Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil
 8544233201, 9788544233207

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LUCIANO L FIGUEIREDO ROBERTO L. FIGUEIREDO

OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL

9-

Edição

2020

EDITORA m podivm www.editorajuspodivm.com.br

revista atualizada ampliada

EDITORA jtePODIVM www.editorajuspodivm.com.br Rua Território Rio Branco, 87 - Pituba - CEP: 41830-530 - Salvador - Bahia Tel: (71) 3045.9051 • Contato: https://www.editorajuspodivm.com.br/sac Copyright: Edições JusPODIVM

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, NestorTávora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.

Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa ([email protected]) Capa: Ana Caquetti ISBN: 978-85-442-3320-7 Todos os direitos desta edição reservados à Edições ./usPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização d o autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Agradecimentos "As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mun­ do são aquelas que o mudam". (Comercial "Pense Diferente" da Apple, 1997). Entusiasticamente, noticiamos 0 nascimento do nosso segundo filho. Trata-se de um volume inteiramente dedicado ao estudo das Obrigações e da Responsabi­ lidade Civil! Após 0 aprendizado com 0 primeiro volume, a obra está ainda melhor. Lin­ guagem fácil, acessível e com 0 único objetivo de ser compreendida. Conta com quadros de resumo, jurisprudência e doutrina atuais, além de questões de provas das mais diversas bancas: tudo pretendendo reduzir 0 espaço entre 0 futuro apro­ vado e 0 seu sonho. Para a materialização deste trabalho, muitos nos ajudaram. Todavia, neste volume, resolvemos fazer uma única homenagem. Que nos perdoem os demais... 0 festejado é alguém que não nos ajudou apenas nesta obra, mas, sim, na nossa estrada. Ele está diariamente presente em nossas vidas, através de e-mails, mensagens, telefonemas, parcerias acadêmicas... É uma pessoa que nos conduziu pelo mestrado, pelo magistério, que ama aquilo que nós mais amamos: ensinar... Rodolfo Pamplona Filho. De Luciano, ele foi professor de graduação e orientador no mestrado. De Roberto, contemporâneo de colégio e, igualmente, orientador de mestrado. De ambos, amigo, companheiro, conselheiro... Pamplona é alguém que, do alto de todo 0 seu vasto conhecimento e elástica produção acadêmica, sempre está acessível a todos. Nunca 0 vimos deixar um só aluno com dúvida. Jamais presenciamos uma resposta impaciente. Ensinar, para Rodolfo, é um prazer. Quando era Juiz em Teixeira de Freitas, por vezes vinha de ônibus, por quatorze longas horas e, após uma noite inteira viajando, ia para a sala de aula. Animado. Feliz. Ensinando. Dentre as suas inúmeras qualidades, a que nos salta aos olhos, além do inegá­ vel conhecimento, é a sua metodologia. Já 0 vimos cantar ópera, fazer audiências simuladas dos Simpsons, fantasiar-se, realizar gincanas e montar uma banda em um seminário jurídico nacional. Nesta última oportunidade, cantou com uma badana em seus longos cabelos, tendo como dançarinas pessoas do mais alto gabarito jurídico! Tudo isto, sempre, ocasionando 0 aprendizado do aluno.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Obrigado, Padrinho. Obrigado por nos acolher. Por nos incentivar. Por nos ensi­ nar. Agradecemos, simplesmente, por ser você. Pois, sendo simplesmente você, nos passa, diuturnamente, as maiores lições. Obrigado por ser louco o suficiente para mudar o paradigma de ensino em Direito e, pensando assim, ter operado uma verdadeira virada pedagógica. Melhor. Obrigado por nos permitir fazer parte disto.

Curitiba, Paraná. 2 de agosto de 2012.

Coleção Sinopses para Concursos A Coleção Sinopses para Concursos tem por finalidade a preparação para con­ cursos públicos de modo prático, sistematizado e objetivo. Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e chamados professores especializados em preparação de concursos a fim de elaborarem, de forma didática, o material necessário para a aprovação em concursos. Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamo-nos em apresentar ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os principais pontos, além de abor­ dar temas tratados em manuais e livros mais densos. Assim, ao mesmo tempo em que o leitor encontrará um livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas atuais e entendimentos jurisprudenciais. Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a prepa­ ração nas provas, demos destaques (em outra cor) às palavras-chaves, de modo a facilitar não somente a visualização, mas, sobretudo, a compreensão do que é mais importante dentro de cada matéria. Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos são uma cons­ tante da coleção, aumentando a compreensão e a memorização do leitor. Contemplamos também questões das principais organizadoras de concursos do país, como forma de mostrar ao leitor como o assunto foi cobrado em pro­ vas. Atualmente, essa "casadinha" é fundamental: conhecimento sistematizado da matéria e como foi a sua abordagem nos concursos. Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora Juspodivm apre­ senta. Nosso objetivo é sempre o mesmo: otimizar o estudo para que você consiga a aprovação desejada. Bons estudos!

Leonardo Garcia [email protected] www.leonardogarcia.com.br Instagram: @leomgarcia

Nota dos autores a 9a edição Estimados Leitores, Anunciamos a 9a Edição de nosso Volume dedicado às Obrigações e Respon­ sabilidade Civil. A obra contempla, como de costume, uma série de questões novas extraídas do ano de 2019 dos concursos de Magistratura, Ministério Público, Defensorias e também de diversos cursos de analistas ocorridos, além dos informativos de juris­ prudência dos tribunais superiores produzidos no ano que passou, de modo que será uma decisiva ferramenta no caminho da sua aprovação. Eis a nova edição: aprimorada, revisada, revista e atualizada. Fruto de gran­ de trabalho e, em especial, das contribuições de inúmeros colegas e leitores. Desejamos, a todos, uma excelente leitura!

Salvador, i ° de janeiro de 2020.

Guia de leitura da Coleção A Coleção foi elaborada com a metodologia que entendemos ser a mais apro­ priada para a preparação de concursos. Neste contexto, a Coleção contempla: • DOUTRINA OTIMIZADA PARA CONCURSOS Além de cada autor abordar, de maneira sistematizada, os assuntos triviais sobre cada matéria, são contemplados temas atuais, de suma importância para uma boa preparação para as provas. Muitos dos conceitos do nosso Direito Administrativo foram con­ cebidos ainda no período do Estado Liberal. Outra parte desse ramo jurídico foi concebida durante o Estado Social. A concepção democrá­ tica, hoje pretendida, exige a acomodação dos conceitos e normas tradicionais ao novo paradigma constitucional (Estado Democrático de Direito), impondo uma "outra qualidade de Estado". Perceber essa mutação no direito administrativo é um dife­ rencial que auxilia no estudo da matéria e no desenvolvimento do jurista, sendo importante para a compreensão de algumas questões objetivas, além de essencial para questões suscitadas em provas subjetivas e orais, pelas melhores bancas. • ENTENDIMENTOS DO STF E ST) SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS Segundo precedente do STF, é compatível com o princípio da impessoalidade, dispositivo de Constituição Estadual que vede ao Estado e aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a avenida, praça, rua, logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, praça de esporte, biblioteca, hospital, maternidade, edifício público, audi­ tórios, cidades e salas de aula (STF, ADI 307/CE, rei. Min. Eros Grau, 13.2.2008).

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas em outra cor para que o leitor consiga visualizá-las e memorizá-las mais facilmente. Cargo é o local criado por lei dentro do serviço público que possui atribuições, nomenclatura e remuneração próprias. 0 cargo público, por sua vez, subdivide-se em cargo efetivo e em comissão. • QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS Com esta técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente os principais assuntos tratados no livro.



Serviços sociais autônomos Org. Sociais

• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO Através da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?" é apresentado ao leitor como as principais organizadoras de concurso do país cobram o assunto nas provas.

Sumário OPÇÃO METODOLÓGICA...................................................................................................

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Parte I DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I ► INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES................................................... 1. Conceito, Importância e Função Socialdas Obrigações....................................... 2. Relações Patrimoniais.......................................................................................... 2.1. Zona de Confluência: Obrigações Propter Rem, Obrigações de Ônus Real e Obrigações de Eficácia Real.................................................................... 3. Distinção dos Direitos da Personalidade............................................................. 4. Terminologias Importantes................................................................................... 4.1. Dever Jurídico............................................................................................. 4.2. Estado de Sujeição..................................................................................... 4.3. Responsabilidade....................................................................................... 4.4. Ônus Jurídico..............................................................................................

25 25 29

Capítulo II ► ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO.......................... 1. Estrutura ou Elementos Constitutivos da Obrigação............................................... 1.1. Elemento Subjetivo ou Pessoal da Obrigação: Sujeitos da Relação Obrigacional................................................................................................ 1.2. Elemento Objetivo ou Material da Obrigação:A Prestação....................... 1.3. Elemento Imaterial, Virtual ou Espiritual da Obrigação: Vínculo Jurídico. 2. A Causa nas Obrigações....................................................................................... 3. Fonte das Obrigações........................................................................................... 3.1. Fontes Históricas do Direito Romano......................................................... 3.2. Fontes Modernas das Obrigações.............................................................. 3.3. Fontes Contemporâneas das Obrigações..................................................

47 47

Capítulo III ► CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES................................................................ 1. Nota Introdutória.................................................................................................. 2. Classificação das Obrigações Consideradas em si Mesmo: Obrigações Morais, Civis e Naturais...................................................................................................... 3. Classificação Quanto ao Objeto. Também Chamada de Classificação Básica das Obrigações............................................................................................................. 3.1. Obrigação de Dar (Obligatio Ad Dandum)................................................... 3.1.1. Obrigação de Dar Coisa Certa......................................................... 3.1.2. Obrigação de Dar Dinheiro (Pecuniária)......................................... 3.1.3. Obrigação de Dar Coisa Incerta ou Genérica.................................. 3.2. Obrigação de Fazer (Obligatio Ad Faciendum)............................................ 3.3. Obrigação de Não Fazer (Obligatio Ad Non Faciendum).............................. 4. Classificação Quanto à Presença dosElementos Obrigacionais...........................

63 63

35

41 42 43 43 44 45

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30 52 56 57

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63 65 66 67 73 75 77

85 87

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Direito Civil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

4.1. Obrigações Compostas pela Multiplicidade de Objetos............................ 4.2. Obrigações Compostas Pela Multiplicidade de Sujeitos............................ 5. Classificação Quanto à Divisibilidade do Objeto.................................................. 6. Classificação Quanto ao Fim: Obrigações de Meio, Resultado e Garantia......... 7. Classificação Quanto à Liquidez........................................................................... 8. Classificação quanto à Presença do Elemento Acidental.................................... 9. Classificação quanto à Dependência................................................................... 10. Classificação quanto ao Momento de Cumprimento...........................................

87 91 101 103 106 109 109 110

Capítulo IV ► DO ADIMPLEMENTO E DA EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO DIRETO)........................................................................................................................... 1. Nota Introdutória: Natureza jurídica e Requisitos deValidade do Pagamento.. 2. Elementos Subjetivos do Adimplemento............................................................. 2.1. Quem Deve Pagar (solvens)?...................................................................... 2.2. A Quem Pagar (accipiens) ? ......................................................................... 3. Elementos Objetivos do Pagamento..................................................................... 3.1. Do Objeto do Pagamento........................................................................... 3.2. Da Prova do Pagamento............................................................................ 3.3. Do Lugar do Pagamento............................................................................. 3.4. Do Tempo do Pagamento...........................................................................

ill 111 113 114 119 122 123 128 131 134

Capítulo V ► AINDA SOBRE 0 ADIMPLEMENTO E A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (TEORIA DO PAGAMENTO INDIRETO).................................................................................................... 1. Nota Introdutória.................................................................................................. 2. Consignação em Pagamento................................................................................ 2.1. Quando é possível 0 uso da Consignação em Pagamento?...................... 2.2. Procedimento da Consignatória................................................................ 2.2.1. Consignação Extrajudicial ouBancária............................................ 2.2.2. Consignação judicial emPagamento................................................ 3. Imputação em Pagamento.................................................................................... 4. Pagamento com Sub-rogação............................................................................... 5. Dação em Pagamento........................................................................................... 6. Novação................................................................................................................. 6.1. Novação Objetiva ou Real.......................................................................... 6.2. Novação Subjetiva ou Pessoal (Ativa, Passiva,ou Mista).......................... 6.3. Novação Mista............................................................................................ 7. Compensação........................................................................................................ 8. Confusão................................................................................................................ 9. Remissão................................................................................................................ Capítulo VI ► A CRISE DAS OBRIGAÇÕES: TEORIA DO INADIMPLEMENTO............................ 1. A Crise Obrigacional e a Dignidade da Pessoa Humana...................................... 1.1. A Superação da Prisão Civil e a Súmula Vinculante 25............................. 1.2. Inadimplemento Absoluto x Inadimplemento Relativo............................. 1.2.1. A Teoria da Substancial Performance e a Resolução por Inadimplemento............................................................................. 2. Mora......................................................................................................................

137 137 138 139 143 143 145 147 151 156 160 163 164 166 167 171 173 177 177 178 182 184 188

Sumário

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2.1. Mora do Devedor (solvendi)...................................................................... 2.2. Mora do Credor (accipiendi)...................................................................... 2.3. Constituição em Mora................................................................................ 2.4. Purgação (emenda) da Mora..................................................................... 2.5. Violação Positiva do Contrato(inadimplemento ruim ou insatisfatório). Perdas e Danos..................................................................................................... 3.1. Modalidades de Danos Negociais.............................................................. 3.1.1. Dano Emergente............................................................................. 3.1.2. Lucros Cessantes............................................................................ 3.1.3. Dano Moral Negociai...................................................................... 3.1.4. Perda da Chance............................................................................ Juros....................................................................................................................... 4.1. Juros de Mora............................................................................................ 4.2. Juros Compensatórios................................................................................ Cláusula Penal (multa contratual ou pena convencional)................................... Arras e Sinal..........................................................................................................

189 190 191 194 196 197 198 198 199 200 200 203 205 206 210 222

Capítulo VII ► TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES................................................................. 1. Introdução............................................................................................................. 2. Cessão de Crédito................................................................................................. 3. Assunção De Dívida ou Cessão De Débito............................................................ 4. Cessão de Posição Contratual..............................................................................

229 229 230 241 247

3.

4-

5. 6.

Parte II RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo I ► INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL...................................................... 1. 0 Dever Jurídico Primário e0 Sucessivo................................................................ 2. A História da Responsabilidade Civil.................................................................... 2.1. Fase Pré-Romana........................................................................................ 2.2. Fase Romana.............................................................................................. 2.3. Direito Francês........................................................................................... 2.4. 0 Direito Português.................................................................................... 2.3. 0 Direito Brasileiro...................................................................................... 3. A Natureza Jurídica................................................................................................ 4. Função................................................................................................................... 5. Fundamentos........................................................................................................ 6. A Culpa................................................................................................................... 7. Conceitos Básicos.................................................................................................. 7.1. Responsabilidade Civil e ResponsabilidadeMoral.................................... 7.2. Responsabilidade Civil e ResponsabilidadePenal..................................... 7.3. Responsabilidade Contratual e Extracontratual........................................ 7.4. Responsabilidade Subjetiva e Objetiva..................................................... 7.5. Responsabilidade Por Ato Lícito e Ilícito................................................... 7.6. A Responsabilidade Pressuposta...............................................................

253 253 256 257 258 258 259 259 262 262 263 264 265 265 265 269 270 271 275

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Capítulo II ► ELEMENTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL.......................................... 1. Introdução............................................................................................................ 2. Conduta Humana.................................................................................................. 3. Dano ou Prejuízo.................................................................................................. 3.1. Requisitos Configuradores do Dano.......................................................... 3.2. 0 Dano Patrimonial ou Material................................................................. 3.3. A Perda de uma Chance............................................................................. 3.4. 0 Dano Extrapatrimonial ou Imaterial....................................................... 3.5. Dano Estético.............................................................................................. 3.6. Dano Reflexo, Oblíquo ou Ricochete.......................................................... 3.7. Danos Coletivos, Difusos e Interesses Individuais Homogêneos............. 3.8. Responsabilidade Civil Pela Perda do Tempo Livre ou Desvio Produtivo de Consumo............................................................................................... 4. Nexo de Causalidade............................................................................................ 4.1. Teoria da Equivalência das Condições ou do Histórico dos Antecedentes ou Da Conditio Sine Qua Non....................................................................... 4.2. Teoria da Causalidade Adequada.............................................................. 4.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata................................................. 4.4. Qual aTeoria Adotada pelo Código Civil?................................................... 4.5. Concausas ou Concausalidade ou Causalidade Múltipla ou Causalidade Comum........................................................................................................

277 277 278 280 283 285 289 293 311 311 314

Capítulo III ► EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL............................................... 1. Conceito e Objeto de Estudo................................................................................ 2. Estado de Necessidade........................................................................................ 3. Legítima Defesa..................................................................................................... 4. Exercício Regular de Direito................................................................................. 5. Caso Fortuito e Força Maior................................................................................. 6. Culpa Exclusiva ou Fato Exclusivo da Vítima........................................................ 7. Fato de Terceiro.................................................................................................... 8. Cláusula de Não Indenizar...................................................................................

329 329 330 334 336 340 344 347 351

Capítulo IV ► RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA......................................... 1. Responsabilidade Civil Subjetiva......................................................................... 1.1. 0 Doloe a Culpa.......................................................................................... 1.1.1. Modalidades de Culpa................................................................... 1.2. As Hipóteses de Responsabilidade Civil Subjetiva no Código.................. 1.2.1. Incapaz........................................................................................... 1.2.2. Credor de Dívida Não Vencida ou JáPaga (Cobrança Indevida)... 1.2.3. Homicídio e Incapacidade Laborai................................................. 1.2.4. Ofensa à Saúde............................................................................... 1.2.5. Usurpação ou Esbulho.................................................................... 1.2.6. Injúria, Difamação ou Calúnia........................................................ 1.2.7. A Lei Federal n° 13.188/15 e 0 Direito de Resposta...................... 1.2.8. Lei de Bullying (Lei Federal 13.185/15) ......................................... 1.2.9. Ofensa à Liberdade Pessoal........................................................... 2. Responsabilidade Civil Objetiva...........................................................................

357 357 358 359 362 362 366 368 370 374 375 378 380 382 384

315 320 321 322 322 323 325

Sumário

2.1. 2.2.

0 Advento da Teoria do Risco Na Atual Codificação.................................

Hipóteses de Responsabilidade Civil Objetiva no Código........................ 2.2.1. A Responsabilidade Civil dos Empresários e das Empresas........ 2.2.2. A Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro.............................. 2.2.3. A Responsabilidade Civil por Fato do Animal e por Fato da Coisa...............................................................................................

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387 387 388 390 396

Capítulo V ► EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS............. 1. Noções Gerais........................................................................................................ 2. A Relação de Trabalho.......................................................................................... 2.1. A Relação de Emprego............................................................................... 3. Desdobramentos Juslaborais da Responsabilidade Civil.................................... 3.1. Responsabilidade Civil do Empregador ou Comitente por Atos dos seus Empregados, Serviçais ou Prepostos........................................................ 3.2. Responsabilidade Civil do Empregado, Serviçal ou Preposto em Face do Empregador ou Comitente......................................................................... 3.3. Responsabilidade Civil do Empregador por Dano ao Empregado (não pelo empregado)....................................................................................... 3.4. Responsabilidade Civil Decorrente de Acidentedo Trabalho.................... 3.5. Responsabilidade Civil em Relações Triangulares de Trabalho (Terceirização)............................................................................................ 3.6. 0 Assédio Moral.......................................................................................... 4. Incapacidade Laborai e Pensionamento Ressarcitório.......................................

401 401 402 403 407

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................

421

407 409 411 412 414 417 417

Opção metodológica Inicialmente, uma importante pergunta urge ser posta: qual o motivo de unir responsabilidade civil e obrigações em um único volume, quando no seguimento usual dos cursos de direito civil geralmente se enxerga a cadeira de contratos como a subsequente às obrigações? A opção decorre da vinculação de duas idéias. A primeira é a percepção de que o descumprimento obrigacional (inadimplemento) gera, como ato contínuo, a responsabilização. A segunda é a verificação de que a responsabilidade civil traduz uma espécie obrigacional, qual seja: a obrigação de indenizar, consoante o princípio da reparação integral. Se a responsabilidade civil pode ser contratual (CC, art. 389 e 391) ou extracontratual (CC, art. 927 e seguintes), ora quando decorre do inadimplemento da obri­ gação contratual - chamada simplesmente de obrigação -, ora quando decorre do descumprimento de um dever jurídico geral originário - chamado simplesmente de dever-, nada melhor do que estudar os institutos de uma só vez, relacionando-os num só tempo, pois desta maneira se facilita a compreensão sistêmica e se permi­ te 0 exercício de comparações mais eficientes sobre os temas1. Esta será a opção metodológica apresentada. Assim, como será visto em capítulo específico e introdutório à responsabilida­ de civil, 0 fato gerador desta é 0 descumprimento de um dever jurídico originário. Justo por isto, hodiernamente se fala em conceito de responsabilidade civil a par­ tir de um mecanismo, 0 qual envolve: a) 0 descumprimento de um dever jurídico originário ou primário; b) A incidência de um dever jurídico secundário e sucessivo de reparação. Exemplifica S érgio C avalieri Filho12 com 0 dever geral de todos respeitarem a inte­ gridade física dos demais. Trata-se de um dever jurídico originário, cujo descum­ primento ocasiona a incidência de um dever jurídico secundário e sucessivo de reparação, materializado em uma indenização. Em síntese: responsabilizar pressupõe 0 descumprimento de um dever originário. Neste cenário, em uma obra que se propõe a analisar o direito civil de forma sistemática, nada melhor do que, na sua primeira parte, dedicar-se aos deveres jurídicos primários - os quais podem ser violados - e na segunda.

1

A respeito deste assunto será estabelecida ao longo desta obra uma reflexão sobre a (in con ve­ niência de dividir a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, à luz do princípio da operabilidade do direito civil.

2

In Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

às consequências cio inadimplemento. Assim, se unem obrigações e responsa­ bilidade. A proposta não é inovadora. Tem como base os ensinamentos de Larenz3, que há muito, e de forma visionária, já enxergava ser a responsabilidade à sombra da obrigação. A busca do responsável perpassa pela análise de quem era o obrigado e por quem violou o dever originário. Nesse contexto, esclarece A lois B rinz4 que enxergar a relação jurídica obrigacional de forma ampla remete a verificação de duas fases: a) o débito (shuld), o qual se relaciona à obrigação de realizar uma prestação e b) a responsabilidade (haftung), em que o credor, em virtude do descumprimento obrigacional, busca a responsabilização patrimonial do devedor. De outra banda, as noções aqui elencadas não são apenas doutrinárias. 0 próprio Código Civil, no seu art. 389, prescreve que: não cumprida a obrigação, responde 0 devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Infere-se, claramente, a opção conceituai codificada pelo mecanismo da res­ ponsabilidade civil. Na mesma linha de raciocínio, lembra C arlos Roberto G onçalves5 que a obrigação é 0 vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) 0 direito de exigir do deve­ dor (sujeito passivo)o cumprimento de determinada prestação. A relação jurídica é pessoal, de crédito e transitória, devendo ser cumprida voluntariamente. Caso isto não ocorra, configurado estará 0 inadimplemento e, por consequência, ter-se-á a incidência da responsabilidade. Sistematicamente, portanto, 0 mecanismo geral que envolve a responsabilida­ de pode ser ilustrado: Obrigação (Contrato)

Responsabilidade Civil

3

A menção ao autor em comento é realizada na quase totalidade de manuais que versam sobre responsabilidade civil, sendo lugar comum.

4

A menção ao autor em comento é realizada na quase totalidade de manuais que versam sobre responsabilidade civil, sendo lugar comum.

5

In Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 20.

Opção metodológica

21

De mais a mais, a própria responsabilidade civil constitui modalidade obrigacional. Consiste numa obrigação de indenizar. É uma obrigação legal, cogente, sucessiva, cujo escopo é a busca da reparação integral. Assim, ao se estudar a teoria geral das obrigações ficará mais fácil compreender a específica obrigação de indenizar, com os apontamentos sobre responsabilidade, partindo-se da teoria geral para a espécie. Não se ignora a discussão doutrinária acerca da conceituação das obrigações como modalidade, ou não, dos deveres jurídicos, muito menos sobre esta relação gênero e espécie. Ademais, é sabido que há divergência acerca da (im possibilida­ de de observar a existência de obrigação sem responsabilidade e da responsabili­ dade sem obrigação. Tudo isto será abordado ao longo deste trabalho. Em suma, estes e outros fascinantes assuntos, seus desdobramentos e verticalizações, serão tratados no decorrer desta obra. Neste capítulo introdutório geral o objetivo único consiste em justificar a opção do tratamento metodológico, pautado nas regras aqui explicitadas, abordando a necessidade de abordagem simultânea das duas matérias, uma vez que possuem intensa vinculação, como demonstrado acima. Para melhor compreensão dos temas, este volume será dividido em duas partes. A Parte I, dedicada ao Direito das Obrigações; enquanto a Parte II à Res­ ponsabilidade Civil. No volume vindouro, serão estudados os contratos, ainda no campo obrigacional e patrimonial, já com as noções das consequências do descumprimento (responsabilidade), em uma leitura de fácil e sistematizada compreensão. É tem­ po de adentrar na parte I do volume II, dedicando-se, a princípio, à análise do direito obrigacional. Vencido todo o estudo da relação jurídica obrigacional, com o seu inadimplemento, adentrar-se-á na parte II, verificando os responsáveis e as fórmulas de reparação. Vamos lá!

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I

► Introdução ao direito das obrigações

Capítulo II

► Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

Capítulo III

► Classificação das obrigações

Capítulo IV ► Do adimplemento e da extinção das obrigações (teoria do pagamento direto) Capítulo V

► Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações (Teoria do pagamento indireto)

Capítulo VI

► A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

Capítulo VII ► Transmissão das obrigações

o

C a p í tl uU l Io

Introdução ao direito das obrigações 1. CONCEITO, IMPORTÂNCIA E FUNÇÃO SOCIAL DAS OBRIGAÇÕES

Tanto "a obrigação, quanto o contrato assumem hoje o ponto central do Direito Privado, apontados por muitos como os institutos jurídicos mais importantes de todo o Direito Civil", como sintetiza Flávio T artuce1. Deste modo, é inegável a importância do instituto das obrigações enquanto base das relações civis. Na prática forense, os operadores do direito inevitavelmente utilizam as obrigações em todos os ramos, especialmente nas relações econômicas, analisando estas como projeção da autonomia privada. Portanto, a realidade que se afigura presente revela que o mundo contemporâneo nos leva a uma miríade de obrigações diárias. Mas, o que é uma obrigação? Etimologicamente a expressão advém do latim, representada pelos termos Ob + Ligatio, expressando ligação, liame. Inicialmente, o conceito ligava-se a uma norma de submissão, o que hoje não é completamente verdadeiro, ao passo que se relaciona a um ato de vontade baseado na cooperação. juridicamente, a expressão obrigação é plurissignificativa, pois ao mesmo tempo em que traduz uma relação jurídica (sentido amplo), também quer dizer respeito ao que se deve propriamente, ao objeto do pagamento (débito - sentido estrito). Justo por isto. O rlando C omes informa significar a expressão obrigação, em sentido estrito, direito de crédito12. Interessante, porém, que preferimos mais corriqueiramente o uso da expressão que nos remete à situação passiva, falandose em direito das obrigações, ao revés de direito de crédito. Ou seja, focamos mais no dever do que no direito. 0 locus de estudo do direito obrigacional, acertadamente, deve ser logo na abertura da parte especial do Código Civil. Isto por influenciar a todos os demais livros. Em contratos, responsabilidade civil, reais, família e sucessões sempre há, mesmo que de forma implícita, uma relação jurídica obrigacional. Enxerga-se a relação jurídica obrigacional como um processo. Assim, sua 1

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 27.

2

In Obrigações. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 6.

26

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

leitura deve ser feita a partir do paradigma de uma série de atos encadeados visando o adimplemento. A satisfação do credor e a dinâmica da relação obrigacional são premissas que orientam seu estudo, verificando-se a obrigação como um processo. Nessa esteira de pensamento, lembra Judith M artins-C osta3 que o direito das obrigações é construído dentro de um processo relacionai contínuo de cooperação, devendo ser encarado como uma relação complexa "compreendendo uma série de deveres, situações jurídicas e obrigações", voltados ao adimplemento. Infere-se a ideia de obrigação como um processo voltado ao cumprimento de um dever, como já lecionava C lóvis do C outo e S ilva4. É um processo com atividades necessárias à satisfação dos interesses do credor. Neste iter procedimental há deveres principais e anexos (acessórios, implícitos, satelitários) os quais perduram até após o pagamento, com a eficácia pósobjetiva da obrigação. São deveres ligados à boa-fé, sendo exemplos o de informar, cooperar, cuidado, zelo, etc. Por conseguinte, infere-se que as relações obrigacionais de tráfego jurídico não devem ser analisadas apenas sob o ponto de vista econômico, mas também consoante deveres não patrimoniais. ► Atenção!

0 princípio da boa-fé, em sua faceta objetiva, também mereceu impor­ tante espaço na seara Processual. Nessa senda, nas pegadas do Enun­ ciado í da I Jornada de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal, a verificação da violação à boa-fé objetiva dispensa a comprovação do animus do sujeito processual. Além disto, sob a influência da sociabilidade, as relações obrigacionais transcendem o individual, ganhando conotações coletivas e difusas. Como lembra Lenio S treck5, o s problemas jurídicos não mais envolvem apenas Caio, Tício e Mévio, mas sim coletividades, comunidades, como invasões do MST, falência de Bancos, contratos massificados e etc. Daí a afirmativa de K arl Larenz segundo a qual a obrigação deve ser enxergada sob o prisma da totalidade, e não apenas como uma situação passiva. É um processo, com diversos deveres de conduta, sendo verificados o credor e devedor em nítida cooperação para o adimplemento. Não há de se falar em antagonismo entre o credor e o devedor, mas sim em cooperação e busca do adimplemento.

3

In Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. Volume V, Tomo I.

4

In Obrigações, 1976. Apud Flávio Tartuce. Op. Cit., p. 30.

5

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma Exploração Hermenêutica da Constru­ ção do Direito. 4. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2003.

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

27

► E na hora da prova?

No concurso de Defensor Público - PA/2015 foi elaborada a seguinte questão discursiva. "Disserte sobre a "obrigação como processo", apon­ tando a influência de tal teoria no Código Civil em vigor". Este processo obrigacional, que como visto é marcado por autonomia privada, boa-fé e função social, tem como etapas: a)

nascimento e desenvolvimento dos deveres

b) adimplemento Há casos em que 0 cumprimento é instantâneo, 0 que dificulta a divisão em fases e a aproximação entre a situação real e obrigacional. Outrossim, 0 processo em comento deve ser significado pela lente do ser. As situações patrimoniais são funcionalizadas à efetivação dos valores e princípios existenciais, sendo ultrapassada a fase liberal napoleônica do Direito Civil. Assim como proposto no volume de Parte Geral, aqui também, nas obrigações, é necessária a despatrimonialização do direito. É certo afirmar, à guisa destas considerações, que 0 adimplemento é a mola propulsora das obrigações (as pessoas contratam para adimplirem). Portanto, 0 adimplemento é 0 eixo em torno do qual as obrigações são construídas no afã de atender a sua ínsita função social. E qual 0 campo de incidência do direito obrigacional? Não é qualquer obrigação em uma verificação coloquial, como aquelas decorrentes de religião ou domésticas... 0 seu campo de incidência é restrito, dizendo respeito às obrigações juridicamente exigíveis, perfeitas. Com base no verificado, a doutrina é rica em conceitos obrigacionais precisos, como "complexo de normas que regem relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outrem", no dizer de C lóvis B eviláqua6.

Segundo M aria H elena D iniz7 o s direitos obrigacionais, ou creditórios, são relativos por se dirigirem a pessoas determinadas, não sendo erga omnes, encerrando uma prestação positiva ou negativa consubstanciada em dada conduta. Já tivemos a oportunidade de conceituá-la como a relação prestacional de caráter patrimonial, cujo desrespeito se resolve mediante a execução do patrimônio 6

In Código Civil Comentado. Volume 4- ed. P- 6.

7

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 7.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

penhorável do inadimplente8. É o que afirma W ashington de Barros M onteiro9: " é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio"101. 0 descumprimento da obrigação, portanto, gera responsabilização patrimonial do devedor. Mas será que esta responsabilidade afeta todo o seu patrimônio? Decerto que não. Mas tão-só do seu patrimônio penhorável. Afirma-se isto à vista dos limites constitucionais impostos pelo respeito à dignidade humana, valor maior, eixo em torno do qual todo o ordenamento jurídico há de ser compreendido. Há um mínimo existencial - estatuto jurídico do patrimônio mínimo - a proibir que o inadimplente seja ferido em sua dignidade. Recorda Luiz E dson Fachin11 que todo ser, para ser humano, necessita de um mínimo existencial de dignidade, habitação, vestuário, lazer... Isto há de ser preservado! 0 art. 833 do Novo Código de Processo Civil (NCPC) dispõe sobre os bens que são im penhoráveis. A Lei 8.009/90 também dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família e a súmula 364 do S uperior T ribunal de Justiça estende a aplicação da im penhorabilidade do bem de família ao solteiro (single) e, ainda, as súmulas 25 do S upremo T ribunal F ederal e 419 do S uperior T ribunal de Justiça, ambas no sentido de não tolerar a prisão civil do depositário infiel. Isto apenas em algumas importantes notícias!

Sendo assim, a leitura do art. 391 do Código Civil, ao informar que "Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor", merece significado civil-constitucional. Sim. Pela lente do mínimo existencial é sabido que haverá mitigações a tal execução, como já enunciado. Esta também é a melhor forma de compreender a incidência dos arts. 389 e 391 do CC, os quais dispõem sobre a possibilidade de utilização do patrimônio do inadimplente como hipótese de garantia obrigacional. Mas, se a responsabilidade é patrimonial, como é possível falar-se em prisão civil? A prisão civil, segundo 0 S upremo T ribunal Federal, apenas persiste no direito brasileiro em uma única hipótese: devedor de alimentos. Ainda assim, funciona como meio de coerção, e não como um substitutivo do pagamento. Logo, uma vez preso e em havendo 0 pagamento, 0 cidadão deve ser posto em liberdade. Porém, 8

Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo in Direito Civil. Coleção OAB. Volume 5. Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

9

No mesmo sentido Álvaro Villaça Azevedo: "obrigação é a relação jurídica transitória de natureza econômica, pela qual 0 devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar 0 patrimônio daquele para satisfa­ ção de seu interesse (Teoria..., 2000, p. 31).

10

In Curso de Direito Civil - Obrigações. 1 Parte. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 8.

11

FACHIN, Luiz Edson. 0 Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de janeiro: Renovar, 2001.

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

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caso cumpra a prisão e não pague, segue a execução por quantia certa em face do devedor, pois não há quitação pelo cerceamento de liberdade. 0 tema prisão civil será retomado em capítulo específico. 0 inadimplemento obrigacional soluciona-se, tecnicamente, através da aplicação dos arts. 389 e 391 do CC, ou seja, mediante a teoria da responsabilidade civil negociai ou contratual. Insista-se: nos concursos públicos não se deve utilizar a teoria aquiliana da responsabilidade civil extracontratual; leia-se: não se deve utilizar dos arts. 186,187 e 927 do CC para embasar postulações, sendo esta a "visão clássica de divisão dualista da responsabilidade civil em contratual e extracontratual", nada obstante a tendência ser "a unificação do tema", como adverte Flávio T artuce12. 2. RELAÇÕES PATRIMONIAIS Nos manuais é muito usual perquirir as diferenças entre os direitos reais e obrigacionais. Tal se dá, como se verá, pelo fato das obrigações e dos direitos reais terem consistentes traços em comum. ' Inicialmente recorda a doutrina que os direitos obrigacionais veiculam relações pessoais, havendo uma relação de crédito e um dever correlato, traduzindo uma relação intersubjetiva entre um credor e um devedor. Já os direitos reais dizem respeito a um poder jurídico, direto e imediato, de uma pessoa sobre uma coisa, submetendo-se ao respeito de todos. Aqui se verifica que enquanto nos direitos reais há um jus in rem (direito sobre uma coisa, sendo imediato), nos obrigacionais há um jus ad rem (direito contra uma pessoa, sendo mediato). 0 objeto do direito real é a coisa, enquanto 0 do obrigacional é a prestação. Nessa toada, a satisfação de um direito real demanda apenas 0 seu titular, enquanto 0 obrigacional demanda a cooperação de outrem no cumprimento da prestação. Pontua M aria H elena D iniz que "nos direitos pessoais há dualidade de sujeitos, pois temos 0 ativo (credor) e 0 passivo (devedor)"; enquanto que "nos direitos reais há um só sujeito, pois disciplinam a relação entre 0 homem e a coisa " 13 Prossegue a doutrinadora afirmando que "quando violados, os direitos pessoais atribuem ao seu titular ação pessoal, que se dirige apenas contra 0 indivíduo que figura na relação jurídica como sujeito passivo, ao passo que os direitos reais, no caso de sua violação, conferem ao titular ação real contra quem indistintamente detiver a coisa"14. Nessa toada, recorda Orlando G omes que a violação aos direitos reais é sempre um fato positivo (uma ação), enquanto que aos obrigacionais poderá ser uma ação ou uma omissão.15

12

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 27.

13

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 8.

14

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 8.

15

Op. Cit., p. 16.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Malgrado a distinção inicial entre os direitos reais e os obrigacionais, fato é que costumam os manuais aproximar estes ramos do direito civil. Isto, porque, da análise do conceito clássico dos direitos obrigacionais, somada a uma leitura dos reais, percebe-se que ambos possuem um viés patrimonial, formando as denominadas relações patrimoniais. Nessa esteira, h á autores, a exemplo do italiano P ietro P erungieri16, que tratam direitos obrigacionais e reais dentro de um grupo maior de direitos, nomeados de relações patrimoniais ou situações subjetivas patrimoniais. Isto, porque, não seria possível realizar uma precisa separação entre as situações creditórias e reais, merecendo os temas normatização una. Os defensores deste ideal filiam-se a batizada teoria monista ou unitária. Ocorre que não foi esta a tese adotada pelo direito civil nacional. 0 vigente Código Civil caminha segundo a teoria dualista ou binária, responsável por diferenciar os direitos reais e obrigacionais, os tratando de maneira apartada e com regras próprias. Como o legislador nacional fez distinção relevante, acabam sendo usuais questionamentos acerca das diferenciações entre estes ramos do direito civil. É sobre isto que passamos a nos ocupar a partir de agora. A primeira diferença é que os direitos reais são taxativos, enquanto os obrigacionais são exemplificativos. Para a maioria da doutrina, a exemplo de

W ashington

de

Barros M onteiro, P ontes

M iranda, S erpa Lopes, O rlando C omes, S ilvio R odrigues, A rnold W ald, A rruda A lvim

e

de

D arcy B essone17,

os direitos reais se submetem a um rol numerus clausus, sendo típicos e estando expressos no art. 1.225 do CC. Já os direitos obrigacionais são numerus apertus, exemplificativos, de modo que podem surgir pela criatividade humana, do exercício da autonomia privada, como contratos atípicos e inominados, desde que respeitada a teoria geral dos contratos (art. 425 do CC). ► Atenção!

Quanto ao caráter taxativo dos direitos reais, há quem defenda, minoritariamente, que a autonomia privada e 0 princípio da operabilidade poderíam relativizaria este caráter. Nessa toada, seria possível a cria­ ção de novas situações reais ou a sua localização em outras passagens do Código Civil. É 0 que advoga André Osório Condinho*. * Direito e Autonomia da Vontade.

Com efeito, passeando pelo Código Civil percebe-se que há outros artigos que podem ser significados como direitos reais. Exemplifica-se com 0 art. 516, responsável por regular 0 direito de retenção, como lembra A rnoldo M edeiros da Fonseca 18. Na mesma linha lembra-se da retrovenda, explicitada no art. 505 e 16

PERLINGIERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito Civil Constitucio­ nal. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.

17

Todos lembrados pelos Carlos Roberto Gonçalves em sua obra (Op. Cit., p. 36).

18

Direito de Retenção, p. 255-256, n. 142.

Cap. I . Introdução ao direito das obrigações

31

seguintes do Código Civil e recordada por C arlos Roberto G onçalves19. Somam-se a isto criações humanas, respeitosas à teoria geral do direito civil, como o contrato de multipropriedade, no qual cada adquirente compra a fração ideal de um imóvel e recebe dividendos por sua exploração comercial, por uma rede hoteleira, tendo "um que" de direitos reais. Por tudo isto, obtempera F lávio não significa uma rigidez absoluta.

T artuce20

que a taxatividade dos direitos reais

Destarte, é curioso notar que diferentemente do direito argentino e português, o Código Civil nacional, em nenhuma passagem, informa expressamente a impossibilidade de construção de novas modalidades de direitos reais.

► Atenção! Como posto acima, a tese majoritária caminha no sentido de serem os direitos reais taxativos, sendo este o posicionamento usualmente cobrado em provas objetivas. A posição minoritária, que homenageia a autonomia privada e a operabilidade como permissivo à criação de novos direitos reais, apenas deverá ser recordada em provas subjeti­ vas ou questões direcionadas à minoria.

Seguindo as diferenciações entre os direitos reais e obrigacionais, a segunda afirma que os direitos reais são absolutos (erga omnes), enquanto que os obrigacionais são relativos (subjetivos ou inter partes). 0 direito das coisas se submete ao princípio do absolutismo, pois possuem eficácia contra todos - erga omnes. Exemplifica-se com o direito de propriedade, o qual há de ser respeitado por todos. Que fique claro! 0 caráter absoluto dos direitos reais não se coaduna com a noção de exercício ilimitado. Ao revés, como recordam C ristiano C haves e N elson Rosenvald21, o s direitos reais, há muito, foram funcionalizados, sendo ponderados para a promoção do ser humano. Já os direitos obrigacionais são subjetivos, relativos, inter partes, obrigando, em regra, apenas as partes envolvidas. Recorda-se com um contrato, o qual apenas poderá obrigar as partes envolvidas. Ousamos afirmar, porém, que a eticidade e a socialidade interferem a tal ponto no atual direito civil que, em alguns casos, esta oponibilidade erga omnes também deverá incidir nos negócios jurídicos - leia-se: nas obrigações -, falando-se aqui da função social dos contratos.

19 Op. Cit., p. 3320 TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 9. 21

Op. Cit., p. 29

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção!

Adverte Flávio T artuce que esta oponibilidade erga omnes, típica dos di­ reitos reais, passa a acontecer, em determinados casos, nas relações obrigacionais, haja vista a eficácia externa da função social dos con­ tratos (Enunciado 21 do CJF e art. 421 do CC). Exemplifica 0 ilustre doutrinador com 0 art. 608 do CC, 0 qual penaliza 0 aliciador de pessoas, obrigadas por contrato escrito de prestação de serviços, a pagar 0 correspondente a dois anos da aludida remuneração, em uma clássica cláusula penal extra alios. De igual sorte, a Súmula 308 do S uperior T ribunal de Justiça, também serve de exemplo, ao determinar a inoponibilidade da hipoteca firmada pela incorporadora e 0 agente financeiro ao adquirente do imóvel. Registrase, porém, que firmou 0 Superior Tribunal de Justiça, na Jurisprudência em Teses n. 104, item 2, "não se aplicar a Súmula 308 do STJ nos casos envolvendo contratos de aquisição de imóveis não submetidos ao Sis­ tema Financeiro de Habitação - SFH". Igualmente traduz exemplo os arts. 8° da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) e 576 do Código Civil, no momento em que afirmam a necessidade de respeito da locação pré-existente, registrada e com cláusula de vigên­ cia, pelo terceiro adquirente do imóvel. No particular sufraga 0 STJ que 0 direito do locatário permanecer em contrato até 0 final da locação, opondo 0 ajuste locatício ao novo proprietário do imóvel, depende da averbação do contrato, com cláusula de vigência, no registro de imóveis. (REsp 1.669.612-RJ, Rei. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, por unanimidade, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018). Ainda passeando pelas diferenças entre os direitos reais e obrigacionais, a terceira reside no fato de que nos direitos reais se tem a prerrogativa da sequela, enquanto nos obrigacionais há mera execução patrimonial. 0 art. 1.228 do CC estabelece ao proprietário 0 direito de reaver a coisa em face de quem a injustamente detenha ou possua. É possível afirmar, por isto, que ao titular do direito real de propriedade é garantido "seguir a coisa em poder de todo e qualquer detentor ou possuidor" (eficácia erga omnes). A isto se denomina direito de sequela (jus persequendi ou praeferendi).

Já se dizia na Roma Antiga, como recorda Orlando C omes22, que "0 direito real adere à coisa como a lepra ao corpo (uti lepra cuti)". Segundo FlAvio T artuce esta sequela existe "uma vez que os direitos reais aderem, ou colam na coisa". É deste ilustre doutrinador a lembrança segundo a qual nos direitos obrigacionais existe uma responsabilidade patrimonial do devedor pelo inadimplemento (CC, 391), enquanto que nos direitos das coisas 0 próprio bem, individuado, responde "onde quer que ela esteja"23 22

GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizador Luiz Edson Fachin. Rio de janeiro: Editora Forense, 2008, p. 19.

23 TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 8 e 13.

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

33

Nessa senda, a noção de sequela decorre do princípio da aderência, especialização ou inerência, no sentido de que o titular do direito real pode ir ao encontro do bem onde quer que ele se encontre, nas mãos de quem quer que esteja, reivindicando-o e opondo-se contra tudo e contra todos (oponibilidade erga omnes). 0 direito real adere ao bem. Tal se dá por estabelecer o direito real uma relação de domínio entre o sujeito e a coisa, não dependendo de nenhum sujeito passivo para sua existência. Exemplo: se João emprestou o seu bem a Caio e este, sem a autorização daquele o emprestou a Lúcio, João poderá buscar a coisa nas mãos de Lúcio. Já os direitos pessoais não se submetem à sequela, mas sim à execução patrimonial, respondendo pelo descumprimento da obrigação o patrimônio do devedor. Exemplo: se Caio se comprometeu a pintar um quadro para Maria e não o fez, mesmo após tutela específica, esta poderá apenas pleitear as perdas e danos pelo descumprimento obrigacional. A quarta diferença entre os direitos e reais e obrigacionais é que aqueles (direitos reais) ocasionam apenas a preferência, enquanto os obrigacionais, quando muito, geram privilégios. Os direitos reais, em decorrência do registro, ocasionam uma preferência de persecução, de forma que àquele que primeiro registrou poderá reivindicar o bem. Tal se dá, em especial, nos direitos reais de garantia, a exemplo da hipoteca. Se João é devedor de vários credores, mas tem um imóvel hipotecado, este servirá, preferencialmente, a garantia do credor hipotecário. Se houver várias hipotecas a preferência será estabelecida segundo a ordem de registros, preferindo aquele que primeiramente fez o registro hipotecário. Outro bom exemplo da preferência está no art. 1.419 do CC, 0 qual afirma que os direitos reais preferem aos créditos quirografários (comuns). Deste modo, a preferência dos direitos reais coloca, em segundo plano, os direitos pessoais. Exemplo disto se poderia vislumbrar numa situação jurídica de existência simultânea de um credor hipotecário (garantia real) e um credor fiduciário (garantia pessoal decorrente de uma fiança). Por força da qualidade jurídica preferencial, executar-se-ia em primeiro lugar a hipoteca e, somente depois disto, a fiança. Já os direitos obrigacionais não têm tal preferência, havendo, quando muito, privilégios legais, como soe ocorre na Recuperação Judicial de Empresas (Lei 11.101/2005, arts. 83 e 84), Nesta, a normatização afirma quais créditos devem ser privilegiados em detrimento de outros, a exemplo dos fiscais e trabalhistas. Ressalta-se que tais privilégios não se confundem com a preferência dos direitos reais, pois esta recairá sobre um bem específico, enquanto àqueles (privilégios) dizem respeito a todo 0 patrimônio.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção! Sobre a Recuperação de Empresas e o privilégio, fiquem atentos à Súmula 219 do S uperior T ribunal de Justiça, segundo a qual "os créditos decorrentes de serviços prestados à massa falida, inclusive a remu­ neração do síndico, gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas Outrossim, nas pegadas do art. 84 da Lei de Recuperação, os crédi­ tos trabalhistas, posteriores à quebra, terão preferência em relação aos anteriores. A quinta diferença admite que os direitos reais são registrados, enquanto os obrigacionais têm forma livre. Os direitos reais, em regra, sujeitam-se à registrabilidade, de modo que 0 registro público faz-se presente na constituição dos mesmos; aspecto inocorrente nos direitos obrigacionais. Recorda F lAvio T artuce24 que 0 princípio da publicidade ou visibilidade é de incidência marcante no direito das coisas, "diante da importância da tradição e do registro - principais formas derivadas de aquisição da propriedade". Em verdade, como regra lógica, para que os direitos reais sejam oponíveis em face de todos, haverão de ser públicos. Já os direitos obrigacionais, em regra, possuem forma livre, podendo ser celebrados, de qualquer maneira, na forma do art. 107 do Código Civil. Obviamente, conforme estudado no volume dedicado à Parte Geral, há hipóteses nas quais os direitos obrigacionais possuem forma vinculada, única e cogente. É 0 que acontece, por exemplo, nos contratos envolvendo imóveis cujo valor ultrapasse a 30 (trinta) vezes 0 maior salário mínimo vigente no país, os quais haverão de ser realizados mediante instrumento público (art. 108 do CC). A sexta diferença afirma que os direitos reais são perpétuos, enquanto os obrigacionais são transitórios. A perpetuidade há de ser entendida no sentido de que poderão os direitos reais ser perpetuados no seio da mesma família, através do direito sucessório, caso não sejam alienados. Possuem os direitos reais maior estabilidade que os pessoais. Já os direitos obrigacionais são transitórios, visto que a obrigação nasce para ser cumprida. Direitos obrigacionais são vocacionalmente transitórios, pois 0 contratado deve extinguir 0 seu vínculo obrigacional, em regra, mediante 0 cumprimento de sua obrigação. Fazendo uma leitura sistemática das diferenciações elencadas, percebe-se que:

24 TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 11.

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

Direitos Reais Numerus Clausus cos.

-

Direitos Obrigacionais

Taxativos ou Típi­

Numerus apertus -

exemplificativos.

Direito de Sequela - reivindicar a coi­ sa onde quer que esteja e nas mãos de quem quer que esteja.

Não há Sequela - executa-se o contrato, incidindo a sanção pelo descumprimento no patrimônio do devedor.

- opo-

nível contra todos.

Relativos (Eficácia inter partes) - Obri­ gam, em regra, apenas os contratantes.

Registrabilidade e Publicidade - sub­ metem-se ao registro.

Forma livre, em regra (Art. 107 do CC) não exigem registro, nem publicidade.

ju s in re - direito sobre a coisa. A

re­ lação jurídica se estrutura entre uma pessoa e a própria coisa, com oponibilidade em face de todos.

Jus a d rem

Direito de preferência.

Direito quirografário (comum).

Inerência ou Aderência

- acompanha, adere às mutações da coisa.

Não há Inerência

Encerra direito de gozo, fruição ou ga­ rantia sobre coisa corpórea.

Encerra direitos de crédito a uma pres­ tação, entre sujeitos.

C aráter Permanente ou Perpétuo -

C aráter Transitório

Absolutos (Eficácia erga omnes)

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pois caso não haja alienação, trans­ mite-se por herança.

- direito contra a pessoa. A relação jurídica se estrutura entre pes­ soas determinadas ou determináveis.

- não acompanha as mutações da coisa, pois gira em torno da prestação.

- pois a obrigação nasce para ser cumprida, sendo 0 adimplemento obrigacional a sua natural for­ ma de extinção.

Pois bem. Percebe-se claramente que o direito nacional adota uma teoria dualista no que tange às relações patrimoniais, sendo possível catalogarmos diferenças entre os direitos reais e obrigacionais. Tais diferenças são usualmente cobradas em certames concursais. Entrementes, malgrado tais fatores distintivos, a aproximação patrimonialista pregada pela tese monista não é de todo equivocada, sendo perceptível a existência de figuras híbridas ou mistas, as quais compõem uma zona grise, cinzenta e de confluência entre direitos reais e obrigacionais. Sobre estas figuras que passamos a falar. 2.1. Zona de Confluência: Obrigações Propter Rem, Obrigações de Ônus Real e Obrigações de Eficácia Real

Existem figuras híbridas, mistas ou simbióticas que, por confluírem elementos de direitos reais e elementos de direitos pessoais a um só tempo, habitam uma zona intermediária. Os principais moradores desta zona de confluência são as obrigações propter rem, de ônus real e de eficácia real. Vamos iniciar a nossa abordagem com as obrigações propter rem. São as obrigações próprias da coisa (propter rem), ou na coisa (in rem), ou da coisa (ob

36

Direito Civil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

rem), também denominadas de obrigações ambulatoriais, reais ou mistas. São obrigações impostas ao titular do direito real simplesmente por esta sua condição. Exemplifica-se: tenho que respeitar a convenção condominial enquanto condômino. Tais obrigações aderem à coisa (e não à pessoa), transmitindo-se automaticamente ao seu novo titular, desde que haja transferência proprietária (transmissão automática). Além das já citadas taxas condominiais, são exemplos o IPTU, ITR, a obrigação de recuperar área ambiental degradada e o IPVA (Informativo 291, STJ e REsp. 659.584-SP). ► Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu esta questão?

No AgRg no AG 7 7 6 .699 -SP, a 3 a Turma do S uperior T ribunal de Justiça reconhe­ ceu que as despesas de condomínio constituem obrigação propter rem, de modo que são de responsabilidade do proprietário da unidade, "que tem posterior ação de regresso contra 0 ex-mutuário". No REsp. 1.730.651-SP, julgado em 09.04.19, 0 STJ afirmou que os honorários de sucumbência estabelecidos na demanda que julgou procedente 0 dé­ bito condominial, não possuem natureza ambulatorial (propter rem). Já no REsp. 829.312-RS, a 4 a Turma do S uperior T ribunal de Justiça afirmou que "0 adquirente, em adjudicação, responde pelos encargos condomi­ niais incidentes sobre 0 imóvel adjudicado", também admitindo 0 cará­ ter propter rem da obrigação condominial. Ademais, em 2017 afirmou 0 S uperior Tribunal de Justiça, através da Súmula 585, que a responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, não abrange 0 IPVA incidente sobre 0 veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação. A explicação é cristalina: após a alienação a incumbência de pagamento do IPVA passará a ser do novo proprietário, tendo em vista a já citada natureza propter rem desta obrigação. 0 mesmo STJ firma que 0 promitente comprador tem legitimidade pas­ siva para figurar na ação de cobrança de condomínio, ainda que a re­ ferida promessa não esteja registrada, desde que 0 condomínio saiba da aludida promessa (REsp 657.506/SP, 3a Turma, Rei. Min. Carlos Alberto Direito, j. 07.12.2006). Nessa esteira, agora na Jurisprudência em Teses n. 107, itens 9 e 10, firma 0 Superior Tribunal de Justiça que as despesas de condomínio e IPTU, em compromisso de compra e venda não registrado, even­ tualmente podem recair tanto sobre 0 promissário comprador, como promitente vendedor. Afinal, 0 promissário comprador tem direito real de aquisição do bem, 0 que poderá ocasionar a sua responsabilidade derredor das obrigações propter rem. Na linha do dito e agora sob 0 ponto de vista legislativo, por força da Lei 13.786/18 (Distrato Imobiliário), firma 0 novel art. 67-A, da Lei 4.591/64 (Condomíno e Incorporação Imobiliária), que no desfazimento do contrato de aquisição imobiliária responde 0 adquirente pelos tributos reais (IPTU), cotas condominiais e taxas de associação. 0 mesmo valerá para aquisi­ ções de lotes, por força da mesma Lei 13.786/18 (Distrato Imobiliário), no novel art. 32-A, este inserto na Lei 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano).

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

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De mais a mais, justo pelo caráter propter rem da obrigação e persis­ tência da responsabilidade do proprietário junto às fontes pagadoras, que firma a Súmula 614 do Superior Tribunal de justiça que "0 locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir in­ débito desses tributos". Afinal, 0 locatário não possui direito real sobre 0 bem, mas sim mera posse direta. Entrementes, no que tange à cobrança de condomínio, firma 0 mesmo Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de cobrança junto à arren­ datária do imóvel, quem poderá figurar no polo passivo da demanda, juntamente com 0 proprietário. Como bem posto no acórdão, "não se está a falar de solidariedade entre proprietário e arrendatário para 0 pagamento dos débitos condominiais em atraso, até mesmo porque, como se sabe, a solidariedade decorre da lei ou da vontade das par­ tes. 0 que se está a reconhecer é a possibilidade de a arrendatária figurar no polo passivo da ação de cobrança, haja vista que a ação pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel, 0 que mais prontamente possa cumprir com a obrigação" (REsp 1.704.498-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 17/04/2018, DJe 24/04/2018). Ainda nas pegadas do mesmo S uperior T ribunal de Justiça 5, verifica-se que este já consignou que a obrigação de recuperar área ambiental degra­ dada é do atual proprietário, independente deste ter sido 0 autor da degradação, pois decorre de uma "obrigação propter rem, que adere ao título de domínio ou posse". Sobre este tema, em 2018, através da Súmula 618, firmou 0 Superior Tribunal de Justiça a inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental, fato relacionado ao já citado reconhecimento de natureza propter rem da obrigação de recu­ perar área ambiental degradada. Por fim, afirma 0 Tribunal da Cidadania ser propter rem a obrigação tributária real de pagar 0 IPTU (REsp. 840.623-BA). Atento ao fato de que as obrigações propter rem são mistas, esclarecem C ristiano de F arias e N elson R osenvald que "apresentam características comuns aos direitos obrigacionais e reais. A pessoa assume uma prestação de dar, fazer ou não fazer, em razão da aquisição de um direito real. Portanto, são obrigações que não emanam da vontade, porém do registro da propriedade"2526.

C haves

► E n a h o ra d a p r o v a ?

A banca (Vunesp - na prova de Juiz de Direito Substituto - PA/2014) consi­ derou como correta a seguinte assertiva: "Considerando unidade autôno­ ma alienada fiduciariamente e havendo despesas de condomínio, assinale

25 Informativo n. 471. REsp. 1.237.071-PR. 26 In Direito das Obrigações. 1 Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 22.

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a alternativa correta. Dívida de natureza propter rem, cuja responsabili­ dade recai também sobre o titular da propriedade, ainda que resolúvel". No concurso do MPE - RJ - Promotor de Justiça - RJ/2014 foi apresenta­ da a seguinte questão discursiva: "Distinga, exemplificando cada qual, obrigação propter rem, obrigação com eficácia real e ônus reais. Resposta objetivamente fundamentada". ► Fiquem atentos!

Em sendo consequência do direito real, 0 devedor da obrigação prop­ ter rem pode se livrar do seu débito, simplesmente, abandonando a coisa. Claro. Uma vez não mais sendo proprietário, obrigação não há. Tecnicamente é 0 que se denomina de abandono liberatório ou renún­ cia liberatória. Sistematizando 0 tema, refere-se M aria Helena D iniz à obrigação propter rem como sendo figura autônoma situada entre 0 direito real e 0 pessoal, a qual encerra uma obrigação acessória mista, por vincular-se a um direito real. Ainda segundo a autora, a obrigação em comento possui três caracteres: (1) vinculação a um direito real, ou seja, a determinada coisa que 0 devedor seja proprietário ou possuidor, (2) possibilidade de exoneração pelo abandono, (3) transmissibilidade pela via dos negócios jurídicos 27. Continuando com a análise da zona híbrida, adentra-se no estudo das obrigações de ônus real. Obrigação de ônus real é aquela que limita 0 uso e 0 gozo da propriedade, consistindo em um gravame. É um direito sobre coisa alheia, oponível erga omnes. Verifica-se esta casuística na renda constituída sobre imóvel, na qual há um direito temporário que grava determinado bem, obrigando 0 seu proprietário a pagar prestações periódicas (art. 803 do CC). Exemplifica-se: João doa uma fazenda para Maria, obrigando esta (Maria) a destinar 50% (cinquenta por cento) da safra colhida, todo ano, para Caio. Enquadra-se igualmente aqui a hipoteca, 0 penhor e a anticrese, que são direitos reais de garantia, posto darem garantia a uma obrigação pré-existente, onerando um bem. ► Fiquem atentos!

A obrigação de ônus real tem como traço distintivo da propter rem 0 fato de se limitar ao valor da coisa. Com efeito, nada impede que 0 montante da obrigação propter rem supere, em muito, 0 valor do bem principal, a exemplo de um IPTU progressivo. Tal não ocorre nas

27

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 29/30.

C a p . I . In t r o d u ç ã o a o d ir e it o d a s o b r ig a ç õ e s

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obrigações de ônus real, pois não é possível onerar um bem acima de seu principal. No exemplo conferido há pouco, não seria possível Maria ser obrigada a destinar 150% (cento e cinquenta por cento) da safra. De­ mais disto, as obrigações de ônus reais desaparecem com 0 perecimento da coisa, fato que não acontece com as denominadas propter rem. Ainda na análise das figuras híbridas, há de se falar nas obrigações de eficácia real. A obrigação de eficácia real é aquela que, sem perder 0 ser caráter de direito pessoal, ou direito a uma prestação, ganha oponibilidade contra terceiros, que adquiram direitos sobre determinado bem, tendo em vista 0 seu registro. É 0 que tecnicamente chama-se de oponibilidade erga omnes. São obrigações que se transmitem. Exemplifica-se com 0 direito de preferência, em um contrato de locação devidamente registrado, conforme previsto no art. 33 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91). Outro exemplo é 0 registro do contrato de locação com cláusula de vigência, com 0 escopo de proporcionar sua continuidade, mesmo na hipótese de alienação do imóvel (art. 8o da Lei 8.245/91 e 576 do CC/02). São obrigações que atingem até mesmo 0 terceiro adquirente, ante ao seu registro. ► Atenção!

Já entendeu 0 S uperior T ribunal de Justiça (REsp. 252.158-RJ) que 0 direito de preferência previsto na Lei de Locações e no Código Civil (8.245/91, arts. 27 e 33, e no CC, art. 576), quando não respeitado, enseja perdas e danos. Isto não impede que 0 interessado requeira a adjudicação do imóvel. Lembra-se que a referida adjudicação demanda a prévia averbação do instrumento contratual de locação no cartório imobiliário, pelo prazo de ao menos 30 (trinta) dias antes da alienação. Outrossim, 0 pedido de adjudicação há de ser realizado no prazo decadencial de 6 (seis) meses, contados da venda. No mesmo sentido caminha 0 S upre ­ m o T ribunal F ederal , na Súmula 488. Destarte, 0 mesmo STJ já consignou que 0 pacto de impenhorabilidade de título patrimonial contido explicitamente em estatuto social de clube desportivo não pode ser oposto contra exequente/credor não sócio. Com efeito, a legislação processual viabiliza que atos voluntários declarem a impenhorabilidade de determinados bens, afastando-os de eventual execução, permitindo, assim, a celebração do pacto de impenhorabilidade. Nessa hipótese, como em todo negócio jurídico, 0 referido pacto fica limitado às partes que 0 convencionaram, não podendo envolver terceiros que não anuíram, ressalvadas algumas si­ tuações previstas em lei, a exemplo da doação gravada com a cláusula de inalienabilidade (art. 1.911 do CC/2002). Assim, 0 pacto de impenho­ rabilidade de título patrimonial, contido explicitamente em estatuto

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

social do clube desportivo, não pode ser oposto contra o exequente (não sócio). Isso, porque, as decisões tomadas pela associação so­ mente vinculam os seus respectivos sócios e associados, além de não haver previsão legal para se reconhecer a eficácia erga omnes de tais deliberações. (REsp 1.475.745-RJ, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 24/04/2018, Dje 30/04/2018). Na mesma linha caminha a doutrina, que nos Enunciados 152 e 153 da II Jornada de Processo Civil do CJF, firma que a penhorabilidade pode ser objeto de convenção entre as partes, mas 0 ajuste não é oponível à terceiros. Por fim, sufraga 0 STJ que 0 direito do locatário permanecer em contrato até 0 final da locação, opondo 0 ajuste locatício ao novo proprietário do imóvel, depende da averbação do contrato, com cláusula de vigência, no registro de imóveis (CC, art. 576 e art. 80 da Lei 8.245/91). In verbis: A controvérsia gira em torno de definir se 0 contrato de locação com cláusula de vigência em caso de alienação precisa estar averbado na matrícula do imóvel para ter validade ou se é suficiente 0 conheci­ mento do adquirente acerca da cláusula para proteger 0 locatário. Registre-se que a lei de locações exige, para que a alienação do imó­ vel não interrompa a locação, que 0 contrato seja por prazo deter­ minado, haja cláusula de vigência e que 0 ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel. Na hipótese, apesar de no contrato de compra e venda haver cláusula dispondo que 0 adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito menos ao fato de que 0 comprador respeitaria a locação até 0 termo final. Assim, ausente 0 registro, não é possível impor restrição ao direi­ to de propriedade, afastando disposição expressa de lei, quando 0 adquirente não se obrigou a respeitar a cláusula de vigência da locação. (REsp 1.669.612-RJ, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 07/08/2018, Dje 14/08/2018). Trabalhadas as três principais hipóteses da zona de confluência, digno de nota ser possível verificar situações reais - como 0 usufruto - nas quais há imposição de deveres recíprocos entre as partes, subsistindo como uma relação obrigacional. Tais temas serão aprofundados no volume reais. De mais a mais, 0 relativismo contratual (efeitos inter partes), malgrado subsistir, enfrenta atualmente diversas mitigações, como na estipulação em favor de terceiros, na promessa de fato de terceiro e no contrato com pessoa a declarar. Tais figuras conferem à mera relação obrigacional uma eficácia além da inter partes. Nada obstante esta ligeira digressão, tais temas serão aprofundados no volume de contratos, seu locus específico, para 0 qual se remete àqueles que desejam maior verticalização nestes assuntos. Ainda no abrandamento do relativismo contratual, percebe-se que a tutela externa do crédito (função social) e 0 caráter transindividual das obrigações

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

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confere aos contratos uma importante eficácia difusa. Exemplifica-se com o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), os contratos de massa e o dano social, todos transbordando a mera eficácia inter partes. Demais disto, as situações patrimoniais, tanto reais quanto obrigacionais, foram funcionalizadas, tendo sido realizada uma opção pelo existencialismo, com a derrocada do individualismo; e do personalismo, sobrepondo-se ao patrimonialismo. Infere-se, portanto, mais um traço de aproximação, em busca da tutela da dignidade da pessoa humana. A propriedade não mais é vista como uma relação de submissão, mas sim de cooperação, tendo forte viés obrigacional e perante a qual se considera, também, os interesses dos não proprietários, o que se observa, por exemplo, na redução dos prazos da usucapião por conta da função social da posse exercida. Verifica-se a teoria do terceiro cúmplice ou ofensor das relações contratuais, que pode sofrer responsabilização civil na modalidade aquiliana. Infere-se a possibilidade de confecção de uma cláusula penal extra alios, visando a penalização na hipótese de terceiro ofensor. Ao lado disto, surge o terceiro vítima, atingindo em consequência da execução de um contrato e que, igualmente, pode pleitear a sua reparação no Poder Judiciário. Todos os temas que demonstram a mitigação da distinção de reais e obrigações serão tratados no volume de contratos. Ao que parece, a teoria monista vem mostrando os seus atributos de forma cada vez mais veemente no direito nacional. Apesar, registre-se, do ordenamento jurídico pátrio adotar a teoria dualista. 3. DISTINÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Os direitos obrigacionais são pessoais. Consoante os ensinamentos de O rlando o direito das obrigações disciplina as relações travadas entre pessoas, para satisfação de interesses, tendo natureza pessoal28. C omes,

Contudo, isto não deve ser compreendido como uma sinonímia completa. Em rigor técnico mais acurado, os direitos pessoais são gênero, dos quais constituem espécie os direitos obrigacionais e os direitos da personalidade. Isolar 0 direito das obrigações é a decisão mais acertada, ante 0 seu caráter patrimonialista. Nesta esteira, malgrado os direitos obrigacionais e direitos da personalidade decorrerem de um tronco comum, lembra P ietro P erlingieri29 que são diferentes. Isto porque os direitos obrigacionais ligam-se à noção de direito subjetivo, segundo a concepção do ter (patrimônio). Já os direitos da personalidade, referrem-se a um espaço de desenvolvimento da pessoa, ou seja, relacionam-se à proteção do ser. 28 Op. Cit., p. 6. 29 PERLINGIERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito Civil Constitucio­ nal. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Aprofunda P erungieri a observação ao verificar que nos direitos da personalidade não há dicotomia entre a prestação e o homem, não havendo de se falar em direitos subjetivos propriamente ditos, mas sim em uma categoria especial de direitos. De toda sorte, é darividente inferir o distanciamento entre os direitos da personalidade e os direitos obrigacionais nas suas características, ao passo que: Direitos Obrigacionais

Direitos da Personalidade

Patrimoniais

Extrapatrimoniais

Inter partes

Erga omnes

Prescritíveis

Imprescritíveis

Transmissíveis (inter vivos ou mortis causa)

Intransmissíveis

Disponíveis

Indisponíveis

Penhoráveis

Impenhoráveis

Compensáveis

Incompensáveis

Transacionáveis

Intransacionáveis

Renunciáveis

Irrenunciáveis

Cessíveis

Incessíveis

Relativos. 1_____________________________________

Absolutos

► Como se pronundou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

0 S uperior Tribunal de Justiça entendeu, conforme consta no Informativo 475, que 0 direito de pleitear dano moral se transmite aos sucessores da vítima fale­ cida. Isto porque, malgrado 0 direito da personalidade ser intransmissível, 0 direito à reparação (efeito patrimonial) transmite-se (art. 943 do CC). É 0 mesmo raciocínio que legitima a prescrição do efeito patrimonial decorren­ te da lesão à personalidade, conforme estudada no volume de Parte Geral (art. 206, §3°, V do CC). Ademais, ante 0 caráter irrenunciável e indisponível, assim como à vista da distinção de causas, a retratação apresentada ao público em nota à imprensa não obsta 0 dever de reparar.

Portanto, os direitos obrigacionais não se confundem, nem de longe, com os direitos da personalidade.3031 4. TERMINOLOGIAS IMPORTANTES

Também é importante, neste capítulo introdutório, distinguir algumas expressões que podem ser confundidas pelo candidato e futuro aprovado nos concursos públicos.30 1 30 Informativo n. 471. REsp. 1.040.529-PR 31

Informativo n. 471. REsp. 959.565-SP

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

43

Fica a pergunta: qual a diferença entre obrigação, dever jurídico, estado de sujeição, responsabilidade e ônus? Isto é o que desejamos esclarecer agora ao querido leitor, de modo direto e sistematizado. 4.1. Dever Jurídico Pode-se afirmar que o dever jurídico não possui, necessariamente, vínculo patrimonial direto. É a contrapartida do direito subjetivo. Na forma do art. i ° do CC, toda pessoa é titular de direitos e deveres no Ordenamento jurídico - é a personalidade jurídica, estudada no volume de Parte Geral. Portanto, o dever jurídico encerra a ideia de um comportamento genérico que todo o ser humano deve se submeter, sob pena de, descumprindo-o, incorrer em sanções jurídicas, como, por exemplo, a de indenizar. 0 dever pode ser genérico, imposto a todos, decorrente da lei. Ou, ainda, específico, em razão da vontade, relacionado a um pacto. Neste último cenário, o dever será denominado de obrigação. Acertadas, assim, as palavras de Orlando G omes, ao informar que o dever jurídico sobrepõe-se às obrigações32.

Assim, a obrigação é específica - poderia ser denominada de dever jurídico específico - e se relaciona a temas existenciais, tais como os deveres matrimoniais de fidelidade, respeito mútuo, vida em comum, assistência, entre os demais previstos no art. 1.566 do Código Civil. C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald apresentam interessante reflexão sobre 0 tema: "Devemos trabalhar com pares. 0 direito subjetivo opõe-se ao dever jurídico; 0 direito potestativo à sujeição. Mas, tanto no dever jurídico genérico (direitos reais e direitos da personalidade) como no individualizado (obrigação stricto sensu), 0 titular do direito subjetivo deve obter um comportamento positivo ou negativo da parte contrária"33

Em síntese: 0 dever jurídico é imposto pelo Ordenamento Jurídico e encerra a necessidade de se observar um determinado comportamento (não lesar, dar a cada um 0 que é seu, ser honesto, não furtar, cumprir a lei, etc.). Toda a comunidade submete-se ao dever jurídico que decorre da Lei em oposição aos direitos subjetivos. 4.2. Estado de Sujeição 0 estado de sujeição é 0 outro lado do direito potestativo. Como afirma M aria H elena D iniz34 "No

32

estado de sujeição haverá tão-somente uma subordinação inelutável a

Op. Cit., p. 11.

33 In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 27. 34 In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 26.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

uma modificação na esfera jurídica de alguém, por ato de outrem. Assim, no estado de sujeição uma pessoa não terá nenhum dever de conduta, devendo sujeitar-se, mesmo contra a sua vontade, a que sua esfera jurídica seja constituída, modificada ou extinta pela simples vontade de outrem, ou melhor, do titular do direito potestativo". P ablo S tolze e R odolfo P amplona F ilho sustentam que o estado de sujeição consiste em situação na qual alguém "tem de suportar, sem que nada possa fazer" o poder jurídico de outrem. Constitui o estado de sujeição o oposto do direito potestativo. Portanto, este estado de sujeição não traduz obrigação, pois "inexistente o dever de prestar"35 Liga-se, sim, a possibilidade de alguém adentrar na sua esfera jurídica e lhe submeter.

4 -3- Responsabilidade

Conceitualmente, a responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente, com a consequente imposição ao causador do dano do dever de indenizar. Consiste em atribuir a alguém, violador de um dever jurídico primitivo, as consequências danosas de seu comportamento. Esse descumprimento vai gerar dever de recomposição do status quo ante. Esta reparação haverá de ser integral, sendo norteada pelo princípio da restitutio in integrum, chamado por alguns de princípio do imperador ou reparação integral. 0 fundamento da responsabilidade civil no Brasil é Constitucional, pois o art. 5°, incisos V e X, afirma a ideia da responsabilidade civil. Se a CF assegura "o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", nenhuma dúvida existe no sentido de que há fundamento no direito constitucional justificador do dever de reparar.

Etimologicamente, responsabilizar remete ao verbo latino respondere, da raiz spondeo, significando uma espécie de "sombra da obrigação". Remete, mais uma vez, à noção que se apresenta como o dever jurídico primário e, quando desrespeitado, enseja a incidência deste instituto (o da responsabilidade), do qual deriva. Isto é o que sustentam Pablo S tolze Gacliano e Rodolfo P amplona Filho36, fazendo referência à clássica lição do jurisconsulto romano U lpiano , em seus três fundamentais preceitos para o direito: honeste vivere (viver honestamente), neminem laedere (não lesar outrem) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). Nas pegadas do art. i ° do Código Civil (CC), toda pessoa é titular de direitos e deveres na ordem jurídica brasileira. É possível afirmar, em razão disto, que existe um dever jurídico primário de não causar dano a outrem (não lesar). Violado este dever primário, surge outro: o dever jurídico sucessivo de reparar o dano. Afinal

35

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 10.

36 In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. Ill, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 2.

Cap. I • Introdução ao direito das obrigações

45

de contas, aquele que causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, na forma do art. 9 27 do C C, como adverte C arlos Roberto G onçalves37. 4.4. Ônus jurídico Ônus é a faculdade outorgada pelo direito a alguém para a prática de determinada conduta que, acaso não exercida, pode gerar ao titular desta faculdade um determinado prejuízo. Ou seja: é a necessidade de agir de uma determinada maneira para proteção de interesse próprio. É 0 que afirmam C ristiano C haves de Farias e N elson Rosenvald: "0 ônus jurídico pode ser conceituado como a necessidade de adoção de uma conduta, não pela imposição de norma, mas para a defesa de um interesse próprio. Não se trata de um dever ou de uma obrigação, pois 0 seu inadimplemento não gera sanção e 0 seu cumprimento não satisfaz um direito subjetivo alheio, simplesmente proporciona uma vantagem ou evita uma desvantagem para 0 seu próprio titular"38 Ao contrário da obrigação e do dever jurídico, os quais constituem situação passiva correspondente a uma situação ativa (direito subjetivo ou potestativo), no ônus a situação passiva não contempla qualquer tipo de correspondência ativa. É 0 que sustentam tais doutrinadores. É 0 exemplo do oferecimento de um recurso. Trata-se de um ônus. 0 seu não oferecimento, porém, gerará prejuízos ao recorrente.

37

In Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4, São Paulo: Saraiva. 2010, p. 24.

38 In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 27.

rH 3ô

Capítulo

Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação 1.

ESTRUTURA OU ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

Como relação jurídica que o é , a obrigação é constituída por elementos. O escopo deste capítulo, que ora se descortina, é dissecar a obrigação através da separação de cada um dos seus elementos constitutivos, de modo a reconstruí-la e significá-la. Tratando-se, a obrigação, de uma relação jurídica subjetiva e prestacional, não há dúvidas de que a estrutura há de contemplar pessoas (elementos subjetivos), a prestação (elemento objetivo ou material) e, evidentemente, um vínculo jurídico que unam as pessoas à prestação (elemento virtual). Sinteticamente, os elementos da estrutura da relação jurídica obrigacional são: RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL

f Elementos Subjetivos: Sujeitos (ativos e pas­ sivos)

Elemento Objetivo ou Material: a prestação lícita, possível (física e juridicamente), determinada ou determinável.

Vínculo Jurídico: aquilo que une as pessoas em torno de uma prestação.

Com o escopo de verticalização do conteúdo, passamos à análise isolada de c a d a um d e ste s e le m e n to s.

1.1.

Elemento Subjetivo ou Pessoal da Obrigação: Sujeitos da Relação Obrigacional

Sempre que o direito aborda o elemento subjetivo, remete, em verdade, aos sujeitos da relação. Sob esta perspectiva, a ênfase é dada às pessoas que estão contidas no laço obrigacional, seja no polo ativo (sujeitos ativos), seja no polo passivo (sujeitos passivos). Assim:

48

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

(i) 0 sujeito ativo da relação obrigacional é o credor da prestação, seja ela po­ sitiva ou negativa. Pode ser qualquer pessoa, capaz ou incapaz, natural ou jurídica, pois basta ser pessoa para ser sujeito de direitos e exercer a per­ sonalidade jurídica, tendo aptidão genérica para titularizar direitos e contrair deveres (CC, art. 1°). 0 sujeito ativo titulariza o direito de exigir o adimplemento da prestação. ► Atenção!

Em situações específicas o ente despersonalizado também pode ser credor de uma prestação, ou seja: pode ser sujeito ativo de uma rela­ ção obrigacional com o direito de exigir, portanto, o cumprimento do dever. É o caso de uma sociedade irregular que contrata prestadores de serviços, sendo credora de tais pessoas. (ii) 0 sujeito passivo da relação obrigacional é o devedor da prestação, podendo ser esta positiva ou negativa. Também pode ser qualquer pessoa, capaz ou inca­ paz, natural ou jurídica, pois basta ser pessoa para titularizar, em tese, direitos e deveres, como já posto. 0 sujeito passivo é quem deve adimplir a prestação. À vista do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal n° 13.146, de 06 de julho de 2015, cuja vigência normativa se iniciou em 2016, agora será absolutamente incapaz apenas 0 menor de 16 anos. A causa transitória antes prevista no inciso III, do art. 30 do Código Civil como situação de incapacidade absoluta, agora é hipótese de incapacidade relativa, deslocada para 0 art. 40 do Código Civil. Enfermidade e déficit mental não mais são situações incapacitantes expressas. Foram alterados os arts. 3°, 4° entre outros dispositivos do Código Civil. ► Atenção!

Nas relações obrigacionais complexas a mesma pessoa é, ao mesmo tempo, credora e devedora de prestações, titularizando débitos e cré­ ditos. É 0 que acontece com aquele que titulariza uma posição em um contrato, a exemplo de um locador. Este terá créditos, como 0 direito ao pagamento do aluguel, e débitos, como 0 dever de conservar 0 bem apto à locação. 0 direito das obrigações se caracteriza, entre outras coisas, pela transmissibilidade (função econômica da obrigação). Desta forma, é perfeitamente possível que sujeitos de uma relação subjetiva originária sejam substituídos, tanto por um ato inter vivos ou mortis causa. A exceção à transmissibilidade, porém, será percebida na seara das obrigações personalíssimas, as quais não admitem a troca de sujeitos. Os sujeitos podem ser determinados ou determináveis, desde que estes possam, a posteriori, ser identificados (indeterminabilidade subjetiva). 0 que não se admite, porém, é uma indeterminação absoluta. Leia-se: é possível ser determinável até 0 momento do pagamento (solutio da obrigação).

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

49

Sujeitos previamente determinados são facilmente verificados, a exemplo de um contrato celebrado entre João e Pedro, no qual este deverá ministrar uma aula àquele. Pedro é o devedor e João o credor. Ambos previamente determinados. Mas, quando há sujeitos determináveis? 0 exemplo mais corriqueiro de sujeito ativo determinável é a promessa de recompensa. Esta ocorre, por exemplo, quando há o oferecimento de uma recompensa para aquele que encontrar um cachorro. Ora, o credor será, justamente, quem aparecer com o animal. Já o sujeito passivo determinável verifica-se nas hipóteses das obrigações propter rem, nas quais será o devedor da obrigação o titular do direito real. Outro exemplo, agora lembrado por Orlando C omes1, são os títulos ao portador. Tanto a obrigação propter rem, como as de título ao portador, são ambulatoriais, pois o sujeito mundano faz parte do seu DNA. Seguindo na análise do elemento subjetivo, ele sempre haverá de ser dúplice. Tal duplicidade corresponde aos centros de interesse da relação jurídica. Sem a presença simultânea dos sujeitos ativos e passivos não há de se falar em obrigação. Trata-se, sem dúvida alguma, de um elemento constitutivo imprescindível à configuração do instituto. Ninguém será credor de si mesmo, sob pena de configuração da confusão e consequente extinção do vínculo. Exatamente por isto é que M aria H elena D iniz adverte: "se, p. ex., houver fusão desses sujeitos numa só pessoa, ter-se-á a extinção da obrigação (CC, art. 381), sem que haja qualquer cumprimento da prestação. É 0 que sucederá se, em virtude de testamento, 0 herdeiro receber do de cujus um título de crédito contra si mesmo"12 Ainda em relação aos sujeitos é possível que cada polo da relação obrigacional possa ser plural ou unitário. A pluralidade de sujeitos, inclusive, pode ser originária ou superveniente. Percebe-se este raciocínio em vista de ser a noção de sujeitos mais ampla do que a de pessoa. Por conseguinte, tem-se como possível que os sujeitos da relação obrigacional sejam compostos por várias pessoas. Leia-se: 0 sujeito ativo pode ser composto por três credores, enquanto 0 sujeito passivo por cinco devedores, por exemplo. ► E na hora da prova? A b an ca o rg a n iz a d o ra FEPESE, no co n cu rso p a ra o cargo d e P rom oto r

de Justiça do Estado de Santa Catarina, ano de 2014, julgou correta a

1 2

op. cit. 22. In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 49-

50

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

seguinte assertiva: "Para o Código Civil, a solidariedade não se presu­ me, resulta de lei ou da vontade das partes. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um deve­ dor, cada um com seu direito, ou obrigação, à divida toda". À guisa de exemplificação, pode-se verificar a pluralidade superveniente de sujeitos nos casos em que determinada pessoa é credora de uma obrigação transmissível e vem a falecer antes da extinção da mesma (seja por adimplemento ou outra causa extintiva), possuindo vários herdeiros. Nesta hipótese, o polo ativo da obrigação passará a ser composto pelos sucessores do falecido, sendo o mesmo formado, a partir deste momento, por diversos sujeitos, não se tratando mais de sujeito ativo unitário, e sim de uma pluralidade de sujeitos. ► E na hora da prova?

Observe como a banca FCC, no concurso para Defensor Público da Pa­ raíba, abordou o tema: (FCC - Defensor Público - PB/2014) Francisco faleceu deixando R$ 10.000,00 em dívidas no Banco Bom Pagador e R$ 8.000,00 em bens. A partilha foi feita, em partes iguais, a seus 4 filhos. Realizada a partilha, 0 Banco Bom Pagador ajuizou ação de cobrança contra os filhos de Francisco, que (A) respondem, solidariamente, até R$ 8.000,00. (B) não respondem pelas dívidas deixadas pelo pai, cuja personalida­ de se extinguiu com 0 falecimento. (C) respondem, individualmente, até 0 montante de R$ 2.500,00 cada. (D) respondem, solidariamente, até R$ 10.000,00. (E) respondem, individualmente, até 0 montante de R$ 2.000,00 cada. Ca ba rito: E

► Atenção!

Como adverte a doutrina é possível haver figuras secundárias na re­ lação obrigacional, tais como os representantes legais (pais, tutores, curadores) e os núncios (que são meros transmissores da vontade do declarante, mensageiros que não interferem na relação jurídica obri­ gacional). É 0 que sustentam P ablo Gagliano S tolze e R odolfo P amplona Filho .

1.2. Elemento Objetivo ou Material da Obrigação: A Prestação No dizer de S ílvio de S alvo V enosa3, trata-se do ponto material sobre 0 qual incide a obrigação. Cuida-se da prestação, em última análise. Esta prestação 3

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 15.

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

51

se mostra como atividade positiva ou negativa do devedor, consistindo, basicamente, em dar, fazer ou não fazer. Naturalmente, a prestação deve ser possível, lícita, determinada ou determinável. Portanto, os requisitos do art. 104 do CC devem estar presentes, a fim de evitar 0 vício maior da invalidade do negócio jurídico. Em outras palavras: a prestação deve se adequar à Teoria Geral dos Negócios Jurídicos e, portanto, à parte geral do Código Civil, amplamente já visitada no nosso Volume I (Volume X da Coleção). ► E na hora da prova?

Quanto a licitude da prestação, observe a assertiva considerada IN­ CORRETA pela banca organizadora CESPE no concurso para Promotor de Justiça do MPE-AC, ano de 2014: "A repetição do indébito é devida ainda que 0 objeto da prestação não cumprida seja ilícito, imoral ou proibido por lei". Questiona-se na doutrina se 0 caráter patrimonial4 é indispensável à prestação? É usual na doutrina a informação segundo a qual a prestação deve ser economicamente apreciável, tendo cunho patrimonial, pelo seu valor intrínseco ou em razão da conversão em valor economicamente apreciável. Para muitos, este seria, inclusive, 0 traço distintivo entre a obrigação e os dem ais deveres. Cediço, porém, que em uma leitura sob a lente constitucional, 0 direito civil não mais deve ser significado com foco no patrimônio, mas sim na pessoa. 0 direito civil foi repersonificado e repersonalizado, falando-se em uma despatrimonialização, como estudado no volume dedicado à Parte Geral. Saímos da era do ter e ingressamos na do ser. Na era do ter tinha-se como usual, na análise dos elementos do direito obrigacional, a inserção da noção de patrimônio como inerente à prestação. Tal linha de raciocínio, hodiernamente, vem perdendo força, principalmente quando cotejada com as obrigações negativas (as quais não possuem conteúdo econômico imediato). Todavia, registra-se, 0 tema ainda é divergente. No particular, preferimos caminhar com Larenz, para quem a prestação deve ser apenas algo vantajoso, ainda que não patrimonial, a exemplo de uma retratação pública. Quanto ao objeto, é possível afirmar que a obrigação contempla dois tipos: (i) objeto direto ou imediato; (ii) objeto indireto ou mediato. Exemplifica-se: 4

Neste sentido Sílvio de Salvo Venosa faz referência ao art. 1.174 do Código Civil Italiano segundo 0 qual “a prestação que constitui objeto d a obrigação d eve s e r suscetível de a valiação econôm ica e deve corresponder a um interesse, a in d a que não patrim onial, do c re d o r ".

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

(i) Objeto direto ou imediato: se traduz na atividade de dar (coisa certa ou coisa incerta), fazer ou não fazer. É a prestação devida. A atividade humana, que, evidentemente, há de ter conteúdo patrimonial economicamente aferível e executável, ser lícita, determinada ou determinável e possível. De dar coisa certa ou incerta

(ii) Objeto indireto ou mediator é o bem da vida, a coisa em si, tal como uma casa, um automóvel, uma fazenda, um animal.

BEM DA VIDA!

1.3. Elemento Imaterial, Virtual ou Espiritual da Obrigação: Vínculo Jurídico Para unir os sujeitos ao objeto da obrigação é preciso criar uma fixação de natureza exclusivamente jurídica. Virtual, no sentido de não ser palpável, a que se denomina de elemento imaterial justificador. Este é 0 terceiro elemento do direito obrigacional, aquilo que une os sujeitos em torno de uma prestação. Este nexo, no dizer de F lávio T a rtu c e 5, é identificado no art. 391 do CC, segundo 0 qual os bens do devedor respondem pelo inadimplemento da obrigação, 0 que se denomina de responsabilidade patrimonial do devedor, de natureza negociai/ contratual, já que a responsabilidade civil aquiliana (extracontratual) é disciplinada no art. 927 do CC. Evidentemente que a expressão normativa "todos os bens do devedor", como já mencionado nesta obra, deve ser interpretada nos limites da dignidade humana e do mínimo existencial, até mesmo porque 0 sistema jurídico afasta da penhora alguns direitos e créditos, tais como os direitos da personalidade (CC, arts. 11 usque 21), 0 bem de família (Lei 8.009/90), as rendas, a remuneração e 0 salário (NCPC, 833)6, e etc.

5

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 38.

6

Sobre o tema vide o Informativo 531 do STF, a súmula vinculante 25 e a súmula 419 do STJ.

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

53

Com o novo CPC (NCPC) e o art. 833 a redação foi modificada, de modo que antes se falava em bens absolutamente impenhoráveis, e agora somente em "bens impenhoráveis". Versando sobre 0 vínculo imaterial ou jurídico, mister recordar a divergência entre correntes doutrinárias acerca da quantidade de elementos a unirem a prestação aos sujeitos, a saber: 1.

Corrente Monista ou Unitária - havería uma só relação jurídica vinculando cre­ dor e devedor através da prestação (0 direito de exigir está inserido no dever de prestar). Portanto, existiría um único elemento.

2.

Corrente Dualista ou Binária - a relação contém dois vínculos (relação crédito/ débito), ou melhor: (a) um vínculo atinente ao dever do sujeito passivo de satisfazer a prestação em face do credor; (b) outro relativo à autorização dada pela lei, ao credor que experimentou 0 inadimplemento, de constranger 0 patrimônio do devedor. 0 direito nacional caminha na trilha desta última corrente. No dizer de Judith

M artins-C osta7, a superação da doutrina monista pela dualista passa pela distinção básica, feita no Direito Alemão, de dois importantes elementos sobre os quais a obrigação é estruturada: a) Schuld/Debitum (dever legal de adimplir) e b) Haftung/ Obligation (responsabilidade patrimonial).8

► Importante!

Em síntese: a) Schuld é 0 dever de adimplir, executar a prestação. É 0 débito. Este dever jurídico cabe ao devedor. b) Haftung é a responsabilidade, ou seja, diz respeito apenas à possi­ bilidade de utilização do patrimônio para garantir a satisfação da prestação. É a responsabilidade. Lembra O rlando G o m es 8 que, neste sentido, a relação obrigacional de cré­ dito tem como fim imediato uma prestação (débito) e remoto a sujei­ ção do patrimônio do devedor (responsabilidade). Afirma-se que 0 débito (Schuld) e a responsabilidade (Haftung), em regra, caminham juntos, sendo corpo e sombra na difundida fala de Larenz. Mas seria possível verificarmos 0 débito sem a responsabilidade, ou a responsabilidade sem o débito? Excepcionalmente, sim. Iniciaremos com a hipótese de débito sem responsabilidade. 7

In Comentários ao Novo Código Civil. Volume V, Tomo I. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixei­ ra. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.

8

Op. Cit., p. 18.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

0 débito existe de forma autônoma e independente, subsistindo mesmo que o direito não autorize a constrição do patrimônio do devedor. Exemplo claro disto está nas obrigações imperfeitas, naturais ou incompletas. Nestas há um débito, mas inexiste responsabilidade. Assim, nas aludidas obrigações naturais, se houver o cumprimento obrigacional, em regra, o devedor não poderá pleitear a repetição do indébito, pois existe débito! Fala-se, então, que são obrigações irrepetíveis. Todavia, caso não haja o cumprimento do débito, não terá sucesso o credor com o pedido coercitivo de cumprimento, pois inexiste a responsabilidade. São obrigações inexigíveis, e, por conseguinte, imperfeitas, pois situadas entre a moral e o direito. 0 primeiro exemplo de obrigações incompletas são as dívidas prescritas, nas quais ainda existe o dever de adimplir, mas não há a possibilidade de constrangimento do patrimônio do devedor. Outro exemplo sempre lembrado são as dívidas de jogo ou aposta. Porém, aqui, o futuro aprovado há de ficar atento, pois, primeiramente, há quem diferencie o jogo da aposta e, além disto, nem toda dívida de jogo ou aposta é uma obrigação imperfeita. Jogo, juridicamente apreciado, é o contrato aleatório em que duas ou mais pessoas prometem certa soma àquela, dentre as contratantes, a quem for favorável o azar. Já a aposta é o contrato, igualmente aleatório, em que duas ou mais pessoas, de opinião diferente sobre qualquer assunto, que concordam em perder certa soma em favor da outra, entre as contraentes, cuja opinião se verificar verdadeira. Este é o conceito veiculado em diversos manuais e sempre atribuído a C lóvis B eviláqua. No jogo há a participação ativa dos contraentes, da qual dependerá o resultado; enquanto na aposta o acontecimento dependerá de ato incerto de terceiro ou de fato independente da vontade dos contraentes, para certificar uma opinião. 0 direito brasileiro dedica-se a diferenciar os jogos em ilícitos e lícitos, falando-se em jogos proibidos, tolerados e autorizados. Veja-se: a)

P ro ib id o s ou Ilíc ito s: S ã o a q u e le s nos q u a is o g a n h o ou a p e r d a d e p e n d e m

da sorte de um e, consequentemente, azar de todos. Exemplifica-se com o jogo do bicho, roleta, jogo de dados, etc. São os jogos de azar. A súmula 51 do STJ afirma que "A punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do "apostador" ou do "banqueiro"". Além disto, o art. 50 da Lei das Contravenções Penais afirma ser ilícito "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele." Tais jogos ilícitos são obrigações naturais, bem como os negócios de empréstimo para facilitação do aludido jogo (art. 815 do CC).

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

55

b) Tolerados: Aqueles em que o resultado não depende exclusivamente da sor­ te, mas da habilidade dos jogadores, como o bridge, a canastra e o pôquer. Apesar de não consistirem em contravenções penais, a ordem jurídica não lhes regula os efeitos. Igualmente se enquadram em obrigações naturais. c)

Autorizados ou Lícitos: Visam uma utilidade social, trazendo proveito e ga­ nhos difusos, como o futebol e o tênis. Outros estimulam atividades econô­ micas de interesse geral, como criação de cavalos. Há, ainda, aqueles que geram benefícios para obras sociais ou eventos desportivos, como nos casos das loterias federais.

Os autorizados são obrigações responsabilidade pelo devedor.

civis,

perfeitas,

havendo

débito

e

Na mesma esteira, o art. 817 do Código Civil afirma que são lícitos "os sorteios para dirimir questões ou dividir coisas comuns". E existe responsabilidade sem débito? Excepcionalmente, sim. É possível haver situação onde há haftung, sem schuld, como no caso de fiança, em que 0 fiador torna-se responsável por dívida alheia (CC, art. 820). Isto é 0 que esclarece a doutrina de F lávio T artuce9. Recorda O rlando C omes 10, ainda, como exemplo, garantias reais, a exemplo de hipoteca e penhor. ► Atenção! Sistematizando: a) Debitum (Schuld) sem obligatio (Haftung): obrigação juridicamente inexigível. Obrigações imperfeitas a exemplo das naturais. b) Obligatio (Haftung) sem debitum (Schuld): garantia conferida por um terceiro, como a fiança. 3.

Corrente Eclética - os elementos débito e responsabilidade são essenciais, reúnem-se e se completam constituindo uma unidade, ou, como afirma M aria H elena D iniz: "0 dever primário do sujeito passivo de satisfazer a prestação e 0 correlato direito do credor de exigir judicialmente 0 seu cumprimento, investindo contra 0 patrimônio do devedor, visto que 0 mesmo fato gerador do débito pro­ duz a responsabilidade"11. Fazendo uma análise sistemática das teorias em comento, pode-se dizer: Monista ou Unitária ;

Dualista ou Binária

Eclética

] Origem francesa.

Origem alemã. Majoritária.

Minoritária

9

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 42.

10

Op. Cit-, p. 19.

11

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 37/38.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Monista ou Unitária

Dualista ou Binária

Eclética

Apenas uma relação jurídica.

Existem duas relações jurídicas estruturantes do elemento imaterial.

Os elementos débito e obriga­ ção são essenciais, se reúnem e se completam.

0 direito de exigir está inserido no de­ ver de prestar.

0 direito de exigir é diferente do dever de prestar.

0 dever prim ário de satisfa­ zer a prestação e 0 correlato direito do credor de cons­ tranger 0 patrimônio se com­ pletam.

Apenas um elemento estruturante do víncu­ lo jurídico.

Dois elementos estru­ turantes: 0 Shuld e 0

Haftung.

0 mesmo fato gerador do débito produz a responsabi­ lidade.

Corrente Superada.

Corrente Atual.

Corrente minoritária.

Não se aplica aoCC/02.

Aplica-se ao CC/02

Não se aplica ao CC/02.

Do dito, percebe-se que prepondera a segunda teoria. Esta doutrina (dualista/ binária) é atribuída ao Alemão A lois B rinz e foi desenvolvida no final do século XIX, enxergando dois elementos básicos na obrigação: o débito (Schuld) e a responsabilidade (Haftung) "sobre as quais a obrigação se encontra estruturada", segundo advertem Judith M artins-C osta12 e Flávio T artuce13. 2. A CAUSA NAS OBRIGAÇÕES Será que a causa, o motivo, seria pressuposto essencial dos negócios jurídicos? Seria o Código Civil causalista? Sem dúvida, na sua Parte Geral o Código Civil apresenta preceitos onde é demonstrada a preocupação do legislador com o motivo que deu causa ao negócio jurídico. A título de exemplo, o art. 140 do CC trata do falso motivo, expresso no negócio, como sua causa determinante, sendo apto a invalidá-lo (nulidade relativa). Pode-se dizer que, na Parte Geral, temos um Código causai, como visto no Volume I (Volume X desta coleção). Na doutrina de S ílvio de Salvo V enosa14 deve ser entendido como causa do ato 0 fundamento, a "razão jurídica da obrigação", daí porque "como por vezes 0 ordenamento jurídico faz referência à causa, é importante que a ela se faça referência", sem ignorar, contudo, que a causa aqui tratada é a jurídica, e não a de natureza pessoal. Arremata 0 autor:

12

In Comentários ao Novo Código Civil. Volume V, Tomo I. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixei­ ra. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.

13

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 42.

14

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 37.

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Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

Enquanto os motivos apresentam-se sob forma interna, subjetiva, a causa é externa e objetiva, rígida e inalterável em todos os atos jurídicos da mesma natureza [...] Não cumpre, aqui, adentrar em divagações filosóficas que mais importam às legislações que trazem a causa como requisito essencial do negócio ju­ rídico. Cabe apenas dar noção sobre o tema. 0 Código Civil francês estatui que toda obrigação convencional deve ter uma causa, indispensável a sua validade, devendo ser lícita (art. 1.808). É claro, para nós, que 0 objeto lícito substitui essa noção.15 Entrementes, seguindo as pegadas dos Códigos Civis Alemão e Suíço, 0 Código Civil Brasileiro não contempla a causa como pressuposto essencial da obrigação. Ao revés, opta por cuidar do objeto lícito (CC, art. 104), apesar de enviezadamente tratar aqui ou ali da causalidade, como, por exemplo, nos arts. 373 e 964. ► Atenção! Boa parte da doutrina não trata as expressões causa e motivo como sinônimas. Assim, afirmam alguns que a causa é objetiva, externa e inalterável. 0 motivo é interno, particular e subjetivo.

3. FONTE DAS OBRIGAÇÕES Para 0 Direito 0 signo fonte significa a origem de onde brotam as normas jurídicas. É sobre isto que trataremos agora: a fonte das obrigações. Como sabemos, a norma é 0 grande gênero, dentro da qual, princípios e regras são espécies16. Desta maneira, é correto afirmar que a fonte primária das obrigações é a norma. Contudo, antes da norma encontramos 0 fato jurídico, de onde, inegavelmente, são originadas obrigações. Afinal, como se diz desde Roma ex facto ius oritur (0 direito nasce de um fato). C ristiano C haves de Farias e Nelson R osenvald bem esclarecem a respeito da "enorme diversidade de posicionamentos na sistematização da classificação das fontes das obrigações " 17 Identificam, por exemplo, 0 posicionamento dualista de C aio M ário da S ilva P ereira, segundo 0 qual duas seriam basicamente as fontes obrigacionais (a vontade humana e a lei). Abordam, ainda, 0 pensamento de grande parte dos civilistas, os quais "inserem os atos ilícitos dentre as fontes obrigacionais, como A rnold W ald , S ílvio V en osa , C a rlo s R oberto G onçalves , W ashington

Remetem ao entendimento de 15

O rlando G omes,

de

B a r ro s M

onteiro e

S ilvio R o d rig u es ".

para quem "a rigor, não há obrigações

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 22.

16 0 tema foi devidamente enfrentado no volume dedicado à parte geral, para 0 qual se remete 0 leitor. 17

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 62.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

derivadas imediatamente da lei", mas sim dos fatos que são condicionantes desta e constituem sua verdadeira fonte18. Tratando de forma ampla sobre o tema, abordaremos aqui as fontes históricas do Direito Romano, as fontes modernas das obrigações e as fontes contemporâneas. 3.1. Fontes Históricas do Direito Romano Segundo P ablo Stolze e Rodolfo P amplona Filho19, na antiga Roma, C aio classificaria as fontes obrigacionais, posteriormente desenvolvidas nas Institutas de Justiniano, através do contrato, quase contrato, delito e quase delito. Vejamos: •

Contrato: compreendido pelas convenções e avenças firmadas entre duas partes.



Ouase-Contrato: situações jurídicas parecidas com os contratos. Atos unilate­ rais, como a gestão de negócios.



Delito: ilícito doloso e enseja lesão ao patrimônio jurídico de outrem.



Quase-Delito: ilícitos culposos configurados pela negligência, imperícia ou im­ prudência.

No mesmo sentido S ílvio de S alvo V enosa20 ao recordar a célebre máxima das Institutas de G aio: omnis obligatio vel ex contractu nascitur, vel ex delicto (as obrigações nascem dos contratos e dos delitos). Contudo, no tópico Res Cotinianae 0 mesmo G aio acrescenta uma terceira categoria que não se enquadrariam nem nos contratos, nem nos delitos, do que surgiram os quase-contratos. Na época Bizantina surge, da interpretação à obra de G aio, a expressão quase-delito, presente na obra de Justiniano. Importante recordar que em Roma Antiga a noção de lei emanava do Estado, ou até mesmo a própria noção de Poder Público, não existia como hoje é conhecida, daí porque a lei não era vista como fonte primária. 0 Código Civil Francês, que muito influenciou 0 Brasileiro, adotou a classificação romana, fazendo apenas a inserção de uma quinta fonte: a lei. Aqui se inicia a classificação moderna das obrigações.

3.2. Fontes Modernas das Obrigações Como ocorrera na modernidade, a noção de Estado restou consolidada, a doutrina majoritária passou a sustentar que a lei seria a fonte prim ária e 18

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 62.

19 20

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 22. In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 44.

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

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imediata das obrigações, sendo este o entendimento a respeito do assunto que se mantém até os dias de hoje. Contudo, esta própria doutrina apresentará distintas perspectivas sobre as demais fontes obrigacionais, de modo que o tema variará ao talante do doutrinador. Com respeito aos demais doutrinadores, adotamos aqui a classificação de para quem as fontes seriam a lei, os contratos, os atos ilícitos, o abuso de direito, os atos unilaterais e os títulos de crédito, assim afirmando o doutrinador: F lávio T artuce21,



Lei: fonte principal, primária e imediata das obrigações22.



Contratos: considerada também como fonte principal e que nada mais são do que lei entre as partes, à luz do pacta sunt servanda, configurando-se me­ diante "negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa a criação, modificação e extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial", na lição do próprio F lávio T artuce23.



Atos ilícitos: fontes diretamente relacionadas com a Teoria da Responsabilida­ de Civil e que gera o dever de indenizar, aí se incluindo o abuso do direito, modalidade específica de ato ilícito, previsto no art. 187 do CC. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A banca CESPE, na prova para provimento dos cargos de Analista e Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, ano de 2014, consi­ derou correta a seguinte assertiva: "A fonte das obrigações é 0 fato jurídico, uma vez que 0 fato jurídico lato sensu é 0 elemento que dá origem aos direitos subjetivos, entre eles os obrigacionais, impulsio­ nando a criação da relação jurídica e concretizando as normas de di­ reito. A obrigação encontra sua gênese na ordem jurídica, pois temos como fonte das relações obrigacionais a lei - fonte imediata - e a von­ tade humana —fonte mediata. 0 fato jurídico poder ser natural ou hu­ mano, voluntário ou involuntário, unilateral ou bilateral/ plurilateral".



Atos unilaterais: fontes decorrentes das declarações unilaterais de vontade, tais como a promessa de recompensa (art. 854/860), a gestão de negócios (art. 861/875), 0 pagamento indevido (art. 876/883) e 0 enriquecimento sem causa (art. 884/886).

21 22

In Direito Civil. 4 Edição. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 45lnsista-se: existem doutrinadores que não enxergam na lei a fonte obrigacional por imaginarem que esta somente a criaria se acompanhada de um fato jurídico antecedente. Neste sentido Or­ lando Comes, assim citado tanto por Flávio Tartuce, quanto por Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho nas referências acima indicadas. No mesmo sentido Fernando Noronha.

23

In Direito Civil. 4 Edição. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 30.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção! Quanto ao enriquecimento sem causa, cumpre lembrar o Enunciado 35 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ: "a expressão enriquecer-se à custa de outrem do art. 884 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento". Ainda acerca do tema é esclarece­ dor 0 Enunciado 188: "A existência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para 0 enriquecimento". Outrossim, 0 enri­ quecimento sem causa não se confunde com 0 enriquecimento ilícito que, como 0 nome já adverte, pressupõe a prática de uma ilegalidade.



Títulos de crédito: as cártulas, escritos e documentos que "trazem em seu bojo, com caráter autônomo, a existência de uma relação obrigacional de na­ tureza privada "24 e cujo estudo está diretamente relacionado com 0 Direito Empresarial.

M aria H elena D iniz25 entende que as obrigações possuem uma fonte imediata, que é a lei, e três fontes mediatas, que são 0 ato ilícito, 0 negócio jurídico e 0 ato jurídico em sentido estrito. Como se vê, a doutrina é sortida a respeito do tema.

Não é objetivo deste capítulo polemizar sobre 0 assunto, porque desnecessário ao concurso público, muito menos tecer qualquer tipo de consideração sobre cada um dos institutos fontes, sob pena de desvirtuamento do foco mais importante, qual seja: 0 de evidenciar ao leitor quais são efetivamente as fontes das obrigações e constatar a divergência doutrinária. Deste modo, não teceremos agora comentários para aprofundar os temas do abuso do direito, ato ilícito, contratos, atos unilaterais e título de créditos, ante esta opção metodológica, sendo cada assunto abordado dentro da sua respectiva temática do direito civil. ► E na hora da prova? No concurso de Procurador do Municílio de Valinhos - SP/2019, banca Vunesp, a respeito dos atos unilaterais e com fundamento no art. 883 do CC foi considerada correta a seguinte assertiva: Não terá direito à re p e tiçã o a q u e le q u e d e u algum a co isa p a ra o b te r fim ilícito , im o ra l,

ou proibido por lei. Neste caso, 0 que se deu "reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz". 3.3. Fontes Contemporâneas das Obrigações Não podemos ignorar que 0 Direito na atualidade sofre influência direta de novas fontes obrigacionais, de certo modo incompreendidas por boa parte da 24

Flávio Tartuce in Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Método. 2009, p. 50.

25

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 60.

Cap. II • Estrutura ou elementos constitutivos da obrigação

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doutrina. Exemplo impressionante é o da súmula vinculante e das decisões em controle abstrato da constitucionalidade, que não apenas encerram efeitos erga omnes, como também vinculantes aos demais tribunais e à Administração Pública. Quando o S upremo T ribunal Federal, por exemplo, proíbe o nepotismo através do julgamento de um caso concreto, que acarreta a elaboração, naquela Suprema Corte, de uma súmula vinculante, significa dizer que o Tribunal Constitucional faz nascer, brotar, uma nova fonte obrigacional, ora criando deveres jurídicos (gerais), ora obrigações específicas a serem observadas por toda a comunidade. Desta forma, não é possível ignorar o fortalecimento da jurisprudência e, principalmente, o surgimento de novas fontes obrigacionais surgidas em vista desta maneira de se enxergar o direito. As súmulas vinculantes e as decisões em sede de controle abstrato de constitucionalidade são exemplo disto. De igual modo, os princípios do direito perderam seu papel de coadjuvantes (subalternos) e foram equiparados às leis, de modo que, na contemporaneidade, são nítidas fontes diretas e imediatas das obrigações. À luz do art. 113 do CC, a boa-fé e os usos e costumes também constituem notáveis fontes obrigacionais que podem ser compreendidos como fontes das obrigações. Nesta esteira, às fontes modernas das obrigações devem ser acrescidas as fontes contemporâneas supracitadas. Para um melhor aprofundamento no assunto, remetemos 0 leitor ao Volume I (Volume X da Coleção) do nosso trabalho, na Parte Geral, quando melhor tratamos do assunto ao abordar a LINDB - Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

•OH

Classificação das obrigações

1. NOTA INTRODUTÓRIA Estudar a classificação das obrigações exige uma postura para além da teoria. Apesar de sabermos que a classificação é variável de acordo com a doutrina que se acolhe, uma coisa é certa: dentro da classificação é que encontramos os mais importantes assuntos do Direito Obrigacional. As obrigações solidárias, indivisíveis, de dar, fazer e não fazer. Enfim, o campo concreto da prática obrigacional está contido - explicado e melhor compreendido - no bojo do estudo classificatório. Adotaremos aqui, como base para classificar as obrigações, as lições de M aria e FlAvio T artuce12, acrescida dos ensinamentos dos demais civilistas e da jurisprudência, com ênfase nos posicionamentos do S uperior T ribunal de Justiça. Registramos tal fato ante a percepção de que há variáveis doutrinárias sobre o tema, todas, porém, desembocando no mesmo lugar comum. H elena D iniz1

2. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONSIDERADAS EM SI MESMO: OBRIGAÇÕES MORAIS, CIVIS E NATURAIS Esta perspectiva classificatória deve ser considerada a partir do elemento virtual das obrigações e da teoria dualista, os quais distinguem a prestação da responsabilidade civil. Deste modo, as obrigações naturais e morais podem ser classificadas como obrigações imperfeitas ou incompletas3, porque destituídas da coercibilidade. Exemplo ilustrativo são as obrigações prescritas. Nelas não é possível constranger o patrimônio do devedor, apesar de o ordenamento jurídico admitir que este pague: existe o shuld (débito), porém sem o haftung (responsabilidade). 1

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

2

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009.

3

0 tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos 0 estudo do débito e da responsabilidade.

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Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o

F ig u e ir e d o e R o b e r t o

Figueiredo

Apenas para ilustrar, segue a ementa da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre obrigação natural: "RECURSO INOMINADO. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DECLARATORS DE INEXISTÊN­ CIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DÍVIDA PRESCRITA. OBRIGAÇÃO NATURAL. RESTITUIÇÃO DESCABIDA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO". (Recurso Cível N° 71004575957, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Rela­ tor: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 12/12/2013). A dívida prescrita (CC, art. 882), a dívida resultante de jogo e aposta não legalizados (CC, art. 815) e 0 mútuo feito a menor sem a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver (CC, art. 558), são exemplos de obrigações imperfeitas. ► Atenção! de Justiça afirma a possibilidade de cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior.

0 S uperior Tribunal

Aduz a Corte que tal cobrança é juridicam ente possível e não ofende a ordem pública, os bons costum es e a so b eran ia nacional. Cita-se 0 julgado: Inicialmente, ressalte-se que 0 tema merece exame a partir da determina­ ção da lei aplicável às obrigações no domínio do direito internacional pri­ vado, analisando-se os elementos de conexão eleitos pelo legislador. Com efeito, 0 art. 814 do Código Civil de 2002 trata das dívidas de jogo e repete praticamente 0 conteúdo dos art. 1.477 a 1480 do Código Civil de 1916, afirmando que as dívidas de jogo não obrigam a pagamento. Inova com a introdução dos parágrafos 2° e 30, buscando corrigir omissão anterior, escla­ recendo que é permitida a cobrança oriunda de jogos e apostas legalmente autorizados. 0 art. 9° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB, por sua vez, estabelece, no que se refere às obrigações, duas regras de conexão, associando a lei do local da constituição da obrigação com a lei do local da execução. No caso em debate, a obrigação foi constituída nos Estados Unidos da América, devendo incidir 0 caput do referido dispositivo segundo 0 qual deve ser aplicada a lei do país em que a obrigação foi cons­ tituída, já que não incide 0 segundo elemento de conexão. Sob essa pers­ pectiva, a lei material aplicável ao caso é a americana. Todavia, a incidência do referido direito alienígena está limitada pelas restrições contidas no art. 17 da LINDB, que retira a eficácia de atos e sentenças que ofendam a sobe­ rania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Em prim eiro lugar, não há que se falar em ofensa aos bons costumes e à soberania nacional, seja porque diversos jogos de azar são autorizados no Brasil, seja pelo fato de a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não reti­ rar 0 poder soberano do Estado. No tocante à ordem pública - fundamento mais utilizado nas decisões que obstam a cobrança de dívida contraída no exterior - cabe salientar tratar-se de critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade, procurando-se certa correspondência entre a lei estrangeira e 0 direito nacional. Nessa perspectiva, verifica-se que ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo quanto a esses, admitida a cobrança. Consigne-se, adem ais, que os arts. 884 a 886 do Código Civil atual vedam 0 enriquecimento sem causa - circuns­ tância que restaria configurada por aquele que tenta retornar ao país de origem buscando impunidade civil, após visitar país estrangeiro, usufruir de

Cap.

Ill

• C la s s if ic a ç ã o d a s o b r ig a ç õ e s

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sua hospitalidade e contrair livremente obrigações lícitas. Não se vislumbra, assim, resultado incompatível com a ordem pública, devendo ser aplicada, no que respeita ao direito material, a lei americana. (REsp 1.628.974-SP, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 25/8/2017). Outrossim, 0 mesmo Superior Tribunal de Justiça aduz que não há abusividade no protesto irregular de cheque prescrito. Segundo 0 Tribunal da Cidadania, trata-se de conduta que não caracteriza abalo de crédito apto a ensejar danos morais, acaso remanesça ao credor vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título (REsp 1.677.772-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 14 /11/20 17, DJe 20/11/2017). Decerto, se 0 cheque não mais permite execução direta, mas ainda rem a­ nesce a possibilidade de uso de ação monitoria, permanece 0 credor com a possibilidade de exigir 0 crédito, não sendo 0 protesto abusivo.

A gorjeta também é exemplo de obrigação natural. A expressão vem de gorja, ou seja, garganta, como aquilo que se dá para esquentar a garganta do trabalhador, 0 cafezinho ou outra bebida preferida. Relaciona-se, pois, ao beber e não ao comer, na lição de Flávio T artuce45. Apesar das obrigações naturais não serem exigíveis, pois desprovidas de responsabilidade, é importante lembrar que se forem adimplidas voluntariamente e sem qualquer vício de consentimento, 0 pagamento é juridicamente válido e eficaz. Assim, fica vedada a devolução (não pode ser repetido), pois há 0 débito, 0 que se denomina tecnicamente de soluti retention Em síntese, portanto, as obrigações naturais são inexigíveis e irrepetíveis. As obrigações civis são as completas e perfeitas, porque além de prescreverem a conduta, vinculam patrimonialmente 0 devedor que deixar de observá-la: existe 0 shuld (débito) e 0 haftung (responsabilidade) ao mesmo tempo. Geram exigibilidade patrimonial, respondendo os bens do devedor pelo inadimplemento6. 3. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBjETO. TAMBÉM CHAMADA DE CLASSIFICAÇÃO BÁSICA DAS OBRIGAÇÕES Trata-se de uma das mais solicitadas modalidades classificatórias nas provas de concursos públicos. Trata-se de classificação geral, recorrente na prática jurídica. Remonta 0 Direito Romano, 0 qual já dividia a obrigação em dare (dar), facere (fazer) e non facere (não fazer). Em uma visão geral, atualmente e no direito brasileiro, fala-se:

4 5 6

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009. Retenção do pagamento, que é direito de quem 0 recebeu a integrar-lhe 0 patrimônio desde então, ou seja, direito adquirido. 0 tema já fora enfrentado nesta obra, ao tratarmos dos elementos do direito obrigacional e realizarmos 0 estudo do débito e da responsabilidade.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Coisa Certa ' 1 J

Dar m im

u w m

v j

-►

Coisa Incerta

Positivas

J Fungível Fazer Infungível

Negativas - não fazer

Portanto, esta classificação gira em torno da prestação e no que a mesma consiste. Num dar coisa certa ou incerta. Num fazer ou, finalmente, em uma abstenção. É sobre isto que trataremos agora. 0 enfoque, após traçarmos as premissas, será com base nas questões concursais, as quais costumam gravitar em torno: (i) Do perecimento da coisa antes da entrega; (ii) Da deterioração da coisa antes da entrega; (iii) Do aparecimento de eventuais acréscimos ou decréscimos do bem, antes da transferência, ou seja, quando o credor exige aumento ou abatimento do pagamento diante de um fato superveniente e (iv) Da questão dos frutos colhidos, pendentes ou precipitadamente retirados antes da tradição. 3.1. Obrigação de Dar (Obligatio Ad Dandum) Segundo P ablo S tolze e Rodolfo P amplona Filho7, as obrigações de dar têm por objeto prestação de coisas e consistem na atividade de: a) Dar: Transferindo a propriedade das coisas; b) Entregar: Transferindo a posse ou detenção das coisas; c)

Restituir: Devolução ao credor da posse ou detenção da coisa.

Esta obrigação de dar pode ser dividida em um dar coisa certa (arts. 233 usque 242 do CC) e em um dar coisa incerta (arts. 243 a 246 do CC). A diferença básica entre tais modalidades estará no fato de a coisa estar completamente individuada (determinada) ou não (determinável). 7

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 38.

Cap.

Ill

• Classificação das obrigações

67

Inicialmente, trataremos apenas da obrigação de dar coisa certa e dos temas que mais aparecem em provas de concurso público sobre o assunto. Assim, seguindo com os temas, iremos adentrar a obrigação de dar coisa certa. 3.1.2. Obrigação de Dar Coisa Certa Nas obrigações de dar coisa certa 0 objeto está completamente individualizado; leia-se: tem gênero, quantidade e qualidade. Exemplifica-se com a obrigação de entrega de um veículo, tendo especificado a sua marca, ano, placa policial e chassi. Nas pegadas do art. 233 do CC e à luz do princípio segundo 0 qual 0 acessório segue a sorte do principal, nas obrigações de dar coisa certa, as benfeitorias e os demais acessórios, à exceção das pertenças (arts. 93 e 94 do CC), devem acompanhar a transferência ou a restituição do bem principal.8 ► Atenção!

