, como corolário da liberdade de expressão prevista no art. 16, II, do ECA. Além disso, nada impede, e aliás se afigura recomendável, que além da conta bancária existente em nome do pupilo, o tutor mantenha em seu próprio nome uma conta-corrente aberta unicamente para a manutenção do dinheiro necessário à cobertura das despesas já mencionadas. Seguramente tal J?Iovidência é vantajosa a ambos porque, além de conferir agilidade à administração dopatrimônio pertencente ao menor, também permite ao tutor um maior controle das contas a serem futuramente prestadas. O numerário excedente pode e deve ser direcionado para aplicações financeiras seguras e de boa rentabilidade, tais como poupança e fundos de investimentos de renda fixa. § 1° Se houver necessidade, os objetos de ouro e prata, pedras precio-
sas e móveis serão avaliados p or pessoa idônea e, após autorização judicial, alienados, e o seu produto convertido em títulos, obrigações e letras de responsabilidade direta ou indireta da União ou dos Estados, atendendo-se preferentemente à ren tabilidade, e recolhidos ao estabelecimen to bancário oficial ou aplicado na aquisição de imóveis, con forme for determinado pelo juiz. Este parágrafo permite a disposição dos bens que menciona diante da justificada necessidade de sua alienaÇão, podendo-se citar, dentre tantos, os seguintes motivos: adrninistraÇão ou manutenção custosa, baixa rentabilidade, depreciação de valor de mercado, não produção de frutos etc., não se podendo esquecer, todavia, que muitas vezes há o valor afetivo do bem que deverá ser considerado no momento da escolha entre a manutenção desses bens ou sua alienação, valendo aqui lembrar novamente o direito de expressão do tutelado adolescente já referido. E co010 vinha determiuado pelo CPC/73 em seu art. 1.112, III, e agora pelo art. 725, III, do CPC/20] 5, o tutor deverá requerer uma autorização judicial nos mesmos autos onde foi nomeado, mediante comprovação da necessidade de alienação. Ouvido o representante do Ministério Público, os bens devem ser avaliados e vendidos em leilão. Não obstante esse procedimento, os ttibunais têm abrandado tal
RICAR.0 0 A. GREGÓRIO
ART, 1,753
1 1537
forma de alienação, por se mostrar muitas vezes desvantajosa ao incapaz, principalmente quando se trata de bens de valor reduzido. A avaliação dos bens poderá ser feita por "pessoa idôneà: o que significa dizer que, além de perito da confiança cio juiz, o CC permite que qualquer pessoa realize essa tarefa, desde que reóna condições técnicas para tanto, o que pode representar tnenos- custos para tal operação. Uma vez alienados os bens, ocorrerá verdadeira sub-rogação real com o respectivo produto, já que o dispositivo em comento determina sua conversão em tltulos da dívida pública federal ou estadual, que serão custodiados por um estabelecimento bancário oficial ( ou seja, bancos estatais, conforme comentários adiante), na forma do artigo seguinte. Apesar da previsão legal desta conversão em "títulos, obrigações ou letras" emitidos por um ente estatal, tal ato pode não representar um bom investimento (considerando-se o notório endivídamentc público e a incapacidade do Estado de gerir a economia) e deve ser previamente avaliado pelo tutor. Aliás, o tutor dispõe de outra alternativa também estabelecida neste parágrafo, que é a aquisição de bens imóveis em nome do incapaz, medida que pode gerar frutos (aluguéis) em beneficio do pupilo. Até mesmo a aplicação financeira em investimentos mais seguros e mais rentáveis é preferível a títulos da divida pública, devendo o tutor, em qualquer caso, solicitar ao juiz autorização para tanto. Enfim, é importante salientar que qualquer decisão a ser tomada deve considerar, sempre e unicamente, os interesses do tutelado. § 20 O mesmo destino previsto no parágrafo antecedente terá o di-
nheiro proveniente de qualquer outr a procedência. Nesse caso, quis o legislador que o numerário de propriedade do tutelado fosse também convertido em outros bens de acordo com o dispositivo anterior. Entretanto, exceção feita às grandes somas em dinheiro, não haverá necessidade de ser sub-rogado, pois é de todo conveniente que esse capital permaneça em nome do pupilo, mediante depósito em conta bancária de poupança ou outra aplicação financeira, desde que similar quanto à segurança da poupança, mas superior em rentabilidade. É recomendável, também, que tanto os dep6sitos como investimentos financeiros sejam feitos em bancos estatais com~ntados a seguir. Com tal providência, estar-se-á conferindo enorme agilidade à administração das finanças do tutelado1 principalmente para que o tutor possa facilmepte requerer ao juiz seu levantamento, a fim de honrar as despesas ordinárias e extraordinárias do incapaz. § 3° Os tu tores respondem pela demora na aplicação dos valores aci-
ma referidos, pagando os juros 1egais desde o dia em que deveriam dar
1538
1
A.RTS. 1.753 E 1.754
RICA.ROO A. GREGÓRIO
esse destino, o que não os exime da obrigação, que o juiz fará efetiva, da referida aplicação. Na hipótese de desídia do tutor com relação à alienação e destinação dos bens retratados nos parágrafos antecedentes, será ele direta1nente responsabilizado pelo pagamento dos juros legais ao tutelado (na proporção de 1o/o ao mês, v. art. 406 do CC c/c o art. 161 , § 1°, do CTN). Esses juros serão contados da data em que o tutor poderia ter solicitado ao juiz a alienação, a aplicação ou a conversão dos bens móveis pertencentes ao pupilo. Sem prejwzo dessa responsabilidade, o rutor ainda deverá se encarregar das respect ivas providências que porventura ainda não tiver realizado.
Art. 1.754. Os valores que existirem em estabelecimento bancárjo oficial, n a fotma do ariigo antecedente, n ão se pode,:ão retirar, sen&o mediante ordem do juiz, e somente: Complementando o dispositivo anter~or, qualquer numerário eristente em nome do pupilo deve ser recolhido numa instituição bancária oficial que, nos termos da Lei n. 1.869, de 27.05.1953, poderá ser o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal da respectiva unidade da Federação, a critério do juiz. No & tado de São Paulo, por força de convênio firmado entre o Poder Judiciário e o Banco do Brasil, os juízes devem determinar a realização de depósitos judiciais e a custódia de valores nesta instituição, ein contas de poupança abertas especialmente para esse fim. Qualquer que seja o motivo, entre os enume.rados adíante, o pedido de levantamento deverá sempre ser p.recedido de manifestação do Ministério P úblico e realizado por meio de autorização judicial fundamentada. I - l'ara as despesas com o sustento e educação do tutelado, ou a administração de seus bens; Por evidente similaridade com a regra disposta no caput do art. 1.753, vale aqui o comentário lançado para aquele dispositivo. II - para se comprarem bens imóveis e títulos, obrigações ou letras, nas condições previstas no§ 1° do artigo antecedente; Novamente valem nossas observações anterio.res feitas coro relação aos§§ 1° e 2° do art. 1.753, Ísto é, diante de comprovada necessidade e manífesta vantagem para o tutelado, o nwnerário depositado deverá ser utilizado pa.ra a aquisição dos bens mencionados neste inciso, mediante sua prévia avalia-
A.RT, 1.754 1 1539
RICAR.0 0 A. GREGÓRIO
ção. Caso contrário, melhor que o dinheiro permaneça aplicado em conta bancária de poupança ou em outro investimento seguro e rentável, a fim de que possa ser rapidamente levantado para fazer frente às despesas referidas pelo inciso anterior. III - para se empregarem em conformidade com o disposto por quem os houver doado, ou deixado; Há situações em que o tutelado é contemplado com bens imóveis o u móveis, inclusive dinheiro, por meio de doação ou testamento, os quais muitas vezes recebem destinação expressamente prevista pelo autor da libe.ralidade (por exemplo, custear apenas as despesas com a educação do incapaz). Nesses casos, o tutor deve sempre cumprir tais disposições de vontade e, tratando-se de numerário, como prevê o cap1,t, requerer ao juiz o respectivo levantamento e utilização para que possa atingir a finalidade desejada pelo doador ou testador. IV - para se entregarem aos órfãos, quando emancipados, ou maiores, ou, mortos eles, aos seus herdeiros. Além da hipótese de falecimento do tutelado, este inciso cuida de duas causas de cessação da tutela previstas no inciso Ido art. J.763, detenninando que todos os valores depositados em instituição bancária sejam entregues ao próprio pupilo, agora capaz, ou aos seus herdeiros. Cabe ainda anotar que a designação de "órfãos" está equivocada,, porque sabemos que a tutela se aplica também a menores de idade cujos pais tiveram suspenso ou destituídos do poder familiar.
S~oVI Da Prestação de Contas Muito embora não seja, por regra, exigida dos pais - exceção feita aos alimentos, quando o filho p ode requerer a apresentação de contas do genitor que recebe e/ou administra a pensão-, tratando-se de tutela, a prestação de contas é procedimental de controle judicial do seu e.xerdcio do ponto de vista material, com o intuito de preservar o patrimônio do incapaz. O CPC/73 regulava a ·ação de prestação de contas nos arts. 914 a918 (arts. 550 a S53 do CPC/2015), mas para aquelas prestadas pelo tutor, aplicava-se especificamente o art. 919 (art. 553 do CPC/2015), já que não se t rata de ação, mas de autêntico incidente processual que tramita em apenso aos autos do processo principal, seja ele de tutela, de inventário, de suspensão ou destituição dopoder familiar, ou ainda de interdição dos pais do incapaz. O CPC/2015 cuida
1540 1 ARTS, 1.755 A 1.757
RICARDO A. GREGÓRIO
da matéria nos arts. 550 a 553, sendo este último dispositivo aplicãvel ao tutor, ao curador, ao depositãrio, ao inventariante e aos demais gestores nomeados judicial.mente. O CC determina que esta prestação ocorra sucessivamente em dois momentos distintos: 1°) mediante a apresentação de simples balanços anuais (art 1.756); 2°) por meio de prestação completa das contas a cada dois anos (art. 1.757), reiterando-se aqui que no caso da curatela de pessoas com deficiência esse praw foi reduzido para um ano de acordo com o art. 84, § 4°, d.a Lei n. 13.146/2015- Estatuto d.a Pessoa com Deficiência. Art. 1.755. Os tutores, embora o contrário tivessem disposto os pais dos tutelados, são obrigados a prestar contas da sua administração. Com evidente finalidade protetiva, o codificador impôs a prestaçao de contas como obrigação irrevogável do tutor, mesmo diante da dispensa expressamente declarada em testamento ou outro documento autêntico fumado pelos pais do pupilo (art. 1.634, VI). Assim, do conflito entre a vontade dos pais e a vontade da le~ prevalece esta última, retirando-se toda a eficácia da cláusula de dispensa., muito embora continue a subsistir plenamente o ato de nomeação do tutor. Art. 1.756. No fim de cada ano de administração, os tutores submeterão ao juiz o balanço respectivo, que, depois de aprovado, se anexará aos autos do inventário. O "balanço" anual aqui previsto trata-se de silnples demonstração contábil (sem a necessidade de apresentação de docwnentos) de todas as receitas e das despesas administradas mês a mês pelo tutor ao cabo de um ano, e não se confunde com a prestação de contas bienal disposta no artigo seguinte. De qualquer sorte, deve ser analisado pelo Ministério Páblico, pelo protutor (se nomeado) e pelo juiz, que o aprovará ou não. Caso não o aprove, deverá então imediatamente ser exigjda do tutor a prestação das contas, conforme adiante comentado. A seu turno, a expressão " inventário" possui grande abran.gência, já que o balanço pode ser anexado tanto nos autos de tutela ou de inventário dos bens deixados pelos pais do menor, q_uanto naqueles onde ocorreu a nomeação do tutor, em virtude da suspensão ou destituição do poder familiar, ou ainda, nos autos de:interdição dos genitores do pupilo.
Art 1.757. Os tutores prestarão contas de dois em dois anos, e também quando, por qualquer motivo, deixarem o exercício da tutela ou toda vez que o juiz achar conveniente.
RICAR.00 A. GREGÓRIO
ARTS. 1.757 A 1.759
1 1541
Este dispositivo abrange diversos momentos pelos quais se exige a prestação de contas, podendo ser citados os seguintes, que serão comentados adiante: a) quando escoado o prazo de dois anos, com seu início calculado da data em que foi prestado o compromisso pelo tutor; b) quando terminado o prazo bienal para o exercício da tutela, que coincide com o biênio das contas; e) quando o tutor requerer sua escusa por motivo superveniente; d) quando for destituído do cargo; e) quando cessar a condição de tutelado; e f) quando determinada judicialmente, a requerimento do protutor, do Ministério Público, ou mesmo ex offido. Parágrafo único. As contas serão prestadas em juízo, e julgadas depois da audiên cia dos interessados, recolhendo o tutor imediatamente a estabelecimento bancário oficial os saldos, ou adquirindo bens imóveis, ou títulos, obrigações ou letras, na forma do§ 1° do art. 1.753. Observadas as disposições procedimentais rettocitadas, as contas deviam ser prestadas nos termos do art. 917 do CPC/73 e-agora serão apresentadas deacotdo com o art. 551 do CPC/2015. "especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos, se houver'~ seguindo-se manifestação do protutor (caso nomeado) e do Mjnistério Público e eventual produção de p rova wediante verificação pela contadoria do juízo ou por perito de sua confiança. Finda tal fase probatória e após nova manifestação das partes, o juiz proferirá sentença, declarando saldo credor ou devedor; neste último caso, o tutor deverá também ser condenado no respectivo pagamento e deverá quitar o saldo devedor no prazo que o magistrado estabelecer. Art. 1.758. Finda a tutela pela emancipação ou maioridade,.a quitação do menor não produzirá efeito antes de aprovadas as contas p elo juiz, subsistindo inteira, até então, a responsabilidade do tutor. O presente artigo impede que o tutelado, agora maior, dê quitação (leia-se dispensa da apresentação ou remissão de eventual saldo devedor encon~ trado) das contas prestadas pelo tutor, sem que ainda tenham sido aprovadas pelo juiz; ou seja, a responsabilidade pela prestação das contas existe mesmo depois-da maioridade do pupilo. Somente após seu julgamento, com trânsito em julgado, é que, assim desejando, o agora capaz poderá dar quitação (renussão) de eventual débito do tutor ou, e.ntão, exigir dele o seu respectivo pagamento. Art. 1.759. Nos casos de morte, ausência, ou interdição do tutor, as con tas serão prestadas por seus herdeiros ou representantes.
