305 93 11MB
Portuguese Pages [2721] Year 2019
ISBN 9788553611409
Alvim, Eduardo Arruda Direito processual civil / Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 1. Processo civil 2. Processo civil – Brasil I. Título II. Granado, Daniel Willian III. Ferreira, Eduardo Aranha. 18-2133 CDU 347.9
Índices para catálogo sistemático: 1. Direito processual civil 347.9 2. Processo civil : Direito civil 347.9
Diretoria executiva Flávia Alves Bravin Diretora editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos Edição Eveline Gonçalves Denardi (coord.) | Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) | Carolina Massanhi | Luciana Cordeiro Shirakawa | Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi (coord.) | Claudirene de Moura Santos Silva | Guilherme H. M. Salvador | Tiago Dela Rosa | Verônica Pivisan Reis Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Juliana Bojczuk Fermino | Kelli Priscila Pinto | Marília Cordeiro | Fernando Penteado | Mônica Gonçalves Dias | Tatiana dos Santos Romão Novos projetos Fernando Alves Diagramação (Livro Físico) Fabricando Ideias Design Editorial Revisão Lígia Alves | PBA Preparação e Revisão de Textos | Viviane Oshima
Capa Herbert Junior
Livro digital (E-pub) Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador
Data de fechamento da edição: 15-1-2019
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Sumário
Agradecimentos Apresentação à 6ª edição Apresentação à 5ª edição Apresentação à 4ª edição Apresentação à 3ª edição Apresentação à 2ª edição I DIREITO PROCESSUAL 1. Origens do direito processual 2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros ramos do direito 2.1 Direito constitucional 2.2 Direito administrativo e tributário 2.3 Direito civil e comercial 2.4 Direito processual do trabalho 2.5 Direito penal 3. Sub-ramos do direito processual 4. Direito processual e direito material II JURISDIÇÃO
1. Esboço histórico 2. Estado de Direito – noção 3. Função jurisdicional 3.1 Jurisdição civil 4. Natureza da função jurisdicional do Estado 4.1 Características da função jurisdicional 4.2 Princípios fundamentais da jurisdição 5. Garantias do juiz 6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos 7. Meios alternativos de solução de conflitos III ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA 1. Organização judiciária 2. Organização judiciária, processo e procedimento 3. Jurisdição extraordinária 4. Competência – uma primeira noção 5. Órgãos judiciários 6. Conselho Nacional de Justiça IV FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUXILIARES DA JUSTIÇA 1. O Ministério Público 2. A advocacia pública 3. O advogado 4. Defensoria pública 5. Os auxiliares da justiça
V COMPETÊNCIA 1. Definição e noções gerais 2. Incompetência absoluta 3. Incompetência relativa 4. Foro e juízo 5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios 6. “Competência” internacional e competência interna 6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros 6.1.1 Homologação de decisão estrangeira 6.2 Cooperação internacional 7. Competência exterior e competência interior 8. Competência em razão da matéria – absoluta 9. Competência funcional – absoluta 10. Competência em razão do valor – relativa 10.1 Competência dos Juizados Especiais 11. Competência territorial – relativa 11.1 Hipóteses de competência territorial 11.2 Competência dos foros regionais 12. Foros especiais e análise do art. 53 13. Modificação de competência 13.1 Foro de eleição (vontade) 13.2 Conexão 13.3 Continência 13.4 Prorrogação de competência (inércia)
14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente do trabalho 15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) VI PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL 1. Introdução 2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal 3. Princípio da inércia judicial 4. Princípio da boa-fé processual 5. Princípio da cooperação processual 6. Princípio do devido processo legal (due process of law) 6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norteamericana 7. Princípio da isonomia 7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional da isonomia 7.2 Condenação em honorários advocatícios 7.3 Adiantamento de despesas processuais 7.4 Remessa obrigatória 7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave 8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional 8.1 Jurisdição e arbitragem 8.2 A conciliação e mediação 8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional 8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias 8.5 Ação rescisória
9. Princípio do juiz e do promotor natural 10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do diálogo processual 10.1 A citação 10.2 Liminar inaudita altera parte 11. Princípio da proibição da prova ilícita 12. Princípio da publicidade dos atos processuais 13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do CPC/2015) 14. Princípio da independência da magistratura 15. Princípio do duplo grau de jurisdição 16. Princípio da razoável duração do processo 16.1 Ordem cronológica de julgamento (art. 12 do CPC/2015) 17. A norma fundamental para a aplicação das leis processuais 18. Conclusões VII TEORIA DA AÇÃO 1. Noções gerais – conceito de ação 2. Evolução 3. Natureza jurídica da ação VIII CONDIÇÕES DA AÇÃO 1. Introdução ao tema 2. Interesse processual 3. Legitimidade ad causam
3.1 Considerações sobre a legitimidade nas ações coletivas. Primeiras noções IX PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS 1. Relação jurídica processual 2. Existência da relação jurídica processual 2.1 Petição inicial 2.2 Jurisdição 2.3 Citação 2.4 Capacidade postulatória 3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual 3.1 Petição inicial apta 3.2 Competência do juízo e imparcialidade do juiz 3.3 Capacidade processual e legitimação processual 4. Pressupostos processuais negativos X LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA 1. Noções 2. Classificação das ações 3. Elementos da ação 3.1 Identidade de partes 3.2 Identidade de pedido (objeto) XI LITISCONSÓRCIO
1. Conceito 2. Diversidade de classificações 2.1 Litisconsórcio inicial e ulterior 2.2 Litisconsórcio necessário e facultativo 2.3 Litisconsórcio unitário e simples 2.4 Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo 2.5 Litisconsórcio sucessivo 3. Limitação do número de litisconsortes 4. Hipóteses de litisconsórcio facultativo e necessário 4.1 Litisconsórcio facultativo 4.2 Litisconsórcio necessário 5. Litisconsórcio simples e unitário 6. Exclusão de um litisconsorte 7. Outras regras relacionadas ao litisconsórcio XII ASSISTÊNCIA 1. Introdução 2. Assistência simples 3. Interesse jurídico e interesse de fato 4. Procedimento 4.1 O recurso de terceiro prejudicado 5. Assistência litisconsorcial 6. A intervenção da União e pessoas jurídicas de direito público – Lei n. 9.469/97 XIII
DENUNCIAÇÃO DA LIDE 1. Introdução 2. Hipóteses 3. Procedimento XIV CHAMAMENTO AO PROCESSO 1. Chamamento ao processo 1.1 Formação do litisconsórcio no chamamento 1.2 Hipóteses de chamamento ao processo 1.3 Procedimento e natureza do chamamento ao processo 1.4 Chamamento ao processo no Código de Defesa do Consumidor XV INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 1. Introdução e fundamentos 1.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica 2. Legitimidade para requerer a desconsideração da personalidade jurídica 3. Procedimento 3.1 Momentos para o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica 3.1.1 A desconsideração da personalidade jurídica requerida incidentalmente 3.1.2 A desconsideração da personalidade jurídica requerida na petição inicial 3.1.3 A desconsideração da personalidade jurídica inversa 3.2 O ônus da prova
3.3 Os efeitos da decisão que determinar a desconsideração da personalidade jurídica XVI AMICUS CURIAE 1. Introdução 2. Procedimento 2.1 Natureza jurídica 2.2 Requisitos 2.3 Quem pode atuar como amicus curiae 2.4 Poderes 2.5 Atuação do amicus curiae em demandas repetitivas 3. A irrecorribilidade da decisão que defere o amicus curiae 4. A coisa julgada para o amicus curiae XVII NULIDADES PROCESSUAIS 1. Considerações gerais 2. Momento da alegação da nulidade798 3. Invalidades de fundo e de forma 3.1 Regime jurídico das invalidades 4. Ausência de intimação do Ministério Público 5. Consequência da anulação dos atos processuais XVIII FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 1. Formação do processo
2. Suspensão do processo 2.1 Hipóteses de suspensão do processo 3. Hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e casos em que há resolução do mérito 3.1 Extinção sem resolução do mérito 3.2 Hipóteses em que há resolução do mérito XIX CONVENÇÕES PROCESSUAIS 1. Considerações introdutórias 2. Cláusula geral das convenções processuais 3. Controle judicial da validade da convenção processual 4. Limites da convenção processual 5. Calendário processual XX O TEMPO NO PROCESSO 1. Introdução 2. Princípios processuais relacionados com a teoria dos prazos 3. Classificação dos prazos: peremptórios e dilatórios 3.1 Prazos comuns e particulares 3.2 Prazos legais e judiciais 3.3 Prazos próprios e impróprios 4. Contagem dos prazos 5. Principais prazos estabelecidos em lei 6. Preclusão 7. Benefícios dos arts. 180 e 229 do CPC/2015
XXI COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS 1. Citação 1.1 Efeitos da citação 1.1.1 A interrupção da prescrição no CPC/2015 1.1.2 Efeitos da citação propriamente ditos 1.2 Formas de citação 1.2.1 Citação pelo correio 1.2.2 Citação nas ações de família 1.2.3 Citação por edital 1.2.4 Citação com hora certa 1.3 Considerações gerais sobre o ato citatório 1.4 Procedimento da citação pelo correio 1.4.1 Procedimento da citação por oficial de justiça 1.4.2 Procedimento da citação com hora certa 1.4.3 Procedimento da citação por edital 2. Intimações 2.1 Forma de realização das intimações 2.2 Efeitos e aperfeiçoamento das intimações 3. Cartas (precatória, rogatória e de ordem) XXII TUTELA PROVISÓRIA 1. Noções gerais 2. Tutela de urgência 2.1 Requisitos para a concessão
2.2 Fungibilidade 2.3 Momento para a concessão 2.4 Reversibilidade da medida 2.5 Responsabilidade objetiva pela efetivação da medida 3. Procedimentos antecedentes 3.1 Tutela antecipada requerida em caráter antecedente 3.1.1 Procedimento 3.1.2 Estabilização da tutela 3.1.2.1 Aspectos gerais 3.1.2.2 Rediscussão da decisão estabilizada, por meio de ação de conhecimento 3.2 Tutela cautelar requerida em caráter antecedente 3.2.1 Procedimento 3.2.2 Eficácia da decisão 4. Tutela da evidência 4.1 Abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório 4.2 Pretensão fundada em decisão de observância obrigatória 4.3 Pretensão reipersecutória fundada em contrato de depósito 4.4 Ausência de dúvida razoável XXIII PETIÇÃO INICIAL 1. Introdução 1.1 Distribuição originária e por dependência (conexão e continência) 2. Requisitos da petição inicial 3. O valor da causa 4. Petição inicial e silogismo
5. O pedido 6. Indeferimento da petição inicial 6.1 Improcedência liminar do pedido (art. 332) XXIV AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO 1. O fortalecimento dos mecanismos de autocomposição 1.1 Princípios da conciliação e da mediação 2. Audiência de conciliação ou mediação 2.1 Mediação e conciliação: convergências e divergências 2.2 Procedimento XXV RESPOSTA DO RÉU 1. Noções introdutórias: possíveis reações do réu 2. O direito de defesa e a contestação 3. As preliminares de contestação previstas no art. 337 3.1 Hipóteses dos incisos I a XIII do art. 337 4. Prazo e requisitos 5. Ônus da impugnação específica dos fatos alegados pelo autor 6. Hipóteses de afastamento da presunção de que trata o art. 341 7. Requerimento e produção de provas 8. Alegações de suspeição e de impedimento 9. Reconvenção 9.1 Legitimidade (ativa e passiva) 9.2 Conexão entre a reconvenção e a ação principal ou o fundamento da defesa
9.3 Competência do juízo 9.4 Compatibilidade de procedimentos 9.4.1 Campo de aplicação da reconvenção 9.5 Procedimento 9.6 Desistência da ação principal e os efeitos na reconvenção XXVI REVELIA 1. Noções introdutórias e conceito 2. Presunção de veracidade dos fatos não contestados 2.1 Exceções à aplicação da presunção do art. 344 3. Revelia e assistência 4. Revelia e reconvenção 5. Revelia e julgamento antecipado do mérito XXVII A FASE DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO: as providências preliminares e o julgamento conforme o estado do processo 1. Fase de saneamento do processo: providências preliminares – oportunidade em que devem ser tomadas 1.1 Providências preliminares – em que consistem 2. Julgamento conforme o estado do processo 2.1 Modalidades de julgamento conforme o estado do processo XXVIII AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO NO PROCEDIMENTO COMUM 1. Noções introdutórias
2. Publicidade 3. Atribuições do juiz 4. Conciliação 5. Instrução e julgamento XXIX TEORIA GERAL DA PROVA 1. As provas – noções introdutórias 2. Objeto e destinatário da prova 3. As provas e o julgamento antecipado do mérito 4. O juiz e a atividade probatória 5. Princípios regentes da prova 6. Ônus da prova 7. Produção antecipada da prova 8. Prova emprestada XXX PROVA TESTEMUNHAL, DEPOIMENTO PESSOAL, CONFISSÃO E ATA NOTARIAL 1. Noções introdutórias 2. Dos que podem depor como testemunhas 3. Contradita 4. Obrigação da testemunha 5. Direitos da testemunha 6. Admissibilidade da prova testemunhal 7. Produção da prova testemunhal 8. Momento da produção da prova testemunhal e a testemunha referida
9. Acareação 10. Depoimento pessoal 11. Interrogatório do art. 139, VIII, do CPC/2015 12. Confissão 12.1 Confissão e reconhecimento jurídico do pedido 12.2 Necessidade de poderes especiais do advogado e do mandatário 12.3 Confissão espontânea e provocada (art. 390 do CPC/2015) 12.4 Confissão e litisconsórcio 12.5 A irrevogabilidade e anulabilidade da confissão 12.6 Eficácia probatória da confissão extrajudicial 12.7 Indivisibilidade da confissão 13. Ata notarial XXXI PROVA PERICIAL E INSPEÇÃO JUDICIAL 1. Generalidades 2. Requisitos da perícia 3. Âmbito da perícia 4. Procedimento 4.1 Deveres do perito 4.2 Escusa do perito 4.3 Prazo e conteúdo do laudo 4.4 Direitos do perito 5. Quem pode ser perito 6. Responsabilidade do perito 7. Perícias especiais
8. Inspeção judicial XXXII PROVA DOCUMENTAL, FALSIDADE DOCUMENTAL E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO 1. Conceito de documento 2. Autor do documento 3. Conteúdo e eficácia do documento 4. Forma como substância do documento 5. Documento – outras considerações 6. Momento da produção da prova documental 7. Documentos públicos e particulares 8. Documentos e autenticidade 8.1 Arts. 427 a 429 – limites da autenticidade dos documentos públicos e particulares 9. Extensão subjetiva da validade 10. Data do documento 11. Telegramas, cartas e registros domésticos 12. Livros comerciais408 13. Reprodução mecânica 14. Arguição de falsidade documental 14.1 Vantagens da ação incidental de falsidade 14.2 Em que espécie de falsidade cabe a arguição de falsidade do art. 430 e ss. 15. Exibição de documentos 15.1 Requisitos da exibição de documento ou coisa (contra a parte e contra terceiros) 15.2 Exibitória incidente e preparatória
15.3 Exibição contra terceiro 15.4 Escusa de exibir documento ou coisa (aplicável tanto à parte como a terceiros) XXXIII JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 1. Considerações preliminares e características da Lei n. 9.099/95 2. Causas que podem ser ajuizadas perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais 3. O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais 4. Os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal XXXIV SENTENÇA E COISA JULGADA 1. Considerações gerais 1.1 Necessidade de fundamentação da sentença 1.2 Direito superveniente e erro material 2. Coisa julgada 2.1 A impropriamente denominada coisa julgada “formal” 2.2 Coisa julgada formal e material 2.3 A coisa julgada material recai sobre a parte dispositiva da sentença 2.4 Momento da formação da coisa julgada 2.5 Como se alega a coisa julgada 2.6 Relativização da coisa julgada material XXXV NOÇÃO GERAL SOBRE O PROCESSO DAS AÇÕES COLETIVAS 1. Direitos difusos
2. Direitos coletivos 3. Direitos individuais homogêneos 4. Aspectos relativos à tutela desses direitos 5. Aspectos da coisa julgada no Código de Processo Civil 6. Aspectos da coisa julgada no Código do Consumidor 6.1 Coisa julgada e direitos difusos 6.2 Coisa julgada e direitos coletivos 6.3 Coisa julgada e direitos individuais homogêneos 6.4 Da suspensão das ações individuais (art. 104 do Código do Consumidor) 7. Outras ações 7.1 Ação civil pública (Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública) 7.2 Ação popular (Lei n. 4.717/65 – Lei da Ação Popular) 8. Da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, introduzida pela Lei n. 9.494/97 9. Mandado de segurança coletivo 9.1 Pertinência temática 9.2 A exigência do caso concreto: o mandado de segurança preventivo 9.3 Coisa julgada no mandado de segurança coletivo 10. Mandado de injunção coletivo 10.1 Coisa julgada no mandado de injunção coletivo 11. Controle de constitucionalidade e as ações coletivas XXXVI TEORIA GERAL DOS RECURSOS 1. Recurso e seu conceito
2. Princípios fundamentais regentes do sistema recursal no direito processual civil brasileiro 2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição 2.2 Princípio da taxatividade dos recursos 2.2.1 Sucedâneos recursais e outras figuras relacionadas aos recursos 2.2.1.1 Sucedâneos recursais 2.2.1.2 Ações autônomas de impugnação 2.2.1.3 Incidentes no processo 2.3 Princípio dispositivo 2.4 Princípios da singularidade recursal e da correspondência 2.5 Princípio da fungibilidade recursal 2.5.1 Generalidades 2.5.2 O art. 810 do CPC/39 2.5.3 Algumas hipóteses em que há fungibilidade recursal 2.5.3.1 Conhecimento de embargos de declaração como agravo interno 2.5.3.2 Conhecimento de recurso especial como recurso extraordinário 2.5.3.3 Conhecimento de recurso extraordinário como recurso especial 2.5.3.4 Conhecimento de recurso especial como agravo e vice-versa 2.5.4 Requisitos para aplicação da fungibilidade – conclusões 2.6 Princípio da dialeticidade 2.7 Princípio da voluntariedade 2.8 Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias 2.9 Princípio da complementaridade e da consumação 2.10 Princípio da proibição da reformatio in pejus
3. Recurso adesivo 4. Julgamento estendido XXXVII JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE 1. Uma primeira ideia 2. Questões prévias 3. Competência para análise da admissibilidade do recurso 3.1 Competência do órgão a quo para apreciação da admissibilidade recursal e impossibilidade de incursão do órgão a quo no mérito recursal 4. Momento da aferição dos requisitos de admissibilidade 5. Natureza da decisão que julga a admissibilidade do recurso e sua implicação no momento da fixação do trânsito em julgado 6. Caráter substitutivo da decisão da instância ad quem 7. Os requisitos de admissibilidade dos recursos 7.1 Cabimento 7.2 Legitimidade para recorrer 7.2.1 Legitimação das partes 7.2.2 Legitimação do órgão do Ministério Público 7.2.3 Legitimação do terceiro prejudicado 7.3 Interesse recursal 7.3.1 Necessidade de recorrer 7.3.2 Utilidade em recorrer 7.3.3 O interesse recursal e algumas hipóteses concretas 7.3.4 O interesse recursal e o Ministério Público 7.4 Tempestividade 7.4.1 Horário dos atos processuais
7.5 Regularidade formal 7.6 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer 7.7 Fatos impeditivos 7.8 Preparo XXXVIII RECURSO DE APELAÇÃO 1. Generalidades 2. Apelação contra sentença definitiva 3. Da apelação parcial 4. Apelação contra sentença terminativa 5. Requisitos da apelação 6. Princípio do tantum devolutum quantum appellatum – extensão e profundidade do efeito devolutivo na apelação 7. Reformatio in peius 8. Procedimento do recurso de apelação 9. Apelação e preparo 10. Do julgamento “não unânime” e o prosseguimento do julgamento XXXIX RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO 1. Considerações iniciais 2. Prazo de interposição 3. Hipóteses de cabimento 3.1 Tutelas provisórias 3.2 Mérito do processo 3.3 Rejeição da alegação de convenção de arbitragem
3.4 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica 3.5 Rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação 3.6 Exibição ou posse de documento ou coisa 3.7 Exclusão de litisconsorte 3.8 Rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio 3.9 Admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros 3.10 Concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução 3.11 Redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º 3.12 Outros casos expressamente referidos em lei 3.13 Decisões interlocutórias proferidas em fase de liquidação de sentença ou cumprimento de sentença, bem como no processo de execução ou inventário 4. Procedimento 5. O agravo e o efeito suspensivo 6. Outras considerações XL RECURSO DE AGRAVO INTERNO 1. Definição e hipóteses de cabimento 2. Procedimento XLI RECURSO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS 1. Natureza e cabimento 2. Caráter infringente dos embargos declaratórios 3. Prazo dos embargos e prazos de outros recursos
4. Embargos de declaração com fins de prequestionamento XLII RECURSO ORDINÁRIO 1. Generalidades XLIII RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1. Aspectos introdutórios 2. Raiz constitucional do recurso especial 2.1 A leitura do inciso III do art. 105 da CF/88 2.1.1 O que significa “causas decididas” 2.1.2 O que significa “em única ou última instância” 2.1.3 O que significa “decisão proferida por tribunal” 2.2 As alíneas a até c do inciso III do art. 105 da CF/88 3. Prequestionamento 3.1 Prequestionamento “explícito” e “implícito” 3.2 Prequestionamento numérico 3.3 Prequestionamento e matéria cognoscível de ofício 3.4 Primeiras conclusões 4. Forma de interposição do recurso especial – repasse das hipóteses constitucionais de cabimento do recurso especial 4.1 Efeitos do recurso especial 5. Efeitos dos recursos: generalidades e peculiaridades do recurso especial 5.1 O efeito devolutivo: sua amplitude no caso do recurso especial 5.2 Os efeitos suspensivo e devolutivo e o recurso especial 5.2.1 Execução provisória
5.2.2 Uso de medidas cautelares para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial 6. Cisão do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário 6.1 Natureza da decisão acerca do juízo de admissibilidade 6.1.1 A questão do termo a quo do prazo para propositura de ação rescisória 7. Admissão do recurso especial pela instância a quo e do extraordinário, quando houver 8. Fundamento suficiente: hipótese das Súmulas 126 do STJ e 283 do STF 9. A questão do preparo e o recurso especial 10. Recurso extraordinário 10.1 As hipóteses de cabimento de recurso extraordinário 10.2 Processamento do extraordinário dentro do STF 10.3 Efeitos do recurso extraordinário: devolutivo e/ou suspensivo 11. Últimas considerações acerca dos recursos especial e extraordinário: questões práticas 11.1 Repercussão geral no recurso extraordinário – novo requisito de admissibilidade 11.2 Processamento do recurso especial e do extraordinário que versar questões repetitivas XLIV RECURSO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINÁRIO 1. Considerações iniciais 2. Procedimento XLV
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO 1. Considerações preliminares 2. Hipóteses de cabimento 3. O acórdão paradigma 4. Matérias suscetíveis de serem discutidas em embargos de divergência 5. Requisitos (extrínsecos) de admissibilidade 5.1 Prazo de interposição 5.2 Regularidade formal 5.3 Preparo 6. Efeitos 7. Processamento XLVI OS PODERES DO RELATOR 1. Considerações iniciais 2. Análise da evolução dos poderes do relator 3. As hipóteses dos incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015 4. A questão da aplicação de multa 5. Dos outros deveres inerentes à atividade do relator XLVII AÇÃO RESCISÓRIA 1. Considerações iniciais 2. Ação rescisória e seu objeto 3. Análise das hipóteses de cabimento da ação rescisória (art. 966 do CPC/2015)
4. Art. 966, I, do CPC/2015: prevaricação, concussão ou corrupção do juiz 5. Art. 966, II, do CPC/2015: juiz impedido ou absolutamente incompetente 6. Art. 966, III, do CPC/2015: dolo ou coação da parte vencedora ou simulação ou colusão entre as partes para o fim de fraudar a lei 7. Art. 966, IV, do CPC/2015: ofensa à coisa julgada 8. Art. 966, V, do CPC/2015: violação manifesta a norma jurídica 9. Art. 966, VI, do CPC/2015: prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória 10. Art. 966, VII, do CPC/2015: obtiver autor, após o trânsito em julgado, prova nova, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável 11. Art. 966, VIII, do CPC/2015: fundada em erro de fato, verificável do exame dos autos 12. Art. 966, § 2º, do CPC/2015: decisões que embora não sejam de mérito impeçam a propositura de nova demanda ou a admissibilidade de recurso correspondente 13. Rescisão parcial 14. O prazo de dois anos 15. Legitimidade 16. Petição inicial 17. Procedimento XLVIII PROCEDIMENTOS ESPECIAIS 1. Os procedimentos especiais e o novo CPC 2. Pressupostos 3. O erro na adoção do procedimento especial 4. Procedimentos especiais excluídos pelo CPC/2015
4.1 Ação de depósito (arts. 901 e ss. do CPC/73) 4.2 Ação de anulação e substituição de título ao portador (arts. 907 e ss. do CPC/73) 4.3 Ação de nunciação de obra nova (arts. 934 e ss. do CPC/73) 4.4 Ação de usucapião de imóvel (arts. 941 e ss. do CPC/73) 4.5 Ação de oferecimento de contas (arts. 914 e ss. do CPC/73) 4.6 Venda a crédito com reserva de domínio XLIX AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO 1. A justificativa para a especialidade do procedimento 2. Cabimento 3. Legitimidade 3.1 Ativa 3.2 Passiva 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Requisitos da inicial 5.2 Depósito 5.2.1 Os efeitos do depósito 5.2.2 A insuficiência do depósito e a complementação 5.2.2.1 Facultatividade da complementação 5.2.2.2 Impossibilidade de complementação 5.2.3 A consignação de prestações periódicas 5.2.3.1 As prestações vencidas após a prolação da sentença 5.3 Citação 5.4 Contestação
5.4.1 Conteúdo explícito da contestação 5.4.2 Conteúdo implícito da contestação 5.5 Levantamento dos valores depositados 6. Revelia 7. Sentença 8. Procedimento quando houver dúvida sobre o credor 8.1 Da disputa entre os credores 9. Limites da ação consignatória 10. Procedimento extrajudicial 10.1 Objeto 10.2 Local 10.3 Forma 10.4 Intimação do credor 10.5 Ações do credor 10.6 Comentário crítico 11. Resgate da enfiteuse L AÇÃO DE EXIGIR CONTAS 1. Conceito 2. Cabimento e legitimação 3. O art. 553 do CPC/2015 e suas especificidades 4. Procedimento 4.1 Petição inicial 4.2 Citação 4.3 Providências que podem ser tomadas pelo réu
4.3.1 Prestação de contas sem contestação 4.3.2 Contestação da obrigação de prestar contas 4.3.3 Prestação de contas e contestação 4.3.4 Contestação sem negar a obrigação de prestar contas 4.3.5 Inércia: revelia 4.4 Providências que devem ser tomadas pelo autor 4.5 Forma das contas e documentos comprobatórios 5. Sentença 5.1 Sucumbência 5.2 Cumprimento de sentença LI AÇÕES POSSESSÓRIAS 1. Introdução ao direito de posse 2. As ações possessórias 2.1 Fungibilidade das ações possessórias 2.2 Manutenção ou reintegração de posse: turbação ou esbulho 2.3 Interdito proibitório 3. Cabimento das ações possessórias 4. Legitimidade 5. Caráter dúplice 6. Exceção de domínio 7. Procedimento das ações possessórias 7.1 Petição inicial 7.1.1 Identificação das partes 7.1.2 Pedido
7.2 Liminar 7.2.1 A liminar movida contra pessoas jurídicas de direito público 7.2.2 O mandado de manutenção ou reintegração da posse 7.3 Citação 7.4 Contestação 7.4.1 Reconvenção 7.5 Prestação de caução 7.6 Dos litígios coletivos 8. A sentença nas ações possessórias LII AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES 1. Aspectos gerais 2. Cumulação de pedidos demarcatórios e divisórios 2.1 Julgamento das ações cumuladas 3. Demarcação e divisão extrajudicial 4. A ação demarcatória 4.1 Cabimento 4.2 Legitimidade 4.2.1 Legitimidade do condômino 4.2.2 Litisconsórcio obrigatório decorrente da natureza real da ação demarcatória 4.3 Petição inicial 4.4 Citação 4.5 Resposta 4.5.1 Revelia 4.6 Instrução do processo
4.6.1 Escolha do perito e a indicação dos assistentes 4.6.2 Laudo 4.6.3 Manifestação das partes 4.7 Sentença demarcatória 4.8 Procedimento após a demarcação 4.8.1 Operações técnicas do procedimento 4.8.2 Verificação das linhas divisórias 4.8.3 Manifestação das partes acerca do relatório de verificação das linhas 4.8.4 Lavratura do auto de demarcação 4.9 Sentença de encerramento da execução demarcatória 5. A ação divisória 5.1 Cabimento 5.2 Legitimidade 5.3 Petição inicial 5.4 Citação 5.5 Resposta do réu 5.5.1 Revelia 5.6 Instrução do processo 5.6.1 Escolha dos peritos e cabimento da indicação de assistente técnico das partes 5.6.1.1 Medição da área 5.6.1.2 Imóvel indivisível 5.6.2 Manifestação das partes sobre os quinhões 5.7 Sentença de encerramento da divisória 5.8 Benfeitorias 5.8.1 Manutenção das benfeitorias
5.9 Restituição dos imóveis usurpados 5.10 Procedimento para divisão 5.10.1 Proposta de divisão 5.10.1.1 Cálculo das frações 5.10.1.2 Critério de formação dos quinhões 5.10.1.3 Critérios de partilha 5.10.2 Manifestação sobre a proposta de divisão 5.10.3 Auto de divisão 5.11 Sentença homologatória da divisão 5.12 A aplicação das regras da ação demarcatória LIII AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE 1. Introdução 1.1 Evolução das normas processuais 2. Cabimento 2.1 Falecimento do sócio 2.2 Exclusão do sócio 2.3 Exercício do direito de retirar-se da sociedade 2.4 A quebra da affectio societatis 3. Legitimidade 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Citação 5.3 Contestação
6. Decisão 6.1 Recorribilidade das decisões 7. Apuração de haveres 7.1 Resolução da sociedade e a fixação da data 7.2 Critérios para apuração de haveres 7.2.1 Cláusulas contratuais 7.2.2 Aplicação da boa-fé objetiva 7.2.3 Balanço patrimonial 7.3 Nomeação de perito 7.4 Depósito judicial decorrente de previsão contratual 8. Pagamento dos haveres 9. Dissolução parcial em sociedades anônimas LIV INVENTÁRIO E PARTILHA 1. Introdução 2. Inventário extrajudicial 3. Inventário judicial 3.1 Competência 3.2 Administrador provisório 3.3 Prazo 3.4 Legitimidade para requerer a instauração do inventário judicial 3.5 Inventariante 3.5.1 Ordem da investidura do art. 617 do CPC/2015 3.5.2 Compromisso 3.5.3 Deveres do inventariante
3.5.4 Deveres decorrentes da administração do espólio 3.5.5 Remoção do inventariante 3.5.5.1 Causas para a remoção 3.5.5.2 Procedimento para apreciação do pedido de remoção 3.5.5.3 Eventuais sanções aplicáveis ao inventariante 3.6 Procedimento do inventário 3.6.1 Petição inicial 3.6.2 Primeiras declarações 3.6.3 Citação 3.6.3.1 A posição da Fazenda Pública 3.6.3.2 Intervenção do Ministério Público 3.6.4 Audiência das partes 3.6.5 Impugnação 3.6.6 Efeitos da decisão 3.6.7 Admissão do preterido 3.6.8 Manifestação da Fazenda Pública com relação aos valores dos imóveis 3.6.9 Avaliação dos bens 3.6.9.1 Hipótese de dispensa da avaliação 3.6.9.2 Forma de avaliar os bens e o laudo de avaliação 3.6.9.3 Impugnação ao laudo 3.6.9.4 Reavaliação 3.6.10 Últimas declarações 3.6.11 Cálculo do tributo 3.6.11.1 Julgamento do cálculo 3.6.11.2 Pagamento dos tributos
3.7 Pagamento de dívidas 3.7.1 Legitimidade do credor para requerer o pagamento 3.7.2 Habilitação 3.7.2.1 A satisfação do crédito habilitado 3.7.2.2 Crédito inexigível 3.7.2.3 Outras hipóteses 3.7.2.4 Decisão 4. Colação e a obrigação de igualar as legítimas 4.1 Herdeiro renunciante e excluído 4.2 Objeto da colação 4.3 Avaliação dos bens colacionados 4.4 Divergência sobre o dever de colação 4.5 Consequências da ausência de colação 5. Partilha 5.1 Pedido de quinhões 5.2 Regras para a partilha 5.3 Esboço da partilha 5.4 Elementos da partilha 6. Sentença 6.1 Emenda da partilha (art. 656 do CPC/2015) 6.2 Rescisão da sentença (art. 658 do CPC/2015) 6.2.1 Herdeiro preterido no inventário 6.2.2 Herdeiro incluído no inventário 6.2.3 Efeitos da rescisão 7. Formal de partilha 8. Arrolamento
8.1 Arrolamento comum 8.2 Arrolamento sumário 8.2.1 Petição de arrolamento sumário 8.2.2 Necessidade de capacidade postulatória 8.2.3 A taxa judiciária, impostos e tributos 8.2.4 Adjudicação ou partilha 8.2.5 Dispensa de avaliação de bens 8.3 Habilitação de crédito e reserva de bens no arrolamento 8.4 Expedição do formal de partilha 8.5 Aplicação subsidiária das regras de inventário no arrolamento 8.6 Anulação da partilha amigável 8.6.1 Legitimidade 8.6.2 Competência 8.6.3 Decadência 9. Dispensa de inventário e de arrolamento 10. Tutela provisória 11. Sobrepartilha 12. Curador especial 13. Cumulação de inventários LV EMBARGOS DE TERCEIRO 1. Conceito 2. Legitimidade 2.1 Ativa 2.1.1 Cônjuge ou companheiro
2.1.2 Adquirente de bens cuja alienação foi declarada ineficaz por fraude à execução 2.1.3 Quem sofre constrição por força da desconsideração da personalidade jurídica 2.1.4 Credor com garantia real 2.2 Passiva 3. Prazo 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Citação 5.3 Liminar e seus efeitos 5.4 Contestação 6. Sentença LVI OPOSIÇÃO 1. A inovação do CPC/2015 relativa à oposição 2. Cabimento e legitimidade 3. Momento da oposição 4. Procedimento 5. Sentença LVII HABILITAÇÃO 1. Conceito 1.1 As alterações provocadas pelo CPC/2015
2. Cabimento 3. Legitimidade para requerer a habilitação 3.1 Habilitação requerida antes da partilha 3.2 Habilitação requerida após a partilha 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Suspensão do processo 5.2 Petição de requerimento de habilitação 5.3 Citação dos requeridos para manifestação em cinco dias 5.4 Habilitação sumária 5.5 Habilitação ordinária 6. Decisão sobre a habilitação 6.1 Recurso cabível 6.2 Autoridade da coisa julgada LVIII AS AÇÕES DE FAMÍLIA 1. Introdução: a especialidade do procedimento 1.1 O CPC/73 e os procedimentos relativos às ações de família 2. Valorização dos meios consensuais de resolução de conflitos 3. A multidisciplinaridade do direito de família 4. Procedimento 5. A intervenção do Ministério Público 6. Sentença LIX AÇÃO MONITÓRIA
1. A função do procedimento monitório e suas características 1.1 A tutela de evidência e o uso residual da ação monitória 1.2 Natureza e classificação da ação monitória 2. A análise de admissibilidade da ação monitória 3. Legitimidade 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Intimação para pagamento, entrega da coisa ou execução da obrigação de fazer ou de não fazer 5.3 Medidas adotadas pelo réu 5.3.1 Inércia 5.3.2 Embargos monitórios 6. Das decisões proferidas na ação monitória 6.1 Extinção pelo pagamento 6.2 Julgamento dos embargos monitórios LX HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL 1. Definição e especialidade do procedimento 1.1 A homologação de penhor legal no CPC/73 2. Competência 3. Procedimento extrajudicial 4. Procedimento judicial 4.1 A petição inicial e o requerimento para citação 4.2 A obrigatoriedade da audiência preliminar 4.3 A manifestação do réu
4.4 Sentença LXI REGULAÇÃO DE AVARIA GROSSA 1. Introdução 2. Cabimento 3. Competência 4. Legitimidade 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Nomeação do regulador 5.2.1 Deveres do regulador 5.2.1.1 Declaração 5.2.1.2 Exigir garantias idôneas para liberação das cargas 5.2.1.3 Alienação de bens 5.3 Regulamento da avaria grossa 5.3.1 Impugnação ao regulamento 5.4 Sentença LXII RESTAURAÇÃO DOS AUTOS 1. Conceito 2. Legitimidade 3. Competência 4. Autos suplementares 5. Procedimento 5.1 Petição inicial
5.2 Citação 5.3 Resposta do réu 5.4 Desaparecimento após a produção de provas 5.5 Desaparecimento dos autos no Tribunal 6. Decisão 6.1 Sucumbência 7. Reaparecimento dos autos originais LXIII PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA 1. Aspectos gerais 2. Legitimidade 3. Procedimento 3.1 Petição inicial 3.2 Citação 3.3 Manifestação do réu 3.3.1 Revelia 3.4 Instrução probatória 4. Sentença 4.1 Custas e honorários 5. Recursos 6. Outros casos que se aplicam ao procedimento de jurisdição voluntária 6.1 Emancipação 6.2 Sub-rogação 6.3 Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, órfãos e interditos 6.4 Alienação, locação e administração da coisa comum
6.5 Alienação de quinhão em coisa comum 6.6 Extinção de usufruto e de fideicomisso 6.7 Expedição de alvará judicial 6.8 Homologação de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza ou valor LXIV NOTIFICAÇÃO E INTERPELAÇÃO 1. Introdução 2. Notificação 2.1 Notificação por edital 3. Interpelação 4. Procedimento 4.1 Deferimento 4.2 Hipóteses de oitiva prévia do requerido 4.3 Indeferimento 4.4 Entrega dos autos ao requerente após a intimação 5. Protesto LXV ALIENAÇÃO JUDICIAL 1. Conceito 2. Legitimidade 3. Cabimento 4. Procedimento 4.1 Dispensa do leilão 4.2 Avaliação prévia
4.3 Publicidade 4.4 Arrematação 5. Destino dos frutos da alienação LXVI DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO CONSENSUAL E EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO 1. Introdução 1.1 Separação consensual 1.2 Divórcio 1.3 União estável 2. Legitimidade 3. Competência 4. Homologação judicial de divórcio, separação judicial ou extinção consensual de união estável 4.1 Petição inicial 4.2 Recebimento da inicial e primeiras providências 4.3 Sentença 4.4 Conversão da separação litigiosa em consensual 4.5 Separação consensual e reconciliação do casal 5. Homologação extrajudicial 6. Procedimento para alteração de regime de bens 6.1 Averbação LXVII TESTAMENTOS E CODICILOS 1. Introdução à especialidade do procedimento
2. Competência 3. Testamento cerrado 3.1 Abertura do testamento cerrado 3.2 Intervenção do Ministério Público 3.3 Sentença e registro do testamento 4. Testamento público 5. Testamento particular 5.1 Publicação do testamento particular 5.2 Intervenção do Ministério Público 5.3 Audiência e sentença 6. Testamentos especiais 7. Cumprimento do testamento 7.1 Ausência de testamenteiro nomeado 7.2 Compromisso do testamenteiro 7.3 Deveres do testamenteiro 7.4 Prêmio do testamenteiro LXVIII HERANÇA JACENTE 1. Conceito 2. Competência 3. Legitimidade 4. Arrecadação 4.1 Hipótese em que não se procederá à arrecadação 4.2 Publicidade 4.3 Habilitação de credores
5. Guarda, conservação e administração da herança jacente: deveres do curador 5.1 Alienação de bens 6. Habilitação de herdeiros e conversão em inventário 7. Declaração de vacância e incorporação dos bens LXIX BENS DOS AUSENTES 1. Introdução 2. Competência 3. Registro da declaração de ausência 4. Arrecadação dos bens do ausente 4.1 Curadoria 4.2 Publicidade 5. Sucessão provisória 5.1 Legitimidade 5.2 Citação dos herdeiros 5.2.1 Ausência de herdeiros: declaração de herança jacente 5.3 Decisão da abertura 6. Conversão da sucessão provisória em definitiva 7. Retorno do ausente LXX COISAS VAGAS 1. Introdução ao conceito de coisa vaga 2. Competência 3. Procedimento
3.1 Recompensa 3.1.1 Responsabilidade do descobridor 3.2 Publicidade 3.3 Comparecimento do dono ou do legítimo possuidor 3.4 Coisa vaga não reclamada LXXI INTERDIÇÃO 1. A interdição e a curatela 1.1 Alteração proposta pela Lei n. 13.146/2015 e os reflexos no CPC/2015 2. Legitimidade 3. Competência 4. Atuação do Ministério Público 4.1 Legitimidade ativa 4.2 Fiscal da ordem jurídica 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Tutela antecipada 5.3 Entrevista 5.4 Impugnação do interditando 5.4.1 Representação do interditando 5.5 Perícia 6. Sentença 6.1 Curador: nomeação e função 6.2 Recurso 7. Levantamento da curatela
8. Breves comentários acerca da “tomada de decisão apoiada” LXXII DAS DISPOSIÇÕES COMUNS À TUTELA E À CURATELA 1. Introdução: ponto de convergência entre a tutela e a curatela 2. Compromisso prestado pelo tutor ou curador 2.1 Escusa do dever 3. Remoção do tutor ou curador 3.1 Nomeação de substituto interino 4. Exoneração do tutor ou curador 5. Prestação de contas LXXIII ORGANIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS FUNDAÇÕES 1. Fundações: conceito e instituição 1.1 Atuação do Ministério Público 1.1.1 Aprovação do estatuto 1.1.2 Elaboração do estatuto 2. Organização e fiscalização das fundações: função do judiciário 2.1 Intervenção judicial para suprir aprovação do Ministério Público 2.2 Extinção da fundação LXXIV RATIFICAÇÃO DOS PROTESTOS MARÍTIMOS E CARTAS TESMEMUNHÁVEIS FORMADOS A BORDO 1. Objeto e o conceito 2. Legitimidade
3. Procedimento LXXV NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO E O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 1. Considerações introdutórias 2. Autonomia e sincretismo 3. Execução e mérito 4. Princípios da execução 4.1 Princípio da iniciativa 4.2 Princípio do título 4.3 Princípio do resultado 4.4 Princípio da disponibilidade 4.5 Princípio da menor onerosidade 4.6 Princípio da atipicidade dos atos executivos 5. Classificação 5.1 Quanto à origem do título 5.2 Quanto à estabilidade do título 5.3 Quanto aos meios executivos 6. Responsabilidade patrimonial 6.1 Responsabilidade patrimonial primária 6.2 Responsabilidade secundária 6.3 Questões específicas da responsabilidade patrimonial 6.4 Fraude à execução 6.4.1 Hipóteses de fraude à execução e seus requisitos 6.4.2 Averbação premonitória 6.4.3 Fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica
7. Suspensão e extinção da execução 7.1 Suspensão 7.1.1 Hipóteses de suspensão da execução 7.1.2 Prescrição intercorrente 7.2 Extinção 7.2.1 Sentença na execução LXXVI CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 1. Noções gerais sobre a execução de título judicial 2. Títulos executivos judiciais 2.1 Decisão judicial 2.2 Decisão homologatória de autocomposição judicial 2.3 Decisão homologatória de autocomposição extrajudicial 2.4 Formal ou certidão de partilha 2.5 Crédito do auxiliar da justiça 2.6 Sentença penal condenatória 2.7 Sentença arbitral 2.8 Sentença estrangeira 2.9 Decisão interlocutória estrangeira 3. Legitimidade ativa 4. Legitimidade passiva 4.1 Intimação do executado 5. Competência 6. Hipoteca judiciária 7. Liquidação de sentença
7.1 Considerações iniciais 7.2 Liquidação por arbitramento 7.3 Liquidação pelo procedimento comum 8. Espécies de cumprimento de sentença 8.1 Cumprimento definitivo da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.1.1 Considerações iniciais 8.1.2 Requisitos da petição 8.1.3 Intimação do executado e prazo para pagamento 8.1.4 Meios executivos: multa e penhora 8.1.5 Honorários advocatícios 8.1.6 Protesto do título 8.2 Cumprimento provisório da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.2.1 Considerações iniciais 8.2.2 Responsabilidade do exequente 8.2.3 Caução 8.3 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer e dar coisa 8.3.1 Considerações iniciais 8.3.2 Tutela específica da obrigação 8.3.3 Multa em razão do atraso 8.3.3.1 Fixação da multa: valor e periodicidade 8.3.3.2 Alteração do valor e periodicidade da multa 8.3.3.3 Cumprimento provisório 8.3.4 Obrigação de dar coisa: particularidades 8.3.4.1 Forma e prazo para cumprimento
8.3.4.2 Benfeitorias 8.4 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação alimentar 8.4.1 Prisão civil 8.4.2 Adoção do procedimento do cumprimento de obrigação pecuniária 8.4.3 Inclusão em folha de pagamento 8.4.4 Constituição de capital 8.5 Cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública 8.5.1 Requisitos da petição 8.5.2 Intimação da Fazenda Pública 8.5.3 Obrigação de fazer, não fazer ou dar LXXVII PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL 1. Considerações iniciais 2. Títulos executivos extrajudiciais 2.1 Títulos de crédito 2.2 Documento público 2.3 Documento particular 2.4 Instrumento de transação referendado 2.5 Contrato garantido por caução, hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia 2.6 Contrato de seguro de vida, em caso de morte 2.7 Crédito decorrente de foro e laudêmio 2.8 Crédito decorrente de contrato de locação 2.9 Certidão de dívida ativa 2.10 Crédito decorrente de despesas condominiais
2.11 Certidão de oficial de registro ou tabelião 2.12 Outros títulos previstos em lei 3. Legitimidade ativa 4. Legitimidade passiva 5. Competência 6. Procedimento da execução de obrigação pecuniária 6.1 Requisitos da petição inicial 6.2 Citação e intimação para pagamento 6.3 Arresto 6.4 Parcelamento do débito 7. Procedimento da execução de obrigação de fazer, não fazer e dar coisa 7.1 Prazo para cumprimento da obrigação e medidas executórias 7.2 Alienação ou deterioração da coisa 7.3 Satisfação da obrigação fungível por terceiro 7.4 Satisfação da obrigação infungível 7.5 Desfazimento daquilo que o executado deveria se abster de fazer 8. Procedimento da execução de obrigação alimentar 9. Procedimento da execução contra a Fazenda Pública 10. Procedimento da execução de obrigação alternativa LXXVIII PENHORA, REMIÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DE BENS 1. Considerações iniciais 2. Penhora 2.1 Objeto da penhora 2.2 Ordem de realização da penhora
2.2.1 Penhora de dinheiro ou aplicação financeira 2.2.2 Penhora de créditos 2.2.3 Penhora de quotas ou ações 2.2.4 Penhora de estabelecimento, semoventes, plantações, edifícios em construção, embarcações e aeronaves 2.2.5 Penhora de faturamento 2.2.6 Penhora de frutos e rendimentos 2.3 Impenhorabilidade 2.4 Avaliação dos bens penhorados 3. Remição da execução 4. Expropriação de bens 4.1 Adjudicação 4.1.1 Legitimidade para requerer a adjudicação 4.1.2 Preço da avaliação 4.1.3 Concorrência entre pretendentes 4.1.4 Procedimento da adjudicação 4.2 Alienação 4.2.1 Alienação por iniciativa particular 4.2.1.1 Procedimento 4.2.1.2 Preço de alienação do bem 4.2.2 Alienação em leilão judicial 4.2.2.1 Procedimento 4.2.2.2 Preço mínimo 4.2.2.3 Arrematação 4.3 Apropriação de frutos e rendimentos 5. Satisfação do crédito
LXXIX OPOSIÇÕES DO EXECUTADO 1. Primeiras considerações 2. Impugnação ao cumprimento de sentença 2.1 Natureza jurídica da impugnação 2.2 Prazo para a impugnação 2.3 Matérias passíveis de alegação 2.3.1 Inconstitucionalidade anterior à formação do título – inexigibilidade da obrigação 2.3.2 Inconstitucionalidade posterior à formação do título – cabimento de ação rescisória 2.3.3 Regra de transição a respeito da coisa julgada inconstitucional 2.4 Efeito suspensivo 2.4.1 Efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública 2.5 Procedimento da impugnação 3. Embargos à execução 3.1 Natureza jurídica dos embargos 3.2 Prazo para oposição dos embargos 3.3 Julgamento liminar dos embargos à execução 3.4 Matérias passíveis de alegação 3.5 Efeito suspensivo 3.6 Procedimento dos embargos à execução 3.7 Embargos à execução contra a Fazenda Pública 4. Exceção de pré-executividade Referências
Dedico minha participação nesta obra para meus filhos, Henrique, José Manoel e João Pedro, e para minha esposa, a advogada e Professora Angélica Arruda Alvim. Na verdade, não apenas todos os meus escritos e trabalhos são dedicados a eles, mas a minha vida, como um todo, é norteada pela preocupação de servir a Deus e cuidar do bem-estar e da felicidade dos quatro. Eduardo Arruda Alvim
Dedico este trabalho aos meus pais, João Luciano Granado e Valci Cardoso Granado. Exemplos de pais, em quem me espelho todos os dias de minha vida. Daniel Willian Granado
Dedico a minha participação nesta obra ao meu amor, Nathália, por ser sempre minha incentivadora, por ser minha melhor companhia, por compreender minhas ausências e, principalmente, por ser meu passado, presente e futuro. Eduardo Aranha Ferreira
Agradecimentos
Agradecemos, com esta obra, a dois grandes juristas: Professora Thereza Alvim e Professor Arruda Alvim. Talvez a característica mais marcante da Professora Thereza Alvim, ao longo de sua vida, tenha sido o empreendedorismo. Advogada notável, sempre conciliou a atividade acadêmica com a banca, coisa que bem poucos conseguiram e conseguem fazer. Foi aprovada em primeiro lugar em concurso público para a Procuradoria do Estado de São Paulo, em concorrido exame do qual participaram destacados nomes do cenário jurídico brasileiro. Thereza Alvim montou o Mestrado da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que foi o primeiro mestrado do interior do Brasil. Em cerimônia ocorrida em Londrina em sua homenagem, 30 anos depois, foi entregue uma carta por ela dirigida ao então reitor, Professor Oscar Alves, datada de 21 de novembro de 1977, dando conta de todas as providências relativas ao assunto. Ainda na primeira metade da década de 1970, teve papel importantíssimo na criação do Mestrado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, na qual leciona há mais de três décadas. Ao lado disso, montou um escritório (que ostenta o seu nome), que hoje tem, em grande parte graças à sua habilidade como advogada, combinada com profundo conhecimento técnico, expressão nacional. Como se não bastasse, no fim dos anos 1990, “reinventou-se”. Fundou sua própria Faculdade, a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo –
FADISP. Em poucos anos, a FADISP, hoje controlada pelo prestigiado Grupo José Alves, de Goiânia, tornou-se um centro de excelência do estudo do direito, alcançando nome nacional. A faculdade conta com Curso de Mestrado e Doutorado, que já é, em São Paulo e no Brasil, referência. Thereza Alvim tem especial significado para nós, autores da presente obra. Mãe de um, professora e amiga dos três, sempre primou por impulsionar e estimular a todos na busca pela excelência. Por isso, rendemos nossas homenagens a tão generosa jurista, que foi, é e certamente sempre será agregadora. Aqueles que conhecem e trabalham hoje com o Professor Arruda Alvim ficam estarrecidos quando encontram, logo de manhã, e-mails encaminhados na madrugada anterior, dando conta das providências a serem tomadas no dia que para eles ainda se inicia. Os que o conheceram ainda muito jovem, na década de 1970, já não se espantam com mais nada. Naquela época, além de Procurador da Fazenda Nacional, o jovem professor Arruda Alvim, que com 34 anos alcançara o grau de livre-docente na Faculdade de Direito da PUC-SP com sua monumental obra Ensaio sobre a litispendência no direito processual civil, dava aulas no bacharelado e no mestrado/doutorado da PUC-SP e já possuía uma respeitável banca de advocacia, ao lado dos afazeres da Procuradoria. Além disso, assumiu, perante a Editora Revista dos Tribunais, o compromisso de editar um volume a cada seis meses, isso muito antes do advento do computador. E vieram a lume, na década de 1970, dois volumes do Curso de direito processual civil, os dois volumes do já mencionado trabalho de livre-docência, dois volumes do Manual de direito processual civil e cinco volumes do Código de Processo Civil comentado, onze livros,
portanto. Onze livros densos. Posteriormente, ingressou na Magistratura, vindo a integrar o extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e o Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo se aposentado como Desembargador em 1984. Nestes últimos 34 anos, tendo retornado à advocacia, construiu uma das mais respeitadas bancas do Brasil, com sede em São Paulo e escritórios no Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Poucos chegam a alcançar o nível intelectual de Arruda Alvim, que sempre tem a resposta mais acertada a dar, mesmo quando os problemas jurídicos parecem insolúveis. Porém, mais raros ainda são aqueles que têm humildade tal qual a do Professor Arruda Alvim, que não distingue os incipientes estudantes dos grandes juristas. Pelo contrário, Arruda Alvim está sempre, invariavelmente, disposto a saber a opinião jurídica de todos. Um exemplo de professor e advogado. Uma convivência diária enriquecedora como nenhuma outra, de que temos o prazer de desfrutar como filho, para um, amigo, para os outros, e admiradores, para todos. Aos dois homenageados, Thereza e José Manoel, nosso profundo e sincero agradecimento, não apenas pela contribuição ímpar ao mundo jurídico, mas pela contribuição essencial à trajetória pessoal e profissional de cada um de nós. Os Autores
Apresentação à 6ª edição
É com satisfação que apresentamos a sexta edição da obra Direito Processual Civil. Há uma novidade marcante em relação às cinco edições precedentes. Houve uma preocupação dos coautores em exaurir o programa de graduação de Direito Processual Civil, de tal modo que os alunos possam encontrar, em um só volume, material para acompanhar as aulas durante todo o curso de processo civil. O trabalho foi, por isso mesmo, exaustivo. A obra encontra-se em perfeita sintonia com o Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015), e, em relação às edições precedentes, foram abordados, ainda, o cumprimento de sentença, o processo de execução, as tutelas de urgência e evidência, as convenções processuais e os procedimentos especiais. São três os coautores deste trabalho. Sua origem remonta às aulas de graduação ministradas pelo coautor Eduardo Arruda Alvim na Faculdade de Direito da PUC-SP. Durante muitos anos, o coautor Daniel Granado, hoje professor das FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), trabalhou voluntariamente na PUC-SP com o coautor Eduardo Arruda Alvim, contribuindo para que o texto se mantivesse permanentemente atualizado. Deu sequência a esse trabalho na Faculdade de Direito da PUC-SP o coautor Eduardo Aranha Ferreira, que é sócio do escritório de Eduardo Arruda Alvim. Com o advento do CPC/2015, surgiu a ideia de fazer um livro mais
abrangente, que cobrisse toda a matéria ministrada no bacharelado, o que demandou, nos últimos dois anos, um exaustivo trabalho feito efetivamente a seis mãos, até que se chegasse à versão final do livro. Este ainda contou com a leitura cuidadosa da Professora Thereza Alvim, Associada da PUC-SP, bem como do mestrando da PUC-SP Vinicius Bellato. É, pois, com satisfação que apresentamos ao público a sexta edição da obra Direito Processual Civil, agora cobrindo todo o programa de graduação em Direito Processual Civil, livro que esperamos seja de grande utilidade não apenas aos estudantes de Direito, mas também aos profissionais que lidam diariamente com o Direito Processual Civil. São Paulo, outubro de 2018. Os Autores
Apresentação à 5ª edição
A 5ª edição do presente estudo foi atualizada com base na mais recente orientação dos tribunais, sejam eles superiores, sejam locais. Procuramos também introduzir atualizações legislativas, sobretudo, com o advento da Lei n. 12.810/2013, que veio a introduzir o art. 285-B no CPC, vindo a estabelecer que nos litígios que tenham por objeto prestações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. Esperamos que esta nova edição tenha grande acolhida pelo público leitor, e que seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do ministério público, magistrados e demais operadores do direito. Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – Fadisp, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e
atualizados, possibilitando que esta 5ª edição viesse a público. São Paulo, julho de 2013. O Autor
Apresentação à 4ª edição
Temos o prazer de apresentar a 4ª edição de nosso Direito Processual Civil, editado pela Revista dos Tribunais. Na presente edição foram feitas as necessárias atualizações legislativas, notadamente aquelas operadas pela Lei n. 12.322/2010, que vieram a modificar o regime do agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Foram também inseridos significativos acórdãos, bem como as orientações que vieram a ser consolidadas em enunciados de Súmulas surgidos entre a edição anterior e esta, com a finalidade de expor as discussões mais recentes sobre os mais diversos e variados aspectos do direito processual civil. Aguardamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e
dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 4ª edição viesse a público. São Paulo, julho de 2012. O Autor
Apresentação à 3ª edição
Após generosa receptividade da 2ª edição desta obra, tornamos pública, com imensa satisfação, a 3ª edição do nosso Direito processual civil. Preservamos, nesta 3ª edição, a estrutura da edição precedente. Preocupamo-nos, contudo, em atualizar e sistematizar a obra de acordo com as últimas reformas legislativas, procurando enfatizar as recentes leis que vieram a modificar importantes dispositivos do Código de Processo Civil e introduzir as novas alterações no nosso sistema processual brasileiro desde a edição anterior, dentre as quais destacam-se as Leis n. 11.696/2009 e 12.004/2009, e, notadamente, a Lei n. 12.016/2009, que passou a disciplinar o mandado de segurança individual e coletivo. Ademais, além de exaustiva pesquisa doutrinária, efetuamos minucioso estudo a respeito das recentes decisões dos tribunais, inserindo significativos acórdãos, bem como das orientações que vieram a ser consolidadas em enunciados de Súmulas surgidos entre a edição anterior e esta, com a finalidade de expor as discussões mais recentes sobre os mais diversos e variados aspectos do direito processual civil. Esperamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Sempre gostamos de deixar claro que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há quase vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 3ª edição viesse a público. São Paulo, março de 2010. O Autor
Apresentação à 2ª edição
É com grande satisfação que tornamos pública a 2ª edição do nosso Direito processual civil, após generosa acolhida da edição precedente, que veio a se esgotar rapidamente. Houve substanciais modificações na apresentação deste curso, uma vez que optamos por refundir os volumes 1 e 2, que tratavam respectivamente da teoria geral do processo e do processo de conhecimento (antigo volume 1) e dos recursos (antigo volume 2), em um único volume, diante de sugestões da Editora Revista dos Tribunais. Esperamos que a nova apresentação torne mais fácil a consulta e portabilidade da obra, notadamente aos estudantes de direito, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Desde a primeira edição, houve inúmeras ondas de reformas que vieram a introduzir profundas alterações no sistema processual brasileiro, que fazem parte de um conjunto de leis editadas com a finalidade precípua de suprimir ou atenuar os principais problemas enfrentados pelo Judiciário desde o advento do Código de Processo Civil de 1973, tornando os processos mais céleres, acessíveis e menos dispendiosos. A edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados não apenas nas aulas
da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há quase vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta segunda edição viesse a público. São Paulo, setembro de 2008. Os Autores
I DIREITO PROCESSUAL
1. Origens do direito processual Historicamente, o direito processual veio a ganhar importância em razão do reconhecimento da necessidade de intervenção estatal para a solução de conflitos de interesses ocorridos no mundo fenomênico, na medida em que o direito atual tolera pouquíssimas hipóteses de autotutela (e, mesmo assim, com severas restrições, conforme se verá adiante). De fato, noticia Djanira Maria Radamés de Sá que somente “no século III d.C. é que Roma instituiu o sistema de justiça pública, posto que, até então, prevalecia a justiça privada, primeiramente exercida sob a forma de autotutela e, posteriormente, de arbitragem”1. Nesse contexto, em que o Estado intervém para decidir lides, exsurge a importância do direito processual civil, pois é este ramo do direito que regula como a pretensão deve ser formulada, quais os recursos cabíveis etc. A competência para legislar em matéria processual civil é privativa da União, a teor do disposto no art. 22, I, do texto constitucional. Os conflitos de interesses pressupõem pelo menos duas pessoas com interesse pelo mesmo bem. Esses conflitos são regulados por leis e ordinariamente solucionados pela sujeição espontânea dessas pessoas às
normas incidentes sobre aquela situação jurídica. Não havendo dita “sujeição espontânea”, pode o interessado ir ao Judiciário. Ao fazê-lo, transporta o conflito do mundo sociológico ao Estado-juiz, formulando um pedido com base em fatos acontecidos. Esse pedido, lastreado nesses fatos (causa de pedir), fixa a lide ou objeto litigioso, que delimita o âmbito de atuação do Poder Judiciário, conforme os arts. 141 e 492 do CPC2. Conforme dito, hoje, como regra quase absoluta, para se pôr termo a um conflito de interesses, é imprescindível que o interessado se acuda do Judiciário, sendo raras as hipóteses em que o sistema jurídico admite a autotutela. Mesmo nas hipóteses em que a autotutela é admitida pelo sistema, deve-se ter presente que será sempre possível o controle a posteriori pelo Judiciário. Vale dizer, o art. 1.210, § 1º, do CC, por exemplo, autoriza a defesa ou o desforço imediato por parte do possuidor turbado ou esbulhado, mas estabelece parâmetros intransponíveis, ou seja, os atos praticados a título de defesa ou desforço imediato não podem ir além dos necessários à manutenção ou restituição da posse. Se houver exagero (desproporcionalidade) por parte do possuidor esbulhado ao praticar os atos de desforço imediato, terá este desbordado dos limites que a lei aceita, e poderá ser, por exemplo, alvo de ação de indenização, como poderá sofrer consequências de ordem penal (art. 345 do CP, que cuida do crime de exercício arbitrário das próprias razões). De acordo com o pedido formulado e os fatos que embasam esse pedido, o Estado-juiz, imparcialmente, dirá o direito aplicável ao caso concreto (sempre nos estritos limites em que este lhe tiver sido submetido). A lide ou objeto litigioso é o espelho do conflito de interesses do mundo sociológico, tal como deduzido ao Estado-juiz pelo autor. De fato, como se terá oportunidade de examinar com mais vagar adiante, a
jurisdição, segundo se extrai do art. 2º do CPC, é inerte. Significa isso dizer que o Judiciário só age quando regularmente provocado por meio do exercício do direito de ação. Corolário lógico dessa assertiva é a ideia de que o Judiciário não pode julgar nem além, nem aquém, nem fora do pedido (ou seja, nem ultra, nem infra, nem extra petita). Com efeito, se o órgão jurisdicional pudesse julgar fora do pedido, isso equivaleria a quebrar a inércia da jurisdição. E, note-se bem, o Judiciário está adstrito ao pedido e à causa de pedir. A causa de pedir identifica o pedido. Por isso mesmo o órgão jurisdicional não pode julgar senão com base na causa petendi invocada na petição inicial, pois do contrário estaria decidindo fora do pedido (extra petita)3. Ou seja, se a ação A versar determinado pedido de indenização por danos morais pelo fundamento de fato 1, o juiz não poderá julgá-la procedente por outro fundamento de fato que não aquele invocado: 1. De outro lado, se a ação A, cujo pedido foi alicerçado no fundamento fático 1, for julgada improcedente e transitar materialmente em julgado (art. 487, I, do CPC), não se poderá invocar a coisa julgada como obstativa da propositura da ação B de indenização por danos morais, agora calcada no outro fundamento de fato. Tal vinculação do órgão jurisdicional à causa petendi sofre mitigação nas ações de controle abstrato de constitucionalidade. Com efeito, conforme jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal, nas ações de controle concentrado de constitucionalidade a causa de pedir é aberta. Isso equivale a dizer que, quando se pede ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que reconheça a constitucionalidade de determinado dispositivo de lei federal e a ação é julgada procedente, significa isso dizer que a norma é dada por conforme ao texto constitucional, e não mais se poderá questionar a sua
constitucionalidade, ainda que por fundamento que não tenha sido objeto de debate na ação já julgada4. Como consequência lógica da impossibilidade de solução dos conflitos de interesse pelos próprios interessados, impôs-se a assunção, por parte do Estado, da função jurisdicional, que pode ser compreendida, em suas linhas gerais, como a aplicação do direito ao caso concreto. Cabe ao Estado hoje, sempre que necessário, restaurar o império da lei e do direito, monopolizada que está a atividade de composição das lides, salvo raras exceções, necessariamente previstas em lei (como, por exemplo, a já mencionada autotutela possessória do art. 1.210, § 1º, do CC). A função jurisdicional, por isso, é de índole substitutiva, ou seja, diz a vontade concreta da lei, em substituição à vontade das partes. A substitutividade, própria da função jurisdicional, leva a que a solução emanada da atividade jurisdicional (decisão de mérito) ponha fim, em definitivo, ao conflito. Consigne-se, desde logo, ser complementar à noção da assunção quase absoluta da função jurisdicional pelo Estado a de que o Estado não se pode eximir de decidir. Por isso, consoante se terá oportunidade de ver adiante, nem mesmo a lacuna da lei pode servir de pretexto para que o juiz se exima de decidir. Diante de tais situações, o sistema oferece mecanismos de integração, como se prevê no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. São as seguintes as características fundamentais da atividade jurisdicional: imparcialidade do juiz, coisa julgada material, desenvolvimento através de contraditório regular e inércia inicial. Existe a chamada jurisdição contenciosa, destinada a solucionar os conflitos de interesse que lhe são submetidos, cuja solução tenha sido
impossível de forma definitiva e estável, e a jurisdição voluntária, ou, como querem alguns, administração pública dos interesses privados, que trata de determinados interesses privados em especial. A jurisdição voluntária, conquanto exercida pelo Judiciário, reveste-se de características que mais a aproximam da atividade administrativa, como teremos oportunidade de verificar mais adiante. Processo é o meio através do qual é exercido o direito de ação, e o direito processual é que regula o processo. 2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros ramos do direito O direito material é composto de normas que regulam as relações jurídicas entre as pessoas, enquanto o direito processual estabelece as regras que regulam uma função estatal, que é a jurisdicional; por outras palavras, o direito processual regula o exercício da função jurisdicional (do Estado). Os princípios que informam o direito processual são próprios, na medida em que se trata de ramo do direito público, distintos daqueles que informam os sub-ramos do direito material, especialmente quando se tratar de relação de direito privado. Essa consciência da autonomia do direito processual em face do direito material surgiu, basicamente, a partir do fim do século XIX, pois antes disso o direito processual era visto, basicamente, como uma projeção daquele. Com essa renovação de concepção, ficou evidente tratar-se o direito processual de ramo do direito público, pois que diz respeito ao exercício de uma atividade estatal. Como se terá oportunidade de ver mais adiante, ao se estudar a teoria da
relação jurídica processual, a obra de Oscar von Bülow foi um marco (1868) na distinção entre os direitos processual e material. A partir daí, viu-se com mais clareza ser a relação material litigiosa diferente da relação jurídica processual. Depois dessa obra, passou-se a entender com mais facilidade que o processo, antes de um meio de composição de litígios, constitui uma forma de pacificação das relações sociais, daí defluindo, claramente, tratar-se de ramo do direito público, independentemente de o litígio, no caso concreto, poder ser de natureza privada. Repita-se: o direito processual regula uma atividade estatal, a jurisdicional, e por isso encarta-se como ramo do direito público. Foram utilizadas, para denominá-lo, várias expressões impróprias: processo civil, prática civil, praxe forense, que não lhe conferiam a dignidade de disciplina autônoma, passando, sucessivamente, a utilizar a expressão “direito judiciário civil”, que só abrange o processo de conhecimento, não o cautelar nem o de execução. Daí se chegou à expressão pela qual hoje esse ramo do direito é designado: “direito processual civil”, que abrange outros assuntos que não dizem respeito especificamente ao processo civil, senão que lhe são correlatos, como é o caso da organização judiciária. Partindo-se do pressuposto de que a autonomia entre os ramos do direito é eminentemente
epistemológica,
compreende-se
facilmente
o
inter-
relacionamento entre o direito processual civil e outros ramos do direito, particularmente o direito constitucional. 2.1 Direito constitucional Se o direito processual disciplina o exercício da atividade jurisdicional, é perfeitamente compreensível o porquê de se encontrarem insculpidos na
Constituição Federal, que é a lei fundamental, os seus princípios norteadores. Assim, por exemplo, a regra do inciso XXXV do art. 5º, de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que encampa o assim chamado princípio da ubiquidade. Assim, também, o art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Por isso, é perfeitamente adequado falar-se em direito constitucional processual5, voltado ao estudo das normas processuais insertas no texto constitucional. Como se terá oportunidade de insistir adiante, o mais importante dos princípios constitucionais do processo é o princípio do devido processo legal, de que trata o inciso LIV do mencionado art. 5º do texto constitucional. Observe-se, ademais, que o próprio Código de Processo Civil prescreve que o direito processual civil deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição Federal (art. 1º, CPC). Encontra Joan Picó i Junoy a origem da constitucionalização de garantias processuais em recentes textos fundamentais na pretensão de “evitar que el futuro legislador desconociese o violase tales derechos, protegiéndolos, en todo caso, mediante un sistema reforzado de reforma constitucional”6. Observa mencionado autor que tal fenômeno se passou mais acentuadamente em países que, na primeira metade do século XX, adotaram regimes totalitários. Cita como exemplo a Lei Fundamental de Bonn, de 23.05.1949, que prevê expressamente o direito de acesso à jurisdição (art. 19.4), a existência de um juiz ordinário predeterminado pela lei (juiz natural) (art. 101.1), bem como o direito à defesa (art. 103.1), referindo, ainda, o art. 24 da Carta espanhola de 1978, a respeito do qual assevera que “esta constitucionalización de las minimas garantias procesales no se há alcanzado
plenamente hasta la Carta Magna de 1978”7. A propósito desse mesmo preceito (art. 24 da Constituição espanhola), assevera Alex Carocca Pérez: “Se trata, como es bien sabido, de una disposición que recoge una amplísima gama de garantias procesales, que han pasado a constituirse en referencias fundamentales de todo el ordenamiento jurídico español, por lo que, probablemente, se há transformado en la disposición más comentada de la Constitución Española, desde su entrada en vigencia”8. É perfeitamente possível encontrar explicações similares em nosso País para a inserção de tantas garantias processuais no texto constitucional. Nosso país passou, recentemente, por período de ditadura, durante o qual as garantias constitucionais do processo foram bastante maltratadas, de modo que optou o legislador constituinte de 1988 por ser bastante explícito no que tange às garantias constitucionais do processo. Afirma Nelson Nery Jr., em sentido conforme, que todos os princípios constitucionais do processo constituem decorrência lógica do princípio do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV), mas que “a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações”9. O legislador, a propósito, veio a consagrar tais garantias também na legislação infraconstitucional. Deveras, o CPC/2015 veio a tratar de ditas garantias processuais em capítulo específico denominado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil” (Capítulo I do Título Único do Livro I da Parte Geral do CPC). Não vislumbramos, de outra banda, qualquer incompatibilidade entre as características da jurisdição e o juízo arbitral, tal como tratado pela Lei n.
9.307, de 23.09.1996, recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015. De fato, no que diz respeito ao juízo arbitral, temos que, depois de terem as partes convencionado que certos possíveis conflitos, referentes a um determinado contrato sejam dirimidos por árbitros (jurisdição privada), se uma delas não der consecução a isso, a outra poderá, com a intervenção do Poder Judiciário, coagi-la a tanto, hipótese que não nos parece ferir a regra do art. 5º, XXXV, da CF/88. Aqui são as partes que afastam, porque maiores e capazes e em relação a bens disponíveis, a interferência do Poder Judiciário. No caso, não é a lei ordinária (Lei n. 9.307/96) que subtrai o conflito da apreciação do Poder Judiciário, senão que são as próprias partes. Ora, se é possível que as partes transacionem até depois do trânsito em julgado, com muito mais razão é possível que as partes pactuem, por exemplo, que as disputas decorrentes de determinado contrato sejam submetidas não ao Judiciário estatal, mas ao juízo arbitral. Há, porém, a exigência de que a disputa a ser submetida ao juízo arbitral verse sobre direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Mesmo para as arbitragens em que figure a Administração Pública direta e indireta, a Lei n. 9.307/96, com redação da Lei n. 13.129/2015 prescreve que, nesse caso, a arbitragem só será admissível para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Merece especial menção, também, o princípio da isonomia, consagrado no inciso I e caput, do art. 5º da CF/88, o qual se projeta sobre o direito processual, exigindo que ambas as partes, autor e réu, sejam tratadas com igualdade10. Tal princípio, dada a importância de que se reveste, é expressamente encampado também no plano infraconstitucional, pelo art. 7º e pelo inciso I do art. 139 do CPC. O mesmo se diga relativamente ao princípio do contraditório previsto no art. 5º, LV, da CF, mercê do qual se deve
assegurar, sempre, a possibilidade de resposta à parte ex adversa, bem como a possibilidade de produzir, sempre, prova, desde que pertinente. É oportuno notar que o contraditório não diz respeito apenas ao direito do réu de se defender, mas, mais do que isso, ao direito das partes de participarem e influenciarem no processo de tomada de decisão. Não há, por isso, que se falar que apenas ao réu aproveita o princípio do contraditório, mas a ambas as partes. No plano infraconstitucional, a propósito, o contraditório vem consagrado, dentre outros, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC. Constitui-se, assim, o direito constitucional em ramo do direito com o qual o direito processual mantém uma correlação íntima. Além do quanto se disse, tenha-se presente que os órgãos do Poder Judiciário – encarregados do exercício da função jurisdicional – vêm definidos no art. 92, I a VII, da CF, por exemplo. Considerem-se, ainda, as garantias de que desfrutam aqueles que exercem a função jurisdicional, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, nos termos do art. 95 da CF. Alguns recursos, também, como é o caso do recurso especial e do recurso extraordinário, têm o seu arquétipo definido pelo próprio texto constitucional (CF/88, art. 105, III, e art. 102, III, respectivamente) e, nessa exata medida, não podem ser regulados diferentemente pela lei infraconstitucional. O STF, aliás, já decidiu, ao julgar procedente a ADIn 2.79711, que à lei infraconstitucional é vedado alterar as competências definidas no próprio texto constitucional, como é o caso da competência do STF, disciplinada no art. 102, e do STJ, tratada no art. 105 da Constituição. Enfim, se é ao Judiciário que compete o resguardo da ordem jurídica, e no ápice do ordenamento jurídico encontra-se a Constituição, compete a ele, primacialmente, resguardá-la, o que poderá ser feito pela via direta, nos
termos dos arts. 102, I, a, e 103 da CF (via de ação – método concentrado), perante o Supremo Tribunal Federal, ou, incidentalmente, perante quaisquer órgãos
do
Judiciário,
que
podem
afastar
a
aplicação
de
leis
infraconstitucionais no caso concreto que lhes venha a ser submetido (via de exceção ou defesa – método difuso – art. 97 da CF/88). Nesta última hipótese (controle difuso), qualquer juiz ou tribunal pode (e deve) reconhecer, para o caso concreto submetido à sua apreciação, a incompatibilidade da lei com o texto constitucional. Como dito anteriormente, o estudo da chamada jurisdição
constitucional
é
objeto
do
chamado
direito
processual
constitucional. Nesse diapasão, há de ser mencionado o art. 102, § 1º, do texto constitucional, que estabelece a arguição de descumprimento de preceito fundamental pelo Poder Público, que veio a ser regulamentada pela Lei n. 9.882/99. Repita-se que o princípio mais relevante de todos é o princípio do devido processo legal, estampado no inciso LIV do art. 5º da CF/88 e que se projeta, seja no campo do direito processual (procedural due process), seja na seara do direito material (substantive due process). Trata-se, inquestionavelmente, do mais importante princípio processual dentre os previstos na Constituição Federal, e, como dito, sua repercussão ultrapassa os lindes do direito processual, podendo-se falar em devido processo legal em sentido substancial. Já se teve a oportunidade de dizer: “Pode-se, sem receio de errar, asseverar que os demais princípios constitucionais do processo são verdadeiramente imanentes à noção de devido processo legal, explicitandoo”12. Tamanha a sua importância, que um dos pressupostos para a cooperação jurídica internacional, regulamentada por Tratado de que o Brasil faça parte,
é justamente a observância e respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente (art. 26, I, do CPC). 2.2 Direito administrativo e tributário O processo não serve somente à aplicação do direito privado, mas do direito público em geral. O art. 15 do CPC estatui, a propósito, que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Também nas hipóteses de jurisdição voluntária (art. 719 e subsequentes do CPC), em que o Estado exerce atividade eminentemente administrativa pois inexiste qualquer conflito de interesses, há íntimo entrelaçamento entre ambas as disciplinas. Interessante registrar que há instrumentos processuais especificamente vocacionados a serem aplicados na seara do direito administrativo. Tal é o caso, por exemplo, do mandado de segurança. Trata-se de instrumento processual previsto na própria Constituição Federal (CF/88, art. 5º, LXIX), disciplinado no âmbito infraconstitucional pela Lei n. 12.016/2009, de larga aplicação em lides de direito público. Pode-se dizer, sem receio de errar, que se trata, por excelência, do instrumento de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. O íntimo entrelaçamento entre o direito processual e o direito tributário pode ser vislumbrado não apenas com relação às ações que o contribuinte pode ajuizar contra o Fisco, mas também tendo em vista os instrumentos de que o Fisco dispõe para cobrar o contribuinte. A propósito, James Marins fala em ações exacionais e ações antiexacionais13. No que tange às ações antiexacionais, já mencionamos que o mandado de
segurança é dos mais importantes instrumentos de controle de Administração Tributária por parte do particular. Todavia, como se sabe, tem aplicabilidade restrita, pois sua utilização pressupõe que haja prova documental préconstituída dos fatos subjacentes à demanda (direito líquido e certo). Também as ações ordinárias podem ser utilizadas contra a Administração Tributária, sendo de se referir a inserção, no art. 151 do CTN, do inciso V, pela LC 104/2001, admitindo expressamente a antecipação de tutela como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário14. Tem-se observado, com efeito, um aumento do espectro das medidas liminares capazes de sobrestar a exigibilidade do crédito tributário, enquanto se discute, seja via ação anulatória (desconstitutiva), seja via ação meramente declaratória, a relação de direito tributário material. A mencionada LC 104/2001, que introduziu o inciso V no art. 151 do CTN, admitindo a antecipação de tutela como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, constitui exemplo notório disso. De outro lado, o Fisco tem a prerrogativa de constituir unilateralmente título executivo contra o devedor de tributos, que dá ensejo ao processo de execução fiscal, que tem regras próprias e específicas, sendo disciplinado, em substância, pela Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais). O entrelaçamento das disposições do CPC com a Lei de Execução Fiscal pode ser vislumbrado, por exemplo, no art. 46, § 5º, do CPC, que cuida da competência para a apreciação da ação de execução fiscal, ainda que o procedimento desta última seja tratado pormenorizadamente na Lei n. 6.830/80. Além disso, pode o Fisco utilizar-se da medida cautelar fiscal, disciplinada pela Lei n. 8.397/92. 2.3 Direito civil e comercial
Grosso modo, grande parte do direito privado é constituída pelo direito civil, e é através do direito processual civil que os conflitos respeitantes a essa parte do direito material são submetidos ao Judiciário. Ainda hoje, por ser o direito civil, inegavelmente, o ramo mais estudado do direito, e apesar de conceber-se o direito processual civil como uma disciplina autônoma, é comum que os processualistas busquem subsídios no direito civil. Ademais, há institutos do direito civil que se projetam para fora desse ramo do direito. A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil), embora reconhecida como de hierarquia igual às demais leis ordinárias, é tida como uma norma de sobredireito, aplicável, em grande parte, aos demais ramos, como, por exemplo, a regra sobre o início da vigência das leis, insculpida no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Por razões similares, é possível dizer que o direito comercial mantém íntimas relações com o direito processual civil. Assim, por exemplo, os arts. 599 e seguintes do CPC, que tratam de regulamentar a intitulada ação de dissolução parcial de sociedade. Deve-se ter presente, todavia, que o direito comercial codificado com o CC (Lei n. 10.406/2002) resulta quase que totalmente assimilado por esse Código, que revogou o Livro I do Código Comercial, remanescendo dessa antiga codificação, apenas, o direito de navegação15. Mesmo para as ações judiciais que tratam de direito marítimo, o CPC estabelece que as ações previstas no art. 1.218, do CPC/73 (protestos formados a bordo, apreensão de embarcações, arribadas forçadas etc.) ficam submetidas ao procedimento comum previsto no CPC, caso ainda não tenham sido regulamentadas por lei específica (CPC, art. 1.046, § 3º). O CPC ainda cuida de disciplinar a denominada ação de regulação de avaria grossa (art.
707 e s.), que envolve o direito marítimo. 2.4 Direito processual do trabalho Finalmente, cabe anotar que o direito processual civil é fonte subsidiária do direito processual do trabalho, segundo, aliás, disposição expressa no art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Também no CPC, tem-se o art. 15, que cuida da aplicação supletiva e subsidiária deste último ao direito processual do trabalho. A CLT contém poucas regras específicas de processo16, de modo que a forma de veiculação da pretensão trabalhista é regulada pelo CPC no que não conflitar com a disciplina específica da CLT. 2.5 Direito penal Já nos referimos à regra geral no sentido da impossibilidade de se fazer justiça com as próprias mãos, o que configura crime, nos termos do art. 345 do CP. Como exceção já foi mencionado o art. 1.210, § 1º, do Código Civil, segundo o qual “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo (...)”. O próprio Código Penal, no art. 23, incisos I, II e III, trata do estado de necessidade, da legítima defesa, do exercício regular de direito e do estrito cumprimento do dever legal, respectivamente. Essas circunstâncias constituem excludentes de ilicitude, de modo que a conduta praticada em tais condições não se reputa antijurídica, e, pois, não há falar em crime. Sempre pode haver, seja permitido enfatizar, mesmo nos casos em que o sistema excepcionalmente admite a autotutela, apreciação pelo Poder Judiciário da situação concreta, a fim de se avaliar se realmente se tratava de hipótese em que o sistema albergava a autotutela, ou se houve exagero por
parte daquele que se utilizou de permissivo legal para fazer valer manu propria seus próprios interesses. Vale dizer, a existência de esbulho a justificar o desforço imediato de que trata o art. 1.210, § 1º, do CC, acima referido, por exemplo, poderá sempre ser avaliada pelo Poder Judiciário. Ou, por outras palavras, o fato de o Código permitir a prática do desforço imediato (hipótese de autotutela legalmente admissível) não quer significar que dita conduta não possa ser apreciada pelo Judiciário para se avaliar se o caso concreto subsumia-se, ou não, à previsão do art. 1.210, § 1º, do CC. Relaciona-se, ainda, o direito penal com o direito processual por disciplinar vários ilícitos que podem ser praticados no curso do processo, como, exemplificativamente, o falso testemunho17 e a apropriação indébita pelo depositário judicial18. Há, também, que se considerar que um mesmo evento pode render ensejo a sanções da natureza civil e também de índole penal. Neste caso, deve-se ter presente a regra estampada no art. 91, I, do Código Penal: “São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. Neste caso, havendo condenação na esfera penal, não se poderá mais discutir na esfera cível o an debeatur, mas apenas o quantum debeatur. Dispositivo de teor equivalente é o art. 63 do Código de Processo Penal, que dispõe: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promoverlhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Nessa linha, o inciso VI do art. 515 do CPC/2015 diz ser título executivo judicial a sentença penal condenatória transitada em julgado. Em verdade, como ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, a sentença penal condenatória há de ser integrada pela sentença de liquidação, se for o caso, para aparelhar o processo de
execução19. De outro lado, a absolvição criminal, a menos que tenha sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato20, não obsta seja intentada a ação de reparação de danos (CPP, art. 66)21. Tenha-se presente, ainda, nesse contexto, a regra do art. 315 do CPC/2015: “Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal”. A propósito deste último dispositivo, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery figuram o seguinte exemplo prático em que o mesmo haveria de incidir: “É exemplo de prejudicial externa a ação penal por crime de falsidade material, cujo julgamento deve influir na decisão sobre ação de anulação do contrato por falsidade de assinatura”22. Diga-se, por oportuno, que há prazo máximo para a suspensão do processo, sendo que o prazo para propositura de ação penal é de 3 meses da intimação do ato de suspensão e, se proposta referida ação, o processo ficará suspenso até o período de 1 ano (art. 315, §§ 1º e 2º, CPC/2015). A tramitação do processo civil será retomada quando decorridos tais prazos, sem a conclusão do processo penal. Neste caso, a existência de fato delituoso será verificada incidentalmente23. 3. Sub-ramos do direito processual Aceita-se hoje, como visto, que o processo se apresenta desvinculado do direito material (supostamente) ofendido. Está num altiplano distinto, já que visa a resguardar a própria ordem jurídica, pacificando os litígios, embora traga como consequência a solução dos conflitos que lhe são submetidos. Conforme a divisão do poder jurisdicional, temos os vários sub-ramos do direito processual. Em regra, a atividade jurisdicional é exercida pelos órgãos
do Poder Judiciário (atividade típica desse Poder), o que representa um critério orgânico, o principal. Dentro do Poder Judiciário, temos, de um lado, as jurisdições especializadas, como a do trabalho, militar e eleitoral, e, de outro, a jurisdição ordinária ou comum, que exerce tanto a jurisdição civil como a penal. Assim, o que não for de competência das jurisdições especiais será afeto à jurisdição comum. Nesse sentido é que se fala em direito processual penal, eleitoral, militar e trabalhista. Cada sub-ramo do direito processual, que é o ramo maior, regulamenta o exercício da atividade jurisdicional nesses campos específicos. Em raros casos, a jurisdição não é exercida por órgão do Judiciário, como na hipótese do inciso I do art. 52 da CF, que diz caber ao Senado “processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles”, exercendo atividade atípica. No caso de crime comum, o julgamento do Presidente da República é da competência do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, b). Assim, temos o direito processual civil, penal, do trabalho, militar e eleitoral. Tendo em vista a atividade eminentemente jurisdicional, que por vezes é exercida por órgãos do Poder Legislativo (estranhos, pois, ao Poder Judiciário), falam alguns autores em direito processual político, que compreenderia hipóteses muito raras e estaria regulado nos regimentos internos dessas Casas. Na verdade, pode-se dizer que o poder jurisdicional é uno, sendo didáticas as divisões apontadas, e, portanto, nesse sentido pode-se falar que o direito processual é um só, e por isso mesmo alguns doutrinadores falam em teoria
geral do processo. Por outro lado, é de se ressaltar que há evolução legislativa, já no plano constitucional, que evidencia que o processo não serve apenas à veiculação de interesses individuais: a) pela Constituição Federal de 1967, Emenda n. 1/69 (art. 153, § 4º), assegurava-se o direito de submeter à apreciação do Judiciário “qualquer lesão de direito individual”; pela CF/88, art. 5º, XXXV, suprime-se o adjetivo “individual”; b) o mandado de segurança sempre serviu para a defesa de situações individuais; pela Constituição Federal de 1988, ao lado desse, previu-se o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); c) a Constituição Federal de 1988 previu instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos, como a ação civil pública a ser proposta pelo Ministério Público (art. 129, III, CF/88), e essa legitimação não obsta a de outros, nos termos da Constituição Federal e de outras leis24. 4. Direito processual e direito material Normas de direito material são aquelas que criam, regem e extinguem as relações jurídicas, dizem o que é lícito e o que é ilícito etc., fora do juízo; são as normas de direito civil, penal, tributário, administrativo etc. Normas de direito processual são aquelas que regulam o processo. É verdade que também criam, regem, modificam e extinguem relações jurídicas, mas perante o órgão encarregado de exercer a atividade jurisdicional. Daí por que, como se vem insistindo, o direito processual é instrumental em relação ao direito material. São os seguintes os dizeres de Vicente Greco Filho: “Direito material e processo, portanto, caminham juntos, de modo que este é instrumento daquele e, aliás, se dignifica na razão direta em que aquele se manifesta
buscando a estabilidade e a justiça”25. Costumava-se chamar o direito material de substantivo e o processual de adjetivo. Hoje, as expressões mais utilizadas são direito material e direito processual. O direito processual, todavia, enquanto regulamentador de uma função soberana do Estado (a jurisdicional), é ramo do direito público, pouco importando que no caso concreto esteja em pauta conflito entre particulares. Aliás, o direito processual destina-se não apenas a dirimir conflitos entre particulares, mas entre estes e o Estado. O direito processual é regido por princípios próprios e as regras que lhe são próprias são, em geral, de aplicação cogente, como, por exemplo, o dever do juiz em conhecer de ofício matéria de ordem pública, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º, do CPC/2015). Há, porém, regras que refogem a essa regra, o que, aliás, foi ampliado pelo Código vigente, que introduziu no ordenamento jurídico verdadeira cláusula geral de negociação processual, prevista no art. 190. A importância de se estabelecer a distinção entre as normas de direito material e processual ganha relevo, dentre outras razões, em virtude da aplicabilidade diferenciada das duas aos processos em andamento. As normas de direito processual têm aplicabilidade imediata (art. 1.046 do CPC/2015), ao passo que as regras de direito material não retroagem, de modo a atingir situações jurídicas consolidadas anteriormente. Isso, evidentemente, não significa dizer que a lei processual retroaja, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas que se aplica a todos os atos processuais cuja possibilidade de prática seja contemporânea à nova lei, pouco importando que o processo, em si, tenha tido início antes de sua vigência.
Ressalte-se, ainda, que a inobservância, pelo julgador, das normas de direito material (critérios de julgar) enseja error in judicando, ao passo que o desatendimento das normas de direito processual (critérios de proceder) configura error in procedendo.
II JURISDIÇÃO
1. Esboço histórico Em síntese, podemos dizer que a forma de resolução dos conflitos entre as pessoas, paralelamente ao desenvolvimento do próprio Estado, passou da autotutela, em tempos primitivos, à (quase) completa assunção de tal função pelo Estado (monopólio da jurisdição). Ao longo dessa evolução, houve épocas em que os conflitos de interesses eram dirimidos por árbitros, fosse essa a vontade dos interessados. Em uma etapa posterior, antes de chegar ao estágio atual, essa “arbitragem” tornou-se obrigatória26. Diz-se quase completa assunção porque situações há em que o sistema jurídico positivo, ainda hoje, tolera a autotutela, como já foi referido no primeiro capítulo deste trabalho. Entre elas, pode-se destacar o desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do CC) e a legítima defesa, que no Código Penal é tida por excludente de ilicitude (art. 23, II). Tenha-se presente, todavia, que, diferentemente do que sucedia em sistemas primitivos, a autotutela é tolerada hoje porque o sistema jurídico positivo expressamente a admite (em determinadas hipóteses específicas, vedando-a, todavia, como regra)27 – daí por que o Judiciário poderá, já dissemos, sempre, julgar se realmente se
tratava de hipótese em que a lei tolerava a autotutela, como, ainda, as condições em que isso se deu, a fim de verificar se houve abuso. 2. Estado de Direito – noção A característica mais marcante do Estado de Direito é a de que, nele, todos se submetem à lei, governantes e governados, indistintamente. A ideia de tripartição dos Poderes (ou, se se preferir, tripartição das funções estatais do Poder, já que o Poder, enquanto expressão da soberania estatal, é uno) é tida hoje como verdadeiro pressuposto para que se possa falar, efetivamente, em Estado de Direito28. Com efeito, pela tripartição dos Poderes, cabe, por exemplo, ao Judiciário controlar a legalidade dos atos do Executivo, e o Judiciário o faz imparcialmente, porque os seus membros são dotados, como se verá, de certas garantias. Estivessem todas as funções (a de fazer as leis, administrar e julgar) enfeixadas num só Poder, não haveria real submissão do Estado à lei, ou, por outras palavras, não se poderia falar em Estado de Direito. A especialização do Judiciário, derivada da tripartição dos Poderes, encontra sua complementação no princípio da legalidade, que indica a necessidade de submissão de todos à vontade da lei. Não fosse assim, pouco ou nenhum significado teria a tripartição dos Poderes. O fato de existirem “tribunais” administrativos não quer significar que o Judiciário não detenha o monopólio da função jurisdicional. As decisões desses órgãos da justiça administrativa, como explica com notável acuidade Athos Gusmão Carneiro, não “se revestem de caráter jurisdicional; portanto, não transitam materialmente em julgado, ficando sujeita a matéria ao reexame dos Tribunais, a instâncias de quem demonstre jurídico interesse”29.
Há, nessa linha, farta jurisprudência no sentido de que os procedimentos nos Tribunais de Contas devem obedecer ao princípio do devido processo legal3031
. Devemos ter presente, ainda, a Súmula Vinculante 3, cujo enunciado aqui
transcrevemos: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. 3. Função jurisdicional A função jurisdicional é aquela que, por força da tripartição dos Poderes, coube ao Poder Judiciário. Compreende, como se verá, não apenas a tarefa de dizer o direito aplicável ao caso concreto, mas de realizá-lo coativamente (o que se faz através da execução ou da fase de cumprimento de sentença). Tem em vista, antes de mais nada, a preservação da ordem jurídica e da paz social. Daí por que o direito processual civil é ramo do direito público, embora, mediatamente, sirva de instrumento para a solução do conflito de interesses que lhe é apresentado, que pode ser, a seu turno, de índole privada ou pública. Nem sempre a função jurisdicional teve a amplitude que hoje lhe é reconhecida, mercê da extensão do princípio da ubiquidade, tal como este hoje vem encampado no inc. XXXV do art. 5º da CF, bem como no art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Por exemplo, na vigência da Constituição Federal de 1969, após o advento da Emenda Constitucional n. 7/77, previu-se o chamado contencioso administrativo (embora este não tenha sido
regulamentado); na vigência do AI-5 estabeleceram-se diversas exceções ao acesso ao Judiciário. Observe-se que várias das características da jurisdição são também encontráveis em outras funções estatais. Veja-se, por exemplo, que há atos administrativos que possuem o atributo da executoriedade. É o que diz Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual “o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”32. Nota-se, portanto, que a coatividade não é característica exclusiva da função jurisdicional, estando também presente na atividade administrativa, ainda que essa eficácia possa ser obstada pelo Judiciário se não informada pela legalidade. A
contenciosidade
também
se
encontra
presente
na
atividade
administrativa, tanto assim que a CF/88 assegurou o princípio do contraditório e da ampla defesa de forma expressa, seja para o processo judicial, seja para o procedimento administrativo (CF/88, art. 5º, LV, e arts. 7º, 9º e 10 do CPC/2015). O que efetivamente distingue a atividade jurisdicional é que as decisões do Judiciário se revestem da autoridade de coisa julgada. Ou seja, esgotados os recursos cabíveis no processo em que são proferidas, desde que tenha havido resolução do mérito, tornam-se imutáveis, não podendo, em linha de princípio, ser rediscutidas, nem naquele, nem em outros processos. 3.1 Jurisdição civil Como se teve oportunidade de salientar no primeiro capítulo, aquilo que não cabe na esfera de atuação, ou, em linguagem estritamente técnica, que
não seja da competência das jurisdições especializadas (trabalhista, eleitoral e militar), será da atribuição da jurisdição ordinária ou comum. Dentro desta, aquilo que não couber na jurisdição penal, por exclusão, caberá na jurisdição civil. Estamos, é claro, falando da jurisdição contenciosa, ou seja, a que resolve os conflitos de interesses (rectius, lides). Ao seu lado existe, como já foi observado, a (impropriamente) chamada jurisdição voluntária ou graciosa, que, sem embargo de caber ao Poder Judiciário, não se constitui em atividade jurisdicional propriamente dita, senão
que
na
realidade
compreende
uma
atividade
tipicamente
administrativa, daí por que alguns a conceituam como administração pública dos interesses privados. Da jurisdição voluntária tratar-se-á mais adiante. A jurisdição civil é regulada pelo art. 16 do CPC: “A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”. 4. Natureza da função jurisdicional do Estado O exercício da jurisdição constitui atividade eminentemente pública. Aliás, é o que vem expresso no art. 5º, XXXV, do texto constitucional: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que consubstancia o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário. Assim, também, o art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Já dissemos que as decisões dos assim ditos “tribunais administrativos” (que, por exemplo, examinam matérias fiscais) não se revestem do atributo da imutabilidade e poderão ser, sempre, revistas perante o Poder Judiciário. Desse modo, a existência de mencionados tribunais administrativos não atrita
com o monopólio exercido pelo Poder Judiciário, como explica Athos Gusmão Carneiro33. Quanto à arbitragem, tem-se que a possibilidade de as partes submeterem determinados conflitos à apreciação de um árbitro, ou de tribunal arbitral, revela-se plenamente compatível com a garantia insculpida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Deveras, são os interessados que resolvem não acudir ao Judiciário, desde que estejam em pauta direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96)34. A função jurisdicional (e aqui estamos nos referindo à função jurisdicional propriamente dita) é eminentemente substitutiva. Diz-se, então, que, através do resultado da atividade do Poder Judiciário, impõe-se a vontade concreta da lei, pondo-se fim à lide, revestindo-se essa decisão de autoridade que a torna imutável35, ou, melhor dizendo, se há coisa julgada material, o decidido restará imutável. A imutabilidade é uma qualidade que se agrega, como regra, ao comando da sentença, aqui em sua acepção mais ampla possível, abarcando as interlocutórias de mérito e os acórdãos. É possível, ademais, que tal qualidade se agregue não ao comando decisório da sentença, mas ao que restar decidido em relação às questões prejudiciais36, conforme prevê o art. 503, § 1º, do CPC. A propósito, diz Chiovenda, em posição que veio a influenciar nossa doutrina processual: “O critério realmente diferencial, correspondente, em outros termos, à essência das coisas, reside em que a atividade jurisdicional é sempre uma atividade de substituição; é – queremos dizer – a substituição de uma atividade pública a uma atividade alheia”37. A coisa julgada, portanto, ao levar à imutabilidade do que haja sido decidido, cristaliza essa substituição, tornando-a, portanto, definitiva.
É forçoso reconhecer que tal não sucede em algumas hipóteses, todavia, como ocorre, por exemplo, nas tutelas provisórias. Tutela provisória, especialmente em relação à tutela antecipada estabilizada, na forma do art. 304 do CPC. Em tais casos, a atividade jurisdicional não se substitui à vontade das partes (ou, ao menos, não o faz com foros de definitividade, pois não há falar em coisa julgada material nas tutelas provisórias), senão que o juiz emite um pronunciamento visando a garantir a eficácia e utilidade da concessão do pedido de mérito. A coisa julgada liga-se à finalidade de resolver em caráter definitivo (por isso a imutabilidade) o conflito de interesses levado ao Judiciário; a tutela provisória, contudo, por definição, é temporária, destinando-se ao resguardo da parte ou da própria utilidade do processo em caráter imediato, dependendo, como regra, de um provimento final, portanto, não se justifica cogitar de imutabilidade de decisão que a concede. Todavia, é importante notar que o CPC/2015 passou a admitir especial hipótese de tutela provisória que independe de decisão final. Trata-se da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303), que à falta de recurso do réu tornar-se-á estável (art. 304, caput). A tutela de urgência antecipada, nesse caso, não perde a sua natureza de tutela provisória, concedida após cognição sumária. Contudo, é inegável que a lei processual autoriza que tal decisão passe a produzir efeitos pamprocessuais, independentemente de sua confirmação por decisão de mérito, tomada após cognição exauriente38. Outra hipótese em que não há de falar propriamente em substitutividade consiste nas ações em que estejam envolvidos valores indisponíveis, uma vez que, em tais casos, não há cogitar pudesse ser a solução alcançada mediante simples vontade das partes39.
O que marca definitivamente a substitutividade é a ocorrência de coisa julgada, pois que o resultado do que foi decidido se sobrepõe àquilo que a parte (normalmente, a parte vencida) desejava, e esta não tem como mudar esse resultado (ressalvada a hipótese de transação – se maiores os litigantes e o bem for disponível – sucessiva à coisa julgada, a qual depende de conjugação da vontade das partes). E aduza-se que, na hipótese de transação ulterior à coisa julgada, esta não desaparece, senão que resulta legitimamente superada pela transação, tanto que, se anulada a transação, reassume o seu lugar a eficácia precedente da sentença, revestida pela autoridade de coisa julgada. Como corolário do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, tem-se, ainda, que a função jurisdicional é indeclinável. Deveras, de pouco adiantaria garantir-se o acesso ao Judiciário se o juiz pudesse declinar do seu mister. Tem-se que a indeclinabilidade da atividade jurisdicional é verdadeiro corolário do princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, que, de seu turno, constitui consectário lógico da assunção da função jurisdicional pelo Estado. A propósito, é expresso o art. 140 do CPC, em cuja parte inicial se dispõe: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O parágrafo único, por sua vez, dispõe que “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Assim, também, no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ostenta-se a plenitude da ordem jurídica, ou seja, ainda que não explícita a lei, sobre uma dada hipótese, há outros referenciais para que o juiz possa decidir sempre (Art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”). Isso significa que se no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal está previsto pleno acesso ao Judiciário, no 4º da LINDB estão expressados todos os elementos de que se deve servir o juiz, na hipótese de omissão da lei, mas não de omissão do sistema jurídico. Mais do que isso, trata-se de atividade indeclinável, que haverá de ser exercida pelo juiz natural. O princípio do juiz natural decorre do disposto no art. 5º, XXXVII e LIII. Tem-se com isso, como ensina Nelson Nery Jr., que não será criado tribunal “ex post facto, para julgar num ou noutro sentido, com parcialidade, para prejudicar ou beneficiar alguém, tudo acertado previamente. Enquanto o juiz natural é aquele previsto abstratamente, o juízo de exceção é aquele designado para atuar no caso concreto ou individual”40. Pondera Arruda Alvim, a propósito do princípio do juiz natural, que “juízes são aqueles que, legalmente, ocupem os cargos nos juízos e tribunais, constitucionalmente previstos (CF, art. 92, I a VII, da CF), cujos cargos tenham
sido
legitimamente
criados,
pela
legislação
própria
e
infraconstitucional”41. Neste diapasão, tendo em vista a magnitude do princípio do juiz natural, resta indagar como se compatibilizaria com mencionada regra a opção das partes pelo juízo arbitral. Já nos posicionamos no sentido da perfeita compatibilidade da arbitragem, com o perfil que lhe foi conferido pela Lei n. 9.307/96 – recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015 –, com o texto constitucional. Pertinente a lição de Nelson Nery Jr. a propósito da matéria, para quem: “Com a celebração do compromisso, as partes não estão renunciando ao direito de ação nem ao juiz natural. Apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida por órgão estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar sobre matéria de direito disponível, é lícito às partes assim proceder”42. Em
outro trecho da mesma obra, ensina ainda o autor: “O compromisso arbitral, pelo qual as partes instituem a jurisdição privada, deve ser respeitado pela jurisdição estatal, como qualquer convenção privada”43. 4.1 Características da função jurisdicional São características da função jurisdicional: a) Imparcialidade do juiz. O juiz deve ser integrante de órgão do Poder Judiciário e deve ser desinteressado na lide. O Código disciplina as hipóteses em que o juiz deve ser tido por não imparcial (impedimento – art. 144 – e suspeição – art. 145), atribuindo-lhes consequências distintas, permitindo a rescisão de sentença proferida por juiz impedido (art. 966, II). A norma do art. 966, II, está ligada ao disposto no art. 139, I, do CPC, já que a necessidade de dispensar tratamento igualitário às partes pressupõe que o juiz seja equidistante delas, isto é, que o juiz seja imparcial. Os vícios de impedimento são tão graves que rendem ensejo, até mesmo, à propositura de ação rescisória, dentro do prazo previsto no art. 975 do CPC. Para assegurar a imparcialidade do juiz, a Constituição Federal asseguralhe as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (CF/88, art. 95, I a III, este último inciso com a redação da Emenda Constitucional 19). O juiz será tido como “não imparcial” nos casos de impedimento e suspeição. Vejamos o que isso significa. Conforme o caso, o juiz pode ser impedido (hipóteses do art. 144 do CPC) ou suspeito (casos do art. 145 do CPC). Nos dois casos, o vício ser deve ser arguido por meio de petição específica, no prazo de 15 dias contados do conhecimento do fato, na forma como disciplinado pelo art. 146 do CPC.
Porém, há consequências distintas, conforme a hipótese de que se trate. Havendo impedimento, o fato de o problema não ter sido levantado no prazo de 15 dias não impede a parte de fazê-lo a qualquer tempo, já que não ocorre, nesse caso, preclusão, por se tratar de matéria de ordem pública (sendo que tal hipótese rende ensejo, inclusive, à propositura de ação rescisória, conforme previsto no inc. II do art. 966). Já a suspeição, se não levantada no tempo e modo devidos, fica sanada, nada mais se podendo alegar a propósito (há preclusão – art. 223 do CPC). As hipóteses de suspeição de parcialidade do juiz estão previstas no art. 145 do CPC (se o juiz for amigo ou inimigo capital da parte ou de seu advogado; se o juiz, ou cônjuge – inclui-se aqui o/a companheiro/a – for credor ou devedor de uma das partes, ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; se o juiz receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa, antes ou depois de iniciado o processo, ou se aconselhar alguma das partes ou ainda subministrar meios para atender às despesas do litígio; ou se, de alguma forma, tiver interesse no deslinde da causa). A parte deve se valer de petição específica para suscitar esses fatos. Todavia, o juiz também poderá, de acordo com o § 1º do art. 145, declarar-se suspeito por motivo íntimo, sendo de observar-se que o juiz não pode ser obrigado a declarar os motivos de foro íntimo que o levaram a declarar-se suspeito44. O § 2º do art. 145 do CPC/2015 reputa ilegítima a arguição de suspeição quando esta houver sido provocada pela parte que a alega. As hipóteses previstas no § 2º, se cometidas, caracterizam litigância de má-fé, em razão do uso indevido do processo (art. 80, III, CPC). Oportuno, nesse contexto, tecermos breves considerações acerca das distinções entre suspeição e impedimento.
Como se vê do elenco do Código, os motivos de impedimento são bem mais graves do que aqueles de suspeição. Pode-se dizer, em linhas gerais, que os primeiros atinam com requisitos objetivos, ao passo que os últimos dizem respeito a requisitos subjetivos. O impedimento constitui vício insanável, rendendo ensejo até mesmo a ação rescisória (art. 966, II). Basta que se configure qualquer das hipóteses do art. 144 para que o juiz esteja impedido de julgar a causa, não cabendo qualquer outra ordem de indagação. Há uma presunção iuris et de iure de que, se ocorrer qualquer daquelas hipóteses, o juiz é parcial. Com efeito, por exemplo, o art. 144, IV, estabelece que estará impedido o juiz de julgar em causa em que for parte ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, inclusive. Trata-se de dado objetivo, constatável de plano. Já a hipótese do art. 145, I (amizade íntima com qualquer das partes ou seus advogados), envolve certa dose de subjetivismo, e nem sempre indica parcialidade do juiz, o que justifica ter o legislador catalogado tal caso como de suspeição, admitindo a convalidação do vício se não arguido a tempo. Será preciso, para caracterizar a parcialidade do juiz, nessa hipótese do art. 145, I, não apenas demonstrar que ele é amigo íntimo de qualquer das partes, mas que essa amizade conduz à sua parcialidade. Nos casos de impedimento, basta a demonstração de estar presente qualquer das hipóteses previstas no art. 144 do Código para que haja presunção absoluta de parcialidade. Se não arguida a suspeição por meio de petição específica no prazo de 15 dias a contar do conhecimento do fato, opera-se a preclusão, e o suposto vício, se não alegado, torna-se irrelevante (deve reputar-se sanado), justamente porque não alegado em tempo oportuno. Diferentemente, o
impedimento enseja até mesmo a propositura de ação rescisória (art. 966, II). As hipóteses de impedimento consubstanciam, seja permitido enfatizar, casos de presunção iuris et de iure (absoluta) de parcialidade do juiz, e são sempre calcadas em pressupostos objetivos. Nota-se, pois, que os regimes do impedimento e da suspeição são distintos. Enquanto o último vício se convalida, se não levantado a tempo (prazo de 15 dias, segundo o estabelecido no art. 146), o primeiro não resta superado pelo decurso do prazo de defesa, por exemplo (a existência de juiz não impedido é pressuposto processual de validade da relação processual). As hipóteses de impedimento do juiz, na verdade, podem ainda ser alegadas após a formação da coisa julgada, por meio da ação rescisória (art. 966, II, do CPC), tornandose indiscutível apenas o escoamento do prazo para propositura dessa ação (art. 975 do CPC). A diferença entre as redações das cabeças dos arts. 144 e 145 é marcante. Enquanto o art. 144 diz que “há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo”, o art. 145 preceitua que “há suspeição do juiz”. Nos casos de suspeição, o juiz só não poderá exercer suas funções no processo se se reconhecer suspeito (hipótese do § 1º do art. 145) ou se a suspeição vier a ser arguida no tempo e no modo devidos, sendo acolhida a petição. b) Coisa julgada. A parte dispositiva da sentença, desde que tenha havido resolução do mérito, fica revestida de imutabilidade, ao que se denomina coisa julgada45. Também recairá a autoridade de coisa julgada sobre parte da fundamentação da decisão, quando houver a resolução de questões prejudiciais, na forma do art. 503, §§ 1º e 2º, do CPC. A coisa julgada é verdadeiro corolário da substitutividade da função jurisdicional. Só existe
essa substitutividade, em toda a sua extensão, porque a decisão emanada do Judiciário se reveste dessa imutabilidade. A coisa julgada é própria da atividade jurisdicional, não se fazendo presente nas decisões administrativas, que podem, sempre, ser revistas pelo Judiciário. A coisa julgada recobre ou agrega-se à parte dispositiva, porque é aí que o juiz atribui o bem jurídico, definindo a sua titularidade46. É essa parte dispositiva a resposta, positiva ou negativa, ao pedido do autor e aos fundamentos jurídicos que o sustentam, e, bem assim, aos do réu. Os “motivos”, pelos quais o juiz decide, ou a “verdade dos fatos” por ele estabelecida na fundamentação da sentença não ficam recobertos pela coisa julgada (art. 504, I e II, do CPC). A coisa julgada é resguardada constitucionalmente, através do art. 5º, XXXVI, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Dissemos que somente as decisões jurisdicionais se revestem do atributo da coisa julgada. Nesse passo, é preciso distinguir a coisa julgada formal, que mais propriamente tem sido denominada como “preclusão máxima”, da coisa julgada material. Há coisa julgada material quando há resolução de mérito. Neste caso, a imutabilidade agrega-se à parte dispositiva da decisão de mérito (mas não aos motivos, nem à verdade dos fatos, tomada como fundamento da decisão, conforme dispõem os incs. I e II do art. 504 do CPC) e, se preenchidos os requisitos presentes nos incisos I a II do § 1º do art. 503 do CPC, a imutabilidade também se agrega às questões prejudiciais, impedindo sua rediscussão naquele e em qualquer outro processo. Trata-se, segundo a melhor doutrina, de uma qualidade que se agrega à parte dispositiva da decisão de mérito, ou ao conteúdo decisório tocante às questões prejudiciais,
sendo reflexo de uma opção política – das mais relevantes, por certo – do legislador. Já a impropriamente denominada coisa julgada formal significa, apenas, que não cabem mais recursos naquele processo (preclusão máxima), mas, eventualmente, o pedido que nele se fez pode voltar a ser deduzido noutro processo, se não tiver havido resolução de mérito. A ocorrência de coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal (preclusão máxima), isto é, que não caibam mais recursos no processo e, além disso, que o mérito tenha sido percutido, e não apenas que o juiz tenha, por exemplo, extinto o processo sem resolução de mérito, por faltar determinada condição da ação. Nesta última hipótese, em que o pedido propriamente dito não chega a ser julgado, fala-se apenas em coisa julgada formal. Todavia, se o pedido é apreciado (independentemente de a ação ser julgada procedente ou não), há coisa julgada material, tornando-se imutável o que tiver sido objeto de decisão, no próprio ou em qualquer outro processo. De outro lado, consoante já se afirmou, inadequado falar em coisa julgada administrativa, já que decisões administrativas podem, sempre, ser revistas pelo Judiciário. Deveras, decisões administrativas podem ser, sempre, como diz Athos Gusmão Carneiro, “objeto de reexame pelo Poder Judiciário, ao qual toca a última palavra”47. O reexame, na hipótese de ato administrativo isento de vício, deverá reconhecer essa circunstância, mantendo intocado esse ato. Decisões de Tribunais de Contas encartam-se na categoria de decisões administrativas, não configurando exercício de atividade jurisdicional. Há, pois, em nosso sistema jurídico-positivo, ao menos sob o prisma da necessidade de observância do princípio da legalidade, ampla margem de liberdade para reexame jurisdicional dos atos administrativos. Nesse
contexto, é de ser referida a figura do mandado de segurança, disciplinado pela Lei n. 12.016/2009, que, pode-se dizer, é o instrumento “por excelência” de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Dissemos que os atos administrativos podem ser revistos pelo Judiciário sob o prisma da legalidade. Quer isso significar que, se se tratar de atos administrativos vinculados ou discricionários, o controle pelo Judiciário da legalidade de tais atos é sempre possível. O que não é possível, todavia, é controlar a margem de liberdade do administrador ao editar atos discricionários. É defeso ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo discricionário, eis que isso conduziria a uma afronta ao princípio constitucional da tripartição dos Poderes ou, melhor dizendo, das funções estatais do Poder. Nesse contexto, observe-se que o inciso LXIX do art. 5º prevê o cabimento do mandado de segurança para controle de ilegalidade ou de abuso de poder, sendo que a expressão “ilegalidade” é usualmente atrelada, pela doutrina, aos atos vinculados, e a locução “abuso de poder” normalmente é identificada com os atos discricionários. Tenha-se presente, todavia, que ambos os conceitos podem ser enquadrados num gênero maior: ilegalidade lato sensu. Em última análise, ato discricionário praticado com abuso de poder é ato ilegal48. Dito preceito deixa claro que, sob o prisma da legalidade, tanto atos administrativos discricionários como vinculados são suscetíveis de ser revistos pelo Judiciário. A propósito do assunto, a Professora Lúcia Valle Figueiredo fala em crise do conceito de vinculação, concluindo que inexistem, ou ao menos são extremamente raros, atos administrativos 100% vinculados49. c) Desenvolvimento através de contraditório regular. Há expressa
previsão constitucional no sentido de que a atividade jurisdicional deva desenvolver-se mediante regular contraditório (CF/88, art. 5º, LV). No plano infraconstitucional, o contraditório vem consagrado, dentre outros, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC. Diz Nelson Nery Jr.: “Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes e, de outro lado, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”50. Muitas vezes, o juiz decide sem ouvir previamente a outra parte, mas desde que, tão logo proferida a decisão, esta seja ouvida, inexiste ofensa ao princípio do contraditório. É que há hipóteses, albergadas pelo nosso sistema processual, nas quais, se for ouvida a parte contrária antes de que seja proferida a decisão, isso pode acarretar dano ao direito do autor (rectius, da afirmação do direito do autor) ou a inutilidade do processo. Por isso, por exemplo, o § 2º do art. 300 do CPC autoriza a concessão de tutela de urgência sem a oitiva da parte contrária, que poderá exercer posteriormente o contraditório (contraditório posposto), podendo, inclusive, recorrer da decisão. Igualmente, há hipóteses em que o direito do autor é de tal forma evidente que, a despeito de não haver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, não se justifica a espera do contraditório para que o autor possa gozar do direito pleiteado. Justamente por isso, o parágrafo único do art. 311 do CPC autoriza a posposição do contraditório em algumas hipóteses restritas. Nesses casos, como dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, o contraditório fica para um momento posterior51. Inversamente, o que não se tem admitido no direito brasileiro é que, diante de uma hipótese de urgência, onde haja perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, ou de evidência do direito, em que a duração do processo
redunde em prejuízo àquele que demonstra a evidência do seu direito, se subordine a concessão da tutela provisória à audiência prévia e necessária da parte contra a qual poderá vir a ser concedida essa medida, ainda que se trate de audiência do Estado. Diante da possibilidade evidenciada de perigo de dano a um alegado direito ou risco ao resultado útil do processo, ou injusta demora ao autor, não se justifica a exigência de contraditório prévio à concessão da tutela provisória, à luz do disposto no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF, mesmo porque o que se colima é, justamente, evitar esse dano, a inutilidade do processo e a demora desnecessária. No que diz respeito, ainda, ao princípio do contraditório, deve-se mencionar o disposto no art. 39, parágrafo único, especialmente na sua parte final, da Lei n. 9.307, de 23.09.1996 (dispõe sobre a arbitragem), a saber: “Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”. Está límpido no texto que deve haver respeito ao princípio do contraditório. Aliás, oportuno consignar que, conquanto generalizada a utilização da expressão “contraditório”, há diferenças entre o que se entende por contraditório no campo do processo civil e no campo do processo penal, de modo que é preferível utilizar dois nomes distintos para designar duas realidades distintas. No processo civil, preferimos a utilização da expressão “bilateralidade da audiência”; no processo penal, melhor a adoção da
denominação “contraditório”. O princípio da bilateralidade da audiência é disciplinado de forma menos rigorosa no processo civil do que o contraditório no processo penal, ainda que o Código de Processo Civil de 2015 tenha dado maior concreção ao princípio, ao vedar as decisões surpresas, inclusive em matérias de ordem pública (arts. 9º e 10). Por exemplo, se o réu for revel, ocorrerem os efeitos da revelia e não houver requerimento de produção de provas contrapostas às alegações do autor, na forma do art. 349, no âmbito do processo civil, tais circunstâncias conduzirão ao julgamento antecipado da lide (art. 355, II, do CPC). No âmbito do processo penal, exige-se a defesa do réu, ainda que revel (art. 261 do CPP)52-53. Tendo em vista essas diferenças, há quem prefira utilizar, no âmbito do processo civil, assim como nós, a expressão princípio da bilateralidade da audiência54, e, no processo penal, a denominação princípio do contraditório55-56. Esse princípio alcança dimensões distintas, assumindo uma feição diferente na área penal. Aqui, o contraditório tem especial relevância e amplitude; na fase do inquérito policial tem predominado o entendimento de que aí impera o princípio inquisitório57, pois o objetivo não é o de acusar, mas o de apurar autoria e materialidade de um fato criminoso, para eventual propositura de ação penal58. Esse entendimento, contudo, tem sido mitigado, o que é de ser aplaudido, em recentes decisões do STF59. Nesse sentido, o STF veio a editar a Súmula Vinculante 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
d) Inércia inicial. Só mediante provocação é que se instaura a relação processual, porém, uma vez iniciado o processo, como regra, desenvolve-se por impulso oficial, como deflui do já mencionado art. 2º do CPC/2015: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Entre essas exceções, podemos mencionar a arrecadação dos bens do falecido, quando a herança for jacente, e a arrecadação dos bens do ausente, hipóteses em que o juiz iniciará o processo de ofício (arts. 738 e 744 do CPC). Como exceção ao desenvolvimento do processo por impulso oficial, podemos mencionar a suspensão do processo pela convenção das partes (art. 313, II). O sentido de inércia inicial diz respeito, normalmente, não só ao início do processo, como também àquilo que nele se pede. Excepcionalmente, e dependendo de texto expresso, é possível, atinentemente a determinados objetivos, que o juiz possa decidir, independentemente de pedido, com vistas a que os objetivos da lei sejam alcançados. É o caso, por exemplo, do que se encontra no art. 84, §§ 3º e 4º, do CDC (Lei n. 8.078/90). No § 4º desse art. 84, verificando o juiz a hipótese descrita no § 3º do mesmo artigo (fundamento relevante e “havendo justificado receio de ineficácia do provimento final”), poderá, desde logo, isto é, liminarmente (ou na sentença), “impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito”. Tenha-se presente que a imposição de multa, nesse caso, mesmo sem pedido do autor, justifica-se tendo em vista o interesse público de que as decisões judiciais sejam efetivamente cumpridas e respeitadas. O que se colima, com a imposição da
multa, em última análise, é resguardar o prestígio da Justiça. Mais relevantes ainda do que esse texto (porque têm abrangência muito maior) são os arts. 497 e 498 do CPC, nos quais está previsto que, para a “prestação de fazer ou de não fazer” (art. 497) e “entrega de coisa” (art. 498), e com vistas a ensejar execução específica, é viável atividade oficiosa, tendo o texto importante relação com o art. 84 do CDC, que também diz respeito à execução específica das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro. Em tais casos, como se disse, ostenta-se que a razão de ser dessa multa é menos o direito da parte, e mais a de que a ordem judicial seja obedecida, podendo o juiz, por isso mesmo, inclusive, e independentemente de requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso constate que ela se tornou insuficiente ou excessiva (art. 537, § 1º, I), ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial superveniente da obrigação ou que há justa causa para o seu descumprimento (art. 537, § 1º, II). Também no art. 81 do CPC prevê-se a possibilidade de o juiz aplicar de ofício multa ao litigante de má-fé, bem como condená-lo a indenização por perdas e danos. Note-se que o traço comum a esses preceitos, em que se prevê a possibilidade de agir oficioso do juiz, é o de que esteja em jogo, além dos interesses das partes envolvidas no litígio, a própria respeitabilidade da administração da Justiça. 4.2 Princípios fundamentais da jurisdição Os seguintes princípios regem o exercício da jurisdição: a) Princípio do juiz natural. Por esse princípio, quer-se significar que os
juízes são aqueles que ocupam os cargos nos juízos e tribunais previstos no art. 92, I a VII, da CF, proibindo-se, doutra parte, que sejam criados juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII e LIII, da CF). Por outras palavras, só aqueles órgãos aos quais a CF atribui o exercício da função jurisdicional poderão exercê-la, nos estritos limites definidos pela própria CF (princípio da improrrogabilidade). b) Princípio da indelegabilidade. Já se referiu à ideia de Estado de Direito como sendo aquele em que tanto governantes como governados se submetem ao império da lei, tendo como pressuposto fundamental a tripartição das funções estatais do Poder, cabendo ao Poder Judiciário o exercício da atividade jurisdicional, ainda que uma das partes envolvidas seja o próprio Estado. Como corolário imediato dessa ideia, decorre que a atividade jurisdicional não pode ser delegada nem transferida (art. 2º da CF, que consagra a independência e harmonia entre os Poderes), pois, se pudesse sêlo enfraquecido restaria até mesmo o princípio do juiz natural e, de resto, comprometida a própria imparcialidade do Poder Judiciário. c) Princípio da ubiquidade e da indeclinabilidade. Já se referiu que, no sistema jurídico positivo brasileiro, a jurisdição alcança a tudo e a todos, por força da regra insculpida no art. 5º, XXXV, da CF. Como consequência desse postulado fundamental, decorre do próprio art. 5º, XXXV, a indeclinabilidade da prestação jurisdicional, pois de nada adiantaria garantir a todos o acesso ao Judiciário se o juiz, diante do caso concreto, pudesse, por qualquer razão, eximir-se de decidir. A extensão dessa regra compreende, também, a “ameaça de lesão”. Assim, há dever de prestação da tutela jurisdicional e não simples faculdade. O princípio da indeclinabilidade também vem previsto no plano infraconstitucional no art. 140 do CPC: “O juiz não se exime de decidir sob a
alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por sua vez, como meio de vetar o non liquet, fornece meios para que o juiz preencha as lacunas e julgue a causa: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Estas regras disciplinadas no art. 140 do CPC e no art. 4º da LINDB, tendo em vista o art. 5º, II, da CF/88, significam que, se de um lado há o direito de pleno acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV), de outro, há o que muitos denominam de plenitude lógica do ordenamento jurídico, o que quer dizer que no sistema jurídico há uma pauta de normas e, no caso de lacunas, caminho para colmatá-las, com o sentido de que “tudo” está regulado pelo direito positivo material. A sentença arbitral estrangeira, para ser reconhecida ou executada no Brasil, deverá estar em “conformidade com os tratados internacionais, com eficácia no ordenamento interno” (art. 34 da Lei n. 9.307/96); ou, então, na ausência de tratado, poderá a sentença arbitral estrangeira produzir efeito de acordo com os termos da Lei n. 9.307/96 (art. 34). Neste passo, vale registrar que as disposições sobre a homologação de decisão estrangeira previstas nos arts. 960 965 do CPC se aplicam subsidiariamente à homologação de decisão arbitral estrangeira, conforme previsto em seu art. 960, § 3º. d) Princípio da publicidade. Como regra (quase) absoluta, a atividade jurisdicional desenvolve-se publicamente. É o que vem previsto no inc. IX do art. 93 da CF e, no plano infraconstitucional, no art. 189 do CPC. A própria Constituição Federal abre a possibilidade, todavia, desde que o exija o interesse público, que se limite essa publicidade. A norma constitucional em questão (CF/88, art. 93, IX) pode ser classificada como norma de eficácia
contida, sendo de se observar, com José Afonso da Silva, que a “contenção só pode atuar circunstancialmente, não de modo contínuo”60. Daí o porquê de a lei ordinária contemplar (validamente) tais exceções (art. 189, I a IV, do CPC), haja vista tê-lo permitido o legislador constituinte. e) Princípio da territorialidade. A jurisdição é ligada a um território, havendo regras específicas para a validade de sentença brasileira fora do território brasileiro e vice-versa, sendo que nesta última hipótese compete ao Superior Tribunal de Justiça a homologação da sentença estrangeira (art. 105, I, i, da CF). A disciplina a respeito da homologação de sentença estrangeira encontra-se no CPC (arts. 960 ao 965) e na Resolução n. 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça, podendo vir a ser regulada por tratados internacionais (art. 960, § 2º, do CPC). No plano infraconstitucional, o princípio da territorialidade está previsto no art. 16 do CPC, segundo o qual “A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”. 5. Garantias do juiz No Brasil, como em grande parte do mundo, gozam os juízes de garantias que lhes permitem exercer imparcialmente a magistratura. São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio61. Objetivam, em síntese, tais garantias tornar o magistrado efetivamente independente. A vitaliciedade62, adquirida em primeiro grau após dois anos de exercício da função jurisdicional, garante ao magistrado o direito ao cargo, salvo se perder essa qualidade por sentença judicial com trânsito em julgado (art. 95, I, parte final, da CF), ou seja, o magistrado não pode perder o cargo senão por
decisão judicial transitada em julgado. Mesmo antes dos dois anos, o juiz só perderá o cargo por deliberação do tribunal a que estiver vinculado (art. 95, I, da CF)63. A inamovibilidade assegura ao juiz o direito de não ser remanejado, devendo ser interpretada da forma mais ampla possível, assegurando ao magistrado, inclusive, o direito de recusar uma promoção que lhe seja acenada. Vem essa garantia prevista no inc. II do art. 95 da CF. Apenas em hipóteses excepcionais admitem-se exceções à inamovibilidade (art. 93, VIII, da CF). A irredutibilidade de subsídio, por sua vez, visa assegurar a independência econômica do magistrado (art. 95, III, da CF). É uma espécie de garantia, cujo conteúdo prático resta bastante esvaziado. É que já se decidiu, a seu propósito, que a irredutibilidade de subsídio não leva à revisão automática dos salários dos magistrados64. Reduzido, pois, o âmbito da garantia à expressão nominal dos salários dos magistrados, vê-se que sua importância, sobretudo em épocas de inflação elevada, ficou bastante atenuada65-66. 6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos Foi asseverado que, no Estado de Direito, em que todos (governantes e governados) se submetem ao império da lei, a tripartição das funções estatais do Poder é verdadeiro pressuposto fundamental. Com efeito, não fosse assim, teríamos a Administração julgando em definitivo os seus próprios atos, hipótese em que lhe faltaria, inegavelmente, o requisito da imparcialidade. Desse modo, sob o regime de Estado de Direito, os atos da Administração submetem-se, quanto ao crivo da legalidade, à apreciação do Poder Judiciário. Não cumpre, neste passo, aprofundar o estudo do tema. O que
importa fique desde logo registrado é que, sob o prisma da legalidade, todo e qualquer ato da Administração pode ser revisto pelo Poder Judiciário, o que, repita-se, é consequência do princípio da ubiquidade da jurisdição67. Há um aspecto, todavia, das relações existentes entre o Poder Judiciário e os atos administrativos, que deve ser aflorado agora. Ao Judiciário incumbe examinar a legalidade dos atos administrativos68. Isso significa que, revendoos, se estiverem conformes à lei, não poderá alterá-los; examiná-los não significa (necessariamente) mudá-los. Essa delimitação do agir do Poder Judiciário encontra raiz na própria separação de Poderes (CF, art. 2º). Se se pretendesse que o reexame dos atos administrativos, pelo Judiciário, envolvesse o poder de alterá-los, propriamente dito, mesmo quando houvessem sido praticados conforme a lei, isto implicaria invasão do Judiciário na esfera de outro Poder. Os atos administrativos, que se dizem vinculados, são os praticados em face de modelo legal, quando este contém elementos normativos indicativos de como, precisamente, o ato deve ser praticado. Fundamentalmente, os atos administrativos vinculados devem ser praticados em conformidade com ou à luz do modelo legal. Se este tiver sido observado, é inviável qualquer interferência do Poder Judiciário69. Nos que se dizem discricionários, há uma margem legítima de liberdade ou de avaliação deferida ao administrador, e não ao juiz. Neste âmbito, com relação àquilo que o administrador entender conveniente e oportuno, desde que esse entendimento seja aceitável em face da lei, não poderá o juiz pretender que o seu critério seja melhor do que o do administrador, substituindo o daquele pelo seu. Já no ato administrativo vinculado não há referido entrave, justamente porque a lei fornece todos os elementos para a
prática do ato. Por isso é que se diz que o mérito do ato administrativo discricionário não pode ser reavaliado pelo Judiciário, para o fim de ser substituído por aquilo que o juiz entenda melhor70, cabendo ao Judiciário, apenas, verificar se a Administração agiu ou não conforme a lei71, isto é, se o critério do administrador é compatível com a lei72. Aduza-se, ainda, que o próprio procedimento administrativo em face da CF/88 deve obedecer a determinadas balizas (art. 5º, LV, da CF/88, por exemplo, que assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), pois esses requisitos dizem respeito ao processo judicial e ao administrativo73. 7. Meios alternativos de solução de conflitos É obrigação do Estado, sempre que possível, promover a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, CPC), razão pela qual se deve estimular, sempre que possível, a conciliação, mediação e outros métodos de solução negociada do conflito (art. 3º, § 3º, CPC). A jurisdição constitui forma de heterocomposição do conflito, ou seja, não havendo acordo de vontades entre as partes, cabe ao terceiro (Estado-juiz) pacificar o conflito. A heterocomposição é sempre “traumática”, já que uma das partes sairá, inexoravelmente, sucumbente. Deve-se, com efeito, primar pela autocomposição, em que as próprias partes chegam ao consenso. Na autocomposição, as próprias partes é que decidem, em conjunto, a melhor solução para o seu conflito de interesses. Os métodos de solução consensual de conflitos, pois, além de permitir que as próprias partes decidam a melhor solução para si, sem a imposição da decisão
por terceiro, acaba por beneficiar o próprio Estado, já que diminui a quantidade de causas a serem decididas. Obtendo-se a solução consensual do conflito, haverá resolução do mérito, nos termos do art. 487, III, b, do CPC. Desde que estejam em pauta que admitam autocomposição, caberá ao juiz, presentes os elementos de existência e os requisitos de validade do pacto, homologar o acordo (arts. 487, III, b, e 334, § 11, ambos do CPC). A esse respeito, convém notar também que o CPC dedica aos conciliadores e mediadores disciplina pormenorizada nos arts. 165 a 175. Além disso, a Lei n. 13.140/2015 vem a disciplinar a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública, a demonstrar a reconhecida importância dada pelo legislador às formas de solução consensual de conflitos. Ao lado da solução consensual de conflitos, apresentam-se métodos de solução alternativa dos conflitos, isto é, de meios de solução dos conflitos que não sejam o próprio Poder Judiciário. Exemplo bastante eloquente de meio alternativo é a arbitragem, que, conquanto configure heterocomposição (terceiro decide a lide), foge à regra do exercício da jurisdição pelo Judiciário. Examinemos, neste caso, se o juízo arbitral também exerce poder jurisdicional74. A opção pelo juízo arbitral (Lei n. 9.307, de 23.09.1996, que disciplina integralmente a arbitragem) implica renúncia das partes à via judiciária estatal, confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz, “entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo” (art. 31 da Lei n. 9.307/96). O art. 3º do CPC dispõe que ameaça ou lesão a direito não serão excluídas da apreciação jurisdicional (princípio da ubiquidade), sendo que o § 1º autoriza a arbitragem, na forma da lei. A arbitragem pressupõe, também, estejam em disputa direitos patrimoniais disponíveis, exigindo-se a capacidade das partes (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Com a edição da Lei n. 9.307/96, a simples cláusula compromissória passou a ter força coativa. Representou, pois, referido diploma legal um grande avanço em relação à precedente disciplina da arbitragem. A cláusula compromissória, prevista no art. 4º da lei, conduz à necessidade de que eventuais conflitos surgidos daquela relação contratual sejam submetidos ao juízo arbitral. Trata-se de uma renúncia prévia à jurisdição estatal. O compromisso arbitral (art. 9º da Lei n. 9.307/96), diferentemente, referese a um conflito já existente, cuja resolução é atribuída ao juízo arbitral por manifestação de vontade das partes. A sentença proferida pelo juízo arbitral não fica sujeita a recurso ou homologação do Poder Judiciário (art. 18 da Lei n. 9.307/96), o que lhe confere inteira autonomia e eficácia de per si. Há, todavia, previsão legal de ação objetivando o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral. A lei prevê diversas hipóteses de nulidade da sentença arbitral (art. 32, I a VIII, da Lei n. 9.307/96), devendo referida ação ser ajuizada perante o Poder Judiciário (art. 33), seguindo o procedimento comum (§ 1º do art. 33 da Lei n. 9.307/96). De qualquer sorte, deve-se ter presente que a sentença que vier a julgar procedente o pedido “declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral” (§ 2º do art. 33 da Lei n. 9.307/96, alterado
pela Lei n. 13.129/2015). A adoção, entre nós, de maneira ampla, da arbitragem, tal como prevista na Lei n. 9.307/96, ou seja, com regras que conferem efetividade ao procedimento arbitral, sem necessidade de homologação judicial, representa grande inovação e, em nosso sentir, ostenta diversas vantagens que se sobrepõem a qualquer possível inconveniente desse sistema. O STJ, aliás, veio a sumular entendimento no sentido de que a “lei de arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição” (Súmula 485 do STJ). Houve quem interpretasse ditas inovações trazidas pela Lei n. 9.307/96 como incompatíveis com a garantia constitucional expressa no art. 5º, XXXV. Este entendimento, contudo, não prosperou, e o Supremo Tribunal Federal, em 12.12.2001, ao julgar o pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7-Espanha, vencidos, em parte, os Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Neri da Silveira e Sydney Sanches, que entendiam que alguns dispositivos de referido diploma – Lei n. 9.307/96 – afrontavam o art. 5º, XXXV, do texto constitucional, reconheceu a constitucionalidade da Lei de Arbitragem75. Segundo informações que constam do acórdão proferido no STF, trata-se de procedimento instaurado em 1995, objetivando a homologação de sentença arbitral proferida na Espanha, para que pudesse surtir efeitos no Brasil. Em princípio, o pedido foi indeferido. Entretanto, em 1996 foi promulgada a Lei n. 9.307/96, que dispensaria a homologação dessa sentença na justiça do país de origem. Durante o julgamento, contudo, o Min. Moreira Alves suscitou a questão da constitucionalidade da nova lei76.
Ainda, de acordo com o que consta de aludido acórdão, apesar de todos os Ministros terem votado pelo provimento do recurso (de agravo regimental contra decisão que indeferiu pedido de homologação de sentença arbitral), no sentido de homologar a sentença arbitral espanhola no Brasil, houve discordância quanto ao incidente de inconstitucionalidade. O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do recurso, bem como os Ministros Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, entenderam que a lei de arbitragem, em alguns de seus dispositivos, dificulta o acesso ao Judiciário, direito fundamental previsto pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A maioria votante, no entanto, considerou que a lei de arbitragem é um “grande avanço” e não viu nela nenhuma ofensa à Carta Magna. O Ministro Carlos Velloso, em seu voto, salientou que a lei só é aplicável quando estejam em pauta direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis. Segundo ele, as partes têm a faculdade de renunciar a seu direito de recorrer à Justiça. “Direito de ação não quer dizer dever de ação judicial, segundo consta de seu voto-vista77. Mais recentemente, a constitucionalidade da Lei n. 9.307/96 veio a ser reconhecida pelo STJ, referindo-se esse tribunal ao julgamento pelo STF do pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7-Espanha78. Observe-se que o art. 7º da Lei n. 9.307/96 prevê, inclusive, a possibilidade de o Judiciário ser acionado para fazer valer cláusula compromissória, dispondo em seu § 7º que “a sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral”. Sendo a sentença arbitral ato privado, decorrente da vontade das partes, destinada a dirimir controvérsia sobre relação contratual de natureza patrimonial, portanto, de caráter disponível, discute-se se a arbitragem tem
natureza jurisdicional. Joel Dias Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter jurisdicional da arbitragem. Afirma mencionado autor que não existe qualquer óbice para que o Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir conflitos, ressalvadas as hipóteses vedadas por lei, que se referem à natureza da lide ou à qualidade das pessoas e à ausência de vontade e convenção das partes79. Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como um conceito abstrato. Dessa forma, esses dois autores rechaçam a corrente que pretende dar ao juízo arbitral caráter meramente contratual (corrente privatista ou contratualista)80. Afiguram-se-nos corretas as opiniões dos autores acima mencionados. Não se trata propriamente de um substitutivo da jurisdição, mas de uma espécie de jurisdição privada. Nesse sentido, reformulamos a opinião expressa na primeira edição desta obra, em que afirmamos ser o juízo arbitral substitutivo da jurisdição. Trata-se, isto sim, de jurisdição privada81. Confirmando a tendência de estímulo à utilização de formas alternativas à jurisdição estatal, particularmente a arbitragem, o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo n. 52, de 25.04.2002, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, que restou posteriormente promulgada pelo Decreto n. 4.311, de 23.07.2002. Para produzir efeito em território nacional, a sentença arbitral estrangeira haverá de ser submetida ao crivo da homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, a disciplina a respeito da homologação de sentença estrangeira encontra-se prevista nos arts. 216-A a 216-N do Regimento
Interno do STJ, alterado pelas Emendas Regimentais n. 18/2014 e 24/2016, do STJ, bem como nos arts. 960 a 965 do CPC, podendo vir a ser regulada em tratados internacionais (art. 960, § 2º, do CPC). Acrescente-se que são hipóteses principais de não homologação a circunstância de o litígio objeto da arbitragem não ser “suscetível de ser resolvido por arbitragem” (art. 39, I, da Lei n. 9.307/96) e também a ofensa, pela decisão, à ordem pública nacional (art. 39, II, da Lei n. 9.307/96), não se incluindo neste conceito vago a hipótese do art. 39, parágrafo único (estas hipóteses também estão presentes na Convenção sobre Arbitragem aprovada pelo Congresso Nacional). As hipóteses de não homologação previstas no art. 38 da Lei n. 9.307/96 dizem respeito à legalidade da sentença arbitral estrangeira, e as do art. 39, igualmente, mas com especial objetivo de resguardar a ordem pública brasileira82.
III ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
1. Organização judiciária Como já se salientou anteriormente, a Constituição instituiu as chamadas justiças especializadas (militar, trabalhista e eleitoral). O que não couber na esfera de atribuição de cada uma delas competirá à justiça comum83. A justiça comum, a seu turno, subdivide-se em justiça penal e justiça civil. A esfera de atribuições da justiça civil é determinada por exclusão. Vale dizer, dentro daquilo que cabe à justiça comum, o que não competir à justiça penal caberá à civil. De outra parte, os órgãos da justiça comum podem ser federais (justiça federal) ou estaduais (justiça estadual). A competência da justiça federal vem prevista no art. 109 da CF84. O que interessa, no âmbito do direito processual civil, é a organização da justiça comum. A justiça comum compreende, assim, tanto os aparelhos federais (juízes federais e Tribunais Regionais Federais) como os aparelhos estaduais (juízes de direito e Tribunais estaduais). Tanto o aparelho federal como o estadual submetem-se à jurisdição
extraordinária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que, assim, encontram-se no ápice da pirâmide. Grosso modo, pode-se montar o seguinte esquema de organização judiciária da justiça comum:
Como se pode observar, seja no aparelho federal, seja nos aparelhos estaduais, há dois planos, ditos graus de jurisdição. Os tribunais, como regra, são órgãos de competência recursal, exercendo poder de reexame sobre as decisões dos juízes de primeiro grau. Os tribunais também exercem poder de disciplina sobre os juízes a eles vinculados. Daí dizer-se que entre os tribunais e os juízes a eles vinculados há hierarquia orgânica (disciplina) e funcional (reexame). A Constituição Federal de 1988 previu a criação de juizados especiais para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I). A Lei n. 9.099/95 veio a disciplinar os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito estadual, e a Lei n. 10.259/2001 criou os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito federal. De seu turno, a Lei n. 12.153/2009 veio a dispor
sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. As Turmas de Recursos são disciplinadas nas leis de organização judiciária85. Cabe a elas apreciar os recursos das decisões proferidas em primeiras instâncias pelos juizados especiais. As Turmas Recursais não são tribunais, senão que constituem órgão colegiado composto por juízes de primeira instância (art. 41, § 1º, da Lei n. 9.099/95), devendo ser disciplinadas nas leis de organização judiciária locais. Tal circunstância acarreta importante consequência, qual seja, o não cabimento de recurso especial para impugnar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais, pois este somente pode ser interposto contra acórdãos proferidos por tribunais, conforme se depreende da literalidade do inciso III do art. 105 do texto constitucional. É cabível, no entanto, a interposição de recuso extraordinário contra as decisões das Turmas Recursais86, pois a Constituição Federal, em relação a este, exige apenas que a decisão recorrida tenha sido proferida em única ou última instância, consoante se depreende do inciso III do art. 102 da CF/88. Este entendimento vinha sendo, todavia, abrandado pelo Superior Tribunal de Justiça, que editou, a propósito a Súmula 203, do teor seguinte: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais” – o que evidenciava que se entendia cabível o recurso especial contra decisões proferidas pelas Turmas Recursais, quando se pretendesse discutir, por essa via, questão atinente à competência dos juizados especiais cíveis disposta no art. 3º da precitada Lei n. 9.099/9587. Referida Súmula foi posteriormente alterada, firmando-se o entendimento do descabimento do especial contra decisões proferidas pelas
Turmas Recursais dos Juizados Especiais, em toda e qualquer hipótese. É o seguinte o seu teor atual: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. Já na esfera federal, a Lei n. 10.259/2001 estabelece que “as Turmas Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional Federal, que definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de uma seção” (art. 21). Insta salientar, quanto aos Juizados Federais, a previsão de acesso ao Superior Tribunal de Justiça para dirimir a divergência “quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ” (art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001). Entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal e os aparelhos estadual e federal há hierarquia funcional, que enseja o reexame da matéria decidida, no âmbito restrito da competência desses tribunais. 2. Organização judiciária, processo e procedimento Entende-se, em linhas gerais, por normas de organização judiciária aquelas “que regulamentam a forma pela qual se constituem os órgãos judiciários
e
traçam-lhes
o
modo
pelo
qual
devem
reger-se
administrativamente”88. De outro lado, “tudo aquilo que diga respeito à tutela do direito invocado, à apreciação desse direito, à produção de provas que objetivem demonstrar esse direito, é matéria de processo”89. A distinção tem importante consequência. Isso porque cabe à União, isto é, ao Congresso Nacional, legislar privativamente sobre processo (CF/88, art. 22, I). Doutra parte, compete aos Estados, isto é, às suas respectivas
Assembleias Legislativas, organizar as suas justiças90. Daí por que a lei federal que interferir na organização judiciária local será inconstitucional, por invasão de competência dos Estados federados. Importante para que este conceito reste bem sedimentado ter presente a noção de Federação como sendo o tipo de Estado em que os Estados-membros conservam sua autonomia, podendo auto-organizar-se por poder constituinte próprio (art. 25 da CF/88), tendo participação no poder central por meio do Senado (art. 52 da CF/88). Assim, em um Estado Federal como o nosso, os estados federados possuem autonomia, que se reflete na competência legislativa que a Constituição lhes outorga (na qual está incluída a competência para legislar sobre organização judiciária). Essa autonomia não pode ser tocada, nem mesmo pela União, do que decorre que lei federal que, sob o pretexto de legislar sobre processo, invada a competência outorgada aos Estados federados para organizarem suas próprias justiças, será incontornavelmente inconstitucional. Porém, cabe notar que os Estados-membros deverão dispor sobre suas respectivas organizações judiciárias de conformidade com as diretrizes do Estatuto da Magistratura, devendo este ser veiculado por meio de lei complementar (art. 93 da CF/88). O vigente Estatuto da Magistratura vem veiculado na Lei Complementar n. 35/79 (Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional), em grande parte recepcionada pela vigente ordem constitucional. Caberá, ainda, aos Estados legislar sobre procedimento em matéria processual (art. 24, XI, da CF/88). Não será aqui aprofundado o exame dessa competência concorrente adjudicada aos Estados e ao Distrito Federal, ao
lado da União, pois que ela será objeto de análise específica mais adiante. Não obstante a suma importância da distinção entre as normas processuais e de organização judiciária, deve-se ter em mente que as primeiras dependem do suporte dessas últimas para que se alcancem os ideais de pleno acesso à justiça e efetividade do processo. 3. Jurisdição extraordinária Como se viu do esquema feito anteriormente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça encontram-se no ápice da pirâmide da organização judiciária. Como regra, a jurisdição é exercida em dois graus (primeiro grau, em que se inicia o processo, e segundo grau, alcançado por meio de recurso), daí falar-se em duplo grau de jurisdição. Apenas em casos específicos é viável a interposição de recursos das decisões dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Doutra parte, em muitas das hipóteses de competência originária dos tribunais locais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal funcionam como se fossem um órgão de segundo grau que exerce jurisdição ordinária (por exemplo, ver art. 105, II, a, b e c, da CF/88). Para a interposição de recurso de apelação para os tribunais locais (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, conforme o caso), tanto basta, grosso modo, o pressuposto da sucumbência91. Isso porque o recurso de apelação é um recurso eminentemente ligado à ideia de busca por uma decisão justa. Desse modo, se a parte sucumbente não se conformar com a decisão da primeira instância, poderá pedir, através da apelação, a sua reforma (ou anulação, se houver error in procedendo), com ampla
possibilidade de rediscussão de qualquer matéria de direito ou de fato. Já
para
a
interposição
de
recursos
(extraordinário
e
especial
respectivamente) para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, além da sucumbência, existe necessidade de enquadramento nos pressupostos constitucionais ditados pelos arts. 102, III, e 105, III, da CF/88, respectivamente. Cada qual desses pressupostos será examinado em capítulo próprio. Em linhas gerais, pode-se dizer que cabe recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal quando estiver em discussão a Constituição Federal, e que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando estiver em pauta discussão acerca da aplicação de lei federal. 4. Competência – uma primeira noção Diz-se que certo órgão do Poder Judiciário é competente quando a convergência de uma série de normas aponta para que este deva exercer, naquele momento e naquelas circunstâncias, a jurisdição (plena). A competência está ligada à matéria a ser decidida, ao território e a outros fatores. 5. Órgãos judiciários Os órgãos judiciários que exercem a jurisdição em primeiro grau são, em regra, singulares, isto é, formados por apenas um juiz. Na Justiça do Trabalho, até a edição da Emenda Constitucional n. 24, de 09.12.1999, o julgamento de primeiro grau era realizado por órgão colegiado, composto por juiz togado e juízes classistas. Já aqueles que a exercem em segundo grau são órgãos ditos colegiados, ou seja, são formados por mais de um julgador. Este, no Tribunal de Justiça, recebe a denominação de Desembargador; no Tribunal Regional Federal, de Desembargador Federal; no Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, de Ministro. Há hoje, todavia, é de se registrar, uma tendência de que os julgamentos dos recursos, dentro dos órgãos colegiados possam ser realizados por apenas um julgador se se tratar de matéria pacificada no âmbito dos tribunais, sobretudo se se considerar a crescente força que vem sendo dada pelo legislador às decisões judiciais. Nesse sentido, o art. 932, IV e V, do CPC autoriza o relator a julgar monocraticamente o recurso, quando houver tese firmada no âmbito do próprio tribunal ou dos tribunais superiores, a respeito da matéria aventada no recurso. Exige-se, apenas, que, em caso de provimento do recurso, seja ouvida anteriormente a parte contrária, em atenção ao princípio do contraditório. O CPC/73, em certa medida, também autorizava o julgamento monocrático pelo relator, exigindo-se, porém, que fosse cabível recurso contra ela, justamente para se garantir a possibilidade de julgamento colegiado, que é da essência dos tribunais. Como havia, na lei processual passada, a possibilidade de interposição de recurso contra decisão monocrática do relator, tinha-se que os dispositivos que autorizavam o julgamento monocrático eram, com acerto, constitucionais92, o que deve permanecer inalterado com o advento do CPC/2015, na medida em que há a possibilidade de interposição de recurso da decisão monocrática do relator ao órgão colegiado (art. 1.021 do CPC). O STF já decidiu que “é legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente, e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (art. 21, § 1º, do RISTF; art. 38 da Lei n. 8.038/90), desde que, mediante recurso – agravo regimental –,
possam as decisões ser submetidas ao controle colegiado”93. Os juízes necessitam de auxiliares para o exercício da função jurisdicional (art. 149 do CPC – escrivão, chefe da secretaria, oficial de justiça, perito, depositário, administrador, intérprete, mediador, conciliador, entre outros). O juiz e os auxiliares que trabalham sob sua direção formam o que se chama de juízo. A justiça federal de primeiro grau divide-se em Seções Judiciárias, que têm sede (no mínimo) nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal (art. 110 da CF/88). Já a justiça estadual divide-se em Comarcas, as quais podem abranger um ou mais Municípios. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, exercem jurisdição em todo o território nacional (art. 92, § 2º, da CF/88); os Tribunais de Justiça exercem a jurisdição nos limites dos Estados federados em que se encontrarem. Quanto à justiça federal de segundo grau, há cinco Tribunais Regionais Federais, que exercem a jurisdição dentro das regiões respectivas. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, instalado na Cidade de São Paulo, abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. 6. Conselho Nacional de Justiça O Conselho Nacional de Justiça foi instituído em dezembro de 2004, pela Emenda Constitucional n. 45, com o objetivo de “estabelecer um controle centralizado das atividades administrativas, financeiras e disciplinares exercidas pelos órgãos do Poder Judiciário, no território nacional, sob o aspecto da legalidade”94. As atribuições do Conselho são de cunho administrativo (art. 103-B, § 4º,
da CF), vale dizer, o CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário (art. 92, I-A, da CF), mas não possui função jurisdicional. Tanto é assim que as decisões proferidas por esse órgão não se revestem do atributo da imutabilidade, não havendo falar, portanto, em coisa julgada material. Podem elas, portanto, ser atacadas judicialmente através de ação autônoma, cuja competência é originária do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, r)95-96. Deve-se ter presente que o Conselho Nacional de Justiça é órgão do próprio Poder Judiciário, a ele está integrado, compondo a sua estrutura, de modo que a sua criação de modo algum ofendeu o princípio da tripartição dos poderes (melhor dizendo, funções estatais do poder), caso em que se poderia dizer que a EC 45/2004 teria violado o art. 60, § 4º, III, do Texto Maior97. Ademais, é pertinente lembrar que o Conselho Nacional de Justiça não tem atribuições judicantes. Há quem diga que o Conselho Nacional de Justiça interfere no pacto federativo98. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça restringiria a manutenção da autonomia dos Estados-membros no que tange às suas respectivas organizações judiciárias, além de impor uma subordinação hierárquica administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar do Poder Judiciário dos Estados a esse órgão. Assim não nos parece. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça é órgão nacional, ou seja, não é órgão vinculado a determinada pessoa política, seja à União ou aos Estados Federados. Compartilha dessa nossa opinião Luís Roberto Barroso, que nos seguintes e bem colocados termos esclarece: “O CNJ é órgão nacional e não do ente central ou de qualquer dos entes locais, de modo que não há subordinação das estruturas estaduais do Judiciário a um ente central. De toda sorte, o conteúdo
essencial do princípio da forma federativa de Estado relaciona-se com a autonomia dos entes federados – definida pela Constituição Federal – e com a participação deles na formação da vontade dos órgãos nacionais, elementos que em nada são afetados pela criação do CNJ”99. Cumpre, neste passo, lembrar que a Lei Complementar n. 35/79 previa um conselho similar que, todavia, possuía funções mais limitadas, com atribuições restritas ao âmbito dos poderes correicionais (art. 50 e s. da LC 35/79, não recepcionados pela CF/88). O Conselho Nacional de Justiça é órgão jurisdicional híbrido, vale dizer, composto por membros que representam os diversos estamentos da Justiça, incluindo-se aí dois cidadãos “de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”100. Segundo o art. 103-B, I a XIII, da Carta Maior, o Conselho é composto de quinze membros, sendo eles nove Magistrados, dois membros do Ministério Público, dois advogados e, como se disse, dois cidadãos101.
IV FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUXILIARES DA JUSTIÇA
1. O Ministério Público Ministério Público, segundo José Frederico Marques, é “o órgão através do qual o Estado procura tutelar, com atuação militante, o interesse público e a ordem jurídica, na relação processual e nos procedimentos de jurisdição voluntária. Caracteriza-se como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais”102. Desde logo, nota-se que o Ministério Público, seja na esfera criminal (em que, como regra, detém a titularidade da ação penal, a teor do art. 129, I, da CF/88), seja no âmbito civil, deve ser desvinculado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para que realmente possa atuar com independência, zelando pelo interesse público e pela ordem jurídica. Até o advento da Constituição de 1988, no entanto, o Ministério Público vinha encartado dentro do Poder Executivo, cabendo ao Ministério Público Federal também a representação da União (que hoje compete à AdvocaciaGeral da União – art. 131 da CF/88). Essa anomalia, que se explica por
motivos históricos, e que deita suas raízes na época da Revolução Francesa, foi corrigida com o advento da vigente Constituição Federal, que colocou o Ministério Público ao lado do Poder Judiciário, como organismo essencial à Justiça. A independência do Ministério Público em relação ao Poder Executivo é, por exemplo, evidenciada do teor do art. 128, § 2º, da CF/88, segundo o qual a destituição, pelo Presidente da República, do Chefe do Ministério Público Federal – o Procurador-Geral da República – haverá de ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal. Com efeito, nem sempre o interesse perseguido pela pessoa jurídica de direito público é legítimo e o Ministério Público, tendo de falar por esta e, de outro lado, incumbindo-lhe zelar pelo interesse público e pela ordem jurídica, muitas vezes encontrava-se sem alternativa, haja vista o potencial conflito entre ambos. A Constituição Federal de 1988 corrigiu essa distorção histórica e cuidou de expressamente vedar, no art. 129, IX, que os membros do Ministério Público exerçam “a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. O Ministério Público, no processo civil, pode atuar como parte103 ou como fiscal da ordem jurídica (custos legis), nos termos dos arts. 177 e 176 do CPC, respectivamente. Caberá ao Ministério Público atuar como parte, desde que tal atuação esteja em conformidade com suas atribuições constitucionais, conforme disposto no art. 177. Este dispositivo refere-se exclusivamente ao exercício do direito de ação, contudo, logicamente, sempre que atuar como fiscal da ordem jurídica a sua atuação deverá estar em conformidade com suas
atribuições constitucionais e não apenas quando exerce o direito de ação. De acordo com o art. 178, caput, do CPC, cabe ao Ministério Público atuar como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas na lei ou na Constituição, além das hipóteses dos incisos I a III deste mesmo artigo. Aqui vale apontar que o art. 129 da Constituição prevê um rol exemplificativo das funções institucionais do Ministério Público, conforme se denota da redação do inciso IX deste dispositivo, que permite ao Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. Assim, a legislação infraconstitucional pode ampliar as atribuições do Ministério Público, tanto no que se refere ao exercício do direito de ação quanto ao que se refere às causas em que deve atuar como fiscal da ordem jurídica, desde que em conformidade com a sua finalidade prevista constitucionalmente. Quando atua como fiscal da ordem jurídica, o membro do Ministério Público não tem compromisso com nenhuma das partes, cabendo-lhe, apenas, zelar pela ordem pública e pelo bem comum. Veja-se, por exemplo, que, na hipótese do inciso II do art. 178, cabe ao Ministério Público intervir como fiscal da lei sempre que estiverem em jogo interesses de incapazes (relativa ou absolutamente incapazes). Isso não significa que deva o membro do Ministério Público opinar necessariamente de forma favorável ao interesse do incapaz, devendo, acima de tudo, opinar pela prevalência da ordem jurídica. Quando intervém na qualidade de fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público poderá “produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”, nos exatos termos do inciso II do art. 179. Poderá o órgão do
Ministério Público recorrer não apenas nas hipóteses em que atue como parte, mas também quando funcione como fiscal da ordem jurídica (art. 996, caput). Aliás, como fiscal da ordem jurídica, o órgão do Ministério Público poderá também requerer tutela provisória104. Alguns exemplos de hipóteses em que o Ministério Público pode figurar como parte estão previstos no art. 967, III, a a c, do CPC. Segundo o dispositivo em questão, o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação rescisória “a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação”. A hipótese prevista na alínea c não era prevista pelo art. 487, III, do CPC/73. A inovação do CPC/2015 abarca as hipóteses em que o Ministério Público foi ouvido no processo. Portanto, enquanto a alínea a atribui legitimidade ao Ministério Público para propositura da ação rescisória contra a decisão proferida em processo em que deveria ter sido ouvido, mas não foi, a alínea c atribui legitimidade para o Ministério Público propor ação rescisória nos processos em que foi ouvido. Evidentemente, nesta última hipótese, a manifestação do Ministério Público no processo em que foi prolatada a decisão deverá ter sido contrária ao que fora decidido, sob pena do Ministério Público carecer de interesse processual na ação rescisória. Conforme previsto no art. 178 do CPC, o Ministério Público deve figurar como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: “I – interesse público ou social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”. Caso referidas hipóteses estejam presentes em ação rescisória, o Parquet também será intimado para intervir como fiscal da
ordem jurídica, nos termos do art. 967, parágrafo único, do CPC. Os incisos II e III do art. 178 não ensejam maiores discussões. A hipótese do inciso I, todavia, merece maior reflexão. Diz esse dispositivo que cabe ao Ministério Público intervir como custos legis sempre que houver interesse público ou social. A técnica de que o legislador se utilizou no caso do inciso I é diversa daquela que empregou nos incisos II e III. Enquanto nestes dois enumerou taxativamente as hipóteses em que tem cabimento a intervenção do Ministério Público, no terceiro empregou aquilo que, em teoria geral do direito, se denomina conceito vago (“interesse público ou social”)105-106. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a aferição de interesse público para efeito de intervenção do Ministério Público pode ser objeto de controle pelo Judiciário, ainda que o Judiciário não possa impor a atuação ao Ministério Público107-108. A jurisprudência, à luz do CPC/73, já entendia, com acerto, que o interesse público não se confundia com aquele da Fazenda Pública109, e que, mesmo quando fossem partes pessoas jurídicas de direito público, o Ministério Público não precisaria opinar em seu favor, senão que lhe incumbia zelar pela correta aplicação da lei110. Nesse sentido, já apontava a melhor doutrina, Arruda Alvim111, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco112. Adotando esse entendimento, o legislador previu no parágrafo único do artigo 178 do CPC vigente que: “A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público”. Algumas hipóteses que se amoldavam à previsão normativa do inciso III do art. 82 do CPC/73 – parcialmente correspondente ao art. 178, I, do CPC
vigente –, no que se refere à existência de interesse público, eram: ações de desapropriação de grande repercussão social113-114, ações acidentárias115, ações em que se discute a validade de registro público116 etc. O Ministério Público, então, segundo se viu, é instituição independente, vocacionada à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da CF/88). É independente tanto em relação ao Executivo como em relação ao Judiciário. Nesse contexto, vale referir a atuação do Ministério Público na qualidade de legitimado para a propositura de ações coletivas (compreendidas como as demandas para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tais como conceituados no art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, respectivamente, do Código do Consumidor), que serão objeto de estudo mais acurado adiante. Tal possibilidade vem prevista no seio do próprio texto constitucional, pois, conforme o art. 129, III, é função institucional do Ministério Público a propositura de ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, e também em diversos textos legais (a título exemplificativo podem ser referidos o art. 82, I, da Lei n. 8.078/90 – Código do Consumidor, e o art. 5º, I, da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública). A teor do que dispõe o art. 127, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público somente pode agir nos casos em que se fazem presentes o interesse social ou, tratando-se de interesse individual, seja este indisponível. Diz-se expressamente neste texto: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O Código de Processo Civil vigente reproduziu a
previsão constitucional em seu art. 176: “O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”. Nesse sentido, as palavras de Hugo Nigro Mazzilli: “Como ficará demonstrado neste trabalho, em suas atividades institucionais o Ministério Público sempre busca um interesse público – mais propriamente o interesse público primário, a que já nos vimos referindo. Ora, a Constituição destina o Ministério Público, de forma prioritária, ao zelo dos mais graves interesses da coletividade, ou seja, o dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em outras palavras, ora o interesse a zelar se relaciona de modo indeterminado com toda a coletividade, ora está ligado a pessoas determinadas, mas sempre na medida em que isto consulte o interesse geral e desde que observada a norma de compatibilidade prevista no inc. IX do art. 129 da Constituição Federal”117-118. Por isso mesmo, Hugo Nigro Mazzilli, com respeito à legitimidade do órgão do Ministério Público para a propositura da ação civil pública, afirma com pertinência: “Interpretando conjuntamente o inc. III do art. 129 com a norma de destinação institucional (art. 127), torna-se claro que o Ministério Público terá ação civil pública na defesa de interesse difuso ou coletivo, bem como na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis”119. A leitura que deve ser feita da extensão do que sejam interesses indisponíveis compreende determinadas hipóteses que, em si mesmas, i.e., isoladamente consideradas, são representativas de interesses disponíveis. Assim, o assunto de mensalidades escolares. Se os que a essas estão ligados formam um grupo, uma categoria ou classe de pessoas, aceita-se, então, que, nessa estrutura plural, ampla e “coletiva”, tais interesses passem a ser havidos como indisponíveis, justificando a legitimidade do Ministério Público120.
Sempre que o Ministério Público tiver de intervir e não for intimado, isso será causa de nulidade do processo. Nestes termos, o caput do art. 279 do CPC: “É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir”. O § 1º deste mesmo artigo determina que a nulidade deverá ser decretada a partir do momento processual em que devesse ter havido a intimação do órgão Ministério Público. Para que se decrete a nulidade, todavia, é preciso que se tenha em conta o prejuízo dela decorrente. Assim é que os Tribunais têm entendido que não se há de decretar a nulidade se, a despeito da ausência do órgão do Ministério Público, a causa foi decidida a favor daquela cuja presença no processo tivesse justificado a intervenção do Ministério Público121. Tal orientação jurisprudencial encontrava respaldo no art. 249, § 2º, do CPC/73 e encontra agora no art. 282, § 2º, do CPC/2015: “Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Nessa mesma linha, o legislador, ao elaborar o Código vigente, previu no art. 279, § 2º, que a nulidade decorrente da falta de intimação do Ministério Público só pode ser decretada após a intimação deste para que se manifeste sobre a existência ou a inexistência de prejuízo. Junto ao aparelho judiciário federal funciona o Ministério Público Federal. Nos Estados, temos o Ministério Público Estadual, chefiado pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça. Os membros do Ministério Público Estadual em primeiro grau denominam-se Promotores de Justiça; em segundo, Procuradores de Justiça. No âmbito do Distrito Federal, temos o Ministério Público do Distrito Federal. O Ministério Público da União, que compreende
o Federal, o do Distrito Federal e Territórios, o Militar e o do Trabalho, tem como órgão máximo o Procurador-Geral da República. São as seguintes as principais leis que estruturam o Ministério Público: no âmbito federal, a Lei Complementar n. 75, de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, e a lei federal destinada ao espectro estadual, a de 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. No Estado de São Paulo, refira-se a Lei Complementar Estadual n. 734/93. Os membros do Ministério Público possuem as mesmas garantias que os magistrados, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, de acordo com o art. 128, § 5º, I, a, b e c, da CF/88, com a alteração das Emendas Constitucionais 19/98 e 45/2004122-123. Ao lado disso, o Ministério Público apresenta autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º, da CF/88), sendo estruturado em carreira, na qual se tem ingresso mediante concurso público de provas e títulos. O Ministério Público é informado por dois princípios, o da independência, segundo o qual cada membro age segundo sua própria consciência jurídica, sem estar subordinado seja ao Executivo, seja ao Judiciário124, seja mesmo aos órgãos superiores da própria instituição, e o da unidade, segundo o qual os diversos membros fazem parte de uma só corporação e agem em nome dela. De acordo com Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “por este princípio entende-se que o Ministério Público se constitui de um só organismo, uma única instituição. Quando um membro do parquet atua, quem na realidade está atuando é o próprio Ministério Público (...) não é possível dissociar o órgão da instituição: aquele faz esta atuar. Assim como não se pode dissociar
o membro do órgão, aquele é parte integrante deste; juntos formam um só todo”125. 2. A advocacia pública Tal como afirmado, anteriormente à Constituição de 1988, ao Ministério Público Federal cumpria a função de representar a União em juízo, conforme expressamente previsto no art. 138, § 2º, da CF/67. Com a EC/69, a previsão de representação da União pelo Ministério Público Federal se tornou implícita, contudo, ainda havia previsão expressa da possibilidade de a União ser representada em juízo pelo Ministério Público estadual, nas comarcas do interior (art. 95, § 2º, da CF/67, com a redação atribuída pela Emenda n. 1/69). Essa anomalia foi corrigida pela Constituição Federal de 1988, que elevou o Ministério Público à condição de órgão essencial à Justiça e criou a Advocacia-Geral da União126, cuja função é representar a União judicial e extrajudicialmente (art. 131, caput, da CF/88). Embora o art. 131, § 3º, da CF/98 atribua a representação da União à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quando se tratar de execução de dívida ativa de natureza tributária, nem por isso, neste caso, a União não será representada pela Advocacia-Geral da União, uma vez que este órgão abrange a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 2º, I, b), da Lei Complementar n. 73/93). A Constituição Federal de 1988 também previu a figura do Procurador dos Estados e do Distrito Federal, cuja função é a representação judicial e a consultoria jurídica das unidades federadas (art. 132, caput, da CF/88). Em relação à representação judicial e extrajudicial dos Municípios, a Constituição Federal de 1988 nada dispôs a respeito. A despeito da ausência de previsão dos procuradores do Município na seção II, “Da Advocacia Pública” (arts. 131 e
132), da Constituição Federal, havendo procurador ou procuradoria do Município, é certo que tal agente e órgão integrarão a advocacia pública, em razão de suas funções, que serão as mesmas dos procuradores dos Estados e dos advogados da União – representar o ente federativo. De acordo com o art. 182 do CPC, é incumbido à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta. O art. 75, I, do CPC prevê que a União será representada em juízo, ativa e passivamente, pela Advocacia-Geral da União. O art. 75, II, do CPC, por sua vez, determina que a representação em juízo dos Estados e do Distrito Federal será realizada por seus procuradores e o inciso III deste dispositivo prevê a representação em juízo dos Municípios pelo respectivo prefeito ou pelos seus procuradores. Por fim, o inciso IV do art. 75 previu a representação em juízo das autarquias e fundações de direito público por quem a lei do ente federado designar. Aqui, a título de exemplo, podemos mencionar a Lei n. 10.480/2002, que criou a Procuradoria-Geral Federal, a quem incumbiu a função de representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, conforme disposto em seu art. 10. Em todos esses casos não será necessária a juntada do instrumento de mandato na petição inicial, uma vez que a representação em juízo decorre diretamente de normas previstas na Constituição Federal ou em normas previstas infraconstitucionalmente, a teor do disposto no art. 287, III, do CPC. Aqui vale registrar que, embora o referido dispositivo refira-se à petição inicial, a sua disposição é perfeitamente aplicável em se tratando de
contestação e demais atos do processo127. O art. 138, caput, do CPC atribui prazo em dobro para todas as manifestações processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público. Neste ponto, vale destacar uma alteração legislativa operada pelo CPC vigente. O art. 188 do CPC/73 previa que “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. Esta regra se estendia às autarquias e fundações públicas por força no disposto no art. 10 da Lei n. 9.469/97, que previa a aplicação do revogado art. 188 à essas entidades. Contudo, com a redação do caput do art. 138 do CPC/2015, em regra, há agora um padrão nos prazos para as manifestações dos entes federativos e de suas autarquias e fundações de direito público. Apenas na hipótese de haver prazo expressamente previsto para um desses entes é que não haverá prazo em dobro (art. 183, § 2º, do CPC), como ocorre, por exemplo, com prazo para o Advogado-Geral da União prestar informações na ação direta de inconstitucionalidade, que é, por previsão expressa, de 15 dias (art. 12 da Lei n. 9.868/99). As intimações dos entes federativos e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público deverão ser pessoais (art. 183, caput, do CPC), devendo ser realizadas por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º, do CPC). O CPC determina que os entes federativos e as entidades da administração indireta mantenham cadastro nos sistemas de processos em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, que deverão, preferencialmente, ser realizadas por este meio, conforme art. 246, §§ 1º e 2º,
sendo tal disposição aplicável ao Ministério Público, à defensoria pública e à advocacia pública, a teor do disposto no art. 270, parágrafo único, do CPC. Para tanto, o parágrafo único do art. 1.050 do CPC previu um prazo de 30 dias, contados da data da entrada em vigor do CPC, para que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas entidades da administração indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública se cadastrassem perante a administração do tribunal no qual atuem para cumprimento do disposto nos arts. 246, § 2º, e 270. O art. 1.051 do CPC, por sua vez, determina que as empresas públicas e privadas devem se cadastrar nos sistemas de processos em autos eletrônicos, para a realização de citação e intimação, no prazo de 30 dias, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial. Contudo, o CPC não prevê nenhuma sanção para o descumprimento do previsto nos arts. 1.050 e 1.051, o que pode tornar esses dispositivos pouco efetivos. Caso o membro da advocacia pública aja com dolo ou fraude no exercício de suas funções, ele será civil e regressivamente responsável (art. 184 do CPC). 3. O advogado A figura do advogado vem tratada no art. 133 da CF/88, em que se estatui ser a advocacia indispensável à administração da justiça, o que também vem estatuído no art. 2º da Lei n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Advogado é o bacharel em direito regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º da Lei n. 8.906/94). Pode postular em nome do cliente judicial ou extrajudicialmente (art. 5º da Lei n. 8.906/94), além de poder postular em
causa própria. De fato, o advogado pode representar seu cliente tanto perante o Poder Judiciário como diante da Administração Pública128. Sua atividade é regida em parte pelo direito privado (no que diz respeito ao contrato de mandato firmado entre o cliente e o advogado)129, mas também pelo direito público, quando se enfoca a atividade do advogado diante do Poder Judiciário. Como regra quase absoluta, as partes só poderão postular em juízo através de seus advogados (art. 103 do CPC e art. 1º, I, da Lei n. 8.906/94). É o que se denomina capacidade postulatória130. Tal regra aplica-se também ao réu, que só poderá defender-se por intermédio de advogado, embora fique sujeito aos efeitos do processo pela citação válida (art. 239). Há algumas poucas exceções à regra de que só é possível postular em juízo por meio de advogado, como, por exemplo, o habeas corpus, a teor do art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB), e a atuação perante a Justiça do Trabalho (art. 791 da CLT)131. Aqui, vale apontar que o art. 36 do CPC/73 autorizava que a parte, ainda que não fosse inscrita na Ordem dos Advogados, postulasse em causa própria, no caso de falta de advogado no lugar (comarca) em que se encontrasse ou de impedimento dos que ali se encontrassem. Contudo, essa exceção não está prevista pelo CPC vigente, de modo que não é mais possível a postulação, nesta hipótese, sem o preenchimento do requisito da capacidade postulatória. A Lei n. 8.906/94, em seu art. 1º, I, ao utilizar os termos “qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” continha a exigência da presença de advogado também perante os juizados especiais (antigos juizados de pequenas causas). Suspensa tal exigência pelo Supremo Tribunal Federal132, veio restabelecida na Lei n. 9.099/95 (art. 9º), mas apenas para
causas cujo valor seja superior a 20 salários mínimos. Desse modo, é dispensada a presença de advogado, nos Juizados Especiais Cíveis, no âmbito estadual, para todas as causas cujo valor seja inferior a 20 salários mínimos. Para recorrer, contudo, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, é obrigatória a representação da parte, em tal hipótese, pelo advogado (art. 41, § 2º, da Lei n. 9.099/95). A Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito federal, prevê em seu art. 10 que “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”. Aparentemente este dispositivo não regula a capacidade postulatória no âmbito dos juizados especiais federais, mas sim o instituto da representação, com vistas a permitir o mais amplo acesso a esses juizados133. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 3.168, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, reputou que o dispositivo em questão regula a capacidade postulatória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, não a representação. Neste julgamento a Suprema Corte julgou constitucional o referido art. 10, afastando apenas a sua aplicação aos processos que tramitam nos Juizados Especiais Criminais Federais, tornando, portanto, obrigatória a presença de advogado atuando em favor dos réus nos processos que tramitam nestes juizados. Na ocasião, em razão da discussão a respeito da aplicação subsidiária do art. 9 da Lei n. 9.099/95, que impõe um teto de 20 salários mínimos para que as partes possam, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, postular sem a presença de advogado, também foi suscitada a questão acerca do valor máximo da ação para que as partes possam, nos Juizados Especiais Cíveis Federais, postular em causa própria ou designar representantes não advogados, ficando decidido que o limite do valor da ação
é de sessenta salários mínimos, ou seja, em qualquer causa que tramite nos Juizados Especiais Cíveis Federais a parte poderá atuar sem advogado – postulando em causa própria ou mediante representante não inscrito na Ordem dos Advogados –, uma vez que este é o limite para que a ação possa ser processada por esses órgãos do Poder Judiciário (art. 3º da Lei n. 10.259/2001)134. Em regra, não é admitido ao advogado postular em juízo sem que faça prova do mandato (art. 104, caput, 1ª parte, do CPC e art. 5º, caput, da Lei n. 8.906/94). Entretanto, excepcionalmente, para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou ainda para praticar ato considerado urgente, o advogado poderá atuar perante o Judiciário sem instrumento de mandato (art. 104, caput, 2ª parte), mas, nessas hipóteses, deverá providenciar sua juntada no prazo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 (art. 104, § 1º, do CPC e art. 5º, § 1º da Lei n. 8.906/94). Não sendo realizada a juntada do instrumento de mandato neste prazo – incluindo aqui a eventual prorrogação –, diz o Código que o ato não ratificado será ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado e o advogado responderá pelas despesas processuais e por perdas e danos (art. 104, § 2º). Parece-nos, todavia, que, rigorosamente, o ato praticado, nessa hipótese, não poderá ser tido como juridicamente existente, havendo, a nosso juízo, imprecisão terminológica na lei processual. Há também casos em que se dispensa a apresentação do instrumento de mandato sem que seja necessária a sua juntada posteriormente, conforme prevê o art. 287, II e III, do CPC, segundo o qual se dispensa a juntada do instrumento de mandato se a parte estiver representada pela Defensoria Pública ou se a representação decorrer diretamente de norma prevista na Constituição ou em lei.
O mandato poderá ser conferido ao advogado por instrumento público ou particular (art. 105, 1ª parte, do CPC). Apenas para a procuração dada por aqueles que não tenham condições de assinar o nome será exigido instrumento público135. O mandato judicial com poderes ad judicia (procuração geral para o foro) habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo aqueles previstos na parte final do art. 105 do CPC, que, por sua relevância, necessitam de poderes específicos. Segundo o mencionado artigo, são necessários poderes especiais para os seguintes atos: receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica. Conforme explicado, ao advogado incumbe a função de representar a parte em juízo (judicialmente), sendo indispensável que esteja regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do art. 3º da Lei n. 8.906/94. Os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB serão nulos, conforme o disposto no art. 4º, caput, da Lei n. 8.906/94. Igualmente são nulos os atos praticados por advogado impedido, no âmbito deste impedimento, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia. A Lei n. 9.806/94 e o CPC preveem uma série de prerrogativas aos advogados. Tais prerrogativas se justificam na medida em que são instrumentos para que os advogados possam exercer sua função. Aqui vale apontar que o advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2º, § 2º, da Lei n. 9.806/94), sendo que seus atos constituem múnus públicos (art. 2º, § 1º, da Lei n. 9.806/94), o que justifica a atribuição a ele de determinadas prerrogativas.
O advogado tem direito a examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal,
mesmo
sem
procuração,
autos
de
qualquer
processo,
independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações (art. 107, I, 1ª parte, do CPC), inclusive quando se tratar de processo que tramite em autos eletrônicos, conforme prevê o § 5º do art. 107, acrescido pela Lei n. 13.793/2019). Contudo, tal direito é limitado quando há segredo de justiça, hipótese em que apenas o advogado constituído poderá ter acesso aos autos (art. 107, I, 2ª parte, e art. 189, § 1º, ambos do CPC). Ou seja, somente o advogado constituído poderá consultar os autos do processo se: o interesse público ou social exigir o sigilo; ele versar sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; nele constar dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; ele versar sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo (art. 189, I a IV, do CPC). Também é assegurado o direito de o advogado requerer, na qualidade de procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo prazo de 5 dias, conforme o art. 107, II, do CPC. Ou seja, poderá o advogado, sempre que estiver constituído nos autos como procurador, pedir vista pelo prazo de 5 dias. Sendo deferido o pedido, o advogado poderá retirar os autos do cartório por este prazo. O inciso III do art. 107, por sua vez, assegura ao advogado o direito de “retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal, sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei”. Aqui a lei foi clara no sentido de que é direito retirar os autos do cartório e não meramente requerer vista, como fez no inciso II do art. 107. Na hipótese do art. 107, II, a vista dependerá da apreciação do juiz,
no caso do art. 107, III, é assegurado ao advogado o direito de retirar do cartório ou da secretaria os autos do processo em que deverá se manifestar. O advogado só não terá este direito assegurado pelo art. 107, III, se for caso de prazo comum, hipótese em que poderá retirar os autos para obtenção de cópias, pelo prazo de 2 a 6 horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo, a teor do disposto no art. 107, § 3º. O advogado perderá o direito previsto no art. 107, § 3º, caso se valha deste dispositivo e não devolva os autos tempestivamente, isto é, dentro do limite de 6 horas, salvo ampliação pelo juiz. Havendo prazo comum e ajuste entre os advogados, se os autos forem retirados por um dos advogados e não forem devolvidos no prazo ajustado, será caso de aplicação do caput do art. 221, devendo ser restituído o prazo ao advogado que não teve oportunidade de consultar os autos. A Lei n. 9.806/94 também assegura aos advogados os honorários advocatícios, que, segundo seu art. 22, podem ser de três espécies: convencionais (contratuais); sucumbências ou; arbitrados judicialmente. Os honorários convencionais são os decorrentes do contrato firmado entre o advogado e o cliente, usualmente formalizado mediante um contrato escrito. Assim, os honorários convencionais são uma contraprestação prevista contratualmente pelos serviços contratados. Embora sejam fixados de acordo com a vontade das partes, os honorários convencionais não podem ser inferiores aos valores fixados pelo Conselho Seccional da OAB na tabela de honorários (art. 58, V, da Lei n. 9.806/94), sob pena de infração ética disciplina, punível com a pena de censura (art. 36, II, da Lei n. 8.906/94). Caso não sejam estipulados os honorários advocatícios, poderá ser proposta ação com objetivo de fixar os honorários advocatícios, ocasião em
que haverá arbitramento pelo juiz, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo o valor dos honorários do advogado ser inferior ao estabelecido na referida tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB (art. 22, § 3º, do CPC). Esta é a espécie de honorários arbitrados judicialmente. Há ainda os honorários sucumbenciais, que são devidos ao advogado do vencedor. Conforme prevê o art. 85, caput, do CPC, “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Da redação deste dispositivo não decorre apenas o dever de o vencido pagar os honorários do advogado do vencedor, mas também a desnecessidade de que haja pedido de condenação na petição inicial, uma vez que a condenação ao pagamento dos honorários está prevista em lei. No regime do CPC/73 se firmou no STJ orientação no sentido de que, se a sentença, transitada em julgado, não possuísse nenhuma condenação a título de honorários, não seria possível, posteriormente, na execução ou em ação autônoma a cobrança dos honorários sucumbenciais. É o que se previa expressamente na Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”. Contudo, o art. 85, § 18, do CPC vigente, superando o entendimento do STJ, dispõe expressamente que “Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”. Valendo-se o advogado da parte vencedora dessa ação autônoma, também será caso de honorário advocatício por arbitramento. Nesta toada, cumpre registrar que, embora esses honorários sejam arbitrados judicialmente, não se confundem com os honorários advocatícios fixados por arbitramento em
razão da ausência de contrato (art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/94). Sendo assim, é possível concluir que, atualmente, é possível que tanto os honorários convencionais quanto os sucumbenciais sejam arbitrados judicialmente. Contudo, nem por isso eles perdem a sua natureza jurídica. Os honorários sucumbenciais são devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora, enquanto que os convencionais são devidos pela parte ao advogado que a representou, cada um possuindo seu regramento no ordenamento jurídico. O valor dos honorários sucumbenciais deverá ser fixado pelo juiz entre o valor mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Ao fixar este porcentual o juiz deverá ter como critério o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, conforme determina o art. 85, § 2º, I a IV, do CPC. Contudo, não será observado o porcentual de 10 a 20% quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico da causa, ou, ainda, quando o seu valor for muito baixo, hipótese em que o juiz deverá fixar o valor dos honorários sucumbenciais por equidade, com base nesses critérios (art. 85, § 8º, do CPC). No regime do CPC/73, nas causas que fossem julgadas contra a Fazenda Pública o valor dos honorários sucumbenciais era fixado mediante apreciação equitativa do juiz, de acordo com o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza da importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 4º, e § 3º, I a III). Ou seja, havia ampla margem para apreciação do valor dos honorários
sucumbenciais pelo juiz, sendo que, em geral, eram fixados em montantes inferiores a 10% do valor da condenação. O CPC/2015, alterando o previsto pela legislação revogada, estabeleceu critérios mais objetivos para as causas que tenham como parte a Fazenda Pública. Neste passo, é necessário esclarecer que o termo Fazenda Pública abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações136. O § 3º do art. 85 do CPC previu percentuais para a fixação dos honorários sucumbenciais, em razão da variação do valor da condenação ou do proveito econômico obtido com a causa. Assim, o valor dos honorários sucumbenciais das causas cujo valor da condenação ou proveito econômico obtido: até 200 salários mínimos, deverá ser de 10 a 20%; acima de 200 e até 2.000 salários mínimos, deverá ser de 8 a 10%; acima de 2.000 e até 20.000 salários mínimos, deverá ser de 5 a 8%; acima de 20.000 e até 100.000 salários mínimos, deverá ser de 3 a 5%; acima de 100.000 salários mínimos, deverá ser de 1 a 3% (art. 85, § 3º, I a V, do CPC). Conforme se denota, mesmo nas causas em que a Fazenda Pública for parte, ainda haverá uma margem de variação do percentual que deverá ser aplicado para realização do cálculo dos honorários sucumbenciais. Para fixação deste percentual, também deverão ser observados os critérios estabelecidos no referido § 2º do art. 85 do CPC, conforme determina expressamente o § 3º deste mesmo artigo. De acordo com o art. 85, § 5º, “Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente”. Assim, por exemplo,
caso haja uma condenação no valor de 2.500 salários mínimos, sobre 200 salários mínimos incidirá um porcentual de 10 a 20%, sobre 1.800 salários mínimos incidirá um porcentual de 8 a 10% e sobre os 500 salários mínimos remanescentes incidirá um porcentual de 5 a 8%. Os percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V, do CPC deverão ser aplicados desde logo quando a sentença for líquida (art. 85, § 4º, I, do CPC). Contudo, sendo ilíquida a sentença, a definição do percentual, somente ocorrerá quando liquidado o julgado (art. 85, § 4º, II, do CPC). Não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico da causa, o valor da condenação deverá ser calculado com base no valor atualizado da causa (art. 85, § 4º, III, do CPC). Para efeito de aplicação dos percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V, sempre deverá ser considerado o valor do salário mínimo vigente quando prolatada a sentença líquida ou quando for realizada a liquidação de sentença (art. 85, § 4º, IV, do CPC). Como exceção, não serão devidos os honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não haja impugnação, ocasião em que serão devidos os honorários sucumbenciais (art. 85, § 7º, do CPC). Sendo parte ou não a Fazenda Pública, na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa (responsabilidade extracontratual), com pedido de pagamento de prestações sucessivas, o percentual utilizado para cálculo dos honorários sucumbenciais incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 prestações vincendas (art. 85, § 9º, do CPC). Conforme explicado, o CPC vigente alterou os critérios para fixação dos honorários sucumbenciais nos casos em que a Fazenda Pública for parte,
independentemente de o resultado da causa ser favorável ou desfavorável à Fazenda Pública. Na vigência do CPC/73, caso a Fazenda Pública saísse vitoriosa, a fixação dos honorários sucumbências era de no mínimo 10% e no máximo 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC/73), enquanto, se saísse perdedora, os honorários eram fixados por apreciação equitativa do juiz (art. 20, § 4º, CPC/73), conforme mencionado. A nova legislação, portanto, promoveu igualdade no tratamento das partes envolvidas no litígio, não havendo mais a disparidade existente no § 4º do art. 20 do CPC/73. Os limites e critérios previstos no §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito, a teor do disposto no art. 85, § 6º, do CPC, sendo que, se o processo perder o objeto, os honorários sucumbenciais serão devido por quem deu causa ao processo (art. 85, § 9º, do CPC). Contudo, conforme aponta Arruda Alvim, “Não seria o art. 85 § 6º do CPC/2015 aplicável ao indeferimento da petição inicial (arts. 485, I, cc 330, I, II, III e IV do CPC/2015) caso ocorresse antes da constituição de patrono pela parte contrária. Do contrário, estar-se-ia admitindo o enriquecimento sem causa do advogado que sequer foi constituído, permitindo-lhe o recebimento de honorários de sucumbência sem qualquer labor. Por outro lado, havendo apelação contra a decisão que indefere a petição e, sendo o réu devidamente citado e tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto (art. 331, § 1º do CPC/2015), de rigor o arbitramento de honorários advocatícios nos termos previstos pelo art. 85, § 2º do CPC/2015, considerando que, neste caso, há labor do advogado que enseja a condenação”137.
O CPC/2015 inovou, em relação ao CPC/73, ao prever que o tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, levando em consideração o trabalho adicional realizado em grau recursal, bem como o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço (art. 85, § 11). A majoração independe de pedido, bastando a verificação dos requisitos legais. No entanto, é vedado ao tribunal majorar os honorários de modo tal que o cômputo geral ultrapasse o limite de 20% para a fase de conhecimento. Portanto, tendo sido os honorários fixados em 10% pelo juiz de primeiro grau, caso o tribunal venha a manter a decisão, poderá majorar os honorários até o limite da fase de conhecimento, qual seja, 20% do valor da condenação. Ainda em relação aos honorários sucumbenciais, não se pode deixar de mencionar a abolição, pelo CPC/2015, da compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca, conforme se colhe do art. 85, § 14138. Em direito civil, admite-se a compensação de créditos quando as duas partes são, mutuamente, credoras e devedoras uma da outra. Os honorários de sucumbência, a teor do que dispõe o art. 22 da Lei n. 8.906/94, pertencem ao advogado, razão pela qual em caso de sucumbência recíproca, são os advogados das partes que são titulares dos créditos, enquanto que as partes são seus devedores. Nesse caso, o autor deve ao advogado do réu, ao passo que o réu deve ao advogado do autor, razão pela qual não há identidade de partes nas duas relações jurídicas, a ponto de se falar em compensação de créditos. Acertada, pois, a redação do art. 85, § 14, do CPC. Ademais, assim como ao advogado são conferidas prerrogativas em razão de sua atividade, igualmente, em razão dela também a ele são impostos
determinados deveres. O CPC impõe ao advogado os deveres de: expor os fatos em juízo conforme a verdade, não formular pretensão ou de apresentar defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento, não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação, declinar, no primeiro momento que lhe couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva, não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (art. 77, I a VI). Nesta toada, vale mencionar que o art. 5º do CPC impõe a todos que participam do processo o dever de comportarem-se de acordo com a boa-fé. Advogando em causa própria, o advogado deverá declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para fins de recebimento de intimações (art. 106, I, do CPC). Se o advogado não declarar essas informações na petição inicial, o juiz ordenará que se supra a omissão, no prazo de 5 dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena de indeferimento da petição inicial (art. 106, § 1º, do CPC). Também deverá o advogado comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço (art. 106, II, do CPC), sob pena de serem consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos (art. 106, § 2º, do CPC). Conforme explicado, o advogado possui o direito a retirar os autos de cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre que o juiz determinar a sua manifestação, nos casos previstos em lei (art. 107, § 1º, do CPC). Contudo, o
advogado também tem o dever de restituir os autos no prazo legal, que corresponderá ao prazo para prática do ato (tratando-se de prazo para oposição de embargos de declaração, por exemplo, o prazo de devolução dos autos em cartório será de 5 dias). Na hipótese de o advogado, após retirar os autos, não os restituir no prazo legal, qualquer interessado poderá exigir a devolução (art. 234, § 1º, do CPC). Se, após a intimação, o advogado não devolver os autos no prazo de 3 dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do valor do salário mínimo (art. 234, § 2º, do CPC). Ao verificar a não devolução neste prazo de 3 dias, o juiz deverá comunicar o fato à seção local da Ordem dos Advogados para instauração de procedimento disciplinar e imposição da referida multa (art. 234, § 3º, do CPC). Poderá o advogado renunciar ao mandato, ficando, todavia, responsável nos dez dias subsequentes à notificação da revogação ao mandante, desde que tal se faça necessário para evitar prejuízo à parte. É o que estabelece o art. 112, § 1º, do CPC: “O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo, provando, na forma prevista neste Código, que comunicou a renúncia ao mandante, a fim de que este nomeie sucessor. § 1º Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo”. O mandato também poderá ser revogado pelo próprio outorgante, a teor do que dispõe o art. 111 do CPC, devendo este constituir novo procurador, através deste mesmo ato, para dar continuidade ao patrocínio da causa. Essa revogação poderá ser expressa ou, ainda, tácita, quando, por exemplo, o outorgante confere novo instrumento de procuração a outro advogado, do qual não conste a ressalva da reserva de poderes. Em tais casos, no entanto, a
revogação tácita só produzirá efeitos a partir da sua comunicação ao antigo patrono. Caso novo procurador não seja constituído no prazo de 15 dias, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício, conforme o art. 111, parágrafo único, e o art. 76. 4. Defensoria pública O art. 5º, LXXIV, da CF/88 assegura a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, cumprindo à Defensoria Pública a função de prestar essa assistência jurídica. Nos termos do art. 134 da CF/88, “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”. Conforme art. 134, § 1º, da CF/88, compete à Lei Complementar organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e estabelecer normas gerais para a organização das Defensorias dos Estados. Atualmente, tal organização foi realizada pela Lei Complementar n. 80/94, que também prescreveu normas gerais para a organização das Defensorias dos Estados. A Defensoria Pública goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações (art. 186 do CPC e arts. 44, inciso I, 89, inciso I, e 128, inciso I, da Lei Complementar n. 80/94), salvo quando a lei que estabelecer prazo próprio (art. 186, § 4º). A contagem do prazo se inicia com a intimação
pessoal do defensor público (art. 186, § 1º), que poderá ser realizada por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º). Havia grande discussão em relação ao art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50 que dispõe que: “Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. O art. 1.072, inciso III, do CPC deixou de revogar o art. 5º da Lei n. 1.060/50, revogando os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 de referido diploma legal. A discussão girava em torno da extensão do benefício do prazo em dobro aos advogados privados que eram conveniados à Defensoria Pública, pela OAB. O CPC/2015 resolveu em parte a discussão, na medida que tal benefício se estende aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º). Finalmente, assim como o membro da Advocacia Pública, qualquer membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável pelos danos causados, quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções (art. 187, CPC). 5. Os auxiliares da justiça Alguns dos auxiliares da justiça encontram-se enumerados no art. 149 do CPC. São eles: o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias. Juntamente com o juiz, os auxiliares formam o juízo.
O escrivão e o chefe de secretaria são os mais importantes dos auxiliares, pois lhes incumbe dar andamento ao processo (redigir ofícios, mandados, cartas precatórias, promover citações etc.) e documentar os atos praticados em seu curso. Os arts. 150 a 155 do CPC contêm prescrições relativas ao escrivão, ao chefe de secretaria e ao oficial de justiça. Ao oficial de justiça, nos termos do disposto no art. 154, incumbe efetuar pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e outras diligências inerentes ao seu ofício (inciso I), bem como executar as ordens determinadas pelo juiz a que estiver subordinado (inciso II), entregando em cartório os mandados tão logo sejam cumpridos (inciso III). O oficial de justiça deve, ainda, colaborar na manutenção da ordem (art. 153, IV). Compete, igualmente, ao oficial de justiça, em sede de execução, efetuar avaliações, quando for o caso (art. 153, inciso V). Também é tarefa do oficial de justiça certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, sendo que após a certificação, o juiz determinará a intimação da parte contrária para manifestar-se no prazo de cinco dias (art. 153, VI). Ao perito (arts. 156 a 158 do CPC) cabe intervir toda vez que a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, devendo ser ele designado entre “os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado” (art. 156, § 1º), podendo o escolhido escusar-se da nomeação no prazo de quinze dias (art. 157, § 1º). A nomeação do perito só ocorrerá por livre escolha do juiz nas localidades em que não houver inscritos no cadastro disponibilizado pelo tribunal, sendo que tal nomeação deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente
detentor do conhecimento necessário à realização da perícia (art. 156, § 5º). Depositário será aquele a quem incumbe a guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados etc. (art. 159)139; o administrador será o depositário com as funções de gestor (por exemplo, no caso de penhora de empresas). O intérprete, ou tradutor, será nomeado para analisar documento redigido em língua estrangeira; para verter para o português as declarações das partes e depoimentos de testemunhas que não conhecerem o idiota nacional; ou, ainda, para realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado (art. 162, I, II e III, do CPC)140. Mediador será aquele que auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, atuando preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (art. 165, § 3º). Já o conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Diferentemente do mediador, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes (art. 165, § 2º). O partidor atuará na organização dos planos e cálculos das partilhas, de acordo com a decisão judicial, respeitando a ordem dos pagamentos prevista no art. 651, I ao IV. O distribuidor, como o próprio nome diz, será aquele responsável pela distribuição das causas entre os juízos, quando na comarca houver mais de um competente para a causa. Finalmente, o contabilista auxilia o juiz na verificação dos cálculos (art.
524, § 2º), enquanto o regulador de avarias é o auxiliar da justiça, indicado consensualmente pelas partes ou nomeado pelo juiz (art. 707), para atuar no procedimento de regulação de avaria grossa, sendo responsável por declarar, justificadamente, se os danos no navio e nas mercadorias caracterizam avarias grossas passíveis de rateio, e responsável por exigir apresentação de garantias idôneas para que possam ser liberadas as cargas aos consignatários (art. 708). A figura do regulador de avarias será abordada com maior profundidade em capítulo próprio. É importante destacar que o rol constante no art. 149 do CPC não é exaustivo, sendo possível a criação e regulamentação de novos auxiliares da justiça pelas leis estaduais de organização judiciária.
V COMPETÊNCIA
1. Definição e noções gerais Arruda Alvim define competência como “a atribuição a um dado órgão do Poder Judiciário daquilo que lhe está afeto, em decorrência de sua atividade jurisdicional específica, dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a competência simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder (ou, a fortiori, de outro poder)”141. Para Humberto Theodoro Júnior, “a competência é justamente o critério de distribuir entre os vários órgãos judiciários, as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição”142. Trata-se de conceito de teoria geral do direito, não de direito processual. Na seara do direito administrativo, pode-se falar em competência deste ou daquele órgão para a prática de determinados atos. No direito constitucional, atribui-se competência aos poderes legislativos das pessoas políticas para legislar sobre determinados assuntos (exemplificativamente, arts. 153, 155 e 156 da CF/88). Em essência, a noção de competência conduz à ideia de legitimidade do exercício de um determinado poder, num determinado momento e sob
determinadas circunstâncias. Há vários critérios que permitem identificar qual o órgão jurisdicional competente. Observe-se que se fala em “órgão jurisdicional” competente e não em juiz competente, pois a competência é atributo do órgão jurisdicional, não de seus integrantes, pessoas físicas. Assim, a competência será do juízo, do tribunal, da câmara (órgão fracionário do tribunal), não de seus integrantes. As regras de competência encontram-se previstas nos mais variados diplomas: na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, em leis federais, leis extravagantes, nos Códigos de Organização Judiciária. De maneira geral, pode-se afirmar que a Constituição Federal define qual a Justiça competente; o CPC (ou outras leis extravagantes), qual o foro competente; e as leis de organização judiciária, qual o juízo competente143. Deveras, a lei estadual pode, por exemplo, criar juízos privativos, como faz, por exemplo, quando estabelece a existência de varas da Fazenda Pública. Os regimentos internos de tribunais, de seu turno, estabelecem as suas competências internas com relação aos órgãos jurisdicionais e administrativos respectivos (art. 96, I, a, CF/88). Já se disse que há vários critérios que permitem identificar a competência, conforme se infere de uma leitura da Seção I, Capítulo III, Título III, Livro I, do Código de Processo Civil. A competência pode ser determinada em razão da matéria, em razão da pessoa, em razão do valor da causa, em razão do território ou do foro, bem como pode ser funcional, esta subdividida em espécies, entre as quais se encarta a competência hierárquica. A competência em razão da matéria, em razão da pessoa e em razão do valor da causa são subespécies da assim
denominada competência objetiva144. Ao lado desses critérios, Arruda Alvim145 alinha a prevenção como critério de fixação de competência, o que se dá pelo ato previsto na lei (distribuição art. 59), dentre os juízos para os quais a competência esteja determinada. Fixe-se um ponto, desde logo, que é fundamental para o estudo do tema: segundo diz textualmente Arruda Alvim, “para se determinar a competência, todos os critérios hão de ser sempre e simultaneamente utilizados”146. Dito de outra maneira: somente a aplicação de todos os critérios determinadores da competência ao caso concreto é que permitirá a identificação do órgão jurisdicional competente. Com efeito, para se definir a competência para conhecer e julgar determinada causa, deve-se fazer, grosso modo, o seguinte “percurso”. Primeiro, afere-se qual a Justiça competente, a partir de critérios constitucionais, ideia que está intimamente ligada ao chamado juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII e LIII). Sucessivamente, qual o foro competente, tendo em vista os critérios de competência territorial (Código de Processo Civil). Finalmente, qual o juízo competente, tendo presentes os critérios das leis de organização judiciária locais. A prevenção é um critério para fixação da competência, num dado órgão jurisdicional, seja em primeiro ou em segundo grau de jurisdição. Ao tempo do CPC/73, em primeiro grau, o critério de prevenção era diferente dependendo da circunstância de que se tratassem de juízos com a mesma competência territorial ou não. Assim: a) a prevenção se dava com a citação (art. 219 do CPC/73) se os juízos não tivessem a mesma competência territorial; b) se os juízos tivessem a mesma competência territorial, estaria prevento aquele que despachasse em primeiro lugar (art. 106 do CPC/73).
O CPC/2015 facilitou a fixação da competência, adotando como critério da prevenção o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59), nas comarcas onde houver mais de uma vara. Em outros termos, a prevenção não se dá mais com a citação ou com o despacho que a haja ordenado. Reconhecida a prevenção de determinado juízo, este será competente para apreciar todas as causas conexas à ação que se fixou naquele juízo. Podemos afirmar que o juízo somente será efetivamente competente para conhecer determinada ação após identificada a sua prevenção. Antes da prevenção há juízos abstratamente competentes, pelo critério da determinação da competência; com a prevenção, individualiza-se o juízo dentre aqueles, que passará a ser o competente. A prevenção é um fenômeno que pode ocorrer também em segundo grau de jurisdição, como já se aflorou, ou seja, se apreciado um recurso por determinado órgão colegiado de tribunal, os demais recursos e pedidos referente a esse processo poderão ser de competência do relator que apreciou o primeiro recurso (art. 930, parágrafo único, CPC/2015). Quanto aos critérios de prevenção nos tribunais, contudo, é necessário analisar os respectivos regimentos internos, pois a matéria não é integralmente disciplinada pelo Código de Processo Civil, podendo variar caso a caso147. A fixação de competência em razão da prevenção pressupõe que mais de um juízo seja competente para apreciar o feito, mas que, em razão da prevenção, a competência se fixe em um deles. Não se trata, destarte, de um critério de determinação de competência, mas de “fixação”148 de competência entre juízos que, originariamente, seriam abstratamente competentes para conhecer da causa. Em sendo atributo do órgão jurisdicional, distingue-se a incompetência do
impedimento (que diz respeito ao juiz e que compromete a sua imparcialidade). Teve-se oportunidade de estudar que a função jurisdicional apresenta como uma de suas características primordiais a imparcialidade. O juiz é, por excelência, imparcial, equidistante das partes. Ora, em ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 144, o juiz será impedido, mas a causa deverá permanecer no mesmo órgão jurisdicional (juízo), sendo julgada por outro juiz. Isso porque o vício de parcialidade diz com a pessoa do juiz, não com o órgão jurisdicional. Na hipótese de incompetência absoluta, diferentemente, o vício não diz com a pessoa que integra o órgão, mas com o órgão jurisdicional em si mesmo considerado, sendo de rigor, nessa hipótese, a remessa dos autos ao órgão jurisdicional competente, de acordo com o § 1º do art. 64, caso em que serão nulos os atos decisórios. Atrelado à ideia de prevenção, encontra-se o princípio da perpetuatio jurisdictionis, expressado no art. 43 do CPC/2015, nos seguintes termos: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato e de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery denominam esse fenômeno de “estabilização da competência”149, observando que se trata de regra com finalidade precípua de proteger as partes de sucessivas mudanças do local de tramitação do processo. As hipóteses de desmembramento de comarcas têm gerado controvérsia nos tribunais a respeito da necessidade do encaminhamento ou não dos processos já em curso à nova comarca, quando o réu seja domiciliado nessa
nova Comarca. 2. Incompetência absoluta A incompetência pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta, diz o art. 64, § 1º, pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo, inclusive, ser pronunciada de ofício, sem provocação da parte. Rende, inclusive, ensejo à ação rescisória do julgado, nos termos do inciso II do art. 966, independentemente de ter sido articulada na ação original150. A incompetência absoluta deve ser alegada em preliminar de contestação, reza o art. 337, II. Aliás, esta é mais uma razão pela qual deve ser reconhecida de ofício, tendo-se em vista o que preceitua o § 5º do mesmo art. 337. Em respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório (arts. 9º e 10), as partes devem ser ouvidas antes que o juiz reconheça a incompetência absoluta de ofício. Da mesma forma, segundo o § 2º do art. 64, o autor deve ser intimado a se manifestar sobre a alegação formulada pelo réu, antes que o juiz decida a questão. Reconhecida a incompetência absoluta, serão os autos remetidos ao órgão jurisdicional competente, ficando conservados os efeitos da decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra venha a ser proferida, se for o caso, pelo juízo competente – salvo decisão judicial em sentido contrário (art. 64, §§ 3º e 4º, CPC/2015). Trata-se, a rigor, de previsão que alterou o regramento anteriormente dado pelo CPC/73, que previa a nulidade dos atos decisórios (art. 133, § 2º), já que, atualmente, conservam-se os efeitos da decisão proferida pelo juízo absolutamente incompetente, que ficará, evidentemente, à cargo do juízo competente referendar ou alterar o quanto decidido
anteriormente. Será absoluta a competência fundada no interesse público, fixada em razão da matéria, da pessoa e a funcional. Trata-se de pressuposto processual de validade do processo. Perante o juízo incompetente, forma-se a relação processual, porém de forma inválida, dando margem, como dito, até mesmo, à ação rescisória (art. 966, II). O ajuizamento da ação rescisória, porém, não impede a execução da sentença prolatada pelo juízo incompetente (art. 969), em razão da formação da coisa julgada, a menos que na ação rescisória seja concedida tutela provisória para esse fim (impedir o cumprimento da sentença). Não proposta a ação rescisória no prazo de dois anos a que alude o art. 795, a sentença, mesmo proferida por juiz vinculado a órgão jurisdicional absolutamente incompetente, terá, para todo e qualquer efeito, validade e eficácia, desaparecido de vez o vício que a maculava. 3. Incompetência relativa A incompetência relativa, a seu turno, deve ser levantada necessariamente em preliminar contestação, sob pena de prorrogação da competência (art. 65). Vale dizer, não pode ser declarada de ofício, conforme o texto do § 5º do art. 337 do CPC/2015. Assim, à falta de alegação da incompetência relativa por ocasião da apresentação da contestação, haverá prorrogação da competência, de modo que o órgão inicialmente incompetente (relativamente) tornar-se-á competente para conhecer da causa. Contudo, para que o fenômeno da prorrogação se opere, deve-se estar diante de incompetência em razão do valor ou do território. Diferentemente do que sucede com a incompetência absoluta, a relativa, se
não arguida, se prorroga, de tal sorte que não pode ser considerada pressuposto processual. 4. Foro e juízo É importante distinguir essas duas ideias. Foro é ideia ligada a território, diz respeito ao território dentro do qual se exerce a jurisdição. Por isso é que se diz que a competência territorial é competência de foro. O juízo, já se teve oportunidade de mencionar, é, em primeiro grau, formado pelo juiz e por seus auxiliares. É, como diz Arruda Alvim: “um órgão que se coloca dentro do foro competente, sendo uma das células jurisdicionais operativas e competentes, dentro do foro”151. Escolhe-se dentro do foro qual o juízo competente. Daí por que a competência em razão da matéria e em razão do valor é competência de juízo. 5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios Se a União, entidade autárquica federal ou empresa pública federal forem autoras, rés, assistentes ou opoentes, ademais, a ação haverá de tramitar, como regra, perante a Justiça Federal (CF, art. 109, I), salvo as exceções previstas no próprio texto constitucional. O STJ já decidiu que, tratando-se de ação relacionada a desapropriação efetuada por empresa pública estadual, a competência para conhecê-la e julgá-la é da Justiça comum do Estado, se a União Federal “não subscreveu a petição inicial com a expropriante (concessionária de energia elétrica) e se recusa, formalmente, a intervir no feito como assistente”152. Tratando-se de sociedade de economia mista, a competência para processar e julgar as causas em que for parte é da Justiça Estadual. A esse respeito, confiram-se o entendimento plasmado nas seguintes Súmulas do STJ e STF: Súmula 508 do STF: “Compete à Justiça
Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil S/A”; Súmula 517 do STF: “As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém como assistente ou opoente”; Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”. A União tem foro próprio, nos termos do art. 109, § 2º, da CF/88 e art. 45 do CPC/2015. Nesse preceito, são estabelecidos foros concorrentes, de modo que, nas hipóteses em que a União for ré, a ação poderá ser ajuizada em qualquer deles (art. 51, parágrafo único, CPC/2015). Já nas hipóteses em que a União for autora, é competente o foro de domicílio do réu, conforme disciplinado no art. 51, caput, do CPC/2015, em consonância com o § 1º do art. 109. Frise-se, todavia, que tais regras não podem ser afastadas por vontade das partes (competência absoluta). Os Estados e Municípios, por sua vez, possuem apenas juízos próprios (em São Paulo, as Varas da Fazenda Pública). Isso quer dizer que, sendo demandados em comarca a respeito de imóvel ali situado (art. 95), onde não exista vara da Fazenda Pública, a causa será processada perante vara cível, sem que se possa falar em incompetência153. Se houver intervenção da União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou terceiro interveniente, a causa deve ser deslocada para a Justiça Federal, conforme art. 45 do CPC/2015. Os autos não serão remetidos quando se tratar de ações de recuperação judicial, falência, insolvência civil, acidente do trabalho, bem como aquelas sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho154. No caso de ação em que exista cumulação
de pedidos e apenas um deles for de interesse da União, suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas, os autos também não serão remetidos ao juízo federal competente. Neste caso, o juiz não apreciará o mérito do pedido cuja competência é da Justiça Federal, cabendo à parte propor a ação de interesse da União perante o juízo competente. De outro lado, se a intervenção se der após o julgamento da causa em primeiro grau pela Justiça Estadual, a competência para o julgamento do recurso se transfere para o Tribunal Regional Federal da Região respectiva155. A propósito, de ser registrado o entendimento estampado na Súmula 150 do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”156. Vale dizer, externando a União interesse no litígio, compete à Justiça Federal decidir se é de ser admitida ou não referida intervenção157. Questão de grande relevância se foca na intervenção das pessoas jurídicas de direito público, nos termos estabelecidos no art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/97. Dispõe mencionado artigo: “Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes”.
O parágrafo único do art. 5º da referida lei franqueia às pessoas jurídicas de direito público a possibilidade de intervirem em qualquer processo judicial, desde que a decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, independentemente da demonstração de interesse jurídico. Segundo dispõe a letra do parágrafo único do art. 5º, o deslocamento da competência está ligado ao ato de recorrer158-159. 6. “Competência” internacional e competência interna O art. 23 estabelece casos de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira. É compreensível que assim seja, diante das hipóteses ali contempladas, quais sejam: I – ações relativas a bens imóveis situados no Brasil; II – inventário de bens situados no Brasil; III – partilha de bens situados no Brasil, no caso de separação judicial ou dissolução de união estável. Com efeito, seria atentatório à soberania brasileira que autoridade judiciária estrangeira pudesse decidir acerca do destino de bens imóveis situados no Brasil. A competência é, pois, exclusiva. Com efeito, se o disposto neste artigo diz respeito à soberania do País, trata-se de regra que define a exclusividade da jurisdição brasileira, e não propriamente de uma regra de competência160. Diferentemente sucede nas hipóteses do art. 21. Aqui, a competência da autoridade judiciária brasileira é concorrente com a estrangeira. Os processos poderão correr simultaneamente, sem que possa ser levantada como óbice a dualidade de litispendências (art. 24), salvo as disposições em contrário contidas em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. Quer isto significar que, nos casos do art. 21, é possível a coexistência
simultânea de duas ações entre as mesmas partes e com o mesmo objeto. Como deixa claro o art. 24, em tal hipótese não se poderá pretender a extinção da ação que tramita no juízo nacional sob o fundamento de que haveria litispendência. Note-se que, rigorosamente, a litispendência existe, todavia não há sobre esta o efeito obstativo do ajuizamento de outra demanda com as mesmas partes e mesmo objeto em jurisdição estrangeira. Nessa hipótese, valerá a sentença sobre cujo comando dispositivo primeiro recair a coisa julgada, valendo lembrar que a sentença estrangeira somente terá eficácia no Brasil depois de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Da mesma forma, as decisões interlocutórias proferidas por outros Estados, cujo cumprimento é objeto de carta rogatória, só serão eficazes no Brasil após a expedição do exequatur, pelo Superior Tribunal de Justiça, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado (art. 961, CPC/2015). Nesse caso, admite-se que corram dois processos em paralelo (aqui e no estrangeiro), sem que se possa objetar com a dualidade de litispendências. Tal possibilidade cessa se a decisão estrangeira transitar em julgado e quando vier a ser homologada, quando for o caso, após prévio juízo de delibação, pelo STJ. Vale dizer, homologada a sentença estrangeira, haverá óbice superveniente à tramitação da ação perante o juízo brasileiro. Nesse caso, há pressuposto processual negativo (coisa julgada), que deverá conduzir à extinção da segunda ação, com espeque no art. 485, V161. Esse é o sentido da regra estampada no parágrafo único art. 24 do CPC/2015. Segundo Arruda Alvim, “em sendo comum o objeto ou a causa de pedir, de causa pendente no estrangeiro, ou de uma causa proponível na justiça nacional, poderá esta ser proposta aqui; e a circunstância de causa conexa, já pendente na jurisdição estrangeira, será absolutamente irrelevante, para impedir a pendência da
causa entre nós”162. 6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros Não mais se admite como absoluta a regra referente à imunidade de Estado estrangeiro, tendo em vista que as Convenções de Viena se referem à imunidade das pessoas e não dos Estados estrangeiros, sendo certo que as primeiras continuam tuteladas pelas regras diplomáticas. Oportunos os esclarecimentos feitos por Athos Gusmão Carneiro: “Já quanto ao Estado estrangeiro, a Convenção europeia de Basileia, de 1972, sobre as imunidades dos Estados, e leis dos Estados Unidos, do Reino Unidos e de outros países introduziram limitações à teoria da imunidade absoluta, passando a aceitar-se o controle jurisdicional sobre os atos de pura gestão praticados pelo Estado estrangeiro, mas não sobre os atos caracterizados como jure imperii (STF, AC 9696, Pleno, reclamação trabalhista contra a hoje extinta República Democrática Alemã, ac. de 31.05.1989, rel. Min. Sydney Sanches, com elucidativo voto do Min. Francisco Rezek)”163. A representação em juízo de Estados estrangeiros deve ser feita pelo embaixador e não pelo cônsul164. As cartas rogatórias constituem instrumento de cooperação entre os países que mantêm relações diplomáticas. A carta rogatória passiva (recebida pelo Brasil para que se lhe dê cumprimento) deve se submeter à homologação, perante o Superior Tribunal de Justiça, isto é, a decisão que se busca ver cumprida deverá passar pelo juízo de delibação do STJ ou do juízo competente para lhe dar cumprimento, caso, por exemplo, trate-se de carta rogatória originária de país integrante do Mercosul, pois o Brasil incorporou o Protocolo de Las Leñas, por meio do
Decreto Legislativo n. 55/95, bem como pelo Decreto n. 2.067/96, que facilita o cumprimento de cartas rogatórias entre os países integrantes do bloco. 6.1.1 Homologação de decisão estrangeira A sentença estrangeira somente produz seus regulares efeitos no Brasil após a sua homologação, ou, tratando-se de decisão interlocutória, por meio do procedimento da carta rogatória (art. 961). Trata-se do juízo de delibação, proveniente do sistema italiano, por meio do qual o Estado exerce a sua soberania, em sendo a jurisdição uma das facetas de um Estado soberano165. Nesta toada, cabe à parte interessada se valer da ação de homologação de decisão estrangeira para que os efeitos da sentença proferida no exterior sejam verificados (art. 960). Da mesma forma, a execução de decisão interlocutória está adstrita ao procedimento da carta rogatória (art. 960, § 1º), que também se submete ao juízo de delibação, como regra166. O CPC/2015, distanciando-se do CPC/73, faz ressalva expressa à obrigatoriedade do “juízo de delibação”, permitindo produção automática dos efeitos de decisão estrangeira, quando houver dispositivo especial previsto em tratado nesse sentido (art. 960, § 1º). Vale ressaltar, ainda, que as decisões estrangeiras homologáveis são aquelas
que,
no
Brasil,
sejam
enquadradas
como
sentenças,
independentemente de serem classificadas como judiciais ou administrativas no seu país de origem (art. 961, § 1º). Assim, é possível homologar decisão proveniente do Contencioso Administrativo, vinculado ao órgão do Poder Executivo do país originário (existente, por exemplo, na França e na Itália)167. Por fim, o CPC/2015 é expresso em conferir aplicação subsidiária da
disciplina da homologação de decisão estrangera à sentença arbitral proferida no exterior (art. 960, § 3º). A competência para homologar sentença estrangeira e conceder exequatur às cartas rogatórias foi inicialmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Porém, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, houve o deslocamento da competência para o Superior Tribunal de Justiça, por meio da inclusão da alínea i no art. 105, I, da Constituição Federal. Não compete ao STJ, entretanto, a reapreciação do mérito da decisão estrangeira. O seu “juízo de delibação” restringe-se à análise de exigências extrínsecas à decisão, tais quais: ser proferida por autoridade competente (art. 963, I), ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia (art. 963, II), ser eficaz no país em que foi proferida (art. 963, III), não ofender a coisa julgada brasileira (art. 963 IV), estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado (art. 963, V) e não conter manifesta ofensa à ordem pública (art. 963, VI). Com efeito, após o deslocamento da competência operada pela Emenda Constitucional n. 45, o procedimento de homologação passou a obedecer ao que dispõem os tratados em vigor no Brasil e ao Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, consoante art. 960, § 3º, do CPC/2015. Neste contexto, importante ressaltar a Emenda Regimental n. 18, publicada pelo STJ em 2014, que acrescentou o capítulo “Da Homologação de Decisão Estrangeira”
(arts.
216-A
a
216-X)
ao
seu
Regimento
Interno,
regulamentado, no que lhe cabe, o procedimento de recepção de decisões estrangeiras168. Finalmente, uma vez homologada a sentença estrangeira ou concedido exequatur à carta rogatória, compete à Justiça Federal proceder com o
cumprimento da decisão, nos termos do art. 515, incisos VIII e IX, do CPC/2015 e do art. 109, X, da Constituição Federal. 6.2 Cooperação internacional O CPC/2015 tratou da cooperação internacional, objetivando se adequar ao crescente processo de globalização, cujos reflexos são atestados na dinâmica movimentação de pessoas, bens e dinheiro entre Estados169. Em primeiro plano, atribuiu-se aos tratados internacionais a função de regular as relações em sede de cooperação internacional (art. 26, caput). Porém, a ausência de tratado vigente no Brasil não obsta que se proceda com a cooperação internacional, que poderá realizar-se com base na reciprocidade, manifestada por via diplomática (art. 26, § 1º). O
CPC/2015
define
duas
modalidades
de
cooperação
jurídica
internacional: auxílio direto (arts. 28 a 34) e carta rogatória (arts. 35 a 36). O auxílio direto é cabível quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira (art. 28). Tal modalidade se justifica, pois viabiliza maior fluidez nas relações internacionais, ao dispensar a exigência da prévia apreciação pelo STJ, restringindo as medidas sujeitas ao procedimento jurisdicional da homologação170. Os possíveis objetos do auxílio direto estão elencados no art. 30 do CPC/2015, conforme se segue: obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso (inciso I), colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira (inciso II), qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira (inciso III).
O art. 29 estabelece, ainda, que a solicitação realizada por Estado estrangeiro deverá ser encaminhada à autoridade central brasileira, que é, em regra, o Ministério da Justiça, nos termos do art. 26, § 4º. Pois bem, verificada a necessidade de participação do Poder Judiciário na providência solicitada por país estrangeiro, a autoridade central encaminhará o pedido à Advocacia-Geral da União, para que proceda com o requerimento em juízo (art. 33). Nesta hipótese, compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida, apreciar o pedido de auxílio direto passivo – ou seja, proveniente de país estrangeiro, consoante art. 34 do CPC/2015. Por outro lado, não verificada a necessidade de participação judicial, a autoridade central brasileira poderá adotar as providências necessárias junto às autoridades administrativas competentes, a fim de dar cumprimento à medida solicitada (art. 32). Conforme abordamos no item 6.1, a competência para realizar o “juízo de delibação” de carta rogatória foi atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 36), que poderá analisar, além da homologação de sentença estrangeira, a execução de decisão interlocutória e a decisão arbitral proferida no exterior (art. 960). 7. Competência exterior e competência interior A competência pode ser vista da perspectiva do órgão jurisdicional que se esteja considerando em relação ao “contexto ou conjunto de funções que ele tem dentro do Poder Judiciário”171. Trata-se aqui da competência exterior. Porém, principalmente quando se cuida de órgãos colegiados, tem enorme importância a competência interior. Por exemplo, sabemos que determinada
causa será apreciada pelo Tribunal de Justiça (competência exterior), porém cumpre fixar qual de seus órgãos fracionários (Câmara, Plenário, v.g.) irá apreciá-la (competência interior). Assumem grande relevância, no que diz com os critérios de competência interna, os regimentos internos dos tribunais. 8. Competência em razão da matéria – absoluta A competência, como dito, pode ser fixada em razão da matéria a ser discutida no processo. O Código de Processo Civil prevê a possibilidade de serem fixados critérios de competência em razão da matéria, da pessoa, do valor da causa, em razão do território ou do foro, bem como pode ser funcional. Tal fixação, pois, decorrerá de outros diplomas, observadas, evidentemente, as regras de competência previstas na Constituição Federal, como corretamente faz referência o art. 44 do CPC. Normalmente, cabe às leis de organização judiciária locais regular a competência em razão da matéria. Quanto maior o movimento, isto é, a quantidade de processos, maior a especialização, que deverá ser disciplinada pelas leis de organização judiciária locais. Por isso, na Capital de São Paulo, v.g., há as Varas da Família e Sucessões, Varas da Fazenda Pública, Varas de Registros Públicos, Varas Empresariais, Varas de Falência, Recuperação de Empresas e causas envolvendo Arbitragem etc., divisão de competência feita pelas leis locais, à luz dos critérios estabelecidos pelo Código de Processo Civil para a divisão da competência em razão da matéria. Identificada a competência territorial para determinada ação, é preciso analisar a matéria objeto da ação e, assim, identificar o juízo competente. Assim, a Súmula 206 do STJ: “A existência de vara privativa, instituída por
lei estadual não altera a competência territorial resultante das leis de processo”. Conforme dissemos acima, será preciso analisar se a ação deve ser proposta perante a Vara de Família e Sucessões, da Fazenda Pública, dos Registros Públicos etc. Trata-se de análise que leva em conta regras de competência absoluta, pois envolve critérios materiais172. Havendo mais de um juízo abstratamente competente para conhecer da causa, será esta distribuída de acordo com critérios alternativos, respeitandose a igualdade (arts. 251 e 252). A prevenção é que fixará a competência para determinado juízo, dentre os vários que, em tese, seriam competentes para apreciar a matéria. Deve ser analisada, ainda, a competência e a divisão interna dos órgãos colegiados, para se identificar se o pedido, por exemplo, deve ser dirigido à Turma (ou à Câmara), ao Pleno, se se tratar de ação de competência originária dos tribunais. 9. Competência funcional – absoluta Este critério leva em conta a função do órgão jurisdicional. A respeito da competência funcional, temos que a distribuição pode ser vertical. É o que acontece quando se fala na competência dos tribunais para apreciar recursos. O juízo de primeiro grau tem competência originária para a causa, o tribunal tem competência para apreciar os recursos interpostos contra as decisões de primeiro grau. A distribuição das competências funcionais pode ser também horizontal. É o que acontece, por exemplo, quando se expede carta precatória para interrogatório de uma testemunha residente em outra comarca. Tem-se, como modalidade desse critério, o caso da competência funcional
hierárquica dos tribunais para julgarem os recursos. É, ainda, o caso dos juízos monocráticos para julgarem as ações em primeira mão, sendo de se observar
que
apenas
excepcionalmente
as
causas
são
ajuizadas,
originariamente, perante os tribunais, como, por exemplo, nos casos previstos no art. 102, I, a a r, da CF, em relação ao Supremo Tribunal Federal. Em regra, e este é o princípio informador, a competência é do primeiro grau, salvo se, por texto expresso, deixar de sê-lo. A competência dos tribunais é fixada pelas leis de organização judiciária, mas antes disso pela própria Constituição Federal (art. 96). É o que se observa no art. 102 e s. da CF/88. Como visto, é, exemplificativamente, da competência (originária) do Supremo Tribunal Federal o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei federal (art. 102, I, a). 10. Competência em razão do valor – relativa A competência é também fixada em razão do valor. O art. 63 do CPC dispõe poderem as partes “modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações”, o que nos conduz a afirmar que a competência em razão do valor é relativa, na medida em que aludido dispositivo legal permite a modificação, pelas partes, da competência. Já à época do CPC/73, cujo art. 111 guarda substancial correspondência com o atual art. 63, Celso Agrícola Barbi sustentava: “a segunda parte do art. 111 confirma a regra do art. 102, segundo a qual a competência em razão do território, ou do valor, é relativa, derrogável”173. Assim, “se, num contrato entre A e B, ambos domiciliados na comarca da Capital de São Paulo, ajusta-se como foro de eleição o da comarca de Santos,
no mesmo Estado de São Paulo, tal pacto é válido porque, em si mesmo, não redefine, com agressão a norma legal alguma, a competência de nenhuma das comarcas. Isto quer dizer que quando no art. 111 se diz modificação da competência, significa-se que, ao lado do foro já competente – in casu, o(s) foro(s) domiciliar(es) –, erige-se mais um foro competente, isto é, concorrentemente competente com o domiciliar”174. Esse o motivo pelo qual a competência em razão do valor é relativa. Outro exemplo de competência relativa, quando esta for fixada em razão do valor da causa, dá-nos Humberto Theodoro Júnior, ao afirmar: “Uma hipótese de influência do valor da causa sobre a competência recursal ocorre com os executivos fiscais de pequeno valor, já que a impugnação da sentença não será endereçada ao tribunal de segundo grau, mas ao próprio juiz prolato da decisão (Lei n. 6.830, de 22.09.1980, art. 34, § 3º)”175. Nas hipóteses acima ventiladas, a competência em razão do valor é relativa (regra geral), de modo que, uma vez violada, se não alegado o vício a tempo e no modo devidos, ocorre prorrogação da competência. Questão de suma importância diz respeito à competência em razão do valor da causa dos foros regionais, notadamente na comarca de São Paulo. Em referida Comarca, determinadas causas, cujo valor ultrapasse um teto fixado em lei, não podem ser ajuizadas nos foros regionais, mas somente no foro central. O Código de Processo Civil traz a possibilidade de serem fixados critérios de competência em razão do valor da causa, mas a regulamentação de ditos critérios se faz por meio das leis de organização judiciária locais, respeitados os critérios estabelecidos no Código de Processo Civil. Embora a matéria deva ser tratada com mais detença, vale ressaltar, desde
já, que a toda causa, independentemente de ter ou não conteúdo econômico imediatamente dimensionável, deve ser atribuído um valor (art. 291), sendo que, para determinadas hipóteses (art. 292, incisos I a VIII e §§ 1º e 2º), a lei predetermina o valor a ser dado à causa. Ressalta Patrícia Miranda Pizzol que “a exigência da indicação do valor da causa se deve ao fato de ele ser importante: para a identificação do procedimento; para a fixação do valor das custas iniciais; para a verificação da admissibilidade de alguns recursos; para a condenação dos honorários”176. Registre-se que o entendimento preponderante, do qual compartilhamos, é o de que a competência dos foros regionais, no caso da Comarca de São Paulo (art. 54, I, da Res. n. 2/76 do TJSP), conquanto fixada em razão do valor (até 500 vezes o valor do salário mínimo vigente), é absoluta, e não relativa. Ensina, a propósito, Arruda Alvim que “a competência dos foros regionais, no que diz respeito à matéria (curialmente) e ao valor (igualmente), é absoluta, no sentido de não admitir a preferência pelo foro central, em detrimento de um dado foro regional”177. O fundamento para tal assertiva encontra-se delineado na própria lei de organização judiciária, que veda a competência cumulativa entre o foro central e os regionais (art. 53, II, da Res. n. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83). Assim, na comarca de São Paulo, não há opção para as partes em ajuizar eventual ação em um foro regional ou um foro central, pois “suposta eleição é atentatória das regras de competência, pois que, sendo descoincidente a competência do foro central da dos foros regionais, tal eleição é contra legem e vai contra o disposto no art. 54 da Res. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83”178. Desta forma, resta-nos concluir que a competência em razão do valor, para
o Código de Processo Civil, é relativa, na medida em que as partes podem modificar a competência. De outro lado, quando se tratar de fixação de competência em razão do valor da causa dos foros regionais na comarca de São Paulo, a competência é absoluta. Patrícia Pizzol, na vigência do CPC/73, entendia que a competência dos foros regionais na Comarca de São Paulo é “absoluta, muito embora, em princípio, à luz do art. 102 do CPC, seja a competência fixada em razão do valor da causa prorrogável. Isso porque o critério de que se valeu o legislador para a criação dos foros regionais e para a fixação da competência foi o do interesse público, e não o da comodidade das partes”179. Vemos, assim, que o caso dos foros regionais na comarca de São Paulo é sui generis, haja vista que, conquanto o critério “valor” interfira diretamente na fixação da competência do foro regional, trata-se de caso de competência absoluta, sendo vedado ao interessado optar pelo foro central em detrimento do foro regional. Nesta toada, segundo comentário de Arruda Alvim, de pertinência contemporânea: “apesar dos aparentes entraves exegéticos que se colocam diante do aplicador da lei (isto é, o Código de Processo Civil, que no art. 111 define a competência territorial e por valor como relativas), não se pode admitir, como regra corrente, na dinâmica da vida judiciária, a eleição do foro central, por exemplo e por hipótese, em detrimento de um dado foro regional, para causas cujos valores seriam e são da exclusiva competência do foro regional; inversamente, nem pelo fato da competência por valor ser relativa pelo Código de Processo Civil (art. 111) poder-se-ia admitir, no caso vertente, que se viesse atribuir, a um dado foro regional, uma competência por valor superior à legal (art. 54 da Res. 2/76 do TJSP). Se isto ocorresse e fosse tido por legítimo, por certo, implicaria demonstrar o sistema de divisão
interna da comarca da Capital, com infração à lei, o que seria tanto mais prejudicial se isto viesse a ser admitido como regra geral”180. 10.1 Competência dos Juizados Especiais A revogada Lei n. 7.244/84 criou os Juizados Especiais de Pequenas Causas, mas o seu âmbito de atuação era muito restrito. A Constituição Federal de 1988 veio dispor sobre a criação de juizados especiais, pela União e pelos Estados-membros, nos limites da sua jurisdição (art. 98, I), com competência para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. A Lei n. 9.099/95, ao instituir os Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais, determinou que o Juizado Especial Cível tem competência para as causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: “I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo (art. 3º, incisos I a IV)”. Frisa-se que a Lei n. 9.099/95 foi promulgada durante a vigência do CPC/73, estando o referido art. 275, inciso II, relacionado às causas que se sujeitavam ao procedimento sumário. Porém, com o advento do CPC/2015, a divisão do procedimento comum em ordinário e sumário – cognição ampla e exauriente – foi superada. Atualmente, o procedimento comum se aplica a todas as tutelas de caráter cognitivo, salvo aquelas sujeitas aos procedimentos especiais. Por conseguinte, o art. 1.049, parágrafo único, do CPC determina que, nas
hipóteses em que a lei mencionar o procedimento sumário – remetendo-se à sistemática do CPC/73 –, deverá ser observado o procedimento comum, respeitadas as especificidades próprias da lei especial. Assim, as causas elencadas no art. 275, inciso II, do CPC/73 atualmente submetem-se ao procedimento comum, devendo prevalecer tal interpretação para fins de definição da competência do Juizado Especial Cível. Ainda, a lei excluiu da competência dos juizados especiais “as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial” (art. 3º, § 2º, Lei n. 9.099/95). Oportuno mencionar, contudo, que a recente Lei n. 12.153/2009 passou a instituir os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Aludidos Juizados são competentes para processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos, nos termos do caput do art. 2º da Lei n. 12.153/2009. A competência fixada pela Lei n. 9.099/95 não é absoluta, mas relativa181. Dessa forma, ainda que a causa possa ser intentada perante o Juizado, a parte poderá propor a ação no juízo cível comum (o § 3º do art. 3º da Lei n. 9.099/95 diz se tratar de “opção” do autor). Oportunas, nesse contexto, as considerações feitas por Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Muito embora a LJE não repita, de forma expressa, a regra da revogada LPC [Lei das Pequenas Causas] 1º, segundo a qual o autor podia optar pelo ajuizamento da causa nos juizados de pequenas causas, o sistema atual não foi modificado. O autor pode, no regime jurídico da vigente LJE, optar pelo ajuizamento da ação no
regime do CPC ou pelo regime da LJE”182. De seu turno, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, criados pela recente Lei n. 12.153/2009, é absoluta. Com efeito, dispõe o § 4º do art. 2º de referido diploma legal: “No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”. No âmbito da Justiça Federal, a Lei n. 10.259/2001 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Ao Juizado Especial Federal Cível foi conferida competência para “processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001), expressamente excluídas: a) as causas a que se refere o art. 109, II, III e XI, da CF, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa, bem como as ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º, § 1º, I); b) as ações que versem bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais (art. 3º, § 1º, II); c) as ações para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, não incluídos nesta exceção os atos de natureza previdenciária e de lançamento fiscal (art. 3º, § 1º, III); e, ainda, d) as ações que visem impugnar pena de demissão que haja sido imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares (art. 3º, § 1º, IV). O próprio legislador, a fim de dissipar eventuais incertezas acerca do âmbito de aplicação dessa lei, estabeleceu expressamente que, “no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta” (art. 3º, § 3º).
11. Competência territorial – relativa A competência pode ser fixada também em razão do território. As regras de competência territorial vêm disciplinadas no art. 46 e s. Trata-se, também, de hipótese de competência que, de regra, é relativa, assim como aquela fixada em razão do valor. 11.1 Hipóteses de competência territorial O art. 46 estabelece a regra geral a respeito da competência territorial. O réu, nas ações fundadas em direito pessoal ou real sobre bens móveis, deverá ser demandado no foro de seu domicílio. Este é o chamado foro geral principal. Tendo mais de um domicílio (art. 71 do CC/2002), poderá o réu ser demandado em qualquer deles (art. 46, § 1º). Os §§ 2º, 3º e 4º do art. 46 cuidam dos chamados foros gerais subsidiários. O § 2º dispõe que, sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor; o § 3º dispõe que, não sendo o réu domiciliado no Brasil, nem tendo aqui residência, será a demanda proposta no foro do domicílio do autor e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro; e, por fim, o § 4º estabelece que, existindo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor. 11.2 Competência dos foros regionais Nos grandes centros urbanos, em que há grande e concentrado volume de processos em andamento, verifica-se a criação dos denominados “foros regionais”, na tentativa de desobstruir os foros centrais, a fim de conferir uma melhor distribuição da Justiça.
Em São Paulo, predomina o entendimento de que a competência dos foros regionais é absoluta. Essa a opinião que encampamos, conforme já referimos anteriormente. Nesse sentido é a orientação do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Quer seja a competência de foro regional fixada ratione materiae, quer seja fixada em razão do valor da causa, ela tem natureza absoluta e pode ser declinada de ofício”183. “Competência. Conflito. Foro regional. Competência para julgamento de ação de cobrança de aluguéis. Natureza funcional. Aplicação da Res. 01/71 do Tribunal de Justiça. Competência do foro regional em cujo território está o imóvel (art. 26, I, d). Regra que se aplica à ação de execução por título executivo extrajudicial onde se postula o recebimento de aluguéis. Conflito procedente”184. Arruda Alvim também sustenta, como se verificou, que a competência dos foros regionais, no que tange à matéria e ao valor, é absoluta185. A Súmula 21 do extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, contudo, dispõe que “na comarca de São Paulo é relativa a competência dos foros regionais”. Conforme dissemos, não é este o entendimento que prevalece nos tribunais. Nós entendemos, na linha da jurisprudência majoritária, que se trata de competência absoluta, não relativa. Nesse sentido, dispõe a letra da Súmula 3 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Na comarca da capital, a repartição dos feitos entre o Foro centralizado e os Foros regionais é motivada em razões de ordem pública, autorizados os juízes a, de ofício, declinar da competência entre os referidos foros, obedecidos os preceitos do COJE e dos arts. 94 a 111 do CPC”. Há que ser levado em conta, nesse caso, o interesse público que levou à
divisão de competências entre os foros regionais e o foro central, como bem ressalta Patricia Miranda Pizzol, em lição vazada nos termos seguintes: “O critério que primeiramente informou as normas em questão foi o do interesse público (...) os foros regionais foram criados exatamente com a finalidade de permitir um acesso mais amplo e cômodo à Justiça pelos jurisdicionados, e permitir uma prestação jurisdicional mais efetiva, ou seja, o que levou o legislador estadual a criar os foros regionais e conferir-lhes competência para apreciar e julgar determinadas lides foi o interesse público na boa administração da justiça. Sendo assim, a hipótese não é de competência relativa, mas absoluta”186. Nesse norte é o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery187. Nessa mesma linha tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Conflito negativo de competência. Foro de eleição. Indicação de foro regional da Comarca de Porto Alegre. Impossibilidade. Administração judiciária. Questão de ordem pública. A cláusula de foro de eleição no contrato em litígio é inoperante, em razão de as partes não disporem da faculdade de optar por foro regional de determinado foro, com a exclusão do juízo de competência territorial fixada dentro da mesma comarca pelas regras de organização judiciária, no caso, o Foro Central de Porto Alegre. Foro regional não se confunde com comarca, constituindo-se tão-somente numa subdivisão desta, de modo que os órgãos jurisdicionais que o compõem integram, em última análise, uma mesma comarca, ou foro. Inviável a opção por foro regional em cláusula de foro de eleição. Competência de foro não se confunde com competência de juízo. Conflito procedente. Unânime”188. De acordo com Arruda Alvim, em lição que nos servimos de acompanhar, “quando o art. 111 [correspondente ao art. 63, do CPC/2015] alude à
modificação da competência, o que aí se quer significar é que, ao lado dos foros já competentes, se pode estabelecer um outro, igualmente competente, com observância rigorosa das leis (Código de Processo Civil e lei de organização judiciária). Este pacto ou ajuste sobre a competência, como tal, portanto, é inviável para eleição do foro central, em detrimento do foro regional, e vice-versa, pois que envolve necessária afronta à lei de organização judiciária. (...) Mesmo no sistema do Código de Processo Civil, quando se diz que a competência em razão do valor ou do território poderá ser modificada pela conexão ou continência (art. 102) [correspondente ao art. 54, do CPC/2015], tal alteração exige: a) previsão normativa (v.g., a do art. 105 do CPC [de 1973, correspondente ao art. 57, do CPC/2015] e, ao nível da lei de organização judiciária, a do art. 54, I, da Res. 2/76 do TJSP; b) e não, ao reverso, toda e qualquer manifestação de vontade, ou qualquer outro fato a que a lei empreste alguma relevância”189. Há que se destacar, assim, que a criação dos foros regionais envolve uma conotação social muito importante, que não deve ser desconsiderada, qual seja aproximar os órgãos jurisdicionais da população, facilitando-lhes o acesso à Justiça. Além disso, contribui para desobstruir a pauta do foro central, tornando a prestação jurisdicional mais célere. 12. Foros especiais e análise do art. 53 Vejamos a seguir os casos de foros especiais (arts. 47, 48, 49, 50, 51 e 53). O art. 94 e seus parágrafos encontram aplicação sempre que não for caso de aplicar quaisquer das regras concernentes a tais foros especiais. Nas ações relativas a direitos reais sobre imóveis, será competente o foro da situação da coisa (art. 47, caput), podendo o autor optar pelo foro do
domicílio do réu ou de convenção das partes, desde que o litígio não recaia sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova (art. 47, § 1º)190. A razão de ser dessa regra é evidente. A proximidade do juiz da causa com o bem imóvel em litígio permite que se realizem com maior celeridade e eficácia as diligências que se fizerem necessárias. As hipóteses contempladas no § 1º deste dispositivo encerram hipótese de competência funcional e, pois, absoluta, a respeito das quais não se admite convenção entre as partes. Tratando-se de ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse de bem imóvel, discute-se, em sede jurisprudencial, se seria caso de competência absoluta – hipótese em que a ação deve ser proposta no local do bem que se pretende reintegrar191 – ou, diferentemente, sendo de natureza de direito pessoal a rescisão pretendida, e a reintegração um mero efeito dessa ação192, se seria válida a eleição de foro eventualmente pactuada. Filiamo-nos à primeira corrente, porque entendemos que, se está em pauta reintegração de posse, a competência do foro da situação da coisa não pode ser afastada. O art. 46 dispõe que o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente não apenas para o inventário, mas também para as ações concernentes à partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade, impugnação ou anulação de partilha extrajudicial, bem como todas demandes em que o espólio figurar como réu., Ademais, em sendo incerto o domicílio do autor da herança, será competente o foro de situação dos bens imóveis, (parágrafo único, I), ou, caso haja bens imóveis em foros diferentes, será competente qualquer destes (parágrafo único, II). Inexistindo bens imóveis, a competência passa a ser do foro do local de qualquer dos bens do espólio (parágrafo único, III).
As ações contra o ausente (arts. 744 e 745 do CPC c/c arts. 22 a 39 do CC) correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias (art. 49). O art. 50 não contém propriamente uma exceção à regra do foro geral do art. 46, pois que dispõe que o incapaz será demandado no domicílio do seu representante ou assistente, que, todavia, por lei (art. 76, parágrafo único, do CC), também é o seu. Trata-se, pois, mais de uma explicitação da regra do art. 46. A esse respeito, quanto à competência para processar e julgar ações conexas de interesse do menor, a Súmula 383 do STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”. A redação do art. 51 do CPC, no que diz respeito à competência nas ações em que a União for parte, encontra-se, por sua vez, em total harmonia com o art. 109, I e §§ 1º e 2º, da CF/88, a que já aludimos anteriormente, quando dissemos que a União tem foro privilegiado, diferentemente dos Estados e Municípios, que têm apenas juízo privativo193. De acordo com o dispositivo, estando a União no polo ativo, aplica-se a regra geral de competência do domicílio do réu (art. 51, caput). Por outro lado, sendo ela a demandada, a ação poderá ser proposta nos seguintes foros, a critério do demandante: foro de domicílio do autor, de ocorrência do ato ou fato originário da demanda, de situação da coisa ou no Distrito Federal (art. 51, parágrafo único). O art. 53, I, por sua vez, regula os possíveis foros competentes para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável. Referido dispositivo impõe a seguinte ordem de competência: domicílio do guardião de filho incapaz (art. 53, I, alínea a), último domicílio
do casal, caso não haja filho incapaz (art. 53, I, alínea b), e o foro do domicílio do réu, não verificadas a ocorrência das hipóteses anteriores no caso concreto (art. 53, I, alínea c). Vale ressaltar, ainda, que o art. 53, I, veio substituir o art. 100, I, do CPC/73, que preconizava a regra protetiva da mulher na ação de separação, conversão em divórcio e anulação de casamento, dispondo ser competente o foro da residência da mulher194. À época do CPC/73, já se questionava a constitucionalidade do dispositivo, em face da consagração do princípio da igualdade estabelecido no art. 226, § 5º, da Constituição Federal, em sua índole não apenas formal, como também material. A jurisprudência não chegou a um consenso até então, mas o Superior Tribunal de Justiça se manifestou a respeito, entendendo que tal privilégio já não mais prevalece, porquanto conflita com o princípio da igualdade entre os cônjuges preconizado no art. 226, § 5º, da Constituição195. Dito isto, vê-se que o atual regramento encampou o entendimento assumido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao afastar diferenciação de tratamento entre homens e mulheres no que toca à fixação de competência. O art. 53, II, estabelece que é competente para o julgamento das ações de alimentos o foro do domicílio ou residência do alimentando. Entendemos ser plenamente justificável a propositura da ação de alimentos no domicílio do autor/alimentando. Ainda que a ação seja de investigação de paternidade cumulada com ação de alimentos, a competência é a do foro do alimentando, conforme dispõe a Súmula 1 do STJ196. Além disso, o art. 53 dispõe ser competente o foro da sede da pessoa jurídica, quando esta for ré (inc. III, a), da agência ou sucursal197, quanto às obrigações que lhes digam respeito (inc. III, b), do local do exercício da
atividade principal, para ações em que figure como ré uma sociedade ou associação sem personalidade jurídica (inc. III, c) e do local onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação que lhe exigir o cumprimento (inc. III, d). Ainda, segundo a Súmula 363 do STF, “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato”. Durante a vigência do CPC/73, o STJ conferiu uma interpretação mais ampla à alínea d do inc. IV do art. 100 (correspondente direto do art. 53, III, alínea d, do CPC/2015), aplicando esta regra também para os casos de indenização decorrente do não cumprimento do negócio jurídico contratual e, em geral, a todas as causas referentes aos direitos e obrigações decorrentes daquele pacto198. Finalmente, será competente o foro do local do ato ou fato, na ação de reparação de dano (inc. V, a) e na ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios (inc. V, b). Em se tratando de indenização por acidente de veículos ou delito, será competente o foro do domicílio do autor, ou do local do fato (art. 53, V). O STJ tem entendido que “o parágrafo único do art. 100 do CPC contempla uma faculdade do autor, supostamente vítima de ato delituoso ou de acidente causado por veículo para ajuizar a ação de reparação de dano no foro de seu domicílio ou no do local do fato, sem exclusão da regra geral prevista no caput do art. 94”199. O art. 100, parágrafo único, a que alude o trecho acima é do CPC/73 e corresponde ao vigente art. 53, V, do CPC/2015. É possível, portanto, ao autor optar entre o foro do local do ato ou fato (art. 100, V, a) e a regra geral, segundo a qual a ação deverá ser ajuizada no domicílio do réu (art. 94, caput), que, evidentemente, não terá por que se
opor, pois a escolha do foro do seu domicílio só o beneficia200. Havendo previsão de regra especial e de foro diferenciado, tal como sucede nas hipóteses do art. 53, é possível abrir mão da regra especial e promover a ação pela regra geral (domicílio do réu)? Encontramos algumas decisões, que reputamos corretas, no sentido de que, nas hipóteses descritas no art. 53, poderá o autor propor a ação no foro do domicílio do réu, renunciando ao foro especial, abrindo mão do benefício processual que lhe é concedido201. A regra diferenciada para a propositura da ação de reparação de danos em caso de acidente de veículo não pode ser ampliada para favorecer a seguradora (sub-rogada nos direitos do credor), tratando-se de uma regra que favorece apenas a vítima direta do prejuízo202. 13. Modificação de competência As regras de competência podem ser modificadas por diversos fatores, dependendo do caso concreto. Vejamos. 13.1 Foro de eleição (vontade) Quando a competência é fixada ou estabelecida com base nos critérios valor e território, pode ser afastada por convenção das partes, diversamente do que ocorre com o caso de a competência ser determinada com fulcro nos critérios de matéria, pessoa ou função. O foro de eleição não exclui o foro geral do art. 46, não podendo ensejar, a escolha deste último, em detrimento do foro de eleição, o oferecimento de exceção de incompetência. Ou, por outras palavras, o fato de existir foro de eleição não impede a propositura da ação no foro do domicílio do réu203. Há,
todavia, julgados entendendo ser cabível o oferecimento de exceção de incompetência em tais casos, desde que o réu demonstre prejuízo causado pela não escolha do foro de eleição. A eleição de um foro é prática corrente nos contratos de adesão, o que, muitas vezes, coloca o consumidor em situação de desvantagem perante o fornecedor. Vislumbrando que o foro eleito acarreta, ou poderá acarretar, dificuldades para o exercício de defesa pelo consumidor, o STJ já vinha reconhecendo ser possível decretar a nulidade da cláusula de eleição204. Observe-se que, em casos tais, não se estava autorizando o reconhecimento de ofício de incompetência relativa, mas sim a decretação de ofício de nulidade da cláusula, que, por sua consequência, gera o reconhecimento da incompetência para julgamento do feito. Essa saudável tendência jurisprudencial restou reconhecida pelo legislador, que, ao editar a Lei n. 11.280/2006, introduziu um parágrafo único no art. 112, do teor seguinte: “A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”. 13.2 Conexão As causas serão conexas quando lhes forem comuns o pedido ou a causa de pedir (art. 55, CPC). Constatada a conexão, o juiz deverá ordenar a reunião das causas para que sejam decididas simultaneamente, como medida de economia processual, salvo se uma delas já houver sido sentenciada, a teor do que estabelece o art. 55, § 1º, do CPC. Há certa margem de liberdade para que as causas sejam reunidas, conforme a potencialidade de contradição (lógica, não jurídica) dos julgados, sendo que, evidentemente, só há cogitar
de reunião das causas conexas se o juízo prevento não for absolutamente incompetente para conhecer de causa conexa. Aliás, neste passo, é de ser mencionado que a Lei n. 11.280/2006 alterou o art. 253 do CPC/73, fazendo constar do inc. II que haverá distribuição por dependência quando o pedido for reiterado e tiver havido, precedentemente, naquele mesmo juízo, extinção do processo sem resolução do mérito. A referida regra foi integralmente encampada pelo CPC vigente, conforme redação do seu art. 286, II. Assim, deve haver distribuição por dependência ainda que o pedido seja reiterado em litisconsórcio com outros autores ou mesmo que sejam parcialmente alterados os réus da demanda. De outro lado, a mesma Lei n. 11.280/2006 introduziu um inciso III no art. 253 do CPC/73, no sentido de que deve haver distribuição por dependência de ações idênticas. Tal regra foi abandonada pelo CPC/2015, o qual preconiza mais uma hipótese de distribuição por dependência, porém quando verificado risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididas separadamente (art. 286, III). Interessa notar que o CPC/2015 criou nova hipótese de reunião de processos, independentemente da existência de conexão, conforme se colhe do art. 55, § 3º, do CPC. Diz o aludido dispositivo que “serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Em princípio, pode-se dizer que o dispositivo não encontra simples exegese, pois não são facilmente identificáveis as hipóteses em que há risco de prolação de decisões conflitantes, sem que haja conexão. Porém, é de se notar que o TJSP julgou situação bastante interessante,
reveladora de hipótese fática em que foi aplicado o art. 55, § 3º, do CPC. Tratava-se de ação de desapropriação movida por autarquia estadual contra o particular. Ao lado disso, estava em curso ação reivindicatória movida por aqueles que se diziam proprietários do bem. Com efeito, a procedência do pedido de desapropriação, que tem como consequência o pagamento da justa indenização, poderia conflitar com eventual decisão de procedência da ação reivindicatória, por meio da qual se reconheceria que o bem pertence, em verdade, ao autor. À vista disso, o TJSP determinou a reunião dos processos para julgamento conjunto, na forma do mencionado art. 55, § 3º205. É preciso notar, todavia, que tal espécie de reunião só se faz possível, assim como na conexão, quando o juízo for absolutamente competente para conhecer de ambas as demandas. Assim, se no exemplo acima a demanda de desapropriação tramitasse perante vara especializada da Fazenda Pública, parece-nos que não seria possível a reunião dos processos, já que a ação reivindicatória não estaria abarcada na competência do juízo especializado. Nessa hipótese, caberia apenas, ao que nos parece, a suspensão do processo em que formulado o pedido de desapropriação, em razão da prejudicialidade externa (definição de quem é o proprietário do bem e, por consequência, a quem é devida a justa indenização). 13.3 Continência Tem-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais (art. 56). A continência pode ser vista como uma forma qualificada de conexão. No entanto, além da identidade quanto às partes e à causa de pedir, para haver
continência é necessário haver pedido mais amplo em uma das demandas, que abranja o pedido contido na outra demanda, menos amplo. Assim como na conexão, uma vez vislumbrada a continência entre duas ou mais ações ajuizadas em juízos diferentes, caso não seja proferida sentença sem resolução de mérito na ação contida, as causas deverão ser reunidas no juízo prevento, evitando-se, dessa forma, julgamentos contraditórios (art. 57). Nas ações civis públicas, de outro lado, há orientação do STJ na linha de que, “reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual” (Súmula 489 do STJ). 13.4 Prorrogação de competência (inércia) Se a parte ajuizar ação perante juízo relativamente incompetente, caberá à outra parte alegar incompetência como questão preliminar de contestação, no prazo estabelecido em lei (art. 64). No entanto, caso não seja alegada a incompetência em preliminar de contestação, ela se prorroga em decorrência da inércia da parte (art. 65). Tem-se, portanto, com a prorrogação de competência, que aquele juízo originariamente incompetente para apreciar a causa tornar-se-á competente, haja vista a ocorrência da preclusão. No que se refere à incompetência absoluta, não há falar em prorrogação de competência, por se tratar de matéria de ordem pública (pressuposto processual de validade), que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição e a qualquer tempo (arts. 64, § 1º, e 485, § 3º). A incompetência absoluta, aliás, rende ensejo até mesmo à rescisão do julgado (art. 966, II). 14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente do trabalho Até dezembro de 2004, a Constituição Federal estabelecia ser da Justiça
do Trabalho a conciliação e o julgamento dos “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. A Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, que, segundo o entendimento que tem prevalecido, passou a ser a competente para julgar as ações de indenização decorrentes de acidentes do trabalho, que, antes disso, eram processadas e julgadas pela Justiça comum. Aliás, a propósito, o STJ já havia editado a Súmula 15, no sentido de que “compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidentes do trabalho”. O STF, por sua vez, já havia editado a Súmula 235: “É competente para ação de acidente de trabalho a justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora” e a Súmula 501: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas, ou sociedades de economia mista”. Contudo, após Emenda Constitucional n. 45, verifica-se que, pelo art. 114, VI, da CF, passou a Justiça do Trabalho a ser a competente para conhecer a julgar as causas relativas a indenizações decorrentes de acidente do trabalho206-207. Tem-se decidido, todavia, que, se já havia decisão de mérito quando do
advento da EC 45/2004, a competência continua sendo da Justiça comum208. O STJ, aliás, chegou a editar a Súmula 367, com a seguinte redação: “A competência estabelecida pela EC 45/2004 não alcança os processos já sentenciados”. Mais recentemente, o STF veio a editar a Súmula Vinculante 22, vindo a consolidar referida orientação209. 15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) As regras de competência para o mandado de segurança são definidas de acordo com a categoria, qualificação e hierarquia funcional da autoridade coatora210. Dessa forma, a perfeita identificação da autoridade coatora é fundamental para a fixação da competência para o processamento e julgamento do mandado de segurança. Sendo a competência definida em função da autoridade coatora, à evidência trata-se de competência funcional, e, por isso mesmo, de natureza absoluta, não podendo ser prorrogada, podendo, ademais, ser reconhecida de ofício pelo Judiciário eventual incompetência211-212. Na ausência de regras expressas, que podem estar encartadas não apenas da Constituição Federal, mas também nas Constituições dos Estados (veja-se, por exemplo, o art. 74, III, da Constituição do Estado de São Paulo), o mandado de segurança será impetrado em primeira instância na Justiça Federal, se a autoridade coatora for federal; e na Justiça Estadual, quando a autoridade coatora for estadual. O art. 2º da recente lei disciplinadora do mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) veio a estabelecer em seu art. 2º que a autoridade coatora será considerada federal se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
Em determinadas hipóteses, havendo regra expressa, o mandado de segurança contra ato de determinadas autoridades será de competência dos Tribunais. Por exemplo, caberá ao STF julgar mandado de segurança contra ato do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, d, da CF). Já em outros casos, a competência originária é do STJ (art. 105, I, b, da CF).
VI PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL
1. Introdução Um primeiro ponto que deve ser considerado por aquele que se propõe a estudar os princípios do processo civil atualmente é o de que os princípios dessa disciplina não se encontram mais encartados unicamente na Constituição Federal, tendo como fonte de emanação também o Código de Processo Civil. Durante a vigência do CPC/73, o núcleo do processo civil encontrava-se disciplinado precipuamente na Constituição Federal de 1988. Daí a importância, à época, de serem estudados os princípios do processo a partir do plano constitucional, na exata medida em que, como pondera Gordillo, citado por Geraldo Ataliba, os princípios eram “ao mesmo tempo norma e diretriz do sistema, informando-o visceralmente”213. Ou, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio “é a disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema, pelo que conforma o sentido das normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva”214. Com
o
advento
do
CPC/2015,
trouxe-se
também
ao
plano
infraconstitucional os princípios fundamentais do processo civil, o que
certamente não significa o fim do regramento constitucional da matéria. Pelo contrário, observa-se que o legislador, atento ao regramento constitucional do processo civil, entendeu por bem regular de maneira mais pormenorizada a forma de cumprimento de tais princípios. O legislador de 2015, neste ponto, partiu do pressuposto da recodificação, ou seja, buscou superar a assistemática predominante no CPC/73, fruto das intensas reformas realizadas durante a sua vigência. Para tanto, intentou-se dar coerência e coesão ao texto legal, estruturando princípios ou normas fundamentais que devem servir de base à interpretação do direito processual como um todo215. Segundo Arruda Alvim, “A leitura do código, então, tem mais rigor lógico, iniciando-a das normas gerais para as específicas. Os primeiros artigos do CPC/2015 têm, sobre o restante do código, uma normatividade típica das regras e princípios constitucionais – aí reside sua natureza fundamental”216. Dessa forma, metodologicamente, parece que o mais adequado é traçar as linhas gerais do estudo dos princípios a partir das normas fundamentais estampadas no CPC/2015, sem prejuízo, é claro, do quanto estabelece o texto constitucional. Verificar-se-á, ainda, como e por que diversos dispositivos estampados em leis infraconstitucionais ora dão efetividade a determinados princípios, ora atritam com a grandeza de outros. Este estudo evidencia a profunda simbiose existente entre o direito processual civil e o direito constitucional, especialmente com o advento do CPC/2015. A título de exemplo, o princípio da igualdade se afigura como princípio constitucional, que se projeta de maneira especialmente importante para dentro do campo do processo, encontrando-se expressamente reconhecido nos arts. 7º e 139, I, do CPC, ao disporem que será assegurada às
partes a paridade de tratamento. Neste passo, cabe-nos analisar os princípios constitucionais aplicáveis ao processo civil. 2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal O art. 1º do CPC/2015 se contextualiza na moderna tendência da constitucionalização do direito processual, ao preceituar que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. É evidente que o mencionado art. 1º não teve o condão de, a partir dele, “constitucionalizar” o direito processual civil. Porém, é também fora de dúvida que o art. 1º tem o mérito de demonstrar o expresso reconhecimento do legislador de que o processo civil não tem apenas o seu próprio Código como fonte imediata, mas, pelo contrário, busca embasamento, acima de tudo, no texto constitucional. A despeito do caráter natural da posição hegemônica do Direito Constitucional, não há como negar a sua intensificação com o advento da CF/88 e, agora, com a vigência do CPC/2015. Conforme lição de Arruda Alvim217, o acentuado constitucionalismo tem repercussão direta na teoria geral do processo e, especificamente, no conceito de jurisdição. Vale pontuar, a esse respeito, a importância do CPC/73 no desenvolvimento científico do direito processual, bem como na sua independência epistemológica em relação ao direito material. Nesta toada, preocupação de estimada valia para o legislador do Código Buzaid era estabelecer um processo com precisão terminológica, dotado de uma sistemática cientificamente adequada.
O CPC/2015, por sua vez, assumiu um aspecto ideológico forte: renegou a segundo plano os excessivos formalismos procedimentais, voltando-se para a efetividade da tutela jurisdicional em seu aspecto material. Dessa forma, ao reafirmar o papel dos preceitos constitucionais no bojo do processo civil, o CPC/2015 atribuiu papel mais amplo ao exercício da jurisdição. Atualmente, não basta que haja mera subsunção do caso concreto à lei abstrata, é necessária a observância dos requisitos de um processo justo, para que a tutela jurisdicional cumpra a sua real finalidade. A expressa hegemonia constitucional sobre as normas de processo civil fez surgir no exercício da atividade jurisdicional a observância não apenas do procedimento formalmente estabelecido, como também do valor de Justiça subjacente à aplicação da lei ao caso concreto. A esse respeito, leciona Humberto Theodoro Júnior: “(...) Deixa esse moderno processo tipificado pelo novo constitucionalismo, construído pelo Estado Democrático de Direito, de ser tratado como simples instrumento técnico de aplicação da lei para tornar-se um sistema constitucional de tutela dos direitos, sempre que lesados ou ameaçados (CF, art. 5º, XXXV)”218. Para tanto, a CF/88 estabeleceu os parâmetros das garantias fundamentais que devem permear o processo justo. O núcleo dos direitos fundamentais processuais está assentado, em síntese, nos ditames do acesso à justiça, devido processo legal, duração razoável do processo e no direito ao contraditório (arts. 5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da CF/88). Assim, seja pela via direta ou indireta, todos os princípios constitucionais de caráter processual acabam por validar o devido processo legal em seu aspecto material, princípio cardeal, especialmente do regime da CF/88. Diante do exposto, note-se que o art. 1º do CPC/2015, ao determinar uma
interpretação das normas processuais à luz da Constituição, em realidade, estabelece as bases necessárias à prestação da tutela jurisdicional de forma mais justa e efetiva. 3. Princípio da inércia judicial O art. 2º do CPC/2015 ratifica tradição de longa data do processo civil, ao prever que “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Referido dispositivo decorre, em verdade, de diversos princípios constitucionais. Pode-se ver na inércia da jurisdição, primeiro, o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Ao lado disso, referida norma fundamental do processo decorre do princípio da liberdade (art. 5º, caput, da CF), que, sob a perspectiva do processo, atribui ao próprio jurisdicionado o ônus de decidir quais problemas, ou quais litígios seus serão submetidos ao terceiro imparcial, a quem caberá decidir a lide, isto é, o Estado-juiz. Além disso, como todas as normas de processo, o princípio da inércia judicial também decorre do devido processo legal, de que se tratará em seguida. Pois bem. A primeira parte do art. 2º se refere ao princípio dispositivo, segundo o qual é de iniciativa da parte dar início ao processo. Evidente se tratar de princípio umbilicalmente ligado à autonomia privada, pautando-se na liberdade do indivíduo em recorrer à tutela jurisdicional do Estado para reparar eventuais danos ou ameaça de danos juridicamente relevantes219. No plano processual, o princípio dispositivo se manifesta, por exemplo, no direito do autor em desistir da ação, uma vez já proposta e não citado o réu, ou com a anuência deste quando já introduzido na relação processual (art. 485, §§ 4º e 5º, do CPC) e no direito à renúncia à pretensão objeto da ação
(art. 487, III, c, do CPC). Verifica-se, para o réu, quando há reconhecimento da procedência do pedido (art. 487, III, a) e quando há desistência de pretensão formulada em sede de reconvenção220. Por outro lado, o princípio dispositivo só é possível no plano processual se mantida a inércia da atividade jurisdicional. Assim, ao juiz não compete instaurar o processo sem adequada provocação das partes. Neste tocante, vale mencionar ressalva realizada na última parte do dispositivo (“salvo as exceções previstas em lei”). Aqui, o artigo se refere às hipóteses em que o juízo pode decidir sem haver pedido da parte interessada. É o caso, por exemplo, da possibilidade de o juiz instaurar o cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e 538 do CPC). Da mesma forma, o órgão julgador pode dar início a incidentes processuais, tais como o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 do CPC), o conflito de competência (art. 951 do CPC) e o incidente de arguição de inconstitucionalidade (art. 948 do CPC)221. A segunda parte do art. 2º do CPC/2015 (“se desenvolve por impulso oficial”) refere-se ao impulso oficial por meio do qual o processo de desenvolve. Diferentemente do princípio dispositivo, a presente regra reflete interesse de ordem pública, uma vez que a preocupação a respeito da adequada composição do litígio, com celeridade e efetividade integra o corpo de funções da atividade jurisdicional exercido pelo Estado. Cumpre ressaltar que, ao promover o impulso oficial do processo, cabe à julgador observar os preceitos de ordem constitucional – conforme já explorado no estudo do art. 2º do CPC/2015. Assim, cabe ao juiz objetivar não apenas cumprir regularmente o procedimento previsto pela lei processual, mas também aplicá-lo de forma a proporcionar um processo justo às partes,
em respeito à efetividade da tutela jurisdicional e à duração razoável do processo (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII da CF/88)222. Por fim, verifica-se que o CPC/2015 criou situações em que o impulso oficial sofre certa interferência, como é o caso das convenções processuais, que autorizam as partes a promover adaptações do procedimento às especificidades da causa, alterando, pois, as regras de procedimento no caso concreto (art. 190 CPC). É preciso dizer que a convenção processual não afasta, em hipótese alguma, o impulso oficial. Porém, nele interfere em razão da criação de regras próprias para o procedimento, excetuando as regras previstas no Código e em outros diplomas legais. 4. Princípio da boa-fé processual O art. 5º do CPC/2015 dispõe o seguinte: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Cumpre ressaltar, a esse respeito, que a boa-fé está prevista no referido dispositivo como uma norma de conduta. Ou seja, trata-se da boa-fé em sua modalidade objetiva, cujo parâmetro pauta-se no comportamento das partes e de todos os participantes do processo. No plano concreto, deve ser verificada a coerência e eticidade do comportamento do agente. Conforme lição de Humberto Theodoro Júnior: “Consiste o princípio da boa-fé objetiva em exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores acatados pelos costumes, identificados com a ideia de lealdade e lisura”223. Irrelevante, para tanto, investigar as intenções ocultas dos indivíduos, cuja implicância se manifesta apenas em sede de boa-fé subjetiva224. Para Fredie Didier Jr., o princípio da boa-fé processual encontra fundamento constitucional por configurar elemento decorrente do devido
processo legal. Nestes termos, o princípio do devido processo legal, constitucionalmente resguardado, exige que o processo se paute na boa-fé de todos os seus participantes225. No âmbito do direito processual, é dada roupagem de cláusula geral à boafé, de forma a garantir maior flexibilidade na sua aplicabilidade. Assim, a indeterminação concreta da sua previsão visa justamente evitar que situações sejam deixadas de lado erroneamente. Nestes termos, em se tratando de cláusula geral, a violação da boa-fé processual pode assumir diferentes formas. A esse respeito, a doutrina alemã defende ser possível aplicação da boa-fé objetiva ao processo em quatro casos: proibição de criar dolosamente posições processuais (agir de má-fé); proibição na prática venire contra factum proprium (agir em desconformidade com o comportamento anterior), de abuso de direitos processuais e da supressio (suscitar no outra expectativa que não virá a se concretizar)226. Ainda, podemos vislumbrar hipóteses nas quais a violação da boa-fé objetiva acarreta litigância de má-fé, enquadrando-se em alguns dos incisos do art. 80 do CPC/2015. Porém, nem todo comportamento contrário à boa-fé implica litigância de má-fé. De onde podemos concluir que ambos os institutos podem estar correlacionados, porém não em todas as situações. Cumpre ressaltar, que o princípio da boa-fé objetiva também exerce uma função hermenêutica no bojo do processo. Os seus participantes, nesse sentido, devem exercer atividade interpretativa à luz da boa-fé sobre as postulações e atos realizados no decorrer do procedimento. 5. Princípio da cooperação processual Como já estudamos no capítulo anterior, o legislador de 2015 inseriu o
princípio da boa-fé no âmbito das normas fundamentais de processo civil. Devemos ressaltar, neste ponto, a boa-fé interfere diretamente na possibilidade de as partes cooperarem entre si. O art. 6º do CPC/2015 estabelece que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Porém, a cooperação entre partes pressupõe comportamentos pautados na boa-fé, de onde podemos verificar a intima conexão e implicância existente entre os arts. 5º e 6º do CPC/2015. Para Humberto Theodoro Júnior227, o princípio da cooperação é um desdobramento
do
princípio
do
contraditório,
constitucionalmente
assegurado. Assim, o contraditório teria assumido roupagens modernas, a partir das quais não bastaria assegurar formalmente às partes oportunidades processuais de se manifestarem nos autos. O procedimento deve ir além, oportunizando que haja real influência das partes na formação do juízo de convencimento do juiz. Para tanto, a cooperação assumiria papel viabilizador desse contato eficaz e construtivo entre os litigantes e o julgador. Nesta toada, teria o legislador como objetivo viabilizar a instauração de um modelo cooperativo de processo, através do qual haveria maior fluxo de informações e aprimoramento argumentativo, instaurando bases processuais mais democráticas. Fatores que, em última análise, influenciam diretamente na qualidade da prestação da tutela jurisdicional. No plano concreto, a cooperação das partes pode se verificar, por exemplo, no dever de consulta do juiz, através do qual as partes serão intimadas para se manifestarem a respeito de determinada questão, nos termos dos arts. 9º e 10 do CPC/2015. Vale mencionar, por fim, que o princípio da cooperação não se limita às partes processuais, podendo influenciar a própria sociedade, que podem se
valer, por exemplo, do amicus curiae para prestar esclarecimentos e informações ao juiz, de forma a cooperar com uma prestação de tutela jurisdicional mais efetiva e adequada. 6. Princípio do devido processo legal (due process of law) O devido processo legal pode ser tido como um conceito, em certa escala, vago. Ou seja, no que diz respeito à ideia do que seja o devido processo legal, há aspectos absolutamente indiscutíveis, enquanto há outros de abrangência acentuadamente elástica, a respeito dos quais paira alguma discussão – daí é que, historicamente, não tem sido objeto de definições propriamente delimitadoras do que significa. Há, dessa forma, um núcleo que informa o princípio, que não pode ser desrespeitado228, dado que formado pela história e pela reiteração, em vários povos, e cujo somatório de decisões e conceituações geraram o que se pode dizer ser o núcleo conceitual do princípio. Este princípio tem sido profundamente estudado e, mais do que isso, “exercitado” na judicatura dos Estados Unidos da América. Disso decorre que existem parâmetros para se avaliar se, num dado caso, foi, ou não foi observado o princípio. Por isso é que, de início, foi referido um núcleo conceitual, a respeito do qual existe grande certeza dos elementos que o compõem. Porém, para outros aspectos, menos evidentes, nunca se abalançou a doutrina (nem os tribunais norte-americanos) a lançar definições. Em realidade, há normas que somente cumprem a sua finalidade, tendo, em sua formulação, conceitos vagos, dado que, se se fosse definir o princípio, certamente estar-se-iam excluindo hipóteses que se poderiam vir a revelar
como suscetíveis de serem avaliadas à luz do princípio e seu respectivo conceito vago, mas que, com a definição, certamente, estariam descartadas, ou, pior, teriam sido descartadas pelo legislador infraconstitucional. Com isso, haveria o evidente risco de definições infraconstitucionais, contrárias à dimensão constitucional da regra. É, pois, o princípio do devido processo legal, como se acentuou, princípio fundamental. Dele decorrem todos os demais princípios processuais insculpidos no texto constitucional, tais como a proibição da prova obtida por meio ilícito, o contraditório propriamente dito, a publicidade dos atos processuais etc. É, como diz Nelson Nery Jr., “o princípio fundamental do processo civil que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam”229. Para Humberto Theodoro Júnior, o devido processo legal pode ser considerado como um “superprincípio”, na exata medida em que serve de inspiração a todos os demais princípios do direito processual230. A cláusula do devido processo legal tem origem remota na Magna Carta, sendo o seu texto o seguinte: “Nenhum homem livre poderá ser detido ou preso, nem que se lhe retirem bens, nem declarado fora da lei, nem prejudicado por qualquer outra forma, nem se procederá e nem se ordenará que se proceda contra ele, senão em virtude de um processo legal e em conforme com a lei do país” [lei do país significa, no caso, law of the land, vale dizer, é expressão mais ou menos equivalente a direito material] (texto da Magna Carta, do Rei João SemTerra, 1215; refere-se nessa época a law of the land, e não há referência, ainda, à expressão due process of law, tendo significado, na época, a limitação ao poder absoluto em favor dos súditos). Paradoxalmente, a Magna Carta foi instrumento reacionário e definiu situação entre o rei e os nobres (como garantia destes), como observa Nelson
Nery Jr.231. Na verdade, a despeito disso, é de se registrar ter sido, “historicamente, o primeiro documento formal de estabelecimento da supremacia legal sobre a vontade régia, além de ser a base do regime parlamentar britânico e definir uma série de direitos relativos a determinados grupos (principalmente os barões) em face do governo”232. Nisso, precisamente, reside sua grande importância histórica, e por isso mesmo é que o tomamos como ponto de partida para este trabalho. Apenas em 1354, durante o reinado de Eduardo III, é que se passou a utilizar a expressão due process of law, na lei inglesa denominada Statute of Westminster of the Liberties of London (constando ser desconhecido o “legislador” que a teria cunhado, ou seja, “some unknown draftsman”). Como aponta Egon Bockman Moreira, “a expressão by the law of the land apontava para uma gama de significados muito mais pobres do que veio a encontrar sua sucessora due process of law”233. O devido processo legal veio a colocar-se, com o tempo, como condição de validade de todos os direitos substanciais234. A origem do princípio é, como se observou, inglesa. Foi a partir do século XVII que o princípio começou a obter importância em território americano. A V Emenda veio a dispor que “no person shall (...) be deprived of life, liberty or property, without due process of law”235, e, através da XIV Emenda, de 1868, passou a constituir não apenas uma limitação ao governo central, mas também aos Estados. Antes da Constituição Federal norte-americana, as de Maryland, Pensilvânia e Massachussetts já consagravam o princípio sob comento, repetindo a regra da Magna Carta e da Lei do reinado de Eduardo III, como observa Nelson Nery Jr.236.
6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norteamericana A raiz do princípio é de índole eminentemente processual. Pode-se afirmar que o embrião do princípio está ligado à ideia de processo ordenado (orderly proceedings), como anotava Sampaio Dória237. Essa concepção veio passando por um processo evolutivo, de forma tal que se passou a entender o devido processo legal não apenas como simples garantia de um processo ordenado, mas como compreensivo do direito à prévia citação para a ação e oportunidade de defesa. Passou-se a entender, igualmente, como compreendida no alcance semântico do princípio a ideia de que ninguém poderia ser preso sem justa causa. O princípio, nos Estados Unidos, foi adotado inicialmente com conteúdo similar, sendo introduzido, como já dito, na Constituição norte-americana pela V Emenda, sendo que a XIV Emenda, em meados do século XIX, estendeu a obrigatoriedade de sua observância também aos Estados federados. Se é certo afirmar, como dizia Sampaio Dória, que “a teoria política ocidental deve inegavelmente à Magna Carta a primeira concepção de um poder político limitado”, não é menos correto reconhecer, como esse autorizado autor, que com o surgimento da nação norte-americana é que apareceu o “primeiro governo limitado por uma lei básica em todas as esferas – legislativa, executiva e judiciária – em que se desdobrava sua soberania. A Constituição Americana de 1787 é a síntese dessas limitações, quanto à estrutura política do regime (federação e república), à tripartição dos poderes e à garantia dos direitos individuais (o Bill of Rights apenso à Constituição, nas dez primeiras emendas)”238.
Porém, consagrada a supremacia da Constituição sobre as leis ordinárias (art. VI, sec. 2), surgiu o problema de como controlar os atos legislativos, o que a Constituição atribuiu, de forma clara, ao Judiciário (art. III, sec. 2, § 1º). Essa hegemonia do Judiciário sobre os demais poderes do Estado restou sedimentada no célebre e conhecido precedente Marbury v. Madison, em que o Juiz Marshall239, proferindo aquele que talvez seja o mais importante voto de sua carreira, afirmou, com todas as letras, essa importantíssima atribuição do Judiciário, alicerce fundamental do direito constitucional norte-americano. Observa a propósito, com pertinência, Egon Bockman Moreira, citando Carlos Roberto de Castro Siqueira, que, “tanto no período colonial quanto após a Independência, preponderava um nítido preconceito contra o Poder Legislativo, o que se explica em razão da legislação metropolitana repressora, oriunda da Casa de Westminster, em Londres”240. É dentro desse contexto histórico-evolutivo que avulta em importância o princípio do due process of law, pois, como observava Sampaio Dória, “a busca de preceito constitucional explícito, para servir de veículo de atuação a todo um indefinido e indefinível corpo de ‘leis naturais’, não tardou em deparar com o único dispositivo da Constituição que se prestava idoneamente a essa finalidade, a cláusula due process of law”241. Ou seja, a cláusula due process of law constitui-se no principal canal de controle dos atos do Legislativo, pelo Judiciário, fixando-se como a mais importante do sistema constitucional americano. Não obstante a importância que o princípio alcançou dentro da Suprema Corte norte-americana, a ponto de Nelson Nery Jr. afirmar, com razão, que “o prestígio do direito constitucional norte-americano tem como sua causa maior a interpretação da cláusula due process pela Suprema Corte”242, é de se
registrar a assertiva de Sampaio Dória no sentido de que, “em verdade, será inútil sondar a essência dos julgados da Suprema Corte em busca de um conceito informulado. E informulado porque, dados os pressupostos da teoria da interpretação flexível da Constituição, ‘a estratificação de due process em um rígido estágio de evolução histórica ou intelectual’ implicaria em admitir ‘que o mais importante aspecto da exegese constitucional é função de máquinas inertes e não de juízes’”243. Aliás, pode-se, sem qualquer receio, afirmar que foi justamente esse conteúdo elástico que tem permitido ao princípio sobreviver por tanto tempo como vetor nuclear do sistema constitucional norte-americano. Exemplo vivo e de enorme importância histórica com relação às diversas feições que foram sendo assumidas pelo princípio do devido processo legal ao longo dos tempos – particularmente em seu sentido substantivo – nos dá Egon Bockman Moreira, mencionando a mudança de posição impressa nas decisões da Suprema Corte pelo Juiz H. L. Black, que ingressou naquele Tribunal em 1937, época em que os Estados Unidos finalmente se recuperavam da profunda depressão em que mergulharam com a crise de 1929. A essa altura, deixava a cláusula de ser um entrave à legislação social, à limitação de impostos; de um modo geral, pode-se dizer que a cláusula deixou de ser oponível à ação regulamentadora do governo244. O caráter não apenas processual, mas o chamado substantive due process foi alavancado nos Estados Unidos em 1798 no caso Calder v. Bull, firmando-se o entendimento de que atos normativos, quer os legislativos ou os administrativos, que ferissem direitos fundamentais, ofenderiam, ipso facto, o devido processo legal. Este caso foi ilustrativo do fato de que o princípio do devido processo legal tinha aplicabilidade também fora dos
limites processuais. Diz Nelson Nery Jr., por exemplo, que o princípio da legalidade, na seara do direito administrativo, nada mais é do que uma projeção do princípio do due process nesse ramo do direito material245. Diz, ainda, a doutrina norte-americana, com projeções no Brasil, ser o controle jurisdicional dos atos da administração uma inequívoca manifestação do princípio do due process of law. Projeta-se também na seara do direito privado, por exemplo, quando se garante o respeito do ato jurídico perfeito, conquanto haja, a esse respeito, texto autônomo e expresso, que é o art. 5º, XXXVI, da CF (vested rights doctrine), quando se proíbe o preconceito racial etc. Em síntese, como observado, o princípio do due process of law teve, de início, um caráter eminentemente processual. Aliás, a feição que originalmente lhe deu a Magna Carta realçava seu aspecto protetivo tendo em vista o processo penal, precipuamente246. Porém, como se viu acima, a interpretação que hoje se lhe dá é sensivelmente mais ampla. Não apenas projeta seus efeitos para o processo, como também para o direito material, como um todo. Foi com a sua transposição para os Estados Unidos que o aspecto substancial da cláusula due process of law veio a ganhar relevo, exatamente pela necessidade, já antes mencionada, de um preceito constitucional que pudesse ensejar o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo247. É de se destacar trecho de decisão da Suprema Corte, datado de 1992, do qual se extrai que o due process of law é uma promessa constitucional “de que há um reino de liberdade constitucional onde o governo não pode entrar”248. Explica Egon Bockman Moreira que os traços que caracterizam o princípio do devido processo legal, em sua concepção atual, nos Estados
Unidos, envolvem “uma relação jurídica justa e equitativa, desenvolvida com precisão que outorgue segurança ao administrado, ao mesmo tempo em que respeite sua dimensão moral”249. Assenta-se, o princípio, sobre o trinômio vida-liberdade-propriedade. Destarte, tudo o que disser respeito à tutela deste trinômio está ao abrigo do devido processo legal. Ao lado disso, o princípio do due process of law projeta-se como garantia no campo do processo. É o sentido com que usualmente é utilizado. Garante o direito à citação, o rápido e público julgamento, o direito ao contraditório, a igualdade entre acusação e defesa, meios eficazes de controle de constitucionalidade etc. Daí o acerto da afirmação de Nelson Nery Jr. no sentido de que os demais princípios constitucionais do processo dele decorrem250. Nesta última acepção, é mais uma garantia do que propriamente um princípio. É verdadeiro corolário do Estado de direito. Dissemos acima que a cláusula due process assume duas concepções: substancial ou material e processual. Dissemos também que o princípio do due process of law, em verdade, abrange uma série de outros princípios, que, por isso mesmo, de rigor, não precisariam sequer constar expressamente do texto constitucional, e nem por isso deixaram de estar nele compreendidos. Nada obstante, tem-se por louvável a preocupação do constituinte de 1988 em fazer constar do texto constitucional uma série de princípios que, a rigor, estariam contidos no do devido processo legal. 7. Princípio da isonomia Um dos princípios basilares do processo civil é o princípio da isonomia.
A CF/88, no seu art. 5º, caput, estabelece a igualdade de todos perante a lei, o que se reflete diretamente no disposto nos arts. 7º e 139, I, do CPC, que impõe ao juiz o tratamento igualitário às partes. Mais do que isso, o legislador de 2015 inseriu o princípio da igualdade no rol das normas fundamentais de processo civil, disponde que “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” (art. 7º). O entendimento mais correto é o de que referido princípio – refletido de forma expressa em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais – trata da igualdade real, substancial (na medida do possível), e não simplesmente da igualdade formal. A correta inteligência do princípio constitucional da isonomia é que permite compreender porque, por exemplo, o Código do Consumidor, por reconhecer o consumidor como o polo mais fraco da relação de consumo, traz em seu bojo regras como a do inciso VIII do art. 6º, que autoriza a inversão do ônus da prova. Com efeito, pela regra geral do Código de Processo Civil, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I). Essa regra, no entanto, em se tratando de relação de consumo, e desde que preenchidos os requisitos do inciso VIII do art. 6º do CDC, pode ser afastada, invertendo-se o ônus probatório, justamente como forma de recompor o equilíbrio entre as partes, na medida em que o consumidor se presume como sendo o polo mais fraco da relação de consumo. É o que Cândido Rangel Dinamarco chama de neutralização de desigualdades251.
7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional da isonomia Vejamos como se inserem nesse contexto as regras preconizadas pelos arts. 180 e 183 do CPC, tendo em vista que referidos dispositivos conferem prazo em dobro, respectivamente, ao Ministério Público e à Fazenda Pública, para que se manifestem nos autos. Como tal texto se compatibiliza com o princípio da isonomia? O entendimento preponderante, que se tem por inteiramente correto, é o de que os arts. 180 e 183, em verdade, recompõem a igualdade substancial entre as partes, em razão do natural desequilíbrio existente entre elas. É que nem a Fazenda Pública nem o Ministério Público dispõem, usualmente, da mesma infraestrutura de que desfrutam os advogados, assim como cuidam de um número muito maior de processos252. Além disso, nem sempre é o mesmo membro do Ministério Público, ou da Fazenda Pública, que atua ao longo do processo, o que implica dizer que muitas vezes o promotor ou o procurador se depara com um processo novo (para ele), mas já em andamento. Há, pois, um desequilíbrio que precisa ser recomposto, e o benefício do prazo foi uma das formas encontradas pelo legislador infraconstitucional para contornar tal situação. O advogado, ademais, normalmente pode escolher as causas que pretende patrocinar, o que não ocorre, ao menos com os representantes judiciais da Fazenda Pública. Nessa medida, temos que os benefícios dos arts. 180 e183 se compatibilizam inteiramente com o art. 5º, caput, da CF/88. Há de se ter presente, ademais, que a Fazenda, ao menos em tese, atua em prol dos interesses da coletividade, e o Ministério Público, por outro lado, intervém sempre que houver interesse público (art. 178, I, do CPC), o que
também justifica o benefício do prazo. O princípio da isonomia, nesse passo, diz respeito à igualdade substancial, não à formal, e nessa exata medida, em face dessas considerações, percebe-se que não foi violado pelas regras consubstanciadas nos artigos em pauta. Outra interessante projeção do art. 5º, II, no plano da legislação infraconstitucional, reside na forma de intimação dos atos processuais. Enquanto as intimações normalmente são feitas pela via eletrônica ou, quando não realizadas, por meio da publicação no órgão oficial (caput do art. 272 do CPC), a intimação do Ministério Público e da Fazenda Pública é sempre feita pessoalmente, a teor do que dispõe, respectivamente, o caput do art. 180 e 183 do CPC, sem que se possa dizer que referida diferenciação colide com o primado constitucional da igualdade (no mesmo sentido, em relação ao órgão do Ministério Público, dispõe o art. 41, IV, da Lei Orgânica do Ministério Público – Lei n. 8.625/93). Estudamos anteriormente que o órgão do Ministério Público pode agir como parte, quando a lei expressamente o autorize (art. 177 do CPC), intervindo, ainda, como fiscal da lei (custos legis), nas hipóteses do art. 178 do CPC. O benefício de que trata o art. 180 do CPC aplica-se ao Ministério Público, quer esteja atuando como parte, quer esteja funcionando como fiscal da lei, porque a lei não distingue uma hipótese da outra. 7.2 Condenação em honorários advocatícios Há outros dispositivos no Código de Processo Civil que devem ser examinados à luz do princípio da isonomia. É o caso do art. 85. Referido dispositivo, em seu caputº, estabelece que, no
caso de condenação, a parte vencida deverá pagar honorários de advogado ao vencedor, os quais serão fixados, nos termos do § 2º, entre 10% e 20% do valor da condenação, tendo em vista (1) o grau de zelo do profissional (inciso I), (2) o lugar da prestação do serviço (inciso II), (3) a natureza e importância da causa e a importância da causa (inciso III) e (4) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (inciso IV). Porém, sendo vencida a Fazenda Pública, os incisos II a V, § 3º do art. 85 autoriza o juiz a condená-la a pagar honorários em montante inferior ao mínimo de 10% de que trata o § 2º, gradualmente estabelecidos em razão do valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte vencedora. Cumpre ressaltar que o CPC/73 também autorizava referida diferenciação, porém sem impor graduações de acordo o proveito econômico, nos termos do antigo art. 20, § 4º. Já à época, havia quem entendesse que tal dispositivo não se compatibilizava com o texto constitucional253. Efetivamente, se a Fazenda foi vencida, é porque do seu lado não se encontrava o interesse juridicamente protegível, e, portanto, não há (havia), genuinamente, interesse público em pauta. A não incidência do limite mínimo de 10%, mesmo nas hipóteses preestabelecidas pelo CPC/2015, agride o princípio da isonomia, porque, se vencedora, a Fazenda receberia honorários entre 10% e 20%, aplicando-se o limite geral do § 2º do art. 85. Forçoso reconhecer que os tribunais, como regra, admitem essa diferença, não a tendo por constitucional. 7.3 Adiantamento de despesas processuais Doutra parte, a regra geral com relação às custas e despesas processuais, no plano do processo civil, é a de que incumbe às partes adiantar as despesas
dos atos que realizam ou requerem no processo (art. 82). Isso quer dizer que se uma das partes vier a requerer prova pericial, por exemplo, deverá adiantar os honorários do perito judicial (caput do art. 95, parte final). Se aquele que tiver requerido a perícia vencer a demanda, então essa despesa lhe será reembolsada pelo vencido, segundo o princípio da sucumbência, encampado entre nós pelo art. 82, cujo § 2º dispõe: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”. Essa regra do art. 82, § 2º, não se aplica, segundo a letra da lei, quando se tratar de despesas de atos processuais, realizados a requerimento da Fazenda Pública, da Defensoria Pública e do Ministério Público (arts. 91 e 82, § 1º)254, salvo quando o ato processual acarretar despesas fora do âmbito das custas judiciais, a exemplo das perícias255. O CPC/2015 inovou, ao restringir referida diferenciação à hipótese de o Ministério Públicos figurar nos autos como fiscal da ordem jurídica (art. 82, § 1º, parte final), não se estendendo à sua composição como parte da relação processual. Há que considerar, neste passo, o disposto no art. 18 da Lei n. 7.347/85, que isenta o Ministério Público do adiantamento das custas, emolumentos e honorários periciais, bem como das demais despesas processuais256. A respeito de aludido dispositivo legal, há julgado do STJ no sentido de isentar o Ministério Público no adiantamento dos honorários periciais por aplicação da regra inserida no art. 18 da Lei n. 7.347/85257-258. De outro lado, há julgados também do STJ afastando o emprego do art. 18 da Lei n. 7.347/85, no sentido de determinar que o Ministério Público efetue o adiantamento de custas periciais diante da letra da Súmula 232 daquele tribunal259. Parece-nos correta a linha seguida por este último julgado citado. Não se
está isentando o Ministério Público do pagamento das despesas processuais, se
vencido.
Absolutamente.
Relativamente
à
Fazenda
Pública,
a
jurisprudência se tem inclinado no sentido de, conforme o caso, não lhe estender o benefício de não ter de adiantar as despesas processuais dos atos que requerer260. A respeito, elucidavam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery já no CPC/73: “Quando o ato tiver de realizar-se por requerimento da Fazenda Pública, o vencido suportará as despesas a final (CPC 27). A Fazenda Pública está dispensada do pagamento do depósito prévio porque sendo credora das custas judiciais, não há sentido em pagar para si mesma, o que configuraria confusão (CC 381; CC/16 1.049). Quando o ato processual acarretar despesas fora do âmbito das custas judiciais, como, por exemplo, para as perícias, o experto não é obrigado a praticar o ato sem a contraprestação pecuniária respectiva, de sorte que, se ele assim o exigir, a Fazenda Pública deve fazer o depósito prévio”261. Nesse sentido, a Súmula 232 do STJ, assim redigida: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. Voltaremos a tratar do assunto com mais vagar no capítulo destinado ao estudo da prova pericial. 7.4 Remessa obrigatória O art. 496 do CPC dispõe no sentido de que as sentenças que sejam proferidas contra a União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ficam sujeitas ao duplo grau de jurisdição, isto é, ao reexame necessário262. Não se trata, é bem de se ver, de um recurso. A doutrina classifica o instituto de que trata o art. 496 como condição de eficácia da sentença. Por
outras palavras, em se tratando de sentença proferida contra os entes supracitados, esta só produz efeitos, como regra, se e quando confirmada pelo tribunal ad quem263, ainda que não haja recurso voluntário por parte da Fazenda (o que não impede que se admita a antecipação de tutela contra a Fazenda; aliás, a propósito, deve-se ter presente que a Lei n. 9.494/97 disciplina – e portanto admite – o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública)264. Embora se lhe negue, majoritariamente, a natureza de recurso, tal dispositivo, porque instituído em benefício da Fazenda Pública, não pode levar à piora da situação determinada pela sentença monocrática, aplicandose, então, o princípio da proibição da reformatio in pejus265. Nesse sentido, a Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”266. Claro está que o duplo grau de jurisdição deve ser compreendido tendo-se em vista a igualdade substancial das partes, já que a Fazenda Pública atua, em princípio, em prol do interesse público e/ou da própria coletividade, e por isso, nessa medida, se condenada, deve ser a decisão condenatória, necessariamente, submetida ao duplo grau. Entretanto, se for mantida a sentença prolatada contra a União, Estados ou Municípios é porque foi decidido não estar corretamente protegido o interesse, ou público ou da coletividade, desaparecendo a razão de concessão de quaisquer aparentes benefícios (dizem-se aparentes, pois, em verdade, apenas restabelecem a igualdade substancial entre as partes). A impossibilidade do agravamento da situação da Fazenda Pública por força da remessa obrigatória é criticada por Nelson Nery Jr.267, que entende que essa interpretação acaba por ferir o princípio constitucional da isonomia.
Entendimentos nesse sentido baseiam-se no fato de que se, por um lado, justifica-se plenamente e revela-se compatível com a isonomia submeter a sentença, como condição de sua eficácia, à apreciação pelo tribunal, ainda que não haja recurso voluntário, de outro afigura-se que o tribunal, se entender que é o caso, deve poder agravar a situação da Fazenda268. Tal não é o entendimento que prevalece nos tribunais, consoante a já mencionada Súmula 45 do STJ269. Por fim, o CPC/2015 estabeleceu exceções à remessa necessária de decisões contrárias à Fazenda Pública. O § 2º do art. 496 limita o referido instituto em razão da condenação ou do proveito econômico obtido na causa, devendo ser valor líquido e certo inferior a: mil salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso I), quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados (inciso II) e cem salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso III). Trata-se de medida estabelecida em homenagem à celeridade e à duração razoável do processo, por serem valores economicamente inexpressivos para a Fazenda Pública270. O CPC/2015 prestigia, ainda, a coesão interna do sistema jurídico, ao estabelecer no § 3º do art. 496 a não incidência da remessa necessária, quando a sentença estiver fundada em: súmula de tribunal superior (inciso I), acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos (inciso II), entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso III) e entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito
administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa (inciso IV). 7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave O CPC/73 passou por algumas reformas em prol da garantia da prioridade de tramitação nos procedimentos judiciais, em virtude de características inerentes aos litigantes – tais quais a idade e existência de doença grave. A Lei n. 10.173/2001, por exemplo, acrescentou ao CPC/73 os arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C, que passou a dispor a respeito do tratamento privilegiado aos processos em que uma das partes ou interessados se enquadre na condição de idoso, isto é, tenha idade igual ou superior a sessenta anos. Tal benefício veio a ser estendido aos portadores de doença grave, a teor da redação atribuída pela Lei n. 12.008/2009 aos dispositivos legais supracitados. O CPC/2015, por sua vez, guarda total harmonia com as reformas do CPC/73, ao estabelecer em seu art. 1.048, I, que pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos ou portadora de doença grave terão prioridade na tramitação de todos os atos de diligências em qualquer instância. Para tanto, bastará à pessoa interessada que requeira tal benefício à autoridade judiciária incumbida de decidir o feito, juntando prova de sua condição (art. 1.048, § 1º). Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária (art. 1.048, § 2º). Além disso, a prioridade, uma vez concedida, não cessará com a morte do beneficiário, mas estender-se-á em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, segundo prescreve o art. 1.048, § 3º. Setores autorizados da doutrina já levantaram as vozes contra a
constitucionalidade de referidos preceitos. É o caso do trabalho do Prof. Joel Dias Figueira Jr.271, escrito antes do advento da Lei n. 12.008/2009, em que o autor procura demonstrar a incompatibilidade de referidos dispositivos com o princípio constitucional da igualdade, insculpido como cláusula pétrea no caput e no inciso I do art. 5º do texto constitucional. Segundo o autor, o critério discriminatório adotado pela lei não necessariamente protege o hipossuficiente porque, a uma, nem todos os maiores de sessenta e cinco anos (sessenta anos, atualmente, a teor da Lei n. 12.008/2009) se enquadrariam em tal categoria (e, portanto, seriam merecedores de um tratamento processual diferenciado), e, a duas, haveria outras camadas da população (menciona o autor, antes da Lei n. 12.008/2009, que incluiu os portadores de deficiência grave como beneficiários desse tratamento privilegiado, os doentes mentais, menores, pobres, miseráveis, deficientes físicos, dentre outros) que seriam muito mais hipossuficientes do que os idosos. Parece-nos, no entanto, que a tramitação mais célere dos processos que envolvam idosos e portadores de doença grave atende, em última análise, aos reclamos de uma Justiça mais igual, não colidindo com o princípio constitucional da igualdade. O escopo colimado por referida alteração legislativa estaria ligado à ideia de viabilizar que todas as pessoas que, por uma razão ou por outra, são partes em ações judiciais possam vir a obter, em vida, uma decisão do Estado-juiz. O fato de existirem outras camadas da população igualmente merecedoras de atenção do legislador não torna, per se, inconstitucional, em nosso entender, o critério discriminatório adotado pelo legislador. 8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consubstanciado
no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, possui eficácia absoluta no ordenamento processual, haja vista a sua total projeção no campo da legislação infraconstitucional nos arts. 3º (“Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito) e 140 do CPC (“O juiz não se exime de decidir sob alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”). Assim, efetivamente, de nada adiantaria assegurar-se o amplo acesso ao Judiciário se, correlatamente, não se impusesse ao juiz o dever de sentenciar, ainda que diante de obscuridade da lei. Na Argentina, a esse propósito, firmou-se idêntico entendimento, com o fito de que se obtenha do sistema constitucional o seu “máximo” rendimento, e quando se diz máximo pretende-se significar rendimento autêntico e não inconstitucionalmente diminuído. No julgamento de um caso célebre, pela Suprema Corte argentina, decidiu-se que “las garantías individuales existen y protegen a los individuos por el sólo hecho de estar consagradas en la Constititución e independientemente de las leyes reglamentarias, las cuales sólo son requeridas para establecer en qué caso o con qué justificativos podrá procederse a su allanamiento y ocupación”. Neste caso, decidiu-se, mais, que a falta de uma tipologia processual infraconstitucional, ou de um instrumento processual, para viabilizar a garantia constitucional, fazia-se dispensável: “De tal manera, el intento no venía encuadrado (no existía para entonces) en ninguna vía procesal establecida por la ley. No obstante ello, la Corte resolvió prestar la protección requerida, sientando de esta manera el principio según el cual, la falta de tipo procesal al efecto, no es óbice para impedir la intervención jurisdicional”272. Dispõe a Constituição Federal sobre a garantia da tutela jurisdicional,
como visto, no inciso XXXV do art. 5º, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”273. Esta regra é essencialmente dirigida ao legislador infraconstitucional, conquanto atinja a todos, indistintamente. Deve-se ter presente, para bem compreender o alcance de dito dispositivo, dentro de cujo quadro funcional, de direitos e garantias, em que se insere o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional em nosso sistema constitucional, que não há espaço para fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II). É, pois, necessário conjugarem-se dois princípios, o da inafastabilidade do controle pelo Judiciário de quaisquer lesões ou ameaças de lesão ao de que o Judiciário, ao decidir, está inteiramente submisso à ordem jurídica, à qual, igualmente, estão submetidos todos os jurisdicionados, sendo, portanto, avaliadas as condutas destes – lícitas ou ilícitas –, sempre à luz dessa pauta descritiva de tais condutas. A este último princípio denominam muitos de princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, o que quer significar que todas as condutas, lícitas, estão previstas no sistema jurídico; vale dizer, há, desde logo e primariamente, uma pauta de condutas previstas na Constituição e, sucessivamente, nas leis infraconstitucionais, em que se descreve, exaurientemente, a licitude das condutas em conformidade com a ordem jurídica; e, quando essa definição de condutas não ocorra, há regras como as dos arts. 2º e 140 do CPC (identicamente, a do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que fornecem referenciais para decidir. Acentue-se, ademais, que, além das condutas lícitas, o sistema jurídico disciplina, igualmente, as condutas ilícitas, vale dizer, quando cometido um
ilícito, é o próprio sistema jurídico que caracteriza os ilícitos e lhes disciplina as consequências jurídicas emergentes de suas ocorrências. Dessa forma, pode-se dizer que esse princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, em rigor, “define” o lícito e o ilícito e faz com que se sigam, a um e outro, as consequências previstas no mesmo sistema. Se, pois, de um lado, o sistema jurídico, a partir do próprio texto constitucional, exaure as hipóteses do lícito e do ilícito (CF, art. 5º, II), de outra parte, como nenhuma lesão de direito pode ser subtraída à apreciação do Judiciário, disto se segue que o acesso ao Judiciário, protegido pela texto constitucional
e
infraconstitucional,
justamente
pelo
princípio
da
inafastabilidade do controle jurisdicional, normalmente envolverá a utilização de um “instrumento idôneo” à apreciação de uma tal situação, a qual, a seu turno, haverá de estar assentada no texto de lei (constitucional, ou não), mercê de cujo lastro aquele que terá acudido a juízo pretende ter razão e, assim, fazer subordinar, pela decisão judiciária, o interesse do demandado ao seu interesse. Por isso é que se pode dizer que esses princípios – ubiquidade e legalidade – articulam-se, formando como que um verdadeiro binômio. É, pois, inafastável o controle jurisdicional. E, no exercício desse controle, o juiz procurará sempre resolvê-lo à luz do direito posto pelo Estado, ou seja, pela pauta de valores que foi transformada em condutas havidas como legítimas pelo direito, de uma parte, e, de outro lado, haverá de excluir as condutas havidas como ilegítimas pelo próprio direito. É importante destacar que o controle da legalidade existe, igualmente, para o Estado, o que significa que essa extensão do controle da legalidade é característica do Estado de Direito. Neste, o próprio Estado se submete inteiramente à ordem jurídica274.
O Estado de Direito275 pode-se dizer diretamente emergido da teoria da separação de poderes. Nesse contexto, submete-se o Estado ao princípio da legalidade, conforme detectado claramente, nos Estados Unidos, no limiar do século XIX, especialmente tendo em vista o controle da constitucionalidade das leis. O direito de ação distingue-se do direito de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV). Este último é um direito político, exercitável em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, a). Já o direito de ação é um direito público subjetivo, que pode ser exercitado até mesmo contra o Estado. Isso não significa, como já vimos, que haja sempre direito à apreciação do mérito da pretensão, o que depende do preenchimento das condições da ação. No entanto, ainda que seja caso de extinção do processo sem resolução do mérito, será sempre o Judiciário que irá dizê-lo. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está intimamente ligado àquele que assegura assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados (art. 5º, LXXIV, da CF/88). Com efeito, sem que se enseje esse tipo de assistência, não se irá dar efetividade ao comando que garante o amplo acesso ao Judiciário, pois grande parte da população, em que pese a garantia insculpida no inciso XXXV do art. 5º, estaria alijada do efetivo acesso ao Judiciário. Tal benefício, é importante que se diga, pode ser concedido inclusive para pessoas jurídicas, desde que comprove a impossibilidade de arcar com os encargos processuais, de acordo com a orientação cristalizada na Súmula 481 do STJ: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”. 8.1 Jurisdição e arbitragem
Assunto interessante, ao qual já fizemos menção, é o que envolve o acesso ao Judiciário e o compromisso arbitral. O § 1º, art. 3º, do CPC/2015 dispõe que, apesar da inafastabilidade do controle jurisdicional, “É permitida a arbitragem, na forma da lei”. A esse respeito, a Lei n. 9.307/96 modificou o panorama legal anteriormente existente sobre o valor da cláusula compromissória. O entendimento que sempre preponderou, no sistema precedente à Lei n. 9.307/96, foi o de que a simples existência de cláusula compromissória não obstaria o acesso ao Judiciário, uma vez não firmado o compromisso arbitral diante de pendência concreta entre as partes contratantes. Por isso que o art. 301, IX, do CPC/73, em sua redação original, relacionava como preliminar de defesa o compromisso arbitral. Apenas se firmado o compromisso (diante da pendência concreta) e caso se pretendesse ir ao Judiciário é que o réu poderia alegar, em preliminar, a existência do compromisso, como impeditiva da análise do mérito da demanda pelo Judiciário. A Lei n. 9.307/96 alterou esse perfil, ao dispor no art. 7º: “Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição de arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”. Ou seja, passou-se a emprestar força coercitiva à própria cláusula compromissória (genérica) e não apenas ao compromisso (firmado diante da pendência contratual concreta). O art. 301, IX, do CPC/73, alterado pela própria Lei n. 9.307/96, coerentemente, passou a constar “convenção de arbitragem” e não mais “compromisso arbitral”. Tal redação encontra total correspondência com o
inciso X do art. 337 do CPC/2015. O juízo arbitral implica renúncia das partes à via judiciária estatal, confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz, “entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (art. 31, Lei n. 9.307/96). Pressupõe, também, que estejam em disputa bens patrimoniais ou direitos disponíveis e que as pessoas sejam “capazes de contratar” (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Trata-se de uma renúncia prévia à jurisdição estatal, pois as partes dispõem livremente, dentro do espectro das matérias afetas à arbitragem e das pessoas que podem se submeter ao juízo arbitral. Houve quem, por isso, visse a arbitragem, com o perfil que lhe deu a Lei n. 9.307/96, como incompatível com a garantia constitucional expressa no art. 5º, XXXV. O STF, contudo, veio a reconhecer a constitucionalidade da Lei de Arbitragem ao julgar o pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5260-7/Espanha276. Devidamente entendida a jurisdição em sua concepção moderna, ou seja, tendo-se em vista os fins a que se destina, configura-se acertado dizer que a arbitragem configura verdadeira jurisdição privada. 8.2 A conciliação e mediação Da mesma forma, o art. 3º, § 2º, do CPC/2015 preconiza “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. O referido dispositivo guarda coerência com a gradual complexidade da sociedade e aumento de litigiosidade – afinal, pelo princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, a todos é franqueado ter acesso ao
judiciário. Assim, nada mais natural que, diante deste contexto, o legislador busque alternativas de solução de conflito, a fim de pacificar litígios sem movimentar a máquina estatal277. Em respeito à inclusão dos meios alternativos no âmbito das normas fundamentais, vale ressaltar que o CPC/2015 inovou ao profissionalizar e regulamentar ativamente o exercício da atividade de mediador e conciliador, nos termos dos art. 165 e s. do código. Até então, cabia à Resolução n. 125/2010 do CNJ regular os meios alternativos de solução de conflitos. Tomam agora, corpo legal no bojo do diploma processual. Conforme destacado por Arruda Alvim: “A aposta do CPC/2015 nos meios alternativos passa, inclusive, pela audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 – que será analisado mais adiante), a ser realizada preferencialmente sem a presença do juiz, conduzida por mediadores ou conciliadores. Esta audiência será a regra geral, não sendo designada apenas em casos específicos. Isto requer, sem dúvida, uma reorganização ou aprimoramento da estrutura de administração da Justiça”278. 8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional O texto constitucional revogado admitia a instância administrativa de curso forçado. Na parte final do § 4º do art. 153 da CF/67 previa-se: “O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido”279. Hoje, a CF/88 admite tal exceção apenas em se tratando de justiça desportiva (art. 217, § 1º). Segundo José Afonso da Silva, “a Constituição valorizou a justiça
desportiva, quando estabeleceu que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias daquela”280. Deve-se ter presente, ademais, que a exigência de prévio esgotamento das vias administrativas, em se tratando da justiça desportiva, absolutamente não implica esteja obstado o acesso ao Judiciário, senão que é perfeitamente possível, exauridas as vias administrativas, submeter a contenda ao Poder Judiciário. Ademais, o § 2º do art. 217 estatui que a “justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”. 8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias O art. 38 da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80) preceitua que a propositura da ação anulatória de débito fiscal ou declaratória de inexistência de relação jurídica tributária deve ser precedida de depósito do tributo em discussão. Entendemos, contudo, que o depósito só se faz necessário para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não constituindo condição para a discussão judicial do débito281. Nessa hipótese – depósito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário – deve-se ter presente que o mesmo deve ser feito segundo o montante pretendido pelo fisco, consoante entendimento sumulado do STJ: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”282. Calha referir, nesse passo, a recente Súmula Vinculante 28 do STF, cuja redação é a seguinte: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a
exigibilidade do crédito tributário”. 8.5 Ação rescisória A ação rescisória é cabível após o trânsito em julgado, nas hipóteses dos incisos I a VIII do art. 966 do CPC. Exige o art. 968, II, que, para o ajuizamento da ação rescisória, proceda o autor ao depósito de 5% sobre o valor da causa283-284. O entendimento preponderante é o de que a exigência de tal depósito não atrita com o princípio do amplo acesso ao Judiciário, em virtude da natureza excepcional da ação rescisória, que é utilizável quando houver decisão de mérito transitada em julgado, caracterizando uma situação absolutamente diferenciada, desde que a vocação da decisão de mérito transitada em julgado é a da sua imutabilidade. Admite-se, ainda, que a ação rescisória seja ajuizada contra decisão que, conquanto não seja de mérito, impeça o conhecimento de recurso ou o ajuizamento de nova ação (cf. art. 988, § 2º, do CPC/2015). 9. Princípio do juiz e do promotor natural No art. 5º, XXXVII, a CF/88 estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, complementando, no inciso LIII do mesmo dispositivo, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Referidos dispositivos consagram os chamados princípios do juiz natural e do promotor natural. Não é possível, por força do princípio do juiz natural, que um tribunal seja criado ou designado para julgar apenas determinado caso285, ou, como diz Nelson Nery Jr., “a proibição da existência e criação de tribunais de exceção
é o complemento do princípio do juiz natural”286. Juízes serão, pois, aqueles que ocupem os cargos constitucionalmente previstos (cf. art. 92, I a VII, da CF/88), regularmente disciplinados nos moldes da legislação constitucional e infraconstitucional. Existem algumas situações, já enfocadas, que devem ser reexaminadas, à luz do princípio do juiz natural. Há determinados assuntos que são julgados pelas chamadas justiças especializadas. É o caso dos litígios envolvendo matéria trabalhista, eleitoral e militar (art. 92, IV, V e VI, da CF/88, respectivamente). Trata-se, porém, de uma previsão – genérica e abstrata – da própria Constituição Federal de 1988, atinente a litígios envolvendo determinadas matérias. Por isso, não existe qualquer colidência entre a previsão das justiças especializadas – pela própria Constituição Federal – e o princípio do juiz natural. Repita-se que o que o referido princípio colima evitar é que sejam criados tribunais, ou designados outros já existentes para apreciar determinado caso concreto, e desde que, assim criados, sejam impostos aos jurisdicionados. Por isso, a previsão, genérica e abstrata, no bojo da própria Constituição, de que litígios envolvendo determinadas matérias sejam julgados pelas chamadas justiças especializadas, não atrita com a grandeza do princípio constitucional em estudo. O juiz natural é aquele “instituído pela lei para julgar certas e determinadas questões”287. Deverá ser pré-instituído pela lei ou pela própria Constituição. Calha referir, neste passo, o assunto das chamadas prerrogativas de foro. É o caso, por exemplo, da atribuição conferida pela própria Constituição Federal de 1988 ao Senado Federal para julgar o Presidente da República em caso de crime de responsabilidade (art. 52, I). Cuida-se de previsão genérica,
abstrata, encartada no corpo da Constituição Federal de 1988, não acarretando qualquer atrito com o princípio do juiz natural, pois não leva a que seja criado (ou designado, se já existente) tribunal para apreciar determinado caso. Para a hipótese de crime de responsabilidade, o juízo natural do Presidente da República será o Senado Federal. Também se permite sejam pactuados foros de eleição, em se tratando de competência relativa (a competência em razão do valor e do território pode ser objeto de convenção entre as partes – art. 63 do CPC, caput, diversamente do que sucede com a competência em razão da matéria, pessoa e em razão da função). A possibilidade de serem previstos os foros de eleição revela-se perfeitamente compatível com o princípio do juiz natural. O princípio do juiz natural não alcança somente a atividade do Judiciário (processo civil e processo penal). Absolutamente. Reflete-se, por exemplo, também na seara do direito administrativo. Por exemplo, o servidor público não deverá ser apenado (se for o caso) senão pela autoridade competente, segundo regras preestabelecidas. O princípio do juiz natural colima, pois, impedir (1) que o tribunal seja criado após a ocorrência do fato e (2) que seja criado para julgar um caso específico, salvo as exceções constitucionalmente previstas. Não poderá, também, mercê desse princípio, ser designado o órgão judicante após a ocorrência do fato; vale dizer, o juízo ou tribunal deverá ser estabelecido segundo regras preexistentes. Não é mesmo possível conceber que, no regime de Estado de Direito, pudesse não se fazer presente o princípio do juiz natural. O princípio do juiz natural (e do promotor natural) apresenta-se, portanto, como um reflexo natural do regime de Estado de Direito.
Foram referidas as modificações introduzidas no regime do juízo arbitral pela Lei n. 9.307/96. O compromisso arbitral – hoje, à luz da nova disciplina, a própria convenção de arbitragem – exclui da cognição da jurisdição estatal a lide288. Pertinente a indagação, neste passo, sobre se as modificações introduzidas por referido diploma legal conflitam com o princípio do juiz natural. Temos para nós que o juízo arbitral não apenas se compatibiliza perfeitamente com o princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, como também se coaduna perfeitamente com o princípio do juiz natural. De outro lado, a Constituição Federal de 1988 consagrou com explicitude o já referido princípio do promotor natural (art. 5º, LIII). Vale dizer, o acusado não apenas tem a garantia de que não será julgado por tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII), como também tem a certeza de que irá receber a acusação de “um órgão do Estado escolhido previamente segundo critérios e atribuições legais”289. Nelson Nery Jr. diz que, para se averiguar o respeito ao princípio do promotor natural, devem estar presentes quatro requisitos: “a) a investidura no cargo de Promotor de Justiça; b) a existência de órgão de execução; c) a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução, exceto as hipóteses legais de substituição e remoção; d) a definição em lei das atribuições do órgão”290. Se o princípio do juiz natural leva a que não possam ser criados ou designados tribunais já existentes para apreciar determinado caso específico, o princípio do promotor natural assegura que o acusado será processado por um membro do Ministério Público, previamente constituído e que não tem interesse ou compromisso com a necessária condenação ou absolvição do
acusado e que tem autonomia e independência para conduzir a acusação de acordo com o interesse público291. 10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do diálogo processual Esse princípio está estampado no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O CPC/2015, por sua vez, adota expressamente o princípio do contraditório em seus arts. 9º e 10, ao prever que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifesta, ainda que se trata de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, impondo-se não apenas a necessidade de diálogo para garantir a ampla defesa, mas também para refratar a possibilidade de decisões surpresas para as partes. Muito embora a doutrina, já à luz da Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1/69, entendesse que a garantia do contraditório se estendia ao processo civil e aos procedimentos administrativos, a Constituição Federal de 1988 inovou ao expressamente utilizar-se no inciso acima citado das expressões “processo judicial” (abrangendo tanto o processo civil como o penal) e procedimento “administrativo”. Como o princípio do juiz natural, acima estudado, o princípio do contraditório apresenta-se como uma consequência natural do Estado de Direito. Significa, esse princípio, que se deve “dar conhecimento da existência da
ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”292. Nesse diapasão, percebe-se a íntima correlação existente entre o princípio do contraditório e o da isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF/88; art. 139, I, do CPC), estando ainda relacionado ao princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário. Importante consignar que o princípio do contraditório tem dimensões diferentes, no processo civil e no processo penal. No processo penal, exige-se defesa técnica substancial do réu, mesmo que revel (art. 261 do CPP), mandando-se dar defensor ao réu que seja tido por indefeso. No processo civil, a projeção do princípio é menor. Exige-se que seja dada ciência ao réu da propositura da ação, porém isso não impede que, tratando-se de direitos disponíveis, seja julgada a ação, a despeito do fato de o réu ser revel (art. 355, II, do CPC). Seja como for, tanto no processo civil como no penal, é imperativo que se dê ciência ao réu da propositura da ação. No entanto, como há a distinção apontada acima, alguns entendem mais apropriado falar-se, no campo do processo civil, em princípio da bilateralidade da audiência, uma vez que nem sempre há efetiva manifestação do réu, bastando que lhe seja ensejada essa manifestação para que seja respeitado o princípio do contraditório, distinção essa que nos servimos de acompanhar293. Além disso, Arruda Alvim294 afirma que a instituição das normas fundamentais pelo CPC/2015 tem como objetivo a criação de um modelo cooperativo do direito processual, buscando refratar as possibilidades de decisões surpresas para as partes. Isso porque não adianta exigir a boa-fé e a cooperação das partes se uma decisão judicial que não leva em consideração o debate havido entre as partes for considerada legítima, uma vez que
implicaria a diminuição do papel auxiliar dos próprios litigantes na solução do caso concreto. A legitimidade da decisão judicial está diretamente ligada à sua correlação com a alegação de direito discutida pelas partes nos autos. Nota-se o evidente intuito de “retirar a legitimidade das decisões judiciais que não sejam fruto de um debate efetivo entre os sujeitos do processo”, caracterizada por “monólogo do julgador consigo mesmo”, limitando-se a uma única perspectiva, sem qualquer observância do diálogo entre os sujeitos do processo295. Ainda que o CPC/2015, tal qual o CPC/73, preveja hipóteses em que é possível o julgamento conforme o estado do processo, autorizando a extinção prematura da lide, pelo disposto nos arts. 9º e 10 do CPC/2015, se a demanda já estiver formada, é impositivo que o julgador intime as partes para que se manifeste sobre as todas as questões suscitadas no curso do processo e que poderão acarretar sua extinção. O cabimento da extinção prematura é restrito aos casos de sentenças terminativas, através das quais se pode extinguir o processo sem apreciação do mérito já durante a fase de saneamento (quando verificada “qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III” – art. 354). Da mesma forma, podem ser proferidas sentenças definitivas decorrentes do julgamento antecipado do mérito, quando desnecessária a dilação probatória (art. 355, I) ou, quando ocorrer a revelia, com a produção dos seus regulares efeitos, sem que tenha havido requerimento de prova na forma do art. 349 (art. 355, II) Quando a demanda não estiver formada, ou seja, o réu ainda não integrar o polo passivo, a extinção prematura do processo pela ausência das condições da ação ou pressupostos processuais, não implicaria em ofensa aos arts. 9º e 10 do CPC/2015. No entanto, nos casos em que for desnecessária de dilação
probatória e por uma questão de economia processual, recomenda o julgamento conforme o estado do processo, deve o magistrado garantir as partes o direito de se manifestar antes de seu julgamento, para garantir que essa decisão não acarretará em qualquer prejuízo para as partes. Essa necessidade é evidente, porque o art. 10 prevê a garantia do direito da parte para se manifestar mesmo sobre matérias em que o magistrado pode decidir de ofício, porque ainda que sejam tidas como matérias de ordem pública, eventual decisão de ofício não retiraria seu caráter de surpresa em relação às partes296. Nos casos de revelia, se operam os seus efeitos (não incidindo as excludentes dos incs. I a III do art. 345, sendo, ainda, plausíveis os fatos alegados na inicial), e desde que o réu tenha sido validamente citado, igualmente não ofende o princípio do contraditório o julgamento antecipado da lide (vide, acima, diferente alcance do princípio do contraditório no processo civil e no processo penal), incidindo a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344). Como dito, os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se também aos procedimentos administrativos297. Desse modo, serão nulas as sanções administrativas aplicadas como decorrência de procedimento em que não se tenha ensejado ao acusado conhecimento dos atos praticados e possibilidade de ampla defesa (por exemplo, com a produção das provas que entender adequadas/pertinentes). Há que se distinguir, no campo do processo penal, a fase do inquérito policial e do processo judicial propriamente dito. No processo penal (judicial), o princípio do contraditório assume sua expressão máxima (arts. 261 e 497 do CPP). Daí, como apontado, alguns autores, ao lado dos quais
nos perfilhamos, preferirem reservar o nome “contraditório” para o processo penal. No entanto, na fase policial, costuma-se dizer que o procedimento é inquisitório e não acusatório. Visa, o inquérito policial, a coligir as provas que poderão servir de supedâneo à ação penal. O inquérito policial, assim, não tem um fim em si mesmo, mas visa, apenas e tão somente, aparelhar futura e eventual ação penal. Daí por que o fato de ser eminentemente inquisitório e não acusatório não fere os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O mesmo se diga com relação ao inquérito civil. A Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) prevê, em seu art. 8º, § 1º, a possibilidade de o Ministério Público instaurar o chamado inquérito civil público. Explica-se: para a propositura da ação civil pública, pode ser necessário ao Ministério Público (que é um dos possíveis legitimados ativos da ação civil pública) instaurar um procedimento administrativo prévio, denominado inquérito civil, que, assim como o inquérito policial, não visa senão reunir elementos para uma possível ação ulterior. Como tal procedimento não visa a um fim em si mesmo, mas apenas a aparelhar eventual futura ação, o fato de ser inquisitório não atrita com a grandeza constitucional do princípio do contraditório. Isso não quer dizer que as informações que o Ministério Público requisitar (art. 8º, § 1º, da Lei n. 7.347/85) não devam guardar pertinência com aquilo que se objetiva apurar com o inquérito civil. Daí que a requisição de informação deve ser fundamentada, e não arbitrária ou aleatória. Na prática, porém, não é incomum que se ofereça alguma espécie de defesa (explicação) no curso do inquérito civil com vistas não exatamente a
uma defesa, pois que não há ainda acusação, mas com o escopo de fornecer à autoridade que preside o inquérito civil (Ministério Público) elementos que lhe permitam concluir pela desnecessidade da ação civil pública. Essa noção tradicional de que o inquérito policial é inquisitório e não acusatório tem sido mitigada em diversos julgados do STF, conforme já mencionado anteriormente298. Nesse sentido, o STF veio, inclusive, a editar a Súmula Vinculante 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Interessante consignar que o princípio do contraditório, no processo civil, faz-se presente não apenas na fase de conhecimento, mas, igualmente, na fase de execução. Na fase de cumprimento de sentença, não há propriamente lide (como há na fase de conhecimento). Na fase de execução (ora cumprimento de sentença), busca-se realizar materialmente o que tiver sido decidido na fase de conhecimento299. Sem embargo disso, também na execução, há espaço para aplicação do princípio do contraditório, ainda que com perfil diferente da fase cognitiva300. Primeiro, o devedor, na execução, pode oferecer impugnação nas hipóteses do art. 525, § 1º, do CPC/2015; ainda, em hipóteses excepcionais, mesmo antes de seguro o juízo, pode oferecer o que a doutrina tem denominado de exceção de pré-executividade, quando a execução se revele, por alguns motivos que serão estudados oportunamente, absolutamente inviável301. Se se tratar de execução por título extrajudicial, o âmbito da defesa oponível é o mesmo da contestação (art. 917), já que
poderão ser levantadas, além das matérias constantes dos incisos I a IV do art. 917 do CPC/2015, qualquer outra que poderia ser levantada em processo de conhecimento, a teor do que dispõe o inciso V desse mesmo dispositivo legal. 10.1 A citação A citação é o ato processual “pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238 do CPC/2015). É a citação, pois, por excelência, o ato pelo qual se dá efetividade ao princípio do contraditório no campo do processo civil. Observe-se que, conforme conteúdo já presente no CPC/73, do mandado citatório há de constar a advertência de que trata o inciso II do art. 250 do CPC/2015, segundo a qual deverá constar no mandado “a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução A ausência da advertência inserida no art. 250, inciso II, conduz à nulidade da citação e impede, ab initio, que se produzam os efeitos da revelia302. Desse modo, expõe Arruda Alvim a respeito do art. 285 do CPC/73 (cujo conteúdo se manteve no CPC/2015, em seu art. 250, II): “a ausência desta advertência torna nula a citação e impede, a fortiori, que se produza (m) o(s) efeito(s) da revelia. Neste caso, embora não haja comprometimento da citação, em si mesma, a lei comina de nulidade. Se a ação, pois, não vier a ser contestada, haverá revelia, e, em nosso sentir, nulidade (desde que ocorrente prejuízo), e, a fortiori, incogitável a incidência do art. 319 (...). De qualquer forma, e, como regra geral, inocorrente prejuízo, não há que se dar pela
nulidade. Assim, v.g., já mais antigamente se entendia que não ocorria qualquer prejuízo, se o citando, dentro do prazo, comparecia e apresentava defesa. (...) Entretanto, mesmo que irregular a citação, se tiver conseguido preencher a sua finalidade, não se deverá decretar a nulidade do processo”303. Se faltar a advertência de que trata o art. 285 e, mesmo assim, o réu apresentar contestação, indagamos se seria possível cogitar-se de nulidade, pelo fato de que no mandado de citação faltava requisito essencial. Como aduz Marcelo Abelha Rodrigues, “foi sanada a nulidade pelo fato de que houve contestação de todos os pontos articulados pelo autor, não havendo qualquer prejuízo em aproveitar o ato citatório”304. Destarte, temos que as consequências da ausência da advertência do art. 250, II, deverão ser apuradas no caso concreto e em consonância com o princípio do prejuízo, inserido no art. 282, § 2º. Dessa forma, podemos falar, neste caso, em nulidade sanável, como bem ressaltado por Marcelo Abelha Rodrigues305. 10.2 Liminar inaudita altera parte Finalmente, dentro deste assunto, cumpre serem analisadas as liminares. O sistema processual civil prevê que, em determinadas hipóteses, é possível ao juiz determinar providências liminarmente, sem a prévia ouvida da parte contrária, conforme prevê o art. 9º, parágrafo único, do CPC/2015. O CPC/2015 autoriza ao magistrado que seja proferida decisão sem ouvir a outra parte quando tratar-se de tutela provisória de urgência, evidência (art. 311, incs. II e III) ou para expedir o mandado de pagamento no caso de ação monitória (art. 701). Sendo que, nesses casos, busca-se a prevalência da efetividade do processo, sem que haja conflito com o princípio do
contraditório e da ampla defesa. Explica-se o porquê. Quando o sistema prevê a possibilidade de medidas liminares, sem ser ouvida a parte contrária, é porque há risco de dano irreparável, se não concedida liminarmente a providência pleiteada. Então, entre dois valores em pauta – contraditório e efetividade do processo –, há o que Nelson Nery Jr., baseado em doutrina alemã, denomina “limitação imanente à bilateralidade da audiência”306. Isso não quer dizer que o contraditório possa ser afastado. Absolutamente. Tão logo determinada a providência liminar solicitada inaudita altera parte, esta deverá ser intimada, para defender-se e, se entender ser o caso, interpor recurso contra a decisão. Exatamente por isso tais decisões não deverão gerar situações irreversíveis, pois, se o fizessem, aí, sim, seria inutilizado (e não simplesmente adiado) o contraditório. É o que didaticamente prevê o § 3º do art. 300 do CPC. Em suma, sacrifica-se provisoriamente o contraditório, em prol da efetividade do processo (interesse superior da justiça), pois sem a decisão liminar inaudita altera parte, verifica-se perigo de dano diante da duração do processo. Porém, à parte prejudicada pela decisão será dado o direito de sobre ela se manifestar, e de interpor recurso à instância ad quem, se entender necessário. Além disso, há que se considerar que as medidas liminares são, por excelência, provisórias307, o que corrobora a ideia de que as liminares inaudita altera parte não colidem com o princípio do contraditório e da ampla defesa. 11. Princípio da proibição da prova ilícita A CF/88 estipula no art. 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. A primeira dificuldade que surge consiste
em conceituar prova ilícita308. Ao lado desse dispositivo, deve-se ter presente, dentre outros, o art. 5º, XII, também do texto constitucional, que garante ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A ilicitude pode ser material, se a produção da prova resulta de ato contrário ao direito; ou formal, se decorre da forma ilegítima como ela se produz309. Reconhecida a ilicitude da prova, o STJ tem determinado seja ela desentranhada dos autos para não influenciar de qualquer forma a decisão do juiz310. O tema tem dado margem a grandes discussões. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela ilegalidade de gravação feita por marido que havia se separado da mulher e não mais coabitava com ela e invadiu a sua privacidade, violando sua linha telefônica311. Nelson Nery Jr. entende que, se se tratar de gravação de conversa própria, ou de linha comum, de cônjuges que vivam sob o mesmo teto, não há ilegalidade na prova312-313, com o que se concorda. A Lei n. 9.296/96 prevê as hipóteses em que é admitida a interceptação telefônica por ordem judicial, regulamentando a parte final do inciso XII do art. 5º da CF/88. A interceptação telefônica somente poderá ser utilizada como meio de prova em investigação criminal, com autorização judicial. Não há, por outro lado, previsão de utilização de interceptação telefônica na esfera civil. Aliás, o art. 10 da Lei n. 9.296/96 dispõe que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou
quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. É importante diferenciar, como já sublinhamos, a escuta ou interceptação telefônica do uso de gravações telefônicas como meio de prova no cível. Os tribunais têm decidido que, se a gravação for feita por uma das partes interlocutoras, é lícita e pode ser utilizada como meio de prova no cível314. Se a prova for obtida por meio lícito, no processo penal, poderá ser usada como prova emprestada no cível315. Para caber a prova emprestada, sem violação do contraditório, a parte contra quem vai ser produzida há de ter participado do processo originário. Para Eduardo Cambi, “para que a prova emprestada seja admitida, é necessário que tenha sido recolhida, a princípio, de um processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto. A prévia intervenção e participação das partes são necessárias, porque, se uma das partes do segundo processo não fosse a mesma do primeiro processo, haveria violação da garantia constitucional do contraditório e, mais especificamente, do próprio direito constitucional à prova”316-317. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, já que “a garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção
das partes”318. 12. Princípio da publicidade dos atos processuais O princípio da publicidade dos atos processuais decorre do disposto no inciso LX do art. 5º e no inciso IX do art. 93, ambos da CF. Os art. 11 e 189 do CPC consagram a regra da publicidade dos atos processuais no plano infraconstitucional, ao disporem que os atos processuais e julgamentos do Poder Judiciário são públicos. O próprio art. 189, em seus incisos I e II, traz determinadas hipóteses de processos que devem tramitar em segredo de justiça, quais sejam (I) os casos em que o exigir o interesse público ou social e (II) os processos que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes. Nessas situações excepcionais, o direito de consultar os autos e pedir certidões é restrito às partes e seus procuradores, cabendo a terceiro que pretenda obter certidão do dispositivo da sentença, bem como do inventário e partilha, resultante de separação judicial, requerê-lo ao juiz da causa. As exceções contidas no art. 189 do CPC têm respaldo no inciso LX do art. 5º da CF/88 e na parte final do inciso IX do art. 93, também da CF/88319. Nesses casos, o direito à intimidade das partes e o interesse social justificam a tramitação em segredo e sobrepõem-se ao princípio da publicidade dos atos processuais, evitando que o processo seja alvo de especulações maliciosas ou sensacionalistas que, muitas vezes, prejudicam o seu próprio andamento. Decorre do princípio da publicidade a regra do art. 368 do CPC, que determina que as audiências são públicas, ressalvadas das exceções legas. Arruda Alvim diz, a respeito deste princípio: “A publicidade é havida
como garantia para o povo de uma Justiça ‘justa’, que nada tem a esconder; e, por outro lado, é também garantia para a própria magistratura diante do mesmo povo, pois, agindo publicamente, permite a verificação de seus atos”320. 13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do CPC/2015) Dispõe o art. 93, IX, da CF/88 que as decisões judiciais serão motivadas sob pena de nulidade. Ainda, com o advento do CPC/2015, a motivação das decisões foi regulada a nível infraconstitucional, de forma que o seu art. 11 dispõe “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Assim, a motivação não apenas foi inserida em lei ordinária, como inserida no rol das normas fundamentais de processo civil. A necessidade da motivação das decisões judiciais (todas as decisões judiciais devem ser motivadas e não apenas a sentença), em rigor, nem haveria de constar do texto constitucional, pois que decorre do próprio Estado de Direito, e, ainda, do princípio do due process, de que já se tratou. É, ainda, verdadeiro pressuposto para que se possa recorrer. As razões recursais são voltadas a contrastar a fundamentação das decisões judiciais. Como pondera Teresa Arruda Alvim: “Ato de inteligência e de vontade, não se pode confundir a sentença com um ato de imposição pura e imotivada de vontade. Daí a necessidade de que venha expressa sua fundamentação (art. 93, IX, da CF/88)”. Diz, mais, esta autora, que fundamentação deficiente, para todos os efeitos, equivale à falta de fundamentação321-322.