Muitas vezes 0 candidato confunde a obrigação de fazer com a de dar. Esclarecedora, para por fim a esta dúvida, a advertência de Flávio Tartuce, no ilustrativo exemplo que apresenta envolvendo 0 caso de uma obrigação cuja prestação é um quadro (obra de arte). Se 0 quadro já estiver pronto, trata-se de obrigação de dar. Se ainda não estiver pronto, será de fazer, afinal de contas: "0 dar não é um fazer, pois caso contrário não havería nunca a obrigação de dar". Recorda-se que à vista do princípio da exatidão, previsto no art. 313 do CC, 0 credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Assim, inexiste a obrigação do credor de aceitar aliud pro alio (uma coisa por outra). Aqui cabe um parêntese: 0 credor não é obrigado, mas pode aceitar a substituição da prestação para, com isto, extinguir de modo indireto a relação obrigacional. Se aceitar, estaremos diante da figura da dação em pagamento, prevista no art. 356 do CC, a qual será aprofundada quando do estudo das formas indiretas de pagamento. ► E na hora da prova? A b an ca o rg a n iz a d o ra IESES, na p ro va C a rtó rio do TJ-BA, an o d e 2014. co n sid e ro u INCORRETA a seg u in te a s s e rtiv a : "0 c re d o r n ão é o b rig a d o a re c e b e r p re sta çã o d iv e rs a d a q u e lhe é d e v id a , s a lv o se fo r m ais v a lio s a " .

8

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método. 2009. p. 80.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para Analista de Controle Externo - TCE/BA, banca FGV, ano de 2013, foi cobrada a seguinte questão: João obrigou-se, contratualmente, a entregar para José o touro Barnabé que fora avaliado no mercado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Na data da entrega, por ter se apegado ao animal, João resolve entregar 0 touro Benedito, mesmo ficando no prejuízo, já que este tinha sido avaliado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Diante de tal situação, considerando os preceitos legais relativos ao pagamento, assinale a afirmativa correta. a) João, sem a necessidade de anuência de José, efetua 0 pagamento através da entrega do touro Benedito. b) João, para adimplir a obrigação, efetua 0 pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não restando qualquer prejuízo para José. c) José se recusa a receber 0 touro avaliado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou 0 valor em que 0 touro Barnabé foi avaliado, ou seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais). d) José se recusa a receber 0 valor do touro Barnabé, pois não teria qualquer compensação, mas não pode se recusar a receber 0 touro Benedito, mais valioso do que 0 touro Barnabé. e) José se recusa a receber 0 touro Benedito, mas não pode se recusar a receber 0 equivalente em dinheiro do valor da avaliação do touro Barnabé, já que tal valor é 0 montante, em espécie, do objeto da prestação. 0 gabarito é a letra C.

A obrigação de dar coisa certa é uma obrigação positiva, que envolve a entrega, a apresentação de uma determinada coisa. Já existente e identificada, seja pela tradição, para os bens móveis, seja pelo registro, para os bens imóveis. Enquanto a coisa certa não for dada, mediante tradição ou registro, a propriedade não será transferida, vigorando 0 princípio res perit domino suo; ou seja: a coisa perece em face do seu dono. Trata-se de regra de ouro na resolução de um sem número de questões práticas, deitando suas raízes históricas no Código de Hamurabi. A obrigação de dar coisa certa sucumbe, muitas vezes, diante do problema da perda do bem. Para entendermos a problemática da perda faz-se necessária a compreensão de três premissas: a)

Perda é uma expressão genérica, a qual envolve tanto 0 perecimento, como a deterioração. 0 perecimento é uma perda total. Já a deterioração é uma perda parcial.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

69

Logo: Total: Perecimento

Parcial: Deterioração

b) Como já informado, no direito pátrio a coisa perece para o seu dono - res perit domino sue. Assim, o direito obrigacional costuma se preocupar com a perda enquanto a prestação ainda está sob as mãos do devedor. De fato, se o credor já realizou o pagamento, recebeu a coisa e a perdeu por ato próprio seu, isto não se torna uma discussão jurídica. Apenas irá tocar o direito caso haja presente algum vício redibitório, tema da teoria geral dos contratos. c)

Sempre que houver a presença da culpa do devedor, assistirá ao credor também prerrogativa de pleitear perdas e danos, cumulando com outros pedidos. Vistas as premissas, passamos ao tratamento das hipóteses.

Como proceder, na obrigação de dar coisa certa, se houver o perecimento (perda total) do bem antes da entrega? 0 tema é tratado nos arts. 234 do CC, cuja leitura recomendamos. Assim:

a) Se 0 perecimento ocorrer sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, antes da tradição ou pendente condição suspensiva, aplicar-se-á a regra do res perit domino, de modo que a coisa perece em face do dono. Assim, a obrigação será resolvida. Extinta. 0 devedor experimenta 0 prejuízo e restitui eventual crédito recebido, porque não mais será possí­ vel a entrega do bem, retomando-se 0 status quo ante. ► E na hora da prova?

No concurso de Promotor de Justiça - MPE - MT/2019 (banca FCC) foi con­ siderada correta a seguinte assertiva: "Em relação às obrigações de dar co isa ce rta , é co rre to a firm a r q u e ,se a o b rig a ç ã o fo r d e re s titu ir co isa

certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, so­ frerá 0 credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até 0 dia da perda". b) Contudo, se houver culpa do devedor, 0 credor terá direito de restituição do equivalente mais as perdas e danos, ante a presença da culpa.

Direito Civil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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Assim: Sem culpa do Devedor: Resolve a Obrigação

Com culpa do Devedor

Equivalente + Perdas e Danos

E se na obrigação de dar coisa certa houver a deterioração (perda parcial) do bem antes da entrega? Quem se dedica ao assunto são os arts. 235 e 236 do CC, cuja leitura é indicada. a) Se a deterioração ocorrer sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, 0 credor poderá optar entre 0 abatimento proporcional do preço ou resolução da obrigação. b) Contudo, se houver culpa do devedor, 0 credor poderá optar entre 0 abati­ mento proporcional do preço, somado as perdas e danos; ou a resolução da obrigação, somada as perdas e danos. Aqui se abre ainda ao credor 0 direito de exigir 0 equivalente do objeto. Sem culpa do Devedor

Abatimento Proporcional ou Resolução

Com culpa do Devedor

Abatimento Proporcional + Perdas e Danos ou Resolução + Perdas e Danos ou Equivalente + Perdas e Danos

► E n a h o ra d a p r o v a ?

Ano: 2017. Banca: FMP. Concursos Órgão: MPE-RO. Prova: Promotor de Jus­ tiça Substituto. 0 devedor X prometeu transferir a propriedade de uma coisa certa.

Contudo, antes de transferir a propriedade, sem que X tenha agido com culpa, ocorreu a deterioração do bem. Assinale a alternativa que melhor se amolda à literal solução do Código Civil. Resposta: Poderá 0 credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, aba­ tido de seu preço 0 valor que se perdeu. E como proceder com os melhoramentos e acréscimos?

Cap. Ill • Classificação das obrigações

71

Os arts. 237 e 238 do CC regulam 0 direito aos cômodos, os quais envolvem os melhoramentos, acréscimos e frutos. Segundo a regra, até a tradição pertence a coisa ao devedor, com os seus acréscimos e melhoramentos. Significa isto que 0 devedor possui direito de exigir do credor a complementação do preço, para a hipótese de valorização da coisa, antes da entrega, sob pena de desfazimento do negócio. Portanto, 0 art. 237 do CC constitui importante exemplo de relativização do pacta sunt servanda, diante da função social do contrato, a qual exige a equivalência material entre as prestações, evitando-se 0 enriquecimento sem causa e 0 locupletamento ilícito. Sendo correto afirmar que onde há a mesma razão se aplica 0 mesmo direito, é possível sustentar que, por analogia, caso haja desvalorização da coisa se impõe a aplicação da mesma disciplina. Desta forma, se 0 bem desvalorizar antes da entrega, surge 0 direito ao abatimento no preço, sob pena de desfazimento do negócio, como visto acima. Quanto aos frutos, antes da tradição ou do registro (antes da entrega), é importante lembrar que estes podem ser colhidos naturalmente, precipitadamente ou, ainda, podem estar pendentes à época da transferência (da entrega). Os frutos naturalmente colhidos são do dono à época da colheita; ou seja: do devedor que ainda não entregou 0 bem, haja vista ainda não ser 0 momento da entrega. Aplica-se, para este caso, 0 princípio segundo 0 qual 0 acessório segue a sorte do principal (princípio da gravitação jurídica, art. 92 do CC). À vista desta regra também é possível afirmar que se 0 fruto está pendente à época da transferência, 0 credor que recebe a coisa passa a titularizar 0 direito pelo acessório, de modo que será dono do fruto, devendo reembolsar as despesas de produção e custeio. Se 0 fruto, porém, é colhido precipitadamente, antes da tradição ou do registro, significa dizer que 0 devedor praticou ato ilícito, pois retirou 0 fruto anter tempus. Neste caso, 0 princípio segundo 0 qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza prevalece em detrimento do princípio segundo 0 qual 0 acessório segue a sorte do principal. Haverá 0 devedor de indenizar tais frutos. Dando seguimento ao tratamento do tema obrigação de dar coisa certa, 0 Código Civil traz disciplina específica sobre a obrigação de restituir. Tem-se tal modalidade obrigacional em face do depositário, locatário e comodatário, que devem, ao final do contrato, restituir a coisa ao seu credor. Há mera devolução da posse direta. Assim, 0 Código Civil abre tratamento específico sobre 0 tema, nos arts. 238 usque 241, como advertem P ablo S tolze e Rodolfo P amplona Filho9. Nessa esteira: 9

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 40.

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Direito Civil - Vol. 11

• L u c ia n o

Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder (perecer), antes da tradição, sofrerá o credor a perda e a obrigação se resolverá. b) Se a coisa se perder (perecer) por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais as perdas e danos. c)

Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização.

d) Se houver culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais as perdas e danos. Malgrado a omissão legislativa, entendemos que nada impede ao credor receber a coisa no estado em que se encontre, ante a perda parcial, pleiteando as perdas e danos. Em relação aos melhoramentos, acréscimos e frutos na obrigação de restituir, há duas possibilidades: a) Se tais benefícios são agregados à coisa principal, sem concurso de vontade ou despesas do devedor, lucra o credor, sem direito à indenização (art. 241 do CC); b) Caso os benefícios tenham exigido concurso de vontade ou despesas para 0 devedor, 0 Código ordena que se apliquem as regras relativas aos efei­ tos da posse (art. 242 do CC); ou seja: (i)

Possuidor de Boa-Fé: Terá direito de indenização e retenção pelas ben­ feitorias necessárias e úteis. Em relação às voluptuárias, poderá levantá-las, sem detrimento da coisa principal. Será indenizado pelo valor atual.

(ii)

Possuidor de Má-Fé: Terá apenas direito de indenização pelas ben­ feitorias necessárias. Aqui 0 reivindicante poderá optar, ainda, se indenizará pelo valor atual ou de custo.

São disposições muito próximas à perda do objeto na obrigação de dar coisa certa. Justo por isto, informa 0 Enunciado 15 do C onselho da Justiça F ederal que as disposições do art. 236 do CC - que autorizam, na hipótese de culpa do devedor, que 0 credor exija 0 equivalente, ou aceite a coisa no estado em que se ache, com direito a reclamar, em ambos os casos, perdas e danos - também se aplicam ao art. 240. Vale dizer: nas obrigações de restituir deve-se aplicar a mesma lógica jurídica do que está previsto no art. 236, em fiel respeito ao princípio da conservação do negócio jurídico e da autonomia privada, como adverte Flâvio T artuce10. Até mesmo porque, registra-se, a obrigação de restituir é uma obrigação de dar coisa certa.

10

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 78.

Cap. Ill . Classificação das obrigações

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► E na hora da prova?

No concurso de Promotor de Justiça - MPE - MT/2019 (banca FCC) foi con­ siderada correta a seguinte assertiva: " Em relação às obrigações de dar coisa certa, é correto afirmar que, se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá 0 credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até 0 dia da perda". No concurso de Advogado da Câmara de Piracicaba - SP/2019 foi consi­ derada correta a seguinte assertiva - "Em relação ao direito das obri­ gações, assinale a alternativa correta: Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá 0 credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até 0 dia da perda". 3.1.2. Obrigação de Dar Dinheiro (Pecuniária) Digno de nota a novidade trazida pelo Código Civil quanto à positivação da obrigação pecuniária. Em verdade, nada mais é senão uma obrigação de dar dinheiro, modalidade, portanto, de uma obrigação de dar coisa certa. Consistem na entrega, pelo devedor ao credor, de um determinado valor em dinheiro, havendo adimplemento obrigacional. Na forma dos arts. 315 e 947 do CC, sem precedentes na legislação anterior, as dívidas pecuniárias devem ser pagas em moeda corrente, no lugar do cumprimento, pelo valor nominal (princípio do nominalismo). Este valor é aquele fixado pelo Poder Público quando da emissão ou cunhagem da moeda, como adverte C arlos Roberto Gonçalves11.

► E na hora da prova?

A banca examinadora CESPE, no concurso da PGE-BA, ano de 2014, con­ siderou correta a seguinte assertiva: "Em regra, as obrigações pecu­ niárias somente podem ser quitadas em moeda nacional e pelo seu valor nominal". Em uma análise fria do princípio do nominalismo, quem empresta 50 (cinquenta), deve receber 50 (cinquenta), mesmo com as valorizações ou desvalorizações. Para combater a quebra da equivalência material das prestações, soma-se ao nominalismo a necessidade de correção monetária, generalizada pela Lei 6.899/81 para dívidas em dinheiro de qualquer espécie. Diuturnamente há vários índices de utilização possível, como IPC, TR, IGPM...

11

In Direito das Obrigações - Parte Geral. V. 5. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 62.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção!

Verbera o item 6 da Jurisprudência em Teses n. 116 que "nos contratos de seguro de veículo, a correção monetária dos valores acobertados pela proteção securitária incide desde a data da celebração do pacto até 0 dia do efetivo pagamento do seguro". Ademais, aduz 0 item 5 da Jurisprudência em Teses n. 107 do Superior Tribunal de Justiça que "em caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, a correção monetária do valor correspondente às parcelas pagas, para efeitos de restituição, incide a partir de cada desembolso. Súmula 632, STJ: Nos contratos de seguro regidos pelo Código Civil, a correção monetária sobre a indenização securitária incide a partir da contratação até 0 efetivo pagamento. Segunda Seção, julgado em 08/05/2019, DJe 13/05/2019.

Ainda em busca da equivalência material das prestações (justiça contratual), 0 art. 317 do Código Civil permite ao juiz corrigir os valores alterados por fatores imprevisíveis, novamente equalizando a relação. Trata-se de tema com íntima relação com a teoria da imprevisão. Nesta linha do nominalismo, 0 art. 318 do CC veda, como regra, 0 pagamento em ouro ou moeda estrangeira. Trata-se, em regra, de ato jurídico nulo. Excepcionalmente, porém, permite-se pagamento em moeda estrangeira, se for hipótese de obrigação (contrato) internacional, ou autorizado em lei especial.12

► Atenção!

Comungamos do entendimento de F lávio Tartuce, para quem as astreintes não são possíveis nas obrigações pecuniárias, por falta de previsão legal, como já entendeu 0 T ribunal de Justiça do R io G rande do S ul e 0 Tribunal de

Justiça

de

M

inas

G erais 12.

Importante registrar que 0 STJ entende cabível 0 pedido de indeniza­ ção por danos morais em razão de descumpri-mento de ordem judicial em demanda pretérita envolven-do as mesmas partes, na qual foi fi­ xada multa cominatória REsp 1.689.074-RS, Rei. Min. Moura Ribeiro, por unanimi-dade, julgado em 16/10/2018, DJe 18/10/2018.

Vencido 0 estudo da obrigação de dar coisa certa, passamos, agora, a verticalizar a obrigação de dar coisa incerta.

12

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 80, onde os julgados dos aludidos Tribunais também estão catalogados.

Cap. Ill . Classificação das obrigações

75

3.1.3. Obrigação de Dar Coisa Incerta ou Genérica A obrigação de dar coisa incerta, também denominada de obrigação genérica, é aquela cujo objeto está individualizado apenas no seu gênero (espécie)13 e quantidade, carecendo de qualidade (art. 243 do CC)14. Exemplificase com a obrigação de entregar 13 (quinze) sacas de cacau. Há espécie (cacau) e quantidade (quinze sacas). Todavia, como não houve ainda individualização, não há qualidade. ► Atenção!

Em rigor técnico seria mais correto falarmos em obrigação com objeto determinado, para nos referirmos à obrigação de dar coisa certa; e de objeto determinável, para relacionarmos à obrigação de dar coisa incerta. Assim, haveria íntimo diálogo entre a validade dos negócios jurídicos e 0 direito obrigacional. Isto porque 0 art. 104 do CC fala em objeto determinado ou determinável, e não em certo e incerto. Malgrado ser possível 0 objeto incerto (determinável), 0 fato é que, em algum momento, a coisa haverá de ser acertada, individualizada ou determinada. Ao gênero e quantidade haverá de ser somada a qualidade. Mas, como isto irá acontecer? A operação jurídica que transforma 0 incerto (determinável) em certo (determinado) é denominada de concentração do débito ou da prestação. Esta, salvo disposição em contrário, caberá ao devedor (CC, art. 244). Nada impede, por conseguinte, que as próprias partes pactuem a escolha por parte do credor ou de terceiro. A norma é dispositiva ou supletiva: aplica-se apenas no silêncio das partes. ► E na hora da prova?

(TRT 23 - Juiz do Trabalho Substituto 23a região/ 2014) Quanto a obriga­ ções, assinale, segundo a regra do Código Civil, a alternativa INCORRETA: a) A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantida­ de. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao credor, se 0 contrário não resultar do título da obrigação. b) A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se 0 contrário resultar do título ou das cir­ cunstâncias do caso.

13

Malgrado a doutrina falar em espécie, 0 Código Civil utiliza-se da expressão gênero. 0 futuro aprovado deve ficar atento, inclusive, nas provas objetivas.

14

Apesar do art. 243 do CC afirmar que a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade, tecnicamente é mais correto utilizar 0 signo espécie no lugar do gênero, termo extremamente genérico.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

c) Na obrigação de dar coisa certa, deteriorada a coisa sem culpa do devedor, poderá o credor resolver a obrigação ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. d) Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível. e) Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos. Ca ba rito: A Destarte, a escolha deverá guiar-se por um critério médio. Não deverá ser escolhido nem o melhor e nem o pior objeto, mas sim o médio (intermediário), segundo o viés da boa-fé e eticidade (CC, arts. 113 e 245). Após a escolha, passam a serem aplicadas as regras da obrigação de dar coisa certa, mormente sobre a perda do objeto (perecimento ou deterioração). Infere-se que a incerteza do objeto obrigacional é sempre transitória (relativa). Realizada a concentração do débito, a obrigação se converte em dar coisa certa, de modo a incidir toda a já conhecida disciplina jurídica a este respeito, inclusive no que se relaciona à perda do objeto. ► E na hora da prova?

Acerca do tema, em concurso para Juiz do Trabalho Substituto da 8a Região, ano de 2014, a seguinte assertiva foi considerada correta: "Nas obrigações de dar coisa incerta 0 estado de indeterminação da prestação é necessariamente transitório, sob pena de faltar objeto à obrigação. Cessa a indeterminação com a escolha, passando a prevale­ cer as mesmas regras previstas para as obrigações de dar coisa certa. No tocante à escolha, 0 Código Civil em vigor confere-a ao devedor, ante a regra de ilicitude da condição puramente potestativa".

► Atenção!

Está consolidada no direito civil a expressão segundo a qual 0 gênero não perece nunca (genus nunquam perit). Desta forma, não se deve aplicar para as obrigações de dar coisa incerta, antes da escolha do objeto, 0 regramento do res perit domino. É 0 que prescreve 0 art. 246 do CC. Sendo assim, se a perda do objeto ocorrer antes da concentra­ ção do débito, responderá 0 devedor, ainda que diante de um caso fortuito ou força maior. Digno de nota que 0 Projeto de Lei 6.960/2002 relativiza essa regra nos se­ guintes termos: se perecer toda a espécie na qual a dívida genérica havia sido limitada, poderá 0 devedor alegar perecimento ou deterioração. Por exemplo, se morre todo 0 rebanho, perece 0 gado que seria escolhido dentro do mesmo. Registre-se: isto é um mero projeto de lei.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

77

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: PCE-AP Prova: FCC - 2018 - PCE-AP - Procurador do Estado ... não há a possibilidade de perecimento, e, portanto, subsiste a obri­ gação, cabendo, ao devedor, 0 direito de escolha, se outra coisa não for convencionada. Este seu direito, porém, não poderá ir ao ponto de preferir a coisa pior da espécie, assim como não terá 0 credor a facul­ dade de exigir 0 melhor, quando lhe for conferido 0 direito de escolha. (Clóvis Bevilaqua. Direito das Obrigações, p. 56. 9a ed. Livraria Francisco Alves, 1957) A conclusão a que acima se chegou pode ter como antecedente 0 se­ guinte texto: Resposta: Se 0 objeto a dar for incerto, isto é, apenas determinado pelo gênero. Ano: 2018 Banca: FUMARC Órgão: PC-MG Prova: FUMARC - 2018 - PC-MG Delegado de Polícia Substituto Considere as seguintes afirmativas a respeito do direito das obrigações: Na obrigação de dar coisa incerta, antes da escolha, não poderá 0 de­ vedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. Resposta: Verdadeira. 3.2. Obrigação de Fazer (Obligatio Ad Faciendum) Trata-se de uma obrigação positiva que impõe uma conduta, um facere, uma prestação de fato para 0 devedor. E é justamente através da prática desta ação específica, entabulada na obrigação, que 0 devedor irá adimplir sua prestação. Como obrigação que 0 é, 0 fazer em comento obedece aos limites dos direitos fundamentais. Não se admitirá uma obrigação de fazer contrária à dignidade da pessoa humana, à boa-fé e aos bons costumes. Para Flávio T artuce15, a obrigação de fazer pode ser fungível ou infungível. Nos dois casos se continua diante de uma conduta positiva específica de um dado comportamento, que não consista apenas em um entregar. A diferença está apenas no fato d e q u e m p o d e p r e s t a r a a lu d id a co n d u ta :

a)

15

Fungível: Aqui pouco importa quem está cumprindo com a prestação (arts. 816 e 817 do NCPC).

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 80.

78

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção!

Houve importante aperfeiçoamento na legislação processual de modo a disciplinar a execução da obrigação de fazer, ou de não fazer, concer­ nente a título extrajudicial, quando o juiz da causa estará autorizado a fixar multa se o executado não cumprir a prestação no prazo fixa­ do pelo magistrado. 0 credor está autorizado a requerer no próprio processo a satisfação da obrigação à custa do executado-devedor, ou haver perdas e danos apurados em liquidação, convertendo-se a exe­ cução para quantia certa. Também se disciplina de forma mais clara a execução por terceiro à custa do executado-devedor. Também avançou o NCPC para inserir seção relativa ao julgamento de ações concernen­ tes à obrigação de fazer ou de não fazer. Reforça o NCPC a preferência pela tutela jurisdicional específica ou medidas que assegurem o resul­ tado prático equivalente, por se entender que esta conduta do juízo serve para inibir a prática ilícita, ou a reiteração ou mesmo a continua­ ção de um ilícito, entendendo a norma ser irrelevante a demonstração da ocorrência do dano ou da existência de culpa ou dolo. As obrigações de fazer ou de não fazer somente serão convertidas em perdas e danos se o autor requer ou ainda se restar impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente. Ressalte-se também à luz do NCPC que se mantém a ideia segundo a qual a indenização por perdas e danos se dará sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento da presta­ ção ou da abstenção. b) Infungível: Personalíssima, seja pela natureza do bem, seja pela convenção das partes. Nesta, o devedor é o elemento causai da obrigação. Mas, como proceder na hipótese de descumprimento da obrigação de fazer? A problemática do inadimplemento da obrigação de fazer deve considerar a presença, ou não, do elemento culpa no caso concreto. É dizer: sem culpa, resolve-se a relação obrigacional. Com culpa, surge o dever de reparar, pois a hipótese é de responsabilidade civil subjetiva por ato próprio, onde a Teoria da Culpa está presente. Caso no descumprimento culposo a prestação não mais interesse ao credor, a solução será o ressarcimento em perdas e danos. Exemplifica-se com o longo atraso, culposo, de um animador de festa ao aniversário de uma criança. 0 aludido animador possuía uma obrigação de fazer pactuada. Ocorre que, ante ao descumprimento culposo, provavelmente o credor não mais tenha interesse na prestação. Aqui, a solução, será a busca da reparação integral. ► E na hora da prova?

Em concurso do TRF 4a Região, para o provimento do cargo de Juiz Subs­ tituto, ano de 2014, a seguinte assertiva foi considerada correta: "No

Cap. Ill . Classificação das obrigações

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caso da obrigação de fazer, quando a prestação respectiva for fungível, havendo resistência do devedor em cumpri-la, seja por recusa, seja por mora, o credor poderá mandar executá-la, à custa do devedor, podendo ainda ajuizar contra ele ação de indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento". Entrementes, se a prestação ainda interessar ao credor, a saída será diversa. Vejamos. A obrigação fungível é substituível. Assim, diante do descumprimento obrigacional culposo, poderá o credor, que ainda tem interesse no cumprimento, exigir que outra pessoa adimpla a obrigação, às custas do devedor, sem prejuízo da indenização cabível (CC, art. 249). ► Atenção!

Polêmica interessante diz respeito à revogação, ou não, do art. 249 do Código Civil, em face do novel art. 816 do Código de Processo Civil. Com efeito, 0 art. 816 do CPC firma que se 0 executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se converterá em indenização. Vêse, da redação processual, que haveria uma aparente alternância, possibilitando-se ao lesado ou 0 pedido de cumprimento obrigacional ou as perdas e danos. E então? Teria 0 Código de Processo Civil revogado a possibilidade de cumulação do Código Civil? Infere-se, portanto, saída processual diversa do Código Civil, 0 qual possibilita ao lesado, cumulação do pedido de cumprimento obrigacio­ nal com as perdas e danos pelo atraso, acaso não seja do interesse do lesado conversão integral em perdas e danos. E então? Teria 0 Código de Processo Civil revogado a possibilidade de cumulação do Código Civil? A resposta é negativa. Mesmo diante do art. 816 do Código de Pro­ cesso Civil, poderá 0 exequente - em execução de obrigação de fazer fungível, decorrente do inadimplemento relativo, voluntário e inescusável do executado - requerer a satisfação da obrigação p o r t e r c e ir o , c u m u la d a m e n te ou n ã o , com a s p e r d a s e d a n o s . Isto,

porque, 0 caput do art. 816 do CPC não derrogou 0 caput do art. 249 do Código Civil.

Como pouco importa quem venha a cumprir com a obrigação, em caso de urgência poderá 0 credor, de próprio punho e independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar 0 fato, sendo depois ressarcido, como

80

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

numa espécie de autotutela civil ou justiça de mão própria, elogiada por S ilvio S alvo V enosa16 e FuWio T artuce17 (CC, art. 249, parágrafo único). Tal conduta já fora autorizada, até mesmo, pelo T ribunal de Justiça do R io G rande do S ul18. de

Contudo, é importante notar que a expressão "será livre" é, de certo modo, polêmica, na medida em que enseja debate sobre a (des)necessidade de 0 credor atuar sem passar, digamos assim, pelo Judiciário. C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald19 adotam posição intermediária e conciliatória, para admitir que esta atuação ocorra pela via extrajudicial, desde que se cuide dos excessos eventualmente praticados pelo credor nestas situações. Os excessos haverão de ser punidos, registra-se, como abuso de direito, ocasionando responsabilidade objetiva (CC, art. 187). Já a obrigação infungível é insubstituível. Assim, diante do descumprimento culposo, inicialmente poderá 0 credor, ainda interessado no adimplemento obrigacional, valer-se do pedido de tutela específica (medida de apoio), a exemplo de uma multa diária - astreintes (NCPC, art. 497 e CDC, art. 84) - somada ao pleito de perdas e danos (CC, art. 248). Caso não haja mais interesse, ou possibilidade de adimplemento, tudo será convertido em perdas e danos. Aqui 0 Código Civil merece interpretação sistemática com 0 Código de Processo Civil. Isto porque 0 direito processual apresenta importantes mecanismos de efetividade, como identificam P ablo S tolze e Rodolfo P amplona Filho20. Já houve tempo em que 0 direito enxergava a liberdade humana como plena. Neste cenário, a Teoria da Incoercibilidade da Vontade Humana era absoluta. Ou seja: se 0 devedor não deseja cumprir com a sua obrigação de fazer pessoal, a única via possível seria a reparação pecuniária do credor. Isto, porém, gerava um grande senso de irresponsabilidade, mormente para os mais abastados. Com 0 passar do tempo, 0 Processo Civil passou a flexibilizar a Teoria da Incoercibilidade Humana, desde que respeitados os direitos fundamentais. Passaram a ser utilizados mecanismos de coerção, com tutelas específicas, com 0 fito de proporcionar 0 adimplemento in natura, sem embargo das perdas e danos. 0 Enunciado 589 do CJF cristalizou 0 entendimento segundo 0 qual a compensação pecuniária não é 0 único modo de reparar 0 dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação "in natura, na forma de retratação pública ou outro meio". 16

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 83.

17

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 85/86.

18 Acórdão 70015650724, oriundo de Porto Alegre, exarado pela Sexta Câmara Cível, cuja Relatora foi a Desembargadora Liege Puricelli Pires. Data: 30.10.2008. DOERS 25.11.2008, p. 23. 19

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 105.

20

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo Saraiva, 2008. p. 38.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

81

Também o STJ já decidiu que informação inverossímil de figura pública referida em obra literária configura abuso do direito de expressa (e de informação) a autorizar direito de retratação e de esclarecimento da verdade que "possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 130". A reparação in natura é realidade na jurisprudência do STJ. Neste julgado, afirmou-se que 0 direito de retificação e de retratação sobre uma informação inverídica não fora banido do ordenamento jurídico brasileiro e encontra guarida no art. 927 do CC. Ali se disse que "0 Poder Judiciário deve reformular sua visão e dar um passo à frente, abrandando a natureza essencialmente patrimonialista da responsabilidade civil" de modo a ser "imperativo 0 reconhecimento da subsistência do direito de retratação fundamentado na legislação civil"21. Neste cenário, sintetizando 0 tema, eis um quadro ilustrativo da Tutela Jurisdicional de Obrigação de Fazer e das medidas as quais 0 magistrado pode lançar mão: Tutela de Remoção do Ilícito

„ Tutela Imbitoria

Tutela . , „ > . Sub-Rogatoria

NCPC, art. 497-

NCPC, art. 497-

Lei 11.340/06, art. 22.

Inibe 0 devedor me­ diante multa diária ( as treintes). 0 juiz fixa pra­ zo para cumprimento da prestação.

A sentença substitui a vontade do ina­ dimplente. Supre a vontade não emitida. Chega-se ao efeito prático equivalente.

A medida de remoção do ilícito pode ser ilustrada com 0 mandado de distan­ ciamento da Lei Maria da Penha, a demolição de um muro, 0 desbloqueio de uma rua.

.

► Atenção! 0 NCPC assume posição visivelmente enfática ao resultado prático do

processo, prestigiando as diretrizes da simplificação, economia, cele­ ridade e efetividade. Desta maneira, a tutela jurisdicional específica que assegure 0 resultado útil e prático da demanda e que melhor se adeque ao bem da vida objeto de proteção judicial. A tutela específica é numerus apertus de forma que 0 magistrado estará autorizado, nos limites das garantias fundamentais e dos direitos sociais, a conceder toda e qualquer medida à justa atividade judiciária. A remoção de pessoas ou de coisas, 0 desfazimento de obras, as demolições judiciais, 0 impedimento de atividades nocivas, tudo isto constitui alguns dos mais variados exemplos apresentados pelo Processo Civil sobre a obrigação de fazer.

21

REsp 1.771.866-DF, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, DJe 19/02/2019.

82

Direito Civil - Vol. 11 .

L u c ia n o

Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

Acerca do mandado de distanciamento, já entendeu o S uperior T ribunal de Justiça que não se faz necessário listar os locais nos quais o suposto agressor há de respeitar a medida, sendo esta válida em qualquer local onde a vítima esteja. Tal conduta, segundo o STJ, não vai de en­ contro ao direito de ir e vir. Vide notícia de 11.02.09: Juiz pode fixar a distância que 0 agressor deve manter da vítim a, em vez de listar lugares. Em casos de violência doméstica, é perfeitamente legal ao juiz da causa fixar, em metros, a distância que 0 agressor deve manter da vítima, não sendo necessária a nominação de lugares a serem evitados. A conclusão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar recurso em habeas corpus a um agressor do Amapá. Em primeiro grau, 0 juiz determinou a distância que 0 acusado deveria manter da vítima, além da obrigação da provisão de alimentos, medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha. Ao julgar habeas corpus, 0 Tribunal de Justiça manteve tais m edidas urgentes determ inadas pelo magistrado de prim eiro grau, sem a oitiva prévia do então paciente, assim como os alim entos provisionais. No recurso para 0 STJ, a defesa alegou que cabia ao magistrado identificar claram ente os locais que 0 paciente não poderia frequentar. "0 m agistrado, na prática, 0 proibiu de frequentar qualquer local público ou privado, já que a indeterm inação do comando 0 coloca em risco de ser preso por se encontrar em qual­ quer local onde, porventura, a ofendida esteja presente", sustentou. 0 advogado afirmou, ainda, a existência de constrangimento ilegal quan­ to à fixação dos alimentos provisionais, em razão da "possibilidade de vir a ser decretada a prisão do [...] paciente pelo inadimplemento de obrigação imposta ao arrepio da legislação de regência". Segundo argumentou, a decisão impõe obrigação a ser adim plida em favor de quem sequer comprovou, como exige a lei, ter 0 direito de requerer 0 benefício, baseando-se exclusivamente na alegação da ofendida. Em parecer, 0 Ministério Público Federal afirmou que a proibição de apro­ ximação não infringe 0 direito de ir e vir, consagrado no artigo 5°, XV, da Constituição Federal. "A liberdade de locomoção do ora paciente encontra limite no direito da vítima de preservação de sua vida e integridade física. Na análise do direito à vida e à liberdade, há que se lim itar esta para assegurar aquela", afirmou a subprocuradora. Após exam inar 0 recurso em habeas corpus, a Quinta Turma negou provimento. "Conforme anotado no p arecer m inisterial, nos termos do artigo 22, inciso III, da Lei n. 11.340/06, conhecida por Lei Maria da Penha, poderá 0 Magistrado fixar, em metros, a distância a ser manti­ da pelo agressor da vítima - tal como efetivamente fez 0 juiz processante da causa", considerou 0 ministro Napoleão Nunes Maia, relator do caso. Segundo 0 m inistro, é desnecessário listar quais os lugares a serem evitados. "Uma vez que, se assim fosse, lhe resultaria bur­ lar essa proibição e asse d iar a vítim a em locais que não constam da lista de lugares previam ente identificados", observou. Quanto à ale­ gação de não haver parentesco entre 0 suposto agressor e a menor envolvida nos fatos, 0 relator afirmou que tal análise dem andaria exa­ me incompatível com 0 habeas corpus. "Não existem elementos sufi-

Cap. Ill • Classificação das obrigações

83

cientes nos autos a com provar as alegações feitas pelo recorrente, sen­ do, pois, passível de verificação mediante procedimento judicial próprio", concluiu o ministro Napoleão Nunes. Outrossim, o mandado de distanciamento vem sendo utilizado em ou­ tras searas, diversas da Maria da Penha, por analogia. Exemplifica-se com o famoso caso Carolina Dieckmann. Para aprofundam ento do estudo do mandado de distanciam ento e sua aplicação na seara da tutela dos direitos da personalidade, deve o futuro aprovado buscar o Volume de Parte Geral.

Em arremate, cumpre anotar algumas considerações quanto ao rol de tutelas específicas do art. 497 do NCPC: •

Trata-se de rol meramente exemplificativo, sendo possível a utilização de ou­ tras medidas.



As medidas específicas podem ser concedidas de ofício.



É possível, durante 0 processo, que 0 juiz amplie, reduza ou modifique a tutela específica até que encontre a medida adequada.



0 descumprimento das medidas impostas pelo juiz configura crime de deso­ bediência (CP, art. 330), quanto ao particular; e de prevaricação, quanto ao servidor público, além das demais sanções processuais, como a litigância de má-fé a quem é parte ou 0 contempt of court a quem não é parte (NCPC, art. 77/ §6°).

► Atenção! No novo CPC (NCPC) 0 art. 77, §6° evidencia nítido avanço e desdobra­ mento legislativo sobre 0 instituto da multa chamada por muitos de administrativa. Continua-se a determinar que 0 magistrado advirta a parte do seu ato atentatório à administração da Justiça de modo inde­ pendente das sanções penais, civis e processuais outras. Em síntese: manteve-se a multa de até vinte por cento do valor da causa com a ressalva, agora, que se 0 valor da causa for irrisório ou inestimável a multa poderá ser fixada até dez vezes 0 salário mínimo. De forma mais clara e de acordo com a orientação da Suprema Cor­ claro ao afirm ar que esta multa não se aplica a advogados públicos ou privados, muito menos aos membros da defensoria pública, ou do ministério público, que terão responsabilidade disciplinar adstrita aos órgãos de classe e às corregedorias, para onde se deverá oficiar. 0 magistrado poderá ainda proibir a parte de falar nos autos até quando esta quitar a multa. 0 não pagamento da mesma enseja a inscrição na dívida ativa após 0 trânsito em julgado e a exe­ cução fiscal do crédito. te, o NCPC também é

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

J ustiça *

sobre o tema?

Em julgado de dezembro de 2 0 1 1 , 0 S uperior T ribunal de Justiça* * reafir­ mou 0 entendimento segundo 0 qual a decisão que arbitra astreirites não faz coisa julgada, estando 0 magistrado autorizado a impor essa coerção de ofício ou a requerimento da parte, cabendo-o, da mesma forma, revogar a medida acessória nos casos em que a multa se torna desnecessária. Também é interessante saber que 0 S uperior T ribunal de Justiça* * * admite a utilização da exceção de pré-executividade, chamada ainda de objeção de não executividade, para discutir matéria atinente às astreintes. *

Resp. 1.019.455-

**

Resp. 1.019.455-

*** Resp. 1.019.455-

Caso a tutela específica não gere 0 cumprimento obrigacional, caberá ao credor apenas as perdas e danos (CC, art. 248). Isto se justifica ante 0 princípio da conservação dos negócios jurídicos, que mantém íntima relação com 0 princípio da função social dos contratos (Enunciado 22, CJF). ► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema?

Segundo a Súmula 410 do S uperior T ribunal de Justiça é imprescindível a prévia intimação pessoal do devedor como condição necessária à cobrança da multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. Trata-se de importante regra processual que, quando não observada, gera grandes problemas práticos, pois a Corte Superior, aplicando 0 verbete, afastará eventual multa se 0 feito não observar 0 detalhe da intimação, causando, muitas vezes, decepções ao credor que se imagi­ nava titular da astreinte.

► Atenção!

É digna de nota a importante, porque desburocratizante, alteração nor­ mativa que autoriza 0 exequente a adiantar as quantias previstas na proposta, a fim de que dada obrigação de fazer seja implementada por terceiro. Não sendo possível a prestação da forma originariamente pactuada, surgirá a possibilidade das perdas e danos, na forma do art. 247 do CC, apurando-se a culpa no caso concreto.

► Atenção! 0 art. 817 do NCPC inova ao apresentar seção própria dedicada as

ações de obrigação de fazer e não fazer, prevendo de maneira mais detalhada ainda 0 cumprimento de tais prestações, como impessoais, ou seja, fungíveis, por terceiros à custa do devedor.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

85

Então, arrematando o dito, como devemos proceder ante ao descumprimento de uma obrigação de fazer? Não Havendo Interesse do Credor: Perdas e Danos

Havendo Interesse no Cumprimento

Tutela Específica + Perdas e Danos

3.3. Obrigação de Não Fazer (Obliga tio Ad Non Faciendum) A obrigação de não fazer está prevista nos arts. 250/251 do CC. É a única obrigação negativa admitida no Direito Privado. Configura-se pelo compromisso de abstenção de uma conduta, de modo que 0 devedor fica proibido de praticar um determinado ato, sob pena de inadimplemento. É uma abstenção juridicamente relevante. Exemplo: não despejar lixo em determinado local; não divulgar segredo industrial; não construir acima do terceiro andar; não abrir um estabelecimento comercial nesta vizinhança; não poluir 0 meio ambiente; não concorrer num determinado ramo do comércio, etc. C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald22 sustentam que a obrigação de não fazer é uma das que mais cerceiam a liberdade humana, motivo pelo qual pode haver 0 controle judiciário do conteúdo de tais restrições. Para tanto, deve 0 Juiz analisar a prestação à luz da dignidade humana, dos valores constitucionais e da ordem econômica, devendo 0 aplicador do direito ter um especial cuidado com 0 objeto destas abstenções. Neste cenário, por exemplo, não são admitidas, em regra, obrigações de não caminhar em determinadas localidades, não casar, não sair da zona urbana...

Tal obrigação, no dizer da doutrina de Flávio T artuce, é quase sempre infungível, personalíssima (intuitu personae) e indivisível pela sua natureza, nos termos do art. 258 do CC23. Assim, a teor do art. 390 do CC, na obrigação negativa 0 devedor é havido por inadimplente desde 0 dia em que executou 0 ato que deveria se abster24. M a s , q u a is a s c o n s e q u ê n c ia s d o d e s c u m p r im e n t o d a o b r ig a ç ã o d e n ã o f a z e r ?

Mais uma vez, em sendo um descumprimento desprovido de culpa do devedor, a obrigação se resolve. Exemplifica-se com 0 sujeito que se obriga perante 0

22

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 108.

23

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 88.

24

In Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 92.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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vizinho a não erguer o muro acima de determinada altura, mas é obrigado a fazêlo por ordem do Poder Estatal. Aqui se resolve a obrigação, com o retorno ao status quo ante e devolução de eventuais valores. Caso, porém, o descumprimento seja culposo, teremos que verificar se está diante de uma obrigação transeunte (instantânea) ou permanente. Trata-se de classificação que leva em consideração o fato de a obrigação de não fazer ser reversível ou não. A obrigação de não fazer transeunte (ou instantânea) é aquela onde só cabe ao credor, para o caso de inadimplemento, pedir perdas e danos. É irreversível. Já na obrigação de não fazer permanente, o credor poderá exigir, caso tenha interesse, o desfazimento do ato (que pode ser feito por terceiro ou pelo próprio credor, conforme art. 817 do NCPC), mais as perdas e danos. Obrigação de não fazer instantânea Inadimplemento

Perdas e danos

Obrigação de não fazer permanente Desfazimento do ato

Exemplos. A obrigação de não prestar um serviço em uma empresa concorrente é instantânea. 0 seu descumprimento culposo ocasionará 0 pedido de perdas e danos, pois resta impossível 0 desfazimento. Já a obrigação de não erguer um muro acima de determinada altura, é permanente. 0 seu descumprimento culposo autoriza 0 pedido de desfazimento do ato, cumulado com as perdas e danos. Acrescente-se, ainda, a existência de casos de urgência, diante dos quais 0 credor poderá realizar, por si, 0 desfazimento 0 objeto da obrigação descumprida, ou determinar 0 seu desfazimento por outrem, independentemente de autorização judicial, sendo, posteriormente, ressarcido pelas despesas com 0 retorno ao status quo ante. ► Atenção!

Assim como na obrigação de fazer, no descumprimento culposo da obriga­ ção de não fazer é possível a aplicação das tutelas específicas (NCPC, art. 497) e da autotutela (CC, art. 251). Isto porque obrigação de fazer e não fazer são verso e reverso da mesma moeda, aplicando-se a mesma leitu­ ra processual realizada no tópico que versa sobre a obrigação de fazer. Logo, na obrigação de não fazer permanente pode 0 credor pleitear uma multa diária até 0 desfazimento, mais as perdas e danos. Além disto, se a hipótese for de urgência, poderá 0 próprio credor desfazer, de próprio punho, ou mandar que terceiro 0 faça, independentemente de ordem judicial e sem embargos do pedido de perdas e danos. Em síntese, portanto, diante do descumprimento de uma obrigação de não fazer, poderá 0 operador do direito:

Cap. Ill • Classificação das obrigações

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Se o descumprimento for SEM CULPA DO DEVEDOR: Resolve-se a obrigação Não Havendo Interesse do Credor: Perdas e Danos

Havendo Interesse no Cumprimento

Tutela Específica + Perdas e Danos

4. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBRIGACIONAIS Se considerarmos os elementos obrigacionais (sujeitos, prestação e vínculo jurídico), poderemos observar que as obrigações se classificam como simples ou compostas. Simples são as obrigações que se caracterizam pela singularidade de sujeitos e de prestação. São aquelas que só possuem um credor, um devedor e uma prestação. Compostas são as obrigações com mais de um objeto ou sujeito. São aquelas caracterizadas ou pela multiplicidade de objetos, ou de sujeitos. Neste tópico, enfatizaremos as obrigações compostas pela multiplicidade de objetos e, depois, as obrigações compostas pela multiplicidade de sujeitos. 4.1. Obrigações Compostas pela Multiplicidade de Objetos As obrigações compostas pela multiplicidade de objetos podem ser (i) comutativas-conjuntivas ou (ii) alternativas-disjuntivas. São comutativas ou conjuntivas as obrigações compostas pela multiplicidade de objetos, obrigando-se o devedor ao cumprimento de todas as prestações da relação obrigacional, cumulativamente. Exemplo: o devedor se compromete a construir a casa e a pintá-la. Há cumulação, soma de objetos. Caso o devedor apenas construa, haverá inadimplemento obrigacional. Já as alternativas ou disjuntivas são obrigações compostas pela multiplicidade de objetos, nas quais o devedor somente necessita adimplir uma das prestações estabelecidas na relação obrigacional. A obrigação alternativa está contida no conceito de obrigação composta, sendo identificada, em regra, pela conjunção disjuntiva ou. Exemplo: o devedor se compromete ou a construir a casa ou a pintar uma casa já construída. As obrigações alternativas estão previstas no art. 252 e seguintes do CC. Para de Barros M onteiro25, tais obrigações apresentam dupla vantagem, pois

W ashington

25

In Curso de Direito Civil - Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 110.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

aumentam, por parte do devedor, as perspectivas de cumprimento da prestação e, simultaneamente, diminuem os riscos a que os contratantes se acham expostos. Mas, se há uma alternância de objetos, a quem caberá a escolha? Em regra, a escolha do objeto (concentração da prestação) caberá ao devedor, se outra coisa não se estipular, ou não se extrair da interpretação do caso concreto. Aqui se insere o brocardo: electa una via, altera non datur; ou seja: eleita uma via, não há retorno. Se houver uma pluralidade de optantes, a escolha haverá de ser unânime. Em não existindo unanimidade no prazo delineado na obrigação, a escolha caberá ao juiz (CC, art. 252, §3°). Se não houver prazo estabelecido no vínculo obrigacional, este será de 10 (dez) dias, contados da citação (NCPC, art. 800). No silêncio, 0 magistrado irá suprir a escolha. A ideia permanecerá a mesma, inclusive no tocante ao prazo de dez dias contados da citação para 0 devedor indicar. Observe, entretanto, que a legislação processual, seja a antiga, seja a nova, não disciplina a situação jurídica da pluralidade de optantes. Esta continua prevista apenas no Código Civil. E podería 0 devedor concentrar 0 débito parcialmente em uma prestação e parcialmente em outra? Explica-se: se a obrigação informa que a prestação será prestar um serviço ou adimplir um valor, podería 0 devedor concentrar, por exemplo, 50% (cinquenta por cento) na prestação de um serviço e os outros 50% (cinquenta por cento) no pagamento de um valor? • A resposta é negativa. A alternância impede que os objetos das prestações sejam confundidos e misturados, sendo proibido ao devedor adimplir parte em um objeto e parte em outro (princípio da indivisibilidade do objeto).

Em sendo a obrigação de trato sucessivo, ou diferida no tempo, como proceder a escolha? Sendo a obrigação de trato sucessivo, diferida no tempo, o direito de escolha poderá ser realizado em cada um dos respectivos momentos, ante 0 jus varian d i na hipótese. G ustavo T epedino 26 denomina tal casuística de balanceamento da concentração. Assim, em cada pagamento será exercido 0 direito de escolha. Como proceder na hipótese de perda do objeto nas obrigações alternativas?

26 In Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 529.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

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Assim como na obrigação de dar coisa certa, aqui irão influir de sobremaneira perquirir se a perda é total (perecimento), ou parcial (deterioração), e a verificação se há, ou não, culpa na aludida perda. Vamos iniciar tratando do perecimento (perda total): a) Se o perecimento foi sem culpa do devedor, a exemplo de um caso fortuito ou força maior, a obrigação se resolve (CC, art. 256). b) Se a escolha cabería ao devedor e 0 perecimento foi com culpa, haverá de adimplir ao credor 0 valor equivalente da prestação que por último se im­ possibilitou, mais as perdas e danos. c)

Se a escolha cabería ao credor e houve culpa do devedor no perecimento, 0 credor poderá escolher 0 valor de quaisquer das prestações impossibilitadas, mais as perdas e danos (CC, art. 255). Já diante da deterioração (perda parcial):

a) Se a deterioração foi sem culpa do devedor, 0 débito será concentrado na prestação remanescente (CC, art. 253). b) Se a deterioração foi com culpa do devedor: b.i) e a escolha cabería ao credor, este poderá exigir a prestação remanes­ cente, ou 0 equivalente da impossibilitada, mais as perdas e danos (CC, art. 255); b.2) e a escolha cabe ao devedor, basta que este concentre 0 débito na pres­ tação remanescente (CC, art. 253). ► Atenção!

No campo do Direito Processual, 0 art. 325 do NCPC autoriza a elabo­ ração de pedidos alternativos, toda vez que a obrigação, no plano do direito material, for alternativa.

Cuidado! Não se deve confundir 0 pedido alternativo com 0 pedido sucessivo. 0 pedido alternativo pressupõe a existência de uma obri­ gação alternativa na origem do Direito Material, e somente neste caso pode ser formulado pelo autor em sua petição inicial. Já 0 pedido sucessivo guarda relação de prejudicialidade, de modo que 0 ma­ gistrado somente examinará 0 pedido seguinte acaso não acolha 0 pedido anterior.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FGV. Órgão: TJ-SC Prova: FGV - 2018 - TJ-SC - Analista Jurídico. Ricardo, artista plástico, recebe em sua galeria Jaqueline, colecionadora de artes plásticas. Encantada com duas peças de Ricardo, denomi­ nadas Dida e Jute, Jaqueline as reserva, obrigando-se a retornar no dia seguinte para escolher uma delas e realizar 0 pagamento da eleita. Na data marcada, Jaqueline informa que gostaria de adquirir Dida. Contu­ do, Ricardo responde que apenas restou Jute, visto que Dida foi por ele vendida na noite anterior. Diante dessa situação, Jaqueline: A. deverá adquirir Jute, visto que já a havia reservado; B. poderá exigir perdas e danos em relação a Dida; C. deverá pagar Jute, pois Dida se perdeu sem culpa de Ricardo; D. resolverá 0 pacto estabelecido com Ricardo, sem perdas e danos; E. deverá escolher outra peça, ainda que não seja Jute. Resposta: b

► Atenção! 0 art. 325 do NCPC manterá a possibilidade dos pedidos alternativos

quando a natureza da obrigação 0 permitir inovando ao inserir precei­ to que autoriza 0 magistrado a assegurar ao devedor, ainda que este não tenha postulado isto, quando a obrigação for alternativa, 0 direito de adimpli-la de um modo, ou de outro. Uma questão controvertida na doutrina é a denominada obrigação facultativa, também chamada de obrigação com faculdade alternativa ou obrigação com faculdade de substituição. Apesar de não prevista explicitamente com este nome na lei, é defendida por parte da doutrina. Nesta modalidade obrigacional (para quem admite a existência da mesma), haveria apenas uma prestação, acompanhada por uma faculdade a ser exclusivamente realizada pelo devedor, de acordo com a sua opção ou conveniência, no sentido de substituir a prestação, de modo que 0 credor não poderia exigir qualquer tipo de alternância. Portanto, a obrigação facultativa seria uma obrigação simples, como sustentam e S ilvio de S alvo V enosa28, trazendo a doutrina 0 exemplo do contrato

M aria H elena D iniz27

27

In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 124.

28

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 360.

Cap. Hi • Classificação das obrigações

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estimatório ou por consignação (CC, art. 534). 0 poder de substituição da prestação é exclusivo do devedor. Seguindo nas suas ilações, S ílvio de S alvo V enosa29 apresenta 0 conceito da obrigação facultativa que se encontra no art. 643 do Código Civil Argentino, segundo 0 qual obrigação facultativa é aquela que, não tendo por objeto senão uma única prestação, dá ao devedor a faculdade de substituir essa prestação por outra. Trata-se de importante preceito que pode servir como um parâmetro ao entendimento da matéria no Brasil. Exemplifica-se: 0 devedor deve entregar um carro, mas, acaso não 0 tenha, deverá adimplir com uma prestação de serviço. Trata-se de uma relação de preferência, e não de alternância. 4.2. Obrigações Compostas Pela Multiplicidade de Sujeitos As obrigações solidárias são aquelas compostas pela multiplicidade dos sujeitos que a integram, seja no polo ativo (solidariedade ativa), seja no polo passivo (solidariedade passiva), seja em ambos (solidariedade mista). Também se caracteriza pela unidade objetiva da obrigação (CC, art. 264). Assim, há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda (unidade do objeto). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TRT - 11a Região (AM e RR). Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária Nas obrigações solidárias: Assertiva correta: Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor 0 cumprimento da prestação por inteiro. Duas questões devem, inicialmente, serem lembradas: (i) A solidariedade não se presume, decorre de lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade convencional) - CC, art. 265. Pode decorrer da lei, por exemplo, quando consequente de um ato ilícito, a exemplo dos arts. 932 e 942 do CC, bem como no art. 7°, parágrafo único, do CDC, segundo o qual tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação de danos. Outros exemplos de solidariedade legal são vis­ tos na pluralidade de inquilinos de um mesmo imóvel urbano (art. 2° da Lei 8.245/91); pluralidade de fiadores (art. 829 do CC) e pluralidade de comodatários (art. 585 do CC).

29 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 89.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

(ii) Decorrendo da autonomia privada, nada impede que a solidariedade seja pura ou simples, condicional, a termo ou com modo ou encargo, conforme rol exemplificativo do art. 266 do CC e 0 Enunciado 347 do CJF: "A solidariedade ad­ mite outras disposições de conteúdo particular além do rol previsto no art. 266 do Código Civil". Com efeito, é até mesmo possível que a solidariedade seja, em um mesmo vínculo, pura para um dos devedores e condicionada para outro. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TRT - 11a Região (AM e RR). Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária Nas obrigações solidárias: Assertiva incorreta: A obrigação solidária não pode ser pura e simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a prazo ou pagável em local diferente, para outro. Afirma-se que na solidariedade há uma relação jurídica interna (dentro do polo ativo ou do polo passivo), ao lado de uma relação jurídica externa (entre 0 polo ativo e 0 passivo). Isto é facilmente percebido pelo fato daquele que adimpliu poder exigir reembolso dos demais codevedores que não 0 tenham ajudado no pagamento (relação interna no polo passivo após a conclusão da relação externa entre credor e devedor). 0 mesmo ocorre com quem receber toda a dívida (relação externa), pois terá que redistribuir observando a quota-parte dos demais credores (relação interna no polo ativo). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? 0 concurso para provimento do cargo de Juiz - TJ-SP, banca organizado­

ra VUNESP, ano de 2013, cobrou a questão a seguir: Caio, Tício e Pompeu se fazem devedores solidários de um Credor pela quantia de R$ 3 milhões, sendo que esta obrigação interessa igual­ mente a todos os devedores, e todos são solventes. Considerada essa hipótese, assinale a opção correta. a) Paga a integralidade da dívida por Caio, nada poderá cobrar de Tício ou de Pompeu. b) Paga a integralidade da dívida por Caio, poderá cobrar R$ 2 mi­ lhões tanto de Tício quanto de Pompeu. c) Qualquer dos 3 codevedores pode, ao dele se exigir a integrali­ dade da dívida, opor ao Credor tanto as exceções que lhe forem pessoais quanto as exceções pessoais aos outros codevedores não demandados. d) Paga a integralidade da dívida por Caio, poderá ele cobrar R$ 1 milhão de Tício e R$ 1 milhão de Pompeu. 0 gabarito é a letra D.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

93

Para S ílvio de S alvo V enosa30 a solidariedade se trata de um artifício técnico utilizado com o objetivo de reforçar o vínculo e facilitar o cumprimento da dívida, de modo que a totalidade do seu objeto pode ser reclamada por qualquer um dos credores ou dos devedores, configurando, pois, obrigação unitária, in solidum. Um belo exemplo dessa tese pode ser identificado no conteúdo da súmula 581 do STJ, segundo a qual "A recuperação judicial do devedor principal não impede 0 prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória". A solidariedade, neste caso, facilita 0 cumprimento da dívida. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso público?

(Cespe - Juiz de Direito Substituto - AM/2016) Acerca do direito das obrigações, a banca considerou correta a seguinte assertiva B) Nas obrigações in solidum, todos os devedores, embora estejam ligados ao credor por liames distintos, são obrigados pela totalidade da dívida. A solidariedade ativa (CC, 268) pode gerar, para 0 caso de um credor ajuizar ação judicial, 0 instituto da prevenção judicial, "podendo a satisfação da obrigação somente ocorrer em relação àquele que promoveu a ação", como sustenta M aria H elena D iniz31.

0 instituto da prevenção judicial é bem simples. Enquanto não houver demanda alguma, qualquer credor pode, extrajudicialmente, receber todo 0 valor; e qualquer devedor quitar toda a prestação. Contudo, acaso um dos credores, por hipótese, venha a ajuizar ação de cobrança, por exemplo, nenhum devedor poderá mais realizar 0 pagamento de modo extrajudicial. A prevenção impõe que 0 pagamento somente aconteça dentro do processo. Importante lembrar que a prevenção ocorre a partir da distribuição ou do registro da inicial. C ristiano C haves de Farias e Nelson R osenvald32 apresentam elucidativo exemplo de solidariedade ativa nos contratos bancários: conta conjunta. Nesta, cada correntista é, isoladamente, credor do contrato, de modo a poder sacar 0 numerário e exigir do banco 0 cumprimento de suas obrigações.

A denominada refração do crédito solidário é prevista no art. 270 do CC, que t r a z d is c ip lin a s o b r e e v e n t u a l m o rt e d e u m d o s c r e d o r e s n o b o jo d e u m a r e la ç ã o

que contenha solidariedade ativa. Sabe-se que a obrigação se transmite causa mortis até as forças da herança, de modo que, com 0 óbito, haverá a refração do crédito, ou seja, da obrigação, nos limites da quota hereditária recebida. Ex: 30 31

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 98/99. In Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 299.

32

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 148.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

credor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) falece e deixa 3 (três) filhos herdeiros. Cada um destes herdeiros somente poderá exigir uma quota de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A regra só não incide acaso a obrigação seja indivisível, por razões óbvias. ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM. Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - Ana­ lista Jurídico de Defensoria - Ciências Jurídicas. João e Pedro, na qualidade de credores solidários, emprestaram a Ana a quantia de R$ 1.200,00. No entanto, 0 credor João veio a falecer, deixando como herdeiros Mário e Carolina. Diante disso, é correto afirmar que Resposta: cada herdeiro só terá direito a exigir e receber da devedora a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário. A refração do débito solidário, por sua vez, está prevista no art. 276 do CC. Se um dos devedores solidários falecer e deixar herdeiros, estes serão obrigados a pagar apenas a quota que corresponder ao quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível. ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: CESPE. Órgão: PGM - Manaus - AM Prova: CESPE - 2018 - PGM - Manaus - AM - Procurador do Município. À luz das disposições do direito civil pertinentes ao processo de inte­ gração das leis, aos negócios jurídicos, à prescrição e às obrigações e contratos, julgue 0 item a seguir. Se 0 devedor solidário de uma dívida divisível falecer e deixar três herdeiros legítimos, tais herdeiros, reunidos, serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores, mas cada um desses herdeiros somente será obrigado a pagar a cota que corres­ ponder ao seu quinhão hereditário. Gabarito: Certo. Ano: 2018. Banca: VUNESP. órgão: TJ-RS Prova: VUNESP - 2018 - TJ-RS - Juiz de Direito Substituto. João e m p re sto u a José, Joaq uim e M an ue l o v a lo r d e R$ 300.000,00 (tre ze n to s m il re a is ); foi p re v isto no in stru m e n to co n tra tu a l a s o lid a r ie ­ d a d e p a s s iv a . M an ue l fa le ce u , d e ix a n d o d o is h e rd e iro s , Paulo e A n d ré .

É possível afirmar que João poderá Resposta: cobrar de Paulo e André a totalidade da dívida, tendo em vista que ambos, reunidos, são considerados como um devedor solidá­ rio em relação aos demais devedores; porém, isoladamente, somente podem ser demandados pelo valor correspondente ao seu quinhão hereditário. Sendo a dívida indivisível, qualquer herdeiro pode ser constrangido a realizar toda a prestação. Sendo divisível, ou se pretende contra 0 herdeiro, nos limites do

Cap.

Ill

. Classificação das obrigações

95

seu quinhão, ou se pretende contra todos, reunidos na qualidade de litisconsórcio passivo necessário. ► Atenção!

A morte cessa a solidariedade, responsabilizando-se eventuais herdei­ ros apenas até os limites da força da herança. Como já vimos, para tal hipótese incide o instituto da refração do crédito ou do débito solidá­ rio, o que se conforma com o instituto processual da saisine (CC, art. 1.784) e das forças da herança (CC, art. 1.792). 0 devedor solidário demandando em processo poderá arguir as suas exceções (defesas) pessoais e as demais defesas (exceções) comuns. As exceções pessoais são incomunicáveis, pois relacionadas apenas ao sujeito. Exemplifica-se com um vício de consentimento, a exemplo de um devedor que fora coagido a celebrar 0 contrato. Apenas ele - 0 coagido - poderá arguir tal fato em defesa, buscando a anulabilidade do vínculo (art. 171 do CC). 0 outro codevedor solidário não poderá fazê-lo. Caso, porém, tenha havido a quitação por parte de um dos codevedores, quaisquer um deles poderá arguir, pois é uma questão comum (CC, art. 281). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: DPE-SC. Prova: Defensor Público Substituto. Sobre 0 direito das obrigações, Assertiva falsa: em caso de previsão expressa no contrato de solida­ riedade passiva, 0 devedor poderá se valer das exceções pessoais de qualquer dos coobrigados. Ainda neste sentido, 0 art. 273 prevê que 0 devedor não pode opor exceções pessoais indistintamente aos credores solidários, ante a natureza personalíssima destas. Ex: "se 0 devedor foi coagido por um credor solidário a celebrar determinado negócio jurídico, a anulabilidade do negócio somente poderá ser oposta em relação a esse credor, não em relação aos demais credores, que nada têm a ver com a coação exercida", na lição de F lávio T artuce33. Importante, para não se dizer polêmico, é 0 assunto abordado no art. 274 do CC, ao informar que 0 julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge o s d e m a is ; e n q u a n t o q u e o ju lg a m e n t o f a v o r á v e l a p r o v e it a -lh e s , a o m e n o s q u e s e

funde em exceção pessoal. Sobre 0 tema, existem doutrinas cíveis e processuais em sentidos variados. Vamos estudar, de modo breve, estes posicionamentos: Posicionamento 1 - Se um dos credores vencer a ação, essa decisão atinge os demais, salvo se 0 devedor tiver em seu favor alguma exceção pessoal passível 33

ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 101.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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de ser invocada a outro credor, que não participou do processo. Portanto, fora esta hipótese, o devedor não poderá apresentar defesa contra aquele credor que promoveu a demanda, havendo a extensão da coisa julgada aos que não participaram do processo (os credores apenas poderíam ser beneficiados, jamais prejudicados com a coisa julgada). Trata-se de posicionamento visto na obra coletiva coordenada por G ustavo T epedino, Heloísa H elena Barbosa e M aria C elina B odin de M oraes34.

Posicionamento 2 - Dois caminhos devem ser percorridos: a) se 0 magistrado indeferir a defesa e se esta não for de natureza pessoal, 0 julgamento beneficiará a todos os demais credores. b) se 0 magistrado indeferir a defesa e se esta for de natureza pessoal, 0 jul­ gamento não interferirá no direito dos demais credores. É 0 que pensam P ablo S tolze

e

R odolfo P amplona Filho35.

Posicionamento 3 - A parte final do art. 274 do CC não teria sentido. Impossível a exceção pessoal existir a favor do credor, pois a mesma, se existisse, seria a favor do devedor. Para Fredie D idier Junior "0 julgamento favorável ao credor não pode ser fundado em exceção pessoal, alegação de defesa que é; se assim fosse, a decisão seria desfavorável e, por força da primeira parte do art. 274, não estendería seus efeitos aos demais credores. Em resumo: não há julgamento favorável fundado em exceção pessoal; quando se acolhe a defesa, julga-se desfavoravelmente 0 pedido. A parte final do art. 274, se interpretada literalmente, não faz sentido". Este é 0 entendimento de Fredie D idier36 e C arlos Barbosa M oreira37 ao se referirem à eficácia ultra partes - a submeter os demais credores, além daqueles que demandaram - no caso referido pelo artigo de Lei. Em suma: se um dos credores perde em juízo, isto não interfere, não é eficaz, em relação aos outros. Se 0 credor vai a juízo e ganha, esta decisão beneficiará os demais credores, salvo se 0 devedor tiver exceção pessoal que possa ser oposta a outro credor, não participante do processo. Com efeito, em relação àquele que promoveu a demanda, 0 devedor nada mais pode opor. 34 In Código Civil Interpretado e Conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 552. 35 In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 71/72. 36 In Regras Processuais no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 76. 37

In Solidariedade ativa: efeitos da sentença e coisa julgada na ação de cobrança proposta por um único credor. Revista do Advogado da AASP. Homenagem ao Professor José Ignácio Botelho de Mesquita. São Paulo: AASP, 2005. p. 69.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

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Ainda sobre a solidariedade, cumpre apresentar breves notas do instituto da prescrição em situações como estas, pois o Código Civil estabelece este diálogo com o direito obrigacional, especificamente nos arts. 201 e 204. Vejase: (i) 0 art. 201 do CC prevê que uma vez suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, esse efeito só aproveitará aos outros se a obrigação for indivisível. (ii) 0 art. 204 do CC prescreve que a interrupção efetivada por um credor não aproveita aos outros, salvo se a obrigação for solidária ativa. Ex. Se um credor protesta título em cartório, a interrupção da prescrição aproveita­ rá aos dem ais credores solidários. Nas pegadas do art. 275 do CC, no pagamento parcial todos os demais devedores continuam solidariamente responsáveis pelo resto. Nesse sentido, 0 Enunciado 348 do C onselho da Justiça Federal afirma que 0 pagamento parcial não implica, por si só, a renúncia à solidariedade, a qual deve derivar dos termos expressos da quitação ou, inequivocadamente, das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor. Segundo 0 Enunciado 350 do mesmo C onselho da Justiça Federal, a renúncia (exoneração) à solidariedade diferencia-se da remissão. Isto porque nesta 0 devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 284 do CC. Ex. A é credor de B, C e D em R$ 30.000,00 (trinta mil reais). A renuncia à solidariedade em relação a B. Neste caso, B será exonerado da solidariedade, mas continua obrigado por R$ 10.000,00 (dez mil reais). Os demais continuam respondendo solidariamente pelo resto (R$ 20.000,00 - vinte mil reais). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TRT - 11a Região (AM e RR). Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária Nas obrigações solidárias: Assertiva incorreta: Se 0 devedor exonerar expressamente da solida­ riedade um ou mais devedores, não mais subsistirá a dos demais. Esta importante questão é tratada no Enunciado 349 do C onselho da Justiça Federal: "Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, 0 credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia". Sob 0 aspecto processual, a teor do Enunciado 351 do C onselho da Justiça Federal: "A renúncia à solidariedade em favor de determinado devedor afasta a hipótese de seu chamamento ao processo".

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FMP. Concursos Órgão: MPE-RO Prova: Promotor de justiça Substituto. A, B, C e D eram devedores solidários de E da quantia de R$ 120.000,00. B faleceu, deixando F e G como herdeiros, cada um, de 50% do seu patrimônio. E exonerou C da solidariedade. Com base nesses dados, assinale a alternativa CORRETA. Resposta: Caso A pague R$ 90.000,00 para E, poderá cobrar R$ 30.000,00 de D, R$ 15.000,00 de F e R$ 15.000,00 de G. Outrossim, 0 art. 275 codificado aduz ainda que a propositura de ação em face de um, ou alguns dos devedores, não exonera os demais, os quais persistem solidariamente obrigados. Logo, se "A" é credor de "B", "C" e "D" (devedores solidários), e propõe ação apenas em face de "B", isso não quer significar que ele está renunciando a solidariedade em face de "C" e "D". ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TRT - 11a Região (AM e RR). Prova: Analista Judiciário - Área judiciária. Nas obrigações solidárias: Assertiva incorreta: A propositura de ação pelo credor contra um ou al­ guns dos devedores solidários implicará em renúncia da solidariedade. Ano: 2017. Banca: MPE-PR. Órgão: MPE-PR. Prova: Promotor Substituto. Foi considerada incorreta: importa renúncia da solidariedade a propo­ situra de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores. Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - De­ fensor Público. 0 banco Tubarão Monetário celebra contrato de mútuo com três deve­ dores: Roberto, Renato e Olavo. 0 dinheiro é para um empreendimento

comum e os três tornam-se devedores solidários. Tendo havido a ina­ dimplência, Tubarão Monetário decide exigir somente de Olavo 0 valor total, por considerá-lo com patrimônio suficiente para satisfação do crédito. Essa atitude está Resposta: correta, pois 0 credor tem 0 direito de escolha para cobrar de um ou alguns dos devedores, a dívida comum, total ou parcialmen­ te, sem que isso importe renúncia da solidariedade em relação aos demais. 0 que fazer na hipótese de perda culposa do objeto na obrigação solidária? Na hipótese de perda do objeto da obrigação solidária por culpa de um dos devedores, todos subsistem solidariamente obrigados a indenizar 0 credor pelo equivalente da perda. Todavia, em relação às perdas e danos, apenas será devida

C a p . Ill .

Classificação das obrigações

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pelo culpado (CC, art. 279). Exemplifica-se. Imagine que "B", "C" e "D" são devedores solidários, por força do contrato, da entrega de um caminhão de soja para "A". Fica a cargo de "B" levar a aludida carga. "B", por desídia sua - embriaguez, por exemplo - tomba 0 caminhão e perde toda a carga. Aqui, "B", "C" e "D" subsistem solidariamente obrigados pelo equivalente da carga, inclusive a mora, mas apenas "B", 0 culpado, arcará com as perdas e danos (obrigação acrescida). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: MPE-PR. Órgão: MPE-PR. Prova: Promotor Substituto. Foi considerada correta a seguinte assertiva: impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos 0 encargo de pagar 0 equivalente; mas pelas perdas e danos só responde 0 culpado. Foi considerada correta a seguinte assertiva: todos os devedores res­ pondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas 0 culpado responde aos outros pela obriga­ ção acrescida. Ainda no tratamento da solidariedade, a dívida paga pelo devedor solidário a quem interessar exclusivamente 0 cumprimento da obrigação, impossibilita 0 direito ao regresso (CC, art. 285). Assim, se há solidariedade entre 0 devedor principal e os fiadores, em função da renúncia ao benefício de ordem (art. 827/828 do CC), e 0 devedor principal quita com a sua dívida, logicamente não há de se falar em ação regressiva em face dos demais devedores solidários - que seriam meros garantidores/fiadores.

► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: MPE-PR. Órgão: MPE-PR. Prova: Promotor Substituto. Foi considerada correta: se a dívida solidária interessar exclusivamen­ te a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar.

► Atenção!

Lamentavelmente, 0 Código Civil não disciplinou, no campo das obri­ gações, a subsidiariedade, em que pese a relevância do tema na dou­ trina e, principalmente, na jurisprudência atual. Na subsidiariedade há um benefício de ordem de excussão. Leia-se: pri­ meiro há de ser atingido 0 patrimônio de um determinado sujeito e ape­ nas na hipótese de persistência do inadimplemento, segue-se a execu­ ção em face do segundo. É uma solidariedade com benefício de ordem.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e

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R obe rto

Figueiredo

Fica o registro em sintonia com a doutrina de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que identificam a presença da subsidiariedade em várias passa­ gens da legislação e jurisprudência, tais como o art. 46, V do CC (res­ ponsabilidade subsidiária dos membros da sociedade pelas obriga­ ções sociais), 1.091 do CC (responsabilidade subsidiária dos membros da sociedade em comandita por ações), no art. 1.744 do CC (respon­ sabilidade subsidiária do magistrado quando não exigir garantia legal do tutor) e, no campo do Direito do Trabalho, a Súmula 331, IV, do TST (responsabilidade subsidiária do tomador do serviço na terceirização). Filho*,

0 mesmo se dá no Código de Processo Civil quanto aos sócios que

detém responsabilidade subsidiária a teor do arts. 595 e 596, além do empreiteiro nos contratos de subempreitada (CLT, 455)*

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77.

Tendo em vista ser a solidariedade uma classificação afeta aos sujeitos da obrigação, a conversão do objeto em perdas e danos não a atingirá, persistindo a solidariedade (CC, art. 271). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TRT - 11a Região (AM e RR). Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária. Nas obrigações solidárias: Assertiva incorreta: Convertendo-se a prestação em perdas e danos, não mais subsiste a solidariedade. Por fim é bastante perceptível maior incidência prática e legislativa da solidariedade passiva, sendo raras as casuísticas da ativa, bem como escassas suas previsões legais.

► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: TRF - 2a Região. Órgão: TRF - 2a REGIÃO. Prova: Juiz Federal Substituto. Foi considerada correta: ao contrário da solidariedade passiva, a soli­ dariedade ativa é raramente prevista de modo direto pela lei. Ano: 2018. Banca: TRF - 3a REGIÃO Órgão: TRF - 3a REGIÃO. Prova: TRF - 3a REGIÃO - 2018 - TRF - 3a REGIÃO - Juiz Federal Substituto. Em matéria de solidariedade, é INCORRETO afirmar: A. Se um dos credores solidários falecer, cada qual dos herdeiros só terá direito de exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão, salvo se a obrigação for indivisível.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

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B. Decisão judicial desfavorável a um dos credores solidários, ressal­ vada exceção pessoal que o devedor possa invocar em relação a qual­ quer daqueles, não pode prejudicar os demais. A propositura de demanda pelo credor somente em face de um ou de alguns dos devedores solidários configura renúncia tácita à solida­ riedade. C.

D. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, só o culpado responderá por eventuais perdas e danos. Resposta: c

5. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DIVISIBILIDADE DO OBJETO Quando falamos em obrigações solidárias, estamos a nos referir aos sujeitos. Já ao falarmos das obrigações indivisíveis, tratamos do objeto. 0 art. 87 do CC já disciplinava, na Parte Geral, os bens divisíveis como os que podem se partir em porções iguais, autônomas e distintas, sem alteração da substância. 0 art. 257 do CC avança para situações ainda mais complexas de indivisibilidade, para além da natureza do bem em si, disciplinando a obrigação divisível da seguinte maneira: "Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações iguais e distintas, quantos os credores ou devedores".

Portanto, segundo a lei, é possível que uma relação obrigacional seja fixada de modo a se admitir uma pluralidade de devedores ou credores, os quais arquem apenas com parte da dívida fracionável. Eis 0 brocardo concursu partes fiunt (em havendo concurso de credores ou devedores a obrigação fraciona-se). É 0 que afirmam C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald38. Esta é a regra geral do Código Civil. Nesta senda, estaríamos diante das obrigações fracionárias ou parciais que não constituem um crédito coletivo, como as que decorrem de um condomínio, na forma do art. 3° da Lei 2.75J/5639 e do art. 1.317 do CC. São obrigações passíveis, pois, de divisão (divisíveis). A obrigação será indivisível quando sua prestação não puder ser fracionada, seja ante a natureza do objeto, por motivo de ordem econômica, ou em decorrência da vontade dos contratantes, que podem inserir esta cláusula nos negócios jurídicos. É 0 que afirma 0 art. 258 do CC.40 38 In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 139. 39 Os condôminos responderão proporcionalmente pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas, inclusive as judiciais e extrajudiciais. 40 0 módulo rural a que se refere a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra) e as servidões prediais do art.

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Natural (natureza da prestação) Jurídica (decorre da imposição da lei)

Convencional (vontade das partes)

A grande discussão na obrigação indivisível é: como proceder com o pagamento caso haja uma pluralidade de credores? Dois caminhos possíveis (CC, art. 260): a) 0 devedor convocar todos os credores para a entrega conjunta da coisa; b)

0 devedor cumprir a obrigação em face de um só credor, desde que obtenha deste a caução de ratificação dos demais. Trata-se de uma garantia pela qual este confirma que repassará 0 correspondente aos demais credores.

0 art. 263 do CC traz a principal diferença entre a obrigação indivisível e solidária; qual seja: a perda do caráter daquela (indivisibilidade) quando convertida em perdas e danos. Isto jamais ocorre na solidariedade. Explica-se: na forma do art. 263 do CC, a obrigação indivisível perde esta natureza quando convertida em perdas e danos; 0 que não ocorre com a solidária ativa, que permanece mesmo diante do perecimento do objeto. A explicação é simples: a indivisibilidade relaciona-se ao objeto, desnaturando-se pelo perecimento deste. Já a solidariedade diz respeito aos sujeitos, persistindo mesmo diante do perecimento do objeto.

Nessa ordem de idéias, informa 0 Enunciado 540 do CJF que em havendo perecimento do objeto indivisível, todos os devedores haverão de arcar proporcionalmente com 0 fato, de forma divisível. Todavia, as perdas e danos apenas serão devidos pelo culpado. Isto porque a indivisibilidade relaciona-se ao objeto. Com efeito, perdas e danos consistem em um objeto divisível. Já a solidariedade diz respeito ao sujeito. Persiste, mesmo diante das perdas e danos. ► E na hora da prova?

A banca examinadora FCC, no concurso para Oficial de Justiça do TRT 16a Região, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos".

1.386 do CC são exemplos de indivisibilidade legal.

Cap. Ill • Classificação das obrigações

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Outrossim, na obrigação indivisível, se houver pluralidade de credores e um deles fizer a remissão (perdão), a cota parte correspondente deve ser abatida e compensada ao devedor. Explica-se com uma questão: ► Ainda na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FUMARC. Órgão: PC-MG Prova: FUMARC - 2018 - PC-MG Delegado de Polícia Substituto. Considere as seguintes afirmativas a respeito do direito das obriga­ ções: Quando a obrigação é indivisível, os devedores são solidários, de sorte que a remissão de um aproveita a todos, extinguindo a dívida. Resposta: Falsa. Ano: 2018. Banca: TRF - y REGIÃO Órgão: TRF - 3a REGIÃO Prova: TRF - 3a REGIÃO - 2018 - TRF - 3a REGIÃO - Juiz Federal Substituto. Sobre as obrigações indivisíveis é CORRETO afirmar: A. A remissão da dívida por um dos credores não extingue a dívida para com os demais. B. A indivisibilidade e solidariedade são fenômenos iguais, na medida em que, se a prestação não for divisível e houver mais de um devedor, cada um será obrigado pela totalidade. C. Havendo mais de um credor, é vedado a apenas um deles receber a prestação por inteiro. D. Elas podem se configurar mesmo quando 0 objeto seja prestação consistente em fazer, e ainda que a obrigação de fazer posteriormente se resolva em perdas e danos. Resposta: a

6. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO FIM: OBRIGAÇÕES DE MEIO, RESULTADO E GARANTIA Existem obrigações que são de resultado, porque 0 devedor se compromete (assume o risco) com a ocorrência de um determinado evento futuro, sob pena de responsabilidade civil. Leia-se: apenas há cumprimento obrigacional, acaso atingido 0 resultado. Exemplo: "Eu prometo que você estará em casa às 8h, afinal de contas 0 meu transporte jamais atrasou, de modo que garanto, você não perderá o compromisso ajustado naquele horário". Visível que nesta hipótese o devedor assume não apenas a execução da atividade, como também a consecução do fim desejado, ou seja, do resultado pretendido pelo credor. Na lição de S ílvio de S alvo V enosa41, nesta modalidade de obrigação 0 resultado é 0 que importa, independente dos meios utilizados para tanto, de modo que

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In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 52/53-

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apenas assim a obrigação será considerada adimplida. 0 fundamental é saber o que o devedor prometeu e o que o credor pode razoavelmente esperar. Exemplifica-se com o contrato de transporte (CC, art. 737). Neste 0 transportador haverá de lhe levar de um ponto a outro, sob pena, em regra, de responsabilidade civil. Ainda na legislação codificada, outro exemplo é a promessa de fato de terceiro (CC. Art. 439 do CC). Aqui, se 0 contratado prometeu que 0 terceiro cumprirá com a avença, este haverá de fazê-lo. Pouco importa afirm ar que encetou todos os esforços para tanto. A obrigação é de resultado. Logo, caso seja prometido por um curso que irá levar um renomado professor para ministrar uma aula, apenas será cumprida a aludida obrigação levando 0 referido mestre. Que fique claro: não se trata de hipótese na qual 0 curso possui mandato do terceiro, pois, se assim 0 fosse, 0 próprio terceiro figuraria no contrato, como representado. ► Como se posicionou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

Em outubro de 2011 0 Superior T ribunal de Justiça decidiu que 0 dentista ortodôntico assume obrigação de resultado, de modo que sua responsabi­ lidade civil será objetiva acaso 0 fim avençado não seja atingido (REsp. 1.238.746). Também entende a jurisprudência deste mesmo Egrégio Tribunal que 0 médico cirurgião plástico estético - cirurgia plástica embelezadora ou cosmetológica - assume obrigação de resultado (REsp. 236.708). Idem sobre 0 contrato de corretagem (REsp. 208.508). Também é este 0 entendimento nos diversos Tribunais de Justiça do país, especialmente para os casos de cirurgia plástica cosmetológica (TJSP, AP. 132.990-4/2003) e dentista estético (TAMG, acórdão 03779271/2002). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso público?

(TRF 2 - Juiz Federal Substituto 2a região/2014) Existem contratos que, em sua formulação típica e clássica, geram para uma das partes prestação p rin c ip a l q u e s e c a ra c te riz a com o o b rig a ç ã o d e re s u lta d o . A s s in a le a

opção que contenha apenas contratos de tal espécie: A) Empreitada, transporte e corretagem. B) Locação não residencial, empreitada e fiança bancária. C) Locação não residencial, fiança bancária e mandato em causa própria. D) Corretagem, compra e venda consignada e transação. E) Empreitada, compromisso e transação. Gabarito: A

C a p . Ill

. Classificação das obrigações

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► Como esse assunto foi cobrado em concurso público?

A banca examinadora CESPE, no concurso Cartório TJ-BA, ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "E) A obrigação do médico, em regra, é de meio, salvo quando se tratar de cirurgião plástico que realize procedimento para fins meramente estéticos. Nesse caso ex­ cepcional, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção iuris et iuris da culpa do profissional". Na obrigação de resultado cabe arguição de excludente de responsabilidade civil? Sim! No caso de contrato de transporte, por exemplo, malgrado resistências doutrinárias, que serão enfrentadas quando da análise das excludentes de responsabilidade civil, 0 art. 737 do CC firma a possibilidade de arguição da força maior, especialmente 0 fortuito externo. ► Como se posicionou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

Em outubro de 2012 0 S uperior T ribunal de Justiça decidiu que processo alérgico posterior à cirurgia plástica estética é fortuito. Desde que 0 médico tenha agido com toda a diligência possível, não há de ser res­ ponsabilizado (REsp 985888 / SP. Rei. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Publicado em: 13/03/12). Outras obrigações são as de meio. Nestas, 0 devedor não tem como (ou não deseja) se comprometer com 0 resultado. Ex: "prometo que utilizarei todos os recursos existentes na medicina para lhe salvar, mas não tenho como garantir 0 resultado disto". 0 devedor, portanto, obriga-se apenas a executar a atividade, com a maior probidade e diligência possível. Nada mais. Mais uma vez, a doutrina de S ílvio de Salvo V enosa420 esclarecedora ao sustentar 0 exemplo com 0 médico e 0 advogado. Aquele não pode garantir a cura. 0 advogado, muito menos, 0 ganho da causa. Apenas poderão "empregar toda a sua técnica e diligência no sentido de que tais objetivos sejam alcançados". É dizer: 0 que importa para se verificar se a obrigação de meio foi adimplida é saber se o devedor empregou efetivamente os meios e diligências existentes e cabíveis ao serviço que assumiu prestar. Se isto ocorreu, houve adimplemento. Nos termos do art. 14, §4° do CDC os profissionais liberais, como 0 advogado e 0 médico, por exemplo, assumem apenas obrigação de meio, daí porque a responsabilidade civil destes será subjetiva (responsabilidade civil por ato próprio.

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In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

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Teoria da Culpa). No mesmo sentido os profissionais da saúde a que se refere o art. 951 do CC. Acerca do tema, reconheceu 0 Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul que 0 serviço prestado por advogado é obrigação de meio e não de resultado. Segue a transcrição da ementa desta decisão, prolatada no ano de 2013: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA DE INEXIS­ TÊNCIA DE DÉBITO, ANULAÇÃO DE TÍTULO, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR ABALO EXTRAPATRIMONIAL. ÔNUS DA PROVA. ADVOGADO. PRESTAÇÃO DE SER­ VIÇOS PROFISSIONAIS. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE FIM. DOLO E CULPA GRAVE NÃO CONFIGURADOS. A OBRIGAÇÃO DO ADVOGADO É DE MEIO, NÃO DE RESULTADO E A SUA RESPONSABILIDADE DEPENDE DA PROVA DE CULPA OU DOLO. PROTESTO INDE­ VIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. UNÂNIME". (TJRS - Apelação Cível N° 70052451952, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 13/03/2013). ► Atenção!

Cirurgia plástica reparadora, decorrente de queimaduras ou acidentes, por exemplo, consistem em obrigação de meio. Nestas 0 médico agirá com a maior diligência e prudência possível, sem, contudo, assegurar um resultado. Já na obrigação de garantia 0 devedor, mediante contraprestação pecuniária, assume (garante) um risco. 0 garantidor tem como principal compromisso eliminar os riscos do credor. Sílvio de Salvo V enosa43 sustenta que 0 conteúdo desta modalidade reside no desejo de se eliminar um risco, que pesa sobre 0 credor. Dessa forma, a simples assunção do risco pelo devedor da garantia representa 0 adimplemento da prestação. Assim, em um contrato de segurança patrimonial prestado por empresa especializada, onde este negócio jurídico se apresenta ao lado de uma obrigação de meio, ou ainda nos casos de seguro e fiança, quando se tem uma típica obrigação exclusivamente de garantia (garantia pura).

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

Por essência, a obrigação de garantia é acessória de uma principal, de modo que 0 adimplemento da primeira extingue a segunda, como já entendeu O S uperior T ribunal de Justiça (REsp 174.246). 7. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À LIQUIDEZ 0 CC/16 veiculava em seu art. 1.533 0 conceito de obrigação líquida como aquela "certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto". Trata-se de um importante parâmetro para a compreensão desta modalidade. 43

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 52/53.

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A obrigação ilíquida, em sentido inverso, é aquela na qual seu objeto não está delineado, determinado. É uma dívida não individuada. Realizando diálogo com o Direito Processual Civil, diz o art. 509 do NCPC que quando a sentença não determinar 0 valor devido, proceder-se-á a sua liquidação. Esta liquidação ocorre mediante peticionamento do credor e intimação do advogado já constituído nos autos. Pode ser requerida, até mesmo, na pendência do recurso, hipótese na qual autos apartados devem ser formados no juízo de origem. Tal ônus processual é do liquidante, já que 0 processo está em grau de recurso. ► Atenção! 0 art. 509 do NCPC tem a seguinte redação: "Quando a senten­ ça condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á a sua liquidação, a requerimento do credor ou devedor" Recorde-se que 0 NCPC foi construído no pilar da efetividade, simplicidade e resolubilidade dos problemas, razão pela qual a norma proces­ sual nova impõe ao magistrado e ao tribunal 0 dever de, sempre que possível, proferir sentenças liquidas com 0 detalhamento, in­ clusive, dos juros, correções monetárias, índices e períodos de início e término das respectivas incidências, justamente para evitar dúvidas posteriores no cumprimento ou execução do títu­ lo. Portanto, a liquidação apenas deverá ocorrer em casos onde não se possa, realmente, emitir sentença fixando quantia certa. Importante lembrar que nos procedimentos sumários, assim como naqueles submetidos à Lei 9.099/95, é vedada sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, de plano, fixar 0 valor devido. Sendo ilíquida a obrigação, por não se ter, a priori, 0 seu quantum, deve-se observar, antes de adimpli-la, 0 procedimento de liquidação que, no processo civil, constitui fase preparatória e, portanto, antecedente à execução. Tal liquidação dar-se-á: (i) Liquidação por Cálculo Aritmético (NCPC, art. 509, §2°): é a mais comum e ocorre quando já se tem nos autos todas as informações necessárias à identificação do quantum debeatur; leia-se: do valor devido. Neste caso, 0 credor deve requerer 0 cumprimento da sentença, na forma do art. 523 do NCPC, instruindo o pedido com a memória de cálculos. Aqui haverá a incidência de uma multa de 10% (dez por cento) e honorários advocatícios também de 10% (dez por cento) se a dívida não for paga no prazo processual para 0 adimplemento da sentença. Importante saber que quando a memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, 0 credor deverá requerer ao juiz que requisite tais informações a quem de direito, fixando prazo para cumprimento da diligência, sob pena de se reputar correto, após este interregno, 0 valor sugerido pelo exequente.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção! Eis a redação no novo CPC (NCPC) do art. 523, §1°: "Não ocorrendo paga­ mento voluntário no prazo do caput, 0 débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento". Para S ílvio de S alvo V enosa44 trata-se da mais simples hipótese de liquidação, na qual sequer há necessidade de contador judicial, ante a simplicidade dos cálculos. Apesar disto, 0 art. 475-B autoriza 0 magistrado a valer-se de "contador do juízo". É uma faculdade a cargo do Juiz. (ii) Liquidação por Arbitramento (NCPC, art. 510): acontece quando determinada pela sentença, convencionada pelas partes, ou quando exigir a natureza do objeto da liquidação. Aqui não existem elementos objetivos, nem dentro, nem fora dos autos, para fixação do montante. É a casuística do dano moral. ► Atenção! 0 novo CPC (NCPC) em seu art. 510 tem a seguinte redação: "Art. 310.

Na liquidação por arbitramento, 0 juiz intimará as partes para a apre­ sentação de pareceres ou documentos elucidativos, no prazo que fixar; caso não possa decidir de plano, nomeará perito, observando-se, no que couber, 0 procedimento da prova pericial". Requerida a liquidação por arbitramento, 0 juiz nomeará perito e fixará prazo para a entrega do laudo. As partes, em atenção ao devido processo legal, poderão de manifestar sobre 0 laudo. Após a manifestação, se designa audiência ou se decide. (iii) Liquidação por Artigos: apesar de 0 NCPC não mencionar este procedimento, entendemos que 0 mesmo ainda permanece, em tese, possível de ser apli­ cado pelo magistrado. Nesta modalidade os elementos de quantificação da dívida ainda não se encontram nos autos, aspecto a exigir um incidente de instrução do feito para se provar 0 denominado fato novo. De acordo com H umberto T heodoro Júnior45, o credor indicará os fatos a serem provados (um em cada artigo), para servir de base à liquidação. Não caberá aqui debate indis­ criminado sobre qualquer fato, mas apenas os arrolados e articulados que tenham influência na fixação do valor da condenação, ou na individualização do objeto, sendo vedado rediscutir a lide já sentenciada.

► Atenção! 0 novo CPC (NCPC) não faz menção a liquidação por artigos.

44

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 113.

45

In Curso P- 95-

de

Direito

Processual

Civil.

11.

ed.

Rio

de

Janeiro:

Forense,

1993.

v

2,

Cap. ill • Classificação das obrigações

109

Far-se-á a liquidação por artigos, para determinar o valor da condenação, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo, aplicando-se, no que couber, o procedimento comum, sendo, de qualquer modo, proibido à parte discutir de novo a lide ou modificar o que já se sentenciou.

► Atenção!

Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento. 8. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DO ELEMENTO ACIDENTAL As obrigações podem contemplar elementos acidentais, também chamados de secundários ou acessórios. Pela nomenclatura, já fica claro que tais elementos não são essenciais. Estes já foram objeto de estudo quando da análise dos negócios jurídicos, no volume de Parte Geral, para o qual se remete o futuro aprovado. Desta forma, os institutos já estudados, alusivos à condição, ao termo ou modo e encargo, aplicam-se integralmente ao direito obrigacional. Sobre isto, apenas algumas notícias importantes: (i) obrigação sujeita ao elemento acidental da condição. Trata-se de elemento que traz dentro de seu conceito as noções de futuridade e incerteza (elemento futuro e incerto), geralmente acompanhado da palavra "se". Ex., doação feita a nascituro (CC, art. 542): "Dou parte da minha propriedade ao nascituro se ele nascer, evidentemente". (ii) obrigação sujeita ao elemento acidental termo. Trata-se de elemento que traz dentro de seu conceito as noções de futuridade e certeza. A certeza da ocorrência do termo é 0 que 0 distingue da condição. 0 termo diz respeito a evento futuro e certo. Ex. Doação na qual 0 donatário fica com 0 bem por um lapso temporal: "quando você completar a maioridade perderá a propriedade resolúvel do bem". (iii) obrigação sujeita ao elemento acidental modo ou encargo. A futuridade também estará presente. Contudo, nesta hipótese, ao invés de se ter uma incerteza, ou uma certeza, 0 que se ajusta será um sacrifício, um trabalho, um múnus, sem 0 qual 0 negócio obrigacional não acontecerá. Ex. A doação onerosa referida no art. 540 do CC. As expressões "para que" e "desde que" bem identificam 0 modo ou encargo. Ilustre-se: "deixo-lhe uma biblioteca para que você ministre aulas de português naquele lugar". 9. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DEPENDÊNCIA 0 art. 92 do CC afirma ser principal a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente, já a acessória é aquela cuja existência pressupõe a da principal. No

no

Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o Figueiredo e Roberto Figueiredo

dizer de Sílvio de Salvo V enosa46 existem obrigações que nascem e existem por si mesmas, independentes. Outras surgem apenas para se agregar, de modo que sua existência está na razão de ser da principal, e em torno desta gravitam (princípio da gravitação jurídica). Pode-se afirmar, assim, que as obrigações acessórias dependem das principais como acontece com a fiança, o aval, o seguro, a hipoteca, o penhor e a anticrese, afinal de contas o acessório segue a sorte do principal. ► E na hora da prova?

A banca examinadora FMP, na prova Cartório TJ-MS, ano de 2014, consi­ derou INCORRETA a seguinte assertiva: "0 princípio de que 0 acessório segue 0 principal aplica-se, como regra geral, às pertenças". 10. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO MOMENTO DE CUMPRIMENTO As obrigações podem ser momentâneas, sejam instantâneas ou diferidas no tempo, e de trato sucessivo, continuada ou duração. Pode ser de prazo determinado ou indeterminado. Instantâneas

Diferidas

Duração Determinada

Duração Indeterminada

Momentâneas são as obrigações que se cumprem em um único momento. Instantâneas são aquelas em que se cumpre logo após a pactuação da obrigação. Ocorre, por exemplo, quando se pactua uma compra e venda com pagamento à vista. Já nas diferidas, cumpre-se em um único momento, porém não logo após 0 contrato. Exemplifica-se com a compra e venda na qual fica acertado que 0 pagamento e a entrega do objeto ocorrerão 30 (trinta) dias após 0 pacto. Trato sucessivo, duração ou continuada são aquelas que se renovam no tempo, seja por prazo determinado ou indeterminado. Não serão, porém, eternas, porque 0 contrato não é eterno. Nem 0 casamento é um contrato eterno.

46 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 112.

Do adimplemento e da extinção das obrigações (teoria do pagamento direto) 1.

NOTA INTRODUTÓRIA: NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DE VALIDADE DO PAGAMENTO

As pessoas, ao que parecem, contratam para adimplir. Essa é a presunção jurídica (a da boa-fé) a ser feita na tutela da confiança e das legítimas expectativas nutridas por quem contrata. O adimplemento pontual da prestação é a mola propulsora do direito obrigacional. Este deve ser compreendido e construído dentro de um eixo (o eixo do adimplemento), em torno do qual a teoria do pagamento é impulsionada. 0 pagamento, denominado pelos romanos de solutio, deve ser enquadrado dentro do terceiro degrau da Escada Ponteana: no plano da eficácia do negócio jurídico (efeitos). Implica na extinção da obrigação. A este respeito é cristalina a redação do Enunciado 425 da V Jornada do CJF: "0 pagamento repercute no plano da eficácia, e nõo no plano da validade, como preveem os arts. 308, 309 e 310 do Código Civil". Desta forma, malgrado 0 Código Civil, por diversas oportunidades, remeta ao plano de validade do pagamento, 0 mais acertado seria falarmos de sua eficácia. ► Cuidado!

Na hora da prova, melhor, em regra, seguir 0 texto legislativo, falando-se em validade do pagamento. Apenas em perguntas direcionadas, ou provas subjetivas, que as lições doutrinárias do Enunciado 425 supraci­ tado haverão de vir a serem lembradas. C arlos R oberto G onçalves1 afirma que as obrigações têm um ciclo vital, pois nascem de diversas fontes, vivem, desenvolvem-se por meio de suas várias modalidades (dar, fazer ou não fazer) e, finalmente, morrem (extinguem-se). A sua forma usual de extinção é, justamente, mediante 0 cumprimento obrigacional; digo: pagamento ou adimplemento da prestação.

1

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 252.

112

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A propósito, o art. 924, II do NCPC é esclarecedor a respeito do assunto. Afirma que a execução se extingue quando 0 credor satisfaz a obrigação. Importante lembrar que 0 termo pagamento deve ser utilizado, na técnica jurídica, como meio de extinção da obrigação. Enquanto no campo popular 0 signo guarda relação com 0 pagamento em dinheiro, tecnicamente relaciona-se com 0 adimplemento, podendo realizar-se não apenas de modo pecuniário, mas através de um fazer ou não fazer. 0 pagamento é subdividido ainda em direto e indireto. ► Atenção!

Pagamento aqui é expressão jurídica técnica, sinônima de adimplemento. Portanto, significa 0 cumprimento da prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer. Logo, não se deve confundir a expressão usual do pagamento como transferência de valores. Também é importante lembrar que as obrigações podem ser extintas sem pagamento. Exemplo disto é a confusão, a remissão e a compensação. Nestes três casos estaremos diante da extinção do vínculo obrigacional sem, contudo, ter qualquer pagamento efetivamente realizado. Alguns denominarão isto de meios anormais de extinção do vínculo obriga­ cional, os quais serão estudados no capítulo que versa sobre 0 paga­ mento indireto. Pablo Stolze Gacliano e R odolfo Pamplona Filho2 defendem a ideia de que 0 pagamento é composto por três elementos: a) 0 sujeito ativo do pagamento (em regra 0 devedor - solvens); b) 0 sujeito passivo do pagamento (em regra 0 credor accipiens) e, finalmente, c) 0 vínculo obrigacional.

Interessa, neste primeiro momento, tratar do pagamento (adimplemento) direto. Os efeitos do pagamento serão 0 objeto do estudo a partir de então, na busca da liberação do devedor e da legítima satisfação do credor, sempre relacionando 0 direito material com direito processual civil. M as, e n tã o , v is it a d o o co n ceito d o p a g a m e n to , q u e s tio n a -s e : q u a l a su a

natureza jurídica? Considerando que 0 pagamento pode realizar-se de várias maneiras, identificar a sua natureza jurídica não é matéria fácil. Há quem sustente, por exemplo, tratarse de ato de natureza variável3. Acreditamos, porém, que 0 pagamento é um ato jurídico lícito, 0 qual acontece dentro de um negócio jurídico mais amplo. Passamos a verificar alguns posicionamentos doutrinários. 2

In Novo Curso de Direito Civil - Obrigações, Vol. II. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 108.

3

Orlando Gomes, Silvio Rodrigues, Carlos Roberto Gonçalves e Roberto de Ruggiero, por exemplo.

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

113

P ablo S tolze G agliano e R odolfo P amplona F ilho4 sustentam que o pagamento é um fato jurídico. Contudo, também afirmam que a categoria fato jurídico é, de sobremaneira, abrangente, daí a necessidade de aferir se o pagamento constituiría um ato jurídico em sentido estrito - simples comportamento do devedor, sem conteúdo negociai, cujo efeito, já previsto pela norma, é a extinção da obrigação -, ou um negócio jurídico - mais do que um simples comportamento, o ato capaz de regular sobre seus efeitos -, com um caráter bilateral de consenso entre credor e devedor5.

Arrematam os aludidos doutrinadores que "não se pode adotar uma posição definitiva a respeito do assunto. Somente uma análise do caso concreto poderá dizer se o pagamento tem ou não tem natureza negociai, e, bem assim, caso seja considerado negócio, se unilateral ou bilateral". C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald, fortes na Teoria da Execução Real da Prestação de K arl Larenz, sustentam que o adimplemento não é negócio jurídico, mas um ato real de extinção do débito a liberar o devedor e converter em realidade a prestação devida. Vaticinam que "o pagamento não se insere no plano de validade do negócio jurídico", constituindo um ato-fato que se contextualiza no plano da eficácia, sendo equivocado falar-se, por conta disto, em "pagamento nulo" ou "validade do pagamento"6.

Apesar da sofisticação doutrinária, ficamos com o posicionamento de C arlos Roberto para quem o pagamento tem natureza de um ato jurídico em sentido amplo, da categoria dos atos lícitos, podendo ser ato jurídico estrito senso, ou negócio jurídico, bilateral ou unilateral, conforme a natureza específica da obrigação. G onçalves7,

Também é de C arlos Roberto G onçalves8 a tese da existência dos cinco requisitos essenciais de validade do pagamento: (i) presença de um vínculo obrigacional, (ii) intenção de solver o aludido vínculo, (iii) cumprimento da prestação, (iv) pessoa que realiza o pagamento e, finalmente, (v) a pessoa que o recebe. Visitado o conceito de pagamento e seus requisitos, passamos a dissecar o adimplemento obrigacional, com o fito de melhor compreendê-lo. Inicialmente, vamos estudar os sujeitos do pagamento, ou, em rigor técnico, o elemento subjetivo do pagamento. 2. ELEMENTOS SUBjETIVOS DO ADIMPLEMENTO Como já pontuado em outras passagens, falar em elementos subjetivos no direito significa buscar os sujeitos de uma dada relação jurídica. 4

In Novo Curso de Direito Civil - Obrigações, Vol. II, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 110.

5

Para aprofundamento sobre os significados das expressões negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu, ato fato e demais classificações do fato jurídico, fineza consultar 0 Volume dedicado à

6 7

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 227/228. In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 257.

8

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações, Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 257.

Parte Geral, especialmente 0 capítulo voltado a Teoria do Fato, Ato e Negócio Jurídico.

114

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Flávio T artuce9, ao analisar o Código Civil em vigor e "o que de melhor existe na doutrina", sustenta que os elementos subjetivos ou pessoais do pagamento são o solvens (quem deve pagar - sujeito ativo do pagamento) e o accipiens (a quem se deve pagar - sujeito passivo do pagamento). Enfatiza, ainda, o doutrinador que tais expressões não se confundem com credor ou devedor, isto porque "outras pessoas, que não o devedor, podem pagar; ao mesmo tempo em que outras pessoas, que não o credor, podem receber".

Não se deve perder de vista, entretanto, que o cumprimento da obrigação é iluminado por dois princípios específicos, quais sejam o princípio da pontualidade e o princípio da diligência normal. Esta é a lição de C arlos Roberto G onçalves10. Seguindo com o escopo de verticalizar o estudo do pagamento, passamos a estudar, de per si, o solvens e o accipiens. 2.1. Quem Deve Pagar (solvens)? Os arts. 304 usque 307 do CC disciplinam a figura do solvens (aquele que deve pagar). É 0 sujeito ativo do pagamento, pois firma 0 adimplemento obrigacional. ► Atenção!

0 sujeito ativo do pagamento não deve ser confundido em sua prova com 0 sujeito ativo da obrigação. Isto porque, nada obstante 0 credor ser 0 sujeito ativo da obrigação; 0 do pagamento, em regra, é 0 de­ vedor, pois é quem paga. Percebe-se, assim, que 0 sujeito passivo da obrigação torna-se 0 ativo do pagamento. De acordo com a legislação, qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se 0 credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor, a exemplo de uma consignação em pagamento, prevista tanto no NCPC (art. 539), quanto no CC (art. 334). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2013, a banca examinadora CESPE, na prova para Auditor Fe­ deral de Controle Externo -TCU, considerou correta a assertiva: "Consi­ dere que terceiro interessado queira pagar dívida do devedor e que 0 credor tenha manifestado sua recusa em receber 0 pagamento. Nessa situação, 0 terceiro poderá valer-se dos meios conducentes à exone­ ração do devedor, pois a legislação de regência confere a qualquer interessado na extinção da dívida a faculdade de pagá-la".

9

In Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, Vol. 2, São Paulo: Método, 2012, p. 120.

10

In Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 252.

Cap. IV . Do adimplemento e da extinção das obrigações

115

► Como o Superior Tribunal de Justiça se posicionou sobre o tema?

No REsp. 85.551-PB, 0 S uperior T ribunal de Justiça entendeu ser possível ao terceiro "requerer a consignação" admitindo-se, no caso concreto, que um descendente-sucessor se utilize da medida judicial de forma legí­ tima. Mas, quem seria qualquer interessado? Sistematizando 0 estudo, pode-se afirmar que 0 pagamento poderá ser realizado pelo:

Interessado

Pague em Nome Próprio

c) Desinteressado ^

/ -►

Pague em Nome do Devedor

0 adimplemento realizado pelo devedor ou por seu representante é desprovido de grandes dificuldades técnicas, não merecendo maiores considerações. Aquele, porém, que sempre é lembrado nas provas, é 0 pagamento feito por terceiro. Mas 0 que eu devo entender por terceiro interessado? 0 interesse referido pela lei seria apenas 0 jurídico, ou também englobaria 0 moral? tema é polêmico, em vista de inexistir direcionamento normativo. Flávio adverte que 0 interesse em comento seria apenas jurídico, 0 patrimonial. Este é, inclusive, o posicionamento majoritário para as provas. Neste cenário, caso Sônia, mãe de João - maior, capaz e trabalhando - pague uma obrigação vencida deste, ela não será, em regra, uma terceira interessada, haja vista que ele possui condições de se prover. 0

T artuce”

11

In Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2, São Paulo: Método, 2012, p. 120.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

116

Todavia, acreditamos que, dentro deste novo direito civil personalizado, as relações existenciais de família também poderíam qualificar parentes como interessados, conferindo um viés moral à situação. 0 posicionamento aqui adotado, porém, é minoritário. Na doutrina, estamos com C arlos Roberto G onçalves12 para quem existe "outra espécie de interesse, como o moral, por exemplo (caso do pai, que paga a dívida do filho, pela qual não podia ser responsabilizado), o decorrente de amizade ou de relacionamento amoroso etc." Também é isto o que pensam Pablo Stolze G acliano e R odolfo P amplona Filho13, para quem pais ou amigos podem qualificarse como terceiros interessados. Este, porém, repise-se, não é o entendimento majoritário. Seguindo a linha majoritária do interesse patrimonial, após consignada nossa ressalva, o terceiro interessado é o avalista, o sócio, o fiador, a seguradora; enfim, todo aquele legitimado por uma situação jurídica de caráter patrimonial. Leia-se: aquele que possui interesse jurídico no pagamento. Caso o terceiro interessado realize o pagamento, ele sub-roga-se (substitui-se) na posição do credor originário. A hipótese será de sub-rogação legal (CC, art. 349), de modo a ocupar a posição do credor originário com todos os direitos, ações e garantias. ► E na hora da prova?

A banca examinadora VUNESP, no concurso Cartório TJ-SP, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "0 terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor." Por razões lógicas, recorda C arlos Roberto G onçalves14 a impossibilidade de aplicação do dispositivo legal acima para as obrigações intuito personae, haja vista serem pautadas em condições ou qualidades pessoais do devedor, autorizando ao credor não aceitar 0 pagamento por ninguém mais, na forma do art. 247 do CC. Além do terceiro interessado, 0 pagamento poderá ser realizado pelo desinteressado (não interessado). Neste cenário, mister verificar se tal pagamento fora realizado em nome próprio (do terceiro), ou em nome do devedor. Para tanto, basta verificar 0 recibo de quitação, inexistindo, aqui, qualquer presunção legal na hipótese de inexistência do recibo de quitação. Com efeito, esta informação - em nome de quem fora realizado 0 pagamento -, no recibo de quitação, é de suma importância, pois revelará diferentes rumos jurídicos à situação. Vejamos:

12

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 259.

13

In Novo p. 112.

14

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 258.

Curso

de

Direito

Civil

-

Obrigações.

Vol.

II.

São

Paulo:

Saraiva,

2008,

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações



117

Se o terceiro não interessado pagar em seu próprio nome, terá direito ao reembolso do que pagou, através de uma ação em regresso. Não se sub-roga, registre-se. 0 que há é mera ação em regresso. Se pagar antes de vencida a dívida, somente terá direito ao reembolso quando do vencimento da mesma (CC, art. 305).

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2014, a banca examinadora FCC, na prova para Técnico Judi­ ciário - TRF 3a Região, elaborou a seguinte questão: Ricardo, terceiro não interessado, pagou dívida de seu amigo Cleiton, em seu próprio nome, antes do vencimento. Nesta hipótese, Ricardo. a) não poderá reembolsar-se do que pagar uma vez que não possuía interesse no pagamento da dívida sendo considerada pela legisla­ ção mero ato de liberalidade. b) poderá reembolsar-se do que pagar logo após 0 pagamento e in­ dependentemente do vencimento. c) poderá reembolsar-se do que pagar apenas no vencimento e tam­ bém se sub-roga nos direitos do credor. d) poderá reembolsar-se do que pagar apenas no vencimento, porém não se sub-roga nos direitos do credor. e) apenas subroga-se nos direitos do credor logo após 0 pagamento. 0 gabarito é a letra D.



Se 0 terceiro não interessado fizer 0 pagamento em nome e conta do devedor, sem oposição deste, não terá direito a exigir 0 reembolso. Neste caso, estar-se-á diante de uma mera obrigação natural, já mencionada nesta obra (CC, art. 304).

Interessante exemplo de pagamento realizado por terceiro em seu próprio nome é 0 da fiança criminal, prevista no art. 329 do Código de Processo Penal e presente na doutrina de P ablo S tolze C acliano e Rodolfo P amplona Filho15. 0 direito ao reembolso prestigia a vedação ao enriquecimento sem causa e demonstra a preocupação do legislador com os valores sociais do pagamento. Importante advertir que 0 art. 304 do CC sofreu alteração, comparado ao CC/16, na última parte do parágrafo único, de modo a prestigiar 0 princípio da eticidade e da própria função social do pagamento de boa-fé. Trata-se da possibilidade, agora, do devedor não aceitar que 0 terceiro não interessado efetue 0 pagamento, respeitando-se razões de ordem moral, religiosa ou até mesmo pessoal, todas juridicamente relevantes. 15

In Novo Curso de Direito Civil - Obrigações. Vol. II. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 112.

118

Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o Figueiredo e

R o b e rto

Figueiredo

► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRE-PE. Prova: Analista judiciário - Área Judiciária. Assertiva incorreta: Caso haja dúvida quanto ao fato de 0 terceiro ter efetuado pagamento em nome próprio ou do devedor, presume-se que 0 tenha feito em nome do devedor. Assertiva incorreta: 0 terceiro não interessado que paga a dívida, em nome próprio, se sub-roga nos direitos do credor. Importante regra está contida no art. 306 do CC. 0 pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga este a reembolsar aquele que pagou, se tinha meios para ilidir a ação. Trata-se de preceito que corresponde ao art. 932 do CC/16 e que recebeu modificação relevante no sentido de eximir 0 devedor do reembolso ao terceiro nos casos em que poderia quitar sozinho, ou mesmo apresentar defesas pessoais a repelir a cobrança. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRE-PE. Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária. Assertiva correta: 0 pagamento feito por terceiro ao credor não obriga 0 reembolso pelo devedor, se este tiver ciência da prescrição da pre­ tensão do credor e se opuser ao adimplemento. Em arremate, 0 art. 307 do CC16 trata do pagamento efetuado mediante transmissão da propriedade, também denominado de alienação a non domino. Tal conduta é ineficaz, pois se refere a uma alienação feita por quem efetivamente não é 0 dono do bem. Só terá eficácia 0 pagamento que importar transmissão da propriedade quando feito por quem possa alienar 0 objeto em que ele consistiu. Neste caso, como adverte Carlos Roberto G onçalves17, não basta a capacidade genérica para os atos da vida civil. A capacidade específica e, em certos casos, até mesmo a legitimação, devem também estar presentes18. Exemplo do doutrinador é 16

Histórico: 0 presente artigo sofreu emenda por parte da Câmara dos Deputados no período ini­ cial de tramitação do projeto. A redação original proposta pelo Prof. Agostinho Alvim no antepro­ jeto repetia a redação do art. 933 do Código Civil de 1916. A emenda do Deputado Ernani Sátyro apenas substituiu a expressão "Só valerá 0 pagamento" por "Só terá eficácia 0 pagamento". E 0 fez atendendo a ponderação do Prof. Miguel Reale. Segundo Reale, a emenda teve por fim colo­ car 0 dispositivo em consonância com os demais artigos do projeto, em que a validade sempre se refere à vigência, enquanto a eficácia se refere à consequência do ato, ou a sua aplicação.

17

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.

18

Os temas personalidade, capacidade e legitimação foram tratados no Volume dedicado à Parte Geral, especificamente no capítulo que versa sobre Pessoa Física, ao qual se remete 0 futuro aprovado.

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

119

o do tutor que não pode dar em pagamento imóvel do tutelado sem autorização judicial (CC, art. 1.748, IV). Contudo, se for dado em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que 0 solvente não tivesse 0 direito de aliená-la. Trata-se de exceção à regra do art. 307, prevista em seu parágrafo único. Isto porque 0 bem fungível acaba sendo consumido, a exemplo de valores pecuniários. 2.2. A Quem Pagar (accipiens)? Os arts. 308 a 312 do CC disciplinam a figura do accipiens, quem seja: aquele que deverá receber 0 pagamento. Trata-se do sujeito passivo do pagamento. ► Atenção!

Interessante perceber que 0 sujeito passivo do pagamento costuma ser, em regra, 0 sujeito ativo da obrigação, em raciocínio análogo ao do tópico anterior. Cuidado para não confundir na prova! 0 pagamento deve ser feito, evidentemente, ao credor, a quem de direito 0 represente e, excepcionalmente, a terceiro. Esta é a regra e está prevista no art. 308 do CC para a validade do pagamento. ► Importante:

Sistematicamente, portanto, é possível que seja feito 0 pagamento a: a) Credor b) Representante c) Terceiro

► Atenção!

Quando do tratamento do sujeito passivo do pagamento, mesmo a letra da lei abordando supostamente 0 plano da validade (0 pa­ gamento só vale), a doutrina afirma, através do Enunciado 424 do CJF, que 0 pagamento repercute no plano da eficácia, de forma que há de se compreender a expressão legal como "só terá eficácia" caso feito ao credor, seu representante ou, eventualmente, a um terceiro. 0 pagamento feito ao credor não possui maiores repercussões jurídicas. No que tange ao representante legal do credor, é preciso recordar que 0 ordenamento jurídico admite a figura dos representantes legal, judicial e convencional. Nas hipóteses dos representantes legal e judicial, somente estes poderão receber. No caso do representante convencional, poderá receber e

120

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

dar quitação tanto este quanto o outorgante (credor). A lição é de

C arlos R oberto

G onçalves19.

► Atenção!

A expressão adjectus solutionis causa é a pessoa expressamente indicada em determinado documento para receber a prestação. É, portanto, um repre­ sentante convencional do credor que está, por este, autorizado a receber. Mas, quando o pagamento for feito a terceiro terá eficácia? A pergunta é interessante, mormente diante do famoso adágio do direito obrigacional segundo o qual: "quem paga mal, paga duas vezes". ► Importante:

Seguindo a linha de intelecção dos arts. 308 e 309 do CC apenas terá validade 0 pagamento feito a terceiro se: a) For ratificado pelo credor; b) Comprovar que fora revertido em proveito do credor. c) Caso se esteja diante de um credor putativo, também chamado de imaginário ou aparente. Vamos aprofundar as hipóteses! 0 art. 308 do CC considera válido 0 pagamento feito a terceiro se for ratificado pelo credor ou se reverter em favor deste, de modo a evitar 0 locupletamento ilícito ou sem causa, nos padrões da eticidade e da função social do pagamento. Considerando que a ideia de "reverter em favor" ou ainda a noção de "proveito" constituem signos abertos, é possível sustentar que 0 aludido benefício pode ser tanto direto e imediato, quanto indireto e mediato.

Já 0 credor putativo está tratado no art. 309 do CC. Trata-se do credor imaginário, aparente. Leia-se: aquele que aparenta ser 0 seu credor, mas não 0 é. Como aparenta ser, 0 devedor, de boa-fé, realiza 0 pagamento. Este adimplemento é considerado válido. Consagra-se aqui o respeito à Teoria da Aparência e ao Princípio da Confiança nas relações obrigacionais (eticidade e socialidade). Exemplifica-se com um fatídico caso acontecido no baixo sul da Bahia, especificamente na região de Ilhéus. Um representante comercial, notoriamente conhecido há mais de uma década, vendia produtos químicos para 0 combate da praga do Cacau. Procedia sempre da mesma forma. Fechava 0 contrato nas

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In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 259.

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fazendas, recolhia 50% (cinquenta por cento) do preço e, após 30 (trinta) dias, entregava 0 produto e recebia os outros 50% (cinquenta por cento) do valor. Ocorre que a empresa fabricante resolveu desligá-lo da função. 0 aludido representante, então, um pouco antes do período usual, passou em todas as fazendas, recolheu 50% (cinquenta por cento) do valor, e sumiu. Pergunta-se: 0 pagamento em comento é eficaz? Seguramente! Trata-se de um credor putativo. Haveria a empresa de comunicar aos clientes acerca do desligamento, em virtude do dever de informação decorrente da boa-fé. ► Como se posicionou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema? 0 S uperior T ribunal de Justiça no REsp. 12.592-SP admitiu 0 pagamento reali­ zado a credor putativo com base em dois requisitos, quais sejam: a) a boa-fé e b) a escusabilidade do erro.