1542 1 ARTS. 1.759 A 1.762
RICARDO A. GREGÓRIO
Por este clispositivo, o legislador reafumou a irrevogabilidade do dever de prestar contas, mesmo diante do faleci.me.ato, ausência ou incapacidade do tutor, situações em que essa obrigação é transmitida para seus herdeiros ou curadores, que deverão apresentar as contas na forma do parágrafo único do art. l.757, cujo saldo devedor encontrado deverá ser pago pelos responsáveis se o tutor houvel' deixado patrimônio partilhável. Art. 1.760. Serão levadas a crédito do tutor todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor. Este dispositivo relaciona-se com os gastos que o tutor teve em tazâo de sua administração e para a cobertura das despesas do pupilo, como já visto no comentário ao cap14t do art. 1.753. Dessa maneira, ainda que não autorizadas pelo juiz, se restar cabalmente comprovado que tais verbas foram despendidas em benefício do incapaz, deverão ser computadas como crédito para o tutor, podendo ser objeto de reembolso por meio de futura compensação ou de levantalllento do respectivo numerário, mediante autorização judicial. É altamente recomendável que o tutor sempre colha orçamentos (pelo menos dois) a respeito das despesas de valores mais significativos e-eleja a proposta mais vantajosa para o tutelado, evitando, assim, ter suas contas imp ugnadas por m.á gestão financeira e, por consequência, negado eventual reembolso. Art. 1.761. As despesas com a prestação das contas serão pa gas p elo t utelado. Muito embora as contas devam ser prestadas pelo tutor, as respectivas despesas (como documentação, honorários advocatícios e periciais, trocas processuais etc.) devem ser custeadas com dinheiro pertencente ao tutelado. A responsabilidade do incapaz por tal pagamento/reembolso subsiste ainda que seja apurado saldo credor em seu benefício.
Art. 1.762. O alcance do t utor, bem como o saldo contra o tutelado, são dívidas de valor e vencem juros desde o julgamento definitivo das contas. O termo "alcance do tutor" representa o saldo credor que deverá ser por ele pago ao pupilo. Entretanto, poderá ocorrer o inve.rso, e o tutor se tornar credor de alguma quantia desembolsada em razão do exercido de seu mu~ nus (arts. 1.760 e 1.761). Em qualquer hipótese, o legislador enteodeu que 11 importância apurada para uma ou para outra parte trata-se de dívida de "valor", isto é, wna obrigação que, apesar de paga em dinheiro, visa a medir o real valor do objeto da prestação, que poderá sofrer oscilação para mais ou
AIITS. 1,762 f 1.763 1 1543
RICAR.0 0 A. GREGÓRIO
para menos, conforme as circunstâncias - como ocorre, por exemplo, com o débito alimentar e as obi:igações de indenizar. Uma vez estabelecido o quann,m do "alcance" a ser pago pelo tutor ou do saldo devedor a ser reembolsado pelo tutelado, credor ou devedor haverá o acréscimo dos juros moratórias legais já comentado, cujo termo inicial será a data do trânsito em julgado da decisão que apreciar as contas. E a correção monetária deverá ser aplicada de acordo com os índices adotados pela Contadoria do Poder Judiciário local (em São Pau.lo, adota-se a "Tabela Prática de Atualização de Débitos Judiciais do Tribunal de Justiça").
Seção VII Da Cessação da Tutela A presente Seção cuidá de uma enumeração exemplificativa, uma vez que a tutela também pode obvfatnente cessar pela morte (natural ou presumida) do tutor ou do tutelado, além da própria interdição ou ausência do tutor (art. 1. 759). Em qualquer caso, deverá sempre haver a prestação final de contas pelo tutor, seus herdeiros ou representantes (arts. 1.758 e 1.759), a ser apresentada nos moldes dos dispositivos anteriormente comentados.
Art. 1.763. Cessa a condição de tutelado: Este dispositivo cuida, especificamente, de situações relacionadas com o poder familiar que, como já visto, é exercido pelo tutor, no lugar dos pais, de forma limitada e judicialmente controlada. I - com a maioridade ou a emancipação do menor; A maioridade do incapaz., agora com inicio aos 18 anos, produz desde logo seus efeitos, extinguindo automaticamente a tutela e conferindo plena capacidade para o exercício de "todos os atos da vida civil~ conforme dispõe o caput do art. 5°. Também é possível a emancipação do pupilo se ocorrer qualquer das hipóteses expressamente previstas no parágrafo único daquele mesmo artigo. No caso de emancipação a ser concedida pelo tutor, possível a partir dos 16 anos de idade do pupilo, produz ela os mesmos efeitos da maioridade, mas somente pode ser conceruda por sentença jurucial, nos exatos termos do art. 5°, parágrafo único, I. Uma vez mais, trata-se de procedimento de jurisilição voluntária de inicfativa do tutor ou do próprio tutelado, agora menor púbere, como ruspunha o inciso I do art. 1.112 do CPC/73 e atualmente no inciso 1 do art. 725 do CPC/2015. Após manifestação do Mi-
1544 1 ARTS. 1.763 E 1,764
RICARDO A. GREGÓRIO
nistério Público sobre o pedido, o juiz proferirá decisão, deferindo ou não a emancipação, sob a forma de sentença, da qual caberá recurso de apelo.
II - ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de r econhecimento ou adoção.
O dispositivo ero comento oferece duas hipóteses pelas quais o poder familiar passa a ser exercido por outras pessoas: a primeira trata do incapaz que foi reconhecido, posteriormente ao seu nascimento, por um dos genitores ( caso mais frequente, principalmente o reconhecimento a patre) ou por ambos (nos casos de menores abandonados, por exemplo), reconhecimento este feito de acordo com u ma das formas previstas pelo art. 1.609; a segunda hipótese cuida do instituto de adoção que, de acordo com o art. 1.618 deste Código (alterado em 2009), deverá ser realizada conforme as regras do ECA tanto para os casos de adoção por nacionais como por estrangéiros. Curiosamente, os legisladores civil e estatutário nada disseram acerca do restabe~ lecimento do poder familiar aos pais que foram dele suspensos ou restituídos (arts. I.637 e 1.638), mas a doutrina, apesar da falta de unanimidade, preçnche a lacuna ao se manifestar no sentido de que, uma vez cessada a causa que deu o rigem à suspensão, restabelece-se o poder familiar e, consequentemente, a tutela deixa de existir. E para que o tutor possa adotar o tutelado, além de ter de seguir as normas estat utárias gerais de adoção, deverá também ter prestado suas contas e pago eventual débito que tiver com o pupilo (art. 44 do ECA).
Art. 1.764. Cessam as funções do tutor: Este artigo cuida de situações que dizem respeito diretamente ao término da tutela pelo tempo de exercício decorrido e por motivos relacionados exclusivamente com a pessoa do tutor e o seu desempenho do encargo. I - ao expirar o termo, em que era obrigado a ser:vk; O período de duração da tutela é bienal e está previsto no capilt do dispositivo seguinte. Ao final do termo, o tutor poderá solicitar ao jl!.iz a sua exoneração, observado o prazo de dez dias após o término do biênio, conforme era previsto no art. 1.198 do CPC/73 e atualmente no § 1° do art. 763 do CPC/:2015, sob pena de recondução, Apesar de certa divergência doutrinária sobre a prorroga.çâo automática deste prazo bienal, tem predominado entendimento pelo qual o tutor deve continuar a exercer seu munus, por idêntico período e assim sucessiva.roente, até que ocorra alguma das demais
RICAR.0 0 A. GREGÓRIO
Al{T, 1.764
1 1545
hipóteses de extinção da tutela mencionadas nesta Seção. Não obstante, se, passados dois anos, bouver pedido tempestivo do tutor de não m.ais continuar com o encargo, não há porque negar a exoneração, uma vez que é possível a nomeação de qualquer das pessoas indicadas nos arts. 1.731 e 1,732, ou até mesmo do pro tutor, se já desempenhava tal mister antes. Divergências à parte, o importante é que, de acordo com o caso concreto, a decisão judicial deverá ser proferida em total respeito aos interesses do tutelado. II - a o sobrevir escusa legítima; Como já visto, o tutor pode se recusar a assumir o cargo, desde que presente uma das diversas situações relacionadas no art. 1.736. Da mesma forma, se durante o exercício da tutela, tais acontecimentos sobrevierem - por exemplo, o tutor ser acometido de doença que o impossibilite de exercer suas funções (inciso [V) ou, ainda, quando um parente do meno r for posteriormente conhecido (art 1.737)-, poderátequeret ao juiz sua exoneração, agora no prazo de dez dias (ar:t. l.738 deste Código, que dobrou o prazo do art. 1.192, caput, do CPC/73, mantido pelo art. 760 do CPC/2015), contados do moti~ vo alegado, sob pena de preclusão. III - ao.ser removido. Encontram-se diversas razões que justificam a destituição do tutor nos arts. 1.735 (impedimento e exoneração) e L766 (negligência, prevaricação e incapacidade), além dos arts. 1.637 (suspensão do poderfàmiliar) e 1.638 (perda do poder familiar), aplicáveis por analogia, uma vez que o tutor exerce o poder familiar, assumindo, em ce.r ta medida, o papel desempenhado pelos pais do pupilo. O ECA refere-se à remoção do tutor como "destituição" em seu art. 38, determinando a aplicação do art. 24, que se refere expressamente às causas de suspensão e perda do poder familiar previstas na legislação civil, ou seja, nos arts. l.637 e 1.638 deste Código, e também ''na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22'; daquele Estatuto, que são "dever de sustento, guarda e educação" e "obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais" no interesse dos pupilos. Aio.da sobre o ECA, para o caso de remoção do tutor, seu art. 164 manda aplicar o procedimento previsto na legislação processual civil (arts. 1.194 a 1.196 do CPC/73 earts. 761 e 762 do CPC/2015) cujas regras deverão ser utilizadas em conjunto com os arts. 155 a 163 do ECA. O Ministério Público ou quem possua legítimo interesse (o protutor o u um parente, por exemplo) poderá requerer tal providência, havendo, inclusive, a possibilidade de suspensão in limine do exercício da tutela, co m a nomeação de um substituto interino.
RICAR.00 A. GREGÓRIO
1546 1 ARTS. 1.765 E !.766
Art. 1.765. O t utor é obrigado a servir por espaço de dois anos. Tal período guarda sintonia com o pr-azo bienal para a prestação de contas e é o mínimo fixado pelo legislador para o exercício da tutela, quando entâo o tutor poderá requerer sua exoneração, confonne disposto e comentado no inciso Ido artigo anterior.
Parágrafo ú nico. Pode o tutor continuar no exercício da tutela, além do prazo previsto neste artigo, se o quiser e o juiz julgar conveniente ao menor. O Código não limita a ptorrogação do prazo, de sorte que o tutor pode continuar no cargo pelo tempo que desejar, observados os interesses do incapaz. Nesse caso, entendemos que, de acordo com o comentário ao inciso I do artigo antecedente, somente após o decurso de mais um biênio poderá o tutor requerer sua exoneração.