Fundamentar significa dar as razões de fato e de direito que levaram à tomada da decisão323. A fundamentação deve ser substancial e não meramente formal. Correta a afirmação de Cândido Rangel Dinamarco324, no sentido de que a exigência da motivação das decisões judiciais é um contrapeso da liberdade e independência conferidas ao juiz para decidir. Sendo assim, a motivação não pode ser dispensada, sob pena de nos depararmos com decisões arbitrárias, contrariando os princípios do Estado de Direito. A sanção para a ausência de fundamentação é expressamente cominada pelo próprio texto constitucional: nulidade da decisão (CF/88, art. 93, IX)325. Isso revela a importância que o constituinte dispensou a este ponto (necessidade de fundamentação das decisões judiciais), eis que, usualmente, os preceitos constitucionais não trazem em seu bojo a norma sancionadora. O CPC/2015, neste contexto, classificou o dever de motivação da decisão como norma fundamental, cuja inobservância implica a nulidade do ato decisório. Este é o conteúdo expresso na parte final do art. 11, caput, inserido no capítulo “Das normas fundamentais do processo civil”. Da mesma forma, ao dispor a respeito da apreciação das provas, o art. 371 determina que as razões da formação do convencimento do juiz deverão ser indicadas na decisão, reafirmando o princípio da motivação em sede infraconstitucional. 14. Princípio da independência da magistratura A independência da magistratura pressupõe a regra do art. 5º, XXXVII, e a do art. 5º, LIII, da CF/88. Fundamentalmente, está prevista essa independência no art. 2º da Constituição, onde se lê: “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Gozam os juízes, legitimamente integrantes do Poder Judiciário, alojados em juízos e tribunais previstos na Constituição ou a partir dela, de uma série de garantias, justamente para que a aplicação do direito por eles feita signifique, exclusivamente, a vontade da lei, e a fim de que a esse mister restem estranhas quaisquer outras influências. São as garantias já abordadas anteriormente, isto é, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Diz-se com autoridade, com lastro em literatura do direito comparado e com base em inumeráveis Constituições, que a “independência dos órgãos judiciários, que hoje pode ser aceita como um dogma, está na própria essência do Poder Judiciário, que não se compreenderia subordinado a injunções de outro poder, para o exercício da administração da justiça”326. A independência do juiz deve ser descrita como bifronte, ou seja, ela é política e jurídica, sendo aquela o suporte desta. Não poucas Constituições referem-se a que o juiz resta submetido unicamente à lei327. Como corolário dessa independência, o juiz submete-se unicamente a sua convicção (livre convencimento motivado); não se lhe podem solicitar explicações quanto àquilo que haja decidido, não mais existindo nos sistemas constitucionais contemporâneos o antigo ius respondendi, ou seja, a obrigação de o juiz explicar suas decisões; os juízes não são obrigados a aceitar decisões de outros juízes e tribunais, valendo estas, única e exclusivamente, pelo poder de persuasão de que gozem, nunca como precedentes autoritários em nosso sistema constitucional. Por outro lado, é certa a existência de exceções constitucionalmente
expressas, tal como o resultado da ação declaratória de constitucionalidade, introduzida em nosso sistema pela Emenda Constitucional 3/93 à Constituição Federal de 1988, ou as súmulas vinculantes, previstas no art. 103-A e parágrafos do Texto Maior, trazidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Ainda, o CPC/2015 atribuiu força substancial à jurisprudência, com vistas a privilegiar a sua função uniformizadora. É neste contexto que o art. 927 preceitua que os tribunais deverão observar: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (inciso I), os enunciados de súmula vinculante (inciso II), os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III), os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional
e
do
Superior
Tribunal
de
Justiça
em
matéria
infraconstitucional (inciso IV) e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (inciso V). Cabendo reclamação, nos termos do art. 988, em caso de não obediência de alguns dos casos supracitados. Cumpre ressaltar, entretanto, que o regramento do CPC/2015 não impõe restrição ao livre convencimento do magistrado. Assim, conforme opinião de Arruda Alvim: “Em não havendo essa disciplina – como é o caso de nossos dias – isso não significa que a causa ou os processos deixem de ser decididos como entendem os Tribunais e os Tribunais Superiores. Só que isto ocorrerá ao longo do tempo com percalços, criando situações sociais altamente indesejáveis”328. Assim, o novo Código optou por consubstanciar o princípio da igualdade (art. 5º, I, CF). Considerou, para tanto, que a igualdade formal diante da letra
da lei seria insuficiente à garantia da isonomia material, haja vista ser possível diferentes entendimentos a respeito de um mandamento, mesmo em face de situações idênticas. O Conselho Nacional de Justiça, instituído pela EC 45/2004, não interfere na autonomia e independência do Judiciário. Referido Conselho vem, aliás, previsto no art. 92, I-A, do Texto Supremo, como órgão do Poder Judiciário, sendo que sua composição e atribuições respectivas vêm dispostas no art. 103-B. Não cabe, contudo, ao Conselho interferir na atividade jurisdicional, como claramente se dessume da leitura do § 4º do mencionado art. 103-B, que elenca as suas atribuições. A propósito, observa com propriedade Rita Dias Nolasco que “o CNJ não pode interferir na atividade jurisdicional, e, evidentemente, não pode discutir o mérito das decisões dos juízes. Ou seja, não pode interferir na autonomia e independência da magistratura”329. Essa independência política e jurídica do Judiciário envolve a necessidade de existir um autogoverno da magistratura. O chamado autogoverno da magistratura se corporifica pelos regimentos que os tribunais elaboram, tendo em vista o conteúdo constante do art. 96 da CF. É importante ter presente que os regimentos, porque têm um conteúdo próprio e predeterminado, têm um claro conteúdo normativo “no tocante a esses assuntos de sua [do Judiciário] esfera privativa de regulamentação”330331
. Nos quadros desse autogoverno há que se ter presente a regra do art. 99 da
CF/88, em que se estabelece que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”, com a extensão constante dos §§ 1º e 2º desse art. 99. A circunstância de o Judiciário dizer o direito, e, portanto, fazer com que,
em suas decisões, o direito ganhe dinamicidade, leva-o, em certo sentido, a ter o poder de dizer a última palavra, tendo em vista o direito positivo. É certo que a última palavra, dita pelo Poder Judiciário, não se reveste de arbítrio, senão que, justamente por estar o Judiciário submetido à lei, conduz ao resultado de que é o Judiciário, pelo seu funcionamento, que realiza por excelência o princípio da legalidade, na ordem prática. Para tanto, deve-se apontar, dentre uma das características substanciais da jurisdição, não só essa incontrastabilidade das decisões judiciárias, como também, complementando esse perfil, a coisa julgada332. Aponta-se, ainda, a explicar essa mesma realidade, o caráter da jurisdição como sendo substitutiva, vale dizer, ao depois da decisão não prevalecerá o que as partes desejavam, senão aquilo que o Judiciário haja decidido, com lastro na lei, inclusive quando se tratar de outros poderes, Executivo ou Legislativo333-334. 15. Princípio do duplo grau de jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição assegura às partes o direito de pleitear a revisão das decisões judiciais proferidas em primeiro grau de jurisdição. Através dos recursos que visam a implementar o duplo grau de jurisdição (é o caso, por excelência, da apelação), as partes poderão pretender o reconhecimento pelo tribunal de erros de direito ou de erros de fato, já que o duplo grau de jurisdição está eminentemente relacionado à ideia de justiça. A propósito, diz Ada Pellegrini Grinover: “O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau de recurso”335.
A Constituição Federal não garante de forma expressa o duplo grau de jurisdição, que, todavia, pode-se reputar um princípio constitucional implícito. A propósito, diz com pertinência Ada Pellegrini Grinover: “Apesar da inexistência de regra constitucional expressa que garanta o duplo grau de jurisdição, parece-nos, com José Frederico Marques, que a regra é imanente na Lei Magna, a qual, como as anteriores, mais que a dualidade de graus de jurisdição, adota o sistema da pluralidade deles”336. O duplo grau é, por exemplo, prestigiado pela Constituição Federal quando esta prevê o cabimento de recursos ordinários dirigidos ao STF e STJ, em determinadas causas de competência originária dos tribunais locais (arts. 102, II, e 105, II). Nestes casos, o STF e o STJ funcionam como órgãos de jurisdição ordinária, exatamente para preservar o direito ao duplo grau de jurisdição nas hipóteses ali contempladas. Oreste Nestor de Souza Laspro propõe a seguinte conceituação ao princípio do duplo grau de jurisdição: “Podemos finalmente conceituar o duplo grau de jurisdição como sendo aquele sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira”337. Nos casos dos Juizados Especiais, os recursos não são interpostos para os órgãos de hierarquia superior, mas sim para as Turmas Recursais, compostas por juízes de primeiro grau. Ainda assim estará preservado o duplo grau de jurisdição, uma vez que as decisões são amplamente revistas pelas Turmas Recursais. Para Joel Dias Figueira Jr., em posição que nos servimos de acompanhar, as Turmas Recursais (competentes para analisar recursos interpostos contra sentenças proferidas em Juizados Especiais) representam
nos Juizados Especiais a segunda instância na Justiça comum338. Os julgamentos das apelações, em regra, são feitos por órgãos colegiados, conquanto o art. 557 do CPC, que é aplicável a todos os recursos339 e assim também ao recurso de apelação, abra a possibilidade de julgamento monocrático se presentes as circunstâncias autorizadoras contempladas no caput e no § 1º-A, o que não desnatura a ideia de duplo grau. 16. Princípio da razoável duração do processo No nível constitucional, o princípio da razoável duração do processo encontra-se consagrado no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, inserido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”). Porém, o referido princípio foi reproduzido pelo CPC/2015, que o inseriu no rol das normas fundamentais do processo civil, consoante art. 4º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. A razoável duração do processo é garantida não somente para os processos judiciais, mas também para os processos administrativos. Se é verdade que a Constituição garante o direito de ação (art. 5º, XXXV), tal garantia seria verdadeiramente inócua se a prestação jurisdicional viesse a ser implementada em alargado espaço de tempo, a ponto de se tornar inútil ao jurisdicionado. O instituto da tutela provisória de urgência representa importante instrumento processual colocado à disposição do jurisdicionado, tendente a contornar os problemas gerados pela excessiva demora na prestação jurisdicional. Em última análise, os dispositivos que tratam da tutela
provisória expressam a preocupação do legislador infraconstitucional em dar efetividade ao princípio estampado no inc. XXXV do art. 5º, que garante o amplo acesso ao Judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito. O certo é que, no mínimo, o art. 300 do CPC, ao expressar a preocupação do legislador com a efetividade do processo, atribui dimensão prática ao princípio dos princípios, que é o do devido processo legal, do qual, aliás, derivam todos os demais princípios constitucionais do processo. Para nós, porém, na garantia insculpida no inc. XXXV do art. 5º da CF encontra-se virtualmente compreendida a ideia de acesso efetivo e não apenas nominal ao Judiciário. Já a hipótese de tutela provisória de evidência (art. 311, incisos I a IV), bem como do julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 a 356), guardam sintonia com a ratio essendi do inc. LXXVIII, também do art. 5º da CF/88, que estatui: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, e, em última instância, também, identificam-se com a ideia de devido processo legal. A ideia da razoável duração do processo é que este se inicie e termine de forma breve, porém eficaz. Isso porque a prestação da tutela jurisdicional de forma tardia pode fazer com que pereça o direito ao jurisdicionado ou que a utilidade deste fique esvaziada. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos fixou três importantes critérios para se aferir se houve ou não dilação indevida do processo, a saber: a) complexidade do assunto versado na causa; b) comportamento dos litigantes e de seus procuradores; e c) a atuação e comportamento do órgão jurisdicional.
Questão interessante a respeito do princípio da razoável duração do processo diz respeito ao cabimento de indenização àquele que restar prejudicado pela demora na prestação jurisdicional. A esse respeito, há interessante julgado do Tribunal de Justiça do Acre fixando aludida indenização: “Constitucional, civil e processual civil. Indenização por danos morais e patrimoniais. Ação de justificação de reconhecimento de união estável. Demora na prestação jurisdicional. Desídia. Prejuízo da parte autora. Dano configurado. Indenização devida. Em homenagem ao princípio da duração razoável do processo, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, havendo demora injustificada na prestação jurisdicional, causando prejuízo ao jurisdicionado, deve o Estado indenizar o dano eventualmente sofrido pela parte... a demora na intimação da parte interessada no endereço fornecido, atrasando o provimento em sete anos não é, nem poderia ser considerada razoável, principalmente quando se verifica, como neste caso, diversas falhas, tanto no que tange ao erro na intimação, quanto à falta dela para as audiências que foram realizadas. Na verdade, não se pode qualificar de abusiva a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), quando se leva em conta a duração não razoável do processo (...). Demais disso, o presente caso não trata de erro de julgamento proferido pelo juízo e, sim, de falta de eficiência no serviço prestado, ou seja, na atividade Judiciária, que, em face de diversos erros de serviço, retardou a prestação jurisdicional por muitos anos. Ora, se o tempo exigido para uma simples cautelar de justificação foi muito além do razoável, causando danos morais, deve o Estado ser condenado, como foi, a indenizar o ofendido (...)”340. 16.1 Ordem cronológica de julgamento (art. 12 do CPC/2015) O CPC/2015 também determina a observância do critério cronológico para
a ordem de julgamento dos processos que estão conclusos para sentença ou acórdão. Arruda Alvim define esse critério como uma regra de gestão que deve ser observada pelos cartórios judiciais e pelos julgadores e não propriamente como uma norma fundamental, que inclusive traz diversas exceções (art. 12, § 2º). Observa-se que a instituição de regras de gestão é uma tendência dos sistemas judiciais modernos de administração como uma forma de contribuir para o melhor funcionamento das unidades judiciais, através da qual impõese prioridades de julgamento, e utiliza-se dos serviços judiciais com o objetivo de obter um resultado com o menor esforço financeiro e pessoal, privilegiando reflexamente a eficiência (art. 8º). Pode-se afirmar que o julgador, em certa medida, é o gestor de sua própria unidade judicial e, nesse sentido, tem a capacidade de administrar os processos que estão sob sua responsabilidade. Inicialmente, o art. 12 previa a obrigatoriedade do respeito à ordem cronológica. O referido dispositivo foi alterado pela Lei n. 13.256/2015 para substituir a redação do caput “deverão obedecer” por “atenderão, preferencialmente”. Essa alteração denota a ideia de uma relativa flexibilidade conferida aos julgadores. Ressalta-se, no entanto, que essa regra deverá ser interpretada como uma diretriz que só poderá ser afastada justificadamente, não podendo, portanto, o magistrado afastar livremente a ordem cronológica sem qualquer justificativa (Arruda Alvim). Isso porque, ainda que a imposição da observância da ordem cronológica represente, em certa medida, uma limitação aos poderes do juiz de gerenciar sua própria unidade de trabalho, ela é claramente uma regra isonômica para todos que exercerão o direito de ação perante o Estado, servindo como forma
de impedir o tratamento privilegiado de algumas pessoas em detrimento de outras. O caput do art. 12 prevê expressamente que a ordem cronológica deve ser, preferencialmente, respeitada apenas para sentenças e acórdãos – decisões de mérito –, não submetendo, portanto, as decisões interlocutórias. O § 1º dispõe sobre a necessidade de cada unidade judicial manter uma lista atualizada com a ordem dos processos aptos à julgamento e, como já dito, o § 2º traz o rol de casos em que os processos não devem se submeter à ordem cronológica. Ainda, pode-se afirmar que a observância da ordem cronológica tem como objetivo a supressão da possibilidade de as partes influenciarem na rapidez do julgamento de seus casos (art. 12, § 4º) e também de que os julgadores julguem primeiramente os casos que sejam mais “fáceis” primeiro, salvo as exceções previstas no próprio art. 12. Além das exceções previstas no art. 12, o § 6º do art. 12 prevê que os processos que tiverem a decisão de mérito anulada, ressalvando-se as hipóteses em que forem necessárias diligências ou instrução complementar, ou quando tratar-se de acórdão proferido em contrariedade com a orientação do tribunal superior (art. 1.040, inc. II, do CPC/2015), ocuparão o primeiro lugar da lista prevista nos §§ 1º e 3º. Por fim, a ordem cronológica deve ser respeitada inclusive com relação aos processos que tiveram a fase instrutória reaberta para diligências de qualquer espécie, que deverão retornar para o lugar em que estavam originariamente na lista, conforme previsão expressa do art. 12, § 5º. 17. A norma fundamental para a aplicação das leis processuais O CPC/2015, por meio do seu art. 8º, estabeleceu diretrizes interpretativas
a partir das quais o magistrado deve se pautar na aplicação do direito no caso concreto. Buscou, nesse sentido, harmonizar a atividade hermenêutica com as demais normas fundamentais do processo civil, atribuindo-lhe índole constitucional e sistematizada. Assim, dispõe o art. 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo
a
dignidade
da
pessoa
humana
e
observando
a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Inicialmente, vale mencionar que os parâmetros propostos pelo dispositivo devem ser observados tanto na esfera processual – no decorrer do procedimento jurisdicional – quanto na esfera material – na atividade decisória. Consoante lições de Humberto Theodoro Júnior341, visando pacificar conflitos juridicamente relevantes, a jurisdição se vale de uma dupla submissão ao princípio da legalidade: tanto o procedimento deve observar os preceitos legais, quanto o pronunciamento de mérito. Relevante, portanto, que a atividade interpretativa se dê da mesma forma. Pois bem, a primeira parte do art. 8º estabelece que o ordenamento jurídico deve atender aos “fins sociais” e às “exigências do bem comum”. Tais critérios se justificam, uma vez que a norma jurídica raramente consegue acompanhar a dinâmica das relações sociais no plano fático. Nesse sentido, a fonte a partir da qual se deve extrair os “fins sociais” e o “bem comum” são os valores do Estado Social, desconsiderando, para tanto, visões individualistas342. No que toca à promoção da dignidade da pessoa humana, o legislador não trouxe nenhuma novidade, e se tratando de princípio fundamental
resguardado pela Constituição (art. 1º. III, da CF/88) e, consequentemente, pelo CPC/2015, nos termos do seu art. 1º (“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observandose as disposições deste Código”). Os preceitos da proporcionalidade e razoabilidade, por sua vez, devem ser tidos como parâmetros orientadores do magistrado na sua atividade interpretativa diante de conflitos entre diferentes elementos ou interpretações. A legalidade, por sua vez, deve ser compreendida à luz do contexto jurídico contemporâneo. Ou seja, o juiz não deve se limitar estritamente à literalidade da lei, mas sim ao sistema jurídico compreendido pelas normas, jurisprudência e fonte doutrinária. O direito, nesse sentido, deve ser aplicado à luz do tripé lei, doutrina e jurisprudência343. Por fim, a publicidade já é um princípio constitucional e característica própria de todos os atos realizados pelo Poder Público. Enquanto que a eficiência vincula-se substancialmente ao princípio da razoável duração do processo. Assim sendo, o legislador não inovou ao estabelecer tais critérios como parâmetros à aplicação do direito, uma vez que já estão previstos na Constituição Federal e no próprio diploma processual. 18. Conclusões São as seguintes as principais conclusões deste capítulo: 1º) A Constituição Federal de 1988 consagrou, de forma expressa e abrangente, o princípio do devido processo legal. A rigor, do princípio do devido processo legal – princípio dos princípios – decorrem todos os demais princípios processuais agasalhados pela Constituição;
2º) Sem embargo disso, o legislador constituinte consagrou, de forma expressa, outros importantes princípios, alargando sensivelmente, em relação à Carta anterior, o rol dos princípios constitucionais do processo. Dentre eles destacam-se, pela importância, a isonomia entre as partes no processo; o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (do amplo e irrestrito direito de ação), sem a possibilidade de se condicionar o acesso ao Judiciário ao prévio exaurimento das vias administrativas (como ocorria à luz do art. 153, § 4º, segunda parte, da CF/69, com a redação da EC 7/77); o princípio do contraditório, hoje assegurado de forma explícita para o processo civil e para os procedimentos administrativos (e não apenas para o processo penal). No âmbito do processo civil tal postulado é mais bem denominado de princípio da bilateralidade da audiência, uma vez que assume dimensões diferentes das que toma no processo penal; por fim o princípio da motivação das decisões judiciais, cominando o texto constitucional – o que refoge à regra geral de redação das normas constitucionais – a sanção de nulidade às decisões judiciais não fundamentadas.
VII TEORIA DA AÇÃO
1. Noções gerais – conceito de ação Os conflitos de interesse do mundo sociológico interessam ao direito, tais como venham deduzidos ao Estado-juiz através do pedido. É o pedido (e respectivos fundamentos de fato e de direito) que fixa a lide ou objeto litigioso, sobre o qual se desenvolverá a atividade jurisdicional. Já demonstrado, em capítulo anterior, que a atividade jurisdicional, depois de longo processo evolutivo, é hoje praticamente monopólio do Estado e que apenas em hipóteses verdadeiramente excepcionais se tolera a autotutela. Anotou-se que, mesmo nos casos em que hoje o direito admite a autotutela, não se pode excluir a apreciação do Poder Judiciário. Assim, caberá sempre ao Judiciário, se instado a fazê-lo, pronunciar-se sobre a hipótese concreta. Caberá, sempre, ao Judiciário examinar se a hipótese comportava ou não autotutela. Assim, mesmo em hipótese em que tenha cabimento a autotutela, compete ao Judiciário verificar se esta ocorreu dentro dos limites permitidos (v.g., na hipótese do art. 1.210, § 1º, do CC). É evidente, por outro lado, que, no dia-a-dia, são bem mais comuns as hipóteses fáticas em que há respeito de uns pelos direitos dos outros. Essa é,
pode-se dizer, a regra geral. Se, todavia, tal não se der, e instaurar-se um conflito de interesses, este poderá ser levado ao Judiciário. Este apelo à Justiça denomina-se ação, que leva à formação de um processo. Na medida em que não se admite a autotutela, salvo excepcionalmente e sempre por texto expresso, o Estado assume o monopólio da jurisdição e, como consequência, oferta àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força, o direito de recorrer à Justiça, exercendo o direito de ação. “Em outras palavras, se ao particular proibiu-se o exercício da autotutela, o Estado, ao assumir a função de resolver os conflitos, deve propiciar a todos uma tutela correspondente à realização da ação privada que foi obstada”344. Ação, na escorreita conceituação de Humberto Theodoro Júnior, é “um direito abstrato (direito à composição do litígio), que atua independentemente da existência ou inexistência do direito substancial que se pretende fazer reconhecido e executado. [...] É, assim, e apenas, o direito à prestação jurisdicional, direito instrumental, com que se busca a tutela jurídica”345. O direito de ação vem garantido, no plano constitucional, pelo art. 5º, XXXV; o efetivo exercício do direito de ação processual civil, contudo, fica condicionado ao preenchimento de determinados requisitos (condições da ação, por exemplo) impostos pela lei infraconstitucional. Não se confunde, ademais, o direito de ação com o direito de petição, este assegurado pelo art. 5º, XXXIV, a, do texto constitucional, já que, conforme observa José Afonso da Silva, o direito de petição constitui “o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos Poderes Públicos sobre uma questão ou uma situação, seja para denunciar uma lesão concreta e pedir a reorientação da situação, seja para solicitar uma modificação do Direito em vigor, no sentido
mais favorável à liberdade”346. Celso Bastos define o direito de petição como sendo aquele que implica a “possibilidade de requerer às autoridades constituídas qualquer medida de interesse pessoal ou geral”347. Humberto Theodoro Júnior sublinha um ponto de extrema importância: “O direito subjetivo, que o particular tem contra o Estado e que se exercita pela ação, não se vincula ao direito material da parte, pois não pressupõe que aquele que o maneje venha sempre a ganhar a causa”348. Com efeito, daí se extrai claramente que o direito de ação se apresenta, hoje, completamente desvencilhado da afirmação de direito material veiculada na petição inicial. Ou seja, o fato de se reconhecer a alguém o direito de ação não significa que o Judiciário lhe vá atribuir razão, no caso concreto. Procurar-se-á, na linha de raciocínio proposta por Arruda Alvim, examinar melhor a ideia de ação ao lado das noções de direito objetivo e de direito subjetivo. Define esse autor o direito objetivo como sendo a “regulamentação dos comportamentos humanos, por meio de normas gerais e abstratas, apontando os referenciais e traçando os limites do que está de acordo e do que não está de acordo com essa mesma ordenação, e respectivas consequências, quer na hipótese dos comportamentos lícitos, quer na dos ilícitos”349. Direito subjetivo, segundo esse mesmo autor, “significa a titularidade de uma situação jurídica. Ou, se se quiser, o direito subjetivo é a própria individualização ou subjetivação concreta de um direito, atribuído a alguém, que é o seu titular”350. Não é difícil compreender que o direito subjetivo, ao contrário do objetivo, que é geral e abstrato, supõe uma situação individual e concreta. Ora, como regra o direito é respeitado, de acordo com o que se observou
anteriormente. Porém, o direito objetivo contém sanções que se seguem como consequentes ao descumprimento de uma norma jurídica. E, ainda, dispõe da coerção que possibilita a concretização da sanção. Essas noções, em verdade, são extraídas da teoria geral do direito e não dizem exclusivamente com o objeto do presente estudo. Porém, é preciso fixá-las adequadamente porque a ideia de ação pressupõe a compreensão desses conceitos. Com efeito, a sanção pelo descumprimento do direito objetivo, no caso, deve ser imposta pelo Poder Judiciário (sob pena de se regredir e retornar ao tempo da autotutela e da justiça privada), através do exercício do direito de ação. Diz-se, com acerto, que a ação é, per se, um direito subjetivo ao lado do direito material. É, autonomamente, um direito subjetivo que visa ao reconhecimento perante o Judiciário de uma afirmação de direito subjetivo. Se, mesmo após a imposição da sanção pelo Judiciário (o que é feito através das chamadas ações declaratórias lato sensu), o réu se recusar a se submeter à mesma, recorrer-se-á à coerção, que é própria da fase de execução351. Neste passo, já não mais se discute, como regra, o direito, senão que se colima a prática dos atos necessários à efetivação da sanção. O direito objetivo, então, apresenta-se como um dos elementos do direito subjetivo. Aquele, porém, é geral e abstrato. Já o direito subjetivo, “ao contrário, é particular e concreto; pertence a indivíduos determinados e a estes é atribuído concretamente, em virtude da ocorrência de um ou mais fatos descritos pelo direito objetivo ou que por ele sejam considerados relevantes para esse fim”352, suscetível de proteção (isto da ótica do autor, daí falar-se com mais propriedade em afirmação de direito subjetivo, dada a já referida autonomia do direito de ação).
E é justamente essa ideia de proteção que leva à ideia de ação, consoante se teve oportunidade de salientar. Quando foi transcrito o conceito de Humberto Theodoro Júnior, linhas atrás, fez-se questão de frisar que a expressão “o direito subjetivo, que o particular tem contra o Estado e que se exercita pela ação, não se vincula ao direito material da parte, pois não pressupõe que aquele que o maneje venha sempre a ganhar a causa” é de extrema felicidade, pois denota com muita simplicidade a desvinculação do direito de ação da afirmação de direito material que visa a proteger. Daí por que, com acerto, conclui Arruda Alvim que “a ação, pois, existe, mesmo prescindindo-se da existência do direito material. Pode-se dizer que a ação é, per se, um direito subjetivo, ao lado do direito subjetivo material”353, assertiva essa que temos por extremamente correta e que evidencia de forma nítida que o exercício do direito de ação não conduz necessariamente à satisfação da pretensão de direito material (normalmente de direito material) veiculada através da ação. 2. Evolução A teoria clássica (também chamada de teoria civilista ou teoria imanentista da ação), que imperou durante todo o século XIX, identificava plenamente a ação com o direito material a que ela visava proteger (haveria, por assim dizer, segundo essa teoria, apenas uma “roupagem” distinta). Tal a concepção de Savigny, cuja teoria se baseia na ação como uma qualidade do direito material, ou o próprio direito material reagindo a uma violação. A teoria clássica, porém, não explicava um fenômeno comum, que é o julgamento de improcedência da ação. Com efeito, sendo a ação julgada
improcedente, houve exercício do direito de ação, sem que tenha havido efetivamente direito material a ser tutelado. Dois autores – Adolf Wach354 e Giuseppe Chiovenda355 – foram os principais responsáveis pelos primeiros abalos sofridos pela teoria civilista da ação. A teoria civilista (ou teoria imanentista) foi sendo abandonada a partir de fins do século XIX, mercê, principalmente, das obras desses dois autores. Wach, por exemplo, vislumbrou a existência da ação (meramente) declaratória, que não se pode confundir com qualquer categoria de direito civil, concluindo pela autonomia do direito de ação. Para Wach, o conceito de pretensão à declaração de forma alguma se poderia confundir com o de pretensão de direito material. A excelência dessa argumentação transparece de forma bem nítida quando se pensa na ação declaratória negativa356. Chiovenda concebia a ação como direito potestativo, de acordo com o qual “alguém [pode] influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste”357. Passou-se a encarar, então, a ação como um direito concreto à tutela jurídica (Wach), ou como um direito potestativo (Chiovenda). Mas, na realidade, nem Wach nem Chiovenda chegaram a conceber a ação como um instituto realmente autônomo, embora rompessem com a teoria civilista, particularmente quando enfocaram a questão da ação declaratória. Segundo Ovídio A. Baptista da Silva, “tanto Wach quanto Chiovenda, no entanto, ao tentarem definir a ‘ação’ processual, estudavam-na como se fosse um poder atribuído ao titular do direito subjetivo material, para que este, invocando a proteção do Estado, pudesse tornar efetivo o seu direito contra o obrigado”358. Nos dizeres de Arruda Alvim, “o que importa realçar é que, tanto Wach
quanto Chiovenda, em última análise, condicionaram a própria existência do direito de ação àquela do direito subjetivo, salvo enquanto peculiarizam o fenômeno da ação declaratória, e, em especial, a ação declaratória negativa. Tanto Wach quanto Chiovenda, conquanto tenham considerado a autonomia do direito de ação (o primeiro, em verdade, relativamente), foram claros, no sentido de que somente na sentença final é que efetivamente era possível apreciar a existência ou não do direito de ação. Ainda, a existência do direito de ação seria constatada, desde que a ação fosse procedente. Assim, em última análise, existente seria a ação, desde que existente o direito que lhe estava subjacente (direito material, via de regra)”359. Apenas se a ação fosse julgada procedente é que se poderia reconhecer a existência do direito de ação. Chiovenda afirmava que mesmo que a ação tivesse sido julgada improcedente, quem teria exercido o direito de agir teria sido o réu, o que é manifestamente contrário à realidade, pois, mesmo tendo sido julgada improcedente, quem exerceu o direito de ação foi o autor. É o que sucede também na hipótese da ação penal, segundo Frederico Marques: “Se a sentença absolver o réu por inexistência de crime, houve a actio poenalis sem que existisse o jus puniendi do Estado”360. Nota-se, pois, que a ação, na concepção desses dois autores, ainda se encontrava intimamente ligada ao direito material. Nessas condições, tais concepções não explicavam satisfatoriamente o desenvolvimento de toda a atividade jurisdicional, eis que, segundo entendiam, somente ao final se poderia concluir se o autor tinha ou não razão, e mais, só na primeira hipótese teria sido exercido o direito de ação. Na verdade, hoje se entende que, independentemente do resultado final (isto é, independentemente de a ação ser ou não fundada), terá havido efetivo
exercício do direito de ação. Ou seja, a existência da ação independe de ter ou não o autor razão no que pertine ao mérito. Hoje predomina a teoria do direito abstrato da ação. Não é possível, preliminarmente, aferir se o autor tem ou não razão. Daí o porquê de a ação poder vir a ser julgada improcedente, mas ainda assim ter-se que houve efetivo exercício do direito de ação. Registre-se que, mesmo em casos em que seja possível constatar de plano que assiste razão ao autor, o juiz não poderá, ao menos como regra, decidir dessa forma de plano, pois princípios constitucionais, como o do contraditório e o da ampla defesa (art. 5º, LV) e o do devido processo legal (art. 5º, LIV) o impedem de fazê-lo ab initio361. Com efeito, salvo hipóteses excepcionais, a regra é a de que há de ser observado um iter procedimental, corolário lógico e impostergável da necessidade de se dar efetividade a ditos princípios constitucionais. Há, a propósito, interessante previsão, no art. 332 do CPC, que cuida do julgamento liminar de improcedência do pedido, independentemente de citação do réu, nos casos em que a controvérsia dispense a fase instrutória e contrarie enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência, enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local ou quando se verificar a ocorrência de prescrição ou decadência. Conforme observam com acuidade George Abboud e José Carlos Van Cleef de Almeida Santos, “com exceção a última hipótese, todas as demais revelam a preocupação do legislador em prestigiar a orientação dos Tribunais
Superiores e dos tribunais locais em detrimento da opinião do juiz de primeiro grau”362. Tem-se que a previsão do art. 332 guarda sintonia com o sistema de respeito aos precedentes judiciais, sobretudo ampliado pelo CPC/2015. Parece-nos, ademais, que a dispensa da citação do réu não conflita com o texto constitucional, na medida em que o julgamento de mérito ser-lhe-á necessariamente favorável, daí por que não haveria razão para exigir o prévio contraditório. É de se anotar, ademais, que, com o instituto das tutelas provisórias, é possível que o juiz antecipe para um momento preambular do processo um ou alguns dos efeitos da decisão de mérito ou que adote medidas que tornem possível o seu cumprimento, o que poderá fazer, nas hipóteses dos arts. 300 e 311, caso existam elementos “que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo” ou, ainda, quando independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil, caracterizar-se as hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 311. É relevante consignar que tal decisão provisória não deve conduzir a uma situação irreversível, segundo se prevê no § 3º do art. 300363. O CPC prevê ainda expressamente o dever de reparação pelo prejuízo causado pela efetivação da tutela de evidência (art. 302). Trata-se de reflexo, no plano legislativo, de uma preocupação transcendente ao mero exercício do direito de ação, a que já nos referimos anteriormente, que representa a busca por efetivo acesso à Justiça, que se traduz na adoção de mecanismos que possibilitem uma tutela jurisdicional adequada ao caso concreto364. A ação, assim, coloca-se em três planos. Na seara do direito constitucional, o direito de ação existe sempre, por força do princípio da
ubiquidade (art. 5º, XXXV, da CF/88). O acesso ao Judiciário estará sempre assegurado, ainda que seja para obter um pronunciamento no sentido de inexistência do direito de ação no caso concreto. Trata-se, como observa José Frederico Marques, de “reflexo do princípio do monopólio da justiça pelo Estado”365. No entanto, no plano da lei infraconstitucional são estabelecidas algumas condições, denominadas de condições da ação, que devem ser preenchidas para que haja direito de ação processual civil, no sentido de se ter direito a um pronunciamento de mérito. Isso não quer dizer que, presentes as condições da ação, deva esta ser julgada procedente, porque o reconhecimento das condições da ação se coloca em um plano distinto do mérito. Tem-se, todavia, que, presentes as condições da ação, haverá direito a um pronunciamento jurisdicional de mérito, isto é, consistente no acolhimento ou não da pretensão do autor. Por outras palavras, o que se pode dizer é que o art. 5º, XXXV, da CF contém um preceito genérico, que assegura a qualquer um o acesso ao Judiciário. O direito a um pronunciamento de mérito, porém, haverá de ser avaliado diante do caso concreto, e depende da existência das chamadas condições da ação, que serão estudadas no próximo capítulo. Quer-nos parecer, ainda, com Arruda Alvim, que, desde que tenha havido ação no plano constitucional, é lícito concluir que o indeferimento inicial consubstancia exercício de atividade jurisdicional366. A ação, tal como interessa ao direito processual civil, porém, não é apenas a ação assegurada pelo art. 5º, XXXV, da CF, mas a ação apta a ensejar do Judiciário um pronunciamento de mérito. Ou seja, o direito de ação que diz com o processo é aquele “idôneo e apto a provocar desenvolvimento da
atividade jurisdicional, até a sentença final, geralmente de mérito”367. A clara distinção entre as condições da ação e o mérito, situando-os em dois planos distintos, é consequência da adoção da teoria abstrata da ação, segundo a qual o direito de ação deve ser considerado independentemente e à parte do mérito. Daí que – insista-se – o preenchimento das condições da ação não deve endereçar qualquer conclusão acerca do mérito da demanda. As condições da ação envolvem, assim, questões preliminares. Isso não quer dizer que o direito de ação não guarde qualquer correlação com o direito subjetivo (material). É através daquele primeiro que se busca dar guarida e efetivar este último. Ou melhor, é através do direito de ação que se busca resguardar uma afirmação de direito. Esta é uma afirmação perfeitamente compatível com os cânones da teoria abstrata. O que não se pode tolerar é a assertiva de que só com a resolução de mérito favorável é que terá havido exercício do direito de ação, como se extrai claramente da posição de Chiovenda. Trata-se de um direito subjetivo processual, ligado instrumentalmente – na feliz explicação de Frederico Marques – a um caso concreto. Direito de ação no plano constitucional haverá sempre, como visto. É um reflexo do monopólio da justiça pelo Estado. O direito de ação no plano processual (infraconstitucional) haverá desde que haja uma pretensão regularmente deduzida. Não há, porém, confusão com o direito subjetivo material propriamente dito (rectius, afirmação de direito), porque a ação, ainda que respeitante a uma pretensão regularmente deduzida, poderá ser julgada improcedente e, ainda assim, terá havido ação no plano processual. Pode acontecer, como registra Cândido Dinamarco, que o autor esteja “amparado por todos os requisitos processuais mas não [tenha] direito ao bem que
pretende. Receberá uma sentença de mérito, sim, mas desfavorável – sentença de improcedência da demanda”368. A ação é exercitável em face do Estado, e tem por objeto a prestação da tutela
jurisdicional:
“Ha
un
oggetto
diverso
da
questo
(tutela
giurisdizionale…) ed è rivolta ad un soggetto diverso (Stato)”369. De outro lado, a ação veicula uma pretensão dirigida contra o réu. Para Rodrigo da Cunha Lima Freire, a ação é exercida “contra o Estado, que é obrigado a realizar a jurisdição, por meio de seus órgãos competentes”370. Mais apropriado seria, concordando com Sérgio Bermudes, afirmar que o direito de ação é exercido contra o réu371. Tem-se, na verdade, que a ação é exercitável em face do Estado e contra o réu. Como se disse anteriormente, um dos grandes méritos das obras de Wach e Chiovenda foi ter percebido a importância da ação declaratória (especialmente a negativa), com o que foi possível dar os primeiros passos no sentido de delinear a autonomia do direito de ação. Wach visualizou claramente a ação declaratória, porém deixou claro “que o conceito de pretensão à declaração de forma alguma podia confundir-se com o instituto da pretensão de direito material”372. Com efeito, por intermédio da ação declaratória negativa pode-se colimar a negativa de existência de determinada relação jurídica (art. 19, I, do CPC). Daí se conclui, com acerto, que não há como condicionar a ação ao direito material, se o que se pretende, por intermédio da ação declaratória negativa, é justamente negar a existência de determinada relação jurídica material. Falava, ainda, Wach que a ação seria exercitável em face do Estado contra o réu. Isso porque, em face do primeiro (Estado), pede-se a prestação jurisdicional, sendo o réu (aquele contra quem é proposta a ação) obrigado a
suportar a pretensão373, linha de pensamento que, como referimos anteriormente, nos servimos de acompanhar. Chiovenda, de seu turno, enxergava a ação como um direito potestativo, mas a autonomia da ação, em seu pensamento, era relativa, dado que, como explica Arruda Alvim, “o poder da ação para Chiovenda consiste no direito de conseguir uma atuação concreta da lei em face de um adversário”374, quando, em verdade, segundo o que hoje se entende, à luz dos princípios da teoria autonomista, encampada pelo CPC vigente, o efetivo exercício do direito de ação independe do reconhecimento de que assiste razão ao autor. Com efeito, por intermédio da ação declaratória negativa, colima-se, por exemplo, negar a existência de determinada relação jurídica. Ora, não há, pois, como condicionar a ação ao direito material, se o que se pretende, por intermédio da ação declaratória negativa, é justamente negar a existência de determinada relação jurídica material. Sem embargo disso, é preciso atentar para a circunstância de que é necessário descrever essa relação jurídica material para pretender a declaração de sua não existência, já que, como observa com pertinência Carreira Alvim: “Se bem que seja um direito abstrato, a ação não é genérica, em caráter absoluto, mas, ao contrário, refere-se a um caso concreto (fattispecie), determinado e individualizado, idôneo para tornar-se objeto de atividade jurisdicional”375 – afirmação essa extensível mesmo à ação declaratória negativa, dado que é necessário definir a situação cuja negação se pretende. Depende a ação, da vontade do autor, já que a jurisdição é (ao menos originariamente) inerte – art. 2º do CPC. Pretende-se, por seu intermédio, a aplicação da lei, pelo Estado-juiz, a
uma determinada situação fático-jurídica. Isso quer dizer que o autor deverá descrever fatos, bem como atribuir-lhes determinada qualificação jurídica, o que não se confunde com qualificação legal (indicação do dispositivo de lei), pois o juiz deverá conhecê-la (jura novit curia). Daí por que Arruda Alvim, corretamente, conceitua a ação como sendo “o direito constante da lei, ou do sistema processual, cujo nascimento depende de manifestação de nossa vontade, tendo por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, colimando, diante da hipótese fático-jurídica, nela formulada, a aplicação da lei”376. Frederico Marques falava da ação como sendo “o direito à tutela jurisdicional do Estado (…) [uma vez] abolida a resolução privada dos litígios e conflitos de interesses”377. Ensinava, com percuciência, que o direito de ação é garantido também ao próprio Estado, que só excepcionalmente pode praticar atos cuja concretização, na ordem prática, independa do acesso ao Judiciário. Dizia o notável autor: “As limitações da autodefesa estatal (e consequentemente da autoexecutoriedade de certos atos estatais) fez nascer para o Estado o direito de agir, para que possa invocar de seus juízes a aplicação da norma legal. É o que acontece, verbi gratia, com as desapropriações”378. Celso Antônio Bandeira de Mello, insigne administrativista, explica, com notável clareza, que os atos administrativos, ao lado de se revestirem de presunção juris tantum de legitimidade, podem ser imperativos (i.e., podem ser impostos a terceiros independentemente da concordância destes) e, ainda, podem ser simplesmente exigíveis, sendo a exigibilidade o atributo “do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Judiciário para induzir o administrado a
observá-la”379. Nessa última categoria encarta-se o lançamento tributário, segundo já se têm oportunidade de expor (art. 142, parágrafo único, do CTN)380. Tratando-se de ato exigível, a Fazenda Pública não pode exigir o tributo do contribuinte prescindindo da via judicial, ainda que a ela assista a prerrogativa de ajuizar diretamente a ação executiva, nos termos da Lei n. 6.830/80. Podem os atos administrativos, finalmente, ser executórios, caso em que ao Poder Público será dado “compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”381. A mera exigibilidade não garante a coação material, que só existe em hipóteses excepcionais, como a dissolução de uma passeata, ou a interdição de uma fábrica, exemplos figurados por Celso Antônio. De ordinário, ainda que de atos exigíveis se trate, é imprescindível o acesso ao Judiciário, para compelir materialmente o obrigado à obediência. É o que sucede, como dito, com o ato do lançamento tributário, que conduz à possibilidade da cobrança executiva de tributos (Lei n. 6.830/80), ou com a ação de desapropriação, conforme já foi referido. Esses conceitos, conquanto digam respeito a uma disciplina específica – direito administrativo –, devem ser mencionados nesta sede porque evidenciam claramente que o direito de ação é assegurado tanto aos particulares, como ao próprio Estado, que só em casos excepcionais pode compelir materialmente o administrado à observância dos atos que edita. Os elementos da ação, de cujo estudo nos ocuparemos com mais detença adiante, são as partes (elemento subjetivo), o objeto, que se divide em imediato (prestação da tutela jurisdicional) e mediato (bem da vida reclamado), ao lado do elemento causal (causa petendi).
3. Natureza jurídica da ação Cintra, Grinover e Dinamarco explicam a natureza jurídica da ação nos seguintes termos: “Trata-se de direito ao provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou desfavorável, justo ou injusto –, e, portanto, direito de natureza abstrata. É, ainda, um direito autônomo (que independe da existência do direito subjetivo material) e instrumental, porque sua finalidade é dar solução a uma pretensão de direito material. Nesse sentido, é conexo a uma situação jurídica concreta”382. Frederico Marques, a propósito, dizia: “A ação, portanto, é direito público subjetivo, uma vez que é dirigido contra o Estado. Trata-se de direito autônomo, conexo a uma pretensão, e de caráter abstrato. É direito conexo a uma pretensão, porque o pedido de tutela jurisdicional tem por fim tornar satisfeita a pretensão que gerou a lide. Nexos e ligações existem, portanto, entre a ação e a pretensão, muito embora não se confundam e se apresentem distintas: a pretensão é ato jurídico que contém exigência contra o réu; a ação é direito subjetivo contra o Estado para pedir-lhe a tutela e o reconhecimento da pretensão”383. O que se quer dizer com isso, como exposto com maestria nessa obra, é que, porque o autor tem uma pretensão a ser satisfeita, sendo, como regra, vedada a autotutela, ele deve deduzir aquela pretensão, sob a forma de ação, ao Estado-juiz. Trata-se, todavia, de direito abstrato, pois independe do resultado obtido para que se o considere exercitado.
VIII CONDIÇÕES DA AÇÃO
1. Introdução ao tema Ficou de sobejo demonstrado, nos capítulos anteriores, que o direito de ação, tal como colocado no plano constitucional, deflui do princípio da ubiquidade. Nesse sentido, a Constituição garante que nenhuma lesão ou ameaça será subtraída à apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da CF/88). Cabe considerar, neste passo, o direito de ação tal como regulado pelo Código de Processo Civil, que conduz, se existente, o pronunciamento a respeito do mérito da causa. Para Rodrigo da Cunha Lima Freire, autor de exauriente monografia sobre o assunto, “não existem duas espécies de ação (uma constitucional e outra processual), nem há que se distinguir a demanda, no plano constitucional, da ação, no plano processual. A ação encontra-se consagrada constitucionalmente, como direito genérico e abstrato. Todavia, o exercício regular deste direito, no âmbito infraconstitucional ou puramente processual, pode e deve ser limitado, como ocorre no direito positivo brasileiro, por meio das condições da ação”384. O que releva considerar é que o direito de ação, de provocar o Judiciário e dele obter uma resposta, deflui
do texto constitucional. Só terá direito a um pronunciamento de mérito (julgamento de procedência ou de improcedência) aquele que preencher as chamadas condições da ação. Se, como dito, houver extinção de plano do processo sem resolução de mérito, terá havido atividade jurisdicional e exercício do direito de ação (no plano constitucional), porém não terá havido pronunciamento sobre o mérito da causa, porque, sem embargo de garantido o acesso ao Judiciário (direito constitucional de ação), o autor não terá reunido, no caso concreto, os requisitos necessários a que o mérito de sua ação (= pedido) pudesse ser apreciado. Mas, de qualquer sorte, o exercício do direito de ação no plano constitucional terá ocorrido, pois terá sido o Judiciário que decidiu que o autor não reunia condições para obter um pronunciamento de mérito. Para que exista direito a um pronunciamento sobre o mérito, é necessário, como já se disse, que sejam preenchidas as denominadas condições da ação. As condições da ação, no sistema positivo brasileiro, devem ser consideradas num plano prévio e distinto do mérito da causa, e constituem requisitos que devem ser preenchidos para que este possa ser apreciado. Define Arruda Alvim as condições da ação, como sendo “as categorias lógico-jurídicas, existentes na doutrina e na lei que, se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à decisão de mérito – ainda que desfavorável”385. Além das condições da ação, os pressupostos processuais também devem ser preenchidos antes da análise do mérito. Já os pressupostos processuais constituem requisitos necessários à existência e validade da relação processual. Por isso, como se terá oportunidade de examinar adiante, fala-se em pressupostos processuais de existência e de validade da relação jurídica processual. Dizem respeito, por
exemplo, ao ajuizamento da ação perante juízo competente, à capacidade das partes e à capacidade postulatória do patrono do autor. As condições da ação, de outro lado, dizem respeito à situação colocada pelo autor na petição inicial. O interesse processual, por exemplo, é aferível diante da necessidade e utilidade, por parte do autor, do provimento jurisdicional almejado, tendo em vista a situação por ele retratada na petição inicial. Tendo em vista as distinções entre os pressupostos processuais e as condições da ação, Humberto Theodoro Júnior ensina que “a formação da relação processual, nessa ordem de ideias, envolve elementos de três categorias distintas: a) os pressupostos processuais; b) as condições da ação; c) o mérito da causa”386. Esta ordem para apreciação dos elementos que compõem a relação processual, efetivamente, é a que melhor reflete o iter a ser seguido pelo magistrado, para que possa vir a analisar o mérito da causa, caso superadas, positivamente, as duas primeiras etapas. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, no entanto, “a verdade é que não há um critério seguro, firme, apto a estabelecer uma ordem lógica para a cognição dos pressupostos processuais e as condições da ação. Tem-se mostrado eficiente analisar primeiramente os pressupostos, para depois adentrar-se nas condições. Mas, no caso concreto, nem sempre esta é a ordem seguida pelo juiz, como ressalta Alfredo Buzaid, pois tudo vai depender das peculiaridades que se apresentam na situação concreta”387. Quando se observa a evolução da teoria acerca das condições da ação, constata-se que, numa concepção mais antiga, elas praticamente se confundiam com o mérito da demanda. Por exemplo, João Monteiro elencava as seguintes condições da ação: 1) existência de um “direito”; 2) interesse de
agir; 3) qualidade para agir; e 4) capacidade para agir388. Como se vê, não havia, a esse tempo, distinção (ao menos clara) entre a categoria “condições da ação” e a categoria “mérito”. A primeira das condições da ação elencadas por João Monteiro (existência de um direito) evidenciava claramente essa “promiscuidade” entre as condições da ação e o mérito. No sistema do Código de Processo Civil de 1973, essa distinção foi feita de maneira bem nítida, diferenciando o Código (nitidamente influenciado pela teoria de Liebman), claramente, as condições da ação do mérito da demanda, ao prever em seu art. 267, VI, a extinção do processo sem resolução do mérito “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual”. O Código de Processo Civil vigente não se utiliza da expressão “condições da ação”, como fazia o anterior. Todavia, pode-se afirmar com segurança que o sistema processual vigente manteve os requisitos da legitimidade das partes e do interesse processual para que a parte tenha direito a um pronunciamento de mérito, conforme se verifica no art. 485, VI, bem como do próprio art. 17, do Código. Assim, embora o Código vigente não adote expressamente as “condições da ação”, é certo que elas continuam existindo no processo civil brasileiro. Conforme explica Nelson Nery Jr., “o CPC/2015 adotou, sim, o sistema das condições da ação como requisito necessário para que o autor possa obter sentença de mérito. Aboliu-se o nome, mas a figura, sua essência, sua ontologia e sua consequência estão presentes no CPC/2015”389. As condições da ação atualmente previstas pelo nosso ordenamento – interesse processual (interesse de agir) e legitimidade ad causam – devem ser
aferidas sem qualquer conexão com o mérito da demanda. À falta de qualquer das condições da ação, a sentença deve ser de extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 485, VI). Aqui convém apontar que o Código de Processo Civil vigente eliminou a previsão da “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação, como era disciplinada no CPC/73 (art. 267, VI, do CPC/73). A possibilidade jurídica do pedido era entendida como a não vedação, ou a própria previsão, em abstrato, pelo ordenamento, daquilo que se pleiteia. Em outras palavras, a possibilidade jurídica do pedido significava a admissibilidade, em abstrato, daquilo que se pleiteava, dentro do ordenamento jurídico. Diante disso, à luz do CPC/73, podia-se perfeitamente indagar: se o mérito é o pedido e, se é proferida uma decisão em que se afirma que o pedido é juridicamente impossível, não se estaria apreciando o mérito? Conforme Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes apontam, “a possibilidade jurídica do pedido sempre foi alvo de inúmeras críticas, dada a dificuldade de ser traçadas uma distinção precisa entre a decisão que extingue o processo por impossibilidade jurídica do pedido e a decisão de mérito que julga a demanda improcedente”390. Ao elaborar o Código de Processo Civil vigente, o legislador, atento às críticas, desqualificou a possibilidade jurídica como condição da ação. Como bem acentua Teresa Arruda Alvim, “De fato, dar pela impossibilidade jurídica do pedido significa, necessariamente, ter examinado o mérito, ainda que sob o ponto de vista exclusivamente jurídico”391. Calmon de Passos, na vigência do CPC/73, já falava que “A impossibilidade jurídica é também uma das formas de improcedência prima facie”392. Com efeito, temos presente que o legislador adequadamente reconheceu
que, em verdade, a possibilidade jurídica do pedido mais se ligava (e liga) ao mérito do que às questões preliminares, ou, especificamente, às condições da ação. Dito isso, vejamos no que consistem as condições da ação, tal como postas atualmente pelo Código. O interesse processual indica a indispensabilidade (necessidade, utilidade e adequação) da via escolhida para os fins colimados. Essa indispensabilidade há de ser aferida, todavia, de acordo com a situação fática, tal qual descrita pelo autor. Por outras palavras, é evidente que aquele que se descreve como locador de um prédio, a prazo determinado, com contrato expirado, tem interesse processual em mover ação de despejo contra o locatário. A descrição dessa situação fática é o quanto basta para que se verifique a presença do interesse processual; se esta situação fática existe de fato tal qual retratada, é questão afeta ao mérito da ação. A legitimatio ad causam, a seu turno, diz com a pertinência subjetiva da ação. Deve ser aferida tanto no plano ativo (legitimidade ativa) como no passivo (legitimidade passiva). Verificar a legitimidade ativa e passiva significa aferir se autor e réu são efetivamente as partes que podem litigar. A ideia de legitimidade traz ínsita a de transitividade, querendo-se significar, com isso, que um determinado autor é legitimado em relação a um determinado réu, e tendo em vista uma dada situação que a ambos diz respeito. Importante que se fixe a noção de que as condições da ação devem ser examinadas num plano anterior e distinto daquele do mérito. Se não estiverem simultaneamente presentes as condições da ação, isso deverá conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 485, VI),
o que poderá (rectius, deverá) ser reconhecido pelo magistrado a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 485, § 3º, e art. 337, XI e § 5º)393. Não há falar-se em preclusão no que diz respeito à alegação de falta de preenchimento das condições da ação394. Como dito, faltando qualquer das condições da ação, isso deverá conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito, por carência da ação. Como se viu no capítulo anterior, o Código de Processo Civil brasileiro adotou a chamada teoria abstrata da ação. Portanto, o direito de ação, não tem correlação com o mérito, o que significa dizer que o autor, conquanto possa demonstrar ter direito de ação, poderá ou não ter razão, em relação ao mérito O não preenchimento das condições da ação, deve, como dito, levar à extinção do processo sem resolução do mérito, o que vem previsto no CPC: “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: [...] VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”. Como já se teve oportunidade de insistir, havendo extinção do processo sem resolução do mérito com base no inc. VI do art. 485, terá o autor exercido seu direito de ação no plano constitucional (art. 5º, XXXV), mas não terá exercido o direito de ação no plano do direito processual civil infraconstitucional, justamente porque não terá reunido, no caso concreto, as chamadas condições da ação. É que a Constituição Federal atribui a toda e qualquer pessoa o direito de ação, ao passo que a lei processual condiciona o direito de ação a quem preencher as ditas condições da ação. Importante consignar que, havendo extinção do processo sem resolução de mérito, isso não impede que a ação seja reproposta – exatamente porque sobre a parte decisória da sentença não recai a autoridade da coisa julgada –, sendo, todavia, necessária a comprovação de pagamento das custas e
honorários de advogado, a teor do disposto no art. 486, § 2º, do CPC. O art. 486, § 3º, veda a repropositura da ação se a extinção do processo se der, por três vezes, pelo fundamento do art. 485, III, o que não implica perda do direito, que poderá ser alegado como matéria de defesa. É o que se denomina de perempção. Como regra, porém, a extinção do processo sem resolução de mérito não impede a repropositura da ação (art. 486, caput). Há, como visto, uma razão lógica para isso. Havendo resolução do mérito (art. 487, I a III, do CPC), forma-se coisa julgada material395, impedindo que o mesmo pedido seja novamente deduzido. Havendo extinção do processo sem resolução de mérito, por exemplo, por ausência de condição da ação (art. 485, VI, do CPC), a lide (= pedido) não terá sido julgada, razão pela qual pode haver “repropositura” da ação, ou seja, o pedido poderá ser formulado novamente. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery dizem que: “Como a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito (CPC 485) não faz coisa julgada material, a lide objeto daquele processo não foi julgada, razão pela qual pode ser reproposta a ação”396. Coloca-se aqui um problema, que não é de fácil solução: a) se o julgamento houver dado, exemplificativamente, por falta de legitimidade do autor A, pergunta-se se o mesmo A poderá repropor a ação, em nome e por causa da não ocorrência de coisa julgada, que existe somente quando se tiver verificado resolução de mérito; b) ou, porque essa solução poderia levar a sucessivas proposituras da ação com o mesmo resultado negativo (ilegitimidade de A), haverá apenas de ser proposta a ação por quem for parte legítima (hipótese em que não se poderá falar em “repropositura”, haja vista que não se tratará da mesma ação)? Se assim for, não se estará emprestando imutabilidade à decisão que dera pela ilegitimidade de A, ainda que essa
imutabilidade esteja contida em uma sentença de caráter estritamente processual? Tem-se que em tal caso é possível a repropositura da ação, apenas se implementada a condição faltante, ou seja, seja corrigida a falha que levou à extinção do processo. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmavam, à luz do CPC/73, que “a repropositura não é admitida de forma automática, devendo implementar-se o requisito faltante que ocasionara a extinção do processo”397. Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, nesse exato sentido já se tinha firmado entendimento no STJ, que nos servimos de referir: “A hipótese dos autos versa sobre ação declaratória de nulidade relativa ao mesmo documento e às mesmas partes. Assim, por força dos julgados acima, que reconheceram a ilegitimidade passiva para a causa e não, simplesmente, para o processo, não poderia mais a ação ter sido proposta contra os mesmos réus, cuja autoria do documento não lhes foi imputada. O mero interesse dos ora recorridos poderia ensejar eventualmente uma intervenção no processo, mas não como réus, sob pena de se violar a coisa julgada. Nem se diga que o encerramento da ação incidental sem a resolução do mérito do processo permite que a declaratória seja proposta contra os mesmos réus. O que o art. 268 do CPC permite é que seja intentada outra ação, corrigidos os defeitos sanáveis, e não que se intente de novo a mesma ação. O antigo Tribunal Federal de Recursos, em alguns precedentes, entendeu que a questão da legitimidade produz coisa julgada. Confira-se: “Processual civil – Exclusão da parte – Mandado de segurança – Competência. I – A decisão que deu pela ilegitimidade ad causam, se não recorrida, faz coisa julgada. II – No mandado de segurança o juiz competente é o da sede da coatora. III – Agravo improvido’”398.
Não há falar-se em coisa julgada, se o mérito não tiver sido percutido. Todavia, a renovação da pretensão só será viável se implementada a condição da ação dada por faltante. A concluir-se de forma distinta, estar-se-ia transformando a extinção do processo sem resolução de mérito em verdadeira “loteria”, na medida em que o autor poderia repropor a ação sem sanar o vício tantas vezes quantas quisesse, até que um determinado juiz entendesse ser possível apreciar o mérito. O CPC vigente, atento a essa circunstância, dispõe expressamente em seu art. 486, § 1º, que, para que a ação seja reproposta, deve-se sanar o vício que deu ensejo à sua extinção. Sendo sanado o vício, poderá o autor repropor a ação, sendo o processo distribuído por dependência conforme prevê o art. 286, II, do CPC. Isso não quer significar, seja permitido repisar, que a sentença de carência da ação fique recoberta pela autoridade da coisa julgada material399. A pretensão poderá voltar a ser deduzida através de outra ação, corrigidas as irregularidades que tiverem levado à extinção do processo sem resolução de mérito no primeiro caso (de modo que, rigorosamente, não se tratará de repropositura da mesma ação)400. Não se trata, insista-se, de emprestar à decisão de carência a autoridade própria da coisa julgada material, que é própria das decisões que tenham percutido o mérito. A propósito, corretíssima a lição de José Ignacio Botelho de Mesquita, Mariana Capela Lombardi, Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo, Luiz Guilherme Pennachi Delore e Daniel Guimarães Zveibil, vazada à luz do CPC/73 (daí referir-se à “impossibilidade jurídica do pedido”): “Mantidas as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, e permanecendo inalterado o ordenamento de direito positivo no que respeita à impossibilidade jurídica do pedido, à ilegitimidade de parte e ao interesse
processual, estará o juiz vinculado à conclusão da sentença precedente, não estando livre, de modo nenhum, para, discordando daquela conclusão, proceder ao julgamento de mérito da causa”401. As condições da ação devem mostrar-se presentes ao longo de todo o procedimento – caso contrário haverá carência superveniente, ensejando a extinção do processo sem resolução do mérito. E, de outra parte, se houver o preenchimento tardio de condição da ação, faltante quando de seu ajuizamento, o juiz deverá proferir sentença de mérito. Figure-se, por exemplo, a hipótese de ter sido proposta ação de cobrança antes de vencida a dívida. Se esta vier a vencer no curso da ação e não for regularmente paga, aí sim estará presente o interesse processual, sanando-se o vício, ensejando pronunciamento de mérito, caso não se tenha extinto o processo antes disso. O juiz poderá, a qualquer tempo, no curso da ação, proferir sentença de extinção do processo sem resolução de mérito com amparo no inc. VI do art. 485 do CPC. De modo que, se não houver indeferimento da petição inicial, o réu poderá alegar tal matéria em preliminar de contestação (art. 337, IV e XI, do CPC), ou, ainda, a qualquer tempo, cabendo ao juiz decidir a respeito de ofício, isto é, mesmo sem provocação da parte (art. 337, § 5º, do CPC). Se o réu alegar ausência de condição de ação em sede de contestação, o autor será intimado para se manifestar em quinze dias (art. 351 do CPC). No acórdão publicado na RSTJ 5/362, na vigência do CPC/73, decidiu-se conforme a ementa seguinte: “A ilegitimidade ad causam, como uma das condições da ação (art. 267, VI, CPC), deve ser conhecida de ofício (art. 301, § 4º, CPC) e em qualquer tempo e grau de jurisdição”. Isso quer dizer que, ainda que, por exemplo, a causa já esteja no tribunal, em grau recursal, e nada se haja suscitado/decidido a respeito de ausência das condições da ação, o
tribunal poderá (deverá), mesmo sem provocação da parte, decretar a carência da ação (art. 485, § 3º, do CPC), contudo, antes disso, deverá dar oportunidade para que as partes se manifestem sobre a ausência das condições da ação (art. 10 do CPC). Tenha-se presente, ainda, que, tratando-se de matéria cognoscível de ofício, relativamente à qual não se há de falar em preclusão, ainda que o magistrado tenha reconhecido estarem presentes as condições da ação no despacho saneador, poderá rever tal decisão. Observe-se que é pacífico na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de reconhecimento ex officio da ausência das condições da ação até que a causa seja julgada pelo tribunal local. Contudo, discute-se se na instância extraordinária, inaugurada com a interposição de recurso especial ou recurso extraordinário, é indispensável a ocorrência de prequestionamento para que os tribunais superiores possam se manifestar sobre qualquer assunto, inclusive em relação às matérias de ordem pública, como é o caso das condições da ação, que, como regra, podem ser conhecidas de ofício nas instâncias ordinárias. De um lado, pode-se dizer que o texto constitucional exige que sejam alçadas ao STF e ao STJ, apenas “causas decididas”, razão pela qual toda a matéria há de ter sido prequestionada. De outro, pode-se dizer que as matérias de ordem pública não se subordinam a tal requisito de admissibilidade. Terceira vertente, ademais, sustenta a possibilidade de conhecimento ex officio da matéria, desde que o recurso excepcional tenha sido conhecido, ou seja, o prequestionamento diz respeito àquilo que é pedido em grau de recurso excepcional, mas, uma vez conhecido o recurso, passa-se a admitir o conhecimento de matérias de ordem pública. Naturalmente, tal discussão só tem lugar quando se tratar de recurso excepcional, pois inaugura
a instância extraordinária, razão pela qual o julgamento de recurso ordinário pelo STF (art. 102, II, da CF) ou pelo STJ (art. 105, II, da CF), far-se-á sem qualquer limitação cognitiva, ao menos nesse tocante. 2. Interesse processual O interesse processual é aferível mediante a verificação da utilidade, necessidade e adequação do provimento jurisdicional pleiteado. Dispõe o art. 17º do CPC que “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Diante da ausência de interesse processual, também deve haver extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, I), mercê do indeferimento da petição inicial (art. 330, III). Mesmo que assim não tenha decidido o juiz, se, ao sentenciar, convencer-se da falta de interesse processual, deverá proferir sentença de carência (art. 485, VI), o mesmo se podendo dizer relativamente ao tribunal local em grau recursal (art. 485, § 3º). A utilidade, a necessidade e a adequação do provimento jurisdicional pleiteado devem ser aferidas em face da situação retratada na petição inicial, vale dizer, em abstrato ou num plano hipotético de raciocínio. Assim, se se retrata na petição inicial, por exemplo, a situação de um locador de um imóvel, cujos aluguéis não têm sido pagos pelo locatário, é evidente que a ação de despejo por falta de pagamento mostra-se necessária, útil e adequada. Tanto basta para que se reconheça ao autor a presença do interesse processual. Outra coisa – completamente diferente – é aferir se, efetivamente, aquela situação, exposta na petição inicial, corresponde à verdade. Aí, sim, trata-se de verificar o mérito, isto é, se o autor tem ou não razão, ou, ainda, se a ação deve ser julgada procedente ou improcedente.
Na realidade, a escolha da via inadequada revela a inutilidade daquilo que se pede, razão pela qual, em última análise, a ideia de interesse processual pode ser reduzida à aferição da presença do binômio “necessidade e utilidade”402 do provimento jurisdicional pleiteado. É o que observam com acuidade Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Se o autor mover a ação errada ou utilizar-se do procedimento incorreto, o provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a inadequação procedimental acarreta a inexistência de interesse processual. Se a parte possui, a seu favor, cheque com eficácia executiva, deverá promover a sua cobrança pela via da ação de execução. Ao revés, se ajuizar ação de cobrança pelo rito comum, de conhecimento, portanto, não terá preenchido a condição da ação interesse processual, devendo o magistrado extinguir o processo sem julgamento do mérito. Isso porque, com a ação de conhecimento, poderia obter sentença condenatória (título executivo judicial, CPC 515 I), que lhe será inútil, pois já possui título executivo extrajudicial (CPC 784 I) com a mesma força e eficácia da sentença condenatória”403. Já se decidiu, por isso, inexistir interesse processual “se do sucesso da demanda não puder resultar nenhuma vantagem ou benefício moral ou econômico para o seu autor”404. Com efeito, numa situação como esta, a demanda não se afigura útil para o autor, faltando-lhe, portanto, interesse processual. Rodrigo da Cunha Lima Freire destaca que, “para que não haja o desenvolvimento de uma atividade estatal em vão, é preciso que se façam presentes uma causa de pedir e um pedido aptos a provocar uma atuação potencialmente útil da jurisdição, tanto em relação ao autor quanto ao Estado”405.
O interesse processual, por isso, não se confunde com o interesse substancial. Este último é de índole primária e incide diretamente sobre o bem (por exemplo, o interesse do credor de receber o seu crédito). Havendo obstáculo ao gozo/utilização desse bem, surge o interesse processual (secundário). 3. Legitimidade ad causam A legitimidade ad causam das partes406, como condição da ação, vem prevista nos arts. 17º, 485, I e VI, e 330, II, do CPC, sendo que, por este último dispositivo, a sua ausência é causa de indeferimento da petição inicial, desde que a parte seja “manifestamente” ilegítima. Mesmo que não haja essa “manifesta” ilegitimidade, o juiz ou o tribunal, inexistente preclusão a respeito, deverá decretar a carência por ilegitimidade ad causam, ativa ou passiva, a qualquer tempo, extinguindo o processo sem resolução de mérito (art. 485, VI e § 3º). A legitimidade ad causam, como as demais condições da ação, não se confunde com o mérito. Sem embargo, como pondera Arruda Alvim, “é definida em função de elementos fornecidos pelo direito material (apesar de ser dele, existencialmente desligada)”407. Oportuno destacar, contudo, que, mesmo aquele que não é legitimado ad causam para a ação, poderá ser titular de interesse jurídico que justifique seu ingresso no processo na qualidade de assistente simples (art. 119 do CPC). A legitimidade ad causam distingue-se da legitimidade ad processum. A legitimidade ad causam é condição da ação e se relaciona com a pertinência subjetiva ativa e passiva da ação. Já a legitimidade ad processum é pressuposto de validade do processo. Desde que o legitimado ad causam
tenha capacidade processual, será também legitimado ad processum. Neste caso, fala-se em legitimação ordinária para o processo (regra geral). Terão capacidade processual as pessoas físicas que não sejam absoluta ou relativamente incapazes, ou as pessoas jurídicas regularmente constituídas (art. 70 do CPC), ou, ainda, excepcionalmente, entes despersonalizados408. Quando houver hipótese de incapacidade, o legitimado ad processum não coincidirá com o legitimado ad causam. Terá, assim, capacidade processual aquele que não se encartar em quaisquer das hipóteses dos arts. 3º e 4º do Código Civil (incapacidade absoluta e relativa, respectivamente). Assim, o menor de dezesseis anos poderá ser legitimado ad causam, mas não é legitimado ad processum (CC: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos”). Neste caso, deverá ser representado, tal qual se prevê no art. 71º do CPC. Rodrigo da Cunha Lima Freire explica com profundidade: “Há que se diferenciar, em primeiro plano, a capacidade processual da legitimidade. A capacidade processual é uma aptidão genérica para agir em juízo, conferida, em princípio, aos que não forem absolutamente incapazes ou relativamente incapazes e às pessoas jurídicas regularmente constituídas, na forma da lei substantiva, bem como, segundo a lei instrumental, a determinados entes despersonalizados. Por sua vez, a legitimidade é uma atribuição específica para agir concretamente, conferida exclusivamente pelo direito objetivo aos titulares da lide, podendo, também, por razões diversas, ser conferida a outras pessoas que não integram diretamente a relação jurídica afirmada em juízo. Há também que se diferenciar a legitimatio ad causam da legitimatio ad processum, requisito este que não se confunde com a capacidade processual.
Como regra, o direito objetivo atribui, para agir em juízo diante de uma situação concreta, legitimação aos titulares da lide, por outras palavras, aos titulares da relação hipotética de direito material afirmada em juízo pelo autor, consoante os fatos narrados em sua petição inicial e os documentos que forem apresentados. A análise a respeito da presença ou ausência de legitimidade, dessa forma, deve ser realizada conforme a situação concreta trazida a juízo, mas, em princípio, abstratamente, in statu assertionis”409. Arruda Alvim conceitua a legitimidade ad causam como “a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença. Normalmente, no sistema do Código, a legitimação para a causa é do possível titular do direito material (art. 18 do CPC/2015)”410. Pode-se dizer, grosso modo, que a legitimação ad causam, ativa e passiva, significa a pertinência subjetiva da ação. Assim como as demais condições da ação, deve a legitimação ad causam ser aferida em um plano diferente do mérito. Haverá legitimidade ativa se o autor se apresentar como possível titular ativo de uma dada relação jurídica. O aferir essa titularidade diante do caso concreto, de outro lado, já implica o exame do mérito da ação. Exemplos interessantes, a evidenciar que a legitimatio ad causam é aferível independentemente do mérito, são veiculados por Rodrigo da Cunha Lima Freire: (1) tratando-se de ação de investigação de paternidade movida por A em face de B, vindo o exame pericial a demonstrar o contrário, nem por isso haverá ilegitimidade passiva ad causam, senão que se tratará de resolução de mérito; (2) havendo ação reivindicatória proposta por A em face de B, vindo o juiz a concluir que o bem verdade pertence a C, o julgamento
terá percutido o mérito, não se podendo falar em ilegitimidade ad causam411. A legitimidade, em regra, é ordinária. Isto é, aquele que se afirma titular do direito material tem legitimidade para discutir essa titularidade em juízo. Excepcionalmente412, porém, a legitimidade pode ser extraordinária, quando alguém pode pleitear afirmação de direito alheio, em nome próprio (art. 18º do CPC). 3.1 Considerações sobre a legitimidade nas ações coletivas. Primeiras noções As ações coletivas ganharam força e notoriedade com a edição do Código do Consumidor, mas leis anteriores já tratavam do tema, como a Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular. De seu turno, a Constituição de 1988, ao lado de outras inovações, previu o mandado de segurança coletivo e o mandado
de
injunção
infraconstitucional
pelas
coletivo, Leis
hoje n.
disciplinados
12.016/2009
e
em
âmbito
13.300/2016,
respectivamente. As ações que possuem natureza coletiva vêm ao encontro de moderna tendência de direito processual, pois são ações que têm o condão de tratar, em um só processo, com grande economia processual, do interesse de um grande, por vezes até indeterminado número de pessoas. E, nesse contexto, um dos fatores que devem ser analisados com particular interesse é a legitimidade para agir nas ações coletivas. Há um rompimento com as regras cardeais do Código de Processo Civil, voltado à solução de conflitos individuais. A grande novidade do processo, portanto, desde o último quartel do século XX, tem sido a possibilidade de tutelar esses direitos coletivos, pertencentes a um grupo indeterminado ou indeterminável de pessoas, de forma eficaz, por
intermédio da outorga de legitimidade a determinados órgãos. São pertinentes, nesse passo, alguns comentários acerca da legitimidade nas ações coletivas. Os conceitos até aqui utilizados referentes à legitimidade ordinária e extraordinária não podem ser simplesmente transpostos para as ações coletivas. No regime do Código de Processo Civil, por exemplo, a possibilidade de a sentença atingir aqueles que não tenham sido parte no processo é absolutamente excepcional. A possibilidade de alguém ir a juízo em nome próprio pleitear afirmação de direito alheio depende de autorização do ordenamento jurídico (art. 18º do CPC). As noções de legitimação ordinária e extraordinária envolvem conceitos sedimentados no plano do processo civil individual, que não podem, pura e simplesmente, ser transpostos para o processo coletivo. Observa, a propósito, Rodolfo de Camargo Mancuso que “a dicotomia legitimação ordinária e extraordinária (ou substituição processual) faz sentido no plano jurisdicional singular, onde opera o sistema de correspondência entre titularidade do direito e poder de agir (partes em sentido material e processual), mas já não assim no plano coletivo, onde a situação legitimante deriva do binômio relevância social do interesse-representação adequada do portador judicial”413. Quando se passa a analisar o processo sob a ótica das ações coletivas, é preciso romper com alguns conceitos próprios do chamado processo individual. O Código do Consumidor trata amplamente da legitimidade para a propositura das ações coletivas no art. 82, em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Nos incisos I e II do art. 103 – que trata dos interesses difusos e coletivos –, o interesse que está em pauta é
transindividual e indivisível (isto é, não pode ser fruído individualmente), daí por que afigura-se inapropriado nominar a legitimação para a busca de tais interesses como extraordinária. Duas realidades distintas não devem ser denominadas da mesma forma. No regime do Código de Processo Civil de 2015, fala-se em legitimação extraordinária (na modalidade substituição processual) quando alguém atua em juízo em nome próprio pleiteando afirmação de direito alheio (desde que a tanto autorizado no sistema, ex vi do mencionado art. 18º), de tal modo que o bem jurídico tutelado não lhe diz respeito, mas ao terceiro, a quem substitui processualmente, se bem que possam estar acumuladas a legitimação ordinária com a extraordinária, como é o caso do condômino que pode, por expressa autorização legal, tutelar não só o seu interesse em juízo, mas também de seus condôminos, movendo ação reivindicatória, na forma do art. 1.314 do CC. Nesse caso, o condômino que move a ação age como legitimado ordinário, em relação ao seu interesse, e como legitimado extraordinário, em relação aos interesses de seus coproprietários. A coisa julgada material, quando se tratar apenas de legitimação extraordinária, não atinge, senão indiretamente, enquanto parte processual, o legitimado extraordinário, porque o bem da vida que será alcançado (em caso de julgamento de procedência da ação) diz respeito ao terceiro414. Já a coisa julgada formal (mais propriamente denominada de preclusão máxima) afeta o legitimado extraordinário, pois lhe diz respeito diretamente415. E, doutra parte, julgada improcedente a ação, não poderá o terceiro, de modo algum, repropô-la, isto é, forma-se, em absoluto, a coisa julgada material, desde que percutido o mérito da ação, independentemente do resultado desta (se procedente ou improcedente). Há, pois, uma dissociação. De um lado, há o
legitimado ad causam (substituído) e, de outro, o legitimado ad processum (substituto). Mais apropriada para designar a legitimação dos entes que perseguem, em juízo, interesses difusos ou coletivos, sem dúvida, parece-nos a expressão proposta por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, transposta do direito alemão: legitimação autônoma para a condução do processo416. Dizem mencionados autores: “Para a defesa em juízo de direitos difusos ou coletivos (v. definição do CDC 81 par. ún. I e II), a lei legitimou várias entidades (CF 129, III; CDC 82; LACP 5º), que têm, assim, legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige Prozesßführungsbefugnis). Quanto à legitimação dessas entidades, por meio de ação coletiva, para a defesa de direitos individuais homogêneos (v. definição no CDC 81, par. ún. III), ocorre na forma de substituição processual, porque há defesa em nome próprio de direito alheio”417. Trata-se de um bem jurídico transindividual e indivisível, isto é, que não pode ser fruído individualmente, tendo a lei outorgado legitimação a determinados entes para pleiteá-los em juízo. Já com relação à tutela dos interesses individuais homogêneos, pode-se, com alguma propriedade, falar em substituição processual, mas, ainda assim, deve-se ter presente a regra do § 2º do art. 103 do Código do Consumidor, consistente em que, se os indivíduos, isoladamente considerados, não tiverem intervindo no processo como litisconsortes, poderão propor ação de indenização a título individual, de tal sorte que, também aqui, o regime não é propriamente o da substituição processual, regrado pelo Código de Processo Civil. Na verdade, não é possível transpor conceitos livremente, do processo individual para o processo coletivo, especialmente no tocante à legitimidade. Se é correto asseverar que, no caso dos interesses individuais homogêneos,
há algo mais próximo da substituição processual do que sucede no caso dos difusos e coletivos, ainda assim há profundas diferenças. Veja-se que a substituição processual (espécie de legitimação extraordinária) consubstancia, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, uma situação excepcional, dependente, sempre, do ordenamento jurídico (art. 18); já no sistema do Código do Consumidor, o atuar dos entes legitimados pelos incisos I a IV do art. 82 (Ministério Público; União, Estados, Municípios e Distrito Federal; entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à tutela dos interesses e direitos protegidos pelo Código; e associações legalmente constituídas há mais de um ano, que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código, dispensada a autorização assemblear) em prol de interesses individuais homogêneos é a regra, não a exceção. Ademais, o atuar do substituto processual atinge o substituído para beneficiá-lo e para prejudicá-lo; já no sistema do Código do Consumidor, os potenciais titulares de interesses individuais homogêneos não são jamais prejudicados pelo resultado adverso da ação coletiva, a menos que, como ressaltamos, nesta tenham intervindo como litisconsortes (parte final do § 2º do art. 103 do Código do Consumidor). Vê-se, como é evidente, que a sistemática criada pelo legislador acaba por desestimular a intervenção do interessado como litisconsorte em ações versando interesses individuais homogêneos. Trataremos do assunto com mais detença em capítulo próprio.
IX PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. Relação jurídica processual A relação jurídica processual é aquela que se forma entre autor, juiz e réu. É essencialmente uma relação triangular, com três vértices. O art. 240 do CPC indica isso de maneira muito clara ao dispor: “A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor. Assim, verifica-se que com a simples propositura da ação não se aperfeiçoa a relação jurídica processual, sendo imprescindível que o réu seja convocado a integrá-la. Tal se opera, via de regra, pela citação (art. 238, do CPC), ainda que possa haver o comparecimento espontâneo do réu (art. 239, § 1º). Nesse sentido, sustenta Arruda Alvim: ‘O art. 312 do CPC/2015 diz considerar-se proposta a ação “quando a petição inicial for protocolada”, ressalvando que a propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 240 do CPC/2015 depois que for validamente citado. Com a formação trilateral da relação jurídica, podemos dizer haver processo apto a que nele possa ser prolatada decisão da lide418.
Deve-se examinar, nessa oportunidade, se é necessária a integração da relação jurídica processual para que se opere a interrupção da prescrição. O CPC distanciou-se do CPC/73, para o qual a citação válida interrompia o curso do prazo prescricional (art. 219). O CPC vigente, de seu turno, estabelece que a prescrição se interrompe com o despacho que ordena a citação (§ 1º do art. 240), na linha do art. 202, I, do CC/2002. Ressalte-se que a interrupção se dará, ainda que tal despacho tenha sido proferido por juízo incompetente, retroagindo à data de propositura da ação, isto é, a data do protocolo da petição inicial (art. 312). É o que estatui o § 1º do art. 240. Porém, em relação ao réu, os efeitos do art. 240 só se operam se este for validamente citado (parte final do art. 312 do CPC), ou se houver o seu comparecimento espontâneo. Cumpre perquirir o que se passa em caso de extinção do processo sem resolução de mérito. A jurisprudência é divergente especialmente no tocante à interrupção da prescrição. Tem-se por correto o entendimento que admite a interrupção da prescrição, ainda que o processo tenha sido extinto sem resolução de mérito, tendo em vista que o autor adotou uma conduta ativa suficiente para atingir essa finalidade, independentemente do resultado final do processo. Ao analisar os efeitos da propositura da ação em casos de extinção do processo sem resolução de mérito, observou Cândido Rangel Dinamarco que, nestes casos, a litigiosidade da coisa desaparece, pois esta somente perdura enquanto houver litígio; a interrupção da prescrição e a constituição em mora do devedor, segundo o autor, “não são atos contínuos ou duradouros, mas meros pontos isolados no tempo”, e não é possível “dar o acontecido por não acontecido”, de forma que “a extinção do processo deixa intactos os efeitos
jurídico-substanciais consistentes em interromper a prescrição e constituir o devedor em mora”; quanto à litispendência, esta desaparece com a extinção do processo; no entanto, a prevenção do juízo permanece. Vale ressaltar que, em relação à prevenção do juízo, o CPC/2015 também inovou em comparação ao sistema processual anterior. Para o CPC/73, a citação válida tornava prevento o juízo, nos termos do art. 219, salvo quando os juízos tivessem a mesma competência territorial, quando o critério a ser utilizado era o do art. 106 (primeiro despacho). O CPC/2015, por outro lado, erigiu o registro ou a distribuição da petição inicial como critérios para definição da prevenção (art. 59). Dá respaldo à ideia de que a prevenção do juízo, a ser estabelecida nos termos do mencionado art. 59 permanece, ainda que haja extinção do processo sem resolução de mérito, o disposto no art. 286, II, vazado nos termos seguintes: “Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II – quando, tendo sido extinto o processo, sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda”. A citação, ainda, pode ser classificada como pressuposto processual de existência (pressuposto de existência do processo em relação ao réu – art. 239, caput). Equivale à citação o comparecimento espontâneo do réu (art. 239, § 1º). Por outro lado, o registro ou a distribuição da petição inicial gera a perpetuatio iurisdictionis, a teor do disposto no art. 44 do CPC/2015. Com isso, fixa-se a competência, de modo que serão irrelevantes quaisquer ulteriores modificações de fato e de direito, a menos que suprimam o órgão judiciário ou alterem regras de competência absoluta.
Não há antes da citação nem mesmo coisa litigiosa. Diz-se que a relação jurídica processual não está triangularizada, dado que o réu ainda não integrou a relação jurídica processual. Excepcionalmente, como já sublinhado, o comparecimento espontâneo do réu ao processo supre a necessidade de citação, a teor do disposto no § 1º do art. 239419. Já foi referido que o processo, contudo, mesmo antes da citação do réu, pode permitir a produção de alguns efeitos que venham a atingi-lo. É o caso, por exemplo, da concessão de liminar em sede de tutela provisória de urgência, sem a prévia ouvida da parte contrária. Esclareça-se, por oportuno, que em tal caso, o réu, contra o qual foi concedida a liminar, deverá vir a ser ouvido, podendo expor as razões pelas quais a liminar, sob sua ótica, não deveria ter sido concedida, bem como poderá, também, interpor agravo de instrumento contra dita decisão. Apesar da importância que o CPC/2015 atribui ao contraditório, que se reflete na minudência com que o tema foi disciplinado pelo legislador, principalmente nos arts. 9º e 10, a hipótese versada neste parágrafo vem expressamente prevista no art. 9º, É de se ter presente, neste passo, o estatuído no art. 332: “Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”.
Aludido preceito veio a permitir que o magistrado, independentemente de citação, profira sentença de total improcedência nas hipóteses nele contempladas. O instituto da improcedência liminar do pedido era regulado no CPC/73 por meio do art. 285-A, que autorizava o juiz proferir sentença, sem citar o réu, quando a matéria fosse unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em situações idênticas. Sua redação, entretanto, era objeto de intensas críticas. Para Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, por exemplo, “a norma padece de falta de técnica, pois somente a citação válida torna a coisa litigiosa (CPC 219 caput), isto é, implica situação processual de existência de matéria controvertida. Como a norma prevê decisão do juízo sem citação, a matéria ainda não se tornou controvertida”420. O CPC/2015, no art. 332, estabeleceu outros parâmetros orientadores do julgamento liminar de improcedência, prestigiando as orientações sumuladas dos tribunais superiores, ou emanadas de recursos repetitivos, ou ainda oriundas de julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidência de assunção de competência, ou, por fim, sumuladas pelos tribunais locais, seguindo a diretriz adotada em vários outros dispositivos pelo CPC/2015 no sentido da valorização dos precedentes. Poderá igualmente haver julgamento liminar de improcedência, desde que o juiz reconheça a decadência ou a prescrição (§ 1º do art. 332). Tal decisão comporta recurso de apelação, à luz do qual o juiz, excepcionalmente, poderá retratar-se (§ 3º do art. 332). Se não houver retratação, o recurso deverá ser processado e o réu citado para apresentar contrarrazões (§ 4º do art. 332). Note-se que se trata de citação e não de mera intimação, pois o réu, até esse momento, não terá
integrado, ainda, a relação jurídica processual. 2. Existência da relação jurídica processual A relação jurídica processual, para que por seu meio possa ser exercido o direito processual de ação, precisa preencher alguns requisitos, ditos pressupostos processuais de existência. Superada essa fase, precisará preencher outros tantos, ditos pressupostos processuais de validade, para existir validamente, isto é, conforme ao sistema e inteiramente apta à realização dos fins que lhe são próprios. O aferir a existência dos pressupostos processuais, sejam de existência ou de validade, é etapa que se coloca logicamente num momento anterior à aferição das condições da ação. Somente se o processo existir validamente (vale dizer, se estiverem presentes os pressupostos processuais de existência e de validade) é que será possível averiguar se o autor tem direito de ação no caso concreto, ou seja, se preenche ou não as chamadas condições da ação (legitimidade ad causam ativa e interesse processual), e, quanto ao réu, se é parte legítima ad causam. Faltando qualquer dos pressupostos de existência ou de validade da relação jurídica processual, deverá ser o processo extinto sem resolução do mérito, a teor do art. 485, IV, devendo o juiz proceder oficiosamente, a teor do § 3º desse mesmo dispositivo, em qualquer tempo e grau de jurisdição. É a seguinte a classificação dos pressupostos processuais proposta por Arruda Alvim, que é aqui acompanhada421: I – pressupostos processuais de existência: a) petição inicial; b) jurisdição; c) citação; d) capacidade postulatória422; II – pressupostos processuais de validade: a) petição inicial apta; b)
competência e imparcialidade do juiz; c) capacidade processual423. 2.1 Petição inicial O primeiro pressuposto processual de existência a ser examinado é a petição inicial, no bojo da qual se formula o pedido. Vimos que o processo civil é informado pelo princípio da inércia de jurisdição, vale dizer, só se provocada a jurisdição (o que depende da parte ou interessado, conforme se trate de jurisdição contenciosa ou voluntária) é que haverá processo. É esse o entendimento que deflui da primeira parte do art. 2º (“O processo começa por iniciativa da parte...”). Aliás, não apenas o processo começa necessariamente por iniciativa da parte, a teor do mencionado art. 2º, como o juiz está adstrito aos limites propostos pelo autor, segundo prevê o art. 141. Nem teriam sentido o primeiro dispositivo, se o juiz pudesse decidir de forma não vinculada ao pedido. Daí se conclui que, sem iniciativa da parte, não se pode falar em processo. Essa iniciativa, sabe-se, é veiculada através de um pedido no bojo da petição inicial (art. 319, IV). A petição inicial, todavia, poderá ser inepta, nas hipóteses do parágrafo único do art. 330. Mas, para fins de aferição da existência do processo, tanto basta exista pedido. Se a petição inicial no corpo da qual o pedido é formulado for inepta, isso se refletirá no plano da validade do processo, conforme se terá oportunidade de ver mais adiante, mas terá existido processo. 2.2 Jurisdição A petição inicial deverá ser endereçada ao Poder Judiciário. É a um de seus órgãos que compete, pela tripartição dos poderes, a missão constitucional de resolver os conflitos de interesse que lhe são aportados. Daí
por que, para que o processo exista, é preciso que a petição inicial seja endereçada ao Poder Judiciário. Preciso é que se saliente que o processo existe ainda que o órgão jurisdicional seja incompetente. Se relativamente incompetente, pode haver até mesmo prorrogação da competência, daí por que se diz que a incompetência relativa não constitui pressuposto processual (ou bem o vício é alegado e reconhecido, sendo remetidos os autos ao juízo competente, ou há sua sanação, como decorrência de não ter sido a incompetência relativa oportunamente levantada em sede de preliminar de contestação). Porém, mesmo em caso de órgão jurisdicional absolutamente incompetente, infere-se do § 3º do art. 64 que o processo já existe, pois, os autos serão remetidos ao juízo competente, e ademais, como prevê o § 4º do art. 64, as decisões proferidas pelo juízo incompetente serão conservadas, a menos que sejam expressamente revogadas. Em sintonia com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, “reconhecida a incompetência absoluta, cabia ao Tribunal de origem o envio do mandamus ao órgão julgador competente, porquanto o jurisdicionado não pode arcar com o ônus da morosidade da máquina estatal, sujeitando-se à decadência da impetração (art. 18 da Lei n. 1.533/51 [atual art. 23 da Lei n. 12.016/09]). Precedentes: RMS 12.634/MG, 12.392/MG, 10.334/RJ, 10.110/RS, 9.500/RO e 10.164/DF. Recurso parcialmente provido para, afastando a decadência, determinar o envio dos autos à Turma Recursal competente”424-425. 2.3 Citação A relação jurídica processual, de acordo com o posicionamento adotado, é
triangular. Por isso, não existirá, ao menos de forma completa, sem a citação, que é o ato processual por intermédio do qual “são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238). Há doutrinadores que se insurgem contra a concepção da relação jurídica processual como triangularizada, e, pois, que não encartam a citação como pressuposto processual de existência. Essa posição, conforme se vê do quanto foi dito anteriormente, particularmente tendo em vista a regra do art. 240, com a devida vênia dos que assim pensam, não se coaduna com o direito positivo, eis que, segundo este, sem a citação válida o processo não existe e, pois, não opera efeito relativamente ao réu (parte final do art. 312). 2.4 Capacidade postulatória Embora não possa ser reconhecida, rigorosamente, como pressuposto processual, pelo menos em relação ao réu, na verdade sem ela é impossível conceber, como regra, a existência de processo. O requisito da capacidade postulatória exige que a parte, para postular em juízo, se faça representar por advogado. Consoante se teve oportunidade de anotar quando se estudou a figura do advogado, como regra quase absoluta, a parte só se poderá fazer representar em juízo por intermédio de advogado. Ou, por outra, sem advogado, não é possível a alguém acionar o Poder Judiciário. Há, como visto, algumas exceções, como, por exemplo, o habeas corpus, excepcionado no próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.906/94); a atuação perante a Justiça do Trabalho (art. 791 da CLT) e, em determinadas causas, perante os Juizados Especiais (art. 9º da Lei n. 9.099/95 e art. 10 da Lei n. 10.259/2001). A regra geral, porém, é a de que a parte só pode postular em juízo devidamente representada por advogado. Evidentemente, a representação (capacidade postulatória) é requisito para
a existência da relação jurídica processual426 apenas no que toca com a posição do autor, bastando, em relação ao réu, que seja este citado (art. 240). Claro que, para que o réu possa se defender, precisará de advogado, regra que não comporta praticamente qualquer exceção. Mas processo existirá em relação ao réu, mesmo que ele não se defenda, desde que validamente citado. Vale destacar, ainda, o disposto no art. 76 do CPC: “Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício. § 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária: I – o processo será extinto, se a providência couber ao autor; II – o réu será considerado revel, se a providência lhe couber; III – o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre”. Neste contexto, tem-se que, nos termos do art. 76 do CPC/2015, não restam dúvidas quanto a classificação da representação do autor, deve ser conferida oportunidade para regularizar a sua representação processual, e, se tal determinação não for atendida, o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito (art. 76, § 1º, I, do CPC/2015), o que corrobora a ideia aqui defendida que a capacidade postulatória (do autor) deve ser catalogada como pressuposto processual de existência. 3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual Foram vistos até agora os pressupostos processuais respeitantes à existência da relação jurídica processual. Alguns outros requisitos devem estar presentes para que se possa estar
diante de relação jurídica processual válida, isto é, conforme o sistema jurídico positivo. São eles: petição inicial apta, competência do juízo, imparcialidade do juiz, capacidade processual e legitimação processual. 3.1 Petição inicial apta A petição inicial – no bojo da qual se veicula o pedido – é requisito de existência da relação processual, afirmação que está intimamente correlacionada com o princípio dispositivo e o da inércia da jurisdição. A parte autora aciona a jurisdição quando e como deseja, observando a adequação do pedido à situação que descreve. Porém, para que a relação jurídica processual exista validamente, é preciso que não se trate de petição inepta. Grosso modo, pode-se dizer que a petição inicial será apta desde que não se encarte nas hipóteses contempladas nos incisos I a IV do § 1º do art. 330 do CPC/2015. Analisaremos pormenorizadamente cada um dos pressupostos processuais, mas destaca-se, desde já, que a petição inicial será inepta quando: faltar a causa de pedir ou o pedido; se o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que o pedido genérico é permitido; se da narração dos fatos não decorrer uma conclusão lógica ou; se a petição contiver pedidos incompatíveis entre si (art. 330, § 1º, incs. I a IV). A petição inicial, ainda, poderá apresentar outras irregularidades (como o não preenchimento dos requisitos dos arts. 319 e 320). Nesses casos, deverá o juiz, liminarmente, determinar que o autor sane o vício no prazo de quinze dias (art. 321, caput), extinguindo o processo apenas quando o demandante não atender a tal determinação (arts. 321, parágrafo único e 330, IV)427. Nestas hipóteses, sendo possível a emenda (complemento) da inicial, o juiz
deverá ensejar essa possibilidade ao autor, antes de indeferir liminarmente a inicial. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “a emenda da petição inicial é direito subjetivo do autor. Constitui cerceamento desse direito, portanto, de defesa (CF 5º XXXV e LV), o indeferimento liminar da petição inicial, sem dar-se oportunidade ao autor para emendá-la, em sendo a emenda possível”428. Portanto, o juiz só deverá indeferir a petição inicial se não for possível a sua emenda, conforme dispõe o art. 321 do CPC/2015. Também nas hipóteses do art. 330, sendo o vício sanável, deve ser dada oportunidade ao autor para emendar a petição inicial nos termos do art. 321429-430. Nas hipóteses do art. 321, conforme se lê no seu parágrafo único, a extinção deverá ocorrer apenas se o autor deixar de cumprir a diligência que lhe for determinada (art. 330, IV, do CPC/2015). No caso de indeferimento da petição inicial pela ausência de providência do autor, é cabível recurso de apelação que facultará ao juiz a retratação (art. 331, caput), ou será determinada a citação do réu para responder o recurso de apelação, nos termos do art. 331, § 1º, do CPC/2015. Se o autor não interpuser recurso de apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da extinção do processo sem a resolução do mérito, conforme dispõe o § 3º do art. 331431. 3.2 Competência do juízo e imparcialidade do juiz Outros requisitos de validade da relação jurídica processual são a competência do juízo e a imparcialidade do magistrado (art. 64, §§ 3º e 4º, CPC/2015). Na verdade, para que o processo se desenvolva validade é preciso que o juízo não seja absolutamente incompetente e que o magistrado não seja
impedido. A incompetência relativa do juízo e a mera suspeição do juiz não constituem pressupostos processuais de validade, pois de duas uma, ou são arguidos a tempo e modo devidos (preliminar de contestação, no caso da incompetência relativa, a teor do art. 337, II do CPC/2015, e petição simples no prazo de 15 dias no caso de suspeição, segundo o que dispõe o art. 146 do CPC/2015), ou se convalidam e não mais podem ser levantados. De se registrar a mudança ocorrida no CPC/2015 no sentido de que, vindo ser reconhecida a incompetência absoluta, os atos decisórios subsistirão, salvo decisão judicial em sentido contrário, até que outra seja proferida pelo juízo competente (§ 4º do art. 64 do CPC/2015). No regime anterior, a decretação da incompetência absoluta conduzia automaticamente à nulidade dos atos decisórios (art. 113, § 2º, do CPC/73). Observam com acuidade Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Nem sempre a falta de pressuposto processual acarreta a extinção do processo, como, por exemplo, a incompetência absoluta, cuja declaração tem como consequência a anulação dos atos decisórios e o envio do processo ao juízo competente (CPC 64, § 2º)”432. De outro lado, a imparcialidade do juiz (art. 144)433 também se constitui em requisito de validade da relação jurídica processual. Tanto no caso da incompetência absoluta, como na hipótese de impedimento, há possibilidade de ajuizamento de ação rescisória (CPC/2015, art. 966, II). Observe-se, por oportuno, o paralelismo que existe entre o regime da incompetência absoluta e o do impedimento: ambos os vícios podem ser alegados em qualquer tempo e grau de jurisdição, e, uma vez transitada em julgado a sentença, rendem ensejo à propositura de ação rescisória434.
3.3 Capacidade processual e legitimação processual A capacidade processual (art. 70) constitui-se em pressuposto processual de validade da relação processual e decorre da capacidade de exercício de direitos. A capacidade de exercício de direitos, por sua vez, não se confunde com a capacidade de direito. Qualquer um tem capacidade de direito, o que quer dizer que pode ser titular de direitos e de obrigações (arts. 1º e 2º do CC), ao passo que qualquer um que não se encontre no rol dos arts. 3º e 4º do CC tem, além da capacidade de direito, a capacidade plena de exercício de direitos (que é limitada para os relativamente incapazes e inexistente para os absolutamente incapazes). Decorre do exposto que a lei processual civil encampa, quase que na sua integralidade, conceitos e hipóteses da capacidade civil. Faltante a capacidade, prevê o CPC/2015, no art. 71, a forma de sua integração, igualmente seguindo a esteira do direito civil. Os incapazes, para terem sua capacidade integrada, deverão ser representados ou assistidos na forma da lei civil, segundo diz o art. 71 (serão “representados” os absolutamente incapazes e “assistidos” os relativamente incapazes – arts. 1.690, 1.747, I, e 1.774 do CC, respectivamente). Verificando-se a incapacidade processual ou em caso de irregularidade da representação, o art. 76 impõe que o juiz suspenda o processo para que o vício seja sanado. Não sanado o vício da falta de capacidade processual, isto é, se não cumprido o despacho dentro do prazo assinalado pelo juiz, impõe-se a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme determina o art. 485, IV (e também o art. 76, § 1º, inc. I, ambos do CPC/2015), por ausência dos pressupostos de desenvolvimento válido da relação jurídica processual. O processo, nessas condições, claro está que existiu, mas não se pôde
desenvolver validamente por não ter a parte capacidade para estar em juízo (pressuposto processual de validade) ou por não tê-la integrado, no prazo concedido pelo juiz (na forma da lei civil, neste passo adotada pela lei processual civil). Cabe, neste passo, analisar com mais vagar o já referido art. 76, § 1º, inc. I, do CPC/2015. Ora, o caput do citado artigo trata, além da hipótese de incapacidade, da irregularidade de representação. Tudo indica que essa representação pode ser a da pessoa jurídica, parte, ou até mesmo do advogado. Se houver irregularidade quer numa, quer noutra hipótese, deverá o julgador ensejar prazo para a sanação do vício. Aí, então, caso o vício não seja sanado, o processo deverá ser extinto sem julgamento de mérito, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 76 (e também com amparo no inciso IV do art. 485, ambos do CPC/2015)435. Deve a ausência de capacidade processual ser alegada em preliminar de contestação (art. 337, IX). Contudo, trata-se de matéria de ordem pública e não sujeita à preclusão, como os demais pressupostos processuais, cabendo ao juiz proceder de ofício (art. 485, IV e § 3º), como deve fazer em relação a qualquer outro pressuposto processual que eventualmente esteja ausente (art. 337, § 4º; art. 485, § 3º)436. Não se confunde capacidade processual (pressuposto processual) com a legitimação para a causa (condição da ação). A legitimidade ad causam define-se, usualmente, em função da afirmação de direito. Legitimados ad causam serão aqueles a quem a afirmação do direito posto em disputa diga respeito e é sobre estes legitimados que incidem os efeitos da decisão judicial. No caso de menor absolutamente incapaz que move a ação representado
por seu pai, legitimado ad causam ativo será o menor. O menor, absolutamente incapaz, apesar de não ter capacidade para estar em juízo (art. 70 – pressuposto processual), preenche a condição da ação da legitimação ad causam, eis que a lide, a afirmação de direito, a ele diz respeito, pelo que será diretamente alcançado pela coisa julgada material que recairá sobre a parte dispositiva da decisão. A capacidade do menor absolutamente incapaz deverá ser integrada por seu pai, que possui legitimação processual, ou seja, para agir no processo. Entretanto, o pai atuará em nome de seu filho, pelo que até mesmo se pode entender que ambos, o filho (titular da afirmação de direito) e o pai que em nome dele age, como um só, constituem a parte autora. Aqui se disse que o pai é quem age, atua no processo. Assim, o pai tem a legitimação processual (que diz respeito ao agir) desde que esteja representando o filho, mas observe-se que isoladamente não a teria. Por outro lado, se a parte fosse relativamente incapaz, a integração de sua capacidade se daria através do instituto (de direito civil, encampado pelo direito processual civil) da assistência. Já aqui o relativamente incapaz pratica atos devidamente assistido por seu pai, por exemplo. Assim, a capacidade para estar em juízo é de ambos, como um todo, porque mesmo nesse caso um só isoladamente não a tem. Como se vê, nessa hipótese, a legitimação ad processum ou processual de atuar no processo é de ambos, apesar de o filho agir, já que seu agir deve ser assistido. Tem-se, portanto, em relação às partes, como pressuposto processual de validade da relação jurídica, para que em seu âmbito possa ser validamente exercido o direito de ação e decidido o mérito (validamente), a capacidade processual (e sua integração) da qual decorre, conforme observa Arruda
Alvim, a legitimidade processual437. Observe-se que a legitimação ad processum examinada é a normal, chamada usualmente de ordinária haja vista a circunstância de aquele que atua no processo (mesmo se sua capacidade estiver integrada) ser o titular da afirmação de direito. Casos há em que não existe essa coincidência, ou seja, há uma dissociação entre quem atua no processo e o titular da afirmação de direito – tem-se, então, a legitimação extraordinária, cuja possibilidade de ocorrência vem expressamente consignada no art. 18 do CPC/2015. Diversa é a legitimação ad causam, condição da ação, que nada mais é do que a circunstância de a lide dizer respeito àquelas partes, pelo que lhes cabe o direito de ação e defesa. A capacidade processual, da qual deflui a legitimação ad processum ou legitimidade processual, é pressuposto processual de validade do processo, enquanto a legitimação ad causam é condição da ação. O primeiro dos institutos se reporta ao agir no processo e a legitimação ad causam, ao direito de ação (e defesa). Por fim, cabe, nesse passo, fazer referência à representação não como instituto de integração de capacidade, mas como praticamente espécie do gênero mais amplo da legitimação extraordinária. Como exemplo dessa representação tem-se o atuar da associação, de que cuida o art. 5º, XXI, da CF/88, em benefício de seus associados. Aqui tem-se igualmente a dissociação entre aquele que atua no processo e o titular do direito de ação. Liebman tem texto que, apesar de não se encartar exatamente no que foi explanado, demonstra claramente a existência de distinções entre os institutos, o que inegavelmente traz consequências diversas, quer no
processo, quer em relação à lide, sua solução e a coisa julgada material. Diz ele: “La distinzione tra capacità processuale e legittimazione formale diventa rilevante nei casi in cui la parte diffeta di capacità processuale: l’esercizio dei suoi diritti processuali viene allora conferito dalla legge a terzi, i quali, in virtù appunto di tale investidura, acquistano la legittimazione formale e stanno nel processo, compiendo tutti gli atti processuali in nome e per conto della parte che essi rappresentano”438. Dissemos acima que os pressupostos processuais podem ser conhecidos de ofício pelo juiz. Questões de ordem pública, em princípio, podem ser conhecidas de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º). Cabe-nos, entretanto, destacar a função do despacho saneador [rectius, decisão de saneamento] e as consequências quanto à preclusão das decisões envolvendo os pressupostos processuais. O art. 357, incisos I e II, dispõe que, se não for obtida a conciliação entre as partes, o juiz deverá resolver as questões processuais pendentes e delimitar as questões de fato sobre as quais serão produzidas provas, especificando as que devam serão produzidas. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, nesta oportunidade “o juiz deverá examinar todas as questões arguidas pelo réu na contestação, como matéria preliminar (CPC 337). Além disso, deverá analisar se se encontram presentes os pressupostos processuais (CPC 485 IV), bem como apreciará os requerimentos de produção de provas deduzidos pelas partes”439. Dessa forma, o momento mais adequado para o juiz analisar a presença dos pressupostos processuais é, segundo nos parece, no despacho saneador. Todavia, para tanto, impende que se compatibilize esta regra com o disposto no art. 485, § 3º, e o disposto no art. 505, segundo o qual o juiz não deverá
decidir novamente as questões já decididas no processo. Quando foi asseverado que o despacho saneador é o momento mais adequado para analisar a existência dos pressupostos processuais (tanto os de validade, quanto os de existência), não se quis dizer que é o único momento para dita análise. Isso porque, como se disse, os pressupostos processuais representam matéria de ordem pública, não havendo falar, nesta hipótese, em preclusão pro judicato, a teor do § 3º do art. 485 do CPC/2015. Assim, em relação às hipóteses do § 3º do art. 485, que trata das matérias de ordem pública, deve ser afastada a aplicação do art. 505 do CPC/2015. Parece-nos que essa é a melhor forma de compatibilizar o art. 505 com o art. 485, § 3º. Dizem, a propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “A norma [art. 505] proíbe a redecisão de questão já decidida no mesmo processo, sob o fundamento da preclusão (coisa julgada formal). As questões dispositivas decididas no processo não podem ser reapreciadas pelo juiz. As de ordem pública, por não serem alcançadas pela preclusão, podem ser decididas a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição (não em RE ou REsp)”440-441. Essa orientação, que aqui tem-se por correta, deve ser mantida à luz do CPC/2015. Merece referência, ainda, uma prática que correntemente tem sido empregada pelos juízes, no sentido de deixar para o momento da prolação da sentença a verificação da presença das condições da ação e pressupostos processuais, por entenderem que estes se confundem, em verdade, com o mérito do pedido. Tal pronunciamento é, em última análise, recorrível, podendo o interessado, desde logo, requerer ao tribunal ad quem que reconheça a falta de condição da ação ou de pressupostos processual não
apreciada pelo juiz442. 4. Pressupostos processuais negativos Os pressupostos processuais negativos são a litispendência, a coisa julgada e a perempção. São tidos como negativos existem fora do processo, dizem-se também pressupostos
processuais
extrínsecos.
Aqui,
encampa-se o
entendimento de que a litispendência, a coisa julgada e a perempção, elementos externos ao processo, constituem-se em pressupostos processuais negativos ou extrínsecos443. Thereza Alvim, por exemplo, entende que apenas a litispendência se constitui em pressuposto obstativo do desenvolvimento válido e regular do processo, e, mesmo assim, salienta, “o vício poderá ser superado, se a ação proposta em segundo lugar tiver sua decisão transitada em julgado antes da decisão da ação proposta em primeiro”444. Já para essa autora, a existência de coisa julgada anterior indicaria falta de interesse processual, sendo problema redutível, então, à ausência das condições da ação, não se tratando de questão que deva ser colocada no plano da aferição dos pressupostos processuais. Se a mesma causa já foi anteriormente apreciada e decidida, torna-se imutável a parte dispositiva da decisão, sendo inviável rediscuti-la (CF/88, art. 5º, XXXVI; CPC/2015, arts. 485, V, 337, § 5º, 502 e, especialmente, 503). Para nós incide o pressuposto processual negativo (extrínseco) da coisa julgada obstando o desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, IV – o termo “processo” aqui é empregado como sinônimo de relação jurídica processual). A litispendência (art. 337, § 1º) deve levar, igualmente, à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 483, IV e V, do CPC/2015),
constituindo também pressuposto processual negativo (extrínseco) – existência de outra ação pendente com as mesmas partes, causa de pedir e pedido (art. 337, § 2º). A perempção igualmente consubstancia pressuposto processual negativo, já que, segundo Clito Fornaciari Jr., “sua ocorrência é impedimento a que outra demanda com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir venha, posteriormente, a ser proposta. É pressuposto extrínseco, pois decorre de outros processos, e negativo, uma vez que, para validade do processo, não deve nele estar presente”445. Perempção, dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “é a perda do direito de ação civil em virtude de o processo, tendo em vista a mesma demanda, ter sido extinto por três vezes pelo motivo do CPC 485, III”446. Desta forma, verificando a ocorrência de litispendência, coisa julgada e perempção, o processo não pode atingir o seu fim, uma vez que esses fatos obstam o curso regular do processo447, que, assim, deve ser extinto sem resolução do mérito, como bem afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery448.
X LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA
1. Noções A teoria da identidade entre ações é fundamental para a compreensão dos conceitos de litispendência e de coisa julgada. Neste capítulo, serão abordadas as circunstâncias em que há identidade de ações, para o que teremos em consideração os conceitos de litispendência e coisa julgada449. Tal estudo será feito tendo em vista, principalmente, o sistema tradicional, sem descurar, contudo, de considerar, ainda que mais sucintamente, esses fenômenos no plano do processo coletivo. As noções de litispendência e de coisa julgada, no processo tradicional, vêm estampadas no art. 337, §§ 3º e 4º, do CPC/2015, nos termos seguintes: “Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso” e “Há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado”. Só se diferenciam, no que diz respeito aos elementos mercê dos quais podem ser identificadas as ações, sob um aspecto cronológico, por assim dizer, dado que na litispendência supõe-se ação em curso e na coisa julgada a causa já está julgada por decisão transitada em julgado.
Fundamentalmente, o art. 337, § 3º, ao fornecer um conceito – que não é único – de litispendência, está, em realidade, indicando elementos para que, em face de dois processos simultâneos, com a mesma lide (mesmo pedido, mesma causa de pedir e entre as mesmas partes), se elimine um deles, na realidade, o que começou em segundo lugar. Na litispendência, na esteira do que se está desenvolvendo, há simultaneidade de causas idênticas entre as mesmas partes; na coisa julgada, sucessividade. No caso de litispendência, há dois processos idênticos e simultâneos; na hipótese de coisa julgada, um sucessivo a outro, ambos idênticos, estando um deles já findo. A chamada coisa julgada material ocorre no momento em que a decisão de mérito transita em julgado. Esse é o entendimento que se extrai tanto do art. 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, um dos textos existentes a respeito em nosso direito positivo, quanto do art. 502 do CPC/2015. A coisa julgada material é a qualidade de imutabilidade que se agrega à parte dispositiva da decisão judicial, ao seu comando. A coisa julgada significa o resguardo duradouro da imutabilidade do decidido. A parte dispositiva do decidido, por sua vez, é a parte de seu conteúdo sobre a qual gira e sobre a qual incide o regime da coisa julgada material. A chamada coisa julgada formal, a seu turno, significa que houve no processo uma última decisão, através da qual se colocou termo final a um determinado processo. Fala-se também, neste último caso, em preclusão máxima. Desde logo, deve-se salientar inexistir coincidência entre o conteúdo de uma decisão de mérito e o da respectiva coisa julgada material. As grandes dificuldades que se revelam decorrem, em larga escala, precisamente dessa
falta de coincidência entre o conteúdo da sentença e o que, desse conteúdo, em menor escala, fica revestido pela autoridade da coisa julgada. Mais especificamente, o problema coloca-se considerando a fundamentação da sentença, com vistas a saber se essa fundamentação, ou parte dela, fica coberta pela autoridade da coisa julgada. Sublinhe-se que, pelo texto do art. 504, II, do CPC/2015, não há coisa julgada sobre a fundamentação, seja a de fato, seja a de direito. Tanto a sentença de mérito, ato jurisdicional, quanto a coisa julgada material, imutabilidade do comando emergente da decisão, são realidades que, ordinariamente, se verificam nos processos. A autoridade da coisa julgada, assim, atinge a parte dispositiva da sentença. Os fundamentos, retratados na causa ou causas de pedir, não são alcançados pela autoridade da coisa julgada material, mas inegavelmente são indispensáveis para identificá-la. Assim, se A pede indenização de B, por ter este infringido a 10ª cláusula de contrato entre ambos firmado (não quis A indenização por infração a outras cláusulas do mesmo contrato, o que é possível, em face do princípio dispositivo), e vê sua ação julgada improcedente, com trânsito em julgado, nem por isso ficará inibido de pedir indenização por infração a outras cláusulas. São estes dados fundamentais para se trabalhar e para interpretar o âmbito da sentença e da coisa julgada, tendo-se sempre presente o chamado princípio dispositivo, como, ainda, a identificação da ação que haja sido julgada, sobre cujo julgamento se haja formado a coisa julgada (teoria das três identidades). Dentre os princípios fundamentais do processo avulta o princípio dispositivo – aplicável igualmente na identificação das ações, no que diz respeito à teoria da litispendência –, que baliza os elementos da identificação
de uma ação, no sentido de que esses elementos (especialmente o pedido e a causa de pedir), em nosso direito positivo, têm de derivar da vontade do autor, tendo ainda em vista a informação dos fatos que ele se dispõe a utilizar como base do pedido que formula. Esse comportamento do autor repercute na sentença e, consequentemente, na coisa julgada material. É conveniente considerar desde já a coisa julgada e seu valor na ordem jurídica. Deve-se acentuar que se há de ter presente o preciso e radical sentido de “coisa julgada” e acentuar o valor que, como causa final do instituto e por seu intermédio, colima-se duradouramente proteger. Tenha-se presente que a palavra “coisa” liga-se à ideia de res, do direito romano, e, na verdade, significa bem julgado, ou seja, a res judicata, expressão romana, equivalente a coisa julgada. Vale dizer, por meio do processo, ou melhor, de seu resultado, na parte dispositiva da sentença, “atribui-se um bem jurídico ao que venceu. Na sentença, define-se uma situação jurídica e a respectiva titularidade; e, com a ocorrência da coisa julgada material, a partir da coisa julgada material, essa definição passa a ser definitiva”450. Esse bem jurídico pode ser enquadrado na categoria dos direitos subjetivos. A coisa julgada reveste o comando da sentença com uma modalidade de imutabilidade, dita a autoridade da coisa julgada, ou seja, “toda sentença, meramente declaratória, ou não, contém a norma jurídica concreta que deve disciplinar a situação submetida à cognição judicial, [e] esta norma é a que ‘o juiz formula’, cujo comando (= parte dispositiva) se converte em coisa julgada, que é destinada a ‘perdurar indefinidamente’, enquanto assentada naquela situação”, tendo em vista a lide “‘levada ao conhecimento’ do magistrado, isto é, enquanto referida à res in iudicium deducta”451.
A permanência do resultado do processo subsiste enquanto não alterada a disciplina do direito objetivo com base no qual a decisão de mérito foi proferida e que transitou em julgado. A isto há referência na doutrina como representando o que alguns designam como os limites temporais da coisa julgada, de que se tratará adiante. Acentua-se existir em favor da permanência ou subsistência da coisa julgada uma presunção de inércia, continuação ou não alteração das situações jurídicas por ela protegidas452. Em verdade, o que isso quer significar é que a parte que deve arguir a mutação de fatores ou circunstâncias relevantes, capazes de modificar o âmbito de incidência da res iudicata, terá, além do ônus da alegação, o da comprovação da ocorrência dessa mutação. Mas, no fundo, trata-se de saber se a novidade da situação está ou não abrangida pelo espectro da coisa julgada, a saber, precisamente, se está ou não inserida dentro dos seus limites objetivos. A coisa julgada material, para o Poder Judiciário, representa a finalização da atividade jurisdicional, através da qual se decidiu a lide, não mais podendo decidi-la, porque já o fez. Para toda a sociedade, a coisa julgada material implica o dever de respeitá-la como ato estatal que é, sem que nenhum membro da sociedade, todavia, haja de ser prejudicado – vale dizer, aquele que não foi parte no processo a ela não está sujeito, conquanto, como é cediço, haja de respeitá-la, enquanto ato estatal. Ademais, e como se disse, também, para o Poder Judiciário453 e para as partes, a existência de coisa julgada material implica não ser possível redecidir a respeito da mesma pretensão, já decidida com autoridade de coisa julgada, logo, não se pode mais ajuizar (novamente) a mesma e idêntica ação, entre as mesmas partes. Como se vê, o resultado do processo impõe-se às partes, e, em particular,
aos integrantes do Poder Judiciário, pois se aí se decidiu uma vez, com autoridade de coisa julgada material, isso não poderá ser feito uma segunda vez454. A coisa julgada destina-se, ou tende a que os efeitos do “decisum” se projetem indelevelmente para o futuro, o que, como se disse, não significa que não possam, pelas partes, maiores e capazes, e desde que o bem seja disponível, ser superados ou modificados tais efeitos. Daí dizer-se: “A eficácia ou a autoridade de coisa julgada é, portanto, por definição, destinada a agir no futuro, em relação aos futuros processos”455. Ademais disso, a coisa julgada “destina-se a realizar a segurança extrínseca das relações jurídicas456, e subordina-se ao princípio da congruência entre a pretensão e a jurisdição exercidas”457-458-459. Quando se fala em segurança intrínseca deve-se identificá-la no conteúdo da sentença. O juiz, ao decidir a controvérsia, cristaliza a segurança jurídica das partes, tendo em vista o que consta da parte dispositiva da sentença, vale dizer, do resultado prático do processo, com a atribuição do bem jurídico disputado e definição da titularidade, o que as vincula através da coisa julgada. Esse resultado, que é o conteúdo da parte dispositiva do decisum (= comando), inibe qualquer outra decisão a respeito da mesma lide (coisa julgada material), por isso se diz ser a segurança extrínseca das relações jurídicas proporcionada pela coisa julgada material. A temática da coisa julgada, desta forma, situa-se como uma das muitas formas de proteção da segurança extrínseca de atos jurídicos, no caso, de ato jurisdicional, consistente em sentença de mérito, quando desta não mais caiba recurso. Assegurar a “segurança extrínseca das relações jurídicas” quer dizer que, se submetida novamente a mesma controvérsia ao Poder Judiciário, o que a este incumbe fazer, única e exclusivamente, é verificar se aquilo que está
sendo submetido, agora, à sua apreciação já foi objeto de julgamento; se tiver sido, deverá o juiz, precisamente em nome e por causa dessa segurança das relações jurídicas – no caso consistente numa determinada sentença revestida pela autoridade de coisa julgada material –, abster-se de decidir novamente a mesma lide ou o mesmo assunto, nem que seja no mesmo sentido, com vistas a que o resultado do processo precedente seja respeitado. Acentue-se que o que conta, especialmente, é o resultado (proteção do resultado), pois a coisa julgada “limita-se, objetiva e subjetivamente, à relação jurídica deduzida em juízo [tendo em vista] o objeto do decisum, sem cobrir o esquema lógico da sentença, nem a verdade aí atribuída aos fatos”460, e às partes, sujeitos parciais do processo. Por isso é que – diz Enrico Tullio Liebman – o legislador, inclusive na tradição do legislador brasileiro, “ao invés de estabelecer os limites da coisa julgada com fundamento nas questões discutidas”, dispôs que “o que a coisa julgada deve assegurar é o resultado prático e concreto do processo (ou, em outras palavras, o seu efeito) e nada mais que isso; e é, pelo contrário, irrelevante a amplitude da matéria lógica discutida e examinada”461. É necessariamente estranho à temática da coisa julgada material cogitar que aquilo que haja sido decidido o tenha sido erroneamente. Ao juiz perante o qual se está arguindo coisa julgada não é dado reavaliar ou rejulgar a lide precedente, revendo a sentença já revestida pela coisa julgada – esse juiz deve, apenas, verificar se ocorreu ou não coisa julgada e, em caso positivo, ao reconhecer a coisa julgada, abster-se de decidir novamente, reconhecendo a validade da decisão precedente, objeto de coisa julgada material. Se se pudesse entender ter ocorrido erro no que foi decidido, e por isso desconhecer a coisa julgada material, simplesmente a operatividade prática
do instituto da coisa julgada estaria destruída462. Por isso constitui-se entendimento absolutamente uniforme o de que “a necessidade de respeito pelo caso julgado exige que a afirmação ou afirmações [conclusivas] nele contidas não sejam de futuro colocadas, de modo juridicamente relevante, numa situação de incerteza”463. Para que isso possa ocorrer inteiramente, necessário é que o efeito preclusivo acompanhe o da coisa julgada464. O que se impõe, em face da coisa julgada, cujo conhecimento seja posto perante o Poder Judiciário, é precisamente o reconhecimento, por este poder, do seu dever de abstenção em proferir nova decisão, de modo que não lhe caberá “julgar” o resultado do processo em que se formou a coisa julgada material465. Para que se possa idoneamente identificar o “bem jurídico” pedido e o bem jurídico “obtido” ou “não obtido”, ou seja, “para identificar o objeto (sentido técnico) do processo – salvo a hipótese de sentença que não respeite essa definição ou delimitação do bem jurídico, tal como consta do pedido e de sua causa petendi –, e, em consequência, da coisa julgada, é necessário considerar que a sentença representa a resposta do juiz aos pedidos das partes [entenda-se, partes autoras]”, e, justamente por isso, “tem [na verdade, deve ter]466 os mesmos limites desses pedidos, que ministram, assim, o pedido e sua causa de pedir, o mais seguro critério para estabelecer os limites da coisa julgada”467. A coisa julgada deve ser analisada tendo em vista a sua função, nela implicada, de acarretar a superação de quaisquer possíveis vícios que hajam ocorrido, com vistas a constituir-se isso em elemento que inviabilize a discussão acerca do resultado. A autoridade da coisa julgada, “que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”, é “uma qualidade
mais intensa e profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato”468. A regra é que, com a coisa julgada, sanam-se as nulidades que porventura poderiam ter existido; mais ainda, se superado o prazo dentro do qual se poderia ter cogitado de uma ação rescisória para os pouquíssimos vícios que sobrevivem à coisa julgada (discriminados taxativamente em lei – art. 966 do CPC/2015 – dentre os quais estão as nulidades), toda e qualquer possível nulidade fica, definitivamente, superada469. Ainda que possa pender uma ação rescisória, fundada num dos incisos do art. 966, a coisa julgada somente desaparecerá quando do julgamento de procedência dessa ação. Vale dizer, a subsistência da coisa julgada e a possibilidade de propositura de ação rescisória são realidades possíveis, no sentido de que, enquanto só a rescisória estiver pendente (de ajuizamento ou mesmo de julgamento, estando já ajuizada), subsiste a coisa julgada. Teresa Arruda Alvim, considerando de duvidosa cientificidade o princípio de que a coisa julgada é sanatória geral de todos os vícios, afirma: “Se assim o fosse, a sentença não permaneceria impugnável mesmo depois do trânsito em julgado, que, por si só, teria transformado o que era inválido (= nulo) em válido. Não é, todavia, o que ocorre, já que as nulidades absolutas sobrevivem à coisa julgada, ensejando ação rescisória. Por outro lado, as nulidades relativas não são ‘curadas’ pela coisa julgada, já que terão, muito antes, ficado preclusas no curso do processo, se não se as impugnou em tempo hábil. Arriscado dizer o que, todavia, hoje, nos parece absolutamente verdadeiro: a coisa julgada nada sana”470. Na verdade, sob certa ótica, pode-se dizer que a coisa julgada sana toda e
qualquer nulidade. Claro está, todavia, que algumas nulidades podem render ensejo à ação rescisória (hipótese do art. 966), de modo que, enquanto não transcorrido o prazo decadencial que, como regra, é de dois anos, poderão ser – essas nulidades – ventiladas no bojo dessa outra ação, que é a rescisória. Todavia, dentro do mesmo processo, ditas nulidades não mais poderão ser alegadas. Haverá necessidade, para ventilá-las, de ajuizamento de nova ação (a rescisória), dando origem a um novo processo. A ocorrência de coisa julgada decorre de incidência de norma de ordem pública, sendo, por isso mesmo, não válida restrição em sentido contrário à sua ocorrência, que tenha sido aposta à decisão, pelo juiz471. A mesma coisa deve-se dizer com relação à irrelevância da vontade das partes, que hajam ajustado a respeito da não ocorrência de coisa julgada, contrariamente à presença dos pressupostos mediante os quais deve ela ocorrer. Assunto diferente, todavia, como já se referiu, é haver ajuste legítimo de vontade referente a efeito da decisão (acordo posterior ao decisum), com vistas a modificá-lo. Tratando-se de bem disponível e sendo as partes maiores e capazes, poderão superar a eficácia da sentença, estabelecendo outras obrigações, diferentes daquelas estabelecidas no decisum transitado em julgado. Deve-se sublinhar que a chamada inexistência da decisão, ainda que não mais dela caiba recurso algum, não leva à formação da coisa julgada, mesmo porque nem de sentença, propriamente, se tratará. A inexistência é gerada por vício insuscetível de ser sanado472. Em realidade, há propriedade em falar em ineficácia da decisão quando esta é inexistente, em virtude de vícios mais graves do que os previstos para a ação rescisória, ao argumento de que, mesmo em face da ocorrência dos pressupostos da rescisória, há coisa
julgada; diante da hipótese de vícios mais graves, não catalogados sequer para comprometer a coisa julgada, isto viria a significar que inexiste coisa julgada, nem mesmo viciada. Dizemos que a sentença é inexistente se, por exemplo, lhe falta elemento decisório473. A temática da coisa julgada deve ser, ainda, visualizada à luz do princípio dispositivo. Neste passo, convém cotejar as afirmações feitas com os textos de direito positivo que dizem respeito ao princípio dispositivo e à teoria das três identidades, mercê da qual se identificam as ações, no direito brasileiro. O princípio dispositivo sempre foi o adotado no direito brasileiro. O texto nuclear, talvez o mais importante e marcante dos nossos Códigos de Processo Civil, é, atualmente, o art. 141. Dispõe esse texto o seguinte: “Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. A seu turno, e correlatamente articulado com esse texto, dispõem o art. 490 e o art. 492, caput, do CPC/2015 o seguinte: “Art. 490. O juiz resolverá o mérito, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelas partes”; “Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. É evidente que esses textos, mais do que uma regra, retratam um autêntico princípio, que sabidamente carrega um poder incomparavelmente maior do que uma mera regra de direito positivo. E mais – como se sublinha –, esse princípio é o mais relevante – ou, ainda, é o mais relevante no processo contemporâneo – de todo o sistema, pois é a expressão da própria base e da
espinha dorsal do processo civil brasileiro, no sistema do Código, eis que traça, inflexivelmente, os próprios limites da atividade jurisdicional legitimamente exercida, e, portanto, representa o mais valioso e certo elemento auxiliar na interpretação dos limites objetivos da coisa julgada. Responde à tradição do direito brasileiro, e, em realidade, representa posição universal, a de que, para se identificar uma ação, é absolutamente imprescindível examinarem-se os fatos e os fundamentos jurídicos em que se baseia esta ação (causa de pedir), que são, a seu turno, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, nos quais se deve assentar a sentença que haja julgado essa ação, agora em forma de sua fundamentação. Uma ação deve ser identificada à luz de sua substância, que são os fatos jurídicos ocorridos (teoria da substanciação). Conteúdo nuclear da petição inicial está previsto em lei, quando o legislador prescreve que, para sua própria aptidão, devem-se alegar “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”. A propósito do art. 319, III – em conformidade com a doutrina majoritária, da nossa tradição e em linha com o direito comparado –, escreve Arruda Alvim: “O inc. III do art. 319 exige, para a aptidão da petição inicial, que se indiquem claramente quais são os fatos e os respectivos fundamentos jurídicos do pedido. A referência feita pelo legislador a fatos (‘fatos jurídicos’) demonstra que o sistema adotou a teoria da substanciação (‘relação jurídica ou conflito de interesses imantado ou emergente dos fatos’)”474. Fato e fundamento jurídico do fato significam fatos jurídicos. De outra parte, o inciso IV do art. 319, alude ao “pedido, com as suas especificações”. Ademais, há de sublinhar-se que a petição inicial expressa uma
“declaração de vontade e uma declaração de ciência”, ou seja, através da declaração de vontade o autor “visa à própria sentença e seus efeitos” e, de outra parte, subjacentemente a essa declaração de vontade, está “a declaração de ciência se consubstancia num relatório dos fatos ocorridos, que são, precisamente, os fatos constitutivos do pedido. Este relato dos fatos delimita, também a atividade judicante (art. 141 do CPC/2015)”475. E “tendo-se em vista determinados fatos, afirmados como juridicamente fundados no ordenamento, ter-se-á finalmente a conclusão do silogismo, que é o pedido”476. Em conformidade com posição majoritária e quase uniforme da doutrina, entende-se que a parte dispositiva da sentença é a mais relevante, isso porque, e na medida em que é esta parte que soluciona a lide, fica revestida pela autoridade de coisa julgada material. Arruda Alvim escreveu a respeito o seguinte: “Anota-se ainda que, se existe uma parte, especialmente da sentença de mérito, que deve ser absolutamente clara, esta é precisamente a parte dispositiva, pois é aquela que realmente produz efeitos e virá, ao cabo da fase de conhecimento do processo, depois do esgotamento dos recursos, a ser coberta pela autoridade da coisa julgada (material)”477. A mesma ponderação é feita por Egas Moniz de Aragão: “Terceiro requisito essencial da sentença é o dispositivo, ou seja, o julgamento propriamente dito, que, na linguagem do Digesto, “vel condemnatione vel absolutione contingit”. Nele “o juiz resolverá as questões que as partes lhe submeteram”; é a alma da sentença, o comando estatal emitido por intermédio do juiz”478. Noutra passagem da mesma obra diz Egas Moniz de Aragão que “a coisa
julgada circunscreve-se unicamente à solução dada aos pedidos das partes [em rigor, da parte enquanto em posição ativa]; as razões que fizeram o juiz inclinar-se em um ou outro sentido ficam de fora, não a integram”479. A identificação das ações é assunto respeitante à temática da coisa julgada, mas que também diz respeito a outros institutos, v.g., como ao da litispendência (objeção de litispendência), tendo, ainda, interferência na modificação do libelo. A identificação das ações é construída a partir de elementos essenciais e estruturais, os mais importantes do processo, especial e necessariamente assentados na postulação do autor. Essa identificação é tarefa que, normalmente, não se esgota na ação, pois é tendencialmente feita com vistas a viabilizar comparação, ou seja, tratando-se de litispendência, o que se objetiva é verificar se duas ações são iguais, e, isto ocorrendo, deve ser trancado, sem resolução do mérito, o processo que começou em segundo lugar (art. 485, V). Se da comparação se constatar a identidade, é essa a consequência jurídica decorrente do sistema. Em relação ao tema da coisa julgada, haver-se-á de identificar a ação que foi proposta e a respeito da qual foi proferida decisão de mérito. Transitada em julgado esta decisão de mérito, haver-se-á de identificar, no âmbito desta, o que restou coberto pela autoridade da coisa julgada. A decisão de mérito deve resolver a lide tal como foi posta pelo autor, dirimindo, necessariamente, as questões levantadas pelo réu, desde que se trate de fundamentos sérios. A lide é descritiva do bem jurídico almejado pelas partes. É ela a expressão juridicamente definida do conflito sociológico de interesses, cabendo ao juiz decidir a seu respeito, precisamente tal como colocada em
juízo pelas partes. Se preexiste ao processo um conflito de interesses, é certo que dirá o autor que o réu terá criado ou estabelecido esse conflito, sem que assista razão a este último. Por isso, a lide espelha também um “bem jurídico” de que o autor pretende a titularidade. Dessa forma, necessário é serem individualizados os sujeitos parciais do processo (art. 319, II), ou seja, autor e réu haverão de ser corretamente individualizados e indicada a qualificação jurídica em que se encontram no processo. Se o autor imputa ao réu uma conduta, mercê da qual criou esse réu o conflito de interesses, deverá, por isso mesmo, alegar “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”480; ou seja, a sua causa de pedir ou, em outras expressões, o motivo ou motivos pelos quais pede, isto é, a causa petendi (art. 319, III)481. Há discrepância entre os autores tendo em vista a causa petendi, conforme se trate de relação obrigacional ou de situação de direito real482. E, por fim, haverá de formular um “pedido, com as suas especificações” (art. 319, IV). Em síntese, os elementos constitutivos de um processo são as partes, isto é, os sujeitos parciais da relação processual; a causa petendi e o pedido, a seu turno, retratam o objeto do processo, e o pedido é usualmente subdividido em pedido mediato, que é a expressão do bem jurídico colimado, do ponto de vista do direito material, e pedido imediato, sob o ângulo processual, e que diz respeito ao tipo de efeito objetivado com a sentença que o autor pretende obter, isto é, sentença a ele favorável. A ação, com todos os seus elementos, projeta-se ou deve projetar-se na decisão de mérito, cunhando os seus limites possíveis, e, por implicação, demarca os limites, subjetivos e objetivos, da coisa julgada. A decisão de mérito acrescenta a esse conteúdo a juridicidade, que poderá ser favorável ou
não ao pedido, total ou parcialmente. Em realidade, pode-se dizer que a ação e seus elementos devem projetar ou “transferir” para o decisum o seu conteúdo; a mesma coisa se passa com as alegações de defesa. A decisão de mérito, por excelência, imprimirá a esse conteúdo um juízo de valor. Ainda que o juiz possa redefinir legalmente a relação jurídica, à luz do direito positivo (iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius), esse poder encontra limite intransponível na vontade e na informação trazida pelo autor, elementos esses fundamentalmente constitutivos do princípio dispositivo. O autor informa ou dá ciência ao juiz do que lhe aprouver, podendo fazer uma triagem no que deseja revelar, e pede o que desejar. Essa projeção da ação e seus elementos na sentença, por isso mesmo, ocorre dentro e por causa do princípio dispositivo. Dessa forma, é inviável que o juiz atribua à ação um efeito – ainda que possível – que não tenha sido querido pelo autor483. No que diz respeito às partes, necessário é que sejam identificadas tendo em vista a qualidade jurídica com que integram o processo – vale dizer, há de se perquirir a respectiva identidade jurídica. Nos casos de transformação da pessoa jurídica, ou de sucessão, tanto da pessoa jurídica quanto física, subsiste juridicamente a identidade, tanto para fins de litispendência quanto de coisa julgada484. São requisitos da sentença os que se encontram indicados no art. 489, I a III. Há, como já se aflorou, até pela identidade redacional do texto, simetria entre a litispendência e a coisa julgada, alterando-se apenas o aspecto temporal: 1º) na litispendência há simultaneidade entre as ações; 2º) na coisa julgada há sucessividade, entre uma segunda ação485 e a primeira, na qual já foi prolatada decisão de mérito, transitada em julgado.
Isso significa que, ao menos literalmente, os requisitos para identificação de ações, com vistas à litispendência (v.g., confronto de uma primeira com uma segunda ação – “duplicidade de litispendências”) e à coisa julgada (confronto de uma sentença, na sua parte dispositiva, com outra, também em sua parte dispositiva, levando em consideração, além disso, as causae petendi, em ambos os casos), são os mesmos. Convém seja abordado, nesse passo, aquilo sobre o que recai a autoridade de coisa julgada material, tendo em vista sempre o direito positivo brasileiro. Releva notar, por oportuno, que a coisa julgada no direito positivo brasileiro está submetida a um regramento restritivo486. Efetivamente, o art. 504 do CPC/2015 dispõe precisamente a propósito do que não faz coisa julgada. Reza o CPC: “Art. 504. Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”. Autores há que fixaram o entendimento de que o objeto da coisa julgada incide sobre a parte estritamente declaratória das sentenças, “ainda que a mesma haja sido de outra espécie, ou, melhor dizendo, que tenha julgado pedido que transcenda à mera declaração, isto é, seja condenatória, constitutiva ou mandamental”487. A posição correta, em face do direito brasileiro, especialmente no que se refere ao art. 504, é a de que a coisa julgada reveste de imutabilidade a parte dispositiva da decisão. Deve-se referir, neste passo, assim, às chamadas função positiva e função negativa da coisa julgada, às quais já se aludiu en passant anteriormente488. A função negativa da coisa julgada liga-se à ideia de inibição, que
consiste, precisamente, em que, por causa da coisa julgada material, não há a possibilidade de decidir novamente a mesma lide489. À função positiva, a seu turno, liga-se o pensamento de que esse conteúdo deve ser observado, respeitado e protegido; e, pois, se proposta novamente a mesma ação, esta não pode ser admitida nem para ser novamente julgada no mesmo sentido (solução do direito brasileiro). Prevalece sempre a autoridade da coisa julgada. No direito português qualifica-se a “exceção de caso julgado” como exceção peremptória, a qual, oposta, conduz a que se haja de decidir no mérito, mas no mesmo sentido da decisão anterior490-491. A função negativa da coisa julgada liga-se a um regime jurídico com desempenho preventivo, tal como haja sido previsto pelo legislador brasileiro, consistindo em prevenir, evitar um novo julgamento. A sentença requer, para sua validade, que determinados elementos essenciais existam, e, na medida em que se venha ulteriormente constatar que inexistiam à época em que haveriam de ter existido, essa sentença apresentará ou uma invalidade de fundo (se restar demonstrada, por exemplo, ausência de relatório ou fundamentação), tendo como remédio a ação rescisória, ou, de outro lado, um vício de inexistência (no caso de ausência de decisum), atacável por ação declaratória de inexistência de relação jurídica. O que se pode acentuar é que inexistente um elemento de existência da sentença, ipso facto, esta inexiste, o que repercute na coisa julgada, esvaziando-a492-493. O instituto da coisa julgada é particularmente relevante para o sistema jurídico, e muitos juristas procuram mesmo qualificar a atividade jurisdicional pela ocorrência de coisa julgada. O instituto da coisa julgada
tem, entre nós, inclusive proteção constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF/88), ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Já o fenômeno da litispendência não pode ser visto com a mesma grandeza da coisa julgada, mas é igualmente importante para o funcionamento da ordem jurídica, já que sua finalidade precípua é, evitando o desperdício da atividade jurisdicional, impedir a formação da segunda coisa julgada, que, em verdade, só o seria na aparência. A justificação do tratamento conjunto – da coisa julgada e da litispendência – explica-se pela identidade, à luz do texto legal (art. 337, § 3º), dos elementos comuns, pelos quais se identifica uma ação, daí dizer-se com propriedade que “a litispendência é uma coisa julgada em potencial”494. O fenômeno da dualidade de litispendências, que deve ser suprimido, permanecendo apenas o processo iniciado em primeiro lugar, é um mal para o funcionamento da justiça, isso em razão de comprometer a economia processual, dado que através de um só processo a lide deve estar resolvida de forma exauriente. Ao lado disso, é intolerável o risco de que haja duas decisões sobre a mesma matéria, que sejam divergentes (apesar de até nova decisão no mesmo sentido, como foi dito, ser vedada pelo sistema positivo). Se duas decisões idênticas fossem proferidas, é certo que isso, além de ser irracional, ao invés de certeza jurídica, produziria a incerteza jurídica, como, ainda, violaria frontalmente a própria essência do princípio da economia processual, sem possibilidade de discussão. O fundamento para eliminar-se a dualidade de litispendências, com lides idênticas (pedido e causa de pedir), entre as mesmas partes, é o do princípio do ne bis in idem, que é, igualmente, o princípio que informa a teoria da coisa julgada, com vistas a que, decidida uma vez, definitivamente, uma lide, não
se justifica que isso se repita495. João de Castro Mendes afirma, com razão, que “a lei não admite em princípio duas relações jurídicas processuais idênticas, quer simultâneas, quer sucessivas”496. A coisa julgada formando-se só inter partes corresponde à tradição romana, e essa disciplina é a do CPC (art. 506), é congruente com o disposto no art. 337, § 4º, e, especialmente, com o que vem previsto no art. 141. Já a coisa julgada erga omnes, própria das ações coletivas, refoge dos quadros do processo individual, sendo tratada com mais vagar em capítulo específico. Quando o legislador usa da expressão “coisa julgada erga omnes”, tratando-se de ações coletivas, significa que o decidido alcança todos, indiscriminadamente, para beneficiá-los, não prejudicando, porém, suas ações individuais, caso as ações coletivas sejam julgadas improcedentes. Porém, é preciso notar que a coisa julgada formada em processo coletivo atingirá todos os legitimados, que não poderão mover novamente a ação. Uma vez exercido o direito de ação e se formando a coisa julgada coletiva, não se faz mais possível a propositura de ação coletiva, mas apenas ações individuais, caso tenha sido julgada improcedente a ação ou, por qualquer motivo, o beneficiário não se queira utilizar a decisão de mérito do processo coletivo. A litispendência também aqui impede o desenvolvimento válido de uma segunda ação igual (a mesma ação), sendo que a ação coletiva não gerará litispendência para as ações individuais. A lei, aliás, é expressa nesse sentido por cautela, eis que a causa de pedir próxima, nos dois casos, nunca poderia ser a mesma, já que na ação individual estaria ela ligada ao indivíduo e não à coletividade. Modernamente, porém, tem sido a seguinte a solução utilizada pelo legislador para as ações coletivas: a improcedência, por falta de provas, não
fazendo coisa julgada, significa o empenho/interesse do legislador em apurar, efetivamente, se houve lesão aos bens protegidos por determinadas leis (Lei da Ação Popular, Código do Consumidor e Lei da Ação Civil Pública). Como se vê, verificar se há ou não identidade entre ações tem como objetivo justamente avaliar se é possível dizer, diante do caso concreto, que há litispendência ou coisa julgada, pois só se poderá falar em repetição de ações se as mesmas puderem ser qualificadas de idênticas. Se há identidade entre uma ação e outra que esteja pendente, fala-se em litispendência; se há identidade entre uma ação e outra que já foi definitivamente apreciada pelo mérito, então há coisa julgada. A doutrina costuma classificar a litispendência e a coisa julgada como pressupostos processuais negativos. Estes, como ocorrem fora do processo, também podem ser denominados pressupostos processuais extrínsecos. Não é o caso, neste momento, de repisarmos este assunto, que já foi tratado em capítulo próprio. O que cabe salientar é que a ocorrência de um ou de outro impede o desenvolvimento eficaz e válido da relação jurídica processual. Diante da ocorrência de litispendência ou de coisa julgada deverá haver extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, V). Cumpre salientar que tais matérias devem, preferencialmente, ser alegadas em preliminar de contestação, conforme o art. 337, VI e VII, delas devendo o juiz conhecer de ofício (art. 337, § 5º). 2. Classificação das ações A classificação das ações, que guarda mais afinidade com o atual desenvolvimento do direito processual civil, é feita tendo em vista o tipo de provimento jurisdicional solicitado pela parte.
Há critérios de classificação que guardam relação com o direito material em disputa (por exemplo, fala-se em ações pessoais e ações reais). Tais critérios – que não se podem dizer errados, pois não deixam de ser critérios coerentes, com o que se dispõem a organizar – são fruto de resquício da teoria imanentista ou civilista da ação. Daí o porquê de o critério que toma por pauta o tipo de provimento solicitado ser aquele mais conforme ao atual estágio do direito processual civil. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: “Se a ação consiste na aspiração a determinado provimento jurisdicional, a classificação de real relevância para a sistemática científica do direito processual civil deve ser a que leva em conta a espécie e natureza de tutela que se pretende do órgão jurisdicional”497. As ações de conhecimento são também denominadas ações declaratórias lato sensu. Subdividem-se em ações meramente declaratórias, constitutivas (positivas ou negativas) e condenatórias. Porém, tanto as constitutivas como as condenatórias, a par de conterem um plus que as identifica, pressupõem a declaração do direito, daí por que se denominam ações declaratórias lato sensu. E, por essa razão, aquelas ações nas quais se colima apenas a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica dizem-se ações meramente declaratórias. Por intermédio das ações meramente declaratórias pode-se objetivar: 1) a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica (art. 19, I)498; ou 2) a declaração da autenticidade ou falsidade de documento (art. 19, II)499. Essas ações – meramente declaratórias referentes à existência/inexistência de relação jurídica – podem ser ajuizadas em caráter principal ou incidental,
quando se queira ampliar o campo de incidência da coisa julgada material, fazendo-as incidir sobre questão prejudicial. O CPC/2015 retirou a necessidade de propositura de ação declaratória incidental, conforme previa o art. 5º do CPC/73, para que se obtenha a coisa julgada de decisão que resolver questão prejudicial. Já as ações constitutivas objetivam constituir uma determinada relação jurídica material ou desconstituí-la (positivas ou negativas, respectivamente). A ação condenatória colima a condenação do réu a uma prestação de pagar, de dar, fazer ou não fazer a ser cumprida por ele, sujeitando-se à fase de cumprimento. Cumpre indagar, neste diapasão, se o assim denominado critério quinário de classificação das ações, que agrega às já mencionadas ações meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias dois outros tipos – as mandamentais e executivas lato sensu –, se justifica. Neste particular, é pertinente consignar que em edições anteriores desta obra se partilhava de entendimento diverso. Com efeito, passamos a entender que as ações mandamentais e as executivas lato sensu podem ser consideradas subespécies das ações condenatórias, pois são ações que visam, em última análise, à imposição de uma obrigação de prestar. Na verdade, a mandamentalidade constitui técnica de efetivação da decisão. Vale dizer, provimentos condenatórios podem ser implementados seja pela via mandamental, ou por meios sub-rogatórios. A tutela condenatória, como sabemos, é aquela que visa a obrigação de prestar, tendo em vista situações de crise no adimplemento das obrigações500. Pode ser implementada na ordem prática mediante técnicas sub-rogatórias ou
mandamentais. Afigura-se-nos correto afirmar que a distinção entre essas últimas reside principalmente na forma de execução e não na natureza da crise. Nesse sentido, pode-se dizer impróprio agregar a categoria de sentenças mandamentais às três que compõem a classificação ternária. A classificação ternária tem como base a essência da crise, e tanto as ações executivas lato sensu como as assim ditas mandamentais, em última instância, têm o objetivo de impor ao réu uma obrigação de prestar. Diferem não quanto à essência da crise, mas quanto às técnicas utilizadas para implementação da decisão impositiva de obrigação de prestar. Em suma, pode-se falar em ações meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias. As condenatórias, de outro turno, cumprem-se ora por intermédio de meios sub-rogatórios, ora por meio de recursos mandamentais. Essa é, segundo nos parece, a melhor divisão, se tomada como referência a essência da crise. Agregar a essas três modalidades de ação as ações ditas mandamentais leva a uma mistura de critérios classificatórios, que deve ser evitada501. 3. Elementos da ação Pode-se dizer que o nosso Código de Processo Civil adotou a chamada teoria das três identidades para identificar as ações. É o que deflui claramente da leitura do art. 337, § 2º: “Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. Portanto, só se pode dizer que uma ação é idêntica a outra se tiver as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Os dois últimos
são ditos elementos objetivos da ação; o primeiro, elemento subjetivo. Cumpre, pois, examinar como pode ser feito esse cotejo. 3.1 Identidade de partes As partes devem ser as mesmas e assim são consideradas ao ostentarem a mesma qualificação jurídica. O que releva, para a teoria das três identidades, é a identidade jurídica entre as partes, para o que é importante perquirir a função jurídica em que se apresenta a pessoa e a respectiva qualidade. Em caso de sucessão por morte, por exemplo, mesmo sendo a pessoa física substituída por outra pessoa (art. 110), continua sendo a parte a mesma, para os fins aqui considerados502. Na verdade, como deflui do que foi dito, não é sequer necessário que se trate da mesma pessoa física, para que se possa cogitar da identidade de partes. O que é importante, para caracterizar essa identidade jurídica, é, pois, a identidade de funções jurídicas. Pouco importa, ainda, que haja inversão de papel (autor/réu e réu/autor). Prevalecendo a mesma a função jurídica da parte, haverá identidade de partes. Assim, se iguais os fatos e a fundamentação jurídica, havendo apenas inversão de posição, subsistirá a identidade, para fins de arguição de litispendência e de coisa julgada503. 3.2 Identidade de pedido (objeto) É preciso que haja identidade de pretensões para que se possa cogitar de identidade entre as ações. A noção que melhor resume o que se deva entender por pretensão é a de que se trata da afirmação de um direito. É esta também a noção que melhor
se coaduna com a teoria abstrata da ação, não se confundindo com a existência do direito material propriamente dito. Como diz Arruda Alvim: “A pretensão, no plano processual, é a afirmação de um direito” e “aquilo que está em dúvida, no litígio, é precisamente aquilo que foi afirmado pelo autor: é o direito de que se diz titular”504. Como sabemos, é o autor que fixa o pedido, delimitando a lide, sendo vedado ao juiz decidir extra, infra ou ultra petita (art. 141, que repercute no balizamento da própria atividade jurisdicional, como se vê do art. 492). É importante, pois, perquirir o tipo de tutela pleiteada pelo autor, na busca da verificação da identidade entre duas ações, o que ganha especial relevo dentro da teoria da litispendência. Imagine-se um caso – muito comum na seara do direito tributário – de propositura, por parte do contribuinte, de ação declaratória (negativa) de inexistência de relação jurídica tributária. Pendente essa ação declaratória negativa, o Fisco move contra o contribuinte, ação de execução fiscal. A ação declaratória negativa não produz litispendência para a ação executiva fiscal. É este entendimento ancorado no art. 38 da Lei n. 6.830, de 22.09.1980, em que não há referência expressis verbis a ação declaratória, mas essa deve ser virtualmente aí havida como existente, por interpretação extensiva. O que obsta a execução fiscal é o depósito feito nos termos do mesmo art. 38, de acordo, ainda, com o art. 151, II, do CTN, que alude a “depósito do seu montante integral”. A ação executiva tem uma finalidade ou um objeto imediato mais envergado do que o da ação declaratória negativa. Por isso, no campo da litispendência, não pode a executiva ser obstada por declaratória negativa. Todavia, se uma ação declaratória negativa houver sido julgada procedente, e no âmbito dos seus limites objetivos se compreender o crédito
fiscal, que embase a ação executiva fiscal, é certo ser oponível a objeção de coisa julgada. Essa distinção demonstra haver alguma diferença entre litispendência e coisa julgada, vale dizer, inexiste uma simetria absoluta, no sentido de que em todos os casos onde há coisa julgada deverá, sempre, ter ocorrido litispendência. Na litispendência é relevante ter presente o objeto processual (tutela processual) das ações que se confrontam, ao passo que, na coisa julgada, este aspecto perde expressão, como mais de espaço se explica abaixo. Para a teoria da litispendência, é, pois, indispensável a verificação do objeto. Neste passo, deve-se fazer observação sobre aspecto relevante. Se o devedor promove contra o credor ação declaratória de inexistência do débito x, com causa petendi y, pergunta-se se este credor pode, em relação ao mesmo devedor, promover, pendente a declaratória, ação condenatória, em relação ao mesmo débito e com base na mesma causa de pedir. A resposta é positiva, porque a declaratória negativa não produz litispendência para a condenatória, em tal hipótese. A identificação das ações, neste ponto relevante e particular, deve levar em conta o tipo de tutela processual pedida. A mera declaração não obsta a propositura de ação condenatória que àquela se contraponha, tendo o mesmo objeto, a mesma causa de pedir e as mesmas partes, já que a primeira pretensão não induz litispendência em relação à segunda. Diferentemente, se o credor, antes, promove ação condenatória contra o devedor, essa ação condenatória produz litispendência para a ação declaratória negativa que o devedor pretendesse ulterior ou simultaneamente promover. Isso porque o objeto (ou objetivo) processual da ação condenatória é mais amplo, e, por isso mesmo, compreende o da declaratória. O devedor,
nessa ação condenatória, contestando-a, exaure quaisquer possíveis defesas que possa ter; não há objeto possível para uma ação declaratória que possa pretender ajuizar. Isso é o que se deve consignar em relação à teoria da litispendência. Ademais, consideração simples, no plano empírico, corrobora a solução teórica apontada: se houvesse litispendência decorrente de ação declaratória negativa, proposta pelo devedor contra o seu credor, todo e qualquer mau devedor se utilizaria desse expediente para obstar a propositura de ação condenatória, o que, evidentemente, não seria admissível. Ora, se a ação declaratória não produz litispendência para a condenatória, é certo que o credor titular de título executivo, a fortiori, não pode ver obstada a sua execução por ação proposta por aquele que afirma, com base no título, ser o seu devedor. São estes princípios que informam e explicam a regra do art. 784, § 1º, do CPC/2015. Já em relação à teoria da coisa julgada, como observado, se o devedor promover ação declaratória negativa contra aquele de quem diz não ser seu credor e esta ação, uma vez julgada procedente, transitar em julgado, opera-se coisa julgada, inclusive para possível ação condenatória de que poderia cogitar esse que se intitulava credor, justamente porque no processo precedente, já transitado em julgado, houve definição de que credor ele não era. Pelas mesmas razões, a ação declaratória de inexistência de relação jurídica, proposta pelo devedor contra o pretenso credor, ainda que este tenha título executivo, se este adotar uma postura inerte durante a pendência dessa declaratória, uma vez julgada procedente e transitada em julgado, levará à mesma solução do exemplo precedente. É neste ponto que se pode ressaltar a diferença entre dualidade de
litispendências e coisa julgada. Deveras, tem-se que diferente é a situação, ainda que não haja identidade de objeto, sob o prisma da teoria da coisa julgada. Diz textualmente Arruda Alvim: “Já a ação condenatória ajuizada pelo credor inibe (= produz litispendência) a ação declaratória negativa do devedor, pois seu pedido de declaração será satisfeito na primeira ação: ou será devedor ou não o será”505. 3.3 Identidade de causa de pedir (causa petendi) Deve-se ter presente, ainda, que é a causa de pedir que identifica o pedido. Desta afirmativa decorrem importantes consequências para a verificação da ocorrência de litispendência, pois um pedido aparentemente igual a outro já formulado, se fundado em causa de pedir diversa, será considerado outro pedido, distinto, portanto, do anterior. Cumpre, por outro lado, advertir que a identificação do fundamento legal (lei aplicável à espécie) não é relevante para a identificação das ações. Aliás, a rigor, a indicação da lei aplicável nem é requisito da petição inicial506, aplicando-se o princípio jura novit curia ou da mihi factum, dabo tibi jus, podendo, por isso mesmo, ao juiz é possível julgar a causa por fundamento legal diverso daquele invocado pelo autor. Disso decorre que a alteração do fundamento legal não é suficiente para excluir a litispendência. Diferentemente se passa com relação aos fundamentos jurídicos. A adequada exposição dos fundamentos jurídicos que embasam a pretensão do autor é requisito da petição inicial (art. 319, III), que alude à necessidade da descrição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido507. Aqueles – fatos jurídicos – integram a chamada causa de pedir próxima; estes – fundamentos jurídicos – compõem a causa de pedir remota.
Fatos jurídicos são aqueles dos quais dimanam consequências jurídicas. Diferentemente, fatos simples são aqueles insuficientes para gerar consequências jurídicas. O Código de Processo Civil de 2015, na linha da tradição do direito brasileiro, e em conformidade com o direito comparado, adota, já se disse, a chamada teoria da substanciação, o que quer dizer que, para a identificação das ações, há de se atentar para os fatos, dos quais nasce o direito. Atente-se que a chamada teoria da individualização, que praticamente nunca foi adotada, pretende que, para a identificação das ações, tanto bastaria a identidade da relação jurídica, mas não responde à questão fundamental, consistente em que uma relação jurídica ou uma situação jurídica nasce de fato ou fatos. Pretende esta teoria desligar a relação jurídica de fato ou fatos, o que parece ser inviável. Tais fatos e a respectiva fundamentação jurídica, uma vez feita a citação (= uma vez dada ciência do processo ao réu), não poderão ser alterados a não ser com o consentimento do réu, assegurado o contraditório salvo nos casos previstos no art. (329 do CPC/2015). Antes da citação, é possível, independentemente do consentimento do réu, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir até o saneamento é possível tal alteração com o consentimento do réu; não sendo possível após o saneamento do processo, nem mesmo com o consentimento do réu. É o que se denomina de princípio da estabilidade do libelo. Tal princípio estende-se apenas aos fatos jurídicos, não se aplicando aos assim ditos fatos simples, que, aliás, são indiferentes para o julgamento da ação. A doutrina distingue entre causa de pedir remota e causa de pedir próxima. Imagine-se a seguinte situação: A move ação de cobrança contra B,
objetivando a satisfação de determinado crédito, decorrente de contrato alegadamente inadimplido por B. O contrato, em tal situação, constitui-se na causa de pedir remota; a (alegada) inadimplência, na causa de pedir próxima. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, a propósito, dizem com clareza: “Fundamentos de fato. Compõem a causa de pedir próxima. É o inadimplemento, a ameaça ou a violação do direito (fatos) que caracteriza o interesse processual imediato, quer dizer, aquele que autoriza o autor a deduzir o pedido em juízo. Daí por que a causa de pedir próxima, imediata, é a violação do direito que se pretende proteger em juízo, isto é, os fundamentos de fato do pedido” e os “Fundamentos jurídicos. Compõem a causa de pedir remota. É o que, mediatamente, autoriza o pedido. O direito, o título, não podem ser a causa de pedir próxima porque, enquanto não ameaçados ou violados, não ensejam ao seu titular o ingresso em juízo, ou seja, não caracterizam per se o interesse processual primário e imediato, aquele que motiva o pedido”508. Para fim de caracterização da identidade entre ações, é preciso que exista coincidência entre a causa petendi próxima e a remota. É mister coincidam os fatos e fundamentos jurídicos nas duas ações. É oportuno observar ser possível, embora isso exista raramente no sistema, que não ocorra rigorosamente identidade entre as ações, principalmente que não se verifique identidade dos possíveis pedidos, e, sem embargo disso, haja litispendência. É o caso das hipóteses do art. 500 do CC/2002, em que é possível pedir-se a rescisão do contrato, ou a diminuição do preço, ou, ainda, a complementação da área. Qualquer um desses pedidos produz litispendência para o outro, dado que, sendo formulado um, os demais são logicamente impossíveis de ser formulados. Na verdade, um pedido faz as
vezes do outro ou dos outros. Há brocardo antigo que reza: “Eleito um caminho, dentre os possíveis, não é viável voltar-se atrás (electa una via, non datur regressus ad alteram)”509. Muito diferentemente, todavia, é a temática da coisa julgada e da litispendência no processo coletivo, de que é exemplo, no direito positivo, o Código do Consumidor. No sistema clássico ou individual para a caracterização da coisa julgada é irrelevante o resultado da demanda. Tratando-se de direitos individuais, portanto,
o
fenômeno
da
res
iudicata
incide
sobre
a
decisão,
independentemente de esta dar pela procedência ou não do pedido, tanto bastando que haja resolução do mérito. Já no Código do Consumidor operase a coisa julgada secundum eventum litis (art. 103, I e II, do CDC)510. Sendo improcedente ação versando direitos coletivos, pelo fundamento de insuficiência probatória, não se formará a coisa julgada material. Nisso está albergado um valor maior atribuído aos bens jurídicos cujas ilicitudes são perseguidas pelo Código do Consumidor e demais leis do processo coletivo. Podem ser apontados os seguintes aspectos quanto às ações coletivas: 1º) não ocorre a coisa julgada em face de julgamento desfavorável, se a improcedência houver sido decretada por insuficiência de provas, e, por isso mesmo, em face de nova prova511 poderá ser proposta novamente a mesma ação coletiva; 2º) isso quer dizer que o sistema jurídico, em face do alto valor atribuído ao bem, objeto de ação civil coletiva, somente admite que haja coisa julgada material quando resultar do processado, segundo o entendimento do juiz, que houve desempenho ou diligência exaustiva no campo da prova, mas, apesar disso, a ação foi julgada improcedente por não se ter logrado
demonstrar o ilícito a ferir o bem jurídico objeto de proteção. Sempre nessas hipóteses alcançando o indivíduo, tão só e exclusivamente, para beneficiá-lo. Por outro lado, a coisa julgada, na hipótese de improcedência, no plano da ação civil coletiva (disciplinada pelo direito do consumidor), não se projeta no plano do agir individual, exceto na hipótese do art. 94 combinado com o art. 103, § 2º, ambos do CDC. Na hipótese do art. 103, III (interesses e direitos individuais homogêneos), não se cogita da insuficiência de provas, para a não ocorrência da coisa julgada (diferentemente do que se passa nos incisos I e II do mesmo art. 103 do CDC). Mesmo que exista coisa julgada coletiva, cujo conteúdo da sentença haja sido o de improcedência, ela se circunscreve ao âmbito do processo coletivo, inibindo outra ação civil coletiva, o que resulta claro do § 1º do art. 103 do CDC, não a ação individual. Se o julgamento tiver dado a demanda coletiva como fundada, e, assim, com resultado erga omnes, quer isso dizer que os efeitos da sentença aproveitam a todos os possíveis beneficiários, dado que outra ação civil coletiva não pode ser proposta, e, conforme aduz Kazuo Watanabe “não há lugar para a concomitância de demandas individuais que objetivem o mesmo resultado prático”512, pela circunstância de que todos os beneficiários já terão suas esferas individuais satisfeitas. Neste caso, a coisa julgada erga omnes obsta ações individuais, justamente porque não há razão para que sejam propostas. No caso de demanda fundada (resultado positivo em favor do autor), a expressão erga omnes quer dizer que a sentença tem por finalidade atingir todos os beneficiários, como também afeta os legitimados, porque lhes veda a
propositura de outra ação civil coletiva, justamente porque, igualmente, não mais tem isso razão de ser. Se, na hipótese do inciso III do art. 103, se houver entendido que a demanda coletiva não era fundada (sem se cogitar de insuficiência de prova), essa coisa julgada afetará os legitimados do art. 82, que não poderão propor a ação coletiva novamente, mas poderão ser ajuizadas ações individuais, uma vez que a improcedência da ação civil coletiva não as prejudica. Conclusivamente, há de se acentuar terem os efeitos da sentença na ação civil coletiva o objetivo de afetar todos os implicados na situação objeto da ação coletiva. De outra parte, pelo valor tributado pelo ordenamento jurídico ao bem perseguido, só ocorrerá coisa julgada, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 103 (interesses difusos e coletivos stricto sensu), em duas situações: 1ª) no caso de procedência da ação; 2ª) quando ficar “evidenciada”, por instrução exauriente, a inexistência de lesão ao bem jurídico, isto é, quando se der pela improcedência, pura e simples. Ao reverso, na hipótese de não se ter logrado provar a lesão ao bem jurídico, mas entendendo o juiz que existe a possibilidade de prova que não foi produzida, e por esse fundamento dê pela improcedência, não se forma coisa julgada, sendo viável propor-se a mesma ação civil coletiva, desde que instruída com nova prova. Releva notar que, na hipótese de improcedência pura e simples da ação civil coletiva, só há obstáculo ao ajuizamento de ação civil coletiva, pois para as ações individuais esse efeito da improcedência, obstativo de agir, não ocorre (salvo a hipótese do art. 94 c/c o art. 103, § 2º, como já se disse). Registre-se que há uma interpretação com a qual não concordamos: se proposta uma ação civil pública que seja julgada improcedente, ainda que sem ser por insuficiência de provas, a sua eficácia se circunscreveria à não
possibilidade de propositura de outra ação civil pública, dado que o art. 103, § 3º, do CDC, admite subsequente ação civil coletiva, pois aí se lê que “os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16 (...) não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código (…)”. Isso significaria – textualmente, numa interpretação literal, ao menos – ser possível propor ação coletiva, sucessivamente à improcedência de ação civil pública. Nessa hipótese, segundo a posição que encampamos, ações coletivas serão obstadas, sendo possível apenas discutir a matéria individualmente. De outro lado, na hipótese do inciso III do art. 103 (interesses individuais homogêneos), a coisa julgada opera efeitos erga omnes apenas para beneficiar, isto é, em caso de procedência da ação. Quanto à temática da litispendência, nas ações civis coletivas (do Código do Consumidor), deve-se particularizar o que segue. Deve-se estabelecer um confronto entre o âmbito da coisa julgada erga omnes (incisos I e III) ou ultra partes (inciso II), quando ocorrem, nos termos do art. 103 do CDC. Se a lei se refere a coisa julgada destinada a beneficiar a coletividade ou o grupo, a categoria ou a classe, e, ainda, os titulares de interesses e direitos individuais homogêneos, nisto está, necessariamente, compreendido que os interesses destes ou as situações atinentes à sua esfera individual lá estão presentes. Não se pretende que situações transindividuais e indivisíveis se confundam com situações pessoais, mas estão naquelas implicadas. Se assim não fosse, não se poderia pretender que a sentença coletiva de procedência restasse revestida pela autoridade de coisa julgada erga omnes ou ultra partes.
À luz desse raciocínio, pareceria possível entenderem-se viáveis ações individuais virtualmente compreendidas no âmbito de ação civil coletiva, tal como disciplina o assunto o Código do Consumidor. Pois se há coisa julgada que atinge aqueles que poderiam propor tais ações individuais, ipso facto, nisso estaria compreendida a hipótese de ocorrência de litispendência, tendo em vista os princípios gerais do processo clássico, dentre os quais avulta o da simetria entre coisa julgada e litispendência, em grande escala. Não se pode, no entanto, pretender exista identidade de elementos constitutivos, se compararmos uma ação civil coletiva e uma ação individual, bastando, para tanto, verificar o pedido de uma e de outra, que nunca poderão ser nem mesmo simétricos, quanto mais idênticos. Ao lado disso, no entanto, a lei assumiu uma posição de política legislativa francamente incentivadora das ações coletivas, dado ter disposto, no art. 104, que as ações dos incisos I e II do parágrafo único do art. 81 (aos quais correspondem os incisos I e II do art. 103 e entendemos alcançar o inciso III) “não induzem litispendência para as ações individuais”. Vale dizer, o sistema é autônomo, salvo suspensão das ações individuais, se houver requerimento “no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva” (art. 104, in fine). Quer isso significar que o legislador estabeleceu um estímulo para a suspensão das ações individuais, mesmo porque, se julgada improcedente a ação civil coletiva, deverão prosseguir as ações individuais, que estavam, apenas, suspensas.
XI LITISCONSÓRCIO
1. Conceito Quando em uma mesma relação jurídico-processual há mais de um autor ou mais de um réu, em um mesmo polo ou em ambos, diz-se haver litisconsórcio. O litisconsórcio caracteriza-se, portanto, pela pluralidade de partes em pelo menos um dos polos da relação processual513. Quando há mais de um autor, diz-se haver litisconsórcio ativo; mais de um réu, litisconsórcio passivo. Se mais de um autor e mais de réu, o litisconsórcio diz-se misto. Em tais casos, havendo litisconsórcio misto, a legitimidade ad causam, ativa e passiva, há de ser aferida em relação a cada um deles. Porém, tenha-se presente que, se apenas um dos litisconsortes passivos for excluído do polo passivo da relação jurídica, prosseguindo o processo em relação aos outros, tratar-se-á de decisão interlocutória, ainda que possa eventualmente ter mesmo conteúdo subsumível às hipóteses do art. 487 do CPC/2015 (em que há resolução do mérito), impugnável, portanto, pelo recurso de agravo de instrumento (art. 1.105, inc. VII), tendo em vista o princípio da correspondência, informador do sistema recursal brasileiro.
É pertinente referir, neste passo, que a formação de litisconsórcio, seja no polo ativo, seja no polo passivo, depende, em princípio, do autor, como observa com pertinência Thereza Alvim: “Não foi concedida ao réu a possibilidade de formação do litisconsórcio. Acidentalmente, isso lhe vem sendo possível, quando do uso dos institutos da denunciação da lide ou do chamamento ao processo ou, então, em se tratando de litisconsórcio necessário”514. Com efeito, tratando-se de litisconsórcio necessário, poderá o réu suscitar tal matéria, que, além disso, poderá (rectius, deverá) ser objeto de pronunciamento ex officio pelo juiz. Ademais, em caso de denunciação da lide pelo réu, o denunciado assume a posição de litisconsorte do denunciante em relação ao autor (art. 128, I, do CPC/2015). Há que se observar que a pluralidade de partes se faz sentir de maneira mais nítida nas hipóteses de litisconsórcio simples, pois, em casos tais, é possível ao juiz proferir decisões distintas em relação aos vários litisconsortes. Deveras, em relação às hipóteses de litisconsórcio simples, prevalece o princípio da independência entre os litisconsortes, consagrado no art. 117 do CPC/2015. Já no caso de litisconsórcio unitário – conquanto haja diversos litisconsortes –, como o resultado deve ser igual para todos, há várias pessoas (= litisconsortes) que compõem o mesmo e idêntico papel de parte, falando-se mesmo, ou por isso mesmo, em parte única. Neste caso, a independência que existe no litisconsórcio simples não se faz presente, pois sob o regime da unitariedade os atos dos litisconsortes ativos aproveitam aos inativos como condição necessária para que a sorte desses litisconsortes unitários possa ser a mesma no plano da sentença e do direito material515. Voltaremos ao assunto com mais detença adiante. José Frederico Marques assim define o instituto: “O litisconsórcio é o
resultado da cumulação subjetiva de litígios, por atuarem vários autores contra um réu (litisconsórcio ativo); ou um autor contra vários réus (litisconsórcio passivo); ou vários autores contra vários réus (litisconsórcio misto)”516. Claro está que, nesse passo, em se falando de cumulação de litígios, não se está tratando de litisconsórcio unitário, onde há uma só lide a ser decidida pelo Estado-juiz517. 2. Diversidade de classificações O litisconsórcio comporta diversas e importantes classificações. Vejamos. 2.1 Litisconsórcio inicial e ulterior Se há litisconsórcio desde o momento da propositura da ação, diz-se inicial; caso contrário, ulterior. Como se verá adiante, há hipóteses em que não pode deixar de existir litisconsórcio, porque a lei assim o determina (litisconsórcio necessário simples e necessário unitário – art. 47). Nesses casos, o juiz deverá determinar a citação dos litisconsortes, caso eles não estejam presentes desde o início do processo, tratando-se, pois, de litisconsórcio ulterior, por defeito de formação precedente do processo. Em verdade, só se poderá falar em litisconsórcio ulterior se se tratar de litisconsórcio necessário. Vejamos, por exemplo, que, na hipótese de assistência litisconsorcial – de que trataremos adiante –, o caso é (teria sido) de litisconsórcio facultativo unitário. Neste caso, cada “litisconsorte” que pretender entrar depois de instaurada a relação processual, ainda que a lide seja tão “sua” quanto do “litisconsorte” que já atue no processo, não o fará mais como litisconsorte, mas como assistente litisconsorcial. Voltaremos a este ponto adiante. Houvemos por bem mencioná-lo neste momento apenas para fixar esta premissa importante, de
que litisconsórcio ulterior, como regra, só tem lugar em se tratando de litisconsórcio necessário. Registre-se, todavia, que, havendo denunciação da lide, o denunciado assume a posição de litisconsorte do denunciante, segundo preconiza o art. 127 do CPC/2015. Trata-se, todavia, de um litisconsórcio sui generis. Deveras, se a denunciação da lide for feita pelo réu, o autor da demanda não poderá voltar-se diretamente contra o denunciado. Arruda Alvim, a propósito, diz: “A função do denunciado, neste ângulo, é a de litigar conjuntamente com o réu-denunciante, no sentido de objetivar a improcedência da ação principal (...). Errôneo, pois, cogitar-se de o litisdenunciado poder ser condenado em face do autor”518. Há, entretanto, julgados no sentido de responsabilização direta do litisdenunciado, notadamente em casos de contrato de seguro, eis que, uma vez contestando a seguradora a ação, assume a posição de litisconsorte do denunciante e pode ser diretamente condenada519-520. Também no caso de chamamento ao processo, há litisconsórcio ulterior (hipóteses dos incisos I a III do art. 130 do CPC). Flávio Cheim Jorge, autor de excelente ensaio sobre o assunto, assim diz: “Com efeito, somente conseguimos vislumbrar a hipótese de litisconsórcio ulterior diante da existência de litisconsórcio necessário ou de chamamento ao processo; assim, somente haverá litisconsórcio facultativo ulterior nas hipóteses de chamamento ao processo”521. Há litisconsórcio ulterior, ainda, na hipótese do art. 101 do Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90). Não se trata do mesmo chamamento ao processo do Código de Processo Civil. Ocorre que o legislador entendeu por bem assegurar ao consumidor a prerrogativa de acionar diretamente a seguradora, o que, pela denunciação da lide, segundo o entendimento por
assim dizer clássico, seria inviável (conquanto tal possibilidade venha sendo admitida em diversos julgados, consoante exposto anteriormente). Daí que, como expõe com notável oportunidade Fredie Didier Jr., “o CDC optou por rotular a intervenção, que seria denunciação da lide, de chamamento ao processo, para permitir que o consumidor possa executar a sentença diretamente contra a seguradora (CPC, art. 80)”522. 2.2 Litisconsórcio necessário e facultativo O litisconsórcio, além disso, comporta outra classificação – de extrema importância prática –, conforme o grau de liberdade que a lei defira ao autor de formá-lo, ou não. Há hipóteses, previstas no art. 114 do CPC/2015, em que o autor é obrigado a acionar todos os litisconsortes (litisconsórcio necessário passivo), e outras, previstas no art. 113 do CPC/2015, em que o litisconsórcio pode ou não ser formado (litisconsórcio facultativo). Questão de alta indagação, sobre a qual nos deteremos com mais vagar adiante, consiste em saber se existe o litisconsórcio necessário ativo, ou se tal figura colidiria com a liberdade de alguém escolher se quer ou não demandar, que, de seu turno, deitaria raízes no texto constitucional. Ainda que exista liberdade de formação do litisconsórcio nas hipóteses do art. 113, deve haver sempre enquadramento na lei. Assim, no plano do litisconsórcio facultativo – que é onde se manifesta essa liberdade –, deverão ser sempre respeitados os elementos constitutivos e constantes dos modelos legais previstos no art. 113, no sentido de que, fora dessas hipóteses, e ainda que se pretenda a formação de litisconsórcio facultativo, é inviável pretender instaurá-lo, pois inexistente a previsão da lei. Se na formação do litisconsórcio verificar-se a ausência de adequação ao modelo da lei, em qualquer dos casos do art. 113, não haverá como ser admitido523.
Existe, pois, liberdade de formação do litisconsórcio facultativo dentro do âmbito possível dos modelos legais (art. 113, I a III). Ademais, sistematicamente, devem ser respeitados determinados princípios. Em relação ao litisconsórcio facultativo podemos citar que a sua razão primordial de ser radica-se no princípio da economia processual, e o seu caráter não obrigatório assenta-se no princípio dispositivo524. Enquanto o litisconsórcio necessário é formado independentemente da vontade das partes, por força de lei ou, ainda, tendo em vista as características específicas da lide, o litisconsórcio facultativo pode ou não ser formado. 2.3 Litisconsórcio unitário e simples Além de comportar a divisão entre necessário e facultativo, o litisconsórcio apresenta outra importantíssima classificação, quanto à sorte no plano do direito material, podendo ser unitário ou simples. Se os litisconsortes tiverem de ter a mesma sorte no plano do direito material, a hipótese é de litisconsórcio unitário; se, todavia, houver possibilidade de a sorte no plano do direito material ser distinta para cada qual dos litisconsortes, o caso é de litisconsórcio simples. Observe-se bem que basta a mera possibilidade de o desfecho da demanda ser distinto para cada qual dos litisconsortes para que não se esteja diante de hipótese de litisconsórcio unitário. Não basta, pois, que a solução provavelmente venha a ser a mesma para os litisconsortes – é preciso que não se possa conceber a possibilidade de solução distinta para os litisconsortes, para que de litisconsórcio unitário se trate. Dessa distinção decorrem importantíssimas consequências de ordem prática, eis que às hipóteses de litisconsórcio unitário, exatamente porque a lide é única, não se aplica o já mencionado
princípio da independência entre os litisconsortes, estampado no art. 117 do CPC/2015. Na verdade, como ensina Arruda Alvim, tal regra (do art. 117) “há de ser aplicável, só pela metade, ao litisconsórcio unitário em que, também, os atos de uns não prejudicarão os outros; mas, ao reverso, em que os atos benéficos (úteis, ativos) de um (uns) aproveitarão ao (s) outro (s)”525. 2.4 Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo Alguns setores da doutrina admitem o chamado litisconsórcio eventual. É o que ocorre quando são formulados dois pedidos contra duas pessoas distintas com amparo no art. 326, que trata da cumulação eventual de pedidos526. De acordo com Araken de Assis, pode haver litisconsórcio eventual e alternativo “no polo ativo ou no passivo e baseiam-se, confessadamente, em dúvida dos litisconsortes quanto à respectiva legitimidade. Por exemplo: um ou mais autores propõem demanda, contra dois ou mais réus, expondo a própria dúvida acerca das suas legitimidades, e, por isso, pedem a procedência perante apenas um dos demandados, justamente aquele que, consoante a conclusão do órgão judiciário, é o legitimado527. E continua Araken de Assis, baseando-se em Cândido Rangel Dinamarco: “O cúmulo subjetivo sempre implica em cúmulo objetivo, autorizando o art. 289 [do CPC/73, atual 326 do CPC/2015] dois ou mais autores a pedir provimento, perante o(s) adversário(s) comum(ns), fundado naquela dúvida, de modo que a improcedência da primeira ação implique a possibilidade de julgar a segunda, e assim por diante, decidindo o juiz qual(is) o(s) autor(es) ou o(s) réu(s) legitimados. (...). Tudo recomenda a admissibilidade dessas figuras nada ortodoxas de litisconsórcio. É acontecimento banal as questões acerca de legitimidade exigirem prolongada investigação e, às vezes, resolução
segura só se alcança mediante deliberação do juiz. De resto, conforme assinalou Cândido Rangel Dinamarco, propostas separadamente as ações, os processos acabariam reunidos por conexão”528. Ainda, de acordo com o autor, é um fenômeno que ocorre normalmente no polo passivo da demanda529, pois o autor “sempre revela preferência por um dos réus, e, assim, natural e imperceptivelmente escalona suas ações, estabelecendo uma ordem implícita ou explícita para o juiz examinar primeiro uma e depois outras demandas”530. Havendo litisconsórcio eventual, caso seja julgada improcedente a ação em relação a um dos réus, o juiz apreciará o pedido formulado contra o outro litisconsorte passivo. Segundo Fredie Didier Jr., no litisconsórcio eventual “é possível cogitar a formulação de uma cumulação de pedidos, em que cada pedido é dirigido a uma pessoa, mas o segundo pedido somente possa ser examinado se o primeiro não puder ser atendido”531. Isso não quer dizer, todavia, que ambos os pedidos não possam ser julgados improcedentes. Cândido Rangel Dinamarco, antes do advento do Código Civil de 2002, abordava interessante hipótese de litisconsórcio eventual expressa no direito positivo brasileiro, nos arts. 1.116 do CC/16, hoje art. 456 do CC, e art. 70, I, do CPC/73, atual 125, inc. I, do CPC/2015. Dizia o autor: “No clássico exemplo de ação reivindicatória, pode recear o autor um insucesso por não pertencer ao seu vendedor a gleba descrita na escritura, cabendo-lhe então denunciar a lide a ele, para forrar-se dos riscos da evicção (CC, art. 1.116; CPC, art. 70, I). Essa denunciação, feita logo no momento de formação do processo (art. 71), terá nítido sabor de demanda que é movida ao alienante, com o pedido de sua condenação a indenizá-lo pela evicção sofrida, in eventum de não ser julgada procedente a ação reivindicatória”532. Fredie Didier Jr., na mesma linha, admite expressamente o litisconsórcio
eventual533. É a posição que nos servimos de acompanhar. Além do litisconsórcio eventual, há que se mencionar outra hipótese de litisconsórcio admitida por Cândido Rangel Dinamarco534, Fredie Didier Jr.535 e Araken de Assis536. Trata-se do litisconsórcio alternativo. Este ocorre quando o autor formula diferentes pedidos contra diferentes réus, não expressando qualquer preferência em relação a qualquer dos pedidos formulados contra os diferentes réus. É o que sucede, diz Cândido Rangel Dinamarco, na hipótese da ação de consignação em pagamento calcada no art. 547, quando a razão de ser do ajuizamento da consignatória é justamente a de que há dúvida sobre quem deva receber o pagamento537. O litisconsórcio alternativo, segundo Araken de Assis, normalmente ocorre no polo ativo, eis que, “se a dúvida reside no polo ativo, os diversos autores excluem-se reciprocamente, por definição, e, dessa maneira, estabelece-se a alternância que denuncia o litisconsórcio alternativo”538. Isso, porém, não impede a ocorrência de litisconsórcio alternativo no polo passivo, como o exemplo acima colacionado por Cândido Rangel Dinamarco, da ação de consignação em pagamento calcada no art. 547. Quanto ao litisconsórcio alternativo no polo ativo, confira-se o seguinte exemplo de Cândido Rangel Dinamarco: “Duas ou diversas pessoas jurídicas, componentes do mesmo grupo econômico, que se envolvem em negócios múltiplos e complexos, de forma tão intrincada que ao fim não se sabe bem a qual entre elas é devedor o terceiro que com elas contratou. Ocorre séria dúvida a respeito, que talvez só será possível dirimir com a instauração do processo e análise de documentos em poder da outra parte. A vontade do direito no caso é uma só; só perante uma dessas pessoas jurídicas é obrigada a pessoa que participou dos negócios. Um só é o contexto de fato, caracterizando-se, por aí, a conexidade
entre as duas ou mais demandas, que porventura viriam tais empresas a ajuizar, cada uma de per si. Essa conexidade justifica plenamente o ajuizamento simultâneo das pretensões das diversas pessoas jurídicas, para que o juiz acolha apenas uma delas, ou seja, aquela que lhe parecer fundada, sendo partes ilegítimas as demais autoras. Tratar-se-á de litisconsórcio alternativo ativo, fundado na identidade de causas de pedir entre as demandas de cada um dos autores (art. 113, II)”539. 2.5 Litisconsórcio sucessivo No capítulo destinado ao estudo da petição inicial trataremos das diversas modalidades de cumulação de pedidos. Dentre as aludidas modalidades, há a possibilidade de cumulação de pedidos propriamente dita (art. 327), que pode ser simples, se o acolhimento de um dos pedidos não interferir no acolhimento (ou rejeição) do outro (por exemplo, cobrança de dívida oriunda da venda da mercadoria a e cobrança decorrente da venda da mercadoria b); ou sucessiva, quando o acolhimento de um pedido supuser o do anterior (por exemplo, rescisão contratual e perdas e danos – as perdas e danos só terão sentido se rescindido o contrato). Em uma ou outra hipótese, todavia, diferentemente do que sucede no caso do art. 326 (que trata da cumulação eventual de pedidos), o autor colima obter os dois pedidos. Já no caso do art. 326, o autor formula um pedido subsidiário, para ser acolhido caso não o seja o pedido principal. Tendo em vista a possibilidade de cumulação sucessiva de pedidos (o segundo pedido só poderá ser acolhido se o primeiro também o for), Araken de Assis diz ser possível a existência de litisconsórcio sucessivo. O autor afirma, a nosso ver, com razão, que há litisconsórcio sucessivo quando “a ação de um dos litisconsortes assume caráter prejudicial, relativamente à ação
do outro”540. Araken de Assis fala em litisconsórcio sucessivo na hipótese de mãe e filho, conjuntamente, ajuizarem ações de alimentos e de ressarcimento das despesas de parto com fundamento no art. 113, II541-542. Há nesse caso, diz o notável autor gaúcho, “caráter prejudicial de uma em relação à outra. O juízo de procedência da ação de alimentos pressupõe a obrigação do pai quanto às despesas, pois, na raiz do dever de prestar alimentos, se situa a paternidade que, desenganadamente, não se pôs em causa”543. Continua o notável autor afirmando que “a sentença de mérito deliberará sobre o nexo de dependência. Para evitar confusão de termos, convém notar que o caráter sucessivo do litisconsórcio se prende ao nexo das ações, e não ao momento da intervenção do litisconsorte”544. Em interessante julgado relatado pelo Min. Barros Monteiro, o STJ decidiu, sob a vigência do CPC/73, ser possível a existência de litisconsórcio sucessivo. Em referido julgado, decidiu-se ser possível ao autor pedir a reivindicação do bem de um dos corréus como consequência da declaração de nulidade de ato jurídico praticado pelo outro corréu545. 3. Limitação do número de litisconsortes Os §§ 1º e 2º do art. 113 admitem que o juiz limite a formação do litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando “este [litisconsórcio] comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento de sentença”. De fato, em algumas hipóteses, o excesso de litigantes compromete a rápida solução do litígio e pode dificultar a defesa. Por evidente, referido preceito só logra obter aplicabilidade em hipótese de litisconsórcio
facultativo, não se aplicando aos casos de litisconsórcio necessário, seja porque referida regra vem insculpida no § 1º do art. 113, que cuida da figura do litisconsórcio facultativo, seja porque seria mesmo impensável – verdadeiramente incompatível com a natureza do instituto – cogitar-se da limitação do litisconsórcio em caso de necessariedade. Antes mesmo de haver previsão expressa na lei, seja na vigência do CPC/73 (alterado pela Lei n. 8.952/94), seja pelo CPC/2015, já havia algumas decisões isoladas que admitiam a limitação do número de litisconsortes. O que se tinha como base e critério para desmembrar a demanda era o conceito vago que já se encontrava no art. 139, I, de cujo comando se recolhia o entendimento de que se impunha ao juiz que inadmitisse o litisconsórcio quando a admissão prejudicasse a parte contrária; mais ainda, quando entendesse que, além disso, a própria atividade jurisdicional resultaria prejudicada546. O STJ já decidiu, sob a égide do CPC/73, com inteiro acerto, no sentido de que, se há prova pré-constituída, não havendo dúvida quanto aos fatos, não é caso de se limitar o número de litisconsortes: “Limitação do litisconsórcio ativo. Diante da prova pré-constituída em relação a todos os impetrantes, pelo reconhecimento administrativo, não há falar-se em dificuldade carreada pelo número de litisconsortes, pois a matéria é somente de adequação da lei ao fato”547. Assim, o que se tem é que, em linha de princípio, em se tratando de hipótese de litisconsórcio facultativo, compete ao autor decidir contra quem irá demandar ou, ainda, se haverá litisconsórcio facultativo ativo. Porém, o juiz, visando à rápida solução do litígio e objetivando não dificultar a defesa do réu, poderá limitar o número de litisconsortes: “O juiz pode determinar a
limitação dos litisconsortes ativos facultativos, em benefício do bom andamento do processo e de facilitar a defesa. Não tendo a parte cumprido tal determinação e sem impugnar, a tempo e modo, preclui o direito de recorrer da sentença posterior sobre a mesma matéria”548. Importante atentar para a circunstância de que a limitação contemplada pela lei vigente difere da recusa prevista no regime anterior do CPC/39(art. 88), em que se admitia a recusa, pura e simples. Pelo § 1º do art. 113, o juiz poderá limitar o número de litisconsortes, desde que presentes os requisitos ali estampados, isto é, se o excessivo número de litisconsortes puser em risco a rápida solução do litígio, comprometendo o andamento célere do processo. Deve ter influência na deliberação do desmembramento dos processos o grau de proximidade existente entre as causas dos diversos litisconsortes. O que se quer dizer é que, na hipótese do inciso I do art. 113, o juiz deverá limitar o número de litisconsortes com mais cuidado do que no caso do inciso III do mesmo texto. Essa variação existente no art. 113 deve, pois, ser um referencial para o agir do juiz, ainda que, se este entender adequado, possa determinar o desmembramento mesmo na hipótese do inciso I549. A lei não prevê ou estabelece um número de litisconsortes para que o juiz imponha restrições, deixando certa margem de liberdade para que ele, à luz das peculiaridades do caso submetido à sua apreciação, possa decidir. Na verdade, caberá ao juiz aferir, no caso concreto, qual deverá ser a limitação imposta e, mais do que isso, se é o caso de impor qualquer limitação, pois tal decisão irá depender das características do caso em questão550. A limitação do número de litisconsortes haverá de ser aplicada em casos excepcionais, se, por exemplo, houver necessidade de instrução probatória muito específica para cada qual dos litisconsortes, de modo a causar
verdadeiro tumulto processual. Por isso mesmo, conforme já dissemos linhas atrás, já se decidiu com inteiro acerto que não há espaço para limitação do número de litisconsortes, se há prova pré-constituída, não se fazendo, pois, presentes as causas de limitação previstas no mencionado § 1º do art. 113 do CPC/2015551. Tem-se, então, que, se a produção de provas aproveitar a todos os litisconsortes, há um indicativo de que não se trata de hipótese à qual o art. 113, § 1º, do CPC/2015 deva ser aplicado. Deveras, os parâmetros que devem nortear o magistrado para determinar a limitação do litisconsórcio facultativo são o comprometimento da rápida solução do litígio ou eventual dificuldade do direito de defesa, tendo em vista a pluralidade de litisconsortes. Assim, se a produção de provas aproveitar aos interesses de todos os litisconsortes, temse que não apenas não haverá qualquer comprometimento, com isso, ao direito de defesa, como a preservação do litisconsórcio contribuirá para a rápida solução do litígio e evitará a proliferação de demandas similares, levando à economia de atividade jurisdicional, obstando, ainda, decisões logicamente contraditórias, que, se de um lado são toleradas pelo sistema processual, devem ser evitadas. Observe-se, quanto a este último ponto – decisões logicamente contraditórias –, que o sistema convive com decisões dessa natureza, mas, sem prejuízo, oferece instrumentos para que elas sejam evitadas. Isso porque, conquanto tal possibilidade (de decisões logicamente contraditórias) seja bem compreendida por técnicos em direito, usualmente não são bem aceitas pelo leigo, o que pode, em última análise, conduzir ao desprestígio da Justiça. Quando tratamos da competência, estudamos o instituto da conexão (art. 55) que deve (rectius, pode, conforme o grau de interferência recíproca)
conduzir à reunião de causas (art. 57) para que sejam julgadas perante o juízo prevento (arts. 58 e 240, conforme a hipótese de que se trate). Da mesma forma, a preservação do litisconsórcio facultativo, desde que não ocorrentes as hipóteses previstas no § 1º do art. 113, contribui para esse intento, pois, se de litisconsórcio facultativo se tratar, estar-se-á, no mínimo, diante de hipótese em que há afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito (art. 133, inc. III), havendo potencial risco de decisões logicamente contraditórias, caso não se aceite a formação do litisconsórcio. Quer, com isso, significar que a possibilidade de limitação do número de litisconsortes, prevista no § 1º do art. 113 do CPC/2015, deve ser utilizada com extrema cautela. A possibilidade de demandar contra um ou mais réus ao mesmo tempo, ainda que não se trate de litisconsórcio necessário, ou de dois ou mais autores, potencialmente titulares de direitos similares, ajuizarem em litisconsórcio ativo determinada demanda, é extremamente salutar e atende, a um só tempo, a dois anseios: (1) evita a proliferação de demandas similares, com evidente economia de atividade jurisdicional, e (2) como consequência disso, contribui para evitar decisões logicamente contraditórias. Se, todavia, a formação do litisconsórcio facultativo puder comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar o direito de defesa, então, nesses casos, o legislador autorizou que se proceda ao desmembramento do litisconsórcio facultativo, pois estão em pauta valores mais elevados, na medida em que hoje, mais e mais, se identifica o princípio insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal – amplo e irrestrito acesso ao Judiciário – com a ideia de celeridade da justiça (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), e, além disso, não se deve perder de vista que o direito de defesa foi especialmente considerado pelo constituinte de 1988, haja vista ter ele erigido o respeito ao contraditório
e ampla defesa no processo penal e civil, bem como nos procedimentos administrativos, à altura de verdadeiro dogma constitucional (art. 5º, LV, da CF/88). Devemos ter presente, neste passo, que todos os princípios mencionados, tais como o da ubiquidade (art. 5º, XXXV, da CF/88), o da razoável duração do processo e celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF/88) e, por fim, o do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88) constituem implicações necessárias de outro princípio, maior, também expressamente albergado pelo constituinte, que é o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Observe-se, por fim, que, se houver desmembramento do litisconsórcio facultativo, nem por isso se haverá de falar em ilegitimidade de parte. Apenas haverá desmembramento do processo originário em processos distintos, mas de ilegitimidade ad causam (ativa ou passiva) não se tratará. Thereza Alvim chama a atenção para o fato de que cabe ao juiz a decisão acerca da necessidade de limitar o número de litisconsortes na ação, independentemente de pedido das partes, mas “nada impede, porém, que uma parte, sentindo-se prejudicada em seu atuar, em face de tumulto processual, por exemplo, requeira ao juiz seja limitado o número de litisconsortes, interrompendo-se o prazo para resposta”552. O § 2º do art. 113 prescreve que o pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça (por inteiro) da intimação da decisão, acolha ou não esta o pedido de limitação. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, sob a vigência do CPC/73, “ao conferir ao pedido de limitação do litisconsórcio o efeito de interromper o prazo para responder à inicial, o novo parágrafo do art. 46 [CPC/73, atual § 2º do art. 113 do CPC/2015] deixa claro que pretende
seja ele deduzido logo após a citação, sob pena de precluir a faculdade de fazê-lo. (...) essa é uma preclusão que atinge somente as partes: apesar de ter permitido a formação do litisconsórcio muito numeroso ou de, num primeiro tempo, haver indeferido o desdobramento que uma das partes lhe requereu, pode o juiz a qualquer tempo (antes de proferida a sentença), e até mesmo ex officio, mandar que o processo se desdobre sempre que isso seja considerado essencial para o exercício da jurisdição”553. Para Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, o juiz poderá agir de oficio em caso de “comprometimento da rápida solução do litígio”, ao passo que, com relação à hipótese normativa consistente na ocorrência de “dificuldade da defesa”, temse que o pronunciamento judicial depende de requerimento expresso da parte, que deve ser deduzido no prazo de defesa554. Fredie Didier Jr. entende que, no caso de comprometimento à rápida solução da demanda, o magistrado pode limitar ex officio o número de litisconsortes555. Todavia, talvez seja um pouco difícil de conceber, na ordem prática, uma hipótese em que o litisconsórcio pudesse comprometer, apenas, o direito de defesa, mas não a rápida solução do litígio. Se o litisconsórcio gera tumulto, porque cada litisconsorte haja de deduzir defesa particular que não diz respeito aos demais e de provar fatos que tampouco atinem com os outros litisconsortes, em última análise se estará diante de litisconsórcio que põe em risco a rápida solução do litígio. Por isso, parece-nos que há, na verdade, ampla margem de possibilidades para o agir oficioso do juiz na hipótese do § 1º do art. 113, não se podendo, por isso, falar em caso, no prazo de defesa, não se peça o desmembramento do litisconsórcio556. A esse respeito, Cassio Scarpinella Bueno diz com pertinência: “Justamente porque estes elementos são nitidamente de ordem pública –
guardam eles relação, em última análise, com os poderes de direção do magistrado – é que o juiz deve, quando for o caso, limitar, por um ou por outro motivo, o litisconsórcio. Decorre deste dever do magistrado o entendimento de que somente caso a caso é que a limitação do litisconsórcio poderá ser aferida (...). Considerando a razão de ser do dispositivo e a circunstância de os princípios regentes do direito processual civil comportarem mitigações no caso concreto para assegurar a realização de outros princípios, é correto o entendimento de que o juiz pode, de ofício, isto é, mesmo sem provocação da parte, limitar o número de litisconsortes”557. Thereza Alvim, nesse sentido, ao discorrer sobre a alteração trazida pela Lei n. 8.952/94 ao CPC/73, que introduziu o parágrafo único no art. 46 do CPC/73, atual §§ 1º e 2º do art. 113 do CPC/2015, observou que “essa disposição ficou clara e correspondendo a uma necessidade de o magistrado, que conduz o processo, poder discipliná-lo, objetivando a melhor distribuição de justiça. (...). À primeira vista, pode parecer que se faz necessário pedido para que o juiz limite o número de litisconsortes, desde que o parágrafo cuida da interrupção do prazo de resposta a partir do pedido. Todavia, trata-se de norma com conteúdo vago, que só se concretiza através do decisum. Entendendo, pois, o magistrado ser preciso limitar os litisconsortes facultativos simples, pode limitá-los, pois o critério dessa necessidade é só dele. Nada impede, porém, que uma parte, sentindo-se prejudicada em seu atuar, em face do tumulto processual, por exemplo, requeira ao juiz seja limitado o número de litisconsortes, interrompendo-se o prazo para resposta”558. Em última análise, são motivos de ordem pública que inspiraram o legislador a adotar as regras dos §§ 1º e 2º do art. 113 do CPC/2015, cujo
reconhecimento é verdadeiramente incompatível com a ideia de preclusão. Aliás, não por outro motivo, mesmo antes de previsão legal expressa no Código de Processo Civil, como já mencionamos acima, havia alguns julgados que já admitiam a limitação do número de litisconsortes com base em preceito genérico, insculpido no inciso II do art. 139, acima referido, segundo o qual compete ao juiz “velar pela duração razoável do processo”. É o que se lê do seguinte trecho de ementa de julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, proferido sob a vigência do CPC/2015: “A jurisprudência dos nossos Tribunais, desde antes da edição da Lei n. 8.952/94 – que acrescentou o parágrafo único do art. 46 do CPC – e amparada na disposição do art. 125, II, do CPC, (...) sempre foi no sentido de que cabe ao julgador decidir sobre a conveniência, ou não, de um excessivo número de litigantes facultativos no polo ativo da demanda”559. 4. Hipóteses de litisconsórcio facultativo e necessário Passa-se a examinar, neste diapasão, mais detidamente, a figura do litisconsórcio facultativo, em contraposição àquela do litisconsórcio necessário. 4.1 Litisconsórcio facultativo O litisconsórcio facultativo, segundo Thereza Alvim, “é aquele constituído pela vontade das partes, submetidas, tão somente, ao limite da compatibilidade de pedidos, de ritos e, evidentemente, às regras que disciplinam a competência”560. As hipóteses de litisconsórcio facultativo encontram-se estampadas no art. 113, incisos I a III, do CPC/2015. Caberá ao autor, em casos tais, decidir pela formação (ou não) do
litisconsórcio passivo, desde que a configuração concreta se afeiçoe às hipóteses normativas do art. 113. A vontade do réu ou dos réus, enquanto tal, no sistema atual, não tem influência na possibilidade de formação do litisconsórcio561. Por outro lado, dois ou mais litisconsortes, nos casos do art. 113, integrarão o polo ativo da relação processual apenas se quiserem, desde que nada haja que os impeça de litigar separadamente. O inciso I trata de hipótese em que há comunhão de direitos ou obrigações, relativamente à lide. Se entre duas ou mais pessoas houver comunhão de direitos e obrigações relativamente à lide, poderão litigar em litisconsórcio. Cândido Rangel Dinamarco ensina que a comunhão em direitos ou em obrigações “é uma espécie potenciada e particularmente intensa de conexidade entre demandas”562. A respeito da comunhão de direitos e obrigações relativamente à lide, todavia, Thereza Alvim chama a atenção, em lição que nos servimos de acompanhar, para o conceito de “lide” utilizado no art. 113, eis que não se pode dizer que a lide, no caso, seja o pedido, pois seria inviável pensar em comunhão de direitos e obrigações relativamente ao pedido. Para a autora, “comunhão de direitos e obrigações só pode existir em relação ao direito material, consequentemente, no processo, em relação à causa de pedir”563. A adoção do litisconsórcio, neste caso, evita que sejam proferidas decisões logicamente contraditórias, além de facilitar a produção de provas, que devem ser as mesmas, contribuindo para a economia e a celeridade processual. Na hipótese de haver solidariedade passiva, por exemplo, o autor poderá escolher contra qual dos réus irá demandar, podendo incluir no polo passivo
da demanda um, alguns ou todos os devedores (litisconsórcio facultativo passivo), como se observa pelo disposto no art. 275 do Código Civil. Outro exemplo diz com a ação renovatória (ação referente às locações de imóveis não residenciais), que poderá ser proposta seja pelo sócio – titular da locação –, seja pela sociedade, titular do fundo de comércio, ou por ambos. É o que se infere do disposto no art. 51, § 2º, da Lei n. 8.245/91. O inciso II do art. 113, trata das hipóteses em que há conexão pelo objeto ou pela causa de pedir. O art. 55 do CPC/55 estatui que se consideram as causas conexas quando lhes for comum o objeto (pedido) ou a causa de pedir. Nessas hipóteses, as causas poderão ser reunidas, de ofício ou a requerimento das partes, segundo o art. 57. Ora, se as causas podem ser reunidas, nada mais natural que se enseje a oportunidade de formação, desde o início, do litisconsórcio facultativo previsto no inciso II do art. 113. Claro está que o fato de parte da doutrina defender a dispensabilidade do inc. II previsto no art. 46 do CPC/73, culminou na sua supressão no CPC/2015, por entender-se pela suficiência do atual inciso II desse art. 113, uma vez que aquele ao dispor sobre “direitos ou as obrigações [que] derivam do mesmo fundamento de fato ou de direito”, se estaria presente dos mesmos fundamentos de pedido e pela causa de pedir564. A hipótese contemplada no inciso III do art. 46 do CPC/73, porém, é mais ampla do que aquela prevista no inciso II, do mesmo artigo do referido Código, desde que abrange também a conexão pelo objeto565. Finalmente, o inciso III contém verdadeira norma de encerramento, e trata de hipótese muito ampla, permitindo a formação do litisconsórcio diante de mera afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
Na verdade, quer referido dispositivo significar que poderá haver litisconsórcio desde que haja afinidade de fundamentos fáticos ou de direito, pelo que haveria igualmente afinidade nas provas a serem produzidas. Para se caracterizar essa afinidade basta que ela ocorra “por um ponto comum de fato e de direito” (inciso III do art. 113). O que se percebe, partindo-se do inciso I em direção ao inciso III, é que, em face do inciso I, pode-se dizer ser muito grande a proximidade das causas, liame esse que se esvanece na direção do inciso III, em que o elo de ligação das causas é muito rarefeito. Na verdade, quer o inciso III do art. 113 significar que poderá haver litisconsórcio desde que haja afinidade de fundamentos fáticos ou de direito, até por um só ponto comum. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “tal afinidade é liame menos intenso que a conexidade, caracterizado pela mera existência de algum quesito comum de fato ou de direito, o qual, aparecendo em todas as causas de pedir (ainda que implicitamente), se apresenta como uma das premissas necessárias para a decisão da causa”566. Arruda Alvim567 apontou algumas hipóteses fáticas que se enquadram na regra do inciso III. Eis algumas delas: a invasão, por gado pertencente a vários proprietários, de uma fazenda; hipótese de naufrágio, com perda de mercadoria, demandando-se em conjunto as várias seguradoras; dono de prédio incendiado que reclama, numa só ação, o valor do seguro de duas companhias que o seguraram, conquanto as apólices sejam diversas e independentes. Outro interessante exemplo é referido por Ovídio Baptista da Silva, ao mencionar a “ação de cobrança de encargos condominiais proposta pelo administrador do condomínio contra dois ou mais condôminos”568. Figure-se, ainda, outra hipótese aplicável ao inciso III do art. 113 do CPC:
dois
funcionários
impetram
mandado
de
segurança
contra
atos
administrativos sancionatórios distintos, mas exarados com base no mesmo procedimento administrativo, que apurava faltas cometidas por esses mesmos dois funcionários, no qual não foi observado o princípio do contraditório569. Em qualquer das quatro hipóteses previstas no art. 113, o juiz, ao receber a inicial, avaliará a adequação do litisconsórcio ao caso concreto e, verificando que o instituto foi utilizado indevidamente, como expõe Thereza Alvim, compete ao juiz “indeferir a petição inicial, onde tenha sido indevidamente usado o instituto do litisconsórcio, qualquer que seja a hipótese deste”570. O litisconsórcio facultativo poderá ser simples ou unitário. A regra geral é a de que o litisconsórcio facultativo deve ser simples. Todavia, excepcionalmente pode-se falar em litisconsórcio facultativo unitário. Cândido Rangel Dinamarco, com percuciência, explica: “São casos de litisconsórcio unitário não necessário (facultativo) todas as causas para as quais a lei estabelece uma legitimidade extraordinária concorrente – mais de um sujeito é autorizado a atuar em juízo, cada um deles em nome próprio, mas todos no interesse de um mesmo terceiro. A lei não exige que atuem em conjunto, o que significa que não é necessário o litisconsórcio entre eles: só proporão a demanda em conjunto se assim preferirem. Mas é absolutamente único o objeto da demanda de cada um deles, sendo um só o substituído: todos são substituídos processuais de um substituído só. Por isso, se optarem por atuar conjuntamente, esse litisconsórcio será unitário, não obstante facultativo”571. Os exemplos de litisconsórcio facultativo unitário são denominados pela doutrina espanhola e italiana de “litisconsórcio quase necessário”, como explica Ovídio Baptista da Silva572, e, nessas hipóteses, a coisa julgada atinge não apenas o(s) litisconsorte(s) que tenha(m) integrado a
relação processual, mas também os que não o fizeram, embora pudessem têlo feito, excepcionando a regra geral do processo individual, insculpida na parte inicial do art. 506 do CPC/2015, consistente em que a coisa julgada atinge apenas as “partes entre as quais é dada [a sentença], não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. 4.2 Litisconsórcio necessário Passa-se, nesse contexto, a examinar com mais detalhes a figura do litisconsórcio necessário. O litisconsórcio, diz o art. 114, poderá ser necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para as partes. Indagação da mais alta relevância consiste em saber se seria possível falar em litisconsórcio necessário ativo. O art. 114 alude à necessidade de citação dos litisconsortes necessários. Poderia ser considerada, a referência ao termo “citação”, como indicativo de que o sistema não contempla a figura do litisconsórcio necessário ativo? Há que se considerar, para responder corretamente a essa indagação, o âmbito do princípio dispositivo que, embora algo mitigado hoje em dia, continua ocupando papel de relevo dentro do processo civil. Parece-nos, de fato, que a figura do litisconsórcio necessário ativo não se compatibiliza com mencionado princípio dispositivo. Por outro lado, não se poderia conceber, por exemplo, que o comprador ficasse obstado de ir ao Poder Judiciário postular anulação do contrato de compra e venda porque seu condômino não quer ir a juízo. Todavia, temos para nós que o outro condômino, nesse caso, pode assumir
uma posição contrária à do condômino que moveu a ação, pretendendo, por exemplo, defender a higidez do instrumento contratual. O condômino que não moveu a ação não pode deixar de integrar a relação processual, mas não necessariamente há de figurar no polo ativo. Na verdade, basta que seja citado para integrar a relação jurídica processual. Desde que validamente citado, pode vir a integrar o polo ativo, ou, ao contrário, pode defender o negócio jurídico celebrado, como, ainda, pode abster-se, não comparecendo ao processo. Desde que tenha sido validamente citado, mesmo que não compareça ao processo, não há falta de pressuposto processual de validade, como ocorreria caso o litisconsorte necessário não tivesse sido citado. Segundo Thereza Alvim, em posição mais ou menos conforme, a “necessariedade foi estabelecida tanto para o polo passivo da relação processual, quanto para o ativo. A adoção, pelo nosso sistema jurídico do princípio dispositivo, não impede o estabelecimento da necessariedade no polo ativo, pois o princípio vige na medida de sua adoção pelo sistema. Também, esse princípio cede lugar ao se defrontar com princípios outros de maior relevância. Por força da Constituição Federal é insuprimível o direito de submeter uma lesão ou ameaça de lesão à apreciação do Poder Judiciário, pelo que alguém não pode ficar impedido de acionar a jurisdição porque o cotitular da afirmação de direito não o quer”573. Já decidiu o STJ, a propósito, sob a vigência do CPC/73, pela possibilidade, em hipóteses excepcionais, de formação de litisconsórcio necessário ativo, sob pena de limitação ao direito constitucional do livre acesso ao Judiciário: “Processo civil. Litisconsórcio ativo necessário. Exceção ao direito de agir. Obrigação de demandar. Hipóteses excepcionais.
Recurso provido. I – Sem embargo da polêmica doutrinária e jurisprudencial, o tema da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo necessário envolve limitação ao direito constitucional de agir, que se norteia pela liberdade de demandar, devendo-se admiti-lo apenas em situações excepcionais. II – Não se pode excluir completamente a possibilidade de alguém integrar o polo ativo da relação processual, contra a sua vontade, sob pena de restringir-se o direito de agir da outra parte, dado que o legitimado que pretendesse demandar não poderia fazê-lo sozinho, nem poderia obrigar o colegitimado a litigar conjuntamente com ele. III – Fora das hipóteses expressamente contempladas na lei (verbi gratia, art. 10, CPC [art. 73 do CPC/2015]), a inclusão necessária de demandantes no polo ativo depende da relação de direito material estabelecida entre as partes. Antes de tudo, todavia, é preciso ter em conta a excepcionalidade em admiti-la, à vista do direito constitucional de ação”574. Na hipótese anteriormente mencionada – litisconsórcio facultativo-unitário –, o regime da unitariedade conduz a que a solução tenha de ser a mesma para todos, pois a lide é única, podendo um dos litisconsortes, em razão da legitimação extraordinária que a lei lhe atribui, ir a juízo em nome próprio (isto é, como legitimado ordinário) e em nome dos demais (ou seja, como legitimado extraordinário), sendo que estes últimos poderão eventualmente entrar no processo em curso na qualidade de assistentes litisconsorciais. Nessa hipótese, mesmo que não haja intervenção do litisconsorte ausente como assistente litisconsorcial, o litisconsorte será atingido pelos efeitos da coisa julgada, já que há legitimação extraordinária. A regra geral, porém, é a de que o litisconsórcio unitário é também necessário, o que só não ocorre nos casos em que há legitimação extraordinária575. Se concluíssemos pela
impossibilidade de alguém ir a juízo nessas condições, estaríamos insofismavelmente tolhendo o direito de ação (constitucionalmente assegurado, tal como está disposto no art. 5º, XXXV, da CF). Todavia, seja permitido insistir, afigura-se-nos que, como no exemplo acima mencionado (ação de anulação do contrato de compra e venda movida por um dos condôminos), não é preciso que o outro condômino ocupe o mesmo polo da relação processual, podendo, se entender diferentemente daquele que propõe a ação, assumir voluntariamente o polo passivo, defendendo a higidez do negócio celebrado576. A advertência de Cândido Dinamarco é, como sempre, pertinente: “A admissibilidade do litisconsórcio ativo confina-se no campo rigorosamente restrito das situações em que, segundo o direito material, cada um dos colegitimados tenha o poder de opor-se aos resultados desejados pelos outros”577. Como visto, o art. 114 contempla duas hipóteses distintas. A primeira delas diz que, se a lei assim dispuser, o litisconsórcio será necessário. A “lei” a que se refere o art. 114 não precisa constar, necessariamente, do texto do Código de Processo Civil. Decorre do que consta do art. 114, quando se refere a “lei”, que deve ser identificada outra norma, em que se estatua a respeito da necessariedade, constante ou não do Código de Processo Civil. O litisconsórcio que se forma por determinação legal é, em regra, litisconsórcio necessário simples. É necessário porque a lei o determina. Por outro lado, quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide uniformemente para os litisconsortes, tratar-se-á de litisconsórcio unitário, que, de regra, é necessário, salvo nas hipóteses em que há legitimação (ad processum) extraordinária (litisconsórcio facultativo
unitário). Arruda Alvim figura alguns exemplos de litisconsórcio necessário unitário que devem ser lembrados, por elucidativos. Em caso de ação anulatória de contrato de compra e venda imobiliária, há litisconsórcio necessário unitário entre todos aqueles que foram contratantes. Outro exemplo: ação de nulidade de título de crédito sacado sem causa, entre o autor e os endossatários, mormente se se pretende desconstituir os endossos afirmando-se o conluio578. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery figuram outro, de fácil compreensão: ação de anulação de casamento proposta pelo Ministério Público. Necessariamente, marido e mulher deverão ser citados e a ação haverá de ser decidida de modo necessariamente uniforme para ambos579, pois não pode anular o casamento para o marido e declará-lo válido para a mulher. Em caso de litisconsórcio necessário unitário, portanto, a sentença jamais poderá ser de procedência para alguns e de improcedência para outros no mesmo polo da relação jurídica processual. Nem sempre, porém, repise-se, o litisconsórcio unitário precisa ser necessário. Existe a possibilidade de litisconsórcio facultativo unitário, ao contrário do que possa parecer, à primeira vista, da leitura isolada do art. 114. Há hipóteses, seja permitido insistir, em que, apesar de o litisconsórcio ser unitário, não é ele necessário pela circunstância de estar prevista a legitimação extraordinária. Exemplo típico é o caso dos arts. 1.824 e 1.825 do CC/2002, que estatuem que caberá a qualquer dos coerdeiros reivindicar a universalidade da herança ao terceiro que indevidamente a possua. Qualquer herdeiro poderá reclamar a parte que lhe toca (como legitimado ordinário) e a parte que toca aos demais (como legitimado extraordinário), mas a lide que deverá ser decidida é uma só, alcançando a decisão a todos. Outro exemplo é
o art. 1.314, também do Código Civil, que dispõe que “cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”. Em síntese, o litisconsórcio pode ser necessário simples (por força de lei), necessário unitário (quando a natureza da relação jurídica (lide) o impuser – exemplo da anulação de casamento), facultativo simples (regra geral do facultativo) e facultativo unitário (em hipóteses que a natureza da relação jurídica (lide) levaria à necessariedade), mas a lei prevê a figura da legitimação extraordinária. Com isso, nesta última hipótese, aquele que age o faz por si (legitimação ad processum ordinária) e pelos outros (legitimação ad processum extraordinária). Na hipótese de litisconsórcio necessário passivo, todos deverão ser citados, diz a parte final do art. 114, iniciando-se a contagem do prazo de contestação da data da juntada do último aviso de recebimento (AR) ou mandado aos autos (art. 231, incs. I e II e § 1º, do CPC/2015). O juiz deve determinar que o autor promova a citação dos litisconsortes necessários, e, se o autor não atender a tal determinação, deverá extinguir o processo, segundo o parágrafo único do art. 115. Importante salientar que nessa hipótese o processo deve ser extinto não por ilegitimidade passiva, pois o litisconsorte presente é parte legítima, mas porque não se poderá chegar à sentença de mérito sem a presença de todos os litisconsortes necessários (parte final do § 1º do art. 114 do CPC/2015). Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmam, com razão, que nesse caso o processo há de ser extinto com base no inciso IV do art. 485 (já que falta pressuposto “de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”), havendo carência de
legitimidade ad processum, que decorre da capacidade processual580. Assim, compete ao autor tomar as providências necessárias para que a citação se aperfeiçoe, tais como recolher diligências para citação por oficial de justiça, arcar com as despesas de citação postal, dentre outros. O STJ, com inteiro acerto, já decidiu, sob a vigência do CPC/73, que “cabe ao autor eleger com quem pretende litigar em juízo, assumindo os riscos de eventual erro de escolha. Do equívoco poderá resultar que perca a demanda, mas a pretensão haverá de ser decidida tal como formulada. Ainda em caso de litisconsórcio necessário, o juiz determinará que o autor promova a citação. Se não o fizer, extingue-se o processo [sem resolução de mérito, acrescentamos], mas não será forçado a contender com quem não queira”581. Segundo Thereza Alvim, a “falta de um dos litisconsortes necessários equivaleria à falta de citação. Assim, pode-se afirmar que, em estando faltante a citação de um dos litisconsortes necessários, a sentença proferida pelo juiz será inutiliter data, ou seja, será ineficaz. Assim, não poderá produzir efeitos jurídicos. Sobre ela nunca poderá recair a autoridade da coisa julgada material”582-583. Partindo dessa premissa, conclui a autora que, nesse caso, cabe ação declaratória
de
inexistência
da
relação
jurídica
processual,
sendo
desnecessária para tanto a ação rescisória, que, rigorosamente, nem se presta para esse escopo, pois, se faltou citação, não houve pressuposto processual de existência, de modo que não há coisa julgada material, que é pressuposto para o ajuizamento de ação rescisória. A ausência de citação de litisconsorte necessário também pode ser alegada em sede de impugnação, consoante previsto no art. 525, § 1º, inc. I. A nulidade de citação é vício tão grave que pode ser alegada na impugnação ao
cumprimento de sentença prevista no art. 525, § 1º. Mesmo que não alegada em sede de impugnação, todavia, temos para nós que nada obsta seja alegada em sede de ação declaratória de inexistência da relação jurídica processual, ou mesmo em ação rescisória, ainda que esta não seja, rigorosamente, a sede própria para levantar o problema (ausência de citação)584. Nesse ponto, deve-se sublinhar que, com amparo no art. 525, § 1º, inc. I, pode ser levantada tanto a nulidade de citação do próprio réu que estiver oferecendo a impugnação, como a nulidade de citação de qualquer outro litisconsorte necessário. Tanto uma como outra hipótese indicam falta de pressuposto processual de existência da relação processual, vício de tal monta que o legislador permitiu que seja levantado na própria impugnação, quando toda e qualquer outra nulidade se convalesce com o trânsito em julgado e só pode ser levantada em ação rescisória. Thereza Alvim585, aliás, acrescenta, com pertinência, que a ausência de litisconsorte necessário é tão grave que o próprio autor que deixou de pedir a citação pode suscitar a inexistência do processo “durante ou após o aparente trânsito
em
julgado
da
decisão”,
ressalvada
a
possibilidade
de,
eventualmente, ser responsabilizado por má-fé processual. Mencionado art. 525, § 1º, inc. I, como diz Luiz Fux ao tratar do art. 475L, inc. I, do CPC/73, tem “uma função rescindente notável, porquanto, acolhida, destrói todo o processo”586. Exatamente a propósito disso, ensina com sua habitual proficiência Humberto Theodoro Jr. que, “se o litisconsórcio for necessário e o autor não requerer a citação de todos os litisconsortes necessários, tendo curso o processo até sentença final, esta não produzirá efeitos ‘nem em relação aos que não participaram do processo nem em relação aos que dele participaram’.
Ocorrerá nulidade total do processo”587. Isso porque a citação é pressuposto de existência da relação jurídica processual. Para Arruda Alvim, “não podemos dizer que já há processo íntegro, como relação trilateral, e no sentido prático e real, se não houver citação da parte contrária; afirmação diversa seria baseada em conceito estritamente técnico (desligado do direito positivo brasileiro), e seria válida apenas considerando o processo como relação bilateral entre autor e juiz. O que se poderia dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo, pois há relação jurídica entre o juiz e o autor”588. Observe-se que, quando o § 1º do art. 115 determina que o autor deve promover a citação do litisconsorte necessário (o que vale para ambas as hipóteses consideradas no art. 114), sob pena de extinção do processo, deve-se entendê-lo, já se disse, como se referindo à necessidade de requerimento da citação e pagamento das diligências respectivas. Naturalmente, sendo a citação, no direito brasileiro, ato do Judiciário, não se pode exigir do autor a efetivação da citação sob pena de, verdadeiramente, negar-lhe o acesso à Justiça589. Dessa forma, não se pode falar em cumprimento de sentença diante de um processo inexistente, e, na hipótese de sua ocorrência, caberá aos executados oferecer impugnação, com fulcro no art. 525, § 1º, inc. I. Neste momento convém mencionar que há quem diga que só se pode falar em inexistência de coisa julgada material se faltar litisconsorte necessário unitário, mas não no caso de litisconsórcio necessário simples590. Em nosso entender, o art. 114 não dá margem a semelhante distinção, de modo que entendemos que, faltante litisconsorte necessário, simples ou unitário, faltará pressuposto processual de existência, tanto num como noutro caso. Uma importante observação faz-se, neste passo, necessária. Cuidou-se,
brevemente, da figura do litisconsórcio ulterior. Mostrou-se que, se o autor não move a ação contra todos os litisconsortes necessários, o juiz deve determinar ao autor que promova a citação deles, sob pena de extinção do processo. O litisconsórcio, então, diz-se ulterior (necessário e ulterior). Indaga-se se seria possível o litisconsórcio facultativo ulterior. As posições se dividem. Alguns, como Arruda Alvim591, entendem que é possível o litisconsorte facultativo intervir até a sentença; outros, como Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, sustentam, em nosso entender corretamente, que, se o litisconsorte facultativo não está presente no início do processo, só poderá intervir na qualidade de assistente litisconsorcial (art. 125)592. Já referimos, todavia, que, na denunciação da lide, o denunciado assume a posição de litisconsorte em relação ao adversário do denunciante, embora se trate de um litisconsórcio, por assim dizer, sui generis, dado que a posição do denunciado em relação ao denunciante mais se aproxima daquela de assistente simples. Já no que se refere ao chamamento ao processo, verificamos que ocorre o fenômeno do litisconsórcio ulterior, nas hipóteses dos incisos I a III do art. 130 do CPC/2015. 5. Litisconsórcio simples e unitário Há casos em que, apesar de existir o litisconsórcio, cada um dos litisconsortes poderá ter soluções diferentes, no que tange à solução de direito material. Figure-se, por exemplo, a hipótese de vários litisconsortes, vítimas de um atropelamento, acionarem o indivíduo causador do acidente. A solução da demanda poderá ser distinta para cada qual deles. Nesse caso, o litisconsórcio diz-se simples.
Observe-se mesmo que, no exemplo acima versado, muito possivelmente, a solução no âmbito do direito material não será distinta, haja vista que todos os litisconsortes foram vítimas do mesmo ato ilícito. Porém, basta a potencialidade de decisões diferentes (figure-se, por exemplo, a possibilidade de um dos litisconsortes ter agido com culpa concorrente, por ter atravessado a rua imprudentemente, que pode conduzir a soluções distintas para cada litisconsorte) para que de litisconsórcio unitário não se trate. Repise-se, pois: basta a potencialidade (ainda que improvável) de soluções diferentes no plano do direito material para um dos litisconsortes para descaracterizar a hipótese como sendo caso de litisconsórcio unitário. A propósito, o autorizado escólio de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, vazado nos termos seguintes: “Basta a potencialidade de decidir-se de forma diversa para os litisconsortes para classificá-lo como litisconsórcio simples”593. Porém, há hipóteses em que todos os litisconsortes deverão ter a mesma sorte – idêntica – no plano do direito material. Aqui, diz-se tratar de litisconsórcio unitário. Não é possível a independência de atuação no regime do litisconsórcio unitário, diferentemente do que ocorre no litisconsórcio simples, porque no caso do unitário, como se sabe, os litisconsortes terão necessariamente a mesma sorte no plano do direito material. Sob esse regime, apenas os atos benéficos praticados por um litisconsorte beneficiarão aos demais, pois, do contrário, impossível seria manter-se uma situação homogênea tendente a uma sentença uniforme, no plano do direito material, aos litisconsorciados. Thereza Alvim594 ensina que não se deve definir a figura do litisconsórcio unitário pelas suas implicações ou consequências. Isto é, não se há de definir mencionado instituto a partir dos seus efeitos (ou melhor, de seu principal
efeito), ou seja, o julgamento uniforme em relação a todos os litisconsortes unitários. Há de se buscar para definir o litisconsórcio unitário a sua essência, isto é, o fato de haver um só pedido (lide), a despeito da pluralidade de pessoas nos polos da relação. O julgamento uniforme em relação aos litisconsortes é apenas consequência disso. Explica a processualista, em raciocínio irretorquível: “Existe uma só lide se houver um só pedido, e havendo uma só lide, em processo onde foi usado o instituto do litisconsórcio, este será unitário”595. A autora faz outra observação que não pode, aqui, deixar de ser mencionada, concluindo que todo caso de litisconsórcio unitário, em princípio, constitui também hipótese de litisconsórcio necessário. Só excepcionalmente, como já dissemos anteriormente, se houver legitimação processual extraordinária concorrente, é que o litisconsórcio pode ser unitário, mas facultativo596. Portanto, reafirme-se importante conclusão, no sentido de que o litisconsórcio unitário só não será necessário se houver legitimação extraordinária. Sob esse regime (unitariedade), os atos que envolvam disposição de direito, como, por exemplo, confissão, conquanto sejam válidos, serão ineficazes no plano do processo, salvo se confirmados por todos os litisconsortes unitários. Importante, então, fixar a regra de que uma deficiente atuação individual em hipótese de litisconsórcio unitário, para efeitos práticos no plano do processo, é irrelevante. Fora do plano da unitariedade, a confissão faz prova apenas contra o confitente (tem validade e plena eficácia), não prejudicando, nem beneficiando aos demais litisconsortes (art. 345). Tratando-se de litisconsórcio unitário, a confissão de apenas um dos litisconsortes, repita-se, pode até mesmo ser válida, mas será ineficaz no
plano do processo, na medida em que o art. 117 (que versa acerca da independência entre os litisconsortes) não é aplicável ao caso porque a lide é única. De outro lado, se um dos litisconsortes unitários não interpuser recurso, aquele que for interposto pelo outro lhe aproveitará (art. 1.005 do CPC/2015). O que é lógico, pois, como visto anteriormente, em caso de litisconsórcio unitário, a decisão judicial não pode ser cindida597, haja vista que a lide é uma só. Mencionado art. 1.005, caput, aplica-se, apenas, às hipóteses de litisconsórcio unitário, conforme se tem, iterativamente, decidido pelo STJ sob a vigência do CPC/73: “O art. 509 do CPC [art. 1.005 do CPC/2015] só é aplicável aos casos de litisconsórcio unitário, naquelas hipóteses em que, evidentemente, a decisão judicial não possa ser cindida, devendo atingir os litisconsortes de modo uniforme, quanto ao direito material postulado, razão pela qual o recurso interposto apenas por um deles se estenderá aos demais”598. Segundo Thereza Alvim, “os litisconsortes unitários, na exata medida em que discutem, em juízo, uma só lide, que a todos diz respeito, como o nome indica, têm que agir em verdadeira unidade. O litisconsórcio unitário sendo ativo, os autores, em verdade, foram a juízo fazer afirmação de direito única, a petição inicial estampa uma só pretensão. Consequentemente, seu atuar tem que ser no mesmo sentido. Qualquer ato de disposição de direito, mesmo que seja, tão somente, do direito de ação, só pode ser praticado por todos os litisconsortes. Ainda, os atos lesivos ao direito ou afirmação do mesmo poderão, até mesmo, ser considerados válidos, mas não serão eficazes (aptos a produzir efeitos jurídicos), enquanto todo ato benéfico aproveitará aos
litisconsortes unitários, indistintamente”599. Thereza Alvim menciona, ainda, outra implicação do regime da unitariedade do litisconsórcio. Se um dos litisconsortes, apesar de citado, não apresentar contestação, mas o outro contestar, não se operaram os efeitos da revelia (art. 345, inc. I, do CPC/2015). Com efeito, se apenas um dos litisconsortes unitários oferecer contestação, tem-se que, com a apresentação da defesa, esta também terá beneficiado o litisconsorte que não contestou e, “após a produção dessa consequência, a prática de ato de disponibilidade, prejudicial à defesa do direito de ambos, não pode ser levada em consideração para a decisão judicial, tanto quanto qualquer outro”600. Desse modo, eventual reconhecimento jurídico do pedido pelo réu que contestou (ainda que tenha sido o único que contestou) será ineficaz, pois, tendo-a oferecido, esta irradiou efeitos em relação ao réu que não contestou. Ainda segundo esta autora, coisa similar ocorre com a interposição do recurso por apenas um dos litisconsortes unitários, se houver desistência do recurso já interposto. Diz a processualista: “No exato momento da interposição do recurso, da prática desse ato, o outro litisconsorte dele se beneficiou. Portanto, à semelhança da solução que se vislumbra para o reconhecimento do pedido, após a contestação, é impossível aos julgadores que considerem a desistência do recurso como ato capaz de prejudicar o litisconsorte unitário, que não recorreu, mas já se havia beneficiado com o recurso do outro”601. Isto é, desde que o atuar de um dos litisconsortes, como consequência do regime da unitariedade, tenha produzido efeitos não apenas em relação àquele que o pratica, mas também em relação aos demais, como nos dois casos acima figurados – oferecimento de contestação e interposição
de recurso –, não é possível cogitar, respectivamente, nem de reconhecimento jurídico do pedido, nem de desistência do recurso, ao menos sem a concordância de todos os litisconsortes. Conclui-se, destarte, que o princípio da independência entre os litisconsortes, estampado no art. 117 do CPC/2015, é característico do litisconsórcio simples, não se aplicando ao litisconsórcio unitário. Tem-se que, todavia, mesmo o art. 345, I, excepcionalmente, pode lograr obter
aplicação
também
nos
casos
de
litisconsórcio
simples602.
Evidentemente, referido dispositivo é plenamente aplicável se se tratar de litisconsórcio unitário, pois, em tais casos, a lide é a mesma e não se podem conceber soluções distintas para cada um dos litisconsortes. Porém, não é de ser descartada a sua incidência, mesmo em hipóteses de litisconsórcio simples, na medida em que os fatos contestados pelo litisconsorte atuante também digam respeito àquele que tenha permanecido inerte. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, em comentários ao referido art. 345, observam que, para que os efeitos da revelia sejam afastados, “depende de os interesses do contestante serem comuns aos do revel”603. Portanto, ainda que se trate de litisconsórcio simples, se o corréu contestar, e, pois, vier a tornar controvertidos os fatos comuns, é de ser afastada a incidência do art. 344. Havendo, assim, contestação de fatos que a ambos digam respeito (litisconsorte atuante e revel), não deverão incidir os efeitos da revelia em relação ao litisconsorte revel. Tal possibilidade, como observa com pertinência Marcelo Abelha Rodrigues, ocorrerá com frequência em caso de litisconsórcio facultativo com base em identidade de fundamento de fato (art. 113, inc. III, do CPC/2015)604.
Por outro lado, o art. 1.005, parágrafo único, estabelece uma mitigação ao referido postulado de independência entre os litisconsortes simples, ao prescrever o aproveitamento do recurso interposto por um dos litisconsortes aos demais, em caso de solidariedade, desde que comporte defesas comuns605. Corolário da regra do art. 117 é o princípio da liberdade de atuação, consagrado pelo art. 118: “Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo, e todos devem ser intimados dos respectivos atos”. Mencionados preceitos não são aplicáveis aos casos de litisconsórcio unitário “porque há incindibilidade da pretensão ou direito dos litisconsortes unitários”606-607. Essa independência do atuar dos litisconsortes, como pontuado, é característica do litisconsórcio simples, embora, também nessas hipóteses, possa ser afastada (ver a multirreferida hipótese do parágrafo único do art. 1.005). 6. Exclusão de um litisconsorte Pode o juiz excluir do processo algum litisconsorte, sem com isso pôr fim ao processo. Por isso é que, como já se mencionou, a decisão que exclui, por exemplo, um litisconsorte passivo, prosseguindo o processo em relação aos demais, é de natureza interlocutória (há perfeita subsunção à fattispecie do § 2º do art. 203 do CPC/2015), sendo, pois, impugnável por agravo de instrumento. Temos para nós que essa conclusão não se modificou com o advento do CPC/2015, que deu nova redação ao § 1º do art. 162 do CPC/73, atual art. 203 do CPC/2015, mas manteve o § 2º inalterado, deixando claro que o legislador adotou um critério misto para a classificação das decisões judiciais, que leva em conta não apenas o conteúdo, como poderia sugerir a leitura
isolada do § 1º, mas também a finalidade. Desse entendimento não têm discrepado nossos tribunais. Confiram-se, a respeito, algumas decisões proferidas sob a vigência do CPC/73 e antes da alteração provocada pela Lei n. 11.232/2005, que se mantém inalterado sob a vigência do CPC/2015 (art. 1.015, inc. VII): “Não há discrepância na Corte sobre o cabimento do agravo de instrumento para enfrentar decisão que exclui um dos litisconsortes da lide”608; “O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurídica de decisão interlocutória, sujeita, portanto, à interposição do recurso de agravo”609; “Havendo mais de um litisconsorte, a exclusão de qualquer deles da lide, que prossegue quanto ao outro, é atacável, de acordo com o entendimento hoje dominante, por agravo de instrumento, exatamente o recurso adequadamente interposto pela parte recorrida na primeira instância. Destarte, sequer era o caso de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, como o fez o tribunal a quo, ao aproveitar o agravo como apelação. E menos razão ainda tem o ora recorrente em desejar o reconhecimento de que o erro era grosseiro, a impedir a fungibilidade, já que o agravo era mesmo o recurso próprio à espécie”610. Sempre entendemos que a exclusão do litisconsorte, sem encerramento do processo, configura decisão interlocutória, impugnável por agravo de instrumento. Inclusive, esse posicionamento foi recebido pelo CPC/2015 que prevê, em suas hipóteses (taxativas) de cabimento de agravo de instrumento, a exclusão de litisconsorte, em art. 1.015, inc. VII611. Referido princípio, conquanto está expressamente presente no Código vigente e deflui do sistema e, em última análise, está ligado ao princípio da instrumentalidade das formas, expressamente albergado pelo CPC/2015, no art. 283. O critério que há de presidir o intérprete para justificar a incidência
de sobredito princípio é o da existência de dúvida objetiva sobre qual a modalidade recursal utilizável no caso concreto. Na vigência do CPC/73, com a alteração legislativa provocada pela Lei n. 11.232/2005, havia dúvida objetiva sobre a natureza da decisão que excluía o litisconsorte, o que culminava em diversas posições doutrinárias ainda não convergentes que recomendam a aplicação da fungibilidade recursal para esses casos. No entanto, o CPC/2015 ao prever expressamente o cabimento do agravo de instrumento como recurso cabível contra decisão que exclui litisconsorte, consolidou o entendimento de que a natureza da decisão é interlocutória, nos termos do que já defendíamos. Teresa Arruda Alvim, conquanto entenda que a decisão que determina a exclusão de litisconsorte seja sentença, firma posição no sentido de que “o recurso mais adequado à decisão que determina a exclusão de litisconsorte é o de agravo. Extingue-se o processo em relação a este corréu, mas o procedimento, como um todo, permanece. Assim, a decisão proferida, embora seja, substancialmente, uma sentença, não tem como finalidade a de pôr fim ao procedimento como um todo, mas só à ação – processo – relação processual, que se havia estabelecido com relação ao corréu (...) mais recentemente, contudo, considerando que tende a pacificar-se a orientação segundo a qual, no caso, se está diante de decisão interlocutória – ainda que com conteúdo de sentença –, suscetível de ser impugnada por agravo, conduz-se a jurisprudência no sentido de não admitir a aplicação do princípio da fungibilidade à hipótese”612. 7. Outras regras relacionadas ao litisconsórcio Havendo vários litisconsortes com diferentes procuradores, aplica-se a
regra do art. 229, contando-se em dobro o prazo para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos, com a exceção prevista no § 2º quando tratar-se de processos que tramitam integralmente na forma eletrônica613. Essa mesma regra aplica-se em caso de assistência litisconsorcial, mas não às hipóteses de assistência simples, conforme se pode observar da leitura das seguintes ementas: “O falido, ao participar ao lado da massa falida no processo falimentar, atua como seu assistente litisconsorcial, devendo se beneficiar do prazo recursal em dobro previsto no art. 191 do CPC”614; “Apelação. Denunciação da lide. Seguro. Pretensão à contagem em dobro dos prazos legais. Inadmissibilidade. Existência de assistência entre o denunciado e a denunciante e não de litisconsórcio. Inaplicabilidade do art. 191 do CPC [art. 229 do CPC/2015]”615-616. Vale mencionar o art. 286, inc. II, do CPC/2015, que prevê: “Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) II – quando, tendo sido extinto o processo, sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda”. O referido dispositivo pretende reprimir a mudança na ordem do nome das partes para que não seja identificada nos sistemas de busca e cruzamento de informações, instalados em alguns computadores dos distribuidores, a propositura de novas ações, usualmente com vistas à obtenção de pronunciamentos liminares favoráveis, quando tenha havido anterior extinção do processo sem resolução do mérito. Evidentemente, para que essa previsão alcance tal desiderato, é necessário um eficiente sistema eletrônico de controle na distribuição das ações que possa detectar a reiteração do pedido, eventualmente com simples troca de
ordem entre os litisconsortes autores, ou mesmo com a inclusão de um litisconsorte não constante da demanda já proposta, em que houve extinção do processo sem resolução do mérito. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “o fato de aquele juízo, naquele foro, haver exercido sua função jurisdicional em determinado caso é suficiente para, de modo automático e direto, estabelecer sua competência para processos futuros, versando a mesma causa. Mesma causa é aquela que apresenta os mesmos sujeitos, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido já presentes em uma precedente demanda”617. Aliás, o inciso III do art. 286 do CPC/2015 é claro ao dispor que haverá distribuição por dependência ao juízo prevento quando houver o ajuizamento de ações idênticas.
XII ASSISTÊNCIA
1. Introdução O instituto da assistência vem tratado no art. 119 e s. do CPC/2015. A assistência consubstancia modalidade de intervenção espontânea618 de terceiro em processo alheio, tendo o CPC/2015, inclusive, inserido o instituto no capítulo que trata propriamente das diversas modalidades de intervenção de terceiros (Livro III, Título III, Capítulo I). Vale ressaltar, contudo, que, enquanto a assistência simples configura modalidade típica de intervenção de terceiros, na assistência litisconsorcial, os que são denominados de terceiros são, em verdade, partes. É preciso ressaltar que o assistente não é parte no processo, pois “não tem legitimatio para demandar ou ser demandado por aquele específico e escrito objeto litigioso contido no processo”619, e, dessa forma, não formula pedido e também nada é pedido contra ele, figurando como um sujeito da relação processual interessado em ajudar uma das partes. A este respeito dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “O assistente tem interesse jurídico em que o assistido vença a demanda, razão por que deve agir de forma a auxiliar o assistido, podendo produzir provas e praticar atos
processuais que sejam benéficos ao assistido, sempre tendo em conta que o assistente exerce atividade subordinada à do assistido”620. 2. Assistência simples Os arts. 121 a 123 do CPC/2015 tratam da chamada assistência simples. O assistente, nos termos do art. 119 do CPC/2015, está, por lei, habilitado a intervir em determinado processo, quando for juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a qualquer das partes, o que exclui a assistência em caso de interesse meramente econômico ou de ordem sentimental621. Acrescente-se que, havendo interesse jurídico, normalmente se conjuga um interesse econômico, mas é importante que este não seja o único móvel para o pedido de assistência622. Para que o assistente simples seja admitido a intervir no processo, deverá, desde logo, demonstrar seu interesse na intervenção, na forma do disposto no art. 120, parágrafo único. O art. 119, parágrafo único, diz que a assistência terá lugar em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição. Thereza Alvim explica que descabe assistência na execução, verbis: “O terceiro, que poderia ter ingressado como assistente simples no processo de conhecimento e não o fez, não poderá ingressar, como tal, no processo de execução, onde não haverá uma sentença de mérito, definidora de direitos. Aliás, mesmo que tenha sido assistente no processo de conhecimento, sua intervenção cessa no momento da prestação da tutela jurisdicional de conhecimento, não estando ele amparado por lei para pedir ingresso no processo de execução, porque lhe faltará interesse, desde que não será ele a ser satisfeito pela condenação ou a satisfazê-la”623-624.
Continuando, a autora diz que o terceiro, na execução, se preencher os requisitos, poderá se valer dos embargos de terceiro. Temos para nós, todavia, que, se como regra, não deve ser admitida a assistência na execução, toda vez que houver espaço para o juiz desenvolver alguma atividade cognitiva na execução, essa modalidade de intervenção de terceiros deve ser admitida. Cassio Scarpinella Bueno cita o exemplo daquele que tem responsabilidade pela dívida e pretende intervir para sustentar posição jurídica do assistido (o executado) em detrimento do adversário comum (o exequente)625-626. A assistência terá lugar, também, em se tratando de mandado de segurança. Conquanto existam ponderáveis argumentos de ordem histórica que levam alguns à conclusão do descabimento da assistência em mandado de segurança — porque inicialmente admitida de forma expressa pela Lei n. 1.533/51, que, em sua redação original, fazia expressa remissão aos arts. 88 a 94 do CPC/39627, ao passo que, com a adaptação feita pela Lei n. 6.071/74 ao CPC/73, veio-se a suprimir tal menção, mantendo-se apenas aquele referente ao litisconsórcio — tal modalidade de intervenção de terceiros, em nosso sentir, sempre foi perfeitamente admissível em mandado de segurança628-629. A redação do art. 24 da nova Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009) é semelhante à redação do art. 19 da Lei n. 1.533/51, ao prescrever que se aplicam ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 do Código de Processo Civil do 1973 (que tratavam do litisconsórcio – correspondentes aos atuais arts. 113 a 118). Entretanto, o § 2º do art. 14 desse mesmo diploma legal (Lei n. 12.016/09) é denotativo de que não há qualquer incompatibilidade entre o regime da assistência e o mandado de segurança, como, aliás, sempre sustentamos, malgrado haja inúmeras decisões em
sentido contrário. Isso porque, se a nova lei de mandado de segurança confere legitimidade para a autoridade coatora interpor recurso, na qualidade de terceiro prejudicado, quer nos parecer que, pelas mesmas razões, não se pode deixar de reconhecer à autoridade coatora a possibilidade de poder intervir como assistente. Afinal, como diz Fredie Didier Jr., “o terceiro recorrente é, normalmente, aquele que poderia intervir no processo como assistente, em qualquer grau de jurisdição”630. Além disso, o fato de o legislador ter feito menção apenas aos arts. 46 a 49 do CPC/73 (que tratavam do litisconsórcio – correspondentes aos arts. 113 a 118 do CPC/2015) no art. 24 da Lei n. 12.016/09 não quer significar que o Código de Processo Civil não se aplique subsidiariamente ao processo do mandado de segurança631-632. Sempre que não houver incompatibilidade específica entre o Código de Processo Civil e o mandado de segurança, aquele primeiro aplicar-se-á subsidiariamente. Afigura-se-nos ser este o caso do instituto da assistência633. 3. Interesse jurídico e interesse de fato Resta examinar em que consiste esse interesse jurídico do assistente e como distingui-lo do mero interesse de fato, distinção esta de extrema relevância prática, dado que este último não autoriza a assistência. A caracterização do interesse como jurídico está ligada à possibilidade de a sentença afetar (poder afetar) a esfera jurídica daquele que pretende intervir como assistente634. O interesse jurídico necessário ao acolhimento do pleito de assistência deve ser identificado a partir da potencialidade de a decisão afetar relação jurídica de que seja titular o assistente635. Configura-se, por exemplo, como
jurídico, o interesse da usufrutuária de determinado imóvel em intervir como assistente (simples) dos filhos, donatários, em ação de revogação de doação, movida pelo ex-marido, doador do referido imóvel, contra os filhos, por ingratidão (art. 555 e s. do CC/2002). A revogação do contrato de doação atingirá reflexamente a esfera jurídica da mãe, razão pela qual ela poderá intervir no processo como assistente simples dos filhos636. Imagine-se, doutra parte, a hipótese do art. 776 do CC/2002. Estatui referido dispositivo que o “segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa”. Patente, pois, o interesse jurídico que o segurador tem para intervir como assistente em demanda que seja movida contra o segurado. Doutro lado, há o interesse meramente de fato. É o caso, por exemplo, do interesse do credor em intervir em ação de cobrança que seja movida contra o devedor. A procedência poderá levar a uma diminuição patrimonial do devedor, mas nem por isso há interesse jurídico (o interesse, se existente, é puramente de fato), não sendo possível a intervenção do credor na qualidade de assistente. Pode-se dizer que o mero interesse de índole econômica, como regra, não legitima a intervenção do terceiro como assistente. O parágrafo único do art. 119 reza caber a assistência “em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição”, com exceção dos litígios submetidos aos Juizados Especiais Cíveis, nos quais foi vedada qualquer forma de intervenção de terceiro e de assistência, admitindo, apenas, a formação de litisconsórcio (art. 10 da Lei n. 9.099/95). 4. Procedimento Ao ingressar no processo, o assistente o recebe na fase em que se
encontrar, não podendo, por exemplo, requerer a produção de provas se esta fase já foi ultrapassada (última parte do parágrafo único do art. 119 do CPC/2015). O pedido de assistência vem tratado no art. 120 do CPC/2015. O assistente, como visto, pode intervir em qualquer grau de jurisdição. Feito o pedido de assistência, a petição será juntada e o juiz determinará a intimação das partes para que se manifestem no prazo de quinze dias. Não havendo impugnação, o pedido será deferido, assumindo o terceiro a posição de assistente, salvo se for caso de rejeição liminar (art. 120, caput); todavia, se for alegado que falece interesse jurídico ao assistente, cabe ao juiz decidir o incidente, sem a suspensão do processo (art. 120, parágrafo único). Uma vez deferido pelo juiz o pedido de assistência, este determina a qualidade em que ingressa: se assistente simples ou litisconsorcial. Da decisão do juiz admitindo a assistência cabe recurso de agravo. Se inadmitido o pedido de assistência, o interessado pode recorrer como terceiro prejudicado, também por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, IX, do CPC/2015). A assistência simples tem, pois, como objetivo ensejar ao assistente a possibilidade de intervir em processo, cuja sentença possa afetar reflexamente relação jurídica da qual seja titular, auxiliando uma das partes, para o que poderá o assistente, por exemplo, requerer provas, praticar atos processuais benéficos ao assistido, sendo, no entanto, sua atividade essencialmente subordinada à do assistido. O art. 123 do CPC/2015 dispõe que o assistente, em relação ao processo em que interveio, não poderá discutir, ulteriormente, noutro processo, a justiça da decisão.
A justiça da decisão, segundo a opinião de Thereza Alvim, que nos servimos de acompanhar, “constitui o fundamento da sentença ou do acórdão”637. Dispõe, doutra parte, o art. 506 do CPC/2015 que a coisa julgada atinge somente as partes, não prejudicando terceiros. Com isso “não está, porém, significando que as decisões judiciais não alcançam terceiros. O que não os atinge é a imutabilidade do comando delas emergente, a coisa julgada material”638. Nota-se que não é a coisa julgada material que atingirá esse terceiro, mas a decisão da lide em sua eficácia natural. Por outro lado, sob certo enfoque, a vedação do art. 123 é mais ampla do que a coisa julgada. Como se sabe, a coisa julgada não reveste os fundamentos de fato e de direito da sentença, mas apenas a sua parte dispositiva. Pelo art. 123, todavia, não se podem discutir, noutro processo, os motivos de fato e de direito que terão levado à prolação da sentença, ainda que não se possa falar em coisa julgada, pois a sentença só poderá ter atingido reflexamente a situação jurídica do assistente, eis que na demanda originária não estava em pauta um bem jurídico seu. Aliás, o que atinge o assistente simples é justamente o que não faz coisa julgada entre as partes (fundamentos de fato e de direito que terão levado à prolação da sentença)639. Procuremos elucidar uma hipótese de aplicação do art. 123. O exemplo é de Arruda Alvim640. Figure-se uma ação anulatória de escritura por culpa do tabelião. Fora de dúvida o interesse jurídico do tabelião em intervir, porque poderá ser ulteriormente responsabilizado. Intervindo o tabelião como assistente simples, e sendo julgada procedente a ação com fundamento em sua culpa, não poderá depois, em outro processo, rediscutir a sua culpa. Ao
tabelião, evidentemente, não interessa a solução da lide, ou seja, a escritura em si mesma, mas interessa o que juiz dirá quanto à sua culpa, que se constitui na causa de pedir da ação anulatória. Resta claro que a decisão, de certo modo, lhe interessa, desde que, se não for anulada a escritura, não terá sido considerada existente a culpa alegada. Não é, pois, a coisa julgada que o atinge (a lide “anulação da escritura” não lhe diz respeito, senão reflexamente, daí caber assistência). Já os fundamentos de fato e de direito que terão levado à anulação da escritura (i.e., sua culpa) não poderão ser, todavia, discutidos numa eventual ação de regresso contra o tabelião. Essa indiscutibilidade do fato de ter o tabelião agido com culpa ao lavrar a escritura não se iguala à coisa julgada. Esta diz respeito, tão só e exclusivamente, à decisão da lide, do pedido, e opera efeitos em relação às partes. Todavia, o art. 123 traz duas exceções a essa regra, nos incisos I e II. Vimos que o assistente pode intervir em qualquer fase processual. Todavia, se provar que “pelo estado em que recebeu o processo, ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença” (inciso I) ou que “desconhecida a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu”, não se aplicará a regra do caput do art. 123. Referido conteúdo, segundo Thereza Alvim, tem como finalidade proteger o assistente contra atos da parte, dolosos ou culposos, que possam, potencialmente, vir a lhe causar prejuízo641. Isso quer dizer que, quando o assistente intervém no processo em fase processual na qual já não mais poderia praticar atos produtivos, não se lhe aplica a vedação do caput do art. 123. Além disso, se provar que a atitude do
assistido o limitou, impedindo-o de produzir provas suscetíveis de alterar o resultado (já que a atividade do assistente simples é rigorosamente submetida à do assistido), igualmente não se lhe aplica o art. 123. Na hipótese do art. 123, II, o assistido, dolosa ou pelo menos culposamente, terá ocultado alegações ou provas relevantes para o processo. É o que a doutrina denomina de exceptio male gesti processus. O inciso I do art. 123 evidencia bem o que já afirmamos no sentido de que a atividade do assistente é essencialmente dependente da do assistido. Esta, também, é a ideia que deflui da leitura do art. 121, que estatui que assistente simples será auxiliar da parte principal (assistido)642, sujeitando-se aos mesmos ônus processuais que o assistido. Não poderá, nesses termos, produzir provas
quando
o
assistido
não
as
deseje,
declarando-o
expressamente. Se, todavia, o assistido se mantiver inerte, o assistente poderá, por exemplo, requerer a produção de provas. Se o assistente demonstrar que as provas que pretendia produzir eram pertinentes e que poderiam ter influído no resultado da demanda, não se lhe aplicará o art. 123, caput, podendo, em outro processo, rediscutir a justiça da decisão. A limitação da atividade do assistente simples manifesta-se sob diversas formas. Por exemplo, poderá, em caso de eventual perícia, formular quesitos, os quais, todavia, poderão ser tidos por inconvenientes pelo assistido. Poderá indicar testemunhas, mas o assistido poderá discordar dos nomes indicados, e assim por diante. Apenas quanto às matérias que digam respeito à atividade oficiosa do juiz é que a atividade do assistente não encontra obstáculo na vontade do assistido. É que, nessas hipóteses, se ao juiz cabe agir ex officio, não se
poderá impedir o agir do assistente. Ao assistente é vedado reconhecer juridicamente o pedido, renunciar ao direito (pretensão) sobre o qual se funda a ação, desistir da ação etc. Em suma, a atividade do assistente deve visar fazer com que o assistido vença a demanda e nesse sentido deve direcionar a sua atuação643. A possibilidade de o assistente interpor recurso da decisão proferida em desfavor do assistido será abordada com maior parcimônia quando da análise do parágrafo único art. 121, do CPC/2015. Porém, desde já, vale mencionar entendimento de Nelson Nery Jr.644, para quem a manifestação do assistido quanto ao seu desejo de não recorrer da decisão que lhe foi desfavorável, obsta o assistente simples de apresentar recurso, pois isso iria contra a regra de que o agir do assistente deve se subordinar à vontade do assistido. Todavia, se aquele que poderia ter sido assistente ingressar no processo depois de proferida a sentença, poderá interpor recurso da decisão, na qualidade de terceiro prejudicado (art. 996, CPC/2015), defendendo diretamente os seus próprios interesses, desde que não haja expressa manifestação em não recorrer daquele que poderia ter sido assistido645. O STJ já decidiu no seguinte sentido: “O assistente é auxiliar da parte principal, dispondo dos mesmos poderes e sujeitando-se aos mesmos ônus processuais. Ao assistente simples é permitido interpor recurso, desde que não haja expressa manifestação do assistido em sentido contrário”646; “Despejo por infração contratual. Locatário que vem a fixar residência no estrangeiro. Ocupante do imóvel admitido como assistente. Se o inquilino devolve o imóvel e reconhece o pedido, não pode o assistente simples agir processualmente em contrário à orientação do assistido”647. Devemos mencionar, contudo, que há julgados do STJ na linha de que não se admite o
recurso de assistente quando a parte assistida desiste ou não interpõe o recurso648. 4.1 O recurso de terceiro prejudicado Consideramos oportuno, nesse contexto, refletir um pouco mais acerca do recurso interposto por terceiro prejudicado e da imediata associação que se faz dessa figura com o instituto da assistência. O recurso de terceiro prejudicado, segundo Fredie Didier Jr., é uma figura híbrida em nosso sistema jurídico processual, uma vez que congrega, ao mesmo tempo, características de recurso e de intervenção de terceiros. Diz Nelson Nery Jr.: “Somente aquele terceiro que poderia haver sido assistente (simples ou litisconsorcial) no procedimento de primeiro grau é que tem legitimidade para recorrer como terceiro prejudicado”649. O ingresso de assistente em determinado processo exige a verificação de interesse jurídico e não meramente fático. Para a interposição de recurso de terceiro prejudicado, igualmente, deve estar presente o interesse jurídico650. Na verdade, o interesse para a interposição de recurso de terceiro prejudicado equivale àquele que poderia ter autorizado pedido de assistência651. Essa afirmação não abrange, contudo, todas as hipóteses de cabimento de recurso de terceiro prejudicado. Fredie Didier Jr., autor de obra específica sobre o assunto, ampliou esse entendimento, em nosso sentir, de maneira absolutamente correta, admitindo, por exemplo, que aquele que deveria ter sido litisconsorte necessário, mas não foi citado, pode recorrer na qualidade de terceiro prejudicado: “Importa frisar, pois, que a concepção, razoavelmente aceita em sede doutrinária, de que o recurso de terceiro seria uma assistência em grau de
recurso deve ser temperada com o clássico grão de sal. Embora os efeitos processuais sejam os mesmos, conforme visto, e o terceiro somente possa, em regra, coadjuvar a parte vencida na decisão, não se pode olvidar que outras pessoas, que não os possíveis assistentes, podem se valer deste remédio, como, por exemplo, o litisconsorte necessário não integrado à relação jurídica processual. “O litisconsorte necessário não citado não ingressa no feito na qualidade de assistente, pois não recebe o processo no estado em que se encontra, na medida em que a omissão em sua comunicação representa vício de inexistência da relação jurídica processual. O litisconsorte não citado, recorrendo, pode perseguir o reconhecimento da nulidade do processo, decorrente de sua ausência, pleiteando, por exemplo, novo prazo para apresentar a sua defesa”652. Voltando à análise do procedimento do pedido de assistência, temos que o art. 121, parágrafo único, estatui ainda que, “sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual”. A esse respeito, vale mencionar que o CPC/2015 diferiu do CPC/73, para o qual o assistente assumiria o papel de “gestor de negócios” do assistido, quando verificada a sua revelia (art. 52, parágrafo único, do CPC/73). O legislador de 2015, neste ponto, valeu-se de um instituto de natureza estritamente processual, em detrimento da figura de direito civil prevista no CPC/73 (a gestão de negócios é disciplinada pelos arts. 861 e s. do CC). Assim, com o advento da substituição processual, por força de lei, atribui-se ao assistente legitimidade ad causam, em caso de revelia ou omissão do assistido. Cumpre ressaltar, que não se trata de legitimidade para postular
direito próprio, uma vez que o assistente atuará em nome próprio, porém, em defesa de interesse alheio653. Entretanto, mudança de substancial relevância diz respeito ao acréscimo da expressão “ou, de qualquer outro modo, omisso” à redação do art. 121, parágrafo único, do CPC/2015. Pela leitura do dispositivo, depreende-se que o assistente poderá substituir o assistido não apenas no caso da sua revelia, mas quando verificada qualquer tipo de omissão. Para Fredie Didier Jr., referida alteração resolve antiga controvérsia jurisprudencial no que toca ao conhecimento do recurso do assistente, quando não interposto recurso pelo assistido. Sob égide do CPC/73, havia precedentes do STJ no sentido da subordinação do assistente simples à omissão recursal do assistido, motivo pelo qual o eventual recurso autônomo não deveria ser conhecido. Para o autor, entretanto, “Havia, claramente, um equívoco na premissa: é possível que apenas o assistente simples recorra. Na verdade, é exatamente esse o seu papel: ajudar o assistido. Pode acontecer de o assistido perder o prazo do recurso; o recurso do assistente estará lá para evitar a preclusão. Ora, o par. ún. do art 52 do CPC-1973 já poderia ser aplicado aos demais casos de condutas omissivas do assistido, e não apenas à revelia. A redação do CPC atual resolve essa questão, definitivamente”654. Pois bem, conforme verificado, se ingressar o assistente antes da contestação, a sua defesa elide os efeitos da revelia, mas, uma vez comparecendo o réu em juízo, a substituição processual é encerrada. Considere-se, ainda, que a contestação apresentada pelo assistente, na qualidade de substituto, só tem o condão de elidir os efeitos da revelia, se apresentada dentro do prazo de 15 dias que o réu (assistido) teria para apresentar a sua contestação.
Observação feita por Thereza Alvim refere-se ao fato de que o art. 52 (atual art. 121) não será aplicado ao assistente se o réu tiver sido citado via edital ou por hora certa, já que, nestes casos, um curador será nomeado e exercerá as funções de gestor655. Neste caso, o assistente atua normalmente. O art. 122 é, mais uma vez, expresso quanto à limitação da atividade do assistente simples. Com efeito, dispõe esse artigo que a assistência simples não impede o reconhecimento jurídico do pedido, a desistência da ação, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação ou a transigência sobre direitos controvertidos. 5. Assistência litisconsorcial Há, ao lado da assistência simples, outra modalidade de assistência, que é a assistência litisconsorcial. O regime jurídico do assistente litisconsorcial, por seu turno, é bastante diverso daquele do assistente simples. A assistência litisconsorcial vem tratada no art. 124 do CPC/2015, que dispõe que haverá assistência litisconsorcial quando a sentença influir na relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido. Assim, enquanto na assistência simples a sentença atinge apenas reflexamente a relação entre assistente/assistido – exemplo da sublocação –, na assistência litisconsorcial a sentença atinge a relação jurídica entre o assistente e a parte contrária do assistido656. Segundo Thereza Alvim, “a assistência litisconsorcial é o meio processual através do qual pode alguém ingressar em processo pendente, onde é discutida e será definitivamente julgada pelo Poder Judiciário lide que lhe diz, precipuamente, respeito. Não é, pois, um instituto destinado a permitir a terceiro o ingresso em processo alheio, por ter relação jurídica atual ou
potencial com o assistido ou direito dele oriundo, sendo este o campo específico do instituto da assistência simples”657. Aplica-se à assistência litisconsorcial o disposto no art. 120, já referido anteriormente, quanto ao pedido de admissão de assistência. O assistente litisconsorcial tem um agir muito mais amplo do que o assistente simples. Isso se deve ao fato de que, na assistência litisconsorcial, a sentença influi diretamente na sua relação jurídica com o adversário do assistido. O assistente litisconsorcial é aquele que poderia ter sido, ab initio, litisconsorte facultativo unitário do assistido. Figure-se, por exemplo, a hipótese do art. 1.314 do CC. Ali se dispõe que ao condômino é facultado reivindicar a coisa comum de terceiro. O litisconsórcio, conquanto facultativo (pois basta que um dos condôminos intervenha), é unitário, porque ou se julga procedente a reivindicatória ou não, o que inexoravelmente a todos os condôminos atingirá. Na hipótese de assistência litisconsorcial, a coisa julgada atingirá o assistente658, como, aliás, atingiria ainda que não houvesse o pedido de assistência, pois o regime do litisconsórcio, conquanto facultativo, é unitário. Na assistência litisconsorcial, a lide diz respeito diretamente ao assistente, o que já não sucede, como visto, no regime da assistência simples, justificando a diferença de tratamento. Como a lide lhe diz respeito diretamente, o assistente litisconsorcial age como se verdadeiro litisconsorte fosse, com independência da atuação da parte assistida. Havendo recurso de ambas as partes, aplica-se a regra do art. 229 do CPC/2015 quanto aos prazos processuais. Isso quer dizer que, ao contrário do que sucede com o assistente simples
(art. 122), o assistente litisconsorcial pode não concordar com a desistência ou o reconhecimento jurídico do pedido por parte do assistido, por exemplo. Tendo em vista que o regime da assistência litisconsorcial é o mesmo do litisconsórcio unitário, referidos atos só terão eficácia se não forem contrariados pelo assistente. Apesar de sua condição privilegiada, comparativamente ao assistente simples, o assistente litisconsorcial não poderá desistir, reconvir, ou ajuizar ação declaratória incidental, eis que se trata de atos de disponibilidade e, em razão da unitariedade do litisconsórcio, requerem a vênia do assistido659. Sintetizando, temos que, como não há litisconsórcio facultativo ulterior, pode-se dizer que o assistente litisconsorcial é o litisconsorte facultativo unitário que não interveio no momento da formação da relação jurídica processual. 6. A intervenção da União e pessoas jurídicas de direito público – Lei n. 9.469/97 Cumpre referir, neste passo, a hipótese prevista no art. 5º da Lei n. 9.469/97, resultado da conversão da Medida Provisória n. 1.561, que dispensa a demonstração de interesse jurídico na causa, in verbis: “Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência,
serão consideradas partes”. A Lei n. 9.469/97 trata, sem dúvida, de figura peculiar de intervenção, haja vista que o art. 5º, parágrafo único, do aludido diploma legal dispensa a demonstração de interesse jurídico para que haja intervenção da União e demais pessoas jurídicas de direito público nas causas cuja decisão possa lhes causar reflexos de natureza econômica. Basta o elemento volitivo, ao menos pela letra do texto legal. No sistema codificado, a assistência exige a demonstração de interesse jurídico. É preciso que aquele que pretende intervir como assistente demonstre que a solução da lide gerará reflexos na relação jurídica que mantém com o assistido (caput do art. 119 do CPC/2015). Já na hipótese contemplada no parágrafo único do art. 5º da Lei n. 9.469/97, temos que o mero interesse econômico autoriza aludida modalidade de intervenção. Nesse sentido a posição de respeitáveis setores doutrinários. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, à luz do CPC/73, dispõem a respeito da modalidade de intervenção de que trata a Lei n. 9.469/97, perfilham o entendimento segundo o qual se trata de “intervenção na qualidade de assistente, com regime jurídico sui generis, pois não se exige desse assistente o interesse jurídico de que trata o CPC 50”660. No mesmo sentido a opinião de Cassio Scarpinella Bueno: “O art. 5º e seu parágrafo único da Lei n. 9.469/97 criam uma espécie diferenciada de assistência que, por sua própria estrutura, afasta-se do modelo do Código de Processo Civil. Como a lei extravagante, todavia, não lhe traçou procedimento próprio (à exceção do ‘postergamento’ relativo ao deslocamento de foro, que só se concretiza quando houver recurso – de discutível constitucionalidade, repito), as regras codificadas devem ser aplicadas na forma do art. 51. O que parece de relevo para o instituto, de
qualquer sorte, é destacar que a possibilidade de intervenção decorre imediatamente da lei, desnecessário que a Administração Pública Federal demonstre aqui qualquer interesse jurídico concreto, que decorra, em alguma medida, da relação jurídica material deduzida em juízo. Estão as pessoas administrativas federais legitimadas a intervir porque a lei assim determinou”661. A propósito, colacionamos o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Processual civil. FGTS. Expurgos inflacionários. Agravo regimental no recurso especial. Assistência da união. Concessão dos índices referentes aos períodos de abril de 1990 e janeiro de 1989, nos percentuais de 44,80% e 42,72%, respectivamente. 1. É possível a intervenção da União nos feitos em que não for parte, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/97, ainda que seu interesse seja reflexo, desde que figurem como partes autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. 2. A decisão recorrida deu provimento ao recurso especial, uma vez que os valores pleiteados estão em consonância com o disposto da Súmula 252 do STJ. Assim, ao contrário do alegado pela agravante, a decisão encontra-se suficientemente clara ao conceder ao recorrente os índices referentes aos períodos de abril de 1990 e janeiro de 1989, nos percentuais de 44,80% e 42,72%, respectivamente. Agravo regimental improvido”662. Nesse mesmo sentido, há outros julgados do Superior Tribunal de Justiça663. Nesse sentido também há decisões do Supremo Tribunal Federal664. Há, no entanto, julgados no sentido de que a demonstração de interesse jurídico é indispensável para que a União possa intervir, e que dão uma interpretação mais restritiva ao espectro do atuar da União com amparo no parágrafo único do art. 5º da Lei n. 9.469/97: “Processo Civil. Intervenção da
União em feito – Autarquia federal como ré – Lei n. 9469 – Interesse jurídico. Para que seja admitida a intervenção de terceiro em certa demanda, na qualidade de assistente, necessário se faz que demonstre ele interesse jurídico, ou seja, é necessário demonstrar que alguma relação jurídica do interveniente será afetada com a decisão da causa. A intervenção da União Federal, em causas nas quais entes da Administração indireta atuam como partes, também exige interesse jurídico, não bastando interesse econômico, mesmo à luz da Lei n. 9.469/97. A interpretação do artigo 5º, parágrafo único, de tal lei, deve ser feita no sentido de admitir que a União possa prestar esclarecimentos, juntar documentos, independentemente do interesse jurídico, hipótese na qual sua atuação é circunstancial, sem que permaneça nos autos, como interveniente”665. Por outro lado, parece-nos, todavia, de constitucionalidade questionável, diante do disposto no art. 109, I do Texto Supremo, o disposto na parte final do parágrafo único do mencionado art. 5º no sentido de que se houver recurso, haverá deslocamento de competência (para a Justiça Federal). A propósito, aliás, tenha-se presente a Súmula 150 do STJ, vazada nos termos seguintes: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. Todavia, a respeito do deslocamento de competência apenas na hipótese de interposição de recurso, podemos colacionar a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça, lastreada em outros precedentes daquela Corte Superior: “Direito processual civil – Competência – Juízo federal – Declinação da competência para a justiça estadual – Interesse da união não caracterizado – Acórdão que, em agravo de instrumento, reconhece o
interesse reflexo da União na ação ajuizada em face de concessionária de serviço de telefonia, dada a competência fiscalizadora da Anatel – Agência que não manifesta interesse e não integra o feito. I – Não justificado o interesse jurídico da União no feito, é de se reconhecer a incompetência da Justiça Federal para seu processamento e julgamento. A Lei n. 9.469/97, que alberga hipóteses de intervenção da União independentemente de interesse jurídico, impõe o deslocamento da competência apenas no caso de interposição de recurso, fato não ocorrente no caso, no qual sequer houve manifestação do ente público nem de suas autarquias”666.
XIII DENUNCIAÇÃO DA LIDE
1. Introdução A denunciação da lide tem como finalidade trazer estranho ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte (autor/réu), visando dispensar a possibilidade de futura ação regressiva autônoma. Está prevista nos arts. 125 a 129 do CPC. Nas palavras de Thereza Alvim: “Destina-se, a denunciação da lide, a introduzir em relação jurídica processual outra lide, aquela que se forma entre denunciante e denunciado”667. Configura, na verdade, uma ação que é proposta pelo denunciante contra o denunciado, assim conceituada por Moacyr Amaral Santos: “Denunciação da lide é o ato através do qual o autor ou o réu chamam a juízo terceira pessoa, que seja garante de seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na demanda em que se encontram”668. Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, a propósito, dizem: “No mais comum dos casos, a denunciação acontece quando o raciocínio do réu é o seguinte: se eu for eventualmente condenado, porque se entenda que eu tenho responsabilidade perante o autor
A, eu (B) tenho o direito de ressarcir-me perante C. Como C é o ‘verdadeiro’ responsável, vou me servir do instituto da denunciação da lide para evitar que, posteriormente, se for condenado a indenizar A, tenha que mover outra ação, regressiva, contra C”669. Diz-se que essa ação (e não meio de defesa) é eventual, no sentido de que ela somente terá função prática se julgada a ação principal desfavoravelmente ao litisdenunciante. Só haverá a possibilidade de vir a ser julgada procedente, se julgada a lide principal desfavoravelmente ao litisdenunciante670. Em realidade, há entre a ação principal e a denunciação da lide uma relação de prejudicialidade. Ou seja, vencido o denunciante, apreciar-se-á, então, a denunciação da lide. É possível que, na decisão sobre a denunciação, o denunciado seja condenado, ou não. A procedência da ação principal contra o denunciante apenas abre a possibilidade de ser apreciada a denunciação da lide. À improcedência da ação principal liga-se o resultado de que a denunciação restará prejudicada. Segundo Arruda Alvim, “com a admissão da denunciação, teremos duas ações tramitando simultaneamente. Duas lides em uma mesma relação jurídica processual. Uma, a principal, movida pelo autor contra o réu – partes originárias do processo e uma segunda, movida pelo denunciante em face do denunciado. Essa segunda ação corresponde àquela na qual o direito de regresso poderia futura e autonomamente ser exercido. Contudo, se a primeira ação proposta em face do réu-denunciante for julgada improcedente, saindo esse como vencedor, inexistirá pretensão regressiva. Não por outra razão, a lei é expressa em dispor que ‘se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide’ (art. 129 do CPC/2015)”671-672. Há duas lides que serão processadas em simultaneus
processus, devendo ser decididas na mesma sentença. Trata-se de ação movida pelo litisdenunciante contra o litisdenunciado, regido o assunto pelo princípio dispositivo, de modo que é vedado ao juiz proceder de ofício à denunciação673. Como a denunciação da lide é uma ação que tramita simultaneamente à ação principal, deve-se também verificar se se encontram presentes os pressupostos processuais e as condições da ação para que a denunciação seja admitida pelo juiz. A circunstância de o denunciante vir a sucumbir na ação principal não significa, como já dissemos, que a denunciação da lide deva ser necessariamente julgada procedente. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro: “Realmente, se o denunciante for vitorioso na ação principal, a ação regressiva será necessariamente julgada prejudicada; se, no entanto, o denunciante sucumbir (no todo ou em parte) na ação principal, a ação de denunciação da lide tanto poderá ser julgada procedente (se realmente existir o direito de regresso) como improcedente”674. Como a denunciação da lide, na realidade, é uma nova ação dentro do mesmo processo, o art. 126 do CPC prescreve que o litisdenunciado deverá ser citado para comparecer ao processo. Caso o réu não apresente contestação dentro do prazo cabível, haverá presunção (relativa) de veracidade dos fatos contra ele descritos, pelo autor, na inicial. No entanto, algumas considerações devem ser feitas a respeito desta hipótese. Se o litisdenunciado tiver sido devidamente citado, não comparecer ao processo e não contestar a denunciação, este será considerado revel. Evidentemente, a despeito da revelia do denunciado, não se pode, apenas por isso, cogitar de julgamento antecipado da denunciação da lide. É que a
possibilidade de ser percutido o mérito da denunciação depende, sempre, da procedência da ação principal, como observa argutamente Arruda Alvim: “O denunciado, não contestando, será revel. Mas, nem pelo fato de ser revel, art. 344, do CPC/2015, é, nesse contexto, cogitável que se lhe aplique o efeito da revelia, para o fim de julgamento antecipado (art. 355, II, do CPC/2015), dado que a procedência/improcedência da ação principal (conforme o caso), é que habilita o magistrado à apreciação da denunciação. O art. 344, citado, no entanto, poderá ser aplicado, conforme as circunstâncias, na sentença final (ou na sentença que, antecipadamente também julgue a ação principal). E isto para o fim de se terem como verdadeiros os fatos embasadores da denunciação. Poderá, quando da prolação da decisão de mérito, se for o caso, aplicar-se o art. 341 do CPC/2015675. Conquanto o denunciado, em relação ao denunciante, tenha interesse próprio de assistente simples, sua posição processual, em relação àquela do denunciante, é de igualdade, como se de verdadeiros litisconsortes se tratasse. Conforme veremos com mais vagar adiante, nas hipóteses descritas no art. 125, I e II, o interesse do denunciado é similar àquele do assistente simples, na medida em que não tem relação jurídica com o adversário do denunciante, mas tem interesse em que aquele não se saia vitorioso, com o que restará prejudicada a denunciação da lide. O art. 128, I, no entanto, dispõe que o denunciado, ao contestar o pedido formulado pelo autor, assume a posição de litisconsorte do denunciante. Trata-se, por certo, de um litisconsórcio sui generis, na medida em que inexiste, como dito, relação jurídica entre o denunciado e o adversário do denunciante. Cumpre ressaltar, ainda, que o art. 125, caput, do CPC/2015 é expresso
em facultar às partes valerem-se do instituto da denunciação da lide, ao dispor ser “admissível” às partes. Nesse sentido, teria o novo Código encerrado discussão relevante a respeito da obrigatoriedade da denunciação para fins de garantia do direito material à indenização, verificada durante a vigência do CPC/73. Assim, o texto normativo do art. 70 do antigo diploma utilizou a expressão “obrigatória” para se referir à denunciação da lide. Não obstante referida redação, com o decorrer do tempo, foram desenvolvidos diferentes entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do dispositivo. Em um primeiro momento, atribuiu-se caráter obrigatório apenas à hipótese prevista no inciso I do art. 70 do CPC/73676, em respeito ao que dispunha o art. 456 do CC/2002, segundo o qual: “Para poder exercitar o direito que dá evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. A esse respeito, Celso Agrícola Barbi pontuou que a expressão “obrigatória”, estabelecida no caput do art. 70, “é inadequada, do ponto de vista da linguagem processual, em que, geralmente, se usa outra mais expressiva, que é ônus. Enquanto à obrigação corresponde um direito, no ônus não há essa correspondência. O ônus é a atribuição de certa conduta a uma parte. Se ela observa essa conduta, pratica o ato imposto por lei, nada lhe acontece. Por isto, sempre se entendeu que, no caso de evicção, há para o adquirente o ônus de chamar à autoria o alienante, na demanda sobre o bem, porque assim o exige o art. 1.116 do Código Civil [atual art. 456 do CC], como condição para obter indenização pelos prejuízos causados pela evicção. Assim, quanto ao caso de evicção, o art. 70 apenas confirmou, com
linguagem pouco técnica, o ônus criado pelo Código Civil”677. Desse modo, percebe-se que o ônus de denunciar à lide, nessa hipótese (art. 70, I, do CPC/73), decorria, como dito, não da letra do art. 70, caput, do CPC/73, mas do Código Civil, que impunha a perda do direito de demandar pela evicção àquele (comprador) que não oferece denunciação da lide ao alienante (art. 456 do CC). Por outro lado, como bem observado por Celso Agrícola Barbi, no que tange às hipóteses dos incs. II e III do art. 70 do CPC/73, o ônus não consta da lei civil ou comercial. “Todavia, a lei processual é da mesma categoria da lei substancial em nosso direito constitucional, são ambas de natureza ordinária, com igual força, de modo que o Código de Processo Civil pode modificar disposições de lei civil ou comercial (...). Nos casos dos itens II e III do art. 70, a lei civil não criou condições ou ônus para o exercício do direito de indenização ou de regresso. A lei processual, realmente, no caput do art. 70, diz que haverá denúncia obrigatoriamente, mas não criou sanção para o inadimplemento dessa obrigação. Como penalidade, a perda do direito precisaria ser expressamente cominada. (...). A falta da denunciação da lide nos casos dos itens II e III daquele artigo não leva à perda do direito de indenização ou regresso; apenas impede que esse direito seja exercido no processo onde deveria ter sido feita a denunciação, de modo que ele só poderá ser reclamado em processo posterior”678. Entretanto, com o passar do tempo, fixou-se entendimento de que em nenhuma das hipóteses previstas no art. 70 do CPC/73 seria obrigatória a denunciação da lide.679 Inclusive, teria o STF se manifestado nesse sentido, reconhecendo a prescindibilidade do instituto para fazer valer o direito de regresso da parte interessada680.
O CPC/2015, por sua vez, acatou este último entendimento, haja vista a revogação expressa do art. 456 do CC/2002 pelo seu art. 1.072, inciso II, bem como a redação atribuída ao art. 125, caput e § 1º (“O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida”). Desta feita, o direito material à indenização não mais está condicionado à denunciação da lide, podendo ser exercido por meio de ação autônoma. Vale mencionar que a denunciação da lide oferece várias vantagens, dentre as quais a de evitar soluções teoricamente contraditórias681, pois, não sendo oferecida denunciação, a solução dos fatos não vincula o juiz da ação regressiva. Ainda, o CPC/2015, em seu art. 125, § 2º, autorizou a denunciação sucessiva, porém uma única vez. Assim, o litisdenunciado, poderá denunciar a lide unicamente contra o seu antecessor imediato na cadeia dominial ou contra quem seja responsável por indenizá-lo. O denunciado sucessivo, por sua vez, não poderá promover nova denunciação, hipótese na qual eventual direito de regresso deverá ser exercido mediante ação autônoma. A denunciação sucessiva era prevista pelo CPC/73 no seu art. 73. Segundo o antigo dispositivo, o denunciante poderia intimar “do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o responsável pela indenização e, assim, sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente”. À época, entretanto, fixou-se entendimento no sentido de limitar a cadeia sucessiva quando causasse delonga processual muito grande. A respeito do regime proposto pelo CPC/73, lecionou Cassio Scarpinella Bueno: “toda vez que novas denunciações tiverem aptidão para empecer o encerramento do litígio, a uniformidade da instrução e a tramitação
processual, tornando indefinida, incerta ou distante no tempo a solução final da ação principal, devem as mesmas ser vedadas, reservada, sempre – e em qualquer caso –, a viabilidade da propositura de futuras ações regressivas por aqueles que assumiram a condição de denunciantes (...). Admitida a denunciação sucessiva da lide – o único óbice, o princípio da economia processual –, a citação de novos denunciados ensejará novas ações regressivas, todas eventuais em relação à anterior, é dizer: só se devem conhecer e analisar estas ações de regresso quando o denunciante tiver necessidade de exercitar o direito nelas veiculado e que fundamenta esta modalidade de intervenção de terceiros”682. Outra questão interessante diz respeito à denominada denunciação da lide per saltum. Entende-se por denunciação per saltum aquela feita a qualquer dos participantes da cadeia dominial, e não apenas ao alienante imediato, ainda que não haja qualquer relação jurídica direta entre o denunciante e o denunciado indireto. Com efeito, tal modalidade de denunciação era admitida por alguns durante a vigência do CPC/73, com fundamento no já mencionado art. 456 do CC, segundo o qual o “adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores”, na hipótese de denunciação da lide formulada com base no antigo art. 70, I. A esse respeito, segundo lições de Cassio Scarpinella Bueno, “o novo art. 456 do Código Civil admite que se litigue com alguém em juízo independentemente de relação jurídica de direito material. Rigorosamente falando e abstraindo os problemas da execução deste julgado, a hipótese, posto que adstrita aos casos de evicção, afina-se à ideia de legitimação extraordinária. Em juízo estará alguém (o alienante) litigando, em nome próprio, por direito alheio (do adquirente ou, mais amplamente, dos
diversos componentes, senão de todos, da cadeia dominial)”683. Entretanto, referida questão sempre foi controvertida na comunidade jurídica, a exemplo do posicionamento de Alexandre Câmara, para quem, mesmo sob o regime do CPC/73, não haveria que se falar em denunciação da lide per saltum, eis que isto levaria “a admitir que se afirmasse a responsabilidade de uma pessoa perante outra com quem não tem qualquer relação jurídica”684. Além disso, de acordo com esse jurista, “é preciso observar que a lei civil afirma a possibilidade de se fazer a denunciação da lide ao alienante imediato, ou a qualquer dos anteriores, ‘quando e como lhe determinarem as leis do processo’. Essa cláusula final remete ao sistema do CPC/73, segundo o qual a denunciação da lide seria feita pelo adquirente ao seu alienante imediato e este, por sua vez, denunciará a lide a quem lhe transferiu o bem, e assim por diante”685. Por fim, o CPC/2015, conforme já mencionado, revogou expressamente art. 456 do CC/2002, através do que preceitua o seu art. 1.072, inciso II. Nestes termos, não contém dispositivo que autorize de forma expressa a denunciação per saltum, tal qual o regime do CPC/73. Pelo contrário, permite “uma única denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial” (art. 125, § 2º, do CPC/2015). 2. Hipóteses Analisemos, uma a uma, as hipóteses do art. 125 do CPC. O inciso I dispõe ser admissível, de acordo com a literalidade do dispositivo, a denunciação “ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam”686.
Na conceituação de Maria Helena Diniz, “evicção é a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da exigência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato”687. Pode ocorrer, por exemplo, como consequência de ação reivindicatória ou de usucapião. Segundo Athos Gusmão Carneiro, no entanto, a denunciação da lide também tem sido admitida nas ações possessórias, pois “o instituto da evicção socorre não apenas o adquirente do domínio, mas também abrange os casos de transferência da posse ou uso”688. A responsabilidade pela evicção pode ser afastada pelas partes contratantes, de acordo com o disposto no art. 448 do CC. Todavia, mesmo presente a cláusula que exclui a garantia contra a evicção (cláusula non praestanda evictione), o evicto tem o direito de receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não sabia ou não foi informado do risco da evicção (art. 449 do CC), ou, dele informado, não o assumiu. O direito à evicção, registre-se, é mais amplo do que o de recobrar o preço, abrangendo devolução do preço, lucros cessantes, danos emergentes, juros etc. (art. 450, I, II e III, do CC). Por isso, já antes do advento do CPC/2015, o STJ vinha decidindo que o “direito que o evicto tem de recobrar o preço, que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado, de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa”689-690. Para que o adquirente possa exercer o direito decorrente desse dispositivo, poderá oferecer denunciação da lide, hipótese na qual poderá se valer de imediato título executivo contra o denunciado, produzido no bojo da ação principal, consoante art. 125, I, do CPC/2015. Em sendo a denunciação da
lide uma faculdade, poderá o adquirente reaver os seus direitos também por meio de ação autônoma. . Vale mencionar, todavia, que a denunciação à lide comporta exceções, a exemplo dos casos de ação de reparação de danos causados ao consumidor. Conforme dispõe o art. 88 do Código do Consumidor: “Na hipótese do art. 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide”. De acordo com Kazuo Watanabe, “A denunciação da lide, todavia, foi vedada para o direito de regresso de que trata o art. 13, parágrafo único, do Código, para evitar que a tutela jurídica processual pudesse ser retardada e também porque, por via de regra, a dedução dessa lide incidental será feita com a invocação de uma causa de pedir distinta. Com isso, entretanto, não ficará prejudicado o comerciante, que poderá, em seguida ao pagamento da indenização, propor ação autônoma de regresso nos mesmos autos da ação originária”691. Na hipótese do inciso II do art. 125, cabe denunciação da lide “àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo”. Contra aquele que estiver obrigado por lei ou por contrato a indenizar faculta-se, pois, o oferecimento de denunciação da lide. Nem sempre o alcance desse dispositivo é bem compreendido. Pelo art. 125, II, quando houver obrigação legal ou contratual de garantir o resultado da demanda, o interessado poderá se valer da denunciação da lide. Todavia, se esse direito de regresso não defluir da lei ou do contrato, há de ser reclamado em ação autônoma, sob pena de tumultuar o andamento do feito principal692. Por isso,
inadmite-se, por exemplo, denunciação da lide de banco contra empresa de vigilância, pelo mau cumprimento do contrato por esta, na ação em que o banco é acionado por roubo de cofres de segurança693. As denunciações da lide às companhias seguradoras são exemplos corriqueiros de aplicação do inciso II do art. 125. Cumpre destacar que o conteúdo do art. 125, II, do CPC/2015 guarda correspondência com o que dispunha o art. 70, III, do CPC/73. Verifica-se que, já à época do antigo Código, a presente hipótese de cabimento da denunciação da lide era objeto de polêmicas na sua interpretação e aplicação. Inicialmente, discute-se acerca do cabimento de denunciação da lide do Estado ao funcionário. Há quem diga que, sendo a responsabilidade do Estado de cunho objetivo (CF, art. 37, § 6º), e como ele só pode demandar contra o funcionário por culpa, descaberia a denunciação, pois esta implicaria levantar fundamento novo (culpa), hipótese em que o direito ao regresso não decorreria de lei ou de contrato (inciso II do art. 125)694. Parece-nos, todavia, em linha de princípio, que não é possível generalizar essa conclusão. É possível que, mesmo à luz do art. 37, § 6º, da CF, o Estado seja demandado por culpa ou dolo do funcionário, hipótese em que nos parece perfeitamente cabível a denunciação da lide. Aliás, não é incomum, na ordem prática, que se procure responsabilizar o Estado imputando comportamento culposo a seu funcionário. Se, ao revés, o Estado for demandado por responsabilidade objetiva, parece ser inviável a denunciação695. Se se admitisse, nesta última hipótese, a denunciação, estar-se-ia admitindo que o Estado, ao procurar demonstrar a culpa do funcionário, agisse contra seus próprios interesses, pois o reconhecimento dessa culpa acarretaria, ipso facto, sua responsabilização,
atentando contra o princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Ademais disso, estar-se-ia introduzindo na denunciação fundamento novo (culpa do funcionário), o que corrobora a conclusão de que a denunciação, nesses casos, não deve ser aceita. Cassio Scarpinella Bueno, a propósito, explica: “Quando a defesa do Estado tomar como base, destarte, a ocorrência de culpa (exclusiva ou concorrente), não há como não reconhecer que se amplia o objeto do conhecimento do juiz e, por isto, a denunciação da lide deve ser admitida, afastando-se os óbices expostos no parágrafo anterior. Com muito mais razão quando a ação do particular já traz, como um de seus fundamentos, também a ocorrência de culpa. Se, inversamente, entre a ‘ação regressiva’ e a ‘ação principal’ não houver qualquer uniformidade de fundamentos, mais correto, do ponto de vista processual, o entendimento que veda a denunciação da lide por contrariar a otimização da prestação jurisdicional, vale dizer, por representar violação ao princípio da economia processual”696. O Superior Tribunal de Justiça, todavia, já decidiu que é possível denunciação da lide ao agente público697. Casos há em que, conquanto houvesse o direito à denunciação da lide, não tendo sido admitida a denunciação, não se justifica, reformada aquela decisão, a anulação do processo, tendo em vista o princípio da economia processual698. Cumpre examinar, ainda, se cabe denunciação da lide em caso de “garantia imprópria”, que é aquela que não está prevista no contrato ou na lei, mas decorre de um direito genérico de regresso. Há divergência quanto à possibilidade de se denunciar a lide em caso de garantia
imprópria.
Argumenta-se
contrariamente
ao
cabimento
da
denunciação da lide em caso de garantia imprópria no sentido de que a admissão da denunciação da lide, em casos tais, conduziria à necessidade de introdução de fundamento novo, tumultuando, com isso, o andamento do feito principal. De outro lado, em prol do cabimento da denunciação da lide em tais casos, tem-se a considerar o princípio da economia processual e a redução do risco de decisões logicamente contraditórias. Ao analisar a denunciação da lide, nos casos de garantia imprópria, Arruda Alvim esclarece que o direito italiano faz distinção entre garantia própria e garantia imprópria, que acabou por encontrar “alguma ressonância prática no Brasil (...) para o fim de entendimento de que a chamada garantia imprópria estaria fora do âmbito da denunciação da lide”699. Ainda sob égide do CPC/73, Fernando Setembrino, ao se referir ao art. 70, III (conforme já mencionado, dispositivo correlato ao art. 125, II, do CPC/2015), dispõe que a denunciação da lide restringe-se aos casos em que há “o direito de regresso direto, automático, decorrente do instituto da subrogação”, tendo em vista que o autor não tem de suportar discussões paralelas, inserindo fatos novos no bojo da ação por ele ajuizada. Afirma, ainda, a propósito, o mesmo autor: “Quando as relações jurídicas, que embasam as lides (a principal, da ação; e, a secundária, da denunciação), derivam de contratos diversos, inexistindo a figura da sub-rogação, legal ou convencional, não há como se falar em direito de regresso, automático, a ser amparado pelo inciso III do art. 70 do CPC. “Para a procedência da ação de garantia, automática e regressiva, o denunciante deve fundamentar o seu pedido na existência de lei ou de contrato, no qual esteja predefinida a obrigação de ressarcimento dos prejuízos reclamados pela parte autora, pelo instituto da sub-rogação”700.
Parece-nos não ser possível firmar em abstrato uma conclusão definitiva sobre o cabimento da denunciação da lide em caso de garantia imprópria. Se, à luz do caso concreto, o juiz concluir que a denunciação da lide tumultuará por demais o processo, deve indeferir a denunciação, mesmo porque lhe cabe “velar pela duração razoável do processo” (CPC, art. 139, II); do contrário, isto é, entendendo o juiz que a denunciação da lide não comprometerá o andamento do feito principal, deverá admiti-la, ainda que fundada em garantia imprópria. Ainda a respeito da hipótese de denunciação da lide estampada no art. 125, II, cumpre-nos analisar, neste diapasão, também, o disposto no § 3º do art. 787 do Código Civil, atinente à denunciação da lide formulada pelo segurado contra o segurador nas hipóteses de seguro de responsabilidade civil. De acordo com a letra de aludido dispositivo legal, “intentada a ação contra o segurado, dará esta ciência da lide ao segurador”. Tal dispositivo deve ser analisado em conjunto com o art. 771, também do Código Civil, que estatui: “Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências”. Existem divergências doutrinárias sobre qual modalidade de intervenção de terceiro alude o § 3º do art. 787 do CC/2002. No entanto, temos para nós que o atendimento ao comando estampado no § 3º do art. 787 do CC/2002 deve ser feito por meio de denunciação da lide, nos termos do art. 125, II. Já na vigência do CPC/73, verificamos julgados no sentido de que não se deve anular o processo, tendo sido indeferida a denunciação da lide pelo juiz de primeiro grau e provido ulteriormente o recurso contra referida decisão: “Julgada a causa, não há invalidar o processo em que se não admitiu a
litisdenunciação, sobretudo em caso de garantia imprópria, pois não ofenso o direito de regresso”701; “Denunciação da lide ao motorista culpado pelo acidente. Em princípio, pode ser feita (CPC, art. 70, III); mas, se indeferida, ficará resguardado o direito de regresso em ação autônoma. A anulação de todo o processo, desde a audiência, iria contra o princípio da economia processual, que a denunciação da lide, máxime nos casos de ‘garantia imprópria’, busca resguardar”702. Entendemos que a anulação do processo, se provido o recurso contra a decisão que tiver indeferido a denunciação da lide, deve ser decidida caso a caso, mas, em linha de princípio, defendemos o entendimento de que, provido o agravo, e reformada a decisão que não tenha admitido denunciação da lide, não se justifica pura e simplesmente a anulação do processo, eis que, dependendo do estágio em que se encontra, a anulação poderia vir a colidir com o princípio da economia processual. Nesse sentido, já decidiu o STJ703. 3. Procedimento A denunciação da lide, como regra, é utilizada contra quem não é parte, se bem que nada impede seja oferecida contra litisconsorte, sendo, neste caso, oferecida contra esse litisconsorte a outro título. A parte contrária ao litisdenunciante não poderá simplesmente “não querer” a denunciação da lide, muito embora possa insurgir-se contra esta do ponto de vista estritamente jurídico, demonstrando não se tratar de hipótese de denunciação da lide. O juiz poderá inadmitir liminarmente a denunciação da lide, como poderá fazê-lo posteriormente, à luz da impugnação do denunciado, não se operando preclusão pro iudicato. Assim como em relação à ação principal originariamente admitida, o juiz pode rever sua posição (art. 485, § 3º, do
CPC). O
litisdenunciado
coloca-se
em
relação
à
parte
contrária
ao
litisdenunciante, como litisconsorte (arts. 127 e 128, I). Todavia, a despeito da letra da lei, quer parecer que a hipótese mais se aproxima do instituto da assistência (simples), tendo em vista a atuação conjunta no processo principal, pois o litisdenunciado não tem relação jurídica alguma com o adversário do litisdenunciante. Na verdade, trata-se de um assistente simples, que recebe tratamento especial, tal como se fosse hipótese de litisconsórcio, tendo em vista a atuação e o resultado do processo principal. O litisdenunciado pelo autor poderá, inclusive, aditar a petição inicial (art. 127), prevalecendo a estrutura que o litisdenunciado confira à lide (do contrário, estar-se-ia negando significado prático ao art. 127). O art. 128 trata da denunciação da lide oferecida pelo réu. Pelo seu inciso I, se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá, com uma lide (entre autor, de um lado, e litisconsortes – litisdenunciante e litisdenunciado –, de outro) e outra (entre esses litisconsortes – litisdenunciante e litisdenunciado). Em sendo revel o denunciado, o denunciante poderá deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva (art. 128, II). Ainda, verificada a confissão do denunciado quanto aos fatos alegados pelo autor na ação principal, poderá o denunciante prosseguir com a sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir a procedência da ação de regresso, a teor do que preconiza o inciso III do art. 128. A defesa do denunciado aproveita ao denunciante704. Conquanto o denunciado, em relação
ao denunciante, tenha interesse próprio de assistente simples, sua posição processual, em relação àquela do denunciante, é de igualdade, como se de verdadeiros litisconsortes se tratasse. Há decisões, proferidas tanto na vigência do CPC/73 como na vigência do CPC/2015, no sentido da aplicação do art. 229 (art. 191, CPC/73): “Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento”), na hipótese de ocorrência da denunciação da lide: “Denunciação da lide. Prazo em dobro. Aplica-se a regra do art. 191 do CPC quando litisdenunciado e litisdenunciante têm procuradores distintos. Precedentes do STJ. Recurso conhecido e provido”705. Em sendo vencido o denunciante na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide, consoante art. 129 do CPC/2015. Frisese, por importante, que o fato de o denunciante ser vencido na ação principal não significa, necessariamente, deva ser julgada procedente a lide secundária (poderá estar caduco o contrato de seguro em que se fundamentou a denunciação, por exemplo). Por outro lado, se o denunciante for vencedor, preceitua o parágrafo único do art. 129 que a ação de denunciação não terá seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado. Vale mencionar, segundo Nelson Nery, que, a despeito do trâmite simultâneo de duas ações diferentes, ambas serão resolvidas pelo mesmo ato decisório: “Se assim é, segue-se que é fora de dúvida que a pretensão consubstanciada na denunciação da lide tem independência existencial, tendo
em vista a pretensão deduzida em primeiro lugar, com base em qualquer um dos incisos do art. 125 do CPC/2015. Entretanto, se há essa existência distinta, há unidade procedimental, devendo, ambas, marcharem pari passu em todos os pontos recebendo, a final, sentença formalmente unitária”706. Ademais, a sentença não será propriamente declaratória (rectius, meramente declaratória). Na verdade, a sentença que julgar procedente a ação principal será condenatória, e constitui-se, igualmente, em título executivo em favor do denunciante (art. 515, I). Essa é uma das vantagens da denunciação: há solução de duas lides sucessivamente conexas, formando-se duplo título executivo. O autor deverá requerer a citação do denunciado na petição inicial e, em sendo o réu a parte denunciante, a este caberá requerer a citação do denunciado no bojo da sua contestação. Verificar-se-ão, para tanto, os prazos previstos no art. 131 do CPC/2015 (art. 126). Uma possível hipótese de o autor requerer denunciação é a seguinte: A move contra B ação reivindicatória, oferecendo simultaneamente denunciação da lide a C, alienante, para que, se eventualmente perder a demanda principal (reivindicatória), possa cobrar de C (alienante-denunciado) indenização pela evicção. A denunciação deve ser feita na inicial; caso contrário, ocorre preclusão. Discute-se se o réu pode arguir sua ilegitimidade passiva e oferecer denunciação da lide. Há quem diga que sim, que tal possibilidade decorreria do princípio da eventualidade da defesa. Outros sustentam que não, pois o réu que se diz parte ilegítima passiva na ação principal automaticamente será parte ilegítima ativa na denunciação707. Não se aplicaria, segundo essa última corrente, o princípio da eventualidade da defesa, pois a denunciação não é
defesa, senão que representa o exercício do direito de ação. Afigura-se-nos mais correta a primeira posição, conquanto não se possa falar, rigorosamente, em princípio da eventualidade da defesa, pois o oferecimento de denunciação da lide não é propriamente matéria de defesa, mas modo de trazer terceiro ao processo para exercício do direito de regresso contra ele (litisdenunciado), através de ação, dentro do processo no qual corre a ação principal708. O juízo competente para conhecer da causa principal será o competente para apreciar a denunciação. Caso seja absolutamente incompetente para a denunciação, não será a mesma admissível709. Questão interessante referente à denunciação da lide que não pode deixar de ser mencionada, diz respeito à possibilidade de condenação direta do denunciado se este vier a contestar diretamente o pedido formulada pelo autor, adversário do denunciante. Nessa hipótese (normalmente aplicada à denunciação da lide formulada contra seguradoras), o denunciado poderá vir a ser condenado, eis que o processo seguirá entre autor de um lado e denunciado e denunciante do outro, figurando como litisconsortes (art. 128, I do CPC). Há inúmeros acórdãos do STJ nesse sentido. Vejamos o seguinte julgado, proferido ainda sob égide do CPC/73: “Processo civil. Recurso especial. Ação de reparação de danos materiais. Denunciação da lide da seguradora. Aceitação da denunciação e contestação do mérito. Condenação direta e solidária da seguradora. Cabimento. Precedentes. Em demanda onde se busca a indenização de danos materiais, aceitando o litisdenunciado a denunciação feita pelo réu, inclusive contestando o mérito da causa, exsurge a figura do litisconsórcio anômalo, prosseguindo o processo entre o autor, de um lado, e, de outro, como litisconsortes, o denunciado e o denunciante, que
poderão vir a ser condenados, direta e solidariamente, ao pagamento da indenização. Esta, nos termos da jurisprudência uníssona deste Tribunal, é a interpretação a ser dada ao preceito contido no art. 75, I, do Código de Processo Civil”710. Já se decidiu, inclusive, que não há qualquer prejuízo se a sentença, ao mesmo tempo, extinguir o processo sem resolução do mérito por carência de ação em relação ao denunciante e julgar o pedido procedente ou improcedente em relação ao denunciado se este vier a aceitar a denunciação e contestar o pedido formulado pelo autor (adversário do denunciante), o que robustece a possibilidade de condenação direta contra o denunciado nessas hipóteses711. É importante destacar, contudo, embora a lei trate denunciante e denunciado como litisconsortes (art. 128, I), na hipótese do art. 125, II, o caso é de assistência simples, pois o denunciado não tem qualquer relação jurídica com o adversário do denunciante. Contudo, se a seguradora for demandada diretamente pela vítima do dano, muito embora uma e outra não tenham relação jurídica, é cabível a condenação direta da seguradora, em função do que dispõe a lei civil, mais precisamente, o art. 787, caput, do CC/2002, no sentido de que “o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”.
XIV CHAMAMENTO AO PROCESSO
1. Chamamento ao processo O chamamento ao processo vem disciplinado nos arts. 130 a 132 do CPC/2015, consubstanciando uma das formas de ingresso coativo de outro réu no processo. O réu, sendo demandado por obrigação comum, poderá712 chamar, ao processo, outros devedores, para junto com ele ocuparem o polo passivo da relação processual. O réu chamado ao processo coloca-se como litisconsorte daquele que o chamou ao processo, em relação ao autor. Moacyr Amaral Santos conceitua o chamamento ao processo como “o ato pelo qual o réu, citado como devedor, chama ao processo o devedor principal, ou os corresponsáveis ou os coobrigados solidários para virem responder pelas suas respectivas obrigações”713. Nesse sentido, diferencia-se do instituto da denunciação da lide, na medida em que aquele que for chamado ao processo tem relação jurídica tanto com o autor da ação, quanto com o réu originariamente demandado, enquanto na denunciação da lide a relação jurídica existe apenas entre o denunciante e o denunciado, mas não deste com o autor da demanda. Note-se, todavia, que o art. 128, parágrafo único, do Código admite que a o denunciado também
poderá ser cobrado diretamente, em sede de cumprimento de sentença. Aqueles que forem chamados ao processo serão litisconsortes do réu, e por isso, serão atingidos pela sentença que virá a ser proferida (que ficará coberta pela autoridade de coisa julgada material). O chamamento ao processo tem cabimento, em princípio, apenas na fase de conhecimento de natureza condenatória714. Isso porque uma das principais funções do instituto é a formação de título executivo, como bem observa Luiz Rodrigues Wambier715. Diz, a respeito, Flávio Cheim Jorge: “A razão desta assertiva consiste na própria ratio essendi do instituto, que tem por objetivo principal trazer outros réus ao processo para que sejam todos condenados pela mesma sentença, ficando aquele que pagar a dívida sub-rogado nos direitos do credor, podendo exigir dos outros devedores sua cota-parte correspondente. Ou, ainda, caso o devedor acionado seja fiador subsidiário, que os bens do devedor principal (chamado) sejam primeiro executados. Assim, somente nas ações que tenham por fim a formação de um título executivo judicial é que se torna possível o uso do chamamento ao processo”716. É de se registrar, no entanto, que o STJ já vinha admitindo, na vigência do CPC/73 mesmo antes da promulgação da Lei n. 11.232/2005, que a sentença meramente declaratória que define todos os elementos da obrigação pudesse ensejar execução717, o que é hoje expressamente admitido no art. 515 do CPC/2015. Parece-nos que há espaço para ser repensada, nesse contexto, a assertiva de que o chamamento ao processo só tem cabimento em ações de cunho condenatório, ainda que essa se possa dizer, sem dúvida, a regra geral. Asseverava Athos Gusmão Carneiro que, “para o exercício, pelo demandado, da faculdade de chamamento ao processo, se torna necessária a
ocorrência de dois pressupostos, quais sejam: em primeiro lugar, a relação de direito ‘material’ deve pôr o chamado também como devedor (em caráter principal, ou em caráter subsidiário) ao mesmo credor, o qual na demanda figura como autor. Em segundo lugar, é necessário que, em face da relação de direito ‘material’ deduzida em juízo, o pagamento da dívida pelo ‘chamante’ ao autor, em cumprimento da sentença condenatória, confira ao chamante o direito de, no mesmo processo, exigir o seu reembolso (total ou parcial) pelo chamado”718. Deve-se ter sempre presente que aquele que não participou da fase de conhecimento não poderá ser considerado devedor na fase de cumprimento da sentença, conforme se colhe do art. 513, § 5º. Essa obrigação “comum”, como se infere dos incisos I a III do art. 130, será sempre originada de contrato de fiança ou de hipótese de solidariedade. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery admitem a ocorrência de chamamento sucessivo, como ocorre na denunciação da lide719. De acordo com Arruda Alvim, ao comentar o CPC/73, “a seção IV não é expressa quanto à possibilidade de vários chamamentos ao processo ou de chamamentos sucessivos, mas esta solução decorre logicamente do sistema”720. No caso de haver o chamamento ao processo, o polo passivo da demanda será ampliado, evitando, com isso, a propositura de futuras ações regressivas, em verdadeiro prestígio ao princípio da economia processual, bem como com vistas a evitar a ocorrência de decisões contraditórias. Aí residem, em nosso sentir, as vantagens que se nos afiguram mais relevantes da utilização do chamamento ao processo. A utilização do instituto em estudo, no entanto, também apresenta algumas inconveniências, como muito bem observa Flávio Cheim Jorge: “O
chamamento ao processo comporta, basicamente, duas peculiaridades que o confrontam com o sistema processual brasileiro: a possibilidade de o devedor acionado chamar outros devedores solidários para atuarem conjuntamente no polo passivo da relação processual, onde o sistema de solidariedade prevê expressamente a responsabilidade de apenas um devedor pela dívida toda; e a permissão que tem o réu, contra a vontade do autor, de chamar os outros réus para figurarem ao seu lado, contrariando o princípio segundo o qual não é permitido forçar o autor a litigar contra quem não deseja, além de ampliar os limites da coisa julgada, fixados com o ajuizamento da ação”721. 1.1 Formação do litisconsórcio no chamamento Segundo Thereza Alvim, “no chamamento ao processo nem há que se pensar em intervenção de terceiro, em processo alheio, nem mesmo de uma ação em outra. Destina-se, esse instituto, à formação do litisconsórcio passivo a critério e por vontade do réu”722. Havendo chamamento ao processo, forma-se entre o réu originário – chamante – e o(s) outro(s) – chamado(s) – litisconsórcio, ampliando-se a relação processual subjetiva passiva. Ensina Arruda Alvim que “aquele que chama outrem ao processo, na realidade, não tem pretensão a fazer valer em relação ao chamado; apenas entende que este tem, tanto quanto ele, ou mais (como no caso do chamamento do devedor principal – art. 130, I), obrigação de responder em face do autor”723. Procuremos classificar o litisconsórcio que se forma entre chamante e chamado(s). Será sempre passivo, uma vez que o chamamento se mostra viável exclusivamente em relação ao réu. Trata-se de litisconsórcio ulterior, pois, quando da propositura da ação, esta terá sido endereçada apenas contra
o réu chamante. E, finalmente, não se trata de litisconsórcio unitário, mas simples. Esta última afirmação – de que o litisconsórcio será simples – é facilmente compreensível atentando-se para a circunstância de que entre autor e réu (chamante e chamado) as situações podem variar. Há possibilidade (que é o quanto basta) de julgamentos distintos, pelo que não há falar em litisconsórcio unitário. Importante atentar para o fato, já examinado, de que basta a mera possibilidade de julgamentos distintos, para que não se trate de litisconsórcio unitário. Há, portanto, mais de uma lide (uma, entre o autor e o réu originário da ação, e outra entre o autor e o chamado ao processo), pelo que a hipótese é, efetivamente, de litisconsórcio simples. Cumpre observar que a solidariedade na dívida a ser adimplida ou em sede de exercício de direito de regresso não resulta em unitariedade do litisconsórcio, pois não se torna necessária a decisão uniforme, no plano do direito material, para todos os litisconsortes. Assim, por exemplo, se o credor remir parte da dívida em relação a um dos litisconsortes, a decisão final não será unânime para todos os que integram o polo passivo da relação jurídica724. Como acima afirmado, existindo possibilidade de decisão final distinta para os litisconsortes, não há que falar em litisconsórcio unitário. Em resumo, havendo chamamento ao processo, haverá litisconsórcio passivo, facultativo, ulterior e simples. Essa forma de ampliação subjetiva da relação processual representa uma exceção, prevista dentro do próprio sistema, à regra já antes estudada de que o juiz decide a lide nos limites em que tenha sido proposta, pelo autor (art. 141 – adstrição do juiz ao pedido). Trata-se de um instituto criado em benefício do devedor, constituindo-se em exceção prevista dentro do sistema
a esta última regra. O chamamento ao processo, como visto, é um benefício que a lei concede ao réu725. Daí o porquê de caber ao réu decidir se dele fará ou não uso, no caso concreto. Vale dizer, o não exercício do direito ao chamamento não afasta eventual direito de regresso contra os codevedores (aqueles que poderiam ter sido chamados) mediante ação autônoma. Não poderão o autor ou o próprio chamado se opor à efetivação do chamamento, senão procurando demonstrar que na hipótese não cabe o chamamento, dado que o caso concreto não se enquadra em qualquer das hipóteses dos incisos I a III do art. 130 do CPC/2015. Da decisão do juiz admitindo ou não o pedido de chamamento, caberá recurso de agravo de instrumento conclusão que nos parece correta e está de acordo com o previsto no inciso IX do art. 1.015 do CPC/2015. 1.2 Hipóteses de chamamento ao processo Analisemos, neste passo, as hipóteses dos incisos I a III do art. 130. As hipóteses contempladas nos incisos I e II (em que constam ser admissível o chamamento ao processo: “I – do devedor, na ação em que o fiador for réu; II – dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles”) dizem diretamente com o contrato de fiança. Para isso, será necessário abrir pequeno parêntese para enfocar as principais características do contrato de fiança. A fiança, como se sabe, é garantia pessoal. As garantias podem ser divididas em dois grandes grupos: reais e pessoais. A garantia real é aquela que diz respeito a determinado bem que fica vinculado à obrigação e por isso responde pela dívida. Na garantia pessoal, terceiro (estranho ao negócio
jurídico celebrado) dispõe-se a pagar a dívida, em caso de não pagamento pelo devedor. O art. 818 do CC/2002 dispõe que, “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”. Pode ser realizada inclusive sem a anuência do devedor, e até mesmo contra a sua vontade (art. 820 do CC/2002). Caracteriza-se como um contrato acessório (porque pressupõe a existência de um contrato principal), da mesma forma que a garantia real representa, em relação à obrigação, igualmente, contrato acessório; unilateral (pois estatui, como regra, obrigações para apenas uma das partes, o fiador); escrito (pois a lei expressamente prescreve essa forma – art. 819 do CC/2002); e gratuito (embora possa ser oneroso). Ao fiador, assegura o Código Civil (art. 827), o chamado benefício de ordem. Quer referido dispositivo significar que o fiador, em princípio, tem o direito de exigir do credor que venham a ser primeiro executados os bens do devedor. Para poder fazer jus ao benefício de ordem, deverá levantá-lo até a contestação, o que é feito por intermédio do chamamento ao processo. Poderá, todavia, ter havido renúncia ao benefício de ordem (art. 828, I, do CC/2002), bem como o devedor pode ser insolvente ou falido (art. 828, III, do CC/2002 – hipótese redundante, pois, nesse caso, não seria possível a nomeação de bens a que alude o art. 827, parágrafo único, do CC/2002), como, ainda, o fiador pode ter-se obrigado como principal pagador ou devedor solidário (art. 828, II, do CC/2002), hipótese em que não poderá o fiador recorrer ao benefício de que trata o art. 827 do CC/2002. Na hipótese do inciso I do art. 130, o fiador deve chamar o devedor ao processo, justamente para poder fazer valer o seu direito ao benefício de
ordem. Nesta hipótese, havendo chamamento e sendo ambos (chamante e chamado) condenados, poderá o fiador, ulteriormente, na fase de cumprimento de sentença, fazer valer o quanto disposto no art. 794 do CPC/2015 (bem como no art. 827, parágrafo único, do CC/2002), nomeando à penhora bens livres e desembaraçados do devedor. Todavia, os bens do fiador ficarão sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor (art. 794, § 1º, do CPC/2015)726. Como muito bem anota Flávio Cheim Jorge, a hipótese trazida pelo art. 130, I, refere-se aos casos em que o fiador se compromete ao pagamento da dívida subsidiariamente e não engloba os casos em que o fiador é o principal pagador da dívida, sendo devedor solidário do devedor principal. No caso de o fiador se obrigar como principal pagador, poderá valer-se do chamamento ao processo com fundamento na solidariedade tratada nos incisos II e III do art. 130. Ainda segundo Flávio Cheim Jorge, “cumpre lembrar que, caso o chamante indique o inciso errado, não será necessariamente caso de indeferimento do chamamento ao processo. Isto, em razão dos princípios iura novit curia e, também, da mihi factum, dabo tibi ius, que não obstam que o juiz defira o pedido, fundamentando sua decisão no inciso correto”727. Se não tiver havido chamamento ao processo, não poderá o fiador invocar, na fase de cumprimento, a regra do art. 794, eis que o devedor principal não terá sido parte no processo de conhecimento. Ou seja, o fiador não pode pretender que o devedor principal ingresse somente na fase de execução para invocar o benefício de ordem, pois para tanto deveria tê-lo chamado em sede de cognição. Corrobora esse entendimento o quanto disposto no art. 779, I: “A execução pode ser promovida contra: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo”. A invocação da regra do art. 794 pressupõe que aquele
em relação a quem se alega o benefício de ordem tenha sido réu, e, pois, sucessivamente, executado também. Vê-se, pois, que o chamamento ao processo objetiva, em última análise, a economia processual, pois que evita ulterior ação regressiva autônoma do fiador contra o afiançado. Oportunos os esclarecimentos de Arruda Alvim, ao comentar o CPC/73, a propósito do que estamos afirmando: “O fiador é obrigado subsidiário e uma das maneiras de ele poder fazer valer esta subsidiariedade é, justamente, tomar, já no processo de conhecimento, a providência a que se refere o art. 77, n. I [art. 130, inc. I, do CPC/2015]. Se o fiador for demandado e deixar de tomar a providência do art. 77, I, formar-se-á exclusivamente contra ele, fiador, o título executivo, e, formando-se exclusivamente contra ele, fiador, título executivo porque não exerceu esta faculdade de chamar o afiançado, no prazo para contestar, na forma do que dispõe o art. 78 [art. 131 do CPC/2015], ficará impossibilitado de utilizar-se no processo de execução do benefício de ordem”728. Devemos destacar, no entanto, que, se o credor demandar contra o devedor principal, este não poderá valer-se do chamamento ao processo para chamar o fiador para responder à ação conjuntamente, uma vez que, conforme dito por Athos Gusmão Carneiro, “a relação de direito material [estabelecida entre o devedor principal e o fiador] evidentemente não lhe autoriza qualquer pretensão de regresso contra o fiador”729. Ainda que o fiador tenha assumido contratualmente a posição de principal devedor, se o autor optou por cobrar do devedor originário, este não poderá valer-se do chamamento ao processo. Em verdade, o objetivo do chamamento ao processo é a formação de título executivo contra o chamado (que, na verdade, passa a integrar o processo como litisconsorte passivo), por isso que não se aplica, como regra, na fase
de cumprimento da sentença730. Segundo José Miguel Garcia Medina, é cabível o chamamento ao processo em ação monitória, pois, segundo o autor, “considerando que os embargos, em ação monitória, correspondem à contestação do procedimento comum, e considerando que a sentença terá índole condenatória, é possível a incidência do chamamento ao processo, na ação monitória”731-732. Outra hipótese de chamamento ao processo é a do inciso II do art. 130. De acordo com tal dispositivo, chamam-se ao processo os demais fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles. Para bem entender a regra do inciso II do art. 130, é preciso ter presente o art. 829 do CC/2002. Esse último dispositivo estatui que, havendo fiança prestada conjuntamente, haverá solidariedade entre os fiadores, se não for expressamente pactuado o benefício da divisão. Assim, havendo vários fiadores, serão em princípio solidários (art. 829, caput do CC/2002), salvo se previsto o benefício da divisão. Nessa hipótese, cada fiador será responsável apenas pela parte da dívida que lhe couber e não se cogitará do chamamento com base no inciso II do art. 130. É o que expressamente preceitua o art. 830 do CC/2002: “Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado”. É possível que o chamante não traga todos os fiadores solidários ao processo – nesse caso, como dito, aqueles que foram chamados também poderão se valer do instituto e trazer os demais fiadores ao processo e completar o polo passivo da demanda (chamamento sucessivo). Ora, se a regra do inciso II do art. 130 se aplica quando os fiadores forem solidários, tem-se que o dispositivo em questão é redundante, pois a hipótese
se subsumiria com perfeição na regra do inciso III do art. 130 do CPC/2015, que permite o chamamento “dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles o pagamento da dívida comum”. Devem ser ditas algumas linhas sobre o instituto da solidariedade, que diz de perto com o chamamento ao processo. A regra geral das obrigações é a de que, havendo mais de um credor ou devedor, cada qual será responsável em partes iguais. O art. 257 do Código Civil dispõe: “Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores” – trata-se da regra concursu partes fiunti. O instituto da solidariedade vem tratado no parágrafo único do art. 264 do CC/2002, nos seguintes termos: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. Cuida-se de exceção ao princípio concursu partes fiunti. A solidariedade ativa vem tratada no art. 267 e ss. e a solidariedade passiva no art. 275 e ss., ambos do CC/2002. Resultará sempre de lei ou da vontade das partes, não se presumindo jamais (art. 265 do CC/2002: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes). Não é difícil perceber que a solidariedade, especialmente a passiva, foi criada para atender aos interesses do credor. O instituto do chamamento ao processo, de que ora se trate, como se verá, empresta, todavia, uma nova feição à solidariedade prevista na lei civil. Com efeito, vê-se, no inciso III, do art. 130, que a lei processual dá outra roupagem àquilo que dispõe a lei material. Por força do instituto da solidariedade, é dado ao credor optar por receber a dívida de qualquer dos
devedores solidários. Todavia, o instituto do chamamento ao processo permite que o devedor que tenha sido acionado chame ao processo os outros devedores, para com ele serem condenados pela dívida toda, na hipótese de procedência da ação. Se, de um lado, a solução adotada pelo legislador parece desfigurar o princípio da solidariedade, de outro se justifica plenamente, porque, como já dito, vem em abono da economia processual, evitando ação regressiva autônoma, pois permite, àquele que tiver satisfeito a dívida, que a exija pela via executiva do devedor principal (por inteiro) ou dos codevedores (na proporção de suas quotas). Além dos incisos I a III do art. 130 do CPC/2015, parece que o Código Civil de 2002 veio a trazer outra hipótese de chamamento ao processo quando se tratar de demandas que versem contratos de seguro de responsabilidade legalmente obrigatórios, disposta no parágrafo único do art. 788 daquele diploma legal, que assim dispõe: “Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório”. É verdade que há divergências doutrinárias sobre qual seria a modalidade de intervenção de terceiro a que alude o parágrafo único do art. 788 do CC/2002, temos por correto o entendimento segundo o qual aludido dispositivo legal trata de mais um caso de chamamento ao processo devido à existência de relação jurídica de direito material entre o segurado (causador do dano, chamado ao processo), tanto com o autor da ação (vítima), quanto com o réu originariamente demandado (seguradora). Nesse sentido, diz com pertinência Cassio Scarpinella Bueno: “a hipótese
amolda-se bastante bem à dinâmica do chamamento ao processo, mais ainda porque existe relação jurídica de direito material que une, no plano material, o causador do dano (segurado) e a seguradora e, justamente por força de uma tal relação é que ela poderá opor validamente a exceção de contrato não cumprido, fixando a responsabilidade principal no segurado, a exemplo do que o chamamento ao processo permite ao fiador com relação ao exercício do chamado ‘benefício de ordem’”733. 1.3 Procedimento e natureza do chamamento ao processo A citação do chamado, como dito, deverá ser requerida pelo réu na contestação, segundo previsão legal expressa (art. 131). A citação dos chamados deverá ser promovida pelo chamante no prazo máximo de 30 (trinta) dias (art. 131, caput) ou, 60 (sessenta) dias, caso o chamado resida em comarca, seção ou subseção judiciária diversa (art. 131, parágrafo único). Caso, porém, a citação não se realize nos prazos estipulados no art. 131, caput ou no parágrafo único, por falha do serviço judiciário, não há lugar para aplicação da regra prevista na parte final do art. 131 (que estatui que, não se realizando a citação nos prazos assinalados, o chamamento não terá efeito). Entendimento análogo, e que se tem por inteiramente correto, veio a ser cristalizado na Súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”. As noções que se procuram transmitir respeitantes ao do instituto do chamamento ao processo correspondem àquelas que têm sido aceitas pela generalidade da doutrina e pela maior parte dos julgados. Segundo esse enfoque, o chamante teria pretensão a deduzir contra o(s)
chamado(s), ao passo que, segundo a corrente majoritária, haveria apenas ampliação do polo passivo. Isso porque, como bem afirma Arruda Alvim, “aquele que chama outrem ao processo, na realidade, não tem pretensão a fazer valer em relação ao chamado; apenas entende que este tem, tanto quanto ele, ou mais (como no caso de chamamento do devedor principal – art. 130), obrigação de responder em face do autor”734. Julgada procedente a ação, a sentença que condenar os devedores valerá como título executivo em favor daquele que satisfizer a dívida, para exigi-la do devedor principal (por inteiro), ou dos demais codevedores, na proporção de suas cotas respectivas (art. 132). A possibilidade de o autor executar a sentença em face de qualquer dos devedores, mesmo que não seja aquele contra quem inicialmente propôs a ação, é denotativa de que o chamamento ao processo propicia uma ampliação do polo passivo da ação e não trata somente de reunir na mesma ação postulação de natureza regressiva. Em resumo, o autor, sendo-lhe favorável a sentença, poderá executá-la em face do réu inicial da ação ou dos demais que tiverem sido chamados ao processo, não necessariamente contra todos, e o devedor que efetivamente quitar a dívida perante o credor, automaticamente, poderá recobrá-la dos demais na proporção que lhes tocar (parte final do art. 132 do CPC/2015). Esclarecedoras as considerações de Athos Gusmão Carneiro no que se refere à sentença proferida em ação que tenha admitido o chamamento ao processo: “A rigor, a sentença de procedência é ‘por si’ título executivo apenas em favor do autor, como qualquer outra sentença condenatória; mas, somada ao comprovante do pagamento (feito ao autor), também será título executivo em favor daquele réu que efetuou tal pagamento, se e na medida em que esse réu tiver direito de reembolso em face dos demais
litisconsortes”735. Há, porém, doutrinadores que defendem posição diferente quanto à natureza do chamamento ao processo. É o caso dos Professores Rosa Nery e Nelson Nery Jr. Pela importância de ambos dentro do cenário jurídico nacional, é oportuno registrar esse posicionamento, conquanto dele se discorde. Para essa corrente, defendida por aludidos professores, o chamamento ao processo – de forma similar à denunciação da lide – “é ação condenatória que deve ser proposta pelo réu, no prazo da contestação. Esta deve obedecer aos requisitos do CPC 320 e 321, com pedido de citação e condenação dos chamados”736. Esse também o entendimento de Marcelo Abelha Rodrigues, para quem o chamamento ao processo é “a ação condenatória proposta pelo réu acionado sozinho, no prazo de sua defesa, com o intuito de obter título executivo contra os demais devedores solidários da dívida que lhe é cobrada. Pensamos, pois, que, no chamamento ao processo, há dois processos (relação jurídica processual), uma base procedimental, duas ações e duas pretensões”737. 1.4 Chamamento ao processo no Código de Defesa do Consumidor Dissemos no capítulo anterior que, nas ações regidas pelo Código do Consumidor, não se admite denunciação da lide (art. 88 do CDC). No entanto, o chamamento ao processo é admitido pelo art. 101, II, desse mesmo diploma, ao dispor: “Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: (...) II – o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o
segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil”. Esta providência é compreensível no contexto do Código de Defesa do Consumidor, dado que o chamamento enriquece o rol de obrigados, em face do consumidor, ao passo que, na denunciação, esta diz respeito não ao consumidor, senão que àquele que oferece a denunciação da lide. Em tais casos, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 132 do CPC/2015. Se o réu houver sido declarado insolvente, em sede de liquidação extrajudicial, o diretor fiscal será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este. Devem ser obedecidas as mesmas regras previstas no Código de Processo Civil de 2015 e o réu (fornecedor) deverá requerer o chamamento na contestação (art. 131). O art. 101, II, do CDC dispõe, em sua primeira parte, que o réu será condenado nos termos do art. 132 do CPC/2015, o que quer significar, na verdade, que tanto o fornecedor quanto o segurador poderão vir a ser condenados, pois que, ademais, o art. 131 do CPC/2015 dispõe que o juiz declarará “as responsabilidades dos obrigados”, que são, justamente, o fornecedor e o segurador (este, porém, nos exatos termos do contrato de seguro de responsabilidade), ambos obrigados em face do consumidor. Parece-nos bastante improvável um efetivo direito de regresso, do segurador contra o fornecedor, dado que o calço do direito de regredir se assenta num direito de crédito. Ora, se o seguro se destina, precisamente, a cobrir
determinados acidentes (e se o segurado já recebeu o seu prêmio), normalmente, parece-nos difícil imaginar – salvo casos especiais – este direito de crédito. Com isso, evidencia-se que, conquanto servindo-se o legislador do chamamento ao processo, em verdade, por ato do réu (fornecedor), logra colocar, perante o consumidor, mais um responsável “à disposição deste último”, o que, sob este ângulo, condiz com os propósitos do Código de Defesa do Consumidor. Na realidade, o sistema adotado pelo Código do Consumidor, no particular, implica colocar o segurador como devedor solidário, em relação ao consumidor. É certo, todavia, que a extensão do possível benefício econômico, decorrente do chamamento do segurador, fica limitado pelo valor do seguro738-739. De acordo com Fredie Didier Jr., “a intervenção com base em contrato de seguro será, no mais das vezes, a denunciação da lide, porquanto não possui a empresa seguradora vínculo de direito material com o adversário do denunciante-segurado. Sucede que o Código de Defesa do Consumidor, como forma de, ainda mais, bem tutelar os direitos do consumidor, criou uma figura nova do chamamento ao processo em caso de seguros”740. Fosse a matéria regulada pelo processo civil, essa seria hipótese de denunciação da lide, não de chamamento ao processo. Entretanto, na denunciação, o denunciado em princípio não haveria de ficar diretamente responsável perante o autor. Assim, o instituto do chamamento ao processo foi usado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas com contornos diversos dos traçados pelo Código de Processo Civil, para maior garantia do consumidor (e as pessoas a ele equiparadas, nos termos dos arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC)741. Em realidade, o chamamento, tal como disciplinado no Código de Defesa do Consumidor, transmuda o
segurador, que tem relação jurídica com o segurado-fornecedor – que é o réu –, vinculando o segurador diretamente ao consumidor-credor.
XV INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1. Introdução e fundamentos O Código de Processo Civil de 2015 instituiu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica como modalidade de intervenção de terceiro. A previsão de referido incidente como modalidade de intervenção de terceiro se justifica porque, conforme afirma Fredie Didier Jr., o requerente “provoca o ingresso de terceiro em juízo – para o qual se busca dirigir a responsabilidade patrimonial”742. A desconsideração da personalidade jurídica já tinha previsão no direito brasileiro, como se colhe dos arts. 50 do CC/2002 e 28 do CDC, por exemplo. No entanto, até o advento do CPC vigente, não havia previsão legislativa tocante ao procedimento que se deveria adotar para obter a desconsideração da personalidade jurídica. Para tratarmos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é necessário breve esclarecimento quanto à teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, hoje expressamente encampada pelos precitados dispositivos de lei. 1.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica A personalidade jurídica constitui a forma utilizada pelo legislador para garantir a limitação da responsabilidade civil dos sócios e administradores em alguns casos. Deveras, casos há em que as pessoas jurídicas que se constituem na forma de responsabilidade ilimitada dos sócios, como é o caso das sociedades simples. A limitação da responsabilidade, por sua vez, garante a autonomia patrimonial da pessoa jurídica constituída e dos sócios que a administram e, portanto, assegura a distinção entre o patrimônio da sociedade e dos sócios. A autonomia patrimonial da pessoa jurídica contava com previsão expressa no art. 20 do Código Civil de 1916. Em que pese referido dispositivo não ter sido reproduzido no Código Civil de 2002, é evidente que a ideia nele plasmada permanece atual, tendo em vista que o Código Civil de 2002 trata de diversas pessoas jurídicas de direito privados nos arts. 44 e seguintes743. Nesse sentido, é necessário esclarecer que a distinção patrimonial decorrente da aquisição da personalidade jurídica é o que garante que os sócios não sejam responsabilizados patrimonialmente pelas obrigações contraídas pela sociedade744. Orlando Gomes define a relação obrigacional como o vínculo jurídico de natureza patrimonial que se forma “entre duas partes em virtude do qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da outra, que pode exigi-la, se não for cumprida espontaneamente, mediante
agressão ao patrimônio do devedor”745. Divide-se a obrigação em debitum e obligatio, sendo que a primeira tem como fim imediato o dever de prestação a ser cumprido espontaneamente e o último, a sujeição do patrimônio do devedor a ação do credor. O dever de prestação (debitum) corresponde ao débito e a sujeição à responsabilidade (obligatio)746. No direito alemão, fala-se em Schuld (débito) e Haftung (responsabilidade). O tema, a propósito, será mais detidamente estudado no Capítulo LXXV, especialmente quando se for tratar da responsabilidade patrimonial. No caso da desconsideração da personalidade jurídica, pretende-se a imputação da responsabilidade a pessoa diversa daquela que contraiu o débito. Isso porque, a princípio, imputa-se a terceiro, estranho à relação jurídica
obrigacional,
a
responsabilização
patrimonial
diante
do
inadimplemento de determinada obrigação. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, segundo Rubens Requião, surgiu como uma forma de garantir a manutenção do instituto da personalidade jurídica, reprimindo-se as fraudes decorrentes do abuso de direito praticada pelos sócios. O que se pretende não é a anulação da personalidade jurídica, determinando-se sua extinção, mas sim a suspensão temporária de seus efeitos – autonomia patrimonial –, no caso concreto747. A esse respeito, Fredie Didier Jr. afirma que “A teoria da desconsideração não tem por finalidade extinguir a pessoa jurídica – trata-se de uma técnica de suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída”748. O caso percursor da teoria da desconsideração no mundo foi “Salomon vs.
Salomon & Co.”, julgado na Inglaterra. Trata-se do caso de um comerciante, Aaron Salomon, que constituiu uma Company em conjunto com seis componentes de sua família, tendo recebido, sem fundo de comércio, 20.000 ações representativas de sua contribuição ao capital da sociedade, enquanto os outros membros receberam, cada um, apenas uma ação. Quando a sociedade entrou em liquidação, os credores quirografários, alegando que Aaron Salomon utilizava-se da Company apenas para limitar sua responsabilidade, pediram a responsabilização pessoal de Aaron para que ele perdesse o direito de preferência para o recebimento dos ativos, decorrentes do fato de ele ser sócio majoritário. Apesar do pedido dos credores quirografários ter sido acolhido em primeira instância, a Casa dos Lordes reformou a decisão, por entender que a Company havia sido constituída de acordo com as normas e isso lhe garantiria a autonomia patrimonial, sendo absolutamente válida a preferência dos créditos de Aaron Salomon. Rubens Requião destaca que ainda que o desfecho não tenha sido favorável à desconsideração da personalidade jurídica, não se nega sua importância com relação à aplicabilidade da teoria pela jurisprudência749. O fato de o instituto da desconsideração da personalidade jurídica ser utilizado como forma de evitar abusos cometidos pelos sócios, em nome da pessoa jurídica, não exclui a regra geral da necessária autonomia patrimonial decorrente da personalidade jurídica. Assim, a desconsideração da personalidade jurídica deve ser utilizada de forma excepcional para garantia da satisfação dos direitos dos credores e, por esse motivo, é necessário que sejam preenchidos os requisitos previstos na legislação material, como expressamente reconhece o art. 133, § 1º, do CPC. Com efeito, às relações jurídicas de natureza civil, aplica-se o art. 50 do CC; às relações consumeristas, aplica-se o art. 28, do CDC, v.g.