Entenda por escusabilidade a percepção de que 0 erro poderia ter sido cometido por pessoa de diligência normal, sendo perdoável. Isto, porque, 0 cidadão, efetivamente, aparentava ser 0 seu credor, como no exemplo aqui narrado. ► E na hora da prova?

Na prova de concurso para Defensor Público-PR, ano de 2014, foi consi­ derada verdadeira a seguinte assertiva: "0 pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito 0 represente, sendo válido se feito de boa-fé ao credor putativo, ainda que se prove, depois, que este não era 0 credor". E se 0 pagamento for realizado a um credor incapaz? 0 pagamento ao credor incapaz de quitar não é válido, a não ser que 0 devedor comprove que este reverteu em favor do incapaz, a teor do art. 310 do CC. Sendo absolutamente incapaz, 0 pagamento é nulo (CC, 166). 0 pagamento feito a relativamente incapaz é anulável (CC, 171, I), e pode ser ratificado pelo seu representante legal à luz do princípio da conservação do negócio jurídico (CC, 172). Importante recordar que 0 Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal no 13.146, de 06 de julho de 2013, cuja vigência normativa se iniciou em 2016. Passou a considerar absolutamente incapaz tão somente 0 menor de 16 anos. A causa transitória antes prevista no inciso III, do art. 3° do Código Civil como situação de incapacidade absoluta, agora é hipótese de incapacidade relativa, deslocada para 0 art. 40 do Código Civil. Enfermidade e déficit mental não mais são situações incapacitantes expressas.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Sobre o tema invalidades do negócio, remete-se o futuro aprovado ao Volume dedicado à Parte Geral, especificamente o capítulo de negócio jurídico. ► Atenção!

Na forma do art. 180 do CC "0 menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamen­ te a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior". Trata-se de clara adoção da nemo potest venire contra factum proprium (proibição do comportamento contraditório), pois não po­ dería 0 incapaz, na casuística, declarar-se maior e depois anular 0 negócio com base na idade, sem incorrer em claro comportamento contraditório. Também se considera autorizado a receber 0 pagamento 0 portador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante (CC, 311). Trata-se de norma trazida da experiência do Código Civil alemão (art. 370), a ensejar uma presunção juris tantum (relativa) de que 0 credor autorizou 0 portador a receber a dívida (mandato tácito). já 0 art. 312 do CC consagra dois institutos: 0 da penhora prévia e 0 da oposição, a obstruir a eficácia do pagamento em tais situações: se 0 devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre 0 crédito, ou da oposição apresentada por terceiros, 0 pagamento não surtirá efeitos jurídicos contra estes, que poderão constranger 0 devedor a pagar novamente, ressalvado a este a repetição de indébito em face de quem inadvertidamente recebeu a prestação. Como é sabido, a penhora retira 0 crédito do comércio jurídico. 0 bem penhorado fica à disposição da Justiça. 0 credor, nestas condições, não pode receber a prestação extrajudicialmente. A questão está sub judice. Se isto for desrespeitado surge a máxima do adágio popular segundo 0 qual "quem paga mal paga duas vezes" e, justo por isto, pode ser compelido a pagar novamente20. 3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO PAGAMENTO Agora é tempo de ignorar, provisoriamente, os sujeitos que integram a relação obrigacional e deitar os olhos para a prestação e os elementos objetivos do pagamento. Segundo C arlos Roberto G onçalves21, o objeto do pagamento deverá ser 0 conteúdo da prestação (solutio este praestatio eius quod est inoblogatione). É tempo de estu­ darmos 0 objeto e a prova do pagamento.

20 Em situações como estas, a teor da doutrina de Franzen de Lima "0 exequente e 0 oponente subs­ tituem 0 credor por ação judicial e 0 pagamento deverá ser feito a eles no momento oportuno, ou por depósito judicial, livrando-se 0 devedor da obrigação" (João Franzen de Lima, Curso de direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 2, p. 126). 21

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 271.

Cap. IV . Do adimplemento e da extinção das obrigações

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3.1. Do Objeto do Pagamento Os arts. 313 a 318 do CC trazem regras sobre 0 objeto do pagamento, ou seja, sobre a prestação. Iniciaremos com 0 princípio da exatidão, previsto no art. 313 do CC, segundo 0 qual: "0 credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa". Em exemplo banal, 0 credor da entrega de um veículo Gol, não é obrigado a aceitar um Audi, ainda que este seja, seguramente, mais valioso. ► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois 0 pagamento parcial da dívida não extingue 0 vínculo obrigacional. A jurisprudência predominante do STJ, acerca da procedência parcial da ação em caso de depósito insuficiente, não é compatível com 0 prin­ cípio de direito civil de que não há mora simultânea, e nem com a disciplina processual da ação consignatória, a qual determina, como pressuposto para 0 exame do mérito, 0 depósito inicial da integralidade da dívida vencida, com 0 fito de extinção da obrigação. Com efeito, não havendo depósito, a sentença será de extinção do processo sem exame do mérito (CPC 2015, art. 542, parágrafo único). Havendo depósito insuficiente, terá sido justa a recusa do credor, que não pode ser obrigado a receber em parte a prestação, se tal não foi convencio­ nado, e, portanto, 0 resultado coerente com 0 ordenamento jurídico será a improcedência e não a procedência parcial do pedido. (REsp 1.108.058-DF, Rei. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF da 5a Região), Rei. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Se­ ção, por maioria, julgado em 10/10/2018, DJe 23/10/2018 (Tema 967)). ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FUMARC. Órgão: PC-MG. Prova: FUMARC - 2018 - PC-MG - Delegado de Polícia Substituto. Considere as seguintes afirmativas a respeito do direito das obrigações: 0 credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa. Resposta: Verdadeira. Em desdobramento a isto surge o princípio da identidade física da prestação: "ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode 0 credor ser obrigado a receber, nem 0 devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou (art. 314, CC)".

Os preceitos acima indicados reforçam a ideia de que efetivamente 0 contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda), constituindo a pedra angular da segurança das relações jurídicas obrigacionais. Pensar em sentido contrário é

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desmerecer a necessidade de respeito a um dos mais importantes pilares do direito civil, seu fundamento: a autonomia privada. ► Atenção!

Nada impede, porém, que no exercício da mesma autonomia, o próprio credor aceite receber coisa diversa oferecida pelo devedor. Tal concretiza-se através da dação em pagamento, forma indireta ou especial de adimplemento apta a extinguir a relação obrigacional (CC, 356). Para tanto, repise-se, será imprescindível a aquiescência do credor (aliud pro alio invite creditori solvi non potest). Esta é a lição de Carlos Roberto Gonçalves22. Outrossim, no âmbito processual, 0 art. 916 do NCPC flexibiliza as re­ gras de direito material supracitadas, ao consagrar a possibilidade da moratória legal. Seguindo na análise das regras objetivas, coloca 0 Código Civil no art. 315 0 princípio do nominalismo. Assim, as obrigações pecuniárias somente podem ser quitadas em moeda nacional vigente e pelo seu valor nominal. Trata-se de comando geral previsto e que deve ser respeitado para as denominadas dívidas em dinheiro (moeda de curso forçado).22 ► Atenção!

Por conta do nominalismo, nenhum credor é obrigado a aceitar recebimen­ to, em outra forma de pagamento, que não seja moeda corrente (dinheiro). Lícita, assim, a prática de estabelecimentos que negam 0 recebimento de cheques e cartões, desde que deixem tal negativa clara aos consumidores. Outrossim, por força da Medida Provisória 764, datada de dezembro de 2016, tornou-se possível, no Brasil, a cobrança de preço diferenciado, a depender da forma e do prazo de pagamento. Assim, é lícita a conferência de desconto caso 0 consumidor deseje pa­ gar em dinheiro, ao revés de cartão ou cheque, por exemplo. Para uns a iniciativa em questão é salutar, pois ocasionará uma baixa de preços para 0 pagamento à vista. Para outros é deletéria, ao passo que gerará a manutenção do preço base, agora apenas aceito em dinheiro, e ocasionará um aumento do preço para pagamentos por outros meca­ nismos, como cartões e cheques. Estranho, porém, que tal tema, nada urgente, tenha sido tratado por uma medida provisória, no apagar das luzes de 2016... Fato que, em 2017, a aludida Medida Provisória foi convertida em Lei 13.453/2017, ganhando ainda maior perenidade. A consequência jurídica de quem desrespeita 0 comando legal é a prática de um ato nulo. Isto é 0 que prevê 0 Decreto-Lei 857/1969. É dizer: pagamentos realizados fora da moeda nacional vigente são pagamentos nulos. 22

In Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 271.

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Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

Assim, é possível afirmar que pagamentos em ouro ou moeda estrangeira são proibidos, com exceção aos casos previstos nos arts. 2° e 30 do Decreto-Lei 857/69 e no art. 6° da Lei Federal 8.880/94; quais sejam: empréstimos ou obrigações cujo credor ou devedor seja domiciliado no exterior e que não se refiram à locação de imóveis brasileiros; compra e venda de câmbio; importação ou exportação de mercadorias; leasing (arrendamento mercantil), etc. ► Atenção!

As locações de imóveis cujo pagamento se pactue mediante moeda es­ trangeira devem ser registradas no Banco Central, sob pena de invalidade, conforme as disposições constantes nas legislações supramencionadas. 0 art. 318 do CC qualifica de nulidade absoluta as denominadas cláusulasouro, as quais consistem em contratos nos quais reste ajustado 0 pagamento em ouro ou em moeda estrangeira. Tal linha de pensamento reforça 0 princípio do nominalismo, 0 que tecnicamente permitiría ao magistrado, de ofício, invalidar tal cláusula, afinal de contas estar-se-ia no campo das nulidades absolutas.

► Como se posicionou o S u perior T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

Curiosamente, a Súmula 381 do S uperior T ribunal de Justiça adverte: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Tal entendimento pode acarretar, na prática jurisdicional, dificuldade de aplicação das teorias das nulidades. Afinal, em inexistindo impugnação, apesar de a norma qualificar como nula a abusividade, 0 magistrado ficaria impedido em reconhecê-la de ofício.

► E na hora da prova?

(IESES - Cartório - TJ - PB/2014) Em relação ao adimplemento das obri­ gações, assinale a alternativa correta: a) Não é válido convencionar pagamento de obrigação em ouro, salvo previsão em lei especial. b) Não é possível a correção da prestação contratada, ainda que por motivos imprevisíveis sobrevenha manifesta desproporção entre 0 valor da prestação devida e do momento de sua execução. c) Não é lícito estipular 0 aumento progressivo de prestações sucessivas. d) O credo r não é obrigado a receber prestação d iversa da que lhe é

devida, salvo se for mais valiosa. Gabarito: A Dando continuidade às regras objetivas, há permissivo no art. 316 do CC para utilização, em obrigações que duram no tempo, de escala móvel ou escalonamento do preço, com aumento progressivo de valores. É 0 princípio do aumento progressivo.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► E na hora da prova?

A banca IESES, no concurso cartório TJ-PB, ano de 2014, considerou IN­ CORRETA a seguinte assertiva: "Não é lícito estipular 0 aumento pro­ gressivo de prestações sucessivas". Trata-se de previsão legal a autorizar, mediante convenção das partes e em fiel respeito à autonomia privada, 0 aumento progressivo de prestações sucessivas para as denominadas dívidas de valor, que são aquelas nas quais se deseja efetivamente atender, quando de cada quitação, 0 exato valor do objeto da prestação, de modo a respeitar as variáveis econômicas. Entende-se por cláusula móvel aquela previamente fixada contratualmente, indexadas nas variações do preço de bens ou serviços, ou ainda em salários, índices, etc. Contudo, à vista do princípio da equivalência material dos contratos, seja para evitar ocorrência de lesão, onerosidade excessiva, abuso do direito ou enriquecimento sem causa, é possível afirmar que a cláusula de escalonamento sofre limitações na eticidade e na função social dos contratos, de modo a se preservar a eficácia interna e externa das relações negociais dentro de um mínimo de boa-fé objetiva. Nesta esteira de pensamento, 0 anatocismo (cobrança de juros sobre juros), assim como 0 desrespeito à anualidade para os reajustes e as correções monetárias, deve ser visto com as devidas restrições. Sobre 0 assunto, a Lei da Usura (Decreto-Lei 22.626/33 e a Lei Federal 10.192/2001) considera nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. Tais fatores constituem importantes balizamentos ao aumento progressivo, na lição de Flávio T artuce23. Ainda nas regras objetivas, 0 art. 317 do Código Civil traz 0 princípio da revisão por desproporção, 0 qual, igualmente, tem íntima relação com a função social dos contratos e a equivalência material das prestações. Aduz 0 artigo: "Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre 0 valor da prestação devida e 0 momento de sua execução, poderá 0 juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, 0 valor real da prestação". Sob 0 ponto de vista prático, 0 preceito legal não traz muitas dificuldades. Segundo a norma, a parte pode requerer ao magistrado que corrija o valor de uma prestação ajustada por conta de desproporção manifesta no momento da execução, decorrente de motivos imprevisíveis. E não poderia ser diferente, afinal de contas 0 princípio da inafastabilidade da jurisdição (ou da inevitabilidade ou ubiquidade) assegura que toda ameaça ou lesão a direito seja submetida ao Poder judiciário. Daí porque, como dito, na prática 0 preceito não apresenta muitas dificuldades. Trata-se de permissão de se 23

ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. São Paulo: Método, 2012, p. 128.

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

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rever contrato por fato superveniente e imprevisível que acarreta desequilíbrio contratual significativo. Contudo, na teoria algumas questões são discutidas. A primeira delas é saber se o art. 317 do CC consagraria a teoria da imprevisão. A doutrina majoritária, como M a r ia H e l e n a D iN iz24e F l á v io T a r t u c e 25, defende a tese de que 0 art. 317 do CC consagra a teoria da imprevisão, autorizando a revisão contratual por fato superveniente e imprevisível. Isto porque a norma põe em evidência 0 requisito da imprevisibilidade do fato, nada obstante também exigir uma desproporção manifesta (onerosidade excessiva). Os requisitos da teoria da imprevisão são simples: deve-se estar diante de um contrato bilateral, comutativo, oneroso e de execução continuada (não instantâneo). Além disto, deve-se ter um motivo superveniente, imprevisível e extraordinário, capaz de acarretar desproporção manifesta na relação obrigacional, com onerosidade excessiva para uma das partes e extrema vantagem para a outra. ► Atenção!

Na I jornada em Direito Civil foi editado 0 Enunciado 17 para quem a ex­ pressão "motivos imprevisíveis" indicada no art. 317 do CC envolvería tan­ to situações de desproporção não previsíveis, como também previsíveis, mas de resultados imprevisíveis. Portanto, a imprevisibilidade englobaria uma avaliação objetiva (do ambiente negociai) e subjetiva (da parte). Já 0 Enunciado 176 do CJF, sensibilizado com a ideia da conservação do negócio jurídico, entendeu que tanto 0 art. 317 (Teoria da Imprevisão), quanto 0 478 do CC (Teoria da Onerosidade Excessiva), devem, sempre que possível, sujeitar-se ao aproveitamento e à revisão, sendo a reso­ lução (extinção) sua ultima ratio. 0 tema teoria da imprevisão, porém, apenas será devidamente verticalizado no volume relacionado à teoria geral dos contratos, sendo este 0 seu locus de análise. Neste momento, pretendeu-se, apenas, dar notícias acerca do instituto, para clarificar a regra objetiva do art. 317 do CC. ► Atenção!

Recorde-se que, no Direito do Consumidor, existe norma específica, qual seja, 0 inciso V, do art. 6°, do CDC, segundo a qual os contratos de consu­ mo podem ser revistos apenas por conta de onerosidade excessiva, de modo que 0 consumidor não precisaria comprovar a imprevisibilidade enquanto requisito específico, mas a simples desproporção manifesta. Por isto que se afirma ter optado 0 CDC pela teoria da onerosidade excessiva ou base objetiva do contrato.

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O p . C it.

25

O p . C it.

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► E na hora da prova?

No concurso de Procurador da República - MPF/2015 foi apresentada a seguinte questão discursiva. Contratos, a) Teoria da imprevisão (ou da onerosidade excessiva) e teoria da base objetiva. Distinção, b) Âm­ bito de aplicabilidade, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de justiça. (Máximo de 20 linhas. 0 que ultrapassar não será considerado)

3.2. Da Prova do Pagamento 0 art. 319 do CC é claro ao afirmar: "0 devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter 0 pagamento, enquanto não lhe seja dada". Tal redação demonstra a importância do recibo de quitação, autorizando ao devedor, até mesmo, a exercitar retenção do pagamento - direito de retenção - caso não conceda 0 credor 0 respectivo recibo.

► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRE-PE. Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária. Assertiva incorreta: Embora a quitação seja um direito subjetivo do devedor, ele não pode reter 0 pagamento como forma de compelir 0 credor a fornecer-lhe 0 recibo. A prova do pagamento é disciplina contida entre os arts. 319 a 326 do CC. É induvidoso reconhecer 0 direito a quitação daquele que paga, especialmente 0 devedor. Na clássica lição de S ilvio Rodrigues, quitação constitui "um escrito no qual 0 credor, reconhecendo ter recebido 0 que lhe era devido, libera 0 devedor, até 0 montante do que lhe foi pago"26. Os avanços tecnológicos levaram a doutrina, à frente da legislação, a elaborar 0 Enunciado 18 do Conselho da Justiça Federal. Assim, admite-se a quitação por meios eletrônicos, ou por quaisquer formas de comunicação a distância apta a ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes. A quitação por meios eletrônicos constitui modalidade que merece ser reconhecida especialmente por sua volumosa prática na atualidade, assim como a tendência de massificação crescente deste hábito no Brasil. Seja eletrônica, seja não eletrônica, a quitação se configura com a presença de cinco requisitos: 0 valor da quantia a ser paga; a identificação da dívida quitada; a indicação do solvens (daquele que está pagando); 0 tempo e 0 local do pagamento; e, finalmente, a assinatura do accipiens (daquele a quem se está pagando). 26

Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.

Cap. IV . Do adimplemento e da extinção das obrigações

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Mas a quitação exigiría documento para instrumentalizá-la? 0 art. 320 do CC diz que a parte "poderá" elaborar 0 recibo (instrumento da quitação). Fala-se, em verdade, que a parte "poderá", e não "deverá". Trata-se, sem dúvida, de uma faculdade. Apesar de opcional, aconselha-se que se obtenha tal recibo, pois é a principal prova do pagamento.

Interessante, ainda, que 0 mesmo art. 320 do CC afirma que tal recibo sempre poderá ser concedido por instrumento particular. Tal raciocínio aplica-se, até mesmo, se a obrigação tiver sido constituída via escritura pública. E se adimpliu com a obrigação e não pegou 0 recibo de quitação? Segundo 0 preceito "valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida" (teoria da relativização do recibo)27. A interpretação direta da letra da lei, em harmonia com 0 princípio da simplicidade dos negócios jurídicos a que alude 0 art. 107 do CC, nos leva a concluir pela não obrigatoriedade do documento. 0 problema seria levado, portanto, ao plano do Direito Processual Civil e do ônus da prova (NCPC, art. 373, inciso I), de modo a impor, àquele que alega a quitação, comprovar sua assertiva, mediante a utilização de todos os meios de prova em direito admitidas.

► Como o tema foi abordado no CPC /15:

Art. 443. É lícito à parte provar com testemunhas: I - nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; II - nos contratos em geral, os vícios de consentimento. Registra-se que, uma vez sancionado 0 projeto, é possível que a ordem dos artigos sofra alteração. Ainda versando sobre 0 pagamento, 0 Código Civil veicula algumas presunções relativas (juris tantum). Vamos a elas: a)

Na forma do art. 321 do CC a devolução do título - nas obrigações cuja entrega da cártula represente a quitação - constitui presunção jurídica favorável ao pagamento. Nessa linha, nos débitos cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá 0 devedor exigir, retendo 0 pagamento, declara­ ção do credor que inutilize 0 título desaparecido;

Como já afirmou C lóvis B eviláqua: "0 título é a prova da existência da obrigação; extinta esta, 0 credor 0 restitui ao devedor; consequentemente, se 0 título se acha nas mãos do devedor, é porque 0 credor, satisfeito 0 débito, lhe entregou"28.

27

Neste sentido 0 Superior Tribunal de Justiça no REsp. 296.669-SP.

28 Código Civil Comentado, cit., p. 101.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Também prescreve o art. 324 que a entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento, salvo se 0 credor, no prazo de 60 (sessenta) dias, provar a falta do pagamento, situação na qual a norma qualifica como "sem efeito" a quitação. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

0 prazo em destaque é decadencial, como já teve a oportunidade de afirmar 0 S uperior T ribunal de ) ustiça no REsp. 236.005-SP. Trata-se de mais uma presunção iures tantum presente na maioria dos códigos (Ex.: francês, espanhol, mexicano, uruguaio e argentino).

► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM. Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - De­ fensor Público - Reaplicação. No tocante ao adimplemento e extinção das obrigações, considere as afirmações a seguir: Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá 0 devedor exigir, retendo 0 pagamento, declaração do credor que inutilize 0 título desaparecido. Resposta: Verdadeira. b) Seguindo com as presunções de pagamento, 0 art. 322 do CC trata do pagamen­ to de prestações periódicas, para presumir, salvo prova em contrário, quitação pretérita de todas as demais parcelas anteriores ao último pagamento; ► Como se pronunciou S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema?

É possível que contratos sejam elaborados com a expressa afirmação de que 0 pagamento da última parcela não presume a quitação das anteriores. Trata-se de típico exercício da autonomia privada, com 0 objetivo de evitar a incidência do art. 322 do CC. De maneira mais simples ainda, é possível inserir esta ressalva no pró­ prio recibo de quitação. Neste mesmo sentido se pronunciou 0 S uperior T ribunal de Justiça , no julgamento REsp. 70.170-SP.

► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: CESPE. Órgão: STM. Prova: CESPE - 2018 - STM - Analista Judiciário - Área Judiciária. De acordo com 0 Código Civil e considerando 0 entendimento doutri­ nário acerca das pessoas naturais, das obrigações e da prescrição e decadência, julgue 0 item a seguir.

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

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Nas obrigações de prestações sucessivas, a quitação da última parcela acarreta a presunção absoluta de que as anteriores foram pagas. Gabarito: Errado. c)

Nas pegadas do art. 323 do CC, 0 pagamento do principal (capital) presume a quitação dos acessórios Ouros), se não houver ressalva em contrário. Isto porque 0 acessório segue a sorte do principal (gravitação jurídica).

Em arremate, deve-se lembrar que as despesas com 0 pagamento e a quitação, referidas no art. 325 do CC, presumem-se a cargo do devedor. Nada impede que outra coisa seja ajustada pelas partes. A norma é dispositiva ou supletiva, agindo no silêncio do pacto. Da mesma forma, acaso 0 credor dê causa a acréscimos nas despesas, evidentemente que deverá este suportar 0 custo do acréscimo, tais como transporte, pesagem e taxas de banco. 3.3. Do Lugar do Pagamento A regra geral no Brasil é que 0 pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se 0 contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. É 0 que afirma 0 art. 327 do CC. ► Atenção!

Quando 0 pagamento é realizado no domicílio do devedor, chama-se a dívida de quesível ou querable. Já quando é no domicílio do credor, denomina-se a dívida de portável ou portable.

► E na hora da prova?

A banca CESPE, em prova para Procurador do MP junto ao TCE-PB, ano de 2014, julgou INCORRETO 0 seguinte quesito: "Segundo dispõe 0 atual Código Civil, 0 pagamento deverá ser efetuado no domicílio do credor, salvo se as partes convencionarem de forma diversa". A verificação do lugar do pagamento tem importante consequência processual, a té m e sm o p o rq u e , em re g ra , é o d o m ic ílio d o d e v e d o r a c o m p e tê n c ia p a ra

ajuizamento de eventual ação judicial. ► Atenção!

Sobre a competência processual, nada impede que haja um foro de elei­ ção, desde que expresso e escrito no contrato (art. 63 do CPC).

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A liberdade de eleição é típica do direito privado e está consagrada também no instituto do domicílio contratual (CC, art. 78), nas disposi­ ções do Código de Processo Civil (CPC, art. 6 3 ) e na jurisprudência pa­ cífica do S upremo T ribunal Federal (Súmula 3 3 5 ). Mas não se deve confundir 0 foro para dirimir litígios, com 0 foro do pagamento. Deve-se estar atento, ainda, para verificar se 0 contrato é de adesão. Neste caso, incide a regra do art. 424 do CC, sendo nula a renúncia antecipada a direito. Logo, tem-se como possível a invalidação de um foro prejudicial ao aderente vulnerável, que acabe por dificultar aces­ so ao Poder Judiciário. 0 mesmo se diga quando a hipótese decorre de prática abusiva ao consumidor (CC, art. 51). Nesse cenário, também poderá 0 Judiciário nulificar a cláusula contratual, desde que haja verificação da vulnerabi­ lidade do aderente e que a aludida eleição de foro revele dificuldade de acesso ao Poder Judiciário. Sobre 0 foro de eleição, lembre-se que a Súmula 33 do S uperior T ribunal de Justiça informa que 0 juiz não pode declarar de ofício a nulidade desta cláusula. Isto por ser necessária a provocação, através da ex­ ceção territorial ratione loci. Tal entendimento, porém, não se aplica quando 0 contrato for de adesão, tendo em vista 0 que prescreve 0 parágrafo único do art. 424 do CPC. Em síntese: nos contratos de adesão 0 juiz pode, de ofício, declarar a nulidade da cláusula de eleição de foro, até 0 momento da citação, sob pena de prorrogação da competência. Neste caso, estamos diante de um regime sui generis de invalidade processual. Para aqueles que desejam maior aprofundamento sobre 0 tema, reme­ te-se ao capítulo de domicílio, constante na nossa Parte Geral.

► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema? 0 Tribunal da Cidadania - REsp 1.675.012/SP, julgado em 2017 -, entendeu

que a invalidade da cláusula de foro de eleição, em relação de consu­ mo e veiculada em contrato de adesão, demandará comprovação da vulnerabilidade do aderente, bem como que a aludida cláusula revele dificuldade de acesso ao Poder Judiciário. E se 0 contrato designar mais de um local para 0 pagamento? Neste caso 0 pagamento haverá de ser feito no local escolhido pelo credor, na forma do art. 327, parágrafo único.

► E na hora da prova?

Ano: 2019. Órgão: MPE-SC. Prova: Promotor de Justiça Substituto. Foi con­ siderada INCORRETA a seguinte assertiva: "Nos termos do Código Civil,

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

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quanto ao lugar do pagamento, efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circuns­ tâncias. Designados dois ou mais lugares, cabe ao devedor escolher entre eles". Ainda sobre o lugar do pagamento, há regra específica para questão do imóvel, assim como as prestações referentes ao mesmo. Trata-se do art. 328 do CC, segundo 0 qual 0 pagamento, em tais casos, deve acontecer no lugar onde 0 bem estiver situado. Evidentemente que a hipótese envolve os direitos reais imobiliários. Mas, e se ocorrerem hipóteses relevantes a impedir 0 solvens de realizar 0 pagamento? Estaríamos diante de uma excludente específica de responsabilidade civil? A resposta é afirmativa e está presente no art. 329 do CC. Ocorrendo motivo grave para que não se efetue 0 pagamento no lugar determinado, poderá 0 devedor fazê-lo em outro lugar, sem prejuízo para 0 credor. Sem dúvidas, a hipótese é de quebra do nexo causai, diante da ocorrência de fato externo a obstruir a realização espontânea do pagamento. Os deveres anexos da boa-fé objetiva incidem na situação, de modo que a colaboração mútua há de ser observada, nos padrões da eticidade e da função social (CC, 113, 187, 422 e 329). Trata-se, ainda, de aplicação da proporcionalidade e razoabilidade. Outro importante preceito é 0 do art. 330 do CC: "0 pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato". A doutrina mais atualizada relaciona 0 preceito com 0 instituto da supressio (verwirkung). Explica-se: a supressão por renúncia tácita a um direito ou a uma posição jurídica, decorrente do seu não exercício ao longo do tempo. É dizer: apesar do credor e devedor ajustarem no papel 0 pagamento em um determinado lugar, 0 comportamento ao longo do tempo destes no sentido de admitir, sem resistência, a realização deste adimplemento em outro local, acarreta a supressão do direito ao anterior local do pagamento, ante a legítima expectativa construída em torno da confiança. Do outro lado da moeda, digamos assim, do fenômeno jurídico acima narrado, é a surrectio (erwirkung), também denominada de surreição ou surgimento, a consistir no direito que antes não existia, mas que agora nasce da efetividade social ou da prática dos contratantes. Logo, há um direito agora de exigir 0 pagamento no local onde vem sendo realizado, ao revés do indicado no pacto.

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Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Atenção!

Para afastar a incidência do art. 330 do CC muitos contratantes inserem nos pactos a denominada cláusula de permissão ou tolerância, quando afirmam, expressamente, que qualquer conduta contrária àquilo que efetivamente está escrito não configura renúncia tácita. Tal cláusula, porém, não vem preponderando em situações nas quais há uma conduta reiterada em sentido contrário. 0 direito, cada vez mais, abre os seus poros e aceita modificações pelo comportamento humano. 3.4. Do Tempo do Pagamento Os arts. 331 a 333 do CC disciplinam 0 momento no qual a prestação deve ser adimplida. A isto se denomina de vencimento, data ou tempo do pagamento. Quando as partes nada disserem a respeito de quando 0 adimplemento deve ocorrer, 0 credor pode exigi-lo imediatamente, na forma do art. 331 do CC. Evidencia-se que 0 pagamento, em regra, é imediato, sob pena de incidência de juros moratórios (ex re). Afinal de contas, "0 inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora 0 devedor" (CC 397). Outrossim, ainda acerca do assunto, veio a lume a Medida Provisória n° 764 de 26 de dezembro de 2016, a qual foi convertida em Lei (Lei 13.455/17). Tal normatização dispõe sobre a possibilidade de diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. Nos termos do artigo i ° da Lei "Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado". Dessa forma, qualquer cláusula contratual estabelecida entre particulares, no âmbito do pagamento, proibindo ou restringindo a diferenciação de preços, é nula de pleno direito (artigo i°). Estabelecendo uma análise harmônica entre 0 Código Civil e a mencionada norma, pode-se concluir que a regra é 0 pagamento imediato, em moeda corrente, estando autorizada a fixação diferenciada de preço neste pagamento imediato, em re la ç ã o a o p a g a m e n to a p ra z o . T ra ta -s e d e s a b e r, a g o ra , s e a h ip ó te s e e n v o lv e ría

apenas uma faculdade do vendedor, ou um direito do adquirente comprador. A princípio, 0 entendimento formado é no sentido de mera opção daquele que vende. 0 tema, contudo, é inédito e recente, de modo que se deve aguardar a formação doutrinária, bem como jurisprudencial, sobre a matéria. Importante arrematar 0 assunto recordando que 0 advento dessa normatização alterou a jurisprudência firmada até então no STJ, que era justamente em sentido contrário, ou seja, não admitia a estipulação de preço diferenciado para pagamento à vista. Significa dizer que houve alteração, por norma, de entendimento jurisprudencial.

Cap. IV • Do adimplemento e da extinção das obrigações

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0 art. 332 do CC trata das obrigações submetidas à condição. Neste específico

caso, enquanto 0 credor não comprovar 0 implemento da condição, não poderá exigir 0 adimplemento. Outra importante regra é a do vencimento antecipado, agora prevista no art. 333 do CC. Incide nos casos de falência do devedor ou concurso de credores (vide ainda art. 77 da Lei 11.101/2005, denominada Lei de Falências), se os bens destes forem hipotecados, empenhados (ofertados em penhor), penhorados ou, finalmente, se cessarem ou se tornarem insuficientes às garantias do débito, sejam elas fidejussórias ou reais, e 0 devedor, intimado, negar-se a reforçá-las.

Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações (Teoria do pagamento indireto) 1.

NOTA INTRODUTÓRIA

O pagamento traduz o fim natural de toda obrigação. Porém, nem sempre o pagamento se realiza da maneira desejada ou originariamente pactuada. É por isto que o Código Civil também admite medidas alternativas que extinguem a obrigação, com ou sem pagamento direto, emprestando a esta realidade o mesmo efeito jurídico do adimplemento. Ocorrida uma das formas especiais ou indiretas de pagamento, apesar de nem sempre o crédito ter sido completamente satisfeito, exime-se a responsabilidade do sujeito passivo da obrigação. Decerto, há extinção da obrigação sem, necessariamente, satisfação do credor. A matéria é árdua e exige dedicação, ao passo que cada forma indireta de pagamento rege-se por normas específicas, tendo as suas peculiaridades. São elas: a) Consignação em Pagamento b) Imputação ao Pagamento c)

Pagamento com Sub-Rogação

d) Dação em Pagamento e) Novação f)

Compensação

g)

R e m issã o

h) Confusão Destaque-se que a transação e o compromisso, também denominado de arbitragem, que antes estavam no Código Civil (1916) como hipóteses de pagamento indireto, hoje (Código Civil de 2002) se apresentam como contratos típicos, motivo pelo qual não serão aqui relacionados. Assim, 0 tratamento de tais temas reserva 0 seu locus na obra de contratos, por opção metodológica.

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D ir e it o C ivil - Vol. 11 • L u c ia n o F ig u e ir e d o e R o b e r t o F ig u e ir e d o

2. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Interessante é a reflexão de M aria H elena D iniz1 no sentido de que no direito romano clássico, uma vez comprovado o desinteresse do credor no recebimento do crédito, restava caracterizado o abandono da coisa devida, fato que exonerava, imediatamente, o devedor. "Entretanto, no direito pós-clássico, exigia-se o depósito da prestação, em nome do credor, para liberar o obrigado, havendo recusa do credor em receber um pagamento ofertado". A relação jurídica obrigacional confere ao devedor não apenas a obrigação de adimplir com a prestação, mas, também, o direito subjetivo de cumprir com o pactuado; ou seja: de pagar. Logo, a infundada negativa do credor ao recebimento de valores, ou a aparição de qualquer outro fator obstativo ao adimplemento direto, abre ao interessado a possibilidade do manejo da consignação em pagamento (CC, art. 304). Com ela 0 devedor afasta a mora, transfere os riscos da perda ao credor (CC, art. 400), retira qualquer receio do pagamento indevido - ante a regra segundo a qual quem paga mal paga duas v e z e s -e exerce 0 seu direito ao adimplemento, preservando a sua imagem atributo (CC, art. 20) bem como 0 seu dever anexo de colaboração mútua, decorrente da boa-fé objetiva e do pilar da eticidade. 0 mecanismo por meio do qual 0 devedor deposita a prestação devida e obtém a liberação obrigacional, exercendo seu direito de adimplir, denomina-se pagamento em consignação (expressão usada pelo Código Civil, no art. 334) ou mesmo consignação em pagamento (expressão do Código de Processo Civil). ► Como se posiciona O Superior Tribunal de Justiça SObre O tema?

A ação consignatória serve tanto para obter a quitação, como para purgar a mora nos casos em que ainda é útil a prestação (STJ, REsp. 70.887-GO). A consignação em pagamento é instituto híbrido, pois tem tratamento tanto no Direito Material (arts. 334 a 345 do CC/02), 0 qual se preocupa com a sua estrutura; co m o no P ro c e ss u a l (a rts. 539 a 549 d o NCPC), este p re o c u p a d o co m a fo rm a

do instituto. Hodiernamente fala-se tanto na possibilidade do uso da via judicial, como extrajudicial (pagamento por consideração) na consignação. 0 interesse de agir no uso da aludida medida surge quando 0 dever jurídico primário do credor (de dar a quitação) é inobservado; oportunidade na qual, 0 dever jurídico secundário (de reparar mediante a aceitação forçada), apresentase também. No exercício da consignação, teremos as seguintes figuras: 1

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 273.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

a)

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Consignante é o autor da consignação. Quem deposita a coisa devida.

b) Consignatário é o réu da consignação. Em face de quem se deposita a coisa devida. c)

Consignado é o bem objeto da consignação. É a coisa devida. Deverá ser uma prestação vencida e ainda não paga.

2.1. Quando é possível o uso da Consignação em Pagamento? 0 objeto da consignação será uma obrigação de dar, móvel ou imóvel; portanto, uma coisa corpórea. 0 efeito prático e positivo de quem consigna é afastar a mora, os riscos da incidência do inadimplemento, de modo que juros, honorários de advogado, cláusula penal, correções monetárias, entre outras despesas, fiquem afastadas, exonerando o devedor e constituindo em mora o credor. ► Como se posiciona O Superior Tribunal de Justiça sobre O tema?

Para o S uperior T ribunal de Justiça, o depósito insuficiente é causa de improcedência da consignação (STJ, AgRg 11.296-GO e REsp. 38.087), afastando a suposta mora accipiendi. Isto porque, como já estudado nesta obra, 0 credor tem a prerrogativa de não receber coisa di­ versa da pactuada, ainda que mais valiosa - Princípio da Exatidão (CC, art. 313). Ainda sobre 0 tema, 0 CPC, no art. 345, §i°, adverte que alegada a in­ suficiência de depósito, poderá 0 réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo 0 processo quanto à parcela controvertida, como será posteriormente aprofundado. E como proceder nas obrigações de duração - também chamadas de trato sucessivo - a exemplo de alimentos, salários e alugueis? Neste caso é possível a consignação dos valores nos mesmos autos e até 0 quinto dia útil subsequente ao vencimento, enquanto não houver sentença, à medida que se forem vencendo, sob pena de improcedência superveniente do pedido (art. 541, NCPC). Afinal de contas, se tratando de relação jurídica continuada no tempo, a coisa rebus sic stantibus.

ju l g a d a s e r á

Diga-se que prestações periódicas são, inclusive, implícitas no pedido segundo a dicção do art. 323 do NCPC. ► Atenção!

A Lei de Locações em seus arts. 58/67 também disciplina espécie de consignação em pagamento de aluguéis e acessórios.

D ir e it o C ivil - V o l. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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► Como se posicionou o S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema?

A jurisprudência atual do S uperior T ribunal de Justiça admite a consignação em pagamento para revisão de cláusulas contratuais (STJ, AgRg no REsp 871.530, REsp. 275.979, Informativo 459, REsp. 645.756). Registra-se que a prática forense demonstra que a casuística usual da consignação envolve obrigações pecuniárias. Porém, nem sempre é assim. Tecnicamente é possível a consignação da obrigação de dar coisa certa e coisa incerta. Quando 0 objeto é uma coisa certa, este deve ser entregue no local onde se encontra. Aqui reside 0 foro competente para propositura da demanda (art. 341 CC e 540 NCPC). Na prática, cita-se 0 credor para vir buscar 0 objeto, sob pena de depósito. Tal depósito poderá, inclusive, ser ficto, como a consignação das chaves, no poder judiciário, para adim plira obrigação de restituição de um imóvel locado, ou conferido em comodato. Em sendo uma coisa indeterminada - leia-se: incerta - há de ser individualizada, mediante 0 procedimento de concentração do débito ou da prestação devida (art. 342 do CC). Com isto objetiva-se converter a coisa incerta em certa. Se a escolha couber ao devedor, não há problemas. Ele escolhe e consigna 0 escolhido. Caso, porém, caiba a escolha ao credor, este, inicialmente, há de ser intimado, para que 0 faça, sob pena de recair 0 direito sobre 0 devedor, quem escolherá e consignará (art. 543 NCPC). Escolhida a prestação, a disciplina volta a observar 0 regramento do art. 341 do CC, citando-se 0 consignatário para 0 fim de receber a coisa consignada, seguindo 0 rito normal. E quando será possível 0 uso da consignação? 0 Código Civil apresenta algumas hipóteses exemplificativas do cabimento da consignação (CC, art. 335). Trata-se de um rol aberto, porque acreditamos num sistema poroso do direito civil, em fiel harmonia com 0 princípio da operabilidade e da efetividade da Justiça, inexistindo motivo razoável para pensar de maneira d ife re n te e fe c h a r a s h ip ó te s e s d o p a g a m e n to em c o n sig n a ç ã o .

Fazendo uma análise geral, as hipóteses do art. 335 dividem-se em: a)

Mora do credor (Incisos I e II);

b) Circunstâncias inerentes à figura do credor que impeçam 0 devedor de satisfa­ zer sua intenção de exonerar-se da obrigação (incisos III a V) Vamos a elas! a) Se 0 credor não puder, ou sem justa causa, recusar receber 0 pagamento, ou dar quitação na devida forma (inciso I).

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações



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Ilustra a hipótese a mora accipiendi. Diante deste inadimplemento do cre­ dor, que falta com o dever anexo à boa-fé de colaboração mútua (CC, 187), estará 0 devedor autorizado a provocar a quitação forçada, pa­ gando por consignação. Aqui reside 0 interesse de agir. Observa-se que se aplica no caso de dívida portável, haja vista estar indo 0 devedor até 0 credor realizar 0 pagamento.

b) Se 0 credor não for, nem mandar receber, a coisa no lugar, tempo, e condição devida (inciso II). •

c)

Esta hipótese assemelha-se à primeira. Ocorre quando 0 credor não comparece no local avençado, pessoalmente ou por representante, para receber 0 bem na forma contratada. Trata-se de dívida quesível, pois aqui é 0 devedor que virá até 0 credor. Ressalta-se que a ausência do credor não impede 0 vencimento da obrigação, cabendo ao deve­ dor realizar a consignação.

Se 0 credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil (inciso III). •

São várias as casuísticas. Entretanto, a ideia é sempre a mesma: impos­ sibilidade de pagamento ao credor por circunstâncias alheias à vontade do devedor.

d) Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber 0 objeto do paga­ mento (inciso IV). •

Na dúvida, para evitar 0 mau pagamento - afinal, "quem paga mal paga duas vezes" - a solução está em consignar 0 pagamento em face dos dois supostos credores, libertando-se da dívida. Neste caso, os credores po­ derão prosseguir na disputa sobre 0 objeto consignado, mas 0 devedor libera-se. 0 Poder Judiciário, posteriormente à liberação do devedor, irá indicar qual dos credores deverá receber 0 bem consignado.

e) Se pender litígio sobre 0 objeto do pagamento (inciso V). •

A quinta e última hipótese versa acerca da existência de um litígio so­ bre a prestação.

Interessante pontuar que, excepcionalmente, 0 credor terá legitimidade ativa para propor a consignação: "Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação". É 0 caso de conflito entre credores pela legitimidade de recebimento, sendo possível, qualquer um deles, iniciar a consignatória para evitar que 0 devedor pague mal, em clara homenagem a boa-fé e eticidade relacionai.

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► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça?

Alargando os legitimados, em uma análise fincada no interesse de agir, firma o STJ que instituição financeira possui legitimidade para ajuizar ação de consignação em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço ban­ cário, visando evitar futura responsabilidade indenizatória. Cita-se a ementa: A questão controvertida consiste em definir se o banco, com o intuito de prevenir ou reparar dano a seu cliente, ante a possibilidade de ter sido adulterado cheque em razão de falha no serviço bancário, tem legitimi­ dade para propor ação de consignação em pagamento visando quitar o débito referente a título apontado a protesto e evitar que venha a responder futura demanda indenizatória. Inicialmente, o procedimento da consignação em pagamento existe para atender as peculiaridades do direito material, cabendo às regras processuais regulamentar tão somente o iter para o reconhecimento judicial da eficácia liberatória do pagamento especial, constituindo o depósito em consignação modo de extinção da obrigação, com força de pagamento. Ressalvadas as obri­ gações infungíveis ou personalíssimas, que somente o devedor pode cumprir, como há interesse social no adimplemento das obrigações, o direito admite que um terceiro venha a pagar a dívida, não se vis­ lumbrando prejuízo algum para o credor que recebe o pagamento de pessoa diversa do devedor, contanto que seu interesse seja atendido. 0 Código Civil, porém, distingue a disciplina aplicável conforme o terceiro possua ou não interesse jurídico no pagamento (arts. 304 a 306 do CC). Conforme leciona a abalizada doutrina, 0 credor só poderia recusar 0 pagamento de terceiro não interessado em três hipóteses: (a) caso exista no contrato expressa declaração proibitiva ao cumprimento da obrigação por terceiro; (b) na hipótese de tal cumprimento poder lhe causar prejuízo; e (c) na situação em que a obrigação, por sua natureza, somente possa ser cumprida pelo devedor. Na hipótese, é nítido que 0 banco autor da ação tem interesse jurídico, já que tem 0 dever de não causar danos à consumidora, reconhecendo haver verossimilhança na afirmação de sua cliente acerca de extravio do talonário e de sua falha na devolução do cheque por inexistência de fundos, 0 que propiciou 0 protesto. Assim, é patente a idoneidade do instrumento processual utilizado. (REsp 1.318.747-SP, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimi­ dade, julgado em 04/10/2018, DJe 31/10/2018) Vale lembrar que em todas estas hipóteses "para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido 0 pagamento" (CC, art. 336). Como 0 art. 336 do CC exige que 0 pagamento pela via da consignação aconteça no lugar avençado no contrato - leia-se: negócio jurídico - será importante identificá-lo. Isso repercutirá na questão da competência territorial, passível de ser impugnada em preliminar de constatação, sob pena de prorrogação.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Atenção! 0 Art. 304, do CPC/73 não possui correspondência no NCPC, isto porque a

incompetência relativa a partir do NCPC será suscitada também em forma de preliminar, como a incompetência absoluta, quando da contestação.

2.2. Procedimento da Consignatória Com a reforma do Código de Processo Civil em 1994 (Lei 8.951/94) foi inserto, ao lado da consignação judicial, a possibilidade do uso da medida extrajudicial ou bancária, com 0 escopo de desburocratizar 0 Poder Judiciário, permitindo uma rápida resposta. Objetivando uma visão sistemática sobre 0 assunto, que permita ao candidato transitar bem nas provas concursais, com respostas que envolvam tanto 0 direito material quanto 0 processual, passamos a analisar as modalidades de consignação. Iniciamos pela extrajudicial e, posteriormente, avançamos para a judicial. 2.2.1. Consignação Extrajudicial ou Bancária Foi introduzida pela Lei 8.951/94, que adicionou quatro parágrafos ao art. 539 do NCPC. A consignação bancária se apresenta como notável mecanismo de operabilidade do direito civil, na linha da desjudicialização, facilitando a expedita solução do problema relativo à obtenção do efeito liberatório pela quitação extrajudicial. Infelizmente, sua prática é diminuta. Falta-lhe incentivo acadêmico e aceitação social. A cultura da judicialização ainda é realidade no Brasil. Registra-se que 0 procedimento extrajudicial não é necessário e nem preparatório ao judicial. É uma mera faculdade. Uma escolha. Pela literalidade do dispositivo legal, tal consignação apenas poderá ser utilizada para dívidas pecuniárias. Com efeito, dispõe 0 art. 539, § i°, NCPC que tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá 0 devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificandose 0 credor por carta com aviso de recepção, assinado prazo para a manifestação de recusa.". Aqui já se coloca a primeira discussão teórica sobre 0 tema. Afinal, a consignação extrajudicial englobaria apenas a possibilidade de consignar valores, ou abrange outros bens? Para provas objetivas, em regra, aconselha-se que seja seguida a literalidade do dispositivo. Entrementes, em uma visão sistemática do direito civil, buscando a efetividade das normas, boa-fé, confiança e lealdade, pensamos ser plenamente

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possível a aplicação da norma às obrigações não pecuniárias. Nada impende, por exemplo, o depósito de joias no banco. E os concursos, por vezes, consideram este segundo caminho. A segunda questão é: o banco, como posto na norma, há de ser oficial? Para esmagadora doutrina, trata-se apenas de uma predileção normativa, com o escopo de facilitação de eventual procedimento judicial posterior. Explica-se. Em inexistindo banco oficial na localidade, nada obsta ao devedor utilizar-se de estabelecimento privado. 0 depósito há de ser realizado em conta aberta em nome do credor, com correção monetária, a qual consiste em mera atualização da desvalorização da moeda. 0 credor será notificado ou pelo banco, ou pelo próprio devedor, por via postal com aviso de recebimento. A partir de então, terá o credor o prazo de ío (dez) dias para remeter ao banco a sua negativa de levantamento, por escrito, presumindo-se o silêncio como aceite ( 539, § 2, NCPC). 0 único argumento posterior para impedir a aquiescência tácita, após a decorrência do prazo, é a comprovação de algum vício de cientificação. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: FCC Órgão: DPE-SC Prova: Defensor Público Substituto. Sobre 0 direito das obrigações, Assertiva incorreta: para que a consignação tenha força de pagamento e surta eficácia liberatória, é exigida a anuência do consignatário. Configurada a recusa, 0 interessado poderá propor a consignatória judicial no prazo de 30 (trinta) dias. Para tanto, deverá instruir a sua exordial com a cópia do depósito e da recusa. A perda do prazo ocasionará a ineficácia do depósito - leiase: retorno da mora - e possibilita ao depositante 0 levantamento de valores (539, §§ 3° e 4° do NCPC). Segundo P ablo S tolze e R odolfo P amplona F ilho2, ainda que ultrapassado 0 prazo de 30 (trinta) dias, continua possível consignar, não havendo de falar-se em preclusão, afinal de contas "enquanto há débito, sempre há possibilidade de consigná-lo". A rre m a ta m in fo rm a n d o q u e o p ra zo em d e sta q u e s e ria c o n s id e ra d o a p e n a s p a ra

fim de elidir a mora, no caso de recusa, como já posto. A in d a s o b r e 0 t e m a , P ablo S tolze e R odolfo P amplona FiLHo3s u s t e n t a m

s e r a p l ic á v e l

"não há incompatibilidade entre 0 procedimento regulado pelos parágrafos do art. 890 do CPC e os princípios do processo laborai ou mesmo das relações de direito material". a c o n s ig n a ç ã o b a n c á r ia à s r e l a ç õ e s t r a b a l h is t a s , p o is ,

2

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 146.

3

In Novo Curso p. 147/148.

de

Direito

Civil.

Vol.

II.

9.

ed.

São

Paulo:

Editora

Saraiva,

2008,

Cap. V . Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Atenção! 0 art. 890 do CPC/73 está no novo CPC (NCPC) como art. 539.

2.2.2. Consignação Judicial em Pagamento Fazendo uma análise sob a ótica processual, afirma 0 art. 540 do NCPC que a ação de consignação em pagamento deve ser ajuizada no local do lugar do pagamento, sendo ainda admissível a ocorrência de foro de eleição, desde que não se trate de contrato por adesão (CC, art. 424). Caso verse sobre alugueis ou encargos, será competente 0 foro de eleição, e na, sua ausência, 0 do lugar da situação do imóvel, consoante 0 art. 58, II, da Lei 8.245/91. Os legitimados ativos ad causam podem ser 0 devedor, seu representante e 0 terceiro interessado ou não interessado que paga em nome do devedor. Nesta última hipótese a legitimidade ativa é anômala ou extraordinária (NCPC, art. 18), porque 0 não interessado postula, em nome próprio, direito alheio (CC, art. 304). Ainda falando sobre processo civil, é também possível afirmar que os legitimados passivos ad causam serão 0 credor ou seu representante legal. Interessante notar que em certos casos haverá a figura do litisconsórcio passivo necessário, quando a obrigação, por exemplo, for indivisível, caso em que é imprescindível inserir todos os credores no polo passivo da relação processual (CC, art. 268). A inicial terá como requerimentos obrigatórios (art. 542 do NCPC): a) 0 depósito da quantia ou coisa devida, a ser efetivado no prazo processual e b) a citação do réu para oferecer resposta. 0 depósito deve ser requerido na inicial, sendo que 0 réu é citado apenas após 0 depósito, para dizer se aceita ou recusa 0 valor. Neste último caso, deverá indicar 0 montante incontroverso e apresentar resposta. 0 rito a ser seguido é 0 ordinário. Caso não seja realizado 0 depósito, a hipótese será de indeferimento da inicial - arts. 485, I, e 321, ambos do NCPC. Com efeito, 0 depósito é pressuposto necessário para 0 prosseguimento da ação e desenrolar da marcha processual. ► A tenção!

No novo CPC (NCPC) 0 art. 321 tem a seguinte redação: "0 juiz, ao ve­ rificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar 0 julgamento de mérito, determinará que 0 autor, no prazo de 15 (quin­ ze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão 0 que deve ser corrigido ou completado".

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Interessante notar que no direito do trabalho o magistrado tem acesso ao processo apenas na audiência, devendo, neste momento, despachar a petição inicial e, percebendo a ausência de iniciativa do consignante, cumprindo a norma processual, determinar prazo para a realização do depósito. Pensar em sentido contrário para arquivamento da reclamatória é, além de ilegal - porque contrário ao CPC aplicável subsidiariamente na íntegra (Instrução Normativa n. 27, TST) -, desprestigiar a efetividade da jurisdição, a economia, simplicidade, instrumentalidade das formas e celeridade processual. Ainda sobre 0 processo do trabalho, vale lembrar que 0 art. 8o, parágrafo primeiro da CLT autoriza a aplicação subsidiária do processo civil, quando houver omissão celetista e, ainda, não existir incompatibilidade entre 0 sistema processual cível e 0 trabalhista. A defesa deverá ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias (NCPC, art. 335). As possíveis matérias de defesa serão: a) Não houve recusa ou mora em receber a quantia devida; b) Foi justa a recusa; c) 0 depósito não se efetuou no prazo e lugar do pagamento e d) 0 depósito não é integral, devendo indicar aqui 0 montante devido, sendo vedada a defesa genérica. Caso haja revelia teremos como consequência a aceitação tácita do depósito e decorrente condenação do réu/credor às custas e honorários advocatícios. Seguindo 0 art. 545 do NCPC, quando réu/credor enfatizar que 0 depósito foi feito a menor, poderá 0 autor/devedor complementá-lo, salvo se 0 faltante corresponder a prestação que acarrete a rescisão do contrato. Ante a ausência de complementação, levantará 0 réu, de logo, 0 incontroverso, seguindo a demanda em relação ao controverso. No que se relaciona à parte incontroversa, 0 processo fica desde logo extinto, com 0 julgamento de seu mérito. A hipótese é de reconhecimento parcial da procedência do pedido. A decisão que concluir pela insuficiência do depósito valerá como título judicial, 0 que confere celeridade ao procedimento. A execução, diga-se, pode acontecer, inclusive, nos mesmos autos (art. 545 do NCPC). Destarte, caso a prestação tenha se tornado imprestável ao réu, não servirá à consignação, respondendo 0 autor/devedor pelas custas, bem como danos decorrentes. A decisão de procedência da consignação torna subsistente 0 depósito, reputa efetuado 0 pagamento e cessa a incidência de juros moratórios. Não mais responderá 0 devedor pelos riscos que recaem sobre a coisa. A decisão, portanto, possui natureza ex tunc (retroativa).

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo de­ vedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional. A jurisprudência predominante do STj, acerca da procedência parcial da ação em caso de depósito insuficiente, não é compatível com o princípio de direito civil de que não há mora simultânea, e nem com a disciplina processual da ação consignatória, a qual determina, como pressuposto para o exame do mérito, o depósito inicial da integralidade da dívida vencida, com o fito de extinção da obrigação. Com efeito, não havendo depósito, a sentença será de extinção do processo sem exame do mérito (CPC 2015, art. 542, parágrafo único). Havendo depósito insuficiente, terá sido justa a recusa do credor, que não pode ser obrigado a receber em parte a prestação, se tal não foi convencionado, e, portanto, 0 resultado coerente com 0 ordenamen­ to jurídico será a improcedência e não a procedência parcial do pe­ dido. (REsp 1.108.058-DF, Rei. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF da 5* Região), Rei. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 10/10/2018, DJe 23/10/2018 (Tema 967)).

Ainda sobre 0 depósito, em não havendo aceite do credor, a consequência jurídica deste ato acarreta efeito jurídico em face de eventuais devedores solidários e subsidiários. Isto porque 0 art. 340 do CC disciplina a perda da preferência e das garantias em seu benefício. Em caso de improcedência, configura-se a mora do devedor - retardamento culposo no cumprimento obrigacional. Incidirá, assim, penalização por todo 0 período de atraso. Interessante lembrar que 0 devedor está autorizado a arrepender-se e cancelar 0 depósito, desde que 0 credor ainda não tenha sido informado e nem tenha admitido a consignação. Se isto acontecer, a dívida continuará existindo (Art. 338, CC). 3. IMPUTAÇÃO EM PAGAMENTO Os pressupostos da imputação ao pagamento são a existência de um mesmo credor e um mesmo devedor, sendo este último obrigado perante aquele com várias dívidas da mesma natureza, verificando-se um pagamento não integral. Assim, mister que seja verificada qual dívida fora quitada, seja no todo ou em parte. Mister, por conseguinte, a imputação ao pagamento.

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► Atenção!

Em curta síntese, para que se fale em imputação ao pagamento há de existir, de forma cumulativa: a) Igualdade de Sujeitos (credor e devedor) b) Liquidez e vencimento de dívidas de mesma natureza, o que gera exigibilidade. c) Pagamento não integral de todas as dívidas Em uma leitura do instituto através da lente da autonomia privada, porém, pensamos ser possível a imputação ao pagamento de dívida ilíquida e não vencida, desde que haja, obviamente, o consentimento do credor. Decerto, é plenamente possível que, por um ato de vontade, haja a antecipação do vencimento, conferindo liquidez à dívida. ► E na hora da prova?

(Cespe - Analista Judiciário - Área gada por três débitos da mesma qual deles oferecerá pagamento, e vencidos. Nessa situação hipotética, Rebeca

Judiciária - TJ - CE/2014) Rebeca, obri­ natureza a Joana, pretende indicar a já que todos os débitos são líquidos deverá valer-se da

A) imputação do pagamento. B) dação em pagamento. C) compensação. D) sub-rogação legal. E) sub-rogação convencional. Gabarito: A Mas a imputação há de ser referente ao valor integral de ao menos umas das dívidas, ou poderá ser parcial? Exemplifica-se. Imagine que Caio tem em face de Renata três créditos, respectivamente nos montantes de: R$ 150,00 (cento e cinquenta reais); R$ 200,00 (duzento s re a is) e R$ 400,00 (quatro cento s reais). Caso Renata confira um valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), cristalina estará a possibilidade de imputação ao pagamento. Mas seria possível Renata adimplir apenas com R$ 100,00 (cem reais)? 0 tema é divergente. A dificuldade funda-se na redação do art. 314 do Código Civil, 0 qual apenas autoriza 0 pagamento fracionado com a aquiescência do credor. É 0 que se denomina de Princípio da Indivisibilidade. Todavia, mais uma vez analisando 0 fenômeno sob 0 enfoque da autonomia privada, pensamos ser possível, desde que haja a aquiescência do credor, 0 pagamento parcial. Que fique claro: 0 credor não é obrigado a aceitar; mas poderá concordar.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Como o S u perior T ribunal de J ustiça já decidiu a matéria? No REsp. 1.518.005 0 S uperior T ribunal de Justiça analisou a impossibilidade de automática capitalização de juros por mera decorrência da aplica­ ção da imputação do pagamento prevista no art. 354 do CC, da seguin­ te maneira: "No caso de dívida composta de capital e juros, a imputação

de pagamento (art. 354 do CC) insuficiente para a quitação da totalidade dos juros vencidos não acarreta a capitalização do que restou desses juros". REsp 1.518.005-PR, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, Dje 23.10.15. 3a T. (Info STJ 572) ► Atenção!

Não confunda a imputação ao pagamento com a dação em pagamento. Nesta, 0 credor, com a sua concordância, recebe coisa diversa da pac­ tuada. Vide, por exemplo, aceitar uma prestação de fazer, ao revés da inicial prestação de dar coisa certa (art. 356 do CC). Mas, como ocorre esta imputação? Há uma ordem de preferências? Sim. 0 Código Civil estabelece uma ordem de preferidos para realizar a imputação, havendo direito potestativo para tanto. Presentes os requisitos já enunciados, cabe inicialmente ao sujeito ativo do pagamento - em regra 0 devedor, mas pode ser 0 fiador, avalista... - fazer a imputação ao pagamento. Assim, a "pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem 0 direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos" (CC, art. 352)*. Tecnicamente, a imputação é 0 direito daquele que paga indicar 0 que está pagando, ou melhor, qual a prestação objeto do pagamento naquela oportunidade. Para tanto, deverá entregar a prestação integral, sob pena de ser necessária a aquiescência do credor, como já consignado. Em sendo silente 0 sujeito ativo do pagamento, 0 direito potestativo passa ao sujeito passivo do pagamento - em regra 0 credor. Aqui, deverá 0 credor indicar, na quitação, qual foi 0 débito quitado, não podendo 0 devedor insurgir-se, a exceção de existência do dolo ou violência.4 4

Imputação do pagamento: ]á ensinava Pothier, citando Ulpiano, que "0 devedor, q u a n d o p a g a , tem 0 d ire ito d e d e c la r a r q u a l é a d ív id a que esta p a g a n d o , d e n tre to d a s a s q u e e le te m " (Tratad o d a s o b rig a ç õ e s, cit., p. 498). A essa operação, pela qual 0 devedor de várias dívidas a um mesmo credor, ou 0 próprio credor em seu lugar, diante da insuficiência do pagamento para saldar to­ das elas declara qual das dívidas será extinta, denomina-se imputação do pagamento. Carvalho Santos, em síntese copiada, diz apenas ser "0 ato pelo qual 0 devedor, de mais de uma dívida da mesma natureza, a um só credor, escolhe qual delas quer extinguir (Cfr. Vampré, M a n u a l de Direito C iv il, vol. 2, § 150)" (J. M. de Carvalho Santos, C ó d ig o Civil b r a s ile ir o in te rp re ta d o , v . 13, cit., p. 111). R e q u isito s d a im p u ta ç ã o : a) Existência de duas ou mais dívidas, líquidas e vencidas, de um só devedor para com um só credor; b) idêntica natureza das dívidas.

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Se ambos silenciarem - forem omissos a lei então se encarregará de realizar a imputação ao pagamento, falando-se em uma imputação legal. A imputação legal está disciplinada pelos arts. 354/355 do CC. São regras objetivas, ante a omissão do devedor e do credor. Assim: a)

Prioridade para os juros vencidos em detrimento do capital;

b) Prioridade para as dívidas líquidas e vencidas anteriormente, em detrimento das mais recentes; c)

Prioridade às dívidas mais onerosas, em detrimento das menos vultuosas, se vencidas e líquidas ao mesmo tempo.

Tem-se por mais onerosa, por exemplo, a dívida cuja taxa de juros é mais elevada, ou que possui uma garantia real (penhor ou hipoteca). Interessante questão é como proceder se o devedor e o credor silenciarem e as dívidas tiverem o mesmo vencimento, natureza, onerosidade e valor? Há uma lacuna no atual Código Civil. Seguindo posicionamento majoritário - falando por todos P ablo S tolze C agliano e Rodolfo P amplona Filho5, que seguem, no particular, os ensinamentos de Á lvaro V illaça de A zevedo - deve-se aplicar o posicionamento do revogado art. 433 do Código Comercial, 0 qual determinava a quitação de todas as dívidas de forma proporcional. Trata-se de um posicionamento De Lege Ferenda, com força na equidade e razoabilidade. 0 problema, porém, é que acabaria por obrigar ao credor receber valor parcial, 0 que apenas seria possível por acordo, segundo a autonomia privada, consoante 0 art. 314 do CC. 0 posicionamento em comento, inclusive, é adotado em várias codificações de origem Romana, a exemplo do Código Francês (art. 1.256), Italiano (art. 1.193) e 0 Português (art. 7 8 4 ) , como lembra C arlos R oberto G onçalves6. ► Atenção! 0 Código Tributário Nacional possui regra específica sobre a impu­

tação ao pagamento - art. 163. Neste caso, ante a Supremacia do Interesse Público, competirá à Fazenda Pública a prerrogativa da imputação, nos limites da gradação legal (princípio da legalidade estrita).

5 6

Op. cit., p. 171. Op. Cit., p. 323.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM. Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - Defen­ sor Público - Reaplicação. No tocante ao adimplemento e extinção das obrigações, considere as afirmações a seguir: Havendo capital e juros, 0 pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se 0 credor passar a quitação por conta do capital; essa regra não se aplica às hipóteses de compensação tributária. Resposta: Verdadeira. 4. PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO Sub-rogar significa substituir. Tal substituição pode atingir os sujeitos (sub-rogação pessoal) ou 0 objeto (sub-rogação real ou objetiva) de uma dada relação jurídica. Nos termos do art. 725 do NCPC, há disciplina na jurisdição voluntária por meio da qual se realiza a sub-rogação objetiva. Assim, caso 0 indivíduo tenha gravado determinado bem de sua herança com cláusula de inalienabilidade, 0 sucessor não poderá, sem a devida autorização judicial, aliená-lo. Caso 0 faça, mediante autorização judicial, terá de destinar 0 valor na aquisição em outro bem, que se sub-rogará (substituirá) na posição do primeiro. É a sub-rogação real. A sub-rogação pessoal é a substituição dos sujeitos, ao revés do objeto, da relação jurídica. Acontece, por exemplo, quando 0 fiador ocupa a posição de credor, em vista de ter quitado a dívida, 0 substituindo em face do devedor. ► E na hora da prova?

Em concurso para Defensor Público - PR, ano de 2014, a banca UFRP considerou verdadeira a seguinte assertiva: "A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do pri­ mitivo, em relação à dívida, contra 0 devedor principal e os fiadores". 0 direito obrigacional ocupa-se da sub-rogação pessoal. Este é 0 tema que, por ora, iremos enfrentar. M aria H elena D iniz7 afirma que a sub-rogação " é originária do direito canônico, que a desenvolveu e possibilitou sua irradiação para todos os códigos contemporâneos", lembrando que 0 direito romano não chegou a desenvolver com precisão 0 instituto.

Atualmente, trata-se de uma forma especial ou indireta de pagamento, na qual 0 cumprimento da obrigação é realizado por terceiro, com a consequente substituição dos sujeitos da relação jurídica obrigacional originária: sai 0 credor 7

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 291.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

e entra o terceiro, quem pagou a dívida ou emprestou o necessário para o cumprimento da obrigação. A sub-rogação pessoal gera efeito liberatório, em relação ao antigo credor, e translativo, em relação ao novo credor, que ingressa na relação jurídica. Na clássica lição de Clóvis Beviláqua, sub-rogação é "a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação ou emprestou o necessário para solvê-la. A obrigação pelo pagamento extingue-se; mas, em virtude da sub-rogação, a dívida, extinta para o credor originário, subsiste para o devedor, que passa a ter por credor, investido nas mesmas garantias, aquele que lhe pagou ou lhe permitiu pagar a dívida"8. Trata-se, portanto, de pagamento não liberatório para o devedor, ainda que extintivo da obrigação em relação ao credor originário. Fazendo a análise do Direito Obrigacional no Código Civil, infere-se que a subrogação pode ser legal, também chamada de pleno direito; ou pessoal, igualmente denominada de voluntária ou convencional. A sub-rogação legal está prevista no art. 346 do CC e acontece nos casos em que terceiros interessados pagam a dívida, quando automaticamente sub-rogamse na posição do credor, por expressa força de lei. Trata-se de ato unilateral. Já a sub-rogação convencional (art. 347, CC) é aquela realizada por terceiros não interessados: 0 credor que recebe 0 pagamento autoriza 0 terceiro - não interessado e que pagou - a sub-rogação em seu lugar, em face do devedor. Tratase de ato bilateral. Fazendo uma análise legalista do Código Civil, infere-se que apenas a subrogação pessoal ativa é contemplada, sendo omisso 0 diploma sobre a subrogação passiva. ► Atenção!

No pagamento com sub-rogação 0 terceiro, ao assumir a posição do credor originário, 0 faz com todas as garantias, privilégios e ônus. Nes­ sa linha vem se posicionando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: A questão posta em debate consiste em definir se 0 pagamento de dívida originária de contrato de locação efetuado pelo fiador acarreta a mera subs­ tituição do credor, mantendo-se todos os demais elementos da obrigação ori­ ginária, ocasião em que seria aplicado 0 prazo prescricional de 3 (três) anos - art. 206, § 30, I, do Código Civil -, ou ocasiona a extinção da obrigação p ri­ mitiva (locação), surgindo uma nova obrigação de ressarcimento dos valores pagos, portanto, de natureza pessoal, 0 que faria incidir 0 prazo de 10 (dez) anos, a teor do art. 205 do CC. Com efeito, nos termos do art. 831, caput, do Código Civil, "0 fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos

8

Código Civil comentado, cit., p. 147 e 148.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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direitos do credor, mas só poderá dem andar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota". Logo, por se tratar de pagamento com sub-rogação, esta transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores, de acordo com o disposto no art. 349 do CC/02. Dessa forma, ocorrendo a sub-rogação do fiador nos direitos do credor, em razão do pagamento da dívida objeto de contrato de locação, permanecem todos os elementos da obrigação primitiva, inclusive 0 prazo prescricional, modificando-se tão so­ mente 0 sujeito ativo (credor), e, também, por óbvio, 0 termo inicial do lapso prescricional, que, no caso, será a data do pagamento da dívida pelo fiador, e não de seu vencimento, em decorrência do princípio da actio nata. Isso pos­ to, aplica-se 0 prazo previsto no art. 206, § 3°, I, do Código Civil, 0 qual dispõe ser de 3 (três) anos "a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos", visto que esse dispositivo seria aplicável caso a ação tivesse sido proposta pelo locador contra os locatários. (REsp 1.432.999-SP, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 16/5/2017, DJe 25/5/2017).

0 Código Civil dedica 0 art. 346 para a veiculação das hipóteses de sub-rogação legal. Trata-se de um rol taxativo. Assim, há sub-rogação legal:

a)

Em favor do credor que paga a dívida do devedor comum (inciso l). Assim, se duas ou mais pessoas são credoras de um mesmo sujeito, poderá 0 credor secundário pagar a dívida do primário, visando tornar-se credor principal e buscar todo 0 crédito. Ceralmente os manuais recordam do seguinte exemplo: créditos preferenciais na falência, em que alguém paga a quem está a sua frente, visando obter todo 0 valor; ou, ainda, 0 credor hipotecário, com segun­ da hipoteca sobre determinado imóvel do devedor, paga ao credor titular da primeira hipoteca, sub-rogando-se no direito dele.

b) Em favor do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipote­ cário, bem como terceiro que efetiva 0 pagamento para não ser privado do direito sobre 0 imóvel (inciso II). A hipoteca é um direito real de garantia sobre imóveis. Adere ao imóvel, desde que registrada, podendo 0 credor executá-la aonde quer que 0 imóvel esteja e com quem quer que esteja (direito de sequela). 0 adquirente do imóvel, assim, querendo livrar-se da hipoteca, pode pagá-la, sub-rogando-se no direito do credor em face do de­ vedor (antigo proprietário). 0 promitente comprador também pode fazê-lo, com 0 fito de não perder a possibilidade do negócio. c)

Em favor do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte (inciso III). É a hipótese mais corriqueira, lembrando-se do fiador, do devedor solidário, etc.. ► Como se pronunciou o Supremo Tribunal Federal o sobre o tema? A propósito, a Súm ula 188 do S upremo T ribunal Federal "0

se g u rad o r

tem

a ç ã o r e g r e s s i v a c o n t r a 0 c a u s a d o r d o d a n o , p e lo q u e e f e t i v a m e n t e p a g o u .

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D ir e it o C ivil - Vol.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

até o limite previsto no contrato de seguro". Trata-se de situação atinente ao pagamento com sub-rogação legal, por ser a seguradora terceira inte­ ressada. A súmula tem emabsamento legal, hoje, no art. 786 do CC, 0 qual verbera que "Paga a indenização, 0 segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra 0 autor do dano". Nessa esteira, firma 0 STJ, na Jurisprudência em Teses n. 116, item 3, que "a seguradora tem direito de demandar 0 ressarcimento dos danos sofridos pelo segurado depois de realizada a cobertura do sinistro, sub-rogando-se nos direitos anteriormente titularizados pelo segurado, nos termos do art. 786 do Código Civil e da Súmula n. 188/STF". Ainda pelos mesmos fundamentos postos, sinaliza 0 item 4 da mesma Jurisprudência em Teses que "ao efetuar 0 pagamento da indenização em decorrência de danos causados pela companhia aérea por extravio de bagagem ou de mercadoria, a seguradora sub-roga-se nos direitos do segurado, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica originária, buscar 0 ressarcimento do que despendeu, nos mes­ mos termos e limites que assistiam ao segurado". Nesta situações - ações propostas pela seguradora contra 0 causador do dano, de forma regressiva - "os juros de mora devem fluir a partir do efetivo desembolso da indenização securitária paga, e não da citação", como indicado pelo item 5 da Jurisprudência em Teses n. 116. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: DPE-AC. Prova: Defensor Público. No que se refere à extinção das obrigações, julgue os itens a seguir. Assertiva correta: 0 segurador, por reparar ato danoso suportado pelo segurado, 0 sub-roga legalmente no direito contra 0 autor do dano. Além das hipóteses de sub-rogação legal, nada impede que as partes, consoante a autonomia privada, criem outras casuísticas, por estipulação negociai. Neste cenário, estar-se-á diante de uma sub-rogação convencional, 0 que se passa a estudar. 0 Código Civil dedica-se ao tema no seu art. 347, informando que há subrogação convencional:

a)

Quando 0 credor recebe 0 pagamento de terceiro e expressamente lhe transmite todos os seus direitos (inciso I). Trata-se de casuística bem próxima a da cessão de crédito. Justo por isto, inclusive, que 0 legislador ordena a aplicação supletiva das regras da cessão a esta específica modalidade de sub-rogação (CC, art. 348).

b) Quando terceira pessoa empresta ao devedor quantia precisa para solver a dívida, sob condição expressa de ficar 0 mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito (inciso II). Aqui é possível que 0 mutuante já ajuste com

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o mutuário, no negócio de empréstimo, que ficará sub-rogado nos direitos do credor primitivo, valendo-se, até mesmo, das garantias primitivas. ► Atenção!

A sub-rogação não se confunde com a cessão de crédito. Isto por­ que nesta há uma transferência do crédito em si, sem os acessórios. Ademais independe do pagamento. Já na sub-rogação, a transferência apenas acontece após o pagamento. Que fique claro: a cessão de crédito ocorre antes do pagamento da dívida. Já no pagamento com sub-rogação, a transferência se dá após a liberação (extinção) de dívida. Apesar do dito, admite-se que há pontos de contato entre os institutos. Tanto é assim que a própria legislação manda aplicar, supletivamente, à hipótese do art. 347, I do pagamento com sub-rogação, os dispositi­ vos da cessão de crédito (CC, art. 348). Na forma do art. 349 do CC 0 principal efeito do pagamento com sub-rogação é transferir ao novo credor os direitos, ações, garantias, acessórios, privilégios do primitivo credor, decorrente da dívida. M aria H elena D iniz9 afirma que a sub-rogação acarreta efeito liberatório, porque exonera 0 devedor em face do credor originário, e efeito translativo, na medida em que transfere a outrem, "que satisfez 0 credor originário", os direitos de crédito que este desfrutava.

► E na hora da prova?

(Vunesp - Cartório - TJ - SP/2014) A respeito do pagamento, conforme disposição expressa prevista no Código Civil, é correto afirmar: (A) 0 credor é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devi­ da, quando for comprovadamente mais valiosa. (B) 0 pagamento feito por terceiro, com oposição do devedor, obriga a reem­ bolsar aquele que pagou, se 0 devedor tinha meios para ilidir a ação. (C) 0 terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor. (D) se 0 devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação oposta por terceiros, 0 pagamen­ to não valerá contra estes, que poderão constranger 0 devedor a pagar de novo, sem a possibilidade de regresso contra 0 credor. Ca ba rito: C

9

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 298.

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Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM. Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - Defen­ sor Público - Reaplicação. No tocante ao adimplemento e extinção das obrigações, considere as afirmações a seguir: A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privi­ légios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra 0 devedor principal, mas não contra os fiadores, por se tratar a fiança de contrato acessório e benéfico. Resposta: Falso. Na sub-rogação convencional é possível, diante do caráter convencional, as diretrizes enunciadas sobre os efeitos são supletivas, sendo possível que 0 próprio negócio regule acerca das consequências. ► Atenção! 0 art. 350 do CC aduz que, ao sub-rogado, é proibido cobrar além

da soma que houver desembolsado. Trata-se de artigo, na dicção do Código Civil, dirigido à sub-rogação legal. Exemplifica-se: em sendo 0 valor da dívida de R$ 2.000,00 (dois mil reais), e conseguindo 0 fiador desconto e pagamento em R$ 1.000,00 (um mil reais), sub-roga-se no pagamento de apenas RS 1.000,00 (um mil reais), sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito. Entendemos que, apesar da omissão normativa, 0 art. 350 do CC tam­ bém deve ser aplicado à sub-rogação convencional. Pensamento em contrário acabaria por desvirtuar 0 caráter gratuito (não oneroso) da sub-rogação, confundindo-a com a cessão de crédito onerosa, esta sim com nítido caráter oneroso e especulativo. Como proceder se houver concorrência de direitos entre 0 credor originário e sub-rogado parcial? Neste cenário, 0 primitivo terá preferência no pagamento (CC, art. 351). Tratase de regra de equidade, até mesmo em virtude de ser 0 primeiro crédito mais antigo. 5. DAÇÃO EM PAGAMENTO

De origem romana, a dação em pagamento, também conhecida como datio in solutum, é mais uma modalidade de pagamento especial ou indireto. Nesta 0 credor admite receber prestação diversa da que lhe é devida, na forma do art. 356 do CC. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRT - 7a Região (CE). Prova: Analista ju­ diciário - Área Judiciária.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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Maria, credora de Pedro no valor de R$ 50 mil, aceitou no vencimento da dívida, para adimplir a obrigação, um veículo de igual valor ofere­ cido por Pedro. A dívida foi, então, quitada. Nessa situação hipotética, de acordo com disposições do Código Civil, 0 adimplemento se deu por Resposta: dação em pagamento. A dação em pagamento constitui hipótese excepcional, pois 0 princípio da exatidão informa que 0 credor não é obrigado a receber prestação diversa da que foi contratada, sendo, por isto, imprescindível a concordância do sujeito passivo do pagamento (CC, art. 313). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: DPE-AC. Prova: Defensor Público. No que se refere à extinção das obrigações, julgue os itens a seguir. Assertiva incorreta: A dação em pagamento constitui direito subjetivo do devedor.

Exemplifica-se quando 0 devedor tem como obrigação uma prestação pecuniária, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), e paga, com 0 consentimento do credor, mediante uma obrigação de fazer (prestação de serviço), extinguindo indiretamente a obrigação. ► Atenção!

Na dação em pagamento não se estar a falar de hipóteses relaciona­ das a obrigações alternativas ou subsidiárias, mas, sim, em pagamen­ to através de prestação diversa da pactuada, com 0 consentimento do credor.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

(FUNCAB - 2013 - ANS - Atividade Técnica de Suporte - Direito) 0 instituto da dação em pagamento no Código Civil em vigor caracteriza-se quando: a) a pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem 0 direito de indicar a qual deles oferece paga­ mento, se todos forem líquidos e vencidos. b) se transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra 0 devedor prin­ cipal e os fiadores. c) 0 credor consente em receber prestação diversa da que lhe é devida.

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D ire it o C ivil - V o l.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

d) terceiro assume a obrigação do devedor, com o consentimento ex­ presso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo. e) a obrigação é extinta mediante o depósito judicial ou em estabele­ cimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais. 0 gabarito é a letra C.

A partir da análise do conceito, infere-se que são requisitos necessários para a ocorrência da dação em pagamento: a)

Existência de Dívida Vencida e Exigível;

b) Consentimento do Credor; c)

A Entrega de Coisa Diversa da Devida;

d) 0 animus solvendi ou Intenção de Pagamento do Devedor e Quitação do Credor. Sobre o tema, confira o julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul, no ano de 2014: AGRAVO DE INSTRUM ENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO . ENERGIA ELÉTRI­ CA. AÇÃO DE COBRANÇA. CUM PRIM ENTO DE SENTENÇA. DAÇÃO EM PAGAMENTO. PENHORA. BEM IM ÓVEL DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO. RECUSA jU STIFICAD A PELO CREDOR. PO SSIBILIDADE. A d a ç ã o e m p a g a m e n t o p r e s s u p õ e a c o n c o rd â n c ia d o c r e d o r c o m 0 r e c e b im e n t o d e c o is a d iv e r s a d a p re s t a ç ã o d e v id a . In ­ t e lig ê n c ia d o a r t .

356

d o C ó d ig o C iv il. A e x e c u ç ã o d e v e t r a m it a r c o n fo r m e

m e lh o r in t e r e s s e d o c r e d o r , c o n s o a n t e a rt . desconheça

0

p r in c íp io c o n s a g r a d o no a rt ig o

612 d o 620 d o

C P C . E m b o ra n ã o s e CPC, a p e n h o ra d e v e

r e c a ir s o b r e b e m d e p r o p r ie d a d e d o d e v e d o r , a fim d e a s s e g u r a r , co m s e g u r a n ç a e c e r t e z a , a s a t is f a ç ã o d o c r é d it o . R e c u s a ju s t if ic a d a . D e c is ã o m a n t id a . AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO M 0 NOCRÁTICA. (A g r a v o d e In s tr u m e n t o N °

70058769472,

V ig é s im a S e g u n d a C â ­

m a r a C ív e l, T r ib u n a l d e Ju s tiç a d o RS, R e la t o r: D e n is e O liv e ir a C e z a r, Ju lg a d o em

06/03/2014).

► A te n çã o !

Não confundir a dação em pagamento com a dação pro so/vendo. Isto por­ que a dação em pagamento gera a extinção do vínculo obrigacional. Já a pro sotvendo é um mecanismo de facilitação de cumprimento da obrigação. Tem-se dação pro solvendo, por exemplo, quando A tem um crédito em face de B, e B um crédito em face de C. Assim, B faz uma cessão do seu crédito para A, que passa a ter um crédito contra C A dação pro solvendo, apesar de conter embutida uma cessão de crédito, não gera a extinção da obrigação ao cedente, sendo que este apenas será liberado quando da ocorrência do efetivo pagamento. Traduz, portanto, um mecanismo de facilitação do cumprimento obrigacional.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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Neste cenário que deve ser entendida a regra especial, envolvendo o título de crédito, prevista no art. 358 do CC. In verbis: "Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão." 0 futuro aprovado deve ainda ficar atento com 0 fato de se aplicar à dação em pagamento a evicção (art. 359 do CC). Logo, se a coisa for perdida por força de decisão judicial, ou ato administrativo, em face do adquirente de boa-fé, este estará protegido em sua legítima confiança. No mesmo sentido é possível aplicar 0 regramento dos vícios redibitórios à dação em pagamento.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para 0 cargo de Auditor Fiscal da Receita Estadual - SEFAZ/RJ, banca FCC, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Ocor­ rendo dação em pagamento, se 0 credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros". Por fim, observe-se que nem sempre a dação em pagamento é autorizada pelo ordenamento jurídico. 0 art. 1.428 do CC, por exemplo, a proíbe no caso de garantias, como a hipoteca, pois se 0 credor pudesse ficar com a coisa dada em garantia, a hipótese seria de contrato comissório.

► Como se posicionou o S u perior T ribunal

de

J ustiça

sobre o tema?

de Justiça aceita a dação em pagamento no direito de fa­ mília, mormente em casos de dívida alimentar e com 0 fito de impedir a prisão civil. Apenas a para ilustrar 0 dito, informou 0 julgamento do

0 S uperior T ribunal

HC 20.317/SP, Rei. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 25.06.2002, DJ 11.11.2002 p. 219, que "0 débito, vencido há mais de dois anos e relativo a quatro anos de prestações alimentícias, alcançando alto valor, ainda que fruto de execução sob 0 rito do ar­ tigo 733 do Código de Processo Civil, pode ser saldado por dação de imóvel em pagamento. Ordem concedida para suspender a prisão pelo prazo de trinta dias, a fim de oportunizar a postulada dação em pagamento." Entrementes, para tanto há de ter aquiescência do credor, como bem posto pelo mesmo Egrégio Tribunal; in verbis: "Como já frisado pelo Tribunal "a quo", não pode 0 impetrante pretender a exoneração da dívida pela imposição de acordo à alimentanda, de maneira que a proposta oferecida por outro meio que não pecuniário não impõe a aceitação pela exequente" (HC 104680. Relator Min. Sidnei Beneti. Data da Publicação: 12/08/2008).

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• Luciano Figueiredo e

Roberto Figueiredo

6. N0 VAÇÃ0 Etimologicamente, novação é palavra de origem latina que significa nova obrigação. Novatio (novus, nova obligatio). Sua principal raiz histórica é o Direito Romano, o qual já permitia a possibilidade de transferência de uma dívida antiga por uma obrigação nova. Nos dias de hoje, a novação constitui um ato de vontade complexo, com o escopo de extinção-criação de uma nova obrigação. Não existe novação cogente, decorrente da lei. Sempre envolve um ato de vontade. ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRE-BA. Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária. João deve determinada quantia a Carlos, 0 qual deve igual valor a Pe­ dro. Feito acordo entre os três, João deverá pagar a referida quantia diretamente a Pedro, 0 que retira Carlos da relação obrigacional. 0 instituto utilizado pelas partes para adimplemento da obrigação nes­ sa situação hipotética denomina-se Resposta: novação. Ano: 2018. Banca: VUNESP. Órgão: TJ-SP. Prova: VUNESP - 2018 - TJ-SP - Ti­ tular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. 0 ato da criação de uma obrigação com a finalidade de extinguir uma obrigação antiga encerra: Resposta: Novação. A novação ocasiona 0 pagamento especial ou indireto, tendo disciplina nos arts. 360 usque 367 do CC. Assim, novar é, por ato de vontade, criar obrigação nova em substituição da anterior. Neste novo vínculo há uma mudança das pessoas (devedor ou credor), e/ou alteração do objeto (prestação), do conteúdo da causa debendi. Importará na extinção da dívida primitiva com todos os seus acessórios e garantias; afinal: 0 acessório segue a sorte do principal (arts. 92 e 364, CC), salvo disposição de vontade específica em contrário. Justo por isto que 0 fiador também é protegido nos casos de novação. Somente se consentir é que continuará obrigado. Não consentindo, estará liberado (art. 366, CC). Outrossim, a novação, como ato negociai que 0 é, apenas terá efeitos inter partes, leia-se: intuito persona. E se a novação envolver um dos codevedores solidários, 0 que acontece?

Cap. V . Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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Conforme reza o art. 365 do CC, apenas 0 patrimônio de quem assumiu a nova obrigação passa a garantir 0 débito. Os demais codevedores solidários são liberados. Tal raciocínio decorre de dois motivos. A uma porque a solidariedade não se presume, decorrendo da lei ou da vontade das partes (CC, art. 265); e a duas porque a novação é intuito persona. Decerto, ao novar é extinta a obrigação anterior, e cria-se um novo vínculo, 0 qual, como negócio que 0 é, apenas poderá obrigar as partes contratantes. Nessa esteira de pensamento, na hipótese de existir solidariedade ativa entre credores, a novação realizada por um dos credores gera a extinção da dívida para os demais, os quais apenas poderão acionar aquele que realizou a novação. Isto porque houve a extinção da obrigação primitiva. Para que haja novação, segundo os seguintes requisitos:

O rlando C omes101,

haverão de serem verificados

a) Existência de uma obrigação primitiva (obligatio novanda); b) Criação de uma Obrigação Nova (aliquid novi); c)

Vontade de novar (animus novandi), expresso ou tácito (art. 361, CC).

Sobre 0 primeiro requisito - obligatio novanda - recorda-se que a obrigação anulável poderá ser novada, haja vista a possibilidade de sua convalidação (art. 172 do CC). 0 mesmo, porém, não acontece com a obrigação nula ou extinta, a qual inadmite saneamento (arts. 169,178,179 e 367 do CC)11. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018. Banca: FCC Órgão: DPE-MA Prova: FCC. No direito das obrigações, a novação exige a inequívoca intenção de novar, mas ela pode ser expressa ou tácita". E as obrigações naturais, admitem novação? Entendemos que as obrigações naturais também podem ser objeto de novação, pois, tecnicamente, constituem espécie de obrigação. Contudo, duas são as correntes ao derredor do assunto, como adverte M aria H elena D iniz12: Corrente 1 - afirmativistas ( P laniol, S erpa Lopes, S ilvio Rodrigues, José S oriano Rodrigues e a própria M aria Helena D iniz). Segundo esta corrente a própria lei valida 0 pagamento de obrigações naturais ou imperfeitas (CC, art. 882), de modo que a novação é possível. Sustentam a tese, até mesmo, ante 0 caráter irrepetível das obrigações naturais (art. 814 do CC). 10 Op. Cit., p. 167. 11 Sobre 0 tema nulidades - absolutas e relativas - e a possibilidade de conservação dos atos, rem ete-se 0 leitor ao Volume de Parte Geral, especificamente 0 capítulo que versa sobre fato, ato e negócio jurídico. 12

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 273.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Corrente 2 - negativistas ( W a s h in g t o n d e B a r r o s M o n t e ir o , C l o v is B e v il á q u a e C a r v a l h o e n d o n ç a ) . Segundo estes doutrinadores as obrigações naturais não seriam passíveis de pagamento compulsório, porque ostentam natureza moral. Assim, 0 que havería não seria novação, mas vínculo originário.

de

M

Dando continuidade na análise dos requisitos, para que seja respeitada a aliquid novi - segundo requisito - far-se-á necessária criação de uma obrigação substancialmente diversa da primeira. Há de existir diversidade substancial entre a obrigação anterior e a nova. Tal variação pode dizer respeito a aspectos subjetivos (credor e devedor), ou objetivo (a prestação em si). Ademais, simples mudanças acessórias, a exemplo de aumento de prazo para adimplemento e remissão de juros, não significam novação. Soma-se aos dois requisitos tratados a necessidade da intenção de novar; ou seja: 0 animus novandi. Este terceiro requisito é denominado pela doutrina de anímico (subjetivo). É indispensável. Destarte, a simples substituição do objeto da obrigação, sem a vontade subjetiva de novar, por exemplo, não gera a criação da segunda obrigação. Poderá acontecer aqui confirmação ou reforço da obrigação primitiva ou, até mesmo, uma dação em pagamento (arts. 356 e 361 do vigente CC). ► Atenção!

Faltando a vontade de novar (elemento subjetivo) a obrigação mais re­ cente apenas confirma a mais antiga, como em um reforço obrigacional. Como a novação pode ser tácita (princípio da simplicidade das formas nos negócios jurídicos, art. 107 do CC), deve-se interpretar 0 caso concre­ to, de acordo com a boa-fé, os usos e costumes do lugar (art. 113, CC). Nesta esteira, a emissão de cheques em pagamentos não honrados pode não configurar novação, mas simples reforço da obrigação primi­ tiva (dação por causa do pagamento ou em função do pagamento), daí porque 0 credor poderá, em tese, cobrar os dois títulos. Justamente por isto é que a falta de provisão de fundos em situações como estas também não impediría a cobrança da primeira obrigação. 0 exame das circunstâncias do caso concreto é importantíssimo. De mais a mais, como negócio que 0 é, a novação haverá de respeitar os requisitos legais da validade, devidamente estudados em nosso volume dedicado à Parte Geral, no capítulo sobre Fato, Ato e Negócio Jurídico. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema?

Renegociação de dívida não vai gerar, necessariamente, novação. Para que esta exista é preciso que as partes efetivamente constituam uma obri­ gação nova, liquidando a obrigação anterior e com intenção de novar. A simples diminuição de multa, ou até mesmo 0 seu perdão (remissão), não implica em novação, como já decidiu 0 STJ (AgRg no RESP 588241/MG).

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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0 julgamento em comento caminha de acordo com a Súmula 286 do

"A renegociação de contrato bancário ou a con­ fissão de dívida não impede a possibilidade de discussão sobre even­ tuais ilegalidades dos contratos anteriores". S uperior T ribunal de Justiça

Ainda sobre a novação, decidiu 0 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela não configuração no caso concreto: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PARCELAMENTO DA DÍVIDA ENTRE 0 CREDOR E A DEVEDORA PRINCIPAL, SEM A PARTICIPAÇÃO DOS FIADORES. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NOVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. Em que pese os fiadores não terem expressamente anuído com 0 parcelamento da dívida em execução, na petição de acordo, não há como admitir a ocorrência de novação. Hipótese em que não se configurou a extinção da obrigação, ocorrendo apenas 0 parcelamento da dívida em 60 vezes, sem alteração de substância, não se podendo a partir disso concluir por caracterizada qualquer das situações previstas no art. 360 do Código Civil. Houve, tão somente, 0 parcelamento do débito efetivamente garantido pelos agravados, circunstância que deles não retira responsabilidade pelo pagamento por conta da fiança prestada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento N° 70056420797, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 18/12/2013). A doutrina, com base no Código Civil, traça a existência de três espécies de novação: a) Novação objetiva; b) Novação subjetiva (ativa, passiva - expromissão ou delegação - ou mista) e c) Novação mista. Sinteticamente:

A partir de então iremos abordar tais modalidades. 6.1. Novação Objetiva ou Real É a modalidade mais corriqueira. Está prevista no art. 360, inciso I do CC e acontece quando "0 devedor contrai com 0 credor nova dívida para extinguir e

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D ir e it o C ivil - V o l. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

substituira anterior". Exemplo: João é devedor de Pedro em uma obrigação de dar coisa certa. De comum acordo, resolvem extinguir a obrigação primitiva e criam um novo vínculo entre eles, tendo por objeto, agora, uma prestação de serviço. Seria possível uma novação objetiva mantendo a mesma modalidade de prestação? Nada impede. Todavia, a prova da aliquid novi e animus novandi haverá de ser mais acurada. ► Atenção!

A novação objetiva é instituto diverso da dação em pagamento. Na dação, a obrigação originária permanece a mesma, apenas com modi­ ficação do seu objeto, com a devida anuência do credor. Já na novação objetiva, a obrigação principal é extinta, com criação de novo vínculo e alteração do objeto, tudo com a concordância das partes.

6.2. Novação Subjetiva ou Pessoal (Ativa, Passiva, ou Mista) Sistematizando o tema, infere-se que a novação subjetiva acontece em três hipóteses: a)

Por mudança do Devedor - novação subjetiva passiva

b) Por mudança do Credor - novação subjetiva ativa c)

Por mudança do Credor e do Devedor - novação subjetiva mista

A novação subjetiva passiva tem lugar quando há a extinção de uma obrigação primitiva, criação de uma nova e a alteração do devedor, com a substituição do primitivo, ficando este quite com o credor. Sai de cena o antigo devedor, com a obrigação quitada, e adentra o novo devedor, ligado por novo vínculo obrigacional. A doutrina vaticina que a novação subjetiva passiva poderá ocorrer de dois modos: a) Por Expromissão e b) Por Delegação. A novação subjetiva passiva por expromissão ocorre quando a substituição do devedor acontece independentemente da sua concordância. Infere-se mudança no polo passivo da relação jurídica obrigacional por simples ato de vontade do credor (art. 362 do CC). 0 exemplo mais corriqueiro dos livros é um filho abastado que quita dívida de seu pai, atualmente desapossado, sem 0 consentimento do seu genitor. Verifica-se uma segunda obrigação, nova em relação à primeira, que foi quitada. Já a novação subjetiva passiva por delegação exige a participação do devedor primitivo no ato novatório, indicando uma terceira pessoa, a qual assumirá 0 débito, com a devida concordância do devedor primitivo. Aqui teremos os seguintes participantes:

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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a) Delegante (antigo devedor); b) Delegado (novo devedor); c)

o Delegatário (credor). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para o cargo de Promotor de Justiça - MPE/RO, realizada pela banca CESPE, ano de 2013, foi cobrada a seguinte questão: João assinou nota promissória em garantia a empréstimo tomado de Carlos, no valor de R$ 5.000,00. Não tendo conseguido pagar a dívi­ da no prazo acordado, João solicitou a sua irmã, Cláudia, que assi­ nasse nova nota promissória, comprometendo-se a realizar 0 paga­ mento do débito em sessenta dias. Carlos concordou com 0 negócio e 0 título assinado por João foi inutilizado. Nessa situação, houve a) assunção de dívida. b) cessão de crédito. c) novação d) imputação do pagamento. e) pagamento com sub-rogação A assertiva correta é a letra C: 0 delegante - devedor primitivo - é excluído e liberado, pois sua obrigação resta extinta. Interessante que 0 Código Civil não trata especificamente da novação subjetiva passiva por delegação. Todavia, é uníssona a sua possibilidade ante 0 ideal da autonomia privada. Regra importante para a novação subjetiva passiva é aquela prevista no art. 363 do CC, segundo a qual inexistirá direito de regresso contra 0 devedor primitivo em face de eventual inadimplemento do novo sujeito passivo, salvo, evidentemente, prova de má-fé, afinal de contas: ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. ► Atenção!

A novação subjetiva passiva não se confunde com a cessão de débito assunção de dívida -, ao passo que nesta não há extinção da obrigação primitiva e criação da nova, mas mera transmissão do vínculo. Além disso, a novação subjetiva passiva ainda não se confunde com 0 pa­ gamento realizado por terceiro, interessado ou não. 0 motivo é 0 mesmo: na novação cria-se nova obrigação, extinguindo-se a anterior, enquanto no pagamento por terceiro é adimplemento da obrigação primitiva. Verifica-se a novação subjetiva ativa quando houver alteração no polo ativo da obrigação. Extingue-se a relação jurídica obrigacional anterior, cria-se um novo

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vínculo e altera-se o credor primitivo (art. 360, II, do CC/02). Como é extinto 0 vínculo primitivo, 0 devedor fica quite com 0 credor primitivo, passando, todavia, em função de um novo vínculo, a dever a outro credor. 0 exemplo geralmente lembrado nos manuais, pois atinentes às relações comerciais, é a hipótese de A ser credor de B e devedor de C. Assim, é feita uma novação fazendo uma novação na qual C passa a ser credor de B. A importância prática do instituto em comento, porém, é diminuta, mormente quando considerada as vantagens da cessão de crédito, a qual permite a transmissão da obrigação com a manutenção do vínculo. Já na novação subjetiva mista tanto 0 credor, como 0 devedor, são alterados, simultaneamente. É, assim, a soma dos institutos anteriores (art. 360, II e III do CC). 6.3. Novação Mista Nesta há extinção da obrigação primitiva, com a criação de uma nova, sendo alterado 0 credor, ou 0 devedor, e 0 objeto de prestação obrigacional. Infere-se, assim, a soma das figuras da novação objetiva e subjetiva. 0 exemplo mais corriqueiro é 0 pai que assume a dívida do filho, sem 0 consentimento deste - novação subjetiva passiva por extromissão -, alterando 0 objeto da prestação - a obrigação que era de dar coisa certa (pecuniária) passa a ser um fazer, como uma prestação de serviços. ► Como já se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema?

A jurisprudência do S uperior T ribunal de Justiça entende que no caso do REFIS (Programa de Recuperação Fiscal), 0 parcelamento do débito tributário extingue a obrigação primitiva, caracterizando uma novação (AgRg no Resp 522903/PR. Rei. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.03.2005, DJ 25.04.2005 p. 225).

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca da novação, na prova para Advogado - ITESP, banca organiza­ dora VUNESP, ano de 2013, foi tida como verdadeira a proposição: "a novação ocorre quando 0 devedor contrai com 0 credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior; quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com 0 credor; quando, em virtude de obriga­ ção nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando 0 devedor quite com este, porém, se 0 novo devedor for insolvente, não tem 0 credor, que 0 aceitou, ação regressiva contra 0 primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição".

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

167

7. COMPENSAÇÃO Na dinâmica das relações humanas, nada impede que dois sujeitos tomem-se credores e devedores recíprocos. Aqui é plenamente possível a lembrança ao instituto da compensação, como uma forma indireta ou especial de pagamento. P ablo S tolze e R odolfo P amplona F ilho 13 afirmam que a compensação é uma forma de extinção de obrigações "em que seus titulares são, re cip ro ca m e n te , c re d o re s e d e v e d o re s " , extinguindo a obrigação até 0 limite da existência de crédito recíproco, remanescendo, se houver, saldo em favor do maior credor (CC, art. 368).

Trata-se de um instituto que homenageia a operabilidade, eticidade e a função social dos negócios jurídicos. Assim, caso A tenha um crédito em face de B de R$ 3.000,00 (três mil reais), e B também tenha um crédito em face de A no mesmo montante; verificada a compensação, as obrigações estariam extintas. Caso, porém, 0 crédito de B fosse de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), remanescería R$ 1.000,00 (um mil reais) de crédito a B. Logo, é possível a compensação plena ou total, bem como a restritiva ou limitada. No direito do trabalho 0 instituto da compensação há de ser visto de modo mais restrito, tendo em vista 0 que determina 0 art. 767 da CLT, pois ali a " co m p e n sa ç ã o , ou a re te n çã o , s ó p o d e r á s e r a rg u id a com o m a té ria d e d e fe sa ".

► Atenção!

Não confundir a compensação, na qual há duas partes reciprocamente con­ sideradas, com a confusão, em que a mesma parte reúne 0 crédito e 0 débito em suas mãos. Exemplo: A é devedor de B (seu tio) da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e B vem a falecer. Sendo A 0 seu único herdeiro, estar-se-á diante da confusão, ao revés de compensação. 0 tema confusão será aprofundado adiante, ainda neste capítulo. A doutrina, analisando 0 tratamento da compensação no ordenamento jurídico nacional, informar que há três modalidades de compensação: legal, convencional e judicial (processual). A legal é a regra. Nela, satisfeitos os requisitos, 0 juiz irá apenas declarar a compensação. Trata-se de defesa indireta de mérito (exceção substancial), levantando-a em preliminar de mérito. Mas, quais são os requisitos? Os requisitos são: a)

Reciprocidade das Obrigações;

b) Liquidez das Dívidas; 13

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 191.

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c)

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Exigibilidade Atual das Prestações;

d) Fungibilidade ou Homogeneidade dos débitos. Os requisitos da compensação legal, mutatis mutandis, aplicam-se à convencional. Vamos a eles! Entende-se por reciprocidade das obrigações a necessidade de obrigações simultâneas, com inversão dos sujeitos em seus polos. Fiquem atentos! Há uma exceção legal à reciprocidade das obrigações: a possibilidade do fiador compensar o débito do devedor principal, com crédito que ele (garantidor) possua em face do credor, haja vista a sua condição de terceiro interessado (art. 371 do CC). Exemplo: imagine que João aluga um bem a Carlos, e Luciano é 0 fiador. Se Luciano tiver um crédito em face de joão, poderá compensar 0 débito de Carlos. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No que se refere à compensação, a prova para Juiz - TJSP, VUNESP, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "apesar da regra geral de que 0 devedor somente pode compensar com 0 credor 0 que este lhe dever, ao fiador é permitido compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado". Como exceção que 0 é, 0 supracitado art. 371 do CC merece interpretação restritiva, até mesmo ante ao comando legal do art. 376 do CC, 0 qual determina que 0 terceiro obrigado por determinada pessoa não pode compensar esta dívida com a que 0 credor lhe deve. Ademais, é importante recordar que na cessão de crédito 0 devedor notificado deve opor de imediato à compensação, sob pena de preclusão. Em não sendo notificado, poderá opor a qualquer momento (CC, art. 294). Este tema, por razões didáticas, será aprofundado quando do capítulo de transmissão das obrigações. Outrossim, na dívida solidária a compensação do codevedor apenas poderá acontecer até 0 montante da sua parcela, sob pena de enriquecimento ilícito. Acerca da liquidez das dívidas, é clarividente que para compensar, faz-se necessário que as dívidas estejam expressas em uma razão numérica. Não se pode compensar um crédito de R$ 2.000,00 (dois mil reais) com uma obrigação de indenizar, em perdas e danos, pendente de liquidação. Seguindo com os requisitos, as prestações haverão de ser Exigíveis; leia-se: vencidas. Obviamente, em homenagem à autonomia privada, nada impede que na via convencional haja compensação de um crédito vencido com um vincendo. 0 último requisito para a compensação legal é a Fungibilidade dos Débitos; ou seja: devem ser dívidas da mesma natureza (gênero e espécie). Não se pode, mediante compensação legal, compensar-se obrigação de dar com de não fazer. Diga-se que se 0 contrato prevê, além do mesmo gênero, tem de ser da mesma

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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espécie, não sendo possível compensar uma saca de feijão preto com uma de feijão branco. ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: CESPE. Órgão: PGM - João Pessoa - PB Prova: CESPE 2018 - PGM - João Pessoa - PB - Procurador do Município. Paulo tem uma dívida de R$ 1.000 com Pedro; este, por sua vez, tam­ bém tem uma dívida de R$ 1.000 com Paulo, de modo que ambas as dívidas são líquidas e exigíveis. Nesse caso, a extinção da obrigação poderá ocorrer por Resposta: compensação. Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: DPE-AM. Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - De­ fensor Público - Reaplicação. No tocante ao adimplemento e extinção das obrigações, considere as afirmações a seguir: A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas ou não, mas desde que fungíveis entre si. Resposta: Falsa. Mais uma vez, em uma leitura sob 0 paradigma da autonomia, nada impede que na compensação convencional seja feita esta operação. A compensação convencional - agora falando especificamente dela - é a decorrente de acordo de vontades. Aqui, respeitados os limites cogentes do direito civil, a liberdade é ampla, sendo possível compensar obrigações não fungíveis entre si - como uma obrigação de dar com uma de fazer -, prestações não vencidas; vencida com vincenda... Lembre-se, todavia, que a mesma vontade criadora da compensação pode vedá-la (CC, art. 375). A isto a doutrina denomina de cláusula de exclusão da compensação. Contudo, não se trata de um preceito normativo fácil de ser aceito, especialmente em negócios jurídicos onde as partes não se encontrem em situação de igualdade. Logo, impõe-se a ressalva a esta prática nos contratos adesivos - ante a impossibilidade de renúncia antecipada a direito, sob pena de nulidade absoluta (CC, 424) - e de consumo - ante ao descompasso entre as partes, revelando-se clara cláusula abusiva e, consequentemente, nula de pleno direito (CDC, 4o, I; e art. 51). A última modalidade de compensação é a judicial ou processual. Obviamente, realizada em juízo, durante 0 processo, de acordo com uma autorização normativa, pouco importando a vontade das partes. Nesta modalidade particular, uma importante advertência deve ser feita. 0 CPC/15 veda, expressamente, a compensação judicial recíproca dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §14, segundo 0 qual "Os honorários constituem direito do advogado e têm

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natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. Como se vê, é expressamente vedada a compensação da sucumbência parcial, aspecto que indica importante mudança normativa sobre o tema. Também prevê o já citado art. 375, bem como 0 art. 380, outras hipóteses nas quais se exclui a compensação, entre elas: a) Dívidas oriundas de esbulho, furto ou roubo, diante da ilicitude do fato; b) Dívidas oriundas de comodato, depósito ou alimentos. Isto porque no como­

dato e no depósito os bens são infungíveis. Já os alimentos, em virtude da natureza da dívida (art. 1.707 do CC; c)

Dívidas oriundas de bens impenhoráveis. Exemplifica-se com 0 rol do art. 649 do CC. Se a norma e a ordem pública não permitem a penhora, como autoriza a compensação?

d) Compensação que venha a ser prejudicial a direito de terceiro. ► Como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema? Vide a Súmula 130:

"A empresa responde, perante 0 cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento." Entendemos que tais preceitos são numerus apertus, na forma do princípio da operabilidade do Código Civil, de modo que será possível, diante de situações semelhantes, não se admitir a compensação. Exemplifica-se com a hipótese de sequestro, a qual não está expressamente prevista no Código Civil. E se as dívidas objeto da compensação possuírem lugares diferentes de pagamento; poderíam ser compensadas? 0 art. 378 do CC permite esta prática. Para tanto, salvo disciplina em contrário, serão abatidas as despesas da diligência, mediante rateio entre credor e devedor. Está-se diante de uma norma supletiva ou dispositiva, a qual permite disciplina em contrário. Na lição de O rlando C omes, como 0 direito obrigacional é 0 direito pessoal projetado segundo a autonomia privada, a vontade, sempre que possível, deve ser homenageada, afastando, até mesmo, normas jurídicas, desde que não sejam cogentes. É 0 que se verifica na hipótese14.

Em arremate, deve-se recordar que as regras da imputação ao pagamento podem ser aplicadas à compensação, quando a mesma pessoa é "obrigada por várias dívidas compensáveis", na forma do art. 379 do CC.

14

In Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 7.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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► Como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

De acordo com o S uperior T ribunal de Justiça é possível a Administração Pública utilizar-se do instituto da compensação sem a necessidade de decisão judicial, aplicando o direito privado supletivamente, como per­ mite o art. 54 da Lei 8.444/95 (MS n. 4.382-DF).

► Atenção!

Interessante reflexão gira em torno do revogado art. 374 do CC, que, originariamente, admitia a compensação tributária. Este artigo afirma­ va que: "A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafíscais, é regida pelo disposto neste capítulo". A Medida Provisória 104/2003, convertida na Lei 10.677/03, revogou 0 art. 374 do CC, 0 qual admitia a compensação das dívidas fiscais e para fiscais, havendo isolados posicionamentos, como os de N elson N ery e M ário D elgado, pela inconstitucionalidade desta revogação, ante 0 vício de forma (impossibilidade de reedição da aludida Medida Provisória). A doutrina majoritária admitiu a revogação em comento, sendo este também 0 posicionamento do S uperior T ribunal de Justiça, como dá conta 0 REsp. 1.0 2 5 .9 9 2 -S C . Realmente, 0 Código Civil não seria 0 local adequado para discipli­ na envolvendo renúncia ou compensação fiscal, especialmente sem qualquer estudo de impacto econômico à aludida prática e, pior, desrespeitando-se 0 federalismo, como se os Estados-Membros não possuíssem autogoverno e liberdade para decidir a respeito deste assunto. Somos favoráveis à compensação tributária, desde que a matéria venha regulada em legislação específica, emanada de cada Estado-Membro, ou, no plano da tributação federal, destacada do Direito Civil, na linha dos princípios norteadores do Direito Constitucional Tributário. 8. CONFUSÃO De acordo com 0 art. 3 8 1 do CC: "Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor". 0 termo confusão é aqui utilizado pelo Código Civil como forma indireta ou especial de extinção da relação jurídica obrigacional, sem pagamento algum. ► Atenção!

Não confunda a confusão aqui tratada, que é tema de direito obriga­ cional e remete a uma forma indireta de extinção da obrigação, com a confusão forma de aquisição da propriedade móvel, regulada nos arts. 1.272 usque 1.274 do CC, a qual será tratada no capítulo referente aos direitos reais.

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► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Confira a questão elaborada pela banca CESPE, no ano de 2013: (TRT 8a Região - Analista Judiciário - Área Judiciária) Considere que deter­ minada pessoa tenha reunido as qualidades opostas de credor e devedor da obrigação, tendo, com isso, desaparecido a pluralidade de situações jurídicas referentes à dívida. Essa situação configura a modalidade de pa­ gamento denominada a) remissão. b) assunção de dívida. c) sub-rogação. d) compensação. e) confusão. 0 gabarito é a letra E

A confusão poderá gerar a extinção total ou parcial da dívida (art. 382 do CC). Pode decorrer, ainda, de ato m o rtis c a u sa (sucessão hereditária) ou ato inter vivos, a exemplo de um negócio jurídico. Tem-se confusão m ortis c a u sa quando, por exemplo, João, filho de Ricardo, em função do falecimento deste, recebe crédito que seu pai tinha contra ele. Já na in te r v iv o s verifica-se quando 0 devedor emite um cheque e, em função da circulação do título de crédito, 0 recebe, tornando-se credor de si próprio. 0 principal efeito da confusão é a extinção da obrigação. Tal efeito, porém, nem sempre é definitivo (art. 384 do CC). Isto porque em não subsistindo a confusão, volta a existir a obrigação. Exemplifica-se com uma nota promissária que chega a mão do devedor por endosso. Aqui há confusão. Todavia, se 0 título for novamente posto em circulação, a obrigação renasce.

Ressalta-se que se a confusão se dê em relação à, há de ser observada a dicção do art. 383 do CC: " a c o n fu sã o o p e ra d a na p e s so a d o c re d o r ou d e v e d o r s o lid á rio s ó extingue a o b rig a çã o a té a co n co rrê n cia d a re sp e ctiv a p a rte no créd ito ou n a d ív id a , su b sistin d o qu an to a o s m a is a s o lid a r ie d a d e " . Significa isto dizer que 0 instituto da confusão não é causa de extinção do instituto da solidariedade, havendo extinção da obrigação apenas na respectiva cota parte. Assim pode-se afirmar que a confusão na obrigação solidária não se estende aos demais credores ou devedores, sendo pessoal.

► Atenção! A confusão imprópria traduz a reunião das qualidades de credor ou devedor, e garante, na mesma pessoa. Por exemplo, 0 dono da coisa hipotecada, dada em garantia real da obrigação, torna-se credor na mesma relação jurídica obrigacional. Chama-se esta confusão de im­ própria por levar apenas à extinção da relação obrigacional acessória.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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Este julgado do Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul trata do instituto da confusão aplicado ao Estado e à Defensoria Pública, no tocante ao pagamento de honorários advocatícios, senão vejamos: APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IPVA. VEÍCULO FURTADO. CON­ DENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA. DESCABIMENTO. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR. A Defensoria Pública é órgão do Rio Grande do Sul, vinculado orçamentá­ ria e financeiramente do Estado (LC n. 80/94 e Leis Estaduais 9.230/91 e 10.194/94). Por tal razão, há confusão entre credor e devedor dos honorá­ rios advocatícios (art. 381 do Código Civil), razão pela qual não é cabível a condenação do Estado em honorários à Defensoria Pública. Condena­ ção afastada. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível N° 70020958070, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 27/08/2013). 9. REMISSÃO

A relação jurídica obrigacional nasce para ser cumprida, preferencialmente, de forma voluntária. Todavia, há ocasiões em que 0 credor, malgrado persista com 0 direito subjetivo ao cumprimento, não mais possui interesse no adimplemento obrigacional, dispensando 0 devedor do seu débito. Neste cenário que se insere 0 instituto da remissão; leia-se: perdão da dívida. 0 Código Civil inicia 0 tratamento do tema no art. 385, afirmando que a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro. Tal ato, que pode ser expresso ou implícito (tácito), desde que concorde 0 devedor, torna a obrigação inexigível.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2017, banca: FGV, órgão TRT - 12a Região (SC), Prova: Analista Judiciário - Área Judiciária, foi cobrada a seguinte questão: Enzo e Lucas são grandes amigos e, por estar Enzo em dificuldades fi­ nanceiras, Lucas emprestou-lhe R$2.000,00, ficando acertado que a de­ volução do numerário ocorrería 30 dias depois. Passado um mês, Enzo disse que continuava com grave dificuldade e que não teria dinheiro para honrar 0 compromisso. Penalizado com a situação, Lucas resolveu perdoar a dívida, afirmando que uma boa amizade teria maior valor que d in h e iro . Enzo a g ra d e c e u a s e n s ib ilid a d e e a ce ito u a o ferta do am igo .

Resposta: remissão. Da verificação conceituai observa-se que a remissão apenas pode operarse inter partes, não sendo admitida em prejuízo a terceiros. 0 perdão merece interpretação restritiva (114, CC). Assim, causando a remissão, por exemplo, diminuição no patrimônio do credor capaz de tornar 0 devedor inadimplente, poderá ser agitada pelos interessados

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a competente ação pauliana ou revocatória (art. 158, CC), com arguição de fraude contra credores e busca da anulação do ato15. ► Atenção!

Estamos a tratar da remissão, grafada com duplo "s", a qual significa per­ dão. É um instituto de direito material inserido dentre os modos extintivos das obrigações, sem 0 pagamento. É uma forma especial ou indireta de pagamento. Difere-se da remição grafada com ç, que significa resgate, sendo tratada pelos processualistas na seara da execução. Difere a remissão, ainda, da doação, a qual nem sempre diz respeito a um crédito. A doação pode abranger coisas corpóreas. Apesar disto, como bem explicita C arlos Roberto G onçalves16, a doutrina francesa iguala os institutos da remissão e doação, considerando aquela espécie desta, ao passo que se trata também de liberalidade com eficácia sujeita à aceitação. Voltando ao conceito, por exigir a concordância do devedor, trata-se a remissão de um negócio jurídico bilateral. De fato, 0 credor há de propor e 0 devedor há de aceitar, abrindo mão do seu direito de pagar e obter quitação, desde que não prejudique direito de terceiros, muito menos interesse público.16 P ablo Stolze

e

R odolfo P amplona Filho17

apresentam dois requisitos caracterizadores

da remissão, quais sejam: a) 0 inequívoco ânimo de perdoar; b) A aceitação do perdão pelo devedor. Em relação ao segundo requisito fica claro que 0 legislador brasileiro afastouse da doutrina italiana, para 0 qual a remissão é ato unilateral, espécie particular de renúncia a um direito de crédito. Aproxima-se 0 direito nacional (brasileiro) com 0 alemão, 0 qual enxerga a remissão como um instituto complexo, com ares de contratualidade, exigindo 0 aceite. A opção nacional pela aquiescência liga-se à ideia da obrigação moral subsistente, possibilitando ao devedor, que queira, exercitar o seu direito ao pagamento. Inexistindo concordância, permanece a obrigação, sendo que a negativa do credor ao recebimento possibilita, por parte do devedor, 0 manejo da consignação em pagamento. Assim, no direito Brasileiro, seguindo as pegadas do alemão e distanciandose do italiano, no particular, não se deve confundir a remissão com a renúncia. 15 16

Para 0 estudo do tema fraude contra credores e fraude à execução, fineza consultar 0 Volume dedicado à Parte Geral, em especial 0 capítulo sobre Fato, Ato e Negócio Jurídico. Op. Cit., p. 362.

17

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 146.

Cap. V • Ainda sobre o adimplemento e a extinção das obrigações

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Esta (renúncia) é um ato de disposição unilateral, abdicativo e que independe de aceite. Fato diverso da remissão. A remissão poderá ser total ou parcial, a depender de abranger a todo o objeto da prestação, ou apenas parte do mesmo, persistindo aqui o montante não remitido. Clássico exemplo de remissão parcial é a cobrança do principal, sem atualização monetária e juros de mora, ou o manejo de uma execução parcial. É possível, ainda, que a remissão poderá, ainda, ser expressa ou tácita. A expressa poderá ser escrita ou verbal. A grande vantagem da modalidade expressa e escrita é a maior possibilidade probatória, geralmente em instrumento público ou particular pré-constituído. A entrega de um título de crédito pode significar remissão tácita? Na forma do art. 324 e 386, ambos do CC, a entrega do título pode significar remissão. Fala-se em pode, porque é necessário interpretar 0 caso concreto à luz da boa-fé, dos usos e costumes do lugar (CC, art. 113). É possível a entrega do bem compreendida como outro efeito jurídico, como ocorre, por exemplo, no caso de objeto empenhado. Neste cenário, se presume apenas a renúncia à garantia, mas nunca 0 perdão de toda a dívida (CC, art. 387). Tal entrega, registra-se, há de ser feita por quem tenha poderes para tanto. A remissão poderá ser inter vivos ou mortis causa. 0 que fazer na hipótese de remissão quando houver codevedores? Em se estando diante de uma solidariedade passiva, em vista do fato da remissão ter apenas efeitos inter partes, somente 0 codevedor perdoado que estará liberado da obrigação, perdoando-se apenas a sua cota parte e persistindo os demais codevedores com obrigação solidária pelo resto (art. 388, CC). A remissão é pessoal ou subjetiva (in personam) e não pelo objeto (in rem). Logo, não se estende (se aproveita) aos demais codevedores. Exemplifica-se: A, B e C são devedores solidários de D, tendo a obrigação de adimplir com 0 valor de R$ 300,00 (trezentos reais). Em D perdoando A da sua cota parte, a remissão será in personam (pessoal ou subjetiva), e não in rem (pelo objeto), restando obrigação solidária de B e C no montante de R$ 200,00 (duzentos reais). Verifica-se, na verdade, a extinção da solidariedade apenas em relação ao codevedor perdoado (arts. 277 e 282 do CC). Como 0 acessório segue a sorte do principal, 0 perdão consentido ao devedor principal aproveita os seus garantidores.