Ai:t. 1.766. Será destituído o t uto r, quando n egligente, p revaricador o u in curso em incapacidade. Este dispositivo é claro ao imputar ao tutor os três gêneros de má conduta que acarretam sua remoção judicial, de acordo com os arts. 1.194 a 1.196 do CPC/73 (art. 761 do CPC/2015). A negligência na tutela representa a falta de cu idados, não só pessoais (art. 1.740), mas também materiais (art. 1.741). Por sua vez, a prevaricação consiste na apropriação indébita, na sonegação e no desvio de bens pertencentes ao tutelado. Finalmente, a incapacidade do tutor, que tanto pode ser moral quanto fisica, corresponde às hipóteses previstas no art. l. 735 deste Código. CAPfruLO li
DA CURATELA Seção 1
Dos Interditos O CC disciplina o regime jurídico da curatela que pode ser definida como um encargo exercido por alE,ruém para proteger e administrar a vida e os bens de outrem que não se ache em coodições tisicas ou mentats de cuidar de seus próprios interesses. Assim como a t utel~ a cura tela possui escopo essencialmen te assistencial e também exige a propositura da uma ação para o seu estabelecimento, que é chamada de interdição, Portanto, a curatela, instituto
RICAR.00 A. GREGÓRIO
1
1547
de natureza civil, não se confunde com a interdição, de origem processual, que se encontrava prevista nos arts. 1.177 a 1.186 do CPC/73, como procedimento especial de jurisdição voluntária. O CPC/2015 trata da interdição nos arts. 747 a 763 também como um procedimento de jurisdição voluntária, que pode ser iniciado por qualquer interessado pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público, valendo lembrar que este último órgão possui atuação obrigatória sempre que houver interesses de incapazes, como é o caso. Ainda quanto ao novo CPC deve ser registrado que o inciso Il, de seu art. l.072, revogou expressamente os arts. 1.768 até 1.773 (que contêm regras de cunho processual e, portanto, justificam sua revogação pelo n ova lei de ritos), de sorte que seus comentários respectivos restarão prejudicados a partir de 17.03.2016. Por outro lado, como já mencionado no início desta obra, a prom ulgação da Lei n.13.146, de 06.07.2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, acarretou uma série de modificações em nosso ordenamento jurídico pátrio e no CC, tanto em sua Parte Geral como nesta Parte Especial, as quais serão comentadas adiante. As novas mudanças seguem qqatro princípios basilares previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Defidênda recepcionada pelo Decre to n. 6.949, de 25.08.2009: a igualdade, a autonomia, a integração e a não discriminação da pessoa com deficiência. Infelizmente e apesar de seus nobres objetivos, este Estatuto acabou criando certa confusão po que concerne à capacidade civil e à curatela das pessoas com deficiência. Vale lembrar que agora, com exceção dos menores de 16 anos de idade, foram excluídas do rol das pessoas absolutamente incapazes as que, "por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento" e aquelas que, u-mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade" (respectivamente incisos II e Ul do art. 3° do CC, revogados). E o art. 40 do CC que trata da incapacidade relativa também foi alterado, com a total supressão das pessoas mencionadas na parte final do inciso II: "e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido'', além da substituÍ'j'.ãO dos "excepcionais, sem desenvolvimento mental completo" previstos no inciso III, por ''aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade''. Com isso, surpreendentemente, as pessoas portadoras de alguma deficiência - "física, mental, intelectual ou sensor ial" (cf. art. 2° do EPD)- que influencie na formação ou manifestação de sua vontade passaram a ser tratadas pela nova lei apenas como pessoas relativamente incapazes, mesmo que tal deficiência acarrete sua absoluta incapacidade de exercer os atos da vida civil e impossibilite totalmente "sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (art 2° do EPD). De qualquer sorte, cabe finalmente anotar que, assim como a tutela, o :instituto da curatela ainda possui tradicional e essencialmente um conteúdo proteti-
1548 1 ART. 1.767
RICARDO A. GREGÓRIO
vo da pessoa incapaz e que quaisquer decisões devem levar em conta primordialmente os interesses dela. Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela.: O CC/2002 havia trazido significativa ampliação das hipóteses de interdição indicadas nos incisos adiante, porém, como visto anteriormente, a secular sistemática da capacidade civil foi alterada pelo EPD, considerando-se, atualmente, nova diretriz legal que a "deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa" (art. 6C1), que poderá exercer livremente "sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas" (a1t. 84). Dessarte, a curatela passou a ser considerada necessariamente uma ''medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível''(§ 3° dô art. 84) "devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os .interesses do curatelado" (§ 2° do art. 85), a qual "afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial" e "n.~o alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto" (art 85 e seu§ I 0 ) . Por esses motivos, os comentários a seguir observarão os acréscimos e as alterações incluídas pelo recém- promulgado BPD que, em uma interpretação literal de seus dispositivos, como regra, reduziu o instituto da curatela a uma medida assistencial de gestão financeira dos bens do curatelado deficiente. Em outras palavras, o interdito portador de deficiência não estará sujeito à limitações da curatela para praticar qualquer ato da vida civil de conteúdo não econômico como ocorria anteriormente. Já no que concerne à curatela das pessoas idosas, inexiste previsão expressa neste CC nem no Estatuto do Idoso, de modo que deverão ser aplicadas as regras ora comentadas. E no que diz respeito à incapacidade civil dos indígenas, que é considerada relativa, nos termos do art. 4°; parágrafo único, deste CC, ela está sujeita à legislação extravagante (Estatuto do lndio - Lein. 6.001, de 19.12.1973), que prevê a aplicação de um "regime tutelar" especial exclusivamente para os índios "ainda não .integrados à comunhão nacional", ou seja, aqueles que tiveram pouco contato com a civilização, não dispondo ainda de recursos inteled:\lais, sociais e culturais para viver em sociedade. Finalmente, é importante lembrar que as pessoas acometidas por alg1.1ma enfermidade ou transtorno mental conJinuam sujeitas à curatela estabelecida neste CC, dispondo em acréscimo da proteção conferida pela Lei n. 10.216, de 06.04.200 l, que lhes assegura uma série de direitos e impõe diversos deveres e exigências relativas aos seus cuidados. De acordo com tal lei, qualquer modalidade de "internação psiquiátrica'' é considerada medida de exceção: ou seja, o doente mental deve ser prioritaria-
RICAR.00 A. GREGÓRIO
ART, 1,767
1 1549
mente tratado por sua família e junto dela e da comunidade (coma assistência multidisciplinar, claro, de profissionais da área da saúde}. Vale ainda destacar que a internação sem o consentimento do paciente, chamada de ''involuntária'~ deve ser obrigatoriamente informada ao Ministério Público estadual em até 72 horas do fato. O art. 1.777, adiante comentado, também repudia a internação, que deve ser sempre aplicada em último caso. I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; Inciso com redação dada pela Lei n. 13.746, de 06.0Z2015.
A redação revogada era a seguinte: "aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil e, anteriormente à modificação introduzida pelô EPD, tal inciso se relacionava diretamente com as ,pessoas absolutamente incapazes mencionadas no inciso II do art. 3°, igualmente revogado. Agora este novo inciso repete ipsis litteris o inciso III do art. 4°, que como antes visto, classifica atualmente tais pessoas como relativamente incapazes. Apesar disso, já que, para fins de curatela, o que interessa é a análise da capacidade de discel,"1lllilento e de manifestação consciente da vontade, a incapacidade civil absoluta pode e deve ser constatada na pericia obrigatoriamente realizada por equipe multidisciplinar na ação de interdição. E a causa deverá ser identificada de acordo com a edição mais recente da Classificação Internacional de Doenças -CID, de autoria da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em suma, este dispositivo possui grande abrangênàa já que, qualquer causa que efetivamente impeça uma pessoa de expressar sua vontade total ou parcialmente, impossibilitando-a de gerir a p rópria vida e/ou os próprios bens, será levada em consideração pelo aplicador da norma. U - (Revogado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.)
III - os ébrios habituais e os viciados em tóx.ico; Inciso com redação dada pela lei n. 13. 746, de 06.07.2015.
Aqui foram excluídos "os deficientes mentais~ muito embora continuem sujeitos à curatela se porventura a deficiência que possuírem acarretar alguma espécie de incapacidade, conforme explicitado no comentário anterior. Quanto aos ébrios habituais, assim consideradas as pessoas alcoólatras, o DL n. 891, de 25.11.1938, prevê a "intoxicação habitual [... ] por bebidas alcoólicas': sujeitando o agente desde a inten1ação para tratamento (compulsória: pelo juiz ou
IS50
1
ARTS. 1.767 E 1.n4
RICARDO A. GREGÓRIO
facultativa: pelo incapaz ou familiares), da qual deverá ser comunicado o Ministério P6blico estadual, até a decretação de sua incapacidade de acordo com o resultado da avaliação da pericia em ação de interdição. Quanto aos toxicómanos, sua incapacidade, procedimento de interdição e respectivo tratamento também se encontram previstos no mesmo decreto-lei, conforme referido anteriormente. Dessa forma, de acordo com o grau de dependência quinlica, a incapacidade civil poderá oscilar entre relativa e absoluta, em conformidade com o laudo pericial realizado no processo de interdição. IV - (Revogado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.)
V - os pródigos. Pródigos são pessoas com incapacidade relativa, nos termos do art. 4°, IY, as quais, conforme antiga definição romana, não conseguem distinguir ocasião nem limite de gastos1 dissipando e d.ilapidando todos os seus bens, motivo pelo qual se justifica a nomeação de curador para proteger e gerir seu patrimônio. Trata-se de uma espéde de incapacidade civiJ pouco comum e difícil de ser apurada pelo perito médico e definida pelo juiz. Neste caso, as provas documental e testemW1hal são muito importantes para sua correta constatação, cuja incapacidade civil sempre será relativa e relacionada exclusivamente aos seus bens por expressa disposição do art. 1.782, adiante comentado. Para quaisquer outros assuntos o pródigo deverá ser considerado capaz e continuará com total liberdade de decidir a respeito de aspectos não patrimoniais de sua vida civil (por exemplo, escolher e exercer uma profissão, casar, estudar etc.). E, como comentado no início deste Capítulo, o EPD reduziu, de forma geral, o escopo da curatela objetivando, em um primeiro momento, apenas a gestão do património do curatelado, já que todos os demais aspectos de sua vida em sociedade independem, como regra, da atuação do curador. Arts. 1.768 a 1.773, (Revogados pela Lei n.13.105, de ]6.03,2015,)
Art 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à t utela, com as modificações dos artigos seguintes. Por tratarem ambos os institutos da assistência e da proteção de pessoas incapazes, nada mais natural que, Iespeitadas as peculiaridades da curatela, ocorra a utilização das mesmas regras sobre a tutela, desde que, obviamen-
RICARDO A. GREGÓRIO
ARTS. 1.774 E1.775
I
1551
te, estas não contrariem as disposições especificas previstas nos dispositivos adiante comentados. Assim temos, por exemplo, a possibilidade de nomeaçilo de cmador até mesmo por testamento dos pais do curatelado, a aplicação dos idênticos impedimentos para assumir a tutela e dos 1notivos de sua es~ cusa, assim como a duração e as causas de cessação e destituição da curatela são as mesmas previstas para a tutela nos arts. 1.764 a 1.766. E quanto ao exercício da curatela1 também devem ser aplicados os mesmos comandos legais referentes à tutela (v. art. 1.781 adiante), inclusive no que concerne à obrigação de prestação de contas prevista nos arts. 1.755 a 1.762 deste CC. No CPC/73, havia normas de aplicação comuns aos dois institutos (arts. 1.187 a 1.198), agora repetidas pelo CPC/2015 nos axts. 759 a 763.
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, n ão separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito. Além do estado civil de casado ou a existência de união estável, o dispositivo em comento exige que homem ou mulher esteja coabitando com o cônjuge ou convivente incapaz à época da interdição, valendo aqui anotar que a separação de fato aplica-se às duas espécies de relação e equivale à separação de corpos no matrimônio. Destarte, a falta de convivência é causa impeditiva da assunção do cargo de curador, tanto na hipótese de casamento quanto de união estável. Finalmente, é de se observar que o convivente ou cônjuge sadio passará a administrar, sozinho, a familia e o patrimônio comum (art. L570), o que não o isenta, entretanto, de requerer autorização judicial para a prática de atos e negócios ju rídicos nos quais se faz necessário o consentimento do outro, agora curatelado (arts, 1.647 e 1.648). § l O Na falta do cônjuge o u companh eiro, é curador legitimo o p ai ou
a mãe; na falta destes, o descendente. que se demonstrar mais apto. Em se tratando de interdito solteiro, viúvo, divorciado, separado judicialmente ou de fato, o exercício da curatela passará aos seus pais, devendo apenas um deles assumir o encargo. Na falta dos gerutores, a curatela será assumida pelo descendente do interdito, devendo o juiz nomear aquele que, além do grau mais próximo, conforme prevê o parágrafo seguinte, deverá reunir melhores condições morais, fisicas e econômicas para o exercício da curatela, além da afinidade, afetividade e mesmo a vontade declarada pelo curatelado (cf. art. 755, II, do CPC/2015 e art. 85, § 3°, do EPD). § 2° Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais re-
motos.
1552
1
ARTS. 1.775 A 1.m
RICARDO A. GREGÓRIO
Desta maneira, para exercer a curatela, prefere-se o filho ou a filha do interdito (parente de 1° grau) ao neto ou à neta (2° grau), estes ao bisneto ou à bisneta (3° grau), e assim sucessivamente. Concorrendo dois ou mais parentes do mesmo grau, deverá ser aplicada a regra do parágrafo anterior. § 3° Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz
a escolha do curador. Nesta última situação, cabe ao juiz escolher o chamado ''curador dativo", ou seja, pessoa idônea e capaz, de sua confiança, que assumirá o encargo de cuidar do interdito e de seus bens. Quando se tratar de pessoa hospitalizada, também é possível, mas raro de ocorrer, a nomeação judicial de um curador dativo diretamente relacionado com a respectiva instituição responsável pelo tratamento do curatelado. Art. 1.775-A. Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela comp artilhada a mais de uma pessoa. Artigo acrescentado pelo Leí n. 13.746, de 06.07.2015.
Coro esta inclusão prevista no EPD, o legislador previu a possibilidade do exercício da curatela por duas ou mais pessoas, o que pode efetivamente ocorrer nos casos em que uma delas seja responsável pelos cuidados pessoais do cu:ratelado (o chamado "atendente pessoal" previsto no arL 3°, Xll, do EPD) e outra pelos interesses patrimoniais, a exemplo do que ocorre no exercício parcial da tutela (art. l.743).
Art. 1.776. (Revogado pelaLei n. 13.146, de 06.07.2015.) Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso Ido art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio. Artigo,com redação dada pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015, Este artigo trata, especificamente, da hospitalízação dos viciados el]l álcool, dos toxicómanos e dos portadores de enfermidade ou deficiêncfa. A i_nternação é meilida excepcionalíssima e somente deve ser determinada pelo juiz se os tratamentos ambulatoriais se mostrarem insuficientes para a (re)inserção social do curatelado. Finalmente, vale aqui frisar que, de acordo com a legislação especial citada nos comentários ao ilispositivo anterior,
ARTS. I.TT/ A 1,779 1 1553
RICAR.0 0 A. GREGÓRIO
deverão ser cumpridas todas as exigências quanto à adequação do estabelecimento responsável pela internação e tratamento do interdito.