A desconsideração da personalidade jurídica opera-se no plano da eficácia e é restrita ao caso concreto, motivo pelo qual não anula a própria existência da personalidade jurídica, limitando-se apenas a afastar os efeitos jurídicos da personalidade jurídica, em virtude de seu uso ilegítimo consistente em prejudicar e fraudar credores750. Por meio da desconsideração da personalidade jurídica, imputa-se a responsabilização patrimonial a terceiro diverso daquele que contraiu a obrigação na relação jurídica que originou a demanda. Arruda Alvim destaca a diferença entre desconsideração da personalidade jurídica e despersonalização, sendo que essa última se refere à desconstituição da pessoa jurídica pela falta inicial ou posterior de condições previstas legalmente para sua constituição que garantem sua existência e validade751. Segundo apontava Rubens Requião, a chamada disregard doctrine (doutrina da desconsideração da personalidade jurídica), antes mesmo de ser expressamente incorporada ao direito brasileiro, já se fazia presente em nosso ordenamento. Segundo ele, o art. 3º da CLT, que trata do grupo econômico, nada mais faz que admitir a aplicação da disregard doctrine, “pois despreza e penetra o “véu” que as encobre e individualiza, desconsiderando a personalidade independente de cada uma das subsidiárias”752. Muito em razão dos estudos desenvolvidos por Rubens Requião a respeito do tema em questão, foi introduzido o art. 50 ao Projeto de Lei n. 634-B, que posteriormente culminou no CC/2002. Todavia, a redação original do dispositivo não correspondia à teoria defendida pelo mencionado jurista, que rendeu críticas ao projeto753. Porém, a versão final do aludido projeto, que veio a ser aprovado, mostrou-se mais afinado com os estudos de Rubens
Requião. Aliás, antes mesmo do advento do CC/2002, foi promulgado o CDC (1991), cujo art. 28 também trata da desconsideração da personalidade jurídica, que contém especial regramento em seu § 5º, que autoriza a desconsideração, de modo geral, quando houver óbice à reparação civil do consumidor, causado pela personalidade jurídica. Pois bem. Como dito acima, o CPC relega à legislação material o tratamento dos requisitos necessários para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, o que é de todo adequado (art. 133, § 1º). Faltava à legislação, porém, o regramento mais detido do procedimento a ser observado, pois, não raras vezes, na vigência do CPC/73, desconsiderava-se a personalidade jurídica sem sequer dar a oportunidade da sociedade ou do sócio se manifestar previamente754. Por isso, a introdução do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico é de todo relevante, sobretudo porque visa, a um só tempo, garantir a responsabilização daqueles que utilizam da personalidade jurídica, que é ficção jurídica, para o fim de frustrar os interesses dos credores, e, de outro, preservar o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, por parte daqueles a quem são imputados atos fraudulentos ou que caracterizem abuso de personalidade. Vejamos, então, no que consiste o dito incidente. 2. Legitimidade para requerer a desconsideração da personalidade jurídica O art. 133 do CPC prevê que o “incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”, o que se justifica pelo fato de que é no interesse daquele que se afirma credor que se concebe o
incidente, afinal, seu objetivo é, justamente, constituir a responsabilidade do sócio, à vista da prática de atos fraudulentos ou que abusem da personalidade jurídica. Com efeito, entendendo as partes (notadamente o autor, que se afirma credor da sociedade), ou o Ministério Público, que estão presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, caber-lhes-á requerer a instauração do dito incidente. De outro lado, se o pedido de desconsideração da personalidade jurídico for formulado, desde logo, na petição inicial, evidentemente a legitimidade para tanto recairá apenas sobre o autor da ação. De qualquer forma, é vedada a instauração ex officio do incidente pelo magistrado, tendo em vista que o art. 133 não concebe tal hipótese, além de se tratar, em verdade, de pedido a ser formulado ao juízo, razão pela qual remanesce o agir apenas mediante provocação. 3. Procedimento O CPC/2015 concebe duas formas de se requerer a desconsideração da personalidade jurídica: por meio de pedido, já na petição inicial, ou por meio da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 e 134, § 2º). Impende notar que o procedimento aqui tratado deve ser aplicado também nos processos eleitoral, administrativo e trabalhista, já que referidos ramos do Direito não contêm procedimento próprio para a desconsideração da personalidade jurídica, razão pela qual incide o art. 15 do CPC, que preconiza a aplicação subsidiária e supletiva da lei processual civil a tais ramos. A nota marcante do procedimento do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é a exigência de que o contraditório seja prévio (art. 135). Por essa razão, não há espaço para que se decida a respeito da desconsideração, sem oportunizar ao sócio, a quem se imputa a prática de ato fraudulento, o exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive por meio da produção de provas. Isso, todavia, não significa que o sócio fique imune ao processo enquanto não se manifestar. Pelo contrário, como é da natureza do processo civil, preenchidos os requisitos autorizadores da concessão das tutelas provisórias, será plenamente possível ao juízo conceder tais medidas. Ou seja, se, por exemplo, o sócio, antes de ser citado para responder ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica, passa a dissipar seu patrimônio, é claramente possível que o autor, que se afirma credor da sociedade e que busca responsabilizar o sócio, requeira a concessão de tutela de urgência cautelar, a fim de garantir a utilidade prática da futura decisão de mérito. Impende dizer, ademais, que o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica se aplica tanto na sua forma direta, isto é, na responsabilização do sócio (ou administrador) pelo débito da sociedade, quanto na forma indireta, isto é, na responsabilização da sociedade pela dívida do sócio (art. 133, § 2º). 3.1 Momentos para o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica O art. 134 do CPC dispõe que o incidente de desconsideração “é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título extrajudicial”, dispensando-se a instauração
do incidente quando o pedido for requerido na petição inicial, conforme prevê o § 2º. Passa-se a analisar, portanto, os momentos em que pode ser requerida a desconsideração da personalidade jurídica e a forma como o incidente será processado, inclusive quando se tratar de pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133, § 2º). Ressalte-se que o pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser rejeitado liminarmente, quando for manifestamente inepto, ou por ilegitimidade daquele que busca a responsabilização patrimonial, ou mesmo por ilegitimidade daquele que se busca atingir (volta-se o incidente, por exemplo, contra quem não é sócio ou administrador da sociedade limitada que figura no polo passivo), hipóteses em que o juiz deve determinar a emenda do requerimento (art. 321 do CPC) antes de indeferi-lo755. 3.1.1 A desconsideração da personalidade jurídica requerida incidentalmente O Código de Processo Civil de 2015 prevê o cabimento do incidente em todos os momentos do processo, tanto na fase de conhecimento quanto em sua fase executiva (art. 134), admitindo-se, ainda, a sua instauração perante tribunal, seja em grau de recurso, seja em razão de sua competência originária (art. 932, inc. VI, do CPC/2015). O caráter incidental significa que não se trata de um processo autônomo para discutir a desconsideração da personalidade jurídica, mas de um incidente processual. É dizer: trata-se de procedimento que não é autônomo, mas também não se desenvolve no seio do procedimento “principal”. Deve-
se, ademais, sublinhar o respeito ao princípio constitucional do devido processo legal, tendo em vista que os sócios – contra os quais se pretende a responsabilização
patrimonial
–,
serão
citados
para
apresentarem
manifestação quanto ao pedido de desconsideração. Somente após a sua manifestação e a produção de provas é que será possível a prolação de decisão tocante à desconsideração da personalidade jurídica. Enfatize-se que a desconsideração da personalidade jurídica ocorre única e exclusivamente no caso concreto, ou seja, torna-se ineficaz a personalidade jurídica em relação ao credor apenas e tão somente naquele caso concreto em que tenha ocorrido a desconsideração. Antes mesmo do advento do CPC, o STJ já firmara o entendimento de que era desnecessária a instauração de um procedimento autônomo para declarar a extensão da responsabilidade patrimonial aos sócios756. A instauração do incidente deverá ser comunicada ao distribuidor para que proceda às anotações pertinentes (art. 134, § 1º), o que tem o condão de suspender o curso do processo principal, conforme impõe o art. 134, § 3º. A comunicação ao distribuidor, conforme afirma Arruda Alvim, “extrapola a mera finalidade de organização administrativa processual e é de suma importância, sobretudo, para que terceiros tomem ciência de que pende incidente e que não há possibilidade de desconsideração e consequente responsabilização patrimonial do requerido, bem como a declaração de ineficácia da alienação e oneração de bens (art. 137 do CPC/2015)”757. Nesse sentido, a necessidade de anotação, pelo distribuidor, é impositiva, a fim de dar conhecimento a terceiros sobre a possibilidade de responsabilização patrimonial daquele com quem se pretende realizar negócio. Nesse ponto, importa notar que o art. 792, § 3º, do CPC prevê que a
alienação ou oneração de bens, pelo sócio, será havida em fraude à execução, se ocorrida após a citação da pessoa que será desconsiderada. Significa isso, à primeira vista, que, no caso concreto, é possível que não haja qualquer apontamento em nome do sócio, mas, ainda assim, seja reconhecida eventual fraude, já que o marco temporal para a desconsideração será a citação da pessoa jurídica e não da pessoa do sócio. O tema será melhor estudado no Capítulo LXXV, especialmente no item 6.4.2. No momento do requerimento, o interessado deve demonstrar que o pedido preenche todos os pressupostos legais para a desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 4º), apontando-se o abuso da personalidade jurídica por meio do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, no caso das relações civis que não se encartem no CDC, ou a ocorrência das hipóteses previstas no art. 28 do CDC, para as relações de consumo. Se o processamento do incidente for admitido, será determinada a citação do sócio para apresentar manifestação, cabendo-lhe indicar as provas que pretende produzir, no prazo de 15 dias, conforme prevê o art. 134 do CPC. Trata-se, ao que nos parece, de verdadeira contestação. E, apesar de não haver previsão expressa no Código, entende-se, com Arruda Alvim, que “a não apresentação de defesa [pelo sócio], produz efeitos equivalentes ao da revelia, sendo considerados verdadeiros os fatos afirmados pelo requerente a respeito da desconsideração”758. 3.1.2 A desconsideração da personalidade jurídica requerida na petição inicial O art. 134, § 2º, do CPC prevê a possibilidade de requerimento de desconsideração da personalidade jurídica já na petição inicial, cumulando-se ao pedido de mérito, propriamente dito (condenação ao pagamento de
determinada quantia, por exemplo), o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Nesses casos, dispensa-se a instauração do incidente, determinando-se a citação dos sócios a quem se busca atribuir responsabilidade patrimonial. Nesse caso não há, propriamente, a intervenção de um terceiro, tendo em vista que este figurará como parte do processo desde o início, já que arrolado como tal na petição inicial. O prazo para apresentação de defesa pelo sócio é de 15 dias, cabendo-lhe impugnar especificadamente os fundamentos de fato e de direito apresentados pelo autor, na forma do art. 336 do CPC. O art. 136, caput, prevê que o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Ainda que não haja, efetivamente, a instauração de um incidente autônomo ao processo principal, é recomendável que a desconsideração da personalidade jurídica seja resolvida antes da própria resolução do mérito da demanda, evitando-se, como defende Arruda Alvim, “que o sócio ou os sócios tenha(m) de esperar toda a tramitação do feito para, só então, ver definida se tem(têm) ou não responsabilidade patrimonial sobre a dívida da pessoa jurídica”759. 3.1.3 A desconsideração da personalidade jurídica inversa O CPC prevê a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 134, § 2ª). Isso significa que, ao contrário do que ocorre normalmente,
nesse
caso,
pretende-se
imputar
a
responsabilização
patrimonial à sociedade por obrigação contraída por um de seus sócios. Para que haja a desconsideração inversa da personalidade jurídica, é preciso que o interessado demonstre estarem preenchidos os requisitos previstos pela legislação civil para a própria desconsideração. Tratando-se,
por exemplo, de relação jurídica submetida ao Código Civil, caberá ao interessado demonstrar que o sócio abusou da personalidade jurídica ou que agiu de modo fraudulento, com vistas a fraudar os interesses de seus próprios credores. A desconsideração inversa tem grande aplicação quando se está diante do esvaziamento do patrimônio da pessoa natural, que desloca seus bens para o patrimônio da pessoa jurídica por ele integrada, a fim de blindar seu patrimônio. Com efeito, enquanto que na desconsideração direta da personalidade jurídica, torna-se ineficaz a personalidade jurídica e, pois, a autonomia patrimonial, com o fim de atingir os bens dos sócios para pagamento de dívidas da sociedade, na desconsideração inversa, desconsidera-se a personalidade e a autonomia patrimonial para o fim de atingir os bens da sociedade, à vista da necessidade de satisfação dos credores do sócio. Interessa notar, aliás, que o STJ já reconheceu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando um dos sócios passa a esvaziar seu patrimônio, em benefício da sociedade, com o fito de prejudicar o cônjuge, em caso de divórcio, diminuindo o seu patrimônio a ser partilhado760. Com efeito, nesse caso, deverá a sociedade ser citada para, no prazo de 15 dias, apresentar defesa, indicando também as provas que pretenderá produzir. 3.2 O ônus da prova A desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de instituto excepcional, que culmina no afastamento da autonomia patrimonial com a responsabilização de terceiro que, originariamente, não figura como devedor
da obrigação, tem como indispensável a presença dos requisitos que a autorizam, que devem estar devidamente comprovados nos autos. A princípio, entende-se que o ônus de provar a presença dos requisitos necessários para a concessão da desconsideração da personalidade jurídica é daquele que a requereu (art. 373, inc. I). Cabe ao credor, portanto, comprovar a presença dos elementos que autorizem a desconsideração da personalidade jurídica, demonstrando os fatos constitutivos de seu direito (que consiste no atingimento do patrimônio do sócio – ou sociedade, na desconsideração inversa – em razão da responsabilidade patrimonial), até porque a boa-fé é presumida. Com efeito, em princípio, a má-fé do sócio deverá ser comprovada, porque não se presume, demonstrando-se cabalmente a utilização da pessoa jurídica de forma indevida e fraudulenta, enquanto fato extraordinário. No entanto, diante da previsão do art. 373, § 1º, do CPC, é possível que haja a inversão do ônus da prova, caso ao sócio seja mais fácil a produção de provas, por exemplo. Com efeito, se a atribuição do ônus da prova ao requerente da desconsideração da personalidade jurídica resultar na impossibilidade ou na excessiva dificuldade de se produzir a prova, deverá o juízo inverter o ônus da prova, na forma do mencionado art. 373, § 1º, do CPC. 3.3 Os efeitos da decisão que determinar a desconsideração da personalidade jurídica Tratando-se de decisão interlocutória que resolve matéria incidental, em caso de rejeição ou admissão do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a parte interessada poderá interpor agravo de instrumento (art. 1.015, inc. IV, do CPC). Na hipótese de ação de competência originária do tribunal,
o recurso cabível será o agravo interno (art. 136, parágrafo único, CPC), já que a decisão tocante à desconsideração da personalidade jurídica caberá ao próprio relator, na forma do art. 932, VI, do CPC. Reconhecida a ocorrência de alguma das hipóteses fáticas de desconsideração da personalidade jurídica, os atos de alienação ou oneração de bens serão havidos em fraude à execução (art. 138 do CPC). Constitui-se, ademais, a responsabilidade patrimonial secundária do sócio (ou da sociedade, na desconsideração inversa), na forma do art. 790, VII, do CPC, razão pela qual o seu patrimônio particular será atingido pela execução, mesmo que não seja ele o devedor. Ou seja, o sócio terá a responsabilidade, sem ter a dívida. O assunto será novamente tratado no Capítulo LXXV. Ademais, é preciso novamente dizer que a decisão que desconsiderar a personalidade jurídica produzirá efeitos apenas no caso concreto, ou seja, a cada vez que se pretender atribuir responsabilidade patrimonial ao sócio noutros processos, será necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, já que a ineficácia da personalidade jurídica dirá respeito apenas àquele credor (autor da ação) e àquele caso concreto.
XVI AMICUS CURIAE
1. Introdução Essa modalidade de intervenção de terceiros, prevista no art. 138 do CPC/2015, assim como a desconsideração da personalidade jurídica, não é novidade para o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que era prevista em casos
específicos,
como
nas
ações
de
controle
concentrado
de
constitucionalidade761. A novidade trazida pelo CPC/2015 se deve ao fato de que, a intervenção pelo amicus curiae estava restrita a determinadas ações, uma vez que o cabimento estava previsto em leis especificas. O amicus curiae deve prestar informações ou esclarecimentos de fatos e de direito ao juízo no qual tramita a demanda na qual pretende intervir, sendo impositivo que a matéria em discussão seja relevante e, portanto, transcenda aos interesses particulares das partes. Humberto Theodoro762 define sua participação como “meramente opinativa a respeito da matéria objeto da demanda” e sua intervenção como “forma de aprimoramento da tutela jurisdicional”. Apesar de estar prevista na seção IV que trata sobre as formas de intervenção de terceiros, a figura do Amicus Curiae, também conhecido como
“amigo da corte”, presta-se mais a auxiliar o órgão jurisdicional do que propriamente às partes da demanda763. Isso porque a intervenção do amicus curiae é uma fonte enriquecedora do contraditório que, diante da relevância da matéria discutida, sugere ao julgador que ouça não apenas as partes interessadas no litígio, mas também a sociedade, por meio da intervenção dos amici curiae764. Conforme dispõe o art. 138, o amicus curiae pode ser admitido sempre que “o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda, ou a repercussão social da controvérsia (...)”. No entanto, o referido dispositivo não é claro quanto à indicação daquele que deve figurar como amicus curiae afirmando apenas que poderá participar como amigo da corte “pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada”. Por esse motivo, Arruda Alvim entende que é possível que todos aqueles que tiverem condições de participar da formação da convicção do julgador ou do tribunal no caso concreto, podem atuar como amicus curiae765. O cabimento da intervenção do amicus curiae já era previsto na Lei n. 9.868/99, que trata das ações de controle concentrado de constitucionalidade, nos arts. 7º, § 2º, 20, § 1º e 6º, § 2º, hipótese em que já se exigia a observância da relevância da matéria e a necessidade de adequação da representatividade. A primeira vez que a figura do amicus curiae apareceu no ordenamento brasileiro foi com a edição da Lei n. 6.616/78, que incluiu o art. 31 na Lei n. 6.385/76, no qual determinava-se a obrigatoriedade da intimação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que apresentasse parecer ou esclarecimentos em processos judiciais que tratassem de temas relativos à sua competência.
O mesmo dever de emitir parecer foi imposto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em todas as ações que discutissem a aplicação da Lei n. 12.529/11. O art. 12 da referida lei fazia menção equivocada à figura do assistente. O equívoco se deve ao fato de que o CADE atuava sem qualquer vinculação ao caso concreto, já que não seria atingido pela coisa julgada ou pela “justiça da decisão”. Isto pois ele atua como um convidado ao processo para que, utilizando-se de seus conhecimentos relativos aos fatos da demanda, diante de sua competência técnica, possa elucidar o debate766. Cumpre ressaltar que a intervenção da União prevista na Lei n. 9.469/97 não guarda relação com a intervenção provocada pelo amicus curiae, já que nesse caso a União não tem interesse institucional, mas econômico. Nessa hipótese de intervenção, há o deslocamento da competência, uma vez que a União se torna parte do processo. Ao lado disso, diferentemente da intervenção prevista na Lei n. 9.469/97, o amicus curiae não tem legitimidade recursal, como regra. Parece-nos, ademais, que a intervenção do amicus curiae pode ocorrer inclusive no curso do julgamento de recurso, bastando que ainda seja útil a sua participação para fins de convencimento dos julgadores. Nesse sentido, é possível cogitar, por exemplo, da intervenção do amicus curiae quando da oposição de embargos de declaração (art. 1.022 do CPC/2015) ou interposição de agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015), uma vez que ainda é possível que sua atuação no processo fomente o contraditório767. 2. Procedimento O art. 138 do CPC/2015 dispõe que as partes, o juízo ou quem pretenda
manifestar-se podem requerer o ingresso do amicus curiae nos autos do processo ou do recurso, sendo que o amicus curiae não possui legitimidade para interpor recursos e sua intervenção não tem o condão de alterar a competência. A intervenção do amicus curiae pode ocorrer a qualquer momento do processo, inclusive em fase recursal, desde que garantido o contraditório, independente do rito processual encontrando óbice apenas na limitação lógica para sua intervenção, que é o momento da prolação da decisão que pretendia influenciar. No entanto, quando requerida pelas partes ou ensejada de ofício, o amicus curiae tem o prazo de quinze dias para apresentar sua manifestação. Além disso, para atuar como amicus curiae é necessária a representação por meio de advogado, exceto quando a iniciativa é do próprio órgão judicial que requer a participação do amicus curiae de ofício. Está o amicus curiæ dispensado do pagamento de custas, despesas e honorários processuais, já que com sua intervenção pretende colaborar com o juízo sendo possível, no entanto, sua condenação por litigância de má-fé caso incida em umas das hipóteses do art. 80 (art. 79 do CPC/2015). 2.1 Natureza jurídica Em que pese entendimento de que o amicus curiae é apenas um “auxiliar especial do juiz, a quem sabe fornecer informações técnicas reputadas relevantes para o julgamento da causa”768, não se nega que o amicus curiae é um terceiro, estranho à lide, que ingressa na demanda com o objetivo de colaborar com a formação da convicção do juízo (singular ou colegiado) e sua atuação pode levar ao esclarecimento dos fatos ou fornecimento de subsídios que possam influenciar no convencimento do juiz769.
A intervenção do amicus curiae não se dá em função de interesse próprio – direta ou indiretamente – como as outras formas de intervenção de terceiro. Isso significa que o amicus curiae não atua em interesse próprio, nem contra nenhuma das partes. Sua atuação se dá em razão da especificidade do direito discutido no processo com o objetivo de viabilizar a formação da convicção do magistrado ou do colegiado. 2.2 Requisitos A admissão do amicus curiae está sujeita alternativamente à relevância da matéria, especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia, conforme dispõe o art. 138 do CPC/2015, sendo evidente que a presença de um só dos elementos é suficiente para o deferimento do ingresso no processo, tratando-se, portanto, de requisitos não cumulativos. Os requisitos da relevância da matéria e a repercussão social demonstram que a matéria tratada na demanda supera os interesses das partes. Como esclarece Arruda Alvim, “a relevância da matéria se refere à possibilidade de que determinada causa posta a julgamento trate de questão acentuadamente importante à ordem jurídica”. Ou seja, nesse caso, é a importância do objeto que torna admissível a intervenção do amicus curiae770. Já a repercussão social da matéria relaciona-se com a amplitude da aplicação da decisão que será proferida nos autos do processo, da mesma forma que ocorre no julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC/2015), produzindo efeitos de dentro para fora da demanda, superando os interesses das partes. A especificidade do tema resulta decorre da impossibilidade de se conhecer todas as matérias, razão pela qual a especificidade da matéria
demanda intervenção de sujeito até entrão estranho ao processo. São as hipóteses nas quais o julgador necessita de conhecimentos específicos e que são imprescindíveis para o julgamento. Os requisitos previstos no art. 138 do CPC/2015 permitem que a intervenção do terceiro como amicus curiae pode ser requerida pelas partes, pelo próprio terceiro ou determinada de ofício pelo magistrado. Essa última hipótese está diretamente ligada à percepção do magistrado de que ele necessita de informações diversas daquelas que já estão acostadas aos autos para formar sua convicção, sendo imprescindível a garantia de as partes se poderem manifestar sobre o ingresso do amicus curiae771. Arruda Alvim pontua que, “se a intervenção do “amicus curiae torna mais completo o contraditório, mais efetivo, é possível dizermos que é dever do magistrado admiti-lo” e não mera faculdade, como pode sugerir o caput do art. 138, desde que esteja presente “algum dos requisitos objetivos em perspectiva, e não haja relevante motivo, em sentido contrário, a justificar sua não admissão no processo”772. Nesse sentido, para que a intervenção do amicus curiae seja rejeitada pelo julgador é necessário que ele justifique o não preenchimento dos requisitos elencados no art. 138 do CPC/2015. 2.3 Quem pode atuar como amicus curiae Como já afirmado anteriormente, o art. 138, caput, do CPC/2015 não é taxativo nem expresso quanto a quem pode efetivamente atuar como amicus curiae, prevendo apenas como cabível a participação de “pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada” e que tenha interesse na formulação da tese jurídica que será fixada no
processo. Ao prever a possibilidade de pessoa natural atuar como amicus curiae, o CPC/2015 acolheu a ideia de legitimação, que, segundo Humberto Theodoro773, era defendida pela doutrina, permitindo que pessoas físicas com “noções de autoridade, respeitabilidade, reconhecimento científico e perícia acerca da matéria” também se possam manifestar. A representatividade adequada, esclarece Arruda Alvim, “diz respeito à capacidade objetiva do terceiro em contribuir com o julgador na solução do conflito”774, e isso se aplica a todos aqueles que tiverem a intenção de figurar como amicus curiae. Em relação às pessoas jurídicas, é impositiva a comprovação de pertinência temática entre o interesse institucional e o efeito da ação, em cujo processo pretende intervir, mas cujo julgamento não afeta suas relações jurídicas direta ou indiretamente. Em outras palavras, o amicus curiae não deve ter interesse particular na lide, devendo ser absolutamente imparcial podendo ser afastado com a aplicação das regras de suspeição e de impedimento (art. 144 do CPC/2015). Seu interesse deve estar restrito à garantia de que a decisão de mérito que vier a ser proferida no processo esteja de acordo com aquilo que entende como correto, com base nos fins institucionais a que se dedica775. Além disso, caso a intervenção do amicus curiae tenha sido requerida pelas partes ou pelo juízo, o terceiro não é obrigado a intervir no processo uma vez que ele não possuiu o dever de cooperação previsto nos arts. 378 e 380 do CPC/2015. 2.4 Poderes O art. 138, § 2º, do CPC/2015 determina que o juiz, ao solicitar ou admitir
a intervenção do amicus curiae defina quais são os poderes de que ele gozará. Em outras palavras, caberá ao julgador delimitar a forma e a abrangência da atuação do amicus curiae, devendo considerar sempre a função de auxiliar para o julgamento. O amicus curiae pode opor embargos declaratórios (art. 138, § 1º, CPC/2015) e a possibilidade de recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, § 3º, CPC/2015). Para este último caso, é possível afirmar que o legislador considerou a possibilidade de que a decisão proferida servirá de paradigma para decisões futuras e que poderão afetar o interesse institucional do amicus curiae. É possível ainda que o amicus curiae realize sustentação oral ou até mesmo requeira a produção de provas, desde que isso se coadune com os fins institucionais a que se dedica e que tais requerimentos estejam diretamente ligados com o ponto de vista que pretende defender. 2.5 Atuação do amicus curiae em demandas repetitivas Os arts. 983 e 984, II, alínea b, do CPC/2015 determinam que o relator deverá ouvir as partes e os “demais interessados” que poderão “requerer a juntada de documentos, bem como as diligencias necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida” e que “os demais interessados” “poderão sustentar suas razões”. Apesar de estes artigos estarem inseridos no contexto do incidente de resolução de demandas repetitivas, tratam da intervenção de amicus curiae. Além desses dispositivos, o art. 1.038, I, do CPC/2015 prevê expressamente a intervenção de terceiro interessado diante da “relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno”. O art. 927, § 2º, do
CPC/2015 também faculta a admissão de terceiros – na figura do amicus curiae – além de oportunizar a realização de audiências públicas. Essa atenção dada pelo CPC/2015 ao amicus curiae está diretamente ligada ao fato de que as teses jurídicas firmadas nos incidentes de resolução de demandas repetitivas e nos recursos repetitivos tornar-se-ão de observância obrigatória, na forma do Código, e, portanto, serão aplicadas a todos os casos pendentes e futuros, razão pela qual se justifica a maior amplitude no debate, como forma de legitimar a decisão, daí a justificar o ingresso do amicus curiae. Ainda, a modificação do entendimento de um pronunciamento judicial vinculante deve ser, sempre que possível, precedido da intervenção do amicus curiae diante da sua relevância social para que se possa contribuir para a construção de uma decisão mais adequada ao contexto social em que ela se insere 3. A irrecorribilidade da decisão que defere o amicus curiae A decisão que admitir a intervenção do amicus curiae é irrecorrível (art. 138, caput, CPC/2015). Segundo Arruda Alvim, a vedação para interposição de recurso contra essa decisão decorre do fato de que a intervenção não tem o condão de causar dano às partes, já que a autuação do amicus curiae estará balizada pelos próprios limites delimitados pelo magistrado, ao admitir o seu ingresso. Além disso, a ausência de interesse próprio do amicus curiae na causa, cumulada com o objetivo de enriquecer o contraditório, defendendo a tese que reputar relevante para seus fins, torna evidente a ausência de prejuízo às partes.
A propósito de analisar o cabimento de recurso contra a decisão que trata da intervenção de amicus curiae, Arruda Alvim afirma que é incompatível aplicar extensivamente a irrecorribilidade prevista para admissão da intervenção do amicus curiae uma vez que “o intuito do art. 138 do CPC/2015 é justamente permitir a ampliação do debate relativo a temas de relevância ímpar, com vistas à mais justa decisão”776. Com efeito, vê-se que o art. 138, caput, do CPC veda apenas a interposição de recurso contra a decisão que admite o ingresso do amicus curiae. Assim, contra a decisão que inadmitir o ingresso, deve-se aplicar a regra geral prevista no art. 1.015, IX, que trata da “admissão ou inadmissão de intervenção de terceiro”. Ademais, tratando-se de pedido de ingresso do amicus curiae requerido perante o tribunal, a inadmissão, pelo relator, permitirá, ao que nos parece, a interposição de agravo interno, na forma do art. 1.021 do CPC/2015. 4. A coisa julgada para o amicus curiae O amicus curiae é um terceiro que não integra a demanda e que não está em defesa de interesse próprio, tendo inclusive seus poderes limitados pelo juiz. Com efeito, sua participação é restrita a esclarecimentos sobre a matéria dos autos, dada a sua relevância. Diante da ausência de relação jurídica direta ou indireta do amicus curiae com a demanda, mas apenas com a tese que nos autos se discute, é evidente que ele não poderá ser atingido pela coisa julgada material, já que a lide não lhe diz respeito. Assim, conquanto se trate, pela letra da lei, de intervenção de terceiro em processo alheio, é certo que o amicus curiae não terá sua esfera jurídica atingida, quer direta, quer indiretamente.
XVII NULIDADES PROCESSUAIS
1. Considerações gerais A primeira coisa que se deve ter em mente quando se pretende analisar o tema das nulidades processuais é que o processo civil, como já se teve oportunidade de estudar, se insere dentro do direito público. Isso justifica o porquê de as nulidades processuais não receberem o mesmo tratamento que as nulidades/anulabilidades de direito civil, ramo que constitui a espinha dorsal do direito privado. No sistema do Código Civil, as nulidades referentes aos negócios jurídicos não se convalidam, pelo que devem ser decretadas de ofício, quando o juiz conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos e as encontrar provadas (art. 168, parágrafo único, do CC/2002); já as anulabilidades podem ser convalidadas, desde que a confirmação contenha a “substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo” (art. 173 do CC/2002), e não podem ser reconhecidas senão mediante ação própria. Uma das principais características do sistema de nulidades do processo civil é a de que ele é informado pelo princípio da instrumentalidade das formas. Com efeito, esse princípio basilar quer significar que as formas, no
processo civil, não se constituem em um fim em si mesmas, mas, muito ao contrário, representam meios para que possam ser atingidas finalidades. O fato de o sistema de nulidades processuais ser informado pelo princípio da instrumentalidade das formas é, aliás, consequência direta da inserção do processo civil dentro do direito público, superando-se a nulidade processual sempre que o ato, ainda que eivado de nulidade, atingir a sua finalidade essencial777. Ao lado do princípio da instrumentalidade das formas, deve ser referido o princípio estampado no art. 188, do CPC, significando que, como regra, a forma dos atos processuais é livre, devendo-se reputar como “válidos os [atos] que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. Deve-se ter presente, ainda, dentro do campo das nulidades no processo civil, que, anulado o ato, considerar-se-ão sem nenhum efeito os subsequentes, dele dependentes (art. 281, primeira parte, do CPC); e, de outro lado, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes (art. 281, segunda parte, do CPC). Há que se mencionar, ainda, o princípio de que inexiste nulidade sem prejuízo (art. 282, § 1º, do CPC), sendo de se constatar, ademais, a regra do art. 276, no sentido de que a nulidade não pode ser arguida pela parte que a ela deu causa778. O art. 76, ao permitir a regularização da capacidade processual ou da representação das partes, constitui expressão do espírito do legislador no sentido de ensejar, sempre que possível, o aproveitamento dos atos processuais779. Assim também os arts. 139, X, 282, § 2º, 352, 932, parágrafo único, 938, § 1º e 1.029, § 3º, todos do CPC, revelam o claro intuito do legislador em permitir a todo tempo a sanação de vícios, quando possível, com vistas à análise de mérito (arts. 4º e 6º, do CPC).
Frise-se bem, portanto, que, dentro do processo civil, quaisquer invalidades podem ser superadas, sempre que o ato processual, a despeito da nulidade, atingir sua finalidade essencial. Pode-se dizer que o art. 283 tem a mesma matriz ideológica que o precitado art. 188: “O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais”780. Pode-se dividir, segundo sistematização desenvolvida por Teresa Arruda Alvim781, adotada por Marcelo Abelha Rodrigues782 e por nós, as invalidades processuais nas seguintes categorias: (i) invalidades de forma sem cominação de pena de nulidade: ou bem são alegadas pela parte que a elas não deu casa, ou opera-se o fenômeno da preclusão, convalescendo-se a nulidade. Exemplo típico é o vício da incompetência relativa: superado o prazo de 15 dias em que pode ser arguida em preliminar de contestação (art. 65, do CPC), não mais será possível arguir tal vício – a competência se prorroga e o juízo não mais poderá ser acoimado de incompetente; (ii) invalidades de forma com cominação de pena de nulidade: são aquelas para cuja inobservância da forma a lei prevê expressamente a pena de nulidade. Tal é o caso, por exemplo, do disposto no art. 279, referente à nulidade do feito em que o Ministério Público deveria ter sido intimado a se manifestar, se entender ser o caso, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, mas não foi. Essa invalidade não se sujeita à preclusão, nem tampouco depende de forma própria para ser arguida, cabendo o pronunciamento ex officio, a propósito. Vale mencionar que a nulidade decorrente da ausência de intervenção do Ministério Público atinge estritamente os atos processuais
praticados a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado (art. 279, § 1º). A esse respeito, ainda, o Código de Processo Civil de 2015 prevê que referida nulidade só poderá vir a ser decretada após manifestação do próprio Ministério Público a respeito da existência ou inexistência de prejuízo, nos termos do § 2º do art. 279. Como já observado, mesmo aquelas invalidades para as quais a lei prevê pena de nulidade são suscetíveis de serem sanadas. Ademais, é preciso que haja prejuízo, conforme se disse linhas atrás, razão pela qual mesmo as invalidades de forma com cominação de pena de nulidade podem ser supridas, v.g., quando a falta de intimação do Ministério Público, dada a existência de interesse de incapaz (art. 178, II, do CPC), não trouxer prejuízo ao incapaz, vitorioso na demanda. Com efeito, ainda que haja causa para decretação da nulidade, nessa hipótese, somente será possível essa declaração se houver prejuízo; (iii) invalidades de fundo: decorrentes da ausência de pressupostos processuais de validade, relatório e fundamentação da sentença e condições da ação. Apresentam o mesmo regime das anteriores, podendo ser objeto de conhecimento do juiz a qualquer tempo, independentemente de provocação da parte (arts. 485, § 3º, e 337, § 5º, do CPC); (iv) além das hipóteses acima mencionadas, outra categoria de vícios processuais é aquela que toca com a inexistência jurídica dos atos processuais. A inexistência, dentro do processo, apresenta regime em tudo e por tudo igual ao das invalidades de fundo e invalidades de forma com cominação de pena de nulidade, de modo que se pode dizer que a seu respeito não se opera a preclusão, podendo ser conhecida de ofício em qualquer grau de jurisdição783. Há inexistência quando falta pressuposto processual de existência. Pode-se também dizer inexistente a decisão quando carecer do
elemento decisório (art. 489, III, do CPC)784. A diferença fundamental entre o regime das invalidades de fundo e de forma com cominação de pena e o dos atos processuais inexistentes é a possibilidade de vulneração dos processos inexistentes, que não se submete a qualquer prazo. Processo em que tenha faltado pressuposto de existência não carece de ação rescisória para ser atacado, ainda que findo, pois não há falar em coisa julgada material, sendo vulnerável por ação declaratória de inexistência (imprescritível)785-786, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, à luz do CPC/73: “Ação declaratória de nulidade787 de sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida. 1. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do CPC – que é a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia –, persiste, no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura de ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese. 2. Recurso extraordinário conhecido, negando-se-lhe, porém, provimento”788. Em sentido similar já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sob a vigência do CPC/73: “I – A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual, não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos a execução, se for o caso. II – Recurso não conhecido”789-790-791.
Em outra oportunidade, o STJ julgou, à luz do CPC/73, conforme a ementa seguinte: “Processual civil. Ação de nulidade de sentença. Litisconsortes não citados. Os adquirentes de unidades habitacionais e respectivas frações ideais de terreno têm interesse processual para, como litisconsortes necessários, figurarem em ação resilitória da alienação do imóvel onde seriam construídas as ditas unidades, por inadimplemento da construtora que se propunha a levar a termo a incorporação, restando-lhes a querela nullitatis insanabilis para desconstituir a sentença que ignorou esse interesse processual”792. Esses vícios são mais graves do que aqueles elencados como fundamentos para a ação rescisória (a qual se sujeita, como regra, a prazo decadencial), e daí ser possível e adequado falar-se em inexistência da sentença (cabendo ação declaratória – imprescritível – para impugná-la). A doutrina estrangeira também enfoca o assunto sob este prisma793. Sem que haja a integração do polo passivo por todos os litisconsortes necessários, o processo não terá existido juridicamente, pois terá faltado pressuposto processual de existência, a saber, o da citação de todos os litisconsortes necessários794. Segundo Barbosa Moreira, a querela nullitatis surgiu no direito italiano, influenciado pelo alemão, destinada a impugnar as decisões que contivessem errores in procedendo; era exercitável de modo autônomo, mas não propriamente como uma ação. Esclarece ainda o autor que “esse remédio comportava duas modalidades: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. Na maioria dos ordenamentos europeus, a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de ser alegados por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o
esgotamento das vias recursais”795. A mais importante consequência da distinção feita acima (entre o regime próprio das invalidades e aquele peculiar à inexistência) é a de que, em caso de processo inexistente, a sentença não fica recoberta pela autoridade da coisa julgada material (há apenas uma aparência de coisa julgada material), ao passo que, no processo eivado de invalidade de fundo ou invalidade de forma com cominação de pena de nulidade, a coisa julgada recai sobre o dispositivo da sentença (ou sobre questão prejudicial decidida com observância do art. 503, § 1º, do CPC) e, superado o prazo para a propositura de ação rescisória, não há possibilidade de correção dessa invalidade, que resta sanada. Ou, por outras palavras, na hipótese de processo eivado de invalidade de fundo ou invalidade de forma com cominação de pena de nulidade, a coisa julgada se forma de maneira inválida, impugnável por ação rescisória, ao passo que, sendo inexistente o processo, não se forma, senão aparentemente, a coisa julgada, e, portanto, rigorosamente, descabe ação rescisória, já que esta tem como escopo vulnerar a sentença transitada materialmente em julgado796. Dentro do processo, porém, como já se disse, as invalidades de fundo e de forma com cominação de pena de nulidade receberão o mesmo tratamento dos casos de inexistência. A diferença surge exatamente quando se examina, findo o processo, o meio próprio para atacar uma sentença eivada de invalidade de fundo (por exemplo, proferida por juiz absolutamente incompetente) ou invalidade de forma com cominação de pena de nulidade, que é o meio da ação rescisória, e o meio adequado para insurgência contra sentença inexistente (porque, por exemplo, tenha sido proferida em processo ao qual tenha faltado pressuposto processual de existência, tal qual a citação do réu), que será o da ação declaratória de inexistência do processo em que
aquela tenha sido prolatada. A doutrina e a jurisprudência, porém, reconhecem a possibilidade de que a inexistência do processo seja reconhecida no bojo de ação rescisória, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas797. 2. Momento da alegação da nulidade798 Dispõe o art. 278 que “a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”. Esse dispositivo aplica-se às invalidades de forma sem cominação de pena de nulidade, pois que é apenas a respeito destas que se opera preclusão. Trata-se de um reflexo do princípio da lealdade processual (art. 5º, do CPC). A parte não deve guardar uma “arma”, devendo alegar a invalidade de forma sem cominação de pena no primeiro momento em que lhe competir falar nos autos, salvo hipótese de legítimo impedimento (parte final do parágrafo único do art. 278). E a preclusão resultante da não alegação oportuna de uma invalidade de forma sem cominação de pena constitui-se na sanção através da qual se atribui efeito prático ao princípio da lealdade processual, que se encontra subjacente à regra do art. 278, caput799. Existem, todavia, invalidades a respeito das quais compete ao juiz pronunciar-se de ofício (são as invalidades de forma com cominação de nulidade, as invalidades de fundo e também a inexistência jurídica). Delas trata o parágrafo único do art. 278, e sobre elas não se opera a preclusão. Portanto, ainda que não arguidas desde logo, isto não impede que sejam levantadas em outro momento processual, mesmo porque são cognoscíveis de ofício, isto é, independentemente de qualquer provocação. Veja-se, por exemplo, o caso do vício atinente à incompetência absoluta.
O § 5º do art. 337, conjugado com o inciso II do mesmo preceito, bem como o § 3º do art. 485, são expressos no sentido de que tal vício pode (deve) ser conhecido pelo juiz, de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição. No mesmo sentido dispõe o art. 64, § 1º, do CPC. Quer isso significar que, por exemplo, mesmo não tendo sido levantado tal vício em contestação, não se opera a preclusão para suscitar o problema em grau de apelação, e não existe sequer óbice a que o tribunal local conheça de ofício do vício. Aliás, é preciso recordar o que já se disse linhas atrás: ainda que transite em julgado a decisão, poder-se-á alegar a incompetência absoluta (art. 966, II), por se tratar de nulidade de fundo. O limite para tal alegação, pois, será o transcurso do prazo decadencial da ação rescisória (art. 975, do CPC). Todavia, é de se repisar, como já levantado anteriormente, que mesmo as invalidades de forma com cominação de nulidade e as invalidades de fundo podem ser sanadas. No exemplo acima, relativo à incompetência absoluta, reconhecida a nulidade quando ainda em curso o processo, podem os atos decisórios ser ratificados pelo juízo competente (art. 64, § 4º). Ademais, passado o prazo da ação rescisória (art. 975, do CPC), haverá também irremediável sanação dos vícios, desde que exista processo e decisão. Costuma-se dizer que o trânsito em julgado opera um papel superador das nulidades ocorridas, salvo as que possam ensejar a propositura de ação rescisória. Na verdade, as invalidades de forma sem cominação de nulidade restam superadas se não arguidas na primeira oportunidade que couber à parte prejudicada falar nos autos, ocorrendo preclusão (caput do art. 278). Já em relação às invalidades de forma com cominação de nulidade e as invalidades de fundo não há falar, como visto, em preclusão. Nem, tampouco, com o trânsito em julgado restam definitivamente superadas, já que rendem
ensejo à propositura de ação rescisória800. De igual modo, a inexistência jurídica do processo, da decisão judicial ou de qualquer outro ato processual também não resta acobertada pela preclusão e tampouco pela coisa julgada, diferenciando-se das nulidades de forma com cominação de pena e das nulidades de fundo porque nem mesmo o transcurso do prazo para rescisão do julgado é capaz de sanar o vício. 3. Invalidades de fundo e de forma As invalidades podem ser, como visto, de forma, com ou sem cominação de pena de nulidade (estas sujeitas à preclusão), como também de fundo. O reconhecimento dessas espécies de invalidade, caso já haja trânsito em julgado, exige a desconstituição da coisa julgada formada, motivo pelo qual se exige o ajuizamento de ação rescisória (art. 966 do CPC). Se faltar ao processo, todavia, pressuposto processual de existência, há mais do que invalidade, mas verdadeira inexistência do processo no mundo jurídico. É dizer: faltando pressuposto processual de existência, tem-se atos que apenas aparentam ter ingressado no mundo jurídico, mas que na verdade permaneceram no plano dos fatos. Por não haver o ingresso do processo no mundo jurídico é que sequer se faz necessária a sua desconstituição, bastando que haja a declaração para que se dê segurança jurídica à parte interessada, o que se faz pela via da ação declaratória de inexistência. Endoprocessualmente, porém, como já se disse, a inexistência recebe o mesmo tratamento das invalidades de fundo e das invalidades de forma com cominação de pena de nulidade801, isto é, num e noutro caso o que se faz é retirar o ato inexistente ou nulo do mundo jurídico. As invalidades de forma podem apresentar ou não cominação de pena de
nulidade. As primeiras não se sujeitam à preclusão, assim como as invalidades de fundo. Como já se afirmou, endoprocessualmente, as nulidades de fundo e as de forma com cominação de pena de nulidade têm regime idêntico ao da inexistência. Todavia, observa com acuidade a Professora Teresa Arruda Alvim que a coisa julgada “só não se constituirá em caso de processo e sentença inexistente, mas, no caso de processos nulos, ou sentenças nulas, forma-se a coisa julgada e a sentença passa a ser rescindível. E as consequências práticas desta distinção são em tudo e por tudo relevantes: as sentenças encartáveis no último grupo [processos nulos ou sentenças nulas, sem fundamentação, por exemplo, acrescentamos] são rescindíveis, e a rescindibilidade esta sujeita a prazos (art. 975 do CPC/2015). Entretanto, a possibilidade de ataque às outras (sentenças inexistentes) não sofre esta limitação”802. Em relação aos atos inexistentes – prossegue a mesma autora, citando Camusso –, “não havendo nada a destruir, não haverá limite temporal para constatar-se a inexistência”803. O art. 280, por exemplo, é expresso no sentido de que a inobservância da forma, nas citações e intimações, gera nulidade. O caso é de invalidade de forma, com cominação expressa de pena de nulidade804. Anote-se que, mesmo em tal caso, a invalidade pode ser suprida, se, por exemplo, nada obstante a inobservância da forma, houver comparecimento espontâneo do réu ao processo (§ 1º do art. 239)805. Repise-se que, nos assim ditos recursos ordinários, o seu efeito translativo faz com que as invalidades em relação às quais não se opera a preclusão (invalidades fundo e invalidades de forma com cominação de nulidade) sejam devolvidas (rectius: trasladadas) ao órgão ad quem, independentemente de
terem sido objeto de impugnação específica. Tormentosa questão é a de saber como se coloca a verificação de invalidades para as quais não se opera preclusão, que devam ser conhecidas ex officio pelo juiz, em sede de recursos especial e extraordinário. Interessante posicionamento, no sentido de que as questões a cujo respeito o juiz se deve pronunciar de ofício já terão sido implicitamente apreciadas em qualquer decisão de mérito anterior, de tal sorte que, no mínimo, haverá decisão implícita acerca das invalidades em relação às quais não se opera a preclusão, é sustentado por Nelson Luiz Pinto, reconhecido especialista da matéria806. Contudo, o STJ, na vigência do CPC/73, não admitia a veiculação, no bojo de recurso especial, de questões federais não devidamente prequestionadas, ainda que pudessem ter sido objeto de decisão ex officio por parte do tribunal local807. No sentido de que também dependem de prequestionamento as invalidades cognoscíveis de ofício para serem arguidas em sede de recurso especial, o posicionamento do STJ, no julgamento do REsp 30.615-6/SP, rel. Min. Edson Vidigal, sendo referidos nesse julgado precedentes do STJ, da própria 5ª Turma, bem como da 3ª no mesmo sentido808. Tal orientação, inclusive, veio a ser consagrada pela Corte Especial do STJ no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência 999.342809. Todavia, não podemos desconsiderar que há acórdãos que adotam uma linha menos rigorosa. Encampam orientação no sentido de que é possível ao STJ vir a conhecer ex officio de determinadas matérias em recurso especial, tal como se de recurso ordinário se tratasse, desde que o recurso especial seja conhecido (isto é, desde que presentes os pressupostos de admissibilidade desse recurso)810-811.
Com relação aos embargos declaratórios, predomina o entendimento de que, não tendo sido a invalidade objeto específico da omissão, obscuridade ou contradição ensejadoras da oposição dos embargos, não se deverá decretálas, quando do julgamento destes812. 3.1 Regime jurídico das invalidades Se as invalidades de forma sem cominação de nulidade não forem arguidas no momento oportuno, há preclusão (art. 278, caput, do CPC/2015), o que não sucede com as invalidades de forma com cominação de nulidade e as nulidades de fundo (art. 278, parágrafo único, do CPC/2015) nem, muito menos, com as hipóteses de inexistência. Isso significa que estas últimas poderão (deverão) ser conhecidas de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição. O raciocínio aplica-se tanto às invalidades de fundo como às invalidades de forma (com cominação de pena de nulidade). Porém, seja permitido enfatizar, a possibilidade de conhecimento de ofício, por parte do juiz, só existe no âmbito da assim chamada jurisdição ordinária. Diferentemente, as invalidades de forma sem cominação de nulidade só podem ser decretadas se arguidas pelas partes, sujeitando-se à preclusão (art. 283, caput), que tem o condão de sanar o vício decorrente da nulidade. 4. Ausência de intimação do Ministério Público A lei é expressa quanto à invalidade pela ausência de intimação do Ministério Público (art. 279), devendo ser anulado o processo a partir do momento em que o Ministério Público houvesse de ter intervindo (art. 279, § 1º).
Observe-se, como já dito em capítulo específico, que existe independência entre o órgão do Ministério Público e o Judiciário, de modo que a nulidade decorre da ausência de intimação, e não da falta de efetiva manifestação, pois o Judiciário não pode impor ao órgão do Ministério Público o dever de manifestar-se813-814. No mandado de segurança, por exemplo, a Lei n. 12.016/2009 estabelece em seu art. 12, parágrafo único, que “com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias”, o que robustece o quanto estamos dizendo quanto à desnecessidade de haver efetiva manifestação do órgão do Ministério Público, bastando sua intimação. Ainda que não se possa falar em preclusão nesse caso, o CPC/2015 autoriza expressamente a aplicação do princípio segundo o qual não há nulidade sem prejuízo. Nesse sentido, o art. 279, § 2º, prevê que a ausência de intimação do Ministério Público só poderá acarretar nulidade, caso este se manifeste sobre a existência ou não de prejuízo. Cumpre ressaltar a esse respeito que, sob a égide do CPC/73, os tribunais já reconheciam a ausência de nulidade quando presente intervenção da Procuradoria de Justiça em segundo grau, mesmo inexistindo intimação do Ministério Público em primeiro grau e esse entendimento está expressamente previsto no art. 279, § 2º, do CPC/2015815-816. Assim, o legislador de 2015, diante da vasta jurisprudência firmada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, reconheceu expressamente que, se a ratio da intervenção do Ministério Público é a existência de criança num dos polos da relação processual, tendo sido a lide aí existente decidida favoravelmente à ela, não há falar em nulidade. É que, como já dissemos, mesmo as invalidades de fundo e de forma com cominação de pena de
nulidade não serão declaradas, se não houver prejuízo. Se, todavia, a razão da necessidade de intervenção do Ministério Público não estiver, por exemplo, ligada a uma das partes especificamente (exemplo: anulação de casamento), em que a razão da presença do Ministério Público diz com o próprio bem jurídico objeto do processo, que é indisponível, deve ser decretada a nulidade817. 5. Consequência da anulação dos atos processuais A decretação da nulidade dos atos processuais deve atingir apenas os atos subsequentes cuja higidez dependa do ato anulado, segundo prescreve o art. 281, que consagra o princípio do aproveitamento dos atos processuais: “Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes”818. Desse modo, ao juiz incumbe, pronunciando a nulidade, declarar quais os atos atingidos (art. 282, caput), determinando as providências necessárias para que sejam repetidos ou retificados. Se, de outro lado, a falta do ato não prejudicar a parte, não será repetido, nem sua falta será suprida (art. 282, § 1º, que alberga o princípio de que não há nulidade sem prejuízo); bem como, se puder o juiz decidir em favor daquele que argui a nulidade, não deverá pronunciá-la (art. 282, § 2º). O § 2º, como se vê, é uma explicitação do § 1º, já que, se a demanda pode ser decidida em favor daquele a quem beneficiaria a arguição da nulidade, é evidente que inexiste interesse em argui-la, pois inexiste nulidade sem prejuízo. Havendo erro de forma, deverão ser anulados apenas os atos processuais que não possam ser aproveitados (instrumentalidade das formas), devendo ser
aproveitados os atos praticados desde que isso não cause prejuízo à defesa (art. 283, caput e parágrafo único, do CPC/2015). Se o processo estiver findo e maculado por invalidade de fundo ou de forma com cominação de nulidade, será caso de ação rescisória. Por exemplo, tal é o caso da ausência de pressuposto processual da validade. Esta é a hipótese de processo que tenha sido sentenciado, por exemplo, por juiz impedido. Nesse caso, findo o processo, os efeitos da coisa julgada recaem sobre a parte dispositiva da sentença. Porém, no prazo de dois anos, aquela sentença ainda pode ser rescindida (art. 966, II, do CPC/2015). Se, todavia, faltou ao processo pressuposto processual de existência (por exemplo, citação do réu), esse vício pode ser reconhecido, endoprocessualmente, da mesma forma como a ausência de pressuposto processual de validade. Todavia, findo o processo, existe só uma aparência de coisa julgada a recobrir a parte dispositiva da sentença. Nesse caso, cabível ação declaratória, imprescritível, para vulnerá-lo. Por outro lado, se a nulidade for decretada em sede de sentença – podendo recair, inclusive, sobre todo o processo – e parte prejudicada tiver interesse em recorrer ordinariamente, a via impugnativa cabível é a apelação, nos termos do art. 1.009, caput, do CPC/2015. Em sendo decretada por meio de decisão interlocutória – cuja invalidação se limitaria a um ato processual – a parte deverá se valer de preliminar de apelação, conforme inovação trazida pelo art. 1.009, § 1º, do CPC/2015819.
XVIII FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO
1. Formação do processo A relação jurídica processual é, por excelência, trilateral, na medida em que envolve a atividade de três pessoas: autor, juiz e réu. Como já se teve oportunidade de salientar, o direito processual é ramo do direito público, uma vez que diz respeito ao exercício da atividade jurisdicional do Estado, ainda que o conflito de interesses que lhe esteja subjacente possa ser, eventualmente, de direito privado. Também como já se viu anteriormente, o processo civil é informado pelo princípio dispositivo, o que significa que começa por iniciativa da parte (art. 2º do CPC/2015). Sem embargo, uma vez iniciado o processo, desenvolve-se este por impulso oficial (art. 2º, parte final, CPC/2015), vale dizer, independentemente de provocação das partes. Neste tocante, cumpre mencionar que o CPC/2015 criou ressalvas a este impulso oficial, hipóteses nas quais a sua imperatividade pode ser afastada, dando lugar à vontade das partes. É o caso do negócio jurídico processual, através do qual as partes podem se autocompor e estipular mudanças no procedimento em função das
especificidades do caso concreto (art. 190 do CPC/2015). Pois bem, o art. 312, primeira parte, dispõe que a ação considera-se proposta quando houver o protocolo da petição inicial. Porém, o processo só produzirá efeitos, em relação ao réu, com a citação, segundo o que prevê a parte final do mesmo art. 312. Observe-se que, em casos excepcionais, é possível a concessão de medidas liminares sem a prévia oitiva da parte contrária, adiando-se a efetivação do contraditório. O réu, porém, será sempre ouvido, e poderá recorrer da decisão que tenha sido proferida sem sua manifestação. Nessa última hipótese, resguarda-se um princípio maior, que é o do amplo e efetivo acesso ao Poder Judiciário, hoje expressamente assegurado em sede constitucional e infraconstitucional (art. 5º, XXXV, da CF/88 e art. 3º, caput, do CPC/2015), seja em caso de lesão, seja em hipótese de simples ameaça de lesão a direito. Com efeito, hipóteses há em que a não concessão da liminar sem a ouvida da parte contrária pode levar ao perecimento do próprio direito. Vale dizer, na garantia do amplo acesso ao Judiciário está ínsita a ideia de utilidade para o requerente. Se o requerido pode, sabendo do pedido, alterar a situação fática, eventualmente tornando ineficaz a medida, é certo que não deverá ser previamente ouvido. Nesse caso, sacrifica-se, provisoriamente, o contraditório, visando ao resguardo do amplo e útil acesso ao Judiciário. Sem embargo, seja permitido insistir, sucessivamente à liminar, o réu poderá sempre contestar e recorrer, devendo ser citado da propositura da ação, bem como intimado da decisão liminar. Por outro lado, a introdução do art. 285-A no CPC/73 pela Lei n. 11.277/2006, cujo conteúdo foi recepcionado e aprimorado pelo CPC/2015, representou, em nosso entender, um grande avanço. Referido dispositivo, tal
qual o atual art. 332, permitia ao juiz, uma vez verificados os pressupostos nele previstos, dispensar a citação do réu e proferir desde logo a sentença de improcedência. Não havia, segundo se nos afigura, na previsão estampada no revogado art. 285-A, tampouco no art. 332 do CPC/2015, ofensa ao princípio do contraditório, já que referidos dispositivos autorizam apenas o julgamento de improcedência, de modo a não configurar prejuízo algum ao réu820. Nesse exato sentido, observa Joel Dias Figueira Jr. não existir “qualquer afronta ao contraditório ou ampla defesa”821. E acrescenta: “Ao réu, nenhum prejuízo se verifica pela ausência de citação e formação da relação jurídico-processual, visto que o autor sucumbe de plano, obtendo o sujeito passivo, por conseguinte, ganho de causa”822. Com a citação, não mais poderá o autor alterar o pedido ou a causa de pedir (art. 329, II), sem o consentimento do réu823. É o que se denomina de estabilização do processo (princípio da estabilidade da instância) – que se assume caráter definitivo após o saneamento do processo, nos termos do mesmo art. 329, II, do CPC/2015. Com efeito, a alteração do pedido, ou da causa de pedir, uma vez feita a citação, traria ao processo o elemento “surpresa”. Por isso, só será possível se com ela o réu (que é o potencial prejudicado com a mudança) concordar824. Registre-se, por oportuno, que nem mesmo em caso de revelia poderá o autor alterar o pedido ou a causa de pedir sem promover nova citação do réu, sendo assegurado a este novo prazo para defesa825. De qualquer forma – prescreve o inciso II do art. 329 –, uma vez saneado o processo, nem mesmo com o consentimento do réu é possível alterar o pedido ou a causa petendi826. Tal restrição também se justifica plenamente. É que, como se terá oportunidade de examinar em capítulo específico, no
saneamento o juiz, dentre outras coisas, decide acerca das provas a serem produzidas. Se assim é, uma vez saneado o processo, não é mais possível alterar o pedido ou a causa de pedir porque, dentre outras razões, isso poderia acarretar a necessidade de produção de provas outras, não admitidas ou não cogitadas no saneamento. Com a citação, ocorrem efeitos processuais de suma importância: induz-se a litispendência e faz-se litigiosa a coisa (caput do art. 240, primeira parte). Entretanto, ainda no que toca aos efeitos da citação, insta mencionar a existência de diferenças entre o CPC/2015 e o CPC/73. Neste, o autor era livre para trazer novas pessoas para o polo ativo ou passivo do processo até a citação do réu (“Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei” – art. 264). O art. 329 do CPC/2015, por sua vez, não é expresso em determinar que o aditamento ou alteração das partes originalmente indicadas deva ocorrer antes da citação. Desta forma, pode-se dizer que, em princípio, não haveria óbice à alteração das partes após a citação dos réus originariamente indicados na petição inicial. 2. Suspensão do processo Há hipóteses em que o processo não segue o seu curso ininterruptamente até a prestação jurisdicional final. Tal ocorre quando há suspensão do curso do processo. Com a suspensão do processo, não se extingue a relação jurídica processual, ficando mantidos os efeitos decorrentes da formação deste, senão que, apenas, seu curso é suspenso temporariamente, retomando a marcha normal, tão logo cesse a causa que determinou a suspensão.
Uma vez determinada a suspensão – preconiza o art. 314 –, “é vedado praticar qualquer ato processual”, mantendo-se íntegros os atos já praticados anteriormente. Excepcionalmente, poderá o juiz determinar a prática de atos urgentes, a fim de obstar dano irreparável (art. 314). Deveras, ressalve-se, no referido dispositivo, está prevista a hipótese em que se faça necessária a prática de atos urgentes, para evitar dano irreparável, caso em que o juiz poderá determinar a sua realização, ainda que suspenso o processo. O art. 221 trata da hipótese de haver prazo em curso, quando da determinação da suspensão do processo. Dispõe no sentido de que, uma vez que o processo retome seu curso normal, o prazo será “restituído por tempo igual ao que faltava para a sua complementação”. Nessa hipótese, deverá ser a parte intimada da cessação da causa que determinara a suspensão, para que o prazo volte a fluir827. Observe-se que a suspensão do curso do prazo terá lugar, nos moldes do art. 221, se ocorrentes qualquer das causas suspensivas previstas no art. 313. Também haverá suspensão do curso do prazo por obstáculo criado em detrimento da outra parte (CPC, art. 221). É o que acontece, por exemplo, se há prazo comum e o processo é indevidamente retirado de cartório por uma das partes, inviabilizando que a outra tenha acesso aos autos828. Merece destaque, a propósito, a redação atribuída pela Lei n. 11.969/2009 ao § 2º do art. 40 do CPC/73, que instituiu a denominada “carga rápida” dos autos para fins de obtenção de cópias, pelo prazo de uma hora, ainda que o prazo dos advogados seja comum, independentemente de ajuste entre eles. O CPC/2015 recepcionou o instituto da “carga rápida” com pequenas modificações, dado que o seu art. 107, § 3º, estabelece ser “lícito ao
procurador retirar os autos para obtenção de cópias, pelo prazo de 2 (duas) a 6 (seis) horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo”, mesmo havendo prazo comum às partes. 2.1 Hipóteses de suspensão do processo O art. 313, nos incs. I a VIII, traz diversas hipóteses de suspensão do curso do processo, algumas obrigatórias, outras facultativas. O inc. I prevê o caso de morte ou perda de capacidade processual de qualquer das partes. Havendo morte da parte, deverá haver a sucessão de que trata o art. 110829, sucedendoa seu espólio ou seus sucessores (art. 687 e s.). Havendo morte do representante legal da parte, outro deverá ser indicado. Se não se ensejar oportunidade para a sucessão da parte falecida no curso do processo830, ou para indicação de outro representante legal, disso resultará a nulidade do processo, a partir de sua indevida continuação. Tratando-se de direito intransmissível, extingue-se o processo sem resolução de mérito, com a morte da parte (art. 485, IX). A capacidade processual, por outro lado, como já visto, coloca-se no plano dos pressupostos processuais de validade (art. 70), consistindo em manifestação da capacidade de exercício do direito civil. A perda da capacidade processual da parte deve conduzir à suspensão do processo, hipótese em que o curador deverá se habilitar a representar a parte nos autos. Se morrer o procurador de quaisquer das partes (inc. I do art. 313), o juiz deverá suspender o processo, designando prazo razoável para que a parte constitua novo advogado (art. 76, caput, do CPC/2015). Caso contrário, desatendido o prazo concedido, se morto o advogado do autor, o processo será extinto sem resolução do mérito; se do réu, o processo prosseguirá à
revelia deste. Deveras, segundo o art. 76, § 1º, incisos I e II, se as partes não sanarem o vício de incapacidade processual ou irregularidade de representação após o prazo para serem reparados referidos defeitos, o juiz julgará extinto o processo se a providência couber ao autor. De outro lado, se se tratar do réu, este será considerado revel. As partes podem, também, acordar em suspender o curso do processo (inc. II do art. 313), hipótese em que o juiz deverá determinar a suspensão, pois se trata de direito das partes. Tal suspensão, porém, segundo o que dispõe o § 4º do art. 313, não deverá exceder seis meses831-832. Cuida-se, pois, de uma mitigação do princípio do impulso oficial do processo (art. 2º do CPC/2015), que retomará compulsoriamente o seu curso assim que esgotados os seis meses concedidos (art. 313, § 5º). A terceira hipótese de suspensão do processo – inc. III do art. 313 – decorre da arguição de impedimento ou de suspeição do juiz. A suspensão se prolonga até que seja resolvido o incidente em primeira instância. Cumpre relembrar, que o impedimento e a suspeição são vícios que dizem com a imparcialidade do juiz. O impedimento é vício de ordem mais grave, vindo disciplinado no art. 144. De tão grave, não convalesce nem com o trânsito em julgado, rendendo ensejo à propositura de ação rescisória (art. 966, II). A suspeição (art. 145) é vício menos grave, convalescendo se não arguido oportunamente (dentro de 15 dias contados do fato que tiver gerado a suspeição, conforme o art. 146). Por isso mesmo, aliás, a suspeição, diferentemente do impedimento, que não convalesce, não se coloca no plano dos pressupostos processuais da validade.
O inc. IV do art. 313 trata da hipótese de suspenção em caso de admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas. O instituto é uma novidade trazida pelo CPC/2015, cujo cabimento se verifica quando presentes, simultaneamente, a repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito (art. 976, I) e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, II). A esse respeito, cumpre ponderar que ação alguma diz respeito exclusivamente à questão de direito, salvo as chamadas ações diretas de inconstitucionalidade ou ações diretas de constitucionalidade. Assim, referido instituto se remete àquelas ações cujas questões de fato já foram superadas, seja porque comprováveis mediante documento ou devidamente comprovadas durante a regular instrução processual833. Neste contexto, a suspensão prevista no inciso IV art. 313 do CPC/2015 diz respeito aos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região de competência do Tribunal julgador do incidente, nos termos do art. 982, inciso I. Medida que se justifica, haja vista a influência direta do resultado do incidente de resolução de demandas repetitivas sobre os processos que versam sobre a mesma questão de direito. Ademais, segundo Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello, referido instituto tem como contexto os dois objetivos propostos pelo CPC/2015: “(1) Agilizar a prestação jurisdicional, sem perda de qualidade, desafogando o Poder Judiciário; (2) Gerar uniformidade jurisprudência, dando sentido prático ao princípio da isonomia e à necessidade de previsibilidade, criando segurança jurídica”834. O inc. V do art. 313, por sua vez, trata de importantes casos de suspensão
do processo, nas alíneas a e b. A alínea a trata da suspensão quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente. É o que a doutrina convencionou denominar de questão prejudicial. Trata-se aqui de questão prejudicial externa (porque objeto de outro processo pendente)835. Essa questão prejudicial externa pode ser homogênea (se se tratar de processo contendo causa cível) ou heterogênea (se envolver, por exemplo, apuração criminal). As questões ditas prejudiciais constituem-se em espécie das assim denominadas questões prévias (gênero). Outra espécie de questões prévias são as questões preliminares. As questões prejudiciais e as questões preliminares apresentam algumas diferenças de relevo. Quando a apreciação de uma questão for condição para que a ação possa ser apreciada pelo mérito, mas não interferir naquilo que vai ser decidido a respeito do pedido propriamente dito, diz-se que se trata de questão preliminar. As condições da ação, por isso mesmo, constituem típicas questões preliminares. Quando a apreciação de uma questão puder condicionar a procedência da ação, tem-se uma questão prejudicial (ao mérito dessa outra ação). Veja-se, agora, um exemplo de questão prejudicial. A prejudicial pode ser interna ou externa, conforme seja ou não ventilada nos mesmos autos em que se irá julgar a lide. Naturalmente, conforme se percebe do inc. V, alínea a, apenas a prejudicial externa é que deve levar à suspensão do processo. Nessas hipóteses, aplica-se a regra do art. 313, V, a. Havendo, por exemplo, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança,
aquela coloca-se como prejudicial em relação a esta última. Isso porque o julgamento da procedência ou não da ação de reconhecimento de paternidade interfere na resolução do mérito da ação de petição de herança. Se a alínea a do inc. V do art. 313 trata das questões prejudiciais, a alínea b refere-se a acontecimentos que se têm por imprescindíveis à sentença de mérito que deve ser proferida. O que sucede, nesta hipótese da alínea b, é que a ocorrência das circunstâncias ali previstas (verificação de determinado fato ou produção de determinada prova, requisitada a outro juízo) constitui condição para que o mérito possa ser apreciado. Assim, é o caso de suspensão do processo se houver prova imprescindível à apreciação do mérito requerida a outro juízo, antes da decisão de saneamento. É o que dispõe o art. 377, caput, do CPC/2015, segundo o qual: “A carta precatória, a carta rogatória e o auxílio direto suspenderão o julgamento da causa no caso previsto no art. 313, inciso V, alínea b, quando, tendo sido requeridos antes da decisão de saneamento, a prova neles solicitada for imprescindível”. Nessa hipótese, caso a carta ou o auxílio tenham sido requeridos após a decisão de saneamento, não ocorrerá a suspensão do processo. De outro lado, caso tenham sido devolvidos após o período de suspensão (que pode ser no máximo um ano, a teor do § 4º do art. 313) fixado pelo magistrado, o processo retoma o seu curso836. Segundo Humberto Theodoro Júnior, “A suspensão, em todos os casos do inciso V, do art. 313, perdura até que a questão prejudicial ou preliminar seja solucionada. Mas esse prazo não pode ultrapassar um ano, hipótese em que o processo retomará seu curso normal e será julgado independentemente da diligência que provocara sua paralisação (art. 313, §§ 4º e 5º)”837. A suspensão do processo pode dar-se também por motivo de força maior
(inc. VI do art. 265)838-839. O CPC/2015, ainda, incluiu como causa de suspensão do processo hipótese na qual se venha discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo, consoante o inciso VII do art. 313. Por fim, há outras hipóteses em que o Código prevê a suspensão do processo (inc. VIII do art. 313). A título de exemplo, nos termos do art. 220 do CPC/2015, a superveniência de férias leva à suspensão do processo (“Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive”). Quer isto significar que, se determinado prazo de quinze dias estivesse no sexto dia, quando da chegada das férias, será ele suspenso e recomeçará a contar quando do término das férias, pelo que lhe sobejar. Na hipótese do inciso I do § 1º do art. 76, ainda, havendo incapacidade processual ou irregularidade de representação das partes, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para ser sanado o defeito, sob pena de ser extinto o processo. 3. Hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e casos em que há resolução do mérito As hipóteses de julgamento do processo sem resolução do mérito estão elencadas no art. 485 do CPC/2015, enquanto que aquelas em que há resolução do mérito estão descritas no art. 487. A esse respeito, oportuno pontuar que, em regra, inexiste uma relação de implicância automática entre o julgamento do processo e a sua extinção. Isto, uma vez que a Lei n. 11.232/2005 instituiu o chamado processo sincrético como uma realidade normativa, através do qual as atividades cognitiva e
satisfativa podem ser exercidas em um mesmo processo, configurando apenas diferentes fases do mesmo procedimento. A partir da referida lei, as partes podem se valer de um único processo: nele se conhece e nele se executa, sem necessidade de instauração de nova relação processual para se efetivar praticamente aquilo que se decidiu na fase de conhecimento. Desse modo, julgada procedente a ação, não se verifica necessariamente a extinção da relação processual, podendo prosseguir com a fase de cumprimento, no mesmo processo. Naturalmente, tamanha reforma teve reflexos na caracterização da sentença, que, nos termos da redação original do CPC/73 – anterior à Lei n. 11.232/2005 – equivalia ao “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Com a inserção do processo sincrético no ordenamento, a sentença não mais poderia ser caracterizada em razão do critério topológico, ou seja, pela sua função de colocar fim ao processo. Destarte, a partir da Lei n. 11.232/2005, a nova redação do art. 162, § 1º, passou a definir a sentença como sendo “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”, a fim de se adequar à nova sistemática processual. Da mesma forma, o legislador houve por bem alterar o art. 269, caput, do CPC/73, para que dele constasse apenas a seguinte frase: “Haverá resolução de mérito”, não mais fazendo referência à extinção do processo nos casos elencados nos incisos do referido dispositivo. A propósito, é de ser aplaudida, também, a substituição da expressão “julgamento” por “resolução”. É que, nas hipóteses do antigo art. 269, I, poder-se-ia realmente falar em julgamento. Já no caso do inc. III do art. 269 (“quando as partes transigirem”), não havia propriamente um julgamento de mérito, pelo que a expressão “resolução”,
inserida no caput do art. 269, cuja redação foi adotada pelo art. 487 do CPC/2015, passou a ser mais abrangente e mais apropriada. Sob a égide do CPC/73 reformado, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina pontuaram que “as situações referidas nos incs. II, III e V do art. 269, a rigor, não correspondem a um julgamento de mérito, já que o pedido não é propriamente julgado pelo juiz, nestes casos. Parece-nos, diante disso, que andou bem o legislador, ao substituir a expressão ‘julgamento’, outrora constante no caput do art. 269, por ‘resolução’, já que a expressão ‘resolver’ é mais ampla que ‘julgar’”840. Insta mencionar que, a despeito da referida alteração do CPC/73, prevaleceu entendimento segundo o qual o legislador teria adotado, com a Lei n. 11.232/2005, um critério misto de classificação das decisões judiciais, que levaria em consideração não apenas o conteúdo, mas a circunstância de a decisão pôr ou não fim ao processo, ou, ao menos, à fase de conhecimento. Entendimento diverso, que privilegiasse apenas a letra isolada do antigo § 1º do art. 162, poderia, por exemplo, conduzir à conclusão de que a decisão que reconhecia a prescrição em relação a apenas um dos litisconsortes passivos é sentença (pois se subsome ao inc. IV do art. 269), quando em nosso entender se tratava de decisão interlocutória (de mérito), impugnável por agravo de instrumento. O CPC/2015, por sua vez, veio aprimorar referido entendimento, definindo a sentença como “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487 do NCPC, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução (art. 203, § 1º)”841. Assim, embora o assunto deva ser abordado com mais detença no capítulo específico de sentença, por hora, cumpre ressaltar lições de Arruda Alvim,
para quem o CPC/2015 “Adotou-se um critério misto de definição, sendo sentença o pronunciamento que cumpre ambas as exigências: funda-se nos arts. 485 ou 487, e coloca fim à fase de conhecimento ou extingue a fase de execução”842. Nesse sentido, se houver extinção do processo sem resolução de mérito, isto é, se o juiz puser fim ao à fase de cognição, tem-se que, nos termos do art. 203, § 1º, tratar-se-á de sentença, impugnável por recurso de apelação (art. 1.009, caput). De outro lado, se houver, por exemplo, julgamento de procedência de ação de cunho condenatório (resolução do mérito, nos termos do inc. I do art. 487), colocando termo à atividade cognitiva, o pronunciamento do juiz será igualmente sentença, impugnável por recurso de apelação. Nesse caso, a decisão não terá posto fim ao processo, que continua, agora na fase de cumprimento (processo sincrético), mas pôs fim à fase de conhecimento, pelo que se trata de sentença. 3.1 Extinção sem resolução do mérito O juiz não resolverá o mérito: I – Quando for indeferida a petição inicial (art. 485, I). As hipóteses de indeferimento da petição inicial encontram-se no art. 330, incluindo-se entre estas a falta de condições da ação (art. 330, II – quando manifesta a ilegitimidade e III – falta de interesse processual). II – Quando, por negligência das partes, o processo ficar parado por mais de um ano (art. 485, II). Caracteriza-se, nessa hipótese, o chamado abandono da causa. Na hipótese de abandono, as partes serão intimadas pessoalmente para suprir a falta no prazo de cinco dias, sob pena de ser decretada a extinção (§ 1º do art. 485), hipótese em que as partes arcarão
proporcionalmente com as custas processuais (§ 2º do art. 485). A intimação pessoal da parte – exigida pelo § 1º – justifica-se porque pode a parte ter interesse na continuidade do processo, havendo desinteresse do advogado, razão pela qual o Código exige que se dê ciência pessoalmente à parte, sob pena de, aí sim, permanecendo a inércia, vir a ser extinto o processo. Pode ser que o abandono da causa seja apenas do autor (inc. III do art. 485), hipótese em que a parte também deverá ser intimada pessoalmente a suprir a falta em cinco dias, sob pena de extinção do processo (§ 1º do art. 485), caso em que as despesas e honorários advocatícios serão carreados exclusivamente ao autor (parte final do § 2º do art. 485). III – Se faltantes os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo (inc. IV do art. 485). Já foram estudados os pressupostos processuais de existência: petição inicial, existência de jurisdição, citação e capacidade postulatória (em relação ao autor); e os de validade: petição inicial apta, juízo competente, juiz imparcial e capacidade processual. Há ainda os pressupostos processuais negativos: litispendência, coisa julgada e perempção. Há pressupostos, todavia, cuja ausência não conduz à extinção sem resolução do mérito, como, por exemplo, o caso de incompetência absoluta, que deve conduzir à remessa dos autos ao juízo competente (art. 64, § 3º). A lei é que vai ditar qual a consequência processual cominada para a ausência deste ou daquele pressuposto processual. Dos pressupostos negativos trata o inc. V do art. 485 (perempção, litispendência ou coisa julgada). Extinto o processo em razão de litispendência ou se verificados os incisos I, IV, VI e VII, a propositura de nova ação dependerá da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito (art. 486, § 1º). Assim, no que concerne ao art. 486, V, deve-se ponderar o seguinte: se o primeiro
processo, em decorrência do qual um segundo resultou extinto, por reconhecimento de litispendência, vier, a seu turno, a ser extinto sem resolução do mérito, cabimento terá um terceiro processo, se não se configurar outro óbice. IV – Se faltantes as condições da ação – legitimidade ad causam das partes e interesse processual (inc. VI do art. 485). Como visto, sem que estejam presentes as condições da ação, impossível cogitar-se da apreciação do mérito da causa. V – Até o advento da Lei n. 9.307/96, o inc. III do art. 267 do CPC/73 tratava do compromisso arbitral: extinguia-se o processo sem resolução do mérito se firmado entre as partes compromisso arbitral. Com o compromisso, havia renúncia à jurisdição estatal, pelo que o processo devia ser extinto sem resolução do mérito. Como já se teve oportunidade de ressaltar, a Lei n. 9.307/96 deu nova força à cláusula compromissória, emprestando-lhe eficácia coercitiva. Por isso, coerentemente, essa mesma lei alterou a redação do antigo inc. VII do art. 267, substituindo a expressão “compromisso arbitral” por “convenção de arbitragem”. Cumpre ressaltar que referida expressão foi adotada pelo CPC/2015, para o qual, nos termos do art. 485, III, primeira parte, o juiz não resolverá o mérito quando ”acolher alegação de existência de convenção de arbitragem”. Havendo convenção de arbitragem, isso deverá conduzir à extinção do processo, sem que haja resolução de mérito, o que, todavia, dependerá de arguição pelo interessado (art. 337, § 5º), como vimos precedentemente. O CPC/2015, ainda, inovou ao determinar que “quando o juízo arbitral reconhecer a sua competência”, o juiz não resolverá o mérito do processo (art. 485, VII, segunda parte). Assim, parte prevalecente da doutrina vem
reconhecendo que eventual incerteza quanto à competência de Tribunal Arbitral, no bojo de arbitragem já em curso, deve ser resolvida por decisão do próprio árbitro. Ainda, em se tratando de competência absoluta da câmara arbitral, serão considerados nulos todos os atos processuais realizados pelo juízo estatal incompetente843. VI – Quando houver a homologação da desistência do autor (inc. VIII do art. 485). A desistência da ação deve levar à não apreciação do mérito. A desistência só pode se dar livremente até a citação; após esta, dependerá necessariamente da anuência do réu (art. 485, § 4º). Entende-se, porém, com acerto, que a desistência só poderá ser recusada pelo réu fundamentadamente, não podendo este, por abuso de direito, negar-se a concordar com a desistência da ação pelo autor. Interessante e corretíssimo o seguinte trecho, extraído de julgado do STJ: “Tal regra [do art. 485, § 4º, acrescentamos], vale ressaltar, decorre da própria bilateralidade da ação, no sentido de que o processo não é apenas do autor. Assim, é direito do réu, que foi acionado juridicamente, pretender desde logo a solução do conflito”. Tanto mais que, extinto o processo sem resolução de mérito por desistência da ação, esta poderá ser reproposta (art. 485, VIII, c/c art. 486). Todavia, esse mesmo julgado ressalva que a recusa do réu há de ser, sempre, justificada: “A recusa do réu ao pedido de desistência deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante”844. O art. 485, § 4º, do CPC, na verdade, reflete a ideia de que, uma vez citado o réu, pode ter este interesse na solução do litígio, de molde a que a ação não mais possa ser reproposta. Enquanto a desistência da ação (art. 485, VIII) constitui causa de extinção do processo sem resolução de mérito, o que leva a
que a ação possa vir a ser reproposta (art. 486), havendo resolução de mérito (art. 487, I), isso conduz a que a ação não mais possa ser reproposta, recaindo sobre o decidido os efeitos da coisa julgada material (art. 506). Daí que o réu pode ter interesse em não concordar com a desistência da ação, colimando resolução de mérito favorável. VII – Quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal, em caso de morte da parte (inc. IX do art. 485). Na realidade, a intransmissibilidade a que se refere o dispositivo é da afirmação do direito material em pauta (v.g., ação de divórcio). VIII – Nas demais hipóteses legalmente previstas (inc. XI do art. 485). É, por exemplo, a hipótese do art. 76, I: verificada a incapacidade processual ou irregularidade de representação da parte, o juiz designará prazo razoável para que seja sanado o vício, sob pena de extinção do processo, se os vícios se referirem ao autor. A propósito, leciona a Professora Thereza Alvim, ainda à luz do CPC/73: “Nos casos do inciso I desse mesmo artigo, ou seja, se a providência de saneamento couber ao autor, igualmente nos casos de irregularidade de representação, o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito, também aqui, com base no art. 267, IV, da Lei Processual, eis que o inciso IV do art. 267 abrange casos de nulidade do processo”845. A matéria constante dos incs. IV, V, VI e IX do art. 485 (atinente a pressupostos processuais e condições da ação) poderá ser conhecida ex officio pelo juiz em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária (§ 3º do art. 485). Vale insistir, como já sublinhamos em várias passagens, que tal matéria não poderá ser discutida, em primeira mão, em sede de recurso especial, modalidade de impugnação de decisões judiciais que não dispensa, em caso
algum, o requisito do prequestionamento846. 3.2 Hipóteses em que há resolução do mérito O art. 487, I a III, traz as hipóteses em que há resolução do mérito. Conquanto o art. 487 encarte situações em que o mérito é resolvido, somente no caso do inc. I desse dispositivo legal haverá a apreciação do pedido do autor e seu julgamento propriamente dito. Nos demais casos elencados no art. 487, não há propriamente resolução do mérito, uma vez que o pedido do autor não é propriamente apreciado. Tem-se, por isso, seja permitido insistir, que a substituição da expressão “julgamento” por “resolução”, com o advento da Lei n. 11.232/2005, foi salutar, haja vista que o sentido da palavra “resolver” é mais amplo do que “julgar”847. Haverá resolução de mérito: I – Quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção (inc. I do art. 487). Nessa hipótese, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz aprecia o mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado. Sobre a decisão proferida, recai a autoridade da coisa julgada material, o que a torna insuscetível de ser rediscutida, ainda que noutro processo (art. 502). Como se verá em capítulo próprio, essa imutabilidade reveste apenas a parte dispositiva da sentença e não seus fundamentos (art. 504, I e II, contrario sensu); II – Sendo pronunciada a decadência ou a prescrição (inc. II do art. 487), a lei considera que há resolução do mérito, de modo que a ação não pode ser reproposta; III – quando houver a homologação do reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou reconvenção (alínea a do inc. III do art. 487).
Por intermédio do reconhecimento do pedido, o réu ou o autor reconhecem ser fundada a pretensão deduzida na ação ou reconvenção. Só é possível em se tratando de direitos disponíveis. Não se confunde com a confissão. A confissão é meio de prova. Diz, enquanto tal, respeito a fatos (art. 389: “Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário. ”). Diferentemente, o reconhecimento jurídico do pedido significa a admissão de que é fundada a pretensão formulada pela parte contrária. O reconhecimento da procedência, embora usualmente implique também aceitação dos fatos, tais como narrados pelo adversário, não necessariamente quer significar que a parte tenha aceito a versão dos fatos tais como posta848. IV – Na hipótese de homologação da transação entre as partes (alínea b do inc. III do art. 487). A transação (art. 840 e s. do CC) dá origem à resolução de mérito, ainda que dela haja apenas sentença homologatória. V – Homologação da renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção (alínea c do inc. III do art. 487). Assim como o reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia só é possível em caso de direitos disponíveis. Aquele que renuncia ao direito sobre que se funda a ação ou reconvenção deve arcar com as custas e honorários advocatícios, ainda que tenha vencido em primeiro grau e penda recurso de apelação849. O que se nota, de uma análise das hipóteses de extinção do processo com resolução de mérito, é que o inc. III envolve, na verdade, hipótese de autocomposição; já na hipótese do inc. II, por expressa disposição legal, considera-se ter havido resolução de mérito. Apenas na hipótese do inc. I do art. 487 é que o mérito propriamente dito é julgado. Daí, como já observado, a modificação da expressão “julgamento” por “resolução”, promovida pela
Lei n. 11.232/2005 no art. 269, caput, do CPC/73, cuja a redação se adotou no art. 487, caput, do CPC/2015, haja vista que “julgar” possui sentido menos amplo do que “resolver” o mérito. Seja como for, nessas hipóteses do art. 487, a lei dispõe que haverá resolução de mérito, de modo que recairá sobre a sentença a autoridade da coisa julgada material, vedada a rediscussão da mesma lide noutro processo. Nas hipóteses do art. 485, diferentemente, há extinção do processo sem resolução de mérito, havendo apenas coisa julgada formal (preclusão máxima), sendo, em princípio, possível a repropositura da ação, salvo as hipóteses que a própria lei excepciona (art. 486). Acerca da possibilidade de repropositura da ação, cumpre, ainda, ser dito o seguinte: de regra, se o processo for extinto sem resolução de mérito, pode-se intentar nova ação. Todavia, afigura-se-nos ser possível a propositura de uma nova ação, quando a primeira resultou extinta sem resolução do mérito, apenas e desde que implementada a condição faltante, a exemplo do disposto no § 1º do art. 486 do CPC/2015. Não sendo assim, estar-se-ia transformando a extinção do processo sem resolução de mérito em verdadeira “loteria”, já que o autor poderia “repropor” a ação, sem a sanação do vício, quantas vezes quisesse, até que algum juiz entendesse ser possível apreciar o mérito. Observe-se que só em sentido impróprio é que se pode falar em repropositura em tais casos, pois da mesma ação rigorosamente não se tratará. Nesse sentido o escólio de Yussef Said Cahali: “ (...) na extinção do processo pela ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; e da não ocorrência de qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual, a ‘nova ação’ possibilitada não será necessariamente a ‘mesma
ação’, reclamando pelo menos a reformulação do pedido para sua adequação à tutela jurídica pretendida, inclusive em função de situação nova ou de fatos supervenientes, de modo a tornar viável o exame de mérito da pretensão”850. O STJ decidiu nesse sentido, ainda sob à égide do CPC/73: “A hipótese dos autos versa sobre ação declaratória de nulidade, relativa ao mesmo documento e às mesmas partes. Assim, por força dos julgados acima, que reconheceram a ilegitimidade passiva para a causa, e não simplesmente para o processo, não poderia mais a ação ter sido proposta contra os mesmos réus, cuja autoria do documento não lhes foi imputada. O mero interesse dos ora recorridos poderia ensejar eventualmente uma intervenção no processo, mas não como réus, sob pena de se violar a coisa julgada. Nem se diga que o encerramento da ação incidental sem a resolução do mérito do processo permite que a declaratória seja proposta contra os mesmos réus. O que o art. 268 do CPC permite é que seja intentada outra ação, corrigidos os defeitos sanáveis, e não que se intente de novo a mesma ação”851. Em outra oportunidade, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito também foi enfático: “Tendo o Tribunal a quo repelido a ilegitimidade passiva do banco privado em acórdão anterior, contra o qual não houve recurso, não pode essa matéria preliminar ser novamente discutida e decidida para não afrontar o acórdão anterior transitado em julgado”852-853. Oportunas, a propósito, as considerações de Arruda Alvim ao examinar diversos julgados em que se admitiu a repropositura da ação em face de anterior extinção do processo sem exame do mérito, fazendo incidir a regra do § 1º do art. 486: “É evidente que, estando subjacentes a qualquer decisão fato(s) e direito (= ordem jurídica), desde que, alterados um ou outro, ou ambos, poder-se-á ter acesso ao Poder Judiciário, ao que não obsta a coisa
julgada, tendo em vista que é inerente à coisa julgada o sentido e a função de subsistir a imutabilidade dela emergente, e obstativa de novo acesso ao Judiciário, desde que e quando, igualmente, persistam as condições fáticas e jurídicas coevas à sentença. (...) alterada uma ou mais condições fáticas ou jurídicas, então presentes, e agora supervenientemente, comparecendo outra ou outras diferentes, há o direito ao acesso, porque ação proposta já será outra e essa nova possibilidade há de ser, pelo menos, examinada (v. com alto proveito, RT 599/139, acórdão da lavra do Dr. Antônio Cezar Peluso)”854. Temos por certo que, pela regra do art. 486, o mesmo pedido poderá ser renovado em juízo, nas hipóteses em que o processo foi extinto sem resolução de mérito (salvo os casos que a própria lei excepciona). Exige-se, no entanto, a alteração nas condições fáticas ou jurídicas, com o preenchimento daquela até então tida por faltante no processo anterior, nos termos do § 1º do mesmo art. 486.
XIX CONVENÇÕES PROCESSUAIS
1. Considerações introdutórias O Código de Processo Civil de 2015 inseriu na Seção I do Capítulo I do Título I do Livro IV (“Dos atos em geral”) os chamados negócios jurídicos processuais, disciplinados especialmente nos arts. 190 e 191. Isso, contudo, não significa que se trate de instituto completamente novo no direito brasileiro. Pelo contrário, já se vislumbrava hipóteses em que a vontade das partes era importante ao processo, como se via, por exemplo, na convenção das partes a respeito do foro competente para conhecer de futura e eventual demanda, estabelecendo a cláusula de eleição de foro855. Trata-se, portanto, de uma espécie de ato processual, cuja especificidade reside na participação da autonomia da vontade das partes no regramento procedimental. Noutros termos, o processo civil, que, como regra, forma-se da sucessão de atos processuais concatenados e previamente estipulados pela lei, passa a admitir, em maior escala que o CPC anterior, que as próprias partes definam quais e como os atos processuais serão praticados. A definição de ato processual e do critério determinante à sua configuração sempre fomentou intenso debate doutrinário. Neste cenário, a
principal controvérsia diz respeito à suficiência da inserção do ato no bojo do processo. Ou seja, discute-se se a prática do ato em sede processual seria um fator suficientemente determinante à classificação do ato como processual. Assim, parte doutrinária entende que, sendo praticado o ato no bojo do processo, referido ato jurídico será processual. Outros, por outro lado, sustentam
a
existência
de
um
critério
misto,
sendo
necessário,
simultaneamente, que o ato seja praticado no processo e produza seus efeitos imediatos na relação processual856-857. Para Arruda Alvim, mesmo se praticados fora do âmbito do processo, os atos podem ser classificados como processuais, desde que verificados os seus efeitos no bojo do processo. Nesse sentido, o autor pondera que “Levar o ato ao processo é apenas uma condição para que tal ato tenha eficácia na relação jurídica processual”858. Assim, sendo uma espécie de ato processual, para Arruda Alvim, as convenções processuais859, como diz ser mais adequado chamar, caracterizam-se pela sua finalidade de produzir efeitos na relação processual, seja no presente ou no futuro, desconsiderando, para tanto, a sede em que a convenção foi celebrada860. No que toca ao seu conteúdo, as convenções processuais dizem respeito à situação jurídica das partes (ônus, direitos e deveres) ou, observados certos limites, a respeito de adequações procedimentais, em razão do contexto fático que se verifica, permitindo às partes se valerem da autonomia privada na escolha do regramento processual a ser aplicado. A expressão previsão da atipicidade das convenções processuais revela a tendência do legislador de admitir que as partes regulem o seu próprio processo. Afasta-se, pois, da ideia de que o processo é formado apenas por regras de direito público e, pois, cogentes, passando-se a admitir que as
partes, maiores interessadas na solução da lide, promovam alterações no procedimento ou mesmo em seus ônus, poderes, faculdades e deveres, a fim de adequar o processo às suas necessidades práticas. Com efeito, é de se notar que o instituto da convenção processual também revela o intuito do legislador de permitir que as partes influam no procedimento jurisdicional, em função das especificidades do direito material, proporcionando um sistema processual mais apto a responder às demandas judiciais de forma célere e efetiva. Além disso, deu-se roupagem prática ao princípio da cooperação, estampado no art. 8º do CPC, ao se autorizar expressamente que as parte (e também o próprio juiz) conjuguem interesses em prol de um procedimento mais adequado ao fim a que se propõe861. 2. Cláusula geral das convenções processuais Conforme já se assinalou linhas acima, na vigência do CPC/73 já existam os negócios jurídicos processuais, ou convenções processuais. Porém, tratava-se de hipóteses específicas, isto é, típicas, como era o caso da cláusula de eleição de foro862. O CPC/2015, de seu turno, ampliou o espectro de convencionalidade, prevendo a cláusula geral863 de atipicidade dos negócios jurídicos (ou convenções processuais). Admite-se, por isso, que as partes, valendo-se da autonomia da vontade, convencionem sobre certos aspectos do processo. Fredie Didier Jr., inclusive, refere-se ao art. 190 como um dispositivo precursor do subprincípio da atipicidade da negociação processual, que, por sua vez, presta-se à concretização do princípio do autorregramento da vontade no processo864. Os negócios jurídicos processuais, ainda, podem ser celebrados antes ou
durante o processo. A esse respeito, aduz Cassio Scarpinella Bueno: “O caput do art. 190 admite que os acordos sejam feitos antes do processo (em cláusula de contrato, por exemplo, como sempre ocorreu com o chamado foro de eleição) ou durante sua tramitação (razão pela qual é importante entender que o incentivo à autocomposição feito desde os §§ 2º e 3º do art. 3º deve se voltar também ao próprio processo, e não só ao direito material controvertido)”865. O art. 190, caput, do CPC admite que as partes convencionem sobre seus ônus, deveres, faculdades, poderes e sobre o próprio procedimento, desde que, que no processo se discuta “direitos que admitam autocomposição”. Significa isso dizer que qualquer alteração no procedimento ou nos ônus, deveres, faculdades e poderes das partes dependerá, em certa medida, do objeto litigioso. Convém notar que o dispositivo se refere à possibilidade de “autocomposição”. Com efeito, não há qualquer óbice à convenção processual havida em processo cujo objeto se refere a direito indisponível, pois tal espécie de direito, conquanto não possa ser objeto de disposição por seu titular, não impede a autocomposição, alcançada por meio de concessões mútuas (transação). É dizer: mesmo indisponíveis, certos direitos podem ser objetos de negociação. Nesse sentido, aduz Arruda Alvim que “(...) à luz das teorias que analisam a efetivação dos direitos fundamentais, a própria noção de indisponibilidade comporta gradações, na medida em que a autonomia da vontade, associada a outros valores, como a celeridade na concretização dos direitos, podem determinar a necessidade de disposição, em alguma medida, dos direitos materiais ou processuais”866.
Nesse particular, o Código é mais amplo do que a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), cujo art. 1º alude a direitos disponíveis. Assim, enquanto que os direitos indisponíveis, ainda que admitam autocomposição, não podem ser arbitrados (falta arbitrabilidade objetiva), tais direitos, se admitirem autocomposição, permitirão que as partes celebram determinada convenção processual. O art. 190 do CPC oportuniza às partes “estipular mudanças no procedimento”, bem como “convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Trata-se, conforme já mencionado, dos possíveis objetos do negócio processual. Com efeito, os ônus, poderes, faculdades e deveres das partes poderão ser objeto de disposição por elas, o que, todavia, encontra limites no próprio interesse público. Por isso, parece-nos inadmissível, por exemplo, que as partes convencionem a admissibilidade de condutas tipificadas pelo CPC como atentatórias à dignidade da Justiça (art. 77, § 2º, do CPC, por exemplo), pois, nesta hipótese, o que a norma busca tutelar é a própria administração da Justiça, de modo que o dever da parte de agir de boa-fé foge ao mero interesse da parte contrária. Quanto
às
mudanças
procedimentais,
diz
Fredie
Didier
Jr.,
ilustrativamente, que é possível a “redefinição de sua forma [do procedimento] ou da ordem de encadeamento dos atos”867. Ademais, Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello referem-se à intervenção procedimental, bem como à convenção quanto ao ônus probatório, como “tópicos do negócio jurídico processual que se conectam intimamente à natureza da controvérsia jurídica de direito material estabelecida”868.
Pode-se cogitar, por fim, de convenções processuais que digam respeito ao rateio de despesas processuais, ampliação ou redução de prazos, limitação do número de testemunhas, impenhorabilidades ou dispensa de caução em cumprimento provisório, por exemplo, todos plenamente possíveis, a nosso juízo. 3. Controle judicial da validade da convenção processual Nos termos do parágrafo único do art. 190 do CPC/2015, “De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. Do dispositivo, verifica-se que, apesar da importância dada pelo legislador à autonomia privada, por meio da cláusula geral prevista no art. 190, caput, do CPC, a convenção processual, enquanto negócio jurídico, subordina-se ao preenchimento dos requisitos de validade, como, aliás, ocorre com todo e qualquer negócio jurídico. Tratando-se, a rigor, de negócio jurídico, a convenção processual será nula na forma do direito material. Por isso, se, por exemplo, seu objeto for ilícito, ou as partes incapazes, tal convenção será considerada nula, na forma do art. 166, I e II, do CC/2002. Contudo, é de se notar que o negócio jurídico processual, ou convenção processual, conquanto seja negócio jurídico, integra também o regime processual, em cujo bojo só se decreta a nulidade do ato processual (lato sensu) se advir prejuízo. Com efeito, admitindo-se a inserção da convenção processual também no direito processual, tem-se que as nulidades, ainda que previstas nos arts. 166
e 167 do CC, que não admitem convalescimento (art. 168 do CC), poderão não ser declaradas no processo, caso a invalidade não tenha causado qualquer prejuízo às partes. Interessante exemplo é tratado por Arruda Alvim: “Imagine-se, por exemplo, um acordo processual firmado por menor não representado ou assistido, que redistribui o ônus da prova de modo favorável ao incapaz; nesta hipótese, fica claro que a convenção não trouxe qualquer prejuízo aos interesses do incapaz, não havendo razão para a sua invalidação”869. No que toca à capacidade do agente, parece-nos que o regramento a ser observado é aquele de processo civil, já que a validade do negócio, como se disse, importa elementos do direito material, mas está inserido, efetivamente, no regramento processual. Por isso, para que seja válido o negócio jurídico processual, é preciso que a parte, se não tiver capacidade processual, seja representada ou assistida. A título de exemplo, Fredie Didier Jr. pondera se tratar especificamente da capacidade processual aquela exigida no art. 190 do CPC/2015. Para o autor, “(...) o sujeito pode ser incapaz civil e capaz processual, como por exemplo, o menor com dezesseis anos, que tem capacidade processual para a ação popular, embora não tenha plena capacidade civil”870. Quanto à hipótese de inserção abusiva em contrato de adesão, deve-se ponderar que a mera existência de referida espécie contratual não implica a automática invalidação de eventual cláusula de natureza processual. Para tanto, imprescindível que se verifique, no caso concreto, iminente risco de desvantagens no plano da relação processual871. O STJ, ainda à época do CPC/73, já se havia pronunciado nesse sentido: “Não se acolhe a alegação de abusividade da cláusula de eleição de foro ao só argumento de tratar-se de
contrato de adesão”, ainda “A cláusula que estipula eleição de foro em contrato de adesão é, em princípio, válida, desde que sejam verificadas a necessária liberdade para contratar (ausência de hipossuficiência) e a não inviabilização de acesso ao Poder Judiciário”872. Ademais, o art. 190, parágrafo único, do CPC estabelece hipótese de nulidade da convenção processual, distinta das hipóteses de direito material, consistente na vulnerabilidade da parte. Pois bem, a vulnerabilidade a que se refere o dispositivo consiste no desequilíbrio, sobretudo técnico, das partes no momento da celebração da convenção processual. É o caso, por exemplo, da falta de auxílio técnico por um advogado a uma das partes. Arruda Alvim, a esse respeito, pontua que “Nestes casos, é possível que uma das partes aceite dada convenção processual sem ter a exata noção dos prejuízos que podem ser causados à defesa de seus interesses em juízo”873. Para Cassio Scarpinella Bueno, os dois últimos requisitos aos quais o art. 190, parágrafo único, faz referência, justifica-se na medida em que garante a observância do princípio da isonomia no bojo da relação processual. Em ambos os casos (inserção abusiva em contrato de adesão e manifesta situação de vulnerabilidade), caberá ao magistrado avaliar se, no caso concreto, houve excessiva vantagem de uma parte em detrimento da outra874. Destaque-se, por fim, que a partir da redação do art. 200 do CPC (“Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais”), pode-se concluir que as convenções processuais atípicas são dotadas de eficácia imediata, não havendo necessidade de homologação judicial para que, então, passem a produzir efeitos. A homologação, portanto, só será exigida quando a lei expressamente o disser (é o caso da organização
consensual do processo, cuja homologação está expressamente prevista no art. 357, § 2º, do CPC)875, ou quando as próprias partes subordinarem a eficácia da convenção à homologação judicial. 4. Limites da convenção processual O debate quanto aos limites do objeto da convenção processual é de suma importância, já que influi diretamente na delimitação do papel do Estado na condução do procedimento jurisdicional, em função da autonomia privada das partes. Nesse sentido, a doutrina e à jurisprudência assumem posição central no desenvolvimento de parâmetros seguros a respeito do tema. Para Cassio Scarpinella Bueno, por exemplo, as normas cogentes, protagonistas na implantação da ordem pública processual, representam limites ao alcance negocial das partes. Assim, as liberdades genericamente dispostas no art. 190, em realidade, estariam restritas àqueles campos processuais não regidos por norma cogente. Para o autor, “Não se trata, insisto, de hipertrofiar o “processo” em detrimento do “direito”, mas de ter (cons)ciência dos limites que existem para o exercício da função jurisdicional – sempre e invariavelmente desde o “modelo constitucional” –, e que o processo, o procedimento e, de forma ampla, a atuação das partes não estão sujeitos a negociações que atritem com o seu núcleo duro, muito bem representado pelas normas de ordem pública ou cogentes. Não pode a lei federal, passando por cima do inciso XI do art. 24 da CF, em verdade desconsiderando-o – e isso é uma tônica do CPC de 2015 –, “delegar” liberdade a determinados sujeitos do processo para estabelecer o seu próprio procedimento ou os seus próprios ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”876.
Fredie Didier Jr., por sua vez, elencou algumas diretrizes gerais, as quais, segundo o autor, não chegam a exaurir a dogmática construída até o presente momento. Pode-se mencionar, nesse sentido, os seguintes parâmetros: regramento quanto à licitude, inerentes ao negócio jurídico de caráter privado, disposições legais expressas a respeito de negócios processuais; matéria concernente à reserva legal, dentre outros877. Por ora, adotaremos posição doutrinária segundo a qual o objeto da convenção processual possui duas nítidas restrições: (i) uma no que concerne à atividade judicial e (ii) outra, tocante ao devido processo legal878. Em relação à atividade judicial, note-se que, havendo convenção processual atípica, cabe ao órgão jurisdicional apenas apreciar a sua validade, não manifestando vontade juntamente com as partes, com o intuito de celebrar o negócio jurídico. Com efeito, diante da eficácia relativa dos negócios jurídicos, é de se dizer que o juiz não estará subordinado aos efeitos diretos do acordo estabelecido. Por isso, os poderes do juiz, ao que nos parece, não podem ser objeto de convenção processual. O segundo parâmetro tocante à limitação do objeto da convenção processual diz respeito à garantia do devido processo legal. A esse respeito, oportuno mencionar que o devido processo legal, previsto expressamente no rol de direitos e garantias fundamentais, pela Constituição Federal, visa possibilitar às partes não apenas o emprego de regras processuais formalmente estabelecidas, mas também de terem a garantia de uma prestação
jurisdicional
adequada
ao
direito
material
envolvido
e,
consequentemente, de uma tutela efetiva. Porém, regras estruturais do processo (pressupostos processuais e
condições da ação, por exemplo), não podem ser sacrificadas em prol da adequação do procedimento tal como desejado pelas partes, ao buscarem a autorregulação de seu processo. Tome-se o seguinte exemplo: é expressamente autorizado pelo CPC a negociação quanto aos prazos processuais. Todavia, se as partes convencionarem no sentido de reduzir excessivamente determinado prazo, de forma a inviabilizar o regular e efetivo exercício do contraditório ou da ampla defesa, estar-se-ia, em princípio, diante de uma hipótese de violação do devido processo legal, sendo inválida a deliberação das partes. Cumpre mencionar, por fim, exemplos de limitações ao objeto do negócio processual, à luz da teoria ora adotada, segundo Arruda Alvim: “a) exclusão ou restrição da intervenção do Ministério Público, quando esta é determinada por lei ou pela Constituição; b) a alteração de regras cuja inobservância conduz à incompetência absoluta; c) a disposição sobre normas de organização judiciária; d) a dispensa das partes dos deveres à litigância proba; f) a criação de sanções processuais por atos atentatórios à dignidade da justiça ou por litigância de má-fé; g) a criação de recursos não previstos em lei; h) a criação de hipóteses de ação rescisória e de outras medidas tendentes a desconstituir a coisa julgada e i) a dispensa do requisito do interesse processual; j) a dispensa da capacidade postulatória; l) a desnecessidade de segredo de justiça; m) o afastamento da possibilidade de o juiz julgar, em qualquer caso, com base nas regras de distribuição do ônus da prova”879. 5. Calendário processual Ao lado de positivar a cláusula geral da atipicidade dos negócios ou convenções processuais, o legislador previu, no art. 191 do CPC
Em referido dispositivo, o CPC, a rigor, criou hipótese típica de convenção processual, relativa aos prazos para a prática de atos processuais. Nos termos do art. 191, caput, “De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso”. Trata-se, portanto, de ferramenta por meio da qual as partes podem organizar conjuntamente uma programação de atos processuais, fixando, para tanto, as datas em que cada ato deverá ser efetivado. Além disso, podem as partes se valer da calendarização também com o intuito de modificar o procedimento. Para Pedro Henrique Nogueira880, o calendário processual pode ser enquadrado na categoria dos negócios processuais plurilaterais, por entender necessária a manifestação de vontade tanto das partes, quanto do juiz, na celebração do negócio processual em comento. Arruda Alvim, por sua vez, pondera que, em primeiro plano, a participação do juiz se limita à homologação do acordo firmado entre as partes, não emitindo efetiva manifestação de vontade. Porém, o autor admite que a redação do art. 191, caput, tal qual disposta no CPC, pode indicar, de fato, a necessidade da efetiva integração da vontade do juiz, sem que se verifique a imposição autoritária e unilateral desta881. Segundo destaca Arruda Alvim, o momento mais adequado para a formação do calendário processual é o da realização da audiência de conciliação ou mediação, se realizada, oportunidade em que as partes, pela primeira vez no processo, participarão de sessão em juízo. Contudo, não há, claramente, óbice a que o autor proponha o calendário na petição inicial, o réu o faça em contestação ou mesmo que ambos peticionem conjuntamente apresentando o plano.882 Uma vez celebrado, os termos do referido negócio processual poderão ser
modificados somente em casos excepcionais, devidamente justificados (art. 191, § 1º), o que se impõe, inclusive, em respeito à boa-fé objetiva (art. 5º do CPC). Ainda, a superveniência de fatos impeditivos ao cumprimento do calendário processual induz a sua ineficácia, devendo as partes tentar estabelecer novo acordo ou, verificando-se a sua impossibilidade ou o dissenso entre elas, o processo prosseguirá sem fixação de novo calendário, aplicando-se, pois, os prazos processuais previstos pelo próprio CPC883. Cumpre ressaltar que, nos termos do art. 191, § 2º, dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário processual. Trata-se de uma das vantagens trazidas pelo instituto, uma vez que, ao dispensar a intimação das partes, possibilita-se a gerência do processo com mais economia e eficiência. Nesse sentido, para Humberto Theodoro Júnior, “O calendário cumpre significativo papel na implementação no princípio da duração razoável do processo e de emprego de meios que acelerem sua conclusão (CF, art. 5º, LXXVIII)”884. Por fim, deve-se dizer, tal como proposto por Arruda Alvim, que o instituto do calendário processual traz consigo alguns desafios de ordem prática. A adaptação da logística cartorária, por exemplo, é um desafio a ser enfrentado, uma vez que a gerência dos processos calendarizados impõe diferente tipo de organização. Entretanto, segundo o autor, o maior desafio diz respeito à mentalidade do operador do direito, que deverá deixar de se acomodar no tradicional impulso oficial do processo885.
XX O TEMPO NO PROCESSO
1. Introdução Deve-se ter presente, antes de mais nada, que o processo é uma “realidade jurídica que nasce, para se desenvolver e morrer”886. Por isso a existência dos prazos processuais, com o que se configura uma das espécies de preclusão, a temporal. Na preclusão, estão envolvidas duas funções: a de superação (ultrapassagem) e a de fechamento, ou seja, supera-se aquele ato que deveria ter sido praticado e não o foi fechando-se a possibilidade da sua prática ulterior ou a destempo. Como regra, por isso mesmo, existente um prazo na lei processual para a prática de determinados atos, que se não praticado em determinado lapso temporal, não mais poderão sê-lo. 2. Princípios processuais relacionados com a teoria dos prazos O processo civil é informado por diversos princípios que se projetam de maneira bastante especial dentro da teoria dos prazos. Um deles é o princípio da paridade de tratamento das partes (art. 139, I). Na realidade, o princípio da paridade de tratamento entre as partes deriva de
um princípio maior, que é o princípio da isonomia, constitucionalmente assegurado (art. 5º, I, da CF/88) e também expresso no art. 7º das normas fundamentais do CPC/2015. O princípio da paridade de tratamento entre as partes é um princípio que se projeta para todo o processo civil, influenciando especificamente a teoria dos prazos, ora tratada. A influência do princípio da paridade de tratamento na teoria dos prazos se exterioriza, por exemplo, pelo fato de que às partes deverão, como regra e em nome de uma política legislativa afeiçoada a esse princípio, ser assegurados prazos iguais. Por isso é que, se o prazo para interposição de recurso de apelação é de 15 dias, deve ser de 15 dias o prazo para resposta a esse recurso, conforme disposição expressa do art. 1.003, § 5º. Mas a essência irredutível do princípio de paridade de tratamento está em que todos os autores deverão ser tratados identicamente, e assim todos os réus; é altamente desejável que um dado autor seja tratado de forma idêntica ao seu antagonista, o réu, mas essa rigorosa igualdade, muitas vezes, não é ou não pode ser obedecida. Interessante projeção do princípio da paridade de tratamento na teoria dos prazos encontrava-se no Código de Processo Civil de 1973 e atualmente está previsto no art. 997, § 2º, I. O prazo para interpor o recurso adesivo é o mesmo que a parte tem para responder o recurso principal. Atualmente, diante da unicidade do prazo de 15 dias para a recorribilidade das decisões (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015), com exceção da oposição dos embargos declaratórios (art. 1.023 do CPC/2015) é de se pontuar que tanto o prazo para responder o recurso quanto para interpor eventual recurso adesivo é de 15 dias. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado proferido na vigência do CPC/73 que em nada se alterou com o CPC/2015 diante da previsão do art.
997, § 2º, I, CPC/2015: “Embargos declaratórios. Ausência de intimação do embargante para oferecer resposta a recurso adesivo apresentado pela parte contrária. Acórdão que deu parcial provimento ao apelo adesivamente interposto. Nulidade. Estando o recurso adesivo subordinado ao principal, seguem-lhe as mesmas regras procedimentais, sendo, assim, certo que a parte contrária deverá ser intimada para oferecer resposta, no prazo previsto no art. 508 do CPC, sob pena de se considerar nulo o julgado que dirimiu a questão, sem ouvir o recorrido”887. O Código de Processo Civil prevê nos art. 180 e 183 um tratamento diferenciado ao Ministério Público e aos entes federativos e suas respectivas autarquias, ao atribuir prazo em dobro para se manifestarem nos autos. No entanto, seguimos o entendimento de Arruda Alvim de que não há exceção ao princípio da paridade, uma vez que o tratamento diferenciado se deve ao fato de que não retratam partem em posições iguais. Outro princípio que se pode dizer informativo do processo e que se projeta, igualmente, para a teoria geral dos prazos é o princípio da brevidade. Tal princípio é derivado da concepção de que o processo é um mal, e que, como tal, deve ser eliminado do cenário jurídico o mais rapidamente possível. Realmente, o processo, consoante salientado nos primeiros capítulos, nasce em face da existência, no mundo empírico, de uma situação socialmente indesejável (ainda que de inevitável ocorrência), de conflito de interesses, nele retratada por intermédio do pedido (lide). Nesse sentido, como instrumento apto a pôr fim a uma situação “anormal” (já que o conflito de interesses reflete inequivocamente uma situação socialmente indesejável, com a qual o direito deve conviver o mínimo possível), é que se coloca a teoria dos prazos, como uma das facetas do
princípio da brevidade. Não praticados, como regra, os atos processuais no prazo que a lei assinala, não mais poderão ser realizados. Ou seja, o processo não pode prolongar-se indefinidamente. Robustece esse entendimento o inc. LXXVIII do art. 5º da CF/88, inserido pela EC 45/2004, no sentido de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O princípio da brevidade, de certa forma, entronca-se com o da paridade de tratamento, pois se uma parte é diligente, praticando os atos que lhe incumbem dentro dos prazos, se se fosse permitir a prática de atos, pela outra parte, depois de escoado o prazo, esta última estaria virtualmente tendo uma vantagem que a outra não teve. Finalmente, outro princípio informativo do processo civil que alcança especial relevância dentro da teoria dos prazos é o princípio da economia processual. Tal princípio, em linhas gerais, quer significar que não deve existir desperdício de atividade jurisdicional. Ora, se assim é, vê-se que se correlaciona intimamente com a teoria dos prazos. Justamente porque, como já dito anteriormente, o processo é um mal, não deve existir desperdício de atividade jurisdicional, devendo a máquina judiciária movimentar-se o mínimo necessário, no menor tempo e da forma menos dispendiosa possível888. Nesse contexto, ganha importância, a teoria dos prazos como uma criação do legislador com vistas a impedir que a máquina judiciária se movimente inútil ou indefinidamente. Além disso, há princípios que se podem dizer informativos da teoria dos prazos em si mesmo considerada. São eles os princípios da utilidade, peremptoriedade e preclusão.
O princípio da utilidade, segundo Arruda Alvim, quer significar que os prazos devem corresponder à utilidade para a qual foram estabelecidos889. Fundamentalmente, significa dizer que o prazo deve permitir à parte que pratique o ato processual para o qual foi assinalado. Corolário desse princípio, no plano do direito positivo, é o art. 221 do CPC/2015, onde se dispõe: “Suspende-se o curso do prazo por obstáculo criado em detrimento da parte ou ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 313, devendo o prazo ser restituído por tempo igual ao que faltava para a sua complementação”. Ou seja, o prazo deve mostrar-se útil para a parte, sendo-lhe devolvido em caso de obstáculo criado pela outra parte890 (evidentemente, tal dispositivo não logra encontrar aplicabilidade em caso de empecilho criado pela própria parte, “porque ninguém pode, por ato unilateral, criar direito em seu favor”891). Antes da alteração trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, outro princípio que derivava do princípio da brevidade, era o da continuidade dos prazos. Isso porque, o art. 178 do CPC/73 previa a ininterruptibilidade dos prazos nos finais de semana e feriados. Com exceção das férias (art. 179 do CPC/73) que foram abolidas com a Emenda Constitucional de 2004, pelo art. 93, XII, da CF/88, que dispõe ser a atividade jurisdicional ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente, permitindo-se apenas aos Tribunais Superiores que gozem das chamadas férias forenses. A despeito da abolição das férias forenses pela EC 45/2004, o art. 220 do CPC/2015 prevê a suspensão dos prazos processuais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Entende-se, no entanto, que ao se
referir às “férias forenses” quis o legislador fazer referência ao período em que os prazos processuais estarão suspensos. Isso porque, os atos processuais previstos no art. 214, I, do CPC/2015 já não são praticados pelos Tribunais Superiores. Além disso, nas férias forenses não havia qualquer atividade jurisdicional e no recesso previsto no art. 220, caput, há apenas a suspensão dos prazos, sendo que os juízes, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça, continuam a exercer suas atribuições, conforme determina o § 1º do art. 220 do CPC/2015. Não apenas a suspensão dos prazos do dia 20 de dezembro ao dia 20 de janeiro, assim como contagem dos prazos apenas em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) é uma reivindicação da classe dos advogados diante da impossibilidade que muitos têm de tirar férias por não possuírem colegas para substituí-los. Doutra parte, diz-se que o prazo é interrompido quando ele recomeça a correr do início, desconsiderando-se o quanto tiver corrido até o advento da causa interruptiva892. Como se verá, um dos efeitos próprios da citação válida é o da interrupção da prescrição (caput do art. 240), caso em que o prazo prescricional recomeça a fluir do início893. Outro princípio – de capital importância – informativo da teoria dos prazos é o da peremptoriedade. A peremptoriedade (que comporta exceções, como se verá adiante) diz com a inexorabilidade do advento do termo final do prazo. Advindo o termo final, sem que tenha sido praticado o ato processual para o qual o prazo fora assinalado, não haverá mais possibilidade alguma de o ato ser praticado. A peremptoriedade é pressuposto da figura da preclusão temporal.
Finalmente, cabe examinar rapidamente o princípio da preclusão, que se terá oportunidade de enfocar, com mais vagar, em sede própria. A preclusão (temporal) quer significar a perda da oportunidade da prática de determinado ato processual, pelo transcurso do prazo assinalado para sua prática. Correlaciona-se,
pois,
intimamente,
com
dois
princípios
maiores,
informativos de todo o processo, o da brevidade e o da economia processual. 3. Classificação dos prazos: peremptórios e dilatórios O Código de Processo Civil de 2015 alterou significativamente o sistema de prazos ao prever a possibilidade de que as partes, desde que plenamente capazes, estipulem mudanças no procedimento desde que o processo verse sobre direitos que admitam a autocomposição (art. 190 do CPC/2015). O art. 191, caput, por sua vez, autoriza que o magistrado e as partes fixem calendário para a prática dos atos processuais, modificando, assim, os prazos processuais (art. 191, § 1º, do CPC/2015). O Código de Processo Civil de 1973 em seus arts. 181 e 182 trazia a distinção dos prazos em dilatórios e peremptórios. Em que pese a discussão atual na doutrina acerca da manutenção ou não desses conceitos, é certo que o fato de que as partes só podem alterar os prazos quando o direito em discussão admitir autocomposição permite concluir que ainda existem prazos peremptórios e que não podem ser alterados pelas partes. Por prazos peremptórios entende-se aqueles que não podem ser alterados, enquanto os dilatórios são aqueles que podem ser objeto de modificação de acordo entre as partes. Vale lembrar que o prazo peremptório só é paralisado se suspenso o processo com base em qualquer das hipóteses do art. 313, de acordo com o que dispõe o art. 221 do CPC/2015. Vale dizer, a suspensão
convencional do processo (art. 313, II) não conduz à suspensão do prazo894, se não puder ou não houver sido convencionado de forma diversa entre as partes, com base no art. 190 do CPC/2015. Antes de se estudar a distinção entre prazos peremptórios e dilatórios, é preciso ter presente a regra insculpida no art. 222, caput, que diz que, nas comarcas em que for difícil o transporte, o juiz poderá prorrogar quaisquer prazos (mesmo peremptórios) por até dois meses, sendo importante atentar ainda para o parágrafo segundo do art. 222, que dispõe que, em caso de calamidade pública, o prazo poderá ser excedido pelo magistrado. Essas regras podem ensejar dilatação do prazo, em nome do princípio da utilidade. Apesar de o prazo da lei ser normalmente útil, diante de determinadas circunstâncias essa utilidade não poderá ser fruída pela parte – daí a necessidade de prorrogação do prazo, ainda que, como dito, se trate de prazo peremptório. Como regra geral, os prazos peremptórios são inexoráveis, sendo que a seu respeito não admite a lei convenção entre as partes – quando o objeto da demanda não tratar de direito que admita a autocomposição –, ao passo que os prazos dilatórios admitem convenção entre elas. Eminente processualista – Egas Dirceu Moniz de Aragão – critica qualquer tentativa de enumerar os prazos peremptórios e os dilatórios, tarefa que diz incumbir à jurisprudência, por não ser, a casuística (estudo dos casos), tarefa doutrinária895. Assiste-lhe inteira razão. Em verdade, o que deve o estudioso fazer é estabelecer diretrizes para que, a partir de uma interpretação sistemática, se possa identificar se a hipótese é de prazo peremptório ou dilatório e que permitiria que a parte, eventualmente, fixasse calendário processual, determinando-se prazos diversos daqueles previstos em lei (art. 191 do
CPC/2015). Quando a lei cominar consequências inexoráveis para o descumprimento do prazo, parece evidente que se tratará de prazo peremptório. É o caso, por exemplo, do prazo de 15 dias para oferecimento de contestação (art. 335 do CPC/2015)896. Para o réu revel (isto é, que não oferece contestação no prazo legal), a lei comina sanções gravíssimas (dentre outras aquela prevista no art. 344: “Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formulados pelo autor”). É este, inequivocamente, um dado que conduz à conclusão de que o prazo de 15 dias para oferecimento de contestação é peremptório, e não dilatório. Já o prazo de cinco dias para falar nos autos, inexistindo prazo específico assinalado em lei (art. 218, § 3º, do CPC/2015), é aceito tranquilamente como prazo
dilatório,
admitindo,
portanto,
convenção
a
seu
respeito.
Evidentemente, o requerimento de prorrogação do prazo dilatório haverá de ser feito pelas partes antes de seu término, pois, do contrário, não se pode prorrogar aquilo que já se escoou, além da necessidade de fundamento legítimo. Os prazos dilatórios, como vimos, admitem acordo entre as partes, o que não se verifica com relação aos peremptórios. Por outro lado, se o processo vier a ser suspenso pelas hipóteses do art. 313, isso conduzirá também à suspensão do curso do prazo, a teor do que estabelece o art. 221. 3.1 Prazos comuns e particulares Os prazos podem ser também classificados em comuns ou particulares. Serão comuns aqueles que existirem simultaneamente para ambas as partes. Por exemplo, o prazo de apelação de sentença que julgue parcialmente
procedente a ação (sucumbência recíproca). O autor poderá apelar para que a ação seja julgada inteiramente procedente. O réu, igualmente, poderá apelar com vistas à total improcedência da ação. O prazo comum tem uma consequência prática importante, que é a de que os autos do processo não poderão ser retirados de cartório, salvo se houver acordo entre as partes, ressalvada a obtenção de cópias para a qual cada procurador poderá retirá-los pelo prazo de 2 (duas) a 6 (seis) horas independentemente de ajuste, a teor do que prescrevem os §§ 2º e 3º), do art. 107, que veio a instituir a denominada “carga rápida” dos autos para fins de obtenção de cópias pelos advogados897. Quando há mais de um réu, o prazo para contestação também será comum. Se houver mais de um réu, com advogados diferentes (ambos com procuração nos autos), os prazos legais são contados em dobro (art. 229), salvo quando houver fixação legal específica sobre determinado prazo, como, por exemplo, na hipótese do art. 683, ou quando os autos tramitarem integralmente por via digital (art. 220, § 2º). Prazos particulares, de seu turno, são aqueles que só existem para uma das partes, como, por exemplo, o prazo para oferecimento de contestação quando houver um único réu. 3.2 Prazos legais e judiciais Prazos legais são aqueles estabelecidos pela lei; prazos judiciais são aqueles suscetíveis de serem fixados pelo juiz, o que só ocorre em casos excepcionais, se a lei atribuir margem de liberdade ao juiz para fixação de prazo para prática do ato processual ou for omissa, a teor da parte final do art. 218 do CPC/2015. Caso o juiz não o faça, prevalecerá o prazo do art. 218, § 3º, do CPC/2015, que é de cinco dias (“Inexistindo ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte”).
São exemplos de prazos judiciais o da designação da audiência (art. 357) e o de conclusão da prova pericial (art. 465). O art. 450 prevê hipótese de prazo judicial, ao determinar que as partes devem depositar, em cartório, o rol de testemunhas a serem ouvidas em audiência, no prazo que o juiz fixar. Caso o juiz não fixe qualquer prazo para o depósito do rol de testemunhas, a parte final do art. 450 dispõe que este será de 10 dias antes da audiência. 3.3 Prazos próprios e impróprios A doutrina apresenta, ainda, outra classificação dos prazos, segundo a qual estes podem ser encartados como próprios ou impróprios. Prazos próprios são os fixados para a prática de atos pelas partes, ou para apenas uma das partes, e de sua inobservância decorrem efeitos endoprocessuais. Por exemplo, deixando a parte de apresentar recurso no prazo legal, ocorrerá a chamada preclusão temporal. Prazos impróprios são os atribuídos aos juízes e aos auxiliares da justiça para a prática de seus atos898. Desses prazos, se descumpridos, decorrem consequências de natureza disciplinar e extraprocessuais. Assim, a previsão do art. 143 do CPC/2015: “O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte”. 4. Contagem dos prazos Os prazos contam-se, como regra, excluindo o dia do início (dies a quo non computator in termino) e incluindo o dia do vencimento (dies ad quem) (art. 224 do CPC/2015).
Vencendo-se o prazo em dia no qual o expediente for encerrado antes ou iniciado após o horário normal, ou quando houver indisponibilidade da comunicação eletrônica, prorroga-se até o primeiro dia útil subsequente (§ 1º do art. 224). Doutra parte, os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação (§ 3º do art. 224). A regra do art. 224, § 3º, tem importantes consequências práticas. Por exemplo, se a intimação para a prática do ato ocorrer em dia considerado feriado, considera-se como sendo feita no primeiro dia útil, de modo que o prazo, a teor do art. 224, só principia no dia útil imediatamente subsequente899. Intimação feita no sábado, por exemplo, considera-se feita na segunda-feira, e o prazo só principia a correr na terça-feira900. Há orientação, todavia, que entendemos por incorreta, no sentido de que, em hipóteses como a acima citada, o prazo começaria a correr na segundafeira. Nesta orientação, há coincidência entre o dia da intimação e o do início da contagem do prazo; ou, então, reputar-se-á que a intimação, feita no sábado, tenha validade, apesar de sábado não ser dia útil901. No mesmo sentido, o art. 4º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 11.419/2006, que trata do processo eletrônico, dispondo que considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação, de modo que os prazos processuais têm início no primeiro dia útil subsequente ao considerado como data da publicação902. Em caso de intimação por meio eletrônico (art. 5º da Lei n. 11.419/2006), considera-se realizada a intimação quando feita a consulta ao seu teor (§ 1º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006), e, caso esta se dê em dia não útil, considera-se a intimação feita no primeiro dia útil subsequente (§ 2º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006). Caso a consulta não seja feita em 10 dias, reputar-se-á feita quando do escoamento desse prazo (§
3º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006). No tocante às hipóteses de prazo decadencial, como regra, vencendo-se o prazo em feriado ou final de semana, o protocolo deve ser feito até o último dia útil que anteceda o feriado ou final de semana903. Isso porque prazos decadenciais não se interrompem ou suspendem. É, por exemplo, o caso do prazo de dois anos para ajuizamento da ação rescisória (art. 975 do CPC/2015). Reformando posicionamento anterior, todavia, Arruda Alvim entende que é o caso de aplicar-se a regra do art. 224, § 1º, mesmo aos prazos decadenciais, pois, caso contrário, haveria uma amputação do prazo (que se esgotaria no último dia útil antes do dia considerado feriado em que vencesse o prazo)904. 5. Principais prazos estabelecidos em lei Dentre os principais prazos estabelecidos em lei, tem-se o de 15 dias para contestar (art. 335), podendo alegar em preliminar de contestação suspeição, impedimento e incompetência (relativa) do juízo (art. 146), interpor (e responder) recursos de apelação, embargos infringentes e de divergência, recursos ordinário, especial e extraordinário (art. 1.003, § 5º), e de cinco dias para oposição de embargos de declaração (art. 1.023). Há, também, os prazos regressivos. Tratam-se dos prazos que são fixados com base em uma data final. Por exemplo, o Código de Processo Civil de 1973 previa, no art. 407, caput, que caso o juiz não fixe um prazo para o depósito do rol de testemunhas antes da audiência de instrução e julgamento, o rol deverá ser apresentado em até 10 dias antes da audiência. Em tais casos, observa-se também o art. 224 do CPC/2015. Assim, por exemplo, se o juiz não fixar prazo e a audiência estiver marcada para o dia 17 (uma quarta-
feira), a terça-feira (dia 16) será o primeiro dia (pois a quarta-feira não conta), sendo que o décimo dia cairá no domingo, dia 7, e, como não é dia útil, o termo final será o dia útil imediatamente anterior, dia 5 (sexta-feira), que será o dia em que o rol de testemunhas deve ser depositado (em cartório)905. Ou seja, neste exemplo que estamos utilizando, estaria dentro do prazo aquele que depositar o rol até o dia 5 (sexta-feira), estando fora do prazo o rol apresentado no dia 8 (segunda-feira)906. 6. Preclusão Observou-se anteriormente que a teoria dos prazos é informada pelo princípio da preclusão. Abordou-se especificamente a hipótese da preclusão temporal, que é a perda da faculdade de praticar determinado ato processual, pelo transcurso in albis do prazo assinalado para sua prática. Já se teve, doutra parte, oportunidade de referência à noção de ônus. A ideia de ônus (processual) está ligada à prática pela parte de determinados atos que só poderão vir em seu benefício, de tal modo que a inércia só poderá trazer prejuízo à própria parte que se abstém da prática do ato. Normalmente a não prática de um ato acarreta prejuízo, mas este não é inexorável, não se podendo vislumbrar necessária relação de causa e efeito entre a não prática do ato e o prejuízo daí, eventualmente, decorrente. É essa a ideia expressa no art. 223 do CPC/2015, que bem traduz o que se deva entender por preclusão temporal (“Decorrido o prazo, extingue-se, o direito de praticar ou emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa”)907. A alusão a “justa causa” diz com o princípio da utilidade, pois, conquanto
útil o prazo, pode ter sucedido que um dado acontecimento tenha impedido a parte de poder fruir dessa utilidade. Distingue-se, então, a ideia de ônus daquela de obrigação. A testemunha tem, por exemplo, obrigação de depor, quando regularmente intimada a fazêlo. Não o fazendo espontaneamente, será “conduzida sob vara”, ou seja, coercitivamente. Trata-se de uma sanção pelo descumprimento de uma obrigação legal. A preclusão, por sua vez, não se identifica com a ideia de sanção908 – tratase de um ônus que o sistema impõe à parte que não pratica o ato processual no tempo assinalado para tanto (preclusão temporal). Antônio Alberto Alves Barbosa, discorrendo a respeito da dificuldade de definição do instituto da preclusão, afirma: “De acordo com a sua origem latina, a palavra processo significa caminhar, ir para diante, avançar. Ora, a preclusão, evidentemente, garante a irreversibilidade do processo, que tem que seguir, ir para frente, não podendo tornar ao que passou. Poderíamos então dizer que a preclusão é o instituto que impõe a irreversibilidade e a autorresponsabilidade no processo e que consiste na impossibilidade da prática de atos processuais fora do momento e da forma adequados, contrariamente à lógica, ou quando já tenham sido praticados válida ou invalidamente”909. Hipóteses há, todavia, consoante já anotado em capítulos anteriores, em que a parte poderá arguir determinadas matérias a qualquer tempo. Tal é, por exemplo, o caso de ausência das condições da ação (art. 485, § 3º), vício que poderá ser alegado em qualquer tempo e grau de jurisdição, cabendo ao Judiciário, ainda, a seu respeito, pronunciar-se de ofício. O fato da ausência de legitimidade ou de interesse processual não ter sido levantada em
contestação (art. 337, XI) não impede, portanto, que o réu o faça em outro momento processual910. Sempre que a matéria for cognoscível de ofício, porque de ordem pública (condições da ação e pressupostos processuais, por exemplo),
deverá
o
magistrado
assumi-la
imediatamente,
e
independentemente de requerimento das partes911. A preclusão não se confunde com a prescrição. Diz-se que a prescrição significa a extinção da pretensão912, ainda que tal não leve à perda do direito por ela tutelado. Este o conceito útil para fazer a comparação entre os dois institutos, ainda que não se ignore que existem muitas críticas a tal conceituação913. Ora, o que desde logo se observa é que tanto a prescrição como a decadência (que significa a perda do direito propriamente dito) são fenômenos extraprocessuais, ao passo que a preclusão é, por excelência, fenômeno endoprocessual (isto é, que ocorre dentro do processo). Além disso, tanto a prescrição quanto a decadência encontram-se situadas no plano do mérito (art. 487, II), por existir equivalência prática entre a decisão que acolhe ou rejeita o pedido do autor (art. 487, I) e o reconhecimento da prescrição ou da decadência914. A preclusão não é apenas temporal. Pode ser também consumativa. Tal se dá quando a parte pratica o ato, perdendo, de conseguinte, o direito de voltar a praticá-lo. É o caso, por exemplo, do réu que oferece contestação no oitavo dia. Ainda que dispusesse originariamente do prazo de quinze dias (art. 335), tendo oferecido a contestação no oitavo dia, não poderá mais aditá-la, pois o ato já terá sido praticado (preclusão consumativa). Finalmente, a preclusão pode ser lógica. Dá-se a preclusão lógica quando a parte pratica ato que logicamente se revela incompatível com outro ato que,
por isso, já não mais pode ser praticado. Por exemplo, se a parte cumpre espontaneamente o comando da sentença que lhe é desfavorável, há preclusão lógica para o ônus de dela recorrer, pois o ato de cumprimento espontâneo da sentença revela-se logicamente incompatível com o ato de recorrer, que em si mesmo encerra uma insatisfação com o comando dela emergente (art. 1.000 do CPC/2015: “A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de um ato incompatível com a vontade de recorrer”). 7. Benefícios dos arts. 180 e 229 do CPC/2015 Feitas essas observações, cumpre-nos analisar a regra do art. 180 do CPC/2015, que concede ao Ministério Público prazo em dobro para se manifestar nos autos. O Ministério Público terá o benefício do art. 180, quer atue como parte, quer atue como fiscal da lei, caso em que a lei também lhe confere legitimidade para recorrer (art. 996, caput, do CPC/2015)915. Temos para nós que se trata de uma aparente exceção ao princípio da paridade de tratamento. Conforme tivemos oportunidade de expor com mais vagar, quando estudamos os princípios do processo civil, predomina o entendimento916, que reputamos correto, de que o art. 180, na verdade, recompõe a igualdade substancial entre as partes e que tal exceção se justifica ante a diferença de condições e volume de trabalho entre os advogados, de uma forma geral, e os membros do Ministério Público. Ao lado disso, normalmente os advogados privados podem escolher as causas que querem ou não patrocinar, ao passo que o mesmo não sucede com os membros do Ministério Público e os procuradores das pessoas políticas ou autarquias.
Outra regra importante e que merece o nosso exame diz com o art. 229 do CPC/2015, que concede prazo em dobro para litisconsortes que comprovadamente tenham diferentes procuradores desde que os autos não tramitem na forma eletrônica (§ 2º). O prazo será em dobro para contestar, recorrer e, de modo geral, falar nos autos, salvo se lei determinar especificamente que o ato seja praticado em prazo indicado, ou, ainda, se se tratar de prazo fixado pelo juiz. Em regra, o prazo, em tais casos, será comum, o que traz algumas dificuldades, consoante já se expôs acima, daí a lei dispor que nessas hipóteses o prazo será em dobro917-918. Tal benefício, em rigor, independe de requerimento específico919, só se aplicando, porém, aos prazos legais e não àqueles estabelecidos pelo juiz (prazos judiciais). Tal benefício também não se aplica, por exemplo, na hipótese do art. 683, já que na oposição é regra que os dois réus (opostos) tenham procuradores distintos e que não pertençam ao mesmo escritório920. O benefício do art. 229, todavia, não se cumula com aquele anteriormente mencionado do art. 180, mas, para os atos processuais aos que não se aplicam as prerrogativas do art. 180 (prazo em dobro para se manifestar nos autos), incide o art. 229, se houver outro réu, litisconsorte do Ministério Público. Aplica-se o benefício do art. 229, na hipótese de assistência litisconsorcial (desde, é claro, que assistente e assistido tenham procuradores diferentes), pois, como melhor explicado em capítulo próprio, o assistente litisconsorcial é aquele que, no início, poderia ter sido litisconsorte do assistido, considerando-o a lei, por isso mesmo, como litisconsorte do assistido (art. 124). Como o Código de Processo Civil aplica-se subsidiariamente, como lei geral de processo, às ações que sejam reguladas por leis específicas (no que
não for incompatível, evidentemente, com as regras próprias de cada uma delas), deve-se concluir que os benefícios sob comento (dos arts. 180 e 229) aplicam-se igualmente a esses procedimentos específicos. Por exemplo, o benefício do art. 180 estende-se ao processo de mandado de segurança, cuja norma básica de regência é a Lei n. 12.016/2009. Figure-se exemplo de determinado licitante que impugne, via mandado de segurança, a classificação de sua proposta em terceiro lugar. Aqueles cujas propostas foram classificadas à frente do impetrante (beneficiários do ato impugnado) são considerados litisconsortes necessários da autoridade impetrada921. Se forem representados por advogados diferentes e que não pertençam ao mesmo escritório, aplicar-se-lhes-á o benefício do art. 229, computando-se, por exemplo, em dobro (30 dias) o prazo para apelar de sentença que conceda a segurança pleiteada, desde que o processo não tramite integralmente na forma digital. Já quando houver regramento próprio na lei específica, não há espaço para a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, no que se revelar incompatível, este último, com tais regras específicas. É o caso, por exemplo, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), que traz regra segundo a qual o prazo de contestação é de 20 dias, prorrogáveis por mais 20, se particularmente difícil a produção de prova documental (art. 7º, IV)922. Havendo disciplina própria na Lei da Ação Popular, não há espaço, em se tratando de prazo para oferecimento de contestação, para incidência do art. 229, mesmo havendo mais de um réu, com procuradores distintos e de escritórios distintos923. Ao magistrado incumbe proferir as decisões e despachos de acordo com os prazos previstos no art. 226. Tais prazos, todavia, diferentemente daqueles
assinalados para a parte, são, como já referido, prazos impróprios, ou seja, não trazem consequências endoprocessuais, apenas de ordem administrativa (art. 227 do CPC/2015), podendo, eventualmente, gerar obrigação de indenizar (art. 143), mas sempre como fruto do que possa vir a ser decidido noutro processo. Os serventuários, de seu turno, devem atender aos prazos do art. 223.
XXI COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
1. Citação O Código de Processo Civil de 2015 trata, no Capítulo I, do Título II, do Livro IV (art. 236 e ss.), da “comunicação dos atos processuais”. O CPC/73 referia-se tão somente a “comunicações dos atos”, que eram separadas em duas categorias: comunicações determinadas “por ordem judicial” e “requisitados por carta”, nos termos do antigo art. 200. Ao se referir à “comunicação dos atos processuais”, o CPC/2015 prevê que o seu cumprimento será realizado unicamente por ordem judicial (art. 236), porém, mantendo como uma de suas espécies, a comunicação expedida via carta (art. 236, § § 1º e 2º)924. Nesse sentido, cumpre mencionar as lições de Arruda Alvim, segundo as quais “Quando a lei se refere a mandado judicial, significa que há uma ordem direta do juiz ao oficial de justiça a ele subordinado (art. 250, VI do CPC/2015). O mandado, portanto, é o instrumento por meio do qual são conferidos poderes ao oficial de justiça para cumprir uma determinada citação ou intimação1. Havendo carta de ordem, carta rogatória, precatória ou
arbitral, haverá sempre uma solicitação de um órgão jurisdicional para outro, sendo que, na hipótese de carta rogatória, o órgão jurisdicional a que se destina a solicitação será estrangeiro”925. No caso da carta de ordem, o órgão que a expede é de hierarquia superior ao destinatário. Já a carta precatória é o instrumento adequado para que sejam feitas solicitações entre órgãos jurisdicionais de igual hierarquia. A carta arbitral, de seu turno, vem prevista no art. 22-C da Lei n. 9.307/96, modificada pela Lei n. 13.129/2015, sendo o veículo apropriado para que o árbitro ou o tribunal arbitral solicitem ao órgão jurisdicional o cumprimento de determinados atos. Dentro do referido capítulo, assume especial importância a citação, que é ato essencial à implementação da bilateralidade da audiência no plano do processo (art. 239, caput), ainda que o comparecimento espontâneo do réu possa suprir a falta ou a nulidade de citação (art. 239, § 1º). Como já se viu, quando estudados os pressupostos processuais, a citação constitui pressuposto de existência do processo. Dispõe o art. 238 do CPC/2015 que citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Pode ser, ainda, tendo em vista a relevância do ato, que o réu compareça em juízo apenas para alegar a nulidade (ou a falta de citação), caso em que se considerará citado no momento do comparecimento espontâneo (§ 1º do art. 239 do CPC/2015), hipótese em que deverão ser repetidos os atos processuais que se tiverem seguido e que sejam dependentes daquele (art. 281). Repise-se, porém, que o comparecimento espontâneo do réu supre a necessidade de citação, a teor do art. 239, § 1º926. Aliás, a propósito do
comparecimento espontâneo do réu, são de ser referidas as palavras de Egas Dirceu Moniz de Aragão, ainda sob égide do CPC/73: “Comparecendo o réu apenas para arguir inexistência ou nulidade da citação, esta não precisa ser novamente realizada, sendo, nos termos do § 2º do art. 214, intimado o advogado a se defender (...). Para os fins previstos no art. 219, porém, os efeitos serão ex nunc (...). Por conseguinte, nenhum direito do réu ou de outrem será afetado pelo comparecimento espontâneo no processo senão a partir do momento em que a citação considerar-se feita”927-928. É preciso ressaltar que, ainda que o réu compareça em juízo somente para arguir a nulidade da citação, é possível que o juiz não acolha dito requerimento, considerando que a citação não padece de qualquer cio que a comprometa. Neste caso, o processo correrá normalmente e o prazo para contestação, se já tiver transcorrido, não será reaberto929, como, aliás, se infere claramente do art. 239, § 2º, I, do CPC/2015. Como se verá adiante, o ato citatório deve obedecer a determinados requisitos legais. Em caso de inobservância desses requisitos, a lei é clara no sentido de que a citação realizada será nula (art. 280). A decretação da nulidade, porém, depende sempre da verificação da ocorrência de prejuízo (art. 282, § 1º). Não existe preclusão para a alegação de falta de citação – mesmo porque em verdade se trata de inexistência –, desde que o processo tenha corrido à revelia930. Pode a falta de citação ser alegada mesmo após o trânsito em julgado, e, segundo a corrente que se entende por estritamente correta, mesmo após o transcurso do prazo de dois anos para propositura de ação rescisória. Isso ocorre em razão de a citação constituir pressuposto de existência do processo, já que sem citação não há processo (em relação ao
réu), e por isso não se opera a coisa julgada, de modo que não há falar em necessidade de ação rescisória (que, rigorosamente, seria inadequada, pois coisa julgada não há). Basta seja proposta ação declaratória de inexistência do julgado, que é imprescritível931-932. Neste norte, são as palavras de Thereza Alvim: “A sentença ou o acórdão, constante de processo, onde não houve citação, tem existência fática, não produzindo efeitos jurídicos, pois seus efeitos de fato podem, a qualquer momento, independentemente de ação rescisória, ser eliminados do universo jurídico. A decisão judicial, nesse caso, não transita em julgado”933-934. Sem que se realize o ato citatório, não é possível conceber a existência do processo (em relação ao réu). Antes da citação, pode-se dizer, como visto, que há apenas um começo de processo, entre autor e juiz, mas não uma relação trilateral íntegra, como deve ser a relação processual. Através da citação, dá-se efetividade ao princípio da bilateralidade da audiência, ensejando-se ao réu a possibilidade de ser ouvido perante o órgão julgador. O princípio da bilateralidade da audiência é comumente referido como significando o princípio do contraditório. Como melhor abordado no capítulo destinado ao estudo dos princípios do processo, o princípio do contraditório tem uma dimensão diferente no processo penal em relação à feição que toma dentro do processo civil. Por isso mesmo, alguns autores935 preferem adotar, para o processo civil, em linha que se acompanha, o nome “princípio da bilateralidade da audiência”, para que não se designem realidades distintas pelo mesmo nome. Com efeito, enquanto no processo penal a defesa desidiosa ou incorreta enseja anulação do processo, no processo civil basta a citação para que se atenda ao princípio da bilateralidade da audiência, ainda que o réu seja revel, não apresentando sequer defesa no
caso concreto. De acordo com o disposto no art. 242, caput, do CPC/2015, a citação será feita pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente constituído. Na ausência936 do réu, poderão ser citados o mandatário, gerente, administrador ou preposto, se a ação se originar de atos por eles praticados (art. 242, § 1º). 1.1 Efeitos da citação Assim, a citação completa a formação do processo como relação trilateral ligando autor-juiz-réu. Além disso, leva à produção dos efeitos do art. 240937, de bastante relevância: gera litispendência, torna a coisa litigiosa e constitui do devedor em mora, operando-se tais efeitos ainda que ordenada (a citação) por juiz incompetente (art. 240, caput). 1.1.1 A interrupção da prescrição no CPC/2015 Há que ser analisada com mais detença a interrupção da prescrição. Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a citação válida interrompia a prescrição, retroagindo a interrupção ao momento da propositura da ação (que se efetivava com o despacho ou a distribuição onde houvesse mais de uma vara, a teor do art. 263 do CPC/73) se fossem cumpridos determinados requisitos (CPC/73, art. 219, §§ 1º, 2º e 3º). Com o CC/2002, sobreveio disposição expressa no sentido de que a interrupção da prescrição se dá com o despacho que ordena a citação (CC/2002, art. 202, I). Mesmo com o advento do CC/2002, continuava em vigor, porém, o precitado § 1º do art. 219 do CPC/73, retroagindo a citação ao momento da propositura da ação.
O CPC/2015 preservou referida sistemática, já que no § 1º do art. 240, estabeleceu que “A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação”. Ademais, no que toca ao prazo em que se deve efetivar a citação, o mencionado inciso I do art. 202 do CC/2002 determina que devem ser observadas as regras prescritas pela lei processual. Nesse sentido, prevê o § 2º do art. 240 do CPC/2015, “Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º”. Tenha-se presente, no entanto, a ressalva constante do § 3º do art. 240, no sentido de que a parte não será prejudicada pela “demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário”. A esse respeito, vale mencionar que o CPC/2015 consagra entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula 106 do STJ, segundo a qual “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”. Deste modo, o autor não poderá ser prejudicado com a decretação da prescrição quando não houve negligência de sua parte em ajuizar a ação ou em providenciar o necessário para efetivar a citação do réu. Cabe ressaltar, a propósito, o escólio de Fredie Didier Jr., para quem “O ônus de promover a citação consiste, basicamente, em: juntar cópia da petição inicial para ser encaminhada ao réu (no caso de processo em autos de papel; art. 248, caput, do CPC), adiantar as despesas com a citação e indicar o endereço do réu”938. Ainda no que diz respeito à prescrição, observe-se que a sua disciplina
passou por relevantes mudanças, ainda durante a vigência do CPC/73. Assim, o § 5º, art. 219 do CPC/73, em sua redação original, dispunha no sentido de que o juiz só poderia reconhecer de ofício (isto é, independentemente de provocação da parte interessada) a prescrição de direitos não patrimoniais. Dito preceito fora ab-rogado pelo art. 194 do CC/2002, que ampliara o espectro do atuar oficioso do juiz no que diz respeito à prescrição. Posteriormente, a Lei n. 11.280/2006 alterou o mesmo § 5º do art. 219, estatuindo caber ao juiz, de ofício, decretar a prescrição, sem quaisquer restrições939. O CPC/2015 mantém previsão nesse sentido, conforme o art. 487, inc. III, a e parágrafo único, que, todavia, é expresso no sentido de que deve ser ensejada às partes oportunidade de se manifestarem previamente, salvo na hipótese do § 1º do art. 332. Pode, ainda, a prescrição ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita, segundo dispõe o art. 193 do CC/2002. Esse preceito deve ser lido como se referindo a qualquer grau de jurisdição ordinária940. Deveras, para a interposição dos recursos extraordinários (especial e extraordinário stricto sensu), é indispensável que haja prequestionamento, isto é, é imprescindível que tenha havido pronunciamento da instância local sobre a matéria, exigência essa que, em nosso sentir, deita raízes na própria Constituição Federal. Se assim é, tem-se que, de duas uma: ou a prescrição foi enfrentada pelo acórdão local, ou não é possível ventilá-la no recurso especial como pedido recursal, por ausência de prequestionamento941. Vale mencionar, ainda, regra do art. 240, § 4º, do CPC, o qual estatui que a sistemática do § 1º do mesmo dispositivo se aplica a todos os prazos extintivos previstos em lei – inclusive os decadenciais. Por exemplo, por força do art. 240, § 4º, a sistemática do seu § 1º aplica-se ao prazo de 120
dias para impetração de mandado de segurança (art. 23 da Lei n. 12.016/2009)942, que é comumente referido como prazo decadencial943. Importante indagar se, caso haja extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, I a X), se deve considerar ocorrida ou não a interrupção da prescrição. Ainda na vigência do CPC/39, sustentava Yussef Said Cahali ser “mais técnico o sistema do CC [de 1916], a que se permite, como regra de direito material, elidir a eficácia interruptiva da prescrição, atribuída à citação que se promoveu no processo, do qual, por julgado extinto sem julgamento do mérito, nenhum proveito terá resultado à pretensão do demandante”944. Referia-se o autor ao art. 175 do Diploma Civil pretérito, que assim dispunha: “Art. 175. A prescrição não se interrompe com a citação nula por vício de forma, por circunducta, ou por se achar perempta a instância, ou a ação”. O que o CC/16 denominava de perempção da instância, o CPC/39 chamava de absolvição da instância. Hoje, sob a égide do CPC/2015, são as hipóteses contempladas no art. 485, vale dizer, de extinção do processo sem resolução do mérito. Tem-se por correto o entendimento que admite a interrupção da prescrição, ainda que o processo tenha sido extinto sem resolução de mérito, tendo em vista que o autor adotou uma conduta ativa suficiente para atingir essa finalidade, independentemente do resultado final do processo945-946. Entende-se também que, ainda que extinto o processo sem resolução de mérito, deve-se reputar que a citação terá sido apta a constituir o devedor em mora, consoante art. 240, caput, do CPC/2015947. Ao analisar os efeitos da citação em caso de extinção do processo sem resolução de mérito, observa Cândido Rangel Dinamarco que, nestes casos, a litigiosidade da coisa desaparece, pois esta somente perdura enquanto houver
litígio. Já a interrupção da prescrição (que rigorosamente se opera com o despacho que ordena a citação, ainda que a regra seja a retroação ao momento da propositura da ação, a teor do § 1º do art. 240) e a constituição em mora do devedor, segundo o autor, “não são atos contínuos ou duradouros, mas meros pontos isolados no tempo”, e não é possível “dar o acontecido por não acontecido”, de forma que “a extinção do processo deixa intactos os efeitos jurídicos substanciais consistentes em interromper a prescrição e constituir o devedor em mora”; quanto à litispendência, esta desaparece com a extinção do processo; no entanto, a prevenção do juízo permanece948. 1.1.2 Efeitos da citação propriamente ditos Sob o regime do CPC/73, a citação válida tornava prevento o juízo (salvo no caso do antigo art. 106, que se referia à hipótese de juízos de mesma competência territorial, caso em que o critério de prevenção era o daquele que houvesse despachado em primeiro lugar)949. O CPC/2015, por sua vez, refere-se à prevenção como um dos possíveis efeitos do registro ou distribuição da petição inicial, nos termos do seu art. 59. A esse respeito, Arruda Alvim considera que “O critério parece mais adequado, visto que não depende de qualquer ato posterior à propositura da demanda”950. Vimos que esse critério de fixação de competência (prevenção) é importante, por exemplo, para se determinar a junção de causas conexas ou que entre si guardem relação de continência (arts. 55 a 57), o que haverá de acontecer no juízo prevento951, mediante distribuição por dependência (inciso I do art. 286 do CPC/2015). Vejam-se os efeitos da citação. Por primeiro, tem-se que a citação torna
litigiosa a coisa. O sistema processual admite como válida a alienação da coisa ou do direito litigioso, considerando-a, todavia, potencialmente ineficaz no plano do processo, na medida em que a eficácia dessa alienação possa colidir com o resultado do processo – isso ocorrendo, prevalece a eficácia da sentença que aí se profira, sendo ineficaz a alienação (art. 109, § 3º). O alienante ou cedente continuará no polo passivo (caput do art. 109), podendo vir a ser, todavia, sucedido (o § 1º do mesmo art. 109) pelo adquirente ou cessionário, se com isso concordar a parte contrária (parte final do § 1º do art. 109), tornando-se, nesse caso, parte passiva. Haverá, em tal caso, sucessão processual. Caso contrário, o adquirente, ou cessionário, poderá intervir no processo na qualidade de assistente litisconsorcial, segundo a regra do § 2º do art. 109. Conforme expresso no referido dispositivo, a assistência, em tal hipótese, será do tipo litisconsorcial, pois o bem da vida em disputa passou a dizer respeito ao adquirente ou cessionário. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, já na vigência do CPC/73: “Ao adquirir ações integrantes do capital da Triunfo, antes pertencentes à Primeira, sub-rogou-se Petroquisa nos direitos decursivos destes valores mobiliários, notadamente, de participar e resolver o respectivo acordo de acionistas; destarte, alterada a titularidade da relação jurídica material, impõe-se a observância do art. 42 do CPC, pelo qual, in casu: a) inviabilizase a sucessão processual de Primeira por Petroquisa ante o não consentimento de Petroplastic (art. 42, § 1º, do CPC); b) mantém-se a legitimidade ativa da alienante Primeira para prosseguir no feito em substituição processual à adquirente Petroquisa, indeferindo-se a extinção do feito sem exame de mérito por perda superveniente de interesse de agir e legitimidade (art. 267, VI, do CPC); c) admite-se o ingresso de Petroquisa no pleito de resolução do
acordo de acionistas como assistente litisconsorcial de Primeira contra Petroplastic, no estado em que se encontra”952. A sentença que vier a ser proferida, com efeito, atingirá o adquirente ou cessionário (§ 3º do art. 109). Entendemos, todavia, que pode haver cessão de direitos daquele que ganhou na fase de conhecimento, e, nessa circunstância, o cessionário tem legitimidade para dar início à execução, independentemente da concordância da parte contrária, a teor do que dispõe o inciso III do § 1º, art. 778 do CPC/2015. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Encerrado o processo de conhecimento e obtido o título judicial, o cessionário tem interesse e legitimidade para iniciar o processo de liquidação e, posteriormente, o de execução, mesmo sem anuência do réu, uma vez que não se trata de substituição de parte na relação processual no curso do processo, mas de instauração de nova relação, na qual o cedente não figura”953. A 1ª Turma, em acórdão relatado pelo Min. José Delgado e proferido sob a égide do CPC/73, decidiu no mesmo sentido: “O credor cessionário goza do direito de substituir, no processo de execução, o cedente na parte do crédito que lhe foi cedido, sem que para tanto haja necessidade de obter o consentimento do devedor. A norma subsidiária do art. 42, § 1º, do CPC não se aplica ao processo de execução pelo fato de já estar definida a obrigação patrimonial da parte vencida. O propósito deste dispositivo de só permitir a substituição da relação jurídico-processual com o consentimento da parte contrária visa a garantir a situação fática constituída por ocasião da instauração da lide em juízo, pelo que situações personalíssimas e especiais podem existir que influenciem o julgamento da lide. Não é o que ocorre na execução. O cessionário do crédito assume, simplesmente, o lugar do credor e passa a atuar como aquele atuava, isto é, visando unicamente o pagamento
da dívida. O art. 567, II, do CPC atua, portanto, de forma autônoma, no círculo do processo de execução, sem qualquer subordinação às regras do processo de conhecimento”954-955. Ainda, a citação induz litispendência (na acepção de lide pendente), de modo que, sendo ajuizada ação idêntica (teoria da tríplice identidade – § 2º do art. 337), tendo na primeira ocorrido o ato citatório, a segunda haverá de ser extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, por ocorrência de pressuposto processual negativo ou extrínseco. Por fim, com a citação constitui-se em mora o devedor, computando-se daí os juros moratórios (arts. 394 a 401 do CC/2002), salvo se houver fundamento para que sejam computados antes do início do processo. Nesse contexto, deve-se ter em mente a Súmula 54 do STJ – “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” –, compatível com o disposto no art. 398 do CC/2002: “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”. 1.2 Formas de citação A citação pode ser classificada em real ou ficta. Nos casos de citação real, atende-se com perfeição ao requisito da pessoalidade da citação, pois que, em tais hipóteses, não se poderá falar que o réu não tem conhecimento da demanda contra ele intentada, o que já não ocorre nos casos de citação ficta, nos quais há mera presunção dessa ciência. A despeito dessa constatação, em todas as modalidades de citação os efeitos serão os mesmos, independentemente da forma que tenha sido realizada, desde que, é claro, tenha sido adequada ao caso concreto.
Várias são as formas por intermédio das quais a citação pode ser efetuada: (1) pelo correio; (2) por oficial de justiça; (3) pelo escrivão ou chefe de secretaria; (4) por edital; e (5) por meio eletrônico (art. 246, I a V, do CPC/2015). A regra geral é a de que o ato citatório seja realizado pelo correio (regra inserida pela Lei n. 8.710/93 no regime do CPC/73 e adotada pelo CPC/2015, em seu art. 247). Qualquer juiz – salvo nas hipóteses em que a lei não permite – poderá determinar a citação pelo correio, mesmo fora dos limites de sua jurisdição. Cândido Rangel Dinamarco, analisando a reforma que impôs a citação pelo correio como regra geral (Lei n. 8.710/93, que alterou o CPC/73, art. 222), sustenta que “essas alterações devem ser compreendidas pelo intérprete como sinais de que o direito brasileiro se dispõe a dispensar a esse importantíssimo ato de comunicação processual os cuidados que ele merece, mas procurando racionalizar as exigências e adaptá-las às realidades do tempo”956. Deve-se ter presente, todavia, que mesmo a citação pelo correio, enquanto ato judicial, deve ser realizada, como regra, das 6 às 20 horas, em dias úteis (art. 212, caput). Esse mesmo art. 212 admite algumas exceções à regra do caput, ao dispor que atos iniciados antes das 20 horas podem ser concluídos após esse horário, quando o adiamento se revele capaz de prejudicar a diligência ou causar grave dano (§ 1º do art. 212). Poderão, ainda, em casos excepcionais e independentemente de autorização judicial ser realizadas as citações, intimações e penhora no período de férias forenses, onde as houver, nos feriados ou dias úteis fora do horário estabelecido no caput do art. 212 (segundo prevê o § 2º do art. 212 do
CPC/2015), respeitado o inciso XI do art. 5º da CF/88: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Quando praticado o ato sem autorização expressa do juiz, fora do horário legal, deve ser tido por nulo957-958. 1.2.1 Citação pelo correio A citação será realizada – como dito, segundo a regra geral – pelo correio. O art. 247, incisos I a V, contempla hipóteses excepcionais, em que a citação não deve ser realizada por correio (ações de estado959, caso o citando seja incapaz, quando o citando for pessoa jurídica de direito público, caso o citando seja residente em local não atendido por entrega domiciliar de correspondência e quando o autor, justificadamente, requerer outra forma). Não se entenda mal essa última hipótese do inciso V do art. 247. Só se excepcionará a regra geral de citação pelo correio nas hipóteses em que a lei expressamente não a permita, ou se, por algum motivo, frustrar-se a citação pelo correio. É o que dispõe, claramente, o art. 249, que reafirma a regra geral: citação postal. Portanto, não se coloca, em princípio, ao mero talante do autor a opção por outra forma de citação que não a postal, devendo, inclusive, apresentar consistente justificativa para requere citação por outra forma, nos termos do inciso V. Insta mencionar que o CPC/2015 optou por excluir hipóteses prevista na alínea d, art. 222 do CPC/73, segundo a qual poderia se excetuar a citação via correio nos processos de execução. Segundo Arruda Alvim, uma das razões da exceção contida no CPC/73, dizia respeito à possibilidade de se promover,
juntamente com a citação, a penhora de bens. Ainda para o autor, a exclusão realizada pelo CPC/2015 pode proporcionar maior celeridade e economia dos atos executivos, especialmente no que toca à citação em comarcas distintas da distribuição do processo960. A carta citatória deverá ser acompanhada de cópia da petição inicial (contrafé) e do despacho do juiz determinando que se proceda à citação, comunicando-se o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório (art. 248, caput). Deverá conter, se for o caso, intimação para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação, com menção do dia, hora e lugar de comparecimento (art. 250, IV). A citação deverá ocorrer com antecedência mínima de 20 dias da data da audiência (art. 334, parte final). Ademais, nos termos do § 3º do art. 248 do CPC/2015, “Da carta de citação no processo de conhecimento constarão os requisitos do art. 250”. Nesse sentido, tal qual por oficial de justiça, na citação por correio também deverão constar: os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências (art. 250, I); a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução (art. 250, II); a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver (art. 250, III); a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória (art. 250, V); e a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz (art. 250, VI). A carta citatória será registrada (art. 248, § 1º), devendo o recibo ser assinado pelo citando, atentando-se para a regra do art. 242, segundo a qual a citação será pessoal961, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do seu
representante legal ou de procurador legalmente autorizado962. A esse respeito, confira-se o teor da Súmula 429 do STJ: “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”. Em algumas hipóteses excepcionais, a citação é feita na pessoa do advogado, ainda que desprovido de poderes específicos para receber citação (os quais, em regra, são necessários, pois os poderes inerentes à procuração geral para o foro – art. 105 do CPC/2015 – não permitem que o advogado, como regra geral, receba a citação inicial em nome de seu cliente). É o que sucede, por exemplo, na oposição (CPC/2015, art. 683, parágrafo único) e na reconvenção (CPC/2015, art. 343 e § 1º). Se se tratar de réu pessoa jurídica, será válida a citação a quem detenha poderes de gerência geral, de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências (art. 248, § 2º). O Código de Processo Civil de 2015, encampou expressamente a teoria da aparência, permitindo a citação na pessoa de quem detenha poderes de gerência geral ou de administração ou a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências. Note-se que o § 2º do art. 248 é mais amplo que o art. 75, VIII, que trata da regra geral da representação das pessoas jurídicas, ativa e passivamente, em juízo. Basta que a citação seja feita na pessoa que detenha poderes
de
gerência
geral,
administração
ou
de
recebimento
de
correspondência para que se repute válida. Porém, deve-se tomar muito cuidado para não alargar o leque do § 2º do art. 248. Temos para nós, por exemplo, que a citação de instituições financeiras não pode ser feita na pessoa do gerente da agência963-964. Evidentemente, para que se possa cogitar de nulidade da citação feita na pessoa do gerente, é preciso que tenha havido prejuízo (art. 282, § 1º).
Mencionou-se, acima, que a inobservância de requisitos formais conduz à nulidade da citação (art. 280). Todavia, cumpre ressaltar que a nulidade não deverá ser pronunciada se não houver prejuízo. Insta mencionar, ainda, que nas hipóteses previstas no CPC/2015 (tal qual os incisos do art. 247), em lei, ou quando frustrada citação pelo correio, prescreve o art. 249, a citação far-se-á por intermédio de oficial de justiça. Tanto numa como noutra hipótese – citação pelo correio e por oficial de justiça –, a citação pode ser dita real, pois que o citando, seja por intermédio da carta citatória, seja por intermédio do mandado, deve ter ciência pessoal do ato citatório. A lei processual, porém, prevê casos de citação ficta, que são as hipóteses de citação por edital e citação com hora certa. Em suma: (1) a regra é a citação por correio; (2) em determinadas hipóteses – incisos I a V do art. 247 do CPC/2015 ou em outras legalmente previstas –, a citação não se pode realizar por correio, caso em que deverá realizar-se por oficial (art. 249); (3) quando se frustrar a citação pelo correio, a citação também se fará por oficial de justiça (art. 249); (4) ao lado dessas hipóteses – em que a citação é real –, a lei consagra duas outras de citação ficta: a citação por edital e a citação com hora certa. Poderá, ainda, a citação realizar-se por meio eletrônico, segundo previsto no inciso V do art. 246 do CPC/2015 e no art. 9º da Lei n. 11.419/2006. O art. 6º da Lei n. 11.419/2006, ainda, prevê que a citação poderá ser feita por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos esteja disponível ao citando. 1.2.2 Citação nas ações de família Como regra a citação por correio ou por mandado deverá ser efetuada com
observância dos requisitos dos arts. 250, I a IV, e 251 do CPC/2015. Porém, no que toca às ações cujo objeto verse sobre direito de família (art. 693), o CPC/2015 trouxe previsão peculiar. Nos termos do art. 695, § 1º, neste tipo de demanda, “O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo”. A despeito da especificidade na composição do documento citatório, verifica-se que a lei processual não privou o citando de ter acesso ao conteúdo da demanda, consoante referido dispositivo. Para Arruda Alvim, com tal medida, “Busca-se, neste caso, evitar que a ciência dos fatos alegados na petição inicial prejudique a realização de composição amigável, bem como resguarda a intimidade das partes envolvidas na demanda”965. 1.2.3 Citação por edital As hipóteses em que a citação deve se dar por edital vêm previstas no art. 256. São os casos em que: (1) é desconhecido ou incerto o citando; (2) é ignorado, incerto ou inacessível o local em que se encontra o citando; e (3) há expressa previsão legal. O § 1º desse dispositivo estatui que deve ser considerado inacessível, para fins de citação por edital, o país que não cumprir carta rogatória do Brasil (inacessibilidade ficta); o § 2º dispõe que, sendo inacessível o local em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também por rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão. A hipótese (2) supra – ignorado, incerto ou inacessível o local em que se encontrar o citando – só justifica a citação editalícia desde que esgotados os
meios possíveis de localização do réu. Há, pois, preferência pela citação real. Daí por que o interessado deve envidar os esforços possíveis no sentido da localização do réu, sendo caso de citação por edital, apenas se efetivamente frustradas referidas tentativas de sua localização. Nesse sentido já decidiu o STJ: “Em se tratando de citação por edital, não basta a simples afirmação do autor de que o réu se encontra em local incerto e não sabido, competindo ao juiz averiguar a veracidade da assertiva. Existindo a possibilidade de que o réu esteja em endereço, declinado nos autos, cumpre ao autor esgotar os meios para achá-lo antes de requerer a citação por edital”966. Se, porém, for descoberto o paradeiro do réu, no curso da ação em que a citação tenha sido realizada por edital, isso não invalida o ato citatório. Todavia, é pertinente insistir, a citação por edital pressupõe, para a sua validade, tenham sido esgotadas todas as tentativas para a localização do réu, isto é, trata-se uma forma de citação claramente subsidiária. 1.2.4 Citação com hora certa Outra hipótese de citação ficta, já se disse, é a da citação com hora certa. Esta modalidade citatória terá lugar quando houver suspeita fundada de ocultação do citando, justamente com o escopo de evitar o ato citatório (art. 252). Para que a citação se possa realizar dessa forma, é necessário que o oficial de justiça procure o citando em seu domicílio ou residência por duas vezes e não o encontre. Desde que proceda dessa forma e haja suspeita de ocultação, haver-se-á de proceder à citação com hora certa. O oficial comunicará a qualquer familiar ou, ainda, a qualquer vizinho que voltará no dia útil imediato, com hora marcada. Retornando o oficial no dia seguinte, prescreve
o art. 253, e não estando presente o citando, deverá aquele dar por feita a citação, deixando a contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, declarando-lhe o nome. É necessário, sob pena de nulidade do ato citatório, que o oficial declare na certidão todos os detalhes, inclusive e especialmente os dias e horários em que esteve à procura do citando. Sendo feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe da secretaria deverá enviar ao réu, executado ou interessado carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe ciência de tudo (art. 254), exigência que Nelson Nery Jr. e Rosa Nery corretamente qualificam como “condição para o aperfeiçoamento da citação, sem o que não é válida nem regular”967. A nulidade da citação, porém, seja permitido repisar, só haverá de ser pronunciada se dela advier prejuízo ao réu (como de resto sucede com toda e qualquer invalidade processual, seja ela de forma ou de fundo, a teor do § 1º do art. 282 do CPC/2015)968. Enfatize-se, todavia, o quanto já dito no sentido de que o comparecimento espontâneo do réu ou do executado elide a falta ou nulidade de citação (art. 239, § 1º). Comparecendo o réu apenas para arguir a nulidade de citação, em sendo esta reconhecida, anular-se-ão a citação e os atos subsequentes que dela dependam (art. 281). Quando a citação é real (por oficial ou correio, sendo esta última a regra geral), o não oferecimento de contestação conduz aos efeitos prescritos no art. 344, isto é, presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor (tal presunção de veracidade, como se verá oportunamente, é relativa, podendo ser afastada, no caso concreto, diante do quadro probatório). Também no caso de citação eletrônica, feita nos moldes do art. 6º da Lei n. 11.419/2006 e do inciso V do art. 246, tem-se que o não oferecimento de contestação, em princípio, conduz à incidência dos efeitos
previstos no art. 344. Neste caso, exige-se que a íntegra do processo esteja disponível para o citando969. Observe-se que, segundo dispõe o art. 6º da Lei n. 11.419/2006, mesmo a citação da Fazenda Pública pode ser feita por meio eletrônico. Todavia, sendo ré a Fazenda Pública, conforme dissemos, não há que se falar, em linha de princípio, na incidência dos efeitos de que trata o art. 244, caso esta não apresente contestação. Porém, nas hipóteses de citação ficta (edital ou hora certa), a lei prevê a nomeação de curador especial em caso de revelia (art. 72, II), enquanto não for constituído advogado nos autos. Tal sucede porque, na hipótese de citação ficta, existe a possibilidade de o réu não ter ciência de que contra ele foi ajuizada determinada ação. Oportuno consignar que, conquanto na contestação, como regra, devam ser impugnados especificadamente todos os pontos da petição inicial (art. 341, caput), essa regra não se aplica ao curador especial
–
que
dificilmente,
aliás,
teria
condições
de
impugnar
especificadamente ponto a ponto da inicial –, segundo prescreve o parágrafo único do art. 341. Isso significa dizer que o curador especial poderá contestar por negativa geral970, o que, nos casos de citação real, não afasta os efeitos do art. 344, acima mencionados. O curador especial exerce um múnus público, consistente em defender o réu revel citado fictamente (por edital ou com hora certa). Isso significa que não pode, em absoluto, praticar qualquer ato de disponibilidade do direito material daquele que representa, da mesma forma como não lhe é dado exercer o direito de ação, ajuizando, por exemplo, reconvenção. Por outro lado, o não oferecimento de contestação pode até acarretar sanção administrativa ao curador especial, se pertencente a órgão público, mas jamais implicará a ocorrência de revelia. Por isso, diz-se que o prazo de
contestação do curador especial é impróprio, na medida em que não traz consequências endoprocessuais. Do contrário, estaria inutilizada a própria razão de ser da regra constante do inciso II do art. 72 do CPC/2015, que prevê a necessidade de nomeação de curador especial em tais hipóteses971. 1.3 Considerações gerais sobre o ato citatório Já nos referimos ao art. 242. Pela sua importância, cumpre repisar algumas ideias básicas. A citação deverá ser feita pessoalmente ao citando (salvo as hipóteses, já referidas, de citação ficta), segundo prescreve o art. 242, caput. O advogado, a quem tenham sido conferidos os poderes inerentes à cláusula ad judicia (art. 105), como regra, não pode receber citação, devendo-lhe ser conferidos poderes específicos para tanto. Na ausência do citando, poderão ser citados o mandatário, gerente, administrador ou preposto, se a ação se originar de atos por eles praticados (art. 242, § 1º). Se o locador se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou, na localidade, procurador com poderes para receber citação, será citado na pessoa do administrador responsável pelo recebimento dos alugueres, que será considerado habilitado para representar o locador em juízo (art. 242, § 2º). O CPC/2015 inovou no que toca à citação das partes ou interessados residentes ou domiciliados em condomínios edilícios ou em loteamentos fechados com controle de acesso. A esse respeito, dispõe o art. 248, § 4º, que será “válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário
da correspondência está ausente”. O parágrafo único do art. 252 reafirma tal entendimento, dispondo ser válida a intimação feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência para fins de citação com hora certa, no caso de condomínios edilícios ou loteamentos com controle de acesso. Como se pode depreender, por meio de disposição legal, autorizou-se a citação em pessoa diversa da citanda, afastando a pessoalidade do ato citatório. Com efeito, tal alteração se coaduna com a previsão já contida no art. 22972 da Lei n. 6.538/78, que se refere ao serviço postal. Porém, vem contrariar entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, comumente exarado durante a vigência do CPC/73, conforme seguinte decisão: “Embargos de divergência. Corte Especial. Citação por AR. Pessoa física. Art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 1. A citação de pessoa física pelo correio deve obedecer ao disposto no art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil, necessária a entrega direta ao destinatário, de quem o carteiro deve colher o ciente. 2. Subscrito o aviso por outra pessoa que não o réu, o autor tem o ônus de provar que o réu, embora sem assinar o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos”973-974. Com o advento do CPC/2015 e a autorização expressa no sentido da possibilidade da efetivação da citação na pessoa de terceiros, cabendo ao citado o ônus de comprovar eventuais invalidades, já que a citação, em princípio, presumir-se-á validade (presunção juris tantum). A citação, por outro lado, poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, executado ou o interessado (art. 243, caput), podendo o militar em serviço ativo ser citado na unidade em que estiver servindo, se não conhecida sua
residência ou não sendo nela encontrado (parágrafo único do art. 243). Essa regra é subsidiária daquela segundo a qual o citando deve ser citado em seu domicílio. Somente se não encontrado é que a citação poderá ser feita em qualquer lugar onde se encontre. O art. 244 consagra hipóteses em que, como regra, a citação não deve ser efetuada. São elas: (1) citando que estiver participando de ato de culto religioso; (2) sendo o citando cônjuge, companheiro ou parente de morto, consanguíneo ou afim, em linha direta ou colateral em segundo grau, no dia do falecimento ou nos sete dias subsequentes; (3) aos noivos, nos três dias seguintes ao casamento; e (4) aos doentes, enquanto grave o seu estado. Porém, mesmo que se configurem essas hipóteses, havendo risco de perecimento do direito, deverá ser realizada a citação. Se se verificar que o citando é mentalmente incapaz, ou está impossibilitado de receber a citação, esta não deverá ser efetuada. É o que prescreve o caput do art. 245. O oficial de justiça passará certidão, descrevendo o ocorrido, devendo o juiz nomear perito médico, que examinará o citando e oferecerá laudo em cinco dias. Reconhecida a impossibilidade de receber a citação975, será nomeado curador especial enquanto durar a incapacidade do citando, se ele não tiver representante legal (art. 72, I), que também poderá contestar por negativa geral (art. 341, parágrafo único), da mesma forma que o curador especial que defende o réu revel citado por edital ou hora certa e o réu que se encontrar preso. A nomeação do curador será restrita à causa, observando-se a preferência estabelecida na lei civil. Nessa hipótese, a citação deverá ser feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa do citando. 1.4 Procedimento da citação pelo correio
Como visto, a regra é a citação pelo correio (art. 247, caput). Nessa hipótese, deverá ser remetida ao citando cópia da petição inicial e do despacho do juiz, comunicando-lhe o prazo de resposta, bem como o endereço do juízo e respectivo cartório. A carta (registrada) deve ser entregue ao citando, admitindo-se, como já visto, seja entregue a pessoa com poderes de gerência geral, administração ou a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências, tratando-se tratar de pessoa jurídica (art. 248, §§ 1º e 2º)976. No regime do CPC/73, era obrigatório, ainda, constar advertência do art. 285, segundo a qual “não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor”. Na ausência dessa advertência, decidia-se pela nulidade da citação (VI ENTA, 2: “Não constando do mandado o prazo da defesa (CPC, art. 225, VI) e a advertência prevista no art. 285, é nula a citação”), embora houvesse julgados no sentido de que a omissão de referida advertência apenas e tão somente obstava a produção dos efeitos previstos nesse art. 285, isto é, a presunção de que, não contestada a ação, seriam aceitos, como verdadeiros, pelo réu, os fatos articulados pelo autor. O CPC/2015 não faz menção alguma à advertência quanto à revelia, antes disposta no art. 285, porém, como alerta Humberto Theodoro Júnior, “(...) sem dúvida, terá de constar da carta citatória, já que, em se tratando de processo de conhecimento, dita carta deverá conter todos os requisitos do art. 250”977. Aliás, o § 3º do art. 248 é expresso ao dispor que aplicam-se à carta citatória os requisitos do art. 250. Cumpre mencionar, por fim, que a não observância desse requisito conduz à nulidade da citação, nos termos do art. 280 do CPC/2015 desta: “As
citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais”. 1.4.1 Procedimento da citação por oficial de justiça Nas hipóteses dos incisos I a V do art. 247, já examinadas, a regra é a de que a citação far-se-á por oficial de justiça. Neste caso, do mandado citatório, deverão constar os requisitos estampados no art. 250, I a VI, conforme já mencionado: (1) nomes do autor e do citando, bem como respectivos domicílios ou residências978; (2) finalidade da citação, especificações da inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia979; (3) a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver; (4) se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento; (5) a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória; e (6) a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz. O oficial deverá ler o mandado, entregando ao réu a contrafé, portando por fé se o réu recebeu ou recusou a contrafé, obtendo a nota de ciente ou declarando que o citando não a apôs ao mandado citatório (art. 251, I a III). 1.4.2 Procedimento da citação com hora certa A citação com hora certa exige o procedimento já descrito anteriormente. Isto é, deverá o oficial comparecer por duas vezes, não encontrar o réu e suspeitar fundamentadamente de sua ocultação para o fim de não receber a citação. Nesta hipótese, marcará com pessoa da família ou vizinho hora certa no
dia útil imediato, hipótese em que, não encontrando o citando, o dará por citado, deixando a contrafé com pessoa da família ou vizinho, comunicando o réu, executado ou interessado do ocorrido por carta, telegrama ou correspondência eletrônica. É o quanto, sucintamente, vem previsto nos arts. 252 a 254. 1.4.3 Procedimento da citação por edital As hipóteses de citação por edital já foram examinadas acima. São aquelas constantes do art. 256, I a III (ignorado e incerto o citando; ignorado, incerto ou inacessível o local em que se encontrar; e as demais hipóteses previstas em lei). Frisou-se que a citação por edital é subsidiária, vale dizer, pressupõe, para sua validade, que tenham sido esgotadas todas as tentativas de localizar o réu, não bastando a mera alegação de que ele se encontra em local ignorado e incerto. O procedimento da citação por edital vem disciplinado no art. 257 e respectivos incisos e parágrafos. Para que a citação possa ser efetuada por edital, é necessário se confirme a ocorrência das hipóteses do art. 256, I ou II, ou, ainda, que se configure qualquer hipótese em que a lei preveja a citação por edital. Uma vez deferida, o edital deverá ser publicado na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos. O prazo do edital será de 20 a 60 dias, contados da publicação única ou, havendo mais de uma, da primeira. Tratando-se, como se frisou, de modalidade subsidiária de citação (deverão – insista-se – ser esgotados os meios possíveis de localização do réu antes que se recorra à citação por edital), a lei comina multa de cinco vezes o
salário mínimo, que reverterá em benefício do citando, caso o autor alegue dolosamente estarem presentes os pressupostos do art. 256, I e II (isto é, intencionalmente, sabendo que não se faziam presentes tais requisitos), para justificar o requerimento de citação por edital (art. 258, caput e parágrafo único). 2. Intimações Prescreve o art. 269 ser a intimação o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos termos e atos do processo. Como regra, a intimação é dirigida ao advogado e não à parte, eis que aquele é que possui aptidão para a prática de atos processuais980. Há, porém, casos em que a lei determina, expressamente, que a intimação seja feita à parte. É, por exemplo, a hipótese do § 1º do art. 485, que estabelece que, para que o processo seja extinto sem resolução de mérito com base nos incisos II e III do art. 485 (parado por mais de um ano por negligência das partes e quando o autor abandonar a causa por mais de 30 dias por não promover os atos e diligências que lhe competirem), a parte deve ser intimada pessoalmente a suprir a falta no prazo de cinco dias, antes que se possa decretar a extinção do processo. Para Cândido Rangel Dinamarco, o critério para distinguir as hipóteses em que as partes devem ser intimadas (pessoalmente) daquelas em que se mostra suficiente a intimação de seus procuradores refere-se à natureza do ato que se pretende realizar. Aduz o autor: “Quando se trata de atos de postulação, para os quais a parte não tem capacidade, a intimação tem por destinatário o advogado – intimação de decisões, sentenças, designações, prazo para requerer provas ou formular quesitos ao perito etc. Para os atos personalíssimos intima-se a parte em si mesma, como no caso de comparecimento para depor em audiência ou para
submeter-se a perícia médica etc.”981. No caso do mencionado § 1º do art. 485, em face da inércia do advogado, a quem compete dar andamento ao processo, antes de o juiz extingui-lo, deverá ser intimada a própria parte, pois esta pode não estar ciente de que o profissional que contratou para representá-la está atuando desidiosamente. O § 1º do art. 485 refere-se, como dito, aos casos dos incisos II e III do art. 485 do CPC/2015. As intimações – prescreve o art. 271 – devem ser realizadas, como regra, de ofício, o que é reflexo do princípio do impulso oficial do processo, previsto no art. 2º. 2.1 Forma de realização das intimações As intimações, quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas pela publicação dos atos na imprensa oficial (art. 272, caput). Se inviável a intimação por meio eletrônico e inexistindo órgão de publicação dos atos oficiais, deverá o escrivão ou o chefe da secretaria intimar os advogados das partes: pessoalmente, se os advogados e as partes tiverem domicílio na sede do juízo982, ou por carta registrada com aviso de recebimento, caso forem domiciliados fora do juízo (arts. 272 e 273), sendo inviável a intimação com aviso de recebimento para o advogado com escritório na própria comarca983. Oportuno referir que os tribunais poderão criar Diários de Justiça eletrônicos nos termos do art. 4º da Lei n. 11.419/2006984. Algumas situações corriqueiras merecem ser enfocadas: (1) há vários advogados constando do instrumento de mandato, e, nesse caso, a intimação é válida desde que feita a qualquer deles985; (2) há substabelecimento com
reserva de iguais (o antigo advogado continua funcionando nos autos), sendo a intimação válida, ainda que feita na pessoa do advogado substabelecente, ou de qualquer um deles986. Por isso, é prática usual e prudente que se solicite que as intimações sejam feitas apenas nas pessoas dos advogados que efetivamente cuidem da causa. Neste caso, havendo solicitação expressa para que as intimações sejam feitas na pessoa de determinado advogado, a intimação deve ser tida por inválida se realizada na pessoa de outro profissional, ainda que constante do instrumento de mandato987. Da publicação deverão constar, obrigatoriamente, os nomes das partes e seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados (art. 272, § 2º), não havendo necessidade de constar o inteiro teor da decisão, mas apenas, de forma sintética, o seu conteúdo. Já a intimação do órgão do Ministério Público, em qualquer hipótese, deverá ser feita pessoalmente (art. 180), por carga, remessa ou meio eletrônico (§ 1º do art. 183). Essa regra de intimação pessoal do Ministério Público vale quer esteja o Ministério Público atuando como fiscal da lei, quer esteja atuando como parte988. O art. 274 cuida especificamente da forma de intimação das partes no curso do processo, pois que seu caput trata das intimações das partes e de seus representantes legais, advogados e demais sujeitos do processo, prescrevendo que eles devem ser intimados por correio. Evidentemente, as intimações das partes não podem ser feitas na forma dos arts. 272 e 273 (publicação no meio eletrônico e na imprensa oficial). Daí por que a lei dispõe, no art. 274, caput, que devem ser feitas pelo correio. De se anotar o disposto no art. 274, parágrafo único: “Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que
não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo (...)”989. O art. 274 reafirma o quanto prescrito pelo art. 273, II, no sentido de que, não dispondo a lei doutra forma (entenda-se: quando não realizada por meio eletrônico ou mediante intimação pela imprensa – arts. 272 e 273, caput – nem sendo caso de intimação pessoal – art. 273, I), deverá o advogado ser intimado pelo correio. Segundo o precitado art. 274, a intimação pode ser realizada, também, pelo escrivão ou chefe de secretaria, se presentes em cartório as partes, seus representantes legais, advogados ou demais sujeitos do processo, os quais deverão apor seu “ciente” (caso contrário, o escrivão deverá certificar as razões da recusa). Frustrada a intimação por meio eletrônico ou pelo correio, a intimação farse-á por meio de oficial de justiça (art. 275, caput), devendo a certidão de intimação conter a indicação do lugar e a descrição da pessoa intimada, mencionando, quando possível, o número do seu documento de identidade e a órgão expedidor (art. 275, § 1º, I); a declaração de entrega da contrafé (art. 275, § 1º, II); e a nota de ciente ou declaração de que o interessado não a apôs no mandado (art. 275, § 1º, III)990. Tenha-se presente, ademais, o art. 270 no sentido de que as intimações serão realizadas, sempre que possível, por meio eletrônico, da forma como disciplinadas na Lei n. 11.419/2006. Dispõe o art. 5º, caput, desse diploma legal que “as intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico”.
2.2 Efeitos e aperfeiçoamento das intimações As intimações determinam o dies a quo dos prazos processuais, sendo, pois, indispensáveis à marcha do processo, dando efetividade ao sistema de preclusões. Os prazos para as partes, o procurador da Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público começam a contar da citação, intimação ou notificação (art. 230). Doutra parte, prescreve o art. 224, caput, a regra geral de que, na contagem dos prazos processuais, exclui-se o dia do começo e computa-se o dia do vencimento. Considere-se, porém, que há formas de intimação (publicação oral em audiência – § 1º do art. 1.003; ou intimação feita pelo escrivão em cartório – parte final do art. 2374; ou, ainda, intimação por meio eletrônico ou pela imprensa – arts. 272 e 2373) que produzem instantaneamente toda sua eficácia jurídica (atos processuais simples), ao passo que no caso de outras formas de intimação, tal não se passa dessa forma991. Com efeito, o prazo começa a correr: (1) em caso de citação ou intimação pelo correio, da juntada aos autos do aviso de recebimento; (2) se feita – a intimação ou a citação – por oficial de justiça, da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido; (3) na data de ocorrência da citação ou da intimação, quando ela se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria; (4) no dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital; (5) no dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica; (6) na data de juntada do comunicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, na data de juntada da carta aos autos de origem devidamente cumprida, quando a citação ou a
intimação se realizar em cumprimento de carta; (7) na data de publicação, quando a intimação se der pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico; e (8) no dia da carga, quando a intimação se der por meio da retirada dos autos, em carga, do cartório ou da secretaria (art. 231, I a VIII). Já o prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão (art. 1.003, caput), considerando-se intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão (§ 1º do art. 1.003)992, desde que estejam os advogados presentes ou tenham sido previamente intimados. Daí por que, se houver antecipação ou adiamento da audiência, os advogados ou sociedade de advogados deverão ser intimados para ciência da nova designação (art. 363). Ainda que sem previsão legal expressa, as intimações podem ser realizadas por edital ou por hora certa. Aplicam-se, analogicamente, os requisitos dos arts. 254 e 256 a 258 (citação com hora certa e por edital, respectivamente), para a hipótese de intimação993. Em caso de intimação eletrônica, considera-se ela realizada quando tiver sido realizada a consulta eletrônica, o que deverá ser certificado nos autos (§ 1º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006), sendo que, na hipótese de a consulta se realizar em dia não útil, considerar-se-á como realizada no primeiro dia útil seguinte (§ 2º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006). Caso a consulta não seja realizada até 10 dias depois do envio da intimação, considerar-se-á como realizada na data do término desse prazo (§ 3º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006). 3. Cartas (precatória, rogatória e de ordem)
Os atos processuais – prescreve o art. 236 – serão cumpridos por ordem judicial. O § 1º do referido dispositivo, por sua vez, autoriza a expedição de “carta para a prática de atos fora dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias”. Quando a ordem for expedida pelo tribunal a juiz a ele vinculado, referente a ato a se realizar fora dos limites do local de sua sede, a carta será de ordem; quando ato de cooperação jurídica internacional, relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro, dir-se-á rogatória; nos casos em que o órgão jurisdicional brasileiro pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato relativo a pedido de cooperação judiciária formulado por órgão jurisdicional de competência territorial diversa, dir-se-á carta precatória (art. 237, incisos I a III). Portanto, a regra é a de que, entre juízes de mesma hierarquia, a comunicação se dá por intermédio de carta precatória, ao passo que, entre o tribunal e o juiz a ele subordinado, a comunicação se dá por meio de carta de ordem. Tenha-se presente, neste passo, o quanto dispõe o art. 7º da Lei n. 11.419/2006: “As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico”; previsão essa que se coaduna com o art.
263
do
CPC/2015,
segundo
a
qual:
“As
cartas
deverão,
preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico, caso em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei”. Por exemplo, se um juiz de São Paulo tiver de ouvir, para instrução de causa sob sua jurisdição, testemunha residente em Santos, deverá enviar carta
precatória àquela comarca, da qual deverá fazer constar os requisitos do art. 260, que serão abaixo examinados. A testemunha será ouvida perante o juízo deprecado, que, ao depois, devolverá a carta precatória ao juízo deprecante. Tenhamos, porém, em mente a regra do art. 230, segundo a qual nas comarcas contíguas e de fácil comunicação, bem como naquelas que se situarem na mesma região metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar intimações (citações, notificações, penhoras ou quaisquer outros atos) em qualquer delas. A citação para réu domiciliado em comarca diversa, porém, independe hoje de precatória. No sistema anterior (verificado na redação original do CPC/73), em que a regra era a citação por oficial de justiça, havia necessidade de expedição de carta precatória e o juiz deprecado determinava a citação por oficial. Hoje, diante da regra geral – citação pelo correio –, inserida pela Lei n. 8.719/93 no CPC/73 e absorvida pelo CPC/2015 (vide o caput art. 247, caput), basta seja expedida carta citatória diretamente do juízo (ainda que de comarca diversa daquela em que seja domiciliado o réu). Essas medidas pretendem conferir maior agilidade e efetividade ao processo, tornando a comunicação dos atos processuais mais simples. Nesse sentido, o art. 13, § 2º, da Lei n. 9.099/95 procurou facilitar ainda mais essa comunicação ao estabelecer que a prática dos atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio idôneo de comunicação. As
cartas
–
de ordem,
rogatórias
ou
precatórias
–
deverão,
obrigatoriamente, atender aos seguintes requisitos: (1) indicação dos juízes de origem e do cumprimento do ato; (2) inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento de mandato conferido ao advogado; (3) menção ao ato processual (por exemplo, citação) que lhe constitui o objeto; e (4)
assinatura do juiz, nos exatos termos do art. 260, I a IV. Outros documentos poderão acompanhar a carta, sempre que se façam necessários (§ 1º do art. 260). Se necessário o exame de documento, será remetido o original, ficando nos autos sua reprodução fotográfica (§ 2º do art. 260). Da carta deverá constar também o prazo em que deverá ser cumprida a diligência (art. 261). Tenha-se presente, neste diapasão, o disposto no art. 377 do CPC/2015: “A carta precatória, a carta rogatória e o auxílio direto suspenderão o julgamento da causa, no caso previsto na alínea b do inciso V do art. 313, quando, tendo sido requeridos antes da decisão de saneamento, a prova neles solicitada for imprescindível”. Nessa, conforme já se teve oportunidade de mencionar no Capítulo XVIII deste Curso, caso a carta tenha sido requerida após a decisão de saneamento, não ocorrerá a suspensão do processo. De outro lado, caso a carta tenha sido devolvida após o período de suspensão (que pode ser no máximo um ano, a teor do § 4º do art. 313) fixado pelo magistrado, o processo, em princípio, deve retomar o seu curso. A carta poderá, também, ser encaminhada a juízo diverso do que dela consta, a fim de se praticar o ato (art. 262 – caráter itinerante da carta). Vale dizer que, em respeito ao princípio da economia processual, permite o Código de Processo Civil de 2015 que a carta seja apresentada a juízo diverso do que dela consta, em caso, por exemplo, de erro de endereçamento. O próprio juiz deprecado pode, assim, reencaminhar a carta precatória se, por exemplo, a testemunha que deve ser ouvida não residir na comarca em que exerce jurisdição, mas noutra, e esse fato for certificado pelo oficial de justiça. Essas características referem-se ao caráter itinerante da carta. O art. 265 disciplina a forma de transmissão da carta de ordem ou da
precatória via telefônica. Caberá ao secretário do tribunal (no caso de carta de ordem), ao escrivão ou chefe de secretaria (se se tratar de precatória) telefonar ao escrivão do primeiro ofício da primeira vara (havendo mais de um ofício ou de uma vara), observando os mesmos requisitos do art. 264. Esse telefonema deverá ser retornado, no mesmo dia ou no primeiro dia útil subsequente, solicitando ao escrivão ou ao chefe de secretaria do juízo deprecante a confirmação do teor da carta (de ordem ou precatória – § 1º do art. 265). Havendo essa confirmação, será ela submetida a despacho (§ 2º do art. 265). Como já mencionado, as cartas (de ordem, precatória e rogatória) deverão, preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico (art. 263). Os atos requisitados por meio eletrônico e de telegrama, serão praticados de ofício, correndo, porém, às custas da parte interessada a importância correspondente às despesas do ato (art. 266), que deverá depositá-las na secretaria do tribunal ou no cartório do juízo deprecante. O juiz poderá recusar o cumprimento à carta precatória (ou arbitral) se: (1) a carta não estiver revestida dos requisitos legais; (2) carecer de competência, em razão da matéria ou hierarquia (vale dizer, se se tratar de incompetência absoluta); e (3) tiver dúvidas acerca de sua autenticidade (art. 267, I a III). Fora dessas hipóteses não é possível ao juiz deprecado recusar o seu cumprimento994. Ao juízo deprecado cumpre, apenas e tão somente, recusar o cumprimento nas hipóteses legais. Recursos contra atos praticados pelo juízo deprecado, se subordinado a tribunal distinto daquele a que está subordinado o juízo deprecante, deverão ser apreciados, em princípio, pelo tribunal ao qual o juízo deprecado se encontrar subordinado. Ademais, se o ato for praticado
por juiz estadual investido das prerrogativas próprias de juiz federal, o recurso deverá ser dirigido ao Tribunal Regional Federal e não ao tribunal estadual. Tal é o entendimento que deflui do art. 109, § 4º, da Constituição Federal, verbis: “Art. 109 (...). § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau”995. Cumprida a carta, será devolvida ao juízo de origem no prazo de 10 dias, independentemente de traslado, pagas as custas pela parte (art. 268). No que toca ao procedimento da carta rogatória, dar-se-á perante o Superior Tribunal de Justiça, mediante jurisdição contenciosa, sendo asseguradas às partes as garantias do devido processo legal (art. 36). Ainda, tratando-se de uma forma de cooperação jurídica internacional, a cata rogatória será regida por tratado de que o Brasil faz parte (art. 26 do CPC/2015). Na ausência de tratado, a cooperação internacional poderá realizar-se com base na reciprocidade, manifestada pela via diplomática (art. 26, § 1º). Cartas rogatórias estrangeiras, doutra parte, serão exequíveis no Brasil, conforme o disposto Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, a partir do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, passou a ter competência para a concessão de exequatur às cartas rogatórias estrangeiras, nos termos do art. 105, I, i, da Constituição. O assunto é disciplinado pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (após Emenda Regimental n. 18/2014), sinteticamente, da seguinte forma. Ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça compete conceder exequatur às cartas rogatórias estrangeiras (caput do art. 216-A). A carta rogatória, tão logo seja recebida, poderá ser contestada em 15 dias pela parte
interessada residente no País (art. 216-H), podendo ser impugnado o pedido também pelo Ministério Público (art. 216-L). A defesa, porém, poderá versar dois pontos, exclusivamente: (1) inteligência da decisão alienígena; (2) observância dos requisitos indicados nos arts. 216-C, 216-D e 216-F996. Superada essa etapa, o Presidente concederá o exequatur, encaminhando a carta rogatória ao Juízo Federal competente para lhe dar cumprimento, cabendo, da decisão que conceder o exequatur, recurso de agravo regimental (art. 216-M). No cumprimento da carta rogatória, poderão ser opostos embargos de quaisquer atos que lhe digam respeito, no prazo de 10 dias, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, que serão apreciados pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, cabendo, dessa decisão do Presidente, recurso de agravo regimental. Uma vez cumprida a carta rogatória, será devolvida em 10 dias ao Superior Tribunal de Justiça, a quem competirá remetê-la, via diplomática, ao tribunal ou juízo de origem.
XXII TUTELA PROVISÓRIA
1. Noções gerais Como regra, só se obtém o proveito prático almejado pelo autor da ação quando seu pedido é julgado procedente e a decisão que o julga transita em julgado. Há casos, porém, em que a espera pelo momento processualmente adequado para que se obtenha a vantagem prática pretendida pelo autor da ação acaba, em última análise, por violar o efetivo acesso à Justiça e a razoável duração do processo, pois, antes disso, o autor da ação vem, por exemplo, a sofrer dano. Noutros casos, não se mostra necessário trazer para momento presente os efeitos que só se produziriam, como regra, posteriormente, mas a existência de certo risco de que, futuramente, seja inútil a decisão de mérito, impõe que se garanta a futura exequibilidade da decisão que provavelmente será proferida. Essa percepção de que a alteração da realidade ou a garantia de que ela possa ser alterada futuramente (após o trânsito em julgado, como regra) não é nova. No CPC/39, os arts. 675 e seguintes já tratavam das chamadas
“medidas preventivas”. O Código Buzaid, no intuito de esgotar as hipóteses em que seria necessário o resguardo da efetividade da futura decisão de mérito, previa medidas cautelares típicas, isto é, expressamente enunciadas pelo texto legal. Além disso, o art. 798 previa o chamado “poder geral de cautela”, que autorizava o julgador a determinar qualquer medida que se fizesse necessária, caso não houvesse previsão de medida típica. A esse tempo, todavia, apenas as medidas de cunha cautelar é que eram previstas, ou seja, limitavam-se, ao menos formalmente, a resguardar a efetividade da futura decisão de mérito, sem trazer a momento anterior qualquer benefício prático ao autor da ação. A esse tempo, estimava-se que o sistema processual salvaguardaria todas as hipóteses em que fosse necessário acautelar o processo. Porém, a prática forense revelou que, em certos casos, não era suficiente que se garantisse a efetividade da futura decisão de mérito. Pelo contrário, fazia-se necessária a antecipação da própria satisfação empírica do autor da ação, a quem o tempo do processo causava dano. Nesse cenário, surgiu na prática forense a chamada “cautelar satisfativa”. Tratava-se, efetivamente, da utilização do poder geral de cautela para finalidade a que, a rigor, não se destinava. Com efeito, nas cautelares, propriamente ditas, nada se atribuía ao autor, senão a garantia de que, futuramente, seria efetiva a decisão de mérito a ser proferida, se favorável ao autor. Já nas “cautelares satisfativas”, atribuía-se ao requerente da medida algum benefício prático que, somente no futuro, serlhe-ia atribuível (quando do trânsito em julgado da decisão de mérito)997. Atento à impropriedade na utilização das ações cautelares para a atribuição de benefício prático ao requerente, foi editada a Lei n. 8.952/94,
que alterou o art. 273998, do CPC/73. Foi, então, introduzida no processo civil brasileiro a “antecipação de tutela”, que consistia (e ainda consiste) na possibilidade de serem antecipados os efeitos práticos da provável decisão de mérito, satisfazendo, desde logo, aquele que demonstrasse a probabilidade de sagrar-se vitorioso e o risco de dano a que estava submetido999. Conquanto correta a inserção da tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro, fato é que não se deu, efetivamente, tratamento uniforme a ela e à tutela cautelar. Tanto é assim que, em relação ao requisito da probabilidade do direito para a concessão das medidas, falava-se em “prova inequívoca da verossimilhança das alegações”, para a antecipação de tutela, e em “fumaça do bom direito”, para a cautelar, o que ensejava severas discussões doutrinárias e jurisprudenciais1000. O CPC/2015 aprofundou o regramento da matéria. Reconheceu-se, em primeiro lugar, que qualquer espécie de medida que objetive resguardar a efetividade do processo, seja no futuro, seja trazendo para o momento presente algum dos efeitos práticos da decisão de mérito, constitui “tutela provisória”. Ambas têm, pois, a mesma natureza jurídica. Aliás, é importante notar que ambas têm um ‘“quê” de cautelaridade”1001, já que antecipar os efeitos da futura decisão de mérito significa, em última análise, garantir que ela seja útil a seu tempo, isto é, seja capaz de satisfazer materialmente a parte vencedora. Ao lado disso, reconheceu-se que a antecipação de tutela e a tutela cautelar, quando fundadas na urgência da medida, integram, na verdade, a chamada “tutela de urgência”. Ademais, ampliou-se a possibilidade de antecipação de tutela com fundamento na evidência do direito, que, na vigência do CPC/73, só era
possível, embora pouco vislumbrável na prática, quando houvesse “abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. Com previsão mais específica e, pois, mais verificável na prática, tinha-se também como exemplo de tutela da evidência a liminar possessória, quando se tratasse de ação de força nova (art. 928 do CPC/73). Com efeito, houve a ampliação da antecipação de tutela sem fundamento no risco de dano, mas apenas na probabilidade do direito, a que se deu o nome de “tutela da evidência”. Portanto, com o advento do CPC/2015, passou-se a ter a “tutela provisória” como gênero, que tem como espécies a “tutela de urgência” e a “tutela da evidência” (cf. art. 294, caput). Aquela, por sua vez, subdivide-se em “tutela de urgência antecipada” e “tutela de urgência cautelar” (cf. art. 294, parágrafo único, primeira parte). As tutelas de urgência têm fundamento no acesso efetivo à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF), pois constitui ofensa a tal direito fundamental conceber meios apenas formais de acesso à Justiça, sem a garantia da efetividade da decisão de mérito que será proferida1002. Na mesma linha, reconheceu-se que a demora do processo, por si só, é ato ilícito, na medida que impõe àquele que tem razão o ônus do tempo, violando o art. 5º, LXXVIII, da CF, daí a razão de se ampliar o regramento dado à agora denominada “tutela da evidência”. O CPC/2015 previu, ademais, que as tutelas de urgência poderão ser incidentais ou antecedentes (art. 294, parágrafo único, parte final). Em relação à tutela cautelar, a sua forma antecedente substituiu a chamada “ação cautelar preparatória”, distanciando-se apenas em virtude de não mais se formar outra relação jurídica processual. Ou seja, pelo regramento vigente, o
autor deve formular o pedido de tutela cautelar em caráter antecedente e, no prazo assinalado pelo art. 308, caput, deverá formular o seu pedido de mérito. Já em relação à tutela de urgência antecipada, a sua forma antecedente constitui inovação do Código, conforme se abordará mais de espaço posteriormente. Assim como ocorre com a tutela cautelar antecedente, a formulação do pedido de mérito, quando requerida a tutela antecipada antecedente, dar-se-á no bojo da mesma relação processual. Em quaisquer dos casos, não haverá novo recolhimento de custas processuais (cf. art. 295). Nesse ponto, vale notar que a competência para a apreciação do pedido de tutela provisória caberá ao juízo da causa, caso se trate de pedido formulado em caráter incidental, ou ao juízo competente para conhecer do pedido principal, se se tratar de pedido antecedente, inclusive quando se tratar de causa de competência originária de tribunal (cf. art. 299). A natureza da tutela provisória é, como o próprio nome sugere, temporária, sobretudo porque se funda, de regra, em cognição sumária da lide, pois após a cognição exauriente já será proferida a própria decisão, que normalmente será de mérito. Ainda que seja plenamente possível a concessão de tutela provisória na sentença, quando a cognição sobre a lide é exauriente, é indubitável que, no mais das vezes, sua concessão se dá após mera cognição sumária, por parte do magistrado. Por isso, prevê o art. 296 do CPC que a “A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”. Significa isso dizer que a tutela provisória concedida em proveito da parte conservará seus efeitos durante todo o curso do processo, inclusive em
eventual caso de suspensão do processo, salvo decisão em sentido contrário (art. 296, parágrafo único), mas que poderá, a qualquer tempo, com base em elementos novos (após a contestação, se concedida a medida liminarmente, por exemplo), ser modificada ou revogada, justamente porque a cognição, quando de sua concessão, será, no mais das vezes, sumária. Ademais, concedida a tutela provisória, a sua efetivação se dará por qualquer meio idôneo, cabendo ao julgador determinar a forma de seu cumprimento (art. 297, caput), que observará o procedimento do cumprimento provisório de sentença (cf. arts. 297, parágrafo único, e 519 do CPC). O art. 298 do Código, afinado com o art. 93, IX, da CF, bem como com o art. 489, § 1º, do próprio CPC, exige que a decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória concedida seja fundamentada “de modo claro e preciso”. Trata-se, evidentemente, de disposição que esclarece a necessidade de que seja prestada às partes a devida explicação a respeito das razões de convencimento do magistrado, tanto favoráveis, quanto desfavoráveis ao requerente da medida. Com efeito, não se admite, v.g., a concessão de tutela antecipada com base na “presença dos requisitos autorizadores”. É preciso, mais do que isso, que se diga quais elementos conduziram o magistrado a concluir, sumariamente, que há probabilidade do direito e que a parte está sujeita a sofrer danos, caso a medida não seja concedida imediatamente (caso se trate de tutela de urgência). Dito isso, passemos à análise mais detida do regramento dado pelo CPC à tutela provisória.
2. Tutela de urgência Na forma do art. 300, caput, do CPC, as tutelas de urgência podem ter natureza satisfativa (antecipação de tutela) ou “meramente” conservativa (cautelar). Aquela importa na efetiva satisfação da parte; esta constitui instrumento para que o próprio processo seja, a seu tempo, útil, o que, na clássica lição de Calamandrei, constitui o “instrumento do instrumento”1003. A partir do advento do Código, ademais, não se fala mais em cautelares típicas, como havia no Código revogado. Pelo contrário, cabe ao julgador estabelecer qual é a medida que melhor se presta a garantir a efetividade do processo. Por isso, o rol de medidas previsto pelo art. 301, que alude ao “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem”, tem natureza meramente exemplificativa, até porque não cuidou o Código de definir tais medidas acautelatórias. Arresto, na vigência do CPC/73, consistia na medida cautelar destinada a resguardar o patrimônio do réu para futuro cumprimento de obrigação pecuniária. O sequestro, de seu turno, destinava-se a preservar o patrimônio do réu, pondo a salvo o próprio bem que seria objeto da prestação (obrigação de dar coisa diversa de dinheiro, por exemplo). O protesto, por sua vez, destinava-se a resguardar o direito do autor, com vistas a “prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal” (art. 867 do CPC/73). Tais medidas são, portanto, meros exemplos dados pelo legislador ordinário, relevando a parte final do art. 301 do CPC/2015, que expressamente alude à admissibilidade de qualquer outra medida idônea, a subsistência do poder geral de cautela.
Ao lado disso, é preciso notar que o art. 300, § 1º, do CPC admite que, para a concessão de tutela de urgência, seja exigida a prestação de contracautela. Objetiva-se, com isso, garantir que, se a decisão concessiva da tutela de urgência for reformada, revogada ou invalidada, seja possível indenizar o réu, prejudicado pelo implemento da decisão. Trata-se, efetivamente, de medida cautelar prestada em proveito do réu. Pode ocorrer, portanto, de ser concedida tutela de urgência antecipada ao autor (realização de cirurgia às custas do réu, por exemplo), mas, a fim de garantir a possibilidade de o réu ser indenizado, caso a medida seja revista, exija-se do autor a prestação de contracautela (prestação de caução, por exemplo). Dito isso, vejamos os requisitos para a concessão das tutelas de urgência. 2.1 Requisitos para a concessão Como se afirmou anteriormente, as tutelas de urgência antecipada e cautelar receberam regramento uniforme pelo CPC/2015. Foram, pois, equiparados os seus requisitos, distanciando-se apenas no que toca ao risco de dano, não em sua gradação (maior ou menor risco), mas no objeto que será atingido (a pessoa ou o processo). Antes de se tratar dos requisitos específicos para a concessão das tutelas de urgência, é preciso notar que o pressuposto básico à concessão da medida é a existência de pedido. A jurisdição, como já se afirmou nos capítulos iniciais deste trabalho, é inerte, razão pela qual só atua por provocação (art. 2º do CPC), agindo oficiosamente em específicas e pontuais circunstâncias. Ao lado disso, é o pedido formulado pela parte autora que delimita a atuação do
órgão jurisdicional (arts. 141 e 492 do CPC). Some-se a isso o fato de que o autor responde ao réu pelos danos que este vier a sofrer em razão da efetivação da tutela, caso a medida seja revista, motivo que nos parece reforçar a ideia de que o autor deve manifestar interesse na concessão da medida. Por isso, cremos que a tutela de urgência reclama pedido expresso da parte. Pois bem. Tratando-se dos requisitos específicos para a concessão das tutelas de urgência antecipada e cautelar, é de se ver que o art. 300 do CPC equipara-os, mas também revela o ponto em que ambos os institutos se distinguem. Exige-se, para a concessão de qualquer uma das medidas, que haja “probabilidade do direito”, isto é, que a parte requerente da medida demonstre, ainda que sumariamente, que tem maiores chances de se sagrar vitoriosa, ao final do processo. Não mais subsiste, pois, a distinção levantada por setores da doutrina ao tempo do Código anterior, segundo os quais a tutela antecipada decorreria de grau de probabilidade maior do que a fumaça do bom direito (fumus boni iuris). Ao tempo do CPC/73, já nos parecia despropositada a distinção, sobretudo pelo infortúnio de se identificar “níveis de certeza”1004. A par disso, fato é que o CPC/2015 não deixa mais margem a dúvidas: a probabilidade do direito é a mesma para a antecipação de tutela e para a tutela cautelar. Parece-nos, ademais, que está correta a posição defendida por Andrea Carla Barbosa, para quem há probabilidade do direito quando o julgador estiver “suficientemente convencido da existência de um direito a ser protegido judicialmente, seja através de uma medida de conservação ou satisfação”1005-1006.
O art. 300, caput, ademais, prevê que deve haver risco de dano, caso não seja concedida a medida pleiteada por seu requerente. É nesse ponto que reside a distinção entre a antecipação de tutela e a tutela cautelar. O risco, na antecipação de tutela, é à própria parte, isto é, ela própria é que sofrerá dano, se não lhe forem antecipados os efeitos práticos da provável (porque provável o direito) decisão de mérito. Já na tutela cautelar, o risco é ao próprio processo, diretamente, atingindo a parte apenas indiretamente. É dizer: a concessão de tutela de urgência depende de haver risco de dano a) à parte, o que reclama a concessão de tutela antecipada ou b) ao processo, o que reclama a concessão de tutela cautelar. Isso não significa dizer que o próprio processo não seja tingido, quando há risco direto à parte, e que esta não é atingida, quando há risco direto ao processo. O que ocorre, porém, é que o risco que enseja a antecipação de tutela e a tutela cautelar atingirá o processo e a parte, respectivamente, apenas indiretamente. Tomemos o seguinte exemplo: A move ação indenizatória contra B, decorrente de acidente de trânsito alegadamente causado pelo réu. A pede, além de indenização por dano material, correspondente ao valor do conserto de seu veículo, que o réu seja compelido a pagar, ele próprio, os medicamentos que vêm sendo ministrados no autor. Em relação ao pedido de fornecimento dos medicamentos (pagamento direto pelo réu), é possível vislumbrar urgência tal que imponha a antecipação dos efeitos da tutela, pois a sua não concessão importará em risco ao próprio autor, que poderá não ter recursos financeiros para comprar os medicamentos. Figure-se, então, que B, com vistas a se furtar à futura obrigação pecuniária que provavelmente lhe será imposta, passe a dissipar seu patrimônio. Em relação a isso, não se vislumbra risco de dano ao próprio
autor, mas é inquestionável o risco de que a futura decisão de mérito, que provavelmente julgará procedente o pedido indenizatório, seja inexequível, à vista da não localização de bens penhoráveis. Nesse caso, reclama-se a concessão de medida de natureza acautelatória, que objetivará apenas que, futuramente, a decisão possa ser efetivada, isto é, implementada na ordem prática. Nesse caso, será necessária a concessão de antecipação de tutela, a fim de que B forneça os medicamentos necessários a A, bem como a concessão de medida cautelar que, por exemplo, bloqueie bens de B em quantidade suficiente para, no futuro, responderem pela obrigação que provavelmente lhe será imposta (indenização por dano material). Outro exemplo se mostra oportuno: na vigência do CPC/73, em que, a rigor, apenas as medidas cautelares poderiam ser requeridas em caráter preparatório, multiplicavam-se as chamadas “cautelares de sustação de protesto”, que objetivavam a suspensão do apontamento constante nos cartórios de protesto para, posteriormente, obter-se a declaração de nulidade do título protestado. Se a pessoa que tinha um título protestado formulasse, desde logo, pedido declaratório de nulidade, v.g., da cártula, a procedência do pedido teria como consequência prática a extinção do protesto, já que diria respeito a título inválido. Por isso, se o autor da ação pretende que lhe seja atribuída, antes do momento oportuno – após o trânsito em julgado da decisão de mérito –, a consequência prática advinda da suspensão dos efeitos deletérios do título provavelmente nulo, dentre os quais se inclui o protesto feito, o que ele pede, na verdade, é que lhe sejam antecipados os efeitos da tutela final, já que a
sustação do protesto decorreria da procedência do pedido, caso não fosse requerida a antecipação dessa providência1007. Com efeito, tem-se que a sustação de protesto, conquanto venha sendo tratada como objeto de ação cautelar, constitui, a nosso juízo, hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, o que neste passo interessa porque o CPC/2015, como dito acima, admite a formulação de pedido antecipatório de tutela em caráter antecedente, gozando de procedimento próprio (art. 303) e, principalmente, consequência própria (art. 304). Importa notar, com efeito, que a distinção entre as tutelas de urgência antecipada e cautelar ainda tem razão de ser, pois ambas podem ter consequências diferentes, como se extrai dos arts. 303 e 305 do CPC, que tratam do requerimento dessas medidas em caráter antecedente, o que importará na tomada de diferentes procedimentos. 2.2 Fungibilidade Conforme se disse anteriormente, o CPC/2015 expressamente previu que a probabilidade do direito necessária à concessão da tutela de urgência antecipada é a mesma para a concessão da tutela de urgência cautelar, distinguindo-se as medidas apenas em relação àquilo que fica sujeito a risco (a pessoa ou o processo, enquanto instrumento). Por essa razão, a depender do risco a que está submetida a parte, adequada é a concessão de medida antecipatória de tutela ou medida cautelar. Há casos em que a identificação da natureza jurídica da medida efetiva é de fácil constatação, como na hipótese de o autor pleitear a imposição de obrigação de custear determinado procedimento cirúrgico, em seu proveito, à operadora de plano de saúde, caso em que certamente a medida efetiva será a
antecipação de tutela. Noutros casos, porém, a separação entre a antecipação de tutela e a cautelar será tênue. Basta pensar no exemplo da “cautelar” de sustação de protesto, tratado linhas acima: há quem sustente se tratar de medida cautelar e há quem sustente, como nós, tratar-se de antecipação de tutela. Em qualquer dos casos, isto é, haja ou não dúvida em relação à medida mais adequada, admite-se que o juiz, recebendo o pedido de concessão de uma modalidade de tutela de urgência, conceda a outra, caso entenda se tratar da medida mais adequada. Na vigência do CPC/73, previa o art. 273, § 7º, introduzido pela Lei n. 10.444/2002, que havia fungibilidade entre as medidas antecipatória e cautelar. Ainda que o dispositivo textualmente admitisse o recebimento do pedido antecipatório como cautelar, se disso se tratasse, é certo que a fungibilidade em questão se dava em “mão dupla”, isto é, da cautelar para a antecipação de tutela e da antecipação de tutela para a cautelar1008. O CPC vigente manteve também a fungibilidade entre as tutelas de urgência antecipada e cautelar, conforme se colhe do parágrafo único do art. 305. Ainda que o dispositivo preveja que o pedido de natureza cautelar poderá ser recebido como antecipatório de tutela (redação que é inversa ao art. 273, § 7º, do CPC/73), nada impede que a fungibilidade se dê no sentido inverso, ou seja, da antecipação de tutela para a tutela cautelar1009. Essa conclusão, note-se, deflui também do art. 297, do CPC, segundo o qual “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.” Por tais razões, se se entender que a tutela requerida pela parte, a despeito de ser nominada de tutela cautelar, constitui tutela antecipada, bem como o
inverso, será lícito ao julgador conceder a medida que lhe parecer mais adequada. Nesse particular, parece-nos oportuno destacar que, em respeito aos arts. 9º e 1, do CPC, deverá a parte requerente ser ouvida a respeito da aplicação da fungibilidade em questão, ainda que posteriormente à concessão da medida, já que a urgência poderá impor que se decida de imediato e, apenas no segundo momento, dê-se vista à parte autora para que se manifeste a respeito da natureza do pedido de tutela provisória de urgência que foi requerida. 2.3 Momento para a concessão O art. 300, § 2º, do CPC admite que a tutela de urgência possa ser concedida liminarmente (ou após justificação prévia). Conceder a medida “liminarmente” nada mais é que concedê-la no início do processo (in limine litis), razão pela qual não se deve considerar que a expressão “liminar” se liga apenas à tutela cautelar ou apenas à tutela antecipada. Não se mostra correto, pois, ligar a ideia de “liminar” a uma ou a outra espécie de tutela de provisória. Em verdade, a forma como é tratada a concessão liminar da medida, qualquer que seja ela (urgência antecipada, urgência cautelar ou evidência), liga-se mais com o seu deferimento antes da efetivação do direito ao contraditório, isto é, antes da apresentação de defesa pelo réu. No tocante à previsão normativa aqui analisada (art. 300, § 2º), coloca-se em discussão importante questão, que diz respeito ao possível choque entre princípios constitucionais. O art. 5º, inciso LV, da CF eleva o contraditório e a ampla defesa ao
patamar de direitos fundamentais. Por essa razão, não se admite, em princípio, que qualquer decisão prejudique a situação jurídica de alguém, sem que tenha sido oportunizada a sua prévia oitiva, o que veio a ser reconhecido expressamente pelo legislador ordinário, conforme se colhe do art. 9º, caput, do CPC, de seguinte redação: “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Porém, é indubitável que, em certos casos, a prévia oitiva da parte contrária, no âmbito das tutelas de urgência, acaba por retardar demasiadamente a análise da questão, ensejando, por consequência, a concretização do dano que antes era apenas perspectivo. Com efeito, efetivado o dano, não se poderá mais considerar que a prestação da tutela jurisdicional terá sido efetiva. Por essa razão, o parágrafo único, inciso I, do art. 9º do CPC ressalva a possibilidade de serem concedidas as tutelas provisórias de urgência sem a oitiva da parte demandada, tratando ainda da concessão de tutela da evidência, quando legalmente autorizada (art. 311, parágrafo único, por exemplo). Portanto, em certas hipóteses, é preciso postergar o contraditório, em benefício do acesso efetivo à Justiça, o que certamente não exclui a possibilidade de seu exercício posteriormente. O contraditório, portanto, é apenas adiado. Como regra, o contraditório deve ser exercido antes da concessão da tutela de urgência, mas, se o exercício desse direito importar em perecimento do direito ou, de modo geral, em dano à parte autora, é de se impor o adiamento do exercício do contraditório, em prol do exercício efetivo do direito de ação. Da mesma forma, se o exercício do contraditório restar inócuo, em razão
da concessão da tutela de urgência, deve-se também dar preferência, em tese, ao contraditório. Em certa medida, o art. 300, § 3º, do CPC destina-se a preservar o contraditório, pois exige que a medida de urgência concedida não seja inalterável, já que se isso fosse possível (ser absolutamente irreversível a medida), pouca utilidade haveria no exercício do contraditório, pois não seria possível o retorno ao status quo ante. É preciso observar, ademais, que a possibilidade de concessão da medida liminarmente, ou após justificação prévia, que consiste em audiência designada para que o autor produza provas do fato constitutivo de seu direito, não significa que só a esse momento processual está limitada a concessão da tutela de urgência. Como dito acima, de regra, a tutela de urgência será concedida após a oitiva do réu, a fim de garantir o pleno exercício do contraditório. Contudo, a depender da urgência do autor, decorrente do risco de sofrer danos, é possível a concessão da medida liminarmente. Assim, normalmente, a tutela de urgência é concedida no início do processo, antes ou após a apresentação de defesa. Isso, todavia, não exclui a possibilidade de concessão a qualquer tempo. É possível, por exemplo, que a tutela seja concedida já no momento da prolação da sentença, caso em que a cognição exercida sobre a lide será exauriente. Nessa hipótese, ter-se-á tutela de urgência fundada em cognição profunda do mérito, que terá como objetivo a subtração do efeito suspensivo da apelação, único recurso que, no atual CPC, tem referido efeito ope legis (cf. art. 1.012, caput, do CPC). Mais do que isso, é possível que o próprio relator, ao julgar a apelação, por exemplo, conceda tutela de urgência à parte (art. 932, II, do CPC).
Portanto, a concessão da tutela de urgência poderá ocorrer a qualquer tempo. Tratando-se da concessão ainda em primeiro grau de jurisdição, até o momento em que for possível a prolação da sentença, a cognição do juiz será sumária, sendo cabível o recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, I). Se a concessão se der na sentença, estará calcada em cognição exauriente, caso em que será cabível recurso de apelação (arts. 1.009, § 3º, e 1.013, § 5º, do CPC). 2.4 Reversibilidade da medida Como se afirmou acima, o Código vigente, em seu art. 300, § 3º, exige que a tutela de urgência seja reversível, para que possa ser concedida, o que objetiva garantir o exercício efetivo do contraditório, pela parte contrária, isto é, para que a sua manifestação seja capaz de convencer o julgador de que é necessário o retorno ao status quo ante1010. Para a concessão da tutela de urgência, é preciso que o direito alegado pelo autor se mostre provável. Porém, essa análise é feita, no mais das vezes, após cognição superficial da lide. De regra, somente na fase decisória, quando será proferida a decisão de mérito, é que o magistrado reunirá condições bastantes para dizer, com certeza, quem tem direito (a seu juízo). Por isso, exige o Código que a medida concedida possa ser materialmente reversível, isto é, que seja possível restabelecer o estado anterior de fato. Aliás, mesmo quando a medida é concedida na sentença, hipótese em que o magistrado exerce cognição exauriente sobre a lide, mantém-se a necessidade de reversibilidade da medida, já que cabível recurso, cujo julgamento favorável à parte recorrente deve ser capaz de gerar situação faticamente favorável ao vencedor.
Não se trata, evidentemente, de reversibilidade formal, pois, na forma do art. 296, do CPC, bastaria que o juiz revogasse ou modificasse a medida. Exige-se, pois, que a alteração havida no mundo empírico possa ser revista, recriando-se aquilo que existia anteriormente1011-1012. Portanto, em certos casos, a garantia de que a medida seja reversível obsta, em tese, a concessão da tutela de urgência. Há casos, porém, que tal é o risco de dano a que está sujeito o autor da ação que a não concessão da medida, ainda que não seja materialmente reversível, caracterizará ofensa ao acesso efetivo à Justiça. Basta pensar que a cirurgia realizada em determinado paciente, por força de decisão judicial antecipatória de tutela, não pode ser faticamente revertida, isto é, não é possível, ao menos em tese, desfazer aquilo que foi feito no paciente. Contudo, admitir que a irreversibilidade da medida, nesse caso, constitui óbice à sua concessão, pode ensejar, por exemplo, o agravamento do estado de saúde do autor, também paciente, ou mesmo o seu falecimento, de modo que, ao final do processo, quando proferida a provável sentença de procedência, determinando que se faça a cirurgia, tal providência poderá ser inútil. Nesses casos, pois, mostra-se necessária a ponderação entre o direito ao pleno exercício do contraditório e o direito ao acesso efetivo à Justiça. Assim, quando prevalecer o acesso à Justiça, temos presente que a revogação, reforma, anulação ou modificação da decisão que tenha concedido a tutela de urgência ensejará, no máximo, a conversão da obrigação específica (restabelecimento do status quo ante) em obrigação genérica (perdas e danos)1013.
Portanto, muito embora a regra geral seja a de que a tutela provisória não pode ensejar situação faticamente irreversível, há casos em que essa vedação acaba por tornar inútil a prestação da tutela jurisdicional, à vista da consumação do dano. Nesses casos, parece-nos não haver óbice à concessão da tutela de urgência, de modo que eventual revogação ou modificação da tutela imporá à parte dela beneficiária, quando muito, o pagamento de indenização à parte prejudicada1014. 2.5 Responsabilidade objetiva pela efetivação da medida Diz o art. 302 do CPC que a parte beneficiada pela tutela de urgência deve indenizar a parte contrária se a decisão lhe for desfavorável (inciso I), se não fornecer, ao juízo, meios para a efetivação da citação no prazo de 5 dias, contados da concessão da tutela, quando se tratar de tutela requerida em caráter antecedente (inciso II), se cessar a eficácia da medida, como na hipótese do art. 309, do CPC (inciso III) ou se for reconhecida a decadência ou prescrição do direito do autor (inciso IV), o que, rigorosamente, já estaria abarcado pelo inciso I do art. 302. Em linhas gerais, o autor será responsável sempre que não subsistir a tutela de urgência concedida, seja porque foi invalidada, reformada, modificada ou cassada, por exemplo. Trata-se de responsabilidade objetiva, isto é, que independe de demonstração de culpa, pois a efetivação da tutela provisória se dá de acordo com as regras do cumprimento provisório de sentença (arts. 297, parágrafo único, e 519 do CPC), em que vigora a responsabilidade objetiva do exequente, na forma do art. 520, I e II, do CPC. Cabe ao autor, portanto, ressarcir o réu de todos os prejuízos suportados
em razão da efetivação da tutela de urgência1015. 3. Procedimentos antecedentes O CPC vigente alterou sensivelmente o tratamento da agora chamada “tutela provisória”. Sensível alteração se deu em relação à formulação do pedido de tutela de urgência antes de haver pedido de mérito. Trata-se dos procedimentos antecedentes, que admitem que se peça apenas a tutela de urgência – antecipada ou cautelar – e que, posteriormente, seja formulado o pedido de mérito. Vejamos, nesta seção, no que consistem tais procedimentos antecedentes. 3.1 Tutela antecipada requerida em caráter antecedente Os arts. 303 e 304 do CPC tratam da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Ao lado de constituir inovação legislativa decorrente do fato de que o CPC/73 não previa o cabimento de tutela antecipada requerida antes do pedido de mérito, o que gerava a recorrência de “falsas” cautelares, ditas “satisfativas”, o procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente também se mostra inovador porque cuidou de positivar a chamada “estabilização da tutela antecipada”. Tratemos, pois, do regramento dado ao tema pelo CPC. 3.1.1 Procedimento Na forma do art. 303, caput, quando o autor tiver urgência contemporânea à propositura da ação, ser-lhe-á lícito requerer apenas a concessão de tutela de urgência antecipada.
Nesse caso, os requisitos da petição inicial serão: a) exposição dos fatos, b) demonstração da probabilidade do direito que se busca assegurar, c) demonstração do risco de dano a que está submetido o autor, d) formulação do pedido de antecipação de tutela, e) indicação de qual será o pedido de mérito que será posteriormente formulado, f) a indicação de que o autor está se valendo do procedimento antecedente, inclusive em relação à possível estabilização da tutela (art. 303, § 5º) e g) o valor da causa, que corresponderá ao proveito econômico advindo do próprio pedido final (art. 303, § 4º). Dentre tais requisitos, merece especial atenção a indicação de que se está adotando o procedimento antecedente. Diz o § 5º do art. 303 que “o autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo”. Em princípio, poder-se-ia concluir que o dispositivo se destina apenas a permitir que o autor da ação indique ao juízo que a petição inicial distribuída não demanda emenda, na forma do art. 321 do CPC, pois não se trata de petição submetida ao art. 319. Porém, parece-nos que o dispositivo diz mais do que isso. Parece-nos, em verdade, que a indicação da adoção do dispositivo colima não só indicar o procedimento que será seguido, mas, também, quais serão as técnicas processuais utilizadas. De regra, as técnicas processuais estranhas ao procedimento comum integram os “procedimentos especiais”. É, justamente, o caso do procedimento antecedente, que contém regramentos especiais, destinados a salvaguardar situações de extrema urgência, e que se converte em procedimento comum (ou outro procedimento especial) após a concessão da tutela antecipada.
O procedimento do art. 303, a que faz referência o seu § 5º, é composto não só por ele, mas também pelo art. 304, cujo caput expressamente faz referência ao artigo precedente, “aderindo-se” a ele. Ou seja, o procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente é formado pela viabilidade da petição inicial mais simples, somada à possibilidade de estabilização. Por isso, não nos parece haver qualquer impropriedade em se admitir que o autor da ação, mesmo se utilizando do art. 303, não se contente apenas com a estabilização da tutela, buscando, mais do que isso, a formação de coisa julgada material. Essa, aliás, é uma questão de isonomia, pois, do contrário, admitir-se-ia que dois jurisdicionados submetidos a uma mesma situação de risco seriam obrigados a se submeter a procedimentos distintos, com rigores formais distintos, pelo só fato de que um almeja a formação de coisa julgada material e o outro se contenta com a estabilização. Portanto, a interpretação aqui proposta deflui, ao que nos parece, da leitura constitucional do dispositivo, afinado, portanto, com o princípio da isonomia1016. Pois bem. Sendo concedida a medida, o autor deverá aditar a petição inicial, oportunidade em que deverá complementar a petição inicial, amoldando-a ao procedimento comum (ou a eventual procedimento especial a que se possa submeter a causa). Por isso, diz o art. 303, § 1º, I, que o aditamento deverá trazer aos autos a complementação da fundamentação, eventuais novos documentos (outras provas devem ser produzidas na fase instrutória) e a confirmação do pedido de tutela final. O aditamento tem o prazo de, no mínimo, 15 dias. Significa isso dizer que
o juiz poderá conceder prazo maior ao autor, o que, na prática, mostra-se bastante útil, a fim de que o prazo de aditamento tenha termo final após o dies ad quem para interposição do recurso a que se refere a parte final do art. 304, caput, de que se tratará em seguida. Após a concessão da tutela antecipada, deverá o réu ser citado e intimado da decisão, bem como para comparecer à audiência de conciliação ou mediação (art. 303, § 1º, II). Prevê o art. 303, § 1º, III, que se não houver autocomposição, contar-se-á o prazo de defesa na forma do art. 335, isto é, terá início o prazo a partir da realização da audiência de conciliação ou mediação. Esse dispositivo merece especial atenção, pois nem sempre se poderá seguir tal procedimento. Isso porque só será possível falar em inicio do prazo de contestação se o aditamento à petição inicial tiver vindo aos autos antes da realização da audiência. Como se observa do procedimento antecedente em questão, não há espaço para a apresentação de contestação, pois, uma vez concedida a tutela, haverá a sua estabilização (art. 304), a migração para o procedimento comum (ou especial) ou a extinção do processo sem julgamento de mérito, caso não seja aditado o pedido (art. 303, § 2º). Realizado o aditamento, não serão devidas novas custas processuais, o que decorre do fato de que não haverá a formação de nova relação processual, mas apenas o aditamento da petição inicial, complementando-a com aquilo que não foi possível apresentar oportunamente, dada a urgência. Trata-se, portanto, da mesma relação jurídica processual. Interessante questão diz respeito à imprescindibilidade do aditamento, no procedimento antecedente, quando a petição inicial já contiver, desde o
início, todos os elementos necessários ao julgamento de mérito. Figure-se a hipótese em que o autor da ação, mesmo tendo urgência contemporânea à sua propositura, teve condições de elaborar (por seu advogado) a petição inicial completa, tal como determina o art. 319 do CPC. Imagine-se,
ademais,
que referido
autor contentar-se-ia com a
estabilização da tutela, sem necessidade, pois, de decisão de mérito. Não nos parece haver qualquer óbice a que lhe seja deferida a utilização do procedimento antecedente, justamente porque se era possível a formulação de petição mais “simples”, também lhe será possível fazê-la de maneira “completa”. Nesse caso, para que se possa utilizar do procedimento em questão, bastará que o autor observe os requisitos da petição inicial previstos no art. 319 do CPC, e que, além disso, formule o pedido de antecipação de tutela e, principalmente, indique expressamente estar se utilizando do procedimento em questão (art. 303, § 5º). Com efeito, após o deferimento da tutela antecipada, se o caso, não haverá que se falar em abertura de prazo para o autor, mas apenas para o réu, para que, querendo, interponha recurso, sob pena de se tornar estável a decisão (art. 304). É possível, de outro lado, que a tutela antecipada não seja deferida, caso em que o Código prevê que seja emendada a petição inicial, no prazo de 5 dias, sob pena de extinção (art. 303, § 6º). Referido dispositivo, conquanto se refira à emenda, comumente utilizada para corrigir vícios da petição inicial, servirá também para que o autor traga outros elementos de convicção ao julgador, já que o § 6º do art. 303 expressamente trata da ausência de elementos capazes de convencer o
magistrado. Portanto, sendo indeferida a concessão da tutela, o autor terá o prazo de 5 dias para trazer novos elementos aos autos. Cumprido o prazo, será proferida nova decisão, concedendo-se ou não a tutela. Sendo concedida, prosseguirse-á com o procedimento, tal como tratado acima. Não sendo concedida a tutela, deverá ser aditada a petição inicial, seguindo-se, então, o procedimento comum (ou especial), não havendo, pois, que se falar em estabilização da tutela. De outro lado, não sendo cumprido o prazo, será indeferida a petição inicial, com a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito. Conforme já se falou acima, sendo concedida a medida e não havendo recurso da parte contrária, haverá a estabilização da tutela concedida. Cabenos, então, analisar no que consiste a referida estabilização. 3.1.2 Estabilização da tutela 3.1.2.1 Aspectos gerais O art. 304, caput, do CPC prevê que, se for concedida a tutela de urgência antecipada e não houver interposição de recurso, haverá a extinção do processo (§ 1º), com a estabilização da tutela concedida. Ou seja, a decisão interlocutória que houver concedido a tutela continuará a produzir efeitos, mesmo após a extinção do processo, o que, como regra, só ocorre com as decisões de mérito, que produzem efeitos pamprocessuais. A estabilização da tutela é instituto que encontra inspiração no direito estrangeiro. O direito francês possibilita que a parte obtenha decisão concessiva de tutela provisória, sem discussão do mérito1017.
Na Itália, é possível a obtenção de provimento de urgência, sem a necessidade de posterior formulação de pedido de mérito1018. Também o direito português contém instituto próximo à estabilização, nominado de “inversão do contencioso”1019. No Brasil, a ideia do instituto frutificou por meio de Ada Pellegrini Grinover, José Roberto dos Santos Bedaque, Kazuo Watanabe e Luiz Guilherme Marinoni, que integraram comissão do Instituto Brasileiro de Direito Processual, constituída com o escopo de elaborar anteprojeto de lei que alterasse o art. 273 do CPC/73. A ideia, originariamente, era da Professora Ada Pellegrini Grinover, que em 1997 havia sugerido a alteração do referido art. 273 ao IBDP. No trabalho desenvolvido pelos juristas, reunidos em 2003, propunha-se a autonomização da tutela, permitindo a produção de seus efeitos enquanto não fosse proposta ação de conhecimento, cujo prazo para propositura era de 60 dias. Não proposta a ação, a decisão antecipatória de tutela seria acobertada pela autoridade da coisa julgada. Conquanto tenha o legislador acatado a sugestão doutrinária tocante à criação da “estabilização de tutela”, fato é que o CPC vigente, tal como aprovado, não observou integralmente a proposição dos juristas, pois, diferentemente de sua proposta, a estabilização da tutela prevista no art. 304 não permite a formação de coisa julgada material, conforme faz lei expressa o § 6º do art. 304. Ademais, o prazo para que seja revista a decisão é de 2 anos, e não de 60 dias, como previa a proposta de anteprojeto de lei. Portanto, a estabilização torna autônoma a antecipação de tutela concedida em procedimento antecedente, tornando desnecessária a prolação de decisão de mérito. Com isso, objetivou, o legislador, resolver o problema prático dos
litigantes, sem submetê-los ao tempo necessário à tramitação do processo. Colima-se, portanto, dar eficácia pamprocessual à decisão antecipatória de tutela, que, como regra, necessitaria de confirmação e, pois, absorção, pela decisão de mérito. Bem por isso, não nos parece possível cogitar da estabilização da tutela cautelar, não só porque o art. 304 está inserido no regramento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas também porque não haveria benefício prático em ser concedida tutela acautelatória sem posterior prolação de decisão de mérito. O que se torna estável, com a estabilização, não é o comando decisório constante da decisão interlocutória, o que se aproximaria da coisa julgada, mas sim os efeitos práticos decorrentes dessa decisão. Ou seja, enquanto que a coisa julgada é a imutabilidade que recobre o comando decisório do pronunciamento judicial (decisão interlocutória de mérito ou sentença definitiva), a estabilização permite que a decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela jurisdicional produza efeitos fora do processo, protegendo apenas esses efeitos. Significa isso dizer que a decisão estabilizada não precisará ser observada em caso futuro, tampouco ficará impedida de ser reapreciada, efeitos que são próprios da coisa julgada (efeitos positivo e negativo da coisa julgada). Apenas e tão somente os efeitos práticos decorrentes da decisão interlocutória é que restarão estabilizados. O comando decisório, em si, não restará imutabilizado. Porém, é preciso notar que alguma aproximação entre a estabilização e a coisa julgada se dá após o decurso do prazo de 2 anos para propositura da ação que objetiva confirmar, rever, modificar ou invalidar a tutela concedida,
de que se tratará em seguida. A partir desse momento, as partes não podem mais alterar os efeitos que decorreram da antecipação de tutela, pois ter-se-ão consolidado, dada a decadência do direito de revê-los. Nesse momento, pois, haverá, de fato, algo como a eficácia negativa da coisa julgada, já que não mais será possível discutir os efeitos (em relação à coisa julgada, a impossibilidade é de que se rediscuta o comando decisório). Tal ponto, porém, não é capaz de igualar a estabilização à coisa julgada1020. Interessa-nos analisar também os pressupostos para que haja a estabilização da tutela, que são vistos sob a perspectiva do autor e do réu. Da perspectiva do autor, exige-se que a) tenha sido adotado o procedimento antecedente, b) tenha o autor optado também pela estabilização, c) tenha sido concedida a liminar e d) tenha havido o aditamento da petição inicial, caso tal prazo tenha fim antes do prazo recursal do réu. Em relação a esse último requisito – aditamento à inicial – é preciso notar que nem sempre ele se fará necessário. Conforme dissemos acima, o prazo para aditamento será de, no mínimo, 15 dias. Imaginando-se que o magistrado conceda o prazo mínimo ao autor, muito provavelmente o aditamento deverá ir aos autos antes do fim do prazo recursal do réu, já que ele, diferentemente do autor, não terá procurador constituído nos autos, ao menos a princípio. A consequência de não ser aditada a petição inicial é a extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 303, § 1º), razão pela qual, nesse caso, caberá ao autor aditar a petição inicial, a fim de ilidir a extinção do processo sem julgamento de mérito, com a consequente cassação da
antecipação de tutela. Isso, ao que nos parece, decorre da necessidade de que o processo esteja em ato quando do vencimento do prazo recursal do réu, que definirá se haverá o prosseguimento do processo ou a sua extinção, na forma do art. 304, § 1º, do CPC. Exige-se o aditamento, pois, para que se mantenha o “processo vivo”1021. De outro lado, se o prazo recursal do réu findar antes do prazo para aditamento, o que ocorrerá, no mais das vezes, quando for concedido, ao autor, prazo superior ao mínimo (30 dias, por exemplo), não nos parece haver lógica em exigir que o autor adite a petição inicial, mesmo depois de não ser interposto recurso pelo réu, sendo necessário apenas quando o réu interpuser recurso, a fim de dar prosseguimento ao processo. Nesses termos, se o prazo de aditamento vencer antes do prazo recursal, deverá incidir o art. 303, § 1º, do CPC, ou seja, deverá haver a extinção do processo sem julgamento de mérito, com a consequente cessação dos efeitos da antecipação de tutela, caso em que o réu não terá o ônus de interpor recurso contra a decisão. De outro lado, se o prazo recursal chegar ao fim em primeiro lugar (antes do prazo de aditamento), haverá a extinção do processo com estabilização da tutela, na forma do art. 304, constituindo ato desnecessário o aditamento à inicial, justamente porque não haverá o prosseguimento do processo. Em síntese, pode-se dizer que haverá ou não estabilização a depender da norma que houver incidido primeiro, isto é, o § 2º do art. 303 ou o § 1º do art. 3041022. Na perspectiva do réu, o pressuposto à estabilização é que ele não interponha o “respectivo recurso” (cf. art. 304, caput), o que tem ensejado
acirrada discussão doutrinária. Há autores que emprestam, ao dispositivo, interpretação ampliativa, aceitando qualquer espécie de discordância do réu quanto à estabilização1023. A despeito da respeitável posição defendida por diversos autores de escol, é preciso recordar que, durante o processo legislativo que culminou no CPC, houve mudança significativa em relação ao tema. O PLS 166/2010 previa que o réu poderia impedir a estabilização por meio de qualquer impugnação. “Impugnação”, nesse caso, não era expressão utilizada em sentido técnico, abarcando qualquer espécie de irresignação do réu. Contudo, quando da tramitação do projeto pela Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010), o texto foi modificado, substituindo-se a “impugnação” por “respectivo recurso”. Por isso, verifica-se que o legislador expressamente limitou o espectro de instrumentos a serem utilizados pelo réu para impedir a estabilização da tutela, o que parece decorrer do intuito de fazer da estabilização, instrumento para resolução prática dos litígios, sem a necessidade de cognição exauriente. Por essa razão é que nos parece ser necessária a interposição de recurso para obstar a estabilização da tutela antecipada concedida em proveito do réu1024. Referido recurso, aliás, consistirá, de regra, no agravo de instrumento. Tratando-se de causa de competência originária de tribunal, cabível será o agravo interno, na forma do art. 1.021, tendo em vista que é competência do relator apreciar o pedido de tutela provisória, na forma do art. 932, II, do CPC. Preenchidos os requisitos acima referidos, tocantes ao autor e ao réu, ocorrerá a extinção do processo, projetando-se para fora do processo os efeitos da decisão antecipatória de tutela.
A extinção do processo, aliás, dar-se-á pela prolação de sentença, que é o ato capaz de extinguir a relação jurídica processual (art. 203, § 1º, do CPC). Com efeito, no procedimento antecedente, caso haja estabilização, terá ao menos duas decisões: a decisão interlocutória, que concederá a tutela antecipada, e a sentença, que reconhecerá o preenchimento dos requisitos para a estabilização e extinguirá o processo. A partir desse momento, a alteração daquilo que for decido só poderá ocorrer se, no prazo de 2 anos, for proposta ação de conhecimento que objetive confirmar, rever, reformar ou invalidar a tutela concedida, conforme se tratará no tópico seguinte. 3.1.2.2 Rediscussão da decisão estabilizada, por meio de ação de conhecimento Com a estabilização da tutela, projetam-se para fora do processo os efeitos da decisão antecipatória de tutela. Tais efeitos, pois, ficam resguardados pela incidência do art. 304 do CPC, podendo ser revista apenas por meio de ação de conhecimento, conforme preveem os §§ 2º a 5º do mencionado artigo. Desse modo, uma vez estabilizada a tutela e extinto o processo, a parte que pretender rever, reformar, invalidar, ou mesmo confirmar a medida satisfativa concedida, poderá demandar a outra, formulando a pretensão que seria deduzida inicialmente, se se optasse pelo procedimento comum, ou pretensão inversa, caso o autor da ação tenha sido réu no procedimento antecedente. Pela dicção do § 3º do art. 304, somente a decisão de mérito poderá atingir a decisão cujos efeitos se tornaram estáveis. Isso, porém, não impede que seja concedida tutela de urgência na própria ação de conhecimento, que tenha por
objeto a temporária cessação da eficácia da decisão estabilizada, pois nem mesmo a coisa julgada fica imune à tutela provisória, quando proposta ação rescisória (art. 969 do CPC), razão pela qual a estabilização, que não tem a força de coisa julgada, também não poderia ser inatingível em absoluto. Portanto, como regra, manter-se-á eficaz a decisão estável, que somente será atingida pela decisão de mérito. Porém, estando presentes os requisitos para a concessão de tutela provisória, nada impede que ditos efeitos sejam cessados. O que não se poderá pretender, pois, é cassar os efeitos da decisão estável por meio de outra decisão interlocutória a se tornar estável, também na forma do art. 304, mas em sentido contrário à primeira. É dizer: é possível antecipar os efeitos da tutela final, que atingirá os efeitos estáveis da decisão anterior, mas a essa segunda decisão não será possível aplicar o art. 304 do CPC, já que o Código exige decisão de mérito. Além disso, a ação de conhecimento em questão tem prazo decadencial para ser proposta: 2 anos contados da extinção do processo (art. 304, § 5º). Trata-se de prazo decadencial para propositura da mencionada ação, razão pela qual, atingido o seu termo, não mais será possível rediscutir os efeitos que se tenham tornado estáveis1025. Interessa-nos analisar a consequência de ser proposta a ação após o prazo de 2 anos, mas antes de haver a prescrição ou decadência relacionadas à pretensão de direito material. De início, é preciso notar que não há qualquer óbice a que isso ocorra. A estabilização, como se afirmou, atinge apenas os efeitos da decisão antecipatória de tutela, não tendo qualquer relação ao comando decisório, em si, o que seria próprio da coisa julgada. Por isso, decorrido o prazo de 2 anos, mantém-se hígido o direito das
partes de obter decisão de mérito tocante à relação jurídica de direito material, já que nada terá sido decidido com força de coisa julgada. 3.2 Tutela cautelar requerida em caráter antecedente 3.2.1 Procedimento O procedimento do pedido de tutela cautelar requerida em caráter antecedente é bastante semelhante à medida cautelar preparatória, presente no CPC/73. Porém, como já se deu notícia, não há mais a formação de nova relação processual, quando da formulação do pedido de mérito. Pois bem. Na forma do art. 305 do CPC, o procedimento em questão se inicia com pedido do autor, cuja petição inicial deverá indicar a) os fatos e fundamentos (causa de pedir), b) a exposição sumária do direito, c) o direito que se busca tutelar, d) o risco de dano, caso não seja concedida a medida, e) o pedido de tutela cautelar e f) o valor da causa (art. 291 do CPC). Diferentemente do procedimento antecedente relativo à antecipação de tutela, no procedimento do art. 305 o réu é citado e intimado para apresentar defesa, no prazo de 5 dias, oportunidade em que deverá também indicar as provas
que
pretende
produzir
(art.
306).
Isso,
aliás,
ocorrerá
independentemente de ter sido ou não concedida a tutela cautelar liminarmente. Por certo, tal defesa se limitará aos requisitos para a concessão da cautelar, pois não terá sido formulado ainda o pedido de tutela final. Há, ao que nos parece, apenas duas matérias tocantes ao mérito que podem efetivamente ser alegadas, sem limitação de sua vinculação à probabilidade do direito, que são a decadência e a prescrição, pois o art. 310, parte final, impede que seja formulado o pedido de tutela final, se o indeferimento do pedido cautelar
decorrer do reconhecimento da decadência ou prescrição. Com efeito, a defesa do réu que alegar questões de direito, como regra, só afetará a apreciação do pedido cautelar, não importando em pré-julgamento de mérito. Excepcionalmente, quando a defesa consistir na alegação de decadência ou prescrição do direito alegado pelo autor, haverá, efetivamente, decisão de mérito, o que impedirá a formulação do pedido principal. De outro lado, caso não tenha sido apresentada a defesa, os fatos alegados pelo autor serão considerados verdadeiros (presunção relativa), cabendo ao magistrado decidir, em 5 dias, o pedido de tutela cautelar, na forma do art. 307, caput. Diz o parágrafo único do art. 307 que, havendo contestação, seguir-se-á o procedimento comum. É preciso notar, apenas, que antes disso deverá ser aditado o pedido, com a formulação do pedido de mérito (art. 308). Também de maneira distinta do procedimento previsto no art. 303, na cautelar antecedente, o pedido principal deverá ser deduzido no prazo de 30 dias da efetivação da medida (art. 308, caput), e não em 15 dias (prazo mínimo), conforme prevê o art. 303, § 1º, I. No aditamento, caberá ao autor formular seu pedido de tutela final, podendo aditar a causa de pedir, ou seja, trazer novos fatos ou fundamentos jurídicos. Diz a parte final do art. 308, caput, que o aditamento não dependerá do recolhimento de novas custas. A previsão é plenamente aplicável – e até mesmo lógica, já que não haverá a formação de outro processo –, mas fica limitada às hipóteses em que o valor da causa tenha levado em conta o pedido de tutela final, caso as custas processuais variem de acordo com tal valor, como é o caso do Estado de São Paulo (cf. art. 4º da Lei Estadual n.
11.608/2003). Aditado o pedido, será designada audiência de conciliação e mediação, se o caso, fluindo de sua realização o prazo para apresentação de defesa, na forma do art. 335 (cf. art. 308, §§ 3º e 4º). Em verdade, com o aditamento, passa-se a adotar integralmente o procedimento comum (ou especial, se o caso). Na mesma linha, diz o art. 308, § 1º, que o pedido de tutela final poderá ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela final. Parece-nos, em verdade, que nessa hipótese não haverá, propriamente, pedido de tutela cautelar em caráter antecedente, mas em verdadeiro pedido incidental, devendo-se seguir o procedimento comum ou eventual procedimento especial aplicável ao caso. Por fim, sendo indeferido o pedido acautelatório, ainda assim poderá o autor formular seu pedido final, salvo se o fundamento do indeferimento for o reconhecimento da decadência ou da prescrição (art. 310 do CPC). 3.2.2 Eficácia da decisão Uma vez concedida a tutela, cabe ao autor, beneficiário da medida, empreender os necessários esforços para efetivar a medida, momento a partir do qual passará a fluir o prazo de 30 dias para a formulação do pedido de mérito. Concedida a medida e efetivada a tutela cautelar, a decisão continuará a produzir efeitos, até que haja a prolação de decisão em sentido contrário. O art. 309 do CPC prevê as hipóteses em que cessará a eficácia da decisão que conceder a tutela cautelar. Caso o autor não formule o pedido de tutela final no prazo de 30 dias, na
forma do art. 308, caput, perderá eficácia a decisão interlocutória (inciso I). Justifica-se a medida pelo fato de que a tutela cautelar não basta em si mesma, afinal não atribui qualquer benefício prático ao seu beneficiário, que é atingido indiretamente, em razão do acautelamento do próprio processo, enquanto instrumento. Desse modo, se o autor não demonstra interesse em formular seu pedido de mérito, propriamente dito, no prazo legal, entende o legislador não haver razão para sujeitar o réu aos efeitos da medida cautelar. Da mesma forma, se a efetivação da cautelar concedida não ocorrer no prazo de 30 dias por desídia do autor (já que a morosidade do Judiciário não pode ser imputada à parte1026), também perderá eficácia, a decisão (inciso II). Por fim, perderá eficácia a decisão concessiva da medida cautelar se o pedido final for julgado improcedente ou for extinto o processo sem julgamento de mérito (inciso III). É dizer: não há razão para manter a medida cautelar, se o juízo, após cognição exauriente, constatar que o autor da ação não tem razão, julgando improcedente o pedido, caso em que não haverá decisão favorável cuja utilidade mereça ser salvaguardada. Do mesmo modo, se sequer será proferida decisão de mérito, dada a extinção sem resolução do mérito, também não haverá o que ser resguardado. Em qualquer caso, cessando a eficácia da decisão concessiva de tutela cautelar, só será lícito à parte formular novamente o pedido, se embasado em novos fundamentos (art. 309, parágrafo único), afinal, se o autor não tiver sido diligente (art. 309, I e II) ou não tiver razão (art. 309, III), motivo não há para ser novamente concedida a medida acautelatória. 4. Tutela da evidência
A tutela da evidência, na vigência do CPC/73, tinha pouca projeção. Exigia-se, como regra, que houvesse risco de dano para que fosse concedida a antecipação de tutela e a tutela cautelar. Apenas em pontuais hipóteses é que se admitia a concessão de medida antecipatória de tutela sem o requisito da urgência, como era o caso do art. 273, II, daquele Código, e da liminar em ação possessória de força nova (art. 928, do CPC/73), v.g. O CPC/2015, como já se noticiou em linhas anteriores, aprofundou o tema, ampliando significativamente as hipóteses de antecipação de tutela sem o requisito da urgência, nominando-a de “tutela da evidência”, tema que, antes disso, foi dissecado pelo Ministro Luiz Fux1027, em âmbito doutrinário. Em verdade, houve o reconhecimento de que a demora do processo, por si só, já é motivo de injustiça e de dano à parte, pois viola a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e, pois, o próprio acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Com efeito, ainda que a parte não sofra, diretamente, qualquer risco de dano, tem-se que o próprio tempo necessário à tramitação do processo importa em prejuízo, sobretudo quando o direito se mostra evidente1028. A tutela da evidência, portanto, inverte o ônus do tempo. É dizer: se ao magistrado parece, ainda que sumariamente, que o autor da ação provavelmente sagrar-se-á vencedor, faz-se com que o réu suporte as consequências do decurso do tempo necessário ao iter processual1029. Contudo, é preciso notar que nem toda probabilidade do direito, por si só, torna possível a inversão do ônus do tempo, por meio da tutela da evidência. De acordo com o regramento dado pelo CPC, é preciso que a probabilidade se ligue a determinadas circunstâncias. Trata-se, pois, de probabilidade tipificada na lei.
O art. 311 do CPC prevê as hipóteses genéricas de tutela da evidência. Porém, outros dispositivos tratam da concessão de tutelas provisórias baseadas na evidência do direito, dispensando, por consequência, o risco de dano. É, v.g., o caso da liminar possessória, quando se tratar de ação de força nova (proposta antes de ano e dia do esbulho ou turbação), prevista no art. 562, do CPC. Da mesma forma, afigura-se possível a concessão de tutela da evidência na forma de atribuição de efeito suspensivo a recurso. Dito efeito, como se sabe, é modalidade de tutela provisória, razão pela qual a sua atribuição ao recurso interposto deve se basear na probabilidade de provimento do recurso, haja ou não risco de que a imediata produção de efeitos, pela decisão recorrida, cause dano à parte recorrente1030. A natureza da tutela da evidência, ao que nos parece, será sempre antecipatória de tutela, pois a atribuição do ônus do tempo à parte que demonstra ter maior probabilidade de vencer só consiste em injustiça na medida em que ela própria, a parte, sofre os efeitos de ainda não ter obtido a prestação jurisdicional. Quando é necessário “apenas” o acautelamento, vislumbra-se a necessidade de preservação do próprio processo, a fim de que, no futuro, a decisão de mérito seja útil. Com efeito, se na medida cautelar não há a atribuição de qualquer vantagem prática à parte, demandando a aplicação apenas quando houver possibilidade de a decisão final se tornar inútil, não se deve admitir que a sua concessão possa independer de perigo de dano1031. Por isso, não haveria razão para admitir, ao que nos parece, que alguma medida acautelatória possa ser concedida sem risco de dano à parte. Ademais, prevê o art. 311, parágrafo único, do CPC que a tutela da evidência poderá ser concedida liminarmente, nas hipóteses previstas nos
incisos II e III do mesmo artigo. Justifica-se a previsão porque, em ambos os casos, a evidência do direito independe de qualquer conduta do réu. Nas hipóteses previstas nos incisos I e IV, por outro lado, exige-se o comportamento temerário do réu ou a ausência de dúvida razoável por ele criada no magistrado. Vejamos, então, as hipóteses em que pode ser concedida a tutela da evidência, de acordo com o art. 311 do CPC. 4.1 Abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório O inciso I do art. 311 admite que seja invertido o ônus do tempo, por meio da concessão de tutela provisória da evidência, quando o réu abusar do direito de defesa ou agir de maneira manifestamente protelatória. À atuação temerária, por certo, deve-se somar a probabilidade do direito, pois não há razão para atribuir ao autor, ainda que vitimado pelo agir temerário do réu, aquilo que provavelmente não lhe será atribuído ao final, caso em que o réu merecerá apenas a sanção prevista no art. 81 do CPC. A lei processual não cuidou de definir quais condutas são consideras protelatórias, ou que configuram abuso no exercício do direito de defesa. Trata-se, portanto, de conceitos abertos, juridicamente indetermináveis1032. Em certos casos, a identificação da conduta temerária será mais fácil, quando, por exemplo, tratar-se das figuras típicas do art. 80. Ou seja, se a conduta do réu se amoldar a algum dos incisos do art. 80, v.g., ter-se-á a prática de conduta temerária, ensejadora da concessão de tutela da evidência, caso, além disso, seja provável o direito do autor. Contudo, é certo que, eventualmente, é possível que determinada conduta do réu, ainda que não amoldada às hipóteses do art. 80, possa demonstrar seu
intuito de retardar a solução da lide, de modo a autorizar a concessão da tutela da evidência. Nesses casos, pois, deve ser concedida a tutela da evidência, com fundamento no art. 311, I, do CPC. 4.2 Pretensão fundada em decisão de observância obrigatória Se a pretensão do autor puder ser comprovada documentalmente, o que já deve acompanhar a petição inicial (cf. art. 434 do CPC), e encontrar lastro em tese firmada em julgamento de casos repetitivos (IRDR e recursos excepcionais repetitivos, na forma do art. 928) ou em súmula vinculante, diz o inciso II do art. 311 que ser-lhe-á concedida tutela da evidência. Trata-se, ao lado de outros dispositivos do Código, de previsão que dá força à jurisprudência. É dizer: tal é a importância e a força das decisões judiciais que se mostra possível a inversão do ônus do tempo. Ademais, como bem observa Humberto Theodoro Júnior, a prova documental não precisa ser “irrefutável”. Basta, pelo contrário, que convença provisoriamente o magistrado, que a analisará, como regra, em cognição sumária1033. Com efeito, a concessão da tutela da evidência não importará em prejulgamento da demanda, podendo o réu produzir provas em sentido contrário aos documentos apresentados pelo autor. 4.3 Pretensão reipersecutória fundada em contrato de depósito O inciso III do art. 311 substituiu a ação de depósito, prevista no CPC/73 (art. 901 e seguintes), que previa a concessão de medida liminar independentemente de qualquer alegação de risco de dano. O legislador ordinário, pois, suprimiu o procedimento especial em
questão, transferindo a técnica que o tornava especial – liminar sem risco de dano – para a disciplina da tutela da evidência. Pretensão reipersecutória é aquela que objetiva a entrega do bem, ou seja, persegue a coisa, ainda que se trate de direito pessoal. É justamente disso que tratava a ação de depósito, que objetivava a restituição da coisa depositada, quando houvesse mora do depositário em devolvê-la. Diz o art. 633 do CC que o depositante tem direito de reaver a coisa depositada, ainda que tenha sido ajustado prazo para a restituição. Com efeito, vencido o prazo para restituição da coisa, ou, ainda que não tenha sido atingido o prazo, tenha sido determinada a devolução da coisa, a mora do depositário permitirá que o depositante ajuíze ação de conhecimento requerendo, liminarmente, a restituição do bem, na forma do art. 311, III, do CPC. Para tanto, é preciso que o autor da ação comprove documentalmente a existência do contrato de depósito e que, por óbvio, tenha sido formulado pedido de entrega da coisa. Com efeito, só se subordina ao art. 311, III, do CPC, a pretensão reipersecutória fundada em contrato de depósito, de modo que eventual pedido indenizatório fundado no contrato, por exemplo, não autoriza a concessão de tutela da evidência. Assim, se o depositante mover ação de indenização contra o depositário, sob o fundamento de que este danificou a coisa depositada, não haverá que se falar em inversão do ônus do tempo, já que a tutela da evidência só diz respeito à entrega da coisa. Aliás, é preciso notar que a tutela da evidência, nessa hipótese, só diz respeito ao depósito voluntário. No início da tramitação do processo legislativo que culminou na aprovação do vigente CPC, previa-se que “seria liminarmente concedida a pretensão reipersecutória do autor, quando se
tratasse de pleito baseado em depósito legal ou convencional”1034. Todavia, o texto legal aprovado não contempla o chamado “depósito necessário”, previsto nos arts. 647 a 652 do CC, mas apenas o depósito voluntário, previsto pelos arts. 627 a 646 do CC1035. Por fim, verifica-se que a parte final do inciso III do art. 311 determina a imposição de multa ao réu, caso não cumpra a determinação de restituição da coisa depositada. Isso, porém, não impede que sejam empregados outros meios executivos para a efetivação da medida, desde que sejam mais efetivos que a multa1036. 4.4 Ausência de dúvida razoável A última hipótese de concessão de tutela da evidência prevista pelo art. 311, diz respeito à existência de “prova segura e confiável do fato constitutivo do direito do autor”1037, somada à ausência de dúvida razoável criada pelo réu no espírito do julgador. Para a concessão da medida, é preciso que os fatos alegados pelo autor possam ser provados, ainda que não exclusivamente, por meio de documento acostado à petição inicial, aos quais o réu não tenha oposto documento capaz de criar a dita “dúvida razoável”1038. A medida se justifica pela necessidade de impor ao réu o ônus de suportar o decurso do tempo necessário à produção de prova, caso o autor já se tenha desincumbido do ônus da prova, não havendo prova produzida pelo réu, durante a fase inicial do processo (fase postulatória), a gerar dúvida razoável no espírito do magistrado1039.
XXIII PETIÇÃO INICIAL
1. Introdução Já se teve oportunidade de estudar o princípio do impulso oficial do processo, expresso no art. 2º do CPC/2015, segundo o qual o processo, embora se desenvolva por impulso oficial, começa por iniciativa da parte. O que ocorre é que, se o andamento do processo decorre de impulso oficial, a iniciativa deste e o seu conteúdo defluem fundamentalmente do poder dispositivo das partes: autor e réu, e intervenientes. O processo principia com a petição inicial, que, como regra geral, delimita a lide e, pois, define em grande escala o objeto da atividade do juiz. É na petição inicial que se traz, para o processo, a indicação do bem jurídico disputado (= lide). O réu, enquanto tal, fazendo a defesa de mérito, impõe que o juiz decida as questões por ele suscitadas. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a petição inicial é a “instrumentalização física da demanda, que nela se corporifica”1040. É através da petição inicial que o autor, veiculando a sua pretensão e invocando a prestação jurisdicional, fixará os limites da sua pretensão na lide (art. 141 c/c art. 492), como vimos, e não por outra razão Nelson Nery Jr. e
Rosa Nery já afirmaram ser esta a “peça processual mais importante para o autor”1041-1042. Na petição inicial materializa-se o princípio da adstrição do juiz ao pedido1043, retratado nos arts. 141 e 492 do CPC/2015. Mesmo quando decidir relação jurídica condicional, deverá o juiz, ao se manifestar a respeito do mérito, proferir decisão certa. É o que estatui o parágrafo único do art. 492. Explica com acuidade Pontes de Miranda: “Se o juiz diz que B é condenado a x se ocorrer o fato a, ou se expirar o prazo b, decidiu com certitude”1044. Nesse sentido, elucidativo julgado do STJ: “Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão. II – A sentença condicional mostra-se incompatível com a própria função estatal de dirimir conflitos, consubstanciada no exercício da jurisdição”1045. O réu, como regra geral, apenas se defende, não formulando pedido (salvo na hipótese das chamadas ações dúplices, mais adiante tratadas). Poderá também o réu, por meio da peça contestatória, oferecer reconvenção (que é outra ação, dentro do mesmo processo – simultaneus processus), sendo réu (reconvindo) o autor (art. 343 e s.). Este assunto será examinado mais adiante. O art. 329 disciplina a modificação do pedido ou da causa de pedir. Até que seja feita a citação (i.e., antes de triangularizada a relação processual), é livre a modificação do pedido ou da causa de pedir, independentemente de consentimento do réu (art. 329, I). Após a citação e antes do saneamento, tal
só será possível com a anuência do réu (art. 329, II). Após o saneamento, será inviável a modificação, seja do pedido, seja da causa de pedir, ainda que com anuência do réu, sob pena de nulidade. Trata-se do princípio da estabilização da lide, consagrado em nosso sistema processual civil, não podendo ser alterado o pedido ou a causa de pedir também em caso de revelia, sem que seja promovida nova citação do réu1046. 1.1 Distribuição originária e por dependência (conexão e continência) Os processos estão sujeitos a registro (art. 284), devendo ser distribuídos sempre que houver mais de um juízo. A distribuição deve, sempre, obedecer ao critério de igualdade (art. 285). Arruda Alvim, com muita propriedade, descreve o – por assim dizer – trâmite do processo, deflagrado com o protocolo da petição inicial, com o sucessivo registro e distribuição (nos foros em que houver mais de uma vara ou juízo): “Sucessivamente ao registro e à distribuição, a petição inicial será encaminhada ao cartório respectivo, para autuação, e, depois, deverá ser objeto de apreciação por parte do juiz. Se não tiver havido distribuição, por desnecessária (em face da existência de apenas uma Vara), depois do registro e da atuação irá ao magistrado”1047. O art. 285 cuida de chamada distribuição originária, que é feita mediante sorteio. A esse respeito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery acrescentam: “A distribuição existe para dividir os processos entre juízos da mesma competência, evitando a sobrecarga de um deles relativamente aos demais. Na verdade, é manifestação de divisão de competência de juízo e não de foro. Essa divisão deve ser o mais equânime possível, propiciando o mesmo número de feitos aos juízos da respectiva comarca ou justiça. Ocorre a
divisão desde que haja mais de um juízo (CPC 284). Atualmente a divisão tem sido feita por computador, obedecendo-se aos critérios da igualdade e da alternatividade”1048. A distribuição, porém, pode se dar por dependência (art. 286), tendo em vista uma ligação entre o processo a ser distribuído e outro já pendente. É o que sucede na hipótese de já existir em curso ação conexa ou a que à nova ação se ligue por continência. Embora esses dois pontos (conexão e continência) já tenham sido tratados, parece ser pertinente repisar esses dois importantes conceitos. A ideia de conexão vem estampada no art. 55 do CPC/2015. São conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Com efeito, a causa de pedir é constituída dos fundamentos de fato e de direito que levam à propositura da ação. A causa de pedir remota consiste na afirmação de direito que embasa a pretensão do autor; a causa de pedir próxima consiste na lesão ou ameaça de lesão (elemento fático) que conduz à propositura da ação. Constituem requisitos da petição inicial, como será visto melhor mais adiante, a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido (inc. III do art. 319, que corresponde à causa de pedir) e o pedido (inc. IV do art. 319)1049-1050. Há litispendência quando se reproduz ação anteriormente já ajuizada (§§ 1º e 3º do art. 337), sendo que o § 2º desse mesmo art. 337 define como ações idênticas aquelas que possuam as mesmas partes, causa de pedir e pedido. A caracterização da conexão exige menos do que isso. Na conexão, diferentemente do fenômeno da litispendência (duplicidade de lides pendentes iguais), há apenas igualdade parcial entre os elementos. Basta sejam comuns ou o pedido ou a causa de pedir. Causas conexas devem ser
julgadas conjuntamente, com o escopo de evitar decisões contraditórias, ainda que lógica ou parcialmente. Para tanto, é preciso que nenhuma das causas tenha sido sentenciada1051. É o que consta do art. 55, § 1º, do CPC/2015: “Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado”. Ademais, para que as causas conexas sejam reunidas, deve o juiz ser absolutamente competente para conhecer todas elas1052. bem como deve o procedimento ser compatível, a fim de viabilizar a tramitação conjunta. Exemplo de reunião de causas conexas é aquele da ação revisional de alimentos proposta pelo filho contra o pai, que deverá tramitar conjuntamente com a ação de exoneração de alimentos proposta pelo pai contra o filho. Sob a égide CPC/73, havia certa margem de liberdade para que as causas fossem reunidas por força da conexão, consoante o antigo art. 105. À época, considerava-se que o juiz deveria analisar a potencialidade de haver decisões contraditórias para determinar a reunião das ações. Logo, a caracterização da conexão não exigia um rigor exagerado quanto à identidade de pedidos ou causas de pedir, previstas no art. 105; a jurisprudência, nesse ponto, abandonou o tecnicismo estrito para ater-se aos objetivos do instituto. Nesse sentido, o STJ já havia concluído, à luz do CPC/73, que “a conexão pressupõe a existência de causas que, embora não sejam iguais, guardam entre si algum vínculo, uma relação de afinidade, o que denota que o alcance da regra de conexão tem sido alargado, de modo a se interpretar o vocábulo ‘comum’, contido no texto legal [art. 105, CPC/2015], como uma indicação do legislador de que, para caracterizar a conexão, seria desnecessária a identidade total dos elementos da ação, bastando tão somente uma identidade parcial”1053. À luz desse entendimento, a reunião de causas “resultaria em
uma maior celeridade e economia processual, permitindo o aproveitamento – em benefício do Juízo prevento – dos atos instrutórios realizados pelo outro Juízo, evitando-se, ainda, o risco de haver decisões contraditórias”1054. O CPC/2015, seguindo a tendência jurisprudencial sob a égide do CPC revogado, expressamente estendeu as hipóteses de reunião de causas às situações em que o julgamento em separado possa gerar risco de decisões conflitantes ou contraditórias, mesmo sem conexão estrita entre eles (art. 55, § 3º). A ideia de continência é mais próxima daquela de litispendência. Se houver, entre duas ações, identidade de partes e causa de pedir, porém o pedido de uma abranger o da outra, diz-se que há continência. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery figuram o seguinte e elucidativo exemplo: em razão de um acidente, move-se ação de indenização, pleiteando-se lucros cessantes (causa contida); em outra, reparatória, pedem-se perdas e danos, englobando os lucros cessantes (causa continente)1055. Se a causa continente for proposta antes da ulterior causa contida, é certo existir identidade total entre parte da continente e a contida, sendo redutível essa situação ao direito de a parte objetar com litispendência – não há razão para prosseguir a causa contida. Se primeiro é proposta a causa contida, depois a continente, deve também haver reunião de ambas (art. 57). De rigor, todavia, inexistirá interesse processual em reeditar o mesmo pedido referente à ação contida, antes ajuizada. Já vimos que, a teor do que preceituam os arts. 55, § 1º, e 57, as causas conexas ou entre as quais exista uma relação de continência devem ser reunidas e julgadas conjuntamente, a fim de se evitarem decisões conflitantes.
Por tal motivo, estabelece o art. 286, em seu inc. I, que haverá distribuição por dependência entre as causas que se relacionarem por conexão ou continência com outra já ajuizada, independentemente de sua natureza. A prevenção – que é critério de fixação de competência – é que vai determinar qual juízo irá julgar as causas conjuntamente. De acordo com o CPC/2015, prevento será o juízo em que tramitar a causa cuja exordial primeiro foi registrada ou distribuída, nos termos do art. 59. Inobservada a distribuição por dependência, poderá o juiz determinar ulterior reunião das ações conexas ou dotadas de continência para julgamento conjunto, dado o risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias. Por exemplo, havendo duas ações versando o descumprimento do mesmo contrato, há entre elas conexão. Se uma tramitar na Comarca de São Paulo e a outra em Campinas, o juízo pelo qual tramita o processo cuja petição inicial que foi registrada ou distribuída primeiro será competente para julgar ambas as ações, que deverão ser reunidas (art. 55, § 1º). Nessa hipótese, já originariamente, a distribuição deveria ter sido feita por dependência (art. 286, inciso I). Assim, a reunião determinada pelos arts. 55, § 1º, e 57 tem lugar exatamente porque a distribuição, embora pudesse ter sido feita por dependência, foi feita livremente. Por isso é que, reconhecida a conexão ou a continência, haver-se-á de dar baixa na distribuição feita livremente, e determinar a anotação da distribuição por dependência, no foro onde se situa o juízo da causa preventa, isto é, aquela em decorrência da qual se reconheceu a conexão ou continência. Como visto, havendo conexão ou continência, as ações devem ser reunidas (arts. 55, § 1º, e 57), obedecendo-se ao critério de prevenção do art. 59 (registro ou distribuição da petição inicial).
Assim, desde que a ação a ser proposta se ligue a outra já existente, por conexão ou continência, deverá ser distribuída por dependência ao juízo competente para julgar a primeira, devendo o juiz determinar de ofício a reunião de ambas, se o autor não solicitar a distribuição por dependência. Havendo reconvenção, intervenção de terceiros ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, haverá também a distribuição por dependência e deverá o juiz determinar a respectiva anotação pelo distribuidor (art. 286, parágrafo único). Nesta hipótese, por causa do tipo de ingresso no processo, não há dúvida alguma que a anotação será feita no juízo em que o reconvinte já é réu, como também nos casos de intervenção de terceiros e de situações que impliquem a ampliação do processo, pois tais modificações incidem sobre o processo já distribuído. Nesses casos, o juiz, de ofício, determinará a respectiva anotação ao distribuidor (art. 286, parágrafo único). Também ocorrerá a distribuição por dependência nos casos de ações acessórias, tal como disposto no art. 61 do CPC/2015. A título de exemplo, ainda sob a égide do CPC/73, o Supremo Tribunal Federal chegou a decidir pela existência de conexão entre ação cautelar e principal, dada a acessoriedade das demandas1056. Assim, verificada a propositura de outras ações acessórias – tal qual a declaratória incidental –, justifica-se a incidência do art. 286, I. A teor do que dispõe o art. 286, II, a atração das causas a que se refere o dispositivo em questão subsistirá ainda que tenha sido extinto o processo sem resolução de mérito, sendo reiterado o pedido mesmo que em litisconsórcio com outros autores, ou mesmo que sejam alterados parcialmente os réus da demanda.
Dispõe ainda o inc. III do art. 286, que a distribuição dar-se-á por dependência em caso de ajuizamento de ações cujo julgamento em separado implique o risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias. Ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que a competência determinada por dependência é “funcional sucessiva” e, pois, absoluta1057. O art. 290 dispõe no sentido de que será cancelada a distribuição, se intimada a parte na pessoa de seu advogado e não realizado o pagamento das custas e despesas de ingresso em até 15 dias1058. Em princípio, a distribuição só será possível desde que acompanhada a petição inicial de instrumento de mandato, contendo os endereços eletrônico e não eletrônico do advogado (art. 287), salvo na hipótese do art. 104 (art. 287, parágrafo único, I), se a parte estiver representada pela Defensoria Pública (art. 287, parágrafo único, II), ou, ainda, se a representação decorrer diretamente de norma prevista na Constituição Federal ou em lei (art. 287, parágrafo único, III). O art. 104 e § 1º do referido dispositivo contempla como exceção hipóteses de urgência, estabelecendo prazo de 15 dias prorrogáveis por mais 15 para que o mandato seja juntado aos autos, com vistas a evitar preclusão, decadência, prescrição ou para praticar ato considerado urgente1059. Ainda, não será necessária a procuração quando o advogado postular em causa própria, incumbindo-lhe, em tal hipótese, declarar, na inicial, o endereço, número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa (art. 106). Eventuais falhas constantes da petição inicial que não ocasionem prejuízos às partes devem ser sanadas, sendo expresso a propósito o caput do art. 76 do CPC/2015. Examinando hipótese em que se discutia a respeito da validade de
petição inicial na qual não constava a assinatura do advogado, o Superior Tribunal de Justiça, com inteiro acerto, já decidiu: “Petição inicial. Se, ao despachá-la, o juiz não percebeu que a petição inicial estava sem assinatura do procurador do autor, deve intimá-lo para suprir a falta tão logo seja alertado do fato”1060. De forma análoga, a mesma Corte Superior reputa sanável a irregularidade consistente na ausência de procuração, desde que a capacidade postulatória seja comprovada no devido tempo1061, em geral, na primeira oportunidade em que a parte tiver acesso aos autos. O mecanismo da distribuição, como foi dito anteriormente, visa à divisão alternada dos processos entre juízos abstratamente competentes para julgálos, e deve ser feito segundo critérios de estrita igualdade, segundo o que estabelece o art. 285. Essa distribuição alternada compreende juízes (na realidade, juízos) como também escrivães (na verdade, escrivanias), para que recebam a mesma quantidade de processos. Decorre daí o direito da parte, do seu procurador, Ministério Público e Defensoria Pública de acompanhar a distribuição, expressamente previsto no art. 289. Se a distribuição for por dependência, não se observando a alternância determinada na lei, dever-se-á proceder à compensação, pois o juízo que recebe um processo a mais (ligado ao que já se encontra pendente nesse juízo) deverá vir a receber um a menos, compensando-se a anterior distribuição por dependência (art. 288). Considera-se proposta a ação em sendo protocolada a petição inicial (art. 312). Oportuno notar que, em relação ao réu, alguns efeitos, tais como constituição em mora, litispendência e litigiosidade da coisa (efeitos previstos no art. 240), só se produzirão com a citação, segundo o que preceitua a
segunda parte do art. 312. Sem embargo, alguns efeitos se produzem com a só propositura da ação, independentemente de citação. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 1.601, parágrafo único, do CC, segundo o qual, uma vez proposta a ação para discutir a respeito da legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher, o direito de contestar essa legitimidade passa aos herdeiros do marido, independentemente de ter havido citação, sendo tal ação imprescritível. Dispunha o CPC/73 que a propositura da ação implicava a perpetuatio iurisdictionis (art. 87 do CPC/73), que consiste precisamente na perpetuação da competência, sendo irrelevantes ulteriores modificações do estado de fato ou de direito. No CPC/2015, por sua vez, a fixação da competência se determina no momento do registro ou da distribuição da petição inicial (art. 43 do CPC/2015). Por exemplo, a regra geral é a de que a ação é proposta no foro do domicílio do réu (art. 46). Sendo proposta a ação (art. 312) e registrada
ou
distribuída
a
petição
inicial,
perpetua-se
o
juízo,
independentemente de mudança posterior de domicílio do réu1062. Modificações ulteriores à propositura são irrelevantes para a determinação da competência, salvo – diz a parte final do art. 43 – quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta. 2. Requisitos da petição inicial A petição inicial haverá de atender, sempre, aos requisitos do art. 319 do CPC/2015, devendo ser sempre escrita, sendo obrigatório o uso da língua portuguesa, não apenas nela como em todos os termos e atos do processo (art. 192)1063. Oportuno consignar que os requisitos do art. 319 aplicam-se, também, às ações reguladas por leis especiais, como é o caso, por exemplo, da ação de mandado de segurança, que é, fundamentalmente, regulada pela
Lei n. 12.016/2009 (no que, evidentemente, não forem tais requisitos incompatíveis com as regras próprias de cada uma dessas ações). O Código de Processo Civil de 2015, é bom ter sempre presente, traz as normas gerais sobre processo civil, aplicando-se subsidiariamente às leis especiais, independentemente de menção específica, desde que não se revele incompatível com tais regras particulares. Pelo inc. I do art. 319, a petição inicial deverá indicar o juízo ao qual é dirigida. Conforme já tivemos oportunidade de expor precedentemente, diversos são os critérios a serem observados para a determinação do órgão competente para determinada demanda. É preciso verificar se se trata de matéria afeta à justiça brasileira, se se trata de ação a ser proposta perante as justiças especiais, como, por exemplo, a trabalhista, e, ainda, examinar as regras específicas de competência previstas no próprio CPC/2015, como, por exemplo, aquelas insculpidas no art. 53. Como bem diz Arruda Alvim, na determinação da competência hão de ser utilizados todos os critérios de forma simultânea1064. Mencionado autor esclarece, ainda, que alguns elementos da própria petição inicial auxiliam na identificação da competência, tais como o domicílio das partes, a matéria debatida e o valor da causa1065. Um dado importante a ser acrescentado quanto a este requisito da petição inicial refere-se ao fato de que, ainda que o subscritor da petição inicial a enderece de forma incorreta, isto não será causa para o indeferimento da petição inicial, pois, tratando-se de incompetência absoluta, o juiz que recebeu a inicial deve reconhecê-la, até mesmo de ofício, remetendo os autos ao juízo competente. Se, no entanto, se tratar de incompetência relativa e o
réu não vier a argui-la1066 por meio de preliminar de contestação (art. 337, inciso II), ela se prorroga, e o juízo originalmente incompetente passará a ser competente. Desse modo, tem-se que, havendo incompetência do juízo, podem ocorrer duas situações: se se tratar de incompetência relativa, ou esta é arguida por meio de preliminar de contestação e, uma vez reconhecida, isso deve conduzir à remessa dos autos ao juízo competente; ou, não tendo o réu se valido da via própria, prorroga-se a competência. Se se tratar de incompetência absoluta, o seu reconhecimento também não conduz, como regra1067, à extinção do processo, senão que leva apenas à remessa dos autos ao juízo competente. Tenha-se presente, porém, que, nesta última hipótese, as consequências do reconhecimento da incompetência são mais graves, motivo pelo qual poderá ser arguida independentemente de forma própria (podendo ser arguida por meio de preliminar de contestação – art. 337, II – ou por petição simples) e em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária – § 1º do art. 64. Vale mencionar que o CPC/2015 inovou no que toca aos efeitos das decisões proferidas pelo juízo absolutamente incompetente. Sob o regime do CPC/73, estampado no antigo art. 113, § 2º, o reconhecimento da incompetência absoluta conduzia automaticamente à nulidade dos seus atos decisórios. O CPC/2015, por sua vez, autoriza a conservação dos efeitos da decisão, até que outra decisão seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente (art. 64, § 4º). Devemos acrescentar, ainda, que, de acordo com o art. 240, caput, a citação válida, ainda que determinada por juiz incompetente, constitui o devedor em mora, torna litigiosa a coisa e induz à litispendência.
O inc. II do art. 319 exige sejam identificadas as partes – autor (es) e réu (s) –, através da indicação do nome, prenome, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência. A correta identificação das partes é elemento importante para que seja aferida a legitimidade ativa e passiva da ação, que, como se sabe, é uma das condições da ação. Sendo inviável a atribuição da qualificação completa das partes, desde que seja possível a sua individuação deve ser admitida a petição inicial1068-1069. No que toca à identificação das partes, o CPC/2015 inovou em relação ao CPC/73, ao acrescentar o esclarecimento quanto à existência de união estável, bem como a indicação do endereço eletrônico e do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. Para Arruda Alvim, “tais exigências, como todas as demais, devem ser analisadas à luz da instrumentalidade das formas, não se justificando, por exemplo, o indeferimento da petição inicial quando, apesar da ausência de indicação do número do CPF, e sendo impossível obter tal informação, a parte puder ser perfeitamente identificada. Nesse sentido, dispõem os §§ 1º a 3º do art. 319 do CPC/2015”1070. A identificação das partes, como dito, nem sempre é possível, como, por exemplo, nas hipóteses de invasão de terras feita por um número elevado de pessoas, sendo estas, em sua maioria, absolutamente desconhecidas. Relativamente a tais hipóteses, oportunas são as considerações feitas por Cândido Rangel Dinamarco: “Incluem-se nessa situação, p. ex., as invasões de terrenos urbanos ou rurais por grupos de pessoas não identificadas e não
comandadas por alguma entidade perfeitamente caracterizada. Nas demandas propostas a esse respeito (possessórias), sendo praticamente impossível a nomeação e qualificação dos réus, em nome do acesso à justiça deve ser tolerada a ausência de todos os nomes ou ao menos a indicação dos poucos que o autor conseguir identificar – e a lei é explícita nesse sentido (CPC, art. 54 § 1º). Do contrário ele teria de renunciar à possibilidade de obter tutela jurisdicional e uma regra técnica de processo estaria coonestando as malícias do anonimato e suplantando o que a Constituição garante (art. 5º, inc. XXXV)”1071. De fato, não se pode impor à parte um ônus – em rigor, praticamente insuscetível de ser implementado – que possa representar, em última análise, a impossibilidade de levar a sua pretensão ao conhecimento do Poder Judiciário, em verdadeira afronta ao disposto na Constituição Federal, a respeito da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV). O inc. III do art. 319 é expresso no sentido de que devem ser indicados os fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Por ter acolhido a teoria da substanciação, em contraposição à teoria da individuação, exige o nosso sistema jurídico que a parte indique não apenas os fundamentos, mas também identifique os fatos que dariam suporte a sua pretensão1072. Desse mesmo dispositivo transparece claro algo que já dissemos: é irrelevante a indicação do fundamento legal. O juiz conhece o direito (iura novit curia ou da mihi factum, dabo tibi ius). Basta que lhe sejam fornecidos os fatos (causa de pedir próxima – fundamentos de fato do pedido) e os fundamentos jurídicos respectivos (causa de pedir remota). Entretanto, a indicação do fundamento legal no qual se funda a ação, bem
como o nome que seja conferido à ação, são irrelevantes para a apreciação da petição inicial, bastando que sejam identificados a causa de pedir e o pedido1073. Serão retomadas, adiante, as ideias de causa de pedir próxima e remota, quando do estudo da necessidade de encadeamento lógico da petição inicial. O inc. IV é claro quanto à necessidade de fixação do pedido e de suas especificações. É o pedido, baseado nos fatos e fundamentos jurídicos – sabese –, que fixa os limites da lide (como regra geral) e, pois, os limites da atuação jurisdicional (arts. 141 e 492). Voltaremos a analisar o pedido e seus requisitos mais adiante, quando analisarmos especificamente os arts. 324 e 329. O inc. V é expresso no sentido de que deverá ser atribuído valor à causa. É regra expressa no art. 291: “A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”. O inc. VI trata das provas com que a parte pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. É preciso lembrar que a inicial é a primeira e maior oportunidade que o autor possui para demonstrar suas razões, e nela deve ele inserir o máximo possível de informações, sob pena de lhe ser vedado fazê-lo posteriormente1074. Em princípio, temos que o ideal não seja o autor utilizar o protesto genérico por provas, ou seja, pura e simplesmente requerer a produção de todos os meios de prova em direito admitidas, mas referir especificamente que modalidade probatória entende apta a provar a verdade dos fatos alegados1075. A propósito da relevância do requerimento de provas formulado na petição inicial, vejamos a seguinte ementa de julgado do STJ: “O Código de Processo
Civil indica o momento processual adequado para o pedido de produção de provas: para o autor, a petição inicial; para o réu, a contestação. 2. É lícito ao juiz determinar que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir, depois de delimitadas as questões de fato controvertidas. Mas lhe é defeso ignorar o pedido já formulado na petição inicial, ainda que a parte não responda ao despacho de especificação”1076. Mais recentemente, porém, o STJ tem decidido no sentido de que a indicação dos meios de prova na petição inicial não libera o autor do requerimento posterior quando, na fase de saneamento e organização do processo, for intimado para especificar as provas que pretende produzir1077. Afigura-se-nos mais razoável o entendimento, aparentemente superado, no sentido de que o juiz deva considerar o requerimento formulado na inicial. Ora, se o autor indicou precisamente os meios de prova na inicial, e se o requerimento está devidamente justificado (com o esclarecimento dos fatos que pretende provar por cada meio de prova), não há razão para se considerar precluso o direito. Quando muito, ante à inércia do autor perante a intimação para especificar provas, deverá o juiz, por força do contraditório participativo, intimá-lo novamente para esclarecer se ainda há interesse no requerimento formulado na inicial. A incidência de preclusão no momento da especificação de provas, tendo estas sido requeridas na fase postulatória, somente parece razoável se o requerimento formulado na inicial consistir num protesto genérico e amplo. Há julgados liberais, inclusive do STF, admitindo o requerimento genérico sob o argumento de que, muitas vezes, não é possível, antes do desenrolar do processo, com o oferecimento da contestação, precisar quais as provas pertinentes. Nesse sentido: “A precisa indicação das [provas] necessárias
muitas vezes só é possível após a contestação, pois esta até pode admitir como verdadeiros todos os fatos alegados, dispensando-se, assim, a instrução probatória”1078. Cândido Rangel Dinamarco sustenta que a regra consubstanciada no inc. VI do art. 319 do CPC/2015 é uma exigência muito “tênue”, na medida em que se trata “de mero protesto, que não passa do anúncio de uma intenção. O requerimento de provas será feito mais tarde, pelo autor e pelo réu, quando chamados pelo juiz a fazê-lo já na fase ordinatória do procedimento (art. 348)”1079. Essa é a tendência da jurisprudência do STJ1080, o que, a nosso ver, não pode afastar a possibilidade de um requerimento fundamentado de provas, já na petição inicial. O inc. VII do art. 319 do CPC/2015 determina que o autor especifique o seu interesse quanto à realização ou não da audiência de conciliação ou de mediação. Tal medida se justifica, uma vez que o art. 334 do CPC/2015 impõe ao juiz que designe audiência de conciliação ou de mediação, logo após verificado o preenchimento dos requisitos essenciais da petição inicial e se não for o caso de improcedência liminar do pedido. Em que pese a determinação expressa no inc. VII do art. 319, cumpre ressaltar que, em não havendo manifestação alguma do autor na sua petição inicial, caberá juiz persistir na designação da audiência1081. Ainda, como será visto oportunamente, pela literalidade da lei, a oposição expressa do autor, na inicial, não afasta a designação da referida audiência, cuja dispensa, nos termos estritos da lei, depende da oposição unanime das partes1082. O inc. VII do art. 282 do CPC/73, por sua vez, exigia houvesse requerimento para a citação do réu. Com efeito, a despeito da relevância da citação na composição da relação processual trilateral (autor, réu e juiz), a
formulação de um pedido de tutela jurisdicional contra o réu já indica a evidente intenção do autor na citação do réu, motivo pelo qual o CPC/2015 optou por excluir a exigência de tal requerimento do sistema atual. A teor do que dispõe o art. 330, § 2º, do CPC/2015, nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou alienação de bens, sem prejuízo dos requisitos previstos pelo art. 319, acima tratados, ao autor da ação caberá discriminar, na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar, o valor incontroverso do débito, sob pena de inépcia da exordial. Determina o § 3º do aludido dispositivo que o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados. De outro lado, a inicial deverá ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, segundo prescreve o art. 320 (no mesmo sentido o disposto no art. 434). Por exemplo, se se pretende desconstituir um determinado contrato, é inegável que o instrumento do contrato é documento indispensável à propositura da ação1083. Assim, a petição inicial, além dos requisitos descritos acima, deverá ser instruída com os documentos indispensáveis para a propositura da ação, conforme dispõe o art. 320 do CPC/2015, como vimos acima. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “normalmente são indispensáveis, nas ações de estado, os que comprovam o estado e a capacidade das pessoas, sobre os quais a lei exige a certidão do cartório de registro civil como única prova (prova legal) dessa situação. A procuração ad judicia é indispensável em toda e qualquer ação judicial, devendo acompanhar a petição inicial”1084. Assim, em cada caso concreto a parte deve diligenciar no sentido de verificar quais os documentos essenciais para a ação que pretende intentar e
anexá-los à petição inicial. Há que se ressaltar, entretanto, que, se não forem juntados na inicial documentos tidos por essenciais à propositura da ação, o juiz, nos termos do disposto no art. 321 do CPC/2015, deverá mandar que a parte a emende em 15 dias. Passado referido prazo, se não cumprido o determinado, o juiz deverá indeferir a petição inicial (parágrafo único do art. 321 c/c art. 332, § 1º, do CPC/2015)1085. Tal não significa, necessariamente, que a prova documental só possa ser produzida pelo autor no momento do ajuizamento da ação, com a petição inicial. Há documentos que, embora úteis para demonstrar a procedência do pedido, não são indispensáveis ao julgamento do mérito; em geral, tais documentos devem ser trazidos na fase postulatória, mas, como o autor, no momento do ajuizamento da ação, ainda não tem ciência de quais serão os fatos impugnados pelo réu, é bem possível que determinados documentos só se tornem úteis em momento posterior1086. Concordamos, todavia, com Cândido Rangel Dinamarco, quando este afirma que os documentos devem ser trazidos aos autos o mais cedo possível, na medida em que isso demonstra a boa-fé da parte e evita “o espírito de ocultação premeditada e o propósito de surpreender o juízo”1087. 3. O valor da causa É preciso que se abra pequeno parêntese, neste passo, para tratar dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 que disciplinam o valor que deve ser dado à causa e de suas implicações. O art. 291 é claro no sentido de que toda causa, necessariamente, terá um determinado valor. O art. 292, caput, c/c o art. 319, V, são claros no sentido de que o valor dado à causa deverá constar da petição inicial ou da
reconvenção. Nos incs. I a VII do art. 292 estão previstos critérios específicos que deverão ser adotados, se verificadas tais hipóteses: na ação de cobrança de dívida, o valor será o da soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades se houver, até a data de propositura da ação; havendo cumulação de pedidos, o valor será equivalente à soma dos vários pedidos; havendo pedidos alternativos, o valor da causa será o que corresponda ao de maior valor; havendo pedido subsidiário1088 ou sendo alternativos os pedidos formulados, o valor será o do pedido principal; se a ação versar sobre a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor será do ato ou o de sua parte controvertida; em ação de alimentos, o valor será o de doze prestações mensais; em ação de divisão, demarcação e reivindicação, o valor será o da avaliação da área ou bem objeto do pedido; na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido. Leis especiais eventualmente contemplam hipóteses específicas, como é o caso da Lei de Locações (Lei n. 8.245/91), em cujo art. 58, III, se dispõe, por exemplo, que o valor da causa nas ações de despejo corresponderá a doze meses de aluguel. O art. 292, § 2º, do CPC/2015 cuida do valor a ser dado à causa na hipótese de se pedirem prestações vencidas e vincendas, dispondo que, nesse caso, o valor de umas e outras (vencidas e vincendas) deverá ser tomado em consideração. Assim, o § 2º do referido dispositivo estatui regra segundo a qual o valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano; caso contrário, se a obrigação for por tempo inferior a um ano, o valor será igual à soma das
prestações1089. O réu pode impugnar o valor dado à causa (art. 293), valendo-se de preliminar da contestação para tanto. Neste tocante, diferenciou-se do CPC/73, uma vez que no antigo regime, que determinava a autuação em apenso do incidente de impugnação, cujo julgamento se dava por meio de procedimento próprio (art. 261 do CPC/73). Pois bem, no CPC/2015, a impugnação do valor causa será decidida pelo juiz assim que arguida, podendo haver complementação das custas, se for o caso. A não impugnação do valor da causa implica a preclusão de tal direito, nos termos do mesmo art. 293. Por outro lado, prevê o art. 292, § 3º, a possibilidade de o juiz corrigir de ofício e por arbitramento o valor da causa, “quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor”. O CPC/73 não trazia tal previsão, razão por que a atuação oficiosa do magistrado para corrigir o valor da causa era tema controverso1090. Naquele contexto, entendíamos, como dissemos nas edições precedentes deste Curso, que tal possibilidade estava restrita às hipóteses em que a lei previsse rigidamente um critério de fixação do valor da causa. O valor da causa é importante, por exemplo, no bojo dos Juizados Especiais Cíveis, uma vez que perfaz critério objetivo à limitação da sua competência. Diversamente dos juizados estaduais, relativamente aos quais houve muita controvérsia a respeito de consistir ou não opção do autor o ajuizamento da ação perante o juizado ou na justiça comum (que pode-se dizer hoje superada no sentido de que a opção é livre do autor), a própria Lei n. 10.259/2001, que dispõe sobre os juizados federais, veio a estabelecer expressamente que “no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial,
a sua competência é absoluta” (art. 3º, § 3º, Lei n. 10.259/2001). O valor a ser atribuído à causa assume especial relevância não apenas para a determinação da competência como também, dentre outras finalidades, para a fixação do valor da indenização nos casos de litigância de má-fé (art. 81, caput, do CPC/2015) e para a fixação do valor do depósito de cinco por cento a ser efetuado no momento da propositura de ação rescisória (art. 968, II), por exemplo. 4. Petição inicial e silogismo A petição inicial deve encerrar um silogismo1091. Os fundamentos jurídicos constituem a premissa maior do silogismo; os fundamentos de fato representam a premissa menor; e a conclusão é representada pelo pedido, a final formulado. A petição inicial de cuja narração fática não decorra logicamente a conclusão será inepta (art. 330, § 1º, III), devendo ser indeferida (art. 330, I), o que consubstancia causa da extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, I)1092-1093. Na verdade, antes de indeferir liminarmente a petição inicial pelos motivos acima delineados, o juiz deve propiciar ao autor a sua emenda no prazo de 15 dias, nos termos do art. 321. Caso o autor não cumpra referida diligência, aí sim a petição inicial será indeferida (art. 321, parágrafo único). 5. O pedido O pedido vem tratado no art. 324 e s. do CPC/2015, devendo, como visto, constar sempre da petição inicial (art. 319, IV). Pode ser classificado em imediato e mediato. O primeiro representa o tipo
de providência jurisdicional solicitada. Já foi visto que a classificação das ações faz-se, com frequência, pelo tipo de pedido, em (meramente) declaratório, (des)constitutivo e condenatório. Quando se alude a pedido, normalmente há referência ao pedido imediato. O pedido mediato, por sua vez, atina com o bem da vida em disputa, i.e., com aquilo que o autor deseja. Estatui o art. 324 que o pedido deverá ser determinado (na verdade, determinável). Deve ser especificado, com clareza, o que o autor pretende, até para que o réu possa defender-se. O próprio art. 324 contempla, nos incs. I a III do § 1º, algumas exceções, diante das quais é lícito ao autor formular pedido genérico. É o caso das ações universais (inc. I). Com efeito, em ações referentes, por exemplo, a determinada universalidade de bens (petição de herança), não sendo possível individuar os bens demandados, lícita será a formulação de pedido genérico. O inc. II do § 1º do art. 324 trata dos casos em que não é possível identificar, de modo definitivo, as consequências do ato ou do fato ilícito. Imagine-se, por exemplo, que se pretenda pedir indenização por gastos hospitalares em hipótese na qual a vítima deva permanecer hospitalizada por muito tempo1094-1095. O inc. III do § 1º do art. 324 cuida de hipótese em que a determinação do objeto ou do valor da condenação depende de ato que deva ser praticado pelo réu. Diante de pedido genérico, se não for possível ao juiz, no curso do processo, obter meios para proferir sentença líquida, antes de se proceder ao cumprimento da sentença, haver-se-á de proceder, previamente, à sua liquidação.
Há casos fora das hipóteses restritas dos incisos I a III do § 1º do art. 324, em que se vinha admitido, na ordem prática, pedido genérico. Tal é o caso de muitos pleitos de indenização por danos morais formulados sob a égide do CPC/73, o que, em nosso sentir, não deveria ser aceito, pois não havia qualquer razão, nem mesmo de economia de atividade processual, para que essa técnica fosse admitida em tais hipóteses. Por isso, reputávamos correto julgado do extinto 1º TACSP no sentido de que o pedido de reparação do dano moral “não comporta pedido genericamente formulado”, sendo, ademais, “imprescindível que a parte, na exordial, justifique a indenização, senão para que não fique ao arbítrio do julgador, ao menos para que possa o requerido contrariar a pretensão com objetividade e eficácia”1096. À luz do disposto no art. 292, inc. V, do CPC/2015, que determina a correspondência obrigatória do valor da causa com o valor econômico pretendido nas ações indenizatórias, inclusive as fundadas em danos morais, parece não restar dúvidas sobre a impossibilidade de se formular pedido genérico pelo mero fato de se tratar de danos extrapatrimoniais. Conquanto no sistema do CPC/2015 o pedido genérico seja a exceção, a formulação dessa modalidade de pedido é a regra no regime do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), notadamente se se tratar de ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos. Com efeito, segundo estatui o art. 95 de aludido diploma legal, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”. Em referidas demandas judiciais, permite-se condenação genérica, sendo que a liquidação e a execução da sentença, nessa hipótese, se farão de acordo com os arts. 97 e seguintes da Lei n. 8.078/901097. O CPC/73, em seu art. 287, previa a possibilidade de se formular pedido
cominatório1098. Assim, a Lei n. 10.444/2002 modificou substancialmente o antigo art. 287, passando a dispor: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4º, e 461-A)”. Com efeito, verifica-se que o chamado “pedido cominatório” não se enquadra exatamente nos moldes de um pedido de prestação jurisdicional, uma vez que estabelece, em realidade, uma sanção àquele que descumprir um dever – seja ele referente a uma prática ou a uma abstenção – reconhecido em juízo. Assim, nos valeremos dos ensinamentos de Arruda Alvim, para quem o pedido cominatório “é, antes disso, um mecanismo destinado ao cumprimento forçado do comando da sentença e, portanto, uma forma de garantir a efetivação da decisão judicial”1099. Neste contexto, o CPC/2015 deixou de prever o pedido cominatório como modalidade de pedido implícito, mas inseriu referido mecanismo no capítulo próprio do cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, a exemplo do que já estabelecia o art. 461 do CPC/73. O atual art. 536, caput e § 1º, autoriza o juiz se valer das medidas necessárias à satisfação do exequente para a efetivação da tutela específica ou obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente, disposição esta que nos afigura suficiente. O art. 325 do CPC/2015 permite a formulação de pedido alternativo. Poderá ser o pedido alternativo sempre que, pela lei material (arts. 252 a 256 do CC), a obrigação puder ser cumprida por mais de um modo (obrigações alternativas)1100. Veja-se, por exemplo, a hipótese do § 1º do art. 18 da Lei n.
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Faculta-se ao consumidor, nas hipóteses de responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, desde que o vício não seja sanado no prazo de 30 dias, as seguintes opções: a) substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou c) abatimento proporcional do preço1101. Sendo alternativa a obrigação, pela lei ou pelo contrato, o juiz assegurará ao devedor, desde que lhe caiba a escolha, cumprir a obrigação de um ou outro modo (art. 325, parágrafo único). O art. 326 do CPC/2015 permite a cumulação eventual (pedidos em ordem sucessiva). Já foi referido este dispositivo quando tratado o art. 292, VIII. O autor formula um pedido principal e outro subsidiário, para ser (este último) apreciado caso não acolhido aquele que deseja obter em primeiro lugar. Acolhido aquilo que o autor deseja obter em primeiro lugar, resta prejudicado o segundo pedido. Nessa hipótese, como visto, a teor do art. 292, VIII, devese atribuir como valor da causa aquele correspondente ao pedido principal. Exemplo: rescisão do contrato (pedido principal) ou, se não acolhida, condenação do réu a pagar a prestação vencida (pedido subsidiário). Ou ainda: anulação de casamento (pedido principal) ou, se não puder ser atendido, separação litigiosa (pedido subsidiário). O art. 323 do CPC/2015 é expresso no sentido de que, consistindo a obrigação em prestações sucessivas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, ainda que não haja manifestação expressa a respeito, por parte do autor. Desse modo, deixando o devedor, no curso do processo, de pagá-las ou consigná-las, a sentença as incluirá na obrigação. É uma das poucas hipóteses
em que o sistema do Código de Processo Civil admite pedido implícito1102. A sentença, nessa hipótese, abrangerá as prestações vencidas antes do início do processo, aquelas que porventura se tenham vencido no seu curso, bem como aquelas que se venham a vencer posteriormente à própria prolação da sentença, ainda que essas últimas só possam vir a ser objeto de execução quando dos seus vencimentos respectivos, se (então) inadimplidas. Como se pode observar do art. 786, “A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo”. Diz o art. 328 do CPC/2015 que, em se tratando de obrigação indivisível com pluralidade de credores, aquele que não participou do processo receberá a sua parte, deduzidas, proporcionalmente, as despesas na proporção do seu crédito. Deve-se ter presente a disciplina das obrigações indivisíveis, estatuída nos arts. 257 a 263 do CC. A hipótese não é, frise-se, de litisconsórcio necessário. O art. 260 do CC permite que, em hipótese de obrigação indivisível com pluralidade de credores, cada qual possa exigir a dívida inteira (legitimação ordinária e extraordinária)1103. O art. 327 permite a cumulação de pedidos contra o mesmo réu, ainda que entre esses pedidos não haja conexão. Tome-se como exemplo de hipótese subsumível ao art. 327 em que se pede a rescisão do contrato mais perdas e danos mais reintegração de posse. O art. 326, já referido, trata da cumulação eventual: o autor formula mais de um pedido, na eventualidade de rejeição a um deles. A cumulação (propriamente dita), porém, é diferente. Nessa hipótese, há, em rigor, mais de uma lide a ser resolvida pelo juiz, pois que, diferentemente
da hipótese de cumulação eventual, o autor almeja, efetivamente, obter do Judiciário os (dois ou mais) pedidos cumulados; já quando há cumulação eventual, o autor formula pedido subsidiário para ser acolhido, caso não se lhe dê o pedido principal. Para que seja possível a cumulação, é preciso: (i) que haja compatibilidade entre os pedidos (salvo na hipótese de cumulação eventual, em que é concebível sejam os pedidos até mesmo contraditórios); (ii) que o mesmo juízo seja competente para conhecer de ambos ou todos os pedidos (se se tratar de incompetência relativa, pode haver prorrogação, se não arguida tempestivamente, como se sabe); (iii) que o mesmo tipo de procedimento seja adequado para ambos ou para todos os pedidos1104-1105. São, por exemplo, cumuláveis os pedidos de indenização por perdas e danos e de obrigação de fazer. A cumulação efetiva (do art. 327) pode ser simples, se o acolhimento de um dos pedidos não interferir no acolhimento (ou rejeição) do outro (por exemplo, cobrança de dívida oriunda da venda da mercadoria A e cobrança decorrente da venda da mercadoria B). Pode ser, todavia, sucessiva, quando o acolhimento de um pedido supuser o do anterior (por exemplo, rescisão contratual e perdas e danos – as perdas e danos só terão sentido se rescindido o contrato)1106. Em uma ou outra hipótese, todavia, diferentemente do que sucede no caso do art. 326, o autor colima obter os dois pedidos. Já no caso do art. 326, o autor formula um pedido subsidiário, para ser acolhido, caso não o seja o pedido principal. Fala-se também em cumulação incidental se efetuado o pedido através de ação declaratória incidental, que, como já examinado, tem o condão de ampliar o espectro objetivo da coisa julgada.
No que toca à exegese do pedido formulado pelo autor, o CPC/73, em seu art. 293, era expresso em determinar que a atividade interpretativa teria que ser restritiva. O CPC/2015, por sua vez, dispõe que a interpretação do pedido levará em consideração “o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (art. 322, § 2º). A esse respeito, cumpre mencionar ressalva de Arruda Alvim, para o qual se deve proceder com cuidado no manejo interpretativo no presente caso, “porquanto a natureza expressa do pedido constitui a principal garantia, tanto à defesa do réu, como para a imparcialidade do juiz”1107. Além disso, o legislador de 2015 elencou hipóteses nas quais se podem apreender pedidos implícitos daqueles efetivamente formulados pelo autor. Assim, nos termos do art. 322, § 1º, compreendem-se no principal, ainda que não reclamados, os juros legais1108 (os juros contratuais, porém, dependem de pedido expresso)1109. Há outras hipóteses, como a do art. 323, já estudado. Quanto à correção monetária, considera-se incluída no pedido, ainda que este não tenha sido expresso, pois que se trata de mera recomposição do valor da moeda, nada acrescendo ao pedido que tenha sido formulado pelo autor1110. Vale transcrever, a propósito, as palavras de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Há alguns pedidos que se encontram compreendidos na petição inicial, como se fossem pedidos implícitos. Isto porque seu exame decorre da lei, prescindindo de alegação expressa do autor. São eles os de: a) juros legais (CPC 322 § 1º); b) juros de mora (CPC 240); c) correção monetária (LCM), porque mera atualização da moeda, não se constituindo em nenhuma vantagem para o autor que não a pediu; d) despesas processuais e honorários advocatícios (CPC 85); e) pedido de prestações periódicas vincendas (CPC 323)”1111.
No que diz com a incidência dos juros de mora, ou, mais precisamente, quanto à fixação da data para o início da incidência desses juros, impende que se verifique estar-se diante de obrigação contratual ou, diversamente, extracontratual. Tratando-se de ilícito contratual, o que parece prevalecer é o entendimento no sentido que os juros de mora fluem “a partir da data da citação e não a partir da data do evento danoso”1112, salvo quando se tratar de dívida líquida com prazo de vencimento certo1113. Diferentemente, se a obrigação de indenizar não tem liame contratual, haverá de incidir a Súmula 54 do STJ, com a seguinte redação: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Por fim, resta-nos pontuar o que dispõe o art. 329, para o qual, “até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu” (inc. I) e “até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar” (inc. II). Assim, conforme já mencionado: (i) até a citação, o autor é livre para alterar o pedido; (ii) após a citação, só poderá fazê-lo com o consentimento do réu; e (iii) após o término da fase postulatória, saneando-se o processo, o pedido não poderá ser alterado, nem com o consentimento do réu. 6. Indeferimento da petição inicial O indeferimento da inicial deve levar à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, I). Será esta indeferida se: a) for inepta (inc. I do art. 330); b) houver ilegitimidade manifesta (inc. II do art. 330); ou c) houver falta de interesse processual (inc. III do art. 330); e d) não atendidas
as prescrições dos arts. 106 (em se tratando de advogado postulando em causa própria, deve declarar, seja na inicial ou na contestação, o seu endereço, o seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, assim como deverá comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço) e 321 (emenda à inicial, quando faltarem os requisitos dos arts. 319 e 320). No que diz respeito à incidência do art. 321, configurando-se a hipótese, deverá ser aplicado pelo juiz1114. O art. 321 expressa, como já se mencionou no Capítulo XVII, o princípio do aproveitamento dos atos processuais. Faltantes, na inicial, os requisitos dos arts. 319 e 320, o juiz deverá ensejar ao autor prazo de 15 dias para que a emende ou complete, só vindo a indeferir a inicial se, mesmo concedido esse prazo, o autor quedar-se inerte (parágrafo único do art. 321 e inc. IV do art. 330). A ilegitimidade, para conduzir ao indeferimento da inicial, deverá ser manifesta, óbvia, evidente (o que não significa dizer que a ilegitimidade, como se sabe, não possa ser reconhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição – art. 485, § 3º, do CPC/2015 –, mas aí já não se tratará de indeferimento da inicial propriamente dito). Como a lei não explicita, deve-se entender que a hipótese em tela abrange não apenas a ilegitimidade ad causam (condição da ação), como a ilegitimidade ad processum (pressuposto processual – v.g., relativamente incapaz que pleiteia pelo irmão, absolutamente incapaz, que, todavia, haveria de ser representado por seu pai). As hipóteses de inépcia serão examinadas adiante. Como visto, a ilegitimidade de que trata o inc. II do art. 330 há de ser manifesta (exemplo, o possuidor de um imóvel que ingressa com uma ação de demarcação de terras particulares – nesta hipótese, há ilegitimidade evidente, ante o disposto no
art. 569, I, uma vez que propor tal ação cabe somente ao proprietário). Quando tratamos das condições da ação, verificamos que uma delas é o interesse processual, consubstanciado na necessidade, utilidade e adequação do provimento jurisdicional pleiteado. De acordo com o art. 330, III, se o autor carecer de interesse processual a petição inicial será indeferida, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito (art. 485, I). Se houve processamento do feito e se reconhece a final ser caso de falta de interesse, não há mais falar em extinção pelo art. 485, I, senão que a extinção, nesse caso, será pelo art. 485, VI, do CPC/2015, não se podendo, com propriedade, falar em indeferimento da inicial quando superado o instante processual em que isso seria possível (sem embargo, como dito, o processo será extinto sem resolução do mérito). Haverá inépcia – art. 330, § 1º – se faltar pedido ou causa de pedir (§ 1º, I); se o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico (§ 1º, II); se da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão (estrutura silogística defeituosa – § 1º, III); e se houver pedidos incompatíveis entre si (§ 1º, IV). As causas de inépcia, então, dizem com defeitos na estrutura lógica da petição inicial, já tratada neste capítulo. Como dito, sempre que o defeito da inicial for suscetível de correção, o juiz determinará a emenda da inicial no prazo de 15 dias (caput do art. 321), sob pena de, em não o fazendo o autor, aí sim vir a ser indeferida a inicial (art. 321, parágrafo único, e art. 330, IV – princípio do aproveitamento dos atos processuais). A propósito, dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Sendo possível a emenda da inicial, porque contém vício sanável, o juiz deve propiciá-la ao
autor, sendo-lhe vedado indeferir, desde logo, a petição inicial. O indeferimento liminar do vestibular somente deve ser feito quando impossível a emenda, por exemplo, no caso de haver decadência do direito”1115. Apenas se a petição inicial for absolutamente insuscetível de ser emendada é que será caso de indeferimento de plano, como pontua com acuidade James Eduardo Oliveira, em lição vazada, à luz do CPC/73, nos termos seguintes: “Os casos elencados no art. 295 são de indeferimento liminar da petição inicial, enquanto as hipóteses comportáveis no art. 284 do mesmo diploma são de concessão de oportunidade para emenda ou complementação. A ilação acima é extraída de uma singela interpretação dos mencionados dispositivos legais. Dentre as hipóteses de indeferimento da inicial encontradas no art. 295 está o caso do não atendimento da prescrição do art. 284, ou seja, de petição não emendada ou complementada após regular ocasião”1116-1117. O CPC/2015 estabelece, no referido art. 321, que a decisão que determina a emenda à inicial seja devidamente fundamentada, de maneira a indicar precisamente o que deve ser corrigido ou complementado. Nada obstante a exigência decorra de preceito constitucional (art. 93, IX, da CF/88), a disposição em comento minudencia e concretiza a regra da fundamentação das decisões judiciais1118. O STJ firmou, em sede de julgamento de recurso repetitivo1119, o entendimento de que a natureza do prazo para a emenda à inicial, antes previsto no art. 284 do CPC/73 (análogo ao prazo do art. 321 do CPC/2015) é dilatória, e não peremptória. Logo, tanto o juiz como as partes (por convenção processual) podem reduzi-lo ou ampliá-lo; podem, até mesmo, oportunizar mais de uma possibilidade de emenda1120. Se, contudo, apesar da dilação do prazo, a emenda não for realizada pelo autor – ou se a emenda
realizada não for suficiente –, deverá a petição inicial ser indeferida1121. A rigor, a emenda à inicial deve ocorrer antes da citação do réu, oportunizando-lhe o exercício à ampla defesa. Todavia, em hipóteses excepcionais, poderá ser viabilizada a emenda após este momento, desde que a convalidação do vício não afete o referido direito1122, contanto que a emenda não conduza à alteração do pedido e da causa de pedir. Trata-se de entendimento do STJ, consolidado à luz do CPC/73: “A jurisprudência deste Tribunal, em observância aos princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade,
da
economia
e
da
efetividade
processuais
admite,
excepcionalmente, a emenda da inicial após o oferecimento da contestação quando tal diligência não ensejar a modificação do pedido ou da causa de pedir (...)”1123. Mesmo que o juiz entenda por insanável o vício, é preciso que seja a parte intimada a se manifestar, podendo, por exemplo, convencer o julgador de que inexiste o vício vislumbrado por ele. Tal exigência, concretizada nos arts. 9º e 10 do CPC/2015, decorre do princípio do contraditório participativo1124 e viabiliza a efetiva influência dos argumentos (e de eventuais esclarecimentos) do autor sobre a persuasão do juiz. Assim, é possível, v.g., que o autor pareça parte ilegítima ao juiz. Trata-se de vício que não é simplesmente corrigível, já que a alteração do polo ativo modifica a própria ação. Ainda que não seja de meramente corrigível esse vício, deverá o autor ser intimado a se manifestar a respeito da sua legitimidade, em atenção aos arts. 9º e 10, de modo a permitir que ele apresente razões que justifiquem a sua legitimidade ad causam. Havendo indeferimento da inicial, o juiz poderá retratar-se no bojo do recurso de apelação, em cinco dias (caput do art. 331). Por se tratar de prazo
impróprio, poderá haver retratação mesmo após o transcurso do prazo de cinco dias1125. Se não houver retratação, o réu será citado para responder ao recurso (art. 331, § 1º) e, sendo reformada a sentença pelo tribunal, o prazo para contestação começará a correr da intimação do retorno dos autos à origem ou, ainda, da data da última sessão de audiência de conciliação ou mediação, se for o caso (art. 331, § 2º c/c art. 334). 6.1 Improcedência liminar do pedido (art. 332) Desde já, oportuno pontuar que a improcedência liminar do pedido não se confunde com o deferimento ou indeferimento da petição inicial. Trata-se, em realidade, de um julgamento efetivo do mérito, porém liminarmente, sujeitando-se inclusive aos efeitos da coisa julgada1126. Referido instituto foi introduzido no CPC/73 pela Lei n. 11.277/2006 através do antigo art. 285-A, cujo teor era o seguinte: “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”. A iniciativa do legislador parece-nos louvável e inteiramente conforme ao Texto Constitucional. Mais do que isso, parece que ela dá corpo ao preceito estampado no inc. LXXVIII do art. 5º do Texto Maior, introduzido pela EC 45/2004: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Com efeito, a redação do art. 285-A, tal qual recepcionada pelo CPC/73, não passou desapercebida aos olhos críticos da doutrina. À época, uma questão de destaque dizia respeito à imprecisão terminológica do texto legal, já que não poderíamos falar propriamente em controvérsia antes da citação. Assim, o que deveria ser levado em conta para a incidência do dispositivo era a discussão da mesma matéria em outro caso precedente que houvesse sido julgado totalmente improcedente no mesmo juízo. O CPC/2015, nesse contexto, valendo-se de tradição já consolidada no sistema jurídico-processual no que toca à valorização dos entendimentos sumulados ou proferidos pela jurisprudência predominante, recepcionou o instituto da improcedência liminar pelo art. 332, o qual, vale mencionar, veio aprimorar a técnica presente no antigo art. 285-A. Estabeleceu, nesse sentido, outras hipóteses de aplicação, coadunando-se com a tendência do CPC/2015 em priorizar a segurança jurídica a partir da valorização das súmulas e padrões decisórios firmados em julgamentos de demandas e recursos repetitivos1127. Assim, nos termos do art. 332, caput, nas causas que dispensem a fase instrutória, poderão ser julgados liminarmente improcedentes os pedidos que contrariem: enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça (inc. I); acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos (inc. II); entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inc. III); enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local (inc. IV).
A respeito da redação trazida pelo CPC/2015, Arruda Alvim pontua que “O que a alteração busca é dar efetividade aos arts. 926 e 927 do CPC/2015, que tratam da obrigatoriedade de vinculação aos precedentes judiciais. A lógica é a de que, se tais decisões são de observância impositiva, dar prosseguimento a pedidos manifestamente contrários a elas significaria um desperdício da atividade jurisdicional”1128. Trata-se, em verdade, de um caso de verdadeiro “julgamento antecipado do mérito”. Há procedentes críticas quanto ao emprego da expressão “julgamento antecipado do mérito” nas hipóteses dos incs. I e II do art. 335 do CPC/2015 – tal qual se verificava quanto aos incisos I a II do art. 330 do CPC/73 –, já que, em tais casos, não há na verdade julgamento antecipado algum, na medida em que, por uma razão ou por outra, se não há necessidade de instrução probatória, o momento processual a que se referem ditos incs. I e II do art. 355 é, por assim dizer, o adequado para o juiz proferir a sentença1129. No caso do art. 332, segundo nos parece, há mais propriedade em se falar em julgamento antecipado da lide. Deveras, não se trata de uma antecipação de tutela provisória e reversível, tal como previsto no art. 3001130. Não se lhe aplica, por isso, o art. 296. Vale dizer, a decisão proferida com amparo no art. 332, se dela não se interpuser recurso, ficará revestida da autoridade da coisa julgada material. Não há, segundo se nos afigura, na previsão estampada no novo art. 332, ofensa ao princípio do contraditório, já que o dispositivo em questão autoriza apenas o julgamento de improcedência, de modo que da aplicação desse comando prejuízo algum advirá ao réu1131-1132. Ressaltamos,
todavia,
que,
conquanto
não
nos
pareça
haver
inconstitucionalidade do dispositivo sob a perspectiva dos direitos do réu,
deverá o juiz, antes de julgar liminarmente improcedente(s) o(s) pedido(s) do autor, viabilizar-lhe o contraditório. Tal providência decorre da necessidade de diálogo e cooperação entre as partes e o juiz (e vice-versa), ínsita ao contraditório participativo (CF/88, art. 5º, LV, CPC/2015, arts. 9º e 10) a exemplo do que já foi dito quanto ao indeferimento da petição inicial1133. No regime do CPC/73, o art. 285-A indicava com maior clareza que o juiz não está adstrito a julgar com base em referido dispositivo, podendo determinar a citação do réu, uma vez presente o termo “poderá” em sua redação. Assim, entendendo, por exemplo, que, apesar de haver precedentes similares do próprio juízo, a situação específica se reveste de alguma peculiaridade, ou mesmo pode ter havido mudança da posição precedente. O art. 332 do CPC/2015, por sua vez, não é expresso em caracterizar a improcedência liminar do pedido como uma faculdade do magistrado, haja vista a presença do comando impositivo “julgará” em sua redação. Porém, conforme lecionado por Nelson Nery Júnior e Rosa Nery, não se trata de mecanismo imposto ao juiz, nos seguintes termos “Mas, muito embora o CPC 332 tenha comando impositivo (julgará), dando impressão de que o juiz não tem escolha a não ser decretar a improcedência de pedido que se encaixe numa das hipóteses do CPC 332, a independência jurídica do juiz (LOMN 35 I e 40) permite-lhe decidir de acordo com seu livre convencimento motivado (CF 93 IX), o que implica, também, nova decisão de acordo com a modificação de seu entendimento sobre a matéria”1134. Devemos frisar, ainda, que o instituto da improcedência liminar da petição inicial visa tutelar, nas hipóteses do caput – e respectivos incisos – , situações onde se verifica uma relação de identidade entre a questão jurídica posta no caso concreto a aquela já apreciada pelos tribunais superiores. Nesse sentir,
devemos examinar a identidade jurídica entre a situação sob apreciação e os precedentes dos tribunais superiores e tribunais de justiça. Não se trata, para a aplicação do referido dispositivo, da hipótese de causas idênticas, cuja aplicação pressupõe a verificação da teoria da tríplice identidade (art. 337, § 2º). Importante observarmos, ainda, que o § 1º do art. 332 acresce às hipóteses do caput a verificação da decadência ou da prescrição como motivos para a improcedência liminar. Trata-se de disposição relativamente nova, pois a decretação liminar da decadência ou da prescrição já vinha prevista no CPC/73 como hipótese de indeferimento da inicial (art. 294, IV). O CPC/2015, todavia, denominou corretamente a decisão de “improcedência liminar”,
já
que
tais
situações
encerram
julgamento
de
mérito.
Especificamente quanto à decretação oficiosa e liminar da prescrição, devemos pontuar que o tema é alvo de intensa controvérsia, sobretudo à luz do disposto no art. 191 do CC1135. Claro está que o art. 332 pode ter aplicação nos processos de competência originária dos tribunais. De fato, não há razão alguma para limitar a incidência do preceito em questão aos processos que têm início no primeiro grau de jurisdição. Nesse caso, deverá ser considerada a existência de precedentes envolvendo controvérsias jurídicas iguais no órgão fracionário do tribunal competente para apreciar a causa em primeira mão (câmara, turma etc.). O art. 332 pode ser aplicado quando a hipótese envolver cumulação de pedidos, um dos quais se encarte perfeitamente na hipótese do art. 332 ou mesmo quando o pedido formulado pelo autor comporte julgamento parcial. O supedâneo legal para essa afirmação encontra-se no inc. II do art. 356, que
autoriza o julgamento antecipado parcial do mérito quando o pedido ou parcela deste estiver em condições de imediato julgamento. Com base nesse raciocínio, havendo reconvenção e, portanto, cúmulo de ações no mesmo processo (a ação reconvencional e a originária) a improcedência liminar poderá atingir apenas uma das causas, i.e., apenas a ação originária ou apenas a reconvenção. Em todos esses casos, a improcedência liminar atingirá parcela do mérito, prosseguindo o processo quanto ao restante. Enquadrar-seá, pois, no conceito de decisão interlocutória (art. 203, §§ 1º e 2º) e será impugnável por agravo de instrumento (arts. 356, § 3º e 1.015, inc. II). Já se o julgamento de improcedência liminar atingir a integralidade do mérito, haverá, como já dissemos, sentença definitiva (art. 487, I). Se o autor apelar da sentença fundada no art. 332, caberá juízo de retratação no prazo de 5 dias. Assim como no art. 331, o prazo de 5 dias para retratação de que trata o art. 332, § 3º também é impróprio, de modo que poderá haver retratação ainda que escoado esse lapso temporal. Não havendo retratação, deverá ser o réu citado para responder ao recurso interposto e acompanhar os demais termos do processo1136. Parece-nos correto o entendimento de que a manifestação do réu, oportunizada pelo § 4º do art. 332 do CPC/2015, deve cingir-se às contrarrazões à apelação1137. Todavia, diante da hipótese, cada vez mais provável, de o tribunal entender pela possibilidade de rejulgar o mérito em desfavor do próprio réu1138. parece-nos recomendável que o réu deduza, também, na medida do que for possível, a matéria de defesa pertinente à causa. Isso porque, embora o art. 1.013, § 3º não preveja expressamente a possibilidade de o tribunal inverter, em sede de apelação, o julgamento de improcedência liminar, a jurisprudência oscila a propósito do tema.
XXIV AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO
1. O fortalecimento dos mecanismos de autocomposição O legislador buscou, por meio do Código de Processo Civil de 2015, estimular a utilização de técnicas e instrumentos de autocomposição, como a conciliação e a mediação, referidas no § 3º do art. 3º do CPC. Pode-se afirmar que, a previsão da realização da audiência de conciliação ou mediação antes da apresentação da contestação, pelo réu, é fruto de uma tentativa de “conscientização da necessidade de se romper com o dogma de que a justiça só pode ser implementada pelo Judiciário”, como afirma Arruda Alvim1139. Essa conscientização surge com o objetivo de diminuir o tempo de tramitação dos processos judiciais e oferecer a efetiva solução para determinados conflitos. É dizer: melhor do que obter, pela via da jurisdição, a heterocomposição (imposição da resolução da lide às partes, por meio da substituição da sua manifestação de vontade, pela decisão judicial), é obter a solução da lide construída pelas próprias partes, autocompondo-se. Com isso, dá-se às partes uma melhor solução, já que encontrada por elas próprias e, ao lado disso,
diminui-se a quantidade de processos pendentes de julgamento nos variados cartórios e secretarias do país, o que advoga em prol da celeridade processual. Ressalte-se, ademais, que o estímulo aos meios alternativos de solução de conflitos já era realizado pelo Estado, inclusive com a edição da Resolução n. 125, em 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça, que instituiu os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. E, após a edição do CPC/2015, foi editada a Lei n. 13.140/2015, que reforçou essa tendência, ao dispor especificamente sobre a mediação judicial. 1.1 Princípios da conciliação e da mediação Fredie Didier afirma que tanto a conciliação, quanto a mediação, são influenciadas
pelos
princípios
da
independência,
imparcialidade,
autorregramento da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e da decisão informada, nos termos do art. 166, do CPC1140. A tais princípios se somam a isonomia entre as partes e a busca do consenso, conforme art. 2º, II e VI, da Lei n. 13.140/2015. Importa salientar que os princípios devem influenciar diretamente na atuação do conciliador ou mediador. Nesse sentido, a independência se manifesta como a liberdade de atuação sem a influência de qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido que o mediador ou o conciliador recuse, suspenda ou interrompa a sessão quando entender que estão ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, ou seja, quando verificar a impossibilidade de as partes chegarem a um acordo, ou quando houver a tentativa de acordo ilegal ou inexequível (art. 1º, § 5º, do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais)1141. A imparcialidade, assim como exigida no processo jurisdicional, é
indispensável à mediação e à conciliação, sendo um reflexo do princípio da impessoalidade, que impõe o dever de agir sem considerar seus próprios sentimentos ou interesses, abstraindo-se, portanto, da própria pessoa1142. Isso significa que o mediador ou o conciliador não podem ter qualquer interesse no conflito. Por esse motivo, “a pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito” (art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 13.130/2015). A autonomia de vontade é o “corolário da liberdade”1143, uma vez que cabem às partes definir qual é a melhor solução para o problema jurídico posto entre elas e “o respeito à vontade das partes é absolutamente fundamental”1144. Ou seja, esse princípio impõe, basicamente, que as partes têm
plena
liberdade
para
manifestar
vontade
no
momento
da
autocomposição, isto é, não há qualquer espécie de pressão ou coação, com o fito de que seja entabulado o acordo, por exemplo. A liberalidade das partes não está restrita apenas ao objeto da demanda, mas também, como prevê o art. 155, § 4º, do CPC, do próprio procedimento de autocomposição. O princípio da confidencialidade, por sua vez, trata do dever de confidencialidade que se estende para todas as informações produzidas ao longo do procedimento, que não poderão ser utilizadas para fim diverso daquele previsto entre as partes, nos termos do art. 166, §§ 1º e 2º, do CPC/2015 e arts. 30 e 31 da Lei n. 13.140/2015. A oralidade e a informalidade são dois princípios que orientam o procedimento de autocomposição como um todo e impõem ao mediador ou conciliador, não apenas a utilização de uma linguagem mais simples e
acessível, mas também a necessidade de um diálogo mais franco. Para o sucesso do procedimento de autocomposição, é imprescindível que as partes recebam todas as informações necessárias a respeito do procedimento e do direito discutido no caso concreto, o que decorre do chamado princípio da “decisão informada”, segundo Fredie Didier Jr. Isso porque, conforme afirma o autor “o consenso somente deve ser obtido após a correta compreensão do problema e das consequências do acordo”1145. Com relação à isonomia entre as partes, princípio também previsto no rol das normas fundamentais do Processo Civil (art. 7º do CPC), é fundamental que se garanta às partes a paridade de tratamento, o que não se aplica apenas à prática dos atos processuais mais comuns, como a interposição de recursos, v.g., mas também na sessão de conciliação ou mediação. Ou seja, também nesta fase, é preciso que as partes sejam tratadas de maneira isonômica. Por fim, a busca do consenso como princípio apenas reforça a necessidade de não se medir esforços, por parte do mediador e do conciliador, para que se obtenha o consenso. 2. Audiência de conciliação ou mediação A audiência de conciliação ou mediação está prevista no art. 334 do Código de Processo Civil e deve ser designada sempre que “a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido”, sendo que, caso as partes manifestem desinteresse na realização da audiência, ela não será realizada, o que também ocorrerá quando a natureza do litígio não admitir a autocomposição (art. 334, § 4º, I e II, do CPC/2015). Conforme se depreende da parte final do art. 334, a audiência de
conciliação ou mediação deve ocorrer em momento anterior ao oferecimento da contestação, pelo réu. De forma diversa do que previa o Código anterior, como já dito, a ideia é de que as partes sejam instadas a conciliar em momento mais efetivo. Antes da contestação, há nos autos apenas a versão do autor a respeito dos fatos. Busca-se, então, evitar que o réu lance a sua versão dos fatos nos autos, o que, muitas vezes, acaba por acirrar os ânimos de ambas as partes, prejudicando a possibilidade de autocomposição do litígio. Com efeito, na sistemática adotada pelo CPC, o réu é citado para comparecer à audiência de conciliação (art. 303, II, do CPC), podendo manifestar desinteresse na realização da audiência em até 10 (dez) dias antes da realização da audiência (art. 334, § 5º, do CPC/2015). Arruda Alvim destaca o que chama de “curiosa opção legislativa” que “parece obrigar uma parte, relutante, a dirigir-se à audiência que tem como objetivo chegar a uma solução”1146, uma vez que a audiência só não será realizada, como já se disse, quando ambas as partes manifestarem desinteresse. Concordamos com o entendimento do autor de que, “se uma das partes manifestar desinteresse na conciliação, a audiência não deve ser designada”1147. Isso porque, sendo a conciliação e a mediação, mecanismos de autocomposição, e pela aplicação do princípio da autonomia da vontade, não parece possível impor a qualquer das partes, que não tem interesse na autocomposição, que compareça na audiência, sob pena de imposição de multa (art. 334, § 8º, do CPC). Tratar-se-ia, ao que nos parece, de ato processual inútil, o que não parece ter espaço no direito brasileiro. Nos casos em que houver litisconsórcio unitário, todos os litisconsortes devem manifestar desinteresse na realização da audiência para que essa não
seja realizada (art. 334, § 6º, do CPC). Caso o objeto litigioso seja indivisível, certamente a dispensa da audiência também deverá ser manifestada por todos os litisconsortes, ainda que se trate de litisconsórcio simples. Por fim, tratando-se de litisconsórcio simples e que haja fácil cisão dos pedidos tocantes a cada um dos réus, cada um dos litisconsortes poderá manifestar interesse ou desinteresse na realização da audiência individualmente, não dependendo da manifestação de seus demais litisconsortes, pois nada impedirá que seja entabulado acordo apenas entre o autor e um dos réus, prosseguindo-se o processo em face dos demais demandados. A audiência de conciliação e mediação é realizada pelo conciliador ou mediador, cuja atuação está prevista nos arts. 165 a 175 do CPC, e deve ser realizada fora do ambiente judicial – em centros judiciários de solução consensual de conflito (arts. 8º a 11 da Resolução n. 125/2010 do CNJ), ou perante as câmaras privadas ou administrativas com essa finalidade1148 (art. 167, 174 e 175 do CPC/2015). Tanto o conciliador quanto o mediador devem ser capacitados e inscritos no cadastro nacional e no cadastro do Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal (art. 167, caput, e § 1º, do CPC/2015). 2.1 Mediação e conciliação: convergências e divergências Podemos apontar como ponto principal de convergência entre a mediação e a conciliação, o fato de que ambas são formas de resolução de conflito que buscam a autocomposição por meio do auxílio de um terceiro. Ao contrário do que recai sobre o juiz, não cabe ao terceiro resolver o litígio. Sua atuação restringe-se à função de “catalisador da solução negocial do conflito”1149. Trata-se de formas de solução de conflitos sem a atuação jurisdicional do
Estado, ao menos diretamente. Ambas podem ocorrer tanto no âmbito judicial, quanto extrajudicial, sendo os mediadores e conciliadores, no âmbito judicial, auxiliares da justiça, devendo sujeitar-se às regras previstas no Código de Processo Civil, principalmente com relação aos impedimentos ou à suspeição (art. 148, II, 170 e 173, II, do CPC). A diferença que se aponta entre esses métodos de autocomposição é que o conciliador é mais ativo na tentativa de buscar o consenso e pode sugerir soluções para o litígio para às partes (art. 165, § 2º, do CPC), enquanto que o mediador atua como um “veículo de comunicação entre os interessados”1150 e busca facilitar o diálogo entre as partes (art. 165, § 3º, do CPC). Por esse motivo, indicasse a conciliação quando a demanda possui partes que não tinham vínculo anterior e permanente, enquanto a mediação é recomendável para casos em que as partes já possuíam algum tipo de vínculo, seja familiar ou societário. 2.2 Procedimento O Código de Processo Civil estabelece que “o conciliador ou mediador, onde estiver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação” (art. 334, § 1º, do CPC). Aponta-se, portanto, que a audiência será realizada apenas na presença dos ditos “auxiliares da justiça” – considerandose que a audiência será realizada no âmbito judicial – e, que estão sujeitos às regras de impedimento ou suspeição. Ao prever que a audiência será realizada necessariamente pela figura de um auxiliar da justiça, o legislador, segundo Arruda Alvim, “evitar que o julgador da causa tome contato com as partes no ambiente de composição
amigável”, isso porque “a dinâmica da audiência de conciliação ou de mediação é mais emotiva que racional ou jurídica”, e as partes podem levar “questões pessoas e até fatos que podem servir de barganha, de estratégia entre elas para alcançar uma solução consensual ao caso”1151.Por esse motivo, além dos princípios da confidencialidade e da informalidade que devem ser respeitados pelos auxiliares da justiça (art. 166, § 1º, do CPC/2015), busca-se o distanciamento do juiz para que, caso tenha que analisar o mérito da demanda, não esteja contaminado pela discussão havida no âmbito da audiência. As partes devem necessariamente estar acompanhadas por advogados (art. 334, § 9º, do CPC), podendo constituir representantes com poderes para transigir (art. 334, § 10, do CPC). O § 2º do art. 334 prevê a possibilidade de realização de mais de uma audiência, quando a primeira não for suficiente para alcançar uma solução amigável, com a limitação temporal de 60 dias entre a realização da primeira e da última sessão (art. 28 da Lei n. 13.140/2015). Arruda Alvim afirma que a realização de mais de uma audiência para tentativa de uma solução consensual é comum quando se busca a mediação. Isso porque, ela é o instrumento adequado, como já dissemos, para o “tratamento de conflitos presentes em relações de natureza continuada, que demandam a implementação de soluções harmoniosas para convivência futura das partes, exige maior aprofundamento nas relações preexistentes ao conflito, bem como maior sensibilidade por parte do mediador na tentativa de alcançar a justiça coexistencial”1152. Caso a audiência seja frutífera e dela resulte a autocomposição, ela deve ser “reduzida a termo e homologada por sentença” (art. 334, § 11, do CPC),
sendo que o acordo deverá ser homologado pelo juízo, constituindo-se título executivo judicial (art. 515, II, do CPC). Na hipótese de não haver composição entre as partes, inicia-se o prazo de 15 dias para que o réu apresente defesa, considerando-se o dies a quo como sendo o dia útil seguinte à última sessão de mediação ou conciliação1153.