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► E na hora da prova?

Ano: 2019. Banca: MPE-SP. Órgão: MPE-SP. Prova: Promotor Substituto. Foi considerada correta a seguinte assertiva: Gabriel Vieira, Paulo Mar­ tins, Carlos Andrade e Marcelo Pereira emprestaram de Jorge Manuel a quantia de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) para a compra de um carro esportivo. As partes estabeleceram que 0 referido valor seria dividido em quatro parcelas iguais e sucessivas bem como que todos os devedores ficariam obrigados pelo valor integral da dívida. Dian­ te dessa situação, assinale a alternativa correta: 0 pagamento parcial feito por Carlos e a remissão dele obtida pelo credor Jorge Manuel não aproveitam aos outros devedores, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada. E se a obrigação for indivisível, houver uma pluralidade de credores e um deles realizar a remissão. Quais as consequências? Os demais credores poderão cobrar do devedor, 0 qual pagará por inteiro (CC, art. 314), sendo abatido no valor 0 montante outrora perdoado. Exemplifica-se: A, B e C são credores de D, sendo a obrigação a entrega de um cavalo de corrida. 0 animal está avaliado em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). "A" remite a dívida. Os outros dois apenas poderão exigir a entrega do cavalo se compensarem 0 devedor. Explica-se: 0 devedor entregará 0 cavalo por inteiro - é um objeto indivisível - e receberá uma contrapartida de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão do perdão de "A".

Capítulo

A crise das obrigações: teoria do inadimplemento l. A CRISE OBRIGACIONAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA1

Nas pegadas do art. 389 do CC, descumprida a obrigação, responde 0 devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, bem como honorários de advogado. Trata-se de modalidade de responsabilidade civil (não contratual), denominada por alguns de crise das obrigações ou, por outros, de teoria do inadimplemento. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova realizada pela FCC, no ano de 2013, para 0 cargo de Analista de Procuradoria - PGE/BA, foi tida como verdadeira a proposição: "Inadimplida a obrigação, poderá 0 credor exigir do devedor, uma vez constituído em mora, 0 valor do principal, acrescido de juros, correção monetária, multa (se convencionada), custas e honorários advocatícios". Sem dúvida, devemos buscar sempre 0 adimplemento obrigacional. Isto é 0 que dinamiza a teoria das obrigações. É 0 que a promove e impulsiona: "0 a d im p le m e n to a tra i e p o la riz a a o b rig a çã o . É 0 s e u fim "12. 0 desrespeito a isto certamente acarreta dano direto e imediato ao credor, no âmbito interno do laço obrigacional. Mas, sem dúvida, também farpeia a harmonia social, desestabilizando-a, para além dos limites endógenos do vínculo prestacional.

1

João Luiz Alves, Código Civil anotado. Rio d e Janeiro, F. Briguiet, 1917; Agostinho Alvim, Da inexecução d as o b rig açõ es e s u a s co n seq u ên cia s, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972; Álvaro Villaça Azevedo, Teoria g eral d a s o b rigaçõ es, 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; Clóvis Beviláqua, Có d igo Civil co m en tad o , v. IV. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1934, e D ireito d a s o b rig açõ es, 8. ed., Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1954; Maria Helena Diniz, Cu rso d e direito civil b ra sileiro , v . II, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 19901991, e Código Civil a n o ta d o , São Paulo: Saraiva, 1995; Orlando Gomes, O brigações, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976; João Franzen de Lima, Cu rso d e direito civil b ra sile iro , v . II. Rio de Janeiro: Forense, 1958; Washington de Barros Monteiro, Curso d e direito civil, v. IV, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1976; Guilherme Alves Moreira, Instituições d o direito civil português, 2. ed. Coimbra: Coimbra M, 1925, v. 2.

2

Clóvis do Couto e Silva, in : A Obrigação como Processo. São Paulo: Bushatshy, 1976.

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Direito Civil - Vol.

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• Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A teoria do inadimplemento deve ser analisada de modo a viabilizar a dignidade humana dos contratantes, no plano individual, assim como a dignidade coletiva, na perspectiva metaindividual, nos moldes da solidariedade a que se refere o art. 3, 1 da Lex Legum. Não se deve perder de vista, ainda, os fatores da ordem econômica e social, cujo elemento propriedade está presente e pode ser afetado, desestruturando 0 sistema econômico-constitucional e, por que assim não dizer, a segurança jurídica. Interessante notar que a teor do Enunciado 24 do C onselho da Justiça F ederal (C JF ): "Em 422 d o novo Có d igo Civil, a v io la ç ã o d o s d e v e r e s a n e x o s constitui e s p é c ie de in a d im p le m e n to , in d e p e n d e n te m e n te d e c u lp a ". Assim, é certo afirmar que, atualmente, existe mesmo uma complexidade muito maior no olhar do inadimplemento, em nítida ampliação do seu conceito e alcance jurídico, açambarcando, até mesmo, os deveres implícitos do contrato, como a informação. v irtu d e d o p rin cíp io d a b o a -fé , p o sitiv a d o no art.

Hoje é possível afirmar que 0 conteúdo do inadimplemento envolve a um só tempo 0 inadimplemento absoluto, 0 inadimplemento relativo (mora) e, finalmente, a violação positiva do contrato, com seus deveres anexos. ► E na hora da prova? No concurso de Promotor de Justiça - RJ/2016 foi apresentada a se­ guinte questão discursiva: "Distinga, exemplificando cada qual, mora,

inadimplemento absoluto e violação positiva do contrato". Resposta objetivamente fundamentada. Em comparação com a legislação pretérita, 0 Código Civil de 2002 disciplinou as modalidades de inadimplemento (absoluto e relativo) de maneira inédita. Depois de disciplinar 0 inadimplemento, a legislação cível tratou de abordar os efeitos jurídicos desta crise, através dos institutos das perdas e danos, assim como dos juros legais, da cláusula penal e, finalmente, das arras. É dizer: primeiramente 0 legislador apresenta e disciplina 0 inadimplemento. Após, prescreve sobre as consequências judiciais, contratuais e legais desta situação jurídica (relação básica de causa e efeito). ► Atenção!

De acordo com 0 Enunciado 426 da V Jornada em Direito Civil: "Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pertencem ao advogado". 1.1. A Superação da Prisão Civil e a Súmula Vinculante 25 da

À guisa do princípio da eticidade, foi elaborado 0 Enunciado 363 do C onselho nos seguintes termos: "Os p rin c íp io s d a p r o b id a d e e d a co n fia n ça

Justiça F ederal

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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são de o rd e m p ú b lica , e sta n d o a p a rte le s a d a so m e n te o b rig a d a a d e m o n stra r a ex istên cia d a v io la ç ã o " . Nitidamente há uma séria tomada de posição hermenêutica, optando-se em valorizar os modelos morais, éticos e deontológicos, impregnando a teoria do inadimplemento com elementos ideais afetos à proteção dos direitos fundamentais e da personalidade humana, no seu mais alto significado. Justo por isto, há muito deixamos a opção pela responsabilidade civil pessoal na qual o devedor respondia com o seu próprio corpo pelas dívidas - e adotamos o modelo da responsabilidade civil patrimonial, respondendo o devedor com o seu patrimônio. Isto ocorreu desde a Lex P o e te lia P ap ira (428 a.C.). Reza 0 art. 391 do CC que pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor, 0 que também consta no art. 789 do NCPC. Como já dito alhures, a cláusula geral de tutela à dignidade humana, posta no art. i°, inciso III, da CF, exige uma interpretação constitucional do art. 391 do CC, de modo a se preservar, por exemplo, 0 mínimo existencial. Assim, onde se lê no aludido preceito "to d o s o s b e n s", leia-se todos os bens penhoráveis, ou comerciáveis, ou comunicáveis, ou alienáveis; afinal de contas, pela teoria do patrimônio mínimo, existirão bens que jamais poderão ser penhorados, tais como aqueles indicados no art. 833 do NCPC e na Lei Federal 8.009/90 (bem de família). Mas, então, pergunta-se: em um cenário no qual se veda a responsabilidade pessoal e contempla-se a patrimonial, como permitir a prisão civil do devedor? Nas pegadas da Constituição Federal (art. 50, LXVII) há duas possibilidades de prisão civil: a) devedor de alimentos; b) infiel depositário. Em relação aos alimentos, a prisão civil consiste em salutar medida, ao passo que atende ao princípio da dignidade da pessoa humana e a promoção da tutela do mínimo para a subsistência. Com efeito, ao ser ordenada a prisão civil do devedor de alimentos, 0 dinheiro aparece, gerando os alimentos necessários à vida humana. Alcança esta modalidade de prisão 0 devedor que, citado na execução de alimentos pelo rito da prisão civil (coerção indireta), deixe escoar 0 prazo de três dias sem: (i) pagar; (ii) provar que já havia pago; ou (iii) arguir motivo relevante para a ausência do pagamento (NCPC, art. 528). Tal prazo em dias será contado em dias úteis, na forma do art. 231 do CPC e Enunciado 146 da II Jornada de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal. ► Atenção! 0 conteúdo disposto no antigo art. 733, do CPC será encontrado no

novo CPC (NCPC) no art. 528. Deve ser observada a mudança feita no NCPC, pois a redação atual do dispositivo fala em alimentos provisórios. Contudo a redação do projeto fala em alimentos de uma maneira geral.

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D ir e it o C ivil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A prisão será decretada em tempo não inferior um mês e não superior a três meses. 0 pagamento gera a suspensão da medida. A medida, assim, é coercitiva. Dessa forma, a prisão não exime o devedor do pagamento das prestações. Entenda-se. Cumprido o tempo de prisão e não adimplida as prestações em aberto, persiste a execução, agora por quantia certa, consoante o rito da expropriação. Historicamente entende-se que a prisão civil havería de ser utilizada em relação ao inadimplemento das últimas três parcelas antes da execução, ou das três parcelas vencidas no curso do processo. 0 pensamento decorria da atualidade dos alimentos, sendo as demais parcelas executadas através de uma execução por quantia certa - rito da expropriação (Súmula 309 do STJ). Entrementes, com a edição do Novo Código de Processo Civil, 0 tema recebeu nova análise, a partir da redação do art. 528, p. 70. Assim, doutrina - Enunciado 147 do CJF - e Jurisprudência - Jurisprudência em Teses n. 59, item 6, STJ - afirmam que basta 0 inadimplemento de uma parcela, no todo ou em parte, dentre as três últimas, para que seja viável 0 pleito de prisão civil. ► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Registra-se que na hipótese de alimentos avoengos, por conta da subsidiariedade da obrigação alimentar - Súmula 596 do STJ -, vem se posicio­ nando 0 Superior Tribunal de Justiça no sentido de que havendo meios executivos mais adequados e igualmente eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avós, é admissível a conversão da execução para 0 rito da penhora e da expropriação, a fim de afastar 0 decreto prisional em desfavor dos executados (HC 416.886-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017). 0 intuito é não estender àqueles que tem obrigação complementar e subsibdiária avós - 0 meio executivo mais gravoso - execução dos alimentos através de medida de prisão civil. Seguindo na esteira dos importantes entendimentos do STJ, firmou o Tribunal da Cidadania ser possível a aplicação imediata do art. 528, § 7° do CPC/2015, em execução de alimentos iniciada e processada, em parte, na vigência do CPC/1973. (RHC 92.211-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018). Afinal, por se tratar de procedimento, a norma processual de 2015 tem incidência imediata, consoante a máxima tempus regit actum - 0 tempo rege 0 ato. Outrossim, a mesma conclusão se chegaria analisando 0 tema sob 0 prisma da teoria do isolamento dos atos processuais - CPC/15, arts. 14 e 1.046 a qual determina a imediata aplicação da nova norma proces­ sual, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas. Ainda nos importantes pronunciamentos do STJ relacionados ao tema, adverte a Corte ser possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente em pecúnia, das despesas pagas "in natura", com 0 consentimento do credor, referentes

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente. (REsp 1.501.992-RJ, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 20/03/2018, DJe 20/04/2018). Decerto, 0 princípio da não-compensação alimentar, esculpido no art. 1.707 do CC, não é absoluto, sob pena de ocacionar enriquecimento sem causa do credor. Ao lado da prisão de alimentos, a Constituição Federal trata da questionada prisão civil do infiel depositário. Conceitua 0 art. 627 do CC 0 contrato de depósito como um negócio jurídico em que uma das partes (depositário), recebe bem móvel alheio para guardá-lo, com a precípua obrigação de devolvê-lo quando 0 depositante reclamar. A ação que possui 0 escopo da devolução da coisa depositada é denominada de Ação de Depósito. É um procedimento especial de jurisdição contenciosa, através do qual 0 depositante requer ao juiz a citação do depositário para restituição da coisa (arts. 901 a 906 do CC). Nesta ação, 0 credor pleiteia na inicial, com a prova literal do depósito e estimativa do valor da coisa, a restituição do bem depositado ou do seu equivalente em dinheiro, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de prisão civil. Tal prisão não poderá exceder a um ano. Após a contestação do feito, 0 rito passa a ser ordinário. Julgada procedente a ação, ordenará 0 juiz expedição de mandado para entrega da coisa, ou do equivalente em dinheiro, em 24 (vinte e quatro) horas. Não cumprido 0 mandado, 0 depositário torna-se infiel, sendo possível a prisão (art. 652 do CC). Por força do art. 40 do Decreto 911/69, a possibilidade de prisão no depósito voluntário estendia-se à alienação fiduciária em garantia. Assim, em havendo 0 inadimplemento e não sendo encontrado 0 bem, 0 comprador era convertido em depositário infiel, sendo ordenada a sua prisão civil. Além disto, poderá 0 juiz nomear depositário no curso de um determinado procedimento, sendo a hipótese mais corriqueira a da penhora de bens com a manutenção da guarda pelo executado. Determinava a Súmula 619 do S upremo T ribunal F ederal que se 0 depositário realizasse a alienação da coisa, descumprindo a ordem, e fosse intimado para devolvê-la, poderia ter sua prisão decretada no b o jo d o p ró p rio p ro c e s s o , in d e p e n d e n te m e n te d e a ç ã o e s p e c ífic a d e d e p ó s ito .

A prisão do depositário infiel há muito é questionada, em função de 0 Brasil ter se tornado signatário do Pacto de São José da Costa Rica. Explica-se: desde os idos da década de noventa, 0 Brasil assinou um tratado internacional no qual apenas possibilitava-se a prisão civil do devedor de alimentos. Apesar disto, 0 S upremo T ribunal F ederal permaneceu possibilitando tal medida prisional até 0 ano de 2008, quando 0 tema voltou a ser analisado. Foi então

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em 2008 que 0 S upremo T ribunal F ederal conferiu ao aludido pacto status de norma supralegal, declarando a ilegalidade da prisão civil do infiel depositário no Brasil, em qualquer hipótese (depósito contratual ou judicial). Registre-se: a prisão em comento fora declarada ilegal, e não inconstitucional, pois não poderia 0 S upremo T ribunal F ederal declarar a inconstitucionalidade de uma norma constitucional. 0 que se fez foi a invalidação das normas infraconstitucionais, diante da supralegalidade do pacto, 0 qual passou a ser posicionado abaixo da Constituição Federal e acima das normas infraconstitucionais. ► Como o tema foi cobrado em concurso público? (Vunesp - Defensor Público - MS/2014) A prisão civil no direito brasileiro,

atualmente, (A) não é admitida em caso de inadimplemento de débito alimentar e também não é admitida para a hipótese de depositário infiel. (B) é admitida pelo inadimplemento de débito de natureza alimentar, mas vedada para 0 depositário infiel. (C) é admitida para 0 depositário infiel, mas vedada pelo inadimple­ mento de débito de natureza alimentar. (D) é admitida em caso de inadimplemento de débito alimentar e tam­ bém é admitida para a hipótese de depositário infiel. Cabarito: B Neste cenário, houve a revogação da Sumula 6 1 9 do S upremo T ribunal F ederal, e vieram à lume a Súmula Vinculante 2 5 do S upremo T ribunal F ederal e a Súmula 419 do S uperior T ribunal de Justiça , ambas vedando a prisão civil para hipóteses de depósito, 0 que evidencia a nova dimensão existencial do direito privado e os limites humanísticos da persecução patrimonial. 1.2. Inadimplemento Absoluto x Inadimplemento Relativo 0 inadimplemento é gênero que se divide em absoluto e relativo. A nosso juízo, 0 inadimplemento caracteriza-se como absoluto quando a prestação a ser adimplida perece, ou se torna inútil (descumprimento definitivo). Relativo é 0 inadimplemento quando ainda há chance, utilidade, na execução obrigacional. É d iz e r: s e a in d a fo r útil à p re sta ç ã o , sig n ifica q u e h á tão so m e n te m o ra ; ou s e ja : o

retardamento da prestação, porque o inadimplemento aqui será apenas relativo. ► Atenção!

Inadimplemento é termo jurídico intimamente relacionado com a res­ ponsabilidade civil e, portanto, com a noção de dolo ou culpa. Ao se pronunciar a palavra inadimplemento, deve-se imaginar a inexecução voluntária de um contrato, culposa no sentido mais amplo da expres­ são (culpa lato sensu). Se a inexecução é involuntária, não se há de falar, tecnicamente, em inadimplemento. A hipótese será outra, qual seja: de exdudente de reparação civil.

Cap. VI . A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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0 tema inadimplemento é encontrado nos arts. 389 a 393 do CC.

sustentam que nas obrigações negativas (CC, art. 390) todas as hipóteses de descumprimento configuram inadimplemento absoluto, sejam elas negativas instantâneas (ex. dever de não revelar segredo) ou negativas permanentes (ex. dever de não edificar em certa altura). Contudo, nas obrigações pecuniárias não se poderia falar em inadimplemento absoluto, pois C ristiano C haves

de

Farias

e

N elson R osenvald

"n ã o h á p e rd a ou p e re cim e n to d a s o b rig a çõ e s d e d a r d in h e iro "3

Importante notar que 0 elemento onerosidade funcionará como divisor de águas na correta interpretação dos efeitos do inadimplemento, por força do art. 392 do CC. Assim, nos contratos benéficos - leia-se: gratuitos - 0 contratante responde por simples culpa, a quem 0 contrato aproveite, e por dolo, àquele a quem não favoreça. Já nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, em igualdade de condições. É possível relacionar 0 art. 392 do CC com 0 art. 114 do mesmo diploma, 0 qual impõe uma interpretação restritiva aos contratos benéficos. Verifica-se uma boa vontade do legislador cível em favor de quem, por liberalidade, diminui 0 próprio patrimônio jurídico em face de outrem. Esta ideia também é prestigiada na jurisprudência, como se depreende da Súmula 145 do S uperior T ribunal de Justiça: "No tra n sp o rte d e s in te r e s sa d o , d e s im p le s co rte sia , 0 tra n sp o rta d o r só s e r á civilm en te re s p o n s á v e l p o r d a n o s c a u s a d o s a o tra n sp o rta d o , q u a n d o in c o rre r em d o lo ou cu lp a g ra ve". C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald4admitem ainda a hipótese de inadimplemento por fato relativo ao interesse do credor. Ocorre quando diante do inadimplemento relativo, uma vez que ainda seria possível 0 cumprimento obrigacional, 0 credor informa 0 seu desinteresse no adimplemento tardio (inadimplemento absoluto por fato do credor). É 0 exemplo de um animador de festa que chega atrasado ao evento. Ainda seria possível 0 cumprimento, todavia, caso 0 credor não tenha mais interesse, 0 inadimplemento torna-se absoluto.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para 0 cargo de Procurador Municipal - Prefeitura de Cuiabá/MT, banca organizadora FCC, ano de 2014, trouxe a seguinte questão: C a rlo s a d q u iriu um ca va lo p re m ia d o p a ra p a rticip a r d e com p etição de

hipismo. 0 vendedor, Cil, comprometeu-se a entregar 0 cavalo em até dois dias do início da competição. Gil, no entanto, deixou de entregar 0 cavalo na data combinada, impossibilitando Carlos de participar do torneio. Entregou-o, porém, três dias depois. Carlos 3

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 354.

4

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 352.

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D ir e it o C iv il - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) deverá necessariamente receber a coisa, não podendo reclamar sa­ tisfação das perdas e danos. b) deverá necessariamente receber a coisa, sem prejuízo de exigir satisfação das perdas e danos. c) deverá necessariamente enjeitar a coisa, exigindo satisfação das perdas e danos. d) poderá enjeitar a coisa e exigir satisfação das perdas e danos, caso entenda que a prestação se tornou inútil. e) poderá enjeitar a coisa e exigir somente a devolução da quantia paga, sem outros acréscimos. 0 gabarito é a letra D. Segundo o Enunciado 162 do CJF, todavia, "A in u tilid a d e d a p re s ta çã o q u e a u to riza a re cu sa d a p re s ta ç ã o p o r p a rte d o c re d o r d e v e s e r a f e r id a o b je tiva m e n te , co n so a n te 0 p rin cíp io d a b o a -fé e a m a n u te n çã o d o sin a la g m a e n ã o d e a co rd o com 0 m ero in te re s se su b je tiv o d o cre d o r".

► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: VUNESP. Órgão: TJ-SP Prova: VUNESP - 2018 - TJ-SP - Titu­ lar de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "por regra de boa-fé objetiva, a purgação da mora sempre é possível, ainda que a presta­ ção seja inútil ao credor".

1.2.1. A Teoria da Substancial Performance e a Resolução por Inadimplemento Os arts. 474 u sq u e 480 do CC tratam do instituto da resolução dos contratos. Trata-se de tema intimamente ligado à Teoria Geral dos Contratos e às Obrigações, pois autoriza a extinção do vínculo por imputação de descumprimento culposo a uma das partes. A casuística, entretanto, demonstra que 0 direito de pedir judicialmente a resolução obrigacional deve ser implementado dentro dos limites da razoabilidade, proporcionalidade, conservação do negócio jurídico, do interesse econômico do credor, da eticidade, da vedação ao abuso e da função social do contrato. Em outras palavras: não é juridicamente razoável " a b r ir m ã o " de um contrato e resolvê-lo quando a eficácia interna daquele ajuste evidencie a presença, ainda, de interesse jurídico-econômico a beneficiar quem postula a extinção contratual. Exemplo ilustrativo é a teoria do inadimplemento mínimo - também chamada de adimplemento substancial ou sub sta ntia l p erfo rm an ce - a limitar 0 exercício do direito potestativo de resolver um contrato.

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Trata-se de teoria não prevista em lei, mas difundida pela doutrina e pela jurisprudência e cujo objetivo é a aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade às relações obrigacionais. Caso já tenha sido verificado o adimplemento substancial da avença, não há de se falar na imputação de largas penalidades ao devedor, mas sim de sanções proporcionais. Registre-se: a tese não objetiva o perdão da dívida, ou a aplicação do princípio da bagatela. Ao revés. 0 inadimplente deve sofrer com as consequências da sua conduta. Todavia, no nível da sua ausência de pagamento. Aquele que já quitou 95% (noventa e cinco por cento do preço), por exemplo, não deve ser penalizado da mesma forma que alguém que apenas quitou io % (dez por cento) do valor. Portanto, "0 adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar à função social do contrato e o princípio da boa-fé, balizando a aplicação do art. 475" (Enunciado 361 do CJF). A substantial performance significa isto: adimplida quase toda a obrigação, não caberá a extinção do contrato, mas apenas outros efeitos jurídicos visando sempre a manutenção da avença como numa "eficácia interna da função social dos contratos, entre as partes contratantes" (Enunciado 360 do CJF). Também entende a doutrina que para a caracterização do adimplemento substancial se deve levar em conta "tanto os aspectos quantitativos quanto qualitativos" (Enunciado 586 do CJF). ► E na hora da prova?

A banca CESPE, no concurso para Procurador do Estado da PGE-BA, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "A teoria do adimple­ mento substancial impõe limites ao exercício do direito potestativo de resolução de um contrato". Ano: 2018. Banca: TRF - 3a REGIÃO Órgão: TRF - 3a REGIÃO Prova: TRF - 3a REGIÃO - 2018 - TRF - 3a REGIÃO - Juiz Federal Substituto. Em matéria de extinção dos contratos é CORRETO afirmar: Resposta: Considerando os postulados da boa-fé objetiva e da função social do contrato, é eventualmente possível, mesmo diante do inadim­ plemento, recusar-se a resolução do contrato pela invocação da teoria do substancial adimplemento. ► Como o assunto é visto no Superior Tribunal de Justiça?

Já entendeu 0 Superior Tribunal de Justiça, verbi gratia, que 0 atraso no pagamento da última parcela do prêmio do contrato de seguro, não permite a seguradora suscitar inadimplemento absoluto do segurado (REsp 293.722/SP). Justo por isto, firma 0 STJ na Jurisprudência em Teses n. 116, item 2, que "0 simples atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, sendo neces­ sária, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação".

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Ainda nas pegadas do adimplemento substancial, entende-se que, "A cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede a caracterização da mora do devedor" (Enunciado 354 do CJF e STJ, AgRg no REsp. 903.592/RS, Relator Ministro Menezes Direito). Afinal, 0 inadimplemento, neste caso, seria mínimo e sobre parcela de legalidade duvidosa. A jurisprudência dos tribunais superiores já pacificou 0 entendimento sobre a teoria do inadimplemento mínimo de modo a, respeitando a nova visão do direito-civil constitucional e repersonificado, valorizar a cláusula geral da dignidade humana, harmonizando-a com os direitos de crédito e a função social dos contratos. ► Atenção! 0 Superior Tribunal e Justiça, por ao menos duas oportunidades, já afastou a aplicação da tese do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia, por força do regramento especial do Decreto-Lei 911/69. Exemplifica-se 0 dito com 0 REsp 1.622.555-MG, Rei. Min. Marco Buzzi, Rei. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 22/2/2017, Dje 16/3/2017. Informativo 599. De fato, na alienação fiduciária em garantia há norma expressa a possi­ bilitar ao credor lesado exercitar 0 direito de busca e apreensão do bem, com a consequente resolução do contrato, independentemente do nível de adimplemento do devedor.

Outrossim, 0 mesmo Superior Tribunal de Justiça já firmou que "a teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacio­ nadas a obrigações de natureza alimentar". Afinal, a natureza do cré­ dito alimentar - manutenção da vida - demanda análise que restringe a incidência do adimplemento substancial. (HC 439.973-MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, Rei. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, por maioria, julgado em 16/08/2018, Dje 04/09/2018). ► E na hora da prova?

Ano: 2017 Banca: FCC Órgão: TRE-PR Prova: Analista Judiciário - Área Ju­ diciária. Considere as afirmações abaixo a respeito da teoria do adimplemento substancial. I. Embora não esteja expressamente prevista na legislação, a jurispru­ dência, com base na doutrina, tem admitido esta teoria para evitar a rescisão do contrato. II. Foi expressamente prevista na legislação civil e sua adoção evita a resolução do contrato, quando ocorrer inadimplemento mínimo. III. Caso adotada, apesar de a obrigação contratualmente estabelecida não ter sido cumprida totalmente, se ela foi adimplida substancialmente,

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apenas se admitirá a resolução do contrato, mas impede a condenação em indenização por perdas e danos, se o devedor agiu de boa-fé. IV. Se adotada, não impedirá o credor de receber o que lhe é devido. V. Apesar de prevista em lei, com a vigência do Código Civil de 2002, foi abandonada, em razão da regra que impõe a observância da boa-fé. Está correto 0 que se afirma APENAS em Resposta: I e IV. Seguindo nas hipóteses de resolução obrigacional, recorda-se do caso fortuito e da força maior. Na esteira do art. 393 do CC, se verifica 0 caso fortuito ou a força maior no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Ainda na dicção do artigo em comento, 0 devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Neste caso, afasta-se a culpa. Não há inadimplemento. 0 que existe é um fato alheio à vontade da parte que obstrui 0 cumprimento da obrigação. ► E na hora da prova? (Cespe - Promotor de Justiça - MPE-AC/2014) Considerando os conceitos de

adimplemento e inadimplemento de uma obrigação, assinale a opção correta. A) 0 devedor pode responder pelos prejuízos resultantes de caso for­ tuito ou força maior desde que, expressamente, tenha-se por eles responsabilizado. B) 0 juiz pode conceder ao credor indenização suplementar se os juros da mora e a pena convencional não cobrirem 0 prejuízo suportado. C) A invalidade da cláusula penal implica a invalidade da obrigação principal, visto que nesta está inserida. D) Considera-se em mora 0 devedor que não efetue 0 pagamento no tem­ po ajustado, mas não 0 que cumpra a obrigação de forma imperfeita. E) Não se admite que 0 credor recuse a prestação, ainda que 0 deve­ dor a cumpra em mora, devendo aquele socorrer-se das perdas e danos para ver mitigado seu prejuízo. Gabarito: A Inicialmente, é importante registrar que 0 Código utiliza 0 caso fortuito e a força maior no mesmo preceito, empregando-os como sinônimos. Doutrinariamente, tais institutos são diferenciados das formas mais diversas a depender da opção literário-científica que, em certos casos, se contrapõem. Para os clássicos, 0 caso fortuito seria 0 evento que não podería ser razoavelmente previsto. Logo, imprevisível, a exemplo de um terremoto, maremoto, tsunami, furacão etc. Já a força maior, na lição de Hue, seria "0 fato de terceiro, que criou, para execução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor

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n ão pôde v e n ce r" (Commenttiire th é o riq u e et p ra tiq u e du C o d e Civil, v. 7, p. 143), tais como a guerra, 0 embargo de autoridade pública que impede a saída do navio do porto etc., greve, etc. C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald5 admitem três situações nas quais 0 fortuito não será óbice à responsabilização do devedor, a saber: (a) existência de convenção afastando a excludente de responsabilidade civil (art. 393, CC), (b) ocorrência do fortuito na constância da mora (art. 399, CC), quando 0 devedor é penalizado desta maneira, (c) fortuito interno, qual seja aquele inerente à atividade desenvolvida por alguém6. A estas, somamos mais uma: (d) na hipótese de perda do objeto da obrigação de dar coisa incerta, antes da escolha (art. 246, CC).

► Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2019. Banca. Cargo. Defensor Público - DPE - DF. De acordo com

as disposições do Código Civil e com a jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade civil, julgue 0 item a seguir. As concessionárias de rodovias respondem civilmente por roubos e sequestros ocorridos nas dependências de estabelecimento de suporte mantido para utilização de usuários dessas rodovias. Gabarito: Errado. Neste tópico 0 objetivo foi apenas conferir notícia sobre 0 tema em questão. Com efeito, sua verticalização será realizada ainda neste volume, ao tratarmos das excludentes de responsabilidade civil. Para aqueles que desejem, de logo, tal aprofundamento, basta consultar 0 capítulo supracitado. 2. MORA A mora é a falha relativa do credor (accipiendi) ou do devedor ( d e b e n d i ) no adimplemento da obrigação, ou porque adimpliu tarde (fora do prazo avençado), ou porque não quis receber quando deveria (hipótese do credor faltoso), ou, finalmente, quando 0 princípio da exatidão (CC, 313) é desrespeitado. Logo, há mora quando 0 pagamento não se realiza nas condições de tempo, forma e lugar pactuados (CC, art. 394). A corrente majoritária entende que a comprovação da mora exigirá a prova da culpa, como já entendeu 0 S uperior T ribunal de Justiça ao sustentar que "N ão c a b e a m ulta m o ra tó ria s e n ã o h á fato im p u tá v e l a o d e v e d o r" (REsp. 474.395/RS). Tal mora pode ser do devedor ou do credor, como se passa a estudar. 5

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 356.

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Neste caso força maior é igual a fortuito externo e exclui a responsabilidade civil, mas não é igual ao fortuito interno, que não a exclui. A título ilustrativo, confira 0 art. 734 do CC: “ 0 tra n sp o rta d o r respon­ de p e lo s d a n o s c a u sa d o s à s p e s s o a s tra n sp o rta d a s e s u a s bagagens , sa/vo m otivo d e fo rça m a io r".

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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2.1. Mora do Devedor (solvendi) A mora do devedor acontece apenas nas obrigações positivas de dar e de fazer, pois nelas é possível haver o que se convencionou denominar de imperfeição no cumprimento da obrigação, ou seja, a mora. Como visto acima, nas obrigações negativas não há mora, mas apenas inadimplemento absoluto a ser resolvido pela via das perdas e danos, considerando-se o devedor inadimplente desde o dia que executou o ato que deveria se abster. ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FUMARC. Órgão: PC-MG. Prova: FUMARC - 2018 - PC-MG - De­ legado de Polícia Substituto. Nas obrigações negativas, 0 devedor é considerado inadimplente: A. a partir da sua citação. B. a partir da sua constituição em mora pelo credor. C. a partir do ajuizamento da ação pelo credor. D. desde 0 dia em que executou 0 ato de que se devia abster. Resposta: d Vale lembrar que a responsabilidade civil na hipótese é subjetiva, de modo que será necessária a prova da culpa do devedor (art. 396, CC) que, na prática, manifestarse-á pela via da negligência (descuido casado com omissão). Que fique claro: apenas há mora se houver omissão. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Na prova para juiz - TjSP, VUNESP, ano 2013, foi tida como verdadeira a asser­ tiva: "a caracterização da mora do devedor não dispensa a existência de culpa, mas prescinde da demonstração de prejuízo efetivo". Ano: 2018. Banca: VUNESP. Órgão: TJ-SP. Prova: VUNESP - 2018 - TJ-SP - Ti­ tular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Foi considerada incorreta a seguinte assertiva: havendo retardo no cumprimento da obrigação, sempre estará caracterizada a mora. Foi considerada correta a seguinte assertiva: 0 cumprimento integral e tempestivo da obrigação pode configurar mora na hipótese de 0 devedor, culposamente, cumprir a obrigação fora do lugar ou de forma diversa do estabelecido. Estando 0 devedor em mora, surge a responsabilidade civil deste em indenizar os prejuízos decorrentes (art. 395, CC), passando a responder obrigacionalmente. Digno de nota que, uma vez moroso, durante esta, responderá 0 devedor ainda que presentes 0 caso fortuito e a força maior, ressalvada a comprovação de isenção de culpa ou de que 0 evento aconteceria ainda que a obrigação houvesse sido oportunamente cumprida (art. 399, CC). A isto denomina a doutrina de perpetuação da obrigação.

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D ir e it o C ivil - V o l.

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• Luciano Figueiredo e

Roberto Figueiredo

► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema?

Segundo a súmula 380 do Egrégio S uperior T ribunal de Justiça a "simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor". Quanto à aplicação da Súmula 380 do STJ, cumpre transcrever os julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos anos de 2013 e 2014: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL. MORA CARACTERIZADA. SÚMULA 380 DO STJ. Entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS), que 0 ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. AGRAVO A QUE SE NEGA SEGUIMEN­ TO. (Agravo de Instrumento N° 70052291416, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/01/2013). AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. LI­ MINAR. 0 MERO AJUIZAMENTO DA REVISIONAL NÃO AFASTA A MORA SOLVENDI - SÚMU­ LA 380 STJ. AGRAVO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. (Agravo de Instrumento N° 70058467218, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Julgado em 12/02/2014). 2.2. Mora do Credor (accipiendi) 0 art. 394 do CC é claro ao qualificar a mora do credor como aquela na qual 0 mesmo, sem justa causa, recusa-se a receber 0 pagamento corretamente realizado pelo devedor (recusa juridicamente injustificada). A consequência desta mora accipiendi está no art. 400 do CC, a saber: (i) extinção da responsabilidade civil do devedor pela conservação da coisa, (ii) dever de pagar ao devedor pelas despesas de manutenção do bem a partir daquele instante, (iii) dever de aceitar 0 bem pelo valor mais favorável ao devedor, se houver variação.

São pressupostos para a ocorrência da mora do credor: (i) que exista uma oferta apresentada pelo devedor nos exatos limites obrigacionais (art. 313, CC); (ii) a injustificada recusa do credor no cumprimento obrigacional. C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald 7 sustentam, com correção, que 0 sistema não autoriza a configuração de "moras simultâneas" do devedor e do credor. Isto, porque, "a mora de um exclui a do outro". Com a oferta, 0 devedor ficará liberado dos efeitos da mora - como, por exemplo, a responsabilidade pelos riscos da guarda e da conservação do bem, como ainda 0 dever de ressarcir os gastos efetuados pelo devedor com a conservação do bem durante a fase da mora, submetendo-se 0 credor no recebimento da coisa pelo valor mais favorável ao devedor-, mas continua submetido ao dever jurídico de realizar a prestação, sob

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In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 367.

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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pena de enriquecimento sem causa, razão pela qual estará autorizado ao manejo da consignação em pagamento. 0 abuso do direito, entretanto, continuará sendo vedado. Não é porque o devedor está liberado dos efeitos da mora que poderá abandonar a coisa, ou mesmo ignorar os limites da eticidade, sob pena de desrespeito ao próprio dever de mitigar o prejuízo, na forma do art. 400 do CC

2.3. Constituição em Mora A constituição em mora se dá na forma do art. 397 do CC. Em se tratando de obrigação por tempo determinado, ou seja, a termo, a mora é constituída de forma automática (mora ex re), independente da necessidade de interpelação judicial. Opera-se de pleno direito, afinal de contas 0 devedor já sabe, anter tempus, a data de vencimento: dies interpellat pro homine (0 termo interpela em lugar do credor). Exceção a isto é 0 denominado prazo de favor, a ocorrer quando 0 credor tolera sponte proprío 0 alargamento do prazo. ► Atenção! 0 que é 0 Narchfrist?

A expressão Narchfrist remete ao direito alemão, significando extensão de prazo, concessão de período de carência, prazo adicional, com­ plementar ou suplementar. 0 tema tem regramento na Convenção de Viena sobre Compra e Venda (CISC), a qual firma, em seu art. 47, que "(1) 0 comprador poderá conceder ao vendedor prazo suplementar razoável para 0 cumprimento de suas obrigações. (2) Salvo se tiver recebido comunicação do vendedor de que não cumprirá suas obri­ gações no prazo fixado conforme 0 parágrafo anterior, 0 comprador não poderá exercer qualquer ação por descumprimento do contrato, durante 0 prazo suplementar. Todavia, 0 comprador não perderá, por este fato, 0 direito de exigir indenização das perdas e danos decorren­ tes do atraso no cumprimento do contrato". A doutrina nacional ainda trata do tema de forma tímida, malgrado, como bem pontuam PAULO NALIN e RENATA STEINER13, não significar que haja incompatibilidade entre 0 Narchfrist e 0 direito interno. Sob 0 enfoque jurisprudencial, igualmente tímida são as manifestações derredor do assunto. Ganha destaque uma decisão oriunda do Tribunal de Justiça Gaúcho, intitulada como caso dos pés de galinha (TJRS, Ape­ lação Cível 0000409-73.2017.8.21.7000, Estância Velha, 12a Câmara Cível, Rei. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 14.02.2017, DJERS 17.02.2017).

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NALIN, Paulo. STEINER, Renata C. Atraso na obrigação de entrega e essencialidade do tempo do cumprimento na CISG. In Compra e Venda Internacional de M ercadorias. Curutiba: Juruá, 2014, p. 327-328.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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T r a t a -s e d e s it u a ç ã o n a q u a l e m p r e s a b r a s ile ir a f o r n e c ia p é s d e g a li­ n h a p a r a u m c o m p r a d o r e m H o n g K o n g . 0 T r ib u n a l G a ú c h o e n t e n d e u p e la r e s o lu ç ã o d o c o n t r a t o d ia n t e d e n ã o t e r a e m p r e s a n a c io n a l e n ­ t r e g u e a s m e r c a d o r ia s , m e s m o a p ó s o p r a z o s u p le m e n t a r c o n c e d id o ( Narchfrist ). F r is o u a e m e n t a d o a c ó r d ã o : " c o n t ra t o d e c o m p ra e v e n d a in t e r n a c io n a l d e m e r c a d o r ia s c u ja r e s c is ã o v a i d e c la r a d a , p o r fo rç a d a a p lic a ç ã o c o n ju n t a d a s n o r m a s d o a r t . 4 7 ( 1 ) , d o a rt . 49 ( 1 ) (b ) e d o a rt.

81 (2), todos da Convenção das Nações Unidas sobre contratos de com­ pra e venda internacional de mercadorias ("Convenção de Viena de 1980"), a cujo marco normativo se recorre simultaneamente, a teor dos princípios UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais". Seguramente 0 futuro revelará mais decisões e debates sobre 0 as­ sunto. ► Como o S u perior T ribunal

de

J ustiça j á

entendeu este assunto?

No REsp. 1 .5 1 3 .2 6 2 /S P 0 S uperior T ribunal de Justiça que analisou a questão do termo inicial de juros de mora em cobrança de mensalidade por serviço educacional nos seguintes termos: "Se 0 contrato de prestação de serviço educacional especifica 0 valor da mensalidade e a data de pagamento, os juros de mora fluem a partir do vencimento das mensalidades não pagas - e não da citação válida". REsp 1.513.262-SP, Rei. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, DJe 26.8.15. 3a T. (Info STJ 567) 0 S upremo T ribunal F ederal cristalizou 0 entendimento na súmula 562 segundo O qual "Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, os índices de correção monetária".

D'outra banda, a mora ex persona acontece quando não se estipulou prazo algum de vencimento da prestação (obrigação por tempo indeterminado). Aqui se tornará imprescindível a interpelação extrajudicial ou judicial (parágrafo único do art. 397). Tal interpelação, como aponta 0 Enunciado 619 do CJF, admite meios eletrônicos, como e-mail ou aplicativos de conversa on-line, desde que demonstrada a ciência inequívoca do interpelado, e não haja disposição contratual em contrário. ► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema?

De acordo com a Súmula 76 do S uperior T ribunal de Justiça, no compromisso de compra e venda, ainda que não registrado, aplica-se a necessidade interpelação prévia. ► Atenção!

doutrina, de acordo com 0 Enunciado 4 2 7 da V Jornada em Direito Civil, analisando 0 art. 397 do CC e seu parágrafo único, concluiu ser "válida a notificação extrajudicial promovida em serviço de registro de títulos e documentos de circunscrição judiciária diversa da do domicílio do devedor".

A

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

Na forma do art. 398 do CC e da súmula 54 do S uperior T ribunal de Justiça, nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se 0 devedor em mora. Eis 0 conteúdo da súmula: "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratuai", desde que 0 praticou. É da denominada mora presumida ou irregular. Nos compromissos de compra e venda de imóveis loteados urbanos e rurais, a notificação prévia no registro imobiliário, conferindo prazo de 30 (trinta) dias ao inadimplemento, mesmo em havendo prazo contra­ tualmente fixado de vencimento, constitui exigência legal, na forma do art. 32 da Lei 6.766/79 e 14 do Decreto-Lei 58/37. Não sendo 0 imóvel loteado, a teor do Decreto-Lei 745/69, a notificação prévia também será exigida no prazo de 15 dias. Idem para a propriedade flduciária a que alude 0 Decreto-Lei 911/69 e da Lei Federal 10.931/04. Sobre 0 tema, vide ainda súmula 72 do S uperior T ribunal de Justiça.

► Atenção! de Justiça construiu, por meio de importantes súmulas, critérios para cálculo das atualizações. Fiquem atentos às súmulas: • Súm. 43. Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.

0 S uperior T ribunal

• Súm. 54. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. • Súm. 179. 0 estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos. • Súm. 246. 0 valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da inde­ nização judicialmente fixada. • Súm. 313. Em ação de indenização, procedente 0 pedido, é necessá­ ria a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação finan­ ceira do demandado. • Súm. 362. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. • Súm. 580. A correção monetária nas indenizações de seguro DPVAT por morte ou invalidez, prevista no parágrafo 7° do artigo 50 da Lei 6.194/1974, redação dada pela Lei 11.482/2007, incide desde a data do evento danoso.

► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FEPESE. Órgão: PGE-SC Prova: PGE-SC - 2018 - Procurador do Estado

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Dispõe o art. 397 do Código Civil: "0 inadimplemento da obrigação, positi­ va e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora 0 devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante inter­ pelação judicial ou extrajudicial". Considerando esse dispositivo legal, a respeito da mora, é correto afirmar: a. 0 caput trata da mora ex persona, enquanto 0 parágrafo único trata da mora ex re. b. pela disposição do parágrafo único, 0 próprio não pagamento no dia determinado (termo) é fato constitutivo da mora. c. 0 caput trata da mora ex persona, enquanto 0 parágrafo único trata da mora ex re, sendo que a mora descrita no caput, também deno­ minada de mora ex tempore, decorre do princípio dies interpellat pro homine, que significa 0 dia interpela pelo homem. d. 0 caput trata da mora ex re, enquanto 0 parágrafo único trata da mora ex persona, sendo que a mora descrita no caput, também de­ nominada de mora ex tempore, decorre do princípio dies interpellat pro homine, que significa 0 dia interpela pelo homem. e. 0 princípio dies interpellat pro homine significa que se faz necessária a in­ terpelação judicial ou extrajudicial, conforme estatuído no parágrafo único. Resposta: d Ano: 2017. Banca: CESPE. Órgão: TRE-BA. Prova: Analista judiciário - Área Judiciária. Em 20/5/2014,0 carro conduzido por Fernando foi atingido na traseira pelo au­ tomóvel conduzido por Rafael, 0 qual não respeitou sinalização de parada obri­ gatória. Os dois convencionaram que Fernando apresentaria a Rafael três orça­ mentos dos reparos no automóvel e que Rafael lhe pagaria 0 de menor valor. No dia 2/6/2014, Fernando, então, apresentou os três orçamentos, mas Rafael recusou-se a efetuar 0 pagamento, sob 0 argumento de que os valores estavam muito altos. Em 10/6/2014, Rafael fez contraproposta, que não foi aceita por Fernando. Fernando, então, ingressou com ação de cobrança e, em 14/6/2014, Rafael foi citado. Após 0 regular trâmite do processo, 0 juiz reconheceu a culpa de Rafael e 0 condenou, em 2/3/2015, a pagar quantia certa a Fernando. Considerando-se 0 disposto no Código Civil e a jurisprudência do Su­ perior Tribunal de Justiça, nessa situação hipotética 0 termo inicial dos juros de mora é Resposta: 20/5/2014. Isto por ser esta a data da prática do ato ilícito e tratar-se a reparação civil em questão de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, na forma da S. 54 so STJ e do art. 398 do CC. 2.4. Purgação (emenda) da Mora No dizer de C ristiano C haves de Fa r ia s e N elson R osenvald 9 purgar significa limpar, purificar, fazer desaparecer 0 estado de atraso no cumprimento da obrigação, constituindo 0 9

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 374.

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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procedimento espontâneo do contratante moroso pelo qual se remedia a situação a que deu causa. ► Atenção!

Não confundir purgação da mora com cessação da mora. A cessação da mora ocorre toda vez que o motivo da mora deixa de existir (Ex. remissão, renúncia, novação etc.). Na forma do art. 401 do CC, sendo a mora do devedor este deverá oferecer ao credor a prestação principal, acrescida de eventual perdas e danos, relativas aos prejuízos sofridos até então, juros e correção monetária (súmula 43 do S uperior T ribunal de Justiça), além de todos os acessórios devidos. Sendo a mora do credor, deve este purgá-la, oferecendo-se para receber a prestação avençada, reembolsando 0 devedor das despesas com a conservação do bem, perdas e danos e acessórios. Logo, a purga da mora do credor exige a sujeição aos efeitos da mora até a data do efetivo pagamento. Mas até quando a mora poderá ser purgada? Sobre 0 tema, duas correntes: •

Corrente 1 - clássica: será possível purgar a mora até quando 0 credor defla­ grar ação cível contra 0 devedor. Ou seja: ajuizada a ação 0 devedor não mais poderá purgar a mora, na forma do art. 240 do NCPC. ► Atenção! 0 art. 240 do NCPC tem a seguinte redação: "A citação válida, ainda quan­

do ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora 0 devedor, ressalvado 0 disposto nos arts. 397 e 398 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)." •

Corrente 2 - contemporânea: mesmo depois de ajuizada a ação, enquanto for útil adimplir será possível purgar a mora, desde que principal e acessórios sejam quitados. ► Atenção!

É possível nas ações de despejo e na de alienação fiduciária purgar a mora até 0 prazo da contestação, na forma do art. 62 da Lei 8.245/91 e do Decreto-Lei 911/69, tratando-se de regra especial e sem correspon­ dência no Código Civil. A Súmula 173 do

S upremo T ribunal F ederal

adverte: "Em caso de obstáculo

judicial adm ite-se a purga da m ora, pelo locatário, além do prazo legal".

A Súmula 245 do S uperior T ribunal de Justiça sustenta que "A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito". Ademais, "A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado" (Súmula 284 do S uperior T ribunal de Justiça).

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D ir e it o C ivil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e R o b e r t o Figueiredo

2.5. Violação Positiva do Contrato (inadimplemento ruim ou insatisfatório) Trata-se de assunto diretamente relacionado com os deveres anexos (laterais) dos contratos e, portanto, com a boa-fé objetiva, e se dividem em três categorias: proteção, informação e cooperação. Para C ristiano C haves de Farias e Nelson RosENVALD101se trata de forma doutrinariamente reconhecida pelos obrigacionistas na chamada violação positiva do contrato, "em que ficariam abrangidas as hipóteses de incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso". Sugerem semelhança do instituto com 0 anticipatory breach (ruptura antecipada) do common law, que permite ao contratante ajuizar ação de resolução contratual quando souber, previamente, da intenção de inadimplemento da parte contrária11. A violação positiva do contrato acontece quando, mesmo aparentemente adimplido 0 contrato no que tange a prestação, há inobservância à legítima tutela da confiança e à boa-fé objetiva12. Os vícios redibitórios (CC, 441/446) ilustram hipótese de descumprimento involuntário da prestação. Na opinião de Flávio T artuce13, a mora (inadimplemento parcial) é conceito que "também inclui 0 cumprimento inexato". Ou seja: "0 cumprimento inexato, pelo Código Civil Brasileiro, é espécie de mora", não se devendo ignorar, contudo, ainda dentro da ideia de violação positiva do contrato, a quebra dos deveres anexos ou laterais de conduta. Curiosa a advertência do respeitável doutrinador no sentido de que a quebra dos deveres anexos constitui hipótese de responsabilidade civil objetiva. Neste sentido, 0 Enunciado 24 do CJF segundo 0 qual "em virtude do princípio da boa-fé positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa". Sendo assim, 0 descumprimento de deveres anexos, a exemplo de informação, assistência, zelo, configura descumprimento do próprio contrato, uma violação objetiva do contrato, enquadrando-se no mundo da responsabilidade civil objetiva. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema?

Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa-fé contratual. Deveres anexos ao contrato. 0 princíp io da boa-fé

se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. 0 dever anexo de coope­ ração pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação

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In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 377.

11

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 380.

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A violação positiva do contrato surge no século XX através da doutrina de Hermann Staub e foi afirmada no Código Civil Alemão nos idos de 2002 como registram os m anuais cíveis brasileiros. In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Método, 2012.

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Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa. A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de Recurso Espe­ cial, nos casos em que o quantum determinado revela-se irrisó­ rio ou exagerado. Recursos não providos. REsp 595631 / SC. Rela­ tora Ministra Nancy Andrighi. y Turma, julgado em: 08.06.2004. 0 mesmo Superior Tribunal de Justiça firma não ser "abusiva a cláu­ sula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor para a hipótese de internação superior a 30 (trinta) dias decorrentes de transtornos psiquiátricos". Arremata 0 acordão que "a Lei n. 9.656/1998 autoriza, expressamente, a possibili­ dade de coparticipação do contratante em despesas médicas es­ pecíficas, desde que figure de forma clara e expressa a obrigação para 0 consumidor no contrato". (EAREsp 793.323-RJ, Rei- Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 10/10/2018, DJe 15/10/2018). 3. PERDAS E DANOS Segundo 0 art. 402 do CC: "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, 0 que razoavelmente deixou de lucrar". Evidentemente que 0 dever de reparar, ainda que no plano do direito obrigacional, deve pressupor a presença dos elementos da responsabilidade civil contratual, entre eles: a conduta juridicamente voluntária, 0 dano ou prejuízo, 0 nexo entre uma coisa e a outra, como, finalmente, a presença do dolo ou da culpa. Para C ristiano C haves de Farias e Nelson Rosenvald14, se a conduta praticada é contrária à relação obrigacional, ofendendo 0 dever positivo de dar, fazer ou não fazer, a hipótese é de responsabilidade negociai, imputada a quem gerou danos à outra parte da relação jurídica. Assim, ruim a expressão perdas e danos, cuja "ocorrência típica da legislação brasileira que, no fundo, implica redundância". Melhor seria 0 termo lesão a danos e interesses. No direito obrigacional 0 descumprimento do dever primário de realizar a prestação ajustada, gera 0 dever jurídico secundário de indenizar 0 dano injusto, a isto denominando a legislação de perdas e danos. ► Atenção!

Existem situações nas quais a prova do prejuízo não é necessária, a exemplo da incidência dos juros moratórios, cláusula penal e arras, que se operam de pleno direito (arts. 407, 416 e 420 do CC). Na verda­ de, as hipóteses em tela não constituem indenizações, mas verdadei­ ras penas privadas. 14 In Direito das Obrigações. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 394/ 395-

Direito Civil - Vol. 11

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• Luciano Figueiredo e Robe rto Figueiredo

3.1. Modalidades de Danos Negociais 0 aprofundamento do estudo das modalidades de danos ocorrerá em sede de Responsabilidade Civil, na Parte II desta obra. 0 que se objetiva aqui é apenas 0 delineamento do tema, com conceitos instrumentais, por vezes lembrados nas provas de direito obrigacional. 3.1.1. Dano Emergente 0 dano patrimonial direto consiste na lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis de alguém. Afeta 0 patrimônio do ofendido. É a regra. Hodiernamente, porém, além da sua faceta direta, a doutrina afirma existir também um dano patrimonial indireto. Conforme vaticina S érgio Cavaueri Filho15, tem-se como possível um dano patrimonial, como resultado da lesão a interesses ou bens extrapatrimoniais, a exemplo de um modelo que, em função de uma indevida lesão à sua imagem perpetrada por um veículo da imprensa, perde importantes contratos. 0 dano patrimonial subdivide-se, nas pegadas do art. 402 do CC, em: (a) dano emergente, ou positivo; (b) lucros cessantes, ou negativo.

0 tema danos materiais, em seu sentido mais amplo, é denominado no direito francês de danos emergentes. Já os lucros cessantes, de danos e interesses. Nós, no Brasil, chamamos de perdas e danos 0 gênero. Por isto é corriqueira a ação com pleito de perdas e danos, tratando do dano emergente e dos lucros cessantes. Neste tópico iremos abordar 0 dano emergente, reservando 0 próximo tópico aos lucros cessantes. 0 dano emergente é aquilo que efetivamente se perdeu. É a diminuição patrimonial sofrida pelo lesado. 0 que efetivamente se perdeu com a lesão. Sua mensuração é identificada pela diferença - teoria da diferença - entre 0 patrimônio da vítima antes do ato ilícito e após a conduta. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Acerca do tema, a banca UFPR, em concurso para Defensor Público, ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "Compreende-se no conceito de dano emergente aquilo que a vítima efetivamente perdeu e o

que razoavelmente deixou de ganhar com a ocorrência do fato danoso". Danos emergentes e lucros cessantes haverão de ser devidamente comprovados, pois não se indeniza 0 dano hipotético. Destarte, apenas são incluídos nos danos emergentes e nos lucros cessantes os prejuízos diretamente e imediatamente decorrentes da conduta ilícita (art. 403 do CC). Há de existir, assim, relação de causalidade direta e imediata entre a conduta e 0 prejuízo.

15

Op. Cit., p. 70.

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Para alguns autores, a exemplo de Carlos Roberto Gonçalves16, em um rigor técnico o dano material é ressarcido, pois há o pagamento de todo o prejuízo material sofrido, englobando as perdas e danos (danos emergentes, lucros cessantes e correções). Porém, boa parte da doutrina, bem como das provas, utiliza-se da expressão ressarcimento ou reparação, como lembra Fiãvio Tartuce1718. 3.1.2. Lucros Cessantes Lucros Cessantes ou Dano Negativo é aquilo que razoavelmente se deixou de ganhar. É 0 lucro frustrado ou a perda do ganho esperado, de um reflexo futuro. 0 operador do direito, porém, deve ter cuidado para não confundir os lucros cessantes com 0 lucro imaginário, hipotético ou remoto. A norma é clara ao informar a necessidade de razoabilidade na aferição da existência de tais lucros cessantes. ► Como os Tribunais Superiores estão entendendo o assunto?

Para 0 STJ 0 atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indeni­ zação por lucros cessantes durante 0 período de mora do promitente vendedor, sendo presumido 0 prejuízo do promitente comprador. Trata-se de entendimento pacificado pela Segunda Seção do STJ (EREsp 1.341.138-SP, Rei. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 09/05/2018, DJe 22/05/2018). Esta indenização deferida a título de lucros cessantes em decorrência do atraso na entrega de imóvel objeto de contrato de compra e venda será 0 montante equivalente ao aluguel que 0 comprador deixaria de pagar ou que auferiría caso recebesse a obra no prazo (Aglnt no AREsp l2540io/AM,Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, jul­ gado em 15/05/2018,DJE 25/05/2018. No particular fora mais feliz 0 direito alemão que, com maestria, conceitua os lucros cessantes como 0 lucro frustrado que, com certa probabilidade, era de esperar, caso atendido 0 curso normal das coisas ou às especiais circunstâncias do caso concreto (BGB, § 252). Assim, nas palavras de Larenz, o juiz deve valer-se de um juízo casual hipotético, eliminando 0 ato ilícito e perquirindo se no curso normal dos acontecimentos 16

In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358.

17 Op. Cit., p. 37718 No mesmo sentido 0 STJ ainda no: Aglnt no REsp i65i964/RJ,Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMAJulgado em 15 /0 3 /2 0 18 ,^ 27/03/2018; Aglnt no AREsp 1042415/SRRel. Mi­ nistra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMAJulgado em 19/ io / 2017,DJE 31/10/2017; Aglnt no AREsp i049708/RJ,Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMAJulgado em 23/os/20i7,DJE 26/05/2017; REsp i665550/BA,Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, Julgado em 0 9 /0 5 /2 0 17 ,^ 16/05/2017; AgRg no REsp i049894/RJ,Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVO­ CADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, Julgado em 19/10/2010,DJE 26/10/2010).

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• Luciano Figueiredo e

tal lucro seria razoavelmente esperado. de um juízo de probabilidade objetiva, dos acontecimentos e das circunstâncias tenham relação direta e imediata com a

R obe rto

Figueiredo

Trata-se, no dizer de S érgio Cavalieri Filho19, resultando do desenvolvimento normal do caso, buscando lucros frustrados que conduta lesiva (art. 403 do CC).

Exemplificam-se os lucros cessantes com a indenização das diárias do taxista pelo período em que seu veículo ficou parado, em razão de colisão, assim como a indenização pelos alimentos do dependente econômico do falecido, devida pelo agente agressor, no caso de homicídio (art. 948, II do CC). ► E na hora da prova?

Ano: 2018 Banca: MPE-MS órgão: MPE-MS Prova: MPE-MS - 2018 - MPE-MS - Promotor de justiça Substituto Em relação à responsabilidade civil, assinale a alternativa incorreta. Gabarito: "0 STJ acolheu a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) inspirada na doutrina francesa. Para sua aplicação exige, no entanto, que 0 dano seja real, atual e certo, dentro de juízo de proba­ bilidade e não mera possibilidade. 0 quantum da indenização será 0 valor integral do dano experimentado pela vítima". 3.1.3. Dano Moral Negociai Interessante lembrar que 0 inadimplemento contratual pode ensejar 0 denominado dano moral negociai, quando atingir direitos da personalidade, tais como a igualdade, a integridade biopsíquica ou a liberdade humana. Afinal de contas, existem bens que possuem preço e bens que possuem dignidade. Sobre 0 tema, vale conferir as súmulas 37 e 387 do S uperior T ribunal de Justiça, que admitem a cumulação dos danos moral, estético e material. Tal assertiva está nitidamente harmonizada com 0 princípio da restitutiu in integrum. A reparação do dano extrapatrimonial se harmoniza com a ideia despatrimonializada, repersonificada e existencialista do direito civil e guarda fundamento na Constituição Federal (art. 5, V e X), no Código Civil (arts. 11/21 e 186) e na jurisprudência (Súmulas 37 e 387 do STJ). 3.1.4. Perda da Chance A teoria da perda de uma chance nasceu nos idos da década de 60 (sessenta), no direito francês, com 0 escopo de buscar ressarcimento naquelas situações em que a conduta do lesante retira da vítima uma oportunidade séria e real de chance futura. Trata-se, hoje, de mais uma modalidade de dano indenizável. São exemplos a perda de prazo de um recurso judicial, a frustração da chance de progressão na carreira, da oportunidade de emprego, de concorrer a um determinado valor, da cura de uma doença...

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Op. Cit., p. 74.

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► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema?

Emblemático caso, no Brasil, da aplicação pelos tribunais da respon­ sabilidade civil pela perda da chance girou em torno do programa televisivo show do milhão, quando a participante foi submetida a uma pergunta (a pergunta do milhão) irrespondível. Ao perceber, a candida­ ta, que a pergunta efetivamente não possuía resposta correta alguma, ingressou com ação judicial e obteve ganho de causa em todas as ins­ tâncias, inclusive no S uperior T ribunal de Justiça.* 0 S uperior T ribunal de Justiça, por exemplo, possui decisões importan­ tes onde tratou da responsabilidade civil pela perda da chance. No Informativo 466 a S ecunda T urma daquela Corte entendeu não ser aplicável a teoria da perda da chance ao candidato que plei­ teia indenização por ter sido excluído de concurso público após reprovação no exame psicotécnico, sob 0 fundamento de que a chance há de ser séria, real e proporcionar ao candidato efeti­ va condição pessoal de concorrer com êxito. Naquele caso, 0 candidato havia sido aprovado apenas na primeira fase do cer­ tame, não sendo possível estimar sua probabilidade de aprova­ ção final dentro do número de vagas ofertadas pelo Edital**. *.REsp. 788.459-BA. Julgado em 08.01.2005. **.AgRg. 1.220.911-RS. Julgado em 17.7.2011.

Questão curiosa também foi debatida no S uperior T ribunal de Justiça sobre a perda da chance de purgar a mora. No caso, a parte questionava a au­ sência de intimação pessoal sobre a ocorrência de um leilão extrajudi­ cial do imóvel em que residia e, por consequência, a perda da chance de purgar a mora. Entendeu-se neste julgado que a chance de purgar a mora era inexpressiva e remota ante 0 comportamento das partes ao longo do processo, a evidenciar a falta de interesse dos mesmos em quitar as prestações em atraso*. Já existem indicativos no S uperior T ribunal de Justiça acerca da possibilidade de dano moral pela perda da chance do advogado que não apresenta contestação nos autos de um processo**, e pela perda da chance da disputa de uma eleição municipal por conta de veiculação de falsa notícia jornalística na véspera da disputa, invocando, inclusive, prece­ dentes neste sentido***. Ainda sobre 0 tema, segue 0 Informativo n° 513 do STJ: "DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FIXAÇÃO DO VA­ LOR DA INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. Não é

possível a fixação da indenização pela perda de uma chance no valor integral correspondente ao dano final experimentado pela vítima, mesmo na hipótese em que a teoria da perda de uma chance tenha sido utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico. Isso porque 0 valor da indenização pela perda de uma chance somente poderá

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representar uma proporção do dano final experimenta­ do pela vítima". (REsp 1.254.141-PR, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012). * **

REsp. 1.115.687-SP. julgado em 18.11.2010. REsp. 1.190.180-RS. Julgado em 16.11.2010. Apesar da Corte anular 0 julgado por reconhecer julgamento extra petita, houve 0 indicativo da possibilidade de dano moral pela perda da chance no caso. *** REsp. 821.004-MG.

► Aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no caso de descumprimento de contrato de coleta de células-tronco embrionárias.

Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para coletar 0 material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias. REsp 1.291.247-RJ, rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 19.8.14. 3a T. (Info 349) 0 Enunciado 443 cia V Jornada de Direito Civil adverte: a responsabilidade pela perda da chance não se limita à categoria dos danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza de dano patrimonial, desde que séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

Da leitura dos julgados acima, observa-se que a jurisprudência está sendo construída no sentido de reconhecer 0 dever de reparar apenas se a chance for séria e real, falando-se em uma análise pautada no princípio da razoabilidade. São indenizados os prejuízos decorrentes da perda da chance, sejam perdas de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. Exemplifica-se com 0 paciente que tem frustrado pelo seu médico a oportunidade de tratamento de uma determinada doença. Não se busca indenização pela cura. Esta, infelizmente, não é certa. A busca, porém, é de reparação pela perda da oportunidade séria e real do tratamento. Nas acertadas palavras de Sérgio Cavaueri Filho20 não se indeniza a continuidade da vida, mas sim a perda da chance da cura naquela oportunidade. ► E na hora da prova?

(Cespe - Juiz de Direito - TJ-DFT/2014) De acordo com 0 entendimento do STJ sobre a responsabilidade civil e com 0 disposto na Lei de Registros Públicos relativamente ao registro civil de pessoas naturais, assinale a opção correta. A) A regra geral, no direito brasileiro, é a da imutabilidade ou definitividade do nome civil, incluída a observância de determinada ordem quanto aos apelidos de família, vedando-se que a ordem no sobreno­ me dos filhos seja distinta daquela presente no sobrenome dos pais.

20 Op. cit., p. 75.

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B) A doença preexistente não informada no momento da contratação do seguro exime a seguradora de honrar sua obrigação, ainda que o óbito decorra de causa diversa da doença omitida. C) A perda de uma chance, caracterizada pela violação direta ao bem juridicamente protegido, qual seja, a chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de gerar um benefício ou de evitar um prejuízo, consubstancia modalidade autônoma de indenização. D) À hipótese de um paciente acometido de doença grave falecer em decorrência de erro médico não se aplica a teoria da responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance, haja vista a ausência de nexo causai direto entre a conduta do médico e o dano, lesão gerada pela perda da vida, uma vez que o prejuízo causado terá como causa direta e imediata a própria doença do paciente, e não o erro médico. E) A fixação de indenização decorrente da aplicação da teoria da perda de uma chance deve corresponder ao valor integral do dano final experimentado pela vítima. Gabarito: C 4. JUROS 0 juro é o rendimento do capital emprestado. A palavra costuma ser utilizada no plural Ouros) como sinônimo de lucro sobre o dinheiro emprestado, ante o risco do inadimplemento. Trata-se de fruto civil (rendimento), a teor do art. 92 do CC. Podem ser compensatórios ou moratórios, legais ou convencionais.

Importante lembrar que os juros são acessórios da obrigação principal. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Em concurso para Analista de Procuradoria - PCE-BA, banca FCC, ano de 2013, foi cobrada a questão a seguir: Do ponto de vista conceituai, em sentido amplo, juros são: a) a remuneração ou os frutos civis de um determinado capital, do qual são acessórios. b) a atualização do valor nominal da moeda, para evitar sua desvaloriza­ ção em face da inflação. c)

ren d im e n to s q ue existem em si m esm os, com o coisa p rin cip a l, tendo com o a ce ssó rio 0 cap ital.

d) uma taxa que incide sobre um contrato, em retribuição às custas e despesas do credor. e) 0 preço contratual correspondente ao uso de uma coisa infungível. 0 gabarito é a letra A.

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Direito Civil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ainda sobre juros, no ano de 2013, a banca FCC elaborou a questão a seguir: (PCE-BA - Analista de Procuradoria - Área de Apoio Calculista) Relativa­ mente aos juros, considere: I. A contagem dos juros não subsiste com a extinção da obrigação prin­ cipal. II. Não se concebe a obrigação de pagar juros sem que haja uma obrigação principal. III. 0 reconhecimento da obrigação de pagar juros implica 0 reconhecimen­ to da obrigação principal. Está correto 0 que se afirma em a) II, apenas. b) I e II, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 0 gabarito é a letra E. A teor do art. 406 do CC, os juros devem ser fixados segundo a taxa de pagamento dos tributos devidos à Fazenda Nacional, quando não forem convencionados pelas partes. Surge, então, 0 debate sobre a taxa SELIC a que alude 0 Sistema Especial de Liquidação e Custódia, conforme art. 39 da Lei 9.250/95, e que se submete às variações do mercado de capitais (taxa flutuante). Outrossim, 0 art. 404 do CC informa que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária, segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Entretanto, há forte crítica na doutrina a respeito da utilização da taxa SELIC. Sobre este assunto, 0 Enunciado 20 do C]F informa que "a taxa de juros moratórios a que se refere 0 art. 406 é a do art. 161, § i°, do Código Tributário Nacional, ou seja, um p o r c e n t o a o m ê s . A u t i l i z a ç ã o d a t a x a S E L IC c o m o í n d i c e d e a p u r a ç ã o d o s j u r o s l e g a i s

não é juridicamente segura, porque impede 0 prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com 0 art. 192, § 3°, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano". No mesmo sentido 0 STJ (REsp. 432.823/Ba, 198.693/SP, 146.568/ MG, 126.751/SC). Acresça-se a isto, a teor do art. 34 do ADCT, que 0 Código Tributário Nacional foi recebido (recepcionado) pela Ordem Constitucional de 1988, daí porque possui status

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A c r is e

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jurídico de lei complementar, hierarquicamente superior às legislações ordinárias, que tratam da taxa SELIC, quais sejam as Leis 8.981/95 e 9 -779/ 99 - Neste sentido, malgrado a divergência, caminhamos com 0 entendimento do Conselho da Justiça Federal. 4.1. Juros de Mora Adverte 0 parágrafo único do art. 404 do CC 0 seguinte: provado que os juros da mora não cobrem 0 prejuízo, e não havendo pena convencional, pode 0 juiz conceder ao credor indenização suplementar. ► Atenção! Não confundir juros de mora com juros reais. Estes são os fixados (identificados) excluindo-se a correção monetária. São puros, reais porque representam exatamente a remuneração do capital e nada mais. É denominado também de juro nominal deflacionado. Na forma da Súmula 254 do S uperior T ribunal de Justiça, o s juros moratórios podem ser liquidados, ainda que não exista condenação judicial a respeito, porque configuram pedido implícito. Incidem sobre qualquer prestação, e não apenas a pecuniária (CC, art. 407). Por força do art. 405 do CC, a data da citação configura 0 dies a quo do início da incidência dos juros moratórios, devendo ser entendido sistematicamente com 0 art. 397 do CC. Sobre 0 tema, 0 Enunciado 428 da V Jornada de Direito Civil conclui: "Os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do advento do termo da prestação, estando a incidência do disposto no art. 405 da codificação limitada às hipóteses em que a citação representa 0 papel de notificação do devedor ou àquelas em que 0 objeto da prestação não tem liquidez". Além disto, 0 Enunciado 161 do mesmo CJF, afirma que tais honorários advocatícios referidos no art. 404 "apenas têm cabimento quando ocorre efetiva atuação profissional do advogado". T ais h o n o rá rio s s e ria m s u c u m b e n c ia is ou c o n tra tu a is ?

0 magistrado paranaense José R icardo Á lvares V ianna formulou proposta de Enunciado sugerindo que tais honorários abrangessem os sucumbenciais, evitando bis in idem. Todavia, não houve consenso à época. Foi então que na V jornada em Direito Civil elaborou-se 0 Enunciado 425, segundo 0 qual: "Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei 8.906/94, pertencem ao advogado".

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D ire it o C ivil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como o S u perior T ribunal de J ustiça j á decidiu esta questão? [...] os honorários advocatícios integram os valores devidos a título de repara­ ção por perdas e danos - explica que os honorários mencionados pelos refe­ ridos artigos são os honorários contratuais, pois os sucumbenciais, por cons­ tituir crédito autônomo do advogado, não importam decréscimo patrimonial do vencedor da demanda [...] os honorários convencionais são retirados do patrimônio da parte lesada - para que haja reparação integral do dano sofrido -, aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos com os honorários contratuais (S uperior T ribunal de Justiça, Resp. 1.134.725/MG).

Registra-se que uma vez finalizada a mora, com o pagamento ou depósito voluntário dos valores, será interrompida a contagem dos juros moratórios. Firma 0 Superior Tribunal de Justiça, porém, que tal não se dará por força de decisão que determina a indisponibilidade forçada dos bens do réu em processo diverso, com objeto e partes distintas (REsp 1.740.260-RS, Rei. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, por unanimidade, julgado em 26/06/2018, DJe 29/06/2018). Destarte, verbera 0 Superior Tribunal de Justiça que nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido (ExeMS 18.782-DF, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 12/09/2018, DJe 03/10/2018). Ademais, aduz 0 mesmo Tribunal da Cidadania, na Jurisprudência em Teses n. 110, item 5, que na hipótese de rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por iniciativa do comprador, os juros de mora devem incidir a partir do trânsito em julgado, visto que inexiste mora anterior do promitente vendedor. D'outra banda, nas ações propostas pela seguradora contra 0 causador do dano, de forma regressiva ,"os juros de mora devem fluir a partir do efetivo desembolso da indenização securitária paga, e não da citação", como posto pelo item 5 da Jurisprudência em Teses n. 116. 4.2. Juros Compensatórios Sendo 0 Código Civil omisso quanto aos juros compensatórios - só há disciplina sobre os moratórios (CC, art. 406) - é imprescindível reconhecer que a incidência destes decorrerá da autonomia privada. Por esta razão, a pactuação desta modalidade de juros há de se submeter a todos os princípios contratuais, entre eles as limitações da socialidade e da boa-fé objetiva. ► Importante:

Em suma: a) Juros moratórios = ressarcimento imputado ao devedor pelo descumprimento parcial da obrigação. Tem disciplina no Código Civil e incidência automática (CC, art. 406).

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b) Juros compensatórios ou remuneratórios = decorrem da utilização consentida do capital alheio. 0 tema pode ser entendido pela inteli­ gência do art. 591 do CC, 0 qual disciplina 0 mútuo feneratício e tais juros, como forma de remuneração pelo empréstimo do capital. Sua natureza é de frutos civis. Eis 0 conteúdo da norma: "presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere 0 art. 406". Destarte, verbera 0 item 6 da Jurisprudência em Teses n. 107 do Superior Tribunal de Justiça que "não é abusiva a cláusula de cobrança de juros compensatórios incidente em período anterior à entrega das chaves no contrato de promessa de compra e venda ou de compra e venda de imóveis em construção sob 0 regime de incorporação imobiliária". Problemática relevante relaciona-se à limitação dos juros compensatórios. A jurisprudência consolidada pela Súmula 379 do S uperior T ribunal de Justiça entendeu que "Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até 0 limite de 1% ao mês". De igual sorte, a Súmula 596 do S upremo T ribunal Federal sustenta não estarem as instituições bancárias submetidas à Lei de Usura. Além disto, a Súmula 283 do S uperior T ribunal de Justiça qualifica as empresas administradoras de cartões de crédito como instituições financeiras, tudo a concluir que as mesmas não sofreriam limitação dos juros remuneratórios. Diante desta, é forçoso concluir que a Lei da Usura não se aplica aos Bancos e Instituições Administradoras de Cartão de Crédito e Instituições Financeiras. A doutrina, entretanto, estabelece crítica ao entendimento sumulado. FlAvio por exemplo, entende que os juros compensatórios não podem exceder 24% ao ano, ou 2% ao mês, sob pena de usura e enriquecimento sem causa. 0 mesmo doutrinador também sugere conflito entre as súmulas 297 e 283 do STJ: "Isso porque 0 Código de Defesa do Consumidor é aplicável às empresas de cartão de crédito, mas estas podem cobrar as taxas de juros que acharem mais convenientes"22. Deve-se lembrar que 0 entendimento sumulado da Suprema Corte no sentido de que 0 CDC se aplica aos contratos bancários também foi firmado na ADI 2.591-DF.

Tartuce21,

O rlando G omes c h a m a r ia is to d e contrato im o ral e ilegal o n d e s e d e v e r ia "substituir

a cláusula onzenária pelo preceito legal". Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho qualificam de "jocosa" e "lamentável" a súm ula do S upremo T ribunal Federal. C ristiano C haves de Farias e Nelson RosENVALD23pensam da m esm a forma. 21

Direito Civil, vol. 4, p. 230.

22

Direito Civil, vol. 4, p. 239.

23

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 416.

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Também é digno de nota que mesmo com a EC/40, a qual conferiu nova redação ao art. 192 da CF/88, é possível continuar entendendo que a aplicação de preceitos que constem nas Resoluções do Banco Central não teria a força normativa ordenada pela Constituição na redação atual, a par da violência à dignidade, à solidariedade social e à função social da propriedade. Contudo, os tribunais superiores entendem que a norma que complementa 0 art. 192 da CF/88 seria a Lei 4.595/64, que confere ao Conselho Monetário Nacional 0 Poder Discricionário de estabelecer as taxas de juros, devendo ser observado 0 que foi pactuado entre as partes obrigacionais, não se aplicando nem 0 CC, nem a Lei de Lisura, nem 0 CDC. 0 S upremo T ribunal Federal decidiu na ADI 04-DF que 0 dispositivo do art. 192 da CF/88 não é autoaplicável, aspecto que, mesmo com a EC 40/03, definiu a questão ao confirmar 0 entendimento da possibilidade do Sistema Financeiro fixar juros bancários para além dos limites legais.

De qualquer modo, os arts. 113,187 e 421 do CC podem ser importantes preceitos na análise, em cada caso concreto, dos juros compensatórios. Neste sentido, 0 S uperior T ribunal de Justiça no REsp. 404.097. ► Atenção!

a) Juros simples são os que não se acumulam com 0 principal do capi­ tal emprestado para a contagem dos novos juros. b) Juros compostos são aqueles que consideram 0 principal acrescido dos juros cumulados. 0 cômputo de juros sobre juros é denominado de anatocisto e configu­ ra prática ilegal. 0 S uperior T ribunal de Justiça, na Súmula 121 afirma somente ser possível a capitalização dos juros se houver norma legal que ex­ cepciona a proibição estabelecida na Lei da Usura. No mesmo sentido coloca-se a ADI 2.316/DF, julgada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que manteve a eficácia da Medida Provisória no. 2.170-36, a qual admite a captação de juros em periodicidade inferior a um ano. Registra-se que hoje, pela regra geral e na forma do art. 591 do CC, é possível a capitalização dos juros apenas anualmente. Logo, eventuais exceções, como visto, demandam norma expressa. Por fim, fique atendo à redação da Súmula 382 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano por si só nâo indica abusividade". ► E na hora da prova?

A banca CESPE, no concurso Cartório TJ-Ba, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Segundo 0 entendimento sumulado do STJ, na desapropriação indireta, os juros compensatórios são devi­ dos desde a ocupação e os moratórios, somente a partir do trânsito em julgado".

C a p . V I • A c r is e d a s o b r ig a ç õ e s : t e o r ia d o in a d im p le m e n t o

► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Ainda no que tange ao mútuo feneratício, merece atenção a recente Sú­ mula 603 do Superior Tribunal de Justiça, a qual fora editada e cancelada em 2018. Aduzia a Súmula ser "vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir 0 mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído 0 empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual". Todavia a interpretação da Súmula passou a ser feita de forma incorreta pelas diversas Casas Judiciais Nacionais, 0 que ensejou 0 seu cancelamen­ to, como posto pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça - vide no REsp 1.555.722-SP, Rei. Min. Lázaro Guimarães(DesembargadorConvocado doTRF 5aRegião), por unanimidade, julgado em 22/08/2018, DJe 25/09/2018. Cita-se: Responsabilidade civil. Indenização por danos m orais. Empréstimo ban­ cário. Mútuo feneratício. Desconto das parcelas. Conta-corrente em que depositado 0 salário. Ausência de ato ilícito. Súmula 603/STj. Interpretação. Cancelamento. Cinge-se a controvérsia a an alisar a correta interpretação a ser dada ao teor da Súmula 603/STJ, promulgada em 26/2/2018, pois, como alertado na sessão de julgamento que decidiu afetar a questão a este Colegiado, as instâncias de origem têm entendido "que 0 enunciado simplesmente veda todo e qualquer desconto realizado em conta-corrente comum (conta que não é salário), mesmo que exista prévia e atual autorização conferida pelo correntista" e que, portanto, "vem sendo conferida exegese que não tem esteio no conjunto de precedentes que embasam 0 enunciado". Deveras, anteriormente à edição da Súmula 603/STJ, a jurisprudência desta Corte sem pre considerou ser válida a cláusula que autoriza 0 desconto em contacorrente para pagamento de prestações do contrato de empréstimo, sem que 0 correntista tenha revogado a ordem, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário. Registra-se que 0 Código de Proces­ so Civil im põe aos Tribunais a uniformização de sua jurisprudência, bem como sua manutenção de forma estável, íntegra e coerente, inclusive com a edição de enunciados sum ulares que observarão as circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Na mesma linha, 0 RISTJ prevê que a jurisprudência consolidada da Corte será com pendiada na Súmula do STJ. Assim, a Súmula 603/STJ (e sua interpretação) deve refletir, necessaria­ mente, a jurisprudência consolidada de ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte no momento de sua edição, porquanto rep re­ sentaria inaceitável contradição pressupor ou interpretar que seu conte­ údo seja outro, em desacordo com o entendimento pacificado e por ela com pendiado. Com esse propósito, salienta-se que a análise da licitude do desconto em conta-corrente de débitos advindos do mútuo feneratício, à luz da juris prudência desta Corte que deu origem à Súmula 603/STJ, deve considerar duas situações distintas: a prim eira, objeto da Súmula, cuida de coibir ato ilícito, no qual a instituição financeira apropria-se, indevidam ente, de quantias em conta-corrente para satisfazer crédito cujo montante fora por ela estabelecido unilateralmente e que, eventualmente, inclui tarifas

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bancárias, multas e outros encargos m oratórios, não previstos no contra­ to; a segunda hipótese, vedada pela Súmula 603/STJ, trata de descontos realizados com a finalidade de amortização de dívida de mútuo, comum, constituída bilateralm ente, como expressão da livre manifestação da vonta­ de das partes. Por fim, destaca-se que a Segunda Seção, por unanimidade, cancelou a Súmula 603/STJ, com fulcro no artigo 125, §§ 2° e 30, do RISTJ. Por fim, foi elevado à tema de repercussãoo geral a análise dos limites da repetição do indébito no pagamento a m aior da taxa de juros no contra­ to de mútuo feneratício, em razão de conduta ilícita da instituição finan­ ceira. 0 debate cinge-se a saber se a restituição deve se dar pela mesma taxa pactuada no contrato, consoante a tese do lucro da invertenção, ou segundo a taxa legal. Cita-se 0 precedente levado à repercussãoo geral: TEMA: Negócios jurídicos bancários. Mútuo feneratício. Repetição de indébi­ to. Juros remuneratórios. Restituição pela mesma taxa pactuada no contrato. Descabimento. Tema 968/STJ. Inicialm ente, considerando a preocupação acerca do enriquecim ento ilí­ cito da instituição financeira, a doutrina vem estudando 0 problema da repetição de indébito decorrente de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira sob a ótica do tema do "lucro da intervenção", que é 0 "lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens juríd ico s de outra pessoa e que decorre justam ente desta interven­ ção". Esse lucro também pode ser vislum brado na hipótese da presente afetação, pois, como os bancos praticam taxas de juros bem mais altas do que a taxa legal, a instituição financeira acaba auferindo vantagem dessa diferença de taxas, mesmo restituindo 0 indébito à taxa legal. Nesse sentido, a instituição financeira teria que ser condenada não somente a rep a rar 0 dano causado ao m utuário, mas também a restituir 0 lucro que obteve com a cláusula abusiva. Por um lado, 0 lucro da intervenção é um plus em relação à indenização, no sentido de que esta encontra limite na extensão dos danos experim entados pela vítim a (função indenitária do princípio da reparação integral), ao passo que 0 lucro da intervenção pode extrapolar esse lim ite. Por outro lado, 0 referido lucro é um minus em relação ao punitive dam age, uma vez que este, tendo sim ultaneam en­ te funções punitiva e preventiva, não está lim itado ao lucro ou ao dano. Propõe-se, no presente repetitivo, uma tese menos abrangente, apenas para e lim inar a possib ilidade de se determ inar a repetição com base nos mesmos encargos praticados pela instituição financeira, pois esses encar­ gos não correspondem ao dano experim entado pela vítim a, tampouco ao lucro auferido pelo ofensor.(REsp 1.552.434-GO, Rei. Min. Paulo de Tarso S a n se v e rin o , Segunda Se çã o , p o r u n a n im id a d e , ju lg a d o em 13 /0 6 /20 18 , DJe

21/06/2018 (Tema 968)).

5. CLÁUSULA PENAL (MULTA CONTRATUAL OU PENA CONVENCIONAL) 0 art. 408 do CC estabelece que incorre de pleno direito 0 devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. Ao contrário do CC/16, que inseria 0 tema como modalidade das obrigações, 0 atual CC 0 inseriu dentro do conteúdo do inadimplemento das obrigações, evidenciando melhoria legislativa.

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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Consiste a cláusula penal em uma pena convencional e acessória24 (não obrigatória), a qual atua como garantia à obrigação principal, prestigiando a segurança jurídica, a força obrigatória do contrato e o cumprimento do ajuste. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? No que tange ao conceito de cláusula penal, o concurso para provimen­ to do cargo de Juiz - TJ-PR, realizado pela UFPR, ano de 2013, trouxe a questão a seguir: No que se refere à cláusula penal, assinale a alternativa correta: a) É a cominação que se estabelece em um contrato, por meio de disposição específica e pela qual se atribui ao inadimplente da obrigação principal 0 pagamento de determinada quantia, ou a entrega de um bem, ou a realização de um serviço, ou seja, pacto acessório por meio do qual se estipula uma pena, em dinheiro ou outra utilidade. b) É a cláusula em que incorre 0 devedor que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação, desde que tenha sido devidamente constituído em mora por meio de notificação, interpelação ou citação em pro­ cesso judicial. c) Trata-se do acréscimo que se impõe à obrigação principal para apenar os efeitos da mora, substituindo os encargos habituais consis­ tentes em correção monetária e juros, respectivamente, a partir da propositura da ação e da citação válida. d) É a imposição legal decorrente da prática de ato ilícito, que tem como fundamento indenizar a vítima pelos prejuízos derivados do ato le­ sivo concebido por culpa ou dolo, variando de acordo com a sua intensidade. 0 gabarito é a letra A.

► E na hora da prova?

No concurso para juiz Federal Substituto do TRF 4a Região, ano de 2014, foi considerada correta a seguinte assertiva: "A cláusula penal ou pena convencional é um pacto acessório à obrigação principal, no qual se estipula a obrigação de pagar pena ou multa, para 0 caso de uma das partes se furtar ao cumprimento da obrigação principal". Através desta pena convencional, os contratantes pré-fixam o valor das perdas e danos, para hipótese de eventual inadimplemento, facilitando a liquidação, ou mesmo preveem um valor inibitório, a fim de desestimular 0 descumprimento.

24

E m r e g r a é d is c ip lin a d a n o p r ó p r io c o n t r a t o , m a s in e x is t e v e d a ç ã o d e s e r e la b o r a d a e m m e n t o a p a r t a d o , a p e s a r d e n ã o s e r is t o c o m u m .

docu­

Direito Civil - Vol. 1 1 • L u c ia n o Figueiredo e

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R o b e rto

Figueiredo

Neste sentido, informa Orlando Gomes25 que a função da cláusula penal é préliquidar os danos, mas ela acaba, de forma indireta, tendo uma natureza inibitória, ao intimidar o devedor ao cumprimento obrigacional. Justo por isto, afirma o art. 416 do CC que "para exigira pena convencional, não é necessário que 0 credor alegue prejuízo". Sendo garantia, a cláusula penal pode, em tese, ser assumida por terceiro, ou até mesmo beneficiar terceiro, aplicando-se, por analogia, as regras da fiança. Dúvida surge se a denominada sanção premia! poderia efetivamente ser qualificada como cláusula penal, como, por exemplo, as mensalidades de clube, condomínio e outros pagamentos antecipados, cujo adiantamento é incentivado pelas empresas que gerenciam cobrança, com abatimentos. 0 Superior T ribunal de Justiça já entendeu que isto não corresponde a uma penalidade (REsp. 236.828-RJ). C ristiano C haves de Farias e Nelson Rosenvald26 entendem que "a cláusula penal pode ser representada pela perda de um desconto, se 0 adimplemento não se der em prazo hábil". Por tratar-se de obrigação acessória, a nulidade da cláusula penal não atinge a obrigação principal. 0 novo Código inova ao suprimir a regra do art. 922 do CC de 1916. Maria Helena Diniz já registrava que "para alguns autores, pode ocorrer que, em certos casos, a cláusula penal tenha validade, mesmo que a obrigação principal seja nula, desde que tal nulidade dê lugar a uma ação de indenização por perdas e danos; é 0 que ocorre, p. ex., com a cláusula penal estipulada em contrato de compra e venda de coisa alheia, se esse fato era ignorado pelo comprador, visto que, nessa hipótese, a cláusula penal, sendo 0 equivalente do dano, será devida por se tratar de matéria inerente ao prejuízo e não ao contrato"27. Aqui, andou bem 0 novo Código, valendo-se também da companhia dos Códigos argentino (art. 666) e uruguaio (art. 1.365), que estabelecem expressamente que a cláusula penal continua válida, ainda que a obrigação principal se tenha tornado inexigível. A poderá ser pactuada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, referindo-se à inexecução completa da obrigação (cláusula penal compensatória CC, art. 410), à mora (cláusula penal moratória - CC, art 411), ou a alguma situação especial (CC, art. 409). ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: IESES. Órgão: TJ-CE. Prova: IESES - 2018 - TJ-CE - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Em relação a clausula penal, assinale a correta:

25

Op. cit., p. 190.

26 In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 423. 27

Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 322.

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A. Não é possível instituir cláusula penal em ato posterior ao da obri­ gação. B. A clausula penal instituída em ato posterior à obrigação não pode referir-se à simplesmente à mora, mas pode referir-se inexecução completa. C. A clausula penal instituída em ato posterior à obrigação pode refe­ rir-se à inexecução completa, ou simplesmente à mora. D. A clausula penal instituída em ato posterior à obrigação não pode referir-se à inexecução completa, mas pode referir-se simplesmen­ te à mora. Resposta: c Assim, salta aos olhos que cláusula penal pode ser: a) compensatória (CC, art. 410) ou b) moratória (CC, art. 411). Na cláusula penal compensatória as partes preveem indenização substitutiva para a hipótese de inadimplemento total, pré-fixando 0 valor das perdas e danos. Portanto, a cláusula penal compensatória é alternativa em benefício do credor, que poderá optar entre: (i) pleitear 0 cumprimento da obrigação; (ii) exigir a pena convencional. Impossível, todavia, 0 pleito da pena convencional pelo inadimplemento absoluto somado ao pedido de cumprimento obrigacional, por consistir bis in idem. Trata-se de um padrão disjuntivo. ► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Sobre 0 tema, confira 0 julgado do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2013: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. INADIMPLEMENTO CONTRA­ TUAL. CLÁUSULA PENAL. NATUREZA COMPENSATÓRIA. CUMULAÇÃO COM PERDAS E DANOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. í . É inviável a cumulação da mul­ ta compensatória com o cumprimento da obrigação principal, uma vez que se trata de uma faculdade disjuntiva, podendo o credor exigir a cláusula penal ou as perdas e danos, mas não ambas, conforme o art. 401 do Código Civil. 2. A ju­ risprudência desta Corte de justiça tem admitido tal cumulação somente quando a cláusula penal tiver natureza moratória, e não compensatória (REsp 1.355.554/ RJ, Terceira Turma, Rei. Min. SIDNEI BENETI, DJe de 4/2/2013), 0 que, no entanto, não se verifica na hipótese dos autos. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgRg no Ag: 741776 MS 2006/0018822-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 07/11/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/12/2013).

► E na hora da prova?

A banca CESPE, no concurso Cartório TJ-SE, ano de 2014, considerou in­ correta a seguinte assertiva: "No contrato de adesão, 0 prejuízo com­ provado do aderente que exceder ao previsto na cláusula penal com­ pensatória poderá ser exigido pelo credor, desde que assim tenham convencionado as partes."

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A cláusula penal moratória ou penitencial incide na casuística de inadimplemento relativo (mora), sendo sua penalização. Dessa forma, tem natureza complementar e deve ser postulada cumulativamente com o pedido de cumprimento do próprio contrato. Verifica-se um padrão cumulativo. Justo por conta do padrão cumulativo que firma o item 2 da Jurisprudência em Teses n. 107 do Superior Tribunal de Justiça que "a inexecução do contrato de promessa de compra e venda ou de compra e venda, consubstanciada na ausência de entrega do imóvel na data acordada, acarreta, além da indenização correspondente à cláusula penal moratória, 0 pagamento de indenização por lucros cessantes". É possível cumular tal cláusula penal com pleito indenizatório, diante da percepção de tratar-se de cláusula penal moratória. Outrossim, 0 próprio art. 43-A, inserto na Lei 4.591/64 (Condomínio e Incorporação Imobiliária) pela Lei 13.786/18 (Distrato Imobiliário), não impede tal cumulação, sendo vedada, apenas, a cumulação da cláusula penal moratória com a compensatória. Resumindo:

Multa compensatória

Obrigação prindpal

+

Multa

Obrigaçao principal

ou

Multa

Plenamente possível que, ante a autonomia privada, um contrato possua, ao mesmo tempo, cláusula penal compensatória e cláusula penal moratória. De certa forma, podemos afirmar que este é 0 entendimento do S upremo T ribunal Federal diante da Súmula 616: "é permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de advogado após 0 advento do CPC vigente". Tal raciocínio liga-se a ideia de serem penas por fatos geradores diversos. De acordo com 0 art. 412 do CC 0 valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder 0 da obrigação principal. Trata-se de preceito semelhante ao CC/16, que recebeu crítica de C lóvis Beviláqua, segundo quem: "0 limite imposto à pena por este artigo não se justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, e é uma restrição à l i b e r d a d e d a s convenções, q u e m a i s p e r t u r b a d o que t u t e la o s l e g ít i m o s i n t e r e s s e s individuais. A melhor doutrina, neste assunto, é a da plena liberdade, seguida pelo Código Civil italiano, pelo português, e pelo venezuelano"28. Ousamos divergir, diante da função social do contrato, a qual justifica limitação do Poder Público, via legislação, à autonomia privada (CC, 421). Parece-nos, portanto, que andou bem o vigente Código Civil na hipótese. 0 art. 413 do CC autoriza ao magistrado, com fundamento no princípio da função social do contrato, a reduzir equitativamente 0 valor da cláusula penal. Inova a 28 Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 72.

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disciplina anterior (CC/16, art. 924) que utilizava a expressão redução proporcional (e não redução equitativa). A este respeito, informa 0 Enunciado 359 do CJF: "A redação do art. 413 não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido". ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TST. Prova: Juiz do Trabalho Substituto. Abelardo celebrou contrato com a Papelaria P Ltda., por meio do qual aquele se comprometeu a solicitar e comprar desta, pelo período de vinte meses, uma quantidade mensal de quinhentas resmas de papel A4, razão pela qual 0 valor de cada resma tornou-se bastante convidativo para 0 comprador, que utilizava 0 papel como matéria-prima para 0 seu exercício profissional. Restou acordado, também, que, se 0 comprador deixasse de efetuar as compras mensais antes do término do prazo avençado, teria que pagar multa correspondente a cinco mensalidades. Abelardo solicitou e comprou as resmas por dezesseis meses, momento em que deixou de as requerer, rompendo 0 contrato. A Papelaria P Ltda. ajuizou ação postulando 0 pagamento das cinco mensalidades previstas contratualmente. Nesse caso hipo­ tético, Abelardo Resposta: fará jus à redução equitativa do montante da penalidade, em face da manutenção do equilíbrio da relação contratual e tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Veja-se que 0 excesso da penalidade não invalida a cláusula penal, mas impõe a sua redução, até mesmo de ofício, pelo juiz, como se vê pela letra do art. 413: "A penalidade deve ser reduzida equitativa mente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se 0 montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio". ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? 0 mencionado dispositivo legal foi cobrado na prova para Analista de

Procuradoria/PGE-BA/FCC/2013, a qual considerou correta a proposição: "A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obri­ gação principal tiver sido cumprida em parte, ou se 0 montante da pe­ nalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio". Justamente por se tratar de preceito cogente (de interesse público), 0 Enunciado 355 do CJF vaticina que: "Não podem as partes renunciará possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública". E é na linha desta perspectiva cogente, que 0 Enunciado 356 do mesmo CJF conclui que: "Nas hipóteses previstas no artigo 413 do Código Civil, 0 juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício" por se tratar de ius cogente.

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► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

Em 2018, no REsp 1.447.247-SP, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, por unani­ midade, julgado em 19/04/2018, DJe 04/06/2018, firmou 0 Superior Tribu­ nal de Justiça que constatado 0 caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, 0 magistrado deverá, independentemente de requerimento do devedor, proceder à sua redução. Afinal, tal possbilidade de redução decorre de questão cogente, de ordem pública, visionando preservar 0 equilíbrio econômico-financeiro da avença. Que reste claro: a possibilidade é de redução equitativa, em atenção aos princípios da função social, boa-fé e dignidade da pessoa humana. Não é possível, porém, 0 aumento de valores, sob pena de violação da autonomia privada. ► Atenção!

Há legislações específicas que limitam ainda mais 0 valor da cláusula penal. Neste sentido a Lei 6.766/79 informa que nos contratos de pro­ messa de compra e venda 0 seu montante máximo é de 10% (dez por cento). Já nos Condomínios Edilícios 0 teto é 2% (dois por cento - CC, art. 1.336). 0 mesmo (2%) diga-se para as obrigações sucessivas (perió­ dicas), aludidas no art. 52 do CDC. Ainda no âmbito da doutrina, 0 Enunciado 358 do CJF adverte: "0 caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio, que podem incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos" (No mesmo sentido, 0 Enunciado 166). Na seara do direito do trabalho, 0 Enunciado 429 da V Jornada em Direito Civil reconheceu que: "As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas para impedir 0 descumprimento das disposições normativas constantes desses instrumentos, em razão da negociação coletiva dos sindicatos e empresas, têm natureza de cláusula penal e, portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho quando cumprida parcialmente a cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas p a ra o fim pro p osto , no s term o s d o art. 4 13 d o Có d ig o Civil".

► E na hora da prova?

A banca examinadora CESPE, no concurso para Analista e Consultor Le­ gislativo da Câmara dos Deputados, ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Salvo estipulação em contrário, 0 cedente não responde pela solvência do devedor, mas a lei confere a este a pos­ sibilidade de opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que tiver contra 0 cedente no momento em que vier a ter conhecimento da cessão".

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► Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?

No famoso case Latino x Rede TV, entendeu o Tribunal da Cidadania pela redução equitativa da cláusula penal, tendo em vista o cumpri­ mento parcial da obrigação. Cita-se: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA POR RESCISÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. CUM­ PRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. REDUÇÃO jUDICIAL EQUITATIVA. í. A cláusula penal constitui elemento oriundo de convenção entre os con­ tratantes, mas sua fixação não fica ao total e ilimitado alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas im perativas e cogentes, que pos­ suem o escopo de preservar o equilíbrio econômico financeiro da avença, afastando o excesso configurador de enriquecimento sem causa de qual­ quer uma das partes. É o que se depreende dos artigos 412 e 413 do Código Civil de 2002 (artigos 920 e 924 do codex revogado). 2. Nessa perspectiva, a multa contratual deve ser proporcional ao dano so­ frido pela parte cuja expectativa fora frustrada, não podendo traduzir valo­ res ou penas exorbitantes ao descumprimento do contrato. Caso contrário, poder-se-ia consagrar situação incoerente, em que 0 inadimplemento par­ cial da obrigação se revelasse mais vantajoso que sua satisfação integral. 3. Outrossim, a redução judicial da cláusula penal, imposta pelo artigo 413 do Código Civil nos casos de cumprimento parcial da obrigação principal ou de evidente excesso do valor fixado, deve observar 0 critério da equidade, não significando redução proporcional. Isso porque a equidade é cláusula geral que visa a um modelo ideal de justiça, com aplicação excepcional nas hipóteses legalmente previstas. Tal instituto tem diversas funções, dentre elas a equidade corretiva, que visa ao equilíbrio das prestações. Daí a opção do legislador de utilizá-la como parâmetro para 0 balancea­ mento judicial da pena convencional. 4. No presente caso, a cláusula penal compensatória foi fixada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), havendo, no contrato, regras distintas quanto aos ganhos financeiros de cada parte. Para a Rede TV, "toda e qual­ quer receita ou proveito obtido com a cessão, exibição ou reexibição dos programas" apresentados pelo artista, que cedera seus direitos autorais e conexos, bem como os de imagem e som de voz, existindo, outrossim, cláusu­ la de exclusividade em televisão e internet, impedindo-o de exercer seu ofí­ cio em outras emissoras. 0 cantor Latino, nos termos do contrato, fazia jus à remuneração total máxima de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais). 5. Consoante notório, os proveitos obtidos pelos artistas - especialmente aqueles cujas imagens aparecem na televisão - não se resumem às remune­ rações expressamente previstas nos contratos celebrados com as emisso­ ras. É que 0 direito de imagem e conexos desse profissionais costumam ser valiosos, conferindo aos empregadores grandes lucros com sua exibição, realização de merchandising de variados bens de consumo, comercializa­ ção de intervalos publicitários, entre outros. 6. Daí se extrai a justificativa para que a indenização arbitrada para 0 caso de rompimento imotivado do presente contrato tenha sido de expressiva monta. É que as eventuais perdas e danos da emissora também foram uti­ lizadas como parâmetro caso o artista rescindisse a avença. Desse modo, a assessoria jurídica da ré com certeza avaliou 0 fato de que a limitação

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da cláusula penal à obrigação remuneratória não cobriría os custos ar­ cados, nem tampouco os ganhos eventualmente perdidos com a rescisão antecipada. 7. Nesse passo, caso lim itada a cláusula penal à obrigação remuneratória atribuída ao artista, 0 princípio da equivalência entre as partes não seria observado, pois 0 valor da multa teria limites diversos a depender do transgressor do termo de vigência contratual. Para 0 cantor, 0 valor máxi­ mo de RS 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais), em razão da rem u­ neração anual prevista, e, para a em issora, a quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) poderia ser considerada insuficiente diante dos pre­ juízos experimentados. 8. A redução da aludida multa para R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), pelas instâncias ordinárias, em razão do cumprimento parcial do prazo estabelecido no contrato, observou 0 critério da equidade, coadunando-se com 0 propósito inserto na cláusula penal compensatória: prévia liquidação das perdas e danos experimentados pela parte prejudicada pela rescisão antecipada e imotivada do pacto firmado, observada as peculiaridades das obrigações aventadas. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1466177/SP, Rei. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/06/2017, Dje 01/08/2017)

Uma vez fixada uma cláusula penal seria possível 0 pedido de indenização suplementar? Em tese, não, salvo previsão expressa na própria cláusula (CC, art. 416). Desta forma, 0 valor fixado pela cláusula penal entende-se com montante total da indenização. Caso, porém, a própria cláusula penal autorize pedido suplementar, 0 montante da pena será entendido como um piso indenizatório, cabendo ao lesado, comprovando 0 prejuízo, requerer complementação. Esta ótica, porém, não se impõe no contrato de adesão, ante as suas peculiaridades: uma parte hipersuficiente e um pacto pré-formatado. Nesta esteira, informa 0 Enunciado 430 da V Jornada em Direito Civil que "No contrato de adesão, 0 prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção".

► Atenção! Lembra O rlando G omes* que não devemos confundir a cláusula penal com a multa simples, inadvertidamente chamado por alguns de cláusula penal pura. Esta consiste apenas no pagamento de uma soma a título de infração contratual. Não se trata da cláusula penal, a qual traduz ressarcimento pré-fixado. *

O p . C it ., p . 19 4 .

C a p . V I • A c r is e d a s o b r ig a ç õ e s : t e o r ia d o in a d im p le m e n t o

► Como o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo o assunto:

Cláusula penal. Redução. Adimplemento parcial. A Turma entendeu que, cum prida em parte a obrigação, a regra contida no mencionado artigo deve ser interpretada no sentido de ser possível a re­ dução do montante estipulado em cláusula penal, sob pena de legitimar-se o locupletamento sem causa. Destacou-se que, sob a égide desse Códex, já era facultada a redução da cláusula penal no caso de adimplemento parcial da obrigação, a fim de evitar o enriquecimento ilícito. Dessa forma, a redução da cláusula penal preserva a função social do contrato na me­ dida em que afasta o desequilíbrio contratual e seu uso como instrumento de enriquecimento sem causa. Ademais, ressaltou-se que, no caso, não se trata de redução da cláusula penal por manifestamente excessiva (art. 413 do CC/02), mas de redução em razão do cumprimento parcial da obrigação, autorizada pelo art. 924 do CC/1916. "In casu", como no segundo período de vigência do contrato houve 0 cumprimento de apenas metade da avença, fi­ xou-se a redução da cláusula penal para 50% do montante contratualmente previsto. REsp 1.212.159, rei. Min. Paulo Sanseverino, j. 19.6.2012. 3« T. (Info 500)

► Como esse assunto vem sendo cobrado em concurso? ► Ano: 2017. Banca: VUNESP. Órgão: TJ-SP. Prova: Juiz Substituto.

Em relação à cláusula penal decorrente da inexecução de obrigação, assinale a alternativa correta. a) A exigibilidade da cláusula penal perante pessoa jurídica está condi­ cionada à comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracteri­ zado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. b) Para exigir a pena convencional, é necessário que 0 credor alegue 0 prejuízo e que este não exceda 0 valor da obrigação principal. c) 0 prejuízo excedente à cláusula penal poderá ser exigido se houver expressa convenção contratual nesse sentido. d) Sempre que 0 prejuízo exceder a pena convencional, 0 credor poderá exigir indenização suplementar, competindo-lhe provar 0 prejuízo excedente. 0 gabarito é a letra c Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TJ-SC. Prova: Juiz Substituto A cláusula penal a) pode ter valor excedente ao da obrigação principal, ressalvado ao juiz reduzi-lo equitativamente. b) incide de pleno direito, se 0 devedor, ainda que isento de culpa, deixar de cumprir a obrigação ou se constituir-se em mora. c) incide de pleno direito, se o devedor, culposam ente, deixar de cum ­

prir a obrigação ou se constituir-se em mora. d) exclui, sob pena de invalidade, qualquer estipulação que estabeleça indenização suplementar. e) sendo indivisível a obrigação, implica que todos os devedores, cain­ do em falta um deles, serão responsáveis, podendo 0 valor integral ser demandado de qualquer deles. 0 gabarito é a letra c

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Por fim, situação que desperta dúvidas relaciona-se ao adimplemento da cláusula penal na hipótese de obrigação indivisível com pluralidade de devedores. A quem caberá arcar com o valor da penalidade? Respondendo a indagação, verbera o art. 414 do Código Civil que todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena, mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota. Aos não culpados fica ressalvada a ação regressiva contra àquele que deu causa à aplicação da pena. Nessa linha de pensamento, como visto no item relacionado às obrigações indivisíveis, na hipótese de conversão da obrigação em perdas e danos, esta perderá 0 seu caráter indivisível, pois a indivisibilidade liga-se ao objeto obrigacional (CC, art. 263). Ato contínuo, pelas perdas e danos responderá 0 culpado. Já pela cláusula penal responderá 0 culpado na sua integralidade e 0 inocente na sua quota-parte, tendo este (inocente) direito de regresso em face daquele (culpado). ► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: FCC. Órgão: PGE-AP Prova: FCC - 2018 - PGE-AP - Procu­ rador do Estado. Incorre de pleno direito 0 devedor na cláusula penal, desde que, Resposta: culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora e, sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá de­ mandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota, contudo, a penalidade deve se reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se 0 montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Ano 2018 Banca: FGV Órgão: MPE-AL Prova: FGV - 2018 - MPE-AL - Analista do Ministério Público - Área Jurídica Josimar, pecuarista, adquiriu dos irmãos Alberto e Rodrigo, um touro reprodutor. Por conveniência das partes, 0 preço foi antecipadamente pago, fixaram data para a entrega do anim al e, na hipótese de pere-

cimento do touro, uma multa de 10% sobre 0 valor adiantado. No dia de entrega do animal, Rodrigo, ao conduzir 0 veículo de transporte, empreende manobra arriscada onde não era possível ultrapassar e, ao sair da pista, tomba com 0 veículo, vindo a falecer 0 touro. Rodrigo sobrevive. Diante desta situação, josimar faz jus A. à cláusula penal convencionada, apenas, que deverá ser rateada pelos irmãos. B. ao valor antecipado e à multa, que serão rateados pelos vendedo­ res, cabendo a Alberto 0 regresso dos valores.

C a p . VI • A c r is e d a s o b r ig a ç õ e s : t e o r ia d o in a d im p le m e n t o

C. ao valor antecipado, devido por qualquer dos irmãos e à multa, devida apenas por Rodrigo. D. à multa, devida por inteiro por Alberto e Rodrigo e ao preço por eles rateado. E. ao preço, rateado pelos vendedores e à multa, devida em sua integralidade por Rodrigo e na metade, por Aberto. Resposta: e ► Atenção! Debate extremamente interessante se relaciona à (im)possibilidade de cláusula penal compensatória, na hipótese de revogação ou renúncia ao mandato em contrato de prestação de serviços advocatícios. Com efeito, tendo em vista: I. A natureza personalíssima da prestação de serviços em questão; II. 0 direito potestativo do advogado renunciar ao mandato e III. 0 direito potestativo do cliente revogar ao mantado Sufragou o S uperior T ribunal de Justiça entendimento pela impossibilidade de cláusula penal compensatória, na hipótese de revogação ou renún­ cia ao mandato, em contrato de prestação de serviços advocatícios. Decerto, tal cláusula penal impactaria contraprestação pecuniária inibitória de direito potestativo; o que não é viável. Entrementes, ainda nas pegadas do Tribunal da Cidadania, nada im­ pede a incidência de cláusula penal moratória, desde que razoável e proporcional. Cita-se o julgado sobre o tema: 0 ponto nodal do debate foi definir sobre a possibilidade de incidência de cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios, notadamente em razão de sua natureza personalíssima. Inicialmente, insta destacar que em face da relação de confiança entre advogado e cliente, por se tratar de contrato personalíssimo (intuitu personae), dispõe o Có­ digo de Ética e Disciplina da OAB (arts. 8o a 24), no tocante ao advogado, que "a renúncia ao patrocínio deve ser feita sem menção do motivo que a determinou" (art. 16). Em relação ao cliente, estabelece 0 art. 17 que "a revogação do mandato judicial por vontade do cliente não 0 desobriga do pagamento das verbas honorárias contratadas, assim como não retira 0 direito do advogado de receber 0 quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de sucumbência, calculada proporcionalmente em face do serviço efetivamente prestado". Nesse contexto, trata-se de direito potestativo do advogado renunciar ao mandato e, ao mesmo tempo, do cliente revogá-

-lo, sendo anverso e reverso da mesma moeda, do qual não pode se opor nem mandante, nem mandatário. No caso em exame, discutiu-se a respeito da possibilidade de previsão de cláusula penal inserta em contrato de hono­ rários advocatícios, notadamente em razão da especificidade e da essência da relação advogado/cliente e tendo-se em conta, ainda, os princípios éticos e morais ditados pelo Estatuto da OAB e pelo Código de Ética da profissão. Deveras, justamente por haver regulamentação específica, é que 0 Código Civil deixa de disciplinar 0 mandato judicial (art. 692), reservando-se à aplicação

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Direito Civil -V o l. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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supletiva no silêncio das normas processuais (cíveis, penais e trabalhistas) e regulamentares da profissão. Com isso, só há falar em cláusula penal, no con­ trato de prestação de serviços advocatícios, para as situações de mora e/ou inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução (CC, arts. 412/413). Por outro lado, não se mostra possível a estipulação de multa para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato, independentemente de motivação, respeitados, no tocante ao advogado, 0 recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado. (REsp 1.346.171-PR, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, Dje 7/11/2016).

6. ARRAS E SINAL Assim como aconteceu com a cláusula penal, a arras foi prestigiada no atual Código Civil, experimentando alteração em seu locus. Antes (CC/16, arts. 1.094/1.097) se encontrava na Teoria Geral dos Contratos. Agora, situa-se no inadimplemento obrigacional. Conceitua S ilvio R odrigues29arras ou sinal como a importância, prestada em dinheiro ou coisa, dada por um contratante ao outro, na conclusão do contrato, visando reforçar a presunção de acordo firmado ou, até mesmo, com 0 fito de assegurar para as partes 0 direito de arrependimento. Das duas uma: ou os contratantes a estipulam para garantir 0 adimplemento da prestação, ou, finalmente, objetivando pré-fixar perdas e danos em caso de arrependimento. ► E na hora da prova?

A banca FEPESE, em prova de concurso público, considerou corretas as seguintes assertivas: " Se no contrato for estipulado 0 direito de arre­ pendimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória"; "Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal." Por conta disto, que

C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald 30arrematam,

"as arras exercitam duas grandes funções:

p e n it e n c ia l

sustentando

(direito francês) e

confirmatória (direito alemão)" para, após esclarecer: "0 legislador cuida da matéria nos arts. 417 a 420 do Código Civil. Nos três primeiros artigos, disciplina as arras confirmatórias, deixando ao último dispositivo 0 tratamento das arras penitenciais". Reza 0 art. 417 do CC que "Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal". 29

In Direito Civil. Parte Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002.

30 In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 435.

Cap. VI • A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

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Como visto, o artigo disciplina a arras na modalidade confirmatória. Visa a garantia e reforço da prestação do contrato, bem como firma o início de pagamento sem possibilidade de arrependimento das partes. Este adiantamento, denominado de sinal ou entrada, ostenta natureza jurídica de início de adimplemento. Trata-se da quantia em dinheiro, ou outra coisa fungível, que um dos contratantes dá ao outro, em antecipado, visando garantir o adimplemento. Não se confunde com a cláusula penal, isto porque esta só pode ser exigida após o inadimplemento. As arras são pagas de forma antecipada, justamente para evitar o descumprimento do contrato. Sendo adimplida a prestação, as arras devem ser abatidas do preço ou restituídas a quem as prestou. Mas o que fazer se houver o pagamento destas arras e o descumprimento contratual? 0 art. 418 do CC disciplina a situação de inadimplemento nas arras confirmatórias. Acaso se adiantem arras e não se execute 0 contrato, quem as recebeu terá direito de retenção. Esta retenção servirá como pré-fixação das perdas e danos. Contudo, se a parte prejudicada foi quem deu as arras, terá direito à devolução das mesmas, a par da reparação civil na íntegra. 0 art. 418 do CC é melhor do que 0 seu antecedente 1.097 do CC/16 que, de forma limitada, apenas abordou hipótese de inexecução envolvendo 0 sujeito que deu as arras, ignorando a possibilidade fática daquele que recebeu também ser beneficiado pelo instituto.

Além disto, 0 art. 419 autoriza 0 prejudicado a exigir indenização complementar, se 0 dano sofrido for maior do que 0 valor das arras. Segundo 0 preceito, a parte inocente pode pedir indenização suplementar se provar maior prejuízo, valendo as arras como 0 mínimo da indenização. Trata-se de mais uma diferença para a cláusula penal, que consiste na indenização total pré-fixada, salvo disposição em contrário (CC, art. 416). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso IADES - Procurador - AL - CO/2019 foi considerada correta a seguinte assertiva: No que tange ao direito obrigacional brasileiro, assinale a alternativa correta. "Ainda que 0 prejuízo exceda ao previs­ to na cláusula penal, não pode 0 credor exigir indenização suplemen­ tar se assim não foi convencionado".

► Atenção!

Ao delimitar as arras como um piso (mínimo), 0 Código Civil superou uma divergência doutrinária anterior, que não admitia a cumulação das arras com 0 pleito de indenização.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

De fato, antes do advento do art. 419 do CC, a doutrina se divida em duas correntes: Corrente 1 - as arras confirmatórias envolveríam hipótese de pré-fixação integral de perdas e danos. Assim, ao se executar as arras não se podería pedir (cumular) indenização alguma, sob pena de bis in idem. Neste sentido, W ashington de B arros M onteiro e S erpa Lopes . Corrente 2 - as arras confirmatórias não representariam perdas e danos previamente estipulados, mas apenas um mínimo de perdas e danos, a permitir, mediante prova concreta e inequívoca, a indenização cumulativamente pleiteada e de caráter suplementar. Neste sentido. O rlando C omes, S ilvio R odrigues, C aio M ário da S ilva P ereira e 0 CC/02. Mas, além de confirmatórias, as arras poderão ser penitenciais, garantindo 0 direito ao arrependimento (CC, art. 420). Assim, se no contrato for estipulado 0 direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em beneficio da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais 0 equivalente (em dobro). Trata-se de preceito que parte da premissa segundo a qual existe direito de arrependimento ajustado entre as partes. Estamos diante das arras penitenciais. Nos contratos com previsão do direito de arrependimento as arras sempre serão penitenciais, e irão conferir à parte que arrepender-se a possibilidade de resolver 0 pacto, sem litigar. Para C ristiano C haves de Farias e N elson Rosenvald31, se não houver no contrato expressa alusão ao direito de arrependimento das partes, a hipótese será sempre de arras confirmatórias. Estas se presumem, diante do sinal. Aquelas (penitenciais) demandam cláusula expressa. Nas arras penitenciais não há de se falar em direito à indenização suplementar. Isto porque, aqui, as arras já possuem natureza indenizatória. ► E n a h o ra d a p r o v a ?

Ano: 2017. Banca: FCC Órgão: DPE-SC Prova: Defensor Público Substituto. Sobre 0 direito das obrigações. Assertiva falsa: se no contrato for estipulado 0 direito de arrependi­ mento para qualquer das partes, as arras terão função indenizatória, cabendo ao prejudicado pleitear indenização suplementar caso com­ prove prejuízos superiores ao valor das arras.

31

In Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2006, p. 438.

Cap. VI . A crise das obrigações: teoria do inadimplemento

► Importante:

Em síntese: As arras penitenciais acontecem quando os contratantes ajustam ex­ pressamente o direito de arrependimento, ou seja, o direito de de­ sistir do contrato. Servem como indenização pré-fixada: quem deu, perde. Quem recebeu, devolve em dobro. Independem, as arras pe­ nitenciais, de haver ou não inadimplemento da obrigação. Os contra­ tantes podem escolher entre cumprir ou não cumprir o contrato, já estando a indenização pré-fixada. Se o contrato não se concretizar por caso fortuito ou força maior, não incidirá as arras, em função da excludente. As funções das arras são duas: (i) tornar definitivo o contrato preli­ minar; (ii) funcionar como antecipação das perdas e danos ou como penalidade. As arras confirmatórias, nas quais não consta a possibilida­ de de arrependimento quanto à celebração do contrato definitivo, e a arras penitenciais, quando constar a possibilidade de arrependimento (somente neste segundo terá função exclusivamente indenizatória, aí incluída a penalidade) e não a de confirmar o contrato definitivo. ► Como se pronunciaram as Casas Judiciárias a respeito do tema?