Art. 1.778. A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado, observado o art. 5°. A regra tem por finalidade concentrar a proteção dos incapazes numa só pessoa. evitando-se, com isso, que a curatela do genitor interdito seja exercida por uma pessoa e a tutela de seus filhos menores por outra. Assim, não havendo outro genitor capaz de exercer o poder familiar, o curador também desempenhará seu munus quanto à prole do interdito, encargo este que perdurará até que os filhos atinjam a maioridade, de acordo com as hipóteses previstas no art. 5°, ou, então, até que o genitor curatelado restabeleça sua capacidade, com o levantamento da interdiçãó. O presente dispositivo não se aplica aos filhos maiores e incapazes, os quais terão o curador nomeado por ocasião de sua interdição.
Seção li Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência F(sica
Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Trata-se de situação especialíssima, na qual a gestante encontra-se incapaz de exercer o poder familiar, porque houve a suspensão ou a destituição desse poder, e o outro genitor for falecido ou se encontrar ausente ou, ainda, na mesma condição da mãe. A fim de garantir ao nascituro um completo desenvolvimento gestacional até sua nascença com vida, deverá ser provisoriamente nomeado um curador nesse período. O pa:tágrafo único do art. 878 do CPC/73 repetia o dispositivo ora comentado ao tratar da posse em nome do nascituro, mas não foi renovado pelo CPC/2015. Ocorrendo o nascimento da criança, extinguir-se-á a curatela especial, devendo ser nomeado um tutor, conforme comentário no capítulo respectivo. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro. Temos aqui outra situação extraordinária que complementa o caput deste artigo e reforça o art 1.778, unificando a proteção e o comando familiar
1554
I
A.RTS, 1.779 A 1,782
RICA.ROO A, GREGÓRIO
nas mãos do curador do nascituro, que també,m exercerá a curatela da mãe deste último, agora ~nterdita. Art. 1.780. (Revogado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.)
S~ão Ili Do Exercido da Curatela Art, l. 781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao d a curatela, com a r estrição do art. 1.772 e as desta Seção. Este dispositivo reafirma o disposto no art. 1.774.Dessa forma, como o exercício do cargo de curador é equiparado ao do tutor, ele deverá gerir a pessoa e o patrimônio do curatelado estritamente conforme os interesses deste e de acordo com os limites fixados pelo juiz na sentença de interdição e com as normas da tutela que forem.compatíveis (arts. l.740 a 1.762). Cabe registrar a possibilidade de nomeação de urna pessoa para :fiscalizar o exercício dacuratela, que na tutela é denominada d~protutor (art. 1.742). Também como ocorre na tutela (art. 1.743), a bem dos interesses do incapaz, é perfeitamente possível cogitar do exercício parcial ou compartilhado dacuratela, que poderá ser desempenhada por dois curadores: o primeiro, responsável pelos cuidados pessoais do interdito (por exemplo, parente mais próximo, com ligações afetivas, mas sem condições de gerir os bens do incapaz) e o segundo curador incumbido exclusivamente da administração do patrim ônio do curatelado (outro parente ou até mesmo terceiro dativo, com conhecimentos t écnicos e ni>eriência no assunto). Finalmente, essas pessoas farão jus ao reembolso do que gastarem assim como a uma remuneração se o patrimôn io do interdito permitir (art. 1.752).
Art. l.782. A interdição do pródigos(> o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação , alienar, hipotecar, d emandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração. O legislador civil fixou aqui os limltes da curatela do pródigo, não pe.n nitindo que o mesmo realize atos de disposição, oneração e defesa de seu p atrimônio, os quais deverão ser praticados exclusivamente por seu curador, de acordo com os comentários anteriores a respeito da gestão financeira pelo tutor. Apesar desse controle absoluto pelo curador, nada impede que ele entregue, semanalmente, por exemplo, pequeno numerário ao curatelado para
ARTS. 1.782 A 1.783-A 1 1555
RICARDO A. GREGÓRIO
as despesas menores e comuns do dia a dia (transporte e alimentação). De resto, permite.se que o pródigo pratique, sozinho, todos os demais atos da vida civil, como já comentado. 'fratando·se de curatela de pessoa com deficiência aplica·se esta regra (cf. art. 85 do EPD). Art. l. 783. Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial. Diante da comunhão total do patrimônio dos cônjuges, que abrange os bens presentes e futuros de ambos (art. 1.667), será inicialmente dispensável ao con· sorte curador a obrigação bienal de prestar contas, assim como a de apresen· tar balanços anuais, como ocorre com as demais pessoas chamadas a e:x:ercer a curatéla. Todavia, em sua parte final, o dispositivo excepciona a dispensa por imposição do juiz, diante de uma possfvel ou mesmo efetiva má administração da parte do cônjuge curador, que coloque em risco não só a participação ( meação) do curatelado no patrimônio comum, mas, também, que venha a atingir seus bens particulares. Finalmente, cabe anotar que o convivente, mais uma veZc, não foi mencionado pelo codificador, o que não impede o j\,l.ÍZ dedispensá·lo da prestação de contas, se porventura eicisti r contrato escrito que estabeleça o regime de bens da comunhão universal (art l .725).
CAPÍTULO Ili DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA Copftulo acresceF1tado pela Lei n. 13. 146, de 06.07.2015.
Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo m enos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar·lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fomecendo·lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. Caput ocrescentado pela Lei n. 13.146, de 06,07,2015.
Cuida"se de um procedimento judicial sem precedente em nosso ordenamento jurídico, íntroduzido pelo art. 116 do EPD, que tem por franca inspiração urna lei de 2004 que alterou o Código Civil italiano, estabelecendo a chamada amrninistrazíone i;fi sostegno. O novo Código Gvíl da argentina também trata do assunto em seu art 43. Por meio desse novo instrumento, uma pessoa com deficiência (qualquer que seja sua espécie ou causa) poderá constituir advogado e pedir judicialmente a homologação de seu pedido de apoio,
1556
1
ARTS. 1.783-A
RICAADO A. GREGÓRIO
nos termos dos incisos seguintes. O ajuizamento desse procedimento pressupõe a iniciativa e a compreensão- pela pessoa que necessita de apoio - de que sua deficiência não lhe permite reunir e avaliar, sozinha, elementos e informações indispensáveis para a tomada de decisões relevantes em sua vida em sociedade, leia-se ''atos da vida civil". Em outras palavras: no caso de um deficiente maior de 18 anos cuja idade mental tenha sido calculada em 15 anos, por exemplo, falta-lhe a autonomia necessária para, sozinho, decidir a respeito de questões importantes de natureza pessoal e/ou patrimonial. Assim é que a pessoa com deficiência poderá escolher e ter a assistência de, no mínimo, duas pessoas idôneas e de sua confiança denominadas de apoíadores, com as quais se presume manter vínculos de afinidade e/ou afetividade e que lhe poderão prestar o auxílio necessário. Como se trata de matéria relacionada com o direito de familia, o foro competente (competência funcional) deverá ser o mesmo designado para o julgamento de ações dessa natureza e referente ao domicílio do autor do pedido (competência territorial), tudo conforme as normas de organização judiciária de cada Estado. Consi~ derando não se tratar de procedimento especificamente previsto na lei pro~ cessual civil e por não haver contraditório e ampla defesa (salvo o caso de destituição de apoiador, adiante comentada), o pedido de tomada de decisão apoiada pode ser classificado como um procedimento de jurisdição vohwtária (cf. a rt. 7l9 do CPC/2015). Finalmente, bá de se registrar que esse procedimento não implica propriamente uma restrição da capacidade dvil do autor do pedido seja com relação à sua própria pessoa, seja com relação aos seus bens, como ocorre com a curatela. Está muito mais para uma espécie de colaboração 1nesmo (em vez da assistência na incapacidade relativa), prestada por dois apoiadores visando a própria proteção da pessoa apoiada, transformando assim, em certa medida, a curatela como um instituto excepcional e residual, indicado somente quando a tomada de decisão apoiada não puder ser utilizada pela própria pessoa deficiente. Dessa maneira, entendemos que não é n ecessário nenhum registro ou averbação no Cartório onde estiver registrada a pessoa apoiada, como ocorre com a curatela. § 1° Pa ra formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa
com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os co mpro missos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar. Parágrafo acrescentado pelo Lei n. 13.146, de 06.0Z2015. Conforme este dispositivo, juntamente com o requerimento inicial, será apresentado um termo de acordo para ser homologado judicialmente, o qual
RICARDO A. GREGÓRIO
ART. 1.783-A
1 1557
deverá conter obrigatoriamente: a) as assinaturas da pessoa apoiada e dos apoiadores; b) o prazo de vigência (que poderá ser indeterminado); e) os limites objetivos do apoio com refe.rência aos anseios da pessoa apoiada; d) os direitos e interesses que serão objeto da tomada de decisão, podendo abranger aspectos pessoais, profissionais, sociais e materiais. Uma vez que nem o caput do artigo nem o presente inciso discriminam quais seriam os atos da vida civil, direitos e interesses da pessoa apoiada, entendemos que tanto aqueles de ordem pessoal (por exemplo, casar-se ou adotar) como patrimonial (celebrar pacto antenupcial, redigir testamento, realizar a venda de um bem) podem ser objeto da tomada de decisão que constará do termo de apoio. § 2° O pedido de t omada de decisão apoiada será requerido pela pes~
soa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo. Parágrafo acrescentada pela Lei n. 73.146, de 06.0Z2015. O presente dispositivo exige a formulação de um requerimento simples endereçado ao juiz competente pela pessoa apoiada com a qualificação de todos os envolvidos, no qual haverá o pedido de homoJogação do termo deacordo que será apresentado em anexo, nos moldes do parágrafo anterior. O dispositivo não exige que o autor apresente os motivos pelos quais deduziu seu pedido. § 3° Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão
apoiada, o juiz, assistido por eqlúpe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
Para que o juiz responsável possa proferir uma decisão homologatória do pedido de tomada de decisão, o parágrafo em comento exige a realização de certas providências prévias e indispensáveis: 1•) a elaboração de parecer/laudo por mais de um perito {psicólogo, assistente social, médico psiquiatra etc.) da confiança do juízo; 2•) a manifestação do representante do Ministério P úblico; 3•) a realização de uma audiência para oitiva do autor dopedido e dos apoiadores indicados na petição inicial, a fim de que o julgador analise a conveniêncja e a necessidade do pedido, assim como o grau de discernimento da pessoa apoiada e aprecie os termos do acordo de apoio. Entendemos que, conforme as provas produzidas e sua pr ópria convicção, o juiz poderá rejeitar totalmente o pedido ou acolhê-lo incondicionalmente, aceitando o acordo tal como foi apresentado, assim como homologá-lo com
1558
1
ART, 1,783-A
RICARDO A. GREGÓRIO
ressalvas e alterações, sempre com vistas ao melhor interesse da pessoa que busca o apoio. § 4° A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre
terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado. Parágrafo acrescentado pelo Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
Como o procedimento de tomada de decisão apoiada, para ser promovido, exige certos requisitos e.spedficos e sentença judicial homologatória, a decisão que for tomada pela pessoa apoiada possui caráter erga omnes, atingindo terceiros interessados ou não no ato ou negócio realizados, mas sua validade e eficácia ficam condicionadas aos limites do termo de acordo homologado.Assim, as decisões tomadas de acordo com o termo de apoio gozam de p resunção legal absoluta ou iure et de ittrl;! de validade plena "sem restrições'~ ainda que posteriormente se verifique eventual incapacidade do agente, enquanto os atos e os negócios praticados fora de seus termos estarão sujeitos.à anulação por eventual incapacidade da pessoa com deficiência. § 5° Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial
pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado. Parágrafo acrescentado pelo Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
Por urna questão de maior segurança jurídica, qualquer pessoa - tisica ou jurídica - que negociar com a pessoa apoiada poderá exigir que o instrumento respectivo seja também assinado pelos apoiadores. Com tal medida é facultativa, o interessado estará apenas se precavendo de futuras discussões a respeito da validade do ato praticado. § 6° Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo
relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apo1.adores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, deddir sobre a questão. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2075.
Qu.mdo não houver unanimidade entre a pessoa apoiachi e os apoi.1dores a respeito de questões que apresentem alguma possibilidade de prejufaos consideráveis aos interesses da pessoa apoiada (por exemplo, a venda de uma
RICARDO A. GREGÓRIO
ARt 1.783-A
j 1559
imóvel por preço bem abaixo do mercado), o apoiadm: divergente poderá pleitear ao juiz responsável pela homologação do termo de acordo que decida a respeito, mediante prévia manifestação do representante do Ministério Público. § 7° Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou
não adímplir as obrigações assumidas, poderâ a p essoa apoiada ou qualquer p essoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz. Parágrafo acrescentado pela lei n. 13./46, de 06.0Z2015.
O legislador previu três hipóteses de comportamento culposo ou doloso do apoiador que contrariam os interesses da pessoa apoiada: 1) negligência quanto aos atos praticados pela pessoa apoiada; 2) pressão indevida p ara a realização de algum ato ou negócio; 3) inadimplência das obrigações assumidas no termo de acordo. Ocorrendo uma delas, poderão ser denunciadas pelo deficiente apoiado, pelo outro apoiador ou ainda por qualquer pessoa diretamente ao representante do Ministério Público ou ao juiz que presidiu o procedimento de decisão apoiada a fim de que tomem as devidas providências p ara apuração do noticiado. § 8° Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará,
ouvida a pessoa apoiada e s e for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio. Parógrafo acrescentado pela lei n. 73.146, de 06.0Z2015.