XXV RESPOSTA DO RÉU
1. Noções introdutórias: possíveis reações do réu A resposta do réu comporta as defesas opostas à ação ajuizada pelo autor e, também, um possível contra-ataque, consistente na propositura de reconvenção contra o autor. Formalmente, por uma questão de simplificação, o CPC/2015 reúne ambas as modalidades de resposta (defesas e reconvenção) na mesma manifestação, que é a peça de contestação. Num sentido estritamente técnico, todavia, somente a matéria de defesa (processual e material) constitui, em essência, contestação. A reconvenção, consubstanciada na ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo da ação originária, é modalidade de resposta que não necessariamente visa a impugnar a ação ajuizada pelo autor. Logo, trata-se, a reconvenção, de verdadeiro direito de ação que, apenas por uma questão topológica, será exercido no bojo da contestação. São elucidativas as explicações de Arruda Alvim a propósito desse tema: “No CPC/1973, a contestação e a reconvenção eram apresentadas em peças autônomas, já que, substancialmente, diferem em seu conteúdo. A
simplificação do CPC/2015, entretanto, elimina esse formalismo. Ainda assim, é importante diferenciar: substancialmente, a contestação é a peça de defesa do réu; já a reconvenção não contém uma defesa, senão que uma nova ação, proposta pelo réu contra o autor. O fato de se encontrarem, ambas, na mesma peça processual, não modifica sua natureza jurídica: tanto a contestação como a reconvenção são modalidades de resposta do réu, ainda que só a primeira configure uma defesa propriamente dita; enquanto a segunda se relaciona com verdadeiro exercício do direito de ação por provocação do réu, que formula pedido de tutela jurisdicional contra o autor, ampliando os limites objetivos da relação jurídica processual, que passa a ter duas lides. Algumas vezes, ademais, implicará a reconvenção também a ampliação dos limites subjetivos da relação jurídica processual, o que ocorrerá quando o réu propuser a reconvenção em face do autor e de terceiro (art. 343, § 3º, do CPC/2015)”1. O direito de defesa é um ônus para o réu. Logo, restando infrutífera a audiência de conciliação e mediação (art. 335, I), ou, em caso de dispensa da audiência, tendo transcorrido o prazo de 15 dias, na forma do art. 335, II e III, o réu pode escolher defender-se ou não da ação proposta pelo autor. Nesse último caso, pode o réu: a) optar por não oferecer qualquer resposta ou b) responder sem se defender, apenas com o ajuizamento da reconvenção (art. 343, § 6º). Em ambas as hipóteses (i.e., se o réu não apresenta qualquer resposta ou se responde apenas com a reconvenção, sem defender-se, propriamente), o réu fica revel, por não ter apresentado contestação, no sentido estrito do termo (art. 344, caput, CPC/2015). Por outro lado, quando o réu opta por exercer o ônus de defesa, pode
alegar, no bojo da contestação, praticamente todas as questões de defesa, incluindo-se aqui as defesas processuais (v.g., incompetência do juízo, conexão, litispendência, inexistência de legitimidade etc.) e as defesas substanciais ou materiais, que são as que dizem respeito ao direito material (impugnação direta ou indireta da pretensão deduzida pelo autor). Além das defesas contidas na contestação, que serão detidamente analisadas nas linhas abaixo, pode o réu alegar em sua defesa, por simples petição, o impedimento ou a suspeição do juiz, no prazo de 15 dias, a contar do conhecimento do fato (art. 146, caput). Outra possível reação do réu consiste em reconhecer procedência do pedido formulado pelo autor. Como regra, o reconhecimento da procedência do pedido é homologado pelo juiz mediante sentença, resolvendo-se o mérito da causa (art. 487, inciso III, alínea a). Por fim, quando o réu se abstém do direito de contestar, configura-se, como já foi dito, a revelia. Conforme será exposto oportunamente, a revelia pode acarretar determinados efeitos, entre os quais o principal é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Advirta-se, desde já, que os efeitos da revelia não se aplicam a todos os casos (art. 345 do CPC/2015). 2. O direito de defesa e a contestação O direito de defesa é um direito público, autônomo e abstrato. É público porque também exige do Estado a prestação jurisdicional que leve à composição da lide. É autônomo pela independência entre o direito processual e o direito material. É abstrato porque desvinculado do resultado do processo. Ou, por outras palavras, o efetivo exercício do direito de defesa independe de a ação ser julgada procedente ou improcedente, vale dizer,
independe da juridicidade da defesa. Humberto Theodoro Jr. define a contestação como “o instrumento processual utilizado pelo réu para opor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor”2. Como já se teve oportunidade de insistir, por diversas vezes, o objeto litigioso (ou a lide) é determinado, como regra, pelo autor3. Isso porque, na petição inicial, o autor faz o pedido (art. 319, IV), que delimita o âmbito da atividade jurisdicional (art. 141), ao passo que, em sua defesa, o réu não traz ao processo um bem jurídico para ser objeto de julgamento, senão que levanta questões de fato e/ou de direito opostas à pretensão do autor – apenas resiste à pretensão do autor ou à sujeição processual a que foi submetido. E a solicitação que há de fazer é usualmente uma só: quer a improcedência do pedido do autor, ainda que, se for o caso, deva também se desincumbir das defesas processuais pertinentes (por exemplo, alegando quaisquer das preliminares enumeradas nos incisos I a XI do art. 337). Consoante explica Cândido Rangel Dinamarco, em corroboração ao que se afirma sobre a definição do objeto do processo pelo autor e a restrição dos limites da contestação a esse objetivo litigioso: “A contestação de conteúdo puramente defensivo não alarga o objeto do processo. Limita-se a opor resistências à pretensão do autor; seja com o objetivo de proporcionar ao réu a tutela jurisdicional oposta à pedida por aquele (improcedência da demanda), seja para pleitear a extinção do processo sem julgamento do mérito, seja para imprimir-lhe rumos diferentes (defesas dilatórias, que retardam o procedimento, mas não conduzem à extinção processual – incompetência absoluta, irregularidades sanáveis da petição inicial). Em qualquer dessas hipóteses, o objeto do processo continua dimensionado pelo conteúdo da
petição inicial (...). O objeto do conhecimento do juiz é que poderá ficar alargado, o que sucede quando a contestação leva ao exame destes fatos ou razões jurídicas novos, não contidos na petição inicial, como o pagamento, a prescrição, a compensação ou uma nova versão dos fatos alegados na petição inicial”4. O juiz decide a lide nos moldes em que esta vier a ser definida pelo pedido do autor, sendo-lhe defeso decidir além (ultra petita), ou mesmo aquém (citra ou infra petita) do pedido, segundo o que se extrai dos arts. 141 e 492 do CPC/2015. Da mesma forma, pelas mesmas razões, não poderá decidir fora do pedido, ou seja, sobre o que não tenha sido objeto dele (extra petita). Já se decidiu, como bem observa Arruda Alvim, que a sentença que se omite quanto à apreciação da lide é julgada infra petita5. Observe-se que o juiz decide fora do pedido (extra petita) não apenas quando concede algo diferente do que tenha sido pleiteado pelo autor, mas também quando acolhe fundamento que não corresponda à causa de pedir invocada pelo autor6. Se é correto afirmar que os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não se tornam imutáveis, eis que não ficam recobertos pelo manto da coisa julgada material (art. 504, I), não menos correto é asseverar que, conquanto os fundamentos da sentença não se tornem imutáveis, devem estar decalcados, em caso de procedência, na causa de pedir invocada pelo autor. É sobre eles que se instaura o contraditório, de tal sorte que, se pudesse ser acolhido como fundamento da sentença algo que não tivesse sido indicado pelo autor como causa de pedir, restaria indelevelmente maculado o princípio do contraditório, além do princípio da adstrição do juiz ao pedido (arts. 141 e 492)7. Teresa Arruda Alvim, que é das autoras que estudou com mais
profundidade no direito brasileiro os problemas referentes à nulidade da sentença,
escreve
exatamente
nesse
sentido,
enfocando
problema
interessantíssimo, consistente na aplicação da ideia exposta no parágrafo anterior à ação declaratória de constitucionalidade, entre nós introduzida pela Emenda Constitucional 3/93. Referida Emenda Constitucional alterou o inciso I do art. 102 da CF/88, dispondo ser competência originária do Supremo Tribunal Federal não apenas o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual – como originalmente constava de referido preceito –, mas a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, que, se julgadas procedentes em decisão definitiva de mérito pelo Supremo Tribunal Federal, produzirão efeitos vinculantes e erga omnes, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º, da CF/88, alterado pela EC 45/2004). A propósito da ação declaratória de constitucionalidade, expõe referida autora: “Procedente ou improcedente o pedido, nada impede que se o formule novamente, com base em outra causa de pedir, porque rigorosamente não se tratará do mesmo pedido”8. Parece-nos, todavia, em linha de princípio que, se o escopo da ação é o de que o STF declare a constitucionalidade da lei, para que nenhum outro órgão do Poder Judiciário possa incidenter tantum declará-la inconstitucional, caso a ação seja julgada improcedente, não haverá interesse processual na propositura de nova ação, ainda que calcada em outra causa petendi, eis que o STF já terá reconhecido, ao julgar a primeira ação improcedente, sob todo e qualquer ângulo possível, que a lei ou ato normativo federal não se compatibiliza com o texto constitucional. O mesmo acontece quando a ação
declaratória de constitucionalidade é julgada procedente, pois em ambos os casos a causa de pedir é aberta. Nesse sentido já decidiu o STF: “A cognição do Tribunal em sede de ação direta de inconstitucionalidade é ampla. O Plenário não fica adstrito aos fundamentos e dispositivos constitucionais trazidos na petição inicial, realizando o cotejo da norma impugnada com todo o Texto Constitucional”9. Tal entendimento aplica-se, segundo nosso entender, às ações declaratórias de constitucionalidade10. Alexandre de Moraes, a esse respeito, pontua que “declarada a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal em ação declaratória de constitucionalidade, não há possibilidade de nova análise contestatória da matéria, sob a alegação da existência de novos argumentos que ensejariam uma nova interpretação no sentido de sua inconstitucionalidade. Ressalte-se que o motivo impeditivo dessa nova análise decorre do fato de o Supremo Tribunal Federal, quando analisa concentradamente a constitucionalidade das leis e atos normativos, não estar vinculado à causa de pedir, tendo, pois, cognição plena da matéria, examinando e esgotando todos os seus aspectos constitucionais”11. Como regra, porém, temos que, fora das hipóteses das ações de controle abstrato de constitucionalidade, a mudança de causa de pedir implica mudança do pedido. Nessa linha, corretíssimo o julgado do STJ, relatado pelo Min. Hélio Mosimann, em que acertadamente se decidiu que a denegação do benefício de aposentadoria como médico ferroviário não indica que posteriormente não possa ser pleiteada e concedida aposentadoria como médico autônomo, exatamente porque se trata de pedidos distintos, eis que lastreados em causae petendi distintas12.
A regra geral é, pois, a de que a lide ou objeto litigioso é inicialmente fixada pelo autor, limitando-se o réu a defender-se do que é pedido, colimando, por isso, na melhor das hipóteses, a obtenção de uma sentença declaratória negativa do direito do autor, julgando improcedente a ação (melhor resultado possível, ainda que outros possam ser almejados, como a extinção do processo sem resolução do mérito, por força do princípio da eventualidade, conforme previsto no art. 336). Cabe ao réu impugnar, na contestação, especificadamente, os fatos narrados na petição inicial (art. 341). Se não o fizer, esses fatos serão presumidos como verdadeiros (presunção juris tantum13, como se verá), salvo: I) se a respeito desses fatos não se admitir a confissão; II) se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considerar da substância do ato (por exemplo, o art. 109 do CC dispõe que, “no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”); e III) se estiverem, esses fatos, em contradição com a defesa, em seu conjunto, o que nada mais significa do que dizer que o juiz haverá de examinar a defesa na sua integralidade e dela extrair a sua significação plena, atividade essa que é expressão do livre convencimento motivado do juiz (art. 371). Como já visto, ao incapaz sem representante legal (ou cujos interesses colidam com o do representante legal), assim como ao réu revel citado fictamente (por edital ou por hora certa) e ao réu revel preso, será dado curador especial (art. 72, I e II). Por razões evidentes, a lei dispensa o curador do ônus da impugnação especificada dos fatos (art. 341, parágrafo único). A dispensa desse ônus é igualmente aplicável aos defensores públicos e aos advogados dativos (art. 341, parágrafo único). Entendemos, ainda, que a
Fazenda Pública também está dispensada do ônus da impugnação específica em sede de contestação14. Os fatos não impugnados (não controvertidos), em princípio, independem de prova, e havendo, depois de formado o contraditório, somente fatos não controvertidos, deverá haver julgamento antecipado do mérito (art. 355, I). Para que isso possa ocorrer é necessário que da carta citatória haja constado a advertência expressa contida no art. 250, inciso II – sendo esta inexistente, além de ser nula a citação, impede-se, ab initio, a produção dos efeitos da revelia. A impugnação incompleta, que pode dar margem à presunção de veracidade dos fatos, não deve ser confundida com a revelia propriamente dita, que é a ausência de defesa. Sobre os fatos que não tenham sido especificadamente impugnados recai a presunção de sua veracidade, de que trata o art. 341, caput. Se, todavia, nenhum dos fatos articulados na inicial for impugnado – ou seja, se na contestação se discutir apenas matéria de direito, deve o juiz proceder ao julgamento antecipado do mérito, a teor do inciso I do art. 355. Se, por outro lado, não houver contestação (revelia), os fatos articulados na inicial serão tidos por verdadeiros (art. 344, que trata de presunção relativa, assim como aquela de que cuida o art. 341), ensejando o julgamento antecipado do mérito com fundamento no mesmo dispositivo (art. 355, I). Assim, por exemplo, pode haver concordância entre autor e réu quanto à forma como os fatos sucederam. O que sucederá, todavia, é que autor e réu pretenderão extrair consequências jurídicas distintas desses mesmos fatos. Nessa hipótese, inexiste necessidade de dilação probatória, o que, como dito, deverá conduzir ao julgamento antecipado do mérito (art. 355, I). Portanto, em regra, o réu, ao se defender, não formula pedido algum (salvo
naquelas ações em que a improcedência do pedido do autor acarreta a necessária concessão do bem jurídico ao réu, como é o caso da ação declaratória e das ações possessórias)15, requerendo apenas a improcedência da ação ou a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme a hipótese concreta, ou uma e outra coisa, por força do princípio da eventualidade da defesa. Se não alegar toda a matéria de defesa, a teor do que dispõem os arts. 336 e 341, haverá preclusão do direito de fazê-lo, salvo nas hipóteses do art. 342, I a III. Constituem exemplos de matérias das quais cabe o pronunciamento ex officio do magistrado aquelas contempladas nos arts. 337, § 5º e 485, § 3º. Assim como é dada ao autor a possibilidade de formular um pedido principal e outro subsidiário (cumulação eventual de que trata o art. 326, caput), ao réu também é permitido requerer, em sede de contestação, v.g., a decretação da carência de ação ou, se superada a preliminar, a improcedência do pedido do autor. Em atenção ao princípio da eventualidade ou da concentração da defesa na contestação (art. 336), o réu deverá deduzir na contestação todas as impugnações que tiver contra o processo e contra o mérito da ação, com exceção das hipóteses de impedimento e suspeição, veiculadas em petição autônoma (art. 146). O princípio da eventualidade ou da concentração explica a ilogicidade que pode permear a contestação, na medida em que o réu, na mesma relação processual, deve se utilizar das defesas processuais, cabendolhe, também, impugnar o mérito. Tenham-se presentes os esclarecimentos de Vicente Greco Filho a propósito: “Nesse aspecto há uma correspondência entre o ônus de contestar e o ônus de demandar. Da mesma forma que a inicial deve conter toda a matéria relativa ao pedido, assim, também, na contestação deve estar contida
toda a matéria de defesa. Esse ônus está submetido à preclusão; se o réu deixar de apresentar fundamentos de defesa na contestação, não mais poderá fazê-lo. Todas as defesas devem ser apresentadas de uma só vez, em caráter alternativo ou subsidiário, de modo que, não acolhida uma, possa ser apreciada outra. Trata-se do chamado princípio da eventualidade, que, todavia, não exclui que, depois da contestação, possa o réu apresentar novas alegações, se nascer direito superveniente, o juiz puder conhecer a matéria de ofício ou houver autorização legal para ser apresentada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, como, por exemplo, a prescrição (...)”16. Oportunas, ainda, as lições de Arruda Alvim: “A concentração da defesa viabiliza o desenvolvimento do processo em conformidade com o princípio da lealdade, evitando-se a fragmentação dos argumentos e, com isso, sua manipulação estratégica ou, ainda, a protelação do feito. É plenamente razoável que o réu argua em sua defesa matérias que não possam ser acolhidas concomitantemente – é o caso, por exemplo, das defesas processuais que objetivam extinção do processo (peremptórias) e as defesas de mérito. Aplica-se a regra da eventualidade ou subsidiariedade, deixando clara a ordem de anterioridade das alegações. O que não se nos afigura concebível, e pode, inclusive, comprometer a credibilidade da defesa do réu, é a apresentação de argumentos defensivos que se revelem incoerentes entre si. Desse modo, em princípio, não se mostra coerente arguir, em defesa de mérito, a inexistência do contrato e o pagamento das parcelas pactuadas. Todavia, não há qualquer incoerência em, no mesmo caso, invocar a eventualidade para dizer que, ainda que o contrato existisse, as parcelas estariam prescritas”17. Vale dizer, deve o réu alegar, em contestação, todas as defesas cabíveis,
processuais e meritórias. Mesmo que esteja absolutamente convencido de que as matérias preliminares serão acolhidas e suficientes para culminar na extinção do processo, não deve, por cautela, deixar de contestar o mérito, já que, se não o fizer, acaso superadas as preliminares alegadas, haverá terreno para a incidência da presunção de veracidade dos fatos não contestados de que trata o art. 341. Observe-se que, não sendo apresentada contestação, ainda que o réu se faça representar por advogado nos autos, haverá revelia. Porém, a simples circunstância de os autos serem devolvidos fora de prazo, desde que a contestação seja protocolizada dentro do prazo de 15 dias, não caracterizará a revelia, conforme bem explica Araken de Assis18. Como dito, com relação às matérias cognoscíveis de ofício, entre as quais se encarta a grande maioria das preliminares elencadas no art. 337, o juiz deverá agir de ofício (não havendo, pois, espaço para falar-se em preclusão), a teor do que prescreve o § 5º do art. 337, ainda que haja cominações específicas para o réu que deixar de alegar tais matérias na primeira oportunidade em que falar nos autos (v.g., o art. 485, § 3º, dispõe que as matérias constantes dos incisos IV, V, VI e XI desse mesmo art. 485 serão objeto de atividade oficiosa do juiz, mas que o réu, quando não as alegar na primeira oportunidade em que falar nos autos, responderá pelas custas do retardamento). Isto é, ainda que o réu tenha êxito no que diz respeito ao acolhimento das preliminares, responderá pelas custas do retardamento, caso não alegue tais matérias na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos. O réu também pode requerer que, em caso de a demanda ser julgada improcedente, seja o autor condenado ao pagamento das custas do processo e de honorários advocatícios do réu. Há autores, como Calmon de Passos, que
consideram que o requerimento de condenação nas custas e honorários configura hipótese de “pedido impróprio”, pois “apenas se solicita ao magistrado a aplicação de sanção, cuja efetividade assenta num imperativo da lei processual e cuja imposição independe da vontade das partes ou de sua iniciativa”19. Assim como é possível a condenação do réu nas custas processuais e honorários advocatícios ainda que não tenha existido pedido expresso por parte do autor (art. 322, § 1º), deverá o juiz, em caso de improcedência da demanda, condenar o autor ao pagamento da verba honorária e demais consectários da sucumbência, independentemente de requerimento do réu na contestação, por aplicação do art. 85. Logo, conquanto seja usual o requerimento do réu em sede de contestação, este não se faz necessário. Vale dizer, a condenação do autor nos ônus da sucumbência, julgada improcedente a ação (ou pela extinção sem julgamento do mérito), independe de pedido. O requerimento que usualmente se formula em sede de contestação não tem, pois, outra função senão a de lembrar (alertar) o magistrado da incidência de uma regra, assim como sucede com relação à alegação de preliminares em sede de contestação, as quais se inserem, como regra, no espectro de atuar oficioso do juiz (art. 337, § 5º). Não é o objeto da defesa do réu, repita-se, a formulação de pedido. Ou se oferece alguma defesa processual, colimando-se, por exemplo, a extinção do processo sem resolução de mérito, ou se procura demonstrar que ao autor não assiste razão quanto ao mérito, aspirando-se, por isso, a obtenção de sentença declaratória negativa (do direito, ou, melhor dizendo, da afirmação de direito do autor), que é o melhor resultado possível de ser obtido por parte do réu (de tal sorte que se lhe deve reconhecer interesse recursal para interpor apelação de sentença que
declara carência da ação, mas nitidamente não há interesse processual na interposição de apelação de sentença de improcedência, sobre a qual recaiam os efeitos da coisa julgada material, pois, neste caso, não terá havido sucumbência alguma). Se, todavia, pretende o réu, além de se defender, aproveitar a contestação para deduzir uma pretensão contra o réu, não se pode dizer, pelo mero fato de constar a reconvenção da mesma peça processual, que a defesa (ou a contestação, num sentido técnico mais rigoroso) engloba a formulação de pedido. O que há, nesse caso, é a reunião, numa mesma peça processual, de duas modalidades diversas de resposta: a primeira, consistente na defesa (ou no conjunto de defesas) do réu – contestação propriamente dita, e a segunda que, embora contida na peça de contestação, com esta, a rigor, não se identifica: trata-se de nova ação, proposta pelo réu contra o autor, no mesmo processo da ação originária. A circunstância formal de serem ambos os atos praticados num só momento e mediante peça única não desnatura a distinção, assim como não afasta as características e pressupostos singulares de uma e de outra resposta. As particularidades da reconvenção serão abordadas mais detidamente em tópico próprio. A respeito da desnecessidade de pedido expresso de condenação em honorários advocatícios, atualmente disposta de forma explícita na legislação processual (art. 322, § 1º), tem-se que já era esse o entendimento preponderante desde CPC/39, conforme se infere da Súmula 256 do STF20: “É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do CPC”. Observava, com pertinência, Yussef Said Cahali, à luz do CPC/73: “Com o novo estatuto processual, esta orientação remanesce inalterada, pois, diante do texto do art. 20, ‘o que importa é saber-se quem foi vencido, e o juiz, na sentença, tem de condená-lo
ao pagamento dos honorários’. O dever do juiz é efeito da incidência da regra jurídica cogente, razão por que não precisa ter sido pedida, na inicial ou depois, a condenação. Assim, o enunciado da Súmula 256 permanece em vigor, a despeito da legislação superveniente; ‘o autor não está obrigado a formular no pedido a fixação da verba honorária, tanto que o juiz, mesmo que as partes não se tenham manifestado a respeito, deve condenar o vencido em custas e honorários de advogado do vencedor’; é que, ‘regendo-se a verba advocatícia (como as custas) pelo princípio da sucumbência, a concessão dessas parcelas não caracteriza julgamento ultra petita, tratando-se, no caso, de simples consequência da atuação do direito’”21. 3. As preliminares de contestação previstas no art. 337 Como dito, a contestação pode abranger tanto a matéria de defesa relativa ao processo quanto a defesa atinente ao mérito da ação (defesa processual e material). As arguições processuais, ou seja, aquelas relativas à invalidação da relação processual e aos requisitos formais que prejudicam o julgamento do mérito, devem ser apreciadas antes do mérito da demanda. O art. 337, em seus incisos I a XI, elenca diversas matérias que devem ser levantadas, de forma preliminar na contestação, vale dizer, antes do mérito. São elas: inexistência ou nulidade de citação, incompetência absoluta ou relativa, incorreção do valor da causa, inépcia da inicial, perempção, litispendência, coisa julgada, conexão, incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização, convenção de arbitragem, carência de ação, falta de caução ou outra providência que a lei exija como preliminar e indevida concessão do benefício da justiça gratuita.
Sob a vigência do CPC/73, algumas dessas matérias preliminares eram alvo de defesas apartadas, inaugurando verdadeiros incidentes, que eram autuados em apenso. Assim, a incompetência relativa era arguida por via de exceção, nos moldes previstos nos arts. 304 e ss. do CPC/73; a impugnação ao valor da causa era feita na forma do art. 261 do CPC/73, e não na contestação e a impugnação à assistência judiciária regia-se pelo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 1.060/50, que foi revogado pelo art. 1.072 do CPC/2015. Ao reunir tais questões às demais preliminares de contestação, o art. 337 do CPC/2015 simplificou consideravelmente o procedimento comum, viabilizando, a um só tempo, o exercício do direito de defesa pelo réu e a desburocratização dos atos processuais. Todas as preliminares previstas no art. 337, salvo a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, devem ser objeto de atividade oficiosa do juiz, segundo prescreve o § 5º do referido art. 337, isto é, compete ao juiz conhecê-las independentemente de provocação do réu. 3.1 Hipóteses dos incisos I a XIII do art. 337 A citação constitui pressuposto processual de existência do processo. O processo, como relação trilateral, não chega, em regra, a existir por inteiro (há só um começo de processo, entre autor e réu)22 se a citação não se perfaz, ou se é feita de forma nula (art. 280). Saliente-se, todavia, que, como já foi abordado quando do estudo da improcedência liminar (art. 332), em algumas hipóteses excepcionais, o processo se forma e o mérito da causa é resolvido antes mesmo da citação do réu. Prevê o citado art. 332 que, nos casos em que for dispensável “a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente
o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”. O § 1º do dispositivo em questão traz, ainda, outras hipóteses de resolução de mérito antes da citação do réu, consistentes na decretação de prescrição e de decadência, quando verificadas de plano pelo juiz. Nos dizeres de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “seria perda de tempo, de dinheiro e de atividade jurisdicional insistir-se na citação e na prática dos demais atos do processo, quando o juízo ou mesmo a jurisprudência como um todo já tem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor, ou quando já se apurou que o pedido é caduco ou prescrito”23. O comparecimento espontâneo do réu ao processo, é certo, faz as vezes da citação, segundo a dicção expressa do § 1º do art. 239. Porém, o réu poderá comparecer apenas para arguir a nulidade da citação, caso em que, sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação, quando da intimação do advogado do réu da decisão que acolher referida nulidade, sendo-lhe devolvido o prazo para contestar. A propósito, afigura-se correto o posicionamento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, no sentido de que a ausência de previsão expressa da possibilidade de o réu comparecer apenas para arguir a nulidade da citação (tal como constava do art. 214 do CPC/73) não afasta tal possibilidade, visto que o próprio art. 239 contempla, no § 2º, opções para o caso da rejeição da citada arguição24. Se o processo se desenvolver à revelia sem que o réu tenha sido
validamente citado, terá faltado pressuposto processual de existência, e poderá ser ajuizada ação declaratória de inexistência da relação processual. Isso porque, nesse caso, não há que se falar em coisa julgada material; por esse motivo, rigorosamente não é a ação rescisória o meio apropriado para atacar a sentença proferida em tal processo25. Porém, como melhor exposto no capítulo XVII, tem-se que os tribunais têm admitido que referida invalidade (de citação) possa ser reconhecida no bojo de ação rescisória26, concebendo-se, inclusive, uma possível fungibilidade entre as medidas27. A incompetência absoluta decorre da infringência de regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia. Pode ser conhecida de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 1º). Diferentemente da incompetência relativa (art. 65), a sua não arguição em preliminar de contestação não gera o fenômeno processual da prorrogação da competência. Aliás, já se teve oportunidade de lembrar, quando estudado o tema “competência”, que a incompetência absoluta gera vício capaz de comprometer até mesmo a autoridade da coisa julgada, pois enseja a propositura de ação rescisória (art. 966, II). Não é demais frisar que o CPC/2015 trouxe para o bojo da contestação, em sede preliminar (art. 337, II), a alegação de incompetência relativa, que no CPC/73 era deduzida em separado, por meio de exceção (art. 112 do CPC/73). A opção legislativa reforça o objetivo de facilitação do trâmite processual, dispensando-se tecnicismos desnecessários. Na mesma linha, inciso III do art. 337 determina que a incorreção do valor da causa também deve ser alegada em preliminar de contestação, sob pena de preclusão (art. 293). Diversamente, o CPC/73 previa que a “impugnação ao valor da causa” fosse feita por meio de incidente próprio, autuado em apenso
(art. 261 do CPC/73). Ressalte-se que o caráter preclusivo da alegação dirigese à parte, tendo em vista que, pela sistemática atual, ao juiz é dado corrigir de ofício, a qualquer tempo, o valor da causa quando verificada a ausência de correspondência deste com o conteúdo patrimonial em discussão (art. 292, § 3º c/c art. 337, § 5º, do CPC/2015). No CPC/73 não havia disposição expressa que autorizasse a atuação oficiosa do juiz para corrigir o valor da causa; todavia, o STJ já havia, em algumas ocasiões sob a vigência do Código revogado, decidido no sentido dessa possibilidade28. Também é de ser arguida como preliminar de contestação a inépcia da petição inicial (art. 337, IV). A inépcia da inicial (art. 330, § 1º, I a IV) deve ensejar o seu indeferimento liminar, e a consequente extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, I). Porém, se isso não suceder, não há óbice a que o réu, em sede de preliminar de contestação, levante a inépcia da inicial. Devemos, porém, relembrar, como mais detidamente exposto no capítulo XXIII, que a petição inicial, sempre que possível, deve ser aproveitada. Assim, sendo viável, deverá o juiz determinar a emenda da petição inicial, nos moldes do art. 321, indeferindo-a, num momento seguinte, caso referida determinação não seja atendida (art. 330, IV). Vale dizer: apenas quando a petição inicial for absolutamente insuscetível de ser emendada é que o juiz deverá indeferi-la desde logo por inépcia. A perempção da ação também é matéria que deve ser alegada em preliminar de contestação. Lemos o conceito de perempção e, para tanto, atentemos para as hipóteses do art. 485, que levam à extinção do processo sem resolução de mérito. Em tais casos, é possível a repropositura da ação (art. 486)29, justamente porque, não tendo havido resolução de mérito, sobre o que tiver sido antes decidido não recai a autoridade da coisa julgada material,
que é justamente o que obsta à repropositura da ação nas hipóteses em que o mérito é percutido. Se, todavia, o autor der causa à extinção do processo sem resolução de mérito por três vezes, pelo motivo do inciso III do art. 485, prescreve o art. 486, § 3º, não poderá repropor a ação, ficando salvaguardado o direito de alegar em eventual defesa o seu direito (a perempção atinge, assim, o direito de ação, mas não o direito material nem o direito de defesa). Na hipótese, portanto, de ser acionado, figurando no polo passivo da relação jurídica processual, poderá, em sede de contestação, alegar aquilo que deixou de poder argumentar no polo ativo por força do fenômeno da perempção. Como já estudado, a perempção constitui pressuposto processual negativo, ou extrínseco da relação processual. Em preliminar de contestação, deve-se apontar eventual litispendência (art. 337, VI). Há litispendência quando se repete ação que está em curso (art. 337, § 3º). Doutra parte, o § 2º do art. 337 prescreve que uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, causa de pedir e pedido (elementos de identificação das ações, consoante já estudamos no capítulo dedicado à teoria da ação). Havendo duas ações idênticas (dualidade de litispendências), deverá haver extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, V), inviabilizada, nesse caso, por razões evidentes, sua repropositura, pois a “correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito” pressupõe a modificação de um dos elementos da ação e, com isso, a propositura de nova ação, diversa daquela que foi extinta. Aqui, não se cogita, pois, de repropositura, mas de nova ação. Logo, havendo litispendência e extinto o processo, não se pode cogitar de repropositura.
A interpretação no sentido de não poder ser reproposta a ação pressupõe a permanência da primeira ação; isto quer dizer que se, por qualquer razão, essa primeira ação, que sobreviveu litispendente, vier a ser extinta, sem resolução de mérito, não há mais a vedação de repropositura. Somente nesse caso afigura-se aplicável a disposição do art. 486, § 1º, que permite que a ação seja reproposta se houver a correção do vício. Como já estudado, quando analisamos os pressupostos processuais, a litispendência é pressuposto processual negativo ou extrínseco, porque o segundo processo, conquanto preencha todas as condições intrínsecas de prosperar, por um motivo externo (existência do primeiro) deverá ser extinto sem resolução do mérito. Sobrevive, em havendo dualidade de litispendências, a ação em que primeiro tiver ocorrido citação (art. 240). Também a existência de coisa julgada deve ser levantada em preliminar de contestação (art. 337, VII). Se ação idêntica (mesmo critério da litispendência – art. 337, § 2º) já tiver sido julgada por sentença irrecorrível (coisa julgada formal), desde, ainda, que o mérito tenha sido apreciado (casos em que há coisa julgada material), inviável a sua repropositura. Também, é claro, se ação com pedido mais abrangente tiver sido julgada definitivamente (ocorrendo coisa julgada material), não poderá ser reproposta a ação, ainda que em parte. Nessa hipótese, segundo o caput do art. 486, é inviável, sem qualquer exceção30, por razões evidentes, a repropositura da ação. Ainda, deverá ser levantada a existência de conexão (art. 337, VIII), isto é, o elo entre dois processos, entre os quais seja comum o objeto ou a causa petendi (art. 55), o que deve determinar o julgamento conjunto de ambos, segundo prescreve o art. 57, perante o juízo prevento (o critério geral de prevenção é o do registro ou da distribuição da petição – art. 59). A
interpretação extensiva (o legislador disse menos do que queria dizer) desse inciso VIII do art. 337 conduz a que se entenda nele abrangidas também: a) a situação de processos que possam gerar riscos de decisões conflitantes ou contraditórias (art. 55, § 3º), ainda que não haja rigorosa identidade de pedido ou causa de pedir; e b) a hipótese de continência (art. 56 do CPC/2015), que igualmente deve conduzir ao julgamento conjunto dos processos. Pelo inciso IX do art. 337, o réu deverá levantar em contestação, também preliminarmente ao mérito, a incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização. Tais vícios impedem a formação válida da relação processual, mas são eventualmente corrigíveis (art. 76). A noção da incapacidade de parte abrange tanto a capacidade de estar em juízo (expressão no plano do processo da capacidade de direito ou de gozo)31 como a capacidade processual, pressuposto processual de validade (expressão no plano do processo da capacidade de exercício daquele direito)32. O defeito de representação ou a falta de autorização também se refletem na legitimação processual (pressuposto processual de validade). Também o réu poderá alegar em contestação a existência de convenção de arbitragem. A convenção arbitral deve ser entendida, pela dicção do art. 3º da Lei n. 9.307/96 como “a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”. O art. 4º, caput, da citada lei define a cláusula compromissória como “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”, ao passo que o compromisso arbitral é conceituado no art. 9º como “a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”. Esse último instrumento é mais completo que o primeiro, pois, para além de firmar a
competência do juízo arbitral, estipula as regras e elementos específicos atinentes à arbitragem a ser instaurada, em conformidade com o que dispõe o art. 10 da Lei n. 9.307/96. Para efeito do disposto no art. 337, caput, IX e § 5º, do CPC/2015, é suficiente a presença de um ou de outro (i.e., da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral)33, pois ambos se prestam a demonstrar a opção das partes pela exclusão da jurisdição estatal em favor da arbitragem. Nesse contexto, deve-se lembrar que, por estar situada no âmbito da autonomia das partes34, a convenção arbitral não se insere dentro do espectro de cognição oficiosa do juiz, como já foi mencionado precedentemente (art. 337, § 5º). Em sede de preliminar, o réu poderá, ainda, levantar a ausência de legitimidade ou de interesse processual (art. 337, XI). Se a ausência de legitimidade ou de interesse processual não tiver levado ao indeferimento da inicial (art. 330, II, III, e art. 485, I), o réu deverá levantá-las em sede de preliminar de contestação. Especificamente quanto à ausência de legitimidade passiva, dispõem os arts. 338 e 339 do CPC/2015 sobre a possibilidade de substituição do polo passivo sempre que o autor concordar com a indicação, pelo réu, do legitimado que considera correto para responder a causa. Tal substituição deve ocorrer mediante alteração da petição inicial, no prazo de 15 dias (arts. 338 e 339, § 1º, do CPC/2015), hipótese em que o autor excluirá o réu do polo passivo e incluirá a pessoa por este indicada para figurar como ré. Tratase de disposição inovadora, que visa a evitar a extinção do processo e a propositura de nova ação. Sob a vigência do CPC/73, os arts. 62 a 69 dispunham, de forma muito mais restrita e burocrática, sobre uma modalidade de intervenção de terceiros denominada nomeação à autoria. Os
arts. 338 e 339 do CPC/2015 autorizam a correção do polo passivo com o mínimo de exigências formais necessárias, a saber: a indicação, pelo réu, daquele que deve a figurar no polo passivo; a concordância do autor e a alteração da petição inicial. Deverá o réu alegar em contestação, também, a falta de caução ou outra prestação que a lei exige como requisito de procedibilidade (art. 337, XII). Por exemplo, embora seja possível, como regra, a repropositura da ação se a anterior foi extinta sem resolução do mérito, o art. 486, § 2º, exige que o autor prove o pagamento ou o depósito das custas e dos honorários de advogado. Já hipótese em que o autor, ab initio, deva apresentar caução (de custas processuais e honorários advocatícios) é a do art. 83. Por fim, o inciso XIII do art. 337 determina que a impugnação ao benefício da justiça gratuita – antes feita por meio de petição autônoma e autuada em apartado (art. 4º, § 2º, da Lei n. 1.060/50, revogado pelo art. 1.072, III, do CPC/2015) –, seja feito em preliminar de contestação. A maior parte das matérias elencadas no art. 337 conduz à extinção do processo sem resolução de mérito, resguardada a oportunidade de prévia manifestação do autor, conforme preceituam os arts. 10 e 317 do CPC/2015. Não é o caso da incompetência absoluta (que implica a remessa dos autos ao juízo competente, conservados os efeitos dos atos decisórios até que outros sejam proferidos, pelo juízo competente, para substituí-los – art. 64, § 4º), nem da conexão (que acarreta reunião para julgamento conjunto das causas conexas, a teor do art. 57, o que deve se dar perante o juízo prevento, sendo que os critérios de prevenção são aqueles do art. 59). Com o oferecimento da contestação, ocorre preclusão consumativa (decorrente da prática do ato), só cabendo novas alegações se mudado o
pedido (art. 329, II, o que pode ocorrer até o saneamento, cabendo nova resposta exclusivamente em relação àquilo que se modificou no pedido), ou se houver direito superveniente, ou ainda se se tratar de matéria a respeito da qual deva o juiz decidir de ofício, ou que diga respeito a assunto que possa ser levantado, por autorização legal, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 342). 4. Prazo e requisitos Em regra, o prazo para oferecer resposta é de 15 (quinze) dias35, dentro do qual o réu, sendo o caso, deverá apresentar contestação e, sendo o caso, deverá ser apresentada na mesma peça a reconvenção. Nesse mesmo prazo deve ser arguido o impedimento ou suspeição do juiz, conforme o caso, se as circunstâncias que ocasionam tal impedimento ou suspeição já forem conhecidas à data do início do prazo de resposta. Consoante o art. 334, a regra geral no procedimento comum é a de que o réu seja citado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação; sendo infrutífera a tentativa de autocomposição, conta-se o prazo de resposta a partir da data da referida audiência ou da última sessão, se houver mais de uma (art. 355, I). Caso haja a oposição das partes à realização da audiência de conciliação, o prazo começará a correr a partir do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação (arts. 335, II, c/c 334, § 4º, I e § 5º), sendo que, na hipótese de litisconsórcio, o termo inicial do prazo será, para cada um dos réus, a data da apresentação dos respectivos pedidos. Quando o juiz não designar a audiência de conciliação ou de mediação (o que ocorre nas hipóteses em que o direito não admite autocomposição), o prazo terá início a partir da citação, aplicando-se à contagem o disposto no
art. 231. Desse modo, sendo vários os réus, o prazo para resposta será comum, deflagrando-se pela juntada do último aviso de recebimento ou do último mandado cumprido (art. 231, § 1º). Se o autor desistir da ação com relação a determinado réu, ainda não citado, o prazo de resposta será contado a partir da intimação da decisão que homologa a desistência (art. 335, § 2º). Ressaltem-se, quanto a esse prazo de 15 dias, as exceções relativas à Fazenda Pública – incluídas as autarquias e fundações de direito público (art. 183), ao Ministério Público (art. 180), à Defensoria Pública (art. 186), aos escritórios de prática jurídica das Faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º), que têm prazo em dobro para se manifestar nos autos. Outrossim, havendo mais de um réu, com diferentes procuradores de escritórios de advocacia distintos, o prazo de contestação deverá ser computado em dobro independentemente de requerimento, isto é, será de 30 dias no procedimento comum (art. 229). É, entanto, inaplicável o prazo em dobro caso os autos sejam eletrônicos (art. 229, § 2º). Evidentemente, nada impede que, antes de deflagrado o prazo (por exemplo, antes de juntado aos autos o último mandado citatório), o réu compareça aos autos, devidamente representado por advogado, e apresente contestação. Se, portanto, os réus já citados e cujos mandados (ou avisos de recebimentos) respectivos já foram juntados aos autos estiverem aguardando a juntada do mandado (ou aviso de recebimento) de algum corréu aos autos, devem atentar para a circunstância de que este pode comparecer espontaneamente aos autos, fazendo-se representar por advogado e, pois, deflagrando o prazo de contestação.
Observe-se que, caso a contestação venha a ser tida por intempestiva e, por isso, seja desentranhada, a procuração outorgada ao advogado deve permanecer nos autos, para que seja ele intimado dos atos subsequentes do processo, pois, a teor do art. 346, conquanto o revel não seja, como regra, intimado dos atos processuais, deverá sê-lo a partir do momento em que constitua advogado com o fim de representá-lo no processo. Aliás, tangentemente ao problema do desentranhamento da contestação, são de ser referidas as conclusões a que chega Araken de Assis, deve-se ter presente que a questão era discutida, principalmente, à luz do CPC/73, tendo em vista a previsão do art. 195 daquele Código, que autorizava o desentranhamento de alegações e documentos feitas por advogado que retivesse indevidamente os autos. Ainda assim, resguardavam a doutrina e parte da jurisprudência36, em determinadas ocasiões, a possibilidade de, praticado o ato (contestação, recurso etc.) no prazo, manter-se a peça processual, ainda que a restituição dos respectivos autos se desse posteriormente. Nesse sentido, entendia Araken de Assis que se o advogado fosse pontual na devolução dos autos, não haveria de ser desentranhada a contestação, ainda que intempestiva37. À luz do CPC/73 já se afigurava, efetivamente, equivocada a conclusão de que a simples devolução dos autos fora de prazo pudesse conduzir ao desentranhamento da contestação apresentada dentro do prazo. E como o CPC/2015 não prevê o desentranhamento das manifestações e documentos juntados aos autos quando estes forem restituídos intempestivamente pelo procurador
das
partes,
não
há
qualquer
razão
que
justifique
o
desentranhamento sob tais circunstâncias. De outro lado, também se afigura razoável a conclusão de que, devolvidos
os autos no prazo, a apresentação fora do prazo da contestação não deva necessariamente conduzir ao desentranhamento da peça de resposta, pois isso pode se revelar contrário à economia processual, na medida em que parte do conteúdo da contestação pode voltar a ser levantada, por petição simples, a despeito do desentranhamento daquela. Saliente-se, ainda, que o prazo de resposta começa a correr independentemente da intimação da parte da juntada do aviso de recebimento, mandado ou carta, cabendo a ela ser diligente no acompanhamento do processo. Isto é, desde que citado o réu, o prazo, potencialmente, estará apto a ser deflagrado. Havendo outros réus, se o réu cujo mandado ou aviso de recebimento (AR) já foi juntado aos autos preferir esperar que a última citação se aperfeiçoe, poderá fazê-lo, mas deverá, seja permitido insistirmos, acompanhar o processo com atenção, tendo em vista que a deflagração do prazo ocorrerá com a juntada do último aviso de recebimento (AR) ou mandado, do que não haverá intimação específica ao réu anteriormente citado38. No procedimento comum, a contestação deve ser apresentada por escrito, após a realização da audiência de conciliação ou de mediação ou, caso não tenha sido designada, no prazo de 15 dias na forma prevista no art. 231. Deve ser dirigida ao juiz da causa e apresentada perante o respectivo juízo; de forma excepcional, quando há alegação de incompetência absoluta ou relativa, é admissível sua apresentação no domicílio do réu, facilitando-lhe o exercício do direito de defesa. Em tal hipótese, deve ser efetuada a comunicação imediata do juiz da causa, de preferência por meio eletrônico (art. 340), suspendendo-se a audiência de conciliação ou de mediação até que este decida sobre a questão.
Da contestação devem constar, ainda, os nomes das partes e, em regra, deve ser anexado o instrumento de mandato conferido ao advogado. Deve, ainda, conter manifestação precisa sobre os fatos narrados na inicial (art. 341, caput); a exposição dos fatos e fundamentos jurídicos da resistência ao processo e ao pedido do autor; a especificação das provas que o réu pretende produzir (art. 336); e apresentação dos documentos através dos quais o réu pretende provar suas alegações (art. 434). Apresentada a contestação, não pode o réu modificá-la, nem aditá-la, mesmo que o prazo não se tenha escoado por inteiro, pois terá havido preclusão consumativa39. No prazo de 15 dias, ao apresentar a contestação o réu poderá também alegar o impedimento ou suspeição do julgador, bem como apresentar reconvenção na própria contestatória, a teor do que prescreve o art. 343. Cumpre destacar que o CPC/73 previa, no mesmo prazo previsto para o oferecimento da resposta, a possibilidade de propositura da ação declaratória incidental – desde que houvesse relação jurídica controvertida prejudicial ao julgamento da demanda (v. arts. 5º, 297 e 470 do CPC/73). O CPC/2015, por sua vez, estabeleceu um regime especial de coisa julgada para, nas hipóteses em que verificados os pressupostos dos §§ 1º e 2º do art. 503, ampliar os limites objetivos da coisa julgada de forma a abranger também questões prejudiciais decididas incidentemente no processo. Diante de tais disposições, sempre que o processo se inicie na vigência do CPC/2015, não se afigura necessário, em princípio e por via de regra40, o ajuizamento de ação declaratória para o fim de ver resolvida definitivamente a questão prejudicial. Ressalva-se, porém, o disposto no art. 430, parágrafo único, do CPC/2015, que trata da necessidade de pedido quanto à declaração de falsidade documental para que a questão seja tratada como questão
principal. E isso porque, como será visto oportunamente, a matéria é alvo de disposição específica, além do que a declaração de falsidade documental não constitui necessariamente questão prejudicial. Se, porém, a questão prejudicial for suscitada em ação ajuizada ainda na vigência do CPC/73, é inquestionável o cabimento da ação declaratória incidental, bem como a aplicabilidade do disposto nos arts. 5º, 325, 469, III e 470, todos do CPC/73, tendo em vista a disposição transitória constante do art. 1.053 do CPC/2015, verbis: “O disposto no art. 503, § 1º, somente se aplica aos processos iniciados após a vigência deste Código, aplicando-se aos anteriores o disposto nos arts. 5º, 325 e 470 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. 5. Ônus da impugnação específica dos fatos alegados pelo autor A contestação deve impugnar especificamente cada fato alegado pelo autor na inicial, sob pena de incidir a presunção de veracidade sobre aqueles fatos que não tenham sido impugnados. Diga-se desde logo que, mesmo que incida a presunção de que trata o art. 341, caput, do CPC/2015, nem por isso a ação necessariamente há de ser julgada procedente, eis que, ainda que se tomem por verdadeiros os fatos, tais quais relatados pelo autor, nem por isso as consequências jurídicas que este pretenda extrair deles estarão corretas41. A impugnação por negativa geral, exceto em alguns casos excepcionais (parágrafo único do art. 341), não é admitida em nosso ordenamento, devendo o réu impugnar isoladamente cada item abordado pelo autor. Calmon de Passos, a propósito do ônus da impugnação especificada dos fatos alegados na petição inicial (art. 341, caput), assim se pronunciou: “Manifestar-se especificamente é manifestar-se de modo específico, o que
pode
significar
tanto
indicando
a
espécie
como
descrevendo
pormenorizadamente, ou apontando individualmente, ou determinando de modo preciso e explícito etc. Manifestar-se precisamente é manifestar-se indicando com exatidão, particularizando, mencionando especialmente etc. (...) A primeira consequência a retirar-se do dispositivo é a da impossibilidade da contestação por negação geral. Não só a tradicional contestação por negação geral, mas também a contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor. Firmar isso e não impugnar são coisas que se equivalerão. (...) Cumpre ao réu dizer não somente que os fatos são inverídicos, mas também como ocorreram ou que outros fatos são verdadeiros. A pura e simples negação pelo réu carece de eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade referida no art. 302, caput [do CPC/73], retirando-se dele as consequências que veremos adiante”42-43-44. A impugnação especificada dos fatos narrados na inicial é, assim, ônus do réu, já que, em não o fazendo, incidirá a presunção (relativa, é verdade) de que são verdadeiros, tornando desnecessária a prova de tais fatos por parte do autor. A regra geral, contudo, é a de que cabe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito (rectius, de sua afirmação de direito), a teor do que prescreve o inciso I do art. 373. O ônus é do autor desde que os fatos por ele alegados tenham sido objeto de impugnação especificada do réu (isto é, que sejam fatos controvertidos), pois, do contrário, incide (em princípio) a mencionada presunção de veracidade, o que faz com que, em regra, seja dispensada a sua prova pelo autor (art. 374, IV, o que configura a relevatio ab onore probandi). Vale dizer, o autor terá o ônus de provar os fatos constitutivos do seu
direito, que tenham sido especificadamente impugnados. Mais adiante veremos, no capítulo XXIX, todavia, que a doutrina e os tribunais têm reconhecido, mais e mais, certa margem para que o juiz possa determinar a produção de provas de ofício, com base na primeira parte do art. 130 do CPC/73, que equivale ao art. 370 do CPC/2015. O que impende salientar, neste passo, é o caráter relativo da presunção de que tratam os arts. 341 e 344. Por primeiro, tem-se que referida presunção é de ser afastada nas hipóteses dos incisos I a III do art. 341, e, ademais, segundo dispõe o parágrafo único desse dispositivo, não se aplica o ônus da impugnação especificada ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial (art. 72, I e II). Mas, além disso, a presunção de veracidade dos fatos não contestados deve ser afastada pelo juiz toda vez que esses fatos se entremostrem implausíveis, aplicando-se, por analogia, o disposto o art. 345, IV. O juiz não pode ser visto como um autômato que é obrigado a dar por verdadeiros fatos inverossímeis, pela simples circunstância de que não foram objeto de impugnação especificada por parte do réu. Esse entendimento já era sustentado à luz do CPC/73, quando ainda não havia ressalva expressa quanto à presunção de veracidade de fatos inverossímeis; atualmente, conquanto a não impugnação dos fatos não se identifique com o fenômeno da revelia, a disposição do inciso IV do art. 345 afigura-se suficiente para afastar a presunção – relativa – de veracidade do art. 341 tanto quanto serve para afastar aquela presunção do art. 344. Nesse contexto, remanescerá o ônus do autor de comprovar os fatos alegados, ainda que não impugnados pelo réu, incumbindo ao juiz, por força dos princípios da cooperação e do contraditório participativo (arts. 6º, 9º e 10 do CPC/2015 e art. 5º, LIV, da CF/88), intimar o autor para especificar as provas a serem
produzidas, indicando os fatos a serem provados e fundamentando as razões da inverossimilhança. Note-se, nesse passo, que tal inverossimilhança não pode ser extraída de uma crença ou de um sentimento íntimo do juiz; hão de ser apontados motivos racionais que a justifiquem, tais como a incoerência do que se alega com as regras da experiência comum ou técnica ou a contradição com as próprias alegações do autor. Ainda, a alegação de fatos inverossímeis é uma das hipóteses nas quais, em nosso entender, cabe, excepcionalmente, o atuar oficioso do juiz no que diz respeito à produção de provas, previsto no art. 370 do CPC/2015. Com efeito, não se pode obrigar o juiz a tomar fatos inverossímeis como verdadeiros. Mas, consoante será dito no capítulo referente à teoria geral das provas, acredita-se que a atuação ex officio do juiz em matéria probatória deva ser subsidiária à atuação das partes, de sorte que, no caso em tela, o juiz só deve tomar a iniciativa da prova se e quando esgotadas as tentativas do autor de se desincumbir desse ônus. Deveras, se é possível afirmar como regra geral que, não contestados os fatos alegados pelo autor, incide a presunção de veracidade deles, o que dispensa o autor do onus probandi, a teor do inciso IV do art. 374, de outro lado também é preciso reconhecer que as regras do ônus da prova (art. 373 e s.) – que configuram regras de julgamento – coexistem com a possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício (art. 370). Nesse sentido, Arruda Alvim afirma que o “rol de exceções, previsto nos incisos e parágrafo único do art. 341 do CPC/2015, não pode ser considerado exaustivo. Há outros fatos que, conquanto não impugnados pelo réu, não podem ser considerados verdadeiros. Constituem exemplos de tais hipóteses os fatos inverossímeis e os fatos contrários a fatos notórios, pela razão de que o juiz não poderá presumir verdadeiros fatos manifestamente contrários à
racionalidade lógica ou às regras da experiência. Tal implicaria a possibilidade de julgamento manifestamente contrário à verdade dos fatos, por aplicação de presunção relativa que, no caso concreto, revela-se artificial e desconectada da realidade”.45 Mesmo que não se trate de fatos implausíveis, há julgados entendendo que a disparidade socioeconômica das partes pode ser justificativa para o juiz determinar de ofício a produção de provas, atendendo-se com mais fidedignidade ao dever de tratar igualitariamente as partes (igualdade substancial), previsto no art. 139, I, do CPC/2015 e, precedentemente, no art. 125, I, do CPC/73. O STJ, sob a vigência do CPC/73, em acórdão relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira já se manifestou em confluência a esse entendimento, conforme se extrai do seguinte trecho: “Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes”46-47. Pode-se afirmar que as regras do art. 373 e ss. do CPC/2015 convivem harmonicamente com o art. 370. É certo que a regra do ônus da prova é regra de juízo, o que significa que deve nortear a atividade decisória do juiz, no
momento de prolatar a sentença. Nesse momento processual deverá o juiz considerá-la e, caso a parte que alegou determinado fato não se tenha desincumbido do ônus de prová-lo, tal fato deverá ser dado por não provado, com as consequências que daí possam advir ao julgamento da lide (o que não necessariamente significa que a ação deva ser julgada contra aquele que alegou mas não provou). Mas isso não significa que as partes não devam atentar às regras pertinentes ao ônus da prova no curso do processo, pois em princípio, e como regra geral, ao juiz não caberá suprir a inatividade das partes48. Pode ser que o réu, todavia, aceite os fatos tais quais tenham sido narrados pelo autor, porém pretenda extrair deles consequências jurídicas distintas. Nesse caso, caberá julgamento antecipado do mérito, sendo desnecessária a fase instrutória, a teor do que dispõe o art. 355, I. Terá cabimento o julgamento antecipado da lide, com esteio no mencionado inciso I do art. 355, sempre que o réu aceitar os fatos, tais como tenham sido relatados na petição inicial, ou, então, quando, embora conteste o réu a narrativa fática da petição inicial, for possível ao juiz, através dos documentos anexados à inicial (art. 320) e à contestação, entender de forma inequívoca como os fatos realmente ocorreram. Tenha-se presente, porém, que o art. 350 estatui que, toda vez que o réu arguir fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, deverá ser aberta vista a ele, a fim de replicar no prazo de 15 dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova. Quanto à impugnação específica dos fatos alegados pelo autor, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou, sob a égide do CPC/73, no seguinte sentido: “Contestação – Impugnação específica. Admitindo o réu
efetivamente que se verificaram os fatos alegados, mas de forma diversa do apresentado pelo autor, cumpre-lhe explicitar como teriam ocorrido, não bastando, para atender ao art. 302 do CPC [de 1973], a genérica afirmação de que se passaram de modo diferente”49. Isto é, discordando o réu da narrativa fática posta pelo autor, deverá apresentar ao juiz a sua versão dos fatos e não apenas limitar-se a dizer que os fatos relatados na petição inicial não ocorreram daquela forma, o que, em última análise, equivaleria a contestar por negativa geral. Do contrário, isto é, não procedendo o réu dessa forma, incidirá, em princípio, a presunção de que trata o art. 341, tomando-se os fatos narrados pelo autor como sendo verdadeiros. Assim também já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, à luz do CPC/73: “O réu deve se manifestar precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, pois tem o ônus da impugnação específica dos mesmos, presumindo-se verdadeiros os fatos não impugnados, a teor do art. 302 do CPC [de 1973], vez que não se admite defesa por negativa geral, por não tornar a matéria controvertida”;50 “O sistema processual pátrio inadmite, como regra, a contestação por negativa geral, sendo necessário que o réu se manifeste, em sua peça de resposta, sobre todos os pontos suscitados pelo autor, sob pena de se considerarem verdadeiras as alegações não impugnadas”51. Como dito anteriormente, a lei ainda preserva algumas hipóteses em que se admite seja feita a contestação por negativa geral, tendo em vista a impossibilidade de se ter acesso a uma versão dos fatos diferente da apontada pelo autor na petição inicial. Como diz Calmon de Passos52, nesses casos não existe o diálogo entre a parte e seu advogado para que sejam fornecidos os
elementos necessários à defesa. São as hipóteses do incapaz sem representante legal (ou em que os interesses deste último colidam com o do primeiro, de acordo com o art. 72, I), assim como do réu citado fictamente (por edital ou por hora certa) e que seja revel, e do réu preso, aos quais será dado curador especial (art. 72, II). Também não se aplica esse ônus ao defensor público, ao advogado dativo, sendo expresso a propósito o parágrafo único do art. 341. 6. Hipóteses de afastamento da presunção de que trata o art. 341 Será, como visto, afastada a presunção do art. 341, nas hipóteses dos incisos I a III do referido dispositivo, a seguir tratadas com mais dentença. Quando se tratar de fatos a respeito dos quais não seja viável a confissão (art. 341, I), não incidirá a presunção, ainda que não haja impugnação específica do fato. Por isso, deve-se ter presente, para bem compreender o alcance desse inciso I, as regras dos arts. 391 e 392. Diz o art. 391 que “a confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes”. Tratando-se de litisconsórcio unitário, ainda que apenas um dos réus conteste a ação, essa impugnação aproveitará aos demais, não recaindo sobre os fatos narrados na inicial a presunção de veracidade, pela simples circunstância de um dos litisconsortes não os ter contestado. Da mesma forma, em caso de litisconsórcio unitário, se um dos litisconsortes não se desincumbe do ônus de impugnar especificadamente os fatos constantes da petição inicial, caso o outro o faça, afastada fica a presunção de que trata o caput do art. 341. Tal não ocorre, todavia, ao menos não necessariamente, em caso de litisconsórcio simples. Deveras, tratando-se de litisconsórcio simples, incide,
em princípio, a regra do art. 117, que consagra o princípio da independência entre o atuar dos litisconsortes. Apenas se se tratar de litisconsórcio unitário, caso em que a sorte, no plano do direito material, tem de ser a mesma para todos os litisconsortes (pois a lide é única), é que a contestação, por um deles, dos fatos alegados pelo autor, aproveitará necessariamente aos demais, ainda que não tenham estes contestado aqueles fatos53. Todavia, não se descarta a hipótese de que a contestação dos fatos comuns por um dos litisconsortes, em caso de litisconsórcio simples, redunde no afastamento da presunção de veracidade dos fatos não contestados, em relação a outro litisconsorte que não se tenha desincumbido a contento do ônus do art. 341 (impugnação especificada dos fatos), exatamente porque, como já se disse, o juiz não é obrigado a agir como autômato em face da não contestação de determinados fatos pelo réu. De outro lado, estatui o art. 392 que “não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”. Desse modo, inadmissível a confissão sobre fatos atinentes a direitos indisponíveis, a não contestação de tais fatos não conduzirá à presunção de que devem ser tidos por verdadeiros, não dispensando o autor, destarte, do ônus de prová-los. Também restará afastada a presunção do caput do art. 341, uma vez que o inciso II do mesmo artigo prevê que, se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considere da substância do ato (art. 108 do CC/2002) não haverá presunção de veracidade. Sempre que o instrumento público for da essência do ato, não será a ausência de impugnação especificada de determinado fato que irá afastar essa regra. É que, neste caso, estabelece o art. 406 do CPC/2015: “Quando a lei exigir instrumento público, como da substância do ato, nenhuma outra prova, por
mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. Por fim, ainda que não haja impugnação especificada dos fatos alegados na inicial, restará afastada a presunção de sua veracidade desde que o fato, a despeito de não ter sido contestado especificadamente, esteja em contradição com a defesa, em seu conjunto (art. 341, III). Nesse sentido, há julgado do STJ afastando a presunção de veracidade dos fatos não contestados se o fato, a despeito de não contestado, se mostrar contrário às circunstâncias dos autos, desde a vigência do CPC/7354. As hipóteses do art. 341, como visto, não são exaustivas, podendo-se afirmar que, desde que o fato se mostre inverossímil, o juiz não é obrigado a agir mecanicamente em face da ausência de impugnação por parte do réu. Portanto, ainda que a hipótese não se subsuma nos incisos do art. 341, desde que o fato se mostre implausível55, o juiz pode afastar a presunção de que trata o caput desse artigo. Na contestação, o réu deve requerer a produção de provas, a teor do que dispõe o art. 336. Todavia, assim como existe certa tolerância relativamente ao momento de requerimento das provas por parte do autor (o que, rigorosamente, deve ser feito na petição inicial, a teor do art. 319, VI), existe certa transigência no que diz respeito ao momento em que o réu deve requerer a produção de provas. De regra, o juiz, no procedimento comum, abre, na fase de saneamento (por decisão escrita ou na audiência destinada a esse fim, se for o caso – art. 357, caput, II e § 3º), espaço para que as partes – autor e réu – especifiquem e justifiquem as provas que pretendem produzir, o que, certamente, poderão fazer com mais propriedade nessa fase processual, já oferecida contestação e, eventualmente, réplica. E, à luz das questões de fato e de direito relevantes à causa, previamente delimitadas na decisão
saneadora, decidir sobre a admissibilidade das provas requeridas. Cristiano Chaves de Farias afirma com propriedade: “A prova a ser produzida no processo, portanto, gravitará em torno dos pontos controvertidos fixados, podendo (ou melhor, devendo) o juiz dispensar e indeferir qualquer prova que não se destine a provar fatos relacionados aos pontos controversos”.56 Trata-se, a seguir, com mais vagar, da necessidade de o réu, no bojo da contestação, formular requerimento de provas. 7. Requerimento e produção de provas Outro assunto que já foi abordado superficialmente, e, em nosso sentir, demanda alguns esclarecimentos adicionais, diz respeito ao requerimento de produção de provas. Os fatos não impugnados (não controversos), em princípio, independem de prova, devendo haver julgamento antecipado do mérito se não houver fatos controversos, a respeito do quais haja necessidade de dilação probatória. Não basta, porém, que o fato seja controvertido para que sobre ele deva recair a instrução probatória. É necessário que, além de controvertido, se trate de fato pertinente, isto é, diga respeito à lide, e, ademais, que se trate de fato relevante, vale dizer, que possa influir na solução da causa. Como já mencionado, pode haver concordância entre autor e réu quanto à forma como os fatos sucederam. Todavia, pode acontecer que as partes – autor e réu –, a despeito de concordarem sobre como os fatos ocorreram, pretendam extrair desse quadro fático consequências jurídicas distintas. Não havendo controvérsia fática, tal deverá conduzir ao julgamento antecipado do mérito. Também deverá haver julgamento antecipado se, a despeito de existir referida controvérsia, for ela dirimível por meio da prova que tenha sido
trazida aos autos, conforme prevê o art. 355. Relativamente ao momento do requerimento das provas por parte do autor e do réu, reafirma-se o quanto já dito no sentido de que ao autor compete requerê-las na petição inicial (art. 319, VI), cabendo ao réu, de seu turno, requerê-las na contestação (art. 336). Nas edições anteriores desse curso, sustentou-se, à luz do CPC/73 e de parcela da jurisprudência então vigente, que a posterior abertura pelo juiz de momento processual para especificação de provas, conquanto usual, seria facultativa, até porque não era – e ainda não é – expressamente prevista em lei (ressalvada a hipótese do art. 348 do CPC/2015, correspondente ao art. 324 do CPC/73)57. Todavia, consoante salientado no capítulo sobre A petição inicial, a tendência da jurisprudência do STJ58 é no sentido de diminuir a importância dos requerimentos formulados na fase postulatória, reforçando a fase de saneamento como o momento mais adequado para a especificação precisa e fundamentada dos meios de prova. Se, de um lado, tal argumento afigura-se plenamente justificado pelo contraditório participativo e pela postura cooperativa que se espera das partes e do magistrado, de outro, há que se ter presente que a adequação do saneamento para este fim pressupõe, justamente, que a decisão saneadora observe a necessidade, ditada pelo art. 357, II e IV, do CPC/2015, de o juiz fixar previamente a as questões de direito relevantes para a resolução de mérito e as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória. Ainda, nas causas ditas “complexas” (art. 357, § 3º), o esforço na realização de um saneamento oral e compartilhado viabilizaria a maior compreensão das questões intrincadas da causa, preparando o juiz e as partes para estabelecerem, da melhor forma possível, quais os meios de prova
aptos à demonstração dos fatos probandos. Nesse panorama afigura-se razoável a valorização das provas especificadas na fase imediatamente anterior à instrução probatória, quando os sujeitos processuais já possuem uma visão mais clara da controvérsia. Frise-se, porém, que nenhum dos argumentos supra referidos dispensa as partes de, na medida do possível, indicar, na fase postulatória, quais os meios de prova que, à luz do contexto inicial do processo, pretendem produzir. Tal requerimento decorre do princípio da lealdade processual, além de ser recomendável para prevenir eventual entendimento sobre a ocorrência de preclusão do direito de fazê-lo na fase saneadora59. Afigura-se, inclusive, equivocado o entendimento de que a indicação dos meios de prova, na petição inicial (pelo autor) e na contestação (pelo réu) não libera as partes do requerimento posterior quando, na fase de saneamento e organização do processo, forem intimadas para especificarem as provas que pretendem produzir60. Como já se disse precedentemente, afigura-se mais razoável o entendimento, aparentemente superado, no sentido de que o juiz deva considerar os requerimentos formulados na inicial e na contestação, ainda que não haja nova especificação na fase de saneamento. Logo, se o réu indicar precisa e fundamentadamente os meios de prova na contestação, não há razão para se considerar precluso o direito. São de se ter presentes as pertinentes considerações de Sérgio Sahione Fadel a propósito do despacho judicial que determina a especificação de provas: “É que, estando já nos autos a questão devidamente delimitada, aquelas provas, de início (na inicial e na contestação) especificadas, poderiam não ter mais razão de ser, quer pelo efeito da revelia, quer por confissão, quer pela incontrovérsia de certos fatos, quer, ainda, em função de questões novas
arguidas pelo réu na sua defesa, e que demandariam do ator outro comportamento, que não o inicialmente adotado. A especificação de provas, portanto, a essa altura, vale ou como uma ratificação das provas inicialmente requeridas, ou como desistência das que se tornaram supérfluas, ou, ainda, como solicitação de novas, em virtude de questões supervenientes trazidas nos autos pelas partes”61. 8. Alegações de suspeição e de impedimento O CPC/2015 prevê que a suspeição e o impedimento do juiz devem ser alegados em incidente, abandonando-se a via processual das exceções, até então previstas nos arts. 304 a 306 do CPC/73. As hipóteses de suspeição do juiz que podem ser alegadas pelas partes estão previstas no art. 145, caput e incisos I a IV, prevendo, ainda, o § 1º do citado artigo que o juiz poderá declarar-se suspeito “por motivo de foro íntimo”. Já as causas de impedimento vêm descritas nos arts. 144 e 147. Os motivos de impedimento são bem mais graves do que aqueles de suspeição. Pode-se dizer que, como regra, os primeiros atinam com requisitos objetivos, ao passo que os últimos dizem respeito também a dados subjetivos. O pressuposto processual da imparcialidade (requisito de validade da relação processual) só não estará presente se se tratar de juiz impedido. É que o impedimento constitui vício que não se sana, rendendo ensejo, inclusive, como a incompetência absoluta, a ação rescisória (art. 966, II). Com efeito, por exemplo, o art. 144, IV, diz que estará impedido o juiz de julgar em causa de que for parte. Trata-se de dado objetivo, constatável de plano. Já, por exemplo, a hipótese do art. 145, I (amizade íntima com qualquer das partes ou com seus advogados) implica certa dose de
subjetivismo62, mas nem sempre indica imparcialidade do juiz, o que justifica ter o legislador catalogado tal caso como de suspeição, admitindo a convalidação do vício, se não levantado a tempo. Assim, não arguida a suspeição no prazo de 15 dias a contar do conhecimento do fato (art. 146), opera-se a preclusão, e o suposto vício, se não alegado, torna-se irrelevante, justamente porque não alegado em tempo oportuno. Diferentemente, o impedimento, por ser vício mais grave, não gera preclusão, podendo até mesmo, como se frisou, ensejar a propositura de ação rescisória (art. 966, II). Nota-se, pois, que os regimes do impedimento e da suspeição são distintos. Enquanto o último vício se convalida se não levantado dentro do prazo a isto destinado (prazo do art. 146) e não se presume, o primeiro (impedimento) gera presunção iuris et de iure de parcialidade do juiz, sendo vício que jamais convalesce, podendo ser levantado ou conhecido ex officio até mesmo após o trânsito em julgado. Quanto ao procedimento aplicável, tem-se que, uma vez alegado o impedimento ou a suspeição, pode o juiz aceitar a recusa da parte e submeter os autos ao seu substituto legal, ou determinar que seja autuada em apartado a petição para que o incidente seja decidido pelo tribunal (art. 146, § 1º). A alegação de impedimento ou suspeição é realizada de forma autônoma à contestação e pode, até mesmo, anteceder a peça defensiva, antes do término do prazo de 15 dias. Se o relator conceder efeito suspensivo ao incidente, o restante do prazo voltará a correr quando este vier a ser julgado (art. 146, § 2º) – considerando-se, todavia, o termo a quo para a retomada da contagem como a data da intimação sobre o retorno dos autos à origem;63 se tal efeito for indeferido, o prazo – e o processo, como um todo – voltará a correr
independentemente da decisão sobre a suspensão ou sobre o impedimento (art. 146, § 1º). No caso de julgar improcedente a alegação, o Tribunal deverá rejeitá-la (art. 146, § 4º); se a acolher, deverá remeter os autos ao substituto legal, condenando o juiz nas custas, caso se trate e impedimento ou de manifesta suspeição (art. 146, § 5º). Acolhida a alegação, o próprio Tribunal deverá fixar o momento a partir do qual o juiz era suspeito ou impedido (art. 146, § 6º), decretando-se a nulidade dos atos do juiz que tenham sido praticados quando já presente o vício (art. 146, § 7º). Registre-se que a exigência de imparcialidade não se aplica apenas ao juiz, estendendo-se a outros sujeitos processuais, aos quais se devem aplicar as hipóteses de impedimento e de suspeição dos arts. 144 e 145 do CPC/2015, respectivamente. O membro do Ministério Público, se for fiscal da lei (art. 178, I a III) ou se agir como parte (o que só poderá fazer nos casos expressamente autorizados em lei – art. 177), poderá ser declarado impedido ou suspeito (art. 148, I). Poderão, ainda, ser impedidos ou suspeitos os auxiliares da justiça (art. 148, II, do CPC/2015), e outros sujeitos imparciais do processo, tais como o perito e o intérprete (art. 148, III). Para essas pessoas elencadas no art. 148 do CPC/2015, a parte interessada deverá arguir-lhes o impedimento ou a suspeição na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos (art. 148, § 1º, do CPC/2015), decidindo o juiz sem suspensão do processo, após ouvir o arguido em 15 (quinze) dias (art. 148, § 2º). Nos tribunais, a arguição será disciplinada pelo regimento interno (art. 148, § 3º, do CPC/2015).
9. Reconvenção A reconvenção vem prevista no art. 343 do CPC/2015. Estatui o art. 343: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”. Cabe que se examinem minuciosamente os conceitos previstos em referido dispositivo. Como tantas vezes salientado ao longo deste capítulo, o CPC/2015 alterou a sistemática do CPC/73 ao determinar que a reconvenção seja apresentada pelo réu na contestação, dispensando a necessidade de apresentação de uma peça autônoma. Porém, mesmo que apresentada na mesma peça processual, a reconvenção tem conteúdo e objetivo diverso da contestação propriamente dita. A reconvenção é uma nova ação dirigida pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), no mesmo processo por este instaurado contra aquele. Trata-se de instituto que foi idealizado em atendimento ao princípio da economia processual, ensejando a tramitação e o julgamento conjunto de litígios conexos. Como se verá adiante, a conexão a que alude o art. 343 como pressuposto ensejador da reconvenção deve se dar entre a reconvenção e a ação principal (o que haveria de ensejar a reunião das ações, se propostas separadamente, nos termos do art. 55, § 1º), ou, ainda, entre a reconvenção e o fundamento de defesa. Cândido Rangel Dinamarco aduz, com propriedade, que “a reconvenção é um instituto que em si mesmo constitui repúdio à perniciosa ideia do processo civil do autor, que é a postura metodológica consistente em direcionar todo o processo e realizar todos os seus atos com vista à satisfação deste – como se o autor tivesse sempre razão e suas razões de pressa ou
urgência fossem sempre mais dignas que as do réu. Ela impõe àquele uma espera um pouco maior e pode criar embaraços à sua pretensão, mas isso é feito em nome da maior eficiência da Justiça e da dignidade do sistema processual. A reconvenção potencia o resultado social de pacificação a ser obtido mediante o processo, o que é seguro fator de sua legitimidade entre as instituições do processo civil de resultados”64. Como já estudado, a regra geral é a de que o réu, ao apresentar defesa, não deduz, a seu favor, um novo pedido de tutela jurisdicional (salvo nas ações tipicamente dúplices, nas quais a própria contestação defensiva já amplia o objeto do processo, prescindindo da reconvenção); limita-se a pleitear um julgamento de mérito desfavorável ao autor que, em regra, não lhe acarreta o reconhecimento de um direito material65. Isso significa que o réu pode defender-se, porém, como regra, não ataca o autor, não lhe dirige, expressa ou implicitamente, pedido algum66. Quando apresenta a contestação defensiva, o réu não poderá obter mais do que a improcedência da ação. Através da reconvenção, todavia, o réu formula pedido dirigido contra o autor, transmudando-se as posições da ação originária: o réu passa a ser o reconvinte (“autor” da reconvenção) e o autor passa a ser o reconvindo (“réu” da reconvenção). Com o oferecimento da reconvenção, amplia-se o tema decidendo. Ao juiz não caberá, apenas, decidir se o autor tem razão ou não; caber-lhe-á, também, dizer se assiste ou não razão ao réu-reconvinte. Importante consignar que a reconvenção não visa apenas à exclusão do pedido do autor, pois, como bem pondera Moacyr Amaral Santos, nada impede que tanto a ação principal como a reconvenção sejam julgadas procedentes. Figure-se, por exemplo, a seguinte hipótese: “A pede que seja B condenado a pagar-lhe indenização proveniente de danos que empregados
deste fizeram em terras daquele; B reconvém, pedindo seja A condenado a construir a cerca divisória entre os imóveis. As duas ações podem ser julgadas procedentes: a procedência da reconvenção não exclui nem modifica o pedido formulado na ação”67. A possibilidade de o réu lançar mão da reconvenção está, como dito, diretamente ligada ao princípio da economia processual68. Nada impede que o réu que não ofereça reconvenção proponha ação autônoma com o mesmo pedido que teria sido suscetível de ter sido deduzido em sede de reconvenção. Na hipótese do oferecimento de reconvenção, duas ações (a ação originária e a reconvenção, conexas por contraposição) estarão unidas e produzirão provas conjuntamente, bem como é evidente que serão julgadas conjuntamente, salvo na hipótese de julgamento antecipado parcial de mérito69. Como já se disse, é necessário que exista conexão entre a reconvenção e a ação principal ou com o fundamento da defesa, segundo exige expressamente o art. 343. O processo, neste caso, compreenderá tanto a ação (movida pelo autor contra o réu), como a reconvenção (movida pelo réu-reconvinte contra o autor-reconvindo). Fala-se, por isso mesmo, em simultaneus processus. Como ação que é, a reconvenção deverá preencher os pressupostos processuais – de existência e de validade –, bem como as condições da ação, para que o seu mérito possa vir a ser apreciado. Aplicam-se à reconvenção as exigências dos arts. 319 e 320. Isso significa, por exemplo, que, nas hipóteses do art. 330, poderá haver indeferimento liminar da reconvenção. Do mesmo modo, se não estiverem presentes os pressupostos específicos da reconvenção, poderá a inicial ser indeferida liminarmente. A decisão que indefere apenas a reconvenção é decisão interlocutória, uma
vez que, conquanto se subsuma em uma das hipóteses do art. 285 (incisos I), nos termos do § 1º do art. 203, não põe fim ao à fase cognitiva do procedimento comum. Trata-se de decisão impugnável por agravo de instrumento, por força do disposto no art. 1.015, XIII, c/c art. 354, parágrafo único, do CPC/2015. Examinemos, com mais detença, os requisitos específicos da reconvenção. 9.1 Legitimidade (ativa e passiva) Será legitimado ativo para propor a reconvenção o réu, que poderá ajuizar a ação isoladamente ou em litisconsórcio com terceiro. Logo, pela dicção do CPC/2015, desde que o réu, havendo litisconsórcio passivo na ação originária – seja um dos autores da reconvenção, nada obsta a que esta seja proposta em conjunto com terceiros que, num primeiro momento, não integravam o processo. O mesmo raciocínio se aplica ao polo passivo da reconvenção: será legitimado para figurar como réu da ação reconvencional o autor da ação originária, sem prejuízo da formação de litisconsórcio passivo com um terceiro que não figure na ação originária (art. 343, § 3º). Tais disposições (art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015) são inovadoras comparativamente ao CPC/73, que nada dispunha sobre a possibilidade de a reconvenção introduzir novos sujeitos na relação processual. Naquele contexto, defendíamos, ao lado de parcela considerável da doutrina, o entendimento de que a reconvenção não poderia provocar a ampliação subjetiva do processo70. O CPC/2015, no entanto, encampou a opinião de Cândido Rangel Dinamarco, para quem “a admissibilidade da reconvenção subjetivamente
ampliativa é expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional, procurando extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer”71. Se, por um lado, o Código atual permite a ampliação subjetiva do processo pela reconvenção, é certo, também, que nada obsta o ajuizamento de reconvenção subjetivamente menos ampla que a ação originária. Explica-se: se, na ação originária houver litisconsórcio ativo ou passivo, nenhum inconveniente haverá se a reconvenção for proposta contra apenas um dos autores ou por apenas um dos réus da ação originária, respectivamente. O que se exige é uma identidade mínima de partes, no sentido da coincidência, pelo menos: de um réu da ação originária com a figura do reconvinte, e, ainda, de um autor da ação originária com a figura do reconvindo. Observe-se, ainda, que, nas situações em que o autor da ação originária figurar como substituto processual (legitimado extraordinário que deduz direito alheio em nome próprio), a reconvenção somente contra este somente será cabível se acionado na mesma condição de substituto, defendendo, assim, no polo passivo da reconvenção, os interesses dos substituídos da ação originária (art. 343, § 5º). 9.2 Conexão entre a reconvenção e a ação principal ou o fundamento da defesa Como diz a letra do art. 343, deve haver conexão entre a reconvenção e a ação principal ou o fundamento da defesa. Nos termos do art. 55 a conexão se dá pelo pedido (objeto) ou pela causa de pedir. Exemplificativamente: haverá conexão pelo pedido se as duas partes almejam a rescisão do mesmo contrato, sendo que o autor pede a rescisão por
inadimplemento do réu e este pede a rescisão pelo inadimplemento do autorreconvindo; haverá comunhão de causa de pedir se o autor pede contra o réu a condenação deste a cumprir determinado contrato e este pede contra o autor, em reconvenção, o saldo do preço referente ao mesmo contrato. Pelo art. 343, para fins de admissibilidade da reconvenção, pode haver, ainda, conexão entre o fundamento da defesa e o pedido reconvencional. Isso indica, claramente, que a ideia de conexão, estampada no referido artigo, envolve um conceito mais abrangente do que aquele do art. 55, pois, para admissibilidade da reconvenção, é suficiente a conexão desta não apenas com a ação principal, porém com os fundamentos da defesa72. Por exemplo, o réu contesta, alegando ter sido coagido a assinar determinado contrato, e reconvém, pleiteando, em razão disso, indenização por perdas e danos73. A coação, como elemento determinante da assinatura do contrato, é fundamento da defesa (excludente, por exemplo, da obrigação de pagar) e é fundamento da reconvenção, em que se pedem perdas e danos. 9.3 Competência do juízo O juízo da ação principal será competente para processar a reconvenção. Se for originariamente incompetente para julgar a reconvenção, prorroga-se sua competência para julgá-la, por força do art. 54, quando não se tratar de incompetência absoluta. Observava, com pertinência, Moacyr Amaral dos Santos: “Mas não é qualquer competência suscetível de prorrogação. Costuma-se dizer, e com acerto, que se prorroga a competência relativa, ou territorial, não a competência absoluta ou de atribuições. Instituída por motivos de ordem pública, regulada pelas leis de organização judiciária, a competência absoluta
não pode ser violada, nem tolerada sua violação, conquanto nisso acordem as partes”74-75. Desse modo, para que haja prorrogação, é preciso que não se trate de incompetência absoluta (interpretação, contrario sensu, do art. 54, que admite a prorrogação da competência caso o fundamento de sua fixação seja o do valor ou do território)76. Suponha-se, por exemplo, que a ação principal tramita em São Paulo: com efeito, só se pode formular pedido reconvencional que possa ser conhecido pelo juízo em que tramita a causa principal77. 9.4 Compatibilidade de procedimentos Para a cumulação de pedidos é mister que seja adequado para todos os pedidos o mesmo tipo de procedimento (art. 327, § 1º, III). Esse requisito também se aplica à reconvenção, já que, com o oferecimento da reconvenção, tem-se também duas ações e um único processo. Se a ação tramitar pelo procedimento comum e assim também a reconvenção, óbice algum haverá à admissão da reconvenção sob esse ângulo. Se a ação tramitar por procedimento especial, e a reconvenção pelo procedimento comum, inexistirá óbice à reconvenção, desde que o procedimento especial seja daqueles que, após a contestação, siga o procedimento comum78-79. Se, finalmente, uma e outra (ação e reconvenção) tramitarem por procedimentos especiais distintos, será incabível a reconvenção. 9.4.1 Campo de aplicação da reconvenção A reconvenção tem cabimento em qualquer espécie de ação de conhecimento, seja ela condenatória, constitutiva ou, ainda, meramente
declaratória80. Como regra geral, pode-se dizer que, toda vez que o acolhimento contestação da contestação defensiva acarretar o reconhecimento de um direito ao réu, independentemente de pedido expresso (ações dúplices), descabe reconvenção, que, na verdade, é desnecessária, pois falta, nesses casos, interesse processual (necessidade e utilidade) para sua propositura81. Ainda, se for possível ao réu a formulação de pedido contraposto na contestação (art. 31 da Lei n. 9.009/95), também não haverá interesse no ajuizamento da reconvenção. Porém, é preciso, como lembram Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, que se atente para o fato de que, seja nas ações dúplices, seja naquelas em que há autorização expressa de pedido contraposto na contestação, o objeto da duplicidade e do pedido contraposto está restrito, de um modo geral, aos fatos alegados na inicial, revelando-se a tutela favorável eventualmente obtida pelo réu como um “espelho” da ação originária. Assim, por exemplo, nas ações possessórias, a lei autoriza o réu a demandar contra o autor, na própria contestação, a proteção possessória e indenização por perdas e danos, decorrentes de turbação ou esbulho praticados pelo autor (art. 556). Se, quanto a esses pedidos, não há interesse na ação, é possível que outras espécies de pedido (conexos com ação principal ou com o fundamento da defesa) defluam dessas ações, caso em que se poderá cogitar da reconvenção. Com efeito, visualize-se, por exemplo, a hipótese das ações possessórias. O réu poderá, na contestação, demandar proteção possessória e pedir indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor (art. 556 do CPC/2015). Nesse caso, evidentemente, não há interesse processual no ajuizamento da reconvenção, se na própria contestação à possessória o mesmo objetivo já pode ser atingido.
Se, todavia, o pedido a ser deduzido em sede reconvencional não estiver compreendido nessas hipóteses, há interesse processual na reconvenção, ainda que se trate de ação dúplice (como é a possessória). Nas ações rescisórias, parece, em princípio, ser cabível reconvenção, se de outra rescisória se tratar. 9.5 Procedimento A reconvenção, como visto, deve ser oferecida por escrito na própria contestação nos termos do que dispõe o art. 343 do CPC/2015. O Código de Processo Civil de 1973 previa a necessidade de apresentação da contestação em petição à parte que, embora não fosse autuada em apartado, necessitava de uma petição autônoma, que deveria atender aos requisitos do art. 282, VII, do CPC/73, atual 319 do CPC/2015. E, por esse motivo, a petição de reconvenção poderia liminarmente indeferida, se se configurar qualquer das hipóteses do art. 295 do CPC/73 (art. 330 do CPC/2015) que já foram tratadas em capítulo específico. Uma vez admitida a reconvenção, o autor-reconvindo é intimado para responder em 15 (quinze) dias, diz o art. 343, § 1º, do CPC/2015, na pessoa de seu advogado. Havendo mais de um reconvindo, com procuradores de escritórios de advocacia distintos, aplica-se o art. 229 do CPC/2015, e os prazos devem ser computados em dobro, salvo se os autos forem eletrônicos (art. 229, § 2º, do CPC/2015). Assim, havendo dois ou mais autores (reconvindos) com diferentes procuradores, poderão utilizar o benefício do art. 229, excetuada a hipótese do § 2º, que assegura aos litisconsortes com diferentes procuradores prazo em dobro para contestar (a reconvenção), recorrer e, de modo geral, falar nos autos, sendo desnecessário o
requerimento pela parte. O Ministério Público também se beneficia da prerrogativa do art. 180 do CPC/2015 (prazo em dobro) para oferecimento de reconvenção. Entendemos que esse benefício, apesar de não estar expressamente previsto no art. 180 do CPC/2015, também se estende à Fazenda Pública, conforme já defendemos acima. Essa intimação, como se disse, tem os efeitos práticos de citação (especificamente aqueles do art. 240 do CPC/2015, já tratados: constituição em mora), mas o advogado não necessita de poderes especiais para recebê-la, o que configura exceção à regra geral do CPC. A resposta à reconvenção deverá ser apresentada em 15 (quinze) dias (art. 343, § 1º, do CPC/2015). Essa resposta deve seguir as mesmas regras já estudadas em capítulo específico, insculpidas nos arts. 336 a 342 do CPC/2015. Poderá o autor-reconvindo invocar a falta de condições da ação e dos pressupostos processuais de existência e de validade, bem como poderá invocar a falta de qualquer das condições de admissibilidade da reconvenção, acima referidas. O não oferecimento de contestação à reconvenção conduz à presunção (relativa) de veracidade dos fatos nela alegados (art. 344 do CPC/2015), assim como a não impugnação especificada dos fatos articulados na reconvenção leva à presunção de veracidade dos fatos que não tenham sido impugnados (art. 341 do CPC/2015). Consigne-se, todavia, que, se pela regra é indispensável conste do mandado a advertência de que trata a parte final do art. 344 do CPC/2015 para que se reputem ocorridos os efeitos da revelia, esse mesmo raciocínio não se aplica à hipótese de não contestação à reconvenção, pois enquanto o réu é, no mais das vezes, leigo, incapaz, pois, de saber quais são as consequências da sua omissão, o reconvindo é citado na
pessoa de seu advogado, podendo, portanto, dimensionar as consequências da sua inércia. É que a ratio essendi da regra insculpida no art. 344 do CPC/2015, como bem apontam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, reside no fato de o réu ser leigo e não ter obrigação de saber que sua omissão acarretará tão graves efeitos processuais82. Todavia, como a intimação para responder à reconvenção é feita na pessoa do advogado do autor-reconvindo, “que tem conhecimentos técnicos suficientes para saber quais os efeitos decorrentes de sua inércia”83, incide a presunção do art. 344 do CPC/2015, caso não haja impugnação à reconvenção, ainda que da intimação não tenha constado a advertência de que trata o art. 344 do CPC/2015. Adiante-se, todavia, que a presunção de veracidade dos fatos articulados na reconvenção, caso não tenha havido contestação à reconvenção, é relativa, devendo ser analisada no contexto do quadro probatório (princípio do livre convencimento motivado do juiz – art. 371 do CPC/2015). Já afirmamos anteriormente, por exemplo, que, com o oferecimento de reconvenção, mesmo que não tenha sido oferecida contestação, os fatos alegados na inicial podem se tornar controvertidos, afastando-se, por isso, a presunção de que trata o art. 344 do CPC/2015. Da mesma forma, a não contestação, por parte do reconvindo, à reconvenção não necessariamente implicará que ocorram os efeitos do referido dispositivo, haja vista que os fatos articulados na reconvenção podem estar infirmados na petição inicial. 9.6 Desistência da ação principal e os efeitos na reconvenção Pela regra do § 4º do art. 485, até que decorra o prazo para resposta, poderá o autor desistir da ação independentemente do consentimento do réu;
após a contestação, a desistência dependerá do consentimento do réu. Porém, desde que o réu tenha formulado pedido reconvencional, a desistência da ação (ou a sua extinção por qualquer causa) não obsta ao prosseguimento da reconvenção (art. 343, § 2º, do CPC/2015). Da mesma forma, deve-se entender que a desistência da reconvenção ou sua extinção não afeta a marcha da ação principal. A ação e a reconvenção (desde que essa seja admitida e processada conjuntamente com a ação) serão decididas na mesma sentença. Essa decisão deverá conter, de forma explícita, o julgamento do pleito incidental – reconvenção –, inclusive para fins de recorribilidade (neste caso, o recurso será de apelação). Se, porém, houver indeferimento liminar da reconvenção, o processo não se extinguirá, de modo que o recurso cabível será o agravo de instrumento, consoante já se referiu anteriormente (arts. 354, parágrafo único, e 1.015, XIII, do CPC/2015).
XXVI REVELIA
1. Noções introdutórias e conceito Já se fez referência, oportunamente, à ideia de que a contestação defensiva representa um ônus para o réu. Isso significa dizer que o oferecimento da contestação reverte normalmente em exclusivo benefício daquele que contesta. O não oferecimento válido e tempestivo de contestação por parte do réu acarreta a revelia (o termo “revelia” é normalmente utilizado como espécie do gênero “contumácia”84, que abrange também a inércia do autor, bem como a inércia do réu, tangentemente a outras espécies de defesa que possa oferecer, como a alegação de incompetência relativa em preliminar de contestação, cuja falta, como se sabe, acarreta consequência específica, qual seja a do fenômeno processual da prorrogação de competência). Se a revelia, como se verá, acarreta (ou pode acarretar) consequências gravíssimas para o réu, não menos verdadeiro é que a contumácia do autor também lhe traz consequências sobremaneira graves, que podem levar até mesmo à extinção do processo sem resolução do mérito, a teor do inciso III do art. 485, desde que, notificada pessoalmente a parte, não supra a falta em 5
dias (art. 485, § 1º). Pode haver, de outra parte, contumácia bilateral, na hipótese em que se verifique a paralisação do processo “por negligência das partes” (art. 485, II), cabendo, neste caso, atividade ex officio do juiz85, dependendo, igualmente, a extinção do processo, por essa razão, de intimação pessoal das partes (art. 485, § 1º). A revelia significa, pois, a não apresentação de contestação, dentro do prazo e validamente, por réu que tenha sido regularmente citado. Se o juiz verificar incapacidade processual (v.g., hipótese em que o réu precise ser assistido ou mesmo representado em juízo) ou irregularidade de representação do réu, deverá suspender o processo, assinalando prazo razoável para que seja sanado o defeito (art. 76, caput). Não sendo sanado, reputar-se-á revel o réu (art. 76, § 1º, II)86. Na hipótese do art. 76, a revelia deverá ser decretada desde que não sanado o vício no prazo marcado pelo juiz87. Como se terá oportunidade de analisar, o não oferecimento de contestação acarreta diversas consequências para o réu (daí representar um “ônus”, como se disse), entre as quais a de que o processo correrá, daí para diante, independentemente de sua intimação (inclusive quanto à decisão de mérito que vier a ser prolatada), até que este compareça aos autos, caso em que seu advogado passará a ser intimado dos atos subsequentes à sua entrada, porém recebendo o processo no estado em que se encontrar. É o que dispõe o art. 346 do CPC/2015: “Art. 346. Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar”. Diversamente do que dispunha o art. 322 do CPC/73, na redação conferida
pela Lei n. 11.280/2006, o art. 346 do CPC/2015 não estabelece expressamente que os prazos contra o revel correrão “independentemente de intimação”; antes, deixa claro que os atos decisórios devem ser publicados no órgão oficial para que os prazos contra o revel sejam deflagrados. Sob a vigência do CPC/73, a pretexto da mencionada desnecessidade de intimação, entendia-se bastante a publicação em cartório dos atos decisórios (ex. juntada da sentença aos autos), para que se iniciasse o prazo contra o revel88. Interpretava-se, então, a disposição do art. 322 do CPC/73 como a desnecessidade de qualquer intimação; bastava que o ato se tornasse público, no sentido de ter sido publicizado nos autos, para que se configurasse o dies a quo do revel. Diversamente, o autor teria os prazos iniciados a partir da intimação (em geral, pela publicação do ato no diário oficial, dirigida a seus procuradores). Admitiam-se, pois, dois termos a quo diferentes: para o revel, a data em que publicizada a decisão; para o autor, a data da intimação na via oficial. Já o art. 346 do CPC/2015 não deixa dúvidas quanto à necessidade de publicação pela via oficial, para que o prazo contra o revel tenha início. Pelo CPC/2015, os termos a quo para que autor e réu revel possam praticar os atos processuais coincidem, sendo expresso o art. 346 quanto à necessidade de publicação no órgão oficial. Assim, v.g., os prazos para recorrer da sentença devem ser os mesmos, contados da data de sua publicação (no sentido de intimação no Órgão Oficial). Note-se que, a rigor, o revel sem procurador nos autores não terá sido intimado, na medida em que as publicações oficiais dirigem-se aos advogados das partes. Porém, ao retirar a menção – antes presente no art. 322 do CPC/73 – de que os prazos contra o revel correrão “independentemente de intimação”, o art. 346 do CPC/2015 deixou claro que tais prazos contra o
revel correrão a partir da data da intimação da parte contrária. É preciso destacar, de outro lado, que a regra do art. 346 (geral) comporta algumas atenuações. Desse modo, se o autor pretender alterar o pedido ou desistir da ação, deverá o réu ser intimado pessoalmente para se manifestar sobre a alteração (ampliativa ou restritiva) do objeto do processo, por força do disposto nos arts. 329, II, e 485, § 4º, do CPC/2015. O CPC/73 previa expressamente (art. 321, parte final) a necessidade de nova citação do revel em caso de alteração do pedido ou da causa de pedir. Ainda que o CPC/2015 não traga disposição idêntica, a indispensabilidade de comunicação do revel quando alterado o objeto da ação pode ser extraída dos dispositivos sobreditos (arts. 329, II, e 485, § 4º) e do princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF/88). Deveras, se a contestação representa, como visto, um ônus para o réu, pode ser que ele opte de maneira consciente por não contestar determinado pedido, por entender que tal é desnecessário, ou por qualquer outro motivo. Isso não significa, todavia, fique ele sujeito a qualquer alteração do pedido ou da causa de pedir, sem que nova oportunidade para se defender venha a lhe ser ensejada. Do mesmo modo, o fato de o réu não haver contestado a causa não lhe retira o direito subjetivo a uma sentença de mérito, de sorte que subsiste a necessidade de se manifestar quando a eventual desistência da ação pelo autor. Lembre-se, ainda, de que a falta de contestação, por si só, não induz à desnecessidade de intimação do réu sobre os atos decisórios. Pela regra do art. 346 fica claro que essa desnecessidade decorre da associação da revelia com a ausência de advogado constituído nos autos. Como dito, as intimações são feitas, por regra, através dos procuradores das partes. Logo, essa
consequência da não intimação do revel para os atos decisórios, que alguns denominam “efeito processual da revelia”, decorre mesmo da impossibilidade de direcionamento das publicações no órgão oficial a seu advogado. Por outro lado, há hipóteses em que o CPC/2015 expressamente prevê a necessidade de intimação pessoal do revel, sem advogado constituído nos autos, como é o caso da intimação para o início de cumprimento de sentença nas hipóteses previstas no art. 513, § 2º, II, e § 4º. Como vimos acima, o réu revel ao ingressar no processo (devidamente representado por advogado) recebe-o no estado em que se encontrar. Isso significa que não mais poderá rebater os fatos alegados na inicial que, decorrido o prazo de contestação, tenham sido alvo de preclusão. Como se sabe, a oportunidade para impugnar os argumentos da inicial é na contestação, ressalvando-se as questões de ordem pública e aquelas que não sejam alvo de preclusão (v., a propósito, art. 342, I a III). Desse modo, comparecendo tardiamente ao processo, o revel não poderá se insurgir contra matérias que estiverem preclusas. Poderá, todavia, alegar toda
matéria
que
seja
cognoscível
de
ofício
pelo
juiz
(como,
exemplificativamente, ausência de condições da ação, incompetência absoluta etc.), além das questões relativas a direito ou a fato superveniente (art. 342, I). A propósito, importante lembrar que algumas das matérias suscetíveis de ser arguidas em sede de preliminar de contestação – art. 337, I a XI – são cognoscíveis de ofício, a teor do § 5º do mesmo artigo. Intervindo o revel no processo, tomando-o no estado em que se encontrar, deverá ser intimado de todos os atos do processo, a partir de sua intervenção89. Poderá, inclusive, como expressamente prevê o art. 349, requerer a produção de provas, respeitadas, obviamente, as questões
preclusas. Na mesma linha, a Súmula 231 do STF já autorizava que o réu produzisse provas, desde que comparecesse em momento oportuno. A jurisprudência do STJ esclarecia, sob a vigência do CPC/73, que o réu poderia produzir a “contraprova aos fatos narrados pelo autor, na tentativa de elidir a presunção relativa de veracidade”, desde que interviesse antes de encerrada a fase instrutória90. A esse assunto se retornará oportunamente. 2. Presunção de veracidade dos fatos não contestados A consequência capital do fenômeno processual da revelia, como já se referiu anteriormente, é a da presunção91 de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, que não tenham sido objeto de contestação. Para que ocorra essa consequência, é indispensável conste do mandado citatório a advertência de que, se não contestados os fatos alegados, estes serão presumidos verdadeiros, como estatuído nos arts. 250, II, c/c 344. Na hipótese de não apresentação de contestação à reconvenção, consoante já se disse no capítulo anterior, é possível a incidência do art. 344, mesmo que da intimação do autor-reconvindo na pessoa de seu advogado não tenha constado a advertência de que trata o art. 250, II, já que a intimação (que faz as vezes de verdadeiro ato citatório) é feita na pessoa de um técnico, que tem condições de conhecer as consequências processuais da ausência de impugnação à reconvenção92. Essa presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, no caso de não oferecimento de contestação, vem estatuída no art. 344, na mesma linha do que prevê o parágrafo único do 341, que trata do ônus da impugnação especificada dos fatos em sede de contestação e da presunção de veracidade dos fatos que não tenham sido especificadamente impugnados.
Antes que avancemos, é importante fixar a premissa básica de que a presunção de que trata o art. 344 refere-se a fatos. Em outras palavras, mesmo diante de hipótese de aplicação do art. 344, o autor não haverá de necessariamente ver seu pedido julgado procedente, porque se dos fatos narrados pretender consequências jurídicas equivocadas a demanda deverá ser julgada improcedente, ainda que haja lugar para aplicação da presunção do art. 34493. Ademais, o juiz, relativamente a muitos assuntos, pode (deve) agir de ofício, como, por exemplo, com respeito à ausência de condições da ação, pressupostos processuais etc. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, sob a vigência do CPC/73: “A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deva ser julgada procedente a ação. Isto pode não ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às consequências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem”94. O extinto Tribunal Federal de Recursos, também antes do CPC/2015, já decidiu no mesmo sentido: “os fatos” é que se reputam verdadeiros; a revelia tem seus efeitos “restritos à matéria de fato, excluídas as questões de direito”95. Repise-se que, para que se possa cogitar da incidência da regra do art. 344, necessário é que haja sido feita a advertência contida na parte final do art. 250, II, que deverá expressamente constar do mandado de citação do réu. Do contrário, na ausência dessa advertência, tem-se decidido, com acerto, pela nulidade da citação. Corrobora a posição defendida neste texto o disposto no art. 280 do CPC/2015: “As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais”.
Trata-se, como se vem insistindo, de presunção juris tantum, isto é, vencível por prova em sentido contrário, desde que, soberanamente à luz da convicção do juiz, resulte a não veracidade dos fatos constitutivos do pedido do autor96-97. Ademais, o art. 345, I a VI, consagra algumas exceções expressas à regra do art. 344. Importante relembrar que ao réu revel que tenha sido citado sob forma ficta (edital ou hora certa) será dado curador especial (art. 72, II), o qual poderá contestar por negativa geral (art. 341, parágrafo único), elidindo, com isso, os efeitos do art. 341 (que trata do ônus da impugnação especificada dos fatos articulados na inicial)98-99. O prazo para que o curador especial apresente contestação é impróprio, de modo que o seu descumprimento não acarreta consequências endoprocessuais, conquanto possa acarretar sanção administrativa ou até civil ao curador faltoso, como anotam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery100. Com efeito, se a lei impõe a presença do curador especial ao réu revel citado sob forma ficta, evidentemente este último não pode ser prejudicado – sob pena de inegável ofensa ao princípio da bilateralidade da audiência – pela inércia do curador especial. 2.1 Exceções à aplicação da presunção do art. 344 A primeira exceção prevista no art. 345 diz respeito à hipótese em que, havendo pluralidade de réus (litisconsórcio passivo), apenas um deles vem a contestar a ação (art. 345, I). Tratando-se de litisconsórcio passivo unitário, em que a sorte no plano do direito material de todos os litisconsortes deve ser a mesma (rectius, a lide é a mesma, por isso o resultado deve ser o mesmo para todos os litisconsortes), a contestação por parte de um deles afastará, sempre, a presunção de que trata o art. 344. Doutra parte, se se tratar de
litisconsórcio passivo simples, desde que os fatos sejam comuns e que se tenham tornado controvertidos, por contestação de um dos réus, não se aplica a presunção do art. 344 (nesta última hipótese, portanto, para que se repute afastada tal presunção, os fatos contestados pelo litisconsorte simples devem ser fatos comuns). Oportunas as considerações de Rita Gianesini acerca do tema. Diz a autora: “Em nosso entender, o efeito da revelia previsto no art. 319 [do CPC/73] só será elidido em havendo pluralidade de réus e um deles contestar a ação, nas hipóteses de se tratar de litisconsórcio facultativo unitário ou necessário unitário, e de litisconsórcio facultativo simples ou necessário simples, quando forem os fatos comuns. Isto porque, na hipótese de se tratar de litisconsórcio unitário, a sentença deverá necessariamente ser uniforme para todos os litisconsortes, no plano do direito material, não havendo que se falar em considerarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor com relação ao réu revel, que, porém, conserva essa qualidade, sofrendo todas as outras consequências daí decorrentes. E, na hipótese de litisconsórcio facultativo simples ou necessário simples, os fatos não comuns não foram contestados, não houve impugnação, devendo, portanto, ser reputados verdadeiros, por força do art. 302”101. O inciso II do art. 345 impõe a não aplicação da presunção do art. 344 quando o litígio versar direitos indisponíveis. É o caso, por exemplo, das ações de estado. Figure-se o caso de uma ação investigatória de paternidade. O não oferecimento de contestação por parte do investigando não acarreta, necessariamente, a incidência do efeito da revelia, constante do art. 344. A paternidade, necessariamente, há de ser provada, a despeito de não ter havido contestação. Em ação de separação judicial, por exemplo, os direitos relativos
às causas de dissolução da sociedade conjugal são disponíveis; já aqueles atinentes a guarda, educação e alimentos dos filhos são indisponíveis. Quanto à não aplicação do art. 344 à hipótese de direitos indisponíveis, regra de teor equivalente encontra-se insculpida no art. 392: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”. Segundo Calmon de Passos, deve também ser inserido nesta categoria de direitos “todo e qualquer direito submetido a controle estatal (jurisdicional ou administrativo)”102, pois “admitir-se aplicabilidade do art. 319 em circunstâncias como essa é emprestar-se legitimidade que o próprio direito material não legitima”103. Vejamos a hipótese ventilada pelo mesmo autor: “Determinado imóvel é de propriedade ou posse de um menor impúbere e a respeito dele se propõe ação reivindicatória, pretendendo-se haver parte desse imóvel, sob o fundamento de que estaria injustamente sob a posse do réu, juntando o autor título de domínio que, em abstrato, legitima o seu pedido. Omite-se o representante legal do menor quanto à contestação do feito, deixando, inclusive, de constituir procurador para representar o incapaz em juízo. A citação foi regular e feita em quem legitimamente representa o menor. Em face da revelia, seriam os fatos articulados pelo autor admitidos como verdadeiros e julgada procedente a ação reivindicatória, transferindo-se o bem do patrimônio do incapaz para o do autor, por força de sentença, quando este resultado só se poderia obter, fora do processo, mediante acordo das partes ou por meio de outro negócio jurídico, submetidos a controle jurisdicional da conveniência ou oportunidade dessa transação”104. Assiste-lhe inteira razão. Deveras, em casos tais, é inconcebível admitir pudesse o simples não oferecimento de contestação implicar fossem os fatos
alegados na inicial tidos por verdadeiros. Com relação à indisponibilidade dos interesses do Estado, deve-se ter presente a correta diferenciação feita por Cândido Rangel Dinamarco: “Não é correta a afirmação de que sejam indisponíveis todos os direitos e interesses do Estado. Quando se trata de litígios em torno de bens dominicais, sobre os quais este exerce direito de propriedade (e tal o é o dinheiro), não há indisponibilidade e o correto é aplicar as sanções que o Código de Processo Civil destina aos réus inativos; isso não acontece com os litígios envolvendo bens de uso comum, que são indisponíveis. Mas a jurisprudência privilegia sistematicamente o Estado, deixando-o sempre fora do alcance do efeito da revelia”105. Também na ação rescisória, como o réu tem a seu favor decisão trânsita em julgado, é incogitável a incidência dos efeitos da revelia. Por isso mesmo, em interessante julgado do STJ, já se decidiu, sob a égide do CPC/73: “(...) Inaplicáveis os efeitos da revelia, previstos no art. 319 do Código de Processo Civil [de 1973], uma vez que esses não alcançam a demanda rescisória, pois a coisa julgada envolve direito indisponível, o que impede a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora (...)”106. Afigura-se irrepreensível mencionada decisão. Com efeito, a presunção de legitimidade de que se reveste a coisa julgada material só pode ser afastada se o autor da ação rescisória se incumbir de provar o fato constitutivo de sua afirmação de direito. Cabe, por exemplo, ao autor da rescisória provar que a sentença rescindenda pautou-se em prova falsa (art. 966, IV). O não oferecimento de contestação à rescisória, nesse caso, será insuficiente para que se tome por verdadeiro o suposto fato motivador da propositura da rescisória.
O inciso III do art. 345 trata, ainda, da hipótese de a petição inicial estar desacompanhada de instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato. O art. 406, a propósito, é claro: “Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. É, por exemplo, o caso do art. 108 do CC/2002, que estabelece que, não havendo disposição legal em sentido contrário, a escritura pública é da substância do ato, nos negócios que envolvam direitos reais sobre imóveis no valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente. Há, ainda, hipóteses em que a lei exige instrumento particular como da substância do ato; é o caso, por exemplo, da fiança, que precisa ser concedida por escrito (art. 819 do CC/2002). A tais hipóteses deve ser estendida a exceção do art. 345, III. O inciso IV do art. 345 consolida o entendimento, já consagrado jurisprudencialmente, no sentido de que, para serem presumidos verdadeiros, os fatos alegados pelo autor não podem ser inverossímeis nem estar em contradição com as provas dos autos. Nesse ponto, deve-se ter presente que a atividade do juiz é informada pelo princípio do livre convencimento ou persuasão racional (art. 371). Trata-se de princípio de capital importância, verdadeiro pilar da atividade jurisdicional. Livre convencimento, segundo Pontes de Miranda, é “o convencimento a que se chegou com todo o material de prova, sem que possa pesar convicção fundada em fatos e provas estranhos ao processo”107. Além de respaldada na prova dos autos, no sistema do livre convencimento motivado – que, como se verá, é sinônimo de persuasão racional – a conclusão do juiz deve estar fundamentada em critérios lógico-racionais. Logo, não é possível, v.g., sobrepor a presunção de que trata o art. 344 às
regras de experiência, fundadas no que geralmente ocorre, tendo em vista que o juiz não pode julgar com base em fatos impossíveis, implausíveis ou inverossímeis. Ao mesmo passo, não se pode cogitar de uma presunção legal que se sobreponha ao restante do conjunto probatório. No sentido de que a solução da questão fática deve, sempre, ser coerente com o conjunto probatório, já decidiu inúmeras vezes o STJ: “1. A jurisprudência desta Corte já decidiu que a presunção de veracidade dos fatos decorrente da revelia é relativa, uma vez que o juiz deve atentar-se para os elementos probatórios dos autos, formando livremente sua convicção, para, só então, decidir pela procedência ou improcedência do pedido”108. O referido inciso IV do art. 345 não estava previsto no art. 320 do CPC/73 como uma das hipóteses de exceção ao efeito material da revelia; já podia, contudo, ser extraído do sistema. Trata-se, por isso, de disposição salutar do novo Código, na medida em que reforça o caráter relativo da presunção do art. 344. Saliente-se, porém, que a própria norma do art. 345, IV, deve ser estendida, pois, se o juiz não deve presumir qualquer fato contrário à prova dos autos, é igualmente certo que não deve, também, presumir fatos que sejam contraditórios ou incoerentes com a própria argumentação das partes. Como bem ponderado por Arruda Alvim: “A natureza relativa da presunção de veracidade resultante da revelia estava pacificada na jurisprudência pátria, que entendia pela imprescindibilidade da apreciação da compatibilidade entra a prova existente nos autos e as afirmações do autor”.109 Ora, diante de uma narrativa incoerente ou contraditória dos fatos, não há como presumir os fatos alegados pelo autor. Geralmente, a incoerência ou contradição da narrativa ocorre na própria petição inicial, de modo que a presunção de veracidade é afastada em
decorrência das meras alegações do autor, independentemente do conjunto probatório. Ademais, como visto no capítulo precedente, não está excluída a possibilidade de o réu revel reconvir sem contestar, hipótese em que os argumentos da reconvenção poderão ser contraditórios com as alegações do autor na ação originária. Em todos esses casos, a presunção do art. 344 não se aplicará e deverá o autor produzir prova dos fatos constitutivos de seu direito (art. 373, caput, I, se não for o caso de flexibilização do ônus da prova, nos termos do § 1º do referido artigo). De fato, há inúmeros julgados que fazem referência à necessidade de o juiz analisar a narrativa das partes. Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho de julgado do STJ, proferido à luz do CPC/73: “(...) A caraterização de revelia não induz a uma presunção absoluta de veracidade dos fatos narrados pelo autor, permitindo ao juiz a análise das alegações formuladas pelas partes em confronto com todas as provas carreadas aos autos para formar o seu convencimento” 110. Outra situação em que não incide o efeito material da revelia, a corroborar o fato de não serem exaustivas as hipóteses do art. 345, I a IV, é aquela, já referida precedentemente, do réu citado fictamente, para quem a lei determina a nomeação de curador especial (art. 72, II). Desse modo, tem-se que, mesmo fora das hipóteses previstas no art. 345, I a IV, o juiz, mesmo que não tenha havido contestação, não é obrigado a dar os fatos da inicial por verdadeiros, incumbindo-lhe, em caso de afastamento da presunção do art. 344, a indicação fundamentada dos critérios que motivaram tal proceder. 3. Revelia e assistência
O art. 121, parágrafo único, estatui que, caso o assistente simples do réu revel apresente contestação no prazo do assistido, afastada estará a incidência do art. 344, não se aplicando os efeitos da revelia. Atuará ele como substituto processual do revel. A esse propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery ressaltam que a substituição processual ocorre quando o assistente apresenta contestação no prazo de resposta e, ainda, que: “ingressando o revel no processo e recebendo-o no estado em que se encontra (CPC 346, par. ún.), o assistente permanecerá no feito na mesma posição anterior, visto que a substituição perpetua-se como ato jurídico perfeito e acabado e o assistente já está defendendo o direito do revel, mas em nome próprio (...)”. Completam, por fim, os autores: “Se o assistente ingressa nos autos depois da revelia do assistido, sua intervenção elide os efeitos da revelia (CPC 344), pois passa a atuar em favor do assistido substituído (...)”111. 4. Revelia e reconvenção Já se disse que há espaço para aplicação da presunção do art. 344 se o autor-reconvindo não contesta a reconvenção (art. 343, § 1º), relativamente aos fatos que tenham sido alegados pelo réu-reconvinte. Todavia, assim como a não contestação à ação pode não implicar a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial e não contestados, a ausência de contestação à reconvenção pode, da mesma forma, não conduzir à aplicação dos efeitos do art. 344. Há de ser ter presente, por exemplo, a lúcida observação de Theotonio Negrão: “Aplicam-se os efeitos da revelia ao reconvindo que não contesta (SIMP-concl. XXVII, em RT 482/271). Todavia, a presunção de veracidade
dos fatos afirmados pelo reconvinte é mitigada, nos casos em que os fatos veiculados pelo autor-reconvindo na sua petição inicial já são suficientes para criar a controvérsia acerca do material fático trazido com a reconvenção”.112 Já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, durante a vigência do CPC/73, nessa mesma linha: “Reconvenção. Contestação ao pedido reconvencional. Intempestividade. Irrelevância. Petição inicial da ação principal que está em contradição com a inicial da demanda incidental. Decisão reformada. Contestação que deve permanecer nos autos. Ademais, cuida-se de separação judicial litigiosa em que se há de apurar a culpa. Ônus da autora com relação à ação. Ônus do réu, reconvinte, com referência à reconvenção. Revelia que, embora existente com respeito à reconvenção, não pode produzir o efeito de se considerarem como verdadeiros os fatos nela deduzidos”113. 5. Revelia e julgamento antecipado do mérito Desde que o juiz entenda, diante do caso concreto, que deve aplicar o art. 344 (presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial porque não contestados), e conquanto o réu não tenha comparecido ao processo para requerer a produção de prova na forma do art. 349, isso conduzirá ao julgamento antecipado do mérito (art. 355, II), isto é, ao julgamento independentemente de dilação probatória. Com efeito, se for o caso de se darem os fatos alegados por verdadeiros, incidindo na espécie o art. 344, desnecessária será a dilação probatória, sendo caso de julgamento antecipado do mérito (art. 355, II), na medida em que os fatos articulados na inicial, porque não contestados, presumir-se-ão verdadeiros, desde que nada exista para afastar esse entendimento. Dispõe o inciso IV do art. 374 que independem de prova os fatos “em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”.
O escrivão, findo o prazo para contestação, fará os autos conclusos ao juiz (art. 347), devendo este proceder ao julgamento antecipado do mérito, se entender de aplicar a presunção do art. 344. Do contrário, determinará que o autor especifique as provas que pretende produzir em audiência, caso ainda não tenha indicado (art. 348). Nesse contexto é que deve ser entendido o art. 370 do CPC/2015, que faculta ao juiz, de ofício (isto é, independentemente de requerimento da parte), determinar a produção de provas. Se o fato se tornou incontroverso, e há lugar para aplicação do art. 344, deve-se, em regra, tomá-lo por verdadeiro, inexistindo espaço para que o juiz, ex officio, determine a produção de provas. Se, todavia, tiver o juiz alguma dúvida, poderá ordenar a realização de prova114. O art. 370, no entanto, não pode permitir a conclusão de que ao juiz é dado substituir-se à parte, no sentido de determinar a produção de provas, que, em princípio, caberia àquela ter requerido. Do contrário, estar-se-ia, em nosso entender, negando qualquer utilidade às regras de distribuição do ônus da prova, estampadas nos incisos I e II do art. 373. Caberá, por exemplo, ao magistrado determinar a produção de provas se estiver diante da hipótese do art. 345, II, isto é, caso o litígio envolva direitos indisponíveis. A atividade oficiosa do juiz também será possível em caso de dúvida acerca da prova realizada. É o caso, por exemplo, da determinação da segunda perícia, conforme prevê o art. 480. Registre-se haver uma tendência, compreensível, porém que não encontra, em nosso sentir, respaldo na lei, de permitir que o juiz determine, ex officio, a produção de provas principalmente quando “haja significativa desproporção econômica
ou
sociocultural
entre
as
partes”.115
Defensores
desse
entendimento entre nós são, dentre outros, os Professores José Roberto dos Santos Bedaque e Barbosa Moreira116. Caso tenha havido revelia, mas não tenha lugar a aplicação da presunção do art. 344, o juiz deverá então, como visto anteriormente, determinar ao autor que especifique as provas que pretende produzir em audiência (art. 348). O réu revel poderá, todavia, produzir provas (se entrar no processo até essa fase) não sobre fatos novos que poderia ter levantado em contestação, mas não o fez (impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor), senão que poderá produzir apenas prova contrária aos fatos narrados pelo autor. Nesse sentido é expressa a disposição do art. 349 ao referir-se à produção de provas “contrapostas às alegações do autor”, impondo, ainda, a condição de que o revel “se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis à sua produção”. O conteúdo do dispositivo é semelhante ao da Súmula 231 do STF, válida perante o CPC/2015: “O revel, em processo civil, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno”117. O CPC/73 não previa expressamente tal possibilidade, mas a jurisprudência aplicava a sobredita Súmula 231, como se pode depreender de sucessivos julgados do STJ118, num dos quais se reconhece, inclusive, o cerceamento do direito à prova do revel que, tendo advogado constituído nos autos, não foi intimado para a especificação de provas em ação que versava direitos indisponíveis119. Já Roberto Rosas, tendo escrito sob a vigência do CPC/73 e antes mesmo da Lei n. 10.444/2002, comentando a Súmula 231 do STF, afirmava: “No atual Código de Processo Civil [de 1973] (art. 322), o revel poderá intervir no
processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra. Logo, se oportuna a produção de provas, ela poderá ser requerida. Evidentemente, será extemporânea se produzida após a audiência (art. 331, III [de 1973])”120. Afigura-se, enfim, que à luz do CPC/2015, o panorama é idêntico, com o particular de o art. 346 explicitamente dispor sobre matéria.
XXVII A FASE DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO: as providências preliminares e o julgamento conforme o estado do processo
1. Fase de saneamento do processo: providências preliminares – oportunidade em que devem ser tomadas Os capítulos XXIII ao XXVI deste curso foram dedicados à análise da fase postulatória do procedimento comum – direcionada, primordialmente, como o próprio nome indica, à postulação das partes. Encerrada a fase postulatória, tem-se, antes da fase probatória, a chamada fase de saneamento e organização do processo, também denominada fase ordinátória. De acordo com Arruda Alvim, são objetivos da fase saneadora ou ordinatória: “a) integralizar o contraditório iniciado na fase postulatória – o que se dá, em grande medida, com as providências preliminares; b) verificar as possibilidades de extinção prematura do processo, com ou sem resolução de mérito – o que ocorre se houver julgamento conforme o estado do
processo –; e, ainda, c) organizar o processo e sanar as irregularidades existentes, preparando-o para a instrução – saneamento propriamente dito”121. Como será exposto nas linhas subsequentes, a fase de saneamento compõe-se das chamadas “Providências Preliminares” e do “Julgamento conforme o estado do processo.” A propósito da denominação dessa fase como de “saneamento”, explica Cândido Rangel Dinamarco que, “tomado o vocábulo em um sentido semântico comum, o saneamento do processo consistiria nas providências preliminares com que o juiz providencia ou manda que as partes providenciem a regularização de atos ou da representação processual, exibição de documento etc.”. Esclarece, todavia, que na doutrina do processo civil brasileiro, a locução “é ordinariamente empregada para designar o ato com que o juiz o declara regular e portanto em condições de prosseguir”. E, como não deixa de notar o aludido autor, na linha do que já se assinalou, integram essa fase também certos “atos que não são de saneamento, mas de decisão, incluídos pelo Código de Processo Civil no amplo conceito de julgamento conforme o estado do processo”122. Providências preliminares são aquelas que o órgão jurisdicional deve tomar logo após a resposta do réu, ou se escoado in albis o prazo de resposta. Têm elas por objetivo “manter o processo sob o domínio completo do princípio do contraditório. Sem elas, o método dialético que inspira o sistema processual restaria comprometido, pois haveria o risco de decisões proferidas sobre questões deduzidas em juízo, sem que o autor fosse ouvido sobre elas”123, o que, de resto, importaria lesão ao princípio do contraditório. Podem, ainda, consistir em atos de integralização do contraditório concernentemente à necessidade da inclusão de terceiros no processo, como,
por ex., no caso em que seja obrigatória a intervenção do Ministério Público ou a manifestação de qualquer outro órgão, como, por exemplo, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essas medidas dão início àquilo que se costuma denominar fase de saneamento e organização do processo (atualmente, a Seção VI do Capítulo X do Título I do Livro I, da Parte Especial do CPC/2015), que se encerra com a prolação da decisão, usualmente denominada “despacho saneador” (mais propriamente, decisão de saneamento), salvo as hipóteses em que o processo termine antes disso. O juiz deve tomar as providências preliminares após o oferecimento da resposta ou o transcurso in albis do prazo para seu oferecimento. É o que se infere do art. 347. Havendo reconvenção, somente após o oferecimento da contestação à reconvenção (art. 343, § 1º) ou o decurso do prazo sem o seu oferecimento é que haverá lugar para as providências preliminares, que deverão referir-se tanto à ação, como à reconvenção. 1.1 Providências preliminares – em que consistem As providências preliminares vêm elencadas, de forma exemplificativa, nos arts. 347 a 352 do CPC/2015. O órgão do Ministério Público, sempre que for o caso, deverá intervir na fase de providências preliminares, sob pena de nulidade, a ser decretada após a intimação do referido órgão, que se manifestará sobre a existência ou não de prejuízo (arts. 178 e 279, caput e § 2º). No estágio das providências preliminares, o juiz deverá determinar a citação de eventuais litisconsortes necessários (art. 114), deliberando, outrossim, sobre as questões pertinentes às intervenções de terceiros, sob a
forma de denunciação da lide e chamamento ao processo. Na hipótese de se verificar a revelia (ausência de contestação), sem que ocorram os seus efeitos (por exemplo, nas hipóteses contempladas no art. 345, que, como dito, não são exaustivas), o juiz determinará ao autor que especifique as provas que pretende produzir em audiência, podendo o réu requerer a produção de prova destinada a combater os fatos constitutivos alegados pelo autor. A produção da contraprova pelo revel está prevista no art. 349 e consolidada na Súmula 231 do STF: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em tempo oportuno”. Portanto, se ocorrentes os efeitos da revelia, isso deverá conduzir ao julgamento antecipado do mérito (art. 355, II). Porém, se, a despeito de ter ocorrido revelia, não se produzirem os seus efeitos, deverá o juiz proceder na forma do art. 348, determinando ao autor que especifique as provas que pretende produzir em audiência. Com efeito, vimos que nem sempre a revelia induz os efeitos do art. 344. O art. 345 elenca, enunciativamente, hipóteses induvidosas, ex lege, em que os efeitos do art. 344 não ocorrem. Em face da amplitude do princípio do livre convencimento motivado (art. 371), outras hipóteses podem ocorrer em que os efeitos do art. 344, a despeito do não oferecimento de contestação, não se verificam. Esse prazo para que o autor especifique provas, salvo outro que seja assinado pelo juiz, será de cinco dias, aplicando-se o art. 218, § 3º: “§ 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte”. Oportuno observar que o momento para o autor requerer a produção de provas é a inicial (art. 319, VI); para o réu, a contestação (art. 336). No entanto, como observa Humberto Theodoro Jr., é comum que o juiz
determine que as partes especifiquem as provas não apenas nos casos em que a revelia não produz o efeito de presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor (art. 348), mas “sempre que as partes, na fase postulatória, não tenham sido precisas no requerimento das provas que pretendam produzir”.124 Assiste inteira razão a Humberto Theodoro Jr.: é prática comum no foro, desde que não tenham sido as manifestações das partes suficientemente claras ou específicas a respeito das provas que efetivamente desejam produzir, que o juiz abra oportunidade para que elas as especifiquem. Como o CPC/2015 prevê o momento da especificação de provas pelo juiz (art. 357, II), ao lado do saneamento em cooperação (arts. 357, § 3º) e da possível solicitação de ajustes à decisão saneadora (arts. 357, § 3º), a extensão dessa possibilidade de especificação de provas às partes, como regra, é o que se afigura salutar. De fato, apenas depois de oferecida a resposta é que as partes saberão quais os pontos efetivamente controvertidos, e terão a convicção plenamente formada sobre quais fatos precisam ser provados. Sendo alegado algum fato impeditivo (por exemplo, em ação de cobrança, ter o réu pago a dívida ou obtido moratória da dívida), modificativo (por exemplo, o réu pagou parte da dívida do autor) ou extintivo (por exemplo, ocorrência de condição resolutiva) do direito do autor, este deverá ser intimado a manifestar-se em 15 dias, sendo-lhe facultada a produção de provas (art. 350)125. Do mesmo modo, sendo levantada alguma preliminar, o autor será intimado para falar em 15 dias, sendo-lhe facultada a produção de provas documental (art. 351), e o juiz, verificando a existência de irregularidades ou nulidades sanáveis, mandará supri-las, fixando à parte prazo não superior a 30 dias (art. 352, parte final).
Em verdade, como já se assinalou, deve o juiz determinar a correção de irregularidades sanáveis a qualquer tempo, com objetivo de prevenir a prática de atos inválidos. Nas hipóteses dos arts. 350 e 351, portanto, o juiz ensejará ao autor a oportunidade de se manifestar caso sejam alegados fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, ou na hipótese de serem levantadas preliminares. Vê-se, assim, que réplica propriamente dita só haverá se o réu alegar algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 350), ou caso alguma questão preliminar seja levantada em sede de contestação (art. 351). Quando apenas os fatos propriamente ditos forem contestados, não há previsão legal para o oferecimento de réplica. Nada obstante, verifica-se ser prática corrente o oferecimento de réplica por parte do autor, e, também aqui, mesmo diante da ausência de previsão legal de apresentação de réplica na generalidade dos casos, não vemos inconveniente algum em admitir que o autor protocole a réplica, mesmo fora das hipóteses legais. Consoante assinalamos inicialmente, as providências preliminares previstas no Código não exaurem todas as possibilidades de medidas a serem adotadas pelo juiz findo o prazo de resposta do réu, cabendo-lhe, neste momento, determinar o que for necessário para a integralização do contraditório. Após as providências preliminares – ou quando estas não se façam necessárias –, terá lugar o julgamento conforme o estado do processo. 2. Julgamento conforme o estado do processo Como dito, nem sempre há necessidade de que o juiz tome as providências
preliminares. Por exemplo, se houver revelia, e for o caso de aplicação do art. 344 (presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial), não haverá espaço para qualquer das providências preliminares previstas nos arts. 348 a 352 do CPC/2015. Reafirme-se o quanto dito anteriormente, no sentido de que as providências preliminares visam a manter o processo sob o efetivo crivo do contraditório; colimam, por exemplo, impedir que o juiz sentencie o processo sem que eventualmente o autor seja ouvido a respeito de determinado fato impeditivo do pedido do autor que possa ter sido levantado pelo réu. Cumpridas as providências preliminares, ou não havendo necessidade delas, o juiz proferirá julgamento conforme o estado do processo (arts. 355 e 356), de forma total ou parcial. Esse julgamento pode comportar: a) a extinção do processo com base no art. 485; b) julgamento antecipado do mérito nas hipóteses do art. 355, I e II, e 356, I e II. Poderá, ainda, o juiz, não ocorrendo as hipóteses mencionadas e apresentando a causa maior complexidade fática ou jurídica, designar a audiência de saneamento de que trata o art. 357, § 3º. Não sendo o caso de causa complexa, deverá o juiz sanear o feito, nos termos do art. 357, caput e incisos. Eventualmente, porém, antes de proceder ao julgamento conforme o estado do processo, o juiz deverá tomar uma providência a respeito da qual os artigos
ora
sob
comento
não
são
expressos,
mas
que
decorre,
inequivocamente, do sistema processual civil infraconstitucional e, sobretudo, constitucional. Com efeito, se, nas hipóteses dos arts. 350 e 351, o autor anexar documentos em réplica, o juiz deverá determinar ao réu que se pronuncie a
respeito deles. Em princípio, não há disposição, no ordenamento processual brasileiro, quanto à tréplica. A oportunidade para sua manifestação existirá apenas se, com a réplica, forem juntados documentos novos, a teor do art. 437, § 1º126. Evidentemente, atentaria contra o contraditório (rectius, bilateralidade da audiência) admitir pudesse o juiz proferir sentença sem que o réu fosse ouvido a respeito de documentos anexados em réplica. Assim, se com a réplica o autor juntar documentos aos autos, o juiz deverá ensejar ao réu que sobre eles se manifeste. 2.1 Modalidades de julgamento conforme o estado do processo Como visto resumidamente linhas acima, na etapa consistente no julgamento conforme o estado do processo, poderá o órgão julgador proceder de acordo com as seguintes modalidades de julgamento conforme o estado do processo. 1) Decisão com amparo em qualquer das hipóteses do art. 485. Em geral, a configuração das hipóteses previstas no referido artigo acarreta a extinção do processo sem resolução de mérito, mediante a prolação de sentenças meramente terminativas. Tais sentenças são passíveis de apelação (art. 1.009) e, uma vez transitadas em julgado, não produzem coisa julgada material, porque não resolvem o mérito da causa. Se, no entanto, o vício enquadrado num dos incisos do art. 485 recair apenas sobre parte do processo, a decisão terá natureza interlocutória, pois não terá o condão de acarretar a extinção do processo. Tome-se como exemplo o indeferimento parcial da petição inicial, em virtude de vício que macule apenas um dos pedidos formulados pelo autor; nesse caso, haverá enquadramento no art. 485, I, mas o processo não será extinto; ao contrário, a
relação processual prosseguirá relativamente aos demais pedidos. Em hipóteses como esta, a decisão interlocutória será impugnada por agravo de instrumento, por força da disposição expressa do art. 354, parágrafo único c/c art. 1.015, VII do CPC/2015. 2) Julgamento antecipado do mérito, nas hipóteses dos arts. 355, I (desnecessidade de produção de outras provas) e II (se houver revelia e espaço para incidência do art. 344, sem que tenha havido requerimento de provas pelo réu, na forma do art. 349), bem como do art. 356, I (quando parcela do mérito se mostrar incontroversa) e II (quando parcela do mérito estiver em condições de imediato julgamento). Em todos os casos haverá resolução do mérito da causa (art. 487), ressalvando-se que as hipóteses do art. 356 tratam de resolução de apenas parcela do mérito. Observe-se que as hipóteses de julgamento antecipado do mérito previstas no inciso I do art. 355 refletem a chamada Teoria das Causas Maduras, que preconiza a dispensa de dilação probatória quando esta se revele, efetivamente, desnecessária. Tal pode ocorrer: a) em virtude da inutilidade da produção de outras provas, que não a prova documental já existente nos autos; b) diante da própria inexistência de outras provas; c) em razão da desnecessidade de provas, por se tratar a controvérsia de questão eminentemente jurídica, sem que haja discussão sobre os fatos. Tenha-se presente, neste passo, que o art. 374, III, estatui que não dependem de prova os fatos “admitidos no processo como incontroversos”127, estatuindo o inciso IV desse mesmo art. 374 que independem também de prova aqueles fatos “em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”128. O disposto nos arts. 355 e 356 compatibiliza-se perfeitamente
com o art. 370, que dispõe que o juiz deve indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias, bem como com o disposto no art. 139, II, que estatui dever zelar o juiz pela duração razoável do processo e art. 5º, LXXVIII, da CF/88. Harmonizam-se, todos esses dispositivos, com o princípio da economia processual, que já se teve oportunidade de estudar: “Não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação da sentença, se houver absoluta desnecessidade de prova a ser produzida em audiência”129. Frise-se, porém, a imprescindibilidade de a causa estar madura para que se possa proceder ao julgamento antecipado do mérito. Isso porque, quando ainda há a possibilidade de produção de prova oral ou pericial sobre fatos pertinentes, sendo tal prova admissível, o julgamento antecipado acarreta cerceamento do direito de defesa e violação ao direito à prova 130. Oportunas, nesse particular, as palavras de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “Sendo a alegação controversa, pertinente e relevante, a parte tem direito fundamental à produção da prova dessa alegação (art. 5º, LVI, da CFRB). Daí a razão pela qual não pode o juiz inadmitir a produção de prova de alegações fáticas controversas, pertinentes e relevantes. Como consequência, também não pode julgar imediatamente o pedido. Não pode indeferir a produção de prova antecipando a valoração de seu resultado. Observe-se que não se pode confundir de modo nenhum o juízo de admissibilidade com o juízo de valoração da prova. O critério de seleção da necessidade ou desnecessidade da prova recai na relação objetiva que se estabelece entre prova e thema probandum. Se a parte requerer, portanto, a produção de prova sobre alegação fática controversa, pertinente e relevante, e o juiz a indefere, julgando ainda de maneira imediata o pedido,
há violação ao direito fundamental à prova. Diante do direito fundamental à prova, é evidente que o juiz não tem a prerrogativa de, uma vez requerida a prova nessas condições, optar ou não por produzi-la, ciente de que seu resultado pode – ainda que em tese – ser importante para a resolução de mérito”131. Em consonância com esse entendimento, a jurisprudência o STJ já decretou a nulidade de julgamento antecipado procedido a despeito do requerimento, pelas partes, de provas consideradas admissíveis132. No que concerne à segunda hipótese de julgamento antecipado, prevista no inciso II do art. 355, é cabível quando verificadas: a) a revelia; b) a incidência do efeito previsto no art. 344 (presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor) e c) a inexistência de comparecimento do réu – em momento oportuno –, requerendo a produção de contraprova dos fatos alegados pelo autor (art. 349). A sentença de julgamento antecipado do mérito é proferida mediante cognição exauriente, porquanto a dispensa de provas decorre de sua desnecessidade e inutilidade. Logo, todos os elementos de convicção admissíveis terão sido oportunizados antes da solução da causa. Contra essa sentença é cabível o recurso de apelação (art. 1.009). Expostas as situações de julgamento antecipado previstas do mérito no art. 355, faz-se mister a análise do dispositivo subsequente, que cuida do julgamento antecipado parcial do mérito. Cuida-se de hipótese não prevista expressamente no CPC/73, que apenas tratava da antecipação de tutela do pedido incontroverso – quando houvesse cumulação – ou da parcela incontroversa do pedido (art. 373, § 6º, do CPC/73). As disposições do Código revogado eram, porém, contraditórias, pois inseriam situações de
cognição exauriente no tratamento da tutela antecipada, cujas principais características consistem na provisoriedade da medida e na revogabilidade do provimento. O CPC/2015, ao contrário, é expresso no sentido de que o julgamento de parcela do mérito pode ser realizado mediante cognição exauriente, com aptidão para, uma vez esgotados os recursos, produzir coisa julgada material. Assim, ocorrendo uma das situações dos incisos I e II do art. 356 do CPC/2015 – isto é, a) sendo uma parte do pedido ou algum dos pedidos cumulados incontroverso, ou, ainda, b) não havendo necessidade de provas relativamente a um dos pedidos formulados ou a parcela do pedido –, o juiz julgará antecipadamente a parte do mérito que já esteja madura. A decisão de julgamento antecipado parcial de mérito tem natureza interlocutória, pois não põe fim à fase de conhecimento. Prevê o CPC/2015, para esta decisão, o cabimento do recurso de agravo de instrumento (art. 356, § 5º). Se a decisão for de natureza condenatória, estabelece o art. 356, § 2º, que a parcela do mérito decidida antecipadamente tem eficácia imediata e pode ser executada independentemente de caução, ainda que haja recurso pendente. Trata-se, aliás, de disposição que colide com o tratamento conferido à sentença que julga o mérito em sua integralidade, cuja eficácia fica suspensa na pendência da apelação, por força do art. 1.012 do CPC/2015. Esgotados os recursos cabíveis contra a decisão de julgamento antecipado parcial de mérito, forma-se a coisa julgada sobre a parcela da causa ali resolvida. Saliente-se, por fim, que das disposições contidas nos arts. 355 e 356 se pode inferir estarem incluídas nas hipóteses de julgamento antecipado – total ou parcial – de mérito: a) as sentenças ou decisões interlocutórias que
homologam a autocomposição total o parcial do mérito (art. 487, III); b) as sentenças ou decisões interlocutórias que decretem a prescrição e a decadência referente à globalidade ou apenas a parcela do(s) pedido(s) (art. 487, II). 3) Decisão de saneamento e organização do processo (art. 357). A decisão de saneamento e organização do processo antecede imediatamente a fase probatória e possui, justamente, a função de organizar e preparar o feito para a produção de provas. Pode ser proferida em sede de audiência de saneamento (art. 357, § 3º) ou por escrito. O que determina a necessidade de designação de audiência é, nos termos da lei, a complexidade da causa em matéria de fato ou de direito (art. 357, § 3º). Trata-se de decorrência do princípio da colaboração, que determina uma postura judicial mais propícia a se deixar influenciar pela argumentação das partes. Como salienta Arruda Alvim: “O contato direto entre o juiz e as partes na audiência destinada ao saneamento, para efeito de sanear as irregularidades processuais e delinearem-se os aspectos fáticos relevantes e controvertidos, bem como para estabelecer os meios de prova pertinentes à demonstração das alegações das partes, já foi apontado pela doutrina como fator de desestímulo à interposição de recursos contra as decisões interlocutórias proferidas nesta fase. O argumento é no sentido de que o diálogo entre o juiz e as partes facilitaria a compreensão das questões expostas, de forma a viabilizar-lhes uma solução adequada e satisfatória, porque construída num processo de colaboração”133. A decisão saneadora configura a última hipótese de julgamento conforme o
estado
do
processo.
Nessa
oportunidade,
são
decididas,
fundamentadamente, as questões tratadas nos incisos I a IV do art. 357, com
especial destaque para a delimitação das questões fático-jurídicas sobre as quais recairão as provas e a sentença do juiz (art. 357, II e IV). Assim, na decisão saneadora, o juiz, após de resolver as questões processuais
pendentes
(v.g.,
decidindo
sobre
uma
preliminar
de
ilegitimidade) (art. 357, I), deve delimitar as sobreditas questões, deixando claro qual será o âmbito do contraditório a partir de então, evitando-se decisões que surpreendam as partes (arts. 9º e 10). Na sequência, abrirá oportunidade para que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir e decidirá sobre as provas admissíveis. Ressalte-se, nesse ponto, que a fixação das questões controvertidas é essencial à determinação e ao deferimento das provas que serão produzidas. Questões controvertidas, sabe-se, são aqueles pontos que tenham sido alegados na inicial e que tenham sido objeto de impugnação especificada pelo réu (art. 341), salvo as exceções do art. 341, parágrafo único, que permitem a contestação por negativa geral (hipótese de advogado dativo, curador especial e defensor público). Interessante atentar para a circunstância de haver o legislador previsto não apenas a delimitação das questões de fato controvertidas, mas, também, das matérias de direito a serem resolvidas na causa. A partir da leitura do inciso IV do art. 357, verifica-se a impossibilidade de a sentença basear-se em fundamento jurídico que não tenha sido previamente debatido nos autos. Dessa forma, a despeito de o juiz conhecer o direito e poder incluir ex officio fundamentos não aventados pelas partes (iura novit curia), é imprescindível que estas tenham prévio conhecimento da matéria de direito considerada relevante pelo magistrado para a solução da causa. Observe-se, ainda, que a delimitação da matéria fático-jurídica a que se
referem os incisos II e IV do art. 357 poderá ser alvo de negócio processual, nos termos do art. 190. É também na decisão saneadora que deve ser decidida eventual questão relativa à redistribuição do ônus da prova (art. 373, § 1º, c/c art. 357, III), o que pode ser feito a requerimento das partes ou ex officio. A depender das provas deferidas pelo juiz, deve ser designada: a) a produção de prova pericial, mediante nomeação de perito (registre-se que os prazos para a realização da perícia deverão observar o disposto nos dispositivos específicos sobre a matéria ou o calendário fixado pelo juiz – art. 357, § 8º); b) no caso de produção de provas orais, a audiência de instrução e julgamento (arts. 357, V, e 361, caput). Caso o juiz determine a produção de prova testemunhal, deverá fixar prazo comum não superior a 15 dias para a apresentação, pelas partes, do rol de testemunhas (art. 357, § 4º). As partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes à decisão saneadora, no prazo comum de 5 dias, findo o qual a decisão se torna estável (art. 357, § 1º). Tal estabilização, referida no § 1º do art. 357, denota, para alguns, a necessidade de prévio pedido de esclarecimento como condição à interposição de recurso contra a decisão saneadora e, para outros, a impossibilidade de o juiz modificar as soluções nela contidas, configurando-se uma verdadeira preclusão pro judicato134. Nenhuma dessas posições se afigura correta. A uma, pois o pedido a que alude o art. 357, § 1º não abarca toda e qualquer possibilidade irresignação; ao contrário, diz respeito, apenas: a) à impugnação de aspectos obscuros ou contraditórios de uma decisão ou b) à solicitação de ajustes, que não parecem se confundir com a revogação ou a anulação de algum ponto da decisão
saneadora. Logo, subordinar o exercício do direito de recurso à prévia existência desse pedido seria cercear indevidamente as demais possibilidades de impugnação da decisão em pauta, sobretudo considerando que a lei nada dispõe sobre esse pressuposto recursal específico. A duas, não parece razoável supor que a estabilização do saneamento dirija-se à proibição extrema de o juiz (ou o juízo, na hipótese de modificação da pessoa física do juiz no curso do processo) voltar atrás nas questões decididas na fase saneadora. A decisão saneadora resolve questões de ordem pública extremamente relevantes, atinentes, por exemplo, à admissão e à forma da produção das provas e à distribuição do ônus da prova. Impossível, nesse passo, supor que o juiz não possa rever a decisão de indeferimento de determinada prova quando aportarem aos autos novos argumentos que demonstrem a pertinência e a relevância do que com ela se pretende provar. Diversamente, de um modo geral135, entende-se que a revogação da decisão que defere a produção de prova não se afigura possível. Esse é o posicionamento, por exemplo, de José Roberto dos Santos Bedaque, para quem “as regras processuais referentes à preclusão destinam-se apenas a possibilitar o desenvolvimento normal da relação processual. Não podem prevalecer, porém, sobre o poder-dever do juiz de tentar esclarecer os fatos, aproximando-se o quanto possível da verdade, pois sua missão é pacificar com justiça. E isso somente ocorrerá se a decisão resultar da atuação da norma a fatos efetivamente verificados”136. Merece destaque, a propósito do tema, o argumento de Cândido Rangel Dinamarco, para quem a estabilização do saneamento busca enfatizar a necessidade de viabilização do contraditório, que não poderá ser prejudicado em caso de eventual modificação da decisão do art. 357137. Ainda, o pedido
de esclarecimentos ou ajustes deve ser visto como um direito das partes, a fim de viabilizar uma nova decisão do juiz a respeito de aspectos nebulosos, contraditórios ou incompletos da decisão saneadora, de forma compartilhada e em cooperação138, e não como forma de cercear indevidamente o juiz ou as partes na regularização do processo e na busca da verdade. A decisão saneadora é de natureza interlocutória e abrange diversos assuntos, de modo que ocorrência ou não da preclusão dependerá da matéria tratada e das circunstâncias em que vier a ser requerida sua revisão. De qualquer modo, trata-se de decisão recorrível, impugnável, em regra, pela via da apelação (art. 1.009, § 1º), salvo se a impugnação destinar-se a capítulo concernente a matéria passível de agravo de instrumento, como é o caso do capítulo que decide a exibição de documento ou coisa ou a distribuição do ônus da prova (art. 1.015, VI e IX).
XXVIII AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO NO PROCEDIMENTO COMUM
1. Noções introdutórias Audiência é o ato processual complexo, que visa, precipuamente, à colheita de prova oral, em que é praticada uma série de atos pelo juiz, pelas partes e por terceiros, culminando com a sentença. Segundo Humberto Theodoro Jr., “é o ato processual solene realizado na sede do juízo que se presta para o juiz colher a prova oral e ouvir pessoalmente as partes e seus procuradores”139. Tem como finalidade última a formação da convicção do juiz para julgamento da causa. Por isso mesmo, como bem ressaltado por Cássio Scarpinella Bueno, “é que a audiência rende ensejo a que se verifique, com clareza, a realização dos princípios da oralidade, da imediatidade, da concentração dos atos processuais e da identidade física do juiz”140. Pertinentes as palavras de Ovídio Baptista da Silva, sobre a importância atual da audiência: “Modernamente o conceito e a função das audiências, em direito processual civil, transformaram-se, particularmente nos sistemas como o nosso, que se orientam pelo princípio da oralidade. Segundo a concepção
moderna, a audiência é a fase mais importante de todo o procedimento civil, destinada não só a possibilitar o contato direto do juiz com as partes e seus procuradores – e por meio deles o contato pessoal e imediato com as raízes sociais do conflito – mas fundamentalmente para nela produzirem-se as provas orais, como o interrogatório e depoimentos pessoais das partes, a inquirição das testemunhas e os esclarecimentos dos peritos”141. Complementando o que foi exposto até então, destaca Jefferson Carús Guedes que “o destaque da audiência de instrução e julgamento se deve principalmente à imediatidade, momento de aproximação máxima entre o juiz e as partes, entre o juiz e a prova e os objetos de prova (...). Consagra-se de todo modo a oralidade nessa audiência, tempo e lugar em que será colhida a prova oral, seja pelos esclarecimentos do técnico que elaborou a prova pericial, seja pelos depoimentos pessoais do autor, do réu ou dos intervenientes e pelo depoimento das testemunhas. A virtude da prova oral decorre da imediatidade, da aproximação, do diálogo entre o juiz e as partes, e do diálogo entre o juiz e as testemunhas, capaz de aferir a veracidade de cada pronunciamento e do comportamento das partes”142. Em regra, sua realização é designada pelo juiz logo após o saneamento do processo, quando não for o caso de julgamento com base nos arts. 354 e 355 do CPC/2015143. Deverá o juiz observar o lapso de tempo necessário à realização da prova pericial, se houver. Caso essa data seja antecipada, os advogados deverão ser intimados, segundo prevê o art. 363 do CPC/2015. 2. Publicidade A audiência, prescreve o art. 368 do CPC/2015, será pública144. Já se estudou, quando examinados os princípios do processo civil, que a regra do
referido artigo é reflexo do princípio constitucional da publicidade dos atos do processo. Nessa mesma linha, anotou-se que as duas regras-chaves do texto constitucional a propósito do assunto (art. 93, IX, e art. 5º, LX, da CF/88) são, na classificação proposta por José Afonso da Silva, regras de eficácia contida, pois que podem ser legitimamente limitadas pela lei infraconstitucional ou por certos conceitos de larga difusão no direito público, como o interesse social, prescrito no art. 5º, LX, da CF/88 e o interesse público, inserido no art. 93, IX, da CF/88145. Repare-se no texto do art. 93, IX, da Constituição Federal: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”. Outra não é a inteligência do art. 5º, LX, verbis: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Por isso, a regra da primeira parte do art. 368 do CPC/2015, quanto à publicidade da audiência, deve ser entendida, consoante se ressalva na parte final desse mesmo dispositivo, em consonância com o art. 189 do CPC/2015, em cujo caput se dispõe acerca da publicidade dos atos do processo, exceção feita às hipóteses contempladas nos incisos I e II desse mesmo art. 189 do CPC/2015, que tratam dos processos que tramitam em “segredo de justiça”146. De se observar que o inciso I do art. 189 do CPC/2015 contém uma regra aberta, dispondo que correrão em segredo de justiça as causas em que assim exigir o interesse público. Trata-se, inegavelmente, de regra amplíssima, e o núcleo do mandamento (interesse público) é um conceito vago147. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery entendem que a ação de separação de corpos,
apesar de não constar no art. 52 da Lei do Divórcio (que alterou o inciso II do art. 189 do CPC/2015), deve ser processada em segredo de justiça, “porque assim convém ao interesse público. As medidas preparatórias ou incidentais das ações previstas no CPC 189 II devem sempre correr em segredo de justiça”.148 Também serão processados em segredo de justiça, de acordo com expressa previsão legal, as causas relativas à união estável (art. 9º da Lei n. 9.278/96)149, uma vez que a matéria a ela referente “é de ordem pública e de interesse social, porque de direito de família”150-151. Saliente-se, ainda, que a audiência realizada em desobediência ao princípio da publicidade é nula. Assim, são atos de extrema importância os preparatórios da audiência, especificamente a intimação dos advogados das partes e de todos que deverão comparecer (testemunhas, perito, assistentes, partes, se for o caso). 3. Atribuições do juiz Na audiência, o juiz exerce poder de polícia (art. 360 do CPC/2015). Por isso, compete-lhe, entre outras coisas, manter a ordem e o decoro na sala de audiência (art. 360, I, do CPC/2015), podendo ordenar que se retirem da sala aqueles que se comportarem indevidamente (art. 360, II, do CPC/2015), cabendo-lhe para tanto, se necessário, requisitar o auxílio de força policial (art. 360, III, do CPC/2015), exortando os advogados e o órgão do Ministério Público a que discutam a causa com urbanidade (art. 360, IV, do CPC/2015), e devendo, ainda, registrar em ata todos os requerimentos apresentados em audiência (art. 360, V, do CPC/2015). A ideia de poder de polícia, tal qual é empregada pelo art. 360 do CPC/2015, deve ser entendida em sentido amplo: “O poder de polícia (police
power), em sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão, também, estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boas maneiras e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar o conflito de direito e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais”152. Enquanto estiverem depondo as partes, as testemunhas, o perito (se para tanto intimado), os advogados não podem intervir ou apartear, sem licença do juiz, sob pena de tumultuar o andamento dos trabalhos (art. 361, parágrafo único, do CPC/2015). 4. Conciliação A audiência é dividida numa fase conciliatória e numa fase posterior, se frustrada a primeira, de instrução e julgamento. Como tivemos oportunidade de verificar, não sendo o caso de extinção do processo com base no art. 354 do CPC/2015, nem tampouco de julgamento antecipado com fulcro no art. 355 do CPC/2015, e se a hipótese não se encartar em nenhuma das situações previstas pelo § 4º do art. 334 do CPC/2015, competirá ao juiz designar a audiência de conciliação ou de mediação, nos termos do art. 334 do CPC/2015, antes mesmo do réu apresentar contestação, com o escopo de conciliar as partes. Isso não significa que, no início da audiência de instrução e julgamento, ora tratada, o juiz não deva proceder novamente à tentativa de conciliação, mesmo porque se encontra no poder do juiz convocar as partes para tentar a conciliação em qualquer fase processual (art. 139, IV, do CPC/2015). A respeito, é claro o art. 359 do CPC/2015.
Se o juiz não tentar a conciliação, nem por isso, todavia, se decretará necessariamente a nulidade, devendo-se ter presente a regra do art. 282, § 1º, do CPC/2015, segundo a qual não há nulidade se inexistir prejuízo153. Assim, para o início dos trabalhos, as partes e o órgão do Ministério Público, se oficiante no caso, deverão ser intimados para comparecerem à audiência. O juiz deverá proceder à tentativa de conciliação, ainda que se trate de causa de família, evidentemente nos limites da lei, isto é, para os casos e fins em que a lei admite a transação, em causas de família, desde que admita a autocomposição. Em ação de anulação de casamento, não será possível a transação154; porém, em ação de alimentos, por exemplo, é possível conceber transação referente ao quantum devido a título de alimentos155. Consigne-se que, em princípio, as pessoas jurídicas de direito público não estão autorizadas a transacionar (v., a propósito, a Lei n. 9.469/97)156-157. Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que “a indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis”158. Não obstante caber ao juiz designar a data em que se realizará a audiência de instrução e julgamento, é possível, por uma vez, que as partes convencionem o adiamento da audiência (art. 362, I, do CPC/2015), podendo, ainda, a audiência ser adiada se não puderem comparecer, por motivo justificado, o perito, as partes, as testemunhas, ou seus respectivos advogados (art. 362, II,
do CPC/2015). Em princípio, o impedimento deverá ser provado até o início dos trabalhos (art. 362, § 1º, do CPC/2015), podendo ser dispensada a produção de provas da parte cujo advogado não tenha comparecido à audiência (art. 362, § 2º, do CPC/2015), sendo que aquele que der causa ao adiamento responderá pelo acréscimo nas despesas processuais (art. 362, § 3º, do CPC/2015). A impossibilidade de conclusão do laudo pericial no prazo originalmente estabelecido pode, também, levar à necessidade de redesignação da audiência, tendo em vista o prazo disposto no art. 477 do CPC/2015. Porém, a regra do § 1º do art. 362 do CPC/2015 deve ser entendida com algum temperamento por parte do magistrado, de modo que, havendo motivo de força maior, é de atenuar-se o seu rigor, ainda que o impedimento não tenha sido alegado antes do início da audiência, consoante prescreve a letra do referido artigo. A força maior poderá ter obstado a própria comunicação do impedimento ao magistrado159. Observe-se, a propósito, que se a regra é a de que, se a parte se dispuser a levar a testemunha independentemente de intimação,
o
seu
não
comparecimento leva à presunção de que a parte que a arrolou tenha desistido de ouvi-la (art. 455, § 2º, do CPC/2015), nem por isso deixará de haver adiamento se se provar que a testemunha não pôde comparecer por motivo de força maior, conforme melhor se aborda no capítulo destinado ao estudo da prova testemunhal160. Se as partes, tentada a conciliação na audiência de instrução e julgamento e chegarem a um acordo, o juiz porá fim ao processo, tomando o acordo por termo (art. 359 do CPC/2015). Nesse caso, dispensa-se a fase ulterior da audiência, de colheita da prova oral e julgamento.
A composição a que as partes possam chegar pode ter efetivamente o caráter de transação (art. 487, III, b, do CPC/2015), em que há concessões recíprocas, mas também pode haver renúncia ao direito (rectius, afirmação de direito) em que funda a ação por parte do autor (art. 487, III, c, do CPC/2015), ou, então, reconhecimento jurídico do pedido, da parte do réu (art. 487, III, a, do CPC/2015). Em todas essas hipóteses, haverá resolução do mérito. Poderá, no entanto, haver simples desistência da ação, desde que haja consentimento do réu (art. 485, § 4º, do CPC/2015), o que conduz à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, VIII, do CPC/2015) e o que não obsta, em princípio, sua repropositura. 5. Instrução e julgamento Caberá ao juiz declarar aberta a audiência no dia e hora designados, mandando apregoar as partes e seus respectivos advogados (art. 358 do CPC/2015). Vimos que, nos casos de frustrar-se a conciliação proposta na audiência de conciliação e mediação (art. 334, caput, do CPC/2015), ou nos casos previstos pelo § 4º do art. 334 do CPC/2015, em que ela nem sequer é designada, o juiz deverá proferir decisão saneando o processo, passando-se à fase de instrução e julgamento. A fixação dos pontos controvertidos, como já tivemos oportunidade de expor, deverá ser feita pelo juiz na decisão saneadora (art. 357, II e IV, do CPC/2015), caso a audiência de conciliação e mediação tenha restado infrutífera. Os fatos sobre os quais recairá a prova, consoante já se teve oportunidade de comentar quando analisado o art. 357 do CPC/2015, devem ser os controvertidos, desde que sejam pertinentes e relevantes161 ao deslinde
da causa. Lembre-se de que o juiz não deve julgar com conhecimento próprio dos fatos, salvo se se tratar de fatos notórios162 (art. 374, I, do CPC/2015). Oportunas, a propósito, as considerações de Nelson Palaia: “O fato notório é um fato, ou, ainda, um acontecimento equívoco, enquanto a máxima de experiência é um raciocínio, é um juízo (...). Portanto, na máxima de experiência, o que se repete é o fato, enquanto no notório o que se repete é a observação ou a certeza do conhecimento em relação a diversos indivíduos (...). Ao aplicar o fato notório como tal, o juiz não usa sua ciência privada, mas sim a ciência média comum de um círculo social ao qual ele pertence”163. Se não for requerido depoimento pessoal da parte, é dispensável o seu comparecimento, presumindo-se, com isso, que se recusa a qualquer acordo. A prova oral, segundo preceitua o art. 361, I a III, do CPC/2015, deve ser colhida segundo a seguinte ordem: 1º) ouvem-se os esclarecimentos do perito e do assistente técnico, se devidamente intimados na forma do art. 477, § 3º, do CPC/2015 (com dez dias de antecedência, e desde que da intimação já lhes tenham sido apresentados os quesitos sobre os quais serão indagados) 2º) em seguida, ouvem-se os depoimentos pessoais, primeiro o do autor, depois o do réu, desde que tenham sido requeridos, ou quando o juiz os tenha determinado de ofício; e, por fim, 3º) ouvem-se as testemunhas, primeiro as do autor, depois as do réu. Em princípio, havendo razão justificável, a ordem acima descrita pode ser alterada, por exemplo, se a testemunha do autor não tiver podido comparecer à audiência e as testemunhas do réu estiverem presentes e aptas a serem ouvidas. Athos Gusmão Carneiro, ainda na vigência do CPC/73, aduz que a ordem estabelecida no art. 361 do CPC/2015 “decorre de norma meramente
ordinatória de procedimento, ficando a critério do magistrado, por justo motivo, de ofício ou a requerimento das partes ou de apenas uma delas, alterar a sequência dos depoimentos. Nada, aliás, mais comum na prática forense. É a testemunha que, por motivo de afazeres profissionais ou razão de saúde, pede para ser ouvida sem mais tardança (...). Diga-se, pois, que não é peremptória a ordem dos trabalhos na audiência de instrução, como indicada no art. 452 do CPC, podendo ser alterada quando conveniente e não prejudique os interesses das partes (...). Sob pena de preclusão, eventual anulabilidade decorrente da alteração da sequência estabelecida na lei processual somente poderia ser decretada se a parte a alegasse na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, isto é, na própria audiência (art. 245), bem como dependeria de prova de efetivo prejuízo do impugnante, pois o ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte (art. 249, § 1º)”164-165. A audiência, como se disse, é una e contínua. Não sendo possível concluir os trabalhos no mesmo dia, será designado dia próximo para a audiência em continuação (art. 365 do CPC/2015), devendo esta ser presidida pelo juiz, que deverá ser preferencialmente o mesmo que julgará a lide. O trabalho pode não vir a ser concluído no mesmo dia por diversos motivos – por exemplo, eventual ausência da testemunha ou da parte, desde que justificadas, ou, ainda, se o juiz entender de ouvir uma testemunha referida, ou, também, se entender o magistrado no sentido de aguardar a devolução de precatória, segundo o que prevê o art. 377 do CPC/2015. Concluída a colheita da prova oral, tem-se a última oportunidade para as partes juntarem documentos, ou, ainda, requererem a oitiva de testemunhas referidas. Poderá, excepcionalmente, haver conversão do julgamento em
diligência, caso o juiz repute necessária mais alguma prova. Sucessivamente, finda a instrução, inicia-se a fase de debates (art. 364 do CPC/2015). Cada parte (primeiro o autor, depois o réu), e, sendo o caso, o órgão do Ministério Público, sucessivamente, disporá de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, para deduzir suas alegações finais (art. 364, caput, do CPC/2015). Havendo litisconsorte ou terceiro, o prazo de 20 minutos mais a prorrogação será dividido entre os que ocuparem o mesmo grupo, salvo convenção em sentido contrário (art. 364, § 1º, do CPC/2015). É mais comum, todavia, que as alegações finais sejam apresentadas sob a forma de razões finais escritas, o que é permitido pelo § 2º do art. 364 do CPC/2015, que estatui: “Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído por razões finais escritas, que serão apresentadas pelo autor e pelo réu, bem como pelo Ministério Público, se for o caso de sua intervenção, em prazos sucessivos de 15 (quinze) dias, assegurada vista dos autos”. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “as alegações finais são a fala dos defensores das partes, destinada a demonstrar ao juiz a razão de cada uma delas e por esse modo influir no espírito deste para que profira sentença favorável. Consistem em examinar a prova e confrontá-la com os fatos alegados, interpretar a lei, invocar a doutrina e jurisprudência e concluir com o pedido de procedência ou improcedência da demanda, extinção do processo etc. Essa atividade é nitidamente instrutória, concebida a instrução, no processo de conhecimento, como o conjunto de atividades destinadas a formar a convicção do juiz”166. Uma vez encerrados os debates, ou oferecidas as razões finais escritas (art. 364, § 2º, do CPC/2015), prescreve o art. 366 do CPC/2015 que o juiz poderá
proferir sentença desde logo (caso em que a sentença deve se considerar publicada na data da audiência) ou no prazo de 30 dias. Esse prazo, como de resto todos os prazos que a lei estabelece para os atos do juiz, é impróprio, isto é, o seu descumprimento leva a consequências apenas eventuais e, ainda, fora do plano do processo, não trazendo, todavia, consequências endoprocessuais. Da audiência deverá ser lavrado pelo escrivão um termo (art. 367 do CPC/2015), que será ditado pelo juiz, refletindo, em resumo, o quanto ocorrido em audiência, os despachos que tenham sido proferidos e a sentença, se houver sido proferida em audiência. O termo deverá ser subscrito pelo juiz, pelos advogados das partes, pelo órgão do Ministério Público e pelo escrivão, trasladando-se para os autos cópia autêntica.
XXIX TEORIA GERAL DA PROVA
1. As provas – noções introdutórias A expressão “prova” pode ser compreendida em dois significados: um objetivo, abrangente dos meios destinados a convencer o juiz dos fatos relativos ao processo; outro subjetivo, relativo à “convicção que as provas produzidas no processo geram no espírito do juiz quanto à existência ou inexistência dos fatos”167. O direito à prova decorre do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88), sendo também implicação do direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88 e art. 2º do CPC/2015), bem como do direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88 e art. 9º e 10 do CPC/2015). Vem previsto, ainda, no Pacto de San José de Costa Rica (art. 8º, 2, f), incorporado ao direito interno pelo Decreto n. 678/92, bem como no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 9º), incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 592/92. Neste particular, menciona-se o § 3º do art. 5º do texto constitucional, introduzido pela “Reforma do Judiciário”. Com o advento da EC 45/2004, acrescentou-se o referido parágrafo, in verbis: “Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Aludido dispositivo gerou interessantes discussões doutrinárias acerca da força que os tratados e convenções que versarem sobre direitos humanos, ratificados anteriormente à publicação da EC 45/2004, passaram a ter. Há quem sustente que esses tratados e convenções (ratificados anteriormente ao advento da EC 45/2004) passaram a ter força de normas constitucionais168-3. Já se entendeu, por outro lado, que estes tratados continuariam a vigorar com força de lei ordinária4-5. Atualmente,169prevalece170no171STF o posicionamento de que aludidos tratados e convenções, que não tenham se submetido ao quorum do § 3º do art. 5º da CF/88, possuem status de normas supralegais172. Mais recentemente, todavia, alguns ministros passaram sustentar o status constitucional desses tratados, independentemente de quórum especial173. No vigente sistema processual civil, o juiz atribui à prova produzida o valor e o grau que entenda ter para convencê-lo, devendo justificar o porquê de sua convicção174, salvo no caso de prova legal, em relação à qual o papel do juiz é o de admitir, dando por existente a prova, a sua força probatória. Isso significa que, como regra, não existe uma prova à qual o juiz deva atribuir maior valor que a outra. Essa afirmação é reflexo do princípio do convencimento motivado, também conhecido como princípio da persuasão racional, estampado no art. 371 do CPC/2015. Já o art. 406 estatui que, em determinadas hipóteses, quando a lei exigir o instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial, poderá suprir-lhe a falta. Tal é a hipótese, por exemplo, do art. 108 do CC/2002.
O convencimento motivado do magistrado nada mais é que a possibilidade de o juiz se convencer livremente, frente às provas dos autos. Por isso, a supressão da expressão “livre”, utilizada pelo art. 131, do CPC/73, apesar do mérito de denunciar arbitrariedades cometidas sob a égide daquele Código, não altera, efetivamente, a natureza desse princípio. Como explica Arruda Alvim, “a liberdade de convencimento do juiz, tanto no CPC/1973 como no CPC/2015, existe e é no sentido de não estar o magistrado, via de regra, vinculado a regras que preestabeleçam ou hierarquizem o valor dos elementos extraídos de cada meio de prova. Não se trata, por óbvio, de uma liberdade irrestrita, no sentido da desnecessidade de parâmetros lógico-racionais a guiar a conclusão do juiz a respeito dos fatos. Ao contrário, esses parâmetros são exigidos e devem constar expressamente da fundamentação da decisão – daí as expressões livre convencimento motivado ou persuasão racional”175. De outro lado, devem-se ter presentes os casos em que há necessidade de realização de prova técnica. Em tais hipóteses, ainda que o próprio juiz possua os conhecimentos necessários, não poderá dispensar a prova pericial. Contudo, tenha-se presente o disposto no art. 479 do CPC/2015, com o seguinte teor: “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”. Vale dizer: ainda que o juiz não possa dispensar a prova pericial, às conclusões do perito não está vinculado, podendo, inclusive, se entender necessário, determinar de ofício a realização de segunda perícia (art. 480)176. Neste sentido também foi a orientação do Superior Tribunal de Justiça sob a égide do CPC/73: “Adotando nosso sistema processual civil o princípio do
livre convencimento motivado, não está o juiz adstrito ao laudo pericial apresentado em juízo, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”.177 A ausência de fundamentação, porém, já conduziu à nulidade do acórdão que afastou, desmotivadamente, o laudo pericial: “(...) 1. Trata-se, na origem, de ação de indenização na qual a autora alega que teve o cólon do intestino perfurado por sonda em procedimento de retirada de cálculo renal, devido a erro do médico, que resultou em internação, além da necessidade de realização de laparotomia com drenagem de abscesso e colostomia. 2. O laudo pericial presente nos autos concluiu que a lesão produzida era inerente ao procedimento e que não havia evidências de falha técnica ou conduta antiética do médico que o realizou. 3. O julgador não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, desde que dê a devida fundamentação, o que não ocorreu na espécie (...)”178. Pode-se dizer que constituem exceções
ao
princípio
do
livre
convencimento motivado as hipóteses de prova legal, em que o próprio legislador atribui à prova a respectiva valoração, e as suas consequências. Arruda Alvim, a propósito da ideia de prova legal, é aquela que já encontra, na lei, sua respectiva valoração, bem como suas consequências, que são impostas ao magistrado179. Desse modo, pode-se, em síntese, concluir o seguinte: (1) a atividade do juiz é pautada, como regra geral, pelo princípio da persuasão racional ou do livre convencimento motivado (art. 371 do CPC/2015); (2) isso significa que o juiz deverá apreciar o quadro probatório sem estar adstrito a regras preestabelecidas180, o que, todavia, não o exime do dever de declinar na sentença os motivos do seu convencimento (vide, a propósito, o art. 93, IX,
da CF/88, que comina sanção de nulidade às decisões judiciais carentes de fundamentação, bem como os arts. 11 e 489, II, do CPC/2015); (3) como norte do seu agir, o juiz deverá ter em mente a regra do art. 140 do CPC/2015, que estabelece uma ordem preferencial de fontes do direito – leis, analogia, costumes e princípios gerais do direito –, ao lado do art. 375, segundo o qual, “o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”; e (4) excepcionalmente, o juiz se defrontará com hipóteses de prova legal (v.g., art. 406, que trata de casos de prova legal em que o instrumento público é da substância do ato)181. Frise-se, desde logo, que o objetivo da atividade probatória (que se desenvolve na fase de instrução do processo, se inicia com o saneamento – art. 357 – e finda na audiência de instrução e julgamento)182 é o de chegar à verdade dos fatos, o que não significa que o sistema processual civil não conviva, mesmo antes de transitada em julgado a decisão, com a possibilidade de subsistência de decisões em que a prova tenha sido mal avaliada. Sintoma mais evidente da verdade dessa afirmação é o de que a jurisprudência consolidou o entendimento do descabimento de ação rescisória com vistas à reavaliação das provas que tenham sido produzidas no processo. Assim, se a decisão transita em julgado assentada em má apreciação do conjunto probatório, nem por isso caberá ação rescisória. Veja-se a seguinte ementa de julgado, proferido à luz do CPC/73: “A viabilidade da ação rescisória por ofensa de literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta contra a literalidade da norma jurídica, sendo inviável, nessa seara, a
reapreciação das provas produzidas ou a análise acerca da correção da interpretação dessas provas pelo acórdão rescindendo (...)”183. Aliás, cumpre ressaltar que nem mesmo em sede de recurso especial e recurso extraordinário, cabíveis ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente, tem cabimento a rediscussão do quadro probatório. Só é possível solicitar a reavaliação das provas nos recursos ordinários, sendo inviável a reapreciação do quadro probatório nos recursos especial e extraordinário. Nesse sentido, confiram-se as Súmulas 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”; e 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Embora esses recursos sejam estudados pormenorizadamente em capítulos específicos desta obra, é oportuna a referência feita acima para evidenciar em que medida o sistema processual civil tolera decisões em que tenha sido feita uma apreciação inexata do conjunto probatório. Pertinentes as observações de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “o sistema processual civil admite, para o julgamento, a verdade formal, salvo os casos de direito indisponível, como já se disse, ou daqueles em que se exige prova legal, cuja valoração o legislador prefixa”.184 Nesse mesmo sentido, as precisas colocações de Arruda Alvim: “Quando se trata de bens indisponíveis, procura-se, de forma mais acentuada, fazer com que, o quanto possível, o resultado no processo seja o mais aproximado da verdade material”185-186. Como regra, a prova deve ser produzida dentro do processo em que se vai proferir sentença. Excepcionalmente, havendo identidade de relação fática, e tratando-se das mesmas partes, é possível ao magistrado utilizar-se da prova
emprestada, que tenha sido produzida noutro processo, como, por exemplo, no caso de provas periciais ou, ainda, de provas orais. O juiz, no entanto, não fica jungido a aceitar a prova que tenha sido produzida noutro processo, o que, todavia, pode ser recomendável, tendo em vista o princípio da economia processual. Imprescindível, todavia, que a prova, nesse outro processo, tenha sido produzida com atenção ao princípio do contraditório. Esse tema será abordado de forma mais minuciosa em tópico específico deste capítulo. 2. Objeto e destinatário da prova Como regra geral, todo e qualquer meio de prova legalmente previsto, ou moralmente legítimo, é apto a provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa (art. 369 do CPC/2015, que consagra princípio da liberdade ou atipicidade dos meios de prova). Assim, são meios da prova admitidos não apenas aqueles legalmente previstos, como também qualquer meio lícito ou que se apresente como moralmente legítimo. A atipicidade dos meios de prova (i.e., desnecessidade de previsão legal expressa) decorre, justamente, de ser o direito à prova um direito fundamental, emanado, como já se disse, do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88), do direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). Deve-se ter presente, para entender corretamente a dimensão do art. 369 do CPC/2015, a regra insculpida no art. 5º, LVI, da CF/88 – “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” – bem como o disposto no inciso XII do mesmo artigo do Texto Maior, que assegura a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo ordem judicial, na forma da lei, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A prova terá, como objeto, os fatos deduzidos pelas partes em juízo e terá como
destinatário principal o juiz, a quem incumbirá dar a solução à lide187. Contemporaneamente, não se pode mais restringir ao juiz a figura do destinatário da prova, sendo certo que a atividade e o resultado da atividade probatória são também de interesse das partes, que possuem o direito de produzir a prova tanto para influenciar o juiz na resolução de mérito como, também, para verificarem as perspectivas e a conveniência da utilização de métodos autocompositivos. Mais adiante, será visto que as partes possuem, inclusive, um direito autônomo à prova188. Sob essa perspectiva, amplia-se a admissibilidade da prova. Mantém-se, contudo, o limite constitucional imposto pela vedação da produção de provas ilícitas, sobretudo quando se trate das provas invasivas já referidas, violadoras do sigilo das comunicações (com a ressalva, já referida, à possibilidade de autorização judicial, nos termos da lei, para interceptações telefônicas para fins de investigação ou instrução criminal – art. 5º, XII, da CF/88). A utilização de provas obtidas por interceptação telefônica é hoje disciplinada pela Lei n. 9.296/96, que regulamentou o art. 5º, XII, da CF/88, e admitiu expressamente a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, mas somente para ser utilizada como meio de prova em investigação criminal e instrução processual penal, nos termos do art. 1º da Lei, desde que presentes os pressupostos ali discriminados, excluindo, portanto, sua utilização no processo civil189. O objeto da prova, como sendo os fatos controvertidos em que se funda a ação ou a defesa, vem bem definido no art. 369 do CPC/2015. Tais fatos deverão ser pertinentes e relevantes, isto é, devem dizer respeito à causa (pertinentes) e devem ser capazes de influir na sua decisão (relevantes). Excepcionalmente, o direito pode ser objeto de prova. Como regra, pode-se
dizer que iura novit curia, de tal modo que inexiste necessidade de alegar ou provar o direito. Se, porém, estiver em questão direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, o direito, se assim o determinar o juiz, deve ser provado por quem o alega, se o juiz assim determinar (art. 376)190. Há fatos, dispõe o art. 374, que independem de prova. São eles: I – os fatos notórios, entendidos como tais aqueles que são de conhecimento geral inconteste; II – os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, desde que estejam em pauta direitos disponíveis (entenda-se aqui que tais fatos não precisam ser objeto de outra prova, porque confessados, e a confissão se constitui em meio de prova); III – os fatos incontroversos, desde que a eles se possa aplicar a presunção de veracidade decorrente da ausência de impugnação (o CPC/2015 consagra não apenas a presunção de veracidade dos fatos não contestados pelo réu revel – art. 344 – como também a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial e que não tenham sido especificadamente impugnados em sede de contestação, a teor do art. 341, que trata do ônus da impugnação especificada dos fatos narrados na inicial); e IV – os fatos em cujo favor milita presunção de veracidade, desde que tal presunção não seja infirmada por alegações ou provas da contraparte, hipótese em que não será suficiente a presunção legal. Como visto, de modo geral, os incisos do art. 374 estabelecem uma presunção relativa de veracidade para os fatos cuja prova seria, nos termos da lei, dispensada. Veja-se, contudo, que essa desnecessidade de provas é apenas inicial, porquanto, a depender das circunstâncias, a liberação do ônus da prova não subsistirá, devendo a parte demonstrar os fatos em questão. Assim, por exemplo, a prova do fato notório somente será dispensada se sua notoriedade não for alvo de questionamento em juízo; os fatos presumidos
pela admissão, confissão ou incontrovérsia independem de prova se não se enquadrarem nas situações do art. 345; as presunções legais juris tantum independem de prova, salvo se a parte contrária trouxer aos autos elementos capazes de infirmar tal presunção. 3. As provas e o julgamento antecipado do mérito O art. 355 do CPC/2015, já examinado anteriormente, consagra hipóteses em que o juiz deve conhecer diretamente do pedido, sem dilação probatória. São aquelas em que (1) não houver necessidade de produção de outras provas (art. 355, I); e (2) quando houver revelia ocorrendo o efeito previsto no art. 344 (rectius, efeitos da revelia) e quando não houver requerimento de prova na forma do art. 349 (art. 355, II), desde que o juiz entenda possível, em face da revelia, o julgamento antecipado. O juiz só deverá deferir a provas pertinentes (art. 370), verdadeiramente necessárias à instrução do processo. Daí que deverá indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parte final). Exemplos de provas desnecessárias – e, pois, inúteis – dizem respeito: a) àquela prova voltada à demonstração de fato incontroverso, consoante já decidiu o STJ191; b) à prova pericial, quando o fato a ser apurado não depende de conhecimento técnicocientífico (art. 464, § 1º, I) ou decorre de máxima da experiência (art. 335)192; c) à prova requerida em processo que versa questão exclusivamente de direito193. Não se coaduna com o status constitucional do direito à prova o argumento de que, a pretexto de ser o destinatário da prova, pode o juiz, tendo já se convencido da tese de uma das partes, utilizar o princípio do livre convencimento motivado para indeferir os meios de prova requeridos pelo
adversário. Isso porque a parte possui o direito de produzir a contraprova ou a prova contrária194, sendo certo que a “liberdade” de convencimento do juiz não se confunde com arbitrariedade ou convicção íntima. Como já foi dito acima, essa “liberdade” é apenas no sentido da inexistência de valorações preestabelecidas por lei. Além disso, o princípio da persuasão racional ou livre convencimento motivado incide em momento posterior ao da admissão das provas, a saber: quando, após admitidos e produzidos os meios de prova típicos e atípicos (art. 369), o juiz analisa o material probatório constante dos autos. Lembre-se, ainda, como já se assinalou no tópico precedente, de que as partes também são destinatários da prova, na condição de titulares do direito de convencerem o juiz – e a si mesmas, para fins de autocomposição – sobre os fatos do litígio. Logo, a desnecessidade de prova a que aludem os arts. 355 e 356, capaz de ensejar o indeferimento das provas e o julgamento antecipado de mérito, diz respeito à inaptidão (em abstrato) dos meios de prova para demonstrar os fatos pertinentes e relevantes ao litígio. Assim, se não houver, efetivamente, necessidade de produzir prova em audiência, ou quando incidir a presunção de que trata o art. 344 (principal efeito da revelia), o juiz proferirá julgamento antecipado, independentemente de dilação probatória. Todavia, como já foi exposto em capítulo específico, mesmo que haja revelia, afigura-se possível que, intervindo o réu no processo a tempo, possa produzir as provas que entender pertinentes.195 Essa é a conclusão que melhor se compatibiliza com o alcance dos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal. Robustecem essa ideia, ainda, o entendimento cristalizado na Súmula 231 do STF: “O revel, em processo
cível, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno” e a atual redação do art. 349 do CPC/2015, verbis: “Ao réu revel será lícita a produçao de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção”196. De alguma forma, não apenas a noção da prova legal (a que já nos referimos anteriormente) é antinômica à ideia do livre convencimento motivado, como também a própria presunção de que trata o art. 344 é contrária a esse princípio. Necessário insistir, no entanto, que a presunção de que trata o referido artigo deve ser entendida cum grano salis. É preciso, para que se aplique a presunção prevista no art. 344, não apenas a não incidência dos incisos I a VI do art. 345, como também que os fatos não colidam com o contexto fático dos autos, o que deverá ser avaliado pelo juiz, à luz do caso concreto197. Já se cuidou do assunto com mais profundidade no capítulo destinado ao estudo da revelia e seus efeitos. 4. O juiz e a atividade probatória Como dito, caberá ao juiz deferir as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC/2015). A parte não pode impor ao juiz a realização deste ou daquele meio de prova, cabendo ao juiz indeferir as que sejam inúteis ou meramente protelatórias. Todavia, o indeferimento de meios de prova aptos a confirmar as alegações das partes constitui cerceamento de defesa, ensejando a nulidade da decisão que vier a ser proferida (tenha-se presente a garantia constitucional ao contraditório e à ampla defesa – inciso LV do art. 5º da
CF/88). Oportuno notar que o simples requerimento para produção de determinada prova, e a sua eventual não realização, não é, por si só, motivo que configure cerceamento de defesa – é preciso que a não produção da prova requerida tenha comprometido a defesa da parte. Nesse sentido, confira-se decisão proferida pelo STJ sob a vigência do CPC/73: “Foi a ação julgada procedente com base nos elementos probatórios constantes dos autos, sendo irrelevante a alegação de cerceamento de defesa, pois considerou o acórdão que as perguntas formuladas não guardavam relação com o tema debatido nos autos. Ultrapassar os fundamentos do acórdão demandaria o reexame de provas”198; “O indeferimento de pedido de produção de perícia, por si só, não se caracteriza como cerceamento de defesa, principalmente se a parte faz solicitação aleatória, desprovida de qualquer esclarecimento. Segurança denegada”199. Deve-se fixar, neste passo, qual o âmbito da atividade do juiz, quando determina, de ofício, a produção de provas, nos termos do precitado art. 370. A atividade do juiz, quando determina a produção de provas, deve ser sempre subsidiária. Isto é, o juiz não deverá suprir, com sua atividade, as omissões das partes, com o que estaria sendo violada a paridade de tratamento entre as partes que deve nortear a atividade do magistrado (art. 139, I). Parece ser este o entendimento mais correto a partir da interpretação sistemática do Código de Processo Civil, pois, se fosse admitido que o juiz suprisse as omissões das partes, sentido algum teria a regra do ônus da prova, de que se tratará adiante. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico trata do tema com profundidade e, após referir a posição que diz ser a “tradicional” (o juiz não deve suprir a atividade das partes, no que diz respeito às provas, cabendo-lhe determinar de ofício a
produção de provas apenas se, à luz do conjunto probatório, não for capaz de decidir, como, por exemplo, quando designa segunda perícia), afirma que há doutrinadores autorizados que têm “sustentado a possibilidade de investigação probatória oficial sem se apegar à necessidade de o autor provar os fatos constitutivos e o réu, os extintivos, modificativos e impeditivos”200. E, mais adiante, esse autor afirma que devem ser analisados separadamente dois fenômenos, o da relação jurídica substancial e o da relação jurídica processual. Sem prejuízo, diz, ponto delicado a ser transposto para se aceitar esta última posição consiste na compatibilização da possibilidade de produção oficiosa de provas pelo juiz com a imparcialidade. Enfrentando o problema sob essa ótica, in verbis: “É curioso notar que, mesmo os autores que refutam a possibilidade de investigação probatória ex officio, de forma autônoma, acabam por reconhecer tal possibilidade em caráter subsidiário, quando, após a produção das provas requeridas pelas partes, ainda assim permanecesse o juiz em estado de perplexidade”201. Daí conclui que o “ônus da prova é um ônus imperfeito ou incompleto, na exata medida em que o insuficiente exercício pode ser suprido por atividade processual de outrem – seja do juiz, determinando provas oficiosamente, seja da parte contrária, trazendo provas que lhe são desfavoráveis”202. Entre os que defendem uma ampla atuação oficiosa do juiz, deve-se ter presente a posição de José Roberto dos Santos Bedaque, que, como resposta às críticas feitas pela “corrente tradicional”, aduz que a posição que encampa não acarreta ofensa ao princípio dispositivo, porque as partes podem dispor da relação material, mas não da relação jurídica processual: “Ainda que privada a relação material, o Estado tem interesse em que a tutela jurisdicional seja prestada da melhor maneira possível. Assim, se o pedido da
tutela e os limites da prestação são privados, o modo como ela é prestada não o é. A relação processual rege-se sempre por princípios atinentes ao direito público, tendo em vista a sua finalidade, o seu objetivo”203. Entende que não há infringência ao princípio da isonomia e ao do contraditório porque, ao contrário, conforme a hipótese concreta, trata-se de “um poderoso instrumento que o magistrado tem em suas mãos, que lhe possibilita corrigir as desigualdades econômicas presentes na relação processual”. Acrescenta: “O processo deve ser dotado de meios para promover a igualdade entre as partes. Um deles, sem dúvida, é a previsão de que o juiz participe efetivamente da produção da prova (...) a moderna ciência processual fala em igualdade real, efetiva, o que requer seja assegurado às partes um verdadeiro equilíbrio, independentemente de fatores externos. Equivocada, portanto, a conclusão de que a efetiva participação do juiz na instrução do feito constitui violação ao contraditório”204. Defende, ainda, que não há agressão ao princípio da imparcialidade do juiz: “Alguns, embora defendam a iniciativa probatória oficial, acenam para o perigo da parcialidade, se levada a extremos. Não tem razão, todavia, a doutrina tradicional. O aumento do poder instrutório do julgador, na verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona uma apuração mais completa dos fatos (...) não seria parcial o juiz que, tendo conhecimento que a produção de determinada prova possibilitará o esclarecimento de um fato obscuro, deixe de fazê-lo e, com tal atitude, acabe beneficiando a parte que não tem razão?”205 Mas faz a seguinte ressalva: “Para que o juiz mantenha a imparcialidade, diante de uma prova por ele determinada, é suficiente que permita às partes sobre ela se manifestar”206. Imprimindo interpretação extensiva ao comando do art. 370 do CPC/2015,
sob a vigência do CPC/73, disse Sérgio Alves Gomes: “No que concerne à produção de prova, ampla é a atuação do juiz, em todos os meios probatórios”207. Diz, ainda, este mesmo autor: “O ônus da prova (CPC, art. 333) não tem o condão de diminuir o alcance dos poderes instrutórios do juiz, que para a formação de seu convencimento pode determinar a produção de provas não requeridas pelas partes (CPC, art. 130)”208-209. Tenha-se presente, nesse contexto, a lição de António Montalvão Machado, a respeito da entrada em vigor de modificações ao Código de Processo Civil de Portugal, no ano de 1995. Diz referido autor que, através de tais alterações daquele diploma, foram ao juiz concedidos novos e alentados poderes de “participação, quer na própria apresentação (alegação e impugnação), quer na delimitação fáctica do litígio, desta forma se lhe reconhecendo uma função mais operante e dinâmica do que aquela que anteriormente estava prevista”210. E, mais adiante, conclui: “E isso acontece porque o juiz não é mais o puro árbitro do litígio, tal como este é rigorosamente apresentado pelas partes. Ele é antes o solucionador de um conflito em cuja apresentação e delimitação fácticas também ‘participa’, com o objectivo de completar, de esclarecer, enfim, de ‘ajudar’ o conflito em si mesmo e, consequentemente, a sua adequada resolução”211. No entanto, em que pese a autoridade dos doutrinadores que adotam referida linha de pensamento212, continuamos a entender que a determinação da produção de provas ex officio pelo juiz é excepcional. O juiz, sob pena de quebra de sua parcialidade, só poderá determinar a produção de provas subsidiariamente, se, diante do quadro probatório produzido, se sentir incapaz de proferir sentença e a lide não for solucionável por aplicação do princípio do ônus da prova, ou, ainda, se a lide envolver direitos indisponíveis. Essa,
em nosso entender, é a melhor maneira de compatibilizar a regra do ônus da prova com o disposto no art. 370 do CPC/2015, tendo por baliza maior a imparcialidade do magistrado, ao lado da atribuição de ônus às partes (art. 373). Observe-se que, mesmo que se admita o atuar oficioso do juiz, as provas devem dizer respeito aos fatos controvertidos pelas partes, devendo, ainda, ser respeitadas as consequências da incontrovérsia sobre os fatos, de modo que, se não houver contestação ou não incidirem as excludentes do art. 344, e, além disso, os fatos se entremostrarem plausíveis, não haverá campo para a determinação, por parte do juiz, da produção de provas213. Também poderá haver atividade ex officio nas hipóteses em que a lei é expressa quanto a essa possibilidade, como é o caso da realização de segunda perícia (art. 480), se a matéria não parecer suficientemente esclarecida aos olhos do magistrado, ou no caso da determinação de acareação de duas testemunhas, quando seus depoimentos forem contraditórios (art. 461, II), ou, ainda, na hipótese de determinação da oitiva de testemunha referida (art. 461, I). Mas não pode o magistrado, em linha de princípio, suprir a inércia da parte que poderia ter requerido a prova mas não o fez no momento processual oportuno. 5. Princípios regentes da prova Um dos princípios mais importantes do processo, relativamente à atividade probatória, é o princípio da oralidade. Na verdade, é importante ter presente que do princípio da oralidade é inerente ao contraditório, e dele decorrem consequências importantíssimas. Deveras, conquanto não se possa
falar, hoje, em processo predominantemente oral, do princípio da oralidade decorrem subprincípios de grande relevância. Dentre eles, como decorrência do princípio da oralidade, havia, expressamente previsto no CPC/73 (art. 132), o subprincípio da identidade física do juiz, segundo o qual o juiz que preside a instrução da causa deve ser aquele que profere a sentença. Esse princípio, mercê da evolução legislativa, desde o início do CPC revogado até o final de sua vigência, restou profundamente esvaziado. O CPC/2015 sequer prevê a identidade física do juiz, e esta supressão legislativa levou Cândido Rangel Dinamarco a considerar seriamente comprometido o sistema oral no processo civil brasileiro. Nas palavras do autor, “a ausência dessa regra [art. 132 do CPC/73] no Código de 2015 constitui realmente um golpe no princípio da oralidade, porque, tomada a prova oral por um juiz mas vindo outro a decidir a causa, este que julgará não terá tido qualquer contato oral com a prova”214. Outro subprincípio, de extrema importância, que decorre do princípio da oralidade, é o princípio da concentração dos atos processuais. Por esse princípio, os atos relativos à instrução oral deverão ser realizados o mais proximamente possível, de preferência numa só audiência (art. 365 do CPC/2015: “A audiência é una e contínua, podendo ser excepcional e justificadamente cindida na ausência do perito ou de testemunha, desde que haja concordância das partes”. O parágrafo único prevê ainda que “diante da impossibilidade de realização da instrução, do debate e do julgamento no mesmo dia, o juiz marcará o seu prosseguimento para a data mais próxima possível, em pauta preferencial”). O juiz deverá, ainda, colher a prova pessoalmente, de forma imediata (princípio da imediatidade). Veja-se, contudo, que o sistema do CPC/2015
não mais estabelece o contato direto entre o juiz e as fontes de provas orais, no caso da inquirição pelas partes por meio de seus procuradores. Atualmente, o método de inquirição previsto para as testemunhas e partes (e, por extensão, para o perito e para os assistentes técnicos, quando for ocaso) é o interrogatório direto, que permite aos advogados das partes formularem perguntas sem a intermediação do juiz (art. 459). De qualquer modo, a imediatidade ficou preservada quanto ao aspecto de serem as provas orais produzidas, como regra, em audiência (art. 449: “salvo disposição especial em contrário, as testemunhas devem ser ouvidas na sede do juízo”). Preservou-se, ainda, a prerrogativa do juiz de formular ele próprio perguntas destinadas às fontes das provas orais. Há quem entenda, contudo, que, uma vez suprimido do CPC/2015 o princípio da identidade física do juiz, ainda que se observe a imediatidade, “sempre que se afastar do juízo o juiz que houver colhido a prova oral em audiência a utilidade dessa colheita para a efetividade da oralidade ficará reduzida a zero”215. Conquanto se possa concordar, em grande medida, com essa assertiva de Cândido Rangel Dinamarco, há que se salientar que a oralidade cumpre uma importante função na garantia de participaçao das partes durante a produção da prova. Nesse passo, o contato direto das partes e de seus advogados com as fontes de prova amplia as possibilidades de influência sobre o conteúdo dos depoimentos prestados, independentemente de quem possa vir a julgar a causa (se o próprio juiz que instruiu ou outro que venha a sucedê-lo). A propósito, destaca-se a diferença entre o debate propiciado, v.g., por uma declaração escrita de testemunha – prova préconstituída juntada aos autos na forma documentada – e aquele contraditório viabilizado pela oitiva da mesma testemunha em audiência, com a
possibilidade de inquirição direta pelas partes e pelo juiz a respeito dos fatos principais e circunstanciais da causa. Também com vistas a facilitar a efetivação do princípio da oralidade, o Código de Processo Civil vigente consagrou a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, salvo os em casos excepcionais, previstos no art. 1.015. Por esse motivo, caso pretenda impugnar a decisão de indeferimento de determinada prova, pergunta ou questionamento pericial, a parte deve fazê-lo por apelação (art. 1.009, § 1º), conforme será abordado em capítulo próprio. 6. Ônus da prova Assinalou-se acima que o poder do juiz de determinar, de ofício, a produção deste ou daquele meio de prova é delimitado, entre outras coisas, pela regra do ônus da prova. Essa regra vem estabelecida, de modo geral, no art. 373, caput, I e II, do CPC/2015. Não se pode falar em dever de provar. Há ônus probatório que, uma vez não atendido, pode acarretar consequências processuais negativas à parte que não o tiver observado, traduzidas na perda da oportunidade processual de provar os fatos supostamente constitutivos da afirmação de direito contida na inicial (art. 373, I) ou da defesa apresentada (art. 373, II). Kisch, citado por Humberto Theodoro Jr., diz que esse ônus vem a ser a “necessidade de provar, para vencer a causa”216. Concordamos, no entanto, com as ressalvas feitas por João Batista Lopes, no sentido de que, ainda que a parte não exerça o ônus que lhe cabe, nem por isso irá, necessariamente, perder a demanda: “No ônus, há a ideia de carga, e não de obrigação ou dever. Por outras palavras, a parte a quem a lei atribui um ônus tem interesse
em dele se desincumbir; mas se não o fizer nem por isso será automaticamente prejudicada, já que o juiz, ao julgar a demanda, levará em consideração todos os elementos dos autos, ainda que não alegados pelas partes (art. 131)”217. À obrigação e ao dever deve seguir, sempre, uma sanção (consequência desfavorável ao obrigado e àquele a quem incumbia o dever); no caso do ônus, sanção com igual perfil é possível, mas nem sempre necessária. O principal ponto em que o ônus se diferencia de um dever jurídico diz respeito, contudo, ao seu objetivo: a desincumbência do ônus é voltada à satisfação do interesse do próprio onerado, ao passo que o cumprimento de um dever jurídico satisfaz uma imposição estatal voltada aos interesses da sociedade e, por vezes, de pessoas determinadas (como ocorre no direito das obrigações). Por tal razão, o descumprimento de um ônus, embora possa vir a gerar uma consequência negativa para o onerado, não constitui ilicitude; ao contrário, a inobservância de um dever configura a prática de ato ilícito. Prevê a regra geral do art. 373, caput e incisos, do CPC/2015, que caberá ao autor provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I); ao réu, doutra parte, caberá a prova de fato, por ele articulado, que seja impeditivo218, modificativo ou extintivo219 do direito do autor (art. 373, II). É possível, no entanto, que as partes convencionem de forma diversa dessa previsão geral do caput do art. 373, desde que essa redistribuição do ônus: a) não ocorra em demanda relativa a direitos indisponíveis e b) não impossibilite ou torne excessivamente difícil o exercício do direito à prova por uma das partes (art. 373, § 3º)220. Pode, ainda, o próprio magistrado determinar a redistribuição do ônus da prova, se observadas, no caso específico, as seguintes circunstâncias,
consideradas pressupostos à flexibilização judicial do ônus probatório: a) impossibilidade ou a excessiva dificuldade da parte inicialmente onerada (de acordo com a regra geral, do caput do art. 373) de cumprir o encargo; b) maior facilidade da contraparte de obtenção da prova do fato contrário (art. 373, § 1º). Esse tema, da flexibilização judicial do ônus da prova, será analisado mais detidamente nas linhas abaixo. A propósito da finalidade das normas de distribuição do ônus da prova, Luiz Eduardo Boaventura Pacífico sustenta: “As normas pressupõem-se conhecidas do juiz, mas a instrução pode não esclarecer (ou esclarecer insuficientemente) os fatos relevantes e controvertidos do processo. Ainda assim, o juiz tem o dever (dever-poder) de julgar, sendo-lhe vedado pronunciar-se non liquet. Dessa forma, mesmo que o juiz não se convença acerca da realidade fática discutida no processo, ele deve pronunciar uma sentença pondo fim à lide. Tal é a função da regra de julgamento fundada no ônus da prova: permitir que o juiz alcance o conteúdo da decisão que deverá ser proferida em semelhante hipótese”221. Conforme assinalado linhas atrás, a regra geral estabelece que ao autor compete provar os fatos constitutivos do seu direito (art. 373, I), ressaltando ser recomendável requerer as provas necessárias na inicial. Doutra parte, ao réu cumpre a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II. Ressalvam-se, naturalmente, as hipóteses específicas, já mencionadas, de redistribuição convencional ou judicial do ônus da prova (art. 373, §§ 1º a 3º). Quer isso significar que, se o réu não alegar fato algum e apenas negar os fatos que tenham sido articulados pelo autor, o ônus de prova caberá, via de regra, ao autor. Se, porém, o réu alegar algum fato que seja capaz de alterar
ou eliminar as consequências jurídicas dos fatos narrados pelo autor, será seu, o ônus de prová-los. O ônus da prova é regra de juízo. Destina-se especificamente ao juiz, que deverá considerar os fatos por não provados se a parte, que tinha o ônus de prová-los, não se desincumbiu desse ônus adequadamente222. É, também, por outro lado, regra de índole subjetiva, no sentido de permitir às partes uma previsibilidade do risco da insuficiência de prova sobre determinado fato. Figurem-se os seguintes exemplos práticos. Numa ação de despejo por falta de pagamento, o réu nega a existência da relação locatícia. Caberá ao autor, por força da regra do art. 373, I, fazer prova da relação de locação. Caso não haja prova suficiente da relação locatícia, o pedido do autor será julgado improcedente. Se, porém, o autor comprova a relação locatícia, mas o réu alega que efetuou os pagamentos que o autor alegou não efetuados, caberlhe-á demonstrar a existência de tais pagamentos, por se tratar de fato extintivo do direito do autor (art. 373, II). Nesse último caso, inexistindo demonstração dos pagamentos, o pedido do autor será julgado procedente. Há, como dito, alguns doutrinadores que propugnam por uma interpretação mais abrangente do art. 370 do CPC/2015, a pretexto, por exemplo, de permitir ao juiz restabelecer a verdadeira igualdade entre as partes. Parece, todavia, não ser esse o entendimento que melhor se compatibiliza com a regra da imparcialidade do juiz. Ao juiz caberá apenas, nos termos do art. 370, agir de forma subsidiária, como exposto acima, pelo menos quando estejam em pauta direitos disponíveis. Ainda, se estiverem em pauta direitos disponíveis, as partes podem, como já foi assinalado, convencionar de forma diversa acerca da distribuição do ônus da prova, observada a exigência de que a convenção não imponha a uma
das partes prova impossível ou excessivamente difícil (art. 373, § 3º, I e II). Oportuno registrar, nesse ponto, que devem ser objeto de prova fatos suscetíveis de ser provados. Diz com pertinência Moacyr Amaral Santos: “Fatos há ainda, conquanto possíveis, cuja prova é impossível. Em razão disso, uma outra regra: não é objeto de prova o fato cuja prova é impossível”223. Os chamados fatos negativos, que são não acontecimentos, segundo referido autor, não são, por si sós, impossíveis de ser provados, pois, em muitos casos, uma negativa pode ser convertida facilmente em uma afirmativa224. O que torna um fato negativo insuscetível de ser provado é a sua indeterminação ou indefinição, o que, segundo Moacyr Amaral Santos, equivaleria à prova negativa absoluta. São suas as palavras: “Realmente, há negativas de tal forma indefinidas ou absolutas, que a sua prova seria mesmo impossível, quiçá apenas dificílima. Assim, quando Caio nega, pura e simplesmente, que seja devedor de Tício, certamente, uma prova dessa natureza, se não impossível, seria dificílima pela soma enorme de afirmações em que se transforma tal negativa”225. Pode-se dizer que são insuscetíveis de prova os fatos absolutamente negativos, ao passo que é possível a prova dos relativamente negativos. Ensina Arruda Alvim que os fatos negativos “deverão ser provados, quando uma parte, negando o(s) afirmado(s) pela outra, a seu turno, fizer uma afirmação de fato (positivo), contrária e excludente do fato, por essa razão negado, caso em que o ônus da prova será bilateral. Somente os ‘fatos’ absolutamente negativos, as negativas absolutas ou as indefinidas são insuscetíveis de prova, por quem as tenha feito; aqui, o ônus é só de quem alegou o fato”226.
Diante disso, observa-se que, para além da impossibilidade de resultar em prova impossível ou excessivalmente difícil (probatio diabolica) para uma das partes, a redistribuição convencional do ônus da prova não pode versar sobre fatos insuscetíveis de serem provados, pela simples razão de que tais fatos estão excluídos do objeto da prova. Outrossim, conforme já se expôs, o CPC/2015 determina que o juiz, diante da peculiaridade da causa, deve atribuir o ônus da prova de forma diversa, “por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”, nos termos do § 1º do art. 373. Trata-se da flexibilização, redistribuição ou inversão judicial do ônus da prova, que pode ser determinada de ofício ou a requerimento de uma das partes, atendidos os pressupostos do art. 373, § 1º, já aludidos precedentemente. A decisão a respeito da matéria é impugnável por agravo de instrumento, por força do art. 1.015, IX, do CPC/2015, independentemente de o juiz ter deferido ou não a flexibilização do ônus da prova, o que dependerá da verificação dos pressupostos legais. Note-se que, apesar de aparentemente alternativos (a dicção do referido § 1º alude “à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo” ou “à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário”), os pressupostos à flexibilização da regra geral sobre o ônus da prova são, em verdade, cumulativos. Isso porque, conforme se extrai do § 2º do mesmo art. 373, a redistribuição do ônus da prova não pode acarretar a imposição de prova impossível ou muito difícil à contraparte. Logo, não basta a verificação da chamada “probatio diabolica” à parte onerada pela regra do caput; é preciso, ainda, que tal prova não seja igualmente diabólica – i.e., que seja acessível – à contraparte. Do contrário, haveria redistribuição do ônus da
prova sobre fato insuscetível – ou excessivalmente difícil – de ser provado, para ambas as partes. Aplica-se aqui raciocínio idêntico àquele desenvolvido quanto à redistribuição convencional do ônus da prova. Ademais, não haveria qualquer sentido em se inverter o ônus da prova apenas com base no pressuposto de ser a prova contrária ser mais acessível à parte adversa à onerada pela regra do caput do art. 373, se esta última tiver possibilidades razoáveis de produzir a prova em questão. Do contrário, a regra geral poderia ser flexibilizada sempre que houvesse uma sutil discrepância de acessibilidade à prova, tornando excessivamente complexa a decisão sobre a distribuição do ônus da prova e esvaziando a natureza excepcional da flexibilização prevista nos parágrafos do art. 373. Nesse passo, é sempre bom lembrar que a regra geral do caput já leva em conta critérios genéricos e abstratos de igualdade e disponibilidade da prova; logo, apenas quando tais critérios estiverem flagrantemente desatendidos no caso concreto é que se deve invertê-la. Com efeito, a interpretação sistemática do art. 373, caput e parágrafos, enseja a conclusão de que o fator determinante para a flexibilização do ônus da
prova
é,
justamente,
a
verificação,
no
caso
concreto,
da
desproporcionalidade da regra geral, no sentido de: i) por um lado, onerar excessivamente uma parte com a imposição de prova diabólica e, ii) em contraste, favorecer o adversário, a quem a prova é mais acessível. Tal interpretação está em consonância com a Teoria das Cargas Dinâmicas Probatórias, que inspirou a redação dos referidos dispositivos, bem como o art. 6º, VIII, do CDC, adiante mencionado. Quanto a esse particular, assevera Arruda Alvim que “A mitigação das regras estáticas de distribuição do ônus da
prova
se
deve
operar
excepcionalmente
e
ser
analisada
fundamentadamente, com extrema cautela pelo magistrado. (...) Não é suficiente sustentar que uma parte está em melhor posição para a produção da prova se, por outro lado, não estiver demonstrada a impossibilidade ou dificuldade extrema da parte onerada”227. A previsão do § 1º do art. 373 consolida o entendimento doutrinário228 e jurisprudencial229, antes embasado diretamente nos princípios da igualdade, da lealdade e da cooperação. De outro lado, cumpre reforçar que o Código de Defesa do Consumidor, igualmente inspirado na teoria das cargas dinâmicas probatórias, já previa a possibilidade de inversão do ônus da prova. Dispõe o inciso VIII do art. 6º: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”. Deve se tratar, pois, de alegação verossímil, ou de consumidor hipossuficiente (e, ainda aqui, há de apresentar verossimilhança), para que se possa cogitar da inversão do ônus da prova nos termos do CDC. Resta indagar em que acepção terá o legislador utilizado a expressão hipossuficiente. Afigura-se-nos que tal termo compreende não apenas a hipótese de hipossuficiência econômica, como também abrange a hipossuficiência de dados e informações230. É uma situação concretamente agravada, pois o consumidor é, por definição, sempre vulnerável. Por isso, afigura-se correta a posição de Arruda Alvim quanto à impossibilidade de inversão “automática” do ônus da prova, pelo mero fato de se tratar de relação de consumo. Consoante explica este autor: “A inversão somente será
automática quando se tratar de hipótese em que a lei objetivamente estatui, como é o caso do art. 38 do CDC, que dispõe: ‘O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina’. (...) A existência de norma específica a estabelecer esse ônus da prova [i.e., basta se configurar a hipótese de invocação de publicidade enganosa para se operar essa inversão (ou aparente inversão) quanto à veracidade da informação], reforça o argumento de que, ao revés do que se possa crer, a genuína inversão prevista no inciso VIII do art. 6º do CDC não é automática para todas as relações de consumo”231. Logo, é perfeitamente possível a inversão do ônus da prova se, por exemplo, o autor tiver de provar aspectos intrínsecos ao processo industrial de produção do réu. Tenha-se presente, no entanto, que, para que se possa dar a inversão do ônus da prova, é preciso, tal como ocorre com o disposto no art. 373, § 1º, do CPC/2015, que o fato seja de difícil demonstração para o autor, mas suscetível de ser demonstrado pelo réu, como no exemplo acima. Ou, por outras palavras, a possibilidade de inversão do ônus da prova não significa possa ser carreado ao réu o ônus de provar algo absolutamente impossível de ser provado232. Havia alguma divergência, tanto em sede jurisprudencial, quanto no âmbito doutrinário, a respeito do momento apropriado para o juiz determinar a inversão do ônus da prova: se no momento anterior à instrução – em geral, na fase saneadora – ou se na própria sentença233. O CPC/2015 é, no entanto, expresso quanto à necessidade de se viabilizar o contraditório e a possibilidade de produção da prova pela parte onerada a partir da flexibilização (art. 373, § 1º, parte final). Ainda, ao tratar da decisão saneadora, prevê o Código a necessidade de o juiz decidir sobre a questão, o
que pode ser feito de ofício ou a requerimento da parte (art. 357, III). O saneamento é o momento apropriado, justamente, por preceder à fase probatória, viabilizando às partes maior previsibilidade das perspectivas de julgamento na eventual hipótese de insuficiência de provas. Na vigência do CPC/73, diante da inexistência da previsão expressa, hoje contida no art. 357, III, Luiz Eduardo Boaventura Pacífico entendia que não havia óbice algum à determinação da inversão do ônus da prova quando da prolação da sentença, afirmando que, “a partir do conteúdo da petição inicial – com a exposição da causa de pedir e do pedido –, às partes envolvidas no processo é perfeitamente possível avaliar se há possibilidade de aplicação das normas do Código do Consumidor ao caso concreto. (...) Logicamente, a inversão do ônus da prova igualmente pode ser prevista, não implicando surpresa ou afronta aos citados princípios, caso efetivada”234. No mesmo sentido, Kazuo Watanabe afirmava que a inversão do ônus da prova deveria ser feita no momento do julgamento da causa, pois, para este autor, se o art. 6º, VIII, trata genericamente da inversão do ônus da prova, não pode aquela outra parte a quem, mercê da inversão, carreou-se o ônus probandi alegar ‘surpresa’ pela circunstância de a inversão do ônus ser determinada no momento da prolação da sentença235. Em que pese o entendimento de que a inversão do ônus da prova diz com ato de juízo, tal não justificava, sequer à luz do CPC/73, que a decisão a seu respeito se desse no próprio momento do julgamento da causa. Com efeito, mesmo
antes
do
CPC/2015,
tal
posicionamento
já
se
afigurava
inconstitucional, por violação do princípio do contraditório. E isso porque a regra geral era a do art. 333, caput, do CPC/73 (correspondente ao art. 373, caput, do CPC/2015) e, se essa regra viesse a ser alterada, mudando os ônus e
as expectativas das partes, dever-se-ia sinalizar essa mudança, para que a parte sobre a qual viesse a pesar o ônus não fosse surpreendida pela decisão, permitindo-se-lhe que se desincumbisse do respectivo ônus probatório. Por tal razão, afigura-se correta, à luz da CF/88, a previsão do CPC/2015, cujos arts. 373, § 1º, parte final, e 357, III, permitem concluir que o momento adequado para a flexibilização do ônus da prova é o saneamento. Ainda, deve-se lembrar que o CPC/2015 é regra geral, de forma que as disposições sobre o momento da redistribuição do ônus da prova incidirão sobre as relações de consumo, tendo em vista que o CDC (art. 6º, VIII) apenas dispõe sobre os pressupostos da inversão do ônus probatório, não havendo qualquer previsão sobre o momento da decisão que determina tal inversão. Assim, tanto nos processos regidos especificamente pelo CDC como naqueles que não versem relação de consumo, é por ocasião do saneamento do processo que o juiz deve determinar as provas pertinentes, encerrando com ele a fase postulatória e inaugurando a fase instrutória. Parece ser evidente que, se não determinar, de forma clara e inequívoca, a inversão do ônus da prova nesse momento processual, não será possível fazê-lo posteriormente, pois isso criaria para aquele a quem é transferido o ônus probatório um elemento “surpresa”, em claro desrespeito ao princípio da segurança jurídica e ferindo de morte o princípio do devido processo legal, como já se disse. 7. Produção antecipada da prova O procedimento de produção antecipada da prova, disciplinado nos arts. 381 a 383 do CPC/2015, é aplicável a duas hipóteses diversas: a) a primeira,
prevista no inciso I do art. 381, reproduz a possibilidade, já existente no CPC/73 (art. 846 e ss.), de produção probatória em caráter cautelar, motivada pelo risco de se tornar impossível ou muito difícil a produção da prova na instrução da ação principal (periculum in mora); b) já a segunda, considerada inovadora e agrupada nos incisos II e III do art. 381, refere-se à consagração do direito do jurisdicionado de produzidr prova independentemente da pendência ou do ajuizamento futuro de uma ação judicial voltada a satisfazer um direito material. Trata-se, nesta última hipótese, de direito autônomo à produção da prova, com vistas a propiciar a adoção de método autocompositivo ou meio adequado de solução de conflito ou, ainda, viabilizar o conhecimento dos fatos que possam justificar ou evitar ajuizamento de ação. Na base dos incisos II e III está a ideia de que não existe uma vinculação necessária e exclusiva entre a atividade probatória e o julgamento estatal236, uma vez que as provas também se dirigem às partes, guiando a atuação e as estratégias processuais destas. Assim, as partes são destinatárias da prova e, como tais, poderão valorar os elementos probatórios de forma a decidir que conduta irão adotar no futuro – v.g.: se devem ou não propor determinada ação e em que termos; qual a melhor estratégia de defesa; que outras provas precisam ser produzidas; quais as perspectivas de êxito; e se, afinal, é conveniente propor ou aquiescer com a proposta de uma solução autocompositiva. Por ter como único fundamento o direito constitucional à prova, o requerimento de produção antecipada de prova em caráter autônomo (art. 381, II e III) não está subordinado à indicação de um processo pendente ou futuro. O requerente pode limitar-se a formular o pedido de produção de
determinado meio de prova para esclarecer um fato relevante, desde que a produção da prova requerida não viole o ordenamento jurídico. Não há, como na hipótese do inciso I, necessidade de justificar o risco da demora da produção da prova, vinculadamente a um processo principal (pendente ou futuro). Como exemplo de produção antecipada de prova em caráter autônomo (i.e., independentemente do periculum in mora) pode-se citar o caso de uma associação que pretende apurar denúncias de condutas supostamente lesivas ao meio ambiente, a fim de analisar a viabilidade do ajuizamento de ação contra determinada empresa. Já a produção antecipada de cunho cautelar pode ser exemplificada pela oitiva de uma testemunha que, por ser portadora de grave enfermidade, provavelmente não terá condições depor na audiência da ação a ser proposta futuramente. Abstraídas tais diferenças, em ambos os casos, será competente para o procedimento o juízo do foro onde a prova deva ser produzida ou do foro do domicílio do réu (art. 381, § 2º). Uma vez deferida a prova, sua produção deve ocorrer em amplo contraditório, mediante citação de todos os interessados na prova ou no fato a ser provado (art. 382, § 1º). Ultimada a produção da prova, deve o juiz extinguir o procedimento, sem que haja possibilidade de um juízo valorativo dos elementos probatórios pelo magistrado. É o se extrai do art. 382, § 2º, segundo o qual o juiz que atua no referido procedimento não tem competência para se pronunciar sobre a ocorrência do fato provado ou sobre as consequências jurídicas da prova. Na verdade, o magistrado que atua no procedimento antecipado tampouco está prevento para julgar eventual ação relacionada aos fatos probandos (381, § 1º).
O § 4º do art. 382 veda a oposição de qualquer defesa, bem como a interposição de recurso, contra as decisões proferidas no curso do procedimento de produção antecipada da prova, ressalvada a hipótese de indeferimento total da produção da prova. Diante disso, qualquer discussão sobre os fatos probandos ou sobre eventual ilicitude que macule parcialmente a admissão e a produção da prova ficará diferida para o momento futuro – se houver – do processo que verse os fatos probandos. Trata-se, de disposição de duvidosa constitucionalidade, haja vista que, por sua dicção literal, não se inviabiliza somente a possibilidade de recurso contra o indeferimento parcial da prova (como é o caso, v.g., do indeferimento de alguns quesitos formulados para o perito); antes, obstaculiza qualquer possibilidade de argumentação, no juízo da produção antecipada, sobre a (i)licitude e a (in)utilidade da prova. A se interpretar de forma literal o dispositivo, não poderiam os interessados deduzir quaisquer argumentos para dissuadir o juiz do indeferimento parcial de uma prova plenamente lícita e necessária, bem como não poderiam fazê-lo na hipótese de deferimento de provas ilícitas. No primeiro caso (indeferimento parcial de prova lícita e necessária), o instituto da produção antecipada da prova estaria “amputado” – e, quiçá, em algumas hipóteses, praticamente esvaziado – pela incompletude do exercício do direito à prova. Já no caso do deferimento do direito à prova ilícita, tal restrição da cognição judicial no âmbito do procedimento de produção antecipada acarretaria a perpetração de ofensa a direitos fundamentais de índole processual e material. 8. Prova emprestada O art. 372 do CPC/2015 expressamente prevê a possibilidade de traslado da prova, já admitida pela doutrina e pela jurisprudência237, sob a égide do
CPC/73, com base no princípio da economia processual. Na visão de João Batista Lopes, a denominação “prova emprestada” é imprópria, uma vez que não haveria empréstimo, mas transferência de uma prova de um processo a outro238. Para esse autor, a prova emprestada não constitui um novo meio de prova, tipificado pelo art. 372, mas cuida-se, em verdade, da forma ou do modo pelo qual uma prova (típica ou atípica), já produzida, ingressa em outro processo239. Equivocada ou não, a expressão “prova emprestada” tem sido amplamente utilizada para designar “o transporte da prova de um processo para outro, aproveitando-se desse modo, a atividade probatória realizada em outro processo”240, desde que tal prova seja útil e conquanto atendidos certos pressupostos à circulação da prova. Nesse contexto, dispõe o art. 372, na linha do que já preconizava a jurisprudência, que o principal pressuposto ao traslado da prova consiste na produção desta em contraditório. A observância deste princípio, por sua vez, pressupõe as seguintes exigências: a) que a parte contra quem a prova é produzida tenha sido parte também no processo originário; b) que o fato probando seja o mesmo em ambos os processos; e c) que a prova tenha sido produzida validamente no processo originário. Atendidas tais exigências mínimas, a prova trasladada ingressa no processo destinatário como prova documentada; preserva, porém, em sua essência, a natureza do meio de prova originariamente produzido. Logo, não se pode afirmar, por exemplo, que a prova pericial, produzida num processo e transportada para outro nos termos do art. 372, se transforma em prova documental. Permanece, na verdade, como prova pericial, produzida no primeiro processo e documentada no segundo. Aplicam-se-lhe, pois, as
disposições inerentes à prova pericial, suas hipóteses de cabimento e todos os demais efeitos jurídicos que lhe são inerentes. Quanto à valoração (eficácia probatória no caso concreto), deve ser aferida no processo destinatário, com base na livre persuasão racional. O que se transporta do primeiro processo, cumpre esclarecer, é a prova, não a respectiva valoração. São oportunas as elucidações de Arruda Alvim sobre o tema: “Salientamos que não se pode confundir a eficácia concreta ou o valor atribuído à prova, que é sua força probatória in concrecto, com essa eficácia potencial, que decorre da natureza do meio de prova, tal como produzido no processo originário. A doutrina costuma afirmar que a prova emprestada preserva a ‘eficácia’ da prova produzida no processo originário; com isso, todavia, não se quer referir à preservação do valor probatório concretamente atribuído pelo juiz no processo precedente, do qual se trasladou a prova. Quando dizemos que a prova emprestada possui o ‘mesmo valor’ ou ‘eficácia’ que teve no processo originário, não queremos dizer que o juiz do segundo processo deva valorá-la de igual forma à que fez o juiz do primeiro processo. Isso ofenderia o princípio da livre persuasão racional. O juiz do processo destinatário não está vinculado ao convencimento do juiz do processo em que a prova foi produzida no que concerne à verificação ou não do facto probando; o que se quer dizer com ‘mesma eficácia probatória’ ou ‘mesmo valor’ é que a prova emprestada, apesar de apresentada na forma documentada, preserva a mesma natureza do processo em que foi constituída. Assim, se o termo de depoimento da parte é transportado para outro processo, essa prova documentada terá a natureza de depoimento pessoal também no processo destinatário”241. Conclui-se, pois, que, apesar de possuir a mesma natureza da prova
produzida no processo originário, a prova emprestada não recebe, no juízo destinatário, idêntica valoração àquela que foi atribuída pelo magistrado do primeiro processo. A eficácia atribuída à prova no caso concreto depende, também, do conjunto probatório e dos argumentos deduzidos, em contraditório, nos autos do processo destinatário, que devem ser apreciados de acordo com a persuasão racional do juiz da causa.
XXX PROVA TESTEMUNHAL, DEPOIMENTO PESSOAL, CONFISSÃO E ATA NOTARIAL
1. Noções introdutórias Segundo Moacyr Amaral Santos, “a testemunha é uma pessoa distinta dos sujeitos processuais que, convidada na forma da lei, por ter conhecimento do fato ou ato controvertido entre as partes, depõe sobre este em juízo, para atestar a sua existência”242-243. Se um fato é suscetível de ser provado por testemunha e se essa prova foi requerida, deve ser admitida. O conceito supratranscrito deixa claro que a testemunha deve ser convidada na forma da lei. A testemunha, em realidade, tem o dever de atender à determinação do juiz, diferentemente da parte, quando o seu depoimento pessoal é pedido, que tem apenas o ônus de atender à ordem judicial. Se a parte não comparecer para o depoimento pessoal, esta omissão poderá pesar em seu desfavor, na oportunidade da avaliação das provas pelo magistrado, embora isso não deva significar que o resultado da demanda, por isso, lhe haja de ser, necessariamente, desfavorável.
O que se quer dizer com isso é que, regularmente intimada, a testemunha não se pode furtar ao dever de depor. O art. 379 do CPC/2015 consagra uma regra geral, a de que “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”, que se aplica também às testemunhas, ao lado do art. 380, I, que reafirma esse preceito, ao estatuir que “incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa: informar ao juiz os fatos e as circunstâncias, de que tenha conhecimento”. A testemunha que se recusar a depor poderá ser conduzida coercitivamente. 2. Dos que podem depor como testemunhas Em princípio, qualquer pessoa pode ser testemunha. O art. 447 do CPC/2015, em seus §§ 1º a 3º, elenca as pessoas incapazes, impedidas e suspeitas de atuarem como testemunhas. O § 1º do art. 447 trata dos incapazes244. Desde logo, nota-se que se trata de ideia mais ampla do que a de incapacidade absoluta, tal como prevista na redação original do art. 3º do CC/2002245, ainda que, por certo, a incapacidade propriamente dita esteja albergada nesse conceito mais amplo. Em consonância com o art. 447, § 1º, serão incapazes de depor como testemunhas: 1) o interdito por enfermidade ou deficiência mental; 2) aquele que, por enfermidade ou por retardamento mental, não podia discernir os fatos, ao tempo em que ocorreram, ou, embora pudesse, encontra-se, ao tempo em que deve depor, incapaz de transmiti-los; 3) o que tiver menos de 16 anos; e 4) o cego e o surdo, se tal deficiência impedi-los de ter ciência dos fatos. O denominador comum subjacente ao § 1º do art. 447 é o da capacidade para testemunhar, e esse texto disciplina, precisamente, as hipóteses em que existe carência dessa aptidão.
O § 2º do art. 447 trata dos impedidos246. O inciso I do § 2º do art. 405 elenca as classes de parentes que não podem depor. Tais são o cônjuge, o companheiro, o ascendente, o descendente, em qualquer grau, e o colateral, até o terceiro grau247, salvo, diz o texto legal, quando o exigir o interesse público, ou então, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder fazer por outro meio a prova, caso em que as pessoas aqui elencadas poderão funcionar como testemunhas. Essa exceção do inciso I do § 2º do art. 447 se justifica plenamente porque, em determinadas causas, é compreensível que apenas essas pessoas possam ter conhecimento de fatos importantes para o seu deslinde. Além disso, o inciso II do § 2º estatui que aquele que é parte na causa é impedido de depor, o que se justifica plenamente porque, se é parte, por definição não poderá descrever os fatos de forma objetiva e imparcial, como deve fazer a testemunha. Por fim, o inciso III do § 2º do art. 447 trata do impedimento daqueles que intervêm em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal de pessoa jurídica, o próprio juiz, o advogado e outros, contendo uma regra bastante ampla que trata, em síntese, do impedimento daqueles que assistam ou tenham assistido qualquer das partes. O determinador comum que lastreia o § 2º do art. 447 é a falta de imparcialidade, estabelecida pela lei e da qual carece a testemunha impedida. O art. 228 do Código Civil de 2002 também previa que não poderiam ser admitidos como testemunhas: “I – os menores de 16 (dezesseis) anos; II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III – os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das
partes; V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade. Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo”. Observe-se que o mencionado art. 228 do CC/2002 tratava, em cinco incisos, das pessoas que não poderiam ser admitidas como testemunhas. Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) revogou expressamente os incisos II e III do art. 228 do CC/2002, sendo que, apesar de o CPC/2015 ter incluído essas hipóteses em seu parágrafo primeiro, o fato de este último diploma ser anterior248 ao Estatuto da Pessoa com Deficiência acarreta a revogação dos incisos I e II e IV do § 1º do art. 447 do CPC/2015. Nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. O CC/2002 é lei anterior ao CPC vigente que, por sua vez, é anterior ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Nesse sentido, “o EPD inverte a ordem lógica do tratamento da pessoa com deficiência, que passa a ser tratada prima facie como uma pessoa capaz. Por isso, inclusive, revogou expressamente os incisos II e III do art. 228 do CC/2002, que cuidavam do tema da mesma forma que o CPC, e acrescentou o § 2º a esse mesmo artigo, garantindo à pessoa com deficiência o direito de testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva”.249 Sob essa perspectiva, a pessoa com deficiência será, em princípio, plenamente capaz, sujeita apenas a pontuais limitações, decorrentes da especificidade da deficiência (art. 84, § 3º, do EPD). E, mesmo para as pessoas com deficiência
que estejam em situação de curatela, a possibilidade de testemunhar está resguardada, nos termos do mencionado art. 228, § 2º, do CC/2002. Com efeito, parece-nos que as pessoas portadoras de necessidades especiais têm plena possibilidade de testemunhar em juízo. Porém, caberá ao juiz avaliar, no caso concreto, se, por exemplo, o sentido que falta à pessoa era ou não essencial à percepção da realidade que se busca reconstruir no processo. Isto, pois no processo não se há de produzir provas inúteis. Se arrolado como testemunha o juiz da causa, ou ele se declarará impedido, se tiver conhecimento de fatos que possam influir na decisão da causa (art. 452, I, do CPC/2015), caso em que à parte que o arrolou é defeso desistir de seu depoimento, ou, se nada souber, mandará excluir o seu nome do rol de testemunhas (art. 452, II). O § 3º do art. 447 trata daqueles que são suspeitos250 de depor. Tais são o inimigo capital da parte251, ou seu amigo íntimo252 (inciso I); e o que tenha interesse no litígio (inciso II)253-254. O inciso II contém regra mais elástica, que permite ao juiz maior liberdade ao aplicá-la ao caso concreto. O denominador comum que embasa o § 3º do art. 447 é a inidoneidade da testemunha, decorrente dos fatos descritos na lei, e, por isso, a sua possível parcialidade255. O CPC/2015 enuncia, em seu art. 447, § 4º, a oportunidade de que as testemunhas menores, impedidas ou suspeitas sejam ouvidas, se o seu testemunho se demonstrar imprescindível. De teor semelhante é a regra disposta no § 1º do art. 288 do CC/2002, com a peculiaridade de incluir, além dos impedidos e suspeitos, todos os incapazes (e não apenas o menor, como faz o art. 447, § 1º, do CPC/2015) na ressalva legal. Porém, nesse caso, o testemunho será prestado sem o compromisso (art. 458 do CPC/2015),
cabendo ao juiz lhe atribuir o valor que possa merecer. O § 5º do art. 447 do CPC/2015, por sua vez, estatui que o juiz, em tais casos, atribuirá aos testemunhos de pessoas impedidas ou suspeitas o valor que possam merecer, reafirmando a regra geral de que o juiz julga de acordo com o seu convencimento motivado (art. 371) e de que, salvo as hipóteses de prova legal (art. 406), inexiste hierarquia entre os meios de prova, não estando o juiz adstrito a dar preferência a esta ou aquela prova, desde que fundamente (art. 93, IX, CF; arts. 370 e 489, II, do CPC/2015) a sua decisão. 3. Contradita Imediatamente após a qualificação da testemunha (art. 457, caput, do CPC/2015), esta poderá ser contraditada (art. 457, § 1º)256, levantando-se a sua incapacidade, impedimento ou suspeição. Sendo negados os problemas levantados, os fatos poderão ser provados por testemunhas (até três) ou prova documental. Se restarem provados os fatos ou se estes forem admitidos pela testemunha, será ela dispensada. Entende-se, todavia, que, uma vez iniciado o depoimento, resta precluso o direito de contraditar a testemunha257. Importante fixar que, ainda que procedente a contradita, a testemunha poderá ser ouvida nos termos dos §§ 4ºe 5º do art. 447 do CPC/2015 e § 1º do art. 228 do CC/2002. 4. Obrigação da testemunha Em primeiro lugar, a testemunha tem o dever de comparecer em juízo, desde que regularmente intimada (por correio, mediante registro ou com entrega em mão própria, segundo estatui o § 1º do art. 455 do CPC/2015), sob pena de condução forçada (condução “sob vara”)258, segundo o caput do art. 455. Poderá, é certo, comparecer independentemente de intimação, se a
parte que a arrolou assim preferir (art. 455, § 2º). Porém, a parte que assim proceder o fará por sua conta e risco, de modo que, não comparecendo a testemunha, presumir-se-á que a parte desistiu de ouvi-la (art. 455, § 2º, parte final). Caberá àquele que tiver arrolado a testemunha, em tal caso, o ônus de demonstrar que ela não pôde comparecer por motivo justificado. Tratando-se de funcionário público ou militar, deverá ser requisitado pelo juiz ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir, nos exatos termos do § 4º do art. 455. Já as pessoas elencadas no art. 454, I a XII, ditas “pessoas egrégias”, devem ser inquiridas em sua residência ou onde exercem sua função, de tal modo que o juiz solicitará à autoridade arrolada como testemunha que designe dia, hora e local, a fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte que a tiver arrolado como testemunha (art. 454, § 1º). Em princípio, salvo as pessoas acima referidas (elencadas no art. 454), todas as testemunhas, uma vez regularmente intimadas, devem comparecer a juízo, depondo, na audiência de instrução, perante o juiz da causa. Porém, é certo que, muitas vezes, é necessário que a pessoa seja ouvida antecipadamente (art. 453, I) ou, v.g., porque vai ausentar-se do País, ou ainda porque sua idade avançada ou seu estado de saúde debilitado assim recomende. Pode suceder ainda que a testemunha resida fora da Comarca, quando deverá ser ouvida por carta, não sendo necessário que esta viaje até a sede do juízo (art. 453, II)259, embora possa fazê-lo, se a tanto estiver disposta. Por enfermidade ou outro motivo relevante, também pode suceder que a testemunha esteja impossibilitada de comparecer a juízo, caso em que o juiz
designará dia, hora e lugar para inquiri-la (art. 449, parágrafo único). Reafirme-se, porém, que, como regra, as provas (e assim também a prova testemunhal) serão produzidas em audiência (art. 449, caput, do CPC/2015), cabendo à testemunha o dever de comparecer a juízo, desde que regularmente intimada. Na hipótese de testemunha que resida em Comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela em que tramita o processo, o CPC/2015 permite, alternativamente à oitiva por carta precatória, a colheita do depoimento por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento (art. 453, § 1º). O depoimento da testemunha, que deverá ser datilografado ou taquigrafado, ou ainda registrado por estenotipia ou outro meio, poderá ser gravado (art. 460, caput e § 1º), mas será sempre datilografado quando houver recurso da sentença, ou quando determinado pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte (art. 460, § 2º). Ainda, a testemunha tem obrigação de comparecer a juízo e depor dizendo a verdade, sob pena de crime de falso testemunho (art. 342 do CP)260. Deve prestar o compromisso a que alude o art. 458. A ausência de compromisso, todavia, não descaracteriza eventual crime de falso testemunho261. Todavia, é de se dizer que a testemunha poderá escusar-se de depor, desde que presentes as hipóteses dos incisos I e II do art. 448. Com efeito, a lei processual – art. 448 – regula o direito de escusa. A testemunha não está obrigada a depor sobre: 1) fatos que lhe acarretem grave dano, ou a seu cônjuge ou companheiro, e a seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou na colateral em até terceiro grau262. A testemunha que pretenda ser escusada de
depor deverá levantar o óbice na forma do § 3º do art. 457, de tal modo que, ouvidas as partes, o juiz decidirá a escusa de plano. Verificou-se que todas as pessoas devidamente intimadas estão obrigadas a testemunhar sobre fatos de que têm conhecimento, salvo se a divulgação desses fatos implicar revelação de segredo profissional, ou lhes causar grave dano pessoal, ou a pessoa de sua família, consoante dispõe o art. 448. Pertinente, todavia, a advertência de Arruda Alvim, no sentido de que “já se decidiu, corretamente, que o segredo profissional limita-se ao que foi confiado ao advogado pelo constituinte, nada obstando que o advogado seja convocado a depor sobre fatos que por outros meios tenham chegado ao seu conhecimento”263. Corretamente advertem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira264 que o direito ao silêncio, em algumas situações, é um dever. O segredo profissional é bem jurídico de alta relevância, inclusive penal, como dispõe o art. 154 do CP. Além disso, a proteção ao sigilo é direito fundamental, conforme dispõe o art. 5º, XIV, da CF. Nessas hipóteses, em que o direito ao silêncio decorre da proteção constitucional e penal, o depoente não tem apenas o direito de recusar-se a depor, mas tem o dever de fazê-lo265. O sigilo profissional, é preciso destacar, pode decorrer de lei, como na maior parte dos casos, a exemplo do médico e do advogado, bem como da própria exigência da vida social. Nesse sentido, como bem ressaltado pelo Ministro Cesar Asfor Rocha, “o sigilo profissional é exigência fundamental da vida social, que deve ser respeitado como princípio de ordem pública, e por isso mesmo é que o Poder Judiciário não dispõe de força cogente para impor a sua revelação, salvo na hipótese de existir específica norma de lei
formal autorizando a possibilidade de sua quebra, o que não se verifica na espécie. O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social. Hipótese em que se exigiu da recorrente, ela que tem notória especialização em serviços contábeis e de auditoria e não é parte na causa, a revelação de segredos profissionais obtidos quando anteriormente prestou serviços à ré da ação. Recurso provido, com a concessão da segurança”266. Cumpre observar que, como todo direito fundamental, o direito à proteção do sigilo profissional pode, em certas situações, ceder a outro direito fundamental, como vem disciplinado, por exemplo, no Código de Ética e Disciplina Médica, vigente a partir de abril de 2010 (aprovado pela Resolução 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina, segundo dispõe o art. 5º, d, da Lei n. 3.268/57, que disciplina os Conselhos de Medicina), no n. XI do Capítulo I e arts. 73 a 79 de aludido Código267. De acordo com o art. 154 do CP, comete o crime de violação do segredo profissional aquele que “revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. A ilicitude está condicionada à ausência de justa causa268 para a revelação. Vale dizer, aquele que revelar, injustificadamente, segredo de que sabe em razão de ofício, ministério ou profissão pratica o crime previsto no art. 154. Vê-se, assim, que o sigilo profissional não é absoluto, e em algumas situações os Códigos de Ética, por exemplo, ensejam a exclusão do crime
acima tipificado, como na hipótese de divulgação, por ordem judicial, de prontuário médico269. O advogado, por exemplo, mesmo por força de ordem judicial, não pode (não deve) divulgar as informações adquiridas por conta de sua profissão, consoante estabelece o art. 7º, XIX, da Lei n. 8.906/94. Ademais, o Código de Ética e Disciplina da OAB prescreve, em seus arts. 25, 26 e 27, que o sigilo é inviolável, inclusive em depoimento judicial, salvo nos casos de grave ameaça à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha de revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa270. Assim, fora dos casos de defesa própria do advogado, por força do Código de Ética e Disciplina da OAB, o advogado não pode divulgar informações de que soube por decorrência de sua profissão, ainda que por ordem judicial; se divulgá-las, incidirá em responsabilização pelo Tribunal de Ética e Disciplina, por violação ao disposto no art. 7º, XIX, da Lei n. 8.906/94 c.c. arts. 25 e 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB, além de incorrer nas penas previstas no art. 154 do CP. O que a lei proíbe, desse modo, é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples leviandade, a maldade271. Se a testemunha deixar de comparecer à audiência sem motivo justificado, a parte final do art. 455 determina que será conduzida, respondendo, inclusive, pelas despesas do adiamento da audiência. Vale destacar que será determinada a condução coercitiva não somente nos casos em que deixar de apresentar justificativa para sua ausência, mas também nos casos em que o juiz verificar que as escusas apresentadas não são relevantes.
5. Direitos da testemunha Doutra parte, a testemunha tem o direito de ser interrogada pelas partes (art. 459 do CPC/2015). Será inquirida primeiro pela parte que a tiver arrolado, depois pela parte contrária. Em audiência, serão ouvidas por primeiro as testemunhas arroladas pelo autor, depois aquelas do réu. Uma testemunha não deverá ouvir os depoimentos das outras (art. 456). A testemunha deverá ser tratada com urbanidade, e não lhe devem ser feitas perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias (art. 459, § 1º). Ao juiz caberá indeferir a pergunta que reputar impertinente272, a qual será obrigatoriamente transcrita no termo de audiência, se requerido pela parte que a tiver feito (art. 459, § 3º). A testemunha também terá o direito de ser reembolsada da despesa para o comparecimento à audiência, que deverá ser paga pela parte que a tiver arrolado logo que arbitrada, ou depositada em cartório em três dias (art. 462, caput). Doutra parte, o depoimento da testemunha reputa-se serviço público (art. 463), de modo que a testemunha sujeita à legislação trabalhista não sofre, por ter comparecido à audiência, nem perda de salário, tampouco desconto em tempo de serviço (art. 463, parágrafo único). 6. Admissibilidade da prova testemunhal Como regra, admite-se a prova testemunhal em qualquer hipótese, salvo as exceções legais (arts. 442 e 443 do CPC/2015). Porém, se o fato já foi provado por documento ou confissão da parte, o juiz, tendo em vista a regra do art. 370, de que diligências inúteis ou meramente protelatórias devem ser afastadas, indeferirá a prova testemunhal (a respeito do que é expresso o inciso I do art. 443), como também o fará se o fato só for suscetível de ser
provado mediante documento ou exame pericial (inciso II do art. 443), conclusão a que se chega da leitura da regra geral do art. 370. Nesta última hipótese – prova pericial – encartam-se aqueles fatos cuja prova depende de conhecimento especial de técnico ou de conhecimento científico (art. 464, § 1º, I, a contrario sensu), que não poderão ser objeto senão de prova pericial, ainda que o perito, como se verá no capítulo seguinte, para o desempenho de seu mister, possa se valer de testemunhas (art. 473, § 3º). Tem-se, assim, que há casos em que determinado meio de prova deve ser utilizado. Por exemplo, quando a prova do fato depender de conhecimento especial de técnico (art. 464, § 1º, I), o juiz não pode dispensar a prova pericial, ainda que possua ditos conhecimentos técnicos. Já no mencionado inciso I do art. 443, prevê-se que o juiz deve indeferir a prova testemunhal se o fato já se encontrar provado por documento ou confissão da parte. Conquanto não se possa falar, em casos tais, propriamente, em hierarquia dos meios de prova, nota-se que o legislador, complementando o preceito contido no art. 370, tratou, em tais dispositivos, da prova adequada em determinadas circunstâncias e reenfatizou a desnecessidade de produção de diligências inúteis. O juiz, no entanto, decidirá sempre de acordo com o princípio do convencimento motivado, não estando adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive, determinar de ofício a realização da segunda perícia (art. 480). Caberá prova testemunhal, quando houver começo de prova por escrito (art. 444), reputando-se como tal o documento escrito emanado da parte contrária àquela que pretende se valer de prova testemunhal (nesse caso, aliás, a prova já não será “exclusivamente” testemunhal)273-274. Regra similar se encontra insculpida no parágrafo único do art. 227 do CC/2002. No caso de impossibilidade – moral ou material – de obter prova escrita da
obrigação, é admissível a prova testemunhal (art. 445 do CPC/2015). Tais são as hipóteses de parentesco, depósito necessário, hospedagem em hotel e as situações em que a forma escrita não seja condizente com as práticas do local onde contraída a obrigação. São exceções (estas, sim, verdadeiramente exceções, porque se admite prova exclusivamente testemunhal, a despeito de o valor do contrato exceder ao décuplo do salário mínimo) que se justificam plenamente ante o fato de que em obrigações, por exemplo, entre pai e filho é compreensível que não se exija prova escrita, de modo que, a se inadmitir a prova exclusivamente testemunhal, a existência do contrato seria, verdadeiramente, insuscetível de ser provada. Exemplifica Pontes de Miranda: “Se alguém se hospeda em hotel em alta hora da noite, quando ainda não podia ser-lhe dado recibo da hospedagem e ao sair entrega a quantia à pessoa que o deixou entrar e ocupar o quarto ou apartamento, e pessoas que o foram buscar assistiram ao pagamento, cabe a prova testemunhal”.275 Por fim, o art. 446 estatui que, qualquer que seja o valor do contrato, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada é suscetível de ser provada com testemunhas (inciso I), assim como o são os vícios de consentimento, nos contratos em geral (inciso II). 7. Produção da prova testemunhal Prevê o art. 357, § 4º, que o rol de testemunhas deve ser apresentado pelas partes, no prazo que vier a ser fixado pelo juiz. Omitindo-se o juiz, o prazo máximo será de 15 dias da intimação. O rol deverá ser apresentado pelas partes no processo, com o nome das testemunhas, sua profissão276, estado civil, idade, número de inscrição no
CPF, número de registro de identidade e endereço completo da residência e do local de trabalho, para que a outra parte possa identificá-las e, se o caso, contraditá-las277. Cada parte poderá arrolar até 10 testemunhas, podendo o juiz limitar esse número a três por fato (art. 357, § 6º, do CPC/2015). Vejamos, a propósito, a seguinte ementa de julgado do STJ proferido na vigência do CPC/73: “Cerceamento de defesa. Dispensa de testemunha. Não configuração. Art. 407, parágrafo único, CPC. Pode o juiz limitar as testemunhas a serem inquiridas ao número de três para cada fato, consoante preceitua o parágrafo único do art. 407 do CPC. Dessarte, não configura cerceamento de defesa a dispensa de testemunhas quando o julgador, sentindo-se convencido com a prova colhida, inclusive testemunhal, entender desnecessária a oitiva das demais testemunhas arroladas face à inexistência de controvérsia acerca do fato probante”278. Uma vez arroladas as testemunhas, só poderão ser substituídas nos casos do art. 451, I a III (falecimento, enfermidade que a impossibilite de comparecer a juízo e mudança de residência ou de local de trabalho, que impossibilite seja ela encontrada). Observe-se que a testemunha não será obrigada a comparecer se intimada menos de 48 horas da data da audiência, aplicando-se a regra geral do art. 218, § 2º: “Quando a lei ou o juiz não determinar outro prazo, as intimações somente obrigarão a comparecimento após decorridas 48 (quarenta e oito) horas”. No que concerne à intimação das testemunhas, inova o CPC/2015 ao deixar tal providência a cargo dos procuradores das partes que as arrolaram (art. 455). A intimação pelo juiz somente ocorrerá nas hipóteses dos incisos I
a IV do § 4º do art. 455, a saber: a) se frustrada a intimação por advogado ou quando sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz; b) quando figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir; c) se a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública; d) quando a testemunha for uma daquelas previstas no art. 451. Consoante já foi dito, as testemunhas serão inquiridas, primeiramente, pela parte que as tiver arrolado, depois pela parte contrária. A ordem estabelecida no art. 456 – primeiro as testemunhas do autor, depois aquelas do réu – pode ser modificada pelo juiz, se as partes assim concordarem (art. 456, parágrafo único). Pode, ainda, o juiz, indeferir as perguntas impertinentes, capciosas ou vexatórias, o que deverá constar do respectivo termo de depoimento, se a parte assim o requerer (art. 459, caput e §§ 2º e 3º). Aspecto inovador do CPC/2015 diz respeito à técnica de inquirição das testemunhas. O CPC/2015 aboliu o método preexistente, que exigia a intermediação do juiz nas perguntas formuladas pelos advogados das partes (sistema de “reperguntas”). Pelo sistema atual, os advogados devem inquirir diretamente as testemunhas, limitando-se o juiz a inadmitir as perguntas que possam induzir a resposta, que não tenham relação com as questões fáticas objeto da atividade probatória ou que importem repetição de pergunta já respondida (art. 459). 8. Momento da produção da prova testemunhal e a testemunha referida
Pode ocorrer que, através do testemunho de determinada pessoa, o juiz entenda de convocar pessoa por esta referida, o que poderá ser feito de ofício ou mediante requerimento da parte. Trata-se da testemunha referida, que pode, como dito, ser ouvida de ofício ou a requerimento da parte (art. 461, I, do CPC/2015)279. De se anotar, todavia, o que já se afirmou quando se tratou da teoria geral da prova, no sentido de que a atividade oficiosa do juiz quanto à prova, prevista em suas linhas gerais no art. 370, encontra seus limites na regra do art. 373, que distribui o ônus da prova e só se justifica nas hipóteses em que estejam em disputa direitos que não admitam transação, ou quando o juiz, diante do quadro probatório, se sinta incapaz de decidir. Com relação ao momento em que deve haver o requerimento de oitiva de testemunha referida, afirma Marcelo Cintra Zarif: “O momento de ser requerida a oitiva desta testemunha [referida] é a audiência de instrução e julgamento, em que pese não disciplinar a lei expressamente. Mas, pela sistemática da prova, deverá ser requerida nessa audiência, e, especialmente, antes que se encerre a instrução”280. 9. Acareação Se duas ou mais testemunhas divergirem acerca das declarações sobre determinado fato, o juiz pode determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a sua acareação, como também poderá fazê-lo se as declarações da testemunha acerca de determinado fato divergirem das da parte (art. 461, II, do CPC/2015). A acareação objetiva aclarar pontos divergentes existentes nos depoimentos dos acareados para fazer vir à tona a verdade possível. Sobre o momento em que deve ser requerida pela parte, ensina o Professor
João Carlos Pestana de Aguiar: “O momento próprio da acareação será o da audiência de instrução e julgamento, em que foram tomados os depoimentos, se as testemunhas divergentes ainda estiverem presentes. Por isso, deve o patrono da parte, notando a possibilidade de contradição, pedir ao juiz a permanência, no cartório ou em qualquer outra dependência do foro que não seja a sala de audiências, da testemunha que acabou de depor. Em caso contrário, deferindo o juiz o pedido de acareação, prosseguirá a audiência em data próxima, com a intimação da testemunha que se ausentou”281. 10. Depoimento pessoal O depoimento pessoal consiste na oitiva de uma parte na audiência de instrução e julgamento, requerida pela parte contrária, conforme se depreende do art. 385 do CPC/2015, sendo vedado que a parte requeira seu próprio depoimento pessoal282. Poderá, ainda, o juiz pode, de ofício, determinar o comparecimento das partes para interrogá-las sobre os fatos da causa (art. 139, VIII), caso em que haverá interrogatório e não, propriamente, depoimento pessoal, na forma do CPC. Caso a parte, regularmente intimada a comparecer à audiência, deixe de prestar seu depoimento pessoal, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pela parte que requereu a oitiva de seu adversário (art. 385, § 1º). Para tanto, todavia, exige-se que da intimação à parte para que preste depoimento pessoal conste a expressa advertência de que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados caso não compareça ou se recuse a depor283. O juiz poderá considerar que houve recusa de depor se, apesar de prestar depoimento, a parte se utilizar de respostas evasivas, esvaziando o sentido do depoimento pessoal (art. 386)284.
A presunção de que trata o § 1º do art. 385, e mesmo a confissão propriamente dita, de que se tratará adiante, não induzem necessariamente a que o juiz deva ter por verdadeiros os fatos que dela constituem objeto (a presunção de veracidade dos fatos alegados é, pois, relativa). Como todo o quadro probatório, a confissão, meio de prova que é, não pode ser analisada isoladamente, nem tampouco tem valor absoluto285. A ideia é magistralmente exposta por Arruda Alvim: “A pena de confesso, é certo, configura elemento ponderável a ter influência no espírito do juiz, quando não colida frontalmente com o restante do conjunto probatório. Não poderá tal pena de confesso ter outro alcance que não este, todavia”.286 Já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo pela reforma de sentença que aplicara a confissão ficta à ré, tendo em vista que o conteúdo probatório dos autos não sustentava a versão fática apresentada pela autora287. A propósito do depoimento pessoal, diz Cândido Rangel Dinamarco: “A parte tem o ônus de prestar o depoimento pessoal, seja por si própria, seja pela palavra do representante legitimado. Não se trata de um dever e, portanto, não incorre em desobediência nem pratica tal crime a parte que deixa de comparecer ou que, comparecendo, nega-se a responder ou responde de modo evasivo – sendo explícito o Código de Processo Civil ao preservar ‘o direito de não produzir prova contra si próprio’ (art. 379). Como ônus que é – e, portanto, imperativo do próprio interesse –, o de prestar depoimento pessoal é imposto sob outra espécie de sanção, que é a chamada pena de confesso: a conduta da parte que não comparece ou não responde adequadamente ao que lhe é perguntado favorece o adversário com a relativa presunção de serem verdadeiras as alegações que haja feito no processo”288. A parte, no depoimento pessoal, deve ser interrogada diretamente pelo
advogado da parte contrária sob a fiscalização do juiz. O art. 459 do CPC alterou o regime até então vigente, consistente no sistema de repergunta, em que o advogado deveria formular a questão ao juiz, que por sua vez a reformularia à parte (ou mesmo à testemunha). Atualmente, pois, o próprio advogado, representando a parte, formula as perguntas, que, todavia, podem ser indeferidas, caso sejam inadmissíveis. Ademais, à parte que ainda não tiver prestado depoimento é vedado assistir o interrogatório da outra (art. 385, § 2º). O depoimento pessoal, de regra, será prestado pela própria parte, e não por terceiros em seu nome289. É o litigante o conhecedor dos fatos relativos ao processo, de modo que não tem sentido, em princípio, a delegação dessa atividade, até para se evitar, como pondera Arruda Alvim, que se delegue “tal tarefa a alguém altamente experimentado na vivência forense, e, assim, frustrar-se-iam os objetivos em função dos quais se disciplina o depoimento pessoal”290. Pode-se dizer que, requerido o depoimento pessoal de pessoa física, não poderá ser prestado por procurador em hipótese alguma291, embora haja opiniões em sentido contrário, admitindo seja o depoimento pessoal prestado por mandatário com poderes especiais para confessar292. Já na hipótese de depoimento pessoal de pessoa jurídica, em princípio aplica-se, flexível e largamente, a regra do art. 75, VIII (ver, também, o art. 390, § 1º), que dispõe no sentido de que as pessoas jurídicas são representadas em juízo, ativa e passivamente, “por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo designação, por seus diretores”. Evidentemente, todavia, tal dispositivo não pode merecer uma interpretação tal que se exija, por exemplo, que, sendo a parte sociedade multinacional, os
seus diretores tenham de prestar depoimento, mesmo porque, em tais casos, o diretor poderá não ter conhecimento direto do fato, o que mutila a razão de ser do próprio depoimento pessoal. Mais razoável (e comum), nessa hipótese, é que a sociedade designe algum membro, ainda que não diretor e mesmo que não designado estatutariamente, para prestar depoimento, que possa ter conhecimento direto dos fatos envolvidos na disputa judicial. A parte poderá consultar, no depoimento pessoal, apenas breves notas sobre os fatos narrados, sendo-lhe, todavia, vedada a consulta a escritos minuciosos (art. 387), que acabariam por retirar toda e qualquer espontaneidade ao depoimento, esvaziando-lhe a finalidade. Da mesma forma como a testemunha pode escusar-se de depor, nas hipóteses do art. 448, o art. 388 também alberga casos em que à parte é dado escusar-se de depor. Tais são as hipóteses de fatos criminosos ou torpes que lhe sejam imputados (inciso I), ou de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo (inciso II). Tais exceções não se aplicam, porém, em ações de estado ou de família, segundo prescreve o parágrafo único do art. 388 do CPC/2015. Se a parte não disser a verdade, não responderá pelo crime de falso testemunho, previsto no art. 342 do Código Penal. Isso porque o sujeito ativo do crime é a testemunha, ou seja, aquela pessoa estranha às partes da relação jurídica que vai a juízo dizer o que sabe sobre os fatos da causa. Assim, a parte não pode ser sujeito ativo do crime de falso testemunho, pois, de acordo com a doutrina penal293, o crime é de mão própria, ou seja, só pode ser praticado pessoalmente pela testemunha, em seu sentido estrito. 11. Interrogatório do art. 139, VIII, do CPC/2015
Ao lado do depoimento pessoal propriamente dito, o juiz pode, de ofício, ordenar o comparecimento pessoal da parte, a fim de interrogá-la sobre os fatos da causa (art. 139, VIII, do CPC/2015). Nesse caso, não há falar em aplicação de pena de confesso, pois que esse “interrogatório” não se confunde com o depoimento pessoal propriamente dito294. Ainda que do interrogatório possa eventualmente defluir a confissão da parte interroganda, este não tem, como o depoimento pessoal, o objetivo precípuo de extrair a confissão da parte. Essa atividade oficiosa do juiz, no que diz respeito à determinação do comparecimento das partes a juízo a fim de interrogá-las, deve ser entendida em consonância com o art. 373, que consagra as regras da distribuição do ônus da prova. Por isso, o interrogatório de que trata o art. 139, VIII, deverá constituir-se, sempre, numa atividade complementar de outras provas que hajam sido produzidas; ou seja, deve restar dúvida para o juiz, ante o conjunto probatório aportado ao processo, que não lhe deixe outra alternativa senão a determinação de que a parte compareça a juízo para interrogá-la, sob pena de não estar, o magistrado, apto a decidir. A literalidade do art. 385, de que se tratou anteriormente, pode conduzir à interpretação de que só será possível à parte requerer o depoimento pessoal da outra se o juiz não determinar de ofício a sua inquirição. Parece, todavia, que a melhor interpretação é no sentido de que a determinação do juiz, com fulcro no art. 139, VIII, não exclui a possibilidade de a parte requerer o depoimento pessoal da outra, consoante afirmamos ao tratar do depoimento pessoal, mesmo porque as finalidades de um e de outro são distintas. Uma vez intimada a parte para comparecer ao interrogatório do art. 139, VIII, o não comparecimento ao interrogatório ou a recusa a depor
caracterizam, segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, “condutas que podem ser avaliadas como abusivas, ficando a parte suscetível de punição por litigância de má-fé (art. 80 do CPC), contempt of court (77, § 2º), e, para alguns autores, até mesmo a pena por crime de desobediência (desrespeito ao art. 340, I, CPC)”295. 12. Confissão A confissão significa a admissão, como verdadeiro, de fato favorável à parte contrária e desfavorável aos interesses do confitente. Como pondera Arruda Alvim, “tais fatos deverão, comumente, ter sido afirmados pela parte contrária, pois, se o fossem primeiramente pelo confitente, seriam fatos alegados por ele e prejudiciais a si próprio. Esta realidade possível, todavia, também se alberga no conceito legal de confissão, mas sua utilidade para a outra parte dependerá do âmbito do pedido e respectiva causa petendi, considerado o problema sempre enquanto confissão, propriamente dita”296. Pode ser judicial ou extrajudicial. É o que preceitua o art. 389 do CPC/2015. Só é possível a confissão de fatos relativos a direitos disponíveis (art. 392)297. Deve-se compreender bem que a confissão é meio de prova e, como visto, inexiste, em regra, hierarquia entre os meios de prova. Quer isso significar que a confissão deve ser valorada de acordo com o quadro probatório, como qualquer outra prova que tenha sido produzida. Por isso mesmo, aliás, quando foi estudada a teoria geral das provas, já se aludiu à imprecisão do inciso II do art. 374, que dispõe que os fatos que tenham sido confessados independem de prova. Na verdade, como já se disse, independem de outra prova, além da confissão, que é meio de prova como qualquer outro, devendo
ser analisada à luz do quadro probatório como um todo298. 12.1 Confissão e reconhecimento jurídico do pedido Já foi estudado que o reconhecimento jurídico do pedido é causa de resolução de mérito, nos termos do art. 487, III, a, do CPC/2015. Distinguese a confissão do reconhecimento jurídico do pedido. No caso de confissão, como observado, não há necessária condução à procedência do pedido contra aquele que confessa porque a confissão há de ser analisada de acordo com as demais provas que tenham sido produzidas (art. 371, que alberga o princípio do livre convencimento motivado). A confissão, como visto, diz respeito a fatos, ao passo que o reconhecimento jurídico do pedido não necessariamente quer significar que o réu tenha aceitado a versão dos fatos tais como narrados pelo autor, mas a aceitação das consequências jurídicas que pretende, a parte contrária, extrair desses mesmos fatos, o que dependerá de estar em pauta direito disponível, cuja existência independa de prova legal (art. 406 do CPC/2015)299. A confissão, aliás, pode ser simples ou qualificada, conforme o fato alegado pela parte contrária seja aceito sem restrições (simples) ou, embora aceito o fato alegado pela parte contrária, a ele seja contraposto outro, extintivo, que altere, total ou parcialmente, os efeitos do fato confessado (qualificada). 12.2 Necessidade de poderes especiais do advogado e do mandatário A confissão pressupõe, quando não é feita pela parte, que o advogado tenha poderes especialmente conferidos para esse fim. A procuração geral para o foro (ad judicia), conquanto habilite o advogado a praticar todos os
atos do processo (art. 105 do CPC/2015), não inclui poderes, dentre outros, para confessar, como expressamente se ressalva na parte final desse dispositivo. Da mesma forma, a confissão pode ser feita por mandatário, mas este deverá ter poderes especiais para fazê-lo (art. 661, § 1º, do CC/2002). 12.3 Confissão espontânea e provocada (art. 390 do CPC/2015) A confissão espontânea pode dar-se a qualquer tempo, se o quiser a parte confitente (art. 390, § 1º, do CPC/2015). Todavia, no depoimento pessoal, em função das perguntas que lhe forem dirigidas, a parte também pode confessar. Trata-se de confissão provocada (art. 390, § 2º). Feita a confissão espontânea, lavrar-se-á o respectivo termo nos autos; obtida a confissão provocada, a mesma constará do depoimento pessoal prestado pela parte. A confissão espontânea pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, pessoalmente ou através de mandatário com poderes especiais. Já a confissão provocada é feita sempre em juízo, na oportunidade do depoimento pessoal. 12.4 Confissão e litisconsórcio O art. 391 do CPC/2015, em seu caput, estatui que a confissão faz prova contra o confitente, não prejudicando litisconsortes. Há que se distinguir aqui as hipóteses de litisconsórcio simples e litisconsórcio unitário. Como se sabe, no primeiro caso (litisconsórcio simples), a sorte dos litisconsortes no plano de direito material não necessariamente será a mesma; já na hipótese de litisconsórcio unitário, o destino dos litisconsortes, no plano do direito material, obrigatoriamente, será único. Assim, tratando-se de litisconsórcio simples, os efeitos da confissão atingirão apenas o confitente, e não aos demais litisconsortes300. Esse princípio, aliás, já vem albergado na regra geral do art. 117, que trata do
regime jurídico do litisconsórcio simples, que é o da independência entre os litisconsortes. Diferentemente, em se tratando de litisconsórcio unitário, não é possível conceber que a confissão de apenas um deles acabe prejudicando os demais e, de outra parte, não é possível que ambos tenham sortes distintas no plano do direito material. Isso faz com que a confissão de apenas um litisconsorte unitário, conquanto possa ser válida, se produzida conforme ao direito, seja ineficaz, o que significa que não poderá gerar efeitos no plano do processo em que tiver sido feita. Todavia, porque válida, “poderá gerar efeitos fora do processo, em relação ao confitente e à parte contrária”301. Outro exemplo de confissão ineficaz refere-se ao disposto no art. 391, parágrafo único, que assim dispõe: “Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro, salvo se o regime de casamento for o de separação absoluta de bens”302. 12.5 A irrevogabilidade e anulabilidade da confissão O art. 393 do CPC/2015 dispõe expressamente que a confissão é irrevogável, podendo apenas ser anulada quando a manifestação de vontade estiver viciada, nos termos dos arts. 138 a 165 do CC/2002. 12.6 Eficácia probatória da confissão extrajudicial A confissão, se feita extrajudicialmente, só terá eficácia quando o legislador não exigir prova literal, conforme dispõe o art. 394 do CPC/2015. Na verdade, como se frisou anteriormente, a confissão é meio de prova, e, como tal, deve ser avaliada diante do conjunto probatório, como qualquer
outro meio de prova. Por isso, tanto a confissão extrajudicial feita por escrito à parte contrária ou a quem a represente, como aquela feita por terceiro, ou contida em testamento, como ainda a própria confissão judicial, deverão ser avaliadas à luz do quadro probatório (art. 371). O que o caput do art. 394 quis significar é que, tratando-se de confissão feita a terceiro ou contida em testamento, o juiz, diferentemente daquela que é feita à parte ou a quem a represente, não tem “o dever legal de reconhecer esses atos como de confissão”303. O fato de a confissão oral só ter validade naquelas hipóteses em que a lei não exigir prova literal, a contrario sensu, depreende-se que, quando a lei exigir prova literal, a confissão feita a terceiro deverá ser escrita. 12.7 Indivisibilidade da confissão Estatui o art. 395304 que a confissão, como regra, é indivisível, não sendo lícito à parte a quem esta beneficie (e que, pois, pretender invocá-la como prova) aproveitá-la em parte, rejeitando-a no que lhe for desfavorável. Se esta é a normalidade das coisas, na hipótese de confissão qualificada, quando se contraponham outros fatos ao fato confessado, estatui a parte final de referido dispositivo que é possível, quanto a estes, cindir os efeitos da confissão. 13. Ata notarial A ata notarial é um meio de prova admitido expressamente pelo CPC/2015, inicialmente prevista no art. 7º, III, da Lei n. 8.935/94. Antes disso, a ata notarial era considerada um meio de prova atípico, diante da falta de previsão legal. Trata-se de um instrumento público no qual o notário capta a existência ou o modo de existir de um fato e traslada em seus livros de notas ou outro
documento305. Por esse motivo, ela é acobertada pela mesma presunção de veracidade dos documentos públicos em geral, diante da fé pública do agente – notário – que é o responsável pela lavratura. Trata-se, no entanto, de presunção relativa e restrita ao relato do notário, pois, como explica Humberto Theodoro Jr., o notário não dá autenticidade ao fato, mas tão somente o relata com autenticidade306. A diferença que se aponta entre a ata notarial e a escritura pública reside no “fato de que o objeto desta são atos e negócios jurídicos, ao passo que aquela se refere a fatos presenciados pelo notário”307 no qual o oficial do tabelião pode documentar a apreensão de fatos ou dados disponíveis em sites da internet, e-mails, programas de televisão, arquivos telefônicos, ou seja, como prevê o parágrafo único do art. 384, “dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos”. Arruda Alvim alerta para o risco de a ata notarial substituir a prova testemunhal, com a supressão do contraditório, decorrente do fato de que as partes não participam, necessariamente, da formação da ata notarial308. Por esse motivo, parte da doutrina recomenda o uso residual da ata notarial309. De forma semelhante, Cândido Rangel Dinamarco assinala que, embora os registros lançados em ata pelo tabelião sejam equivalentes aos registros da produção de diversos meios de prova (v.g., o termo de depoimento de testemunhas, o auto de inspeção judicial etc.), “a eficácia probatória das atas notariais não pode [...] ser equiparada à das provas produzidas em juízo, simplesmente porque a captação daquelas informações pelo notário não é feita em contraditório nem exerce ele função que sequer se assemelhe à do juiz”310. Ainda no tocante à valoração da ata notarial, é importante frisar que a
presunção de veracidade incidente sobre o relato do notário é juris tantum e não vincula o juiz, que deverá formar seu convencimento com base na persuasão racional (art. 371). Logo, é possível que se afaste a chamada “fé pública” do notário, cuja percepção é “tão suscetível de falhas como a de qualquer outra pessoa”311. Também por esse motivo, é recomendável a produção de prova pericial a respeito do fato objeto da ata notarial, quando houver dúvidas de natureza técnica ou científica.
XXXI PROVA PERICIAL E INSPEÇÃO JUDICIAL
1. Generalidades A prova pericial é a modalidade de prova que se faz necessária quando o juiz necessita de pessoas munidas de conhecimentos especiais (técnicos, como, por exemplo, agricultores e mecânicos, ou científicos, como, por exemplo, engenheiros e médicos), que possam informar ao juízo a ocorrência de determinados fatos, bem como acerca do significado desses mesmos fatos. É o que se extrai do art. 156 do CPC/2015. O juiz, mesmo que disponha de conhecimentos técnicos em área estranha ao direito, deverá valer-se do perito, como forma, inclusive, de proporcionar a possibilidade de as partes impugnarem o laudo pericial, valendo-se do acompanhamento de seus respectivos assistentes técnicos312. Já se decidiu, com acerto, que “não pode o magistrado valer-se de conhecimentos pessoais de natureza técnica para dispensar a perícia”313. Esta exigência, ademais, ancora-se na objetividade dos elementos que deve conter o processo. Ademais disso, imprescindível é que os fatos probandos, que demandem perícia, fiquem através desse meio de prova demonstrados no processo, para
que o tribunal possa, igualmente, valorar tais fatos, à luz da perícia. Com efeito, também sob esse enfoque é explicável que o juiz não se possa valer de conhecimentos
técnicos
ou
científicos
próprios,
dado
que
muito
possivelmente os membros do tribunal não disporão desses mesmos conhecimentos, o que poderia dificultar sobremaneira o julgamento de eventual recurso. A prova pericial poderá ser de præsenti, quando utilizável de plano, no bojo do próprio processo em que tenha sido produzida, ou voltada para o futuro (ad perpetuam rei memoriam), quando destinada à instrução de processo ainda não instaurado314. A perícia poderá (art. 464) consistir em exame (inspeção, por meio de perito, de pessoas, coisas móveis ou semoventes, visando à apuração de fatos ligados à causa), vistoria (quando o objeto da inspeção for um imóvel) ou avaliação (quando destinada a constatar o valor, em moeda, referentemente a coisas, direitos ou obrigações). Poderá, ainda, realizar-se por carta (precatória, rogatória ou de ordem), caso em que a nomeação do perito poderá realizar-se pelo próprio juízo ao qual se atribuir a perícia. Tenha-se presente, todavia, que o art. 472 dispõe que o juiz poderá dispensar a produção de prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem pareceres técnicos ou documentos elucidativos, que o juiz considerar suficientes. Deve-se atentar, todavia, para a advertência de Arruda Alvim, que reputa necessária a perícia nas hipóteses em que: a) a discordância entre os litigantes sobre a questão técnica for tal que afete a própria formação da convicção judicial, pois certamente a complexidade da questão poderá demandar esclarecimentos do perito; e b) nas situações em
que uma das partes insistir na produção da prova pericial, ainda que haja pareceres técnicos nos autos315. De outro lado, há casos em que a perícia terá procedimento simplificado, como ocorre nas hipóteses em que a questão, que dependa de conhecimento técnico ou científico, seja considerada menos complexa (art. 473, § 3º, do CPC/2015). Assim, também, nos procedimentos próprios dos juizados especiais cabe perícia sob um procedimento mais simplificado (inquirição de técnicos da confiança do juízo), segundo o que dispõe o art. 35 da Lei n. 9.099/95. O princípio que norteia a atividade do juiz ao deferir ou não as provas requeridas é o de que ele deve indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC/2015)316-317. Por isso mesmo, o juiz não deferirá a prova pericial se a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico (art. 464, § 1º, I)318; for desnecessária ante o conjunto probatório produzido (art. 464, § 1º, II)319, ou se for impraticável (art. 464, § 1º, III)320. João Batista Lopes, diante desses dispositivos legais do CPC/73 que foram abarcados pelo CPC/2015, observou que, “sempre que o juiz puder, de forma mais simples ou menos onerosa, apurar a veracidade das alegações das partes, deverá evitar a realização da prova pericial e valer-se de outros elementos para formar sua convicção”321. Esse comentário é compreensível tendo em vista que a realização de perícias tende a ser bastante onerosa às partes, além de alongar sensivelmente o curso do processo. Há casos, porém, em que a perícia é indisputavelmente necessária, e não simplesmente facultativa, ou mais precisamente possível. Por exemplo, na hipótese de interdição (art. 753 do CPC/2015), em que necessariamente será
nomeado perito médico322; ou em caso de ação demarcatória (art. 579), em que necessariamente será nomeado perito agrimensor323. O autor deverá requerer a prova pericial com a inicial (art. 319, VI) e o réu, em contestação (art. 336). O juiz deferirá as provas que entender necessárias quando do saneamento do processo (art. 357, II) quando não for o caso de julgamento antecipado do mérito. Eventualmente, a perícia poderá ser requerida no bojo de um incidente processual, como na hipótese do art. 430, que trata da arguição de falsidade documental. A perícia, ademais, poderá ser realizada antecipadamente (art. 381 e ss.), visando à instrução de processo futuro. Oportuno consignar que a produção antecipada de provas tem sua admissibilidade prevista no art. 381 e o procedimento abarcado pelo previsto nas tutelas provisórias (arts. 305 a 310). Em princípio, refogem do âmbito da necessidade da perícia as hipóteses que podem ser decididas à luz das diretrizes do art. 375. Dispõe esse texto: “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”. Essa regra traça limites à necessidade de perícia. Por normas jurídicas particulares podem ser entendidas as regras que disciplinam determinada realidade, referentes a determinados assuntos particularizados, v.g., imprimindo-lhes ou não um atributo ou uma qualidade, como a definição do que se considera adubo (que elementos químicos um material deve conter para ser havido como adubo), ou, então, a respeito da pureza dos diversos alimentos (qual o grau de pureza exigível para, a partir daí, poder ser havido como saudável), ou, ainda, quais são os elementos mercê dos quais um veículo pode ser havido como satisfatoriamente seguro.
Porém, se existirem regras que as definam, nestas poderá o juiz se basear. Já se um dado produto contiver indicação do seu conteúdo, atribuindo-selhe determinada qualidade, e esse infringir uma norma particular, é certo que o juiz poderá dispensar perícia – tanto bastará confrontar essa indicação com o comando da norma particular. Se um dado produto não contiver indicação do seu conteúdo, ignorando-se qual é o seu conteúdo e quais são suas qualidades, poder-se-á determinar perícia para identificar qual é o seu conteúdo e suas respectivas qualidades, e, isso feito, verificar-se-á se esse conteúdo e essas qualidades ajustam-se ou não ao comando de uma dada norma particular. A perícia, nesse caso, não terá por que se estender para estabelecer o que já se encontra disposto no comando da norma particular. Sucessivamente, refere-se o texto do art. 375 às “regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, o que quer significar as máximas de experiência comum. Vale dizer, não deixam de ser regras técnicas, mas essas já fazem parte do patrimônio comum do juiz e da sociedade e, por isso mesmo, não é necessário que um perito afirme a ocorrência do fenômeno. Por exemplo, todos sabem que eletricidade (110 ou 220 volts, ou mais) provoca “choque”; que óleo mancha; que alto calor derrete objetos etc. Já, todavia, se o juiz precisar saber qual era a voltagem da eletricidade (que não seria a caseira, de 110 ou 220 volts) para avaliar o impacto do “choque”, deverá determinar a realização da perícia. O que a utilização da experiência comum, decorrente da observação/percepção de todos, autoriza é a dispensa da perícia. No entanto, se essa experiência comum não for suficiente, o juiz deve determinar a perícia, e esta suficiência ou não é que explica a parte final do texto: “ressalvado, quanto a estas [=
experiências técnicas], o exame pericial”324. O que se pode entender, do exame do art. 375, é que, sempre que a solução da lide reclamar conhecimentos que exorbitem daqueles que podem ser exigidos do homo medius, a prova pericial se fará necessária. O juiz de modo algum fica adstrito ao resultado do laudo pericial (art. 479), regra que é até despicienda ante ao princípio da indeclinabilidade da função jurisdicional325. E pode determinar nova perícia, se a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida (art. 480)326, que recairá, em princípio, sobre os mesmos fatos objeto da primeira (art. 480, § 1º)327, mas que não substitui a primeira (art. 480, § 3º), devendo o juiz julgar de acordo com a livre persuasão racional (art. 371), já que inexiste hierarquia, como regra, entre os meios de prova, sendo o juiz, sempre, o peritus peritorum (perito dos peritos)328. Já se decidiu, com inteiro acerto, que “deve o juiz apreciar livremente o valor das duas, por não ser a segunda perícia substituta da primeira”329. Este também o pensamento de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “A segunda perícia não substitui nem invalida a primeira”330. A decisão que determina a segunda perícia não é irrecorrível, ao contrário do entendimento de parcela da jurisprudência331. Isso porque tanto o deferimento como o indeferimento de nova perícia são decisões judiciais, relativamente às quais não há como presumir ausência de prejuízo. Veja-se que, embora o CPC/2015 não tenha incluído, entre as hipóteses taxativas de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015), a decisão que determina a segunda perícia poderá ser objeto de apelação, a fim de que se requeira a decretação de nulidade da segunda perícia. 2. Requisitos da perícia
A sistemática da prova pericial dispensa o perito da tomada de compromisso. O perito é auxiliar do juiz (arts. 149 e 466 do CPC/2015) e exerce um munus público, enquanto os assistentes técnicos são auxiliares das partes (art. 466). Ao primeiro aplicam-se os mesmos motivos que ensejam o impedimento e suspeição do magistrado (art. 148, III; art. 466, § 1º); aos últimos (assistentes técnicos), não. Tanto é assim que o art. 467 dispõe que o perito pode ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 148, III). 3. Âmbito da perícia A perícia deverá recair sobre fatos que dependam de conhecimento especial de técnico332 (art. 464, § 1º, I, contrario sensu), desde, ainda, que se trate de fatos controvertidos e, ademais, pertinentes ao litígio. A respeito de tais fatos deverão versar os quesitos das partes (art. 465, § 1º, II) e do juiz (art. 470, II), cabendo ao juiz indeferir os quesitos impertinentes (art. 470, I), na linha da regra geral e mais ampla de que diligências inúteis e meramente protelatórias deverão ser indeferidas (art. 370), para que o processo atinja mais celeremente seu objetivo. No curso da perícia (“durante a diligência”, é o que prescreve o art. 469) podem
ser
feitos
quesitos
suplementares,
visando
a
um
melhor
esclarecimento dos quesitos já formulados. Os quesitos suplementares não suprem os básicos, apresentados na forma do art. 465, § 1º, III, mas os complementam, visando a uma melhor elucidação dos fatos. A parte que não apresentar quesitos básicos no prazo legal (art. 465, § 1º, III) poderá apresentar quesitos suplementares que objetivem o esclarecimento dos quesitos formulados pela parte ex adversa. 4. Procedimento
O juiz, deferindo a prova pericial, ou determinando de ofício a sua realização333, nomeia o perito, que é seu auxiliar (art. 149 do CPC/2015), fixando prazo para entrega do laudo. É o que dispõe o caput do art. 465. No procedimento comum, isso deverá ser feito pelo juiz, no momento do saneamento do processo (art. 357, II e IV) que é quando o juiz deve especificar os meios de provas e fixar os pontos controvertidos. Uma vez feito isso, as partes dispõem do prazo de 15 dias para arguir impedimento ou suspeição do perito, indicar seus assistentes técnicos e formular quesitos (básicos), consoante dispõem os incisos I, II e III do § 1º do art. 465334. Em caso de quesitos suplementares, a parte adversa deverá ser intimada para impugná-los (art. 469, parágrafo único). O art. 474 dispõe que “as partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova”. Referido dispositivo tem o escopo claro de permitir que os assistentes técnicos acompanhem a realização da prova pericial. Como regra geral, cumpre ao advogado da parte, uma vez feita a intimação, informar ao assistente técnico a data e o local designados para o início dos trabalhos periciais335. Isso, porém, não exclui a necessidade de, em alguns casos, devido às particularidades da perícia, intimar-se o assistente técnico336. Também o perito deve assegurar aos assistentes técnicos o acompanhamento das diligências e exames que realizar, mediante prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 dias (art. 466, § 2º). À luz do princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), o que realmente importa é que as partes e respectivos os assistentes técnicos sejam previamente informados sobre as diligências periciais, sendo certo que a
apuração de eventual nulidade em virtude da ausência tais comunicações dependerão da verificação de prejuízo das partes337. Ainda, de acordo com o art. 475, “tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico”. Assumindo uma prática que corretamente já vinha sendo empregada em alguns juízos, o CPC/2015 incorporou a alteração implementada pela Lei n. 10.358/2001 no CPC/73 (art. 431-B), que reconheceu a complexidade das relações sociais que passaram a exigir, assim, uma maior especialização do conhecimento. Conferiu, por derradeiro, segundo nos parece, maior segurança às partes e efetividade ao processo. É importante notar que o procedimento da prova pericial nos termos em que previsto no Código poderá ser substituído ou modificado a partir da fixação, pelo juiz, na fase de saneamento, de um calendário para a realização desta prova (357, § 8º). Esse calendário deverá viabilizar plena observância do contraditório na produção da prova, devendo, preferencialmente, ser estabelecido mediante anuência das partes, em comum acordo (art. 191). Registre-se, por fim, que o procedimento descrito não será aplicável aos casos em que a lei prevê o procedimento simplificado para a perícia (art. 473, § 3º, do CPC/2015 e, também, art. 35 da Lei n. 9.099/95). Em tais hipóteses, o juiz arguirá oralmente o expert, em audiência, o que se justifica pela menor complexidade da questão a ser esclarecida. Há quem faça analogia dessa prática com o depoimento da expert witness, no direito norte-americano338. Tal comparação é adequada, pois a inquirição se dá nos mesmos moldes da prova testemunhal, mediante perguntas formuladas diretamente pelos advogados das partes e pelo juiz, em amplo contraditório. Todavia, há que se
destacar que no sistema norte-americano os peritos são sujeitos parciais, porquanto escolhidos por cada uma das partes; já sob o regime do CPC/2015, o perito deve ser imparcial (art. 467 c/c 148 do CPC/2015), designado pelo juízo ou escolhido, de comum acordo, pelas partes (arts. 465 e 471). Outrossim, na sistemática dos juizados especiais, a imparcialidade pode ser extraída pelo fato de o especialista ser “da confiança do juízo” (art. 35 da Lei n. 9.099/95). 4.1 Deveres do perito O perito deverá: (1) aceitar o cargo para o qual foi nomeado; (2) cumprir escrupulosamente, e com lealdade, independentemente de compromisso, o mister para que foi designado; (3) apresentar o laudo em cartório, no prazo assinalado
pelo
juiz;
(4)
comparecer
em
audiência
para
prestar
esclarecimentos, se intimado no prazo a que alude o § 4º do art. 477 do CPC/2015 – 10 dias, no mínimo, antes da audiência (o § 3º do art. 477 determina que a parte, ao requerer esclarecimentos do perito, deverá, desde logo, formular as perguntas, sob a forma de quesitos). Nesta última hipótese, o juiz poderá determinar que os esclarecimentos do perito sejam apresentados por escrito. 4.2 Escusa do perito A respeito da aceitação do cargo para o qual foi nomeado, cumpre dizer que o perito poderá escusar-se, alegando motivo legítimo (art. 467, parágrafo único, c/c art. 157 do CPC/2015). Motivo legítimo pode ser, por exemplo, qualquer um daqueles que exime a testemunha do dever de testemunhar, força maior ou mesmo excesso de serviço. Se, todavia, uma vez intimado, não se escusar em 15 dias (art. 157, § 1º), reputar-se-á renunciado o direito de
fazê-lo. Se se tratar de fato superveniente, o prazo para a escusa será o mesmo: 15 dias do fato superveniente. 4.3 Prazo e conteúdo do laudo A respeito da apresentação do laudo pericial, cumpre esclarecer que o prazo é fixado pelo juiz (art. 465 do CPC/2015), nada obstante o art. 157 faça menção a prazo de lei, sendo que o juiz deverá fixar esse prazo atento ao disposto no art. 477, que estatui que a entrega do laudo deverá se dar pelo menos 20 dias antes da audiência de instrução e julgamento. Esse prazo poderá ser dilatado uma única vez, a teor do art. 476, alegando o perito motivo justificado339. Do contrário, isto é, se inexistir motivo justificado, a não entrega do laudo no prazo determinado constituirá motivo para substituição do perito (art. 468, II), o que ensejará a ele sanções graves, como representação do magistrado à corporação profissional respectiva (art. 468, § 1º) e até mesmo possível multa em razão do valor da causa e possível prejuízo decorrente do atraso no processo. Também na hipótese de carecer o perito de conhecimento técnico ou científico, deverá ser ele substituído (art. 468, I). A audiência de instrução não deverá ser realizada enquanto o perito não entregar o laudo, tendo em vista a possibilidade de esclarecimentos orais em audiência (art. 477, §§ 3º e 4º)340. No que concerne ao seu conteúdo, o laudo pericial não se limita à “análise técnica ou científica” que é objeto da perícia. Antes de incursionar nesta análise, o laudo deve descrever o objeto da perícia (art. 473, I), respeitando-se o que tenha sido previamente delimitado pelo juiz no saneamento (art. 357, II) e observando-se, por óbvio, os limites da lide.
Deve, ainda, o perito esclarecer (e, algumas vezes, justificar) a metodologia utilizada. A descrição da metodologia, tanto quanto o restante de todo o laudo pericial, deve ser feita em linguagem clara e acessível, porquanto, muitas vezes, os métodos adotados na realização da perícia são determinantes para a credibilidade das conclusões alcançadas. Por vezes, a própria viabilidade da realização da perícia à luz dos métodos disponíveis constitui o ponto central da discussão sobre o cabimento esse tipo de prova. A ilustrar a importância do tema, o STJ já decidiu sobre a possibilidade de realização de novo exame de DNA, por meio de métodos mais avançados, tendo em vista que a degradação do material genético (ossos do corpo do suposto pai, em investigação de paternidade) teria ocasionado o laudo inconclusivo da primeira perícia, realizada por métodos341. Definidos o objeto da perícia e o método adotado pelo perito, a análise pericial deve ser feita de forma simples e coerente, permitindo-se ao juiz e às partes a plena compreensão do raciocínio e das conclusões do perito (art. 473, II e IV), que deverá responder diretamente a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público. Quanto ao ponto, cumpre frisar que é vedado ao perito extrapolar o objeto da perícia, bem como emitir opiniões ou juízos que excedam o exame técnico ou científico deste objeto. Após a entrega do laudo pericial, os assistentes técnicos poderão oferecer seus pareceres no prazo comum de 15 dias (art. 477, § 1º). O art. 477, § 1º, incorporado pelo CPC/2015, reproduz disposição incluída no art. 433, parágrafo único, CPC/73 pela Lei n. 10.358/2001, que passou a exigir expressamente que as partes fossem intimadas da entrega do laudo pericial, para, então, deflagrar o prazo de para apresentação do parecer do assistente
técnico. Registre-se que, mesmo antes dessa alteração introduzida no CPC/73 pela Lei n. 10.358/2001, ou seja, mesmo antes da previsão expressa dessa obrigatoriedade, o entendimento preponderante era o de que as partes necessariamente deveriam ser intimadas para que se deflagrasse o prazo de apresentação dos pareceres de seus assistentes técnicos respectivos342. Nesse sentido, tanto a Lei n. 10.358/2001 quanto o CPC/2015 vieram a tornar texto expresso de lei aquilo que os tribunais, com acerto, já vinham decidindo. Se houver divergência ou dúvida manifestada por qualquer das partes, assistentes técnicos, pelo juiz ou pelo Ministério Público, deverá o perito apresentar os respectivos esclarecimentos, por escrito, no prazo de 15 dias (art. 477, § 2º, I e II). Quando, mesmo após a manifestação escrita do perito, subsistir a necessidade de esclarecimentos, deverão as partes formular as perguntas, na forma de quesitos, requerendo ao juiz que determine a intimação do perito ou do assistente técnico para comparecer à audiência de instrução e julgamento a fim de responder oralmente os referidos quesitos de esclarecimento (art. 477, § 3º). A intimação do perito ou do assistente técnico deverá ser realizada por meio eletrônico, com pelo menos 10 dias de antecedência da audiência (art. 477, § 4º). 4.4 Direitos do perito Além do (1) direito de escusa acima analisado, o perito tem (2) o já mencionado direito de prorrogação, por uma única vez, havendo motivo justificado, do prazo de entrega do laudo (art. 476 do CPC/2015) e (3) pode se utilizar “de todos os meios necessários”, inclusive oitiva de testemunhas, para bem se desincumbir de seu mister (art. 473, § 3º); (4) tem também
direito ao reembolso das despesas que tiver, bem como à percepção de honorários profissionais, os quais deverão ser fixados fundamentadamente pelo juiz. O ônus de arcar com os honorários periciais é disciplinado pelo art. 95. Por esse dispositivo, aquele que requerer a perícia arcará com os honorários periciais. Se ambos (autor e réu) a requererem, as despesas serão rateadas pelas partes, o mesmo sucedendo caso a perícia seja determinada de ofício pelo juiz. Na verdade, o art. 95 disciplina qual parte deverá adiantar as despesas com honorários periciais, que, ao fim, deverão ser imputadas à parte sucumbente, a teor do art. 82, § 2º, que impõe ao vencido o dever de pagar ao vencedor as despesas que este último tiver adiantado, entre as quais se incluem os honorários periciais. Cada parte, por outro lado, arcará com o pagamento dos honorários do seu assistente técnico. Se beneficiária da justiça gratuita, ficará a parte dispensada de adiantar os honorários periciais (art. 95, § 3º, I e II). Em tais casos, poderá a perícia: a) ser realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado, hipótese em que será custeada com recursos alocados no orçamento dos respectivos entes (art. 95, § 3º, I); b) ser realizada por particular e paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal. Há quem entenda estar implícita no dispositivo em tela a necessidade de adiantamento dos valores necessários pelo órgão estatal competente, o que parece correto, concernentemente aos honorários periciais a serem depositados e/ou levantados parcialmente343. Esse era o entendimento vigente à luz do CPC/73, tendo em vista o que dispõe a CF/88 (art. 5º, LXXIV), bem como o revogado art. 3º, V, da Lei n. 1.060/50344-345. Cabe, neste passo, ressaltar o que prescreve o art. 91, § 1º, do CPC/2015:
“As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova”. Diante do texto legal, afigura-se que, sempre que possível, a perícia será realizada, preferivelmente, por ente público; se, todavia, vier a ser realizada por particular, a lei assegurou ao perito o adiantamento das despesas realizadas para a consecução de seu trabalho, ressalvada a hipótese de inexistência de previsão orçamentária. Neste último caso, dispõe o § 2º que os honorários serão pagos no exercício financeiro seguinte ou, ainda, ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo órgão público. Nesse ponto, o CPC/2015 representou um avanço relativamente ao CPC/73, que se limitava a dispor, no art. 27, sobre a liberação da Fazenda Pública e do Ministério Público relativamente ao adiantamento de despesas dos atos processuais, sem trazer qualquer ressalva quanto aos honorários do perito. Ainda assim, já entendiam, à época, doutrina e jurisprudência, que o pagamento “a final pelo vencido” a que se referia o art. 27 do CPC/73 dizia respeito tão somente a custas e emolumentos e, não, aos honorários periciais, que deveriam ser antecipados346-347. O juiz poderá determinar que os honorários periciais sejam depositados, sendo entregues ao perito após a apresentação do laudo, sendo possível a sua liberação parcial, se necessário (art. 95, § 1º, do CPC/2015). Poderá, ainda, haver a fixação de honorários provisórios, destinados ao início dos trabalhos do perito judicial, sendo, após, fixados os honorários definitivos a ele devidos. Saliente-se que, pagos os honorários provisórios e entregue o laudo pelo
perito judicial, o não pagamento dos honorários periciais definitivos não pode conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito, devendo o perito se utilizar das vias executivas para receber o que lhe é devido. Oportuno consignar a opinião de Fredie Didier Jr., Rafael de Oliveira e Paula Sarno Braga. Para os autores, quando a prova é determinada de ofício e o autor, responsável pelo adiantamento das despesas, não faz o depósito prévio, comete ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo ser a este aplicada a multa prevista no art.77, IV, § 2º348. 5. Quem pode ser perito Diz o art. 156 do CPC que o perito será pessoa natural ou órgãos técnicos e científicos. Ao perito se aplicam as causas de impedimento e suspeição, inclusive em relação aos órgãos ou, de modo geral, pessoas jurídicas, analisando-se o impedimento ou suspeição na perspectiva da pessoa natural que presentará o órgão. É fato, também, que os conhecimentos e habilitações eventualmente exigidos para o exercício do cargo são, de regra, relativos à pessoa física do perito, o que conduzia à conclusão – sob a égide do CPC/73 e à luz da doutrina e jurisprudência então vigentes –349-39 de que o perito não poderia ser pessoa jurídica ou ente350despersonalizado351. Muito embora razões pelas quais sustentamos tal posicionamento prevaleçam em grande medida, não se pode deixar de notar que a adequação e a idoneidade da instituição eventualmente “nomeada” pelo juiz, nos termos do art. 156, § 1º, devem ser alvo de consideração, não podendo ser designada entidade que não tenha especialização ou aparato técnico-científico compatíveis com a perícia a ser realizada, ou mesmo que tenha a sua reputação oficialmente questionada por
órgãos reguladores. Assim, por exemplo, não se pode nomear para a perícia de DNA instituto médico que não reúna condições e habilitação para realizar o referido exame ou tenha tido a autorização de funcionamento cassada pelos órgãos competentes. Necessário atentar, todavia, para o fato de que o art. 156, § 1º, estatui que os peritos deverão ser escolhidos, se o caso, dentre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado, e os tribunais deverão realizar consulta pública por meio de divulgação na rede mundial de computadores, ou em jornais de grande circulação, além da consulta direta a universidades, conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para indicação dos profissionais (art. 156, § 2º). Apenas se não houver, na localidade, quem possa atender a referidos requisitos é que será livre a nomeação do perito pelo juiz (art. 156, § 5º). 6. Responsabilidade do perito O
perito
poderá
ser
substituído
se,
como
visto,
descumprir,
injustificadamente, o prazo de entrega do laudo. Poderá vir a ser substituído, ainda, se carecer de conhecimento técnico ou científico352, o que poderá ser requerido por qualquer das partes ou determinado ex officio (vale dizer, por força do ofício, independentemente de provocação das partes) pelo juiz353. Se o perito, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, ficará inabilitado para oficiar como perito por dois anos, sem prejuízo da sanção penal (art. 158 do CPC/2015). Cometerá, se agir dolosamente, crime de falsidade (art. 342 do CP)354. Tanto basta, para que se configure a infração apta a ensejar a inabilitação de funcionar como perito por dois anos, que haja
a
prestação,
por
dolo
ou
culpa,
de
informações
inverídicas,
independentemente da produção de qualquer resultado, tratando-se, pois, de infração formal. Eventual prejuízo, no entanto, poderá ser causa do dever de indenizar a parte prejudicada, por parte do perito. Tal pena da inabilitação não se aplica, pelas razões antes expostas, ao assistente técnico. 7. Perícias especiais Se a perícia tiver por objeto a autenticidade ou falsidade de documento, ou for de natureza médico-legal, o perito será designado, sempre que possível, entre técnicos de estabelecimentos públicos especializados (art. 478 do CPC/2015), cabendo ao juiz autorizar a remessa dos autos ao diretor do estabelecimento. Na hipótese de perícia sobre autenticidade de letra ou firma, o perito poderá requisitar documentos aos órgãos públicos para fins de comparação (art. 478, § 3º), bem como, na falta desses, poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento que lance por escrito em papel determinados dizeres, para fim de cotejo com o objeto da prova. Nesse contexto, deve-se ter presente o disposto nos arts. 231 e 232 do CC/2002: “Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”; e “Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Em verdade, como já ponderamos no capítulo destinado ao estudo da teoria geral das provas, trata-se de dispositivo despiciendo. Figure-se, por exemplo, a hipótese do exame de DNA em caso de ação investigatória de paternidade. Não existisse semelhante regra, nem por isso estaria o juiz
desautorizado a tomar a recusa à submissão ao exame de DNA como indício de que o réu seja efetivamente o pai. A propósito, é de ser mencionada a Súmula 301 do STJ, vazada nos termos seguintes: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Subsequentemente, a Lei n. 12.004/2009 veio a consolidar dita orientação ao incluir o art. 2º-A à Lei n. 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. De acordo com o que prescreve o parágrafo único do art. 2º-A, da Lei n. 8.560/92, com redação da Lei n. 12.004/2009, “a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Sobre a obrigatoriedade ou não de a parte se submeter à perícia, já decidiu o STF que, em ação investigatória de paternidade, não pode o réu ser submetido a realizar exames de DNA contra sua vontade. Vejamos parte da ementa do julgado: “Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório ‘debaixo de vara’, para a coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental,
consideradas
a
dogmática,
a
doutrina
e
a
jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos”355-356. Posteriormente, o mesmo Tribunal decidiu de forma idêntica, a saber, pela garantia constitucional da preservação da intimidade e da intangibilidade do corpo humano, citando, a propósito, o acórdão
precedente357. 8. Inspeção judicial Estatui o art. 481 poder o juiz, a qualquer tempo358, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa. Durante a inspeção judicial, o juiz poderá fazer-se assistir por um ou mais peritos (art. 482). Cândido Rangel Dinamarco conceitua a inspeção judicial como sendo “a verificação pessoal de pessoas ou coisas, feita pelo próprio juiz”.359 A parte, segundo o que dispõe o art. 379, II, tem o dever colaborar com o juízo na realização da inspeção judicial, mas não pode ser constrangida a se submeter360. De todo modo, o seu não comparecimento pode implicar litigância de má-fé (art. 80, IV, do CPC/2015). A inspeção judicial apresenta-se como um meio subsidiário de prova, podendo ser determinada de ofício ou em razão de requerimento da parte, segundo se extrai do art. 481. Para Arruda Alvim, a inspeção judicial só deverá ser determinada de ofício se o juiz “tiver motivos de dúvida sobre fato controvertido relativo à decisão da causa e esse não tiver sido esclarecido pela produção de outras provas, assumindo a inspeção caráter de prova complementar” ou se “desde logo entender que somente a inspeção judicial for meio apto a esclarecer tal fato”361-362. A prova será realizada no local em que se encontre a pessoa ou coisa, sempre que: (1) tal for necessário para melhor verificação/interpretação dos fatos; ou (2) a coisa não puder ser apresentada em juízo sem consideráveis despesas ou grandes dificuldades; ou, ainda, (3) necessária para realizar a reconstituição dos fatos (art. 483, I a III). Haverá, porém, de ser realizada dentro dos limites da competência territorial do juízo363.
Estará, todavia, em qualquer hipótese, assegurado às partes o direito de assistirem à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações pertinentes, segundo prevê o parágrafo único do art. 483. Segue-se daí que as partes deverão ser intimadas da diligência, na pessoa dos advogados respectivos. Assegura-se, pois, o respeito ao princípio da bilateralidade da audiência. Porém, as partes não estão obrigadas a comparecer à inspeção judicial, tratando-se de ônus. Se não comparecerem, perderão a oportunidade processual própria de prestarem esclarecimentos e/ou fazerem observações que reputem pertinentes para o deslinde do processo (art. 483, parágrafo único, do CPC/2015). A diligência será documentada em auto circunstanciado, o qual poderá ser instruído com desenhos, gráficos ou fotografias (art. 484, caput, e parágrafo único), sob pena de perder a inspeção o seu valor como meio de prova364.
XXXII PROVA DOCUMENTAL, FALSIDADE DOCUMENTAL E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO
1. Conceito de documento Moacyr Amaral Santos alude a “documento” como sendo a “coisa representativa de um fato”365-366. Esta é uma conceituação ampla de documento. Em outra obra, clássica, esse mesmo notável autor conceitua documento como sendo “a coisa que fixa permanentemente o fato ou a ideia”367. O documento enseja a representação permanente do fato. Mas, frisa esse autor, além de representar o fato, o documento deve fazê-lo de forma idônea e permanente, proporcionando ao juiz ter o fato como presente. Para Arruda Alvim, o documento é destinado “a fixar duradouramente um fato”368, enquanto o testemunho, como bem anota Humberto Theodoro Jr., é “o registro de fatos gravados apenas na memória do homem”369. A conceituação do documento como “coisa” não abrange o documento eletrônico. Parece, pois, que, partindo-se das lições de Moacyr Amaral Santos, é lícito concluir que o que caracteriza o documento é a representação do fato, pura e simplesmente. A crescente importância da prova documental é característica
de nossos tempos, sintonia clara da atual complexidade das relações sociais370. Em que pese a relevância da prova documental, é bem de se ver que a regra geral no processo civil é a de que inexiste hierarquia entre os meios de prova, de modo que o juiz poderá valorá-los livremente, desde que fundamentada a decisão (art. 371 do CPC/2015). Anote-se, por oportuno, que documento redigido em língua estrangeira só poderá ser juntado no processo se devidamente vertido para o português, por tradutor juramentado (art. 192). Cabe, neste passo, fazer uma breve distinção entre prova documental e prova documentada. Embora os termos pareçam ter conteúdos idênticos, há uma diferença prática, visto que dentro do processo todos os atos devem ser documentados; no entanto, “nem todo documento constante dos autos representará, necessariamente, uma prova documental”371. Os atos que formam o processo são documentados nos autos372, como, por exemplo, a petição inicial, a contestação, o laudo técnico do exame pericial etc. Dessa forma, são representados por documentos. Todavia, nem por isso são provas documentais. Como conceituam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, prova documental “é, somente, aquela através da qual se tem a representação imediata do fato a ser reconstituído (...). Na prova documental, portanto, o documento é capaz de, por si só, representar o fato; é, afinal, o elemento representativo, o que não ocorre com as provas testemunhal e pericial (onde o elemento representativo é a pessoa)”. O laudo técnico da prova pericial, conquanto documentado nos autos, não transforma a natureza da prova em documental373.
2. Autor do documento Autor do documento particular será aquele que o tiver formado. No documento público, lavrado por oficial, há uma dissociação, dado que autor intelectual do documento é aquele que procurou o oficial, pedindo-lhe que lavrasse o documento; o oficial, de seu turno, será o autor material do documento. Mencionada dissociação pode ocorrer também no caso de documentos particulares. É o caso, por exemplo, do inciso III do art. 410 do CPC/2015. Quando o autor intelectual é um e outro o autor material, fala-se em documento heterógrafo; caso contrário, o documento diz-se autógrafo. 3. Conteúdo e eficácia do documento A eficácia que emana do documento é diferente, conforme se trate de documento público ou particular. Com efeito, prescreve o art. 405 do CPC/2015 que o documento público faz prova não apenas de sua formação, mas dos fatos que o tabelião declarar que aconteceram em sua presença. Abrange tal presunção de veracidade, por exemplo, a declaração que conste de documento público no sentido de que uma das partes contratantes pagou à outra determinada soma em dinheiro. Tal presunção de veracidade abarca os elementos de formação do ato, bem como a autoria das declarações das partes. Tal presunção de veracidade é juris tantum, isto é, pode ser superada por prova em sentido contrário. É com esse espírito que deve ser entendido o art. 215 do CC/2002, que alude à escritura pública (espécie do gênero documento público) como “prova plena”. Não é de ser afastada, no caso, a possibilidade de o juiz julgar de acordo com o seu convencimento motivado374. Diferentemente, em se tratando de documento particular, desde que escrito
e assinado, as declarações dele constantes presumem-se verdadeiras em relação ao signatário (art. 408, caput). Porém, estatui o parágrafo único desse dispositivo, se o documento particular contiver declaração de ciência relativamente a determinado fato, por seu intermédio não se prova o fato, senão que apenas e tão somente a declaração que nele se contém. Ou seja, o documento particular, nessas circunstâncias, não fará prova do fato, mas da declaração feita pelo signatário, o que é ratificado pelo caput do art. 412. João Batista Lopes, a propósito de hipótese de declaração sobre fato probando, mas que não é idônea a comprová-lo, diz: “Documento particular subscrito por terceiro que declara estar o autor (promovente) na posse de imóvel usucapiendo há mais de vinte anos. Nesse caso, o documento prova que o terceiro fez a declaração, mas não é suficiente para provar a veracidade da declaração, isto é, que efetivamente o autor exerce a posse longeva”375. Autor do documento particular será aquele que o fez e assinou, ou aquele por conta de quem foi feito, estando assinado (art. 410, I e II). Excepcionalmente, porém, em casos em que se sabe que, por experiência comum, não se assina (livros comerciais e assentos domésticos), aquele que o mandou compor será dado como autor, independentemente de não tê-lo firmado (art. 410, III). O autor é, como conceitua Arruda Alvim, “quem procura produzir, com o documento, determinados efeitos jurídicos e a quem tais efeitos aproveitarão”376. O documento particular, ademais, será reputado autêntico quando tiver a firma do signatário reconhecida por tabelião, o qual declarará ter sido ela aposta em sua presença (art. 411, I); bem como nas hipóteses em que sua autoria estiver identificada por outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico (art. 411, II) e, ainda, quando não houver impugnação da parte
contra quem ele tiver sido produzido (art. 411, III). Presumir-se-á que a parte contra a qual foi produzido lhe aceita a autenticidade da assinatura, caso não conteste a veracidade do contexto no prazo de 15 dias (art. 430). Superado esse prazo in albis, a parte contra quem tiver sido produzido o documento só poderá insurgir-se contra ele se provar que foi obtido mediante erro, dolo ou coação377, possibilidade esta existente, igualmente, nas hipóteses do art. 411378. Segundo dispõe o parágrafo único do art. 412, o documento particular, admitido expressa ou tacitamente, é indivisível, não sendo lícito, em princípio, aproveitá-lo apenas em parte, a menos que o interessado prove que parte dos fatos narrados no documento não se verificou como nele consta. É possível, ainda, que, apurando-se em processo-crime a falsidade documental, o resultado dessa apuração pela falsidade sirva de base à ação rescisória; ainda, possível é mesmo que essa falsidade seja apurada no próprio âmbito da ação rescisória, tudo nos termos do art. 966, VI. Necessário é, todavia, para o fim do cabimento da ação rescisória, que a falsidade diga respeito a documento sem o qual a decisão de mérito não possa subsistir. 4. Forma como substância do documento Viu-se que, como regra quase absoluta, o juiz não fica adstrito a qualquer tipo de prova – salvo a previsão de prova legal como referida no art. 406 do CPC/2015, que remete às hipóteses em que a lei exige o instrumento público como da substância do ato –, devendo julgar de acordo com o seu convencimento motivado (art. 371). Assim como no direito civil (em que a liberdade de forma é a regra geral, ex vi do art. 107 do CC: “A validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”), no direito processual civil, em princípio, há o juiz é livre para valorar o quadro probatório, desde que o faça fundamentadamente, baseando-se em critérios racionais extraídos da prova dos autos. Essa liberdade deve ser compreendida no sentido de não estar o juiz adstrito a regras abstratas de valoração e hierarquização dos meios de prova, porquanto tais regras não levariam em conta o caso concreto. Isso significa que o juiz pode até mesmo dar mais valor à prova testemunhal do que à prova documental e à pericial. Tenha-se presente, todavia, a regra do inciso II do art. 443, segundo a qual o juiz indeferirá a prova testemunhal, quando o fato só puder ser demonstrado por documento ou por exame pericial. Ao valorar o quadro probatório, quando neste existirem documentos, havidos por autênticos, deverá, em princípio e preponderantemente, o juiz atender às regras referentes à validade e à legitimidade do conteúdo dos documentos. De outra parte, estatui o art. 426 que, contendo o documento, em ponto substancial e sem ressalva, entrelinha, borrão ou cancelamento, o juiz lhe atribuirá a fé que entenda deva merecer, o que reafirma o princípio do convencimento motivado do juiz. O poder de convicção que deve emanar de documento autêntico se enfraquece na hipótese do art. 426. Todavia, há hipóteses, expressamente ressalvadas pelo art. 406 do CPC/2015, em que a lei prevê o instrumento público como sendo da substância do ato, não sendo passível de substituição, nesse caso, por qualquer outra espécie de prova379. É essa a hipótese do art. 1.653 do CC/2002, que dispõe ser nulo o pacto antenupcial não feito por escritura pública. Também é esse o caso do art. 108 do CC/2002, que dispõe que, nos casos
em que contempla, a escritura pública é da substância do ato. Pode suceder, outrossim, que o documento público seja exigível como condição de validade, não porque a lei o exija, mas por convenção das partes, o que é perfeitamente admissível (art. 109 do CC/2002). Em casos tais, temos que o instrumento público será, igualmente, da substância do ato380. 5. Documento – outras considerações O documento particular, apesar de ser prova da declaração do fato, com a prova deste (do fato declarado) não se confunde, o que se ostenta como manifesto à luz da lei. Evidência maior disso é o disposto no parágrafo único do art. 408 do CPC/2015, antes referido, acerca da eficácia do documento particular. Se, portanto, o documento contiver declaração de ciência relativamente a determinado fato, serve de prova da declaração, mas não do fato declarado (art. 408, parágrafo único). Usualmente, o documento é uma prova pré-constituída, isto é, quando o documento é elaborado, é feito com o escopo de que, se necessário for, possa fazer prova do fato documentado. Excepcionalmente, como dito, o documento, ao lado de ser prova pré-constituída, poderá ser a única prova possível, consoante se ressalva no art. 406, a que já se aludiu anteriormente. Foi dito que “usualmente” o documento é prova pré-constituída, porque tal não se dá “necessariamente”. Há quem prefira chamar “instrumento” o documento preparado “com a finalidade específica de produzir prova futura do ocorrido”381. Veja-se, por exemplo, a hipótese albergada pelo art. 415, que trata das cartas e dos registros domésticos, que não são elaborados com o objetivo de fazer prova (dizem-se provas casuais). Dispõe referido artigo que tais cartas
ou escritos domésticos provam contra aquele que os escreveu quando: (i) enunciam o recebimento de crédito; (ii) contêm anotação, que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor; ou (iii) expressam conhecimento de fatos para os quais a lei não exija determinada prova. Fora desses casos contemplados nos incisos I a III do art. 415, as cartas e registros domésticos, nas hipóteses do caput do art. 408, também poderão servir de prova contra o signatário. 6. Momento da produção da prova documental Exatamente porque a prova documental normalmente preexiste à lide, é que deve vir acompanhando a petição inicial (art. 320), ou a contestação (art. 335), nos termos do art. 434. Só em casos excepcionais é que se admite a juntada de documentos após essas oportunidades processuais. Com efeito, estatui o art. 435 que documentos novos poderão ser juntados ao processo em qualquer tempo, se destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados382, ou se necessários para serem contrapostos aos que foram produzidos nos autos383. Ainda, deve ser admitida a juntada de documentos formados após a fase postulatória, bem como dos que se tornaram conhecidos, disponíveis ou acessíveis após a petição inicial e a contestação (art. 435, parágrafo único). Tais circunstâncias deverão ser comprovadas pela parte interessada. Em todos esses casos, a outra parte será necessariamente ouvida no processo, em 15 dias, tal como previsto no § 1º do art. 437, a respeito do documento novo que tenha sido juntado pela parte ex adversa. É vital, à luz do texto do art. 437, § 1º, que dispõe sobre essa hipótese, que se abra à parte contrária o prazo a que alude o referido artigo, sob pena de cerceamento de
defesa, por violação ao princípio do contraditório, que deve conduzir à nulidade da sentença que vier a ser proferida, se o documento a respeito do qual não foi ouvida a outra parte tiver sido relevante na fundamentação da sentença em favor da parte que o produziu384-385. Frise-se, todavia, que, pela lei, o autor só poderá juntar documento não oferecido com a inicial e o réu documento que não tenha sido anexado à contestação se esse documento tiver por finalidade ser contraposto a outro que tenha sido produzido, ou, então, se esse documento disser respeito a fato ou alegação surgida no curso do processo após sua última oportunidade de falar nos autos. Existe, todavia, uma tendência jurisprudencial – em nosso entender, plenamente justificável – de abrandar o rigor desse entendimento, desde que (1) o documento não seja efetivamente indispensável à propositura da ação e (2) não tenha havido o propósito de prejudicar a parte contrária, com a omissão deliberada da juntada do documento na oportunidade processual própria, ensejando-se sempre a ouvida da outra parte, no prazo de 15 dias após a juntada do documento386. O abrandamento do rigor da letra do art. 435 revela-se tanto mais justificável se considerarmos a hipótese de ação rescisória calcada no inciso VII do art. 966. Com efeito, a obtenção de documento novo, que per se seja capaz de alterar o resultado da sentença rescindenda, enseja a propositura de ação rescisória do julgado com base nesse inciso VII do art. 966. Ora, se o documento novo “já existente à época do processo encerrado”387, que a parte só obteve depois da sentença, seja por ignorá-lo, seja porque dele não pôde fazer uso, pode conduzir à rescisão de sentença transitada em julgado, tem-se que o rigor do art. 435 deve ser abrandado, permitindo-se, em princípio, a sua juntada ainda no curso do
processo, mesmo que fora da oportunidade processual que, rigorosamente, seria a mais adequada. Não é tarefa fácil conceituar o que se deva entender por documento essencial à propositura da ação. Parece-nos que o caminho mais seguro é o de analisar caso a caso. Em ação reivindicatória, essencial é o título do domínio. Em ação do segurado contra a seguradora, por exemplo, parece-nos indispensável seja anexada à inicial o bilhete ou a apólice de seguro, ou, na falta deles, a comprovação do pagamento do respectivo prêmio (art. 758 do CC). Tratando-se de documento indispensável à propositura da ação e que não tenha sido anexado à inicial, mesmo depois de decorrido o prazo de 15 dias a que alude o caput do art. 321, deverá ser indeferida a petição inicial (art. 321, parágrafo único, c/c art. 330, IV). O pedido de expedição de ofícios a órgãos públicos só é de ser atendido se a parte demonstrar ao juiz que não pôde obter as informações pelas vias usuais, isto é, através do direito de certidão, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXIV, b, da CF/88)388. 7. Documentos públicos e particulares A grande classificação dos documentos os divide em públicos e particulares. Os primeiros (públicos) são elaborados por repartições públicas389 ou por serviços com natureza pública; os últimos (particulares) são confeccionados por particulares. Os primeiros presumem-se verdadeiros, pois a autoridade que os elaborou (autora material do documento) goza de fé pública. Desse modo, prescindem da concordância da outra parte para se reputarem autênticos. Se, excepcionalmente, o documento público vier desacompanhado das formalidades legais, ou for elaborado por autoridade
incompetente, terá eficácia própria de documento particular (art. 407 do CPC/2015), desde que subscrito pelas partes. Fredie Didier Jr., abordando esse artigo, enfoca a interessante hipótese de o documento público ser irregular porque o agente público esteja “investido irregularmente no cargo, emprego ou função, mas a sua situação teve uma aparência de legalidade”390. Em casos tais, diz o autor, o documento, apesar de irregular, deve manter “a força probatória de qualquer documento público”. Trata-se – continua Fredie Didier Jr. – de “aplicação do princípio de proteção da boa-fé, que tutela a confiança, valor fundamental de um ordenamento jurídico”391. Parece-nos que, no particular, assiste inteira razão ao autor. Os documentos elencados nos incisos I a III do art. 425 valem como documentos públicos. São (i) as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências, ou de outro livro a cargo do escrivão, extraídas por este ou sob sua vigilância e por ele subscritas; (ii) os traslados e certidões extraídas por oficial público, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas; e (iii) as reproduções de documentos públicos, autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os originais392-393-394. O art. 425 confere eficácia probatória equivalente à do documento original às “cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade” (art. 425, IV).395 A presunção de autenticidade atribuída à declaração do advogado já era prevista no art. 365, IV, CPC/73, incluído pela Lei n. 11.382/2006. Trata-se de presunção relativa, justificada pelo fato de ser a advocacia atividade essencial à justiça (art. 133 da CF/88), de modo que o advogado exerce um munus público e uma função
social (art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.906/94), estando sujeito à responsabilização profissional, civil e criminal. Ainda, o art. 425 do CPC/2015 prevê um rol – inicialmente ampliado pela Lei n. 11.382/2006 que alterou o art. 365 do CPC/73 – de outras cópias que possuem o mesmo valor dos documentos originais, equiparando a estas “os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem”, e “as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização” (art. 425, V e VI). Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart observam, a respeito de aludidos dispositivos, que “é importante salientar que a presunção de veracidade dessa cópia é meramente relativa, podendo ser infirmada por impugnação motivada e fundamentada do interessado. Exatamente por isso, é necessário que o magistrado tenha cautela ao admitir a força probante desses documentos, visto que – especialmente em se tratando de banco de dados particular – não há nenhuma segurança de que tais informações não tenham sido, na origem, manipuladas, especialmente quando haja interesse direto do banco de dados envolvido na lide”396-397. Não por outra razão, aliás, estatui o § 2º do art. 425 que o magistrado, entendendo necessário, pode determinar o depósito da cópia digital do título executivo extrajudicial ou outro documento relevante para a instrução do processo em cartório ou em secretaria. Referido dispositivo legal colima, segundo Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz
Arenhart e Daniel Mitidiero, a preservação do documento “para que se proceda à prova pericial ou outra prova necessária para a avaliação de sua autenticidade e veracidade”398. Os originais dos documentos digitalizados deverão ser preservados pelo seu detentor até o fim do prazo para o ajuizamento da ação rescisória, conforme se extrai do § 1º do art. 425. 8. Documentos e autenticidade Já foi mencionado anteriormente que o documento público presume-se autêntico, tendo-se como verdadeiros os fatos que o tabelião ou funcionário declarar tenham ocorrido em sua presença (art. 405 do CPC/2015)399, e o ônus de destruir essa presunção compete à parte contra quem ele é produzido (trata-se, por isso mesmo, de presunção juris tantum, isto é, passível de ser destruída por prova em sentido contrário). Já o documento particular necessita do reconhecimento da parte contrária para reputar-se autêntico, que pode se dar de forma tácita, segundo o inciso III do art. 411, salvo se tiver a firma do signatário reconhecida por tabelião e aposta na sua presença, nos termos do art. 411, I. A autenticidade é a “atribuição da qualidade de autoria intelectual (art. 410, I a III, do CPC/2015), de quem se diz ser autor do documento”400. Falase em autenticidade, diz com propriedade Fredie Didier Jr., quando a autoria aparente corresponde à autoria real401. Uma vez impugnada a autenticidade, caberá àquele que produziu o documento particular o ônus de demonstrar sua autenticidade. Humberto Theodoro Jr. sintetiza com precisão: “Basta, pois, a simples impugnação da parte, para que se imponha o dever de provar em juízo a autenticidade, sob pena de tornar-se inócuo o documento (arts. 428, I, e 329, II, do CPC/2015)”402.
Diferentemente, nos casos dos arts. 405 (documento público) e 411, I a III (documento particular com firma do signatário reconhecida, ou certificado por outro meio, inclusive eletrônico, ou, ainda, não houver impugnação da parte contra a qual tiver sido produzido), o documento presumir-se-á autêntico, independentemente da aceitação, expressa ou tácita, daquele contra quem tiver sido produzido. Não é demais repetir que se trata de presunção juris tantum, isto é, vencível por prova em sentido contrário. Na hipótese de a parte contra a qual tiver sido produzido o documento particular nada alegar sobre sua autenticidade no prazo de 15 dias, só se poderá insurgir contra ele se afirmar que foi obtido por erro, dolo ou coação, ou na hipótese do inciso VII do art. 966 do CPC/2015403. 8.1 Arts. 427 a 429 – limites da autenticidade dos documentos públicos e particulares Fizemos acima uma série de distinções entre o documento público e o documento particular. O primeiro, como visto, presume-se autêntico e prova os fatos que o tabelião ou funcionário declarou tenham sucedido na sua presença. Por isso, o art. 427 estatui que a fé de que é merecedor o documento público só cessa mediante reconhecimento judicial de sua falsidade, que pode significar que se trata de documento não verdadeiro (falsidade material – art. 427, parágrafo único, I) ou de documento verdadeiro que tenha sido alterado (falsidade ideológica – art. 427, parágrafo único, II)404. Firma esse princípio, em relação a direitos reais, o Código Civil405. Já o documento particular (que não seja autenticado nos termos do art. 411, I) que não tenha sido impugnado presume-se verdadeiro (art. 411, III).
Se, todavia, for impugnado quanto à assinatura, cessa a fé de que é portador, até que seja comprovada a veracidade dessa assinatura, competindo tal ônus àquele que produziu a prova documental (arts. 428, I, e 429, II). Basta, então, que aquele contra o qual é produzido o documento particular impugne a assinatura para que cesse a fé do documento, até que se resolva se procede ou não a alegação. Doutra parte, se aquele contra o qual é produzido o documento não contestar a assinatura, porém alegar preenchimento abusivo (art. 428, II e parágrafo único), caber-lhe-á o ônus de provar tal alegação (e não àquele que produziu o documento provar o contrário, isto é, que inexistiu preenchimento abusivo). É o que se depreende do art. 428, II, c/c o art. 429, I. 9. Extensão subjetiva da validade O documento público produz efeitos em relação a todos, pois sua natureza pública faz presumir a ciência de todos a seu respeito406. Em relação aos documentos particulares, todavia, a eficácia em relação a terceiros dependerá de se ter dado publicidade a ele. 10. Data do documento A data do documento, se preciso for, pode ser provada por qualquer meio de prova em direito admissível (art. 409, caput). Àquele que impugnar a data do documento que contra si for produzido caberá o ônus de provar sua falsidade. Os incisos I a V do parágrafo único do art. 409 estabelecem critérios para que o documento se possa reputar datado perante terceiros, já que perante estes a data constante do documento é inoperante, pois a sua eficácia, em princípio (salvo transcrição no registro público), é limitada às partes. Se houver registro, considera-se datado perante terceiros na data do registro (art.