De acordo com a Súmula 412 do S upremo T ribunal Federal: "No compromisso de compra e venda, com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem 0 deu, ou a sua restituição em dobro, por quem 0 recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo". Já 0 Superior Tribunal de Justiça possui, por outro lado, importante jul­ gado sobre a desproporção entre a quantia paga inicialmente e 0 pre­ ço total ajustado: "Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e 0 preço total ajustado evidenciar que 0 pagamento inicial englobava mais do que 0 sinal, não se pode declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido". REsp 1.513.259-MS, Rei. Min. João Otávio de Noronha, DJe 22.2.2016. 30 T. (Info 577) Ademais, aduz 0 mesmo Tribunal da Cidadania, na Jurisprudência em Teses n. 110, item 6, que no caso de rescisão de contratos envolvendo compra e venda de imóveis por culpa do comprador, é razoável ao vendedor que a retenção seja arbitrada entre 10% e 25% dos valores pagos, conform e as circunstâncias de cad a caso, avalian do -se os pre­

juízos suportados. 0 tema em comento - penalidade pelo desfazimento do contrato de aquisição imobiliária por conduta do adquirente (culpa do compra­ dor) - foi regulado pela Lei 13.786/18 (Distrato Imobiliário). Neste regramento, aduz a norma, que:

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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i. a retenção por desfazimento contratual, em incorporação imobiliária, por fato imputável ao adquirente (culpa do comprador), não poderá ultrapassar 25% (vinte por cento) dos valores pagos (art. 67-A da Lei 4 .5 9 1 /6 4 ) ;

ii. a retenção por desfazimento contratual, em parcelamento do solo urbano (lotes), por fato imputável ao adquirente (culpa do compra­ dor), não poderá ultrapassar 10% (dez por cento) dos valores pagos (art. 32-A da Lei 6.766/79). Entrementes, em situação que inobservou 0 parâmetro jurisprudêncial de então, firmou a Lei 13.786/18 (Distrato Imobiliário) que

quando 0 desfazimento contratual for por fato imputável ao ad­ quirente (culpa do comprador), em sede de incorporação sub­ metida ao patrimônio de afetação - hipótese na qual constitui-se uma pessoa jurídica específica para a incorporação - a retenção poderá ser de até 50% (cinquenta por cento) dos v alores pagos (art. 67-A. $ 59). ► E na hora da prova? Ano: 2018. Banca: CESPE. Órgão: DPE-PE. Prova: CESPE - 2018 - DPE-PE Defensor Público. Joaquim fez com Norberto contrato de promessa de compra e ven­ da para adquirir deste um imóvel por R$ 200.000: Joaquim deu R$ 150.000 de sinal e pretendia conseguir financiamento dos R$ 50.000 restantes em uma instituição bancária. Segundo cláusula do con­ trato que regulava 0 negócio, em caso de inexecução por culpa do comprador, este perdería 0 sinal em favor do vendedor. Por desídia de Joaquim, que não apresentou todos os documentos exigidos pela instituição bancária, 0 financiamento não foi aprovado, de maneira que 0 contrato não pôde ser cumprido. Joaquim buscou ajuda na justiça comum. Considerando essa situação hipotética, assinale a opção correta de acordo com a legislação pertinente e a posição dos tribunais supe­ riores. Resposta: Conforme 0 STJ, é possível reduzir a perda de Joaquim, já que, nesse caso, a diferença entre 0 valor inicial pago e 0 total do ne­ g ócio p o d e g e ra r e n riq u e c im e n to sem ca u sa p a ra N o rb erto.

C a p . V I • A c r is e d a s o b r ig a ç õ e s : t e o r ia d o in a d im p le m e n t o

► Atenção!

Debate extremamente interessante relaciona-se à (im)possibilidade de cumulação das arras penitenciais com a cláusula penal compensatória. De fato, como ambas objetivam ressarcimento pelo completo inadimple­ mento contratual, aduz o S uperior T ribunal de Justiça a impossibilidade de cumu­ lação, para que não haja bis in idem. Cita-se recente julgado sobre o tema: Cinge-se a controvérsia acerca da impossibilidade de cumulação da cláusula penal compensatória com a retenção das arras. Inicialmente, cumpre salien­ tar que a cláusula penal constitui parto acessório, de natureza pessoal, por meio do qual as partes contratantes, com o objetivo de estimular o integral cumprimento da avença, determinam previamente uma penalidade a ser im­ posta ao devedor na hipótese de inexecução total ou parcial da obrigação, ou de cumprimento desta em tempo e modo diverso do pactuado. Nos termos do art. 409 do Código Civil de 2002, a cláusula penal, também chamada de pena convencional ou simplesmente multa contratual, pode ser classificada em duas espécies: (i) a cláusula penal compensatória, que se refere à inexecução da obrigação, no todo ou em parte; e (ii) a cláusula penal moratória, que se destina a evitar retardamento no cumprimento da obrigação, ou 0 seu cum­ primento de forma diversa da convencionada, quando a obrigação ainda for possível e útil ao credor. Quando ajustada entre as partes, a cláusula penal compensatória incide na hipótese de inadimplemento da obrigação (total ou parcial), razão pela qual, além de servir como punição à parte que deu causa ao rompimento do contrato, funciona como fixação prévia de perdas e danos. Ou seja, representa um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização pela inexecução contratual. De outro turno, as arras se relacionam à quantia ou bem entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. De acordo com os arts. 417 a 420 do Código Civil de 2002, a função indenizatória das arras se faz presente não apenas quando há 0 lícito arrependimento do negócio (art. 420), mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato. Isso por­ que, de acordo com 0 disposto no art. 418, mesmo que as arras tenham sido entregues com vistas a reforçar 0 vínculo contratual, tornando-o irretratável, elas atuarão como indenização prefixada em favor da parte "inocente" pelo inadimplemento do contrato, a qual poderá reter a quantia ou bem, se os tiver recebido, ou, se for quem os deu, poderá exigir a respectiva devolução, mais 0 equivalente. Outrossim, de acordo com 0 que determina 0 art. 419 do CC/02, a parte prejudicada pelo inadimplemento culposo pode exigir indenização su­ plementar, provando maior prejuízo, "valendo as arras como taxa mínima", ou, ainda, pode requerer a execução do acordado com perdas e danos, se isso for possível, "valendo as arras como 0 mínimo da indenização". Nesse con­ texto, evidenciado que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória, é imperiosa a conclusão no sentido da impos­ sibilidade de cumulação de ambos os institutos, em face do princípio geral da proibição do non bis in idem (proibição da dupla condenação a mesmo título).

(REsp 1.617.652-DF, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, Dje 29/09/2017).

227

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Direito Civil - Vol.

11

• Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

► E na hora da prova?

Ano: 2018. Banca: VUNESP. Órgão: MPE-SP/ Prova: VUNESP - 2018 - MPE-SP - Analista Jurídico do Ministério Público Considere as seguintes situações hipotéticas: i) em compromisso de compra e venda, foi previsto um pagamento inicial de 10% do valor do bem, a ser descontado dos pagamentos a serem feitos posterior­ mente; ii) em contrato de compra e venda foi previsto que 0 atraso no pagamento sujeitaria 0 devedor à multa de 10% do valor do contrato; iii) em contrato de compra e venda foi previsto que se uma das partes não cumprir a avença deverá ressarcir a outra em valor equivalente a 50% do valor do contrato; iv) em compromisso de compra e venda foi previsto que, caso uma das partes desista de firmar 0 contrato definiti­ vo, a outra pode reter 0 sinal recebido ou ter que devolver 0 recebido, mais 0 equivalente. As situações retratam, respectivamente: Resposta: arras confirmatórias, multa moratória, multa compensatória, arras penitenciais.

Capítulo

Transmissão das obrigações 1. INTRODUÇÃO A obrigação não é um vínculo imóvel. Ao revés, admite trânsito. Logo, é juridicamente possível a transmissão ativa (cessão de crédito), passiva (cessão de débito ou assunção de dívida) ou, até mesmo, de uma posição contratual (cessão de contrato). Afirmam C ristiano C haves de Farias e N elson Rosenvald 1que a relação jurídica obrigacional possui um momento de nascimento, outro de modificação e, por fim, um de extinção. Entre o nascimento e a extinção, nas palavras de E mílio B etti12, a obrigação pode ser modificada, ante a possibilidade de vicissitudes; leia-se: sucessões. Desta forma, há manutenção do negócio jurídico, conservação do seu objeto, mas substituição de seus sujeitos. Nesta perspectiva, o S uperior T ribunal de Justiça j á entendeu que a "cessão de direitos e obrigações oriundos de contrato [...] implica a transferência de um complexo de direitos, de deveres, débitos e créditos, motivo pelo qual se confere legitimidade ao cessionário de contrato (cessão de posição contratual) para discutir a validade de cláusulas contratuais com reflexo, inclusive, em prestações pretéritas já extintas" (REsp. 356.383). Tal premissa, hoje assente na doutrina e na legislação nacional, nem sempre foi verdadeira. No período romano se tinha como impossível a transmissão obrigacional, à exceção da sucessão hereditária (causa mortis). A obrigação consistia em um vínculo solene, pessoal e intransferível. Havia apenas a possibilidade de novação obrigacional, a qual implicava, necessariamente, na extinção do vínculo anterior e criação de uma nova obrigação, com animus novandi. Com a evolução das relações negociais, em função das exigências econômicas, surge necessidade de facilitar a circulação das obrigações e seu cumprimento, crescendo em importância 0 tema ora em estudo. 0 olhar de transmissibilidade obrigacional ganhou espaço quando passamos a enxergar a obrigação como um vínculo patrimonial dinamizado pelo adimplemento. 1

In Direito d as Obrigações. 5. e d . Rio de Janeiro: Lumen ju ris , 2 0 11, p. 345-

2

Apud Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Op. Cit., p. 346.

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Direito Civil - Vol. n

• Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Nas palavras K arl Larenz3, todos os direitos suscetíveis de avaliação pecuniária constituem patrimônio da pessoa. A obrigação se insere neste contexto. Em sendo patrimônio, há propriedade e, ainda, admite-se o trânsito jurídico. Foi assim que se verificou a desmaterialização do crédito. Este se tornou um bem incorpóreo, um objeto de patrimônio, sendo passível de tráfego jurídico. Fora rompida a noção do crédito como algo inerente ao seu titular. A aceitação histórica da transferência no polo ativo da obrigação ocorreu de forma mais tranquila. Já a transmissão passiva enfrentou maiores dificuldades. Lembra O rlando C omes4que a substituição do credor ou do devedor na relação jurídico obrigacional, sem extinção do vínculo, é conquista do direito moderno. Mantém-se a individualidade do vínculo. Altera-se o elemento subjetivo ativo ou passivo. 0 Código Civil de 1916 tinha um tratamento mais tímido acerca do assunto, seguramente por ser fruto de um contexto histórico-social permeado por uma economia primária e conservadora. Dedicava-se apenas ao tratamento da cessão de crédito. 0 vigente Código Civil aprimorou a análise do tema, inaugurando um título próprio para a transmissão das obrigações, onde trata da cessão de crédito e da assunção de dívida (cessão de débito). Deixou de fora, porém, a cessão de posição contratual, 0 que é digno de críticas.

Após esta introdução, passamos ao tratamento das modalidades de transmissão das obrigações. É importante frisar que 0 estudo não foge da perspectiva constitucional, impulsionada pela cláusula geral da dignidade humana, solidariedade social e, evidentemente, pelos direitos fundamentais, os quais irradiam - teoria da irradiação ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais - sobre todo 0 direito privado. Nesta senda, deve-se entender a transmissão das obrigações dentro dos valores da eticidade, boa-fé objetiva e função social, protegendo-se a legítima tutela da confiança e, também, do terceiro de boa-fé (teoria da aparência). Vamos iniciar pela cessão de crédito. 2. CESSÃO DE CRÉDITO A cessão de crédito consiste, em regra, em um negócio jurídico bilateral e consensual5 através do qual 0 credor (cedente) transfere total ou parcialmente 0 seu crédito a um terceiro (cessionário), conservando-se a relação primitiva com 0 mesmo devedor (cedido). Seu objeto é um bem incorpóreo - um crédito. Por isto, fala-se em cessão, ao revés de alienação, a qual se refere a coisas corpóreas. A

3

Derecho de Obrigaciones. T. I. p. 445.

4

Obrigações, p. 236.

5

Ser consensual significa dizer que se torna perfeito e acabado com 0 mero encontro de vonta­ des. Além de consensuais, há negócios reais, ao passo que demandam a entrega do objeto para tornarem-se perfeitos e acabados.

Cap. VII . Transmissão das obrigações

231

cessão de crédito é a principal forma de transmissão obrigacional, podendo ser onerosa ou gratuita. ► Como o S u perio r T ribunal

de

J ustiça já

decidiu esse assunto?

No Informativo 562 ao julgar 0 REsp. 1.275.391-RS entendeu 0 S uperior ser possível a cessão de crédito relativa ao seguro DPVAT: "É possível a cessão de crédito relativo à indenização do seguro DPVAT decorrente de morte. Isso porque se trata de direito pessoal dis­ ponível, que segue a regra geral do art. 286 do CC, que permite a cessão de crédito se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com 0 devedor". (REsp 1.275.391-RS, Rei. Min. João Otávio de Noronha, DJe 22.5.15. 3a T)

T ribunal de ] ustiça

Conforme os ensinamentos de C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald6 há três personagens na cessão de crédito: cedente, cessionário e cedido. Assim: Quem transfere seu crédito (total ou parcial)

g § g § -►

0 destinatário

do crédito

0 devedor Apesar dos três personagens, as partes envolvidas na cessão são 0 cedente e 0 cessionário. 0 cedido não 0 é, pois, como será visto adiante, não necessita sequer concordar. ► Como este assunto foi cobrado e concurso?

A prova para 0 cargo de Juiz Federal -TRF i a Região, banca examinadora CESPE, ano de 2013, trouxe a seguinte questão: Suponha que um fazendeiro, mediante contrato escrito, tenha doado 10% da safra produzida em sua fazenda para uma instituição de carida­ de que, posteriormente, havia transferido essa vantagem para terceira pessoa. Nessa situação, 0 segundo negócio se configura como a) novação. b) sub-rogação legal. c) subcontrato. d) cessão de contrato. e) cessão de crédito. 0 gabarito é a letra E.

6

Op. Cit., p. 352.

232

Direito Civil - Vol.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Fala-se que a cessão é, em regra, um negócio jurídico, fincado na autonomia privada, porque costuma ocorrer através da modalidade convencional ou voluntária. Entrementes, como lembram P ablo S tolze e R odolfo P amplona F ilho7, é plenamente possível verificarmos uma cessão judicial, a exemplo de uma decisão que atribua ao herdeiro ou legatário um crédito do falecido; e a cessão legal, como a relacionada aos acessórios da dívida, a exemplo de cláusula penal, juros, garantias (art. 287 do CC/02). Pode ser verificada, até mesmo, a cessão de crédito como declaração de última vontade, mediante testamento ou legado. Os livros e as provas costumam, porém, trabalhar com a cessão voluntária. Veiculam como exemplo mais corriqueiro 0 desconto bancário, como recorda C arlos R oberto G onçalves8. Neste 0 comerciante transfere 0 seu crédito a uma instituição financeira, recebendo antecipadamente valores a menor, passando a aludida instituição a ter a prerrogativa de execução futura dos montantes. Traduz uma importante forma de desenvolvimento econômico. Permite a antecipação de valores e 0 recebimento de capital de giro. Explica-se. 0 credor (cedente) transfere um crédito vincendo a um terceiro (cessionário), que é uma instituição financeira. Este (cessionário) paga valor menor do que 0 do título propriamente e, depois, executa 0 devedor (cedido). 0 cedente, portanto, recebe uma antecipação de receita. É a casuística do factoring. Mas será que qualquer obrigação pode ter seu crédito cedido? Não! Nem toda obrigação é passível de transmissão. Nas pegadas do art. 286 do Código Civil, a cessão de crédito poderá ocorrer desde que não se oponha à natureza da obrigação, à lei ou à convenção com 0 devedor. Os manuais costumam exemplificar como obrigações cuja natureza não admite cessão 0 direito aos alimentos (art. 1707 do CC/02) e os direitos da personalidade (art. 11 do CC/02). Em relação a estes, porém, lembram C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald 9 que 0 crédito alimentar em atraso e os rendimentos decorrentes da exploração de direitos autorais podem ser transmitidos (art. 28 da Lei 9.610/98). 0 crédito alimentar vencido já integra 0 patrimônio do alimentando, que sobreviveu até aquela data. já a faceta patrimonial dos direitos da personalidade poderá ser objeto de cessão, sendo vedada, porém, a cessão dos direitos morais do autor paternidade da obra (art. 27 da Lei 9.610/98). Em outros casos há uma proibição legal à cessão. Lembra-se do direito de preferência, 0 qual não admite transmissão (art. 520 do CC/02); 0 benefício da gratuidade de justiça (Lei 1.060/50, art. 10); 0 direito à herança de pessoa viva (art. 426 do CC/02) e os créditos já penhorados (art. 287 do CC/02).

7 8

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. II. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 246. Op. Cit., p. 349.

9

Op. Cit., p. 354/ 355-

Cap. VII • Transmissão das obrigações

233

Além disto, a própria obrigação pode vedar a aludida transmissão, veiculando um pacto non cedendo, o qual apenas poderá ser oposto a terceiro de boafé caso conste do instrumento da obrigação (art. 286 do CC/02). Na lição de C iselda M aria Fernandes N ovaes H ironaka, tal impossibilidade de oposição é novidade do Código Civil vigente, "Mas a esta conclusão já se chegava no sistema anterior pelo raciocínio lógico. Como bem lembra Silvio de Salvo Venosa (p. 330), 0 terceiro poderá ter tomado conhecimento da proibição de outra forma, 0 que lhe suprime a boa-fé, 0 que deverá ser examinado no caso concreto"10. Exemplifica-se com a hipótese contratual que envolve obrigação de não fazer permanente (CC, arts. 250 e 251), cujo desrespeito (a cessão) ensejaria inadimplemento contratual de obrigação negativa (CC, art. 390). Por razões processuais - efetividade da jurisdição, por exemplo -, 0 crédito penhorado não mais poderá ser cedido pelo credor que tiver conhecimento da penhora, em função da constrição judicial. Trata-se de uma vedação temporal, pois 0 crédito, após a penhora, possui a qualidade jurídica de bem litigioso (sub judice), estando fora do comércio jurídico regular. Se houver cessão, inclusive, estar-se-á diante de uma fraude à execução. Ainda sob 0 ponto de vista da jurisdição é importante lembrar que 0 princípio da inafastabilidade ou inevitabilidade permitirá ao Poder Judiciário, sempre, revisar 0 conteúdo das cláusulas contratuais e, por via de consequência, da cessão de crédito. ► Como o S u perio r T ribunal de J ustiça vê esta questão?

No Recurso Especial 3 5 6 .3 8 3 0 S uperior T ribunal de Justiça assim entendeu: "A extinção do dever de pagamento da prestação mensal não se confunde com a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, pois esta decorre do direito de acesso ao Poder Judiciário e habilita a parte interessada a requerer 0 pagamento de diferenças pecuniárias incluídas indevidamente nas prestações anteriores à cessão contratual, pois foram cedidos não só os débitos pendentes como todos os créditos que viessem a ser apurados posteriormente". Caso o devedor venha a adimplir, após a notificação da penhora, ao credor originário, haverá de pagar novamente ao credor correto, pois: quem paga mal, paga duas vezes (art. 312 do CC). Porém, se 0 devedor desconhecia da penhora, vindo a realizar 0 pagamento ao credor originário, estará liberado do vínculo o b rig a c io n a l (a rt. 298 d o C C /0 2 ), c a b e n d o a o no vo c re d o r (c e s s io n á rio ) a çã o

de regresso em face do credor originário (cedente), com base na vedação de enriquecimento sem causa (art. 876 do CC/02), na proteção à aparência e na tutela da legítima confiança.

10

In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. 2. ed. Curitiba: juruá, 2009, p. 128.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e

Roberto Figueiredo

► Atenção!

A Emenda Constitucional 62/2009 alterou 0 art. 100, §13 da CF/88, pos­ sibilitando a cessão de crédito a terceiros - total ou parcial - em pre­ catórios, independentemente da concordância do devedor. Exige-se a comunicação, mediante petição, ao Tribunal de origem e à entidade devedora, para produção de efeitos. Na prática, tais operações cos­ tumam ocorrer com deságio. Muitas empresas se interessam por tais precatórios para utilização em compensações tributárias. Frise-se, porém, que nesta cessão será perdida a preferência do precatório conferida ao credor originário com mais de sessenta anos, em função de crédito de natureza alimentar ou para portadores de doença grave. Lógico. Tais questões são personalíssimas e, por conseguinte, intransmissíveis.

A cessão possui uma forma vinculada? 0 ato de cessão poderá ser realizado por instrumento público ou particular. A forma, portanto, é livre para que tenha validade entre as partes contraentes. Este raciocínio não se verifica caso a escritura pública seja da substância do ato, a exemplo da cessão de crédito hipotecário (art. 289 do CC/02), ou de direitos hereditários (art. 1.793 do CC/02). Nestes casos, recorda-se, far-se-á necessária ainda à vênia conjugal, ressalvada a hipótese do regime de separação convencional de bens (art. 1647 do CC/02)11.

Ocorrendo por instrumento particular, a cessão exige as solenidades do art. 654, §i® do CC/02, quais sejam: indicação do local da cessão, qualificação das partes e 0 registro para que sejam alcançados os efeitos erga-omnes (art. 221 do CC/02; art. 129, §9° da Lei 6.015/73). 0 desrespeito a tais requisitos apenas gerará a ineficácia perante terceiros, sendo 0 ato válido entre as partes contraentes (art. 288 do CC/02). Assim já decidiu O S uperior T ribunal de Justiça ( I nformativo 403) e se coloca a doutrina (Enunciado 618 do C|F). ► E na hora da prova?

Ano: 2017. Banca: TRF - 2a Região. Órgão: TRF - 2a REGIÃO. Prova: Juiz Federal Substituto. Foram consideradas incorretas as seguintes assertivas: É nula a cessão de crédito celebrada de modo verbal. A validade da cessão de crédito previdenciário, no plano federal, de­ pende de escritura pública. Foi considerada correta a seguinte assertiva: A cessão de crédito celebrada por escrito particular, para que seja oponível a terceiros, deve ser levada a registro, em regra no Cartório de Títulos e Documentos.

11

0 volume de Parte Geral, ao tratar do tema pessoa física e capacidade jurídica, aborda a vênia conjugal como casuística de legitimação. Confiram!

Cap. Vil • Transmissão das obrigações

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A transmissão do crédito carrega consigo os acessórios e as garantias da dívida, salvo se houver estipulação expressa em contrário. 0 acessório segue a sorte do bem principal: Teoria da Gravitação Jurídica (arts. 97 e 287 do CC/02). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2018. Banca: IESES. Órgão: TJ-AM Prova: IESES - 2018 - TJ-AM - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Foi considerada incorreta a seguinte assertiva: "na cessão de crédito não se abrangem os seus acessórios, salvo disposição em contrário". Vaticina C arlos Roberto G onçalves12 que em havendo cessão a mais de um cessionário, dividir-se-á em dois, independentemente um do outro. Entrementes, ainda segundo 0 aludido autor, a lei não veicula nenhum tipo de critério de preferência em favor do credor primitivo, sendo plenamente possível 0 ajuste de prioridade a partir de convenção. Para a cessão de crédito faz-se necessária à concordância do devedor? Para que a cessão seja válida não se exige a concordância do devedor. Sequer a sua participação. A tutela é do crédito. Porém, informa 0 Código Civil que 0 devedor haverá de ser notificado acerca da transmissão, seja de forma expressa ou tácita, pelo cedente ou cessionário. Claro! 0 devedor deve saber a quem pagar. A lógica do Código Civil se relaciona ao princípio da eticidade, probidade e boa-fé objetiva, sendo um dever anexo ao vínculo obrigacional13. ► E na hora da prova? (Vunesp - Cartório - TJ - SP/2014) Conforme 0 Código Civil, é correto afirmar: (A) se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se 0 dé­ bito, inclusive as garantias prestadas por terceiros, independente­ mente da ciência dos vícios geradores da invalidade. (B) é facultado ao terceiro assumir a obrigação do devedor, sem 0 con­ sentimento expresso do credor, ficando sempre exonerado 0 deve­ dor primitivo, ainda que no caso de insolvência. (C) 0 credor pode ceder 0 seu crédito, se a isso não se opuser a nature­ za da obrigação, a lei, ou a convenção com 0 devedor, sendo que a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. (D ) é in e f ic a z , e m r e la ç ã o a t e r c e ir o s , a t r a n s m is s ã o d e u m c r é d it o q u e

não for obrigatoriamente realizada por instrumento público. Gabarito: C

12 13

0p. cit., p. 220. 0 tema deveres anexos já fora abordado neste volume quando do tratamento do conceito da relação jurídica obrigacional.

236

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e

Roberto Figueiredo

Justo por isto, apesar de não ser condição de validade, a notificação do devedor é necessária para que a cessão seja eficaz (art. 290 do CC). Inexistente a notificação, a cessão em comento será ineficaz em relação ao devedor. Assim, caso ele venha a realizar 0 pagamento ao credor primitivo (cedente), antes de ter 0 conhecimento da cessão, restará desobrigado (art. 292 do CC/02). Contudo, em que pese a ausência de notificação ensejar a ineficácia da cessão de crédito, isso não significa que a dívida se tornou inexigível. Para exemplificar, vejamos os julgados do Superior Tribunal de Justiça, dos anos de 2013 e 2014: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada. Isso não significa, porém, que a dívida não possa ser exigida quando faltar a notificação. 2.- 0 objetivo da notificação é informar ao devedor quem é 0 seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas consequências: Em primeiro lugar dispensa 0 devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até 0 momento da cobrança (artigo 294 do Código Civil). 3.- A falta de notificação não interfere com a existência ou exigibilidade da dívida, sendo de se admitir, inclusive, a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes em caso de não pagamento, observadas as formalidades de estilo (artigo 43, § 2°, Código de Defesa do Consumidor). 4.- 0 agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar 0 deci­ dido, que se mantém por seus próprios fundamentos. 5.- Agravo Regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1408914 PR 2013/0331677-7, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2013). AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO. CADASTRO DE INADIMPLENTES. REGISTRO. NOTIFICAÇÃO. CIÊNCIA. VALIDADE. 1. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/ STJ). 2. A ausência de notificação da cessão de crédito não torna a dívida inexigível. Súmula 83/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no Ag: 1307891 MG 2010/0084205-0, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 20/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Pu­ blicação: DJe 05/03/2014). Assim, em uma visão sistemática, percebe-se que a eficácia da cessão de crédito em relação ao devedor demanda apenas a sua notificação (ciência). Nessa senda, não se faz necessária que a cessão seja feita por instrumento público ou particular, com atenção às solenidades do art. 654, parágrafo primeiro, para que seja eficaz em relação ao devedor. Tal apenas se fará necessário para eficácia perante terceiros, como bem posto pelo art. 288 do CC/02 e Enunciado 618 do Conselho da Justiça Federal.

Cap. VII • Transmissão das obrigações

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► E na hora da prova? Ano: 2017. Banca: FCC Órgão: DPE-SC Prova: Defensor Público Substituto. Sobre 0 direito das obrigações. Assertiva correta: para que ocorra a transmissão de crédito, não é ne­ cessário 0 consentimento do devedor, mas a sua notificação é exigida para a eficácia do negócio em relação a ele. ► Como o S u perio r T ribunal de J ustiça vê esta questão? No Recurso Especial 317.632, 0 S uperior T ribunal de Justiça assim decidiu: "De­ poimento pessoal do cedente: ato instrutório que não substitui a exigência do art. 290 do CC. Na cessão civil de crédito, 0 depoimento pessoal do cedente em juízo constitui mero ato de instrução processual, insuscetível de substituira necessidade de comunicação escrita da cessão ao devedor, como exigida pelo art. 1.069 do CC". Trata-se de julgado anterior ao Código Civil vigente, mas de importante reflexão e atualidade, porquanto 0 dispositivo da legislação atual. Na lição de G iselda M aria Fernandes Novaes H ironaka, outra importante inovação legislativa é a previsão do art. 293 do CC, segundo a qual 0 cessionário poderá, ainda que desconhecida a cessão pelo devedor - ausência de notificação -, exercer os atos conservatórios do direito cedido: "A notificação sempre foi tida como algo necessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativamente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, se fosse este 0 caso. Mas a doutrina já aceitava (cf. Silvio de Salvo Venosa, p. 337) que 0 cessionário conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação até porque, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à validade da cessão, mas tão-só elemento essencial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso autor foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substitui no art. 290 a expressão não vale do art. 1.069 por não tem eficácia"14 ► E na hora da prova? Ano: 2018. Banca: IESES. Órgão: Tj-AM. Prova: IESES - 2018 - TJ-AM - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Foi considerada falsa a seguinte assertiva: "0 cessionário somente po­ derá exercer os atos conservatórios do direito após 0 conhecimento da cessão de crédito pelo devedor". E se houverem várias cessões seguidas? Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, deverá 0 cedido pagar àquele credor que se apresenta com o título da cessão (original), independentemente da ordem cronológica das cessões. 14

In Código Civil Anotado. C o o rd e n a d o r Rodrigo da Cunha P e reira. 2. e d . Curitib a: Juruá, 2009, p. 129.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Uma vez notificado o devedor - de forma expressa (direta) ou tácita (presumida)15, judicial ou extrajudicial, pelo cedente, ou pelo cessionário - passa a ser vinculado ao cessionário, sendo possível opor a este as exceções que lhe competirem, além daquelas que no momento em que veio a ter conhecimento da cessão tinha contra o cedente (art. 294 do CC/02). De fato, recorda-se que 0 devedor (cedido) não há de concordar com a cessão. Logo, nada mais equânime do que lhe garantir arguir - em face do novo credor (cessionário) - as cessões que tinha em face do antigo (cedente). Frise-se: as exceções pessoais devem ser arguidas de logo, sob pena de preclusão. A mesma linha de pensamento se aplica à compensação, a qual deverá ser arguida de plano, em casos de cessão de crédito (art. 377 do CC/02). já as defesas objetivas podem ser manejadas a qualquer tempo, dentro do prazo legal. ► Como decidiu o S u perio r T ribunal de J ustiça ? No informativo 254 0 STJ informa que "a lei não exige formalidade específica para a notificação, apenas esclarece que 0 devedor neces­ sita declarar, em escrito público ou particular, a ciência da cessão. Na hipótese esse objetivo foi alcançado, prova disso é a manifestação do devedor/recorrido sobre 0 pedido de substituição, no processo, do cedente pelo cessionário. Assim, não há de se falar em ineficácia da cessão de crédito". Há certos créditos que dispensam a notificação por sua própria natureza, a exemplo de títulos de créditos, a saber: Crédito ao Portador

Crédito à Ordem

Previsão Legal (CC, 904).

Previsão Legal (CC, art. 910, §2°).

Basta a tradição.

0 endosso é necessário. Além disto, completa-se com a tradição do título.



Mas é tempo de avançar à outra reflexão. Questiona-se: 0 fiador há de ser notificado? P a b lo S tolze

e

R o d o l f o P a m p l o n a F ilh o

16 a firm a m

não s e r im p re s c in d ív e l a n o tificaçã o

do fiador para manutenção da garantia, haja vista 0 fato de ser 0 mesmo devedor, não havendo alteração no polo passivo da lide apta a modificar 0 nível de responsabilidade da garantia. Data venia, ousamos discordar, com base na percepção de que 0 contrato de fiança é celebrado entre 0 credor (afiançado) e 0 fiador, independentemente 15

16

Entende-se, por exemplo, a citação do devedor para a ação de cobrança como uma notificação presumida. Em alguns outros casos, nos quais a transmissão já implica a notificação, entende-se que 0 cedido já tomou ciência. É a casuística dos títulos ao portador (art. 904 do CC). Op. Cit., p. 252.

Cap. VII . Transmissão das obrigações

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da concordância ou intervenção do devedor (art. 820 do CC). Nessa linha de raciocínio, ao ser cedido 0 crédito altera-se 0 sujeito ativo do contrato principal e, via de consequência, do contrato acessório de fiança. Logo, como dever anexo decorrente da boa-fé objetiva, 0 fiador deve ser informado, sob pena de ser mantido em um contrato com uma parte que, sequer, conhece. E como fica a responsabilidade do cedente na cessão de crédito negociai? A regra geral é que 0 cedente responderá na cessão de crédito onerosa e na gratuita realizada de má-fé, pela existência do crédito cedido ao tempo da transferência. A isto denomina a doutrina de responsabilidade pro soluto ou nomem verum ou in veritas nominis. Entenda por garantir a existência, assegurar a titularidade e a validade do crédito. Não é crível que alguém ceda algo que inexiste! (art. 295 do CC). Plenamente possível, porém, que 0 negócio jurídico da cessão imponha uma responsabilidade além da existência, açambarcando 0 pagamento da obrigação. Assim, 0 cedente (credor primitivo) passa a responder pela solvência do devedor (cedido), podendo ser responsabilizado pelo inadimplemento deste. A responsabilidade, que originariamente apenas seria pro soluto, passa a ser pro solvendo ou in bonitas nominis (arts. 295, 296 e 297 do CC), pois a liberdade contratual e a autonomia privada permitem, licitamente, ajustes deste tipo. ► E na hora da prova? Ano: 2017. Banca: FCC. Órgão: TJ-SC Prova: Juiz Substituto. Foi considerada correta a seguinte assertiva: Na cessão por título one­ roso, 0 cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé. Foi considerada incorreta a seguinte assertiva: Salvo estipulação em contrário, 0 cedente responde pela solvência do devedor. Ano: 2018. Banca: IESES. Órgão: TJ-AM. Prova: IESES - 2018 - TJ-AM - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Sobre a transmissão das obrigações, assinale a correta: Resposta: Na cessão de crédito 0 cedente não responde pela solvência do devedor, salvo estipulação em contrário. ► Como o S u perior T ribunal de J ustiça já se manifestou sobre o assunto? No Recurso Especial 74.440 entendeu a Corte Especial que "Fica 0 ce­ dente responsável pela existência do crédito, mas não, necessaria­ mente, pela possibilidade prática de que seja satisfeito", admitindo-se, inclusive, responsabilidade civil pelos vícios redibitórios ocorridos dentro de um espaço de tempo (REsp. 431.353/SP).

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Sufragamos o entendimento de C ristiano C haves de Farias e N elson Rosenvald no sentido de que a cláusula pro solvendo impõe uma responsabilidade, em regra, subsidiária, haja vista que a solidariedade demanda previsão expressa, seja pela lei ou pela vontade (art. 265 do CC). Ainda seguindo os aludidos autores, não será responsabilizado 0 cedente pela insolvência posterior, em vista do caráter aleatório do negócio. Frise-se que a responsabilidade em comento incidirá pela insolvência no momento da realização do negócio jurídico, exceto se houver cláusula expressa impondo uma responsabilidade estendida ao cedente. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? A banca examinadora CESPE, no ano 2013, na seleção para atuar em Ati­ vidade Técnica de Suporte - Direito/MC, considerou incorreta a asserti­ va: "Nas cessões de crédito a título oneroso, a lei impõe ao cedente a responsabilidade pela solvência do devedor". Ademais, a responsabilidade do cedente, perante 0 cessionário, é de natureza restituitória, limitada ao valor do negócio da cessão, e não ao título cedido, acrescido de juros, correção e despesas de cobrança. Lembra-se que a cessão usualmente é realizada com desconto financeiro. Assim, segundo C arlos Roberto G onçalves17, a convenção em comento possui uma natureza mais indenizatória (restituitória) do que satisfatória. Concordamos com Pablo Stolze e Rodolfo P amplona Filho18 no sentido de que as regras de responsabilidade supracitadas aplicam-se à cessão de crédito negociai, não alcançando a judicial e a legal. Nestas, 0 credor originário é completamente liberado. ► Atenção! Não confunda: a) Cessão de Crédito com Novação Subjetiva Ativa A cessão de crédito não se confunde com a novação subjetiva ativa, pois nesta a obrigação anterior é extinta, e cria-se um novo vínculo obrigacional. Não se fala em transmissão, portanto, mas sim em um ato complexo de extinção e criação de um novo vínculo obrigacional, com animus novandi. Extingue-se integralmente a obrigação primitiva, com todas as suas garantias. Situa-se a novação na fase de extinção da obrigação. b) Cessão de Crédito com Sub-Rogação Legal Igualmente não devemos confundir a cessão de crédito com a sub-rogação legal, uma vez que nesta 0 sub-rogado apenas poderá exer-

17

Op. Cit., p. 226.

18

Op. cit., p. 252.

Cap. VII . Transmissão das obrigações

241

citar seus direitos e ações nos limites do desembolso. (CC, artigo 350), enquanto a cessão de crédito abrangerá todos os acessórios da obri­ gação, acaso não haja disposição em sentido contrário (CC, artigo 287). Além disto, 0 pagamento por sub-rogação legal é um modo de extinção da obrigação. Já na sub-rogação parcial há, ainda, um direito de pre­ ferência ao sub-rogado no cumprimento da dívida restante, 0 que inexiste na cessão (art. 351 do CC). Não se exige a notificação do devedor para que a sub-rogação produza seus efeitos. 3. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA OU CESSÃO DE DÉBITO 0 atual Código Civil, inovando em relação ao diploma de B eviláqua, abriu todo 0 Capítulo II do Título II para regular 0 tema cessão de débito. Apesar da lacuna legislativa durante a vigência do CC/16, 0 negócio em comento já era conhecido, como decorrência da autonomia da vontade, demandando 0 assentimento do credor.

A resistência legislativa se dava por não ser a assunção de dívida negócio tão frequente quanto à cessão de crédito. Ademais, 0 instituto causava estranheza, pois é a pessoa do devedor que legitimava 0 débito, dada a sua garantia patrimonial e consequente solvibilidade. 0 vocábulo credere significa aquele que confia. Justo por isto, é necessário para a assunção a concordância do credor: 0 maior interessado pelo adimplemento. De acordo com G iselda M aria Fernandes Novaes H ironaka "assunção de dívida é a tradução literal do título que 0 instituto recebe no Direito alemão, um dos primeiros sistemas jurídicos, ao lado do Suíço, a prevê-lo. Trata-se da substituição do sujeito passivo da relação creditória, sem que isto implique modificação da obrigação, quando então, estar-se-ia diante de uma novação subjetiva passiva. A obrigação, assim, permanece a mesma, com mera substituição do devedor"19 Conceitualmente, a assunção de dívida consiste em negócio jurídico bilateral e consensual, através do qual 0 devedor, com expresso consentimento do credor, transmite a um terceiro (assuntor) a sua obrigação. Há uma mudança no polo passivo da relação obrigacional. Aqui se exige a concordância expressa do credor (art. 299 do CC/02), ao passo que a alteração do devedor acaba por modificar a garantia obrigacional, visto que no Brasil a responsabilidade civil é patrimonial, incidindo sobre os bens do devedor na hipótese de inadimplemento (art. 391 do CC)20.

19

In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 133.

20 Recorda-se que 0 art. 391 do CC/02 merece uma leitura sistemática, fincada no paradigma da dignidade da pessoa humana. Todos nós necessitamos, para sobreviver dignamente, de um pa­ trimônio mínimo ou um mínimo existencial. Justo por isto há limites à execução, como 0 bem de família, inclusive do solteiro, viúvo ou single (S. 364 do STJ) e as im penhorabilidades mencionadas no art. 649 do CPC.

242

Direito Civil - Vol. n • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Justo por isto, por opção legislativa, o silêncio do credor na hipótese deve ser interpretado como recusa. Tal raciocínio se impõe, até mesmo, ante a percepção de que o art. 111 do CC/02 afirma que 0 silêncio apenas poderá importar aceite caso as circunstâncias do caso ou os usos autorizem, e não seja necessária declaração de vontade expressa. 0 que, repise-se, não é 0 caso! ► E na hora da prova? Ano: 2017. Banca: TRF - 2a Região. Órgão: TRF - 2a REGIÃO. Prova: Juiz Federal Substituto. Foi considerada incorreta a seguinte assertiva: A assunção de débito, realizada através de escritura pública, é oponível ao credor independentemente de seu assentimento. Incorreta pelo fato de que sem 0 consentimento do credor, a cessão em tela não se constituirá validamente. Qualquer tipo de obrigação pode ser objeto de cessão: principal, acessória, litigiosa e futura. Por razões de ordem lógica, as obrigações intuito personae não são passíveis de transferência. Para que haja a cessão de débito, por conseguinte, será necessário:

a)

Existência de uma relação jurídica obrigacional originária iginária.

b) Anuência expressa do credor

~ :n r:“ Substituição do devedor, sem a extinção da obrigação pretérita e criação de uma nova.

A existência da cessão de débito liga-se a uma necessidade do comércio jurídico. As casuísticas mais frequentemente lembradas nos manuais são relacionadas a vendas de estabelecimentos comerciais, fusão de pessoas jurídicas e dissolução de sociedades. 0 devedor originário (primitivo) não restará exonerado de sua obrigação, caso 0 terceiro a quem se transmitiu 0 vínculo era insolvente à época da assunção e 0 credor ignorava este fato. Infere-se que não é exigida a má-fé do devedor, mas apenas a sua insolvência - registre-se - à época da transferência, com 0 desconhecimento do credor. Nesse cenário, como defendem P ablo S tolze e R odolfo

Cap. VII • Transmissão das obrigações

243

P amplona Filho21, o ideal é que o estado de solvência do devedor seja comunicado ao credor. Além disto, a insolvência posterior não ocasionará responsabilização do devedor originário.

► E na hora da prova? A banca VUNESP, no concurso Cartório TJ-SR, ano de 2014, considerou IN­ CORRETA a seguinte assertiva: "é facultado ao terceiro assumir a obriga­ ção do devedor, sem 0 consentimento expresso do credor, ficando sem­ pre exonerado 0 devedor primitivo, ainda que no caso de insolvência". Em sendo a cessão invalidada, restaura-se 0 débito originário, com todas as suas garantias, exceto aquelas prestadas por terceiros, a exemplo da fiança, aval e hipoteca, que desconheçam 0 motivo da invalidação. Entrementes, se 0 terceiro atuou de má-fé, conhecendo do vício da cessão, a sua garantia subsistirá (art. 301 do CC/02). Isto, porque, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Com a assunção da dívida haverá, em regra, a extinção das garantias especiais originariamente oferecidas por terceiros, a exemplo das reais ou pessoais (art. 300 do CC). Todavia, caso haja consentimento expresso do garantidor, subsistirá a garantia prestada, já a garantia oferecida pelo próprio devedor primitivo apenas será mantida caso haja concordância deste com a assunção (Enunciado 352 do C]F). Na cessão de débito 0 novo devedor não poderá opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo, a exemplo dos vícios de consentimento. Logicamente, as defesas comuns continuam sendo passíveis de arguição, como a hipótese de pagamento, exceção do contrato não cumprido e prescrição. ► E na hora da prova? Ano: 2018, Banca: IESES. Órgão: TJ-AM. Prova: IESES - 2018 - TJ-AM - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento. Assertiva incorreta: Na assunção de dívida, 0 novo devedor pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo. Recordam C ristiano C haves de Farias e N elson uma primeira classificação, pode ser:

R osenvald22

que a cessão de débito, em

a) Liberatória, Primitiva ou Exclusiva: quando 0 devedor originário libera-se da obrigação primitiva, a qual é transmitida em sua inteireza a outrem (art. 299 do CC); b) Cumulativa ou Imperfeita: na qual 0 devedor originário persiste conjuntamen­ te obrigado com 0 novo devedor. Na verdade, 0 que se verifica aqui é uma ampliação do polo passivo da obrigação, com um reforço do débito. A possi21

Op. Cit., p. 252.

22 op. cit., p. 371/372

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

244

bilidade da cessão de débito ocasionar cumulação de responsabilidades é assente na doutrina. Neste sentido, informa o Enunciado 16 do C onselho da Jus­ tiça F ederal que "o art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor". Mas a modalidade cumulativa ocasionaria responsabilidade solidária? Em tese, não. Todavia, nada impede; desde que haja manifestação de vontade neste sentido (art. 265 do CC). Tanto a liberatória, como a cumulativa, podem ser, ainda, em uma segunda classificação: a) Por delegação (bifigurativa): consequência de um negócio jurídico celebra­ do entre 0 devedor originário e 0 terceiro, com 0 consentimento expres­ so do credor. Tem como traço marcante a atuação do devedor primitivo (devedor-cedente ou delegante), que transfere 0 seu débito a um novo devedor (terceiro-cessionário ou delegado), com a anuência do credor (delegatário). Tal delegação poderá ter um efeito liberatório, quando não subsistirá nenhuma responsabilidade do devedor originário. Esta é batizada de delegação primitiva. Ou poderá regular uma responsabilidade remanescente do devedor originário, que responderá pela inadim plência do novo devedor (terceiro-cessionário ou delegado). Aqui se intitula de delegação cumulativa ou simples. b) Por expromissão (unifigurativa ou externa): nesta 0 terceiro assume 0 débi­ to sem a necessidade de concordância do devedor primitivo (art. 302 do CC). É um negócio bilateral, pactuado entre 0 credor primitivo e 0 novo devedor (expromitente). Exemplifica-se com um filho que assume 0 débito de um pai que, por muito orgulho, jamais concordaria. A cessão de débito por expromissão pode se revelar como liberatória ou cumulativa. Nesta (cumulativa) 0 novo devedor passa a ser conjuntamente responsável com 0 primitivo. Concordamos com P ablo S tolze e R odolfo P amplona F ilho23 no sentido de que neste último caso não há propriamente uma assunção de dívida, mas sim um reforço pessoal da obrigação. Já na modalidade liberatória, 0 devedor primitivo resta liberado da avença. Infere-se que em nenhum caso será necessária à aquiescência do devedor primitivo, pois na hipótese liberatória ele receberá a quitação, enquanto na cumulativa haverá um reforço para 0 adimplemento obrigacional. Há, portanto, sempre benefício.

23

Op. Cit., p. 252.

Cap. VII

• T r a n s m is s ã o d a s o b r ig a ç õ e s

245

► Atenção! No que tange a assunção do débito garantido pelo imóvel hipoteca­ do, se o credor hipotecário, devidamente notificado, não impugnar no prazo de 30 (trinta) dias, entende-se válido 0 consentimento. É uma exceção de consentimento na cessão de débito pelo silêncio, em virtu­ de de estar autorizado pelas circunstâncias ou usos e a lei não exigir declaração de vontade expressa (arts. 111 e 303 do CC). 0 fundamento da exceção em tela é 0 direito constitucional à moradia. Além disto, como a dívida é garantida por um imóvel (garantia real), não há prejuízo ao credor pela mudança no polo passivo. Nesse sentido, inclu­ sive, 0 Enunciado 35 3 do C onselho da Justiça Federal afirma a necessidade da recusa ser motivada, sob pena de configuração do abuso de direito. Não confunda: a) Cessão de Débito e Novação Subjetiva Passiva A cessão de débito não se confunde com a novação subjetiva passiva, pois nesta a obrigação anterior é extinta e cria-se um novo vínculo obrigacional. Não se fala em transmissão, portanto, mas sim em um ato complexo de extinção e criação de um vínculo obrigacional com animus novandi. Em havendo extinção, na novação todos os acessórios da obrigação originária deixarão de existir, 0 que não ocorrerá na assunção de dé­ bito. Exemplifica-se com 0 direito de preferência, 0 qual persiste na cessão de débito, mas é extinto na novação. b) Cessão de Débito e Promessa de Liberação Como aduz O rlando G om es * , não se confunde a assunção de dívida com a promessa de liberação. A promessa é um negócio jurídico pelo qual alguém (promitente) se obriga em face do devedor (promissário) a pagar a dívida deste peran­ te 0 credor. Verifica-se um contrato preliminar e, como tal, tem como objeto uma obrigação de fazer (pagamento de um débito de terceiro). Diferencia-se da cessão porque na promessa de liberação 0 credor não possui nenhuma relação contratual com 0 promitente, não sen­ do possível exigir 0 pagamento. A promessa é um vínculo obrigacio­ nal que une 0 devedor primitivo (promissário) e 0 promitente. Na cessão, 0 credor passa a ter vínculo obrigacional direto com 0 novo devedor, podendo exigir 0 cumprimento obrigacional diretamente. Um claro e xe m p lo d a p ro m e ssa d e lib e ra ç ã o

é

v e ic u la d o p o r

C r istiano

a hipótese da locação, na qual 0 locatário (promitente) promete pagar as taxas condominiais e IPTU do imóvel locado. Cediço que as obrigações em comento são do locador (promissário), pois tem natureza propter rem. Mas 0 locatário promete C haves

de

Farias

e

N elson R osenvald * * . É

246

Direito Civil - Vol.

11

• Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

liberá-lo. Caso, porém, o locatário não cumpra com sua promessa, o locador que responderá perante o fisco e o condomínio, pois este que tem relação jurídica com seus credores. Posteriormente, terá uma ação em regresso em face do locatário inadimplente de suas obrigações. c) Cessão de Débito e Reforço Obrigacional No reforço obrigacional o devedor primitivo persiste obrigado, ingres­ sando um terceiro como reforço, tornando-se devedor solidário. Não se confunde, logo, com a cessão de débito, ao passo que nesta o deve­ dor primitivo é, em regra, excluído do vínculo obrigacional; ressalvada a sua modalidade cumulativa. d) Cessão de Débito e Fiança Vaticina C arlos R oberto Gonçalves* * * que o fiador não é devedor, mas um mero responsável obrigacional, pois tem responsabilidade pelo débito de outrem. Ademais, sua responsabilidade será, em regra, subsidiária, sendo conferido ao fiador o benefício de ordem. (art. 827 do CC/02). de outrem. Ademais, sua responsabilidade será, em regra, subsidiária, de outrem. Ademais, sua responsabilidade será, em regra, subsidiária, sendo conferido ao fiador 0 benefício de ordem. (art. 827 do CC/02). Além disto, 0 fiador é terceiro interessado, ou seja: caso venha a pagar a dívida, sub-roga-se na posição do credor originário (art. 831 do CC/02). * In Obrigações. 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 1992, p. 260. ** Op. Cit., p. 384. *** Op. Cit., p. 232/233.

0 assuntor não é devedor subsidiário. Costuma ser 0 único obrigado,

salvo a hipótese da modalidade cumulativa. Ainda nesta última hipóte­ se, 0 pagamento da dívida não gerará sub-rogação. ► Posição do S u perior T ribunal de J ustiça nos informativos abaixo: Novo pacto entre credor e devedor sem anuência dos fiadores. Ilegiti­ midade passiva dos fiadores na execução. A transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador com a dilação do prazo para 0 pagamento da dívida extingue a garantia fídejussória anteriormente concedida. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso especial para acolher a exceção de pré-executividade oferecida em primeiro grau e, por conseguinte, de­ terminar a exclusão dos fiadores do polo passivo da ação de execução. No caso, não obstante a existência de cláusula prevendo a permanên­ cia da garantia pessoal no novo pacto, a responsabilidade dos fiado­ res está limitada aos exatos termos do convencionado na obrigação original - ao qual expressamente consentiram - visto que a interpre­ tação do contrato de fiança deve ser restritiva (art. 1.483 do CC/1916). Considerou-se, ainda, como parâmetro, 0 enunciado da Súm. 214/STJ, a qual, apesar de se referir a contratos de locação, pode ser aplicada por extensão à situação dos fatos, pois a natureza da fiança é a mes­ ma. REsp 1.013.436, rei. Min. Luis F. Salomão, j. 11.9.2012 4° T. (Info 304)

Cap. VII . Transmissão das obrigações

247

4. CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL O Código Civil de R eale, assim como o de B eviláqua, foi omisso no tratamento do tema. Todavia, os manuais, bem como as provas concursais, costumam veicular lembrança sobre o assunto, haja vista sua significativa importância prática, assim como o reconhecimento do instituto por importantes doutrinadores. É negócio corriqueiramente pactuado, decorrente da autonomia privada, inserindo-se na modalidade dos contratos atípicos e curvando-se às regras da teoria geral dos contratos (art. 425 do CC). Transfere-se, nas palavras de C ristiano C haves de Farias e N elson R osenvald 24, a unidade orgânica da situação ocupada pelo cedente, com um conjunto de créditos, débitos, faculdades, poderes, ônus e sujeições. Data vertia, apesar da doutrina se utilizar das expressões cessão de contrato e cessão de posição contratual como sinônimas, nos parece que, em rigor técnico, a terminologia correta é a cessão de posição contratual. Isto porque 0 contrato permanece intacto, sendo alterado apenas um dos elementos subjetivos, seja a posição de credor e/ou devedor. A posição contratual tem valor econômico independente, sendo passível de circulação. No mesmo sentido, aduz S ilvio do S alvo V enosa25 que não é 0 contrato que é cedido, mas sim os direitos e deveres emergentes da posição de contraente. Concordamos, então, com C arlos R oberto G onçalves26 ao criticar a expressão utilizada pelo direito italiano (cessão de contrato) quando do tratamento legislativo sobre 0 tema (Código de 1942). No mesmo sentido de crítica é 0 pensamento de A ntunes V arela 27. Acertada é a denominação portuguesa, que no seu Código Civil de 1966 aborda 0 tema sob 0 signo de cessão de posição contratual. Malgrado a consideração técnica, as provas costumam denominá-la tanto de cessão de contrato como de cessão de posição contratual. Configura-se 0 ato de transmissão em comento quando 0 cedente transfere a sua própria posição contratual a um terceiro (cessionário), 0 qual passará a substituí-lo na relação jurídica originária em face do cedido, com a concordância deste. São seus personagens: 0 cedente, 0 cessionário e 0 cedido. Por conta da transmissão, 0 cedente é liberado da avença, em regra inferindose isto do próprio ajuste. Nada impede, porém, que por acordo de vontades o ce d e n te

p e r s is t a

r e s p o n s á v e l . O s l im it e s d e s t a

r e s p o n s a b il id a d e

h a v e rã o

de

ser verificados através da cláusula, a qual poderá impor uma responsabilidade subsidiária ou, até mesmo, solidária (art. 265 do CC/02). Discordamos no particular 24 Op. Cit., p. 385. 25

In Direito Civil, Vol. II, p. 344.

26 Op. Cit., p. 240. 27

In Direito d as Obrigações, Vol. II, p. 376/377-

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

248

cle Carlos Roberto Gonçalves28, e concordamos com Silvio do Salvo V enosa29, no sentido de que a solidariedade em comento não pode ser presumida, exigindo cláusula expressa na avença. Igualmente perderá o cedente os seus créditos eventualmente relacionados ao contrato-base, haja vista a transmissão, aplicando-se, por analogia, as regras pertinentes à cessão de crédito. Discute-se na doutrina se a cessão de posição contratual seria uma nova modalidade de transmissão das obrigações; ou somente a soma das já tratadas cessões de créditos e débitos. Assim, há dois posicionamentos: a) Teoria Atomística ou Analítica (Zerlegunsgstheorie como chamam os alemães): fragmenta a análise da cessão de posição contratual em cessões de créditos e débitos, concluindo que aquela é apenas a soma destas, carecendo de autono­ mia jurídica. b) Teoria Unitária (Einheitstheorie como chamam os alemães): a cessão de posição contratual é um instituto autônomo, pois transfere a posição contratual como um todo, sendo impossível sua fragmentação. Esta, hodiernamente, é prevalente, como mencionado por Pablo Stoize e Rodolfo Pamplona Filho30. A validade da cessão de posição contratual exige, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) ser o pacto cedido bilateral, pois o objeto de cessão há de envolver créditos e débitos; b) celebração de um negócio jurídico entre cedente e cedido, tendo este legitima­ ção para ocupar a posição daquele no contrato-base; c)

integralidade da cessão. Não pode ser fracionada, há de ser sempre global, traduzindo em uma posição contratual por inteiro;

d) concordância expressa da outra parte envolvida (cedido). É um negócio plurilateral. Tem forma livre. Para sua eficácia perante terceiros, porém, em uma interpretação sistemática do Código Civil, exige-se o registro. Caso este seja inexistente, persiste a eficácia entre os signatários. As hipóteses mais c o rriq u e ira s s ã o a s re la tiv a s a lo c a ç õ e s , p ro m e s s a s d e c o m p ra e v e n d a e m a n d a to

(substabelecimento). ► Como o S u perior Tribunal de J ustiça vê a cessão da posição contratual?

No Recurso Especial 3 5 6 .3 8 3 , 0 S uperior T ribunal de Justiça admitiu 0 insti­ tuto, quando assim decidiu: "A celebração entre as partes de cessão de posição contratual, que englobou créditos e débitos, com partici

28

O p . c it . , p . 246 .

29

O p . c it . , p . 3 5 7 .

30

O p . C it ., p . 2 5 6 /2 5 7 .

Cap. VII • Transmissão das obrigações

249

pação da arrendadora, da anterior arrendatária e de sua sucessora no contrato, é lícita, pois o ordenamento jurídico não coíbe a cessão de contrato que pode englobar ou não todos os direitos e obrigações pretéritos, presentes ou futuros, inclusive eventual saldo credor re­ manescente da totalidade de operações entre as partes envolvidas". Por razões de ordem lógica, persiste a impossibilidade de cessão caso a natureza da obrigação não permita (direitos personalíssimos, alimentos...), ou haja cláusula impeditiva no negócio originário (pacto non cedendo). No silêncio da cessão, as exceções pessoais do cedido em face do cedente não poderão ser arguidas contra o cessionário. Lembra-se que houve concordância do cedido no ato. Porém, as defesas comuns poderão ser utilizadas. Nada impede regramento diverso na avença. ► Atenção!

Não confunda: a) Cessão de Posição Contratual com Contrato Derivado ou Subcontrato Não se deve confundir a cessão de contrato com o contrato derivado, também chamado de subcontrato. Isto porque na primeira figura há uma transferência da posição do contrato originário, saindo o cedente da avença. Resta alterado o sujeito do contrato base. já no subcontra­ to infere-se a manutenção do contrato base com os mesmos sujeitos, criando-se uma figura contratual acessória à primeira, como a sublocação de um imóvel. b) Cessão de Posição Contratual com Novação Ademais, não se deve confundir a cessão com a novação, haja vista que nesta haverá extinção do contrato originário e criação de uma nova aven­ ça, com animus novandi. Isto não ocorre na cessão de posição contratual, quando se transmite a posição de um contrato e mantém-se a avença. c) Cessão de Posição Contratual com Contrato com Pessoa a Declarar Não se confunde a cessão com o contrato com pessoa a declarar. Este se configura quando uma das partes reserva-se o direito de indicar, posteriormente, a pessoa que irá assumir os direitos e deveres do pacto (art. 467 do CC/02). A diferença reside no efeito retroativo da declaração (art. 469 do CC/02) e disciplina no contrato originário. Seria possível falar-se em uma cessão de posição contratual legal? Sim! Ocorrerá quando independer da vontade dos envolvidos, como no exemplo de alienação de um estabelecimento empresarial, quando 0 adquirente assumirá a posição nos contratos do alienante (art. 1.046 do CC/02). Igualmente na cessão da locação por prazo certo, com cláusula de vigência e na qual 0 imóvel é alienado a terceiro (art. 8° da Lei 8.245/91).

250

Direito Civil -V o l. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

vem tratando do assunto?

No Recurso Especial 627.424/PR, entendeu a Corte Especial ser possível, para os contratos envolvendo 0 Sistema Financeiro de Habitação, a cessão de obrigações e direitos através do denominado "Contrato de Gaveta". Este pacto gera a transferência de financiamento e pode acon­ tecer, inclusive, sem a anuência do mutuante, conforme precedentes jurisprudenciais. In verbis: "A notificação sempre foi tida como algo ne­ cessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativamente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, se fosse este 0 caso. Mas a doutrina já aceitava (cf. Silvio de Salvo Venosa, p. 337) que 0 cessionário conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação, até porque, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à validade da cessão, mas tão-só elemento essencial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso autor foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substitui no art. 290 a expres­ são não vale do art. 1.069 por não ter eficácia".

RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo I

► Introdução à responsabilidade civil

Capítulo II

► Elementos gerais da responsabilidade civil

Capítulo III

► Excludentes de responsabilidade civil

Capítulo IV ^ Responsabilidade civil subjetiva e objetiva Capítulo V

► Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas

Capítulo

Introdução à responsabilidade civil 1. O DEVER JURÍDICO PRIMÁRIO E O SUCESSIVO A ideia deste capítulo é apresentar ao leitor as primeiras linhas da responsa­ bilidade civil numa nota introdutória que, além desta abordagem, avance. Assim, também apresentaremos alguns conceitos e institutos da responsabilidade civil para além de uma tradicional nota introdutória. Entendemos importante1 desde logo anunciar, por exemplo, a diferença técnica entre responsabilidade civil, penal e moral. De igual forma, a distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e objetiva, contratual e extracontratual são temas que merecem imediata apresentação. Sim, faremos a nota introdutória desta ma­ neira. Acreditamos, com isto, ser possível uma melhor compreensão dos capítulos seguintes. Não por outro aspecto que o elemento culpa também será tratado imediatamente. Nas pegadas do art. i ° do Código Civil (CC), toda pessoa é titular de direitos e deveres na ordem jurídica brasileira. É possível afirmar que existe um dever jurídico primário de não causar dano a outrem (não lesar). Violado este dever pri­ mário, surge outro: o dever jurídico sucessivo de reparar o dano, afinal de contas aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Isto é o que afirma o art. 927 do CC, como adverte Carlos Roberto Gonçalves12. Na perspectiva constitucional, a própria ideia da proteção à dignidade hu­ mana - a valorar a pessoa como centro em torno do qual os institutos jurídicos devem ser compreendidos -, a solidariedade social e 0 princípio da igualdade são fundamentos nobres que devem ser efetivados (Teoria da Irradiação e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais) na responsabilidade civil. Este direito civil repersonificado, repersonalizado, erigido sobre os pilares da eticidade, socialidade e operabilidade, influenciará 0 capítulo da responsabilidade civil com novos ares jurídicos.

1

Esta o p ç ã o m e to d o ló g ic a n ã o é a típ ic a e n tre o s c iv ilis ta s . A u to re s co m o Silv io d e Sa lvo V e n o sa e C a rlo s R o b erto G o n ça lv e s u tiliza m d e s te m e c a n is m o n a s p r im e ira s lin h a s d e s e u s tra b a lh o s .

2

In D ire ito C iv il B ra s ile iro - R e s p o n s a b ilid a d e C iv il, V o l. 4. S ã o P a ulo : S a ra iv a , 2010, p. 24.

Direito Civil - Vol. 1 1 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

254

Não foram poucos os autores que apresentaram, doutrinariamente, conceitos sobre a responsabilidade civil. Isto não poderia passar despercebido. A contribui­ ção destes estudiosos é significativa. Abaixo, alguns destes exemplos: Para Rui Stoco3 a noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos. Interessante o conceito, sob esta perspectiva, por remeter o estudioso à ori­ gem etimológica da responsabilidade. Seria um conceito histórico do instituto a nosso ver. Segundo Maria Helena Diniz4 a responsabilidade civil consistiría na aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele res­ ponde, ou de fato de coisa ou de animal sob sua guarda, ou ainda, de simples imposição legal. A relevância desta definição está no fato de relacionar o conceito com as mo­ dalidades da responsabilidade civil encontradas no art. 927 (responsabilidade civil por ato próprio), nos arts. 932, 933 e 934 (responsabilidade civil por ato de tercei­ ro) e, finalmente, nos arts. 936,937 e 938 (responsabilidade civil por fato do animal e da coisa), todos do Código Civil. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2019. Banca: CESPE. Órgão: DPE-DF. Prova Defensor Público. Gabarito: De acordo com as disposições do Código Civil e com a jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade civil, julgue 0 item a seguir. A responsabi­ lidade civil do dono de animal é objetiva, admitindo-se a exdudente do fato exclusivo de terceiro. Fica a sugestão de uma imediata leitura destes artigos do Código Civil que, certamente, serão estudados nos próximos capítulos. Álvaro Villaça Azevedo5 anuncia que a responsabilidade civil nada mais é do que 0 dever de indenizar o dano que surge sempre quando alguém deixa de cumprir um

preceito estabelecido num contrato ou quando deixa de observar 0 sistema normati­ vo que rege a vida do cidadão.

3

In T ra ta d o d e R e s p o n s a b ilid a d e C iv il - D o u trin a e J u ris p ru d ê n c ia . 7. e d . São P a ulo : R e v ista d o s Tri­ b u n a is , 2007, p. 89.

4

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil, Volume VII. 12. ed. São Paulo: Saraiva,

5

In C u rs o d e D ire ito C iv il - T e o ria G e ra l d a s O b rig a çõ e s, 7. e d . São P a ulo : R e v ista d o s T rib u n a is, 1998,

1998, p. 3 4 -

P- 353-

Cap. I . Introdução à responsabilidade civil

255

Trata-se, sem dúvida, do conceito que mais se aproxima com o título deste tó­ pico. A responsabilidade civil enquanto um dever jurídico secundário (de reparar), decorrente do dever jurídico primário de não lesar. Bem próximo a isto se posiciona Sérgio Cavalieri67, forte nas noções de encargo, dever, obrigação e compromisso, ao apresentar a responsabilidade civil como o dever que alguém possui de reparar o prejuízo causado a outro por força da vio­ lação de um dever jurídico. Ao contrário destes, Carlos Alberto Bihar' sustenta ser a reparação o meio indi­ reto de desenvolver o equilíbrio das relações privadas, porque impõe ao agente agressor o dever jurídico de dispor de parte dos seus bens a fim de satisfazer o interesse do prejudicado, em cumprimento à parêmia romana neminem laedere (onde a ninguém se deve lesar). Seria isto, ao nosso juízo, uma visão de política jurídica que em muito contribui por retirar aquela tradicional visão interna da responsabilidade civil, como algo que envolve, quase sempre (e isto já deveria está superado), duas pessoas. Sem dúvida, a prática de um ato ilícito acarreta desequilíbrio social e, assim, também exige ser analisada na defesa da segurança jurídica. Sem dúvida, a responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente, com a consequente imposição ao causador do dano do dever de indenizar. Consiste em atribuir a alguém, violador de um dever jurídico primitivo, as consequências danosas de seu comportamento, impondo a obrigação de indenizar. Este descumprimento vai gerar dever de recomposição ao status quo ante. Tal recomposição haverá de ser integral, sendo norteada no Brasil pelo princípio da restitutio in integrum, chamado por alguns de princípio do imperador ou reparação integral8. Seria possível extrair da Constituição Federal (CF) como, por exemplo, do art. 5°, incisos V e X, a ideia da responsabilidade civil. Se a CF assegura "0 direito à inde­ nização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", nenhuma dúvida existe no sentido de que há fundamento de direito constitucional justificador do dever de reparar, inclusive diante da lesão possível aos direitos da personalidade que, para Pedro Frederico Caldas9 seriam aqueles que "constituem as raízes sobre as quais desabrocha a grande árvore da vida", isto porque "a existência deles se erige

6

In P ro g ra m a d e R e s p o n s a b ilid a d e C iv il. 6. e d . São P a u lo : M a lh e iro s, 2006.

7

In R e s p o n s a b ilid a d e C iv il. T e o ria e P rá tica . 4 - e d . Rio d e Ja n e iro : F o re n s e U n iv e rsitá ria , 2001.

8

A p e s a r d isto , 0 a rt. 944 d o C ó d ig o C iv il, e m se u p a rá g ra fo ú n ico , m itig a rá 0 p rin c íp io d a restitutio

in integrum a d m itin d o a o m a g istra d o re d u z ir e q u ita tiv a m e n te 0 v a lo r d a r e p a r a ç ã o q u a n d o id e n ti­ fic a r e x c e ss o , d ia n te d o b a ix o n ív e l d e c u lp a b ilid a d e d o a u to r d o ilíc ito . Esta re fle x ã o s e r á m e lh o r d e s e n v o lv id a em c a p ítu lo a p r o p r ia d o .

9

In Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 24.

256

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

em essencialidade para que o homem, centro de um universo jurídico, realize os de­ mais direitos postos pela ordem jurídica à disposição de todos". ► Como os Tribunais já decidiram esta questão? 0 S uperior T ribunal de Justiça já entendeu que a negativa de fornecimento de fármaco pode, no caso concreto, causar dano moral por lesão a direito da personalidade. Eis trecho do julgado (REsp 530.602-MA, DJ 17/11/2003; REsp 986.947-RN, DJe 26/3/2008, e REsp 356.026-MA , DJ 10/7/2004. REsp 801.181-MA , Rei. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 5/5/2009). Também já entendeu 0 mesmo STJ que a aquisição de pacote de biscoito com corpo estranho no recheio de um dos biscoitos gera dano in re ipsa, ain­ da que não haja ingestão. Tratar-se-ia de risco concreto de lesão à saúde e segurança por Fato do produto, daí 0 dano moral. Portanto, 0 simples "levar à boca" do alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão (REsp 1.644405-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 09/11/2017, DJe 17/11/2017).

Entendeu 0 STJ ainda ser cabível danos morais decorrente de agressões físicas e verbais em partida de futebol, sendo a competência da Justiça Comum, a par da punição aplicada também na esfera da Justiça Despor­ tiva (REsp 1.762.786-SP, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 23/10/2018, DJe 26/10/2018). É fato: os danos devem ser reparados. Caso isto não aconteça, reinará a inse­ gurança e 0 conflito social. Etimologicamente, responsabilizar nos remete ao verbo latino respondere, da raiz spondeo, significando uma espécie de "sombra da obrigação". Remete, mais uma vez, à noção que se apresenta como 0 dever jurídico primário e, quando desrespeitado, enseja a incidência deste instituto (0 da responsabilidade), do qual deriva. Isto é 0 que sustentam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho10, fazendo referência à clássica lição do jurisconsulto romano Ulpiano em seus três funda­ mentais preceitos para 0 direito: honeste vivere (viver honestamente), neminem laedere (não lesar outrem) e suum cuique tribuere (dar a cada um 0 que é seu). A ideia é muito simples. Não deixar a pessoa humana irressarcida. A responsa­ bilidade civil é uma obrigação derivada, portanto, do descumprimento da obriga­ ção principal, ou melhor, do dever jurídico originário. Isto justifica seu enquadra­ mento no campo das obrigações. 2. A HISTÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL A história da responsabilidade civil é tão antiga quanto a própria história do direito. Evidentemente, em uma sinopse concursal, 0 objetivo será apenas

10

In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. Ill, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 2.

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

257

apresentar alguns dos mais importantes momentos históricos da responsabilidade civil no mundo para, quem sabe, auxiliar o leitor na compreensão atual do instituto e na solução de provas. Silvio Rodrigues11 sustenta que o "princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade, encontradiça no ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida social é inconcebível, é aquele que impõe, a quem causa dano a outrem, o dever de reparar". Dentro desta linha, citaremos algu­ mas importantes civilizações, ressaltando as contribuições deixadas em favor do instituto.

Trata-se de uma viagem histórica. Vamos? 2.1. Fase Pré-Romana A violência coletiva, configurada pela expulsão ou morte do causador do dano, constituía típica situação histórica da sociedade primitiva, numa fase de quase nenhuma regra, na qual o senso comum já evidenciava repúdio social ao dano injusto. A vingança privada constitui um marco originário do que veio a se tornar res­ ponsabilidade civil hoje. A pena do talião, conhecida pela frase "olho por olho, dente por dente", pode ser qualificada como o embrião da responsabilidade ci­ vil no direito romano. Nesta fase sequer era debatida culpa ou dolo, muito me­ nos proporcionalidade. 0 corpo humano1112 podería ser utilizado como mecanismo reparador, falando-se em uma responsabilidade civil pessoal. Nem de longe se imaginaria valores como o da dignidade. 0 ser humano podería ser vendido, es­ cravizado ou morto para o pagamento de dívidas. Alvino Lima13 sustenta se tratar de momento histórico no qual a tarifação do dano podería ser identificada, quando os chamados delitos, à época, foram subdividi­ dos em delitos públicos (ofensas mais graves) e delitos privados (ofensas menos graves).

Na atualidade, não se fala mais em tarifação. Nos casos envolvendo dano extrapatrimonial se utiliza a técnica do arbitramento na fixação do mesmo, como autoriza o art. do 509 do NCPC, bem como 0 Enunciado 550 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.

11

R e s p o n s a b ilid a d e C iv il, 3. e d . São P a u lo , 19 79, p. 13.

12

Isto s e ria h o je in im a g in á v e l e in co n stitu cio n a l. A sú m u la v in c u la n te 25 b e m e x e m p lifica : n ão é p o ssível a p risã o civ il do d e p o s itá rio . No m e sm o se n tid o a sú m u la 4 19 do S u p e rio r Trib un al d e Justiça. Com o re sq u ício histórico d e sta fa se , p o d e re m o s c ita r a p risã o do d e v e d o r d e a lim e n to s, a in d a a c e ita pelo re g im e con stitucio nal.

13

In C u lp a e R isco. 2. e d . S ã o P a ulo : R ev ista d o s T rib u n a is, 19 97, p. 2 1 .

258

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A compensação econômica veio logo em seguida como importante avanço. A vítima tinha esta faculdade pela postura de vendeta, ou pela compensação. Insista-se: não se falava em culpa à época. Posteriormente, surgem o Código de Ur-Nammu, assim como o Código de Manu e, finalmente, a Pena do Talião - Lei das XII Tábuas ("olho por olho, dente por den­ te"). Agora, a compensação econômica se tornava regra. A ideia da tarifação da pena, de certo modo, continua em evidência. 2.2. Fase Romana Na denominada Roma Antiga se iniciou a distinção entre pena e reparação, afastando-se ainda mais a ideia da vingança privada. Surgia ali a distinção também entre os delitos públicos e os delitos privados, de acordo com o grau de reprovabilidade social. A função punitiva passou a ser apenas do Estado, como leciona C arlo s R oberto G o n ç a l v e s 14.

A Lex Aquilia Damno, elaborada no final do século III a.C, sem dúvida, é o marco da evolução romana em sede de responsabilidade civil. Não por outro motivo que, ainda hoje, fala-se na responsabilidade civil aquiliana, vale dizer, extracontratual, forte neste evento histórico, que muito influenciou o direito moderno e contemporâneo. Com o advento da Lex Aquilia surge o que os romanos chamariam de damnun injuria dantum, instituto a disciplinar o dano por ferimento causado a animais, bem como às coisas corpóreas (corpore et corpori) em geral e, finalmente, aos escra­ vos. 0 objetivismo admitido, a título de responsabilidade civil, na era primitiva, sai de cena. Surge aquilo que posteriormente se iria denominar de Teoria da Culpa, introduzindo-se o elemento subjetivo. ► Atenção!

Foi com a Lex Aquilia Damno que a noção de culpa surgiu no direito oci­ dental. Entretanto, "a culpa do Direito Romano é diferente da culpa atual, pois a última, ao contrário da anterior, traz em seu conteúdo a ideia de castigo, por forte influência da Igreja Católica". Para a doutrina especiali­ zada “é incorreto usar a expressão aquiliana para denotar a culpa atual, contemporânea", conform e d e fe n d id o p o r F lá v io T a r t u c e 15. 2.3. Direito Francês 0 primeiro Código Civil que 0 Brasil conheceu foi 0 de 1916 que, como é sabido, experimentou importante influência do denominado Código Napoleônico. 0 Direito Francês, máxime, na era napoleônica, influenciou todo 0 ocidente.

14

In D ire ito C ivil B ra s ile iro - R e s p o n s a b ilid a d e C iv il, V o l. 4. São P a ulo : S a r a iv a , 2010, p. 25.

15

In D ire ito C iv il - D ire ito d a s O b rig a çõ e s e R e s p o n s a b ilid a d e C iv il, V o l. 2. S ã o P a ulo : M é to d o , 2 0 1 1 , p. 316.

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

259

No campo da responsabilidade civil, alguns princípios da reparação civil podem ser ali identificados como, por exemplo, a independência das instâncias (distinção entre responsabilidade criminal e cível), a distinção entre responsabilidade con­ tratual e extracontratual, a ideia de culpa em abstrato e, finalmente, a noção da culpa como elemento imprescindível à caracterização do dever de indenizar: pas de responsabilité sansfaute (inexiste dever de reparar sem culpa). Mas este mesmo Direito Francês evoluiu com os trabalhos de Saleilles e Josse(Teoria do Risco/1897) para 0 campo da responsabilidade civil objetiva. Esta influência atingiu 0 Direito Brasileiro originariamente pelo Decreto-Lei 2.681/12 (transporte ferroviário) e, também, pelo art. 15 do CC/16 (responsabilidade objeti­ va do Estado nos atos comissivos). rand

Abriam-se no ocidente as primeiras linhas para uma melhor compreensão dos requisitos da responsabilidade civil. ► Atenção! Desde a Constituição Federal de 1946 se vê a responsabilidade civil obje­ tiva do Estado, 0 que também está previsto no art. 37, § 6° da vigente CF.

2.4. 0 Direito Português Também por conta da influência recebida pelos brasileiros do direito português não é possível realizar esta breve reflexão histórica sem apresentar rápidas con­ siderações no campo de Portugal. Afora incursões que se poderia realizar derredor do direito primitivo portu­ guês e a invasão dos visigodos, originariamente influenciado pelos germânicos e pela igreja católica, ou mesmo sobre a invasão árabe que impregnou os lusitanos com a perspectiva da reparação em pecúnia, em simultaneidade com as penas corporais, são as Ordenações do Reino 0 grande marco jurídico daquela civili­ zação em face do Brasil, sem dúvida alguma. Isto é 0 que recorda C arlos Roberto G onçalves16.

Estas Ordenações vigoraram no Brasil durante 0 período colonial e irão se mis­ turar com 0 próprio momento a seguir denominado de Direito Brasileiro. 2.5. 0 Direito Brasileiro Foi a Constituição do Império (1824) que determinou a urgente elaboração dos Códigos Civil e Criminal. Em 1830, surge no Direito Brasileiro 0 Código Criminal que também atendia às soluções jurídicas da responsabilidade civil, afinal de contas, naquele momento histórico 0 dever de indenizar civilmente era consectário do

16

In Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, Vol. 4- São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

260

D ire it o C ivil - V o l . 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

reconhecimento criminal de um ilícito (dependência da instância cível em relação à criminal, o que hoje não mais existe). ► Atenção! Já houve uma época no Brasil em que a instância cível era dependente da criminal. Hoje não é mais. Denomina-se este fato de independên­ cia de instâncias. Apesar desta independência, porém, há, no orde­ namento jurídico brasileiro, três hipóteses excepcionais nas quais a decisão penal toca a esfera cível. 0 Código Civil firma duas hipóteses no art. 935, quais sejam: quando na instância penal se decidir sobre a autoria e materialidade do fato, negando-as. Outrossim, 0 art. 65 do Código de Processo Penal informa que faz coisa julgada no civil a de­ cisão penal que firme ação em estado de necessidade, legítima defe­ sa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal. Justamente por conta desta independência de instâncias, e com receio de decisões contraditórias, aduz 0 art. 200 do CC que quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Trata-se de hipótese de impedimento do curso do prazo prescricional. Ademais, os arts. 313 e 314, ambos do NCPC, permitem a suspensão do processo civil pelo prazo de 1 (um) ano, à espera da decisão penal. Com 0 advento do Código Civil de 1916 a responsabilidade civil no direito bra­ sileiro podería ser classificada como subjetiva, estando a exigir prova de culpa ou dolo do agente, autor do dano, como requisito de responsabilização. Após, a história do direito brasileiro se viu instada a analisar casos relativos à urbanização, relações de trabalho, industrialização, consumo, demandas de mas­ sa. Situações surgiram a exigir do aplicador do direito nacional uma nova atitude de proteção aos vitimados pelo dano. Surge, assim, a teoria do risco, que fora abraçada pelo Código Civil de 2002. Sempre existiram, entretanto, questões difíceis de solucionar pela técnica da reparação civil. Exemplo típico está no fiel da balança entre liberdade de imprensa e vida privada, como já advertiu S idney C esar S ilva G uerra17: "Até onde vai 0 direito de a imprensa em noticiar fatos, fotos, imagens de episódios ainda não esgotados pe­ las técnicas de investigação, e consequentemente comprovação legal? Até onde vai 0 direito de questionamento, sem prova, de quem tem sua privacidade invadida, suas virtudes morais questionadas e seus valores vilipendiados?". Sem dúvida 0 Código de 1916 não era apto à superação destes problemas. Ainda hoje, sob a batuta do Código de 2002, dúvidas surgem, daí porque uma das alternativas à solução destas atípicas questões envolvendo a responsabilidade civil será a técnica da ponderação dos princípios.

17

In A Liberdade de Imprensa e 0 Direito à Imagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 3.

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

261

Como adverte Ronald D workin18: "Os princípios possuem uma dimensão que as re­ gras não têm - a dimensão do peso ou da importância. Quando os princípios se intercruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é". Assim, é necessário ponderar, no caso concreto, os valores jurídicos que se chocam.19 Observe como foi tratada em prova de concurso a questão da responsabili­ dade da imprensa pelas informações por ela veiculadas: ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? (Cespe - Juiz de Direito - TJ-DFT/2014) De acordo com 0 disposto no Código Civil e com 0 entendimento jurisprudencial predominante no STJ, assinale a opção correta. Gabarito: "A responsabilidade da imprensa pelas informações por ela veiculadas é de caráter subjetivo, não se cogitando a aplicação da teoria do risco ou a responsabilidade objetiva". Se uma determinada atividade é capaz, em tese, de causar dano a alguém por ensejar perigo abstrato, 0 risco há de ser assumido por quem a executa, havendo dever de ressarcimento, independentemente da aferição de dolo ou culpa. A noção é simples: quem lucra com 0 risco deve arcar com os danos que cau­ sar a outrem em decorrência da atividade (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda); quem aufere os cômodos, deve suportar os incômodos. A ideia não ilumina apenas a legislação nacional, havendo notícia na Itália, México, Espanha, Líbia e Portugal. Feito este apanhado histórico é chegado 0 momento de avançar para outra missão: descobrir qual a verdadeira natureza jurídica da responsabilidade civil.

18

In Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.

19

No ano de 2013, decidiu 0 Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. A entidade responsável por prestar serviços de comunicação não tem 0 dever de indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse públi­ co em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a existência de investigações pendentes sobre ilícito supostamente cometido pela referida pessoa, ainda que posteriormente tenha ocor­ rido absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque fontes fidedignas, ouça as diversas partes interessadas e afaste quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulga" (REsp 1.297.567-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013).

262

D ir e it o C ivil - V o l. 1 1 • L u c ia n o Figueiredo e Roberto Figueiredo

3. A NATUREZA JURÍDICA A doutrina sustenta que a natureza jurídica da responsabilidade civil "será sem­ pre sancionadora", nada obstante a própria dificuldade de se identificar o conteúdo semântico do signo sanção, que muitas vezes é utilizado como sinônimo de pena, indenização ou compensação pecuniária. É o que dizem Pablo Stolze Gaguano e Rodolfo Pamplona Filho20.

A sanção, enquanto consequência do ilícito praticado, identifica a aludida natu­ reza jurídica da responsabilidade civil. Portanto, as indenizações fixadas a título de reparação civil seriam sanções jurídicas. Decorrem do histórico princípio neminem laedere (dever de não lesar imposto a todos). 0 problema será, contudo, identificar na atualidade o conteúdo do signo sanção. Talvez por isto precisaremos condicionar a identificação da natureza jurídica da responsabilidade civil através da função que a mesma desempenha no ordenamento jurídico. 4 . FUNÇÃO

Acreditamos que a responsabilidade civil tem a função principal de restabe­ lecer o estado jurídico no qual a vítima se encontrava antes da lesão sofrida. Em juízo de especulação, deve-se questionar qual era o estado jurídico no qual a vítima se encontrava antes e comparar isto com o estado jurídico no qual a vítima se encontra (após o evento danoso). Esta diferença (Teoria da Diferença) corres­ ponderá à exata medida da indenização, cujo objetivo será trazer o lesionado ao status quo ante. Esta seria a verdadeira, ou principal, sanção jurídica e pode ser identificada no art. 944 do CC. Em síntese: Estado da vítima anterior

J-

Estado da vítima atual

1 =

VALOR DA REPARAÇÃO

Neste cenário, afirma-se que a responsabilidade civil guia-se pela teoria da diferença. Mas, restringir a responsabilidade civil apenas a uma função não parece ser a melhor forma de compreender 0 instituto, pois ele deve ser analisado à luz dos valores constitucionais e dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade do direito civil. Em fiel compromisso com os valores metaindividuais da função social da res­ ponsabilidade civil, devemos entender que além de reparar, 0 instituto ostenta função pedagógica, a fim de desmotivar a repetição da aludida conduta. 20 In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. Ill, São Paulo: Saraiva. 2008, p. 19/20.

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

263

Esta função punitiva também estará presente. Talvez fosse possível até mesmo sustentar a existência disto como uma terceira função: a educativa. É o que afir­ mam Pablo Stolze Gacliano e Rodolfo Pamplona Filho21, bem como o Enunciado 379 do CJF: "0 art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil". 5. FUNDAMENTOS Dentro deste contexto, é possível questionar: qual seria 0 fundamento da res­ ponsabilidade civil? Punir 0 autor do ato ilícito? Recompensar a vítima? Durante muito tempo vigorou 0 entendimento segundo 0 qual a responsabili­ dade civil estaria relacionada com a culpa: pas de responsabilité sansfaute (não há responsabilidade sem culpa). Trata-se de histórico fundamento romano e moderno que vigeu na Europa e na América Latina. Nesta ordem de idéias, a postura de vingança se justificava. 0 caráter punitivo da responsabilidade civil até então fundada na culpa se apresentava plausível. Na atualidade, a culpa deixa de assumir 0 papel de atriz principal ante a noção de que vivemos em uma sociedade de riscos. A culpa é colocada na posição de atriz coadjuvante. A teoria do risco (risco-criado, risco-integral, risco-profissional, entre outros) ganha força. Sobre 0 tema, interessante crítica pode ser feita ao julgado do STJ que, a um só tempo, reconheceu comportamento de risco assumido por companheiro na constância da união estável ao transmitir vírus HIV à parceira e, ao invés de aplicar a teoria do risco, fundamentou sua decisão na responsabi­ lidade civil subjetiva22. Simultaneamente a isto, 0 direito volta-se à questão do dano.

21

In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 21/22.

22

REsp 1.760.943-MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 06/05/2019. INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR: Alguns caminhos podem ser sopesados em relação às formas de transmissão do vírus HIV e à sua responsabilização, principalmente pela constatação do dolo ou da culpa do portador, tendo-se como norte 0 conhecimento ou não de sua condição soropositiva ao manter 0 relacionamento sexual com 0 consorte. É no âmbito da culpa, no entanto, que aparecem as maiores digressões sobre 0 tema na doutrina nacional e no direito comparado, todos chegando à conclusão de que estará configurada a culpa (ou 0 dolo eventual) do transmissor do vírus da AIDS que, ciente da alta probabilidade de contaminação, notadamente pelo comportamento de risco adotado, mantém relação sexual com sua parceira sem a prevenção adequada. De fato, 0 parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado com­ portamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outros), deve assumir os riscos de sua conduta. Conclui-se, assim, que a negligência, incúria e imprudência ressoam evidentes quando 0 cônjuge/companheiro, ciente de sua possível contaminação, não re­ aliza 0 exame de HIV (0 Sistema Único de Saúde - SUS disponibiliza testes rápidos para a detecção do vírus nas unidades de saúde do país), não informa 0 parceiro sobre a probabilidade de estar infectado nem utiliza métodos de prevenção, notadamente numa relação conjugal, em que se es­ pera das pessoas, intimamente ligadas por laços de afeto, um forte vínculo de confiança de uma com a outra.

264

D ir e it o C ivil - V o l. 11

• Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

0 dano ganha força e se coloca como o elemento mais importante da repa­ ração civil. Sem ele não há falar-se em dever de reparar. De fato, a evolução do pensamento jurídico se revela neste novo posicionamento. A culpa perde espaço. Dano e risco: eis os novos paradigmas da responsabilidade a incrementar a objetivação da responsabilidade civil. 0 direito deseja fazer com que a vítima do dano volte ao status quo ante, ou seja, ao estado no qual se encontrava antes de experimentar o prejuízo. 6. A CULPA 0 direito civil brasileiro sofreu evidente influência da legislação francesa, principalmente do denominado Código Napoleônico. Prova disto foram os arts. 159 e 1.518 do CC/16 e os atuais arts. 186 e 927 do CC/02. Nestes preceitos, a culpa se apresenta como fundamento imprescindível à caracterização da responsabilidade. 0 art. 186 do CC ilustra isto ao abordar os conceitos de culpa lato sensu, a qual engloba 0 dolo e a culpa stricto sensu. A ação ou a omissão se apresentam como requisitos configuradores da responsabilidade. 0 caráter da voluntariedade tam­ bém se caracteriza desta forma, daí se falar, por exemplo, em negligência, impru­ dência e imperícia (culpa stricto sensu).

Uma das maneiras de melhor compreender 0 alcance da culpa no caso con­ creto é dialogar com os conceitos jurídicos da previsibilidade e do homem médio (padrão médio de comportamento). A definição da culpa, portanto, passa pela compreensão da previsibilidade, daí porque 0 fortuito será causa excludente da responsabilidade civil no caso concreto. De fato, culpar alguém por decorrência de evento imprevisível ou, ainda, que à luz do homem médio não se poderia culpar, seria incompatível com a mínima noção de responsabilidade civil. Entendemos que as modalidades de culpa in vigilando, in contrahendo e in custodiendo estão em desuso ante a nova legislação cível, que prestigia a res­ ponsabilidade civil objetiva. De igual sorte, entendemos que a culpa presumida, referida, por exemplo, na súmula 341 do STF, desapareceu em decorrência dos arts. 932 e 933 do CC. Importante observar que a gradação da culpa não é tradição consagrada no direito civil. Entretanto, de forma inédita, 0 parágrafo único do art. 944 do CC afirmará: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e 0 dano, poderá 0 juiz reduzir, equitativamente, a indenização". ► E na hora da prova? Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: DPE-AM Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - Defensor Público

Cap. I . Introdução à responsabilidade civil

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Gabriel manobra seu carro em ré e, por breve e leve distração, encosta o veículo em Dona Olímpia, de setenta anos de idade, que se desequili­ bra, cai e morre ao bater a cabeça no meio-fio. |á Rafael dirige um Pors­ che a 120 Km por hora na zona urbana, desrespeita faixa de pedestres e atropela a jovem Renata, de vinte anos, matando-a. Examinando ambos os casos, as consequências jurídicas Gabarito: "poderão ser diferentes, uma vez que, embora a indenização se meça pela extensão do dano, que é o mesmo, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o Defensor poderá pleitear a redução equitativamente a indenização cabível". Em capítulo próprio, o instituto da culpa será melhor abordado. 7. CONCEITOS BÁSICOS Já anunciamos no início deste capítulo a importância de imediata apresentação de conceitos básicos, que reaparecerão ou ao longo deste livro, ou, certamente, nos diversos concursos públicos que surgirão na vida do querido leitor. É chegada a hora das diferenciações. 7.1. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Moral Sustentam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho23 que "até mesmo no âmbito da moral, a noção de responsabilidade desponta, embora sem a coercitividade, caracte­ rística da responsabilidade decorrente da violação de uma norma jurídica". Ilustram tais autores com a hipótese de um fervoroso católico que comete um pecado infringindo mandamento religioso. Nesta situação não há responsabilidade civil. Não se ignora, no campo psíquico e da fé, a presença de uma punição. Con­ tudo, isto nem de longe será solucionado pela técnica da responsabilidade civil. A nota distintiva reside na ausência de coerção estatal. Na responsabilidade moral não é possível utilizar-se do Aparato Judiciário para exigir o cumprimento da mesma. Também não será possível constranger o patri­ mônio da outra parte. Estas são as principais diferenças entre a responsabilidade moral e a responsabilidade civil. 7.2. R e s p o n s a b ilid a d e C iv il e R e s p o n s a b ilid a d e P e n al

0 art. 935 do CC afirma que a responsabilidade civil é independente da cri­ minal. Eis 0 texto: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja 0 seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal". No mesmo

23

In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

sentido o art. 91, inciso I, do Código Penal (CP) e 0 art. 63 do Código de Processo Penal (CPP).24

► Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2018 Banca: CESPE Órgão: DPE-PE Prova: CESPE - 2018 - DPE-PE - De­ fensor Público Daniel, em 2010, com quinze anos de idade, sem que seu pai Douglas soubesse, pegou 0 carro da família e saiu para se divertir. Alcooliza­ do, Daniel atropelou Ana na faixa de pedestre, que, em decorrência do atropelamento, perdeu uma das pernas. Em 2016, Douglas foi absolvido no processo penal, em sentença transitada em julgado, por ausência de provas em relação a sua culpa no atropelamento causado por seu filho Daniel. Com referência a essa situação hipotética, assinale a opção correta. Gabarito: "Douglas é civilmente responsável pelo ato praticado por Da­ niel, de maneira objetiva, independentemente de culpa". Exatamente neste sentido, verifica-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MA­ TERIAIS E MORAIS. AGRESSÃO FÍSICA. LESÕES CORPORAIS GRAVES. CONDENAÇÃO CRI­ MINAL. TRÂNSITO EM JULGADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. Havendo sentença penal condenatória transitada em julgado, condenando a parte re­ querida crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal), não se deve mais travar discussão na seara civil acerca da autoria e da existência do fato, bem como da culpabilidade do agente causador do dano, sendo certa a obrigação de reparar os danos decorrentes do ilícito. Exegese do art. 1.525 do Código Civil/1916, art. 91, inciso I do Código Penal, art. 63 do Código de Processo Penal e 0 art. 584, inciso II, do Código de Processo Civil. 2. Quantum indenizatório man­ tido conforme fixado em Primeiro Grau (R$ 20.000,00), uma vez que tal valor se encontra de acordo com as circunstâncias do caso concreto e os precedentes

24 Exatamente neste sentido, verifica-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AGRESSÃO FÍSICA. LESÕES CORPORAIS GRAVES. CONDENAÇÃO CRIMINAL. TRÂNSITO EM JULGADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO. í. Havendo sentença penal condenatória transitada em jul­ gado, condenando a parte requerida crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal), não se deve mais travar discussão na seara civil acerca da autoria e da existência do fato, bem como da culpabilidade do agente causador do dano, sendo certa a obrigação de reparar os danos decor­ rentes do ilícito. Exegese do art. 1.525 do Código Civil/1916, art. 91, inciso I do Código Penal, art. 63 do Código de Processo Penal e 0 art. 584, inciso II, do Código de Processo Civil. 2. Quantum indeni­ zatório mantido conforme fixado em Primeiro Grau (RS 20.000,00), uma vez que tal valor se encontra de acordo com as circunstâncias do caso concreto e os precedentes da Corte. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70053192266, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 10/04/2013).

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

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da Corte. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70053192266, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 10/04/2013).

Interessante uma reflexão posta no CPP em seu art. 65. É que a sentença acolhe­ dora da denominada excludente de punibilidade fará coisa julgada no cível. Deste modo, numa interpretação sistemática, poderiamos afirmar que as hipóteses de prejudicialidade entre 0 direito penal e 0 cível não seriam apenas as indicadas no art. 935 do CC. Certo, porém, que nem toda questão penal que tocar a esfera cível afastará 0 dever de indenizar. Exemplifica-se com a legítima defesa putativa ou imaginária, a qual configura excludente penal, toca a esfera cível - 0 juízo cível não poderá afirmar que não houve legítima defesa putativa -, entretanto não ocasionará ex­ cludente de responsabilidade civil. Afinal, legitima defesa putativa não será exclu­ dente de responsabilidade civil. Em outros casos ter-se-á uma atenuação penal, em um homicídio culposo com concorrência de culpas, por exemplo, que não afastará 0 dever cível de indenizar, reduzindo, porém, 0 montante indenizatório (CC, art. 945). ► Como o S u perio r T ribunal

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J ustiça

já decidiu este tema?

Sentença penal condenatória e sentença cível que reconhece a ocorrência de culpa recíproca. "Diante de sentença penal condenatória que tenha reco­ nhecido a prática de homicídio culposo, 0 juízo cível, ao apurar responsabili­ dade civil decorrente do delito, não pode, com fundamento na concorrência de culpas, afastar a obrigação de reparar, embora possa se valer da existên­ cia de culpa concorrente da vítima para fixar 0 valor da indenização". REsp 1.354.346-PR, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 26.10.15. 4a T. (Info STJ 572) 0 direito penal (repressão pública) é construído sob princípios e fundamentos distintos de qualquer outro ramo do ordenamento jurídico. 0 Estado persecutor da pretensão punitiva penal deve atuar de maneira a prestigiar 0 interesse público, sem perder de vista as garantias fundamentais, especialmente 0 jus libertatis. 0 caráter fragmentário do direito penal, utilizado apenas como ultima ratio, evi­ dencia 0 cuidado que 0 intérprete deve empregar na aplicação da responsabilidade criminal, a qual é configurada não apenas quando uma norma de ordem pública, um tipo legal, é violentada. Mais do que isto, 0 interesse da sociedade deve estar em xeque, daí a possibilidade de 0 infrator perder a própria liberdade, o que não ocorre, salvo para caso de pensão alimentícia, no âmbito da responsabilidade civil. A responsabilidade criminal é de natureza personalíssima. Não se transfere. Não pode transbordar a pessoa que praticou 0 ato comissivo ou omissivo. Justo por isto, os penalistas abordam o princípio da intranscedência (CF, art. 5, XLV).

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Além disto, não se admite, regra geral, a responsabilidade criminal objetiva. No direito penal é imprescindível aferir a imputação pela via do dolo ou da culpa. A responsabilidade decorrente de crime é subjetiva, em regra. 0 direito civil não é a ultima ratio. 0 Estado não se apresenta como autor da pretensão cível. Ao contrário de tudo quanto visto acima, o interesse na responsabi­ lidade civil é patrimonial e particular. A prisão não é possível, como ilustra a súmula 419 do STJ e a súmula vinculante 25 do STF, salvo na única hipótese do devedor de alimentos.

A responsabilidade civil pode ser transferida inter vivos ou mortis causa como afirma 0 art. 943 do CC: "0 direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança". Também pode estar presente na modalidade objeti­ va, de modo que nem sempre 0 dolo e a culpa precisarão estar presentes. É possível inexistir responsabilidade penal, mas existir responsabilidade civil, como na hipótese de um inquérito penal que mereceu pedido de arquivamento acolhido pelo Juízo Crime (CPP, art. 28), mas cujo fato rendeu 0 ajuizamento de uma ação reparatória no âmbito cível, julgada procedente. ► Veja o informativo do S u perio r T ribunal

de

J ustiça

abaixo:

Prescrição da pretensão punitiva. Comunicabilidade da esfera penal e civil. A extinção da punibilidade, em função da prescrição retroativa, não vincula 0 juízo cível na apreciação de pedido de indenização decorrente do ato delituo­ so. No caso, após 0 atropelamento, foram ajuizadas uma ação penal por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 do CTB) e uma ação de reparação de danos materiais e morais pela vítima. A ação cível ficou sus­ pensa até a conclusão da penal. Quanto a esta, a sentença reconheceu a auto­ ria e materialidade do fato e aplicou a pena. Na apelação, 0 tribunal acolheu a preliminar de prescrição, na forma retroativa, da pretensão punitiva do Estado. Retomado 0 julgamento da ação indenizatória, a sentença julgou improcedente 0 pedido, reconhecendo a culpa exclusiva da vítima, fundamentando-se nas provas produzidas nos autos. Na apelação, 0 tribunal reformou a sentença com base exclusiva no reconhecimento da autoria e materialidade presentes na sentença criminal, condenando a motorista ao pagamento de indeniza­ ção por danos materiais e morais. Dessa decisão foi interposto 0 recurso especial. 0 min. rei. afirmou ser excepcional a hipótese de comunicação das esferas cível e penal, conforme interpretação do art. 1.525 do CC/1916 (art. 935 do CC/02) e do art. 65 do CPP. Ressaltou, ainda, que o art. 63 do CPP con­ diciona a execução cível da sentença penal condenatória à formação da coisa julgada no juízo criminal. No caso, não houve reconhecimento definitivo da autoria e materialidade delitiva, pois 0 acórdão, ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, rescindiu a sentença penal condenatória e extinguiu todos os seus efeitos, incluindo 0 efeito civil previsto no art. 91, l, do CP. Com esses e outros argumentos, a Turma deu provimento ao recurso para anular 0 acórdão do Tribunal de origem e determinar novo julgamento da apelação, com base nos elementos de prova do processo cível, podendo, ainda, ser utilizados os elementos probatórios produzidos no juízo penal, a título de prova emprestada, observado 0 contraditório. REsp 678.143, rei. Min. Raul Araújo, j. 22.5.2012. 4a T. (Info 498)

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

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7.3. Responsabilidade Contratual e Extracontratual 0 tema em destaque simboliza a divergência que se construiu sobre 0 assunto através de duas correntes de pensamento: a monista ou unitária, que não vê dis­ tinção entre as espécies de responsabilidade civil (contratual e extracontratual), pouco importando sua origem, na medida em que os efeitos são os mesmos; e a dualista ou binária, a qual realiza a diferenciação com base na natureza jurídica da origem da norma. 0 CC disciplina a responsabilidade contratual nos arts. 389, 390 e 391. Para configurá-la, deve 0 interessado demonstrar existir um contrato e, além disto, indicar qual a cláusula teria sido inadimplida. Neste caso, aplicam-se os arts. 389, 391 e 402 do CC. Trata-se de tema contido no Livro das Obrigações. Na responsa­ bilidade contratual é necessário provar 0 inadimplemento de uma cláusula de um contrato.

A responsabilidade civil extracontratual, também denominada de aquiliana, não pressupõe contrato algum. Está disciplinada a partir do art. 927 do CC. Decorre de um fato jurídico extracontratual. 0 dano é praticado fora dos muros de qual­ quer contrato (acidente de trânsito, agressão física, lesão à honra por palavras escritas ou faladas, etc.). Um dever legal é desrespeitado. Todavia, malgrado 0 Código Civil adotar uma teoria dualista, 0 Código de De­ fesa do Consumidor abraça uma teoria monista, não realizando a distinção entre contratual e extracontratual.25 De acordo com 0 STj, no direito privado brasileiro, a responsabilidade extra­ contratual é historicamente tratada de modo distinto da contratual, por um motivo muito simples: são fontes de obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídi­ cos diversos. Essa diferença fática e jurídica impõe 0 tratamento distinto do prazo prescricional, pois a violação a direito absoluto e 0 inadimplemento de um direito de crédito não se confundem nem na tradição jurídica pátria, nem na natureza das coisas. Com efeito, é possível encontrar muitas distinções de regime jurídico entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, inclusive com relação: à capacidade das partes, quanto à prova do prejuízo; à avaliação da culpa entre os sujeitos envolvidos no dano; aos diferentes graus de culpa para a imputação do dever de indenizar; ao termo inicial para a fixação do ressarcimento; e, por fim, à possibilidade de prefixação do dano e de limitar ou excluir a responsabilidade, pois somente a responsabilidade contratual permite fixar, limitar ou mesmo excluir 0 dever de indenizar. Analisando as diferenças fáticas entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, há uma sensível diferença quanto ao grau de proxi­ midade entre as partes contratuais nas suas relações sociais. Na responsabilidade extracontratual, os sujeitos encontram-se no grau máximo de distanciamento. Em realidade, nessas circunstâncias, as partes entram em contato pelo mero fato de viverem em sociedade, sem qualquer negociação ou aproximação prévias.

25

In Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civil, Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.

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D ire it o C ivil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e R o b e r t o Figueiredo

Porém, quando se trata de responsabilidade por inadimplemento contratual, há previamente uma relação entre as partes que se protrai no tempo, normalmente precedidas de aproximação e negociação, que ajustam exatamente o escopo do relacionamento entre elas. Essas relações não ocorrem por acaso, ou pelo mero "viver em sociedade", mas derivam de um negócio jurídico. Normalmente, há um mínimo de confiança entre as partes, e o dever de indenizar da responsabilidade contratual encontra seu fundamento na garantia da confiança legítima entre elas. Do ponto de vista pragmático, também se mostra adequada a distinção dos pra­ zos. Em contratos mais duradouros, sempre é viável e mais provável que as partes se componham de alguma maneira, de forma a evitar longas e dispendiosas dispu­ tas judiciais, o que é improvável de ocorrer na responsabilidade extracontratual26. ► Atenção! Seriam três os elementos diferenciadores da responsabilidade civil con­ tratual em comparação com a extracontratual: (1) a preexistência de uma relação jurídica entre as partes, (2 ) 0 ônus da prova quanto à culpa e (3 ) a diferença quanto à capacidade. É 0 que sustentam P ablo S tolze Gaguano e R odolfo P amplona Filho22.

7.4. Responsabilidade Subjetiva e Objetiva Para 0 art. 186 do CC "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusiva mente moral, comete ato ilícito". E, como se sabe, pois é isto 0 que afirma 0 art. 927 do mesmo diploma, quem comete ato ilícito tem 0 dever de indenizar. A leitura dos dois artigos de lei acima indicados bem ilustra a responsabilidade civil subjetiva. De fato, enquanto a culpa dominou 0 centro da responsabilidade civil, inevitavelmente era preciso demonstrar na voluntariedade do ato praticado a presença da mesma, sob pena de não restar configurado 0 dever de indenizar. Estava-se na esfera da responsabilidade civil subjetiva. Sem dolo, sem culpa, inexistiria responsabilidade civil, afinal de contas unuscuique sua culpa nocet (cada um responde por sua própria culpa). 0 art. 927 do CC elegeu como regra a responsabilidade civil subjetiva que tam­

bém estará presente em relação aos profissionais liberais, nos termos do art. 14 do CDC Mas este mesmo art. 927, assim como outros artigos do CC (931, 933, 936 e 937), traz situação de responsabilidade civil onde não será necessária a prova de dolo ou culpa. Quando se estiver diante de uma situação de responsabilidade 26

EREsp 1.280.825-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 27/06/2018, DJe 02/08/2018.

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

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civil onde o dolo e a culpa não precisam ser comprovados a hipótese será de responsabilidade civil objetiva. Ainda neste tema, verifica-se que a teoria do risco é uma das mais importantes do atual CC e bem ilustra hipóteses de responsabilidade civil objetiva. 0 parágrafo único do mencionado art. 927 afirma justamente isto: "Haverá obrigação de reparar 0 dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Nos casos especificados nas leis especiais poderiamos exemplificar com a Lei Ambiental (Lei 6.938/81, art. 14); na CF, ao consagrar a Responsabilidade Objetiva do Estado para atos comissivos (art. 37, § 6°, CF); na questão do Dano Nuclear tam­ bém previsto na norma constitucional (art. 21, XXIII); no CDC (Lei 8.078/90); no tema do DPVAT (seguro obrigatório de acidente de veículo); na Responsabilidade Civil do Transportador (art. 734, CC) e etc. 7.5. Responsabilidade Por Ato Lícito e Ilícito Na forma do art. 186 do CC, aquele que "violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, por conta disto, ou seja, por "causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo" (art. 927, CC). Exemplifica-se. Nos termos da Lei 13.486/17, que alterou 0 art. 8o do CDC, 0 for­ necedor deverá higienizar os equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de um produto ou serviço. Ademais, deverá 0 fornecedor informar, de maneira ostensiva e adequada, quando for 0 caso, sobre 0 risco de contaminação. Eviden­ temente que 0 desrespeito a esta regra de conduta configura uma hipótese de ato ilícito, de modo que 0 dano causado ao consumidor, decorrente de uma eventual contaminação, ensejará dever de indenizar. ► E na hora da prova? (FCC - Analista Judiciário - Área Judiciária - TRT 16/2014) A respeito dos atos jurídicos lícitos e ilícitos, considere: I. Constitui ato ilícito a destruição da coisa alheia a fim de remover perigo iminente. II. Não comete ato ilícito 0 titular de um direito que, ao exercê-lo, exce­ de manifestamente os limites impostos pelos bons costumes. III. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Está correto 0 q ue se a firm a APENAS em

(A) (B) (C) (D) (E)

II e III. I e II. I e III. III. I. Gabarito: D

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A noção da responsabilidade civil é historicamente relacionada à hipótese de uma lesão. Por sua vez, a ideia da lesão vem atrelada à noção de ilícito.

Como é possível imaginar, um ato ilícito pode gerar efeito em vários campos do direito. Imagine um policial militar que, inadvertidamente, executa um civil. Nesta triste hipótese, estaremos diante de um ato ilícito que gera efeitos no campo do direito administrativo (ilícito funcional justiflcador de demissão a bem do serviço público), do direito penal (homicídio doloso/júri popular), do direito civil (danos morais e materiais à família/vítima) e direito processual (eventual direito de re­ gresso do Estado em face do militar). Interessante, ainda, confrontar a redação do antigo art. 159 do CC/16 com 0 atual 186 do CC. Veja 0 quadro abaixo: Art. 159 CC /16

Art. 186 CC /02

Aquele que, por ação ou omissão volun­ tária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar 0 dano. A verifica­ ção da culpa e a avaliação da respon­ sabilidade civil regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553-

Aquele que, por ação ou omissão volun­ tária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

0 atual preceito melhor atende às noções de operabilidade, simplicidade e e f e t i v i d a d e . P o l ê m i c a im p o r t a n t e e s t á n a s u b s t i t u iç ã o d a l o c u ç ã o

"

o u " p e l a lo -

cução "e". Significaria isto dizer que agora existiríam requisitos cumulativos sem os quais não seria possível configurar 0 ato ilícito? Seria necessário, portanto, provar não apenas que 0 direito foi violado, mas, além disto, que um dano foi causado? Acreditamos que sim. Pensamos que se deve comprovar a violação ao direito e 0 prejuízo. Sem isto, não seria justo pensar em reparação. 0 abuso do direito, importante conceito jurídico aberto, iluminado pela fun­ ção social e pela eticidade, disciplinado no art. 187 do CC, também demonstra que 0 atual Código opta por, simultaneamente, disciplinar a responsabilidade civil

Cap. I • Introdução à responsabilidade civil

273

objetiva, para certos casos, e subjetiva para outros, em prestígio ao princípio da operabilidade do direito civil. A teoria do abuso de direito surge ao final do Século XIX como superação da noção absoluta do exercício de direitos individuais. A partir dessa teoria, direitos não mais são vistos como liberdades ilimitadas, criando-se uma noção entre o permitido e o proibido pelo excesso de exercício. Tal ideal veio contemplado no CC, especificamente no seu art. 187, caracteri­ zando-se por manifesto excesso no exercício do direito em uma análise consoante com sua finalidade econômico-social, e segundo a boa-fé e os bons costumes: "Também comete ato ilícito 0 titular de um direito que, ao exercê-lo, excede mani­ festamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Infere-se do conceito objetivo-finalístico que não exige a norma, para a configu­ ração do abuso, a presença do elemento culpa, como bem indica 0 Enunciado 37 do CJF: "A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico". Tal ilicitude, portanto, constrói-se no caso concreto, ao passo que 0 exercício do direito inicia-se como regular, mas, no seu curso, torna-se abusivo, dotado de excesso manifesto em uma análise objetivo-finalística. Impende ressaltar, porém, que há, ao menos, uma hipótese de abuso de direito codificada na qual se exige a presença do elemento culpa, na ótica do §2° do art. 1.228 do CC. É 0 abuso de direito de propriedade, 0 qual configura exceção à regra geral do ato abusivo ser uma hipótese de responsabilidade objetiva, como bem vaticina 0 Enunciado 49 do CJF ("a regra do art. 1.228, § 2°, do novo Código Civil interpreta-se, restriti­ vamente, em harmonia com 0 princípio da função social da propriedade e com 0 disposto no art. 187"). ► Atenção! 0 instituto do abuso do direito também é chamado de teoria dos atos emulativos, oriunda da aemulatio romana e fortalecida no direito me­ dieval. A responsabilidade civil decorre ou do ato ilícito previsto no art. 186 - simplesmente ilícito -, ou no abuso do direito no art. 187 - ilícito objetivo -, ambos do CC. Hoje, portanto, são dois os fundamentos para a responsabilidade civil. 0 abuso do direito constitui novel situação de ilíc ito c ív e l.

Importante ainda apresentar um quadro da doutrina de Flávio T artuce so­ bre interessantes hipóteses de configuração do abuso do direito nos mais diversos ramos, a saber: 0 abuso do direito na publicidade - CDC, art. 6°, inciso IV, ao tratar da publicidade enganosa e abusiva, trazendo interessante julgado do TJ/SP versando sobre a apresentação de uma propaganda na qual se utilizou

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a empatia de uma famosa apresentadora para induzir crianças a adota­ rem o comportamento da mesma, destruindo tênis usados para que os pais comprassem novos (Apelação n° 241.337-10). 0 abuso do direito e a venda casada - CDC, art. 39, inciso I ao vedar 0 fornecimento de produto ou de serviço condicionado à aquisição de outro. A negação de orçamento prévio, a inserção no mercado de bens impróprios para 0 consumo, entre outros temas de consumo bem ilus­ tram situações de abuso. 0 abuso do direito e 0 direito de greve - RE 184.083 quando 0 STF afirmou

que "0 direito de greve não é absoluto, devendo a categoria observar os parâmetros legais de regência. Descabe falar em transgressão à Carta da República quando 0 indeferimento da garantia de emprego decorre do fato de se haver enquadrado a greve como ilegal". 0 abuso do direito e a lide temerária - , como também a litigância de má-fé, a lide simulada, etc. 0 abuso do direito e a propriedade - CC, art. 1.228. Em compromisso com

os valores sociais da CF (art. 5°, XXIII) e ambientais (225, CF) a proprie­ dade deixa de se apresentar como um valor liberal e muitas das vezes egoísta, passa a ser analisada no viés socioambiental. 0 abuso do direito e 0 spam - no denominado direito digital, decorrente do envio de mensagens eletrônicas não solicitadas de maneira repetiti­ va, 0 que seria uma conduta passível de ocasionar 0 dano. Também se analisa ali a prática de venda de endereços eletrônicos como abusiva, assim como 0 envio de cartões de crédito não solicitados. Apesar do art. 927 do CC prescrever que 0 causador de ato ilícito tem 0 dever de indenizar, serão encontradas ao longo dos nossos estudos (e da legislação cível) situações nas quais este dever de reparar 0 dano estará presente, inde­ pendentemente da ilicitude do ato praticado. A leitura dos arts. 188 e 929 do CC deve ser feita para melhor compreensão do que agora se explica. Imagine que uma pessoa destrói a porta de outra para, premido da necessi­ dade de salvar a si, ou a pessoa de sua família, utilizar daquela via na fuga de um incêndio. Não houve prática de ato ilícito algum neste caso. A ordem jurídica autoriza esta conduta. Entretanto, 0 dono da porta danificada - e que não causou dano a ninguém - jamais podería ficar no prejuízo. A responsabilidade civil restará configurada, mesmo não havendo ilícito na situação concreta. 0 mesmo se diga pela teoria do risco profissional. A responsabilidade civil fundada no risco da atividade estará presente independentemente da presença do ilícito. Não proíbe 0 direito 0 exercício de atividades de risco. 0 direito apenas objetiva estas responsabilidades de modo que, pelo risco, causado 0 dano surge 0 dever de reparar, muitas vezes sem sequer haver ilicitude presente.

Cap. I . Introdução à responsabilidade civil

275

7.6. A Responsabilidade Pressuposta Sustenta Flávio Tartuce27 estarmos a viver dentro de um momento de transição quanto à responsabilidade civil, que tem experimentado nova dimensão. Por conta disto, faz referência à tese de livre-docência defendida por Giselda Hironaka28 como inédita modalidade de reparação civil, qual seja a responsabilidade pressuposta. Trata-se de doutrina que propõe 0 viés da responsabilidade civil objetiva ex­ pedita. Fala-se no pronto-atendimento às vítimas do prejuízo, mediante a urgente imputação do sujeito que terá 0 dever de indenizar. Tal dever decorre da criação de um sistema jurídico que impeça à manutenção de lesionados sem ressarcimen­ to, em nítida crítica à crise doutrinária e jurisprudencial inaptas à rápida solução dos danos causados. Apesar de esta doutrina deixar a solução a respeito do tema em aberto, a tese sugere uma virada epistemológica na análise do tema, ao enfatizar como pressu­ posto a reparação, buscando a imputação da culpa somente após isto.

27

In Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, Vol. 2. São Paulo: Método, 2011, p. 319.

28 Essa tese de Livre-Docência defendida na Faculdade de Direito da USP originou a obra de mesmo nome editada pela Editora Del Rey no ano de 2005, como afirmou Flávio Tartuce em obra de impor­ tante referência.

Elementos gerais da responsabilidade civil 1. INTRODUÇÃO O escopo deste capítulo é apresentar os elementos gerais, ou pressupostos da responsabilidade civil, respondendo à seguinte indagação: o que é necessário para responsabilizar no Brasil? A solução deste problema passa pela análise do art. 186 do Código Civil (CC), 0 qual elenca como elementos gerais ou pressupostos da responsabilidade civil: a) a conduta humana (positiva ou negativa); b) 0 dano ou prejuízo e c) 0 nexo de causalidade. Como elementos gerais que 0 são, possuem aplicabilidade tanto na seara con­ tratual, como na extracontratual (aquiliana), bem como nas modalidades objetiva e subjetiva de responsabilidade civil. Interessante, porém, que 0 art. 186 codificado faz menção à presença do ele­ mento culpa lato sensu1, quando verbera "ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência". Entrementes, corroborando 0 posicionamento de P ablo S tolze G agliano e R odolfo P amplona F ilho12 entendemos pela impossibilidade de sua inserção como elemento geral da responsabilização, haja vista a existência de responsabilização independentemente de culpa (objetiva). Buscando manter-se fiel à proposta de desenhar elementos gerais ou pressu­ postos da responsabilidade civil, aplicáveis, por conseguinte, a todos os campos da responsabilização, a culpa não pode estar contida entre tais elementos, sendo reservado espaço para sua análise quando do estudo da responsabilidade civil subjetiva, como pressuposto específico desta, ou mero elemento acidental. Digno de nota, porém, que outros autores, a exemplo de C arlos Roberto G onçalves3, mantém a culpa como elemento essencial ou pressuposto geral do dever de indenizar, tratando das modalidades de responsabilidade civil objetiva como exceções aptas a a f a s t á -la . N ã o n o s p a r e c e c o r r e t o , c o m o já a s s e n t a d o n a s lin h a s a n t e r io r e s . De

qualquer modo, estudaremos oportunamente 0 assunto em capítulo específico. 1

Conforme será estudado no capítulo que versa sobre responsabilidade civil subjetiva, a culpa, em direito civil, é estudada de forma ampla (lato), englobando tanto a culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia), como 0 dolo (intenção de lesionar).

2

In Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. III. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 24.

3

In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 54.

278

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Feita esta breve introdução, passamos a nos dedicar ao tratamento individua­ lizado dos elementos gerais da responsabilidade civil, iniciando-se com a conduta humana. 2. CONDUTA HUMANA Em famosa frase atribuída a A guiar D ias, afirma-se que toda conduta humana traz consigo a problemática da responsabilidade civil. Assim, a responsabilidade civil é uma expressão obrigacional da atividade humana e, como tal, exige uma conduta, obviamente, humana. Não é possível falar em responsabilização civil por fato da natureza, pois, ainda que este ocasione danos, não decorrerá de uma conduta humana. Apenas o ser humano, seja pessoalmente ou através de uma pessoa jurídica, poderá ser civilmente responsabilizado. É justamente por isto que Rui Stoco4 sustenta a necessidade de estar presente "um comportamento do agente, positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desres­ peitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciên­ cia do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato)".