Apesar de o dispositivo ser omisso com relação aos prindpios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, antes da decisão judicial, deverá ser conferida ao apoiador a oportunidade de se defender e produzir provas de suas alegações. De qualquer sorte, de acordo com a vontade do apoiado, a tomada de decisão p oderá continuar mediante a substituição do destituído por outro apoiador ou então se encerrar, conforme previsto adiante. § 9° A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, ~olicitar o término de
acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada. Parágrafo acrescentado pelo Lei n. 13,746, de 06.07.2015.
Um simples requerimento da pessoa apoiada dirigido ao juiz responsável pelo homologação do acordo já se mostra suficiente para o seu respectivo encerramento, o que deverá se materializar mediante uma sentença homologatória de extinção.
1560
1 ART. 1.783-A
RICAADO A. GREGÓRIO
§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a ex;dusão de sua participação
do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria. Parógrafo acrescentado pela Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
Não existe nenhuma outra condição imposta ao apoiador que não quiser mais participar do processo de tomada de decisão apoiada senão a necessidade de homologação por sentença judicial do pedido de desistência, descrita neste dispositivo como ttmanifestação do juiz sobre a matéria~ § 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as dis-
posições referentes à prestação de contas n a curatela. Parágrafo acrescentado pelo Lei n. 13.146, de 06.07.2015.
No caso desta regra,,entendemos que somente se algum dos apoiadores gerir pessoalmente bens ( dinheiro, ações, direitos, lmóveis etc.) do deficiente apoiado é que ficará obrigado a apresentar anualmente as contas de sua administração, cujas obrigações, conforme estabelecido no art. 1.774, estão previst~ nos arts. 1.755 a 1.762 deste CC,
-,LIVRO V DO DIREITO DAS SUCESSÕES
TflULO 1
DA SUCESSÃO EM GERAL CAPiruLO 1 DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1.784,. Aberta a sucessão, a h eranç-a transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. A personalidade da pessoa natural, ou seja, sua capacídade para ser titular de direitos e deveres na ordem civil, term.inacom a morte (art. 6° do CC). Não se podendo conceber a e.x:istência de direitos sem sujeito, a titularidade dos direitos do de cujus transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários, que a recebem imediatamente (princípio da saisine) e independentetnente da prãtica de qualquer ato, ainda que não tenham conhecitnento da 1norte do antigo titular. A palavra sucessão, embora comporte vários significados, é empregada, no artigo comentado, em sentido restrito, ou seja, como a transmissão do patrimônio de uma pessoa a outra (ou outras), em virtude de sua morte (transmissão causa mortis). É legítima (ab intestato) quando decorre de disposição legal, devendo ser observada a ordem de vocação hereditária: descendentes, ascendentes (ambos em concorrência com o côoju-
156Z
I
ARTS. 1.784 E 1,785
OSNIDESOUZA
ge, quando for o caso), cônjuge sobrevivente e colaterais (art. 1.829). É testamentária a que resulta de testamento, ou disposição de última vontade. A expressão "herdeiro" Índica aquele que é contemplado com a totalidade do patrimônio do de cujus ou uma quota-parte ideal dele. Nessa hipótese, a sucessão é universal. A sucessão a tltuío singular ocorre quando apenas direito certo e individuado é transferido, o que se dá apenas na sucessão testamentária (legados). Integram a herança todos os bens que compõem o património do de cujus ( móveis, imóveis, débitos e créditos), ou seja, todos os direitos que não se extinguem com a morte. É t ransmitida aos herdeiros, em sua totalidade, por força de uma ficção legal, regulando-se a propriedade e a posse pelas normas relativas ao condomínio (art. l.791, parágrafo único). A transmissão da herança, consequência imediata da morte de alguém, cria uma situação de índ:ivisão entre os herdeiros até a partilha definitiva, quando cada qual receberá o seu quinhão. Até então, baverá entre eles um condomínio necessário, regido pelos arts. 1.791 a 1.797. Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar d o último domicílio do falecido. Ao prever que a sucessão é aberta no lugar do último domicilio do falecido, o legislador fixou regra de direito interno, de indiscutível praticidade, posto que, unüicando as relações jurfdicas transmitidas pela sucessão e fixando a competência do juízo, possibilita a solução de todas as questões a ela referentes pelo juiz sob cuja jurisdição se encontrava o autor da herança. O dispositivo, contudo, é mera repetição do art. 1.578 do CC/1916 e passível das mesmas críticas, uma vez que deixa em aberto situações excepcionais, pois o local da 1norte pode não coincidir com o do último domicilio. Com efeito, o domicílio pode ser incerto; o de cu.jus pode ter tido vários domicílios; pode não ter tido domicilio no território nacional, aqui deixando bens; e pode se tratar de sucessão de estrangeiro. O art. 48 do CPC/2015 fixa regra compativel com o art. l. 785: "O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o con1petente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposíções de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudícial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro". Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente o foro "de situação dos bens imóveis"; havendo bens imóveis em foros diferentes, "qualquer destes"; não havendo bens imóveis, "o foro do local de qualquer dos bens do espólio" (art. 48, Iam, do CPC/2015). Quanto ao estrangeiro, aplica-se a regra do art. 23, II, do CPC/2015: «compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: [.. ,) II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens, situados no Bra-
OSNIDESOUZA
AR'{S. 1.785 A 1.787
1 1563
sil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou te.n ha domicílio fora do território nacional''.
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade. O dispositivo prevê as duas espécies de sucessão admitidas pelo Direito brasileiro: a sucessão legitima, que resulta da lei, e a sucessão testamentária, resultante da vontade do de cujus. Na prilneira, deve-se observar a ordem de vocação hereditária, prevista no art. 1.829, ditada em razão do parentesco e que traduz a vontade presumida do autor da herança. Assim, são chamados a suceder os descendentes (em concorrência com o cônjuge, nas condições especificadas), os ascendentes, em concorrência com o cônjuge, o cônjuge sobrevivente e, por ultimo, os colaterais. Só as pessoas fisicas são contempladas nessa modalidade de sucessão. A sucessão testamentária resulta da vontade expressamente manifestada pelo autor da herança, por ato de última vontade, em que determina seus herdeiros. Podem ser contempladas as pessoas fisícas e jurídicas, dotadas de personalidade, assim como a fundação cuja organização tenha sido determinada pelo testador. Há que se obsenrar, porém, que a lei consigna uma limitação à liberdade de testar (art. 1.789) se houver herdeiros necessátios, assim considerados os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (art. 1.845), caso em que o testador só poderá dispor de metade da herança. Podem coexistir as duas formas de sucessao (legítima e testamentária) se existirem herdefros necessários ou se a disposição testa1nentária. não abarcar a totalidade da parte disponível.
Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação p ara suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. Conforme visto precedentemente (art. 1.784), a herança é transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários com a abertura da sucessão. O dispositivo ora comentado, considerando a possibilidade de urna lei anterior ser revogada por outra que regule a mesma matéria de forma diversa, dispõe que a sucessao e a legitimaçâo para suceder serao reguladas pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Preserva, assim, o direito adquirido pelos herdeiros por ocasião da morte do autor da herança, momento em que se operou a transmissão desta. f. neste momento - da abertura da sucessão que se deve verificar a capacidade pan1 suceder e para adquirir a herança, de acordo com a lei vigente. Tratando-se de sucessão legitima, a questão é simples, pois rodas as questões pertinentes à herança serão reguladas pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Mais complexa, contudo, é a solução quando se tratar de sucessão testamentária. Aqui, é preciso considerar
1564
1 ARTS. 1.787 A 1.789
OSNIDESOUZA
dois momentos distintos: o da feitura do testamento e o da eficácia das clisposições testamentárias. Estas regem-se sempre pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Assim, disposição válida ao tempo da feitura do testamento, mas vedada pela lei vigente ao ensejo da morte do testador, não tem eficácia. Ao contrário, uma disposição nula, a que a lei atual empreste validade, deve prevalecer. entretanto, a lei vigente na data da feitura do testamento que determinará a capacidade para testar (incapacidade superveniente do testador não invalida o ato, assim como não se. convalida o testamento feito pelo incapaz) e as formalidades indispensáveis à sua eficácia.
.e,
Art. l. 788. Morrendo a pessoa sem testamento, t i::ansrnite a herança aos herdeiros leg ítimos; o m esmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e s ubsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for ;u1gado nulo.
O dispositivo contempla várias situações, que devem ser analisadas. A primeira diz respeito à inexistência de testamento, transmitindo-se a herança aos herdeiros legítimos, observada a ordem de vocação bereclitária, p or presumir-se ter sido esta a vontade do de cujus. A segunda contempla os bens não compreendidos no testamento, resultado de mero esquecimento dotestador ou da aquisição de algum bem após a feitura do testao::iento. Nesse caso, tais bens deverão ser deferidos aos herdeiros legítimos, inclusive ao Estado, quando vacante a herança. A terceira hipótese é de caducidade do tes tamento, que perde sua eficácia p or causa posterior à sua feitura, como nos casos de pré-morte do herdeiro instituído, não sendo caso de substituição o u de inexistência do bem ao ensejo da abertura da sucessão. Os casos de caducidade dos legados estão previstos no art. 1.939. Também prevalecerá a sucessão legitima quando o testamento for revogado, o que toma ineficaz o anterior, desde que observados a mesma forma e o modo como foi feito (art. 1.969). Também subsiste a sucessão legítima se o testamento for julgado nulo. Embora não o diga expressamente, o clispositivo em análise contempla não só as hipóteses de n ulidade do testamento (p. ex.: inobservânda de formalidade legal indispensável à sua validade; incapacidade absoluta do testador), como as de anulabilidade (p. ex.: Vícios de consentimento) e de rompimento do testamento (p. ex.: superveniência de descendente sucessível ou desconhecimento de sua e."Ustência pelo testador). Em todas essas situações, se~o chamados a suceder os herdeiros legltimos. Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da meta de da h erança.
OSNIDESOUZA
AJITS. 1,789 E 1.790 1 1565
O dispositivo, tal como já previa o art. 1.576 do CC/1916, restringe a liberdade do testador, reservando metade de sua herança aos herdeiros necessários (também denominados legitimários, reservatários ou forçados). Contrariamente à solução adotada pelo CC/2002, argumentam alguns doutrinadores que o direito de testar é uma simples aplicação do direito de hvre disposição, atribuído ao proprietálio, sendo um consectário lógico do exercício da propriedade; a restrição ao direito de te~tar fexe a liberdade individual, suprime a autoridade paterna, inibe a iniciativa individual, gerando o vício e a ociosidade. Preferiu, entretanto, o legislador, seguir o caminho oposto, também trilhado pelas legislações- modernas, como o CC português de 1966 (arts. 2.156 a 2,161), que assegura aos herdeiros necessários participação na herança e justifica o cerceamento da liberdade do testador como forma de proteção da familia, evjtando o sacrifício daqueles que estão vinculados ao de cujus por laços de parentesco em benefício de terceiros que não contribuíram para a formação do patrimônio. Adotou o Código um sistema de limitada liberdade de testar, pois, havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de metade dos seus bens, constituindo a outra metade a legítima, que deverá ser calculada, na forma do art 1.847, "sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as divjdas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos à colação''. A liberdade de testai;, portanto, só será plena quando o testador não t iver descendente, ascendente ou cônjuge, hipótese em que poderá livremente dispor de todos os seus bens portestamento, afastando de sua sucessão os colaterais. Convém observar que o legislador não protege a legítima apenas no momento da abertura da sucessão. Protege-a também ao considerar nula a doação (ato inter vivos, de natureza gratuita), quando a liberalidade exceder a parte que o doador poderia dispor- em testamento (art. 549).