409, parágrafo único, I); se houver a morte de um dos signatários (art. 409, parágrafo único, II), na data desse evento; se qualquer dos signatários se encontrar impossibilitado de assinar, na data dessa impossibilidade (art. 409, parágrafo único, III); na data de sua apresentação em repartição pública ou em juízo (art. 409, parágrafo único, IV) ou, ainda, se se estabelecer, por ato ou fato, de modo certo, a anterioridade do documento (art. 409, parágrafo único, V), o que constitui uma regra de fechamento que concede ao magistrado um espectro grande de liberdade para avaliar, caso a caso, as variadas situações que podem ocorrer envolvendo a data do documento perante terceiros. Em verdade, referidas disposições são algo despiciendas, pois, mesmo que não existissem, nem por isso não estaria o juiz autorizado a tomar os indícios retratados nesse dispositivo como indicativos da data em que o documento foi confeccionado. 11. Telegramas, cartas e registros domésticos Já se tratou, acima, das cartas e registros domésticos (art. 415), que fazem prova contra quem os escreveu quando (i) enunciam o recebimento de crédito; (ii) contêm anotação, que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor; e (iii) expressam conhecimento de fatos, para os quais a lei não exija determinada prova. Há também que enfocar o caso dos telegramas e radiogramas, que têm a mesma força probatória do instrumento particular se o original da estação expedidora foi assinado pelo remetente (art. 413, caput). Se declarado, na estação expedidora, o reconhecimento da firma do remetente pelo tabelião (art. 413, parágrafo único), aplicar-se-á o art. 411, I. Presumem-se eles conformes aos originais, provando a data de expedição e recebimento pelo destinatário (art. 414). Se impugnados, farão prova mediante conferência com
o original assinado (art. 222 do CC/2002). Ao fax, independentemente de não haver necessidade de intermediação de serviços telegráficos, aplica-se também o art. 413, desde que haja controle do envio da mensagem e do aparelho de destino. A propósito, diz com percuciência Humberto Theodoro Jr.: “Havendo controle e registro dos aparelhos de origem e destino, devem ser havidas como autênticas as mensagens, independentemente de comprovação das assinaturas dos originais, mesmo porque ditos originais serão inacessíveis ao destinatário, por pertencerem ao próprio expedidor”407. 12. Livros comerciais408 Os livros comerciais provam contra o autor dos lançamentos (art. 417 do CPC/2015 e art. 226 do CC/2002); este autor, todavia, poderá, por todos os meios, provar que os lançamentos não correspondem à realidade. Se preenchidos de acordo com os requisitos legais próprios, sem qualquer vício intrínseco ou extrínseco, desde, ainda, que confirmados por outros subsídios (documentação final, por exemplo), provam também a favor do autor (dos lançamentos) no litígio entre comerciantes (art. 418 do CPC/2015 e art. 226 do CC/2002). Aplica-se o princípio da indivisibilidade da escrituração, de modo que os fatos favoráveis, ao lado dos desfavoráveis ao autor, devem ser tidos em consideração (art. 419 do CPC/2015), o que, todavia, não obsta a que a parte contrária procure demonstrar a invalidade parcial dos lançamentos nos livros comerciais. Poderá o juiz ordenar, a requerimento da parte interessada, a exibição dos livros comerciais e dos documentos arquivados, nas hipóteses do art. 420, I a III, do CPC/2015, vale dizer: (i) na liquidação de sociedade; (ii) na sucessão
por morte de sócio409; e (iii) nas hipóteses legalmente previstas (ver exemplos de falências e recuperações judiciais). De outra parte, a exibição parcial dos livros do comerciante pode ser determinada ex officio pelo juiz para que deles se extraia a suma que possa interessar ao juízo, bem como reproduções autenticadas (art. 421). Lembramos, porém, como regra geral, nas hipóteses em que a lei não é expressa, que a atividade oficiosa do juiz, com respeito à produção de provas, de que trata o art. 370 (e, no caso específico de exibição de livros, o art. 421), deve ser interpretada em consonância com a regra do ônus da prova, de modo que o agir ex officio (independentemente de provocação das partes) do juiz só é admissível, em princípio, se estiverem em pauta interesses indisponíveis, ou quando o juiz, diante do quadro probatório, se sinta incapaz de decidir. 13. Reprodução mecânica Qualquer reprodução
mecânica (fotográfica,
cinematográfica,
por
exemplo) faz prova dos fatos ou coisas representadas, se aquele contra a qual foi produzida admitir-lhe a autenticidade (expressa ou tacitamente, o que equivale à falta de impugnação, no prazo e nos termos a que alude o inciso III do art. 411). Sendo impugnada, ordenará o juiz exame pericial (art. 422). De seu turno, as reproduções fotográficas (fotocópias) de documentos particulares (ou aquelas obtidas por outros processos) têm o mesmo valor probatório que o documento original (“valem como certidões”, preceitua o art. 423), desde que o escrivão porte por fé sua conformidade com o original410 (autenticação da fotocópia). As reproduções ou fotocópias obtidas por outros meios e não autenticadas constituem documentos comuns, com eficácia probatória equivalente ao
original, caso não impugnadas411 (aplicando-se, por extensão, o art. 411, III). Se impugnadas, dever-se-á proceder à conferência na forma dos § 2º do art. 422412. 14. Arguição de falsidade documental Cabe, neste passo, estudar como se processa a ação incidental de arguição de falsidade documental, disciplinada pelo art. 430 e ss. do CPC/2015. Poderá, a ação incidental de arguição de falsidade, ser levantada em qualquer tempo e grau de jurisdição. Cabe à parte contra quem foi produzido o documento suscitar a ação incidental de falsidade na contestação (se anexado o documento à inicial), na réplica (se anexado na contestação) ou dentro do prazo de 15 dias contados da intimação da juntada do documento413 aos autos (art. 430), se se tratar de documento que não tenha sido juntado com a inicial, ou com a contestação (hipóteses do art. 435, que trata da juntada de documento novo)414. Portanto, o fato de a ação incidental de arguição de falsidade poder ser suscitada em qualquer tempo e grau de jurisdição não autoriza seja superado o prazo de 15 dias da juntada do documento415, dado ser esse prazo preclusivo416-417. Ademais disso, se a parte teve por verdadeiro e bom o documento, não mais poderá argui-lo de falso. Há, tendo-se como base esta manifestação e ulterior pretensa arguição de falsidade, preclusão lógica418. Já João Batista Lopes prelecionava, à luz do CPC/73: “Decorrido esse prazo, nem por isso estará, porém, a parte impedida de impugnar um documento, mas a decisão que for proferida será apenas incidenter tantum, isto é, sem força de coisa julgada”419. Aplicando-se este entendimento ao CPC/2015, uma vez vencido o prazo, não poderá a parte invocar o disposto
no art. 430, parágrafo único, a fim de requerer que a questão seja decidida como principal. A circunstância de ter havido preclusão (em face de omissão do comportamento previsto nos arts. 430 a 433), além do que acaba de se dizer, não impede a propositura da ação a que se refere o art. 19, II, texto expresso quanto à admissibilidade autônoma dessa ação420. Julgamos que essa ação, a que se refere o art. 19, II, circunscreve-se à falsidade material, e o que abaixo se diz para o âmbito dos arts. 430 a 433 aplica-se ao art.19, II421-422. A arguição de falsidade terá, em regra, caráter incidental, salvo se a parte requerer que o juiz a decida como questão principal (art. 430, parágrafo único). Para tanto, parte requerente deverá formular petição dirigida ao juiz da causa, expondo os motivos pelos quais o entende falso, e os meios com que pretende provar o alegado (art. 431). Levantada a arguição de falsidade incidental, a outra parte, que tiver produzido o documento inquinado de falso, deverá respondê-la em 15 dias (art. 432, caput), determinando em seguida o juiz a produção de prova pericial. Para alguns autores, como Arruda Alvim, a arguição de falsidade diz exclusivamente com vício de caráter material. Por isso mesmo, tem-se descartado, por exemplo, arguição de falsidade ideológica tendo em vista laudo pericial. Na esteira desses argumentos, tem-se descartado arguição de falsidade ideológica423. Determinada a produção de prova pericial, proceder-se-á na forma do art. 478, de que já se tratou no capítulo destinado a essa modalidade probatória (vale dizer, o perito, se possível, será escolhido em estabelecimento oficial especializado). Não haverá necessidade de instrução, se a parte que tiver produzido o
documento inquinado de falso concordar em retirá-lo, a isso não se opondo a parte contrária (art. 432, parágrafo único). Mesmo que não haja acordo com relação ao desentranhamento do documento, não existirá a necessidade de produção de prova pericial porque se aquele que produziu o documento concordar em retirá-lo, ele não será mais aceito como prova e não constará mais no processo424. Do exposto no art. 430, parágrafo único, que rege especificamente o tema, extrai-se que, quando não houver pedido expresso da parte, a decisão da arguição de falsidade não fará coisa julgada, mesmo que preencha os requisitos do art. 503, § 1º. Essa também é a opinião de Arruda Alvim, para quem, aliás, a falsidade de documento sequer se configura, como regra, questão prejudicial425. Logo, a caracterização da arguição de falsidade como incidente ou como ação principal (com a correlata formação de coisa julgada sobre a decisão de mérito, neste último caso) dependerá da opção do requerente. Seja proferida em decisão interlocutória – se se tratar de pedido incidental – ou sentença, a resolução da arguição de falsidade será passível de recurso de apelação (art. 1.009, caput e § 1º, do CPC/2015). Todavia, quando a falsidade, resolvida por decisão interlocutória, tiver conotação de questão principal (o que, como visto, decorrerá do pedido da parte – art. 430, parágrafo único), será cabível o agravo de instrumento, por força dos arts. 356, § 5º e 1.015, II. 14.1 Vantagens da ação incidental de falsidade Como dito, a arguição de falsidade ser tratada de forma principal, quando assim for requerido pela parte (art. 430, parágrafo único), enseja que sobre a
decisão que declare a falsidade ou a autenticidade do documento recaia a autoridade de coisa julgada material. É o que estatui o art. 433 do CPC/2015: “A declaração sobre a falsidade do documento, quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença e sobre ela incidirá também a autoridade da coisa julgada”. Pela regra geral do art. 429, I, quando se arguir a falsidade do documento, o ônus de demonstrar essa falsidade cabe àquele que a arguiu. Desde que levantada, expressamente, a ação incidental de arguição de falsidade, na forma do art. 430, parágrafo único, sobre a decisão que vier a ser proferida recairá a autoridade de coisa julgada material426. 14.2 Em que espécie de falsidade cabe a arguição de falsidade do art. 430 e ss. Conforme foi exposto, há dois tipos de falsidade: a ideológica e a material. No primeiro caso, o documento, conquanto materialmente verdadeiro, apresenta um conteúdo falso; no último, o documento é materialmente falso. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, comentando o art. 430 do CPC/2015, concluem que o incidente de falsidade não pode ser instaurado para apurar a falsidade ideológica, mas, tão somente, quando estiver em pauta direito “relativo a vício do documento, não a vício do consentimento ou social”. Por exemplo, se nele forem originariamente introduzidas afirmações que não foram feitas pelas partes, dizem esses autores, escorados nos ensinamentos de Frederico Marques, estar-se-á diante de falsidade ideológica, e “o falso ideológico, como já se disse, não autoriza a instauração do incidente”427. Oportunas, também, as considerações de João Batista Lopes, ao tratar do assunto: “Questiona-se se a falsidade ideológica (discussão sobre o conteúdo,
a ideia do documento) pode ser objeto de tal ação. A resposta é negativa, uma vez que a falsidade ideológica só pode ser objeto de ação constitutiva negativa (ação anulatória) e não de ação declaratória”428. Na vigência do CPC/73 o STJ havia amenizado o rigor desse entendimento afirmando que: “I – A jurisprudência da egrégia 2ª Seção tem admitido o incidente de falsidade ideológica, quando o documento tiver caráter declaratório e o seu reconhecimento não implicar desconstituição de situação jurídica (...)”429-430. É plenamente possível que tal raciocínio venha a se aplicar ao CPC/2015, tendo em vista que não houve restrição legal expressa às hipóteses de cabimento da arguição de falsidade. 15. Exibição de documentos Estatui o art. 396 que o juiz pode determinar à parte que exiba documento ou coisa que esteja em seu poder (o que, em certa medida, consubstancia exceção à regra de que a cada qual compete provar suas alegações). Deve-se lembrar, contudo, que as regras de distribuição do ônus da prova não estatuem uma divisão de tarefas entre as partes, no sentido de impor a apenas uma a comprovação de determinado um fato e impedir a parte adversa de prová-lo. Trata-se, ao revés, de regras que distribuem os riscos de insuficiência probatória, de sorte a sancionar a parte a quem incumbia o ônus de provar determinado fato. Na exibição, o que pode vir a ocorrer é que a parte que pretenda demonstrar determinado fato não tenha acesso ao documento ou coisa, tendo a contraparte ou o terceiro, por alguma razão, o dever (legal ou contratual de exibi-lo). O disposto neste artigo é também reflexo do estatuído no art. 379, III, que
prescreve ser dever da parte praticar o ato que lhe seja determinado. Tenha-se presente, ademais, a regra do art. 378, segundo a qual ninguém se exime de colaborar com o Judiciário para o descobrimento da verdade. Veja-se, todavia, que o dever de colaboração encontra limites no próprio princípio da legalidade, não sendo lícito impor às partes ou a terceiros a exibição desnecessária ou injustificada de documentos sob pretextos vagos ou indefinidos, sob pena, até mesmo, de se devassar a privacidade alheia. Por isso é que, de um modo geral, os documentos e coisas a serem exibidos devem ser comuns ao requerente e requerido, e este último deve possuir o dever jurídico de apresentá-los431. Por tal razão, entende o STJ que a exibição de documentos não é um instrumento processual que possa ser utilizado de forma indiscriminada pelo requerente, mas há que se revelar necessária432, como se vê do seguinte julgado do STJ: “Tendo a ação cautelar incidental o objetivo de instruir o processo principal de prestação de contas, os documentos cuja exibição se pretende deverão ser apresentados nos autos daquele processo. Falta à autora da cautelar, no caso, interesse de agir, requisito processual imprescindível à sua propositura”433-434-435. 15.1 Requisitos da exibição de documento ou coisa (contra a parte e contra terceiros) O pedido de exibição do documento ou coisa deverá conter: (1) a individuação, a mais completa possível, do documento ou coisa; (2) a finalidade da prova, indicando os fatos relacionados ao documento ou coisa; e (3) as razões que justificam a assertiva de que o documento ou coisa exista e esteja em poder da parte contrária (art. 356, I a III). Do exposto no item (3) acima, infere-se claramente ser ônus daquele que
requer a exibição de documento ou coisa demonstrar que o seu pedido tem fundamento e consistência, sendo-lhe vedado formular pedido que diga respeito a objeto indeterminado, senão que o mesmo deve dizer, sempre, respeito a objeto certo. Nessas circunstâncias, sendo corretamente formulado o pedido de exibição de documentos, o seu indeferimento sumário constitui cerceamento de defesa436. O requerido será intimado para responder ao pedido no prazo de cinco dias, dentro dos quais poderá alegar que não possui o documento ou coisa (art. 398). Já se a exibição tiver sido ajuizada contra terceiro, será este citado, para que responda ao pedido em 15 dias (art. 401). O requerido poderá, ademais, demonstrar a irrelevância do documento ou coisa para os fins colimados pelo requerente, bem como poderá levantar qualquer das excludentes do dever de exibir, constantes do art. 404, I a VI. Negando, o requerido, possuir o documento ou coisa, o juiz ensejará ao requerente que demonstre que ele o possui, por todo meio de prova em direito admitido (art. 369). É o que estatui o art. 398. É bom que se frise, desde logo, uma importante diferença, relativamente à exibitória contra a parte e contra terceiro437. Aquela (a parte) tem o ônus de exibir o documento ou coisa, pelo que, não o fazendo, poderão lhe advir as consequências (de índole processual) negativas cominadas pelo art. 400. Já o terceiro tem o dever de exibir o documento ou coisa, sendo que, em não o fazendo, será expedido mandado de apreensão, nos termos da parte final do art. 403438, sem prejuízo da sanção penal correspondente (em princípio, crime de desobediência: art. 330 do CP)439-440. Os arts. 400, parágrafo único, e 403, parágrafo único, trazem inovações significativas no tocante às consequências do descumprimento da
determinação de exibir documento ou coisa. A partir de tais dispositivos, tanto a parte quanto o terceiro estão sujeitos à imposição de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para o fim de serem compelidos a cumprir tal determinação judicial. A possibilidade destas medidas vai de encontro ao entendimento já sumulado pelo STJ, cujo enunciado 372 estabelecia: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória”. Malgrado a referida Súmula 372 do STJ fizesse menção à “ação de exibição de documentos”, esse entendimento jurisprudencial era aplicável, na vigência do CPC/73, também às medidas de exibição incidentais441, ressalvadas as situações excepcionais, em que as demais sanções se revelassem ineficazes442. No entanto, no que concerne à exibição requerida contra a parte adversa, a sanção consistente na presunção de veracidade dos fatos alegados pelo recorrente afigura-se, na maior parte dos casos, mais adequada. É, outrossim, a que mais condiz com a condição de ônus da exibição pela parte. Por tal razão, parece correto o entendimento de que somente nos casos de direitos indisponíveis, ou quando configurada a inviabilidade ou ineficácia da citada presunção, é que deverá ser aplicado o parágrafo único do art. 400443. Ou seja: no que concerne à parte, as medidas coercitivas, indutivas ou subrogatórias são subsidiárias em relação à citada presunção. O juiz não admitirá a recusa da parte em exibir o documento se: (1) o requerido tiver dever legal de exibir (por exemplo, dever de exibir os livros de escrituração comercial, a teor dos arts. 420 e 421); (2) o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de fazer prova (em atenção ao princípio da comunhão da prova); e (3) o documento, por seu
conteúdo, for comum às partes444-445. É o que dispõem os incisos I a III do art. 399. Feito o pedido de exibição à parte, o juiz dará por verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar por intermédio do documento ou coisa: (1) se não for efetuada a exibição, nem alegar nada no prazo do art. 398, ou, ainda, (2) se for tida por ilegítima a recusa, após a dilação probatória prevista na parte final do art. 398 (art. 400, I e II,). Essa presunção de veracidade, assim como aquelas defluentes dos arts. 341 e 344, é relativa, devendo ser analisada no contexto do quadro probatório que tenha sido produzido (art. 371)446-447. Se exibido o documento ou a coisa, o objeto da exibição se terá exaurido. Do contrário, proferirá o juiz decisão, na qual, em princípio, levará em consideração a presunção acima mencionada se ocorrentes seus pressupostos. Nesse sentido, colhe-se julgado do TJRS na vigência do CPC/73, assim ementado: “A exegese do art. 359, I, do CPC não pode ser de imbatível presunção de verdade, pois que todas regras de prova legal, valor legal, devem harmonizar-se com a de convencimento racional, onde não se admitem meramente os fatos, mas precisam ser possíveis logicamente, verossímeis naturalmente, críveis pela experiência comum”448. 15.2 Exibitória incidente e preparatória O CPC/73 previa a possibilidade de propositura da ação exibitória incidental quando se tinha por objetivo a prova de um fato, numa lide pendente. Poderia ser também preparatória, se visava à prova de fato com vistas à instrução de ação principal a ser proposta. A expressão “preparatória” deve ser entendida com ressalvas, pois a ação principal não necessariamente será proposta, na medida em que a exibitória pode satisfazer aquele que a
requeira, que vem a concluir pela desnecessidade ou mesmo inconveniência de ação, após examinar o conteúdo do documento exibido449-450. Se preparatória, a exibitória seguia o disposto nos arts. 844 e 845 do CPC/73, sendo que este último mandava aplicar à exibitória preparatória, no que couberem, os requisitos dos arts. 355-363 do CPC/73, equivalentes aos arts. 396 a 404 do CPC/2015, ora sob comento. No sistema atual, a ação cautelar deve ser proposta na forma prevista no capítulo das tutelas provisórias. 15.3 Exibição contra terceiro Já o procedimento da exibição de documento ou coisa que esteja em poder de terceiro processa-se em apartado, e vem disciplinado pelos art. 401 e ss. O disposto nesse art. 401 é reflexo do estatuído no art. 380, II, que prescreve ser dever do terceiro, em relação a qualquer pleito, exibir documento ou coisa que esteja em seu poder. Entenda-se “terceiro” como sendo aquele que não é parte (nem secundária, nem principal). É, pois, aquele que não afirma em juízo direito seu (autor, réu, opoente, assistente litisconsorcial), nem alheio (v.g., assistente simples). Exemplo de exibitória contra terceiro é aquela ajuizada contra sociedade para exibição de seus livros visando à apuração da retirada de sócio contra o qual se propõe ação de alimentos451-452. O terceiro será constrangido à exibição se possuir documento ou coisa em comum com uma das partes. A exibição contra terceiro constitui verdadeira ação, que deverá correr em autos apartados contra o terceiro em cujo poder se afirme estar o documento ou coisa453. Corolário dessa assertiva é o cabimento de recurso de apelação contra a sentença que defere a exibição de documento suscitada contra terceiros (art. 402, parte final), de modo que, proferida a decisão e interposto
recurso, os autos apartados subirão ao tribunal, sem prejuízo do curso de ação principal454. O terceiro será citado para responder à ação exibitória no prazo de 15 dias (art. 401). A inicial deverá conter os mesmos requisitos do art. 397 (exibitória contra parte – individuação do documento ou coisa, finalidade da exibição e razões para acreditar que esteja com terceiro), como, ainda, deverá ser exposto ao terceiro o objeto da lide pendente. Negando o dever de exibir o documento ou coisa, ou a sua posse, o juiz designará audiência, tomando o depoimento desse terceiro, das partes e, se necessário, de testemunhas. Se o terceiro exibir a coisa ou o documento, atingida estará a finalidade da exibitória e condenado será o requerido nas despesas processuais. Negandose fundamentadamente a fazê-lo, o juiz proferirá sentença, após audiência. Sendo condenado o requerido após audiência, ou porque se negou ou não respondeu (art. 403), o juiz mandará fazer o depósito da coisa ou documento em cartório no prazo de cinco dias e reembolsar o requerente das despesas com o depósito, sob pena de expedição de mandado de apreensão, com força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão (art. 403, parágrafo único)455. 15.4 Escusa de exibir documento ou coisa (aplicável tanto à parte como a terceiros) A parte ou o terceiro podem se escusar de exibir o documento ou coisa se: (1) concernente a negócios da própria vida da família; (2) sua apresentação
puder violar dever de honra; (3) a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal; (4) a exibição implicar violação a sigilo profissional ou de estado; ou, ainda, (5) em havendo outros motivos graves que justifiquem, segundo o juiz, a recusa da exibição (art. 404, I a V)456. São hipóteses análogas àquelas do art. 448, que afastam o dever de testemunhar.
XXXIII JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
1. Considerações preliminares e características da Lei n. 9.099/95 O Juizado Especial tem características que o distinguem do procedimento comum e dos procedimentos especiais, previstos no Código de Processo Civil. O que se quer dizer, acentue-se desde já, é que o procedimento da Lei n. 9.099/95 deve ser havido, efetivamente, como um procedimento sumaríssimo. São os seguintes os aspectos que particularizam este procedimento da Lei n. 9.099/95: a) o juiz deve dirigir o processo “com liberdade”, para determinar as provas a serem produzidas, devendo emprestar atenção particular “às regras de experiência comum ou técnica” (art. 5º da Lei n. 9.099/95). Portanto, se há controvérsia em torno da interpretação do art. 370 do CPC/2015, no que concerne à liberdade de o juiz determinar ex officio a produção de determinadas provas, conforme melhor tratamos no capítulo destinado à teoria geral das provas, no âmbito dos Juizados Especiais não há espaço para tal discussão, já que é inequivocamente ampla a possibilidade de o juiz determinar oficiosamente a produção de provas. Destarte, dentro do livre
convencimento motivado – art. 93, IX, da CF/88 e art. 371 do CPC/2015 – o juiz tem ampla liberdade para determinar a produção das provas que reputar pertinentes ao caso457; b) a diferença profunda existente entre o processo tradicional e o previsto na Lei n. 9.099/95 é a de que, no tradicional, observa-se o princípio da estrita legalidade, devendo o juiz, ao decidir, sempre aplicar a lei ou, à falta desta, seguir os meios através dos quais o sistema jurídico se revela pleno, ou seja, à falta de norma especificamente aplicável, há de observar o disposto no art. 140 do CPC/2015 (o que deste texto consta coincide com o que está no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro); já neste procedimento o juiz haverá de adotar “em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum” (art. 6º da Lei n. 9.099/95); é certo que este texto liga-se (ou, tendencialmente, terá pretendido o legislador conectá-lo) ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro458-459. A regra do art. 6º460 da Lei n. 9.099/95 não libera o juiz da legalidade, senão que admite um critério mais flexível, pois alude a equidade461. O Prof. Joel Dias Figueira Jr., analisando o referido artigo, nega que o juiz possa desconhecer a norma jurídica e se utilizar de critério pessoal462, opinião que nos servimos de acompanhar; c) o pedido poderá ser oral (art. 14 da Lei n. 9.099/95), devendo ser reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado (art. 14, § 3º, da Lei n. 9.099/95); d) apenas os atos que sejam “considerados essenciais” serão registrados, e mesmo estes só “serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas” (art. 13, § 3º463, primeira
parte, da Lei n. 9.099/95); e) os demais atos – não considerados essenciais – poderão ser gravados, por meio magnético ou equivalente, com a possibilidade de inutilização do meio pelo qual se gravou, depois do trânsito em julgado; f) os atos poderão realizar-se em período noturno, se admissível pelas normas de organização judiciária (art. 12 da Lei n. 9.099/95)464; g) admite-se a não pessoalidade na citação de pessoa jurídica ou firma individual, dado que a citação será feita “mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado” (art. 18, II, da Lei n. 9.099/95 – atenua-se, com esse dispositivo, de forma acentuada a regra da pessoalidade da citação própria do procedimento comum); h) o sistema de revelia, pelo não comparecimento do demandado, é similar ao do procedimento comum (art. 18, § 1º, c/c o art. 20 da Lei n. 9.099/95), sendo que a redação do art. 20 da Lei n. 9.099/95, fornece elemento útil ao entendimento do sentido e função da revelia no processo comum, já que se reafirma que a presunção de veracidade dos fatos decorrente da revelia não é absoluta, senão que deve ser avaliada dentro do quadro probatório, tendo em vista a convicção do juiz; i) a conciliação poderá ser conduzida por juiz togado ou leigo (art. 22 da Lei n. 9.099/95), sendo que a primeira etapa relevante do procedimento desemboca na conciliação (art. 21 da Lei n. 9.099/95); j) o juiz deverá, nessa primeira sessão, enfatizar as vantagens da conciliação, mas deverá também mostrar às partes “os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º” (art. 21 da Lei n. 9.099/95); k) ainda, concatenada com essa questão – só agora abordada, porque se
desejava,
inicialmente,
indicar
as
principais
características
desse
procedimento – há de se colocar e responder a uma outra questão: é a respeitante à escolha deste procedimento como sendo optativa. A competência atribuída aos Juizados Especiais no âmbito desta Lei n. 9.099/95, tendo em vista a regra do art. 3º, I e II465, da Lei n. 9.099/95, superpõe-se à do procedimento comum. A resposta é a de que a escolha, nesses casos, é de livre opção por parte do autor466. Aliás, outra não poderia ser a conclusão ante o que dispõe o art. 3º, § 3º, da Lei n. 9.099/95. Deveras, se existe uma dualidade de caminhos possíveis – procedimento comum e da Lei n. 9.099/95 – daí decorre a possibilidade de opção, consagrada no art. 3º, § 3º, da Lei n. 9.099/95467-468. 2. Causas que podem ser ajuizadas perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais As causas elencadas no art. 3º da Lei n. 9.099/95 são da competência dos Juizados Especiais Cíveis. Entre elas encartam-se aquelas do inciso II do art. 275 do CPC/73 – que previa as hipóteses de cabimento do procedimento sumário, extinto no Código de Processo Civil de 2015 –, que, portanto, tanto podem ser ajuizadas perante a Justiça Comum, pelo procedimento comum previsto no art. 319 do CPC/2015, como perante os Juizados Especiais Cíveis, pelo rito que lhes é próprio. Observe-se que as hipóteses dos incs. II e III do art. 3º foram definidas em razão da matéria, de modo que, nesses casos, para determinada corrente, que encampamos, a competência dos Juizados independe do valor469. Há, todavia, quem diga que, mesmo nas hipóteses em que a competência dos Juizados se define pela matéria, o valor é um norte intransponível, diante do que dispõe não apenas o § 3º do art. 3º, mas também o art. 39 da Lei n. 9.099/95470.
Parece que os dois critérios – valor e matéria – devem ser utilizados apenas no caso do inciso IV do art. 3º da Lei n. 9.099/95, ante a clareza do texto legal. No caso dos incisos II e III, inexiste o teto de valor. Em última análise, a regra do art. 3º, IV, da Lei n. 9.099/95 é inócua. Se a causa não se encartar no § 2º do art. 3º da Lei n. 9.099/95, então pelo inciso I do art. 3º não há dúvida que ela poderá ser ajuizada no Juizado Especial471. A preocupação do legislador, porém, ao dispor que as ações possessórias envolvendo bens imóveis de valor não superior ao estabelecido no inciso I do art. 3º da Lei n. 9.099/95 podem ser ajuizadas perante o Juizado Especial Cível, certamente radicou-se na conveniência de eliminar qualquer possível discussão acerca da compatibilidade desse tipo de ação com o rito próprio dos Juizados Especiais. Já se firmou entendimento, todavia, no sentido da incompatibilidade entre as ações possessórias e os Juizados Especiais472. Temos para nós, ante a clareza do texto legal, que, no caso de possessórias sobre bens imóveis de até 40 salários mínimos, o autor poderá ajuizar a ação perante o Juizado Especial. Mas, se o fizer, a ação deverá tramitar segundo o rito próprio do Juizado, ainda que eventualmente possa caber antecipação de tutela, se estiverem presentes os requisitos do CPC/2015, art. 294, parágrafo único, arts. 300 ou 311473. Já no caso do inciso I do art. 3º da Lei n. 9.099/95, independentemente da matéria que esteja sendo discutida, o que conta é o valor para definir a competência dos Juizados474. Seja como for, havendo multa cominatória, esta não tem como teto o valor da causa, não interferindo na competência dos Juizados Especiais. A propósito, tenha-se presente o art. 500 do CPC/2015, que é claro ao dispor que a multa não afasta a indenização por perdas e danos decorrente do
descumprimento da obrigação de fazer/não fazer. Quer esse dispositivo significar que restou inequivocamente superado o entendimento de que a multa teria como teto o valor da obrigação principal. Conclui-se daí que, se tramitar no Juizado Especial ação versando o cumprimento de obrigação de fazer/não fazer, ou entrega de coisa, e vier a ser imposta multa ao réu (o que pode ser feito tanto liminarmente como na sentença, segundo o que se extrai do art. 537 do CPC/2015), essa multa poderá ultrapassar o teto de 40 salários do inciso I do art. 3º da Lei n. 9.099/95 (mesmo que a ação tramite no Juizado Especial tendo em vista o valor da causa)475-476. Oportuno consignar, ademais, que, a teor do § 2º do art. 3º da Lei n. 9.099/95, o Juizado Especial não é competente para julgar as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal477, e também as relativas a acidentes de trabalho478 (registre-se, por oportuno, que, após a EC 45/2004, firmou-se no STF o entendimento – que temos por correto – de que a competência para julgar ações de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho é da Justiça do Trabalho)479, a resíduos (causas relativas a testamentos, por exemplo) e ao estado e capacidade das pessoas (causas relativas a casamentos, tutela, curatela etc.), ainda que de cunho patrimonial. Calha mencionar, ainda, que o § 2º do art. 3º da Lei n. 9.099/95 trata também da falta de competência dos Juizados Especiais para apreciar as causas de interesse da Fazenda Pública. Todavia, a Lei n. 12.153/2009 veio a instituir os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Referido diploma legal tem redação bastante semelhante à Lei n. 10.259/2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Segundo o art. 2º, caput, da redação final da Lei n. 12.153/2009, compete aos Juizados
Especiais da Fazenda Pública “processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”, sendo que não se incluem na competência de referidos Juizados “as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos” (art. 2º, § 1º, I, da Lei n. 12.153/2009); “as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas” (art. 2º, § 1º, II, da Lei n. 12.153/2009); “as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares” (art. 2º, § 1º, III, da Lei n. 12.153/2009). Nas hipóteses de falta de competência dos juizados do § 2º do art. 3º da Lei n. 9.099/95, ainda que o valor da causa se enquadre na competência do Juizado Especial (não exceda a 40 vezes o salário mínimo vigente), não compete aos Juizados apreciá-las, tendo em vista a clara proibição estampada no § 2º do art. 3º da Lei n. 9.099/95. Além disso, caso o autor opte pelo procedimento dos Juizados Especiais, fora das hipóteses dos incisos II e III do art. 3º da Lei n. 9.099/95, tal escolha importará em automática renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido para os Juizados Especiais, qual seja 40 vezes o salário mínimo vigente, excetuada a hipótese de conciliação (art. 3º, § 3º, da Lei n. 9.099/95). Assim, se o autor optar pelo procedimento dos Juizados Especiais e formular pedido cujo valor seja superior a 40 vezes o salário mínimo, terá renunciado ao que exceder a este valor, e, em face disso, não deverá o juiz declarar a incompetência do Juizado480. Explica Jorge Alberto Quadros de Carvalho
Silva: “Se o juiz receber um pedido inicial com valor de causa bem superior ao limite do Juizado Especial, não poderá extinguir o processo, sem o julgamento [resolução] do mérito, com fundamento no fato de ser inadmissível o procedimento instituído pela Lei n. 9.099/95. Deverá dar andamento ao feito, considerando renunciado o crédito que porventura exceda os quarenta salários mínimos”481. Por outro lado, na hipótese do inciso IV do art. 3º da Lei n. 9.099/95, se o valor exceder o teto de 40 salários mínimos, será caso de decretação de incompetência, já que nesta hipótese em específico não há como falar em renúncia a valor. Tal limite não se aplica, como dito, se houver multa cominatória, cujo valor pode exceder o limite de 40 salários mínimos482. Neste passo, não é demais repetir que, nos casos dos incisos II e III, segundo pensamos, a competência é definida em razão da matéria, não sendo tais causas submetidas ao limite estabelecido no inciso I do art. 3º483. Porém, há quem defenda, como já enfatizamos, que, mesmo nas hipóteses em que a competência dos Juizados se define pela matéria, deve ser observado o valor de 40 salários mínimos. Os Juizados Especiais Cíveis vêm previstos no art. 98, I, da CF/88484. Os critérios de competência vêm definidos no art. 4º da Lei n. 9.099/95, nos seguintes termos: “Art. 4º É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro: I – do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório; II – do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita; III – do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, poderá a ação ser proposta no foro previsto no inciso I
deste artigo”. Trata-se de competência territorial, sendo que em qualquer hipótese, como se infere do inciso I, será possível ao autor mover a ação no foro do domicílio do réu, o que é a regra geral (art. 4º, I, da Lei n. 9.099/95). 3. O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais O procedimento dos Juizados Especiais Cíveis é informado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, ainda, sempre que possível, a conciliação ou a transação (art. 2º da Lei n. 9.099/95)485. Conquanto seja regulado pela Lei n. 9.099/95, subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil, que é a “lei ordinária, geral, do direito processual civil no Brasil”486. Por isso, aliás, temse entendido serem cabíveis as tutelas cautelar e antecipatória nos Juizados Especiais (Enunciado 26 do Fórum Permanente de Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, XVI Encontro Nacional – RJ: “São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis, em caráter excepcional”487. Ponto importante a ser repisado é o de que o juiz, nos Juizados Especiais Cíveis, não está adstrito aos rígidos critérios de legalidade estrita, posto que o art. 6º da Lei n. 9.099/95 lhe permite julgar de acordo com a justiça e a equidade, tendo em vista os fins sociais da lei e as exigências do bem comum, ainda que, com Joel Dias Figueira Jr., citado anteriormente, deva-se entender que esse dispositivo não autoriza, em absoluto, que o juiz desconheça a norma jurídica, substituindo-a por seu critério pessoal488. A teor do art. 7º da Lei dos Juizados Especiais, o juiz togado poderá contar com o auxílio dos conciliadores e dos denominados juízes leigos, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em direito489, e os segundos,
entre advogados com mais de cinco anos de experiência, sendo que ditos juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções. As figuras dos conciliadores e dos juízes leigos têm por escopo favorecer um dos objetivos precípuos dos Juizados Especiais, qual seja o de viabilizar a celeridade processual, por meio da composição entre as partes, imprimindo maior rapidez na solução das demandas. Cumpre-nos salientar que a própria Lei n. 9.099/95 disciplina as atribuições conferidas aos juízes leigos. Compete a eles: conduzir ou orientar o conciliador a conduzir a sessão de audiência de conciliação (arts. 21 e 22 da Lei n. 9.099/95) e dirigir a audiência de instrução e julgamento, proferindo sua decisão (art. 40 da Lei n. 9.099/95). Note-se que os Juizados Especiais serão presididos sempre por um juiz togado. Desse modo, ainda que a Lei n. 9.099/95 traga a possibilidade de o juiz leigo (que tiver dirigido a instrução) proferir a decisão, esta deverá ser submetida ao juiz togado (art. 40 da Lei n. 9.099/95) para que a homologue ou não (a atividade jurisdicional é, afinal, indeclinável). O art. 8º da Lei dos Juizados Especiais enumera taxativamente as pessoas que não poderão ser partes no procedimento previsto por ela. São elas o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. Ademais disso, antes do advento da Lei n. 12.126/2009, somente as pessoas físicas capazes eram admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas (art. 8º, § 1º, da Lei n. 9.099/95, com redação antes do advento da Lei n. 12.126/2009). Com a entrada em vigor da Lei n. 12.126/2009, além das pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de
direito de pessoas jurídicas (art. 8º, § 1º, I, da Lei n. 9.099/95), também poderão ajuizar ação perante o Juizado Especial, as microempresas, assim definidas pela Lei n. 9.841/99 (art. 8º, § 1º, II, da Lei n. 9.099/95), as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), nos termos da Lei n. 9.790/99 (art. 8º, § 1º, III, da Lei n. 9.099/95), bem como as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1º, da Lei n. 10.194/2001 (art. 8º, §m1º, IV, da Lei n. 9.099/95). Tenha-se presente que, mesmo antes do advento da Lei n. 12.126/2009, após o advento da Lei n. 9.841, de 05.10.1999, as microempresas já eram admitidas como autoras nos Juizados Especiais Cíveis, sendo equiparadas às pessoas físicas capazes (art. 38 da Lei n. 9.841/99)490. Registre-se, ainda, que a Lei dos Juizados Especiais Federais, em seu art. 6º, permite que figurem no polo ativo, além das pessoas físicas, as microempresas e as empresas de pequeno porte. Quanto aos legitimados para figurarem no polo passivo, elenca a União, as autarquias, as fundações e as empresas públicas federais. Trataremos com mais detença do assunto no tópico destinado aos Juizados Especiais Federais491. Outrossim, o maior de 18 anos já podia ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação (art. 8º, § 2º, da Lei n. 9.099/95), antes do advento do Código Civil de 2002. Já que, à luz desse diploma legal, o maior de 18 anos é plenamente capaz (art. 5º, caput, do CC/02), conclui-se que dito § 2º do art. 8º da Lei n. 9.099/95 ficou sem utilidade alguma. O que justifica a exclusão dessas pessoas enumeradas no art. 8º da Lei n. 9.099/95 é a incompatibilidade entre a sua atuação e a celeridade processual colimada pelo procedimento dos Juizados Especiais. O procedimento
estabelecido pelos Juizados Especiais é norteado pela informalidade e simplicidade, o que não se coaduna com certas formalidades necessárias quando as pessoas elencadas no referido artigo, figuram como partes no processo. Já fizemos alusão ao fato de que os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária (art. 12 da Lei n. 9.099/95). Em comentários a este dispositivo, elucida Antônio Raphael Silva Salvador que “não obedece obrigatoriamente ao processo em andamento nos Juizados ao horário admitido pelo CPC, havendo possibilidade de seu funcionamento em horário noturno, sempre ficando a cargo da Lei de Organização Judiciária local essa fixação, podendo o horário ser diferente em comarcas do Estado. Isso dizemos porque em muitas pequenas comarcas já se viu ser prejudicial ao povo o horário noturno, pois os moradores de alguns municípios pequenos que integram a comarca ou mesmo alguns bairros mais distantes precisam tomar o ônibus de volta para suas casas, geralmente no final da tarde. São casos peculiares, que precisam ser analisados particularmente, sempre considerando que, quanto menor o município e mais distante e pobre o bairro, mais os seus moradores irão precisar dos Juizados. Não estabeleceu ainda a lei o limite de horas de funcionamento de nossos Juizados, ficando também a cargo das leis locais de organização judiciária essa fixação, que até mesmo poderá ser em horário diurno e noturno, no mesmo dia”492. No Estado de São Paulo, a Lei Complementar n. 851/98, no parágrafo único do seu art. 3º, dispõe: “Por proposta do Conselho Supervisor, os Juizados poderão funcionar diariamente, inclusive no período de férias forenses, realizando-se os atos processuais até às 21 horas, com a ressalva
dos já iniciados”493. Diante do disposto na referida, Antônio Raphael Silva Salvador arremata: “Portanto, poderão os Juizados funcionar durante o dia, no horário do expediente forense, como também no período noturno, até às 21 horas, mas há atos, que mesmo ultrapassando o horário, prosseguem, se forem atos processuais já iniciados antes desse mesmo horário”494. O caput do art. 13 da Lei n. 9.099/95 reafirma o caráter instrumental das normas de processo, mais evidente ainda nos Juizados Especiais, dispondo que os atos processuais reputar-se-ão válidos desde que preencham as finalidades para as quais foram realizados, contanto que atendidos os princípios disciplinados pelo art. 2º da mesma lei. Afinal, conforme as lições de Joel Dias Figueira Jr., os Juizados Especiais “foram criados com o espírito voltado à facilitação e ampliação do espectro do acesso à Justiça, conjugado com o trinômio rapidez, segurança e efetivação do processo e em sintonia com os princípios insculpidos no art. 2º desta Lei e todos os demais que servem para a sua geral orientação”495. O § 1º do art. 13 da Lei n. 9.099/95 remete-nos ao princípio segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, ou seja, a nulidade só será pronunciada caso haja prejuízo à outra parte. Note-se que esse princípio também é encampado no regime do Código de Processo Civil (art. 282 do CPC/2015)496. Ainda no campo dos atos processuais, cumpre-nos salientar que o § 2º do art. 13 da Lei n. 9.099/95 dispensa o uso de cartas precatórias quando haja qualquer ato processual a ser pedido e praticado em outras comarcas, uma vez que poderão ser solicitados por qualquer meio idôneo de comunicação. Ademais disso, importante repisar que apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas,
taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão (art. 13, § 3º, da Lei n. 9.099/95). Dispensa-se a presença de advogados nas causas até 20 salários mínimos, sendo obrigatória a presença de advogados nas causas que excedam a esse valor, nos termos do art. 9º, caput, da Lei n. 9.099/95497. Releva mencionarmos, quanto a este ponto, a recente alteração operada no § 4º do art. 9º da Lei n. 9.099/95, pela Lei n. 12.137/2009, que veio a tornar lei expressa a figura do preposto profissional. Segundo a recente redação de referido dispositivo legal, “o réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício”. Não se admite, tal qual sucede nas causas de procedimento comum, a intervenção de terceiros, conquanto seja admissível o litisconsórcio (art. 10 da Lei n. 9.099/95). Aliás, sendo necessário o litisconsórcio, todos devem ser citados, sob pena de ineficácia da sentença, de modo que não seria mesmo dado à lei restringir tal possibilidade, ao menos em caso de litisconsórcio necessário unitário, pois, em tal caso, a necessariedade decorre da natureza da relação jurídica. O pedido poderá ser formulado oralmente ou por escrito, atendendo-se ao quanto consta dos incisos I a III do § 1º do art. 14 da Lei n. 9.099/95, isto é, devem ser especificados os nomes, qualificação e endereços das partes, os fatos e fundamentos do pedido, de forma sucinta, bem como o objeto (pedido, stricto sensu) e seu valor. No primeiro caso, será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas ou
formulários impressos (art. 14, § 3º, da Lei n. 9.099/95). Note-se que há possibilidade de formulação de pedido genérico (art. 14, § 2º, da Lei n. 9.099/95), semelhantemente ao que se prevê no art. 324, II, do CPC/2015. Porém, pedido genérico não significa pedido incerto ou indeterminado. Ocorre que, em determinadas hipóteses, não é possível ao autor, desde logo, fixar a extensão da obrigação, sendo-lhe lícito, nessas hipóteses, formular pedido genérico. Há, ainda, possibilidade de serem formulados pedidos alternativos ou, ainda, cumulados, desde que sejam conexos, e somados não ultrapassem o valor de 40 salários mínimos (art. 15 da Lei n. 9.099/95). Ao que parece, no caso de pedidos alternativos (art. 325 do CPC/2015), o teto a ser observado, fora as hipóteses dos incisos II e III do art. 3º da Lei n. 9.099/95, será o de maior valor (maior pedido), e, se se estiver diante de pedidos cumulados, a soma deles, sob pena de se entender que houve renúncia ao excedente498. Assim como no procedimento comum, designa-se, desde logo, a audiência de conciliação, a realizar-se em 15 dias (art. 16 da Lei n. 9.099/95). A citação far-se-á, como regra, por correspondência e, subsidiariamente, por oficial de justiça. Mantém-se a pessoalidade da citação, com exceção dos casos de pessoa jurídica, perfazendo-se a citação no “encarregado da recepção”. Descabe citação por edital, assim como intimação, de vez que esta segue a forma prevista para a citação (art. 18, § 2º, da Lei n. 9.099/95). Caso haja o comparecimento inicial de ambas as partes, fica dispensada a citação (art. 18, § 3º, da Lei n. 9.099/95). Da citação deverá constar a advertência do § 1º do art. 18, sob pena, para alguns, de nulidade da citação499, e, para outros, da não incidência dos efeitos da revelia (art. 20 da Lei n. 9.099/95). As intimações poderão também ser feitas por qualquer outro meio idôneo
de comunicação, além daqueles previstos para efetivação das citações (art. 19 da Lei n. 9.099/95). Há de se ter presente, sempre, a certeza do recebimento da intimação pelo intimado. Cabe às partes comunicar ao juízo quaisquer mudanças de endereço no curso do processo, reputando-se válidas as intimações se o juízo não tiver sido comunicado de eventual mudança (art. 19, § 2º, da Lei n. 9.099/95). Em relação às testemunhas, uma vez solicitada a sua intimação, nos moldes do art. 34 da Lei n. 9.099/95, deverá constar na intimação que o seu não comparecimento configurará desobediência a ordem judicial, cabendo, nessa hipótese, condução coercitiva. Dos atos praticados na audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes (art. 19, § 1º, da Lei n. 9.099/95). Além disso, como preceitua o § 2º do art. 19 da Lei n. 9.099/95, as partes comunicarão ao juízo as mudanças de endereço ocorridas no curso do processo, reputando-se eficazes as intimações enviadas ao local anteriormente indicado, na ausência da comunicação. Haverá revelia se o réu não comparecer à sessão de conciliação a presunção (relativa) de veracidade dos fatos alegados e não contestados500, devendo ser proferida sentença. Para que se operem os efeitos da revelia, deve ter constado, na citação, a advertência de que trata a parte final do § 1º do art. 18 da Lei n. 9.099/95. Comparecendo, caso frustrada a conciliação, o réu oferecerá contestação escrita ou oral (art. 30 da Lei n. 9.099/95), em que aduzirá toda a matéria de defesa (exceto arguição de suspeição e de impedimento, que se processarão na forma do CPC/2015), não se admitindo reconvenção (art. 31 da Lei n. 9.099/95), mas sendo possível a formulação de pedidos pelo réu, tendo por limite os fatos alegados pelo autor, o que caracteriza as ações de competência dos Juizados Especiais Cíveis como
dúplices. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência, diz o parágrafo único do art. 31 da Lei n. 9.099/95, ou requerer a designação de nova data para esse fim. Cabe repisar que a presença do demandado é essencial, seja na audiência de conciliação, seja na audiência de instrução e julgamento, sob pena de incidência dos efeitos da revelia, que, no sistema da Lei n. 9.099/95, se caracteriza também pela ausência do demandado nessas audiências, e não apenas pela falta de defesa501-502. A conciliação poderá ser presidida por juiz togado ou leigo, ou ainda pelo conciliador, ao qual já se referiu anteriormente, esclarecendo-se as partes sobre as vantagens da conciliação e sobre a renúncia ao crédito excedente a 40 salários mínimos. Veja-se que a Lei n. 9.099/95 enfatiza a busca pela conciliação entre as partes, o que deve ser tentado em qualquer momento no procedimento dos Juizados Especiais. Frustrada a conciliação e não instituído juízo arbitral (há oportunidade de opção pelo juízo arbitral, caso não se realize a conciliação, sendo o árbitro um dos juízes leigos – note-se que essa hipótese não se confunde com a arbitragem privada, prevista na Lei n. 9.307/96), realizar-se-á, ou imediatamente ou nos 15 dias seguintes, audiência de instrução e julgamento, em que serão ouvidas as partes, colhidas as provas, decididos os incidentes e proferida a sentença. Caso seja instituído juízo arbitral, este considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução, conforme a letra do § 1º do art. 24 da Lei n. 9.099/95, de modo que é necessário constar na ata da audiência a
inexistência de conciliação e a escolha das partes no sentido de instituir o juízo arbitral, devendo o árbitro ser escolhido dentre os juízes leigos (art. 24, § 2º, da Lei n. 9.099/95). Escolhido o árbitro, este conduzirá o processo com os mesmos critérios do juiz, na forma dos arts. 5º e 6º da Lei n. 9.099/95, podendo decidir por equidade503. Ao fim da instrução, ou nos cinco dias subsequentes, o árbitro apresentará o laudo ao juiz togado para homologação por sentença irrecorrível (art. 26 da Lei n. 9.099/95). Impende consignar que, se o árbitro não se sentir satisfeito com as provas até então produzidas, poderá determinar a produção das provas que entenda necessárias de ofício. Caso reste frustrada a conciliação e não seja instituído o juízo arbitral, como já dito, será realizada audiência de instrução e julgamento, imediatamente ou dentro dos 15 dias subsequentes, em que serão ouvidas as partes, colhidas as provas, decididos os incidentes e proferida a sentença (art. 28 da Lei n. 9.099/95). Serão decididos de plano todos os incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência (tais como o valor da causa, que pode determinar a incompetência dos Juizados Especiais), sendo que as demais questões serão decididas na sentença. Ademais disso, as partes deverão manifestar-se sobre os documentos apresentados pela parte adversa na própria audiência, garantindo a efetivação do contraditório e ampla defesa sem interrupção do processo, sempre preservando a celeridade processual. Quanto à produção de provas, cumpre salientar que todos os meios de prova são permitidos para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes, ainda que não especificados em lei e desde que sejam moralmente legítimos (art. 32 da Lei n. 9.099/95). Note-se que aludido preceito é bem
similar ao art. 369 do CPC/2015. Aliás, no procedimento dos Juizados Especiais, todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente504, podendo o juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas (desnecessárias, visto que o que se quer demonstrar já foi provado por outro meio), impertinentes ou protelatórias. A instrução poderá ser dirigida por juiz leigo, sob a supervisão de juiz togado (art. 37 da Lei n. 9.099/95). Diferentemente do procedimento comum, cada uma das partes poderá indicar até três testemunhas, sendo que as testemunhas referidas não estão incluídas nesse limite. Aludidas testemunhas comparecerão à audiência de instrução e julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação, salvo se houver requerimento de uma das partes, que deverá ser formulado, no mínimo, cinco dias antes da audiência de instrução e julgamento. Se não houver necessidade de intimação, a apresentação das testemunhas pode ser feita na própria audiência de instrução e julgamento505, caso em que a parte contrária à que levou a testemunha deve estar apta a oferecer, de imediato, eventual contradita. Não comparecendo a testemunha intimada, como dito anteriormente, caracterizada estará a desobediência a uma ordem judicial, podendo ser conduzida de forma coercitiva. Cumpre-nos ainda salientar que a prova oral não será reduzida a termo, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos. Consoante o art. 35 da Lei n. 9.099/95, o juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico, desde que necessário. Isso nos leva a concluir que, no regime dos juizados especiais, a perícia se realiza de forma mais simplificada do que no regime do
Código de Processo Civil, mediante a inquirição de técnico especializado e de confiança do juízo. Também nos Juizados Especiais o juiz deve recorrer a expert, se os fatos a serem dirimidos reclamarem conhecimento técnico ou científico. A respeito, observa Hélio Martins Costa que “o técnico do juízo não precisa prestar compromisso ou mesmo apresentar laudo. Basta prestar, oralmente, os esclarecimentos necessários à audiência de instrução e julgamento, reduzindo-se a escrito o que for essencial”506-507. O técnico será inquirido na audiência de instrução e julgamento, sem prestar o compromisso de dizer a verdade, não havendo espaço para apresentação de laudo pericial, cabendo ao perito prestar os esclarecimentos pertinentes à demonstração dos fatos, reduzindo referidos esclarecimentos a termo. Ainda quanto às modalidades probatórias cabíveis no procedimento dos Juizados Especiais, temos que a inspeção judicial vem expressamente prevista no parágrafo único do art. 35 da Lei n. 9.099/95. Dito preceito também admite que a inspeção seja realizada por terceiro da confiança do juiz, caso em que este deverá relatar ao juiz tudo o que foi realizado e aferido durante a inspeção. No que diz respeito ao disposto no parágrafo único do art. 35 da Lei n. 9.099/95, Joel Dias Figueira Jr. assinala: “É propriamente na fase instrutória que, se a hipótese exigir, realizar-se-á a inspeção judicial, em pessoas ou coisas, a qual pode ser feita indiretamente ou diretamente. Indireta será a prova se o juiz determinar que o faça pessoa de sua confiança (não necessariamente serventuário da justiça); direta, quando realizada pelo próprio juiz instrutor. Se a inspeção for realizada por terceiro, este deverá, após a conclusão dos trabalhos, relatar ao magistrado tudo aquilo que foi
objeto de sua verificação. Não será necessária a lavratura de auto circunstanciado. Basta que o juiz instrutor reduza a termo ou consigne na própria ata de audiência as informações prestadas pelo ‘inspetor’, de maneira sucinta e com simplicidade”508. A sentença poderá ser proferida por juiz leigo, que a submeterá ao togado, para homologá-la, proferir outra, ou determinar a realização de provas, desde que sejam indispensáveis. Haverá fundamentação, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, sendo dispensado o relatório (art. 38, caput, da Lei n. 9.099/95)509. Quando condenatória, a sentença deverá conter quantia líquida e será ineficaz na parte em que exceder 40 salários mínimos. Será, portanto, ineficaz se ultrapassar a competência prefixada no art. 3º da Lei n. 9.099/95. Entretanto, impende consignar que, se houver composição amigável, ainda que esta exceda a 40 salários mínimos, a sentença homologatória será eficaz, por força do art. 3º, § 3º, da Lei n. 9.099/95, bem como diante do que dispõe o art. 39 da mesma lei. Note-se que a ineficácia a que alude o referido artigo refere-se somente às hipóteses em que a competência dos Juizados Especiais Cíveis se define apenas pelo valor, a saber, o estipulado no inciso I do art. 3º da Lei n. 9.099/95, até porque, conforme vimos anteriormente, os critérios de competência nas hipóteses dos incisos II e III foram estabelecidos em razão da matéria, independentemente do valor da causa510. É prevista pelo art. 48 da Lei n. 9.099/95 a oposição de embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil, segundo redação dada pelo CPC/2015. O prazo para a oposição de embargos de declaração é de cinco dias, e eles suspendem o prazo para recurso (sistemática, no particular, diferente daquela do art.
1.026 do CPC/2015, que estatui que os embargos declaratórios interrompem o prazo para interposição de outros recursos, por qualquer das partes, após a modificação de redação que lhe foi imposta pela Lei n. 8.950/94). Erros materiais, como a hipótese dos erros de digitação, por exemplo, são corrigíveis de ofício (art. 48, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95), à semelhança do que ocorre no sistema do CPC (art. 495, I, do CPC/2015), ou com a oposição de embargos declaratórios (art. 1.022, III, do CPC/2015). Enseja a oposição de embargos de declaração a decisão que incorra em obscuridade ou de contradição. A sentença será recorrível às turmas de recursos, que é órgão do próprio Juizado511. As turmas de recursos serão compostas por três juízes togados (juízes de primeiro grau), sendo que as partes, nos recursos, deverão ser necessariamente representadas por advogados. Por isso há quem diga que, perante os Juizados Especiais, não há falar em duplo grau de jurisdição, opinião que não seguimos, já que as decisões podem ser amplamente revistas pelas Turmas Recursais512. Para Joel Dias Figueira Jr., em posição que nos servimos de acompanhar, as Turmas Recursais (competentes para analisar recursos interpostos contra sentença proferida em JEC) correspondem, nos Juizados Especiais, à segunda instância na Justiça comum513. O prazo de interposição desses recursos inominados às Turmas Recursais é de 10 dias, e estes terão, em regra, somente efeito devolutivo, podendo o juiz, todavia, atribuir-lhes efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte, segundo prevê o art. 43 da Lei n. 9.099/95. Será também de competência das Turmas Recursais o julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato de juiz dos Juizados. Nesse sentido, a recente Súmula 376 do STJ: “Compete a turma recursal processar e
julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”. O preparo desse recurso inominado não é imediato (art. 42, § 1º, da Lei n. 9.099/95), diferentemente do que ocorre no procedimento comum (art. 1.007 do CPC/2015). Das decisões das turmas de recursos não cabe recurso especial, a teor da Súmula 203 do STJ514 (pois o art. 105, III, da CF/88 alude a decisão de tribunal), conquanto caiba recurso extraordinário515, na medida em que o art. 102, III, da CF/88, fala apenas em causas decididas em única ou última instância. A propósito, cumpre mencionarmos a Súmula 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal” e a Súmula 636 do STF: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação
pressuponha
rever
a
interpretação
dada
a
normas
infraconstitucionais pela decisão recorrida”516-517. Prevê o art. 51 da Lei n. 9.099/95 os casos de extinção do processo sem resolução do mérito, nos seguintes termos: “Art. 51: Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I – quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo; II – quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação; III – quando for reconhecida a incompetência territorial; IV – quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei; V – quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de 30 (trinta) dias; VI – quando, falecido o réu, o autor não promover a citação dos sucessores no prazo de 30 (trinta) dias da ciência do fato”. Nos termos do § 1º do mesmo artigo, a extinção do processo independerá de prévia intimação das partes.
A propósito, é de ser mencionado o Enunciado 89 do Fórum Permanente de Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil (XVI Encontro Nacional – RJ): “A incompetência territorial pode ser reconhecida de ofício no sistema de Juizados Especiais Cíveis”. Temos, todavia, por correto o entendimento de que, mesmo nos Juizados Especiais, a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício, consoante dispõe a Súmula 33 do STJ518. Assim já decidiu o STJ: “Conflito negativo de competência – Juizados Especiais Cíveis – Ação de cobrança – Diferenças não recebidas de cheque que não pode ser cobrado em agência bancária – Domicílio do réu – Competência relativa. I – Compete ao STJ decidir conflito de competência entre Juizados Especiais vinculados a Tribunais diversos (CF, art. 105, I, d). II – A competência prevista no art. 4º da Lei dos Juizados Especiais segue a regra geral, qual seja a do foro do domicílio do réu, seguindo os moldes tradicionais do Código de Processo Civil, prorrogandose, todavia, quando não arguida incompetência pela parte contrária. III – ‘A incompetência relativa não pode ser declarada de oficio’ (Súmula 33 desta Corte). IV – Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Tubarão/SC, suscitado”.519-520 Nos Juizados Especiais, a execução da sentença será processada no próprio Juizado, sendo regida pelo art. 52 da Lei n. 9.099/95, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. As sentenças serão sempre líquidas (arts. 38, parágrafo único, e 52, I, da Lei n. 9.099/95), devendo o valor da condenação ser convertido em BTN, ou índice equivalente, por servidor judicial (art. 52, II, da Lei n. 9.099/95). Registre-se, como já anunciado, que o sistema de execução da Lei n.
9.099/95 já se apresentava, sob muitos ângulos, mais evoluído do que o do Código de Processo Civil. Com efeito, o inciso V do art. 52 da Lei n. 9.099/95 já atribuía ao cumprimento da sentença impositiva de obrigação de fazer/não fazer ou de entregar um regime equivalente ao do art. 497 do CPC/2015. O CPC/2015 prevê no art. 513 que a execução de sentenças se faz de acordo com o disposto no Livro II da Parte Especial do CPC/2015. De outro lado, nos termos do inciso VI do art. 52 da Lei n. 9.099/95, o juiz, na hipótese de obrigação de fazer, pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária521. Aliás, o inciso IV do art. 52 da Lei n. 9.099/95, na linha do que veio a dispor o art. 523 do CPC/2015, já dispensava nova citação do devedor para a execução. Pelo inciso III do art. 52 da Lei n. 9.099/95, o devedor, intimado da decisão, deve cumpri-la, sendo advertido das consequências do seu descumprimento (hoje, como visto, aplica-se subsidiariamente o art. 523 do CPC/2015, de modo que, tratando-se de execução por quantia, incide a multa de 10% prevista em mencionado dispositivo). Veja-se, definitivamente, que no processo dos Juizados Especiais se conhece e se executa mesmo antes das modificações introduzidas pela Lei n. 11.232/2005522. Em relação ao art. 52, VII, da Lei n. 9.099/95 que autoriza a alienação do bem penhorado por terceiro ou pelo credor, Hélio Martins Costa assevera que a lei “concedeu ao credor, ao devedor ou a terceiro, mediante autorização do juiz, o encargo de alienar o bem penhorado, procurando pretendentes, buscando celeridade ao processo executivo. A alienação se dará até a data fixada para a praça ou leilão. O credor, devedor ou terceiro autorizado pelo juiz conduzirá o pretendente para concluir o negócio em juízo”.523 Aliás, a
propósito, de se consignar que a Lei n. 11.382/2006 veio a alterar o inciso II do art. 825 do CPC/2015, admitindo expressamente, como forma de expropriação do bem do executado, a alienação. E prossegue Hélio Martins Costa: “A alienação se dará por qualquer oferta e em quaisquer condições, mas, se oferecido valor inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas antes da sua aceitação. O juiz decidirá a questão de forma justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum (art. 6º). (...) Aperfeiçoada a alienação em juízo, será elaborado o auto e expedida a carta de arrematação”524. Aplicam-se ao procedimento dos Juizados Especiais, como dito, no que não forem conflitantes com as regras específicas nele estabelecidas, as modificações introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015, dispondo acerca do cumprimento de sentença (art. 513 e ss. do CPC/2015). Por exemplo, há espaço, como enfatizamos, para incidência da multa do art. 523 do CPC/2015, em caso de não cumprimento voluntário da obrigação525. Nesse sentido, o Enunciado 105 do Fonaje526: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%”; e também o Enunciado 97, também do Fonaje: “O art. 475-J do CPC – Lei n. 11.232/2005 – aplica-se aos Juizados Especiais, ainda que o valor da multa somado ao da execução ultrapasse o valor de quarenta salários mínimos”. Aliás, o Enunciado 106 do Fonaje trata da hipótese de haver resistência do credor ao recebimento do que lhe é devido, nos termos seguintes: “Havendo dificuldade de pagamento direto ao credor, ou resistência deste, o devedor, a fim de evitar a multa de 10%, deverá efetuar depósito perante o juízo singular
de origem, ainda que os autos estejam na instância recursal”. Poderá, o devedor, opor-se à execução por meio de embargos, regra especial que continua vigendo mesmo depois do advento da Lei n. 11.232/2005 (art. 52, IX, da Lei n. 9.099/95)527. Tratando-se de execução de título executivo extrajudicial no valor de até 40 salários mínimos, também serão aplicadas as regras do Código de Processo Civil, subsidiariamente. Em princípio, tem-se que, efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX, da Lei n. 9.099/95), por escrito ou verbalmente (art. 53, § 1º, da Lei n. 9.099/95)528; na audiência, será buscado o meio mais rápido e eficaz para a solução do litígio, se possível, com dispensa da alienação judicial, devendo o conciliador propor, entre outras medidas cabíveis, o pagamento do débito a prazo ou em prestações, a dação em pagamento ou a imediata adjudicação do bem penhorado (art. 53, § 2º, da Lei n. 9.099/95); não apresentados os embargos em audiência, ou julgados improcedentes, qualquer das partes poderá requerer ao juiz a adoção de uma das alternativas do parágrafo anterior (art. 53, § 3º, da Lei n. 9.099/95); não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor (art. 53, § 4º, da Lei n. 9.099/95)529. O art. 55 da Lei n. 9.099/95 especifica que a sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado530, ressalvados os casos de litigância de má-fé, em inteira consonância com a previsão do art. 54 da mesma lei. Já em segundo grau, o vencido será condenado a pagar custas e honorários. Aliás, em primeiro grau de jurisdição, o acesso ao Juizado Especial independe do pagamento de custas, taxas ou despesa, por
força do caput do art. 54 da Lei n. 9.099/95. O benefício da justiça gratuita em primeiro grau de jurisdição pode ser visto como um mecanismo de grande importância para viabilizar o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF/88). Se houver interposição do recurso inominado de que trata o art. 41 da Lei n. 9.099/90, dispõe o parágrafo único do art. 54 desse mesmo diploma legal que o preparo de aludido recurso, nessa hipótese, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. 4. Os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal A Lei n. 10.259, de 12.07.2001, disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Oportuno repisar que a Lei n. 12.153/2009 instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. A redação final de referido diploma legal é bem semelhante a Lei n. 10.259/2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Segundo expressamente consta da lei acima referida, ao Juizado Especial Federal Cível foi conferida competência para “processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, da Lei n. 10.159/2001), expressamente excluídas: a) as causas a que se refere o art. 109, II, III e XI, da CF/88, as ações de mandado de segurança, desapropriação, divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa, bem como as ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º, § 1º, I, da Lei n. 10.159/2001); b) as ações sobre bens imóveis da União, autarquias e
fundações públicas federais (art. 3º, § 1º, II, da Lei n. 10.159/2001); c) as ações para a anulação ou para o cancelamento de ato administrativo federal, não incluídos nesta exceção os atos de natureza previdenciária e de lançamento fiscal (art. 3º, § 1º, III, da Lei n. 10.159/2001); e, ainda, d) as ações que visem impugnar pena de demissão que haja sido imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares (art. 3º, § 1º, IV, da Lei n. 10.159/2001). Ainda, a teor do que estabelece o § 2º do art. 3º da Lei n. 10.159/2001 (critério misto), “quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput”. Por outro lado, prevê o art. 7º da Lei n. 10.159/2001: “As citações e intimações da União serão feitas na forma prevista nos arts. 35 a 38 da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993. Parágrafo único. A citação das autarquias, fundações e empresas públicas será feita na pessoa do representante máximo da entidade, no local onde proposta a causa, quando ali instalado seu escritório ou representação; se não, na sede da entidade”. Isso quer dizer que para a União foram mantidas as garantias formais estabelecidas pela Lei Complementar n. 73, que “institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências”, inclusive quanto às intimações531-532. Contudo, como se verá mais de espaço a seguir, o privilégio do prazo em dobro para a Fazenda não foi previsto às causas submetidas ao regime desta lei. Outra novidade que merece nossa reflexão diz respeito ao art. 10 da Lei n. 10.159/2001, segundo o qual “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”.
Quanto a esse dispositivo, Joel Dias Figueira Jr. ensina que foi ele criado com o escopo de facilitar o acesso à jurisdição federal especial, uma vez que o litigante pode optar entre o seu comparecimento pessoal em juízo ou designar representante com poderes específicos para a causa, podendo ser ou não advogado. Diz o autor que a circunstância desse artigo aludir a representação não se confunde com a capacidade postulatória. Desse modo, o litigante pode fazer-se representar em juízo por terceira pessoa (advogado ou não), o que não se confunde com a necessidade ou não de capacidade postulatória, para o que vale a disciplina da Lei n. 9.099/95, que se aplica subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais (arts. 9º e parágrafos e 41, § 2º, da Lei n. 9.099/95)533-534. Ainda, a teor do que estabelece o parágrafo único do art. 10 da Lei n. 10.259/2001, temos que: “os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais”. O art. 12, caput, da Lei n. 10.259/2001 estabelece que, “para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até 5 (cinco) dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes”. Ademais, é facultado às partes, a teor do § 2º do aludido dispositivo, apresentar quesitos e indicar assistentes nas causas previdenciárias e relativas à assistência social, havendo designação de exame. Veja-se que, nas demais ações em que for imprescindível a produção de prova técnica, não há como vir a realizar dito exame sem conferir às partes o direito de indicação de assistentes e apresentação de quesitos. No que tange aos honorários dos técnicos, estes
deverão ser antecipados à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal. Quando vencida na causa, a entidade pública, seu valor será incluído na ordem de pagamento a ser feita em favor do Tribunal. Diversamente dos Juizados estaduais, relativamente aos quais houve muita controvérsia a respeito de consistir ou não opção do autor o ajuizamento da ação perante o Juizado ou na Justiça comum (que se pode dizer hoje superada no sentido de que a opção é livre do autor), a própria Lei n. 10.259/2001 veio a estabelecer expressamente que, “no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta” (art. 3º, § 3º, da Lei n. 10.259/2001)535. Deve-se ter presente, ainda, o disposto no art. 1º da Lei n. 10.159/2001, tangentemente à aplicação da Lei n. 9.099/95, no que não conflitar com as disposições da Lei n. 10.259/2001. O art. 6º da Lei n. 10.259/2001 dispõe acerca dos que podem figurar nos polos ativo e passivo da demanda. Segundo mencionado preceito, podem ser partes: (a) como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, tal como definido pelo Lei n. 9.317/96; e (b) como rés a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, podendo as partes designar representantes para a causa, advogados ou não (art. 10 da Lei n. 10.159/2001). As pessoas jurídicas de direito público, nos Juizados Federais, não gozam do benefício de prazo diferenciado, inclusive para a interposição de recursos (art. 9º da Lei n. 10.259/2001). O mesmo se diga quanto aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, nos termos do art. 7º da Lei n. 12.153/2009, que estatui que “não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição
de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias”. Por outro lado, e quanto aos recursos, estabelece o art. 5º da Lei n. 10.159/2001 que, “exceto nos casos do art. 4º [que trata da possibilidade de o juiz deferir medidas cautelares, a fim de evitar danos de difícil reparação], somente será admitido recurso de sentença definitiva”. No mesmo sentido, o art. 4º da Lei n. 12.153/2009, que instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública. O art. 4º da Lei n. 10.259/2001 leva a crer que as cautelares incidentais, no procedimento dos Juizados Especiais, não gozam da autonomia procedimental que possuem sob o abrigo do Código de Processo Civil. Segundo a redação do art. 13 da Lei n. 10.259/2001, “nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário”. Dito dispositivo legal encontra-se perfeitamente conforme ao art. 496, § 3º, do CPC/2015, com redação determinada pela Lei n. 10.352/2001, que estabelece não ter lugar a remessa necessária nas causas cujo valor não seja excedente a sessenta salários mínimos536. Nessa mesma linha, o art. 11 da Lei n. 12.153/2009 (Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública) estatui que não há remessa necessária nas causas tratadas em aludido diploma legal. Ademais, quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais, a respeito de questões de direito material na interpretação de lei federal, terá cabimento o pedido de uniformização de interpretação de lei federal, a teor do que preceitua o art. 14, caput, da Lei n. 10.259/2001, encontrando-se previsto, nos parágrafos deste mesmo dispositivo, o procedimento desse pedido de uniformização no âmbito dos Juizados Especiais Federais. No âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o procedimento
desse pedido de uniformização encontra-se disciplinado nos arts. 18 a 20 da Lei n. 12.153/2009. A esse respeito, registre-se que nos afigura patente a impossibilidade de ampliação das hipóteses de competência do Superior Tribunal de Justiça, que foram exaurientemente desenhadas pelo legislador constituinte. Diante de tal dispositivo, Joel Dias Figueira Jr., nessa linha, baseado na impossibilidade da ampliação do rol de competências do Superior Tribunal de Justiça por meio de lei infraconstitucional, entende que “o que se constata é a criação sorrateira, através da Lei n. 10.259/2001, em seu art. 14, §§ 4º e 5º, de uma nova figura de recurso especial não previsto no art. 105, inciso III, da CF, e, por conseguinte, insustentável, inadmissível, ou, melhor dizendo, de cunho manifestamente inconstitucional. Destarte, a norma infraconstitucional jamais poderia ampliar o rol de matérias objeto da competência originária do Superior Tribunal de Justiça, fazendo-se mister, para tanto, a reforma da Lei Maior”537. Corrobora o quanto dissemos, ainda, o julgamento da ADIn 2797, conforme o trecho da ementa seguinte: “Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal – guarda da Constituição – às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição – como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda
da sua supremacia – só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames”538. A Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Estaduais) não trata desse pedido de uniformização a que se referem as Leis n. 10.259/2001 e 12.153/2009. Todavia, em se tratando de divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual disciplinada pela Lei n. 9.099/95 e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 1.036 do CPC/2015, o STJ veio a editar a Resolução 12/2009, passando a disciplinar uma espécie de reclamação tendente a dirimir referida divergência539. Referida reclamação deverá ser oferecida no prazo de 15 dias contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, ao Presidente do STJ e independe de preparo, a teor do que estabelece o art. 1º, caput, da Resolução 12/2009 do Superior Tribunal de Justiça. Digna de registro, finalmente, na trilha do que dispõe o art. 100, § 3º, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional 62/2009, a dispensa da expedição de precatório tratando-se de obrigação de pagar quantia certa que não ultrapasse o valor do teto da Lei (60 salários mínimos), realizando-se, referido pagamento, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, ordenada pelo juiz, à autoridade citada para a demanda. Assim, está disposto no art. 17 da Lei n. 10.259/2001540. Deve-se dizer, todavia, que referida regra não comporta execução “fracionada”. Consta do § 4º deste mesmo dispositivo o seguinte: “Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-
se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista”. Nessa mesma linha, consta do § 8º do art. 100 da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional
62/2009,
ser
vedada
a
expedição
de
precatórios
complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º desse mesmo art. 100 da CF/88, que trata da dispensa da expedição de precatório, tratando-se de obrigação de pagar quantia certa que não ultrapasse o valor do teto da Lei.
XXXIV SENTENÇA E COISA JULGADA
1. Considerações gerais Sentença é o ato do juiz pelo qual este põe fim à fase cognitiva do processo com fundamento nos arts. 485 ou 487 do CPC/2015, decidindo ou não o mérito da causa, bem como extingue a execução (art. 203, § 1º, do CPC/2015). No entanto, nem todo pronunciamento judicial é feito através de sentença, podendo tratar-se de decisão interlocutória (art. 203, § 2º, do CPC/2015) ou de despacho, que são todos os demais atos praticados pelo juiz no processo, de ofício ou a requerimento da parte (art. 203, § 3º, do CPC/2015). Nesse sentido, a sentença condenatória, por exemplo, não põe fim ao processo, senão que finaliza a fase de conhecimento, porque o processo continua, com a fase de cumprimento de sentença, eventualmente precedida da fase de liquidação. Quando a sentença percute o mérito, diz-se definitiva541; caso contrário, diz-se terminativa542. Deverá conter relatório, fundamentação e parte dispositiva (art. 489, I a III, do CPC/2015). No que tange ao relatório, este é requisito da sentença,
pois prepara o juiz para decidir a causa, na medida em que é feito um histórico das principais ocorrências da marcha processual. Todavia, embora seja requisito essencial da decisão, vem sendo assentado na jurisprudência543 e na doutrina544 o entendimento de que a sua ausência só acarretará nulidade se causar prejuízo para as partes (art. 282, § 1°, do CPC/2015). Assim, podese afirmar que a ausência de relatório, em tese, vicia a decisão exarada. A ausência de relatório, assim como a falta de fundamentação constituemse em nulidades de fundo, e podem ensejar até mesmo ação rescisória. Porém, dependem da efetiva ocorrência de prejuízo para que possam ser suscitadas. Já a ausência da parte dispositiva da decisão significa, em última análise, que decisão propriamente dita terá inexistido. Neste último caso, o vício de que padece a sentença é mais grave, pois se trata de inexistência e, rigorosamente, não há sequer falar em coisa julgada, de modo que o instrumento próprio para vulnerá-la é a ação declaratória de inexistência do julgado. Remetemos o leitor ao capítulo das nulidades processuais, em que o assunto é tratado com mais detença. Sobre a parte dispositiva, se tratar-se de sentença de mérito recairá a autoridade da coisa julgada material545. A sentença pode ser mais concisa, nas hipóteses do art. 485 do CPC/2015546, não dispensando, porém, os elementos do art. 489, I a III, do CPC/2015547, conforme estatui o caput do referido artigo. Afinal, a fundamentação das decisões judiciais é verdadeiro corolário do Estado de Direito, estando expressamente assegurada pelo texto constitucional (art. 93, IX, da CF/88). O âmbito da sentença não pode extrapolar os limites do pedido do autor548 (arts. 141 e 492 do CPC/2015)549, nem tampouco poderá o juiz deixar de
apreciar parte do pedido, conquanto possa (deva) levar em consideração o direito superveniente550 (art. 493 do CPC/2015). O art. 203 do CPC/2015 trata dos tipos de pronunciamentos do juiz: as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos. A sentença é, como dito, o pronunciamento judicial cujo conteúdo se subsume aos arts. 485 e 487 do CPC/2015, colocando fim a fase cognitiva do processo em primeira instância. Essa a pedra de toque do conceito de sentença, previsto no § 1º do art. 203 do CPC/2015. A sentença, como visto, poderá apreciar ou não o mérito da demanda. Nas hipóteses do art. 485, já estudadas, a sentença não percute o mérito, o que significa que, como regra geral, a ação pode ser reproposta (art. 486 do CPC/2015)551, ainda que haja julgados – que temos por corretos – no sentido de que, não tendo sido implementada a condição da ação tida por faltante quando da sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, não é viável a repropositura da ação sem a sanação do vício que tiver levado à anterior extinção do processo sem resolução do mérito552. Rigorosamente, na medida em que, segundo essa orientação do STJ, encampamos, a ação só poderá ser proposta novamente se implementada a condição da ação dada anteriormente por faltante, da mesma ação, propriamente dita, não se tratará, conforme observa argutamente Pontes de Miranda: “Não é outra ação no sentido próprio; é outra ‘ação’, no sentido processual, de pedido de prestação jurisdicional: outro processo, outro estabelecimento de relação jurídica processual, que se desfizera. A decisão de que se trata concerne ao processo. A possibilidade jurídica, a legitimidade da parte e o interesse processual não são, aí, objeto de coisa julgada material. Tudo é relativo a processo e dirige-se a todos os juízes, não em corte à
capacidade de ser parte, ou de estar em juízo, mas em corte à pretensão de tutela jurídica (não à pretensão de direito material). A pré-processualidade é evidente: corta-se a pretensão à sentença. Não se pode recorrer à coisa julgada material, que se rege por princípios diferentes”553. Evidentemente, se for caso de extinção com base no art. 485, V, do CPC/2015, a propositura de uma nova ação será inviável. Deveras, se a razão de ser da extinção sem resolução do mérito foi a existência de outro processo idêntico pendente (litispendência no sentido de processo em ato) ou ainda de outro processo idêntico já resolvido pelo mérito (coisa julgada material), evidentemente não se há de cogitar da possibilidade de repropositura, dado que o vício que terá levado à extinção do processo com amparo no art. 485, V, do CPC/2015, é absolutamente insuscetível de ser sanado. No caso de litispendência, porém, caso a primitiva ação que ensejou a extinção da segunda venha a ser extinta sem resolução do mérito, nada obsta que o pedido seja renovado numa terceira ação, desde, claro, que sanado o vício que tiver levado à extinção daquela primeira ação sem resolução do mérito. Nas hipóteses do art. 487 do CPC/2015 (em que há resolução do mérito), pode haver resolução da causa, propriamente dita (art. 487, I, do CPC/2015), bem como pode haver espaço para quaisquer dos atos autocompositivos de que trata o inciso III desse mesmo artigo (poderá, ainda, o juiz decretar a decadência ou a prescrição – inciso II do art. 487 do CPC/2015 –, o que igualmente conduz à extinção do processo com resolução do mérito). Em qualquer dessas hipóteses, inviável a repropositura da ação. A sentença pode ser proferida em diversas oportunidades processuais. Havendo audiência de instrução e julgamento, será proferida a sentença em audiência ou dentro de 30 dias contados da realização desta, consoante já se
registrou (art. 366 do CPC/2015 – observou-se, ainda, que o prazo contemplado nesse dispositivo é impróprio, de modo que o seu descumprimento só acarreta consequências fora do plano do processo). Poderá, ainda, ser proferida a sentença na hipótese do art. 355, I, do CPC/2015, logo após a réplica (se tiver havido), desde que haja desnecessidade de produção de provas. Nesse caso, poderá haver resolução da causa propriamente dita (art. 487, I, do CPC/2015), desde logo, independentemente de dilação probatória. Também a hipótese do art. 355, II, do CPC/2015554 que alberga a possibilidade de julgamento antecipado quando haja espaço para incidência dos efeitos da revelia (art. 344 do CPC/2015)555, representa outra hipótese em que o juiz, se a situação fática concreta se subsumir em tal dispositivo, pode proferir sentença (nesse caso, igualmente, logo após a réplica, se houver). Igualmente, se, após a réplica (se houver), o juiz se convencer de que é caso de extinção do processo sem resolução de mérito (casos do art. 485 do CPC/2015), ou se houver autocomposição do litígio (art. 487, III, do CPC/2015), ou, ainda, se reconhecer o juiz a prescrição ou a decadência (art. 487, II, do CPC/2015), deverá proferir sentença. Não é demais repisar que o elemento distintivo do conceito de sentença e decisão interlocutória continua sendo a aptidão da decisão para pôr fim à fase cognitiva do processo. Essa, segundo nos parece, a exegese que melhor deflui do § 1º do art. 203 do CPC/2015 com o § 2º do mesmo dispositivo. Desse modo, é perfeitamente possível que haja uma decisão interlocutória de mérito. Imagine-se, por exemplo, que, em relação a um dos litisconsortes passivos, o juiz pronuncie a decadência (art. 485, II, do CPC/2015) ou de julgamento parcial da lide. Não se trata de sentença, mas de decisão
interlocutória, como se infere claramente da leitura dos §§ 1º e 2º do art. 203 do CPC/2015. O recurso próprio para impugná-la é o agravo de instrumento (art. 356, § 5º, e 1.015, VI e XII, do CPC/2015). 1.1 Necessidade de fundamentação da sentença A fundamentação constitui requisito indispensável à sentença, sob pena de inexorável nulidade556. Tal exigência deflui, antes de mais nada, do art. 93, IX, da CF/88. No plano da legislação infraconstitucional, a necessidade de fundamentação emerge do art. 489, II, do CPC/2015. Nos casos de extinção do processo sem resolução de mérito, não se dispensa a fundamentação (art. 490 do CPC/2015). Na verdade, como observam os autores que mais profundamente estudaram o tema, a fundamentação das decisões judiciais é garantia verdadeiramente inerente ao Estado de Direito, e verdadeiro pressuposto para que delas se possa recorrer aos Tribunais, utilmente557. Com efeito, conquanto os recursos não sejam interpostos contra a fundamentação das decisões, as razões recursais voltam-se justa e precipuamente contra a fundamentação da decisão, pois ela é que dá sustentação lógica ao decisum. 1.2 Direito superveniente e erro material Como tivemos oportunidade de verificar, o âmbito da sentença não pode extrapolar o pedido do autor – que é quem fixa os limites da lide –, nem tampouco poderá o juiz deixar de apreciar pedido ou parcela deste, sob pena de afronta aos arts. 141 e 492 do CPC/2015, consagradores do princípio da correlação entre pedido, causa de pedir e sentença. É assim que, igualmente, estará vedada a possibilidade de o juiz decidir a respeito de matéria ou coisa diversa daquela que foi pedida. Do contrário, nenhum sentido teria a regra
estampada no art. 2º do CPC/2015, que consagra o princípio da inércia da jurisdição. Deveras, pudesse o juiz decidir além ou fora do pedido (ultra ou extra petita), por via oblíqua estaria sendo violada a inércia da jurisdição, pois o juiz estaria decidindo sem pedido. Isso não quer significar, no entanto, que o juiz levar não possa levar em consideração o fato superveniente no momento de decidir. A teor do que estabelece o art. 493 do CPC/2015, deverá o juiz levar em conta o direito superveniente (aí compreendidos tanto o fato como o direito superveniente) para a prolação da sentença, desde que esse novo fato ou direito possa influir na resolução
da lide558.
O
conhecimento
dessa
matéria
dar-se-á
independentemente de requerimento das partes – cumpre ao juiz, de ofício, conhecê-la (art. 493 c/c art. 342, II, do CPC/2015)559-560. O levar em consideração o fato superveniente561 não significa que o autor, sob o pretexto de invocar fato superveniente, possa modificar o pedido ou a causa de pedir562. Por isso, diz com pertinência Arruda Alvim, em lição que nos servimos de acompanhar: “Na hipótese do art. 493 do CPC/2015 é fato novo só quanto à circunstância de sua ulterior ocorrência, relativamente à época da postulação inicial, e não no sentido de inovar o peitum e sua causa petendi, pois já daí deve consta. Fatos novos devem, então reforçar as razões que sustentam o mérito, e não modificá-lo”563. Do mesmo sentir, Antônio Carlos de Araújo Cintra, que preleciona: “O juiz recebe o pedido, se o fato, em que se fundava, se verificou durante a lide, desde que não se trate de demanda nova, dado que a proibição de mudar o pedido no curso da lide e, por consequência, de mudar a causa petendi não exclui que se possa fazer valer uma causa superveniente, quando seja o próprio fato jurídico afirmado como existente na demanda judicial e que, naquele momento, ainda não
existia. Assim, na verdade, no tocante ao autor, o art. 462 não autoriza a alegação nova de fato superveniente, mas a nova alegação de fato justificada pela superveniência. A norma do art. 462 também aproveita ao réu, o que decorre do art. 303, I, uma vez que, como o direito decorre de fatos, o direito superveniente é o que resulta de fato novo, posterior à contestação”564-565. Como explica com pertinência Humberto Theodoro Jr., entre os fatos novos que devem ser levados em consideração pelo juiz com base no art. 493 do CPC/2015 encontram-se os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do afirmado direito do autor: “A tanto autoriza o art. 493, desde que o fato novo tenha influência na resolução da lide, se refira, obviamente, ao mesmo fato jurídico que já constitui objeto da demanda e possa ter tido, em frente a ele, como fato constitutivo, modificativo ou extintivo. Não se pode, contudo, em hipótese alguma, admitir fato novo que importe mudança da causa petendi”566. A sentença, a rigor, deve expressar o preciso estado da lide no momento da entrega da tutela jurisdicional invocada, motivo pelo qual deverá o juiz considerar as modificações havidas nos fatos ou fundamentos ensejadores da demanda, desde que esse fato ou direito superveniente influa na resolução da lide567-568. Cumpre-nos tecer, finalmente, algumas considerações a respeito da regra do art. 494 do CPC/2015, e que traduz o princípio da inalterabilidade da sentença pelo juiz, e das exceções a ela. Com a publicação da sentença, o juiz, em linha de princípio, não mais deve alterá-la. Exceções a esta regra constam dos incisos I e II do art. 494 do CPC/2015, como também do art. 331, § 1º, do CPC/2015, que admite o juízo de retratação pelo juiz de primeiro grau, quando da interposição do recurso de
apelação nos casos de indeferimento liminar da petição inicial. Também na hipótese do § 1º do art. 332 do CPC/2015 há possibilidade de juízo de retratação. As inexatidões materiais569 e os erros de cálculo, como exceções à regra da inalterabilidade da sentença, encontram-se previstas no inciso I do art. 494 do CPC/2015. Essas matérias devem ser objeto de apreciação pelo juiz independentemente de requerimento da parte ou da interposição de qualquer recurso para este fim, conquanto possam ser levantadas por meio de embargos declaratórios (art. 1.022, III, do CPC/2015). A sentença que eventualmente comportar tais vícios (inexatidão material ou erro de cálculo) não transita em julgado (ao menos no que diz com a parte do dispositivo eivada de inexatidão material ou erro de cálculo, o que não necessariamente contamina toda a sentença), podendo ser retificada a qualquer tempo. Mesmo o juiz de instância inferior pode retificar erros materiais ou de cálculo constantes de decisões de tribunal que a ele seja hierarquicamente superior570571
. Neste sentido as palavras de Arruda Alvim: “As inexatidões materiais e os
erros de cálculo não sofrem a ação do tempo, isto é, não precluem. Podem ser corrigidos em face de pedido simples e devem ser corrigidos ex officio, independentemente do uso de embargos de declaração. Tanto umas, quanto outros, não correspondem àquilo que efetivamente se decidiu, essa a razão da correção através de petição simples, se se fizer necessária”572. Em última análise, quando se fala na correção de inexatidões materiais ou erros de cálculo, não se está admitindo alteração substancial da sentença. A inexatidão material quer justamente significar que o que constou da sentença não correspondia àquilo que o juiz quis que dela constasse. O mesmo se diga
com relação aos erros de cálculo. Portanto, as hipóteses do inciso I do art. 494 do CPC/2015, em nosso entender, não implicam propriamente modificação substancial do quanto decidido, senão que conduzem à adequação da decisão àquilo que o magistrado efetivamente quis dizer. Concordando com esse entendimento, o extinto 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu à luz do CPC/73: “Erro material não são apenas os defeitos exteriores ocorrentes na documentação do juízo ou na formação do documento, mas também toda ‘fortuita divergenza fra l’idea e la sua representazione chiaramente riconoscibilie de chiunque’573, demonstrando, pois, não traduzir o pensamento ou a vontade do prolator”574. Já os embargos declaratórios (art. 1.022 do CPC/2015) podem conduzir, eventualmente, à alteração do decidido e não apenas ao aclaramento, com a eliminação de obscuridade ou contradição. Deveras, se a sentença for, por exemplo, omissa, a oposição dos embargos declaratórios pode ensejar a modificação do quanto decidido. Basta imaginar que a alegação de prescrição da ação, arguida pelo réu, não tenha sido apreciada pelo juiz e a ação tenha sido julgada procedente. Nesse caso, instado a apreciá-la, pela via dos embargos declaratórios, pode o juiz reconhecer a prescrição que antes não apreciara (art. 487, II, do CPC/2015), modificando o quanto precedentemente decidido. Reconhece-se hoje, a possibilidade de se promover a liquidação de forma diferente daquela que houver sido determinada na sentença. Nesse sentido, a Súmula 344 do STJ: “A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”. De outro lado, há hipóteses em que a lei expressamente prevê que o juiz pode modificar a sentença, como aquelas previstas nos arts. 331 e 332 do CPC/2015.
2. Coisa julgada A coisa julgada, em razão de sua importância, está prevista na Constituição Federal, tendo sido erigida, inclusive, à condição de cláusula pétrea, assegurando o art. 5º, XXXVI, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, não podendo, assim, ser atingida por lei posterior. É verdadeiro corolário da ideia de segurança jurídica, consectário lógico do Estado de Direito em que vivemos. A previsão constitucional tem especialmente o efeito prático de vedar a vulneração da coisa julgada por lei retroativa. Como bem mencionado por Thereza Alvim “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”575 (grifou-se). Liebman, por sua vez, procurou distanciar-se da polêmica existente entre as teorias substantiva (que vislumbrava a coisa julgada como representativa do próprio direito material) e processual (que tratava a coisa julgada como um vínculo a que estavam sujeitos juízes e tribunais) da coisa julgada propondo a ideia de coisa julgada como qualidade da sentença e de seus efeitos576. Segundo Liebman, os efeitos da sentença produzem-se independentemente do trânsito em julgado. É o caso, por exemplo, de decisão atacada por recurso não dotado de efeito suspensivo. Como diz Thereza Alvim, “a eficácia, para Liebman, deve distinguir-se da sua imutabilidade. O comando contido na sentença, mesmo quando é eficaz pode ainda ser suscetível de reforma”577. A atual redação do art. 502 do CPC/2015, hoje em vigor, distanciando-se da teoria de Liebman: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade, que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito, não mais sujeita a recurso”578 (grifou-se). As características de imutabilidade e indiscutibilidade
restaram ligadas diretamente ao conceito de decisão de mérito, e não mais aos efeitos desta. Com efeito, outro problema relacionado à coisa julgada consiste em identificar quais efeitos são acobertados pela autoridade da coisa julgada. A doutrina diverge nesse ponto. Há quem diga que a coisa julgada abrangeria não apenas o efeito declaratório, mas também o condenatório ou o constitutivo. De outro lado, parcela da doutrina sustenta que a coisa julgada não atinge efeitos condenatórios ou constitutivos, mas apenas declaratórios. Barbosa Moreira afirma que o que se coloca sob o manto da indiscutibilidade não são os efeitos gerados pela sentença, “mas a própria sentença, ou, mais precisamente, a norma jurídica concreta nela contida”579. Segundo José Rogério Cruz e Tucci, mesmo a procedência de ação declaratória, reconhecendo a existência de determinada relação jurídica, não obsta que se extinga a relação jurídica dada por existente580. Com efeito, a produção dos efeitos da sentença não está ontologicamente ligada à coisa julgada. Prova maior disso é que, por exemplo, nas hipóteses previstas nos incisos I a VI do § 1º do art. 1.012 do CPC/2015, os efeitos da sentença se operam sem que se possa falar em coisa julgada, pois a decisão pode ser provisoriamente executada (isto é, produz efeitos) mesmo que pendente de apreciação de recurso (que, em tais casos, não tem efeito suspensivo), havendo, pois, litispendência (processo em ato). Com efeito, nessas hipóteses, a despeito de pender recurso, é possível a instauração da execução provisória nos termos do art. 520 do CPC/2015. Em que pese o fato de que parte da doutrina insista na necessidade de que a regra passe a ser a de que a apelação não seja mais recebida no duplo efeito, devolutivo e suspensivo, o Código de Processo Civil de 2015 manteve o efeito suspensivo
como regra, excepcionando nos casos previstos no § 1º do art. 1.012 do CPC/2015581-582. Esclarecedoras, a propósito, as lições de Alfredo Buzaid: “A sua doutrina [de Liebman] demonstra que a coisa julgada não é um efeito da sentença, como pretendem os autores, mas sim o modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esse efeito se ajunta para qualificálos e reforçá-los em sentido bem determinado. Incidem todas as definições correntes no erro de substituir uma qualidade dos efeitos da sentença por um efeito seu autônomo”583. E, de fato, em nosso sentir, a coisa julgada não é efeito, mas um status de que passa a gozar determinada sentença (rectius, parte dispositiva da sentença), e que decorre do fato de não ser mais possível, no caso em concreto, a revisão do julgado, seja em decorrência da impossibilidade de interposição de recurso ou do não cabimento de reexame necessário. Nesse caso, tendo sido percutido o mérito, a parte dispositiva torna-se imutável e não poderá ser revista nem no próprio processo em que proferida a decisão nem em qualquer outro. O atributo de não poder ser mais modificada nem discutida (eficácia, segundo o art. 502 do CPC/2015) não é propriamente da sentença, como sugere o texto legal, mas do conteúdo desta, ou seja, do comando, ou, por assim dizer, da norma jurídica concreta que emerge da decisão. Ressalte-se que toda decisão que tratar do mérito também resta imutável, de acordo com o previsto no art. 502 do CPC/2015. Imagine-se, por exemplo, a hipótese de o juiz reconhecer, em relação ao corréu A, a ocorrência de prescrição e, em relação ao corréu B, determinar a produção de provas. A decisão referente ao corréu A amolda-se à perfeição ao § 2º do art. 203 do
CPC/2015. Trata-se de decisão interlocutória, mas, uma vez não recorrida, transita em julgado materialmente, já que se trata de decisão de mérito (art. 487, II, do CPC/2015), e não mais poderá ser rediscutida nem naquele, nem noutro processo. Isso não quer significar, contudo, que o que se torna imutável seja a situação concreta regulada pela decisão judicial. Como anota Barbosa Moreira, “a imutabilidade (ainda ilimitada) do conteúdo da sentença não importa, é óbvio, na imutabilidade da situação jurídica concreta sobre a qual versou o pronunciamento judicial. (...) A norma sentencial permanece imutável, enquanto norma jurídica concreta referida a uma determinada situação”584. 2.1 A impropriamente denominada coisa julgada “formal” É cediço que o processo se desenvolve por um sistema de preclusões. Àquilo que mais apropriadamente se poderia denominar de “preclusão máxima”, isto é, o esgotamento de todos os recursos cabíveis, denomina-se, com alguma impropriedade, de coisa julgada formal. Diz-se com impropriedade, porque se trata de fenômeno bastante distinto da coisa julgada material. Ora, a linguagem da ciência do direito, que é essencialmente formalizada, deve escoimar as imprecisões e equivocidades encontradas no direito positivo. Ocorre que, frequentemente, os operadores do direito deparam-se com expressões inadequadas, fora de contexto ou inapropriadas no texto legal. Temos que considerar, entretanto, que, diferentemente do Poder Judiciário, composto por especialistas em direito, o Poder Legislativo, em países democráticos, não é composto por técnicos, como ocorre na tecnocracia, mas,
sim, por representantes dos mais variados setores da sociedade, o que faz com que não exista um rigor técnico, que somente os juristas possuem, na elaboração das leis. Pertinentes, neste passo, os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho: “Se atinarmos, porém, à organização hierárquica das regras dentro do sistema, e à importância de que se revestem as normas gerais e abstratas, como fundamento de validade sintática e semântica das individuais e
concretas,
heterogeneidade
poderemos dos
certamente
nossos
concluir
Parlamentos
que
influi,
a
mencionada
sobremaneira,
na
desarrumação compositiva dos textos do direito posto. Se, de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outro sobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nesse momento como a única pessoa credenciada a desvelar o conteúdo, sentido e alcance da matéria legislada”585. No que diz com o nosso estudo, temos que o legislador – de forma não apropriada – serviu-se de uma única expressão – coisa julgada – para designar duas realidades ou dois institutos absolutamente distintos. Havendo resolução de mérito, uma e outra, coisa julgada formal e coisa julgada material, formam-se no mesmo instante. A primeira, todavia, quer significar, apenas, a estabilidade da relação jurídica processual. Enquanto a última projeta seus efeitos para fora do processo, impedindo a rediscussão daquele litígio, naquele ou noutros processos. Esta última hipótese, repita-se, só ocorrerá quando houver resolução de mérito (hipóteses do art. 487 do CPC/2015). Em última análise, o art. 502 do CPC/2015, quando afirma que “denomina-se coisa julgada material a autoridade, que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito, não mais sujeita a recurso”, afora utilizar-se
de uma terminologia algo imprópria, eis que a coisa julgada não é, como se viu, um efeito da decisão de mérito propriamente dito, senão que uma qualidade que se agrega aos efeitos dela, trata da coisa julgada formal e não da coisa julgada material. O esgotamento dos recursos cabíveis gera preclusão máxima (coisa julgada formal). Se, porém, além disso, houver resolução de mérito, então, a solução dada ao litígio (constante da parte dispositiva do decisum) não mais poderá ser revista, seja naquele, seja noutro processo. Há, pois, dois fenômenos geneticamente distintos – a coisa julgada formal e material –, motivo pelo qual se nos afiguram procedentes as críticas de setores autorizados da doutrina586 à expressão coisa julgada formal, fenômeno processual que é mais propriamente designado pela expressão preclusão máxima. 2.2 Coisa julgada formal e material Distingue-se a coisa julgada material, a que faz menção o art. 502 do CPC/2015, da coisa julgada formal587. Esta última opera efeitos endoprocessuais e decorre do esgotamento dos recursos cabíveis. A coisa julgada material opera efeitos panprocessuais, como se terá oportunidade de melhor analisar. Nesta hipótese, havendo coisa julgada material, o comando que emerge da parte dispositiva da sentença torna-se imutável e indiscutível no processo em que a sentença for prolatada ou em outro qualquer588-589. A fundamentação da sentença não faz coisa julgada, segundo o inciso I do art. 504 do CPC/2015 (diz referido dispositivo que os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não
fazem coisa julgada)590. Só se forma a coisa julgada material nos casos do art. 487 do CPC/2015, isto é, quando há resolução do mérito, vale dizer, do pedido591-592. Havendo extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485 do CPC/2015), há apenas, como já dito, a impropriamente denominada coisa julgada formal. Via de consequência, só será vedada a repropositura da ação se houver resolução do mérito (arrt. 487 do CPC/2015), pois só nesses casos haverá falar em coisa julgada material, que opera efeitos fora do processo (exceção feita ao art. 485, V, c/c art. 268 do CPC/2015, pois, se houve extinção do processo sem resolução do mérito por litispendência ou por já existir coisa julgada, evidentemente não tem sentido a repropositura da ação)593. Como mencionado anteriormente, tem sido a orientação do STJ a de que a extinção do processo com amparo, por exemplo, no inciso VI do art. 485 do CPC/2015 só dá direito à repropositura da ação, desde que implementada a condição da ação faltante, linha de pensamento que nos servimos de acompanhar594. A coisa julgada, por sua vez, forma-se sobre a decisão do pedido (art. 503 do CPC/2015)595, tal como formulado pelo autor, o qual delimita, aliás, o próprio campo de desenvolvimento da atividade jurisdicional (art. 141 do CPC/2015)596, tendo em vista o que poderá vir a ser objeto de coisa julgada material. O art. 504, I, do CPC/2015, já referido, deixa isso bem claro, ao dispor que os motivos, ainda que importantes para determinar o conteúdo da sentença, não fazem coisa julgada597; o inciso II do art. 504 do CPC/2015 explicita de maneira bem clara o conteúdo da norma insculpida no inciso I, em realidade desdobrando a sua significação. O inciso II alude a que a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença, não é atingida pela coisa julgada598.
Conclui-se, pois, que a coisa julgada formal é condição para a verificação da coisa julgada material. Importa, neste momento, tecer algumas considerações a respeito da chamada eficácia preclusiva da coisa julgada. A eficácia preclusiva da coisa julgada constitui meio para se atingir um fim último, que é o de resguardar a autoridade da coisa julgada material, como exigência de ordem pública, estabilizando-se as relações jurídicas599. Eduardo Talamini a qualifica como uma “imposição necessária, uma decorrência lógica, da vigência da coisa julgada”600. A eficácia preclusiva da coisa julgada não abrange outros pedidos ou outras causas de pedir que possam servir de base para outro pedido, de modo que tem como limites aqueles da coisa julgada que se formou. Não é possível a dedução de novas alegações e defesas de fato e de direito com o escopo de modificar o que foi decidido e transitou materialmente em julgado. Porém, o direito e os fatos superveniente ficam fora do alcance da eficácia preclusiva, que podem ser alegados em outra ação. Isso porque, na medida em que essa nova ação seja fundada em fatos ou direito superveniente, estará, em última análise, lastreada em outra causa petendi, de modo que não se poderá cogitar do óbice da coisa julgada, já que não haverá a tríplice identidade de que tratam os parágrafos primeiro e segundo do art. 337 do CPC/2015. Fala-se também, em princípio do deduzido e do dedutível a propósito do disposto no art. 508 do CPC/2015: “Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento, quanto à rejeição do pedido”. Nesse sentido, importante ter presente que a coisa julgada obsta a que
questões, distintas da principal (mérito), que pudessem influir no julgamento do mérito, mesmo que delas não se tenha cogitado no primeiro processo, possam ser rediscutidas, pelo menos com vistas à modificação do quanto se tenha previamente decidido. É a chamada eficácia preclusiva da coisa julgada, prevista no art. 508 do CPC/2015. Isto não quer dizer que se consideram decididas tais questões prejudiciais (das quais antes não se cogitou), pois, como se viu, nem mesmo as questões prejudiciais efetivamente apreciadas (vale dizer, consideradas pelo juiz) são decididas na acepção técnica do termo. O que sucede, segundo o art. 508 do CPC/2015, é que não poderão ser levantadas questões não suscitadas em tempo oportuno, visando ao acolhimento ou à rejeição do pedido já julgado601-602-603. 2.3 A coisa julgada material recai sobre a parte dispositiva da sentença A leitura do art. 502 do CPC/2015 isoladamente pode conduzir à conclusão de que a coisa julgada recai sobre a decisão de mérito como um todo. Mas não é bem assim, como já anunciamos. Os incisos do art. 504 deixam claro que não fazem coisa julgada (1) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; e (2) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Vale dizer, a coisa julgada reveste de imutabilidade apenas a parte dispositiva da sentença (art. 489, III, do CPC/2015). São esses os limites objetivos da coisa julgada no regime do Código de Processo Civil. Tenha-se presente ainda a hipótese prevista no art. 123 do CPC/2015, que trata da imutabilidade da “justiça da decisão” (que são os fundamentos da sentença), com relação àquele que atuou no processo como assistente simples, em certas hipóteses específicas. Neste caso, tendo havido atuação
plena no processo precedente (isto é, não se configurando as hipóteses dos incisos I e II do art. 123 do CPC/2015), são os fundamentos da sentença, em relação ao que foi assistente, que se projetam para fora do processo, não mais podendo ser rediscutidos pelo assistente, para quem a justiça da decisão do processo em que interveio como assistente se torna indiscutível. Aliás, o assistente não poderia mesmo ser atingido pela coisa julgada no processo em que funcionou como terceiro, pois a lide ali não lhe dizia respeito senão indiretamente. 2.4 Momento da formação da coisa julgada Grande controvérsia envolve o problema da fixação do momento em que a sentença transita em julgado. Não se trata, ademais, de problema de âmbito apenas acadêmico, senão que envolve importantíssimas consequências de ordem prática, eis que é do momento do trânsito em julgado que há de ser computado o biênio decadencial de que trata o art. 975 do CPC/2015, para a propositura de ação rescisória. O problema se centra em saber se, na medida em que a decisão de não conhecimento de um recurso tem natureza declaratória (declara que o recurso não reunia condições de admissibilidade quando de sua interposição), deve-se atribuir a ela eficácia ex tunc ou ex nunc. Essa questão ganha maior dimensão tendo em vista que os recursos ditos extraordinários possuem requisitos de admissibilidade bastante complexos. E, ao lado disso, é cediço que, entre o momento da interposição do recurso, junto ao tribunal a quo, e o instante da prolação da decisão de não conhecimento, pela instância ad quem, transcorrem, usualmente, prazos relativamente longos, eventualmente até superiores àquele disposto no art.
975 do CPC/2015, que é de dois anos. Ora, se a decisão de não conhecimento do recurso tem natureza declaratória negativa, poder-se-ia vir a concluir que o momento do trânsito em julgado ocorreu quando esgotados os prazos dos recursos interponíveis contra a decisão do tribunal local, eis que o recurso interposto veio a ser tido por não cabível (por isso não foi conhecido). Há autores, dos mais notáveis, que defendem enfaticamente essa posição, como é o caso do Prof. Barbosa Moreira604. É também o caso do Prof. Nelson Nery Jr., que afirma: “Ao não conhecer do recurso, o tribunal afirma (declara) situação preexistente, nada criando ou modificando. A eficácia dessa declaração é retroativa (ex tunc). (...) Assim, o termo inicial do prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória é o do dia em que se verificou a causa que ensejou o não conhecimento do recurso (o 16º do prazo, o dia da desistência do recurso; o dia da renúncia do direito de recorrer; o dia da aceitação da decisão, etc)”605. Também é essa a opinião de Ada Pellegrini Grinover606. A conclusão de que o prazo para ajuizamento da rescisória não deve ser contado da decisão que, por exemplo, não tenha admitido o recurso especial, tendo em vista a natureza declaratória da decisão acerca do juízo de admissibilidade, em nosso entender, atrita com o princípio da segurança jurídica e, além disso, ainda que por via reflexa, inibe a própria interposição de recursos, o que, em última análise, conflita com o princípio do amplo e incondicionado acesso ao Poder Judiciário607. Há autores que chegam à mesma conclusão, porém partindo de diferentes premissas. Nessa linha, defende Fredie Didier Júnior que o juízo de admissibilidade é constitutivo negativo, tendo, portanto, eficácia ex nunc608. Temos por correto o entendimento de que o momento do trânsito em
julgado é adiado até o instante em que o tribunal destinatário do recurso profere decisão negativa a respeito dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto, salvo se se tratar de intempestividade manifesta do recurso. Esse é a orientação remansosa do Supremo Tribunal Federal609 e da qual o Superior Tribunal de Justiça610 também tem acompanhado, desde a vigência do CPC/73. Inclusive, o STJ chegou a sumular dita orientação. Deveras, nos termos do entendimento plasmado na Súmula 401 daquele tribunal, “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Temos para nós que, à exceção dos casos de recurso extemporaneamente apresentado ou evidente má-fé da parte que recorre, a coisa julgada se forma no instante em que restou prolatada a última decisão no processo, iniciando, a partir de então, o prazo decadencial de dois anos para propositura da ação rescisória611. Outro ponto de extrema relevância consiste em saber se há possibilidade de trânsito por capítulos. Imagine-se que o autor tenha formulado pedido de indenização por danos materiais e por danos morais. Julgados improcedentes os pedidos, o autor interpõe recurso apenas no que toca aos danos materiais. Indaga-se se é possível dizer em tal hipótese terá transitado em julgado a decisão denegatória do pleito de indenização por danos morais. Temos para nós, inquestionavelmente, que sim. São dois pedidos perfeitamente independentes entre si, de modo que, não interposto recurso contra a decisão denegatória de indenização por danos morais, há trânsito em julgado, deflagrando-se, daí o prazo para a ação rescisória. Essa a bem exposta posição de Cândido Dinamarco612, que nos servimos de acompanhar, que é,
inclusive, o entendimento abarcado pelo STJ, em acórdão prolatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao entender que “a sentença pode ser dividia em capítulos distintos e estanques” e na hipótese do recurso limitar-se contra parte da sentença “não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum”613. Além disso, o STJ, por meio de sua Corte Especial, por maioria votante (seis votos a quatro), já decidiu de modo diferente, ao admitir que, “sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial”614. Releva notar, todavia, que o entendimento desse acórdão tem sido repetido em outros arestos do STJ, parecendo indicar uma linha jurisprudencial seguida por esse tribunal615. 2.5 Como se alega a coisa julgada Já dissemos anteriormente que a coisa julgada no regime do Código de Processo Civil atinge apenas aqueles que tenham sido partes no processo (inter partes), nos termos do art. 506 do CPC/2015. Isso não significa que terceiros não possam ser afetados pela decisão, dada sua eficácia natural. A esse respeito, José Rogério Cruz e Tucci menciona os seguintes exemplos: a) fiador que é afetado pela procedência de ação entre credor e devedor na qual se declara a inexistência da obrigação principal616; b) credor hipotecário, quando é julgada procedente ação reivindicatória contra o réu que constituiu o ônus real. Se o réu vencido na reivindicatória não era proprietário quando constituiu o ônus real, o terceiro perderá a posição jurídica de que era titular (credor hipotecário)617. Referido autor ainda menciona mais exemplos bem interessantes: sentença de rescisão de compromisso de compra e venda afeta relação de locação firmada por
terceiro e o promissário comprador? De acordo com Tucci, a resposta é negativa, na medida em que o contrato de locação não precisa ser firmado com quem detém direito real sobre o bem618. Outro exemplo: sentença em ação pauliana afeta a posição dos demais credores quirografários? Para Tucci, a resposta a esta última indagação também é negativa, eis que a ineficácia do ato, reconhecida pela procedência da ação pauliana, afeta apenas o credor que ajuizou a ação619. Há também situações em que o terceiro pode ser afetado diretamente pela autoridade da coisa julgada material. Assim, por exemplo, caso não haja sucessão processual na hipótese de alienação do objeto litigioso (art. 109 do CPC/2015), a coisa julgada deverá atingir o adquirente. Além disso, no regime do Código de Processo Civil, a coisa julgada não se opera secundum eventum litis, vale dizer, tornam-se imutáveis não apenas o decreto de procedência da ação, como também o de improcedência. Desde que percutido o mérito, qualquer que seja o resultado da ação, a lide é insuscetível de ser rediscutida, naquele ou em outros processos. É exatamente neste ponto que se radica uma das grandes distinções entre o sistema da coisa julgada nas ações individuais e nas ações coletivas. Voltaremos ao assunto com mais detença logo adiante. A existência de coisa julgada deve ser levantada em preliminar de contestação (art. 337, VI, do CPC/2015), constituindo-se matéria suscetível de ser conhecida ex officio pelo magistrado, a teor do disposto no § 4º do art. 337 do CPC/2015 e no § 3º do art. 485 do CPC/2015, na medida em que constitui causa de extinção do processo (do segundo processo) sem resolução do mérito (art. 485, V, do CPC/2015). Trata-se da chamada objeção de coisa julgada620.
Impende examinar, neste momento, a hipótese de confronto entre duas coisas julgadas, ainda que tal assunto seja mais bem delineado quando tratarmos da ação rescisória. Na hipótese de julgamento de ação que veicule o mesmo pedido que já tenha sido objeto de ação julgada anteriormente, com decisão transitada em julgado, caberá ação rescisória do segundo julgado, com esteio no art. 966, IV, do CPC/2015. Se, no entanto, tiver decorrido o prazo para propositura de ação rescisória, subsistindo os dois provimentos jurisdicionais com trânsito em julgado, haverá de prevalecer o primeiro deles, em que se tiver formado a coisa julgada. Isso porque, sendo a coisa julgada pressuposto processual de validade, a segunda demanda, em nosso sentir, não chegou sequer a se formar (validamente), encontrando-se, esta segunda decisão, maculada do vício de inconstitucionalidade (art. 5º, XXXVI, da CF/88)621. Calha mencionar, contudo, que segundo a orientação predominante no STJ, prevalece a segunda coisa julgada622. Há decisões mais recentes, porém, dando prevalência à coisa julgada que se formou em primeiro lugar623. É de se ter presente, neste passo, que, havendo alteração do quadro fático (é pertinente que ressaltemos: alterados os fatos constitutivos do direito, isto é, os fatos juridicamente relevantes e não os fatos meramente simples) que ensejou a propositura da ação, o ajuizamento de nova ação em absoluto implicará colidência com o que anteriormente se decidiu624. Se novos são os fatos, nova será a causa petendi e, na verdade, tratar-se-á, como já dito, de nova ação, não sendo invocável o óbice da coisa julgada, mesmo porque, nesses casos, não houve qualquer alteração da autoridade e da imutabilidade da coisa julgada.
É possível, ainda, que esteja em pauta uma relação jurídica continuativa, como expressamente prevê o art. 505, I, do CPC/2015, vazado nos termos seguintes: “Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;”. Trata-se de uma relação que se prolonga no tempo e, desta forma, havendo alteração na realidade justifica-se uma adaptação do decisum precedente625. Nos dizeres de Liebman, “o que há de diversos nestes casos não é a rigidez menos da coisa julgada, mas a natureza da relação jurídica, que continua a viver no tempo com conteúdo ou medida determinados por elementos essencialmente variáveis, de maneira que os fatos que sobrevenham podem influir nela, não só no sentido de extingui-la, fazendo por isso extinguir o valor da sentença, mas também no sentido de exigir mudança na determinação dela, feita anteriormente. Confirma-se, pois, ainda nesta hipótese particularmente delicada, que a coisa julgada não é em nada restrita ao conteúdo declarativo da sentença”626. Nesses casos, a sentença é proferida rebus sic stantibus, de modo que, alterada a situação fática que ensejou a sua prolação (mais uma vez tenhamos presente: alterados os fatos constitutivos do direito), é possível o ajuizamento de nova ação, como argutamente observam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery627. É nesse sentido que deve ser compreendido o art. 15 da Lei n. 5.478/68, que prescreve que “a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado”. Há, sim, coisa julgada, mas rebus sic stantibus, de modo que, alterada a situação do alimentando ou do alimentado, outra ação pode ser proposta. Outro exemplo difundido pela doutrina refere-se à decisão que reconhece
o direito a determinado benefício previdenciário. Nessa hipótese, se houver superveniência de nova lei que venha a elevar o valor do benefício, deve ela incidir no caso concreto, sem que isso colida com a coisa julgada. Pondera Eduardo Talamini que nesse caso, não se trata propriamente de “revisão da coisa julgada, mas (...) [da] possibilidade de apreciação de uma nova pretensão alheia aos limites da anterior res iudicata”628. Ainda, segundo o ilustre autor, essa pretensão há de ser deduzida não como um pedido de revisão, mas em ação própria com escopo revisional, como a ação de revisão de alimentos, por exemplo. Ou, ainda, silente a lei, através de ação declaratória, que reconheça a existência da mudança “já antes havida”.629 2.6 Relativização da coisa julgada material Temos visto, recentemente, um crescente movimento em sede de doutrina – encontrando reflexos também na jurisprudência mais atual – no sentido da relativização da coisa julgada, tendo em vista situações em que a decisão que se encontra acobertada pela coisa julgada material possa colidir com normas ou princípios constitucionais630. O Ministro José Delgado, no julgamento do REsp 240.712/SP, declarou sua orientação “doutrinária no sentido de não reconhecer o caráter absoluto à coisa julgada”631. Trata-se, segundo nos parece, de uma tentativa de reconstrução dogmática do conceito de coisa julgada material, em verdadeira ruptura à concepção até então tida e assegurada pela Constituição Federal, de ser a res iudicata uma garantia constitucional soberana, imanente ao Estado de Direito e elevada à condição de cláusula pétrea. Endossamos, todavia, o entendimento no sentido de que a coisa julgada constitui garantia fundamental do Estado de Direito, e que sua relativização,
em linha de princípio, deve ser evitada. A propósito da relativização da coisa julgada, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmam que a grandeza do instituto da coisa julgada material não pode ser acutilada por conta de algumas situações particulares, como é o caso “da sentença injusta, repelida como irrelevante, ou da sentença proferida contra a Constituição ou a lei, igualmente considerada pela doutrina, sendo que, nesta última hipótese, pode ser desconstituída pela ação rescisória (CPC 966 V)”.632 Nessa seara, o mesmo autor ensina que “desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconderse a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo”.633 De lege ferenda, defendemos a ampliação dos casos taxativamente previstos em lei de cabimento de ação rescisória, como forma de resolver uma ou outra situação potencialmente injusta, mas cuja existência, em nosso sentir, não justifica o mal maior, consistente na relativização do dogma da coisa julgada. Podemos sintetizar da seguinte forma alguns dos principais pensamentos e opiniões já manifestados em torno do tema por alguns eminentes autores que se ocuparam do tema. Cândido Rangel Dinamarco634 propugna pela necessidade de equilibrar adequadamente, no sistema processual, as exigências conflitantes da celeridade, que favorece a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, destinada à produção de resultados justos. Para o autor, o processo deve ser realizado e produzir resultados estáveis. Propõe, ainda, a interpretação sistemática e evolutiva dos princípios e garantias constitucionais do processo civil, dizendo que nenhum princípio constitui um objetivo em si mesmo, pois todos eles, em seu conjunto, devem valer como meios de melhor
proporcionar um sistema processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à justiça. A coisa julgada, para o eminente jurista, deve ser colocada em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil. Visa o autor demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é, portanto, a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor, o da justiça das decisões judiciárias. Reconhece, por fim, a ineficácia ou invalidade da coisa julgada formada contra a Constituição e que, por isso, estaria sujeita a ser reconhecida a qualquer tempo e por qualquer meio processual ao alcance da parte, inclusive a querela nullitatis. Conclui dizendo que, “incidindo a autoridade da coisa julgada sobre os efeitos substanciais da sentença, é óbvia a constatação de que, onde esses efeitos inexistam, inexistirá também a coisa julgada material (...). Uma sentença contendo enunciados de efeitos juridicamente impossíveis é, em verdade, uma sentença desprovida de efeitos substanciais, porque os efeitos impossíveis não se produzem nunca e, consequentemente, não existem na realidade do direito e na experiência da vida dos litigantes. A sentença com enunciado de efeitos impossíveis não será um ato jurídico inexistente, embora inexistentes os efeitos substanciais por ela programados. Como ato jurídico processual, ela terá, por exemplo, o efeito de pôr fim ao processo. Faltar-lhe-á somente a eficácia pretendida. (...) A irrecorribilidade de uma sentença não apaga a inconstitucionalidade daquele resultado ilegítimo que a Constituição repudia”635. O Ministro José Augusto Delgado636 parte da premissa de que as leis, ao
serem aplicadas pelo Poder Judiciário, estão diretamente vinculadas aos princípios da moralidade e da legalidade, tornando-se válidas, eficazes e efetivas quando não expressarem abusos e não ultrapassarem os limites por eles (princípios da moralidade e legalidade) impostos. Para o jurista, a supremacia do princípio da moralidade exige que o Estado, por qualquer um dos seus três poderes, atue de modo subordinado às suas regras e seja condutor dos valores a serem cumpridos pela organização social. Acrescenta, ainda, que a moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com força maior e de cunho imperativo, que se sobrepõe a qualquer outro princípio, até mesmo sobre a coisa julgada. Para o eminente Ministro, a sentença e a coisa julgada só se afirmam como verdadeiras e os seus atos só terão capacidade de produzir efeitos quando suas posturas são desenvolvidas dentro do círculo da legalidade e da moralidade. O que ultrapassar esses limites passa a ser inexistente, uma vez que suas configurações ultrapassam as perspectivas democráticas perseguidas pela Constituição Federal. No que toca, em especial, à coisa julgada, entende o autor que a grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada. Esta, segundo o autor, não tem força absoluta, de modo que as sentenças injustas, tais como a proferida sem que o demandado tenha sido citado com as garantias exigidas pela lei processual, dentre outras tantas, nunca terão força de coisa julgada e poderão, a qualquer tempo, ser desconstituídas. Conclui o jurista que “o princípio força da coisa julgada é de natureza relativa; a coisa julgada não pode sobrepor-se aos princípios da moralidade e
da legalidade; o Poder Judiciário, ao decidir a lide pelos juízes que o integram, cumpre missão estatal de natureza absoluta, com função destinada a aplicar, de modo imperativo, as estruturas que sustentam o regime democrático; a sentença judicial, mesmo coberta com o manto da coisa julgada, não pode ser veículo de injustiças; o decisum judicial não pode produzir resultados que materializem situações além ou aquém das garantidas pela Constituição Federal; a carga imperativa da coisa julgada pode ser revista, em qualquer tempo, quando eivada de vícios graves (...). A sentença trânsita em julgado pode ser revista, além do prazo da rescisória, quando a injustiça nela contida for de alcance que afronte a estrutura dos regimes democráticos por conter apologia da quebra da imoralidade, da ilegalidade, do respeito à Constituição Federal e às regras da natureza; a segurança jurídica imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem seguir todo ato judicial”637. Por sua vez, Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro Faria638 analisam a coisa
julgada
inconstitucional,
valendo-se
do
princípio
da
constitucionalidade, dando especial atenção aos instrumentos processuais aptos a desconstituí-la. Para os autores, a inferioridade hierárquica do princípio da intangibilidade da coisa julgada traz como consectário a ideia de sua submissão ao princípio da constitucionalidade. Dessa forma, “a coisa julgada será intangível enquanto tal apenas quando conforme a Constituição. Se desconforme, estar-se-á diante do que a doutrina vem denominando coisa julgada inconstitucional”639. No que concerne aos meios processuais adequados para se ver reconhecida a inconstitucionalidade da coisa julgada, vislumbram os autores que a parte prejudicada pela decisão nula ipso iure ou inexistente, para se furtar aos seus
devidos efeitos, não precisa usar a via especial da ação rescisória, podendo se valer dos embargos à execução ou propor qualquer ação declaratória ordinária, como sobrevivência da antiga querela nullitatis. De qualquer forma, segundo os eminentes juristas, o fato de o problema poder ser vinculado por meio de ação rescisória não quer significar que ultrapassado o prazo de dois anos não possa mais ser discutido. Em seus dizeres: “A admissibilidade da ação rescisória para a impugnação da coisa julgada inconstitucional, porém, não significa a sua submissão indistinta ao mesmo regime da coisa julgada ilegal, de modo a que, ultrapassado o prazo de dois anos para o manejo daquela ação, impossível o seu desfazimento. Do contrário, seria equiparar a inconstitucionalidade à ilegalidade, o que é não só inconveniente como avilta o sistema e valores da Constituição. (...) Deste modo, a admissão da ação rescisória não significa a sujeição da declaração de inconstitucionalidade da coisa julgada ao prazo decadencial de dois anos, a exemplo do que se dá com a coisa julgada que contempla alguma nulidade absoluta”640. De acordo com Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, na hipótese de declaração superveniente de inconstitucionalidade em controle abstrato, o instrumento adequado para impugnar a decisão que se fundou na norma tida por inconstitucional pelo STF é a ação declaratória de inexistência. O fundamento para tal assertiva é o próprio efeito ex tunc da decisão prolatada em sede de ADIn, de vez que, declarada a inconstitucionalidade, “a decisão, que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em ‘lei’ que não é lei (‘lei’ inexistente)”641. A ação rescisória, igualmente, constitui o meio apto de impugnação de
sentença baseada na não incidência de determinada norma julgada incidentalmente
inconstitucional,
quando
há
sentença
posterior
de
procedência de ADC. Para os referidos autores, o fundamento da rescisória é a negativa de vigência à lei federal642. Na hipótese de julgamento infra petita, em que um dos pedidos cumulados não foi analisado pelo juiz, ressaltam os autores que resta íntegro o direito de vê-lo apreciado pelo Poder Judiciário, vez que cada pedido poderia ter sido formulado autonomamente, por meio de ação própria. Nesse sentido, a atividade jurisdicional é condicionada à iniciativa da parte. Para cada pedido há uma decisão. Pedido formulado e não apreciado equivale à inexistência de decisão em relação a ele, e, portanto, a sentença proferida em relação aos demais pedidos não tem o condão de extinguir a litispendência que se criou em função das demais pretensões. Concluem os autores que a coisa julgada pressupõe um juízo – onde falta este juízo não se forma a coisa julgada643. No que toca à hipótese de julgamento ultra petita, entendem os autores que, se o autor não formulou pedido na inicial, não há falar em trânsito em julgado, pois a jurisdição não foi provocada para se manifestar acerca daquela pretensão decidida mas não formulada644. Para os aludidos autores, no que se refere à multa cominatória, tem-se que ela não transita em julgado, na medida em que constitui medida assecuratória de eficácia da decisão judicial, podendo, inclusive, ser substituída por outra medida executiva mais eficaz, bem como ser cumulada com outra medida executiva, na forma do art. 536, § 1°, I, do CPC/2015. Diversamente, multa já vencida e não paga fixada em sentença acobertada pela coisa julgada não pode ser alterada, sob pena de desrespeito à coisa julgada. Nesse caso, entendem os autores que a decisão que altera o valor da multa tem eficácia ex
nunc645. Abordam, ainda, os juristas a ampliação das hipóteses de cabimento da ação rescisória. Assim, a correta interpretação ao art. 485, V, para os juristas apontados, deve ser no sentido de abranger decisões transitadas em julgado que tenham ferido princípios jurídicos, bem como decisões que deixaram de aplicá-los na busca da “solução normativa”646. Nossa posição, como já sublinhado, é no sentido de que, em linha de princípio, qualquer tentativa de sistematizar as hipóteses de relativização da coisa julgada deve ser afastada. Nesse sentido, o inciso III do § 1º e o § 12 do art. 525 do CPC/2015 devem ser entendidos no sentido de que a decisão do Supremo Tribunal Federal poderá ter sido proferida após a decisão transitada em julgado, em sede de controle concentrado com eficácia e validade erga omnes, ou difuso. Poderá ter aplicação, ainda, referido dispositivo quando a decisão do Supremo Tribunal Federal haja sido proferida incidenter tantum, e, além disso, a eficácia da lei tenha sido suspensa pelo Senado, nos moldes do art. 52, X, da Constituição Federal647. Sendo que o Código de Processo Civil de 2015 dispõe em seu art. 525, § 15, que “se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”. Há ainda quem defenda posição, por assim dizer, intermediária, permitindo a aplicação do art. 525, II e § 12, ainda que se trate de decisão transitada em julgado, independentemente do ajuizamento de ação rescisória. É o caso do professor Araken de Assis, ao observar que compete “à lei infraconstitucional estabelecer quando e em que hipóteses há coisa julgada,
[de modo que] também poderá instituir seu desaparecimento perante eventos contemporâneos ou supervenientes à emissão do pronunciamento apto a gerála”648. Nos tribunais superiores, podemos dizer que, na vigência do CPC/73, a questão a respeito da coisa julgada inconstitucional e sua relativização já geravam divergências. Com efeito, há eloquente decisão monocrática prolatada pelo Min. Celso de Mello, por ocasião do julgamento do RE 603.023, em que se decidiu que a coisa julgada só pode ser desconstituída por intermédio de ação rescisória dentro do prazo de 2 anos, sendo que a decisão do STF que tenha reconhecido a inconstitucionalidade, com efeitos ex tunc, detém-se ante a autoridade da coisa julgada649. De outro lado, o STF já permitiu a relativização da coisa julgada permitindo nova ação de investigação de paternidade em atendimento à prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética650. No âmbito do STJ, relativamente à coisa julgada inconstitucional, é de se destacar que referido tribunal encampa orientação menos rigorosa, na medida em que há julgados aplicando o art. 475-L, II e § 1º do CPC/73, atual art. 525, II e § 12, do CPC/2015, mesmo em casos de decisão
incidental
de
inconstitucionalidade
proferida
pelo
STF,
independentemente de Resolução do Senado de que trata o art. 52, X, da Constituição651. Até a última edição da presente obra, propunha-se, de lege ferenda, a ampliação das hipóteses de cabimento de ação rescisória, assim como nos parece correta a posição de José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim, no sentido de ser cabível ação rescisória por violação a princípio, dado que estes, como diz Celso Antônio Bandeira de Mello, ocupam uma
posição de preeminência dentro do cenário jurídico652. O legislador em boa hora o fez, pois expressamente tratou no § 15 do art. 525 e no § 8º do art. 535, do cabimento de ação rescisória por violação à Constituição, quando, após o trânsito em julgado da decisão, sobrevier decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da norma que serviu de fundamento àquela decisão. Voltaremos ao tema no Capítulo LXXXIV, especialmente no item 2.3.2.
XXXV NOÇÃO GERAL SOBRE O PROCESSO DAS AÇÕES COLETIVAS
1. Direitos difusos O Código do Consumidor653 traz, no art. 81, parágrafo único, I, a ideia de que os direitos difusos são aqueles tidos como transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas entre si por circunstâncias de fato. Podem se dizer direitos coletivos lato sensu. Portanto, uma primeira nota do conceito de direitos difusos é a de que eles não dizem respeito a uma só pessoa, senão que atinam com um número indeterminado de pessoas, daí por que se dizem transindividuais, pertencendo a
uma
comunidade
composta
por
pessoas
indeterminadas
e
indetermináveis654. As pessoas, titulares desses direitos, estão ligadas por circunstâncias de fato, o que não quer dizer que estejam submetidas às mesmas e idênticas circunstâncias, senão que hão de estar sujeitas a circunstâncias equivalentes. As notas essenciais que se podem retirar do conceito legal são: número
indeterminado e indeterminável de pessoas, que não se interligam por relação jurídica, mas por circunstâncias fáticas (aspecto subjetivo), e indivisibilidade do bem jurídico em litígio (aspecto objetivo). Há expressiva contribuição da doutrina europeia a respeito do assunto, digna de ser meditada655. Exemplo de violação ao direito difuso consiste, v.g., na veiculação de propaganda enganosa via televisão ou jornal. Atinge-se um número indeterminado de pessoas, ligadas por circunstâncias de fato (estarem assistindo à propaganda pela televisão ou lendo o mesmo jornal). O bem jurídico tutelado, doutra parte, é indivisível: basta a veiculação da propaganda enganosa para que todos os consumidores se sintam ofendidos. E a retirada da propaganda da televisão ou do jornal, por ser enganosa, acaba por beneficiar todos os consumidores. O direito a respirar ar puro é outro exemplo tradicional de direito difuso656. Veja-se que subjetivamente não é possível individualizar o titular do direito. Celso Fiorillo, com pertinência, escreve: “[Há] algumas normas que assumem claramente a característica ou natureza de direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Assim o princípio de que todos são iguais perante a lei; o uso da propriedade; a higiene e segurança no trabalho; a educação, incentivo à pesquisa e ao ensino científico”657. 2. Direitos coletivos A distinção entre interesses e direitos difusos, de um lado, e, de outro, interesses e direitos coletivos, decorre do direito positivo brasileiro. Ao lado dos direitos difusos, colocam-se os coletivos stricto sensu. Como aqueles primeiros, são transindividuais, de natureza indivisível. A diferença é
que dizem respeito a um número determinável de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II, do CDC). Trata-se, pois, de direitos que não dizem respeito a uma só pessoa, indivisíveis, mas há um laço jurídico e não meramente fático, como na hipótese anterior. Conquanto sejam direitos transindividuais e indivisíveis, as pessoas titulares desses direitos, nesta hipótese, são determináveis. Tal é o caso, figurado como exemplo por Nelson Nery Jr. e Rosa Nery658, do direito dos alunos de uma escola em lhes ver assegurada determinada qualidade de ensino em determinado curso. As pessoas são determináveis, têm uma relação jurídica com a parte contrária (que é a escola) e o bem jurídico (qualidade de ensino) é indivisível, na acepção de que não é fruível individualmente. O Código do Consumidor delimita o universo possível dessas pessoas, ou seja, devem pertencer a um mesmo grupo, categoria ou classe; assim, uma coletividade perceptível por vínculos, não havendo desordenamento ou profusão na titularidade. Não se permite a identificação dos titulares pela individualidade,
mas
pelo
grupo
ou
coletividade,
mantendo-se
a
indivisibilidade do direito. 3. Direitos individuais homogêneos Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único, III, do CDC). Por exemplo, o direito à troca de determinada peça defeituosa de dado automóvel, que diz respeito a todos aqueles que tenham adquirido o carro. Ao contrário dos dois anteriores, justamente porque são direitos individuais, não
aparece o traço da indivisibilidade, que surge no caso dos direitos difusos e coletivos. Assim, os direitos individuais homogêneos são perfeitamente divisíveis entre os titulares, há ordenamento da relação de titularidade com o bem da vida violado ou disputado, e este, também por sua vez, é perfeitamente distribuído e individualizado entre os titulares; no entanto, pode-se postular a proteção jurisdicional coletivamente, em face da origem comum do direito afirmado659. Diferem os direitos individuais homogêneos dos direitos difusos porque estes têm indeterminação quanto aos titulares e são indivisíveis; dos direitos coletivos porque estes também não têm titular individualizado, mas sim o grupo identificado, e também têm natureza indivisível; já os individuais homogêneos, como visto, têm a titularidade perfeitamente individualizada660. 4. Aspectos relativos à tutela desses direitos A grande novidade do processo, desde o último quartel do século XX, tem sido a possibilidade de tutelar esses direitos de forma mais e mais eficaz, por intermédio da outorga de legitimidade a determinados órgãos. Mesmo direitos individuais, como na hipótese do inciso III, podem ser tutelados coletivamente. Ver-se-á, adiante, como fica a tutela individual desses direitos em face da possibilidade da tutela coletiva. O Código do Consumidor, dentre outros diplomas legais, no art. 82, elencou diversos entes legitimados a agir nas hipóteses previstas no art. 81, para defender os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. São eles: o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; entidades e órgãos da administração pública, direta e
indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à tutela dos interesses e direitos protegidos pelo CDC; e as associações constituídas há mais de ano, que incluam, entre seus fins institucionais, a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, dispensada a autorização assemblear (art. 82, I a IV, do CDC). Esses entes legitimados a agir em prol dos interesses e direitos previstos nos incisos I a III, parágrafo único, do art. 81, poderão, segundo o que preconiza o art. 83, utilizar qualquer tipo de ação capaz de propiciar sua adequada e efetiva tutela, inclusive mandado de segurança, do que se conclui não ser exaustiva a enumeração dos entes legitimados à impetração de mandado de segurança coletivo, constante do art. 5º, LXX, a e b, da CF/88, bem como do art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009, que passou a disciplinar aquela ação constitucional em âmbito infraconstitucional661. 5. Aspectos da coisa julgada no Código de Processo Civil Embora tenha sido objeto de capítulo específico, o que é pertinente insistir, neste passo, é que a coisa julgada, no sistema do Código de Processo Civil, segundo reza o art. 506 do CPC/2015, atinge apenas quem tenha sido parte no processo, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Ou seja, a imutabilidade do que tenha sido decidido, quando tenha havido resolução de mérito (art. 487 do CPC/2015), atinge apenas quem tenha sido parte. Essa a regra geral do Código de Processo Civil. A grande novidade que diversos diplomas legais, dentre os quais o Código do Consumidor, têm trazido ao sistema processual é a de, ao permitir a tutela coletiva dos direitos elencados no art. 81, parágrafo único, I a III, alterar esse sistema de coisa julgada.
A coisa julgada, no regime do Código do Consumidor, tem de fato disciplinado algo diverso da coisa julgada tal como tutelada pelo Código de Processo Civil. No sistema processual civil, a autoridade da coisa julgada só alcança quem tenha sido parte e só torna imutável o dispositivo (art. 489, III, do CPC/2015). A regra do Código de Processo Civil é a da coisa julgada inter partes (art. 506 do CPC/2015), o que é coerente com a ideia defluente do art. 18 do CPC/2015 de que a legitimação extraordinária, no regime do Código de Processo Civil, constitui exceção e depende de lei expressa. Já a coisa julgada no sistema do Código do Consumidor é secundum eventum litis (hipótese do art. 103, I a III, do CDC), ou seja, depende do resultado do julgamento da lide, sendo regra a legitimação extraordinária662. Examinemos, mais de espaço, as hipóteses contempladas pelo Código do Consumidor. 6. Aspectos da coisa julgada no Código do Consumidor As regras nucleares da coisa julgada nas ações coletivas estão no art. 103 do CDC. Examinaremos também outros dispositivos relevantes para o assunto, como o art. 16 da Lei n. 7.347/85. Examinemos como se forma a coisa julgada nas ações coletivas, se estiverem em pauta direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. 6.1 Coisa julgada e direitos difusos Determina o Código do Consumidor que a coisa julgada nas hipóteses de ações que versem interesses difusos operará efeitos erga omnes. Interesses difusos, conforme já exposto, podem ser conceituados como direitos transindividuais e de natureza indivisível, i.e., não fruíveis
individualmente, com exclusão de outros (todos estão na mesma situação e os fruem identicamente), estando os seus titulares ligados entre si por circunstâncias de fato. Exatamente por isso, seus titulares são pessoas indetermináveis. Como exemplo, podemos mencionar a hipótese de uma ação coletiva promovida pelo Ministério Público contra empresa poluidora do ambiente e emissora de ruídos acima dos níveis permitidos, visando à imposição para essa empresa de obrigação de não fazer: trata-se de interesse difuso porque diz respeito a pessoas ligadas por circunstâncias fáticas, i.e., afetadas pela poluição e emissão de ruídos acima dos limites legais. A didática conceituação do texto legal (art. 81, parágrafo único, I, do CDC) merece aplausos, uma vez que se utilizou de fórmula abrangente, permitindo a subsunção, em seu texto, de uma multivariedade de situações suscetíveis de ocorrer no plano empírico. A esse respeito, Orlando Ribeiro, autor de obra específica sobre o tema, explica: “A cada momento, e em função de novas exigências impostas pela sociedade moderna e pósindustrial, evidenciam-se novos valores, pertencentes a todo grupo social, cuja tutela se impõe como necessária. Os interesses difusos, por isso mesmo, são inominados”663. O art. 103, I (que corresponde à hipótese do art. 81, parágrafo único, I, do CDC), dispõe que a coisa julgada, em caso de ação que tenha por objeto interesses difusos, operará efeitos erga omnes, “exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81”. Esta se caracteriza, nos termos do art. 103, I, do CDC, por atingir a todos indistintamente. O alcance subjetivo da coisa julgada, nesse caso, dependerá,
como já dito, do resultado da demanda. Vejamos. A coisa julgada somente atingirá a todos os legitimados a atuar coletivamente e a qualquer indivíduo, isoladamente considerado, tal como ocorreria no caso de ação versando interesses individuais homogêneos, caso seja, a ação coletiva, julgada procedente664. A possibilidade de repetição da mesma ação civil coletiva, i.e., um novo atuar no processo coletivo, dependerá de a ação ter sido julgada improcedente por deficiência de prova, e que nova prova seja produzida e havida como tal pelo juiz, numa segunda demanda coletiva. Se for julgada improcedente, sem ter sido por deficiência da prova, não poderá vir a ser repetida a ação coletiva, mas as ações individuais podem ser propostas. É o que dispõe o § 1º do art. 103 do CDC: “§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe”. Assim, se ficar decidido, por exemplo, em ação civil pública, que determinada empresa polui um rio, e, por isso665, tiver sido ela condenada a cessar a atividade poluidora e a pagar indenização (arts. 13 e 16 da Lei n. 7.347/85), o indivíduo cuja situação específica tenha sido afetada por esse mesmo evento poderá, diretamente, promover a liquidação do seu dano (art. 103, § 3º, do CDC). É nesse sentido que a ação versando interesses difusos beneficia diretamente o indivíduo. É o que se extrai da interpretação do § 3º do art. 103, bem como do § 1º do mesmo art. 103, a contrario sensu. Havendo condenação da empresa na ação civil pública, a responsabilidade dessa pelo mesmo evento (an debeatur), atinente aos danos causados a um indivíduo específico, não mais pode ser discutida. Ao interessado incumbe, apenas, liquidar os danos que à sua situação individual digam respeito. Esse
fenômeno corresponde a dizer que se encontra virtualmente compreendida no bojo do pedido da ação coletiva a inclusão de proteção às vítimas e seus sucessores, tendo em vista que a própria lei prevê a possibilidade de estas pessoas liquidarem em juízo os danos que tenham sofrido. Na verdade, um mesmo evento (poluição do rio) pode render ensejo a um pedido versando a sua repercussão difusa, bem como a outro pedido versando a situação específica de determinada pessoa por ele afetada666. Julgada procedente a ação em que se formulou o primeiro pedido (atinente ao plano dos interesses difusos), o indivíduo que precisaria propor a sua própria ação (com pedido individual, referente à sua situação particular, mas calcada na mesma causa de pedir remota, que é a responsabilidade da empresa pela poluição do rio) é beneficiado pelo resultado da ação coletiva, podendo proceder de imediato à liquidação dos danos – cabendo-lhe, é claro, provar que seu caso específico se encaixa naquele objeto da decisão da ação coletiva –, postulando na liquidação a quantificação dos danos por ele sofridos. Não mais se discutirá, todavia, se houve ou não responsabilidade da empresa poluidora pelos danos causados. Ou, por outras palavras, a decisão na ação versando direitos difusos ou coletivos beneficiará os indivíduos isoladamente considerados (art. 103, § 3º, do CDC), que poderão promover diretamente a liquidação dos seus danos, tal como se houvesse sido proposta ação versando interesses individuais homogêneos667-668. Sempre que o indivíduo resultar beneficiado pela decisão de uma ação coletiva lato sensu, sobre a qual verse interesses individuais homogêneos, coletivos stricto sensu ou difusos, aplicar-se-á a disciplina ali prevista (art. 97 e ss. do CDC). Deveras, a ação, cujos efeitos da sentença (denominados pela
lei, impropriamente, de efeitos da coisa julgada) se estendem aos indivíduos afetados, pode ter, por exemplo, versado interesses difusos. Mas, do ponto de vista de cada uma das vítimas do evento, há interesses individuais, que, em última análise, por terem uma “origem comum”, são individuais homogêneos. O que não se admite é que, se uma ação civil pública for julgada improcedente (sem qualquer indicação de ter sido por insuficiência de prova), em seguida seja proposta outra ação civil coletiva, como se disse, pois isso afrontaria o sentido da decisão com efeitos erga omnes proferida na ação civil pública, que, no caso de improcedência, se não atinge indivíduos individualmente considerados, afeta, todavia, os legitimados. Isso permite observar que, no caso de procedência, os efeitos erga omnes dizem respeito à situação de que resulta benefício ao bem jurídico – ar saudável, no exemplo ora trabalhado –, como também dizem respeito aos que tenham sido individualmente atingidos pela poluição e, sucessivamente, beneficiados com o resultado. Ao contrário, no caso de improcedência (sem ter sido por insuficiência de provas), a expressão erga omnes, se aplicável, dirá respeito, unicamente, aos legitimados, que não poderão repetir a mesma ação civil pública, mas não dirá respeito àqueles que, apesar da improcedência, se entendam prejudicados pela poluição, dado que poderão propor as suas respectivas ações individuais. Arruda Alvim669 acrescenta, ainda, que os modelos processuais da LACP e do CDC têm a mesma finalidade e que até mesmo os legitimados são praticamente idênticos, pelo que inadmissível a interpretação do art. 103, § 3º, do Código do Consumidor – que seria uma interpretação estritamente literal – no sentido de admitir a propositura de ação coletiva após a
propositura e julgamento definitivo de ação civil pública. Complementa, ainda, referido autor, dizendo que, se a sobreposição de alguns campos envolvendo as matérias afetas à Lei de Ação Civil Pública e ao Código do Consumidor não é de boa técnica, isso também não impede o funcionamento harmônico de ambas as previsões legislativas670. Desse modo, sendo a ação julgada improcedente (desde que não por falta de provas), isso impede apenas que nova ação coletiva versando a mesma matéria seja intentada. Obsta-se, portanto, apenas o agir dos colegitimados do art. 82 do CDC (a legitimação desse artigo é concorrente e disjuntiva). Todavia, tal improcedência (da ação coletiva) não obsta a que os indivíduos afetados, isoladamente, deduzam em juízo a pretensão que lhes diga respeito. Na verdade, cada qual dos afetados poderá vir a formular, em seu próprio benefício, pedido distinto daquele antes formulado na ação coletiva (versando a sua situação específica), calcado, porém, na mesma causa petendi remota. Neste caso, o § 1º do art. 103 e também a primeira parte do § 3º do art. 103 do CDC contêm verdadeiro precepto didactico671, eis que, sendo diferente o pedido formulado na ação individual, em que se pleiteará indenização (e, assim também, as partes são distintas em ambas as ações), evidentemente a denegação do pedido coletivo não poderia, jamais, obstar o agir individual. Há, ainda, o argumento, haurível da Constituição, que consiste em que solução distinta importaria negar o acesso à justiça, i.e., o acesso individual à justiça, dado ser esse acesso marcado pelo direito de agir pessoalmente. Outra hipótese distinta, prevista no inciso I do art. 103 do CDC, refere-se à improcedência da ação coletiva por falta de provas, pois, neste caso, a lei não veda sequer a propositura de nova ação coletiva, inclusive pelo mesmo legitimado que movera a primeira ação, extinta por falta de provas.
A respeito das “provas novas”, i.e., aquelas aptas a ensejar a repropositura da ação coletiva extinta por falta de provas, diz Arruda Alvim: “O significado de ‘nova prova’ não é o de uma prova surgida ulteriormente ao término da ação civil coletiva julgada improcedente, senão que essa prova, conquanto existente ou mesmo preexistente a essa ação civil coletiva julgada improcedente, nela não foi apresentada. O adjetivo nova, portanto, quer significar apenas novidade em relação à ação civil coletiva, igual à precedente, julgada improcedente por falta de prova. De resto, essa contemporaneidade da prova ao processo precedente, ou, se se quiser, a percepção ou a suspeita de sua existência pelo juiz, é elemento indicativo de que, por isso mesmo, o juiz terá entendido haver insuficiência de prova. Só é concebível cogitar-se de insuficiência de prova a partir da convicção de que, tudo indica, devam existir mais elementos probatórios”672. Neste contexto, deve-se referir à disciplina da ação popular. Esta, como se sabe, é cabível para pleitear, fundamentalmente, a anulação de atos ilegais ou lesivos ao patrimônio público, sendo regulada no plano infraconstitucional pela Lei n. 4.717/65. Pela Constituição Federal de 1988, resultou ampliado o âmbito dos bens tuteláveis por esta ação, sendo-lhes aplicável a disciplina processual da Lei n. 4.717/65673. A ação popular, assim, também constitui instrumento de defesa dos interesses coletivos lato sensu, e a sistemática de coisa julgada que lhe é própria serviu de inspiração para diplomas posteriores, tais como a Lei da Ação Civil Pública e o próprio Código do Consumidor. A coisa julgada na ação popular opera efeitos erga omnes, salvo se julgada improcedente por falta de provas674. O que se pode questionar, entretanto, é se, mesmo tendo sido julgada improcedente por falta de provas, ou seja,
sendo possível a repropositura da ação, poderia ser intentada pelo mesmo autor popular. A propósito, diz com inteiro acerto Ada Pellegrini Grinover: “Em linha interpretativa, tem-se discutido a respeito de o mesmo autor, popular ou coletivo, poder valer-se da faculdade de intentar nova ação, com idêntico fundamento, após a rejeição da demanda por insuficiência de provas. Estamos com Barbosa Moreira, que se manifestou afirmativamente, ao escrever sobre o art. 18 da Lei n. 4.717/65: se a lei quisesse impedir a renovação da demanda pelo mesmo autor popular teria dito ‘qualquer outro cidadão’ em vez de ‘qualquer cidadão’. O raciocínio aplica-se ao inciso I do art. 103 do Código, que utiliza a expressão ‘qualquer legitimado’ e não ‘qualquer outro legitimado’”675. Parece-nos inquestionável que essa mesma interpretação é inteiramente correta e se aplica às hipóteses dos incisos I e II do art. 103 do Código do Consumidor, de modo que, julgada improcedente a ação por falta de provas, qualquer dos colegitimados (inclusive o que promovera a ação extinta em tais condições) poderá vir a repropô-la. Pode-se afirmar que em qualquer das hipóteses do art. 103 do CDC – salvo, é claro, quando o indivíduo houver atuado como litisconsorte em ação versando interesses individuais homogêneos – é possível que o indivíduo, isoladamente, persiga em juízo a sua afirmação de direito. Sendo julgada procedente a ação coletiva, repitamos, não é preciso que o indivíduo sequer rediscuta a responsabilidade (an debeatur)676, senão que deve passar diretamente à liquidação, em cujo bojo há, evidentemente, de demonstrar que sua situação específica se encaixa no caso objeto de decisão na ação coletiva e de quantificar os danos que julga ter sofrido.
Relembremos, porém, a regra do art. 104 do CDC, segundo a qual, havendo ação individual pendente, calcada na mesma causa petendi, o autor deve pedir sua suspensão no prazo de 30 dias contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva, para poder beneficiar-se dos seus resultados. Assim, podemos concluir que a expressão coisa julgada erga omnes possui duplo significado, como já se disse. Essa dualidade de significações decorre do entendimento do sistema, pois aí se disciplina que, se procedente o pedido, os efeitos da sentença atingem a todos os legitimados a ajuizar ações coletivas (art. 82 do CDC) e qualquer membro da coletividade individualmente considerado; se improcedente o pedido, salvo por insuficiência de provas, atingem, tais efeitos, apenas os legitimados do art. 82 do CDC, mas não fica impedida a propositura de demandas individuais. 6.2 Coisa julgada e direitos coletivos No caso de direitos coletivos (art. 103, II, do CDC), a coisa julgada opera efeitos ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, isto é, atinge quem não tenha sido parte, salvo o caso de improcedência por falta de provas. A coisa julgada aqui é ultra partes e não erga omnes, como no primeiro caso (art. 103, I, do CDC), porque, apesar de atingir quem não tenha sido parte, limita-se ao grupo, categoria ou classe. Lembre-se de que, na hipótese de direitos coletivos, os titulares estão ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Essa a razão da diferenciação da lei. Afigura-se-nos que a significação ou tradução da expressão ultra partes é a de que a eficácia da sentença (e com esta a autoridade com a qual o resultado possa ficar revestido, i.e., a autoridade da coisa julgada) transcende ou
exorbita os que são partes processuais, i.e., os legitimados, atingindo o grupo, categoria ou classe. A expressão ultra partes parece envolver uma explicação a partir dos legitimados. Por intermédio da expressão erga omnes procura-se definir o âmbito da possível eficácia da sentença (e, por isso, da coisa julgada com que se possa revestir), referindo-se o legislador aos potenciais beneficiários, que são, precisamente, todos (= todos os que se encontrem na situação postulada na ação coletiva). Há, portanto, uma diferença na grandeza do espectro subjetivo dos atingidos: nesta última hipótese, trata-se de todos os da coletividade que hajam sido atingidos, ao passo que, na imediatamente anterior, trata-se do grupo, categoria ou classe. Eventual resultado negativo, mesmo que não por insuficiência de provas, não obsta a propositura de demandas individuais (art. 103, § 1º, do CDC). Assim, também a expressão ultra partes tem significado distinto, conforme seja julgada procedente ou improcedente a ação. Se procedente, atinge os entes legitimados pelo art. 82 do CDC e os indivíduos isoladamente considerados677; se improcedente (desde que não por falta de provas, pois, neste caso, a lei não veda sequer a propositura de nova ação coletiva, inclusive pelo mesmo legitimado que movera a primeira ação), atinge os legitimados pelo art. 82 do CDC, não obstando, todavia, a propositura de demandas individuais. Todavia, se houver demanda individual, o autor deverá pedir sua suspensão, nos termos do art. 104 do CDC, para poder se beneficiar do resultado da demanda coletiva. Aliás, tanto na hipótese do inciso I, como na do inciso II do art. 103 do CDC, seria inviável que o julgamento de improcedência da ação coletiva pudesse
obstar
o
ajuizamento
de
ações
individuais
(haveria
inconstitucionalidade por afronta ao princípio da ubiquidade – art. 5º, XXXV,
da CF/88); daí por que não apenas o resultado negativo não afeta a propositura de ações individuais, como a ação coletiva não induz litispendência para as ações individuais (art. 104 do CDC). Deste modo, temos em síntese que, julgado improcedente o pedido (não por falta de provas), nenhum dos colegitimados do art. 82 do CDC poderá promover nova ação coletiva versando o mesmo pedido. Pelas mesmas razões expostas anteriormente, quando tratamos dos interesses difusos, as ações individuais calcadas nos mesmos fatos não ficam obstadas678. E, se improcedente por falta de provas, é possível a propositura até mesmo de nova ação coletiva, inclusive, como dito, pelo mesmo legitimado que tenha ajuizado a primeira ação coletiva, extinta por falta de provas. 6.3 Coisa julgada e direitos individuais homogêneos No caso de interesses individuais homogêneos, estamos em face de interesses individuais que, todavia, pela dimensão que alcançam se considerados em conjunto, o legislador veio a permitir que sejam também tutelados
“coletivamente”.
Diz-se “também” porque,
evidentemente,
tratando-se de interesses individuais (de caráter “homogêneo”), podem ser perseguidos por intermédio de ações individuais. Isto é, enquanto interesses individuais, podem ser pleiteados e fruídos individualmente. É o que a doutrina costuma denominar de class action brasileira. As ações coletivas apresentam, como se vem procurando demonstrar, uma série de vantagens, possibilitando sensível economia de atividade jurisdicional, na medida em que possibilitam a redução do número de ações individuais. Além disso, reduzem o número de decisões contraditórias, com as quais o direito convive, mas que causam tanta perplexidade aos leigos679.
Outro grande benefício das ações coletivas é o de possibilitar que interesses individuais que isoladamente muito possivelmente não viriam a ser objeto de qualquer ação – como sempre ocorreu –, em função de sua pequena repercussão econômica, venham a, efetivamente, ser perseguidos em juízo, exatamente porque, considerados conjuntamente, assumem uma dimensão diferente. Tratando-se de interesses individuais homogêneos, poder-se-ia, com mais propriedade, falar em substituição processual. Enquanto nos dois primeiros casos – interesses difusos e coletivos – nos parece mais apropriada a denominação trazida por Nelson Nery Jr. do direito alemão – legitimação autônoma para a condução do processo –, pois o que está em pauta são interesses transindividuais indivisíveis, cuja tutela a lei atribuiu a entes específicos (art. 82 do CDC), neste caso os interesses a serem perseguidos são individuais, conquanto possam ser tratados coletivamente680. Mesmo neste caso (interesses individuais homogêneos) há profundas diferenças em relação à sistemática da substituição processual, própria do regime do CPC. Há muita discrepância, tanto no seio da doutrina, como nos tribunais, no que diz respeito à extensão da legitimidade do órgão do Ministério Público para tutelar interesses individuais homogêneos. Deveras, conquanto seja o Ministério Público um dos entes legitimados pelo Código do Consumidor à propositura de ações coletivas (art. 82, I, do CDC), não se deve perder de vista que o Parquet, nos termos do art. 127 da CF/88, presta-se à tutela, dentre outras coisas, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Por isso mesmo, como já salientamos anteriormente, é que se tem entendido, com acerto, que o Ministério Público não tem legitimidade para tutelar interesses
individuais homogêneos que não assumam uma grande e significativa repercussão dentro do quadro econômico-social em que se inserem. Com razão, Kazuo Watanabe já escreveu no sentido da necessidade de presença de relevância ou interesse social a legitimar o Ministério Público para a propositura de ação visando à tutela de interesses individuais homogêneos: “não se pode ir ao extremo de permitir que o Ministério Público tutele interesses genuinamente privados (...) sob pena de amesquinhamento da relevância institucional do parquet, que deve estar vocacionado, por definição constitucional, à defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”681. O Superior Tribunal de Justiça também já demonstrou sua preocupação com a banalização da utilização da ação civil pública ao afirmar que “a extensão de entendimento de incluir, na categoria de direitos difusos ou coletivos, interesses puramente individuais gera desprestígio para a ação civil pública, instrumento legal que os protege, em face de descaracterizar a verdadeira função para a qual tal entidade processual foi criada”682. A propósito, vejamos a seguinte ementa de julgado do STJ: “Ação civil pública – Direitos disponíveis – Cobrança ilegal de juros e correção monetária – Compra e venda de imóveis – Ilegitimidade do Ministério Público. A legitimidade do Ministério Público é para cuidar de interesses sociais difusos ou coletivos, e não para patrocinar direitos individuais privados e disponíveis. Recurso provido”683. Temos por certo que a legitimidade do órgão do Ministério Público para a propositura de ações coletivas versando interesses individuais homogêneos há de ser avaliada tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, desde que se demonstre que a repercussão dos interesses em questão autoriza o
atuar do Ministério Público. Embora a ação civil pública tenha sido concebida originariamente para a tutela de interesses difusos ou coletivos, seja permitido insistirmos na ideia de que em função da simbiose existente entre o Código do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21 da Lei n. 7.347/85, acrescentado pelo art. 117 do CDC; ver, também, o art. 90 do CDC, em relação à aplicabilidade da LACP ao CDC) presta-se, também, à tutela de interesses individuais homogêneos. Para a defesa coletiva dos interesses individuais homogêneos, o Código do Consumidor traçou alguns procedimentos a serem observados, como, por exemplo, a publicação de editais para que eventuais interessados ingressem no processo como litisconsortes (art. 94 do CDC). Ocorre que, na prática, não há grande vantagem em que o indivíduo ingresse no processo, pois, atuando como litisconsorte, poderá sofrer os efeitos da improcedência. Já, se não ingressar como litisconsorte, será beneficiado pelo resultado favorável do processo, mas, se o resultado for negativo, não será afetado (art. 103, § 2º, do CDC). Seja-nos permitido, neste passo, insistir na ideia de que, apesar de os legitimados para a propositura de ações em defesa dos interesses individuais homogêneos serem praticamente os mesmos dos interesses difusos e coletivos (art. 82 do CDC), a legitimação, nesse caso, é diferente daquela atinente à tutela dos interesses difusos e coletivos. Neste caso, os entes legitimados pelo art. 82 do CDC perseguem afirmação genérica de direito alheio (dos indivíduos isoladamente considerados) em nome próprio, hipótese muito assemelhada àquela do art. 18 do CPC/2015. No caso de interesses difusos e coletivos stricto sensu, parece-nos adequada a expressão
“legitimação autônoma para a condução do processo”, proposta por Nelson Nery Jr. Essa substituição processual no caso dos interesses individuais homogêneos, todavia, não é, como dito, idêntica àquela do Código de Processo Civil. Quando, no sistema do CPC, o substituto – legitimado extraordinário (ad processum) – age em nome próprio pleiteando afirmação de direito alheio do substituído – legitimado ad causam –, sendo a demanda julgada improcedente, o legitimado ad causam não mais poderá, em hipótese alguma, rediscutir seu resultado (os efeitos da coisa julgada material o atingem). Não é o que se passa, todavia, com a “substituição processual” de que cuida o art. 81, parágrafo único, III, do Código do Consumidor. A boa técnica indica que a doutrina deveria denominar a hipótese ora sob comento diferentemente, não designando pelo mesmo nome institutos jurídicos distintos, ainda que assemelhados. Diferentemente do que ocorre com a coisa julgada referente aos interesses difusos e coletivos, no caso dos interesses individuais homogêneos, a não ocorrência da coisa julgada e a possibilidade de repropositura da ação não se vinculam à extinção da ação por insuficiência de provas, sendo que somente haverá coisa julgada erga omnes na hipótese de procedência do pedido, e, em caso de improcedência da ação (qualquer que seja a causa), aqueles que não se tiverem habilitado como litisconsortes poderão propor ações de indenização individuais. Arruda Alvim explica essa peculiaridade da coisa julgada referente aos interesses individuais homogêneos em face da disciplina própria dos interesses difusos e coletivos da seguinte maneira: “A razão desta diferença decorre de se ter valorizado mais os interesses difusos (inciso I) e os coletivos
(inciso II), do que os interesses individuais homogêneos, porque, configurando estes, normalmente, direitos subjetivos, desnecessitam de uma proteção coletiva tão intensa”684. Aqueles que tenham ingressado na ação coletiva como litisconsortes, entretanto, ainda que a ação seja julgada improcedente, serão atingidos pela coisa julgada (art. 103, § 2º, do CDC). Ressaltemos, assim, que continua aberta a possibilidade de ingresso com ações individuais, mas não coletivas685, qualquer que tenha sido a fundamentação do decreto de improcedência da ação coletiva, para aqueles que não tenham funcionado na ação como litisconsortes. Se, todavia, for julgada procedente a ação coletiva tratando de interesses individuais homogêneos, mesmo aqueles que não tenham integrado o polo ativo da ação, na qualidade de litisconsortes, poderão se beneficiar da decisão. Para tanto, será necessário que ingressem em juízo e demonstrem que se enquadram na hipótese decidida genericamente na ação coletiva. Ou seja, deverão proceder à liquidação dos danos, individualmente considerados. Por exemplo, se a ação discutia a situação de pessoas que firmaram um contrato no ano A, com a montadora de carros XZ e que tiveram problemas técnicos com estes carros decorrentes de falha na linha de produção, proferida a decisão favorável ao consumidor, para ter direito à indenização, este (ou seus sucessores) deverão comprovar em juízo todas essas premissas. Isto é o que Arruda Alvim denomina de “um processo de enquadramento da situação individual na situação genericamente definida na sentença”686. 6.4 Da suspensão das ações individuais (art. 104 do Código do Consumidor)
O art. 104 do CDC encerra regra muito importante sobre as ações coletivas, estabelecendo que não há litispendência entre as ações individuais e as ações coletivas. Aliás, como já dito, entre as ações versando interesses difusos, coletivos e mesmo os individuais homogêneos, de um lado, e as ações individuais, de outro, litispendência não poderia haver, pois os pedidos são distintos, assim como as partes, se bem que nas ações coletivas estejam contidos pedidos individuais, recebendo, porém, tratamento genérico. Mas, por outro lado, como a eficácia da ação coletiva pode também beneficiar o titular de ação individual, cuja situação esteja contida na ação coletiva, é que o legislador disciplinou expressamente o assunto. Por isso mesmo o Código do Consumidor dispõe que, havendo concomitância entre ação coletiva e ação individual (fundadas, em última análise, na mesma causa de pedir remota), o autor da demanda individual, se quiser se beneficiar da decisão da ação coletiva (nos moldes já mencionados neste trabalho), deverá requerer a suspensão da sua demanda, no prazo máximo de 30 dias contados a partir da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Ainda que haja o pedido de suspensão, se a demanda coletiva for julgada improcedente, o autor individual poderá retomar o curso da ação que ficou suspensa. Do contrário, se procedente, é patente a ulterior perda de interesse na ação individual. Ressalte-se que a regra exposta no art. 104 do CDC é aplicável às hipóteses previstas nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 81, e não apenas aos incisos I e II, conforme constou na redação do artigo, ou seja, a regra nele estampada aplica-se às hipóteses de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
6.5 Aplicabilidade do sistema do Código do Consumidor O sistema do Código do Consumidor de tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos aplica-se mesmo que não estejam envolvidas relações de consumo, por força do art. 21 da Lei n. 7.347/85, que recebeu nova redação pelo art. 117 do CDC687. Por esse dispositivo, a parte processual do Código do Consumidor constitui um sistema geral do processo das ações coletivas. 7. Outras ações 7.1 Ação civil pública (Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública) O rol de legitimados para a propositura da ação civil pública vem previsto no art. 5º da Lei n. 7.347/85. Esta presta-se à tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1º688, IV, da LACP), além daqueles expressamente previstos nos incisos I a III: meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Cabe, também, para tutelar violações à ordem econômica e à economia popular (art. 1º, V, da LACP)689 e quando houver violação à ordem urbanística (art. 1º, VI, da LACP). As normas sucessivas ao inciso IV, acrescentado ao art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, rigorosamente, já seriam encartáveis nesse inciso IV, que é amplo e protege todas as situações de interesses coletivos e difusos. Um dos legitimados à sua propositura é o Ministério Público, que tem como função institucional o seu ajuizamento, na forma do inciso III do art. 129 da CF/88690. Existe, como vimos enfatizando, uma verdadeira simbiose entre as regras do processo coletivo do Código do Consumidor e a Ação Civil Pública, por força do art. 90 do CDC691; ademais, o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública
determina que se aplique o Título III do Código do Consumidor aos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais (entenda-se, individuais homogêneos)692. A Lei da Ação Civil Pública não é expressa quanto à possibilidade de tutela de direitos individuais homogêneos, hipótese não prevista expressamente em seu texto. Por força do art. 21 da LACP, todavia, como já enfatizamos, temos que a ação civil pública também se presta à tutela de interesses individuais homogêneos693. Essa, em princípio, a opinião que encampamos, por não vislumbrarmos qualquer incompatibilidade na tutela de direitos individuais homogêneos pela via da ação civil pública. Naturalmente, insistamos, o órgão do Ministério Público só poderá tutelar, pela via da ação civil pública, direitos individuais homogêneos indisponíveis ou pelo menos de grande repercussão, tendo em vista expresso balizamento constitucional (art. 127, caput, da CF/88)694. A coisa julgada, na hipótese da ação civil pública, vem disciplinada no art. 16 da Lei n. 7.347/85, operando efeitos erga omnes, exceto se for julgada improcedente por insuficiência de provas, caso em que nova ação poderá ser intentada por qualquer legitimado, desde que assentado em nova prova. 7.2 Ação popular (Lei n. 4.717/65 – Lei da Ação Popular) A ação popular vem prevista na CF/88, no art. 5º, LXXIII695. A legitimidade para sua propositura é atribuída aos cidadãos (isto é, àqueles que podem votar e ser votados). Cabe, dentre outros fins, essa ação para pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, nos termos do art. 1º da Lei n. 4.717/65. Também cabe a ação popular para anular ato cometido contra a ordem econômica (Lei n. 8.884/94)696.
O sistema da coisa julgada nas ações populares é similar ao do Código do Consumidor, ao qual, a rigor, serviu de inspiração. A coisa julgada opera efeitos erga omnes, salvo se julgado improcedente o pedido por falta de provas (art. 18 da LAP), sistema esse que foi concebido com o nítido escopo de evitar o conluio entre o autor popular e o réu. 8. Da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, introduzida pela Lei n. 9.494/97 A Lei n. 9.494/97 conferiu nova redação ao art. 16 da Lei de Ação Civil Pública: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Referida limitação tem gerado muita controvérsia, não faltando autores de renome que a têm por inconstitucional, como é o caso de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery. Segundo esses autores, a redação dada pela Lei n. 9.494/97 é inconstitucional e ineficaz, porque afronta o direito de ação expresso no art. 5º, XXXV, da CF e, ainda, porque não observados requisitos formais atinentes ao processo legislativo para a sua edição. Sustentam, ainda, a ineficácia da medida, pois, no caso, incide o art. 103 do Código do Consumidor, que se aplica também às ações civis públicas697-698. Nessa linha de raciocínio, afirmam os juristas que, “com o advento do CDC 103, em 1990, que regulou completamente o instituto da coisa julgada no processo coletivo (direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos) o sistema legal que rege o instituto da coisa julgada no processo coletivo
passou a ser o CDC 103. Pela superveniência do CDC, houve revogação tácita da LACP 16 (de 1985) pela lei posterior (CDC, de 1990), conforme dispõe a LICC [atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro] 2º § 1º. Assim, quando editada a L 9494/97, não mais vigorava o LACP 16, de modo que ela não poderia ter alterado o que já não existia. Para que a ‘a nova redação’ da LACP 16 pudesse ter operatividade (existência, validade e eficácia formal e, por consequência, material), deveria a L 9494/97 ter incluído na LACP o art. 16, já que não se admite, no direito brasileiro, a repristinação de lei (LICC [atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro] 2º § 3º), e, ainda, a esse artigo incluído, dar nova redação. Portanto, também por esse argumento não mais existe o revogado sistema da coisa julgada que vinha previsto na LACP 16. O dispositivo legal que se encontra em vigor sobre o assunto é, hoje, o CDC”699. Afirmam, ainda, mencionados autores que a lei teria misturado os conceitos de limites subjetivos da coisa julgada com jurisdição e competência, “como se, v.g., a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comarca o casal continuasse casado!”700 Como regra, os tribunais têm dado aplicação à limitação imposta por referido texto legal. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou em favor dela, conforme se depreende da leitura de parte da decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, em sede de julgamento do pedido de liminar na ADIn 1.576-1, in verbis: “A alteração do art. 16 ocorreu à conta da necessidade de explicitar-se a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública. Entendo que o art. 16 da Lei n. 7.347, de 25 de julho de 1985, harmônico com o sistema judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação
primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolatá-la. A alusão à eficácia erga omnes sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação, tendo em conta até mesmo o interesse em jogo – difuso ou coletivo –, não alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a mudança da redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área de atuação do juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública, nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário. Indefiro a liminar”701-702. O STJ, contudo, tem muitas vezes adotado uma posição “intermediária”, conferindo aplicabilidade ao disposto no art. 16 da Lei n. 7.347/85703, mas admitindo que a decisão judicial surta efeitos no âmbito da jurisdição do tribunal competente para conhecer do recurso ordinário eventualmente interposto, afirmando que “muito se tem debatido sobre a ação civil pública, o foro competente quando interessa a mais de um Estado e o efeito erga omnes da sentença de procedência. Na situação atual, tenho que a melhor solução é a que permite a propositura da ação perante o juízo estadual, ainda quando houver interesse de cidadãos residentes em mais de um Estado, com limitação da eficácia erga omnes ao território do tribunal que julgar o recurso ordinário. A solução tem o inconveniente de exigir o ajuizamento da mesma ação em mais de um Estado, ao mesmo tempo em que não dá eficácia geral ao julgamento proferido em juízo sobre uma relação jurídica que se repete em muitos lugares do País. Ocorre que as desvantagens de entendimento diverso são maiores: a exigência de propositura da ação em Brasília, para demandas
com reflexo em mais de um Estado, dificultaria sobremaneira o acesso à justiça e limitaria a um juízo – muitas vezes distante da realidade da causa – a decisão sobre interesses coletivos de todo o País. De outra parte, assegurar eficácia em todo o território nacional para a sentença proferida em ação civil pública permitiria que um processo instaurado em qualquer juízo tivesse efeito sobre todas as relações objeto da ação, em todo o Brasil, o que poderia ensejar surpresas e abusos. Por isso, parece melhor, no sistema processual atual, que seja limitada a eficácia da sentença ao território do Estado onde proferida”704-705. Mais recentemente, o STJ veio a dar provimento a Embargos de Divergência em Recurso Especial 399.357, decidindo, por unanimidade, que a eficácia da ação civil pública deve ficar circunscrita ao Estado de São Paulo706. Em outro julgado, também recente, propendeu-se pela abrangência nacional da decisão proferida em ação coletiva707. Em suma, pode-se dizer que no STJ, nos últimos anos, são encontráveis julgados não uniformes a respeito da interpretação de sobredito dispositivo. Há julgados dando extensão nacional à decisão708, extensão regional709, o que significa dizer abrangência dentro do Estado federado ou da Região (se se tratar de Justiça Federal), ou ainda limitada à Comarca ou Seção Judiciária (se se tratar de Justiça Federal)710. Em que pese a autoridade dos autores que criticam referida limitação, como é o caso de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, que afirmam que ela, em última análise, é ineficaz, porque a extensão a todo o território nacional é decorrência da coisa julgada erga omnes, somos da opinião de que referida limitação não pode ser tida por inconstitucional. Mais do que isso, entendemos que a regra insculpida no art. 16 da LACP decorre do sistema e
nesse sentido configura verdadeira norma expletiva. Críticas interessantes à limitação, em nosso sentir, partiram da Professora Ada Pellegrini Grinover, que afirma: “Percebe-se, pela análise conjunta dos mencionados artigos, que o art. 16 da LACP só diz respeito ao regime da coisa julgada com relação aos interesses difusos (e, quando muito, coletivos), pois a regra permissiva do non liquet, por insuficiência de provas, é limitada aos incisos I e II do art. 103, relativos exatamente aos interesses transindividuais supramencionados. Na verdade, a regra do art. 16 da LACP só se coaduna perfeitamente com o inciso I do art. 103, que utiliza a expressão erga omnes, enquanto o inciso II se refere à coisa julgada ultra partes. Assim sendo, a nova disposição adapta-se exclusivamente, em tudo e por tudo, à hipótese de interesses difusos (art. 103, I), já indicando a necessidade de operação analógica para que também o art. 103, II (interesses coletivos), se entenda modificado. Mas aqui a analogia pode ser aplicada, uma vez que não há diferenças entre o regime da coisa julgada nos interesses difusos e coletivos. (...) Disso tudo resulta uma primeira conclusão: o art. 16 da Lei n. 7.347/85, em sua nova redação, só se aplica ao tratamento da coisa julgada nos processos em defesa de interesses difusos e coletivos, podendo-se entender modificados apenas os incisos I e II do art. 103 do CDC. Mas nenhuma relevância tem com relação ao regime da coisa julgada nas ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos, regulado exclusivamente pelo inciso III do art. 103 do CDC, que permanece inalterado”711. De fato, observa a autora que é de se ter presente que a ação civil pública foi idealizada primordialmente como um instrumento vocacionado à tutela dos interesses coletivos (stricto sensu) e difusos. Somente com o advento do
Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90), por força da simbiose existente entre a parte processual deste último diploma e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21 da Lei n. 7.347/85; art. 117 da Lei n. 8.078/90), é que a ação civil pública passou a ser utilizada, também, como instrumento voltado à tutela dos interesses individuais homogêneos. Quer isso significar para a jurista que o regime da coisa julgada em ações versando interesses individuais homogêneos é aquele constante do art. 103, III, do CDC, porque não há, pelos motivos históricos expostos, regramento específico dentro da Lei da Ação Civil Pública para a coisa julgada em caso de ações versando interesses individuais homogêneos. Desse modo, segundo expõe a Professora Ada Pellegrini Grinover, a limitação imposta pela Lei n. 9.494/97 não teria tido, pelo menos, o condão de atingir as ações (inclusive as civis públicas) versando interesses individuais homogêneos, desde que ao art. 103, III, do CDC, não foi imposta qualquer alteração por referido diploma legal. Conquanto bem engendrada, e em que pese a autoridade inegável de sua ilustre arquiteta, tal explicação, ainda assim, não nos convence. Isso por vários motivos. Por primeiro, tem-se que há uma inegável simbiose entre a parte processual do CDC e da Lei da Ação Civil Pública (a propósito, ver o art. 21 da Lei de Ação Civil Pública e o art. 117 do Código do Consumidor). Desse modo, na exata medida em que não existe qualquer incompatibilidade entre a regra inserta no art. 16 da Lei de Ação Civil Pública e o Código do Consumidor, não há por que não aplicá-la à ação civil pública. De mais a mais, se a limitação é aceita no caso de interesses difusos e coletivos, que são indivisíveis, não há por que não admiti-la na hipótese de interesses individuais homogêneos, que são, por excelência, divisíveis.
Na verdade, nossa opinião é a de que a qualquer espécie de ação coletiva é aplicável a disposição constante da parte inicial do art. 16 da LACP (“nos limites da competência territorial do órgão prolator”), com exceção do mandado de segurança coletivo. Com efeito, a coisa julgada no mandado de segurança coletivo é disciplinada pelo art. 22 da Lei n. 12.016/2009. Assim, no mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Neste passo, é de se registrar que a MP 2.180712 acrescentou o art. 2º-A à Lei n. 9.494/97: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços”. Referido preceito ajusta-se perfeitamente à ideia acima exposta, no sentido de que o juiz exerce a jurisdição nos limites da competência territorial que lhe é afeta. Ora, da mesma forma que não é dado, segundo nosso entender, a alguém que se filie a determinada associação depois da propositura da ação por parte desta, para a finalidade de se beneficiar dos efeitos de determinada decisão judicial, também não é lícito que alguém, já filiado à associação, mas não domiciliado no foro da ação coletiva, venha a alterar seu domicílio para a área em que determinado juiz exerce a jurisdição como forma de vir a se
beneficiar de determinada decisão. Não fosse a explicitude da regra supramencionada, pode-se dizer que tal proceder atritaria, em última análise, até mesmo com a ética. 9. Mandado de segurança coletivo Trata-se de remédio constitucional previsto no art. 5º, LXX, a e b, da Constituição Federal e disciplinado em âmbito infraconstitucional pela Lei n. 12.016/2009. Em nada difere do mandado de segurança individual quanto aos requisitos que se fazem necessários ao seu ajuizamento. Assim, a exemplo do que se passa com o “individual”, caberá mandado de segurança coletivo para “proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. Dadas as peculiaridades quanto à legitimidade do mandado de segurança coletivo, estatui o art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009 que ele pode ser impetrado na defesa dos interesses legítimos relativos aos integrantes de partido político com representação no Congresso Nacional ou à finalidade partidária ou em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos membros ou associados de organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, um ano, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades. Apesar da identidade referente aos requisitos necessários para a impetração do mandado de segurança, seja coletivo, seja individual, no que se refere à legitimidade eles se diferenciam. De acordo com o disposto no inciso LXX do art. 5º da CF/88, e art. 21,
caput, da Lei n. 12.016/2009, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado: a) por partido político com representação no Congresso Nacional e b) por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Trata-se, é bem de ver, de hipótese diversa do art. 5º, XXI, também da Constituição Federal, que cuida de representação, tratando da legitimidade de entidades associativas para agirem em nome de seus membros. O maior campo de utilização do mandado de segurança coletivo serão os interesses individuais homogêneos, o que não implica dizer que fique descartada a sua utilização em se tratando de interesses difusos ou coletivos stricto sensu, ainda que o parágrafo único do art. 21 da Lei n. 12.016/2009 disponha que os direitos protegidos pelo mandado de segurança possam ser os coletivos (art. 21, parágrafo único, I, da Lei n. 12.016/2009) e os individuais homogêneos (art. 21, parágrafo único, II, da Lei n. 12.016/2009). Nada obsta, em nosso sentir, a impetração de mandado de segurança coletivo visando a tutela de direitos difusos. Interpretação diferente angustiaria indevidamente a importância que o legislador constituinte conferiu ao mandado de segurança e, em particular, ao mandado de segurança coletivo. Com efeito, não há por que negar o cabimento do mandado de segurança coletivo para impugnar, por exemplo, ato administrativo que provoque danos ambientais713. No que concerne à legitimidade ativa para impetração do mandado de segurança, convém registrar que os tribunais a reconheciam em favor do sindicato para a tutela de interesses respeitantes a apenas uma parcela da categoria profissional, mesmo antes do advento da Lei n. 12.016/2009714-715.
Deveras, hoje a lei é clara no sentido de que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado na defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos membros ou associados da organização sindical, entidade de classe ou associação (art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009). Já tivemos a oportunidade de escrever que o rol de legitimados ao ajuizamento do mandado de segurança coletivo elencado na Constituição é meramente enunciativo e não exaustivo716. Retomada essa ideia, passemos a analisar, separadamente, os legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo prevista no art. 5º, LXX, da Constituição Federal, e art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009, a saber: a) partido político com representação no Congresso Nacional: trata-se de legitimidade ampla, uma vez ausente a restrição contida na alínea b do referido dispositivo constitucional. Lá consta, textualmente, exigência no sentido de que o remédio constitucional seja impetrado “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”. Dessa forma, caberá mandado de segurança coletivo impetrado por partido político desde que os objetivos colimados por essa via digam respeito às finalidades dos partidos políticos, tais como se encontram estampadas no art. 17 da CF/88. Nesse passo, calha referir o art. 1º da Lei n. 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), que dispõe que eles se destinam a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais, tais como definidos e assegurados pela Constituição Federal. É dizer, em outras palavras, na hipótese de que trata a alínea a do inciso LXX do art. 5º da CF/88, que o mandado de segurança coletivo poderá
transcender o universo dos filiados ao partido impetrante da segurança, envolvendo, por exemplo, assuntos de interesse nacional. Há, aqui, o requisito da pertinência temática, mas com espectro de utilização muito mais amplo do que, por exemplo, aquele previsto na alínea b, como se verá adiante. A única restrição imposta pela Constituição Federal, em casos tais, é a de que o partido político conte com representação no Congresso Nacional. Todavia, em nosso pensar, essa legitimidade há de pressupor uma correlação entre as finalidades que devem ser por eles perseguidas explicitadas pela Constituição Federal e as que constam da Lei Orgânica dos Partidos Políticos717. A nova Lei do Mandado de Segurança parece ter encampado essa orientação, ao estatuir, na primeira parte do caput do art. 21 da Lei n. 12.106/2009, que o “mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária (...)”; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. A hipótese ora sob enfoque distingue-se, como dito, daquela do inciso XXI do art. 5º da CF/88, onde se lê que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. Trata-se, aqui, de representação. De outro lado, tratando-se de mandado de segurança coletivo impetrado para a defesa de direitos difusos e coletivos stricto sensu, parece-nos
adequada a expressão já mencionada “legitimação autônoma para a condução do processo”, proposta por Nelson Nery Jr. Já a legitimação para impetração do mandado de segurança coletivo versando interesses individuais homogêneos, com supedâneo na alínea b do inciso LXX, é diversa e consubstancia hipótese mais próxima de substituição processual (com as ressalvas já colocadas quanto às diferenças entre “esta” substituição processual e aquela própria do regime do CPC), na medida em que aqui, ou seja, quando se está diante de mandado de segurança coletivo versando direitos individuais homogêneos, a associação age em nome próprio, ainda que perseguindo afirmação de direito alheio. Deste modo, dispensável a autorização de seus membros para a propositura de ação coletiva718-719, na linha do que se encontra cristalizado na Súmula 629 do Supremo Tribunal Federal720, orientação esta que veio a ser encampada pela nova Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009), mais precisamente na parte final do caput do art. 21 de referido diploma legal, onde consta que o mandado de segurança coletivo impetrado por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída prescinde de qualquer autorização especial. Há, como já sublinhado, que se ter presente o art. 2º-A, da Lei n. 9.494/97, no sentido de que a sentença somente poderá atingir aqueles associados que tiverem domicílio no âmbito da competência do órgão prolator. Quanto à exigência do domicílio, repisamos nosso entendimento no sentido de que não é ela incompatível com o sistema das ações coletivas. A propósito, remetemos o leitor ao quanto dissemos no item 8, supra. Temos, todavia, que referido dispositivo legal não se aplica ao mandado de segurança coletivo, cujos limites subjetivos da coisa julgada encontram-se disciplinados
pelo art. 22 da Lei n. 12.016/2009, que prescreve que a sentença do mandado de segurança coletivo fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Interessante questão que se coloca, neste passo, é a de saber se o rol de legitimados indicados na Constituição Federal é, ou não, taxativo, e, mais do que isso, se poderia vir a ser ampliado por lei federal. Não vislumbramos, como já dissemos anteriormente, qualquer problema em admitir que a lei ordinária possa ampliar o rol de legitimados à impetração do mandado de segurança coletivo. Temos para nós, nesse contexto, que o Ministério Público tem legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo. É bem de se ver, nesse passo, que ao mandado de segurança coletivo aplica-se a parte processual do Código do Consumidor. Destarte, não apenas o Ministério Público, mas os demais entes legitimados elencados no art. 82 do CDC também devem ser tidos como legitimados para a propositura do mandado de segurança coletivo. Há julgados do STJ no sentido de admitir a legitimação do Ministério Público para impetração do mandado de segurança coletivo. Outra não poderia ser a conclusão, aliás, diante da clareza do art. 83 do Código do Consumidor. Conforme já tivemos a oportunidade de expor721, não se está pretendendo interpretar a Constituição Federal a partir da legislação infraconstitucional722. Na verdade, tem-se que, já a partir da própria Constituição, a impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público, visando a atender suas finalidades institucionais, é perfeitamente possível e que essa assertiva é compatível com a legislação infraconstitucional editada após o advento da CF/88. Impõe-se, pois, a conclusão de que o rol de legitimados do inciso LXX do art. 5º da CF/88 é apenas enunciativo, opinião que é compartilhada
por Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria de Andrade Nery723. O reconhecimento de que o órgão do Ministério Público tem legitimidade para a impetração de mandado de segurança coletivo não quer significar possa o Parquet distanciar-se de suas funções institucionais, delineadas no art. 129, I a IX, do Texto Maior; quer dizer, apenas e tão somente que, para a persecução desses fins, poderá o Ministério Público utilizar-se, dentre outros instrumentos, do mandado de segurança coletivo. Há interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça em que restou reconhecida a legitimidade do Ministério Público não só para ação popular ou ação civil pública, como também para o mandado de segurança coletivo, afirmando que “a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a ação popular, a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 2. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 3. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. 4. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a ação popular, a ação civil
pública ou o mandado de segurança coletivo”724. 9.1 Pertinência temática Para impetração do mandamus, é essencial que estejam em pauta interesses dos membros ou associados, a teor da alínea b do inciso LXX do art. 5º da CF/88. Há necessidade, como se lê claramente da parte final de mencionado dispositivo, que estejam em pauta interesses dos associados, como claramente se exige na parte final de referida alínea b. Esse liame pode ser identificado pelo cotejo entre os objetivos colimados pela associação e a afirmação de direito em disputa dos associados, pois do contrário descaberá o mandado de segurança coletivo725. Temos para nós que essa relação entre o objeto da impetração e os estatutos sociais é necessária para que seja viável a impetração coletiva pela alínea b do inciso LXX do art. 5º da CF/88. É o que se pode extrair da parte final do caput do art. 21 da Lei n. 12.016/2009, que prescreve caber mandado de segurança coletivo impetrado por entidades de classe em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, “na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades (...)”. Claro está que, toda vez que existir relação entre o objeto da impetração e os estatutos sociais, haverá interesse dos membros ou associados. Haverá interesse dos membros ou associados sempre que existir correspondência do interesse que se pretende tutelar com os fins institucionais da associação, entidade de classe ou sindicato. É o que se designa por requisito da “pertinência temática”. Assim, se, pela alínea b do inciso LXX, têm aquelas entidades
legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo “no interesse de seus membros ou associados”, tanto bastará a coincidência entre os objetivos a serem perseguidos por elas mesmas e os interesses em disputa no caso concreto, para que haja legitimidade para impetração da segurança coletiva726. A Lei n. 12.016/2009, na parte final do caput do art. 21, veio a consagrar a pertinência temática para impetração de mandado de segurança coletivo pelas entidades de classe, associações e organizações sindicais. É que, em última análise, o que deve estar em pauta são os interesses dos associados, os quais se fazem presentes, desde que exista dita correlação entre os fins associativos e o objeto da impetração727. Como quer que seja, convém repisar, cuidando-se de legitimação extraordinária, desnecessária será a autorização que exige o inciso XXI do art. 5º, da CF/88728, na linha da iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores, como restou verificado, e do que está cristalizado na Súmula 629 do STF e na parte final do art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009. Repise-se: nos casos da alínea b do inciso LXX do art. 5º do Texto Maior, a exemplo do que se passa na impetração pelos partidos políticos (alínea a), é desnecessária a autorização de que trata o inciso XXI do art. 5º da Carta Constitucional. O que é essencial, como se procurou demonstrar, é que estejam em pauta interesses dos membros ou associados, a teor da alínea b do inciso LXX do art. 5º da CF, que pode ser aferido através da correspondência do interesse que se pretende tutelar com os fins institucionais da associação, entidade de classe ou sindicato, concluindo pela legitimidade ativa, na medida em que exista tal pertinência. O interesse dos membros ou associados não se faz presente, caso inexista dita correspondência. É o que se extrai da parte final do art. 21 da Lei n. 12.016/2009.
Para nós, porque o Texto Constitucional não impôs restrição alguma, temos que o mandado de segurança coletivo pode ser utilizado para proteção do interesse de um grupo interno da categoria ou classe, desde que não haja colidência com os interesses dos demais. Essa orientação veio a ser consagrada no art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009, que dispõe que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado no interesse da “totalidade, ou de parte” dos membros ou associados. A propósito, antes do advento da Lei n. 12.016/2009, já havia a Súmula 630 do STF, do teor seguinte: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”. Tratando-se, a seu turno, da hipótese prevista na alínea a, o requisito da pertinência temática haverá de ser compreendido de modo mais amplo do que aquele previsto na alínea b, pois não se vislumbra a exigência de impetração de mandado de segurança coletivo “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”. Em casos tais, estará legitimado o partido político para a impetração de mandado de segurança coletivo, desde que os objetivos colimados por essa via digam respeito às finalidades dos partidos políticos729. A parte inicial do caput, do art. 21, da Lei n. 12.016/2009, a propósito, dispõe que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária. O partido político, se estiverem em pauta interesses difusos ou coletivos, age como legitimado autônomo à condução do processo, pelas mesmas razões anteriormente expostas. Poderá, porém, haver substituição processual (com as ressalvas já postas no que diz respeito à inadequação da transposição,
pura e simples, de conceitos arraigados no plano do processo individual para o processo coletivo), se estiverem em discussão interesses individuais homogêneos. 9.2 A exigência do caso concreto: o mandado de segurança preventivo Sabe-se que a tutela jurisdicional só pode ser prestada diante de uma hipótese concreta. Exceções que se colocam a essa regra são apenas, em nosso sentir, as ações que envolvem o denominado controle abstrato de constitucionalidade da norma. O mandado de segurança coletivo não se constitui em exceção e, portanto, só pode ser impetrado diante de violação concreta a direito líquido e certo (repressivo), assim como em hipótese de justo receio de lesão a direito líquido e certo (preventivo). Nesse sentido é a Súmula 266 do STF730, aplicável, com essas considerações, ao mandado de segurança coletivo. O que deve ser evidenciado, nesse contexto, é que a perspectiva de que se enfoca esse caso concreto, quando se está diante de mandado de segurança coletivo, é distinta daquela do mandado de segurança individual731. O caso concreto, para fins de impetração de mandado de segurança coletivo, não pode ser visto como se fosse um caso de mandado de segurança individual impetrado por vários litisconsortes ativos. É preciso, na hipótese da alínea a, que exista uma situação concreta – violadora de direito líquido e certo – que diga respeito aos objetivos que devem ser perseguidos pelos partidos políticos. Tanto basta, para que se justifique a impetração de mandado de segurança coletivo com amparo em referido dispositivo. Figura-se uma hipótese concreta, que abaixo será mais bem analisada.
Ficou bastante conhecida, há alguns anos, a questão atinente ao reajuste de 147% dos proventos dos aposentados. Nesse caso, parece-nos que havia legitimidade para que os partidos políticos impetrassem mandado de segurança coletivo envolvendo o tema, pois a questão então colocada em pauta dizia com os objetivos a serem perseguidos por aquelas entidades, nos termos do art. 17, caput, da Constituição Federal. É nesse sentido que afirmamos que a exigência de que haja lesão para que não se cuide de impetração contra lei em tese não pode ser encarada da mesma forma em se tratando de mandado de segurança coletivo. Registre-se, portanto, que também na hipótese de mandado de segurança coletivo é imprescindível a existência de caso concreto. Não permite, a via mandamental, o controle da lei em abstrato. Não se deve, todavia, reduzir o mandado de segurança coletivo a um caso de litisconsórcio ativo. 9.3 Coisa julgada no mandado de segurança coletivo A entrada em vigor da Lei n. 12.016/2009 trouxe algumas modificações no âmbito da coisa julgada no mandado de segurança coletivo. Com efeito, mesmo com o advento de aludido diploma legal, quer nos parecer ter aplicação ao mandado de segurança coletivo a sistemática da coisa julgada secundum eventum litis, instituída pelo CDC (art. 103, II e III), por força do que dispõe o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), com alguns aspectos peculiares estabelecidos pelos arts. 21 e 22 da Lei n. 12.016/2009. Deveras, o art. 22 da Lei n. 12.016/2009 trata, única e exclusivamente, da eficácia subjetiva da coisa julgada, de modo que é no Código de Defesa do Consumidor que se há de buscar a sistemática da coisa julgada no mandado de segurança coletivo. O art. 103 do CDC, a seu turno,
tem nítida inspiração no art. 18 da Lei da Ação Popular, que já dispõe acerca da coisa julgada segundo o resultado do processo732. Por outro lado, temos que, como já ponderado o mandado de segurança coletivo, ainda que a lei não seja expressa, constitui instrumento processual apto à tutela de interesses difusos. Neste caso, com muito mais razão, é também o Código de Defesa do Consumidor que disciplina a coisa julgada (art. 103, I). O precitado art. 22 da Lei n. 12.016/2009, de seu turno, ao tratar de eficácia subjetiva da coisa julgada no mandado de segurança, deixa claro que serão atingidos pela decisão os que forem membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Temos para nós que esse dispositivo é perfeitamente compatível com o texto constitucional, pois essa ideia decorre, em última análise, do próprio inciso LXX, alíneas a e b do Texto Supremo. Ora, se a disciplina da coisa julgada no mandado de segurança coletivo deve ser extraída do Código de Defesa do Consumidor, como já tivemos oportunidade de observar anteriormente, temos que a improcedência do mandado de segurança coletivo, verse ele sobre interesses difusos ou coletivos stricto sensu, levará à formação da coisa julgada no plano das ações coletivas. Por outro lado, a improcedência por falta de provas, evidentemente, não levará à formação de coisa julgada, mesmo porque, se faltam provas no mandado de segurança, é porque não há direito líquido e certo, de modo que a decisão a ser proferida, nesse caso, rigorosamente, não é de improcedência, mas de carência, o que não obsta a repropositura da ação, seja pelo sistema do CPC (art. 486 do CPC/2015), seja pela própria Lei do Mandado de Segurança (art. 6º, § 6º). De qualquer forma, interesses individuais não serão prejudicados pela improcedência do mandado de segurança coletivo nesses
casos (art. 103, § 1º, do CDC), que poderão inclusive utilizar-se do mandado de segurança individual, desde que, evidentemente, observado o prazo do art. 23 da Lei n. 12.016/2009. Caso o mandado de segurança verse interesses individuais homogêneos, aplicar-se-á a sistemática do art. 103, III, do Código do Consumidor. Em caso de procedência, a coisa julgada operará efeitos erga omnes; em caso de improcedência, ações individuais, inclusive o mandado de segurança individual (se dentro dos 120 dias de que trata o art. 23 da Lei n. 12.016/2009), não serão obstadas, a menos que o interessado tenha atuado no mandado de segurança coletivo como litisconsorte (art. 103, § 2º). A Lei n. 12.016/2009, como já pontuado, é clara, na linha do Código de Defesa do Consumidor, que o mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais (art. 22, § 1º, da Lei n. 12.016/2009; art. 104 do Código do Consumidor). Pelo art. 104 do CDC, se houver ações individuais em curso, os efeitos da coisa julgada na ação coletiva não beneficiarão os autores das ações individuais se não for requerida a suspensão de referidas ações. Todavia, é importante repisar, na sistemática da nova Lei do Mandado de Segurança, os efeitos da coisa julgada no mandado de segurança coletivo não aproveitarão o impetrante do mandado de segurança individual, se este não vier a requerer a desistência de seu writ, no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva (art. 22, § 1º, da Lei n. 12.016/2009). Havendo desistência nos termos do art. 22, § 1º, da Lei n. 12.016/2009, conquanto esta configure hipótese de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, VIII, do CPC/2015), sendo em tese viável a repropositura do mandado de segurança individual (art. 486 do CPC/2015 e art. 6º, § 6º, da Lei n. 12.016/2009), na prática,
dificilmente o autor conseguirá impetrar novo mandado de segurança individual dentro dos 120 dias de que trata o art. 23 da Lei n. 12.016/2009. Temos por paradoxal e criticável a solução adotada pelo legislador nesse caso. 10. Mandado de injunção coletivo O mandado de injunção foi instituído pelo art. 5º, LXXI, da Constituição Federal de 1988, e recentemente regulado pela Lei n. 13.300/2016, como instrumento a ser utilizado “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Trata-se, portanto, de um “remédio para controle incidental da omissão normativa, para tutelar direitos subjetivos constitucionais frustrados pela inércia ilegítima do Poder Público”733. Existem casos em que a ausência de norma regulamentadora torna inviável o exercício de direitos e liberdades de determinada coletividade, daí por que necessário o mandado de injunção na modalidade coletiva. Cumpre-nos pontuar que houve controvérsia acerca do cabimento de mandado de injunção na modalidade coletiva para a tutela de diretos difusos justamente pela indeterminação de seus titulares, que foi definitivamente superada com o advento da Lei n. 13.300/2016734. O parágrafo único do art. 12 da Lei n. 13.300 esclarece que “os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria”. O mandado de injunção coletivo poderá ser proposto pelo Ministério
Público quando a tutela for relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis (art. 12, I, da Lei n. 13.300/2016); pelos partidos políticos com representação no Congresso Nacional para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados (art. 12, II, da Lei n. 13.300/2016); pela organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída – estando em funcionamento há pelo menos 1 ano – para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que a atuação seja pertinente com a sua finalidade; e, por fim, pela Defensoria Pública para requerer tutela especialmente relevante para a promoção de direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV, da CF/88. O art. 14 da Lei n. 13.300/2016 determina a aplicação subsidiária das normas de mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) e dos Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015. 10.1 Coisa julgada no mandado de injunção coletivo No que tange à coisa julgada, o art. 13 da Lei n. 13.300/2016 é claro ao instituir que o mandado de injunção coletivo fará coisa julgada apenas às pessoas que integram a coletividade, grupo, classe ou categoria substituídos pelo impetrante. E, na forma como dispõe o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 13.300/2016, se indivíduo pertencente a determinada coletividade não requerer a desistência de sua demanda individual no prazo de 30 dias, ele não será beneficiado da coisa julgada do mandado de injunção coletivo. João Francisco N. da Fonseca entende que essa regra “visa evitar que o indivíduo
seja inadivertidamente prejudicado por uma impetração coletiva deficiente ou mal fundamentada, conferindo-lhe a opção de continuar buscando a tutela do seu direito por sua própria conta e risco”735. 11. Controle de constitucionalidade e as ações coletivas De acordo com o art. 102, I, a, da Constituição Federal, compete exclusivamente ao STF declarar a inconstitucionalidade de lei federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Trata-se do controle abstrato de constitucionalidade, instituído com a finalidade de expurgar do ordenamento jurídico norma incompatível, formal e materialmente, com a Constituição Federal. Declarada a inconstitucionalidade da norma, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a norma não poderá mais ser aplicada em todo o território nacional, pois a declaração surte eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, como se observa do art. 102, § 2º, da CF. Há, ainda, outros meios de o STF exercer o controle concentrado de constitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 3º, da CF e arts. 12-A a 12-H, Lei n. 9.868/99, acrescentados pela Lei n. 12.063/2009), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º, da CF, regulamentada
pela
Lei
n.
9.882/99)
e
a
ação
declaratória
de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, a, e regulada pela Lei n. 9.868/99). Por outro lado, a constitucionalidade de uma norma pode ser aferida incidentalmente, como “pano de fundo” de um caso concreto submetido à apreciação do Poder Judiciário. É o controle concreto de constitucionalidade.
As ações judiciais, como regra, devem ter por base um litígio em concreto. Desse modo, a arguição incidental de inconstitucionalidade somente pode ser admitida como fundamento do pedido, mas nunca como objeto principal, como sucede na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade. Vale dizer, conquanto a inconstitucionalidade possa ser alegada incidenter tantum, tal alegação só é admissível se for em relação a um litígio, em si mesmo definível. Observa Arruda Alvim “que o que se percebe, claramente, é que, não incomumente, propõem-se ações civis públicas de forma desconectada com o verdadeiro litígio, com insurgência, exclusivamente, contra um ou mais de um texto legal, e o que se pretende na ordem prática ou pragmática é que, declarada a inconstitucionalidade de determinadas normas, não possam mais elas vir a ser aplicadas, no âmbito da jurisdição do magistrado ou do tribunal a este sobreposto. Ora, se se pretende que determinados textos não possam vir a ser aplicados, dentro de uma dada área de jurisdição, disto se segue tratar-se efetivamente de declaração in abstrato da inconstitucionalidade, ainda que possa ter sido nominado de pedido de declaração incidenter tantum”736. Temos para nós que é perfeitamente possível o controle de constitucionalidade em ações coletivas, mas necessária é a caracterização de um caso concreto, para que qualquer juízo possa exercer o controle de constitucionalidade no caso concreto, como fundamento de decidir. Caso contrário, se se estiver pretendendo o controle de constitucionalidade em tese via ação coletiva, configura-se nítido caso de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, passível de correção via reclamação737-738. Conclui com acerto Arruda Alvim que, “por tudo que foi dito, afigura-se
que inconstitucionalidade levantada em ação civil pública, como pretenso fundamento da pretensão, mas em que, real e efetivamente, o que se persiga seja a própria inconstitucionalidade, é arguição incompatível com essa ação – e, na verdade, com qualquer ação –, por implicar usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal”739. É inegável, assim, que o ordenamento jurídico admite que a (in)constitucionalidade
de
determinada
norma
pode
ser
decretada
incidentalmente tendo em vista um caso concreto colocado à apreciação do Poder Judiciário. Admite-se, assim, a declaração incidental de inconstitucionalidade, desde que haja um litígio devidamente delineado posto à apreciação do Poder Judiciário. Nos ensinamentos de Arruda Alvim, “a declaração incidental, restrita que é às partes, gera, apenas, ineficácia da lei, para um dado caso, e é exatamente por isso que se faz imprescindível identificar faticamente qual é esse dado caso. Na declaração incidental, uma vez declarada, há uma relação jurídica a ser fulminada, concretamente, mas a lei continua inteiramente em vigor”740. A norma jurídica, a princípio declarada inconstitucional, compõe não o objeto, mas o fundamento da decisão, e, portanto, admissível o controle incidenter tantum de constitucionalidade em sede de ação coletiva741.
XXXVI TEORIA GERAL DOS RECURSOS
1. Recurso e seu conceito Antes de ingressarmos no estudo dos princípios fundamentais que regem os recursos em nosso sistema, é necessário fixar a ideia do que é recurso, para o que é relevante o exame do direito positivo. Pressuposto fundamental para termos essa ideia é, desde logo, apartarmos a noção de recurso das chamadas ações autônomas de impugnação. Os recursos e as ações autônomas de impugnação são instrumentos vocacionados a atacar decisões judiciais, mas ostentam diferenciações relevantes. Costuma-se dizer que os recursos empecem a formação da coisa julgada, ao passo que as ações autônomas de impugnação são instrumentos aptos a contrastar decisões transitadas em julgado. Na verdade, conforme apontava Barbosa Moreira com natural percuciência já na vigência do CPC/73, se de um lado é possível afirmar que todo e qualquer recurso obsta a formação da coisa julgada742 – ideia que, aliás, deflui do art. 502 do CPC: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” –, de outro não é correto asseverar que todo e qualquer
remédio utilizável contra decisão ainda não passada em julgado seja recurso743. Na verdade, o que se deve ter presente é que os recursos são instituídos para operarem durante o curso do processo, para nele serem inseridos, prolongando o estado de litispendência (v.g., apelação), ou, então, isolando incidentes (= decisões interlocutórias) e levando-os ao órgão ad quem, através do agravo de instrumento. Esse o critério fundamental, em função do qual há de se definir recurso, entre nós744. Recurso é meio de impugnação de decisões judiciais inserido no mesmo processo em que aquelas tenham sido proferidas, mas não necessariamente nos mesmos autos. Para Araken de Assis, em posição solidamente fundamentada, “o recurso constitui pretensão autônoma deduzida in simultaneo processu”745. Com base nesta definição, descarta-se o uso do mandado de segurança como recurso, ainda que, neste caso, não compareça o critério da coisa julgada como elemento distintivo. Por isso é que se disse anteriormente que, se é verdade que os recursos sempre obstam a formação da coisa julgada, não é correta a afirmação de que, sempre e necessariamente, os meios de impugnação de decisões que ainda não transitaram em julgado sejam sempre recursos. O critério distintivo, à luz do direito positivo, repita-se, não é o fato de o meio impugnativo voltar-se contra decisões transitadas em julgado – o critério distintivo deve pautar-se na necessidade ou não de instauração de um novo processo746. Assim, o mandado de segurança, na hipótese acima mencionada, formará outro processo e funcionará como ação impugnativa autônoma, que possui o
condão de modificar ou ao menos interferir em outro processo, antes da formação da coisa julgada neste último747. Nem por isso, todavia, será considerado recurso. O mesmo pode se dizer, mutatis mutandis, a respeito da utilização de embargos de terceiro para afastar decisão judicial em que se determinou constrição judicial indevida. Exemplo também eloquente, sobretudo à vista do CPC em vigor, é a reclamação (de que se tratará mais de espaço adiante), que também objetiva atingir decisão judicial proferida no bojo de outra relação processual, sendo imprescindível que o seu manejo se dê antes do trânsito em julgado (cf. art. 988, § 5º, I, do CPC e a Súmula 734 do STF). Os recursos se inserem na mesma relação processual, ou no mesmo processo, prolongando-o com o objetivo de ver decididas novamente as matérias constantes da sentença e também das decisões interlocutórias, por isso mesmo obstando que se forme a coisa julgada, impedindo, também, que ocorra preclusão748 – vale dizer, alongam a litispendência formada com a citação, ou resolvem questões menores. Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “Podem variar, em relação aos diversos capítulos de uma sentença só, os momentos em que cada um deles passa em julgado (...) [por exemplo] pelo fato de haver sido interposto recurso com relação a um capítulo, mas quando aos outros, não (...)”749. Essa posição já era por nós adotada durante a vigência do CPC/73, a despeito da posição então adotada pelo STJ no julgamento do REsp 736.650/MT, no qual o Ministro Antônio Carlos Ferreira afirmou que é “incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos distintos, a fim de evitar o tumulto processual decorrente de inúmeras coisas julgadas em um mesmo feito”750. Cremos que o CPC/2015 reforça a ideia de que é possível, pelo direito
brasileiro, o trânsito em julgado parcial, afinal o art. 1.013, § 1º, diferentemente do correspondente art. 515, § 1º, do CPC/73, refere-se expressamente ao “capítulo impugnado”. Os recursos podem objetivar a reforma, a invalidação, a integração ou o esclarecimento da decisão impugnada, bem como a uniformização da jurisprudência. Essas várias hipóteses serão analisadas com mais detença a seu tempo, quando estudarmos as espécies de recursos. Já as ações autônomas de impugnação – por exemplo, a ação rescisória– pressupõem a instauração de nova relação processual, ainda que não necessariamente sejam todas elas vocacionadas a contrastar decisões transitadas em julgado (v.g., na hipótese de mandado de segurança contra ato judicial, ou de embargos de terceiro, há ação impugnativa autônoma, com instauração de nova relação processual, sem que tenha havido trânsito em julgado). Convém notar que mesmo em caso de se objetivar o atingimento de ato meramente homologatório do juízo, que desafia a invalidação do próprio ato da parte (cf. art. 966, § 4º, do CPC), exige-se a instauração de nova relação jurídica processual, afastando também a figura prevista em referido artigo do conceito de “recurso”. É de todo conveniente, também, referirmos, neste passo, as posições doutrinárias mais relevantes a respeito da situação da sentença sujeita a recurso (pendente de julgamento), que podem dizer-se posições clássicas. Há quatro posições que se podem dizer as fundamentais: a) na sentença submetida a um recurso estaria implicada condição suspensiva, significativa de que, ainda que tendo ela todos os elementos necessários à sua existência, seria despida de eficácia, a qual somente poderia vir a ser desencadeada se no julgamento do recurso essa sentença viesse a ser confirmada; b) a sentença
sujeita a recurso fica submetida a condição resolutiva, porque seria ela ato perfeito e acabado, mas, com o hipotético provimento do recurso, a sua eficácia resultaria resolvida; c) a sentença sujeita a ser reformada, com o julgamento do recurso, configura uma situação jurídica que poderá subsistir e, então, produzir efeitos, no caso de julgamento coincidente do recurso com aquele que se constituiu no julgamento da causa; d) a sentença é ato perfeito e acabado, mas sujeito a revogação ou manutenção, hipóteses que podem ocorrer com o provimento ou não do recurso. Como diz Barbosa Moreira, a posição que mais se afeiçoa ao direito positivo brasileiro é a de que a sentença sujeita a recurso está submetida a uma condição suspensiva, pois “de ordinário [nasce a sentença] tolhida em sua eficácia”751. O discrímen entre as letras a e b parece-nos estar no grau de eficácia atribuído pelo sistema jurídico às sentenças – vale dizer, é assunto que, para ser solucionado, demanda seja levada em conta a extensão do efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação. Se a sentença, apesar de sujeita ao recurso, produz efeitos, podendo ser cumprida, há de propender-se pela hipótese da letra b, pois, provido o recurso, resolvem-se os efeitos já produzidos752. Essas explicações, como acima dissemos, clássicas, haverão de ser repensadas em decorrência de figuras modernas, e, entre nós, objeto de direito positivo. Com efeito, tanto basta pensar no instituto da tutela antecipada (de urgência ou de evidência) (arts. 300 e 311 do CPC), em que a decisão que antecipa a tutela fica, ainda, ela mesma, sujeita a confirmação por outra decisão – sentença753 (a respeito da qual as teorias foram pensadas e
construídas) –, mas, de qualquer forma, desencadeia, desde logo, a produção de alguns ou todos os efeitos próprios da sentença final, para ver que tais explicações ficam, ao menos, nubladas. Se a decisão antecipatória de tutela produz efeitos – e, obviamente, o recurso que contra ela seja interposto não pode ter a virtude, pelo menos em regra, de obstar-lhe a eficácia754, pois isto envolveria uma contradição –, segue-se que uma das explicações tradicionais (a da letra b) será a melhor, valendo referir, ainda, que não é sequer a sentença final do processo que está em pauta, senão a decisão que a essa antecede. Se a tutela antecipada de urgência ou da evidência, confirmando-se tal provimento com a sentença, ainda que o recurso de apelação originariamente tivesse efeito suspensivo, em face da antecipação de tutela, a apelação, pelo menos quanto à parte da sentença confirmatória da decisão de antecipação de tutela, terá efeito apenas devolutivo, conforme didaticamente preceitua o inciso V, do § 1º, do art. 1.012 do CPC/2015. Importa mencionar, ademais, que o CPC/2015 corrigiu imprecisão terminológica de que padecia o art. 520, VII, do CPC/73, que subtraia do recurso de apelação o efeito suspensivo apenas quando houvesse a confirmação da antecipação de tutela, aparentemente excluindo da hipótese a concessão da tutela antecipada na própria sentença. Dessa forma, de maneira que nos parece acertada, o art. 1.012, § 1º, V, do CPC, diz não ficar suspensa a eficácia da sentença quando houver confirmação, concessão ou revogação da tutela provisória (seja ou não satisfativa, bem como tenha ou não urgência), pela sentença. Deve-se ter presente, ademais, que na atividade recursal está sempre implicado um ônus (o caso do art. 496 do CPC/2015 será examinado à parte).
Este envolve a necessidade de iniciativa, com vistas à obtenção ou à possibilidade de obtenção de um benefício próprio. Por isso mesmo é que o ônus é compreensível dentro do ambiente do princípio dispositivo, de que aqui se cogitará, na medida útil para a exata compreensão dos princípios fundamentais dos recursos. O CPC/2015 alterou o sistema de preclusões, de modo que, a não interposição de um recurso em relação a uma decisão interlocutória que não se enquadre nas hipóteses de cabimento de agravo de instrumento (art. 1.105 do CPC/2015), não conduzirá à imediata preclusão, podendo ser objeto de recurso posteriormente, quando da interposição de recurso de apelação, por meio de preliminar, ou por ocasião das contrarrazões de apelação, também em preliminar (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015). O recurso de apelação interposto contra sentença viabiliza sua anulação ou reforma, e, de qualquer forma, geralmente, obsta que produza desde logo os seus efeitos (art. 1.012, caput, do CPC/2015). Isso tudo, sumariamente examinado, revela que o recurso representa uma vantagem para aquele que recorre, desde logo obstando a preclusão, em relação às decisões interlocutórias agraváveis, e o trânsito em julgado em relação à sentença atacada. Ocorrendo um resultado favorável, isso terá sido uma consequência do desempenho da parte, desincumbindo-se bem do ônus de recorrer. O recorrente, portanto, age em seu próprio benefício. Feitas essas considerações introdutórias, devidamente apartados os recursos de outros meios de impugnação de decisões judiciais, examinemos, neste passo, quais os princípios fundamentais do sistema de recursos no sistema processual civil brasileiro. 2. Princípios fundamentais regentes do sistema recursal no direito
processual civil brasileiro Antes
de
procedermos
ao
estudo
das
modalidades
recursais
individualmente consideradas, convém que examinemos os princípios fundamentais que regem os recursos, no sistema processual civil brasileiro. 2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição Um dos princípios mais importantes e que merece ser detidamente estudado é o princípio do duplo grau de jurisdição. Como se sabe, é este princípio decorrência da ideia de que aos tribunais, porque usualmente são órgãos colegiados compostos por magistrados de maior experiência, deve caber a revisão das decisões proferidas por juízes de primeiro grau. Ao lado disso, parece repugnar à ideia de justiça a impossibilidade de se recorrer das decisões aos tribunais. Seja como for, não nos cabe aqui discutir as razões metajurídicas que terão levado à adoção, entre nós, do princípio do duplo grau de jurisdição, que, como princípio fundamental, apresenta forte conotação ideológica, tendo sido uma constante sua presença nas estruturas da Justiça. O que nos cumpre, muito ao contrário, é estudar o princípio e suas implicações à luz do direito positivo. O princípio do duplo grau de jurisdição já foi adotado de forma expressa no art. 158 da Constituição do Império, de 1824, em que assim se dispunha: “Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos Povos”. Hoje, como se verá, o duplo grau de jurisdição não é garantido de forma ilimitada; nem por isso, porém, deixa de ser um princípio albergado pelo texto constitucional, ainda que de forma implícita. Esse princípio, conquanto acolhido pelo texto constitucional, não tem caráter absoluto, o que significa
que é possível e constitucionalmente legítimo que, em determinadas hipóteses, possa inexistir recurso, v.g., do primeiro para o segundo grau de jurisdição. Humberto Theodoro Jr.755 considera que o duplo grau de jurisdição é “remédio salutar para aprimoramento das decisões judiciais”, mas que não se trata de uma garantia constitucional de caráter absoluto. Pondera que é muito importante que os processos sejam rápidos, eficientes e que proporcionem a efetiva solução do litígio, e que, por isso mesmo, não pode haver um direito ilimitado ao uso dos recursos. O autor conclui dizendo que o legislador constituinte não fez do duplo grau de jurisdição um princípio rígido e essencial para a existência do devido processo legal e que a razoabilidade deve nortear o disciplinamento dos mecanismos recursais. A propósito, dizia Ada Pellegrini Grinover: “O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau de recurso”.756 A Constituição Federal não garante de forma expressa o duplo grau de jurisdição, que, todavia, pode ser reputar um princípio constitucional implícito757. O exame dos arts. 101 a 126 da Constituição de 1988 evidenciará que neles se prevê a existência de tribunais, que têm competência recursal (para apreciar causas em grau recursal) e originária (para apreciar causas em primeira mão). Tanto o legislador constituinte preocupou-se em assegurar o duplo grau de jurisdição, que prevê a existência de recurso ordinário dirigido ao STF (art. 102, II, da CF/88) ou ao STJ (art. 105, II, da CF/88) nos casos em que a decisão tenha sido proferida por determinados Tribunais em única instância
(hipóteses de competência originária). Inclusive, o recurso ordinário passou a ser expressamente previsto no CPC nos arts. 1.027 e 1.028. Como se terá oportunidade de estudar adiante, há recursos, como é o caso do especial e do extraordinário, que obedecem a requisitos rígidos, previamente estabelecidos no próprio texto constitucional, para que possam ser interpostos (voltaremos com mais vagar a estabelecer as diferenças entre os recursos assim ditos ordinários e os extraordinários). Ausentes esses requisitos, descabe o recurso, que se, apesar disso, for interposto, não deverá ser sequer conhecido. A esses recursos, como se verá, é estranha a ideia de busca por justiça, ou, pelo menos, não é esse seu objetivo primordial. Deveras, os recursos especial e extraordinário não constituem modalidades recursais voltadas a fazer justiça, no sentido de reavaliar intrinsecamente a causa sob a perspectiva do exame dos fatos e sua prova, senão que a justiça que é proporcionada pelo seu provimento é a que decorre de ser julgado que a decisão recorrida violentou o ordenamento federal infraconstitucional (no caso do recurso especial) ou a Constituição (no caso do recurso extraordinário). Constituem, por isso mesmo, recursos voltados a resguardar a integridade da ordem jurídica posta. Como se terá oportunidade de analisar em capítulo próprio, são denominados de recursos de estrito direito. Como dissemos, pode o duplo grau comportar restrições. Veja-se o caso da Lei de Execuções Fiscais, em cujo art. 34 se limita o cabimento do recurso de apelação (ordinário, por excelência) às causas cujo valor seja superior a 50 ORTN758. Este texto não é inconstitucional, exatamente porque inexiste uma garantia constitucional de que, em todos os casos, haja de caber recurso de apelação759. Assim, o que se tem é que, como regra, as sentenças definitivas são
sujeitas a reapreciação, normalmente por órgão jurisdicional distinto e de hierarquia superior, ao que se denomina de duplo grau de jurisdição. Assim, também, as decisões interlocutórias impugnáveis pelo recurso de agravo de instrumento. Cumpre registrar que as partes não podem, a seu exclusivo critério, estabelecer o cabimento de apelação, se, por exemplo, dispuser a lei que a decisão de primeiro grau é a final, ainda que possa comportar recurso para Turma de Juízes, como sucede no caso dos Juizados Especiais. De resto, este recurso para Turma de Juízes não deixa de ser uma manifestação do duplo grau, com fisionomia própria, todavia. Segundo dispõe o art. 41 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), “da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado”. A sentença será recorrível às turmas de recursos, que é órgão do próprio Juizado. As turmas de recursos serão compostas por três juízes togados (juízes de primeiro grau), sendo que as partes, nos recursos, deverão ser necessariamente representadas por advogados. Por isso, há quem diga que perante os Juizados Especiais não há que se falar em duplo grau de jurisdição, opinião que não seguimos, já que as decisões podem ser amplamente revistas pelas Turmas Recursais, como já se teve a oportunidade de estudar em capítulo próprio760. Tenha-se presente, neste contexto, o disposto no inciso I, do § 3º, do art. 1.013 do CPC. De acordo com a letra desse dispositivo, “Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: I – reformar sentença fundada no art. 485”. Cabe, neste momento, indagar em que medida é legítima a afirmação de que aludido dispositivo legal, que permite ao tribunal examinar e decidir
matéria não enfrentada pelo juízo a quo, colide com o princípio do duplo grau de jurisdição, especialmente em vista do posicionamento de alguns influentes doutrinadores no sentido da inconstitucionalidade deste preceito761762
. O princípio do duplo grau de jurisdição, conforme foi dito, conquanto
deflua, em última análise, do próprio texto constitucional, tem comportado diversas mitigações, ou autênticas exceções (como na hipótese acima apontada do art. 34 da Lei de Execuções Fiscais). Na realidade, relativamente ao princípio do duplo grau, pode-se dizer que ele decorre do texto constitucional, mas que, nada obstante, é possível à lei ordinária excepcionálo em determinadas situações específicas. Vale dizer, não é um princípio, com tal rigidez, que dele deflua que, em relação a todas as decisões, há sempre recurso de apelação. Nessa linha, afirma com absoluta propriedade Nelson Nery Jr.: “muito embora o princípio do duplo grau de jurisdição esteja previsto na CF, não tem incidência ilimitada, como ocorria no sistema da Constituição Imperial. De todo modo, está garantido pela lei maior”763. O que se pode dizer, pois, a respeito do princípio do duplo grau de jurisdição e a sua relação com a Constituição Federal é que não pode ele ser suprimido inteiramente, posto que, se nesse texto está estabelecida a existência de Tribunais (arts. 101 a 126 da CF/88) – e é com base nestes dispositivos que se assegura a existência do duplo grau de jurisdição –, se fossem suprimidos inteiramente os recursos, v.g., de apelação e de agravo de instrumento, que cabem do primeiro para o segundo grau, com isto estaria inutilizada a competência recursal dos tribunais, vale dizer, estariam previstos na Constituição Federal, sem competência recursal alguma764.
Parece-nos, portanto, inteiramente acertado falar que o inciso I do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015 não afronta o princípio do duplo grau de jurisdição; muito pelo contrário, com ele convive harmonicamente. Houve certa mitigação ou diminuição de sua importância, é certo, mas de forma absolutamente legítima. 2.2 Princípio da taxatividade dos recursos Outro princípio de magnitude é o da taxatividade dos recursos. O art. 22, I, da Constituição Federal dispõe competir privativamente à União legislar sobre direito processual. As normas que estabelecem quais os recursos cabíveis são normas de processo, o que implica afirmar que a competência para legislar a propósito é apenas da União (art. 22, I, da CF/88), não se tratando, em absoluto, de procedimento em matéria processual, cuja competência legislativa é concorrente entre as pessoas políticas (art. 24, XI, da CF/88). Assim, os recursos possíveis de serem interpostos encontram-se enumerados em lei, especialmente no art. 994 do CPC (apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência). Ao lado disso, leis extravagantes, como é o caso da Lei n. 9.099/95 (que regula os juizados especiais cíveis e criminais estaduais), preveem algumas modalidades recursais específicas, como o recurso inominado de que trata o art. 41 da Lei n. 9.099/95. O que se nota, pois, é que muita embora os recursos estejam previstos, em maior número, no bojo do CPC, o princípio da taxatividade não exige que somente tal diploma regule as espécies recursais, mas sim, pelo contrário, que lei federal o faça, qualquer que seja ela.
2.2.1 Sucedâneos recursais e outras figuras relacionadas aos recursos Há remédios que acabam fazendo as vezes de recurso. Porém, não podem ser enquadrados propriamente como tal. Trata-se das ações autônomas de impugnação e dos sucedâneos recursais. Para Araken de Assis, em raciocínio que nos servimos de acompanhar, “a única diretriz concebível para agrupar institutos tão discrepantes na excêntrica classe dos ‘sucedâneos’ dos recursos. É por exclusão que se alcança a noção de sucedâneo recursal. Faltando a algum remédio as notas essenciais do recurso, em especial a ausência de previsão legal e a tramitação in simultaneo processu, embora produza idênticas finalidades – reforma ou invalidação dos atos decisórios do órgão judiciário –, insere-se em outro âmbito. Entretanto, incluir no rol dos sucedâneos, no sentido estrito, todas as ações autônomas (v.g., o mandado de segurança) alargaria em excesso a área desses mecanismos, diluindo a precisão da ideia. O verdadeiro sucedâneo recursal é o mecanismo que, alheio ao quadro oficial dos recursos, impugna o provimento judicial sem criar processo autônomo”765. A propósito, indispensável a leitura de José Frederico Marques766. Há também alguns incidentes processuais que se encontram intimamente ligados aos recursos, mas que não visam a reforma ou invalidação das decisões judiciais. Examinemos os sucedâneos recursais, as ações autônomas de impugnação e os incidentes no processo com mais detença: 2.2.1.1 Sucedâneos recursais Os sucedâneos recursais, como já dito, são remédios que acabam fazendo
as vezes dos recursos, mas assim não considerados por ausência de expressa previsão legal (princípio da taxatividade). Distinguem-se das ações autônomas de impugnação por não ensejarem a instauração de um novo processo, apesar de possuírem, assim como as ações autônomas de impugnação, finalidades semelhantes aos recursos. 2.2.1.1.1 Remessa necessária
A remessa necessária vem prevista no art. 496 do CPC. Por exemplo, toda sentença proferida contra a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 496, I, do CPC/2015) fica sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, não produzindo efeitos senão depois de confirmada pelo tribunal. Esse dispositivo aplica-se, hoje, segundo previsão legal expressa (art. 10 da Lei n. 9.469/97 e art. 496, I, do CPC/2015), às autarquias e fundações públicas, não se estendendo, porém, às sociedades de economia mista e empresas públicas767. O art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009 também prevê a sujeição da sentença que conceder mandado de segurança à remessa obrigatória. Por se tratar de lei especial em relação ao Código de Processo Civil (lei geral), as decisões dos tribunais são no sentido de que as sentenças concessivas de mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade coatora dirigente de sociedade de economia mista ou empresa pública estão sujeitas à remessa necessária, não se aplicando à hipótese a regra geral disposta no art. 496, I, do CPC/2015768. Estarão também sujeitas à remessa necessária as sentenças que julgarem procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, nos termos do art. 496, II, do CPC769. Ainda, os §§ 3º e 4º do art. 496 do CPC elencam algumas hipóteses em
que a sentença não se sujeita à remessa necessária. Referem-se tais dispositivos aos casos em que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior aos valores previstos nos incisos I a III do § 3º do art. 496 do CPC, que são diferentes para cada uma das pessoas jurídicas de direito público interno, beneficiadas pela remessa necessária, em clara admissão, pelo legislador, de que as condenações pecuniárias, v.g., impostas à União não têm o mesmo efeito que aquelas impostas aos Municípios, razão pela qual o duplo grau obrigatório não necessitaria seguir os mesmos parâmetros para ambas as pessoas. Também não se submete à remessa necessária a decisão de mérito que estiver em consonância com entendimento jurisprudencial consolidado (art. 496, § 4º, incisos I a III), o que é exemplo claro da maior valorização da jurisprudência pela qual vem passando o direito processual, especialmente após o advento do vigente CPC. O inciso IV do aludido art. 486, § 4º, referese expressamente à consonância da decisão judicial de mérito com a própria posição da Administração, exarada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. Trata-se, à toda evidência, de dispositivo que retira o benefício da Fazenda Pública pelo fato de ela própria já admitir internamente que aquela é a interpretação mais correta do direito. Outrossim, não se submetem à remessa necessária as decisões interlocutórias (art. 1.015 do CPC/2015) proferidas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público770, salvo se ditas decisões percutirem o mérito da demanda, hipótese em que terá cabimento a remessa necessária771. Se a sentença se sujeitar ao reexame obrigatório, os autos serão remetidos ao órgão ad quem por determinação do juiz prolator da decisão,
independentemente de interposição de recurso de apelação ou de requerimento das partes, a teor do que dispõe o § 1º do art. 496 do CPC. Se assim não proceder o juiz prolator da decisão, o presidente do tribunal competente para apreciar a remessa obrigatória deverá avocar os autos. Ponto que impende considerar é se a vedação do art. 496 do CPC à produção de efeitos, em relação à sentença final, abrange igualmente a sentença em que se concede tutela provisória772. A nossa impressão é a de que, através de uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil, é possível concluir pela perfeita compatibilidade entre a tutela provisória e as decisões sujeitas à remessa necessária, de modo que os efeitos da tutela provisória (de urgência ou evidência) sobrevivem à sentença (de procedência), ainda que sujeita ao duplo grau obrigatório. Tem-se, por isso, que, mesmo que a sentença proferida contra a Fazenda Pública se sujeite à remessa necessária, parece-nos que, tendo havido a concessão de tutela provisória confirmada pela sentença de procedência da ação, ou tendo sido a tutela concedida na própria sentença, deve-se admitir que a remessa necessária convive com as providências referentes à efetivação provisória do que tiver sido antecipado. Por outras palavras, afigura-se-nos perfeitamente possível compatibilizar a ideia de remessa necessária com a efetivação imediata da tutela provisória via decisão interlocutória ou sentença. Deveras, seja no caso de tutela provisória concedida por decisão interlocutória e ulterior sentença de procedência, seja no caso de a tutelar ser concedida na própria sentença, o certo é que ela poderá ser implementada, pois nem a apelação voluntária da Fazenda, tampouco a remessa necessária, terá o condão de impedir que isso ocorra. Aliás, na hipótese de mandado de segurança, a sentença concessiva da
ordem, sem embargo de poder ser executada provisoriamente (salvo nos casos em que for vedada a concessão de liminar, conforme o art. 14, § 3º, da Lei n. 12.016/2009), sujeita-se à remessa necessária (art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009). Temos, assim, que a remessa necessária, nesse caso, não constitui condição de eficácia da sentença. E o mandado de segurança existe, precipuamente, contra atos dos entes públicos. Os efeitos da decisão concessiva de tutela provisória, ademais, não são obstados pela sujeição da decisão à remessa necessária. Nem se alegue que a decisão que concede tutela provisória é proferida (quando concedida antes da prolação da sentença) com base em cognição sumária como aparente óbice à conclusão acima colocada, pois, de outro lado, devemos ter presente que esta última, sobretudo quando calcada no art. 300 do CPC, possui, como requisito principal, a urgência da medida, que é virtualmente incompatível com a não produção imediata dos efeitos que lhe são próprios. E, mesmo quando a tutela provisória de natureza satisfativa esteja calcada no art. 311 do CPC, parecenos ser perfeitamente possível seja ela concedida quando a Fazenda Pública for ré, afinal a tutela da evidência tem, tal como a tutela de urgência, raiz constitucional (art. 5º, LXXVIII, da CF). Note-se, aliás, que na hipótese de concessão de tutelada evidência com fundamento no art. 311, II, do CPC, sequer ter-se-á a necessidade de confirmação pelo tribunal ad quem, já que o art. 496, § 4º dispensa a remessa necessária quando houver tese firmada perante os tribunais. Não há, de fato, nenhuma incompatibilidade ontológica entre a remessa necessária e a tutela provisória. A sentença, enquanto provimento jurisdicional concedido após cognição exauriente, fica sujeita a confirmação pelo tribunal ad quem, mercê da remessa necessária, mesmo que não haja
apelação voluntária da Fazenda. No entanto, seja quando a tutela provisória é concedida por decisão interlocutória e a sentença é de procedência da ação, seja quando o juiz concede a tutela na própria sentença, a tutela provisória produz efeitos desde logo, como, aliás, expressamente se lê no inciso V do § 1º do art. 1.012 do CPC/2015 (esse dispositivo é expresso quanto ao fato de que a apelação contra a sentença que concede, confirma ou revoga a tutela provisória deve ser recebida apenas no efeito devolutivo). Nada impede que a tutela seja concedida na própria sentença. Entendimento diferente, defendido por alguns773, conduziria à conclusão – em nosso entender, inaceitável – de que seria possível conceder a tutela provisória por decisão interlocutória, imediatamente antes da sentença, mas não seria possível ao juiz fazê-lo no bojo da própria sentença, o que não nos parece minimamente razoável. Não é o fato de o juiz basear-se na cognição exauriente da causa ao sentenciar – muito pelo contrário – que o impedirá de conceder a antecipação de tutela, como atentamente observa Cassio Scarpinella Bueno774. Ou, por outras palavras, a remessa necessária, quando há tuteual provisória, tal como sucede quando a sentença é de procedência do mandado de segurança, não é condição suspensiva de eficácia da sentença, porque os efeitos desta (ou alguns), que já se faziam sentir, especialmente em relação à antecipação de tutela (tutela provisória satisfativa), desde a sua concessão (caso esta se tenha dado por decisão interlocutória), continuam a operar após confirmados pela sentença, mesmo que sujeita à remessa necessária. Como regra, a antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública não será possível nos casos de condenação a pagamento em dinheiro, pois este se dá por meio do sistema de precatórios judiciais (art. 100 da CF/88,
com redação da Emenda Constitucional 62/2009), cuja expedição pressupõe sentença transitada em julgado. Não nos parece possível que a tutela provisória satisfativa (antecipação de tutela) contra a Fazenda Pública se possa constituir, como regra, em título hábil a que o credor, em cujo favor foi concedida a tutela, entre na ordem dos precatórios. Parece-nos que a transitoriedade própria das decisões antecipatórias de tutela é incompatível com a expedição de precatórios775-776, o que, ademais, acabaria por ferir a isonomia, sendo essa, além disso, a interpretação que deflui da letra do Texto Constitucional (art. 100, § 3º, com redação da Emenda Constitucional 62/2009)777. Para nós, se a decisão antecipatória de tutela pudesse constituir título apto a ensejar a expedição de precatórios, isso fatalmente colidiria com o princípio constitucional da igualdade, haja vista que estariam sendo colocados em pé de igualdade o credor da Fazenda Pública, cujo crédito foi reconhecido por sentença transitada em julgado, e o suposto credor da Fazenda, que nada mais teria do que uma decisão provisória no sentido de que provavelmente é credor. Não tem a remessa necessária natureza recursal778. Reconhece-lhe a doutrina779-780 a natureza de condição de eficácia da sentença, na medida em que a sentença, sujeita ao duplo grau, não produz efeitos senão depois de confirmada pelo tribunal, ao qual deverá subir, haja ou não apelação voluntária da parte vencida, podendo e devendo o presidente do tribunal, como já dito, avocar os autos, se assim não proceder o juiz de primeiro grau (art. 496, § 1º, do CPC). Como visto, se houver tutela provisória, sendo ela confirmada pela sentença, a tutela agora ratificada continuará a operar efeitos. Da mesma forma, sendo a tutela concedida na sentença, os efeitos que tiverem sido antecipados se farão sentir desde logo.
Apresenta a remessa necessária, é certo, algumas similitudes com a apelação, porém faltam-lhe a voluntariedade (vontade de recorrer), tipicidade (previsão em lei como recurso, no caso o art. 944 do CPC), dialeticidade (pois o juiz, porque não foi vencido, não argumenta, mas apenas remete os autos ao tribunal, como condição de eficácia da sentença). Tampouco há falar na necessidade de legitimidade para recorrer, nem em prazo (tempestividade), nem em necessidade de preparo, requisitos essenciais para o conhecimento dos recursos, e, por fim, não há como pensar na figura do ônus em relação ao duplo grau obrigatório. O não reconhecimento de natureza recursal à remessa obrigatória tem importantes consequências práticas. Por exemplo, há quem entenda que, por não ser a remessa obrigatória recurso, não se lhe aplica o princípio da proibição da reformatio in pejus, de modo que pode haver, em razão da remessa, agravamento da situação imposta à Fazenda Pública (registre-se, porém, desde logo, a existência da Súmula 45 do STJ, do seguinte teor: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”). Voltaremos ao assunto, com mais detença, quando estudarmos o princípio da proibição da reformatio in pejus. Adiantamos, porém, que encampamos a orientação da Súmula 45 do STJ. Por fim, vale notar que à remessa necessária não se aplica o art. 942 do CPC, conforme prevê o seu § 4º, II, que trata da ampliação do número de componentes da turma ou câmara julgadora, quando a apelação for julgada por maioria, e não à unanimidade. Essa exclusão, aliás, parece se originar na posição do STJ, sumulada781 ao tempo do CPC/73, de que não cabiam na remessa necessária os embargos infringentes782. Conquanto não se tratem – embargos infringentes e ampliação do colegiado – de um mesmo instituto, é
evidente que há características que as aproximam, razão pela qual se pode dizer que o legislador de 2015 encampou a posição do STJ, conforme se extrai do art. 942, § 4º, II, do CPC. 2.2.1.1.2 Pedido de reconsideração
Conquanto não previsto expressamente em nosso ordenamento jurídico, cabe ser estudado, como pondera Nelson Nery Jr., no mínimo pela inegável importância prática do instituto. Com efeito, pela frequência com que é utilizado o assim denominado “pedido de reconsideração”, não deve o intérprete, simplesmente, desconsiderá-lo como se não existisse783. O pedido de reconsideração, no fundo, decorre da praxe forense, e, ainda que não disciplinado em lei, tem na ordem prática peso muito grande. É preciso, antes de analisarmos os efeitos do pedido de reconsideração, delimitar quais são as matérias passíveis de reconsideração pelo magistrado, sem que isso afronte o art. 505, caput, do CPC, que dispõe: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: (...)”. No âmbito das tutelas provisórias, a maior parte dos autores que se ocuparam do tema, ainda antes da vigência do CPC/2015, entende que elas só podem ser revistas caso surjam elementos novos784, quando, a rigor, de reconsideração não se tratará, mas de nova decisão sobre o mesmo assunto. Pode também haver reconsideração em relação àquelas matérias que podem e devem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Essa, em linha de princípio, a nossa posição, sob pena de flagrante e incontornável afronta ao art. 505 do CPC. As hipóteses previstas nos arts. 1.018, § 1º, e 932, V, a, do CPC não tratam propriamente de pedido de reconsideração, mas, sim, de juízo de retratação, institutos diversos, que não devem ser confundidos785.
Ademais, evidentemente, só há falar em “reconsideração” quando se tratar de despacho ou de decisão interlocutória. Sentenças não admitem reconsideração, pois só poderão ser reapreciadas por ocasião de julgamento de eventual recurso de apelação pelo tribunal. Há, todavia, hipóteses em que é admitido juízo de retratação da sentença. Trata-se dos casos dos arts. 331, caput, e 332, § 3º, do CPC/2015. Teresa Arruda Alvim786, por exemplo, considera que o juiz só poderá reconsiderar determinada decisão interlocutória se puder fazê-lo mesmo sem provocação das partes, e ainda assim, sempre, de forma fundamentada. Mais adiante, a autora resume seu pensamento da seguinte forma: só poderá haver reconsideração se não houver preclusão pro judicato sobre a matéria. Além disso, segundo a autora – analisando a hipótese à luz da Lei n. 1.533/51 –, somente no caso do mandado de segurança, devido às suas características peculiares, seria possível outra interpretação787. Consta de decisão do TJSP que, nos casos em que não se trate de matéria de ordem pública, a decisão só pode ser modificada pela interposição de recurso, não sendo possível pedir que o juiz prolator da decisão a reconsidere788-789. Nosso posicionamento a respeito do pedido de reconsideração, como dito, é no sentido de que só poderão ser objeto de reconsideração pelo juiz aquelas matérias que são cognoscíveis de ofício, sob pena de infringência ao art. 505 do CPC. É preciso que se tenha presente que o pedido de reconsideração, por não ser medida expressamente albergada pelo ordenamento jurídico, não interfere no prazo de interposição de recurso790, que continua a fluir, a despeito de sua interposição. Assim, o pedido de reconsideração de uma determinada decisão
interlocutória, por exemplo, não influi no curso do prazo de interposição do agravo de instrumento, se de decisão agravável se tratar, que é de 15 dias (art. 1.003, § 5º, do CPC). É errado, por exemplo, pretender computar o dia a quo do prazo do momento da confirmação da decisão interlocutória do indeferimento do pedido de reconsideração791. Escoado o prazo de 15 dias, independentemente da interposição de pedido de reconsideração, haverá irremediável preclusão temporal. Conquanto a noção de preclusão seja, primordialmente, ligada à atividade das partes, relativamente à atividade do juiz também há quem fale em preclusão (preclusão pro judicato), no sentido de que, não se tratando de matéria de ordem pública, cognoscível de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, a decisão que a seu respeito se proferir impede nova decisão judicial sobre aquele mesmo assunto792. De outro lado, cuidando-se de matéria de ordem pública, como, por exemplo, as condições da ação (art. 485, VI e § 3º, do CPC), pode o juiz ou o próprio tribunal rever a decisão, o que poderá e deverá fazer mesmo que provocado por mera petição simples, ou mesmo oficiosamente. Oportuno distinguir, neste passo, o pedido de reconsideração na esfera administrativa do recurso administrativo hierárquico. O pedido de reconsideração é dirigido necessariamente à autoridade que proferiu o ato. Se o interessado utiliza-se de simples pedido de reconsideração, esse expediente não altera a fixação do termo a quo para a contagem do prazo para impetração de mandado de segurança. A Súmula 430 do STF dispõe: “Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança”. Por outro lado, com a interposição de recurso administrativo dotado de
efeito suspensivo, não tem cabimento a impetração do mandado de segurança793. Realmente, suspensos os efeitos do ato a ser impugnado, por força do reexame a que o submete o recurso administrativo dotado de efeito suspensivo, não há risco de lesão, e, portanto, inexiste interesse jurídico na impetração de mandado de segurança. A propósito, é expresso o art. 5º, I, da Lei n. 12.016/2009, no sentido de que não se concederá mandado de segurança quando se tratar de ato contra o qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução. Nem se diga que o fato de a interposição de recurso administrativo dotado de efeito suspensivo obstar a impetração estaria a indicar que o prazo, nessa hipótese, teria sido suspenso. O que sucede é que, pelo simples fato de ser o ato suscetível de ser impugnado por recurso dotado de efeito suspensivo, enquanto não escoado o prazo de interposição desse recurso, ou se interposto de seu julgamento, não começa a fluir o prazo de 120 dias. 2.2.1.2 Ações autônomas de impugnação As ações autônomas de impugnação podem desempenhar papel muito semelhante ao dos recursos, daí a pertinência de uma análise conjunta delas com os recursos, para possibilitar uma perfeita compreensão de suas características e diferenciá-las dos recursos propriamente ditos. Como explicitado no início deste capítulo, os recursos diferenciam-se das ações autônomas de impugnação por estas serem meios próprios de impugnação das decisões judiciais (com ou sem trânsito em julgado), mas que necessariamente requerem a instauração de outro processo. É o caso da ação rescisória, cabível contra decisão já transitada em
julgado, nas hipóteses taxativas previstas pelo CPC (art. 966, incisos I a VIII e art. 525, § 15, por exemplo). Também se encarta nesta categoria o mandado de segurança contra ato judicial, utilizável contra decisões proferidas em processos em curso. Também constituem ações autônomas de impugnação, a reclamação, a ação anulatória e os embargos de terceiro. 2.2.1.2.1 Reclamação
A reclamação tem por escopo garantir a competência do tribunal e a autoridade de suas decisões. No âmbito do STF, há previsão expressa no texto constitucional (art. 102, I, l, e art. 103-A, § 3º). A reclamação foi originariamente concebida pelo legislador constituinte como um instrumento voltado a preservar a competência e garantir a autoridade de decisões do STF e do STJ, nos termos dos arts. 102, I, l, e 105, I, f, da Constituição Federal vigente, vindo, posteriormente, a ser mais amplamente regulada pela legislação infraconstitucional, conforme se denota dos arts. 988 e seguintes do CPC/2015794. A EC 45/2004 alargou o espectro da reclamação, prevendo a possibilidade de seu ajuizamento contra decisão que desrespeitar ou descumprir súmula vinculante, a teor do art. 103-A, caput, da Magna Carta. Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 103-A, § 3º, que a reclamação é cabível nas hipóteses em que o ato administrativo ou a decisão judicial contrariarem súmula
vinculante,
o
que
veio
a
ser
disciplinado,
no
âmbito
infraconstitucional, pelo art. 7º da Lei n. 11.417/2006. O CPC, por sua vez, alargou o cabimento de reclamação para garantir a força dos precedentes, estatuindo que a reclamação cabe também quando a decisão contrariar o entendimento firmado em recursos repetitivos, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, incidente de julgamento de demandas
repetitivas ou de assunção de competência ou súmula vinculante. Havia alguma discussão acerca da possibilidade de os tribunais locais disporem, em seus regimentos internos, sobre a reclamação, sendo de se anotar, a propósito, que o STF havia decidido pela legitimidade dos tribunais locais disporem acerca do cabimento de reclamação na hipótese de usurpação de suas competências ou desrespeito à autoridade de decisão deles emanada795. O legislador ordinário tomou posição a esse respeito, pois o Código de Processo Civil de 2015 prevê que é cabível reclamação também para garantir a autoridade das decisões proferidas pelos Tribunais, e não apenas das Cortes Superiores. Perfilhamos a ideia de que a reclamação tem natureza jurídica de ação. Examinemos melhor essa afirmação, à luz do panorama doutrinário atual sobre o assunto, bem como as relevantes consequências práticas que dela derivam. Temos para nós que a reclamação envolve, como diz Leonardo Morato, “questão autônoma, independente, prescindível de outro processo. Mesmo na hipótese de fazer menção a um processo, a reclamação constitui um novo processo, uma nova questão dita principal, a ser decidida, que é lógica e cronologicamente posterior à decisão que deu ensejo à decisão reclamada”796. Nesse sentido, Fredie Didier afirma que “a reclamação é uma ação de competência originária de tribunal (...). É exemplo de ação autônoma de impugnação de ato judicial, de natureza constitucional”797. Para José Frederico Marques, a reclamação teria natureza recursal798. Responde com vantagem a essa posição, José da Silva Pacheco, tratando da reclamação com o perfil original que lhe atribuiu o legislador constituinte. A propósito, diz mencionado autor: “Realmente não é recurso não só porque a
elas são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da revisibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, porque não precisa que haja sentença ou decisões, nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, bastando que haja interesse em que se corrija eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou STJ”799. Mesmo a reclamação contra decisão que contrarie súmula vinculante não tem, segundo nos parece, natureza recursal. Basta lembrar que os recursos têm como um de seus efeitos o prolongamento da litispendência. Ora, conforme já se teve a oportunidade de afirmar em outro trabalho800, “se não vier a ser interposto recurso contra decisão que tenha desrespeitado súmula vinculante e tenha percutido o mérito, haverá coisa julgada e não será mais caso de reclamação, mas de ação rescisória”801. Assim, o cabimento da reclamação pressupõe a litispendência, no sentido de não ser cabível se houver ocorrido o trânsito em julgado, segundo a Súmula 734 do STF802 que foi abarcada pelo inciso I, do § 5º, do art. 988 do CPC. Todavia, uma vez ajuizada a reclamação, pouco importa o trânsito em julgado da decisão reclamada803. Ademais, na reclamação contra decisão que contrarie súmula vinculante, colima-se o cumprimento de enunciado da súmula vinculante, nada mais. Não se analisa, na reclamação, a lide discutida no processo subjacente, como se faz na apelação interposta contra a sentença; quer-se, por meio da reclamação, a observância da orientação estampada na súmula vinculante, porque a sentença a contrariou, e a Suprema Corte, ao julgá-la procedente, cassará a decisão e determinará a aplicação ou não da súmula vinculante, conforme o caso.
Para a propositura da reclamação não há necessidade de observância de prazo, sendo que, conforme já decidiu o STJ, pode ser manejada inclusive contra atos administrativos, desde que haja expressa previsão legal para tanto, o que é definitivo para afastar a natureza recursal804. Por fim, como bem lembrado por Leonardo L. Morato, a reclamação não pressupõe sucumbência, pressuposto recursal por excelência805. Ademais, colhe-se da doutrina, a propósito de analisar a reclamação contra decisão que tenha contrariado súmula vinculante, que “a natureza desta medida é jurisdicional, e não administrativa ou correicional. Trata-se de expediente de que se podem valer as partes para provocar alteração de decisão judicial: logo, sua natureza não pode ser meramente correicional. Ademais, a decisão, na reclamação, fica acobertada pelos efeitos da coisa julgada, sendo, portanto, rescindível. Não parece tampouco tratar-se de recurso, até porque pode ser manejada contra ato administrativo. Ademais, a CF a incluiu na competência originária do STF. Pensamos, concordando inteiramente com a rica argumentação trazida por Leonardo Lins Morato, que se trata de uma ação”806. 2.2.1.3 Incidentes no processo Há alguns incidentes processuais que não apresentam natureza recursal, mas que também se acham intimamente ligados aos recursos. São os incidentes de assunção de competência, de arguição de inconstitucionalidade e resolução de demandas repetitivas. Vejamos cada um deles. 2.2.1.3.1 Assunção de competência
Trata-se de um mecanismo preventivo para evitar eventual divergência que possa surgir entre os órgãos fracionários do tribunal, em torno de
“questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos” (art. 947, caput, do CPC/2015). Já no CPC/73 havia previsão para que, reconhecendo o interesse público na “assunção de competência”, o relator propusesse o julgamento do recurso, remessa necessária ou processo de competência originária pelo órgão colegiado que o regimento indicasse (art. 555, § 1º, do CPC/73, atual art. 947, § 1º, do CPC). O Código de Processo Civil de 2015 buscou, por meio da imposição da valorização de precedentes e uniformização da jurisprudência, eliminar as contradições existentes dentro do Judiciário brasileiro. Conforme afirma Humberto Theodoro Jr. “o espírito do NCPC de uniformizar a jurisprudência, a fim de garantir a segurança jurídica e previsibilidade da interpretação do ordenamento jurídico vigente no país, evitando que matérias semelhantes sejam decididas de forma conflitante nos diversos tribunais”807. Nesse sentido, estatuiu incidente que determina o deslocamento interno de competência para que o órgão colegiado, com quórum representativo, julgue a causa com força vinculativa a todo o tribunal e também aos juízes de primeiro grau a ele vinculados808. A distinção que se aponta entre o incidente de assunção de competência e o de arguição de inconstitucionalidade é a extensão do objeto que será analisado pelo órgão colegiado. Na assunção de competência, afirma Humberto Theodor Jr., “o objeto do julgamento será a própria lide levada a conhecimento do Poder Judiciário” e é “justamente a relevância e a repercussão social da questão de direito envolvida, bem como a potencialidade de gerar (ou a já existente) divergência entre as câmaras ou turmas do tribunal que justificam e até mesmo impõe a sua análise por um colegiado maior”809.
Os pressupostos para assunção de competência, segundo o CPC e o próprio caráter preventivo do incidente, é que o processo deve estar em fase de julgamento, a divergência (quando existente) deve ser entre órgãos do mesmo tribunal e a questão não deve se repetir em múltiplos processos. É necessário que se trate, portanto, de uma questão relevante, de grande repercussão social, mas que não se mostre reproduzida em múltiplos processos (o que levaria ao cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas, que será tratado mais à frente). O § 1º do art. 947 dispõe que as partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública têm legitimidade para suscitar o incidente. Ademais, poderá o relator fazê-lo de ofício. Após a admissibilidade feita pelo relator, com a remessa dos autos ao órgão colegiado competente, será realizado novo juízo a respeito da existência de interesse público na assunção de competência (art. 947, § 2º, do CPC/2015). Caso não se vislumbre o interesse público, o processo retornará ao órgão fracionário primitivo; se reconhecido o interesse, o colegiado julgará o recurso, cujo acórdão vinculará todos os juízes e órgão fracionários, com exceção da hipótese em que houver revisão da tese pelo próprio órgão colegiado (art. 947, § 3º, do CPC). Com relação à decisão proferida em incidente de assunção de competência, destaca-se que sua vinculação autoriza inclusive que o relator negue provimento, por decisão monocrática, a recurso que seja contrário a entendimento firmado pelo tribunal em incidente de assunção de competência (cf. art. 932, IV, c, do CPC). 2.2.1.3.2 Arguição de inconstitucionalidade
Sempre que for alegada inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (art. 948 do CPC), o relator submeterá a questão à turma ou
câmara a que tocar o conhecimento da causa. A arguição de inconstitucionalidade pode ser suscitada também, de ofício, por algum dos juízes. É óbvio que a inconstitucionalidade arguida incidenter tantum há de guardar relação com o litígio, devendo ser premissa necessária do que venha a ser decidido810. Abramos, neste passo, pequeno parêntese para lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro admite duas formas de controle da constitucionalidade: via de ação direta, controle concentrado, perante o STF, nas hipóteses do art. 102, I, a, e § 2º, e art. 103, caput e § 2º, da CF/88811; e via incidental, controle difuso, caso a caso. Na primeira hipótese a decisão tem eficácia erga omnes, porque a inconstitucionalidade da lei em tese constitui-se no próprio mérito da ação, sobre cuja decisão recai a autoridade da coisa julgada; na última, a declaração de inconstitucionalidade vale só para o caso concreto812, sendo a inconstitucionalidade, neste caso, apreciável incidenter tantum, por qualquer magistrado, inclusive singular (tenha-se presente, porém, a regra do art. 97 da CF/88, que será mencionada abaixo)813. Prosseguindo-se na análise da arguição de inconstitucionalidade incidenter tantum (controle difuso), temos que, uma vez levantada, e sendo rejeitada, prosseguirá o julgamento (que ficou sobrestado), não cabendo recurso desse julgamento de inconstitucionalidade pelo tribunal, senão que recurso caberá da decisão do órgão fracionário814. Porém, não caberá ao relator rejeitá-la isoladamente, pois o restante do órgão fracionário ao qual competir o julgamento da causa poderá ter entendimento diferente, ensejando a oportunidade de que os demais membros da câmara ou turma endossem ou não a sua opinião (art. 948 do CPC), relativamente à arguição de inconstitucionalidade.
O art. 93, XI, da Constituição Federal, com redação modificada pela Emenda Constitucional 45/2004, prevê a existência de “órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros”, nos tribunais que possuírem mais de vinte e cinco julgadores, “para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno”. Existindo o órgão especial, este será o competente para declarar a inconstitucionalidade. Do contrário, será lavrado acórdão, a fim de que a questão seja submetida ao tribunal pleno (art. 949, II, do CPC/2015), caso em que cópia dessa decisão será remetida a todos os juízes do pleno (art. 950 do CPC/2015). Tal dispositivo está em conformidade com o que preceitua o art. 97 da CF/88, segundo o qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial815 poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Por isso é que, se o órgão fracionário vier a decretar a inconstitucionalidade, a decisão é nula, por lhe faltar competência funcional816. Tenha-se presente, ainda, a orientação sedimentada na Súmula Vinculante 10 do STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão do órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Poderá haver manifestação do Ministério Público ou das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato normativo questionado, se assim o requererem, observados os prazos e condições disciplinados no Regimento Interno do Tribunal competente para julgar o incidente de inconstitucionalidade (art. 950, § 1º, do CPC). Também poderão se manifestar por escrito sobre a questão constitucional ventilada no
incidente de inconstitucionalidade os legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, elencados no art. 103 da Constituição Federal (art. 950, § 2º, do CPC). Ainda, poderá o relator do incidente de inconstitucionalidade, em decisão irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades, sempre levando em conta a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes (art. 950, § 3º, do CPC). Os §§ 2º e 3º do art. 950 do CPC tratam da intervenção da figura do amicus curiae no incidente de arguição de inconstitucionalidade, que atualmente está previsto no art. 138 do CPC e que já foi tratado em capítulo próprio. Proferido o julgamento pelo órgão de maior representatividade do tribunal, terá lugar o julgamento da causa pelo órgão fracionário suscitante da arguição de inconstitucionalidade, que deverá ter como parâmetro ou premissa maior (= lei aplicável, tal como haja sido interpretada pelo tribunal) o quanto já se tiver decidido acerca da prejudicial de inconstitucionalidade. Ou seja, se alguma das partes alegar, como causa de pedir ou fundamento de defesa, a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo, ou se o próprio órgão julgador entender pela inconstitucionalidade, dever-se-á remeter a matéria ao órgão de maior representatividade do tribunal, em razão da cláusula constitucional da reserva de plenário (art. 97, da CF), competindo a tal órgão, portanto, decidir se há ou não inconstitucionalidade. Referida decisão, além de vincular o órgão fracionário competente para julgar a causa de que se originou o incidente, vinculará todo o tribunal e os juízes de primeiro grau, por força do art. 927, V, do CPC. Não há finalidade recursal na arguição de inconstitucionalidade. Há apenas, como pondera acertadamente Nelson Nery Jr., uma divisão de
competência:
será
do
plenário
para
apreciar
a
prejudicial
de
inconstitucionalidade, e do órgão fracionário do tribunal para decidir o mérito recursal817. Cabe ser referido, neste passo, que de acordo com a sistemática implementada pelo CPC – que busca a valorização dos precedentes818 – o parágrafo único do art. 949 do CPC autoriza que os órgãos fracionários não submetam
ao
plenário
ou
ao
órgão
especial
a
arguição
de
inconstitucionalidade “quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Referido dispositivo merece, ao que nos parece, uma leitura mais atenta. Parece-nos ajustado dizer que, em relação ao próprio tribunal, desnecessária seria a nova remessa da questão ao tribunal pleno ou órgão especial, afinal, se tais órgãos de um determinado tribunal já tiverem se manifestado a respeito da inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, é perfeitamente compreensível, até mesmo por economia processual, que assim se proceda. Sem dúvida, trata-se de louvável medida de economia processual, conforme a abalizada opinião de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery819. Todavia, parece-nos que não se deve fechar as portas à iniciativa
do
relator
de
submeter
ao
plenário
arguição
de
inconstitucionalidade já rejeitada, uma vez que nada impede possa ser revista decisão anterior. Com maior razão, havendo decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade, realmente não haveria, a nosso juízo, razão para remessa da questão ao órgão especial ou tribunal pleno, afinal as decisões do Supremo, nesse caso, têm eficácia vinculante e efeito erga omnes. Em caso de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade, porém,
entendemos por imprescindível a existência de Resolução do Senado suspendendo a eficácia da norma inconstitucionalidade, na forma do art. 52, X, da CF, conforme dito acima, pois, do contrário, a decisão da Corte só terá aplicação sobre as partes do processo em que proferida a decisão. Não havendo Resolução do Senado Federal, pensamos ser imprescindível a suscitação do incidente aqui tratado, pois a economia processual não legitima, em nosso entender, a possibilidade de vinculação direta a anterior manifestação incidental do STF sobre o assunto, sem necessidade de submissão da arguição de inconstitucionalidade ao plenário (ou órgão especial) do tribunal integrado pelo órgão fracionário. É preciso que se reconheça, como já dito, muito embora estejamos absolutamente convencidos da nossa posição, as decisões do STF, mesmo em sede de controle concreto (incidental) de inconstitucionalidade, vêm ganhando mais e mais importância, operando efeitos, para alguns, não apenas no processo em que proferidas. Prova disso é a interpretação (que não encampamos, mas que não pode deixar de ser mencionada pela relevância dos doutrinadores que a defendem) no sentido de que mesmo decisões incidentais do STF reconhecendo a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, ainda que não tenha sido emitida Resolução do Senado Federal nos termos do art. 52, X da Constituição da República, podem conduzir à inexigibilidade do título judicial, a ser levantada em sede de impugnação, com amparo nos arts. 525, § 1º, II e § 12 e 535, § 5º, do CPC820. 2.2.1.3.3 Resolução de demandas repetitivas
Como o próprio nome do incidente sugere, o presente incidente se propõe a unificar o julgamento de diversas demandas que tratem da mesma questão de direito. A criação desse incidente pelo Código de Processo Civil de 2015 é
uma forma de garantir a segurança jurídica e a uniformidade das decisões judiciais, como o próprio inciso II do art. 976 do CPC estatui. O Poder Judiciário brasileiro passa por inquestionável crise numérica. De acordo com levantamento feito anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (Justiça em números), publicado em 2017, havia no Brasil, em 2016 (ano-base), aproximadamente 110 milhões de processos em curso. Diante da grandiosidade do número de processos em curso no país, é inquestionável a sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário. Porém, interessa notar que muitas dessas questões se mostram repetitivas, ou seja, travam-se, muitas vezes, as mesmas discussões jurídicas, sem que haja, de outro lado, uma mesma solução para todos os casos. Pelo contrário, em verdade, casos bastante semelhantes acabam por receber do Judiciário soluções diversas, ferindo, portanto, o princípio da isonomia. Com vistas a diminuir a quantidade de ações a serem julgadas pelo Judiciário, bem como no afã de dar efetivo cumprimento aos princípios da segurança jurídica e da isonomia821, o legislador ordinário criou o incidente de resolução de demandas repetitivas, que promove o julgamento de determinada questão de direito que, uma vez solucionada pelo tribunal local, será aplicada às demais causas que tratem da aludida questão. Institui-se, portanto, um instrumento processual apto a produzir eficácia “pacificadora de múltiplos litígios”822, fixando-se uma única tese que seja aplicável a todas as causas que tratem da “mesma questão unicamente de direito” (art. 976, I, do CPC). O objetivo do incidente, portanto, é firmar o entendimento do tribunal a respeito de determinada tese jurídica, de modo a fazer aplicar, no âmbito de sua jurisdição, uma única solução jurídica aos casos semelhantes, pois, como dito, uma vez julgado o incidente, será a tese
aplicada aos demais casos. Convém notar, aliás, que uma vez admitido o incidente, exige o CPC que todos os demais processos sejam suspensos, conforme preveem os arts. 313, IV e 982, II, medida que se destina, precisamente, a garantir a utilidade do incidente, ou seja, garantir que não seja proferida decisão enquanto não fixada a tese de direito. Há, porém, entendimento de que a suspensão dos demais processos cabe ao órgão julgador, não sendo automática, que poderá, se não julgar ser o caso, manter em tramitação as demais causas. É o que decidiu o TJSP no IRDR n. 0023203-35.2016.8.26.0000, relatado pelo Desembargador Francisco Loureiro, que, por não vislumbrar relevante divergência na jurisprudência dos órgãos do próprio tribunal e de primeiro grau, entendeu que a suspensão da todas as ações violaria a razoável duração do processo. Assim constou do acórdão proferido pela Corte: “A paralisação de todos os processos do Estado de São Paulo por até um ano provocaria efeito inverso à celeridade e segurança que o instituto do IRDR almeja. Para fins de evitar a instabilidade e insegurança jurídica de franca minoria de julgamentos dissonantes, seria suspensa a maioria dos julgamentos que se filiam ao entendimento já sumulado”. Ademais, o IRDR deve ser julgado no prazo de 1 ano (art. 980) que, se vencido, enseja o fim da suspensão dos demais processos (art. 980, parágrafo único), salvo se de modo diverso decidir o relator, fundamentadamente. Além disso, o julgamento do IRDR tem preferência sobre todos os demais, à exceção dos casos em que haja réu preso e, de modo geral, os habeas corpus. É evidente que a tese firmada no incidente poderá ser ignorada, diante das peculiaridades do caso concreto, no entanto, ela é inafastável quando o litígio tratar de caso similar ou idêntico. Em que pese o fato de que, no julgamento
do incidente o Tribunal apenas considere o quadro fático que assenta determinada questão jurídica, sem se prestar a apreciar o caso concreto para julgar a questão de direito repetida, é evidente, no entanto, que a aplicação da tese firmada em sede desse incidente deve ser destinada a questões jurídicas assentadas a situações fáticas iguais ou, no limite, similares. Por esse motivo, a aplicação aos processos sobrestados, bem como às causas futuras, ocorre de forma individualizada, já que ela deve ser contextualizada no plano fáticojurídico, razão pela qual é imprescindível que conste do acórdão que julgar o IRDR a clara identificação da causa de pedir. O fato é que a coisa julgada não pode afetar terceiros (art. 506 do CPC/2015) e, portanto, a decisão proferida no incidente não faz coisa julgada material. Mas a tese firmada tem força vinculativa erga omnes e impõe a aplicação para todo caso que houver similitude fática, no entanto, como ressalta Humberto Theodoro Jr., “não se pode cogitar de força executiva na espécie”, já que a “projeção erga omnes não é dos efeitos da coisa julgada, mas da ratio decidendi”823. Ao contrário do incidente de assunção de competência, o incidente de resolução de demandas repetitivas é um instrumento processual criado para exercer uma função repressiva de controvérsias824. É o que se depreende da leitura do inciso I do art. 976 do CPC/2015 que exige como requisito de cabimento a simultaneidade de “repetição de processos” que “contenham controvérsia sobre a mesma questão” (art. 976, I, do CPC/2015) e tenha o “risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica” (art. 976, II, do CPC/2015). Ou seja, é necessária a existência de divergência acerca da interpretação do direito tratado e a existência de processos que já discutam a matéria. E a ausência de um dos requisitos não impede que, satisfeito o
quesito, seja suscitado novamente (art. 976, § 3º, do CPC/2015). Pela própria natureza do incidente, quando admitido o incidente pelo STF ou STJ é incabível a instauração de incidentes perante os outros tribunais (art. 976, § 4º, do CPC/2015). Têm legitimidade para requerer a instauração do incidente: o juiz (art. 977, I, do CPC/2015), as partes (art. 977, II, do CPC/2015) e o Ministério Público ou a Defensoria Pública (art. 977, III, do CPC/2015). O pedido para instauração do incidente deve ser instruído com os documentos aptos a demonstrar o preenchimento dos requisitos do art. 976 do CPC/2015 (art. 977, parágrafo único, do CPC/2015). O julgamento deve ser realizado pelo órgão colegiado indicado nos termos do regimento interno do tribunal (art. 978 do CPC/2015), sendo que esse órgão também é responsável pelo julgamento do recurso, remessa necessária ou do processo de competência originária de onde se originou o incidente (art. 978, parágrafo único, do CPC/2015). Admitindo o incidente, o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região (art. 982, I, do CPC/2015), poderá requisitar informações aos órgãos cujo processo tenha tramitado – que terão 15 dias para responder – (art. 982, II, do CPC/2015), e intimará o Ministério Público para, caso tenha interesse, se manifeste no prazo de 15 dias (art. 982, III, do CPC/2015)825. A função de repercussão universal do incidente impõe determinadas medidas de publicidade que devem ser promovidas pelo tribunal, conforme estatui o art. 979 do CPC/2015, devendo os tribunais darem a mais ampla divulgação e publicidade a instauração e ao julgamento do incidente, isso porque, como explica Humberto Theodoro Jr., é necessário “(i) dar ampla divulgação aos incidentes propostos e julgados, de modo a evitar a
continuidade e o julgamento das ações individuais homogêneas, sem atentar para a necessidade de sujeição à tese de direito definida, ou em vias de definição no tribunal; e (ii) impedir a multiplicidade de incidentes de igual natureza ou de igual força uniformizadora sobre uma mesma questão de direito”826. Destaca-se que o § 3º do art. 982 do CPC/2015 autoriza que qualquer legitimado do art. 977 do CPC/2015, bem como a parte do processo em curso no qual se discuta a mesma questão de direito (art. 982, § 4º, do CPC/2015), requeira a suspensão de processos individuais e coletivos em curso no território nacional, com o objetivo que garantir a segurança jurídica (art. 983, § 3º, do CPC/2015). Resta, portanto, evidente que o incidente de demandas repetitivas, apesar de não ser um instrumento de uniformização de jurisprudência, tem como objetivo final segurança jurídica, evitando-se que a mesma questão jurídica receba interpretação diversa por juízos de circunscrição diferentes. Tomadas as medidas iniciais, o relator abrirá o prazo de 15 dias para que as partes e demais interessados se manifestem. Tanto as partes quanto os interessados poderão requerer a juntada de documentos e solicitar diligências para elucidação da questão controvertida. Após a manifestação das partes, o Ministério Público terá o prazo de 15 dias para fazer o mesmo (art. 983 do CPC/2015). Poderá ser designada audiência pública para ouvir depoimento de pessoas com experiência ou conhecimento na matéria, nos termos do art. 983, § 2º, do CPC/2015. Findadas as diligências, o relator solicitará data para julgamento (art. 983, § 2º, do CPC/2015) que deverá seguir a ordem prevista no art. 984 do CPC/2015. A decisão proferida no incidente será aplicada a todos os processos em
trâmite e aos casos futuros (salvo em caso de revisão, na forma do art. 986 do CPC/2015), que versem sobre idêntica questão de direito – ressalvadas aquelas nas quais as peculiaridades do caso concreto afastem a aplicabilidade (art. 985 do CPC/2015). Contra a decisão que julga o incidente, cabe recurso especial ou extraordinário (art. 987 do CPC/2015) que será recebido com efeito suspensivo, com a repercussão geral presumida. 2.3 Princípio dispositivo É importante sublinhar, na temática dos recursos, a presença do princípio dispositivo, talvez o mais importante do processo civil contemporâneo, ainda que tenha sofrido uma ou outra leve atenuação. Conquanto não se possa dizer seja um princípio fundamental dos recursos, no sentido de ficar confinado estritamente à sede recursal, existe e define vários dos seus aspectos. Por isso deve ser tratado, também, como princípio que interfere no estudo dos recursos. O que rege o âmbito da natureza devolutiva de todos os recursos827 – e, no caso do de apelação, recurso por excelência – é o princípio dispositivo, expressado na máxima latina tantum devolutum quantum appellatum. Fenômeno diverso se passa com o chamado duplo grau obrigatório, inclusive no que diz respeito ao efeito devolutivo828-829. Em razão do efeito devolutivo, o órgão ad quem deverá apreciar a matéria que foi objeto de impugnação nas razões recursais. É a regra expressa no art. 1.013, caput, do CPC, verdadeiro princípio geral dos recursos, e que se revela como projeção do princípio dispositivo, informativo de todo o sistema do Código de Processo Civil, como perceptivelmente resulta de uma análise do que estabelecem os arts. 141 e 492 do CPC.
Tanto o art. 141 quanto o art. 492 aplicam-se também aos tribunais; na realidade, a todos os juízes, pois regem princípio da maior relevância no direito processual civil, que é o princípio dispositivo830. Já se disse que, se um acórdão decide além do pedido, ou ultra petita, por isso deverá vir a ser reduzido, por virtude de recurso ulterior, às dimensões postuladas pelo próprio recorrente831. Deveras, se de decisão ultra petita se tratar, não se deve anular o acórdão, bastando que seja modificado e adequado aos limites do que foi pedido. Nem ao juiz nem ao tribunal é dado condenar em qualquer pedido ou em qualquer outra verba aquém ou além da que foi pedida, ou fora do âmbito em que foi pedida, não podendo fazê-lo também ao apreciar recurso, e, se assim decidir, fá-lo-á além da extensão da devolutividade do recurso. Ao tribunal não é dado prover um recurso, decidindo diferentemente do que o recorrente pediu832. A orientação indiscrepante, no direito brasileiro, é a de que somente a matéria objeto de impugnação resulta devolvida ao tribunal ad quem. Diz Nelson Nery Jr. que é objeto do julgamento pelo tribunal “toda a matéria impugnada” e não pode ser objeto de julgamento o que não foi impugnado, dizendo, em outro passo, que na apelação “é necessário que o apelante deduza o pedido de nova decisão para que seja fixado o conteúdo da devolutividade a fim de que o tribunal destinatário possa julgar o recurso”833. Dizia Barbosa Moreira que o efeito devolutivo delimita “a atividade cognitiva do tribunal à parte (ou às partes) da sentença que haja(m) sido objeto de impugnação”834. Os tribunais, de maneira geral, têm encampado o entendimento de que não pode haver recurso visando à reforma total da decisão impugnada sem a
demonstração das razões do inconformismo835. Vejamos o que se passa com o recurso de agravo. Se, v.g., na mesma decisão o juiz decide duas questões distintas, e se o agravante discute em seu agravo unicamente uma delas, é certo que a outra não terá sido devolvida ao tribunal, vindo a pesar sobre ela a preclusão. Todavia, se o fundamento não impugnado se consubstanciar em matéria cognoscível de ofício, a respeito da qual não se opera a preclusão (art. 485, § 3º, do CPC), conhecido o agravo de instrumento que, porventura, seja interposto sem tratar da matéria, abrirá ao tribunal a possibilidade de conhecer também dessa matéria que, conquanto não debatida nas razões recursais, deve ser apreciada oficiosamente. 2.4 Princípios da singularidade recursal e da correspondência Fundamenta836 o sistema recursal do direito processual civil brasileiro o princípio da singularidade (princípio da unicidade). Segundo esse princípio, como explica Nelson Nery Jr., “para cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando a impugnação do mesmo ato judicial”837. O princípio da singularidade recursal, em nosso entender, decorre do princípio da correspondência recursal, já que o legislador delineou qual espécie de recurso deve impugnar determinada espécie de decisão judicial838. Como bem ressaltado por Nelson Nery Jr., à luz do CPC/73, “a subsistência desse princípio no direito vigente decorre da interpretação sistemática que se faz do CPC 496, que enumera os recursos admissíveis pelo Código, e da correlação que deve existir entre o CPC 162 e o CPC 504, 513 e 522. De
sorte que, ao definir os atos decisórios do juiz, estipulando o cabimento de determinado recurso para cada qual, o CPC adotou o princípio da singularidade”839-840. A mesma e idêntica decisão não pode, como regra, ser impugnada por mais de um recurso simultaneamente, o que, mutatis mutandis,
consistiria
em
fenômeno
análogo
ao
da
dualidade
de
litispendências. Deve imperativamente existir uma correlação entre a natureza da decisão impugnada e o tipo de recurso contra ela cabível, o que resulta bastante claro da análise dos recursos interponíveis do primeiro para o segundo grau. É preciso, pois, ter bem presentes as regras do art. 203, §§ 1º a 4º, em cotejo com os arts. 1.001 DO CPC (que estabelece a regra geral de irrecorribilidade dos despachos), 1.009, caput, (que estatui que as sentenças são apeláveis) e § 1º (que estatui que as decisões interlocutórias não agraváveis são recorríveis em preliminar de apelação ou de contrarrazões de apelação) e 1.015 (que dispõe sobre as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento). Em relação ao disposto no § 4º, do art. 203, do CPC (que trata dos atos meramente ordinatórios), temos que ele se refere aos atos praticáveis de ofício pelo servidor, sob a supervisão do magistrado, sendo, pois, em princípio, irrecorríveis. O que diferencia a decisão interlocutória da sentença é justamente o fato de que a sentença, decidindo ou não o mérito, sempre põe fim à fase cognitiva do processo de conhecimento ou extingue a execução, ao passo que a decisão interlocutória resolve questão no curso do processo, seja ou não questão de mérito841. O que se verifica, portanto, é que o conceito de decisão interlocutória é residual, em relação ao conceito de sentença. Com efeito, na hipótese do art. 487, I, do CPC, se julgada procedente a
ação que deva submeter-se à fase de cumprimento (neste caso, a sentença não terá posto fim ao processo, senão apenas à fase de conhecimento, já que prossegue na fase de cumprimento), estar-se-á diante de sentença. Se, porém, tratar-se de julgamento antecipado parcial de mérito, tratar-se-á de decisão interlocutória, pois conquanto tenha havido julgamento de mérito, não chegará ao fim a fase cognitiva do processo de conhecimento. Na vigência do CPC/73, podia-se dizer que o princípio da correspondência era praticamente absoluto, pois das sentenças cabia apelação, das interlocutórias cabia agravo (retido ou de instrumento) e dos despachos não cabia qualquer recurso, por não terem potencial danoso às partes. O CPC/2015, todavia, alterou significativamente essa regra, pois ao tornar taxativas as hipóteses em que é cabível o agravo de instrumento, fez com que certas decisões interlocutórias sejam recorríveis por agravo e outras sejam recorríveis em preliminar de apelação ou de contrarrazões de apelação. Com efeito, todas as sentenças são impugnáveis por apelação, mas nem todas as decisões interlocutórias são recorríveis por agravo de instrumento, razão pela qual se pode dizer que o CPC/2015 promoveu sensível alteração no panorama do princípio da correspondência842. As regras gerais atinentes à identificação das decisões e dos recursos cabíveis podem-se dizer simples e, no mais das vezes, não suscitam maiores controvérsias. Há que se ter presente, porém, que há decisões, ditas complexas, que devem ser mais bem examinadas. Figure-se, por exemplo, a hipótese de uma decisão pela qual o juiz, além de indeferir o pedido de tutela provisória (veiculada, de regra, em decisão interlocutória, recorrível por agravo de instrumento), ponha fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, acolhendo preliminar de carência da ação, com fundamento no art.
485, VI, do CPC (conteúdo do art. 487 do CPC, portanto). O que deve presidir o raciocínio do intérprete para identificar o tipo de decisão é a finalidade (maior) a que se presta a decisão, que no caso foi a de colocar fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, além de o conteúdo se subsumir no art. 487 do CPC, de modo que se trata de sentença, impugnável por apelação. Nesse particular, aliás, o vigente Código foi claro ao dizer que se no bojo da sentença se decidir matéria que, em tese, seria agravável (prevista, portanto, no art. 1.015), o recurso cabível será o de apelação, conforme se pode extrai do art. 1.009, § 3º. Conquanto o princípio da singularidade decorra do princípio da correspondência, é de se notar que eles têm características próprias, diferenciando-se apenas porque o princípio da singularidade diz respeito à quantidade de recursos cabíveis contra uma decisão judicial, enquanto que o princípio da correspondência só admite, como regra, uma espécie de recurso contra determinada espécie de decisão judicial. Além disso, é importante consignar que o fato de poderem ser interpostos, por exemplo, dois agravos de instrumento contra uma mesma decisão interlocutória (interpostos pelo autor e pelo réu, por exemplo), não atrita com o princípio da singularidade recursal, pois o que este quer significar é que uma mesma decisão não pode ser impugnada por mais de um tipo de recurso843, o que não é o caso da interposição de dois (ou mais) agravos de instrumento (mesmo tipo de recurso) contra uma mesma interlocutória, desde que, evidentemente, não tenham eles sido interpostos pela mesma parte. Isso, aliás, deixa clara a intrínseca relação existente entre os princípios aqui tratados. Há casos, porém, em que o princípio da singularidade recursal resta
mitigado, pois contra uma mesma decisão são cabíveis mais de uma espécie de recurso (correspondência), podendo, pois, haver a interposição de dois recursos contra uma mesma decisão. Basta pensar no cabimento de recursos especial (para o STJ) e extraordinário (para o STF) contra um mesmo acórdão do tribunal local. Ou seja, proferido acórdão de tribunal local que, a juízo da parte sucumbente, viola o direito constitucional e infraconstitucional, poderão ser interpostos dois recursos (RE e REsp)844 contra tal decisão, mitigando o princípio da singularidade recursal. Exemplo que sobressai, notadamente em razão das alterações promovidas pela Lei n. 13.256/2016, diz respeito ao cabimento de agravo interno e agravo em recurso especial ou extraordinário contra uma mesma decisão. Isso porque os recursos especial e extraordinário podem ser inadmitidos na origem em razão da existência de decisão do STF ou do STJ que seja de observância obrigatória, quando houver afetação de recurso para julgamento que firmará “precedente” ou, residualmente, quando não estiverem preenchidos os demais requisitos de admissibilidade do recurso (art. 1.030, I, III e V, do CPC). Em caso de inadmissão do recurso com fundamento no inciso I, do art. 1.030, cabível será o agravo interno, conforme prevê o § 2º desse dispositivo. Por outro lado, se a inadmissão do recurso excepcional se fundar no não preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade, cabível será o agravo previsto no art. 1.042, do CPC, conforme prevê o § 1º, do art. 1.030. Tratando-se, pois, de decisão que inadmite parte do REsp, por exemplo, porque há tese firmada em julgamento de recurso repetitivo e parte, v.g., porque não houve prequestionamento, cabíveis serão, a nosso juízo, os dois recursos acima referidos, isto é, agravo interno e agravo em recurso especial.
2.5 Princípio da fungibilidade recursal 2.5.1 Generalidades O princípio da fungibilidade colima, em última análise, evitar que o recorrente seja prejudicado nos casos em que o sistema recursal enseja margem a dúvidas (objetivas), sobre qual o recurso cabível para impugnar determinada decisão, sendo que, nessa hipótese, tanto um como outro recurso devem ser admitidos845. Isso porque, nessas hipóteses, por maior que seja a diligência do recorrente, não poderá reunir as condições de certeza sobre qual o recurso cabível846-847. Referido princípio encontrava-se albergado de forma expressa no art. 810 do CPC/39, cujo teor era o seguinte: “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”. Excepcionavam-se, pois, as hipóteses de erro grosseiro848 ou má-fé849. Sem embargo disso, a doutrina e a jurisprudência, ainda que inexistente menção expressa ao princípio CPC/73, não relutam em lhe reconhecer aplicabilidade. Também não houve a reprodução do art. 810 do CPC/39, no CPC/2015, mas tal como se deu em relação ao Código Buzaid, não vemos razão para excluir o princípio da fungibilidade da sistemática recursal. O sistema recursal do CPC/73 era inquestionavelmente mais evoluído que o Código que o antecedeu, razão que possivelmente levou à não reprodução do mencionado art. 810, do CPC/39, pelo Código Buzaid, na pressuposição talvez pretensiosa, de que seria desnecessário850. Não obstante a inegável evolução do sistema recursal atual, em relação ao pretérito, a verdade é que,
em muitos casos, continuam subsistindo dúvidas, razão pela qual se reconhece, como dito, a aplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal, mesmo diante da inexistência de regra expressa consagradora do princípio. Exige-se, para a aplicação do princípio dispositivo, que haja dúvida objetiva e que não haja, pela parte corrente, erro grosseiro. A dúvida objetiva diz respeito à existência de discussão a respeito do tema na doutrina e/ou na jurisprudência, caso em que não pode a parte recorrente ser prejudicada pela posição assumida pelo órgão ad quem. De maneira muito próxima, haverá erro grosseiro quando a parte interpuser recurso manifestamente incabível, o que redunda, aliás, na própria falta de dúvida objetiva a seu respeito. Parte das discussões relativas ao princípio da fungibilidade na vigência do CPC/73 dizia respeito ao cabimento de agravo de instrumento ou de apelação, nas hipóteses em que a lei chamava impropriamente de sentença uma decisão interlocutória e vice-versa. Temos presente, ao menos a princípio, que a importância da fungibilidade, nesse particular, resta diminuída, tendo em vista que o CPC/2015 elencou em rol taxativo as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, deixando à apelação a insurgência contra as demais decisões interlocutórias. Porém, impende destacar que há dúvida doutrinária a respeito da natureza do rol trazido pelo art. 1.015, do CPC/2015, isto é, se taxativo ou exemplificativo851. A questão agora foi pacificada pelo STJ, após o julgamento do REsp 1.696.396/MT e do REsp 1.704.520/MT, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, mas, antes disso, a 4ª Turma da Corte já havia decidido pelo cabimento de agravo de instrumento contra decisão que tratar de incompetência, por ser tema que reclama imediata solução852. A Corte Especial do STJ, no julgamento acima referido, modulou os
efeitos da decisão, aplicando-a apenas às decisões interlocutórias interpostas antes da publicação do acórdão. Em relação aos casos anteriores à decisão, portanto, é de se reconhecer a existência de dúvida objetiva, razão pela qual o réu que, crendo na taxatividade do rol, deixou de interpor agravo de instrumento contra a decisão que, v.g., não reconheceu a incompetência do juízo, não pode ser prejudicado pelo entendimento do órgão recursal de que não foi interposto o recurso cabível, pois à época da prolação da decisão ainda existia dúvida objetiva a esse respeito. A fungibilidade, longe de se constituir numa ideia aplicável somente aos recursos, é noção que deflui da concepção de que o processo não encerra um fim em si mesmo, senão que se constitui em instrumento para viabilizar a prestação jurisdicional. Essa ideia, em última análise, deflui do disposto no art. 283 do CPC, o que leva a que autorizados setores da doutrina falem, com razão, em fungibilidade de meios853. As ideias de fungibilidade e de instrumentalidade das formas possuem a mesma matriz ideológica. No que tange à fungibilidade recursal, aduza-se, ainda, ser injustificável, até mesmo como componente de inibição de acesso à justiça, não admitir um recurso, a respeito do qual há dúvida objetiva (como no exemplo acima referido), que, como se disse, coloca-se como insuperável para o litigante, ainda que informado e diligente. Este não poderá nunca saber se o recurso interposto, em relação ao qual há corrente de entendimento, dando-o como correto, será havido como tal pelo órgão que concretamente irá julgá-lo. E, por dúvida objetiva, quer-se significar que ela existe para qualquer litigante, profissional, e também para os juízes854. Como afirmado acima, devem ser excluídos do âmbito da fungibilidade recursal os casos de erro grosseiro. Apontam-se vários, tais como: (1) se o
recurso não existe, é incogitável a aplicação do princípio; (2) igualmente configura erro grosseiro interpor recurso ordinário, no caso em que cabe recurso especial, do julgamento de mandado de segurança855. A Lei n. 12.016/2009, inclusive, é expressa quanto ao cabimento de recurso especial ou recurso ordinário, em se tratando de mandado de segurança. Com efeito, dispõe o art. 18 de referido diploma legal que “das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e recurso extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada”. A propósito deste último assunto, cumpre-nos dizer o seguinte. O art. 105, II, b, da CF/88 estabelece que compete ao STJ julgar, em recurso ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou dos Estados e Distrito Federal, quando denegatória a decisão. Se a ordem for concessiva, é evidente a impropriedade do uso do recurso
ordinário,
conforme
explícita
determinação
constitucional.
Entretanto, a expressão “quando denegatória a decisão” já rendeu ensejo a certa divergência. Houve dúvida no sentido de saber se quando a decisão fosse de carência do mandado de segurança, a hipótese haveria ou não de ser compreendida na expressão “denegatória”. Já se teve a oportunidade de expor a ideia856 de que, se interposto recurso especial ao invés de recurso ordinário em caso de decisão denegatória de mandado de segurança (ou que tenha decretado a carência do mandamus), há erro grosseiro, não sendo o caso de aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Incide no caso a Súmula 272 do STF: “Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança”. Releva notar, ainda, que o STJ veio a pacificar entendimento no sentido de que, em casos de extinção do mandado
de segurança sem resolução do mérito, o recurso cabível é o recurso ordinário, sendo inaplicável, hodiernamente, o princípio da fungibilidade, haja vista que inexiste divergência atual sobre o assunto857. Diante da dúvida objetiva858 – e há vários exemplos –, o princípio deve ser aplicado e enquanto não se pacificar a jurisprudência, tem cabimento a aplicação do princípio859, ainda que mínima possa ser a dúvida860. O que é importante sublinhar é que, muitas vezes, por largo tempo pode haver uma dúvida objetiva e que deve ser considerada em caso de interposição do recurso errado. É evidente que o Código de Processo Civil de 2015, recentemente promulgado, pretendeu eliminar eventuais dúvidas acerca da interposição do recurso adequado em determinadas situações, mas, apesar da ausência de previsão expressa do acolhimento do princípio da fungibilidade recursal, como feito pelo Código de 1939, sua aplicabilidade é evidentemente aceita, uma vez que o Código dispõe de mecanismos de aplicação desse princípio (arts. 1.024, § 3º, 1.032 e 1.034, do CPC). Nos casos em que inexiste dúvida, é inaplicável o princípio, hipótese em que o recurso não há de ser admitido ou conhecido861. Resumindo-se, é preciso ter presente que há hipóteses em que, por deficiências do sistema processual, a parte pode ter dúvida (objetiva) acerca do recurso cabível. Nesse caso, a doutrina e a jurisprudência admitem que o recurso concretamente interposto possa ser conhecido, desde que a hipótese se insira no âmbito da dúvida objetiva862. A existência de dúvida objetiva é aferível a partir da verificação, por exemplo, da existência de julgados admitindo, numa mesma quadra histórica, mais de um recurso contra aquele tipo de decisão. Ao nos referirmos a um dado tempo, queremos significar, como já sublinhado anteriormente, que uma
dúvida objetiva pode existir durante certo lapso de tempo, mas, sucessivamente, vir a desaparecer. É certo que, se isso acontecer, não será correto invocar o princípio posteriormente, pois uma dúvida objetiva que existiu, depois de certo período, acabou desaparecendo. Da redação do art. 810 do CPC/39 extraía-se o requisito da boa-fé como necessário à aplicação do princípio da fungibilidade. Ao tempo do CPC/73, que não continha dispositivo correspondente, como já se referiu, segundo a doutrina mais autorizada, deveria ser afastada como requisito para aplicação da fungibilidade recursal. Nesse sentido, Flávio Cheim Jorge863 sustentava que não haveria qualquer necessidade e coerência em transportar este requisito para o sistema do CPC/73. No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim864 já ensinava que a má-fé tinha razão de ser no regime anterior, mas não no sistema de Buzaid. Este princípio, do que se viu até aqui, objetiva resolver com justiça e tendo em vista que o sistema jurídico não pode sofrer uma interpretação que injustificadamente restrinja o acesso à justiça, admitir que um problema ou um dilema do próprio sistema fosse insolúvel e, por isso, pudesse prejudicar a parte seria, a nosso juízo, denegar o próprio acesso à justiça. Desde que existente a dúvida, não é possível nem confiável para a parte interpor um ou outro recurso, ainda que esteja convicta de que um deles é o correto. Isso porque a parte não pode saber, a priori, qual é a posição do órgão julgador, que virá a ser o competente para o julgamento do recurso. Se assim é, pode não vir a ser interposto o recurso “correto”, por mais diligente que seja o recorrente, entendendo-se por “correta” a interposição do recurso coincidentemente com o eventual ponto de vista do futuro órgão julgador. Daí por que a fungibilidade leva justamente a que se deixe de lado a ideia de
recurso (ou “meio”, se se estiver falando mais amplamente em fungibilidade de “meios”) correto ou incorreto. A convicção pessoal do julgador acerca do recurso cabível há de ser relevada em nome da dúvida objetiva. O sistema vigente, que alberga o princípio da fungibilidade, não distingue a respeito dos órgãos em relação aos quais haja de considerar-se como existente a dúvida. Parece, portanto, que, se ela existir entre tribunais distintos, há de ser aplicado o princípio. Todavia, é legítimo enfrentar alguns aspectos do assunto: a) se a dúvida não existir na Justiça civil de um Estado, que tem como recurso cabível em determinada hipótese o de apelação; b) mas, se existir no âmbito da Justiça Federal (apelação e agravo de instrumento); c) sendo a causa da competência da Justiça Civil do Estado, poderemos nos perguntar se se justifica a aplicação do princípio, se a parte, pautada na dúvida existente na Justiça Federal, vier a interpor o agravo de instrumento. Ainda aqui julgamos aplicar-se o princípio, mesmo porque as causas, normalmente, não se esgotam no âmbito das Justiças locais. Está implicado neste princípio que, ainda que o órgão julgador sempre tenha entendido que determinado recurso deve ser utilizado para atacar determinada decisão, ele deve admitir o recurso, ainda que contra a sua própria convicção, desde que haja orientação significativa no sentido de que o recurso é o outro. É possível que haja coincidência entre o recurso interposto e a posição do órgão julgador, quando, então, não surge sequer o problema. Mas, se surgir, o órgão deve admitir o recurso – que no seu entender é o “errado” –, desde que, v.g., haja jurisprudência a sustentar o cabimento do recurso que foi interposto. A essência da aplicação do princípio, ou a sua pedra de toque, é a de admitir-se o recurso contra a convicção do órgão, a respeito do recurso que tem como o correto.
Imprescindível, neste passo, analisar com mais detença o art. 810 do CPC/39, e o quanto a seu respeito se escreveu. Depois, procuraremos analisar em que medida aquelas construções doutrinárias se compatibilizam com o sistema processual civil vigente. 2.5.2 O art. 810 do CPC/39 Como visto, dois eram os requisitos, sob a égide do CPC/39, para conduzir à aplicação do princípio sob comento: inexistência de má-fé ou de erro grosseiro. A ocorrência de “erro grosseiro” poderia ser vista como a interposição de um recurso por outro quando houvesse regra expressa no sentido do cabimento daquele, inexistindo dúvida a respeito na doutrina e na jurisprudência. Um dos autores que mais aprofundadamente estudou o assunto foi Barbosa Moreira, que, criticando o casuísmo que presidiu muitas construções doutrinárias, a propósito, escreveu: “o que deflui do art. 810 é que, para o aproveitamento da interposição, basta a seriedade do problema interpretativo, ainda que o haja resolvido mal o recorrente. A oscilação da jurisprudência é elemento que deve pesar a favor (...). Mas a inexistência de precedentes não exclui, por si só, a possibilidade de considerar-se ‘não grosseiro’ o erro”865. Sem dúvida, todavia, a expressão “má-fé”, referida no art. 810 do CPC/39, foi a que mais dúvidas e controvérsias gerou. A má-fé, para esse autor, indicaria a troca de um recurso por outro, com o propósito de obtenção de vantagem dessa troca866. Na troca, de que se poderia pressupor consciência do erro, deliberadamente cometido, estaria implicada vantagem ilícita, não existente no recurso correto.
Daí, prosseguindo nesse raciocínio, afirmava Barbosa Moreira, à luz do CPC/39: “Naturalmente, deve tratar-se de erro que – pelo menos na opinião do recorrente – não seja grosseiro, ou não arriscaria ele a praticá-lo (...). Todavia, não sendo grosseiro o erro, muito difícil se tornará, na ordem prática, aplicar o art. 810 contra o recorrente: com efeito, a escolha do recurso inadequado será por ele justificada com a invocação da doutrina ou da jurisprudência que a abonem, ou com elementos de interpretação que façam escusável o equívoco. Nessas condições, só em casos raríssimos poderá ficar provada a má-fé – que, aqui como alhures, não se presume”867. Prosseguiu o autor na análise de um problema que se apontava à época sobre qual seria o prazo que deveria ser considerado pelo recorrente para interposição do recurso. Esse problema foi relativamente sanado pelo Código de Processo Civil de 2015, que uniformizou os prazos recursais – 15 dias – com exceção dos embargos de declaração (art. 1.003, § 5º, do CPC). Parte da doutrina, à luz do revogado CPC/39, entendia que, para que não se pudesse falar em má-fé, necessário seria que o recurso impróprio fosse interposto no prazo do “próprio” (recurso cabível, a juízo do órgão ad quem), sendo, do contrário, inaplicável o princípio da fungibilidade recursal. Já então, à luz do sistema do CPC/39, se perfilhava Barbosa Moreira dentre os que (minoritariamente, adiante-se desde logo) entendiam que a interposição do recurso no menor prazo era irrelevante para aplicação da fungibilidade recursal868. Assistia razão ao notável autor, entendendo da mesma forma o alcance do art. 810 Nelson Nery Jr.869. Esta é a posição correta, mas com a qual, infelizmente, em escala pouco apreciável têm concordado os tribunais. Decisões há que, corretamente, admitem a interposição de recurso de menor prazo no prazo mais longo, entendendo a
fungibilidade plenamente, pois que nela também se inclui a troca de prazo870. Temos por correto o entendimento de que o princípio da fungibilidade compreende a troca integral do regime de um recurso por outro, no que estava inserida, também, a troca do prazo, nos regimes passados. Mas importa notar que conquanto tenham sido unificados os prazos recursais no vigente Código, fato é que o termo inicial para a interposição de recurso contra decisão interlocutória é distinto. Para as interlocutórias agraváveis, o prazo se conta desde a intimação das partes; para as interlocutórias não agraváveis, o prazo só terá início futuramente, quando da intimação da sentença. Dessa forma, ainda que os prazos para o agravo de instrumento e apelação sejam os mesmos – 15 dias –, na prática, a apelação será interposta posteriormente, dada a necessidade de prolação da sentença, caso em que se poderia pensar, com razão, em diferença de tempo para a interposição do recurso. Não se trata, propriamente, de diferença de prazo recursal, que é o mesmo, mas o fato de o termo inicial do prazo de apelação tardar mais do que o termo inicial do agravo de instrumento a ocorrer faz com que a decisão interlocutória que (aparentemente) não é agravável seja interposta após maior espaço de tempo, se comparado às interlocutórias agraváveis. Decorre da própria razão de ser da fungibilidade recursal que a parte não precise conhecer ambas as correntes, tanto bastando que conheça uma delas, v.g., aquela que propende pelo cabimento do recurso de apelação. Ainda no sistema anterior, entendia-se que a exigência de que, sendo diferentes os prazos dos recursos em relação aos quais há dúvida, o recurso devesse sempre ser interposto no menor prazo exigia esse conhecimento, sem o que seria impossível a escolha do prazo menor. Vale dizer, trocar-se-ia tudo de
um recurso para o outro, menos o prazo. De outra parte, era pouco razoável, ou mesmo sem explicação lógica, interpor-se a apelação, que a parte tinha como o recurso correto, no prazo do agravo. Caberia ao órgão julgador decidir e determinar que se façam as adaptações necessárias, se entender que isso é imprescindível. Sob a égide do CPC/2015, conquanto não haja margem para maiores discussões em relação ao cumprimento do maior ou menor prazo, já que estes foram praticamente uniformizados (exceção que se faz aos embargos de declaração), é certo que há casos, como o da apelação e do agravo de instrumento, que, na prática, importarão em diverso espaço de tempo em que poderá ser interposto o recurso, conforme já se disse acima. Assim, no exemplo por nós ventilado linhas acima, relativo ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão que inadmite a alegação de incompetência do juízo, seria completo despropósito exigir que a parte, ciente ou não da discussão que atinge a natureza do rol do art. 1.015 do CPC, interpusesse a apelação (recurso que a ela pareceria o cabível), mas no prazo do agravo de instrumento (prazo de 15 dias contados da intimação da decisão interlocutória). Portanto, parece-nos que, tal como já se dizia à luz do sistema revogado, não se pode exigir do recorrente que interponha o recurso em prazo inferior àquele estipulado pela lei processual para a espécie recursal que a ele parece cabível, existente a dúvida razoável, no que se inclui também a forma de contagem do aludido prazo. 2.5.3 Algumas hipóteses em que há fungibilidade recursal Como vimos, há hipóteses em que a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito do recurso cabível torna tormentosa a posição do
recorrente que, sem saber qual posição prevalecerá ao final, interpõe certo recurso, em detrimento de outro. A existência dessa dúvida relativa ao recurso cabível, no âmbito da doutrina e da jurisprudência, não pode fazer com que o jurisdicionado fique sujeito à sorte de optar pelo recurso que, posteriormente, será tido como o recurso cabível. Considerando-se que o processo não encerra um fim em si mesmo, sendo o meio pelo qual é exercida a jurisdição, deve-se aplicar nesses casos o princípio da fungibilidade, que evidentemente objetiva salvaguardar o interesse do jurisdicionado, frente à falta de certeza quanto ao meio processual cabível. Conquanto não haja no CPC/2015, assim como não havia no revogado CPC/73, dispositivo expresso que trate da fungibilidade, dele se colhem alguns dispositivos que impõem o aproveitamento de atos processuais praticados “incorretamente”, em benefício da resolução do mérito. Tais dispositivos, porém, não encerram as hipóteses em que deverá haver a fungibilidade entre o recurso interposto e aquele que, a juízo do órgão ad quem, deveria ter sido interposto. Tratemos, pois, de algumas dessas hipóteses. 2.5.3.1 Conhecimento de embargos de declaração como agravo interno O CPC prevê expressamente, no art. 1.024, § 3º, se o órgão jurisdicional entender que contra determinada decisão monocrática do relator deveria ter sido interposto agravo interno e não embargos de declaração, caberá ao órgão colegiado receber os embargos como agravo interno, aproveitando-se, portanto, o ato processual praticado.
Nessa hipótese, considerando que o recorrente terá opostos embargos de declaração, que tem características distintas do agravo interno, é imprescindível que ele seja intimado para complementar as suas razões recursais, ajustando seu recurso àquele que, a juízo do órgão, é o recurso correto, fazendo-o no prazo de 5 dias871. 2.5.3.2 Conhecimento de recurso especial como recurso extraordinário O recurso especial, como será tratado com mais cuidado em capítulo próprio, é o recurso de fundamentação vinculada que se destina a impugnar acórdão de tribunal de justiça ou regional federal que tenha, de acordo com o recorrente, violado norma infraconstitucional (art. 105, III, da CF/88). Todavia, há diversas hipóteses em que uma mesma norma jurídica é fruto de disposições constitucionais e infraconstitucionais, casos em que é verdadeiramente tormentosa a tarefa de estabelecer se o acórdão recorrido teria violado a CF ou a lei ordinária, por exemplo. Com efeito, verifica-se que nem sempre é possível aferir, com certeza, se a ofensa que se alegará em recurso
excepcional
é
ao
direito
constitucional
ou
ao
direito
infraconstitucional. Por esse motivo, quando entender que o recurso especial interposto pelo recorrente cuida, em verdade, de matéria constitucional, o STJ deve, nos termos do art. 1.032, do CPC, conceder o prazo de 15 dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral (requisito de admissibilidade próprio do recurso extraordinário) e se manifeste sobre a questão constitucional. O art. 1.032 do CPC, portanto, enseja o aproveitamento do ato processual praticado, consistente na interposição de recurso especial, quando o correto,
segundo o STJ, seria a interposição de recurso extraordinário. Convém notar que após a remessa dos autos ao STF, quando complementado o recurso pelo recorrente, poderá esta Corte devolver os autos ao STJ, caso entenda que, na verdade, a ofensa à CF seria, quando muito, reflexa. Nessa hipótese, ainda que o STJ tenha dito que a ofensa alegada pela parte recorrente é, na verdade, à CF, deverá ele conhecer do recurso especial como tal, tendo em vista que o STF, devolvendo os autos, terá decidido que as alegações da parte recorrente dizem respeito ao direito infraconstitucional e não ao direito constitucional (cf. art. 1.032, parágrafo único). 2.5.3.3 Conhecimento de recurso extraordinário como recurso especial O recurso extraordinário também é exemplo de recurso de fundamentação vinculada, cabível, em geral, quando for alegada violação à Constituição (art. 102, III, da CF). Pelas mesmas razões que tornam, em certos casos, difícil decidir se o recurso especial é cabível, a análise do cabimento do recurso extraordinário é tormentosa. Ou seja, frente a uma situação concreta, a parte pode acabar por interpor recurso especial, crendo se tratar de matéria infraconstitucional, ou por interpor recurso extraordinário, por crer, de outro lado, que a ofensa alegada é à CF. Assim como se admite o conhecimento do recurso especial como se extraordinário fosse (art. 1.032, acima tratado), também se admite que o recurso extraordinário erroneamente interposto seja recebido como recurso especial, conforme prevê o art. 1.033, do CPC. É importante notar que o mencionado art. 1.033 exige, para a sua
incidência, que o STF tenha por reflexa a afirmada violação à CF. Ou seja, parece-nos que não pode ser aproveitado o recurso extraordinário interposto de maneira completamente errada, sem que haja, pela parte, a demonstração de que, ao menos em última análise, terá sido violada a CF. Isso, ao que nos parece, revela que o CPC adotou, nesse particular, a ausência de erro grosseiro como requisito para o aproveitamento dos recursos excepcionais, o que é plenamente justificável, já que tem raiz no princípio da fungibilidade. Diferentemente da hipótese do art. 1.032, parágrafo único, do CPC, que autoriza o STF a devolver os autos ao STJ, por não vislumbrar alegação de ofensa direta à CF, o art. 1.033 não autoriza que o STJ restitua os autos ao STF, sob o fundamento de que não haveria ofensa direta à legislação infraconstitucional, senão diretamente à constitucional. Com efeito, uma vez remetido o recurso extraordinário ao STJ, deverá esta Corte recebê-lo como recurso especial, não podendo inadmiti-lo por se tratar de matéria constitucional, caso em que é incabível o REsp. 2.5.3.4 Conhecimento de recurso especial como agravo e viceversa Exemplo que merece especial atenção diz respeito à existência de dúvida em relação ao recurso cabível quando for negado provimento a agravo interno interposto na forma do art. 1.030, § 2º, do CPC. Já se disse anteriormente que o CPC admite duas espécies recursais distintas contra a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal local que inadmite recurso especial ou extraordinário. Se a inadmissão decorrer da existência de tese firmada no âmbito do STF ou STJ, ou que haja recurso
afetado (ou com repercussão geral reconhecida) relativo ao tema (hipóteses de inadmissão dos incisos I e III do art. 1.030 do CPC), poderá o recorrente interpor agravo interno, a ser julgado por órgão do próprio tribunal, segundo dispuser o regimento interno. Se a inadmissão do recurso excepcional decorrer da falta de preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade (falta de prequestionamento, v.g.), cabível será o agravo em recurso especial ou extraordinário, previsto no art. 1.042, do CPC, que é o recurso próprio para levar às Cortes Superiores a discussão relativa aos requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Muito embora o CPC não preveja, ao menos de maneira clara, qual é o recurso cabível contra a decisão do tribunal local que julga o agravo interno, parece-nos correto dizer que alguma espécie recursal há de caber. Isso porque a CF atribuiu ao STF e ao STJ a competência para julgar, respectivamente, recurso extraordinário e recurso especial, o que inclui não apenas a análise definitiva do mérito recursal, mas também a análise definitiva do próprio cabimento de tais recursos excepcionais. Por essa razão, não nos parece correto admitir que, havendo tese formada ou em formação, seja possível que os tribunais locais decidam, em caráter definitivo, que o recurso especial ou extraordinário não pode ser sequer remetido ao STJ ou STF. Aliás, parece-nos que o sistema de vinculação das decisões judiciais, já existente anteriormente, mas desenvolvido e ampliado pelo CPC/2015, só pode conduzir ao resultado esperado (cumprimento à isonomia e redução salutar das demandas judiciais) se não importar em enrijecimento do direito. É claro que não se espera do Judiciário que altere a interpretação do direito a todo momento, mas, por outro lado, também dele não se espera que
remanesça passivo frente às mudanças sociais, legislativas e da própria ciência jurídica872. Uma das formas que nos parece a mais importante para evitar o enrijecimento do direito é, justamente, o acesso do jurisdicionado às Cortes que firmaram os “precedentes”, a fim de poder influenciar o tribunal na alteração da tese anteriormente firmada, quando necessário. Embora esse acesso às Cortes, sobretudo as Superiores, não deva ser fácil, sob pena de manter o exacerbado número de recursos que aguardam julgamento nos tribunais
de
cúpula,
parece-nos
impossível
admitir
que
nenhum
jurisdicionado terá a possibilidade de influenciar os tribunais na alteração de sua jurisprudência. Frente a isso, emanam da doutrina, basicamente, duas soluções: há autores que admitem o cabimento de recurso especial ou extraordinário contra a decisão do tribunal local que julgar o agravo interno; para outros autores, cabível será o agravo em recurso especial ou extraordinário. A primeira corrente é defendida por Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, para quem ‘‘da decisão do agravo interno (art. 1.021) caberá, se preenchidos os demais pressupostos, recurso especial e recurso extraordinário”873. De outro lado, sustentam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud que ao art. 1.030, § 2º, do CPC, deve ser dada interpretação conforme ao texto constitucional, pois a CF atribui ao STJ e ao STF a competência para julgar definitivamente o recurso especial e extraordinário, respectivamente, seja em relação à admissibilidade, seja em relação ao mérito. Dessa forma, somente tais Cortes é que podem julgar, em último grau, a admissibilidade dos recursos de sua competência. Para tais autores, portanto, após o julgamento do agravo interno terá
cabimento recurso de agravo em recurso especial ou extraordinário, previsto no art. 1.042 do CPC. O cabimento de uma ou outra espécie recursal é tema que será mais bem tratado posteriormente, quando analisarmos os recursos especial e extraordinário. Por ora, convém verificar a existência de dúvida objetiva da doutrina a respeito do recurso cabível contra a decisão do tribunal local que julga o agravo interno interposto na forma do art. 1.030, § 2º. Diante dessa dúvida, que não nos parece ter ainda solução da jurisprudência, não pode conduzir à inadmissibilidade de um recurso, pelo fato de entenderem o STF e o STJ, posteriormente, que cabível seria o outro. Ao que nos parece, esse é interessante exemplo de aplicação do princípio da fungibilidade na sistemática recursal do CPC em vigor, pois há dúvida objetiva que não pode, pela instrumentalidade do processo, prejudicar o recorrente. Dessa forma, interposto agravo em recurso especial ou extraordinário, poderá ele ser recebido como recurso especial ou extraordinário, a depender do caso concreto, da mesma forma que os recursos excepcionais interpostos poderão ser recebidos como agravo do art. 1.042, caso entenda o tribunal ad quem que é esse o recurso cabível. 2.5.4 Requisitos para aplicação da fungibilidade – conclusões Para que se possa aplicar o princípio da fungibilidade recursal, necessário, assim, que não se esteja diante de hipótese de erro grosseiro, o que ocorre, por exemplo, se se interpõe o recurso contra disposição expressa de lei. Tal é o caso, por exemplo, do recurso de apelação interposto contra decisão em liquidação de sentença, quando, por disposição legal expressa (art. 1.015,
parágrafo único), o recurso cabível é o agravo de instrumento. Já discutimos, todavia, que a decisão de carência de mandado de segurança de competência originária dos tribunais poderia ter ensejado, em determinada quadra histórica, legitimamente, dúvida sobre qual o recurso cabível, suscitando a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, ante a imprecisão do texto constitucional, que fala, genericamente, em decisão “denegatória” (art. 102, II, a, e art. 105, II, b, da CF). Como atualmente não está presente o requisito da dúvida objetiva, em face da sedimentação do entendimento de que mesmo a decisão de carência do mandado de segurança em tal caso (de competência originária dos tribunais) deve ser impugnada por meio de recurso ordinário, não há mais espaço para se falar, atualmente, em incidência da fungibilidade recursal. O requisito da inexistência do erro grosseiro, na verdade, é decorrência da existência
de
dúvida
objetiva.
Se,
por
exemplo,
há
divergência
jurisprudencial a respeito de qual o recurso cabível, evidentemente a interposição de um recurso ou de outro não poderá configurar erro grosseiro. De outro lado, se não há qualquer discussão relativa ao cabimento de um ou outro
recurso,
a
interposição
do
recurso
incorreto
configura,
inquestionavelmente, hipótese de erro grosseiro do recorrente. Já dissemos anteriormente que, a nosso juízo, não há falar-se na exigência de inexistência de má-fé para se aplicar o princípio da fungibilidade. Flávio Cheim Jorge endossa esse pensamento: “Os únicos requisitos que realmente devem ser verificados para aplicação do princípio da fungibilidade, no sistema atual, são a dúvida objetiva ou a inexistência de erro grosseiro. Verificada a ocorrência de um desses dois requisitos, que, no nosso entendimento, para aplicação do princípio da fungibilidade, possuem o
mesmo significado, o princípio deve ser aplicado”874. Podemos afirmar, assim, que são requisitos para a incidência da fungibilidade no sistema vigente: dúvida objetiva e consequente inexistência de erro grosseiro na interposição do recurso. Havendo dúvida objetiva, tal é suficiente para que se possa falar em fungibilidade recursal. É que, como se disse, a existência de dúvida objetiva é virtualmente antagônica à ideia de que possa ter havido erro grosseiro na interposição do recurso. Ou, por outras palavras, havendo dúvida objetiva sobre qual modalidade recursal deve ser utilizada, não há falar em erro grosseiro. Pelo assim denominado princípio da singularidade recursal, temos que contra determinada espécie de decisão cabe um único tipo de recurso. Nesse sentido, pode-se dizer que o princípio da fungibilidade recursal envolve, de certo modo, atenuação da singularidade recursal, pois o juiz, mesmo que convencido de que a decisão a deve ser impugnada pelo recurso x, caso presente o requisito de dúvida objetiva, deve relevar a sua convicção pessoal e admitir que a decisão seja atacada pelo recurso y875. Além disso, como já dito, o CPC/2015 sedimentou também a ideia tese de primazia das formas e da garantia da resolução de mérito à parte. Nesse sentido, caso o Tribunal entenda que o recurso cabível em determinadas situações seja outro, ou que o recurso manejado foi interposto com a “nomenclatura” equivocada, deverá intimar o recorrente para adequar seu instrumento processual àquele que o Tribunal entende como adequado, aplicando o princípio da fungibilidade e garantindo ao processo sua característica máster de instrumento para a garantia de direitos. 2.6 Princípio da dialeticidade
Pelo princípio da dialeticidade, o recurso deverá ser sempre arrazoado, de forma que o recorrente expresse o porquê da necessidade de reforma da decisão. Só assim poderá o recorrido responder ao recurso, prestigiando-se o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Em realidade, a dialética não se afere entre afirmações conclusivas, senão que ganha legitimidade tendo em vista os motivos, fundamentos e razões dessas afirmações. A Súmula 182 do STJ expressa a seguinte orientação: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”. Conquanto tenha a referida Súmula sido editada na vigência do CPC/73, é certo que o CPC/2015 também prevê o cabimento de recurso – agravo interno – contra a decisão do relator, inclusive quando inadmite monocraticamente o recurso, conforme tratava o revogado art. 545. Quer a súmula especificar que, uma vez negado provimento ao agravo interposto contra decisão denegatória de recurso especial, não pode o recorrente simplesmente repetir os termos do primeiro agravo – deve, ao contrário, manifestar-se contra a decisão do relator que negou seguimento ou provimento ao agravo, uma vez que de um novo recurso se trata. Daí a similaridade, a que já aludimos, entre o exercício do direito de ação (a petição inicial deve conter não apenas o pedido – art. 319, IV, do CPC –, mas os fatos e fundamentos jurídicos que o embasam – art. 319, III, do CPC) e o exercício do direito de recorrer, pois o recurso deverá ser fundamentado, devidamente expostas as razões de fato e de direito que levam o recorrente a não se conformar com a decisão recorrida, ensejando oportunidade de resposta ao recorrido. Daí por que recurso que não seja devidamente fundamentado não deverá
ser conhecido, de tal forma que o órgão ad quem nem chegará a lhe apreciar o mérito876. A fundamentação do recurso é, pois, condição essencial à sua admissibilidade877. Segundo Nelson Nery Jr., “O recurso deverá ser dialético, isto é, discursivo. O recorrente deverá declinar o porquê do pedido de reexame da decisão. Só assim a parte contrária poderá contra-arrazoá-lo, formando-se o imprescindível contraditório em sede recursal”878. Há precedente do TRF da 3ª Região879 não conhecendo de recurso de apelação sob o seguinte correto fundamento: “a União Federal interpõe recurso de apelação mediante singela petição de fls. 129, que se reporta às razões contidas nas informações prestadas pela autoridade coatora. Tal expediente ignora previsão expressa do art. 514, II, do CPC, que estabelece a necessidade de exposição dos motivos de seu inconformismo, sem o que o Tribunal ad quem não tem condições de aquilatar o direito. Aceitar petição como sinônimo de razões de apelação implica em inverter o dever processual do apelante do Tribunal. Não é o órgão jurisdicional que deve procurar nos autos as razões de inconformismo do apelante. Este é que tem o dever processual de expô-las. Acolho, pois, referida preliminar”. No caso concreto, o tribunal não conheceu do recurso de apelação, tendo negado provimento à remessa oficial. Há também interessante precedente do STJ nesse sentido880. Existe corrente doutrinária, com a qual não concordamos, na linha de que, uma vez ausentes as razões de um recurso, estar-se-ia diante de mera irregularidade formal que não acarretaria nulidade ou não conhecimento – simplesmente se presumiria, em tais casos, segundo tal entendimento, que o recurso se reporta à totalidade da decisão. Não temos esse posicionamento pelo mais correto, pois impediria o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Além disso, é de se ter presente que é a atividade da parte que
delimita a extensão do efeito devolutivo do recurso. Conforme pondera Nelson Nery Jr., “somente se devolve ao tribunal a matéria que o recorrente efetivamente impugnou e sobre a qual pede nova decisão”881. Pelo contrário, parece-nos que a falta de fundamentação do recurso é vício recursal dos mais graves, razão pela qual sequer enseja a possibilidade de correção, na forma do art. 932, parágrafo único, do CPC, pois as razões do recurso são de sua própria essência882. Tendo em vista a necessidade de fundamentação do recurso é que nos referimos, anteriormente, a que uma das razões pelas quais não se reconhece à remessa necessária, de que trata o art. 496, do CPC, natureza recursal é a de que lhe falta a dialeticidade, essencial a todo e qualquer tipo de recurso. O juiz, pelo simples fato de a sentença ter sido, por exemplo, proferida contra a União (art. 496, I, do CPC), deve determinar a remessa dos autos ao tribunal, como condição de eficácia da sentença proferida. O juiz não fundamenta nada, nem pede nova decisão. Apenas e tão somente a decisão proferida fica sujeita, imperiosamente, à reapreciação pelo tribunal ad quem, como condição de sua própria eficácia883. 2.7 Princípio da voluntariedade O princípio da voluntariedade é expressão do princípio dispositivo no plano recursal. Sem a vontade específica de recorrer, sem que o recorrente demonstre insatisfação com a decisão proferida, não será possível ao tribunal reapreciar a decisão proferida pelo juiz a quo. Também à remessa necessária falta, como visto, voluntariedade. Independentemente da vontade de quem quer que seja, os autos subirão ao tribunal nas hipóteses do art. 496 do CPC, como condição de eficácia da
sentença proferida. 2.8 Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias Já aludimos, ainda que brevemente, ao princípio da irrecorribilidade (em separado) das interlocutórias. O CPC/39 previa expressamente em quais hipóteses seriam as decisões interlocutórias recorríveis por agravo de instrumento (cf. art. 842 daquele Código) e por agravo nos próprios autos (art. 851 do Código de 1939). O CPC/73, de seu turno, inovou ao admitir ampla recorribilidade às interlocutórias, ao estatuir, no art. 522 (que teve a sua redação alterada pela Lei n. 11.187/2005), que “das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”. O CPC em vigor, em clara reação à quantidade de agravos de instrumentos que eram interpostos na vigência da norma anterior, alterou o sistema de preclusão das decisões interlocutórias, estabelecendo hipóteses em que as interlocutórias são imediatamente recorríveis (art. 1.015, do CPC), hipóteses essas que, no geral, causariam imediato prejuízo à parte. Nos casos não previstos expressamente em lei, não haverá preclusão imediata, podendo a parte sucumbente recorrer posteriormente, quando da interposição do recurso de apelação ou quando da apresentação das contrarrazões de apelação884. Por esse motivo, se a decisão interlocutória não está prevista nas hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, ela não está sujeita à preclusão imediata.
Como regra, o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, então a sua interposição não tem o condão de suspender os efeitos da decisão agravada, o que só poderá ocorrer se for concedido efeito suspensivo pelo relator, presentes os requisitos necessários (probabilidade de provimento do recurso e risco de dano). O mote do princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias é evitar que questões surgidas no curso do processo e, por isso, são resolvidas por decisão interlocutória, não ensejem a paralização do processo, por meio do recurso. Assim, a recorribilidade das decisões interlocutórias deve ser “racional, observando os princípios da concentração dos atos processuais e da economia processual”885. Por tal razão é que parte das interlocutórias é recorrível por agravo de instrumento, que se processa em autos apartados, diretamente perante o tribunal, e não tem, como dito, efeito suspensivo ope legis. Da mesma forma, as interlocutórias que são objeto de recurso por ocasião da apelação ou das contrarrazões, de seu turno, também não interrompem a marcha processual, justamente porque são impugnadas juntamente com a decisão final, seguindo os autos, inexoravelmente, ao tribunal. Como ensina Nelson Nery Jr., a “separação”, para os fins do princípio sob comento, quer significar que o processo não pode ser paralisado “para que, separadamente, seja examinada a impugnação da interlocutória”886. Se fosse adotado o princípio inverso, ou seja, da recorribilidade em separado das decisões, teríamos processos muito demorados, pois a cada incidente o processo principal seria paralisado para aguardar a decisão referente à impugnação.
2.9 Princípio da complementaridade e da consumação Segundo referido princípio, juntamente com os recursos, hão de ser apresentadas as razões do inconformismo com a decisão recorrida887. Diferentemente, do que ocorre no processo penal, é possível a interposição do recurso como meio de externar o inconformismo, e, posteriormente, apresentar as razões, a teor dos arts. 578, 588, caput, e 600 do Código de Processo Penal. Com a interposição do recurso, não mais será possível a apresentação das razões recursais, nem sua complementação888-889, segundo já decidiu o STJ, de acordo com o que se vê da seguinte ementa: “Agravo em agravo de instrumento – Processual penal – Acórdão recorrido – Decisão agravada – Peça de traslado obrigatório – Ausência. O inteiro teor do acórdão recorrido constitui peça de traslado obrigatório, de forma que a sua ausência enseja o não conhecimento do agravo de instrumento. A complementação do traslado de peças na formação do instrumento do agravo, por meio da juntada da peça faltante quando da interposição do agravo regimental, é inviável ante a ocorrência da preclusão consumativa. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento”890-891-892. O princípio da consumação decorre diretamente do princípio da complementaridade. Em outras palavras, uma vez praticado o ato de recorrer, dá-se a sua consumação, de modo que o recorrente não poderá complementar o seu recurso após sua interposição, devido à preclusão consumativa. Isso não quer significar que, uma vez acolhidos embargos de declaração com vistas à complementação da decisão recorrida, não seja possível a complementação da fundamentação do recurso interposto. Excepcionalmente, se os embargos declaratórios forem dotados de efeito modificativo, poderá
até mesmo haver interposição de novo recurso. Ademais, não são apenas as razões recursais que devem ser apresentadas no ato da interposição do recurso, mas também os comprovantes de recolhimento do preparo recursal. O CPC/73 já admitia que houvesse recolhimento posterior do preparo recursal, quando fosse insuficiente aquele feito pelo recorrente (cf. art. 511, § 2º, do CPC/73), regra que foi ampliada pelo CPC/2015, que exige a intimação do recorrente não só para que complemente o recolhimento feito a menor (art. 1.007, § 2º), mas também se nada houver sido recolhido (art. 1.007, § 4º), caso em que o montante deverá ser recolhido na forma dobrada. Ou seja, conquanto exija o caput, do art. 1.007, do CPC, que o recolhimento do preparo seja comprovado no ato da interposição do recurso, os mencionados §§ 2º e 4º encerram pontual mitigação do princípio da consumação. A esse respeito, observa Flávio Cheim Jorge “esse dispositivo tem a mesma previsão constante no § 2º no art. 511, CPC/73 e seu escopo é evitar que os recorrentes sejam prejudicados quando, não tendo como aferir com absoluta precisão o valor do preparo, venham a recolhê-lo a menor”893. 2.10 Princípio da proibição da reformatio in pejus Por este princípio, segundo já se disse, o tribunal destinatário do recurso não poderá decidir de molde a prejudicar a situação do recorrente. Tal princípio é também denominado de “princípio do efeito devolutivo”894. Desde logo, cabe frisar que não se insere em referida proibição a reapreciação, pelo tribunal ad quem, de questões cognoscíveis de ofício, como é o caso das questões de ordem pública (hipóteses referidas no § 3º, do art. 485, do CPC,
v.g.), justamente porque, pelo fato de serem de cognoscíveis de ofício, refogem ao âmbito do princípio dispositivo. Corolário da ideia de que o princípio da proibição da reformatio in pejus foi consagrado em nosso ordenamento jurídico é a existência do recurso adesivo, pois somente com a interposição de recurso adesivo pelo recorrido é que a situação do primeiro recorrente poderá ser agravada. Referido princípio não obsta a que o tribunal altere a fundamentação da decisão recorrida, como lembra Nelson Nery Jr.895, porque, como é cediço, o sistema processual civil brasileiro não atribui à fundamentação das decisões, de regra, consequências de relevância (v. art. 504, I, do CPC)896. O recurso adesivo vem previsto no art. 997, § 1º, do CPC897. Tal forma de interposição de recurso proporciona, em caso de sucumbência recíproca, a concordância condicionada à decisão. Assim, a parte parcialmente sucumbente se conforma, ao menos em princípio, com a decisão. Se, todavia, a outra parte interpuser recurso, a que restou inerte poderá recorrer, desta feita adesivamente (o recurso, in casu, fica subordinado ao recurso principal), no prazo de que dispõe para responder. Isso evidencia que, não oferecido recurso adesivo, como permite o art. 997, § 1º, do CPC, a parte recorrente não poderá ser prejudicada pela interposição de seu próprio recurso (princípio da proibição da reformatio in pejus), proibição essa que, porém, não se estende, como já frisado, às matérias cognoscíveis de ofício. Registre-se, desde logo, que a doutrina se divide quanto à possibilidade de aquele que interpõe apelação interponha, também, apelação adesiva, porque isso implicaria afronta ao princípio da singularidade recursal e também ao princípio da consumação (preclusão consumativa). Hipótese interessante é examinada por Nelson Nery Jr.898 e diz respeito à
omissão do juiz de primeiro grau na condenação do vencido no pagamento das despesas havidas e em honorários advocatícios. A norma do art. 85 do CPC, que estatui que o vencido pagará ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios, é de aplicação obrigatória, de modo que, ao apreciar o recurso que tenha sido interposto apenas pelo sucumbente, o tribunal poderá desprover dito recurso e condená-lo à verba honorária, tendo por parâmetros aqueles estabelecidos no aludido art. 85, do CPC899. O destinatário da norma do art. 85 do CPC, segundo o mencionado autor, em análise feita à luz do art. 20 do CPC/73, a que corresponde o vigente art. 85, é o juiz ou tribunal, que, em razão disso, pode se manifestar a respeito independentemente de pedido das partes900. O STF veio a sumular dito entendimento, ao editar a Súmula 256, à luz do CPC/39: “É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil”. A questão ganha ainda mais relevância quando se verifica que o CPC em vigor autoriza que o tribunal ad quem majore os honorários de sucumbência já fixados na decisão recorrida, em razão do trabalho adicional do advogado, conforme prevê o art. 85, § 11, do CPC. Assim, é possível que a sentença tenha fixado os honorários de sucumbência ao advogado do autor em 10% do valor da condenação e, interposta apelação apenas pelo réu, seja ela improvida e, além disso, sejam majorados os honorários, até os limites previstos pelos §§ 2º a 6º do art. 85. Outra hipótese bastante interessante já era alvitrada por Nelson Nery Jr. à luz do CPC/73, mas com inteiro aproveitamento para o novo regime processual, e diz respeito à hipótese de indeferimento da inicial901. De acordo com o art. 331, § 1º, do CPC em vigor, havendo apelação contra a sentença
que houver indeferido a inicial, sem retratação pelo juízo, será o réu citado para responder ao recurso, caso em que deverá contratar advogado, surgindo, pois, um fato novo, que deve ser levado em consideração pelo tribunal (art. 493, CPC), justificando-se a condenação em verba honorária902, ainda que o juiz não tivesse condenado o autor ao pagamento de honorários advocatícios (exatamente porque o réu não tinha, então, advogado), sem que se pudesse falar em reformatio in pejus. O mesmo raciocínio vale para a hipótese do recurso contra a decisão que julgar improcedente a ação com base no art. 332 do CPC, que disciplina o julgamento liminar de improcedência. Nessa específica hipótese, o réu também será citado para apresentar contrarrazões, motivo pelo qual entendemos ser cabível a condenação em honorários903. Sobre a problemática da reformatio in pejus e a remessa necessária, já referida anteriormente, consignamos que autores há que, por não vislumbrarem natureza recursal à remessa obrigatória, entendem que a ela não se aplicaria a proibição em tela904. Parece-nos, como já exposto, que a premissa, conquanto correta (a remessa necessária não tem natureza recursal), não deve conduzir a essa conclusão porque, ainda que a remessa não tenha natureza recursal, foi instituída em favor da Fazenda (art. 496, II, do CPC), não se concebendo possa vir a prejudicá-la na hipótese de não interposição de recurso voluntário daquele que estiver litigando contra a Fazenda. Nesse sentido a já mencionada Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”905. Faz-se oportuno referir, no entanto, o entendimento diverso de Nelson Nery Jr.906, que sustenta a inconstitucionalidade da proibição da reformatio in pejus na remessa obrigatória por ferir a isonomia entre as partes (art. 5º, caput, da CF/88), uma vez que a sentença só poderia ser modificada para
favorecer a Fazenda Pública, o que seria uma proteção exagerada ao Poder Público. O autor considera ainda que a remessa obrigatória visa apenas atingir uma maior segurança jurídica nas decisões proferidas contra a Fazenda, não impedindo que esta decisão seja modificada para agravar a situação da Fazenda. 3. Recurso adesivo O recurso adesivo, dispõe o inciso II do § 2º do art. 997 do CPC, é cabível na apelação e nos recursos especial e extraordinário. Fica inteiramente subordinado ao recurso principal, aplicando-se-lhe as mesmas regras do recurso principal, no que concerne às exigências de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal ad quem (art. 997, § 2º, do CPC/2015). Não se trata de uma espécie autônoma de recurso, razão pela qual o Código de Processo Civil não o elenca entre as modalidades recursais nos incisos I a IX do art. 994 do CPC; trata-se, isso sim, apenas de uma forma de interposição das modalidades recursais contempladas no inciso II, § 2º, do art. 997 do CPC. Barbosa Moreira907 ressalta que, apesar de parecer que a existência do recurso adesivo constitui um “expediente de facilitação de recurso”, sua finalidade é exatamente o oposto disso: visa a diminuir o número de impugnações, estimulando que as partes parcialmente sucumbentes se satisfaçam com a decisão recorrida, pois, se somente uma parte recorrer, a outra que havia se conformado com a decisão, ainda que não lhe tivesse sido totalmente favorável, terá nova chance de impugnar a decisão e toda a matéria será devolvida ao tribunal ad quem. O recurso adesivo deverá ser interposto no prazo de 15 dias (“no prazo de que a parte dispõe para responder”, estatui a parte final do inciso I do § 2º do
art. 997 do CPC), devendo ser respondido, por aplicação do princípio da isonomia, em igual prazo. Cabe sempre que houver sucumbência recíproca. Há, num primeiro momento, concordância de um dos sucumbentes, que, todavia, mercê da interposição de recurso pela parte contrária, resolve aderir a esse mesmo recurso, interpondo qualquer das três espécies recursais acima especificadas na forma adesiva. Se houver interposição do recurso principal pela parte, ainda que este não exaura toda a parte da decisão desfavorável a ela, não será possível, também, a interposição de recurso adesivo, pois terá havido preclusão consumativa. É neste sentido que a doutrina e a jurisprudência têm se posicionado. Nelson Nery Jr. encampa dito entendimento: “Uma vez já exercido o direito de recorrer, consumou-se a oportunidade de fazê-lo, de sorte a impedir que o recorrente torne a impugnar o pronunciamento judicial já impugnado (...). Deve-se assim entender por que há dois sérios óbices a trancar a via adesiva àquele que já se utilizara da autônoma para atacar a mesma decisão judicial: o princípio da singularidade recursal e o da consumação (...). É preciso, ainda, que aquele que pretende recorrer pela via adesiva não o tenha feito antes pela via principal, pois a ausência de recurso independente por aquele que pretende recorrer adesivamente é igualmente requisito de admissibilidade do adesivo”908. Dissemos que o recurso adesivo é inteiramente subordinado ao recurso principal. Quer isto significar que é necessário que o recurso principal seja conhecido, para que, então, possa ser também conhecido (se preenchidos os requisitos de admissibilidade), o recurso interposto adesivamente; se houver desistência ou se o mesmo for inadmissível ou deserto, o adesivo não será conhecido (art. 997, § 2º, III, do CPC). Claro está, doutra parte, que o
improvimento (juízo de mérito negativo) do recurso principal não interfere na admissibilidade do adesivo, como já decidiu o STF, à luz do CPC/73: “Declara o art. 500 do CPC, no inciso III [art. 997, § 2º, III, do CPC/2015] que o recurso adesivo ‘não será conhecido, se houver desistência do recurso principal, ou se for ele declarado inadmissível ou deserto’. Creio que a palavra ‘inadmissível’ traduz apenas a situação sob o ângulo tipicamente processual, o não conhecimento do recurso interposto fora do prazo, por exemplo. Já o não conhecimento por motivo de mérito [terminologia equivocada e reprovável, porque promíscua], como é o não conhecimento técnico, peculiar, do recurso extraordinário, comportaria solução diversa, especialmente no caso de recurso interposto pela letra a da permissão constitucional. Aqui, o não conhecimento do recurso envolve uma certa apreciação de fundo”.909 Ainda na vigência do CPC/73, havia posições, que nos servimos de acompanhar, reconhecendo o interesse no recurso adesivo apenas para majorar a condenação em honorários advocatícios (se esta não for de 20% – os honorários advocatícios, a teor do que agora prevê o § 2º do art. 85 do CPC, serão fixados entre 10% e 20% do valor da condenação, atendidos os requisitos dos incisos I a IV daquele parágrafo)910-911, ao passo havia corrente doutrinária entendendo que, se o recorrente não tiver mencionado o percentual
pretendido
na
inicial,
inexistiria
interesse
em
recorrer
adesivamente912-913. Nesse particular, reputamos oportuno tratar da possibilidade de majoração da verba honorária quando do julgamento do recurso (cf. art. 85, § 11, do CPC), o que poderia ensejar, a princípio, a falta de interesse recursal daquele que, não tendo apelado da sentença, por exemplo, pretender a majoração
dessa verba. Conquanto pareça, a priori, que a parte pode obter a majoração da verba honorária com a simples formulação dessa pretensão nas contrarrazões do recurso, podendo o tribunal, inclusive, promover a majoração de ofício, cremos que haverá, ainda assim, interesse em recorrer da sentença. Isso porque o art. 85, § 11, do CPC, autoriza a majoração dos honorários de sucumbência em razão do acréscimo de trabalho do advogado, justamente em razão da interposição do recurso. De outro lado, a pretensão recursal da parte diz respeito à incorreta análise feita pelo juízo a quo, de acordo com o que entende o recorrente, em relação aos parâmetros para fixação da verba honorária. Em síntese, o § 11 do art. 85 trata da majoração dos honorários em razão de fato posterior à decisão, isto é, a interposição do recurso, ao passo que a recorribilidade da decisão, especialmente nesse tocante, diz respeito a fato passado, isto é, a atuação do advogado no juízo a quo, anteriormente, portanto, à prolação da decisão. 4. Julgamento estendido O CPC inovou ao estabelecer no art. 942 que, se o julgamento da apelação ensejar decisão por maioria de votos, estender-se-á o julgamento, com a convocação de mais desembargadores, em número que possibilite a inversão do resultado da primeira votação. Tal dispositivo se aplica também em caso de procedência da ação rescisória por maioria de votos (art. 942, § 3º, I) e ao agravo de instrumento tirado contra decisão interlocutória de mérito (art. 942, § 3º, II), quando houver reforma da decisão recorrida. O referido dispositivo se relaciona, ainda que com muitas diferenças, aos
embargos infringentes, extintos pelo CPC/2015, que eram previstos pelos arts. 530 a 534 do CPC/73, e cabíveis quando houvesse reforma da sentença por maioria, ou quando fosse julgada procedente a ação rescisória. De modo geral, o art. 942 ampliou as hipóteses em que a decisão deve ser proferida por mais julgadores, pois no CPC/73 o cabimento dos embargos infringentes exigia que houvesse reforma ou rescisão da sentença, no julgamento da apelação e da ação rescisória, respectivamente. O julgamento estendido, de seu turno, tem lugar sempre que a apelação não for decidida à unanimidade. Já em relação ao agravo de instrumento contra interlocutória de mérito, exige o art. 942, § 3º, II, que haja reforma da decisão, enquanto que no julgamento da ação rescisória, exige-se a sua procedência (art. 942, § 3º, I), tal como previa o Código revogado. Além disso, distinguem-se os institutos, evidentemente, porque os embargos
infringentes
eram
espécie
recursal,
sendo
marcante
a
voluntariedade inerente aos recursos. O instituto previsto pelo art. 942 do CPC, de seu turno, não é recurso, quer porque não é previsto como tal (princípio da taxatividade), quer porque sequer há necessidade de manifestação da parte, faltando, portanto, voluntariedade, dialeticidade e preparo, apenas para mencionar algumas características que distanciam o instituto do conceito de “recurso”. Aliás, sobressai a natureza não recursal da presente técnica de julgamento porque quando da incidência do art. 942 do CPC, sequer há decisão judicial formada, apta, pois, a ser recorrida. Há, isso sim, o início da sessão de julgamento, que é suspensa até a sessão seguinte, quando tomarão assento outros magistrados914. Assim, caso a decisão da apelação seja proferida por maioria de votos (2x1, por exemplo), deverão ser chamados tantos desembargadores quantos
forem necessários para possibilitar, se o caso, a inversão da decisão (no exemplo acima – 2x1 – seriam necessários mais 2 julgadores). Tratando-se de agravo de instrumento, exige a lei processual que haja a reforma da decisão interlocutória de mérito, por maioria de votos, para que seja utilizada a técnica em questão. Em se tratando de ação rescisória, julgada procedente por maioria de votos, deverá o julgamento seguir-se perante o órgão de maior composição previsto pelo regimento interno do tribunal. Em qualquer dos casos, o julgamento deverá ser retomado na próxima sessão do órgão competente para tanto. Aliás, trata-se de hipótese de competência funcional, que é, por essa razão, absoluta915, caso em que a inobservância da regra em questão faz nulo o acórdão que vier a ser prolatado916. Importante questão diz respeito à diferença de tratamento dado pelo CPC à ampliação do colegiado em caso de apelação e de interlocutória de mérito. Como já se teve a oportunidade de tratar em capítulo próprio, o CPC vigente admitiu expressamente o julgamento antecipado parcial de mérito, o que já se entendia possível na vigência do CPC/73. Assim, prevê o art. 356, do CPC, que se um ou mais dos pedidos, ou mesmo parte deles, achar-se em condições de imediato julgamento, será proferida decisão interlocutória (art. 203, § 2º) parcial de mérito, recorrível por agravo de instrumento (cf. art. 1.015, II). Conquanto o recurso cabível seja o agravo de instrumento, por razões lógicas, já que o processo seguirá em primeiro grau, até a prolação da sentença, sua natureza em muito se aproxima da apelação, recurso que, por excelência, impugna decisões finais (sentenças). Se a decisão interlocutória de mérito e a sentença de mérito têm o mesmo
conteúdo, isto é, a resolução do mérito, é de se questionar se haveria razão para tratar de maneira diferente os recursos previstos pelo ordenamento jurídico para impugnar as aludidas decisões, isto é, o agravo de instrumento contra decisão de mérito e a apelação. Parece-nos que há proximidade bastante entre as decisões em questão e os recursos contra elas interpostos para tornar inconstitucional o art. 942, § 3º, II, do CPC, se interpretado literalmente, pois, se assim se proceder, estar-se-á a dar tratamento diferente a situações muito semelhantes (decisão judicial percutindo o mérito, caso em que é irrelevante ter havido ou não o encerramento da fase cognitiva em primeiro grau). Diante disso, o art. 942, § 3º, II, deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, que alberga o princípio da isonomia, de modo que, a nosso juízo, submetem-se à técnica de julgamento prevista pelo art. 942 as decisões de agravo de instrumento contra decisão de mérito não apenas quando houver a sua reforma, mas também quando for mantida a decisão ou quando for ela anulada, desde que não haja unanimidade entre os julgadores917. Convém notar, ademais, que o § 4º do art. 942 prevê casos em que não se aplica a técnica de julgamento em comento. Assim, não há julgamento estendido no julgamento no IAC, do IRDR, na remessa necessária (como já se tratou) e nos julgamentos não unânimes do órgão especial ou do próprio plenário. A exclusão do IAC e do IRDR, tal como na hipótese de o órgão competente já ser o órgão especial ou o plenário, a inaplicabilidade dessa técnica de julgamento decorre, justamente, do fato de se tratar de decisões oriundas dos órgãos competentes, de acordo com o regimento interno, de
uniformizar a jurisprudência e proferir decisões paradigmáticas (IRDR e IAC) e por se tratar dos órgãos de maior representatividade dos tribunais (órgão especial e plenário), razão pela qual far-se-ia desnecessária a ampliação do colegiado. Em relação à remessa necessária, Araken de Assis não vê justificativa razoável para a exclusão, na medida em que se equivaleria à apelação ex officio. De acordo com o autor, a exclusão em questão foi “presumivelmente inspirada na Súmula do STJ, n. 390”918, que tem o seguinte conteúdo: “Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes”. Questão que sobressai diz respeito à necessidade de que, havendo votação por maioria, haja a ampliação da colegialidade, sob pena de inadmissibilidade de recurso especial. Isso porque o STJ919 consolidou o entendimento de que é inadmissível o recurso especial quando não fossem, ao tempo do revogado Código, opostos os embargos infringentes. Se a técnica de julgamento prevista no art. 942 veio a substituir, em certa medida, os embargos infringentes, poder-se-ia questionar a respeito da sua aplicação, como etapa necessária ao esgotamento das vias ordinárias, imprescindível à admissibilidade dos recursos excepcionais. Ainda que haja clara proximidade entre os embargos infringentes e a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC, temos presente que o fato de não se tratar de recurso afasta, por si só, a necessidade de utilização pelo tribunal a quo como requisito para que haja o esgotamento das vias ordinárias. Assim, não se pode imputar à parte a responsabilidade pela não aplicação do art. 942, que, por ser técnica de julgamento, deve ser aplicado pelo próprio órgão jurisdicional.
Concordamos, portanto, com Araken de Assis, para quem “a ampliação do quórum não se subordina à iniciativa da parte e sua preterição constituirá vício de atividade (error in procedendo), passível de alegação em recurso especial, após o prequestionamento”920.