Portanto, tal conduta humana poderá ser positiva - também chamada de comissiva, pois decorrente de uma ação - ou negativa - igualmente denominada de omissiva, por dizer respeito a uma abstenção juridicamente relevante. 0 próprio Código Civil, no seu art. 186, possibilita tal raciocínio, ao impor a obrigação de inde­ nizar a todo aquele que por ação ou omissão voluntária causar prejuízo a outrem. ► E na hora da prova? A banca examinadora FCC, em concurso para Analista Judiciário do TRT 16a Região, ano de 2014, considerou a seguinte assertiva correta: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". A expressão conduta ou comportamento, nas palavras de S érgio C avalieri Filho5, constitui gênero que engloba tanto as ações, quanto as omissões6. Excepcionalmente, 4

In Tratado de Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribu­ nais. 2007, p. 94.

5

In Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 24.

6

Outros autores, porém, utilizam-se da expressão ação como gênero, falando na ação stricto sensu ao se referirem à conduta positiva, e a omissão ao tratar da negativa. Tais expressões, porém, acabam por gerar confusões conceituais, preferindo-se 0 signo conduta ou comportamento na generalidade.

Cap. II . Elementos gerais da responsabilidade civil

279

a omissão permite o dever de reparar. Isto porque como do nada, nada provém, não há responsabilidade pela inércia, salvo se o omitente tinha o dever de agir, de evitar a lesão. Neste caso, a abstenção torna-se juridicamente relevante e apta a ocasionar responsabilidade. É o fatídico exemplo da enfermeira que deixa de mi­ nistrar os medicamentos ao paciente por desídia, ou dos pais que não alimentam os seus filhos, ou, finalmente, do médico que omite socorro. Tanto na ação, quanto na omissão, a conduta deve ser voluntária, pois a voluntariedade constitui o epicentro da conduta humana. Se não houver o domínio (controle) da vontade humana na conduta, não haverá de se falar em responsa­ bilidade civil. Assim, não há dever de reparação por lesões decorrentes de forças naturais invencíveis, a exemplo do vento, ou das descargas elétricas. justo por isto que afirma S érgio C avalieri Filho7 ser a ação ou omissão o aspecto físico da conduta, enquanto a voluntariedade o seu viés psicológico ou subjetivo. ► Atenção! Não se deve confundir a exigência da voluntariedade com o dolo. São coisas diversas, como lembra Rui Sroco8. 0 dolo traduz o propósito ou consciência do resultado danoso. É intenção deliberada de causar pre­ juízo. Já a voluntariedade é a consciência daquilo que se está fazendo. Exemplifica-se com o cidadão que, voluntariamente, engata a marcha ré no seu carro e, por imprudência, colide com outro veículo. Há volunta­ riedade na conduta, porém desacompanhada de dolo. Discussão interessante é saber se há presença da conduta humana nas hipóte­ ses de responsabilidade civil indireta9, a exemplo do pai que responde civilmente pelos atos de seus filhos menores (art. 932 do CC)? Com efeito, a regra é a responsabilidade civil direta, por ato próprio. Entrementes, por vezes a lei faz emergir responsabilidade civil por ato de outrem, ou da coisa. Segundo a doutrina - falando por todos Pablo Stolze C agliano e Rodolfo Pamplona Filho10- , em verdade responsabiliza-se indiretamente pela omissão do dever jurídi­ co de custódia, cuidado, vigilância ou má-eleição. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2018 Banca: CESPE Órgão: PC-MA Prova: CESPE - 2018 - PC-MA - Delegado de Polícia Civil De acordo com 0 Código Civil, responderá, em caso de reparação civil, 0 Gabarito: "indivíduo que, gratuitamente, participar nos produtos do crime,

até 0 valor concorrente". 7

Op. cit., p. 24.

8

In Tratado de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 50-51.

9

0 tema responsabilidade civil indireta mereceu tratamento específico em tópico apartado, quando da análise das hipóteses de responsabilidade objetiva.

10

Op. Cit., p. 30.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Vencida a conduta e seguindo nos estudos acerca dos elementos gerais da responsabilidade civil, avançamos à análise do dano ou prejuízo. 3. DANO OU PREJUÍZO 0 dano ou prejuízo é elemento indispensável para configuração da responsabi­ lidade civil, sendo a pedra de toque entre as diversas responsabilizações. Decerto, é plenamente possível que se responsabilize alguém por uma omissão e indepen­ dentemente de culpa (modalidade objetiva); mas é impossível responsabilização sem dano. Este é elemento essencial, ainda que seja presumido, como soe ocorrer na responsabilidade contratual, na qual 0 inadimplemento ocasiona 0 dano. Justo por isto que cabe ao devedor, em sede de responsabilidade contratual, afastar 0 dano, arguindo e comprovando que 0 dano não lhe pode ser imputado. Afirma Carlos Roberto Gonçalves11 que a ação de indenização sem dano é preten­ são sem objeto, sendo 0 ônus da prova acerca do dano, em regra, do autor da demanda. Nesta linha de raciocínio, não há na seara da responsabilidade civil crime de mera conduta ou de perigo abstrato. Lembra S érgio Cavalieri Filho112 que se uma pes­ soa avançar 0 sinal dirigindo em velocidade acima da permitida, mas não lesar ninguém, nem atingir nenhum patrimônio, não haverá de se falar em responsabi­ lidade civil. Para Carlos A lberto Bihar 13 o dano é configurado pela "lesão, ou redução patri­ monial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no direito, seja quanto à sua própria pessoa - moral ou fisicamente - seja quanto a seus bens ou aos seus direitos. É a perda, ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais ou materiais". Entende-se por dano ou prejuízo a lesão a um interesse/patrimônio (patri­ monial ou extrapatrimonial) juridicamente tutelado, em virtude de uma conduta humana. Há muito já restou ultrapassado 0 paradigma patrimonialista, que apenas reconhecia como dano indenizável 0 material. Interessa-se a responsabilidade civil pelo "dano indenizável". Enxerga-se 0 dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico tutelado, material ou imaterial, a merecer reparação integral, com retorno ao status quo ante. Justo por isto, é possível afirmar que se guia a responsabilidade civil pelo paradigma da reparação integral - também chamada de princípio do imperador -, medindo-se a indenização ela extensão do dano (art. 944 do CC). Aplica-se, no 11 12

In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 356. Op. Cit., p. 70.

13

Responsabilidade Civil. Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 9.

Cap. ii • Elementos gerais da responsabilidade civil

281

particular, a teoria alemã da diferença. Explica-se: verifica-se como estaria o patri­ mônio do lesado se o dano não acontecesse e compara-se como ele atualmente, em função do aludido dano, indenizando-se a diferença. Como toda regra, o princípio da reparação integral, no direito brasileiro, tem exceção. Esta resta capitulada no próprio art. 944 do Código Civil, especificamente no seu parágrafo único. Sendo assim, ocorrendo manifesta desproporção entre a gravidade da culpa e 0 dano - leia-se: culpa mínima e dano máximo - 0 magistrado poderá reduzir, equitativamente, 0 valor da indenização. Trata-se de uma das situa­ ções nas quais 0 magistrado poderá utilizar-se da equidade para decidir, afinal de contas, nos termos do art. 140 do NCPC, 0 juiz não pode decidir por equidade, salvo nos casos autorizados pela norma. Na VIII Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2018, a doutrina cristalizou 0 enten­ dimento derredor do art. 944 do CC segundo 0 qual "A indenização não inclui os prejuízos agravados, nem os que poderíam ser evitados ou reduzidos mediante esforço razoável da vítima. Os custos da mitigação devem ser considerados no cálculo da indenização" (Enunciado 629, VIII Jornada em Direito Civil). Hodiernamente é possível a reparação tanto do dano patrimonial como do extrapatrimonial, falando-se em independência entre tais danos em uma leitura despatrimonializada, repersonificada e existencialista do direito civil. Tal afirmativa tem como embasamento a Constituição Federal (art. 5, V e X), 0 Código Civil (arts. 11/21 e 186) e a jurisprudência (Súmulas 37 e 387 do STJ). Portanto, é possível 0 pleito cumulado, ou de forma isolada, dos mais diversos danos, a exemplo de dano patri­ monial e moral; moral e estético; patrimonial e estético. A cumulação é livre, desde que comprovada a existência dos danos.14 14 Assim, a respeito da possibilidade de cumulação de espécies de dano, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Somente para exemplificar, vejamos as seguintes ementas, ano de 2013: AGRAVO REGIMENTAL, DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS INDENIZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBILÍS­ TICO. MORTE DE FILHO . MORTE DE FILHO - AMPUTAÇÃO DO BRAÇO DE OUTRO. CUMULAÇÃO DO DANO MORAL E ESTÉTICO. VALOR FIXADO COM RAZOABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ; AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DE MULTA. í. Não há que se cogitar de ofensa ao artigo 535 do CPC, se, como no caso examinado, acórdão se manifestou acerca de todos os pontos necessários ao deslinde da controvérsia, ainda que de forma contrária à pretensão da agravante. 2. Nos termos da Súmula 387/STj "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral". Na hipótese, 0 dano moral foi concedido em razão da perda do irmão e filho, do trauma psicológico do acidente em si, e da invalidez permanente por amputação do braço do filho menor sobrevivente. 0 dano estético pela deformidade física decorrente da amputação. 3. Embora esta Corte afaste por vezes a incidência do enunciado n. 7 de sua súmula, apenas 0 faz quando os va­ lores fixados a título de indenização por dano moral se afigurem irrisórios ou exorbitantes, 0 que não se verifica no caso concreto. 4- Agravo regimental não provido com aplicação de multa. (STJ - AgRg no AREsp: 166985 MS 2012/0080488-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamen­ to: 06/06/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2013). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 387/STJ. 1. É lícita a cumulação das indenizações por dano moral e por dano estético decorrentes de um mesmo fato, desde que passíveis de identificação

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D ir e it o C ivil - V o l.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Assim, a respeito da possibilidade de cumulação de espécies de dano, é pa­ cífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Somente para exemplificar, vejamos as seguintes ementas, ano de 2013: AGRAVO REGIMENTAL, DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS INDENIZAÇÃO. ACI­ DENTE AUTOMOBILÍSTICO. MORTE DE FILHO . MORTE DE FILHO - AMPUTAÇÃO DO BRAÇO DE OUTRO. CUMULAÇÃO DO DANO MORAL E ESTÉTICO. VALOR FIXADO COM RAZOABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ; AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DE MULTA. l. Não há que se cogitar de ofensa ao artigos 535 do CPC, se, como no caso examinado, acórdão se manifestou acerca de todos os pontos necessários ao deslinde da controvérsia, ainda que de forma contrária à pretensão da agravante. 2. Nos termos da Súmula 387/STJ "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral". Na hipótese, 0 dano moral foi concedido em razão da perda do irmão e filho, do trauma psicológico do acidente em si, e da invalidez permanente por amputação do braço do filho menor sobre­ vivente. 0 dano estético pela deformidade física decorrente da amputação. 3. Embora esta Corte afaste por vezes a incidência do enunciado n. 7 de sua súmula, apenas 0 faz quando os valores fixados a título de indenização por dano moral se afigurem irrisórios ou exorbitantes, 0 que não se verifica no caso concreto. 4- Agravo regimental não provido com aplicação de multa. (STJ - AgRg no AREsp: 166985 MS 2012/0080488-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 06/06/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publi­ cação: DJe 18/06/2013). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 387/STJ. 1. É lícita a cumulação das indenizações por dano moral e por dano estético decorrentes de um mesmo fato, desde que passíveis de identificação autônoma, a teor do que dispõe a Súmula n. 387/STJ. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1302727 RS 2011/0132655-0, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 02/05/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2013). C arlos A lberto B ihar 15 defende 0 entendimento segundo 0 qual "em razão desse complexo informativo, a pessoa responde, com seu patrimônio, pelos efeitos de ação ilícita que atinge a esfera de outrem, desde que labore com culpa, cumprindo-lhe, em consequência, satisfazer integralmente os direitos do lesado. Desta forma, em princi­ pio, ficam seus bens expostos à reparação do dano, nas hipóteses já discutidas, até a

co m p leta re co m p o siçã o d a s itu a çã o ju ríd ic a d o o fe n d id o , p ro v a d a a su a p a rtic ip a ç ã o

volitiva positiva (dolo) ou apenas por negligência (culpa, em senso estrito)". Por outro lado, está hoje ultrapassado 0 paradigma liberal-individualista oitocentista que remetia à noção segundo a qual 0 dano apenas podería ser indivi­ dual. Existem danos metaindividuais, que transbordam uma só pessoa ou realida­ de e atingem toda a coletividade. autônoma, a teor do que dispõe a Súmula n. 387/STJ. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1302727 RS 2011/0132655-0, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 02/05/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2013). 15

Responsabilidade Civil. Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 50.

Cap. II • Elementos gerais da responsabilidade civil

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0 direito civil contemporâneo não pode aceitar que os problemas jurídicos da atualidade digam respeito apenas a Caio e Tício, incluindo-se, no máximo, Mévio, como se costuma brincar nas faculdades. As relações interpessoais envolvem inte­ resses coletivos e difusos, com grupos como dos sem-terra, dos sem-teto, enfim, dos sem-direitos, os quais representam muito mais do que Caio, Tício e Mévio - exemplo máximo representativo de uma lide individualista. Com efeito, terá o jurista que trazer soluções para problemas transindividuais, os quais, além dos supracitados sujeitos, envolvam outras pessoas16. Interessante ilustração a isto pode ser constatada no julgado realizado no STJ ao reconhecer dano moral coletivo diante da conduta de uma emissora de tele­ visão que exibiu quadro potencialmente lesivo, discriminatório, vexatório e humi­ lhante às crianças e adolescentes, aspecto que "configura lesão ao direito transindividual da coletividade e da ensejo à indenização por dano moral coletivo"17. Mais recentemente, o STJ afirmou que o tráfego de veículos de carga, em via pública, com excesso de peso gera danos materiais e morais coletivos in re ipsa, seja ao patrimônio público (consubstanciado na deterioração da rodovia) e ao meio ambiente (poluição do ar e gastos prematuros com novos materais), seja diante do agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos (au­ mento de riscos de acidentes, com feridos e morros, a par da lesão a ordem econômica18. A inserção de um novo paradigma transindividual, e a consequente quebra do paradigma individual-liberal, não significa o total abandono desta concepção, haja vista que ela ainda será muito útil para a resolução de conflitos individuais. Decerto, muitas das demandas que, atualmente, chegam até os pretórios nacio­ nais, são compostas por fatores passíveis de serem solucionados com base em um raciocínio fincado no paradigma individual-liberal. De qualquer modo, não é possível ignorar os novos paradigmas do direito civil personalizado e, ao mesmo tempo, apesar da aparente contradição, metaindividual, em fiel compromisso com a socialidade, princípio importante da teoria geral cível. 0 dano ambiental, social e aos consumidores são alguns destes exemplos. 3.1. Requisitos Configuradores do Dano Contudo, nem todo dano é indenizável. Com efeito, para que o dano seja ind e n iz á v e l f a r - s e - ã o n e c e s s á r i o s a lg u n s re q u is ito s e s s e n c ia is e c u m u la tiv o s, q u a is

sejam:

16

Nesse sentido Lenio Luiz Streck. In Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

17

REsp 1.517.973-PE, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 16/11/2017, DJe 01/02/2018.

18

REsp 1.574.350-SC, Rei. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, DJe 06/03/2019.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) Violação a um interesse juridicamente tutelado, extrapatrimonial ou pa­ trimonial, de uma pessoa física ou jurídica. Registra-se que, além da au­ tonomia entre o dano extrapatrimonial e patrimonial já aqui abordada, o Código Civil confere às pessoas jurídicas a proteção inerente aos direitos da personalidade (art. 52). Justo por isto, a jurisprudência pacificou 0 en­ tendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais (Súmula 227 do STJ). Logo, mesmo a pessoa jurídica pode ajuizar ação pleiteando danos patrimoniais e/ou morais19. ► Atenção!

Entende 0 STJ que 0 dano moral sofrido pela pessoa jurídica não se con­ figura in re ipsa, 0 que não obsta, contudo, que sua comprovação ocorra por meio da utilização de presunções e regras de experiência no julga­ mento da controvérsia. Portanto, para a pessoa jurídica obter indeni­ zação por dano extrapatrimonial será mister comprovação necessária (REsp 1.564.955-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018). b) Certeza do dano. Não se indeniza dano hipotético ou abstrato. 0 dano há de ser certo quanto a sua existência. Apesar disto, recorda M aria H elena D iniz20não ser necessária a certeza no que tange à sua atualidade e extensão, mas sim no que se relaciona à sua ocorrência. Dano hipotético ou eventual não possibilita reparação cogente. Este pensamento clássico ensejará, nas próximas linhas, um grande problema teórico no debate do dano pela per­ da de uma chance. c) Subsistência ou atualidade do dano. Por razões de ordem lógica há de ser um dano carente de reparação, ou seja, ainda não indenizado. E mais: dano que existe no momento do ajuizamento da ação. Dano futuro não autoriza reparação cogente. Trata-se da consagração do princípio da operabilidade, numa reflexão utilitarista do direito, isto porque não faria sentido algum indenizar alguém que não necessita, no caso concreto, da aludida reparação. ► E na hora da prova? A b a n c a VUNESP, e m c o n c u rs o p ú b lic o p a r a Ju iz d e D ire ito S u b stitu to -S P ,

ano de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "Não gera 0 dever de indenizar 0 simples travamento de porta giratória nos estabelecimen­ tos bancários com usuário dentro". Aprofundando 0 estudo acerca do tema, passamos a enfrentar tópicos especí­ ficos versando das modalidades danosas.

19

Para aprofundamento do tema, consultar 0 volume l (Parte Geral), especificamente ao capítulo relativo aos direitos da personalidade.

20

In Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, p. 60.

Cap. II • Elementos gerais da responsabilidade civil

285

3.2. 0 Dano Patrimonial ou Material 0 dano patrimonial direto consiste na lesão aos bens e direitos economicamen­ te apreciáveis de alguém. Afeta 0 patrimônio do ofendido. É a regra. Hodiernamente, porém, além da sua faceta direta, a doutrina afirma existir também um dano patrimonial indireto. Conforme vaticina Sérgio Cavalieri Filho21, tem-se como possível um dano patrimonial como resultado de lesão a interesses ou bens extrapatrimoniais, a exemplo de um modelo que, em função de uma indevida lesão à sua imagem perpetrada por um veículo da imprensa, perde importantes contratos. 0 dano patrimonial subdivide-se, nas pegadas do art. 402 do CC, em um:

a) Dano emergente ou Dano positivo: aquilo que efetivamente se perdeu. É a diminuição patrimonial sofrida pelo lesado. 0 que efetivamente se perdeu com a lesão. Sua mensuração é identificada pela diferença - teoria da dife­ rença - entre 0 patrimônio da vítima antes do ato ilícito e após a conduta. Exemplifica-se com a indenização do valor correspondente ao conserto do carro após colisão; ou, ainda, com as despesas do tratamento médico, fu­ neral e luto da família, devidas pelo assassino, por exemplo, à família do falecido (art. 948, 1 do CC). ► E na hora da prova?

Em prova de concurso para Defensor Público-PR, ano de 2014, a banca UFRP considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "Compreende-se no con­ ceito de dano emergente aquilo que a vítima efetivamente perdeu e 0 que razoavelmente deixou de ganhar com a ocorrência do fato danoso". b) Lucros Cessantes ou Dano Negativo: aquilo que razoavelmente se deixou de ganhar. É 0 lucro frustrado. Perda do ganho esperado, de um reflexo futuro. 0 operador do direito, porém, deve ter cuidado para não confun­ dir os lucros cessantes com 0 lucro imaginário, hipotético ou remoto. A norma é clara ao informar a necessidade de razoabilidade na aferição da existência de tais lucros cessantes. No particular, fora mais feliz 0 direito alemão que, com maestria, conceitua os lucros cessantes como 0 lucro frustrado que, com certa probabilidade, era de esperar, caso atendido 0 curso normal das coisas ou às especiais circunstâncias do caso concreto (BCB, § 252). Assim, nas palavras de L a r e n z o juiz deve valer-se de um juízo casual hipotético, eliminando 0 ato ilícito e perquirindo se no curso normal dos acontecimentos tal lucro seria razoavelmente esperado. Trata-se, no dizer de Sérgio Cavalieri Filho22, de um juízo de probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos

21 Op. Cit., p. 70. 22 Op. Cit., p. 74.

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acontecimentos e das circunstâncias do caso, buscando lucros frustrados que te­ nham relação direta e imediata com a conduta lesiva (art. 403 do CC).23 Exemplificam-se os lucros cessantes com a indenização das diárias do taxista pelo período em que seu veículo ficou parado, em razão de colisão, assim como a indenização pelos alimentos do dependente econômico do falecido, devida pelo agente agressor, no caso de homicídio (art. 948, II do CC). Especificamente em relação aos alimentos devidos aos dependentes econô­ micos do falecido, em virtude de assassinato, limites foram fixados pela jurispru­ dência para a indenização. Inicialmente, fixa-se 0 teto de idade em torno dos 73 (setenta e três) anos do falecido, pois esta é a idade ativa; ou de 24/25 anos do dependente, pois é a idade na qual, geralmente, a pessoa passa a ter condições de se prover. Há, porém, uma tendência de majoração dos limites em tela, seja em virtude do aumento da expectativa de vida, seja por verberar a Súmula 358 do STJ que a maioridade não é fato gerador do término da pensão alimentícia. Além disto, 0 valor da pensão gravita em torno de 2/3 do salário da vítima, mul­ tiplicado até 0 limite de idade supramencionado. Isto se afirma porque a vítima certamente utilizava-se, ao menos, de 1/3 para sua subsistência. Em sendo traba­ lhador autônomo, considera-se como base de cálculo da remuneração a média de valores recebidos nos últimos 6 (seis) ou 12 (doze) meses. ► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

J ustiça ?

Este foi 0 entendimento externalizado pelo STJ no julgamento do REsp 971.721, publicado no Informativo n° 466, apreciando um caso concreto da seguinte forma: "0 recorrente, fotógrafo profissional especializado em fotos aéreas, ajuizou ação de danos materiais e morais contra a re­ corrida, sociedade empresária de táxi aéreo, ao fundamento de que, em razão da queda do helicóptero em que se encontrava, sofreu fraturas e danos psicológicos que 0 impossibilitaram de exercer seu ofício por mais de 120 dias e 0 impediram de retomar os trabalhos de fotografia aérea. Nesse contexto, faz jus 0 recorrente ao recebimento de lucros 23

Neste sentido, confira a ementa da decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013: ACIDENTE DE TRÂNSITO. LUCROS CESSANTES COMPROVADOS. DEVER DE INDENIZAÇÃO EVIDEN­ CIADO. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL QUE RESTA SANADA ANTE A APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO. MERA IRREGULARIDADE PROCESSUAL. (...) Restando incontroverso o acidente envolvendo os veículos das partes, bem como haverem sido os danos materiais arcados pela seguradora do demandado, cabia a esta parte unicamente apresentar contraprova a desconstituir 0 pleito de indenização por lucros cessantes, ônus do qual não se desincumbiu, a teor do que preceitua 0 art. 333, inc. II, do CPC. Comprovada, através de contrato de locação de veículo juntado aos autos (fls. 30/32), a indisponibilidade do automóvel do autor e bem assim 0 tempo que a mesma perdurou, impõe-se seja ratificada a decisão de primeiro grau. 0 quantum outorgado, todavia, comporta minoração para R$ 12.600,00 porque sobre 0 valor relativo ao faturamento bruto - R$ 18.000,00 -, deve ser aplicado o redutor de 30%, relativo às despesas com 0 veículo propriamente ditas, tais como combustível e outros. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível N° 71004271094, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 03/09/2013).

Cap. II • Elementos gerais da responsabilidade civil

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cessantes, visto que comprovadas a realização contínua da atividade e a posterior incapacidade absoluta de exercê-la no período de convalescência. Contudo, apesar de a jurisprudência propalar que o lucro cessante deve ser analisado de forma objetiva, a não admitir mera presunção, nos casos de profissionais autônomos, esses lucros são fixados por arbitramento na liquidação de sentença e devem ter como base os valores que a vítima, em média, costumava receber. Já a revisão das conclusões das instâncias ordi­ nárias de que a redução da capacidade laborai (25% conforme laudo) não 0 impediría de exercer seu ofício, mesmo que não mais realize fotografias aé­ reas em razão, como alega, do trauma psicológico sofrido, não há como ser feita sem desprezar 0 contido na Súm. 7/STJ. Anote-se, por fim, que devem ser aplicados desde a citação os juros moratórios no patamar de 0,5% ao mês até 10.1.2003 (art. 1.062 do CC/1916) e no de 1% ao mês a partir do dia 11 daquele mês e ano (art. 406 do CC/02), pois se cuida de responsabilidade contratual. REsp 971.721, Rei. Min. Luis Salomão, j. 17.3.2011.4a T." ► E na hora da prova?

(Cespe - Procurador do MP junto ao TCE-PB/2014) Considerando as dis­ posições do atual Código Civil acerca do enriquecimento sem causa e da responsabilidade civil, assinale a opção correta. Gabarito: "No caso de lesão à saúde, 0 ofensor indenizará 0 ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convales­ cença, além de algum outro prejuízo que 0 ofendido prove haver sofrido". E em sendo a vítima 0 filho menor, os pais poderíam pleitear indenização por lucros cessantes? Que fique claro: a questão dirige-se aos lucros cessantes por ser pacífico 0 entendimento acerca dos danos emergentes. De fato, 0 falecimento de um filho é capaz de ocasionar graves prejuízos juridicamente aferíveis, tanto no campo material, como no moral. Portanto, 0 entendimento é pela possibilidade do pleito de danos negativos, ao passo que é muito usual ao filho menor ajudar nas economias do lar. Diga-se que a possibilidade do pedido em questão permanece até mesmo ante 0 falecimento do filho menor que não exercesse função remunerada, posto ser possível, no futuro, que viesse a exercê-la. Neste sentido, afirma a Súmula 491 do STF ser indenizável 0 acidente que causa a morte do filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No que se refere à liquidação das obrigações decorrentes da responsabi­ lidade civil, a prova para Procurador - BACEN, banca CESPE, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "0 fato de ser a vítima de acidente de trânsito menor impúbere e não exercer atividade laborativa não constitui impedimento para 0 recebimento da correspondente indenização se hou­ ver a diminuição da capacidade para 0 trabalho"..

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No caso do filho menor, subsiste o parâmetro de 2/3 do valor do salário. Em relação à idade, entende-se que a verba será devida até os 24/25 anos, momento em que, provavelmente, 0 filho passa a contribuir com as despesas do seu pró­ prio lar24 (REsp. 302.298/MG. 4a Turma. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Há, porém, entendimentos isolados do STJ informando que após os 25 anos persiste a verba devida à família, agora na razão de 1/3. Isto porque mesmo que 0 filho fale­ cido tenha despesas próprias, geralmente permanece ajudando 0 núcleo familiar originário, ainda que em menor proporção25. Persistindo na análise dos lucros cessantes, se a decisão ordenar um pensionamento mensal - como no caso do homicídio narrado nos parágrafos anteriores - é possível a utilização do art. 533 do NCPC, segundo 0 qual 0 magistrado pode ordenar a constituição de um capital - representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial -, ou, até mesmo, a inclusão do beneficiado em folha de pagamento, prestação de fiança bancária, garantia real (hipoteca, penhor, anticrese), tudo visando garantir 0 decisum. Nesse sentido, informa a Súmula 313 do STJ que em ação de indenização, pro­ cedente 0 pedido, será necessário constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação finan­ ceira do demandado. Estas medidas consagram 0 princípio da efetividade da jurisdição e da segu­ rança jurídica. Contudo, sendo uma prestação alimentar mensal, se submeterá à cláusula re­ bus sic stantibus. Leia-se: havendo alteração das condições econômicas é possível 0 pleito de redução ou majoração de valores. Tal conduta é autorizada pelo art. 505, do CPC. De fato, nas relações jurídicas continuativas é possível a revisão, caso haja modificação no seu estado de fato ou de direito. São hipóteses nas quais a vedação ao enriquecimento sem causa e 0 conceito da função social da empresa devem ser ponderados com a efetividade e seguran­ ça jurídica. E m relação ao tema, S é r g i o C a v a l i e r i F il h o 26veicula interessante exemplo da sua ati­ vidade. Um jovem estudante de direito havia sido baleado na cabeça, por equívo­ co, em uma Blitz policial. Por conta disto, restou absolutamente incapaz. 0 Estado fora condenado a indenizá-lo mediante pensão mensal. Cerca de 15 (quinze) anos após 0 fato, ainda percebendo 0 valor mensal, 0 jovem estava advogando normal­ mente no foro, em vista da melhora do quadro. Trata-se de um caso claro de ne­ cessidade de revisão dos valores, pois a incapacidade absoluta fora temporária.

24 25

REsp. 302.298/MG. 4a Turma. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. REsp 598.327/PR. Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior. Quarta Turma. J. 16.10.2007. p. 369.

26 Op. Cit., p. 116 /117.

Cap. ll • Elementos gerais da responsabilidade civil

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► Atenção!

Malgrado estarmos tratando de alimentos, não é possível nos casos narrados acima a prisão civil. Isto porque o fato gerador é obrigacional (responsabilidade civil). Prisão civil apenas é cabível ao devedor de alimentos em função de relação familiar (parentesco, união está­ vel ou casamento). Este é o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência. Retomando o tema danos materiais, em seu sentido mais amplo, o direito fran­ cês denomina os danos emergentes e os lucros cessantes de danos e interesses. Nós, no Brasil, chamamos de perdas e danos. Por isto é corriqueira a ação com pleito de perdas e danos, tratando do dano emergente e dos lucros cessantes. Danos emergentes e lucros cessantes haverão de ser devidamente compro­ vados, pois, como visto, não se indeniza o dano hipotético. Destarte, apenas são incluídos nos danos emergentes e nos lucros cessantes os prejuízos diretamente e imediatamente decorrentes da conduta ilícita (art. 403 do CC). Há de existir, assim, relação de causalidade direta e imediata entre a conduta e 0 prejuízo. Tal temática será retomada na análise do terceiro elemento: 0 nexo de causalidade. Para alguns autores, a exemplo de C arlos Roberto G onçalves27, em um rigor técnico 0 dano material é ressarcido, pois há 0 pagamento de todo 0 prejuízo material sofrido, englobando as perdas e danos (danos emergentes, lucros cessantes e correções). Porém, boa parte da doutrina, bem como das provas, utiliza-se da expressão ressarcimento ou reparação, como lembra F lávio T artuce28. 3.3. A Perda de uma Chance Emblemático caso, no Brasil, da aplicação pelos tribunais da responsabilidade civil pela perda da chance girou em torno do programa televisivo show do milhão, quando a participante foi submetida a uma pergunta (a pergunta do milhão) irres­ pondível. A candidata, ao perceber que a pergunta não possuía resposta correta alguma, ingressou com ação judicial e obteve ganho de causa em todas as instân­ cias, inclusive no S uperior T ribunal de Justiça29. A teoria da perda de uma chance nasceu nos idos da década de 60 (sessen­ ta), no direito francês, com 0 escopo de buscar ressarcimento naquelas situações em que a conduta do lesante retira da vítima uma oportunidade séria e real de chance futura. Trata-se, hoje, de mais uma modalidade de dano indenizável. São

exemplos a perda de prazo de um recurso judicial, a frustração da chance de progressão na carreira, da oportunidade de emprego, de concorrer a um determi­ nado valor, da cura de uma doença, etc. 27

In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358.

28 Op. Cit., p. 37729 REsp. 788.459 BA. Julgado em 08.01.2005.

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► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: FEPESE Órgão: PGE-SC Prova: PGE-SC - 2018 - Procurador do Estado Considere os seguintes excertos de julgados do Superior Tribunal de Jus­ tiça sobre 0 tema responsabilidade civil: 1. "Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frus­ trada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicada. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RE­ CURSO ESPECIAL PROVIDO". (REsp 1291247/RJ, Rei. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, Dje 01/10/2014). 2. "A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5°, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial". (REsp 1397870/ MG, Rei. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2014, Dje 10/12/2014). 3. "Não obstante a compensação por dano moral ser devida, em regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto à jurisprudência tem ad­ mitido a possibilidade dos parentes do ofendido e a esse ligados afe­ tivamente postularem, conjuntamente com a vítima compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo" (AgRg no REsp 1212322/SP, Rei. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, Dje 10/06/2014). 4. "Nesse domínio jurídico, 0 sistema brasileiro, resultante do disposto no artigo 1.060 do Código Civil/16 e no art. 403 do CC/2002, consagra a teoria segundo a qual só existe 0 nexo de causalidade quando 0 dano é efeito necessário de uma causa. 3. No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado, que não destacou agentes para prestar segurança em sinais de trânsito sujeitos a assaltos, tenha sido a causa n e c e ss á ria , d ire ta e im e d ia ta do ato ilícito p ra tica d o pelo a ssa lta n te de

veículo. Ausente 0 nexo causai, fica afastada a responsabilidade do Es­ tado. Precedentes do STF e do STJ". (REsp 843.060/RJ, Rei. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, Dje 24/02/2011). Assinale a alternativa que tenha correspondência integral do tema jurí­ dico com as afirmações acima: Gabarito: 1 teoria da perda de uma chance; 2: dano moral coletivo; 3: dano moral reflexo; 4: teoria da causalidade direta e imediata. A matéria já vem sendo analisada nos tribunais superiores. 0 Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, possui decisões importantes onde tratou da responsabilidade

C a p . II • E l e m e n t o s g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il

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civil pela perda da chance. No Informativo n° 466 a S egunda T urma daquela Corte en­ tendeu não ser aplicável a teoria da perda da chance ao candidato que pleiteia indenização por ter sido excluído de concurso público após reprovação no exame psicotécnico, sob 0 fundamento de que a chance há de ser séria, real e que pro­ porcione ao candidato efetiva condição pessoal de concorrer com êxito. Naquele caso, 0 candidato havia sido aprovado apenas na primeira fase do certame, não sendo possível estimar sua probabilidade de aprovação final dentro do número de vagas ofertadas pelo Edital30. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: VUNESP Órgão: TJ-MT Prova: VUNESP - 2018 - TJ-MT - Juiz Substituto Caio, servidor público municipal aposentado, contratou Tício para que ajuizasse ação contra 0 Município, pleiteando 0 pagamento de auxílio-alimentação. 0 pedido foi julgado improcedente em sentença, confir­ mada pelo Tribunal Estadual. Sem requerer autorização de Caio, Tício deixou de apresentar recursos aos Tribunais Superiores, em razão da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal n° 55, a qual con­ substancia 0 entendimento de que "0 direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos". É correto afirmar que Tício... Gabarito: não deve ser condenado, tendo em vista que a condenação pela perda de uma chance pressupõe a possibilidade de vitória na de­ manda, não existente no caso, em razão da súmula vinculante. Questão curiosa também foi debatida no S uperior T ribunal de Justiça sobre a perda da chance de purgar a mora. No caso, a parte questionava a ausência de intimação pessoal sobre a ocorrência de um leilão extrajudicial do imóvel em que residia e, por consequência, a perda da chance de purgara mora. Entendeu-se neste julgado que a chance de purgar a mora era inexpressiva e remota ante 0 comportamento das partes ao longo do processo, a evidenciar a falta de interesse dos mesmos em quitar as prestações em atraso31. Já existem indicativos no S uperior T ribunal de Justiça acerca da possibilidade de dano moral pela perda da chance do advogado que não apresenta contestação nos autos de um processo32 e pela perda da chance da disputa de uma eleição muni­ cipal por conta de veiculação de falsa notícia jornalística na véspera da disputa, invocando, inclusive, precedentes neste sentido33.

30 AgRg. 1.220.911-RS. Julgado em 17.7.2011. 31 32

REsp. 1.115.687-SP. Julgado em 18.11.2010. REsp. 1.190.180-RS. Julgado em 16.11.2010. Apesar da Corte anular 0 julgado por reconhecer julga­ mento extra petita, houve 0 indicativo da possibilidade de dano moral pela perda da chance no caso.

33

REsp. 821.004-MG.

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D i r e i t o C iv il - V o l. 1 1 • L u c ia n o F ig u e ir e d o e R o b e r t o F ig u e ir e d o

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça ?

Encontra-se este entendimento do STJ corroborado pelo julgado trazido no Informativo n° 456 da Casa de Justiça: "A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermedi­ ário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse 0 ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve 0 curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. Em caso de res­ ponsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não expe­ rimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. REsp 1.190.180, rei. Min. Luis F. Salomão, j. 16.11.10.4° V. Tem-se do mesmo órgão 0 julgado: Danos materiais. Promoção publicitária de supermercado. Sorteio de casa. Te­ oria da perda de uma chance. A Turma, ao acolher os embargos de declaração com efeitos modificativos, deu provimento ao agravo e, de logo, julgou parcial­ mente provido 0 recurso especial para condenar 0 recorrido (supermercado) ao pagamento de danos materiais à recorrente (consumidora), em razão da perda de uma chance, uma vez que não lhe foi oportunizada a participação em um segundo sorteio de uma promoção publicitária veiculada pelo estabeleci­ mento comercial no qual concorrería ao recebimento de uma casa. Na espécie, a promoção publicitária do supermercado oferecia aos concorrentes novecen­ tos vales-compras de R$ 100,00 e trinta casas. A recorrente foi sorteada e, ao buscar seu prêmio - 0 vale-compra - teve conhecimento de que, segundo 0 regulamento, as casas seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os novecentos vales-compras. Ocorre que 0 segundo sorteio já tinha sido realizado sem a sua participação, tendo sido as trinta casas sorteadas entre os demais participantes. De início, afastou a min. rei. a reparação por dano moral sob 0 entendimento de que não houve publicidade enganosa. Segundo afirmou, estava claro no bilhete do sorteio que seriam sorteados 930 ganha­ dores - novecentos receberíam vales-compra no valor de RS 100,00 e outros trinta, casas na importância de RS 40.000,00, a ser depositado em caderneta de poupança. Por sua vez, reputou devido 0 ressarcimento pelo dano material, caracterizado pela perda da chance da recorrente de concorrer entre os nove­ centos participantes a uma das trinta casas em disputa. 0 acórdão reconheceu 0 fato incontroverso de que a recorrente não foi comunicada pelos promotores do evento e sequer recebeu 0 bilhete para participar do segundo sorteio, portanto ficou impedida de concorrer, efetivamente, a uma das trinta casas. Conclui-se, assim, que a reparação deste dano material deve corresponder ao pagamento do valor de 1/30 do prêmio, ou seja, 1/30 de RS 40.000,00, corrigidos à época do segundo sorteio. EDd no AgRg no Ag 1.196.957, rei. Min. Maria I. Gallotti, j. 10.4.2012. 4a T. (Info 495)

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0 Enunciado 443 da V Jornada de Direito Civil adverte: "a responsabilidade pela perda da chance não se limita à categoria dos danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza de dano patrimonial, desde que séria e real, não ficando ads­ trita a percentuais apriorísticos".

Da leitura dos julgados acima, observa-se que a jurisprudência está sendo construída no sentido de reconhecer 0 dever de reparar apenas se a chance for séria e real, falando-se em uma análise pautada no princípio da razoabilidade. São indenizados os prejuízos decorrentes da perda da chance, sejam perdas de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. Exemplifica-se, ainda, com 0 paciente que tem frustrado pelo seu médico a oportunidade de tratamento de uma determinada doença. Não se busca indeni­ zação pela cura. Esta, infelizmente, não é certa. A busca, porém, é de reparação pela perda da oportunidade séria e real do tratamento. Nas acertadas palavras de S érgio C avalieri Filho34 não se indeniza a continuidade da vida, mas sim a perda da chance da cura naquela oportunidade. 3.4. 0 Dano Extrapatrimonial ou Imaterial Nos dias de hoje dúvidas não pairam acerca da possibilidade de reparação do dano extrapatrimonial ou de sua cumulação com outros danos, ante 0 pilar da eticidade e 0 princípio da reparação integral. Condutas antiéticas, afrontosas à moral, haverão de ser punidas. A grande discussão que persiste, porém, estaria em conceituar 0 dano moral. Nesta senda, até mesmo em função de ser 0 estudo em apreço uma sinopse, objetivando a aprovação no mais diversos certames concursais, não pretendemos explorar 0 histórico da (ir)reparabilidade do dano moral no Brasil, desde a sua im­ possibilidade, perpassando pela vedação da cumulação com outros danos, até os dias de hoje. 0 tema é instigante, porém, ante a sua hodierna pacificação, não vem sendo objeto de provas. 0 que se questiona é 0 conceito de dano moral e sua forma de reparação. Este será 0 foco do nosso estudo. Buscando um conceito sobre dano extrapatrimonial é possível encontrar na doutrina as mais diversas linhas. Uma primeira, negativa, informa que é moral 0 dano que não for patrimonial. Outros partem para um conceito positivo, aduzindo ser extrapatrimonial 0 dano que ocasiona dor, sofrimento, angústia, desconforto e humilhação. De fato, nos parece que nesta busca de conceitos assiste razão a S érgio C avalieri lembrar que hoje a dignidade da pessoa humana (art. i ° . III da CF/88) é

Filho35 ao

34 Op. Cit., p. 75. 35 Op. Cit., p. 76.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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a cláusula geral de tutela da personalidade, sendo a sua lesão, portanto, apta a caracterizar o dano extrapatrimonial (Enunciado 274 do C]F)36. Assim, 0 dano extrapatrimonial é 0 prejuízo ou lesão a direitos tutelados des­ providos de valor econômico imediato, cujo conteúdo não é pecuniário e nem comercialmente reduzível a dinheiro, a exemplo dos direitos da personalidade (honra, nome, imagem...). Atinge a pessoa do ofendido, lhe acarretando dor, sofri­ mento, tristeza, vexame e humilhação. Que fique claro: dor, sofrimento, tristeza, vexame, angústia e humilhação são as consequências do dano, não 0 dano em si. Nada impede, por conseguinte, 0 reconhecimento da ocorrência de dano moral em face de pacientes em estado comatoso, doentes mentais, crianças de pouca idade e todas as outras casuísticas nas quais a vítima não é dotada de autodeterminação plena. 0 Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil reconheceu que 0 dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento.

Em sendo a dignidade da pessoa humana uma cláusula geral e os direitos da personalidade exemplificativos, impossível enunciar todas as hipóteses de configu­ ração de danos extrapatrimoniais, pois é impossível elencar todos os direitos da personalidade. Tais danos, portanto, são de casuística infinita. ► E na hora da prova?

A banca CESPE, em concurso para Juiz de Direito do TJ-DF, ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "É necessário que haja so­ frimento sentimental para que se configure 0 dano moral, pois a honra é 0 principal aspecto dos direitos de personalidade, que, feridos, dão ensejo à referida compensação". Registra-se que 0 dano imaterial em comento não necessita ocasionar reflexos materiais. Caso estes existam, 0 dano não será extrapatrimonial, mas sim patrimo­ nial indireto, conforme já estudado no tópico de danos patrimoniais. Não se deve confundir 0 dano extrapatrimonial com 0 aborrecimento comezinho, do dia a dia. A vida pós-moderna é cheia de dissabores, desgostos, desi­ lusões. E estas, não necessariamente, são decorrentes de um dano moral. Neste sentido, afirma Antônio Chaves que: Propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento de todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, 0 mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos.

36

S o b r e 0 t e m a r e m e t e - s e 0 le it o r a o c a p ít u lo d e d ir e it o s d a g e r a l.

p e r s o n a lid a d e , n o v o lu m e d e p a rte

C a p . II • E l e m e n t o s g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il

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delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do Direito, centenas de milhares de cruzeiros37". No mesmo sentido é que se pronuncia o CJF, no seu Enunciado 159, ao afirmar que 0 dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material. 0 julgador afere a (in)ocorrência do dano imaterial a partir da lógica do razoá­ vel, em busca de padrões sociais. Engarrafamentos, discussão familiar, dissabores amorosos, não devem ser capazes de ocasionar danos imateriais, ainda que a vítima tenha uma sensibilidade diferenciada. São fatos do dia a dia. Não é possível banalizar 0 dano moral. Assim como 0 dano material, 0 imaterial pode ser direto ou indireto. No direto há uma específica lesão a um direito da personalidade, a exemplo de uma lesão à imagem. Já no indireto há uma lesão a um bem ou interesse de natureza patrimo­ nial que, de modo reflexo, produz um prejuízo extrapatrimonial, como 0 furto de um bem de valor sentimental ímpar. Mas, então, questiona-se: 0 descumprimento contratual é apto a ocasionar danos morais? A resposta, em regra, é negativa. Geram, sim, danos materiais. Nada impede, porém, que em casos específicos 0 descumprimento venha acompanhado de uma lesão moral, possibilitando a cumulação de pedidos. Este vem sendo 0 entendi­ mento do STJ. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça ?

0 S uperior T ribunal de Justiça posiciona-se reiteradamente no sentindo de que

0 mero descumprimento contratual não é capaz de gerar danos extrapatrimoniais, salvo se acompanhado de uma lesão imaterial específica: DANO MORAL. PLANO. SAÚDE. COBERTURA PARCIAL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.

Trata-se de recurso especial contra acórdão que, ao manter a sentença, afastou 0 dever de indenizar por danos morais decorrentes da cobertura apenas parcial de procedimento cirúrgico com colocação de stents. Aquele aresto considerou que o inadimplemento contratual caracteriza mero dissa­ bor não sujeito à indenização por danos morais. A Turma negou provimento ao recurso sob 0 entendimento de que 0 inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anor­ m al à p e rso n alid a d e . Assim , o in adim plem ento m otivado pela d iscu ssão

razoável do descumprimento de obrigação contratual não enseja tal dano, salvo a existência de circunstâncias particulares que 0 configurem. Obser­ vou-se ser certo que há situações nas quais 0 inadimplemento contratual enseja aflição psicológica e angústia, 0 que é especialmente frequente em

37

In Tratado de Direito Civil. Volume XII, Tomo. II, p. 543-

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D i r e i t o C iv il - V o l. 1 1 • L u c ia n o F ig u e ir e d o e R o b e r t o F ig u e ir e d o

caso de recusa de tratamento médico por empresa privada operadora de seguro de saúde. Entretanto, no caso em questão, a cirurgia foi realizada sem percalços, mas apenas parte do valor da conta do hospital foi cober­ ta, recusando-se o plano de saúde ao ressarcimento da parte paga pelo assistido, ou seja, o valor do implante dos stents foi coberto apenas par­ cialmente. Desse modo, a partir das circunstâncias de fato delineadas no acórdão recorrido, concluiu-se que o inadimplemento contratual por parte da entidade operadora do plano de saúde, na hipótese, teve consequên­ cias apenas patrimoniais, não proporcionando ao recorrente abalo caracterizador de dano moral. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.132.821-PR, DJe 29/3/2010, e REsp 746.087-RJ, Dje 10/6/2010. REsp 1.244.781-RS, Rei. Min. M aria Isabel Gallotti, julgado em 24/5/2011. DANO MORAL. RECUSA INjUSTA. PLANO. SAÚDE.

A Turma, ao prosseguir 0 julgamento, por m aioria, entendeu, entre outras questões, que dá ensejo à indenização por dano moral a injusta recusa da cobertura securitária por plano de saúde, uma vez que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, 0 qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em situação de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Precedentes cita­ dos: REsp 1.067.719-CE, Dje 5/8/2010, e REsp 918.392-RN, Dje 10/4/2008. REsp 1.190.880-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/5/2011.

Igualmente não são fatos geradores de danos extrapatrimoniais as condutas atinentes a exercício regular de direito, como revista de passageiros em aeropor­ tos, guarda-volumes em supermercados, protesto de título por ausência de paga­ mentos. 0 tema já fora tratado no capítulo de excludentes de responsabilidade civil, ao ser abordado 0 exercício regular de direito (vide digressões realizadas no capítulo específico). Lembre-se, apenas, que 0 excesso no exercício regular haverá de ser punido como abuso de direito, ensejando responsabilidade objetiva (art. 187 do CC). Retomando 0 conceito do instituto, muitos autores preferem a denominação dano moral, ao revés de extrapatrimonial ou imaterial. Todavia, esta nomenclatura carece de rigor técnico, pois 0 dano extrapatrimonial pode ter várias facetas, en­ globando 0 dano à imagem, honra (moral), estético, ao nome, à privacidade, etc. A enumeração é exemplificativa, como posto e à luz do princípio da operabilidade do direito civil. Desta forma, melhor saída é do direito Português que denomina o dano de extrapatrimonial. A este respeito se pode observar que a Lei Federal n° 13.467/17 (Reforma Traba­ lhista) introduziu na CLT um título específico denominado de Dano Extrapatrimonial aplicável às relações de trabalho, com 0 claro objetivo de estabelecer disciplina jurídica específica no âmbito trabalhista para 0 referido tema, como se pode ob­ servar do art. 223-A da CLT. Interessante notar a referência na nova legislação trabalhista a expressão dano "existencial da pessoa física ou jurídica", como se este fosse categoria jurídica

Cap. II

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distinta do dano moral (art. 223-B), situação que contraria a tradição constitucional de qualificar todos os danos extrapatrimoniais pela expressão "Dano moral", 0 que tem sido aceito na prática jurisprudencial também. Por outro lado, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, 0 lazer e a integridade física foram considera­ dos por esta legislação específica como bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física, sendo a imagem, a marca, 0 nome, 0 segredo empresarial e 0 sigilo da correspondência os bens tutelados inerentes à pessoa jurídica. A legislação trabalhista expressamente distinguiu perdas e danos (compreendidos como lucros cessantes e danos emergentes) dos danos extrapatrimoniais, admitindo a cumulação dos pedidos, como já consagrado na doutrina e jurisprudência. Mas, sem dúvida alguma, um dos pontos mais polêmicos sobre 0 tema em sede de reforma trabalhista está na tarifação que 0 legislador trabalhista admitiu para 0 fim de fixação do valor indenizatório do dano moral. Inicialmente (art. 223-C da CLT) prescreve a norma que ao apreciar 0 pedido 0 magistrado haverá de considerar a natureza do bem jurídico tutelado, a intensi­ dade do sofrimento ou da humilhação, a possibilidade de superação física ou psi­ cológica, os reflexos pessoais e sociais da conduta lesiva, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, as condições em que ocorreu a lesão ou 0 prejuízo moral, 0 grau de dolo ou culpa, a ocorrência e retratação espontânea, 0 esforço efetivo para minimizar a ofensa, 0 perdão tácito ou expresso, a situação social e econô­ mica das partes envolvidas e 0 grau de publicidade da ofensa. Em seguida, 0 legislador trabalhista prescreveu que, ao julgar procedente 0 pedido, 0 magistrado haverá de fixar a indenização a ser paga, tarifando 0 aludido valor da seguinte maneira e sendo vedada a acumulação: S

ofensa de natureza leve: até três vezes 0 valor do limite máximo dos bene­ fícios do Regime Geral da Previdência Social;

S

ofensa de natureza média: até cinco vezes 0 valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social;

v' ofensa de natureza grave: até vinte vezes 0 valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social; S

ofensa de natureza gravíssima: até cinquenta vezes 0 valor do limite máxi­ mo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

Sem dúvida, a tarifação do valor indenizatório não vem sendo aceita pelos tribunais superiores que, expressamente, afirmam-se contrários ao tabelamento do valor dos danos morais. A nova lei federal contraria, portanto, 0 entendimento pacificado na jurisprudência sobre 0 assunto. Fechado 0 breve parêntese sobre a reforma trabalhista e seus impactos no dano extrapatrimonial, é chegada a hora de realçar outro ponto importante. A jurisprudência e a doutrina afirmam ser possível, em certos casos, a constatação

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Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

de um dano moral puro ou in re ipsa (REsp. 23.575/DF. Rei. Min. Cesar Asfor Rocha. RSTJ 98/270), ou seja, de dano que dispensa dilação probatória, pois presumido. Sobre este assunto em particular (dano moral puro) é imprescindível 0 estudo específico da jurisprudência do STJ a fim de melhor destacar os temas que, no en­ tendimento daquela Corte, caracterizam dano moral in re ipsa, entre os quais ca­ dastro de inadimplentes, responsabilidade bancária e atraso de voo, por exemplo. Inúmeros são os julgados e as situações jurídicas! Importante exemplo é encontrado na Súmula 403 do STJ, segundo a qual inde­ pende de prova do prejuízo para efeito de indenização a publicação não autori­ zada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Isto porque há um dano presumido, haja vista a finalidade comercial e a ausência de autorização. Há, até mesmo, julgamento deferindo indenização pela indevida utilização, com fins comerciais, de imagens de Garrincha e Pelé (REsp. 74.476/RJ. 4a Turma. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). ► Atenção! 0 STJ entende que a Súmula 403/STJ é inaplicável às hipóteses de repre­

sentação da imagem de pessoa como coadjuvante em obra biográfica audiovisual que tem por objeto a história profissional de terceiro. Neste julgado, a controvérsia envolveu saber se a utilização não au­ torizada da imagem de pessoa retratada como coadjuvante em docu­ mentário, que foi realizada de forma indireta (por ator contratado para representá-lo), impõe às responsáveis pela produção e comercialização da referida obra biográfica audiovisual, 0 dever de repará-lo por danos morais, independentemente da comprovação de que tenha suportado prejuízo efetivo. Entendeu 0 STJ que no caso concreto os responsáveis pela direção e produção da obra audiovisual tiveram 0 cuidado de re­ tratar fato histórico da pessoa biografada do qual participou 0 autor da demanda. Além disso, mesmo que se considere que essa representação cênica do mencionado fato importou na utilização, ainda que indireta, da imagem do autor, fato é que não se revela razoável concluir que sua inclusão no filme em discussão teve propósito econômico ou comercial: "Não há nada nos autos que indique que a inclusão das brevíssimas ce­ nas contra as quais se insurge tenham incrementado de alguma maneira o v a lo r co m e rcia l d a o b ra. Tanto é assim que, a ca so s u p rim id a s a s cen as e contada de outra maneira, nada perderia a obra em seu conteúdo ou potencial de público. A própria obra em si consiste em documentá­ rio biográfico, sendo marcada, assim, mais por seu caráter histórico e de interesse social do que por eventual finalidade comercial. Por fim, cumpre anotar que 0 Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 4.815-DF, deu interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, aos arts. 20 e 21 do Código Civil para reconhecer ser inexigível a autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso

Cap. II

. E l e m e n t o s g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il

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de pessoas falecidas ou ausentes". REsp 1.454.016-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, Rei. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 12/12/2017, DJe 12/03/2018. 0 fato é que a depender do caso concreto 0 STJ deliberará se 0 dano é presu­ mido ou não.

Já se entendeu, por exemplo, inexistir dano moral presumido contra 0 Estado pelo simples fato de a pessoa ter sido criminalmente denunciada e posterior­ mente inocentada, de modo que para se justificar 0 dever de reparar 0 dano se faz mister provar em juízo que a instauração do procedimento se deu "de forma injusta, despropositada e de má-fé" (REsp. 969.097). Por outro lado, equívocos ad­ ministrativos podem gerar dano moral presumido. Em um determinado caso con­ creto em que, por erro de registro do órgão de trânsito, uma pessoa pagou multa indevidamente cobrada, decidiu 0 STJ haver dano moral puro em dez vezes sobre 0 valor da multa cobrada (REsp. 608.918). No que diz respeito à indevida inscrição nos órgãos de proteção ao crédito é pacífico 0 entendimento do STJ acerca da desnecessidade de apresentação de pro­ vas que demonstrem a ofensa moral da pessoa, pois 0 próprio fato já configura 0 dano (Ag. 1.379.761). Ademais, quando a inclusão indevida é feita por consequência de um serviço deficiente prestado por uma instituição bancária a responsabilidade civil presumida será do próprio banco, que também terá responsabilidade civil pura no extravio de talões de cheques posteriormente utilizados por terceiros e devolvidos, salvo se a vítima possuir registros anteriores legítimos e cadastro de inadimplentes (súmula 385 do STJ)38. De igual sorte entende 0 STJ que os danos decorrentes de acidentes de veículos automotores sem vítimas não caracterizam dano moral in re ipsa39. Abaixo, seguem outros julgados do STJ. ► Como entendeu o S u perio r T ribunal

de

J ustiça ?

Súmula 403: "a veiculação da imagem, para fins comerciais, sem a autori­ zação, gera dano presumido".

38 Outro tipo de dano moral presum ido é 0 decorrente de atrasos de voo, 0 chamado over­ booking se tornando desnecessária a produção de prova a este respeito (REsp. 299.532). Casos envolvendo alunos que concluíram curso superior e não puderam exercer a profissão por falta de diploma reconhecido pelo MEC também ensejam dano moral in re ipsa (REsp. 631.204 e súmula 595). 39 REsp 1.653.413-RJ, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 05/06/2018, D|e 08/06/2018.

300

D i r e i t o C iv il - V o l. 1 1 •

Luciano F ig u e ir e d o

e R o b e r t o F ig u e ir e d o

"Ainda que se trate de pessoa pública, o uso não autorizado da sua imagem, com fins exclusivamente econômicos e publicitários, gera danos morais.". REsp 1.102.756, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 20.11.2012. 3» T. (Info 50 9 )

E mais: entendeu 0 STJ, no Informativo 516, também ensejar indenização por danos morais a divulgação da imagem sem autorização ainda que sem fins lucrativos: "DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELO USO NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM EM EVENTO SEM FINALIDADE LUCRATIVA. 0 uso não autorizado da imagem de atleta em cartaz de propaganda de evento esportivo, ainda que sem fin alid ad e lucrativa ou com ercial, enseja reparação por danos m orais, independentem ente da com provação de prejuízo. A obrigação da rep a­ ração pelo uso não autorizado de imagem decorre da própria utilização indevida do direito personalíssim o. Assim, a an álise da existência de finalidade com ercial ou econômica no uso é irrelevante. 0 dano, por sua vez, conforme a jurisp rudência do ST], apresenta-se in re ip sa, sendo d esnecessária, portanto, a dem onstração de prejuízo para a sua a fe ri­ ção". (REsp 299.832-RJ, Rei. Min. Ricardo V illas Bôas Cueva, julgado em 21/2 /2 0 13 ).

► Dano moral decorrente da utilização não autorizada de imagem em campanha publicitária.

Configura dano moral a divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha publicitária promovida por sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza urbana, incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido capturada em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa. REsp 1.307.366-RJ, rei. Min. Raul Araújo, 3.6.14.4a T. (Info 546)

► Dano moral decorrente de divulgação de imagem em propaganda política.

Configura dano moral indenizável a divulgação não autorizada da ima­ gem de alguém em material impresso de propaganda político-eleitoral, independentemente da comprovação de prejuízo. REsp 1.217.422-MG, rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 23.9.14. 3° T. (Info 549)

De acordo com a doutrina "0 dano à imagem restará configurado quando pre­ sente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa", conforme Enunciado 587 do CJF.

Cap. II • E l e m e n t o s

g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il

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► E na hora da prova?

Ano: 2019. Banca: CESPE. Órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça Subs­ tituto. Neste concurso foi considerada correta a seguinte assertiva: "Se­ gundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, construção ou ativi­ dade irregular em bem de uso comum do povo revela dano presumido à coletividade, dispensada prova de prejuízo em concreto". 0 mesmo raciocínio pode ser aplicado ao nome, posto que 0 art. 18 do Código Civil exige autorização para sua veiculação com finalidade comercial.

Como visto acima, é possível verificar uma prela de julgamentos entendendo pela existência de dano moral in re ipsa nas hipóteses de negativação indevida do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA). Interessante, porém, que conforme a Súmula 385 do mesmo ST] a anotação irregular em ca­ dastro de proteção ao crédito não ocasiona indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado 0 direito de cancelamento. Isto porque não haverá 0 dano da restrição caso esta subsista, de forma legítima, em função de ato anterior. ► Como o S u perio r T ribunal

de

J ustiça

entendeu a matéria?

Na Súmula 548 0 S uperior T ribunal de Justiça consagrou 0 entendimento se­ gundo 0 qual cabe ao credor retirar 0 nome do devedor de cadastro de inadimplentes após 0 pagamento da dívida: "Incumbe ao credor a exclu­ são do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplen­ tes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito", conforme 0 precedente do REsp. 1.4 2 4 .79 2. Diante de um dano imaterial tem-se como impossível a reparação natural, visto que a moral lesionada jamais poderá ser restabelecida. É impossível 0 retorno ao status quo ante. Assim, afirma C arlos Roberto G onçalves40, em um rigor técnico, 0 dano moral compensado pecuniariamente41 e não reparado. Ainda em rigor técnico, a verba adimplida a título de compensação pelo dano moral não poderia ser denominada de indenização. Isto porque indenizar significa eliminar 0 prejuízo e as consequências do dano, 0 que não é possível na esfera moral. O valor pago pelo lesante, na casuística do dano moral, não tem como

escopo ressarcir, mas sim gerar uma satisfação compensatória ao ofendido. Um bom exemplo disto é a decisão da 4a Turma do STJ que fixou em 130 salários mí­ nimos (aproximadamente 122 mil reais) 0 valor de indenização por danos morais devidos a uma jovem cujas fotos íntimas com 0 namorado foram postadas na 40 In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 358. 41

No mesmo sentido Pablo Stolze Cagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Op. Cit., p. 76.

302

D ir e it o C ivil - V o l. 11

• Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

internet por terceiros. Foi o primeiro caso decidido pelo STJ envolvendo vítima de sexting (prática de divulgar conteúdos eróticos e sensuais pela internet, invadindo a privacidade de terceiros), julgado em 11 de outubro de 2017, e que condenou os réus àquilo que tecnicamente chamaríamos de satisfação compensatória, mas que a jurisprudência denomina também de indenização42. ► E na hora da prova? Ano: 2017 Banca: FCC Órgão: DPE-PR Prova: Defensor Público Sobre dano moral, é correto afirmar. Gabarito: A natureza de reparação dos danos morais, e não de ressarcimento, é 0 que justifica a não inci­ dência de imposto de renda sobre 0 valor recebido a título de compen­ sação por tal espécie de dano. Portanto, jurisprudencialmente, de forma corriqueira se utiliza a expressão in­ denização para contemplar a verba compensatória relativa aos danos morais. Por isto, ainda diante do dito acima, iremos nos utilizar da expressão em comento. Seguindo com Carlos Roberto Gonçalves43, o caráter jurídico da indenização por da­ nos morais contempla tanto a compensação da vítima, como a punição do ofensor. É 0 que já defendia, há muito. Orlando Gomes, informando ser a reparação do dano moral uma sanção materializada através de uma compensação pecuniária. Este é 0 mesmo raciocínio de M aria Helena D iniz44 ao afirmar que tal indenização tem 0 cará­ ter penal/punitivo ao ofensor e satisfatório/compensatório ao lesado. 0 Enunciado 446 da V Jornada de Direito Civil, de certa forma, afirma isto. Ali se entendeu que a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo úni­ co do art. 927 do CC deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e 0 interesse da sociedade.

Certo, porém, que tal caráter punitivo é meramente reflexo ou indireto, ao passo que, como dito, 0 norte no direito brasileiro para a responsabilidade civil é a reparação integral do dano, e não a punição do responsável. Esta, porém, por vezes acaba acontecendo, em verdadeira busca do desestimulo na reincidência na conduta. Nessa esteira, afirma 0 CJF no seu Enunciado 379 que 0 art. 944, caput, d o C ó d ig o C iv il n ã o a fa s ta a p o s s ib ilid a d e d e se re c o n h e c e r a função punitiva ou

pedagógica da responsabilidade civil. A indenização do dano extrapatrimonial não traduz 0 preço para a dor (pretium doloris). Esta é irreparável. 0 que se busca é uma compensação pelo fato gerador daquela. Tal indenização não tem 0 condão de ocasionar uma restituição integral. 42

0 processo corre em segredo de Justiça de modo que 0 STJ não divulgou 0 número do Recurso Es­ pecial. A notícia foi bastante divulgada nas redes sociais sendo matéria, por exemplo, no Consultor Jurídico e no site Migalhas.

43 44

In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Vol. IV. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 395. In Op. Cit., p. 308.

Cap. II

• E l e m e n t o s g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il

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Isto é impossível em danos imateriais. A função da indenização em apreço é satis­ fatória para a vítima, ao lado de uma indireta punição do lesante. ► Atenção! 0 Enunciado 589 do CJF cristalizou 0 entendimento segundo 0 qual a com­

pensação pecuniária não é 0 único modo de reparar 0 dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação "in natura, na forma de retratação pública ou outro meio". Grande exemplo é 0 direito de resposta, regulado pela Lei 13.188/2015 e que visa conferir ao ofendido, de forma gratuita e proporcional, espaço para rebater ofensas injustamente sofridas. A título ilustrativo, prescreve 0 art. 2° da referida norma que "Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado 0 direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo". De acordo com a referida norma, a resposta ou retificação deverá contemplar 0 mesmo destaque, publicidade, periodicidade e dimensão da matéria que a ensejou, disto podendo-se verificar um belo exemplo de reparação in natura. E quanto à legitimidade ativa? É apenas do ofendido ou também de seus parentes? 0 Código Civil brasileiro, malgrado afirmar a transmissibilidade da obrigação de indenizar (art. 943 do CC), não elenca quem poderá realizar 0 pleito compen­ satório caso 0 lesado venha a falecer antes do ajuizamento da ação. 0 STJ vem posicionando-se no sentido de que caberá ao autor comprovar a pertinência do pedido em tela, sendo possível, por exemplo, irmãos e pais pleitearem tais danos (REsp 160.125/DF. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. REsp 122.573/PR. Rei. Min. Eduardo Ribeiro).

E a pessoa jurídica, pode sofrer dano moral? 0 tema fora objeto de tratamento no nosso volume I, ao tratar do assunto di­ reito da personalidade. 0 art. 52 do Código Civil estende, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas. Infere-se, por conseguinte, que os direitos d a p e r s o n a lid a d e fo ra m c ria d o s p a ra a s p e s s o a s fís ic a s , h a v e n d o um a a p lic a ç ã o

elástica e casuística, tão somente da sua proteção, naquilo que couber, às pessoas jurídicas. Impossível, por exemplo, a extensão de proteção do pilar da integridade fí­ sica, pois a estrutura corpórea é exclusividade da pessoa humana. Idem sobre a imagem voz, ou honra subjetiva. Apesar disto, não se ignora que um estabeleci­ mento pode sofre destruição.

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D ir e it o C ivil - Vol.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Pode-se falar, porém, de proteção à personalidade da pessoa jurídica em relação ao nome, imagem atributo, privacidade (segredo de empresa), dentre outros. ► Observa a jurisprudência do S u perior T ribunal

de

J ustiça :

Indenização por danos morais a pessoa jurídica de direito público. A pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem. REsp 1.258.389-PB, rei. Min. Luís Felipe Salomão, 1r.12.13. 4a T. (Info 534) Em relação ao nome, lembra Fábio Ulhoa C oelho, deve-se distinguir sua proteção, enquanto direito da personalidade, de sua tutela empresarial. 0 nome empresarial - designação adotada por uma sociedade empresária está protegido de imitações. 0 registro da sociedade empresária na Junta Comercial assegura-lhe exclusividade na base territorial do respectivo Estado (Código Civil, art. 1166). É possível, ainda, a extensão da proteção, a pedido dela, perante as Juntas Comerciais dos demais Estados, com vistas a assegurar a exclusividade nacional. A tutela acima referida, porém, não se confunde com a do nome enquanto direito da personalidade. Quando a lei estende ao nome da pessoa jurídica a proteção dos direitos da personalidade, isso significa que ninguém pode inseri-lo em publicações ou representações que 0 exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória (art. 17, CC), nem usá-lo, sem autorização, em propaganda comercial (art. 18, CC). ► E na hora da prova? A banca CESPE, em concurso para Juiz de Direito do TJ-DFT, ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "A inclusão indevida do nome de pessoa jurídica em órgãos de proteção ao crédito não gera dano moral presumido". Referindo-se à imagem, é lugar comum notícia de proteção ao aspecto atribu­ to, afinal as pessoas jurídicas costumam ter uma qualificação social, seja positiva, ou negativa. Destarte, Fábio Ulhoa C oelho vai além, afirmando necessidade de pro­ teção à imagem retrato, ao passo que há empresas que se notabilizam por uma determinada forma de apresentação, sendo possível, deste modo, impedir repre­ sentações de espaços físicos que a identifiquem de modo particular seja utilizado contra os seus interesses. Seguindo com a proteção relativa à pessoa jurídica, é possível afirmar tutela à privacidade, chamada no Direito Empresarial de segredo de empresa. As infor­ mações privadas da empresa não devem ser difundidas: integram sua intimidade. Contempla a regra as movimentações bancárias, planilhas de custos, perdas e ganhos, entre outras situações aferíveis no caso concreto.

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A tutela da privacidade é mais ampla do que àquelas referentes à repressão da concorrência desleal por exploração de segredo da empresa. A pessoa jurídica pode impedir a difusão de informações que repute privadas, mesmo que inexista exploração econômica ou vantagem de qualquer espécie por terceiros. No que se relaciona à honra, restringe-se a proteção à objetiva (reputação social), sendo inviável sustentar uma honra da pessoa jurídica em relação a si mesma (subjetiva). De certo modo, inegável a aproximação com a tutela da ima­ gem atributo. ► Como se posicionou o STJ acerca do tema?

No que diz respeito à incidência do dano moral à pessoa jurídica, no REsp 1.298.689, 0 STJ firmou 0 seguinte posicionamento: "Pessoa jurídica pode sofrer dano moral, mas apenas na hipótese em que haja ferimento à sua honra objetiva, isto é, ao conceito de que goza no meio social." Embora a Súmula 227/STJ preceitue que "a pessoa jurídica pode sofrer dano moral", a aplicação desse enunciado é restrita às hipóteses em que há ferimento à honra objetiva da entidade, ou seja, às situações nas quais a pessoa jurídica tenha 0 seu conceito social abalado pelo ato ilícito, entendendo-se como honra também os valores morais, concernentes à reputação, ao crédito que lhe é atribuído, qualidades essas inteiramente aplicáveis às pessoas jurídicas, além de se tratar de bens que integram 0 seu patrimô­ nio. [...] 0 dano moral para a pessoa jurídica não é, portanto, 0 mesmo que se pode imputar à pessoa natural, tendo em vista que somente a pessoa natural, obviamente, tem atributos biopsíquicos. 0 dano moral da pessoa jurídica, assim sendo, está associado a um "desconforto extraor­ dinário" que afeta 0 nome e a tradição de mercado, com repercussão econômica, à honra objetiva da pessoa jurídica, vale dizer, à sua imagem, conceito e boa fama, não se referindo aos mesmos atributos das pessoas naturais". REsp 1.298.689, rei. Min. Castro Meira, j. 23.10.2012. 2a T. (Info 508) já quanto à pessoa jurídica de direito púbico, entendeu a 4aTurma do STJ, em decisão proferida no ano de 2013, não ser possível a mesma pleitear, contra particular, indenização por dano moral relacionado à violação da honra ou da imagem. E afirmou 0 Ministro Relator Luís Felipe Salomão: "Eventuais ataques ilegítimos a pessoas jurídicas de direito público podem e devem ser solucionados pelas vias legais expressamente consagradas no ordenamento, notadamente por sanções administrativas ou mesmo penais; soluções que, aliás, se harmonizam muito mais com a exigência constitu­ cional da estrita observância, pela administração pública, do princípio da legalidade, segundo 0 qual não lhe é dado fazer nada além do que a lei e xpressam en te a uto riza" (REsp 1.258.389-PB, Rei. Min. Luís Felipe Salom ão,

julgado em 17/12/2013).

Titularizando a proteção dos direitos da personalidade é possível falar-se que a pessoa jurídica pode ser lesada nesta proteção, podendo, por conseguinte, sofrer dano moral, na forma da Súmula 227 do STJ. Exemplo corriqueiro na jurisprudência do próprio STJ é 0 deferimento de danos morais por protesto indevido de título da empresa e sua indevida inscrição no CADIN (Cadastro de Inadimplentes). Trata-se de

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dara lesão a honra objetiva e a imagem atributo da empresa, havendo, por vezes, até prejuízos de ordem material indireta, como a perda de uma chance de participar de licitações, ou perda de contratos. Todavia, assim como ocorre com as pessoas físicas, o mero dissabor não enseja indenização por danos morais para as pessoas jurídicas. Vejamos o julgado do Tribunal Regional Federal da 4a Região, no ano de 2013: ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. DANOS EMERGENTES. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. (...) Mero dissabor que, se por um lado não deve ser encarado como normal à atividade comercial, não implica, por outro, vexame tal que abale, per se, a ponto de justificar a indenização em virtude de prejuízo extrapatrimonial, a credibilidade, no mercado, da Pessoa Jurídica vitimada. (TRF-4 - AC: 30289504820114047000 PR 502895048.2011.404.7000, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Jul­ gamento: 05/12/2013, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/12/2013). Por fim, imperioso ressaltar que há críticas à aplicação elástica dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, posto que 0 escopo da tutela da personalidade é a promoção da dignidade da pessoa humana. Esta, por óbvio, não se aplica às pessoas jurídicas. Assim, 0 correto é informar que a pessoa jurídica possui a prote­ ção dos direitos da personalidade, ao revés de sua titularidade. Esta consideração é realizada por A rruda A lvim e W ilson A lves. Nesta linha, afirma 0 Enunciado 286 do CJF que "os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos". Na mesma linha de pensamento, aduz G ustavo T epedino que a criação dos direi­ tos da personalidade deverá contemplar as pessoas físicas, em uma visão de repersonalização e despatrimonialização do direito civil. Vai além 0 doutrinador, afirmando que os danos sofridos pela pessoa jurídica são sempre materiais, pois possuem reflexos patrimoniais. Logo, se houver uma afronta a seu segredo, isto terá impactos em suas relações, ocasionando perdas financeiras. Caso 0 dano seja a uma empresa sem finalidade lucrativa, ainda segundo 0 autor, não haverá uma afronta imaterial, mas sim um dano institucional, pois não há como lesionar uma moral inexistente. Mas será que a súmula 227 do STJ se aplica tanto as pessoas jurídicas de direito público, quanto às de direito privado, indistintamente? 0 enunciado da súmula afirma, de modo genérico, que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Contudo, um exame aprofundado da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta que este entendimento é restrito às pessoas jurídicas de direito privado. À título ilustrativo, observe-se que no REsp. 1.258.389-PB afirmou a Corte da Cidadania que "A pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem". 0 entendimento é no sentido de que a positivação dos direitos fundamentais resulta da necessidade de proteção da esfera individual da pessoa humana contra ataques tradicionalmente

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praticados pelo Estado, de modo que doutrina e jurisprudência nacionais só têm reconhecido às pessoas jurídicas de direito público direitos fundamentais de cará­ ter processual ou relacionados à proteção constitucional da autonomia, prerroga­ tivas ou competência de entidades e órgãos públicos, ou seja, direitos oponíveis ao próprio Estado, e não ao particular. Para o STJ, em se tratando de direitos fundamentais de natureza material pre­ tensamente oponíveis contra particulares, a jurisprudência do STF nunca referen­ dou a tese de titularização por pessoa jurídica de direito público "sob pena de confusão ou de paradoxo consistente em ter, na mesma pessoa, idêntica posição jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos fundamentais". No entendimento do próprio STJ a súmula 227 "constitui solução pragmática à recomposição de danos de ordem material de difícil liquidação" com 0 escopo de "resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negociai da empresa, que poderíam ser paulatinamente fragmentadas por violações de sua imagem, 0 que, ao fim, conduziría a uma perda pecuniária na atividade empresa­ rial", razão pela qual "esse cenário não se verifica no caso de suposta violação da imagem ou da honra de pessoa jurídica de direito público"45. Como será definido 0 valor da indenização do dano moral no Brasil? Há muito resta ultrapassada a ideia de uma tarifação da indenização por dano moral. Desde a época da Lei de Imprensa que 0 STJ sumulou entendimento acerca da impossibilidade de prévia fixação do valor do dano. Neste sentido, aduz a Súmula 281 que a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa46. 0 mesmo STJ, entretanto, entendeu que quando 0 tema envolve extravio de bagagem a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros se sub­ meterá à Indenização tarifada tendo em vista a preponderância das Convenções de Varsóvia e Montreal em relação ao Código de Defesa do Consumidor: "Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível a limitação, por legislação internacional espacial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem"47. Neste julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou decisão antes proferida, tendo em vista que 0 Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 636.331-RJ, Rei. Min. Gil­ mar Mendes, DJe 13/11/2017, firmou compreensão de que "nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". Constata-se, portanto, que a antinomia aparente se 45 REsp 1.258.389-PB, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013. 46 Importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da Lei da Imprensa. 47

REsp 673.048-RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 08/05/2018, DJe 18/05/2018.

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estabelecia entre o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, 0 qual impõe ao fornecedor do serviço 0 dever de reparar os danos causados, e 0 disposto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, introduzida no direito pátrio pelo Decreto 20.704, de 24/12/1931, que preestabelece limite máximo para 0 valor devido pelo transporta­ dor, a título de reparação pelos danos materiais. Predomina, diuturnamente, 0 critério do arbitramento. Logo, 0 quantum indenizatório (ou quantum debeatur) no dano moral haverá de ser arbitrado pelo magistrado, a partir da análise do caso concreto, de forma razoável e buscando 0 temperamento entre a compensação e a impossibilidade do enriquecimento sem causa. Isto, todavia, não resolve por completo a problemática, pois carecemos de claros critérios legais de arbitramento do dano moral. 0 diploma legislativo que se ocupava em perquirir a questão era a extinta Lei de Imprensa, hoje declarada in­ constitucional pelo S upremo T ribunal F ederal. Esta norma, no seu art. 5 3 , veiculava como critérios gerais: a) situação econômica do lesado; b) intensidade do sofrimento; c) gravidade; d) natureza e repercussão da ofensa (notoriedade); e e) circunstâncias que envolveram os fatos. ► E na hora da prova?

(Promotor de Justiça - SC/2019). Foi considerada correta a seguinte asser­ tiva: "Segundo entendimento do Superior Tribunal de justiça, a fixação do valor devido à título de indenização por danos morais deve considerar 0 método bifásico, que conjuga os critérios da valorização das circunstâncias do caso e do interesse jurídico lesado, e minimiza eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano". A doutrina e a jurisprudência, diante da lacuna legislativa relacionada ao tema, ainda se recorrem aos critérios da extinta Lei de Imprensa, com variações. A depender do autor consultado, novos itens irão aparecer, mas sempre a partir de uma leitura do paradigma da proteção integral. Para provas subjetivas, recorda-se que se a indenização for fixada através de salários mínimos, a sua atualização deverá seguir os ditames da Súmula 490 do STF, segundo a qual a pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilida­ de civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da senten­ ça, ajustando-se às variações ulteriores. Logo, deve ser expresso 0 valor em reais segundo 0 salário mínimo vigente à época e após tal valor ser atualizado. Decerto, que fique registrado, carece de melhor técnica a decisão que arbitra os danos morais com base em salários mínimos, ante a vedação da indexação no texto constitucional (art. 70, IV da CF/88). Todavia, cediço que ocorre no Brasil, até mesmo com norma legal infraconstitucional expressa permitindo, como se percebe da leitura do art. 533/ §4° do NCPC. Impende lembrar, ainda, que em função da Emenda Constitucional 45/04 é cris­ talina hoje a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas

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relativas a indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes das relações de trabalho, a exemplo do assédio moral. No particular, seguimos o entendimento de Flávio Tartuce48, no sentido da inadequa­ ção da Súmula 366 do STJ, que informava ser a justiça Estadual a competente para processar e julgar ação indenizatória em função do falecimento do empregado em aci­ dente de trabalho. Tanto isto é verdade, que 0 próprio S uperior Tribunal de Justiça cancelou 0 verbete. De fato, a Emenda Constitucional 45/04 fulminou qualquer debate a respeito da competência da justiça do Trabalho em situações como estas. Ainda na importante digressão, nas pegadas da Súmula 229 do STF a indenização acidentária não exclui a do direito comum, havendo independência entre a pensão previdenciária e a decorrente do direito comum. Apesar disto, se a Emenda Constitucional 45/04 tiver atingido processo em curso na Justiça Estadual há anos, no qual já fora prolatada a sentença, por um viés de instrumentalidade, economicidade e celeridade, a competência da Justiça Comum Estadual poderá ser mantida. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça ?

0 S uperior T ribunal de Justiça posiciona-se no sentido supracitado. Cita-se: DANOS MORAIS. EX-EMPREGADO. EX-EMPREGADOR.

A Seção rejeitou os EREsp, m antendo a com petência da Justiça Esta­ dual. Os em bargantes, ex-em pregados, alegavam dano m oral após térm ino do vínculo tra b a lh ista , quando 0 em pregador, supostam ente, teria veiculado publicam ente com entários m aledicentes contra os exem pregados, fatos o co rrido s antes da edição da EC n. 45/2004. Essas circunstâncias táticas que compõem a causa de p e d ir foram reite rad a s pelo acórdão recorrido; assim , segundo 0 Min. Relator, não há como tom ar por base outra ordem circunstancial. Esclarece que não se pode esq u e ce r se r agora tardio para a n u lar tudo e recom eçar a ação na Justiça do Trabalho, pois p assados treze anos da prolação da sentença que firm ou a com petência do juízo estadual. Observa, entre outros argum entos, que tanto os ju íze s estaduais como os ju ize s trabalh istas integraram a m esm a unidade ju risd icio n al do bem form ado quadro da m agistratura nacional, sendo todos, portanto, capazes de julgar casos como 0 dos autos, um entre tantos outros. EREsp 786.209-BA, Rei. Min. Sidnei Beneti, julgad os em 27/4/2011.

► Veja ainda as súmulas 221 e 281 do S u perior T ribunal de J ustiça : Sum 221. São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decor­

rente de publicação pela im prensa, tanto o autor do escrito quanto o pro­ prietário do veículo de divulgação. Sum 281. A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista

na Lei de Imprensa.

48 Op. Cit., p. 362.

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► Atenção! É importante revisar todas as súmulas do Superior Tribunal de Justiça a respeito dos danos morais, a saber: ♦ Súm. 37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. ♦ Súm. 227. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral. ♦ Súm. 281. A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa. ♦ ♦ ♦

Súm. 362. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. Súm. 370. Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de che­ que pré-datado. Súm. 387. É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.



Súm. 388. A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.



Súm. 402. 0 contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.



Súm. 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publi­ cação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.



Súm. 420. Incabível, em embargos de divergência, discutir 0 valor de indenização por danos morais.

► Atenção! É im p o r t a n t e r e v is a r t o d a s a s s ú m u la s d o S u p e r io r T rib u n a l d e Ju stiça a r e s p e it o d o s d a n o s m o r a is , a s a b e r : ♦

S ú m . 37. S ã o c u m u lá v e is a s in d e n iz a ç õ e s p o r d a n o m a t e r ia l e d a n o m o ra l o r iu n d o s d o m e s m o fa to .



S ú m . 2 2 7 . A p e s s o a ju r íd ic a p o d e s o fr e r d a n o m o ra l.



S ú m . 2 8 1 . A in d e n iz a ç ã o p o r d a n o m o ra l n ã o e stá s u je it a à ta r if a ç ã o



S ú m . 362. A c o r r e ç ã o m o n e t á r ia d o v a lo r d a in d e n iz a ç ã o d o d a n o



S ú m . 370. C a r a c t e r iz a d a n o m o ra l a a p r e s e n t a ç ã o a n t e c ip a d a d e c h e ­

p re v ista na Lei d e Im p re n sa . m o ra l in c id e d e s d e a d a t a d o a r b it r a m e n t o .

q u e p r é -d a t a d o . ♦

S ú m . 38 7. É líc ita a c u m u la ç ã o d a s in d e n iz a ç õ e s d e d a n o e sté tic o e d a n o m o ra l.



S ú m . 388. A s im p le s d e v o lu ç ã o in d e v id a d e c h e q u e c a r a c t e riz a d a n o m o ra l.

Cap. il

• E l e m e n t o s g e r a i s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il



Súm. 402. 0 contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.



Súm. 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publi­ cação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.



Súm. 420. Incabível, em embargos de divergência, discutir 0 valor de indenização por danos morais.

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3.5. Dano Estético 0 STJ há muito vem propugnando a reparação do dano estético, até mesmo de forma independente ao dano imaterial e material. Tanto é assim que já está sumulado 0 entendimento de possibilidade de cumulação do dano moral com 0 dano estético (Súmula 387 do STJ).

► E na hora da prova?

Em concurso para Juiz Federal Substituto do TRF 2 » Região, ano de 2014, a seguinte assertiva foi considerada INCORRETA: "É vedada a cumulação de dano moral com 0 dano estético". 0 STJ, portanto, enxerga 0 dano estético como modalidade autônoma em rela­

ção ao dano moral (REsp 65.393/RJ. Min. Rei. Ruy Rosado de Aguiar), mesmo com importantes divergências doutrinárias, a exemplo da discordância de S érgio C avaueri F ilho49. Para C avaueri a questão é apenas de quantificação do dano, ao passo que se houver lesão estética 0 dano moral há de ser majorado. F lávio T artuce considera dano estético as feridas, cicatrizes, cortes, lesão ou perda de órgãos, aleijões, amputações, entre outras anomalias que atingem a dignidade humana50. Para 0 S uperior T ribunal de Justiça seria a alteração morfológica de formação corporal que agride a visão, causando desagrado e repulsa51.

0 dano estético liga-se a uma lesão à integridade física da vítima, configurando um aleijão, repugnância, marcas ou defeitos físicos que gerem na vítima um senso de inferioridade. Não mais se exige que o dano seja definitivo, sendo corrente 0 entendimento de que tal dano estético pode ser permanente ou transitório. 3.6. Dano Reflexo, Oblíquo ou Ricochete Trata-se de instituto nascido no direito francês que remete ao prejuízo que atinge de forma oblíqua (indireta ou ricochete) pessoa próxima à vítima direta da conduta. É 0 exemplo do filho que ajuiza ação em face do assassino de seu genitor 49

Op. Cit., p. 99-

50 Op. Cit., p. 418. 51

REsp. 65.393-RJ e 84.752-RJ.

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D ir e it o C ivil - V o l. 11

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em razão de ter perdido, com o falecimento do pai, os alimentos necessários à subsistência (art. 948 do CC). A regra, que fique claro, é 0 dano direto, sofrido pela própria pessoa, sendo 0 indireto a exceção. Contudo, 0 S uperior T ribunal de Justiça vem admitindo esta moda­ lidade de dano52.

0 futuro aprovado, porém, deve ficar atento ao nexo de causalidade no mo­ mento da análise do dano reflexo. Isto porque 0 lesante apenas irá responder pelos danos decorrentes de forma direta e imediata de sua conduta (art. 403 do CC). A consequência remota não é apta de indenização. Desta forma, na expressão feliz de A ntunes V arela, citada em diversos manuais, se "A" foi atropelado por "B" e este sofreu ferimentos, haverá de ser indenizado por "B". Todavia, "B" não será obrigado a indenizar "C", dono do teatro em que "A" se apresentaria; nem "D", arrendatário do buffet que perdeu 0 contrato por não ter a apresentação teatral. No particular, 0 exemplo citado do art. 948 do CC (acima) é uma exceção, pois expresso em lei. ► Atenção!

Não se deve confundir 0 dano oblíquo com 0 indireto. Neste há uma lesão patrimonial que acaba, indiretamente, ocasionando uma lesão extrapatrimonial; ou vice e versa. Já no oblíquo há uma lesão ao interes­ se juridicamente tutelado de um sujeito, atingindo a outrem de forma ricochete. Tem-se como exemplo de danos reflexos os relativos à personalidade em fun­ ção de tentativa de lesão à personalidade do morto, consoante os arts. 12 e 20, em seus parágrafos únicos. 0 objeto de proteção dos direitos da personalidade é, justamente, a personali­ dade. Essa se inicia do nascimento com vida e se extingue com a morte, como estu­ dado no capítulo da pessoa natural, no volume de parte geral. Logo, os direitos da personalidade são vitalícios, pois não há 0 que proteger após a morte (em regra). Morrendo o titular, não haverá transmissão dos direitos da personalidade. Na forma do art. 6° do CC, a morte extingue os direitos da personalidade. Somente o titular pode ajuizar ação em caso de violação, mas se este já a promoveu antes de falecer, o direito reparatório se transmite aos herdeiros. Interessante, porém, é que 0 parágrafo único do art. 12 do Código Civil, que se destina a regular a proteção dos direitos da personalidade, afirma que "Em se tra­ tando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo 0 côn­ juge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até 0 quarto grau". 52

REsp. 1.208.949-MG.

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Como compatibilizar essa informação com o caráter vitalício dos direitos da personalidade? Em verdade, o que prevê o artigo é a possibilidade de uma indenização refle­ xa, oblíqua ou ricochete - à personalidade, em clara influência da doutrina france­ sa. Explica-se: na tentativa de lesão a personalidade do morto - fala-se em tentati­ va, pois sua lesão é crime impossível, haja vista que personalidade não mais existe - é possível que, de forma reflexa, acabe por violar os direitos da personalidade de parentes vivos. Assim, caso alguém tente violar a imagem de meu pai, que já é falecido, é possível que acabe, de forma oblíqua, lesando minha personalidade, de meus irmãos e de minha mãe. Nessa linha, importante observar que não há veiculado no artigo a hipótese de legitimação extraordinária, ou substituição processual. De fato, não há de se falar que cônjuge ou parentes vivos substituem ao morto e pleiteiam, em nome próprio, direito alheio. Não é isso! Estamos diante de uma legitimação ordinária ou autônoma, pois a parte pleiteia direito próprio em nome próprio, na forma do art. 18 do NCPC. É lesão à personalidade daquele que está vivo, de forma reflexa, até mesmo porque lesar a personalidade de quem não existe é crime impossível. Exemplo interessante de lesado indireto é o caso Garrincha. Um jornalista es­ creveu uma obra sobre a vida de Garrincha, denominada de estrela solitária. Nesta está escrito que Garrincha tinha um pênis avantajado. Os parentes vivos ajuizaram uma ação. ► Como entendeu o S u perio r T ribunal de J ustiça ? CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI FA­ LECIDO. Os direitos da p ersonalidade, de que o direito à imagem é um

deles, guardam como principal característica a sua in transm issibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de m erecer proteção à imagem e à honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas perm a­ necem perenem ente lem bradas nas m em órias, como bens im ortais que se prolongam para muito além da v id a, estando até acim a desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de norm alidade, são os que m ais se desvanecem com a exaltação feita à sua m em ória, como são os que m ais se abatem e se deprim em por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Adem ais, a imagem de p e sso a fa m o sa p ro je ta e fe ito s e co n ô m ico s p a ra além de su a m o rte , pe lo

que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitim idade para postularem indenização em juízo, seja por dano m oral, seja por dano m aterial. Prim eiro recurso especial das autoras parcialm ente co­ nhecido e, nessa parte, parcialm ente provido. Segundo recurso especial das autoras não conhecido. Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas im provido (REsp 521697/RJ, Min. César Asfor Rocha, 4a Turma, data de julgamento: 16/02/2006).

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► Atenção! Interessante observar que o Código Civil, ao tratar da lesão oblíqua do direito à imagem, trouxe rol mais restrito de legitimados, mencionando o parágrafo único do art. 20 0 cônjuge, ascendentes e descendentes, sem incluir os colaterais até 40 (quarto) grau. Como fazer? Sendo norma específica, a incidência do parágrafo único do art. 20 apenas há de acontecer nas hipóteses de lesão à imagem, sendo que para as violações reflexas dos demais direitos da personali­ dade deve-se aplicar 0 rol de legitimados mais extenso do art. 12, parágrafo único, do Código Civil. Neste mesmo sentido é 0 Enuncia­ do n° 5 do CJF. Questão interessante é saber se 0 companheiro (união estável) adentra no rol? Por isonomia, é possível sua inclusão ao lado do cônjuge, como vaticina 0 Enunciado 275 do CJF. Todavia, tal informação apenas deve ser utilizada em provas subjetivas, ou nas objetivas cuja pergunta direcione 0 candidato, constando no enunciado pedido de entendimento doutrinário ou jurisprudencial. 3.7. Danos Coletivos, Difusos e Interesses Individuais Homogêneos 0 Enunciado 456 da V jornada em Direito Civil afirma que a expressão dano abrange não apenas os danos individuais, materiais ou imateriais, como também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos, a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.

Desta forma, inegável admitir que 0 direito brasileiro vivência 0 fenômeno do alargamento das modalidades de danos, em fiel coerência com a efetividade da Justiça e a operabilidade do direito civil. Conforme já tratado, não mais subsiste uma tutela meramente individual dos interesses (microlesões). Busca-se, ao lado desta, a proteções das macrolesões. Justo por isto, há muito fora inaugurada a proteção dos interesses coletivos lato sen su ,

in c o r p o ra n d o -s e o s c o le tiv o s, d ifu so s e h o m o g ê n e o s.

0 primeiro diploma a veicular tais expressões de forma clara foi 0 Código de Defesa do Consumidor (art. 81). 0 legislador realizou tal classificação considerando 0 direito subjetivo específico que fora violado.

Os direitos difusos relacionam-se a pessoas indeterminadas, ligadas pelas cir­ cunstâncias do fato, como aqueles relativos a danos ambientais. Os direitos coleti­ vos referem-se a um grupo, categoria ou classe com relação entre si em função de uma ligação jurídica base, como ações patrocinadas por sindicatos. Os individuais homogêneos são divisíveis e determinados, mas ligados a um fato uniforme, a exemplo da venda de um produto adulterado.

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Destarte, ao falarmos em danos difusos, coletivos e tutela de interesses indi­ viduais e homogêneos estamos nos referindo não só ao aspecto material, mas também ao moral. Com efeito, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), em seu art. i°, possibilita claramente 0 pleito de danos materiais e morais difusos por lesões ao meio ambiente, ao consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, infração de ordem econômica ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo. A legitimação para a propositura de tais ações é restrita e os valores costumam ser revertidos para fundos de apoio, com vista à implementação de políticas de combate e prevenção a futuras lesões. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho53 informam que a tutela da Lei da Ação Ci­ vil Pública supracitada legitima, até mesmo, a propositura de ações com 0 escopo de proteção ao meio ambiente de trabalho. Isto porque um ambiente de trabalho inseguro traz danos não só aos seus trabalhadores, mas também a todos aqueles que usufruem do fruto do trabalho.

► E na hora da prova?

Ano: 2019. Banca. Cespe. Cargo: Defensor Público - DPE - DF. De acordo com as disposições do Código Civil e com a jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade civil, julgue 0 item a seguir. Gabarito: Dano extrapatrimonial coletivo dispensa a comprovação da dor, do sofrimento e de abalo psicológico, elementos que são suscetíveis para serem apreciados na esfera do indivíduo, contudo não aplicáveis aos in­ teresses difusos e coletivos. 3.8. Responsabilidade Civil Pela Perda do Tempo Livre ou Desvio Produtivo de Consumo Segundo C harles Darwin, o Pai do Evolucionismo, "0 homem que tem a coragem de desperdiçar uma hora de seu tempo, não descobriu 0 valor da vida". Nas pa­ lavras do dramaturgo Francês V ictor Hugo, "a vida já é curta, e nós a encurtamos ainda mais desperdiçando 0 tempo". Na crença popular "0 tempo é 0 senhor das coisas"... 0 tempo é um bem que todos nós temos. É impassível de troca, substituição, compra ou venda. Carrega 0 tempo uma noção relativa. Os colegas já devem ter se apercebido que quando mais novos os anos demoravam mais a passar. Claro, eles re p re s e n ta v a m m ais so b re o se u te m p o total d e e x istê n cia . Com 5 (cin co ) a n o s de

idade, um ano era 1/5 da sua vida; 20% do seu tempo terrestre. Hoje, 1 (hum) ano representa bem menos54. 53

Op. Cit., p. 83.

54 A própria noção sobre a velocidade das coisas é relativa. Em uma reflexão sobre este assunto, 0 Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Pernambuco, Doutor Luiz Mário Moutinho, em mensagem postada em uma rede social, descreveu a importância do tempo no mundo atual: "A sensação do

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A própria noção sobre a velocidade das coisas é relativa. Em uma reflexão sobre este assunto, o Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Pernambuco, Doutor Luiz Mário Moutinho, em mensagem postada em uma rede social, descreveu a impor­ tância do tempo no mundo atual: "A sensação do tempo é algo que varia com o tempo. Veja o exemplo dos computadores. Temos um equipamento que tem um processador com certa velocidade, e depois compramos outra máquina mais rápida alguns milési­ mos de segundos, e logo achamos que o PC antigo é lento demais..." Seria então este tempo um bem jurídico? Nas palavras de

P ablo S tolze Gagliano55,

o

tempo possui uma dupla perspectiva:

a) Dinâmica; b) Estática. Na perspectiva mais difundida, a "dinâmica" (ou seja, em movimento), o tempo é um "fato jurídico natural ordinário". Traduz um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito, com visto e aprofundado no nosso Volume de Parte Geral, quando do estudo da Teoria do Fato, Ato e Negócio Jurídico. É este sentido dinâmico do tempo que nos trás noções como prescrição e decadência, usucapião, mudança de incapacidades... Em uma leitura "estática", o tempo é um valor, um bem relevante, merecedor de tutela jurídica. Assim, hoje, o tempo é enxergado como um bem jurídico personalíssimo, o qual apenas pode ser disposto pelo seu próprio titular. Logo, aquele que injustiflcadamente se apropria deste bem alheio, causa lesão, apta a ser indenizada. Trazendo tais ilações para o direito do consumidor, percebe-se que, por conta da despessoalizaçõo das empresas e atendimentos em call center, direcionamos tempo demasiado a solução de problemas comezinhos, os quais deveríam ser ra­ pidamente sanados. Seria razoável exigir do consumidor que perca tempo precio­ so para solucionar questões dessa natureza, quando ao mesmo tempo há outros afazeres e problemas mais sérios a solucionar? H ugo G uglinski56, especialista em direito do consumidor, assevera em artigo espe­ cífico sobre o tema, disponível na internet, que "Quando a má prestação de um serviço extravasa as raias da razoabilidade, dando lugar à irritação, a frustração, ao sentimento de descaso, ao sentimento de se sentir somente mais um número tempo é algo que varia com o tempo. Veja o exemplo dos computadores. Temos um equipamento que tem um processador com certa velocidade, e depois compramos outra máquina mais rápida alguns milésimos de segundos, e logo achamos que o PC antigo é lento demais..." 55

Op. Cit.

56 Encontrado em http://jus.com .br/artigos/21753/danos-m orais-pela-perda-do-tem po-util-um a-nova-m odalidade

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no rol de consumidores de uma empresa, é que ocorre a violação do direito à paz, à tranquilidade, à prestação adequada dos serviços contratados, enfim, a uma sé­ rie de direitos intimamente relacionados à dignidade humana. Hoje o consumidor brasileiro percorre uma verdadeira via crucis para tentar ver respeitados os seus direitos". Comungamos, perfeitamente, com este pensamento.57 D'outra banda. em excelente obra sobre o assunto, afirma que:

M arco D es-

saune58,

"Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) preconize que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo devam ter padrões adequados de qualidade, de segurança, de durabilidade e de de­ sempenho - para que sejam úteis e não causem riscos ou danos ao consu­ midor- e também proíba, por outro lado, quaisquer práticas abusivas, ainda são 'normais' em nosso País situações nocivas como: - Enfrentar uma fila demorada na agencia bancária em que, dos 10 (dez) guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público; - Ter que retornar à loja (quando ao se é direcionado à assistência técnica autorizada ou ao fabricante) para reclamar de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema alguns dias ou semanas depois de comprado; - Telefonar insistentemente para 0 Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo para pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso reni­ tente, mas repetidamente negligenciado; - Levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício reincidente, um ve­ ículo que frequentemente sai de lá não só com 0 problema original intacto, mas também com outro problema que não existia antes; - Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguar­ dando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até

57

58

Em decisão que condenou 0 Banco do Brasil a indenizar uma consumidora em R$ 5 (cinco) mil reais, 0 Des. Jones F igueiredo A lves, também do T ribunal D e Justiça P ernambucano , ao proferir voto/vista na Apelação Cível no 230521-7, julgada pela 4» Câmara Cível do TJPE, destacou: "A visão eclesiástica do tempo diz-nos que tudo tem 0 seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de afastar-se; tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. [...]. A questão é de extrema gravidade e não se pode admitila, por retóricas de tolerância ou de condescendência, que sejam os transtornos do cotidiano que nos submetam a esse vilipêndio de tempo subtraído de vida, em face de uma sociedade tecnológica e massificada, impessoal e dis­ forme, onde nela as pessoas possam perder a sua própria individualidade, consideradas que se tornem apenas em usuários numerados em bancos informatizados de dados". DESSAUNE, M a rco s. D e sv io P ro d u tivo d o C o n s u m id o r - 0 P re ju íz o d o Te m p o D e s p e rd iç a d o . São Paulo : RT, 2 0 1 1, p á g s. 47-48.

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dentro do avião - cansado, com calor e com fome - sem obter da empresa responsável informações precisas sobre o problema, tampouco a assistência material que a ela compete". Percebe-se completo desrespeito aos ditames do Código de Defesa do Con­ sumidor (Lei 8.078/1990) e ao Decreto-Lei do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC - Decreto-Lei número 6.523/2008), ambos focados em um ágil atendimento ao consumidor. Adverte O Des. Luiz Fernando R ibeiro de C arvalho do T ribunal de Justiça do R io de Janeiro que "no plano dos direitos não patrimoniais, porém, ainda há grande resistência em admitir que a perda 0 tempo em si possa caracterizar dano moral. Esquece-se, entretanto, que 0 tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para 0 indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tem­ po perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos". Nessa toada é que se coloca 0 posicionamento de Leonardo

de

M edeiros Garcia59:

"Outra forma interessante de indenização por dano moral que tem sido admitida pela jurisprudência é a indenização pela perda do tempo livre do consumidor. Muitas situações do cotidiano nos trazem a sensação de perda de tempo: 0 tempo em que ficamos "presos" no trânsito; 0 tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; 0 tempo para can­ celar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos etc. A maioria dessas situações, desde que não cause outros danos, deve ser tolerada, uma vez que faz parte da vida em sociedade. Ao contrário, a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder 0 tem­ po livre para soluciona[r] problemas causados por atos ilícitos ou condu­ tas abusivas dos fornecedores. Tais situações fogem do que usualmente se aceita com o "n o rm al", em se tra ta n d o de e sp e ra p o r p arte do consum idor.

São aqueles famosos casos de call center e em que se espera durante 30 minutos ou mais, sendo transferido de um atendente para 0 outro. Nesses casos, percebe-se claramente 0 desrespeito ao consumidor, que é pronta­ mente atendido quando da contratação, mas, quando busca 0 atendimento para resolver qualquer impasse, é obrigado, injustificadamente, a perder seu tempo livre."60 59 GARCIA, Leonardo Medeiros. Sinopses para Concursos Públicos. Direito do Consumidor. Salvador: JusPodivm, 2013. 60 Ademais, há alguns bons julgados sobre 0 tema no Brasil; cita-se: Des. Luiz Fernando de Carvalho julgamento: 13/04/2011 - terceira câmara cível. Consumidor. Ação indenizatória. Falha na prestação

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de serviço de telefonia e de internet, além de cobrança indevida. Sentença de procedência. Apela­ ção da ré. Ausência de demonstração da ocorrência de uma das excludentes previstas no art. 14, §3° do CDC. Caracterização da perda do tempo livre. Danos morais fixados pela sentença de acordo com os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Honorários advocatícios igualmente corretos. Desprovimento do apelo. DES. ALEXANDRE CÂMARA - Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Agravo Interno. Decisão monocrática em Apelação Cível que deu parcial provimento ao recurso do agravado. Direito do Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de conta corrente sem autorização do correntista. Descontos indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe. Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do problema, durante mais de três anos, sem que fosse solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo livre. Dano moral configurado. Correto 0 valor da compensação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da citação. Aplicação da multa prevista no § 2° do (artigo 557 do CPC, no percentual de 10 % (dez por cento) do valor corrigido da causa. Recurso desprovido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 0049407 - 87.2011.8.19.0000). DES. MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA - Julgamento: 27/10/2010 - QUARTA CÂMARA CÍVEL. Apelação. Danos morais. Contrato para instalação do serviço 01 VELOX (banda larga internet). Inadimplemento contratual por parte da operadora que alegou inviabilidade técnica por impropriedades da linha telefônica. Sentença de procedência. Dano moral fixado em R$ 2.000,00. Apelos de ambas as partes. A princípio, 0 inadimplemento contratual não acarreta danos morais, porém, pelas peculiaridades do caso concreto, se verificou a ocorrência de aborrecimentos anor­ mais que devem ser compensados. Violação ao dever de informação, art. 6°, III, do CDC. Grande lapso temporal entre a data da celebração do contrato e a da comunicação de que a não seria viável a prestação dos serviços por impropriedades técnicas da linha telefônica do Autor. Teoria da Perda do Tempo Livre. Por mais de um ano, 0 Autor efetuou ligações para a Ré na tentativa de que 0 serviço de internet fosse corretamente instalado, além de ter recebido técnicos da Ré em sua residência, mas que não solucionavam os problemas. Indenização bem dosada em R$ 2.000,00. Pequeno reparo na sentença para fixar a correção monetária desde a data do arbitramento e juros moratórios a partir da citação. Provimento parcial ao recurso do autor. Desprovimento ao recurso do réu. (Processo: APL 2792196120098190001 RJ 0279219-61.2009.8.19.0001). APELAÇÃO CÍVEL N° 2009.001.56125. APELANTE: ELIANE SILVEIRA DE ÁVILA. APELADO: BANCO IBI S.A. - MÚLTIPLO S.A. RELATOR: DES. ANDRÉ ANDRADE DIREITO DO CONSUMIDOR. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. ENVIO DE FATURAS COBRANDO 0 SEGURO DO CARTÃO. CONDUTA ABUSIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DA PERDA DO TEMPO LIVRE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n° 2009.001.56125 em que é apelante ELIANE SILVEIRA DE ÁVILA e apelado BANCO IBI S.A. - MÚLTIPLO S.A. Processo: APL 100961720078190037 RJ 0010096-17.2007. 8.19.0037. Relator(a): DES. ALEXANDRE CÂMARA. Julgamento: 18/05/2011. Órgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL. Publicação: 20/05/2011. Parte(s): Apdo.: OK ELETRO 01 MACAE COMERCIO DE ELETRODOMÉSTICOS LTDA. Apte.: VANES­ SA GARCIA FUENTES. Ementa: Direito do consumidor. Alegação de aquisição de aparelho de home theater defeituoso. Sentença que condenou a ré a restituir 0 valor pago pelo produto. Autora que, durante dez meses, tentou efetuar a troca do aparelho, deixando-o na loja para análise e não ob­ tendo qualquer resposta. Tempo despendido pela autora tentando solucionar 0 problema que não pode ser desconsiderado. Comprovação das inúmeras ligações efetuadas para a loja da ré. Perda do tempo livre. Dano moral configurado, fixada a verba compensatória em R$ 1.000,00 (mil reais). Provimento do recurso. Processo: APL 328366120098190210 RJ 0032836-61.2009. 8.19.0210. Relator(a): DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ. Julgamento: 06/06/2011. Órgão Julgador: DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL. Publicação: 14/06/2011. Parte(s): Apdo.: OS MESMOS. Apdo.: PERFECT SOLUÇÕES DE PROCESSA­ MENTO DE DADOS LTDA. EPP. Apte.: ENVISION INDUSTRIA DE PRODUTOS ELETRÔNICOS LTDA. e outros. Emen­ ta: APELAÇÕES CÍVEIS. COMPRA PELA INTERNET. DEFEITO NO PRODUTO. DEMORA INJUSTIFICADA DE REPARO. PRAZO DE GARANTIA VIGENTE. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. REDUÇÃO. In casu, 0 consumidor se viu obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para pleitear 0 conserto de um aparelho de televisão e 0 reconhecimento de danos morais. A demora exagerada no conserto ou troca do produto que desempenha na vida cotidiana importante papel, somada à perda do tempo livre do consumidor, gera direito à percepção de danos morais. Quantum indenizatório que se

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0 STJ tem admitido a teoria do desvio produtivo, até mesmo para reconhecer em certos casos, como tempo de espera em agências bancárias, a existência de dano moral coletivo* 61, sendo possível concluir que a perda exacerbada do tempo, em claro abuso de direito do fornecedor, é apta a ocasionar um dano indenizável, colocando-se a chamada responsabilidade civil pela perda do tempo livre, ou o desvio produtivo do consumidor.

4. NEXO DE CAUSALIDADE Visitada a conduta humana e o dano, partimos à análise do terceiro elemento da responsabilidade civil: o nexo de causalidade. Tal elemento imaterial ou espi­ ritual objetiva perquirir uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano. Nos dizeres de FlAvio Tartuce62, é um cano virtual que une os outros dois elementos: conduta e dano. Segundo S érgio Cavalieri63, é a verificação de que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato. Nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho64 trata-se do elemento geral mais melindroso, ao passo que o conceito de causa remete a uma noção filosófica, por vezes ligada, até mesmo, a noções naturais. Mas, o que vem a ser a causa? Causa é um elo, um Name, um fio condutor que une a conduta ao dano, geran­ do a responsabilização civil. Segundo Demogue é a relação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. Na busca de tal elo a doutrina e jurisprudência construíram diversas teorias, sendo as principais: a) Teoria da Equivalência das Condições (Conditio Sine Qua Non); b) Teoria da Causalidade Adequada; c) Teoria da Causalidade Direta ou Imediata (Interrupção do Nexo Causai ou Causalidade Necessária). Soma-se a esta miríade de teorias a dificuldade advinda das concausas, haja vista a percepção de que podem concorrer para um mesmo evento danoso mais de uma causa. reduz. Recursos providos em parte, na forma do art. 557 § i°-A do CPC, para reduzir a verba indenizatória E a coisa se torna pior quando, por exemplo, 0 serviço prestado é fornecido em regime d e m on op ólio, co m o o fo rn ecim en to d e águ a e coleta d e esgoto, en ergia elétrica etc., a o s q u a is

0 consumidor simplesmente é forçado a aderir, pois são essenciais. Consequentemente, também é forçado a aceitar os péssimos SAC's disponibilizados pelas empresas, e 0 resultado estamos vendo agora, com 0 surgimento da tese que enxerga a perda do tempo útil como uma ofensa aos direitos da personalidade. Finalmente, cabe lembrar que os fornecedores atuam no mercado de consumo assumindo os riscos do empreendimento, tese inspiradora da teoria da responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Sendo assim, se este decide explorar empresa, deve arcar com os danos eventualmente decorrentes de sua atuação, inclusive 0 dano extrapatrimonial causado ao consumidor por despojá-lo de seu tempo útil.". 61

REsp 1.737.412-SE, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, DJe 08/02/2019.

62

Op. Cit., p. 359.

63 Op. Cit., p. 46. 64 Op. Cit., p. 85.

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Aduz F lávio T artuce65 que na responsabilidade civil subjetiva o nexo de causa­ lidade é formado pela culpa lato sensu (art. 186 do CC); enquanto na objetiva pela previsão legal de responsabilização sem culpa ou em função de atividade de risco. Vamos visitar as teorias. 4.1. Teoria da Equivalência das Condições ou do Histórico dos Antecedentes ou Da Conditio Sine Qua Non Fruto dos estudos do doutrinador alemão V on B uri, na segunda metade do Sécu­ lo XIX, com base nos ensinamentos de S tuart M ill, a matriz teórica em comento não diferencia os antecedentes do dano, afirmando que causa é tudo aquilo que tenha concorrido para 0 resultado danoso. Há, portanto, uma equivalência de todos os antecedentes (condições) que foram sine qua non (contribuíram) para 0 resultado, inexistindo clara diferença entre causa e condição. Tal teoria é adotada pelo Código Penal brasileiro, especificamente no seu art. 13, segundo 0 qual "0 resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual 0 resultado não teria ocorrido". Na análise da causa aplica-se 0 que denomina T hyrén de uma fórmula de elimi­ nação hipotética, sendo causa todo 0 antecedente que, caso eliminado, faria com que 0 resultado desaparecesse. Todo ato do autor que, de alguma forma, contri­ buiu para 0 dano trata-se de causa. A teoria em comento apresenta um grave inconveniente. Com efeito, caso le­ vada as últimas consequências, ocasionará uma digressão infinita, imputando 0 dever de reparar a inúmeras pessoas, havendo uma exasperação da causalidade. Notando tal possibilidade, Binding, há muito, já tecia suas críticas, aduzindo que a teoria da equivalência das condições podería ocasionar a responsabilidade do marceneiro como partícipe do tipo penal do adultério, pois por ter confeccionado 0 leito afetivo acabou por facilitar a conduta. Em direito penal, após estas críticas, foram criados mecanismos de redução do nexo, como a imputabilidade objetiva e a tipicidade cerrada. Assim, diuturnamente, a p e s a r d a m a n u te n çã o d a te o r ia na s e a r a p e n a l, e sta s e r v e m ais p a ra a fa sta r

possíveis responsáveis do que para, efetivamente, responsabilizar. 0 direito civil, face ao inconveniente, achou por bem afastar a incidência des­ ta teoria na sua responsabilização, não sendo, hodiernamente, aceita na seara privada. 65 Op. Cit., p. 359-

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4.2. Teoria da Causalidade Adequada A matriz teórica em estudo teve como principal elaborador 0 jurista alemão Von revelando grande avanço em relação ao seu momento histórico.

K ries,

Assim, entende como causa apenas 0 antecedente abstratamente idôneo à produção de um resultado danoso. Nas palavras de Carlos Roberto G onçalves66, insere-se neste mundo apenas a condição apta, por si só, a produzir 0 dano. Segundo Flávio Tartuce67 materializa-se a teoria na busca da possível causa que, potencialmen­ te, ocasionou 0 evento danoso. Do evento relevante, perquirindo, ainda, busca de indenização adequada aos fatos que a envolvem. Afirma S érgio Cavalieri68 que causa é 0 antecedente não só necessário, mas também adequado à produção do resultado danoso. Realiza-se um juízo não só de necessariedade, mas também de adequação, fazendo distinção entre causa e condição. Causa será apenas aquela determinan­ te, desconsiderando-se as demais condições. Desta forma, no célebre exemplo de A ntunes V arela, se João gerou 0 atraso de Pedro para pegar um voo, e em virtude disto Pedro embarcou em avião diverso e veio a ser vitimado em acidente, joão não poderá ser responsabilizado, visto que sua conduta não fora abstratamente idônea à produção deste resultado. 0 mesmo se diga caso Mário dê um leve tapa na cabeça de André e este, por ter uma fragilidade de formação óssea, venha a óbito. 0 tapa não fora causa abstratamente idônea à produção do dano. Interessante que em ambos os exemplos mencionados acima, fartamente tra­ tado nos mais diversos manuais de direito civil, seriam aptos a gerar responsabili­ dade caso se estivesse diante a da teoria da equivalência de condições, mas não 0 são em um juízo de causalidade adequada. A crítica que se faz na doutrina, a exemplo de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona que esta matriz teórica confere grande grau de discricionariedade ao jul­ gador na análise dos antecedentes. Como estabelecer, entre as várias condições, qual é a causa? Filho6970 , é

4.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata Também chamada de teoria da interrupção do nexo causai ou causalidade ne­ cessária, fo ra d e s e n v o lv id a no B rasil p e lo s e s tu d o s d e A gostinho A lvim. Na p e rce p ç ã o de Carlos Roberto Gonçalves7^ um meio termo entre as teorias anteriores. Causa é apenas 0 antecedente fático que, ligado por um vínculo de neces­ sariedade ao resultado danoso, determine este último como uma consequência 66 Op. Cit., p. 350. 67

Op. cit., p. 359.

68 Op. Cit., p. 48, 69 Op. Cit., p. 90. 70 Op. Cit., p. 352.

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direta e imediata. 0 avanço da teoria em comento é a interrupção do nexo de causalidade quando quebrado o vínculo de necessariedade, inaugurando-se um novo vínculo de causalidade. Em exemplo clássico da doutrina afirma-se que: Caio foi ferido de forma leve por Tício em um jogo de futebol. Por conta disto, Pedro tratou de conduzi-lo até o hospital. Caso no curso da carona, por desídia de Pedro, haja um acidente e Caio venha a óbito, Tício não tem como ser responsabilizado por isto. Decerto, a desídia de Pedro na conduta gerou uma interrupção do nexo causai, sendo quebrada a relação de causalidade anterior - desprovida de uma relação direta e imediata com o dano - e inaugurando-se uma nova, esta sim diretamente e imediatamente ligada ao dano. Nessa ordem de idéias, recorda C arlos Roberto Gonçalves71 que não se indeniza es­ peranças desfeitas, danos potenciais, eventuais, supostos ou abstratos, pois estes não decorrem de forma direta e imediata da conduta. A adoção desta teoria, todavia, não é capaz de afastar a possibilidade de con­ figuração do dano reflexo, já estudado neste capítulo. Isto porque em tal dano, malgrado reflexo, resta cristalina a presença de um nexo de causalidade direto e imediato entre a conduta e o dano. 4.4. Qual a Teoria Adotada pelo Código Civil? Após visitarmos as principais teorias doutrinárias, resta saber qual é aquela adotada pelo Código Civil? A doutrina e a jurisprudência não são uníssonas em relação ao tema. Respei­ tada parcela da doutrina, citando por todos S érgio Cavaueri72 e Flâvio Tartuce73, defende ser a teoria aplicada no Brasil a da causalidade adequada. Afirmam seu posicio­ namento com base na redação dos arts. 944 e 945 do Código Civil, bem como do Enunciado 47 CJF, segundo 0 qual 0 Código Civil não exclui a teoria da causalidade adequada. Tal raciocínio, porém, segundo os doutrinadores em comento, não in­ viabiliza 0 aprofundamento acerca dos fatores que excluem ou obstam 0 nexo de causalidade. De outra banda, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho74, bem como C arlos Roberto defendem a aplicação da teoria da causalidade direta e imediata, exigin­ do uma causalidade necessária. Gonçalves,

71 72 73 74

Op. Op. Op. Op.

Cit., Cit., Cit., Cit.,

p. 360. p. 50. p. 360. p. 93.

324

Direito Civil - Vol.

11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Os defensores da causalidade necessária mencionam como embasamento codi­ ficado para tanto a redação do art. 403 do Código Civil, que fala em efeitos direto e imediato. Cita-se:75 A exigência deste vínculo direto e imediato não é inovação do direito brasileiro. Assim também 0 fazem 0 Direito Francês (art. 1.151), Italiano (art. 1.223) e Argentino (art. 520). S érgio C avaueri76, porém, ao abordar 0 artigo supracitado aduz que ele não tra­ balha com a teoria direta e imediata, ao passo que não exige a causa cronologi­ camente mais próxima ao evento danoso, não havendo identificação deste artigo com a teoria norte-americana intitulada de last clear chance. 0 que persegue 0 legislador civilista é a causa mais determinante, adequada. Persiste a divergência.

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça ?