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro particip ará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: A CF/88 reconheceu, para efeito de·pxoteção do Estado, "a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em c.c1samento" (art. 226, § 3°). Após a promulgação da Lei Maior, foram editadas a Lei n. 8.971, de29.12.1994, que regulou o direito dos companheiros a alimentos e sucessão, e a Lei n . 9.278, de 10.05. 1996, que .regulou o § 3° do art. 226 da CP. O p rimeiro diploma legal previa a parücipação do companheiro na sucessão do outro, atribuindo-lhe d ireito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens d o de cujus, se houver filhos deste ou comuns, ou à metade, se não houver filhos, ainda que
1566
1 ART. 1.790
OSNIDESOUZA
sobrevivam ascendentes. Na falta de descendentes e de ascendentes, teria direito à totalidade da herança (art. 2°). O segundo diploma legal instituiu, em favor do sobrevivente, "direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família" (art. 7°, parágrafo único). I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da heran~a, tocar-lhe-á a metade do que coubet a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito i\ totalidade da herança. O CC/2002 disciplinou o direito sucessório dos companheiros de forma ampla e incompatlvel com as leis anteriores, que restaram revogadas, por força do disposto no art. 2°, § 1°, da Lindb. O art. 1.790 assegurou a participação do sobrevivente apenas na parte da herança que, com seu esfm;ço-runda que presumido, em face do regime de bens {comunhão parcial)-, ajudou a construir, ao se referir aos "bens adq1,1.Íridos onero~ente na vigê.ncia da união estável': salvo quando não houver parentes sucessíveis (inciso IV), hipótese em que terá direito à totalidade da herança. Conforme reconheceu o STJ, "o art. L790 do CC/2002, que regula a sucessão do de cujus que vivia em união estável com sua companheira, estabelece que esta c.oncorre com os filhos daquele na herança, calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência[ .. . ]" (MC n. 14.509/SP, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 21.08.2008). Esse entendimento foi reiterado no julgamento do REsp n. 1.117.563/SP, reconhecendo que "o património do falecido não se comunica com a companheira, nem a titulo de meação, nem a título de herança" (rei. Min. Nancy Andrighi, j. 17.12.2009). Assim, respeitada a meação dos bens comuns, adquiridos onerosamente pelo casal, a que tem direito por força do regime de comunhão parcial (art. 1.725), o sobrevivente ainda herdará uma quota-parte desses mesmos bens, na proporção estabelecida nos incisos la III do art. 1.790. Concorrendo com filhos comuns, sua quota será equivalente à que for atribuída ao filho; concorrendo com descendente só do autor da herança, tocar-lbe-,1 a metade da quota que receber o descendente; concorrendo com outros parentes sucessíveis (ascendentes e colatera.is), terá direito a um terço da herança. Por fim, se não houver parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança, ou seja, não só os bens adquiridos na constância da união estável, mas a totalidade dos bens do falecido. O artigo em
OSNIDESOUZA
AIUS. 1.790 E 1.791
1 1567
questão não previu a hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com filhos comuns e descendentes e.xclus.ivos do autor de herança. Portanto, diante da omissão da lei, tem aplicação o art. 4° da Lei de lntrodução às Normas do Direito Brasileiro (DL n. 4.657, de04.09.1942), assim como o principio da igualdade jurídíca de todos os filhos (CP, art 227, § 6°; CC, art. 1.596), de modo que na divisão do acervo, todos os filhos serão contemplados com cotas iguais, assegurando-se o direito sucessório do companheiro com a metade do que couber a cada um dos filhos (CC, art. 1.790, II). Nesse sentido é a jurisprudência do TJSP: "Direito sucessório. Coinpanheira que concorre com filho comum e filho exclusivo do autor da heranya. Ausência de regi·a legal específica para a hipótese. Solução que contempla o direito sucessório da companheira apenas no que toca à metade do que couber a cada um dos filhos. Aplicação por analogia do art. l. 790, II, do CC, de modo a preservar a igualdade entre os filhos. Observância do art. 227, § 6°, da CF/88 e do art. 1.834 do CC. Recurso não provido" (AI n. 90367746-92.2009.8,26.0000, Sª Câm. de Dir. Pciv., rel Des. Roberto Mac Craclressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão somente de atos p róprios da qualidade de herdeiro. A aceitação da herança, diz o te>..-to, pode ser expressa ou tácita. Expressa quando resulta de manifestação inequívoca do herdeiro. Deve revestira forma escrita, ou seja, exige-se declaração formal, embora não solene, hastan-
OSNIOESOUlA
ART. 1.805
1
1579
do qualquer documento escrito, ainda que não redigido com o propósíto de aceitação. A declaração escrita, conforme entende a doutrina, é exigida por uma questão de prova, não se admitindo que se prove a aceitação por outro modo (prova testemunhal, por exemplo). Assim, se o herdeiro falecer antes da aceitação da herança (expressa ou tácita), esse direito é devolvido aos seus sucessores. A aceitação tácita resulta da prática de atos próprios da qualidade de he.rdeiro, que demonstrem, por ~i sós, a intenção de aceitar a herança (nomeação de advogado para intervir no inventário, concordância com as primeiras declarações, cessão dos direitos hereditários, ou qualquer fato incompatível com a intenção de repudiar a herança). A aceitação da herança é ato unilateral (ato do herdeiro, que dispensa outorga uxória), exigindo apenas capacidade geral para os atos da vida civil. § 1° Não exprimem aceitação de h erança os atos oficiosos, como o
funeral do finado, os meramente conservatódos, ou os de ad mi o istração e guarda provisória. A presunção de aceitação é afastada relativamente aos atos oficiosos ( o funeral do fulado, os meramente conservatórios, os de administração e gutamento anotará em qualquer parte do testamento o lugar, dia, mês e ano em que lhe foi apresentado, devendo a nota ser assinada pelo recebedor e pelas testemunhas. Cumpridas as formalidades deste parágrafo, o testamento militar não caducará e prevalece em qualquer tempo (art. 1.895). Art. 1,895. Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente. Ta:] como ocorre nos testamentos marítimo e aeronáutico (art. 1.891), o testamento militar, p or se tratar de testamento especial, está submetido a prazo de caducidade. A medida se Justifica porque, não estando mais sujeito à causa efêmera que ensejou a elaboração do testamento especial, intencionando fazer prevalecer as suas disposições de última vontade, deve o testador fazê-lo por uma das formas ordinárias legalmente previstas. No entanto, o testamento elaborado com as formalidades previstas no parágrllfo único do art 1.894, por se tratar de forma semelhante ao testamento cerrado, ter sido escrito, datado e assinado pelo próprio testador na presença de testemunhas e autenticado por oficial, demonstrando de forma segura a intenção do testador, não estará sujeito ao prazo de caducidade ora estabelecido pelo art. 1.895, sendo evidente exceção à regra legal. Art. 1.896. As pessoas designadas no art. 1,893, estando empenhadas em combate, ou feridas, podem testar oralmente, confiando a s ua última vontade a duas testemunhas. Cuida o dispositivo do testamento militar nuncupativo, que representa a única exceção à regra de que os testamentos devem ser celebrados por escrito. Trata-se de m odalidade de testamento que pode ser utilizada apenas pe~ las pessoas que estejam empenhadas em combate, ou seja, que estejam efetivamente participando de uma luta ou batalha durante a guerra, ou que estejam feridas, estando, portanto, realmente impossibilitadas de escrever. Nessas situações, o testador aprese)lta oralmente as suas disposições de última vontade a duas testemunhas, simultaneamente, e a sua eficácia dependerá da sobrevivência dessas duas testemunhas qu.e ouviram o testador. Parágrafo único. Não terá efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou convalescer do ferimento.
VANESSA DEMARIA OUTIONE
ARTS. J.896 E 1.897
1 1645
Por se tratar de modalidade excepdonalissima, caso o testador não morra na guerra o u copvalesça do ferímento) o testamepto perderá a eficácia. Como nâo há previsão de prazo para a perda de eficácia do testamento militar nuncupativo, deve-se entender que, uma vez findo o combate ou convalescendo o testador do ferilnento que o acometia no momento em que testou, ainda que prosseguindo a guerra, a sua manifestação de últíma vontade deve ser ratificada por outra forma de testamento militar (arts. 1.893 e 1.894), ou, na hipótese de ter-se encerrado, por testamento ordinário em qualquer modalidade.
CAP(TULO VI DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS
Art. 1.897. A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob condição, pai,-a cei;to fim ou modo, ou por certo motivo. Tratando do conteúdo das disposições testamentárias, apresenta o dispositivo a forma como pode se dar a nomeação de herdeiro ou de legatário. Note-se que herdeiro é aquele que recebe a fração ou a totalidade do patrimônio do testador, sendo sucessor a titulo universal, enquanto o legatário recebe bens determinados ou quotas de certos bens, de forma individuada, sendo, por essa razão, sucessor a título singular. A nomeação pura e simples do herdeiro ou legatário ocorre quando é feita sem qualquer alusão a limites ou obrigações particulares, sem q ue haja ímposição de qualquer ônus, encargo ou obrigação ao herdeiro ou ao legatário, produzindo efeitos tão logo ocorra a abertura da sucessão. Significa dizer que, sendo a nomeação pma e símples, a propriedade do legado e a posse e a propriedade da herança são adquiridas desde o momento da mor te do testador. A nomeação condicional é aquela que se subordina a evento futuro e incerto, e, para que o testador realize tal nomeação, deve ser observado o que dispõem os arts. 121 a 130, que regulam a condição. Se a condição se verificar em vida do testador, o direito do herdeiro ou do legatário fica assegurado já n o momento da abertura da sucessão. Pode a condição ser suspensiva ou resolutiva. Será suspensíva se a nomeação estiver ligada a acontecimento futuro, mas incerto. Nesse caso, enquanto não verificada a condição, não terá eficácia a nomeação. Com o im,plemento da condição, o direito que o herdeiro ou legatário adquirem retroagirá à data da abertura da sucessão.. Registre-se que o faleci.meuto do beneficiado antes do implemento da condição suspensiva produz a imediata caducidade da nomeação, não sendo possível a transmissão do direito eventual aos sucessores do beneficiado falecido. Em sendo resolutiva a condição, o beneficiado adquire o direito desde a abertura da sucessão mas, verificado o evento previsto pelo testador, para todos os efeitos, o direito se
1646 1 ARTS, 1.897 A 1.899
VANESSA OE MARIA OUTTONE
extingue. Pode, ainda, a nomeação se dar para certo fim ou modo, que representa a disposição testamentária submetida a encargo, atribuindo-se, assim, ao beneficiado uma obrigação. Embora a não execução do encargo não torne ineficaz a nomeação, a doutrina se divide quanto à possibilidade de os herdeiros do testador ou daquele que possua legítimo interesse de pleitear a ineficácia da liberalidade judicialmente. O encargo, no entanto, somente pode atingir os bens da parte disponível e, assim, os herdeiros legítimos não podem ser onerados com encargo em sua legitima. Também pode a nomeação ser feita por certo motivo, que se dá quando o testador explicita a razão da liberalidade, mencionando o fator que se mostrou determinante para a nomeação do herdeiro ou do legatário. Caso o motivo apontado não seja verdadeiro, incorrendo em erro, portanto, o testador, a disposição testamentárfa será considerada ineficaz. ArL 1.898. A designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro, salvo nas disposições fi.deicomissárias, ter-se-á por não escrita.
Cuida o dispositivo das disposições testamentárjas a termo, que corresponde ao espaço de tempo a que se subordina a eficácia do negócio jurídico, Assim, salvo nos casos de substituição fideícomissária, a nomeação de herdeiro não pode estar vinculada a termo. Note-se que o dispositivo se refere apenas ao herdeiro, não se subordinando, assim, ao legatário, que pode ter o exercício do seu direito hereditário subordinado a ter mo inicial ou final. Ainda que diante da proibição legal estabeleça o testador termo inicial ou final para o exerci cio do direito do herdeiro, a disposição deve ser considerada não escrita, mas a instituição do herdeiro não restará prejudicada. No caso da substituição fideicomissária, que admite seja estabelecido o tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro, com o implemento do termo o fideicomissário passa a ter o domínio e a posse da herança, findando-se o direito do fiduciário.
Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpret ações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância d-a vontade do testador. A interpretação das disposições testamentárias deve ser feita sob os mesmos princípios que regem os atos e negócios juridicos, transportando-se para esse dispositivo a regra contida no art.112. Deve o intérprete, assim, buscar a real intenção do testador através da análise de todo o testamento, comparando a cláusula duvidosa com as den1ais inseridas no documento; levando
VANESSA DE MARIA OUTIONE'
ARTS. 1,899 E 1.900
1
1647
em conta, ainda, o tempo e o lugar em que o testamento foi feíto, o nível de in.strução do testador e as circunstâncías que o envolviam no momento em que realizou a manifestação de última vontade. Embora o dispositivo seja o ónico a conter regra geral sobre a interpretação dos testamentos, outros dispositivos- também funcionam como normas interpretativas, tais como os arts. 1.902, 1.904 a 1.907, 1.920 a 1.922, 1.932, 1.934 e 1.966. Art. 1.900. É nula a disposição:
Os casos enumerados nos incisos que seguem cuidam de nulidade absoluta da disposíção testamentária. Em se trat.ando de nulidade absoluta, é matéria de ordem pública, pode ser alegada por q ualquer das partes interessadas, pelo MP, ou conhecida de ofício pelo juiz. Ressalte-se que o prazo para a arguição da nulidade deve ser o índícado pelo art. 1.859.
I - que institua herdeil'o ou legatário sob a condição captatória de que este disponha, também por testamento, em beneficio do testador, ou de terceiro; Considera-se nula a dísposição testamentária que institua herdeiro ou legatário sob condição captatória assim entendida aquela que condiciona o herdeiro ou legatário a dispor de seus bens, também por testamento, em beneficio do testador ou de terceiro.A proibição legal decorre de a condição contrariar a liberdade testamentária, a independência do testador, que se mostra como elemento essencial do ato de última vontade. No entanto, não é toda disposição testamentária recíproca que se mostra reprovada pela legislação. É preciso que a reciprocidade das disposições tenha sido produto de dolo, que contenha carga de ilicitude que evidencie a condição captatória, já que a reciprocidade decorrente da amizade, do amor, de dons pessoais não se mostra como causa de nulidade da disposição testamentária.
II - que se refira a pessoa incerta, cuja ide.n tidade não se possa averiguar; Nula será a disposição que se refira a p essoa incerta, cuja identidade não seja possível averiguar. Nesse caso, exige-se que a incerteza quanto à pessoa nomeada seja absoluta, impossível de ser superada, não havendo meios de se superar a ambiguidade ou o laconismo ern que incorreu o testador. III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro;
1648 1 ARTS, 1.900 E 1.901
VANESSA DE MARIA OUTTONE
t
nula também a disposição que favoreça pessoa incerta, incumbindo a determinação de sua identidade a terceiro. Cominar de nulidade disposições desse jaez se justifica porque, dependendo de terceiro a nomeação de pessoa incerta, ferida estaria a característica do ato de manifestação de última vontade como personalíssimo do testador. A exceção a essa regra encontra-se prevista no art. 1.901, I. IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado; Pela mesma razão do inciso anterior, ou seja, retirar do testamento a vontade exclusiva do testador, fulminada de nulidade estará a cláusula que relegue ao herdeiro ou a outrem a fixação do valor do legado. Embora trate o inciso apenas da proibição da fixação do valor do legado, entende-se que também será nula a disposição que determine a herdeiro ou a outrem a fi~ xação do valor ou a extensão da cota-parte do herdeiro instituído. A única exceção à regra é a prevista pelo art. l.901, Il.