XXXVII JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
1. Uma primeira ideia Visa o recurso, como já tivemos a oportunidade de enfatizar, o reexame de uma determinada decisão judicial, de acordo, é claro, com o espectro em que o próprio recurso admite a impugnação e, também, tendo em vista o que o recorrente pretende ver reexaminado (dimensão da devolutividade do recurso, em si mesmo considerado)921. É possível estabelecer um paralelo, de um lado, entre as condições da ação922 e o seu mérito, e, de outro, entre os requisitos necessários a que um recurso comporte um juízo de admissibilidade positivo e o mérito recursal, propriamente dito. Assim como, faltantes as condições da ação, isso deve conduzir à não apreciação do mérito (art. 485, VI, do CPC), faltantes os requisitos de admissibilidade de um recurso, o mérito recursal não deverá ser apreciado. Diz-se, nesse caso, que o recurso não será conhecido, porque é inadmissível. 2. Questões prévias Cumpre examinar, preambularmente, que espécie de questões compreende
o juízo de admissibilidade. Sabe-se que o juízo de admissibilidade negativo (i.e., caso falte um ou alguns requisitos a um juízo de admissibilidade positivo) deve conduzir à não apreciação do mérito recursal. Vale dizer, é possível estabelecer dois altiplanos absolutamente distintos e não interpenetráveis: (a) as questões afetas aos requisitos de admissibilidade e, apenas se superadas estas, concluindo-se por um juízo de admissibilidade positivo, é possível passar-se ao (b) o mérito recursal (ou, como se diz, o provimento ou improvimento do recurso). Sem embargo de serem planos distintos, é o juízo de admissibilidade positivo que enseja o juízo sobre o mérito, no sentido de que, admitido o recurso, o mérito haverá de ser sempre apreciado. Essa afirmação nos remete à necessária conclusão de que, na exata medida em que as questões afetas ao juízo de admissibilidade devem ser apreciadas antes do mérito, como requisito para que este possa ser apreciado, devem ser elas entendidas como questões prévias. Resta indagar se apresentam ou não caráter de prejudicialidade. Vejamos, com mais vagar. As questões prévias, que podem ser preliminares ou prejudiciais, já foram objeto do nosso estudo, especificamente quando tratamos dos limites objetivos da coisa julgada923, que, como se sabe, deve ter por objeto questão prejudicial ao julgamento de mérito, e, por isso mesmo, uma tal questão prejudicial alberga sempre um bem da vida, que, por isso mesmo, pode ser objeto de ação autônoma. É o caso, por exemplo, da questão da filiação em ação de alimentos fundada nessa relação, hipótese em que, conquanto não tenha sido formulado pedido relativo ao reconhecimento da paternidade, por parte do autor, e também não tenha sido ajuizada ação declaratória negativa de paternidade pelo suposto pai, o surgimento dessa questão como prejudicial
pode ensejar a formação de coisa julgada material também sobre ela, caso atendidos os requisitos previstos pelo § 1º do art. 503 do CPC. A relação de filiação, relativamente à pretensão de alimentos, coloca-se como questão prejudicial, na exata medida em que deve ser apreciada antes do mérito (pretensão alimentícia), e aquilo que a seu respeito for decidido influenciará o quanto se irá decidir sobre a pretensão alimentícia. Há, pois, uma relação de dependência entre o quanto se vier a decidir a respeito da questão prejudicial e o mérito da ação, no sentido de que a decisão em que se reconheça a filiação coloca-se como condição924 do exame da pretensão aos alimentos. Por isso, trata-se de questão prévia, na modalidade prejudicial. Diferentemente, o aferimento da presença das condições da ação, por exemplo, envolve questões prévias, mas aquilo que for decidido a propósito não influencia o mérito, propriamente dito. Vale dizer, o fato de se constatar que as condições da ação se fazem presentes não quer significar, em absoluto, que se deva atribuir razão ao autor (interdependência entre as condições da ação e o mérito, que se situam em dois altiplanos absolutamente distintos). Da mesma forma, o quanto se decidir sobre a incompetência do juízo não interfere no quanto se irá decidir acerca do mérito, se superada aquela questão. São, por isso, questões prévias, porque aferíveis antes do mérito, na modalidade preliminares. Ora, o fato de estarem presentes os requisitos de admissibilidade do recurso (juízo de admissibilidade positivo) não indica, em absoluto, que deva ele ser provido. O juízo positivo de admissibilidade importa, pelo contrário, na necessidade de que o órgão ad quem decida a respeito do mérito recursal, de maneira favorável ou desfavorável ao recorrente, sem prejuízo da limitação delineada pelo princípio dispositivo e pela proibição da reformatio
in pejus, quando incidente. Como se verá mais adiante, os requisitos de admissibilidade podem ser classificados em intrínsecos (que nada mais são do que uma projeção das condições da ação para o plano recursal) e extrínsecos (tempestividade, preparo, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e regularidade formal). Fácil, com efeito, verificar que o juízo de admissibilidade é composto de questões preliminares (prévias, na modalidade preliminares), de modo que, assim como sucede no caso das condições da ação, o juízo positivo de admissibilidade não indica deva ser provido o recurso, mas apenas que o mérito recursal deverá ser, necessariamente, decidido. Barbosa Moreira, a propósito, dizia: “As questões atinentes a esses requisitos configuram-se, assim, como preliminares ao conhecimento do mérito. Antes de apurar quem tem razão, se o autor ou o réu, antes de verificar a procedência ou a improcedência da demanda, precisa o órgão jurisdicional, como etapa indispensável de sua atividade cognitiva, proceder a uma investigação prévia sobre a viabilidade daquele exame. Respondendo a essa indagação no sentido positivo, passará ao julgamento de meritis; do contrário, dando pela falta de um (ou mais de um) dos aludidos requisitos, limitar-se-á a declarar inadmissível a apreciação do pedido”925. 3. Competência para análise da admissibilidade do recurso A competência para analisar o preenchimento dos requisitos de admissibilidade de determinado recurso é, como regra, do próprio órgão ao qual ele é dirigido, afinal, a sua competência recursal não diz respeito somente ao mérito, mas, antes disso, à própria possibilidade de se chegar a
ele. Há casos, porém, em que a competência para realizar o juízo de admissibilidade dos recursos é atribuída a mais de um órgão. No CPC/73, recursos como a apelação, o recurso especial e o recurso extraordinário se submetiam a esse juízo duplo de admissibilidade, ou seja, interposto o recurso, cabia ao órgão a quo, prolator da decisão impugnada, realizar o primeiro juízo de admissibilidade, que era, todavia, provisório. Tal juízo, todavia, deixava de ser provisório se o recurso viesse a ser inadmitido e se, ao lado disso, não fosse interposto outro recurso, alçando a questão da admissibilidade do recurso ao órgão ad quem. Vale dizer, inexistia qualquer espécie de vinculação para a instância ad quem relativamente ao que tivesse decidido a instância a quo acerca da admissibilidade do recurso. O CPC/2015, tal como aprovado em março de 2015, eliminou o duplo juízo de admissibilidade dos recursos, de modo que, mesmo nas hipóteses em que a interposição do recurso se der perante o juízo a quo, como a apelação, o recurso especial e o recurso extraordinário, somente o órgão ad quem poderá admitir ou inadmitir o recurso. Contudo, essa mudança provocou pronta reação dos Tribunais Superiores, segundo os quais o fim do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais perante os tribunais locais causaria ainda maior sobrecarga de trabalho nas Cortes, afinal, apesar de se tratar de um juízo precário de admissibilidade dos recursos, esta análise que se faz no juízo a quo é importante como medida de economia
processual,
evitando
que
recursos
sem
condições
de
admissibilidade cheguem às instâncias superiores, sem que seja interposto um novo recurso visando a destrancar aquele que tiver sido provisoriamente trancado na origem.
Nesse cenário, foi promulgada a Lei n. 13.256/2016, que entrou em vigor juntamente com o CPC/2015 – 18 de março de 2016, lei essa que, entre outras providências, voltou a prever o duplo juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais. Dessa forma, conquanto tenha a Lei n. 13.105/2015 (CPC) eliminado, em sua redação original, o duplo juízo, fato é que esse sistema nunca vigorou, já que em março de 2016, quando entrou em vigor a nova lei processual, já havia sido “reinserido” ao sistema recursal o duplo juízo nos recursos excepcionais. Desse modo, a regra geral, frente ao CPC em vigor, é a de que os recursos se submetem apenas ao crivo de admissibilidade do órgão ad quem, submetendo-se, em situações específicas – recurso especial e extraordinário – ao duplo juízo de admissibilidade, perante o órgão a quo (tribunal local) e perante o órgão ad quem (STJ ou STF). O art. 1.030, do CPC, trata justamente do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais, prevendo, como já se teve a oportunidade de tratar no capítulo anterior, que se a inadmissibilidade decorrer da existência de decisão de observância obrigatória do STF ou STJ (RE ou REsp repetitivos, por exemplo), ou caso enteja em tramitação qualquer procedimento que objetive a formação de tese vinculante (afetação de recurso para julgamento pelo procedimento dos repetitivos, por exemplo), cabível será o recurso de agravo interno (art. 1.030, § 2º). De outro lado, se o recurso for inadmitido em razão da ausência dos demais requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais, cabível será o agravo em recurso especial ou extraordinário, previsto no art. 1.042 (cf. art. 1.030, § 1º). Em relação aos demais recursos, caberá apenas ao órgão ad quem a realização do juízo de admissibilidade, de modo que, no caso concreto, se,
após a interposição do recurso, o juízo a quo proferir decisão relativa à admissibilidade do recurso interposto, terá havido inquestionável usurpação da competência do órgão ad quem, a quem compete, de maneira exclusiva, a realização do juízo de admissibilidade, tal como já entendia o STF, conforme se extrai de sua Súmula 727: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos Juizados Especiais”. Nessa hipótese, poderá a parte ajuizar reclamação perante o tribunal que teve usurpada a sua competência, com fundamento no art. 988, I, do CPC. 3.1 Competência do órgão a quo para apreciação da admissibilidade recursal e impossibilidade de incursão do órgão a quo no mérito recursal Nas hipóteses em que o órgão a quo também tem competência para realizar o juízo de admissibilidade dos recursos – REsp e RE, conforme art. 1.030 do CPC, com redação dada pela Lei n. 13.256/2016 – é imperioso notar que esse órgão nada poderá dizer em relação ao mérito recursal, mas apenas em relação, estritamente, ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto. Isso porque, como regra, o órgão jurisdicional que prolatou determinada decisão não pode novamente analisar o objeto do que foi pedido, salvo para corrigir inexatidões materiais ou quando do julgamento de embargos de declaração (cf. art. 494, do CPC). O agravo, de certa forma, constitui exceção a essa regra. Isso porque, no caso do agravo de instrumento (desde que não seja interposto contra decisão parcial de mérito), é possível ao juiz retratar-se da decisão agravada. Essa a
razão de ser da regra do art. 1.018, do CPC, segundo a qual, o agravante deverá926, no prazo de 3 dias da interposição do agravo de instrumento perante o tribunal, apresentar cópia das razões do agravo de instrumento, com o comprovante de distribuição, acompanhado do rol de documentos que o instruíram, possibilitando ao magistrado a quo a retratação da decisão agravada. Se houver retratação pelo juízo a quo, o relator (no tribunal) considerará prejudicado o agravo, após comunicação da reforma da decisão (art. 1.018, § 1º, do CPC)927. Também há possibilidade de retratação quando a sentença indeferir a inicial (art. 331), julgar liminarmente improcedente a ação (art. 332) ou deixar de resolver o mérito (art. 485). Tais hipóteses constituem verdadeira exceção à regra de que a sentença, uma vez publicada, torna-se inalterável, salvo para a correção de inexatidões materiais, erros de cálculo e em caso de provimento dos embargos de declaração (cf. art. 494 do CPC). Nestes três casos, portanto, a despeito de se tratar de sentença, poderá o juiz, se entender ser o caso, retratar-se, quando houver a interposição de apelação (cf. arts. 331, caput, 332, § 3º e 485, § 7º, do CPC). Com efeito, se nessas hipóteses é possível que haja retratação, fato é que o juízo a quo acabará por adentrar ao mérito recursal, justamente para formar a sua convicção a respeito da manutenção da decisão ou de sua retratação. Essas hipóteses exigem especial atenção, tendo em vista que não há, como dissemos, a cisão do juízo de admissibilidade da apelação, tal como havia no CPC/73. Tem-se, então, que a possibilidade de retratação do julgador prolator da decisão nasce da interposição de recurso admissível, pois, se bastasse a mera interposição, equiparar-se-ia o recurso ao mero pedido de reconsideração da
decisão. Temos para nós, portanto, que só se abre a via da retratação quando for admissível o recurso interposto928. Nessa hipótese, parece-nos que o juiz só poderá se retratar se entender admissível o recurso de apelação interposto, pois se for inadmissível, sequer haverá possibilidade de retratação. Um dos autores do presente estudo já teve o ensejo de dizer que “se a apelação precisa ser admissível para que possa haver retratação, isso quer significar que o juiz de primeiro grau sempre deve verificar a presença ou não dos requisitos de admissibilidade da apelação naquelas hipóteses em que comporta juízo de retratação”929. Significa isso dizer, portanto, que o juiz de primeiro grau, em se tratando de apelação com possibilidade de juízo de retratação, deverá admitir o recurso, excepcionando a regra do art. 1.010, § 3º, do CPC, para só então analisar se há ou não razão para retratação. De outro lado, se entender por inadmissível o recurso, nada poderá o juiz de primeiro grau fazer, senão manter a própria decisão, remetendo os autos ao tribunal ad quem, tendo em vista que lhe faltará competência para negar seguimento à apelação930-931. Em relação aos recursos especial e extraordinário, em que há, efetivamente, duplo juízo de admissibilidade, ao tribunal a quo é vedado incursionar no mérito da decisão recorrida. Só poderá negar seguimento ao recurso (isto é, proferir juízo provisório negativo de admissibilidade) se estiverem ausentes um ou mais requisitos de admissibilidade (digam ou não respeito à formação de decisões de caráter vinculante), não lhe cabendo (falecendo-lhe competência, pois) dizer se assiste ou não razão ao recorrente. Por exemplo, se interposto recurso especial de acórdão de tribunal local ao STJ, ao tribunal local caberá um juízo primeiro e – insista-se – provisório de
admissibilidade do recurso especial. Se, por exemplo, o recurso for intempestivo, deverá inadmiti-lo (art. 1.030, V), trancando a via do recurso especial, devendo a parte recorrente interpor, dessa decisão, se entender o caso, recurso de agravo em recurso especial (art. 1.042 do CPC), que será interposto perante o tribunal local, onde se encontram os autos, mas que só será apreciado, quer em relação à admissibilidade, quer em relação ao mérito, pelo STJ. Porém, em hipótese alguma, no exemplo acima versado, poderá o tribunal local
negar
seguimento
ao
recurso
(proferir
juízo
provisório
de
admissibilidade negativo do recurso especial) sob o fundamento de que o recorrente não tem razão, i.e., de que inexistiu a ofensa à lei federal de que trata o recurso. É possível frisar, nesse passo, a conclusão seguinte: saber se o recorrente tem ou não razão é problema afeto ao mérito recursal e compete exclusivamente ao órgão ad quem, salvo hipóteses excepcionais, em que é dado ao órgão a quo pronunciar-se sobre o mérito recursal, como, por exemplo, no caso da apelação contra sentença que indefere a inicial. A atribuição, ao órgão a quo, da competência para pronunciar-se em primeiro plano sobre o juízo de admissibilidade dos recursos interpostos ao órgão ad quem não lhe permite indeferir o recurso (negar-lhe seguimento) sob o fundamento de que a decisão recorrida está correta. Carece a instância a quo de competência para fazê-lo. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, a propósito, dizem: “Juízo de mérito dos recursos. É sempre da competência do órgão destinatário do recurso, isto é, do tribunal ad quem. O mérito do recurso se consubstancia na pretensão recursal, vale dizer, no objeto do reexame pleiteado pelo recorrente”932.
4. Momento da aferição dos requisitos de admissibilidade A admissibilidade dos recursos deve ser verificada pelos tribunais aos quais eles são destinados. Na sistemática do CPC/73 havia a competência diferida, na qual os tribunais a quo realizam o juízo prévio de admissibilidade dos recursos de apelação, especial e extraordinário. O CPC/2015, como já se noticiou linhas acima, restringiu o diferimento do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Como bem explicam Nelson Nery Jr.e Rosa Nery, para o recurso de apelação “não existe mais competência diferida do juízo de origem para proferir juízo de admissibilidade do recurso de apelação. Referida competência era diferida porque a competência definitiva sobre admissibilidade de apelação sempre foi do tribunal ad quem. No sistema do Código, em razão da ênfase dada à tramitação rápida do processo, o recurso de apelação tem seus requisitos de admissibilidade verificados apenas no Tribunal”933. Essa regra estendeu-se para os outros recursos pela atual sistemática do CPC/2015, e apenas os recursos especial e extraordinário passam pela admissibilidade prévia pelo tribunal a quo934. Não se cogita da retratação quanto ao juízo prévio de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário, pelo tribunal a quo, porque, nessa hipótese, cabe ao recorrente interpor recurso de agravo (art. 1.042), que, após a oitiva da parte contrária, será remetido ao STJ ou ao STF independentemente de qualquer juízo prévio de admissibilidade. Por isso, a não interposição do agravo tornará definitivo o juízo de admissibilidade realizado pelo tribunal a quo; a sua interposição, por outro lado, tornará inócua a retratação, na medida em que os autos serão necessariamente remetidos ao tribunal ad quem, que realizará definitiva e ilimitadamente o
juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário. Ao lado de tal questão, é de se notar que os requisitos de admissibilidade recursal constituem matéria de ordem pública, de modo que a sua ausência pode ser levantada em contrarrazões ao recurso que se tem por erroneamente admitido. Aliás, ainda que a falta de algum dos requisitos de admissibilidade não tenha sido levantada pelo recorrido, nada impede que o tribunal enfrente a matéria, pois se trata de matéria de ordem pública. Nesse caso, inadmitir-seá o recurso ex officio, isto é, em razão de seu ofício, independentemente de provocação da parte recorrida. Por isso, se A recorre contra decisão que beneficia B, sendo o recurso erroneamente admitido (suponha-se, por exemplo, que o juízo a quo não tenha atentado para a intempestividade do recurso interposto por A), B não precisará agravar dessa decisão. Bastará, na resposta ao recurso interposto por A, que B levante a preliminar de intempestividade do recurso, alertando o tribunal ad quem sobre tal questão, e, mesmo que não o faça, o tribunal poderá (rectius: deverá) pronunciar-se de ofício sobre a questão, inadmitindo o recurso em razão da intempestividade. É que, repita-se, as questões afetas ao juízo de admissibilidade dos recursos constituem matéria de ordem pública, cabendo ao tribunal pronunciar-se ex officio a seu respeito, sem prejuízo da necessidade de intimação do recorrente para que sane o problema apresentado pelo recurso (cf. arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º). O órgão ad quem, isto é, aquele ao qual o recurso é dirigido, deverá aferir a presença dos requisitos de admissibilidade dos recursos até o momento em que apreciar o mérito recursal. O início do julgamento do mérito (superados, positivamente, eventuais problemas relativos à admissibilidade recursal) é o limite temporal para apreciação da presença dos requisitos de admissibilidade
do recurso interposto, não existindo, até então, preclusão para que a instância ad quem se pronuncie sobre a admissibilidade recursal. O art. 939 do CPC, aliás, deixa claro que, havendo questão preliminar (classificação em que se encarta a aferição dos requisitos de admissibilidade dos recursos, como visto), ela será decidida antes do mérito935. Portanto, o órgão colegiado (Câmara ou Turma, usualmente) deverá primeiro se pronunciar sobre a questão preliminar. Suponha-se que haja questão preliminar envolvendo a intempestividade do recurso. Os três juízes que irão apreciar o recurso se manifestarão primeiro sobre a alegada intempestividade. Se o pronunciamento for unânime (três a zero) sobre a admissibilidade recursal, entendendo-se que o recurso não é intempestivo, seguir-se-á a análise do mérito recursal. Suponha-se, todavia, que um dos juízes fique vencido, votando contra a admissibilidade do recurso, dando-o por intempestivo, enquanto os outros dois superem a preliminar, entendendo tempestivo o recurso. Nesse caso, o juiz vencido quanto à preliminar irá pronunciar-se quanto ao mérito, como se a tivesse afastado, tal qual fez a maioria. E, nesse caso, o juiz que votou vencido pela não admissibilidade do recurso poderá perfeitamente dar-lhe provimento, sem que isso implique qualquer contradição. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery elucidam o problema com clareza: “Se o colegiado afastar a questão preliminar levantada pelas partes [por exemplo, inadmissibilidade do recurso, por lhe faltarem um ou mais requisitos de admissibilidade], passará ao exame do mérito do feito (recurso ou ação), ocasião em que todos os juízes, tanto os que proferiram votos vencedores, quanto os que proferiram votos vencidos na preliminar, votarão a respeito do mérito da causa”936.
O fato de se tratar de matéria de ordem pública, suscetível de ser, portanto, revista até o momento em que se julgue o mérito, significa, por exemplo, que o tribunal pode dar provimento a agravo visando destrancar o recurso especial ou extraordinário tido por intempestiva pelo tribunal a quo, e, posteriormente, quando o próprio recurso for apreciado, proferir juízo negativo de admissibilidade do recurso. Assim, por certo, não preclui para o órgão ad quem a possibilidade de não conhecer do recurso. Aliás, exatamente porque não se opera a preclusão, pois o juízo de admissibilidade definitivo é sempre o da instância ad quem, referida decisão é irrecorrível. No órgão ad quem, o primeiro juízo de admissibilidade é feito pelo próprio relator (art. 932, III), que deve negar seguimento ao recurso inadmissível. Nessa hipótese, o recorrente poderá, com fundamento no art. 1.021, interpor agravo interno, a fim de que a admissibilidade do recurso seja apreciada pelo órgão colegiado. Justifica-se o cabimento do agravo interno porque é ao órgão colegiado, que é da essência dos Tribunais, a competência para conhecimento do recurso. Os embargos de declaração merecem especial atenção, em que não há distinção entre o órgão a quo e o órgão ad quem. Como regra, os embargos de declaração serão apreciados pelo órgão prolator da decisão. Se se tratar de decisão proferida por juízo singular, será sua a competência para conhecer e apreciar o mérito dos embargos de declaração. Tratando-se de embargos de declaração contra decisão proferida no tribunal, a competência para julgar o recurso será do relator, se se tratar de decisão sua (art. 1.024, § 2º), ao passo que se se tratar de decisão do colegiado, será este o órgão competente para julgar os embargos de declaração (art. 1.024, § 1º).
5. Natureza da decisão que julga a admissibilidade do recurso e sua implicação no momento da fixação do trânsito em julgado A decisão sobre a presença ou não dos requisitos de admissibilidade de um recurso (seu juízo positivo ou negativo de admissibilidade) é de natureza declaratória, porque, à luz dos fatos que envolvam a interposição – inclusive a lei vigente, que deve ser considerada a contemporânea à decisão –, declarará, ulteriormente, se o recurso era, então, admissível. Quer isso significar que a decisão se reporta a uma situação preexistente: a presença ou não de tais requisitos no momento da interposição do recurso. Como é cediço, as decisões de índole declaratória são, usualmente, revestidas de eficácia ex tunc, pois que se reportam a uma situação preexistente, no caso a presença ou não dos requisitos de admissibilidade no momento da interposição do recurso, cujo juízo de admissibilidade esteja em pauta. De outra parte, a coisa julgada opera-se quando não cabem mais recursos (coisa julgada formal ou preclusão máxima), revestindo o comando dispositivo da sentença de imutabilidade (coisa julgada material), nas hipóteses do art. 487, do CPC, em que há resolução do mérito. Se assim é, poder-se-ia concluir que, quando o tribunal profere juízo de admissibilidade negativo respeitantemente a determinado recurso, a coisa julgada se operaria não quando proferida referida decisão, i.e., a contar do momento dessa decisão, no sentido de que o recurso é inadmissível, senão que a coisa julgada se teria operado a partir do momento em que transcorrido in albis o prazo para interposição de recurso admissível contra aquela primeira decisão. Por exemplo, se o recurso é inadmitido por preparo insuficiente, não
ocorreria coisa julgada a contar da decisão que não o admite, mas no dia seguinte ao prazo de interposição do recurso inadmitido. Todavia, esta não é a melhor solução para o problema da fixação do momento do trânsito em julgado. E esse assunto, ao contrário de ser meramente acadêmico, tem importantíssimas implicações práticas, dentre as quais a de fixar o termo a quo para a contagem do prazo decadencial para propositura da ação rescisória. Com efeito, como já se referiu, a ação rescisória é ação impugnativa autônoma, voltada a rescindir decisão de mérito, transida em julgado (art. 966 e ss. do CPC). Ora, se não se tomar o termo a quo para a propositura da ação rescisória como sendo aquele em que foi proferida a decisão por meio da qual da qual o recurso veio a ser inadmitido, restará amputado o prazo para ajuizamento da ação rescisória, ou, em hipóteses extremas, eventualmente até mesmo excluído. O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, já pronunciou o seguinte entendimento: “O prazo da decadência da ação rescisória começa a fluir do trânsito em julgado da decisão proferida no recurso extraordinário não conhecido”937; “Não corre o prazo para o exercício da ação rescisória se interposto recurso especial ou extraordinário, ainda que não venha a ser admitido”938. Aludido tribunal superior chegou, inclusive, a editar a Súmula 401, cuja redação é a seguinte: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Na realidade, com a inadmissão ulterior, mas reportada e com validade para a época de ocorrência do fato ou fatos da inadmissão, estar-se-ia criando
uma surpresa, em relação à qual o litigante-recorrente se veria completamente impotente. Por isso é que, caso a decisão sobre o juízo de admissibilidade fosse proferida mais de dois anos após a interposição de recurso, esse entendimento poderia levar, até mesmo, à completa amputação do prazo da ação rescisória. O CPC/2015, na correta linha do que vinha decidindo o STJ, acabou por prever que o prazo para propositura da ação rescisória só se encerra após dois anos do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, caput). A decisão do órgão ad quem por meio da qual é realizado o juízo negativo de admissibilidade do recurso é, inquestionavelmente, a última decisão proferida no processo, ainda que não seja a decisão de mérito. Por isso, o melhor entendimento é o de que a simples existência de litispendência impede o trânsito em julgado, postergando esse momento para o instante em que a decisão da inadmissibilidade é proferida, tendo, pois, essa decisão, eficácia ex nunc. Portanto, se é verdade que a decisão sobre o juízo de admissibilidade dos recursos tem natureza declaratória, é também verdade que o fenômeno processual da litispendência – ou a aceitação de que até essa decisão em que não se admite o recurso subsiste a litispendência – leva a que seja adiado o momento do trânsito em julgado para a oportunidade processual em que aquela decisão vier a ser proferida. Seriam, com efeito, virtualmente incompatíveis a ideia de ação pendente (nesse sentido é que a expressão “litispendência” é aqui empregada), exercício regular de um direito constitucionalmente assegurado, e a conclusão de que do seu exercício (os recursos constituem prolongamento do direito de
ação)939 pudesse advir um prejuízo para o autor, como a amputação ou mesmo a perda do prazo para a propositura de outra ação, que é a rescisória. 6. Caráter substitutivo da decisão da instância ad quem Sendo o recurso conhecido, ainda que venha a ser improvido e seja mantida na integralidade a decisão proferida pela instância a quo, a decisão proferida pela instância ad quem substituirá integralmente a decisão da instância a quo. É o que estatui o art. 1.008 do CPC: “O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso”. A regra do art. 1.008 do CPC encontra-se refletida na Súmula 456 do
STF: “O Supremo
Tribunal Federal,
conhecendo
do
recurso
extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie”. Todavia, é bom que se reafirme, esse efeito substitutivo só se dá na hipótese de o recurso vir a ser conhecido, ainda que seja improvido. Essa é uma conclusão bastante importante, porque, dentre outras implicações, define o juízo competente para o ajuizamento da ação rescisória. Embora o assunto deva ser objeto de estudo à parte, cabe fixar aqui as regras gerais. A rescisória de decisão de mérito será sempre ajuizada perante o tribunal que teria sido o competente para julgar a apelação que não foi interposta (ou que não tenha sido conhecida). Tratando-se de rescisória de acórdão local, desde que a apelação tenha sido conhecida, deverá ser ela ajuizada perante o tribunal do qual o acórdão tiver emanado. O que pode diferir, conforme se trate de ação rescisória contra sentença ou contra acórdão local, é o órgão fracionário do tribunal competente para julgá-la, o que será definido, conforme estatui o art. 96, I, a, da Constituição Federal, no Regimento Interno do tribunal competente940. Se tiver havido recurso especial
ou extraordinário, que tenham sido conhecidos, a competência será, in casu, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, respectivamente. Devemos sempre tomar o devido cuidado no sentido de estremar a noção de admissibilidade recursal daquela de provimento ou improvimento dos recursos. Somente o juízo positivo de admissibilidade é que permite ao órgão ad quem incursionar na análise do mérito recursal, dando ou negando provimento à impugnação. É preciso, pois, repudiar veementemente a ideia de que a distinção entre o juízo de admissibilidade e o de mérito dos recursos não tenha consequências de relevo na ordem prática. Justamente essa “confusão” que não raro se faz entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito é que levou o STF a editar a Súmula 249, a respeito da competência para conhecimento de ação rescisória de seus julgados – “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida” –, cujo enunciado se nos afigura algo contraditório. Deveras, se se apreciou a questão federal (à época da edição da Súmula 249 o era STF o órgão do Judiciário encarregado de dizer a última palavra também em matéria de lei federal), é porque se conheceu do recurso. A Súmula 249, na verdade, denota o reconhecimento do próprio STF de que há decisões equívocas, porque rotuladas indevidamente como sendo decisões de “não conhecimento”, quando, na verdade, apreciaram o mérito. Nesse caso, segundo se lê claramente da referida súmula, o que deve prevalecer, para definir a competência para o ajuizamento da ação rescisória, não é o rótulo da decisão (conhecimento/não conhecimento), mas sim seu conteúdo. Ainda que
nominada “decisão de não conhecimento”, se tiver percutido o mérito, a rescisória há de ser ajuizada perante a instância ad quem. A súmula supratranscrita, como vemos, merece críticas, como bem salientado por Barbosa Moreira ao afirmar que “o defeito de técnica perturbava, ainda, a solução do problema da competência para a eventual ação rescisória. Logicamente, se o Supremo Tribunal Federal não conhece do recurso extraordinário, isso quer dizer que o seu acórdão não substitui a decisão recorrida, a qual, portanto, transitou em julgado; à luz desse dado é que se determina a competência. Entretanto, se o acórdão do Supremo Tribunal Federal, dizendo ‘não conhecer’ do recurso, aprecia a federal question e a rejeita, a situação é outra: aí, há substituição, e é esse acórdão que passa em julgado. Lê-se em o n. 249 da Súmula da Jurisprudência Predominante: ‘É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida’. A conclusão é exata; mas com facilidade percebe-se o que há de contraditório na proposição: se a Corte apreciou a federal question, fica evidente que – diga o que disser – conheceu do recurso! Superado estará o problema, se o Supremo Tribunal Federal perseverar, como se espera, na orientação correta”941. Sobre a importância da distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, o STF, nesse sentido, afirmou: “Distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados, e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a
Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário (...)”942. Barbosa Moreira aponta interessante hipótese de o recurso especial ser conhecido apenas em parte, o que evidencia a importância da distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito para fins de fixação de competência para apreciação de ação rescisória. Nesse caso, uma vez provido (em parte, é claro), o acórdão do STJ substituirá o acórdão local apenas em parte. Conclui, então, com acerto: “Se alguém quiser pleitear a rescisão do julgado, terá de tentá-lo, na primeira parte [que diz respeito àquela parte do acórdão em que o especial não foi conhecido], perante o tribunal de origem; na segunda [atinente àquela parte do acórdão modificada pelo julgamento do especial], perante o Superior Tribunal de Justiça”943. 7. Os requisitos de admissibilidade dos recursos Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem ser divididos em intrínsecos ou extrínsecos. Essa a classificação proposta há quase quatro décadas por Barbosa Moreira, que nos servimos de acompanhar embora utilizemos critérios distintos. Esse autor entende que os pressupostos intrínsecos são aqueles relacionados “à própria existência do poder de recorrer”, ao passo que os extrínsecos diriam respeito “ao modo de exercê-lo”944. Embora adote a classificação de pressupostos intrínsecos e extrínsecos, Nelson Nery Jr. prefere ligar os primeiros à decisão recorrida (os intrínsecos), ao passo que os últimos (extrínsecos) se referem, segundo a posição do autor, a fatores externos à decisão judicial que se pretende impugnar945. Esse é o critério que utilizaremos neste volume.
Os intrínsecos, como já se disse, representam uma projeção das condições da ação no âmbito recursal: cabimento, legitimatio recursal e interesse recursal. Dizem respeito à decisão recorrida, em si mesma considerada. Barbosa Moreira, por classificar como pressupostos intrínsecos aqueles que dizem respeito ao poder de recorrer, inclui entre estes também a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, catalogado por Nelson Nery Jr. como pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal, porque não guarda correlação com a decisão recorrida946. Já os extrínsecos são o preparo, a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer, a regularidade formal e a tempestividade, que não têm a ver com a decisão recorrida em si mesma. Examinemos, um a um, referidos pressupostos de admissibilidade recursal. Lembra-nos Barbosa Moreira947 que o juízo de admissibilidade positivo pode e costuma ser implícito, exceto se houver disposição em contrário. Entende-se que se o órgão ad quem passou a examinar o mérito do recurso é porque houve um juízo afirmativo quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso. Já quanto ao juízo negativo de admissibilidade, ele deve ser explícito e fundamentado para que as partes possam saber os motivos da inadmissão do recurso para, eventualmente, apresentar algum outro tipo de recurso. 7.1 Cabimento A ideia de cabimento compreende, em verdade, duas outras. Para que o recurso seja cabível, há de se tratar de decisão recorrível e, além disso, o recurso contra ela dirigido deve ser o adequado (neste passo, há de se ter
presente o princípio da unicidade recursal e da taxatividade, ao qual já nos referimos). O princípio da taxatividade aplica-se porque os vários recursos cabíveis no sistema processual civil brasileiro vêm elencados no art. 994 do CPC (apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência), ao lado de várias outras modalidades recursais previstas na legislação extravagante (v.g., o recurso inominado tratado no art. 41 da Lei n. 9.099/95 – Lei que regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito estadual). Assim, para que o recurso seja cabível, a decisão há de ser recorrível, a modalidade recursal escolhida deve estar prevista na lei e ser adequada. Lembremos o que já estudamos anteriormente, no sentido de que as decisões suscetíveis de ser proferidas pelos juízes são as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos. Como regra, só as duas primeiras são recorríveis, porque apenas elas podem causar gravame às partes. Doutra parte, o que define a natureza da decisão e, pois, o recurso cabível, é a circunstância de a decisão pôr ou não fim à fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição e de estar ou não implicada na aludida decisão alguma das situações previstas nos arts. 485 e 487 do CPC. Se puser fim à fase de conhecimento e, ao mesmo tempo, versar alguma das situações previstas nos arts. 485 e 487 do CPC/2015, tratar-se-á de sentença, sendo cabível recurso de apelação; se resolver questão incidente sem pôr fim ao processo ou procedimento em primeiro grau, tratar-se-á de decisão interlocutória, desafiando recurso de agravo de instrumento. Pouco importa seja de mérito ou não a decisão, para o fim de ser classificada como sentença
ou interlocutória. É que, como visto, há decisões interlocutórias de mérito (como a que exclui o litisconsorte decretando a prescrição da pretensão por ele postulada, quando o processo prosseguir em relação ao outro litisconsorte; bem como a decisão parcial de mérito), como há sentenças que não são de mérito, mas meramente terminativas (hipóteses de extinção do processo previstas no art. 485 do CPC/2015). Considere-se, ainda, para o fim de se determinar qual o recurso adequado contra determinada decisão, o já estudado princípio da singularidade recursal, segundo o qual, como regra, cada tipo de decisão comporta um e apenas um tipo de recurso, sendo inviável a interposição de mais de um recurso contra a mesma decisão. Além da necessidade de que o recurso escolhido esteja entre as modalidades expressamente previstas em lei. Para que se dê ao princípio da singularidade recursal a devida extensão, deve-se considerar que a decisão judicial, para os fins de recorribilidade, é incindível, o que significa que se na decisão houver rejeição de uma preliminar, mas nela também se decidir o mérito, colocando fim à fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição, será sentença, atacável, pois, por recurso de apelação. A circunstância da decisão se ter posto fim à fase de conhecimento, examinando-se o mérito (hipótese em que está implicada na decisão alguma das circunstâncias do art. 487 do CPC/2015), é suficiente para caracterizá-la como sentença, não obstante tenha sido afastada uma preliminar em seu bojo. Esta última característica cede ante aquela primeira, para o fim de classificação da decisão como sentença e não como decisão interlocutória. Ainda no que respeita ao cabimento dos recursos, é pertinente adiantar uma regra geral à qual voltaremos por diversas vezes. O Código de Processo
Civil
aplica-se
subsidiariamente,
no
que
não
for
especificamente
incompatível, aos procedimentos das várias leis extravagantes que regulam procedimentos específicos e que trazem a previsão de modalidades recursais próprias. O tema é tratado por Nelson Nery Jr.948, que explica que a lei geral sobre processo civil é o Código de Processo Civil, aplicável a todo e qualquer procedimento específico, independentemente de menção específica da lei especial, no que não for, é evidente, incompatível com o sistema especial. Por exemplo, decisões interlocutórias, proferidas no bojo de ação de mandado de segurança (tais como a que concede ou denega liminar), são recorríveis por agravo de instrumento (art. 7º, § 1º, da Lei n. 12.016/2009, combinado com o art. 1.015, XIII, do CPC). Aliás, é o que já se sustentou na vigência da Lei n. 1.533/51, que não trazia essa previsão específica949. Quanto aos recursos especial e extraordinário (que serão objeto de nosso estudo em capítulo específico), cumpre relembrar que não se encontram no âmbito daquilo que se convencionou denominar de jurisdição ordinária. Por isso mesmo, diferentemente do que sucede com o recurso de apelação, por exemplo, que é o recurso ordinário por excelência, apenas se preenchidos determinados requisitos rigidamente estampados no texto constitucional é que terá cabimento o uso de referidas modalidades recursais. Por exemplo, como se terá oportunidade de melhor examinar, o inciso III do art. 105 da CF/88, que regula o cabimento do recurso especial, estabelece que terá ele cabimento contra causas decididas em única ou última instância, pelos tribunais locais (Tribunais Regionais Federais ou Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios). Vê-se, pois, que, dentre outros requisitos, (1) a decisão recorrida há de ter
sido emanada de tribunal (e não das turmas de recursos dos Juizados Especiais, por exemplo)950 e (2) o tribunal local há de se ter pronunciado sobre a matéria ventilada no especial, pois que o inciso III do art. 105 da CF/88 fala em causas “decididas”951. Esses são requisitos específicos do recurso especial, necessários para que se possa verificar o cabimento do recurso em cada hipótese concreta. Quando analisarmos os recursos em espécie, teremos oportunidade de examinar os requisitos necessários ao cabimento de cada um deles, que, pode-se afirmar desde logo, são muito mais rígidos na esfera da jurisdição extraordinária (recursos especial e extraordinário) do que na jurisdição ordinária (apelação, recurso ordinário constitucional). 7.2 Legitimidade para recorrer A legitimidade para recorrer vem estabelecida no art. 996 do CPC/2015. São partes legítimas para interpor recursos: (i) a parte vencida; (ii) o Ministério Público (como parte ou como fiscal da ordem jurídica); e (iii) o terceiro prejudicado. Como explica Barbosa Moreira: “Para que o recurso seja admissível, não basta que o comporte a decisão: é mister que o interponha quem esteja qualificado para tal”. Ao estabelecer o rol de pessoas legitimadas a recorrer, diz Barbosa Moreira, o legislador leva em conta “a presumível relevância de decisão para determinadas pessoas”952. A legitimação para recorrer, explica esse notável autor, não se confunde com o interesse recursal, de que trataremos adiante953. Como já se disse, o interesse recursal constitui como que uma projeção do interesse processual (condição da ação) para o plano dos recursos. O interesse recursal, consoante examinaremos com mais vagar a seguir, deve ser atual; já a legitimidade recursal, conquanto reflita a potencialidade de a decisão ser relevante para
determinadas pessoas, é valorada pelo legislador, “e o seu resultado incorpora-se à norma atributiva da legitimidade, de tal sorte que, para o juiz, ele se torna irrelevante”954. Como foi analisado em capítulo próprio, a remessa necessária (art. 496 do CPC/2015) não é recurso diante da falta-lhe dialeticidade, voluntariedade, tipicidade, e, dentre outras coisas, o juiz não é sequer parte legítima para recorrer, mesmo porque, por definição, diante da sua imparcialidade, a decisão em nada pode afetá-lo. Atualmente, somente nos casos em que o juiz for parte em incidente processual, como nos casos de exceção de suspeição ou de impedimento, terá ele legitimidade para recorrer do acórdão que der pela procedência de exceção955. 7.2.1 Legitimação das partes Parte é aquele que funciona no processo, seja como autor, seja como réu. Poderá haver mais de um autor, ou mais de um réu, atuando em litisconsórcio ativo ou passivo, respectivamente. Nessa categoria inclui-se o assistente litisconsorcial, que é aquele que poderia ter sido litisconsorte facultativo (tratando-se de hipótese de litisconsórcio facultativo unitário) desde o início, mas não o foi ingressando posteriormente na qualidade de assistente litisconsorcial. O assunto foi abordado com rara profundidade, à luz do CPC/73, em opúsculo de Thereza Alvim, de onde se extrai a conclusão seguinte a respeito da atividade do assistente litisconsorcial: “Como assistente litisconsorcial colocamos, com toda segurança, aquele que poderia ter sido litisconsorte facultativo unitário, e não o foi”. Mais adiante, abordando a possibilidade de
litisconsórcio facultativo ulterior, conclui a autora: “Não nos parece correto, entretanto, essa possibilidade pela razão bastante de enquadrar-se a hipótese concreta com perfeição no modelo previsto no art. 54 do CPC”956-957. Também serão partes e, pois, estarão legitimados a recorrer o opoente, o denunciado da lide e aquele que foi chamado ao processo958, bem como o nomeado à autoria, desde que a nomeação tenha sido aceita pelo autor e pelo nomeado. Também poderá recorrer o assistente simples, devendo-se ter presente, todavia, que sua atividade é inteiramente subordinada à atividade do assistido (art. 122 do CPC/2015), de modo que o assistente simples, por exemplo, não poderá recorrer se o assistido expressar concordância com a decisão. Nesse sentido, assevera Barbosa Moreira, na vigência do CPC/73, que o assistente simples recorrerá na qualidade de parte, conquanto não seja parte principal: “Também se legitima a recorrer o assistente, quer o do art. 54, quer o do art. 50, que também é parte, embora não parte principal – o que não exclui, note-se de passagem, que em algum texto do Código a referência ‘parte’ deva ter interpretação restritiva, como atinente só às partes principais. Pode o assistente recorrer mesmo que não o faça o assistido: se sua situação é tal que o habilitaria a interpor o recurso como terceiro prejudicado, ou seja, ainda que até então não participasse do feito, deve a fortiori habilitá-lo à interposição quando nele já figure antes de proferida a decisão; aliás, o art. 52 confere ao assistente ‘os mesmos poderes’ que competem ao assistido. Fica excluída, porém, a interponibilidade de recurso pelo assistente simples quando o processo se extinga em virtude de reconhecimento do pedido, de desistência ou de transação entre as partes principais (arg. ex art. 53, verbis: ‘cessa a intervenção do assistente’); ou ainda, por analogia, na hipótese de
renúncia do autor ‘ao direito sobre que se funda a ação’ (art. 269, V)”959-960. 7.2.2 Legitimação do órgão do Ministério Público O órgão do Ministério Público poderá recorrer, quer atue como parte, quer funcione como fiscal da lei (custos legis), segundo expressamente estabelece o art. 996 do CPC/2015. Segundo estatui o art. 177 do CPC/2015, o órgão do Ministério Público só poderá atuar como parte nos casos expressamente previstos em lei. Por exemplo, o inciso III do art. 129 do texto constitucional confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ação civil pública em defesa do patrimônio público e social. Ainda, o art. 5º, caput, da Lei da Ação Civil Pública estatui que o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na defesa de direitos difusos e coletivos. Podemos também citar o art. 82, I, do Código de Defesa do Consumidor que legitima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos coletivos lato sensu e individuais homogêneos. Já nas hipóteses do art. 178 do CPC/2015, compete ao órgão do Ministério Público funcionar como fiscal da lei, cabendo lembrar que o inciso III, parte final, desse dispositivo contém regra bastante abrangente, pois estatui competir ao Ministério Público atuar como fiscal da lei nos processos que envolvam “litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”. Neste passo, calha referir o entendimento que restou cristalizado na Súmula 226 do STJ: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de acidente do trabalho, ainda que o segurado esteja assistido por advogado”. Essa súmula recolhe sua fonte de legitimidade no art. 178, III, do CPC.
Tanto numa como noutra hipótese, i.e., atue o órgão do Ministério Público como parte ou como fiscal da lei, a lei (art. 996 do CPC/2015) lhe confere legitimidade recursal. No entanto, cabe lembrar que a legitimidade do Ministério Público desaparece no momento em que cessa a causa de sua intervenção no processo. Neste sentido, a seguinte decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: “Improcedente o pedido de usucapião, cessa a causa de intervenção obrigatória do Ministério Público (art. 499 do CPC [art. 996 do CPC/2015]), não tendo o seu representante legitimidade para recorrer da decisão, proferida em sede de execução por honorários de advogados, no que tange à incidência de correção monetária sobre os mesmos, questão apenas de interesse das partes e do advogado (art. 99, § 1º, da Lei n. 4.215/63)”961. Questão interessante quanto à legitimidade recursal do Ministério Público diz respeito à interposição de recurso pelo MP Estadual no STJ. Segundo orientação assente nessa Corte Superior, é vedado ao órgão ministerial estadual oficiar diretamente perante aquela Corte Superior, na medida em que tal função compete somente ao Ministério Público Federal, por meio dos Subprocuradores-Gerais da República (arts. 47, § 1º, e 66, § 1º, da Lei Complementar n. 75/93)962. 7.2.3 Legitimação do terceiro prejudicado Poderá interpor recurso, na qualidade de terceiro prejudicado, aquele que poderia ter sido assistente, simples (art. 119 do CPC/2015) ou litisconsorcial (art. 124 do CPC/2015), e também o litisconsorte necessário que não tenha integrado a relação jurídica processual. O art. 109 do CPC/2015, que trata da alienação da coisa litigiosa, dispõe
que o adquirente não pode substituir o alienante, salvo se o consentir a parte contrária (art. 109, § 1º, do CPC/2015). Se o não admitir a parte contrária, o adquirente poderá intervir como assistente litisconsorcial (pois a lide, já que adquiriu a coisa litigiosa, é sua). Não o fazendo, poderá interpor recurso na qualidade de terceiro prejudicado. Faz-se necessário que o terceiro demonstre o vínculo existente entre a decisão proferida e o seu prejuízo (que caracteriza o interesse recursal). Nelson Nery Jr., à luz do CPC/73, esclarece que o recurso de terceiro prejudicado “não é mais que uma espécie de intervenção de terceiro na fase recursal. Não se caracteriza como uma nova ação deduzida no segundo grau de jurisdição, pois entre nós vige a proibição de inovar em sede recursal (...). Em suma, o terceiro legitimado a recorrer é aquele que tem interesse jurídico em impugnar a decisão, não um mero interesse de fato ou econômico. O requisito do interesse jurídico é o mesmo exigido para que alguém ingresse como assistente no processo civil (CPC 50)”963-964. Este terceiro, autorizado a recorrer, já poderia ter intervindo na qualidade de assistente simples. Também poderá recorrer na qualidade de terceiro prejudicado o litisconsorte necessário que não tenha integrado a demanda. Nesse sentido, observa, com propriedade, Fredie Didier Jr.: “O CPC admite o recurso de terceiro juridicamente prejudicado. O terceiro prejudicado há de afirmar-se titular ou da mesma relação jurídica discutida ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em juízo, ou, ainda, ser um legitimado extraordinário”965. 7.3 Interesse recursal
Prosseguindo na análise dos requisitos intrínsecos de admissibilidade dos recursos, cumpre-nos examinar, neste passo, a figura do interesse recursal. Já nos referimos ao paralelismo entre os assim ditos requisitos intrínsecos de admissibilidade dos recursos e as condições da ação. Ao interesse em recorrer corresponde o interesse processual, que se expressa, consoante já estudamos, através do trinômio necessidade + utilidade + adequação (esta última diz respeito ao requisito “cabimento” do recurso). Na verdade, quando estudamos as condições da ação, vimos que a ideia de interesse processual também pode ser reduzida à aferição da presença do binômio “necessidade e utilidade”, eis que a adequação é dedutível da utilidade do provimento jurisdicional. Vejamos com mais vagar. Assim como para ajuizar determinada ação o autor deve ter necessidade e utilidade da prestação jurisdicional solicitada, também para interpor o recurso deve ter necessidade e utilidade de recorrer da decisão judicial que lhe foi desfavorável. O interesse em recorrer conjuga estes dois fatores: o provimento do recurso deve propiciar uma situação mais vantajosa ao recorrente (utilidade) e, para isso, o recurso deve ser o único meio possível (necessidade). O art. 996, caput, do CPC/2015 diz que o recurso pode ser interposto pela parte vencida. Todavia, essa expressão não pode ser interpretada restritivamente. Barbosa Moreira966 explica que, se a decisão causar prejuízo à parte ou a tiver colocado em posição menos favorável do que gozava antes do processo, ou ainda se não tiver acolhido suas pretensões ou se tiver acolhido as pretensões do adversário, certamente esta parte será vencida. Mas não somente nessas hipóteses, em que é fácil visualizar a sucumbência, haverá “parte vencida”. Será vencida, continua este autor, toda parte que não
conseguir extrair o máximo que poderia em seu favor com o processo. 7.3.1 Necessidade de recorrer A necessidade estará presente, desde que o recurso seja o único meio de que dispõe o interessado para atacar a decisão recorrida ou, ainda, desde que o interessado não possa receber o benefício almejado por outro meio que não o recurso. Fácil imaginar uma hipótese em que o recurso seja necessário. Analisemos uma hipótese em que o recurso, aparentemente, é necessário, mas em verdade não o é. Figure-se, por exemplo, a hipótese de um recurso de agravo de especial mandado processar de forma indevida pelo tribunal local. Ou seja, o presidente do tribunal, a quem é atribuído um juízo primeiro e sempre provisório a respeito da admissibilidade do recurso, não percebe, por exemplo, que o recurso é intempestivo, e o recebe, mandando processá-lo regularmente. Trata-se, evidentemente, de pronunciamento desfavorável ao recorrido, pois, se o tribunal a quo tivesse atentado para a intempestividade, mesmo após a apresentação das contrarrazões, não teria mandado processar o recurso, por meio do qual se colima modificar uma decisão favorável ao recorrido. Vimos, todavia, que o juízo de admissibilidade definitivo do recurso é sempre do órgão ad quem. Portanto, conquanto o órgão a quo tenha admitido o recurso (proferido juízo de admissibilidade positivo, portanto), essa decisão não vincula o órgão ad quem, que deverá não conhecer do recurso, dada a intempestividade, não adentrando sequer na análise de mérito, isto é, se assiste ou não razão ao recorrente. O que é importante consignar, neste passo, é que o tribunal ad quem, para
poder rever os requisitos de admissibilidade do recurso (indevidamente tidos por presentes, no caso, pelo tribunal a quo), não precisa sequer de provocação do interessado (no caso, o recorrido). Poderá fazê-lo (deverá fazê-lo, na verdade) de ofício, pois os requisitos de admissibilidade consubstanciam matéria de ordem pública, e, pois, independem de provocação da parte para serem apreciados. Assim, não há interesse em recorrer nessa hipótese dado que ao tribunal cabe pronunciar-se de ofício a respeito. Logo, não está presente a necessidade de recorrer, pois o tribunal reverá aquela decisão independentemente de provocação (repita-se: de ofício) – logo, o recurso não é o único meio de alterá-la. Claro que o recorrido, a quem interessa seja o recurso inadmitido, poderá alegar em sede de preliminar, na resposta (contrarrazões) ao recurso, que ele não deve ser conhecido, visando a alertar o tribunal sobre a questão que deve ser analisada antes do mérito recursal. 7.3.2 Utilidade em recorrer É preciso, ademais, que haja sucumbência, isto é, gravame, prejuízo, causado pela decisão de que se pretende recorrer, pois, do contrário, inexistirá interesse em interpor recurso daquela decisão. A possibilidade de melhora na situação pode ocorrer quanto aos fatos principais da demanda, como também no tocante aos secundários. É, pois, necessário que o recurso seja o único meio de impugnar a decisão recorrida, e que a decisão recorrida tenha causado prejuízo ao recorrente (gravame), para que esteja presente o requisito de admissibilidade do interesse recursal.
A ideia de sucumbência pode assumir concepção formal (a decisão diverge do que foi pedido) ou material (a decisão é simplesmente desfavorável à parte ou terceiro – independentemente do pedido, a decisão coloca a parte ou terceiro em situação pior do que aquela que ele tinha antes do processo)967. Como regra geral, não há interesse em recorrer dos fundamentos da decisão, devendo o recurso atacar a parte dispositiva da decisão. Isso salvo algumas exceções, de que trataremos mais adiante, como é o caso da decisão proferida em ação popular, isso porque, nesta hipótese, conforme a fundamentação adotada, as partes podem sofrer consequências distintas e prejudiciais, ainda que na parte dispositiva se dê pela improcedência do pedido. Oportuno repetir uma ideia bastante importante e nuclear, dentro do estudo dos requisitos de admissibilidade dos recursos: saber se ao recorrente assiste ou não razão é matéria de mérito, que não se confunde, em hipótese nenhuma, com a aferição da presença dos requisitos de admissibilidade. 7.3.3 O interesse recursal e algumas hipóteses concretas A. Indaga-se, neste passo, para melhor compreensão do que constitui o interesse recursal, se existiria interesse de o réu recorrer de uma sentença que tenha decretado a carência da ação. Afigura-se-nos, indubitavelmente, que sim. A sentença de carência (hipóteses do art. 485 do CPC/2015) leva a que, como regra, a ação possa ser reproposta (art. 486 do CPC/2015), o que já não acontece com a sentença de improcedência (hipóteses do art. 487 do CPC/2015), sobre cujo comando dispositivo recai a autoridade de coisa julgada material.
Portanto, evidentemente, a sentença de carência é pior para o réu do que a de improcedência, havendo interesse recursal em impugná-la, visando à improcedência da ação. Já o inverso, pelas mesmas razões acima expostas, não é verdadeiro. Evidentemente, falece ao réu interesse em recorrer de uma sentença de improcedência, visando à decretação da carência da ação, pois a improcedência é o melhor resultado que poderia obter naquela ação (não está presente a ideia de gravame, sucumbência, e, pois, inexiste utilidade em recorrer da decisão de improcedência da ação). B. Figure-se, agora, a hipótese de ação popular julgada improcedente por insuficiência de provas. Neste caso, a ação popular poderá se reproposta com novas provas, inclusive pelo mesmo autor popular (art. 18 da Lei n. 4.717/65 – Lei da Ação Popular). Evidentemente, o réu da ação popular tem interesse em recorrer desse resultado, visando a alterá-lo para improcedência (“pura”, e não por falta de provas), para que sobre o decidido recaia a autoridade de coisa julgada material e a ação não mais possa ser reproposta. José Afonso da Silva apresenta outros argumentos que corroboram este pensamento, asseverando que a sentença que julga improcedente a ação popular com fundamento na falta de provas como que deixa a lide suspensa, pesando “como uma espada de Dâmocles pendente sobre o réu”968. Mais adiante, o autor complementa a ideia dizendo que, nestes casos, exatamente por isso, há interesse em dela recorrer969. C. Imagine-se, agora, a hipótese de sentença citra (infra), extra ou ultra petita. No primeiro caso, julga-se menos do que o pedido; no segundo, fora do pedido; e no último, além do pedido. Em qualquer caso, por infringência aos arts. 141 e 492 do CPC/2015, que prescrevem a necessidade de adstrição
do juiz ao pedido do autor, a sentença será rescindível (art. 966, V, do CPC/2015).970 Pelo simples fato de se tratar de sentença rescindível, mesmo no caso da ultra petita, em que o autor, aparentemente, ganhou além do que pediu, há interesse em recorrer, pois do contrário o autor ficará sujeito, por dois anos após o trânsito em julgado, à rescisão da sentença que lhe foi favorável, onde será, ademais, condenado em custas e honorários. Assim pondera Nelson Nery Jr.: “Ao autor não interessa a manutenção de uma sentença nula, passível de ser rescindida, ainda que haja saído vencedor na ação judicial. Tem interesse em recorrer, de conseguinte, a fim de obter o ajustamento da decisão ao seu pedido”971. D. Sendo formulados pedidos em cumulação sucessiva (art. 326 do CPC/2015), de modo que o pedido subsidiário só será apreciado se o juiz não puder deferir o pedido principal, há interesse em recorrer (pois houve sucumbência; logo está presente a utilidade em recorrer) para que o pedido principal (ao qual o autor deu preferência) seja concedido pelo tribunal. E. Há interesse em recorrer se o processo está maduro para ser julgado e converte-se indevidamente o julgamento em diligência, ou então se se determina dilação probatória em caso que comporta julgamento antecipado da lide. O prolongar indevido do processo, que já está pronto para ser julgado, é um mal, cabendo ao juiz indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC/2015). F. Como regra, as partes não têm interesse em recorrer dos fundamentos da decisão. Todavia, o CPC vigente admite que, preenchidos certos requisitos, os fundamentos da decisão sejam também atingidos pela coisa julgada, especialmente no que tocarem às questões prejudiciais de mérito (art. 503, § 1º).
Nesse caso, é indubitável que as partes terão interesse em recorrer não só da decisão que apreciar o pedido formulado na petição inicial, mas também dos fundamentos que, versando questões prejudiciais de mérito, foram decididas pelo juízo a quo. 7.3.4 O interesse recursal e o Ministério Público Quando analisamos o requisito da legitimidade recursal, vimos que o órgão do Ministério Público pode recorrer, tanto como parte quanto como fiscal da lei (art. 996 do CPC/2015). Sabe-se que o Ministério Público atua como fiscal da lei nas hipóteses do art. 178, I a III, do CPC/2015, e como parte desde que expressamente autorizado por lei (art. 177 do CPC/2015). É o caso, conforme já ressaltamos, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que em seu art. 5º, caput, confere ao Ministério Público legitimidade ativa para propor ação civil pública na defesa de direitos difusos e coletivos972. Tanto num como noutro caso, o órgão do Ministério Público persegue, sempre, o interesse público973. Por isso, dessa legitimidade para atuar, ou como parte ou como fiscal da lei, decorre sempre o interesse recursal, que, para o Ministério Público, não é aferido da mesma forma que para as partes privadas. Como regra, pode-se dizer que, sempre que o órgão do Ministério Público atue como parte ou fiscal da lei, pode recorrer974. O interesse recursal do Ministério Público deflui da legitimidade que a lei lhe outorga para atuar como parte ou como fiscal da lei. Não há necessidade que haja sucumbência, pois o Ministério Público pode recorrer contra uma decisão que tenha acolhido, in totum, o que tiver pedido,
entendendo que depois das provas produzidas o interesse público haveria de ter conduzido à improcedência da ação por ele proposta. Pode, por exemplo, recorrer de uma ação declaratória de nulidade de casamento, por ele ajuizada e julgada procedente, por entender que, ante as provas produzidas, a ação deveria ter sido julgada improcedente, apesar de o pedido por ele formulado ter sido atendido na íntegra. Nelson Nery Jr. chega a afirmar, com razão, que “o interesse recursal não se constitui para ele [órgão do Ministério Público] em pressuposto de admissibilidade do recurso”975. Claro que, quando o Ministério Público atuar como parte privada, deverá estar presente o interesse recursal, como sucede com qualquer outra parte privada, sob pena de não conhecimento do recurso976-977. Assim, o interesse recursal do Ministério Público só decorrerá de sua legitimidade quando este agir no exercício de suas funções típicas. O Superior Tribunal de Justiça, todavia, já decidiu978 que o Ministério Público pode ter legitimidade, mas não ter interesse em recorrer. 7.4 Tempestividade O primeiro dos requisitos extrínsecos (i.e., aferível independentemente da análise da decisão recorrida) de admissibilidade dos recursos que iremos estudar é o da tempestividade. Significa que o recurso deve ser interposto no prazo assinalado na lei, sob pena de preclusão temporal. Os prazos, como regra, são de 15 dias, para interpor e para responder (reflexo do princípio da isonomia no plano do processo). Esse é o prazo para todos os recursos, excetuados os embargos de declaração (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015). Cumpre-nos referir que a Lei n. 9.800, de 26.05.1999, veio a permitir a
utilização de fac-símile (fax) para a prática de atos processuais. Dispõe a lei, por exemplo, que o recurso interposto via fax, dentro do prazo legal, é tempestivo, bastando a entrega dos originais até cinco dias depois da data da recepção do material. Antes dessa lei, muitos sustentavam que o recurso poderia ser interposto por fax, mas os originais deveriam ser entregues no prazo recursal, sob pena de ser dado por intempestivo o recurso, o que, positivamente, não trazia vantagem alguma para as partes. A lei acrescenta ainda que os atos praticados através desses meios de transmissão são válidos e o usuário será responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido. Se não houver perfeita concordância entre o fax e o original, o usuário será considerado litigante de má-fé, e o recurso não será admitido (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.800/99). Ocorre que a lei, apesar de regulamentar importante inovação na prática dos atos judiciais, não obriga a que os órgãos judiciários disponham de equipamentos para recepção – deve-se então, por cautela, sempre verificar se determinado juízo possui este “serviço” disponível. Devem, ademais, ser respeitados os prazos recursais assinalados em lei, consoante expressamente prevê o art. 2º do texto legal. A Lei n. 9.800/99, conforme aponta Júlio Machado Teixeira Costa979, veio pacificar orientações divergentes que existiam nos Tribunais acerca deste tema. O STF só considerava válida a interposição de recurso via fax se o original fosse protocolado no prazo recursal, o que tornava a medida inócua. O STJ, em algumas oportunidades, aceitava que os originais fossem juntados após o término do prazo, desde que em “tempo razoável”, mas editou a Resolução 43, em 23.10.1991, inadmitindo a realização de petições e recursos via fax. Outros Tribunais aceitavam este tipo de medida, inclusive
regulamentando-a, como é o caso do TJSP, que aceitava a interposição de recurso e petições via fax, desde que o original fosse juntado em cinco dias. Atualmente, tanto o STJ quanto o STF admitem a interposição de recurso via fax, sendo que, segundo atual orientação daquelas Cortes Superiores, o prazo para a apresentação dos originais começa a contar da data prevista em lei para o término do prazo do recurso, nada importando a circunstância da petição do recurso ter sido transmitida antes do fim desse prazo980-981. Segundo a opinião de Júlio Machado Teixeira Costa982, o órgão do Ministério Público não se pode utilizar dos benefícios trazidos pela Lei n. 9.800/99 quando atuar como fiscal da lei. Para nós, se atuar como parte autora, nos casos em que a lei expressamente autorize (art. 177 do CPC/2015), obviamente não poderá receber tratamento distinto da parte privada. De outro lado, quando atua como fiscal da lei, evidentemente não se lhe pode subtrair a possibilidade de utilização do fax. Aliás, o CPC/2015, no art. 996, por exemplo, confere legitimidade recursal tanto ao Ministério Público quando atua como parte, como nas hipóteses em que funciona como fiscal da lei. Se o fax, ademais, possuir trechos ilegíveis, na petição original não deverão constar esses trechos, os quais devem ser riscados para o fim de se evitar que a parte possa, maliciosamente, enviar trechos ilegíveis para posteriormente inserir novos pontos (= argumentos) no original. Acerca do fax ilegível, vale ressaltar que, se não for possível compreender o teor da petição, o ato deve ser tido como inválido. Por fim, a não juntada dos originais no prazo de cinco dias, conforme entende Júlio Machado Teixeira Costa983, apesar de não haver previsão expressa na lei, deverá acarretar o não conhecimento do recurso.
Pertinente referir, neste passo, o art. 10 da Lei n. 11.419/2006, que disciplina o processo eletrônico e dispõe: “Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo”. Os embargos declaratórios interrompem984 o prazo para interposição de outros recursos, por qualquer das partes (arts. 1.023 e 1.026 do CPC/2015). Lembremos que o pedido de reconsideração não é recurso, como já vimos quando estudamos o princípio da tipicidade. Se pedida a reconsideração e o juiz não se manifestar até o dia final do prazo, deve ser interposto o recurso cabível, sob pena de inevitável preclusão temporal, se o juiz não reconsiderar a decisão. A hipótese em que, mais comumente, se infere o problema é a da reconsideração antecedente ao agravo de instrumento985. Há outras hipóteses em que o mesmo problema ocorre986. Outros recursos em espécie serão analisados a seu tempo. As referências feitas acima tiveram apenas o escopo de pontuar a diferença do prazo entre alguns recursos. O dies a quo do prazo recursal será o da intimação da decisão recorrida, na forma do art. 1.003 do CPC/2015, que poderá ser feita em audiência ou não. Havendo litisconsortes representados por diferentes procuradores de escritórios de advocatícia distintos e se tratar de processo que tramite em autos físicos, o prazo será computado em dobro para fins de interposição de recurso (art. 229, caput, e § 2º, do CPC/2015). Todavia, havendo
sucumbência em relação a somente um dos litisconsortes, o litisconsorte que interpuser recurso não será beneficiado pela contagem em dobro dos prazos, segundo orientação do STF, cristalizada na Súmula 641: “Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”. Questão interessante sobre a tempestividade recursal diz respeito ao recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido. Na vigência do CPC/73, o STF e o STJ entendiam que o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido, caso o recorrente não ratificasse dita interposição durante o transcurso do prazo recursal, não deveria ser admitido, em razão de sua intempestividade987. Aludidos julgados radicam-se na ideia de que não era possível a interposição do recurso com base “na simples notícia do julgamento (...) [a qual] não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto”988. As decisões do STJ eram no mesmo sentido daquelas do STF, dando pela intempestividade do recurso, se interposto antes da publicação do acórdão recorrido989. Todavia, no julgamento do EResp 492461/MG, o STJ alterou sua posição, passando a decidir no sentido de que o recurso prematuramente interposto deveria ser admitido, assentando-se na ideia de que pode-se ter acesso “às decisões, monocráticas ou colegiadas (...) por meio eletrônico”, o que autorizaria a interposição do recurso antes da publicação da decisão recorrida990. Com o advento do CPC/2015 não há mais espaço para qualquer dúvida, pois o art. 218, § 4º, do Código, expressamente diz ser tempestivo o ato processual praticado antes do termo inicial do prazo. Questão interessante diz respeito à interposição de recurso antes da publicação da decisão dos embargos de declaração. Segundo dispõe o art.
1.024, § 5º, se o julgamento dos embargos de declaração não alterar a decisão embargada, o recurso anteriormente interposto não necessitará de ratificação. Interpretando isoladamente esse dispositivo, poder-se-ia concluir que se a decisão dos embargos alterar a decisão recorrida, seria necessária a ratificação do recurso, pelo recorrente, ou a complementação das razões, na forma do § 4º do art. 1.024. Essa interpretação, porém, não se coaduna com o mencionado art. 218, § 4º, razão pela qual não há dúvida de que o recurso interposto antes da publicação da decisão dos embargos de declaração nunca dependerá de ratificação. É de se considerar, apenas, que se houver alteração do conteúdo da decisão embargada, o recorrente terá direito a complementar suas razões. Não o fazendo, não se poderá falar em intempestividade do recurso, mas, quando muito, em inadmissibilidade por falta de impugnação dos fundamentos da decisão. Em razão da alteração legislativa em questão, o STJ cancelou a Súmula 418, adequando-se à regra expressa, motivo pelo qual é imprescindível considerar, por força de lei, que o recurso interposto antes do início do prazo é tempestivo. 7.4.1 Horário dos atos processuais A interposição de recurso é, sem dúvida, ato processual, pelo que deve ser praticada tendo em vista o disposto no art. 212 do CPC991. Pelo caput desse dispositivo, os atos processuais podem ser praticados entre as 6 e as 20 horas. Especificamente com relação aos prazos para a prática de atos processuais que dependam de peticionamento em autos físicos, porém, prescreve o § 3º desse dispositivo que o horário do expediente forense será determinado pela
lei de organização judiciária local (tendo em vista os limites do caput, segundo entendemos, pois que a cabeça do dispositivo deve delimitar o alcance dos seus parágrafos). Por isso, o recorrente deverá atentar especificamente para a lei de organização judiciária local, que poderá, por exemplo, estabelecer o horário de funcionamento como sendo das 7 às 13 horas, mas jamais antes das 6 ou depois das 20 horas. Observe-se, por oportuno, que o art. 12 da Lei n. 9.099/95, que disciplina os Juizados Especiais, estatui: “Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”. Tenha-se presente, ademais, neste diapasão, o disposto no § 1º do art. 10 da Lei n. 11.419/2006, que disciplina o processo eletrônico e traz regra própria e específica: “§ 1º Quando o ato processual tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição eletrônica, serão considerados tempestivos os efetivados até as 24 (vinte e quatro) horas do último dia”. 7.5 Regularidade formal O segundo dos requisitos extrínsecos de admissibilidade é o da regularidade formal. Diversos dispositivos legais consagram os requisitos de admissibilidade de diversos recursos (por exemplo, art. 1.010 do CPC/2015, em relação à apelação; arts. 1.016 e 1.017 do CPC/2015, relativamente ao agravo de instrumento; art. 1.023 do CPC/2015, relativamente aos embargos de declaração; e art. 1.029 do CPC/2015, atinente aos recursos especial e extraordinário). Nota-se que cada tipo de recurso possui seus próprios requisitos formais de admissibilidade, devendo ser obedecidos ou preenchidos conforme o recurso que se pretenda interpor. Os requisitos formais dos recursos devem estar previstos em lei, sendo, de outro lado, vedado aos órgãos judiciários criar exigências não constantes da lei federal.
Exemplo contundente desse requisito concerne à juntada de documentos ao agravo de instrumento. Na forma do art. 1.017, I, do CPC. Tais documentos servem, justamente, para que seja formado o “instrumento”, ou seja, os autos do recurso conterão aquilo que é essencial dos autos em tramitação em primeiro grau, a fim de permitir que o órgão ad quem tenha, na medida do possível, o mais amplo conhecimento daquilo que consta dos autos “principais”, a fim de poder decidir a respeito do mérito recursal. Importa notar que o CPC/2015, como já se disse em diversos momentos anteriores, privilegiou o conhecimento do mérito dos recursos (rectius: de todo o processo), razão pela qual permite que sejam corrigidos todos os vícios sanáveis, isto é, que não sejam da essência do recurso (cf. art. 932, parágrafo único). Por isso, a falta de documento essencial à formação do instrumento, quando exigível – já que se os autos de origem forem digitais não é necessária a juntada, na forma do art. 1.017, § 5º) – não autoriza a imediata inadmissão do recurso. Pelo contrário, o art. 1.017, § 3º, é expresso ao exigir que se conceda prazo de 5 dias ao recorrente para que junte aos autos do agravo de instrumento as cópias dos documentos descritos nos incisos I e II do art. 1.017, caput. Também é abarcada pelo requisito de admissibilidade aqui tratado a regularidade das partes e de sua representação no processo. Ou seja, o recorrente, além de ser legitimado a interpor recurso (conforme tratado acima), precisa estar regularmente representado por advogado. A ausência de procuração importará na inadmissão do recurso, na forma do art. 76, § 2º, I, do CPC. Aliás, nesse ponto, interessa destacar que o CPC/2015 acabou por superar
o entendimento do STJ a respeito da interposição de recurso firmado por advogado sem procuração nos autos. Diz a Súmula 115 do STJ que “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”. Contudo, o art. 76, caput e § 2º, é expresso ao prever que a concessão de prazo para a regularização da representação processual poderá ocorrer inclusive pelos Tribunais Superiores, estabelecendo que, à falta de regularização, o recurso será inadmitido (art. 76, § 2º, I) ou as contrarrazões serão desentranhadas dos autos (art. 76, § 2º, II), a depender de quem era a parte com representação irregular. Interessa notar, ademais, que a fundamentação do recurso também constitui requisito de admissibilidade. A não fundamentação do recurso deve conduzir a seu não conhecimento, pois é virtualmente impossível a formação do contraditório em sede recursal se o recorrente não expressa as razões do inconformismo com a decisão recorrida, até porque o tribunal jamais poderia “adivinhar” as razões pelas quais a parte impugnou a decisão, o que implicaria ferir o princípio da paridade de tratamento entre as partes. O recurso deve trazer razões e motivos com que se procura demonstrar o desacerto do que foi decidido, e não se constitui em protesto ou inconformismo, puro e simples992. Importante ter-se presente que as razões devem guardar estreita correlação com os termos da decisão impugnada, sob pena do não conhecimento do recurso. Tanto é assim que o STJ de há muito sumulou o entendimento de que o agravo interno é inadmissível, quando não impugna especificadamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula 182)993. A correlação ou a pertinência que as razões devem ter em relação à decisão, em particular, com a sua fundamentação, evidenciam uma das dimensões dialéticas do processo
– ausente essa relação, não há dialeticidade alguma. Neste ponto, é preciso destacar que diferentemente de outros casos, em que a irregularidade formal do recurso pode ser sanada após a sua interposição, em prol do julgamento de mérito, a falta de fundamentação não nos parece ser sanável após a prática do ato. A fundamentação é da essência do recurso, pois é nela que o recorrente trará as razões pelas quais entende que o órgão ad quem deverá reformar ou invalidar a decisão recorrida, dialogando com ela. Com efeito, se se admitisse que a falta de fundamentação constitui vício sanável, em verdade estar-se-ia a majorar o prazo recursal por via transversa, pois ao recorrente caberia apenas levar a juízo o “esqueleto” de seu recurso, no prazo de 15 dias, obtendo mais 5 dias para efetivamente apresentar as razões de seu inconformismo. Portanto, cremos não ser possível conceder prazo para correção de falhas na fundamentação do recurso994. 7.6 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer Também se trata de pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal, de vez que sua aferição independe da decisão recorrida em si mesma considerada. Entre os fatos extintivos do direito de recorrer, encartam-se a renúncia ao direito de recorrer (art. 999 do CPC/2015) e a aquiescência à decisão (art. 1.000 do CPC/2015). Já entre os fatos impeditivos do direito de recorrer arrolam-se o reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, bem como a desistência do recurso ou da própria ação. A desistência do recurso (art. 998 do CPC/2015) é fato posterior a sua interposição, sendo ato válido independentemente da concordância da parte
contrária995, como, ainda, em regra, do litisconsorte do desistente, se houver litisconsórcio. Verdade que, se inaplicável à hipótese concreta o princípio da independência dos litisconsortes, a desistência de apenas um deles será válida, porém ineficaz. É o que ocorre no caso de litisconsórcio unitário (art. 1.005 do CPC/2015)996. Voltaremos, mais adiante, a tratar da desistência dos recursos. Examinemos o primeiro dos fatos extintivos do poder de recorrer: a renúncia ao direito de recorrer. A renúncia ao direito de recorrer vem tratada no art. 999 do CPC/2015, onde se preceitua que independe de aceitação da parte contrária. Existe alguma discussão sobre a aceitação da renúncia pactuada previamente à prolação da decisão. Aqueles que não a admitem entendem que ela violaria o duplo grau de jurisdição, conferindo poder ilimitado ao juiz, além do que a renúncia teria por objeto algo incerto e indeterminado (decisão judicial a ser proferida, cujo conteúdo não poderia ser predeterminado). Aduza-se, ainda, o argumento de que se renuncia àquilo de que se dispõe, e, se a decisão inexiste, não se tem, ainda, o direito de recorrer. Todavia, aqueles que admitem a renúncia prévia contra-argumentam no sentido de que inexiste vedação legal à renúncia prévia, nada dispondo o art. 999 do CPC/2015 a respeito, e, ademais, o poder de recorrer seria faculdade da parte, tanto que é possível o reconhecimento jurídico do pedido e a renúncia ao direito sobre que se funda a ação (art. 487, III, a, e c, respectivamente, ambos são causas de extinção do processo com resolução do mérito). Parece-nos correto, com Nelson Nery Jr.997, admitir a renúncia prévia (anterior à decisão), desde que bilateral (caso contrário, restaria
insofismavelmente agredido o princípio da paridade de tratamento entre as partes, do art. 139, I, do CPC/2015). Nessa hipótese, em caso de error in procedendo, havendo julgamento extra, ultra ou infra petita, ter-se-á de admitir o recurso, ainda que tenha havido renúncia prévia, já que esses vícios não poderiam ter estado dentro do espectro de previsibilidade daquele que renunciou previamente ao recurso (para quem a lide não poderia ter sido decidida senão nos estritos limites do que fora pedido, ex vi dos arts. 141 e 492 do CPC/2015). Por fim, como resposta à assertiva de que não se pode renunciar ao que não se tem, correto é considerar que se pode renunciar ao que se tem e àquilo que se pode vir a ter, que é o caso. A renúncia ao direito de recorrer independe de estarem em pauta direitos disponíveis ou indisponíveis. O fato de estarem em pauta direitos indisponíveis tem algumas consequências muito importantes, dentre as quais várias delas já foram estudadas: não incidência dos efeitos da revelia (art. 345, II, do CPC/2015) e proibição de valer como confissão a admissão, em juízo, relativa a fatos e direitos indisponíveis (art. 392 do CPC/2015). Porém, nada há que impeça a renúncia ao direito de recorrer, se estiverem em pauta direitos indisponíveis. Na realidade, se resultar do decidido que esse bem ou direito indisponível não pode subsistir, quem terá assim decidido será o Judiciário e não a parte. Por isso mesmo, o órgão do Ministério Público não precisa recorrer, e pode desistir de recurso já interposto, em caso de ação civil pública por ele ajuizada e julgada improcedente, como pode, na qualidade de curador de família (custos legis, art. 178, II, do CPC/2015), renunciar ao direito de recorrer, o que, aliás, sucede com alguma frequência. Havendo renúncia ao direito de recorrer, cabe ao juiz apreciá-la de ofício,
como deve, aliás, fazer relativamente à presença ou ausência de qualquer requisito de admissibilidade recursal. Caso a renúncia não tenha sido manifestada nos autos, cumpre ao recorrido levá-la ao conhecimento do juiz, que poderá, nesse caso e conforme as circunstâncias, vir a condenar o recorrente em litigância de má-fé (art. 80 do CPC/2015). Deve a renúncia sempre ser interpretada restritivamente, em favor do renunciante, quando houver dúvida sobre sua extensão. A renúncia independe da aquiescência do litisconsorte, porém os seus efeitos são distintos, conforme se trate de litisconsórcio simples ou unitário. Deveras, sendo caso de litisconsórcio unitário (caso em que a sorte dos litisconsortes, no plano do direito material, há de ser a mesma), a renúncia não impede que o provimento do recurso de outro litisconsorte beneficie aquele que renunciou, o que significa que a renúncia ocorrida, conquanto válida, pode não ser eficaz. É que, tratando-se de litisconsórcio unitário, aplica-se o art. 1.005 do CPC/2015: “O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”998. Já se se tratar de litisconsórcio simples, como regra, o provimento do recurso do litisconsorte não renunciante não beneficia aquele que renunciou, aplicando-se a regra geral da independência de tratamento entre os litisconsortes (art. 117 do CPC/2015)999. Mutatis mutandis, é o mesmo raciocínio referente à desistência, de que já se tratou. Outro fato extintivo do direito de recorrer é a aquiescência à decisão, prevista no art. 1.000 do CPC/2015, que pode se dar de forma expressa ou tácita. Por exemplo, “a recorrente, ao cumprir o julgado e postular a extinção da ação, fez desaparecer o seu interesse processual no recurso, o que impede
o seu conhecimento”1000. Já o mero cumprimento do julgado, no caso de o recurso não ter efeito suspensivo, não pode significar anuência ao que foi decidido, senão que se trata de cumprimento de ordem judicial. Havendo litisconsórcio, a aquiescência de um dos litisconsortes segue o mesmo regime da renúncia ao direito de recorrer, acima exposto, conforme se trate de litisconsórcio unitário ou simples, devendo, também, ser interpretada restritivamente1001. 7.7 Fatos impeditivos Já entre os fatos impeditivos do direito de recorrer, encartam-se o reconhecimento jurídico do pedido e a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, ambos causa de extinção do processo com resolução do mérito (art. 487, III, a e c, do CPC/2015, respectivamente). Na verdade, havendo reconhecimento do pedido ou renúncia ao direito sobre que se funda a ação, a hipótese é redutível, em última análise, à ausência de interesse recursal, exceto, é claro, se se pretender discutir, no recurso, o âmbito do reconhecimento ou da renúncia, caso em que será possível a interposição do recurso, ainda que tenha havido reconhecimento jurídico do pedido ou mesmo renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. Aqui, deverão estar em pauta direitos disponíveis; do contrário, não será possível o reconhecimento jurídico do pedido, nem a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. Finalmente, dentre os fatos impeditivos do direito de recorrer, temos a desistência do recurso (ou da ação). A desistência da ação já foi estudada e vem disciplinada no § 4º do art. 485 do CPC/2015, dependendo do consentimento do réu, se já tiver transcorrido o prazo de resposta.
Já a desistência do recurso é ato unilateral, disciplinado pelo art. 998 do CPC/2015. Poderá o recorrente desistir do recurso até o momento em que este comece a ser julgado. Se, por exemplo, couber sustentação oral (v. casos do art. 937 do CPC/2015), até essa oportunidade poderá o recorrente desistir do recurso. Tratando-se de agravo de instrumento, poderá desistir até que comece o julgamento. Proferido um único voto, mesmo que o segundo juiz peça vista dos autos (adiando a continuidade do julgamento), já não será possível a desistência. Da
mesma
forma
que
a
renúncia,
a
desistência
interpreta-se
restritivamente, em favor daquele que desiste, sempre que houver dúvida. Cumpre advertir que a procuração ad judicia não confere ao advogado poderes para reconhecer juridicamente o pedido, desistir (da ação ou de recurso), renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, havendo necessidade de poderes específicos para tanto (art. 105 do CPC/2015). 7.8 Preparo O preparo é o último dos requisitos extrínsecos de admissibilidade dos recursos que nos cumpre estudar. Trata-se do pagamento prévio das custas relativas ao processamento do recurso, no que se inclui a taxa judiciária e as despesas com porte de remessa e retorno dos autos (art. 1.007, caput), cujo recolhimento é logicamente dispensado quando se tratar de autos eletrônicos, em que não há, efetivamente, despesa com remessa ao órgão ad quem, ou com sua devolução ao órgão a quo. O beneficiário da assistência judiciária (arts. 98 e ss. do CPC/2015) é dispensado do recolhimento do preparo. Nos termos do art. 98, § 1º, VIII, do
CPC/2015, a gratuidade da justiça compreende “os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório”. Da mesma forma, o § 1º do art. 1007 isenta do recolhimento do preparo o Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como as suas autarquias. O art. 1.007, caput, do CPC/2015 prevê a regra do preparo imediato, simultâneo à interposição do recurso. Contudo, os §§ 2 º e 4º do art. 1.007 constituem exceções à regra prevista no caput do dispositivo. Com efeito, de regra, o preparo deve ser recolhido e comprovado no ato de interposição do recurso. Contudo, se o recorrente houver recolhido valor insuficiente, o Código autoriza que se lhe conceda prazo de 5 dias para complementação do valor do preparo (art. 1.007, § 2º). Trata-se, em verdade, de dispositivo que positiva a orientação do STJ, que admitia fosse o preparo insuficiente (e não ausente) complementado, como observou com percuciência o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira em artigo escrito a respeito da reforma do CPC/73, pela Lei n. 9.756/981002. Ademais, ainda que o recorrente não tenha recolhido o preparo, tal fato não importa em imediata inadmissão do recurso, pois o § 4º do art. 1.007 determina que se lhe conceda prazo de 5 dias para recolhimento dobrado do preparo. Portanto, tal dispositivo, a um só tempo, favorece o recorrente, por conceder-lhe prazo para corrigir o vício, e o penaliza, aplicando a sanção consistente no pagamento dobrado do preparo. Os §§ 2º e 4º do art. 1.007, como dito, concedem benefício ao recorrente,
excetuando a regra geral prevista no caput do dispositivo. Porém, é de se observar que a concessão de um dos benefícios ao recorrente impede que o outro lhe seja concedido (cf. art. 1.007, § 5º). Ou seja, se o recorrente, não tendo recolhido o preparo, deixa de recolher o valor integral (preparo em dobro), não será possível a concessão de novo prazo para complementação, na forma do § 2º, do art. 1.007. Nesse caso, o recurso deverá ser inadmitido. Também se admite o recolhimento do preparo após a interposição do recurso quando houver justo impedimento a que o recorrente o faça antes da interposição do recurso (art. 1.007, § 6º). É, por exemplo, o caso da instauração de movimento paredista pelos bancários, com fechamento das agências bancárias. Nesse caso, havendo óbice a que se pague o valor do preparo, caberá ao relator, por decisão irrecorrível, determinar o pagamento do preparo no prazo de 5 dias. Note-se que, nesse caso, não haverá pagamento em dobro, justamente porque o não recolhimento do preparo decorrerá de justo motivo, o que não enseja aplicação de qualquer penalidade ao recorrente. Além disso, andou bem o legislador ao reconhecer que eventuais equívocos no preenchimento das guias de recolhimento do preparo não importam em imediata deserção do recorrente. Pelo contrário, deve-se conceder prazo de 5 dias para que o recorrente comprove ter recolhido o preparo, quando houver dúvida quanto a isso (cf. art. 1.007, § 7º). Com efeito, carimbos borrados, v.g., não mais autorizam a inadmissão do recurso, pois a dúvida quanto ao recolhimento do preparo impõe que se conceda prazo ao recorrente para que comprove o recolhimento. O critério para se aferir, no caso concreto, se há ou não justo impedimento vem estatuído no próprio Código (art. 223, § 1º, do CPC/2015, que diz ser
justa causa o “evento alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário”). Há decisão considerando como sendo hipótese de justo impedimento, apta a justificar a relevação da pena de deserção, a circunstância de os autos se encontrarem fora de cartório1003. O recurso interposto sem o pagamento do preparo (ainda que concedido prazo para regularização do recolhimento) diz-se deserto, e, por isso, não deve ser conhecido (juízo negativo de admissibilidade). Havendo vários litisconsortes, cada qual deverá pagar o seu preparo, ainda que o recurso interposto por um aproveite aos demais, em caso de litisconsórcio unitário (art. 1.005 do CPC/2015). Assim já decidiu o TJSP: “Preparo – Litisconsórcio. Cada recorrente deverá recolher por inteiro o seu preparo e, por via de consequência lógica e jurídica, o preparo de um recurso não aproveitará aos demais. Recurso improvido”1004. A Lei paulista n. 11.608/2003 dispõe, a respeito, de acordo com o seu art. 4º, § 10: “Art. 4º O recolhimento da taxa judiciária será feito da seguinte forma: (...). § 10. Na hipótese de litisconsórcio ativo voluntário, além dos valores previstos nos incisos I e II, será cobrada a parcela equivalente a 10 (dez) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs, para cada grupo de dez autores, ou fração, que exceder a primeira dezena”. A esse respeito, também dispõe o § 5º do art. 14 da Lei n. 9.289/96, que disciplina as custas devidas à União na Justiça Federal de primeiro e segundo graus: “Art. 14. O pagamento das custas e contribuições devidas nos feitos e nos recursos que se processam nos próprios autos efetua-se da forma seguinte: (...). § 5° Nos recursos a que se refere este artigo o pagamento efetuado por um recorrente não aproveita aos demais, salvo se representados pelo mesmo advogado”1005.
Se se tratar, efetivamente, de litisconsórcio unitário, a decisão que decrete a deserção do recurso de um litisconsorte não obstará que o recurso interposto pelo outro litisconsorte unitário, se provido, beneficie aquele em desfavor de quem foi decretada a deserção. Interessante discussão existe se a instituição financeira onde o preparo é pago exerce papel de auxiliar do Judiciário. Há muitas decisões no sentido de que a instituição financeira exerce um papel de auxiliar do juízo, e, na medida em que encerrem o expediente antes do Judiciário, o prazo deve reputar-se prorrogado para o dia seguinte1006-1007. Vejamos alguns julgados: “Recurso – Preparo – Órgão arrecador – Expediente forense – CPC, arts. 511, 172 e 184, § 1º, II. 1. Prepara-se o recurso no ato de sua interposição. 2. Prorroga-se, no entanto, o prazo se houver término do expediente do órgão arrecadador antes do encerramento do expediente forense. 3. Os atos processuais são realizáveis das seis às vinte horas. Em tal horário, a realização do preparo é possível, juridicamente. Precedentes da 2ª Seção do STJ: Recursos Especiais 122.664 e 95.269”1008; “Processo civil – Recurso – Preparo – Prazo. É possível o recolhimento bancário da importância correspondente ao preparo no primeiro dia útil que se segue ao da interposição do recurso, quando há desconformidade entre o horário do fechamento do estabelecimento bancário e o de encerramento do expediente forense, pois a parte tem o direito de gozar do prazo em sua inteireza. Recurso conhecido e provido”1009. Embora haja acórdãos em sentido contrário1010, pode-se afirmar que o STJ veio a pacificar orientação na linha de que o preparo, nessas hipóteses, pode ser feito no primeiro dia útil seguinte à interposição do recurso, desde que o recurso tenha sido protocolizado durante o expediente forense, mas após cessado o expediente bancário. Tal entendimento veio a ser firmado em
julgamento de recurso especial submetido ao regime do art. 543-C1011. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 484, vazada nos seguintes termos: “Admite-se que o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente, quando a interposição do recurso ocorrer após o encerramento do expediente bancário”.
XXXVIII RECURSO DE APELAÇÃO
1. Generalidades O primeiro dos recursos em espécie que nos compete examinar é o de apelação. Estatui o art. 1.009, caput, do CPC ser o recurso de apelação cabível contra toda e qualquer sentença. O § 1º do aludido dispositivo, todavia, admite que das decisões interlocutórias não agraváveis caberá apelação, regra que alterou profundamente o regramento desse recurso, em comparação ao CPC/73. Com efeito, como regra, o pressuposto fundamental para o cabimento da apelação é a existência de sentença. Nessa perspectiva, o recurso de apelação é o principal instrumento de manutenção do princípio do duplo grau de jurisdição1012. Em certos casos, todavia, o objeto da apelação será a reforma ou invalidação de decisão interlocutória, que, ao tempo do CPC/73, caberia ao agravo de instrumento ou retido. O que fez o legislador, nesse ponto, foi suprimir o cabimento do agravo retido. No regime do CPC/73, o agravo retido era interposto logo após a prolação da decisão interlocutória impugnada, mas seu conhecimento ficaria condicionado à subida dos autos ao tribunal, por meio do recurso de apelação. Além disso, era necessário que o agravante requeresse em
preliminar de apelação (se também fosse apelante) ou das contrarrazões de apelação (se fosse o apelado), que se conhecesse do agravo retido. Com o advento do CPC/2015, suprimiu-se a necessidade de interposição imediata do recurso, não sendo necessária qualquer providência incontinenti da parte. Assim, apenas quando da interposição da apelação ou da apresentação das contrarrazões de apelação é que se poderá requerer a reforma ou invalidação da decisão. Com isso, a apelação ou as contrarrazões, quando houvesse agravo retido anteriormente interposto, deixaram de servir apenas para veicular a pretensão do agravante de ver conhecido o seu recurso, passando a ser, efetivamente, o próprio instrumento recursal. Esse ponto merece destaque: nessa hipótese, as contrarrazões ganharam, efetivamente, natureza recursal, de modo que a elas se deve aplicar todo o regramento da própria apelação. Com efeito, as contrarrazões terão apenas natureza de resposta, quando se contrapuserem aos fundamentos recursais relativos à sentença ou a eventual decisão interlocutória; de outro lado, terão natureza recursal se objetivarem levar ao tribunal o conhecimento de eventual erro do juízo ao proferir decisão interlocutória, caso em que a parte contrária (apelante) será intimada para apresentar suas contrarrazões, no prazo de 15 dias, ao recurso veiculado nas contrarrazões (art. 1.009, § 2º). Portanto, tem-se presente que a apelação continua a ser o recurso destinado a impugnar, essencialmente, a sentença, mas em determinadas hipóteses servirá também para impugnar decisões interlocutórias. Tratemos, pois, da regra geral tocante ao recurso de apelação: voltar-se contra a sentença. Pode-se, por seu intermédio, atacar sentença definitiva (de mérito), alegar vícios de atividade (errores in procedendo) ou vícios de juízo
(errores in judicando). Tratando-se de sentença terminativa, seu objeto será, necessariamente, a imputação de error in procedendo, na medida em que o recurso deve impugnar os fundamentos da decisão, como já se afirmou. O regime do recurso de apelação – como todo o Código de Processo Civil, aliás – é aplicável inclusive aos procedimentos regulados em leis especiais, desde que, evidentemente, não haja regulamentação específica no âmbito dessas leis especiais. Veja-se, por exemplo, o caso do art. 41 da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), que prevê o cabimento de recurso inominado (no prazo de 10 dias)1013 contra a sentença para o próprio Juizado1014, para órgão colegiado deste (Turmas Recursais), que será julgado por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição (art. 41, § 1º, da Lei n. 9.099/95), mas, enquanto tais, compondo esse órgão colegiado. Somente à luz de previsão específica, como esta, é que se exclui o cabimento do recurso de apelação. A apelação possui características e requisitos que se aplicam aos demais recursos. Alguns juristas, como Nelson Luiz Pinto, a consideram como o “recurso tipo”1015. Outros, como José Carlos Barbosa Moreira, consideram a apelação um “recurso por excelência”1016, por ser o recurso mais amplo e que permite maior atividade cognitiva do órgão ad quem. Por essa razão, diversos dispositivos encartados no Capítulo II do Título II do Livro III da Parte Especial do Código, destinados à apelação, constituem, na realidade, desde que haja lacuna na disciplina dos demais recursos, regra geral para os outros recursos. Dissemos acima que a apelação cabe, como regra, contra toda e qualquer sentença, tenha julgado o mérito ou não. Examinemos, por primeiro, as
peculiaridades da apelação interposta contra sentença definitiva (i.e., quando tiver havido resolução de mérito). 2. Apelação contra sentença definitiva A sentença definitiva é aquela que apreciou o mérito, não acolhendo qualquer preliminar – são as hipóteses previstas no art. 487 do CPC. Desde que tenha havido resolução de mérito, a apelação pode versar vício de atividade (error in procedendo) ou vício de juízo (error in judicando). Na apelação poder-se-á, por exemplo, impugnar eventual julgamento infra petita, vício de atividade, como poderá voltar-se o litigante contra a injustiça da sentença, erro de juízo (má valoração da prova, por exemplo). A apelação poderá, ainda, versar as duas coisas, errores in procedendo e in judicando. O erro de atividade, ou error in procedendo, configura-se como erro na atividade jurisdicional, conduzindo, em princípio, à anulação da sentença. Nestes casos, no recurso de apelação se deverá requerer a invalidação da decisão de primeiro grau. O tribunal, acolhendo esse vício, deverá anular a sentença e, caso o processo já esteja em condições de imediato julgamento, poderá julgar o mérito do processo nas hipóteses previstas no § 3º do art. 1.013 do CPC. Interessa notar, ademais, que mesmo nas hipóteses em que a solução da lide dependa de dilação probatória, admite o Código que não haja retorno dos autos à instância originária, caso em que se deverá produzir a prova diretamente no tribunal (cf. art. 938, § 3º). Nessa hipótese, é possível que o relator (ou o órgão colegiado, cf. art. 938, § 4º) converta o julgamento em diligência determinando a produção da prova necessária à solução da lide, que poderá ser produzida no próprio tribunal (colheita de prova testemunhal,
por exemplo) ou em primeiro grau, mediante a expedição de carta de ordem (prova pericial, por exemplo). Importa dizer, nesse particular, que não nos parece haver ofensa ao duplo grau de jurisdição, em decorrência da supressão da análise da prova pelo juízo a quo, pois o princípio do duplo grau de jurisdição, conquanto tenha índole constitucional (princípio implícito), comporta pontuais exceções. Por outro lado, caso o tribunal entenda que a prova não pode ser produzida no tribunal ou a sua ordem, cabe-lhe, reconhecendo a invalidade da sentença, determinar o retorno dos autos ao juízo competente em primeiro grau, para que este prolate nova sentença. Dessa nova sentença, que resolver ou não o mérito, caberá novo recurso de apelação. Caso o tribunal não reconheça a existência de error in procedendo e negue provimento à apelação interposta, operar-se-á o efeito substitutivo de que trata o art. 1.008 do CPC. Nessa senda, tem-se que a regra é a de que, se a apelação versar erro de juízo e de atividade, só caberá ao tribunal pronunciar-se sobre os alegados errores in judicando, uma vez superadas as alegações de errores in procedendo, de vez que as matérias que ensejam os vícios de atividade e a consequente anulação da sentença sempre devem ser analisadas antes, como condição prévia, após o que se deverá passar à análise do restante do mérito do recurso. O vício de juízo, ou error in judicando, não se refere a nulidades do processo, mas sim a uma má aplicação do direito ao caso concreto. O processo, neste caso, está perfeito, mas o juiz proferiu decisão que, segundo o(s) recorrente(s), não foi a correta. Aqui, o tribunal deverá manifestar-se sobre o mérito da ação, pois é justamente este o objeto da impugnação. Uma vez enfrentado o alegado error in judicando pelo tribunal, haverá substituição
da sentença pelo que foi decidido no acórdão. Haverá a substituição caso o tribunal reforme ou mantenha os termos da sentença (improvimento do recurso). Já nas hipóteses do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, o tribunal, ainda que reconheça a existência de error in procedendo (indevida extinção do processo sem resolução de mérito, por exemplo), passará diretamente ao julgamento do pedido. Para que isso seja possível, é necessário, segundo mencionado dispositivo, que o processo esteja em condições de imediato julgamento. Nessa situação, é possível que o tribunal conheça de matéria que não foi objeto de julgamento pelo juízo de primeiro grau, porque indevidamente extinto o processo sem resolução de mérito. Em tais casos, superando a matéria preliminar, diferentemente do que ocorreu em primeiro grau, poderá o tribunal adentrar no mérito da causa, independentemente de não ter sido este mesmo mérito enfrentado pelo juízo a quo1017. Ainda diante do texto legal examinado, não nos parece que eventual julgamento do mérito da apelação, mesmo os casos em que houver indeferimento liminar da inicial, haverá prejuízo ao réu, uma vez que a ele será dada a oportunidade de apresentar suas contrarrazões. Isso porque, na hipótese em que a petição inicial tenha sido liminarmente indeferida e a apelação tenha sido interposta com base no art. 331 do CPC/2015, caso em que o juiz terá 5 dias para se retratar, ou, não se retratando, deverá mandar citar o réu para responder o recurso (art. 331, § 1º, do CPC/2015). Bastará, nessa hipótese, que o tribunal reconheça que o processo está pronto para ser julgado, inclusive com respeito ao contraditório. O tribunal também poderá julgar o mérito, a despeito da existência de error in procedendo, quando a sentença se mostrar incongruente com o
pedido ou a causa de pedir. Na vigência do CPC/73, a hipótese de reforma pelo tribunal nos casos de julgamento ultra petita já era aplicada pela jurisprudência1018 e defendida pela doutrina1019. Nesse caso, pois, entendia-se que ao órgão ad quem bastava decotar o excesso que teria sigo julgado pelo órgão a quo. O CPC vigente, porém, não fez qualquer distinção entre as hipóteses de ofensa ao princípio da adstrição, ou da congruência. Como se nota da redação do art. 1.013, § 3º, II, admite-se que o tribunal percuta o mérito, ainda que não tenha havido decisão, em primeiro grau, seja porque o juiz de primeiro grau julgou aquém do pedido (infra ou citra petita), seja porque julgou fora dele (extra petita). Importa notar que o art. 1.013, § 3º, III, do CPC, admite o julgamento de mérito no tribunal, quando a sentença for omissa quanto ao exame dos pedidos. Trata-se, a rigor, de hipótese já contemplada no inciso precedente, conforme tratado acima, pois a hipótese é de julgamento infra ou citra petita. Também é possível o julgamento de mérito do recurso se a sentença for nula por falta de fundamentação, conforme se colhe do art. 1.013, § 3º, IV. A fundamentação, conforme já se tratou em capítulos anteriores, recebeu especial atenção do legislador, que cuidou de elucidar as hipóteses em que a decisão não será considerada suficientemente fundamentada (art. 489, § 1º). Porém, em prol da celeridade processual, permite o Código que o tribunal supere a falha na fundamentação, a fim de dar às partes a resolução de mérito. Por fim, admite-se o julgamento de mérito quando o tribunal reformar a sentença que tenha reconhecido a decadência ou a prescrição. Nesse caso, não havendo necessidade de dilação probatória, caberá ao tribunal adentrar ao mérito, ainda que o juízo de primeiro grau não o tenha feito, por considerar
extinta a pretensão ou o próprio direito (art. 1.013, § 4º). O art. 1.010, IV, do CPC/2015 refere-se expressamente ao pedido do recorrente, que é formulado na oportunidade de interposição do recurso, dirigido ao tribunal, delimitando, intransponivelmente, a atividade do tribunal, pois esse pedido é o que fixa o que é devolvido ao tribunal, pelo recurso de apelação, delimitando o âmbito da atividade do tribunal, ao julgar o recurso. Mas é preciso ter presente que somente é possível devolver ao tribunal o que consta da sentença, de tal sorte que, se a sentença não decidiu o mérito, em princípio é inviável que se pretenda, na apelação, que o tribunal o faça1020. Essa regra, como pontuado, comporta a exceção prevista nos §§ 3º e 4º, do art. 1.013. Diz-se que na apelação a cognição, de uma perspectiva vertical, é plena, ao passo que, horizontalmente, depende do que, por vontade do litigante, seja efetivamente devolvido1021. Na medida em que o tribunal decida, transpondo os limites do que lhe é permitido por causa da extensão do efeito devolutivo, ou seja, se extravasar o âmbito da devolutividade, infringe especificamente o art. 1.010, IV, do CPC/2015 – ao lado da infração a outros textos – por estar decidindo além do pedido (do recurso) – vale dizer, decide ultra petita. Se decidir fora do objeto do recurso, a decisão será extra petita, mas sempre por inobservância do princípio dispositivo. Na primeira hipótese, tanto basta que se ajuste o excesso da decisão, em função da extensão do efeito devolutivo. A letra do art. 1.010, IV, do CPC/2015, liga-se ao disposto nos arts. 141 e 492 do CPC/2015 e, também, ao previsto no art. 1.013, caput, do CPC/2015. É – segundo Barbosa Moreira – pelo pedido de nova decisão, “de cuja
amplitude, aliás, depende a extensão do efeito devolutivo”, que se define o âmbito da atividade do tribunal1022. Por isso é que, “se o apelante pede a reforma parcial da sentença, o órgão ad quem, no julgamento do recurso, fica impedido de ultrapassar esse limite”1023 Dessa forma, a extensão do efeito devolutivo é determinada volitivamente pelo recorrente1024. Já tivemos oportunidade de discutir que, se é perfeitamente possível a existência de recurso parcial sobre a decisão, não cabe aos julgadores interferir neste aspecto do direito subjetivo da parte. Importante chamarmos a atenção para a leitura do art. 1.014 do CPC/2015: “As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”. Na realidade, trata-se de uma exceção à realidade de que o tribunal só pode reapreciar as matérias já discutidas no juízo a quo. Compete ressaltar, porém, com Barbosa Moreira1025, que o art. 1.014 do CPC/2015 não diz com o efeito devolutivo; este se refere às questões que serão transferidas (devolvidas) para o tribunal analisar; já as questões contempladas no art. 1.014 do CPC/2015 referem-se a dados que não existiam ou não eram do conhecimento das partes e, por isso, não poderiam ser apreciados pelo juízo a quo, sendo suscitados diretamente no tribunal. Comentando o CPC/73, dizia Barbosa Moreira que tal exceção só incidiria “quanto às questões de fato insuscetíveis de apreciação ex officio, suscitadas apenas no juízo de apelação por pessoa que já era parte (sem exceção do réu revel) no procedimento de primeiro grau”1026. A alegação de força maior já deve vir acompanhada das provas do alegado e, uma vez comprovada, abrese também oportunidade para a outra parte impugnar as provas e fatos alegados.
Como já se disse, tanto o art. 141, quanto o art. 492 do CPC/2015 aplicamse também aos tribunais; na realidade, a todos os juízes, pois refletem o princípio dispositivo1027. Se um acórdão decide além do pedido, ou ultra petita, por isso deverá vir a ser reduzido, por virtude de recurso ulterior, às dimensões postuladas pelo próprio recorrente. 3. Da apelação parcial Em realidade, é perfeitamente possível, à luz do art. 1.002 do CPC/2015, verificar-se a interposição de recurso parcial, pois reza esse texto que “a sentença pode ser impugnada no todo ou em parte”, o que, aliás, vale para todos os recursos e não somente para os recursos interponíveis em face de sentença. Nesta matéria, sublinhava Barbosa Moreira, impera o princípio dispositivo1028. Sobre este tema, José Frederico Marques1029, citando Machado Guimarães, explicava que, na realidade, “o novo exame é sempre integral, ainda que se verse sobre parte da demanda. Pode-se dizer que o efeito devolutivo é total ou parcial quanto à extensão, e sempre integral quanto à profundidade”. Efetivamente, é o que ocorre, a parte pode optar por não devolver toda a matéria que poderia ao tribunal, mas, em relação àquilo que foi devolvido, o tribunal possui pleno poder de apreciação. Na hipótese de recurso parcial, em que se poderia ter impugnado inteiramente uma sentença, mas isso não tenha ocorrido, ter-se-á delimitado o âmbito ou mérito do recurso em extensão menor do que o da sentença (na hipótese, por exemplo, de derrota integral), de modo que, como explica Barbosa Moreira, à luz do CPC/73, “o que o órgão ad quem não pode fazer é
ultrapassar os marcos postos pelo recorrente: assim como, no julgamento de primeiro grau, se tem de decidir a lide nos limites em que foi deduzida (art. 128) e não é possível conceder à parte mais do que pedira (art. 460), analogamente se passam as coisas no julgamento do recurso”1030-1031. Os vícios de atividade (errores in procedendo) podem dizer respeito, por exemplo, à estrutura formal da sentença (carência de fundamentação), ou podem atingir o próprio processo, como, por exemplo, em caso de impedimento ou incompetência absoluta, gerando a invalidade da sentença1032. Já os errores in judicando, no caso da apelação, podem dizer respeito a questões de fato ou a questões de direito. Pode-se, por exemplo, discutir a má apreciação da prova, caso em que se tratará de questão de fato, como se pode discutir a incidência ou não de determinado dispositivo legal ao caso concreto, o que configura questão de direito. Como se terá oportunidade de ver mais adiante, há recursos, como é o caso do recurso especial, em que só é possível a discussão de questões de direito1033. Não é isso o que sucede no caso da apelação, em que é possível discutir, amplamente, qualquer questão de fato, ou qualquer questão de direito. Quando o tribunal dá provimento à apelação, reconhecendo a existência de vício de atividade, anulando a decisão recorrida, não se opera o efeito substitutivo de que trata o art. 1.008 do CPC. Se, de outro lado, for negado provimento à apelação, independentemente de tratar o recurso de errores in procedendo ou de errores in judicando, opera-se o dito efeito substitutivo. O mesmo sucede se provida a apelação que trate de error in judicando. Também neste caso opera-se o efeito substitutivo da apelação. Quando o recurso não for conhecido (juízo de admissibilidade negativo),
não haverá o efeito substitutivo. Importante consignar que há casos em que compete ao tribunal pronunciar-se de ofício (independentemente de provocação do recorrente) acerca de determinados vícios, como na hipótese em que haja decidido o juiz pela presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, erroneamente, no entender do tribunal (art. 485, § 3º). Nessas hipóteses, é de se consignar que o poder de agir oficioso do tribunal não implicará violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, exatamente porque este diz com a extensão do efeito devolutivo, estando, em última análise, ligado ao princípio dispositivo. Assim, o princípio da proibição da reformatio in pejus não impede o atuar de ofício do tribunal, ainda que para piorar a situação do recorrente, quando estejam em pauta matérias como aquelas previstas no § 3º do art. 485 do CPC/2015. 4. Apelação contra sentença terminativa Se a sentença tiver extinguido o processo sem resolução de mérito (sentença terminativa), o recurso também será de apelação. Nesse caso, o tribunal, como regra, não poderá se pronunciar sobre o mérito, já que o reconhecimento da existência de vício de atividade (o único possível de ser alegado, pois não houve análise do mérito para se suscitar vício de juízo) deverá levar à anulação da sentença, para que o juiz de primeiro grau analise o pedido. Para alguns, trata-se de uma decorrência do princípio do duplo grau de jurisdição (o tribunal não se pode pronunciar sobre o mérito sem que o juiz de primeiro grau o tenha feito); para outros, trata-se de um problema redutível à falta de competência do tribunal para apreciar, em primeira mão (já que a sentença foi terminativa), o mérito da
causa. As hipóteses do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, como já apontamos, constitui exceção a essa regra, pois, configurados os seus pressupostos, o tribunal pode passar a julgar a lide propriamente dita. Como regra geral, não sendo o caso de aplicação do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, não sendo possível, ainda, a produção de provas pelo tribunal ou a sua ordem (art. 938, § 3º), provido o recurso de apelação, o processo voltará à primeira instância, cabendo ao juiz, após adequada instrução, proceder ao julgamento de mérito, ainda que contra sua convicção pessoal. 5. Requisitos da apelação A apelação deverá conter: (I) os nomes e a qualificação das partes; (II) os fundamentos de fato e de direito que embasam o pedido de nova decisão; (III) as razões de reforma ou de decretação de nulidade da sentença; e (IV) o pedido de nova decisão. Tais requisitos são indispensáveis, sob pena de não conhecimento do recurso, por carência de regularidade formal (juízo de admissibilidade negativo). É o que estatuem os incisos I a IV do art. 1.009 do CPC/2015. A qualificação das partes é desnecessária se já houver qualificação anterior que conste dos autos. Com efeito, autor e réu já deverão estar qualificados, como regra, na petição inicial e na contestação, de modo que, a rigor, a qualificação só será necessária, por exemplo, no caso de recurso interposto por terceiro prejudicado. A necessidade de exposição dos fundamentos de fato e de direito, somada às razões de reforma ou invalidação da decisão, são decorrência do princípio da dialeticidade dos recursos – são as razões do recurso, às quais já nos referimos – e o pedido de nova decisão é uma extensão do princípio
dispositivo, já que só haverá nova decisão pelo tribunal se o recorrente solicitar e na medida em que o faça, i.e., devolve-se ao tribunal o que houver sido objeto de impugnação. Fatos novos, conforme já demonstrado, só poderão ser levantados na apelação, provando o apelante que deixou de alegá-los em tempo oportuno por motivo de força maior (art. 1.014 do CPC/2015). Aliás, é imperioso notar que as “razões”, a que se refere a lei, hão de ser pertinentes, pois, do contrário, ainda que haja razões, se impertinentes, isso poderá conduzir ao não conhecimento do recurso1034. Não se admite a interposição do recurso sem as respectivas razões recursais, ainda que venham a ser juntadas posteriormente, mas dentro do prazo de 15 dias. Correto Flávio Cheim Jorge1035 quando afirma que a interposição do recurso gera preclusão consumativa, não se podendo mais emendá-lo ou substituí-lo. 6. Princípio do tantum devolutum quantum appellatum – extensão e profundidade do efeito devolutivo na apelação O chamado efeito devolutivo é elementarmente definidor da função do recurso. Efeito devolutivo significa que a matéria objeto do julgamento delimita o âmbito de reapreciação, representando “o que” se pretenda seja novamente julgado, vale dizer, dimensiona o âmbito do recurso de que se cuide no caso concreto1036; e, na medida da impugnação1037, resta devolvida a matéria, ou seja, volta a ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. O art. 1.013 do CPC/2015 estatui, em seu caput, que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Portanto, o efeito devolutivo da apelação (i.e., aquilo que a apelação devolve ao tribunal) é
delimitado pelo que o apelante impugna no recurso. Trata-se, já foi dito, de uma extensão do princípio dispositivo1038. Assim como a jurisdição é inerte (art. 2º do CPC/2015), estando o juiz adstrito ao pedido formulado (arts. 141 e 492 do CPC/2015), da mesma forma é o apelante que decide o que irá impugnar em seu recurso, delimitando o efeito devolutivo da apelação em sua extensão (art. 1.013, caput, do CPC/2015). Claro está que, como regra, não poderá impugnar o que não foi decidido – daí por que, no caso de sentença terminativa, a apelação, em linha de princípio, só poderá descrever errores in procedendo, jamais errores in judicando, pois o tribunal não se poderá pronunciar sobre o mérito, sem que, antes disso, o juiz de primeiro grau o tenha feito, salvo, como já dito, se estiverem presentes os requisitos para aplicação do art. 1.013, § 3º, do CPC/2015. Assim, o que se conclui do caput do art. 1.013 do CPC/2015, utilizando a terminologia adotada por Barbosa Moreira, é que a extensão do efeito devolutivo da apelação é delimitada pelo apelante em seu recurso. Se, por exemplo, o autor pede indenização por danos materiais e morais, sendo a ação julgada improcedente, a apelação poderá tratar apenas dos danos materiais, se o autor se conformar com a não concessão dos danos morais que pedira em primeiro grau. Nesse sentido, o já mencionado art. 1.002 do CPC/2015 estatui: “A sentença pode ser impugnada no todo ou em parte”. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1039 ensinam que a limitação do mérito do recurso, fixada pelo efeito devolutivo, tem como consequência a limitação do conhecimento do tribunal, cujo espectro de atuação fica restrito à matéria efetivamente impugnada (tantum devolutum quantum appellatum). Os §§ 1º e 2º do art. 1.013 do CPC/2015 tratam da profundidade do efeito
devolutivo, na terminologia empregada por Barbosa Moreira1040. Vejamos o que isso significa. Na verdade, várias são as questões que podem ser levadas em consideração pelo juiz para apreciar aquilo que foi impugnado na apelação. Podem e devem ser levadas em consideração as questões suscetíveis de serem apreciadas ex officio (por exemplo, art. 485, § 3º, do CPC/2015), ou quaisquer outras questões discutidas e debatidas no processo, ainda que não apreciadas por inteiro pelo primeiro grau (art. 1.013, § 1º, do CPC/2015), bem como qualquer fundamento que tenha sido levantado pelo autor ou pelo réu, em sua defesa (art. 1.013, § 2º, do CPC/2015). É o que parte da doutrina denomina de efeito translativo do recurso de apelação1041-1042. São, em síntese, regras que moldam o alcance do princípio dispositivo: tais matérias prescindem de pedido expresso do recorrente para serem examinadas pelo tribunal, reputando-se suficiente, apenas e tão somente, a interposição do recurso de apelação, para que o tribunal, quando do julgamento da apelação, deve considerá-las. As questões de ordem pública (arts. 485, § 3º, e 337, § 5º, do CPC/2015), a exemplo das matérias referidas nos §§ 1º e 2º do art. 1.013 do CPC15, igualmente são transferidas para o tribunal, pura e simplesmente, diante da interposição do recurso de apelação. Segundo Barbosa Moreira, as matérias de ordem pública, que podem ser examinadas de ofício pelo juiz, ao lado das questões tratadas nos §§ 1º e 2º do art. 1.013 do CPC/2015, consubstanciam a profundidade do efeito devolutivo. De acordo com o ilustre jurista, “para decidir, tinha o juiz de resolver questões, suscitadas pelas partes ou apreciáveis de ofício, atinentes quer ao(s) fundamento(s) do pedido, quer ao(s) da defesa. Ora, pode
acontecer que a sentença haja efetivamente examinado todas essas questões, ou que se tenha omitido sobre alguma(s). Aqui, pois, o problema do efeito devolutivo consiste em determinar em que medida competirá ao tribunal a respectiva apreciação – sempre, é óbvio, dentro dos limites da matéria impugnada. Como resulta dos §§ 1º e 2º – preservada sempre a imutabilidade da causa de pedir – é amplíssima, em profundidade, a devolução”1043. Já dissemos que, a partir da inclusão do § 3º ao art. 515, do CPC/73, cujo rol foi ampliado pelo § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, passou-se a admitir o conhecimento, pelo tribunal, de matéria que não foi objeto de julgamento pelo juízo de primeiro grau nas hipóteses delineadas em aludido dispositivo legal. Em tais casos, superando a matéria preliminar, diferentemente do que ocorreu em primeiro grau, poderá o tribunal adentrar no mérito da causa, independentemente do processo em primeira instância ter sido extinto sem resolução do mérito, de ser incongruente ou de padecer de falta de fundamentação. O mérito, na hipótese do inciso I do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, parece ter sido elevado à categoria das matérias cognoscíveis de ofício pelo juiz, no sentido de que não há necessidade de iniciativa da parte para que possa ser enfrentado pelo órgão de segundo grau. A transferência do conhecimento dessa questão (mérito da demanda, não decidida em primeiro grau) dá-se apenas pela interposição do recurso de apelação. Quer isso significar que a devolução dessa matéria ao tribunal independe de pedido do recorrente. Parece terem sido razões de ordem pública que inspiraram o legislador a introduzir sobredito inciso I do § 3º no art. 1.013 do CPC/2015, o que justifica o atuar do tribunal com ampla liberdade nesse campo1044. Portanto, nos termos do referido dispositivo, é possível ao tribunal julgar o
mérito, ainda que à míngua de pedido expresso, porque essa matéria (mérito), não decidida pelo primeiro grau, foi-lhe automaticamente transferida1045. A despeito do que se afirmou, todavia, parece-nos que tal dispositivo não se aplica a situações em que a parte tenha aberto mão de um possível julgamento de mérito. Veja-se, por exemplo, a hipótese em que A tenha movido ação contra B e se tenha decidido pela carência de ação; B apela apenas para majorar honorários advocatícios: neste caso, não é dado ao tribunal examinar o mérito, pois este não foi nem será devolvido ao tribunal, o que configura hipótese diversa daquela em que o apelante pretende a anulação da sentença e o tribunal, entendendo presentes os pressupostos do inciso I do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, julga o mérito. É que neste último exemplo, conquanto o apelante não tenha pleiteado o julgamento de mérito favorável, dele não abriu mão, já que pretende o julgamento de mérito no primeiro grau de jurisdição; já no exemplo anterior, o mérito não mais poderá ser examinado pelo tribunal, tendo em vista que o recorrente não se insurgiu contra a decisão que decretou a carência, mas discute apenas a condenação em honorários advocatícios. Em síntese, o que se observa é que o tribunal só poderá aprofundar sua cognição em relação aos capítulos da decisão que tenham sido impugnados, o que é delimitado pela extensão do recurso de apelação. Questão de interesse é saber se o art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, tem a sua aplicabilidade restrita ao recurso de apelação ou, diversamente, pode vir a ser aplicado a outras modalidades recursais. A matéria inserida no inciso I do § 3º do art. 1.013 do CPC/14 (o que não foi julgado, isto é, o mérito da causa) translada-se ao tribunal, independentemente de pedido expresso da parte. Estamos aqui, como se
disse, fora do âmbito do efeito devolutivo. A transferência dessa matéria (o que não foi julgado) dá-se pelo efeito translativo. Cândido Rangel Dinamarco reconhece a possibilidade de incidência do referido parágrafo às demais modalidades recursais, ao analisar o art. 515 do CPC/73, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, partindo do pressuposto de que o dispositivo, conquanto inserido no recurso de apelação, é regra geral que se insere em todos os recursos1046. Parece-nos, com efeito, possível sustentar a aplicabilidade do parágrafo em questão a modalidades outras de recursos. Por outro lado, parece sustentável que em determinadas hipóteses o art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, possa ser aplicável ao recurso de agravo de instrumento. Figure-se, por exemplo, a hipótese de interposição de agravo contra decisão que tenha extinguido a ação contra um dos litisconsortes passivos sem resolução do mérito, prosseguindo a ação (e o processo) contra o outro litisconsorte. Nesse caso, resolvendo o autor impugnar dita decisão, o recurso cabível é o de agravo de instrumento (art. 1.015, VII). Nada obsta que o tribunal, nesse caso, ao julgar o agravo, passe diretamente ao julgamento do mérito da ação, se estiverem presentes os pressupostos do § 3º do art. 1.013 do CPC/20151047. 7. Reformatio in peius Já tratamos, anteriormente, do princípio da proibição da reformatio in peius. Significa que a decisão do tribunal não pode ser praticamente mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida. Não existe previsão expressa no Código, mas pode-se dizer que tal princípio decorre do sistema, até porque não teria sentido a previsão de recurso adesivo (art. 997, § 1º, do
CPC/2015), em caso de sucumbência recíproca, se o recurso pudesse prejudicar aquele que recorresse sozinho. Assim, a existência do recurso adesivo só vem corroborar a proibição da reformatio in peius1048, que está presente como princípio na sistemática dos recursos do Código. Ademais, a parte não poderia recorrer contra si própria (faltaria, sempre, o requisito do interesse recursal), o que significa que o tribunal, em caso de reformatio in peius, estaria agindo oficiosamente. Todavia, ao tribunal é vedado agir de ofício, o que só poderá fazer à luz de previsão legal expressa (por exemplo, art. 485, § 3º, do CPC/2015). Examinemos um exemplo concreto: o autor pede 100, e obtém 80; apenas o autor apela; o tribunal não poderá tirar do autor os 80 que ele já obteve em primeiro grau; se apenas o réu apelar, o tribunal não poderá agravar ainda mais a situação do réu apelante, condenando-o a pagar ao autor 90, por exemplo. 8. Procedimento do recurso de apelação A apelação é interposta em primeiro grau. À luz do CPC Buzaid, caberia ao juízo de piso, mais do que tomar providências de mero impulso processual, realizar o primeiro juízo de admissibilidade da apelação. Com a extinção do duplo juízo de admissibilidade do recurso de apelação, cabe ao juízo a quo abrir vista à parte contrária para apresentar suas contrarrazões no prazo de 15 dias (art. 1.010, § 1º). Caso o recorrido, em preliminar de contrarrazões, recorra de decisões interlocutórias não agraváveis, caberá ao juiz abrir vista à parte contrária para que apresente suas contrarrazões (cf. art. 1.009, § 2º, parte final). Da mesma forma, se o apelado interpuser recurso de apelação na forma adesiva (cf. art. 997, § 1º), será ouvida a parte contrária, também no prazo de
15 dias. Passado o prazo para apresentação das contrarrazões, o juiz deve remeter os autos ao tribunal ad quem independentemente de realizar qualquer juízo de admissibilidade. Por isso, mesmo o recurso manifestamente intempestivo, v.g., deverá ser remetido ao tribunal, pois ao juízo de piso falece competência para negar seguimento ao recurso de apelação interposto. Distribuído
o
recurso
no
tribunal,
caberá
ao
relator
decidir
monocraticamente o recurso. Nessa hipótese, o recurso será a) inadmitido, quando não preencher os requisitos de admissibilidade do recurso; b) improvido, quando o recurso contrariar súmula do STF, STJ ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo STF ou STJ em julgamento de recursos repetitivos, ou entendimento firmado em IRDR ou em IAC; c) provido, quando a decisão recorrida for de encontro a súmula do STF, STJ ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo STF ou STJ em julgamento de recursos repetitivos, ou entendimento firmado em IRDR ou em IAC (art. 932, III, IV e V). Caberá ao relator, outrossim, atribuir efeito suspensivo à apelação. A apelação, como regra, é dotada de efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015). Excepcionalmente (art. 1.012, § 1º), a apelação será recebida apenas no efeito devolutivo1049, e, nessas hipóteses, admite-se o início do cumprimento provisório de sentença, se for o caso (art. 520 do CPC/2015). Nessa hipótese, o relator poderá atribuir dito efeito ao recurso, a requerimento da parte, quando houver “probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação” (art. 1.012, § 4º). Também há casos constantes da legislação extravagante no sentido de que
a apelação só deve ser recebida no efeito devolutivo. Exemplos atuais são aqueles constantes dos arts. 199-A e 199-B da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), com redação determinada pela nova Lei de Adoção (Lei n. 12.010/2009), que tratam da apelação contra sentença que deferir a adoção e da sentença que destituir os genitores do poder familiar, respectivamente. Dispõem referidos dispositivos legais: “Art. 199-A. A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando”; “Art. 199-B. A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo”. O fato de a apelação ser dotada de efeito suspensivo1050 significa que o “comando da sentença” apelada produz efeitos só quando julgado o recurso pelo tribunal; ademais disso, não será a sentença que produzirá efeitos, senão que o acórdão que a haja substituído (nas hipóteses em que se opere o efeito substitutivo do art. 1.008 do CPC/2015)1051. A produção dos efeitos, então, é suspensa, condicionada ao desprovimento (ou não conhecimento) do recurso de apelação. Os efeitos da decisão, na verdade, não se suspendem com a interposição do recurso. Suspendem-se, na verdade, pelo simples fato de a decisão ser impugnável por recurso dotado de efeito suspensivo. Quer isso significar que a decisão apelável, por exemplo, não produz efeitos dentro dos 15 dias em que pode ser interposta a apelação, pelo simples fato de estar sujeita ao recurso de apelação, que é, como regra, dotado de efeito suspensivo. Se interposto o recurso, os efeitos da decisão permanecem suspensos até o seu
julgamento. Casos há que têm suscitado dúvidas, assim como o da apelação que impugna sentença exonerativa de alimentos, que deve ser recebida em ambos os efeitos, ao passo que há apenas efeito devolutivo quando ocorre condenação ou majoração dos alimentos1052. Tratando-se de apelação contra sentença que indefere a inicial, extinguindo o processo nos moldes do inciso I do art. 485 do CPC/2015, o juiz poderá se retratar, uma vez interposta a apelação, no prazo de 5 dias. Por se tratar de prazo impróprio, poderá haver retratação mesmo após o transcurso desse prazo, conforme dissemos quando estudamos a petição inicial1053-1054. Caso contrário, os autos serão remetidos ao tribunal após o decurso do prazo para que o réu apresente suas contrarrazões (art. 331, § 1º). Se se tratar de apelação contra decisão liminar de improcedência, de que trata o art. 332 do CPC, também será possível o exercício do juízo de retratação, no prazo de 5 dias, a teor do § 3º desse mesmo dispositivo legal. O regime recursal de que tratam os parágrafos do art. 332 do CPC/2015 se assemelha em muito àquele disposto no art. 331 do CPC/2015. Assim, ainda que escoado o prazo de 5 dias do art. 332, § 3º, do CPC/2015, poderá haver retratação, por se tratar de prazo impróprio. Havendo retratação, será determinada a citação do réu para o prosseguimento normal do processo. Não havendo retratação, será mantida a sentença de improcedência anteriormente prolatada. Nesse caso, deverá ser o réu citado para responder ao recurso interposto e acompanhar os demais termos do processo. Caberá ao réu, nas contrarrazões, deduzir toda a matéria de defesa contra a pretensão do autor, até porque o tribunal poderá conhecer de matérias não
aventadas no recurso, na forma do art. 1.013, §§ 1º a 4º, do Código. Nas hipóteses dos arts. 331 e 332 do CPC (indeferimento da inicial e julgamento liminar de improcedência), caso a apelação seja provida, mas o tribunal entenda que não é possível o julgamento de mérito, a sentença será anulada ou reformada (a depender da hipótese) e os autos retornarão ao juízo de primeiro grau. Nesse momento é que se deverá abrir vista ao réu para apresentação de contestação, observada a possibilidade de realização de audiência de conciliação (cf. art. 331, § 2º). 9. Apelação e preparo Aplica-se à apelação a regra, já vista, do preparo imediato (art. 1.007 do CPC/2015), sob pena de deserção, se interposto o recurso desacompanhado do comprovante do pagamento do preparo respectivo. A regra estampada no art. 1.007 do CPC/2015 aplica-se também ao recurso de apelação e, portanto, como já dito em outra oportunidade, a insuficiência do valor do preparo ou a ausência de comprovação de recolhimento no ato interposição do recurso não geram, automaticamente, a deserção. Conforme estatuem os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC, nessas hipóteses o recorrente deverá ser intimado para corrigir o equívoco. Poderá também, em caso de justo impedimento, ser relevado o não pagamento do preparo (art. 1.007, § 6º, do CPC/2015). Se relevada a pena de deserção, essa decisão será irrecorrível, pois bastará que o recorrido alegue, em contrarrazões, que não era o caso de justo impedimento, o que não é sequer necessário, já que a ausência de qualquer requisito de admissibilidade pode (deve) ser apreciada de ofício pelo tribunal, independentemente de provocação. Se, ao contrário, for mantida a deserção
da apelação, apesar de alegado justo impedimento, dessa decisão, evidentemente, caberá recurso de agravo interno para que o colegiado aprecie a questão. 10. Do julgamento “não unânime” e o prosseguimento do julgamento O CPC/73 previa a hipótese de cabimento de embargos infringentes contra o acórdão não unânime que reformava a decisão de mérito de primeiro grau, em sede de apelação, ou julgava procedente a ação rescisória. Este recurso sempre foi criticado por prestigiados setores doutrinários. Há quem o tivesse, como é o caso de Barbosa Moreira, por indesejável, uma vez que fazia com que o Tribunal decidisse novamente uma questão já julgada; além disso, considerava, o autor, que a tendência moderna é de valorizar o julgamento feito pelo juiz de primeiro grau, pois teve maior contato com os fatos da demanda1055. Desde a vigência do CPC/73, portanto, defendia-se a abolição dos embargos infringentes. Flávio Cheim Jorge1056, ao contrário, era favorável à manutenção dos embargos infringentes, pois afirmava que os seus benefícios eram maiores do que os eventuais malefícios, propiciando que os julgamentos dos tribunais fossem mais uniformes, tratando-se, segundo sua opinião, de modalidade recursal que ensejava o julgamento mais atento por parte dos magistrados das instâncias superiores. Esta também sempre foi a opinião de Pontes de Miranda, que dizia que os melhores julgamentos e as melhores discussões ocorriam nas câmaras de embargos1057. Em que pese a divergência doutrinária acerca do tema, o legislador entendeu por bem extinguir os embargos infringentes, estatuindo, em seu lugar, a continuidade do julgamento quando o resultado do julgamento da
apelação não for unânime. É o que prevê o art. 942 do CPC/2015: “Quando do resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”. Essa técnica de julgamento, porém, não se iguala aos embargos infringentes, não só por não ter natureza recursal, mas porque não exige a reforma da sentença para que seja cabível. A referida técnica, prevista pelo art. 942, exige apenas que haja julgamento da apelação por maioria de votos. Dessa forma, quando o recurso de apelação for decidido por maioria de votos, haverá o prosseguimento do julgamento, na forma prevista nos regimentos dos tribunais, devendo-se garantir às partes e aos terceiros o direito de sustentar oralmente perante os julgares que passarem a compor o colegiado. O julgamento, aliás, deverá ocorrer na mesma sessão, preferencialmente (art. 942, § 1º, do CPC/2015).
XXXIX RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO
1. Considerações iniciais O recurso de agravo de instrumento vem previsto no art. 994, II, do CPC/2015. Até o advento do CPC/2015, o agravo constituía gênero, que tinha o agravo retido e o agravo de instrumento como espécies. Conforme se disse no capítulo precedente, o CPC/2015 extinguiu o agravo retido, razão pela qual não há falar em agravo, mas em “agravo de instrumento”, até porque a outra espécie recursal nominada de “agravo” é o agravo interno, que não tem a mesma natureza do agravo de instrumento. Da mesma forma, também se fala em agravo em recurso especial ou extraordinário, que não, todavia, não tem a mesma natureza do agravo de instrumento. Prescreve o art. 1.015 do CPC/2015 que o recurso de agravo de instrumento será cabível contra decisões interlocutórias que versarem especificamente sobre as matérias dispostas nos incisos I a XIII. O conceito de decisão interlocutória, como já se examinou, decorre do próprio CPC/2015, em cujo art. 203, § 2º, prevê-se que: “Decisão interlocutória é
todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º”. Por decisão interlocutória se entende todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não coloque fim à fase cognitiva do processo ou da execução. Lembremos que, se o ato do juiz for despido de conteúdo decisório, tratarse-á de despacho (art. 203, § 3º, do CPC/2015), que, em princípio, justamente porque desprovido de conteúdo decisório, e, pois, inapto a causar prejuízo às partes, é irrecorrível (art. 1.001 do CPC/2015). Nesse sentido, pode-se dizer que a regra estampada no art. 1.001 do CPC/2015 é meramente expletiva, pois na exata medida em que os despachos não têm a potencialidade de prejudicar as partes, sequer haveria interesse em impugná-los. Importante notar que o agravo de instrumento, embora não exista previsão específica no âmbito de leis especiais, a elas se aplica, porque o sistema do Código de Processo Civil se aplica a toda e qualquer lei especial, no que não se revelar incompatível com o regramento próprio de cada uma delas. Por exemplo, durante a vigência da Lei n. 1.533/51, na qual não havia previsão expressa do cabimento de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias (por exemplo, as que denegassem ou concedessem liminares), os tribunais, conquanto existisse alguma recalcitrância, vinham, cada vez mais, admitindo a interposição de recurso de agravo de instrumento em processo de mandado de segurança1058. Com o advento da Lei n. 12.016/2009, o art. 7º, § 1º, de aludido diploma legal passou a permitir expressamente a utilização de agravo de instrumento contra decisão concessiva ou denegatória de liminar em mandado de segurança. Embora já sustentássemos o cabimento de agravo contra decisões liminares proferidas em mandado de segurança, deve ser aplaudida tal previsão legislativa, uma vez que fulmina qualquer
discussão a respeito do cabimento ou não daquele recurso. Portanto, pode-se dizer que embora não houvesse na lei regulamentadora do mandado de segurança (Lei n. 1.533/51, revogada pela Lei n. 12.016/2009) norma no sentido do cabimento de agravo de instrumento, este era perfeitamente cabível nos processos dessa ação constitucional, já que, conforme dissemos linhas atrás, o Código de Processo Civil é lei geral de processo e se aplica subsidiariamente aos procedimentos regulados por leis especiais, a menos que haja incompatibilidade, inexistente no caso. 2. Prazo de interposição O prazo de interposição do agravo de instrumento, assim como todos os recursos, exceto os embargos de declaração, segundo estatui o art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, é de 15 dias. Também pode ser que na hipótese concreta haja espaço para aplicação do art. 180 do CPC/2015, caso em que o prazo de interposição do agravo de instrumento deve ser computado em dobro, ou do art. 229 do CPC/2015, se houver litisconsortes com diferentes procuradores de escritórios diferentes, caso em que o prazo também será computado em dobro. O prazo em dobro não é aplicável quando o processo for eletrônico (art. 229, § 1º, do CPC/2015). Lembremos o que já afirmamos anteriormente, no sentido de que a prática (usual) de requerer a reconsideração1059 da decisão a ser impugnada não interrompe nem suspende o prazo de 15 dias previsto no art. 1.003, § 5º, do CPC/2015. O termo a quo para interposição do recurso é determinado na forma dos arts. 1.003 do CPC/2015 e dos incisos I, II e VI do art. 231 do CPC/2015. Se, porém, o advogado, por exemplo, retira os autos de cartório, é do dia seguinte
à data da carga que se haverá de computar o prazo para interposição de eventual recurso de agravo, como já decidiu acertadamente o Superior Tribunal de Justiça, à luz do CPC/73, em julgado assim ementado: “Processual civil. Decisão interlocutória. Agravo de instrumento. Prazo recursal. Termo inicial. Carga dos autos por advogado regularmente habilitado. Ciência inequívoca. Recurso protocolizado fora do decênio legal. Intempestividade. Precedentes. Se o patrono da parte, regularmente constituído, comparece ao cartório e efetua carga dos autos antes da publicação da decisão, tem-se como ocorrida a ciência inequívoca do seu teor, fluindo a partir daí o prazo recursal, máxime quando, por ocasião da devolução dos autos, há interposição de recurso, impugnando-a”1060. À luz do CPC/73, havia se discutido a respeito do termo inicial do prazo para interposição de agravo de instrumento contra decisão concessiva de liminar inaudita altera parte. O CPC/2015 pacificou a questão, estabelecendo o art. 1.003, § 2º, que o prazo recursal se inicia na forma do art. 231, I a IV, do Código. 3. Hipóteses de cabimento Na vigência do CPC/39, o agravo de instrumento poderia ser interposto apenas nas hipóteses legalmente previstas (art. 842 do CPC/39). Com o advento do CPC/73, passou-se a prever o cabimento do agravo de instrumento de maneira ilimitada, isto é, toda e qualquer decisão interlocutória poderia ser recorrida de imediato (cf. redação original do art. 522 do CPC/73). Isso, porém, acabou por congestionar os tribunais com agravos de instrumento, já que o processo, como regra, tem apenas uma sentença, mas muitas decisões interlocutórias.
Com efeito, a última redação do CPC/73, fruto das alterações promovidas pela Lei n. 11.187/2002, previa que as decisões interlocutórias seriam recorríveis por agravo retido, salvo se elas pudessem causar imediato prejuízo à parte, caso em que seria cabível agravo de instrumento (cf. última redação do art. 522 do CPC/73). A despeito da referida alteração, fato é que os tribunais continuavam a ser tomados pelos agravos de instrumento, o que parece ter conduzido o legislador a novamente restringir as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. Por isso, previu-se no art. 1.015 do CPC/2015 rol de decisões interlocutórias que comportam imediato recurso. Ao que nos parece, o próprio legislador valorou as hipóteses em que o prosseguimento do processo sem possibilidade de revisão imediata da decisão interlocutória pode causar dano à parte. A natureza do aludido rol tem gerado severas discussões na doutrina e na jurisprudência. Grande parte da doutrina entende, como nós, que o rol do art. 1.015 tem natureza taxativa, ou seja, o próprio legislador teria selecionado as hipóteses em que é cabível o agravo de instrumento1061. Contudo, discute-se se o fato de ser taxativo o aludido rol impediria qualquer interpretação ampliativa, de molde a atingir situações, ou decisões interlocutórias análogas. Para Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1062, por exemplo, o art. 1.015 não comporta interpretação analógica ou extensiva, dada a sua natureza taxativa. Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, de outro lado, defendem que a taxatividade do rol não impede a interpretação ampliativa, pois
“Havendo divergência entre o sentido literal e o genético, teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra”1063. Também nessa linha, afirmam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero que “A fim de limitar o cabimento do agravo de instrumento, o legislador vale-se da técnica da enumeração taxativa das suas hipóteses de conhecimento. Isso não quer dizer, porém, que não se possa utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas nos textos. Como é amplamente reconhecido, o raciocínio analógico perpassa a interpretação de todo o sistema jurídico, constituindo ao fim e ao cabo um elemento de determinação do direito. O fato de o legislador construir um rol taxativo não elimina a necessidade de interpretação para sua compreensão: em outras palavras, a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de se adscrever sentido aos textos mediante interpretação”1064. É evidente que algumas situações não previstas pelo art. 1.015 merecem apreciação imediata pelo tribunal. Basta notar que o aludido artigo não admite a interposição de agravo de instrumento quando a alegação de incompetência for rejeitada em primeiro grau1065. É fora de dúvida que o transcurso no processo perante juízo incompetente gera severo risco às partes, já que, reconhecida apenas no julgamento da apelação a incompetência, a remessa dos autos ao juízo competente poderá acarretar a invalidação de todos os atos processuais, inclusive as provas colhidas. Diante dessa situação, a 4ª Turma do STJ entendeu que, mesmo não prevista no rol do art. 1.015, a decisão interlocutória que aprecia a arguição
de incompetência do juízo é recorrível por agravo de instrumento1066. Foi essa, em certa medida, a conclusão da Corte Especial do STJ no julgamento do REsp 1.696.396/MT e do REsp 1.704.520/MT, afetados para julgamento de casos repetitivos, ambos de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, oportunidade em que a Corte, por maioria, concluiu que o rol previsto no art. 1.015 do CPC é de “taxatividade mitigada”, isto é, é taxativo, mas admite a interposição de agravo nos casos em que a espera pela interposição futura do recurso de apelação possa tornar inútil o provimento jurisdicional. Diante disso, firmou-se a seguinte tese, aplicável apenas às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão pelo STJ, por força da modulação de seus efeitos: “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”. Cabe-nos, neste passo, analisar mais detidamente as hipóteses em que o agravo de instrumento é expressamente cabível, na forma do art. 1.015 do CPC. 3.1 Tutelas provisórias Havendo decisão interlocutória que trate de indeferimento, concessão, revogação ou modificação de tutela provisória, prevista nos arts. 294 e ss. do CPC/2015, o legislador reconheceu haver situação de imediato risco à parte. É indiscutível que a análise da matéria, pelo tribunal, deve ser imediata, pois a parte diz necessitar da antecipação dos efeitos da tutela ou do acautelamento para que não sofra dado ou para que o processo não lhe seja
inútil, ou diz ser caso de inversão do ônus do tempo, diante da maior probabilidade de se sagrar vencedor. Nesses casos, a parte prejudicada pela decisão (réu, quando há concessão ou modificação; autor, quando há indeferimento, revogação ou modificação) tem o direito de se insurgir imediatamente, pois aguardar o julgamento da futura apelação feriria o acesso à Justiça. Aliás, é da própria essência das tutelas provisórias. Isso porque seu direito supostamente necessita de brevidade para ser tutelado pelo Estado e, por esse motivo, é cabível o agravo de instrumento contra decisões que versem sobre tutela provisória, de modo que impedir que o interessado recorra ao tribunal para controlar com eficiência e efetividade a ameaça ou a lesão, é negar o acesso ao duplo grau de jurisdição1067. Porém, é preciso ter presente que, se a tutela provisória for concedida na sentença, não caberá agravo de instrumento, mas apelação, na forma do art. 1.009, § 3º e do art. 1.013, § 5º, do CPC, o que se justifica pelo fato de que a apelação já será imediatamente interposta. 3.2 Mérito do processo Cumpre diferenciar a hipótese de cabimento de agravo de instrumento contra decisão que trate do mérito do processo, com relação a sentença – que é recorrível por apelação. Como já se afirmou, a grande diferença entre a decisão interlocutória e a sentença é que a primeira não coloca fim à fase cognitiva do processo, enquanto a segunda o faz. Nesse sentido, tem cabimento o agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito nos casos em que o juiz julga parcialmente o mérito da demanda (art. 356 do CPC/2015). A decisão que julga parcialmente o mérito é recorrível por agravo de
instrumento, não apenas porque a lei assim dispõe (art. 356, § 5º, do CPC/2015), mas também porque a decisão interlocutória de mérito é apta a formar a coisa julgada material. Nesse sentido, caso o interessado não interponha o recurso cabível, ocorrerá o trânsito em julgado referente aquela decisão. 3.3 Rejeição da alegação de convenção de arbitragem O agravo de instrumento também é o recurso cabível contra a decisão interlocutória que rejeita a alegação de convenção arbitral porque, muito embora não possa ser reconhecida de ofício (art. 330 do CPC/2015), a existência de convenção de arbitragem para resolução de determinado conflito importa em renúncia das partes à jurisdição estatal, em favor da jurisdição arbitral. Com efeito, se é possível que exista convenção de arbitragem, já que foi alegada pela parte, é necessário que o tribunal possa imediatamente apreciar a questão, sob pena de permitir que o processo prossiga em primeiro grau sem haver jurisdição. Ou seja, reconhecendo-se no tribunal que a arbitragem havia sido eleita pelas partes, ter-se-á perdido tempo e recursos financeiros, já que os atos praticados pelo Poder Judiciário, desprovido, no caso concreto, de jurisdição, serão juridicamente inexistentes. O cabimento do agravo de instrumento, pois, tem por finalidade solucionar imediatamente a discussão tocante à existência ou inexistência de convenção de arbitragem e, pois, definir se os membros do Poder Judiciário têm poder para aplicar o direito àquele caso concreto, ou seja, se têm jurisdição. 3.4 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tratado em
capítulo próprio, objetiva constituir a responsabilidade do sócio (ou da sociedade, na desconsideração inversa), havendo em fraude à execução todos os atos de alienação ou oneração de bens entre sociedade e sócio (art. 137). Nessa hipótese, há, ao que nos parece, haver cumulação de pedidos em um mesmo processo. Um de natureza condenatória, voltada contra a sociedade; outro, de natureza constitutiva, voltada contra o sócio. Por isso, assim como se admite o recurso de agravo quando a decisão interlocutória percute o mérito, também se mostra razoável solucionar de imediato o aludido incidente. Bem por isso, aliás, é que se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica for formulado na própria petição inicial, o que dispensa a formação do incidente (cf. art. 134, § 2º), também será cabível o agravo de instrumento, com fundamento no art. 1.015, II. Ao lado disso, vê-se certa urgência no rejulgamento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, já que, como dito, dessa forma se constitui a responsabilidade patrimonial, com caracterização de fraude à execução. Assim, para dar segurança jurídica às partes, sobretudo no que tange à fraude à execução, optou-se por admitir o agravo de instrumento. 3.5 Rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação A decisão que acolhe o pedido de revogação ou rejeita o pedido de gratuidade da justiça também é impugnável por agravo de instrumento. Como a falta de recolhimento das despesas processuais importará em impossibilidade de prosseguimento do processo (falta de pagamento das custas) ou da realização de determinados atos processuais (o não pagamento dos honorários periciais, por exemplo, impedem a realização dos trabalhos
pelo auxiliar do juízo), é indubitável que a questão seja desde logo solucionada, sob pena de caracterizar verdadeira ofensa ao acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Paralelamente, concedida a isenção em questão, o beneficiário poderá praticar todos ou alguns atos do processo de maneira gratuita, interessando à parte contrária que será restabelecida a obrigatoriedade de recolhimento, sobretudo se for vitoriosa, caso em que serão devidas as despesas processuais adiantadas e os honorários de sucumbência. Por isso, mostra-se necessária a pronta solução da questão. Essa hipótese, aliás, está prevista também no art. 100 do CPC/2015. E, nos termos do § 1º do art. 101 do CPC/2015, o agravante estará dispensado do recolhimento de custas até o julgamento do pedido de gratuidade. Sendo negado o pedido, o agravante terá o prazo de 5 dias para recolher as custas processuais (art. 101, § 2º, do CPC/2015). É preciso destacar, todavia, que o benefício tratado pelo art. 101, § 1º, não se aplica apenas ao agravo de instrumento que objetiva a reforma ou invalidação da decisão interlocutória que indefere o pedido de concessão do benefício. Pelo contrário, sempre que o recorrente requerer a concessão do benefício, ainda que não seja esse o objeto do recurso, ser-lhe-á lícito deixar de recolher o preparo, tendo o ônus de fazê-lo apenas após o julgamento do pedido de gratuidade. Com efeito, se, por hipótese, a situação de hipossuficiente financeira da parte surge apenas após a prolação da sentença (daí por que nunca requereu o benefício em primeiro grau), poderá ele requerer a concessão da medida no bojo da apelação, ainda que não tenha havido decisão a esse respeito em primeiro grau.
3.6 Exibição ou posse de documento ou coisa O incidente de exibição está previsto nos arts. 396 a 400 do CPC/2015 e da decisão que resolve o incidente, cabe agravo de instrumento. Como o objetivo da exibição de documento ou coisa é a colheita de elementos de prova para a formação da convicção do juízo, quis o legislador que a questão fosse imediatamente solucionada. 3.7 Exclusão de litisconsorte Aqui, assim como a decisão de mérito prevista no inciso II, a exclusão de litisconsorte é impugnável por agravo de instrumento porque ela não põe fim à fase cognitiva do processo, mas apenas extingue o processo com relação a um dos litisconsortes. Ou seja, o processo, em si, não tem uma fase encerrada, mas para um dos litisconsortes haverá o “fim” do processo. A necessidade de apreciação da matéria pelo tribunal durante o curso do processo é imprescindível porque a formação do litisconsórcio, como diz Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1068, está diretamente ligada às condições da ação e, portanto, o juiz não poderá proferir sentença, posteriormente, sem saber a quem seus efeitos irão alcançar. Além disso, Fredie Didier Jr. pontua que “aguardar a sentença conspiraria contra o princípio da duração razoável do processo e contra o princípio da eficiência”1069. 3.8 Rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio Tratando-se de litisconsórcio facultativo simples, admite o Código que haja a sua limitação, a fim de garantir a celeridade processual (art. 113, § 1º). Nessa hipótese, rejeitado o pedido de exclusão do litisconsórcio, é imprescindível o cabimento de recurso de imediato, pois, do contrário, o processo prosseguirá em primeiro grau, com produção de provas e com a
manifestação das múltiplas pessoas que integram os polos da demanda. Com isso, quando do julgamento da apelação, a celeridade processual já restará prejudicada, sendo de pouca utilidade a limitação do litisconsórcio apenas em grau recursal. O mesmo não ocorre com a decisão que admite a limitação, sendo possível ser alegada apenas em sede de preliminar de apelação ou em contrarrazões. 3.9 Admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros A admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros guarda estrita relação com o que foi dito sobre a exclusão de litisconsorte. A agilidade exigida para que a matéria seja apreciada pelo tribunal decorre da necessidade de que o procedimento em primeiro grau se desenvolva já contando com as partes e os terceiros intervenientes. É dizer: atentaria contra a celeridade e economia processual que o pedido chamamento ao processo, por exemplo, fosse reapreciado apenas quando do julgamento da apelação, caso em que o provimento do apelo demandaria anulação da sentença e de todos os atos anteriores, a fim de que o chamado pudesse exercer o contraditório1070. 3.10 Concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução O efeito suspensivo nada mais é que espécie de tutela provisória concedida ao executado, quando se opõe à execução. Referida decisão é inquestionavelmente traumática às partes. Se concedido o dito efeito, ficam obstados os atos de expropriação de bens, a despeito da existência de título em favor do exequente (embargado); se indeferido o pedido, prosseguir-se-á a execução que, na visão do embargante, será injusta
ou ilegal. Por isso, ainda que o inciso X do art. 1.015 não previsse o cabimento do agravo nessa hipótese, incidiria o inciso I do mesmo dispositivo1071. 3.11 Redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º A redistribuição do ônus da prova, assim como o inciso VI, tem relação direta com a produção de provas. Nesse sentido, a decisão que determina a inversão do ônus da prova pode acarretar grave prejuízo à parte e, por isso, deve ser discutida no curso do processo. Além disso, o fato de alterar a regra geral prevista no art. 373 do CPC/2015, que prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto aos fatos constitutivos do seu direito, e ao réu, quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, a inversão do ônus da prova com base nas peculiaridades do caso concreto deve ser impugnável por agravo de instrumento, justamente porque, como em outras hipóteses, impedir que o interessado interponha agravo de instrumento para requerer a discussão do tema pelo tribunal, postergando a análise sobre a redistribuição apenas para a sentença, acarretaria a inutilidade do processo. 3.12 Outros casos expressamente referidos em lei O inciso XII trata especificamente dos casos em que a própria lei determina que o recurso cabível contra determinada decisão é o agravo de instrumento. Esse permissivo é apenas uma forma de não criar conflitos com leis extravagantes que já preveem o agravo de instrumento como o recurso cabível em determinadas situações. É, por exemplo, o caso da decisão que aprecia o pedido de liminar em
mandado de segurança, contra a qual é cabível o agravo de instrumento, na forma do art. 7º, § 1º, da Lei n. 12.016/2009. 3.13 Decisões interlocutórias proferidas em fase de liquidação de sentença ou cumprimento de sentença, bem como no processo de execução ou inventário O processo de execução e a fase de cumprimento de sentença têm finalidade única, isto é, a satisfação do credor (cf. Capítulo LXXV), já que pressupõem a existência de título executivo. Não há, portanto, o acertamento do direito, razão pela qual, no mais das vezes, sequer há apelação. Ao lado disso, questões incidentes havidas no curso da execução devem ser apreciadas de imediato, já que o procedimento objetiva apenas a satisfação do credor. Quando se trata, por exemplo, de execução por expropriação, é impensável cogitar de a discussão tocante à penhorabilidade de determinado bem ter lugar apenas em caso de interposição de apelação. A liquidação, que será melhor analisada no Capítulo LXXVI, não constitui fase própria do processo, daí por que não há falar em sentença. Com efeito, requisito prévio à instauração da fase de cumprimento de sentença, propriamente dita, é a liquidação do título. Por isso, todas as questões incidentes devem ser solucionadas pelo tribunal de imediato, já que incabível a apelação, sem prejuízo do fato de que a solução apenas posterior das controvérsias importaria em inequívoca violação à celeridade e à economia processual. Na mesma linha, admite-se o agravo de instrumento no procedimento de inventário porque seu objetivo é a extinção do espólio, com o pagamento das dívidas do falecido e a divisão de seus bens entre seus sucessores causa mortis.
Seria, pois, de todo inadequado aguardar o julgamento da apelação para que as decisões interlocutórias pudessem ser reapreciadas, sobretudo porque, com isso, muitos atos necessitariam ser refeitos, caso a decisão interlocutória fosse revista ou anulada. 4. Procedimento O agravo de instrumento é interposto diretamente junto ao tribunal (art. 1.016 do CPC/2015), o que, já comentamos, afastou qualquer dúvida acerca da responsabilidade pela formação do instrumento com as peças essenciais estabelecidas no art. 1.017 do CPC/2015 (requisito de regularidade formal), que, hoje, é inequivocamente do agravante. Sendo dispensada a juntada das peças obrigatórias quando o recurso se originar de processo que tramita na forma eletrônica (art. 1.017, § 5º, do CPC/2015). No bojo do recurso de agravo de instrumento, deverá conter o nome das partes, ser expostos os fatos e os fundamentos de direito, bem como as razões que sustentam o inconformismo com a decisão impugnada (princípio da dialeticidade, já comentado) e o pedido de nova decisão. Esse pedido poderá ser de anulação da decisão agravada (se eivada de error in procedendo) ou de sua reforma (se maculada por error in judicando). É o que estatuem os incisos do art. 1.016 do CPC/2015. Devem ser, também, declinados o nome e o endereço completo dos advogados que funcionam no processo (art. 1.016, IV, do CPC/2015). Vimos anteriormente que o órgão do Ministério Público é parte legítima para recorrer, quer atue como parte, quer funcione como fiscal da lei, segundo o que dispõe o art. 996 do CPC/2015. Pois bem. Resta saber se, no âmbito do Ministério Público estadual, compete ao promotor de justiça, que
atua em primeiro grau, ou ao procurador de justiça, que atua em segunda instância, interpor recurso de agravo de instrumento. Afigura-se-nos, a propósito, correto o escólio de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1072, no sentido de que, nos termos da interpretação extensiva da do art. 32, I, da Lei Orgânica do Ministério Público (Lomp – Lei n. 8.625/93), é ao promotor de justiça que compete agravar de instrumento, até porque, como dizem com inteira pertinência, exigir o contrário equivaleria a “conspirar contra a lógica, o bom senso e a economia processual, sem que se possa vislumbrar algum proveito prático dessa exigência, porquanto a tarefa deve ser atribuída ao Promotor de Justiça, órgão do MP que atua no primeiro grau de jurisdição, no qual foi proferida a decisão de que se pretende agravar”1073. O art. 1.017 do CPC/2015, já referido, trata das peças que obrigatoriamente deverá conter o instrumento, que são: (1) cópia da petição inicial, da contestação e da petição que ensejou a decisão agravada, (2) a cópia da própria decisão agravada; (3) cópia da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade; (4) cópias das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; e (5) eventual declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos anteriormente (art. 1.017, II, do CPC/2015)1074. Todavia, o instrumento poderá ser instruído com outras peças que o agravante repute convenientes à apreciação do recurso pelo tribunal (art. 1.017, III, do CPC/2015). A despeito de a lei elencar somente essas peças como sendo obrigatórias, a formação deficiente do instrumento, de maneira que comprometa a compreensão do problema, pode acarretar o não conhecimento do agravo, ainda que todas as peças necessárias estejam presentes. Esta é a opinião de
Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1075, e que reputamos correta, eis que, na hipótese de autos físicos, o tribunal não tem acesso aos autos, somente às peças que formaram o instrumento. Sendo assim, deverá o recorrente analisar quais são as peças necessárias para que o julgador possa compreender a controvérsia e tenha elementos suficientes para decidir. Não existindo no agravo de instrumento elementos suficientes para o julgamento, o recurso não será admitido por irregularidade formal. Todas as peças que devem instruir o agravo devem acompanhá-lo no momento de sua interposição, não se admitindo sua juntada posterior. O Supremo Tribunal Federal já sumulou entendimento análogo, tratando especificamente da hipótese de agravo contra decisão que negue provimento a recurso extraordinário, segundo a Súmula 288: “Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia”. Diante da instituição dos processos eletrônicos, o agravante está dispensado da instrução do agravo de instrumento com as peças obrigatórias quando os autos do processo principal tramitarem eletronicamente, conforme estatui o § 5º do art. 1.017 do CPC/2015. Portanto, há de se falar em inadmissibilidade do agravo de instrumento pela ausência de peças obrigatórias quando o processo tramitar fisicamente, tendo em vista que o tribunal não terá acesso aos autos que tramitam na primeira instância. Já com relação aos autos eletrônicos, o amplo acesso ao tribunal afasta a obrigatoriedade de instrução do agravo de instrumento com as peças obrigatórias, sendo facultado a apresentação de peças que entender como úteis para a compreensão da controvérsia.
No entanto, sendo do agravante a responsabilidade pela instrução do agravo de instrumento, que hoje é interposto diretamente junto ao tribunal (art. 1.016 do CPC/2015), constata-se que o destinatário da norma do art. 1.017 do CPC/2015 é o agravante, e não mais o serventuário de justiça, de modo que, faltante qualquer peça essencial dentre as previstas no inciso I do art. 1.017 do CPC/2015, há de se concluir que falta ao agravo de instrumento o requisito de regularidade formal, o que deve conduzir a um juízo de admissibilidade negativo (= não conhecimento do recurso). Importante consignar que as razões de agravo, acompanhadas das peças obrigatórias e facultativas, mais o comprovante do pagamento das custas e do porte
de
retorno,
deverão
ser
apresentados
(quando
devidos)
simultaneamente, sob pena de preclusão consumativa e inviabilização do conhecimento do agravo de instrumento. A exigência de juntada do comprovante de pagamento das custas e do porte de retorno vem prevista no § 1º do art. 1.017 do CPC/2015, segundo a regra geral hoje vigente do preparo concomitante à interposição do recurso (art. 1.007 do CPC/2015), aplicando-se, no entanto, as regras previstas nos §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015, para que, antes de ser decretada a deserção do recurso, o agravante seja intimado para complementar as custas ou recolher as custas em dobro1076. Já referimos anteriormente, cumpre lembrar, que os Estados federados podem
dispensar
determinados
recursos
do
pagamento
da
taxa
correspondente ao preparo. Era esse o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo, cuja Lei n. 4.952/85 nada dispunha acerca do preparo no caso de recurso de agravo de instrumento. Com o advento da Lei paulista n. 11.608/2003, que regulamentou as taxas judiciárias incidentes sobre os
serviços públicos de natureza forense no Estado de São Paulo, a petição do agravo de instrumento passou a dever ser instruída com o comprovante do pagamento da taxa judiciária correspondente a 10 Ufesp, nos termos do § 5º do art. 4º do aludido diploma legal. O art. 1.018, § 2º, do CPC/2015 exige que cópia do agravo de instrumento seja
protocolizada,
em
primeira
instância,
nos
processos
físicos,
acompanhada do comprovante de sua interposição, e com a relação de documentos que tiverem instruído o recurso, no prazo de 3 dias a contar da interposição do recurso. Colima esse dispositivo ensejar ao juiz de primeiro grau a possibilidade de se retratar, tomando conhecimento do agravo interposto contra sua decisão. É oportuno repisar, conforme já dissemos linhas atrás, que antes da retratação no agravo de instrumento, o contraditório deve ser respeitado, para que o juiz se retrate. Retratando-se o juiz da decisão impugnada, isso deverá, como visto, conduzir a que o relator dê por prejudicado o agravo de instrumento (art. 1.018, § 1º, do CPC/2015). O não cumprimento do disposto no § 2º do art. 1.018 deve conduzir ao não conhecimento do recurso, se isso vier a ser alegado e comprovado pelo agravado (art. 1.018, § 3º, do CPC/2015). Segundo orientação do STJ, o momento em que o agravado deve alegar e comprovar o descumprimento das providências do art. 1.018 do CPC/2015 dá-se por ocasião do oferecimento das contrarrazões de agravo1077. Além disso, o descumprimento do art. 1.018, § 2º, do CPC/2015, deve ser alegado e provado exclusivamente pelo agravado, não se admitindo que o Ministério Público o faça, por exemplo, quando atua na qualidade de fiscal da lei1078. Trata-se, portanto, de requisito de admissibilidade, já que o § 3º do art. 1.018 do CPC/2015 é claro no sentido de que, não cumprido o determinado na cabeça do dispositivo, isso
conduzirá à inadmissibilidade do agravo. A regra geral, como já apontado em diversas passagens, é que os requisitos de admissibilidade constituam matéria cognoscível de ofício, de tal sorte que a ausência de qualquer deles pode (deve) ser reconhecida de ofício, isto é, independentemente de provocação do interessado. Todavia, no que diz respeito especificamente ao que consta do art. 1.018 do CPC/2015, é de se notar que o § 3º do precitado artigo é claro no sentido de que o descumprimento do disposto na cabeça do preceito só levará ao não conhecimento do recurso se isso vier a ser alegado e comprovado pelo agravado1079. Cabe, neste passo, analisar como é o processamento do agravo de instrumento no tribunal. Será o recurso distribuído imediatamente, sorteandose relator assim que o recurso tiver dado entrada no tribunal1080. Não sendo o caso de negar seguimento ou provimento liminarmente ao agravo de instrumento (hipóteses do art. 932, II e IV, do CPC/2015)1081, o relator deverá tomar as providências dos incisos I a III do art. 1.019 do CPC/2015. Ordenará a intimação do agravado para que responda ao agravo de instrumento no prazo de 15 dias, pessoalmente por carta com aviso de recebimento caso não tenha procurador constituído, ou por carta dirigida ao seu advogado ou pelo Diário de Justiça, facultando-lhe juntar as peças que entender convenientes (art. 1.019, II, do CPC/2015). Ultimadas as providências dos incisos I a II do art. 1.019 do CPC/2015, o relator, se for o caso, requisitará a manifestação do Ministério Público para que se pronuncie no prazo de 15 dias (art. 1.019, III, do CPC/2015). O relator deve, ainda, solicitar dia para o julgamento em prazo não superior a 1 mês da intimação do agravado (art. 1.020 do CPC/2015). 5. O agravo e o efeito suspensivo
Efeito suspensivo do recurso é o efeito apto a impedir que a decisão produza efeitos, desde o momento em que a decisão estiver sujeita ao recurso dotado desse efeito até o momento em que seja proferida a decisão objetivada pelo recurso, ou seja, até o julgamento do recurso. Importante frisar, como se vê da definição acima estampada, que o efeito suspensivo é um atributo da recorribilidade e não propriamente do recurso. Ou, por outras palavras, não é o recurso que suspende os efeitos, mas o fato de a decisão estar sujeita a recurso dotado de efeito suspensivo (recorribilidade por recurso dotado de efeito suspensivo). O agravo, porém, não é originariamente dotado de efeito suspensivo (arts. 1.019, I, e, contrario sensu, 995 do CPC/2015). Porém, poderá lhe ser atribuído esse efeito suspensivo, nas hipóteses do art. 1.012, § 4º, do CPC/2015. Dito dispositivo consagra algumas hipóteses específicas em que o agravo poderá ser dotado de efeito suspensivo (exceções à regra geral, tais como casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens etc.), além de permitir que o agravo de instrumento seja dotado de efeito suspensivo em todos os casos em que a implementação imediata da decisão puder causar, ao agravante, lesão grave e de difícil reparação, desde que relevantes os fundamentos do pedido. O que se vê, portanto, é que há uma regra geral: o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo (“os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso” – art. 995 do CPC/2015). Excepcionalmente, o relator pode atribuir efeito suspensivo ao agravo sempre que houver perigo de grave lesão, sendo relevante a fundamentação, desde que demonstrada a probabilidade do provimento do recurso.
Os tribunais, de modo geral, já admitiam, mesmo antes da Lei n. 10.352/2001 que alterou o CPC/73, que o relator pudesse não apenas conceder efeito suspensivo, como no caso de a decisão de primeiro grau ser negativa, mas também antecipar no agravo os efeitos da pretensão recursal. Em acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, datado de 1997, prolatado, portanto, à luz do CPC/73, e relatado pelo eminente Professor e Desembargador Federal Newton de Lucca1082, já se falava expressamente em “antecipação da tutela recursal”. Também sob o enfoque da isonomia não se justificava permitir que aquele em detrimento do qual tivesse sido concedida a decisão pudesse pleitear liminarmente a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, mas que providência semelhante não fosse possível de ser utilizada por aquele que tivesse tido a providência solicitada denegada. Tratava-se, em última análise, da solução mais isonômica para o problema, segundo entendemos, em última análise, atribuir efeito suspensivo ao recurso também significa uma forma de antecipação de tutela recursal1083. O CPC/2015, assim como a Lei n. 10.352/2001 que alterou o CPC/73, colocou fim a qualquer espécie de discussão, autorizando expressamente o relator a deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (art. 1.019, I, do CPC/2015). 6. Outras considerações Assunto que envolve alguma dúvida consiste em saber o que se há de fazer com o agravo de instrumento se ele não for julgado antes da apelação e se julgada essa com trânsito em julgado. Essa problemática era possível, na sistemática do CPC/73, uma vez que o agravo de instrumento não é, via de regra, dotado de efeito suspensivo. No entanto, o CPC/2015 prevê em seu art. 946 a obrigatoriedade do julgamento do agravo de instrumento antes do
recurso de apelação. Nesse sentido, sobre a formação da coisa julgada, afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “ainda que não tenha havido preclusão da sentença, não impugnada por apelação, a decisão interlocutória anterior a ela, impugnada por agravo, obsta que se forme sobre a sentença de mérito a coisa julgada material: houve preclusão da faculdade de impugnar-se a sentença que, entretanto, não fica acobertada pela auctoritas res judicatae, pois proferida sub conditione de agravo pendente ser desprovido”1084. No entanto, a hipótese que se discute é quando temos que o agravo de instrumento, pendente de julgamento, que foi proferida sentença no processo originário contra o qual não foi interposto recurso de apelação. Eventualmente, poderá ter havido perda de objeto do agravo por carência superveniente de interesse recursal. É o que se passa quando o agravo pendente, por exemplo, tiver sido interposto contra decisão que conceda ou denegue pedido de antecipação de tutela. Conforme já tivemos oportunidade de sustentar em outro trabalho de nossa autoria1085, o agravo contra a decisão antecipatória de tutela perde seu objeto com a sentença (= há carência superveniente de interesse recursal). Da mesma forma, o agravo contra a decisão que denega a antecipação de tutela perde seu objeto com a posterior sentença1086. Deveras, a sentença posterior, proferida após cognição exauriente do feito, absorve a decisão antecipatória de tutela1087, fazendo com que desapareça o interesse em cassá-la ou desapareça o interesse em obter a antecipação denegada em primeira instância1088. É de ser referido, contudo, julgado prolatado pela Corte Especial do STJ no sentido de que se houver agravo pendente contra decisão concessiva de antecipação de tutela e sobrevier
sentença de procedência superveniente, não há que se falar em perda do objeto do agravo, uma vez que o resultado do julgamento desse agravo poderá influir nos efeitos da apelação1089.
XL RECURSO DE AGRAVO INTERNO
1. Definição e hipóteses de cabimento O recurso de agravo interno está previsto no art. 1.021 do CPC/2015 e é uma das espécies de agravo. Cabe contra a decisão monocrática proferida pelo relator, pugna-se, no agravo interno, pela apreciação da matéria pelo órgão colegiado. Trata-se de uma forma de garantir a aplicação do princípio da colegialidade. Ou seja, que as decisões de segunda instância (ou superiores) sejam proferidas por órgãos colegiados e não por juízes monocráticos. O agravo interno, como afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, substituiu o agravo regimental, criado no âmbito dos tribunais, “sem autorização constitucional para tanto (CF 22 I)”1090. Ocorre que, como será tratado em capítulo próprio, ampliaram-se os poderes do relator como forma de valorizar os precedentes e garantir a economia processual e a duração razoável do processo. Explica-se. O art. 932, III e IV, do CPC/2015 garante ao relator a possibilidade de não conhecer ou negar provimento ao recurso monocraticamente. Isso significa que o recorrente não terá seu recurso apreciado pelo órgão colegiado. Por
esse motivo, a ampliação dos poderes do relator implica diretamente no aumento do objeto do agravo interno, uma vez que, sendo maiores as possibilidades do relator proferir decisão monocrática, maior a possibilidade de a parte interpor recurso para pleitear a apreciação da matéria pelo colegiado. Fredie Didier Jr. exemplifica algumas hipóteses de cabimento do agravo interno, confira-se: “a) o art. 39 da Lei n. 8.038/90 expressamente prevê essa possibilidade; b) decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal que negar seguimento a recurso extraordinário que trate de controvérsia a que o Supremo Tribunal Federal tenha negado a repercussão geral (art. 1.030, I, ‘a’ e § 2º, CPC); c) decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal que negar seguimento a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão em conformidade com o precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva (art. 1.030, I, ‘a’, e ‘b’, e § 2º, CPC); d) decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal que sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida por tribunal superior (art. 1.030, III, e § 2º, CPC); e) decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal que indeferir o requerimento a que alude o § 6º do art. 1.035 do CPC (art. 1.035, § 7º, CPC); f) decisão do Presidente ou Vice-Presidente de tribunal que indeferir o requerimento a que alude o § 2º do art. 1.036 do CPC (art. 1.036, § 3º, CPC); g) o art. 1.070 do CPC, que cuida da unificação do prazo do agravo interno, fala em ‘outra decisão unipessoal’ proferida em tribunal (além da do relator)”1091. Prevendo a possibilidade de multiplicidade de recursos de agravo interno, o § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 prevê a imposição de multa quando o agravo interno for manifestamente inadmissível ou improcedente, sendo que
a interposição de outro recurso fica condicionada ao depósito prévio do valor da multa, que pode ser ficada entre 1 a 5% do valor da causa, exceto quando o recorrente for a Fazenda Pública ou beneficiário da justiça gratuita (art. 1.021, § 5º, do CPC/2015). O agravo interno será recebido, via de regra, apenas no efeito devolutivo (art. 995 do CPC/2015) e deverá ser interposto no prazo de 15 dias (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015). O prazo para interposição do recuso inicia-se a partir da publicação da decisão do relator no órgão oficial1092. Com relação ao prazo de interposição do recurso, apesar de o CPC/2015 ser posterior ao regimento interno do STF, o art. 317 do RISTF prevê o prazo de 5 dias para interposição do recurso de agravo regimental – chamado interno pelo CPC. No entanto, conforme afirma Fredie Didier Jr., o prazo de interposição do recurso é de 15 dias, uma vez que “os regimentos internos dos demais tribunais do país não possuem força de lei e, por isso mesmo, já teriam de adaptar-se aos prazos do novo CPC”1093. 2. Procedimento O agravo interno, diferentemente do agravo de instrumento, é interposto nos autos do recurso, e por isso independe de preparo. A petição deve ser dirigida ao relator, impugnando especificadamente os fundamentos da decisão agravada. Recebido o recurso, o relator intimará o agravado para apresentar manifestação no prazo de 15 dias, podendo haver juízo de retratação após a apresentação de resposta e, em não havendo retratação, o recurso deverá ser incluído em pauta para julgamento pelo órgão colegiado (art. 1.021, § 2º, do
CPC/2015). Cabe sustentação oral no julgamento de agravo interno contra decisões do relator que extingam processos de competência originária (art. 937, § 3º, do CPC/2015). Ao julgar improcedente o agravo interno, é vedado ao relator limitar-se a reprodução dos fundamentos da decisão agravada (art. 1.021, § 3º, do CPC/2015). O agravo interno não se sujeita a regra de observância da ordem cronológica de conclusão, prevista no art. 12, § 2º, VI, do CPC/2015. Afirma Fredie Didier Jr.1094 que a exceção é justificável porque ele já foi julgado e apenas leva a questão para a revisão do colegiado. O art. 1.024, § 3º, do CPC/2015 prevê a aplicação da fungibilidade recursal entre os embargos de declaração e o agravo interno, como já tratado no capítulo sobre teoria geral dos recursos. Entendendo que o recurso cabível contra a decisão é o agravo interno, o órgão julgador poderá vir a conhecer dos embargos como agravo interno, determinando que o recorrente adeque seu recurso, no prazo de 5 dias, para então, determinar a intimação do recorrido.
XLI RECURSO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
1. Natureza e cabimento Os embargos declaratórios estão previstos como modalidade recursal no art. 994, IV, do CPC/2015. Entretanto, a doutrina discute se esta seria a real natureza dos embargos de declaração, pois vários autores apontam uma série de requisitos inerentes aos recursos, que estariam ausentes nos embargos de declaração. Vejam-se os argumentos destes doutrinadores. Alexandre de Paula1095, renomado anotador do Código de Processo Civil, sustenta que os embargos declaratórios não possuem natureza recursal porque são julgados pelo próprio juízo a quo, neles se pleiteando o reexame do julgado e não a sua alteração. Além disso, não está sujeito a preparo. O autor diz que, na realidade, os embargos declaratórios possuem natureza de incidente processual. Barbosa Moreira1096 também entende que os embargos de declaração não possuem natureza recursal; entretanto, salienta que foi opção do legislador encartá-los como recurso, opção que deve ser respeitada. De outro lado, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1097 atribuem natureza jurídica
de recurso aos embargos de declaração, os quais, para esses autores, por isso mesmo, se sujeitam aos requisitos de admissibilidade próprios dos recursos. José Frederico Marques também diz que os embargos constituem recurso, pois “existe nos embargos de declaração pedido de reparação de gravame resultante de obscuridade, contradição ou omissão”1098. Considera-se mais correto o posicionamento adotado por estes últimos autores, no sentido de reconhecer natureza recursal aos embargos de declaração, eis que vem ele previsto no rol de recursos do Código de Processo Civil, e o fato de prescindir de alguns dos elementos encontráveis nos recursos em geral não é suficiente para descaracterizar sua natureza, pois não é necessário que todas as características usualmente identificáveis nos recursos estejam presentes em todos os recursos. O fato de ser o mesmo juízo o competente para julgar o recurso também não lhe retira a natureza recursal, pois não é imprescindível que o recurso seja julgado por órgão diferente daquele que profere a decisão para definir a natureza recursal de determinado instituto. Feitas essas considerações iniciais, passa-se a estudar as características peculiares deste recurso e as suas hipóteses de cabimento. Os embargos declaratórios, prescreve o art. 1.022, I, têm cabimento contra qualquer decisão judicial, para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição. Também têm cabimento para suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual deveria ter havido pronunciamento de ofício ou a requerimento (art. 1.022, II, do CPC/2015). O CPC/2015 estatui outra hipótese ainda de cabimento de embargos de declaração objetivando corrigir erro material (art. 1.022, III, do CPC/2015). Mesmo antes do advento do CPC/2015, já preponderava o entendimento
de que fundado nas hipóteses dos incisos I e II, era possível requerer ao juiz a correção do erro material proferido da decisão. Também antes do advento do CPC/2015, o art. 48 da Lei n. 9.099/95 previa a oposição de embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houvesse obscuridade, contradição, omissão ou dúvida. Pela literalidade do dispositivo, cabiam embargos de declaração de “dúvida” existente na sentença ou no acórdão. Porém, quando se tratou dos Juizados Especiais, afirmou-se que a hipótese de “dúvida” deve ser interpretada da forma como já se entendia o art. 1.022, I, do CPC/2015. O CPC/2015 alterou o art. 48 da Lei n. 9.099/95 para dispor que os embargos de declaração são cabíveis nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil. O artigo, em questão, em primeiro lugar, prevê o cabimento dos embargos em caso de obscuridade ou contradição, para depois, sua utilização objetivando suprir ponto ou questão não solucionada e, por fim, para corrigir erro material. Deve entender por obscuridade a falta de clareza na decisão judicial, de modo que não se poderá ter certeza daquilo que foi decidido. Barbosa Moreira diz que existem vários graus de obscuridade, desde a simples ambiguidade até a completa ininteligibilidade da decisão, mas em qualquer das hipóteses os embargos são cabíveis1099. A contradição se verifica quando a decisão apresenta partes incongruentes, como, por exemplo, se reconhecer a inadmissibilidade de um recurso e logo após julgar-lhe o mérito. Ressalte-se, porém, que a contradição deve ser sempre interna ao julgado, como já decidiu o STJ: “A contradição que autoriza os embargos de declaração é aquela interna ao acórdão, verificada entre a fundamentação do julgado e a sua conclusão, e não aquela que possa existir, por exemplo, com a prova dos autos”1100.
A omissão, explica Barbosa Moreira1101, passível de embargos de declaração, refere-se às questões de fato e de direito relevantes para o julgamento que não tenham sido apreciadas pelo magistrado, sejam aquelas suscitadas pelas partes ou examináveis de ofício. O CPC, ademais, prevê no parágrafo único do art. 1.022 que: “Considera-se omissa a decisão que: I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º”. O art. 489, por sua vez, trata dos elementos essenciais da sentença, sendo que o § 1º estatui em quais hipóteses a decisão judicial não é considerada fundamentada. Trata-se, portanto, de hipóteses de omissão quando a decisão limita-se a indicar, reproduzir ou parafrasear o ato normativo, sem explicar sua aplicação ao caso concreto; emprega conceitos jurídicos indeterminados sem aplicá-los ao caso concreto; invoca motivos que se prestariam a qualquer outra decisão; limita-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar os fundamentos que fazem com que ele incida no caso concreto; e deixa de seguir os precedentes já consolidados sem demonstrar a distinção do caso concreto com o precedente invocado. Há erro material (art. 494, I, e 1.022, III) quando existe uma desconformidade evidente entre o pensamento do juiz e o que restou decidido. Por exemplo, o juiz condena o réu a pagar x mil cruzeiros, quando a moeda de curso forçado no País hoje é o real. Sendo caso de erro material, cabem embargos declaratórios, mas, se superado in albis o prazo de oposição dos embargos, nem por isso o erro material deixa de poder ser levantado, já que pode sê-lo a qualquer tempo, por simples petição, ou mesmo ex officio. Na verdade, a parte da decisão maculada por erro material não transita sequer
em julgado. Esse o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, no sentido de que, “mesmo depois de transitada em julgado a sentença, o juiz pode corrigi-la dos erros materiais e de cálculo de que padece. Pode fazê-lo ex officio ou a requerimento da parte ou interessado”1102. Vejamos um julgado do STF, proferido sob a vigência do CPC/73, a propósito do assunto: “Embargos de declaração recebidos para, em corrigindo erro material, declarar a tempestividade do recurso extraordinário, que fora dado por intempestivo pelo acórdão embargado, têm como consequência necessária, nos termos do art. 338 do RI, a apreciação do recurso”1103. O que se nota, pois, é que os embargos declaratórios visam a integrar ou a aclarar a decisão embargada, bem como corrigir (no caso do erro material), porém não visam à substituição da mesma, como ocorre, por exemplo, com o recurso de apelação (art. 1.008 do CPC/2015). Os embargos declaratórios, dessa forma, podem ser utilizados para suprir a falha de uma decisão infra petita (aquém do pedido), para que o juiz ou o tribunal se pronuncie sobre o que tiver faltado. Poderão ser, ainda, eventualmente, utilizados contra decisões ultra ou extra petita, desde que exista obscuridade ou contradição a ser resolvida. Consolidando o entendimento da doutrina1104 e da jurisprudência1105, que, quase unanimemente, entendiam, à luz do CPC/73, o cabimento dos embargos declaratórios para corrigir obscuridade ou contradição de decisão interlocutória, o CPC/2015 dispõe no caput do art. 1.022 que cabem embargos declaratórios contra qualquer decisão judicial. Nesse sentido, afastou divergência que pudesse ter existido durante a vigência do CPC/73 diante da falta de clareza da norma prevista no seu art.
535. Já se defendia o cabimento dos embargos declaratórios contra decisões interlocutórias concordando com posição encampada por Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista1106, segundo a qual os embargos de declaração são cabíveis, tendo em vista o fim a que se destinam, não só contra sentenças e acórdãos, como também contra decisões interlocutórias e despachos, e isso ocorre por diversas razões, sejam de ordem prática, de bom senso, de celeridade e economia processual – basta que se trate de ato judicial, não sendo possível, por exemplo, a interposição de embargos declaratórios tendo em vista o laudo de perito. Araken de Assis, no mesmo sentido, defende o cabimento dos embargos de declaração contra os despachos definidos no art. 203, § 3º, do CPC/2015. Diz o autor: “O fato de o despacho não provocar gravame às partes não o isenta dos defeitos do art. 1.022, I a III. Por exemplo: o juiz designa audiência de instrução e julgamento para certo dia, mas o provimento omite a hora da solenidade. Evidentemente, os embargos de declaração se prestam a corrigir a omissão”1107-1108. Os embargos de declaração sujeitam-se, como os demais recursos, à verificação dos requisitos de admissibilidade, que, se resultar positiva, permite a análise do mérito. O tribunal, por exemplo, pode não conhecer dos embargos de declaração por serem intempestivos, não chegando a analisar o mérito do recurso. Observe-se que o prazo para oposição dos embargos declaratórios é de cinco dias, contados da data da intimação da decisão (art. 1.023 do CPC/2015), sendo que o prazo para litisconsortes com advogados de escritórios diferentes é em dobro, ressalvada a hipótese de autos eletrônicos (art. 229 do CPC/2015).
O requisito do preparo não é exigido para a oposição dos embargos de declaração (art. 1.023 do CPC/2015), pelo que não há falar em deserção. Tendo sido conhecidos os embargos e, proferida nova decisão, esta também pode estar eivada de alguma obscuridade, contradição, omissão relevante, ou erro material, novos embargos poderão ser opostos em face desta nova decisão. Outra consideração importante a ser feita refere-se ao fato de que nos embargos de declaração não há lugar, em linha de princípio, para contraditório, pois, em tese, é do interesse de ambas as partes que a decisão proferida não seja obscura ou contraditória, nem tampouco que haja omissão. O § 2º do art. 1.023, no entanto, determina que, havendo a possibilidade de modificação da decisão embargada, o embargado deve ser intimado para manifestar-se, no prazo de 5 dias. Consequentemente poder-se-á falar em nulidade da decisão dos embargos de declaração por ausência de intimação da parte contrária em face do caráter infringente do recurso. Vale ressaltar outro aspecto importante dos embargos de declaração: eles não se destinam a atacar error in judicando, conforme já decidiu o STF à luz do CPC/73: “Embargos de declaração: têm pressupostos certos, CPC 535, I e II [art. 1.023, I e II, do CPC/2015], não se prestando a corrigir error in judicando”1109-1110. Com inspiração no princípio da fungibilidade recursal, o legislador prevê que na hipótese do órgão julgador entender ao invés de embargos de declaração seria cabível, em verdade, o recurso de agravo interno, deverá intimar o embargante para adequar o recurso no prazo de 5 dias, ajustando as razões recursais à exigências do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015. Como regra, sempre que a lei silenciar a respeito, os recursos são
recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 995 do CPC/2015). Em relação aos embargos de declaração, o art. 1.026 do CPC/2015 estatui que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, afirmando-se apenas seu efeito interruptivo para a interposição de outro recurso. Nos termos do CPC/2015 o efeito suspensivo pode ser atribuído aos embargos de declaração se demonstrada a probabilidade do provimento do recurso ou se, relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1.026, § 1º, do CPC/2015). Em consonância com o que prevê o CPC/2015, Teresa Arruda Alvim, à luz do CPC/73, já observava que “o efeito suspensivo dos embargos de declaração devem decorrer de uma única circunstância que é o pedido expresso formulado pela parte fundada na impossibilidade real de que a decisão seja cumprida ou na possibilidade de integral alteração da decisão em virtude do colhimento dos embargos. Não se deve entender (...) que a interposição dos embargos de declaração, por si só, geraria a cessação dos efeitos da decisão. Em face da perspectiva de não cumprir a decisão impugnada deve o próprio embargante formular pedido de que ao seu recurso seja atribuído efeito suspensivo. E, por certo – até mesmo para que haja utilidade no pedido de suspensão dos efeitos formulados – deferido o pedido, os efeitos deste deferimento reportar-se-ão ao momento da interposição dos embargos de declaração”1111. 2. Caráter infringente dos embargos declaratórios Excepcionalmente, os embargos declaratórios podem assumir caráter infringente do julgado. Quer-se dizer com isso que, embora não seja o escopo dos embargos alterar a decisão embargada, excepcionalmente podem eles levar à alteração (infringência) do próprio julgado embargado, e não
simplesmente a sua aclaração ou integração, como de regra. Quando se diz excepcionalmente isso significa, principalmente, que essa alteração é rara. Mas, se presentes os pressupostos para que ocorra a alteração, ela deve ocorrer. Imagine-se, por exemplo, que a sentença tenha decretado a procedência da ação, sem, contudo, apreciar a alegação do réu quanto à ocorrência de prescrição (omissão), que, aliás, hoje pode ser reconhecida de ofício. Opostos embargos declaratórios, o juiz, ao apreciá-los, pode vir a reconhecer a ocorrência de prescrição (art. 487, II, do CPC/2015). Na verdade, há nova decisão sobre questão antes não decidida (prescrição), o que deve conduzir necessariamente à improcedência do pedido. Vale dizer, o juiz haverá de, conhecendo e decidindo os embargos declaratórios, inserir a prescrição como argumento fundado da defesa, e, por isso mesmo, terá de alterar a conclusão de procedência para improcedência, mercê da decretação da prescrição do direito do autor. O caráter infringente somente é possível nos embargos de declaração quando das hipóteses previstas no art. 1.022 do CPC decorrer a necessária modificação da conclusão do magistrado. É o que pode suceder, por exemplo, se vier a ser acolhida determinada matéria de defesa oportunamente levantada pelo réu, a respeito da qual se tenha omitido o juiz quando proferiu a sentença de procedência da ação. Vale dizer, não é possível imprimir caráter infringente aos embargos de declaração fora das hipóteses previstas em lei. Neste sentido, o STJ, à luz do CPC/73, já decidiu que: “Os embargos declaratórios têm por finalidade precípua a integração do pronunciamento judicial, revestindo-se de excepcionalidade as hipóteses em que é possível lhes conferir efeitos infringentes, como, por exemplo, no caso em que o
suprimento da omissão implica, necessariamente, na alteração do julgado”1112. Esclarece, mais adiante, o relator de aludido julgado: “Uma vez prolatada a sentença exaure-se o ofício jurisdicional, sendo defesa a sua modificação, à exceção da ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 463, I e II, do CPC [arts. 494, I e II, do CPC/2015]. A decisão agravada emite juízo de valor do seu prolator, sem, contudo, apontar o vício a ser suprido na decisão embargada”. É com essa perspectiva que se deve interpretar a possibilidade de ser conferido efeito infringente aos embargos de declaração. Acolhendo o entendimento já expressado, o § 2º do art. 1023 do CPC/2015 prevê exatamente a hipótese em que os embargos de declaração possuem caráter infringente e, por isso, deve haver a intimação do embagado para apresentar manifestação. De fato, o art. 494 do CPC/2015 continua tratando da inalterabilidade da sentença: após a sua publicação, o juiz só poderá alterá-la, se houver inexatidão material ou erro de cálculo, ou ainda, embargos de declaração. Ou seja, em essência, a sentença, uma vez proferida, só pode ser alterada nas hipóteses dos incisos I e II do art. 494 do CPC/2015. Na hipótese de o juiz se ter omitido quanto à apreciação da alegação de prescrição pelo réu, e, por força disso, opostos embargos declaratórios em razão dessa omissão, vier a modificar aquilo que anteriormente decidira, os embargos, como visto, assumem feição modificativa (infringente). Mas, insiste-se, os embargos declaratórios, nesse caso, terão sido utilizados objetivando uma das finalidades razão da qual foram concebidos: instar o magistrado a apreciar questão a respeito da qual se omitira. No caso de erros materiais ou erros de cálculo, temos que a sanação desse tipo de vício, na verdade, não implica alteração do decidido. Se há erro
material na decisão, é porque ela, perceptivelmente, não reflete aquilo que o juiz decidiu. Por isso mesmo, sua correção prescinde de embargos declaratórios, podendo ser feita de ofício, independentemente da provocação do interessado. Se, todavia, a parte interessada, nada obstante o erro material ou o erro de cálculo puder ser corrigido de ofício, pretender levantar o vício, poderá fazê-lo por simples petição ou por intermédio de embargos de declaração. Portanto, se acolhidos embargos de declaração com vistas à modificação de erro material, só aparentemente pode-se falar em modificação do decidido ou em efeitos infringentes, haja vista que o que se terá feito na verdade é adequar a decisão àquilo que o juiz efetivamente quisera dizer. Isto é, nessa hipótese, em essência, o acolhimento dos embargos não implica alteração do decidido. Tratando desta matéria, há primoroso acórdão da lavra do Ministro Cézar Peluso, conceituando erro material: “Erro material não são apenas os defeitos exteriores ocorrentes na documentação do juízo ou na formação do documento, mas também toda divergência ocasional entre a ideia e a sua representação, objetivamente reconhecível, que demonstre não traduzir o pensamento ou vontade do prolator”1113. Se o acolhimento dos embargos de declaração implicar na modificação da decisão embargada e, ainda, o embargado já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária, tem ele o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação da decisão, devendo fazê-lo, no prazo de 15 dias, contados da intimação da decisão dos embargos de declaração (art. 1.024, § 4º). Se, por sua vez, os embargos forem rejeitados ou
não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso de outra parte ou de outras partes, interposto antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado independentemente de ratificação (art. 1.024, § 5º). 3. Prazo dos embargos e prazos de outros recursos O prazo de oposição dos embargos declaratórios é de cinco dias, segundo prescreve o art. 1.023 do CPC/2015. Deverão ser opostos por petição dirigida ao juiz ou relator, indicando o ponto obscuro, contraditório ou omisso, bem como, se o caso, o erro material, com o pedido de supressão de tal ou tais vícios. Há, como já sublinhado, dispensa do pagamento de preparo nos embargos declaratórios (art. 1.023, parte final, do CPC/2015). Os embargos deverão ser julgados pelo juiz de primeiro grau em cinco dias, e pelo tribunal na sessão subsequente (art. 1.024, caput e § 1º, do CPC/2015). Esses prazos, como se sabe, são impróprios, de modo que o seu descumprimento, como regra, poderá acarretar consequências, apenas, fora do plano do processo. Calha mencionar que, diante da regra estampada no art. 1.024, § 1º, do CPC/2015, o relator não poderá julgar monocraticamente o mérito dos embargos de declaração opostos contra decisão de órgão colegiado, eis que, a teor da literalidade de aludido dispositivo legal, “nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto”. O relator poderá, todavia, inadmitir monocraticamente os embargos de declaração com fundamento no inciso III do art. 932 do CPC/2015, por falta de algum dos requisitos de admissibilidade desse recurso1114. Nos embargos declaratórios, exatamente porque a supressão de omissão,
ou o aclaramento de ponto contraditório ou obscuro, em princípio, interessa a ambas as partes, não há necessidade de resposta da parte contrária ao embargante. Se, porém, os embargos forem opostos com efeitos infringentes (hipótese rara, mas possível, conforme se expôs acima), é de ser ensejada à parte contrária oportunidade de resposta, em cinco dias (mesmo prazo para a interposição do recurso), tendo em vista a magnitude constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), conforme dispõe o art. 1.023, § 1º, do CPC/2015. Nesse sentido, Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista: “Quando os embargos de declaração assumem o caráter modificativo do julgado, para que a parte não seja surpreendida, é de ser aplicado o princípio do contraditório, devendo o juiz dar vista à parte contrária, para contra-arrazoar o recurso interposto”1115. Opostos os embargos, prescreve o art. 1.026 do CPC/2015, interrompemse os prazos para interposição de qualquer outro recurso, por qualquer das partes. Isso quer dizer que o prazo para interposição de qualquer outro recurso recomeça a contar por inteiro, uma vez opostos os embargos declaratórios. Apenas se intempestivos os embargos é que se considera que não houve interrupção do prazo de outros recursos. Assim julgado do STF, ementado da seguinte forma: “Se os embargos de declaração foram apresentados a destempo, não há suspensão [hoje, após a Lei n. 8.950/94, interrupção] do prazo para interposição do recurso extraordinário”1116. De resto, ainda que não sejam conhecidos os embargos, considera-se interrompido o prazo de interposição de outros recursos. Se os embargos forem tidos por manifestamente protelatórios, o embargante será condenado a pagar multa ao embargado – que, segundo o Prof. Ernane Fidélis dos Santos1117, tem caráter de pena, em decorrência de
infração processual – não excedente a 2% do valor da causa (art. 1.026, § 2º, do CPC/2015). Sendo reiterados embargos protelatórios, a multa poderá ser elevada a até 10%, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo (art. 1.026, § 3º, do CPC/2015). Esse depósito, portanto, coloca-se nesta hipótese como verdadeira condição para a interposição de outros recursos decorrentes da decisão em que a multa foi imposta. Dissemos acima que a função dos embargos é integrar ou aclarar a decisão embargada, e não substituí-la. Só excepcionalmente, como dito, assumem caráter infringente da decisão embargada (interlocutória, sentença ou acórdão). Por isso mesmo tem-se que, como regra, a decisão dos embargos é parte integrante da sentença embargada, cabendo da sentença, devidamente integrada pela decisão embargada, recurso de apelação (art. 1.009 do CPC/2015). Foi feita menção acima ao art. 494 do CPC/2015. Prescreve referido dispositivo que, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la nas hipóteses dos incisos I e II daquele dispositivo: correção de erro material ou de cálculo e oposição de embargos declaratórios. Estes poderão resultar no aclaramento de obscuridade ou contradição ou mesmo na supressão de omissão da decisão embargada e, excepcionalmente, até mesmo na infringência da decisão embargada, nas hipóteses tratadas acima. 4. Embargos de declaração com fins de prequestionamento A expressão “prequestionamento” significa tão somente a existência de prévia decisão acerca de determinada tese jurídica, decorrente, usualmente – já que existem questões que podem ser apreciadas de ofício pelo tribunal –,
de prévio debate a respeito1118. Se as partes levantaram a questão durante o processo e não houve decisão sobre a matéria, podem ser opostos embargos de declaração para suprir essa omissão. O prequestionamento é requisito essencial para o conhecimento dos recursos especial e extraordinário. Sem o prévio debate da matéria que se pretende discutir nas instâncias superiores o recurso não pode ser conhecido. Essa é uma exigência que decorre do próprio Texto Constitucional, já que o inciso III do art. 102, assim como o inciso III do art. 105, ambos do Texto Maior, exigem que a matéria que se pretende discutir nos recursos extraordinário e especial, respectivamente, tenha sido enfrentada pelo acórdão, pois aludem a “causas decididas”. O prequestionamento significa a efetiva apreciação, pelo tribunal local, da questão que se pretende discutir nos recursos especial e extraordinário. Tomada a expressão com esse significado, parece-nos insofismável que se trata de exigência de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário que deflui diretamente do Texto Maior. Com efeito, no caso do recurso especial, caso a decisão recorrida não tenha tratado da questão federal, não se pode dizer tenha contrariado ou negado vigência a tratado ou lei federal. Assim, se o tribunal local não houver tratado da questão federal de modo diverso de outro tribunal, inviável será recorrer-se pelo art. 105, III, c, da Constituição Federal, que pressupõe interpretações divergentes de outros tribunais sobre uma mesma questão federal. Situação similar ocorre na hipótese do art. 105, III, b, do Texto Constitucional, já que incabível será o recurso especial se o acórdão não tiver julgado válido ato de governo local em face de lei federal1119. Também na hipótese da alínea a do inciso III do art. 105, percebe-se claramente que a questão federal há de ter sido enfrentada pelo acórdão local. Isso quer dizer
que, sem o requisito do prequestionamento, inviável será a interposição de recurso especial em qualquer das hipóteses elencadas no inciso III do art. 105 da CF. De igual modo, se o tribunal local não tiver julgado válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal, nos termos do art. 102, III, c. Quanto à necessidade de oposição de embargos de declaração visando ao prequestionamento, o STF veio a cristalizar entendimento plasmado na Súmula 356: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. De teor análogo a Súmula 282, também do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal”. Ao que parece, o entendimento do STF, cristalizado em referidos verbetes sumulares, é perfeitamente atual, sendo aplicável ao recurso especial. Releva notar, todavia, que os embargos de declaração não se prestam a fazer com que o tribunal local se pronuncie acerca, por exemplo, de questão federal não levantada em tempo oportuno, vale dizer, os embargos declaratórios não devem ser utilizados para introduzir discussão que diz respeito a questão federal nova, que não tenha sido apreciada pelo acórdão embargado, porque não suscitada. Assim, os denominados embargos declaratórios “prequestionadores” não consubstanciam nova modalidade de embargos declaratórios. Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, que tem cabimento nas hipóteses do art. 1.022 do CPC/2015. Isso significa que é cabível a oposição de embargos de declaração com fundamento no art. 1.022, II, do CPC/2015, visando suprir a omissão do julgado local, se a questão federal foi invocada a tempo e modo oportunos e o tribunal local não a
apreciou como deveria. Os embargos de declaração, costuma-se dizer, podem ser utilizados com o objetivo de prequestionar matéria de lei federal ou constitucional. Trata-se, como dito, de requisito essencial para viabilizar o conhecimento dos recursos especial e extraordinário, se o acórdão foi omisso. Ressalte-se, porém, que, mesmo quando utilizados com esta finalidade, os embargos declaratórios devem atender aos requisitos do art. 1.022 do CPC/2015, não sendo admissível ventilar pela primeira vez questão federal ou constitucional em sede de embargos de declaração, de acordo com o que já afirmamos. José Miguel Garcia Medina1120, com acerto, considera equivocada a assertiva de que os embargos de declaração possuem a finalidade de prequestionar matéria federal ou constitucional. Para o autor, essa assertiva equivaleria a dizer que haveria dois tipos de embargos declaratórios: os previstos no art. 1.022 do CPC/2015 e os prequestionadores. Os embargos, na verdade, não têm o escopo propriamente de prequestionar questão alguma – somente se a questão já foi ventilada em momento precedente do processo e o juiz se omitiu a respeito dela é que os embargos de declaração poderão atender a esse fim. Considere-se este ponto de vista bastante esclarecedor, pois evidencia que, ainda que sejam utilizados os embargos declaratórios para o fim de prequestionamento, eles somente poderão ser acolhidos se realmente existir alguma omissão na decisão – não basta simplesmente opor os embargos para prequestionar matéria federal ou constitucional se ela não tiver sido tratada (vale dizer, prequestionada) em momento anterior do processo, havendo, pois, omissão apta a ser suprida pela via dos embargos declaratórios. Em realidade, matéria prequestionada quer efetivamente dizer matéria decidida
ou pré-decidida1121. Isso porque o STF e o STJ, especialmente, decidem sobre o que já foi previamente decidido, no âmbito de suas respectivas competências. Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista1122, com pertinência, diz: “Encarase mais uma vez a importância dos embargos de declaração. Para preenchimento do requisito do prequestionamento, se o acórdão não foi claro quanto a matéria anteriormente questionada, ou criando direito novo até então não ventilado, usa-se desse recurso, para elucidar a omissão e, então, ter acesso o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal”. Frise-se que, opostos os embargos declaratórios para o fim de prequestionamento, caso a parte pretenda interpor recurso especial ou extraordinário, não devem ser considerados protelatórios. Na hipótese de serem inadmitidos ou rejeitados os embargos de declaração, considerar-se-ão incluídos no acórdão os elementos suscitados pelo embargante, desde que o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade (art. 1.025 do CPC/2015). O dispositivo do CPC/2015 reafirma o quanto já se defendia na vigência do CPC/73, ou seja, que os embargos somente se prestam para fins de prequestionamento quando presentes uma das hipóteses de seu cabimento (art. 1.022, do CPC/2015). Com relação à integração dos elementos suscitados pelo embargante ao acórdão, o STF tinha entendimento nesse sentido. Compreendia que, se a matéria tivesse sido levantada através dos meios próprios, inclusive mediante a oposição de embargos de declaração, mesmo que não tivesse enfrentada, dever-se-ia reputar que houve prequestionamento1123. Voltar-se-á ao assunto com mais detença no capítulo destinado ao estudo do recurso especial e do recurso extraordinário.
A propósito da ausência de caráter protelatório, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 98, vazada nos termos seguintes: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”. Outro ponto que impende seja considerado refere-se ao fato de que não devem ser opostos embargos declaratórios com a simples finalidade de fazer com que conste o número do dispositivo legal pretensamente ofendido no recurso especial/extraordinário, eis que não se pode qualificar o julgado de omisso simplesmente porque não referiu o dispositivo legal que embasou a decisão tomada. Para fim de prequestionamento não é necessária referência expressa ao artigo violado, bastando que a questão tenha sido debatida. Pode-se concluir que, se a parte levantar determinada questão federal e não houver pronunciamento do tribunal local, deverá opor embargos declaratórios (sem que isso implique qualquer deturpação de função, ao contrário, com inteiro respaldo no art. 1.022, II, do CPC/2015), visando à supressão de dita omissão. Se, porém, não tiver levantado a questão federal ou constitucional em tempo oportuno, não será suficiente a oposição de embargos declaratórios versando a matéria de que pretenda recorrer, para suprir a ausência de prequestionamento.
XLII RECURSO ORDINÁRIO
1. Generalidades O recurso ordinário previsto nos arts. 102, II, e 105, II, da Constituição Federal, atualmente está previsto nos arts. 1.027 e ss. do CPC/2015. De acordo com Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “é o recurso previsto na Constituição, de fundamentação livre e não vinculada, dirigido ao STF ou STJ, com objetivo de reformar (error in iudicando) ou anular (error in procedendo) acórdão ou sentença proferidos nos casos previstos na CF 102 II e 105 II”1124. É cabível o recurso ordinário para o STF da decisão denegatória de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, decididos em única instância pelos Tribunais Superiores (art. 1.027, I, do CPC/2015 e art. 102, II, a, da CF/88). Coerente ao ordenamento jurídico brasileiro, o art. 18 da Lei n. 12.016/2009 prescreve caber recurso ordinário contra decisão denegatória de mandado de segurança proferida em única instância pelos tribunais. De outro lado, cabe recurso ordinário ao STJ para julgar os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou
pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão (a respeito, ver art. 18 da Lei n. 12.016/2009); e as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País (art. 105, II, alíneas, da CF/88). Dentre eles, interessam ao processo civil os previstos no art. 102, II, a, da CF/88, salvo o recurso ordinário interposto contra decisão denegatória de habeas corpus, e no art. 105, II, b e c, da CF/88 consoante se infere da leitura do art. 1.027, I e II, do CPC/2015. É de se observar que, ainda que sua previsão seja constitucional, já que as hipóteses de cabimento se encontram previstas na Constituição, sendo repetidas no Código de Processo Civil, não se inclui o recurso ordinário entre os recursos excepcionais, pois, nesse caso, o STF e o STJ atuam como verdadeiras cortes de segundo grau, realizando o duplo grau de jurisdição1125. Tal assertiva vem reforçada pela afirmação de que, em sede de recurso ordinário, tanto o STF como o STJ podem reexaminar questões de fato. Desse modo, tais cortes não atuam como tribunais excepcionais, mas sim como tribunais aptos a darem efetividade ao duplo grau de jurisdição, e, assim sendo, o recurso ordinário constitucional não exige, por exemplo, que a matéria nele discutida tenha sido prequestionada ou que o recurso trate de matéria exclusivamente de direito, devendo os tribunais superiores, analisar matéria fática referente ao recurso interposto. Por força do art. 1.028, caput e § 1º, do CPC/2015, aplicam-se ao recurso ora comentado as normas referentes às disposições gerais dos recursos (arts.
994 e ss. do CPC/2015), bem como aquelas atinentes aos recursos de apelação e agravo de instrumento. No que concerne aos seus efeitos, o recurso ordinário constitucional possui devolutividade ampla. Por seu intermédio, é possível devolver ao STF ou ao STJ, conforme a hipótese, qualquer questão de fato ou de direito. A propósito, o sempre pertinente escólio de Bernardo Pimentel Souza, “é possível discutir em recurso ordinário tanto questões de fato como questões de direito, ainda que as últimas sejam de natureza local (...). Como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal atuam como cortes de segundo grau quando julgam recurso ordinário, bem como por ter tal recurso efeito devolutivo amplo, a admissibilidade do ordinário não depende do prequestionamento do assunto jurídico nele versado”1126. Álvaro Bourguignon1127, ao tratar com profundidade do recurso ordinário constitucional, afirmou: “O recurso ordinário constitucional, viu-se anteriormente, pertence à categoria dos recursos ordinários, vale dizer, voltados a tutelar imediatamente o direito subjetivo da parte, por meio de reparo de eventual injustiça da decisão (acórdão denegatório). Este escopo somente é obtenível quando se admite o amplo exame das questões de fato e de direito, com integral revisão de todos os aspectos e premissas do julgado recorrido. Em síntese, significa que a ampla profundidade do efeito devolutivo lato sensu (efeito translativo) representa condição inerente à própria natureza do RO, sob pena de transformar-se em recurso de fundamentação vinculada ou estrita, desfigurando a summa divisio constitucional que o aparta dos recursos excepcionais e adulterando sua ordinariedade”. Ainda de acordo com a previsão estampada nos arts. 1.028 c/c 1.012 do
CPC/2015, há que se concluir que o recurso ordinário quando interposto com fundamento no art. 1.027, II, b, do CPC/2015, como regra, goza de efeito suspensivo. De acordo com Álvaro Bourguignon “a melhor posição é a que sustenta a suspensividade do recurso ordinário. É verdade que, como salienta a doutrina, o debate sobre o eventual efeito suspensivo deixa de ter sentido caso a decisão recorrida(vel) seja de natureza declaratória, por não haver, rigorosamente, nesta hipótese, o que suspender. A suspensividade, para ser operativa, deve incidir sobre decisão que tenha conteúdo positivo e executável, pois o efeito suspensivo colima, justamente, deixando intacta a validade, obstruir a eficácia que normalmente derivaria da decisão recorrida”1128. Contudo, convém ressaltar que, no caso de recurso ordinário interposto contra decisão denegatória de mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, o efeito suspensivo, de acordo com José Carlos Barbosa Moreira, assume aqui escassa relevância, dada a natureza da decisão recorrida, meramente declaratória1129. Por esse motivo, interpostos com base nos inciso I e II, a, do CPC/2015, ao recurso ordinário aplica-se a regra geral sendo que o recurso ordinário não recebe efeito suspensivo, pela regra do art. 995 do CPC/2015. Por outro lado, ao se estudar a profundidade do efeito devolutivo da apelação, verificamos que existem matérias que podem ser conhecidas pelo tribunal independentemente de pedido expresso. São as hipóteses referendadas nos §§ 1º a 3º do art. 1.013 do CPC/20151130. O mesmo raciocínio deve aqui ser empregado, já que as normas referentes ao recurso de apelação aplicam-se subsidiariamente ao recurso ordinário interposto ao STJ
nos processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País (art. 1.027, II, b, do CPC/2015)1131. Por força da incidência do art. 1.028 c/c 1.010 do CPC/2015, o recurso ordinário é interposto por petição dirigida ao STJ, devendo contar, juntamente, as razões do inconformismo, sendo que os requisitos de admissibilidade e ao procedimento devem seguir as disposições relativas ao recurso de apelação1132. Nos termos do art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, o prazo para interposição do recurso ordinário é de 15 dias. Tendo sido interposto o recurso ordinário, deverá ser intimada a parte contrária para que, querendo, apresente suas contrarrazões no prazo de 15 dias (art. 1.028, § 1º e art. 1.028, caput, cc art. 1.010, § 1º). Após o transcurso do prazo de 15 dias, deverá o recurso ser remetido ao órgão ad quem, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.028, § 3º e art. 1.028, caput, c/c art. 1.010, § 3º). De acordo com Bernardo Pimentel Souza, “a cláusula denegatória da decisão abrange o julgado denegatório próprio, marcado pela extinção do processo de segurança com julgamento do mérito contra o impetrante, mas também a decisão denegatória imprópria, meramente terminativa”1133. Percebe-se, portanto, que a decisão denegatória comporta tanto a decisão definitiva, quanto a terminativa1134. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, após longa digressão acerca dos atos decisórios à luz do CPC/73, concluiu que “a expressão decisão denegatória, portanto, inscrita nos arts. 102, II, a, e 105, II, b, da CF e art. 539, I e II, a, do CPC é aquela: a) corporificada por acórdão proferido por órgão colegiado; b) integrante do Superior Tribunal de Justiça ou dos demais
Tribunais Superiores (exceto o STF), Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; c) com conteúdo correspondente aos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil; d) que defina negativamente todas ou alguma(s) das pretensões relativamente a um ou a todos os impetrantes, com ou sem análise do mérito; e) sendo, portanto, irrelevante tratar-se de decisão (acórdão) final (que esgote juridicamente a demanda) ou interlocutória. Os demais acórdãos interlocutórios não se sujeitam à impugnação via recurso ordinário constitucional”1135-1136. Desta forma, uma vez presentes os requisitos de admissibilidade geral – legitimidade para recorrer (impetrante do writ, vencido e demais legitimados do art. 996 do CPC/2015), cabimento (nas hipóteses elencadas nos arts. 102, II, e 105, II, da CF/88 c/c art. 1.027, I e II, do CPC/2015), tempestividade (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015), regularidade formal (art. 1.028, 1.010 e 1.015 do CPC/2015) e preparo (art. 1.007 do CPC/2015) – bem como aqueles estampados no texto constitucional e referendados no art. 1.027, I e II, do CPC/2015, passar-se-á à análise do mérito recursal, obedecendo, conforme afirmado, ao disposto nos regimentos internos dos respectivos tribunais. Cumpre observar, por fim, que, por mais que o recurso ordinário receba o mesmo tratamento do recurso de apelação, com ele não se confunde, já que, por força do art. 994 do CPC/2015, trata-se de espécies recursais autônomas, com finalidades próprias.
XLIII RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1. Aspectos introdutórios São recursos – o extraordinário e o especial – denominados de estrito direito, através dos quais se colima o prevalecimento da ordem constitucional (no extraordinário) e a unidade e a integridade do direito federal, infraconstitucional, em todo o território nacional (no especial). Quer isso significar que através do especial se colima a reforma ou a invalidação da decisão que tenha violado lei federal (art. 105, III, a, da CF/88) e que não subsistam simultaneamente interpretações diferentes das mesmas leis federais (art. 105, III, c, da CF/88). A finalidade fundamental da letra c do inciso III do art. 105 da Constituição diz com a essência de uma norma jurídica, vocacionada a comportar um só entendimento, e a circunstância de que, na vivência prática, isso acaba não ocorrendo. Uma norma jurídica é vocacionada a comportar um único entendimento, durante um dado ou expressivo período ou segmento temporal palpável, pois que norma jurídica é norma de conduta (= norma é o que determina a conduta daqueles aos quais é dirigida) e, por isso mesmo, os seus destinatários
(jurisdicionados) terão dificuldade de conduzir-se se há entendimentos diferentes (vale conduta a, b ou c?) e o próprio Judiciário terá menos segurança na aplicação do direito. Por isso é que, se existe unidade de entendimento no plano lógiconormativo, esta se desfaz no plano da atividade judicante ou aplicação múltipla da lei, por diversos órgãos, porque várias são as cabeças dos julgadores. Dessa forma, o confronto dos julgados, e a “opção” pelo que é tido como o correto, expressada no julgamento concreto de recurso especial (art. 105, III, c, CF/88), procura refazer a unidade de inteligência sobre os comandos normativos, e, com isso, reconduzir o direito à unidade para a qual nasceu. Para isso é que serve, precipuamente, a letra c do inciso III do art. 105 da CF/88, o que não deixa de acontecer com o recurso extraordinário. Devemos ressalvar que a diversidade de interpretações ao longo do tempo é praticamente inevitável; no entanto, o que é importante observar é que a diversidade simultânea de entendimentos é que é intolerável, ou, ao menos, perturba seriamente a funcionalidade do direito, diferentemente do que se passa com a diversidade sucessiva. A diversidade sucessiva decorre de interpretações que se sucedem no tempo, mudança essa claramente percebida, à luz da modificação das condições contextuais que interferem no entendimento de uma norma. E, por isso mesmo, essa diversidade sucessiva não turba a funcionalidade do direito porque se sabe que uma interpretação antiga não mais vale. E é, ademais, justamente por isso que a divergência de interpretações deve ser atual, porque esta é que confunde os destinatários, ao passo que a diversidade sucessiva, diante de uma interpretação antiga patentemente superada e não
tendo mais validade, certamente não confunde os destinatários da norma. É
importante
fixar
alguns
aspectos
preambulares
que
não
se
circunscrevem ao recurso especial, senão que dizem respeito a este e ao recurso extraordinário. Na verdade, como se verificará, o recurso especial é, em tudo e por tudo, similar ao extraordinário, com a diferença fundamental do que pode ser objeto de julgamento de um e outro. A circunstância de o objeto específico da atividade do STJ ser a inteligência e a aplicação da lei federal não inibe sua atividade interpretativa dessa lei, à luz da Constituição1137. O que ocorreu com a criação do STJ foi uma distribuição de competência, do que precedentemente só cabia ao STF: 1) a tutela da Constituição ficou, como sempre esteve, afeta ao STF, no âmbito de sua competência recursal (recurso extraordinário), onde o STF pode exercer o controle difuso de constitucionalidade; pelo âmbito recursal extraordinário não se esgota sua competência, porque, ao lado dessa tutela do direito constitucional, comporta sua competência muitos casos expressivos de competência originária (art. 102, I, da CF/88), onde o STF pode exercer o controle abstrato de constitucionalidade das normas (por exemplo, art. 102, I, a da CF/88) e, ademais o art. 102, II, da CF/88, disciplina o recurso ordinário para o STF, em que a Corte Suprema, além de figurar como verdadeiro órgão de segundo grau, pode também realizar o controle difuso de constitucionalidade das normas1138; e 2) a guarda do direito federal ficou atribuída ao STJ, via recurso especial, que, com a criação deste Tribunal, viu essa competência transferida do STF para ele. Pode-se dizer com propriedade que o recurso extraordinário e o recurso especial são recursos que se dirigem contra a lesão ao direito objetivo (direito
constitucional, no caso do recurso extraordinário; e ao direito federal infraconstitucional, no caso do recurso especial). Demonstrando-se essa infração poder-se-á, então, ter a situação subjetiva satisfeita. Porque errada a aplicação do direito objetivo federal, só por isso, alterar-se-á a decisão, o que, ipso facto, repercute no direito da parte recorrente. A satisfação do direito subjetivo do recorrente será um reflexo da correção referente à aplicação do direito objetivo. Por isso pode-se dizer que a sucumbência é condição insuficiente – conquanto necessária, pois, sem ela, não há falar em interesse recursal para o cabimento desses recursos de estrito direito. Os recursos extraordinário e especial – de resto como os demais recursos – têm cabimento a partir e por causa da sucumbência ou gravame causado à parte. É o órgão (ou o juiz) que decide a causa, e quando a decide, em função do resultado concreto, é que poderá nascer a sucumbência, gravame ou prejuízo. Disso se conclui que qualquer incidente no processamento dos recursos, ainda que havido como indispensável ao regular processamento, em si mesmo, não causa gravame. Por isso é que, ocorrendo incidente de arguição de inconstitucionalidade levado ao órgão especial ou plenário do tribunal, não é da decisão de um ou outro que caberá o recurso, senão que este terá cabimento da decisão do órgão fracionário, o qual aplicará, então, concretamente, o que se haja decidido em outro incidente. A propósito, há entendimento sumulado pelo STF: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que
completa o julgamento do feito” (Súmula 513 do STF). Apesar da proximidade desses dois recursos, o cabimento deles está nitidamente diferenciado na Constituição, donde, por isso mesmo, ser inviável pretender interpor um pelo outro e invocar o princípio da fungibilidade1139. Na realidade, essa troca caracteriza erro grosseiro. Isso não se confunde, todavia, com erro material perceptível que conste da interposição, e cuja percepção leva ao conhecimento preciso do que deseja o litigante. Se isso houver ocorrido, o recurso deverá ser objeto de conhecimento, não emprestada relevância a esse erro material1140. Há, ainda, outra hipótese que interfere no cabimento dos recursos especial ou extraordinário, a suscitar alguma dúvida, como aquela em que o texto da lei federal é representativo de estrita reprodução de texto constitucional, entendendo-se que cabe recurso extraordinário e não o especial. O recurso especial tem cabimento quando se houver aplicado lei federal, independentemente da importância intrínseca da matéria ou do tipo de decisão. Mas é importante notar que essa lei deve ter sido o efetivo fundamento da decisão, o que significa que, se houver mera referência a lei federal, mas isso não se constitua no fulcro da decisão, não é o caso de cabimento do recurso especial, ao menos por esse fundamento. Neste passo é importante a discriminação que se traduz pelas expressões ratio decidendi e obiter dicta, ou seja, significando a primeira razão, cerne, núcleo de fundamento decisório, e a segunda, apenas o que foi dito para morrer. A lei federal deverá constituir-se em ratio decidendi ao acórdão. Assim, se o acórdão fez apenas menção casual ao artigo de lei federal, não há falar em prequestionamento. O recurso especial deve ser interposto de decisões de mérito ou não, mas
sempre colegiadas, i.e., as que decorram de acórdãos de tribunais e não de outros órgãos, v.g., órgãos monocráticos. Denomina-se acórdão ao julgamento colegiado proferido pelos tribunais (art. 204 do CPC/2015). Os juízes integrantes de tribunais podem proferir decisões singulares, que não são acórdãos; apenas as decisões proferidas por órgãos colegiados dos tribunais é que se denominam acórdãos. Ainda que na Lei n. 9.099/95 haja a referência a acórdão (art. 46, fine, da Lei n. 9.099/95), isto é insuficiente para cogitar do cabimento de recurso especial, eis que, para o cabimento do recurso especial, o acórdão precisa ser proferido por tribunal, e o “acórdão” a que se refere a Lei n. 9.099/95 é proferido por um colegiado de juízes de primeira instância. Todo acórdão, assim como toda sentença, deve ser fundamentado, segundo prescreve o art. 489 do CPC/2015. A fundamentação das decisões judiciais é, aliás, exigência impostergável que decorre do inciso IX do art. 93 da CF/88, cominando pena de nulidade às decisões judiciais não fundamentadas. Os requisitos do art. 489 do CPC/2015 são os seguintes: (1) relatório, com os nomes das partes, identificação do caso, a suma do pedido e da resposta do réu e o registro das principais ocorrências havidas no curso do processo; (2) fundamentos de fato e de direito que embasam a decisão; e (3) parte dispositiva, consistente na resolução das questões submetidas ao juiz. 2. Raiz constitucional do recurso especial O recurso especial apresenta uma grande especificidade em relação às espécies recursais que já estudamos, que é o fato de estar previsto na Constituição Federal (art. 105, III, alíneas a até c, da CF/88)1141.
Além de estar previsto na Constituição Federal, o recurso especial, bem como o extraordinário, possui requisitos de admissibilidade e de julgamento bastante rígidos, fixados constitucionalmente. Analisaremos detidamente essas hipóteses. 2.1 A leitura do inciso III do art. 105 da CF/88 2.1.1 O que significa “causas decididas” O recurso especial, cujo estudo neste momento nos interessa, terá sempre cabimento contra acórdão oriundo de tribunal, visando à sua reforma ou invalidação, conforme o vício que lhe seja imputado. É o que se dessume da leitura do art. 105, III, do Texto Constitucional, que alude ao cabimento do recurso especial contra “causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (...)”. Resta examinar em que acepção o Texto Constitucional se utilizou da expressão “causas decididas”. Já examinamos que deve se tratar, necessariamente, de acórdão, e que essa decisão colegiada deve ter sido proferida por tribunal local (Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça). Vimos, também, que o recurso especial pode visar à anulação ou reforma da decisão recorrida. Resta saber de que tipo de julgamento de recurso pode resultar um acórdão impugnável por recurso especial. A expressão “causas decididas” abrange todo e qualquer acórdão, inclusive proferido em sede de agravo de instrumento. O STJ, a propósito, editou a Súmula 86, do teor seguinte: “Cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento”.
O que as alíneas a e c do art. 105, III, da CF/88, estabelecem é que, estando em pauta lei federal e ocorrendo divergência de entendimentos sobre essa lei federal, tem cabimento o recurso especial. Disso, então, há de se concluir que também de decisões interlocutórias – estando em pauta o problema da lei federal, em si mesma ou em si mesma e havendo a seu respeito divergência de entendimentos – cabe recurso especial. Nesse sentido é a Súmula 86/STJ, com a qual se superou essa diversidade de entendimentos no STJ, sendo que a posição contrária à súmula teve vida momentânea. A expressão “causas decididas” deve ser entendida em seu sentido mais amplo, abrangendo todo e qualquer acórdão de tribunal local, tenha ele sido proferido em sede de apelação, embargos infringentes ou mesmo agravo de instrumento. Pouco importa, no caso do julgamento de apelação, que o recurso perante o tribunal local tenha versado a matéria de fundo, ou exclusivamente matéria processual. Embora o assunto já tenha sido objeto de divergência, o STJ veio a firmar orientação na linha de que o recurso especial também é cabível contra acórdão prolatado por ocasião de julgamento de reexame necessário, independentemente da existência ou não de recurso voluntário da Fazenda Pública1142. 2.1.2 O que significa “em única ou última instância” A causa, para poder ser impugnada mediante recurso especial, há de ter sido, necessariamente, julgada em única ou última instância por tribunal local. Deveras, sabemos que, se a decisão for unânime quanto a determinado capítulo, mas apresentar divergência quanto a outro, caberá o prosseguimento do julgamento quando tratar-se de apelação, agravo de instrumento e ação
rescisória para que a matéria seja reapreciada, com a convocação de outros julgadores, em quantidade suficiente para garantir a inversão do resultado (art. 942 do CPC/2015) com relação ao capítulo que apresentou divergência1143. Todavia, relativamente à parte unânime do acórdão local, se o recorrente pretender submetê-la à apreciação do STJ, caberá recurso especial. Na vigência do CPC/73, o art. 530 previa o recurso dos embargos infringentes, que foi extinto no CPC/2015, cabendo o prosseguimento do julgamento independente de interposição de recurso da parte, sob a vigência do CPC/2015. No entanto, à luz do CPC/73, a Súmula 355 do STF, já estava superada porque incompatível com a disciplina (art. 498 do CPC/73 após a alteração provocada pela Lei n. 10.352/2001), cujo teor era o seguinte: “Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fora por eles abrangida”, bem como a Súmula 354, vazada nos termos seguintes: “Em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”1144. O STF, por sua vez, editou a Súmula 281 que dispõe ser: “inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Referida súmula respalda o que vimos dizendo. Os recursos especial e extraordinário (espécies do gênero recurso extraordinário) só terão cabimento contra acórdãos, que não sejam mais impugnáveis por recursos ordinários. 2.1.3 O que significa “decisão proferida por tribunal” O julgamento há de ter sido proferido em única ou última instância por
tribunal local. Daí por que, já vimos em outras oportunidades, descabe recurso especial contra decisão proferida pelas turmas de recursos dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95)1145, ainda que, como se verá, possa caber recurso extraordinário, porque o inciso III do art. 102 da CF/88 não contém restrição semelhante àquela constante do inciso III do art. 105 da CF/88. 2.2 As alíneas a até c do inciso III do art. 105 da CF/88 Deve-se acentuar haver diferença entre a base da pirâmide que comporta recurso especial, menor, e a que comporta recurso extraordinário, maior. Tanto basta, para visualizar essa situação, confrontar os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF/88. Em relação ao recurso extraordinário, lemos no art. 102, III, da CF/88 que esse recurso para o STF tem cabimento para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (...)”, o que demonstra que tanto bastará tratar-se de única ou última instância, ainda que de tribunal não se cuide. Já em relação ao recurso especial, no art. 105, III, da Constituição lemos ter cabimento recurso especial para “julgar (...) as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (...)”. Ora, em relação ao STF basta ser decisão de única ou última instância e haver questão constitucional, para o cabimento do recurso extraordinário, desde que esgotada a instância ordinária; já em relação ao STJ, necessário é que haja questão de lei federal e que se trate de acórdão de tribunal local, pois é esse o sentido que se atribui a causas decididas “pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”.
Dessa forma, tem cabimento recurso extraordinário de decisão de juízo do primeiro grau, desde que esgotada essa instância ordinária. A respeito do assunto, o STF veio a editar a Súmula 640: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. No caso do recurso especial a decisão precisa ser colegiada, proferida por tribunal e com esgotamento da instância ordinária. Já examinamos o que diz o inciso III do art. 105 da CF/88. Vejamos agora o que consta das alíneas desse inciso. A alínea a prevê o cabimento do especial quando tenha havido contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. A contrariedade é expressão de abrangência mais ampla do que negativa de vigência. Supõe, em rigor, toda e qualquer forma de ofensa ao texto legal. O Texto Constitucional revogado previa, relativamente ao recurso extraordinário, que teria ele cabimento, em relação à lei federal, se houvesse negativa de vigência. Nesse sentido, rendeu ensejo a uma interpretação bastante restritiva do cabimento do recurso extraordinário, envolvendo a aplicação de lei federal, resumida na Súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da CF”. O STJ, se muitas vezes invocou a Súmula 400, no início de sua atividade judicante, hoje não a invoca como ratio decidendi para não admitir recursos especiais1146-1147. Deveras, o termo contrariar utilizado pelo vigente Texto Constitucional na alínea a do inciso III do art. 105, de abrangência muito mais ampla do que a expressão “negativa de vigência”, levou a que o STJ afastasse a aplicação da referida Súmula 400 ao recurso especial1148. De fato, temos para nós que
seria virtualmente incompatível com a missão constitucional atribuída ao STJ, no sentido de dizer a última palavra a respeito da lei federal infraconstitucional, o entendimento segundo o qual esse tribunal poderia “aceitar” a interpretação razoável dada pelo tribunal local à lei federal, ainda que não fosse a melhor. Se referida orientação já era criticada à luz do sistema anterior, com muito mais razão não poderia prevalecer na vigente ordem constitucional, à luz da qual foi criado um tribunal – o Superior Tribunal de Justiça – encarregado especificamente de julgar, via recurso especial, contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. A alínea a (do art. 105, III, da CF/88) refere-se a tratado ou lei federal. Portanto, o que se pode perceber é que o recurso especial não cabe – como nunca coube recurso extraordinário – para discussão de direito local, sendo aplicável a Súmula 280/STF: “Por ofensa a direito local [entenda-se, municipal ou estadual] não cabe recurso extraordinário”. Nelson Luiz Pinto, a propósito, diz: “Deve-se entender por lei federal o decreto, o regulamento federal e a lei estrangeira quando aplicável por força de norma de direito internacional (e também as medidas provisórias do Executivo Federal)”1149. Aduza-se, ainda, o seguinte, em contraposição às hipóteses anteriores e que comportam tratamento diverso: contrariedade a circulares, portarias, resoluções administrativas, ainda que de origem federal, não rendem ensejo a recurso especial1150. Também não terá cabimento recurso especial quando houver contrariedade a regimento interno de tribunal, segundo se extrai da Súmula 399 do STF, inteiramente aplicável ao recurso especial, cuja letra é a seguinte: “Não cabe recurso extraordinário, por violação de lei federal, quando a ofensa alegada for a regimento de tribunal”. A referida alínea é redundante quando menciona “tratado”, porque o
tratado, se recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio, já deve ser entendido como lei em sentido amplo. A categoria jurídica do tratado, quando recepcionado, é a de lei1151, salvo se o tratado disser respeito a direitos humanos e for aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, hipótese em que será equivalente à emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88, após o advento da EC 45/2004), sujeito, portanto, à impugnação mediante recurso extraordinário1152. Pela alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88, de acordo com a redação que lhe foi conferida pela EC 45/2004, tem cabimento recurso especial toda vez que ato de governo local for julgado válido em face de lei federal. A redação da referida alínea, anterior à edição da EC 45/2004, dispunha caber recurso especial quando a decisão recorrida julgasse válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal. Aquela primeira hipótese constitui hoje, expressamente, caso de recurso extraordinário (art. 102, III, d, da CF/88). Trata-se de requisito objetivo, constatável de plano. Basta que o tribunal local tenha julgado válido ato de governo local, contestado em face de lei federal, para que tenha cabimento o especial pela alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88. Esse raciocínio significa que prevaleceu o ato de governo local, afastada a lei federal. Se, todavia, for julgado inválido ato de governo local, dando-se prevalência à lei federal, à parte vencida não aproveitará a hipótese de cabimento da alínea b, ora sob foco. Tem-se em princípio que as hipóteses de cabimento das alíneas b e c constituem-se, na generalidade dos casos, em subespécies daquela albergada na alínea a. Com efeito, nessas hipóteses é possível falar em contrariedade à
lei federal. Na hipótese da alínea b, pretende-se discutir o julgado que tomou como válido ato de governo local contestado em face de lei federal, o que, na grande maioria dos casos significa dizer que a lei federal foi contrariada. Não é outro o entendimento de Teresa Arruda Alvim, que, por isso, assevera: “Às letras b e c temos chamado de hipóteses de cabimento. À letra a, de único fundamento”1153. Desde que tenha sido julgado válido ato de governo local contestado em face de lei federal (presentes, claro, os demais requisitos de admissibilidade próprios do especial), o recurso especial haverá de ser conhecido. Todavia, saber se andou bem o acórdão local, ou seja, se o ato do governo local deveria ter sido julgado válido em face da lei federal (i.e., se o acórdão local julgou corretamente ou não), é matéria de mérito. Nelson Luiz Pinto, invocando o posicionamento de Moreira Alves1154, afirmava que a antiga alínea b do inciso III do art. 105 tratava de hipótese em que o STJ, à luz do texto revogado, em sede de recurso especial, tinha competência para apreciar questão constitucional. Ponderava esse autor que a análise do prevalecimento da lei local ou da lei federal, na hipótese concreta, envolveria um problema de competência, que se resolveria através da aplicação das regras constitucionais de divisão de competências legislativas (art. 22 e ss. da CF/88)1155. De fato, em um sistema federativo como o nosso, em que as competências legislativas dos entes federados se encontram rigidamente estabelecidas no Texto Constitucional, em princípio, não era possível, à luz do antigo texto da alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88, falar em contrariedade à lei federal pela lei local, sem que isso implicasse perquirir a quem o legislador
constituinte teria adjudicado competência para tratar da matéria, o que trazia a necessidade de exame do Texto Constitucional. Consistia trabalho árduo tentar estremar a hipótese de recurso especial com base na alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88, em sua redação original, daquela outra estampada na alínea c do inciso III do art. 102 do Texto Constitucional, ensejadora de recurso extraordinário ao STF. Com efeito, estatui o art. 102, III, c, da CF/88, caber recurso extraordinário quando o acórdão local tenha julgado válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal. Fora de dúvida, segundo nos parece, que não era possível, como regra, cogitar-se da hipótese de a lei local ser contestada em face da lei federal sem discutir matéria constitucional. Isso porque os entes federados são juridicamente iguais, de tal modo que não há hierarquia entre a lei local e a lei federal, senão que existem matérias em relação às quais o constituinte conferiu competência legislativa ao legislador federal, enquanto há outras que o constituinte entendeu devam ser disciplinadas pelos legisladores estadual e municipal. Destarte, parece-nos que, em regra, sempre que o problema envolvesse a discussão de competências legislativas, i.e., sempre que a solução da hipótese concreta demandasse a indagação consistente em se saber se o legislador constituinte conferiu competência para tratar da matéria a este ou àquele ente federativo, a hipótese, no sistema precedente à EC 45/2004 seria de recurso extraordinário pela alínea c do inciso III do art. 102 da CF/88. A EC 45/2004, em certa medida, encampou esse entendimento, ao introduzir a alínea d no inciso III do art. 102 da CF/88, estabelecendo expressamente que, quando houver confronto de lei local com a lei federal, o caso é de recurso
extraordinário. E, seja permitido repetir, entendemos que andou bem o legislador constituinte derivado ao assim dispor. Deveras, conquanto a melhor exegese da redação original da alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88 conduzisse à conclusão de que o confronto da lei local com a lei federal nos casos do art. 24 da CF/88 renderia ensejo a recurso especial (pois do contrário esse dispositivo não lograria obter aplicabilidade alguma), não se pode deixar de reconhecer que, mesmo nesse caso, não há propriamente confronto da lei local com a lei federal, pois é o art. 24 da CF/88, com seus incisos e parágrafos, que delimita o âmbito das competências legislativas concorrentes dos entes políticos discriminados no caput desse preceito. O problema era, pois, geneticamente, constitucional. Portanto, temos por irrepreensível tal alteração no Texto Maior, já que ao STF compete a guarda da Constituição Federal. A alínea c (do art. 105, III, da CF/88), por sua vez, prevê o cabimento do recurso especial por divergência jurisprudencial, quando o acórdão recorrido tiver dado à questão federal em pauta solução diferente da que lhe tenha dado qualquer outro tribunal da Federação. Emerge, uma vez mais, de forma clara, a função do recurso especial, que é a de uniformizar a interpretação do direito federal em todo o País. A divergência deve ser feita na forma do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015. Há de se ter atenção o § 1º do art. 255 do RISTJ, atentandose para o § 3º, onde se elencam os repositórios oficiais, tendo-se por válida também a invocação dos repertórios autorizados, indicando-se as circunstâncias que assemelhem ou diferenciem os acórdãos confrontados, sendo que o julgado paradigma, invocado como o correto pelo recorrente, há de ser extraído de repositório oficial ou autorizado1156, se dele não for juntada
certidão ou cópia autenticada, sendo permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal. Tenha-se presente que, em boa hora, o parágrafo único do art. 1.029 do CPC/2015 passou a admitir que a divergência também seja demonstrada com julgado extraído da internet, desde que haja indicação da respectiva fonte. Na esteira de como sempre foi, em nosso direito, os fatos a serem considerados no recurso especial são aqueles dados por corretos, tais como apreciados nas instâncias ordinárias (na verdade, a última e definitiva decisão da instância ordinária)1157-1158-1159. Outras hipóteses que se constituem em matéria de fato, inabilitando, portanto, a admissibilidade do recurso especial ou extraordinário, à luz da Súmula 7 do STJ e da Súmula 279 do STF, de igual teor redacional e com idêntica finalidade, são apontadas1160: a culpa da parte (os autores) resultou do exame das provas; o quantum em indenização é, normalmente, matéria de fato, em particular quando emergiu do exame da prova1161; a mesma hipótese, em desapropriação1162; diferentemente, se o tema se insere na negativa de vigência de lei federal, comportando recurso especial, identicamente ao que se passava com o recurso extraordinário1163; idem, ainda que se trate de ação de indenização; diversamente, saber da configuração, ou não, de mora, com apoio em prova, é questão de fato. No que toca aos honorários advocatícios, o STJ tem admitido recurso especial para rever a fixação de verbas honorárias fixada em valor irrisório ou excessivo, rompendo-se com orientação firmada pelo STF plasmada na Súmula 389 desse tribunal, cujo teor é o seguinte: “Salvo limite legal, a fixação de honorários de advogado, em complemento da condenação, depende das circunstâncias da causa, não dando lugar a recurso
extraordinário”. De acordo com os julgados do STJ, a fixação de honorários advocatícios em valor irrisório ou exorbitante se afasta do juízo de equidade preconizado pela lei, cabendo recurso especial com o propósito de rever dita fixação1164. Há também interessantes julgados do STJ no sentido de que o patamar mínimo a ser fixado a título de honorários advocatícios é aquele constante da tabela de honorários da OAB, cabendo recurso especial contra a decisão que fixa verba honorária em valor inferior àquele constante de referida tabela, por se tratar de valor irrisório1165. O quadro histórico do processo é o que consta do acórdão recorrido e não outro. Se se pretendesse alterar esse quadro, estar-se-ia discutindo matéria de fato, o que é inviável no âmbito do recurso especial. Nesse sentido tem sido, desde sempre, a orientação dos nossos tribunais de cúpula (STF e STJ), quando exercem jurisdição extraordinária. Em rigorosa sintonia com esse entendimento, as cláusulas contratuais não podem ser objeto de reexame em recurso especial, pois a determinação da vontade, com o fito de saber se ela está ou não bem retratada em um contrato, é, também, matéria de fato1166. Todavia, há que se distinguir: uma realidade é a descrição empírica do fato, e a esta está vinculado o STJ; outra é a significação do fato no ordenamento jurídico, i.e., sua qualificação e eventual requalificação pelo STJ. À luz da definição empírica, a ser respeitada, outro pode e deve ser o enquadramento jurídico, se errado o do acórdão local1167. Ainda, há que se distinguir a apreciação ou reapreciação de prova, que é inviável, e a hipótese de valoração da prova, a extensão do seu valor probatório – numa palavra, o valor da prova é tema de direito federal1168, porque o valor da prova decorre da lei1169. O que existe de comum entre as citadas alíneas a, b e c do art. 105, III, da CF/88 é que o acórdão
local, para que tenha cabimento o recurso especial, há de ter tratado de questão federal que se constituirá no objeto do recurso especial. Com efeito, não se pode falar em contrariedade ou negativa de vigência à lei federal, se a questão federal emergente da aplicação da lei federal não tiver sido analisada. Da mesma forma, se foi considerado válido ato de governo local contestado em face da lei federal, haver-se-á de ter analisado a questão federal decorrente da aplicação de determinada lei federal. O mesmo se diga com relação ao recurso especial interposto por divergência jurisprudencial. As decisões proferidas pelos tribunais de cúpula devem ser exemplares, dado que objetivam elas, em estabelecendo a uniformização, ditar os “rumos da jurisprudência”, e, por isso, devem ser paradigmáticas1170. O que é importante remarcar é que se justifica a uniformização diante da atualidade da divergência. O que se quer dizer, na esteira do que sempre ocorreu, é que é possível ocorrerem divergências entre a decisão recorrida e decisões de outros tribunais, mas que, praticamente, se encontram superadas, porque até mesmo a jurisprudência do STJ pode ser coincidente com o entendimento da decisão recorrida. Neste caso, não se justifica invocar que há divergência, pois que, na realidade, divergência houve e não há mais. Precisamente nesse sentido é o que se encontra na Súmula 83 do STJ1171. Se consta do enunciado dessa súmula que “não se conhece de recurso especial”, quando a orientação do tribunal (= STJ) é coincidente com a da decisão recorrida, isso é indicativo de que não cabe recurso especial, ou seja, ele não deve ser sequer admitido. Esse entendimento subordina o cabimento por divergência à atualidade da divergência e à própria razão de ser da uniformização1172. Diga-se algo, ainda, a respeito do que está implicado no art. 105, III, c, da
CF/88, tendo em vista o que também é assente e que está enunciado na Súmula 13 do STJ1173. A divergência que é objeto de recurso especial é aquela que ocorre entre dois ou mais tribunais, qualquer que seja ela, pois que dentro do mesmo tribunal deve a divergência, entre órgãos fracionários, ser resolvida, quando cabível, pelo incidente de assunção de competência, na forma do art. 947 do CPC/2015, ou pelo incidente de demandas repetitivas, como determina o art. 976 do CPC/2015. Sublinhe-se, ainda, que a uniformização de jurisprudência tem âmbito maior, ou seja, uniformiza não só o direito federal como o estadual e o municipal. Na divergência a que se refere o art. 105, III, c, da CF/88, é fundamental que os fatos sejam havidos como juridicamente idênticos, pois, a partir de uma situação havida como idêntica ou suficientemente assemelhada é que se pode, com propriedade, falar em diversidade de entendimentos1174. Verificase pelo CPC/2015 e, antes, pelo RISTJ, que devem ser mencionadas “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”1175. Dessa forma, o que se exige é uma semelhança suficiente entre os casos, cujas decisões colidem nas soluções jurídicas, de tal forma que, a partir dessa semelhança, se possa afirmar que as soluções são juridicamente diferentes, incidentes, todavia, sobre hipóteses fáticas idênticas ou semelhantes. Por isso pode-se dizer que no recurso especial o que conta primordialmente é a norma jurídica federal em jogo, seu entendimento, sua interpretação, tendo em vista sua aplicação à hipótese fática; ou, ainda, há que saber se foi aplicada a norma errada, pedir que seja aplicada a norma correta à espécie, propugnando-se pela aplicação da norma certa aos fatos (subsunção). A mesma coisa se passa com o recurso extraordinário, com a diferença de que a norma, no caso, é a constitucional.
Passemos a examinar o que se denomina de prequestionamento, requisito essencial à admissibilidade do recurso especial. 3. Prequestionamento Vimos, por exemplo, que no julgamento do recurso de apelação o tribunal local pode e deve conhecer de ofício as matérias constantes do § 3º do art. 485 do CPC/2015. Não se exige nem que essas matérias tenham sido previamente invocadas, nem tampouco que tenha havido decisão do juízo monocrático sobre elas. Relativamente ao recurso especial, para que tenha cabimento por qualquer das alíneas do inciso III do art. 105 da CF/88, é preciso que a questão federal tenha sido tratada pelo acórdão recorrido. É a isso que se denomina de prequestionamento, requisito essencial à admissibilidade do recurso especial. Quase sempre o prequestionamento sobre a questão federal (entendido o termo como decisão do tribunal local sobre a questão federal em pauta) resulta de provocação da parte, ainda que possa defluir de manifestação oficiosa do tribunal local, na hipótese de ter sido, ex officio, tratada a questão, como, por exemplo, no caso do § 3º do art. 485 do CPC/2015. A propósito, o STF editou a Súmula 282: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”1176-1177. Exige-se, pois, que a questão federal tenha sido apreciada pelo tribunal local, para que tenha cabimento o especial. Esta súmula tem fundadas raízes históricas, inteiramente justificáveis e que se revelam inteiramente atuais. Se a questão não houver sido ventilada, a rigor, não há o que decidir novamente a respeito, justamente porque não foi decidida. Na realidade, o significado real de ventilada é o constar do acórdão recorrido, ter
sido por ele decidida. Se a questão federal, a despeito de suscitada, não tiver sido apreciada, há omissão, suprível pela oposição de embargos declaratórios (art. 1.022, II, do CPC/2015), para forçar a decisão do tribunal local a seu respeito, pois, se houve omissão ou contradição1178, é dever do tribunal saná-las. Diante da omissão é inviável recorrer-se especialmente, como também o é diante da contradição constante do acórdão, pois não se sabe qual a posição real e efetiva assumida pelo tribunal. Se, pois, a decisão do tribunal local for omissa, devem ser opostos embargos declaratórios, com vistas a forçar a manifestação do tribunal local sobre a questão federal, para, depois, ser interposto, se for o caso, o recurso especial. Esse o correto entendimento que resultou sumulado pelo STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (Súmula 356). Por isso mesmo o STJ editou a Súmula 98 de seguinte teor: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”, afastando o risco de aplicação da multa prevista no § 2º do art. 1.026 do CPC/2015, cominada aos embargos declaratórios opostos com nítido caráter protelatório. É importante esclarecer que os embargos declaratórios não se prestam a forçar o tribunal local a se manifestar sobre alguma questão federal não levantada em tempo oportuno. Destinam-se, todavia, a forçar o tribunal local a se manifestar sobre questão federal já suscitada, sobre a qual se tenha omitido, com vistas ao cabimento do recurso especial. O STJ tem decidido que se o tribunal local, a despeito da oposição dos embargos declaratórios, não suprir a omissão apontada nos embargos, haverá error in procedendo,
ensejando pedido de anulação do acórdão local por ofensa ao art. 1.022, II (não supressão da omissão), ou ao art. 1.022, I (não supressão da contradição apontada nos declaratórios), do CPC/2015. Ou, em outras palavras, se, a despeito da oposição de embargos declaratórios, a questão federal, a respeito da qual se pretenda recorrer ao STJ pela via do recurso especial, não foi tratada pelo acórdão recorrido, a orientação firmada pelo STJ é que não houve prequestionamento apto a ensejar a sua discussão pela via do apelo extremo. Claro que o recorrente poderá, todavia, pela via do recurso especial, por infringência ao art. 1.022, II, do CPC/2015, pleitear a anulação do julgado do tribunal local, para o fim de que outro seja proferido, sanando-se a omissão antes apontada. De acordo com o STJ, em tal hipótese, só caberá recurso especial por infringência ao art. 1.022, II, do CPC/2015. Este entendimento restou cristalizado na Súmula 211 do STJ que dispõe: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. Neste particular, o STJ adotou posição mais restritiva quanto ao cabimento do recurso especial do que o STF, no que diz respeito ao cabimento do recurso extraordinário. Com efeito, antes da vigência do CPC/2015, já havia vários julgados do STF dando por satisfeito o requisito do prequestionamento, desde que tenham sido opostos embargos declaratórios objetivando a omissão da apreciação da questão constitucional a ser discutida no recurso extraordinário, mesmo que a omissão não tenha sido suprida pelo tribunal local, não havendo necessidade de se pleitear, no recurso, a anulação do julgado local por error in procedendo. O STF já admitia, portanto, o que se convencionou denominar de prequestionamento “ficto”. E em conformidade com o que STF já vinha decidindo, o CPC/2015 passou a prever expressamente essa hipótese em seu
art. 1.0251179-1180. Se, de um lado, é correta a assertiva de que, para que haja prequestionamento, é preciso que a questão federal tenha sido tratada pelo acórdão recorrido, de outro parece que, se a parte fez o que poderia ter feito, inclusive tendo oposto embargos declaratórios, reputar-se, em casos tais, não ter havido prequestionamento significa, em última análise, denegação de prestação jurisdicional adequada. Assim, dentro das especificidades destes casos, se nos afigura mais correto admitir o prequestionamento “ficto”, reputando-se presente o requisito do prequestionamento, ainda que a questão não tenha sido apreciada pelo tribunal de origem, desde que o recorrente tenha feito o que estava ao seu alcance para que o tribunal a quo enfrentasse a matéria a ser objeto de impugnação extraordinária (gênero que abrange o recurso especial e o extraordinário, propriamente dito), inclusive opondo embargos declaratórios (Súmula 356 do STF), como corretamente prevê o art. 1.025 do CPC/2015. Na vigência do CPC/73, havia o entendimento de que, na hipótese de omissão do acórdão, se ainda assim o STJ enfrentasse a questão federal, isso implicaria “supressão de instância”1181. No entanto, pontua-se que normalmente decorre o prequestionamento de postulação prévia, por um ou outro litigante. Em hipóteses específicas, contudo, ainda é dado ao juiz, sobre determinados assuntos, agir de ofício, como no caso dos arts. 485, § 3º, e 337, § 5º, do CPC/2015, por exemplo. E, nesses casos, se o tribunal enfrenta a matéria em primeira mão no acórdão, dentro do espectro de agir oficioso que lhe é ensejado, cabe recurso especial, pois a matéria foi enfrentada no acórdão, estando, pois, presente o requisito do prequestionamento1182. Há acórdão em que se lê “quando o móvel da inconformação está no
próprio
acórdão
atacado,
o
recurso
especial
não
reclama
prequestionamento”1183. Segundo a terminologia aqui adotada, não há propriamente dispensa de prequestionamento, senão que este, mercê da decisão do tribunal, está presente. Se, todavia, o tribunal incorrer em error in procedendo, para que a matéria possa ser ventilada em recurso especial temos por indispensável a prévia oposição de embargos declaratórios1184. Hipótese muito diferente e que não enseja cabimento de embargos declaratórios é aquela em que, na realidade, não há omissão nem contradição, senão que a ocorrência tardia de um argumento, lastreado em lei federal, mercê do qual até mesmo teria sido possível pronunciamento diferente do tribunal1185. 3.1 Prequestionamento “explícito” e “implícito” O prequestionamento é essencial, pois diz respeito àquilo que restou efetivamente decidido, como, ainda, deve-se sublinhar que “só tem lugar para as questões de direito oportunamente suscitadas, defendidas e apreciadas nas instâncias ordinárias”1186. Deve-se entender que há prequestionamento explícito se a questão federal foi
objeto
de
apreciação
pelo
acórdão
local;
já
a
expressão
“prequestionamento implícito” seria decorrente do conjunto de alegações formuladas pela parte1187-1188. Compreendidas essas duas expressões – prequestionamento implícito e explícito – dessa forma, entendemos que é preciso que exista prequestionamento explícito para que o recurso especial seja cabível. Se o tribunal não decidiu a questão federal, cabem embargos declaratórios, na forma acima exposta, com vistas à supressão da omissão
apontada (art. 1.022, II, do CPC/2015). Prequestionamento explícito significa apenas a decisão pelo tribunal local acerca da questão federal. O tribunal local pode, por exemplo, condenar alguém a pagar indenização por dano culposo causado a outrem, sem invocar expressamente o art. 927 do CC. Havendo, por exemplo, fundamentação no sentido de que aquele que por ato ilícito causa dano a outrem por negligência tem o dever de indenizar, haverá decisão sobre a questão federal refletida em mencionado dispositivo e preenchido estará o requisito do prequestionamento. Na verdade, na exata medida em que o requisito do prequestionamento deve ser reputado satisfeito desde que a questão federal tenha sido enfrentada no acórdão, temos por supérfluas quaisquer adjetivações à expressão “prequestionamento”. Talvez apenas na hipótese de a questão ter sido ventilada e não ter sido enfrentada pelo acórdão, mesmo depois da oposição de embargos declaratórios, tenha sentido falar em prequestionamento implícito ou ficto, como acima tratado. 3.2 Prequestionamento numérico Nessa linha, o STF, principalmente antes do advento da CF/88, quando sua competência era bem mais larga (já que o antigo recurso extraordinário abrangia o atual recurso especial), exigia, em alguns julgados, que o dispositivo de lei federal tivesse constado da decisão local, levando a que fossem opostos embargos declaratórios sempre que isso não ocorresse, e também que a questão federal estivesse posta no acórdão local1189. Referido entendimento, que representa um plus indevido àquilo que a Constituição exige para o cabimento do especial, não vem sendo adotado pelo STF1190 e, tampouco, pelo STJ1191.
Naturalmente, tendo sido mencionado o dispositivo legal dado por contrariado, é mais fácil identificar o prequestionamento, ainda que não necessariamente a menção a determinado dispositivo legal signifique que a questão federal dele emergente tenha sido tratada pelo acórdão local. O que nos parece equivocado é identificar as duas ideias, de molde a confundir a noção de prequestionamento com a necessidade de que tenha havido expressa menção ao dispositivo de lei federal dado por ofendido. O STJ – em nosso entender, com inteiro acerto – tem reconhecido a existência de prequestionamento desde que a questão federal tenha sido tratada no acórdão recorrido. Parece-nos, pelas razões expostas, que o STJ tem encampado a orientação científica e funcionalmente mais correta. O STJ editou, a propósito do assunto em pauta, como visto, a Súmula 98 de seguinte teor: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”, evidenciando que, não tendo o julgado enfocado a questão federal, deverão ser opostos declaratórios, com o fito de ensejar a manifestação do tribunal local a propósito da questão federal, que, todavia, há de ter sido oportunamente agitada. Mas, insista-se, prequestionar pela via dos embargos não significa, tecnicamente, requerer ao tribunal que faça constar do texto do julgado o dispositivo de lei federal dado por contrariado. Confira-se, a respeito, julgado do STF em que é sintetizado com perfeição o conceito de prequestionamento: “Diz-se prequestionada determinada matéria quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, incumbindo à parte, sequiosa de ver a controvérsia guindada à sede extraordinária, provocá-lo a tanto”1192.
3.3 Prequestionamento e matéria cognoscível de ofício Questão interessante é a de saber como se coloca a exigência do prequestionamento em face de questões de ordem pública, que devam ser conhecidas ex officio pelo juiz. Tal é o caso, por exemplo, da falta de condições da ação, vício que, segundo preceitua o art. 485, § 3º, do CPC/2015, deve ser conhecido de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença (ou acórdão, em se tratando de tribunal). Parece-nos
que,
também
neste
caso,
haverá
necessidade
de
prequestionamento, porque, caso contrário, não se fará presente o requisito constitucional ensejador do cabimento do recurso especial pela alínea a do inciso III do art. 105 da CF/88, que alude a “causas decididas”. Ou seja, será sempre preciso que o tribunal local tenha apreciado a questão federal objeto do recurso, para viabilizar o acesso ao Superior Tribunal de Justiça, pela via do recurso especial. Tal orientação parece ter sido pacificada no âmbito do STJ ao julgar o Agravo Regimental nos Embargos de Divergência 999342, à luz do CPC/731193. Nelson Luiz Pinto sustenta, desde a vigência do CPC/73, interessante posicionamento no sentido de que as questões que devem ser apreciadas ex officio, como é o caso das condições da ação, já terão sido (pelo menos implicitamente) apreciadas em qualquer decisão de mérito anterior, de tal sorte que, no mínimo, terá havido decisão implícita acerca das condições da ação1194. Contudo, os tribunais têm se inclinado, com acerto, por não admitir o questionamento, no bojo de recurso especial, de questões federais não devidamente prequestionadas, ainda que pudessem (rectius, devessem) ter sido objeto de decisão ex officio por parte do tribunal local1195. Ou seja: ou
bem a matéria foi enfrentada pelo tribunal, ou não há como reputar-se, em linha de princípio, como preenchido o requisito do prequestionamento. Outro aspecto fundamental – diz, pois, com o próprio cabimento do recurso especial, como também do extraordinário – é que os recursos, de resto como todos os instrumentos processuais, têm de ter uma finalidade prática, ainda que potencial. Pode ocorrer que seja interposto um recurso especial em que vários dos fundamentos se encontrem combatidos, mas nem todos. Se houver, todavia, um fundamento, a que se designa de suficiente, não impugnado, isso haverá de conduzir ao não conhecimento do recurso. Ou seja, ainda que todos os outros pudessem levar à modificação do julgamento, aquele não devolvido no âmbito do recurso, porque suficiente para suportar a decisão, ainda que os demais pudessem ser alterados, acarreta o não conhecimento do recurso. Esse sempre foi o entendimento que presidiu a atividade do STF, e que se encontra cristalizado na Súmula 283, cujo mesmo entendimento tem sido sempre aplicado pelo STJ1196. É inaplicável esse entendimento, todavia, se houver um fundamento que diga respeito a um determinado pedido, que é um capítulo do acórdão. Nesta hipótese, tratandose esse “pedido” de um capítulo do acórdão, poderá o recurso especial ser admitido e julgado, em relação aos outros pedidos/capítulos. Diante da cisão de competências operada no STF, em face do disposto na Constituição Federal de 1988, pode ocorrer prejudicialidade de um recurso em relação ao outro, tema previsto nos §§ 2º e 3º do art. 1.031 do CPC/2015. Em princípio, o recurso especial é julgado em primeiro lugar (art. 1.031, § 1º, do CPC/2015), salvo hipótese de prejudicialidade, quando então deverá o relator do especial remeter os autos ao STF, procedendo na forma dos §§ 2º e 3º do art. 1.031 do CPC/20151197.
Além disso, se o relator entender que o recurso especial trata de questão constitucional, aplicando-se o princípio da fungibilidade, deve intimar o recorrente para que, em 15 dias, demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste acerca da questão constitucional (art. 1.032 do CPC/2015). Após a apresentação da manifestação pelo recorrente, o relator deverá remeter os autos ao STF. O STF poderá devolver o recurso ao STJ caso julgue o recurso inadmissível (art. 1.032, parágrafo único, do CPC/2015). O STJ não tem competência para redecidir matéria constitucional tratada pelo acórdão local (o que não significa que a ele – STJ – não se aplique a regra do art. 97 da CF/88, de modo que é perfeitamente possível que o STJ decida sobre inconstitucionalidade de tratado ou lei federal em primeira mão). Ocorre, todavia, que numa mesma decisão pode haver matéria constitucional e matéria de lei federal. Pode, mais do que isso, suceder que o fundamento constitucional seja suficiente para manter o julgado. Se isso ocorrer, é imprescindível – em nome da essência do princípio constante da Súmula 283 do STF – que haja sido interposto recurso extraordinário, pois que, se interposto somente o recurso especial, ainda que neste esteja adequadamente impugnada toda a matéria de lei federal, como há fundamento constitucional (que é um dos fundamentos do acórdão) suficiente, é inócuo conhecer-se do recurso especial, dado que, pelo fundamento constitucional, irrecorrido, o acórdão deve prevalecer. O STJ, cristalizando este entendimento, editou a Súmula 1261198. É orientação preponderante, que temos por inteiramente correta, a de que a admissão do recurso especial por um fundamento, quando este tenha mais fundamentos, enseja o julgamento do recurso especial pelos demais fundamentos, independentemente de interposição de recurso de agravo.
Assim também decide o STF, que a propósito editou as Súmulas 292 e 5281199. As duas súmulas tratam do mesmo assunto, sendo, todavia, explícita a de n. 528 – o que já estava virtualmente compreendido na de n. 292 – a respeito da desnecessidade de interposição de agravo, em relação aos fundamentos do recurso extraordinário que não foram admitidos. A admissão parcial do recurso especial leva a que acentuemos a indagação consistente em saber se é necessário agravar da parte não admitida, para ensejar o conhecimento do recurso especial, nessa parte. Pode-se dizer que, depois de alguma pequena hesitação, a resposta dada pelo STJ é igual à do STF, em relação a este problema. Aplica o STJ, ao caso, as Súmulas 292 e 528 do STF. Vale dizer, o recurso especial parcialmente admitido prescinde de agravo, na parte não admitida, devendo o STJ examinar integralmente o cabimento do recurso. Significa isso que, aplicadas tais Súmulas, entende-se que a decisão de admissão parcial, pelo presidente do Tribunal local, não gera preclusão para o STJ, em relação à parte não admitida. Esta orientação, desde há algum tempo e sobretudo atualmente, pode-se dizer pacífica no STJ1200. 3.4 Primeiras conclusões Feitas essas considerações iniciais, relativamente ao prequestionamento, é possível firmar as seguintes conclusões: 1) o prequestionamento é requisito intrínseco de admissibilidade do recurso especial, que decorre da disciplina do especial pela própria Constituição Federal; 2) nessa conclusão, estamos utilizando a expressão “prequestionamento” como significativa da necessidade de que haja decisão local sobre a questão federal, o que, quase sempre, embora não necessariamente, decorre de
atividade das partes (salvo, v.g., hipótese do § 3º do art. 485 do CPC/2015); 3) se o tribunal não se manifestar sobre questão federal oportunamente levantada, devem ser manejados embargos declaratórios, sem deturpação de finalidade, ou seja, os embargos de declaração se amoldam principalmente à hipótese do art. 1.020, II, do CPC/2015, com vistas à supressão dessa omissão. Após a prolação do acórdão, não é dado à parte opor embargos declaratórios, com vistas à discussão de questão nova, que não tenha sido oportunamente agitada pelo interessado. Examinamos assim, perfunctoriamente, os requisitos constitucionais necessários ao cabimento do recurso especial. Como o recurso é de índole constitucional, é da própria Constituição Federal que devem ser extraídos os primeiros requisitos de admissibilidade do recurso especial. Estudaremos, mais adiante, o regramento infraconstitucional do recurso especial, sua forma de processamento, e anotaremos a impossibilidade de rediscussão de matéria fática no seu bojo (Súmula 7 do STJ), à qual já aludimos. 4. Forma de interposição do recurso especial – repasse das hipóteses constitucionais de cabimento do recurso especial O recurso especial deverá ser interposto por petição, perante o presidente (ou vice) do tribunal a quo, contendo (1) a exposição de fato e de direito, (2) a demonstração de cabimento do recurso especial e (3) as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida (art. 1.029, I a III, do CPC/2015). Na hipótese de interposição de recurso especial e extraordinário, devem ser formuladas petições autônomas, sob pena de não conhecimento. Questão tormentosa dizia respeito à interposição dos recursos especial e extraordinário por meio da utilização dos chamados “protocolos integrados”,
diante da orientação cristalizada na Súmula 256 do STJ: “O sistema de ‘protocolo integrado’ não se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça”. Mesmo o disposto no parágrafo único do art. 929 do CPC/2015, que dispõe que “A critério do tribunal, os serviços de protocolo poderão ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau”, havia julgados, tanto do STJ quanto do STF, que inadmitiam recursos interpostos por meio do protocolo integrado se o recurso não chegasse ao tribunal local até o último dia do prazo1201. Todavia, após algum tempo, o STF veio a alterar dito entendimento, passando a aceitar a interposição de recursos a ele dirigidos através do sistema de protocolo integrado1202. Na mesma linha, o STJ veio a cancelar a referida Súmula 256, sendo aplicável, atualmente, o sistema de protocolo integrado aos recursos dirigidos ao STJ1203. A parte poderá recorrer por qualquer das alíneas do inciso III do art. 105 da CF/88. Se alegar contrariedade à lei federal, o recurso deverá ser fundamentado na alínea a do dispositivo constitucional supracitado. Lembremos que o aferir se houve ou não dita contrariedade é matéria de mérito, que não deve, pois, constituir causa de inadmissibilidade do recurso especial pela instância a quo. A hipótese da alínea b, como visto, encontra-se de certa forma englobada na alínea a, pois, se se recorre por ter sido considerado válido ato de governo local, contestado em face da lei federal, o que se alega, em última análise, é ofensa à lei federal. Já dissemos que a redação do art. 105, III, b, da CF/88, anterior à edição da EC 45/2004, dispunha sobre o cabimento de recurso especial quando a decisão recorrida julgasse válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal. Aquela primeira hipótese constitui
hoje, expressamente, caso de recurso extraordinário (art. 102, III, d, da CF/88). Trata-se, conforme dito, de requisito objetivo, constatável de plano. Basta que o tribunal local tenha julgado válido ato de governo local, contestado em face de lei federal, para que tenha cabimento o especial pela alínea b do inciso III do art. 105 da CF/88. A divergência jurisprudencial, de seu lado, diz com a missão constitucional do STJ de uniformizar o entendimento da lei federal em todo o País a partir de recurso especial onde se identifique essa divergência. A divergência deverá ser demonstrada em hipóteses similares, fazendo-se sua prova por certidão, cópia ou citação do repositório oficial1204 ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente ou ainda com a reprodução do julgado disponível na rede mundial de computadores, com a indicação da respectiva fonte, devendo-se fazer a prova das circunstâncias que assemelhem os casos (art. 1.029, § 1º, do CPC/2015). Insista-se, ainda, que a divergência, pela mesma razão (qual seja a missão constitucional do STJ de uniformizar a interpretação da lei federal em todo o País), há de ser atual, de modo que, se superada no tribunal local a tendência jurisprudencial expressa no acórdão que se pretende utilizar como paradigma para interpor o recurso pela alínea c do inciso III do art. 105 da CF/88, o recurso não será cabível. Da mesma forma, descabe falar, como já frisado, em divergência jurisprudencial, para fins de interposição de recurso especial, se o STJ firmou entendimento no sentido da decisão recorrida, consoante já sumulou o próprio STJ: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (Súmula 83)1205-1206.
4.1 Efeitos do recurso especial Como regra geral, os recursos extraordinário e especial serão recebidos apenas no efeito devolutivo. Reafirma-se a regra do art. 995 do CPC/2015, que estatui que os recursos não impedem a eficácia da decisão recorrida, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Por isso mesmo, sujeita-se à execução provisória o acórdão impugnado por recurso especial. A fortiori, será provisória a execução, se pendente recurso de agravo1207 contra decisão denegatória de seguimento do recurso especial – atualmente tratado como agravo em recurso especial –, ou mesmo se interpostos embargos de divergência, nos termos do art. 1.043 do CPC/2015. É que, como alerta Alcides de Mendonça Lima, “a ‘devolução’, por si mesma, não tem qualquer influência na executoriedade, ou não, da decisão
recorrida”1208.
A eficácia de uma decisão,
inclusive sua
executoriedade, são relacionadas com a suspensividade, que, na realidade, significa a suspensão dessa executoriedade ou dessa eficácia. No entanto, como já dissemos anteriormente, o recurso especial poderá ser recebido no efeito suspensivo nas hipóteses de incidente de demandas repetitivas ou de assunção de competência. 5. Efeitos dos recursos: generalidades e peculiaridades do recurso especial 5.1 O efeito devolutivo: sua amplitude no caso do recurso especial O efeito devolutivo, sabe-se, é o efeito dos recursos que permite que o tribunal ad quem venha a rever a decisão proferida pela instância recorrida. Importante, todavia, consignar que normalmente o recurso devolve a apreciação da causa a outro órgão jurisdicional, mas há hipóteses em que a
devolução, via recurso, se dá para o mesmo órgão jurisdicional prolator da decisão recorrida. Na verdade, todo recurso, dentro das suas características, colima o reexame da decisão. Alcides de Mendonça Lima critica a expressão “efeito devolutivo”, e propõe a terminologia “efeito de transferência”, que, segundo diz, seria mais adaptada à realidade “hodierna, sem liame algum com uma situação superada e obsoleta”1209. O efeito devolutivo dos recursos varia conforme a espécie recursal de que se trate. O efeito devolutivo, por exemplo, no recurso de apelação, é amplíssimo, conforme se depreende da leitura do caput do art. 1.013 do CPC/2015: “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. É o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que significa que a extensão do efeito devolutivo da apelação é delimitada pela vontade do recorrente, que pode pretender o reexame integral do decidido em primeira instância sem limitações. Com efeito, pelo recurso de apelação pode-se impugnar tudo aquilo que tiver sido objeto de decisão pelo juiz de primeira instância. Em hipóteses excepcionais, como sublinhamos no capítulo destinado ao estudo do recurso de apelação, é possível até mesmo pleitear ao tribunal que julgue diretamente o pedido, ainda que o juiz de primeiro grau não o tenha feito, porque tenha extinguido o processo sem resolução de mérito, tenha decidido ultra, extra ou infra petita ou deficiente de fundamentação. Essa possibilidade vem hoje prevista no § 3º do art. 1.013 do CPC/2015. De outro lado, uma vez interposta a apelação, por força da profundidade do efeito devolutivo, determinadas matérias são automaticamente guindadas à apreciação do tribunal (art. 1.013, §§ 1º e 2º, do CPC/2015). Ademais, no plano da jurisdição ordinária, é ampla a possibilidade do agir oficioso do tribunal,
como se nota do § 3º do art. 485 do CPC/2015 ou do § 5º do art. 337 do CPC/2015. Como essas matérias são elevadas à apreciação do tribunal independentemente da vontade daquele que recorrer, parte da doutrina se utiliza da expressão efeito translativo para explicar esse fenômeno1210. Por outro lado, por meio do recurso especial é possível devolver ao STJ apenas matéria de direito federal devidamente prequestionada. A correção de vícios decorrentes, por exemplo, de má apreciação da prova é insuscetível de ser feita por intermédio do recurso especial. Já vimos, por exemplo, que o reexame da matéria fática é proibido em sede de recurso especial, o que significa que a profundidade do efeito devolutivo deste recurso é, qualitativamente, menor do que o de apelação. Já se disse anteriormente: o recurso especial é recurso de estrito direito. Repise-se, todavia, que a proibição de que na instância extraordinária se reexaminem fatos não impede que o STJ atribua aos fatos, tais como ocorridos, sua correta qualificação jurídica, o que configura problema de estrito direito1211. Barbosa Moreira figura alguns exemplos interessantes de problemas que podem ser ventilados em sede de recurso especial, sem necessidade de reexame de matéria fática, como, por exemplo, “[verificar] se a entrega dos títulos pelo devedor ao credor configurava ou não novação ou dação em pagamento, [ou] para caracterizar determinado escrito como simples minuta ou como verdadeiro instrumento de contrato preliminar”1212. O que está subjacente, como denominador comum a essas hipóteses, é que requalificar fatos é matéria de direito, no caso, à luz do direito federal. Aqui os fatos subsistem à luz da versão que a eles emprestou o acórdão; ou seja, deve subsistir a descrição empírica dos fatos, mas essa versão ou essa “verdade” pode ser corrigida, tendo em vista o seu enquadramento na lei federal, pelo
STJ, que pode ser outro, diferente daquele constante do acórdão recorrido. Questão interessante diz respeito às matérias de ordem pública. Diz o art. 485, § 3º, que algumas matérias previstas naquele dispositivo podem ser conhecidas de ofício pelo órgão jurisdicional a qualquer tempo e grau de jurisdição. No âmbito do STJ, há decisões no sentido de que é inadmissível o conhecimento de matérias de ordem pública no julgamento de recurso especial, pois dito recurso, espécie de recurso excepcional, não comporta julgamento, senão das matérias já prequestionadas. Há, de outro lado, decisões, inclusive recentes, admitindo o conhecimento de matérias de ordem pública ex officio1213. Por outro lado, importante frisar que o recurso especial (e também o extraordinário) não é recurso de cassação. Já vimos anteriormente, quando falamos do juízo de admissibilidade, que, superado o plano da admissibilidade, presentes os requisitos de admissibilidade do especial, o STJ aplicará (a norma é impositiva) o direito à causa, conforme estatui, claramente, o art. 2571214 do RISTJ. Naturalmente – assim como sucede (ao menos como regra, salvo se presentes os requisitos do § 3º do art. 1.013 do CPC/2015) em relação ao próprio recurso de apelação –, se for atribuído error in procedendo à decisão recorrida, haver-se-á de pleitear sua anulação, para que outra, sem o vício apontado, seja proferida. Isso, porém, não transforma o recurso especial em recurso de cassação, pois, como regra, conhecido o recurso, o acórdão do recurso especial substitui o acórdão recorrido, incidindo o art. 1.008 do CPC/2015, mesmo se alegado apenas error in procedendo, desde que conhecido mas improvido o recurso. Daí dispor a Súmula 456 do STF, válida para o STJ, que, conhecido o recurso, aplica-se o direito à causa, ou seja, será o STJ que o aplica, substituindo o
acórdão recorrido. 5.2 Os efeitos suspensivo e devolutivo e o recurso especial O efeito suspensivo dos recursos impede que a decisão recorrida produza efeitos, pelo simples fato de estar sujeita à interposição do recurso1215. Sabese, por exemplo, que a apelação, como regra, deve ter efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015). Por isso mesmo, a sentença, de ordinário, pelo simples fato de estar sujeita ao recurso de apelação, não produz efeitos desde o momento em que é prolatada. Esse estado de inércia ou de inibição à produção de efeitos se prolonga com a efetiva interposição dotada de efeito suspensivo, perdurando até o momento em que haja decisão sobre o recurso1216. O efeito suspensivo é, assim, mais do que um atributo do recurso – decorre da mera recorribilidade, pois a simples circunstância de a decisão ser impugnável por recurso dotado de efeito suspensivo impede que ela produza efeitos. Diz Nelson Nery Jr., com acerto, que “a eficácia imediata da decisão fica sob a condição suspensiva de não haver interposição de recurso que deva ser recebida no efeito suspensivo”1217. Explica com acuidade Teresa Arruda Alvim que, enquanto o efeito devolutivo é da essência dos recursos – como já remarcamos –, o efeito suspensivo (que o recurso especial não tem) “não integra a essência dos recursos, não os caracteriza como tais, porque se pode conceber recurso sem pensar no efeito suspensivo, enquanto que não há recurso sem efeito devolutivo”1218-1219. O efeito devolutivo consiste no próprio mérito do recurso, conforme diz Nelson Nery Jr.1220 – vale dizer, é pelo efeito devolutivo que se transfere ao órgão ad quem a possibilidade de rejulgamento do que seja objeto do recurso.
Evidentemente, para que se possa afirmar que todo e qualquer recurso tem efeito devolutivo, como disse Teresa Arruda Alvim, deve-se entender referida expressão de forma bastante ampla, tal como a conceitua Alcides de Mendonça Lima: “A ‘devolução’, assim, deve ser entendida face ao Poder Judiciário, em sua estrutura e unidade: o recorrente provoca, novamente, a manifestação do Poder Judiciário a respeito da matéria controvertida por via do recurso hábil (...). Todos [os recursos], por este raciocínio, devolvem o conhecimento nos limites estabelecidos em lei para cada espécie”1221-1222. O efeito devolutivo prolonga o estado de litispendência (no sentido de lide pendente), até que o recurso seja julgado, ou, então, inadmitido na origem, até que se esgote o prazo para interposição de recurso visando a destrancá-lo e, eventualmente, de outro recurso que possa ainda ser interposto. Porém, como já enfatizamos, o efeito devolutivo apresenta feições diferentes, conforme o recurso de que se trate. O efeito devolutivo do recurso de apelação, conforme já ressaltado, é amplíssimo. Devolve-se ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (extensão do efeito devolutivo, constante do caput do art. 1.013 do CPC/2015 – tantum devolutum quantum appellatum), sendo objeto de apreciação pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha decidido por inteiro (§§ 1º e 2º do art. 1.013 do CPC/2015 – profundidade do efeito devolutivo). No caso do recurso especial, também é devolvido ao STJ o conhecimento da matéria impugnada; porém, a matéria suscetível de ser impugnada é muito menos ampla do que no recurso de apelação. Apenas questões de direito federal, devidamente prequestionadas, é que podem ser guindadas, via recurso especial, à apreciação do STJ.
5.2.1 Execução provisória A decisão sujeita a recurso especial, como visto, pode ser executada provisoriamente, dado que o recurso especial, a teor do art. 995 do CPC/2015, só deve ser recebido no efeito devolutivo, não tendo efeito suspensivo. O art. 502 do CPC/2015, de outro lado, é claro ao dispor que os efeitos da coisa julgada só recaem sobre a parte dispositiva da sentença não mais sujeita a recurso. Também será provisória a execução que se instaurar na pendência de agravo em recurso especial (art. 1.042 do CPC/2015), bem como pendente o agravo de que trata o art. 1.021 do CPC/2015, ou, ainda, se pendentes de julgamento os embargos de divergência previstos no art. 1.043 do CPC/2015. Todavia, tem-se que, nesses casos, em princípio, a caução, devida na hipótese de levantamento de depósito em dinheiro e no caso de prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado (art. 520, IV, do CPC/2015), será dispensada (art. 521, III, do CPC/2015). Para que se dê início à execução provisória, deverá o interessado instruir a petição com as peças elencadas nos incisos I a IV do parágrafo único do art. 522 do CPC/2015, ao lado das peças facultativas que reputar necessárias (art. 522, parágrafo único, V, do CPC/2015). Sendo desnecessários quando os autos forem eletrônicos. Teresa Arruda Alvim observa que é uma característica dos ordenamentos jurídicos modernos a previsão de recursos não dotados de efeito suspensivo1223, tendência essa já detectada por Alcides de Mendonça Lima, há quase meio século1224.
5.2.2 Uso de medidas cautelares para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial Excepcionalmente, porém, o STJ tem admitido seja emprestado efeito suspensivo ao recurso especial, impedindo-se, com isso, a execução, ainda que provisória, do julgado local. Para tanto, o STJ vem admitindo o uso de medidas cautelares, atribuindo, se for o caso, com base no poder geral de cautela (art. 297 do CPC/2015), efeito suspensivo ao recurso especial. Poderá o relator, nesse caso, conceder o referido efeito suspensivo (art. 34, VI, do RISTJ), submetendo a decisão ao órgão fracionário do tribunal encarregado do julgamento do recurso (art. 34, V, do RISTJ). Acerca da atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário, Luiz Rodrigues Wambier1225 tece algumas considerações importantes. Diz o autor que o efeito suspensivo que estes recursos podem obter não decorre da situação de recorribilidade, como é o caso do recurso de apelação, em que este efeito é automático. O efeito suspensivo, nestas hipóteses, será requerido em sede de cautelar, e, enquanto isso, há produção de efeitos da decisão recorrida até que venha a ser atribuído efeito suspensivo ao recurso. Para a concessão de medida cautelar é necessário que os pressupostos próprios das cautelares estejam presentes, quais sejam periculum in mora e fumus boni iuris. É o que observa o Min. Peçanha Martins, em trabalho de cunho doutrinário escrito sobre os requisitos de admissibilidade do recurso especial, em que consigna, à luz do CPC/73: “Ambos os recursos [especial e extraordinário] serão recebidos no efeito devolutivo (§ 2º do art. 542 do CPC). Tal regra vem sofrendo abrandamento pretoriano, nas hipóteses
especialíssimas de teratologia da decisão ou prejuízo irreparável ou de dificílima reparação, mediante a interposição de medida cautelar, divergindo alguns ministros quanto ao momento da concessão. Admitem alguns que se pode deferir a medida liminarmente, antes mesmo da decisão de admissibilidade do recurso especial pelo Desembargador Presidente do Tribunal a quo. Não me filio a tal corrente, indeferindo, nesta hipótese, a cautelar, por isso que o recurso ainda se encontra submetido à competência do tribunal a quo e poderá, inclusive, ser inadmitido (AgRg em Pet 721/SP, DJ 13.08.1993, rel. Min. Celso de Mello)”1226. É possível apontar o art. 995 do CPC/2015 como correspondente ao art. 542, § 2º, do CPC/73, uma vez que ele dita as regras gerais aplicáveis aos recursos. Parece-nos, diferentemente, conforme já tivemos oportunidade de expor, que não há qualquer razão para condicionar o cabimento de medida cautelar, visando à atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial, à admissão do recurso especial pelo tribunal a quo. Primeiro, porque, como é cediço, entre o momento em que o recurso especial é interposto e aquele em que a presidência do tribunal a quo aprecia se estão presentes ou não os requisitos de admissibilidade do recurso especial, conforme o Estado da Federação, não raro transcorrem alguns meses, de modo que esse condicionamento pode implicar, exatamente naqueles casos em que o periculum in mora é realmente grande, o perecimento do (potencial) direito, tornando inútil o julgamento do recurso especial. Em segundo lugar, porque, conforme já tivemos oportunidade de consignar, o juízo de admissibilidade emitido pelo órgão a quo é sempre provisório, não condicionando, sob ângulo algum, o posicionamento sobre a
admissibilidade do recurso pelo tribunal ad quem, que, no caso, é o Superior Tribunal de Justiça. Quer isso significar que, se o tribunal a quo mandar processar o recurso, o STJ poderá dele não conhecer, sendo o contrário também verdadeiro, desde que interposto recurso de agravo visando a destrancar o especial. Daí por que representa em nosso entender um verdadeiro contrassenso condicionar o cabimento de medida cautelar a um julgamento provisório sobre a admissibilidade do recurso emitido pela instância inferior, que absolutamente não condiciona o entendimento do STJ acerca do preenchimento (ou não) dos requisitos de admissibilidade do recurso especial. Luiz Rodrigues Wambier1227 também compartilha desse entendimento, sustentando que sujeitar a concessão do efeito suspensivo, mediante cautelar, ao juízo de admissibilidade positivo do recurso retiraria quase toda a utilidade do processo cautelar, que visa preservar o resultado útil do processo, que com a execução provisória estaria seriamente comprometido. A utilização de uma medida cautelar com a finalidade de suspender os efeitos da decisão judicial atacada por recurso especial tem como função preservar o resultado útil do provável provimento do recurso, considerando que o julgamento definitivo dos processos nos Tribunais Superiores costuma ser demorado, de modo que, em alguns casos, efetivamente o risco de gerar danos irreparáveis é muito grande. O STF, de seu turno, sumulou o entendimento de que a cautelar visando a atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário só tem cabimento quando o recurso já tenha sido submetido ao crivo de admissibilidade na instância local (Súmula 634: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda
não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”), sendo que, antes disso, a cautelar deve ser requerida junto à presidência do tribunal local (Súmula 635: “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”). Há julgados do STJ que encampam a orientação defendida no texto1228, devendo ser ressaltado que alguns julgados do STJ admitem inclusive a cautelar para se atribuir efeito suspensivo ao agravo de que trata o art. 1.042 do CPC/20151229, enquanto outros seguem a linha sumulada do STF1230. Conforme já tivemos oportunidade de expor no capítulo em que estudamos a competência, questão que merece destaque nesse contexto diz com o meio judicial mais apropriado para se impugnar a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal local que concede ou denega medida cautelar visando atribuir efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário. Aqui também a orientação do Superior Tribunal de Justiça não é uniforme. Há julgados que encampam a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o meio mais apropriado para se cassar a liminar cautelar concedida pelo tribunal local é a utilização de outra ação cautelar, direcionada ao STJ1231. Diversamente, há outra linha jurisprudencial do STJ, formada antes da entrada em vigor da Lei n. 12.322/2010, que encampa orientação segundo a qual o meio mais apropriado para atacar aludida decisão, nessa hipótese, é o agravo do art. 1.042 do CPC/20151232. A circunstância de existir divergência jurisprudencial sobre o instrumento cabível para que seja impugnada a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local, que concede ou denega a cautelar visando atribuir efeito
suspensivo aos recursos especial e extraordinário, recomenda a aplicação do princípio da fungibilidade. As mesmas e idênticas razões que dão ensejo à fungibilidade recursal fazem-se presentes na situação ora sob análise. O princípio da fungibilidade, que, historicamente, tem encontrado larga aplicação em matéria recursal, radica-se na ideia de que o interessado não deve ser prejudicado quando o sistema processual for capaz de gerar dúvida objetiva sobre qual o instrumento processual apto para atingir determinado fim1233. Teresa Arruda Alvim fala, por isso, com razão, em fungibilidade de meios, eloquente expressão cunhada pela notável autora e que nos parece extremamente adequada1234. Podemos afirmar, portanto, que, havendo dúvida objetiva sobre qual o instrumento processual adequado, é caso de aplicação do princípio da fungibilidade, cujo alcance não se restringe à matéria recursal. A aplicação do princípio da fungibilidade, nessa hipótese, quer significar que o juiz deve aceitar o instrumento utilizado pelo autor mesmo contra a sua convicção pessoal. Vale dizer, se o juiz entender que o caminho correto é o do agravo do art. 1.042 do CPC/2015, nem por isso há de indeferir a impugnação por meio de outra ação cautelar. O que se nos afigura essencial é que nessa hipótese, qualquer que seja o procedimento utilizado, seja respeitado o contraditório. Vale dizer, mesmo que se dê por correto o caminho do agravo em recurso especial ou extraordinário, o recorrido há ser ouvido. Eventualmente, a oportunidade para manifestação do recorrido pode ser dada após a decisão (assim como o contraditório em primeira instância, diante do pedido de antecipação de tutela, também pode ser efetivado depois da decisão), mas certamente haverá este de ser ouvido, e, preferencialmente, desde que não haja risco de
ineficácia da decisão, antes da concessão da medida. 6. Cisão do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário Com relação ao recurso especial ou extraordinário, a lei, em atendimento ao princípio da economia processual, confere competência ao juízo a quo para decidir provisoriamente sobre a admissibilidade, conquanto o juízo de admissibilidade definitivo caiba sempre ao tribunal destinatário do recurso – STF ou STJ. Objetiva-se, com isso, evitar que o recurso que não preencha condições de admissibilidade suba desnecessariamente ao tribunal. Reafirmese, contudo, que o tribunal ad quem, desde que instado a se manifestar sobre eventual decisão denegatória de admissibilidade do recurso pela instância a quo, poderá, sempre, rever esse posicionamento, já que o pronunciamento da instância originária acerca da admissibilidade do recurso não vincula a instância ad quem1235. O art. 1.042 do CPC/2015 disciplina o cabimento de recurso de agravo ao STF ou STJ toda vez que o tribunal a quo não tenha admitido, na origem, o processamento do extraordinário ou do especial, respectivamente. O recurso especial, assim como o recurso extraordinário, é, pois, interposto perante o tribunal a quo, ao qual a lei atribui competência para, em primeiro plano, apreciar sua admissibilidade. É o que deflui da leitura do inciso V do art. 1.030 do CPC/2015: “(...) serão os autos conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que (...)”. Fixe-se bem a ideia de que o juízo de admissibilidade do recurso exercido
pelo órgão a quo é sempre provisório, de modo que o seu entendimento não condiciona, em absoluto, o pronunciamento do tribunal ad quem, ao qual é dirigido o recurso, acerca do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso1236. Doutra parte, se positivo o juízo de admissibilidade exercido pelo órgão a quo, esse entendimento provisório não impede, absolutamente, que o tribunal destinatário do recurso entenda que o recurso não deva ser conhecido, porque ausentes um ou alguns requisitos de admissibilidade. Anote-se, ademais, que, se há interesse em recorrer contra a decisão do juízo a quo no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto, inexiste interesse recursal para que se interponha recurso da decisão positiva do juízo a quo sobre a admissibilidade do recurso. Esta assertiva decorre da premissa já fixada de que o juízo de admissibilidade da instância a quo é sempre provisório e não condiciona o entendimento da instância ad quem, e, ademais, envolve matérias cognoscíveis de ofício. Se assim é, basta que o recorrido (a quem interessa o não conhecimento do recurso interposto) aduza, em sede de contrarrazões, os motivos pelos quais entenda não deva ser o recurso especial conhecido, carecendo-lhe interesse (necessidade + utilidade), por isso mesmo, para interpor recurso visando especificamente atacar a decisão positiva provisória da instância a quo sobre a admissibilidade do recurso. Ademais, os requisitos atinentes à admissibilidade dos recursos constituem matéria de ordem pública, devendo ser apreciados de ofício pela instância ad quem, ainda que o recorrido não levante óbices ao conhecimento do recurso interposto em sede de contrarrazões. Consigne-se, a propósito da decisão de admissibilidade do recurso especial, o entendimento corretamente sedimentado pelo STJ na Súmula 123:
“A decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”. 6.1 Natureza da decisão acerca do juízo de admissibilidade 6.1.1 A questão do termo a quo do prazo para propositura de ação rescisória Já dissemos em outras passagens que a decisão acerca do juízo de admissibilidade dos recursos, incluindo-se aí o especial, tem natureza declaratória. Ou seja, quando o STJ, por exemplo, inadmite determinado recurso especial, nada mais faz do que declarar que, quando da sua interposição, não estavam presentes seus requisitos de admissibilidade. A eficácia declaratória dessa decisão tem importante relação com o problema de se determinar o momento do trânsito em julgado e, em consequência, o do início do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória, que é de dois anos (art. 975 do CPC/2015). Já tratamos brevemente do tema, mas o aprofundaremos em capítulo específico, onde estudaremos a ação rescisória. No entanto, já adiantamos que encampamos o entendimento no sentido de que, a despeito de a decisão de admissibilidade do recurso ter cunho declaratório, nem por isso é de se admitir que a rescisória seja proposta antes de proferido esse juízo. O que transita em julgado é a decisão local, mas antes de proferido o juízo de admissibilidade negativo do especial é inviável falar em trânsito em julgado (há litispendência, no sentido de processo em curso). Nesse sentido, conforme exporemos com mais vagar, o STJ chegou a editar a Súmula 401, com a seguinte redação: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.
7. Admissão do recurso especial pela instância a quo e do extraordinário, quando houver Admitido o recurso especial pela instância de origem, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. Havendo interposição de recurso especial e de recurso extraordinário (art. 1.031 do CPC/2015), os autos serão remetidos para o Superior Tribunal de Justiça julgar o especial, e somente quando este estiver concluído ocorrerá o julgamento do extraordinário no STF, se este não estiver prejudicado (art. 1.031, § 1º, do CPC/2015). Na verdade, quer nos afigurar que o provimento do especial, anulando ou reformando o acórdão local, levará, de regra, a que o recurso extraordinário seja tido por prejudicado, ainda que, em hipótese, por exemplo, de provimento parcial do recurso especial, possa subsistir o interesse no julgamento do extraordinário. Nesse passo, cabe referir a seguinte decisão do STF proferida na vigência do CPC/2015: “Recurso extraordinário – Interposição simultânea com o especial – Prejuízo. Uma vez ultrapassada, na apreciação do recurso especial, a barreira do conhecimento, o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça substitui, consideradas as balizas em que foi prolatado, a decisão impugnada simultaneamente via especial e extraordinário – art. 512 do CPC [art. 1.008 do CPC/2015]. Daí o prejuízo desse último”1237. Porém, o relator do especial poderá entender que o extraordinário lhe é prejudicial, caso em que deverá, em decisão irrecorrível, determinar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do extraordinário (art. 1.031, § 2º, do CPC/2015)1238. Nesse caso, o relator do extraordinário poderá ou determinar o julgamento do extraordinário (ou o agravo em recurso extraordinário), ou entender que
não existe referida prejudicialidade, determinando, em decisão irrecorrível, a volta dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, para julgamento do especial (art. 1.031, § 3º, do CPC/2015). Anota com propriedade Barbosa Moreira que não apenas o relator do extraordinário poderá entender que não existe a apontada prejudicialidade, como o próprio órgão colegiado encarregado do julgamento do extraordinário poderá expressar referido entendimento. Voltando à regra geral, tem-se que, se o recurso especial for inadmitido, aguardar-se-á, primeiro, o julgamento do agravo interposto contra a decisão denegatória de seguimento do recurso, e, eventualmente, o julgamento do especial, se provido o agravo, para, depois, proceder-se ao julgamento do extraordinário. Havendo dois agravos, julgar-se-á primeiro o agravo relativo à negativa de seguimento do recurso especial. José Theophilo Fleury1239 ensina, em esclarecedora síntese sobre o tema: “Esta preferência do legislador, de se julgar o recurso especial primeiramente, tem sua razão de ser na própria criação do Superior Tribunal de Justiça, qual seja desafogar o Supremo Tribunal Federal dos inúmeros recursos a ele dirigidos”. Continua o autor: “Temos, assim, que o recurso extraordinário somente será julgado em primeiro lugar caso o seu julgamento possa prejudicar o julgamento do recurso especial, como, por exemplo, no caso de se alegar a inconstitucionalidade da mesma lei que se afirma mal aplicada pelo acórdão recorrido”. 8. Fundamento suficiente: hipótese das Súmulas 126 do STJ e 283 do STF Examinamos anteriormente, quando estudamos a teoria geral dos recursos, que para a admissibilidade do recurso é preciso que inexistam fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer.
No caso do recurso especial, pode suceder, como já referimos brevemente, uma hipótese assaz interessante. Suponha-se que o acórdão se sustente por dois fundamentos distintos, um de índole constitucional, outro de natureza infraconstitucional (lei federal). Sabe-se que, por força da bipartição introduzida pela CF/88, ao STJ cabe, pela via do recurso especial, o controle da lei federal em todo o País; já ao STF compete zelar pela Constituição Federal, o que faz pela via do recurso extraordinário, principalmente. Ora, no exemplo acima imaginado, para que o recurso especial se entremostre útil para aquele que recorre, é preciso que tenha sido interposto, também, recurso extraordinário, pois, do contrário, o acórdão, ainda que provido o recurso especial, permanecerá íntegro, graças ao fundamento suficiente de natureza constitucional não atacado pela via própria (recurso extraordinário), principalmente. Daí o enunciado da já multirreferida Súmula 126 do STJ: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamento constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”1240. Deveras, nessa hipótese, ainda que se entendesse que seria o caso de dar provimento ao especial, essa decisão seria inócua, pois o acórdão local não poderia ser alterado porque não interposto recurso extraordinário do fundamento constitucional suficiente. Há, pois, omissão, consistente na não impugnação de fundamento constitucional suficiente, que impede o conhecimento do recurso especial. Explica com clareza Leônidas Cabral de Albuquerque que, nessa hipótese, há fato “extintivo do direito de recorrer, cabendo ao órgão a quo negar
seguimento ao recurso especial, declarando o trânsito em julgado e extinguindo o procedimento recursal, e, à Corte Superior, a declaração de não conhecimento do recurso, tendo já transitado em julgado o acórdão recorrido”1241. O raciocínio é o mesmo se estivermos diante de acórdão que contenha dois fundamentos legais suficientes para mantê-lo, e o recurso especial tenha impugnado apenas um deles. Aplica-se a esta hipótese o enunciado da Súmula 283 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. 9. A questão do preparo e o recurso especial O requisito do preparo é, com certeza, um dos que mais tem suscitado interpretações controvertidas e discussões, dentre os vários requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, dos recursos. Atualmente exige-se que a comprovação de pagamento do preparo, inclusive porte de retorno (sob pena de deserção), deve ser feita no ato da interposição do recurso (art. 1.007 do CPC/2015). Essa regra aplica-se também ao recurso especial, cujo estudo aqui nos interessa mais de perto. São, todavia, dispensados do pagamento do preparo o Ministério Público, a União, Estados, Municípios e respectivas autarquias (art. 1.007, § 1º, do CPC/2015). A regra hoje vigente, pois, é a de que o pagamento do preparo deve ser imediato, impondo-se o ônus ao recorrente que não comprovar o recolhimento das custas no momento da interposição do recurso, para que recolha o dobro do valor (art. 1.007, § 4º, do CPC/2015).
Inclui-se também, no § 2º no art. 1.007 do CPC/2015, a possibilidade que o preparo insuficiente possa ser complementado, intimando-se o recorrente a realizá-lo no prazo de cinco dias. Essa nova determinação, todavia, não excepciona a regra do preparo imediato – apenas consolidou uma tendência jurisprudencial, que, em certos casos, abrandava o rigor do preceito do caput do art. 1.007 do CPC/2015, por entender justas as razões do recolhimento incorreto. Note-se que a lei se refere a preparo insuficiente, ou seja, o preparo, ainda que incompleto, deve ter sido feito. O disposto no § 2º aplicase aos casos em que exista uma justificativa para o recolhimento a menor, não podendo ser interpretado como um meio de adiar o momento do recolhimento do preparo recursal. Se o recorrente não complementar o valor do preparo no prazo legal, o recurso será considerado deserto. Após o advento da Lei n. 11.636/2007, que dispõe sobre as custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de recurso especial passou a depender de recolhimento de preparo. De acordo com o art. 5º do aludido diploma, “exceto em caso de isenção legal, nenhum feito será distribuído sem o respectivo preparo, nem se praticarão nele atos processuais, salvo os que forem ordenados de ofício pelo relator”, além disso, o § 4º do art. 1.007 do CPC/2015, dispensa o recolhimento de custas e porte de remessa e retorno dos autos nos processos que tramitam integralmente na via eletrônica. O STJ, por meio de Resoluções anuais, regulamenta o recolhimento de preparo para fins de interposição de recurso especial, estatuindo serem devidas custas judiciais e porte de remessa e retorno dos autos nos processos de competência recursal do STJ, segundo os valores constantes nos anexos, com base no art. 21, XX, do RISTJ e os arts. 2º, parágrafo único, e 4º da Lei n. 11.636/2007.
A deserção, doutra parte, poderá ser relevada na hipótese de justo impedimento (art. 1.007, § 6º, do CPC/2015). Portanto, coloca-se como uma pena ao recorrente que deixa de comprovar o pagamento do preparo no ato da interposição do recurso, ou mesmo deixa de recolhê-lo, ou, ainda, que o recolhe de forma insuficiente e não o complementa, após a diligência determinada pelo art. 1.007, §§ 2º e 4º, do CPC/2015. O juízo de admissibilidade da instância a quo é sempre provisório, de modo que inexiste até mesmo interesse em interpor recurso da decisão que releva a pena de deserção, na medida em que a instância ad quem (o STJ, no caso do recurso especial) não fica, sob enfoque algum, vinculada ao juízo prévio de admissibilidade da instância a quo. 10. Recurso extraordinário O recurso extraordinário tem hoje cabimento para discussão de matéria constitucional. Envolve, assim como o recurso especial, o exercício de jurisdição extraordinária, aplicando-se a ele todas as considerações que já colocamos relativamente ao especial, especificamente a exigência de que a questão constitucional que se pretenda ver reexaminada esteja devidamente prequestionada. Como pontuamos anteriormente, há algumas diferenças de entendimento entre o STF e o STJ no que tange ao prequestionamento, no que diz respeito à situação prática em que a questão que não tenha sido apreciada pelo tribunal local, mesmo após a oposição de embargos declaratórios. Nessa hipótese, pontuamos que, em que pese a divergência entre o STF e o STJ, o art. 1.025 do CPC/2015 determina que os elementos que o embargante suscitou em sede de embargos declaratórios, ainda não
tenham sido inadmitidos ou rejeitados, serão incluídos no acórdão. Com o advento da Constituição Federal de 1988, as matérias abordáveis no recurso extraordinário foram divididas com o recurso especial, de competência do Superior Tribunal de Justiça, passando este último a tratar, precipuamente,
das
questões
relativas
à
violação
da
lei
federal
infraconstitucional, antes também de competência do STF, via recurso extraordinário. O controle da constitucionalidade pela via do recurso extraordinário é feito incidenter tantum, no caso concreto. A inconstitucionalidade, no caso do recurso extraordinário, pode constituir causa de pedir, jamais o próprio objeto da ação. Já no caso da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 da CF/88), a ação objetiva exata e precisamente o reconhecimento dessa mesma inconstitucionalidade, fazendo coisa julgada erga omnes a decisão que a reconhece (art. 102, § 2º, da CF/88). Diferentemente do especial, como já consignamos anteriormente, não há necessidade de que a decisão, que se pretende tenha ofendido a Constituição Federal, tenha sido proferida por tribunal. Basta, simplesmente, que tenha sido proferida em única ou última instância. Prevalece, todavia, o entendimento da Súmula 281: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Assim, Barbosa Moreira: “Ao contrário do recurso especial, o extraordinário pode caber até contra decisões de órgãos de primeiro grau não impugnáveis por outra via (v.g., a decisão da turma sobre recurso contra sentença do Juizado Especial Cível: Lei n. 9.099, art. 41, § 1º)”1242. Nesse sentido, aliás, confira-se o teor da já mencionada Súmula 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro
grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. Com efeito, como se pode constatar, comparando-se a base dos juízos de que se podem interpor recursos extraordinários e especiais, respectivamente, previstas nos incisos III dos arts. 102 e 105 da CF/88, constata-se que a do STF é mais ampla do que a do STJ. Da mesma forma que o recurso especial, o extraordinário será interposto no prazo de 15 dias (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015), por petição escrita, contendo a exposição do fato e do direito, a demonstração de seu cabimento e as razões de pedido de reforma (ou anulação) da decisão recorrida. Observe-se, ademais, que, assim como o recurso especial, o extraordinário não é interposto perante o órgão fracionário do tribunal (Turma, Câmara etc.) de que tenha emanado a decisão recorrida. É, sim, interposto perante o presidente ou vice-presidente do tribunal a quo, conforme repartição de competência interna do tribunal, disciplinada pelo seu regimento interno1243. Já examinamos, ademais, que, havendo ofensa simultânea a lei federal e à Constituição por parte do acórdão local, deverão ser interpostos, simultaneamente, recurso especial e extraordinário, o que consubstancia exceção ao princípio da singularidade recursal (art. 1.031 do CPC/2015). Recebida a petição de recurso, será aberta vista ao recorrido para responder em 15 dias (arts. 1.030 do CPC/2015), após o que serão os autos conclusos ao presidente (ou vice-presidente), a quem competirá admitir ou não o recurso. A decisão acerca da admissibilidade do extraordinário, como de resto qualquer outra decisão judicial, deve ser fundamentada (art. 93, IX, da CF/88). Nesse sentido é o enunciado da Súmula 123 do STJ, versado nos
seguintes termos: “A decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”. Inadmitido na origem o extraordinário, caberá agravo ao STF (na forma do art. 1.042 do CPC/2015), em 15 dias, versando exclusivamente a decisão de inadmissibilidade do recurso. O agravo interposto contra a decisão denegatória de seguimento do extraordinário deverá, por analogia, atender aos requisitos estampados nos incisos I a III do art. 1.016 do CPC/2015 – que trata do agravo de instrumento –, quais sejam o nome das partes (inciso I), a exposição do fato e do direito (inciso II), as razões do pedido de reforma da decisão (inciso III) e o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo (inciso IV). Em caso de provimento do agravo pelo relator, isso deverá conduzir ao julgamento do recurso extraordinário, aplicando-se a essa hipótese as mesmas considerações que faremos ao tratar do agravo em recurso especial e extraordinário. 10.1 As hipóteses de cabimento de recurso extraordinário De acordo com o art. 102, III, da CF/88, compete ao STF julgar o recurso extraordinário de causas decididas em única ou última instância, que tratam de questão constitucional. As alíneas do aludido dispositivo constitucional elencam as hipóteses de seu cabimento, que serão estudadas adiante com maior detença. Como já mencionado, quando tratamos do recurso especial, se o objeto da decisão recorrida extraordinariamente não tiver sido enfrentado no julgado recorrido, o recurso não é cabível por ausência de prequestionamento. É o que se lê no enunciado da Súmula 282 do STF1244. Dessa forma, uma vez proferida decisão que não tenha enfrentado a questão constitucional suscitada
no bojo do processo, devem ser opostos embargos de declaração como forma de suprir a omissão do julgado e, assim, dar a matéria por prequestionada, como condição para admissibilidade do recurso extraordinário. A propósito, a Súmula 356 do STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Deste modo, por meio do recurso extraordinário, o STF somente revê julgamentos dos órgãos inferiores, vale dizer, o que não foi decidido não pode ser revisto pela Corte Suprema. Prequestionamento quer significar exatamente isso: a necessidade de enfrentamento da matéria, sob pena da inviabilidade de que seja ventilada no recurso extraordinário. Na medida em que o art. 102, III, da CF/88 dispõe que o recurso extraordinário será interposto contra causas decididas em única ou última instância, resta claro que o requisito do prequestionamento deflui do texto constitucional, como ressalta com propriedade Bernardo Pimentel Souza1245. Da análise do referido dispositivo, visualizamos os elementos para o cabimento do recurso extraordinário. O primeiro elemento que se pode identificar é a necessidade da existência de uma causa decidida em única ou última instância, vale dizer, não cabe recurso extraordinário enquanto não esgotadas as vias recursais pretéritas. Tal entendimento vem estampado na Súmula 281 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Conforme já frisado linhas atrás, no caso dos Juizados Especiais, se a decisão foi prolatada por juiz de primeiro grau, a mesma desafiará recurso inominado para as Turmas Recursais, na forma do art. 41 da Lei n. 9.099/95. Neste caso, após o julgamento do recurso inominado pelas Turmas Recursais,
abre-se, em tese, caso haja matéria constitucional em disputa, a via do recurso extraordinário, para o STF, uma vez que o art. 102, III da CF/88, não exige, como no caso do recurso especial, que se trate de decisão proferida por tribunal, mas sim que a causa tenha sido decidida em última ou única instância1246. Em suma, como revela Bernardo Pimentel Souza, “para o recurso extraordinário é irrelevante se o julgado impugnado foi proferido por tribunal. O que importa é a prévia interposição de todos os recursos processuais cabíveis perante o próprio juiz de primeiro grau, algum órgão judiciário coletivo, ou qualquer outro tribunal. Esgotados os recursos juridicamente possíveis, pode ser acionado o extraordinário, sendo totalmente irrelevante se a decisão recorrida é de tribunal ou não”1247. Contudo, o STF veio a editar a Súmula 735, com o seguinte enunciado: “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”. Entendemos, contudo, conforme já tivemos oportunidade de mencionar em outro trabalho de nossa autoria, equivocado o entendimento cristalizado em referido verbete sumular1248. Deveras, o exame dos acórdãos que originaram dita Súmula revela que ela foi editada sobre os fundamentos de que a decisão liminar não seria definitiva, e ainda porque no recurso extraordinário seria inviável a reapreciação de fatos. Todavia, se, por exemplo, é possível a antecipação de tutela por meio de decisão interlocutória, temos que é perfeitamente possível que dita concessão possa acarretar ofensa ao Texto Constitucional, abrindo espaço para o cabimento de recurso extraordinário. Afigura-se-nos, assim, irrelevante que não se trate de decisão definitiva (já que a liminar haverá de ser absorvida pela sentença que julgar a ação procedente ou cassada pela sentença que vier a julgar a ação improcedente), pois tal requisito não deflui do Texto Supremo. Por outro lado, parece-nos
equivocada a generalização da ideia de que sempre e necessariamente o recurso, no caso de acórdão que defere medida liminar, envolveria a necessidade de revisão de fatos. Como bem ressaltado por Bernardo Pimentel Souza, “há o risco de o acórdão concessivo do provimento liminar ofender o texto constitucional em sua literalidade. Se o Supremo Tribunal Federal não tomar conhecimento do recurso extraordinário, deixará de cumprir sua missão precípua consagrada no caput do art. 102: ‘A guarda da Constituição’”1249. Insta consignar, ainda, que não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município, conforme o Enunciado 637 do STF1250. De acordo com entendimento da Suprema Corte, em julgado relatado pelo Ministro Octavio Gallotti, “por não se tratar de causa em sentido próprio, mas de provimento administrativo, da privativa iniciativa do Tribunal de Justiça, não cabe recurso extraordinário contra decisão daquela Corte que indeferiu o encaminhamento
do
pedido
de
intervenção
federal
por
suposto
descumprimento de decisão judicial (art. 34, IV, da Constituição). A circunstância de ora se tratar de pedido indeferido de intervenção estadual e, no precedente, de indeferimento de promoção de intervenção federal não afeta a comum natureza administrativa da questão, a obstaculizar em um ou em outro caso o cabimento do recurso extraordinário”1251. Por fim, o recurso extraordinário não é via adequada para impugnar decisão proferida no processamento de precatório, de acordo com a Súmula 733 do STF. De acordo com a decisão proferida pelo Plenário do STF, em sede de julgamento da ADIn 1098-SP, “a atividade desenvolvida pelo Presidente do Tribunal de Justiça no processamento dos precatórios
judiciários é de natureza administrativa e não jurisdicional, como também o é a decisão tomada em agravo regimental impugnando os atos praticados na referida atividade”.1252 Da mesma forma, tal decisão não desafia recurso extraordinário. Conforme entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “para efeito de impugnabilidade por recurso extraordinário, causa é toda questão decidida por meio de atividade jurisdicional, em última ou única instância. Questão administrativa, ainda que decidida por órgão do Poder Judiciário, não se configura como causa para fins de RE”1253. Cumpre-nos, neste momento, analisar as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário constantes das alíneas do inciso III do art. 102 da CF/88. Vejamos cada uma delas. De acordo com o art. 102, III, a, da CF/88, cabe recurso extraordinário de decisão que contrariar dispositivo constitucional. Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, “contrariar é mais do que negarlhe vigência. (...) contrariar tem uma conotação mais difusa, menos contundente (...). Contrariamos a lei quando nos distanciamos da mens legislatoris, ou da finalidade que lhe inspirou o advento; e bem assim quando a interpretamos mal e lhe desvirtuamos o conteúdo”1254. Assim, a expressão “contrariar”, empregada pelo art. 102, III, a, da CF/88, deve ser interpretada em sentido amplo. Nos moldes de orientação adotada pelo STF, para que haja juízo de admissibilidade positivo do recurso, é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados, sendo que, no passo seguinte, o juízo de mérito, verificar-se-á a compatibilidade ou não da decisão recorrida com os dispositivos constitucionais, “ainda que sob o prisma diverso daquele em que
se hajam baseado o tribunal a quo e o recurso extraordinário”1255. No correto entender de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “basta ao recorrente sustentar a existência dos requisitos constitucionais para o cabimento do RE ou do REsp. A efetiva violação da CF ou da lei federal é o mérito do recurso, que deverá ser analisado em outro tópico das razões recursais (CPC 1029 III), sendo importante para determinar o provimento ou improvimento do RE ou do REsp, mas não para sua admissibilidade”1256. Esse julgado do STF (RE 298.694), antes referido, representou um marco na orientação desse tribunal, no sentido de que nele se reconheceu que os conceitos de conhecimento e de não conhecimento do recurso, que dizem com o preenchimento dos seus requisitos de admissibilidade, encontram-se noutro patamar e não devem ser confundidos com o mérito recursal. Desse modo, o eventual provimento do recurso dependerá de que o STF, adentrando no mérito, conclua que o recurso, além de já ter sido considerado cabível, é também fundado. A separação do juízo de admissibilidade e do mérito recursal em patamares distintos e estanques, de há muito defendida por Barbosa Moreira1257, foi integralmente adotada nesse julgado do STF acima mencionado (RE 298.694), com ampla menção à posição doutrinária do notável processualista. A contrariedade aos dispositivos constitucionais deve ser direta e frontal, ou seja, o próprio Texto Constitucional deve ser violado. De acordo com o entendimento do STF, “a situação de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, quando ocorrente, não basta, só por si, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária”1258. A ofensa reflexa ou indireta à Constituição, como bem ressaltou o Min. Joaquim Barbosa, é caracterizada pelo “exame prévio de norma
infraconstitucional para verificação da contrariedade ao Texto Maior”1259, o que não enseja a via extraordinária. Já decidiu o STF, em acórdão relatado pelo Min. Cezar Peluso, que é pacífica a jurisprudência do STF “no sentido de não tolerar, em recurso extraordinário, alegação de ofensa que, irradiandose de má interpretação, aplicação, ou, até, inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República”12601261
. Confirmando esse entendimento, o STF editou a Súmula 636: “Não cabe
recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”. Interessante questionamento refere-se à possibilidade de interposição do recurso extraordinário pela alínea a do inciso III do art. 102 da Constituição por contrariedade a Textos Constitucionais pretéritos, mas incidentes no caso concreto. No entender de Bernardo Pimentel Souza, “a melhor resposta parece ser afirmativa”1262. De acordo com o autor, a limitação prescrita no referido dispositivo (desta Constituição) não parece ser temporal, com a exclusão da contrariedade a dispositivo de Carta pretérita, mas diz respeito à origem do Texto Constitucional”. Para o autor, “a melhor interpretação da cláusula ‘desta Constituição’ parece ser a seguinte: de Constituição Federal. Tudo indica que a limitação da expressão constitucional diz respeito às Constituições Estaduais e à Lei Orgânica do Distrito Federal, que não ensejam recurso extraordinário, nos termos do Enunciado 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal”1263-1264. Passemos, agora, à análise da alínea b do art. 102, III, da CF/88, que dispõe ser cabível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”.
Estamos diante das hipóteses de controle difuso ou incidental de constitucionalidade, exercido por todos os juízes e tribunais. A questão da inconstitucionalidade da lei ou tratado, nessa hipótese, é ventilada como causa de pedir e não como pedido principal. Nos dizeres de José Afonso da Silva, “esse motivo do recurso extraordinário é, dessa forma, um instrumento de controle da constitucionalidade das leis. Pondo-o à disposição das partes processuais, a Constituição Federal instituiu um meio eficaz, para, através do Supremo Tribunal Federal, controlar a validade das leis em face da própria Carta Magna”1265. A inconstitucionalidade de uma lei federal, de acordo com José Afonso da Silva, “pode provir de, pelo menos, quatro fatores. Daí termos inconstitucionalidade: a) quanto à forma de elaboração das leis; b) quanto à matéria; c) quanto ao órgão; d) quanto à esfera de competência. Quanto à forma, a lei federal será inconstitucional, se elaborada com inobservância de formalidades essenciais, determinadas pela Constituição (...). Quanto à matéria, as leis serão inconstitucionais se forem contra princípios da Constituição (...). A lei será inconstitucional quanto ao órgão, quando for elaborada por órgão que não seja aquêle a que a Constituição atribuiu a competência de sua feitura (...). Uma lei federal será inconstitucional, quanto à esfera de competência, quando o assunto escapar da competência da União (...)”1266. Deste modo, a decisão que tenha reconhecido incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei federal, seja ela de ordem material ou formal, desafia recurso extraordinário nos termos da alínea b do art. 102, III, da CF/88. Nesse sentido, é o entendimento do STF: “Constitucional – Processual civil – Recurso extraordinário – CF, art. 102, III, b – Declaração
de inconstitucionalidade – Requisitos de admissibilidade de mandado de segurança – Matéria infraconstitucional – Ofensa indireta à Constituição. I – O pressuposto constitucional do recurso extraordinário, previsto no art. 102, III,
b,
da
CF,
é
que
tenha
a
decisão
recorrida
declarado
a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Se isso não ocorreu, segue-se a impossibilidade de o recurso, interposto com fundamento na citada alínea b, ser admitido. II – O acórdão recorrido dirimiu a questão dos autos com base na legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Inadmissibilidade do RE, porquanto a ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. III – Ausência de novos argumentos. IV – Agravo regimental improvido”1267. Para ensejar a interposição do recurso extraordinário com fundamento na alínea ora tratada, a parte deve questionar a constitucionalidade da lei federal como fundamento de seu pedido e deve haver decisão explícita a propósito, sob pena de incidência das Súmulas 282 e 356 do STF, conduzindo ao não cabimento do recurso por ausência de prequestionamento. Assim, decidiu a Segunda Turma do STF: “Agravo regimental no agravo de instrumento – Interposição do recurso extraordinário pela alínea b – Cabimento – Prequestionamento – Inexistência – Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal – Agravo não provido. 1. Recurso interposto com base na alínea b do inciso III do art. 102 da Constituição do Brasil, hipótese em que se revela imprescindível, para sua admissão, a existência de declaração formal de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal pelo plenário ou órgão especial do Tribunal, ausente no caso concreto. 2. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência dos óbices das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento”1268.
Cumpre-nos tecer algumas considerações sobre os tratados, eis que o recurso extraordinário igualmente é cabível contra decisão que tenha reconhecido incidentalmente a inconstitucionalidade dos mesmos. Como afirmamos ao tratar das hipóteses de cabimento do recurso especial, a alínea b do art. 102, III, da CF/88 é redundante, quando menciona “tratado”, porque o tratado, se recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio, já deve ser entendido como lei em sentido amplo. A categoria jurídica do tratado, quando recepcionado, é a de lei, salvo se o tratado disser respeito a direitos humanos e for aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, hipótese em que será equivalente a emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88, após o advento da EC 45/2004). Aliás, neste último caso caberá recurso extraordinário não apenas quando vier a ser decidido incidentalmente que o tratado é inconstitucional, mas também quando houver contrariedade ao próprio
tratado.
Na
primeira
hipótese
(declaração
incidental
de
inconstitucionalidade do tratado), caberá o extraordinário com amparo na alínea b do inciso III do art. 102; na última (contrariedade ao próprio tratado), com base na precitada alínea a do inciso III do art.102, ambos da CF/881269. A alínea c do art. 102, III, da CF/88 dispõe ser cabível o recurso extraordinário contra decisão que julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal. Trata-se, como já afirmamos, de requisito objetivo constatável de plano. Vale dizer, basta que o tribunal local tenha julgado válido ato de governo local ou lei, cuja validade tenha sido contestada em face da Constituição, para ensejar o cabimento do recurso extraordinário. Isso significa que prevaleceu o ato do governo local ou lei local, questionado diante da Constituição Federal.
Por outro lado, se a decisão julgar inválida lei ou ato de governo local questionado diante do Texto Maior, a parte não poderá manejar o recurso extraordinário nos termos da alínea c. O que se busca, como bem afirma José Miguel Garcia Medina, é “assegurar o princípio da hierarquia das leis da República. Visam, pois, o recurso extraordinário e o recurso especial, na hipótese, dentro da já citada concepção de Pontes de Miranda, manter a autoridade da Constituição ou da lei federal”1270. Na hipótese ventilada, se o STF der provimento ao recurso extraordinário, aplicará o dispositivo constitucional pertinente, cassando ou reformando a decisão recorrida e declarando a inconstitucionalidade da lei ou ato de governo local em que se fundara a decisão recorrida. De acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso, “a legitimação para o extraordinário ou o especial, nessa hipótese, resulta do prejuízo que o recorrente experimentou pelo fato de uma lei ou ato local ter sido considerado válido, em detrimento do direito federal comum ou constitucional; é dizer, a situação legitimante provém de fora do processo, residindo naquela lei ou naquele ato. Até que se esgotem as instâncias ordinárias, o recorrente se insurgirá contra o aspecto da injustiça da decisão (como acontece nos recursos de tipo comum); depois, no plano dos recursos excepcionais, haverá um plus: a aferição da questão constitucional ou federal, conforme o caso (...)”. Continua o autor: “Esse plus é que justifica o recurso extraordinário – e por extensão o especial – porque, se a discussão agitasse apenas o direito local, incidiria o óbice da Súmula 280 do STF: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”1271-1272. A Emenda Constitucional 45/2004 inseriu outra hipótese de cabimento do recurso extraordinário (art. 102, III, d, da CF/88), dispondo ser cabível o
recurso extraordinário quando a decisão recorrida tiver julgado válida lei local contestada em face de lei federal. Aludida hipótese de cabimento, antes do advento da EC 45/2004, ensejava a interposição de recurso especial. A redação anterior à edição da Emenda Constitucional 45/2004 do art. 105, III, b, da CF/88, determinava caber recurso especial quando a decisão recorrida julgasse válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal. Aquela primeira hipótese constitui hoje, expressamente, caso de recurso extraordinário (art. 102, III, d, da CF/88). Contudo, quando a decisão recorrida julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal, cabe recurso especial, por força do art. 105, III, b, da CF/881273. Na hipótese em comento (art. 102, III, d, da CF/88), a controvérsia que se põe não diz respeito à legislação infraconstitucional, mas sim à distribuição constitucional de competências para legislar. Se a lei local está sendo contestada em face de lei federal é porque ela trouxe em seu bojo matéria que deveria ser de competência do legislador federal. Andou bem o legislador constituinte derivado ao assim dispor. Deveras, contestar a lei local diante da lei federal implica sempre discutir competências legislativas, mesmo no caso de competências concorrentes (art. 24 da CF/88). O assunto é, geneticamente, constitucional. Portanto, temos por salutar tal alteração no Texto Maior, já que ao STF compete a guarda da Constituição Federal, e a matéria atinente à distribuição de competências legislativas entre as pessoas políticas é ontologicamente constitucional. Figuremos, neste passo, a hipótese de o recurso especial ter sido interposto antes da EC 45 com fundamento na antiga redação da alínea b do art. 105, III, da CF/88 (“julgar válida lei ou ato de governo local em face de lei federal”), mas ter sido submetido a julgamento quando já em vigor a EC 45. Neste
caso, compete ao STJ, diante da alteração constitucional superveniente, encaminhar o feito ao STF, conforme já decidiu a Min. Denise Arruda: “Reconhecida a incompetência desta Corte Superior para conhecer, processar e julgar o recurso especial interposto com base no art. 105, III, b, da CF/88 (na redação anterior à EC 45/2004), devem os autos ser encaminhados ao STF, para que julgue a questão como de direito”1274. 10.2 Processamento do extraordinário dentro do STF Dentro do STF, caberá ao órgão julgador do recurso (qualquer das duas Turmas) apreciar primeiro se o recurso é cabível, para, então, julgar-lhe o mérito (art. 938 do CPC/2015), de modo que, suscitada preliminar de não cabimento do recurso, deverá esta ser julgada para, se rejeitada, ser sucessivamente apreciado o mérito recursal. Vimos que, procedendo o STF à resolução do mérito, sua decisão substituirá a decisão recorrida, salvo hipótese de anulação do julgado por error in procedendo. A Turma do STF que irá julgar o recurso extraordinário poderá estar preventa se, por exemplo, tiver havido anterior interposição de agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário. 10.3 Efeitos do recurso extraordinário: devolutivo e/ou suspensivo Aplica-se, quanto a este tópico, o quanto já dito relativamente ao recurso especial. Tanto um como outro se encartam no gênero maior (recursos) e são recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 995 do CPC/2015). E, diferentemente do efeito devolutivo, que é próprio do recurso de apelação (art. 1.013 do CPC/2015), o efeito devolutivo do extraordinário é limitado (assim como o é aquele que é próprio do recurso especial). Com efeito, através do extraordinário, devolvem-se ao Supremo Tribunal
Federal apenas questões constitucionais, devidamente prequestionadas, desde que o seu reexame não implique a necessidade de reavaliação de matéria fática por parte do STF (i.e., presta-se ao reexame de quæstiones juris de índole constitucional devidamente prequestionadas). Os julgados do STF são no sentido de que mesmo as matérias de ordem pública precisam estar devidamente prequestionadas para serem apreciadas1275. Todavia, vale repisar que há diferentes correntes jurisprudenciais no STJ, como já referimos, sobre a possibilidade ou impossibilidade de reconhecimento das matérias de ordem pública em primeira mão nas instâncias extraordinárias. Da mesma forma que o recurso especial, não se trata de mero recurso de cassação. Pelo contrário, em regra, o julgamento do recurso extraordinário pelo STF, leva ao efeito substitutivo da decisão recorrida de que trata o art. 1.008 do CPC/2015. Isso sucederá sempre que for alegado error in judicando, seja o recurso provido ou improvido. Já se levantado error in procedendo, é certo que o provimento do recurso não levará à substituição da decisão recorrida, na forma do art. 1.008 do CPC/2015 (mas, sim, à sua desconstituição). Se o recurso não for conhecido a causa não será julgada. É o que se depreende da Súmula 456 do STF: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie”. O recurso extraordinário, todavia, não será, de regra, recebido no efeito suspensivo, o que permite que, na sua pendência, se instaure a execução provisória do julgado recorrido (art. 520 do CPC/2015). Aplica-se ao recurso extraordinário o quanto já dissemos relativamente à possibilidade do uso de medidas cautelares, intentadas com base no poder geral de cautela do juiz, com vistas a atribuir ao extraordinário, em hipóteses excepcionais, o efeito suspensivo de que ele originariamente não dispõe. Nesse sentido, as já
apontadas Súmula 634 (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”) e Súmula 635 (“Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”). 11. Últimas considerações acerca extraordinário: questões práticas
dos
recursos
especial
e
É sabido que o Supremo Tribunal Federal sofreu um aumento crescentemente brutal de sua carga de trabalho, especialmente a contar da década de 50. As súmulas da década de 60, ao lado de outras razões legítimas, já se constituíram num instrumento preordenado a facilitar o cabimento ou não dos recursos extraordinários e o seu julgamento de mérito. Na década de 70, verificando-se que esse aumento não deixava de ocorrer sempre e crescentemente, o STF passou a discriminar positivamente as hipóteses em que não cabia recurso extraordinário, à luz de permissivo constitucional (Constituição Federal de 1967, redação da EC 1/69), que permitia ao STF discriminar, no seu Regimento Interno, as causas em que se justificasse o seu pronunciamento e aquelas em que esse não se justificasse. Crescendo casuisticamente esse óbice ao cabimento do recurso – através de enumeração do que não cabia –, acabou o STF de ter de discriminar, modificando o critério, os casos em que cabia o recurso, e, pois, para os demais, só caberia se a questão apresentasse relevância. A esse sistema denominou-se de “relevância da questão federal”. Esse sistema encontrava semelhanças fundas com o sistema norte-americano e com o sistema alemão,
já muito antigos. Ao lado disso, responde à ideia de que uma corte pinacular de Justiça somente deve pronunciar-se a respeito de questões importantes para o País, a sociedade, a economia etc., vale dizer, questões que tenham repercussão social, mas não se justifica se manifeste sobre questões rotineiras. E assim ocorrendo, essa corte reúne condições de se pronunciar com a profundidade desejável, e que é socialmente útil, sobre essas questões fundamentais, produzindo decisões altamente fundamentadas e modelares, que, assim, ou principalmente assim, podem contribuir mais decisivamente para os rumos do entendimento do direito. A EC 45/2004 instituiu um novo requisito de admissibilidade ao recurso extraordinário, de modo que, para que esse recurso seja admitido, o recorrente deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, § 3º, da CF/88). Trataremos desse assunto logo adiante. Com a criação do STJ – ainda que numa das últimas “versões” da Constituição Federal se mantivesse a possibilidade de sobrevivência do sistema a que acabamos de nos referir –, acabou-se suprimindo, na CF/88, essa possibilidade de discriminação do que é ou não fundamental para o País, a sociedade etc. O resultado é que o STF, com uma Constituição notavelmente minuciosa, permaneceu brutalmente sobrecarregado, apesar da criação do STJ. E o STJ, igualmente, está suportando uma carga de trabalho injustificável, e que se mostra sempre aumentando, como haveria de ter sido previsível. De acordo com notícia extraída do site do STJ (Notícias do STJ, de 26.12.2007), as seis Turmas daquele Tribunal encerraram o ano de 2007 com significativo número de processos julgados. A 1ª Turma ultrapassou os 45
mil julgados, 5.250 a mais do que no ano anterior. Já a 2ª Turma fechou o ano com mais de 42 mil julgados. Juntas, as duas turmas que integram a 2ª Seção – responsável pela análise das questões referentes ao direito privado – julgaram mais de 105 mil processos. A 3ª Turma decidiu mais de 51 mil processos. A 4ª Turma, por sua vez, julgou quase 55 mil processos. Nas Turmas da 3ª Seção também houve acréscimo no número de julgados. A 5ª Turma terminou o ano com mais de 38 mil decisões. A 6ª Turma completa a composição da 2ª Seção. Nas 61 sessões realizadas em 2007, seus integrantes julgaram quase 10 mil feitos em sessão e decidiram mais de 30 mil julgados monocraticamente. 11.1 Repercussão geral no recurso extraordinário – novo requisito de admissibilidade Dispõe o art. 102, § 3º, da CF/88, com redação dada pela EC 45/2004, que “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. A aplicação do Texto Constitucional dependia de lei que regulamentasse a demonstração da repercussão geral e seu respectivo julgamento, o que foi introduzido ao CPC/73 nos arts. 543-A e 543-A, com o advento da Lei n. 11.418/2006, e atualmente está prevista nos arts. 1.035 e 1.036 do CPC/2015. O art. 3º da Lei n. 11.418/2006, de seu turno, estabeleceu que as disposições relativas a sua execução caberiam ao Regimento Interno do STF. Foi então a partir de 3 de maio de 2007, com a entrada em vigor da Emenda Regimental 21/2007, que veio a regular a matéria no seio do Regimento Interno do STF, que a demonstração de repercussão geral como novo requisito de admissibilidade
do recurso extraordinário passou a ser requerida por aquela Corte1276. Segundo Arruda Alvim, “a expressão ‘repercussão geral’ significa praticamente a colocação de um filtro ou de um divisor de águas em relação à possibilidade de cabimento do recurso extraordinário, viabilizando-se que o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez instalado o regime da EC 45/2004, só venha a julgar recursos extraordinários na medida em que tenham repercussão geral, deixando sempre de julgar os recursos que não sejam dotados dessa repercussão, ainda que formal e substancialmente pudessem ser aptos à admissão e ao julgamento, e, até mesmo, julgamento favorável”1277. A expressão “repercussão geral” representa conceito indeterminado1278, vago, competindo exclusivamente ao STF delimitar o alcance dessa expressão. A casuística, levada a conhecimento do Tribunal Constitucional, demonstrará o que estará amparado pela expressão repercussão geral1279-1280. José Augusto Delgado, nessa mesma linha, afirma que, “por ser vago o seu conceito, concedido está aos Ministros do Supremo Tribunal Federal um poder mais amplo de fixar os casos que se enquadram como produzindo repercussão geral”1281. De acordo com Fernando C. Queiroz Neves, à luz do CPC/73, “a Lei n. 11.418/2006, reproduzida, em sua substância, na Emenda Regimental 21/2007 do STF, cuidou de identificar dois critérios para a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, se uma questão constitucional oferece, ou não, repercussão geral. O primeiro critério é o subjetivo (CPC, art. 543-A, § 1º, e RISTF, art. 322, parágrafo único) (...). O segundo critério é objetivo (CPC, art. 543-A, § 3º, e RISTF, art. 323, § 1º)”1282-1283. O § 1º do art. 1.035 do CPC/2015 indica que há repercussão geral quando
o recurso versar “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (...)”. Ao analisar o aludido dispositivo legal, com o objetivo de esclarecer o significado da repercussão geral, Pedro Miranda de Oliveira assevera que há “dois elementos caracterizadores da qualificação da repercussão geral, segundo se extrai do dispositivo legal, são a relevância (‘do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico’) e transcendência (que ultrapassa ‘os interesses subjetivos da causa’). Levam-se em consideraçnao duas perspectivas: a relevância (elemento qualitativo) e a transcendência (elemento quantitativo)”1284. A definição, com efeito, levaria ao risco de acutilar indevidamente a dimensão que o legislador quis lhe atribuir1285. O que se torna fundamental para aferir a repercussão geral de uma questão constitucional é a possibilidade de esta “atingir um grande espectro de pessoas ou um largo segmento social, uma decisão sobre assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito controvertido, em relação à decisão que contrarie orientação do Supremo Tribunal Federal; que diga respeito à vida, à liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade (em relação à aplicação de texto ou textos constitucionais) etc., ou, ainda, outros valores conectados a texto constitucional que se alberguem debaixo da expressão repercussão geral”1286. A
necessidade
de
demonstração
de
repercussão
geral
veio
a
consubstanciar nova modalidade de requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. A inclusão deste novo requisito de admissibilidade realça a importância do papel do STF como Corte guardiã da Constituição Federal, eis que possibilita ao STF analisar tão somente questões de cunho relevante
para a ordem constitucional, cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes, nos termos do art. 322 do RISTF, com redação dada pela Emenda Regimental 21/2007. Permite, quando negar a repercussão geral, que o STF se pronuncie uma única vez acerca da questão levada a seu conhecimento, evitando o julgamento de múltiplos recursos que versam matérias idênticas, o que vinha acarretando, antes do advento da Lei n. 11.418/2006 e da Emenda Regimental 21/2007 do Supremo Tribunal Federal, não só a demora da prestação jurisdicional, o que afrontava o princípio maior da celeridade processual estampado no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, como também o assoberbamento daquela instância constitucional1287. De acordo com o § 3º do art. 1.035 do CPC/2015, haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão contrário a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, ou quando tenha reconhecimento a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Presume, portanto, a lei a existência de repercussão geral sempre que a decisão recorrida contrariar entendimento sumulado ou jurisprudência dominante do STF. Nesse mesmo sentido dispõe o art. 323, § 2º, do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental 21/2007, que o relator do recurso extraordinário não precisará submeter aos demais Ministros cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral “quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral”. É, portanto, a repercussão geral “novo” requisito de admissibilidade1288 de todo e qualquer recurso extraordinário, inclusive em matéria penal. A própria CF/88, em seu art. 102, § 3º, traz a ideia de que se trata de requisito de admissibilidade ao utilizar a expressão “a fim de que o Tribunal examine a
admissão do recurso”. Ainda, o art. 323 do RISTF, após a Emenda Regimental 21/2007, corrobora essa ideia, ao dispor que, “quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral”. Desta forma, “determinado recurso extraordinário somente poderá ser analisado em seu mérito se a matéria nele contida apresentar o que se deva entender como dotada de repercussão geral. Ausente a repercussão geral, não há como haver qualquer incursão no mérito do recurso”1289. De acordo com o § 2º do art. 1.035 do CPC/2015, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral da questão constitucional debatida, para que o Supremo Tribunal Federal, de forma exclusiva, possa conhecer, a princípio, do recurso. O art. 327 do RISTF assim dispõe: “A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão”. Dessa forma, não sendo a repercussão geral alegada em preliminar, nos termos do RISTF, isso acarretará o não conhecimento do recurso por falta de regularidade formal1290-1291. Na forma do art. 1.030, V, do CPC/2015, o recurso extraordinário deverá ser interposto perante o tribunal a quo, a quem compete promover o juízo prévio de admissibilidade, devendo apreciar a existência ou inexistência do requisito da repercussão geral. Devidamente processado o recurso extraordinário e admitido na origem, será remetido ao STF, caso o recurso não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral, ou de julgamento de repetitivos, seja selecionado como representativo de controvérsia ou o
tribunal recorrido não tenha emitido juízo de retratação, a quem competirá o juízo definitivo de admissibilidade, analisando, assim, a existência ou não da repercussão geral da questão debatida, nos termos dos arts. 321 a 329 do RISTF (redação dada pela Emenda Regimental 21/2007). A demonstração da repercussão geral, como bem afirma Glauco Gumerato Ramos, “é um ônus do recorrente. Não tendo sido demonstrada da maneira que vier a ser exigida pela lei regulamentadora, ou mesmo não tendo sido demonstrada por nenhuma forma a repercussão geral pelo recorrente, então não haverá outra alternativa senão ser barrado o seguimento do recurso extraordinário por força do juízo de admissibilidade negativo (inadequação ou falta de demonstração da repercussão geral)”1292. Uma vez negada a existência da repercussão geral, por manifestação de dois terços dos membros do Tribunal, conforme dispõe o art. 102, § 3º, da CF/88, em decisão devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX, da CF/88, a decisão, além de irrecorrível, valerá para todos os recursos com matérias idênticas, em conformidade com o art. 326 do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental 21/2007. Assim, a decisão de inexistência de repercussão geral da questão constitucional debatida firma-se como paradigma para os demais recursos que versarem matérias idênticas (art. 1.035, § 8º, do CPC/2015), salvo, é claro, revisão da tese, nos termos do RISTF. A decisão, portanto, que não conhece da repercussão geral é irrecorrível, abrindo-se, contudo, a possibilidade de oposição de embargos de declaração se dela constarem os vícios elencados no art. 1.022 do CPC/20151293-1294. O recurso extraordinário, portanto, pode ser negado, na origem, pelos motivos elencados no inciso I do art. 1.030 do CPC/2015, que não a
repercussão geral, cujo exame é privativo do STF. Se o tribunal a quo negar seguimento a recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, abrese caminho para o ajuizamento de reclamação, nos termos do art. 102, I, l, da CF/88 e do art. Art. 988, I, do CPC/2015, por usurpação de competência do STF, salvo se já houver enunciado do STF no sentido de que a matéria versada no recurso extraordinário inadmitido não apresenta repercussão geral. Cabe indagar qual o momento da análise da existência ou não de repercussão
geral
da
questão
constitucional
ventilada
no
recurso
extraordinário. De acordo com Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “compete ao STF, pela Turma ou Pleno, ao proferir o juiz definitivo de admissibilidade do RE, verificar se está presente o pressuposto da repercussão geral. Ausente esse requisito, o RE não será conhecido”1295. Percebe-se dessa forma que, para os notáveis autores, a análise do requisito da repercussão geral deve ser feita antes dos demais requisitos de admissibilidade. Por outro lado, Elvio Ferreira Sartório e Flávio Cheim Jorge, em posição que nos servimos de acompanhar, lecionam no sentido de que o requisito da repercussão geral somente deve ser analisado após a prévia avaliação, pelo relator, a respeito da presença dos demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário. Afirmam os autores que, “num primeiro momento, será preciso averiguar, monocraticamente, se o recurso é admissível ou não, para, na hipótese positiva, posteriormente submeter à Turma o debate acerca da repercussão geral. Em verdade, seria demasiadamente desgastante ao STF se fizesse de forma diversa; haveria o risco de reconhecer a existência da repercussão geral e, posteriormente, não conhecer o recurso no mérito, por ausência de outro requisito de admissibilidade”1296.