A divergência contamina também a jurisprudência. 0 próprio S uperior T ri­ Justiça tem diferentes posicionamentos sobre 0 tema, conforme se infere dos julgados ora colacionados:

bunal de

a) Adotando a causalidade adequada: Agravo regimental - Agravo de instrumento - Responsabilidade civil - Des­ carga elétrica - Ausência de corte das árvores - Contato com fios de alta-tensão - Nexo de causalidade reconhecido - Culpa exclusiva da vítima - Inocorrência. 1. Em nenhum momento a decisão agravada cogitou da falta de prequestionamento dos artigos apontados como violados, ressentindo-se de plausibilidade a alegação nesse sentido. 2. 0 ato ilícito praticado pela concessionária, consubstanciado na ausência de corte das árvores localiza­ das junto aos fios de alta-tensão, possui a capacidade em abstrato de cau­ sar danos aos consumidores, restando configurado 0 nexo de causalidade ainda que adotada a teoria da causalidade adequada. 3. 0 acolhimento da tese de culpa exclusiva da vítima só seria viável em contexto fático diverso do analisado. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no Ag 682.599/ RS. Rei. Min. Fernando Gonçalves. Quarta Turma. Julgado em 25.10.2005. DJ 14.11.2005. p. 334).

b) Adotando a causalidade direta e imediata: Responsabilidade civil do Estado - Decisão condenatória transitada em jul­ gado - Liquidação - Extensão dos danos - Pretensão de revisão das provas - Impossibilidade - Súmula 07/STJ - Critério da razoabilidade da indenização.

1. Hipótese em que 0 cidadão (vítima) em 07.07.1984 foi arbitrariamente detido por oficiais da Marinha do Brasil em razão de simples colisão de seu veículo com outro conduzido por aspirante daquela Arma. Após

75

Art. 403. A in d a q u e a in e x e cu ç ã o re su lte d e d o lo d o d e v e d o r, a s p e r d a s e d a n o s só in clu e m os p re ju íz o s e fe tiv o s e o s lu c ro s c e s sa n te s p o r e fe ito d e la d ire to e im e d ia to , se m p re ju íz o d o d isp o s to na le i p ro c e s su a l.

76

Op. C it., p. 50.

Cap. II • Elementos gerais da responsabilidade civil

325

colidir, a vítima sofreu agressão física e verbal e foi ilegalmente presa por seis dias em cela da Marinha. Ficou incomunicável e sem cuidados médicos, comprovadamente diante do acórdão transitado em julgado no processo de cognição plena. 0 fato resultou em danos físicos e morais, e causo-lhe a deterioração da saúde. Devido ao desenvolvimento de isquemia e diabetes, teve, inclusive, os dedos dos pés amputados. 2. Ato ilícito, nexo direto e imediato, bem como danos comprovados e ratifica­ dos na instancia ordinária. [...] (STJ, REsp 776.732/RJ. Rei. Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado em 08.05.2007. Dj 21.05.2007. p. 558).

4.5. Concausas ou Concausalidade ou Causalidade Múltipla ou Causalidade Co­ mum Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho77, concausa significa 0 aconteci­ mento anterior, concomitante ou superveniente ao anterior que iniciou a relação causai, acrescentando-se a este na verificação do evento danoso. Verifica-se quan­ do 0 evento danoso surge diante de um conjunto de causas. Desta forma, estar-se-á diante de outra causa que, somando-se à primeira, reforça 0 resultado danoso. Registre-se que não há nem início e nem interrupção de nexo, mas sim reforço. Na feliz expressão de S érgio C avalieri78, é como se fora um rio menor que, desaguando em outro maior, reforça 0 seu volume. Lembra Flávio T artuce79, com base na classificação de Roberto S enise Lisboa, que as concausas classificam-se da seguinte forma: a) Concausalidade ordinária, conjunta ou comum: são condutas coordenadas de duas ou mais pessoas que, de maneira relevante, ocasionam 0 evento danoso. Nas pegadas das lições de V on T hur, verifica-se quando duas ou mais pessoas participam ou cooperam para 0 evento danoso. A consequência jurídica é a responsabilidade solidária, como posto no art. 942 do CC de to­ dos estes coautores. Exemplifica-se com duas pessoas que, conjuntamente, coagem alguém à prática de um ato. b) Concausalidade acumulativa: são condutas de duas ou mais pessoas, in­ dependentes entre si, que ocasionam 0 prejuízo. Neste cenário, responde cada um dos agentes na medida de sua culpa, nas pegadas do art. 944 e 945, ambos do CC. Exemplifica-se com 0 motociclista que, por estar sem capacete, vem a óbito ao ser atingido por uma carro. Trata-se da culpa con­ corrente, aprofundada no tópico sobre excludentes de responsabilidade civil.

77 Op. Cit., p. 9578 Op. Cit., p. 58. 79 Op. Cit., p. 364.

326

Direito Civil - Vol.

11

• Luciano Figueiredo e

R o b e rto

Figueiredo

c) Concausalidade alternativa ou disjuntiva: são condutas de duas ou mais pes­ soas sendo apenas uma delas relevante para a ocorrência do evento danoso. Exemplo: duas pessoas tentam espancar uma terceira, mas apenas uma delas acerta a vítima. A grande questão que, por vezes, desafia o futuro aprovado na prova é saber quando a concausa é apta a interromper o nexo causai já iniciado, gerando um novo elo? Em sendo a concausa absolutamente independente em relação à conduta do agente - podendo ser preexistente, concomitante ou superveniente - haverá rom­ pimento do nexo causai originário. Os exemplos doutrinários são os mais criativos. Imaginem, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho80, o cidadão que fora alvejado por um tiro, mas, antes do seu falecimento, é vitimado por um terremoto. Trata-se de uma concausa superveniente absolutamente independente, rompen­ do o nexo causai e não respondendo o atirador pelo evento morte. 0 mesmo raciocínio, segundo os autores, aplica-se à concausa preexistente absolutamente independente - a exemplo da ingestão de veneno, antes do tiro, sendo aquela causa responsável pelo óbito -, e concomitante absolutamente independente - a exemplo de um derrame cerebral violento, causador real do óbito, no mesmo momento em que houve o disparo. Raciocínio diverso, porém, impõe-se quando estivermos diante de uma con­ causa relativamente independente, entendendo-se por esta aquela que incide no curso do processo e soma-se à conduta do agente. Neste cenário havemos de perquirir se tal concausa é preexistente, concomitante ou superveniente. Em sendo concausa relativamente independente preexistente ou concomitante não será apta a excluir o nexo de causalidade e, logicamente, a obrigação de inde­ nizar, como informa S érgio C avalieri81. Exemplificam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona FiLHo82com o cidadão que, por ser diabético, vem a falecer de uma lesão perpetra­ da por outro, ou ainda da pessoa que leva um tiro, mas vem a falecer de susto, por parada cardíaca. Nos exemplos em análise - o primeiro de causa preexistente e o segundo de concomitante - persiste a responsabilidade civil, não se falando de interrupção do nexo de causalidade. Outro exemplo de concausa relativamente independente nos é fornecido por GoNÇALVEs83ao informar que não se culpa o médico pela morte da pacien­

Carlos Roberto

80 Op. Cit., p. 96.

81 Op. Cit., p. 59. 82 Op. Cit., p. 96. 83

Op. Cit., p. 353-

Cap. II • Elementos gerais da responsabilidade civil

327

te, durante um parto, em razão da ruptura de edema, de origem congênita, e que não guardava nenhuma relação com o parto. Já a concausa relativamente independente superveniente pode, sim, ser apta a romper o nexo de causalidade, como o exemplo já citado do cidadão que é agredido em um jogo de futebol e vem a falecer em razão do acidente de carro, quando transportado para o atendimento hospitalar. Há, aqui, uma nova causa direta e imediata de um novo dano. Todavia, nem sempre haverá novo nexo. Carlos Roberto G onçalves84 exemplifica que se a vítima do atropelamento não for socorrida a tempo e vier a óbito em função da perda de muito sangue, esta última concausa apenas reforça o evento danoso anterior e não romperá o nexo causai. Ou seja, na concausa relativamente independente superveniente haverá de ser analisado o caso concreto para aferição se houve, ou não, o rompimento do nexo. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2017 Banca: CESPE Órgão: DPE-AC. Prova: Defensor Público. Gabarito: É permitido ao réu fazer prova de ter havido concorrência culposa da vítima, 0 que viabiliza 0 arbitramento equitativo da indenização de repa­ ração por danos morais. Ano: 2017 Banca: CESPE Órgão: TJ-PR Prova: Juiz Substituto Ana, maior de sessenta e cinco anos de idade, valendo-se da gratuidade constitucional do transporte coletivo urbano, ingressou em ônibus da em­ presa Transpark S.A. e declarou 0 valor da bagagem em R$ 10.000, 0 que foi aceito pela transportadora. Durante 0 trajeto, 0 veículo que estava à frente do ônibus freou abruptamente, sem causa aparente. 0 motorista do coletivo, visando não colidir, perdeu 0 controle do carro e caiu em uma ponte, ocasionando perda de bens e lesões em vários passageiros, entre eles, Ana, que ingressou em juízo pleiteando danos morais e esté­ ticos, além de danos materiais pela perda total da bagagem. A empresa, por sua vez, alegou a ocorrência de fato exclusivo de terceiro, 0 que ficou comprovado mediante laudo pericial da polícia civil. Nessa situação hipotética, de acordo com 0 Código Civil, com 0 entendi­ mento doutrinário sobre 0 tema e com a jurisprudência do STJ, Gabarito: ainda que demonstrado 0 fato exclusivo de terceiro, a respon­ sabilidade da empresa não é elidida em relação a Ana.

84

op. Cit., p. 353-

« > :4

r O li’

Capítulo

Excludentes de responsabilidade civil l. CONCEITO E OBjETO DE ESTUDO As excludentes de responsabilização são circunstâncias que afastam o dever de reparar por fulminarem o nexo de causalidade. Sem o nexo - um dos três elementos gerais da responsabilidade civil (conduta, dano e nexo) - não há res­ ponsabilidade civil e, por conseguinte, dever de reparação. 0 instituto costuma ser denominado na doutrina de causas excludentes de responsabilidade civil ou de causas excludentes do nexo causai1. Trata-se de importante instituto que, em várias oportunidades, é utilizado pe­ los tribunais na solução de conflitos, como já ocorreu com a Súmula 1 3 2 do S uperior T ribunal de Justiça segundo a qual "A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva 0 veículo alienado". Realmente, a falha administrativa não podería repercutir na esfera cível da reparação civil por absoluta ausência de nexo entre 0 acidente provocado pelo atual proprietário e 0 dano experimentado pela vítima. De fato, qual seria a participação do antigo proprietário neste evento? Eis um belo exemplo da importância do nexo causai. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: CESPE Órgão: PGM - Manaus - AM Prova: CESPE - 2018 PGM - Manaus - AM - Procurador do Município À luz das disposições do direito civil pertinentes ao processo de inte­ gração das leis, aos negócios jurídicos, à prescrição e às obrigações e contratos, julgue 0 item a seguir. De acordo com 0 STJ, a transferência de veículo pelo segurado, sem a p ré v ia a n u ê n cia d a se g u ra d o ra , é, p o r si só, fato suficie n te p a ra e xim i-la

do dever de indenizar caso referido bem sofra sinistro após a data da alienação. Gabarito: "Errado".

1

Conforme os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho. In Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 63.

330

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Alguns autores, a exemplo de Pablo Stolze Cagliano e Rodolfo Pamplona Filho2 sustentam, ainda, que na modalidade subjetiva de responsabilização, as excludentes, além de afastarem o nexo de causalidade, são capazes de afastar a con­ figuração da culpa, a exemplo do caso fortuito e da força maior. Isto, porém, não significa que tais excludentes se aplicam apenas à responsabilidade civil subjetiva. Justamente por quebrarem o nexo de causalidade também devem incidir na seara objetiva. As excludentes de responsabilidade civil impossibilitam o adimplemento obrigacional por fato superveniente, não imputável ao devedor. Buscando uma análise sistemática do tema, serão abordadas as seguintes excludentes de responsabilização: a) Estado de Necessidade b) Legítima Defesa c) Exercício Regular de Direito e Estrito Cumprimento do Dever Legal d) Caso Fortuito e Força Maior e) Culpa Exclusiva da Vítima ou Fato Exclusivo da Vítima f) Fato de Terceiro g) Cláusula de Não Indenizar Passamos a análise de cada uma das supramencionadas excludentes. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Apresentando as principais hipóteses de exclusão da responsabilidade ci­ vil, em concurso para o TRF-p região foi apresentada a seguinte questão, com as respectivas alternativas, sendo considerada a correta a alínea "a": 0 fato lesivo, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, gerando a alguém dano patrimonial ou mo­ ral, acarreta o dever de indenizar, quando praticado: a) em desacordo com a ordem jurídica; b) em legítima defesa; c) em es­ tado de necessidade; d) no exercício regular de um direito reconhecido; e) com deterioração da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo." 2. ESTADO DE NECESSIDADE 0 estado de necessidade é uma exdudente prevista expressamente no Código

Civil (art. 188, II do CC). Nele, "0 agente, por exemplo, para desviar-se de um precipí­ cio, na direção de veículo, lança-se sobre uma pessoa; para desviar-se de uma árvore 2

In Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. III. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 101.

C a p . Ill

• Exdudentes de responsabilidade civil

331

que tomba a sua frente inopinadamente, invade e danifica a propriedade alheia", como ilustra S ílvio de Salvo V enosa3. Trata-se de instituto já previsto no anterior Código Civil de 1916, particular­ mente, no art. 160 (revogado) segundo 0 qual não constitui ilícito a "deterioração ou destruição da coisa alheia para remover perigo iminente". 0 Código Civil de 2002 manteve e melhorou 0 dispositivo para incluir a lesão à pessoa como hipótese passível de também se enquadrar no estado de necessidade. Nas pegadas da legislação civilista (conceito legal), configura-se 0 estado de necessidade quando há a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente. Esta conduta lícita será legítima desde que as circunstâncias a tornem absolutamente necessárias e não haja excesso aos limites do indispensável para remoção do perigo. É dizer: para evitar um dano iminente, a vítima atinge a esfera jurídica alheia. Doutrinariamente, conceitua-se 0 estado de necessidade na conduta de dete­ rioração ou destruição de bem jurídico alheio, de valor jurídico igual ou inferior ao interesse que se pretende proteger, visando à remoção de perigo iminente e quando as circunstâncias do fato não autorizem outra forma de atuação. Pa­ blo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho4 definem 0 instituto como uma situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pre­ tende proteger para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do fato não autorizam outra forma de atuação. Infere-se, por parte da doutrina, um conceito segundo a ponderação de inte­ resses. Há de se entender 0 instituto, portanto, à luz dos princípios da proporcio­ nalidade e da razoabilidade. Verifica-se a afronta a um interesse jurídico tutelado para preservação de outro, cujo valor é igual ou superior. Tal atuação há de ser proporcional. Caso não 0 seja, estar-se-á diante de uma conduta ilícita, resultando em abuso de direito. Como 0 ato emulativo ocasiona responsabilidade objetiva, 0 excesso é punido independentemente da presença da culpa (art. 187 do CC)5. É dizer: 0 abuso, 0 excesso, acarreta responsabilidade civil por escapar da cobertura normativa indicada. Ademais, se no exercício de um estado de necessidade for atingido interesse de terceiro inocente, este deve ser indenizado. 0 ordenamento jurídico brasileiro vai além. Ordena que a reparação seja realizada pelo próprio agente que agiu em estado de necessidade - isto mesmo, por aquele que agia em conduta permitida pelo direito - tendo ação regressiva em face do verdadeiro causador do dano (arts. 929 e 930 do CC).

3

In Direito Civil. 7. ed.. São Paulo: Atlas, 2007. p. 54.

4

In Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. III. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 102.

5

Sobre 0 tema, remete-se ao capítulo que se dedica à análise do abuso de direito.

332

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► E na hora da prova?

Ano: 2017 Banca: FCC Órgão: TST Prova: Juiz do Trabalho Substituto. Em uma pequena comunidade, em que todas as construções foram erguidas com a instalação de portas de madeira de alto custo, Nero, ali residente, soltou, em plena época de festejos juninos, um balão que caiu sobre a casa de Antônio, incendiando-a por completo. Entre as casas de Antônio e de João, ficava a de Pedro, que foi alcançada pelo fogo. João, para evitar 0 alastra­ mento das chamas e 0 eventual acometimento da morada de sua família, derrubou, a machadadas, a porta da casa de Pedro e, ali dentro, conse­ guiu debelar 0 incêndio e evitou maiores prejuízos, removendo perigo iminente. Restou constatado que, pelas circunstâncias, a conduta de João foi necessária e não excedeu os limites do indispensável para a remoção do perigo. Diante de tal cenário, com relação aos estragos ocasionados à porta da casa de Pedro, este Gabarito: poderá obter indenização de João, apesar de este não ter pra­ ticado ato ilícito, ou de Nero, cabendo a João ação regressiva contra este. Para muitos 0 raciocínio em comento revela uma completa incongruência6, pois aquele que age licitamente tem 0 dever de indenizar, tendo apenas ação regressi­ va posterior. Porém, é justamente a opção codificada. Elucidativos são os exemplos doutrinários sobre 0 tema. 0 primeiro remete a uma pessoa dirigindo 0 seu veículo, em completa obser­ vância às regras de trânsito, quando, repentinamente, depara-se com uma criança no meio da pista. Para não atropelá-la, acaba por colidir com um veículo estacio­ nado e vazio. 0 proprietário do automóvel, em não sendo 0 pai da criança (cau­ sador do dano), haverá de ser ressarcido pelo condutor do veículo - isto mesmo; àquele que agiu em estado de necessidade -, quem terá ação de regresso em face do pai da criança (real causador do dano). 0 mesmo acontece se um 0 condutor, para não atropelar a aludida criança, colide com um muro. 0 proprietário do muro há de ser ressarcido pelo condutor, que terá ação em regresso em face do pai do menor. Em um se g u n d o e x e m p lo , n a r r a -s e um in c ê n d io em q u e um te rc e iro , com o fito

de salvar-se, arromba a porta do prédio ao lado. Caso 0 proprietário do prédio ao lado não seja 0 causador do incêndio, haverá de ser ressarcido pelo terceiro, que terá ação regressiva em face do real causador do dano (incêndio).7

6

Nesse sentido Flávio Tartuce. In Direito Civil. 4. ed. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2009. p. 556.

7

No particular lembrar-se que responde a empresa por estar 0 preposto no exercício da função, falando-se em responsabilidade civil indireta e objetiva (arts. 932 e 933 do CC). Remete-se ao capí­ tulo específico sobre 0 tema; qual seja: responsabilidade civil indireta.

Cap. Ill • Excludentes de responsabilidade civil

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

333

J ustiça ?

por mais de uma oportunidade, já comun­ gou da linha de raciocínio aqui explicitada. Transcreve-se uma ementa exemplificativa:

0 S uperior T ribunal

de

Justiça,

Responsabilidade Civil. Indenização. Preposto de empresa que, buscando evitar atropelamento, procede a manobra evasiva que culmina no abalroamento de outro veículo. Verba devida pela empresa, apesar do ato ter sido praticado em estado de necessidade. Direito de regresso assegurado, no entanto, contra o terceiro culpado pelo sinistro. (STJ. REsp 124.527-SP. DJU 5-6-2000. RT 782/211)7. Estado de necessidade. Ônibus. Freada que provoca queda de passageiro. A empresa responde pelo dano sofrido por passageira no interior do coletivo, provocada por freada brusca do veículo, em decorrência de estilhaçamento do vidro do ônibus provocado por terceiro. 0 motorista que age em estado de necessidade e causa dano em terceiro que não provocou 0 perigo, deve a este indenizar, com direito regressivo contra 0 que criou 0 perigo. (STJ, 209.062/RJ). 0 motorista que, ao desviar de "fechada" provocada por terceiro, vem a colidir com automóvel que se encontra regularmente estacionado responde perante 0 proprietário deste pelos danos causados, não sendo elisiva da obrigação indenizatória a circunstância de ter agido em estado de necessidade. Em casos que tais, ao agente causador do dano assiste tão-somente direito de regresso contra 0 terceiro que deu causa à situação de perigo (STJ, REsp. 12.840/RJ). Na sistemática do direito brasileiro, 0 ocasionador direto do dano responde pela reparação a que faz jus a vítima, ficando com ação regressiva contra 0 terceiro que deu origem à manobra determinante do evento lesivo (STJ, REsp. 127.747/CE).

Pablo Stolze Gacliano e Rodolfo Pamplona Filho8 distinguem 0 estado de necessidade da legítima defesa, esclarecendo que naquela "0 agente não reage a uma situação injusta, mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto".

Seguindo a influência do direito penal, há quem realize distinção entre estado de necessidade defensivo e agressivo. No defensivo, 0 agente, com 0 escopo de preservação de bem jurídico próprio ou alheio, sacrifica bem pertencente ao causador da situação de perigo. Exem­ plifica-se quando, nos casos narrados acima, 0 patrimônio atingido foi do pai da criança ou do causador do incêndio. Aqui não haverá dever de indenizar. Já no agressivo, 0 agente, com 0 objetivo de preservar bem jurídico próprio ou alheio, sacrifica patrimônio de terceiro. Aqui, 0 agente que agiu em estado de necessidade haverá de indenizar, tendo posterior ação em regresso em face do terceiro, conforme exemplos já narrados (arts. 929 e 930 do CC). Interessante que, pela sistemática codificada, no estado de necessidade agres­ sivo há dever de indenizar pela prática de um ato lícito. Trata-se de situação 8

In Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. III. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 102.

334

D ir e it o C ivil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

excepcional e incongruente com o sistema despatrimonializado e repersonificado do direito civil, como já explicitado. Isto, porque, nos exemplos aqui trabalhados, aquele que priorizou a vida será responsabilizado, tendo mera ação em regresso. Esta, em virtude de várias situações - falando por todas: a execução vazia - pode não alcançar o objetivo pretendido. Penaliza-se, assim, aquele que salvou uma vida humana. Apesar da crítica, digno de nota que o Código Civil vigente promoveu certo melhoramento do tema em relação à codificação anterior. Sim, ao revés do Códi­ go de 1916, que apenas previa 0 instituto para lesões patrimoniais, alargou-se 0 campo de incidência, contemplando danos às pessoas. Filiou-se 0 sistema vigente ao Italiano. Logo, na dicção do art. 188, II do CC, fala-se em estado de necessidade tanto quando há deterioração ou destruição de coisa alheia como também quando se verifica lesão à pessoa9. Por fim, por força do art. 65 do CPP, a decisão penal que haja reconhecido estado de necessidade faz coisa julgada no cível. S ílvio de S alvo V enosa diante da previsão codificada em confronto com a legislação penal adverte: "0 dano causado em estado de necessidade não isenta seu causador, mesmo que tenha sido absolvido na esfera criminal [...] embora parte da doutrina sustente que a legislação processual penal tenha alterado a norma civil. Não é 0 que sustenta a jurisprudência"101. Isto, po­ rém, não quer dizer que tal reconhecimento vai ocasionar 0 dever de reparação no cível, em virtude do já abordado.

3. LEGÍTIMA DEFESA A legítima defesa justifica a conduta lesiva, pois a ordem jurídica deve reco­ nhecer ao indivíduo a possibilidade deste usar dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente, contra si ou contra alguém de seu ciclo social, não apenas na defesa de bens materiais, como de bens imateriais da personalida­ de humana. Também é isso 0 que pensa S ílvio de S alvo V enosa11. A legítima defesa está prevista no Código Civil como excludente de responsabi­ lidade (art. 188, 1 do CC). O agente reage a uma agressão injusta, atual ou iminente, dirigida a si ou a terceiro, utilizando os meios necessários, sem excessos. 0 excesso, caracterizado pela utilização de via imoderada e desproporção no ato de defesa (neste caso, ilegítima), configura 0 dever de reparar por afastar-se do preceito normativo.

9

Nesse sentido Carlos Roberto Gonçalves. In Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 459.

10

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 55.

11

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 53.

Cap. Ill • Exdudentes de responsabilidade civil

335

0 art. i88, I, do CC é doutrinariamente denominado de legítima defesa real, cujo conceito é deveras próximo ao da seara penal, explicitado no art. 25 do CP.

0 estudo da legítima defesa demonstra que apesar do direito repelir a vingança privada, como excludente, admite que, em situação específica, 0 indivíduo defenda-se, afastando agressão atual ou iminente de maneira proporcional. Se houver ex­ cessos, assim como no estado de necessidade, a hipótese é de abuso de direito, falando-se em responsabilidade objetiva pelo ato emulativo (art. 187 do CC). Ainda de forma análoga ao estado de necessidade, se interesse de terceiro inocente for atingido, haverá de ser indenizado pelo próprio agente que agiu em legítima defesa. Este terá posterior ação em regresso em face do real causador do dano (arts. 929 e 930 do CC). É a hipótese de aberratio ictus, na qual, por erro de pontaria ou engano, no exercício da legítima defesa é atingida pessoa de terceiro ou 0 seu patrimônio. Neste sentido a doutrina de S ílvio de Salvo V enosa12: "Se, porém, no ato de legítima defesa, 0 agente atinge terceiro ou os bens deste (aberratio ictus), deve reparar 0 dano, dispondo de ação regressiva contra 0 ofensor, para reembolso da indenização paga". ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça ? 0 S uperior Tribunal de Justiça, por mais de uma oportunidade, já assegurou tal direito. Transcreve-se ementa exemplificativa: 0 agente que, estando em situação de legítima defesa, causar ofensa a terceiro por erro de execução, responde pela indenização do dano, se provado no juízo cível sua culpa. A possibilidade de responsabilização, no caso da legítima defesa com aberratio ictus, ou no estado de necessidade contra terceiro que não provocou 0 perigo, não exclui 0 exame da culpa do agente na causação da lesão em terceiro. (RSTJ 113/290).

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para Analista Judiciário - Área Judiciária/ TRT 15a Região, realizada pela banca FCC, ano de 2013, trouxe a questão a seguir: Ernesto envolveu-se em uma briga de bar na qual desferiu socos e pon­ tapés em todos a seu redor, incluindo José, dono do bar, que estava longe dos contendores e nada tinha que ver com a briga. Machucado, José ajuizou ação de indenização contra Ernesto, 0 qual se defendeu alegando legítima defesa. 0 pedido deverá ser julgado Gabarito: procedente, com a responsabilização subjetiva de Ernesto, que agiu com dolo. 0 instituto da legítima defesa também fora adotado na seara do tratamento da posse no direito civil. Com efeito, exigindo requisitos análogos aos aqui explicita­ dos, autoriza 0 art. 1.210 do CC a legítima defesa da posse nos casos de turbação e 0 desforço incontinente no esbulho. Tanto em um, como no outro caso, a ação há 12

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. p. 53.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

de ser imediata e proporcional, punindo-se o excesso. A expressão utilizada pela doutrina nessas situações é destorço incontinente. Apesar de a doutrina civilista reconhecer a legítima defesa de terceiro como excludente, não se fala em legítima defesa putativa como apta a afastar a respon­ sabilidade civilista. Pablo Stolze C acliano e Rodolfo Pamplona F ilho13 sustentam que a legítima defesa pu­ tativa "não isenta o seu autor da obrigação de indenizar", tendo em vista que esta hipótese interfere tão somente no âmbito da culpabilidade penal. Curiosamente, neste caso o envolvido será absolvido na esfera crime, porém condenado no âm­ bito civil. Tal posicionamento, hoje, é majoritário.

► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça ?

S uperior T ribunal de Justiça, por mais de uma oportunidade, já afirmou que não há aplicabilidade da legítima defesa putativa no direito civil, perma­ necendo a obrigação de indenizar. Transcreve-se ementa:

0

Civil - Dano moral - Legítima defesa putativa. A legítima defesa putativa supõe negligência na apreciação dos fatos e por isso não exclui a responsa­ bilidade civil pelos danos que dela decorram. Recurso Especial conhecido e provido. (STj. REsp 513.891/RJ. Processo 2003/00332562-7. 3a Turma. Rei. Min. Ari Pargendler. J. 23.03.2007. DJU 16.04.2007).

Na legítima defesa putativa 0 agente reage a uma agressão imaginária, suposta, irreal, utilizando-se de meios proporcionais. Verifica-se quando um agente, imagi­ nando (equivocadamente) que seu desafeto iria 0 agredir, por caminhar em sua direção e colocar uma mão no bolso, contra-ataca primeiro, agredindo-o. Em síntese: malgrado a legítima defesa putativa interferir na análise da cul­ pabilidade penal (excludente de culpabilidade e dirimente penal), não exclui 0 ilícito (antijuridicidade) da conduta na seara cível. Assim, no mundo do direito civil haverá de falar-se de ato ilícito e ressarcimento. Também assim pensa a doutrina de S ílvio de Salvo V enosa14: "A legítima defesa putativa não inibe 0 dever de indenizar, porque exclui a culpabilidade, mas não a antijuridicidade". P o r fim , re g is tra -s e q u e p o r fo rç a d o art. 65 d o CPP, a d e c is ã o p e n a l q u e h a ja

reconhecido legítima defesa faz coisa julgada no cível. 4. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Trata-se de mais uma excludente de responsabilidade civil reconhecida na le­ gislação, especificamente no art. 188 do CC. Destarte, se alguém age protegido

13 14

In Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. Vol. III. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 101. In Direito Civil. 7. ed.. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

Cap. Ill • Exdudentes de responsabilidade civil

337

pelo direito, não poderá estar atuando em desrespeito deste mesmo direito. 0 raciocínio é elementar. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho15 exemplificam com: a) a autorização do Poder Público para desmatamento controlado de determinada área rural, com o escopo de posterior plantio; b) pequenas violações à integridade física em função de práticas esportivas, a exemplo do boxe, MMA ou futebol.

Sobre o último exemplo os autores apresentam uma análise à luz do princípio da adequação social, remetendo apenas ao exercício regular do direito caso a lesão seja cometida no exercício desportivo, sem excessos ou dolo. Decerto, no momento em que se fala de excesso no exercício do direito remete-se ao abuso de direito, o qual remonta a uma responsabilidade de índole objetiva, indepen­ dentemente de culpa, a partir de um critério objetivo-finalístico (art. 187 do CC e Enunciado 37 do CJF)16. 0 excesso, por conseguinte, deve ser punido de forma veemente. Para muitos, no caso de atividades desportivas, 0 agressor, que pratica 0 ato de forma dolosa, deve ficar afastado da atividade pelo mesmo tempo em que 0 agredido. 0 leading case no Brasil é 0 caso do atleta Dodô, lateral esquerdo do Esporte Clube Bahia que fora lesionado por suposta prática dolosa de Bolívar, jogador do Internacional. 0 Superior T ribunal de Justiça D esportiva (STJD) determinou que Bolívar não jogasse até a completa recuperação de Dodô. Puniu, portanto, 0 excesso, 0 abuso por violação ao princípio da adequação social. Contudo, à margem de legislação a prever, es­ pecialmente no direito civil, esta hipótese, deve-se melhor refletir sobre 0 tema à luz do princípio da legalidade.

Na jurisprudência há alguns interessantes precedentes versando sobre 0 tema. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça ? de Justiça já afirmou ser exercício regular de direito a ins­ crição do nome em cadastros de restrição ao crédito (SPC e SERASA, por exemplo), desde que diante do inadimplemento e consoante 0 devido processo legal - atento, dentre outros, ao dever de prévia comunicação. Cita-se:

0 S uperior T ribunal

Indenização. Inscrição no SPC. 0 posicionamento do Tribunal decorreu da análise do contrato celebrado entre as partes, bem como do conjunto pro­ batório dos autos, considerando que não houve conduta ilícita da ré ao determinar a inscrição no cadastro de inadimplentes em razão da falta de pagamento das mensalidades do curso. Consta do acórdão que hou­ ve, na verdade, 0 descumprimento do contrato por parte do autor, que

15 16

Op. Cit., p. 101. 0 tema abuso de direito está devidamente verticalizado no capítulo que se dedica à responsabili­ dade objetiva, para 0 qual remete 0 leitor.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

deixou de comunicar a sua desistência do curso conforme previsão con­ tratual expressa. Também considerou o acórdão que não restou compro­ vada a alegação de propaganda enganosa. (STJ, Acórdão: AGR 555.171/RS (200301802977), 557358. Agravo regimental no agravo de instrumento. Data da decisão: 25.05.2004. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Fon­ te: DJ 02.08.2004. p. 379).

0 mesmo raciocínio enunciado pode ser aplicado ao protesto de título na hipótese de ausência de pagamento no prazo fixado. Caso, porém, a duplicata seja irregular ou não aceita, mais uma vez restará verificado 0 abuso de direito, falando-se na necessidade de indenização. Menciona-se mais uma decisão do STJ: AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL DUPLICATA - PROTESTO INDEVIDO - ENDOSSO-TRANSLATIVO - DANOS MORAIS CA­ RACTERIZADOS - FIXAÇÃO - RAZOABILIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA - INCIDÊNCIA - ARBITRAMENTO DA VERBA - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. I. A ju risp rudência desta Corte é pacífica ao proclam ar que, tratando-se de duplicata irregular, desprovida de causa ou não aceita, hipótese observada no caso em tela, deve 0 Agravante responder por eventuais danos que tenha causado, em virtude desse protesto, pois, ao encam i­ nhar a protesto título endossado, assum e 0 risco sobre eventuais danos que possam ser causados ao sacado. Assim, não há que se falar em exercício regular de direito. II. É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar 0 valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que 0 quantum arbitra­ do pelo Acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso em tela. III. A orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal, nos casos de indenização por danos morais, é no sentido de que deve in­ cidir a correção monetária a partir da fixação de um valor definitivo para a condenação, in casu, 0 Acórdão recorrido.IV . IV. 0 Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a con­ clusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo Regimental improvido. (STJ. AgRg no Ag 1380089 / SP. AGRAVO REGI­ MENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2011/0003536-5. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Terceira Turma. Data do Julgamento: 12.04.2011.)

Seguindo 0 STJ, há interessante julgado imputando responsabilidade civil aos empregadores, por queda do edifício de empregada, tran­ cada em apartamento, por suspeita de furto, em função do abuso de direito. Não assiste aos empregadores a prerrogativa de trancar a empregada em apartamento para averiguação de suposto furto, configurando-se conduta ilícita por ato emulativo. Cita-se trecho da ementa: Civil e Processo civil. Responsabilidade civil. Empregada doméstica. Suspei­ ta de furto. Trancamento no apartamento. Queda do edifício. Suspeita de suicídio. Irrelevância. Responsabilidade dos patrões. Exercício regular de direito. Inocorrência. Uso imoderado do meio. [...]. (REsp. 164.391/RJ. Rei. Min. Sálvio de Figueiredo. Julgado em 28.6.1999).

Cap. Ill • Excludentes de responsabilidade civil

► Como se pronunciou o T ribunal S u perior 0 T ribunal S uperior

do

do

339

T rabalho ?

T rabalho referendou entendim ento q ue o

empregador

p od e fiscalizar o e-mail corporativo do e m p regado, e, inclusive d e sp e d i-lo por justa causa na hipótese de uso in d e vid o , a exem plo de ve iculação de m aterial pornográfico. Em sen d o o e m p re g a d o r resp o n sável - indireta e ob jetiva - p o r atos do em p regado (art. 932 do CC), detém 0 exercício re ­ gular do d ire ito d e fiscalização , não se falan do em q u e b ra de p riva cid ad e ou sigilo, p ois, re p isa -se , 0 e -m ail é pro fissio nal. C ita-se trecho da em enta: Prova ilícita - E-mail corporativo - Justa causa - Divulgação de material por­ nográfico. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comu­ nicação estritamente pessoal, ainda que virtual ( e-mail particular). Assim, apenas 0 e-m ail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta a proteção constitucional e legal da invio­ labilidade. 2. Solução diversa im põe-se em se tratando do chamado e-m ail corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante 0 qual 0 empregado louva-se de term inal de computador e de provedor da em presa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponi­ bilizado igualmente pela em presa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. [...]. Ostenta, pois, natu­ reza jurídica equivalente a uma ferram enta de trabalho proporcionada pelo em pregador ao empregado para a consecução do serviço. [...]. A experiência subm inistrada ao magistrado pela observação do que ordina­ riamente acontece revela que notadamente 0 e-m ail corporativo não raro sofre acentuado desvio de finalidade, mediante sua utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo 0 envio de fotos pornográficas. [...]. (TST. Proc. RR 613/2000-013-10-00. Publicação: DJ 10.06.2005. Primeira Turma. Relator: João Oreste Dalazen).

S ílvio de Salvo V enosa adverte, entretanto, que se no exercício regular de um direito ocorrer lesão a bem jurídico de terceiro, 0 agente estará obrigado a reparar 0 dano: "Quando, porém, se trata de exercício legal de um direito que atinge bem jurí­ dico de terceiro, 0 agente estará obrigado a reparar 0 dano"17

Discussão interessante é saber se 0 estrito cumprimento de dever legal tam­ bém seria exdudente de responsabilidade civil, ao passo que 0 art. 188 codificado não 0 menciona expressamente. Para concursos mais objetivos, organizados principalmente pela FCC ou ESAF, 0 aluno deve ficar extremamente atento ao texto de lei. Assim, se a questão indagar quais as excludentes contempladas pelo Código Civil, não deve ser inserido 0 estrito c u m p rim e n to d o d e v e r le g a l.

Cediço, porém, que a doutrina, seguindo os ensinamentos de Frederico M arques, insere 0 estrito cumprimento do dever legal no rol das excludentes, ao lado do exercício regular de direito. É assim desde a época do CC/16.

17

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

340

Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o Figueiredo e

R o b e rto

Figueiredo

Na jurisprudência costumam os livros recordarem da solicitação de alguns es­ tabelecimentos para que os consumidores deixem seus bens em um guarda-volu­ mes, enquanto estão nas dependências da loja. A conduta é lícita, referendada por um exercício regular de direito ou um estrito cumprimento de um dever legal.18 Recorda Carlos Roberto Gonçalves19 que nos casos de estrito cumprimento do dever legal do agente público, malgrado o agente não ser responsabilizado, a vítima pode buscar indenização perante o Estado, haja vista a responsabilidade objetiva do Po­ der Público por ações comissivas (art. 37, §6° da CF/88). Neste caso, porém, 0 Estado não terá ação regressiva em face do agente - apenas cabível em situações de dolo ou culpa - por este estar amparado pela excludente de responsabilização. 5.

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Segundo S ílvio de Salvo V enosa, o caso fortuito e a força maior excluem a res­ ponsabilidade civil porque, à vista deles "inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e 0 resultado danoso". Lembra 0 autor que 0 caso fortuito, denominado act of god (ato de Deus no direito anglo-saxão) "decorrería de forças da natureza, tais como terremoto, a inundação", enquanto a força maior "de atos humanos inelutáveis"20. Reconhece, porém, 0 doutrinador, a própria imprecisão destes conceitos por força das divergências acadêmicas admitindo que alguns au­ tores relacionam 0 caso fortuito a ideia da imprevisibilidade e irresistibilidade, ao contrário da força maior, relacionada por algo irresistível, porém previsível. São excludentes de responsabilidade civil, previstas no art. 393 do Código Civil atual, equivalente ao art. 1.058 do Código de 1916. Neste aspecto não há diferença entre a anterior e a atual legislação. Sobre 0 caso fortuito e a força maior reputa enorme polêmica acadêmica, em vista da dificuldade doutrinária de diferenciar os institutos (qual a diferença entre caso fortuito e força maior?). A celeuma é tão grande que, por vezes, se percebe doutrinadores com posições diametralmente opostas, gerando confusão concei­ tuai. A divergência, porém, é meramente doutrinária. 0 Código Civil não se ocupou em conceituar os institutos. Justo por isto, Pablo Stolze Gacliano e Rodolfo Pamplona Filho21, 18 Acerca do assunto, menciona-se julgamento da Casa Judicial Gaúcha: Responsabilidade Civil. Solici­ tação para deixar a sacola no guarda-volumes, dentro do estabelecimento do hipermercado. Praxe adotada no comércio. Dano moral. Inexistência. Cliente que se sente incomodado ao ser solicitado pelo funcionário da loja para que deixe a sacola no guarda-volumes. Inocorrência de dano moral. Procedimento de rotina, adotado para com todos os clientes. Ausência de discriminação racial, pelo fato do autor ser negro. Os funcionários agiram com estrito cumprimento do dever legal. Não de pode considerar qualquer dissabor enfrentado pelas pessoas no seu cotidiano, como fato passível de indenização por dano moral. Apelação Desprovida. (Ap. Cível número 70002638112. Décima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rei. Des. Luiz Ary Vessini de Lima. J.

25.10.2011). 19 Op. Cit., p. 462. 20 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 45. 21 Op. Cit., p. 110.

C a p . Ill

• Excludentes de responsabilidade civil

341

bem como S ilvio de S alvo V enosa22, informam inexistir importância pragmática em tal di­ ferenciação. Concordamos para avançar no sentido de nos parecer que a distinção desprestigia o princípio da operabilidade do Direito Civil. Ocorre que, para provas subjetivas, por vezes é importante tal distinção. Em um esforço doutrinário, percebe-se que:

M a ria H e le n a Diniz

F o rça M a io r

C a s o F o rtu ito

Conhece-se 0 motivo ou causa que dá ocorrência ao fato, 0 qual decorre da natureza. Ex.: raio, terremoto, fortes chuvas.

A causa é desconhecida, como 0 rompimento de um cabo elétrico. i ■■■

A g o stin ho A lvim

Á lv a ro V illa ç a A zeved o

C a r lo s R o b e rto G o n ça lv e s

0 fato

Acontecimento externo. Tam­ Impedimento relacionado à bém chamado de fortuito ex­ pessoa do devedor ou sua terno ou art of God. ; empresa. É 0 chamado fortuito interno. Fato de terceiro ou do credor. Atuação humana, não ligada ao devedor, que impossibilita 0 cumprimento obrigacional.

Acontecimento provindo da natureza sem qualquer inter­ venção humana.

Derivada de acontecimentos Decorre de fato alheio à vonta­ naturais. Ex.: Raio, inundação e de das partes. Ex.: greve, moterremoto. ; tim e guerra.

que a maioria da doutrina -cite-se, como exemplo, P ablo S tolze C acliano e bem como S érgio C avalieri F ilho24 - sustenta que tanto o caso for­ tuito, como a força maior, ligam-se à noção do inadimplemento sem culpa, sendo excludente de responsabilização por afastamento do nexo causai. é

R odolfo P amplona F ilho23,

A força maior (Act of Cod) seria inevitável, ainda que previsível, por ter sua causa conhecida. Relaciona-se a eventos da natureza, como o terremoto, já o caso fortuito é imprevisível para o homem médio, como um atropelamento. Decorre de condutas humanas. A imprevisibilidade em comento, conforme lembra S érgio C avalieri F ilho25, há de ser analisada no caso concreto, e não em abstrato, sob pena de tudo passar a ser previsível. Ademais, a inevitabilidade deve ser observada segundo parâme­ tros médios de conduta. Logo, deve-se exigir mais segurança em um banco do que em um estacionamento.26 22

In Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 254.

23

Op. Cit., p. 111.

24

Op. Cit., p. 65.

25 Op. Cit., p. 65. 26 De tal modo, 0 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu não haver a configuração do caso fortuito por haver previsibilidade no caso concreto: APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. PRELIMINARES.

342

D ir e it o C iv il - Voi. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ainda nas pegadas da doutrina, a configuração do caso fortuito e da força maior exige um fato não culposo, superveniente, inevitável e irresistível. Mas será que sempre que estiver presente o caso fortuito e a força maior ha­ verá isenção de responsabilidade civil? A resposta é negativa. Existem hipóteses nas quais, ainda que presente a con­ figuração de caso fortuito ou força maior haverá responsabilidade civil. São elas: a) Mora. Caso haja mora - seja do devedor ou do credor - o causador do atraso responderá, ainda que a perda do objeto decorra de caso fortui­ to ou força maior. As únicas excludentes passíveis de incidência na mora são a comprovação de isenção de culpa, ou que o evento aconteceria ainda que a obrigação houvesse sido oportunamente cumprida (art. 399 do CC). b) Perda do Objeto nas Obrigações de Dar Coisa Incerta. Caso a referida perda ocorra antes da escolha, responderá 0 devedor, ainda que na hipótese de caso fortuito ou força maior (art. 246 do CC). justo por isto, afirma-se em direito obrigacional que 0 gênero não perece nunca. c) Autonomia Privada. Da leitura do art. 393 do CC se observa que 0 próprio legislador possibilita às partes, no exercício de sua liberdade contratual, expressamente afastar a incidência da excludente do caso fortuito e força maior. Seria a exclusão da excludente, em promoção à autonomia privada. Dessa forma, é usual verificar-se, por cláusula expressa, responsabilidade da empresa locadora de geradores de energia ainda no caso fortuito ou força maior. Alguns doutrinadores, a exemplo de Flávio T artuce27, denominam esta cláusula de assunção convencional. d) Fortuito Interno. Com base nos ensinamentos de A gostinho A lvim a doutrina e a jurisprudência firmam diferenciação entre 0 fortuito interno e 0 ex­ terno. Assim, interno é 0 fortuito ligado à pessoa ou coisa do agente ou sua empresa. Já 0 fortuito externo decorre de fator estranho à pessoa do devedor ou sua empresa, tendo causa ligada à natureza, como raio, queda de barreiras e inundações. 0 fortuito interno apenas excluirá responsabili­ dade civil caso esta seja subjetiva (fundada na culpa). Todavia, na objetiva. ILEGITIMIDADE PASSIVA E CERCEAMENTO DE DEFESA. ESTIAGEM. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NÃO CON­ FIGURADA. INADIMPLEMENTO DA CÉDULA DE PRODUTOR RURAL AVAL SEM ANUÊNCIA DO CÔNJUGE. INADIMPLEMENTO DO TÍTULO. IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS DE DEVEDOR. (...) Caso fortuito OU força maior: A estiagem, embora decorrente de fatores climáticos, não se configura como causa excludente da responsabilidade do devedor, pois consiste em evento previsível, especialmente, quando ocorrera em outras épocas. (...) Sentença mantida. APELO CONHECIDO PARCIALMENTE. NA PARTE CONHECIDA, PRE­ LIMINARES REJEITADAS E RECURSO DESPROVIDO. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70028859379, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 20/06/2013). 27

Op. Cit., p. 561.

Cap. Ill • Exdudentes de responsabilidade civil

343

fundada na teoria do risco, não exclui. Justo por isto, não é excludente de responsabilidade civil a derrapagem na chuva, estouro de pneus, quebra de barra de direção, mal súbito do motorista, rompimento dos freios, to­ dos relacionados ao contrato de transporte - responsabilidade objetiva por relação de consumo e obrigação de resultado. No que tange ao fortuito externo sempre será excludente de responsabilidade civil, equiparando-se à força maior. À título ilustrativo, veja-se por exemplo o entendimento do STJ no senti­ do de que a concessionária de transporte ferroviário pode responder por dano moral sofrido por passageira, vítima de assédio sexual, praticado por outro usuário no interior do trem. Para o STJ a situação configuraria fortuito interno28. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário representativo da controvérsia, determinou que a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, ostenta responsabilidade objetiva em relação a terceiros usuários ou não usuários do serviço público, nos ter­ mos do artigo 37, § 6°, da Constituição da República de 198829. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No tocante ao fortuito interno, tratando-se de responsabilidade ob­ jetiva, a prova para Analista Administrativo - Direito/ TCE-ES, banca CESPE, ano de 2013, considerou correta a afirmativa: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Já a banca CESPE, no concurso Cartório TJ-BA, ano de 2014, considerou INCORRETA a seguinte assertiva: "0 caso fortuito ou a força maior cons­ tituem exdudentes de responsabilidade, motivo por que a instituição bancária não responde pelos danos causados ao consumidor, em razão de abertura de conta-corrente por terceiro mediante a utilização de documentos falsos". e) No Contrato de Comodato. 0 art. 583 do CC afirma que se 0 objeto do co m o d a to se e n c o n tra r em

s it u a ç ã o d e r is c o , ju n t a m e n t e c o m

o u tro s d o

comodatário, este não pode preferir a salvação dos seus e abandonar os do comodante, sob pena de responder pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir caso fortuito ou força maior.

28 REsp 1.662.551-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 15/05/2018, DJe 25/06/2018. 29

RE 591.874/MS, publicado no DJe de 21/11/2008.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça ? 0 S uperior T ribunal de Justiça adota a tese de A gostinho A lvim no que tange a divi­ são do fortuito em interno e externo, bem como a impossibilidade de afas­ tamento da responsabilidade objetiva por fortuito interno. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RESPON­ SABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. PROBLEMAS TÉCNICOS. FORTUITO INTERNO. RISCO DA ATIVIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MODERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ. A ocorrência de problemas técnicos não é considerada hipóte­ se de caso fortuito ou de força maior, mas sim fator inerente aos pró­ prios riscos da atividade empresarial de transporte aéreo (fortuito inter­ no), não sendo possível, pois, afastar a responsabilidade da empresa de aviação e, consequentemente, o dever de indenizar. Agravo regimental desprovido por novos fundamentos. (STJ. AgRg no Ag 1310356 / RJ. AGRA­ VO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/ 0091553'0. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Quarta Turma. Data do Julgamento: 14.04.2011).

A tese aplica-se, até mesmo, no que tange à responsabilidade civil do Estado, equiparando-se 0 fortuito externo à força maior (Act of God). Já decidiu 0 mesmo STJ: Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Força maior. A força maior exclui a responsabilidade civil do Estado quando descaracteriza 0 nexo de causalidade entre 0 evento danoso e 0 serviço público; não se qualifica como tal a tentativa de roubo de veículo apreendido por trafegar sem li­ cença, que se encontrava sob a guarda da repartição pública, porque nesse caso 0 Estado deve estar preparado para enfrentar a pequena crim inali­ dade. Responsabilidade pelos danos causados no veículo. Recurso Especial não conhecido. (STJ. REsp 1997/0039492-1, DJ 2-3-98, p. 62, Relator: Ministro Ari Pargendler). Assalto à mão arm ada iniciado dentro de estacionamento coberto de hiper­ mercado. Tentativa de estupro. Morte da vítima ocorrida fora do estabeleci­ mento, em ato contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço. Força maior. Hipermercado e shopping center. Prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao negócio. Exdudente afastada [...] A prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor é inerente a atividade comercial desenvolvida pelo hipermer­ cado e pelo shopping Center, porquanto a principal diferença existente en­ tre estes estabelecimentos e os centros comerciais tradicionais reside jus­ tamente na criação de um ambiente seguro para a realização de compras e afins, capaz de induzir e conduzir 0 consumidor a tais praças privilegiadas, de forma a incrementar o volume de vendas. Por ser a prestação de segu­ rança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings centers, a responsabilidade civil desses por danos causados aos bens ou à integri­ dade física do consumidor não admite a excludente de força m aior derivada de assalto à mão arm ada ou qualquer outro meio irresistível de violência. (STJ. REsp 419.059/SP, DJ 29-11-2004, p. 315, Relatora: Ministra Nancy Andrighi).

6. CULPA EXCLUSIVA OU FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA Consiste no fato ou conduta exclusiva da vítima apta a interromper 0 nexo de causalidade e, por conseguinte, excluir a responsabilidade civil. Para tanto, exige

Cap.

Ill . Excludentes de responsabilidade civil

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o STJ que o réu demonstre suficientemente este fato. 0 ônus da prova de demons­ tração da culpa exclusiva da vítima, portanto, é do réu (vide REsp 439408/SP, DJ 2110-2002). E não podería ser diferente, à luz do regime do ônus probatório previsto no art. 373, do NCPC. Tratando-se de fato impeditivo alegado pela defesa, esta atrai para si 0 ônus da prova deste fato. A culpa exclusiva da vítima não foi referida no Código Civil de 1916. 0 atual, quando muito, disciplina a culpa concorrente (art. 945, CC) sem, contudo, apresen­ tar referência expressa sobre a hipótese na qual apenas a vítima é culpada. Na lição S ílvio de S alvo V enosa com "a culpa exclusiva da vítima, desaparece a relação de causa e efeito entre 0 dano e seu causador", daí constituir isto hipótese exdudente da responsabilidade civil30, aplicável, inclusive, em sede de responsabilidade civil objetiva. ► E na hora da prova?

(Cespe - Cartório - Tj - DF/2014) Em relação à responsabilidade civil con­ tratual e extracontratual, assinale a opção correta. Gabarito: "Há presunção de responsabilidade civil pelo fato da coisa inanimada contra 0 titular do domínio ou possuidor, pelos danos que a coisa causar a terceiros, 0 que somente poderá eximir-se se demonstra­ dos culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior". ► Atenção! 0 Decreto-Lei 2.681/1912 em seu art. 17 positivou hipótese de culpa

exclusiva da vítima como situação a excluir a responsabilidade civil no acidente ferroviário. É possível entender, como faz a doutrina, que este preceito legal podería ser aplicado por analogia aos demais con­ tratos de transporte. Contudo, isto não poderá se confundir, jamais, com situação na qual a culpa é concorrente. Sobre 0 tema, 0 Superior Tribunal de Justiça já decidiu: "Acidente ferroviário - Vítima Fatal - Cul­ pa concorrente - Danos morais e materiais. Neste Superior Tribunal de Justiça prevalece a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos. Nesses casos, é re c o n h e c id a a cu lp a co n co rre n te d a v ítim a q u e , em ra z ã o d e seu

comportamento, contribuiu para 0 acidente, por isso a indenização deve atender ao critério da proporcionalidade, podendo ser reduzida à metade. (REsp. 257090/SP).

30

In D ire ito C iv il. 7. e d . São P a ulo : A tla s, 2007. p. 46.

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Lembra Carlos Roberto G onçalves31 que quando caracterizada a culpa exclusiva em comento, no mais das vezes o suposto ofensor é um mero instrumento para a prática do dano. É o que se observa com o sujeito que, objetivando retirar a sua própria vida, atira-se na frente de um carro em movimento. Com efeito, o suposto agente do atropelamento (condutor do veículo) é um mero instrumento para a lesão, perpetrada por culpa exclusiva da vítima. Nas palavras de S érgio Cavalieri Filho32 e em rigor técnico, seria mais correto falar-se em fato exclusivo da vítima, ao revés de culpa exclusiva da vítima. Como pondera o aludido autor, a problemática refere-se ao nexo de causalidade, não devendo a discussão ser posta no terreno da culpa. Justo por isto, o Direito Italiano utiliza da expressão relevância do comportamento da vítima. Entrementes, no Brasil, a maioria da doutrina utiliza-se tanto da expressão culpa exclusiva da vítima, como fato exclusivo da vítima, como sinônimos. ► Como se posicionou o T ribunal S uperior do T rabalho sobre esse tema? AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL, MATERIAL, ESTÉTICO E PSICOLÓGICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. Constatada a culpa exclusiva da vítima, impos­ sível o reconhecimento da responsabilidade civil do empregador. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST - AIRR: 470-67.2012.5.03.0142, Rela­ tor: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 05/06/2013, 3aTurma, Data de Publicação: DEJT 14/06/2013). AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - ACIDENTE DO TRABALHO FATAL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. 0 Tribunal Regional, ao decidir 0 litígio, empreendeu acurada análise do acervo proba­ tório para a formação de seu convencimento e concluiu que 0 acidente do trabalho fatal ocorrido, deu-se em razão de culpa exclusiva do empregado, na medida em que, ao contrário do que foi sustentado, a empresa fornecia e fiscalizava 0 uso do equipamento de proteção (cinto de segurança retrátil) e havia treinamento em segurança do trabalho aos seus empregados. Na forma como posto, portanto, apenas mediante 0 revolvimento dos fatos e provas dos autos seria possível chegar-se a conclusão pretendida pelos recorrentes. Incidência da Súmula n° 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido. (TST AIRR: 444-83.2010.5.04.0733, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/09/2013, 7a Turma, Data de Publicação: DEJT 20/09/2013).

Interessante a lembrança de S ílvio de Salvo V enosa sobre a Lei 6.453/77 que disci­ plina a responsabilidade por danos nucleares e exclui 0 operador nuclear quando provado ter 0 dano decorrido de resultado exclusivamente da culpa da vítima, situação na qual 0 operador nuclear será exonerado apenas em relação àquela vítima da obrigação de indenizar33.

31 Op. Cit., p. 463. 32 Op. Cit., p. 64. 33 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 48.

Cap. Ill • Exdudentes de responsabilidade civil

347

Não deve, porém, como visto acima, o futuro aprovado confundir a culpa exclusiva da vítima com a c u lp a c o n c o r r e n t e ou c u lp a s c o m u n s . Nesta há uma repartição da cul­ pabilidade, tendo concorrido culposamente para o evento tanto o agente como a vítima. Neste cenário, ordena o art. 945 do Código Civil que haja a repartição de responsabilida­ des, mediante a verificação do grau de culpabilidade. Sendo assim, a culpa concorrente não adentra como exdudente de responsabilidade civil, mas apenas como um fator apto a influir na quantificação do dano. Sobre 0 tema, a doutrina cristalizou entendimento consagrado no Enunciado 630 da VIII Jornada em Direito Civil, ocorrida em 2018, segundo 0 qual as culpas não se compensam. Desta maneira, cabe observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da condu­ ta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta 0 dano, ou 0 seu agravamento, desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo considerar 0 percentual causal do agir de cada um. A verificação da concorrência de culpas não ocasionará, necessariamente, uma divi­ são igualitária da responsabilização. Há casos em que as Casas Judiciais entendem pelo fracionamento igualitário (50% para cada um). Em outros é determinada responsabilida­ des diferenciadas, como 25% x 75%; 40% x 60%... Casuística corriqueira na jurisprudência remete ao motociclista que vai a óbito, em acidente de menor gravidade, pela ausência de utilização do capacete. Configurada a culpa concorrente do motociclista e do causa­ dor do acidente, 0 qual, por si só, não seria capaz de ocasionar 0 falecimento. Por fim, 0 C ódigo de D efesa do C onsumidor faz alusão ao tema como exdudente de res­ ponsabilidade do fornecedor (art. 12, §3°, III e 14 §3°, II). ► Atenção!

Em 02 de dezembro de 2019, 0 Superior Tribunal de justiça editou a súmula 638, cujo teor é 0 seguinte: É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos de­ correntes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil". Trata-se de súmula que impõe a responsabilidade civil da instituição financeira pelo roubo, furto ou extravio do bem entregue em garantia (penhor), porquanto a percepção de que deve responder a aludida ins­ tituição pelo fortuito interno. Afinal, a instituição financeira trabalha pre­ cisamente com guarda de valores, devendo responder, por conseguinte, pelos danos ocasionados quando não desempenhar 0 seu papel. Se isto não fosse tudo, recorda-se que o bem dado em garantia o foi por um cliente, em uma relação de consumo (S. 297, STJ), pelo que há a instituição financeira de indenizar 0 consumidor pelo aludido dano. 7. FATO DE TERCEIRO 0 fato de terceiro é 0 ato praticado por pessoa diversa da vítima e, portanto, responsável; ato este que ocasiona o evento danoso. Por ser a lesão decorrente,

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exclusivamente, da conduta de um terceiro, afasta o nexo de causalidade e, por conseguinte, a responsabilidade civil. Para S ílvio de Salvo V enosa o fato de terceiro apenas exclui a responsabilidade civil quando realmente constituir causa estranha à conduta, aspecto que "elimina o nexo causai"34. Segundo Pablo Stoize Gaguano e Rodolfo P amplona Filho35, de todas as excludentes esta é que encontra maior resistência no direito pátrio. Tal se dá por seguir o Código a in­ fluência francesa, não mencionando expressamente o fato de terceiro como excludente de responsabilidade, por entender o legislador que está abrangido pelo fortuito. ► Como se posicionou o Superior Tribunal de Justiça?

Decidiu o STJ que ato libidinoso praticado contra passageiro no interior do trem configura fato de terceiro a excluir a responsabilidade civil da transportadora. Para o STJ a hipótese é de fortuito externo configurado por fato de terceiro estranho ao contrato de transporte. (REsp 1.748.295SP, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, Rei. Acd. Min. Marco Buzzi, por maioria, julgado em 13/12/2018, DJe 13/02/2019). Também já decidiu 0 STJ que roubo e sequestro ocorridos em dependência de suporte ao usuário, mantido pela concessionária, configura fortuito ex­ terno por fato de terceiro, ou seja, excludente do dever de indenizar. (REsp 1.749.941-PR, Rei. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade DJe 07/12/2018). Inicialmente há resistência legislativa ao fato de terceiro no momento em que os arts. 929 e 930 do CC informam que se alguém, no exercício de legítima defesa, ou no estado de necessidade, lesionar terceiro inocente, haverá de indenizá-lo, tendo apenas futura ação em regresso em face do real causador da legítima defe­ sa ou do estado de necessidade36. Ora, se 0 mero fato de terceiro já fosse reconhecido claramente como exclu­ dente, 0 lesado haveria de buscar 0 seu ressarcimento diretamente em face do terceiro. Esta não foi a opção do legislador nacional. ► E na hora da prova?

(UFPR - Defensor Público - PR/2014) A respeito da Responsabilidade Civil no Código Civil de 2002, é correto afirmar: Gabarito: "Ainda q ue a resp o n sa b ilid a d e p o r fato de terceiro seja ob jetiva

em relação aos pais, incumbe ao ofendido provar a culpa do filho menor que estiver sob a autoridade ou em companhia daqueles e que seja 0 causador do dano, com 0 que estará configurado 0 dever de indenizar". Para instrumentalizar 0 processo e festejar a economicidade e celeridade, ad­ mite 0 direito brasileiro, em casos como 0 em tela, a denunciação da lide (art. 130, 34 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 56. 35 Op. Cit., p. 116. 36 0 tema em comento já for a tratado nos pontos referentes à legítima defesa e ao estado de necessidade.

Cap. Ill • Excludentes de responsabilidade civil

349

III do CPC), possibilitando-se que o magistrado já resolva toda a questão de uma só vez, em uma única sentença, dividida em capítulos. No primeiro soluciona-se a demanda principal e no segundo a regressiva/secundária fruto da denunciação, buscando-se responsabilizar o garantidor. Contudo, nas hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo é vedada a aplicação da denunciação da lide. 0 Superior Tribunal de Justiça ampliou a proibição de denunciação da lide, prevista no art. 88 do CDC, para as demais ações de indenização propostas por consumidor. Todavia, o STJ informa que o fornecedor ou aquele que for responsabilizado isoladamente na ação indenizatória poderá exercer o seu direito de regresso, a fim de pedir ressarcimento de qualquer prejuízo que tenha, contra os demais res­ ponsáveis. Neste sentido, segue o julgado do STJ, do ano de 2013:37 Lembra S ílvio de Salvo V enosa que a tendência jurisprudencial será admitir ape­ nas de modo excepcional 0 fato de terceiro como exdudente de culpa haven­ do uma "tendência marcante de alargar a possibilidade de indenização sempre que possível"38. De fato, tanto na seara j u r i s p r u d e n c i a l (Súmula 187 do STF), quanto na c o d if i­ (art. 735 do CC), entende-se que 0 fato de terceiro não é capaz de afastar a responsabilidade civil no c o n t r a t o d e t r a n s p o r t e . Assim, a transportadora in­ denizará 0 passageiro em tais casos, tendo posterior ação regressiva contra 0 terceiro. Funda-se 0 raciocínio em questão no fato de ser 0 contrato de transporte uma obrigação de resultado e consumo (via de regra), havendo, por conseguinte, incidência de uma responsabilidade civil mais agravada. cada

37

Neste sentido, segue 0 julgado do STJ, do ano de 2013: RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROUBO DE VEÍCULO. MANOBRISTA DE RESTAURANTE (VALET). RUPTURA DO NEXO CAUSAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AÇÃO REGRESSIVA DA SEGURADORA. EXCLUDENTE DA RES­ PONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDORA POR SUB-ROGAÇÃO (SEGURADORA). í. Ação de regresso movida por seguradora contra restaurante para se ressarcir dos valores pagos a segurado, que teve seu veículo roubado quando estava na guarda de manobrista vinculado ao restaurante (valet). 2. Legitimidade da seguradora prevista pelo artigo 349 do Código Civil/2002, conferindo-lhe ação de regresso em relação a todos os direitos do seu segurado. 3. Em se tratando de consumidor, há plena incidência do Códi­ go de Defesa do Consumidor, agindo a seguradora como consumidora por sub-rogação, exercendo direitos, privilégios e garantias do seu segurado/consumidor. 4. A responsabilidade civil pelo fato do serviço, embora exercida por uma seguradora, mantem-se objetiva, forte no artigo 14 do CDC. 5. 0 fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3o. II, do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar 0 rompimento do nexo causai. 6. No serviço de manobristas de rua (valets), as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na pres­ tação do serviço, para 0 evento danoso. 7. Reconhecimento pelo acórdão recorrido do rompimento do nexo causai pelo roubo praticado por terceiro, excluindo a responsabilidade civil do restaurante fornecedor do serviço do manobrista (art. 14, § 30, II, do CDC). 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ REsp: 1321739 SP 2012/0088797-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 05/09/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: Dje 10/09/2013).

38 In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

350

Esta ação de regresso, convenhamos, é de nenhuma ocorrência pragmática nos contratos de transporte ante a não identificação do terceiro muitas das vezes. Dessa forma, lembra Carlos R oberto G onçalves39 que, ainda que o dano ao passagei­ ro decorra de uma fechada de terceiro, a transportadora haverá de indenizá-lo, buscando, futuramente e em ação regressiva, o ressarcimento em face do terceiro. Acresça-se a isto, diante do regime de distribuição do ônus da prova, que a ale­ gação do fato de terceiro atrai - para quem alega a questão - o dever de comprovar isto, ou seja, o ônus de demonstrar em juízo que a ocorrência do fato aconteceu em virtude de exclusiva atuação do terceiro, sob pena de incidir o art. 942 do CC (corresponsabilidade/solidariedade para todos os responsáveis pela ocorrência do dano). Exemplo típico dos manuais ocorre com 0 veículo colidido na retaguarda que, projetando-se para frente por força do impacto, acarreta dano a outrem. Trata-se de uma situação na qual não existe qualquer responsabilidade do motorista do veículo atingido na retaguarda e que serviu como mero instrumento da ação culposa de outra pessoa. Todavia, segundo

situação diversa verifica-se quando 0 a um f o r t u i t o e x t e r n o . É 0 caso do arremesso de pe­ dra, assalto, briga entre passageiros que lesiona terceiro ou disparos em face do ônibus. Diante de um fortuito externo ou um fato de terceiro e s t r a n h o à a t i v i d a d e e a o d e v e d o r , e lim in a -s e 0 n e x o d e c a u s a lid a d e e é a f a s t a d a a r e s p o n s a b ilid a d e c iv il. Diferente, porém, se 0 motorista do ônibus discute com outro motorista, que dispara e lesiona passageiros. Aqui há responsabilidade da transportadora, pois 0 fato de terceiro é inerente à atividade. C arlos Roberto G onçalves40,

fa to d e t e r c e ir o e q u ip a r a -s e

► Como se pronunciou o S upremo T ribunal F ederal?

Segundo 0 STF, na hipótese de arremesso de pedra em face do ônibus, a empresa transportadora não responderá, por incidir a excludente do fortuito externo. Cita-se: Passageiro de ônibus atingido por estilhaço de vidro produzido por uma pe­ dra atirada por terceiro. Ato de terceiro equiparado e caso fortuito. Inevitabi­ lidade do fato e ausência de culpa do transportador. Inexistência de relação causai entre 0 fato e 0 contrato de transporte. Não há falar em divergência com a súmula 187. Recurso Extraordinário não conhecido (RE 113/95).

► E

como se pronunciou o S u perio r T ribunal

de

J ustiça ?

No mesmo sentido, julgou a Quarta Turma do STJ, no ano de 2013: EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPE­ CIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ARREMESSO DE PEDRA DE FORA DA COMPOSIÇÃO FÉRREA. LESÃO EM PASSAGEIRO. FATO DE TERCEIRO EX­ CLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

39

0 p . C it ., p . 4 6 3.

40

O p . C it., p . 4 6 3.

Cap. Ill • Excludentes de responsabilidade civil

351

l. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e da economia processual. 2. A jurisprudência do Superior Tri­ bunal de Justiça tem entendido que 0 arremesso de objeto de fora de trem não se inclui entre os riscos normais da atividade de transporte e, por isso, não gera, para aquele que explora essa atividade, dever de indenizar, por se caracterizar como fortuito externo. Precedentes. 3. No tocante à condenação em verbas sucumbenciais, deve ser observado 0 disposto no art. 12 da Lei 1.060/50, em virtude da concessão de assistência judiciária gratuita ao autor. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se dá parcial provimento, apenas para que seja observado 0 disposto no art. 12 da Lei 1.060/50, em relação às verbas sucumbenciais. (STJ - EDd no AgRg no REsp: 1325225 SP 2012/0104865-7, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Jul­ gamento: 15/10/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: Dje 03/12/2013)

Ainda nas questões relativas ao transporte, lembra 0 mesmo C arlos Roberto que na colisão entre dois ônibus que ocasione um dano à terceiro, não sendo possível precisar qual dos veículos teve culpa direta no acidente, resta configurada responsabilidade solidária. 0 raciocínio em tela funda-se na dicção do art. 9 42 do C C , segundo 0 qual se a ofensa tiver mais de um autor, todos res­ ponderão solidariamente pela reparação. G onçalves41

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal

de

J ustiça ?

tem interessantes julgamentos versando sobre a controvérsia do fato de terceiro no contrato de transporte. Colacionam-se duas ementas: 0 S uperior T ribunal

de Justiça

Responsabilidade civil. Acidente. Via pública. Ato de terceiro. Prosseguindo 0 julgamento, a Turma entendeu que se exclui a responsabilidade civil de empresa ferroviária por acidente e graves danos provocados pelo arrem es­ so, por terceiro, de pedra contra veículo, em via contígua à ferrovia, vez que tal ato de vandalismo não se equipara aos riscos e deveres inerentes aos serviços de transportes ferroviários. (STJ. REsp 204.826/RJ. Rei. Ministro Cesar Asfor Rocha. J. 3-12-2002). Responsabilidade civil. Transporte intermunicipal. Assalto praticado dentro do Ôni­ bus. Caso em que 0 fato de terceiro não guarda conexidade com 0 transporte. Exoneração da responsabilidade do transportador, de acordo com precedentes do STJ. (STJ. REsp 74.534/RJ. Relator: Ministro Nilson Naves, Terceira Turma. J. 4-3-1997).

8. CLÁUSULA DE NAO INDENIZAR Trata-se de cláusula inserida no contrato pelas próprias partes, em virtude do exercício da autonomia privada, que exonera 0 devedor da indenização na hipó­ tese de descumprimento obrigacional.

41

Op. Cit., p. 468.

Direito Civil - Vol. n • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

352

Lembra S ílvio de S alvo V enosa que a cláusula de não indenizar enseja a exoneração convencional do dever de reparar o dano de modo que os riscos são contratual­ mente transferidos para a vítima, sendo que alguns autores a distinguem da cláu­ sula de irresponsabilidade isto porque esta "exclui a responsabilidade, e a primeira, afasta apenas a indenização"42. Seria isto jurídico e possível à luz dos novos valores do direito civil constitucional? A cláusula de não indenizar modifica a dinâmica contratual, por exercício da autonomia privada, alterando as perspectivas negociais (jogo de riscos) e gerando uma exclusão da responsabilidade civil. Deve ser analisada, contudo, também à luz do art. 5 1 , 1, do CDC sendo esta cláusula "vista com uma certa antipatia pelo direito brasileiro", na lição de S ílvio de S alvo V enosa43. Em um conceito mais simplista e direto, é um ajuste que objetiva afastar os usuais desdobramentos do inadimplemento, liberando o devedor da indenização. Não se trata apenas de uma cláusula que imputa uma inversão de ônus probató­ rio, ou uma presunção de culpa. Seu o b je t iv o é a f a s t a r a r e p a r a ç ã o . A doutrina denomina a cláusula de não indenizar como cláusula de i r r e s p o n ­ de e x c l u s ã o d e r e s p o n s a b i l i d a d e ou e x o n e r a t i v a d e r e s p o n s a b i l i d a d e . Tal conduta, todavia, segundo S érgio C avalieri Filho44, seguindo os ensinamentos de A guiar D ias, carece da melhor técnica. De fato, a cláusula em comento não afasta a responsabilidade em si, mas apenas a indenização. A obrigação de reparar o dano persiste. Há responsabilidade. 0 que não há é a indenização. Melhor, portanto, o uso da expressão cláusula de não indenizar. s a b ilid a d e ,

Arremata o aludido autor afirmando s e r a c l á u s u l a d e i r r e s p o n s a b i l i d a d e (ou de exclusão de responsabilidade ou exonerativa de responsabilidade) d i ­ v e r s a daquela denominada de não indenizar. A cláusula de irresponsabilidade decorre da lei, excluindo a própria ilicitude, a responsabilidade. É o caso de ações em legítima defesa, exercício regular de direito e estado de necessidade. Nada tem a ver, portanto, com uma cláusula contratual que retira a reparação. A distinção em apreço, porém, apenas deve ser utilizada pelo futuro aprovada em provas subjetivas, ou nas objetivas que exijam o paralelo. Com efeito, a maio­ ria da doutrina utiliza-se dos termos como sinônimos. Seguindo no estudo da cláusula de não indenizar, já é possível deduzir que sua zona de atuação é, justamente, o campo da responsabilidade civil contratual, não sendo possível admiti-la na seara extracontratual ou aquiliana, a qual envolve questões de ordem pública.

42

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 59.

43

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57.

44 Op. Cit., p. 497-

Cap.

Ill

• Excludentes de responsabilidade civil

353

Inspira-se seu nascimento no cenário de um direito p a t r i m o n i a l i s t a , e g o ís t a e fundado na ordem do t e r , fruto da codificação francesa do século XVIII. Nos dias de hoje, porém, sob as lentes do direito civil r e p e r s o n i f i c a d o , d e s p a t r i m o n i a l i z a d o e s o l i d á r i o , fincado em ideais de ju s t i ç a d i s t r i b u t i v a e na ordem do s e r , seu estudo deve ser (re)visitado, questionando-se sobre sua eticidade. in d iv id u a lis t a ,

Justo por isto, hodiernamente seu campo de atuação é na r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il desde que se esteja diante de um c o n t r a t o p a r i t á r i o e n ã o c o n t r a r ie q u e s t õ e s d e o r d e m p ú b l ic a , afinal de contas a eticidade e a função social constituem princípios do Código Civil.

c o n t r a t u a l,

Logo, a cláusula em estudo n ã o é a c e i t a em sede de d e f e s a d o c o n s u m i d o r . 0 próprio CDC, nos arts. 24 e 25, afasta qualquer cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do fornecedor. Soma-se a isto a disposição do art. 51 do mesmo CDC, que considera cláusulas deste tipo abusivas. Sua verificação em contratos de consumo ocasiona a invalidade da cláusula, com a permanência do contrato, retirando-se a abusividade. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A banca examinadora CESPE, na prova para Analista Administrativo - Di­ reito - ANTT, considerou correta a afirmativa: "Eventual abusividade de cláusula acessória não implica a nulidade da obrigação principal, desde que mantida a essência do negócio jurídico". Igualmente n ã o é a c e i t a sua inserção em c o n t r a t o s d e a d e s ã o . Isto porque 0 art. 424 do CC vaticina ser nula a renúncia antecipada a direito pelo aderente. Por tudo isto, concordamos com a doutrina e jurisprudência ao entender como nula a estipulação contratual, em avenças de depósito de veículos (estacionamen­ tos pagos), segundo a qual a empresa não responde por furto de eventuais per­ tences deixados no interior do carro. Nesse sentido é a S ú m u l a 130 d o ST). Tal raciocínio aplica-se, até mesmo, se 0 referido estacionamento for gratuito, seja em shopping, supermercados, lojas, hotéis e afins, seja em virtude da teoria do risco, seja porque a onerosidade não é elemento imprescindível, muitas vezes, à configuração da relação de consumo. Aliás, ainda que não haja remuneração direta pelo referido depósito, esta subsiste de forma indireta, ao passo que 0 referido estacionamento é utilizado por clientes em compra. Em sentido parecido é a doutrina de F lávio T artuce45. A cláusula de não indenizar também não é bem vista na seara dos c o n t r a t o s em razão da natureza do pacto - obrigação de resultado e relação de consumo - e sua consequente r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il a g r a v a d a .

d e tra n sp o rte ,

45

Op. Cit., p. 565.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

No estudo da cláusula de não indenizar em contratos de transporte, tem-se, como uma primeira notícia histórica relevante, o Decreto 2.681/1912, responsável pelo regramento do transporte nas estradas de ferro. Este verberava a nulidade das cláusulas que objetivassem a diminuição da responsabilidade. Após um salto histórico, a segunda notícia importante é a verificada na Súmula 161 do S upremo T ribunal F ederal, a qual, desde a época do CC/16, informa ser nula a cláusula de não indenizar em contratos de transporte: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar". Diuturnamente, 0 próprio Código Civil atual, inspirado pela súmula supracitada, caminhou no mesmo sentido, especificamente em seu art. 734, afirmando a nulida­ de do pacto em apreço em contratos de transporte. Aliás, 0 art. 247 do Código Brasileiro de Aeronáutica e 0 art. 23 da Convenção de Varsóvia (1931) igualmente informam a invalidade da cláusula em comento no transporte aéreo. É bom que se esclareça, contudo, quanto ao tema do extravio de bagagens em transporte aéreo, que 0 STF decidiu em 25 de maio de 2017 ser 0 caso de se aplicar as específicas convenções internacionais sobre 0 assunto. Com efeito, por maioria de votos, 0 Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento con­ junto do Recurso Extraordinário (RE) 636331 e do RE com Agravo (ARE) 766618, que os conflitos que envolvem extravios de bagagem e prazos prescricionais ligados à relação de consumo em transporte aéreo internacional de passageiros devem ser resolvidos pelas regras estabelecidas pelas convenções internacionais sobre a matéria, ratificadas pelo Brasil. Eis a tese aprovada: "por força do artigo 1/8 da Constituição Federal, as normas e tratados internacionais limitadoras da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". Portanto, esta impossibilidade da cláusula limitativa de responsabilidade no contrato de transporte não é absoluta, nada obstante ter origem, como visto, no antigo Decreto 2.681/1912. justamente por isto que 0 STJ confirmou a tese da Suprema Corte sustentando que a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros se submeterá à Indenização tarifada tendo em vista a preponderância das Convenções de Var­ sóvia e Montreal em relação ao Código de Defesa do Consumidor em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal46. Temos que 0 problema também deve ser analisado à luz do princípio da equi­ valência material. 46 REsp 673.048-RS, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 08/05/2018, DJe 18/05/2018.

C a p . Ill . E x c lu d e n te s d e r e s p o n s a b il id a d e civil

355

► Como se pronunciou o S upremo T ribunal F ederal? 0 S upremo T ribunal F ederal

afirmou que:

Diverge, manifestamente, da Súmula 161 do STF, onde se consagra a inoperância da cláusula de não indenizar, o acórdão recorrido, que placitou estipulação limitativa de responsabilidade do transportador marítimo a valor capaz de tornar irrisória a indenização. (Primeira Turma. RE 107.361. Rei. Ministro Octávio Gallotti. In JSTF - Lex 98/212).

► E na hora da prova?

A banca FMP, no concurso Cartório Tj-MT, ano de 2014, considerou INCOR­ RETA a seguinte assertiva: "No contrato de transporte, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade e tendo como supedâneo entendimen­ to sumulado do Supremo Tribunal Federal, é lícita a chamada cláusula de não indenizar". Em síntese: a verificação da validade de uma cláusula de irresponsabilidade exige, na lição de S ílvio de S alvo V enosa47: a) Bilateralidade de Consentimento: A inserção não deve ser colocada uni­ lateralmente com busca da adesão da outra parte. Ao revés, exige uma transação com concessões recíprocas. b) Respeito à ordem pública: Não é possível afastar a responsabilidade por dolo ou culpa grave do estipulante. Igualmente impossível excluir a res­ ponsabilidade por obrigação inerente à função, ou em face de usuário de serviço público. c) Igualdade entre as partes: Seu campo de atuação é 0 contrato paritário, no qual há igualdade substancial entre as partes. Citando um campo de validade da inserção, segundo a jurisprudência, lembra-se das convenções condominiais. Exemplo claro de contrato paritário e inserção respeitosa à autonomia privada e questões de ordem pública. ► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça ? 0 S uperior T ribunal de Justiça firma a validade da cláusula de não indenizar em

convenções condominiais. Cita-se famoso julgado sobre 0 tema: Condomínio. Furto de veículos. Cláusula de não indenizar. 1. Estabelecendo a Convenção cláusula de não indenizar, não há como im por responsabilida­ de do condomínio, ainda que exista esquema de segurança e vigilância, que não desqualifica a força da regra livremente pactuada pelos condôminos. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 168346/SP. Rei. Min. Waldem ar Zveiter. DJ 6-9-99).

47

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 60.

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► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No ano de 2014, na prova para 0 cargo de Juiz - TJDF, realizada pela ban­ ca CESPE, foi tida como incorreta a assertiva: "Há responsabilidade do condomínio, independentemente da existência de previsão de guarda e vigilância dos bens dos condôminos no regimento condominial". Todavia, há quem discorde na doutrina do julgamento em comento, afirmando a invalidade da cláusula de não indenizar mesmo em convenções condominiais. 0 raciocínio parte da seguinte premissa: se os condomínios entregam à administra­ ção a guarda dos carros - e esta, inclusive, contrata vigilantes para tanto - a admis­ são da cláusula de não indenizar in casu seria 0 afastamento da responsabilidade pela própria atividade. Nesse sentido S érgio Cavaueri Filho48. Outros doutrinadores vão além. Flávio Tartuce49 defende a completa inaplicabilidade da cláusula em estudo, mesmo em contratos paritários, por ofensa ao ideal proibitivo de lesão do patrimônio alheio (noeminem laedere) e uma leitura dos contratos pautada nos ideais da função social e justiça distributiva. Malgrado tal posicionamento, infere-se no Código Civil a sua presença, a exem­ plo dos arts. 448 e 449, os quais permitem às partes, desde que por cláusula ex­ pressa, minorar ou excluir a reparação na evicção. Ademais, verifica-se boa parte da doutrina concordando com sua aplicação, desde que observados os tempera­ mentos aqui explicitados. A doutrina cristalizou 0 entendimento mediante 0 Enunciado 631 da VIII Jornada em Direito Civil, ocorrida em 2018, segundo 0 qual "Como instrumento de gestão de riscos na prática negociai paritária, é lícita a estipulação de cláusula que exclui a reparação por perdas e danos decorrentes do inadimplemento (cláusula excludente do dever de indenizar) e de cláusula que fixa 0 valor máximo de indenização (cláusula limitativa do dever de indenizar).

48 Op. Cit., p. 505. 49

Op. Cit., p. 564.

Ca pítu

Responsabilidade civil subjetiva e objetiva 1. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA O art. 927 do CC, em clareza solar, afirma: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Este dever de indenizar se relaciona à prática de um ato ilícito que, pela disciplina da lei, ou decorre de dolo ou culpa, na forma do art. 186, ou do abuso do direito (art. 187), situação última que não exige a presença do elemento psicológico-subjetivo. Para 0 S uperior T ribunal de Justiça a indenização tem como objetivo compensar a dor sofrida, punir 0 ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos de tal natureza (REsp. 337.739). Este aspecto, no plano moral, ganha maior relevância por repercutir no direito da personalidade, independentemente da condição so­ cial do indivíduo. Ademais, "A condição da vítima, de pobre, não pode ser valorizada para reduzir 0 montante da indenização pelo dano moral; a dor das pessoas humildes não é menor do que aquela sofrida por pessoas abonadas" (S uperior T ribunal de Justiça, REsp. 951.777). No âmbito doutrinário, quanto ao abuso do direito, 0 Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil esclarece que a responsabilidade civil dali decorrente independe de culpa, pois se fundamenta no critério objetivo-finalístico. Trata-se de cláusula geral constitucionalmente erigida nos princípios da solidariedade e proteção da confiança, daí porque se aplica a todos os ramos do direito. Esta é a conclusão do Enunciado 414, da V Jornada em Direito Civil. Este é 0 contexto que melhor orienta a interpretação da norma, aliando dou­ trina e jurisprudência na perspectiva de que a responsabilidade civil não pode ignorar os novos desafios da sociedade brasileira, muito menos os direitos da personalidade e os institutos da boa-fé objetiva, dentre outros. 0 parágrafo único do art. 927 prossegue afirmando que haverá obrigação de reparar 0 dano "independentemente de culpa": (a) nos casos especificados em lei, (b) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano "implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". É possível afirmar, à guisa desta leitura, que a regra é a responsabilidade civil subjetiva, pois isto é 0 que resta disciplinado no caput do art. 927. Desta forma.

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• Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

além dos elementos gerais (conduta humana, dano e nexo causai), há de se com­ provar a existência de dolo ou culpa para, somente desta maneira, todos os ele­ mentos justificadores do dever de reparar se encontrarem presentes. A exceção vem disciplinada no desdobramento do referido artigo, ou seja, no seu parágrafo único, de modo que, seja ante a presença de lei especial, seja por força do risco da atividade normalmente desenvolvida, a hipótese será de res­ ponsabilidade objetiva, quando o dolo ou a culpa não serão importantes. Nestes casos, a presença apenas dos elementos gerais (conduta, dano e nexo) já é sufi­ ciente para caracterizar o dever secundário de indenizar. Um belo exemplo de lei especial prevendo a responsabilidade civil objetiva é o Código de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, ilustre-se com a súmula 595 do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 25 de outubro de 2017, segundo a qual "As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação, sobre 0 qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação". Nesta situação, 0 STJ entendeu por aplicar a legislação especial (CDC) e reconhecer a responsabilidade objetiva da instituição de ensino superior. Teoria da Culpa Subjetiva --------------------------------------------------►

Regra!

Eis a distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Na primeira, que é a regra, deve-se demonstrar a presença do dolo ou da culpa (Teoria da Culpa ou Subjetiva). Na segunda, que é a exceção, não será necessário comprovar nada disto: 0 simples dano, causado com a conduta humana independentemente da sua intenção, ligados por um nexo, enseja 0 dever de reparar. 1.1. 0 Dolo e a Culpa A compreensão dos conceitos jurídicos envolvendo 0 dolo e a culpa passa, ini­ cialmente, pela leitura do art. 186 do CC, segundo 0 qual: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Trata-se de preceito que não se contenta apenas em apresentar uma das hipóteses de ato ilícito. Antes, 0 dispo­ sitivo aborda a denominada culpa em sentido amplo, aquela subdividida em dolo ou culpa em sentido restrito. Tanto isto é verdade que a ação ou omissão devem ser voluntárias, ou seja, juridicamente qualificadas pelo animus. Eis 0 campo da responsabilidade civil subjetiva, no qual é preciso demonstrar a voluntariedade do ato ou omissão, sob pena de não restar configurado 0 dever de indenizar. Sem dolo, sem culpa, inexistiria responsabilidade civil, afinal de con­ tas unuscuique sua culpa nocet (cada um responde por sua própria culpa).

Cap. IV . Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

359

Ao tratar da responsabilidade civil subjetiva o direito civil brasileiro demonstra a influência recebida da legislação francesa, principalmente do Código Napoleônico. Os arts. 159 e 1.518 do antigo CC/16 e os atuais 186 e 927 do CC/02 destacam a culpa como fundamento imprescindível à caracterização da responsabilidade em termos de regra geral. 0 dolo está diretamente relacionado com a consciência de praticar ato proibi­ do, pelo desejo de incidir num ilícito cível ou penal. Ocorre quando se busca deter­ minado resultado e se age exatamente no sentido de obtê-lo. Exemplo típico está no Direito Penal, na expressão animus necandi, utilizada para evidenciar situação de homicídio doloso, quando 0 agente demonstra a intenção de matar. No âmbito cível, 0 dolo tanto pode ser causa de anulação do negócio jurídico (art. 145)1, como hipótese de ato ilícito configurador do dever de reparar (arts. 186 e 927). 0 Código Civil classifica 0 dolo como: de aproveitamento (art. 157), essencial ou acidental (art. 146), omissivo ou comissivo (art. 147), de terceiro (art. 148), do representante (art. 149) e recíproco (art. 150). ► Atenção!

As figuras do dolo eventual e do preter dolo não estão regradas no Direito Civil, não se aplicando neste ramo. Tratam-se de temas do Direito Penal. Também é importante lembrar que na V Jornada em Direito Civil foi produzido 0 Enunciado 443 segundo 0 qual a responsabilidade pela perda da chance não se limita à categoria dos danos extrapatrimoniais e pode apresentar natureza jurídica de dano patrimonial, desde que a chance seja séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos. Portanto, a ação ou a omissão podem ser dolosas desde que comprovado no caso concreto a intenção inequívoca de agir ou de não agir. Quanto à culpa, seu estudo deve ocorrer de maneira destacada, ante a importância do instituto. É 0 que se fará agora. 1.1.1. M o d a lid a d e s d e C u lp a A culpa constitui tema nitidamente relacionado à ideia de descuido, decorrente de negligência (descuido e omissão), imprudência (descuido e ação) ou imperícia (descuido técnico com ação ou omissão). Ilustre-se:

1

D e scu id o

D escu id o

D e scu id o

+ o m is sã o

+ ação

técn ico

Apenas para lembrar 0 conteúdo do dispositivo: "São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quan­

do este for a sua causa.".

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. Luciano Figueiredo e

R o b e rto

Figueiredo

Uma das maneiras de melhor compreender o alcance da culpa no caso con­ creto é dialogar com os conceitos jurídicos da previsibilidade e do homem médio (padrão médio de comportamento). A definição da culpa passa efetivamente pela compreensão da previsibilidade. É por conta disto, por exemplo, que o fortuito deve ser considerado excludente da responsabilidade civil, eis que imprevisível ao homem médio. Ousamos afirmar que a possibilidade de culpar alguém em decorrência de evento imprevisível à luz do homem médio, configura hipótese de responsabili­ dade civil integral de pouca aceitação teórica, conveniência política e visível custo social. Além de apresentar a culpa pelo viés da imprudência, negligência e imperícia, também é necessário evidenciar que o desenvolvimento da doutrina e jurispru­ dência clássicas justificou o surgimento das expressões culpa in vigilando, in contraendo e in custodiendo, entre outras. 0 fato é que os Tribunais brasileiros aceitam estas expressões. Algumas se en­ contram em súmulas, como os verbetes 341 do STF e 331 do TST, entre vários outros que se poderia ilustrar.

► Atenção! • Culpa in eligendo:

d e c o r r e d a e s c o lh a e q u iv o c a d a d e u m r e p r e s e n ­

ta n te o u d e u m p r e p o s t o , o u d e a lg u é m p a r a a p rá t ic a d e a to s c i­ v is . Q u a n d o is to a c o n te c e , a ju r is p r u d ê n c ia im p u ta r e s p o n s a b ilid a d e à q u e le q u e e le g e u m a l. O u e m e le g e m a l p o s s u i r e s p o n s a b ilid a d e c iv il p o r c u lp a

in eligendo,

n u m a e s p é c ie d e im p r u d ê n c ia , o u s e ja , d e s c u i­

d o a c r e s c id o d o a to d e e le g e r o u tre m (STJ. R Esp 96704). •

Culpa in vigilando:

d e c o r r e d a fa lta d e fis c a liz a ç ã o q u a n d o 0 d e s c u id o

é r e la c io n a d o co m a o m is s ã o , a s p e c t o a c o n fig u ra r n e g lig ê n c ia p o r n ã o fis c a liz a r, n ã o v ig ia r , a p e s s o a e le it a ( v id e a s ú m u la 3 3 1 , in c is o s IV e V, d o TST q u e r e s p o n s a b iliz a 0 t o m a d o r d o s e r v iç o t e r c e ir iz a d o , d e m o d o s u b s id iá r io , p e lo in a d im p le m e n t o d a s p a r c e la s t r a b a lh is t a s d o r e a l e m p r e g a d o r , q u a l s e ja 0 fo r n e c e d o r d e s e r v iç o . N e ste c a s o , p o r n ã o t e r v ig ia d o , fis c a liz a d o , 0 e m p r e g a d o r , a e m p r e s a t o m a d o r a d e s e r v iç o é r e s p o n s á v e l p e lo p a g a m e n t o d a s v e r b a s t r a b a lh is t a s à lu z

d o v e r b e t e , r e c e n t e m e n te e x a m in a d o p e la C o rte S u p r e m a n o s a u to s d a ADC 16 , d o STF). A lé m d e s t a s s it u a ç õ e s , e x is te m o u t r a s m o d a lid a d e s d e c u lp a , m e n o s u ti­ liz a d a s n a p rá tic a fo r e n s e , a s a b e r :

• Culpa in commitendo: • Culpa in ommitendo:

d e c o r r e d e a to p o s itiv o e im p r u d e n t e .

d e c o r r e d e o m is s ã o e n e g lig ê n c ia .

• Culpa in custodiendo: a n im a is .

d e co rre

d a fa lta d e c u s tó d ia

em

fa c e d e

Cap. IV . Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

361

Esta clássica e tradicional forma de qualificar a culpa merece a necessária crí­ tica do Direito Civil contemporâneo. De fato, tais modalidades de culpa estão em desuso ante a t e o r i a d o r is c o abraçada pelo atual Código Civil, que prestigia novos casos de responsabilidade civil objetiva, até então tratados pela ultrapassada classificação acima. A título de exemplo, os arts. 932 e 933 do CC responsabilizam objetivamente as pessoas ali indicadas por atos de terceiros, entre as quais 0 patrão por ato do empregado. Trata-se de pedagógico exemplo de superação da súmula 341 do STF pela nova legislação cível, de modo a não se fazer mais neces­ sário qualificar como presumida a culpa do empregador, agora objetiva, por força de lei, ante os atos praticados pelo empregado. Cumpre ressaltar que esse tema é recorrente em concurso público. Assim, ape­ nas para ilustrar, trouxemos algumas questões. ► Atenção!

No Informativo 481 0 S uperior T ribunal de Justiça decidiu 0 Recurso Especial sob 0 regime do art. 543-C do CPC afirmou que as Instituições Financeiras respondem objetivamente, a título de danos morais e materiais, quando 0 nome de alguém que jamais manteve relação jurídica com as mesmas, é negativado em órgão de proteção ao crédito, ainda que a hipótese decorra de "delitos praticados por terceiros", uma vez que tal respon­ sabilidade decorre do risco do empreendimento (STJ. REsp 1.197.029-PR). ► Atenção! 0 art. 543-C do antigo CPC, referido no julgado, está no novo CPC (NCPC)

no art. 1.036, com a seguinte redação: "Sempre que houver multiplicida­ de de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idênti­ ca questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado 0 disposto no Regimento In­ terno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça." Apesar da culpa efetivamente ter perdido espaço no Código vigente, a gradação da culpa ganhou força e, de forma inédita, surgiu estampada no art. 944 do CC, segundo 0 qual: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e 0 dano, poderá 0 juiz reduzir, equitativamente, a indenização". Na V Jornada em Direito Civil foi elaborado 0 Enunciado 454 afirmando que a expressão "dano", do art. 944 do Diploma Civil, abrange além dos individuais materiais ou imateriais, os danos sociais, difusos, coletivos e indivi­ duais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. ► Como o S u perio r T ribunal de J ustiça já decidiu este assunto?! Impossibilidade de fixação, "ex officio", de indenização por danos sociais em ação individual. Recurso repetitivo. "É nula, por configurar julgamento

"extra petita", a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação indivi­ dual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide. Inicialmente, cumpre registrar que 0 dano social

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• Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

vem sendo reconhecido pela doutrina como uma nova espécie de dano reparável, decorrente de comportamentos socialmente reprováveis, pois diminuem o nível social de tranquilidade, tendo como fundamento legal o art. 944 do CC Desse modo, diante da ocorrência de ato ilícito, a doutrina moderna tem admitido a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social, como categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, além dos danos materiais, morais e estéticos". Rcl 12.062-GO, Rei. Min. Raul Araújo, j. 12.11.14. 2a S. (Info STJ 552)" ► E na hora da prova? (Vunesp - Procurador - Pref. de Valinhos - SP/2019) Ocorrendo mani­

festações contra 0 aumento do valor da passagem de ônibus, grupo identificado danifica 0 prédio da prefeitura, quebrando seus vidros e um portal histórico e tombado por seu valor artístico. Gabarito: Diante desses fatos, é possível dizer que os responsáveis po­ derão responder por dano material e social Entende a doutrina consagrada no Enunciado 379 que a gradação da culpa prevista no art. 944 do CC não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil. De qualquer modo, 0 texto nor­ mativo empresta limitações ao dever de reparar pelo critério da culpa. Sobre 0 tema 0 Enunciado 46 do CJF afirma que a possibilidade de redução do valor indenizatório, referido no parágrafo único do mencionado art. 944, deve ser interpretada restritivamente porque significa exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando, pois, aos casos de responsabilidade objetiva. Exatamente por isto 0 Enunciado 456 sugere que a redução equitativa da indeniza­ ção tem caráter excepcional, de modo a somente ocorrer quando a amplitude do dano extrapolar os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente, razão pela qual 0 grau de culpa do ofensor, ou a sua eventual conduta intencional, de­ vem ser considerados pelo juiz na quantificação do dano (Enunciado 457). Quanto à culpa exclusiva da vítima, também denominada fato exclusivo da víti­ ma, remetemos 0 leitor ao Capítulo III deste trabalho, pois 0 tema restou tratado entre as hipóteses das causas exdudentes da responsabilidade civil. 1.2. As Hipóteses de Responsabilidade Civil Subjetiva no Código Além do caput do art. 927,0 Código Civil trata da responsabilidade subjetiva em outros preceitos legais. É 0 que veremos agora. 1.2.1. In c a p a z 0 art. i ° do CC é claro ao afirmar que toda pessoa é titular de direitos e de­ veres no Ordenamento Jurídico. Sendo a pessoa incapaz, deve responder pelos

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

363

atos da vida civil que praticar. 0 art. 180 do CC afirma que 0 relativamente incapaz não pode invocar sua idade para se eximir de obrigação quando dolosamente a ocultou ou declarou-se maior. já entendeu ser possível 0 absolutamente incapaz so­ frer dano moral: "0 absolutamente incapaz, ainda quando impassível de detrimento anímico, pode sofrer dano moral"2. (REsp 1.245.550-MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 16.4.15. 4a T. Info STJ 559), aspecto que evidencia ser este, à luz do art. 1° do Código Civil, titular de direitos e deveres no mundo jurídico. 0 S uperior T ribunal

de Justiça

Ademais disto, com 0 Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal n° 13.146, de 06 de julho de 2015, cuja vigência normativa se iniciou em 2016 passará a ser absolutamente incapaz tão somente 0 menor de 16 anos. A causa transitória an­ tes prevista no inciso III, do art. 30 do Código Civil como situação de incapacidade absoluta, agora é hipótese de incapacidade relativa, deslocada para 0 art. 4° do Código Civil. Enfermidade e déficit mental não mais são situações incapacitantes expressas. Foram alterados os arts. 30, 40, 1.767, II e IV (revogados), 1.768, IV, 1.769, 1.771,1.772 e 1.777 do CC. Além disto, foram acrescidos os arts. 1.775-A e 1.783-A do CC. No capítulo de curatela se introduziu 0 tema da Tomada de Decisão Apoiada, uma das grandes inovações normativas do ano. 0 incapaz, afirma 0 Código, possui responsabilidade civil pelos prejuízos que causar. Contudo, esta responsabilidade somente será admitida pela norma se as pessoas por ele responsáveis "não tiverem obrigação de fazê-lo" ou "não dispuse­ rem de meios suficientes". É 0 que afirma 0 art. 928 do CC.

Vale ressaltar que 0 teor do referido dispositivo legal é recorrente em provas de concurso. ► E na hora da prova? A n o : 2 0 18 B a n c a : VUNESP Ó rg ã o : PGE-SP P r o v a : VUNESP - 2 0 18 - PG E-SP P r o c u r a d o r d o E s ta d o A s s in a le a a lt e r n a t iv a c o r r e ta . G a b a r ito : "0 in c a p a z r e s p o n d e r á p e lo s d a n o s q u e c a u s a r, s e a s p e s s o a s p o r e le r e s p o n s á v e is n ã o t iv e r e m a o b r ig a ç ã o d e f a z ê -lo o u n ã o d is p u ­ s e r e m d e m e io s s u fic ie n te s " . A n o : 2 0 18 B a n c a : FCC Ó rg ã o : TRT - 15a R e g iã o (S P ) P ro v a : FCC - 2 0 18 - TRT i5=> R e g iã o (S P ) - A n a lis ta J u d ic iá r io - Á r e a J u d ic iá ria R o g é rio , d e 14 a n o s , b rig a n a e s c o la co m F ilip e , d a m e s m a id a d e , e lh e q u e b r a 0 b ra ç o , c a u s a n d o -lh e p r e ju íz o d e R$ 2.000,00 n a s d e s p e s a s m é ­ d ic a s e d e h o s p it a l. Fica p r o v a d o q u e F ilip e n ã o d e u c a u s a à b rig a , ra z ã o p e la q u a l s e u p a i, r e p r e s e n t a n d o -o , q u e r r e c e b e r 0 v a lo r d o s d a n o s . N e s s a s c ir c u n s t â n c ia s , R o g é rio ,

2

REsp 1.245.550-MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, Dje 16.4.15- 4a T. Info STJ 559.

364

Direito Civil - Vol. 11

• Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Gabarito: "apesar de absolutamente incapaz, responderá pelo prejuízo que causou, se as pessoas que respondem por ele não tiverem obriga­ ção de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes; nesse caso, a in­ denização deverá ser equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam". Significa dizer que a responsabilidade civil do incapaz é a um só tempo con­ dicional, subsidiária e subjetiva, afinal de contas será necessário apurar dolo ou culpa deste para, com isto, responsabilizá-lo civilmente. Se não fosse assim, estar-se-ia permitindo uma responsabilidade civil por ato próprio objetiva para aque­ le que é incapaz e, ao mesmo tempo, responsabilidade civil subjetiva para os adultos, em nítida subversão do sistema interpretative, afastando-se as regras de proteção aos incapazes e, pior, o dever constitucional de proteção à infância e juventude, na forma do art. 227 da CF/88. 0 Texto Constitucional impõe como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, um sem número de direitos fundamentais "além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Sob as lentes da Constituição, a única interpretação possível ao art. 928 do CC é a da responsabilidade subjetiva do incapaz que, no plano penal constitucional é inimputável e submetido à legislação especial (art. 228, CF). Os Direitos da Infância e Juventude, assegurados na Constituição Federal, impõe um sistema jurídico próprio a considerar a efetiva "condição peculiar de pessoa em desenvolvimento", daí porque os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta exigem interpretação conforme (e subjetiva) da responsabilidade civil do incapaz por critério de idade. Mas também é importante lembrar que o signo incapaz abrange todos os sujei­ tos de direito referidos entre os arts. 3° e 40 do CC. Os curatelados e os interdita­ dos, assim como todos os demais incapazes, também respondem civilmente. É 0 que afirma 0 art. 928. Esta responsabilidade só pode ser subjetiva. Mas, como admitir a responsabilidade subjetiva, nesta hipótese, se tais sujei­ tos de direito muitas vezes não conseguem compreender 0 mundo em que vivem e, como visto acima, 0 elemento da voluntariedade se apresenta fundamental à caracterização do ato ilícito? ► Atenção!

Esta questão já foi objeto de análise do notável Orlando Gomes quando sustentou que a falta do discernimento do menor impediría a responsa­ bilização deste e de seus genitores. Contudo, este entendimento não foi consagrado na atualidade.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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Trata-se de vexata quaestio. 0 princípio da justiça distributiva e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a que alude o art. 3°, nos incisos I, III e IV, talvez indiquem a solução pelo critério principiológico da ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, de modo que se deve mitigar, mas não abolir, 0 aspecto volitivo em situações como estas para prestigiar outros importantes valores constitucionais, além do próprio restitutio in integrum. Acreditamos que esta seria uma forma de interpretação conforme 0 Texto Maior. Outra alternativa seria classificar a hipótese como um ato-fato jurídico de modo a, com tal enquadramento, reconhecer a responsabilidade civil do incapaz. ► Atenção! De a c o r d o co m 0 a rt. 188 e 929 d o CC é p o s s ív e l a r e s p o n s a b ilid a d e civ il d e ­ c o rre n te d e a to lícito , 0 q u e c o n stitu i e x c e ç ã o à re g ra t ra n q u ila m e n te a c e i­ ta p e la d o u tr in a e ju r is p r u d ê n c ia , a lé m d a e x p líc ita p re v is ã o n o rm a tiv a . C u r io s id a d e ! No C C /1 6 0 a b s o lu t a m e n t e in c a p a z n ã o t in h a q u a lq u e r r e s ­ p o n s a b ilid a d e c iv il e 0 r e la t iv a m e n t e in c a p a z ( e n tre 16 e 2 1 a n o s ) e ra e q u ip a r a d o , p a r a e fe ito d e r e s p o n s a b ilid a d e , a o s e u r e p r e s e n t a n t e le ­ g a l, s u rg in d o n is to u m a s o lid a r ie d a d e . C o m o v is t o , h o u v e s ig n ific a tiv a m u d a n ç a d o D ire it o A n t e r io r p a r a 0 D ire it o C o d ific a d o A tu al.

Em arremate, deve-se lembrar que 0 parágrafo único do art. 928 do CC impõe que a indenização prevista para 0 incapaz arcar deve ser equitativa e não terá lugar se privar do necessário 0 incapaz ou as pessoas que dele dependem. Sob este tema 0 Enunciado 39 do CJF a sugerir que a impossibilidade de privação do necessário ao incapaz traduz um dever de indenização equitativa informado pela dignidade humana, de modo a também beneficiar os pais, tutores e curadores neste limite humanitário do dever de indenizar. Em síntese: a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgo­ tados todos os recursos do responsável legal, mas quando estes forem reduzidos ao mínimo essencial à manutenção de sua dignidade. Contudo, 0 Enunciado 448 da V jornada em Direito Civil ressalva: "A indenização equitativa a que se refere 0 art. 928, parágrafo único, do Código Civil não é necessariamente reduzida sem prejuízo do Enunciado n. 39 da I Jornada de Direito Civil". Fica a reflexão. Outra importante hipótese de incidência do art. 928 se dá para os casos de medida socioeducativa, na forma do art. 116, do ECA. De fato, quando 0 incapaz recebe medida socioeducativa o caráter personalíssimo da mesma impede que tais efeitos atinjam seus representantes legais. Esta é uma situação na qual apenas 0 incapaz responde. Neste sentido 0 Enunciado 40 do CJF: "0 incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente como devedor principal, na

366

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas sócio-educativas". Em arremate, deve-se lembrar que a única situação na qual a responsabilidade civil do incapaz será solidária com os seus pais há de acontecer no caso de um menor de 18 anos emancipado, como sugere o Enunciado 41 do CjF. 1.2.2. Credor de Dívida Não Vencida ou Já Paga (Cobrança Indevida) Também 0 art. 939 disciplina hipótese específica de responsabilidade civil sub­ jetiva quando 0 credor demanda antes de vencida a dívida, situação na qual fica obrigado a esperar 0 tempo que faltava para 0 vencimento e a descontar os juros correspondentes, além de pagar as custas em dobro. Acreditamos que a norma em destaque só pode estar a prever disciplina de responsabilidade civil subjetiva, afinal de contas a cobrança de uma dívida não vencida ocorre ou por dolo (má-fé de quem pede) ou por culpa (imprudência: descuido e ação indevida). Heloísa Helena Barbosa3 defende 0 entendimento no sentido de ser necessário, no caso em destaque, verificar se 0 credor agiu de má-fé para fins de aplicação das sanções referidas no art. 939 do CC, nada obstante consignar existir entendimento no sentido de que 0 valor da indenização estaria prefixado pela lei, corresponden­ do às sanções ali previstas.

É mesmo intuitiva a ideia segundo a qual 0 credor não pode exigir 0 adimplemento senão quando do vencimento da dívida (exigibilidade). Cobrada antes, surge hipótese de ato ilícito, cuja sanção é a espera do advento do vencimento, descontando-se juros, custas em dobro, eventuais honorários de advogado, enfim: perdas e danos. À semelhança da hipótese acima, 0 art. 940 do CC prevê a conhecida repetição de indébito para quem "demandar por dívida já paga" ou "pedir mais do que for devido". A jurisprudência só admite a restituição em dobro da cobrança indevida para caso de comprovada má-fé, a evidenciar necessária a presença do dolo. ► Como os tribunais estão decidindo o assunto? 0 S upremo T ribunal Federal n a Súmula 159 a s s e n t o u e n t e n d im e n t o no s e n t id o d e q u e a c o b r a n ç a in d e v id a fe ita d e b o a -fé n ã o e n s e ja a r e p e t iç ã o d o ­ b r a d a d o in d é b it o . E is

0 v e r b e t e : "A

c o b r a n ç a e x c e s s iv a , m a s d e b o a -fé ,

n ã o d á lu g a r à s s a n ç õ e s d o a rt . 1 .5 3 1 d o C ó d ig o C iv il" . 0 a rt . 1 .5 3 1 d o C C /1 6 , r e f e r id o no e n u n c ia d o d a s ú m u la , e q u iv a le h o je a o a rt . 940 d o CC.

0 S uperior T ribunal

de Justiça

s e g u e o m e s m o e n t e n d im e n t o : " C o m o a s s e n t a d o

e m d iv e r s o s p r e c e d e n t e s , a in c id ê n c ia d o a r t . 1 .5 3 1 d o C ó d ig o C iv il s u ­

3

In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 517.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

367

p õ e q u e , a lé m d a c o b r a n ç a in d e v id a , e x is ta p ro c e d im e n t o m a lic io s o d o a u to r, a g in d o c o n s c ie n t e d e q u e n ã o te m d ir e it o a o p re t e n d id o . (R E sp . 18 4 .8 2 2). E m a is : "A d o u tr in a e a ju r is p r u d ê n c ia e s t ã o d e a c o r d o q u e 0 a rt . 1 .5 3 1 d o C ó d ig o C iv il s u p õ e q u e , a lé m d a c o b r a n ç a in d e v id a , e x is ta p r o c e d im e n t o m a lic io s o d o a u to r, a g in d o c o n s c ie n t e d e q u e n ã o te m d ir e it o a o p r e t e n d id o " (R E sp . 99.683).

0 CDC também possui dispositivo sobre a repetição de indébito (art. 42), sendo que a súmula da Corte Suprema, para a doutrina especializada, encerra polêmica de pensamento a ser dividida em duas grandes correntes:

(i) Majoritária: para A rruda A lvim4 e A ntônio Herman V asconcellos e Benjamim5, mesmo quando se aplica 0 Código de Defesa do Consumidor ainda assim a súmula 159 prevalece de modo que a restituição dobrada do indébito sempre exige a prova da má-fé. (ii)

Minoritária: para C láudia Lima Marques6 a súmula 159 da Suprema Corte não se aplica ao art. 42 do CDC, de modo que apenas 0 fortuito seria excludente da dobra.

Apesar da divergência doutrinária, a jurisprudência consagra a súmula 159 para todas as situações, cíveis ou de consumo, de modo que apenas a prova da má-fé, ainda que em causas de consumo, autorizaria a repetição dobrada. A este respeito 0 S uperior T ribunal de Justiça no Recurso Especial 505734. ► E na hora da prova? A n o : 2 0 18 B a n c a : CESPE Ó rg ã o : PGM - M a n a u s - AM P ro v a : CESPE - 2 0 18 PGM - M a n a u s - AM - P r o c u r a d o r d o M u n ic íp io D e a c o r d o co m a ju r is p r u d ê n c ia d o STJ e a s d is p o s iç õ e s d o C ó d ig o C iv il, ju lg u e 0 ite m a s e g u ir, a c e r c a d a r e s p o n s a b ilid a d e c iv il. U m a v e z a ju iz a d a a ç ã o d e c o b r a n ç a d e d ív id a já p a g a , 0 d ire it o d o r e ­ q u e r id o à r e s titu iç ã o e m d o b r o p r e s c in d ir á d a d e m o n s t r a ç ã o d e m á -fé d o a u to r d a co b ra n ç a . G a b a r ito : " E r r a d o " . A n o : 2 0 18 B a n c a : CESPE Ó rg ã o : PGM - M a n a u s - AM P ro v a : CESPE - 2 0 18 PGM - M a n a u s - AM - P r o c u r a d o r d o M u n ic íp io D e a c o r d o co m a ju r is p r u d ê n c ia d o STJ e a s d is p o s iç õ e s d o C ó d ig o C iv il, ju lg u e 0 ite m a s e g u ir, a c e r c a d a r e s p o n s a b ilid a d e c iv il.

4

In Código do Consumidor Comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 224/225.

5

In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 324.

6

In Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 1.051.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A s a n ç ã o c iv il d e p a g a m e n to e m d o b r o p o r c o b ra n ç a d e d ív id a já a d im p lid a p o d e s e r p le it e a d a n a d e fe s a d o r é u , in d e p e n d e n t e m e n t e d a p ro p o s it u r a d e a ç ã o a u tô n o m a o u d e r e c o n v e n ç ã o p a r a ta n to . G a b a r ito : " C e rto " .

Atenção! As sanções previstas nos arts. 939 e 941 não se aplicam quando 0 autor desistir da ação antes de contestada, ressalvando-se ao réu direito de indenização por eventual prejuízo que prove vier a ter experimentado à vista disto. É 0 que afirma 0 art. 942 do CC. De qualquer modo, a "desistência do credor não impedirá, contudo, que 0 devedor venha a ser indenizado por algum dano que comprovadamente seja decorrente do procedimento do credor". A advertência é de Heloísa Helena Barbosa7. 1.2.3. Homicídio e Incapacidade Laborai Também há disciplina jurídica acerca da responsabilidade civil subjetiva para casos de homicídio (art. 948) quando a indenização consistirá, entre ou­ tras coisas: (i) no pagamento das despesas com 0 tratamento da vítima, seu funeral e 0 luto da família, (ii) na prestação de alimentos às pessoas a quem 0 morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida do de cujus vitimado. Ainda sobre a doutrina de Heloísa Helena Barbosa8 a mesma afirma, para 0 caso de homicídio, que "0 artigo estabelece a indenização que cabe aos sucessores", estando legitimados a postular reparação os que dependiam economicamente do falecido "além das que sofreram a perda pela morte, geralmente os integrantes da sua família, em sentido estrito". Tal preceito liga-se, diretamente, ao caráter transmissível da responsabilidade civil, tanto no viés do direito à reparação, como na obrigação de indenizar (art. 943 do CC). ► Como os tribunais estão decidindo a questão? S e g u n d o a s ú m u la 4 9 0 d o S upremo T ribunal F ederal "A p e n s ã o c o r r e s p o n d e n ­ te a in d e n iz a ç ã o o r iu n d a d e r e s p o n s a b ilid a d e c iv il d e v e s e r c a lc u la d a co m b a s e no s a lá r io m ín im o v ig e n te no te m p o d a s e n t e n ç a e a ju s t a r -s e à s v a r ia ç õ e s u lt e r io r e s " .

0 S uperior T ribunal

de Justiça

ta m b é m já e n t e n d e u q u e p a r a u m c a s o d e le s ã o

c o r p o r a l s e g u id a d e m o rte s e r á p o s s ív e l a " In d e n iz a ç ã o p o r a to ilíc ito " m e d ia n t e " P e n s ã o d e n a t u re z a a lim e n t a r " q u e s e im p le m e n t a r ia " a t r a ­ v é s d e d e s c o n to e m fo lh a " (R E sp . 19 4 .5 8 1/M G ).

7 8

In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 519. In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 524.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

369

Também é importante recordar que a indenização disciplinada no Código Civil decorre da prática do ato ilícito e não se confunde com a relação jurídica estatutário-previdenciária, ou seja, não se confunde com a relação entre o beneficiário e a previdência social. Desta forma, o fato da vítima postular pensão na esfera cível contra o agente agressor, não obsta que a mesma também se dirija ao órgão previdenciário e requeira pensão acidentária. Portanto, o termo pensão acidentária não se confunde com a pensão do direi­ to comum. Sobre o tema o S upremo T ribunal Federal editou a súmula 229: "A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador". No campo previdenciário já se reconhece devida a pensão por morte aos de­ pendentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção da aposentadoria até a data do seu óbito, na forma da súmula 416 do S uperior T ribunal de Justiça. Interessante também 0 julgado do S uperior T ribunal de Justiça no Informativo 4 6 0 em caso envolvendo atropelamento que vitimou autista, pois se entendeu que, mes­ mo em tese não tendo este aptidão para 0 trabalho (capacidade laborai), ainda assim seria 0 caso de se reconhecer 0 pagamento de pensão mensal, inclusive como forma de interpretação constitucional em face das pessoas com necessida­ des especiais (REsp. 579.888-RJ). No Informativo 401 0 Superior T ribunal de Justiça reconheceu a um mergulhador que sofreu esmagamento da mão direita, mas, ainda assim, estava apto a exercer ou­ tras atividades, que a hipótese seria de pensionamento em 100%, independente de outro trabalho que venha ou não lhe auferir rendimento igual, ou mesmo superior (REsp. 579.888-RJ). ► Atenção! Im p o rta n te r e c o r d a r 0 c o n te ú d o d a

súmula 278

d a C o rte E s p e c ia l p a ra

q u e m " 0 te r m o in ic ia l d o p ra z o p re s c r ic io n a l, n a a ç ã o d e in d e n iz a ç ã o , é a d a ta e m q u e 0 s e g u r a d o t e v e c iê n c ia in e q u ív o c a d a in c a p a c id a d e la b o ra i" .

Pacífico 0 entendimento segundo 0 qual, em regra, a responsabilidade civil disciplinada no art. 948 é subjetiva, salvo nos casos de lei especial, ou de risco. É dizer: a melhor forma de interpretar 0 preceito é sistematizando-o com o art. 927 e seu parágrafo único, pois ambos tratam da responsabilidade por ato próprio, a merecer semelhante interpretação. De acordo com a súmula 313 do S uperior T ribunal de Justiça "Em ação de indenização, procedente 0 pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado".

370

1.2.4.

Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ofensa à Saúde

Quanto aos profissionais da saúde a que alude 0 art. 949 do CC, como regra, serão responsabilizados apenas em casos de agirem com dolo ou culpa, sendo idêntica a necessidade da presença destes elementos nas questões que envolvam incapacidade laborai (parcial ou absoluta), como adverte 0 art. 950. Assim, 0 "ofensor indenizará 0 ofendido" tanto nas despesas do tratamento, como nos lucros cessantes (0 que deixou de ganhar),"além de algum outro prejuízo" experimentado. ► E na hora da prova? A b a n c a CESPE, e m c o n c u r s o p a r a P r o c u r a d o r d o M in is té rio P ú b lic o ju n to a o TC E -P B , a n o d e 2 0 14 , c o n s id e r o u INCORRETA a s e g u in t e a s s e r t iv a : "No c a s o d e le s ã o à s a ú d e , 0 o f e n s o r in d e n iz a r á 0 o f e n d id o d a s d e s p e s a s d o t r a ta m e n to e d o s lu c r o s c e s s a n t e s a té a o fim d a c o n v a le s c e n ç a , a lé m d e a lg u m o u tro p r e ju íz o q u e 0 o f e n d id o p r o v e h a v e r s o frid o " .