V - que favoreça.as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e J.802, Eivada de nulidade também estará a disposição testamentária que favoreça aqueles que não estejam legitimados a suceder, ou seja, que não possam ser nomeados herdeiros nem legatários (art. 1.801 ). Desnecessária a previsão, visto que, não sendo possível ao testador nomear como herdeiros ou legatários as pessoas elencadas pelo art. 1.801, nem suas interpostas pessoas (art. 1.802), nulas são as disposições testamentárias que os beneficiem. A rt.1.901. Valerá a disposição: Neste díspositivo, encontram-se estabelecidas as exceções às regras referentes às disposições nulas tratadas pelo art. 1.900. I -em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre d uas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma familia, ou a um corpo coletivo, o u a Uill estabelecimento por e]e designado; A primeira exceção atenua a regra contida no art. l.900, Ili, oo sentido de não ser possível a disposição em favor de pessoa incerta, que deve ser determinada por terceiro. No inciso sob comento não compete ao terceiro a escolha indiscriminada do beneficiado,.mas ao terceiro cabe promover a escolha
VANESSA DEMARIA OUTIONE'
ARTS. 1,901 E 1,902 1 1649
do favorecido dentro de um grupo restrito, limitado e previamente ídentificado pelo próprio testador. E esse grupo restrito pode se referira uma familia, a um corpo coletivo ou a um estabelecimento indicado no testamento. O terceiro é q uem faz a opção, mas a escolha prévia das pessoas foi feita pdo testador. A disposição é válida porque o testador define quem será o herdeiro, apenas deixando ao terceiro a escolha entre os que foram especificados por ele. Caso o terceiro indicado pelo testador para realizar tal escolha faleça antes de realizá-la, entende-se que a disposição não perderá a eficácia e, como a lei não prevê essa hipótese, acredita-se que a escolha deva competir ao juiz, nos mesmos moldes previstos pelo art. 1.930. II - em r emuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da moléstia de qu e faleceu, ainda que :fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado. Válida será a disposição através da qual o testador remunere alguém por serviços prestados em razão da moléstia que provocou sua morte. Competirá ao herdeiro ou a outra pessoa escolhida pelo testador a determinação do valor do legado, cuja fixação ficar~ ao arbítrio daquele, que deve levar em conta o fato de se tratar de liberalidade, bem como o valo.r da remuneração usualmente paga por tais serviços,
Art. 1.902. A disposição geral em favor dos pobres, dos estabelecimentos particulares de caridade, ou dos de assistência pública, entender-se-á relativa aos pobres do luga r do domicilio do testador ao tempo de sua morte, ou dos estab elecimentos ai sitos, salvo se m anifestam ente constar que tinha em mente beneficiar os de outra localidade. Se o testador não especificar, expressamente, de que lugar são os pobres, quais os estabelecimentos particulares de caridade ou de assistência pública etn favor dos quais dispõe, vigora a presunção estabelecida neste dispositivo, no sentido de que beneficiados serão aqueles do lugar do domicilio do testador, ao tempo de sua morte. Parágrafo único. Nos casos deste artigo, as instituições particulares preferirão sempre às públicas. A preocupação em beneficiar as instituições particulares em detrimento das públicas decorre da presunção de que aquelas carecem de mais recursos, de mais apoio, do que estas. Havendo mais de urna instituição particular no lugar do domicilio do testador, caberá ao juiz a definição de qual delas será
1650
1 ARTS. 1.902 A 1.905
VANESSA DEMARIA OUTTONE
a beneficiada, devendo, para tanto, proceder à oitiva do MJ>, dos envolvidos no processo de inventário e do testamenteiro. Art. 1.903. O erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por outros documentos, ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria .referir-se.
As disposições testamentárias devem conter, de forma dara e inequívoca, a identificação do beneficiado, herdeiro ou legatário e da coisa legada. O erro nessa identificação enseja a anulabilidade da disposição testamentária (art. 1.909) ou do próprio testamento (art. 1.859). Assim, provado o erro quanto ao beneficiário ou quanto à coisa legada e não sendo possível fu.ar o verdadeiro sujeito ou objeto da disposição, esta nào poderá ser .considerada válida. No entanto, se mesmo existindo o erro, mostrar-se possível, pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos ineqtúvocos, a identifica~ão da pessoa ou da coisa legada, deve prevalecer a vontade real do testador, e a disposição não será anulável.
Art. 1.904. Se o testamento nomear dois ou mais h erdeiros, sem disci:iminar a parte de cada um, partilhar-se-á por igual, entre todos, a porção disponível do testador. No caso de o testador possuir herdeiros necessários, em sendo nomeados dois ou mais herdeiros, sem a discriminação da quota-parte de cada um, a parte disponível do testador será dividida, igualmente, entre os herdeiros instituídos. A p orção a ser partilhada é a disponível, já que, se houver herdeiros necessários, a parte deles não poderá ser objeto da divisão. A solução será a mesma se o testador não possuir herdeiros necessários e nomear herdeiros para toda a herança. Nessas hipóteses, os bens referidos no testamento são distribuídos por cabeça, em partes iguais. Art. 1.905. Se o testador nomear certos herdeiros individualmente e outros coletivamente, a herança será dividida em tantas quotas quantos forem os indivíduos e os grupos designados.
Pode o testador nomear herdeiros de forma individual, como Ana e Pedro, e a.inda de forma coletiva, como os filhos de Jo;i.o. Nomeando o testador certos herdeiros individualmente e outros coletivamente, a divisão da herança se dará em tantas partes quantos forem os indivíduos e os grupos determinados. Assim, sendo nomeados Ana, Pedro e os filhos de João, os herdeiros
VANESSA DE MARIA OUTIONE
ARTS. 1.905 A 1,908 1 1651
serão chamados simultaneamente e a herança será dividida em três partes iguais, sendo uma cabente a Ana, outra a Pedro e a terceira aos filho$ de João, independentemente de quantos integrem esse grupo. Para fins de divisão da herança, cada grupo é considerado uma pessoa, e a divisão entre os nomeados individualmente e os grupos é feita por estirpe.
Art. 1.906. Se forem determinadas as quotas de cada.herdeiro, e não absorverem toda a h erança, o remanescente pertencerá aos herdeiros le.gítimos, s~gundo a ordem da vocação hereditária. Na hipótese de o testador estabelecer expressan1ente as quotas de cada um dos herdeiros, caso tais quotas não correspondam à totalidade da herança, o remanescente caberá aos herdeiros legítimos, obedecida a ordem de voca~o hereditária (arts. 1.829 e segs.). Não se pode olvidar que, se o testador estabelecer a quota de uns, mas não o fizer no tocante a outros herdeiros, pri~ meiramente aos herdeiros sem quota determinada se defere a divisão do re~ manescente (art. 1.907). A determinação contida no dispositivo é bastante clara e contempla os dois tipos de sucessão, a testamentária e a legitima. Art. 1.907. Se forem determinados os quinh ões de uns e não os de outros herdeiros, distribuir-se-á por igual a estes últimos o que restar, depois de completas as porções hereditárias dos primeiros. Na hipótese desctita pelo dispositivo, o testador dispõe de toda a herança, mas determina o quinhão de alguns e não de outros herdeiros. Aos primeiros caberão, então, as cotas que foram determioadas e, depois de completas as porções, o remanescente será repartido entre os outros herdeiros, cujo quinhão não fora previameote determinado pelo testador. Caso nada reste apôs a distribuição dos quinhões determinados aos herdeiros, aqueles que foran1 instituídos sem designa~o de quinhão nada receberão.
Art. 1.908. Dispondo o testador q ue não caiba ao herdeiro instituído certo e determinado objeto, dentre os da herança, tocará ele aos herdeiros legítimos. De acordo com o dispositivo, pode o testador institu.iJ; herdeiro, ressalvan~ do que determinado bem da heran.ç a não lhe aproveitará. Nesse caso, pode estabelecer, por exemplo, que ao herdeiro caiba um quarto da herança, roas que determinado imóvel não está incluído em sua cota-parte. O objeto que for excluído da quota atribuída ao herdeiro instituído tocará aos herdeiros legítimos, tal como a solução prevista pelo art. l.906.
1652 1 ARTS. 1.909 E 1,910
VANESSA OEMARIA OUTTONE
Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação.
Por se tratar o testamento de negócio jurídico, deve submeter-se às regras aplicadas aos negócios jurídicos, e o dispositivo em análise dispõe serem anuláveis as disposições testamentárias por vícios de vontade: erro, dolo ou coação (arts. 138, 145 e 151). Importa verificar, no caso concreto, se apenas uma ou algumas disposições testamentárias estão eivadas de vício, o que ensejará apenas a anulação das disposições viciadas, ou se toda a disposição de última vontade se encontra maculada, quando caberá a anulação de todo o testamento. Além disso, levando-se em conta que a interpretação do testamento deve ser feita de forma sistemática, pode ocorrer de qúe a anulação de uma cláusula; porquanto viciada, acarrete a anulação de outras que em razãô daquela foram estabelecidas (art. 1.910).
Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disp osição, co ntados de quando o interessado tiver conhecim ento do vicio. A anulação da disposição testamentária por vício de vontade está sujeita ao prazo decadencial de quatro anos, que devem ser contados a partir do conhecimento do vício. Sem dúvida, o termo inicial somente poderá ocorrer após a morte do testador, já que não se admite a discussão da validade do testamento enquanto viver o disponente. De qualquer forma, o prazo estabelecido pelo parágrafo único do art. l.909 difere do constante no art. l.859, que fixa em cinco anos o praw para se impugnar a validade do testamento, marcando como termo inicial a data do seu registro. Note-se que, confrontando os dispositivos em questão, pode-se concluir que em matéria testamentária estão derrogadas as regras gerais, pelas quais a nulidade não é suscetível de confirmação e não convalesce pelo decurso do prazo1 já que, mesmo na hipótese de nulidade, o p razo para a impugnação do testamento é de cinco anos (art. 1.859) contados do registro do testamento, ao passo que, nos casos de anulabilidade, o prazo para os interessados pleitearem a anulação é de quatro anos, cujo termo inicial é a data do conhecimento do vício ( art. 1.909). Verifica"se, assim, a possibilidade de se deferir, aos casos de anulação do testamento, prazo ex:tremame1'te superior, posto que elástico e variável, já que contado do conhecimento do vicio, o que pode ton1ar instável o processo de transmissão da herança, ao conferido paf'll. a discussão de sua nulidade. Art. 1.910. A ineficácia de uma disposição testamentária im porta a das outras que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador.
VANESSA DE MARIA OUTIONE'
,ARTS. 1,910 E 1.911
1 1653
Embora a regra seja a da independência das disposições testamentárias, de forma que a nulidade, a anulabilidade ou a inexistência juridica de um-a não se irradie às demais, o dispositivo em análise determina que a ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que daquela sejam dependentes ou que, sem aquelas, não façam sentido se analisadas isolada1nente. Assim, a princípio, vigora a regra aplicá'1el a todos os negóáos jurídicos, qual seja, a de que a invalidade parcial do negócio jurídico não afetará a sua parte válida. se essa parte for destacável, se puder ser analisada separadamente (art. 184). No entanto, caso as cláusulas testamentárias sejam dependentes, a ineficácia de uma delas acarretará a ineficácia das demais.
Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. A cláusula de inalienabilidade estabelecida por meio de testamento ou de doação, únicos atos de disposição possíveis para serem gravados bens de terceiros, implicará, também, na impenhorabilidade e na incomunicabilidade de tais bens. Encerra o dispositivo longa discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a extensão da cláusula restritiva de inalienabilidade, que já se encontrava assentada na jurisprudência (Só.mula n. 49 do STF). Note-se que o dispositivo trata, genericamente, da imposição de cláusula de inalienabilidade, aplicando-se, assim, tanto aos bens da legitima como aos demais bens a serem recebidos pelos herdeiros ou legatários. O estabelecimento de cláusula de inalienabilidade quanto aos bens que integram a legítima deve observar o disposto no art. 1.848, que exige para a clausulação a declaração de justa causa no testainento. No que toca à parte disponível, não incidirá o art. 1.848, e o testador fica livre para impor as cláusulas restritivas que entender convenientes e, portanto, sem a necessidade de explicitar a causa. Frise-se, no entanto, q_ue em qualquer dos casos, uma vez estabelecida a cláusula de inalienabilidade, como consequência se terá a impenhorabilidade e a incomunicabilidade dos bens. A cláusula de inalienabilidade importa na impossibilidade de disposição dos bens, seja a titulo gratuito ou oneroso, poden~ do o seu titular apenas usar, -gozar e reivindicar os bens, em razão de ter o domínio limitado. A inalienabilidade pode ser total ou parcial, conforme se estenda ou não a todos os bens percebidos; vitalícia ou temporária. Sobre o afastamento da cláusula de inalienabilidade, veja-se: STJ, lIBsp n. 1.375.286/ SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. l 1.09.2014 e TJSP,AJ n. 224603226.2015.8.26.0000, 7 11 Câ.m. de Dir. Priv., rei. Oes. Miguel Brandi, j. 02.06.2016. A cláusula de incomunicabjlidade implica a impossibilidade de comunjcação dos bens clausulados ao cônjuge do herdeiro, qualquer que seja o regime de bens no casamento ou na -união estável. E a cláusula de impenhorabi-
VANESSA PE MARIA OUTTONE
1654 1 ARTS. 1.91\ E 1.91l
lidade consiste em estabelecer que o bem gravado não pode ser objeto de penhora por dividas contraídas pelo seu titular. Parágrafo único. No caso de desapropriação de b ens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.