O art. 325, caput, do RISTF, com redação dada pela Emenda Regimental 21/2007, deixa claro que a análise da repercussão geral é feita após o exame dos demais requisitos de admissibilidade. O referido dispositivo assim prescreve: “Art. 325. O(a) Relator(a) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência da repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formalizará e subscreverá decisão de recusa do recurso”. De acordo com o § 3º do art. 102, da CF/88, na hipótese de ser negada a repercussão geral, os autos serão remetidos ao Plenário, que somente poderá rejeitar a admissibilidade do recurso ante a manifestação de dois terços de seus membros. Nesse caso, o recurso extraordinário ficará sobrestado, portanto, para que o Pleno se manifeste única e exclusivamente acerca da existência, ou não, de repercussão geral da questão constitucional. No Plenário, uma vez admitido o recurso extraordinário pela existência da repercussão geral, os autos retornarão às Turmas competentes para julgamento do recurso extraordinário, salvo se o recurso for de competência do Plenário. Se menos de dois terços dos ministros votarem pela negativa de repercussão geral, conclui-se que não foi alcançado o quorum constitucional impeditivo para conhecimento do recurso extraordinário e, desse modo, os autos retornarão ao órgão competente para apreciá-lo1297. Como já restou frisado, uma vez negada a existência de repercussão geral e consequentemente negado seguimento ao recurso extraordinário, a decisão valerá como paradigma para os demais recursos extraordinários que versarem matéria idêntica, na forma do § 8º do art. 1.035 do CPC/2015.
O § 4º do art. 1.035 do CPC/2015, bem como o § 2º do art. 323 do RISTF (com redação dada pela Emenda Regimental 21/2007), dispõem que o Relator, mediante decisão irrecorrível, pode admitir de oficio ou a requerimento, em prazo que fixar, manifestação de terceiro, subscrita por procurador habilitado, acerca da questão da repercussão geral. No âmbito do recurso extraordinário, como afirmamos até então, a competência para análise do requisito da repercussão geral é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nos termos do § 2º do art. 1.035 do CPC/2015. Assim, uma vez protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de produzir múltiplos efeitos, a Presidência do Tribunal ou o Relator, de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas dos Juizados Especiais a fim de observarem o disposto no art. 1.036 do CPC/2015. É o que dispõe o art. 328 do RISTF. 11.2 Processamento do recurso especial e do extraordinário que versar questões repetitivas O art. 1.036 do CPC/2015 institui o regime para os recursos especiais e extraordinários que versarem questões repetitivas já pacificadas pelo STF ou STJ, tendo como objetivo principal desafogar as Cortes Superiores. Dessa forma, os Tribunais Superiores, por meio de seus Regimentos Internos, estabeleceram os procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos1298. De acordo com o referido dispositivo, verificada a grande quantidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, deverá o presidente ou o vice-presidente do tribunal proceder na forma determinada pelo § 1º do referido dispositivo. Nessas hipóteses, caberá ao presidente ou vicepresidente do tribunal de origem selecionar dois ou mais recursos
representativos da controvérsia1299, os quais serão encaminhados ao STF ou STJ, permanecendo suspensos os demais recursos, até o pronunciamento definitivo do tribunal ad quem (art. 1.036, § 1º, do CPC/2015, art. 256 do RISTJ, art. 328 do RISTF). Tanto o tribunal de origem quanto o tribunal destinatário do recurso poderão selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia, caso entendam necessário (art. 1.036, § 5º, do CPC/2015), ressalvando-se que a escolha feita pelo tribunal a quo não vincula o tribunal superior (art. 1.036, § 4º, do CPC/2015). Para Fernando C. Queiroz Neves, o processamento de recursos que tratem de questões repetitivas “trata-se de expediente extremamente relevante e útil para a aplicação do instituto, evitando que o Supremo Tribunal Federal continue a receber uma quantidade insustentável de recursos extraordinários, bem como possa dar efetivo cumprimento à sua missão de guardião da Constituição”1300. Após a remessa dos autos ao tribunal superior, incumbe ao relator, constatando a presença dos pressupostos do art. 1.037 do CPC/2015, identificar com precisão a questão que será submetida a julgamento, determinando-se a suspensão de todos os processos pendentes que versem sobre a questão em território nacional. Cabe ao relator, ainda, solicitar a remessa de recurso representativo da controvérsia ao Presidente ou VicePresidente do tribunal de justiça ou regional (art. 1.037 do CPC/2015). Se os recursos representativos da controvérsia enviados pelos tribunais estaduais ou federais tratarem de outras questões que não apenas aquela que foi recebida, o relator deverá decidir primeiro a questão tratada no âmbito dos repetitivos (art. 1.037, § 7º, do CPC/2015). O § 4º do art. 1.037 do CPC/2015 determina que o julgamento deva
ocorrer no prazo máximo de um ano, com preferência sobre os demais, ressalvados os que envolvam réu preso e pedidos de habeas corpus. O § 8º do CPC/2015, por sua vez, determina que as partes sejam intimadas da decisão de suspensão. Além disso, poderá o relator, considerando a relevância da matéria, admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, conforme dispuser o Regimento Interno (art. 1.038, I, do CPC/2015 e art. 256-B, I, do RISTJ). Recebidas as informações dos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia, bem como, se tiver sido o caso, à luz das manifestações dos órgãos ou entidades de que trata o inciso I do art. 1.038 do CPC/2015, o Ministério Público Federal terá vista dos autos pelo prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.038, § 1º, do CPC/2015 e art. 256-B, II, do RISTJ), devendo o relator fixar data para audiência pública, na qual ouvirá a manifestação das pessoas com interesse na controvérsia. Ultrapassado tal lapso temporal, no caso do recurso especial, o Presidente do Tribunal Superior terá o prazo de 20 dias para que analise a presente dos requisitos do art. 256 do RISTJ para o recebimento do recurso especial representativo da controvérsia. Uma vez interposto e admitido um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao respectivo Tribunal Superior, permanecendo suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo daquele tribunal, calha mencionar orientação no sentido da impossibilidade de pedido de desistência formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do recurso especial representativo da controvérsia1301. A parte interessada poderá requerer o prosseguimento do seu processo,
quando houver distinção da questão decidida no processo e aquela a ser julgada em recurso especial ou extraordinário, e da decisão que resolver essa questão, cabe agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau, ou agravo interno, se a decisão for de relator (art. 1.037, § 13, do CPC/2015). Na vigência do CPC/73 o STJ julgou no sentido de que interposto o agravo interno, caso a presidência do tribunal local negue seguimento a esse recurso, é possível a impetração de mandado de segurança impugnando tal decisão1302. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, tendo escrito antes da Lei n. 12.322/2010, entendem que, “havendo sobrestamento indevido da tramitação de algum recurso extraordinário, por essa razão deverá ser admitido agravo para o STF (cf. art. 544), demonstrando-se que aquele recurso não se insere no rol de recursos com fundamento em idêntica controvérsia selecionados pelo órgão a quo”1303. Havendo sobrestamento indevido da tramitação de algum recurso extraordinário, o STF já decidiu que cabe reclamação contra referida decisão, demonstrando-se que aquele recurso não se insere no rol de recursos com fundamento em idêntica controvérsia selecionados pelo órgão a quo1304. Cumpre observar, todavia, que há orientação preponderante no STF na linha de que, nesses casos, o instrumento correto a ser utilizado seria o agravo interno endereçado ao órgão colegiado do Tribunal de origem1305. Julgado(s) o(s) recurso(s) representativo(s) da controvérsia que tenha(m) sido encaminhado(s) ao(s) tribunal(is) superior(es), e publicado o respectivo acórdão, os recursos especiais sobrestados na origem terão seguimento denegado na hipótese de a decisão recorrida coincidir com a orientação firmada pelo STF ou STJ (art. 1.040, I, do CPC/2015). Em rigor, nesse caso, ao recurso será negado seguimento não porque ele não preencha os requisitos
de admissibilidade intrínsecos ou extrínsecos que lhe são próprios, mas porque a orientação encampada pelo acórdão recorrido coincide com aquela firmada pelo STF ou STJ. Assim, a negativa de seguimento, nessa hipótese, lastreia-se na coincidência da orientação do acórdão recorrido com a linha firmada pelos tribunais superiores, ou seja, no plano do mérito. Nada obstante, parece-nos que tal dispositivo vem em abono da economia processual e de uma melhor racionalização do trabalho dos tribunais superiores e merece os aplausos da comunidade jurídica. Nessa hipótese não se admite recurso de agravo em recurso especial com base no art. 1.040, I, do CPC/2015, devendo a parte interpor agravo interno ao tribunal local, conforme já se entendia no STJ1306, na vigência do CPC/73. De outro lado, na hipótese de a(s) decisão(ões) recorrida(s) divergir(em) da orientação firmada pelos tribunais superiores no julgamento do recurso representativo da controvérsia, deverá(ão) ser novamente examinada(s) pelo tribunal de origem, nos termos do inciso II do art. 1.040 do CPC/2015. Se assim ocorrer, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, proceder-se-á ao exame da admissibilidade do recurso especial que havia sido sobrestado (art. 1.041 do CPC/2015). É de se destacar que, segundo orientação do STJ, as decisões proferidas quando do julgamento do recurso representativo da controvérsia, nos termos do art. 1.036 do CPC/2015, não têm efeito vinculante, de modo que não são de aplicação obrigatória pelos tribunais locais1307, permitindo-se ao relator que negue seguimento, com fundamento no art. 932, IV, b, do CPC/2015. Fernando C. Queiroz Neves1308 diz ainda que, nos casos de possíveis injustiças, esta poderá ser corrigida por meio de manifestação de terceiro acerca da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 1.035 do CPC/2015 e do art. 323, § 2º, do RISTF.
Afirmada a inexistência de repercussão geral pelo STF, automaticamente todos os recursos sobrestados restarão inadmitidos, nos termos do § 8º do art. 1.035 do CPC/2015.
XLIV RECURSO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINÁRIO
1. Considerações iniciais O juízo provisório de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário é feito pelo Presidente ou Vice-presidente do tribunal de origem. No caso de juízo provisório negativo de admissibilidade, é cabível o recurso de agravo de que trata o art. 1.042 do CPC/2015, que, por sua vez, deverá ser necessariamente enviado ao STF ou ao STJ (conforme o caso), aplicando-se a regra prevista no § 4º do art. 1.042 do CPC/2015 que determina a remessa do agravo “tribunal superior competente” após o prazo para resposta e se não houver retratação. Portanto, ainda que o tribunal local emita juízo negativo (sempre provisório) acerca do preenchimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos especial ou extraordinário, o juízo definitivo caberá sempre à instância superior, mercê da interposição do agravo do art. 1.042 do CPC/2015. O agravo em recurso especial ou extraordinário será interposto nos próprios autos e será, no STJ ou no STF, apreciado pelo relator e, uma vez
improvido, caberá recurso para a turma julgadora no prazo de 15 dias (art. 1.021 do CPC/2015). Tal decisão (do tribunal local, sobre a admissibilidade do especial), como, aliás, qualquer decisão judicial, segundo o que se extrai do art. 93, IX, da CF/88, deve ser fundamentada, entendimento esse cristalizado na já mencionada Súmula 123 do STJ. O próprio STJ, além disso, poderá rever o seu próprio juízo acerca da admissibilidade do recurso até o momento em que ingressar no exame do seu mérito. Isso significa que, mesmo que o próprio STJ dê provimento ao recurso de agravo interposto contra decisão denegatória de recurso especial a respeito do qual o tribunal de origem tenha emitido um juízo de admissibilidade negativo, isso não impede que, quando posto o recurso especial em mesa, dele não se conheça, não havendo falar, na hipótese, em preclusão. Esse entendimento já havia sido sumulado pelo STF e aplica-se inteiramente ao recurso especial: “O provimento do agravo por uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal, ainda que sem ressalva, não prejudica a questão do cabimento do recurso extraordinário” (Súmula 289). Destarte que a remessa do agravo deve ser feita sem qualquer juízo de admissibilidade pelo Tribunal a quo, sendo que se negar seguimento ao agravo, o Tribunal de origem estará inegavelmente usurpando a competência (do STJ ou do STF, conforme tenha sido indeferido o seguimento de recurso especial ou extraordinário), passível de correção por meio de reclamação, nos termos do art. 988 do CPC/2015 e da Constituição Federal (STF – art. 102, I, l; STJ – art. 105, I, f, ambos da CF/88). Usurpação de competência haverá porque, como dito, o juízo definitivo de admissibilidade do recurso especial ou do extraordinário pertence, sempre, ao STJ e ao STF, respectivamente, de modo que não será lícito ao tribunal local negar seguimento ao agravo, que é
justamente o recurso por intermédio do qual, em tais hipóteses, se deve fazer chegar ao STJ (ou ao STF, se de recurso extraordinário se tratar) a questão (ou as questões) referente à admissibilidade do especial (ou do extraordinário). Nesse sentido o STF editou a Súmula 727, cuja letra é a seguinte: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos Juizados Especiais”. Relembre-se o que já foi dito no sentido de que o STJ tem aplicado, reiteradamente, o entendimento de que a admissão do especial, por um dos fundamentos, dispensa a interposição de agravo, consoante entendimento já sumulado do STF (Súmula 528: “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo Presidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário que sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento”)1309. Uma importante consideração faz-se aqui necessária. O recurso de agravo deverá ser interposto mediante petição escrita ou por meio similar (v.g., por fax ou eletronicamente), dirigida à autoridade que proferiu a decisão (art. 1.042, § 2º, do CPC/2015), ou seja, à presidência do tribunal de origem. Os requisitos formais da petição precisam ser todos preenchidos no ato da interposição – por exemplo, já se decidiu, antes da Lei n. 12.322/2010, que não cabe o suprimento ulterior da ausência de assinatura do advogado do agravante1310. Antes da entrada em vigor da Lei n. 12.322/2010 e do CPC/2015, o agravo em recurso especial e extraordinário era interposto sob a forma de
instrumento. Nesse contexto, segundo o regime anterior, o agravante deveria instruir o recurso, obrigatoriamente, com as cópias das seguintes peças, consoante o antigo art. 544, § 1º, do CPC/73: a) acórdão impugnado através do extraordinário ou especial; b) certidão da intimação do acórdão recorrido; c) petição de interposição do recurso extraordinário ou especial; d) resposta do recorrido; e) decisão de inadmissibilidade do extraordinário ou especial; f) certidão de intimação da decisão agravada; g) procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado (rectius: das partes originárias e dos terceiros que ingressaram no feito). A Lei n. 10.352/2001 acrescentou à lista das peças obrigatórias a certidão de intimação do acórdão recorrido, exigência que já constava da Súmula 273 do STJ (“A certidão de intimação do acórdão recorrido constitui peça obrigatória do instrumento de agravo”). Tal peça ensejava o controle da tempestividade do extraordinário ou do especial. A esse respeito, a Súmula 639 do STF: “Aplica-se a Súmula 288 quando não constarem do traslado do agravo de instrumento as cópias das peças necessárias à verificação da tempestividade do recurso extraordinário não admitido pela decisão agravada”. Além das peças obrigatórias, de acordo com o regime anterior à Lei n. 12.322/2010, o agravo deveria ser instruído com as peças essenciais à compreensão da controvérsia, consoante entendimento sumulado do STF, perfeitamente aplicável ao recurso especial: “Súmula 288. Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia”1311. Em boa hora, quer nos parecer que a Lei n. 12.322/2010, bem como o CPC/2015, pretendeu acabar com aludidos transtornos. Deveras, a partir do
advento dos referidos diplomas legais, o agravo do art. 1.042 do CPC/2015 que era interposto sob a forma de instrumento passou a dever ser interposto nos próprios autos. Isso quer dizer, em outras palavras, que não há mais necessidade de instruir o recurso de agravo com as peças já listadas linhas atrás, visto que este será remetido à superior instância após intimação do agravado para oferecer resposta, juntamente com os autos do processo. 2. Procedimento Contra a decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário, deve o interessado interpor o agravo em recurso especial ou extraordinário, na forma prevista no art. 1.042 do CPC/2015, devendo dirigir a petição de interposição ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem. Além disso, importante salientar que o agravo para o STF e STJ não depende do pagamento de preparo (art. 1.042, § 2º, do CPC/2015). Recebida a petição do agravo na secretaria, intima-se o agravado para responder no prazo de 15 dias. Em seguida, manifestando-se ou não o agravado, os autos serão remetidos à superior instância, observando-se o disposto no art. 1.042, § 6º, do CPC/2015 e, no que couber, o art. 1.036 do CPC/2015, que cuida do regime dos recursos especiais e extraordinários que versarem sobre questões repetitivas. A subida do recurso juntamente com os autos é obrigatória. Não há controle de admissibilidade no órgão a quo (art. 1.042, §§ 3º e 4º, do CPC/2015), sob pena de usurpação da competência do STJ ou do STF, conforme dispõe a Súmula 727 do STF supracitada. No entanto, contra a decisão que porventura negar seguimento, no tribunal de origem, ao agravo de que trata o art. 1.042 do CPC/2015, caberá reclamação com base no art.
102, I, l, da Constituição (para o STF), e reclamação com fundamento no art. 105, I, f (para o STJ), bem como nos arts. 988 e ss. do CPC/20151312. Tenhase presente que a reclamação deverá ser ajuizada antes do trânsito em julgado da decisão judicial que tenha desrespeitado a competência do STF ou STJ, conforme entendimento cristalizado na Súmula 734 do STF, cujo teor é o seguinte: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”. No STF e no STJ, o agravo é protocolado e distribuído a um relator, o qual tem amplíssima competência para julgar a admissibilidade e o mérito do agravo. Conforme se dessume do art. 932 do CPC/2015, ao relator se mostra lícito adotar as seguintes atitudes: a) não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada (art. 932, III, do CPC/2015); b) conhecer do agravo para negar seguimento ao recurso especial ou extraordinário manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou entendimento firmado em incidente de demandas repetitivas ou assunção de competência (art. 932, III e IV, do CPC/2015); c) conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial ou extraordinário, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou entendimento firmado em incidente de demandas repetitivas ou assunção de competência (art. 932, V, do CPC/2015). Se não for o caso das hipóteses acima descritas, o relator deverá encaminhas o recurso para julgamento na forma do regimento interno do tribunal (art. 1.042, § 5º, do CPC/2015) e ou determinar a conversão do agravo em recurso especial ou extraordinário, para o julgamento do recurso. Ressalte-se que, se interpostos recursos extraordinário e especial na
mesma causa, se ambos forem inadmitidos na origem, deverá ser interposto um agravo em cada recurso não admitido (art. 1.042, § 6º, do CPC/2015). Nessa hipótese, entendemos que o julgamento do especial há de realizar-se em primeiro lugar, salvo se houver prejudicialidade nos termos do art. 1.042, §§ 7º e 8º, do CPC/2015. Atente-se também ser aplicável à hipótese o regime dos recursos especial que versarem sobre questões repetitivas nos termos do art. 1.036 do CPC/2015. Da decisão do relator que (a) não conhecer do agravo, (b) negar-lhe provimento ou (c) decidir, desde logo, o recurso especial ou extraordinário não admitido na origem, caberá agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) para o “órgão competente” do STJ ou do STF (arts. 8º, I, e 9º, III, do RISTF e art. 13, IV, do RISTJ). Na vigência do CPC/73, antes da alteração provocada pela Lei n. 12.322/2010, o relator do tribunal a quo podia, com base nos §§ 3º e 4º do art. 544 do CPC/73, converter o agravo em recurso especial ou extraordinário e, nessa hipótese, a decisão não era passível de recurso, pois o juízo definitivo de admissibilidade do especial ou do extraordinário dá-se quando do julgamento destes, de modo que, nessa hipótese, falecia interesse recursal àquele que pretendesse recorrer. Por idêntico motivo, o provimento do agravo, determinando a subida do extraordinário ou especial, era imune ao agravo interno. A parte interessada poderá interpor o agravo interno no prazo de 15 dias contra a decisão monocrática que negar seguimento ou provimento ao agravo em recurso especial ou extraordinário, que fluirá da intimação da decisão do relator pelos meios usuais (art. 272 do CPC/2015)1313. O recurso deverá atacar “especificamente os fundamentos da decisão agravada” (Súmula 182 do
STJ), sob pena de não conhecimento1314.
XLV EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO
1. Considerações preliminares São cabíveis embargos de divergência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal quando a decisão proferida em recurso especial ou extraordinário, respectivamente, por um de seus órgãos fracionários, divergir do julgamento de outros órgãos fracionários. Essa modalidade recursal encontra previsão nos arts. 994, IX, e 1.043 do CPC/2015. Deve ser observado ademais, no que diz respeito ao procedimento deste recurso, o que estiver previsto no regimento interno dos Tribunais Superiores, consoante se infere da leitura art. 1.044 do CPC/2015 (RISTF, arts. 330-336; RISTJ, arts. 266-267). O art. 1.043, I, do CPC/2015 prevê o cabimento de embargos de divergência no recurso extraordinário ou no recurso especial, quando o acórdão do órgão fracionário divergir do julgamento de outro órgão do mesmo tribunal tratando do mérito. Por sua vez, o inciso III desse mesmo dispositivo enuncia que os embargos de divergência serão cabíveis quando o
acórdão do recurso extraordinário ou do recurso especial divergir do julgamento de outro órgão do mesmo tribunal sobre a admissibilidade de recurso – no caso em que há um acórdão apreciando o mérito e outro no qual o recurso não tenha sido conhecido1315. Tem esta modalidade recursal a nítida finalidade de uniformizar a jurisprudência interna dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). Mas o fato de ter essa finalidade não se confunde com o recurso especial interposto com fundamento na alínea c do inciso III do art. 105 da CF/88 e que é previsto precípuamente – senão unicamente – visando a uniformização da interpretação da lei federal em todo o País, enquanto os embargos de divergência dizem respeito a dissenso interno ao próprio STF ou STJ, quando este ocorra em torno da interpretação e aplicação de norma constitucional ou lei federal. Os embargos de divergência são um instrumento que pode ser utilizado pela parte para compelir os Tribunais superiores ao cumprimento do disposto no art. 926 do CPC/2015 que determina a uniformização e estabilização de forma integra e coerente da jurisprudência pelos tribunais. 2. Hipóteses de cabimento É o seguinte o teor do art. 1.043 do CPC/2015: “É embargável o acórdão de órgão fracionário que: I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; III – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia”.
Do texto dos incisos do art. 1.043 do CPC/2015, acima transcritos, extraise a primeira exigência para o cabimento dos embargos de divergência. A decisão deve ser de órgão fracionário, diz a lei, pelo que não se admite a interposição desses embargos contra decisão que venha a ser proferida por seção ou pelo órgão especial ou plenário daquele tribunal. Também não se admite, como se verá adiante, que o acórdão cujo entendimento tenha sido posterior ou que não tenha mais competência para apreciar a matéria discutida e decidida no acórdão1316. É irrelevante que a decisão haja sido proferida por unanimidade ou, diversamente, por maioria. Exige-se apenas que a decisão tenha resultado de deliberação do órgão fracionário em julgamento de recurso especial ou extraordinário, conforme o caso. Também têm cabimento os embargos de divergência de acórdão proferido em agravo interno que tenha julgado o próprio recurso, especial ou extraordinário1317. Há julgado no sentido de que decisão monocrática (que julga o recurso especial e pode substituir a decisão recorrida – art. 1.008 do CPC/2015 – caso este seja conhecido, ainda que improvido, o acórdão recorrido) deve ser objeto de agravo interno para que possa ser cotejada com outra decisão de turma, seção ou órgão especial, para fins de cabimento de embargos de divergência1318. Vem em abono desse entendimento o princípio da unirrecorribilidade das decisões. Se a decisão monocrática eventualmente proferida com supedâneo no art. 932 do CPC/2015 ainda pode ser objeto de agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015), parece que não se poder admitir possa ser impugnada, também, por embargos de divergência. Primeiro, há de ser interposto o agravo interno; sucessivamente, então, será possível cogitar da interposição
dos embargos de divergência. O assunto foi longamente enfrentado pela Corte Especial do STJ no julgamento dos Emb.Div. no REsp 158.917/RS, rel. Min. César Asfor Rocha, tendo prevalecido, por maioria, o entendimento no sentido do descabimento dos embargos de divergência, se não interposto recurso de agravo interno contra a decisão do relator, ainda que esta tenha sido lavrada com espeque no art. 932 do CPC/20151319. Contrariando a jurisprudência1320 firmada na vigência do CPC/73, o art. 1.043, § 1º, do CPC/2015 prevê também a possibilidade de confrontar teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e ações de competência originária. Na vigência do Código de 1973, diante da ausência de disposição expressa de lei, se entendia que os embargos de divergência não seriam cabíveis nesses casos. Deveras, conforme já exposto na nota de rodapé n. 5, supra, se o agravo interno for interposto de decisão monocrática que tenha julgado o próprio recurso especial ou extraordinário são cabíveis os embargos de divergência. A partir do julgamento do agravo interno, ter-se-á, então, o pronunciamento da própria turma, abrindo caminho para a interposição dos embargos de divergência. Dizendo a lei, categoricamente, que os embargos em estudo serão interponíveis quando o acórdão do órgão fracionário “divergir do julgamento de outro órgão do mesmo tribunal”, não serão cabíveis os embargos de divergência se o dissenso se der entre acórdãos da mesma turma. A esse propósito há, inclusive, súmula do Supremo Tribunal Federal, de n. 353, que tem o seguinte teor: “São incabíveis os embargos da Lei n. 623, de 19.02.1949, com fundamento em divergência entre decisões da mesma Turma do Supremo Tribunal Federal”. Na vigência do CPC/73 havia julgados
admitindo algum temperamento a essa regra quando há alteração da composição majoritária do órgão colegiado, e, portanto, em tais casos, não haveria mais a identidade (total) dos julgadores1321. Esse entendimento foi abarcado pelo CPC/2015, que estatuiu no art. 1.043, § 3º, o cabimento de embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma, desde que a “sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros”. Na vigência do CPC/73 se defendia a posição de que se o objetivo dos embargos de divergência é o de superar divergência atual no âmbito do Tribunal e se a mesma Turma (com composição diferente ou não) já julgou diferentemente, superando ela mesma um precedente entendimento diverso, não há mais divergência. A esse propósito, o STJ sumulou o seguinte entendimento: “Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de Turma ou Seção, que não mais tenha competência para a matéria neles versada” (Súmula 158). Vale dizer, a supressão da competência significa que aquela Turma não tem mais voz no Tribunal, em relação à matéria objeto de supressão de sua competência1322. Ainda, neste mesmo norte, o entendimento cristalizado na Súmula 247 do STF – “O relator não admitirá os embargos da Lei n. 623, de 19.02.1949, nem deles conhecerá o Supremo Tribunal Federal, quando houver jurisprudência firme do Plenário no mesmo sentido da decisão embargada” – aplicável ao recurso especial1323, similar ao entendimento cristalizado na Súmula 168 do STJ: “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”1324. No caso da Súmula 247 do STF, se o plenário firmemente já se manifestou congruentemente com a decisão de que se quer recorrer, é certo
que o órgão maior do Tribunal já assentou o entendimento que julga ser o correto. Não se justifica, assim, o cabimento dos embargos de divergência. E, no caso da Súmula 168 do STJ, se a decisão de que se pretende recorrer é coincidente com o pensamento do Tribunal, diante dessa sintonia, igualmente, não há divergência. De fato, como um desdobramento do requisito acima identificado, da atualidade, exige-se que o acórdão paradigma resulte de julgamento proferido por órgão colegiado que ainda detenha competência para tanto1325. Nessa trilha, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em seu art. 332, dispõe: “Não cabem embargos, se a jurisprudência do Plenário ou de ambas as Turmas estiver firmada no sentido da decisão embargada, salvo o disposto no art. 103”. Há que se ter presente, ademais, a orientação da Súmula 598 do STF: “Nos embargos de divergência não servem como padrão de discordância os mesmos paradigmas invocados para demonstrá-la, mas repelidos como não dissidentes no julgamento do recurso extraordinário”. Quer referido verbete sumular significar que, se a divergência já foi apontada no próprio recurso (hoje, a divergência jurisprudencial autoriza a interposição de recurso especial, a teor do art. 105, III, c, da CF/88), não tendo sido aceita para esse fim, ela não se presta, então, para os embargos de divergência1326. 3. O acórdão paradigma Estabelecidas algumas premissas no que diz respeito a quais acórdãos ou decisões são passíveis de serem objeto de embargos de divergência, cumprenos examinar, neste passo, quais delas podem servir de acórdão padrão ou paradigma. Indaga-se, à vista do que vimos anteriormente, se somente
acórdãos proferidos em sede de recurso especial ou extraordinário podem servir de paradigmas para efeitos de interposição de embargos de divergência. Na vigência do CPC/73, ou seja, quando inexistia previsão legal expressa, Bernardo Pimentel Souza já entendia que não era preciso que o acórdão paradigma tivesse sido proferido no bojo de julgamento de recurso especial (ou extraordinário), podendo tê-lo sido, até mesmo, no seio de ação da competência originária do tribunal1327. Dessa mesma opinião compartilhava Sérgio Shimura, que afirma que “o que se exige é que a decisão a ser atacada seja tomada pela Turma. Todavia, a outra decisão pode ter sido proferida em sede de outro recurso ou processo, não necessariamente em recurso especial ou extraordinário”1328. Perfilhando idêntico entendimento, para Luiz Orione Neto podiam servir de paradigma, a demonstrar o dissenso interno, acórdãos proferidos em qualquer modalidade recursal, desde que apreciada por turma dos Tribunais Superiores ou, ainda, oriundos de ação de competência originária do tribunal1329. Embora o STJ tenha decidido que somente acórdãos proferidos em julgamento de recurso especial são aptos a servir como paradigma para a interposição de embargos de divergência em recurso especial1330, o CPC/2015 passou a prever expressamente o cabimento de embargos divergentes em recursos ou processos de competência originária, refutando, assim, a jurisprudência contrária do STJ. Contrariando a jurisprudência do STJ, que já havia proferido acórdão entendendo que se, de um lado, o acórdão embargado não conheceu do recurso especial e, de outro, o acórdão paradigma ultrapassou a fase de conhecimento, analisando o mérito recursal propriamente dito, inexiste
divergência apta a autorizar a interposição dos embargos1331, o inciso III do art. 1.043 do CPC/2015 institui o cabimento dos embargos divergentes quando um acórdão tenha tratado do mérito e o outro não tenha conhecido do recurso. Pode-se dizer que é mister a identidade fática entre as hipóteses subjacentes aos acórdãos (embargado e paradigma) e a solução jurídica diversa. Vale dizer, devem ser iguais os suportes fáticos, mas diversas as soluções jurídicas atribuídas1332. A esse respeito é farta a jurisprudência do STJ e, bem assim, do STF1333. A ideia é que situações que tenham identidade ou similitudes fáticas recebam igual tratamento jurídico. Isso significa que os embargos de divergência, no STJ, podem ter como objeto duas diferentes leis federais, aplicada uma no acórdão recorrido e outra no(s) acórdão(s) paradigma(s), colimando-se nesses embargos de divergência decidir qual delas efetivamente rege a espécie jurídica, ou seja, objetivam, em última análise, que situações fático-jurídicas assemelhadas recebam tratamento equivalente. Imperioso, ademais, a demonstração do dissenso de forma analítica, evidenciando-se a semelhança das hipóteses e a necessidade, então, de se lhes aplicar a mesma solução jurídica, mas sempre em função de comprovação de uma questão jurídica idêntica, subjacente à hipótese recorrida e à(s) confrontada(s). Não se mostra suficiente a mera referência ao julgado que servirá de paradigma, sendo indispensável a análise e confrontação das teses que teriam sido adotadas no acórdão paradigma, em face do quanto foi decidido no acórdão recorrido. 4. Matérias suscetíveis de serem discutidas em embargos de divergência
Cabe-nos examinar, neste momento, quais as matérias suscetíveis de serem discutidas no âmbito dos embargos de divergência. Antes do CPC/2015, havia discussão acerca do cabimento de embargos de divergência para discutir matéria preliminar. Posicionamento no sentido da admissibilidade dos embargos de divergência, em casos tais casos (divergência em relação a preliminares), Bernardo Pimentel Souza1334. Sanando a ausência de previsão legal, os incisos do art. 1.043 determinam, como requisito de admissibilidade dos embargos de divergência, a apreciação do mérito (art. 1.043, I, do CPC/2015) ou a apreciação do mérito em um acórdão, que outro órgão tenha deixado de conhecer o recurso (art. 1.043, III, do CPC/2015). Nesse sentido, o inciso III do art. 1.043 afastou a jurisprudência preponderante no STJ que entendia que “inexiste similitude a justificar o conhecimento de embargos de divergência entre acórdão que não aprecia o mérito da controvérsia, por entender ausentes os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso especial, e outro que foi conhecido e decidido com sustentáculo em questões infraconstitucionais”1335. De outro julgamento, consta da ementa: “Impropriedade do questionamento, em embargos de divergência, do acerto ou desacerto da inaplicação de determinada regra técnica de conhecimento do recurso especial”1336. Não se encampava, como salientado, o entendimento do STJ, e entendemos que agiu com acerto o legislador ao prever essa hipótese. Isso porque, é certo que, como regra, o que se exige é que os dois acórdãos (recorrido e paradigma) tenham exercido o “mesmo grau de cognição”1337. Mas não se pode deixar de reconhecer, por exemplo, que a discrepância intestina aos Tribunais Superiores acerca de requisitos de admissibilidade dos recursos, especial e extraordinário, é algo de extrema importância e expressa
divergência interna ao Tribunal. Deveras, se a divergência disser, por exemplo, respeito ao entendimento do que seja prequestionamento, em si mesmo considerado, afigura-se-nos inafastável o cabimento dos embargos de divergência, ainda que um julgado não tenha conhecido do recurso, por reputar inexistente tal requisito, enquanto outro dele tenha conhecido, julgando-lhe o mérito, por reconhecer, em circunstâncias assemelhadas, presente o requisito do prequestionamento. Desde que o julgado paradigma se tenha pronunciado sobre a questão da admissibilidade, afiguram-se-nos cabíveis os embargos de divergência. Isso implica que, se o acórdão recorrido não tiver conhecido do recurso, julgando-o inadmissível, levada a questão ao órgão que haverá de julgar os embargos de divergência, se aqui se vier a entender ser caso de conhecimento, reformando-se em sede de julgamento dos embargos de divergência a decisão da inadmissibilidade, o recurso deverá retornar, então, ao órgão que não admitira o recurso, para que julgue o seu mérito. Foi isso o que se decidiu no julgamento do EREsp 198.413/AL1338, do qual se extrai, do voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, o seguinte e corretíssimo trecho: “A questão de um dos acórdãos trazidos a confronto ter conhecido do recurso e o outro não parece-me irrelevante para a verificação da divergência, desde que os temas tenham sido enfrentados”1339. Para que haja interpretação divergente, apta a ensejar o cabimento dos embargos de divergência nos termos do art. 1.043 do CPC/2015, é preciso que haja prequestionamento. Com efeito, somente com o enfrentamento da questão pela turma julgadora é que se pode cogitar da interposição de embargos de divergência, caso o órgão fracionário tenha decidido a questão jurídica de forma diversa de outro órgão.
Oportuno mencionar, ainda, quanto às matérias suscetíveis de serem discutidas em embargos de divergência, o § 2º do art. 1.043 do CPC/2015 estatuindo que a divergência pode estar tanto no âmbito do direito material quanto do direito processual. 5. Requisitos (extrínsecos) de admissibilidade 5.1 Prazo de interposição O prazo de interposição dos embargos de divergência é de 15 dias, consoante previsão expressa do art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, que estabeleceu a regra de que o prazo de interposição para os recursos é de 15 dias, com exceção dos embargos de declaração1340. Entre esses recursos encartam-se os embargos de divergência. Idêntico prazo tem o embargado para o oferecimento de sua resposta. A letra do inciso II do art. 997 do CPC/2015 afasta a possibilidade de interposição de embargos de divergência sob a forma adesiva. 5.2 Regularidade formal A petição de interposição dos embargos de divergência deverá conter as razões em função das quais o recorrente pretende o prevalecimento do entendimento constante do acórdão invocado como paradigma, demonstrando a efetiva divergência e pugnando pelo prevalecimento do entendimento havido como correto, com base no entendimento do acórdão apontado como paradigma, contrariamente ao que decidiu o acórdão recorrido (ver, a propósito, o que consta dos arts. 331 e 332 do RISTF e do art. 266 c/c art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ). A comprovação da divergência deverá ser feita através de citação de repositório oficial ou credenciado, inclusive em mídia
eletrônica, de onde foi publicado o acórdão divergente ou deverá ser juntada certidão ou cópia autenticada do julgado paradigma. A comprovação da divergência também poderá ser feita pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte (art. 1.043, § 4º, do CPC/2015)1341-1342. É imprescindível, ainda, o exame e o confronto analítico dos acórdãos (recorrido e paradigma), seguidos de pedido conclusivo em favor do entendimento do acórdão trazido como paradigma, com vistas ao provimento do recurso. Aplica-se aos embargos de divergência no recurso especial a orientação sedimentada na Súmula 115 do STJ, do teor seguinte: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”, ainda que, usualmente, a procuração deva estar nos autos validamente, pois, do contrário, dificilmente o especial ou o extraordinário terão sido julgados pelo mérito. 5.3 Preparo Os embargos de divergência no recurso especial dependem de preparo. Segundo o art. 5º da Lei n. 11.636/2007, que dispõe sobre as custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, “exceto em caso de isenção legal, nenhum feito será distribuído sem o respectivo preparo, nem se praticarão nele atos processuais, salvo os que forem ordenados de ofício pelo relator”. A Resolução 1/2008 do STJ, de seu turno, dispõe serem devidas custas judiciais e porte de remessa e retorno dos autos dos processos de competência recursal do STJ, segundo os valores constantes nos anexos de aludida Resolução, com o advento dos processos eletrônicos, o STJ têm mantido o entendimento de afastar o recolhimento de custas de porte de
remessa e retorno quando dos autos que tramitam digitalmente. Os embargos de divergência no recurso extraordinário também exigem o recolhimento de preparo, de acordo com a tabela de custas do STF (art. 335, § 2º, primeira parte, do RISTF) e não há custas de porte de remessa e retorno dos autos. 6. Efeitos Uma vez admitidos os embargos de divergência, opera-se o efeito substitutivo dos recursos previsto no art. 1.008 do CPC/2015, desde que a decisão seja pelo improvimento dos mesmos ou que seja pelo provimento e o recurso veicule errores in judicando. A interposição dos embargos de divergência conduz à devolução da matéria objeto de divergência ao órgão ad quem. O efeito devolutivo, em tais casos, é restrito à matéria em que se verifique a divergência entre o acórdão recorrido e aquele indicado como paradigma1343. Cabe, neste passo, indagar acerca do efeito translativo. Não nos parece que, em relação aos embargos de divergência, se possa falar em efeito translativo. Como regra geral, entende-se que o efeito translativo é estranho aos recursos ditos extraordinários. E os embargos de divergência constituem desdobramento do recurso especial (ou do extraordinário, conforme o caso), modalidade que pode ser encartada nesse gênero maior, a que, neste trabalho, denominamos recursos extraordinários. Desse modo, não há falar, segundo se pensa, em efeito translativo, exceto quando tratarem de matérias impugnadas pelo art. 1.043, § 1º, do CPC/20151344. Deve-se, ademais, dizer que os embargos de divergência não possuem efeito suspensivo, conclusão, aliás, que decorre do fato de que o recurso
especial também não possui efeito suspensivo, nem tampouco o recurso extraordinário. O cumprimento do acórdão que se faça na pendência do julgamento dos embargos será, porém, provisório, como explica Barbosa Moreira, à luz do CPC/73: “A execução que se instaurar, porém, será provisória (...). Assim também a que porventura se instaure na pendência do agravo de instrumento interposto contra o indeferimento do extraordinário ou especial, e ainda na dos embargos previstos no art. 546”1345-1346 – ainda que dispensável o oferecimento de caução, conforme o inciso II do art. 521 do CPC/2015. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 266-A do RISTJ, sem qualquer espécie
de
ressalva:
“Os
embargos
serão
juntados
aos
autos
independentemente de despacho e não terão efeito suspensivo”1347. Diferentemente pensa Nelson Nery Jr., para quem, “se o acórdão embargado tiver dado provimento ao RE ou REsp, os embargos de divergência serão recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo”1348. Sem prejuízo de os embargos de divergência não serem dotados de efeito suspensivo, é possível, via medida cautelar incidental inominada, atribuirlhes mencionado efeito, tal como sucede com o próprio recurso especial. Ao relator, ad referendum do órgão fracionário encarregado de julgar os embargos de divergência, caberá apreciar o pedido de atribuição liminar de efeito suspensivo ao recurso1349. 7. Processamento O procedimento a ser observado nos embargos de divergência consta dos Regimentos do STF e STJ, conforme o caso (RISTF, arts. 330-336; RISTJ, arts. 266-267), conforme disposto no art. 1.044 do CPC/2015. Os embargos de divergência em recurso extraordinário serão opostos no
prazo de 15 dias, perante a Secretaria. É o que prevê o art. 334 do RISTF. No caso de inadmissibilidade dos embargos, o embargante poderá interpor agravo, no prazo de 5 dias (art. 335, § 2º, do RISTF)1350. O relator pode inadmitir liminarmente os embargos de divergência quando não restar comprovada, de forma objetiva, a existência do dissídio jurisprudencial1351. Admitidos os embargos e efetuado o preparo, abre-se vista para o embargado responder no prazo de 15 dias, na forma do art. 1.003, § 5º, do CPC/2015 e do art. 335 do RISTF. Nos termos do § 1º do art. 336 do RISTF, uma vez admitidos os embargos, o relator não poderá reformar o seu despacho para inadmiti-los, recebidos os embargos de divergência, o Plenário julgará a matéria. No que toca aos embargos de divergência, no âmbito do STJ, nos termos do art. 266 do RISTJ: “Cabem embargos de divergência contra acórdão de Órgão Fracionário que, em recurso especial, divergir do julgamento atual de qualquer outro Órgão Jurisdicional deste Tribunal, sendo I – os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; II – um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia”. Os embargos serão juntados aos autos independentemente de despacho e a sua oposição interrompe o prazo para interposição de recurso extraordinário. É o que dispõe o art. 266-A do RISTJ. Uma vez sorteado o relator, este poderá indeferi-los liminarmente, quando intempestivos, quando contrariarem Súmula do Tribunal, quando a tese deduzida for contrária a fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, ou ainda na hipótese de não restar comprovada ou configurada a divergência jurisprudencial. É a leitura que se faz do art. 266-C do RISTJ. Caso haja necessidade de ouvir o
representante do Ministério Público, este terá vista dos autos pelo prazo de 20 dias (art. 266-D do RISTJ). Registre-se que a CF/88, no § 1º do art. 103, estatui: “O Procurador-Geral da
República
deverá
ser
previamente
ouvido
nas
ações
de
inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”. Semelhante dispositivo não existe relativamente aos processos de competência do Superior Tribunal de Justiça, havendo o Ministério Público de intervir nas hipóteses previstas nos incisos I a III do art. 178 do CPC/20151352. Admitidos os embargos, abre-se vista ao embargado para responder no prazo de 15 dias. Findo esse prazo, com ou sem resposta, serão conclusos ao relator, para julgamento (art. 267, parágrafo único, do RISTJ). Deve ser respeitado o prazo de 5 dias entre a publicação da pauta e o julgamento dos embargos, a teor do art. 935 do CPC/2015, mesmo porque poderá haver sustentação oral, consoante se extrai do art. 937, V, do CPC/2015 e do art. 159, § 1º, do RISTJ. Quando do julgamento dos embargos de divergência, num primeiro momento deve ser verificado se estão presentes seus requisitos de admissibilidade: estando presentes, passar-se-á ao julgamento de mérito, na forma prevista no art. 938 do CPC/20151353. Assim como nos embargos infringentes e nos embargos de declaração, parece-nos, em princípio, não ser permitido ao relator monocraticamente dar pelo provimento ou improvimento dos embargos de divergência, a não ser nos casos expressamente autorizados pelo art. 932, IV, do CPC/2015. Isso porque, é conveniente que o julgamento dos embargos de divergência seja feito pelo órgão colegiado para que não restasse qualquer dúvida a respeito
da uniformização de entendimento do tribunal sobre determinada matéria. O STJ, todavia, tem decidido poder o relator monocraticamente decidir pelo improvimento ou provimento dos embargos de divergência, aplicando o art. 932, V, a, do CPC/20151354.
XLVI OS PODERES DO RELATOR
1. Considerações iniciais Cumpre analisarmos, neste capítulo, os poderes do relator, para o que é particularmente relevante a análise do art. 932 do CPC/2015. Deve-se ter presente, desde logo, que mencionado preceito se aplica, em princípio, a todo e qualquer recurso, motivo pelo qual optamos por analisá-lo neste capítulo à parte1355. Deveras, merece um estudo mais aprofundado a análise dos poderes do relator no âmbito recursal, pois cada vez mais se intensificam as hipóteses em que o relator determina o seguimento e o provimento dos recursos, principalmente com a valorização dos precedentes preconizada pelo CPC/2015, que ampliou de forma significativa os poderes do relator. Inicialmente, a Lei n. 9.756, de 18.12.1998, havia introduzido diversas modificações no sistema recursal. Dentre essas, conferiu novos e ampliados poderes aos relatores dos recursos; atualmente, o CPC/2015 ampliou tais poderes. Por esse motivo, é fundamental que analisemos as alterações, tendo em vista que se trata de normas gerais, aplicáveis, como regra, a todas as modalidades recursais.
O art. 932 do CPC/2015, que expressa a competência conferida ao relator, reflete a tendência do legislador de conferir maior poder aos relatores dos processos nos tribunais com o intuito de acelerar o curso do processo e, também, como dito, de valorizar os precedentes, como forma de garantir maior segurança jurídica. Compararemos as últimas três redações desse dispositivo antes da alteração provocada pelo CPC/2015 para visualizarmos as modificações. 2. Análise da evolução dos poderes do relator Comparemos as várias redações do atual art. 932 do CPC/2015 desde a redação original no CPC/73, cuja redação era a seguinte: “Art. 557. Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído. Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a que competiria julgar o agravo”. Com a reforma do Código de Processo Civil de 1973 pela Lei n. 9.139/95, a redação de aludido dispositivo legal passou a ser a seguinte: “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior. Parágrafo único. Da decisão denegatória caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso. Interposto o agravo a que se refere este parágrafo, o relator pedirá dia”. Após o advento da Lei n. 9.756/98, o art. 557 sofreu outras alterações, e o parágrafo único foi substituído pelos §§ 1º-A, 1º e 2º, conforme aqui
transcrevemos: “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. § 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. § 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor”. A Lei n. 8.038/90 disciplinou os recursos especial e extraordinário após o advento da CF/88, e em seu art. 38 já conferia poderes ao relator para julgar o mérito desses recursos. É o seguinte o teor do dispositivo: “Art. 38. O relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou, ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal”. Nota-se claramente, da comparação dos preceitos acima transcritos, a evolução nos poderes concedidos ao relator, que, pela redação original, só possuía competência para decidir isoladamente se o agravo fosse
manifestamente improcedente. Com o advento da Lei n. 9.139/95, o relator passou a ter poderes para negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior, e, após as modificações trazidas pela Lei n. 9.756/98, pode dar provimento definitivo ao recurso, ocorrentes os pressupostos do § 1º-A do art. 557. Analisemos com mais vagar as novas diretivas traçadas pela Lei n. 9.756/98. Atualmente, com a promulgação do CPC/2015, o art. 557 do CPC/73 foi reformulado e possui a seguinte disposição: “Art. 932. Incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes; II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; IV – negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou
de assunção de competência; VI – decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal; VII – determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso; VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal. Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Referido artigo já conferia poderes ao relator, na vigência do CPC/73, para tratar, em algumas hipóteses, do mérito do recurso, bem como dar provimento ao recurso, sob determinadas condições. Com efeito, referido diploma legal permitia ao relator que, isoladamente, desse provimento ao recurso (inclusive ao especial e ao extraordinário), desde que a decisão recorrida estivesse em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de outro Tribunal Superior. Essa hipótese permaneceu no CPC/2015, no art. 932, V, a. No entanto, como já tivemos oportunidade de mencionar, a nova redação do art. 932 do CPC/2015 deu especial importância aos precedentes jurisprudenciais, valorizando as súmulas, decisões proferidas em recursos repetitivos, no âmbito dos incidentes de demandas repetitivas ou de assunção de competência. A atribuição de poderes ao relator para decidir o mérito do recurso é vista por parte da doutrina como medida inconstitucional, pois confere competência a um integrante do órgão para decidir, isoladamente, questão que deveria ser analisada pelo órgão colegiado. Este procedimento afrontaria o duplo grau de jurisdição, o devido processo legal e a ampla defesa, além de infringir o art. 96, I, da CF/88, segundo alguns1356.
Temos por correta, no entanto, a orientação de que não é inconstitucional tal atribuição de poderes ao relator, sendo de se observar que existe decisão do Supremo Tribunal Federal1357 nesse sentido a propósito do assunto: “Constitucional – Mandado de injunção – Seguimento negado pelo relator – Competência do relator: constitucionalidade – Pressupostos do mandado de segurança – Legitimação ativa. I – É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente sua incompetência (RISTF, art. 21, § 1º; Lei n. 8.038/90, art. 38), desde que, mediante recurso – agravo regimental –, possam as decisões ser submetidas ao controle colegiado”. É exatamente isso o que ocorre na hipótese do art. 932 do CPC/2015, segundo o qual a decisão isolada do relator será recorrível ao órgão fracionário do tribunal a quem competir o julgamento do recurso (art. 1.021, § 2º, do CPC/2015). A possibilidade de o relator, em determinadas hipóteses, negar ou mesmo dar provimento ao recurso deverá contribuir para agilizar o procedimento dos recursos nos tribunais. O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos articuladores da reforma promovida pela Lei n. 9.756/98 ao CPC/73, que concedeu ao relator o poder de dar provimento monocraticamente ao recurso, aponta como principais objetivos desta nova sistemática: “a) tornar mais ágil o sistema recursal, quer ao adotar-se a modalidade retida dos recursos extraordinário e especial, quer ao simplificar e coibir excessos de índole procrastinatória, quer ao ampliar os poderes do relator; b) dar maior eficácia às decisões emanadas dos Tribunais Superiores, nestes incluído o Supremo Tribunal Federal, valorizando a
jurisprudência sumulada, uniforme ou dominante; c) simplificar o controle da constitucionalidade das leis, valorizando, inclusive, as decisões do Supremo Tribunal Federal e dando-lhes, de forma indireta, efeito vinculante (CPC, art. 481, parágrafo único)”1358. Acreditamos que sob essa ótica é que devemos interpretar as alterações introduzidas no CPC/73, que foram mantidas no CPC/2015 em seu art. 932. Retomando a análise do art. 932, V, do CPC/2015, tem-se que, como dito, o conceito de súmula é extremamente objetivo, não gerando maiores dúvidas. Nota-se, de outro lado, que o art. 932 do CPC/2015 permite que o relator não conheça do recurso, por manifestamente inadmissível ou prejudicado, como também casos em que o relator julgue o recurso, pelo mérito, improcedente ou procedente. Ou seja, pode o relator, decidir tantos casos de incursão no mérito recursal como, a fortiori, hipóteses em que o relator se detém, apenas, nos pressupostos de admissibilidade do recurso. Não é demais salientar que, quando o relator aprecia os pressupostos de admissibilidade do recurso, pode (rectius, deve) agir de ofício, já que a verificação da presença dos pressupostos de admissibilidade dos recursos se encontra no espectro de atividade oficiosa do juiz, devendo ser reconhecida a ausência dos requisitos de admissibilidade independentemente de provocação do recorrido nesse sentido. Considere-se, neste passo, que os poderes do relator, para negar ou dar provimento ao recurso, em hipóteses em que o recurso se revele contrário ou em conformidade com (a) súmula do STF, STJ ou do próprio tribunal, (b) acórdão proferido pelo STF ou STJ em sede de julgamento de recursos repetitivos, (c) entendimento firmado em incidente de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
A regra geral é a de que os julgamentos nos tribunais sejam realizados por órgãos colegiados e não isoladamente; há, todavia, uma tendência crescente de simplificar esse procedimento, sendo que, como dito acima, a decisão isolada do relator com esteio no art. 932, IV e V, do CPC/2015, será, sempre, impugnável por recurso de agravo interno ao órgão fracionado do tribunal competente para conhecer do recurso, que tenha sido apreciado isoladamente pelo relator (art. 1.021, § 2º, do CPC/2015). 3. As hipóteses dos incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015 Como já dito, o CPC/2015 ampliou os poderes do relator e, na busca da valorização dos precedentes e da aplicação do princípio da razoável duração do processo, incluiu, no art. 932, antigo 557 do CPC/73, o dever do relator de negar provimento a recurso que for contrário a: “a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio Tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência”. Em que pese a discussão acerca da inconstitucionalidade do dispositivo, o fato é que o incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015, determina que o relator negue ou dê provimento monocraticamente ao recurso, ou a decisão recorrida, as hipóteses acima descritas. A imposição prevista no art. 932, IV, do CPC/2015, pode ser justificada como uma forma de garantir uma rápida resolução da lide. Isso porque, em que pese o direito ao livre convencimento do magistrado, nos termos do art. 371 do CPC/2015, o fato é que, se já há entendimento sumulado tanto nas cortes superiores como no próprio tribunal em que se interpõe o recurso, é evidente que a parte recorrente não terá outro
resultado se não do improvimento de seu recurso. Como ensina Barbosa Moreira1359, “o relator atua como uma espécie de porta-voz do colegiado; cumpre, no entanto, abrir a quem se sinta injustamente agravado o ensejo de pleitear que também se ouçam os outros membros – que ‘se complete’, por assim dizer, o julgamento”. Nesse sentido, o art. 1.021 prevê a interposição de um recurso de agravo interno que deve ser interposto no prazo de 15 dias, e visa impugnar a decisão singular do relator que tiver negado seguimento ou dado provimento ao recurso. Além da observância das súmulas, a alínea b dispõe a observância dos acórdãos proferidos em sede de julgamento de recursos repetitivos. A importância desses precedentes, e, inclusive, da observância deles pelo relator, se deve ao fato de que, em tese, os tribunais superiores ao proferirem o acórdão debruçaram-se sobre a questão de direito tratada e prolataram decisão com mais acerto. Nesse sentido, a aplicação do entendimento consolidado no acórdão não se dá apenas pelo mesmo motivo que a aplicação da súmula, mas também pelo fato de que, se os processos que tramitam e tratam sobre a mesma questão devem ser suspensos para que, decidido recurso, seja aplicado o mesmo entendimento a todos eles, não faria sentido que o relator ou outro tribunal pudesse proferir decisão contrária a esse entendimento que viria a ser reformada pelo STF ou STJ. É evidente que se o recorrente entender que, diante das peculiaridades do caso concreto, não se aplica o referido precedente, ele deve interpor o agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) demonstrando a hipótese. A alínea c dos incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015, por sua vez,
dispõe sobre o entendimento firmado em incidente de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Os dois procedimentos citados são inovações trazidas pelo CPC/2015 e têm o intuito de uniformizar a jurisprudência dos tribunais. Por esse motivo, justifica-se a imposição da observância dos entendimentos firmados nesses procedimentos, tendo em vista que o que se busca é a uniformização da jurisprudência, não faz sentido levar o julgamento de recurso ou processo originário ao colegiado se necessariamente será observado o precedente. O inciso V dispõe sobre as hipóteses de provimento do recurso quando a decisão impugnada for contrária às hipóteses previstas nas alíneas a a c. Caso o relator decida pelo provimento do recurso, esse provimento deverá conduzir a que o recurso seja apreciado pelo mérito; se, de outro lado, a decisão isolada do relator foi de improvimento (ou provimento) do recurso, o agravo interno do art. 1.021 do CPC/2015 levará a questão meritória à apreciação do órgão fracionário do tribunal, que poderá reformar a decisão isolada do relator. Interessante observação pode ser feita nesse passo. O relator pode, isoladamente, desde que ocorrentes determinadas hipóteses específicas, dar ou negar provimento ao recurso, como se viu. Essa decisão, de provimento ou de improvimento do recurso, exatamente porque percute o seu mérito, substitui a decisão recorrida, mercê do efeito substitutivo de que trata o art. 1.008 do CPC/2015. Claro que contra essa decisão cabe o agravo interno de que trata o art. 1.021 do CPC/2015. Mas pode perfeitamente ocorrer que o interessado não o interponha, ou, por exemplo, o interponha a destempo. Nesse caso, eventual ação rescisória deverá voltar-se contra a decisão do tribunal, ainda que emanada de um único juiz, porque essa decisão substituiu
a decisão do juiz de primeira instância. Uma vez interposto o agravo interno, o relator, antes de submetê-lo à apreciação do órgão fracionário, poderá se retratar da decisão agravada. A interposição de recurso especial ou extraordinário pressupõe a prévia interposição do recurso de agravo interno, pois o acesso às instâncias extraordinárias só é viável com o prévio exaurimento das vias ordinárias. Entendimento diferente, ademais, colidiria com o princípio da singularidade recursal. Deveras, na exata medida em que a decisão do relator é impugnável pelo recurso de agravo previsto no § 2º do art. 1.021 do CPC/2015, admitir-se que ela poderia ser também impugnável diretamente por recurso especial ou extraordinário afrontaria a ideia da singularidade recursal (também conhecida como unicidade recursal), segundo a qual cada tipo de decisão deve ser impugnável por um tipo de recurso apenas. O recurso de agravo interno deve ser interposto, em petição escrita, no prazo de 15 dias, e visa impugnar a decisão que não tiver conhecido do recurso, o que conduz a que, provido, o recurso deva ser apreciado pelo órgão fracionário colegiado integrado pelo relator. De outro lado, se a decisão monocrática do relator tiver percutido o mérito do recurso, o provimento do agravo interno levará ao provimento ou improvimento do próprio recurso, conforme o caso. Da decisão do relator que não conhecer do agravo do art. 1.042 do CPC/2015, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso (especial ou extraordinário) não admitido na origem, cabe o agravo do art. 1.021 do CPC/2015, a respeito do qual o STJ editou a Súmula 182, vazada nos termos seguintes: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”. O mesmo raciocínio,
como dito, aplica-se ao agravo interno interposto contra decisão monocrática do relator, que deve se voltar contra a sua decisão que nega seguimento ou dá provimento ao recurso (art. 932, III e V, do CPC/2015). Vale dizer: se a decisão originária isolada do relator foi de não conhecimento do recurso, o provimento do agravo deverá conduzir a que o recurso seja apreciado pelo mérito; se, de outro lado, a decisão isolada do relator foi de improvimento (ou provimento) do recurso, o agravo interno levará a questão meritória à apreciação do órgão fracionário do tribunal, que poderá reformar a decisão isolada do relator. Na forma do previsto no § 2º do art. 1.021, o agravado terá o prazo de 15 dias para apresentar manifestação acerca do recurso. Se o recurso de agravo interno deve, como dito, impugnar especificamente os fundamentos da decisão singular do relator, soa-nos insofismável que deve haver específico direito de resposta. Desse modo, o recorrido deverá ter, igualmente, oportunidade de impugnar, igualmente de forma específica, as razões que embasam mencionado recurso de agravo interno. Releva acrescentar que o julgamento singular do relator pode ter levado em conta matérias ex officio (se, por exemplo, se tratar de recurso de apelação), das quais as partes podem nem ao menos ter cogitado em qualquer momento processual precedente. Por isso, se aquele que interpõe o agravo interno tem oportunidade de impugnar especificamente os fundamentos da decisão singular do relator, parece-nos que, mesmo à míngua de previsão legal específica nesse sentido, deve ser ensejada possibilidade de resposta. Entendimento contrário, em nosso entender, colidiria com a grandeza constitucional do princípio do contraditório.
Observemos que, por razões análogas, opostos embargos declaratórios com caráter infringente, deve o relator intimar o embargado para apresentar resposta no prazo de 5 dias (art. 1.023, § 2º, do CPC/2015). 4. A questão da aplicação de multa Segundo prescreve o § 5º do art. 1.021 do CPC/2015, se o agravo interno for tido por manifestamente inadmissível ou infundado, isso poderá conduzir à aplicação de multa, a ser fixada entre um e cinco por cento do valor da causa (art. 1.021, § 4º, do CPC/2015), cujo depósito, em benefício do agravado, constituirá condição para a interposição de qualquer outro recurso. Ressalte-se que a multa somente poderá ser imposta pelo órgão colegiado fracionário, não pelo relator, e em razão da interposição do agravo interno, conforme dispõe a letra do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. A multa constitui penalidade ao litigante que interpõe recurso manifestamente incabível ou infundado. Algumas situações curiosas, todavia, podem ocorrer e devem ser cuidadosamente sopesadas pelo tribunal. Figure-se, por exemplo, a situação em que o tribunal aplique ao recorrente que interpuser o agravo de que trata o § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 multa de 5% sobre o valor atualizado da causa, porque o recurso contraria a orientação dominante ou mesmo súmula do tribunal integrado pelo relator. Vale dizer, o relator, por exemplo, nega provimento ao recurso porque contrário à orientação preponderante ou mesmo súmula do tribunal, e, sucessivamente, interposto o agravo de que trata o caput, vem a ser aplicada multa de 5% do valor da causa ao recorrente. Essa situação, por si só, não significaria nenhum absurdo. A imposição dessa multa foi objeto de estudo acurado por parte de Erik
Frederico Gramstrup1360, que, dentre outras considerações, chama-nos a atenção ao fato de que a imposição de multa não é novidade no nosso ordenamento jurídico, pois já existia previsão de imposição de multa em caso de interposição de embargos declaratórios manifestamente protelatórios (art. 1.026, § 2º, do CPC/2015), permite que o juiz ou o tribunal aplique multa, quando verificada a litigância de má-fé (em que a interposição de recursos protelatórios se encarta). Figure-se, todavia, que o tribunal local não pode mais adotar orientação discrepante daquela do STJ sobre o mesmo assunto, a quem cabe uniformizar o entendimento da lei federal em todo o País1361. Ora, a interposição do agravo interno constitui condição necessária para a ulterior interposição de recurso especial, pois não se pode interpor esse recurso contra decisão isolada de relator. Parece evidente que, nesse caso, pelo menos, não haverá incidência da multa de que trata o § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. 5. Dos outros deveres inerentes à atividade do relator Além das hipóteses acima descritas, o relator deve dirigir e ordenar o processo no tribunal, tanto para produção de provas, como para eventualmente homologar autocomposição entre as partes (art. 932, I, do CPC/2015). Apesar de o julgamento do recurso ou processo originário no tribunal, via de regra, ser feito pelo colegiado, isso não significa, como explicam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1362 que “todas as decisões de cunho estritamente processual e despachos devem ser tomadas em conjuntos, pois acarreta perda de tempo”. Também incumbe ao relator apreciar os pedidos de tutela provisória, requerido nos termos dos arts. 294 e 300 do CPC/2015, tanto nos recursos,
quanto nos processos de competência originária (art. 932, II, do CPC/2015). É o relator que deve decidir sobre o pedido incidental de desconsideração da personalidade jurídica quando esse for instaurado perante o tribunal (art. 932, VI, do CPC/2015), bem como outras diligências como determinar a intimação do Ministério Público (art. 932, VII, do CPC/2015) e outras atribuições que lhe são estabelecidas pelo regimento interno do próprio tribunal (art. 932, VIII, do CPC/2015). Constatado fato superveniente à decisão impugnada ou verificada a existência de questão que pode ser apreciada de ofício, o relator, antes de proferir julgamento, deve intimar as partes para se manifestarem no prazo de 5 dias (art. 933, do CPC/2015). Essa providência decorre da norma prevista no art. 9º do CPC/2015, para que se evitem as chamadas “decisões surpresas”. Quando a constatação ocorrer durante o julgamento, ele deve ser suspenso para que as partes se manifestem e, se for dada vista dos autos, a inclusão em pauta do processo ou recurso deverá ser requerida para o prosseguimento do julgamento. Deve, ainda, não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificadamente os fundamentos da decisão recorrida (art. 932, III, do CPC/2015). Essa hipótese já era aplicada nos tribunais superiores e estava consolidada nas Súmulas 283 do STF e 182 do STJ.
XLVII AÇÃO RESCISÓRIA
1. Considerações iniciais A ação rescisória, regulada pelos arts. 966 e ss. do CPC/2015, constitui ação autônoma de impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado. Diferentemente dos recursos, a ação rescisória dá origem a um novo processo, sendo cabível após o trânsito em julgado da decisão que se pretende atacar. As ações autônomas de impugnação podem ser ajuizadas contra decisões transitadas em julgado, como é o caso da ação rescisória, mas também se podem voltar contra decisões proferidas em processos que ainda estejam em curso. O mandado de segurança, por exemplo, normalmente é impetrado contra decisões proferidas em processos em curso, havendo inclusive a Súmula 268 do STF, cujo teor é o seguinte: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. Bem como dispõe o art. 5º, III, da Lei n. 12.016/2009 que não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial transitada em julgado. O principal traço distintivo entre as ações autônomas de impugnação de
decisões judiciais e os recursos não se radica, portanto, na circunstância de a decisão atacada ter ou não transitado em julgado. O que conta, na verdade, é que as ações autônomas de impugnação dão origem a um novo processo, ao passo que os recursos constituem meio de impugnação das decisões judiciais no mesmo processo em que essas tenham sido proferidas. Há, em geral, dois pedidos distintos na ação rescisória: a) juízo rescindente (iudicium rescindens); e b) juízo
rescisório
(iudicium
rescissorium). Na ação rescisória, deve-se requerer que a sentença transitada em julgado seja desconstituída (pedido rescindente). Segundo Sérgio Rizzi, “a finalidade única da pretensão rescindente será desconstituir decisão definitiva imutável em futuros processos, a fortiori naquele em que foi proferida”1363. Fala-se, nesse caso, em juízo rescindente (iudicium rescindens). Em toda ação rescisória haverá pedido rescindente. Todavia, em geral, é preciso pleitear o rejulgamento da causa por meio do pedido rescisório. Nem todas as hipóteses de ação rescisória comportam juízo rescisório (iudicium rescissorium). Por exemplo, no caso de ação rescisória ajuizada por ofensa à coisa julgada (art. 966, IV, do CPC/2015), evidentemente não há falar em juízo rescisório, já que é exatamente a prévia existência de coisa julgada que terá levado ao ajuizamento da ação rescisória. O pedido de novo julgamento da causa deve ser explícito, porém deve-se ter presente que à ação rescisória se aplica o art. 321 do CPC/2015, de modo que a ação só há de ser indeferida após ter sido ensejada possibilidade de emenda da petição inicial, desde que referida decisão não tenha sido atendida (art. 330, IV, do CPC/2015). O art. 968, I, do CPC/2015 é expresso no sentido de que o pedido de
rescisão (juízo rescindente) – quando for o caso – deve ser cumulado com o pedido de rejulgamento (juízo rescisório)1364. O pedido da ação rescisória, conforme observam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, tem “natureza constitutiva negativa quanto ao juízo rescindendo, dando ensejo à instauração de outra relação processual distinta daquela em que foi proferida a decisão rescindenda”1365-1366. O juízo rescisório, por sua vez, poderá ser de natureza constitutiva, condenatória ou meramente declaratória, dependendo do pedido do autor. A ação rescisória é, assim, o instrumento adequado para contrastar decisões judiciais transitadas em julgado. É possível que se encontre no ordenamento jurídico instrumentos com finalidades similares, como a ação anulatória do art. 966, § 4º, do CPC/2015, que tem como objeto anular determinado ato que não dependa de sentença ou em esta sendo meramente homologatória. Sérgio Rizzi, ao tratar do tema antes do advento da Lei n. 11.232/2005 e do CPC/2015, observou: “Sustentase na doutrina que a função rescindente é exercida, também, por meio de ação de embargos do devedor quando proposta e acolhida com fundamento no art. 741, I, do Código. Na verdade, o vício decorrente da falta ou nulidade de citação – se o processo de conhecimento correu à revelia do réu – não se transmuda em simples vício de rescindibilidade após o trânsito em julgado da decisão de mérito. Nesta hipótese, excepcionalmente, o vício de nulidade, mais grave do que o de rescindibilidade, subsiste à eficácia preclusiva da coisa julgada. Entretanto, o fenômeno passível de ser observado no acolhimento dos embargos do devedor (art. 741, I), sob o prisma do resultado, parifica-se ao fenômeno rescindente. Embora os embargos, neste caso, não tenham como objeto uma decisão com vício de rescindibilidade, e
sim de nulidade, nulidade esta que não se restringe ao título judicial, antes alcança, praticamente, todo o processo de conhecimento, é irrefutável que, do ponto de vista prático, rescisória e embargos do devedor (art. 741, I) oferecem o mesmo resultado”1367-1368. Conquanto a Lei n. 11.232/2005 tenha modificado o processo de execução de títulos judiciais, e o CPC/2015 tenha abarcado essa alteração, a conclusão do autor permanece atual. Todavia, o vício decorrente de falta ou nulidade de citação de que tratava o art. 741, I, passou a ser disciplinado pelo art. 475-L, I, do CPC/73, sendo que, a partir da entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005, o art. 741 do CPC/73 passou a reger os embargos à execução contra a Fazenda Pública, e atualmente a questão é tratada nos arts. 525, § 1º, e 535, I, do CPC. Há que se fazer menção, ainda, à querela nullitatis, que, segundo Barbosa Moreira1369, constitui remédio criado pelo direito italiano, influenciado por elementos germânicos, destinado a impugnar as decisões que contivessem errores in procedendo. Esclarece ainda o autor: “Esse remédio comportava duas modalidades: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabillis. Na maioria dos ordenamentos europeus, a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais”1370. No contexto atual não há expressa previsão a esse tipo de impugnação. Todavia, sustenta a professora Teresa Arruda Alvim, com pertinência, que tem inteiro cabimento o ajuizamento de ação declaratória de inexistência de relação jurídica processual, se, por exemplo, tiver faltado pressuposto processual de existência. Afirma a autora: “Para nós, a querela ou actio
nullitatis é aquela que visa impugnar sentenças inexistentes (...). Por outro lado, serão inexistentes também os processos a que tenha faltado pressuposto processual de existência e, por conseguinte, as sentenças de mérito neles proferidas”1371. Outro não tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça desde a vigência do CPC/73: “Processo civil. Ação declaratória. Querela nullitatis. Cabimento. Litisconsórcio unitário. Ausência de citação de todos os réus. É cabível ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) para se combater sentença proferida sem a citação de todos os réus, que, por se tratar, no caso, de litisconsórcio unitário, deveriam ter sido citados. Recurso conhecido e provido”1372-1373. O Supremo Tribunal Federal, igualmente, admitia, desde a vigência do CPC/73, o cabimento da ação declaratória de inexistência de relação jurídica processual como apta a corrigir vícios de inexistência, conforme se depreende do seguinte julgado: “Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que foi ela proferida. 1. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC [art. 525, § 1º, I, do CPC/2015] – que é a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia –, persiste, no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese”1374. Os vícios de inexistência, conforme já tratamos anteriormente no capítulo onde estudamos as nulidades processuais, são mais graves do que aqueles elencados como fundamento para a ação rescisória (que se sujeita, como regra, a prazo decadencial de dois anos), e daí ser possível e adequado falar-
se em inexistência da sentença (cabendo ação declaratória – imprescritível – para impugná-la)1375. A doutrina e a jurisprudência, porém – com inteiro acerto, aliás –, reconhecem a possibilidade de que a inexistência do processo seja reconhecida no bojo de ação rescisória, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas1376. Importante frisar que, para o cabimento da ação rescisória, exige-se que a decisão a ser atacada tenha transitado em julgado, mas não que contra ela tenham sido interpostos todos os recursos. Referido entendimento restou cristalizado na Súmula 514 do STF, vazada nos termos seguintes: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos”. É possível, ainda, o cabimento de ação rescisória de ação rescisória: desde que o acórdão que tenha julgado procedente a primeira rescisória tenha rejulgado a causa (juízo rescisório), decidindo-lhe o mérito, pode ser alvo de nova ação rescisória1377. 2. Ação rescisória e seu objeto A ação rescisória volta-se contra decisões de mérito transitadas em julgado. É o que dispõe o caput do art. 966 do CPC/2015. A expressão “sentença” do art. 485 do CPC/73 foi substituída pela expressão “decisão de mérito” e por isso deve ser interpretada extensivamente, abrangendo também os acórdãos ou qualquer outra decisão interlocutória, desde que haja percutido o mérito. A propósito, já afirmava Bernardo Pimentel Souza, à luz do CPC/73, que, “ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não só a sentença é
passível de impugnação por meio de ação rescisória. Com efeito, a exegese do caput do art. 485 não deve ser feita à luz do método de interpretação literal, que conduz à inaceitável conclusão de que a ação rescisória pode ter por alvo apenas ‘sentença’. A exata compreensão do texto codificado é obtida pela interpretação sistemática. Desde logo, é bom lembrar que o capítulo do Código que trata da ação rescisória termina no art. 495, cujo teor é o seguinte: ‘O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão’. Ora, o vocábulo ‘decisão’ revela que não só a ‘sentença’ pode ser desconstituída por meio de ação rescisória. É que, ao contrário do termo ‘sentença’, o vocábulo ‘decisão’ é genérico, abrangendo também o acórdão, a decisão monocrática e a decisão interlocutória”1378. Nesse sentido, o CPC/2015 eliminou qualquer discussão acerca do tema ao dispor o cabimento de ação rescisória contra “decisão de mérito” transitada em julgado, em seu art. 966, correspondente ao art. 485 do CPC/73. Com efeito, a rescisória visa a desconstituir decisão de mérito transitada em julgado. Em outras palavras, rescindível é a decisão que adentrou o mérito da causa, pois, de acordo com Barbosa Moreira, “tampouco é possível rescindir acórdão que julgue recurso contra decisão, interlocutória (art. 162, § 2º) ou final (art. 267), de primeiro grau ou de grau superior, sobre matéria estranha ao meritum causae”1379. Em que pese a alteração legislativa provocada pelo CPC/2015, os arts. 162, § 2º e 267 do CPC/73 foram abarcados pelos arts. 203, § 2º, e 485 do CPC/2015. Há, com efeito, “interlocutórias de mérito”, quando há julgamento parcial da lide, ou quando é o caso, por exemplo, de exclusão de um litisconsorte do processo por considerar que, em relação a ele, há prescrição. Neste exemplo,
põe-se fim à ação contra o litisconsorte, sem, contudo, pôr fim ao processo. Essa decisão interlocutória poderá ser objeto de ação rescisória. Será cabível ação rescisória até mesmo contra decisão monocrática do relator que tenha julgado o mérito recursal, mesmo que contra essa decisão não tenha sido interposto agravo interno para submeter a questão à apreciação do órgão colegiado (art. 932, V, a, do CPC/2015). Observe-se que a decisão monocrática do relator substitui a sentença anteriormente prolatada, de modo que contra essa decisão é que deverá ser proposta a ação rescisória. Há, entretanto, algumas hipóteses que suscitam dúvidas. Pairam dúvidas quanto às decisões na fase de execução. Sérgio Rizzi1380, invocando os fundamentos utilizados por Frederico Marques, entende que as sentenças definitivas que encerram o processo de execução (art. 925 c/c art. 924, I a IV, do CPC/2015) são rescindíveis. Barbosa Moreira, por outro lado, afirma, à luz do CPC/73, que “na execução não há, em princípio, ‘mérito’ que deva ser julgado, embora o processo, conforme ressalta o art. 795, se extinga mediante sentença (rectius, com o trânsito desta em julgado). Só em casos muito especiais proferirá o juízo da execução alguma sentença que se possa reputar ‘de mérito’: assim, v.g., quando indefira a inicial por verificar, desde logo, a ocorrência de prescrição (arts. 295, IV, e 598). Sentenças ‘de mérito’, e, portanto, rescindíveis, poderão, todavia, surgir em processos cognitivos incidentes, ou ‘embutidos’ na execução. Servem de exemplo a que julgue procedentes ou improcedentes os embargos do devedor, a que lhe declare a insolvência ou rejeite o pedido de tal declaração”1381-1382. Pode-se dizer, como regra, sendo a fase de execução de cunho satisfativo, não há falar em decisão de mérito transitada em julgado (materialmente), de
modo que não se deve cogitar, em linha de princípio, quanto às decisões proferidas nesse segmento processual, do cabimento de ação rescisória. Contudo, em hipóteses excepcionais, em que a decisão prolatada na fase de execução se refletir no direito material da parte, tem-se admitido a ação rescisória1383. A decisão proferida em sede de liquidação de sentença faz coisa julgada e pode ser objeto de ação rescisória. Esta é uma conclusão que, segundo nos parece, continuou válida mesmo após as modificações introduzidas pela Lei n. 11.232/2005 no CPC/73, se mantendo, igualmente correta à luz dos dispositivos do CPC/20151384. Há casos de decisões de mérito que não ficam albergadas pela coisa julgada material, como, por exemplo, do art. 18, 2ª parte, da Lei n. 4.717/65 (coisa julgada secundum eventum litis). Essas decisões não podem ser alvo de ação rescisória, pois sobre elas, ainda que tenham percutido o mérito, não recai a autoridade de coisa julgada material. Hipótese que merecia referência diz respeito ao disposto no art. 15 da Lei n. 1.533/51 (revogada pela Lei n. 12.016/2009), que determinava que “a decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”. A Súmula 304 do STF, baseada nesse preceito, tem o teor seguinte: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”. Não é esse, todavia, o entendimento que hoje prevalece, atentando-se à natureza jurídica da coisa julgada. A decisão que aprecia o mérito do mandado de segurança, seja concedendo ou denegando a segurança, faz coisa julgada material. Somente
se não houver exame de mérito, porque há necessidade de dilação probatória, por exemplo, é que é possível cogitar do uso de ação ordinária ou mesmo de outro mandado de segurança, se dentro do prazo do art. 23 da Lei n. 12.016/2009. A correta interpretação do revogado art. 15 da Lei n. 1.533/51 deveria, pois, ser a de que o referido dispositivo abrangia apenas as decisões que não houvessem apreciado o mérito da impetração, pois, do contrário, recairia sobre a decisão a autoridade da coisa julgada material, de modo que poderia, perfeitamente, ser alvo de ação rescisória. O art. 19 da Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009) é mais coerente com as afirmações acima expendidas. Aludido dispositivo legal prescreve que a “sentença ou acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”. Sérgio Rizzi, por outro lado, lembra-nos de que há hipóteses em que não há decisão de mérito, mas que, apesar disso, a ação não pode ser reproposta. São os casos expressos no art. 485, V, do CPC/2015 (litispendência, coisa julgada e perempção)1385. Interessante notar que, mesmo nestes casos, descabe a propositura de ação rescisória, pois, em não havendo o julgamento do mérito, não se operam os efeitos da coisa julgada. A ação rescisória também não será cabível para desconstituir decisões em procedimento de jurisdição voluntária, pois neste não há formação de coisa julgada e, em verdade, nem mesmo se pode falar propriamente em processo, senão que há apenas um procedimento visando a interesses privados submetidos à administração pública. Explicava Frederico Marques: “Os procedimentos de jurisdição voluntária não produzem coisa julgada e as
decisões neles proferidas também não podem ser objeto de ação rescisória”1386. Nem tampouco há “partes”, mas apenas “interessados”. Após serem delineados os contornos da sentença de mérito, com as devidas observações, se passa, agora, à análise da coisa julgada, tendo em vista que, conforme dito anteriormente, a ação rescisória visa precipuamente à desconstituição de decisão de mérito sobre a qual recaia a autoridade da coisa julgada material. Assim, algumas considerações sobre a coisa julgada se fazem necessárias. A coisa julgada é reflexo de uma opção política do legislador. Por isso é que Liebman alertava para o fato de que a coisa julgada não é propriamente um efeito da sentença, como, aliás, diz o art. 502 do CPC/2015. Na verdade, trata-se, dizia esse autor, de um “modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificálos ou reforçá-los em sentido bem determinado”1387. Em outras palavras, pode ser definida como a qualidade de imutabilidade que se agrega ao comando dispositivo da sentença, quando julgado o mérito. Trata-se, é verdade, de opção política das mais relevantes, pois foi alçada ao patamar de garantia constitucional e cláusula pétrea (arts. 5º, XXXVI, e 60, § 4º, IV, da CF/88). É verdadeiro corolário da ideia de segurança jurídica, consectário lógico do Estado de Direito e estabilidade das relações jurídicas. Já se teve oportunidade de tratar das distinções existentes entre coisa julgada material e coisa julgada formal (preclusão máxima) no capítulo onde foram abordadas especificamente a sentença e a coisa julgada. Viu-se que, havendo resolução do mérito, coisa julgada formal e coisa julgada material formam-se no mesmo instante. A primeira, todavia, quer significar apenas a estabilidade da relação jurídica processual. Já a última projeta seus efeitos
para fora do processo, impedindo a rediscussão daquela lide, naquele ou noutros processos. Foi visto também que a coisa julgada material é aquela que recai sobre a parte dispositiva da decisão rescindenda, quando o processo tiver sido extinto com base em qualquer dos incisos do art. 487 do CPC/2015. É, pois, justamente contra a decisão acobertada pela coisa julgada material que deverá ser ajuizada a ação rescisória. A propósito, afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que “não é qualquer decisão transitada em julgado que enseja a ação rescisória, mas somente aquela de mérito, capaz de ser acobertada pela autoridade da coisa julgada”1388. A coisa julgada forma-se sobre a decisão do pedido (art. 503 do CPC/2015), tal como formulado pelo autor, o qual limita a própria atividade jurisdicional, consoante se vê do art. 141 do CPC/2015, que consagra o princípio da adstrição do juiz ao pedido. A leitura do art. 502 isoladamente pode conduzir à errônea conclusão de que a coisa julgada recai sobre a decisão de mérito como um todo. Mas isso não ocorre. Os incisos I e II do art. 504 do CPC/2015 deixam claro que não fazem coisa julgada (1) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; e (2) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento do comando da decisão. Vale dizer que a coisa julgada reveste de imutabilidade apenas a parte dispositiva da sentença (art. 489, III, do CPC/2015). São esses os limites objetivos da coisa julgada no regime do Código de Processo Civil. A decisão de mérito, ou melhor, seu comando, recoberto pela qualidade de imutabilidade (coisa julgada material) é imutável (rectius, seu dispositivo o
é), só podendo ser desconstituída se presente alguma das estritas hipóteses previstas no art. 966 do CPC/2015. É possível encontrar-se, no entanto, decisões do Superior Tribunal de Justiça, especialmente na seara do direito tributário, que não palicam (“relativizam”) a coisa julgada e seus efeitos. É o que parece ser constatado da leitura de ementa cujos trechos se transcreve: “O prevalecimento de obrigações tributárias cuja fonte legal foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal constitui injúria à lógica jurídica, ofendendo os princípios da legalidade e da igualdade tributárias. A Súmula 343/STF nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula 400, que se aplica a texto constitucional no âmbito do recurso extraordinário. (...) A coisa julgada, no caso em exame, afronta o princípio da igualdade tributária e está apoiada em lei declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. (...) O princípio da segurança jurídica, inspirador dos efeitos da coisa julgada, não pode ser levado ao extremo de ofender o princípio constitucional da igualdade tributária”1389. No plano normativo, merece ser referido o § 5º do art. 535 do CPC/2015, que trata dos embargos à execução contra a Fazenda Pública: “Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”. De teor semelhante, a letra do § 12 do art. 525 do CPC/2015, que disciplina as hipóteses de cabimento de impugnação ao cumprimento da sentença. Há várias maneiras de interpretar esses dispositivos. O entendimento que
temos por correto é aquele perfilhado por Nelson Nery Jr., no sentido de que a interpretação do § 12 do art. 525 do CPC/2015 há de ser feita de modo a respeitar a integridade da decisão transitada em julgado1390. Qualquer outra interpretação
do
preceito
em
questão,
segundo
parece,
será
insofismavelmente inconstitucional. Por isso, se entende que os dispositivos sob comento logram obter aplicação nas hipóteses em que o Supremo Tribunal Federal haja decidido anteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda, em sede de controle abstrato (ADIn, ADC, ADPF), pela inconstitucionalidade do preceito que tiver servido de base para a decisão exequenda. Poderá também, referido preceito, ser aplicado nas situações em que o Supremo Tribunal Federal tiver decidido pela inconstitucionalidade incidenter tantum, desde que o Senado tenha deliberado pela suspensão da execução da lei na forma do inciso X do art. 52 do Texto Constitucional e isso se tenha passado anteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda. Caso não haja a suspensão da lei pelo Senado na forma prevista no art. 52, X, tem-se que a decisão, porque proferida incidenter tantum e não principaliter, sendo a inconstitucionalidade a causa petendi e não o pedido, opera efeitos apenas entre as partes, segundo a regra geral do Código de Processo Civil, prevista no art. 506 do CPC/2015 (coisa julgada inter partes). 3. Análise das hipóteses de cabimento da ação rescisória (art. 966 do CPC/2015) As hipóteses de cabimento da ação rescisória são taxativas, não se admitindo interpretação extensiva. Justifica-se que assim seja, porque a coisa julgada é um importante fator de pacificação social, e a sua desconstituição só deve ocorrer em hipóteses excepcionais previstas em lei.
4. Art. 966, I, do CPC/2015: prevaricação, concussão ou corrupção do juiz Vejam-se, antes de mais nada, os dispositivos do Código Penal que disciplinam os tipos dos crimes referidos no inciso I do art. 966 do CPC/2015: “Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”; “Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”; “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Não se exige, para o cabimento de ação rescisória com base no art. 966, I, do CPC/2015, que haja prévia condenação criminal, nem mesmo instauração de inquérito policial. As provas pertinentes poderão ser produzidas no juízo cível. Oportuno, nesse contexto, transcrevermos alguns trechos de parecer da lavra do Professor José Joaquim Calmon de Passos, a respeito de ação rescisória proposta com base no art. 485, I, do CPC/73, abarcado pelo art. 966, I, do CPC/2015, em que ficou reconhecida a prevaricação do juiz1391, determinando-se a rescisão do julgado, demonstrando o ilustre processualista sua indignação com atos dessa natureza: “No caso analisado neste Parecer há superabundância da prática de atos contra expressa disposição de lei, com o propósito inocultável de favorecer a autora. Se para isso foi movida a magistrada por interesse pessoal ou por sentimento pessoal, pouco importa, é algo a apurar-se em futuro processo-
crime. Para a rescisória, basta a escancarada e inocultável intenção de favorecer e a escancarada e inocultável ilegalidade de todos os atos praticados. Como já salientado por Nelson Hungria, por sentimento pessoal, para fins de prevaricação ‘entende-se a simpatia, a dedicação, a benevolência, a caridade, o ódio, a parcialidade, o despeito, o desejo de vingança, a paixão política, o prazer da prepotência ou do mandonismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos etc. (Comentários, IX/376). Pontes de Miranda é por igual esclarecedor. Tanto prevarica o juiz, diz o mestre, que retarda ou deixa de praticar, contra a lei, ato de eficácia necessária ou útil, como aquele que contra a lei o pratica, qualquer que tenha sido o interesse ou o sentimento (econômico, político, moral, religioso etc.) (Tratado da ação rescisória, 5. ed., p. 220-221). Por outro lado, unânimes os mestres em afirmar que a admissibilidade da rescisória por este fundamento independe de ajuizamento prévio do procedimento criminal ou da prévia condenação do julgador (cf. Barbosa Moreira, Comentários, 7. ed., p. 119). Tudo quanto exigido para tipificar prevaricação existe, e em abundância, nos autos da ação que a (...) promoveu contra a consulente. Em meus cinquenta anos de atividade profissional tenho tido o desgosto de defrontar-me com situações lamentáveis em que operadores do Direito, fugindo ao dever que a função lhes impõe, como serviço em favor da sociedade e para segurança da ordem jurídica, instrumentalizam o que foi formalizado para segurança da ordem jurídica, instrumentalizam o que foi formalizado para assegurar a Justiça possível, transformando o processo e o Judiciário em meios para lograr proveitos ilícitos, falando-se, em alguns países, de estelionato legal, vale dizer, utilização de meios aparentemente lícitos para locupletamento juridicamente desautorizado. O caso que venho de analisar é o mais grave de todos eles. Grave desde seu nascedouro, com a inadmissível distribuição por
dependência. Grave pelo açodamento no decidir, ainda pendente a arguição de incompetência da magistrada. Grave pelo escândalo de se omitir publicações de decisões, o que importou em prejuízo de vulto para a parte demandada. Grave pelo vergonhoso julgamento antecipado da lide, em que nem mesmo se teve o cuidado de condenar ao que fosse apurável em liquidação de sentença, concluindo-se, sem respaldo em nada legal, jurisprudencial ou doutrinariamente aceitável pelos operadores do direito, usando prova imprestável e já objeto de impugnação pela demandada, por uma condenação em quantia líquida e certa de muitos milhões de reais. Se tudo isso somado não grita às escâncaras o propósito inconfessável de favorecer, nada mais será capaz de configurá-lo, salvo a confissão gritada, vociferada, feita pelo prevaricador que deseja tornar induvidoso seu desejo de favorecer e seu destemor por isso, ou pretende expiar publicamente o seu pecado”. Há, no entanto, que se fazer uma ressalva. Caso tenha havido processo criminal e tenha restado reconhecida a inexistência do fato ou a autoria do crime, essas questões não poderão mais ser suscitadas na esfera civil. Assim, se um juiz foi processado por prevaricação e foi absolvido por inexistência do delito, não mais se poderá cogitar da propositura de ação rescisória por esse fundamento. Essa conclusão é extraída da leitura dos seguintes dispositivos legais: “Art. 935 [do CC/2002]. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”; “Art. 66 [do CPP]. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido,
categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”. Tramitando os dois processos – o cível e o penal – simultaneamente, poderá ser determinada a suspensão da ação civil por prejudicialidade externa da ação penal, com base no art. 315 do CPC/2015, vazado nos termos seguintes: “Art. 110. Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal. § 1º Se a ação penal não for proposta no prazo de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse, incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia. § 2º Proposta a ação penal, o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, ao final do qual aplicar-se-á o disposto na parte final do § 1º”. Questão interessante refere-se ao cabimento de ação rescisória quando tenha havido prevaricação, corrupção ou concussão de apenas um juiz que tenha proferido voto vencido no julgamento colegiado, não tendo influenciado a decisão. Entende-se que, neste caso, não será cabível ação rescisória para desconstituir o julgamento já realizado, já que a maioria votante decidiu em sentido diverso da manifestação do voto vencido1392. Naturalmente, se o voto vencido tiver dado margem para a continuação do julgamento, nos termos do art. 942 do CPC/2015, revertendo-se o resultado do julgamento, será cabível a ação rescisória. 5. Art. 966, II, do CPC/2015: juiz impedido ou absolutamente incompetente Aqui há dois conceitos distintos: o impedimento refere-se à própria figura do juiz, ao passo que a incompetência absoluta diz respeito ao juízo. O impedimento diz respeito à pessoa física do juiz; a incompetência absoluta
atina com o órgão jurisdicional. As causas de impedimento do juiz estão expressas nos incisos do art. 144 do CPC/2015 e refletem hipóteses em que há presunção juris et de jure de parcialidade do juiz. O não impedimento do juiz é pressuposto processual de validade do processo. Nesses casos, como dito, há presunção absoluta de parcialidade e o vício não poderá ser sanado (diferentemente do que ocorre com as causas de suspeição do juiz, expressas no art. 145 do CPC/2015). Não apenas o vício de impedimento não pode ser sanado no curso do processo, como rende ensejo, até mesmo, à ação rescisória para desconstituir a sentença que tenha sido prolatada nessas condições. As causas de impedimento do juiz podem ser arguidas por manifestação incidental, nos termos do art. 146 do CPC/2015. Apesar de o art. 146 do CPC/2015 prever um prazo de 15 dias para a apresentação da alegação de impedimento ou suspeição, contados da ciência do fato, se não arguido o impedimento nesse prazo, não haverá preclusão. Desse modo, não há sanação do vício de impedimento em razão da não instauração do incidente, eis que, na realidade, trata-se de matéria de “objeção”, que é a forma de defesa apropriada para levantar matérias de ordem pública. Muito pelo contrário, o vício de impedimento é tão grave que rende ensejo até mesmo à propositura de ação rescisória. O impedimento do juiz é um vício extrínseco à decisão, de modo que, se for o caso de proferir o juízo rescisório, ao rejulgar a causa, o tribunal poderá decidir no mesmo sentido da decisão que tenha sido rescindida1393. O art. 144, II, do CPC/2015 não se aplica à ação rescisória, pois esta dá
ensejo ao nascimento de um novo processo. A ação rescisória é ação autônoma de impugnação de decisões judiciais e não recurso. Este é o entendimento cristalizado na Súmula 252 do STF: “Na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”. Todavia, o Regimento Interno do TRF da 3ª Região, no art. 200, dispõe: “Será excluído da distribuição da ação rescisória o Desembargador Federal que haja servido como Relator do acórdão rescindendo”. No Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o art. 272 prevê: “Art. 272. Os Ministros se declararão impedidos ou suspeitos nos casos previstos em lei. Parágrafo único. Poderá o Ministro, ainda, dar-se por suspeito se afirmar a existência de motivo de ordem íntima que, em consciência, o iniba de julgar”. No art. 238 do RISTJ há previsão similar: “À distribuição da ação rescisória não concorrerá o Ministro que houver servido como relator do acórdão rescindendo”. O art. 233 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe: “No Órgão Especial, não servirá como relator ou revisor desembargador que tenha integrado, nessa qualidade, a turma julgadora do acórdão rescindendo”. No art. 234 desse mesmo Regimento Interno consta o seguinte: “Nos grupos, quando a decisão rescindenda provier de turma julgadora constituída de três desembargadores, servirão, como relator, mediante sorteio, e revisor, desembargadores de câmara diversa da que proferiu o julgado rescindendo”. Caso, todavia, no processo de conhecimento, o recurso tenha sido julgado com infringência a precitado dispositivo (art. 144, II, do CPC/2015), tem cabimento ação rescisória. Ou, por outras palavras, o que se quer dizer é que a ação rescisória, porque não é recurso, pode ser julgada por juiz que tenha
tomado parte no julgado rescindendo. De outro lado, a infringência ao art. 144, II, do CPC/2015, quando do julgamento do recurso, pode render ensejo à propositura de ação rescisória. A incompetência absoluta, por sua vez, diz respeito ao órgão e não à pessoa física do juiz. A incompetência em razão do valor e do território é relativa, e, se não arguida, ocorre prorrogação da competência, sanando-se o vício, de modo que não há cogitar da propositura de ação rescisória. A incompetência que rende ensejo à propositura de ação rescisória é a absoluta (isto é, em princípio aquela definida em razão da matéria e a funcional). A incompetência absoluta constitui matéria de ordem pública e pode ser arguida como preliminar de contestação (art. 337, II, do CPC/2015) ou, se passada essa oportunidade, pode ser levantada em qualquer tempo (art. 64, § 1º, do CPC/2015). 6. Art. 966, III, do CPC/2015: dolo ou coação da parte vencedora ou simulação ou colusão entre as partes para o fim de fraudar a lei A previsão do art. 966, III, primeira parte, do CPC/2015 é bastante restrita, pois exige a presença de dolo ou coação. O dolo rescisório dificulta a atuação do adversário e deve influenciar na apreciação do magistrado. É condição necessária que tenha havido voluntariedade do engano e intento de dano. A parte que incide no disposto neste artigo, na realidade, viola dever insculpido no art. 5º do CPC/2015. Como exemplo de dolo da parte, podemos citar os casos em que há indução à revelia, quando o autor indica, propositadamente, endereço errado da parte contrária. Há também os casos em que a parte dificulta a produção
de prova da parte contrária, subtraindo documentos dos autos. Caberá rescisória com fundamento no art. 966, III, primeira parte, se o dolo for da parte, de seu advogado, ou de seu representante legal. Em caso de litisconsórcio, basta o comportamento doloso de um dos litisconsortes para comprometer a sentença. É possível vislumbrar que isso não ocorra se a sentença contiver capítulos distintos para cada litisconsorte, caso em que se pode cogitar de rescisória parcial. É muito importante chamar a atenção para o fato de que o dolo deve ter nexo de causalidade com a decisão rescindenda, sendo causado pela parte vencedora, em detrimento da parte vencida. O resultado do processo deve-se ao dolo – quer isso significar que, sem o dolo, a decisão seria diferente ou, pelo menos, provavelmente seria diferente1394. É preciso destacar, também, que certas condutas não configuram dolo rescisório – por exemplo, silêncio sobre determinado fato, não produção de provas capazes de privilegiar a parte contrária. A coação rescisória, por sua vez, pode ocorrer no momento da confissão – única prova utilizada para embasar a decisão de mérito. A colusão entre as partes para fraudar a lei relaciona-se com a previsão do art. 142 do CPC/2015. Mostra-se imprescindível, no entanto, estabelecer a distinção entre o processo simulado e o processo fraudulento. O processo é simulado quando as partes se utilizam dele para, através de uma lide putativa1395, obter resultado que prejudica terceiro. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery nos trazem como exemplos de processo simulado: a “a) ação possessória em conluio entre autor e réu, sem contestação ou oposição deste às falsas alegações de posse longa, com finalidade de fazer prova pré-
constituída para futura ação de usucapião (simulação da existência do ato jurídico de ofensa à posse do autor); b) a ação de despejo com intuito de demonstrar posse indireta do autor, visando a pré-constituição de prova para futura ação possessória ou de usucapião (simulação da existência do negócio jurídico de relação locatícia)”1396. Na verdade, no processo simulado, o intuito imediato das partes não é obter a prestação jurisdicional, mas sim prejudicar terceiro que possa ter interesse jurídico na questão discutida nos autos. Já o processo fraudulento se caracteriza pelo fato de as partes utilizarem os meios jurisdicionais para obterem um fim proibido pela lei, ou seja, não há a intenção deliberada de prejudicar terceiro, mas sim a finalidade de praticar ato que a lei proíbe. Sérgio Rizzi nos traz como exemplo a hipótese dos “cônjuges em conluio, [que fazem] crer um vício inexistente no matrimônio, para conseguir a anulação do casamento”1397. Em suma, tanto o processo simulado quanto o processo fraudulento ressentem-se do vício da fraude; entretanto, no processo simulado a lide nem sequer existe, enquanto no processo fraudulento a lide é deturpada para se amoldar aos interesses das partes. Outra distinção é a finalidade das partes: no processo simulado, a finalidade é prejudicar terceiros; já no processo fraudulento, a finalidade é a esquiva à incidência da norma legal. Ademais, na simulação há um vício da vontade (fraude subjetiva); na fraude à lei é ela considerada um vício social (fraude objetiva), uma vez que pode ser verificada através de atos externos às partes. A distinção entre simulação e colusão entre as partes fazia-se extremamente necessária na vigência do CPC/73 porque a simulação não era hipótese taxativa para rescisão de decisão, no entanto, o CPC/2015 inovou
abarcando também a simulação em seu inciso III do art. 966, tendo em vista, principalmente, o fato de que alguns tribunais já decidiam pelo cabimento da ação rescisória nos casos de simulação, pelo inciso III do art. 485 do CPC/73. 7. Art. 966, IV, do CPC/2015: ofensa à coisa julgada Da mesma forma que nos casos de impedimento, ainda que a parte tenha suscitado a ofensa à coisa julgada, será cabível ação rescisória pelo fundamento do inciso IV do art. 966 do CPC/2015. Trata-se, como bem assentado por Alexandre Freitas Câmara, “de um mecanismo de preservação da coisa julgada material que se tenha formado em um processo, evitando-se que tal autoridade reste infirmada por sentença proferida em outro processo”1398. O cabimento da ação rescisória independe de na segunda ação se ter decidido em conformidade ou não com a primeira sentença transitada em julgado. Cabe indagar neste diapasão: se passados os dois anos para a propositura da ação rescisória, qual das duas (ou mais) sentenças deverá prevalecer? Como já afirmado no capítulo onde se tratou da sentença e da coisa julgada, sendo julgada a segunda ação, apreciando o mesmo pedido que já tiver sido objeto da primeira ação, com decisão transitada em julgado, caberá ação rescisória do segundo julgado, com esteio no art. 966, IV, do CPC/2015. Ressalte-se que, como observa Sérgio Rizzi1399, para que haja implicações práticas em decorrência da existência de duas sentenças decidindo da mesma lide, não é necessário que as decisões sejam antagônicas, pois, ainda que as duas sentenças tenham sido no mesmo sentido, mesmo assim haverá diferenças de ordem prática de difícil solução, como, por exemplo, a questão
referente à interrupção do prazo prescricional. Se, no entanto, tiver decorrido o prazo para propositura de ação rescisória, subsistindo os dois provimentos jurisdicionais com trânsito em julgado, haverá de prevalecer o primeiro deles, em que se tiver formado a coisa julgada. Isso porque, sendo a coisa julgada pressuposto processual negativo, a segunda demanda, em nosso sentir, não chegou sequer a se formar (validamente), encontrando-se, esta segunda decisão, maculada do vício de inconstitucionalidade (art. 5º, XXXVI, da CF/88). Neste sentido a opinião de Arruda Alvim1400, bem como a de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1401. Prevalece, pois, a decisão que haja transitado primeiro em julgado, ainda que proferida no segundo processo, conforme já decidido pelo TJRS à luz do CPC/73: “Na hipótese de se formar um segundo processo com idêntico objeto litigioso (ou mérito) do primeiro processo, e cujo desenvolvimento não foi impedido por inércia do réu, ante a litispendência, e o respectivo pronunciamento acabar transitando em julgado em primeiro lugar, prevalecerá sobre a coisa julgada surgida posteriormente no primeiro processo, conforme estabelece, explicitamente, o art. 675-1 do CPC [português] em vigor”1402. O art. 675-1 do CPC português, que neste acórdão é referido, prescreve o seguinte: “(Casos julgados contraditórios) 1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”. Barbosa Moreira, no entanto, sustenta a prevalência da segunda decisão, já que “seria evidente contrassenso recusar-se eficácia à segunda sentença depois de consumada a decadência, quando nem sequer antes disso era recusável a eficácia. A passagem da sentença, da condição de rescindível à de
irrescindível, não pode, é claro, diminuir-lhe o valor. Aberraria dos princípios, pois, tratar como inexistente ou como nula uma decisão que nem rescindível é mais, atribuindo ao vício, agora, relevância maior do que a tinha durante o prazo decadencial. Daí se infere que não há como obstar, só com a invocação da ofensa à coisa julgada, à produção de quaisquer efeitos, inclusive executivos, da segunda sentença, quer antes, quer (a fortiori!) depois do termo final do prazo extintivo”1403. Calha mencionar, ainda, que segundo a orientação predominante no STJ, prevalece a segunda coisa julgada, conforme sustentado por Barbosa Moreira1404. 8. Art. 966, V, do CPC/2015: violação manifesta a norma jurídica O CPC/2015 alterou a expressão “violação literal a lei” pelo termo “norma jurídica”. Por “norma jurídica” entende-se norma de qualquer natureza, desde que seja geral, podendo ser dispositivo da Constituição Federal, medidas provisórias, decretos, leis ordinárias, leis delegadas etc. A propósito, tenhamos presente a Súmula 343 do STF, do teor seguinte: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Possuem teor equivalente a Súmula 134 do extinto TFR e a Súmula 83, I, do TST1405. Nítido o parentesco da Súmula 343 do STF com a Súmula 400 do STF (“Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da CF”), que, como se sabe, não tem sido aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, em parte graças à redação da alínea a do inciso III do art. 105 da CF/88, que alude a contrariedade ou negativa de vigência, termos mais abrangentes do
que os utilizados pela Carta anterior, relativamente às hipóteses de cabimento do antigo recurso extraordinário por ofensa à lei federal. Deveras, o texto da Carta Constitucional revogada, quando disciplinava o cabimento do recurso extraordinário por infringência à lei federal tinha algumas peculiaridades, que acabaram dando origem à mencionada Súmula 400, que já era severamente criticada pela doutrina, mesmo à luz do regime anterior1406-1407. De fato, a Constituição de 1967, no art. 114, III, a, dispunha que o recurso extraordinário teria cabimento em caso da contrariedade à Constituição Federal ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. É semelhante à redação do art. 119, III, a, da CF/67 com a EC 1/69. Ora, na exata medida em que o Texto Constitucional distinguia as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário em caso de matéria constitucional e de lei federal, entendeu o Supremo Tribunal Federal (essa a ratio essendi da mencionada Súmula 400) que a negativa de vigência não ocorreria caso a interpretação da lei federal pelo tribunal local tivesse sido razoável, ainda que não a melhor, o que, conforme mencionado linhas atrás, sempre foi muito criticado pela doutrina, mesmo à luz do sistema anterior. Por isso observa, com pertinência, Roberto Rosas que referida súmula não lograva obter aplicabilidade quando se tratava de discutir matéria constitucional1408. Se o Texto Constitucional anterior permitia referida distinção, o mesmo não se pode dizer da vigente Constituição. Daí por que a Súmula 400, após alguma recalcitrância inicial, não vem sendo aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, de tal sorte que a razoabilidade da interpretação conferida pelo tribunal local à lei federal não se pode constituir em entrave à admissibilidade do recurso especial (nem do recurso extraordinário)1409. Não fossem as diferenças redacionais apontadas, dever-se-ia, ademais, ter presente que o
enunciado da Súmula 400 é virtualmente incompatível com o sistema recursal introduzido pela Carta de 1988. Com efeito, criado, pela vigente Constituição, um Tribunal Superior – Superior Tribunal de Justiça – a quem compete dizer a última palavra em matéria de lei federal infraconstitucional, seria verdadeiramente inaceitável que esse mesmo tribunal deixasse de conhecer do recurso especial a ele endereçado sob o fundamento de que a interpretação dada à lei federal pelo tribunal local teria sido razoável. É o que argutamente restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 1991, da relatoria do eminente Ministro e processualista Sálvio de Figueiredo Teixeira1410. Observe-se, assim, que é possível encontrar a mesma gênese da Súmula 400 na Súmula 343 do Pretório Excelso. Como o art. 966, V, do CPC/2015, faz referência ao cabimento da ação rescisória em caso de violação a norma jurídica, predomina o entendimento do descabimento da rescisória se o dispositivo de lei federal que se pretende ter sido literalmente ofendido pela decisão rescindenda comportava diferentes interpretações à época da sua prolação1411. Esse entendimento não tem sido aplicado em matéria constitucional1412. A professora Teresa Arruda Alvim defende expressamente a superação do entendimento consagrado na Súmula 343, por considerar que, apesar do entendimento preponderante no sentido de que a Súmula 343 deve ser mantida em nome da “estabilidade jurídica”, seu teor leva a que se enseje a sobrevivência de “uma decisão que afronta não só a lei mas a forma como o entendimento dessa lei amadureceu em nossos tribunais, certamente com subsídios fornecidos pela doutrina, o que significa algo de muito mais grave e pernicioso para a estabilidade jurídica”1413.
Há alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça amenizando os rigores da Súmula 343 do STF, mormente em casos de relevância social. Da ementa desses julgados, consta: “O dispositivo da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal deve ser interpretado com temperamentos”1414-1415. Contudo, não se pode dizer que haja uma “tendência” nesse sentido, pois o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando em diversos julgados a Súmula 343 do STF: “Se a interpretação era controvertida nos Tribunais, não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, ainda que a jurisprudência, posteriormente, tenha se firmado favoravelmente ao pleito do autor (Súmulas 343/STF e 134/TFR). Segundo orientação da 1ª Seção desta Corte, deve-se afastar a aplicação da Súmula 343/STF somente na hipótese em que o Supremo Tribunal Federal venha a declarar a inconstitucionalidade da lei aplicada pelo acórdão rescindendo”1416. Já se decidiu que qualquer interpretação cabível, ainda que não a melhor, afasta o cabimento da ação rescisória. Da ementa desse julgado consta: “Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC [art. 966, V, do CPC/2015] prospere é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante, que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se ‘recurso’ com prazo de ‘interposição’ de dois anos”1417. Já se decidiu que a ação rescisória com base no inciso V do art. 966 só tem cabimento se houve interpretação aberrante, absurda, teratológica do dispositivo legal1418-1419. 9. Art. 966, VI, do CPC/2015: prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória
A falsidade pode macular qualquer tipo de prova admitida em direito (testemunhal, pericial, documental e até mesmo a inspeção judicial realizada pelo juiz). Assim como é cabível ação rescisória com fundamento na ofensa à coisa julgada ou por impedimento do juiz, ainda que esses assuntos já tenham sido abordados no curso da ação originária, o mesmo ocorre com a falsidade de prova. Ou seja, ainda que a parte tenha suscitado a falsidade da prova no curso do processo, por meio do incidente de falsidade por exemplo (art. 430 e ss. do CPC/2015), poderá se valer da ação rescisória, sendo que a decisão transitada em julgado a respeito da falsidade da prova, conforme se exporá adiante, vinculará o tribunal no julgamento da rescisória. Para o ajuizamento da ação rescisória com fundamento no art. 966, VI, do CPC/2015, pouco importa a natureza da falsidade da prova. Em outras palavras, terá cabimento ação rescisória se a falsidade da prova em que se fundou a decisão judicial for material ou ideológica, pois a lei não faz qualquer distinção1420. É preciso sempre chamar a atenção para o fato de que não basta que reste comprovada a falsidade de determinada prova, mas, para efeitos de ação rescisória, é preciso que exista nexo de causalidade entre a prova falsa e a decisão que se pretende rescindir – assim, se, por exemplo, apesar de determinado documento constar dos autos, o juiz pode não tê-lo considerado em sua fundamentação, caso em que, apesar de falso, o documento não influenciou na decisão do juiz, não dando ensejo à rescisão da sentença. Quanto ao momento da declaração de falsidade, Sérgio Rizzi faz uma divisão bastante didática1421. Segundo o autor, um dos requisitos que deve concorrer para que se
delineie a prova falsa é a demonstração da falsidade, “seja através de sentença criminal transitada em julgado, sentença civil transitada em julgado (...) ou demonstrando a falsidade no próprio processo da ação rescisória”1422. Veja-se, pois, cada um desses momentos. a) Apuração prévia no juízo criminal: Já se teve a oportunidade de analisar com mais vagar o impacto que as decisões proferidas no juízo criminal têm perante o juízo civil. Assim, se restar comprovado no juízo criminal que não há falsidade em razão da inexistência material do fato (art. 66 do CPP), não será viável a propositura de ação rescisória. Em a decisão criminal reconhecer a falsidade, não será necessária a realização de nova produção de provas na ação rescisória. Nesses casos, diz Sérgio Rizzi, “a sentença criminal é suficiente para fazer improcedente ou procedente o pedido rescindente, se configurado, para a última hipótese, o nexo de causalidade entre o fato demonstrado pela prova falsa e a decisão rescindenda”1423. A prévia apuração criminal, contudo, não é necessária para a propositura da ação rescisória. b) Apuração prévia no juízo cível: Apesar de o art. 485, VI, não fazer menção à prévia apuração da falsidade da prova no juízo civil, segundo Sérgio Rizzi, “a decisão civil transitada em julgado, desde que tenha julgado autêntico ou falso um documento, é vinculante para a ação rescisória”1424. De fato, argumenta com razão o notável monografista sobre o assunto, se há coisa julgada na esfera cível, esta deve ser respeitada, e, se já existe uma
decisão nesse âmbito que tratou da matéria e veio a transitar em julgado, poderá servir de fundamento para ação rescisória com base no art. 485, VI. Não é demais lembrar com Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que, “quando a sentença rescindenda puder subsistir por outro motivo, mesmo com a verificação de que se fundou em prova falsa (material ou ideológica), não há ensejo para sua rescisão. A prova da falsidade pode ser feita na própria rescisória ou ter sido declarada em processo criminal ou civil, desde que a declaração de falsidade tenha sido reconhecida por sentença entre as mesmas partes e acobertada pela autoridade da coisa julgada, o que pode ocorrer em ação declaratória autônoma (CPC 19, II), em ação declaratória incidental (CPC 20) ou em arguição de falsidade (CPC 430)”1425. Confirmando sua posição, Sérgio Rizzi é claro ao dizer que “se o documento for declarado falso (art. 4º, II, ou 395), a coisa julgada não poderá ser afrontada no juízo rescindente, porque não é de se aceitar, em nome da omissão do legislador ordinário, que um preceito constitucional seja, às escâncaras, violado (...). A sentença civil, declaratória da falsidade, mais do que um simples elemento de convicção, vincula com a força da autoridade da coisa julgada o Tribunal, no julgamento da ação rescisória”1426-1427. Barbosa Moreira, adotando posição oposta, apesar dos textos de leis, nega que a decisão em ação civil sobre a validade da prova vincule a decisão que será proferida na ação rescisória, observa, também à luz do CPC/73: “Não constitui fundamento bastante da rescisão a prévia declaração da falsidade do documento em sentença civil, seja proferida em processo autônomo de ação declaratória (art. 4º, n. II), seja em processo de incidente de falsidade surgido no curso de outro feito, sobre o mesmo documento em que se houver fundado a decisão rescindenda. A prova da falsidade terá de ser feita no processo da
rescisória; e, embora óbvio que a sentença civil representará normalmente poderosíssimo elemento de convicção, o órgão julgador da rescisória conserva integral liberdade de apreciação, e não fica excluída, em tese, a possibilidade de rejeitar ele o pedido por não se haver convencido da falsidade”1428-1429. Ao que tudo indica, parece que o entendimento de quem nega a vinculação da decisão proferida na ação civil autônoma para a ação rescisória baseia-se na literalidade da disposição normativa que rege a matéria, enquanto a corrente oposta, a que nos filiamos, entende intangível a coisa julgada formada no processo autônomo, incidentalmente ou na arguição da falsidade (art. 430 e ss. do CPC/2015). c) Apuração na própria ação rescisória: Outra hipótese, ainda, é a apuração da falsidade da prova feita na própria ação rescisória. Nesse caso, segundo Sérgio Rizzi, “o pronunciamento sobre a falsidade, que ocorre no juízo rescindente, não fica coberto pela autoridade da coisa julgada. É certo que não poderá ser modificado para subtrair ou conferir o ‘bem da vida’ que foi objeto do acórdão transitado em julgado. Ficará como fundamento da decisão sobre o pedido rescindente, não integrando os limites objetivos da coisa julgada”1430. 10. Art. 966, VII, do CPC/2015: obtiver autor, após o trânsito em julgado, prova nova, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável Como “prova nova” para fins de admitir o cabimento de ação rescisória entende-se aquela que a parte ignorava, ainda que já existisse na época do processo originário. Ou, ainda que dele tivesse conhecimento, não pôde dela
fazer uso. Por prova nova entende-se não apenas o “documento novo” conforme dispunha o CPC/73, mas também os depoimentos e testemunhos. Sérgio Rizzi1431, na vigência do CPC/73, afirmava que o documento novo só deveria ser aceito se “já existente à época do processo encerrado. O documento, se tivesse sido apresentado, teria assegurado um ‘pronunciamento favorável’. Por conseguinte, é inadmissível que o documento, na generalidade dos casos, venha a ser constituído depois da sentença. O sentido de ‘obtiver documento novo’ é o de ‘recuperar documento’ preexistente à decisão impugnada”1432, e, na realidade, o que é novo é o conhecimento da existência daquele documento e não propriamente o documento, que já poderia existir há muito tempo1433. Na verdade, complementa mencionado autor: “O documento, na generalidade dos casos, deve preexistir à sentença rescindenda, porque, ao contrário, integraria os extremos de um fato superveniente, para ser feito valer em sede de execução ou noutro processo de conhecimento, não em ação rescisória”1434. Observe-se que se deve tratar de prova de que a parte não tenha podido fazer uso ou cuja existência ignorasse. Outro requisito destacado pelo inciso VII refere-se à condição de que a prova nova trazida pela parte seja suficiente, por si só, para alterar a decisão anterior e assegurar um resultado favorável ao autor da rescisória. É plenamente justificável essa exigência, tendo em vista que a ação rescisória não pode ser utilizada como instrumento para reavaliação de provas ou realização de nova instrução probatória, eis que já existe coisa julgada. A juntada da prova nova é condição de admissibilidade para a ação rescisória proposta com fulcro no inciso VII do art. 966 do CPC/2015. Se
necessária a propositura de ação de exibição de documento, esta deverá ser proposta antes da ação rescisória. Sérgio Rizzi destaca, contudo, que, se houver risco de decadência do direito de propor a ação rescisória, o autor poderá propor a ação requerendo a suspensão do processo diante da existência da ação de exibição de documento, com base no art. 313, V, a, do CPC/20151435. 11. Art. 966, VIII, do CPC/2015: fundada em erro de fato, verificável do exame dos autos O § 1º do art. 966 complementa o disposto no inciso VIII: “§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”. A inclusão do erro de fato como causa para a propositura de ação rescisória não é comum no direito estrangeiro, com exceção feita ao sistema italiano, no qual, inclusive, foi inspirado o inciso VIII do art. 966 o CPC/2015. À época da edição do CPC/73 com essa novidade, prevista no art. 485, IX, a doutrina apontou diversas críticas a essa previsão, principalmente no tocante à tradução praticamente literal que foi feita do dispositivo do Código de Processo italiano1436. Segundo Sérgio Rizzi, “dá-se o erro de fato quando a decisão for fundada na suposição de um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato, e que o erro se evidencie dos autos ou de documentos da causa”1437-1438.
Ainda nos valendo dos ensinamentos de Sérgio Rizzi, reconhecemos que há seis requisitos para a caracterização do erro de fato, quais sejam: a) deve dizer respeito a fato; b) deve constar nos autos onde foi proferida a decisão rescindenda, não se admitindo produção de prova para demonstrá-lo; c) deve ser causa determinante da decisão; d) a decisão deve ter suposto um fato que inexista ou supor existente um fato que não ocorreu; e) sobre esse fato não pode ter havido controvérsia; f) sobre esse fato não pode ter havido pronunciamento judicial1439. O erro de fato deve transparecer de maneira evidente no processo, não sendo admitida a produção de provas para demonstrá-lo. Esse é o entendimento de Barbosa Moreira, que assim afirma “Trata-se, em suma, de erro de fato suscetível de ser verificado à vista dos autos do processo e dos documentos deles constantes”1440. A análise deve ser objetiva, evidenciada exclusivamente com os elementos que constam do processo que se pretende rescindir. É fundamental destacar que deve haver nexo de causalidade entre o erro e a decisão que se pretende rescindir. Segundo Sérgio Rizzi, “não é todo erro de fato que leva à rescindibilidade, mas tão somente aquele que influenciou fundamentalmente a decisão, isso é, sem ele, a decisão teria sido diversa”1441. O fundamento para o cabimento da rescisória é a existência ou inexistência de um fato, não estando albergadas as questões paralelas, ou acessórias, como, por exemplo, a duração do fato, o local em que ocorreu etc. A parte final do § 1º do art. 966 exige que não tenha havido controvérsia sobre o fato. Disso decorre que não cabe rescisória para corrigir vício no tocante à avaliação feita pelo juiz sobre o fato. A propósito, diz Sérgio Rizzi, à luz do CPC/73: “A sentença, ao dar pela improcedência da ação de
reparação do dano, sofrido em razão do acidente de veículos, aprecia a existência de neblina, e, em decorrência, isenta o réu de culpa; nos autos, porém, está evidenciada a inexistência de neblina no evento; apesar do erro de fato, o pronunciamento da sentença sobre o fato a tornou irrescindível com apoio no inciso IX do art. 485”1442-1443. Uma vez mais, temos que, segundo os ensinamentos de Sérgio Rizzi, há, pelo menos, três classes de fatos em relação aos quais se pode dizer que não tenha havido controvérsia: primeiramente, aqueles provados nos autos e não alegados por nenhuma das partes, mas conhecíveis de ofício (exemplo: capacidade da parte para assinar um contrato); a segunda classe reúne os fatos insuscetíveis de serem objeto de controvérsia, em razão da natureza que os reveste (exemplo: o dever do condômino de contribuir com as despesas condominiais); e, ainda, a classe dos fatos confessados e dos fatos não contestados1444. 12. Art. 966, § 2º, do CPC/2015: decisões que embora não sejam de mérito impeçam a propositura de nova demanda ou a admissibilidade de recurso correspondente O CPC/2015 consolidou o entendimento do STJ, que já vinha admitindo a o cabimento da ação rescisória diante da impossibilidade de repropositura de nova ação, conforme afirma Nelson Nery Jr. e Rosa Nery1445. A rescindibilidade excepcional das decisões que não resolveram o mérito é solução encontrada pelo CPC/2015 com relação às sentenças terminativas que não formam coisa julgada material, mas que impedem a propositura de nova demanda ou de inadmissibilidade de recurso quando o Tribunal não enfrenta o mérito.
A inadmissibilidade do recurso se dá por uma decisão constitutiva negativa, que resolve definitivamente a admissibilidade do recurso e exige, para sua repropositura, que o vício seja sanado. No entanto, como afirmam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro Cunha1446, nos casos em que o vício for insanável ou em que o demandante não se conformar com o reconhecimento do defeito, é cabível a ação rescisória. Nesse sentido, afirma Humberto Theodoro Jr.1447 que “nem sempre é possível fazer-se o enquadramento da sentença nos permissivos da rescisória (NCPC, art. 966)”. Por esse motivo, continua o referido autor, quando “o error in iudicando, embora de natureza simplesmente processual, afetou diretamente uma solução de mérito, entendo que, nessa hipótese excepcional, a mens legis deve ser interpretada como autorizadora da ação rescisória”. 13. Rescisão parcial O § 3º do art. 966 do CPC/2015 prevê a possibilidade da rescisão parcial ao dispor: “a ação rescisória pode ter objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão”. Isso porque, a sentença pode ser analisada por capítulos quando independentes entre si, como já tratamos no capítulo de sentença e coisa julgada. Com relação à rescisão parcial, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmam que a “jurisprudência do STJ também admitia essa possibilidade ao preconizar que o prazo decadencial para a propositura da rescisória conta-se do trânsito em julgado material da decisão, o que pode eventualmente ocorrer apenas para parte dela, caso tenha sido interposto recurso para discussão de apenas um ou alguns capítulos”1448. 14. O prazo de dois anos
A ação rescisória deve ser proposta dentro do prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir (art. 975 do CPC/2015). O prazo de dois anos, previsto no referido artigo, é decadencial e, portanto, não se interrompe nem se suspende, como ocorre com os prazos prescricionais1449-1450. A citação válida impedia a ocorrência da decadência do direito, sendo que seus efeitos retroagem à data do despacho que ordenar a citação (art. 202, I, do CC/2002; arts. 219 e 220 do CPC/73). Hoje, porém, em face do que dispõem o art. 240 e seu § 4º do CPC/2015, o despacho que ordena a citação é que opera a interrupção da prescrição e obsta a decadência, retroagindo à data da propositura da ação, em o autor tornando as providências que lhe cabem. Não é demais, a propósito, repisar o entendimento do STJ, cristalizado na Súmula 106, do teor seguinte: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”. Está, aliás, consubstanciada essa previsão no § 3º do mesmo artigo examinado. Há casos em que a aferição do momento do trânsito em julgado e consequente início do prazo para propositura da ação rescisória não é de verificação tão evidente. A decisão respeitante ao juízo de admissibilidade dos recursos, incluindose aí o especial e o extraordinário, tem natureza declaratória. Ou seja, quando o STJ, por exemplo, inadmite determinado recurso especial, nada mais faz do que declarar que, quando da sua interposição, não estavam presentes seus requisitos de admissibilidade.
A eficácia declaratória dessa decisão tem importante relação ao problema de se determinar o momento do trânsito em julgado da decisão recorrida, como já verificado, e, em consequência, o do início do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória, que é de dois anos (art. 975 do CPC/2015). Há quem sustente que o prazo para o ajuizamento da rescisória conta-se retroativamente quando o recurso não vem a ser conhecido, dada a natureza declaratória da decisão quanto ao juízo de admissibilidade dos recursos. Há autores, dos mais notáveis, que defendem enfaticamente essa linha de pensamento1451. Nelson Nery Jr. esclarece que no entender dele: “Caso o recurso não fosse conhecido, o trânsito em julgado teria ocorrido a partir do momento em que se verificou a causa da inadmissibilidade do recurso, no momento em que se tornou intempestivo; (...) o recurso não ficou intempestivo quando o tribunal assim declarou, mas já seria intempestivo quando ultrapassado o prazo legal para sua interposição”1452-1453. Não se concorda com referido posicionamento. Tem-se que esbarra em outros princípios informadores do sistema jurídico positivo, dentre os quais o princípio da segurança jurídica. Afigurasse-nos que tal conclusão, conquanto topicamente analisada possa parecer atraente, fomentaria a insegurança jurídica, acabando, por via oblíqua, por inibindo a própria interposição de recursos, atritando, em última análise, até mesmo com o princípio do amplo e incondicionado acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88). Parece, efetivamente, que a posição de que o momento do trânsito em julgado deve retroagir, quando este não venha a ser conhecido, acabaria inviabilizando, na ordem prática, a utilização da ação rescisória, ou, quando
menos, inibindo o manejo de recurso especial ou extraordinário. Temos para nós que, à exceção dos casos de recurso extemporaneamente apresentado1454 ou evidente má-fé da parte que recorre, a coisa julgada se forma no instante em que restou prolatada a última decisão no processo, iniciando, a partir de então, o prazo decadencial de dois anos para propositura da ação rescisória. Neste sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante se infere das ementas a seguir transcritas: “A contagem do prazo de decadência da ação rescisória começa a correr da data do trânsito em julgado da decisão originária; a interposição de recurso cabível, inclusive extraordinário, salvo se indeferido por intempestivo, afasta o dies a quo da decadência”1455; “O prazo para propor a ação rescisória começa a correr da data do trânsito em julgado da decisão rescindenda, quando não mais exercitável ou não exercitado recurso ordinário ou extraordinário, princípio que não se invalida pelo não conhecimento do recurso na instância ad quem”1456. O STJ, a propósito, tem decidido no mesmo sentido1457. Esse último tribunal superior chegou inclusive a sumular dita orientação. Com efeito, a Súmula 401 dispõe que “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Há autores que propugnam pela viabilidade do ajuizamento da rescisória, mesmo pendente de apreciação recurso especial, como forma de contornar o problema1458. Afirmam que o que deve ser rescindido, em caso de juízo de admissibilidade negativo do especial, é o acórdão local, que julgou o mérito (com o que concordamos inteiramente, pois é sobre este que deverá recair a autoridade da coisa julgada material). Todavia, não parece correto o
ajuizamento da rescisória quando ainda penda de julgamento o especial, sendo inviável pretender a sua suspensão por prejudicialidade externa (art. 313, V, a, do CPC/2015). Parece que, se não se esgotaram as vias recursais, não há sequer falar em coisa julgada formal (há litispendência, no sentido de processo em curso), e, por isso mesmo, tampouco se pode falar em coisa julgada material, não se podendo admitir a propositura de ação rescisória. Se, de um lado, é correto afirmar que a decisão negativa sobre a admissibilidade recursal é declaratória negativa, o que significa que o que transitou em julgado foi o acórdão local (vale dizer, não se operou o efeito substitutivo do recurso), nem por isso é de se admitir que a rescisória seja proposta antes de proferido esse juízo. O que transita em julgado é a decisão local, mas, antes de proferido o juízo de admissibilidade negativo do especial, é inviável falar em trânsito em julgado, e, pois, não se pode admitir a propositura da rescisória. Se, para alguns, a solução ortodoxa seria, então, a de começar a contar o prazo decadencial da data em que publicado o acórdão local, isso parece inviabilizar o uso da rescisória, e leva(ria) ao risco de inibir o próprio uso da via recursal para os tribunais superiores, o que nos conduz, como dito, a não encampar referida interpretação. Entende-se, pois, que o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, salvo as hipóteses excepcionais que já foram referidas, só tem início, por exemplo, quando proferida a última decisão do STJ acerca da inadmissibilidade do recurso especial. Nessa linha, a orientação cristalizada na já mencionada Sumula 401 do STJ. Se a parte pretender ajuizar ação rescisória do julgado, deverá atentar também para outro requisito: se o tribunal tiver conhecido do recurso, ainda que para lhe negar provimento, a ação será dirigida contra esta decisão (que
substitui a da instância a quo); todavia, se o recurso não foi sequer conhecido, a ação rescisória deverá ser dirigida contra a decisão proferida na instância a quo, eis que os efeitos da coisa julgada revestem apenas as decisões de mérito (art. 503 do CPC/2015). A questão é de extrema importância na medida em que se o autor da rescisória se voltar contra acórdão que tenha sido substituído, nos termos do art. 1.008 do CPC/2015, a rescisória deverá ser inadmitida por inépcia da inicial, por atacar decisão que não existe mais (art. 330 do CPC/2015). O caso seria de incompetência, por exemplo, se se atacasse o acórdão substituto perante tribunal errado. Todavia, como o acórdão rescindendo não existe mais (pois foi substituído), o art. 968, § 5º, do CPC/2015, determina que o autor deve ser intimado para emendar a petição inicial para adequar o objeto da ação rescisória, sendo permitido ao réu que complemente os fundamentos de sua defesa (art. 968, § 6º, do CPC/2015). A Súmula 249 do STF tem a seguinte redação: “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória, quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida”. O enunciado transcrito, na verdade, denota um reconhecimento de que há decisões do próprio STF que utilizam terminologia imprecisa, porque rotuladas indevidamente como sendo decisões de “não conhecimento”, quando, na verdade, apreciam o mérito do recurso. O que se pode entender da Súmula 249 é que o que conta para saber se se operou o efeito substitutivo, e, portanto, para definir a competência para a ação rescisória (e qual o acórdão que deve ser vulnerado), não é a decisão ter sido identificada como de não conhecimento ou não, mas a circunstância de o STF ter ou não incursionado no mérito do recurso, independentemente do seu rótulo.
Barbosa Moreira aponta interessante hipótese de o recurso especial ser conhecido apenas em parte. Nesse caso, uma vez provido (em parte, é claro), o acórdão do STJ substituirá o acórdão local apenas em parte. Conclui, com acerto: “Se alguém quiser pleitear a rescisão do julgado, terá de tentá-lo, na primeira parte [que diz respeito àquela parte do acórdão em que o especial não foi conhecido] perante o tribunal de origem; na segunda [atinente àquela parte do acórdão modificada pelo julgamento do especial], perante o Superior Tribunal de Justiça”1459. Outro ponto de extrema relevância consiste na possibilidade de trânsito em julgado por capítulos. Imagine-se a seguinte hipótese: A (autor) formula pedido de indenização por danos materiais e por danos morais. Julgados improcedentes os pedidos, A interpõe recurso apenas no que toca aos danos materiais. Indaga-se se é possível dizer em tal hipótese que terá transitado em julgado a decisão denegatória do pleito de indenização por danos morais. Temos para nós, inquestionavelmente, que sim. São dois pedidos perfeitamente independentes entre si, de modo que, não interposto recurso contra a decisão denegatória de indenização por danos morais, há trânsito em julgado, deflagrando-se, daí, o prazo para a ação rescisória. Essa é também a posição de Cândido Dinamarco1460, e que foi incorporada pelo CPC/2015, ao permitir a possibilidade de rescisão de capítulos da decisão, sendo que o prazo para a propositura da rescisória inicia-se apenas com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo1461. O STJ já decidiu neste sentido na vigência do CPC/73, em acórdão prolatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira: “Processo civil – Sentença – Divisão em capítulos – Possibilidade – Impugnação parcial – Princípio tantum devolutum quantum appellatum – Trânsito em julgado dos
demais capítulos, não impugnados – Nulidade – Julgamento extra petita – Fundamentos autônomos e independentes – Anulação parcial – Doutrina – Recurso provido. 1. A sentença pode ser dividida em capítulos distintos e estanques, na medida em que, a cada parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão. 2. Limitado o recurso contra parte da sentença, não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum. 3. No caso, a sentença foi dividida em capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e independente. 4. Assim, a nulidade da sentença, por julgamento extra petita, deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente porque tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu recurso). 5. Outra seria a situação, a meu ver, se a sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o vício teria o condão de contaminar o ato como um todo”1462. 15. Legitimidade O art. 967 do CPC/2015 confere legitimidade para a propositura da ação rescisória para: “I – quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular; II – o terceiro juridicamente interessado; III – o Ministério Público: a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a sentença é o efeito de simulação ou colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação; IV – aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção”. Cabe indagar, nesse passo, se a parte legitimada para a propositura da ação
será aquela que permaneceu no processo até a prolação da sentença de mérito ou se, ainda que haja exclusão de uma das partes no curso do processo, esta manteria a legitimidade para propositura da ação rescisória. Para Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, o art. 967 do CPC/2015 é genérico quando confere legitimidade àquele que tenha sido parte no processo, “não perquirindo se a decisão rescindenda foi ou não proferida relativamente a quem foi por ele legitimado”1463. Para os referidos autores, “a questão de se saber se realmente aquele legitimado pelo CPC tem ou não direito à rescisão desloca-se para o plano do interesse processual, que é condição da ação distinta da legitimidade para a causa”1464. Barbosa Moreira, no entanto, defende entendimento diverso, no sentido de que a parte legitimada para a propositura da ação rescisória é aquela que era parte no momento da prolação da decisão rescindenda. Nesse sentido, segundo o autor, “quem pretende rescindir a sentença deve ter sido parte no momento em que ela foi proferida, não importando se figurou na relação processual anterior ab initio, ou se nela só ingressou no curso do feito. Não se legitima à rescisória, como ‘parte’, quem já não o era ao tempo da sentença, por haver-se desligado antes, voluntariamente ou não, da relação processual. A revelia, contudo, não exclui a condição de parte, nem, portanto, a legitimidade ativa para a rescisória”1465. Aquele que porventura tiver sido excluído indevidamente do processo poderá ingressar com ação rescisória na qualidade de terceiro juridicamente interessado (art. 967, II, do CPC/2015). O mesmo se diga relativamente ao litisconsorte necessário que não tenha sido citado1466. Podem dois ou mais legitimados ajuizar ação rescisória em conjunto, hipótese em que haverá litisconsórcio ativo unitário no juízo rescindente,
conforme expõe Barbosa Moreira: “Havendo mais de um legitimado, podem dois ou vários agir em conjunto. Pressuposta a identidade do pedido e a da causa petendi, quanto ao iudicium rescindens, o litisconsórcio ativo será unitário, porque não se concebe a possibilidade de decisão heterogênea: ou se acolhe em face de todos ou em face de todos se rejeita o pedido de rescisão”1467. Relembramos que o terceiro interessado deverá demonstrar interesse jurídico na causa (como ocorre, por exemplo, no caso de assistência), não sendo suficiente a invocação de mero interesse de fato. A legitimidade do Ministério Público, nas hipóteses do inciso III do art. 967 do CPC/2015, refere-se às hipóteses em que este devesse atuar como fiscal da lei, mas não foi ouvido, ou quando tiver havido colusão entre as partes com o escopo de fraudar a lei. O Ministério Público, no entanto, também poderá propor ação rescisória quando tiver sido parte no processo, com fulcro no inciso I do art. 967 do CPC/2015. Tratamos, até o momento, da legitimidade ativa para a propositura da ação rescisória. Quanto à legitimação passiva, o CPC não foi expresso, mas “devem integrar o contraditório todos aqueles que eram partes no feito anterior, ao ser proferida a sentença rescindenda”1468. De fato, se há pedido no sentido de a decisão ser rescindida, todos aqueles que foram atingidos por essa decisão deverão integrar a relação jurídica processual, eis que a decisão (una) a todos atingirá1469. Quanto à modalidade de litisconsórcio no polo passivo, “é unitário, pois o tribunal manterá ou rescindirá a decisão, atingindo a todos, indistintamente, de maneira uniforme; quanto ao juízo rescisório, o litisconsórcio passivo
pode ser simples ou unitário, pois o tribunal rejulgará a lide dependendo da maneira como deduzida na petição inicial da ação rescisória”1470. A legitimidade do Ministério Público pela alínea c do inciso III do art. 967 do CPC/2015 decorre diretamente do disposto nos arts. 129 da CF/88 e 178 do CPC/2015, que estabelecem as hipóteses de intervenção obrigatória do Ministério Público. O inciso IV do art. 967 do CPC/2015 legitima aquele que era obrigado a intervir, ou seja, os entes – distintos do Ministério Público – cuja intervenção era obrigatória no processo originário, não se aplicando, por exemplo, ao litisconsorte não citado. 16. Petição inicial A petição inicial da ação rescisória deve observar todos os requisitos essenciais do art. 319 do CPC/2015, além dos requisitos específicos expressos no art. 968 do CPC/2015. Dos incisos do art. 319, destacamos o inciso I, que trata do endereçamento da petição inicial, ou seja, da competência para sua apreciação. A ação rescisória é de competência originária dos tribunais. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “o juízo competente para processar e julgar a ação rescisória é sempre tribunal. O juízo de primeiro grau não tem competência para rescindir suas próprias sentenças. Rescisória de sentença deve ser processada e julgada no tribunal que teria competência recursal para examinar a matéria, se tivesse havido interposição de recurso. (...) Tratando-se de rescisória de acórdão, é competente o mesmo tribunal que proferiu o acórdão impugnado, devendo ser processada e julgada por órgão colegiado mais ampliado do que o que prolatou o acórdão rescindendo”1471.
O inciso I do art. 968 do CPC/2015 exige que o autor cumule ao pedido de rescisão, sendo o caso, o pedido de novo julgamento da causa. Como se sabe, a ação rescisória, em regra, tem duas finalidades: a rescindente (a desconstituição da decisão rescindenda) e a rescisória (o rejulgamento da causa, que, como observado anteriormente, nem sempre se faz presente). Para que seja possível, no entanto, a prolação de nova decisão, é preciso que o autor faça constar esse pedido na petição inicial. O pedido deve constar expressamente da petição, sob pena de indeferimento, e, como bem observado por Barbosa Moreira, não há cogitar de “pedido implícito”, pois a lei exige que o autor faça o pedido expressamente1472. Faltando o pedido de novo julgamento, assim como qualquer outro requisito da petição inicial, antes do indeferimento da inicial, o autor deve ser intimado para emendar a inicial (art. 321 do CPC/2015), e somente se assim não proceder é que a inicial deverá ser indeferida. O inciso II do art. 968 do CPC/2015 exige, ainda, como requisito da petição inicial, que o autor deposite cinco por cento do valor da causa, “que se converterá em multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente”. Essa exigência não se aplica à União, Estados, Municípios e Ministério Público, Defensoria Pública e aos que possuam o benefício da justiça gratuita, segundo o § 1º do art. 968 do CPC/2015. A exigência do depósito, que poderá ser revertido em multa, constitui forma de evitar a utilização abusiva da ação rescisória. Sendo a ação julgada inadmissível ou improcedente por unanimidade, o depósito de cinco por cento reverterá em favor do réu (art. 974, parágrafo único, do CPC/2015). Ressaltando-se que o depósito prévio não pode ser superior a 1.000 salários-
mínimos (art. 968, § 2º, do CPC/2015). A inicial da ação rescisória poderá ser indeferida nas hipóteses previstas no art. 330 do CPC/2015 (causas gerais de indeferimento da petição inicial), bem como se não for efetuado o depósito de cinco por cento do valor da causa, previsto no inciso II do art. 968 do CPC/2015 (art. 968, § 3º, do CPC/2015). Foi dito, ainda, que a não observância do inciso I do art. 968 do CPC/2015, nas causas em que for cabível o pedido de novo julgamento, também deve conduzir, após ter sido ensejada oportunidade para a parte corrigir o erro, ao indeferimento da petição inicial. A propositura de ação rescisória, como regra, não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo (art. 969 do CPC/2015). Não se pode deixar de reconhecer, no entanto, que os arts. 294 e 300 do CPC/2015 se aplicam também à ação rescisória, quando verificada a probabilidade do direito e o perigo de dano ou resultado útil ao processo. A análise deste intrincado problema há de começar necessariamente à luz do disposto no art. 969 do CPC/2015, que o ajuizamento da ação rescisória não obsta o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão de tutela provisória. Assim, a possibilidade de antecipação da tutela não é obstada pela circunstância de o comando dispositivo da sentença estar acobertado pela coisa julgada material. Conforme aduz Bruno Freire e Silva, “desde que realmente existente o vício do decisum que fundamente a demanda rescisória, a tutela pleiteada através desta deve ser assegurada e efetiva, mesmo que para tanto seja necessário suspender a execução da sentença rescindenda”1473. Afigura-se-nos que a interpretação sistemática do Código de Processo Civil, que deve levar em conta a possibilidade de antecipação de tutela em
todas e quaisquer ações (exatamente porque a lei não distingue os tipos de ação em que a antecipação de tutela seria cabível) já dava respaldo à conclusão de que era possível antecipação de tutela em ação rescisória. Aliás, os Tribunais já admitiam a tutela como instrumento apto a suspender os efeitos da efetivação da sentença rescindenda1474. Tenha-se, no entanto, presente que não é o mero ajuizamento da rescisória que conduz à suspensão da efetivação do julgado rescindendo, como, aliás, deixa clara a parte inicial do art. 969 do CPC/2015. Para tanto será preciso ajuizar a rescisória e demonstrar que concorrem os requisitos dos arts. 294 c/c 300 do CPC/2015, conduzindo, então, o juiz à antecipação de tutela. Com efeito, a antecipação de tutela, nesse caso, irá resguardar o autor da rescisória dos riscos de dano irreparável que a efetivação da decisão rescindenda – que é definitiva – pode trazer. Naturalmente, como estamos diante de decisão transitada em julgado, a avaliação dos requisitos necessários à antecipação de tutela, nesse caso, há de ser realizada com prudência redobrada pelo juiz, de forma que não se transforme em regra aquilo que deve ser exceção (suspensão dos efeitos da decisão rescindenda, já transitada em julgado). Evidentemente, a antecipação de tutela, nessa hipótese, se for o caso, haverá de ser concedida com base nos referidos artigos. Com efeito, o réu da ação rescisória sagrou-se vencedor pela decisão rescindenda transitada em julgado, de modo que não se poderá dizer que há abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório de sua parte, não cabendo falar-se em tal caso em antecipação de tutela com amparo no inciso I do art. 311 do CPC/2015. O art. 969 do CPC/2015, como se disse, admite a concessão de medidas
cautelares ou antecipatórias de tutela ligadas à ação rescisória. De outro lado, o parágrafo único do art. 305 do CPC/2015 estabelece a fungibilidade entre a antecipação de tutela e as medidas cautelares, sendo que, no particular, acompanhamos a linha de pensamento que vê nesse dispositivo uma fungibilidade de “mão dupla”1475. Tenha-se presente, ainda, que a MP 2.180-35/2001, em seu art. 15, já previa expressamente o cabimento da tutela cautelar no bojo de ação rescisória1476. Tem-se, ademais, que o preceito do parágrafo único do art. 305 do CPC/2015 é meramente expletivo. Afigura-se que a ideia de fungibilidade, no processo civil, decorre da circunstância de que, na medida em que o sistema gere uma dúvida objetiva sobre qual seja o instrumento adequado para alcançar determinado fim, não podemos falar em meio “certo” ou “errado”, e, de conseguinte, as convicções pessoais do julgador devem ser relevadas, sob pena de comprometimento, em última análise, do devido processo legal. Em última análise, parece que a suspensão da decisão rescindenda deve ser buscada via antecipação de tutela na rescisória. Mas, diante de alguma oscilação jurisprudencial, tendo em vista ainda o precitado dispostivo, tem-se que há, nesse caso, vasto campo para aplicação da fungibilidade entre as cautelares e a antecipação de tutela. Desse modo, se é correto afirmar que a suspensão do cumprimento da sentença é medida que deve ser buscada por meio da antecipação da tutela, a enorme discrepância dos tribunais quanto ao meio adequado para atingir esse escopo, ao lado do parágrafo único do art. 305 do CPC/2015, bem como a alternatividade sugerida pela redação do modificado art. 969 do CPC/2015, robustecem a ideia de que, nesse caso, deve ser aplicada a fungibilidade entre
um e outro meio (cautelar e antecipatória de tutela). Ademais, como dito, parece fora de dúvida que as medidas cautelares também podem ser utilizadas, devidamente aparelhadas à ação rescisória, não propriamente para suspender o cumprimento da sentença, mas com finalidades tipicamente cautelares. Figure-se, por exemplo, uma ação rescisória com pedido de novo julgamento, de uma sentença que julgara improcedente determinada ação condenatória (e a reconvenção do réu da rescisória, também de cunho condenatório, procedente). Se o réu da rescisória, paralelamente ao curso desta ação, vier a esvaziar o seu patrimônio, poderá, o autor, se utilizar de medida cautelar constritiva do patrimônio do réu com base no poder geral de cautela. Por exemplo, ainda, no caso de alienações a que haja procedido e que ainda venha a proceder o réu da rescisória no exemplo acima mencionado, poderá o juiz impedir o registro dessas alienações no Registro de Imóveis, para que o autor da rescisória não veja a sua afirmação de direito, se rescindido o julgado, cair no vazio. 17. Procedimento Dando continuidade à breve análise do procedimento próprio da ação rescisória, temos o art. 970 do CPC/2015, que determina que, recebida a ação rescisória, o relator deve mandar citar o réu e fixar o prazo, entre 15 e 30 dias, para responder aos termos da ação. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, em posição que nos servimos de acompanhar1477, defendem a aplicação dos arts. 180, 183, 186 e 229 do CPC/2015 à ação rescisória, afirmando: “Caso o relator fixe em trinta dias o prazo para contestar, esse prazo dobra, portanto, para sessenta dias”1478.
Barbosa Moreira, por outro lado, entende ser inaplicável o art. 180 do CPC/2015, que somente é aplicável aos prazos legais e não aos judiciais1479, porém admite a aplicação do art. 229 do CPC/2015 à ação rescisória, nos casos de litisconsórcio1480. Já tivemos oportunidade de expor que a ação rescisória é sempre proposta perante o tribunal. Por essa razão, o art. 972 do CPC/2015 autoriza que o relator, se os fatos alegados dependerem de prova, delegue competência ao juízo de direito da comarca na qual a prova deve ser produzida, para que sejam feitas as provas necessárias, remetendo os autos de volta ao tribunal no prazo de 1 a 3 meses. Tal procedimento não é, contudo, obrigatório. Ainda que haja necessidade de produção de provas, o próprio relator poderá, por exemplo, ouvir as testemunhas, sem atribuir tal mister ao juiz de primeiro grau1481. Segundo Barbosa Moreira, “o dispositivo sob exame não deve ser entendido como excludente da possibilidade de que o próprio relator proceda pessoalmente à colheita de alguma prova; ao menos em alguns casos, isso será até preferível. É bom que o relator se disponha, sendo preciso, a tomar depoimentos de partes, a inquirir testemunhas, a proceder a inspeções – o que provavelmente lhe permitirá formar convencimento mais sólido acerca dos fatos relevantes”1482. O art. 973 do CPC/2015 dispõe que, quando concluída a instrução, deverá ser aberta vista às partes para apresentar suas alegações finais pelo prazo de 10 dias, sucessivamente. A realização do julgamento seguirá o disposto nos regimentos internos dos tribunais e, no caso dos Estados, deverão ser observadas as normas de organização judiciária.
O julgamento deverá sempre ser realizado pelo órgão colegiado, não podendo o relator julgar monocraticamente o mérito da ação rescisória. O relator poderá apenas indeferir a inicial se ausentes os requisitos para sua admissibilidade1483. As consequências serão bastante diferentes em caso de procedência ou improcedência da ação. Sendo procedente a ação, o art. 974 do CPC/2015 dispõe que o tribunal determinará a rescisão da sentença, proferindo novo julgamento e determinando a restituição do depósito inicial de cinco por cento do valor da causa ao autor. O novo julgamento a ser proferido pelo tribunal deve ocorrer na mesma sessão que decidir pela rescisão da sentença. Por outro lado, se julgada improcedente a ação rescisória, o valor do depósito será revertido em favor do réu, sem prejuízo de eventual condenação em custas e honorários advocatícios (art. 85 do CPC/2015). Há que se ter presente, todavia, que o valor do depósito só será revertido em favor do réu se a ação rescisória for declarada inadmissível ou improcedente, por unanimidade de votos, nos termos do art. 974, parágrafo único, do CPC/2015. Da decisão do tribunal poderão ser opostos embargos de declaração, recurso especial ou recurso extraordinário.
XLVIII PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
1. Os procedimentos especiais e o novo CPC O Código de Processo Civil de 2015 prevê o procedimento comum, que já foi longamente estudado nos capítulos anteriores, e os procedimentos especiais, os quais o legislador optou por bem em dividir em procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e voluntária. Iniciaremos o estudo pelos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e posteriormente trataremos dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária. O procedimento de jurisdição contenciosa é definido por Humberto Theodoro Júnior1484 como aquele em que efetivamente há o exercício da função estatal jurisdicional, porque busca-se a imposição da solução jurídica estatal. A dita jurisdição voluntária, por sua vez, é aquela na qual ocorre a atividade administrativa que é desempenhada pelos órgãos jurisdicionais e, por esse motivo, pondera o mesmo autor que os procedimentos de jurisdição voluntária não podem ser chamados nunca de processo, “expressão que a ciência jurídica atual reserva, com propriedade, para o método específico de compor ‘litígios’ por meio da soberania estatal”1485.
Os procedimentos especiais, previstos no Livro I, Título III da Parte Especial do Código de Processo Civil, se submetem a trâmites específicos que podem ter alguma similaridade ou não com o procedimento comum. A especificidade do procedimento se faz necessária diante do direito tutelado pelo Estado, tanto no âmbito subjetivo quanto no âmbito objetivo. Sempre haverá alguma particularidade do direito material que exigirá um procedimento diferenciado. E o processo, “como disciplina formal não pode ignorar essas exigências de origem substancial, porque é da própria natureza das coisas que se ajuste e harmonize à substância”1486. Em outras palavras, o procedimento especial se faz necessário porque o procedimento comum se mostra insuficiente para resguardar determinados direitos que, devido a algumas particularidades, podem não ser satisfeitos se observado o trâmite comum1487. A garantia da solução adequada ao litígio não é apenas que o Estado declare a existência ou não do direito em determinado litígio, uma vez que “na visão contemporânea do Estado Democrático de Direito, incumbe à Justiça não apenas a proclamação dos direitos, mas sobretudo a prestação de uma garantia efetiva, somente realizável quando o processo disponibilize ‘formas de tutela ou de proteção que os direitos materiais reclamam quando violados ou expostos a violação”1488. Os procedimentos especiais, como já dito, foram criados pelo legislador como uma forma de garantir a tutela de direitos que possuem algumas características que necessitam de um procedimento diferenciado do procedimento comum, mas também na busca pela simplificação e agilização do procedimento, bem como a delimitação do tema e a explicitação dos requisitos materiais e processuais conduziram o legislador a criar os
procedimentos especiais, correspondem, portanto, a exigência de uma plena e eficaz satisfação da tutela dos direitos subjetivos materiais. Nesse sentido, afirma-se que a efetivação da tutela jurisdicional encontra, por muitas vezes, óbice na demora do processo, e por esse motivo o princípio da garantia da razoável duração do processo também é um dos fatores que contribuem para a criação de um procedimento especial, que tramite de forma mais célere quando comparados ao procedimento comum1489. Daniel Penteado de Castro1490 cita três fundamentos, trazidos por Andrea Proto Pisani, que justificam a criação da técnica processual para diminuir a duração do processo, sendo o primeiro deles a tentativa de se evitar o custo do processo de cognição plena “quando este não é presumivelmente justificado por uma contestação plausível”; o segundo fundamento pretende assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, uma vez que o tempo necessário para a cognição plena poderia ocasionar dano irreparável, impõe-se uma solução mais célere para a solução da lide e, por fim; o terceiro fundamento é para que se evite o abuso do direito de defesa do réu, que também poderia ocasionar dano irreparável ao autor. Em síntese, não são apenas as particularidades do direito material que fundamentam a criação de procedimentos especiais diferenciados do procedimento comum, mas também a necessidade de diminuição da tramitação dos processos para a efetivação da tutela, bem como a necessidade de evitar o abuso do direito de defesa do réu. A diferenciação da prestação da tutela jurisdicional nos procedimentos especiais decorre pela distinção do procedimento, que muitas vezes limita vertical ou horizontalmente a cognição exaurida pelo julgador. Naquilo que o procedimento especial for omisso, incidirão as regras do
procedimento comum, conforme dispõe o parágrafo único do art. 318 do CPC/20151491. 2. Pressupostos Para que a pretensão material prossiga de forma especial, é necessário que o direito material do litigante satisfaça dois níveis de requisitos, os materiais e os processuais. Sendo os primeiros aqueles referentes a pretensão material do autor, que deve situar-se plano do direito material a que corresponde o rito, enquanto os últimos estão condicionados a forma e ao desenvolvimento do processo até seu julgamento de mérito. 3. O erro na adoção do procedimento especial O art. 283 do CPC/2015 dispõe que “o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais”, e o § 1º prevê o aproveitamento dos atos praticados desde que “não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte”. Por esse motivo, incumbe ao juiz proceder à adequação do procedimento em caso de equívoco do autor, devendo aproveitar os atos já praticados que lhe forem úteis, regularizando o procedimento. Uma vez que a adaptabilidade do processo está diretamente relacionada com a tentativa de garantia da celeridade processual e da efetividade do processo, ambos ligados a flexibilidade procedimental1492. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior1493 afirma que, salvo em hipóteses excepcionais, o procedimento especial não é impositivo e, por esse motivo, é possível que o autor, tendo interesse, opte pelo procedimento comum para pleitear a tutela de seu interesse.
Além disso, o art. 327, § 2º, do CPC/2015, admite a cumulação de pedidos referentes a procedimentos diversos quando for empregado o procedimento comum, assim como é possível utilizar de técnicas previstas nos procedimentos especiais no trâmite dos procedimentos comuns, naquilo que não forem incompatíveis. Para a caracterização do procedimento, destaca-se o pedido e a possibilidade de sua apreciação pelo Judiciário, sendo indiferente o nome dado à ação pelo autor. Quando tratar-se de pedido impossível, estaremos diante de uma improcedência do pedido e não de inadequação do rito ou de carência de ação. Por esse motivo, a sentença que julgar essa demanda não será meramente terminativa, mas será de mérito. A hipótese de carência de ação é quando o autor não atende aos requisitos de admissibilidade do remédio processual proposto, enquanto a inadequação da tutela pretendida, segundo Humberto Theodoro Júnior1494, é a falta de interesse processual. 4. Procedimentos especiais excluídos pelo CPC/2015 O Código de Processo Civil de 2015 excluiu do rol dos procedimentos especiais as ações de depósito, anulação e substituição de títulos ao portador, nunciação de obra nova, usucapião e vendas a crédito com reserva de domínio, por esse motivo, na sistemática atual, esses procedimentos sujeitamse ao procedimento comum, com algumas adaptações. 4.1 Ação de depósito (arts. 901 e ss. do CPC/73) A ação de depósito justificava-se pela disposição do art. 629 do CC/2002. No entanto, na atual sistemática adotada pelo CPC/2015, diante da previsão das tutelas provisórias, o depositante poderá requerer a tutela antecipada com base na evidência, apresentando prova documental, para que seja expedida
ordem judicial de entrega do objeto, sob cominação de multa, conforme dispõe o art. 311, III, do CPC/2015, extinguindo-se a necessidade de comprovação do perigo na demora (art. 311, caput, do CPC/2015). 4.2 Ação de anulação e substituição de título ao portador (arts. 907 e ss. do CPC/73) A atual sistemática do CPC/2015 exige a publicação de editais diante da do direito material envolvido no litígio, nos termos do art. 259, II. Caso pretenda-se evitar o extravio do título, o interessado deve postular seu direito perante o atual detentor do título ou a quaisquer outros a quem o título venha a ser transferido, sendo necessária também a intimação do emitente do título e da Bolsa de Valores. 4.3 Ação de nunciação de obra nova (arts. 934 e ss. do CPC/73) A ação de nunciação de obra nova, prevista no regime do CPC/73 era um instrumento do direito de vizinhança que pretendia cessar as interferências derivadas de edificação em imóvel contíguo, que pudessem afetar a segurança, sossego ou a saúde do confinante, nos termos do que prevê o art. 1.277 do CC/2002. Na atual sistemática do Código, o confinante interessado poderá pleitear no procedimento comum, tutela provisória, para embargar a obra. Essa liminar deve ser requerida na petição inicial e não deve ficar condicionada a demonstração do periculum in mora desde que haja a comprovação, ainda que superficial, da interferência nociva da obra. 4.4 Ação de usucapião de imóvel (arts. 941 e ss. do CPC/73) A ação de usucapião passou a tramitar segundo o procedimento comum,
apenas com algumas especificidades como por exemplo, a citação do proprietário do imóvel, bem como de todos os conflitantes do imóvel usucapiendo, bem como de eventuais interessados (art. 259, I e III, do CPC/2015). Isso se justifica porque a oponibilidade de usucapião é erga omnes e pela prescrição aquisitiva. Além disso, é necessário cientificar a Fazenda Pública do ajuizamento da ação. 4.5 Ação de oferecimento de contas (arts. 914 e ss. do CPC/73) O CPC/73 previa tanto a possibilidade de ação para prestar contas, como para exigir contas. O CPC/2015 optou em manter apenas o procedimento especial para exigir contas e, por esse motivo, aquele que for obrigado a prestar contas e encontrar resistência, deverá propor procedimento comum, elaborando a demonstração de forma contábil e instruindo o processo com os comprovantes das verbas arroladas. O pedido deverá ser para que o réu aceite as contas ou apresente contestação. 4.6 Venda a crédito com reserva de domínio A reserva de domínio está prevista no art. 526 do CC/2002 e pode ser inserida no âmbito dos contratos de compra e venda de coisa móvel. Atualmente, em caso de descumprimento do pagamento do preço (total ou parcial), o vendedor poderá ajuizar ação de cobrança em procedimento comum, ou executiva, caso possua títulos executivos extrajudiciais e, caso prefira romper o contrato inadimplido pelo comprador, poderá propor ação de reintegração de posse, depois de constituída a mora, através do protesto do título ou da interpelação judicial (art. 525, CC/2002).
XLIX AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
1. A justificativa para a especialidade do procedimento O pagamento em consignação está no Código Civil e é uma das formas de extinção da obrigação1495, conforme dispõe o art. 334 do CC/2002: “Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e formas legais”. A ação de consignação em pagamento, por sua vez, vem prevista nos arts. 539 e ss. do CPC/2015. A consignação em pagamento se insere dentre os procedimentos especiais em atenção à estrutura e à função da pretensão material. Nada impede, porém, que haja cumulação de pedidos e se opte pelo procedimento comum. Isso pode ocorrer quando, por exemplo, A promete vender a B certo imóvel, gravado por hipoteca, obrigando-se B a assumir essa dívida, mediante subrogação da dívida com C. Não se viabilizando esta, nada impede que B pleiteie sentença substitutiva do contrato definitivo, hábil a outorgar o domínio perante A e consigne o valor da dívida perante C, tramitando o processo pelo procedimento comum1496.
A disciplina da consignação em pagamento evoluiu no direito brasileiro, em razão de três importantes modificações introduzidas pela Lei n. 8.951/94 que alterou o CPC/73 permitindo (a) o depósito extrajudicial (art. 539, § 1º, do CPC/2015), copiada do art. 107 do Código Civil italiano, e, hoje, também prevista no art. 334 do CC/2002 e (b) o levantamento da parte incontroversa (art. 545, § 1º, do CPC/2015), além de reconhecer a (c) natureza dupla da ação (art. 545, § 2º, do CPC/2015). A pretensão do obrigado de liberar-se da obrigação é peculiar no direito material, e, por isso, erigiu-se o procedimento especial. No que tange à natureza da ação, segundo a classificação dos provimentos judiciais pela força e efeitos, o juízo de procedência, acolhendo o pedido formulado pelo obrigado, exibirá natureza declarativa. Entretanto, no caso de rejeição do pedido, o juízo de improcedência assumirá, secundum eventus litis, natureza condenatória. Com efeito, quando o valor da dívida for controvertido, sendo alegado a insuficiência do depósito, a sentença estabelecerá, “sempre que possível”, o montante devido, e, nesse caso, “valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após a liquidação, se necessária”. O cumprimento de sentença deve ocorrer nos termos do art. 523 do CPC/2015. As inovações provocadas na ação de consignação em pagamento a transformaram em autêntica actio duplex. Independentemente da formulação de pedido específico, a sentença outorga o bem da vida ao réu, na oportunidade que o nega ao autor. Em princípio, no procedimento comum, sem a formulação de pedido próprio e autônomo (contrapedido e reconvenção), com a apresentação da contestação o réu impede somente que o autor obtenha o bem da vida, mas a defesa não lhe outorga senão a certeza
que o autor não tem direito. Na ação consignatória, a apresentação da defesa vai além disso e constitui o montante exato da dívida, outorgando ao réu, vencedor na demanda, título executivo no capítulo principal e no capítulo acessório da sucumbência. A consignação em pagamento tanto na forma judicial como na extrajudicial pode ser requerida até o momento em que o credor puder extrair as consequências jurídicas (e judiciais) do retardamento imputável ao obrigado – por exemplo, ingressando com execução forçada do crédito1497. Porém, as medidas extrajudiciais – por exemplo, o corte de fornecimento de energia elétrica, fundado na alegada falta de pagamento – não obstam a consignação. 2. Cabimento As hipóteses de cabimento da ação consignatória estão previstas na lei material, especialmente no art. 335 do CC/2002, assim como em outros casos previstos em lei, como, por exemplo, art. 164 do CTN e art. 24 da Lei n. 8.245/91. O caso mais comum a ensejar a consignação, contemplado, dentre outros, avulta na recusa do credor em receber a prestação, porque a entende incompleta ou tardiamente inútil. Fundamentalmente, o pagamento por consignação revela que, na relação de crédito, o obrigado tem, sim, direitos e pretensões. Uma delas consiste em liberar-se contra a vontade do credor. Pontua-se que a ação de consignação de aluguéis e acessórios da locação deve seguir o procedimento especial previsto no art. 67 da Lei n. 8.245/941498, que será estudado mais a frente, e, portanto, em princípio, a ela não se aplicam as regras previstas no CPC/2015 e que tratam da ação de
consignação em pagamento. 3. Legitimidade 3.1 Ativa Com relação à legitimidade ativa, são legitimados para propor a ação o devedor, o terceiro interessado na quitação da dívida ou no cumprimento da obrigação (art. 539, caput, do CPC/2015 e arts. 336 c/c 304 do CC/2002), a exemplo do fiador. Mas, terceiros desinteressados juridicamente, porque jamais responderão pela dívida, também se legitimam, a exemplo do promissário de imóvel gravado por hipoteca – inclusive no caso do chamado contrato de gaveta1499. É digno de nota o caso da Fazenda Pública que, em princípio, somente pode pagar as dívidas resultantes das condenações em juízo através das modalidades previstas no art. 100 da CF/88, que utiliza o advérbio “exclusivamente”. Porém, cabendo execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, subentende-se que, em tal hipótese, também poderá liberar-se via consignação em pagamento. 3.2 Passiva No que tange a legitimidade passiva, somente o credor pode figurar no polo passivo. Sendo este desconhecido (art. 335, III, do CC/2002), a citação far-se-á por edital (art. 256, I, do CPC/2015). Nos casos do art. 335, IV e V, do CC/2002, a ação deverá ser proposta contra todos os possíveis credores e contra todos os litigantes sobre o objeto do pagamento, respectivamente. Tratando-se de prestação de coisa incerta (arts. 243 a 246 do CC/2002) ou alternativa (arts. 252 a 256 do CC/2002) e cabendo a escolha ao credor (arts. 244 e 252 do CC/2002), a respectiva recusa constitui motivo hábil para o
devedor requerer a consignação (art. 335, I, do CC/2002). Essas são as hipóteses regulamentadas pela regra processual do art. 543 do CPC/2015, cujo teor é o mesmo do art. 342 do CC/2002. Não há perda da faculdade de escolha, como se percebe do disposto no art. 543 do CPC/2015, usufruindo o credor da derradeira oportunidade para realizá-la. O credor, de acordo com a lei, deverá ser citado para exercer seu direito de escolha no prazo de até cinco dias, “se outro prazo não constar de lei ou contrato” – expressão de difícil compreensão, eis que se o devedor ajuizou a ação consignatória, o prazo para a escolha do credor, determinado em contrato ou em lei, já se esgotou –, ou para aceitar que o devedor a faça. O juiz fixará lugar, dia e hora para a entrega ao despachar a inicial, ordenando a citação, sob pena de depósito. Assim, ao ser citado, o credor já saberá quando e onde deverá entregar a coisa por ele escolhida, se assim o desejar. Assim como ocorre no art. 542 do CPC/2015, o ato citatório previsto no art. 543 do CPC/2015 também tem caráter interpelativo, uma vez que o credor será citado para realizar a escolha e ir recebê-la, sob pena de o direito de escolha passar ao devedor, advertência que deverá constar do mandado. Citado, se o credor quedar-se inerte, o feito passa a tramitar na forma do art. 542 do CPC/2015: o autor efetuará a escolha e o depósito, com todos os efeitos decorrentes desse ato, e o réu, intimado, terá prazo de 15 dias para resposta. 4. Competência A ação deverá ser proposta no lugar do pagamento, que será, via de regra, no local do pagamento (art. 540 do CPC/2015), que é no domicílio do
devedor, exceto se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação, ou das circunstâncias (art. 327 do CC/2002). O art. 540 do CPC/2015 alinha-se ao art. 53, III, d, também do CPC/2015 que traz regra de competência territorial, cujo desrespeito, portanto, enseja a alegação em sede preliminar de contestação. Nada reclamando o réu, prorroga-se a competência1500. Ademais, tratando-se de competência relativa, podem as partes convencionar local diverso para o ajuizamento da consignatória. As cláusulas de eleição de foro em contratos de adesão têm sido afastadas pela jurisprudência do STJ, quando dificultarem o exercício do direito da parte hipossuficiente1501. 5. Procedimento 5.1 Requisitos da inicial O art. 542, caput, do CPC/2015, alude à petição inicial da consignação em pagamento. Por óbvio, a ela também se aplica a disciplina geral da petição inicial, prevista no art. 319 do CPC/2015, tendo em vista que o art. 542 do CPC/2015 traz apenas os requisitos específicos com relação à ação de consignação em pagamento. O art. 542, I, do CPC/2015, regula o pedido específico da consignação; já o inciso II repete o requerimento de citação do réu, para que levantar o depósito, atendendo a peculiaridade do procedimento, ou oferecer contestação. O pedido formulado na consignatória não discrepa do modelo do art. 324, caput, do CPC/2015, devendo ser, portanto, determinado. Nesse sentido, estão compreendidas as prestações periódicas, na forma do art. 541 do
CPC/2015, ou seja, desde que depositadas no prazo de cinco dias, a partir do vencimento, que é um prazo de graça. Esse depósito deverá ser efetuado em cinco dias, contados da ciência do autor (intimação de seu procurador) do despacho de deferimento da petição inicial. Se o requerente tiver efetuado o depósito extrajudicial previsto nos §§ 1º a 4º do art. 539 do CPC/2015, juntará com a inicial da ação consignatória o respectivo comprovante, bem como a prova da recusa do credor (art. 542, I, do CPC/2015). Se o objeto da consignação for coisa diversa de dinheiro, será depositado junto ao depositário público, de preferência. Tratando-se de quantia em dinheiro, o depósito será efetuado em instituição financeira oficial (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou bancos estaduais), nos termos do § 1º do art. 539 do CPC/2015. Em síntese, são os seguintes os requisitos da petição inicial: (a) que a demanda seja proposta no lugar do pagamento (art. 540, caput, do CPC/2015), que em geral o domicílio do devedor; (b) pelo legitimado, o obrigado, em face do credor; (c) que a causa de pedir dependa de motivo legal invocado (por exemplo, o estado precário e imprestável ao uso do imóvel locado); e (d) o valor da causa atribuído, seja o valor da prestação. 5.2 Depósito O devedor deve efetuar o depósito após cinco dias do deferimento da ação consignatória (art. 542, I, do CPC/2015), ou quando tratar-se de prestação de coisa indeterminada, o depósito deverá ser efetuado após o prazo para a manifestação do credor (art. 543 do CPC/2015). Deixando o devedor de efetuar o depósito, após a devida intimação, o
processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito (art. 485, IV, do CPC/2015)1502, sendo que o Superior Tribunal de Justiça reconhece que o depósito efetuado fora do prazo não deve acarretar a extinção do processo, devendo o ato ser aproveitado1503. Além disso, o erro do cartório não pode prejudicar a parte1504. Feito o depósito e levantado pelo credor, o processo será extinto com julgamento do mérito (art. 487, II, a, do CPC/2015) e o devedor estará liberado da obrigação. Se o credor oferecer contestação, o processo terá seu curso normal. 5.2.1 Os efeitos do depósito Feito o depósito de que trata o art. 542, I, do CPC/2015, cessa a fluência dos juros, compensatórios ou moratórios. Apesar de omissa a parte final do art. 540 do CPC/2015, também fica o obrigado liberado da correção monetária vincenda. Havendo juros a serem pagos ao tempo do depósito, este deverá contemplá-los, pois, do contrário, o devedor não obterá o efeito liberatório porque a quantia consignada não será a correta. Poderá o devedor, contudo, questionar a idoneidade da taxa de juros, como questão prejudicial ao acolhimento ou não do pedido liberatório, eis que a ação consignatória admite ampla cognição judicial. Outro efeito do depósito é a transferência dos riscos da dívida ou do perecimento da coisa ao credor (art. 337 do CC/2002). Os efeitos previstos no art. 541, segunda parte, do CPC/2015, operam desde a realização do depósito. A sentença de procedência os confirmará, em razão da sua força declarativa. No caso de improcedência, também há eficácia declarativa, ex tunc, quanto à insuficiência do depósito e a falta de
liberação do obrigado, e, secundum eventus litis, concederá ao réu título executivo (art. 545, § 2º, do CPC/2015). 5.2.2 A insuficiência do depósito e a complementação Ao apresentar a contestação, o credor pode alegar a insuficiência do depósito, ou seja, de não ser integral o depósito (art. 544, IV, do CPC/2015). Por óbvio, o credor não é obrigado a receber menos do que o devido, ou seja, a prestação integral. No entanto, nessa hipótese, a fim de que o juiz conheça da matéria específica, o réu deve indicar qual é o objeto exato da prestação. Em princípio, essa defesa tem como desfecho disjuntivo: a procedência, declarando o obrigado liberado; ou a improcedência, hipótese em que o credor, se for ao juiz possível determinar o montante da prestação, beneficiarse-á do art. 545, § 2º, do CPC/2015, ou seja, poderá executar o saldo, segundo o disposto no art. 523 do CPC/2015. Em alguns casos, porém, mostra-se excessivamente difícil ao obrigado precisar o montante da prestação ou, do ponto de vista econômico, a divergência das partes revela-se pouco expressiva. Daí por que o art. 545 do CPC/2015 autoriza o autor da consignatória a complementar o depósito. Não importa o motivo da insuficiência, nem a natureza da prestação – o art. 545, § 1º, alude à quantia ou à coisa –, pois o juiz não deixará de imputar as despesas do processo à parte que deu causa à insuficiência. As vantagens da regra são palpáveis: a controvérsia ficará, desde logo, resolvida, dispensado o credor de propor a execução que trata o art. 545, § 2º, do CPC/2015. Na hipótese de o réu alegar insuficiência do depósito, cotejando a defesa com a inicial, a medida da divergência das partes ficará perfeitamente individualizada. O autor diz que deve x (80), o réu entende que é credor de y
(100), resultando a divergência na diferença entre y (100) – x (80), que é igual a z (20). Este é o único objeto admissível da complementação. Não é possível, sob pena de promover o tumulto, o autor complementar em parte, depositando k (10). Em caso de prestações periódicas, a cada depósito renovar-se-á a faculdade de complementação. Verificada a insuficiência do depósito, o autor deverá efetuar a complementação no prazo de dez dias. Passado este interregno, em tese, não mais se admitirá a complementação pois trata-se de um prazo preclusivo. No entanto, como já pontuado anteriormente, o Superior Tribunal de Justiça tem aceitado o depósito extemporâneo. O termo inicial do decêndio é a data em que o autor for intimado para se manifestar sobre a contestação do réu. O juiz precisa, verificando que o réu alegou, eficazmente, a insuficiência do depósito, abrir o decêndio específico do art. 545, caput, do CPC/2015, se por outro motivo (por exemplo, os do art. 327 do CC/2002) não precisar colher a manifestação do autor. 5.2.2.1 Facultatividade da complementação A complementação do depósito inicial, atendendo à defesa do réu, que deverá indicar o montante devido (art. 544, parágrafo único, do CPC/2015), constitui simples faculdade do obrigado que ao deixar de fazê-la, culminará na incidência do art. 545, § 2º, do CPC/2015. A sentença de improcedência fixará o valor devido, ensejando execução forçada pelo réu. 5.2.2.2 Impossibilidade de complementação A parte final do caput do art. 545 do CPC/2015 obsta a complementação do depósito quando o inadimplemento da prestação acarretar a “rescisão” do contrato.
Trata-se, em verdade, de resolução do contrato (art. 475 do CC/2002), porque o inadimplemento é fato posterior à formação do negócio jurídico, enquanto as causas legais de rescisão situam-se antes da conclusão do negócio. E, de fato, o inadimplemento pode ser relativo ou absoluto: no primeiro caso, apesar do atraso, a prestação continua útil para o credor; no segundo, a prestação se tornou inútil, e, nesse caso, lícito se afigura ao credor enjeitá-la. Por exemplo, A obrigou-se a montar arquibancadas móveis no estádio de B, a fim de ampliar-lhe a capacidade para o jogo decisivo, marcado para o dia x, devendo tais arquibancadas estar montadas até a data x – y, propiciando a liberação pelas autoridades policiais e desportivas. A entrega das arquibancadas após a data x – y é completamente inútil, cabendo a B rejeitá-la (art. 395, parágrafo único, do CC/2002). Figure-se, também, o caso de o fabricante B obrigar-se a entregar as peças natalinas ao comerciante A, mas o faz apenas em janeiro. Em geral, as prestações em dinheiro são sempre úteis, apesar do atraso. 5.2.3 A consignação de prestações periódicas Se a obrigação tiver de ser cumprida em prestações periódicas, poderá o devedor consigná-las no mesmo processo. Feito o primeiro depósito – que não necessariamente será da primeira prestação vencida, mas sim da primeira cuja consignação seja do interesse do devedor –, as prestações vincendas, relativas à mesma relação jurídica, poderão ser consignadas no mesmo feito, desde que o depósito seja feito em até cinco dias após os respectivos vencimentos (art. 541 do CPC/2015). O depósito das prestações que se vencerem no curso do processo deverá ser feito “sem mais formalidades”. No caso de prestação pecuniária, em geral
o devedor deverá expedir a guia de recolhimento diretamente para o Tribunal de Justiça do Estado em que tramita a ação consignatória, juntando, posteriormente, o respectivo comprovante de pagamento. Não há necessidade de nova citação do credor a cada novo depósito e tampouco novo prazo para resposta. Ademais, não há necessidade de pedido expresso na inicial da ação de consignação quanto ao depósito das prestações vincendas. Se a obrigação tiver de ser cumprida em prestações, por força de sua natureza ou de disposição contratual, o pedido de depósito das prestações que se vencerem no curso do processo está implícito (art. 323 do CPC/2015). Tem o obrigado um “prazo de graça”, que é de cinco dias, a partir do vencimento originário da prestação, para realizar o depósito. Vencido este prazo, já não poderá depositar esta e as prestações subsequentes, salvo em novo processo. 5.2.3.1 As prestações vencidas após a prolação da sentença Um problema que se aponta na casuística, são os contratos que possuem duração maior que a do processo de consignação. Isso porque após a prolação da sentença de primeiro grau, haverá parcelas que continuarão a vencer. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autoriza o depósito, a requerimento da parte, até o trânsito em julgado1505. No entanto, tal providência deve ser requerida ao relator do recurso pendente1506. 5.3 Citação A citação será determinada pelo juiz após o depósito efetuado pelo devedor, que seguirá a disciplina geral dos arts. 238 e ss. do CPC/2015, inclusive no tocante às modalidades. Na ação consignatória, contudo, a citação, além de produzir seus efeitos gerais (informar ao réu da propositura
da demanda e proporcionar-lhe oportunidade de defesa), sempre incluirá forma de interpelação ao credor, para que este, querendo, levante o depósito. Assim, o depósito deverá ser feito sempre antes da citação, porque um dos objetivos deste ato é, justamente, possibilitar ao réu a aceitação da coisa ou quantia depositada, com o respectivo levantamento. Se o credor não aceitar o depósito, ou aceitá-lo em parte, conforme possibilita o art. 545, § 1º, do CPC/2015, poderá apresentar sua resposta (contestação e reconvenção, conforme será analisado a seguir), em 15 dias (art. 335 do CPC/2015). 5.4 Contestação O réu poderá apresentar contestação na ação consignatória, nos termos do art. 544 do CPC/2015, podendo alegar, além de eventuais questões preliminares arroladas no art. 337 do CPC/2015. Já se sublinhou que a competência prevista no art. 540 do CPC/2015 é relativa, cabendo a alegação de incompetência em sede preliminar, sob pena de prorrogação. 5.4.1 Conteúdo explícito da contestação O art. 544 do CPC/2015 arrola as matérias que poderão ser alegadas pelo réu na contestação à petição inicial da ação consignatória. Em primeiro lugar, poderá o credor alegar que não demorou, nem se recusou a receber a quantia ou coisa devida, matéria de defesa que poderá ser alegada quando a consignatória for fundada em uma das hipóteses do art. 335, I ou II, do CC/2002. Trata-se de matéria de fato1507, cuja prova deverá ser feita pelo autor, já que o réu não trouxe fato novo impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do devedor, apenas se opõe à versão dos fatos por ele narrada (art. 373, I e II, do CPC/2015).
Além disso, poderá o réu admitir a recusa em receber, mas esta ocorreu por justo motivo, porque o contrato entabulado entre as partes é nulo, por exemplo, ou que a dívida ainda não estava vencida quando da oferta recusada. Nesse caso, caberá ao réu comprovar suas alegações (art. 373, II, do CPC/2015). Ressalte-se que a cognição judicial é ampla na ação consignatória, assim, a alegação de “justa recusa” poderá envolver a interpretação de cláusulas contratuais1508. Poderá, por exemplo, envolver a alegação de invalidade de cláusulas contratuais. O credor pode, ainda, alegar em sua defesa a incompetência do juízo para julgar a ação consignatória. Esta deve ser proposta no lugar onde o pagamento deveria ser feito. Ao constatar a incompetência do juízo, o réu da consignatória tem, portanto, dois caminhos: alegar a incompetência em sede preliminar, com o objetivo de deslocar o processamento do feito para o foro competente; ou contestar com base no art. 544, III, do CPC/2015, a fim de obter a improcedência da demanda consignatória. O inciso III possibilita ao credor arguir em sua defesa, além da prestação em local indevido, a intempestividade do depósito. Essa matéria poderá ser alegada, por exemplo, nos casos em que a ação consignatória tiver por objeto a prestação de coisa, quando esta já tiver perdido sua utilidade para o credor (art. 395, parágrafo único, do CC/2002). Já a consignação de quantia pode ser feita pelo devedor em mora, desde que o depósito seja acrescido da importância dos prejuízos sofridos pelo credor em função do atraso no pagamento (art. 401, I, do CC/2002). Porém, se a mora já produziu consequências, tais como o ajuizamento de ação de busca e apreensão pelo credor de contrato de leasing, a jurisprudência não tem admitido a consignatória1509.
Por fim, pode o réu alegar que o depósito é insuficiente, desde que aponte o montante que entende devido1510, conforme ressalva feita pelo parágrafo único do art. 544 do CPC/2015. 5.4.2 Conteúdo implícito da contestação Além das hipóteses expressas no art. 544 do CPC/2015, há outras possibilidades implícitas, a demonstrar que os casos expressões não se mostram taxativos. Por exemplo, não se pode proibir o credor de afirmar em sua defesa que não estava em local inacessível e, portanto, não caberia consignação. E as matérias do art. 337 do CPC/2015 sempre serão passíveis de arguição pelo réu. Tampouco se descarta o reconhecimento do pedido, hipótese em que o credor recebe a prestação, liberando o devedor. 5.5 Levantamento dos valores depositados O art. 545, § 1º, do CPC/2015, autoriza o réu a levantar a parte incontroversa, subentendendo-se, também aqui, controvérsia acerca da insuficiência do depósito. O conteúdo global da defesa do réu pode ser incompatível com o levantamento; por exemplo, o réu também alegou que o inadimplemento ensejou a resolução do negócio, como prevê o art. 545, caput, parte final, do CPC/2015. Nesta hipótese, apesar de haver também alegação de insuficiência, considerando o princípio da eventualidade (art. 336 do CPC/2015), parece óbvio não caber o levantamento. O levantamento dos valores depositados é uma simples faculdade do réu. Nada o obriga a levantar a parte incontroversa. Essa faculdade persiste no curso do processo, pois inexiste prazo preclusivo assinado para tal. A faculdade apanha as prestações vincendas porventura depositadas (art. 541 do CPC/2015).
Feito o levantamento, remanesce a controvérsia das partes acerca da diferença, cabendo ao juiz resolvê-la na sentença. O autor impede o juízo de improcedência total. Todavia, ainda poderá ser condenado a pagar as despesas do processo (custas e honorários advocatícios). 6. Revelia A revelia, tratada em capítulo específico, é o efeito gerado pela não apresentação de defesa pelo réu. Não verificada a incidência das hipóteses do art. 345 do CPC/2015, o juiz poderá abreviar o procedimento, julgamento procedente a demanda, nos termos do art. 546 do CPC/2015, declarando extinta a obrigação. É sabido, porém, que a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, prevista no art. 344 do CPC/2015, é relativa, cabendo ao juiz, portanto, deixar de acolher o pedido do autor se ficar convencido do contrário, com base em outros elementos presentes nos autos1511. Por exemplo, a flagrante insuficiência do depósito, passível de avaliação a partir do contrato juntado aos autos, poderá levar à improcedência do pedido consignatório. Ao julgar procedente o pedido consignatório – seja em função da revelia, seja pela análise da contestação e das provas, ou, ainda, porque o réu compareceu e aceitou o depósito, dando quitação (art. 546, parágrafo único, do CPC/2015) – o magistrado declarará extinta a obrigação, liberando o devedor. A sentença, que valerá como prova de quitação, condenará o réu a pagar as custas e os honorários advocatícios. O pagamento dessas rubricas poderá, por motivo de economia processual, ser abatido do montante do depósito. Então, entregar-se-á ao credor o saldo líquido.
7. Sentença O art. 545, § 2º, do CPC/2015, estipula que o juiz, sempre que possível, fixará o montante devido pelo autor, ao rejeitar o pedido e dar razão ao réu. E, de fato, havendo alegação de insuficiência (art. 544, IV, do CPC/2015), incumbe ao réu indicar o valor que entende devido, seguindo-se que, em princípio, o juiz tem elementos para decidir a controvérsia, haja ou não a complementação do depósito de que trata o art. 545, caput, do CPC/2015. Eventualmente, poderá chegar a juízo de procedência parcial: o autor não deve 80, como pretendeu, nem 100, como alegou o réu, mas 90. Em tal hipótese, interessa verificar se houve, ou não, a complementação. Feita a complementação, o autor depositou mais do que o devido, e, assim, cabe-lhe levantar a diferença entre 100 e 90; ao invés, não empregada a faculdade do art. 545, caput, do CPC/2015, o juiz condenará o autor a pagar a diferença (10). No caso de prestações periódicas, encara-se o problema relativamente a cada um dos depósitos realizados, até o termo final admissível. Chegando o juiz à conclusão que o autor deve 100, o fato de ter sido feita complementação do depósito originário, nos termos do art. 545, caput, do CPC/2015, livra-o do juízo de improcedência total. Objetivamente, o autor depositou integralmente a prestação devida, embora a recusa do réu se mostrasse legítima, porque o autor pretendia adimplir menos do que o devido. O autor só logrou depositar o valor correto graças à faculdade do art. 545, caput, do CPC/2015, e à resistência do réu. De qualquer modo, urge liberá-lo, e, nesta contingência, impõe-se acolher o pedido, declarando extinta a obrigação. Entretanto, o autor deu causa ao processo, pretendendo pagar menos do que o devido. Por esse motivo, e fundando-se a responsabilidade processual
(arts. 82, § 2º, e 85 do CPC/2015) no princípio da causalidade – responderá pelas despesas do processo e pelos honorários advocatícios a parte que, por não ter razão, à luz do direito material, deu causa ao processo, em geral o vencido –, apesar do acolhimento do pedido, o autor responderá pelas despesas e honorários advocatícios. Por outro lado, não se valendo o autor da faculdade do art. 545, caput, do CPC/2015, e chegando o juiz à conclusão de que o depósito feito é realmente insuficiente, rejeitará o pedido, ordenará o levantamento do depósito (se o réu não o requereu antes disso) e condenará o autor na diferença. Tal sentença, reza o art. 544, § 2º, do CPC/2015, exibirá eficácia de título executivo, ensejando execução forçada nos termos do art. 523 do CPC/2015. É o motivo pelo qual a consignação assumiu a natureza de actio duplex, como já afirmado anteriormente. 8. Procedimento quando houver dúvida sobre o credor Para que a consignação possa liberar o devedor, todos os requisitos necessários à validade do pagamento (art. 336 do CC/2002) precisam estar presentes. Assim, importa ao devedor pagar a quem de direito (arts. 308 e 344 do CC/2002). Havendo dúvida quanto a quem deva receber o pagamento – porque, por exemplo, há disputa entre os cônjuges acerca da titularidade do crédito –1512, todos os prováveis credores deverão ser citados (art. 547 do CPC/2015). O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma alteração importante ao suprimir a expressão “que disputam” (art. 898 do CPC/73) o pagamento para determinar a citação de todos os “possíveis titulares do crédito” (art. 335, III, IV e V, do CC/2002). Saliente-se que o consignante deve demonstrar a
plausibilidade de sua dúvida, evitando-se, assim, a propositura de semelhante ação com o intuito de embaraçar e retardar o cumprimento da obrigação1513. Nesses casos, portanto, a consignatória deverá ser proposta contra todos os possíveis titulares do crédito, que serão citados para “provarem o seu direito”, isto é, são chamados para provarem a titularidade do crédito e não para já levantarem o depósito – diferentemente do que ocorre quando há certeza do credor. Se o credor for totalmente desconhecido ou se encontrar em local de difícil acesso, a citação dar-se-á por edital (arts. 256 a 258 do CPC/2015). Mesmo nessa hipótese, o depósito é ato a ser realizado antes da citação, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 542, parágrafo único, do CPC/2015). 8.1 Da disputa entre os credores O art. 548 do CPC/2015 disciplina o procedimento da ação consignatória baseada nas hipóteses do art. 335, III, IV ou V, do CC/2002. Portanto, complementa o disposto no art. 547 do CPC/2015, estabelecendo as consequências do comparecimento ou não dos possíveis credores, citados na forma do precitado artigo. Nesses casos, o procedimento da ação consignatória se divide em duas fases: na primeira, o magistrado decide a adequação do depósito e, considerando-o suficiente, extingue a obrigação, liberando o devedor; na segunda, determina quem tem direito ao pagamento. Assim, após a citação (art. 547 do CPC/2015), se nenhum dos réus (prováveis credores) comparecer, o juiz declarará extinta a obrigação, em função da revelia, e adotará, na segunda fase, com relação à quantia ou coisa
depositada, o procedimento para a arrecadação de bens dos ausentes (arts. 744 e 745 do CPC/2015). Comparecendo apenas um dos réus, não haverá mais dúvida quanto a quem deva legitimamente receber e, portanto, o procedimento terá apenas uma fase. O juiz fará somente a análise do cabimento da consignatória e da suficiência e idoneidade do depósito para o cumprimento da obrigação, declarando-a extinta, se for o caso. Por fim, se mais de um dos prováveis credores oferecerem resposta – cujo teor poderá abarcar tanto as hipóteses do art. 544, III e IV, do CPC/2015, quanto à titularidade do crédito –, o procedimento terá as duas fases peculiares a esse tipo de ação consignatória: na primeira, o juiz analisará a suficiência do depósito e decidirá se este é apto a liberar o devedor; decidindo-se pela procedência do pedido de consignação, o processo seguirá entre os dois ou mais supostos credores, observando-se, então, o procedimento comum. Pode acontecer, ainda, que, comparecendo apenas um réu ou mesmo mais de um, a titularidade do crédito não reste comprovada. Nessa hipótese, o juiz deverá acolher o pedido de consignação e liberar o devedor – pois, não comprovada a titularidade, não há resistência legítima ao pedido de depósito –, adotando, em seguida, o procedimento de arrecadação de bens dos ausentes com relação à quantia ou coisa depositada. A decisão de procedência da consignatória, que encerra a primeira fase do procedimento, é recorrível mediante agravo de instrumento, pois não tem o condão de extinguir o processo, que terá seguimento para decidir a titularidade do crédito, mas trata do mérito da demanda, qual seja: a consignação em pagamento (art. 1.015, II, do CPC/2015)1514. Cabe, aqui, a
condenação do(s) credor(es) nas verbas da sucumbência1515, que serão abatidas do valor depositado. 9. Limites da ação consignatória Não se exige que o objeto da prestação seja completamente individualizado, ou seja, tratando-se de dívidas de dinheiro, que ela seja “líquida e certa”1516. A consignação em pagamento não é, como se chegou a entender no primeiro código unitário, uma execução invertida. O que a lei exige é a formulação pelo obrigado de pedido determinado (art. 324, caput, do CPC/2015). Por exemplo, A e B controvertem se o valor devido é x ou y. O devedor B pleiteará o depósito de x, valor que entende correto. Estabelecerse-á, a partir da defesa de A, controvérsia a respeito do valor, envolvendo, talvez, a interpretação e o alcance das cláusulas contratuais, predeterminando o valor da dívida. Essas questões, resolvidas incidentalmente, não se revestirão da autoridade de coisa julgada1517. A autoridade da coisa julgada, resolvendo essa controvérsia, recairá sobre a suficiência, ou não, do depósito, e, conseguintemente, acerca da liberação ou não do obrigado. Já se explicou, que no primeiro caso a sentença assumirá força predominantemente declaratória; no segundo, força predominantemente condenatória, pois o credor A, ao vencer, poderá executar desde logo y, demonstrando o caráter dúplice da ação consignatória. 10. Procedimento extrajudicial Os §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do art. 539 do CPC/2015 tratam especificamente do procedimento de consignação em pagamento extrajudicial, incluído pelo legislador brasileiro com o intuito de simplificar o pagamento por consignação. Em síntese, em lugar do inflexível depósito judicial, tornou-se
lícito o depósito extrajudicial, possibilidade hoje prevista no art. 334 do CC/2002. É preciso ter em mente, sobretudo, que a opção por essa modalidade é uma faculdade do obrigado. 10.1 Objeto O art. 539, § 1º, do CPC/2015 prevê claramente que a lei processual só contemplou o depósito extrajudicial das prestações em dinheiro. Faz menção à “quantia devida”, apesar de o art. 539 fazer referência expressa à “coisa devia”, assim como o art. o art. 334 do CC/2002. De fato, nada impede que sejam depositados em empresa de banco títulos, metais, joias e pedras preciosas – inclusive com a cautela do art. 840, § 2º, do CPC/2015. 10.2 Local O depósito extrajudicial deve ser feito no lugar do pagamento. Valem, aqui, as considerações feitas anteriormente com relação ao procedimento judicial da ação consignatória. Interessa, todavia, estabelecer o local, e o art. 539, § 1º, do CPC/2015, indica como tal o “estabelecimento bancário oficial”. É o definido no art. 840, I, do CPC/2015, ou seja, a empresa de banco sob controle da União ou do Estado-membro. Quando não houver banco oficial na localidade onde se pretenda efetuar o pagamento, o depósito poderá ser feito em estabelecimento bancário particular. 10.3 Forma O art. 539, § 1º, do CPC/2015, prescreve a forma do depósito. Abrir-se-á conta corrente especial em nome do beneficiário da prestação. O depósito renderá correção monetária. Essa conta já recebeu regulamentação específica
da autoridade monetária (Banco Central). 10.4 Intimação do credor Após o depósito, o credor será intimado para ter ciência do depósito mediante carta com aviso de recebimento (AR)1518, ou outro meio idôneo, incumbindo tal intimação ao depositante ou ao estabelecimento bancário. Do art. 539, § 3º, do CPC/2015, se infere que o encargo toca à empresa de banco, pois ela é que receberá a eventual resposta do credor. Seja como for, o credor tem o prazo de dez dias, a partir do recebimento do primeiro comunicado, para as atitudes subsequentes. 10.5 Ações do credor Recebida a intimação, concebem-se as seguintes atitudes do credor no prazo de dez dias: (a) permanecendo inerte, incide o art. 539, § 2º, do CPC/2015, ou seja, o obrigado fica liberado da obrigação e a prestação depositada fica à disposição do credor; (b) recusando a prestação, através de manifestação por escrito feita ao estabelecimento bancário, com ou sem motivo explícito, abre-se o prazo de um mês para o depositante propor a consignação judicial (art. 539, § 3º, do CPC/2015); (c) receber a prestação, comparecendo à agência bancária e levantando depósito, feito a seu favor, hipótese em que incide o art. 539, § 2º, do CPC/2015, ficando liberado o obrigado. A recusa do credor poderá ser parcial, sendo lícito ao credor levantar a quantia depositada, mas ressalvando a complementação da prestação, a seu ver, incompleta1519. Por outro lado, não sendo proposta a ação, havendo recusa, no todo ou em parte, o depósito ficará sem efeito (art. 539, § 4º, do CPC/2015). Resta ao credor deduzir pretensão para receber seu crédito ou o obrigado propor a consignação judicial, realizando outro
depósito. Por isso, o prazo de um mês só produz a perda da eficácia do depósito, mas não obsta nova consignação. 10.6 Comentário crítico O depósito extrajudicial imprime efeitos drásticos ao depósito. É duvidoso que as pessoas comuns tenham plena ciência das consequências da inércia ou, principalmente, do recebimento sem ressalva do valor depositado. Por exemplo, o advogado A e o cliente B controvertem sobre o valor que cabe a este no depósito judicial feito em ação movida por B contra C, levantado pelo causídico, haja vista o valor das despesas e dos honorários advocatícios, motivo por que A consigna, extrajudicialmente, o valor que estima correto. O cliente B deixa transcorrer o prazo de dez dias. Em seguida, contrata advogado para propor prestação de contas, na qual A se defende, invocando a eficácia liberatória do depósito. Não há dúvida de que A obterá êxito, deixando de prestar contas a B. 11. Resgate da enfiteuse O art. 2.038 do CC/2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses e estabeleceu que as já existentes continuam a ser regidas pela legislação pertinente anterior (arts. 678 a 694 do CC/1916 e arts. 99 a 124 do Dec.-lei 9.760/46). O resgate é a consolidação da propriedade plena na pessoa do enfiteuta, que a pode obter sob determinadas condições de tempo e de valor, atualmente previstas na Lei n. 5.827/72. Assim, o procedimento da ação consignatória continua a ser aplicado para as enfiteuses estabelecidas antes do advento do novo diploma civil, sempre que o enfiteuta encontrar óbice ao pagamento do laudêmio (art. 335, I, II, III, IV ou V, do CC/2002) ou ao resgate do aforamento (art. 693 do CC/1916 e
arts. 122 a 124 do Dec.-lei 9.760/46). A sentença que acolher o pedido, como sói ocorrer, exibirá força declaratória, sem embargo da eficácia mediata (porque decorrente da suficiência do depósito) de constituir o domínio pleno.
L AÇÃO DE EXIGIR CONTAS
1. Conceito A administração de bens e interesses alheios, a qualquer título, como por exemplo aquelas previstas no art. 553 do CPC/2015 (inventário, curatela, depósito etc.), gera o dever ao gestor de prestar contas. Os arts. 550 e ss. do CPC/2015 preveem o procedimento especial pelo qual aquele que se afirmar titular do direito de exigir contas deverá requerer a citação do réu-gestor, para que preste contas ou apresente contestação. Em verdade, aquele que administra bens ou direitos alheios tem o dever de prestar contas ao titular do bem ou direito. Na vigência do CPC/73, reconhecia-se também a viabilidade de utilização de procedimento especial pelo próprio administrador, que, pretendendo prestar as contas, encontrava resistência do titular do bem ou direito administrado em recebê-las extrajudicialmente. O CPC/2015, de seu turno, deixou de prever a ação de prestação de contas como procedimento especial, mantendo a especialidade do procedimento apenas para veicular o pedido de exibição das contas, o que, evidentemente, não significa dizer que o administrador não se possa eximir de seu dever
espontaneamente, inclusive pela via judicial, podendo se valer, v.g., do procedimento comum. Em relação à ação de exibição de contas, é de se notar que, uma vez prestadas as contas, caberá ao julgador decidir pela boa ou má prestação de contas. Havendo, ademais, saldo em benefício de alguma das partes, a decisão de mérito constituirá como título executivo judicial que poderá ser executada pelo procedimento previsto nos arts. 513 e ss. do CPC/2015. O procedimento especial é meio pelo qual o credor de contas exige que o gestor preste as contas, indicando item por item, cada crédito e cada débito que integram ou integraram a administração dos bens ou interesses alheios, que podem resultar em um saldo final ou parcial. A posição de credor de contas, não significa, necessariamente, que esse será credor ao final da prestação de contas pelo gestor. Isso porque essa posição dependerá do resultado aritmético da prestação de costas feita pelo gestor. A ação de exigir contas reflete a estrutura e a função do direito material, e revela a necessidade de se enfrentar, no mérito, duas questões, alocadas em fases diferentes do processo: (a) a existência do direito de obter a prestação de contas, que integra a primeira fase da ação de exibição de documentos, e (b) a apuração do salvo credor ou devedor, integrante da segunda fase. Na primeira fase do procedimento, portanto, decide-se a respeito da existência do direito à exigência das contas. Julgado procedente o pedido, o réu será condenado a prestar as contas, inaugurando-se a segunda fase do procedimento, oportunidade em que se analisará a existência de saldo em benefício de alguma das partes. Se for julgado improcedente o pedido de exibição das contas, isto é, se o autor não tiver o direito de exigir as contas, sequer haverá que se falar em
ingresso na segunda fase, já que não haverá conta a ser analisada, no intuito de se apurar eventual crédito. Em suma, a ação de exigir contas tem o objetivo de obter a prestação de contas do gestor, para que se acerte a relação jurídica e econômica das partes. Há hipóteses, no entanto, em que, ao final do processo, verifica-se a existência de débito ou crédito, caso em que a decisão proferida ao final da segunda fase constituir-se-á em título executivo judicial em favor de uma das partes (art. 552 do CPC/2015)1520. A força condenatória da decisão que julga a ação de exigir contas está prevista no § 5º do art. 550 do CPC/2015 e é reafirmada pelo art. 552 do CPC/2015. 2. Cabimento e legitimação Como já dito, todos aqueles que têm seus bens e interesses administrados por terceiros têm o direito de exigir a prestação de contas. Por isso, é legítimo para propor a ação de exigir contas todo sujeito que se entender credor de contas. Certo, portanto, que “é impossível determinar todos os casos em que uma pessoa se considera administrador de bens alheios”1521. No entanto, de forma geral, é possível determinar que, para o cabimento da ação de exigir contas é necessário, não apenas o direito de exigir a prestação de contas de alguém que, ao administrar os interesses ou bens de outrem, gera dúvidas que exijam o acertamento por meio do procedimento próprio, mas que haja verdadeira necessidade da intervenção judicial na relação jurídica. Em outras palavras, para que seja cabível a ação de exigir contas, não é necessário apenas a existência de relação jurídica material de gestão de bens ou interesses alheios, mas que haja “motivo justo para rejeitar aquelas
particularmente elaboradas ou ainda quando exista controvérsia quanto à composição das verbas que hajam de integrar o acerto de contas”1522. 3. O art. 553 do CPC/2015 e suas especificidades Há casos em que todo um acervo é colocado sob administração ou fiscalização judicial, cabendo aos auxiliares designados (inventariante, depositário, curador etc.), ou outra pessoa investida em funções de administrador pelo juiz, indicados no art. 553 do CPC/2015, prestar contas por ordem do juiz. O fato de o juiz poder pedir contas dessas pessoas não exclui o exercício dessa pretensão pelo legitimado ativo. Disso não se ocupa, entretanto, o art. 553 do CPC/2015. Essas contas, segundo o art. 553 do CPC/2015, serão prestadas perante o próprio juízo, formando autos próprios, apensados aos “autos do processo em que tiver sido nomeado”. Fica subentendido que nos autos originais estão os elementos necessários à verificação das contas. Ao apreciar as contas auxiliado pelo perito, é possível que o juiz verifique a existência de saldo devedor do auxiliar ou da pessoa obrigada a prestá-la. Então, condenará ao pagamento desse saldo, fixando prazo razoável, conforme prevê o caput do art. 553 do CPC/2015. Deixando o condenado de fazê-lo, o parágrafo único do art. 553 do CPC/2015 prevê as sanções legais. Em primeiro lugar, o fato de não pagar a quantia devia implica quebra de confiança do auxiliar do juiz com o juízo, devendo ser destituído. O juiz poderá, ainda, sequestrar os bens sob a guarda do auxiliar judicial, como medida preventiva contra outros atos de dissipação, e, principalmente, glosar a remuneração, compensando, por essa via, o prejudicado. Na hipótese de não cumprimento da determinação judicial, ou seja, do
pagamento do saldo devedor, o juiz poderá, desde logo, determinar as medidas executivas necessárias à recomposição do juízo, uma vez que o saldo devedor já foi apurado, nos termos do art. 552 do CPC/2015 e já é plenamente exequível, via cumprimento de sentença, procedimento previsto nos arts. 513 e ss. do CPC/2015. No caso de a prestação de contas do inventariante destituído ser prestada por ordem do juiz “ou a requerimento do Ministério Público”, por força do art. 991, VII, do CPC/2015, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “o inventariante pode ser condenado a pagar o saldo eventualmente apurado após a prestação de contas, por interpretação sistemática com o art. 919 do CPC [art. 553 do CPC/2015]”1523. 4. Procedimento O procedimento da ação de exigir contas, na forma prevista no art. 550 do CPC/2015, é composto de duas fases. Sendo que, na primeira fase, o julgador deve apurar se há direito daquele que se diz credor de contas, de exigir a prestação de contas do réu; e, havendo direito, em uma segunda fase, deverá ser examinada a prestação de contas, com o objetivo de apurar o saldo final da relação econômica discutida entre as partes. 4.1 Petição inicial A petição inicial da ação de exigir contas deve cumprir os requisitos estabelecidos no art. 319 do CPC/2015 e, diante da especificidade do procedimento, o § 1º do art. 550 do CPC/2015 determina que o autor especifique detalhadamente as razões pelas quais exige as contas, instruindo a inicial com os documentos que comprovem a necessidade da demanda. Derivando a obrigação de prestar contas de contrato escrito, cumpre
produzir essa prova já na petição inicial, a teor do art. 320 c/c 550, § 1º, do CPC/2015. O valor da causa deve corresponder ao valor da obrigação, ao passo que o pedido será de que o réu seja condenado a prestar contas na forma adequada (art. 551 do CPC/2015). A inicial, por óbvio, será submetida ao crivo do juiz, que deverá, na forma do art. 321 do CPC, abrir prazo para a emenda da inicial, caso haja, na petição inicial, vício que renda ensejo à extinção do processo sem resolução de mérito. Com efeito, cabe ao autor, que se afirma credor das contas, já na petição inicial, indicar a natureza da relação jurídica existente com o réu, que deve ser tal que autorize a utilização do procedimento especial aqui tratado. Ao lado disso, é preciso que sejam juntados os documentos essenciais à propositura da ação de exigir contas, todos relacionados à relação jurídica de direito material, no que se inclui a prova da recusa do réu em prestar as constas espontaneamente, caso haja prova documental desse fato. 4.2 Citação Após o requerimento, o réu será intimado para que preste contas ou apresente contestação, no prazo de 15 dias (art. 550, caput, do CPC/2015). O CPC não prevê meio específico de citação do réu na ação de exigir contas, razão pela qual será possível a adoção de todos os meios admissíveis (art. 246 do CPC/2015). Todavia, é preciso notar que do mandado deverá constar expressamente a indicação das possibilidades que se abrem ao réu: contestar o pedido, negando o dever de prestar contas, ou prestá-las, na forma adequada, que são as possibilidades explícitas. Do mandado, ademais, deverá constar o prazo da defesa, que é de 15 dias (art. 550, caput, do CPC/2015).
4.3 Providências que podem ser tomadas pelo réu Com a citação, o réu poderá tomar as seguintes providências: apresentar (a) prestação de contas sem contestação; (b) contestação alegando inexistência da obrigação de prestar contas; (c) prestação de contas e contestação; (d) contestação sem negar a obrigação de prestar contas; ou (e) manter-se revel. 4.3.1 Prestação de contas sem contestação O réu pode, no prazo inicial de 15 dias, apresentar as contas, sem impugnar, direta ou indiretamente, o dever de prestá-las em juízo. Nessa hipótese, simplifica-se o procedimento, superando-se a primeira fase, destinada a verificar a existência, ou não, desse dever. Tecnicamente, a superação implica reconhecimento do pedido de apresentar as contas, mas inexiste necessidade de o juiz se pronunciar a respeito, emitindo sentença a favor do autor quanto ao tópico. O comportamento do réu extrai essa controvérsia da causa, passando-se, então, ao mérito das contas propriamente ditas. Desse modo, incidirá o art. 550, § 2º, do CPC/2015, devendo o juiz mandar o autor manifestar-se acerca das contas prestadas, no prazo de 15 dias. Conforme o teor da controvérsia, deferirá prova pericial, a fim de apurar a exatidão das contas. Encontrando-se a causa madura, ou seja, configurada a hipótese do art. 355, I, do CPC/2015, quando “não houver necessidade de produção de outras provas”, o juiz poderá proferir sentença. Na sentença o juiz definirá o saldo a favor de qualquer das partes, constituindo título executivo judicial (art. 552 do CPC/2015). 4.3.2 Contestação da obrigação de prestar contas
Por outro lado, o réu pode contestar o dever de prestar contas. Em tal contingência, o juiz resolverá, formalmente, a questão de mérito acerca da primeira fase do procedimento: a existência do direito de o autor obter contas do réu. Concebem-se dois termos de alternativa: (a) o juízo de improcedência, hipótese em que há o encerramento do processo com resolução de mérito desfavoravelmente ao autor, mediante sentença apelável; (b) o juízo de procedência, hipótese em que se aplica o art. 550, § 5º, do CPC/2015: o réu é condenado a prestar as contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. Essa decisão, por tratar-se de decisão que resolve parcialmente o mérito, nos termos do art. 356, § 1º, do CPC/2015, é impugnável por agravo de instrumento (art. 356, § 5º, do CPC/2015). 4.3.3 Prestação de contas e contestação A despeito da aparente alternativa erigida no art. 550, caput, do CPC/2015 (“... preste ou ofereça contestação”), o réu pode, também, prestar contas e contestar. Essa situação é perfeitamente plausível nas seguintes hipóteses: (a) eventuais divergências entre as partes não tocam ao dever de prestar contas, em si, mas ao conteúdo das operações realizadas pelo réu; (b) o réu já havia prestado contas, mas o autor, por qualquer motivo, recusara-se, sob o pretexto de serem imprestáveis à finalidade. Esse comportamento do réu, em hipóteses tais, não é contraditório, tampouco esbarra em qualquer obstáculo insuperável ou irremovível. Ao contrário, diante do princípio da eventualidade (art. 336 do CPC/2015), o réu se deve deduzir toda a matéria de defesa em contestação, ainda que, para tanto, tenha que agir de modo aparentemente contraditório. O réu pode alegar que não há necessidade de o autor pleitear contas em juízo, ou que as contas
já prestadas são boas, mas, caso se reconheça o direito à exigência das contas, que as apresentadas são boas. Não há, ante o caráter dúplice da ação, a necessidade de o réu reconvir, dizendo-se credor do autor da ação, em decorrência da administração dos bens ou direitos. Nessa hipótese, após a prestação das contas (primeira fase), apurar-se-á a existência de crédito em proveito do autor ou do réu, constituindo-se título executivo judicial em proveito de quaisquer deles. Uma vez sendo prestadas as contas, em contestação ou após a prolação da decisão de mérito tocante à primeira fase do procedimento, o autor será intimado para se manifestar sobre as contas (cf. art. 550, § 2º, do CPC). A depender do conteúdo da manifestação do autor, será possível a prolação de decisão de mérito ou a dilação probatória, a depender, evidentemente, de sua necessidade para o deslinde da controvérsia relativa às contas prestadas. 4.3.4 Contestação sem negar a obrigação de prestar contas Concebe-se, ainda, que o réu ofereça a contestação apenas com matéria de defesa preliminar (art. 337 do CPC/2015). Além das questões preliminares, o réu pode apresentar defesa, com pedido contraposto (reconvenção). Nessa hipótese, o réu não contesta o dever de prestar contas. Ele ataca diretamente questões que colidem com o direito do autor de requerer as contas judicialmente. 4.3.5 Inércia: revelia Por fim, é possível que o réu se torne revel, não apresentando nem as contas pleiteadas, nem se opondo à pretensão contida na inicial. O juiz poderá conhecer diretamente do pedido, na forma do art. 355, II, do
CPC/2015. Todavia, pode não se produzir o efeito material da revelia (art. 344 do CPC/2015), hipótese em que o juiz adotará a providência do art. 348 do CPC/2015, e, por igual, a prova documental já carreada aos autos pode convencer o juiz da falta de direito de o autor obter contas, importando a rejeição do pedido. O efeito material da revelia, aqui como alhures, se afigura eminentemente relativo e não assegura, por si só, julgamento favorável ao autor. Desse modo, a única interpretação concebível para o art. 550, § 4º, do CPC/2015, que trata da situação ora explicada, consiste no seguinte: ocorrendo revelia, aplicam-se as disposições pertinentes a esse instituto no procedimento comum. 4.4 Providências que devem ser tomadas pelo autor Após a citação do réu, decorrido o prazo de 15 dias, concebem-se duas variantes: (a) o réu apresenta, afinal, as contas, hipótese em que incide o art. 550, § 2º, do CPC/2015, por força da remissão expressa do art. 550, § 6º, do CPC/2015: o juiz colherá a manifestação do autor, no prazo de 15 dias, e havendo impugnação, ou não, o juiz decidirá ou determinará a produção de prova pericial; (b) o réu permanece inerte, e, nesse caso, como prescreve o art. 550, § 4º, do CPC/2015, o autor as apresentará no prazo de 15 dias. Nessa hipótese, o juiz julgará as contas boas ou ruins, podendo, se o caso, determinar a produção de prova pericial, cabendo ao perito confeccionar laudo a respeito das contas apresentadas. Porém, caso a análise das contas não depender de prova pericial, será, desde logo, proferida sentença. Assim, mesmo as contas apresentadas pelo autor, na hipótese de o réu não as prestar, não ficará imune à apreciação judicial, afinal, o magistrado não é
obrigado a simplesmente homologar as contas. Por isso, a conta apresentada pelo autor que, por exemplo, mostrar-se completamente inverossímil, não poderá ser simplesmente homologada pelo julgador, que as julgará incorretas, haja ou não prova pericial a seu respeito. Ao lado disso, importa notar que pode ocorrer de o autor, quando intimado a apresentar as contas, em substituição às contas devidas pelo réu, mantenhase inerte. O juiz, nesse caso, determinará a sua intimação pessoal e, persistindo a inércia por mais de trinta dias, extinguirá o processo com fundamento no art. 485, III, do CPC/2015. Outra possibilidade consiste em o autor alegar que não dispõe de elementos para confeccionar as contas. Nesse caso, o juiz ordenará a realização de perícia, pois o contador poderá recolher os documentos necessários à elaboração das contas. Independente da causa da perícia, lícito se afigura a participação de ambos os litigantes, inclusive do réu omisso, porque ambos têm interesse em provar os fatos que lhes favoreçam respectivamente. Não pode ser tomada ao pé da letra a disposição do art. 550, § 5º, do CPC/2015, segundo a qual o réu, não apresentando as contas a que foi condenado, na sentença parcial, ficaria impedido de “impugnar as que o autor apresentar”. Ofenderia aos direitos fundamentais processuais subtrair do réu o contraditório tão radicalmente. Há que se entender que o réu só pode impugnar fundamentadamente as contas do autor (por exemplo, em razão da falta de documento comprobatório). A responsabilidade pelo pagamento dos honorários do perito segue o disposto no art. 95 do CPC/2015. O processo se encerra, nessa segunda fase, com a prolação da sentença, que determinará o saldo exequível (art. 552 do CPC/2015). E o recurso
cabível contra essa sentença é a apelação (art. 1.009 do CPC/2015). 4.5 Forma das contas e documentos comprobatórios As contas devem ser apresentadas na forma adequada, com a especificação das receitas e despesas, bem como dos investimentos, quando houver. Essa forma deve ser respeitada tanto pelo réu, quanto pelo autor, na hipótese em que esse último a apresenta (art. 551, caput, § 2º, do CPC/2015). O CPC/2015 substituiu a “forma mercantil”, prevista no art. 917 do CPC/73, por “forma adequada”. É certo, no entanto, que a prestação de contas deve ser feita, respeitando-se a organização contábil – que é a própria forma mercantil –, discriminando-se receitas e despesas, créditos e débitos, o ativo e passivo, como usualmente utilizado em livros e balanços financeiros, indicando-se o saldo final ou parcial. E, com efeito, a exigência de contas não encerra, necessariamente, a relação das partes. Deve ser apurado também o saldo existente em determinada data. Em geral, as contas se apresentam em documento próprio e autônomo, não raro assinado por contador. É desnecessário que a própria parte elabore esse documento que é essencialmente técnico. Nada impede, por outro lado, que se insiram as contas na própria inicial ou contestação, não se compondo de muitos lançamentos. A necessidade de adequação da forma é imprescindível diante da finalidade do próprio ato: a apuração de contas. Qualquer outra forma de prestação de contas tornaria a análise, discussão e julgamento das contas prestadas difícil, quando não impossível. O § 1º do art. 551 do CPC/2015 prevê que a impugnação do autor às contas apresentadas pelo réu deverá ser feita de forma fundamentada e
específica, com referência expressa ao lançamento (art. 550, § 3º, do CPC/2015), hipótese em que o magistrado deverá conceder conceda prazo razoável para a apresentação do documento comprobatório que justifique os eventuais lançamentos que tenham sido impugnados pelo autor. Há despesas em que é habitual o não recebimento de comprovantes, em razão da sua natureza e do seu baixo valor, a exemplo das gorjetas e dos custos de operações bancárias. Em tal caso, tolera-se o lançamento desacompanhado dos respectivos “documentos justificativos”. Fora daí, porém, débito sem comprovante há de ser glosado. Diante dessa exigência formal, como dito acima, quando as contas são prestadas de forma caótica, sem respeitar a forma prevista no art. 551 do CPC/2015, o ato não atinge à finalidade, equivalendo, na prática, a não apresentação das contas. Quando isso ocorrer, o juiz poderá ordenar que a parte as complemente e corrija. Não sendo este o caso, ou sendo desatendido, extrairá as consequências devidas. 5. Sentença A sentença da prestação de contas, que houver declarado saldo credor, fixará o saldo desde logo, inexistindo liquidação posterior. Portanto, a sentença deverá ser líquida. Isso porque, é da essência do objeto litigioso que o juiz decida a respeito do saldo e quando isso não for possível, determine a produção de prova para que permita a fixação do saldo. Não é por outra razão que a inércia do réu transfere para o autor o ônus de apresentar as contas (art. 550, § 5º, do CPC/2015). À luz dos poderes de direção do processo, é possível que a sentença fixe um saldo que não seja aquele preterido por nenhuma das partes. Lembrou-se
da hipótese, em dúvida plausível, de o autor apontar, na inicial do art. 550 do CPC/2015, determinado saldo, e o réu aceitá-lo, mas o juiz, valendo-se de expert, pode encontrar outro valor que lhe pareça correto. A quebra da adstrição do juiz ao pedido resultaria no acolhimento parcial do pedido, porém, definindo o juiz valor superior, a solução já não é tão simples. Restando entender excepcionado, nesse caso, o disposto no art. 492 do CPC/2015. Por outro lado, a sentença que vier a ser proferida em desacordo com o art. 552 do CPC/2015, é nula, porque incompleta. O defeito pode ser combatido por embargos de declaração ou na apelação, aplicando-se, destarte, no julgamento dessa, o art. 938, § 1º, do CPC/2015. 5.1 Sucumbência A divisão do procedimento em duas fases suscita o problema da distribuição dos ônus da sucumbência. Já se assinalou as condições em que é emitida a decisão na primeira fase e que ela nem sempre se mostrará necessária. Todavia, uma vez emitida com teor desfavorável ao autor, seja definitiva (art. 487, I, do CPC/2015), seja terminativa (art. 485 do CPC/2015), nada há de peculiar: o vencido, no caso o autor, responderá integralmente pelos ônus da sucumbência. Se vencido o réu que contestou a pretensão do autor, controverteu-se a possibilidade de condená-lo, a teor do art. 85 do CPC/2015. Ora, inexiste razão plausível para descartá-la, pois vencido o réu, e, nesse sentido, orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça1524. À guisa de fundamentação de estilo, invoca-se a “vigorosa resistência” do réu. Sendo que resistir à pretensão é apresentar contestação e ficar vencido.
Em tal matéria, o único cuidado avulta no montante a ser fixado. O juiz precisa considerar que o processo prosseguirá, ao avaliar o trabalho desenvolvido, na fixação segundo a diretriz do art. 85, § 2º, do CPC/2015. No que tange à segunda fase, nada há de particular, exceto que poderá ocorrer recíproca sucumbência, na medida em que o valor definido, para o efeito do art. 552 do CPC/2015, se aproxime ou se afaste do defendido por esta ou aquela parte. 5.2 Cumprimento de sentença A sentença da ação de prestação de contas tem natureza condenatória, prevendo o art. 552 do CPC/2015, que a decisão constituirá título executivo judicial, que poderá aproveitar ao autor ou ao réu, dada a sua natureza dúplice. É de se observar que nem sempre haverá necessidade de executar esse saldo. Às vezes, o autor que presta contas, desincumbindo-se de dever jurídico e profissional, a exemplo do advogado, deposita o valor que entende devido no curso do processo ou após a definição da sentença transitada em julgado. Ou até mesmo, há hipóteses em que o saldo final apurado é zero.
LI AÇÕES POSSESSÓRIAS
1. Introdução ao direito de posse A posse é configurada por uma situação de fato exercida pelo possuidor sobre coisas corpóreas que é legitimada pela ordem jurídica. A propriedade dos imóveis decorre de sua titulação, às vezes precária; e a posse, em tal hipótese, desempenha, o papel de fazer presumir (auxiliar/contribuir) para o possuidor a situação de proprietário do bem móvel. A propriedade deve prevalecer sobre uma situação possessória. Dispõe o art. 1.196 do CC/2002 que possuidor é configurado à imagem do proprietário, pois deve aquele ter alguns dos poderes próprios dos do proprietário (assim também no Código Civil de 1916, em seu art. 485, com redação igual ao art. 1.196, porque apenas suprimida nesse a palavra “domínio”). Pode-se dizer que propriedade é poder de direito, e posse é poder de fato. O completo prevalecimento, na história do direito, da propriedade pela posse tem sido recentemente nublado por decisões e doutrina, que recolhem das expressões função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF/88), a possibilidade de restringir o exercício do direito de propriedade do proprietário que não cumpra essa função social, em detrimento ao exercício
do poder de fato do possuidor1525. As situações possessórias são fáticas, objeto de proteção e constituem um universo de fato que se coloca lado a lado, com situações jurídicas, mais precisamente, com a dos direitos reais. Os problemas possessórios surgem, em sua maioria, quando há um proprietário sem posse antagonizado por um possuidor que não é o proprietário. No campo da separação entre os juízos possessório e dominial, regula a matéria o disposto no art. 1.210, § 2º, do CC/2002: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. Em outras palavras: é irrelevante a alegação de direito por parte daquele que contende com o possuidor para afastar a proteção possessória que deva ser atribuída a esse último. Veda-se, ainda, pelo disposto no art. 557 do CPC/2015, que na pendência do processo possessório se possa promover ação de reconhecimento de domínio, em cujo âmbito se inclui a reivindicatória. Essa evolução, no direito infraconstitucional, já antiga, parece demonstrar uma valorização da posse, em detrimento temporário do domínio, pois somente ao término da ação possessória seria viável, por exemplo, a propositura de uma ação reivindicatória. Se proposta ação reivindicatória, o domínio prevalecerá sobre a posse. Ainda que essa tenha sido protegida precedentemente em face do proprietário, no juízo dominial o domínio ou a propriedade prevalece. Daí dizer-se que a posse é degradável quando confrontada com o domínio, no âmbito do juízo dominial. Há, todavia, de serem referidas posições decorrentes do art. 5º, XXIII, da CF/88, que, em nome da função social da propriedade, acabam por aplicar diretamente o texto constitucional, afastando regras infraconstitucionais –
sem que se lhes hajam declarado a inconstitucionalidade, para o que não tinham competência –, em favor do possuidor. É possível, atualmente, que entendimentos similares venham a ser contestados à luz do disposto na Súmula Vinculante 10. É o caso do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 723/205), onde, ainda que não tendo ocorrido usucapião, afastou-se o direito à reivindicatória do proprietário (então previsto no art. 524 do CC/16 e antes do Código Civil, mas depois da CF/88), em nome da função social da propriedade. Concluiu-se pela inviabilidade de reivindicação de uma “favela”, nos moldes descritos no acórdão. Há inumeráveis decisões nessa linha, difíceis de explicar, diante da vacuidade da expressão função social da propriedade. As teorias clássicas sobre posse são a subjetiva e a objetiva, devida àquela a Savigny e essa a Ihering. Ambas estabelecem que para haver posse é necessário ter a coisa (= corpus) e querer ter a coisa (= animus). Aquela valoriza o aspecto subjetivo, referindo-se às legislações que a adotaram sempre à intenção de possuir como elemento vital para desenhar-se a posse, implicando isso que alguém, para ter posse, tem de ter avaliada a sua situação subjetiva, ou seja, tem de querer ter posse, o que a intenção de ter a posse deva ser demonstrada (animus/animus domini). O ordenamento jurídico brasileiro, desde o Código Civil de 1916, adota a teoria objetiva. Por esse motivo, não se descarta à vontade (aspecto subjetivo) como necessária à configuração da posse. A presença do elemento subjetivo é perceptível do comportamento do possuidor em relação à coisa. Para a teoria objetiva, a posse existe para o proprietário como condição de fruição da coisa, por ele ou por outrem, por cessão de sua parte. Um dos pontos em que se diferenciam as teorias é em relação à detenção
(art. 1.198 do CC/2002), em que se adota, como dito, a objetiva. Tanto o possuidor direto, quanto o indireto (art. 1.197 do CC/2002), tem legitimidade para as ações possessórias. Essa distinção, para esse fim, somente existe no direito processual civil, que prevê a ação de interdito proibitório no art. 567 do CPC/2015. O art. 561 do CPC/2015 permite concluir que não se cogita analisar a intenção do possuidor, senão que para o cabimento da ação hão de ser examinados fatos, exclusivamente. As possessórias são ações dúplices, ou seja, o réu no bojo da contestação pode pedir proteção possessória (art. 556 do CPC/2015), ou seja, como pedido contraposto; como, ainda, o equívoco na propositura da ação ou a modificação da situação de fato, não prejudicam o autor, pois ele é beneficiário do princípio da fungibilidade (art. 554 do CPC/2015). A posse sempre se entendeu suscetível de ser configurada em relação a bens materiais (com consistência, tangíveis), descartada a sua aplicação em relação a bens imateriais. Essa é a razão da Súmula 228 do STJ: “É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral”. Contemporaneamente existe certa tendência para poder vir a ser estendida a bens imateriais. Em relação aos direitos autorais, especialmente tendo em vista o ilícito da contrafação, que é a reprodução de obra não autorizada (art. 5º, VII, da Lei n. 9.610/98), há medidas processuais especificas que o protegem, as quais, normalmente, são animadas pela necessidade de urgência. No pensamento jurídico brasileiro houve dúvida quanto ao remédio processual cabível. Os direitos autorais são uma categoria de direitos imateriais que do direito de propriedade se aproximam, mas que com esse direito não se confundem.
Historicamente resultaram abrigados dentro dessa classificação, à falta de outra. Com o evoluir do pensamento, contudo, veio a perceber-se que se constituem os direitos autorais numa forma de titularidade, em relação a qual está implicado o respeito de todos, sem ser, todavia, um verdadeiro direito de propriedade. Basta ter presente que o direito de propriedade se diz perpétuo, ainda que mude o titular, ao passo que os direitos autorais são delimitados no tempo. De outra parte, as ações possessórias têm sempre como objeto material coisas, entendidas como realidades corpóreas, tangíveis e com consistência, tal como prevista essa conceituação nos Códigos Civis alemão (§ 90), japonês (§ 85) e grego (art. 947, primeira alínea), noções válidas para o direito brasileiro, Código Civil de 1916 e para o atual Código Civil. Os líquidos e energias, por exemplo, como tais, nesse estado, ficam excluídos da noção de coisa, salvo se estiverem armazenados. Em relação à energia elétrica, água, gás, quando estiverem em um continente, que é exatamente o que prevê o Código Civil grego (art. 947, segunda alínea), aceita-se que essa situação seja definível como coisa corpórea, ou que é a coisa corpórea equivalente. Nessas condições, o que está dentro do recipiente, por esta razão, comporta controle material, e, portanto, posse. Em realidade, os direitos autorais, por causa da titularidade do autor, engendram um dever de abstenção de todos da sociedade, e essa estrutura guarda similaridade com a estrutura dos direitos reais. Trata-se de um dever, assimilável a uma obrigação de não fazer. E, por certo, verificada a possibilidade de contrafação, a hipótese haverá de comportar liminar. Caso se trate de reprodução ilícita já ocorrida, o remédio é o de busca e apreensão. A Lei n. 9.610/98 prevê, ainda, outras sanções (art. 101: “As sanções civis de
que trata este Capítulo aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis”). Os denominados “novos direitos”, que por muitos são denominados de direitos relativos a bens “semi-incorpóreos” têm suscitado dificuldades para serem classificados no plano do direito material, como também para identificar-se o meio processualmente adequado para a sua proteção. Assim, são lembradas como componentes dessa categoria de “novos direitos” as diversas formas de energia, que, em rigor, não se podem dizer direitos imateriais (daí, dizerem muitos “semi-incorpóreos”), porquanto são dominados pelo homem e postos ao seu serviço, e, ademais, impressionam os nossos sentidos. A interferência desses bens nos quadros do direito e as tentativas mais recentes para abrigá-los debaixo de uma categoria, em função do tipo de sociedade em que vivemos, têm assumido imensa relevância. Essa categoria de “novos bens” esteve fora das preocupações dos juristas, dentre outras, pela razão substancialmente verdadeira de que tais bens não existiam como bens economicamente
significativos,
ou,
se,
há
décadas,
paulatina
e
crescentemente começaram a ser identificados e utilizados, isso não exerceu influência imediata no espírito dos juristas e das sociedades. É evidente a modificação radical nos últimos tempos tornando esses bens essenciais à nossa vida. Há, portanto, diversas hipóteses, tais como a (a) supressão do fornecimento de energia elétrica, (b) o desligamento de uma linha telefônica, (c) a hipótese em que se dispute espaço aéreo, por onde se transmite da terra para um satélite determinadas ondas, que concretamente tem conduzido a meditações, particularmente em relação ao meio processual adequado para coarctar ilícitos.
Em relação a essa última hipótese, ou seja, quanto à disputa de espaço aéreo para a transmissão de ondas televisivas, tem sido na Itália (aonde se fala em “luta do éter”) invocado o art. 700 do CPC italiano. Diz-se no direito italiano tratar-se de uma ação contratual, não possessória, cujo conteúdo é o de obstar a lesão ao espaço aéreo, i.e., não interferir. Em relação ao desligamento de energia elétrica ou a supressão do fornecimento de outra forma de energia, igualmente, têm sido feitas considerações a respeito do remédio cabível. Em princípio, entre nós, tem cabimento a ação disciplinada no art. 497 do CPC/2015, com o substrato de uma obrigação de fazer, de continuar fornecendo energia, dando continuidade ao cumprimento do contrato. Merecem destaque em nossa literatura a notícia e a digressão em que a situação é enfrentada – ainda que discordemos da solução quanto à afirmação de cabimento dos remédios possessórios, tendo como referencial o direito positivo –, a respeito do que adequadamente, ou, à falta de outro nome, se pode designar como bens “semi-incorpóreos”. A presença constante de tais “novos bens” em nossas vidas, desconhecidos ou praticamente desconsiderados no direito civil clássico, cuja categoria veio a ser tratada de forma controvertida na doutrina, assim como na jurisprudência, tem exigido discussão a respeito do entendimento sobre a possibilidade de esses bens figurarem como objeto de posse, solução essa por nós não aceita. Esses bens “semi-incorpóreos” são as energias, tais como a elétrica, de gás, térmica; a que transita pelas linhas telefônicas; as ondas de frequência de rádio e de televisão. É induvidoso que a realidade desses chamados “novos bens” não se
confunde, à luz do seu objeto considerado no mundo empírico, com o objeto material clássico dos direitos reais ou direitos das coisas, ou seja, com as coisas propriamente ditas e tais como devem ser conceituadas. E nem se confundem com os direitos genuinamente imateriais, despidos esses, em si mesmos, de qualquer materialidade. É correto afirmar que esses “novos bens” sensibilizam o homem, e se mostram nos dias correntes de notável utilidade, incorporados que estão à civilização – sendo eles quase condição necessária do que se entende por civilização em nossos dias – e em decorrência do que são permanentemente utilizados pelo homem, tais como as energias, ondas de rádio e televisão. Já num sentido estrito, bens imateriais, ou propriamente imateriais, são inteiramente destituídos de materialidade, inclusive, de elementos que sensibilizem nossos sentidos, como o direito, em si mesmo, relativo às marcas e patentes, os direitos autorais, e, ainda, a categoria dos direitos personalíssimos (como alguns denominam os direitos da personalidade). Esses últimos diferem das duas hipóteses anteriores, pois dizem respeito a direitos defluentes da personalidade (nela imantados), ao passo que as outras duas, ainda que puramente imateriais, dizem respeito a realidades externas ao homem. 2. As ações possessórias O art. 1.210 do CC/2002, norma de direito material, dispõe que o “possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Os arts. 554 e ss. do CPC/2015 disciplinam a forma de implementação desses direitos assegurados pela lei civil.
O art. 560 do CPC/2015 trata das ações cabíveis no caso de turbação e de esbulho possessórios. No primeiro caso, a ação adequada é a de manutenção de posse; no último, de reintegração de posse. Diz-se que há turbação se há embaraço ao livre exercício da posse. O esbulho, de seu turno, leva à perda da posse. Por sua vez, o art. 567 do CPC/2015 trata da ação de interdito proibitório, cabível quando houver fundado receio de que o possuidor, direto ou indireto, venha a ser molestado na sua posse. A ação de imissão na posse, cabível quando o comprador não recebe a posse do vendedor, constitui ação de cunho petitório (e não possessório), devendo seguir o rito comum. 2.1 Fungibilidade das ações possessórias O art. 554 do CPC/2015 consagra o princípio da fungibilidade das possessórias. Isso significa que a propositura de determinada ação possessória ao invés de outra não impedirá que o juiz conceda a proteção possessória que reputar adequada, quando os requisitos necessários para tanto se fizerem presentes. Desse modo, se ajuizada ação de reintegração de posse, mas dos fatos narrados o juiz entender que a pretensão é de manutenção de posse, ele deverá, por força princípio da fungibilidade, determinar a manutenção da posse, ao invés da reintegração de posse. O princípio da fungibilidade das possessórias conduz, portanto, a uma atenuação do rigor da regra da adstrição do juiz ao pedido, estampada nos arts. 141 e 492 do CPC/2015. O princípio da fungibilidade das possessórias tem como objetivo final para tornar mais efetiva a tutela da posse. Consideram-se demandas possessórias a ação de reintegração de posse, de
manutenção de posse (art. 560 do CPC/2015) e o interdito proibitório (art. 567 do CPC/2015). Nas ações possessórias, o pedido e a causa de pedir devem estar calcados na posse, ou seja, podem versar apenas sobre os direitos decorrentes do exercício da posse. E, como já dissemos, as ações possessórias constituem-se como ações voltadas à proteção da posse. Não há fungibilidade entre ações possessórias e ações petitórias, entre as quais se encarta, por exemplo, a ação de imissão na posse. Classicamente, a ação petitória é aquela na qual se decide a respeito de um direito – que pode ser de posse ou não –, ao passo que nas ações possessórias decide-se, exclusivamente, sobre o exercício de fato da posse; ou seja, a posse enquanto tal, sem se considerar qualquer referencial a ela externo, mas sendo relevantes as consequências jurídicas daí decorrentes. Têm assim, logicamente, as ações possessórias e a ação petitória objeto mediato idêntico, ou seja, ambas objetivam a coisa. No entanto, os respectivos objetos imediatos são parcialmente diversos: nas ações possessórias pretende-se, além da condenação – restituição da coisa, por exemplo –, a declaração de que ao autor é que cabe, legitimamente, a posse da coisa. Já na ação petitória, colima-se, também, a restituição da coisa, mas, no que tange à causa petendi e ao pedido declaratório, ela é mais ampla, porque o autor pretende também a declaração de que é ao autor que pertence o domínio, o que compreende, virtualmente, posse, nesse caso. O resultado da ação possessória circunscreve-se ao âmbito da posse e a situações e direitos derivados a ela, não impedindo a propositura ulterior ao término do processo de ação possessória, da ação dominial. A lesão à posse por esbulho pode ensejar tanto a ação possessória, quanto a ação dominial. Pode-se dizer que em face do esbulho se configura a
possibilidade de opção ao autor. Mas é inviável a simultaneidade de ambas as modalidades de ações. Trata-se, no caso, de uma modalidade de litispendência, ainda que não se possa vislumbrar identidade plena entre as ações. Se a lesão à posse ocorreu antes de ser proposta a reivindicatória ou a reintegratória, a opção por um dos caminhos inviabiliza o outro (art. 557 do CPC/2015). Mas, se pendente o juízo dominial e ocorrer qualquer reclamação atinente à posse, decorrente de fato ulterior à propositura da petitória, é no juízo dominial que se reclamará. 2.2 Manutenção ou reintegração de posse: turbação ou esbulho As ações possessórias em que se pleiteia a manutenção ou a reintegração de posse, prevê a possibilidade de desforço imediato, previsto no art. 1.210, § 1º, do CC/2002. Cuida-se de uma das poucas hipóteses de autotutela contempladas pelo Direito brasileiro. Na medida em que a lei autoriza, não se configura o crime previsto no art. 345 do CP. Evidentemente, a conduta daquele que pratica atos de desforço imediato poderá ser discutida perante o Judiciário para que se verifique, por exemplo, se houve proporcionalidade na reação do possuidor esbulhado ou turbado. O art. 1.210, § 1º, do CC/2002, aliás, é claro em sua parte final ao dispor que “os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. O desforço imediato, segundo a letra da lei, é autorizado em caso de reação imediata. 2.3 Interdito proibitório O interdito proibitório, por sua vez, tem cabimento quando houver justo receio de que haja turbação da posse (art. 567 do CPC/2015). Nessa hipótese,
não há ofensa consumada à posse. Observe-se, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, em razão do extenso lapso temporal do desenvolvimento da demanda, é possível a conversão do interdito proibitório em desapropriação indireta, por observância aos princípios da economia e celeridade processuais1526. Aplicam-se ao interdito proibitório as normas que dispõem sobre a manutenção e reintegração de posse, com as necessárias adaptações (art. 568 do CPC/2015). 3. Cabimento das ações possessórias O procedimento previsto nos arts. 554 e ss. do CPC/2015 são aplicáveis às hipóteses em que a agressão à posse, seja ela mera turbação ou verdadeiro esbulho, que tiver ocorrido há menos de ano e dia do ajuizamento da ação, ou seja, quando tratar-se de força nova. Nesse caso, cabe proteção liminar da posse (art. 562 do CPC/2015), que tem natureza claramente antecipatória do provimento final, e, como se dessume claramente da leitura do dispositivo, não reclama a presença do requisito urgência. Basta que o esbulho tenha ocorrido há menos de ano e dia, para que seja viável a reintegração liminar do possuidor esbulhado. Quando as ações possessórias tratarem de força velha, apesar de não perderem o caráter possessório, o procedimento a ser observado é o comum (art. 558, parágrafo único, do CPC/2015). Dessa forma, embora não seja cabível a liminar possessória prevista pelo art. 562 do CPC/2015, que só tem aplicabilidade em casos de ações de força nova (menos de ano e dia), às hipóteses de posse velha, presentes os requisitos do art. 300 do CPC/2015, poderá ser concedida antecipação de
tutela1527-1528, pois não há qualquer incompatibilidade entre o instituto das tutelas provisórias e a disciplina específica das ações possessórias. 4. Legitimidade Tem legitimidade para propor ação possessória aquele que detém, de fato, o exercício de algum dos poderes do domínio, ou seja, o possuidor (arts. 560 e 567 do CPC/2015 e 1.196 do CC/2002). É o que determina o art. 1.210 do CC/2002 ao prever que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Não se garante a legitimidade para a ação possessória ao detentor (art. 1.198 do CC/2002), conforme prevê o art. 1.208 do CC/2002, uma vez que os atos de mera permissão ou tolerância, não permitem a aquisição da posse. Quanto à legitimidade passiva, ela é garantida ao réu que é o agente do ato que viola o direito do autor. 5. Caráter dúplice O caráter dúplice de ação possessória está previsto no art. 556 do CPC/2015 e decorre da possibilidade de o réu, na própria contestação, pleitear pedido contraposto ao do autor, sem a necessidade de reconvenção. Em verdade, a duplicidade da ação decorre do fato de que as partes se pretendem titulares da posse da mesma coisa, sendo que os litigantes podem figurar tanto como “autor” tanto como “réu”, fazendo pedidos contraposto durante o curso do processo. Além disso, a duplicidade da ação possessória é necessária porque, no caso de a prova produzida nos autos favorecer o réu, o juiz não apenas
absolve o réu, julgando a demanda do autor improcedente, como reconhece a posse a seu favor, condenando o autor. Essa medida é necessária para que se evitem, no mais, outros litígios envolvendo as mesmas partes. No entanto, para que o juiz possa fazer o uso da duplicidade da ação possessória, é necessário que o réu faça pedido de proteção possessória, o que é diferente de apenas contestar, e significa um plus em relação à solicitação da mera improcedência da ação possessória proposta, na forma do art. 556 do CPC/2015. É lícito ao réu, igualmente, cumular pedido de proteção possessória, na contestação, com as mesmas pretensões do art. 561 do CPC/2015, oriundos de ilícito possessório imputado ao autor. 6. Exceção de domínio Na pendência de ação possessória, prevê o art. 557 do CPC/2015 a proibição das partes intentarem ação visando ao reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa. Da mesma forma, não é viável a defesa de interesses baseados no domínio nas ações possessórias. O que diferencia as ações possessórias é que nelas se disputa a posse, com amparo no fato jurídico da posse, ao passo que, nas ações petitórias, o autor pede a coisa, mas com fundamento no domínio1529. O art. 557 do CPC/2015 evidencia a plena autonomia existente entre as ações possessórias, tendo o Supremo Tribunal Federal já decidido pela sua constitucionalidade1530. Enfrentando problema similar, a Corte Constitucional italiana também considerou constitucional o art. 705, primeira parte, do Código de Processo Civil italiano1531. De certa forma, pode-se afirmar que referido artigo dá dimensão ao princípio constitucional da propriedade e da
posse (art. 5º, XXII, da CF/88). Esse dispositivo, ademais, revela-se perfeitamente compatível com o art. 1.210, § 2º, do CC/2002, do teor seguinte: “Não obsta à manutenção ou reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”. Ou seja, se pendente ação possessória, não tem cabimento ação reivindicatória – ou “ação de reconhecimento de domínio” –, por aquele possuidor que se julgue proprietário. O fato de o resultado da ação possessória circunscreve-se ao âmbito da posse, e as situações e direitos derivados a ela, não impedem a propositura ulterior ao término do processo da ação possessória, de ação dominial. A lesão à posse por esbulho pode ensejar tanto a ação possessória, quanto a ação dominial. Em face do esbulho, se configura a possibilidade de o autor propor tanto a ação possessória, quanto a ação reinvidicatória. Mas é inviável a simultaneidade de ambas as modalidades de ações (art. 557 do CPC/2015). Como já dito, trata-se de uma modalidade de litispendência, e, na hipótese de a lesão à posse ocorrer durante o curso de ação reinvidicatória, o autor deve reclamar ao juízo dominial que tome as medidas cabíveis para que se proteja a posse. A Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal determina que: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio; se com base neste for ela disputada” lastreando-se na segunda parte do art. 505 do CC/16, cuja redação era a seguinte: “Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”. Alguns afirmavam, desde a alteração promovida pela Lei n. 9.280/80 ao art. 923 do CPC/73, que já não havia mais respaldo para a
exceção de domínio em caso de demanda possessória. Seja como for, diante da redação do vigente precitado § 2º do art. 1.210 do Código Civil de 2002, ao lado da redação dada ao art. 923 do CPC/73, recepcionada pelo art. 557 do CPC/2015, tem-se que não há mais espaço para exceção de domínio nas ações possessórias. Assim, temos que o entendimento cristalizado na Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal, aplica-se apenas às ações reais e não às possessórias. Cumpre salientar, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado referida súmula nas hipóteses em que ambos os litigantes da ação possessória discutem a posse com base no domínio1532. 7. Procedimento das ações possessórias O procedimento especial previsto para as ações possessórias está previsto nos arts. 554 e ss. do Código de Processo Civil de 2015. Naquilo que o procedimento especial for omisso, aplicam-se as regras do procedimento comum (art. 566 do CPC/2015). 7.1 Petição inicial 7.1.1 Identificação das partes A petição inicial deve, além de cumprir os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC/2015, devendo o autor instruir a petição inicial com os documentos aptos a provar os elementos elencados no art. 561 do CPC/2015. O inciso II do art. 319 do CPC/2015 determina a correta identificação das partes, com a indicação dos nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no CPF ou CNPJ, endereço eletrônico, domicílio e residência.
A correta identificação das partes é elemento importante para que seja aferida a legitimidade ativa e passiva da ação, que, como se sabe, é uma das condições da ação. Quando for inviável a atribuição da qualificação completa das partes, a petição inicial deve ser admitida, desde que seja possível a sua individuação da parte. Contudo, há casos em que a identificação das partes não é possível, como, por exemplo, nas hipóteses de invasão de terras feita por um número elevado de pessoas, sendo essas, em sua maioria, absolutamente desconhecidas. Em demandas possessórias como a hipótese acima citada, a ausência de identificação dos réus deve ser tolerada, em nome do acesso à justiça, sob pena de infração ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88)1533. Para as hipóteses em que houver um grande número de pessoas no polo passivo, o § 1º do art. 554 do CPC/2015 prevê uma forma diferenciada de citação. Dispõe o referido artigo: “No caos de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoa dos ocupantes que forem encontrados no loca e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública”. Nessa hipótese, o oficial de justiça deverá dirigir-se ao local uma vez para tentativa de citação pessoa dos ocupantes, devendo-se citar por edital aqueles que não forem encontrados (art. 554, § 1º, do CPC/2015). Além disso, o § 3º do art. 554 do CPC/2015 prevê ampla divulgação acerca da existência da demanda possessória em anúncios de jornal ou rádios locais, com a publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios. De fato, não se pode impor à parte um ônus – em rigor, praticamente
insuscetível de ser implementado – que possa representar, em última análise, a impossibilidade de levar a sua pretensão ao conhecimento do Poder Judiciário, em verdadeira afronta ao disposto na Constituição Federal, a respeito da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88). É necessário, no entanto, que o autor, ao propor a ação possessória1534, conforme determina o art. 561 do CPC/2015, demonstre a turbação ou o esbulho praticado pelo (s) réu (s), bem como é necessário que se comprove o dia em que ocorreu a turbação ou o esbulho. A fixação da data da turbação ou esbulho é fundamental para justificar o pedido de liminar (art. 562 do CPC/2015)1535, sendo o prazo de ano e dia de cunho decadencial. Por outro lado, na hipótese de manutenção da posse com turbação, é preciso demonstrar a continuação da posse1536, ou da perda da posse, na ação de reintegração1537. 7.1.2 Pedido O art. 555 do CPC/2015 trata dos pedidos que podem ser formulados em sede de ação possessória. É facultado ao autor pedir, além da proteção possessória propriamente dita, (a) a condenação por perdas e danos; (b) a indenização dos frutos; pode, ainda, o autor requerer medidas necessárias e adequadas para (c) evitar nova turbação ou esbulho ou (d) cumprir a tutela provisória ou final. O referido dispositivo autoriza a cumulação de forma sucessiva, como aquela prevista no art. 327 do CPC/2015, já que o autor almeja mais de um pedido, sendo que, sendo rejeitado o pedido de proteção possessória, os outros pedidos restarão prejudicados. Ou seja, o acolhimento de um dos pedidos formulados com fundamento no art. 555 do CPC/2015 pressupõe que
a proteção possessória tenha sido concedida. As perdas e danos suscetíveis de serem reclamadas na ação possessória devem dizer respeito diretamente ao esbulho, à turbação, ou, ainda, ao receio de que o possuidor seja molestado1538, assim como os frutos a serem indenizados. Por outro lado, o parágrafo único do art. 555 do CPC/2015 permite a imposição de medidas necessárias e adequadas para evitar nova turbação ou esbulho, bem como o cumprimento da tutela, seja provisória ou final. 7.2 Liminar A concessão da liminar está prevista no art. 562 do CPC/2015 e é específica para as ações possessórias. Essa liminar poderá ser concedida sem oitiva prévia da parte contrária, se a petição inicial estiver adequadamente instruída. Do contrário, determinará o juiz que o autor justifique o alegado, designando audiência de justificação prévia, caso em que o réu deverá ser citado. A audiência de justificação prévia tem por finalidade permitir ao autor que demonstre a presença dos requisitos necessários à concessão da liminar. O réu poderá reperguntar (e evidentemente oferecer contradita), mas não lhe será dado, nessa oportunidade, produzir provas. As liminares possessórias não se encartam na categoria liminares “acautelatórias”, senão que parecem encontrar justificativa na concepção teleológica da proteção possessória, que é a de conservar (ou restabelecer) uma situação de fato. Em casos tais, a urgência não é cogitada como requisito necessário à concessão da liminar. Quer dizer: a urgência não embasa a liminar e a proteção possessória nada tem a ver com um possível perecimento
de um direito. Ela possui caráter nitidamente antecipatório e deve ser concedida quando tratar-se de ação de força nova (arts. 558 e 562 do CPC/2015), não sendo exigido, nesse caso, diferentemente da hipótese do art. 300 do CPC/2015, a presença do requisito urgência. Se a concessão da tutela provisória de urgência antecipada depende de requerimento da parte (art. 300 do CPC/2015), temos que a liminar possessória, com muito mais razão, também depende de aludido requerimento, haja vista que aqui a urgência sequer é cogitada como requisito para sua concessão. Dessa forma, o procedimento de manutenção e de reintegração, se intentado dentro de ano e dia da data da turbação ou do esbulho, comportam medida liminar de proteção possessória, se houver sido requerida1539. A medida liminar é um adiantamento de eficácia, conferida em favor daquele que, liminarmente, evidenciou ter posse e que foi vítima de um ilícito possessório, ou, então, que demonstrou isso na justificação de posse, desde que o ilícito possessório tenha tido tempo de duração inferior a um ano e um dia. 7.2.1 A liminar movida contra pessoas jurídicas de direito público O parágrafo único do art. 562 do CPC/2015 determina que a liminar em ação possessória ajuizada contra pessoa jurídica de direito público não será concedida sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais. Há dispositivos, como é o caso do art. 2º da Lei n. 8.437/921540, que concedem benefícios à Fazenda Pública, cuja constitucionalidade é contestada por diversos autores, e em decisões judiciais1541. Para nós, mencionado art. 2º da Lei n. 8.437/92 – como outros congêneres – deve ser interpretado no sentido
de que, como regra, deve haver a audiência prévia da Fazenda Pública nos casos ali previstos, no entanto, caso isso possa levar ao perecimento do direito do autor, a liminar deve ser concedida mesmo antes disso, independentemente da audiência prévia, nos termos de reiteradas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal1542. No entanto, referido problema não se coloca, ante a exigência constante do parágrafo único do art. 562 do CPC/2015, pois, na medida em que, para a concessão de liminar possessória, não se faz necessário o requisito da urgência, temos que tal exigência, em linha de princípio, deve ser atendida, sem ressalvas1543. 7.2.2 O mandado de manutenção ou reintegração da posse Se o juiz decidir pela concessão da liminar, antes ou após a realização da audiência de justificação, caberá a ele expedir mandado de manutenção ou de reintegração (art. 563 do CPC/2015). Isso significa que se o juiz, na audiência de justificação a que se refere o art. 562 do CPC/2015, convencer-se da presença dos requisitos necessários à concessão da liminar, deverá expedir mandado de manutenção ou de reintegração. O mandado de reintegração deve conduzir à reintegração física do autor na posse, inclusive, se preciso, com o auxílio de força policial1544-1545, ao passo que, em caso de turbação, o interesse material do autor revela-se atendido com a simples expedição do mandado de manutenção na posse. 7.3 Citação Independente da concessão do mandado liminar, o autor promoverá a
citação do réu nos 5 dias subsequentes à propositura da ação ou da decisão que deferir ou indeferir a liminar, quando houver audiência prévia, para que, havendo interesse, apresente contestação no prazo de 15 dias. O prazo para apresentação da contestação é contado de forma ordinária (arts. 231 e 224 do CPC/2015). Em síntese, o autor ao propor a demanda pode requerer ou não o deferimento liminar da tutela possessória. Na hipótese de ser requerida e o juiz entender que estão presentes os requisitos para a expedição do mandado liminar, o autor deverá promover a citação dos réus nos cinco dias subsequentes ao deferimento da expedição do mandado. Se o juízo entender por bem realizar a audiência de justificação prévia, o autor deverá promover a citação dos réus para contestar após a decisão que apreciar o pedido (art. 564, parágrafo único, do CPC/2015). 7.4 Contestação O réu poderá alegar, em sede de contestação, as matérias previstas no art. 337 do CPC/2015, bem como formular pedido contraposto (art. 556 do CPC/2015). 7.4.1 Reconvenção Observe-se, no entanto, que a “duplicidade” da ação possessória restringese a esses possíveis pedidos (art. 556 do CPC/2015). Por esse motivo, se o réu desejar formular pedido que não esteja abrangido por essas hipóteses, no mesmo processo, deverá fazê-lo por intermédio de reconvenção1546. 7.5 Prestação de caução Poderá ser exigida do autor, nos termos do art. 559 do CPC/2015, em caso
de demonstração de sua inidoneidade financeira a prestação de caução, que pode ser real ou fidejussória1547. Na impossibilidade da prestação de caução, poderá exigir o juiz o depósito da coisa litigiosa1548, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente. 7.6 Dos litígios coletivos O CPC/2015 inovou ao regulamentar o procedimento específico para as ações possessórias coletivas em seu art. 565. O caput do referido dispositivo prevê que para as ações de “força velha”, ou seja, que ocorreram a há mais de ano e dia, antes de apreciar o pedido da concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, que deverá ser realizada em até trinta dias. A audiência deverá contar com a presença do Ministério Público (art. 565, § 2º, do CPC/2015) e a Defensoria Pública deverá ser intimada sempre que a parte for beneficiária da gratuidade da justiça. O § 3º do art. 565 do CPC/2015 prevê a possibilidade do juiz em comparecer ao local objeto do litígio para garantir a efetivação da tutela jurisdicional. Pontua-se que não se trata de hipótese de inspeção judicial (art. 483, I, do CPC/2015), na qual o juiz desloca-se ao local de litígio para verificar a situação dos fatos, mas sim de hipótese na qual a presença do magistrado é necessária para o cumprimento da ordem judicial. O § 1º do art. 565 do CPC/2015 não exclui, no entanto, a possibilidade do mandado liminar ser concedido, na hipótese de força nova, há menos de um ano e dia, que deverá ser cumprida no prazo de um ano, contado da data da distribuição da demanda, sob pena de ser designada audiência de mediação, na qual a medida poderá ser, inclusive, revogada. Determina-se, ainda, a intimação dos “órgãos responsáveis pela política
agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município” do local do imóvel litigioso para que se manifestem acerca de eventual interesse no processo e apresentem eventual solução para o conflito (art. 565, § 4º, do CPC/2015). O procedimento previsto no art. 565 do CPC/2015, que trata especificamente das ações possessórias, deve ser aplicado aos litígios coletivos que tratarem também sobre a propriedade de imóvel, nos termos do que prevê seu § 5º. 8. A sentença nas ações possessórias A sentença pode (a) extinguir o processo com base no art. 485 do CPC/2015, quando faltar pressuposto processual ou condição da ação, por exemplo, ou (b) extinguir o processo com julgamento de mérito (art. 487 do CPC/2015). Na primeira hipótese, o possuidor poderá propor nova demanda, desde que superado o motivo que levou à extinção prematura da ação possessória, uma vez que a sentença faz coisa julgada formal e seus efeitos se projetam apenas para dentro do processo. Na segunda hipótese, o juiz resolve o mérito do processo julgando procedente ou improcedente. Sendo vedada a propositura de nova demanda, já que a sentença faz coisa julgada material e projeta seus efeitos tanto para dentro do processo, quanto para fora dele. Não se admite a extinção prematura do processo por suposta insuficiência de prova. Isso porque a ausência de qualquer um dos requisitos que comprovem o direito do autor da ação possessória implica no reconhecimento jurídico de improcedência do pedido, ou seja, extinção do processo com
julgamento de mérito (art. 487, I, do CPC/2015). Há, no entanto, hipóteses nas quais a própria lei não atribui a coisa julgada material a sentença de procedência ou improcedência do processo, como nos casos de ação popular, ação civil pública, ou ações baseadas em relação de consumo. Por configurar uma exceção, depende de expressa previsão legislativa.
LII AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES
1. Aspectos gerais A urbanização avassaladora na última metade do século XIX aparentemente diminuiu a aplicação das pretensões previstas no art. 569 do CPC/2015, que são mais comuns no meio rural, bem como as propriedades rurais, transmitidas causa mortis ou inter vivos, progressivamente adquiriam limites firmes e nítidos. A demarcação tem enorme importância em diversas regiões do País, nas quais a ocupação ainda é incipiente, e a divisória se mostra necessária em diversas circunstâncias para imóveis urbanos e rurais. A regulamentação específica desse assunto, com os pormenores adiante examinados, corresponde à necessidade do comércio jurídico. Um dos direitos que decorrem do domínio é o de demarcar o prédio urbano e rural, individualizando a extensão e a quantidade da propriedade, prevenindo ou findando confusões a respeito dos respectivos limites. A
definição dos limites da propriedade é direito inerente aos poderes de usar, gozar, dispor e reaver a coisa (art. 1.228 do CC/2002). O art. 1.297, caput, do CC/2002 estabelece que: “O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas”. Essa pretensão está prevista no art. 569, I, do CPC/2015, assentada na vizinhança dos prédios. O respectivo cabimento merecerá outras considerações, em razão da falta de coincidência das disposições da lei civil e processual. Desde logo, assinale-se que o art. 569, I, do CPC/2015 refere-se às terras particulares, porque a discriminação de terras públicas regula-se pela Lei n. 6.383/76. O inciso II do art. 569 do CPC/2015, por sua vez, dispõe sobre o direito de partilhar a coisa comum, a fim de que o proprietário exerça definidamente, sobre área certa, os poderes inerentes ao domínio. Essas pretensões são substancialmente distintas. A demarcatória (finium regundorum) não é subespécie de divisória, a despeito de alguns pontos comuns e da possibilidade do exercício sucessivo dessas pretensões. Conforme já se observou, com razão, mesmo nos casos extremos em que jamais houve limites entre os prédios demarcados, ou mostrando-se impossível, na prática, a descoberta da linha de confrontação, representaria excessivo extrair da confusão de limites um condomínio. Na realidade, as pretensões se diferenciam em razão dos pressupostos de cabimento: a demarcatória pressupõe prédios contíguos; a divisória, o mesmo prédio em condomínio.
As pretensões contempladas no art. 569 do CPC/2015 são tipicamente executivas, uma vez que o vitorioso quer o que é seu, seja-o extremado daquilo que é alheio, graças a limites firmes, obtendo quinhão próprio e individualizando a coisa comum. O procedimento é bifásico: após o provimento fixar a regra jurídica concreta, determinando as linhas divisórias entre os imóveis contíguos, ou dos quinhões, passa-se à realidade, marcando o terreno, atividade que se encerra com outro provimento, equivalente ao do art. 924 do CPC/2015. Não é muito diferente do que ocorre na pretensão à recuperação do imóvel locado: decretado o despejo, e não desocupado o imóvel voluntariamente, o juiz expedirá o mandado de evacuando. 2. Cumulação de pedidos demarcatórios e divisórios O art. 570 do CPC/2015 permite a cumulação das ações de demarcação e de divisão, determinando que a ação de demarcação deve ser processada em primeiro lugar, alargando a cumulação das pretensões previstas no art. 327 do CPC/2015. Isso porque as pretensões à demarcação e à divisão não têm, a rigor, elementos comuns relevantes. O objeto mediato, que é o imóvel, não basta para os efeitos da tríplice identidade da demanda (as partes, a causa e o pedido), uma vez que os confinantes, por exemplo, não figuram como partes na pretensão à divisão. O problema técnico, além da diversidade dos elementos subjetivos e objetivos das demandas, decorre do fato de as pretensões repousarem em situações de fato antagônicas: a divisão pressupõe certeza quanto ao perímetro da coisa comum, enquanto a demarcação supõe um problema com
relação a uma das linhas. Essa é uma das razões pelas quais o processo deve iniciar-se pela demarcação – total ou parcial – e, em seguida, deverá ser realizada a divisão, sem embargo de os legitimados a uma e a outra participarem do processo originariamente. A forma de acomodar as pretensões distintas localiza-se em tal caráter sucessivo no mesmo processo. Em geral, as hipóteses de cumulação sucessiva de pretensões ocorrem porque a segunda pretensão surge depois da primeira, ou porque a oportunidade de dedução da segunda pretensão surge posteriormente. Na hipótese do art. 570 do CPC/2015, ambas as pretensões preexistem e são expostas, desde o início, na petição inicial, mas a divisão fica contida ou inibida até o término da demarcação. Por conseguinte, há pretensões autônomas cumuladas, originariamente, mas o respectivo processamento e julgamento serão realizados sucessivamente. Essa cumulação é singular e não se confunde com as demais espécies em geral identificadas. Não se cuida de cumulação sucessiva de pedidos, uma vez que a rejeição do primeiro (demarcação) não impede que o juiz julgue o segundo (divisão). Na cumulação sucessiva propriamente dita, o juiz só apreciará o pedido subsequente no caso de acolher o pedido antecedente. E há cumulação subsidiária (art. 326 do CPC/2015) quando é formulado pedido subsequente para o caso de o juiz rejeitar o pedido antecedente, hipótese na qual o juiz dará seguimento e julgará a pretensão subsequente caso rejeite a pretensão antecedente. Essa característica do art. 570 do CPC/2015 não é isenta de consequências. Primeira, não é necessário, porque impossível descrever o imóvel dividendo na sua totalidade; segunda, os confinantes não têm como e
por que se oporem à pretensão divisória; terceira, a improcedência da pretensão à demarcação não afeta a sucessiva pretensão à divisão, entendendo-se que existem limites predeterminados da coisa comum. Impõe-se, na forma determinada no art. 570 do CPC/2015, a citação de todos os confinantes e condôminos, na hipótese de cumulação das ações. Em outras palavras, o litisconsórcio passivo é necessário, cessando-se a obrigatoriedade na forma determinada no art. 572 do CPC/2015 – que prevê o tratamento como terceiro dos confinantes após a fixação dos marcos das linhas de demarcação. Em tese, o fato se prende ao desaparecimento do interesse na controvérsia que se segue, calcada nas operações de divisão. Além disso, os confinantes poderão reivindicar parte ou reclamar respectiva indenização, em razão da linha tomada pelos marcos fixados na demarcatória, e não se discute a questão dominial nas ações demarcatórias. Apesar de a regra não esclarecer o meio hábil para o exercício de ambas as pretensões, por sinal cumuláveis na forma do art. 326 do CPC/2015 (cumulação subsidiária), parece flagrante que semelhantes pretensões não comportam inserção no processo pendente, motivo por que hão de ser deduzidas incidentalmente, distribuídas por dependência ao mesmo juízo. Em tal hipótese, formulado pedido reivindicatório, os efeitos da sentença porventura emitida no processo subsequente serão projetados no resultado da demarcação, alterando-o no todo ou em parte; por esse motivo, convém que se suspenda a divisão até que se resolva, definitivamente, a questão dominial. 2.1 Julgamento das ações cumuladas O caput do art. 572 do CPC/2015 não esclarece nem permite inferir uma diretriz segura a respeito do julgamento previsto no § 1º do art. 572 do
CPC/2015, com relação ao problema fundamental da cumulação sucessiva peculiar prevista no art. 570 do CPC/2015: a oportunidade do julgamento da demarcação, que há de anteceder, logicamente, a divisão – na prática, a fixação dos marcos delimita os imóveis –, mas que pode ser feito em ato único, formalmente, ou em provimentos separados. O § 1º do art. 572 do CPC/2015 é regra redundante. Parece óbvio que, subsistindo o condomínio, e considerando desfalcado o confinante em seu domínio, cabe-lhe promover a reivindicação, obrigatoriamente, perante todos eles, em litisconsórcio passivo necessário. Feita a divisão, talvez a pretensão não envolva todos, pois a área usurpada ficou com um só ou com mais de um dos antigos comunheiros, mas não em todos os quinhões. Trata-se de simples explicitação do que já resultaria do desfecho da pretensão à divisão. De regra, a lei processual não apraz pronunciamentos em oportunidades distintas, como acontece na hipótese de reunião dos processos, em decorrência da conexão ou da continência, conforme resulta dos arts. 57 e 58 do CPC/2015. Os motivos são óbvios: a finalidade da reunião se perderia se, ao fim e ao cabo, o juiz emitisse pronunciamentos contraditórios. O § 2º do art. 572 do CPC/2015, porém, trata da eficácia da sentença da reivindicatória, dada entre o confinante e reivindicante e os antigos condôminos em cujos quinhões, após a sentença divisória, situou-se a área desfalcada. Após o julgamento pela procedência do pedido de reivindicação e de indenização pelo equivalente, conforme o caso, além do pedido (cumulável) de perdas e danos, num e noutro caso, o § 2º agregou um efeito anexo, pois independentemente de pedido, perante terceiros, a sentença valerá como título executivo perante os antigos condôminos ausentes, e seus sucessores a título universal, caso premortos, a fim de que os que
sucumbiram possam obter a devida compensação em área ou em dinheiro. Nesse sentido, torna-se desnecessária a denunciação da lide. É erro, salvo engano, exigi-la no caso expresso da regra. Porém, se os antigos condôminos alienaram a sua parte divisa a terceiros, o sucessor a título singular deverá ser denunciado, pois a eles não se aplica a regra. No caso do art. 570 do CPC/2015 parece que há, portanto, duas sentenças apeláveis em momentos sucessivos. Em primeiro lugar, o juiz julgará a demarcação; transitado em julgado tal pronunciamento, passará à divisão, por sua vez objeto de sentença ulterior. É de notar que eventual recurso de apelação não é dotado de efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º, I, do CPC/2015). 3. Demarcação e divisão extrajudicial O CPC/2015 inovou ao estatuir a possibilidade de a demarcação e a divisão serem realizadas extrajudicialmente. Prevê o art. 571 do CPC/2015 que “a demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados, observandose, no que couber, os dispositivos deste Capítulo”. Com relação à capacidade, trata-se da capacidade civil, prevista nos arts. 3º e 4º do Código Civil, devendo os condôminos e ou confinantes ser todos maiores e capazes para que a demarcação e/ou a divisão seja feita por escritura pública, sem a necessidade de instauração do procedimento judicial, na forma prevista nos arts. 569 e seguintes do CPC/2015. 4. A ação demarcatória 4.1 Cabimento O art. 1.297, caput, do CC/2002 estabelece, em princípio, quatro hipóteses
em que o confinante pode obrigar o vizinho “a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios”: quando (a) não haja nenhuma linha divisória entre eles; (b) haja a necessidade de aviventar rumos apagados; (c) os marcos outrora existentes hajam sidos destruídos; (d) os marcos outrora existentes estejam arruinados. Por sua vez, o art. 569, I, do CPC/2015 alude à fixação de novos limites e à aviventação dos limites apagados. A redação da lei processual é, em parte, superior. A aviventação dos limites apagados compreende, nitidamente, tanto a reconstrução da linha divisória apagada quanto a renovação ou aviventação dos limites preexistentes, porque os respectivos marcos foram destruídos e arruinados. Por outro lado, nem sempre há fixação de “novos” limites, porque já existiram divisas nítidas, sendo necessário apenas aviventar os velhos limites, não se renovam “rumos”. O rumo é algo imaginário, reproduzido no terreno através da cravação de marcos, e, assim, na realidade aviventam-se linhas divisórias (representadas, no terreno, pelos marcos) apagadas. Essas considerações permitem reduzir o cabimento da demarcatória às seguintes hipóteses: (a) proceder à demarcação entre dois prédios que jamais tiveram seus limites predeterminados, ou seja, fixar “novos limites”; (b) aviventar limites apagados; (c) renovar marcos destruídos ou arruinados. A aviventação dos limites compreende a reconstrução da linha e a renovação dos marcos. A demarcatória tem lugar quando há, entre prédios vizinhos, confusão de limites. E, para estabelecer ou restaurar a linha, no terreno, constituem-se, aviventam-se ou renovam-se os limites – operações materiais recordadas nos verbos empregados no art. 574 do CPC/2015. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
admitir a demarcatória que, existindo limites definidos, não haja correspondência entre as divisas e os títulos de domínio1. A demarcatória serve para controverter a linde entre os prédios confinantes, jamais o locus, ou seja, deliberar a respeito do domínio, e esse elemento integra a causa de pedir. Mas, pretendendo o confinante a restituição de certa área, esbulhada pelo vizinho, o que pressupõe individualização precisa do perímetro do imóvel, há que deduzir contra ele a pretensão reivindicatória. No entanto, em consequência da fixação dos limites, eventualmente um dos confinantes obterá a restituição de área. Por essa razão, compreende-se que uma das barreiras a essa pretensão decorra do fato de o vizinho ter usucapido certa área, alegação própria da contestação. Por outro lado, a demarcação pode ser total ou parcial (art. 570 do CPC/2015). É parcial nos casos em que uma das hipóteses de cabimento se verifique em relação à parte da divisa. Por exemplo, os títulos assinalam como limite determinado arroio, que se bifurca, todavia, a partir de certo ponto, retomando a um leito comum posteriormente. Pode acontecer, então, a necessidade de demarcar essa área intermediária. 4.2 Legitimidade O inciso I do art. 569 do CPC/2015 estabelece a capacidade para conduzir o processo na demarcatória. Nos termos do referido dispositivo, à demarcatória se legitima, ativamente, o proprietário. Logo, a legitimidade pressupõe a existência de ius in re sobre a coisa. Não é necessário, no entanto, que seja proprietário exclusivo. Legitima-se, por igual, o titular de promessa de compra e venda registrada. Não se pode excluir, a priori, a legitimidade dos possuidores, quer na
demarcação, quer na divisão. Apesar de não se discutir o domínio nos autos da ação demarcatória, é permitido ao juiz que, ao determinar a restituição de área invadida, declare o domínio ou a posse do prejudicado (art. 581, parágrafo único, do CPC/2015). É claro que, em termos de vinculação, a coisa julgada operará entre tais pessoas, sem os atributos inerentes à eficácia real. Passivamente, legitimam-se os donos dos imóveis vizinhos. No caso da ação demarcatória hão de figurar os titulares do domínio. É digno de nota o problema suscitado na configuração do litisconsórcio passivo na demarcatória. Figure-se o caso de o autor A do imóvel x pretender demarcar a divisa norte do seu imóvel, que confronta com os imóveis y e z. Em tal caso, os donos B e C dos imóveis y e z são litisconsortes passivos necessários na demarcatória movida por A. Porém, se A pretende extremar a divisa norte do imóvel x, e, nessa linha, ele confina tão só com o imóvel y, cujo dono é B, e, também, a divisa sul, caso em que imóvel x confina com o imóvel z, cujo dono é C, a situação muda de figura. Não há litisconsórcio entre B e C, pois cada qual responderá a uma demanda diversa, objetivamente cumulada. 4.2.1 Legitimidade do condômino O condômino legitima-se individualmente a promover a demarcação do imóvel em proveito comum. A parte inicial do art. 575 do CPC/2015 constitui simples enunciação da regra geral de legitimidade. O condômino pode exercer isoladamente os direitos compatíveis com a indivisão (art. 1.314, caput, do CC/2002), e, entre eles, o de demarcar. É possível que todos os condôminos, entrando em acordo, ingressem em juízo
contra o confinante, formando litisconsórcio ativo facultativo. Entretanto, optando um deles por pleitear a demarcação em nome próprio e sozinho, dispensa-se o consentimento dos demais. A parte final do art. 575 do CPC/2015 suscita dúvida, prevendo a citação dos condôminos inicialmente omissos. Por um lado, o mesmo dispositivo permite que qualquer condômino, individualmente, requeira a demarcação do imóvel comum, resolvendo o problema da constituição do litisconsórcio ativo obrigatório. É a linha tradicional do direito substantivo; por exemplo, nas obrigações solidárias cada um dos credores tem o direito de exigir a prestação por inteiro do devedor comum (art. 267 do CC/2002); e cada um dos condôminos pode reivindicar a coisa comum de terceiro (art. 1.314, caput, do CC/2002). O objetivo do art. 575 do CPC/2015 consiste em evitar a obrigatoriedade de demanda conjunta, impondo o constrangimento de alguém litigar contra a sua vontade como autor, sentindo o desconforto que é próprio do réu. Dificilmente se poderia esperar que essa pessoa, indiferente e, eventualmente, de má vontade, se desincumbisse a contento dos ônus que tocam ao autor. Em casos extremos, como acontece na relação conjugal, o juiz suprirá o consentimento injustamente negado pelo consorte, e o cônjuge litigará sozinho. De outro lado, o art. 575 do CPC/2015 exige a citação dos demais condôminos como litisconsortes, para que, havendo interesse, intervenham no processo. Não se pode atribuir ao preceito do art. 575 do CPC/2015 o propósito de transformar os condôminos omissos, eventualmente dissidentes quanto à oportunidade ou à justiça da pretensão demarcatória, em autores forçados e responsáveis pelo custo financeiro do processo, compulsoriamente, em
desacordo com as regras de direito material que distribuem as despesas do condômino. Em que pese opinião contrária geral, a citação prevista no referido dispositivo só pode ser para integrar o polo passivo da demanda demarcatória, opondo-se os citandos à pretensão. É lícito ao condômino, por exemplo, alegar que inexiste confusão de limites entre os prédios. O máximo a que se pode chegar, como em outras situações (por exemplo, a da pessoa jurídica cujo ato é objeto de ação popular, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei n. 4.717/65), é confiar à iniciativa do condômino citado a escolha da posição que pretende ocupar, associando-se, ou não, à iniciativa do consorte que figura como autor. 4.2.2 Litisconsórcio obrigatório decorrente da natureza real da ação demarcatória Independentemente do pedido concretamente formulado, na sua especificação (art. 319, IV, do CPC/2015), ação que “verse sobre direito real imobiliário”, impõe a integração processual das pessoas casadas pela obrigatória participação do cônjuge, a teor do art. 73, caput, § 1º, I, do CPC/2015. Por decorrência, a competência se governa pelo art. 47, caput e § 1º, do CPC/2015, e é absoluta. 4.3 Petição inicial A petição inicial da demarcatória deve conter os requisitos previstos nos arts. 319 e 320 do CPC/2015. O art. 574 do CPC/2015 aduz alguns elementos suplementares. Exige-se, em primeiro lugar, a apresentação dos títulos de propriedade, porque a legitimidade ativa e passiva pressupõe o domínio ou o direito real à
aquisição do promitente comprador. Por exceção, cabe demarcação entre possuidores, e, nesse caso, desaparece a pertinência do requisito. Ressalte-se que a falta de prova do domínio importará a extinção do processo2. Os imóveis serão individualizados pela situação, retirada do álbum imobiliário, e pela denominação (por exemplo, Fazenda Real). Por fim, o art. 574 do CPC/2015 exige que o autor descreva, na medida do possível, os limites que se hão de constituir, aviventar ou renovar, apontando os confinantes de cada trecho, quando houver mais de um réu. A demarcação pode não envolver todos os limites do imóvel, no entanto, nas hipóteses que envolverem trechos em que houver mais de um confinante, eles serão nomeados partes passivas, em litisconsórcio. Nem sempre se mostrará possível descrever o limite desejável, uma vez que a ignorância quanto aos limites reais é um dos pressupostos da demarcação. Se o autor conhece os limites e a porção que lhe cabe, urge reivindicar a área usurpada, e não demarcá-la. O único modo de superar a impropriedade, nesse tópico, consiste em atribuir ao autor o ônus de descrever a linha que entende correta na área litigiosa, sobre a qual nenhuma das partes exercita posse. Os trabalhos de demarcação envolverão essa área litigiosa e sobre ela recairão. É dispensável, portanto, discrição minuciosa ou não da linha demarcatória pleiteada, pois é o trabalho dos peritos que a levantará. A exclusividade inerente ao domínio pressupõe certeza quanto à individualização do seu objeto. No tocante aos bens móveis, a estrutura da coisa revela-se intrínseca à individualização. Os imóveis, porém, carecem de a extensão ser definida dentro dos quatro pontos cardeais. Esse dado resulta dos limites, que são linhas que separam certo prédio dos que o circundam. Do
ponto de vista objetivo, os limites são as linhas reais que separam os prédios. Os limites podem ser de duas espécies: (a) naturais (por exemplo, um arroio); e (b) artificiais (por exemplo, o marco cravado no terreno). A origem desses limites é muito variada. Decorre do registro do álbum imobiliário, da posse, da acessão e do direito hereditário. 4.4 Citação O art. 576 do CPC/2015 determina que os réus sejam citados na forma disposta no art. 247 do CPC/2015, e o parágrafo único prevê a publicação de edital para a citação dos réus em “qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação do processo, de interessados incertos ou desconhecidos” (art. 259, III, do CPC/2015). Nesse sentido, o CPC/2015 alterou significativamente a forma de citação prevista no art. 953 do CPC/73, que determinava a citação por edital dos réus, ainda que conhecidos, desde que residissem em comarca diversa. Àquela época já ponderávamos sobre a inconstitucionalidade e a grave suspeita de dificultar o acesso à justiça desproporcional de réus domiciliados em lugar acessível e identificado. O prazo para contestação dos réus é de quinze dias (art. 577 do CPC/2015) e deve ser contado ordinariamente (arts. 231 e 224 do CPC/2015), respeitadas as exceções do art. 191 do CPC/2015, e na hipótese da citação por edital, aplicando-se a regra prevista no inciso IV do art. 257 do CPC/2015. 4.5 Resposta O conteúdo da defesa do réu, veiculada através da contestação, é comum, comportando defesa processual (dilatória e peremptória), bem como as
alegações preliminares (art. 337 do CPC/2015), e defesa de mérito direta e indireta, aquela mediante impugnação específica (art. 341 do CPC/2015). Diante da incidência do princípio da eventualidade (art. 336 do CPC/2015), cabe ao réu alegar em contestação toda matéria de defesa, inclusive eventual usucapião (Súmula 237 do STF3). O caráter dúplice da demarcatória que, perante a confusão de limites, outorgará o que for devido ao réu, na oportunidade em que o juiz fixar a linha (art. 581 do CPC/2015), torna a reconvenção, de ordinário, desnecessária desse ponto de vista. Nada, no procedimento da demarcatória, e, a fortiori, da divisória, impede a cumulação superveniente de pretensões por iniciativa do réu. Assim, opondo-se à demarcação, e imputando ao autor o esbulho, o réu pode reconvir para pleitear perdas e danos. 4.5.1 Revelia Nas ações de demarcação, é comum que haja litisconsórcio passivo. Nessas hipóteses, ainda que haja eventual revelia de um dos réus, não se pode aplicar os efeitos previstos no art. 344 do CPC/2015. Em verdade, independentemente de manifestação dos réus, tratando-se de imóvel que não se enquadre na hipótese do art. 573 do CPC/2015, o juiz não poderá proferir decisão sem determinar a perícia, conforme impõe o art. 579 do CPC/2015. Na hipótese de ser dispensável a produção de prova, com base nos documentos acostados aos autos, o juiz poderá proferir decisão sem que haja a produção de provas. 4.6 Instrução do processo Após o prazo para a apresentação de resposta pelo(s) réu(s), determina o art. 578 do CPC/2015 que o procedimento a ser observado é o comum. Por
esse motivo, fica subentendido que na demarcatória o procedimento se reparte em duas fases: na primeira, acerta-se o direito à demarcação, fixandose a divisa hipotética; na segunda, realiza-se a demarcação propriamente dita, transformando a regra jurídica concreta em realidade. É o que sugere a designação pelo juiz de um ou mais peritos para levantarem a linha demarcanda, segundo o art. 579 do CPC/2015. Reconheceu o Superior Tribunal de Justiça4 essa divisão, perante análoga repartição de fases na divisória. Como já dito, o juiz não poderá proferir a “sentença definitiva”, que encerrará o procedimento, sem levantar o traçado da linha a ser demarcada, objetivo precípuo da demarcatória, independentemente da ocorrência da revelia. Para tal arte, deverá nomear um ou dois peritos. É que se trata de prova pericial sui generis, exigindo a participação de mais de um perito, ou entendido de fato, para atividades diversas, mas complementares. O agrimensor é responsável pela fixação da linha divisória, valendo-se dos dados mencionados no art. 580 do CPC/2015, lançando o traçado da linha demarcatória, e o perito, pelo seu levantamento. 4.6.1 Escolha do perito e a indicação dos assistentes Os peritos são de livre escolha do juiz. A escolha se mostra discricionária, pois a escolha de uma pessoa, devidamente habilitada e qualificada, em detrimento de outra, basear-se-á na íntima convicção do magistrado. No entanto, o § 1º do art. 156 do CPC/2015 traça o limite à livre escolha do juiz, restringindo a discrição na indicação. Adotou-se o sistema da habilitação, rompendo com o da liberdade irrestrita.
É preciso que a designação recaia sobre profissional (a) de nível universitário (por exemplo, engenheiro); (b) inscrito no respectivo órgão de classe (por exemplo, Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – Crea); e (c) especialista na área específica em que recairá o objeto da perícia. O perito deverá estar devidamente inscrito em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. Não há motivo plausível para recusar às partes a indicação de assistente(s) técnico(s) (art. 465, § 1º, I, do CPC/2015) ou de produzirem pareceres escritos. Não se formulam, necessariamente, quesitos. Os trabalhos prescindem de quesitos orientadores, porque o objetivo é unívoco: traçar a divisa. 4.6.2 Laudo O laudo a que alude o art. 580 do CPC/2015 é de autoria dos peritos. A regra exige que esse laudo indique o traçado da linha demarcatória, já que esse é o objetivo do trabalho inicial da perícia. Para essa finalidade, o laudo há de, minuciosamente, motivar a escolha, considerando os dados pertinentes: os títulos de domínio, os marcos porventura existentes e não completamente destruídos ou arruinados, a fama da vizinhança (por exemplo, a fazenda x terminava, segundo a opinião de A, B e C, no arroio y), as informações dos antigos moradores e trabalhadores – quando houver – do lugar e “outros elementos que coligirem” (por exemplo, mapas antigos, depositados no arquivo público). As pessoas que prestaram informações orais hão de ser identificadas conforme exigência do art. 47 do Decreto n. 720/1890. Não é incomum que os peritos, não decidindo convergentemente,
apresentem duas ou mais proposições de traçado para as linhas divisórias. O juiz dará a palavra final, escolhendo a melhor. Os peritos consideram, em primeiro lugar, o domínio e, depois, a posse. Às vezes, o caráter da posse não lhes parece claro, e, assim, propõem uma linha segundo a posse e uma linha alternativa, dividindo a área entre os litigantes, conforme preconiza o art. 1.298 do CC/2002. O perito anexará ao laudo, devidamente assinados, a planta da região e o memorial das operações de campo (art. 583 do CPC/2015). É indispensável facultar às partes a consulta aos dados tomados, anotados nas cadernetas de campo, a fim de que possam impugnar as conclusões. Para chegar a elaborar a planta e o memorial, o perito recolhe o que foi deliberado e sugerido, transformando-os em linha palpável sobre a área. Então, fazendo medidas e operações geodésicas, desenhará e descreverá, segundo os princípios da respectiva ciência, a área litigiosa, sobrepondo-lhe a divisa sugerida. Compreende-se o seguinte: (a) planta é a representação gráfica do terreno, na área litigiosa, mediante indicação da posição geográfica e dos acidentes topográficos relevantes – desníveis do soldo, construções, valos, cercas, muros e correntes de água –, indicando, outrossim, o perímetro e a área dos imóveis envolvidos; (b) memorial descritivo é o relatório escrito em que o perito descreve o processo para alcançar o resultado indicado; (c) cadernetas de campo são os cadernos em que o perito, com o emprego do equipamento próprio, anota os dados, retratando o histórico da perícia planimétrica. 4.6.3 Manifestação das partes A respeito do trabalho apresentado pelo(s) perito(s), incorporado ao laudo,
o juiz mandará intimar as partes para se manifestarem no prazo comum de quinze dias (art. 586 do CPC/2015), sendo lícito ao réu revel manifestar-se acerca da perícia, em igualdade de condições, apontando defeitos, erros e vícios na perícia. É momento oportuno para apresentar parecer técnico divergente e, se for o caso, insistir na produção de prova oral em audiência. O juiz avaliará a admissibilidade das provas, indeferindo as diligências inúteis e as provas protelatórias (art. 370 do CPC/2015). 4.7 Sentença demarcatória Feita a instrução, restrita ou não à perícia do art. 579 do CPC/2015, e haja ou não revelia, caberá ao juiz formular a regra jurídica concreta mediante sentença, traçando, hipoteticamente, a linha divisória, posteriormente materializada na fase executiva. A sentença na ação demarcatória que acolher o pedido define o local onde deverão ser constituídos, aviventados ou renovados os limites físicos entre os prédios. É o seu efeito típico e obrigatório, expresso na fórmula verbal “determinará o traçado da linha demarcanda” (art. 581 do CPC/2015). Após, deverá ser executada, cabendo ao perito colocar os marcos necessários para efetivar o comando sentencial (art. 582 do CPC/2015). É claro que, também na demarcatória, o juiz não está adstrito ao laudo dos arbitradores. Porém, deverá motivar o dissenso à luz dos elementos probatórios dos autos, o que se mostra difícil, em razão do caráter técnico da questão de fato. O critério legal, igualmente seguido pelos arbitradores, deriva do art. 1.298 do CC/2002: os limites se “determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo
possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro”. Em relação ao art. 570 do CC/2016, a distribuição não é proporcional, mas “por partes iguais”, tema que suscitou controvérsia, ante a dificuldade em estabelecer a base da proporção (área ou testada). O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, na vigência do CPC/73, que não contraria o art. 580 do CPC/2015 “a decisão que estabelece o traçado da linha demarcada com pequena divergência em relação ao título de domínio dos promoventes, ante a limitação imposta pelo pedido inicial e ainda porque o laudo dos arbitradores não se encontra adstrito a esse único elemento”5. Não é sentença parcial de mérito porque não haverá mérito, posteriormente, para ser julgado. A sentença que julga o pedido de demarcação procedente (art. 581 do CPC/2015) julga o mérito da demanda, passando-se à fase executiva para o cumprimento da decisão, até a prolação de sentença homologatória (art. 587 do CPC/2015) – que equivale, na execução por quantia certa, à do art. 924 do CPC/2015. Da sentença que julga procedente o pedido de demarcação caberá recurso de apelação com efeito suspensivo (arts. 1.009 e 1.012 do CPC/2015). O art. 582 do CPC/2015 subordina a eficácia do ato decisório previsto no art. 581 do CPC/2015 ao respectivo trânsito em julgado. 4.8 Procedimento após a demarcação 4.8.1 Operações técnicas do procedimento A cravação dos marcos se destina a materializar a linha divisória definida na sentença. Para essa finalidade, seguirá as operações técnicas previstas no art. 584 do CPC/2015, a saber: (a) cravação do marco na estação inicial, chamado de marco primordial; e (b) cravação de marcos terminais nos
vértices dos ângulos. Raramente os peritos adotam uma linha reta. O ponto de partida será o marco primordial, facilmente identificável, e em geral acompanham esse marco, em pontos equidistantes, quatro marcos secundários, indicando os pontos cardeais. Os marcos terminais representam os ângulos da linha demarcada, que é uma figura geométrica correspondente a uma sucessão de pontos. Do marco inicial até o último define-se a linha divisória. Por exceção, reza o art. 584 do CPC/2015, a cravação de marcos artificiais criados pela indústria humana, no curso da linha, pode ser substituída pela adoção de acidente natural (por exemplo, uma pedra de porte aflorada no terreno, um valo e assim por diante) de difícil remoção ou destruição. A quantidade de marcos dependerá, em última análise, do recorte da linha divisória prescrita na sentença. Findo o trabalho, o perito requererá a juntada da planta, das cadernetas e do memorial aos autos. Só no caso de o juiz acolher alguma reclamação, identificando imperfeições, erros ou desobediência ao traçado na sentença, é que o perito retornará ao campo. 4.8.2 Verificação das linhas divisórias A atividade dos peritos é de controle do trabalho de campo realizado pelo agrimensor – que é responsável única e exclusivamente pela elaboração da planta e do memorial descritivo. De acordo com o art. 585 do CPC/2015, compete aos peritos: (a) percorrer a linha assinalada; (b) examinar os marcos e os rumos, segundo a planta e o memorial; (c) elaborar relatório, manifestando integral concordância ou apontando os motivos de dissenso. O referido dispositivo esclarece, ainda, a esfera de atuação dos técnicos. O
agrimensor é o agente da execução, efetivando a linha divisória prevista e projetada; os peritos, na fase executiva, exercem controle, sem adentrar na área técnica (por exemplo, conferindo os cálculos, aferindo aparelhos). Não há previsão de as partes acompanharem essas diligências. Nada impede, entretanto, que percorram a linha, colhendo impressões pessoas, a fim de subsidiar os advogados em suas reclamações. Dificilmente sopitarão a vontade de verificar, in loco, o que ganharam ou que perderam, lastimando, por exemplo, a localização de certa figueira no lado do vizinho. É imperioso, entretanto, que se abstenham de intervir no trabalho do agrimensor, essencialmente técnico, oferecendo sugestões práticas que perturbem a atividade. Tampouco há previsão para o juiz percorrer a linha durante ou depois da cravação dos marcos. Faculta-se ao órgão judiciário, porém, esse acompanhamento pessoal decisivo. É a ele que se endereça o relatório dos peritos (art. 586 do CPC/2015), peça essencialmente informativa. De resto, as partes podem requerer a inspeção de que trata o art. 481 do CPC/2015, antes ou depois de apresentarem reclamações. 4.8.3 Manifestação das partes acerca do relatório de verificação das linhas Feito o relatório dos peritos e requerida a juntada aos autos, convergindo com a atividade do agrimensor ou apontando-lhe equívocos e incorreções, cumpre ao juiz abrir o prazo de quinze dias para as partes se manifestarem acerca da perfeição do ato executivo. Essa audiência, que abre incidente de cumprimento, análogo ao do art. 818 do CPC/2015, é obrigatória. Eventual preterição, associada ao prejuízo da parte, acarretará error in procedendo. O decêndio se conta de forma ordinária (art. 224 do CPC/2015).
Em tal prazo, as partes podem apresentar reclamações, apontando divergência entre a execução da linha sobre o terreno e a linha divisória definida na sentença do art. 581 do CPC/2015, cotejando a perícia e o relatório dos peritos, à luz da planta, do memorial e das cadernetas. É por essa razão que esses elementos são carreados aos autos e apreciados pelo juiz, que, se for o caso, ordenará ao agrimensor que realize, sob a fiscalização dos peritos, as correções e as retificações adequadas. 4.8.4 Lavratura do auto de demarcação Resolvido o incidente de cumprimento, o parágrafo único do art. 586 do CPC/2015 determina que o escrivão lavre a peça que documentará os atos executivos, designada “auto de demarcação”. E a regra prescreve o conteúdo desse auto, exigindo a minuciosa descrição dos limites demarcandos, de acordo com a planta e o memorial, corrigidos segundo a decisão proferida perante as reclamações. Entende-se por tal a identificação dos marcos, a partir do marco primordial. O auto de demarcação será datado e assinado pelo juiz, pelo agrimensor e pelo(s) perito(s). 4.9 Sentença de encerramento da execução demarcatória Assinado o auto, o juiz proferirá sentença, que o art. 587 do CPC/2015 designa “homologatória”. Na verdade, após o trânsito em julgado do provimento previsto no art. 581 do CPC/2015, que formula a regra jurídica concreta, ou seja, fixa a linha que constituirá, aviventará ou renovará os limites entre os prédios, inicia-se a fase de execução, in simultaneo processu. Essa fase se encerra com a emissão de sentença que incorpora o auto mencionado no parágrafo único do art. 586 do CPC/2015. É sentença equivalente à do art. 924 do CPC/2015.
A essa altura, difundida a classificação das ações e sentenças em cinco classes (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental), os erros nessa matéria se tornaram mais sutis e insidiosos. Dizer, por exemplo, que desapareceu a sentença condenatória, porque todas se transformaram em executivas, representa erro crasso. Não se pode eliminar, porque haurida do direito material, a diferença entre a sentença com força executiva, em que os atos de cumprimento recairão sobre bens do vencedor, e a sentença sem tal marca, mas com efeito executivo, cuja execução recairá sobre os bens do vencido, e, portanto, dependerá da existência desses bens e necessitará que, entre eles, existam bens penhoráveis. A ação demarcatória é da primeira espécie. É ação real e com força executiva, na qual os atos de execução recaem sobre o bem do autor vitorioso. Mas, como tudo o que inicia fatalmente acabará, finda a atividade executiva, encerrados os trabalhos de campo, e atestado esse encerramento mediante o auto de demarcação do art. 586 do CPC/2015, resta ao juiz dar por finda atividade jurisdicional mediante o ato decisório do art. 587 do CPC/2015. Presumivelmente, muito tempo decorreu entre o ingresso da demarcatória e esse solene momento. Em boa hora, uma vez que a lei marcou-o com tal sentença. Não é ela homologatória de negócio jurídico das partes, ao qual o juiz fornece a chancela estatal, mas integrativa da entrega da prestação jurisdicional executiva. Dessa sentença, cabe apelação sem efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º, I, do CPC/2015). E ela adquire a autoridade de coisa julgada. Por esse motivo, contra ela não cabe a ação anulatória do art. 966, § 4º, do CPC/2015, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça6. 5. A ação divisória
5.1 Cabimento A ação de divisão (communi dividundo) pressupõe coisa em condomínio. Não se presta a repartir as universalidades de fato ou de direito. Na hipótese da herança, cabe ação divisória pelos herdeiros, após a partilha e a divisão dos quinhões de imóvel. Em princípio, a divisão é total, mas pode suceder que somente um dos condôminos pretenda se desligar dos demais. Em tal hipótese, é possível que, mediante a participação de todos os condôminos, porque o objeto da divisão é todo o imóvel, e localizados geodesicamente os respectivos quinhões, dois ou mais manifestem a intenção de permanecerem em condomínio. Esta resultará da divisão de todo o imóvel, pois a divisão sempre importa a perda da propriedade indivisa como um todo, e na atribuição a cada qual do seu quinhão, posteriormente reunidos por conveniência de dois ou mais, desligando-se, em consequência, o dissidente. Concebe-se que a divisão seja material ou juridicamente impossível. Os imóveis urbanos não podem ser retalhados em parcelas menores que o gabarito legalmente fixado, nem os imóveis rurais em parcelas inferiores ao módulo em vigor na região. E, materialmente, talvez a coisa não comporte divisão, porque nela há acessão indivisível. Segundo a lei civil, são indivisíveis os bens que, fracionados, sofram alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo ao uso da que se destinam (art. 87 do CC/2002). Em tal hipótese, incidirá o art. 1.322 do CC/2002, que determina que ou o bem é adjudicado a um só, mediante consenso dos consortes, indenizados os demais, ou haverá alienação pública, garantida a preferência dos condôminos na forma traçada na regra.
5.2 Legitimidade O inciso II do art. 569 do CPC/2015 trata da legitimidade ativa para propor a ação divisória. Garante-se a legitimidade ativa para o condômino que pretende obrigar os demais a estremar os quinhões. No polo passivo da ação divisória, devem figurar os condôminos, não sendo legitimados os simples possuidores, seja qual for o título da posse, exceto quando a demanda tiver como objetivo a demarcação ou divisão de posses. 5.3 Petição inicial Além dos requisitos comuns e gerais do art. 319 do CPC/2015, o art. 588 do CPC/2015 institui requisitos suplementares, que atendem à especificidade da divisória. Em primeiro lugar, o caput do art. 588 do CPC/2015 exige a apresentação dos títulos de domínio do autor na inicial. Trata-se, portanto, de documento obrigatório (art. 320 do CPC/2015), e a ausência desse documento poderá induzir ao indeferimento da petição inicial (art. 321 do CPC/2015). A indicação da origem da comunhão e a denominação da situação, exigências do inciso I do art. 588 do CPC/2015, podem ser dispensadas quando a pretensão da ação divisória for a posse, uma vez que o título de aquisição já demonstrará a origem da comunhão. Por exemplo, o autor adquiriu o imóvel após partilha e registro do respectivo formal. Logo, a comunhão tem origem em sucessão universal. A juntada dos títulos de domínio é reclamada duas vezes no rito especial. Além do art. 588, caput, do CPC/2015 relativamente ao autor e do art. 434 do CPC/2015 quanto ao réu, o art. 591 do CPC/2015 renova a exigência.
A insistência para a apresentação dos títulos de domínio se prende ao fato de que eles se mostram indispensáveis à apuração das contas individuais de cada condômino, através das quais, levantadas as aquisições e alienações desde a origem, define-se a cota atual de cada condômino no imóvel. O fato de que esse percentual presidirá a divisão demonstra o singular relevo emprestado à apresentação dos títulos. O Superior Tribunal de Justiça estimou, desde a vigência do CPC/73, que “o formal de partilha que adjudicou os bens da herança, em condomínio pro indiviso a todos os herdeiros, em partes iguais, embora não registrado, é título hábil a instruir a ação de divisão ajuizada apenas entre esses herdeiros, posto constituir ele prova suficiente do domínio e da origem da comunhão (art. 946, II, do CPC [art. 569, II, do CPC/2015])”7. É necessário, ainda, que a individualização do imóvel se dê através de elementos como: (a) denominação (por exemplo, “Fazenda da Invernada”); (b) situação e limites, dados constantes do título de domínio, e nenhuma divisa pode se apresentar indefinida, porque a confusão exigiria a prévia demarcação, no mínimo sob a modalidade da cumulação sucessiva prevista no art. 570 do CPC/2015; (c) características do imóvel, abrangendo a natureza e a conformação do solo; as áreas próprias para agricultura e pecuária; as áreas inaproveitáveis para uma e outra atividades, porque rochosas ou acidentadas; os mananciais de água e os cursos de água que banhem a área ou sirvam-lhe de limite; bosques e matas, nativas ou não, bem como sua localização na propriedade; as acessões e instalações produtivas. O inciso II do art. 588 do CPC/2015 prevê o requisito da identificação de todos os condôminos, com seu estado civil, profissão e residência, e relaciona-se ao fato de um ou mais dos réus estarem estabelecidos no objeto
da divisória, sendo proprietários de culturas e benfeitorias. Essas circunstâncias precisam ser explicitadas, bem como descritas as culturas e benfeitorias. Naturalmente, não cabe exigir o requisito da parte final do art. 588, II, do CPC/2015, na hipótese de o possuidor da coisa comum figurar como autor, e não réu, na divisória. É imprescindível que o autor descreva as benfeitorias de propriedade isolada dos condôminos que efetivamente ocupam e exploram a área, conforme exigência do art. 588, III, do CPC/2015. Esqueceu o art. 588 do CPC/2015, no tocante às benfeitorias, uma relevante situação intermediária: benfeitorias e acessões feitas por um dos condôminos que, todavia, não ocupa a área. Facilmente se compreende que um dos condôminos, apesar de alheio ao agronegócio, edifique casa de veraneio, com o propósito de desfrutar os ares do campo ou a vista aprazível nos fins de semana. Por óbvio, essas benfeitorias e acessões, como tudo quanto seja concernente ao imóvel, hão de ser arroladas e identificadas. Elas não entrarão na divisão, no entanto a existência de benfeitorias particulares constitui critério para o juiz atribuir o quinhão, conforme se depreende do art. 595 do CPC/2015. A petição inicial da divisória deve passar pelo controle do juiz, ao primeiro contato com os autos, a fim de verificar o atendimento dos imprescindíveis requisitos específicos do art. 588 do CPC/2015. O juiz negará seguimento à petição inicial desacompanhada desses requisitos, abrindo o prazo de quinze dias para emendas (art. 321 do CPC/2015), sob pena de indeferimento da inicial. 5.4 Citação
O procedimento da pretensão à divisão do imóvel comum é idêntico, em linhas gerais, ao da demarcatória. Há uma primeira fase, encerrada com a formulação da regra jurídica concreta, ou seja, com a definição dos quinhões dos condôminos, posteriormente executada no terreno, com a marcação das linhas divisórias. Por esse motivo, o art. 589 do CPC/2015 faz remissão aos arts. 579, 577 e 579 do CPC/2015, que tratam do procedimento da ação demarcatória. O art. 576 do CPC/2015 determina a citação dos réus na forma do art. 247 do CPC/2015, e, na hipótese de réus em “interessados incertos ou desconhecidos”, a citação por edital, na forma do art. 259, III, do CPC/2015 (art. 547, parágrafo único, do CPC/2015). O prazo para contestação dos réus, assim como na ação demarcatória, é de quinze dias (art. 577 do CPC/2015) contados ordinariamente (arts. 231 e 224 do CPC/2015). 5.5 Resposta do réu Cabem, assim como na ação demarcatória, todas as alegações de defesa por parte do(s) réu(s), sejam elas matérias de direito material ou de direito processual (art. 327 do CPC/2015). No que tange à reconvenção, o caráter dúplice do objeto litigioso já assegura, independentemente de pedido específico e autônomo, o bem da vida ao réu, e, assim, para obter o quinhão que lhe é devido, segundo as melhores expectativas, a iniciativa reconvencional do réu é desnecessária. No entanto, na ação divisória, há um caso em que cabe, cristalinamente, a reconvenção: na hipótese de o possuidor do imóvel comum, ou seja, o condômino estabelecido no imóvel “com benfeitorias e culturas”, pedir a
divisão perante os demais. É lícito aos réus reconvir, pedindo indenização pelo tempo em que o consorte usufruiu sozinho da coisa comum. Nessas hipóteses, a jurisprudência inclina-se por indenizar os condôminos privados do uso da coisa sob a forma de aluguel, o que é impróprio, mas pode ser tolerado no caso de se prestar a indenizar, efetiva e cabalmente, os reconvintes. 5.5.1 Revelia Pode acontecer de um ou mais condôminos, apesar de devidamente citados, permanecerem inertes, culminando na revelia. Há revelia na divisória. Não bastasse o estado objetivo da inércia, por si só suficiente para caracterizá-la, acompanhada ou não do efeito material (art. 344 do CPC/2015). Apesar da inexistência do efeito material da revelia diante da necessidade de perícia – quando não houver incidência do art. 573 do CPC/2015 –, o problema reside nas consequências dessa revelia. A omissão do condômino, denotando desinteresse na partilha, implica a sua exclusão do processo divisório, que prosseguirá com efeito perante os outros participantes, e, dependendo do caso, o revel continuará condômino. No entanto, na hipótese de haverem outros condôminos e apenas um deles restar revel, é evidente que fatalmente haverá uma fração residual a favor do revel – condômino omisso – e, consequentemente, importará na possibilidade de divisão. Por esse motivo, para que o condomínio seja mantido, é necessária a inércia combinada de pelo menos dois condôminos, uma vez que nada justifica a exclusão dos condôminos omissos. Na realidade, o autor exerce um direito formativo, perante o qual os réus tão somente suportaram os efeitos, e esse direito não se cinge ao
desligamento da comunhão forçada, envolvendo, por igual, a extinção do próprio condomínio. O que pode acontecer é um negócio jurídico processual entre dois ou mais condôminos no sentido de permanecerem, nada obstante a definição de quinhões, ligados pro indiviso. De todo modo, a revelia de todos os réus não autoriza a abreviação do procedimento, nos termos do art. 355, II, do CPC/2015, conquanto a inércia implique a presunção do art. 344 do CPC/2015, e sem embargo da remissão do art. 578 do CPC/2015. Não há como julgar a divisória sem o juiz informar-se sobre a forma material dos quinhões permitida pelo terreno. 5.6 Instrução do processo O art. 589 do CPC/2015 realiza remissão ao art. 577, segundo o qual, havendo contestação (rectius: resposta), converter-se-á o procedimento em comum, o que se aceita em termos, porque a realização da perícia no imóvel para a definição dos quinhões é obrigatória quando se tratar de imóvel não georreferenciado e sem averbação no registro de imóveis, e, somente após a divisão é que o juiz poderá decidir sobre a divisão. 5.6.1 Escolha dos peritos e cabimento da indicação de assistente técnico das partes Da mesma forma que ocorre na ação demarcatória, após a apresentação da resposta, o juiz deverá nomear um ou mais peritos para que promova(m) a medição do imóvel (art. 590 do CPC/2015), bem como as operações de divisão do imóvel. Como já dito, a escolha dos peritos é de livre escolha do perito, sendo limitada pelo § 1º do art. 156 do CPC/2015, além da ausência de motivo plausível para a recusa na indicação de assistente técnico pelas partes (art.
465, § 1º, I, do CPC/2015) ou da produção de pareceres escritos. O parágrafo único do art. 590 do CPC/2015 prevê a forma que o perito deverá desenvolver seu trabalho, fornecendo informações que possam facilitar a partilha. 5.6.1.1 Medição da área A medição da área, em geral precedente à formulação dos pedidos de quinhões (art. 591 do CPC/2015), será realizada pelo(s) perito(s) escolhido(s) pelo juiz. É o início das operações de divisão, segundo proclama o art. 590 do CPC/2015, e, efetivamente, a execução seguirá as linhas traçadas nessa etapa prévia. 5.6.1.2 Imóvel indivisível É possível que, na medição, conclua-se no sentido da indivisibilidade do imóvel. Em tal hipótese, o juiz rejeitará o pedido, porque impossível, e condenará o autor nos ônus da sucumbência (art. 85 do CPC/2015). 5.6.2 Manifestação das partes sobre os quinhões Em
princípio,
o
juiz
só
mandará
intimar
os
condôminos,
independentemente da posição processual ocupada, para apresentarem seus títulos e formularem os pedidos de quinhões após a medição da área. O condômino revel não precisa ser intimado (art. 346 do CPC/2015), pois, como apontado no item 5.5.1 supra, ficará com a sobra. Por sinal, concebe-se que alguns ou nem todos os condôminos manifestem preferência, e, nada obstante, ao juiz caberá atribuir-lhes um dos quinhões delineados na medição prévia. No entanto, não está claro a que títulos o art. 591 do CPC/2015 alude. O
título de domínio do autor, porque a divisória é pretensão real, acompanhou a inicial, a teor do art. 588 do CPC/2015, e o dos réus, exceto no caso de revelia, a contestação, por força do art. 434 do CPC/2015. Presumivelmente, o art. 591 do CPC/2015 faculta a apresentação de títulos relativos às benfeitorias comuns ou particulares, às acessões e à área usufruída com exclusividade por um dos condôminos. A atribuição dos quinhões respeitará, na medida do possível, essas circunstâncias. Esclarecidas aos condôminos as opções, principalmente das vantagens e desvantagens de cada quinhão concebível, a controvérsia poderá ser resolvida pelo juiz, inclusive considerando os títulos, mediante a emissão da sentença de primeira fase. Essa é, salvo engano, a racionalidade intrínseca às disposições do art. 590 do CPC/2015. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, na vigência do CPC/73, que: “Na ação de divisão há duas decisões de mérito, a primeira examinando a viabilidade da divisória, a segunda homologando a divisão propriamente dita. Os atos previstos nos arts. 979 e 980 do CPC [arts. 596 e 597 do CPC/2015] somente deverão ser realizados após encerrada a primeira fase, dita contenciosa”8. O objetivo da medição prévia é instruir o juiz a respeito da situação do imóvel e da divisão teórica dos quinhões equivalentes. A manifestação da preferência, baseada em determinado critério (por exemplo, a posse preexistente na área, onde o condômino mantém cultura), na forma do art. 591 do CPC/2015, permitirá ao juiz julgar a primeira fase da divisória (art. 592, §§ 1º e 2º, do CPC/2015). Concebe-se que, em lugar de dissídio, os condôminos apresentem plano de partilha amigável, que cabe ao juiz homologar.
Aponta-se uma problemática diante do fato de as questões se encontrarem, o mais das vezes, interpenetradas, e não há como, a priori, fixar regra rígida. Por um lado, sem os títulos e o cálculo da fração de cada condômino não há como projetar a partilha. No entanto, esses documentos deveriam ter sido apresentados com a inicial e a contestação, e, portanto, constar nos autos. A realidade do terreno também influencia e subsidia as pretensões dos condôminos. Tratando-se de área limpa, sem benfeitorias de qualquer natureza, ou relevo acidentado, nada impede que os condôminos primeiro formulem seus pedidos de quinhões e depois se realizem as operações de campo, já na execução do provimento do juiz. Fora daí, porém, o juiz precisará abrir a instrução, precedendo-se à medição da área, atendidas as peculiaridades da divisória, quando o imóvel não se enquadrar na hipótese do art. 573 do CPC/2015. 5.7 Sentença de encerramento da divisória Formulados os pedidos de que trata o art. 591 do CPC/2015, cumpre ao juiz abrir o prazo comum de dez dias, contado ordinariamente, com o propósito de ensejar o recíproco conhecimento dos pedidos de quinhões (art. 592 do CPC/2015). Em tal prazo, as partes podem impugnar a escolha alheia (por exemplo, alegando que sobre a área pedida por A edificaram-se benfeitorias particulares de B). Sendo o prazo preclusivo, o silêncio de todos implica aquiescência recíproca, salvo no caso de pedidos incompatíveis, e o silêncio parcial suscita várias possibilidades. Na inexistência de impugnação recíproca, o juiz não precisará atribuir os quinhões, resolvendo controvérsia (art. 592, § 1º, do CPC/2015), como na hipótese de quando as partes formularem pedidos incompatíveis. Por exemplo, existindo quatro condôminos (A, B, C e D), os peritos identificaram
quatro quinhões possíveis (x, y, z e h), sendo que A pede x, B pede y, mas C e D pedem, ao mesmo tempo, z. Ninguém pretende a fração h. É flagrante que, mesmo permanecendo C e D omissos, no prazo do art. 971, caput, do CPC/2015, nada obstante o juiz decidirá, atribuindo z a C ou a D, e a desprezada fração z ao vencido. O singelo exemplo evidencia as dificuldades com que se depara o juiz, havendo efetiva controvérsia entre as partes, no julgamento da primeira fase da divisória. Dificilmente poderá fazê-lo, a contento, sem conhecer a área e os quinhões concebíveis, e, por isso, a ordenação dos arts. 589 a 592 do CPC/2015 é equivocada. Seja como for, na hipótese mais desejável, os condôminos puseram-se de acordo, expressa (partilha amigável) ou tacitamente, nesse último caso, formulando pedidos compatíveis, no prazo do art. 591 do CPC/2015, caso em que, reza o art. 592, § 1º, do CPC/2015, “não havendo impugnação, o juiz determinará a divisão geodésica do imóvel”. Passar-se-á, então, à execução da regra jurídica concreta formulada nesse pronunciamento. Em casos mais difíceis, o art. 592, § 2º, do CPC/2015 assinala o prazo impróprio de dez dias para o juiz proferir “decisão” sobre os pedidos e os títulos que devam ser atendidos na formação dos quinhões. O critério do julgamento se localiza no art. 595 do CPC/2015. A natureza do ato decisório proferido segundo o art. 592, § 2º, do CPC/2015 é controvertida. Trata-se, todavia, de decisão parcial de mérito, em que o juiz delibera a respeito da pretensão à divisão e atribui quinhões aos condôminos, suscetível de adquirir eficácia de coisa julgada (art. 502 do CPC/2015), nos limites das questões decididas. Dessa decisão parcial de mérito caberá agravo de instrumento (art. 1.015, II, do CPC/2015).
O art. 592, § 1º, do CPC/2015 encerra a primeira etapa da divisória, e as questões resolvidas se revestem da autoridade da coisa julgada. A esse propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, na vigência do CPC/73: “Encerrada, por sentença irrecorrida, a primeira fase da divisória (contenciosa), não mais se mostra admissível, já na segunda (executiva), reabrir-se a discussão de matéria relativa à existência e extensão de domínio sobre o imóvel comum”9. 5.8 Benfeitorias O art. 973, parágrafo único, do CPC/73 definia a noção de benfeitoria que, identificada como própria de terceiro, provoca a exclusão da área litigiosa. Apesar de o CPC/2015 não recepcionar a letra do parágrafo único, definamos o que são as benfeitorias que são consideradas na ação divisória. Em primeiro lugar, as benfeitorias devem ser daquelas que deixam no terreno vestígios duradouros ou perenes, por exemplo, as edificações, os muros, as cercas, as culturas e os pastos fechados. Nem todas as hipóteses configuram benfeitorias em sentido clássico e estrito. O elemento comum entre elas é a permanência. O art. 593 do CPC/2015 protege a benfeitoria e a posse do confinante na divisa entre os prédios, em que aquela significa projeção do poder de fato em certa área, passe sobre ela a linha divisória ou não. Diversamente, tratando-se de benfeitoria erguida pelo vizinho longe da “linha do perímetro”, encravada na comunhão, não precisa ser respeitada pelo perito. É questão alheia ao direito de vizinhança, devendo ser resolvida pelos meios ordinários. 5.8.1 Manutenção das benfeitorias O art. 593 do CPC/2015 determina que se respeitem as benfeitorias
permanentes dos confinantes, bem como a respectiva posse do terreno, desde que feitas há mais de um ano, caso em que “não se computarão na área dividenda”. O objetivo consiste em evitar que o terceiro ingresse com os embargos do art. 674 do CPC/2015 travando a demanda divisória, tornando-a palco de disputas possessórias e sobre divisas com quem não é parte no feito. Se o objetivo é claro, os meios ministrados para alcançá-lo – em síntese drástica, a exclusão da área litigiosa – revelam-se insuficientes e pouco práticos. É insuficiente a medida preconizada, porque nada impede, ao fim e ao cabo, os embargos de terceiro, haja ou não essa exclusão. E pouco prático, porque a exclusão não implica a extinção do domínio, cabendo aos condôminos reivindicar, incidental ou subsequentemente, a área, e logrando êxito, realizar sobrepartilha. Ora, pode acontecer que a sobrepartilha de área pequena se torne, de seu turno, incômoda ou excessivamente gravosa, e, nesse caso, resta adjudicá-la ao antigo condômino que recebeu quinhão limítrofe, indenizando-se os demais. É preferível chegar a esse resultado desde logo, computando-se a área litigiosa num dos quinhões, depreciando-a na justa medida, em razão do risco que virá a ser suportado pelo condômino na futura reivindicação. 5.9 Restituição dos imóveis usurpados É evidente que a partilha do imóvel em condomínio não afetará o direito de terceiros. Na prática, porém, as linhas concebidas e depois marcadas, no terreno, pelo auxiliar do juízo podem usurpar área alheia. Em tal conjuntura, o possuidor prejudicado se valerá dos embargos de terceiro, e vencido o prazo próprio do art. 675 do CPC/2015 da respectiva ação petitória da posse ou do domínio, conforme o caso. O art. 594 do CPC/2015 enuncia esses
princípios naturais. Logo acode à mente ao menos uma exceção: o art. 594 do CPC/2015 não se aplica aos confinantes que figuraram como partes na divisória precedida de demarcatória, na peculiar modalidade de cumulação sucessiva de pretensões, in simultaneo processu, prevista no art. 570 do CPC/2015. Então, os efeitos do julgado na demarcatória lhes atingem, vinculativamente, e nada podem reivindicar dos condôminos. A razão pela qual se inseriu o art. 594 do CPC/2015 na seção dedicada à divisória é similar à que presidiu a edificação do art. 572, § 1º, do CPC/2015: a atribuição de efeito anexo à sentença de procedência. Realmente, o confinante prejudicado pela divisão reclamará a restituição da área que os trabalhos de campo lhe usurparam, conforme o art. 594 do CPC/2015, perante todos os condôminos se essa pretensão é incidental ao processo divisório e ainda não transitou em julgado a respectiva sentença homologatória, prevista no art. 597, § 2º, do CPC/2015, ou, posteriormente a essa oportunidade, perante todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados. É a natural regra de legitimidade contemplada no art. 594, § 1º, do CPC/2015. Mas ela exibe uma consequência flagrante: na segunda hipótese, porque já dividido o imóvel, nem todos os antigos condôminos participarão do processo como litisconsortes necessários, concebendo-se que, no caso de sucesso da pretensão deduzida pelo confinante, os réus – “os quinhoeiros dos terrenos vindicados” – vejam-se desfalcados, comparativamente aos antigos consortes. É claro que, na ação movida pelo confinante, poderão denunciar a lide esses antigos consortes, com base no art. 125, I, do CPC/2015. Ora, o art. 594, § 2º, do CPC/2015 adotou solução diferente, dispensando os réus de denunciar os antigos consortes, dando à própria sentença caráter
executivo perante os que não sofreram a demanda do confinante, ou seja, “pela mesma sentença que os obrigar à restituição, a haver dos outros condôminos do processo divisório, ou de seus sucessores a título universal, a composição pecuniária proporcional ao desfalque sofrido”. Não se pode interpretar o art. 594, § 2º, do CPC/2015 como simples explicitação do que aconteceria como se houvera denunciação da lide. Nesse caso, tratar-se-ia de disposição redundante e supérflua. A nosso ver, portanto, trata-se de efeito anexo da sentença de procedência, e, nessas condições, produzir-se-á haja ou não denunciação dos condôminos e respectivos sucessores a título universal. Há um caso em que inexistirá a pretensão regressiva perante os antigos condôminos e seus sucessores a título universal. Pode acontecer que a usurpação da área decorra unicamente de equívoco do perito, na medida do quinhão que coube ao futuro réu. Nesse caso, julgada procedente a reivindicação do domínio ou da posse, e restaurado o direito originário do condômino, sem nenhuma desvantagem perante os demais, desaparece a base do direito de regresso. Esse direito exibe como elemento de existência, como se infere do art. 594, § 2º, do CPC/2015, o “desfalque sofrido”, por definição inexistente na hipótese ventilada. O art. 594, § 2º, do CPC/2015 é claro ao vincular tão só os antigos condôminos e seus sucessores a título universal. Logo, os sucessores a título particular não se sujeitam à eficácia da sentença, nem sequer, a fortiori, à autoridade da coisa julgada. Em princípio, responde perante o réu desfalcado tão só o antigo condômino; porém, o adquirente a título singular pode responder, nesse caso, desde que denunciado. Não cabe interpretar o art. 594 do CPC/2015 como inovador em tema de responsabilidade por evicção.
5.10 Procedimento para divisão 5.10.1 Proposta de divisão A atividade do(s) perito(s) culmina com a proposta de divisão. É mais uma demonstração de que essa medição antecede à sentença de primeira fase, destinando-se a subsidiar os condôminos e o juiz. O art. 595 do CPC/2015 institui a regra fundamental em tema de divisão da coisa comum. A proposta de divisão, nos termos do referido dispositivo, constará de laudo fundamentado. O laudo definitivo e fundamentado deverá estar acompanhado (a) da planta, (b) do memorial, (c) das cadernetas de campo e (d) do laudo parcial dos peritos, peças minuciosamente elaboradas, mediante as técnicas de estilo, formando um conjunto assaz elucidativo. 5.10.1.1 Cálculo das frações Apesar de os parágrafos do art. 978 do CPC/73, correspondentes ao art. 595 do CPC/2015, que trata do laudo apresentado pelos peritos, terem sido suprimidos, é evidente a necessidade de alguns esclarecimentos acerca da fundamentação do laudo pericial com a proposta de divisão. O plano da divisão pressupõe que os peritos estabeleçam, previamente, a fração que competirá a cada participante da divisória, e, para essa finalidade, os peritos calcularão a parte de cada qual. Em primeiro lugar, o laudo conterá o histórico da comunhão. Deve-se identificar o título originário, que atribuía propriedade exclusiva, e, a partir dessa base, acompanha-se o desdobramento da propriedade, sucessivamente, até chegar às partes. O laudo descreverá, retrospectivamente, a filiação dominial da parte até chegar a esse proprietário exclusivo. Então, far-se-á o cálculo, atualizando-se os valores primitivos.
O cálculo deve expressar, individualmente, os títulos que atribuem frações aritméticas sobre o todo (um quinto, um décimo), cotas em dinheiro (33 sobre 100) ou em áreas (1.500 hectares sobre 10.000), e nem sempre, no tocante a cada herdeiro, as alterações subsequentes seguem o mesmo critério, existindo combinações variadas. Essa operação refletir-se-á, formados os quinhões segundo os critérios a seguir explicados, no esquema gráfico que esboça o projeto de divisão. É um traçado provisório dos quinhões concebidos pelos peritos, atendendo às frações apuradas. O gráfico não pode esquecer as servidões a serem instituídas (art. 596, III, do CPC/2015). 5.10.1.2 Critério de formação dos quinhões O art. 595 do CPC/2015 prescreve, ainda, aos peritos as seguintes diretrizes: (a) consultar, na medida do possível, a comodidade das partes, que é orientada pelas disposições do art. 596, parágrafo único, I a III, do CPC/2015; (b) na adjudicação a cada condômino, respeitar a preferência dos terrenos contíguos às suas residências e benfeitorias; e (c) evitar o retalhamento dos quinhões em glebas separadas, ou seja, atribuir as áreas a e b, próprias à agricultura, para os condôminos F e G, e as áreas b e c, adequadas à pecuária, separadas das anteriores, a esses mesmos condôminos F e G. Por sua vez, à guisa de comodidade, os peritos seguirão as seguintes diretrizes: (a) as benfeitorias comuns indivisíveis serão adjudicadas a um condômino, mediante compensação (art. 596, parágrafo único, I, do CPC/2015); (b) instituir-se-ão as indispensáveis servidões, incluindo-se o respectivo valor no orçamento, a fim de compensar o condômino aquinhoado
com o prédio serviente (art. 596, parágrafo único, II, do CPC/2015); (c) as benfeitorias particulares que excederem à área que seu dono tem direito “serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição” (art. 596, parágrafo único, III, do CPC/2015); (d) as compensações e restituições serão feitas em dinheiro, salvo ajuste em contrário dos condôminos (art. 596, parágrafo único, IV, do CPC/2015). Em caso peculiar, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, na vigência do CPC/2015, que o condômino, titular de duas partes ideais em dois imóveis diferentes, não pode ser compelido a receber o seu quinhão em um só imóvel, com a transposição da parte ideal de um para o outro10. Fácil perceber que são infinitas as variáveis, e o trabalho do perito assume alta complexidade. O objetivo é obter partilha perfeita, concebida de modo a evitar conflitos e pleitos futuros. 5.10.1.3 Critérios de partilha A partilha proposta pelos peritos há de atingir três predicados: (a) completude; (b) igualdade; (c) comodidade. A partilha deve ser completa, abrangendo todo o imóvel comum, salvo quando os condôminos ajustarem que uma parte do bem fique em condomínio. Também se concebe que dois ou mais condôminos, resistindo por permanecer consortes na área remanescente, ressalvem o direito de manter a comunhão dos seus quinhões. O pacto de comunhão se encontra previsto no art. 1.320, § 1º, do CC/2002. E, finalmente, havendo usurpação de terceiro, as benfeitorias e os terrenos onde se situem “não se computarão na área dividenda” (art. 593 do CPC/2015). Fora dessas exceções, derivadas de fatos inelutáveis, a partilha envolverá todo o imóvel.
O objetivo é evitar a repetição da divisória nas partes comuns remanescentes. O domínio tende à exclusividade, já o condomínio é situação transitória, porque fonte presumível de litígios, devendo acabar o quanto antes. O princípio da igualdade é fundamental. Por força do art. 1.321 do CC/2002, à divisão dos imóveis em condômino aplicam-se, subsidiariamente, as regras da partilha de bens, causa mortis, e, nessa seara, avulta o art. 2.017 do CC/2002, que reza: “No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível”. Não é só a quantidade, ou valor, que determina a igualdade, mas a conjugação da natureza e da qualidade. Dificilmente se chegará à igualdade absoluta, porque tais critérios são correntes, e, amiúde, antagônicos. O que se exige são sacrifícios equivalentes, cada um recebendo do melhor e do pior, compensando e restituindo em dinheiro eventuais diferenças. Por fim, o princípio da comodidade potencializa o aproveitamento econômico do imóvel partilhado, e, para atingir esse escopo, os arts. 595 e 596 do CPC/2015 prescrevem regras práticas, como a contiguidade no caso das benfeitorias. Desalojar o condômino de determinada área, onde edificou a sua moradia, é algo incômodo, incompatível com as bases da partilha perfeita. 5.10.2 Manifestação sobre a proposta de divisão Apresentado o laudo do art. 595 do CPC/2015, o art. 596 do CPC/2015 determina que as partes sejam ouvidas, tendo em vista que os peritos apresentaram, graficamente, os quinhões e o cálculo das frações dos condôminos. O prazo é de quinze dias (art. 596 do CPC/2015) e é contado
ordinariamente. As conclusões apresentadas pelo(s) perito(s) podem ser impugnadas, cabendo ao juiz resolver as questões suscitadas, de plano, valendo-se dos copiosos elementos de prova carreados aos autos. O ato decisório previsto no art. 596 do CPC/2015 delibera sobre a partilha. A sequência insegura dos arts. 589 a 595 do CPC/2015 não perturba a lógica intrínseca do procedimento, que é bifásico: na primeira etapa, o juiz fixa a divisão; na segunda, executa a divisão no terreno, e a decisão em tela decide a correspondência entre o decidido no art. 592 do CPC e o plano de divisão. Da execução propriamente dita se ocupa o art. 596 do CPC/2015. Não é ato irrecorrível, tem cunho decisório e, de resto, convém resolver as impugnações das partes, definitivamente, antes de empreender os custosos e demorados trabalhos de campo da execução. Em síntese, cumprindo os cânones da sua profissão, o perito marcará os quinhões no terreno, cravando os marcos artificiais porventura necessários ou empregando os artificiais previamente indicados. Esse trabalho de campo será documentado (art. 597 do CPC/2015), através de memorial descritivo. 5.10.3 Auto de divisão O perito documentará os trabalhos de campo, no curso da execução das linhas definidas no ato do juiz previsto no art. 596 do CPC/2015, mediante a planta e o memorial. Desenhará, na planta, os quinhões e as servidões (art. 596, parágrafo único, II, do CPC/2015). Além de elaborar memorial descritivo, explicará o desenvolvimento dos trabalhos. O art. 597 do CPC/2015 manda cumprir o disposto no art. 596 do CPC/2015. Em outras palavras, juntada a planta e anexado aos autos o memorial descritivo, documentando a atividade de execução, o juiz mandará
ouvir as partes, no prazo de quinze dias. Abre-se, então, o incidente de cumprimento, anteriormente explicado, similar ao do art. 818 do CPC/2015. Resolvidas as impugnações e efetuadas as correções deliberadas, o passo seguinte é a lavratura do auto de divisão. A documentação definitiva dos atos executórios feitos no campo consiste no auto de divisão (art. 597 do CPC/2015). São elementos do auto: (a) a confinação e a extensão superficial do imóvel (inc. I); (b) a classificação das terras com o cálculo da fração e a respectiva avaliação, de todo o imóvel ou das partes homogêneas (inc. II); (c) o valor e a quantidade geométrica que couber a cada condômino, declaradas as compensações e restituições (inc. III). O auto de divisão é acompanhado de uma folha de pagamento a cada condômino (art. 597, § 1º, do CPC/2015), que deverá conter: (a) a descrição das linhas divisórias do respectivo quinhão; (b) a relação das benfeitorias e das culturas próprias ou comuns que lhe foram adjudicadas, estas mediante compensação; (c) a declaração das servidões instituídas, especificando o lugar, a extensão e o modo de exercício (art. 597, § 4º, do CPC/2015). Essa folha, acompanhada da sentença, constituirá o formal de partilha, que o antigo condômino levará ao álbum imobiliário, regularizando o cartapácio real. Além disso, o auto deverá conter (a) a confinação e a extensão superficial do imóvel, (b) a classificação das terras com o cálculo das áreas de cada consorte e sua respectiva avaliação, ou quando a terra for homogênea, a avaliação do imóvel na sua integridade, e (c) o valor e a quantidade geométrica que caberá a cada condômino, com as declarações de reduções e compensações decorrentes de diversidades das glebas que compõem cada
quinhão (art. 597, § 3º, do CPC/2015). O auto deverá ser assinado pelo juiz e perito (art. 597, § 2º, do CPC/2015). 5.11 Sentença homologatória da divisão Após a lavratura do auto de divisão, com a elaboração das folhas de pagamento pelo escrivão, o juiz proferirá a sentença que homologará a divisão. Valem, aqui, os comentários com relação à sentença que encerra a execução demarcatória (item 4.9 supra). Essa sentença equivale à do art. 924 do CPC/2015 e não homologa negócio jurídico privado, mas declara cumprida a sentença divisória. Dela, cabe apelação sem efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º, I, do CPC/2015). 5.12 A aplicação das regras da ação demarcatória O art. 598 do CPC/2015, que dispõe sobre a aplicação das regras do procedimento da ação demarcatória na ação de divisão, não tem sentido claro, uma vez que o art. 589 do CPC/2015 já fez remissão aos arts. 577 e 578 do CPC/2015. A remissão ao art. 575 do CPC/2015 é supérflua, tendo em vista que a regra cuida da legitimidade individual do condômino para promover a demarcatória, e não se relaciona com a divisória senão no caso de cumulação sucessiva (art. 570 do CPC/2015). De todo modo, o art. 598 do CPC/2015 reafirma a aplicação do procedimento previsto para a ação demarcatória para a ação divisória.