Recorda-se que os danos oriundos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil devem ser analisados em conjunto, para 0 fim de atribuir a in­ denização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético. Sobre 0 tema, possível a referência às súmulas 37 e 387 do S uperior T ribunal de Justiça, bem como 0 Enunciado 192 da III Jornada de Direito Civil: "Os danos oriundos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para 0 efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético". ► Como se pronunciou o STJ? 0 S uperior T ribunal

de Justiça

a d o t a a t e s e a c im a . N e s s e s e n t id o :

Responsabilidade civil do Estado. Indenização. Acidente ocorrido durante a uti­ lização de máquina de passar roupas. Dano moral e estético. Cumulação. Pos­ sibilidade. É possível a cumulação do dano moral e do dano estético, quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originários do mesmo fato. (STJ. Al 276.023/RJ, DJ18-8-00, p. 256, Relator: Ministro Paulo Gallotti). Perda de braço. Dano estético e moral. Cumulação. Possibilidade. Lucros cessantes [...] Possível a cumulação dos danos estéticos e moral, ainda que decorrentes de um mesmo sinistro, se identificáveis as condições justificadoras de cada espécie. (STJ. REsp. 248.869/PR, DJ 12 -2 -11, Relator: Ministro Aldir Passarinho). Olfato. Paladar. Indenização. A perda do olfato e do paladar é causa de in­ capacidade que atinge gravemente a pessoa, prejudica sua vida de relação, im pede-a de usufruir de alguns prazeres da vida e mesmo prejudica a de­ fesa da sua saúde, 0 que exige indenização compatível (STJ. REsp. 404.706/ SP, DJ 02.09.2002, Relator: Ruy Rosado de Aguiar). Queimaduras. Lucros cessantes. Dano moral. Juros compostos. Honorários advocatícios. Tratamento. Novas cirurgias. [...] A condenação deve incluir

C a p . IV • R e s p o n s a b il id a d e civil s u b je t iv a e o b je tiv a

371

todas as intervenções que se fizeram necessárias durante a tramitação do demorado processo e das que devam ser feitas no tratamento das sequelas deixadas pelo acidente, ainda que não possam ser desde logo definidas em número e em valor, o que ficará para a liquidação de sentença. (STJ. REsp 297.007/RJ, Dj 18-3-02, p. 256, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar).

E 0 fabricante do aparelho utilizado pelo profissional de saúde, responderá pelos eventuais danos? Como bem posto pelo Enunciado 459 do Conselho da Justiça Federal, a respon­ sabilidade subjetiva do profissional da saúde - referida no art. 951 do CC e no art. 14 do CDC - não afasta a responsabilidade objetiva pelo fato da coisa da qual tem este a guarda, em caso de uso de aparelhos ou instrumentos que, por eventual disfunção, causem danos a pacientes. Outrossim, nada impede que 0 profissional da saúde exerça direito regressivo em relação ao fornecedor do aparelho, tudo sem prejuízo da ação direta do paciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor. E a instituição na qual 0 profissional de saúde trabalha, será responsabilizada pelo dano? A pessoa jurídica para quem 0 profissional da saúde efetivamente trabalhe terá, em casos como estes, responsabilidade civil objetiva - seja uma instituição particular, à luz do CC e do CDC, seja pública, como já entendeu 0 S upremo T ribu­ nal Federal, forte na Teoria do Risco Administrativo, em situação envolvendo erro médico (Informativo 364. Al 455.846 e Informativo 266. RE 217389). Em síntese: a responsabilidade do profissional da saúde será subjetiva (Informativo 438. REsp. 1.184.128-MS) e a da pessoa jurídica objetiva (Informativo 472. REsp. 986.648-PR). Importante recordar que algumas obrigações médicas são de resultados, como aquelas decorrentes da cirurgia plástica estética embelezadoras. Nestas condi­ ções, caso 0 fim almejado não seja atingido, 0 profissional da saúde será respon­ sabilizado objetivamente. Este entendimento foi reafirmado em 24 de fevereiro de 2012 pelo S uperior T ribunal de Justiça ao reconhecer "vasta jurisprudência desta Corte no sentido de que é de resultado a obrigação nas cirurgias estéticas". (Informativo 491. REsp. 985.888). Curioso 0 entendimento do S uperior T ribunal de Justiça no sentido de que se 0 hos­ pital apenas aluga, ou cede, 0 centro cirúrgico sem qualquer tipo de ingerência ou fiscalização sobre o ato médico do cirurgião, não há falar-se em responsabilidade alguma da pessoa jurídica por hipótese de ofensa à saúde causada pelo locatário do espaço (Informativo 467. REsp. 1.019.404). Pois bem. A lesão à saúde poderá ocasionar a chamada pensão vitalícia. Esta também será admitida para os casos de ofensa à saúde que resultarem em obstrução/impedimento ao exercício do trabalho, ou diminuição da capacidade labo­ rai. Com efeito, 0 art. 950 prevê para este caso "pensão correspondente à importân­ cia do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu".

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Direito Civil - Vol.

1 1 • L u c ia n o

Figueiredo e Roberto Figueiredo

► Como se pronunciou o S u perior T ribunal de J ustiça sobre o tema? •

Pensão civil por incapacidade parcial para o trabalho. "Pode ser

incluída pensão civil em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a soldado por acidente de trânsito, ainda que se possa presumir capacidade para atividades administrativas no próprio Exército Brasileiro ou para outras ocupações". R Esp 1.3 4 4 .9 6 2DF, R e i. M in . R ic a rd o V illa s B ô a s C u e v a , DJe 2 .9 .15 . 3a T. (In fo STJ 568)



Valor da pensão civil por incapacidade parcial para 0 trabalho. "A

pensão civil incluída em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a soldado do Exército Brasileiro por acidente de trânsito pode ser fixada em 100% do soldo que recebia quando em atividade". R Esp 1.344.962-D F, R e i. M in . R ic a rd o V illa s B ô a s C u e v a , DJe 2 .9 .15 . 3a T. (In fo STJ 568)

0 Supremo Tribunal Federal na súmula 314 cristalizou 0 entendimento no senti­ do de que "Na composição do dano por acidente do trabalho, ou de transporte, não é contrário à lei tomar para base da indenização 0 salário do tempo da perícia ou da sentença".

Versando sobre 0 pensionamento, consoante a leitura do art. 950 do Código Ci­ vil, resta claro que 0 legislador oferece ao lesado a prerrogativa de escolha entre 0 pagamento mês a mês, ou de uma única prestação. Trata-se de genuíno direito potestativo, na forma do Enunciado 48 do Conselho da Justiça Federal. Entrementes, direitos não podem ser exercitados em abuso, desprovidos de ponderação. Nessa ótica, como bem colocado pelo Enunciado 381 do Conselho da Justiça Federal, 0 lesado pode exigir que a pensão seja arbitrada, e paga, de uma só vez, salvo impossibilidade econômica do devedor, hipótese na qual 0 juiz pode fixar outra forma de pagamento de acordo com a condição financeira do ofensor e os benefícios resultantes do pagamento antecipado. Não é crível que 0 pagamento em parcela única gera a falência empresarial ou insolvência pessoal, com deletérios danos sociais. ► Como se pronunciou o S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o tema? Forma de pagamento de pensão fixada nos casos de responsabilidade civil derivada de incapacitação da vítima para 0 trabalho. "N o s c a s o s d e r e s p o n s a b ilid a d e c iv il d e r iv a d a d e in c a p a c it a ç ã o p a r a 0 t r a b a lh o (a rt. 950 d o C C ), a v ít im a n ã o te m 0 d ir e it o a b s o lu t o d e q u e a in d e n iz a ç ã o p o r d a n o s m a t e r ia is fix a d a e m fo rm a d e p e n s ã o s e ja a r b it r a d a e p a g a d e u m a s ó v e z , p o d e n d o 0 m a g is tr a d o a v a lia r , e m c a d a c a s o c o n c re to , s o b r e a c o n v e n iê n c ia d a a p lic a ç ã o d a r e g r a q u e a u t o r iz a a e s t ip u la ç ã o d e p a r c e la ú n ic a (a rt. 950, p a r á g r a fo ú n ic o , d o C C ), a fim d e e vita r, d e um la d o , q u e a s a t is fa ç ã o d o c ré d ito d o b e n e fic iá rio fiq u e a m e a ç a ­ d a e , d e o u tro , q u e h a ja ris c o d e 0 d e v e d o r s e r le v a d o à r u ín a " . REsp 1.349.968-DF, R e i. M in. M a rco A u ré lio B e lliz z e , DJe 4 .5 .15 . 3a T. (In fo STJ 5 6 1)

C a p . IV • R e s p o n s a b il id a d e civil s u b je t iv a e o b je tiv a

373

A súmula 490 do S upremo Tribunal Federal adverte, como já vimos, que a pensão correspondente à indenização oriunda da responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às varia­ ções ulteriores. De mais a mais, a súmula 246 do S uperior T ribunal de Justiça verbera que 0 valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada. 0 art. 951 do CC determina que 0 disposto nos arts. 948, 949 e 950 do Código se aplicam ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe 0 mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para 0 trabalho.

É dizer: no exercício da atividade profissional será possível a ocorrência de dano indenizável e que, neste caso, aplica-se a Teoria da Culpa. 0 art. 951 do Código Civil encontra-se em perfeita harmonia com 0 art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que também afirma ser subjetiva a responsabilidade civil dos profissionais liberais. No campo particular da medicina, a jurisprudência do S uperior T ribunal de Justiça tem revelado a exigência de um requisito a mais, relacionado com a responsabilidade civil subjetiva, para esta profissão, qual seja: 0 consentimento informado, escla­ recendo que a falta deste caracteriza omissão justificadora do dever de reparar. ► Como se pronunciou o STJ? 0 S uperior T ribunal

de Justiça

a d o t a a t e s e a c im a . N e s se s e n t id o :

R e s p o n s a b ilid a d e c iv il d o m é d ic o . In a d im p le m e n t o d o d e v e r d e in fo r ­ m a ç ã o . E s p e c ia liz a ç ã o d a in fo rm a ç ã o e d e c o n s e n tim e n to e s p e c ífic o . N e­ c e s s id a d e . O fen sa a o d ire it o à a u to d e te r m in a ç ã o . D ano e x t ra p a t rim o n ia l. C o n fig u ra ç ã o . A in o b s e rv â n c ia d o d e v e r d e in fo rm a r e d e o b te r 0 c o n ­ s e n tim e n to in fo r m a d o d o p a c ie n te v io la 0 d ire it o à a u to d e te rm in a ç ã o e c a r a c t e riz a r e s p o n s a b ilid a d e e x tra c o n tra tu a l: " R e g is tre -s e q u e , in e x is te no o r d e n a m e n to ju r íd ic o b r a s ile ir o q u a lq u e r n o rm a q u e im p o n h a 0 c o n s e n ­ tim e n to e s c rito d o p a c ie n te , e x p r e s s o e m d o c u m e n to a s s in a d o . D ia n te d a in e x is tê n c ia d e le g is la ç ã o e s p e c ífic a p a r a re g u la m e n ta ç ã o d o d e v e r d e in fo r m a ç ã o e d o d ire it o a o c o n s e n tim e n to liv r e e in fo rm a d o n a r e la ç ã o m é d ic o -p a c ie n te , o C ó d ig o d e D e fe sa d o C o n s u m id o r é 0 d ip lo m a q u e re ú n e a s re g r a s c a p a z e s d e p ro te g e r 0 s u je it o e m e s t a d o d e v u ln e r a b ili­ d a d e e h ip o s s u fíc iê n c ia , a p a r t ir d e u m a v is ã o d a r e la ç ã o c o n tra tu a l, com p r e v a lê n c ia d o in t e r e s s e s o c ia l. N e sse s e n t id o , c o n s o a n te d is p õ e 0 a rt. 6°, III, d o CDC, c a r a c t e r iz a d a a r e la ç ã o d e c o n s u m o , 0 d e v e r d e in fo rm a r p o d e a s s u m ir c a r á t e r d e d ire it o b á s ic o , p rin c ip a l, d e n o m in a d o p e la d o u trin a c o m o d e v e r in s tru m e n ta l, d e c o n d u ta , d e v e r d e p ro te ç ã o ou d e v e r e s d e tu te la . A lém d is s o , no â m b ito d o d ire it o d o c o n s u m id o r, s e r ã o in d e n iz a ­ d o s o s d a n o s c a u s a d o s p o r p ro d u to o u s e r v iç o d e fe itu o s o . A a u s ê n c ia d o c o n s e n tim e n to in fo r m a d o s e r á c o n s id e r a d a d e fe ito te n d o e m v is t a a "falta o u in s u fic iê n c ia d e in s tru ç õ e s s o b r e a c o rre ta u tiliz a ç ã o d o p ro d u to ou s e r v iç o , b e m c o m o s o b re ris c o s p o r e le e n s e ja d o s " . A fa lta d e se g u ra n ç a

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Direito Civil - Vol. 11 • L u c ia n o Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

p o d e d e c o r r e r d a fa lta d e in fo r m a ç ã o d a p e r ic u lo s id a d e d e s e rv iç o q u e o c o n s u m id o r n ã o te n h a s id o a d v e r t id o d o s ris c o s a s e re m s u p o rt a d o s . N e s­ s e ru m o d e id é ia s , d e e x tre m a im p o r tâ n c ia e s c la r e c e r q u e o d a n o in d e n iz á v e l, n ã o é o d a n o fís ic o , a p io r a n a s c o n d iç õ e s fís ic a s o u n e u ro ló g ic a s d o p a c ie n te . T o d a v ia , e ste d a n o , e m b o r a n ã o p o s s a s e r a t r ib u íd o à fa lh a té c n ic a d o m é d ic o , p o d e r ia t e r s id o e v ita d o d ia n te d a in fo rm a ç ã o s o b re o ris c o d e s u a o c o rr ê n c ia , q u e p e rm it ir ía q u e o p a c ie n te n ã o s e s u b m e te s s e a o p ro c e d im e n to . 0 d a n o in d e n iz á v e l é , n a v e r d a d e , a v io la ç ã o d a a u t o ­ d e t e r m in a ç ã o d o p a c ie n te q u e n ã o p ô d e e s c o lh e r liv re m e n te s u b m e te r-s e o u n ã o a o ris c o p r e v is ív e l. D e ste m o d o , p e lo s c rit é rio s t r a d ic io n a is d o s re g im e s d e r e s p o n s a b ilid a d e c iv il, a v io la ç ã o d o s d e v e r e s in fo rm a tiv o s d o s m é d ic o s s e r ia c a r a c t e r iz a d a c o m o r e s p o n s a b ilid a d e e x tra c o n tra tu a l (R Esp 1.540.580-DF, R e i. M in. L á z a ro G u im a rã e s , D e s e m b a rg a d o r C o n v o c a d o d o TRF 5a R e g iã o , R ei. A cd . M in . Luis F e lip e S a lo m ã o , p o r m a io r ia , ju lg a d o e m 0 2 /0 8 /2 0 18 , DJe 0 4 /0 9 /2 0 18 .

E qual seria 0 prazo prescricional para os pleitos em comento? Tendo em vista a busca de reparação civil, em regra geral será 0 prazo de três anos (art. 206, parágrafo terceiro, inciso V). Atenta-se, porém, que nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, 0 computo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos causados, na forma do Enunciado 579 do Conselho da Justiça Federal. 1.2.5. Usurpaçõo ou Esbulho 0 Código Civil não trata, com bons olhos, 0 esbulho. Já no art. 373 proíbe a utilização do instituto da compensação "se provier de esbulho". No art. 1.210 reco­ nhece ao possuidor esbulhado 0 direito de ser restituído na posse, estendendo este direito subjetivo contra terceiro. Já no art. 1.212 conclui: "0 possuidor pode intentara ação de esbulho, ou a de indenização, contra 0 terceiro que recebeu a coisa esbulhada sabendo que 0 era".

Neste momento, 0 art. 952 do CC disciplina a indenização cabível para 0 caso de usurpação ou para a hipótese de esbulho, tanto no que concerne ao dano emergente (aquilo que você perdeu), assim como os lucros cessantes (0 que você razoavelmente deixou de ganhar). A isto, como já vimos, denomina-se perdas e danos, também aplicável no caso de esbulho e usurpação. No particular, a norma determina que se a usurpação ou 0 esbulho der causa ao perecimento da coisa há de se determinar uma indenização no valor corrente e nominal da moeda, considerando-se 0 preço do mercado e, também, 0 preço afetivo, ou seja, 0 valor estimativo experimentado pela vítima. Neste contexto, natural que 0 CC tenha disciplinado 0 esbulho no campo da reparação civil. De fato, 0 art. 952 do CC prevê 0 dever de reparar contra quem

C a p . IV • R e s p o n s a b il id a d e civil s u b je t iv a e o b je tiv a

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usurpar ou esbulhar patrimônio alheio, obrigando-os, além disto, a restituir a coisa e pagar pelas deteriorações e lucros cessantes, levando-se em conta tanto o valor de mercado, quanto o valor de afeição. Evidentemente que a indenização somente será cabível se houver o dano, um dos elementos configuradores da responsabilidade civil. ► Como se pronunciou o STJ? 0 S uperior T ribunal

de Justiça

adota a tese acima. Nesse sentido:

Ação possessória. Indenização. Não ofende os arts. 503, 159 e 1059 do Có­ digo Civil a decisão que nega direito a indenização por haver reconhecido que do esbulho nenhum dano resultou para 0 possuidor (REsp. 154.903/SP, Relator Ministro Eduardo Ribeiro - DJ 15.05.2000).

Quanto ao valor de afeição importante notar que constitui interessante pers­ pectiva legislativa, incomum nos textos legais, porém extremamente razoável no campo da responsabilidade civil subjetiva. Sob 0 ponto de vista processual, a ação de reintegração de posse constitui 0 mecanismo jurídico-procedimental apto ao combate da perda da posse decorren­ te do esbulho (NCPC, art. 560), de modo que 0 NCPC autoriza cumulação de pedidos em situações como estas, inclusive para fixar pena em hipótese de novo esbulho, além das perdas e danos (NCPC, 555, incisos I e II). Este mesmo direito também é assegurado ao réu de uma possessória (NCPC, 556). Ainda no campo processual, os embargos de terceiros (NCPC, art. 674) evi­ denciam a preocupação do legislador contra atos de esbulho mesmo em face de quem, não sendo parte em processo judicial, sofra deste mal, digamos assim. Esbulho e usurpação também constituem crimes previstos no art. 161, do CP! 1.2.6. Injúria, Difamação ou Calúnia Os danos à honra configuram, em uma primeira análise, lesões aos direitos da personalidade. Merecem reflexão à guisa do mais alto significado da cláusula geral de tutela, ou seja: uma leitura através da lenta da dignidade humana. Sendo certo dizer uma interpretação da os danos à honra, ora cionou denominar de irradiação).

que toda a interpretação do direito é, antes de tudo, Constituição Federal, mais certo ainda será afirmar que analisados, exigem conhecimento sobre 0 que se conven­ eficácia horizontal dos direitos fundamentais (teoria da

Inicialmente, devemos apresentar uma breve perspectiva dos institutos pelas vias do Direito Penal. Sendo um só 0 Ordenamento Jurídico, a interpre­ tação sistêmica passa pelo diálogo entre estas duas importantes cadeiras do conhecimento.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Caluniar alguém é imputar-lhe falsamente a prática de um fato definido como crime sendo interessante notar que o Código Penal tipifica a "calúnia contra os mortos" e, ainda, disciplina a exceção da verdade, tudo a partir do art. 138 do CP. A difamação acontece quando alguém imputa fato ofensivo à reputação de ou­ tra pessoa. É 0 que diz 0 art. 139 do CP que também admite a exceção da verdade, agora mais limitada, quando 0 ofendido é servidor público e a ofensa relativa ao exercício desta função. 0 Código Penal admite a retratação da difamação (e da calúnia) que pode ocorrer "antes da sentença" e acarreta a isenção da pena. Diz-se interessante se considerar que 0 Direito Penal deve funcionar como ultima ratio e contemplar hipóteses de maior repúdio social e jurídico. Sim, porque no âmbito cível a retra­ tação não exime 0 dever de indenizar, enquanto que no crime isenta 0 querelado da pena. Seria isto contradição sistêmica ou 0 Direito Penal deveria readequar-se juridicamente?

No âmbito penal injuriar alguém significa ofender-lhe a dignidade ou 0 deco­ ro, aspecto típico que enseja pena de detenção de um a seis meses, ou multa, na forma simples do art. 140 do CP, a experimentar gravame punitivo se houver violência, vias de fato, ou, pior ainda, quando a injúria consistir na utilização de elementos referentes à "raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência". Importante notar que 0 mesmo Código Penal exclui 0 crime de injúria quando a ofensa é irrogada em juízo "na discussão da causa", ou ainda quando a opinião desfavorável for emitida por servidor público em apreciação ou informação pres­ tada no cumprimento do dever de ofício. Feitos estes esclarecimentos, é possível afirmar, já na seara do Direito Civil, que a indenização por injúria, difamação ou calúnia (0 CC trata destes institutos no mesmo art. 953) consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido, material ou moral, a ser equitativamente aferido, no âmbito extrapatrimonial, pelo magistrado, tudo de acordo com as circunstân­ cias do caso. ► E na hora da prova?

(FCC - Promotor de Justiça - PE/2014) A indenização por injúria, difama­ ção ou calúnia consistirá Gabarito: "na reparação de dano que delas resulte ao ofendido e, se 0 ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao Juiz fixar, equi­ tativamente, 0 valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso".

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C a p . IV . R e s p o n s a b i l i d a d e c iv il s u b j e t i v a e o b j e t i v a

► Como o S u perior

tribun al de

J ustiça

está decidindo a matéria?

Direito civil. Obrigação de publicação da sentença condenatória. Ofensa à honra em veículo de comunicação. É possível que sentença condenatória determine a sua divulgação nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa. 0 STF, no julga­ mento da ADPF 130, considerou não recepcionados pela CF todos os dispositivos da Lei de Imprensa. Porém, a ofensa à honra veiculada em meios de comunica­ ção é passível de condenação por danos morais e à obrigação de divulgar, nos mesmos meios, a sentença condenatória, pois encontra amparo na legislação civil e na CF. AR 4.490, rei. Min. V. B. Cueva, julgada em 24.10.2012. 2a S. (Info 507)

Esta responsabilidade civil, nos casos envolvendo publicação pela imprensa es­ crita, falada ou televisiva, será tanto do autor da matéria, quanto do proprietário do veículo, configurando-se a hipótese da coautoria a que se reporta 0 art. 942, última parte, do Código Civil: "se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação". Sobre 0 tema, vide a súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça: "São civilmente res­ ponsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto 0 autor do escrito quanto 0 proprietário do veículo de divulgação". ► Como o S upremo T ribunal F ederal, o S u perio r tribunal de J ustiça J ustiça do P a ís estão decidindo a matéria?

e os

T r i­

bunais de

No Recurso Extraordinário 215.984/RJ a Suprema Corte entendeu que a reparação do dano moral não exige a ocorrência de ofensa à re­ putação do indivíduo: "0 que acontece é que, de regra, a publicação de fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa descon­ forto, aborrecimento ou constrangimento, não importando 0 tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimen­ to. Desde que ele exista, há 0 dano moral, que deve ser reparado". Já no Superior Tribunal de Justiça foi decidido que a reiterada publicação de notícias lesivas à honra do autor extrapola 0 dever de informação e configura dano moral objetivo, a autorizar publicação da decisão judicial de desagravo pelos mesmos meios de comunicação utilizados na práti­ ca do ilícito civil, a fim de dar conhecimento geral, em tese, ao mesmo público que teve acesso às notícias desabonadoras (REsp. 957.343/DF). Dano moral. Ofensa à honra pessoal. Injúria, difamação e calúnia. Indeniza­ ção devida. Valor. A imputação de fato lesivo à reputação, na presença de terceiros, caracteriza difamação, mesmo que 0 fato seja verdadeiro. Verba in d e n iza tó ria arb itra d a em cinquenta (50) sa lá rio s m ínim os. (TJRS, Apelação cível 70.005.821.939, Relatora Desembargadora Mara Larsen Chechi). Responsabilidade civil. Dano moral. Ofensa à honra. Injúria e difamação. Tipificação. Indenização devida. Valor. A responsabilidade civil por injúria, calúnia ou difamação prescinde de intenção de prejudicar. A simples divul­ gação de imputação de conduta desonrosa, capaz de atingir a dignidade da pessoa, por culpa do agente, caracteriza ilícito, que gera 0 dever de indenizar os danos correspondentes (TJRS, Apelação cível 70.0004.896.502, Relatora Desembargadora Mara Larsen Chechi).

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

De resto, basta aplicar os elementos da responsabilidade civil para reconhecer o dever de reparar o dano daqueles que incorrerem em injúria, calúnia ou difa­ mação, lembrando-se da relativa situação de independência da instância cível em face da penal à luz do art. 935 do CC. ► Como o S u perio r tribun al de J ustiça já entendeu o tema?

• 0/ensas publicadas em blog e necessidade de indicação dos endere­ ços eletrônicos pelo ofendido. Na hipótese em que tenham sido publicadas, em um blog, ofensas à honra de alguém, incumbe ao ofendido que pleiteia judicialmente a identificação e rastreamento dos autores das referidas ofensas - e não ao provedor de hospedagem do blog - a indicação especí­ fica dos URLs das páginas onde se encontram as mensagens. REsp 1.274.971-RS, Rei. Min. João Otávio de Noronha, Dje 26.3.15. 3a T. (Info ST\ 558) • Responsabilidade por ofensas proferidas por internauta e veicula­ das em portal de notícias. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários, postados nesse campo, que, mesmo relacio­ nados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro e que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do marco civil da internet (Lei 12.965/2014). REsp 1.352.053/AL, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Dje 30.3.15. 3a T. (Info STJ 558)

1.2.7. A Lei Federal n° 13.188/15 e 0 Direito de Resposta Em 11 de novembro de 2015 veio a lume a Lei Federal n° 13.188/15, dispondo acerca do direito de resposta ou retificação do ofendido, em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação. Faz-se mister analisar a re­ ferida norma, notadamente para aferir os impactos da mesma sobre a teoria geral da responsabilidade civil. Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado 0 direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo. Dessa maneira, qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social será considerada matéria, independente do meio ou da plataforma de distribuição, comunicação ou publicação. Se a matéria atentar, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem de uma pessoa física ou jurídica, identificada ou passível de identificação, será possível exigir o direito de resposta ou de retificação.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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► Atenção!

A norma exclui da definição de matéria os comentários realizados por usuários da internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação. De igual modo, a norma afirma que a retração ou retificação espontânea não são capazes de impedir o exercício do direito de resposta, "nem prejudicam a ação de reparação por dano moral". Pois bem. Diante da lesão, o ofendido terá o prazo decadencial de 6o (sessen­ ta) dias para exercitar o seu pedido de direito de resposta, contados da data da divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva. 0 pleito do exercício do direito de resposta será realizado mediante correspondência encaminhada, com aviso de recebimento, diretamente ao veículo de comunicação social ou, inexistindo pessoa jurídica constituída, a quem por ele responda, independentemen­ te de quem seja o responsável intelectual pelo agravo. Se a matéria for continuada e ininterrupta, o prazo é contado da data em que se iniciou. Quem fará o pedido do direito de resposta? Este direito de resposta poderá ser exercido pelo ofendido, pelo represen­ tante legal do ofendido incapaz ou da pessoa jurídica, bem como pelo cônjuge, descendente, ascendente ou irmão do ofendido que esteja ausente do país ou tenha falecido depois do agravo, mas antes de decorrido o prazo decadencial de 6o (sessenta) dias. 0 art. 4o da Lei disciplina a forma e a duração da resposta ou retificação. A premissa é o respeito ao mesmo destaque e as mesmas condições da informação originária: publicidade, periodicidade e duração. Justo por isto é que o ofendido poderá exigir que a resposta ou retificação aconteça no mesmo espaço, dia da se­ mana e horário do agravo, sob pena de ser considerada uma resposta inexistente.

E o que fazer se o veículo de comunicação receber o pedido de resposta e não o conferir? Nas pegadas do art. 5° da referida norma, "Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de i (sete) dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3°, restará caracterizado o interesse jurídico para a propositura de ação judicial". 0 interesse de agir, portanto, de acordo com a letra fria da lei, surgirá apenas a p ó s o tra n sc u rso d o s 7 (se te ) d ia s , a co n ta r d o re ce b im e n to d o p e d id o , se m n e ­

nhuma resposta do veículo de comunicação. A competência para conhecer, processar e decidir este pedido será do juízo do domicílio do ofendido ou, se este assim preferir, aquele do lugar onde 0 agravo tenha apresentado maior repercussão. A demanda possui rito especial e deverá ser processada no prazo máximo de 30 (trinta) dias. Deverá ser instruída com as provas do agravo e do pedido de

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resposta ou retificação desatendido, além do texto da resposta ou retificação a ser divulgado, publicado ou transmitido, sob pena de inépcia da petição inicial. ► Atenção! É vedada a cumulação de pedidos, a reconvenção, o litisconsórcio, a a s­ sistência e a intervenção de terceiros. Também não se admite a prova da verdade (exceção da verdade).

Recebida a petição inicial, o magistrado deverá, em 24 (vinte e quatro) horas, citar 0 responsável pelo veículo de comunicação social para que, em igual prazo, apresente as razões pelas quais não divulgou a resposta ou a retificação. Além disso, terá 0 veículo de comunicação 0 prazo de 3 (três) dias, contados da citação, para oferecer sua resposta à demanda. Transcorridas as 24 (vinte e quatro) horas da citação, havendo ou não manifes­ tação do réu sobre a questão liminar, 0 magistrado conhecerá do pedido acaso se convença da verossimilhança da alegação, ou verifique receio de ineficácia do provimento final, fixando, desde logo, as condições e a data para a veiculação da resposta ou retificação, em prazo não superior a 10 (dez dias). Esta tutela jurisdicional antecipatória poderá ser revogada, reconsiderada ou mo­ dificada a qualquer momento, em decisão fundamentada. Poderá 0 magistrado, de igual sorte, fixar multa diária independente de pedido da parte, bem como qualquer tipo de tutela jurisdicional específica que assegure 0 resultado prático do processo. A sentença deve ser prolatada em até 30 (trinta) dias após 0 ajuizamento da ação, salvo na hipótese de surgir conversão do pedido em reparação por perdas e danos. Este feito deverá tramitar normalmente, ainda que surjam recessos ou férias forenses. Portanto, não se suspende nestes períodos. ► Atenção!

Os pedidos de reparação ou indenização por danos morais, materiais ou à imagem serão deduzidos em ação própria, salvo se 0 autor, desistindo expressamente da tutela específica de que trata a norma, os requerer, c a s o e m q u e o p r o c e s s o s e g u ir á p e lo rito o r d in á r io .

Por fim, registra-se que 0 direito de resposta coaduna-se com 0 ideal de repa­ ração civil in natura, nas exatas pegadas do Enunciado 589 do CJF, segundo 0 qual a compensação pecuniária não é 0 único modo de reparar 0 dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação "in natura, na forma de retratação pública ou outro meio". 1.2.8. Lei de Bullying (Lei Federal 13.185/15) Como mais uma das novidades legislativas de 2015, foi instituída a Lei Federal 13.185, datada de 8 de novembro e com prazo de vacatio legis de 90 (noventa) dias.

Cap. IV . Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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0 escopo da norma é a criação do Programa de Combate à Intimidação Siste­ mática (Bullying), em todo o território nacional, capitaneado pelo Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e demais órgãos corre­ lacionados à matéria.

Impõe o legislador aos estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações re­ creativas, o dever de praticar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying. Mas o que seria a intimidação sistemática (bullying)? Segundo o diploma legislativo, "considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas". Em uma relação exemplificativa, afirma a norma que caracterizam intimidação sistemática "ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões precon­ ceituosas; isolamento social consciente e premeditado e pilhérias". Atento à era digital, o legislador vai além e combate o chamado cyberbullying. Este é desenvolvido na rede mundial de computadores (internet) e visa depreciar, incentivar a violência, adulterar fotos e dados pessoais, criando meios de cons­ trangimento psicossocial. Nessa toada, a par do rol de exemplos e ainda na esteira normativa, a intimi­ dação sistemática poderá ser: a) verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente; b) moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; c) sexual: assediar, induzir e/ou abusar; d) social: ignorar, isolar e excluir; e) psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipu­ lar, chantagear e infernizar; f) física: socar, chutar, bater; g) m a te ria l: furtar, ro ub ar, d e s tru ir p e rte n c e s d e o utrem ;

h) virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. Com um escopo nitidamente preventivo, o programa objetiva prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de

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discussão, prevenção, orientação e solução do problema; implementar e dissemi­ nar campanhas de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e ins­ trumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, come­ tidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar. Ao impor o dever do programa, não tardará para ganharem corpo ações de reparação civil em face de estabelecimentos de ensino, agremiações e clubes re­ creativos desprovidos das condutas preventivas exigidas na lei. 0 futuro aprovado, portanto, deve ficar atento aos vindouros informativos jurisprudenciais sobre o assunto. 1.2.9. Ofensa à Liberdade Pessoal No rol das garantias fundamentais do art. 5° da CF está 0 direito de ir e vir (XV), assim como 0 de não sofrer tratamento desumano ou degradante (III), a in­ violabilidade da honra (X), de modo que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem 0 devido processo legal" (LIV). Dentro deste contexto, absolutamente caro à dignidade humana, está a disciplina da responsabilidade civil subjetiva decorrente da ofensa à liberdade pessoal (CC, art. 954), a consistir no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido em decorrência de: (a) cárcere privado, (b) prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé, (c) prisão ilegal. Reza o inciso LXl, do art. 5 da CF que "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente" sendo este 0 dever jurídico primário a ser observado, sob pena de aquele que inadvertidamente venha a contrariá-lo incorrer no dever jurídico secundário de reparar. Aliás, a prisão ilegal há de ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciá­ ria (LXV, art. 50, CF), sendo vedada a prisão por dívida, assim como a de natureza cível, salvo para hipótese de alimentos inadimplidos. A este respeito, a súmula vinculante 25 ao vedar prisão civil do depositário infiel evidencia 0 alto significado constitucional da liberdade humana.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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Neste contexto, a reparação civil em situação como esta deve ser à altura do desrespeito ao direito fundamental violentado, devidamente arbitrada e funda­ mentada pelo magistrado. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: VUNESP Órgão: PC-BA Prova: VUNESP - 2018 - PC-BA - De­ legado de Polícia Gabarito: "A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pa­ gamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido; se 0 ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, 0 valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso; considera-se ofensiva da liberdade pessoal a denúncia falsa e de má-fé". A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das per­ das e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar 0 prejuízo, terá aplicação 0 disposto no parágrafo único do art. 953 do CC, ou seja, 0 juiz fixará mediante a técnica processual do arbitramento, 0 valor da indenização devida de acordo com as circunstâncias do caso. Isto é 0 que afirma 0 art. 954 do CC. Nos termos do Enunciado 588 do CJF "0 patrimônio do ofendido não pode funcio­ nar como parâmetro preponderante para 0 arbitramento de compensação por dano extra patrimonial". Evidentemente que tais lesões poderão ser de ordem material ou extrapatrimonial, de maneira que será tranquilamente possível ao magistrado, convencido da lesão ao direito da personalidade, fixar 0 dever de pagamento dos danos mo­ rais ante 0 dano ao direito fundamental da liberdade da pessoa humana. Isto acontecerá em três hipóteses indicadas no art. 954 do CC: cárcere privado, prisão decorrente de queixa ou denúncia falsa e de má-fé, prisão ilegal. Sendo certo lembrar que a instância cível é independente da instância pe­ nal (CC, art. 935), claro fica 0 entendimento no sentido de que a solução do caso deverá acontecer na Vara Cível independentemente dos reflexos deste mesmo evento na seara criminal. Acerca do tema, observe a casuística trazida na prova para Juiz Federal Subs­ tituto do TRF 4a Região: ► Como esse assunto foi cobrado em concurso? (TRF 4 - juiz Federal Substituto 4a região/2014) Dadas as assertivas abai­ xo, assinale a alternativa correta. 0 Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/2002, na redação vigente) dedica todo 0 Título IX do Livro l da Parte Especial ao tema da Responsabilidade Civil, prevendo um sistema geral (responsabilidade civil subjetiva), fun­ dado na teoria da culpa, e outro sistema subsidiário (responsabilidade

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Civil, prevendo um sistema geral (responsabilidade civil subjetiva), fun­ dado na teoria da culpa, e outro sistema subsidiário (responsabilidade civil objetiva), fundado na teoria do risco. Há, também, outros subsistemas derivados dos dois acima referidos, que se encontram no próprio diploma ou espalhados na legislação extravagante. Com base na discipli­ na jurídica dada pelo Código ao importante tema da reparação civil dos danos, pode-se afirmar que: Consideram-se ofensivos à liberdade pessoal, dando causa à indeniza­ ção consistente no pagamento de perdas e danos que sobrevierem ao ofendido: o cárcere privado, a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé e a prisão ilegal. (CORRETO) ► Como o S u perior matéria?

tribunal de

J ustiça

vem se posicionando sobre a

0 Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo prisão ilegal. 0 Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. Recurso especial provido (REsp. 220.982/RS, Relator Ministro José Delgado. DJ 03.04.00). Inconcebível que empresas comerciais, na proteção aos seus interesses comerciais, violentem a ordem jurídica, inclusive encarcerando pessoas em suas dependências sob a suspeita de furto de suas mercadorias. Diante dos fatos assentados pelas instâncias ordinárias, razoável a indenização arbitrada pelo Tribunal de origem, levando-se em consideração não só a desproporcionalidade das agressões pelos seguranças como também a cir­ cunstância relevante de que as lojas de departamentos são locais frequen­ tados diariamente por milhares de pessoas e famílias (REsp. 265.133/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 23.10.2000).

2. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Como afirma Anderson Schreiber9, não se pode negar 0 fenômeno da erosão da culpa como filtro da reparação, de modo que a perda desta força impôs 0 diálogo com outras alternativas de responsabilidade civil, na busca de novos paradigmas. As primeiras publicações sobre a teoria dos riscos surgiram por volta de 1897 e decorreram do que se denominou de estrondo industrial surgido na Europa, pre­ cursor do capitalismo. Exemplo atual do nível de complexidade jurídica dos dias atuais pode ser ob­ servado no Informativo 489 do Superior Tribunal de Justiça, quando se entendeu pela imperiosa necessidade de inversão do ônus da prova e do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva em casos de saques não autorizados, realizados em conta bancária, para afirmar: "a retirada de numerário da conta bancária do 9

In Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2011.

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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cliente acarreta a responsabilização objetiva do fornecedor do serviço"10, assim como a súmula 492 do Supremo Tribunal Federal, para quem "A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com 0 locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado". Também a súmula 28 do Supremo Tri­ bunal Federal, que traduz este entendimento consolidado da seguinte forma: "0 esta­ belecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista". ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2017 Banca: CESPE Órgão: TRE-PE Prova: Analista judiciário - Área Judiciária. Quando caminhava pelo acostamento de uma via pública, Francisco foi atropelado por veículo de propriedade de uma locadora de veículos conduzido por Pedro. Em razão do acidente, Francisco so­ freu fratura do fêmur e ficou internado por um mês. As lesões por ele sofridas geraram debilidade permanente, que 0 impedem de trabalhar, e cicatrizes na perna, que lhe causam constrangimento. Nessa situação hipotética, conforme a legislação aplicável e a jurisprudência dos tribu­ nais superiores: Gabarito: a locadora de veículos e Pedro são solidariamente responsá­ veis pelos danos causados a Francisco. Diante desta nova sociedade de riscos foi que 0 art. 927, assim como outros artigos do CC (931,933,936 e 937), passou a admitir situação onde não é necessária a prova de dolo ou culpa para responsabilizar, daí falar-se em responsabilidade civil objetiva. A jurisprudência exerceu papel fundamental na mudança legislativa. De igual modo, a doutrina atual admite a incidência desta regra não apenas no âmbito cível, mas até mesmo na Justiça do Trabalho. A propósito, 0 Enunciado 377 do CJF para quem 0 art. 70, XXVIII, da CF não é impedimento para a incidência do art. 927, parágrafo único, do CC, quando se tratar de atividade de risco desenvolvida pelo empregador. Já foi visto que a presença de legislação especial, ou mesmo a circunstância do agente agressor desenvolver, com habitualidade, atividade de risco, justificam a responsabilidade civil objetiva. Os casos especificados nas leis especiais são os mais variados possíveis e po­ deríam ser exemplificados com a Lei Ambiental (Lei 6.938/81, art. 14), com a CF, ao consagrar a Responsabilidade Objetiva do Estado para atos comissivos (art. 37, § 6°, CF), na questão do Dano Nuclear também previsto na norma constitucional (art. 21, XXIII); no CDC (Lei 8.078/90), no tema do DPVAT (seguro obrigatório de acidente de veículo), na Responsabilidade Civil do Transportador (art. 734, CC). Sobre esta última situação, cumpre recordar 0 conteúdo da súmula 187 do Supremo Tribunal 10

REsp. 1.155.770-PB.

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Federal "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passagei­

ro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva". Nestes casos a regra (responsabilidade subjetiva) sai de cena e a exceção (res­ ponsabilidade objetiva, onde não é necessário provar dolo ou culpa) acontece. A responsabilidade civil objetiva também está Código, à teoria do risco. Reza o parágrafo único parar independente de culpa "quando a atividade autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

nitidamente atrelada, no atual do art. 927 haver dever de re­ normalmente desenvolvida pelo os direitos de outrem".

Contudo, a expressão atividade de risco constitui cláusula aberta no CC a ser va­ lorada à luz do Princípio da Operabilidade e dos sentidos constitucionais, aspecto a fortalecer 0 papel do magistrado e demais atores do processo judicial. Seria pos­ sível num caso concreto, ilustre-se, admitir que empregados da área de saúde, ao trabalharem em laboratório com amostras de bactérias ou vírus de fácil contágio, desenvolvam atividade de risco. Idem no que tange aos paraquedistas. Os citados se enquadrarem na hipótese da responsabilidade civil objetiva. ► Como o S u perior T ribunal de J ustiça vem decidindo a matéria?

No Recurso Especial 1.011.437/RJ 0 Superior Tribunal de Justiça entendeu por responsabilizar civilmente uma companhia de energia elétrica pela instalação de um transformador em lugar inadequado, aspecto que acar­ retou choque elétrico de alta tensão, reconhecendo a responsabilidade civil objetiva, 0 risco e a razoabilidade do valor de R$ 400.000,00 para 0 dano estético e R$ 800.000,00 para 0 dano moral, ante as nefastas conse­ quências suportadas pela vítima. Apesar do grande debate que se pode travar sobre qual das teorias do risco 0 CC abraça (risco criado, integral, profissional, proveito, administrativo, etc.) 0 certo é que foi elaborado 0 Enunciado 38 na I Jornada de Direito Civil segundo 0 qual: "a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 921 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causara pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade". ► E na hora da prova?

Ano: 2018 Banca: CESPE Órgão: TJ-CE Prova: CESPE - 2018 - TJ-CE - Juiz Substituto Pedro descobriu que seu nome havia sido inscrito em órgãos de restri­ ção ao crédito por determinada instituição financeira em decorrência do inadimplemento de contrato fraudado por terceiro. Nesse caso hipotético, a instituição financeira Gabarito: "responderá civilmente na modalidade objetiva, com base no risco do empreendimento".

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: DPE-AM Prova: FCC - 2018 - DPE-AM - Defensor Público - Reaplicação Em relação à responsabilidade civil prevista no Código Civil, é correto afirmar: Gabarito: "Em regra, a responsabilidade é subjetiva e a indenização me­ de-se pela extensão do dano; no entanto, haverá obrigação de reparar 0 dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

De qualquer modo, a regra continua sendo a responsabilidade civil subjetiva, nada obstante a relevância do advento da teoria do risco na atual codificação e as novas modalidades de responsabilidade objetiva previstas pelo codificador. É 0 que estudaremos agora. 2.1. 0 Advento da Teoria do Risco Na Atual Codificação 0 atual Código Civil trouxe a teoria do risco inovando na forma de tratar 0 tema da responsabilidade civil. Além do risco da atividade profissional, por exemplo, poderemos observar a utilização da teoria do risco criado no art. 936, para hipó­ tese do fato do animal (quem cria 0 risco de adquirir 0 animal responde objetiva­ mente), além da teoria do risco dependência a responsabilizar objetivamente os pais pelos atos dos filhos menores (932 e 933). 0 Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil conclui no sentido de que a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 (teoria do risco) deve levar em consideração "não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor", como ainda a "prevenção e 0 interesse da sociedade".

Por conta disto, a responsabilidade civil objetiva decorrente do risco se aplica sempre que a atividade desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. Em outras palavras: são critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas da experiência (Enunciado 447 do CJF). 0 advento da teoria do risco na atual codificação será 0 objeto do estudo apre­ sentado nas próximas linhas. 2.2. Hipóteses de Responsabilidade Civil Objetiva no Código 0 Código Civil apresenta algumas circunstâncias nas quais a responsabilidade civil será objetiva, ou seja, quando não existe necessidade de aferir dolo ou culpa para responsabilizar. A primeira hipótese - após 0 já indicado parágrafo único do art. 927 - se refere ao empresário individual e às empresas pelos produtos postos em circulação.

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2.2.1. A Responsabilidade Civil dos Empresários e das Empresas Sem dúvida, a responsabilidade civil prevista no art. 931 do CC amplia 0 con­ ceito do fato do produto tratado pelo art. 12 do CDC, de modo a imputar 0 dever da empresa e dos empresários individuais vinculados à circulação de produtos a reparar, independentemente de dolo ou de culpa, como entende a doutrina no Enunciado 42 do CJF. Em sendo uma responsabilidade civil objetiva sem risco integral, plenamente possível será a arguição de excludentes de responsabilidade (Enunciado 562 do CJF). A matéria começa a ganhar força na jurisprudência dos Tribunais de Justiça. Já entendeu 0 T ribunal de Justiça do Rio G rande do S ul haver responsabilidade civil por fato do produto no caso de "fornecedora de botijões de gás apreendidos na re­ venda dos autores em desconformidade com as prescrições legais", qualificando a hipótese como de "responsabilidade objetiva" de modo a admitir a "incidência do disposto no art. 931 do Código Civil" (TJ/RS, Apelação Cível 7 0 .0 2 2 .0 7 4 .3 7 1 ) - Também naquele Tribunal de Justiça, para outra questão processual envolvendo alimento contaminando por traças, entendeu-se ser hipótese, não apenas de dano moral in re ipsa, como, principalmente, de responsabilizar 0 fabricante (Apelação Cível 7 1 .0 0 1 .5 4 5 .1 5 1 ) .

Desta maneira, 0 diálogo entre 0 art. 931 do CC e 12 do CDC é fundamental. É sabido que 0 fabricante, 0 produtor, 0 construtor e 0 importador respondem inde­ pendentemente de culpa pelos defeitos decorrentes de projeto, fabricação, cons­ trução, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, como também pelas informações defeituosas sobre a utilização e riscos. Pois bem, 0 Código Civil insere neste contexto a figura do empresário indi­ vidual e da empresa, que também responderão pelo fato do produto. 0 Enunciado 43 do CJF também afirma isto, ao sustentar que a responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931, também inclui os riscos do desen­ volvimento. De qualquer maneira, aplica-se 0 art. 931 do CC haja ou não relação de consumo. É 0 que diz 0 Enunciado 378.

Ora, se a proposta interpretativa é sistêmica como admite a doutrina, então é possível sustentar a incidência das específicas hipóteses excludentes de respon­ sabilidade civil previstas no CDC em favor dos empresários individuais e das em­ presas, isto porque onde há a mesma razão, se aplica 0 mesmo direito. Em sendo assim, comprovando o empresário individual, ou a empresa, não ter colocado 0 produto no mercado ou que, embora colocado, 0 defeito inexiste ou, finalmente, culpa exclusiva da vítima ou do terceiro, inexiste fundamento jurídico à responsa­ bilização objetiva. Mas, antes de adentrar no tema de fundo, torna-se importante apresentar 0 con­ ceito legal do empresário, extraído do art. 966 do CC: "Considera-se empresário quem

Cap. IV • Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circula­ ção de bens ou de serviços". ► E na hora da prova?

No concurso para Analista do Seguro Social - INSS/2014, a seguinte as­ sertiva foi considerada correta: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". Desta forma, para se admitir a responsabilidade objetiva é imprescindível, an­ tes disto, identificar se 0 autor do ato ilícito efetivamente seria empresário. Uma forma prática de se atingir este objetivo seria obter certidão no Registro Público das Empresas Mercantis, ou mesmo exigir que a parte contrária apresentasse sua carteira funcional a indicar 0 respectivo registro. A propósito, 0 art. 967 adverte ser obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Questão polêmica seria se 0 agente agressor efetivamente exercesse atividade organizada para produção ou circulação de bens ou serviços, mas não estivesse formalmente inscrito como empresário. Nesta hipótese seria possível que 0 autor do ilícito pudesse se beneficiar da própria torpeza para se enquadrar na situação da responsabilidade subjetiva? Acreditamos que não, sob pena de desrespeito à boa-fé, à eticidade e, na perspectiva processual, à efetividade da Justiça, da Juris­ dição, da Solidariedade Social e da restitutio in integrum. Também é importante saber quem não é empresário. Disto, 0 parágrafo único do art. 966 tratou ao afirmar não ser empresário "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com 0 concurso de auxiliares, salvo se 0 exercício da profissão constituir elemento de empresa". De acordo com 0 art. 972 do CC podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. À luz do art. 931 do CC a responsabilidade do empresário é objetiva. A regra diz isto de maneira induvidosa ante a expressão "independente de culpa". Segundo a norma, ressalvadas as demais hipóteses previstas em lei especial, os empre­ sários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos em circulação. Sem dúvida o Código está a considerar o risco da atividade empresarial para objetivar a responsabilidade daquele que lucra com 0 empreendimento, seja em­ presário, seja a própria empresa. A equação é simples: quem lucra e obtém 0 bônus ao exercer, com regularidade, esta atividade profissional, deve também repartir 0 ônus em situações de reparação civil. 0 art. 931 do CC efetivamente se harmoniza com 0 Ordenamento jurídico. De fato, 0 NCPC admite nos arts. 790, II e 795 a responsabilidade civil do sócio (da pes­ soa física, portanto) pelos atos das pessoas jurídicas nos casos previstos em lei.

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De qualquer sorte, a teor do Enunciado 190 a regra do art. 931 não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no art. 12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado. ► Atenção!

A CF prescreve em seu art. 5°, XXXII, que "0 Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" de modo que foi publicada a Lei 8.078/90 denominada Código de Defesa do Consumidor. Dentro deste valor de or­ dem constitucional econômica, previsto no art. 170, inciso V, da CF, é que se pode afirmar que 0 advento do direito do consumidor inaugura nova era de compreensão do direito privado, especialmente à luz dos princípios básicos que introduziu, prestigiando 0 respeito ao vulnerável, de modo a concretizar igualdade material mediante compensação legislativa. Não se objetiva neste espaço conceituar consumidor ou fornecedor. Mui­ to menos se deseja abordar a distinção entre produto e serviço. 0 que se deseja é demonstrar ao leitor que 0 CDC disciplina um regime jurídi­ co próprio para 0 que denomina de responsabilidade civil por fato do produto ou serviço, bem como dos profissionais liberais, além da res­ ponsabilidade civil por vício do produto ou serviço, entre outros temas, como, ainda, os prazos prescricionais e decadenciais, de modo que é fundamental ter em conta a nítida diferença entre este microssistema e 0 CC, para evitar equívocos na solução dos problemas jurídicos. De qual­ quer modo, é importante lembrar que 0 CDC explicitamente afirma que a responsabilidade civil do profissional liberal é subjetiva! 2.2.2. A Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro Também denominada de responsabilidade civil objetiva indireta ou impura, trata-se de interessante modalidade na qual uma pessoa pratica um ato e outra tem o dever de indenizar, solidariamente e ao lado do infrator (solidariedade legal e passiva - art. 932 do CC). Por serem hipóteses nas quais se responde pelo ato de outem, 0 seu rol é numerus clausus, razão pela qual não é possível responsabilizar qualquer outra pessoa que não esteja textualmente indicada no aludido preceito (art. 932 do CC). Assim coloca a súmula 430 do S uperior T ribunal de Justiça que "0 inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente." Com este fundamento também se poderia justificar a súmula 132 do S uperior T ribunal de Justiça: "A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envol­ va 0 veículo alienado". Decerto, se a responsabilidade civil por ato de terceiro é exceção taxativa, não estando as situações acima indicadas no texto de lei, não se pode - utilizando-se técnica de interpretação ampliativa e inadequada para a hipótese restritiva de direito (CC, 114) - admitir responsabilização de tais sujeitos.

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Pois bem. Voltando-se os olhos ao art. 932 do CC, percebe-se que os pais res­ pondem pelos atos dos filhos menores que estiverem sob autoridade e em compa­ nhia destes, 0 tutor e curador pelos pupilos e curatelados nas mesmas condições, 0 empregador pelo empregado, os donos de hotéis, hospedarias, casas ou esta­ belecimentos onde se albergue por dinheiro, pelos atos dos hóspedes, moradores e educandos e, finalmente, aqueles que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime "até a concorrente quantia". ► Atenção!

Ao analisar 0 inciso III do art. 932, a doutrina estende a hipótese para atingir também as instituições hospitalares privadas, que responderíam "pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico" (Enunciado 191 do CJF). ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2017. Banca: IBFC. Órgão: TJ-PE. Prova: Analista Judiciário - Função Judiciária. A responsabilidade civil é matéria importante na disciplina do direito privado brasileiro. Acerca da temática, assinale a alternativa correta. Gabarito: Os donos de hotéis são responsáveis pela reparação civil dos danos causados por seus hóspedes. E pacífico 0 entendimento do S uperior T ribunal de Justiça sobre a responsabilidade civil por fato de terceiro. Ali já se entendeu, por exemplo, que "Os pais respondem pelos atos dos filhos [...] como assentado em pacífica Jurisprudência da Corte11. E mais: "A inexistência de vínculo empregatício entre a cooperativa de trabalho médico e 0 profissional a ela associado não é fator impeditivo do reconhecimento da sua responsabilidade civil [...] em relação aos atos praticados em decorrência de serviços prestados em plano de saúde1112". Por outro lado, quanto à empresa esta responde "solidariamente pela ação do seu preposto13". Interessante perceber que tais sujeitos respondem pelos atos dos terceiros aci­ ma referidos "ainda que não haja culpa de sua parte", 0 que demonstra estarmos em mais uma situação de responsabilidade civil objetiva. Sobre 0 assunto, a súmu­ la 130 do S uperior T ribunal de Justiça ao advertir: "A empresa responde, perante 0 cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento". Desta forma, não adiantaria o curador, patrão, tutor, pai... sustentarem ausência de dolo ou culpa da sua própria parte. A responsabilidade destes é objetiva14. 11

REsp. 246.781/AC.

12

EDREsp. 309.760/RJ.

13

REsp. 337.689/SP.

14

In Direito das Obrigações - Parte Especial - Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva. 2001, p. 28. Sinopses Jurídicas, p. 774.

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Nessa esteira, nas hipóteses do art. 932 não deve ser perquirida nenhum tipo de culpa in vigilando, in elegendo ou in contrahendo. Bastará, tão somente, a con­ duta, 0 dano e 0 nexo de causalidade para que 0 terceiro responda pelo ato do infrator. Logo caducou a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, a qual, de forma ultrapassada, afirma a existência de culpa presumida do empregador por ato do empregado. Repisa-se: em sendo a responsabilidade objetiva não há de falar-se em culpa. A este respeito há 0 E n u n c ia d o 4 4 9 da V Jornada em Direito Civil, a advertir que a responsabilidade dos pais, doravante, é objetiva "e não por culpa presumida", razão pela qual ambos os genitores no exercício da autoridade parental são, em regra, solidariamente responsáveis, "ainda que estejam separados, ressalvado 0 direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores". 0 E n u n c ia d o 450 arremata: a responsabilidade por ato de terceiro é objetiva ou independente de culpa, estando s u p e r a d o 0 modelo da culpa presumida. F iq u e m , p o r é m , a t e n t o s !

Apesar de responderem os indicados do art. 932 do CC de forma objetiva e solidária com 0 infrator, 0 ato deste (infrator) há de ser culposo (subjetivo). Claramente defendido 0 dito, infere-se a redação do E n u n c ia d o 590 do CJF, segundo 0 qual a responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores, prevista no art. 932, 1 do CC, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso 0 fosse a um agente imputável, seria hábil para sua responsabilização". 0 certo é que a disciplina dos arts. 931 e 933 do CC é típica da responsabilida­ de civil o b j e t i v a por a t o d e t e r c e i r o e se baseia na teoria do r is c o d e p e n d ê n c i a . Assim, 0 curador, 0 tutor, 0 genitor, 0 patrão... têm r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il o b je t iv a por a t o s c u l p o s o s praticados pelos curatelados, tutelados (pupilos), filhos me­ nores e empregados... 15. Trata-se da chamada r e s p o n s a b i l i d a d e c iv il c o m p l e x a . Nessa toada, se 0 ato do incapaz, empregado, hospede... não for culposo, 0 res­ ponsável, empregador, proprietário do hotel... não respondem16. 15

Obrigações, p. 348. Apud Carlos Roberto Gonçalves In Direito Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Sarai­ va, 2010. p. 116.

16

A título de exemplo, vejamos a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO PRATICADO POR MENOR ADOLESCENTE. RESPONSABILIDADE DOS PAIS NOS TERMOS DO ARTIGO 932, INCISO I, DO CÓ­ DIGO CIVIL. RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE A FILHA DOS AUTORES E 0 FILHO DOS RÉUS. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. EXCESSO EVIDENTE NA CONDUTA DO FILHO DOS DEMANDADOS APÓS 0 TÉRMINO DO RELACIONAMENTO. AMEAÇAS, PERSEGUIÇÃO INTIMIDAÇÃO E AGRESSÕES VERBAIS COMPROVADAS. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. í. A questão diz com pedido de indenização por danos morais em decorrência das atitudes do filho dos dem andados em relação aos autores, quando do término do namoro com sua filha. 2. Ao que se vê do relato da inicial, os filhos dos litigantes mantiveram relacionamento am oroso (ele, com 16 anos de idade e ela, com 14 anos

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► Ainda sobre a responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos...

Apesar de grandes doutrinadores, como O rlando C omes n- sustentarem que a responsabilidade paterna exigiría a capacidade de discernimento do menor, este entendimento não foi consagrado na atualidade. Com a devi­ da vênia ao notável civilista, entendemos que a hipótese é de responsa­ bilidade civil objetiva pela teoria do risco criado, mesmo quando o me­ nor não tenha discernimento, desde que o ato do incapaz seja culposo. Outrossim, o simples afastamento da casa materna, ainda que imotivado, não afasta a responsabilidade civil dos genitores, pois não retira a autoridade referida no art. 932.

► Atenção!

No que diz respeito à responsabilidade objetiva dos estabelecimentos educacionais, por atos não apenas de seus educandos, mas ainda por fatos ocorridos, como na infância e adolescência, evidentemente que a interpretação a ser dada envolve os serviços onde os alunos são meno­ res de 18 anos, afinal de contas os estabelecimentos de Ensino Superior não poderíam ser responsabilizados por situações como estas. É 0 que pensa C arlos A lberto G onçalves9. Importante questão diz respeito à manutenção, ou não, da responsabilidade civil do representante legal nos casos de emancipação voluntária? A pergunta é extremamente interessante, pois demonstra 0 receio da emanci­ pação voluntária se tornar um mecanismo de fuga dos genitores de sua responsa­ bilidade parental. Isto, porque, para que a referida emancipação se dê basta que os pais ou responsáveis se dirijam até um tabelionato e emancipem 0 menor, com de idade). Os autores sustentaram que tomaram conhecimento de que 0 filho dos réus era ex­ tremamente agressivo e agredia fisicamente sua filha, razão pela qual, houve 0 rompimento do namoro. Disseram, ainda, que 0 filho dos réus não se conformou com 0 fim do relacionamento e, por isso, passou a molestá-los moralmente com atitudes violentas e ameaças. Há, ainda, relato de sequestro da adolescente, 0 que, inclusive, deu azo à medida protetiva para im pedir que 0 filho dos réus se aproximasse dos autores e de sua filha. 3. 0 pedido se fundamenta no que disciplina 0 art. 932, inciso I, do Código Civil. Porém, para que seja aplicada a responsabilidade objetiva em relação ao s pais, há que se perquirir acerca da responsabilidade subjetiva em relação à conduta do filho e, no ponto, configurado 0 dever indenizatório dos demandados, em ra zã o d a s atitu d es de seu filho em re laçã o a o s a u to re s. 4. Os d a n o s m o ra is, n o c a so em tela,

decorrem do próprio fato, são consequência lógica da conduta perpetrada pelo filho dos réus em ofender, agredir verbalmente, ameaçar e perturbar o sossego dos autores. 5. Somadas as circunstâncias dos autos e a extensão do prejuízo, os ensinamentos da doutrina e da jurispru­ dência, à situação socioeconômica de ambas as partes tenho como justa, adequada e razoável a quantia de R$ 2.500,00, para cada um dos autores. Sobre 0 montante deverá incidir correção monetária pelo IGP-M, a contar desta data, nos termos da Súmula 362 do STJ e juros de mora de 1 % ao mês desde a data de ocorrência do evento danoso, que no caso, fixo a partir do ingresso da medida protetiva. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível N° 70053355285, Nona Câmara Cível, Tribunal de justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 11/09/2013).

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ao menos 16 (dezesseis) anos completos e independentemente de homologação judicial. Assim, pais de adolescentes problemáticos poderíam lançar mão desta me­ dida como tentativa de fuga de eventuais indenizatórias por ilícitos civis do menor, que fora voluntariamente emancipado. Atento a este fato, há precedentes do STJ sobre o tema - a exemplo do REsp 122.573/PR, Relatado pelo Ministro Eduardo Ribeiro, 3a Turma, julgado em 23.06.1998 - os quais consignam que a outorga de emancipação voluntária pelos pais não os exonera da responsabilidade civil dos filhos. Diga-se que 0 precedente citado não é isolado, havendo posicionamento mais recente reiterando a ideia anterior (REsp 764.488/MT). A doutrina vem progredindo no tema, entendo que a casuística desemboca em hipótese de responsabilidade solidária entre os pais e 0 menor voluntariamente emancipado - CJF (Enunciado 41). Na mesma linha caminha, inclu­ sive, a doutrina de S ilvio de Salvo V enosa17. Ainda nas pertinentes questões de prova, será que no rol das responsabilida­ des por ato de terceiros do art. 932 do CC, aquele que arcou com a indenização teria ação em regresso em face do infrator? Curiosa é a disciplina do art. 934 a respeito deste assunto, ao admitir, em re­ gra, 0 exercício do direito de regresso em favor daquele que paga pelo terceiro. Fala-se, em regra, por não ser possível a regressiva de um ascendente em face de seus descendentes, absolutamente ou relativamente incapaz. Tal ação regressiva, registra-se, demandará prova da culpa, caminhando aqui com a responsabilidade civil subjetiva. 0 empregador que indenizou 0 ato praticado pelo empregado, em face de um cliente e em razão do exercício da função (Enunciado 44 do CJF), por exemplo, terá ação regressiva em face do seu empregado, desde que comprove a culpa deste. Idem 0 dono de hotel em relação ao hóspede... 0 que não será possível, porém, é 0 ascendente em face de seu descendente, absolutamente ou relativamente incapaz. E na hipótese de relação de emprego, seria possível ao empregador fazer a retenção dos valores em folha? Á luz do art. 462 da CLT é vedado ao empregador efetuar qualquer desconto no salário do empregado, salvo quando resultar de adiantamentos, ou dispositivos de lei ou de norma coletiva, sendo que "em caso de dano causado pelo empregado, 0 desconto será lícito desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocor­ rência de dolo do empregado". Logo, 0 aludido desconto será possível, caso haja acordo ou tenha sido verificado 0 dolo do empregado. Em síntese: se 0 empregado causar dano por conduta culposa somente se per­ mite 0 desconto salarial respectivo acaso exista previsão expressa no contrato de 17

In Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 74.

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emprego ou norma coletiva. Se a conduta for dolosa, não é necessário contratação específica, pois a lei permite o desconto.18 0 direito de regresso também é referido em algumas súmulas de tribunais supe­ riores. 0 S u p r em o T ribunal F ederal abordou o assunto na súmula 187, ao afirmar que a res­ ponsabilidade contratual do transportador pelo acidente com 0 passageiro é objetiva e não será elidida por culpa de terceiro "contra 0 qual tem ação regressiva". Também a súmula 188: "0 segurador tem ação regressiva contra 0 causador do dano" por aquilo que efetivamente pagou reconhecendo-se cabíveis, inclusive, honorários advocatícios "na ação regressiva do segurador" (súmula 257). A responsabilidade civil dos amentais! Pela Teoria da Imputabilidade seria possível responsabilizar os amentais civil­ mente de forma direta? Numa visão subjetiva da responsabilidade civil, a exigir a presença da voluntariedade, do dolo ou da culpa, a conclusão seria negativa. Nesta concepção, 0 amental seria inimputável, respondendo os seus responsáveis (art. 932 do CC). E pela Solidariedade Social? Vê-se que na atualidade a culpa tem sido posta em papel secundário, dentre os requisitos da responsabilidade civil. A ênfase vem sendo dada ao dano e à teoria do risco. Concentra-se 0 direito na tentativa de reparar 0 dano como atividade principal de hermenêutica. Nessa toada, os Códigos Civis da atualidade admitem a responsabilidade civil dos amentais12. 0 atual CC, em seu art. 928, abraça a Teoria da Responsabilidade Mitigada e Subsidiária, de modo que 0 patrimônio do incapaz será utilizado para satisfazer/ reparar 0 prejuízo experimentado pela vítima, excepcionalmente.

Assim, diuturnamente, 0 incapaz responde pelos prejuízos que causar de for­ ma subsidiária, condicional e equitativa. Subsidiária, pois apenas responde se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuse­ rem de meios suficientes para tanto. Condicional e equitativa pois não terá lugar a indenização se privar o aludido incapaz, ou as pessoas que dele dependerem, do mínimo existencial (Enunciados 39 e 40 do CjF). Vê-se: que a) É subsidiária, pois apenas responderá 0 incapaz se 0 seus responsáveis não tiverem meios para tanto - imagina-se a hipótese de um incapaz que recebeu grande herança e possui um tutor com parcos recursos - ou res­ ponsabilidade para tal - imagina-se exceções ao art. 932 do CC, a exemplo do art. 116 do ECA, 0 qual permite ao juiz, em atos infracionais praticados por adolescentes e com reflexos patrimoniais, ordenar que 0 próprio ado­ lescente faça a reparação do dano; 18

Neste sentido 0 Código Civil de Portugal (art. 489), ao Código da Rússia Soviética (art. 406), do Mé­ xico (art. 1.9 11), da China (art. 187), da Espanha (art. 32), d a Itália (art. 2.047) e do Peru (art. 1.140).

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b) É condicional e equitativa por não permitir que o incapaz seja despido do seu mínimo existencial, seja para manter-se ou os seus dependentes. Trata-se de importante inovação legislativa do Código Civil de 2002, pois 0 ante­ rior não tratou do tema, 0 que levou a doutrina à época a sustentar a irresponsa­ bilidade destas pessoas (Teoria da Irresponsabilidade Absoluta). Assim, quando da legislação de 1916 os relativamente incapazes tinham res­ ponsabilidade civil por se equipararem aos adultos (art. 156), de modo que havia solidariedade entre estes e seus pais. Os absolutamente incapazes não tinham responsabilidade civil alguma. Eram considerados inimputáveis.

2.2.3. A Responsabilidade Civil por Fato do Animal e por Fato da Coisa Dentro da teoria do risco é possível reconhecer a possibilidade de danos de­ correrem de objetos inanimados, assim como de seres irracionais, de modo que 0 Código Civil não poderia ignorar esta realidade. Apesar da expressão responsabi­ lidade civil por fato da coisa ou do animal a doutrina de C avalieri Filho19 entende ser mais acertado 0 termo responsabilidade civil pela guarda das coisas inanimadas. Tanto é assim que 0 art. 1.384 do Código Civil Francês imputa responsabilidade civil àquele pelas "coisas que tem sob sua guarda", daí porque a defesa do réu, muitas vezes, ficará limitada ou à afirmação de que não é proprietário da coisa ou, final­ mente, que não a tinha sob guarda. Originariamente, a responsabilidade civil por fato da coisa ou do animal ga­ nhou força no Direito Francês, forte na ideia, já ultrapassada, da culpa presumida. É 0 que afirma Caio Mário20. Hoje, entende-se que a hipótese é de responsabilidade objetiva na medida em que 0 sujeito que aufere os cômodos deve experimentar também os incômodos. E foi neste sentido que a doutrina cível contemporânea elaborou 0 Enunciado 451 da V Jornada de Direito Civil ao afirmar que a responsabilidade civil do dono ou detentor do animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro. Na forma do art. 936 do CC 0 dono ou detentor terão, portanto, responsabilidade por fato do animal (dano causado pelo animal). Trata-se, a nosso juízo, da teoria do risco criado. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho21 sustentam que 0 responsável pela reparação do dano proveniente da coisa ou do animal é 0 seu guardião tendo em vista seu "poder de comando ou direção intelectual". Para estes doutrinadores, se restar provado no caso concreto que 0 sujeito não tinha, no momento, poder de comando não seria 0 caso de se responsabilizar objetivamente. Interessante os julgados trazidos por estes grandes civilistas da Bahia sobre importantes temas da responsabilidade civil.

19

In Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 123.

20

In Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 102.

21

In Novo Curso de Direito Civil. Vol. III. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 172.

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como, por exemplo, do Estado decorrente de dano causado por equino da brigada militar22, por gado que invade lavoura alheia23 e por colisão de veículo em animal solto em pista24, todos envolvendo a incidência do art. 936 do CC. ► Atenção!

Os animais aqui referidos podem ser ferozes, doméstico, ou não. Cães, cavalos, leões, touros e até mesmo abelhas de um criatório podem se enquadrar na mens legis.

► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

A prova para Procurador Municipal - Prefeitura de Cuiabá/MT, banca FCC, ano de 2014, trouxe a seguinte questão: Aracy hospedou-se no Hotel Bela Vista e levou consigo um poodle apa­ rentemente inofensivo. Este, porém, fugiu do quarto de Aracy, por des­ cuido dela, e atacou os pés de Ana Tereza, causando-lhe rompimento de tendão. Ana Tereza poderá pedir indenização contra Gabarito: "Aracy, que responde objetivamente pelos danos causados pelo animal, e contra 0 Hotel Bela Vista, que responde objetivamente por seus hóspedes". Segundo a lei as únicas hipóteses que poderíam excluir esta responsabilidade civil seriam culpa da vítima ou força maior25. 0 art. 937 do CC atual tem a mesma redação do art. 1.528 do CC/16. Curiosa esta observação porque, à época do antigo Código, doutrina e jurisprudência divergiam a respeito da natureza subjetiva desta hipótese de responsabilidade civil. Apesar de idêntica, a norma atual é vista hoje como hipótese de responsabilidade civil objetiva (Enunciado 556 do CJF).

22

Reexame Necessário 70002234698. Décima Câmara Cível, Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador Paulo Antônio Kretzmann. julgado em 6.12.2001.

23 Apelação Cível 197203391. Segunda Câmara Cível, Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador Irineu Mariani. Julgado em 7.5.1998. 24 Apelação Cível 20000310109227. Terceira Turma, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Relator De­ sembargador Jeronymo de Souza. DJU de 24.4.2002. 25

Nesse sentido, segue a emanta da decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano de 2013: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO DONO NO ANIMAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE. É cediço que o dono ou detentor de animal, responde objetivamente pelos danos que este causar a outrem, salvo se comprovada a cul­ pa da vítima ou força maior. Inteligência do art. 936 do CC/2002, vigente à época do fato. Hipótese em que restou caracterizada a culpa exclusiva da autora que, sabedora da existência do animal no estabelecimento comercial e estando fechado 0 portão de acesso, entrou no local, sem permissão, vindo a ser atacada pelo cão, 0 que afasta a pretensão indenizatória. Responsabilidade objetiva que não dispensa a demonstração do nexo de causalidade. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível N° 70053307237, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 21/03/2013).

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Apesar disto, existem julgados no S uperior T ribunal de Justiça, minoritários, que fazem alusão à culpa do réu (dono ou detentor do animal) o que a nosso ver é inadequado. Confira: "Correta é a aplicação do art. 1.527 do Código Civil tratando de lesão causada por animal, sendo certo que, no caso, considerou 0 Acórdão recorrido demonstrada culpa do réu e a ausência de comportamento imprudente do auto r (REsp. 345.853/GO). E mais: "Responsabilidade civil. Acidente de veículo. Animais sobre a pista. Reconhecida a culpa do dono dos animais. Negligenciamento na sua guarda, descabe reapreciar os fatos no recurso especial" (REsp. 59.611/BA)26. Pela letra fria da lei, ainda que haja locação do imóvel a responsabilidade civil continua sendo do dono do bem que, evidentemente, terá ação de regresso contra eventual locatário. Mas é chegada a hora de também abordar a responsabilidade civil por fato da coisa. Heloísa Helena Barbosa27 lembra haver divergência doutrinária quanto ao fundamen­ to da obrigação de reparar o dano pela ruína de edifício ou construção: "culpa (responsabilidade subjetiva) ou teoria do risco (responsabilidade objetiva)". Arrema­ ta a doutrinadora que a responsabilização sem culpa "parece mais adequada à orientação adotada pelo Código".

► Como o S u perio r T ribunal de J ustiça está entendendo o assunto? "Responsabilidade Civil. Desabamento de Muro. Responsabilidade do dono do imóvel e do empreiteiro. Prova do dano moral. Precedentes da Corte. 1. Já decidiu a Corte que provado 0 fato que gerou a dor, 0 sofrimento, sentimentos íntimos que ensejam 0 dano moral, impõe-se a condenação. 2. Do mesmo modo, precedente da Corte já assentou que 0 proprietário da obra responde, solidariamente com 0 empreiteiro, pelos danos que a demolição de prédio causa no imóvel vizinho". 3. Recurso Especial não conhecido. (REsp. 180.355/SP). Responsabilidade civil. Desabamento. 0 dono do prédio responde pelos danos que resultaram da ruína do edifício. Aplicação das súmulas 7/STJ e 400/STF. Agravo regimental desprovido. (AgRg 166.031/Rj).

26

Nessa toada, também decidiu 0 Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, no ano de 2013: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MOTOCICLISTA. QUEDA. CACHORRO. RESPONSABILIDADE DO DONO DO ANIMAL. í. Responsabilidade do dono de animal: o d o n o d o cão q u e c a u so u a q u e d a da m otociclista é re sp o n sá v e l p e lo s d a n o s d e c o rre n te s d o

referido acidente de trânsito. Responsabilidade que decorre do risco inerente de ser dono de um animal, não perquirindo acerca do dever de guarda propriamente dito. 2. Dano moral: a violação da integridade física acarreta dano moral "in re ipsa". Fratura no membro inferior esquerdo que demandou realização de cirurgia, fazendo jus a autora à reparação no valor de RS 10.000,00 (apro­ ximadamente 15 salários mínimos nacionais). 3. Avarias na motocicleta: os danos da motocicleta deverão ser indenizados com base no valor do menor orçamento acostado aos autos. 4. Despesas médicas, hospitalares e afins: os valores efetivamente gastos com cirurgia, exames, tratamentos médicos e flsioterápicos, bem como com aquisição de medicamentos, deverão ser indenizados em montante a ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento (...). (Apelação Cível N° 7 0 0 5 7 324 311, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Cuaspari Sudbrack, Julgado em 1 2 /1 2 /2 0 1 3 ) 27

In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 515.

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Ainda dentro da temática de responsabilidade civil por fato da coisa, indaga-se como ficaria a responsabilidade do dono de um veículo automotivo na hipótese de acidente após o empréstimo do carro? 0 tema é altamente divergente. Há doutrina, a exemplo de S érgio C avalieri

caminhando no sentido de que "empréstimo do veículo a um parente ou amigo transfere-lhe juridicamente sua guarda, e por ele passa a responder. Tal como no caso de furto ou roubo do veículo, o dono só deveria ser responsabi­ lizado pelo fato culposo do comodatário se ficasse provado que foi negligente ou imprudente ao confiar o veículo a quem não tinha habilitação, de fato ou de direito, ou era motorista notoriamente imprudente, como, por exemplo, dado ao vício de beber antes de dirigir, com anotações comprometedoras no seu prontuário.". F ilho28,

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que há responsabilidade solidária entre o proprietário do veiculo emprestado e aquele que o dirigia no momento do acidente, por força de aplicação da respon­ sabilidade por fato da coisa (RSTJ 127/269-171)29. De igual modo, 0 morador do prédio responderá independentemente de culpa pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido, não sendo relevante se a pessoa se encontra naquela habitação a título de dono, possuidor, locatário, comodatário ou inquilino. Em síntese: prevê 0 Código a responsabilidade civil objetiva pelos objetos caí­ dos ou lançados, no que entendemos ser idêntica situação da teoria do risco criado. É consenso doutrinário, e isto podemos afirmar, que a origem desta norma está no Direito Romano, na conhecida actio de effusis et dejectis. Questão típica da prática forense, ou mesmo dos concursos públicos, está no fato de não ser possível identificar a unidade do condomínio edilício de onde par­ tiu 0 objeto caído ou lançado. Dois entendimentos podem ser apresentados sobre este assunto: (i) todo 0 condomínio responde; (ii) responde apenas 0 bloco do condomínio de onde a coisa caída ou lançada poderia efetivamente surgir. 28 Op. Cit., p. 198. 29 ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE BENÉVOLO. VEÍCULO CONDUZIDO POR UM DOS COMPANHEIROS DE VIA­ GEM DA VÍTIMA, DEVIDAMENTE HABILITADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DO AUTOMÓ­ VEL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DA COISA. - Em matéria de acidente automobilístico, o proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que 0 conduz e que provoca 0 acidente, pouco importando que 0 motorista não seja seu empregado ou preposto, ou que 0 transporte seja gratuito ou oneroso, uma vez que sendo 0 automóvel um veículo perigoso, 0 seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros. - Provada a responsabi­ lidade do condutor, 0 proprietário do veículo fica solidariamente responsável pela reparação do dano, como criador do risco para os seus semelhantes . Recurso especial provido. (REsp 577902/DF, Rei. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rei. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2006, DJ 28/08/2006, p. 279).

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Este problema também é levantado por Heloísa Helena Barbosa30 ao sustentar: "No caso de edifício de apartamentos, não sendo possível identificar o apartamento de onde a coisa caiu ou foi lançada, deverá ser responsabilizado o condomínio. Atendes e , desse modo, ao princípio de que todo dano deve ser ressarcido. Há opiniões contrárias a este entendimento". Nessa ordem de idéias, portanto, não sendo possível identificar de onde partiu o objeto responderá todo o condomínio, sendo possível posterior ação em regres­ so em face do real responsável; acaso identificado (Enunciado 557 do CJF). ► Como o S u perior T ribunal

de

J ustiça

está entendendo o assunto?

"Responsabilidade Civil. Objetos lançados da janela de edifícios. A repa­ ração dos danos é responsabilidade do condomínio. A im possibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva, impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. (REsp. 64.682/RJ).

► E na hora da prova?

Ano: 2018 Banca: CESPE Órgão: PC-SE Prova: CESPE - 2018 - PC-SE - Delegado de Polícia Túlio, cidadão idoso, natural de Aracaju - SE e domiciliado em São Paulo - SP, caminhava na calçada em frente a um edifício em sua cidade natal quando, da janela de um apartamento, caiu uma garrafa de refrigerante cheia, que lhe atingiu 0 ombro e provocou a fratura de sua clavícula e de seu braço. Em razão do incidente. Túlio permaneceu por dois meses com 0 membro imobilizado, 0 que impossibilitou seu retorno a São Paulo para trabalhar. Por essas razões, Túlio decidiu ajuizar ação de indeniza­ ção por danos materiais. Apesar da tentativa, ele não descobriu de qual apartamento caiu ou foi lançada a garrafa. Considerando essa situação hipotética, julgue 0 item que se segue. Diante da impossibilidade de saber de qual apartamento caiu ou foi lançada a garrafa que 0 atingiu. Túlio poderá buscar a responsabilização direta do condomínio, indicando-o como réu na ação de reparação de danos. Gabarito: Certo.

30 In Código Civil Anotado. Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira, 2 Edição. Curitiba: Juruá, 2009. p. 517-

Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas 1. NOÇÕES GERAIS Dentro da tessitura do convívio social, o trabalho é umas das relações que desperta as maiores controvérsias e celeumas jurídicas. E isto não é de hoje. 0 próprio embate histórico entre o capitalismo e socialismo já demonstrava a impor­ tância do trabalho humano e sua forma de análise. Dessa forma, um estudo sobre a responsabilidade civil na seara trabalhista sem­ pre será dificultoso. Entrementes, o maior obstáculo à análise do assunto, aquele capaz de ocasionar as maiores controvérsias, é a cristalina e usual desigualdade fática entre os envolvidos. Em regra, temos de um lado o trabalhador, contratado e hipossuficiente; e do outro o tomador, contratante e hipersuficiente. Este costuma se valer de sua condição economicamente mais forte para impor regras abusivas ao pacto, explorando indevidamente o trabalhador. 0 direito, obviamente, não poderia passar incólume a este cenário. Na tentati­ va de melhoria do quadro, implementou uma igualdade material, segundo o ideal A ristotélico de desigualar os desiguais na medida de sua desigualdade. 0 sistema, dan­ tes preocupado com o não intervencionismo e na busca de uma igualdade formal, passou a intervir para igualar esta balança contratual, trazendo normas protetivas aos trabalhadores. 0 escopo era, como ainda é, a promoção de uma justiça contra­ tual ou equivalência material das prestações, promovendo entre os contratantes trocas úteis e justas (Enunciado 22 do C onselho da Justiça Federal) 1.

A percepção deste sistema desigual e intervencionista - em busca, justamente, da igualdade - ganha complexidade quando da análise da incidência das regras da responsabilidade civil nas relações laborais. Isto porque como chamam a atenção P ablo S tolze G ag liano e R odolfo P a m p l o n a F ilho 1 2: "não é possível aplicar isoladamente as regras de Direito Civil em uma relação de trabalho, sem observar as a disciplina própria de tais formas de contratação". 1

Para muitos 0 princípio da Justiça Contratual, ou Equivalência Material das Prestações, é um subprincípio da Função Social. 0 tema será aprofundado no livro dedicado a Teoria Geral dos Contra­ tos, ao abordarmos os princípios contratuais.

2

In: Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. 3 .1 1 . ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 289.

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Olvidando uma compreensão ampla sobre o assunto, a qual possibilite ao futu­ ro aprovado transitar com facilidade nas provas trabalhistas e cíveis, o presente capítulo iniciará o seu desenvolvimento tecendo breves comentários sobre a rela­ ção de trabalho. Destarte, como é consabido, esta obra dedica-se ao direito civil. Tal, porém, não nos impedirá de abordar importantes questões juslaborais, advindas da prática na advocacia e na docência, sempre respeitando, porém, o recorte epistemológico e a proposta deste livro. 2. A RELAÇÃO DE TRABALHO Etimologicamente a palavra trabalho significa "o conjunto de atividades, produ­ tivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim"3. Juridicamente, a relação de trabalho é um grande gênero que engloba pactos cujo objeto é um fazer, uma atividade humana ou prestação de fato. Daí ser usual alguns nomearem a relação de trabalho como um contrato atividade. São várias as relações englobadas pelo gênero relação de trabalho. Sobre o tema, ensina Maurício Godinho Delgado4, ao fazer o paralelo entre as expressões rela­ ção de trabalho e relação de emprego, que: A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada no labor humano. [...]. A relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). 0 fator diferenciador dos mais diversos tipos de trabalho humano é o nível de subordinação do contratado (trabalhador) ao contratante (tomador), o qual admi­ te gradações. A verificação deste dar-se-á mediante uma minuciosa investigação concreta, segundo o princípio juslaboral da primazia da realidade5. Dentre as inúmeras formas de trabalho humano, aquela que ganha maior aten­ ção é a relação de emprego, por conta de sua vasta incidência social. Assim, a relação de emprego acaba por consistir no centro, no grande paradigma comparador das demais. Justo por isto, iremos nos aprofundar no estudo dos elementos caracterizadores de tal relação. 3

In: Instituto Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. P. 2743-

4

In: Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTR, 2011. p. 275.

5

Consiste na noção segundo a qual 0 contrato, em sua realidade, se sobrepõe ao firmado por escri­ to. 0 pai de tal princípio é 0 doutrinador Américo Piá Rodriguez.

Cap. V • Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas

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2.1. A Relação de Emprego A relação de emprego é aquela pactuada entre o tomador do serviço, denomi­ nado empregador, e o trabalhador, doravante batizado como empregado. No campo legislativo, o art. 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é 0 responsável por conceituar 0 empregado, ao afirmar que "Considera-se emprega­ do toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário". Mas quem seria 0 empregador? Nas pegadas do art. 2° da CLT "Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços". É bem verdade que em certos casos um empregado acaba trabalhando para um mesmo grupo econômico (para duas ou mais empresas). Com 0 advento da Lei Federal n° 13.467 de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista) 0 tema do gru­ po econômico ganhou novos contornos. Prescreve 0 art. 20, § 20 da CLT: "Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quan­ do, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego". A Lei da Reforma Trabalhista passou a prescrever que não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interes­ ses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. É 0 que afirma 0 § 3^ do art. 2o da CLT. Como se pode observar, a CLT não se contenta apenas em buscar conceituar a figura do empregado e do empregador. Mais que isto, avança para reconhecer a ocorrência da responsabilidade trabalhista solidária para os casos de grupos econô­ micos. Com a Lei da Reforma Trabalhista 0 legislador procurou, entretanto, ressalvar situações jurídicas que não caracterizariam a situação do grupo econômico. Para tanto, disciplinou que a mera identidade de sócios não é fato jurídico bastante para configurar 0 grupo econômico e, por via de consequência, afastou a responsabilida­ de civil solidária nesta situação. A par destas considerações, 0 fato é que quem deve assumir os riscos da ativi­ dade econômica (ou mesmo os riscos econômicos da atividade) é 0 empregador, e não 0 empregado, pois este se subordina juridicamente, de forma absoluta, ao poder patronal de direção. A partir de tais artigos legais, a doutrina, cuidadosamente, elenca os elementos essenciais da relação de emprego. Nas lições de M aurício G odinho D elgado6 são eles: a) 6

0p. cit., p. 279.

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a prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) pessoalidade do trabalhador; c) não eventualidade no labor; d) subordinação e e) onerosidade. Vamos verificar cada elemento analiticamente, a) Trabalho prestado por Pessoa Física. Em rigor técnico, o trabalho é aquele realizado pela pessoa natural; enquanto que o serviço pode ser executado tanto pela pessoa física, como pela pessoa jurídica. Nessa ordem de idéias, o empregado, necessariamente, será uma pessoa físi­ ca, pois realiza trabalho. Já o empregador pode ser tanto uma pessoa física, como jurídica. b) Pessoalidade. A relação de emprego é personalíssima, intuito personae, no que diz respeito ao empregado. 0 empregado não pode se fazer substituir por outro quando da sua ausência. Diga-se que nem todo trabalho executado por uma pessoa física é infungível, personalíssimo. Em algumas situações de prestações de serviços é possível se fazer substituir, como um segurança que, eventualmente, presta serviços em uma casa noturna. Recorda, porém, V óua B omfim C assar 7 que a pessoalidade na relação de emprego decorre do contrato de trabalho, o qual é intransmissível. Explica-se. Contrata-se um determinado empregado segundo suas qualificações pessoais, virtudes pró­ prias e confiança. Entrementes, tal pessoalidade não é absoluta. São possíveis eventuais substituições, sem desnaturar o vínculo. Exemplifica-se com substituições do empregado consentidas pelo empregador, a exemplo de viagens ou licenças. Imaginem um Professor Universitário que, de forma consentida, se afasta por alguns meses do seu emprego para cursar uma determinada matéria do dou­ torado em outro país. ► Como se posicionou o T ribunal S u perior

do

T rabalho

sobre o assunto?

Determina a Súmula 159 do TST que: Substituição de caráter não eventual e vacância do cargo:

I - Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, 0 empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído.

c) Onerosidade. A atividade prestada na relação de emprego tem fundo econô­ mico. Isto é: é exercida pelo empregado mediante contraprestação pecuni­ ária do empregador. Caso esta inexista tal pagamento, estar-se-á diante de trabalho voluntário. 7

In: Direito do Trabalho. Rio d e Ja n e iro : Im p e tu s, 2 0 1 1. Pág. 263.

Cap. V • Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas

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Tal contraprestação paga ao empregado, quem coloca a sua força de tra­ balho à disposição do empregador, é um conjunto salarial (remuneração). Per­ cebe-se, portanto, ser a relação de emprego um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático8. 0 salário pode se prestado em dinheiro ou em utilidades (art. 458 da CLT), por dia, semana, quinzena ou mês (art. 459 da CLT) e de maneira fixa ou variável (art. 483 da CLT).

► Atenção!

A Lei Federal n° 13.467, de 13 de julho de 2017, passou a prescrever no art. 458, § 50 que 0 valor relativo à assistência prestada por servi­ ço médico ou odontológico, próprio ou não, inclusive 0 reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quan­ do concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram 0 salário do empregado para qualquer efeito nem 0 salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 90do art. 28 da Lei nQ8.212, de 24 de julho de 1991" d) Permanência, habitualidade ou não eventualidade. 0 trabalho na relação de emprego é habitual. Leia-se: faz-se necessária uma periodicidade. A não eventualidade em comento deve ser significada sob a ótica do empre­ gador, perquirindo se 0 trabalho em análise é de necessidade permanente ou acidental para a sua empresa. Permanente é 0 trabalho, obviamente, cuja ne­ cessidade é permanente para 0 desenvolvimento da atividade do empregador. No particular, nos curvamos no Brasil, nos dizeres de M artins C atarino9, à influência mexicana, buscando a habitualidade segundo os olhos do empregador. 0 futuro aprovado deve ficar atento à diferenciação entre as expressões ha­ bitualidade e continuidade. Esta (continuidade) configura-se quando há um labor diário, a exemplo das empregadas domésticas. Já aquela (habitualidade) ocorre quando houver periodicidade, como 0 caso de um garçom, empregado de uma boate, que labora apenas de quinta a sábado, semanalmente. Esta necessidade permanente pode ser de forma contínua, com 0 labor diário, ou intermitente, com 0 labor periódico, porém habitual. A doméstica, em regra, trabalha de forma permanente e contínua. Já um Professor, que ministra aulas em uma instituição toda quarta-feira, trabalha de forma periódica e intermitente. Am­ bos são empregados.

8 9

Sobre a classificação dos contratos, indica-se a consulta ao nosso volume sobre o tema. In.- Compêndio Universitário de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1972, Vol. I, Pág. 185

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► Atenção!

No caso do empregado doméstico o tema é tratado na Lei Complementar n° 150, de i° de junho de 2015, cujo art. i° assim prescreve: "Ao empre­ gado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se 0 disposto nesta Lei".

e) Subordinação jurídica. Para grande parte da doutrina, é 0 elemento prin­ cipal para configuração da relação de emprego. Isto porque é aquele capaz de diferenciar as demais relações de trabalho da empregatícia. Analisando 0 significado da palavra, a expressão subordinação deriva de subordinare (sub - baixo; ordinare - ordenar). Leva a noção de dependência, submissão, hierarquia, obediência. Na relação de emprego a subordinação se evidencia de forma absoluta, ha­ vendo um verdadeiro estado de sujeição, respeitando, obviamente, os direitos e garantias fundamentais. Denomina-se de subordinação jurídica, sendo 0 empre­ gado informado em como proceder, fazer 0 seu trabalho. 0 empregador poderá fiscalizá-lo, dirigi-lo e, até mesmo, puni-lo. Para V ólia B omfim C assar 10 o poder em comento se desdobra em diretivo, dis­ ciplinar e hierárquico. 0 diretivo se traduz na capacidade do empregador em dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador. Já 0 disciplinar consiste na possibilidade de punir, de maneira proporcional e razoável, 0 empregado. 0 hierárquico informa a prerrogativa do empregador em organizar e estruturar sua hierarquia empresarial. Tal subordinação costuma ser mais forte nas funções cuja capacitação técnica é menor, e mais tênue naquelas atividades cuja capacitação é mais elevada. Registre-se, porém, ser irrelevante para a configuração da relação de empre­ go a presença de uma subordinação técnica e econômica. A subordinação técnica advém do direito francês, realçando 0 poder di­ retivo do empregador em relação ao empregado. Parte da premissa que 0 empregador, invariavelmente, possui conhecimento técnico mais largo que 0 do empregado. 0 problema reside, justamente, nesta equivocada premissa. Decerto, é plena­ mente possível que 0 empregado tenha conhecimento técnico mais largo que 0 empregador. Por isto, não adotamos a subordinação técnica no Brasil.

10

Op. Cit., p. 266.

Cap. V • Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas

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Igualmente não abraçamos a subordinação econômica, de origem alemã. Não é premissa para configuração da relação de emprego no Brasil que o empre­ gado dependa, financeiramente, da contraprestação do seu empregador para sobreviver. Explica-se. 0 fato do empregado não depender economicamente da contraprestação pecuniária para seu sustento não quer significar inexistência de relação de emprego. Exemplifica-se com o coordenador, empregado de uma instituição de ensino, que possui outra fonte de renda e não depende do salário oriundo da Faculdade. Tal não desnatura a relação de emprego. Além dos supracitados elementos essenciais da relação de emprego, há ou­ tros intitulados como acidentais, secundários ou acessórios. São assim deno­ minados porque podem, ou não, se fazer presente. Acaso estejam, todavia, reforçam a sua configuração. São eles: a) Continuidade. É a exacerbação da habitualidade. Configura-se na hipóte­ se do labor diário, observados os repousos obrigatórios. Lembra-se que a relação de emprego exige apenas habitualidade. Verificada, porém, a continuidade, resta muito clara a configuração da relação de emprego. É o já tratado caso das empregadas domésticas. b) Exclusividade. Não há vedação legal à simultaneidade de contratos de empregos. Aliás, muitos professores se inserem em uma pluralidade de contratos de emprego, quando ministravam aulas em diversas Faculdades como empregados. Todavia, a verificação de uma exclusividade leva a uma percepção mais facilitada da relação de emprego, haja vista ressaltar a pessoalidade e habitualidade. 3. DESDOBRAMENTOS JUSLABORAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Vistos os conceitos de empregado e empregador, bem como visitados os elementos acidentais e acessórios da relação de emprego, já é tempo de aden­ trarmos no estudo da responsabilidade civil nas relações de trabalho. 3.1. Responsabilidade Civil do Empregador ou Comitente por Atos dos seus Em­ pregados, Serviçais ou Prepostos 0 Código Civil inclui a responsabilidade civil do empregador ou comitente por atos de seus empregados, serviçais ou propostos no rol de hipóteses de respon­ sabilidades civis indiretas por ato de terceiro (art. 932, III do CC11).

Indireta é uma classificação da responsabilidade civil quanto ao agente, pois responde pelo ato que não fora praticado por si próprio. Recorda-se que as 11

Para aqueles que desejam recordar 0 tema, indica-se a leitura do capítulo deste volume dedicado à responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

responsabilidades civis indiretas são objetivas, independendo da culpa, na for­ ma do art. 933 do CC. Logo, quando se fala em responsabilidade civil indireta por ato de terceiro, estar-se-á diante de uma responsabilidade civil objetiva. Este é o pensamento posto na norma. Assim, pode-se afirmar que a responsabilização ora em análise é indireta quanto ao sujeito e objetiva quanto à culpa. Nessa esteira de pensamento, não há de se perquirir presunções de culpa. Nada de buscar, então, culpa in eligendo, in comitendo ou in contrahendo para os casos específicos a que se refere o art. 933 do CC. Por conta desta percepção, é possível afirmar que a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, a qual ao tratar da responsabilidade civil do patrão ou comitente por atos de seus empregados, serviçais e prepostos, afirmava a existência de uma presunção de culpa foi su­ perada pela legislação vigente. Isto não quer significar, entretanto, que a jurisprudência brasileira não con­ tinue a trabalhar as categorias jurídicas da culpa in eligendo, ou até mesmo do sistema de presunção de culpa em situações jurídicas outras, para além do art. 933 do CC. Ainda hoje 0 STJ faz uso da culpa in elegendo como critério decisório, como se infere de recente julgado que isentou a responsabilidade civil de um advogado substabelecente por ato praticado exclusivamente pelo advogado substabelecido sob 0 fundamento segundo 0 qual "0 advogado substabelecente somente irá responder por ato ilícito cometido pelo advogado substabelecido se ficar evidenciado que, no momento da escolha, a despeito de possuir inequívoca ciência acerca da inidoneidade do aludido causídico, ainda assim 0 elegeu para 0 desempenho do mandato"12. De igual sorte, ainda hoje 0 STJ aplica 0 regime da presunção de culpa para fim de responsabilidade civil para 0 caso, por exemplo de condução de mo­ tocicleta sob estado de embriaguez, hipótese na qual afirmou existir "Presun­ ção de Culpabilidade do infrator", inclusive para 0 fim de "Inversão do ônus probatório"13. E aqui cabe 0 parêntese: para 0 STJ "A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida" (Súmula 620). Voltando ao Código Civil, como já pontuado, 0 artigo que se dedica ao tema é 0 932, III; in verbis: "Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...]

12

REsp 1.742.246-ES, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, Dje 22/03/2019. Eis a ementa: "Responsabilidade civil de advogado. Ato praticado exclusivamente pelo substabelecido. Responsabilidade do substabelecente. Culpa in eligendo. Inexistência. Necessidade de circunstância contemporânea à escolha e de conhecimento do substabelecente".

13

REsp 1.749.954-RO, Rei. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 26/02/2019, DJe 15/03/2019.

Cap. V . Efeitos da responsabilidade civil nas relações trabalhistas

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III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele"; A primeira hipótese versa sobre relação de emprego, cujos requisitos já foram amplamente delineados neste capítulo. A segunda casuística versa sobre o comi­ tente. Mas quem seria o comitente? Consiste a expressão comitente em um gênero da autonomia privada, englo­ bando o contrato de corretagem, mandato, agência e distribuição... Preferiu o legislador abrir os poros da norma civilista, açambarcando, em uma só expressão, várias situações. Infere-se que em ambas as hipóteses há necessidade da existência de um ne­ gócio jurídico previamente entabulado, somado a um dano cometido no exercício do trabalho ou em função dele. A vítima pode ser outro empregado ou um terceiro ao ambiente laborai (fornecedor, cliente, transeunte, etc.), sempre sendo mantida a objetivação da responsabilidade. ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Ano: 2018 Banca: VUNESP Órgão: MPE-SP Prova: VUNESP - 2018 - MPE-SP Analista jurídico do Ministério Público Se um empregado, no exercício de suas funções decorrentes da relação de emprego, causar danos a terceiros, é correto afirmar que Gabarito: "0 empregador responderá, independentemente de dolo ou culpa in eligendo e/ou in vigilando, pelo dano causado pelo seu empre­ gado, desde que este tenha agido com dolo ou culpa". 0 que 0 futuro aprovado deve ficar atento, porém, é que objetivo é 0 enlace de responsabilidade do art. 932 do Código Civil. Leia-se: 0 empregador ou comitente responderá, objetivamente, por atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos no exercício do seu trabalho ou em razão dele. Aqui não se busca se houve, ou não, culpa dos empregadores ou comitentes. Todavia, 0 ato praticado pelos empregados, serviçais e prepostos há de ser culposo. Assim, 0 empregado, serviçal ou preposto pratica um ato culposo em face de um cliente, 0 qual ocasiona responsabilidade civil objetiva do seu empregador ou comitente. 3.2. Responsabilidade Civil do Empregado, Serviçal ou Preposto em Face do Em­ pregador ou Comitente Uma vez estabelecida a premissa segundo a qual 0 empregador ou comitente responderá objetivamente por atos praticados por seus empregados, serviçais e pre­ postos no exercício do seu trabalho ou em razão dele, uma consequente pergunta há de ser feita: mas 0 empregado, serviçal ou preposto que praticou 0 ato; sairá ileso? A resposta é negativa!

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Direito Civil - Vol. 11 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Após o ressarcimento do dano, o empregador ou comitente poderá ajuizar ação em regresso em face do empregado serviçal ou preposto, com espeque no art. 934 do vigente Código Civil; segundo 0 qual: "Aquele que ressarcir 0 dano causado por outrem pode reaver 0 que houver pago daquele por quem pagou, salvo se 0 causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz." ► Como esse assunto foi cobrado em concurso?

Como esse assunto foi cobrado em concurso? Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: MPE-PB Prova: FCC - 2018 - MPE-PB - Promo­ tor de Justiça Substituto Gabarito: "descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz". Deve 0 futuro aprovado, porém, ficar atento ao fato de que na ação regres­ siva a responsabilidade em comento é subjetiva. Logo, haverá 0 empregador ou comitente, para lograr êxito em sua pretensão, que comprovar 0 dolo ou culpa do empregado, serviçal ou preposto. Mutatis mutandi, é 0 mesmo raciocínio que se aplica ao Direito Público. 0 Es­ tado responde objetivamente por atos praticados por seus agentes no exercício da função, contra os quais terá ação regressiva, havendo de comprovar dolo ou culpa. Em sendo possível a responsabilidade civil do empregado, serviçal ou pre­ posto, assim como do seu empregador ou comitente, nada impede que a ação de reparação já seja ajuizada em face de ambos; ou de apenas um deles. Na hipótese de formação de litisconsórcio, a dificuldade reside no fato do primeiro responder objetivamente, enquanto 0 segundo de forma subje­ tiva. Entrementes, isto não vem sendo entrave em outras searas do direito civil, a exemplo do erro médico e da consequente ação ajuizada em face do hospital (responsabilidade civil objetiva) e do médico (responsabilidade civil subjetiva). Mas e se a ação for ajuizada apenas em face do empregador, poderia ele denunciar 0 empregado à lide? Não enxergamos obstáculo. Aliás, seria até aconselhável, para que não hou­ vesse decisões contraditórias, a par da economia, da celeridade e da efetivi­ dade do processo. Noticia-se, porém, que em algumas situações, em virtude da proteção do hipossuficiente e receio da letargia processual, a intervenção de terceiros é desestimulada por lei, a exemplo dos juizados. Ainda sobre 0 tema, há uma interessante dúvida que passa a nos perseguir: poderia o empregador, após responder objetivamente pelo ato do empregado, fazer 0 desconto do valor em folha?

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Segundo o art. 462 da CLT, apenas se houver acordo ou a presença de dolo do empregado14. Obviamente, 0 acordo supracitado poderá ser objeto de controle judicial, em caso de ocorrência de qualquer vício que leve à invalidade do negócio jurídico, como, por exemplo, a coação psicológica para a obtenção de tal documento. Sobre 0 tema é importante destacar que no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado 0 dis­ posto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e bali­ zará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. É 0 que prescreve 0 § 30 do art. 8° da CLT, com redação dada pela Lei da Reforma Trabalhista. 3.3. Responsabilidade Civil do Empregador por Dano ao Empregado (não pelo empregado) Questão capaz de despertar olhares curiosos diz respeito à responsabiliza­ ção não pelos danos causados pelo empregado, mas sim àqueles causados ao empregado. No primeiro caso a solução legislativa é clara: responsabilidade civil objetiva do empregador. No segundo, porém, não há uma norma expressa a disciplinar 0 problema, estando 0 operador do direito diante de uma lacuna. P ablo S tolze Gaguano e R odolfo P amplona Filho15 advogam a tese de que a resposta depen­ derá das circunstâncias em que esse dano for causado.

Se este dano decorrer de ato de outro empregado, incidirá a regra legislada de responsabilidade civil objetiva do empregador, com possível ação em regresso subjetiva em face do empregado causador do dano, tema já abordado nesta obra. E se 0 dano, porém, for causado por um terceiro, a exemplo de um cliente, ainda que no ambiente de trabalho? No particular, diante da ausência de regra expressa, caminhamos com a noção de uma responsabilidade civil subjetiva. É 0 que ocorre quando um cliente do empregador, por exemplo, agride 0 empregado. Aqui, responderá 0 empregador, pelo dano causado ao empregado, subjetivamente.

14

Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. § i° . Em caso de dano causado pelo empregado, 0 desconto será lícito, desde que esta possibili­ dade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

15

Op. Cit., p. 300.

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• Luciano Figueiredo e

R obe rto

Figueiredo

3.4. Responsabilidade Civil Decorrente de Acidente do Trabalho 0 art. 19 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, a qual dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, informa 0 conceito legal sobre 0 acidente do trabalho. Cita-se:

Art. 19. Acidente do trabalho é 0 que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturba­ ção funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para 0 trabalho. Importante desde logo registrar também, de acordo com a Lei Federal n° 13.467, de 13 de julho de 2017 que se deve computar na contagem do tempo de serviço do empregado, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que 0 mesmo estiver afastado por força de acidente do trabalho, na forma do art. 40, § 10 da CLT. Fazendo uma análise do tema, infere-se que três tipos de responsabilização po­ dem decorrer da ocorrência de um acidente do trabalho: a) Responsabilização contratual, com a eventual suspensão do contrato de trabalho e 0 reconhecimento da estabilidade acidentária (art. 118 da Lei 8.213/91). b)

Benefício previdenciário do seguro de acidente de trabalho, financiado pelo empregador e adimplido pelo Estado.

c) Reparação dos danos pelo empregador. É a consequência prevista na alínea "c" que nos interessa, haja vista seu claro viés civilista. A temática envolve uma importante celeuma doutrinária e jurisprudencial. Explica-se. A Constituição Federal, ao tratar do assunto no art. 70, XXVIII, fala em uma respon­ sabilidade civil por acidente de trabalho de forma subjetiva, exigindo a presença do dolo ou culpa para sua configuração. In verbis: Art. 7°. São d ire ito s d o s tra b a lh a d o re s u rb a n o s e ru ra is , alé m d e o utros que

visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, q u a n d o in c o rr e r em dolo ou culp a.

Interessante perceber, porém, que apesar da norma constitucional falar em culpa, 0 Código Civil informa como uma das casuísticas de responsabilidade civil objetiva a configuração de atividade de risco, conforme a redação do art. 927, parágrafo único. Cita-se:

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An. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar 0 dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmen­ te desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Dessa forma, surge a seguinte dúvida: afinal, diante de um acidente de traba­ lho, em exercício de atividade de risco, a responsabilidade civil pela reparação dos danos por parte do empregador será objetiva ou subjetiva? Cuidado! A polêmica diz respeito apenas ao acidente de trabalho acaso haja uma atividade de risco. Fora desta situação, sem a menor penumbra de dúvida, incidirá a norma constitucional, com a subjetivação da responsabilidade, sendo esta a regra geral. Retomando a questão posta, há dois posicionamentos doutrinários: • Primeira Corrente: Em razão da norma constitucional, a responsabilidade civil será subjetiva, mesmo diante de uma atividade de risco. • Segunda Corrente: A Constituição Federal trabalha com uma pauta mínima de direitos. Logo, em atenção ao princípio do não retrocesso social, é pos­ sível à legislação infraconstitucional avançar na proteção ao empregado. Com efeito, no momento em que há uma objetivação da responsabilidade por atividade de risco, verifica-se uma melhoria na tutela, 0 que é plenamente possí­ vel à luz do princípio de proteção ao hipossuficiente. Tal posicionamento foi acolhi­ do pelo C onselho da Justiça Federal no Enunciado de número 377, segundo 0 qual: 0 art. 7°, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco. ► Como se posicionou o T ribunal S u perio r

do

T rabalho

sobre o assunto?

Adotando a segunda corrente. Cita-se: Recurso de Revista. Acidente de trabalho. Dano moral. Indenização e pensão. A caracterização de responsabilidade civil objetiva depende do enquadramento técnico da atividade em preendida como sendo perigo­ sa. Artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Motorista de viagem. 1.1 Condenação ao pagamento de indenização por dano moral e de pensão mensal, baseada na responsabilidade civil objetiva, pressupõe 0 enqua­ dramento técnico da atividade em preendida como sendo perigosa. 1.2 Os motoristas profissionais, aplicados ao transporte rodoviário enfrentam, cotidianamente, grandes riscos com a falta de estrutura da malha rodo­ viária brasileira. 0 perigo de acidentes é constante, na medida em que 0 trabalhador se submete, sempre, a fatores de risco superiores àqueles a que estão sujeitos 0 homem médio. Nesse contexto, revela-se inafastável 0 enquadramento da atividade de motorista de viagem como de risco, 0 que autoriza 0 deferimento dos títulos postulados com arrim o na apli­ cação da responsabilidade objetiva prevista no Código Civil. Recurso de

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Revista conhecido e provido. (RR - 148100-16.2009.5.12.0035, j. 16-2-2011, Rei. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, y Turma. DEIJY 25-2-2011).

No mesmo sentido: E-ED-RR - 9951600-43.2006.5.09.0664, j. 10-2-2011, Rei. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídio Individuais, DEJT de 11-3-2011 e RR - 185300-18-2005.5.18.0007, j. 17-11-2010, Rei. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2» Turma, DEJT de 26-11-2010. A tendência caminha, seguramente, com a segunda corrente, a qual ganha ares majoritários. Todavia, persistem importantes discordâncias. Para retratar 0 fato, verifica-se ser um dos poucos temas em que P ablo S tolze G agliano e R odolfo P amplona F ilho16 discordam na sua obra. 0 primeiro caminha com a tese da culpa; enquanto 0 segundo com a objetivação diante da atividade de risco17. Recorda-se que por atividade de risco entende-se aquele risco acima da mé­ dia social. De fato, todos nós nos submetemos a riscos diários (assaltos, balas perdidas, atropelamentos...). Tal não se configura como atividade de risco. Esta se dará quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa de­ terminada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade (Enunciado 38 do CJF). Exemplifica-se com pessoas que laboram em grandes alturas, ou em usinas nucleares. Tais sujeitos, além dos riscos sociais, se submetem, diariamente, a um risco acima da média social (atividade de risco). De acordo com a segunda tese explicitada alhures, em sofrendo acidente do trabalho, a responsabilidade será objetiva. Por fim, não comungamos com a noção de que como 0 empregador assume 0 risco econômico da atividade ele respondería objetivamente em qualquer hipó­ tese. Não nos parece ser esta a noção do signo atividade de risco do Código Civil e também não é este 0 pensamento dominante hodiernamente. 3.5. Responsabilidade Civil em Relações Triangulares de Trabalho (Terceiri­ zação) A terceirização é um fenômeno da pós-modernidade. Consiste, em apertada síntese, em uma dúplice relação jurídica. Na primeira um tomador de serviços contrata uma empresa prestadora de serviços, em um pacto de natureza civil. Já a prestadora contrata os empregados, os quais trabalham em atividades relacio­ nadas com 0 tomador de serviços.

16

Op. Cit., p. 305.

17

Sobre 0 conceito de atividade de risco, remete 0 leitor ao capítulo que versa acerca da responsa­ bilidade civil subjetiva e objetiva.

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À título exemplificativo, imagine uma triangulação desta natureza em serviços de limpeza. A Empresa "A" (Tomadora do Serviço) contrata a Empresa "B" (Pres­ tadora do Serviço) para que faça a sua limpeza. Tem-se, aqui, um contrato cível. A Empresa "B", por sua vez, contrata empregados, os quais irão trabalhar na sede da Empresa "A". Verifica-se aqui um pacto trabalhista. Contrato Cível: Prestação de Serviços

Empresa A (tomadora)

Empresa B (Prestadora)

Como é cediço, a responsabilidade patrimonial em relação aos créditos traba­ lhistas dos empregados é de quem é o sujeito da relação obrigacional, quem seja: seu empregador. No caso em análise é da Empresa "B". Todavia, as Casas Judiciais Trabalhista, consagrando uma hipótese didática de obligatio (obrigação) sem debitum (débito), abraçam a tese da responsabilidade civil subsidiária do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas do prestador. 0 tema é pacífico e objeto de Súmula de número 331, IV do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Cita-se: "Enunciado n° 331: Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade - Revisão do Enunciado n° 256 Í-.J IV - 0 inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do emprega­ dor, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das socie­ dades de economia mista, desde que hajam participado da relação proces­ sual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n° 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, dj 18.09.2000) Dúvida pertinente é se esta regra jurisprudencial, concebida para créditos tra­ balhistas stricto sensu, aplica-se às regras de responsabilidade civil em geral? Pensamos ser a resposta positiva! Assim, por exemplo, se um determinado restaurante terceiriza 0 serviço de manobrista de seus clientes, deve responder, juntamente com 0 empregador do

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manobrista, pelos danos causados ao consumidor no exercício desta função, a exemplo de colisões. ► Veja informativo do S u perio r T ribunal de J ustiça sobre o assunto: Responsabilidade civil subjetiva. Acidente de trabalho. Ônus da prova. Em­ pregador. Julgamento "ultra petita". É subjetiva a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho, cabendo ao empregado provar o nexo causai entre o acidente de que foi vítima e o exercício da atividade laborai. Porém, comprovado esse nexo de causalidade, torna-se presumida a culpa do empregador e sobre ele recai o ônus de provar alguma causa exdudente de sua responsabilidade ou de redução do valor da indenização. No caso, reconheceu-se a responsabili­ dade do empregador e da tomadora de serviços pelo evento ocorrido por não terem cumprido sua obrigação de preservar a integridade física do empregado. Assim, a elas cabia comprovar algum fato impeditivo, modifícativo ou extintivo do direito do autor. Quanto à fixação dos danos materiais, o tribunal "a quo", ao proferir sua decisão, foi além do pedido na inicial. As verbas indenizatórias de acidente de trabalho têm natureza diversa das oriundas de benefícios previdenciários; sendo assim, não é obrigatória a dedução para o cálculo da pensão mensal. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça concedeu a pensão com base na integralidade do salário do autor na época do acidente e com caráter vitalício, por entender que os danos eram irreversíveis. Entretanto, o empregado havia pleiteado o pagamento da indenização desde o acidente, mas somente até o dia em que recuperasse a aptidão laborativa e ainda requereu que essa pensão fosse baseada ape­ nas na diferença entre a remuneração auferida e o valor a ser recebido do INSS. Dessa forma, a Turma entendeu que o acórdão recorrido, quanto ao critério de fixação da pensão mensal e o seu termo final, proferiu julga­ mento "ultra petita", devendo ser reformado. REsp 876.144, rei. Min. Raul Araújo, j. 3.5.2012. 4» T. (Info 496)

A Lei da Reforma Trabalhista também alterou 0 conteúdo da Lei Federal n° 6.019/74 passando a considerar a prestação de serviços a terceiros pela trans­ ferência feita pelo contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4 °-A). Por força de lei restou alterado, portanto, 0 entendimento até então consagra­ do, de modo que é possível agora a terceirização para a atividade fim. Acresça a isto que são asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas con­ dições relativas a alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios, direito de utilizar os serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado, treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a ativi­ dade 0 exigir, sendo que contratante e contratada poderão estabelecer, se assim

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entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos. 3.6. 0 Assédio Moral 0 assédio moral consiste na prática de atos, por parte do empregador, que visam à exclusão do empregado de sua atividade profissional, atacando, injustificadamente, 0 seu rendimento pessoal; manipulando sua reputação pessoal e profissional, mediante rumores e ridicularizações; abuso do poder mediante atitudes de menosprezo e controle desmedido do desempenho do empregado. Caracterizam hipótese de responsabilidade civil do empregador, configu­ rando assédio moral no trabalho, com 0 escopo de gerar 0 pedido de dem is­ são do trabalhador. 0 entendimento atualmente é que 0 trabalhador reclame em juízo as verbas oriundas do término do contrato (resilição) e indenização por danos morais e materiais. Estar-se-á, até mesmo, diante de uma justa causa conferida pelo empregador (despedida indireta), para 0 término da relação de emprego, tendo direito 0 empregado a todas as verbas oriundas da relação. 4. INCAPACIDADE LABORAL E PENSIONAMENTO RESSARCITÓRIO 0 art. 950 do CC prevê 0 pagamento de alimentos de natureza ressarcitória,

decorrente, pois, da prática de ato ilícito, para a hipótese de defeito pelo qual 0 ofendido não possa exercer seu ofício ou sua profissão (incapacidade laborai absoluta), ou para a situação de diminuição da capacidade laborai (incapacida­ de relativa). Segundo a norma cível, neste caso "a indenização, além das despesas médicas do tratamento e lucros cessantes até 0 fim da convalescença, incluirá pensão cor­ respondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu". Trata-se, pois, de uma específica hipótese de responsabilidade civil que se exprime pela forma do pagamento de uma pensão alimentícia. Contudo, esta pensão não decorre da solidariedade familiar, ou melhor, da relação de família. A origem do dever de pagar alimentos não será o parentesco, a conjugalidade, ou mesmo a união estável. Não é isso. 0 pensionamento ressarcitório brotará do ato ilícito diante da previsão normativa do art. 950 do CC. Vale notar que isto não é novidade. 0 art. 948 do CC já previa também 0 pen­ sionamento ressarcitório para 0 caso de homicídio (que por analogia pode se aplicar se 0 caso envolver acidente trabalhista fatal).

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0 certo é que o empregador pode ser responsabilizado civilmente a pagar pensionamento ressarcitório em face do empregado para casos que envolva acidente laborai, de acordo com o Código Civil. Outra importante consideração a respeito deste assunto reside no conteúdo do parágrafo único do art. 950 do CC, segundo 0 qual 0 prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja paga de uma só vez. Trata-se de importante previsão normativa a reconhecer em favor da vítima da incapacidade trabalhista um direito potestativo de obter toda a indenização em um só momento. Evidentemente que esta regra pode contemplar, em casos excepcionais, uma justa causa a recomendar 0 seu afastamento. Imagine, por exemplo, que 0 paga­ mento do pensionamento ressarcitório de uma só vez inviabilize economicamen­ te a saúde financeira, ou mesmo a existência da empregadora pessoa jurídica. 0 que se pretende dizer aqui, de rigor, é que a regra do parágrafo único do art. 950 do CC não é absoluta. Ao contrário disto, em certos casos se deve atentar para 0 princípio da função social da empresa para, deste modo, reconhecendo 0 impacto econômico desastroso do pagamento total da dívida, 0 magistrado preserve a própria fonte reparadora e impeça tal prática. Também é importante lembrar que 0 juiz deverá - para os casos de a inde­ nização por ato ilícito incluir prestação de alimentos - ordenar ao devedor a constituição de capital, cuja renda assegure 0 pagamento do valor mensal da pensão, na forma do art. 533 do Novo Código de Processo Civil, correspondente ao revogado art. 475-Q do CPC/73. Esta constituição de renda, ou de capital, será representada por imóveis, títulos da dívida pública, aplicações financeiras em banco oficial; será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação. Como dito alhures, 0 juiz poderá, entretanto, substituir a constituição do ca­ pital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de enti­ dade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz. Como se trata de pensão alimentícia, ainda que de caráter ressarcitório, deve a mesma submeter-se à cláusula rebus sic standibus. Nada impede, ademais, que estes alimentos sejam fixados tomando por base 0 salário mínimo, pois os tribunais superiores entendem que para esta situação jurídica não se aplica a vedação constitucional do salário-mínimo como indexador.

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► Como os tribunais superiores estão entendendo isto?

Para o S uperior T ribunal de Justiça a constituição de capital não é mera facul­ dade do magistrado. Ao contrário disto, constitui dever jurídico inevitá­ vel e consectário da condenação que fixa o pensionamento ressarcitório. Sobre o tema vide a súmula 313 do STJ: "Ação de Indenização Procedente - Constituição de Capital ou Caução Fidejussória - Situação Financeira do Demandado - Garantia de Pagamento da Pensão. Em ação de inde­ nização, procedente 0 pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para garantia de pagamento da pensão, indepen­ dentemente da situação financeira do demandado".

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