Cuida o dispositivo da sub-rogação do vínculo ou do gravame. Assim, nos casos de desapropriação ou por conveniência econômica do donatário ou herdeiro que, após autorização judicial, enseje a alienação dos bens clausulados, o produto decorrente da indenização na desapropriação ou da venda dos bens converter-se-á em outros ben s, sobre os quais recairá o gravame imposto aos primeiros. Embora seja comum que se trate da sub-rogação do gravame apenas nos casos de estabelecimento de cláusula de inalienabilidade, o mesmo procedimento mostra"se necessário quando, eventualmente, as cláusulas de incomunicabilidade ou de impenhorabilidade sejam impostas de forma isolada. O CPC/2015 não estabelece o procedimento especifico para a sub -rogação, determinando no art. 725, rt, do CPC/20 15, que sejam aplicados os princípios dos procedimentos gerais de juxisdição voluntária.
CAPITULO VII DOS LEGADOS Seção 1 Dis posições Gerais
Art. 1.912. É ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão. Legado representa a atribuição de certo ou certos bens ou direitos, pelo autor da herança, a outrem, por meio de testamento e a título singular. Consiste o legado, assim, em porção certa e determinada do acervo hereditário. E- a coisa certa legada deve pertencer ao testador no momento da abertura da sucess&o, pois, se assim não ocorrer, ter-se-á por ineôcaz o legado constante do testamento. O momento para verificar se o testador é o proprietário do legado é o momento da abertura da sucessão, não importando se oo momento em que celebrou o testamento ainda não era o proprietário, tornando-se posteJ"iormente. Por outro lado, se no momento da celebração do
VANESSA DE MARIA OUTIONE'
NUS. 1.912 A 1.915 1 1655
testamento, o testador era o p roprietário do bem legado e, antes de sua morte, promove a sua alienação, o legado caducará, nos termos do art. 1.939, t.
Art. 1.913. Se o testador ordenar que o h erdeiro ou legatár io entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renu nciou à herança ou ao legado. O dispositivo contempla a primeira exceção à regra de que não se mostra possivel o legado de coisa alheia. A hipótese prevista pelo artigo em comento cuida de encargo imposto a herdeiro ou legatário que deve entregar coisa de sua propriedade a terceiro. Aberta a sucessão, ao herdeiro ou legatário abrem-se duas op-taç.'io manifestamente desproporcional tercciros. ao valor da contraprestação, oçorre les~o. D) o devedor não pode opor ao cessi.ouário as E) A q~Udade de associado é intransmisslvel. exceções que tinha contra o cedente no,monão pode11do o est;ituto dispor o contrário. mento em que veio a ter wnh.eçí:me.nto d(l li. arts. 56, 76, 80 e 1571 CC cessão. V. arts, 287, 288; 294 e 296, CC 43) (OAB/XllI Exame de Ordem Unificado/FGV/2014) PedJ'o, meoor impúbere, e sem 45) (OAB/Xlll Exame de Ordem Unificao consentimento de seu representante legal, ce- do/FGV/2014) Lúcia, pessoa doente, idosa, com lebrou contrato demt'ltuo coJ:n Marcos, tendo baixo grau de escolarld11de, foi obrigada a ceeste lhe entregue a quantia de R$ 400,00, a fim leb= contrato particular de assunção de dlvi· de que pudesse comprar uma bicicleta. da com o Banco !lDC S.A., recohhecendo e conA respeito desse caso, assu1ale a afirmativa fessando dividas finnadas pelo seu marido, esse incorreta. ja falecido, e que não deixarabens ou patrimônio a inventariar. O gerente do banco ameaçou A) O mt'ltuo poderá ser r~vido somenteseo Lúcia de não efetuar o pagamento da pensão representante legal de Pedro ratificar o con- deixada pelo seu falecido ma,ido, casQ não fostrato. se assinado o contrato de assunção de dJvida. B) Se o contrato tivesse por fim suprir dei,pe• Considerando a hipótese acima e as regras sas com a própria manutenção, o mútuo po- de Direito Cívil, assinale a afim1ativa ootreta. derja ser reavido, ainda que ausente ao ato o representante legal de Pedro. A) O contrato particular de assunç.10 de díviq Se Pedro tiver bens obtidos com o seu ,trada assinado por Lúcia é anulável por erco balho, o mútuo poderá ser reavido, ainda sub5taocial, pois Lócia manifestou sua vooque contraído sem o consentimento do seu tade de forma distoTcida da re;uidade, por representante legal. entendimento equivocado do neg(ício praticado. D) O mútuo t;unbém poderia serreavido caso Pedro tivesse obtido o empréstimo malicio- B) O ato negocial celebrado entre Lúcia e o Banco FDC S.A. é anulável pór vicio de consensamente. V. arts 588 e 589, 1a Ili e V, CC timento, em razão de conduta dolosa pr-aticada pelo banco, que ardilosamente falseou 44) (OAB/XIlI Exame de Ordem Uníficaa ccaüdadc e forjou uma situação incx:isteado/PGV/2014) A transmissibilidade de obrite, indu1.indo Lócia à prática do ato. gações pode ser realizada por meio do ato de- C) O Instrumento particular firmado entre Lúnominado cessão, por meio da qual o credor cia e o Banco FOC S.A. pode ser anuindo sob fundamento de lesão, uma vez que Lõtransfere seus direitos na relação obrigacional a outrem, tàzendo surgir as figuras jurídicas do cia assumiu obrigação excessiva liobre precedente e do cessionário. mente necessidade. Constituída essa nova relação obrigacional, D) O negócio jurídico celebrado entre Lúcia e é correto afumar que o Banco FDC S.A. é anulável pelo vicio da coação, wna vez que a ameaça praticada pelo A) os acessórios da obr igação principal são banco foi iminente e atual, grave, 6éria e deabrangidos na cessão de crédito, salvo disterminante para a (.e!ebração da avmça. posição em contrário. V. arts, 151 e 157, CC.
1780
1
QUESTÕES DE EXAMES DE ORDEM ECONCURSOS
CÓDIGO CIVIL IITTERPRETADO
4 6) (OAB/XlU Exame de Ordem Ünifica- pra e venda de imóvel com Lauríndo e, mesmo do/FGV/2014) Fel ipe, atrasado para um com- sem a devida dedaraflcáveis. adquiridos quando casado e em reafu.ar a par- C) Sabendo-se que a "teoria da desconside(anid V. art. 535, CC. contratou Cleber, adestrador renomado, para wn pacote de seis meses de sessões. Findo o pe88) ( OAB/Ã'Vl Exame de Ord~m 1.Jnifica- ríodo do tr6inamento, Daniel, satisteito com o do/FGV/2015) Mediante o emprego de violên- resultado, resolve levar o.cachorro para se exerda, Mélvio esbul.hou a posse da Fazenda Vila citar na área de lí!Ur do condomú:tio e, encon-
ªº
CÓDIGO CML INTERP~ETADO
QUESTÕES OE ~ES DE'ORDEM E'CONCURSOS 1 1793
trando-a vazia, solta a coleira e a guia para que A) Lúcía Incorreu em inadimplemento absoluto, pois não cumpriu sua prestação no tero Beagle,possa correr livremente. Minutos depois, a moradora Diana, com 80 (oitenta) anos mo ajustado, o que inutilizou a prestação de idade, chega à área de lazer com seu neto para Joana. Theo. Ao percebe presença da octogenária, o B) Lúcia não está em mora, pois Joana não a cachorro pula em suas pernas, Diana perde o int6rpelou, judicial ou c:JCtraiudicialmente. equilíbrio, cai e fratura o fêmur. Di.w.a preten- C) Lóciii deve indcmiza.r Joana pelos danos caude ser .indeniz.ida pelos- danos materiais e comsados ao veiculo, salvo:;( provar que os mespensada pelos danos estéticos. mos ocorreriam ainda que tivesse adimpüdo sua prestação no teono ajustado. Com b;ise no ca.so.narrddo, ílSSin;!,le a opção correta D) Lúcia não responde pelos danos causados ao veiculo, pois for.iro decorrentes de força A) Há responsabilidade civil valorada pelo crimaior. tério subjetivo e solidária de Daniel e CleIL att 399, CC ber, aquele por culpa na v:igilància do animal e este por imperfcla no adestramento 91) (OAl3/XVIExame de Ordem Unificado/ do Beagle, pelo fato de não evitarem que o FGV/2015) A Companhia GAMA e o Banco RENDA celebraram entre si contrato de mútuo, cachorro avançasse em terceiros. B) Há responsabilidade civil valorada pelo cri~ por meio do qual a companhia recebeu do hantério objetivo e extracontratual de Daniel, co a quantia de R$ 500.000,00 (qutnhentos mil havendo obrigação de indenizar e compen- reais), obrigando-se a restitw la, acrescida dos sar O$ danos causados, haja vista a ausência juros convencionados, no prazo de três anos, de prova de alguma das causas.legais exdu· contados da entrega do numerário. Em garandentes do nexo causal, quais sejam, força tia do pagamento do débito, a Companhia maior ou culpa exclusiva da vitima. GAMA constitwu, em favor do Banco RENDA, C) Não há responsabilidade civil de Daniel va- por meio de escritura pública levada ao cartólorada pelo critério subjetivo, em razão da rio do registro de imóveis. direito real de hipoteocorrência de força m.iior, isto é, da chega- c:.1 sobre determinado imóvel de sua propried'.ida.ioesperada,da moradora Diana. caracte- de.A. Companhia GAMA, dois meses depois, rizando a inevitabilidade do ocomclo, com celebrou outro contnto de mútuo com o Banrompimento do oexo de causalidade. co B'ETA, no valor de R$ 200,000,00 (duzeotos D) Há responsabilidade viuorada pelo critério mil reais), obrigando-se a restituir a quantia, subjetivo 'C contratual apenas de Da elo ónico cavalo muito ricas, Marina e Cari.na, Como as filhas da raça manga larga marchador da fazenda, não necessitam de seus bens, l:ster deseja beconfonne escolha a ser feita pe1o devedor. neficiar sua irmã, Ruth.por ocasião de sua mor-
CÓDIGO CML INTERPRETADO
QUESTÕES OE EXAMES DE'ORDEM E'CONCURSOS 1 1795
te, destinando-lhe toda a sua herança, bens qut> vieram de seus pais, também pais de Ruth. ilster o(a) prorura como advogado(a), indagando se é posslvel deixar todos os seus bem para sua irmã. Deseja fuzê-lo por meio de testamento pôblico, devidamente lavrado em Cartório de! Notas, porque suas filhas estão dtt acordo com esse se\J desejo, Assinale a opção que indica a orientação correta a ser transmitida a Ester,
B) é nula a cláusula que prevê o pagamento de remuneração ern contrapartida à concessão do direiro de superfü;ie, haja vista sera c-0ncttsSào ato essencialmente gratuito. C) é nula a cláusula que estipula em favor de Mateus o pagamenfo de determinada.quantia em caso de alienação do dircito dttsuperBcie. D) é nula a cláusula que obriga Franci.sco a construir um edificio oo terreno. ll art 1.372, parágrafo único, CC.
A) Em virtude de ter descendentes, Ester não
97) (OAB/XVII Exame de Ordem Unificado/FGV/2015) Carlos Pacheco e Marco Araújo, advogados t ecém-formados, constituem a sociedade P e A Advogados. Para fornecer e instalar todo o equtpamento de informática, asociedade contrata fosê Antônio, que, apesar de não realizar essa atividade de forma habitual e profissional, comprometeu-se a ndimplir sua obrigação11té o dia 20.02.2015, mediante opagamento do valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) no ato da celebração do contTato. O contrato celebrado é de natureza paritária, oâo sendo formado por adesão. A cláusula oitava do referido contrato estava assim redigida, "O total inadimplemento deste contrato por qual96) (OAB/Ã'VU Exame dé Ordem Unifica- quer das partes ensejará·o pagamento, pelo indo/FGV/2015) Mateus é proiirietário de um frator, do valor de RS 50.000,00 (cinquenta mil ter_rerio situado em área rural do estado de Mi- reais)". Nâo bavia, no contrato, qualquer outra nas Gerais. Por meio de escritura pública leva- cláusula que se referisse ao inadimplemento ou da ao cartório do regi,stro de imóveis, Mateus suas consequências. No dia 20.02,2015, José concede, pelo praw de vinte anos, em favor de António telefona para Carlos Pacheco e lhe coFrancisco, direito real de superfície sobte o alu- munica que não YllÍ cumprir o avençado, pois dido terreno. A escrituiã prevê que Francisco celebrou com outro escritório de advocacia deverá ali construir um edificio que setvitá de contrato por valoc superior, a lhe reade( maioescola para a população local. A esctitura ain- res lucros. da prevê que, em contrapart1da à concessão da Sobre os fatos nal'J'ados, assinale a afirmatisuperf!cie, Francisco deverá pagar a Mateus a va correta. quantia de RS 30.000,00 (trinta mil reais). A esc:rihlJ'a também prevê que, cm caso de alie- A) Diante da reG\ISa de José Antônio a cumprir nação do direito de superfície por PranGÍsco, o contrato, a sociedade poderá persistir na Mateus terá direito a receber quantia equivaexigência do cumprimento obrigacional ou, lente a 3% do valor da transação. altemativament.e, satisfazer-se com a pena Nesse caso, é correto afumar que convencional. B) A sociedade pode pleitear o pagamento de indenização superior ao montante fu:ad.o na fv é nula a concessão de direito de superffcie por prazo determinado, haja vista só 6e adcláusula oitava, desde qu