LIII AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE
1. Introdução A ação de dissolução parcial de sociedade recebe tratamento especial pelo Código de Processo Civil porque também existem peculiaridades do direito material que impõem um regramento específico para o procedimento, por exemplo, a necessidade de fixação de data para a resolução da sociedade e a definição de critério para a apuração de haveres. Nesse sentido, cuidou o CPC/2015 de estabelecer o procedimento especial para especificar questões processuais relativas a legitimidade ativa e passiva – que sempre foram ontologicamente distintas11 –, mas principalmente, de estabelecer a forma e os critérios a serem adotados para apuração de haveres, consequência da dissolução parcial de sociedade. Ao admitir a dissolução parcial da sociedade, o Código Civil consagra o princípio da preservação da empresa, uma vez que, tendo condições de manter-se ativa, a sociedade deve ser dissolvida com relação ao sócio retirante (nas hipóteses dos arts. 1.028 a 1.032 do CC/2002) com a necessária apuração de haveres, assegurando-se, dessa forma, a capacidade da sociedade
de preservar e até mesmo gerar empregos, produzir renda e arrecadar tributos. Em síntese, o procedimento estabelecido nos arts. 599 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 presta-se a regulamentar as situações em que ocorrerá a saída de um ou mais sócios, sem que isso resulte na dissolução total da sociedade. 1.1 Evolução das normas processuais A dissolução da sociedade civil ou mercantil estava regulamentada no Código de Processo Civil de 1939, nos arts. 655 a 674. Tratava-se, no entanto, da dissolução total para fins de liquidação. O Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, reformulou toda a sistemática processual estabelecida no antigo Código. Os arts. 655 a 674, que tratavam da dissolução e liquidação das sociedades, ainda produziam seus efeitos por força do art. 1.218, VII, do CPC/73, até a incorporação do procedimento em leis especiais. Apesar da não incorporação de parte dos dispositivos do CPC/39 em leis especiais, sua eficácia foi afastada diante da promulgação do Código Civil, em 200212. Atualmente, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece procedimento especial na hipótese de dissolução parcial de sociedade, nos arts. 599 e seguintes, impondo o procedimento comum para os casos de dissolução total de sociedade, em seu art. 1.046, § 3º, ao dispor que “os processos mencionados no art. 1.218 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código”. Representa, portanto, um grande avanço a regulamentação proposta pelo CPC/2015 para as hipóteses em que a sociedade será dissolvida apenas com
relação a um ou mais sócios, sem que resulte em sua dissolução total, com o estabelecimento de procedimento adequado principalmente para a apuração de haveres, culminando na liquidação parcial da sociedade. Nesse sentido, o procedimento se adapta às exigências do direito material previsto nos arts. 1.102 a 1.112 do CC/2002. 2. Cabimento O art. 599 do CPC/2015 estabelece que a ação de dissolução parcial pode versar sobre a (a) resolução da sociedade empresária contratual ou simples, em relação (1) ao sócio falecido, (2) excluído ou (3) que exerceu o direito de retirada ou recesso. Pode versar, ainda, sobre a apuração de haveres para a resolução de sociedade nas hipóteses acima descritas, ou apenas para a resolução ou apuração de haveres. O § 2º do mesmo artigo prevê o cabimento da ação de dissolução para as sociedades anônimas de capital fechado, desde que demonstrado que o acionista ou os acionistas representam cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher seu fim. Em outras palavras, tem cabimento a ação de dissolução parcial de sociedade quando se pretender a dissolução parcial da sociedade em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso (inc. I); a apuração de haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso (inc. II); ou somente a resolução ou a apuração de haveres, para qualquer das hipóteses acima descritas, por qualquer dos legitimados do art. 600 do CPC/2015. 2.1 Falecimento do sócio Na hipótese de falecimento do sócio, o art. 1.028 do CC/2002 determina a
liquidação da quota-parte do sócio quando (a) o contrato social não dispuser de forma diversa, (b) os sócios remanescentes não optarem pela dissolução total da sociedade ou (c) não houver substituição do sócio falecido mediante acordo entre os herdeiros. 2.2 Exclusão do sócio Para que o sócio seja excluído da sociedade, é necessário que se comprove uma conduta contrária aos interesses sociais, que qualifique o sócio como remisso ou que se constitua como falta grave. É necessário, portanto, que se comprove, “cumulativamente: (i) prática de atos que coloque em risco a continuidade da empresa; (ii) previsão no contrato da sociedade de exclusão de sócio por justa causa; (iii) reunião ou assembleia convocada especialmente para esse fim; (iv) comunicação ao acusado (da reunião ou assembleia) antecipadamente, para que ele possa comparecer e exercer seu direito defesa; (v) deliberação por maioria representativa de mais da metade do capital social”13. Quando a exclusão for pautada na perda da capacidade civil (art. 1.030 do CPC/2015), a sociedade deve comprovar essa condição, com base no que preveem os arts. 3º e 4º do CC/2002. Quando a incapacidade superveniente decorrer de perda de capacidade profissional, essa condição deve ser demonstrada diante de certidão emitida pelo órgão competente. 2.3 Exercício do direito de retirar-se da sociedade O art. 1.029 do CC/2002 prevê a possibilidade de o sócio exercer seu direito de retirada, quando constituída sem prazo de validade, mediante a notificação aos demais sócios com a antecedência mínima de sessenta dias. Na hipótese de sociedade por prazo determinado, deve comprovar
judicialmente a justa causa. Como já dito, é garantido o direito de dissolver parcialmente a sociedade anônima de capital fechado, desde que o acionista ou os acionistas que a requerer(em) judicialmente represente(m) cinco por cento ou mais do capital social, comprovando que a sociedade não poderá preencher seu fim. 2.4 A quebra da affectio societatis A exclusão por quebra da affectio societatis não é fundamento válido para a dissolução parcial nas sociedades limitadas ou anônimas de capital fechado, a não ser que se comprove o descumprimento de algum dever inerente ao sócio que culmina em algum prejuízo grave para a sociedade. 3. Legitimidade O art. 600 do CPC/2015 dispõe sobre a legitimidade ativa para propor a ação de dissolução parcial de sociedade. São legitimados (a) o espólio do sócio falecido, quando nenhum de seus sucessores ingressar na sociedade; (b) os sucessores, após a partilha do sócio falecido; (c) a sociedade, (i) quando os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do sócio falecido, e esse direito decorrer do contrato social ou (ii) nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; e (d) o sócio (i) que exerceu seu direito de retirada ou recesso, mas que não foi providenciada a alteração contratual consensual formalizando o desligamento ou (ii) que foi excluído. A legitimidade do espólio do sócio falecido existe até a partilha, momento no qual se tornam legitimados os sucessores do sócio falecido. Quando estes tiverem o direito de integrar o quadro social, por disposição do contrato
social, a sociedade será legitimada a propor a ação de dissolução parcial requerendo a liquidação da quota-parte do sócio falecido. Na hipótese de a sociedade propor a ação de dissolução parcial quando a lei não autorizar a exclusão extrajudicial, destaca-se a hipótese prevista no art. 1.030 do CC/2002, que trata da incapacidade superveniente do sócio. Já a legitimidade do sócio decorre, ou da necessidade única e exclusiva de apurar seus haveres, diante de sua exclusão (art. 600, VI, do CPC/2015), ou, quando notificado o interesse no distrato social, a sociedade não tiver providenciado a alteração do contrato social, formalizando seu desligamento. O parágrafo único do art. 600 do CPC/2015 garante a legitimidade do cônjuge ou companheiro do sócio “cujo casamento, união estável ou convivência terminou”, para requerer a apuração de haveres. A legitimidade passiva, em princípio, é da sociedade e dos sócios, em litisconsórcio necessário (art. 601 do CPC/2015). 4. Competência A competência para o julgamento da ação de dissolução parcial de sociedade é do foro constante no contrato social (art. 63, § 1., do CPC/2015), e, na ausência deste, na sede da sociedade (art. 53, III, a, do CPC/2015) porque um dos réus é pessoa jurídica. Nesse último caso, tratando-se de competência relativa, os réus, se discordarem da competência atribuída pelo autor, deverão alegá-la em sede preliminar de contestação (art. 337 do CPC/2015), sob pena de prorrogação da competência (art. 65 do CPC/2015). 5. Procedimento
O procedimento especial previsto nos arts. 599 e seguintes do CPC/2015 deve ser observado com relação à legitimidade e ao objeto da demanda, e, após a dissolução, apenas na liquidação da sociedade – ou seja, na apuração de haveres. 5.1 Petição inicial A petição inicial deverá seguir os requisitos do art. 319 do CPC/2015, estando devidamente instruída com cópia do contrato social consolidado (art. 599, § 1º, do CPC/2015). Tratando-se de documento necessário (art. 320 do CPC/2015), diante da ausência do documento o juízo poderá indeferir a inicial, caso o autor não a apresente no prazo de quinze dias (art. 321 do CPC/2015). É necessário que o contrato social retrate a situação da sociedade no momento da propositura da ação, ou seja, deve constar o documento de constituição consolidado com as alterações posteriores. É lícita a cumulação de pedidos, desde que respeitados os limites do art. 327, § 1º, do CPC/2015. E deve ser atribuído à causa o valor equivalente à quota correspondente à participação do sócio que pretende se retirar ou foi excluído da sociedade. O sócio excluído da sociedade que propuser a ação de dissolução parcial para apuração de seus haveres poderá cumular o pedido de indenização por perdas e danos decorrentes de sua exclusão abusiva (art. 327 do CPC/2015). Na hipótese de cumulação de apuração de haveres com a dissolução, o valor da causa deve corresponder ao proveito econômico pretendido. 5.2 Citação
O art. 601 do CPC/2015 prevê o litisconsórcio passivo necessário, por esse motivo, quando a sociedade não for a autora, ela deve necessariamente figurar no polo passivo juntamente com os sócios que continuarão na sociedade, para que apresentem contestação ou concordância com o pedido de dissolução, no prazo de quinze dias. A citação poderá ser feita por qualquer das formas previstas no art. 246 do CPC/2015. O parágrafo único do art. 601 do CPC/2015 traz interessante disposição ao afirmar que “a sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada”. Em primeiro lugar, o art. 248, § 2º, do CPC/2015 determina que a citação da pessoa jurídica será feita na pessoa com poderes de gerência geral ou de administração, ou ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondência, enquanto o art. 238 do CPC/2015 prevê que a “citação é ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. Entendemos que, apesar de eventuais discussões que podem ser levantadas acerca da legalidade do referido dispositivo, não se pode considerar que a sociedade não deve ser citada. Ocorre que, na hipótese de sua citação não ser aperfeiçoada, não há nulidade em eventual decisão que vier a ser proferida, uma vez que todos os sócios foram citados e subentende-se que os interesses da sociedade estavam amplamente defendidos. Nesse sentido, aponta Erasmo Valladão Azevedo14 que, caso a sociedade deixe de ser citada, “não se decretará a nulidade do processo e a sociedade, porque indiretamente representada na relação processual por todos os demais sócios, estará sujeita aos termos do processo e à coisa julgada nele formada”.
5.3 Contestação Na contestação, os réus podem alegar toda matéria de defesa, inclusive a tocante às preliminares de mérito (art. 327 do CPC/2015). É possível, ainda, que os réus apresentem manifestação de concordância com a dissolução (art. 603 do CPC/2015), ou a sociedade forme pedido contraposto (art. 602 do CPC/2015). Se houver concordância de todos os sócios remanescentes pela dissolução parcial, o juiz decretará a dissolução e passará imediatamente à fase de liquidação, conforme prevê o caput do art. 603 do CPC/2015. Na hipótese de os réus apresentarem contestação, serão observadas as regras do procedimento comum até a decretação da dissolução. Isso porque o procedimento passa a ser dividido em duas fases, e o § 2º do art. 603 do CPC/2015 determina que a liquidação de sentença seja feita de acordo com o procedimento previsto nos arts. 599 e seguintes do CPC/2015. A reponsabilidade por perdas e danos que pode culminar no pedido contraposto da sociedade, na forma do art. 602 do CPC/2015, deve decorrer de prejuízos causados pelo sócio à sociedade, nas hipóteses dos arts. 1.010, § 3º, e 1.013, § 2º, do CC/2002. A inércia dos réus implicará a revelia, com a presunção de veracidade de todas as alegações de fato formuladas pelo autor (art. 344 do CPC/2015), destacando-se o livre convencimento do juiz, que poderá determinar a instrução do processo e julgar a demanda improcedente diante das provas dos autos. É possível, ainda, outra hipótese na qual, ao invés de contestar a ação proposta por um dos sócios, os sócios remanescentes, em vez de manifestar concordância com a dissolução parcial, apresentem pedido reconvencional
para que a sociedade seja integralmente dissolvida. 6. Decisão Se todos os sócios remanescentes apresentarem concordância com o pedido de dissolução parcial de sociedade, o juiz deverá decretar a dissolução, iniciando-se a liquidação da sociedade. Diante da ausência de qualquer resistência dos réus, deixará de condenar qualquer das partes ao pagamento de honorários advocatícios, devendo as custas processuais ser rateadas, segundo a participação das partes no capital social. Pontua-se, no entanto, um caso em que houver concordância da maior parte dos sócios remanescentes, mas a resistência de algum. Nesse caso, deve ser condenado o réu perdedor ao pagamento de honorários sucumbenciais e custas, tendo em vista que ele dificultou o processo. Há também casos em que deve ser considerado, para a fixação da sucumbência, quando há concordância na dissolução parcial da sociedade, mas as partes discordam com relação aos critérios para a apuração de haveres. 6.1 Recorribilidade das decisões Se houver concordância dos sócios remanescentes no pedido do autor, a extinção do processo far-se-á com base no art. 354 do CPC/2015. Por esse motivo, incide a regra do parágrafo único do referido dispositivo, que prevê que a sentença é impugnável por agravo de instrumento (art. 1.015, XIII, do CPC/2015). Se houver resolução de mérito com relação à dissolução parcial da
sociedade – em outras palavras, se houver litígio e o juiz proferir sentença de mérito com base no art. 487, excepcionado os incisos II e III do CPC/2015 –, a sentença será impugnável por apelação (art. 1.009 do CPC/2015). Além disso, todas as decisões proferidas na fase de liquidação de sentença são recorríveis por agravo de instrumento, por força do parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015. 7. Apuração de haveres A apuração de haveres é o procedimento previsto no CPC/2015, basicamente, para a liquidação da sentença que decreta a dissolução parcial da sociedade e está regulamentada no art. 604 do CPC/2015, e tem como objetivo definir o quantum devido ao sócio retirante. Estabelece o referido dispositivo que o juiz deverá (a) fixar a data da resolução da sociedade, (b) definir o critério de apuração de haveres à vista do disposto no contrato social, (c) nomear perito e (d) permitir o depósito judicial de haveres da parte incontroversa quando assim dispuser o contrato social. 7.1 Resolução da sociedade e a fixação da data A resolução da sociedade ocorre quando o vínculo entre o sócio e a sociedade é desfeito, e ele é importante, basicamente, para a fixação dos valores que devem ser pagos ao sócio, uma vez que, “até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio e aos sucessores a participação nos lucros, ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador” (art. 608 do CPC/2015). O art. 605 do CPC/2015 determina em seus incisos quais datas devem ser consideradas nas seguintes hipóteses: (a) falecimento do sócio, dia do óbito;
(b) retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento da notificação pela sociedade (art. 1.029 do CC/2002); (c) recesso, do dia do recebimento da notificação do sócio dissidente; (d) retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão de sócio, da data do trânsito em julgado; e (e) exclusão extrajudicial, da data da assembleia ou da reunião de sócios que tiver deliberado pela exclusão. A data de resolução poderá ser revista a requerimento de qualquer parte, e pode ser revista pelo juiz, a qualquer tempo (art. 607 do CPC/2015). 7.2 Critérios para apuração de haveres Os critérios de apuração de haveres são basicamente as cláusulas contratuais – que, quando existentes, determinam a apuração de haveres –, a boa-fé objetiva, que deve nortear a interpretação dos contratos de uma forma geral e, na ausência de previsão contratual, o perito judicial na elaboração de balanço patrimonial para apuração de haveres. 7.2.1 Cláusulas contratuais É evidente, no entanto, que o ordenamento jurídico brasileiro privilegia o critério de apuração de haveres estabelecido pelos próprios sócios. 7.2.2 Aplicação da boa-fé objetiva Como já dito, o princípio da boa-fé objetiva deve reger a interpretação dos contratos, tendo em vista que a vontade contratual não impõe sua aplicação ao juiz, que deverá observar o critério que melhor reflete o balanço patrimonial da empresa. 7.2.3 Balanço patrimonial
O balanço patrimonial é um documento elaborado pelo perito que tem como finalidade a apuração de todos os bens efetivos da empresa, bem como seus bens e direitos, para que, então, possam ser apurados os haveres e então pagos ao ex-sócio. 7.3 Nomeação de perito O juiz deverá nomear perito que seja preferencialmente especialista em avaliação de sociedades. Isso porque deverá o perito avaliar o valor patrimonial do balanço de determinação, tomando por referência a data da resolução fixada pelo juízo, avaliando os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo, que deve ser apurado de igual forma. Por esse motivo, a norma prefere que o perito – auxiliar do juízo – tenha o entendimento específico sobre a matéria para que possa elaborar laudo detalhado e esclarecedor. 7.4 Depósito judicial decorrente de previsão contratual O contrato social poderá prever o pagamento de haveres na hipótese de dissolução parcial da sociedade (art. 604, § 3º, do CPC/2015). Nesses casos, o juiz poderá determinar o depósito judicial do valor incontroverso para que sob esse valor deixem de incidir juros e correção monetária (art. 608, parágrafo único, do CPC/2015), por exemplo. Esse depósito poderá ser levantado, desde logo, pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores, conforme dispõe o § 2º do art. 604 do CPC/2015. 8. Pagamento dos haveres O art. 609 do CPC/2015 determina que o pagamento dos haveres apurados deve ser realizado de acordo com o que prevê o contrato social e, na ausência
de previsão, em noventa dias a partir da liquidação, na forma do art. 1.031, § 2º, do CC/2002. Cabe, ainda, a instauração do cumprimento de sentença, na forma do art. 523 e seguintes do CPC/2015, na hipótese de não pagamento voluntário. 9. Dissolução parcial em sociedades anônimas Destaca-se, por fim, que as sociedades anônimas de capital aberto estão excluídas da aplicação do procedimento previsto no presente capítulo. Como pontua Humberto Theodoro Júnior, a “saída dos sócios de sociedade anônima por motivo diverso daqueles previstos na LSA, com o consequente reembolso do valor das ações aos dissidentes, poderia em tese desestabilizar o capital social e comprometer a preservação da empresa”15, ao contrário do que ocorre nas sociedades limitadas ou de capital fechado. No entanto, aponta-se um ponto positivo com relação a essa limitação: quando um dos sócios pretende desprender-se da sociedade, ele é compelido a alienar suas ações para que terceiros ingressem em seus quadros. A ruptura da affectio societatis é, no caso das companhias de capital aberto, causa de impedimento de manutenção da sociedade, já que impede a obtenção de lucros e distribuição de dividendos (art. 206, II, b, da Lei n. 6.404/76).
LIV INVENTÁRIO E PARTILHA
1. Introdução A morte da pessoa natural que era proprietária de bens impõe o processamento do inventário com a posterior partilha, quando houver mais de um herdeiro legítimo e testamentário. É possível que ocorra a chamada “partilha em vida”, hipótese em que há doação de todo o patrimônio antes do falecimento, com o pagamento do respectivo imposto de transmissão. Nesses casos, não há o que inventariar, pois a pessoa faleceu sem bens. Por identidade de razões, inexiste o chamado “inventário negativo”. A instauração do inventário pressupõe a existência de bens deixados pelo defunto. Especificamente, o inventário é o registro ou catalogação dos bens que o de cujus deixou. O procedimento de “inventário e partilha”, objeto do Capítulo VI, sem perder essa característica fundamental, adquiriu também alcance largo e profundo. O procedimento de inventário e partilha tem por objeto (i) a descrição dos bens do falecido, bem como (ii) a verificação de seus possíveis herdeiros, (iii) a separação da meação do cônjuge supérstite, conforme o regime de bens do
casamento, (iv) o pagamento das dívidas do de cujus, habilitando-se credores, e, por fim, (v) a partilha do acervo remanescente, atendido o eventual imposto de transmissão causa mortis. O objetivo final de todo esse procedimento é a partilha dos bens. A partilha é a extinção da comunhão hereditária decorrente da existência de mais de um herdeiro. Na hipótese de um só herdeiro há simples adjudicação (art. 659, § 1º, do CPC/2015) em favor deste e não propriamente partilha. Do art. 610 do CPC/2015 depreende-se que há duas espécies de inventário: (a) judicial ou (b) extrajudicial. O inventário judicial é obrigatório no caso de existir herdeiro incapaz ou haver testamento (art. 610 do CPC/2015), e pode realizar-se tanto como inventário judicial propriamente dito como na forma de arrolamento comum, hipótese em que os bens do autor da herança são menores ou iguais a mil salários mínimos, ou sumário, quando há concordância entre os herdeiros maiores e capazes. O inventário extrajudicial é uma modalidade facultativa realizada perante tabelião, cabível quando todos os herdeiros são capazes e existe acordo prévio quanto à partilha (art. 610, § 1º, do CPC/2015). Iniciado o inventário judicial, pode acontecer de as partes se comporem posteriormente. Nessa hipótese, lavra-se a escritura pública de que trata o art. 610, § 1º, do CPC/2015. Em tal hipótese, extinguir-se-á o inventário processual, ante o desaparecimento superveniente do interesse. 2. Inventário extrajudicial O inventário extrajudicial se dá através de escritura pública lavrada por tabelião de livre escolha dos interessados (art. 610, § 1º, do CPC/2015),
quando houver acordo prévio entre as partes quanto à partilha. A escritura não precisa ser lavrada por tabelião situado no lugar do último domicílio do autor da herança (art. 48 do CPC/2015) e ela servirá de título hábil para qualquer ato de registro. A figura do inventário extrajudicial foi introduzida pela Lei n. 11.441/2007, que alterou o CPC/73, atendendo aos clamores contemporâneos de “desjudicialização”. No entanto, fraquejou aos interesses próprios da corporação dos advogados, exigindo a respectiva assistência no ato (art. 610, § 2º, do CPC/2015), a rigor desnecessária, pois uma das atribuições do tabelião consiste na orientação jurídica aos figurantes dos seus atos. Impõe-se que as partes estejam assistidas por advogado comum, ou não, e por defensor público, “cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial” (art. 610, § 2º, do CPC/2015). Em tal escritura, são promovidos todos os atos necessários à transferência de bens (por exemplo, o registro dos veículos automotores), perante repartições públicas e instituições privadas (Detran, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, empresas de banco, concessionárias de serviços públicos), nos termos do art. 3º da Res. CNJ 35/2007. 3. Inventário judicial 3.1 Competência O inventário de bens situados no Brasil é de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira (art. 23, II, do CPC/2015). Além da regra de competência internacional, o art. 48 do CPC/2015 cuida da competência interna, que determina como foro competente para o processamento do inventário o foro do domicílio do autor da herança; ou, não tendo domicílio
certo, o lugar da situação dos bens (art. 48, parágrafo único, I, do CPC/2015), o que abrange as pessoas domiciliadas no estrangeiro; ou o lugar em que ocorreu a morte, não tendo o autor da herança domicílio certo e existindo bens situados em lugares diferentes (art. 48, parágrafo único, II, do CPC/2015); e, na ausência de bens imóveis, o local em que estiver situado qualquer dos bens do espólio (art. 48, parágrafo único, III, do CPC/2015). Trata-se de hipóteses de competência relativa (Súmula 58 do STJ). O direito brasileiro admite a pluralidade de domicílio, e por esse motivo concebe-se a iniciativa concorrente dos legitimados em foros diferentes, o que se resolverá pelas regras comuns de prevenção (art. 59 do CPC/2015). 3.2 Administrador provisório A morte transmite o domínio e a posse dos bens da herança aos herdeiros legítimos e testamentários. No entanto, até a efetiva abertura do inventário, com a prestação do compromisso do inventariante (art. 617, parágrafo único, do CPC/2015), pode decorrer um lapso temporal, no qual seja necessária a defesa dos interesses do espólio. Daí por que o art. 613 do CPC/2015 instituiu a figura do administrador provisório. O administrador provisório é a pessoa que se encontra na posse do acervo hereditário, e não por outro motivo o art. 613 do CPC/2015 estipula que o espólio “continuará” na sua posse. O art. 1.797, I a IV, do CC/2002 indica como administrador provisório, sucessivamente: (a) ao cônjuge ou o companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; (b) ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; (c) ao testamenteiro; ou (d) a pessoa de confiança do juiz, na falta ou
escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz. À exceção da necessidade de o juiz instituir como administrador provisório alguém de sua confiança, a lei expressou o que ordinariamente acontece e é aceito como natural após a morte. Enquanto não for aberto o inventário e investido no cargo o inventariante, a representação ativa e passiva do espólio incumbe ao administrador provisório (art. 614 do CPC/2015), inexistindo razão para extinguir o processo em que ocorreu a citação da viúva e meeira16. A regra garante o acesso à justiça. Não se aplica, portanto, o art. 75, § 1º, do CPC/2015, exceto no caso de administrador dativo (art. 1.797, IV, do CC/2002). Além disso, estipulou dois deveres suplementares ao administrador provisório: (a) o de trazer para o acervo os frutos que percebeu desde a abertura da sucessão (por exemplo, os aluguéis dos imóveis); (b) o de responder por ilícito culposo ou doloso que provocar dano ao espólio. Essa responsabilidade deverá ser apurada em ação própria, para a qual se legitimam os herdeiros, os credores e qualquer interessado em engrossar o acervo. É preciso atentar, ainda, para o dever de requerer a abertura do inventário (art. 615 do CPC/2015), gravado com responsabilidade por perdas e danos tão só pelo decurso do prazo do art. 611 do CPC/2015. A negligência do administrador provisório se caracteriza tão só ante o vencimento do prazo legal sem a respectiva iniciativa para instauração do inventário. É claro que a justa causa, mencionada no art. 223 do CPC/2015, elide a fluência do prazo. Também afasta a responsabilidade o fato de
sobrevir, dentro do prazo, a prestação de compromisso do inventariante. Esse termo põe fim às funções do administrador, na forma do art. 615 do CPC/2015. Além da culpa, há o dever de indenizar a pretensão do sucessor e do terceiro há de apontar o dano provocado pela inércia. O administrador provisório tem o direito de obter reembolso das despesas feitas (art. 614 do CPC/2015). Por exemplo, as obras de conservação emergenciais dos bens do espólio. Essas obras, excepcionalmente, prescindem da autorização do art. 619, IV, do CPC/2015. 3.3 Prazo O art. 611 do CPC/2015 estipula o prazo de dois meses para algum dos legitimados dos arts. 615 e 616 do CPC/2015 requererem a instauração do inventário a contar da abertura da sucessão, e o prazo de doze meses, subsequentes à abertura, para o seu encerramento. A redação do art. 611 do CPC/2015 autoriza a prorrogação desses prazos, ex officio, ou a requerimento de parte, mas é preciso haver motivo bastante para que seja deferida a prorrogação. Por exemplo, a expedição de precatória de avaliação (art. 632 do CPC/2015) ou a necessidade de alienar bens para pagar credores ou tributos. Não se aplica o prazo de trinta dias do art. 1.796 do CC/2002, tendo em vista que o CPC/2015 é superveniente ao diploma civil, e portanto, revoga parcialmente a norma nele expressa. Não há sanção específica para o descumprimento dos prazos previstos em lei. É razoável, porém, o juiz sancionar eventuais atrasos injustificáveis à luz do art. 77 do CPC/2015. Além disso, no que tange ao tributo, a lei local de competência exclusiva do Estado-membro poderá impor multa (Súmula 542
do STF). 3.4 Legitimidade para requerer a instauração do inventário judicial Fiel à ideia que o conduziu à criação da figura do administrador provisório, o art. 615 do CPC/2015 atribui “a quem estiver na posse e administração” dos bens do falecido, ou seja, ao administrador provisório (art. 613 do CPC/2015), o dever legal de requerer o inventário e a partilha. Fixou o referido dispositivo o prazo para o administrador desincumbir-se da empreitada, que é o do art. 611 do CPC/2015: sessenta dias a contar da abertura da sucessão. O administrador provisório é o primeiro legitimado, mas não o único, conforme se deduz do art. 616 do CPC/2015. No entanto, ao contrário dos legitimados do art. 616 do CPC/2015, o administrador provisório tem o dever legal de cumprir o prazo de sessenta dias, uma vez que sua legitimidade se distingue, nesse aspecto específico, pelo fato de encontrar-se na posse dos bens da herança. O art. 616 do CPC/2015 estabelece o rol das pessoas que, considerando interesses variados, legitimam-se a requerer o inventário ativamente. Trata-se de legitimidade concorrente e geral, e não há uma ordem legal de preferência, que não exclui a legitimidade especial do art. 615 do CPC/2015, gravada com responsabilidade específica. No entanto, os incisos reclamam interpretação ampliativa e conforme a Constituição e o Código Civil. Por outro lado, o fato de
algum
legitimado
requerer
o
inventário
não
lhe
assegura,
automaticamente, a condição de inventariante, sujeita a ordem diferente (art. 617 do CPC/2015). Como já dito anteriormente, não é incomum que dois ou mais legitimados
requeiram a abertura do inventário. Assim, a iniciativa do cônjuge ou do companheiro supérstite, prevista no inciso I, não exclui a do filho do autor da herança, prevista no inciso II. O problema resultante da multiplicidade de petições resolve-se de modo ordinário, processando-se o primeiro pedido. Entende-se por tal o pedido distribuído em primeiro lugar, conforme o art. 312 do CPC/2015, extinguindo-se os demais, em razão da litispendência (art. 485, V, do CPC/2015). Em algumas situações, como a do herdeiro (art. 616, II, do CPC/2015), a do legatário (art. 616, III, do CPC/2015), seja qual for a sua condição, e a do testamenteiro (art. 616, IV, do CPC/2015), pouco há a acrescentar. Mas algumas hipóteses de legitimidade ativa reclamam explicitações. O art. 616, I, do CPC/2015 legitima o “cônjuge supérstite”, independentemente do regime de casamento, da subsistência da sociedade conjugal por ocasião da morte e da sua eventual condição de herdeiro. Convém comparar as redações do referido dispositivo e a do art. 617, I, do CPC/2015. De ordinário, porque há composse dos cônjuges, decorrente da convivência no momento do óbito, o sobrevivente também é o administrador provisório (art. 1.797, I, do CC/2002), mas essa circunstância não restringe ou alarga a legitimidade prevista no art. 616, I, do CPC/2015. O interesse do cônjuge casado pelo regime da separação total de bens, quando inexistirem bens comuns, ou do que já não convivia com o defunto, reside na virtual necessidade de separar os seus bens próprios dos bens do falecido, evitando dúvidas futuras. Além do cônjuge propriamente dito, insere-se na espécie do art. 616, I, do CPC/2015 o companheiro ou a companheira. O art. 1.797, I, do CC/2002 indica o(a) companheiro(a) como possível administrador provisório e,
independentemente de o fato de se encontrar na posse dos bens da herança, parece óbvio o interesse em pleitear o inventário, nem sequer caberia discriminá-lo(a) à luz do art. 226, § 3º, da CF/88. Eventuais controvérsias a respeito da configuração, ou não, da união estável, à luz das diretrizes da lei civil, não interferem na legitimidade. Em outras palavras, é legítimo para requerer inventário a pessoa que se diz companheiro ou companheira, embora essa condição possa ser impugnada oportunamente. É possível, ainda, que o autor da herança haja deixado codicilo e, apesar de não se tratar de testamento (art. 1.862 do CC/2002), havendo beneficiário expressamente indicado, ele também tem legitimidade para requerer inventário, a teor do art. 616, III, do CPC/2015. Legitima-se, ainda, o curador especial do art. 1.733 do CC/2002 como representante dos interesses do menor herdeiro ou legatário. Eventual gravame, imposto em testamento, que impede a cessão dos direitos hereditários, no todo ou em parte, não tem o condão de impedir que o cessionário, até que se desconstitua o negócio jurídico respectivo, requeira o inventário (art. 616, V, do CPC/2015). Legitima-se a requerer inventário, nos termos do art. 616, VI, do CPC/2015, o “credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança”. Entende-se por tal o credor que possa habilitar-se no inventário, nos termos do art. 644 do CPC/2015, ou seja, o credor que dispõe, em tese, de crédito certo e líquido, ainda que não vencido. Na ausência de crédito certo e líquido, o credor precisará constituir título hábil, mediante a ação própria, sem embargo do exercício da pretensão à segurança. O art. 616, VII, do CPC/2015 restringe a legitimidade ativa do Ministério Público para requerer inventário à existência de interesse de incapazes.
Harmoniza-se a disposição com a do art. 178, II, do CPC/2015. Em princípio, a legitimidade se restringe a essa hipótese, pois a partilha de bens de particular é assunto eminentemente privado. Legitima-se, também, a Fazenda Pública, uma vez que possui interesse para requerer inventário (art. 616, VIII, do CPC/2015), calcado no recolhimento do imposto e na fiscalização de eventual isenção. Às vezes, a Fazenda Pública assume a condição de herdeiro, tratando-se de herança jacente (art. 1.819 do CC/2002), e, como tal, legitima-se segundo o art. 616, II, do CPC/2015. Por óbvio, a controversa possibilidade de inventário “negativo” pré-exclui a legitimidade do inciso VIII do art. 616 do CPC/2015. Por fim, o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou cônjuge ou do companheiro supérstite (art. 616, IX, do CPC/2015). O interesse se prende à perda da administração dos bens próprios. Por esse motivo, é preciso ampliar objetiva e subjetivamente a disposição legal, abrangendo o administrador da insolvência civil e o(a) companheiro(a) do de cujus. 3.5 Inventariante Dispõe o art. 75, VII, do CPC/2015 que o inventariante é a pessoa que, investida nessa condição pela autoridade judiciária, representa o espólio, ativa e passivamente, até a extinção do inventário, com o trânsito em julgado da sentença de partilha e a expedição dos formais, e procede às declarações previstas em lei, entre outras atribuições contempladas no art. 618 do CPC/2015. Não se confunde a legitimidade para requerer inventário (arts. 615 e 616 do CPC/2015) com a investidura na condição de inventariante (art. 617,
parágrafo único, do CPC/2015). Esta se prende à ordem do art. 617 do CPC/2015 e, ordinariamente, funda-se na posse dos bens da herança. 3.5.1 Ordem da investidura do art. 617 do CPC/2015 O art. 617 do CPC/2015 estabelece a ordem de investidura na inventariança. A configuração dos pressupostos da classe precedente préexclui a investidura de alguém da classe subsequente. Por óbvio, há elementos de discrição nessa ordem, baseada na experiência e no quod pluremque fit. Mas não se pode negar que, a mais das vezes, o art. 617 do CPC/2015 acerta o alvo. A ordem do art. 617 do CPC/2015 é obrigatória. Pode, no entanto, o juiz desrespeitá-la ao antever o dissenso do cônjuge ou do(a) companheiro(a) supérstite e dos herdeiros, designando inventariante judicial ou dativo (art. 617, VII e VIII, do CPC/2015), conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça17. Em primeiro lugar, cabe ao cônjuge ou companheiro supérstite a condição de inventariante (art. 617, I, do CPC/2015). Além das razões emocionais, há imperativos práticos, revelados pelas condições erigidas na lei. O art. 617, I, do CPC/2015 estabelece como condição para a investidura que o cônjuge ou o companheiro estivesse convivendo com o falecido ao tempo da morte. Logo, a simples separação de fato já pré-exclui o cônjuge. Evidente que essa hipótese não se aplica ao cônjuge falecido preso, em regime integralmente fechado. Entende-se que a visita periódica, haja ou não contato íntimo, preenche o requisito da convivência. Existindo união estável, o companheiro compreende-se no art. 617, I, do CPC/2015, por identidade com as razões que habilitam o cônjuge casado pelo
regime da comunhão total ou parcial. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, nessa linha, antes da CF/88, a habilitação da “esposa eclesiástica”18. É preciso não confundir a investidura do cônjuge e do(a) companheiro(a) como inventariante, em nome próprio, com a representação do herdeiro incapaz pelo titular do poder familiar, que trataremos mais à frente. Em segundo lugar, o art. 617, II, do CPC/2015 prevê a investidura do herdeiro que estiver na posse direta e na administração da herança. É bom recordar que o inventário se realiza, fundamentalmente, no interesse dos herdeiros. Por isso, justifica-se a preferência legal. Se existir mais de um herdeiro, em especial descendentes, o juiz designará o primogênito, em geral titular de ascendência moral sobre os demais, ou o que lhe parecer mais idôneo na administração dos bens. Quando inexistir herdeiro que esteja na posse e/ou administração da herança, como sói ocorrer no caso de viúvo e viúva que morre em pleno viço, qualquer herdeiro pode ser investido como inventariante (art. 617, III, do CPC/2015). O juiz escolherá o primogênito ou o herdeiro que lhe parecer mais idôneo e habilitado a desempenhar a inventariança. Em alguns casos, há herdeiros que possuem capacidades específicas para administrar os bens da herança. Nesse caso, é natural que ele seja o herdeiro escolhido como inventariante. Por exemplo, o pai do fazendeiro que morreu solteiro e sem descendentes, também ele fazendeiro, é o candidato natural à função. Para os fins do art. 617, III, do CPC/2015, o Superior Tribunal de Justiça não reconheceu a qualidade de herdeiro do autor de investigação de paternidade, porque ainda não transitara em julgado a sentença favorável19.
Apesar de controvertida na vigência do CPC/73, inclusive tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido pela impossibilidade de a inventariança ser assumida pelo herdeiro menor e incapaz20, o CPC/2015 estabeleceu em seu inciso IV do art. 617 do CPC/2015 a possibilidade de o herdeiro menor ser inventariante, através de seu representante legal. O menor incapaz não tem condições de praticar atos processuais por si e, portanto, de assumir os deveres intrínsecos à função. No entanto, os incapazes podem figurar como parte em qualquer processo desde que devidamente representados ou assistidos (art. 71 do CPC/2015). Ora, nessa qualidade, assumem todos os direitos, poderes, faculdades, ônus e deveres da parte em geral. A representação pode ocorrer quando, por exemplo, o autor da herança divorciado, que deixou um único filho menor, sem que a mãe deste seja a sua companheira. A investidura do incapaz com sua representação pela sua mãe é a solução cabível. O art. 617, V, do CPC/2015 aponta o testamenteiro, erigindo duas condições em alternativa: primeira, se o testador confiou ao testamenteiro a administração dos bens da herança ou toda a herança tiver sido objeto legados. Presume-se que a pessoa indicada pelo autor da herança é idônea a desempenhar a função. Porém, os herdeiros testamentários preferem o testamenteiro, pela ordem preferencial elencada no art. 617 do CPC/17. O Superior Tribunal de Justiça21 também já havia decidido nesse sentido, na vigência do CPC/73. O CPC/2015 inovou também ao prever o cessionário do herdeiro ou do legatário como inventariante (art. 617, VI, do CPC/2015). Considerando que a função de inventariante dura enquanto não ocorre a partilha dos bens, cessando-se com a partilha, quando não subsistirem bens para sobrepartilhar,
há possibilidade de o cessionário ser investido como inventariante, diante do seu interesse em obter eventuais créditos advindos da partilha. A lei de organização judiciária pode criar o cargo de inventariante judicial na comarca, e, na falta de pessoa nas classes precedentes, o juiz designará esse auxiliar (art. 617, VII, do CPC/2015). Em geral, as leis locais se abstêm da instituição do inventariante judicial, porque é excessivamente onerosa ao erário, em virtude da raridade da ocupação. Por fim, esgotadas as possibilidades anteriores, o art. 617, VIII, do CPC/2015 autoriza a investidura de qualquer pessoa. Trata-se do inventariante dativo, que não dispõe de representação ampla do espólio, que é excluída nas pendências judiciais (art. 75, § 1º, do CPC/2015), e cuja investidura não se limita a essa hipótese. Quando houver grave dissenso entre cônjuge ou companheiro(s) supérstite e herdeiros, para assegurar o trâmite regular do inventário, convém ao juiz investir terceiro na qualidade de inventariante. Essa pessoa há de ser particularmente idônea, com bom trânsito entre os desavindos, e da confiança do juiz. Esse inventariante, na condição de particular em colaboração com a Justiça, tem direito a uma remuneração22, a ser fixada pelo juiz, ouvidos os interessados. Não há regra expressa, mas, por analogia, o juiz pode invocar o art. 1.987 do CC/2002, que estabelece a remuneração do testamenteiro, sob a forma de prêmio, no percentual de um a cinco por cento da herança líquida. 3.5.2 Compromisso A escolha do juiz é feita mediante decisão interlocutória, impugnável por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015), na qual se determina a intimação pessoal do designado, para prestar compromisso em
cinco dias (art. 617, parágrafo único, do CPC/2015). Esse prazo fluirá ordinariamente (arts. 231 e 224 do CPC/2015). Em geral, requerido o inventário por quem se habilita à inventariança, a intimação se realiza por publicação no órgão oficial. O compromisso poderá ser prestado pelo próprio advogado do requerente, desde que munido do poder especial de prestar compromisso (art. 105 do CPC/2015). Dessa forma, concebem-se três termos de alternativa: primeiro, o designado presta o compromisso, por termo nos autos, de cumprir “bem e fielmente o cargo” (art. 617, parágrafo único, do CPC/2015); segundo, o designado permanece inerte; terceiro, o designado recusa, categoricamente, a assunção do cargo. Nas duas últimas hipóteses, o juiz designará outra pessoa, respeitando, quanto possível, a ordem do art. 617 do CPC/2015. É claro que se cuidará de nova decisão interlocutória também impugnável por agravo de instrumento. Em doutrina, cogita-se de uma quarta hipótese, que é a prorrogação do prazo de cinco dias. Dependendo das circunstâncias alegadas (por exemplo, o designado encontra-se viajando), é possível acolher também essa possibilidade. 3.5.3 Deveres do inventariante O art. 618 do CPC/2015 estabelece os deveres gerais do inventariante. São atribuições que independem de prévia autorização do juiz para o desempenho pelo inventariante, em razão do seu ofício. Eles se iniciam com a prestação do compromisso (art. 617, parágrafo único, do CPC/2015) e se encerram com a expedição dos formais, passada em julgado a sentença de partilha (art. 655 do CPC/2015). O inventariante tem o dever de representar o espólio em juízo, ativa e
passivamente (art. 75, VII, c/c art. 618, I, do CPC/2015), exceto no caso do inventariante dativo (art. 617, VIII, do CPC/2015), hipótese em que todos os herdeiros hão de figurar como partes ativas e passivas (art. 75, § 1º, do CPC/2015). A representação ativa e passiva do espólio pelo inventariante não exclui a possibilidade de iniciativa judicial do herdeiro, em nome próprio, consoante a natureza do direito; por exemplo, a reivindicação da herança em poder de terceiro, a teor do art. 1.824, in fine, do CC/2002. O trânsito em julgado da sentença de partilha altera as partes do processo em que o de cujus era parte, uma vez que a sucessão processual, requerida pelo procedimento da habilitação – que será estudado mais à frente –,dar-se-á na pessoa do herdeiro ou legatário, como se deduz das esclarecedoras proposições dos arts. 778, § 1º, II, e 779 II, do CPC/2015, relativamente à transmissão dos polos ativo e passivo na pretensão a executar. Incumbe ao inventariante administrar os bens do espólio, sem prévia autorização do juiz ou consentimento dos demais herdeiros (art. 618, II, do CPC/2015), salvo nas hipóteses do art. 619 do CPC/2015, em que é necessária a autorização judicial para determinadas ações relativas à administração do espólio. Por exemplo, cabe-lhe alugar os bens imóveis, receber os aluguéis desses bens, e assim por diante. Espera-se do inventariante a diligência comum ou, na fórmula legal, velará pelos bens como se fossem bens próprios, sendo responsabilizado por culpa ou dolo perante os sucessores do falecido. É dever do inventariante prestar, pessoalmente (hipótese em que será lavrado termo) ou através de procurador com poderes especiais (art. 105 do CPC/2015), as primeiras (art. 620 do CPC/2015) e as últimas declarações
(art. 636 do CPC/2015), a teor do art. 618, III, do CPC/2015. A forma, o conteúdo e o prazo das primeiras declarações serão estudados mais à frente. O art. 618, IV, do CPC/2015 exige que o inventariante apresente, em cartório e a qualquer tempo, quaisquer documentos relativos ao espólio, a fim de que possam ser examinados pelas partes. Compreendem-se nessa rubrica os títulos de domínio dos imóveis e os documentos respeitantes à administração. Essa é uma das razões pelas quais a escolha do inventariante recai, em princípio, em que esteja na posse dos bens da herança, uma vez que se presume que essa pessoa conhece os respectivos interesses e os negócios do defunto. Incumbe, ainda, ao inventariante, conhecendo a existência de testamento, conforme o art. 618, V, do CPC/2015, juntar a respectiva certidão aos autos. Também é dever do inventariante trazer à colação os bens recebidos do autor da herança pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído (art. 618, VI, do CPC/2015). Esse dever é instituído na suposição de que esses herdeiros não têm o menor interesse em promover a conferência, ao contrário do herdeiro participante. Além disso, o inventariante tem o dever de prestar contas de seus atos a qualquer momento (art. 618, VII, do CPC/2015). O juiz pode determiná-lo, ex officio, ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado. Antes de deixar o cargo, seja porque renunciou, seja porque o juiz o destituiu, ou simplesmente porque encerrou as funções, é obrigatória essa prestação. O julgamento da prestação de contas não respeita ao saldo credor ou devedor, que é o resultado natural das operações de crédito e de débito à conta do espólio, mas à idoneidade e à comprovação das despesas e dos atos de gestão. Portanto, o simples fato de o inventariante ser devedor do
espólio não implica, por si só, contas más ou que não foram prestadas com a clareza necessária. Cabe ao inventariante pleitear a decretação da insolvência civil do espólio (art. 618, VIII, do CPC/2015), verificando que, a teor das primeiras declarações, o passivo supera o ativo (art. 955 do CC/2002). O herdeiro não pode fazê-lo em nome próprio e independentemente da abertura do inventário. O inventariante dativo não usufrui dessa prerrogativa, cabendo aos herdeiros esse pedido. 3.5.4 Deveres decorrentes da administração do espólio O art. 619 do CPC/2015 contempla os atos de administração do inventariante cuja prática, ao contrário dos deveres tratados no item anterior, subordina-se à prévia autorização do juiz, após audiência dos interessados. Esclarecemos, no entanto, que, relativamente à audiência dos interessados, é prescindível que todos os herdeiros, ou a sua maioria, concordem ou não com a proposta do inventariante. Na mesma situação se encontrará o agente do Ministério Público, intervindo no processo. O fato de o juiz não estar adstrito à vontade convergente das partes permite que ele negue a autorização ou a condicione a prática de ato, com o intuito de sempre preservar o interesse de terceiros. O art. 619 do CPC/2015 não esclarece qual o prazo que as partes usaram para se manifestar. Subentende-se, portanto, que, intimadas por publicação no órgão oficial, ou pessoalmente, conforme se achem, ou não, representadas no inventário, usufruirão o prazo comum de cinco dias (art. 218, § 3º, do CPC/2015) contado ordinariamente (art. 231 c/c art. 224 do CPC/2015) ou qualquer outro que tenha sido determinado pelo juiz.
Entendendo o inventariante que se mostra indispensável a alienação de bens de qualquer espécie do espólio, por razões diversas, no art. 619, I, do CPC/2015 é impositivo o dever de requerer, previamente, a autorização judicial. Não lhe é lícito realizar o pré-contrato e, assim, obrigar o espólio, sem obter prévia autorização judicial. Na hipótese de concordância geral, o juiz não poderá negar a autorização, em princípio, ante a disponibilidade do direito, mas sempre lhe caberá velar pela legalidade do negócio (por exemplo, coibindo fraude). De toda sorte, o juiz pode determinar que o adquirente deposite o preço em juízo, resguardando interesses de terceiros (por exemplo, dos credores habilitados ou da Fazenda Pública). Não há urgência que justifique a alienação sem prévia autorização do juiz. Na eventualidade de haver suposta urgência, o órgão judiciário dispensará o contraditório, mas o inventariante há de se dirigir à autoridade judiciária, por qualquer meio idôneo, a fim de comunicá-lo da situação (por exemplo, o mercado abriu, na bolsa de valores, oportunidade excepcional para alienar ações). Insere-se no art. 619, I, do CPC/2015 a obtenção de autorização para outorgar o contrato definitivo, quando houver promessa de compra e venda de imóveis, firmada pelo autor da herança. Em tal hipótese, a autorização é imperativa, uma vez provado o recebimento do preço, ou subordinando-se a outorga à prestação do comprador. O referido dispositivo também não prevê a hipótese de aquisição de bens de qualquer natureza. Logo, em princípio, a imobilização do dinheiro do espólio, movimentado pelo inventariante, prescinde dessa formalidade. Porém, tratando-se de negócio vultuoso, convém que o inventariante obtenha
a autorização judicial, forrando-se ao risco de as contas posteriormente prestadas serem impugnadas pelos herdeiros. A transação em processos implica necessariamente concessões. Como o inventariante não dispõe dos bens do espólio como próprios, precisará dirigirse ao juiz, previamente, a fim de obter autorização (art. 619, II, do CPC/2015). É comum que, nas pendengas judiciais, na audiência própria (art. 334 do CPC/2015) ou fora dela, o inventariante alinhe com a parte contrária as linhas gerais do negócio, ficando ele subordinado à autorização do juízo do inventário. Embora a causa tramite no mesmo juízo, o órgão judiciário não pode autorizar a transação, desde logo, sem obedecer ao contraditório previsto no art. 619 do CPC/2015. O pagamento de dívida certa, líquida e exigível, ou não, constitui negócio dispositivo, portanto precisa de prévia autorização judicial (art. 619, III, do CPC/2015). A regra não alcança as dívidas habilitadas no próprio inventário e as de pequeno porte, inerentes à gestão ordinária dos bens do espólio (por exemplo, as despesas de condomínio). O art. 619, IV, do CPC/2015 exige prévia autorização para a realização das despesas de conservação e de melhoramentos. Ressalvadas as despesas de pequeno porte, intrínsecas à administração ordinária, que não precisam dessa autorização, a exemplo dos reparos no imóvel locado, reclamados pelo inquilino. Mas a reforma do apartamento, a fim de alugá-lo, já exige o consentimento do juiz. Concebe-se que o inventariante, a despeito do art. 619 do CPC/2015, pratique o ato sem autorização judicial. Por exemplo, prometa vender imóvel a terceiro. O negócio jurídico firmado nessas condições é nulo ou anulável, conforme a hipótese23.
3.5.5 Remoção do inventariante O art. 622 do CPC/2015 estipula as hipóteses nas quais o inventariante poderá ser removido pelo juiz, ex officio24 ou a requerimento de qualquer interessado. O poder geral de impulso e de controle da relação processual justifica a atuação do juiz independentemente da iniciativa da parte. É digno de registro que referido dispositivo não repete a exigência da iniciativa do interessado constante do art. 476 do CPC/39. Não se mostra exaustivo o rol do art. 622 do CPC/2015, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, na vigência do CPC/73, invocando a direção material do processo: “detém o magistrado a prerrogativa legal de promover a remoção do inventariante caso verifique a existência de vícios aptos, a seu juízo, a justificar a medida, que não aqueles expressamente catalogados no art. 995 do CPC [art. 622 do CPC/2015]”25. Não é relevante a designação outorgada ao afastamento do cargo por motivo alheio ao catálogo legal. Remoção e destituição significam, na prática, designar outro inventariante, para substituir o originário e faltoso. 3.5.5.1 Causas para a remoção 3.5.5.1.1 Falta das primeiras e últimas declarações
O inventariante dispõe do prazo de 20 (vinte) dias, a contar da data que prestou o compromisso, para oferecer as primeiras declarações (art. 620 do CPC/2015). As últimas declarações, por sua vez, não há prazo expresso para que o inventariante as preste; todavia, o art. 636 do CPC/2015 estabelece que, “aceito o laudo ou resolvidas as impugnações suscitadas a seu respeito lavrarse-á em seguida o termo de últimas declarações, no qual o inventariante poderá emendar, aditar ou completar as primeiras”. Em seguida, como reza o
referido artigo, significa imediatamente. Ao deixar de apresentar essas declarações no prazo, o inventariante pode e deve ser removido (art. 622, I, do CPC/2015). Aliás, sem as primeiras declarações o inventário não tem seguimento, motivo por que há sobreposição parcial com a conduta reprimida no art. 622, II, do CPC/2015, a seguir tratada. 3.5.5.1.2 Falta de andamento regular ao inventário
Se o inventariante deixar de dar o andamento regular, promovendo os atos que lhe competem de ofício, ou suscitar dúvidas infundadas ou praticar atos protelatórios (art. 622, II, do CPC/2015), poderá ser removido do cargo. Essas duas últimas condutas previstas nos incisos I e II do art. 622 do CPC/2015, por sinal, arrostam os deveres do art. 77 do CPC/2015. 3.5.5.1.3 Deterioração, dilapidação e dano aos bens da herança
O inventariante é o administrador do espólio. Por esse motivo, tem o dever de zelar pela conservação dos bens, se por culpa sua os bens da herança se deteriorarem, dilapidarem ou sofrerem dano, caberá sua remoção (art. 622, III, do CPC/2015). O inventariante tem o dever de pleitear ao juiz a realização das despesas de conservação e os melhoramentos necessários (art. 619, IV, do CPC/2015). 3.5.5.1.4 Deficiência na representação processual
A representação do espólio em juízo (art. 75, VII, do CPC/2015) se dá pelo inventariante que não pode atuar deficientemente, deixando de defender o espólio nas ações movidas contra ele, de cobrar os créditos e de promover as medidas necessárias para evitar o perecimento de direitos do espólio. Em tal hipótese, alegado e apurado o fato, o inventariante será destituído (art. 622, IV, do CPC/2015).
Essa disposição não se aplica ao inventariante dativo, já que são os herdeiros que devem demandar ou defender-se em nome próprio nessa hipótese (art. 75, § 1º, do CPC/2015). A defesa em juízo exige recursos para atender às despesas do processo. O inventariante não é obrigado a antecipá-las ou suportá-las do próprio bolso, podendo requerer a autorização do juízo na forma do art. 619, IV, do CPC/2015. 3.5.5.1.5 Deixar de prestar contas ou prestá-las deficientemente
O inventariante administra interesses alheios e, nessas condições, deve contas aos demais interessados, ao deixar o cargo ou sempre que o juiz, ex officio ou a requerimento, exigir-lhe a prestação (art. 553 do CPC/2015). 3.5.5.1.6 Sonegação, ocultação ou desvio de bens da herança
A conduta verberada no art. 622, VI, do CPC/2015 é a de maior gravidade, porque pressupõe dolo do inventariante, enquanto as demais hipóteses do art. 622 do CPC/2015, a mais das vezes, fundam-se na culpa. A sonegação, a ocultação ou o desvio de bens da herança, conforme prevê o art. 621 do CPC/2015, só podem ser alegados após a declaração do inventariante de que não existem outros bens a inventariar. A regra prevista no diploma processual não se distingue da regra disposta no art. 1.996 do CC/2002. Isso porque é preciso que haja a declaração do inventariante de que não há outros bens a inventariar, e isso só acontece após as últimas declarações, que faculta ao inventariante o direito de emendá-la, aditá-la ou complementá-la. A possibilidade de o inventariante emendar, aditar ou complementar as primeiras declarações decorre das dificuldades naturais de o inventariante se inteirar dos negócios do falecido, às vezes complexos e variados, ou
simplesmente resguardado por sigilo predeterminado pelo de cujus. O prazo de vinte dias para o inventariante apresentar a “relação completa e individuada de todos os bens do espólio” (art. 620, IV, do CPC/2015) talvez se mostre insuficiente ou inexequível. Por esse motivo, apesar dos transtornos à tramitação do inventário, que reiniciará, pondera-se que o inventariante, sem se afastar da boa-fé um milímetro que seja, valha-se das últimas declarações para atualizar o rol, após investigação cabal dos negócios do falecido ou alguma revelação inesperada, provinda de terceiros. Na hipótese de o inventariante declarar já nas primeiras declarações, categoricamente, que inexistem outros bens, cria-se o momento propício para arguir a hipótese de sonegação, ocultação ou desvio de bens da herança. Fora dessa última hipótese excepcional, resta aos interessados aguardar as últimas declarações (art. 636 do CPC/2015). O Superior Tribunal de Justiça considerou, ainda na vigência do CPC/73, que a falta das últimas declarações não prejudica a ação de sonegados, sob o fundamento (errôneo) de que o ato não tem eficácia fora do processo de inventário26. O art. 621 do CPC/2015 tem por finalidade tranquilizar o inventariante de que não será acossado pelos herdeiros descontentes com a acusação de sonegador. 3.5.5.2 Procedimento para apreciação do pedido de remoção O art. 623 do CPC/2015 cuida do procedimento para a apreciação do pedido de remoção formulado por qualquer interessado (herdeiros, legatários, credores, Ministério Público). Em petição escrita, dirigida ao juiz do inventariante, o requerente exporá a conduta reprovada, incluída no art. 622
do CPC/2015, ou em causa atípica devidamente caracterizada, requerendo a providência da remoção. Com o recebimento da petição inicial, o juiz intimará o inventariante para, em quinze dias, defender-se e produzir provas. A impugnação do fato alegado há de ser precisa e específica (art. 341 do CPC/2015). A audiência prévia do inventariante se afigura essencial à legitimidade constitucional da remoção. Revelar-se-á nula a remoção não precedida dessa oportunidade de apresentar defesa, no prazo legal, ou de produzir as provas pertinentes à espécie. No que tange à prova, sem dúvida incide aqui, como alhures, o poder de o juiz indeferir a prova inútil ou protelatória (art. 370 do CPC/2015). Mas não há restrição ao meio de prova, e, por isso, eventualmente se realizará audiência, a fim de colher a prova testemunhal requerida. No prazo de defesa, o inventariante poderá suprir a falta, quando oportuno, cabendo ao juiz aproveitar ou não o ato. O parágrafo único do art. 623 do CPC/2015 prevê a atuação da petição em que o legitimado pleiteia a remoção do inventariante na forma apensa aos autos do inventário. O incidente não tem o condão de suspender o curso do inventário e não há nenhum impedimento ao julgamento da partilha. Seja qual for o teor do pronunciamento do juiz no incidente, acolhendo ou rejeitando o pedido, cuidar-se-á de decisão interlocutória (art. 203, § 2º, do CPC/2015), que deverá ser devidamente fundamentada (art. 11 do CPC/2015)27, e será passível de impugnação por agravo de instrumento28. Segundo o art. 625 do CPC/2015, o juiz decidirá, uma vez decorrido o prazo de defesa, independentemente de manifestação do inventariante. O parágrafo único do art. 624 do CPC/2015 determina que, ao acolher o pedido de remoção do inventariante, o juiz designará, simultaneamente, o
novo inventariante, devendo seguir preferencialmente a ordem do art. 617 do CPC/2015. O inventariante removido do cargo será intimado e deverá entregar os bens do espólio imediatamente ao seu substituto (art. 625 do CPC/2015). Além dos bens, deverá entregar todos os documentos e informações indispensáveis à continuidade da administração. A entrega da posse deverá ser feita incontinenti, sem protelações, independentemente do motivo, e tergiversações. Deixando o removido de fazê-lo, o juiz mandará expedir mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de bem móvel ou imóvel, sem prejuízo de fixação de multa. 3.5.5.3 Eventuais sanções aplicáveis ao inventariante Substancialmente, o inventariante é um auxiliar do juízo, englobado na figura do “administrador”, mencionado no art. 149 do CPC/2015. Seja como for, nos casos do art. 617, I a III, do CPC/2015, o inventariante também atuará como parte, porque tem inequívoco interesse (material) na partilha. O inventariante, como auxiliar do juízo, pode praticar atos que ferem a deontologia do processo civil. Um dos motivos hábeis para destituí-lo do cargo, a prática de atos protelatórios no inventário (art. 622, II, do CPC/2015), corresponde ao art. 77, III, do CPC/2015. O juiz pode e deve aplicar ao inventariante as sanções correspondentes à má-fé processual. O art. 77 do CPC/2015, sujeitando todos os que participam do processo, inclusive os auxiliares do juízo (art. 149 do CPC/2015), ao conjunto dos deveres processuais das partes, referenda essa conclusão. Além das sanções decorrentes da má-fé processual, os arts. 1.992 a 1.996 do CC/2002 disciplinam a ação de sonegados, que prevê penas relativas à
sonegação que só podem ser aplicadas mediante o acolhimento do pedido em ação própria, movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança. Tais penas são graves e consistem: (a) na remoção do inventariante, provada a sonegação ou a ocultação (art. 1.693 do CC/2002) e (b) na perda do direito que sobre eles cabia ao inventariante (art. 1.992 do CC/2002). É evidente que há necessidade de dolo para o acolhimento do pedido de sonegados e, consequentemente, da aplicação dessas penas. Mas a pretensão de sonegados pode eventualmente não ser dirigida ao inventariante, mas a qualquer herdeiro. Nesse caso, somente há a pena do art. 1.992 do CC/2002. Na ação de sonegados, baseada no art. 1.992 do CC/2002, há de ser pedida a recuperação dos bens ignorados pelo inventariante, em poder deste ou de qualquer pessoa (cônjuge ou companheiro supérstite, herdeiro, legatário, credor da herança), ou a condenação do réu ao pagamento do respectivo equivalente pecuniário. Além desses pedidos, que podem ser cumulados eventualmente de forma subsidiária (art. 326 do CPC/2015), ao autor é lícito o pedido de perdas e danos. Eventualmente, o resultado da ação de sonegados se dará apenas após o encerramento do inventário e a partilha dos bens declarados. Em tal contingência, haverá sobrepartilha, a teor do art. 669, I, do CPC/2015. 3.6 Procedimento do inventário 3.6.1 Petição inicial A petição inicial para requerimento da instauração do inventário deve preencher os requisitos do art. 319 do CPC/2015, mencionando-se o autor da herança como requerido e o requerente como aquele legitimado pelos arts. 615 e 616 do CPC/2015.
O art. 615, parágrafo único, do CPC/2015 exige que o requerimento de abertura do inventário seja instruído obrigatoriamente com a certidão de óbito. Essa exigência transcende à legitimidade do administrador provisório e é documento obrigatório, nos termos do art. 320 do CPC/2015, relativamente à petição de iniciativa de qualquer outro legitimado concorrente. O óbito se comprova com certidão lavrada pelo oficial de registro do lugar de falecimento. Em situações especiais, incide a disciplina da Lei n. 6.015/77. A falta de apresentação do documento indispensável exigirá que o juiz abra o prazo do art. 321 do CPC/2015 para sanar a dificuldade, ampliando-o quando necessário. Recebida a inicial, o juiz deverá nomear inventariante, seguindo a ordem do art. 617 do CPC/2015 (tratada no item 8.1 supra). Com a intimação do inventariante, este deverá prestar o compromisso em cinco dias, conforme previsto no parágrafo único do art. 617 do CPC/2015. 3.6.2 Primeiras declarações As primeiras declarações do inventariante constituem uma das mais importantes obrigações do inventariante, porque é a partir delas que se delineia a maior ou menor complexidade do inventário, objetiva e subjetivamente. O art. 620 do CPC/2015 prevê o prazo de vinte dias para que o inventariante apresente as primeiras declarações, que deverão conter, necessariamente, os requisitos previstos nos incisos do mesmo artigo. Em tal peça, o inventariante identificará o autor da herança, na forma do art. 319 do CPC/2015; a existência ou não de testamento; a qualificação dos herdeiros, na forma do art. 319, e, havendo cônjuge ou companheiro supérstite, o regime de bens do casamento; e individualizará todos os bens do
espólio, ou seja, o ativo, precisando o valor de mercado de cada item, bem como indicará o passivo do autor da herança. À primeira vista, é preciso pleno conhecimento dos negócios do falecido, porque do contrário o inventariante não logrará apresentar a “relação completa e individuada” de que trata o art. 620, IV, do CPC/2015. O prazo previsto para que o inventariante apresente as primeiras alegações é prorrogável, a critério do juiz, alegada justa causa. A complexidade das primeiras declarações, consoante a condição do inventariante, justifica plenamente a tolerância nesse particular. É imperioso reunir todos os elementos descritos no art. 620 do CPC/2015, o que nem sempre se mostra fácil, especialmente no que tange à relação de bens. Eventuais dificuldades serão resolvidas pelo juiz, a requerimento do inventariante, por exemplo os requerimentos do § 1º do art. 620 do CPC/2015. Se o autor da herança for empresário individual, o juiz determinará que se proceda ao balanço do estabelecimento (art. 620, § 1º, I, do CPC/2015). Tratando-se, o falecido, de sócio de sociedade que não a anônima, o inventariante indicará a quantidade, a espécie e o valor das ações, atendendo ao caráter aberto ou fechado do capital, e o juiz determinará a apuração de haveres (art. 620, § 1º, II, do CPC/2015), que nesse caso será feita em processo apartado. No entanto, mesmo havendo determinação judicial que autorize a apuração, ela deverá ocorrer conforme as normas processuais específicas da espécie. Essa apuração pode ocorrer de comum acordo com os demais sócios, mediante balanço especial, posteriormente apresentado em juízo, ou judicialmente, no qual o juízo do inventário será competente, diante da conexão das causas.
A assunção da condição de sócio pelos herdeiros dependerá das disposições do contrato social. Em geral, nas sociedades limitadas, prevê-se a apuração e o pagamento dos haveres do sócio morto, incumbindo ao inventariante depositar o valor à disposição do juízo do inventário. Do contrário, proceder-se-á à alteração contratual, segundo a legislação cabível, após a partilha, cabendo a condição de sócio ao herdeiro a que forem atribuídas as quotas do falecido. No que tange à forma, o art. 620 do CPC/2015 impõe que seja lavrado termo circunstanciado, lançado nos autos pelo escrivão, e assinado pelo juiz, escrivão e inventariante, que pode ser substituído por petição, firmada por procurador com poderes especiais, que deverá ser reportada a termo (art. 620, § 2º, do CPC/2015). 3.6.3 Citação Feitas as primeiras declarações, o juiz tomará a primeira providência para o processamento efetivo do inventário. Ele mandará citar o cônjuge ou companheiro(a), os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se o finado deixou testamento (art. 626 do CPC/2015). O emprego do verbo “citar” não é o mais adequado, uma vez que ele é utilizado em sentido diferente do que consta no art. 256 do CPC/2015, abstraindo a natureza contenciosa, ou não, do inventário. As pessoas são chamadas para participar do feito sem que haja sido formulado pedido contra seus interesses. De toda sorte, nem todos os herdeiros precisam ser citados. Dispensa, por motivos óbvios, a citação do herdeiro (ou cônjuge sobrevivente) que requereu
a abertura do inventário e do próprio inventariante. Além disso, é desnecessária a citação de todos os que, de algum modo, já ingressaram no feito, fazendo-se representar por advogado, são apenas intimados do conteúdo das primeiras declarações, recebendo-lhe cópia (art. 626, § 4º, do CPC/2015). Os credores do falecido não precisam ser chamados, cabendo-lhes habilitar o crédito, convindo ao respectivo interesse. Prevê o art. 626, § 1º, do CPC/2015 a citação do cônjuge ou companheiro, dos herdeiros e legatários por correio, na forma do art. 247 do CPC/2015, sendo ainda publicado edital na hipótese do art. 259, II, do CPC/2015. A citação dos herdeiros domiciliados no estrangeiro realizar-se-á por carta rogatória, aplicando-se o art. 256, § 1º, do CPC/2015, para determinar a citação por edital do herdeiro domiciliado em país que recusa a cooperação internacional. Seja como for, realizando-se a citação pelo correio, o oficial de justiça entregará a cada citando uma cópia das primeiras declarações, estipula o art. 626, § 3º, do CPC/2015. Para essa finalidade, incumbe ao escrivão extrair tantas cópias quantos forem os citandos (art. 626, § 2º, do CPC/2015). A citação do Ministério Público, da Fazenda Pública, far-se-á pela abertura de vista do processo e entrega de cópias das primeiras manifestações, conforme prevê o art. 626, § 4º, do CPC/2015. Feitas as citações, as partes, inclusive o testamenteiro, hão de ser intimadas ordinariamente dos atos subsequentes. Há obrigatoriedade de intimação pessoal da Fazenda Pública para manifestar-se dos valores atribuídos aos bens nas primeiras declarações.
3.6.3.1 A posição da Fazenda Pública A Fazenda Pública é parte no inventário, uma vez que tem interesse em fiscalizar o recolhimento dos tributos, podendo, inclusive, auxiliar o juízo com o fornecimento de informações acerca dos bens do autor da herança (art. 629 do CPC/2015). 3.6.3.2 Intervenção do Ministério Público O Ministério Público poderá intervir no inventário na hipótese do art. 179, I, do CPC/2015, explicitamente mencionada na cláusula “se houver herdeiro incapaz ou ausente”, e a sua função é de parte coadjuvante, consoante a interpretação prevalecente da intervenção do parquet como custos legis. Ausentes essas condições, não há necessidade de intervenção do parquet. O eventual interesse patrimonial da Fazenda Pública não é, por si só, razão de interesse público apto a subsidiar a participação do Ministério Público. Devese à praxe viciosa de muitos cartórios citar, em qualquer inventário, o Ministério Público, ou abrir-lhe vista a cada etapa, sem razão bastante. 3.6.4 Audiência das partes A finalidade da citação prevista no art. 626 do CPC/2015 consiste em propiciar às partes e aos interessados a oportunidade para se manifestarem acerca das primeiras declarações. O inventariante delineou, no respectivo termo, o alcance objetivo e subjetivo da futura partilha. Cabe às partes corrigir tais aspectos o mais breve possível. O prazo instituído no art. 627 do CPC/2015 é de quinze dias, que devem ser contados ordinariamente (art. 231 c/c art. 224 do CPC/2015), e, portanto, só começa a correr uma vez concluídos todos os chamamentos, inclusive do Ministério Público, da Fazenda Pública e do testamenteiro. O prazo é
comum, e, por esse motivo, os autos devem ser consultados em cartório, salvo ajuste prévio (art. 107, § 2º, do CPC/2015). 3.6.5 Impugnação Geralmente, as partes não produzem imediatamente qualquer impugnação ao conteúdo das primeiras declarações, ou porque desconhecem a existência de outro(s) herdeiro(s) ou de bens sonegados, ou por qualquer outro motivo. Todavia, no caso de impugnação, os incisos I a III do art. 627 do CPC/2015 traçam limites à impugnação, harmonizando-se com a natureza do processo. Legitimam-se a impugnar as primeiras declarações somente as pessoas indicadas no art. 626 do CPC/2015. O art. 627, I, do CPC/2015 contempla a arguição de erros, omissões ou sonegações, e o objeto é o conteúdo das primeiras declarações. Distingue-se, no entanto, duas espécies de vícios. O erro pode respeitar à qualificação do herdeiro – a qualidade de herdeiro é objeto do art. 627, III, do CPC/2015 –, como no caso do seu estado civil, pois o cônjuge respectivo, havendo imóveis, há de figurar conjuntamente, ou à sua residência, fato que alterará, às vezes, a forma de chamamento (art. 626, § 1º, do CPC/2015). Já a omissão respeitará à existência de herdeiro, de testamento – o inventariante pode desconhecer-lhe a existência – ou de bens. Esse último é o caso mais significativo. As partes só passarão a participar do inventário quando representadas por advogado, e após a citação cogitada no art. 626 do CPC/2015 também poderão criar incidente específico a respeito da escolha do inventariante (art. 627, II, do CPC/2015). Os que já participavam do inventário, representados
por advogado, e tomaram conhecimento do ato do juiz devem interpor o recurso próprio, sob pena de preclusão. Por fim, o art. 627, III, do CPC/2015 autoriza a contestação da qualidade de herdeiro atribuída pelo inventariante a uma das pessoas arroladas segundo o art. 620, III, do CPC/2015. É a questão mais delicada, uma vez que é imperativo que o juiz, antes de decidir, colha a manifestação desse herdeiro. Pontua-se a discussão sobre a condição de herdeiro do cônjuge (art. 1.845 c/c art. 1.829, I, II e III, do CC/2002). Concorrerá com os descendentes nas seguintes hipóteses: (a) casado pelo regime da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhão parcial, inexistirem bens particulares de propriedade do falecido, com igual quinhão ao dos que sucederem por cabeça (art. 1.832 do CC/2002); (b) casado sob o regime da separação consensual (art. 1.687 do CC/2002) e sob o regime da participação final dos aquestos (art. 1.685 do CC/2002), desde que existam bens particulares. Não existindo descendentes, mas concorrendo ascendentes, o cônjuge concorre, independentemente de outra condição, recebendo, no mínimo, a quarta parte da herança (art. 1.832 do CC/2002). E, na falta das classes anteriores, o cônjuge passa a único herdeiro (art. 1.829, III, do CC/2002), tratando-se de sucessão
ab
intestato.
São
assegurados
idênticos
direitos
aos(às)
companheiros(as). 3.6.6 Efeitos da decisão Ocupa-se o art. 627, §§ 1º a 3º, do CPC/2015 das consequências da decisão do juiz a respeito da impugnação. Antes de decidir, o juízo deve assegurar o contraditório, ouvindo o inventariante, nos casos dos incisos I e II, e o herdeiro contestado, na hipótese do inciso III. O prazo é de quinze dias
(art. 627 do CPC/2015). Rejeitada a impugnação, por um ou outro motivo, nada há a sanear. Em caso de erro ou de omissão, acolhida a impugnação respectiva, o juiz mandará o inventariante corrigir o erro e suprir a omissão. Eventualmente, nova citação há de ser realizada, como no caso de o inventariante ter indicado algum herdeiro como domiciliado fora da comarca e o juiz, nada obstante a inconstitucionalidade da citação por edital, utilizou tal meio. Se a alegação é do próprio, incide o art. 239, § 1º, do CPC/2015, e nada há a suprir. O acolhimento da impugnação à investidura do inventariante implicará remoção do antigo e a designação do novo. Caberá ao novo inventariante ratificar, ou não, as primeiras declarações, lavrando-se, no caso de retificação, termo complementar, com as formalidades do art. 620 do CPC/2015. Por fim, a contestação à qualidade de herdeiro pode constituir matéria de alta indagação. Nesses casos, o juiz deve remeter a discussão às vias ordinárias (art. 627, § 3º, do CPC/2015). É o caso, por exemplo, do filho natural que se habilitou no inventário, sem precedente reconhecimento judicial da sua condição, ou que fora arrolado na forma do art. 620, III, do CPC/2015, pelo inventariante, suscitando a desconformidade dos demais descendentes. Ou a situação do(a) companheiro(a), cuja qualidade foi impugnada. Caberá a este reconhecer a união estável em juízo. No entanto, quando o juiz dispuser de elementos suficientes para decidir desde logo, deverá resolver a questão, conforme determina o art. 612 do CPC/2015. Em consequência da exclusão de quem alega ter direito a quinhão, o art. 627, § 3º, do CPC/2015 manda o juiz reservar-lhe a quota até a solução da
controvérsia. Trata-se de relevante medida cautelar chamada de “reserva de bens”, que deve ser determinada ex officio (art. 628 do CPC/2015). Não é possível cogitar, a qualquer título, a antecipação dos efeitos do provimento principal. Em outras palavras, o pretenso herdeiro não receberá seu quinhão até ver reconhecida sua qualidade. A decisão prevista no art. 627 do CPC/2015 pode ser impugnada por agravo de instrumento. É possível controverter o error in iudicando, inclusive no que tange à extensão da reserva do quinhão. 3.6.7 Admissão do preterido O art. 628 do CPC/2015 autoriza o preterido a pleitear seu ingresso no inventário antes da partilha. O termo final para o requerimento do preterido é o trânsito em julgado da sentença homologatória prevista 654 do CPC/2015. Dessa sentença, o preterido poderá recorrer como terceiro prejudicado. Recebida a petição do preterido, que deverá estar instruída com prova hábil da sua qualidade, o juiz ouvirá as partes no prazo de quinze dias (art. 628, § 1º, do CPC/2015). Findo o prazo, com ou sem manifestação dos interessados, proferirá decisão interlocutória. Em geral, a qualidade de herdeiro é matéria de alta indagação, razão por que compete ao juiz, nos termos do art. 612 do CPC/2015, remeter o interessado às vias ordinárias (art. 628, § 2º, do CPC/2015). Ao fazê-lo, o juiz determinará a reserva do quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio. Concebe-se, no entanto, que se trate de pessoa com qualidade inconteste, a exemplo do filho natural e reconhecido do de cujus, mas ignorado do cônjuge supérstite e demais herdeiros.
3.6.8 Manifestação da Fazenda Pública com relação aos valores dos imóveis A Fazenda Pública dispõe do prazo de quinze dias para informar o valor dos bens imóveis, segundo os dados do seu cadastro, após a vista concedida na forma do art. 627 do CPC/2015. A participação da Fazenda Pública como parte no inventário se deve ao fato de que ela é interessada no recolhimento e no valor do tributo que incide sobre a transmissão de bens imóveis causa mortis. Para essa finalidade, lança-se o tributo sobre o valor dos “bens de raiz” – expressão tradicional, haurida do antigo direito português –, segundo as bases do seu cadastro, atualizando-o, ou não, nessa oportunidade, de acordo com a legislação que rege a espécie. Não é incomum que o inventariante intervenha administrativamente quando divergir dos valores da Fazenda Pública, em desacordo com o constante nas primeiras declarações (art. 620, IV, h, do CPC/2015). Havendo divergência dos herdeiros, proceder-se-á à avaliação cogitada no art. 630 do CPC/2015. O objeto desse ato é mais amplo, porque visa ao conjunto dos bens, com o fito de apurar o valor dos quinhões. 3.6.9 Avaliação dos bens Resolvidas eventuais impugnações feitas no prazo do art. 627 do CPC/2015, dá-se por saneado o inventário. Ou na ausência de impugnações, quando inexistirem questões incidentes para o juiz resolver, passa-se diretamente à avaliação do acervo hereditário quando necessário (art. 630 do CPC/2015). A avaliação de bens tem por finalidade apurar o valor de todos os bens que
integram a herança, objeto da “relação completa e individuada” a que alude o art. 620, IV, do CPC/2015, já atendidas as correções derivadas da impugnação fundada no art. 627, I, do CPC/2015, e acolhida pelo juiz. O juiz deverá nomear avaliador judicial ou perito para realizar a avaliação (art. 630 do CPC/2015). Nesse último caso, incide o art. 156 do CPC/2015, sujeitando-se o escolhido pelo juiz à impugnação no concernente à sua capacidade e qualificação. É lícito às partes formular quesitos e indicar assistente técnico. O parágrafo único do art. 630 do CPC/2015 prevê a nomeação de perito para a apuração de haveres ou avaliação das quotas sociais, que independe da concordância de eventuais valores apresentados pela Fazenda Pública e pelo inventariante. A perícia contábil poderá ser dispensada quando os sócios remanescentes ou o inventariante providenciarem o balanço especial e este for aceito pelos interessados. A complexidade da perícia também pode decorrer da variedade dos bens do acervo. Por exemplo, o engenheiro, que é o profissional com habilitação legal para avaliar imóveis, pode ignorar o valor de obras de arte, hipótese em que outro expert precisa ser designado pelo juiz. Em qualquer hipótese, o valor a ser apurado dos bens é do momento da avaliação e não o do óbito (Súmula 113 do STF). 3.6.9.1 Hipótese de dispensa da avaliação Eventualmente, inexiste a necessidade de avaliação, porque já foi feita, como no caso do art. 672 do CPC/2015 – cumulação de inventários. Outra hipótese é a apresentação de balanço especial para os efeitos do art. 630,
parágrafo único, do CPC/2015. Nada obsta que os herdeiros, unanimemente, e o Ministério Público, havendo menores, estejam de acordo com os valores atribuídos pelo inventariante e pela Fazenda Pública (art. 629 do CPC/2015), conforme estabelece o art. 633 do CPC/2015. Basta que todos os herdeiros, maiores e capazes, estejam de acordo com o valor atribuído pelo inventariante, nos termos do art. 620, IV, h, do CPC/2015, e haja concordância expressa da Fazenda Pública (art. 633 do CPC/2015). Nesse sentido, a ausência de manifestação da Fazenda Pública não permite a dispensa da avaliação dos bens pelo juízo. A concordância de todos os herdeiros com os valores declarados pela Fazenda Pública cingirá a avaliação aos demais (art. 634 do CPC/2015), e, por esse motivo, será desnecessária a avaliação nos termos previstos no art. 630 do CPC/2015. Finda a avaliação dos bens, o inventariante deverá apresentar as últimas declarações, na forma já mencionada no item 8.3.3 supra. 3.6.9.2 Forma de avaliar os bens e o laudo de avaliação Os bens deverão ser avaliados na forma prevista nos arts. 872 e 873 do CPC/2015, que tratam da avaliação de bens penhorados em execução por quantia (art. 824 do CPC/2015). Os elementos do laudo de avaliação constam do art. 872 do CPC/2015: (a) descrição dos bens avaliados, com seus característicos, bem como a indicação do estado em que se encontram (inc. I), e (b) o valor de cada bem (inc. II). O laudo será datado e assinado pelo avaliador ou pelo perito, sendo possível que sejam anexados à peça fotografias e gráficos esclarecedores, além dos dados
que compulsou para estabelecer o valor por meio do método comparativo. O prazo para apresentação do laudo de avaliação é de dez dias (art. 631 c/c art. 870 do CPC/2015). Os imóveis que comportarem cômoda divisão serão avaliados por partes (art. 872, § 1º, do CPC/2015). 3.6.9.2.1 Avaliação parcial
A convergência de vontades, nos termos do art. 633 do CPC/2015, pode ser parcial. Nesse caso, segundo o art. 634 do CPC/2015, o juiz ordenará a avaliação tão só dos bens controversos. Essa medida simplifica a avaliação. Pode acontecer que a divergência respeite aos imóveis, em atenção aos interesses da Fazenda Pública. 3.6.9.2.2 Avaliação por carta
Quando existirem bens em locais diferentes, cabe ao juiz do inventário expedir carta precatória de avaliação, cumprindo ao juiz deprecado designar o avaliador, nos termos do art. 630 do CPC/2015. O art. 632 do CPC/2015 trata da excepcional dispensa da expedição de carta, instrumento de cooperação jurisdicional, para obter o valor do bem no lugar da respectiva situação com o objetivo final de resguardar a economia, tendo em vista que a avaliação se afigura atividade custosa e demorada. Dispensa-se, portanto, a expedição de carta precatória para avaliação de bens quando eles forem de pequeno valor ou tiverem o valor perfeitamente conhecido pelo perito nomeado na comarca em que tramita o inventário. Consideram-se bens de pequeno valor os que valem até sessenta salários mínimos, e esse valor aplica-se a cada bem individualmente. Os bens situados no estrangeiro serão obrigatoriamente avaliados por carta rogatória, salvo na hipótese de se encontrarem em país que recusa a
cooperação internacional, nos termos do art. 256, § 1º, do CPC/2015. No caso de imóveis situados em Estado-membro diverso daquele em que tramita o inventário, além da avaliação por precatória, surge o problema atinente ao recolhimento do tributo de competência dessa pessoa jurídica de direito público. Incumbe ao inventariante diligenciar esse recolhimento, diretamente, na repartição fiscal competente, e a guia deverá ser juntada aos autos. 3.6.9.3 Impugnação ao laudo Com a entrega do laudo, no prazo ou fora dele, o juiz abrirá vista às partes pelo prazo de quinze dias (art. 635 do CPC/2015). É preciso atentar a necessidade de intimação pessoal do Ministério Público, caso intervenha, e do representante judicial da Fazenda Pública. Não há disciplina, no ordenamento jurídico, com relação à audiência das partes. No entanto, subentende-se tal necessidade do art. 872 do CPC/2015, que contempla a chamada nova avaliação, cabível nos casos: (a) de qualquer das partes arguir erro ou dolo do avaliador (inc. I); (b) de majoração ou diminuição do valor dos bens, após a avaliação (inc. II); e (c) de fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem pelo inventariante (inc. III). Dependendo do teor da impugnação, cabe ao juiz resolvê-la de plano (art. 635, § 1º, do CPC/2015), à vista do que constar nos autos. Na hipótese de ser julgada procedente a impugnação, o juiz determinará a retificação da avaliação, observando os termos da decisão (art. 635, § 2º, do CPC/2015). Contra essa decisão do juiz, caberá agravo de instrumento. Finda a avaliação dos bens, o inventariante deverá apresentar as últimas declarações, na forma já mencionada no item 8.3.3 supra.
3.6.9.4 Reavaliação Há, no entanto, a hipótese em que a impugnação apresentada pelos interessados não permita apenas a retificação do laudo pelo avaliador judicial ou perito. A remissão do art. 631 do CPC/2015 ao art. 873 do CPC/2015 afirma o cabimento da reavaliação. A primeira hipótese para que ocorra a realização é de erro na avaliação (art. 873, I, do CPC/2015). O equívoco deverá ser demonstrado cabalmente, juntando o impugnante aos autos os elementos de prova pertinentes; por exemplo, parecer elaborado por perito particular. A hipótese de dolo é mais complexa, uma vez que caberá ao impugnante ministrar prova hábil a esse propósito. Não se exclui, portanto, a realização de audiência para colher prova de que o perito, mediante peita, concordou em modificar o valor real do bem. Por outro lado, repetir-se-á a avaliação sempre que, após o laudo, houver modificação no valor, seja a valorização, seja a desvalorização (art. 873, II, do CPC/2015). Esses acontecimentos não têm caráter excepcional na economia de mercado. É preciso atendê-los, a fim de não desequilibrar, na medida do possível, os quinhões. O juiz também poderá determinar a reavaliação quando houver fundada dúvida sobre o valor atribuído aos bens, na primeira avaliação (art. 873, III, do CPC/2015). O procedimento da avaliação de bens a repetir-se é idêntico ao da primeira, todavia anulada no caso do art. 873 do CPC/2015. Embora não se disponha expressamente a esse respeito, cabe ao juiz designar novo avaliador, afastando o imperito ou fraudador, no caso de acolher impugnação fundada em erro ou dolo (art. 873, I, do CPC/2015). Na hipótese de modificação do
valor inicial, o mesmo perito poderá funcionar a contento. 3.6.10 Últimas declarações Concluída a avaliação e resolvidas eventuais questões incidentais, o inventariante deverá apresentar as últimas declarações. O descumprimento desse dever é motivo de remoção (art. 620, I, do CPC/2015), como já dito anteriormente. Não há prazo explícito para que o inventariante preste as últimas declarações. Ele será intimado, pessoalmente, e, em quarenta e oito horas (art. 218, § 2º, do CPC/2015), comparecerá em cartório. Em geral, o inventariante, interessado em dar andamento ao inventário, comparece em cartório espontaneamente e ratificando as primeiras declarações, o que significa que não tem mais nada a declarar; lavrar-se-á, então, o termo de últimas declarações (art. 636 do CPC/2015). No referido termo, o inventariante poderá também emendar, aditar ou complementar as primeiras declarações, em particular quanto à existência de outros bens, localizados ou identificados nesse interregno. Forra-se, dessa maneira, à acusação de sonegador (art. 621 do CPC/2015). 3.6.11 Cálculo do tributo Lavrado o termo de últimas declarações feito pelo inventariante, o juiz intimará as partes para se manifestarem no prazo comum de quinze dias. Não sobrevindo a impugnação, ou resolvida esta, o juiz mandará o contador calcular o tributo devido, dispõe o art. 637 do CPC/2015. Segundo o art. 35 do CTN, o Imposto de Transmissão Causa Mortis, ou ITCMD, é de competência estadual, exibindo como fato gerador: (a) a
transmissão, a qualquer título, da propriedade ou domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil (inc. I); (b) a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia (inc. II); (c) a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II (inc. III). Consoante com o parágrafo único do art. 35 do CTN, ocorrerão tantos fatores geradores quantos forem os herdeiros. A alíquota do imposto é a vigorante no tempo da abertura da sucessão (Súmula 112 do STF). Em princípio, a base de cálculo apura-se na data da avaliação (Súmula 113 do STF). Porém, o entendimento prevalecente, no Superior Tribunal de Justiça, baseado na jurisprudência posterior do Supremo Tribunal Federal, considera o valor na data da transmissão, ou seja, na data da morte do autor da herança29. É possível que a lei local preveja a correção do valor originário. Esse imposto não incide sobre a meação do cônjuge sobrevivente, porque nesse caso não ocorre o fato gerador, ou seja, a transmissão. Tampouco o renunciante pagará imposto. O tributo se calcula, nos termos já explicados no item anterior, sobre o monte-mor líquido. É o que, afinal, toca aos herdeiros, a base real sobre a qual incide o tributo. Por um lado, os bens deixados garantem as obrigações do autor da herança (art. 391 do CC/2002), e, por outro, os herdeiros só respondem por tais obrigações até as forças da herança (art. 1.792 do CC/2002). Para essa finalidade, do monte-mor bruto avaliado se descontam as seguintes rubricas: (a) as dívidas tributárias do falecido (por exemplo, imposto de renda) ou dos bens (por exemplo, o imposto predial); (b) as dívidas previdenciárias do falecido; (c) as dívidas trabalhistas do falecido; (d)
as dívidas civis habilitadas; (e) as despesas hospitalares, médicas e de funeral e luto; (f) as despesas do processo. O monte-mor negativo significa que nada há a partilhar, e, conseguintemente, a pagar a título de imposto de transmissão. O Superior Tribunal de Justiça já estimou que até os bens gravados com a cláusula de inalienabilidade respondem pelas dívidas do falecido30. 3.6.11.1 Julgamento do cálculo Feito o cálculo do imposto pelo contador, o juiz mandará ouvir todas as partes, no prazo comum de cinco dias, e, em seguida, a Fazenda Pública, por igual período. Não havendo impugnações, o “juiz julgará o cálculo do tributo”, reza o art. 638, § 2º, do CPC/2015, medida que parece excessiva. Ela não constitui o tributo, portanto, não pode declarar o valor, porque simples fato. O ato tão só vincula as partes ao recolhimento do tributo. Ao invés, acolhidas eventuais impugnações, o juiz ordenará ao contador as alterações cabíveis (art. 638, § 1º, do CPC/2015), em seguida proferindo o ato homologatório. É nessa oportunidade que o juiz reconhecerá eventual isenção tributária, à luz da lei local31. Trata-se de ato de competência exclusiva do juízo do inventário32. O imposto só precisará ser recolhido após a preclusão do ato que homologa o cálculo, a teor do art. 638, § 2º, do CPC/2015. É o que declara a Súmula 114 do STF. 3.6.11.2 Pagamento dos tributos Resolvidas eventuais impugnações ao esboço e lançado o auto de partilha (art. 652 do CPC/2015), o inventariante deverá providenciar o pagamento do imposto de transmissão causa mortis – ITCMD, de competência dos Estados-
membros (art. 155, I, da CF/88). Para tal arte, houve a reserva do dinheiro disponível. Há uma exigência a mais quanto aos imóveis rurais: segundo o art. 22, § 2º, da Lei n. 4.947/66, a partilha não poderá ser julgada sem a apresentação do certificado de cadastro, expedido pelo órgão fundiário competente, nos termos da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra). A falta de pagamento do tributo impede a partilha ulterior, imobilizando o procedimento. O responsável pelo recolhimento do imposto é o inventariante ou, tratando-se de legado, do respectivo beneficiado. Não havendo dinheiro disponível, cabe ao inventariante alienar bens suficientes, partilhando o remanescente, e imputando ao legatário o valor do tributo que lhe compete. Não é impossível que os herdeiros contribuam com dinheiro na proporção de suas frações. 3.7 Pagamento de dívidas Após o levantamento dos bens do inventário, com o consequente pagamento do tributo, proceder-se-á ao pagamento das dívidas do espólio, na forma prevista nos arts. 642 a 646 do CPC/2015. 3.7.1 Legitimidade do credor para requerer o pagamento É lícito ao credor do de cujus habilitar seu crédito e requerer a respectiva solução nos autos do inventário. É impositivo, no entanto, que o crédito seja certo, líquido e exigível (art. 642 do CPC/2015). Além disso, o art. 642, § 1º, do CPC/2015 exige a instrução da petição de prova “literal da dívida”, comprovando-se a liquidez (individualização da prestação) e a exigibilidade (implemento do termo ou da condição, não se
tratando de dívida à vista, imediatamente exigível). Geralmente, a reunião desses atributos ocorre nos títulos executivos, mas é preciso encará-los com alguma flexibilidade, admitindo-se outros documentos, embora sem tal eficácia. Caso não haja prova literal dos créditos, eles deverão ser postulados na via ordinária, na forma tratada no item 11.2.2, infra. Recorda-se que, de acordo com a lei civil, “a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube” (art. 1.997 do CC/2002). As dívidas passíveis de habilitação no inventário e atinentes à responsabilidade do espólio têm origem variada. Podem, por exemplo, ser dívidas fiscais de responsabilidade do espólio (art. 189 do CTN), despesas do funeral (art. 1.998 do CC/2002) ou decorrentes da conservação ou do melhoramento do acervo hereditário (art. 620, IV, do CPC/2015). Os créditos tributários não se sujeitam a habilitação (art. 187 do CTN; art. 5º da Lei n. 6.830/80), mas nada impede que a Fazenda Pública, inexistindo oposição, habilite o crédito, sem precisar promover a execução forçada. 3.7.2 Habilitação O credor habilitará seu crédito no inventário, segundo deflui do art. 642, § 1º, do CPC/2015, mediante petição escrita, que deve estar acompanhada de prova literal da dívida. A petição será distribuída por dependência no juízo do inventário e será autuada em apenso. Essa peça seguirá, substancialmente, o roteiro do art. 319 do CPC/2015, indicando a origem e a natureza do crédito, o respectivo valor (o principal e os acessórios, de modo analítico, convindo
que se apresente a planilha do art. 798, I, b, do CPC/2015) e a data do seu vencimento, pleiteando-lhe a satisfação e, subsidiariamente, a reserva de bens. Segundo o Superior Tribunal de Justiça: “A habilitação é procedimento incidental de natureza híbrida. Inicialmente, forma-se como procedimento de jurisdição voluntária ou não contenciosa, mas pode assumir feições de verdadeira cautelar incidental. O credor requerente da habilitação pleiteia o pagamento ou, sucessivamente, caso não haja concordância do espólio, a reserva de bens que garantam o pagamento”33. Embora não haja disposição expressa na lei a esse respeito, autuada a petição e apensada aos autos do inventário, o juiz mandará ouvir as partes e o Ministério Público, no prazo de cinco dias, para se manifestarem quanto ao pedido. Havendo concordância unânime, o juiz tomará as providências do art. 642, § 2º, do CPC/2015, declarando habilitado o credor e, existindo ativos financeiros, ordenará que se faça a separação do dinheiro. Se inexistir dinheiro disponível, deverão ser reservados bens suficientes para o pagamento. Os interessados ficam impedidos, em princípio, de alienar antecipadamente, no todo ou em parte, o acervo hereditário, salvo com a concordância do credor. Isso porque a pretensão pode recair sobre o bem pretendido pelo credor para satisfazer o crédito. Às vezes, porém, a alienação se mostra inevitável, a fim de satisfazer a Fazenda Pública. O credor pode habilitar o seu crédito até a sentença de partilha, tendo em vista que o esboço pode ser alterado (art. 651, I, do CPC/2015). Fixar como termo final da habilitação o lançamento do esboço, remetendo o desafortunado credor à via ordinária ou à via executiva, não se harmoniza com os direitos processuais fundamentais, porque o estágio do processo
permite o ingresso até o momento aqui preconizado. Não havendo concordância, incidirá o art. 643 do CPC/2015, que determina a remessa do credor às vias ordinárias, isto é, haverá a necessidade de propositura de ação autônoma, que dependerá da natureza do título (execução, cobrança ou monitória). A discordância das partes (inventariante, herdeiros e legatários), da Fazenda Pública e do Ministério Público, intervindo no processo (art. 178 do CPC/2015), há de ser motivada. Em princípio, entende-se que basta a discordância, independentemente de seu fundamento. Porém, deve-se ponderar que o art. 612 do CPC/2015 autoriza o juiz a decidir as questões de fato e as questões de direito, incidentalmente, no inventário, achando-se os fatos provados documentalmente – como no caso do crédito habilitado –, “só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas”. Assim, se a discordância não for baseada em nenhum motivo plausível, ou a toda evidência improcedente (por exemplo, o herdeiro invoca regra imprópria de prescrição), o juiz poderá acolher a habilitação, apesar da inexistência de convergência entre os interessados. Pontua-se a legitimidade do legatário – sucessor do autor da herança a título singular – a impugnar a habilitação de crédito, uma vez que ele é interessado na sucessão. No entanto, sua manifestação fica condicionada à existência de interesse processual decorrente do fato de o pagamento da dívida atingir diretamente seu patrimônio (art. 645, II, do CPC/2015). Ou, ainda, na hipótese de toda herança ser dividida em legados (art. 645, I, do CPC/2015), o pagamento de qualquer dívida importará na diminuição do legado. 3.7.2.1 A satisfação do crédito habilitado
Com a habilitação do crédito, como resulta do art. 642, § 2º, do CPC/2015, a satisfação do credor dependerá da existência, ou não, de dinheiro. Se o espólio dispuser de dinheiro suficiente, o juiz mandará pagar o credor, expedindo o mandado de levantamento. Evidente que, para que ocorra essa liberação, o juiz considerará o conjunto da responsabilidade do espólio, já que não convém satisfazer o credor e deixar sem pagamento a Fazenda Pública. Inexistindo dinheiro, o juiz separará bens suficientes, a seu critério, para satisfazer o credor. Há, portanto, duas possibilidades: (a) a adjudicação desses bens, conforme prevê o art. 642, § 4º, do CPC/2015, aliás, a forma preferencial de satisfação na expropriação comum (art. 825, I, do CPC/2015), a despeito de a parte final do parágrafo subordiná-la à concordância de todas as partes (e do Ministério Público); ou (b) a alienação coativa, em praça ou em leilão, conforme se trate de imóvel e de móvel, respectivamente, o bem separado. Não está prevista a alienação por iniciativa particular (art. 825, II, c/c art. 880 do CPC/2015), no entanto não há nada que a impeça, desde que atendidas as condições prescritas no próprio art. 880 do CPC/2015. 3.7.2.2 Crédito inexigível O credor de dívida líquida e certa, ainda que não vencida, também pode requerer habilitação no inventário (art. 644 do CPC/2015), mediante petição sobre a qual as partes serão intimadas a se pronunciarem no prazo de cinco dias, nos termos do art. 218, § 3º, do CPC/2015. Ao contrário do art. 642, § 1º, do CPC/2015, que exige prova “literal” do crédito, aqui se alude, com maior propriedade, a dívida “certa”, entendendo-se como tal a incorporada em documento com eficácia de título executivo. Em verdade, não se pode conferir interpretação estrita a nenhuma dessas hipóteses. O que se exige do
credor é a apresentação de prova documental, haja ou não eficácia executiva agregada a esse documento, embora seja esta a hipótese mais comum. A redação do art. 644 do CPC/2015 sugere que a habilitação tratará unicamente de dívidas em dinheiro. Porém, outras obrigações do espólio podem ser habilitadas ante tempus. Com a formulação da habilitação do crédito inexigível, o juiz mandará ouvir todas as partes – herdeiros, legatários (respeitado o art. 645 do CPC/2015), Fazenda Pública e Ministério Público –, no prazo de cinco dias (art. 218, § 3º, do CPC/2015), porque não há outro interregno específico. Se as partes apresentarem concordância com o pedido, o juiz julgará habilitado o crédito e mandará que se faça separação de bens para o futuro pagamento, que só ocorrerá após o vencimento da dívida. Não existindo dinheiro, então se realizará o crédito pelos meios admissíveis (adjudicação ou alienação coativa). Se houver impugnação, é lícito ao credor acudir à via ordinária, pleiteando condenação para o futuro (art. 514 do CPC/2015), porque estampada a lide na discordância. Por óbvio, os herdeiros não pretendem pagá-lo no vencimento. Também é possível aguardar o vencimento e executar o crédito. Ao remeter o credor às vias ordinárias, o juiz reservará, em poder do inventariante, bens suficientes para solver a dívida, desde que esta venha comprovada por “documento suficiente”. Feita a reserva, se o credor desejar promover ação de cobrança, esta deverá ser proposta no prazo de trinta dias, sob pena de perda da eficácia da medida (art. 1.997, § 2º, do CC/2002). Em última análise, o texto do art. 644 do CPC/2015 tem por escopo prevenir futuras demandas que trariam mais despesas para o espólio, tais
como o pagamento de honorários advocatícios e custas processuais. Entenda-se que a reserva de bens tem natureza cautelar, mas a caracterização do receio de dano não é fácil. E, por isso, dependerá da demonstração do fumus boni iuris de “documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação” (art. 1.997, § 1º, do CC/2002). Além disso, para que se efetive a reserva, a lei exige que a impugnação não seja fundada em quitação. Nesse caso, presume-se a ausência de fumus boni iuris, e a reserva não se realizará (art. 643, parágrafo único, do CPC/2015). Nesse caso, saliente-se que a impugnação deverá conter prova da quitação, ou seja, deverá ser fundamentada, ao contrário da simples discordância de uma das partes, que remete o credor às vias ordinárias mesmo sem estar fundamentada. 3.7.2.3 Outras hipóteses A Lei n. 6.858/80 prevê que os valores devidos pelos empregadores aos seus empregados, os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação Pis-Pasep não recebidos em vida pelos respectivos titulares serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social, ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na falta destes, aos sucessores previstos na lei civil. Para tanto, basta requerer a expedição de alvará judicial para esse levantamento, independentemente de inventário ou arrolamento. O disposto na referida lei se aplica às restituições relativas ao Imposto de Renda e outros tributos, recolhidos por pessoa física, e, não existindo outros bens sujeitos ao
inventário, aos saldos bancários e de contas de cadernetas de poupança e fundos de investimento de valor até 500 (quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional. Concebe-se, ainda, que o autor da herança deixe outras obrigações pendentes, por exemplo, a outorga de escritura pública de compra e venda, pois prometera vender a alguém imóvel de sua propriedade. Nada impede que tal credor se habilite e, aplicando-se o procedimento do art. 642 do CPC/2015, inexistindo discordância motivada, o juiz autorize o inventariante a outorgar essa escritura. Tal providência impede que o espólio se torne réu em ação fadada ao insucesso. É lícito aos herdeiros, após a reserva de bens (art. 643, parágrafo único) e sobrevindo execução pelo credor cuja habilitação não lhes mereceu a concordância e decisão favorável do juiz, autorizar o inventariante a nomeálos para sofrer constrição no processo em que o espólio figurar como parte passiva. A regra do art. 646 do CPC/2015, que trata da possibilidade de os herdeiros deliberarem a respeito dos bens sobre os quais preferem que recaia a penhora, assegura aos executados, em geral, requerer a “substituição” dos bens originariamente penhorados, quando se tratar de penhora ilegal, nos termos do art. 848 do CPC/2015. Significa que, recaindo ilegalmente a penhora em outros bens, distintos dos bens reservados, os herdeiros autorizarão o inventariante a reclamar a substituição, na forma do art. 656. 3.7.2.4 Decisão O ato do juiz que acolhe o pedido de pagamento, ou manda o credor para as vias ordinárias, é impugnável por agravo de instrumento (art. 1.015 do
CPC/2015), por tratar-se de decisão a respeito de questão incidente do inventário. O fato de autuar-se o pedido em apartado não é motivo bastante para alterar a natureza da decisão e transformá-la em sentença, suscetível à apelação. 4. Colação e a obrigação de igualar as legítimas O descendente direto que recebeu, em vida do de cujus, adiantamentos de legítima mediante doações (art. 554 do CC/2002), obriga-se a trazê-los à colação no inventário, no prazo estabelecido no art. 627 do CPC/2015, ou seja, logo após a apresentação das primeiras declarações do inventariante. A contagem desse prazo é comum e não se sujeita a aplicação em dobro (art. 224 do CPC/2015) Colacionar significa relacionar o(s) bem(ns) recebido(s) por liberalidade do de cujus, atribuir-lhe(s) valor – a oportunidade dessa avaliação se afigura essencial –, abrangendo as acessões e benfeitorias feitas pelo donatário, entrementes, e conferir (ou comparar) se o montante recebido excede, ou não, o quinhão que tocaria ao herdeiro na sucessão. O cônjuge ou companheiro é herdeiro, segundo a lei civil, e, assim, as doações de um cônjuge para outro podem significar adiantamento de legítima, nos casos em que o cônjuge concorre com os descendentes ou ascendentes do defunto. Os sucessores têm o dever de colacionar todos os bens ou direitos recebidos do autor da herança a título gratuito, excetuados os gastos deste com a guarda dos descendentes, bem como quando se tratar de doação remuneratória. Pontua-se que a finalidade desse mecanismo consiste em preservar o princípio da igualdade entre os herdeiros. Por isso, o art. 2.002 do CC/2002
declara que “os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum são obrigados” a igualar as legítimas, mediante o instituto da colação. Em contrapartida, o exato cumprimento desse dever evita que o herdeiro obrigado a colecionar se torne réu em eventual ação de sonegados. Em consequência do acolhimento de pedido dessa natureza, o herdeiro incorre na gravíssima pena da perda do direito sobre os bens que lhe cabiam na sucessão, a teor do art. 1.992 do CC/2002. Figure-se, por exemplo, o caso de alguém que, no período de abastança, realiza doação a um dos herdeiros necessários, envolvendo porção ínfima do patrimônio e perfeitamente enquadrada na quota de que dispõe para essas liberalidades. No momento do decesso, porém, o doador empobrecera drasticamente, e a doação diminuta agigantara-se, proporcionalmente, agora ultrapassando, em muito, a parte disponível. É justo, ou não, o donatário perder a parte inoficiosa? Daí a importância do critério legal porventura adotado: de um lado, calculada a parte disponível no momento da doação, o herdeiro nada precisará restituir; ao contrário, calculada a parte disponível no momento da abertura da sucessão, o herdeiro restituirá o acesso, após a colação de que cogita o art. 639 do CPC/2015. O art. 639, parágrafo único, do CPC/2015 determina que os bens recebidos sejam avaliados “ao tempo da abertura da sucessão”. O art. 1.847 do CC/2002 determina que a legítima se apure no momento da abertura da sucessão, pondo-se de acordo com a regra do art. 639, parágrafo único, do CPC/2015. Portanto, na hipótese concebida há pouco, o donatário, de resto obrigado a colecionar, haverá de restituir à sucessão o excesso, a fim de que seja redistribuído em nome do princípio da igualdade. Não tem relevância o momento em que ocorreram os atos de liberalidade à composição do
patrimônio do doador nessa ocasião. Se o de cujus tiver realizado a partilha em vida, nada há para colecionar. Por definição, atendeu-se ao princípio da igualdade. 4.1 Herdeiro renunciante e excluído O art. 2.008 do CC/2002 estabelece que “aquele que renunciou à herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível”. É o que dispõe também o art. 640 do CPC/2015. No entanto, não parece lícito interpretar o referido dispositivo, no sentido de que o renunciante ou o excluído somente deve colecionar o que exceder à legítima. Ficaria esse herdeiro, nessa conjuntura, em situação mais favorável que os herdeiros que aceitaram a herança. Na verdade, o herdeiro que renunciou não tem direito à legítima, e sua parte se acresce à dos demais herdeiros da mesma classe e, sendo o único, o quinhão passa aos integrantes da classe subsequente, conforme preceitua o art. 1.810 do CC/2002. É idêntica a situação do herdeiro excluído, que se considera morto (art. 1.816 do CC/2002), o qual não tem direito à legítima, que passa a seus descendentes, por representação. Um exemplo esclarece o assunto. Figure-se o caso de dois herdeiros, filhos do de cujus, sendo que A recebeu doação que corresponde a 75% da herança na data da abertura da sucessão. Dispensada a colação, seu irmão B receberia 25% da herança; porém, se A não tivesse renunciado, B receberia 50%. Esse resultado é absurdo. Por essa razão, o art. 640 do CPC/2015 determina que o herdeiro renunciante ou excluído não se exime do dever de repor a parte inoficiosa. Concebe-se, ainda, que, objetivando frustrar os seus próprios credores (e
não, como reza o art. 642 do CPC/2015, os credores do espólio), o herdeiro renuncie à herança. Em tal hipótese, os credores do renunciante, com autorização do juiz, poderão aceitá-la em nome do renunciante. Nessa hipótese, os credores deverão se habilitar no prazo de trinta dias do conhecimento do fato. Eventual valor remanescente que caberia ao herdeiro renunciante será devolvido aos demais herdeiros (art. 1.813, §§ 1º e 2º, do CC/2002). 4.2 Objeto da colação O art. 640, § 1º, do CPC/2015 autoriza o herdeiro escolher, entre os vários bens recebidos, os que deverão ser divididos entre os demais herdeiros, porque excedem à legítima e à parte disponível. Para essa finalidade, o herdeiro obrigado à colação deve relacionar todos, um a um, apontando os bens que reserva para si mesmo. Em relação aos bens que já deixaram o seu patrimônio, incidem as regras de avaliação explicadas nos comentários ao art. 639 do CPC/2015. No entanto, a regra só incide no caso de doação simultânea de dois ou mais bens. No caso de doações separadas, incide o art. 2.007, § 4º, do CC/2002, sendo o qual “serão elas reduzidas a partir da última, até a limitação do excesso”. Segundo o § 2º do art. 640 do CPC/2015, se a parte inoficiosa recair sobre bem imóvel que não comportar divisão cômoda, o juiz efetivará uma licitação particular entre os herdeiros. Da mesma forma, o donatário terá preferência na compra, em relação aos demais herdeiros. Nesse caso, o donatário deverá pagar o imposto de transmissão causa mortis, pois o bem saiu do seu patrimônio, compôs o acervo hereditário e, depois, mediante licitação,
adjudicou-se ao próprio donatário. Os parágrafos do art. 640 do CPC/2015 têm aplicação mais ampla que a regra básica. Valem para quaisquer herdeiros obrigados à colação, e não somente ao herdeiro excluído ou renunciante. 4.3 Avaliação dos bens colacionados No concernente à avaliação do objeto da colação, cumpre distinguir duas espécies. Encontrando-se o(s) bem(ns) no patrimônio do herdeiro no momento da abertura da sucessão, deverá(ão) ser conferido(s) em espécie. O valor a ser apurado, acrescido das acessões e das benfeitorias, é o da data do óbito, sendo irrelevante o valor da época da liberalidade. Incide, pois, o art. 639, parágrafo único, do CPC/2015. Caso o(s) bem(ns) não integre(m) o patrimônio do herdeiro, a avaliação utilizará o valor desse(s) bem(ns) ao tempo da liberalidade, conforme determina o art. 2.003, parágrafo único, do CC/2002. Em tal hipótese, acrescenta o art. 2.004, caput, do mesmo diploma, o valor será o que foi atribuído no ato da liberalidade, certo ou estimativo. Se o ato de liberalidade não indicar esse valor, estimativamente que seja, “os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade”, esclarece o art. 2.004, § 1º, do CC/2002. As benfeitorias acrescidas (e, a fortiori, as acessões) após a liberalidade não entram nesse cálculo, bem como os frutos e rendimentos, correndo à conta do herdeiro os danos e perdas que os bens recebidos hajam sofrido (art. 2.004, § 2º, do CC/202). O objetivo dessas disposições consiste em igualar as legítimas. Desse modo, atribuindo o de cujus, no negócio jurídico de liberalidade, valor que
não corresponde à realidade, nada impede que o juiz mande avaliar o(s) bem(ns), a fim de calcular-lhe(s) o valor exato naquela oportunidade. 4.4 Divergência sobre o dever de colação Legitimam-se a reclamar a colação os herdeiros e o cônjuge supérstite, porque só eles têm interesse na igualdade das legítimas. Os credores dispõem da ação para invalidar os negócios jurídicos que reduziram o devedor comum, já falecido, à insolência, em virtude da fraude. O prazo da colação espontânea consta no art. 627 do CPC/2015. O termo final para a colação provocada, no âmbito do inventário, é o prazo do art. 637 do CPC/2015, ou seja, o prazo aberto para as partes se manifestarem a respeito das últimas declarações. Após o decurso desse prazo, cabe a ação de sonegados. Feito o pedido de colação por um dos legitimados, acompanhado da prova hábil, concebe-se que o herdeiro, em vez de admitir o fato e trazer o(s) bem(ns) à colação, incontinenti, negue ter recebido bens do de cujus, e, conseguintemente, a existência do direito de trazê-los à colação. Presumivelmente, semelhante controvérsia surgirá nos casos em que o defunto adquiriu o(s) bem(ns) em nome do herdeiro. É muito difícil negar o negócio jurídico de doação provado documentalmente. Em tal hipótese, esclarece o art. 641 do CPC/2015, o juiz mandará ouvir as partes no prazo de quinze dias, facultando-se a produção de prova documental (por exemplo, a origem do dinheiro empregado para adquirir o bem). Em seguida, o juiz decidirá, concebendo-se: (a) a rejeição do pedido; (b) o acolhimento do pedido, mandando o herdeiro colacionar; (c) a remessa das
partes às vias ordinárias, porque a matéria exige produção de provas diversa da documental, a teor do art. 612 do CPC/2015, hipótese em que o herdeiro só receberá o seu quinhão, pendendo a ação de sonegados na oportunidade da partilha, prestando caução (art. 641, § 2º, do CPC/2015). Por sinal, não está excluída a possibilidade de o herdeiro tomar a iniciativa de pleitear a declaração da inexistência do dever de colacionar. 4.5 Consequências da ausência de colação Deferido o pedido do legitimado da intimação que porventura se faça às partes desse provimento, fluirá o prazo “improrrogável” de quinze dias para o herdeiro colacionar o(s) bem(ns) reclamado(s), na forma do art. 639 do CPC/2015, sob pena de sequestro dos bens sujeitos à colação. Esse prazo não se harmoniza com o do agravo de instrumento, portanto convém aguardar o prazo para interposição do agravo de instrumento, pois eventualmente poderá ser concedido efeito suspensivo, e, realizado o sequestro, entrementes, o juiz se encontraria na posição de desfazer o ato constritivo prematuro. 5. Partilha A partilha é o ato final no processo de inventário, através do qual os bens do espólio, até então indivisos, repartir-se-ão entre os herdeiros e demais sucessores. A partilha põe fim ao condomínio, existindo vários sucessores, até então existente causa mortis. O art. 647 do CPC/2015 trata da partilha contenciosa (art. 2.016 CC/2002), e os arts. 657 e 659 do CPC/2015 disciplinam a partilha amigável judicial. A partilha tem momento definido, entretanto o art. 647 do CPC/2015 não a marca corretamente. Isso porque a partilha não deve ocorrer apenas
quando cumprida a formalidade do art. 64, § 3º, do CPC/2015, ou seja, quando satisfeito(s) o(s) credor(es) habilitado(s), inclusive na modalidade mais drástica, que consiste na alienação parcial dos bens do espólio, que pode ser feita na partilha. É preciso também encerrar os eventuais incidentes de colação, bem como deverá ter sido julgado e pago o imposto de transmissão. Tomadas essas providências, o inventário ingressa na fase de partilha. 5.1 Pedido de quinhões Dispõe o art. 647 do CPC/2015 que, ao iniciar a partilha, o juiz facultará as partes para que formulem pedido de quinhão, no prazo comum de quinze dias. Com a formulação do pedido pelos interessados, o juiz proferirá decisão, resolvendo os pedidos e designando os bens que constituirão o quinhão de cada herdeiro ou legatário. Nessa oportunidade, aceita-se que, se os interessados estiverem de acordo, apresentem esboço amigável de partilha (art. 2.015 do CC/2002; art. 659 do CPC/2015), hipótese em que o juiz, ouvido o Ministério Público, acatará a vontade convergente das partes. É claro que sempre poderá rejeitar o esboço amigável, por não contemplar, de modo equânime, todos os herdeiros, ou deixar de fora da partilha algum bem. Após a formulação dos pedidos de quinhão, por todos ou por algum dos interessados, cabe ao juiz dar a palavra final, resolvendo a mais difícil e espinhosa das questões que se apresentam ao seu ofício no curso do inventário. É bom recordar que, relativamente às demais questões, sem pejo do art. 612 do CPC/2015, sempre lhe resta a cômoda (e incômoda para as partes) solução de mandar que se resolvam alhures. 5.2 Regras para a partilha
Enfim, socorrendo-se informalmente do partidor, onde a lei de organização judiciária houver criado esse cargo ou função, o juiz proferirá ato decisório que o art. 647 do CPC/2015, cuidadosamente, designa de “decisão de deliberação da partilha”. O CPC/2015 passou a prever, em seu art. 648, as regras que devem ser observadas pelo juiz na fixação dos quinhões. O art. 2.017 do CC/2002 já estabelecia as respectivas regras de uma forma mais geral e abrangente, dispondo, basicamente, de princípios que devem ser observados para a partilha dos bens, uma vez que o objetivo geral é a maior igualdade possível. Nesse sentido, deverá buscar, na partilha, a maior igualdade possível quanto ao valor, natureza e qualidade dos bens (art. 648, I, do CPC/2015), considerando-se que, na hipótese de bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não couberem na parte do cônjuge ou do companheiro supérstite, ou no quinhão de um único herdeiro, serão licitados entre os interessados ou vendidos judicialmente (art. 649 do CPC/2015). Afinal, a partilha se destina à extinção do condomínio in diviso dos sucessores. Logo, não cabendo na meação do cônjuge supérstite, ou no quinhão de um herdeiro, ou sendo inconveniente uma coisa ou outra, o bem há de ser alienado em hasta pública, repartido o produto entre os sucessores (art. 2.019 do CC/2002). Se necessário, o juiz decidirá quais bens comporão a meação do cônjuge supérstite e os legados, quando houver testamento a cumprir. Portanto, ao deliberar sobre a partilha, o magistrado deverá levar em conta vários fatores, estabelecidos na lei material. O inciso II do art. 649 do CPC/2015 determina que a divisão deverá ser feita de forma que evite litígios futuros, observando-se a máxima comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do companheiro (art. 649, III, do CPC/2015).
Quer dizer, existindo dois terrenos na aprazível cidade serrana, e dois herdeiros, o juiz aquinhoará a cada qual um dos terrenos. Ao herdeiro médico interessa receber o conjunto de escritórios, enquanto o herdeiro pecuarista interessará a propriedade rural, e assim por diante. Inverter a atribuição desses bens representaria profundo incômodo. Em casos mais tormentosos, o juiz poderá designar audiência e propor, a fim de estimular o concerto, atribuir ao herdeiro A o quinhão pretendido pelo herdeiro B e vice-versa. Se as pretensões foram formuladas de modo equânime, ninguém pode recusar; se recusam os interessados, é porque cada qual pretendeu se beneficiar à custa do outro, e, nesse caso, o juiz reabrirá o prazo para que deduzam suas pretensões conforme o princípio da probidade principal. Esse expediente logrou vários adeptos nas varas especializadas em sucessões. Deve-se observar, ainda, o direito do nascituro (art. 2º do CC/2002). Ao repartir os quinhões da herança, o quinhão que couber ao nascituro deverá ser reservado em poder do inventariante, até o seu nascimento (art. 650 do CPC/2015). 5.3 Esboço da partilha O art. 651 do CPC/2015 determina o conteúdo do esboço da partilha. O partidor é órgão auxiliar do juízo, e a existência do cargo depende da lei de organização judiciária, havendo previsão da função, que incumbe ao escrivão ou ao distribuidor (ou ao distribuidor e contador) do foro. Evidentemente, a primeira diretriz consiste em seguir o acordo ou o ato do juiz (art. 651, caput, do CPC/2015). O esboço deverá conter a relação de todos os bens da herança, incluindo o patrimônio ativo e passivo da herança,
conjunto este que constitui o chamado monte-mor, mencionando-se o valor de cada quinhão. Quanto à forma, o esboço de partilha deverá preencher os requisitos previstos no art. 653 do CPC/2015. O partidor, quando estiver organizando o esboço, deverá observar a seguinte ordem legal: as dívidas atendidas; seguidas da meação do cônjuge supérstite, eis que não compõe parcela de herança; a parte disponível dos bens da herança; e, por fim, a parte legítima, começando pelo quinhão do herdeiro mais velho. Essa ordem legal tem lógica, uma vez que, subtraindo as dívidas atendidas e a meação do cônjuge, o monte partível pode ser dividido em duas partes: a destinada ao pagamento das partes legítimas e a parte disponível. As dívidas que deverão constar do esboço de partilha são as já declaradas pelo inventariante e as habilitadas por qualquer credor (e aceitas pelos interessados, na forma do art. 642, § 2º, do CPC/2015); além disso, as dívidas que, apesar da discordância das partes, mereceram reserva do acervo, conforme dispõe o art. 643, parágrafo único, do CPC/2015. O conceito de meação vem da ideia de comunhão, já que há verdadeiro condomínio (de vidas e patrimonial) entre os cônjuges ou companheiros. Trata-se de regime de propriedade dos bens comunicáveis entre os cônjuges ou companheiros. A esposa e o marido casados pela comunhão universal de bens, por exemplo, são meeiros, sendo cada um proprietário da fração ideal de 50%. A meação, portanto, não faz parte da herança, razão pela qual deverá ser deduzida do monte partível, e, por isso, na organização do esboço de partilha, o montante da meação deve estar expresso antes do montante da parte disponível e da parte legítima. A metade disponível é a parcela dos bens da herança de que o de cujus
poderia dispor livremente, em vida (art. 1.789 do CC/2002). A parte legítima, por sua vez, é a parcela da herança de que o de cujus não poderia dispor livremente (art. 1.846 do CC/2002). Constituem a parte legítima os quinhões hereditários dos herdeiros necessários que, repise-se, à época do esboço de partilha, já foram determinados (art. 647 do CPC/2015). Por fim, ressalta-se que a determinação para que o quinhão do herdeiro mais velho seja relacionado em primeiro lugar não se trata de privilégio concedido ao primogênito, mas de simples critério utilizado pela lei para organizar a ordem dos herdeiros no esboço. Fica subentendido que os demais seguirão por ordem descendente de idade. Feito o esboço da partilha, dispõe o art. 652 do CPC/2015 que o juiz mandará as partes se manifestarem no prazo comum de quinze dias, que deverá ser contado ordinariamente (art. 224 do CPC/2015). Além do cônjuge, dos herdeiros e dos legatários, também a Fazenda Pública, o Ministério Público e os credores, titulares de bens reservados, hão de ser ouvidos. Poderá ocorrer a nulidade no caso de preterição do contraditório34. Os interessados podem concordar ou discordar do esboço apresentado, oferecendo reclamações que serão dirimidas pelo juiz. Parece flagrante que o motivo admissível reside no descumprimento das diretrizes fixadas na decisão prevista no art. 647 do CPC/2015, confirmada ou revista no recurso próprio. Com a resolução das reclamações, independentemente do resultado, ajustado o esboço à determinação do juiz, diz o art. 652 do CPC/2015 que a partilha será lançada nos autos. Em outras palavras, o esboço provisório se transforma em partilha definitiva, elaborada na forma do art. 653 do CPC/2015, baseada no trabalho
do partidor e nas alterações determinadas pelo juiz a partir das reclamações apresentadas pelas partes no prazo do art. 652 do CPC/2015. Incorrendo qualquer impugnação ao esboço de partilha, o lançamento desta será dispensável, passando-se diretamente à sentença (art. 654 do CPC/2015). A decisão prevista no art. 652 do CPC/2015 constitui decisão interlocutória e é, portanto, impugnável por agravo de instrumento. 5.4 Elementos da partilha Os elementos prescritos no art. 653 do CPC/2015 deverão constar tanto do esboço de partilha quanto do auto de partilha lançado nos autos após as providências do art. 652 do CPC/2015. A partilha contém duas partes: o auto de orçamento e as folhas de pagamento. No auto de orçamento devem constar os nomes do inventariado, do inventariante, dos herdeiros e, quando for o caso, do cônjuge supérstite, dos legatários e dos credores admitidos. Deve constar, também, a relação dos bens que compõem o ativo, das dívidas que compõem o passivo e do patrimônio líquido que será partilhado. A descrição dos bens, por sua vez, deve conter as especificações de cada bem. Assim, se bem imóvel, deverá conter a extensão da área, a origem do título, os limites do terreno, os eventuais gravames reais, e assim por diante. O inciso I, c, do art. 653 do CPC/2015 dispõe, ainda, que o auto de orçamento deve explicitar o valor de cada quinhão, o que, na prática, é redundante, já que a quota de cada herdeiro vem expressa nas respectivas folhas de pagamento. A divisão do acervo hereditário constará das folhas de pagamento. A
partilha conterá uma folha de pagamento para cada parte, precisando o quinhão de cada um dos herdeiros e a relação dos bens que compõem o respectivo quinhão, com “as características que os individualizam e os ônus que os gravam”. Também deverá haver uma folha de pagamento especificando a meação do cônjuge sobrevivente, quando for o caso, além de uma folha para cada um dos legados e dos créditos admitidos, todas com a relação dos bens correspondentes e suas características específicas. As folhas de pagamento representam a base do futuro formal de partilha. Finalmente, o parágrafo único do art. 653 do CPC/2015 estabelece que o auto de orçamento e cada uma das folhas de pagamento deverão ser assinados pelo juiz e pelo escrivão, demonstrando, ao menos em tese, a conformidade do auto de partilha com as deliberações feitas pelo magistrado (art. 647 do CPC/2015). 6. Sentença Após o cumprimento de todas as providências acima mencionadas, o juiz julgará a partilha mediante sentença de natureza constitutiva (art. 654 do CPC/2015). A partilha ocorrerá mesmo com a existência de dívida ativa, desde que garantido o seu pagamento (art. 654, parágrafo único, do CPC/2015), ou seja, ainda que os tributos devidos não tenham sido efetivamente recolhidos, ou que haja outras dívidas ativas pendentes, a partilha será resolvida. Com a resolução da partilha, ocorrerá a extinção do estado de comunhão existente entre os herdeiros e se definirá o quinhão de cada qual, bem como a extinção da figura do espólio, criando a titularidade individual de cada herdeiro ou legatário. Desse modo, nos processos pendentes, ocorrerá
sucessão processual, ou câmbio das partes, ingressando o herdeiro ou o legatário, conforme a hipótese, no polo outrora ocupado pelo espólio. Da sentença de partilha caberá apelação (art. 1.009 do CPC/2015). A emenda, a anulação e a rescisão da sentença de partilha constituem o objeto dos arts. 656, 657 e 658 do CPC/2015. 6.1 Emenda da partilha (art. 656 do CPC/2015) O art. 656 do CPC/2015 tem como objetivo possibilitar a correção de inexatidões materiais, ou seja, os erros materiais que porventura possam ser encontrados na partilha, sobretudo na descrição dos bens, embora a sentença do art. 654 do CPC/2015 haja transitado em julgado. As inexatidões materiais a que alude o art. 656 do CPC/2015 resultam, no mais das vezes, de atividade descuidada das partes (rectius: do procurador das partes) na descrição dos bens imóveis. Se houver erro de fato na descrição dos bens, o juiz poderá emendar a partilha, desde que todas as partes interessadas concordem com a alteração. Havendo discordância, a parte que se julgar prejudicada deverá lançar mão do recurso cabível ou, se ultrapassado o momento do trânsito em julgado, de ação rescisória, na forma prevista no art. 658 do CPC/2015. Por outro lado, tratando-se de inexatidões materiais, como o equívoco quanto ao nome e à qualificação de determinado herdeiro, o juiz poderá corrigi-las de ofício ou a requerimento das partes. A partilha não poderá ser emendada para a modificação substancial da divisão dos quinhões. Entende-se por modificação substancial (a) a inclusão de sucessor; (b) a inclusão ou exclusão de bens; (c) a alteração da divisão, permutando-se bens, integrantes de quinhões diversos, ou os próprios
quinhões. Em tais hipóteses, impõe-se o uso da ação: rescisória (art. 658 do CPC/2015) ou ação de petição de herança (arts. 1.824 a 1.828 do CC/2002). Havendo omissão de algum bem, o instrumento jurídico adequado é a sobrepartilha (art. 669, II, do CPC/2015). Não significa que os interessados terão êxito. A emenda deverá ser requerida pelos interessados nos autos do inventário. O art. 656 do CPC/2015 exige a concordância de todos os interessados. Por conseguinte, ou todos requerem a emenda, embora seja de interesse de um só, e todos representados, ou não, pelo mesmo advogado, ou apenas o interessado a requer, mas o juiz intimará os demais para, querendo, impugnar a pretensão. Em seguida, o juiz decidirá e, tratando-se de simples emenda, ou seja, correção de erro de fato ou erro material, acolherá a medida saneadora. Da decisão de retificação caberá, em primeiro lugar, recurso de embargos de declaração, ou, quando não for o caso, o recurso de apelação. Isso porque o ato do juiz que corrigir inexatidões materiais ou erros de fato será o ato final do procedimento. Em outras palavras, nada mais haverá para ser feito após a retificação, renovando-se a extinção do processo, e, por consequência, o único recurso concebível será o de apelação (art. 1.009 do CPC/2015). 6.2 Rescisão da sentença (art. 658 do CPC/2015) O provimento judicial reveste-se de autoridade de coisa julgada, e as causas de invalidade, inclusive as mencionadas no art. 657 c/c art. 658 do CPC/2015, transmudam-se em motivos de rescisão. A ação rescisória é remédio de direito estrito, cabível em hipóteses restritas, em que primeiro é preciso patentear vício idôneo a abrir a coisa julgada, ensejando a emissão de novo pronunciamento (art. 966 do CPC/2015).
São legítimos para propor a ação rescisória todos os que tenham participado do inventário, inclusive o Ministério Público e o terceiro prejudicado, seguindo a regra geral do art. 967 do CPC/2015. A ação rescisória da partilha seguirá o procedimento previsto para ação rescisória geral (arts. 966 a 975 do CPC/2015), inclusive quanto à competência e ao prazo decadencial. Todavia, as hipóteses de cabimento receberam tratamento diferente. O art. 658 do CPC/2015 conjugou às hipóteses do art. 966 do CPC/2015 outros casos, parcialmente sobrepostos, e, eventualmente, alargadores do campo de incidência da rescisória. Em virtude da remissão do art. 658, I, do CPC/2015 “aos casos mencionados no artigo 657”, alargou-se o campo de incidência do art. 966 do CPC/2015, que contempla o dolo da parte vencedora e a colusão das partes (inc. III). Ao contrário do entendimento geral, às vezes elevado à condição de autêntico dogma, a vontade das partes não é inteiramente irrelevante nos atos processuais, porque seus efeitos se encontram rigidamente programados na lei processual. No caso da partilha, o provimento judicial pode ser rescindido com base em vício da vontade das partes. No entanto, a remissão do art. 658, I, do CPC/2015 não pode ser interpretada além dos casos explícitos no art. 657 do CPC/2015. Não constitui motivo hábil à rescisão, por exemplo, a fraude contra credores. O art. 658, II, do CPC/2015 contempla como motivo de rescisão a “preterição de formalidades legais”. Equivale ao art. 966, V, do CPC/2015. Trata-se de violação à lei, seja error in procedendo (por exemplo, o juiz desatendeu a um dos pedidos de quinhão formulados), seja error in judicando (por exemplo, o juiz desatendeu ao princípio da igualdade dos quinhões).
Finalmente, estabelece o inciso III do art. 658 do CPC/2015 que, se o herdeiro for preterido ou alguém, não herdeiro, for incluído na partilha, a sentença é rescindível. 6.2.1 Herdeiro preterido no inventário Se o herdeiro foi preterido (por exemplo, encontrava-se em curso ação de investigação de paternidade), o caminho mais correto que lhe cabe é o da ação de petição de herança (art. 1.824 do CC/2002), que não está sujeita ao prazo decadencial da rescisória (dois anos – art. 496 do CPC/2015), mas ao prazo de 10 (dez) anos (art. 205 do CC/2002). É a orientação da jurisprudência35, segundo a qual o herdeiro que não tenha participado do processo de inventário não é atingido pela coisa julgada e, por isso, não teria legitimidade ativa para propor ação rescisória. É possível cogitar a hipótese de o herdeiro poder ser considerado terceiro, aplicando-se a primeira parte do art. 506 do CPC/2015, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”, e a possibilidade de o terceiro insurgir-se contra a coisa julgada por meio de ação rescisória (art. 967, II, do CPC/2015). Por essa linha de pensamento, o herdeiro não incluído no processo de inventário legitima-se à propositura de ação rescisória. Em suma, se a sentença de partilha incluísse alguém que não é herdeiro, tratando-o como se fosse, e transitasse em julgado, estando presentes todos os herdeiros, teria ela sido atributiva da propriedade ao não herdeiro depois de passados dois anos. Contudo, se um herdeiro não tivesse participado do inventário, como se está em face de litisconsórcio unitário necessário, a sentença de partilha teria sido inutiliter data, significando que sobre ela não
pesaria autoridade de coisa julgada. Não seria necessária a ação rescisória para retirá-la do mundo jurídico, nem ação de petição de herança, bastando simples petição. A sentença de partilha que excluiu herdeiro é ineficaz quanto a este, e, assim, todas as possibilidades se mostram admissíveis: a interposição de recurso, como interessado, a propositura de ação declaratória da ineficácia e a de petição de herança. A ação de petição de herança, transitada em julgado a favor do herdeiro preterido, pode ser simplesmente executada no inventário, pois a eventual sentença de partilha não se mostra eficaz perante o herdeiro preterido, tendo em vista que ele não participou do procedimento. 6.2.2 Herdeiro incluído no inventário O falso herdeiro ou o herdeiro aparente que participaram do inventário e receberam o respectivo quinhão submetem-se a regime diferente. Por exemplo, se o autor da herança iniciara em vida ação negatória da paternidade de filho nascido da sua mulher, e os demais herdeiros prosseguiram com a demanda após a morte, a teor do art. 1.061, parágrafo único, do CC/2002, transitada em julgado, com pronunciamento favorável aos demais sucessores do de cujus, surge estado jurídico novo, uma vez que quem era herdeiro deixou de ser. Logo, a sentença de partilha judicial é rescindível, com fundamento no art. 658, III, do CPC/2015, iniciando o prazo de dois anos (art. 975 do CPC/2015), porém, na data em que surgir o estado jurídico novo. 6.2.3 Efeitos da rescisão Na hipótese de rescisão da partilha, por qualquer motivo, a eficácia inter partes se produzirá plenamente. Toda sentença proferida na rescisória tem
eficácia ex tunc. Via de regra, todos os participantes do inventário deverão figurar como partes na rescisória, no entanto há exceções; por exemplo, no caso do herdeiro incluído, indevidamente, no inventário (art. 658, III, do CPC/2015), bastando que um dos legitimados promova a rescisória contra ele (e seu cônjuge ou companheiro), inexistindo a necessidade de pleitear o provimento de exclusão do herdeiro e reorganização da partilha com a presença de todos os antigos figurantes do inventário. O juízo de procedência os atingirá reflexamente. No entanto, esse provimento judicial muda de figura perante terceiros. É possível que o herdeiro aparente haja recebido seu quinhão e o tenha transmitido a terceiros. O terceiro adquirente pode ostentar boa-fé, e, de ordinário, a resolução do domínio por motivo superveniente não implica a restituição, senão a indenização pelo equivalente pecuniário, a teor do art. 1.359 do CC/2002. Essa orientação se harmoniza com a tutela da boa-fé objetiva e da aparência. Resta ao espólio, que não impediu, oportunamente, a transmissão ao terceiro (por exemplo, mediante medida cautelar incidental à ação negatória de paternidade), obter indenização pela subtração irremediável do bem do acervo hereditário. 7. Formal de partilha Teoricamente, a decisão já nasce apta a produzir todos os seus efeitos, mas a previsão de recurso com efeito suspensivo contra ela já basta para inibir seus efeitos desde a origem. Basta, porém, eliminar o efeito suspensivo do recurso, para que o ato judicial surta os efeitos próprios ou típicos imediatamente.
A sentença proferida nos autos do inventário, homologando a partilha, só surtirá efeitos após o esgotamento cabal das vias de impugnação, momento no qual será firmado o formal de partilha. É o que estabelece o art. 655 do CPC/2015. Esse momento, mais próximo ou mais distante da data da emissão da sentença, conforme haja, ou não, a interposição do recurso de apelação, e consoante a demora em julgá-lo, confirmando ou reformando o ato do juiz de primeiro grau, marca a oportunidade em que o juiz mandará o escrivão elaborar o formal ou a certidão de partilha. No entanto, apesar da indiscutibilidade própria desse novo estado jurídico, a sentença de partilha poderá ser (a) emendada (art. 656 do CPC/2015); e (b) anulada ou rescindida (arts. 657 e 658 do CPC/2015) por intermédio dos meios legais hábeis. Assim como em toda sentença constitutiva, a sentença de partilha já traz em seu núcleo o estado jurídico novo que ela implica, e, portanto, a entrega do bem da vida à parte se produz independentemente de qualquer outro ato de realização (ou efetivação, cumprimento, execução) do comando judicial no mundo sensível. No entanto, é preciso documentá-la, como ato declarativo de direitos, a fim de que o beneficiário extraia outros efeitos jurídicos. Daí a necessidade de expedição do formal de partilha, contemplado no art. 655 do CPC/2015, ou da certidão de partilha, conforme o valor (art. 655, parágrafo único, do CPC/2015). O formal de partilha tem várias funções: (a) serve de título hábil à aquisição do domínio, mediante registro no álbum imobiliário; (b) documenta a propriedade mobiliária; e (c) presta-se como título para o herdeiro exercer a pretensão de imitir-se na posse dos bens móveis e imóveis que compõem o seu quinhão, perante o inventariante ou outra pessoa. Excepcionalmente,
prevendo a sentença de partilha alguma atribuição patrimonial entre os herdeiros, a fim de tornar iguais os quinhões, o formal, e a fortiori, a certidão de partilha têm eficácia executiva “em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal” (art. 515, IV, do CPC/2015). Por exemplo: o herdeiro A recebe o imóvel x, que vale 100, e o herdeiro B recebe o imóvel y, que vale 80; para equilibrar a distribuição do acervo, A obriga a pagar a B 10, a fim de que cada qual receba 90, o que corresponde ao devido quinhão. Deixando A de pagar a B a quantia de 10, cabe execução forçada, promovida por B. O formal de partilha deverá ser instruído com as peças elencadas nos incisos I a V do art. 655 do CPC/2015, que se destinam a comprovar três dados do maior relevo para o exercício das novas pretensões que resultam da sentença (constitutiva) de partilha: (a) a condição do sucessor; (b) a atribuição de bem móvel ou imóvel determinado; e (c) o pagamento do imposto de transmissão. Para as finalidades acima descritas, reproduzem-se os atos do processo de inventário, com alguma redundância, porque a regra tem como objetivo tornar o formal de partilha completo e suficiente; por esse motivo, à guisa de exemplo, reproduz o termo de inventariante (art. 655, I, do CPC/2015), já indicando o provável legitimado passivo em eventual ação de imissão de posse. Parece óbvio que, guarnecido desses elementos, e estando o imóvel descrito com fidelidade na folha de pagamento, homologada pela sentença de partilha, o sucessor habilita-se a adquirir a propriedade imóvel, registrando o título no álbum respectivo. Faltou, porém, esclarecer que acompanhará a sentença de partilha (art. 655, V, do CPC/2015), decerto, a certidão do trânsito em julgado.
A expedição do formal de partilha poderá ser substituída por certidão de pagamento do quinhão hereditário quando este não exceder cinco vezes o salário mínimo vigente (art. 655, parágrafo único, do CPC/2015), uma vez que o baixo valor indica que o quinhão se compôs de bens móveis de escassa importância, e a certidão serve, fundamentalmente, para documentar a aquisição da propriedade e da posse. 8. Arrolamento O arrolamento previsto no art. 659 do CPC/2015 é o dito “arrolamento sumário”, procedimento cabível para a partilha amigável, que poderá ser homologada de plano pelo juiz, observando-se os arts. 660 e 663 do CPC/2015. A partilha amigável é cabível sempre que “os herdeiros forem capazes, poderão fazer a partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015 do CC/2002). Se todos os interessados forem capazes e concordes, é possível que o inventário e a partilha sejam feitos por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Em outras palavras, tratando-se de partilha de bens entre pessoas capazes, inexiste a necessidade de homologação do juiz. A própria escritura pública de partilha amigável, pago o imposto de transmissão, se necessário, constitui título hábil à aquisição do domínio de bens imóveis. A partilha amigável em juízo e a homologação do juízo transformaram-se em faculdade das partes, inexistindo testamento, e passaram a ser malvistas pelo órgão judiciário. Lucram os tabeliães.
O arrolamento tido como “comum” é aquele previsto na hipótese do art. 664 do CPC/2015 e é o procedimento para o inventário eventualmente litigioso, no qual os bens do espólio tenham o valor igual ou inferior a mil salários mínimos. 8.1 Arrolamento comum O art. 664 do CPC/2015 estabelece um teto (mil salários mínimos) para que o inventário se processe na forma de arrolamento. É parcialmente diferente a admissibilidade desse procedimento, uma vez que o emprego do arrolamento, da hipótese prevista no art. 659 do CPC/2015, não se subordina à inexistência de incapazes ou à concordância entre os herdeiros, nem sequer importa o valor da herança, que difere do valor dos bens do espólio. Convém salientar que o teor do art. 664 do CPC/2015 não dá margem à escolha na forma de processar o inventário, cujo valor dos bens do espólio não exceda a quantia indicada, determinando que “processar-se-á na forma de arrolamento”, conforme especifica. Revela-se, portanto, o caráter imperativo da disciplina. Esse procedimento é tratado como arrolamento de comum, para diferenciá-lo do arrolamento sumário (amigável e judicial), o rótulo de arrolamento de bens de pequeno valor. A despeito da diversidade existente entre ambas as espécies de arrolamento (comum e sumário), o inventariante – nomeado de acordo com a ordem do art. 617 do CPC/2015, prescindível no arrolamento sumário – apresentará com suas declarações a atribuição de valor aos bens e o plano de partilha (art. 664 do CPC/2015). Em seguida, proceder-se-á às citações, na forma do art. 626 do CPC/2015,
para que as partes, cônjuge, herdeiros e legatários, não concordando com os valores atribuídos aos bens pelo inventariante ou com o plano de partilha, apresentem impugnação, no prazo de quinze dias. À Fazenda Pública se aplica, por força do § 4º do art. 664 do CPC/2015, o preceituado no art. 662 do CPC/2015, pelo que as questões relativas à taxa judiciária e aos tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade deverão ser solucionadas pela via administrativa ou judicial autônoma, não sendo conhecidas no âmbito do arrolamento. Havendo impugnação, o juiz nomeará avaliador, que oferecerá laudo em dez dias (art. 664, § 1º, do CPC/2015). Apresentado o laudo, designar-se-á audiência, na qual o juiz irá decidir todas as impugnações e ordenar o pagamento das dívidas não impugnadas, tudo lavrado em termo assinado pelo juiz e pelas partes (art. 664, § 2º, do CPC/2015). Poderá, também em audiência, já decidir sobre a partilha, se presentes os requisitos exigidos pelo § 5º do art. 664 do CPC/2015. Os §§ 4º e 5º esclarecem que o juiz só poderá julgar a partilha mediante a comprovação de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, vedada a discussão sobre questões relativas ao lançamento, pagamento e quitação do imposto sobre transmissão e da taxa judiciária. A decisão que julgar a partilha, seja ela prolatada em audiência ou em gabinete, constitui sentença recorrível mediante apelação. 8.2 Arrolamento sumário O art. 659 do CPC/2015 trata do arrolamento sumário, é um procedimento simplificado, cabível quando a partilha for amigável (art. 2.015 do CC/2002) ou quando houver apenas um herdeiro (art. 659, § 1º, do CPC/2015).
O caráter sumário da cognição do juiz, no arrolamento de bens, transparece na disposição do art. 662 do CPC/2015. Declara a regra que “as questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio” não poderão ser discutidas e apreciadas nesse procedimento especial. Mas a legítima opção dos herdeiros por esse procedimento simples e rápido não serve para fraudar a lei. Mostram-se inadmissíveis as discussões a respeito da necessidade de recolhimento do imposto de transmissão, que é requisito da expedição do formal de partilha, segundo o art. 662, § 2º, do CPC/2015, bem como controvérsias sobre o valor do tributo. Eventual controvérsia acerca do valor do
tributo
deverá
ser
discutida
pelas
autoridades
fazendárias,
administrativamente. 8.2.1 Petição de arrolamento sumário A petição de inventário pelo arrolamento sumário tem o conteúdo necessário no art. 660 do CPC/2015. Inicialmente, os herdeiros indicarão a pessoa que desempenhará a função de inventariante, requerendo ao juiz sua nomeação. Não é preciso que essa indicação siga o rol do art. 617 do CPC/2015, pois prevalecerá a vontade convergente dos herdeiros, e não há necessidade de termo. Em seguida, declararão os títulos dos herdeiros e os bens do espólio. É da natureza das coisas a necessidade de observância dos dados previstos no art. 620 do CPC/2015, que se mostram imprescindíveis ao futuro registro do formal de partilha. Por fim, os herdeiros atribuirão valor aos bens. Devem fazê-lo de modo
realista e conforme o princípio da probidade. Existindo dívidas do de cujus, parece razoável exibir, para os fins do art. 663 do CPC/2015, que também sejam declaradas na inicial. Cabe observar que, a despeito de o arrolamento sumário situar-se, formalmente, entre os processos de jurisdição contenciosa, não há nem pode haver lide entre as partes. O art. 660 do CPC/2015 designa o requerimento em que os herdeiros, pondo-se de acordo, optam pelo arrolamento sumário, de petição de inventário. A regra consagra o princípio da iniciativa da parte. Por outro lado, o dispositivo declara, peremptoriamente, que o arrolamento processar-se-á “independentemente da lavratura de termos de qualquer espécie”. Entende-se por tal os termos específicos do inventário (por exemplo, o de compromisso do inventariante; o de primeiras declarações). Entende-se que se trata, em verdade, de uma declaração de princípios, porque sempre haverá necessidade de algum termo, por tratar-se de meio pelo qual o processo tramita, a exemplo do termo de conclusão, a fim de que os autos cheguem às mãos do órgão judiciário para proferir a sentença de homologação ou de adjudicação. 8.2.2 Necessidade de capacidade postulatória Ressalta-se que o requerimento para a homologação da partilha amigável e do arrolamento sumário é ato privativo de advogado. Logo, os interessados devem constituir representante técnico. No que respeita ao inventário e à partilha feitos por ato notarial, a presença do advogado de cada uma das partes é indispensável e da própria substância do ato (art. 610, § 2º, do CPC/2015).
8.2.3 A taxa judiciária, impostos e tributos O art. 662 do CPC/2015 dispõe que não serão “apreciadas as questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio”. Isso porque pretende-se com o arrolamento sumário um procedimento mais breve. Nesse sentido, determina o § 1º do art. 662 do CPC/2015 que a taxa judiciária deverá ser calculada e recolhida com base no valor atribuído pelos herdeiros, cabendo ao fisco processo administrativo para exigir eventual valor diverso, com o respectivo lançamento. Além disso, não há no arrolamento etapa de cálculo e pagamento de imposto de transmissão, pois não serão apreciadas no arrolamento questões relativas a lançamento, pagamento ou quitação de taxas judiciárias e tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio (art. 662 do CPC/2015). Assim, com o trânsito em julgado da sentença de homologação da partilha ou da adjudicação dos bens, será lavrado formal de partilha ou carta de adjudicação, momento no qual o fisco será intimado para efetuar o lançamento administrativo do imposto de transmissão e outros tributos eventualmente incidentes (art. 659, § 2º, do CPC/2015). 8.2.4 Adjudicação ou partilha O arrolamento sumário pode contemplar, em vez da partilha dos bens entre vários sucessores, simplesmente a adjudicação do(s) bem(ns) ao único herdeiro, conforme a previsão do art. 659, § 1º, do CPC/2015. 8.2.5 Dispensa de avaliação de bens Declarando os herdeiros o valor dos bens, na petição de abertura do
processo de arrolamento sumário (art. 660, III, do CPC/2015), não há necessidade de avaliação judicial. O art. 661 do CPC/2015 determina expressamente a desnecessidade de avaliação dos bens no procedimento sumário. Porém, há uma exceção. Existindo credores, e havendo pretensão à reserva de bens, impõe-se realizar avaliação judicial, não concordando o credor com o valor fixado na forma do art. 660, III, do CPC/2015, conforme dispõe o art. 663, parágrafo único, do CPC/2015. A opção dos herdeiros pelo arrolamento sumário não pode prejudicar os interesses dos credores do defunto. Por conseguinte, inexistirá avaliação, salvo na hipótese de discordância por parte dos credores com relação ao valor do(s) bem(ns) reservado(s) para garantia da(s) dívida(s). 8.3 Habilitação de crédito e reserva de bens no arrolamento Omitida a existência de credores do espólio, lícito se afigura a habilitação de que trata o art. 642 do CPC/2015. Em tal hipótese, o juiz ordenará a reserva de bens, ex officio, ou a requerimento do credor, respeitados os pressupostos legais. Tais bens servirão à solução da dívida, havendo concordância dos herdeiros, ou garantirão essa solução, na hipótese de discordância e remessa do credor às vias ordinárias. Nesse último caso, há que se configurar os requisitos gerais da providência cautelar36. O art. 663, parágrafo único, do CPC/2015 empresta solução ao problema suscitado com a atribuição unilateral de valor aos bens (art. 660, III, do CPC/2015). Para além disso, o procedimento da reserva de bens não discrepa do modelo comum. Não concordando o credor com os valores, far-se-á avaliação judicial, a fim de que a reserva recaia sobre bens suficientes à
satisfação do crédito. A opção dos herdeiros pelo arrolamento sumário não pode prejudicar os credores do autor da herança. A existência de dívidas não impede a homologação da partilha, desde que sejam reservados bens suficientes para o pagamento dos credores. Daí se infere que, respeitando o princípio da probidade, a inicial deverá indicar os créditos incontroversos e separar bens suficientes. É o que se deduz, razoavelmente, da necessidade de notificação (art. 663, parágrafo único, do CPC/2015). 8.4 Expedição do formal de partilha A expedição do formal de partilha subordina-se, como ocorre no inventário, ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha ou da adjudicação do(s) bem(ns) ao herdeiro único. É o que resulta, inequivocamente, do art. 659, § 2º, do CPC/2015. Além dessa condição, porém, há outra: a prova do pagamento do imposto, na hipótese do procedimento comum (art. 664, § 5º, do CPC/2015). 8.5 Aplicação subsidiária das regras de inventário no arrolamento A disciplina do inventário (arts. 610 a 658 do CPC/2015) aplica-se, subsidiariamente, nos procedimentos de arrolamento comum e sumário. A aplicação subsidiária ocorrerá tão somente quando não houver disposição específica regulando a matéria e naquilo que não for incompatível com as normas específicas dos procedimentos. 8.6 Anulação da partilha amigável O art. 657 do CPC/2015 incide tão só no caso de partilha amigável judicial e extrajudicial. A partilha amigável consubstancia um negócio jurídico e,
assim, apesar de formalmente transitada em julgado (art. 655 do CPC/2015), mostra-se passível de anulação, conforme contempla o art. 657 do CPC/2015. Não é necessário o emprego da ação rescisória do art. 966 do CPC/2015. A disposição do art. 657 do CPC/2015 se harmoniza com o art. 966, § 4º, do CPC/2015, segundo o qual “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei”. Por igual, o art. 2.027, caput, do CC/2002 estabelece que a partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos. Ao homologar a partilha amigável, o juiz verifica tão só as formalidades extrínsecas do acordo e, obviamente, não examina o fato de a vontade dos acordantes ter se exteriorizado sem algum vício que comprometa o consentimento. Além dos vícios da vontade, mencionados no próprio art. 657 do CPC/2015 (dolo, coação e erro essencial), escapou ao juiz a incapacidade de um dos figurantes do negócio jurídico. Em suma, a partilha amigável, tanto judicial como extrajudicial, é passível de ação anulatória, viciada por dolo (arts. 145 a 150 do CC/2002), coação (arts. 151 a 155 do CC/2002), erro essencial (arts. 138 a 144 do CC/2002) ou intervenção de incapaz (arts. 3º e 4º do CC/2002). Acrescentem-se outras hipóteses de vício do consentimento, a ensejar ação anulatória: o estado de perigo (art. 156 do CC/2002), a lesão (art. 157 do CC/2002) e a fraude contra credores (art. 171, II, do CC/2002). Essa ampliação se deve ao caráter geral da previsão do art. 2.027, caput, do CC/2002, claramente inovador perante o art. 657, caput, do CPC/2015. Cabe ainda referir que “a sentença que se limita a homologar a partilha
amigável não pode ser desconstituída por meio de recurso de apelação, pois não possui cunho decisório e há necessidade de produção de prova” no tocante ao vício alegado, sendo, pois, necessário o ajuizamento da ação anulatória37. 8.6.1 Legitimidade Com relação à legitimidade, via de regra, qualquer figurante do negócio jurídico homologado pelo juiz legitima-se a pleitear a anulação. Por exemplo, já se decidiu que a usufrutuária legitima-se a propor ação anulatória38. Mas também já se decidiu que só os herdeiros e o cônjuge sobrevivente têm legitimidade ativa para a anulação da partilha, excluindo a legitimidade de terceiro possuidor de bem incluído na partilha39. Passivamente, legitimam-se os demais figurantes, em litisconsórcio obrigatório. 8.6.2 Competência A competência para julgar e processar a ação anulatória de partilha amigável é controversa. Em que pese o entendimento de que se trata de ação acessória (art. 61 do CPC/2015), e, portanto, processar-se-á perante o juízo do inventário, em primeiro grau, parece mais consentâneo com a estatura do ato judicial, objeto da anulatória, outra solução. Eventualmente, a sentença de partilha recebeu confirmação do tribunal, ao desprover o recurso de apelação. Assim, a ação anulatória do art. 966, § 4º, do CPC/2015 e, a fortiori, a do art. 657 do CPC/2015 processam-se no segundo grau, segundo o procedimento previsto para a rescisória do art. 966 do CPC/2015.
8.6.3 Decadência Segundo o parágrafo único do art. 657 do CPC/2015, o direito de propor ação anulatória de partilha amigável extingue-se em um ano. O prazo é decadencial40 porque se trata de pretensão à dissolução do negócio jurídico, baseada em direito formativo gerador, e, nesses casos, o termo para exercício é de decadência, que implicará o desaparecimento do próprio direito, e não apenas da pretensão, como sucede na prescrição (art. 189 do CC/2002). O art. 657, parágrafo único, do CPC/2015, atento às particularidades práticas na contagem desse prazo, esmerou-se em solucionar, com a maior clareza possível, o termo inicial do prazo em seus incisos. Desse modo, tratando-se de coação, o interregno se inicia na data em que ela cessou; de dolo, na data em que realizou o negócio, impropriamente chamado de “ato”; de incapacidade do figurante, do dia em que cessar esse déficit. Por analogia, o termo inicial da coação se aplica ao estado de perigo; o do dolo, à fraude contra credores. Há decisões, proferidas na vigência do CPC/73, no sentido de que o prazo decadencial de um ano para a anulação da partilha amigável feita por escrito particular homologado em juízo se inicia a partir da homologação41 ou do trânsito em julgado da sentença homologatória42, já que é só nesse momento que a partilha passa a produzir efeitos. 9. Dispensa de inventário e de arrolamento O art. 666 do CPC/2015 reitera o quanto disposto na Lei n. 6.858/80, que trata do pagamento, aos dependentes ou sucessores, de valores disponíveis nas contas do FGTS e PIS-Pasep, não recebidos em vida pelos respectivos titulares. O art. 1º, caput, dessa lei dispõe que “os valores devidos pelos
empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PISPasep, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento”. Além disso, a regra aplica-se às restituições relativas ao imposto de renda e outros tributos, recolhidos por pessoa física, e, inexistindo outros bens sujeitos ao inventário, aos saldos bancários, às contas de caderneta de poupança e aos fundos de investimento de valor não superior a 500 (quinhentas) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (art. 2º da Lei n. 6.858/80). A Lei n. 6.858/80 regulou o Decreto n. 85.845/81. Saliente-se que o parágrafo único do art. 1º desse Decreto dispõe que quantias (saldo de salários, férias, gratificação natalina etc.) devidas a qualquer título, pelos empregadores a seus empregados, em decorrência de relação de emprego, bem como quaisquer valores devidos, em razão de cargo ou emprego, pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias, aos seus servidores, serão pagos nos termos da Lei n. 6.858/80. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça rejeita a aplicação do diploma ao levantamento de quantias resultantes de condenações judiciais43. Portanto, nota-se que a lei só exige a expedição de alvará nos casos em que não haja dependentes habilitados perante a Previdência Social. Na prática, no entanto, muitas vezes as instituições exigem alvará judicial para a liberação dos valores. Se houver a necessidade de expedição de alvará, por
falta de dependentes devidamente habilitados ou por recusa da instituição, o pedido deverá ser dirigido à Justiça Estadual, nos termos da Súmula 161 do STJ. 10. Tutela provisória A autêntica tutela provisória se destina a regular a situação de fato transitoriamente, sem atribuir o bem da vida, embora de modo reversível, a qualquer dos litigantes. É dessa natureza, por exemplo, a reserva de bens do herdeiro que, postulando seu ingresso no inventário, o juiz decidiu por não admitir, porque controversa a sua qualidade, mas ordenou a reserva, em poder do inventariante, do quinhão que lhe caberia, em tese, até a decisão do litígio na via ordinária (art. 628, § 2º, do CPC/2015). Essa questão há de ser resolvida incidentalmente no inventário. O juiz designará, explicitamente, os bens que compõem a reserva. Só resta ao inventariante administrá-los com as cautelas de estilo (art. 618, II, do CPC/2015). É evidente que a extensão e a qualidade dos bens (por exemplo, a reserva recaiu sobre os piores campos do autor da herança) podem ser controvertidas em recurso próprio. A eficácia da medida subordina-se à propositura da ação principal no prazo do art. 668, I, do CPC/2015 e perdura “até que se decida o litígio” (art. 628, § 2º, do CPC/2015). Entende-se por tal o trânsito em julgado da sentença proferida na ação principal. Compreende-se, no entanto, sem maiores dificuldades, que essa tutela desaparecerá, cedo ou tarde, revertendo os bens reservados para monte-mor, a fim de serem distribuídos entre os herdeiros habilitados, com ou sem a
participação do herdeiro excluído, conforme a solução empresta à sua qualidade no processo próprio. O art. 668 do CPC/2015 repete as regras gerais quanto ao caráter temporário das tutelas provisórias. Em primeiro lugar, na forma preconizada pelo art. 308 c/c art. 309, I, o art. 668, I, do CPC/2015 estabelece a cessação da eficácia da tutela quando a ação relativa ao direito acautelado não for proposta no prazo de trinta dias. O prazo previsto no inciso I do art. 667 do CPC/2015 começa a ser contado a partir da intimação do impugnante, do herdeiro excluído ou do credor não admitido, e o termo inicial é explicitamente disposto na regra. A perda da eficácia da medida ocorre de forma automática, bastando o implemento do prazo sem a comprovação do ingresso em juízo da ação principal. Não há necessidade de o juiz revogar a medida expressamente. A fluência do prazo do art. 668 do CPC/2015 acaba com a propositura do processo principal. Nesse sentido, o art. 312 do CPC/2015 considera proposta a ação com a sua distribuição ou, inexistindo mais de um juízo ou ofício na comarca (art. 150 do CPC/2015), conforme a lei de organização judiciária, por intermédio do despacho do juiz. No entanto, à semelhança do que ocorre com a demora da citação, para efeitos de interrupção da prescrição, a burocracia judiciária não prejudica o direito do autor. A entrega da petição inicial no ofício da distribuição, onde houver, ou no cartório comum, mediante recibo hábil, serve para o autor se desincumbir do ônus previsto no art. 308 do CPC/2015. Essa é a única interpretação concebível considerandose os princípios do processo civil. O art. 668, II, do CPC/2015 preceitua a extinção da medida cautelar sempre que o órgão judiciário extinguir o processo de inventário, com ou sem
resolução de mérito. No inventário, o julgamento de mérito avulta no provimento previsto no art. 654 do CPC/2015, e, por intermédio desse ato, há a atribuição (ou adjudicação) de bens aos herdeiros. Por outro lado, só há extinção do processo de inventário sem julgamento de mérito quando não houver bens a partilhar, e, de resto, em outros casos excepcionais que impedirem a partilha. Nas hipóteses mencionadas de extinção do processo de inventário sem julgamento do mérito, não há real motivo para a subsistência das medidas cautelares arroladas no art. 668, I, do CPC/2015, bem como de providências similares. Ressalta-se que, na hipótese de o juiz extinguir o inventário por intermédio da sentença prevista no art. 654 do CPC/2015, já não se pode aplicar a regra do art. 668, II, do CPC/2015. É preciso manter a eficácia da reserva de bens, e outras medidas similares, no mínimo até o juízo de improcedência, em primeiro grau, na ação principal, em que pese interposto recurso pelo vencido. A improcedência elimina a verossimilhança, que é pressuposto da reserva de bens. É a interpretação razoável de outras disposições, por exemplo, a do art. 627, § 3º, do CPC/2015, que manda efetivar a reserva “até o julgamento da ação”, e a do art. 628 do CPC/2015, que fixa o termo final “até que se decida o litígio”. De acordo com entendimento mais radical, semelhante pronunciamento, porque reversível, não afeta a medida cautelar, que há de subsistir até o trânsito em julgado do pronunciamento desfavorável à parte. Seja como for, o art. 668, II, do CPC/2015 reclama temperamentos, confiando-se ao órgão judiciário dispor a respeito. O art. 668 do CPC/2015 encontra paralelo no art. 309 do CPC/2015, que
regula a cessação da eficácia das tutelas provisórias em geral. Cabe examinar, ainda, a eventual relação do parágrafo único do art. 309 e o sobredito art. 668 do CPC/2015. Na hipótese de o herdeiro excluído, por exemplo, ter perdido o prazo de 30 (trinta) dias para a propositura da ação de reconhecimento de paternidade e petição de herança, desaparece a eficácia, automaticamente, da reserva de bens. Evidentemente, tal fato não impede o herdeiro excluído de propor a ação autônoma posteriormente. A renovação da medida cautelar, em caráter antecedente ou incidente, aparentemente esbarra no disposto no art. 309, parágrafo único, do CPC/2015, segundo o qual, “se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento”. Desse modo, conclui-se que é possível ao interessado formular pedido de cautela, veiculando semelhante pretensão em processo cautelar preparatório ou incidental, nada obstante ter sido concedida a cautela pelo juiz, no inventário, e cessado a respectiva eficácia. Essa parece ser a interpretação mais adequada à situação. 11. Sobrepartilha A sobrepartilha é a partilha de bens do espólio que, por alguma razão, deixaram de ser oportunamente partilhados (art. 669 do CPC/2015). Trata-se de um procedimento que tem como objetivo facilitar o ágil andamento do processo de inventário. O juiz não precisa suspender o inventário até o julgamento da ação que tenha por objeto um dos bens do espólio, por exemplo, ou, ainda, até o cumprimento de carta precatória, no caso de bens situados em locais remotos. Também satisfaz a máxima da
efetividade, no processo de inventário, uma vez que os bens que não foram incluídos na partilha, mas integram o espólio, deverão ser partilhados de qualquer maneira. Melhor que seja no próprio processo de inventário, sem a necessidade de abertura de outro, reiniciando-se o processo. A sobrepartilha deve ocorrer quando localizarem bens nas situações descritas no art. 669 do CPC/2015. A primeira hipótese de cabimento da sobrepartilha resulta do agir malicioso de alguém que tenha ocultado bens do espólio, sonegando bens do espólio; isso ocorre quando certos bens podem ter sido ocultados, não levados à colação ou não restituídos ao monte, quando deveriam tê-lo sido e, assim, não foram incluídos na partilha. Apura-se a sonegação por meio de ação própria44, a chamada “ação de sonegados”, na qual se legitimam a promovê-la os herdeiros e os credores do espólio. Todos os outros herdeiros e demais interessados figurarão como litisconsortes necessários (art. 1.994, parágrafo único, do CC/2002). Tais interessados podem ser, por exemplo, os legatários, os herdeiros excluídos ou os credores do espólio, inclusive os que estejam cobrando seu crédito por ação própria45. Estranhos aos autos de inventário não serão considerados interessados, a não ser que ingressem no processo da ação de sonegados sponte propria, provando a respectiva legitimidade. A pena de sonegados tem por consequência a perda do direito que o sonegador teria sobre o bem, e, caso seja ele o inventariante, será removido. Além dessa hipótese, existe a possibilidade de que o autor da herança tenha deixado bens cuja existência não seja do conhecimento das partes. O art. 2.022 do CC/2002 é expresso no sentido de que ficam “sujeitos à sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se
tiver ciência após a partilha”. Assim, o inciso II do art. 669 do CPC/2015, em consonância com a lei civil, submete à sobrepartilha os bens descobertos depois da partilha. Os bens litigiosos e os que estiverem situados em lugar remoto da sede do juízo em que se processa o inventário serão reservados à sobrepartilha46. Nesse sentido, o art. 2.021 do CC/2002 explicita que os bens situados em lugar remoto, litigiosos ou de difícil ou morosa liquidação ficarão reservados para “uma ou mais sobrepartilhas”. À primeira vista, o referido dispositivo parece colidir com o dispositivo processual, uma vez que o primeiro preceitua que poderá proceder-se à partilha, deixando-se determinados bens (arrolados nos incs. III e IV do art. 669 do CPC/2015) para sobrepartilha, enquanto o segundo determina a obrigatoriedade da sobrepartilha para esses determinados bens. Entretanto, leitura atenta do parágrafo único do art. 669 do CPC/2015 não deixa dúvida de que essa decisão depende do consentimento da maioria dos herdeiros. Ocorre, em verdade, que quaisquer bens deixados de fora da primeira partilha poderão ser sobrepartilhados, não importando, para tanto, o motivo da respectiva exclusão do esboço original. Por esse motivo, e a despeito da falta de menção legal, comportam sobrepartilha, por exemplo, os bens reservados durante o processo de inventário, seja para o pagamento de credores, seja para preservação do quinhão do herdeiro preterido e o que teve sua qualidade impugnada. As regras e formalidades processuais do inventário e da partilha devem ser observadas na sobrepartilha, com as fases de primeiras declarações, avaliação, pagamentos dos tributos, pedidos de quinhão, deliberação e julgamento da partilha, caso o procedimento seguido na partilha original
tenha sido o tradicional. Sendo caso de arrolamento, observar-se-ão as respectivas regras, mais simplificadas. Conforme a previsão do parágrafo único do art. 670 do CPC/2015, a sobrepartilha correrá nos autos de inventário do autor da herança47, após o desarquivamento, quando necessário. Se todos os herdeiros forem maiores e capazes e estiverem de acordo quanto à sobrepartilha, esta poderá ser feita por escritura pública, mesmo que o inventário tenha sido judicial48. Basta que tenha sido superada, por exemplo, a incapacidade de um dos herdeiros ou que estes em desacordo inicial estejam concordes. Os herdeiros capazes e de acordo poderão igualmente fazer sobrepartilha amigável nos autos do inventário, ou por escrito particular, homologado pelo juiz (arts. 2.015 do CC/2002 e 178 e 659, ambos do CPC/2015). Com a sobrepartilha judicial, apenas se inicia uma nova fase processual, a qual se encerra com nova sentença, da qual cabe recurso de apelação. O art. 669, parágrafo único, do CPC/2015 autoriza que os bens reservados à sobrepartilha fiquem sob a guarda e administração do “mesmo ou de diverso inventariante”. Os herdeiros é que devem deliberar a respeito dessa escolha. Pode acontecer de o inventariante originário, esgotado por suas funções, decline do novo encargo. Não havendo acordo, o juiz decidirá, por decisão interlocutória, impugnável por agravo de instrumento. A nomeação de outro inventariante implica a necessidade de que preste novo compromisso, nos termos do parágrafo único do art. 617 do CPC/2015. A investidura de inventariante se justifica porque a sobrepartilha, na prática, equivalerá à renovação das etapas fundamentais do processo de inventário
originário, como a fase de avaliação, de cálculo do imposto, a oitiva dos interessados e, por fim, a sentença de partilha. É o que decorre do art. 670 do CPC/2015. 12. Curador especial O art. 671 do CPC/2015 prevê a nomeação de curador especial ao ausente, se não o tiver, e ao incapaz, se concorrer na partilha com seu representante. O art. 1º do CC/2002 consagra a regra de que “toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, mas nem todos se mostram capazes de exercê-los (art. 3º do CC/2002) e há os que não podem exercer certos atos, ou exercê-los de determinada maneira (art. 4º do CC/2002). Ou seja, nem todos os homens têm capacidade civil para a prática de atos jurídicos. Nesses casos, o déficit há de ser integrado na forma da lei (arts. 3º e 4º do CC/2002). Por sua vez, o CPC/2015 correlatamente estabelece, no art. 70, que toda pessoa que se acha no exercício de seus direitos, ou seja, que tenha capacidade pela lei civil, exibe aptidão para estar em juízo, para atuar no processo. A capacidade é distinta da legitimidade. O art. 71 do CPC/2015, à semelhança da lei civil, declara que os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, de forma a integrar sua incapacidade. Assim, a integração de capacidade se dá no grau máximo em relação aos absolutamente incapazes, que serão representados em juízo. Em menor grau se dará a integração de capacidade se a parte for relativamente incapaz. Pode ocorrer de os interesses do incapaz colidirem com os de seu representante legal (art. 1.692 do CC/2002). Ou, também, que um incapaz não tenha representante. Em ambas as hipóteses, cabe o juiz designar-lhe
curador especial (art. 1.692 do CC/2002; art. 72, I, do CPC/2015). O art. 671, II, do CPC/2015 reitera o dispositivo nesses dispositivos legais, estabelecendo que o juiz nomeará curador especial ao incapaz se ele “concorrer” na partilha com o seu representante. Apesar de o dispositivo mencionar que basta a concorrência na herança entre o incapaz e o herdeiro (por exemplo, entre descendente e cônjuge supérstite, arts. 1.845 e 1.829, I, do CC/2002), a jurisprudência tem entendido que a nomeação de curador só deve ocorrer quando houver efetivo conflito de interesses entre o representante e o incapaz49. Além da incapacidade, o art. 671 do CPC/2015 determina a nomeação de curador especial no caso do ausente (inc. I), assim entendido aquele que foi declarado como tal judicialmente (cf. arts. 22 e ss. do Código Civil). Nesse caso, deverá ser nomeado curador especial. 13. Cumulação de inventários A cumulação de inventários está prevista no art. 672 do CPC/2015 e é cabível quando houver (a) identidades de pessoas entre as quais os bens serão repartidos, (b) heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros ou (c) dependência de uma partilha em relação à outra. A herança deixada pelos dois cônjuges ou companheiros não precisa ser, necessariamente, simultânea. Pode ocorrer de, no curso do processo de inventário de um dos cônjuges, o outro cônjuge meeiro supérstite vir a falecer, dando início a um novo inventário. No entanto, nessa hipótese, os inventários serão processados cumulativamente. Essa disposição legal resulta, sem dúvida, diretamente do princípio da economia processual. A única condição imposta para que as heranças sejam cumulativamente
inventariadas e partilhadas é a de que os herdeiros de ambos os cônjuges sejam os mesmos. Satisfeita essa exigência, podem estar sendo inventariados bens que não tenham integrado a comunhão, tais como os adquiridos antes do casamento, tendo sido este realizado sob o regime da comunhão parcial de bens50. Conclui-se também que não importa, quanto à incidência da disposição legal, a disparidade de legatários e credores. Há também a hipótese na qual a dependência de uma partilha influenciará na outra. A cumulação trata-se de uma faculdade, mas salta à vista a conveniência de aproveitar o processo em curso para atribuir diretamente aos herdeiros o acervo que tocaria ao respectivo sucedido. Nessas condições, vindo a falecer algum herdeiro no curso do inventário, antes da partilha, e não havendo bens a inventariar, a não ser o quinhão que lhe tocaria no processo pendente, caberá partilhá-lo entre os herdeiros do herdeiro falecido, juntamente com a partilha dos bens do monte. O art. 672 do CPC/2015 auxilia, ao fim e ao cabo, o exercício do direito de representação (arts. 1.851 a 1.856 do CC/2002). Os herdeiros devem se habilitar e pagar o imposto relativo à transferência dos bens que constituem o quinhão do herdeiro falecido. O imposto será calculado sobre o valor das avaliações já existentes. Ademais, em obediência ao princípio da economia processual, nada obstante a presença de legatário, e porque o legado está incluído entre os bens integrantes do quinhão, também poderá haver a partilha conjunta. O art. 672 do CPC/2015 também incide nos casos de arrolamento sumário e comum, verificados os pressupostos de incidência. No entanto, é lícito ao juiz separar os inventários, se entender que a cumulação poderá causar prejuízo ao andamento normal do processo (art.
672, parágrafo único, do CPC/2015). Por exemplo, o herdeiro falecido tem inúmeros credores e todos pretendem habilitar-se no inventário conjunto. Eventual decisão nesse sentido, bem como o ato que admite a conjugação dos inventários, auxiliando a representação do falecido, constituem decisões interlocutórias, passíveis de agravo de instrumento. O foro do domicílio do autor da herança é o competente para o inventário e a partilha, conforme prevê o art. 48 do CPC/2015. Mas essa competência, baseada em critério territorial, modifica-se uma vez que o segundo inventário será distribuído por dependência do primeiro. Logo, tramitará no juízo prevento, correndo em apenso. O inventariante de ambos os processos deverá ser o mesmo, aproveitandose as primeiras declarações, já prestadas. O valor dos bens pode ser alterado, inclusive em curto espaço de tempo, considerando eventos imprevistos (por exemplo, a destruição da acessão, a perda da colheita) ou as naturais flutuações de mercado. Pode acontecer, ainda, o término da realização de obras públicas que valorizem determinado imóvel ou, na hipótese contrária, a construção de passagem elevada nas proximidades que desvalorize o imóvel urbano. Não haveria, no caso, repetição da prática de um ato, mas a realização de nova e necessária avaliação.
LV EMBARGOS DE TERCEIRO
1. Conceito Os embargos de terceiro são o instrumento processual adequado para aquele que, “não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo”. Em outras palavras, os embargos de terceiro servem como meio processual adequado para o terceiro estranho à lide na qual foi emanado ato judicial para a constrição ou ameaça de constrição de bens que estão sobre sua posse. O embargante poderá requerer o desfazimento do ato constritivo (ou da ameaça de constrição) ou a inibição através dos embargos de terceiro. Os embargos de terceiro constituem um remédio processual utilizado para separar bens que não se sujeitam à constrição judicial, em dado processo, dos que a ela se sujeitam. Pontua-se que não há necessidade de que o bem seja de propriedade do terceiro embargante, apenas que esteja sob sua posse, ou que sobre ele exerça direito incompatível com o ato constritivo (art. 674, § 1º, do CPC/2015). Os embargos de terceiro são cabíveis, fundamentalmente, quando o bem
constrito não pertence ao devedor nem se sujeita à responsabilidade executiva (art. 789 do CPC/2015) para que haja a liberação do bem, por meio da manutenção ou da reintegração de posse, ou para impedir a alienação do bem. Ou, em caráter preventivo, antes da efetivação concreta, no mundo dos fatos, do ato executório, baseado na ameaça caracterizada pela simples ordem de apreensão, ou quando o bem do terceiro estiver individualizado na inicial da demanda executória, ou já constar (ilegalmente) do título, para prevenir a efetiva constrição. Na alienação, adjudicação ou arrematação, há transferência de domínio, que constitui ato ofensivo à posse do terceiro, mas tais atos não esgotam a tipologia dessa espécie de ofensa. Por exemplo, o usufruto forçado (art. 867 c/c o art. 825, III, do CPC/2015), ao implicar perda da posse até a extinção do crédito do executado e o desapossamento do art. 806, § 2º, do CPC/2015, que, lesando a posse alheia, ensejam a mesma situação, porque é da índole do ato executório a invasão da esfera jurídica. Enquanto remédio possessório previsto na lei processual, os embargos se diferenciam de outras demandas, porque o esbulho e a turbação derivam de ato judicial. Por esse motivo, o “réu” nos embargos, a rigor, é o órgão estatal que, ilegitimamente, ordenou a constrição. Nos interditos previstos nos arts. 554 e 568 do CPC/2015, a ofensa à posse decorre de ato de particular. Se há alguma dificuldade em identificar o réu nos embargos de terceiro, ela se prende ao incipiente desenvolvimento da teoria da ação mandamental. Em vista disso, os embargos de terceiro, quando reclamados em razão da apreensão judicial, excluem qualquer outra possessória. Por fim, ressalta-se o caráter sumário da cognição nos embargos de terceiro. Isso significa que são afastadas algumas questões do seu objeto,
restando incógnitas. Assim, aos terceiros ilicitamente atingidos por constrições judiciais tocam as ações próprias para defender o domínio (por exemplo, a reivindicatória). 2. Legitimidade 2.1 Ativa Os §§ 1º e 2º do art. 674 do CPC/2015 dispõem sobre a legitimidade para propor os embargos de terceiro, sendo que o § 2º qualifica as pessoas que são consideradas terceiro e não parte do processo do qual se emanou um dos atos do caput do art. 674 do CPC/2015. Convém relembrar que parte é a pessoa que figura no processo e que pede ou contra ela é pedida determinada tutela jurisdicional. Essa pessoa é alcançada em sua esfera jurídica pela emissão do provimento judicial (art. 506 do CPC/2015). O terceiro, por sua vez, é aquele que não figura como parte e, portanto, não é alcançado pela autoridade da coisa julgada nem pode ser atingido por atos judiciais que determinem a constrição de bens dos quais é senhor possuidor, possuidor ou fiduciário (art. 674, § 1º, do CPC/2015). São legitimados para propor os embargos de terceiro o proprietário possuidor, fiduciário e o possuidor, na qualidade de terceiros, e ao possuidor é permitida a alegação de domínio alheio. Terceiros, por sua vez, são (a) o cônjuge ou companheiro, em defesa da posse de bens próprios ou de sua meação, quando não se tratar de imóvel impenhorável; (b) o adquirente de bens, cuja constrição decorreu do reconhecimento de fraude à execução com a declaração de ineficácia da alienação; (c) aquele que sofre constrições decorrentes da desconsideração da personalidade jurídica, sem ter participado do incidente; e (d) o credor com garantia real.
2.1.1 Cônjuge ou companheiro O inciso I do § 2º do art. 674 do CPC/2015 traz o cônjuge ou companheiro na qualidade de terceiro. Ressalta-se que, na hipótese tratada, é evidente que o cônjuge ou companheiro não poderá ter figurado como parte do processo do qual emanou o ato do caput do art. 674 do CPC/2015. Permite-se a oposição de embargos de terceiro tanto para a defesa de bens próprios quanto para a de bens de sua meação. Pretende o cônjuge ou companheiro resguardar os bens próprios ou reservados, porque integram seu patrimônio e não o do cônjuge/companheiro executado, escapando da constrição por dívidas alheias. Pode também pretender a proteção de bens pertencentes à sua meação, individualmente considerados, mas que integram o patrimônio do casal. A legitimidade do cônjuge ou do companheiro para embargar na hipótese em que os bens constritos não sejam de sua propriedade exclusiva, mas sim do casal, já estava sedimentada na jurisprudência, na Súmula 134 do STJ, que previa que o cônjuge do executado poderia opor embargos de terceiro para a defesa de sua meação. A legitimidade do companheiro para defender bens próprios ou da meação decorre da dicção do art. 1.725 do CC/2002, que dispõe que, “salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”, podendo defender seus bens próprios e sua meação da penhora naqueles casos em que não há responsabilidade patrimonial conjunta. Eventual discussão acerca da existência de união estável deverá ser discutida incidentalmente. 2.1.2 Adquirente de bens cuja alienação foi declarada ineficaz por fraude à execução
Não se pode discutir a fraude a credores nos autos dos embargos de terceiro. No entanto, é legítimo para opor embargos de terceiro o adquirente do bem que foi objeto da declaração de ineficácia do negócio jurídico por fraude à execução, sem que do processo tenha participado. Trata-se do terceiro adquirente de boa-fé que adquiriu o bem acreditando que este se encontrava livre e desimpedido, devendo comprovar, nos autos dos embargos de terceiro, a licitude de sua aquisição, demonstrando sua boafé. 2.1.3 Quem sofre constrição por força da desconsideração da personalidade jurídica O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é o instrumento processual utilizado pelo credor de sociedade ou sócio para garantia do adimplemento das obrigações, com a responsabilização patrimonial de terceiro estranho à obrigação originária de direito material. O terceiro, nessa hipótese, pode ser o sócio, quando as obrigações foram contraídas em nome da sociedade, ou a sociedade, quando as obrigações foram contraídas pelo sócio. Garante-se legitimidade para propor embargos de terceiro ao sócio ou à sociedade que sofreu constrições em seus bens, sem ter participado do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por, de fato, tratar-se de terceiro estranho à demanda. 2.1.4 Credor com garantia real Os embargos assumem caráter inibitório, protegendo o crédito que aderiu ao bem gravado. Segundo Humberto Theodoro Júnior51, “decorre da intenção
do legislador em preservar, o quanto possível, o credor com garantir real das vicissitudes da execução alheia, conferindo-lhe remédio processual para obstar a venda judicial, quando não fosse ela do interesse do titular do direito real”. O bem gravado não pode ser penhorado por outro credor. Só pode ser penhorado em caso de insolvência do devedor, ou quando inexistirem outros bens livres e desembaraçados passíveis de constrição judicial52. A legitimidade ativa do credor com garantia real é assegurada na hipótese em que ele não tiver sido intimado dos atos expropriatórios, de acordo com a parte final do inciso III § 2º do art. 674 do CPC/2015, cabendo ao credor as vias ordinárias para pleitear a proteção da garantia de seu crédito quando não for legitimado para opor os embargos de terceiro. 2.2 Passiva Passivamente, legitimam-se as partes perante as quais o terceiro almeja subtrair o bem objeto da constrição, em litisconsórcio necessário. Assim, na execução, figurariam como réus o exequente e o executado. A participação do executado (devedor) como embargado só será permitida quando a indicação do bem para constrição tiver partido dele (art. 677, § 4º, do CPC/2015). Nesse sentido, na vigência do CPC/73, que não possuía regramento específico acerca da matéria, o Superior Tribunal de Justiça já havia decidido: “Nas hipóteses em que o imóvel de terceiro foi constrito em decorrência de sua indicação à penhora por parte do credor, somente este detém legitimidade para figurar no polo passivo dos embargos de terceiro, inexistindo, como regra, litisconsórcio necessário com o devedor”53.
3. Prazo O prazo para opor embargos de terceiro é extintivo, ou seja, decadencial. Nos termos do art. 675 do CPC/2015, os embargos de terceiro podem ser opostos a qualquer tempo “enquanto não transitada em julgado a sentença” e no cumprimento de sentença ou na execução, “até cinco dias” do ato constritivo, após a assinatura da respectiva carta (adjudicação, alienação ou arrematação). Decorrendo in albis o prazo previsto no art. 675 do CPC/2015, decai o direito de o terceiro ajuizar os embargos de terceiro (art. 223 do CPC/2015), na forma do art. 674 do CPC/2015, ocorrendo, na hipótese, preclusão temporal. Após a perda do direito de opor os embargos de terceiro, o terceiro poderá recorrer às vias ordinárias para tutelar seu direito material que não poderia ser alvo de medida constritiva. Em relação ao processo executivo, o prazo se esgotará cinco dias após a adjudicação, a alienação por iniciativa particular e a arrematação, com a devida assinatura dos termos. O termo inicial do prazo é a assinatura do respectivo termo, e seu termo final deverá ser contado ordinariamente (arts. 231 e 224 do CPC/2015). Releva notar que, segundo o art. 675 do CPC/2015, o prazo se encerra com a expedição da carta de arrematação. Assim, se esta, em virtude de celeridade rara, for antes desse interstício, já não mais poderão ser empregados os embargos de terceiro. Atente-se, ademais, que não há majoração de prazo em virtude de a carta demorar a ser expedida. O Superior Tribunal de Justiça, desde a vigência do CPC/73, tem a posição de que termo inicial é a data do “efetivo ato de turbação”54, alargando o prazo dos
embargos. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ainda na égide do CPC/73, também admitiu embargos de terceiro “que não teve ciência do processo de execução” – que é o legitimado clássico, exceto no caso do cônjuge – na data da turbação55. Demonstra-se, em verdade, uma preocupação jurisprudencial com a possibilidade de o terceiro perder seu direito; porém, somente há decadência do remédio processual, subsistindo o respectivo direito material que o terceiro poderá alegar mediante ação autônoma. Em verdade, o prazo do terceiro, da mesma forma que ocorre com o recurso do terceiro prejudicado, é fixo e invariável, pressupondo-se, exatamente, que se cuide de pessoa estranha ao processo, e, portanto, jamais intimada de qualquer ato. 4. Competência O art. 676 do CPC/2015 fixa a competência para julgamento dos embargos de terceiro no juízo que ordenou a constrição. Os embargos de terceiro são um processo autônomo e, por isso, são autuados em separado daquele no qual ocorreu a constrição. A lei não previu que fiquem os autos próprios em apenso aos autos principais, mas é o que geralmente ocorre. Na hipótese de ato de constrição realizado por carta, os embargos deverão ser oferecidos no juízo deprecado, exceto se o ato tiver sido indicado pelo juízo deprecante ou se a carta já tiver sido devolvida (art. 676, parágrafo único, do CPC/2015). Nesse sentido, o parágrafo único do art. 676 do CPC/2015 consolidou a jurisprudência firmada na Súmula 33 do extinto TFR
e no Superior Tribunal de Justiça56. A penhora e a arrecadação de bem móvel são efetuadas no lugar da situação do bem (onde foram penhorados e avaliados); logo, esse é o juízo competente para julgar os embargos de terceiro, salvo se a penhora tiver sido determinada pelo juízo deprecante. Os embargos que eventualmente forem oferecidos ao juízo incompetente devem ser remetidos de ofício ao juízo competente, por força do art. 64, § 3º, do CPC/2015, não comportando extinção sem julgamento de mérito57. Há algumas hipóteses previstas expressamente em lei que merecem considerações, por exemplo, a oposição de embargos na pendência de recurso e o processo em trâmite perante a Justiça Federal ou do Trabalho. No primeiro caso, a competência para o ajuizamento dos embargos é do juízo de primeiro grau, na hipótese de o processo de conhecimento estar pendente de julgamento de recurso. Quando se tratar de processo de competência originária do segundo grau, a competência para a apreciação dos embargos, evidentemente, é do Tribunal. Com relação à Justiça Federal, tratando-se de competência “funcional, de natureza absoluta, sendo, portanto, declinável de ofício”58, os embargos de terceiro opostos por pessoa de competência originária da Justiça Federal59 terão o efeito de suspender o processo na Justiça Estadual, porque não é o caso de conexão, conforme assentado na jurisprudência60-61. Por fim, à Justiça do Trabalho compete o julgamento de embargos “resultantes da execução de decisão daquele ramo especializado do Poder Judiciário”62, ou seja, de atos previstos no art. 674 do CPC/2015, emanados pela Justiça trabalhista.
5. Procedimento Os embargos de terceiro têm como objeto matéria que comporta duplo exame. O terceiro formulará pedido, caracteristicamente mandamental, para livrar o(s) bem(ns) da constrição. Impõe-se, portanto, o dever de identificar os atos que perturbam ilegalmente o patrimônio do terceiro. Em seguida, no plano mediato, se mostra indispensável estabelecer qual o bem da vida efetivamente tutelado pela via dos embargos. Os incisos do § 2º do art. 674 do CPC/2015 arrolam os atos que, invadindo a esfera do terceiro, ensejam a ação de embargos. Tal remédio se volta genericamente a qualquer ato constritivo, dotado, portanto, de eficácia executiva. Desse modo, a constrição capaz de gerar reação do terceiro há de implicar deslocamento forçado do bem, ou seja, representar ato executivo. Essa precisão equaciona vários problemas e perplexidades. Por exemplo, o “processo” referido no art. 674 do CPC/2015 exibe amplo significado. Basta que seja ato judiciário, ocorrendo no bojo da relação processual contenciosa ou não, independentemente de sua função cognitiva, executiva ou cautelar. Daí por que o rol do § 2º do art. 674 do CPC/2015 é exemplificativo e não deve ser interpretado de forma restritiva. Por fim, os atos derivados de ações de demarcação e de divisão ostentam natureza constritiva, e, por tal motivo, situam-se no art. 674 do CPC/2015. Esses atos impugnados pelos embargos agridem a posse de terceiro sobre um bem, móvel ou imóvel, e o direito de predestinação do objeto de um direito real de garantia. Por isso, os embargos assumem, por vezes, o dever de tutelar direitos de natureza possessória, paralelamente ao interesse do credor privilegiado de resguardar bens gravados das iniciativas de outros credores.
5.1 Petição inicial Os embargos de terceiro devem ser provocados pela parte interessada. É necessário, portanto, que sejam ajuizados mediante petição inicial, guarnecida dos requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC/2015, sendo necessárias algumas adaptações. Assim, enquanto na petição inicial de uma ação de rito comum devem ser indicadas as provas que se pretende produzir para demonstrar a verdade dos fatos alegados (art. 319, VI, do CPC/2015), nos embargos o embargante já deve anexar prova sumária de sua posse e da sua qualidade de terceiro, juntando documentos e o rol de testemunhas. Deve o embargante anexar, inclusive, a prova da constrição judicial (art. 674 do CPC/2015). A qualidade de terceiro geralmente é provada por exclusão, motivo por que é preciso identificar as pessoas que figuram no processo pendente, e, assim, alinhar a conclusão de que o embargante não é autor, credor ou exequente, nem réu, devedor ou executado. Por outro lado, a posse, para que se preencha o requisito das condições da ação, tem que ser demonstrada de forma suficiente a convencer o julgador. Quando a lei (art. 677 do CPC/2015) usa o qualificativo “sumária”, significa que a prova não precisa ser exaustiva, mas sim suficiente. A prova testemunhal deve ser prova exclusiva ou complementar, e há de ser produzida em audiência, designada de preliminar, pelo § 1º do art. 674 do CPC/2015, momento em que também é facultado à parte comprovar a posse do bem. O rol de testemunhas que as partes pretendem ouvir deve constar da petição inicial, sob pena de não poderem ser ouvidas63, ocorrendo a preclusão dessa possibilidade, já que para a petição de embargos há disposição expressa
nesse sentido (art. 1.050 do CPC/2015). Alguns entendem não haver essa essencialidade, bastando que seja resguardada a oitiva da parte contrária, nos termos do art. 357, § 4º, do CPC/2015. O valor da causa deve ser baseado no benefício econômico pretendido pelo embargante (art. 292 do CPC/2015), segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça: “o valor da causa nos embargos de terceiro deve corresponder ao valor do bem objeto da penhora, limitado ao valor do débito”64. Cabe impugnação pelo embargado, nos termos do art. 293 do CPC/2015. O benefício econômico revela-se critério inadequado na hipótese de embargos opostos pelo credor de direito real, uma vez que o benefício econômico se cinge ao valor do crédito detraído do bem. Assim, o valor da causa dos embargos, esquecido pelo legislador, varia conforme o direito tutelado. No processo executivo equivalerá ao crédito, se este for inferior ao valor da coisa constrita, e a ela se limitará, caso o valor desta supere aquele. A variabilidade do critério ostenta a vantagem inconteste de se estender à generalidade dos embargos, afigurando-se, outrossim, mais razoável que a simples nomeação do valor do bem. 5.2 Citação O § 3º do art. 677 do CPC/2015 determina a citação do embargado pessoalmente (art. 246 do CPC/2015) quando este não tiver procurador constituído nos autos da ação principal. Se o embargado é aquele que deu origem ao ato constritivo, logo será autor, credor ou exequente no processo em que ocorreu a constrição do art. 674 do CPC/2015, portanto a citação do embargado será necessária apenas
quando houver renúncia, destituição ou morte do advogado constituído nos autos da ação principal. A citação de ambos os cônjuges em ações que versem sobre direitos reais imobiliários é impositiva, por força do art. 73, § 1º, II, do CPC/2015. O parágrafo único do art. 675 do CPC/2015 determina também que o juiz intime pessoalmente o terceiro titular que possua interesse em embargar. Trata-se de um ato ex officio do magistrado, que, prevendo a possibilidade de litígio sobre o bem a ser constrito, poderá determinar sua intimação. 5.3 Liminar e seus efeitos A propositura dos embargos de terceiro produzirá, perante o réu, os efeitos do art. 240 do CPC/2015, induzindo a litispendência, e, principalmente, tornando o objeto da constrição litigioso. O principal efeito decorrente da propositura dos embargos está previsto no art. 678 do CPC/2015, que determina a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos dos embargos. No entanto, no que tange a embargos que tratam da totalidade de bens sujeitos a constrição, ocorrerá de fato a suspensão do processo. Com a suspensão da constrição dos bens objeto dos embargos, o juiz determinará a manutenção ou a reintegração de posse provisória, a requerimento do embargante, que pode ser condicionada a prestação de caução pelo embargante (art. 678, parágrafo único, do CPC/2015). A garantia constará de termo nos autos, a partir do qual, conforme o caso, o juiz mandará registrar o gravame no ofício imobiliário respectivo. Por óbvio, existindo controvérsia sobre o montante da garantia e, principalmente, acerca do seu objeto, que não caiba resolver incidentalmente, ao juiz incumbe
remeter as partes ao remédio próprio. Por não se tratar de tutela provisória, para que seja determinada a suspensão do ato, não é necessária a alegação de dano irreparável ou de difícil reparação, bastando prova suficiente da ilicitude da situação. 5.4 Contestação Uma vez citado na forma prevista no § 3º do art. 677 do CPC/2015, os embargados têm o ônus de oferecer contestação no prazo de quinze dias (art. 679 do CPC/2015), contados ordinariamente (arts. 231 e 224 do CPC/2015). O embargado poderá alegar todas as matérias de defesa previstas no art. 337 do CPC/2015, sendo vedado o oferecimento de reconvenção, uma vez que sua atuação é limitada, podendo pugnar apenas pela manutenção do ato judicial embargado. São permitidas ainda todas as formas de intervenção de terceiro previstas no Código, observados os respectivos pressupostos de admissibilidade. Em sua resposta, o réu deve medir a extensão de sua defesa, incluindo tudo que respeite à posse, ao direito real e, de modo geral, à oponibilidade, perante o embargado, do direito alegado pelo embargante para livrar o bem constrito. Ou seja, a defesa do embargado deve se restringir à defesa do ato judicial de constrangimento da posse ou do direito do embargante. Se os embargos forem oferecidos por credor com garantia real, pontua-se que a matéria de defesa está taxativamente estabelecida no art. 680 do CPC/2015. Há que se examinar ainda a possibilidade de o embargado alegar fraude contra credores em sua defesa. A diferença entre fraude à execução e fraude aos credores está no fato de que a primeira espécie de fraude importa a ineficácia relativa do ato ou do negócio fraudulento; a segunda, ao invés,
exigirá ação própria (actio pauliana) para a desconstituição do ato ou do negócio, pois o defeito se localiza no plano da validade, ao contrário da fraude à execução, que se situa no plano da eficácia. Por esse motivo, a fraude contra credores não pode ser alegada pelo embargado em sua resposta aos embargos de terceiro. Nesse sentido, o exequente que penhorou bem adquirido pelo embargante em fraude contra credores praticou ato executivo ilegal. A medida cabível para a extração da coisa do patrimônio de terceiro era a ação pauliana. Isso porque somente após o reingresso ao patrimônio do devedor o bem alienado em fraude contra credores se tornará penhorável pelo credor prejudicado65. O Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento acerca desse tema ao editar a Súmula 195, que afirma que, em sede de “embargos de terceiro, não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”. Contra credor com garantia real, o embargado pode alegar somente que (a) o devedor comum é insolvente, (b) o título é nulo e não obriga a terceiro e (c) a coisa dada em garantia é outra. A insolvência caracteriza-se pela insuficiência dos bens expropriáveis no patrimônio excutido para atender aos créditos exigíveis, situação que origina limitações aos credores e que, in casu, deverá ser comprovada pelo embargado. Com relação à nulidade do título do credor real, e principalmente, à sua ineficácia, mirou-se, nessa hipótese, na falta de registro da hipoteca, a teor do art. 1.492 do CC/2002. E, por fim, o embargado poderá alegar que o objeto da constrição não é o objeto do gravame real. É hipótese de difícil configuração, uma vez que tudo se resolverá à luz do registro, supostamente confiável. O ônus da prova quanto à matéria alegada em resposta é do embargado
(art. 373, II, do CPC/2015), devendo este produzir a prova documental com a contestação (art. 336 do CPC/2015). É possível que o juiz, com base no § 1º do art. 373 do CPC/2015, determine que o embargante apresente provas de suas alegações, principalmente com relação aos embargos oferecidos pelo cônjuge que afirma que a dívida não beneficiou a economia familiar, conforme entendimento que estava firmado no Superior Tribunal de Justiça66 na vigência do CPC/73. Após a apresentação da contestação pelo(s) embargado(s), os embargos de terceiro seguirão o procedimento comum. Isso significa que o juiz poderá determinar audiência preliminar antes mesmo de proferir a decisão liminar para suspender os atos constritivos. 6. Sentença Cabe a extinção sumária dos embargos de terceiro quando a inicial padecer de algum defeito que não foi corrigido no prazo estabelecido pelo juiz (art. 321 do CPC/2015). A sentença pode ser impugnada por recurso de apelação (art. 1.009 do CPC/2015), mas não impede a propositura de nova ação (art. 486 do CPC/2015). Ao realizar o juízo de cognição sumária, pode o juiz acolher o pedido inicial, cancelando o ato de constrição judicial e, eventualmente, reconhecendo o domínio, a manutenção da posse e a reintegração definitiva do bem ou do direito do embargante. Isso significa que, com o acolhimento dos embargos, pode ocorrer de o objeto
material
do
outro
processo
desaparecer,
decorrente
do
desaparecimento superveniente do interesse processual. Em outras palavras, a depender do direito que se pleiteia na ação, o acolhimento do embargo de
terceiro poderá culminar na sua procedência ou improcedência. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça67 já decidiu que, independentemente da influência dos embargos, o juiz não poderá extinguir o processo, devendo apenas livrar o bem constrito, cancelando sua decisão. Se não acolhidos os embargos de terceiro, o processo principal do qual se pretendeu impugnar ato constritivo retomará seu iter normal. A autoridade de coisa julgada acoberta apenas a questão decidida, nos termos do pedido: limitados à discussão da posse, não fica pré-excluída a ação petitória, envolvendo o domínio. Em qualquer hipótese, o juiz condenará o vencido nos ônus da sucumbência, aplicando-se o art. 85 do CPC/2015, sendo que o exequente será responsável pelos honorários quando tiver dado causa a constrição indevida, conforme a orientação da Súmula 303 do STJ68. Na eventualidade de a penhora se realizar mediante oficial de justiça, sem a aparente participação do exequente, subsiste a regra, e responderá pela sucumbência o credor69, já que é no seu interesse, e, provavelmente, sob sua presumível fiscalização que o oficial de justiça realizou a constrição nos bens do terceiro. Aplica-se ao caso o princípio da causalidade, subsumido na noção de sucumbência. É uma diretriz segura, que independe do exercício adequado, ou não, do dever de fiscalização do exequente, que induz opinião contrária. De toda sorte, jamais caberá a condenação do Estado-membro ou da União em honorários nos próprios embargos de terceiro, pois não figuram como partes. Nesses casos, caberá ao juiz isentar o(s) embargado(s) e ao embargante pleitear a reparação do dano por ação própria contra as pessoas jurídicas de direito público.
Quando a procedência dos embargos de terceiro opostos contra a constrição de bens é obtida em ação civil (por exemplo, por improbidade administrativa) movida pelo Ministério Público, o tratamento é especial. Em tal hipótese, incide o art. 85 do CPC/2015, devendo a sentença condenar na restituição das despesas processuais e nos honorários advocatícios a favor do vencedor, por força do art. 177 do CPC/2015, que atribui ao Ministério Público, na qualidade de parte, os mesmos ônus dos demais sujeitos da relação processual. Todavia, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, na vigência do CPC/2015, que não cabe a condenação do Ministério Público, salvo prova da má-fé70.
LVI OPOSIÇÃO
1. A inovação do CPC/2015 relativa à oposição A oposição era prevista pelo CPC/73 como uma das modalidades de intervenção de terceiro. Já na vigência daquele Código, essa regulação enfrentava fortes críticas doutrinárias por se tratar propriamente “de ‘ação de conhecimento’ ajuizada por terceiro (oponente) contra autor e réu de outro processo (opostos), em litisconsórcio passivo necessário”71. Havia, verdadeiramente, uma nova ação, mas na forma de intervenção de terceiro, na qual o opoente ingressava em processo alheio, deduzindo pretensão excludente daquela do autor e daquela do réu. A pretensão deduzida pelo opoente, já na disciplina anterior, era simultaneamente excludente da posição do autor e da posição do réu, uma vez que seu interesse colide com aquele do autor e com aquele do réu, que, por isso, tornavam-se litisconsortes passivos necessários na oposição. Percebendo o verdadeiro caráter de ação autônoma da oposição, o CPC/2015 passou a tratá-la como um procedimento especial específico, em seus arts. 682 a 686, no qual a tutela pretendida ainda é a mesma, mas o procedimento inicial diferencia-se das formas de intervenção de terceiro e do
procedimento comum, diante da peculiaridade do direito material pleiteado. A oposição é, em verdade, um incidente interventivo, que influenciará a esfera jurídica do autor e réu da ação principal, e, por esse motivo, entende-se que há mais do que simples conexão entre as demandas72. 2. Cabimento e legitimidade O art. 682 do CPC/2015 prevê o cabimento da oposição por aquele que “pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu” de outra ação. O terceiro que pretender a tutela de direito real ou pessoal que esteja em discussão em outra demanda deverá propor a oposição, incluindo tanto autor como réu da demanda primitiva no polo passivo em litisconsórcio passivo necessário. Diz-se litisconsórcio passivo necessário porquanto a oposição deve ter como réus, necessariamente, o autor e réu originários, ditos opostos. Não é, todavia, unitário, dado ser possível que no julgamento da oposição seja excluída a ação do autor, mas não o seja a defesa do réu, e, em face desta, sucumba a oposição que, nessa medida, será julgada improcedente. Ou seja, a sorte, no plano de direito material, poderá não ser a mesma para autor e réu. Trata-se de modalidade de intervenção espontânea e facultativa que visa não só prevenir dano que possa advir ao opoente como efeito reflexo da sentença, como também aproveitar o processo já instaurado, prestigiando o princípio da economia processual. Pelo fato de o oponente não figurar como parte no processo principal, a sentença proferida naquele processo não poderá atingir a sua esfera jurídica73 (art. 506 do CPC/2015). Ao contrário do que ocorria na vigência do CPC/73, a oposição, por tratar-
se de ação autônoma, poderá subsistir ainda que o processo que ensejou a oposição seja extinto sem resolução de mérito por qualquer defeito previsto no art. 337 do CPC/2015. Além disso, a oposição não se restringe aos limites fixados na ação “principal”. Exige-se apenas a relação de prejudicialidade, ainda que parcial, entre o direito pleiteado entre o autor e réu da ação principal e o do oponente74. Ricardo de Carvalho Aprigliano75 entende que a oposição pode ser utilizada inclusive nas ações possessórias, quando o fundamento da pretensão do oponente for fundado na pretensão possessória e não de propriedade, assim como em ações de divisão ou marcação de terras. No entanto, trata a oposição do exercício do direito de ação (de conhecimento), como bem já afirmava Arruda Alvim76, na vigência do CPC/73, de modo que descabe oposição na execução ou na fase de cumprimento de sentença77-78-79. Cândido Rangel Dinamarco já aduzia, em texto escrito à luz do CPC/73, que “o modo como a pretensão do terceiro e a sua demanda se entrelaçam com a do autor inicial é característico das ações de conhecimento. Trata-se de impedir o julgamento a favor de algum dos contendores, quando o terceiro se irroga o direito ao bem disputado. E isso, como se compreende, é inerente à ação, à demanda e ao processo de conhecimento, não se concebendo tais fenômenos in executivis. A relação de prejudicialidade, em que se resolve a dita incompatibilidade, é típica do processo de conhecimento na medida em que interfere no modo como o julgamento da causa prejudicial influi no teor do julgamento da prejudicada; pressupõe a existência de duas causas a serem julgadas, o que só no processo cognitivo tem lugar”80.
3. Momento da oposição Concebem-se dois momentos para a propositura da oposição: antes da audiência de instrução da ação originária, ou depois, devendo ser proposta sempre antes da prolação da sentença. A oposição deve ser proposta antes da sentença por uma razão lógica. Se o objetivo dela é impedir que se atribua ao autor, ou se reconheça como do réu, determinado direito que, na visão do terceiro, a ele pertence, não seria possível atingir esse desiderato se a oposição tivesse lugar apenas após a prolação de decisão de mérito. Com efeito, na hipótese de a sentença já ter sido prolatada, cabe ao opoente se utilizar do procedimento comum, a fim de ver reconhecido o direito que sustenta ter; afinal, pelo fato de não ter sido parte no processo entre autor e réu (réus em litisconsórcio necessário na ação de oposição), sobre ele não recai a autoridade da coisa julgada. No tocante à propositura da ação de oposição após a prolação da sentença, é de se observar que Humberto Theodoro Júnior81 defende que o processo não deverá ser extinto sem julgamento de mérito, devendo juiz determinar as alterações necessárias para a adequação do procedimento ao procedimento comum (art. 321 do CPC/2015). Arruda Alvim, ainda na vigência do CPC/73, defendia o cabimento da oposição mesmo após a prolação da sentença, antes do trânsito em julgado, devendo ser julgada pelo juízo da causa principal. Nesse sentido, afirmava que: “Mesmo estando a causa em segundo grau, poderá ser oferecida a oposição. Somente que, ocorrendo isto, a oposição terá sempre o caráter de demanda autônoma, sendo impensável a sua dedução direta no juízo de segundo grau. Na verdade, então, de oposição só terá o nome”82.
Com efeito, conquanto não seja possível se utilizar do procedimento especial da ação de oposição, quando já houver sido prolatada a decisão de mérito no processo dito “principal”, fato é que a propositura “extemporânea” da ação não ensejará a extinção do processo sem julgamento de mérito, mas, pelo contrário, apenas a adequação do procedimento ao procedimento comum, aproveitando-se, com isso, os atos processuais já praticados, o que é facilitado pelo próprio fato de não haver, nesse procedimento especial, grande distinção do procedimento comum. Se a oposição for proposta antes da audiência de instrução, ela deverá ocorrer simultaneamente com a ação originária. Haverá, pois, nesse caso, plena unidade procedimental, inclusive, uma só fase probatória. Estabelece o parágrafo único do art. 685 do CPC/2015 que, na hipótese de a oposição ser proposta após o início da audiência de instrução, o juiz suspenderá o curso do processo após o encerramento da fase probatória, salvo se a produção conjunta de provas melhor atender ao princípio da razoável duração do processo. Em outras palavras, na hipótese de a oposição ser oferecida após o início da audiência de instrução e, entendendo que não é a hipótese de realizar uma única audiência, ele deverá concluir a audiência da ação originária e, então, proceder à instrução probatória da oposição, suspendendo-se a ação principal. A regra que determina a suspensão do processo é medida que se impõe para garantir que as ações tenham julgamento conjunto, uma vez que há entre elas relação de prejudicialidade externa homogênea. Diz-se externa porque se está diante de duas ações, e homogênea porque ambas as causas – a principal e a oposição – são de natureza cível.
4. Procedimento O art. 683 do CPC/2015 não traz requisitos específicos para a petição inicial da oposição, devem-se observar os requisitos previstos pelos arts. 319 e 320 do CPC. A oposição tramitará em autos apartados, que serão apensados aos autos da ação principal. Tramitará, ainda, de maneira simultânea, devendo, ambas as ações, ser julgadas pela mesma sentença (art. 685 do CPC/2015). A ideia principal é de preservar o princípio da economia processual e evitar que a ação originária seja julgada antes de ser apreciada a questão prejudicial pleiteada pelo oponente83. Por esse motivo, é evidente que a competência para julgar a oposição é do juízo da ação originária, uma vez que a oposição deverá ser distribuída por dependência. Ocorrendo a participação da União, o processo deverá deslocarse para a Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88), assim como, na hipótese de participação do Estado-membro ou Município, tal implicará (rectius, poderá implicar) deslocamento de juízo (de vara cível para vara da Fazenda, por exemplo), conforme disponha a Lei de Organização Judiciária local. Os réus da oposição (autor e réu da ação originária) serão citados nas pessoas de seus advogados, o que configura exceção à regra de que a citação é dirigida pessoalmente ao réu, podendo contestá-la no prazo comum de 15 dias (art. 683, parágrafo único, do CPC/2015), não sendo cabível a aplicação do art. 229 do CPC/2015. O advogado não precisa de poderes específicos para recebimento da citação da oposição. Se a ação principal estiver correndo à revelia, deverá ser o réu citado da oposição nos termos do art. 238 e seguintes do CPC/2015, e o art. 247 do CPC/2015 estabelece ser regra a citação pelo correio, podendo ser feita por
oficial de justiça, por edital ou, ainda, por meio eletrônico. Aplica-se à contestação, ademais, o princípio da eventualidade, cabendo ao réu alegar toda a matéria de defesa nessa oportunidade (arts. 336 e 337 do CPC). Pode haver o reconhecimento do pedido pelos opostos ou por apenas um deles. Nessa última hipótese, o processo prosseguirá apenas contra o outro oposto (art. 684 do CPC/2015). Ocorre, nesse caso, a extinção parcial do processo pelo art. 487, II, a, do CPC/2015. Tratando-se de sentença prevista no art. 354 do CPC/2015, a decisão é impugnável por agravo de instrumento. É possível também que a oposição tramite à revelia dos opostos, tendo seu prosseguimento na pelo rito comum, devendo incidir os efeitos do art. 344 do CPC/2015 quando não incidirem as hipóteses do art. 345 do CPC/2015. 5. Sentença A oposição pode, por algum defeito, ser extinta de forma sumária, por uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC/2015, e a sentença deve ser atacada por apelação (art. 1.009 do CPC/2015). A hipótese de extinção sumária da ação principal não impõe necessariamente a extinção da oposição, uma vez que se trata ação autônoma, sendo necessárias algumas adaptações para que tramite sem vinculação ao processo principal (art. 321 do CPC/2015). Com relação à sentença a ser proferida na hipótese de haver oposição, o art. 686 do CPC/2015 determina que, cabendo ao juiz decidir simultaneamente a ação originária e a oposição, deverá conhecer da oposição em primeiro lugar. Havendo lide, a sentença deve fixar os honorários advocatícios em favor
do vencedor (art. 85 do CPC/2015), condenando a parte perdedora ao pagamento das custas e despesas processuais, considerando-se o trabalho e desempenho das partes em ambas as ações, no caso dos opostos.
LVII HABILITAÇÃO
1. Conceito A habilitação é o procedimento utilizado para restabelecer a relação jurídica processual afetada pela morte de uma das partes. O procedimento deve ser utilizado pela parte, ou pelos sucessores do falecido, para garantir sua vinculação ao processo e permitir a sua recondução, diante da paralisação causada pelo falecimento da parte. A formação do processo se dá no momento em que o autor provoca a jurisdição para a resolução de determinado litígio e ela se aperfeiçoa com a citação do réu. Completada a relação processual, não há autorização legal para o câmbio entre as partes. Isso se deve à aplicação do princípio da perpetuatio legitimationis, e tratase da estabilização subjetiva do processo, que entre nós decorre do art. 108 do CPC/2015. Por exceção, e para que o processo atinja seus fins próprios perante os verdadeiros destinatários da prestação jurisdicional, entre outras finalidades (por exemplo, evitar o desperdício da atividade processual, pois os efeitos do processo não podem atingir, vinculativamente, senão as partes), a lei admite o câmbio das partes, causa mortis ou por negócio inter vivos.
A morte é um fato inexorável para a pessoa natural. Como uma forma de prevenir que a demora natural do processo não permita que a pessoa natural veja realizado o seu direito, a lei processual outorga a preferência aos processos em que figure como parte pessoa maior de sessenta anos (art. 1.048 do CPC/2015). No entanto, além do fato de a morte alcançar pessoas de qualquer idade, muitas vezes o direito de preferência não é suficiente para garantir a satisfação do direito da pessoa natural, convém, portanto, prever os efeitos desse infausto acontecimento na relação processual. Por outro lado, recorda-se que as pessoas jurídicas também se extinguem por diferentes razões, e, em alguns casos, como na fusão e na incorporação, são substituídas por outras no curso do processo, sem uma disciplina específica. Nesses casos não há descontinuidade na relação processual. 1.1 As alterações provocadas pelo CPC/2015 A principal alteração promovida pelo CPC/2015 é a forma prevista no CPC/73. Na regra prevista no Código anterior, a habilitação deveria ser requerida por petição, instruída por documentos que comprovassem o óbito da parte, provocando a instauração de autos que tramitariam de forma apartada dos autos principais. Como será analisado mais à frente, a atual sistemática do Código, instituída pelo CPC/2015, determina que a habilitação seja decidida nos autos do processo principal, salvo quando houver impugnação e necessidade de dilação probatória (art. 691 do CPC/2015). 2. Cabimento Para analisar o cabimento da habilitação, é necessário distinguir as ações de natureza personalíssima e não personalíssima. A primeira trata de direitos
que são intransmissíveis e que por esse motivo se extinguem com a morte da pessoa, culminando na extinção do processo com fundamento no art. 485, IX, do CPC/2015. As ações de natureza não personalíssima são aquelas nas quais o direito da parte se transmite causa mortis aos sucessores (arts. 1.784 e 1.792 do CC/2002) e por esse motivo induzem a habilitação, prevista no art. 687 do CPC/2015. Em outras palavras, a morte da pessoa natural pode implicar: (a) a extinção do processo, na hipótese de o objeto litigioso se mostrar intransmissível (art. 485, IX, do CPC/2015); ou (b) a suspensão do processo (art. 313, I, do CPC/2015), quando transmissível o objeto litigioso, caso em que incide o art. 687 do CPC/2015. Como já dito, a transmissibilidade depende do direito material. Em alguns casos, iniciado o processo, o direito é transmissível. Excepcionalmente, embora transmissível o objeto litigioso, pode ocorrer confusão: o sucessor do defunto é a parte contrária. Por exemplo, no processo pendente, o pai cobra dívida do seu único herdeiro. Nessa hipótese, por exemplo, a ação deve ser extinta, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, IX, do CPC/2015. 3. Legitimidade para requerer a habilitação O art. 688 do CPC/2015, ao estabelecer a regra da iniciativa, permite conceber que há duas espécies de habilitação: (a) provocada (ou passiva); (b) espontânea (ou ativa). E, com efeito, a habilitação pode ser requerida pela parte, em relação aos sucessores (art. 688, I, do CPC/2015), ou pelos sucessores, relativamente à parte (art. 688, II, do CPC/2015). No entanto, o acervo hereditário que inclui o objeto litigioso do processo
em que se pretende a habilitação transmite-se imediatamente aos sucessores (art. 1.784 do CC/2002), formando até a partilha, o espólio. Então, cumpre distinguir a habilitação requerida antes ou após a partilha. No primeiro caso, a habilitação opera-se com o espólio, representado pelo administrador dos bens ou o inventariante; no segundo, com o herdeiro da parte falecida. Isso porque se diferencia a parte legítima para habilitação dependendo do momento em que se encontrar o espólio. De acordo com o art. 1.829 do CC/2002, são sucessores os descendentes, ascendentes, o cônjuge supérstite e os colaterais. 3.1 Habilitação requerida antes da partilha Legitima-se para ser habilitado no processo pendente, até a partilha, o espólio. Tal encargo incumbe ao administrador provisório, que representará ativa e passivamente o espólio (art. 614 do CPC/2015), antes da abertura do inventário. Nomeado o inventariante, entre as pessoas arroladas no art. 617 do CPC/2015, representará ele o espólio (art. 618, I, do CPC/2015), para o mesmo efeito. Geralmente, inexistem maiores questões na hipótese de habilitação do espólio. A ocupação do polo ativo ou passivo da relação processual pelo espólio, conforme o caso, atende satisfatoriamente aos interesses dos sucessores da pessoa falecida, até a individualização, que ocorre com a partilha, do titular do objeto litigioso. Por habilitação espontânea entende-se aquela que é requerida pelo espólio, representado pelo administrador provisório ou pelo inventariante, ou, quando requerida a citação à parte adversa, a sucessão opera-se automaticamente, sem nenhuma oposição.
Existem situações peculiares, por exemplo, quando há designação de inventariante dativo (art. 617, VIII, do CPC/2015). Nesse caso, segundo o art. 75, § 1º, do CPC/2015, a sucessão dar-se-á na pessoa de todos os sucessores do falecido, conquanto aberto o inventário. Ressalva feita à iniciativa conjunta desses sucessores, ou seja, da habilitação espontânea, devidamente documentada. Ainda, é possível que a parte falecida não deixe patrimônio – exceção feita, por óbvio, do direito litigioso. Embora não seja o caso do chamado inventário “negativo”, que é autêntica aberração, parece excessivo exigir a dispendiosa abertura do inventário e os respectivos trâmites. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu, na vigência do CPC/73, a habilitação direta dos sucessores “na hipótese de inexistência de patrimônio suscetível de abertura de inventário”84. Não ocorrendo a habilitação espontânea, restará à parte contrária promover a habilitação forçada desses sucessores, na forma preconizada pelos arts. 687 e seguintes do CPC/2015. 3.2 Habilitação requerida após a partilha A habilitação do sucessor do de cujus na titularidade do objeto litigioso pode acontecer após o inventário e a partilha. Em primeiro lugar, apesar do curto espaço de tempo transcorrido entre a morte e a suspensão do processo, quando inexistir testamento, e os herdeiros maiores e capazes acordam com o inventário e a partilha por escritura pública (art. 610 do CPC/2015). Além disso, pode decorrer muito tempo entre a morte e o ato do juiz que, comunicado da ocorrência, suspende o processo, retroativamente à data do falecimento, abrindo-se espaço para a habilitação,
de modo que, nessa última oportunidade, já haja ultimado o inventário e a partilha judicial (art. 610 do CPC/2015). Nessa hipótese, o(s) sucessor(es) do objeto litigioso encontra(m)-se individualizado(s), cabendo-lhe(s) ocupar o lugar do falecido na relação processual. Definido o sucessor da parte falecida, herdeiro ou legatário, a habilitação espontânea pode ocorrer nos autos da causa, mediante petição subscrita pelo advogado constituído para essa finalidade, ministrando prova hábil – formal ou certidão de partilha – da condição do postulante. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, na vigência do CPC/73, que não há necessidade do registro do imóvel no nome do sucessor85. 4. Competência A habilitação processar-se-á perante o juízo no qual o processo estiver, essa é a regra prevista no art. 689 do CPC/2015. Independentemente de se tratar de um processo de competência originária dos tribunais, o fato é que será de competência do relator decidir sobre a habilitação mesmo na hipótese de processo principal que esteja tramitando perante o tribunal em grau de recurso. Nesse sentido, a habilitação deverá respeitar a previsão dos regimentos internos que não discrepam do modelo geral, permitindo a modalidade de habilitação espontânea, requerida pelos sucessores, ou de habilitação provocada, quando requerida pela parte sobrevivente. 5. Procedimento 5.1 Suspensão do processo O óbito da parte provocará a suspensão do processo (art. 313, I, do
CPC/2015), que pode ocorrer a requerimento da parte contrária ou ex officio. De fato, o próprio juiz ou um dos seus auxiliares (por exemplo, o escrivão) pode tomar conhecimento do fato por intermédio da mídia. Inclusive porque, geralmente, os grandes jornais têm uma seção dedicada a obituários. Nesses casos, o juiz requisitará o único documento idôneo, que é a certidão de óbito (art. 77 da Lei n. 6.015/73), e, apresentado o documento, suspenderá o processo. Porém, nem sempre a notícia chega imediatamente ao processo e, como já dito, pode ocorrer um interregno variável entre a data do óbito e a data da sua comunicação ao órgão judiciário. Por esse motivo, o ato do juiz que suspende o processo, tão logo chegue essa notícia, devidamente provada, retroagirá à data do óbito, e os atos processuais praticados nesse interregno hão de ser desfeitos. O termo inicial da suspensão é a data da morte. Na hipótese de a parte contrária requerer a habilitação (art. 688, I, do CPC/2015), ao deixar de providenciar tal ato, eventualmente poderá ensejar a extinção do processo, com fundamento no art. 485, II, do CPC/2015. Apenas na hipótese de habilitação voluntária do sucessor não será necessária a suspensão do processo, bem como no caso de figurarem como partes, no mesmo polo processual. 5.2 Petição de requerimento de habilitação A habilitação deverá ser requerida nos autos do processo principal, comprovando-se o falecimento da parte, com a certidão de óbito e a certidão de nascimento do requerente que comprove o seu (grau de) parentesco, no caso de requerimento do sucessor (art. 688, II, do CPC/2015). No caso do
cônjuge sobrevivente, por motivos óbvios, mostrar-se-á indispensável a certidão de casamento. 5.3 Citação dos requeridos para manifestação em cinco dias O art. 690 do CPC/2015 prevê ainda a citação dos requeridos para que se pronunciem no prazo de cinco dias. Na hipótese de réu revel, a intimação deverá ser feita pessoalmente (art. 690, parágrafo único, do CPC/2015), ou seja, por intermédio do oficial de justiça (art. 246, II, do CPC/2015) ou pelo correio (art. 246, I, do CPC/2015). Entretanto, se a parte contrária tiver procurador constituído na causa, a citação ocorrerá na pessoa deste, independentemente de o advogado ter recebido poderes especiais para receber citação. O prazo para manifestação é de cinco dias, a teor do art. 690 do CPC/2015, e deve ser contado pelas regras comuns (art. 231 c/c art. 224 do CPC/2015). A manifestação deve versar sobre duas questões: (a) a transmissibilidade, ou não, do objeto litigioso e (b) a condição de sucessor. Em relação a esses aspectos, incidem as regras gerais, em especial o ônus da impugnação específica (art. 341, caput, do CPC/2015) e o princípio da eventualidade (art. 336 do CPC/2015). 5.4 Habilitação sumária Ao receber o requerimento da parte ou dos sucessores, a habilitação deverá ser processada nos autos principais (art. 691 do CPC/2015). Quando o pedido de habilitação for impugnado e não for necessária dilação probatória, o juiz poderá fixar prazo para que se apresentem documentos que comprovem o óbito e a qualidade dos sucessores, decidindo a habilitação com base nos elementos constantes nos autos, ou procederá à
habilitação na forma ordinária. 5.5 Habilitação ordinária A habilitação ordinária ocorre quando, na hipótese de haver impugnação e necessidade de dilação probatória, o juiz determina a autuação de processo diverso do principal para que a habilitação seja decidida de forma em processo autônomo. 5.6 Habilitação do adquirente ou cessionário A substituição do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionário, em decorrência da alienação do objeto litigioso, ocorrerá apenas com o consentimento da parte adversa (art. 109, caput e § 1º, do CPC/2015). Se, por algum motivo, a parte não concordar com a substituição, continuará o alienante ou cedente originário como parte no processo, facultada a intervenção do alienante ou cedente como assistente. Pode acontecer, independentemente de pedido anterior de substituição do alienante e do cedente, que este faleça no curso do processo. Até mesmo nessa hipótese, é necessário o consentimento da parte contrária para que possa ser realizada a substituição processual pelo adquirente ou cessionário. Isso porque o CPC/2015 suprimiu a regra prevista no art. 1.061 do CPC/7386, que previa a sucessão automática do adquirente ou cessionário, aplicando-se ao caso a regra geral do art. 109, § 1º, do CPC/2015. 6. Decisão sobre a habilitação O art. 692 do CPC/2015 qualifica a decisão que resolve a habilitação como sentença: “Transitada em julgado a sentença de habilitação, o processo retomará o seu curso, e a cópia da sentença será juntada aos autos
respectivos”. 6.1 Recurso cabível Por tratar-se de sentença, o recurso cabível contra a decisão que decide a habilitação é a apelação (art. 1.009 do CPC/2015). Isso porque, além de o art. 692 do CPC/2015 qualificar a decisão da habilitação como sentença, a hipótese de julgamento incidental de pedido de habilitação não está prevista no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015 – que trata das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Nesse sentido, o CPC/2015 colocou um fim na discussão doutrinária que havia acerca do cabimento do recurso de agravo de instrumento ao dispor que, independentemente da modalidade do procedimento adotado – sumário ou ordinário, ou seja, nos autos principais ou em apartado –, a habilitação será resolvida por sentença, além de excluir essa hipótese do rol taxativo de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC/2015). 6.2 Autoridade da coisa julgada O art. 692 do CPC/2015 marca o termo final da suspensão preconizada no art. 313, I, do CPC/2015, ao dispor que o processo retomará o curso após o trânsito em julgado da sentença. Independe a modalidade da habilitação (sumária ou ordinária) para que o processo retome seu curso, porque, na hipótese de interposição de recurso, os efeitos da decisão são suspensos, uma vez que a apelação é dotada de efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015). Ressalta-se que, com a suspensão do processo, os atos praticados são inválidos e ineficazes, admitindo-se apenas a prática de atos urgentes, nos
termos do art. 314 do CPC/2015. A cognição no processo de habilitação é sumária, e por isso é restrita à condição do sucessor e à transmissibilidade do objeto litigioso. Nesse âmbito, portanto, é que se opera a autoridade da coisa julgada. As questões que envolvam os herdeiros do de cujus podem ser resolvidas em ação própria, pois não são alcançadas pela coisa julgada.
LVIII AS AÇÕES DE FAMÍLIA
1. Introdução: a especialidade do procedimento O procedimento previsto nos arts. 693 e 699 do CPC/2015 é uma inovação do CPC/2015 e deve ser utilizado nos processos contenciosos que tratam basicamente das ações de direito de família, com exceção da ação de alimentos, que possui procedimento específico na Lei n. 5.478, de 1968. Devem ser aplicados aos litígios que envolvem a dissolução da sociedade conjugal (divórcio e separação) o reconhecimento e a extinção de união estável, bem como os direitos relativos à proteção dos filhos, como guarda, visitação e filiação (art. 1.583 do CC/2002). O rol previsto no art. 693 do CPC/2015 não é taxativo, tendo em vista que, além da previsão do parágrafo único, que remete a aplicação das disposições do Capítulo X à ação de alimentos e de interesse da criança e do adolescente no que couber, há outros direitos relativos às relações familiares que, em que pese regulamentação específica do direito material, não comportam procedimento para resolução do litígio. A separação, o divórcio e a extinção da união estável comportam a homologação consensual na forma prevista nos arts. 731 e seguintes do
CPC/2015. 1.1 O CPC/73 e os procedimentos relativos às ações de família O CPC/73 previa procedimento diferenciado para a hipótese de dissolução consensual de sociedade conjugal (arts. 1.120 a 1.124-A), dispondo do procedimento comum para as demais ações de direito de família. Inovou, portanto, o CPC/2015 ao prever um procedimento específico para as ações de família, além da regulamentação para as hipóteses de solução consensual. 2. Valorização dos meios consensuais de resolução de conflitos Trata-se em verdade de um procedimento especial previsto em lei para a resolução de litígios contenciosos. No entanto, tratando-se de demandas no âmbito do direito de família, em que se presume a convivência anterior entre as partes e em alguns casos posterior, mesmo após o fim do processo, há, com razão, excessiva preferência pela resolução consensual de conflitos. Além disso, como ressalta Humberto Theodoro Júnior, as ações de direito de família tratam de questões “relevantes e de complexa resolução, que merecem maior atenção, não apenas porque envolvem a vida, a intimidade e a dignidade das pessoas que estão diretamente vinculadas ao litígio, mas também de seus familiares”87. É o que se depreende da leitura do art. 694 do CPC/2015, que dispõe que “todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia”, permitindo-se, ainda, expressamente, a hipótese de suspensão do processo para que os litigantes submetam o litígio à mediação extrajudicial ou ao atendimento multidisciplinar.
Trata-se da mediação judicial ou extrajudicial e da conciliação. A mediação é “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório”, recomendada preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, e o mediador deve, mostrando às partes os interesses em conflito, para que elas cheguem a uma solução adequada ao litígio, fazendo concessões que culminem em um benefício mútuo (art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 13.140/15 e art. 165, § 3º, do CPC/2015). O mediador extrajudicial é pessoa capacitada independentemente de vinculação com qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, enquanto o judicial deverá preencher os requisitos mínimos do art. 11 da Lei n. 13.140, de 2015. A conciliação, por sua vez, é a atividade na qual o conciliador propõe uma forma de solução ao litígio, que as partes podem ou não aceitar. Essa técnica é recomendada quando não há vínculo anterior entre as partes, sendo vedada qualquer forma de constrangimento ou intimidação para compelir as partes a conciliarem. A solução consensual de conflitos, de uma forma geral, já era estimulada pelo Conselho Nacional de Justiça, que editou a Resolução n. 125, em 2010, dispondo sobre “a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. Em outras palavras, determinou a criação de centros de conciliação que deveriam abranger obrigatoriamente a solução pré-processual de conflitos, além de solução processual88. Por esse motivo, o juiz só deverá impor uma solução ao litígio quando as partes não chegarem a um acordo89. Isso porque é evidente que, quando as próprias partes propõem, de forma amigável, a solução para o litígio entre
elas, a possibilidade de surgirem novas discussões e, portanto, novas demandas e recursos é menor do que quando uma solução é imposta pela autoridade judicial. 3. A multidisciplinaridade do direito de família O art. 694 do CPC/2015 prevê a necessidade do juiz de dispor do “auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”, reforçando a multidisciplinariedade do direito de família. Isso quer dizer, em outras palavras, que, para a resolução de conflitos na área de direito de família, se impõe ao aplicador da lei não apenas o conhecimento técnico e material do direito envolvido, mas também de outras áreas, principalmente da saúde e do bem-estar, necessitando por vezes do auxílio de psicólogos e assistentes sociais para decidir, por exemplo, sobre os litígios que envolvem a guarda dos filhos, em processo de separação de corpos. Essa necessidade se comprova na dicção do art. 699 do CPC/2015, que determina que o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz acerca de abuso ou alienação parental, esteja acompanhado de especialista. A alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida por um dos genitores, estendendo-se aos avós e àqueles que têm alguma autoridade sob a criança ou o adolescente, causando prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com estes (art. 2º da Lei n. 12.318 de 2010). 4. Procedimento O procedimento previsto no Capítulo X dos procedimentos especiais,
focado na resolução consensual do litígio, não se distancia muito do procedimento comum porque a citação do réu ocorre para o comparecimento em audiência de conciliação e mediação. Difere-se, porém, na ressalva feita ao final do art. 695 do CPC/2015, que remete ao art. 694 do CPC/2015, que determina que o juiz disponha de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. A petição inicial do procedimento deverá observar as regras previstas nas arts. 319 e 320 do CPC/2015. Não há regras específicas com relação às ações de família para a propositura da demanda. É cabível o pedido de tutela provisória, na forma prevista nos arts. 294 e seguintes do CPC/2015, que deverá ser apreciada no recebimento da inicial (art. 695 do CPC/2015). Com o recebimento da inicial, o réu será citado pessoalmente (art. 695, § 3º, do CPC/2015), com a antecedência mínima de quinze dias (art. 695, § 2º, do CPC/2015), para a audiência de conciliação e mediação. O mandado de citação deverá conter apenas os dados referentes à audiência de conciliação e mediação, desacompanhado da inicial, sendo assegurado seu exame a qualquer tempo. Não deverá ser feita qualquer menção à apresentação de contestação. A ideia de não instruir o mandado de citação com a petição inicial decorre da possibilidade de fomentar ainda mais o dissenso familiar90. Por esse motivo, posterga-se a apresentação da inicial para o momento em que, não havendo acordo, o réu será intimado para apresentar contestação. Na audiência de conciliação, ambas as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos (art. 695, § 4º, do CPC/2015), ou seja, precisam estar devidamente representadas por pessoas dotadas de
poderes postulatórios. O art. 696 do CPC/2015 afasta o limite de realização de audiências de conciliação, pontuando a preocupação do legislador na busca pela solução do litígio de forma amigável, sem prejuízo de que o juiz tome medidas necessárias para a preservação do direito, que devem ser requeridas ao juízo por simples manifestação. Isso porque se entende que o juiz não deve participar das audiências de mediação e conciliação, para evitar eventual suspeição futura tendo em vista que não poderá utilizar-se das informações obtidas nessas audiências para prolatar sua sentença91. Na hipótese de as partes não entrarem em acordo, o réu deverá apresentar contestação, no prazo de quinze dias, contados a partir da última sessão de conciliação (arts. 697 e 335, I, do CPC/2015). Após a apresentação de contestação pelo réu, o procedimento seguirá as normas do procedimento comum, iniciando-se a fase instrutória do processo. 5. A intervenção do Ministério Público A intervenção do Ministério Público é impositiva apenas quando houver interesse de menor incapaz (arts. 698 e 178, II, do CPC/2015) e deverá ser ouvido previamente quando houver acordo entre as partes. O art. 698 do CPC/2015 tira a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público em todas as ações de família, devendo atuar apenas quando tiver interesse de menor incapaz envolvido, restringindo a legitimidade de sua intervenção à hipótese do inciso II do art. 178 do CPC/2015.
6. Sentença A sentença proferida nos autos das ações de família pode ser homologatória de acordo, na hipótese em que for bem-sucedida a audiência de mediação e conciliação (art. 487, III, b, do CPC/2015). Nesse caso, não haverá condenação de honorários advocatícios, ao menos que estejam previstos no acordo homologado pelo juízo e não serão devidas custas judiciais finais92. Na hipótese de não haver acordo, o juiz proferirá sentença condenatória, na forma do art. 487, I, do CPC/2015, condenando a parte perdedora ao pagamento de honorários advocatícios (art. 85 do CPC/2015) e custas e despesas processuais.
LIX AÇÃO MONITÓRIA
1. A função do procedimento monitório e suas características O art. 700 do CPC/2015 dispõe que a ação monitória pode ser proposta “por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir” algo de outrem. Em que pesem algumas variações quanto aos pressupostos, o procedimento monitório visa à constituição de título executivo judicial, sem as formalidades do procedimento comum, dividido nas clássicas fases da postulação, instrução e decisão, para somente ao final atingir a esse escopo. Adota-se técnica processual diferenciada, baseada na existência de prova escrita que comprove a existência do direito pleiteado pelo autor, mas que a lei não atribui força de título executivo extrajudicial (art. 784 do CPC/2015). Essa técnica diferenciada revela-se, entre nós, como procedimento especial. O Superior Tribunal de Justiça, na vigência do CPC/73, proclamou que: “O procedimento monitório, também conhecido como injuntivo, introduzido no atual processo civil brasileiro, largamente difundido na Europa, com amplo sucesso, tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento”93.
No ordenamento jurídico europeu, assim como no direito brasileiro, há um espaço relativamente amplo entre o título executivo judicial (obtido através da sentença condenatória) e o título executivo extrajudicial, que são precipuamente as cambiais. Por esse motivo, a necessidade de outorgar ao credor um mecanismo rápido e eficiente, nas hipóteses em que seu crédito, embora desamparado de eficácia executiva, mostra-se plausível, e senão evidente, é intensa em alguns ordenamentos jurídicos. A multiplicidade de títulos executivos extrajudiciais pode ser verificada no art. 784 do CPC/2015, e, principalmente, pelo que consta no respectivo inciso XII – “todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva” –, que engloba os mais diferentes documentos (por exemplo, a cédula de crédito rural). O procedimento monitório adota técnicas processuais diferenciadas para atingir o objetivo, via regra, irrealizável. Esse procedimento funda-se em prova pré-constituída (art. 700 do CPC/2015), devendo o órgão judiciário avaliar essa prova em juízo sumário, atendo-se à aparência da existência do crédito a favor do autor. Com base nessa cognição sumária, é que se profere decisão liminar, acolhendo o pedido formulado pelo autor, que, não se opondo o réu, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial a favor do autor. Tal sentença contemplará o capítulo acessório da sucumbência e se caracterizará pelo caráter condicional. Isso porque, sobrevindo os embargos monitórios do réu, a respectiva eficácia dessa decisão cessa, restaurando-se ou desaparecendo, definitivamente, segundo o resultado dos embargos monitórios. Inverte-se, portanto, o contraditório, impondo ao réu o ônus de opor-se à pretensão monitória, devendo alegar e provar que não existe a dívida, através
da oposição de embargos monitórios, na forma prevista no art. 702 do CPC/2015, conforme será tratado mais à frente. Por fim, como uma forma de compelir o réu ao pagamento, o art. 701, § 1º, do CPC/2015 oferece-lhe um incentivo econômico: a isenção do pagamento de custas processuais. Essa técnica é mais promissora, do ponto de vista econômico, do que a imposição de multa, prevista no § 1º do art. 523 do CPC/2015. 1.1 A tutela de evidência e o uso residual da ação monitória Antes da alteração proposta pelo CPC/2015 já se pontuava a utilização residual da ação monitória diante das peculiaridades do rol de títulos executivos do direito brasileiro, que resolveu algumas situações singulares, a exemplo da duplicata sem aceite (art. 15, II, a a c, da Lei n. 5.474/68)94. O sistema instituído pelo CPC/2015 das tutelas provisórias torna a ação monitória ainda mais residual. Isso porque o inciso IV do art. 311 do CPC/2015 autoriza a concessão da tutela provisória quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Isso porque, para a concessão da tutela provisória, a análise a ser feita pelo juízo também deve ser sumária. Ou seja, o réu deve apresentar prova suficiente a colocar em dúvida o direito do autor, e, caso não consiga, poderá o autor ter a seu favor um título executivo judicial. Nessa hipótese, o réu terá a seu favor apenas a possibilidade de interpor recurso de agravo de instrumento no qual pleiteará a antecipação dos efeitos da tutela para suspender os atos constritivos decorrentes da concessão da
tutela provisória, diferentemente dos efeitos dos embargos monitórios – que automaticamente suspendem os atos constritivos. 1.2 Natureza e classificação da ação monitória A ação monitória é condenatória com natureza substancialmente sumária (cognição limitada) e formal (procedimento concentrado), contemplada, portanto, como procedimento especial. Não se cuida, no entanto, de ação de força executiva. A classificação das pretensões segundo sua natureza (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) repousa em dados hauridos do direito material. Evidentemente, a pretensão do autor da ação monitória tem força unicamente condenatória. O efeito executivo é mediato. De acordo com o disposto no art. 701, § 2º, do CPC/2015, no caso de o réu não apresentar embargos monitórios, e no art. 702, § 8º, do CPC/2015, na contingência de o órgão judiciário rejeitar os embargos monitórios, ficando o título constituído de pleno direito, a execução prossegue, nos termos do Título II do Livro I da Parte Especial, ou seja, consoante o procedimento da execução fundada em título judicial (arts. 513 e ss. do CPC/2015). 2. A análise de admissibilidade da ação monitória A pretensão à constituição de título executivo judicial, deduzida na ação monitória, deve ser fundada em prova pré-constituída, como já dito. Não se cuida de um documento único, nem sequer de documento emanado do próprio devedor, mas de um conjunto de elementos formado pela prova documental produzida com a inicial, que permita ao juiz formar um juízo positivo liminar quanto à existência do crédito. Dessa forma, é possível que o próprio credor apresente documentos forjados. Por exemplo, o credor pode
apresentar um documento em que ele mesmo declara que alguém se obrigou a pagar-lhe certa quantia. É claro que esse hipotético documento é inidôneo, mas terá que ser impugnado pelo réu. Há outros documentos, no entanto, que preenchem o requisito necessário para a propositura da monitória, apesar da sua origem. São exemplos: (a) as anotações, em ficha própria, dos trabalhos realizados pelo odontologista, acrescidos do valor unitário; (b) o velho caderno de armazém, em que as compras diárias da dona de casa são anotadas e liquidadas periodicamente; (c) o orçamento remetido ao endereço eletrônico do réu, acompanhado, senão da sua expressa concordância, ao menos da aceitação implícita, como a que decorre da eventual exigência de ajustes, subentendendo-se a entrega do serviço; e assim por diante. Percebeu o alcance da exigência, no essencial, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Uma das características marcantes da ação monitória é o baixo formalismo predominante na aceitação dos mais pitorescos meios documentais, inclusive daqueles que seriam naturalmente descartados em outros procedimentos. O que interessa, na monitória, é a possibilidade de formação da convicção do julgador a respeito de um crédito, e não a adequação formal da prova apresentada a um modelo predefinido, modelo este muitas vezes adotado mais pela tradição judiciária do que por exigência legal”95. Por outro lado, não comporta a pretensão quando o documento ostentar eficácia de título executivo. O art. 700 do CPC/2015 exige, explicitamente, a “prova escrita sem eficácia de título executivo”. Caso o credor tenha dúvida objetiva, a exemplo das controvérsias que reinaram acerca do contrato de abertura de crédito, antes de o Superior Tribunal de Justiça firmar a jurisprudência com a edição da Súmula 233, o credor poderá valer-se da ação
monitória. Isso porque não se pode impor ao credor o ônus de tomar caminho duvidoso e árduo para realizar seu crédito, exigindo-lhe que exerça a pretensão a executar, e só no caso de insucesso franquear-lhe a monitória. Admite-se, por sinal, a conversão da execução em monitória, até a citação. Após a citação, não é mais concebível essa conversão no procedimento, segundo o Superior Tribunal de Justiça96. O credor também pode optar por deduzir pretensão à condenação, o que só favorece ao réu. No tocante aos créditos prescritos, nos quais a prescrição, em geral, atinge a eficácia executiva, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admitiu a monitória quanto ao cheque (Súmula 299), e, a fortiori, relativamente às demais cambiais. Não é necessário ao autor explicitar a causa debendi. É ônus do réu, nos embargos monitórios, alegar e provar a inexistência de causa97. De resto, os requisitos da exigibilidade e liquidez do título executivo são indispensáveis (art. 783 do CPC/2015). Esse ponto será mais bem analisado no item dedicado ao pedido. Antes de examinar o pedido, porém, cumpre recordar que a exigência de prova pré-constituída respeita à causa de pedir. O autor tem o ônus de iniciar o processo monitório por meio de petição inicial, de um lado, invocando o crédito, objeto da prova escrita que é a causa de pedir ativa; e, de outro, alegando o inadimplemento do réu, que tornou exigível esse crédito, alegação que expressa a causa de pedir passiva. Nesse sentido, pontua-se que o CPC/2015 trouxe esclarecimentos positivos com relação ao procedimento e a forma da ação monitória, que será estudado com rigor mais à frente. Essas considerações elementares com relação à causa de pedir geralmente
demonstram o equívoco da Súmula 299 do STJ98. Uma vez que desaparecida a pretensão cambiária, que é a pretensão fundada e derivada dos termos literais do título de crédito, em geral executiva (art. 784, I, do CPC/2015), não há outra pretensão emergente da cambial em si, restando ao credor a pretensão fundada no negócio jurídico que originou a emissão do título, chamada de pretensão causal. Por esse motivo, não há dúvida de que o cheque prescrito fornece prova escrita hábil para essa última pretensão, e é documento idôneo para lastrear a ação monitória. Mas, nessa hipótese, incumbe ao autor, porque não tem, por definição, a pretensão cambiária, descrever os fatos atinentes ao negócio jurídico subjacente. Salvo engano, na vigência do CPC/73 entendeu de forma diferente o Superior Tribunal de Justiça, porque os princípios do direito cambial foram negligenciados. 3. Legitimidade O art. 700 do CPC/2015 utiliza fórmula curiosa para expressar a legitimação ativa na monitória, competindo “aquele que afirmar (...) ter direito de exigir do devedor capaz: I – o pagamento de quantia em dinheiro; II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer”. Dessa forma, a pessoa que se diz credor é quem possui legitimidade para propor a ação monitória. Essa é a única conclusão a que se chega perante semelhante verba legislativa. Passivamente, legitima-se a pessoa que, segundo a prova escrita sem eficácia de título executivo, deve. A prova escrita do crédito, que é condição de admissibilidade da monitória, há de esclarecer, suficientemente, os dois aspectos. Na vigência do CPC/73, controverteu-se a possibilidade de figurar a
Fazenda Pública no polo passivo da ação monitória. A Súmula 33999 do STJ já havia resolvido a questão em termos positivos. E o CPC/2015 consolidou esse entendimento no § 6º do art. 700. A ressalva que se faz é a prevista no § 4º do art. 701 do CPC/2015, que determina a aplicação das regras de remessa necessária na hipótese de não apresentação de embargos monitórios pela Fazenda Pública. 4. Competência Não há regra especial no tocante à competência. Incidem, portanto, as regras comuns de competência. De ordinário, o autor deve propor a demanda no lugar de cumprimento da obrigação ou no domicílio do réu (art. 45 do CPC/2015). A competência de jurisdição é ampla: conforme a matéria, cabe monitória na Justiça do Trabalho, por exemplo, e, conforme a pessoa, na Justiça Federal. 5. Procedimento O procedimento da ação monitória está previsto de forma mais detalhada e especificada no CPC/2015. Passemos a analisá-lo. 5.1 Petição inicial A ação monitória inicia-se com a petição inicial. Além de obedecer aos requisitos previstos nos arts. 319 e 320 do CPC/2015, o § 2º do art. 700 do CPC/2015 prevê requisitos específicos da petição inicial da ação monitória, devendo o autor: “I – explicitar a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo; II – o valor atual da coisa reclamada; III – o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”. Deve, ainda,
o autor, instruir a inicial com prova escrita que comprove o direito de exigir a obrigação pleiteada (art. 700, caput, do CPC/2015). A peculiaridade da ação monitória reside no fato de que a prova há de ser suficiente para tornar verossímil a existência da relação de crédito em todos os seus elementos: sujeitos e objeto, bastando, no entanto, que seja prova oral documentada, produzida antecipadamente na forma prevista no art. 381 do CPC/2015. Em relação à causa de pedir, recorda-se que o autor invocará o crédito, objeto da prova escrita, e a circunstância de o réu não ter solvido a dívida. Não há, entretanto, necessidade de indicar a causa do débito, como já afirmado acima. Já se destacou o erro da orientação da Súmula 229 do STJ, todavia, consolidada. Em relação à liquidez nas obrigações pecuniárias, já se destacou a necessidade de pedido líquido, o que não se diferencia nos demais bens do pedido mediato. As coisas fungíveis devem ser individualizadas no pedido, e o bem móvel também há de ser devidamente caracterizado nesse mesmo pedido. O art. 847, § 1º, II e III, do CPC/2015 oferece parâmetros hábeis à individualização de bens móveis e de semoventes, aplicando-se por analogia. As obrigações de fazer e não fazer também devem estar discriminadas e especificadas na petição inicial e, sempre que possível, acompanhadas de documentos comprobatórios de sua existência. Nesse sentido, o pedido do autor deve ser determinado (art. 324 do CPC/2015). Não se admite, portanto, pedido genérico ou ilíquido (art. 700, § 2º, II, do CPC/2015), indicando-se o valor atualizado da coisa reclamada, na hipótese de coisa fungível ou infungível. A liquidez decorre unicamente do pedido e não necessariamente da prova
escrita. A prova escrita pode apenas fornecer as bases do cálculo para o credor (art. 509, § 2º, do CPC/2015), devendo o autor apresentar planilha de cálculo, indicando o principal e os acessórios que, a seu ver, compõem o crédito. O valor também passa pelo juízo de verossimilhança do órgão judiciário, sendo necessário que o autor indique o valor da causa – que não é outro senão o valor do alegado crédito e seus acessórios (art. 700, § 3º, do CPC/2015). O art. 321 do CPC/2015 é aplicável, podendo a inicial ser emendada no prazo de quinze dias, sob pena de indeferimento. Admite-se, também, na hipótese em que houver dúvida quanto à idoneidade da prova, a emenda da petição inicial para a adequação ao procedimento comum (art. 700, § 5º, do CPC/2015). 5.2 Intimação para pagamento, entrega da coisa ou execução da obrigação de fazer ou de não fazer Ao contrário do que acontece no procedimento comum, o órgão judiciário não se limita a controlar a admissibilidade da ação monitória. Convencendose da verossimilhança do direito alegado pelo autor, em todos os seus elementos essenciais, o juiz acolherá o pedido, liminarmente, emitindo decisão, condenando o réu a cumprir a obrigação exigida pelo autor. Essa decisão tem força condenatória e abrangerá o capítulo acessório da sucumbência. Ela se distingue das congêneres, proferidas no procedimento comum, em virtude do seu caráter liminar, pois o juiz acolhe o pedido condenatório formulado na inicial (art. 487, I, do CPC/2015). Além disso, contra ela não é cabível recurso, apenas embargos monitórios, que têm o condão de inibir a eficácia dessa decisão.
Em relação à forma, a decisão prevista no art. 701 do CPC/2015 deve obedecer às diretrizes do art. 489 do CPC/2015, sendo importante tanto a fundamentação quanto o dispositivo. Nesse último, além da condenação no principal e nos acessórios (juros e correção monetária), objeto do pedido mediato, também constará a condenação do réu nas despesas do processo e dos honorários advocatícios. O réu ficará isento das custas processuais, acudindo ao mandado liminar, ou preceito, ou monitório (art. 701, § 1º, do CPC/2015). A fixação dos honorários, diante da natureza condenatória da ação, deve ser baseada pelo disposto no art. 85, § 2º, do CPC/2015. O efeito próprio da decisão consiste na emissão do mandado com duplo objetivo: (a) citar o réu, por um dos meios admissíveis; (b) compelir o réu ao cumprimento da obrigação. Já se disse que a força da decisão é, predominantemente, condenatória. Mas há eficácia mandamental imediata, que avulta na expedição do mandado. Esse mandado de cumprimento da obrigação, também chamado de monitório ou de injunção, é a ordem judicial que deve ser cumprida pelo réu. Essa decisão tem aptidão, desde que não opostos os embargos monitórios, para adquirir eficácia de coisa julgada, constituindo-se título executivo judicial de pleno direito. Não se justificam as restrições a esse respeito. 5.3 Medidas adotadas pelo réu A citação do réu pode ser realizada por todos os meios legais admissíveis (arts. 700, § 7º, e 246 do CPC/2015), sendo comuns os pressupostos. O prazo para que o réu tome as atitudes cabíveis no procedimento monitório é de quinze dias (art. 701 do CPC/2015). Esse prazo se conta ordinariamente (art. 231 c/c art. 224 do CPC/2015), incidindo tanto o art. 229
do CPC/2015 quanto o art. 180 do CPC/2015. O prazo de quinze dias inicia-se com a citação válida, podendo o réu tomar uma das seguintes providências: (a) cumprir o mandado, hipótese em que ficará isento do pagamento das despesas do processo, arcando apenas com os honorários advocatícios de cinco por cento do valor da causa, pagamento do principal e acessórios constantes da planilha juntada pelo autor; (b) permanecer inerte, hipótese em que, reza o art. 701 do CPC/2015, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial (art. 701, § 2º, do CPC/2015), prosseguindo-se segundo o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente fundada em título executivo judicial; ou (c) opor embargos monitórios, hipótese em que se inibirá a eficácia própria da decisão liminar até a respectiva solução definitiva. Duas questões se sobrelevam nesse tópico. A primeira relaciona-se à incidência da multa de dez por cento (art. 523, § 1º, do CPC/2015), no caso de o executado, no prazo de quinze dias, não solver a dívida derivada do título judicial líquido ou liquidada pelo credor. Parece óbvio, então, que o cumprimento do réu, no prazo de quinze dias, goza de um incentivo econômico (art. 701, § 1º, do CPC/2015), e, inversamente, o descumprimento do mandado, nesse mesmo prazo, agrava-lhe a condenação com a multa de dez por cento. Nada mais natural e consentâneo com o objetivo de tornar oneroso litigar sem razão. Além disso, o § 11 do art. 702 do CPC/2015 prevê a imposição de multa de até dez por cento sobre o valor atribuído à causa na hipótese de oposição de embargos monitórios de má-fé. Os embargos também podem ser rejeitados liminarmente, e, nesse caso, cabe recurso de apelação (art. 702, § 9º, do CPC/2015).
5.3.1 Inércia É controvertida a eficácia da inércia do executado, hipótese em que o título executivo judicial constitui-se de pleno direito, ou seja, torna-se definitiva a decisão liminar. Na hipótese em que o título executivo judicial for constituído sem que o réu apresente embargos monitórios (defesa), é cabível ação rescisória, da decisão liminar, nos termos previstos no art. 701, § 3º, do CPC/2015. Não se pode refutar, portanto, a possibilidade de impugnação do cumprimento de sentença movido na forma do art. 523 do CPC/2015, ainda que a decisão liminar tenha sido constituída através da inércia total do réu na ação monitória. 5.3.2 Embargos monitórios O réu, havendo matéria de defesa do procedimento comum, inclusive as matérias previstas no art. 337 do CPC/2015, poderá opor embargos monitórios, no prazo de quinze dias, independentemente de prévia garantia do juízo (arts. 701 e 702 do CPC/2015). O embargante deverá apontar em suas razões o valor que entende como correto, acompanhado de memória de cálculo, sob pena de os embargos serem sumariamente rejeitados, se esse for o único fundamento, ou poderão ser processados quando baseado em mais de um fundamento, mas não será analisado o excesso (art. 702, §§ 2º e 3º, do CPC/2015). Os embargos monitórios devem ser opostos nos próprios autos e autuados em apartados apenas quando forem parciais (art. 702, § 7º, do CPC/2015), ficando sua autuação a critério do juiz. A natureza jurídica dos embargos monitórios é controvertida, no entanto não há maior plausibilidade na
controvérsia. Em razão da técnica processual diferenciada que caracteriza os atos seriais do procedimento monitório, entre as quais avulta a inversão do contraditório, ocorreu nítida opção. Os embargos monitórios são a forma de o réu se opor à pretensão de execução injusta, porque já há título executivo e a omissão da oposição acarretará a imediata execução sobre os bens do réu. Nada impede, no entanto, que, admitidos os embargos monitórios, outros mecanismos de reação sejam admissíveis. Não cabe nenhuma modalidade de intervenção de terceiros, porque essas modalidades não se mostram admissíveis nos embargos, salvo a assistência. O procedimento dos embargos incidentais, à semelhança da impugnação do art. 525, § 1º, do CPC/2015, segue as linhas gerais do procedimento comum. Dentre os efeitos da inicial dos embargos, elaborada com os requisitos do art. 319 do CPC/2015, avulta a suspensão automática, porque independe de pedido específico, ope legis, da eficácia da decisão liminar a favor do autor (art. 702, § 4º, do CPC/2015). O autor dispõe do prazo de quinze dias para resposta dos embargos (art. 701, § 5º, do CPC/2015) e, além da contestação, cabe reconvenção, respeitados os respectivos pressupostos (art. 701, § 6º, do CPC/2015). Como o embargante também pode reconvir, o procedimento, às vezes, tornar-se-á duplamente complexo (reconventio reconventionis). O procedimento dos embargos se encerra com a sentença, que acolhe ou rejeita o pedido do embargante. Na hipótese de rejeição, como dito, a decisão constituirá pleno direito executivo judicial. Dessa sentença caberá apelação (art. 701, § 9º, do CPC/2015).
6. Das decisões proferidas na ação monitória Quanto à decisão liminar que determina a expedição do mandato para que o réu cumpra a obrigação pleiteada pelo autor, já divagamos exaustivamente. Analisaremos a seguir as decisões que colocam fim ao procedimento monitório. 6.1 Extinção pelo pagamento O réu, ao ser citado, pode vir aos autos e cumprir a obrigação exigida pelo autor. Cumprido o mandado liminar, característica frisante do procedimento monitório, o juiz extinguirá o processo mediante sentença, com fundamento nos arts. 924, I, e 925 do CPC/2015. Nessa hipótese, o devedor cumpriu a obrigação constante no título executivo judicial liminarmente constituído e, após o depósito realizado pelo réu, o juiz intimará o autor, determinando a expedição do mandado de levantamento (art. 906 do CPC/2015). Com a quitação prevista no art. 907 do CPC/2015, abre-se oportunidade para o provimento extintivo. A sentença extintiva é passível de apelação, nos termos do art. 1.009 do CPC/2015. Sempre se concebe que o credor estime insuficiente e incompleto o depósito realizado pelo réu, podendo, inclusive, recursar a prestação, observando-se, nessa contingência, o disposto no art. 788 do CPC/2015. Extinta a execução, mediante o pronunciamento baseado no art. 924, I, do CPC/2015, entende-se que, quando o autor verificar a insuficiência do depósito, ele deverá retomar a execução da decisão liminar proferida nos autos da ação monitória, sendo vedada a continuação do cumprimento de sentença que já foi extinto por sentença. 6.2 Julgamento dos embargos monitórios
O art. 702, § 8º, do CPC/2015 disciplina parte dos efeitos do julgamento dos embargos monitórios do réu na ação monitória. Se julgados integralmente procedentes, os embargos monitórios extinguirão a ação monitória, condenado o autor, vencido, nas despesas e nos honorários advocatícios sucumbenciais (art. 85, § 2º, do CPC/2015). Dessa sentença caberá apelação com efeito suspensivo (arts. 702, § 9º, e 1.012 do CPC/2015). Pode-se, ainda, condenar o autor da ação monitória ao pagamento de multa quando proposta indevidamente ou por má-fé (art. 702, § 10, do CPC/2015). Rejeitados os embargos, integral ou parcialmente, restaura-se a eficácia da decisão liminar, suspensa com a oposição dos embargos monitórios. Então, a parte incólume constituirá título executivo judicial, prosseguindo a execução, segundo o procedimento do art. 523 do CPC/2015. Incide a multa de dez por cento, como já visto. Essa sentença também comporta apelação com efeito suspensivo (art. 1.012, III, do CPC/2015). Porém, como os embargos foram recebidos, suspendendo atos executivos, garante-se o prosseguimento da execução provisoriamente até o trânsito em julgado dos recursos eventualmente interpostos pelo réu contra a sentença de improcedência proferida nos embargos (art. 1.012, § 2º, do CPC/2015). Na prática, para levantar dinheiro ou alienar bens do réu, cumpre ao autor, na qualidade de exequente, prestar caução, enquanto o título não se estabilizar definitivamente. A execução provisória é passível de impugnação, movida nos limites de cognição traçados no art. 525, § 1º, do CPC/2015. Não pode haver dúvida quanto ao fato de que, com a rejeição dos embargos, constituiu-se de pleno direito o título executivo judicial antevisto na decisão liminar. Logo, por se
tratar de execução fundada nessa espécie de título, como recorda a remissão explícita no art. 701 do CPC/2015, cabe impugnação (e, não, embargos), respeitados os respectivos limites. Por óbvio, superadas as impugnações, a decisão liminar será revestida pela autoridade de coisa julgada (art. 502 do CPC/2015). Ao contrário, não se trataria de execução definitiva, fundada em título executivo judicial transitado em julgado. Por fim, a sentença proferida nos embargos monitórios e, a fortiori, na reconvenção, independentemente do juízo (procedência ou não), condenará o vencido ao pagamento das despesas do processo, fixando os honorários advocatícios sucumbenciais. Por não se tratar de sentença condenatória, a fixação dos honorários nos embargos obedece à diretriz do art. 85, § 8º, do CPC/2015 – arbitramento por equidade, não necessariamente jungido ao percentual máximo e ao percentual mínimo previstos no art. 85, § 2º, do CPC/2015 –, assim como da de procedência na reconvenção.
LX HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL
1. Definição e especialidade do procedimento A homologação de penhor legal é o procedimento previsto para as hipóteses em que houve o penhor legal, mas prescindiu da efetiva homologação, necessária para surtir os efeitos na esfera fática. Dessa forma, tomado o penhor legal pelas hipóteses previstas nos incisos do art. 1.467 do CC/2002, o credor deverá requerer a homologação, que pode proceder-se na esfera judicial ou extrajudicial, na forma prevista nos arts. 703 e seguintes do CPC/2015. O penhor legal está previsto nos arts. 1.467 e seguintes do CC/2002, e pode ocorrer sempre que (i) os hóspedes ou clientes de estabelecimentos que fornecem alimentos não puderem pagar pela estadia ou pelos produtos adquiridos, ou (ii) o inquilino ou rendeiro não puder arcar com as despesas decorrentes de aluguéis ou rendas, pelos respectivos hospedeiros de pousada ou fornecedores de alimento e pelo dono do prédio rústico ou urbano. Como esclarece Roberto Campos Gouveia Filho100, “o penhor real é o direito real de garantia sobre bens móveis”; deve, portanto, estar sempre
vinculado a um crédito, no qual não necessariamente o garante é o devedor, e serve como uma espécie de caução real. O modo de constituição dessa penhora, como explica o referido autor, é que destaca a importância do procedimento ora estudado. Isso porque a penhora real não decorre propriamente de um acordo bilateral entre as partes, ao contrário disso, ela é impositiva por força de lei (art. 1.467 do CC/2002), bastando a situação jurídica posta para que surja o direito do credor de obter a garantia101. O procedimento especial de homologação de penhora é o instrumento que deve ser utilizado pelo credor para constituir uma garantia real sob os bens penhorados, e deve ser observado uma vez que a própria lei determina que o credor, ao realizar a penhora, proceda em ato contínuo à sua homologação (arts. 1.471 do CC/2002 e 703 do CPC/2015). O Código Civil faz uma menção expressa à forma judicial para a homologação do penhor, no entanto o Código Processual de 2015 prevê a possibilidade da homologação extrajudicial. 1.1 A homologação de penhor legal no CPC/73 A homologação de penhor legal era tratada como procedimento cautelar (arts. 874 a 876 do CPC/73) baseado na urgência conservativa, e, com a reforma provocada pela Lei n. 8.952, de 1994, introduziu-se a possibilidade de “que a tutela de urgência pudesse ser utilizada também para fins satisfativos provisórios do direito material subjetivo do demandante (tutela antecipada). Essas medidas eram intocáveis no bojo do processo principal, sem manejo de ação distinta”102. 2. Competência
A homologação de penhor legal judicial deve ser requerida no foro do domicílio do réu (art. 46 do CPC/2015) por tratar-se de ação fundada em direito real sobre bens móveis. Na hipótese de homologação de penhor legal extrajudicial, o § 2º do art. 703 do CPC/2015 prevê que o credor poderá promovê-la no notário de sua livre escolha. 3. Procedimento extrajudicial A homologação extrajudicial poderá ser requerida pelo credor através de petição na forma do art. 319 do CPC/2015 e instruída com (i) o contrato de locação ou (ii) a conta pormenorizada das despesas (art. 1.468 do CC/2002), assim como com a tabela de preços e a relação dos objetos retidos (art. 1.469 do CC/2002), conforme dispõe o § 1º do art. 703 do CPC/2015. Essa petição deve ser encaminhada ao notário de livre escolha do credor (art. 703, § 2º, do CPC/2015). Recebido o requerimento de homologação extrajudicial, o notário deverá providenciar a notificação extrajudicial do devedor para realizar o pagamento do débito ou impugnar a cobrança, no prazo de cinco dias (art. 703, § 3º, do CPC/2015). O devedor, ao receber a notificação, poderá (i) pagar a dívida, extinguindo a penhora, procedendo-se à devolução dos bens retidos pelo credor, (ii) permanecer em silêncio, hipótese na qual será homologada a penhora legal por escritura pública (art. 703, § 4º, do CPC/2015), ou (iii) apresentar impugnação, com fundamento nas matérias do art. 704 do CPC/2015. Nessa última hipótese, transformar-se-á a homologação em contenciosa, razão pela qual o notário deverá encaminhar o procedimento ao juízo
competente (art. 703, § 3º, do CPC/2015), observando os critérios do art. 45 do CPC/2015. 4. Procedimento judicial O procedimento judicial é obrigatório sempre que o réu apresentar impugnação ao pedido de homologação feito pelo credor (art. 703, § 3º, do CPC/2015). No entanto, o credor pode optar pelo procedimento judicial mesmo que não haja propriamente litígio entre as partes, ainda que seja recomendável a forma extrajudicial. 4.1 A petição inicial e o requerimento para citação O procedimento judicial também exige, por óbvio, que a petição inicial cumpra os requisitos do art. 319 do CPC/2015, devendo ser instruída com o contrato de locação ou com a planilha de cálculo de despesas, assim como tabela de preços (na forma do art. 1.468 do CC/2002) e a relação de objetos retidos. Ao propor a ação de homologação judicial, com a devida instrução dos documentos arrolados no art. 703, § 1º, do CPC/2015, o autor deverá requerer a citação do devedor para efetuar o pagamento ou contestar o pedido. A contestação do réu deverá ser apresentada em audiência preliminar, que será designada pelo juízo. 4.2 A obrigatoriedade da audiência preliminar A audiência preliminar, prevista no § 1º do art. 703 do CPC/2015, é obrigatória e a contestação do devedor deve ser apresentada na própria audiência (com exceção da hipótese em que o procedimento for convertido em judicial por impugnação do devedor).
Ao contrário da audiência prevista no art. 334, § 4º, I, do CPC/2015, a realização dessa audiência preliminar não pode ser afastada pelas partes. Isso porque, conforme se depreende do art. 705 do CPC/2015, somente após a realização da audiência preliminar, a homologação de penhor legal deverá obedecer às regras do procedimento comum, portanto a audiência prevista no § 1º do art. 703 do CPC/2015 integra a parte especial do procedimento e não pode ser afastada na forma do art. 334, § 4º, I, do CPC/2015. 4.3 A manifestação do réu O devedor, ao ser citado do procedimento judicial, poderá, assim como no procedimento extrajudicial, (i) pagar a dívida, extinguindo o processo, ou (ii) manter-se em silêncio, hipótese na qual será decretada sua revelia (art. 344 do CPC/2015). Além disso, ele poderá (iii) apresentar contestação, baseada nas hipóteses previstas no art. 704 do CPC/2015, que consistem (a) na nulidade do processo, (b) na extinção da obrigação, (c) no fato de a dívida não estar compreendida entre as previstas no art. 1.467 do CC/2002, ou os bens não estarem sujeitos a penhor, ou ainda, (d) na alegação de ter sido ofertada caução idônea (art. 1.472 do CC/2002), que foi rejeitada pelo credor. Com relação à nulidade do processo, poderá o devedor alegar as hipóteses do art. 337 do CPC/2015, que tratam de defeitos processuais e não relativos ao mérito da demanda. Já no que tange à extinção, o devedor pode alegar que houve pagamento (art. 304 do CC/2002), novação (art. 360 do CC/2002), compensação (art. 368 do CC/2002), transação (art. 840 do CC/2002) ou outro meio de cumprimento da obrigação.
A penhora legal pode ocorrer apenas nas hipóteses previstas na lei material, e, por esse motivo, o devedor pode alegar que a penhora efetuada pelo credor não se enquadra nas hipóteses legais. Ou, ainda, que os bens penhorados são impenhoráveis. Na hipótese de penhora real pelas despesas decorrentes do consumo nos estabelecimentos de hospedagem, pode-se penhorar, conforme prevê o art. 1.467, I, do CC/2002, as bagagens, os móveis, joias ou dinheiro; se se tratar de despesas decorrentes aluguel ou renda, o credor poderá penhorar todos os bens móveis, não se restringindo às mobílias, podendo incidir sobre bens que estejam guarnecendo o imóvel colocados à habitação103. A penhora legal que recair sobre bens impenhoráveis torna-se inócua, ainda que o credor não tenha conhecimento da impenhorabilidade, e constitui, portanto, matéria de defesa do devedor. A última alegação que pode ser feita pelo devedor é de que ele ofertou caução idônea e esta foi rejeitada pelo credor. É evidente que, independentemente do fundamento da impugnação, o devedor deverá apresentar sua impugnação na forma do art. 336 do CPC/2015, expondo todas as razões de fato e de direito, instruindo-a com os documentos comprobatórios, quando houver. 4.4 Sentença Após a realização da audiência preliminar com a apresentação da impugnação do devedor, o procedimento a ser observado é o comum (art. 705 do CPC/2015). Isso significa que o procedimento pode ser julgamento antecipadamente na forma dos arts. 354 e 355 do CPC/2015 ou demandar dilação probatória, hipótese na qual o juízo deverá sanear o processo (art. 357
do CPC/2015), passando à fase instrutória. A decisão proferida na ação de homologação judicial pode tanto homologar o penhor legal quanto negar a homologação. Na primeira hipótese, a posse será consolidada ao credor, autor da homologação. Na última, o objeto será entregue ao réu, sendo lícito ao autor pleitear a cobrando da dívida pelo procedimento comum, exceto quando for acolhida a alegação de extinção da obrigação. A decisão proferida na ação de homologação é impugnável por recurso de apelação dotado de efeito suspensivo, em que, quando interposto, poderá, o relator, ordenar que a coisa permaneça depositada ou em poder do autor/credor (art. 706, § 2º, do CPC/2015). A natureza constitutiva da demanda – isto é, que se exaure com a homologação da penhora – não garante à sentença eficácia executiva, nem condenatória. Até porque se entende que os bens penhorados já estão sob posse do credor e não há, em tese, necessidade de quaisquer medidas executivas contra o devedor.
LXI REGULAÇÃO DE AVARIA GROSSA
1. Introdução A regulação de avaria grossa é um procedimento que decorre do direito comercial marítimo, regulado pelo Código Comercial (parcialmente revogado) em seus arts. 457 a 796. A especialidade do procedimento decorre, evidentemente, da especificidade do direito material tratado. O art. 761 do CCom/1850 denomina avaria “todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque”. Complementa, ainda, o referido dispositivo o art. 763 do mesmo estatuto afirmando que a avaria grossa deve ser repartida proporcionalmente entre o navio, seu frete a carga. É para este fim que se presta a regulação da avaria grossa: para apurar a avaria e, posteriormente, repartir proporcionalmente entre aqueles que efetivamente devem arcar com essas despesas. Diferenciam-se as avarias grossas das avarias simples ou particulares, porque essas últimas devem, segundo previsto no CCom/1850, ser suportadas
pelo navio ou pela coisa que sofreu o dano. Para que seja caracterizada a avaria grossa, é necessário, segundo Humberto Theodoro Júnior104, que (i) o ato seja intencional, (ii) situação de perigo real e iminente e que coloque em risco o navio, a tripulação e a carga, (iii) os danos e as despesas sejam extraordinárias e não estejam previstas inicialmente, (iv) as despesas incorridas sejam razoáveis aos danos causados, (v) tenham sido observadas todas as formalidades e (vi) o ato intencional tenha atingido seu fim de ter impedido a ocorrência de um dano maior ou mais grave. 2. Cabimento Geralmente a regulação de avaria grossa ocorre de forma extrajudicial, de acordo com as cláusulas pactuadas entre as partes envolvidas na viagem marítima105. O cabimento do procedimento extrajudicial decorre do fato de tratar-se de direito patrimonial, pertencente, portanto, à esfera de direitos disponíveis. O procedimento especial pode ser proposto judicialmente quando não houver consenso entre as partes envolvidas e houver necessidade de repartição dos danos106. 3. Competência A competência para o processamento e julgamento da ação, segundo prevê o art. 707 do CPC/2015, é do “juízo do primeiro porto onde o navio houver chegado”. Apesar de o CCom/1850 prever em seu art. 786 a competência do juízo do porto da entrega da carga, a promulgação posterior do CPC/2015 revogou
essa regra de competência. Logo, prevalece a competência do juízo do porto no qual o navio houver chegado primeiro. A competência prevista no art. 707 do CPC/2015 é de fato melhor, considerando que o juízo está mais próximo do navio e isso facilita os trabalhos do regulador, atendendo indiretamente aos princípios da celeridade e economia processual, uma vez que diminui eventuais despesas decorrentes do transporte do regular até o local onde o navio está atracado. 4. Legitimidade A regra prevista no art. 707 do CPC/2015 dispõe que se legitima ativamente “qualquer parte interessada”. Entende-se, portanto, que a ação pode ser movida por qualquer pessoa (física ou jurídica) que tenha direito sobre a coisa transportada, sobre o navio ou até mesmo, eventualmente, sobre bem que pode ter sido danificado pelo ato praticado intencionalmente para diminuir os danos à coletividade (navio, tripulação e carga). Legitimam-se passivamente todos os demais interessados que participarão do rateio das despesas da avaria grossa. O litisconsórcio, nesse caso, é necessário. Por esse motivo, devem todos os litisconsortes ser citados para integrar a demanda (art. 115 do CPC/2015). 5. Procedimento A regulação de avaria grossa judicial seguirá o procedimento previsto nos arts. 708 e seguintes do CPC/2015. 5.1 Petição inicial É necessária a observância dos requisitos previstos no art. 319 do CPC/2015 na petição inicial. Além disso, o autor deverá instruir a petição
inicial com os documentos que puderem auxiliar a regulação. 5.2 Nomeação do regulador Ao receber a inicial, o juiz deverá nomear regulador de notório conhecimento. Isso significa que o regulador deve ser profissional qualificado e com experiência no assunto. O regulador atuará como auxiliar do juízo, aplicando-se a ele as regras previstas nos arts. 156 a 158 do CPC/2015, conforme prevê o próprio art. 711 do CPC/2015. Em outras palavras, servindo-se o regulador como um auxiliar do juízo, ele está sujeito às hipóteses de impedimento ou suspeição, que devem ser alegadas na forma do art. 465, § 1º, I, do CPC/2015, pela parte, ou pelo próprio regulador, conforme prevê o art. 157 do CPC/2015. Ou seja, em quinze dias após o conhecimento da nomeação do regulador, ou do conhecimento da condição. A responsabilidade pelos honorários do regulador é do autor da ação, que poderá ser ressarcido ao final, quando houver a divisão das despesas. 5.2.1 Deveres do regulador A principal função do regulador é de proceder à regulação da avaria grossa. Essa regulação consiste, basicamente, na apuração da massa passiva – composta pelos danos e despesas decorrentes do incidente –, apuração da massa ativa – composta pelo proveito econômico decorrente do ato – e, ao fim, na repartição dos danos entre os interessados107. No entanto, para que se proceda corretamente à regulação, o regulador deverá realizar diversas outras atividades inerentes ao exercício de sua
função. 5.2.1.1 Declaração A primeira obrigação do regulador é declarar justificadamente se os danos são passíveis de rateio na forma de avaria grossa (art. 708 do CPC/2015), elencando os danos que são qualificados como avaria grossa, e, portanto, integram a regulação, ou simples, e devem ser suportados individualmente. Isso significa que o regulador deverá, primeiramente, apurar se se trata de avaria grossa (art. 764 do CCom/1850) e se é possível o rateio dos danos entre os interessados. O § 1º do art. 708 do CPC/2015 prevê o cabimento de impugnação à declaração de abertura pela parte. A impugnação deverá ser justificada, e o juízo deverá decidir a impugnação no prazo de dez dias. Podem ser matéria da impugnação aquelas previstas no art. 337 do CPC/2015, assim como eventualmente a nomeação do regulador (suspeição ou impedimento) ou a exclusão ou inclusão de avarias que foram, ao entender da parte, classificadas equivocadamente como grossas ou simples. Se a impugnação foi acolhida e o juiz extinguir o processo, a sentença extintiva será impugnável por apelação (art. 1.009 do CPC/2015). 5.2.1.2 Exigir garantias idôneas para liberação das cargas Cabe ao regulador, ainda, exigir das partes envolvidas a apresentação de garantia idônea para liberação da carga aos consignatários (art. 708 do CPC/2015). A exigência da garantia é uma forma de assegurar a divisão posterior das despesas decorrentes da avaria grossa entre todos os interessados.
Se o consignatário não oferecer garantia idônea, o regulador fixará valor de contribuição provisória, com base nos fatos narrados e nos documentos apresentados na inicial, que deverá ser caucionado na forma de depósito judicial ou garantia bancária (art. 708, § 2º, do CPC/2015). 5.2.1.3 Alienação de bens Caso o consignatário se recuse a prestar caução, ou se o consignatário for desconhecido, o regulador poderá requerer ao juiz a alienação judicial de sua carga, na forma prevista nos arts. 879 a 903 do CPC/2015, conforme determina o § 3º do art. 708 do CPC/2015. As despesas decorrentes de eventual alienação de bens poderão ser arcadas com os valores que tiverem sido depositados por outros consignatários. Para isso, é necessário que o regulador solicite ao juízo o levantamento dos valores (art. § 4º do art. 708 do CPC/2015), que é permitido no limite das despesas necessárias para a alienação. 5.3 Regulamento da avaria grossa Após os atos acima elencados, o regulador deverá fixar prazo razoável para que as partes apresentem aos autos os documentos necessários à regulação da avaria grossa (art. 709 do CPC/2015). O art. 710 do CPC/2015 estabelece o prazo de doze meses para que o regulador apresente o regulamento, que devem ser contados a partir da apresentação desses documentos pelas partes. No entanto, considerando a complexidade da causa, o juiz poderá estender esse prazo. 5.3.1 Impugnação ao regulamento O § 1º do art. 710 do CPC/2015 determina que, apresentado o regulamento
da avaria grossa, as partes terão vista pelo prazo comum de quinze dias. Nesse prazo, as partes poderão apresentar impugnação ao regulamento, e é o momento no qual as partes exercem efetivamente a ampla defesa e o contraditório. Isso quer dizer que é nesse momento que as partes podem e devem alegar todas as questões das quais discordem, por exemplo, as despesas incorridas na regulação (que ao final foram repartidas entre as partes), a nomeação do regulador, suscitar as questões que deveriam ter sido conhecidas de ofício pelo juiz, como as matérias de ordem pública, ou até mesmo os valores finais a serem suportados pelas partes (da repartição dos danos). Se as partes apresentarem impugnação, o juiz deverá, após a oitiva do regulador, decidir em dez dias. O juízo poderá acolher a impugnação e extinguir o processo, ou determinar a retificação do regulamento pelo regulador. Se achar necessário, poderá ser determinada a instrução probatória, de ofício ou a requerimento das partes, uma vez que a lei processual não veda essa possibilidade. 5.4 Sentença Se a impugnação ao regulamento resultar na extinção do processo, caberá apelação contra a sentença extintiva, na forma do art. 1.009 do CPC/2015. Se não houver impugnação após o prazo de quinze dias, o juiz homologará o regulamento por sentença. Contra essa sentença cabe recurso de apelação dotado de efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015). Por esse motivo, as cauções e os saldos decorrentes das alienações judiciais só deverão ser liberados após o trânsito em julgado. A sentença, tida como homologatória pelo CPC/2015, é, em verdade,
constitutiva de direito e, havendo interesse de alguma das partes, poderá ser executada.
LXII RESTAURAÇÃO DOS AUTOS
1. Conceito O procedimento de restauração dos autos, como o próprio nome já diz, prevê a forma a ser observada pelo juízo e pelas partes para reconstituir os autos de um processo que tenham, por qualquer razão, desaparecido108. Esse procedimento dá origem a um novo processo, cuja decisão que lhe extingue tem natureza jurídica de sentença. 2. Legitimidade Legitima-se ativamente qualquer das partes, conforme prevê o art. 712 do CPC/2015. Pode, inclusive, tomar a iniciativa, o órgão do Ministério Público, quando este atuar como parte ou como fiscal da lei109. Passivamente, são legitimados todos aqueles que atuaram na ação principal, em litisconsórcio necessário, incluindo-se os terceiros que tenham intervindo no processo. 3. Competência A competência para julgar a ação de restauração dos autos é do juiz do processo principal110, uma vez que se trata de demanda derivada da principal
e incide a regra prevista no art. 61 do CPC/2015. 4. Autos suplementares Se houver autos suplementares, o processo poderá prosseguir nos autos suplementares (art. 712, parágrafo único, do CPC/2015), não havendo necessidade de restauração dos autos, senão que aqueles substituem, pura e simplesmente, aqueles que tenham sido extraviados111. Nessa hipótese, o que, como sabemos, raramente acontece – tendo em vista que infelizmente, diante da dificuldade talvez por razões de ordem prática –, serão estes devolvidos em cartório, uma vez localizados os autos originais, extraindo-se cópia e certidões dos atos que tenham sido neles praticados. 5. Procedimento 5.1 Petição inicial Na ausência de autos suplementares, a parte interessada deverá requerer restauração dos autos através de petição inicial, que deverá observar as regras do art. 319 do CPC/2015, e relatar o estado da causa ao tempo do desaparecimento dos autos (art. 713 do CPC/2015). Ainda, nada obstante o silêncio da lei, o autor deverá descrever as circunstâncias do desaparecimento dos autos. No processo de restauração de autos, como se depreende da leitura do art. 713 do CPC/2015, não se discutirá outra coisa senão a própria restauração, de modo que não há de cogitar discutir matérias jurídicas concernentes à causa principal112. Ao propor a restauração dos autos, o autor deverá instruir a petição inicial
com as certidões dos atos constantes do protocolo de audiências do cartório por onde haja corrido o processo (art. 713, I, do CPC/2015). Na verdade, a petição inicial da restauração de autos há de ser instruída com todas as certidões pertinentes, vale dizer, aquela correspondente ao registro da inicial, da sentença, e assim por diante, incluindo-se a certidão de desaparecimento dos autos. A inicial deverá, ainda, ser instruída com cópia de todas as peças que o requerente tenha em seu poder (art. 713, II, do CPC/2015), bem como quaisquer outros documentos que possam ser úteis à restauração (art. 713, III, do CPC/2015). 5.2 Citação A parte contrária será citada para contestar o pedido em cinco dias, cabendo-lhe exibir as cópias, contrafés e mais reproduções dos autos e documentos que estiverem em seu poder (art. 714 do CPC/2015). Em verdade, considerando que deverão integrar o polo passivo todos aqueles que integraram a demanda principal, devem ser citados todas as partes e terceiros que porventura tenham intervindo no processo principal, bem como o Ministério Público, se for o caso. Entendemos que a citação a que alude o art. 714 do CPC/2015 poderá ser feita na pessoa do advogado, à semelhança do que acontece com a reconvenção, tendo em vista que o réu já tem advogado constituído, não há necessidade de que seja citado pessoalmente. 5.3 Resposta do réu O réu, ao apresentar resposta ao pedido do autor, poderá, como
expressamente previsto no § 1º do art. 714 do CPC/2015, concordar com a restauração. Nesse caso, será lavrado, ao final, o auto que, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, haverá de substituir os autos desaparecidos. Se, ao manifestar concordância quanto à restauração, a parte contrária apresentar documentos, deverá o juiz, primeiro, ouvir o requerente, antes de prosseguir com a homologação. A concordância poderá ser parcial, caso em que caberá ao juiz decidir a causa, ou pode não haver contestação. Essa hipótese é tratada no § 2º do art. 713 do CPC/2015. Havendo revelia, decorrente da não contestação ao pedido de restauração, deverá ser aplicado o art. 344 do CPC/2015, que trata da aceitação dos fatos como verdade. Se os fatos forem tomados por verdadeiros, por conta do não oferecimento de contestação, deverá haver julgamento antecipado da ação de restauração de autos, nos termos do art. 355, II, do CPC/2015113. Em caso de concordância parcial, seja da parte do requerido, seja ainda da parte do requerente, caso o requerido junte documentos no prazo do art. 714 do CPC/2015, como já dito, caberá ao juiz julgar a causa, na forma do procedimento comum, nos termos do § 2º do art. 714 do CPC/2015. Ao apresentar a contestação, poderá ainda haver discordância quanto àquilo que, segundo o entender da parte contestante, não corresponder fidedignamente aos autos desaparecidos. Nessa hipótese, assim como quando houver concordância parcial, deverá ser observado o procedimento comum (art. 307, parágrafo único, do CPC/2015). 5.4 Desaparecimento após a produção de provas O desaparecimento dos autos pode ocorrer antes ou depois da dilação
probatória. Se ele ocorrer após a produção de provas em audiência, o juiz mandará repeti-las, é o que prevê o art. 715 do CPC/2015114. No entanto, isso só deverá ocorrer se não for possível recuperar os depoimentos prestados pelas partes, seja porque não os haja em cartório, seja ainda porque as partes não puderam juntá-los. Referida afirmação é corroborada pelo disposto no inciso I do art. 713 do CPC/2015, que dispõe caber ao requerente da restauração de autos juntar “certidões dos atos constantes do protocolo de audiências do cartório por onde haja corrido o processo”. Desse modo, se for apresentada a ata de audiência, é desnecessária sua repetição. Caso seja necessária nova realização da audiência, o § 1º do art. 715 do CPC/2015 estabelece que deverão ser inquiridas as mesmas testemunhas, que, em caso de impossibilidade, poderão ser substituídas de ofício ou a requerimento da parte. No que tange à perícia, prescreve o § 2º do art. 715 do CPC/2015 que, inexistindo certidão ou cópia do laudo, proceder-se-á (eventualmente as circunstâncias materiais não mais o permitam) a nova perícia sempre que possível pelo mesmo perito115. Ou seja, o que se depreende das regras previstas nos §§ 1º e 2º do art. 715 do CPC/2015 é que a prova, seja a oral, seja a pericial, deverá ser repetida o mais fielmente possível àquela que já foi produzida. O § 3º do art. 715 do CPC/2015 estabelece, por sua vez, uma ordem preferencial a ser observada na restauração de autos, qual seja: (1) certidão de documentos; (2) cópias dos documentos e (3) meios ordinários de prova. Se necessário, os serventuários e auxiliares da justiça (art. 149 do CPC/2015) poderão prestar depoimento quanto aos atos que hajam praticado (art. 715, § 4º, do CPC/2015).
Ainda, se o juiz possuir cópia da sentença, será esta juntada aos autos e terá a mesma autoridade da original (art. 715, § 5º, do CPC/2015). 5.5 Desaparecimento dos autos no Tribunal É possível que os autos desapareçam quando se encontrarem no Tribunal. Nessa hipótese, dispõe o art. 717 do CPC/2015, a ação de restauração dos autos será distribuída, sempre que possível, ao relator do processo. O texto não distingue, nesse caso, as hipóteses de ação de competência originária do tribunal, e as ações que possam estar no tribunal em grau recursal. Trata-se de regra de competência funcional, cujo descumprimento, portanto, acarreta vício de incompetência absoluta, passível de ser reconhecido de ofício (art. 64, § 1º, do CPC/2015). Quanto aos atos praticados no juízo de origem, a restauração será feita perante o mesmo, e, se o processo estiver no tribunal, poderá ser necessária a expedição de carta de ordem para esse fim, se, por exemplo, houver necessidade de inquirição de testemunhas (art. 717, § 1º, do CPC/2015). Nesse caso, remetidos os autos ao tribunal, a restauração se aperfeiçoará no tribunal, procedendo-se ao julgamento (art. 717, § 2º, do CPC/2015). 6. Decisão Após o julgamento da restauração, o processo principal prosseguirá nos seus termos (art. 716 do CPC/2015). A decisão que julga a restauração tem caráter de sentença, na medida em que põe fim a uma relação processual. Isso porque julgar a restauração significa a declaração de que houve a restauração dos autos perdidos. Dessa forma, o processo principal poderá prosseguir em seus termos.
6.1 Sucumbência O art. 718 do CPC/2015 determina que aquele que tiver dado causa ao desaparecimento dos autos responderá pelas custas da restauração e honorários advocatícios116, sem prejuízo de eventual responsabilidade civil ou penal. No entanto, eventual indenização de responsabilidade civil deve ser reclamada por ação própria. 7. Reaparecimento dos autos originais É possível, no entanto, que durante o trâmite da restauração dos autos os autos originais apareçam. Nesse caso, o processo prosseguirá neles, que deverão ser apensados aos autos da restauração. Os atos que porventura tenham sido praticados nos autos restaurados deverão ser devidamente copiados nos autos originais, agora localizados (art. 716, parágrafo único, do CPC/2015).
LXIII PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
1. Aspectos gerais As regras previstas nos arts. 719 a 725 do CPC/2015 aplicam-se sempre que o Código de Processo Civil não estabelecer procedimento especial. Nesse sentido, os procedimentos de jurisdição voluntária devem ser invocados para o desenvolvimento de atividade administrativa desempenhada pelos órgãos jurisdicionais; portanto, não são propriamente “processo”. Assim como os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, os procedimentos de jurisdição voluntária, previstos no Capítulo XV do Livro I do Título III da Parte Especial, submetem-se a regramentos específicos que estão relacionados com o direito material que se pretende tutelar. Os procedimentos de jurisdição voluntária surgem como uma atividade intrinsecamente administrativa que possui natureza jurisdicional. É a administração pública de interesses particulares feita exclusivamente pelo Poder Judiciário. Atribui-se ao órgão judiciário funções anômalas a seu quadro sistemático, uma vez que a administração, em um Estado de direito, geralmente cabe ao Poder Executivo.
Pode-se dizer também que os procedimentos de “jurisdição voluntária” são tipicamente jurisdicionais, mas de natureza distinta, uma vez que a simples presença do órgão jurisdicional confere natureza jurisdicional à atividade exercida pelo Poder Judiciário. Além disso, não se trata propriamente de processo porque nem sempre há lide. Diversamente do que ocorre em geral nos procedimentos comum e especiais de jurisdição contenciosa, em que particulares litigam entre si, nos procedimentos de jurisdição voluntária os interesses que se contrapõem são dos particulares – que geralmente convergem – e o público (por exemplo, quando os cônjuges podem em comum acordo aspirar à separação, mas o interesse público insiste na preservação da família). Há procedimentos de jurisdição voluntária que não estão previstos no Código de Processo Civil, por exemplo, habilitação para o casamento (arts. 1.525 a 1.532 do CC/2002), homologação de casamento nuncupativo (arts. 1.540 e 1.541 do CC/2002) etc. O art. 725 do CPC/2015 elenca uma série de pedidos que deverão ser processados na forma da Seção I do Capítulo XV do Título III da Parte Especial, que serão tratados mais à frente. 2. Legitimidade Legitimam-se ativamente, segundo prevê o art. 720 do CPC/2015, o interessado, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Admite-se, apesar da omissão do referido dispositivo, a instauração de ofício de procedimento de jurisdição voluntária, em hipóteses excepcionais, por exemplo, para alienações judiciais (art. 730 do CPC/2015), arrecadação de herança jacente (art. 738 do CPC/2015), de bens dos ausentes (art. 744 do CPC/2015), entre outras.
O Ministério Público será legitimado nos casos previstos em lei (art. 177 do CPC/2015), por exemplo, na hipótese de interdição (art. 747, IV, do CPC/2015). Nos casos em que couber a intervenção do Ministério Público na qualidade de fiscal da lei (art. 178 do CPC/2015), será legítimo para intervir no processo, mas não para requerer sua instauração117. Passivamente, são legítimas todas as partes interessadas, assim como o Ministério Público e eventualmente a Fazenda Pública. 3. Procedimento Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, e, portanto, como o próprio nome esclarece, depende de provocação do interessado, que, por sua vez, pode ser uma das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública. 3.1 Petição inicial A petição inicial deverá preencher os requisitos previstos no art. 319 do CPC/2015. Além disso, deve ser instruída com os documentos necessários e indicar a providência judicial. Apesar de o art. 319 do CPC/2015 tratar dos requisitos de petição inicial dos procedimentos de jurisdição contenciosa, sua aplicação é evidente, principalmente com relação aos elementos que tratam da identificação das partes, da causa de pedir e do pedido – indicação da providência judicial. Aplica-se, ainda, o art. 321 do CPC/2015, que determina o indeferimento da petição inicial na hipótese de ela não estar instruída da forma como prescreve o art. 720 do CPC/2015, após a concessão de prazo quinze dias para que o autor a emende ou complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Ainda que o juiz não precise se adstringir ao pedido de quem toma a iniciativa de provocar a atuação do órgão judiciário, sempre haverá a necessidade de expor certo episódio da vida, requerendo-se ao juiz determinada providência. Por esse motivo, os requisitos previstos no art. 319 do CPC/2015 são naturais a qualquer iniciativa de acudir à Justiça Pública. 3.2 Citação A citação é o expediente necessário à formação do contraditório, e, por esse motivo, devem ser citados todos os interessados para que apresentem manifestação no prazo de quinze dias. O prazo deve ser contado ordinariamente (arts. 224 e 219 do CPC/2015). Na hipótese, por exemplo, de alienação judicial de imóvel indivisível, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que devem ser citados todos os condôminos118. O Ministério Público, por sua vez, só deverá ser citado quando sua intervenção for necessária, ou seja, nas hipóteses do art. 178 do CPC/2015. A rigor, não se trata de citação para os efeitos do art. 238 do CPC/2015, que dispõe sobre a convocação do réu, executado ou interessado, mas sim de intimação. O art. 722 do CPC/2015 prevê a oitiva da Fazenda Pública sempre que tiver interesse envolvido. O disposto no referido artigo é prescindível, tendo em vista que o art. 721 do CPC/2015 determina a citação de todos os interessados, sob pena de nulidade. A Fazenda Pública, por ter interesse jurídico, já se enquadraria nessa hipótese. O interesse da Fazenda Pública se manifesta quando o procedimento tratar de questões que envolvam o recolhimento de tributos incidentes ao caso, por
exemplo, a transferência de bem imóvel em alienação judicial. Há também casos em que a intimação da Fazenda Pública é obrigatória para assistir à arrecadação de herança jacente (art. 738 do CPC/2015), ou na arrecadação de coisas vagas (art. 746 do CPC/2015). 3.3 Manifestação do réu A lei utiliza-se da expressão genérica “manifestação”, ao invés de resposta ou contestação, justamente porque no procedimento de jurisdição voluntária não há falar propriamente em lide entre as partes, mas tão somente, em raras exceções, em dissenso ou divergência de opiniões entre os interessados. Cabe, portanto, ao interessado, apresentar a resposta na qual deverá demonstrar seu interesse a respeito do pedido daquele que deu início ao procedimento. Ele deve arguir, ainda, em sua manifestação, as matérias preliminares do art. 337 do CPC/2015, no que couber. Não tem cabimento, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, a reconvenção119. 3.3.1 Revelia Não nos parecem aplicáveis os efeitos do art. 344 do CPC/2015 nos procedimentos de jurisdição voluntária. Com efeito, a lide assume características distintas nessa modalidade, sem que haja adstrição do juiz ao pedido que foi concretamente requerido pelo interessado. No entanto, a não apresentação de manifestação pelo interessado poderá culminar na dispensa de intimação dos atos processuais supervenientes, caso este não tenha advogado constituído (art. 346 do CPC/2015). 3.4 Instrução probatória Nos procedimentos em geral admite-se a produção de todo meio de prova
legalmente previsto e moralmente legítimo, que seja apto a provar a verdade dos fatos (art. 369 do CPC/2015). Não é diferente para os procedimentos de jurisdição voluntária. A prova terá como objeto as alegações deduzidas pelos interessados em juízo, nos quais são destinatários o juiz e as próprias partes. Aplicam-se as regras de distribuição do ônus da prova, observando-se os critérios do art. 373 do CPC/2015. Há, no procedimento de jurisdição voluntária, ampla margem para que o juiz determine a produção de provas de ofício. Ainda que suprimido o art. 1.107 do CPC/73, que dispunha sobre a liberdade que o magistrado tinha para investigar os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas, não se pode dizer que essa autonomia foi suprimida no CPC/2015. Trata-se apenas de disposição desnecessária na parte especial, uma vez que essa determinação já está expressa no art. 370 do CPC/2015. No entanto, ainda que haja ampla margem para que o juiz determine a produção de provas, não se pode deixar de observar o princípio do contraditório, devendo-se intimar os interessados para acompanharem a produção de provas. 4. Sentença Com o fim da instrução do processo, o art. 723 do CPC/2015 determina que o juiz decida em dez dias sobre o pedido do interessado. Trata-se, contudo, de prazo impróprio, como todos aqueles que são estabelecidos para os atos do juiz. Isso significa que seu descumprimento leva eventualmente a consequências
no
plano
extraprocessual,
não
trazendo,
todavia,
consequências endoprocessuais. A sentença deve conter os elementos essenciais previstos no art. 489 do
CPC/2015 e estar devidamente fundamentada (art. 93, IX, da CF/88), ainda que de forma sucinta120. Ao juiz é facultada a observância da legalidade estrita para decidir, podendo adotar, como autoriza o parágrafo único do art. 723 do CPC/2015, em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna. A desvinculação à legalidade estrita se limita ao ato de decidir121. Em outras palavras, o juiz emitirá o juízo de equidade no lugar do juízo de legalidade ao proferir a decisão. 4.1 Custas e honorários Com relação às custas e aos honorários advocatícios, ao proferir a sentença, o juiz deverá fixar os honorários em favor do vencido apenas se houver litigiosidade no procedimento122. Isso porque as despesas e custas processuais são adiantadas pelo requerente, uma vez que incide a norma prevista no art. 88 do CPC/2015, sem prejuízo de divisão posterior entre as partes interessadas. 5. Recursos O recurso cabível contra a decisão que coloca fim ao procedimento de jurisdição voluntária é a apelação, porque a decisão proferida nos autos do procedimento de jurisdição voluntária adquire qualidade de sentença (art. 203, § 1º, do CPC/2015). Além disso, o art. 724 do CPC/2015 dispõe expressamente que o recurso cabível é a apelação, enquadrando a decisão do art. 723 do CPC/2015 àquela do § 1º do art. 203 do CPC/2015. Tratando-se de procedimento de jurisdição voluntária, o recurso será recebido com efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015), devendo ser respeitados os requisitos de admissibilidade da apelação, como preparo,
tempestividade, regularidade formal etc.123 Além disso, as outras regras atinentes aos demais recursos previstos no rol do Código de Processo Civil são aplicáveis aos procedimentos de jurisdição voluntária. 6. Outros casos que se aplicam ao procedimento de jurisdição voluntária O procedimento previsto nos arts. 719 a 724 do CPC/2015 é aplicável às hipóteses de procedimentos de jurisdição voluntária e, inclusive, a todos os procedimentos previstos no Capítulo XV, naquilo que couberem (art. 725, parágrafo único, do CPC/2015). Outros casos que são propriamente procedimentos de jurisdição voluntária aos quais as regras aqui estudadas se aplicam subsidiariamente serão examinados nos próximos capítulos. Estudaremos a seguir os casos que se sujeitam ao procedimento de jurisdição voluntária e estão previstos no art. 725 do CPC/2015. 6.1 Emancipação A emancipação constitui a aquisição da capacidade civil antes da idade legal, prevista no art. 5º do CC/2002. De acordo com o referido dispositivo, a maioridade civil inicia-se aos 18 anos completos. Todavia, concebe-se a aquisição da maioridade civil aos menores com 16 anos completos (art. 5º, parágrafo único, I, do CC/2002) que recebem dos pais a concessão, ou de um deles na falta de outro, mediante instrumento público – independentemente de homologação judicial –, ou por sentença, após a oitiva do tutor.
Apesar de haver outras hipóteses de emancipação previstas no art. 5º do CC/2002, apenas a tratada acima não precisa, necessariamente, de procedimento judicial. No caso de emancipação do menor sob o regime de tutela, é preciso que esta se dê através de procedimento judicial, conforme prevê a alínea e do parágrafo único do art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). 6.2 Sub-rogação O regime da jurisdição voluntária deve ser seguido também na subrogação de bens inalienáveis. Trata-se de casos em que a parte interessada requer a alienação de bens para que o gravame venha a recair sobre o produto da alienação124. Um exemplo é a hipótese prevista no art. 1.848, § 2º, do CC/2002, que estabelece que os bens gravados podem ser alienados mediante autorização judicial e quando houver justa causa, convertendo-se o produto em outros bens que ficarão sub-rogados nos ônus daqueles que foram alienados. Pode-se citar ainda o parágrafo único do art. 1.911 do CC/2002, que prevê que nos casos de desapropriação de bens clausulados, ou de alienação por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, é necessária a autorização judicial, que converterá o produto da venda em outros bens sobre os quais incidirão as restrições apostas naqueles que foram alienados. 6.3 Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, órfãos e interditos A alienação, o arrendamento ou a oneração de bens de crianças e adolescentes órfãos ou interditos, nos termos do art. 1.750 do CC/2002, só poderão ocorrer quando houver manifesta vantagem, sendo necessária a
prévia avaliação judicial e aprovação do juiz. Nessa hipótese, os bens móveis e imóveis dos órfãos devem ser alienados em leilão judicial (art. 730 do CPC/2015). Por outro lado, se se tratar de interditos, a autorização judicial é necessária apenas para a alienação de bens imóveis, nos termos do art. 1.691 do CC/2002. Quanto à alienação, ao arrendamento ou à oneração de bens dotais, o regime dotal foi extinto com o advento do Código Civil de 2002. 6.4 Alienação, locação e administração da coisa comum A alienação, locação e administração da coisa comum, por sua vez, só depende de ajuizamento de qualquer procedimento quando houver divergência entre os condôminos. Nesse sentido, o art. 725, IV, do CPC/2015 não trata de procedimento propriamente de jurisdição voluntária. Aplica-se a esses casos o art. 730 do CPC/2015. Prevê o art. 1.322 do CC/2002 que, “quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos, aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior”. Porém, no que trata da administração da coisa comum, o art. 1.323 do CC/2002 prescreve que a administração da coisa comum será deliberada por maioria, que escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio, e, “resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não é”. 6.5 Alienação de quinhão em coisa comum O art. 504 do CC/2002 veda ao condômino de coisa indivisível vender a
sua parte a estranhos se outro consorte a quiser. O procedimento de jurisdição voluntária serve, nessa hipótese, para perquirir a preferência daqueles que desejarem adquirir a coisa indivisível. Esse procedimento também terá lugar para que seja aferido o consentimento dos demais condôminos para a alienação do quinhão em coisa indivisível. 6.6 Extinção de usufruto e de fideicomisso O usufruto se extingue nas formas previstas no art. 1.410 do CC/2002, no entanto só será necessário recorrer ao Judiciário para extinção do usufruto nas hipóteses previstas nos incisos III a VIII. Isso porque, nos casos de morte ou decurso do prazo do usufruto, a extinção poderá ocorrer mediante averbação no Cartório de Registro de Imóveis da certidão de óbito ou do contrato (art. 1.410, I, do CC/2002). O fideicomisso, por sua vez, está previsto nos arts. 1.951 e seguintes do CC/2002. Estabelece o art. 1.951 do CC/2002 que o fideicomisso pode instituir herdeiros ou legatários, “estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”. O procedimento de jurisdição voluntária para a extinção do fideicomisso é necessário nas hipóteses do art. 1.955 do CC/2002, que trata da extinção do fideicomisso quando houver renúncia à herança ou legado pelo fideicomissário se não houver disposição do testador em sentido contrário. 6.7 Expedição de alvará judicial Deve-se observar o procedimento de jurisdição voluntária no requerimento da parte para que o juiz autorize a prática de determinado ato que necessite de
permissão judicial para ser válido. 6.8 Homologação de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza ou valor A homologação de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza ou valor deve observar as regras do procedimento de jurisdição voluntária, não quaisquer tratativas firmadas entre as partes e que haja interesse de levar ao conhecimento do Poder Judiciário, com o objetivo de transformá-lo, eventualmente, em título executivo judicial. Isso porque, a partir da homologação, o acordo passa a ser exequível na forma de cumprimento de sentença (arts. 513 e ss. do CPC/2015).
LXIV NOTIFICAÇÃO E INTERPELAÇÃO
1. Introdução A notificação e a interpelação são as formas pelas quais os interessados exteriorizam uma intenção com o objetivo de produzir efeitos no plano de direito material. São medidas utilizadas pelo interessado para conservar seu direito. Não se prestam para preservar ou garantir a eficácia e a utilidade de outro processo. Por esse motivo, o CPC/2015 corrigiu o equívoco do CPC/73 e deixou de tratar esses procedimentos como medidas cautelares, introduzindoos junto aos procedimentos de jurisdição voluntária. A especialidade desse procedimento se verifica, por exemplo, na ausência de uma decisão com caráter de sentença, tendo em vista que a função do juiz é de “receber e documentar as declarações dos interessados”125. Após receber e documentar as declarações do interessado, na hipótese de deferimento do pedido, concluídas a notificação ou interpelação, os autos serão entregues ao requerente (art. 729 do CPC/2015). Além disso, geralmente esses procedimentos não demandam instrução probatória porque não há propriamente contraditório (exceto nas hipóteses do art. 728 do CPC/2015).
Também não há falar em litígio, já que o requerido geralmente só é intimado após a conclusão do processo, momento no qual ocorre a notificação ou a interpelação. Isso decorre do fato de que a pretensão do interessado, seja notificante, seja interpelante, é de dar ciência formal a outrem sobre sua intenção para que isso possa produzir efeitos na esfera prática e material, não judicial. O Código faz apenas uma breve menção ao protesto judicial no § 2º do art. 726 do CPC/2015, por isso caberão, futuramente, alguns esclarecimentos acerca desse procedimento, que é regulamentado por lei própria, e que os dispositivos do CPC/2015 que tratam da notificação e interpelação são aplicáveis, no que couberem. 2. Notificação A notificação é o instrumento judicial através do qual o interessado dá ciência sobre assunto jurídico relevante às pessoas que integram a mesma relação jurídica com o objetivo de produzir efeitos jurídicos ou práticos. Da leitura do art. 726 do CPC/2015, compreende-se que o objetivo principal do requerente é de documentar sua vontade, dando conhecimento ao requerido de suas intenções. A judicialização desse procedimento é uma forma de o interessado criar uma situação jurídica nova, que surge a partir da notificação, e que poderá fundamentar futuro pedido do interessado através de via judicial contenciosa. 2.1 Notificação por edital É possível que a pretensão do requerente seja de dar conhecimento ao público em geral via edital (art. 726, § 1º, do CPC/2015).
Nessa hipótese, o juízo só poderá deferir a publicação no edital se o objetivo do interessado for resguardar seu direito e se essa medida for necessária para garantir que o direito material do requerente seja efetivamente preservado. 3. Interpelação A interpelação, diferentemente da notificação, pretende compelir o interpelado a fazer ou deixar de fazer algo que o requerente entende como devido (art. 727 do CPC/2015). Esse mecanismo se presta a dar conhecimento ao devedor da exigência do cumprimento de determinada obrigação pelo credor, sob pena de constituir-se a mora. 4. Procedimento Assim como todo procedimento judicial, a petição inicial deverá conter os requisitos do art. 319 do CPC/2015 com a devida qualificação dos interessados (requerente e requerido), exposição dos fatos e fundamentos da medida pleiteada. Ao receber a petição inicial, o juiz poderá (i) deferir, (ii) determinar a prévia oitiva do requerido ou (iii) indeferir o pedido. 4.1 Deferimento Tratando-se de um procedimento que visa notificar ou interpelar o requerido sobre determinada pretensão do requerente, ao deferir a inicial o juiz determinará sua intimação. A intimação do requerido satisfará o provimento jurisdicional pleiteado pelo requerente. Isso se aplica inclusive quando a pretensão do requerente for dar
conhecimento geral ao público via edital, uma vez que, com o deferimento da inicial, será publicado edital no qual todos terão conhecimento da pretensão do requerente. Nesse sentido, o juízo deverá analisar o conteúdo apresentado pelo requerente e projetar quais serão os efeitos jurídicos daquele requerimento. A cognição do magistrado, segundo Leonardo Greco126, possui dois níveis: o primeiro é mais amplo e tolerante, quando o objetivo for a simples comunicação de vontade do requerente, desde que ausente qualquer ilicitude; o segundo é aquele feito para o deferimento da publicação em edital. Essa segunda hipótese necessita de uma análise mais profunda do juiz diante dos efeitos nocivos que podem decorrer desse ato. A parte interessada em apontar eventuais erros que ocorreram durante o procedimento deverá alegá-los, eventualmente, em ação própria, na qual se pretenda obter algum efeito jurídico decorrente da notificação ou da interpelação. 4.2 Hipóteses de oitiva prévia do requerido O caput do art. 728 do CPC/2015 dispõe que o requerido será ouvido antes da notificação pessoal ou por edital quando houver suspeita de que o requerente pretenda alcançar fim ilícito (inc. I) ou se a pretensão do requerente for averbar a notificação em registro público (inc. II). Se o magistrado suspeitar que o fim pretendido pelo requerente é ilícito, ele determinará sua oitiva prévia como forma de garantir o contraditório tendo em vista a possibilidade de que a concessão da tutela jurisdicional cause prejuízo ao requerido. A segunda hipótese de oitiva prévia do requerido ocorre quando o
requerente pretende averbar a notificação em registro público. Na mesma linha do inciso anterior, a ideia de permitir que o requerente se manifeste antes da concessão da medida se deve ao fato de que as consequências decorrentes da averbação em registro público podem ser nocivas ao requerido, tendo em vista a publicidade da notificação. Em outras palavras, se houver suspeita de que o requerente pretenda alcançar fim ilícito ou se o requerente pretender a averbação da notificação em registro público, ao receber a inicial o magistrado determinará a intimação do requerido para que se manifeste, sem dar ao requerente a satisfação de seu pleito. Ou seja, a intimação do requerido, nessas hipóteses, não é capaz de gerar o efeito jurídico pretendido pelo requerente antes de uma decisão definitiva que será proferida apenas após a oitiva do requerido, ou quando revel, após a decretação de sua revelia. 4.3 Indeferimento É possível, ainda, que o pedido de notificação ou interpelação seja indeferido pelo juízo quando ausente o interesse processual, ou quando demonstrada a possibilidade de efeitos nocivos ao requerido. Como todo procedimento judicial, é necessário que o requerente demonstre a necessidade e utilidade do procedimento adotado como forma de garantir a conservação de seu direito. Quando incabível a medida ou se não demonstrada a relação jurídica entre as partes, o pedido deve ser indeferido pelo magistrado. Tanto a necessidade quanto a utilidade do procedimento estão amparadas nas hipóteses de cabimento de notificação ou interpelação previstas nas leis que tratam de direito material.
Ainda, com relação aos efeitos nocivos da medida perante o requerido, há que se falar da possibilidade de que a notificação ou a interpelação possam interferir na esfera de relações jurídicas do requerido. Isso porque, considerando que o juízo de valor realizado pelo magistrado é sumário – sem a análise efetiva do mérito do pedido –, não se pode conceber que as notificações e interpelações tenham outro objetivo que não apenas o de conservar o direito do requerente. Por esse motivo, se o juízo verificar que o deferimento da notificação ou interpelação poderá causar efeitos nocivos ao requerido, que não apenas conservarão os direitos do requerente, deverá indeferir o pedido. O requerente poderá interpor recurso de apelação contra a decisão que indeferir a inicial (art. 1.009 do CPC/2015). 4.4 Entrega dos autos ao requerente após a intimação Após o deferimento do pedido, seja da notificação, seja da interpelação, o juízo determinará a intimação do requerido para que tenha ciência da pretensão do autor. Como dito, a intimação satisfaz a pretensão do requerente, e, por esse motivo, feita a intimação do requerido, ou publicado o edital, os autos serão entregues ao autor (art. 729 do CPC/2015). Isso porque o processo em si é apenas a organização de toda documentação que comprove a pretensão do autor e é um documento de livre disposição da parte interessada. Ao contrário do CPC/73, o art. 729 do CPC/2015 não prevê um prazo mínimo que deve ser observado antes da entrega dos autos ao requerente após a realização das diligências pertinentes. 5. Protesto
O protesto geralmente é feito extrajudicialmente e, como já dito, está regulado por lei própria (Lei n. 9.492, de 1997). O protesto judicial é admitido expressamente sob a égide do CPC/2015 (art. 726, § 2º, do CPC/2015). Assim como a notificação e a interpelação, o protesto é uma forma de que o interessado pode se utilizar para dar ciência a todos os envolvidos em determinada relação jurídica acerca de determinado assunto que pode produzir efeitos na esfera jurídica material. Porém, o protesto se diferencia da notificação e da interpelação por possuir a função de documentar qualquer pretensão do interessado que não esteja diretamente ligada à prestação de obrigação ou exigência de determinada atitude. Ele se presta como um mecanismo de prevenção de responsabilidade, promoção da conservação do direito ou da ressalva de seus direitos, mas sem produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica dos envolvidos. Isso porque, ao apresentar o protesto, o interessado tem como objetivo final conservar ou preservar direitos preexistentes. Geralmente, o protesto é utilizado para registrar formalmente a falta de pagamento do devedor, a falta de aceite do credor ou a falta de devolução. O protesto extrajudicial, por sua vez, tem como escopo também fixar data de vencimento quando esta não estiver expressa no título, para interromper o prazo prescricional e para fins falimentares. Há casos em que o protesto se volta contra a alienação de bens e, nessas hipóteses, pretende-se a averbação no Registro de Imóveis. Na vigência do CPC/73, diante da ausência de qualquer previsão na Lei de Registros Públicos (Lei n. 9.492, de 1997), havia certa discussão doutrinária e
jurisprudencial acerca da possibilidade dessa averbação. Atualmente, o CPC/2015 autoriza expressamente a averbação em registro público, desde que seja concedida a oitiva prévia do requerido (art. 728, II, do CPC/2015).
LXV ALIENAÇÃO JUDICIAL
1. Conceito A alienação judicial é o procedimento que deve ser observado quando for necessária a alienação de bem que se (i) encontra depositado judicialmente ou (ii), por sua condição diferenciada, necessidade de um procedimento específico para alienação. Na primeira hipótese, trata-se de medida que tem como objetivo viabilizar a manutenção do depósito judicial equacionando as despesas decorrentes da manutenção do bem em depósito com o proveito econômico que aquele bem poderá proporcionar para a ação judicial. Na última, foi a forma encontrada pelo legislador para garantir a alienação de bens de uma forma que atenda melhor ao interesse das partes envolvidas em determinadas hipóteses previstas em lei. O depósito judicial está vinculado a um processo e se caracteriza pela existência do Estado, através do órgão judiciário, em um dos polos dessa relação. Ele tem natureza de negócio jurídico processual e obriga o depositário judicial (art. 159 do CPC/2015) a guarda, conservação e preservação dos bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados.
Geralmente, a necessidade da alienação judicial pela existência do depósito judicial se deve ao fato de que os bens depositados são de fácil deterioração, estão avariados ou exigem grande despesa para a guarda. O depósito se configura quando alguém recebe coisa corpórea de outrem com a obrigação de guardar e restituir a coisa futuramente. Por esse motivo, é evidente o descabimento de depósito de coisas incorpóreas. Por outro lado, o art. 730 do CPC/2015 dispõe que a alienação judicial deve ser aplicada “nos casos expressos em lei”, quando não houver acordo entre os interessados, determinando-se a observância das normas que tratam dos procedimentos de jurisdição voluntária (Seção I do Capítulo XV) e da forma de expropriação de bens nas execuções (arts. 879 a 903 do CPC/2015). Nesse sentido, o procedimento de alienação judicial é a forma de liquidar determinados bens quando não houver acordo entre os interessados. Essa forma de alienação do bem geralmente é o leilão. 2. Legitimidade O procedimento poderá ser instaurado tanto pelas partes, interessadas ou depositário, quanto de ofício pelo juízo. Tratando-se de procedimento de jurisdição voluntária, como dito, não há propriamente litígio, apenas a atividade “administrativa” exercida pelo Poder Judiciário. No entanto, sendo requerida a alienação judicial, o juiz deverá conceder à outra parte prazo para que se manifeste, como forma de atender ao princípio do contraditório127. 3. Cabimento O art. 730 do CPC/2015 prevê que a alienação judicial cabe nos “casos expressos em lei”. Atualmente, é possível afirmar que, apesar da ausência de
previsão expressa no CPC/2015, a alienação judicial também é a forma de se liquidar as coisas vagas (art. 746 do CPC/2015). Também poderá ser objeto de alienação judicial o imóvel que na partilha não couber no quinhão de um só herdeiro ou não admitir divisão cômoda, salvo se adjudicando a um ou mais herdeiros acordes. A previsão legislativa para essa hipótese está no art. 2.019 do CC/2002, que estabelece que “os bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro, serão vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos”. Não será cabível, no entanto, se o cônjuge sobrevivente ou um ou mais herdeiros requererem a adjudicação do bem, com a reposição em dinheiro aos outros, após a devida avaliação atualizada. Contudo, se a adjudicação for requerida por mais de um herdeiro, deverá ser observado o processo de licitação, conforme dispõe o art. 2.019, § 2º, do CC/2002. Cabe, ainda, alienação judicial da coisa comum indivisível, ou da coisa que, pela divisão, se tornará imprópria ao seu destino, quando verificada previamente a existência de desacordo quanto à adjudicação a um dos condôminos. Isso porque prevê o art. 1.322 do CC/2002 que, “quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior”. Portanto, se nenhum dos condôminos tiver benfeitorias na coisa comum e todos participarem no condomínio em partes iguais, deverá ser realizada
licitação entre estranhos e, antes de se adjudicar a coisa ao terceiro que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os condôminos, para que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho (art. 1.322, parágrafo único, do CC/2002)128. O exercício do direito de preferência pelo condômino nas alienações judiciais deve ser exercido até a assinatura da carta de arrematação129. Caso a alienação tenha sido realizada sem a observância das preferências legais, o condômino prejudicado poderá requerer o depósito do preço e a adjudicação da coisa. Nesse caso, o adquirente e os demais condôminos deverão ser citados para se manifestarem. A alienação judicial terá cabimento também quando existirem bens móveis e imóveis de órfãos. O art. 1.750 do CC/2002 estatui que “os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz”. 4. Procedimento A alienação judicial poderá ser requerida por qualquer interessado, cabendo, inclusive, a instauração de ofício pelo Juízo. De forma geral, a alienação judicial ocorre através da hasta pública, que deve seguir o procedimento formal para que não seja declarada sua nulidade. A alienação judicial poderá ser processada tanto de forma incidental em um processo em curso quanto de maneira autônoma, como procedimento de jurisdição voluntária. 4.1 Dispensa do leilão
Apesar de o leilão ser, via de regra, a forma pela qual a alienação judicial do bem se realiza, há hipóteses nas quais ela é dispensável. Uma das hipóteses de dispensa do leilão para a alienação judicial ocorre quando as partes interessadas, capazes, concordam expressamente a respeito de forma diversa da alienação. Nesses casos, é possível que as partes, que devem ser capazes, concordem na forma de alienação diversa do leilão para que seja possível. 4.2 Avaliação prévia Para que haja a alienação judicial é necessário que o bem seja avaliado por perito judicial, salvo quando os interessados forem capazes e concordarem expressamente. No caso de serem capazes, os interessados poderão pactuar, inclusive, o valor do bem. A avaliação prévia pode ser dispensada quando o bem já tiver sido avaliado ou quando ele não tiver sofrido alteração em seu valor. De acordo com o art. 871, III, do CPC/2015, o valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial, caso em que também é dispensada a avaliação (art. 871, II, do CPC/2015). 4.3 Publicidade A publicidade se trata da necessidade do magistrado de divulgar da forma mais ampla e possível a alienação judicial, através de editais e, quando possível, de meios de comunicação como rádio, televisão e internet. 4.4 Arrematação
O bem é adquirido por aquele que oferecer o maior lanço, ainda que seja inferior ao valor da avaliação. É importante ressaltar que o art. 896 do CPC/2015 trata da alienação em hasta pública de bem imóvel de incapaz e prevê que o lanço deve alcançar ao menos 80% (oitenta por cento) do valor da avaliação, sob pena de ser adiada a alienação por prazo não superior a 1 (um) ano. Findo o prazo de adiamento, estatui o § 4º do art. 896 do CPC/2015 que o imóvel do incapaz será submetido a novo leilão. 5. Destino dos frutos da alienação O depósito do preço da alienação judicial só será realizado após a dedução do produto de todas as despesas efetuadas para a alienação judicial do bem. Isso não significa que os ônus que eventualmente recaiam sobre o imóvel desaparecem com a alienação, ocorre que os ônus e as responsabilidades a que os bens estiverem sujeitos ficarão sub-rogados no preço. Isso justifica o porquê da necessidade de depósito do preço.
LXVI DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO CONSENSUAL E EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO
1. Introdução Os arts. 731 a 734 do CPC/2015 estabelecem o procedimento especial a ser observado para a homologação de divórcio ou separação consensual, e extinção de união estável. Trata-se, portanto, de procedimento de jurisdição voluntária. O CPC/73 previa apenas a homologação da separação consensual e, atualmente, incluiu o divórcio consensual e a extinção de união estável ao procedimento ora analisado, acrescentando-lhe, em harmonia com a lei civil, disciplina para a modificação do regime patrimonial inicialmente adotado no casamento. O Código Civil prevê que a sociedade conjugal pode ser extinta, além da hipótese de morte natural ou de nulidade ou anulação do casamento, pela
separação judicial ou pelo divórcio. Ainda que, com a EC n. 66/10, o art. 226, § 6º, da CF/88 tenha passado a dispor que o casamento civil possa ser dissolvido pelo divórcio, é de se pontuar que ainda subsiste o instituto da separação judicial, tendo-se subtraído apenas os requisitos temporais para a permissão do divórcio. Inclusive, o fato de a separação judicial pôr fim apenas aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens pode despertar o interesse aos cônjuges para que se utilizem da separação judicial para, apenas posteriormente, decidir se querem ou não se divorciar – uma vez que apenas o divórcio põe fim a matrimônio. Até
porque
a
sociedade
conjugal
pode
ser
restabelecida
independentemente da causa da separação judicial e do modo como esta tenha ocorrido (art. 1.577, caput, do CC/2002), sem a necessidade de novo casamento. Assim, por motivo de conveniência, os cônjuges podem optar pela separação judicial antes de partirem propriamente para o divórcio. Tratase de interpretação que melhor preserva a instituição do matrimônio. Não há motivo plausível para exigir que os cônjuges se divorciem e, desejando a reconciliação, após um período de impossibilidade de comunhão de vida, casem de novo, se é muito mais prático que se reconciliem e restaurem a própria sociedade conjugal dissolvida na separação. Dois caminhos concorrentes, um dos quais flexível, constitui solução muito melhor que uma só solução rígida e radical – ruptura do vínculo – para a crise conjugal. Tratemos, agora, brevemente das formas de extinção da sociedade conjugal.
1.1 Separação consensual A separação consensual pode ser judicial ou extrajudicial. Optando-se pelo procedimento judicial, a separação pode ocorrer de forma litigiosa ou consensual. O procedimento ora estudado trata especificamente da hipótese de separação judicial consensual (art. 731 do CPC/2015) ou extrajudicial (art. 733 do CPC/2015). O art. 1.576 do CC/2002 conceitua a separação judicial como aquela que “põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime de bens”. Por esse motivo, entendia-se que a separação judicial era um requisito obrigatório para alcançar-se o divórcio. No entanto, não se pode conceber que a separação judicial seja vista única e exclusivamente como um requisito para se chegar ao divórcio. Isso porque sempre houve a possibilidade de separação judicial sem posterior divórcio, bem como divórcio sem prévia separação judicial. Ainda que tenha havido certa discussão acerca da manutenção da separação judicial, após a EC n. 66/2010, que alterou o art. 226, § 6º, da CF/88 para dispor que “o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”, é evidente que, além da previsão facultativa na norma constitucional, que autoriza a dissolução do casamento através do divórcio, não se pode negar que a norma constitucional não precisa prescrever normas que já estão dispostas na norma infraconstitucional. A não extinção da separação judicial se reforça, inclusive, porque o CPC/2015, promulgado após a EC n. 66/2010, faz essa distinção nas hipóteses de cabimento, ao mencionar expressamente o divórcio e a separação consensual como forma de pôr fim às obrigações conjugais.
1.2 Divórcio O divórcio, por sua vez, põe fim ao matrimônio e aos efeitos civis do matrimônio religioso (art. 24 da Lei n. 6.515, de 1977, e art. 1.571, § 1º, do CC/2002). Essa hipótese de dissolução da sociedade conjugal é cabível quando há impossibilidade da sobrevivência da vida conjugal, ou quando a vida conjugal impõe sacrifícios a um dos cônjuges de forma insustentável. O casamento religioso, quando realizado atendendo às exigências previstas na lei, será equiparado ao casamento civil e produzirá efeitos a partir da data de sua celebração (art. 1.515 do CC/2002). O divórcio não tem o condão de pôr fim ao matrimônio religioso, uma vez que não cabe ao judiciário a intervenção na esfera religiosa. Nesse sentido, o matrimônio religioso sobrevive ao divórcio, extinguindo-se apenas os efeitos civis. Assim como a separação judicial, o divórcio pode ser consensual ou contencioso. No primeiro caso, ambos os cônjuges pleiteiam a dissolução do vínculo conjugal, e, no último, um dos cônjuges argui em juízo a existência de situação extrema que impõe a concessão do divórcio. A legislação brasileira prevê o cabimento da conversão da separação judicial em divórcio, após um ano do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial (art. 1.580 do CC/2002). 1.3 União estável A união estável deve ser reconhecida quando houver convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida entre os cônjuges com o objetivo de constituir família. Em outras palavras, reconhece-se a união estável como uma entidade familiar, mas não impõe as obrigações do casamento, conforme se depreende do art. 1.726 do CC/2002. Ao permitir a conversão da união
estável em casamento, esclarece que se trata de institutos diferentes, porque não faz sentido prever a conversão de um instituto a outro se ambos forem iguais. O fato de não se tratar propriamente de casamento, a união estável garante à(ao) companheira(o), que tenha contribuído para o aumento do patrimônio do outro, metade dos bens patrimoniais. Na hipótese de união estável entre parceiros em que um deles está vinculado a terceiro pelo matrimonio, é permitida a partilha de bens adquiridos na constância da vida comum a cada um dos parceiros. Ao reconhecimento da união estável aplicam-se os impedimentos do art. 1.521 do CC/2002, mas as causas suspensivas (art. 1.523 do CC/2002), por sua vez, não impedirão a caracterização da união estável. 2. Legitimidade O procedimento especial de jurisdição voluntária para a homologação do divórcio, separação consensual ou da extinção da união estável deve ser requerido por ambos os cônjuges. Por esse motivo, não há falar em legitimidade passiva, uma vez que ambos figuram como requerentes. Prevendo a possibilidade de um dos cônjuges ser incapaz, o Código Civil dispõe que ele deverá ser representado pelo curador, ascendente ou irmão (art. 1.576, parágrafo único, do CC/2002). 3. Competência A competência para o julgamento da ação de homologação de divórcio, separação consensual ou de extinção da união estável é determinada pelo art. 53, I, do CPC/2015.
De acordo com o referido dispositivo, a competência do foro se fixa de acordo com o (i) domicílio do guardião do filho incapaz, (ii) último domicílio do casal, na inexistência de incapaz, ou (iii) domicílio do réu, quando nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. Tratando-se de competência relativa, ela poderá ser prorrogada quando (i) o próprio guardião do menor propuser a ação no foro de domicílio do outro cônjuge ou (ii) o réu deixar de alegar a incompetência em sede preliminar de contestação (art. 65 do CPC/2015). 4. Homologação judicial de divórcio, separação judicial ou extinção consensual de união estável 4.1 Petição inicial A petição inicial deve ser assinada por ambos os cônjuges, e nela devem constar (i) as disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns, (ii) as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges, (iii) o acordo relativo a guarda dos filhos incapazes e o regime de visitas e (iv) o valor da contribuição para a criação e educação dos filhos, nos termos dos incisos do art. 731 do CPC/2015. Não há mais falar no transcurso do prazo de um ano de casados do art. 1.574 do CC/2002 para que haja o requerimento de separação consensual. É evidente que, além de conter a assinatura dos cônjuges, é necessário que ambos estejam representados por advogados, sendo permitida a nomeação de um advogado em comum para ambos os cônjuges. Isso porque se trata de procedimento especial de jurisdição voluntária no qual não há propriamente litígio entre as partes. Nesse sentido, as hipóteses de cabimento desse procedimento judicial dependem de mútuo consentimento.
O CPC/2015 suprimiu a necessidade de reconhecimento por tabelião das assinaturas dos cônjuges, quando não realizadas na presença do juiz. Isso se deve principalmente à prerrogativa do advogado, pessoa dotada de fé pública, de atestar a autenticidade de documentos. Além disso, não é necessária a assinatura dos cônjuges na petição inicial, ela poderá ser assinada por seus advogados, que são seus representantes em juízo. A obrigatoriedade que se põe é que a petição inicial esteja assinada por ambos os cônjuges, seja pessoalmente, seja representados por seus advogados – devidamente dotados de capacidade postulatória. Apesar de não haver previsão expressa no CPC/2015, o fato de o casamento no Brasil ser provado pela certidão de registro (art. 1.543 do CC/2002), recomenda-se a instrução da petição inicial com a devida certidão de casamento para que se comprove o interesse de agir. Além disso, quando houver pacto antenupcial, é necessário que ele seja apresentado junto com a inicial. O pacto antenupcial é instrumento pelo qual os cônjuges estipulam o regime de bens do casamento (art. 1.639 do CC/2002), mas não é instrumento obrigatório. No entanto, a ausência de pacto antenupcial impõe o regime de comunhão parcial de bens aos cônjuges. Com relação à necessária descrição dos bens do casal e à respectiva partilha dos bens comuns130, é possível que os cônjuges concordem com o divórcio, mas discordem da partilha dos bens. Nesse caso, após a homologação do divórcio, a partilha de bens deverá seguir o procedimento especial previsto nos arts. 647 a 658 do CPC/2015. Nesse contexto, é importante mencionar a Súmula 380 do STF: “Provada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”. É necessário também que esteja prevista a pensão alimentícia entre os cônjuges. Pontua-se que a pensão ora tratada é aquela concedida de um dos cônjuges ao outro, e não para os filhos do casal. Inclusive, segundo prevê o art. 1.694 do CC/2002, “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. A renúncia aos alimentos é vedada pelo art. 1.707 do CC/2002. Assim, também, o Supremo Tribunal Federal já seguia essa orientação na Súmula 379, segundo a qual “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”. Também é necessário que esteja estabelecido o acordo com relação à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas. Na falta de acordo, prevê o Código Civil que, sempre que possível, deverá ser aplicada a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º, do CC/2002). Quanto ao regime de visitas, é importante mencionar que o art. 1.589 do CC/2002 dispõe que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. Nesse sentido, o regime de visitas deve ser entendido como a forma pela qual os cônjuges ajustarão a permanência dos filhos em companhia daquele que não ficar com sua guarda, compreendendo encontros periódicos e regulares, repartição de férias escolares e dias festivos. Ressalta-se que a criação e educação dos filhos é obrigação de ambos os cônjuges, que devem contribuir na proporção de seus recursos (art. 1.703 do
CC/2002). Por esse motivo, deve-se estabelecer o valor da contribuição de cada cônjuge na criação e educação de seus filhos também na petição inicial. No entanto, embora não sejam renunciáveis, pode o credor não exercer seu direito à percepção dos alimentos de acordo com a parte inicial do art. 1.707 do CC/2002131. Destaca-se, ainda, a respeito dos alimentos, a orientação cristalizada na Súmula 226 do STF: “Na ação de desquite, os alimentos são devidos desde a inicial e não da data da decisão que os concede”. 4.2 Recebimento da inicial e primeiras providências Ao receber a inicial, o juízo deverá verificar a presença dos requisitos elencados no art. 731 do CPC/2015 e se há necessidade de intervenção do Ministério Público. Havendo necessidade de intervenção do Ministério Público, o magistrado deverá determinar sua intimação para que se manifeste acerca do pedido das partes (art. 178, II, do CPC/2015). Após a manifestação do Ministério Público, o magistrado poderá homologar o pedido. No entanto, não havendo interesse de menor incapaz a ser tutelado, o juízo deverá homologar o pedido. 4.3 Sentença Trata-se de sentença homologatória. Nesse sentido, após o trânsito em julgado da sentença deverão ser expedidos ofícios para averbar a homologação junto ao registro civil onde o casamento tiver sido celebrado. Se houver bens imóveis, deverá ser expedido mandado de averbação para o Registro de Imóveis onde estiverem registrados os bens (art. 734, § 3º, do CPC/2015) e, se necessário, para o Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins. Essa decisão judicial que homologa o divórcio, separação consensual ou a extinção da união estável, caracteriza-se como título executivo judicial, e na hipótese de inadimplemento voluntário de um dos cônjuges, principalmente no tocante a pensão, guarda e alimentos dos filhos, ela poderá ser executada na forma prevista nos arts. 513 e 515 do CPC/2015. 4.4 Conversão da separação litigiosa em consensual A separação litigiosa será sempre judicial e é disciplinada pela Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); pode, no entanto, como já dito, se desenvolver de forma litigiosa ou consensual. Nesse sentido, uma vez requerida a separação litigiosa na forma dos arts. 647 a 658 do CPC/2015, os cônjuges poderão pleitear sua conversão em separação consensual. Ao requerer a conversão da separação litigiosa em consensual, os cônjuges deverão observar a presença dos requisitos previstos no art. 731 do CPC/2015. 4.5 Separação consensual e reconciliação do casal A separação judicial põe fim aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens, nos termos do art. 1.576 do CC/2002. Ou seja, ela não tem o condão de pôr fim ao vínculo matrimonial. Por esse motivo, é importante mencionar que a lei facilita o restabelecimento da sociedade conjugal a qualquer tempo, após a separação (art. 1.577 do CC/2002). 5. Homologação extrajudicial O art. 733 do CPC/2015 prevê a possibilidade de o divórcio e da separação consensuais
serem
homologados
por
escritura
pública,
ou
seja,
extrajudicialmente. Nesse sentido, deverão ser observados os termos previstos na Lei n. 11.441/2007. Para que seja possível a homologação extrajudicial é necessária a ausência de nascituro ou filhos incapazes, e a petição de acordo deverá conter todos os requisitos previstos no art. 731 do CPC/2015. A escritura constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis e independe de homologação judicial (art. 733, § 1º, do CPC/2015). Para a lavratura da escritura pública, é imprescindível que os cônjuges estejam devidamente representados por advogados – seja conjunta ou individualmente (art. 733, § 2º, do CPC/2015). A escritura e os demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. É importante mencionar que a EC n. 66/2010 suprimiu os prazos para a concessão do divórcio, e o mesmo se aplica à separação judicial, pois seria um contrassenso admitir que o divórcio independe de prazo e a separação não. Nesse sentido, tanto a separação consensual extrajudicial quanto o divórcio consensual extrajudicial poderão ser requeridos independentemente do transcurso dos prazos a que se refere o art. 1.574 do CC/2002, ou a antiga redação do § 6º do art. 226 da CF/88 (prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos). 6. Procedimento para alteração de regime de bens Além da homologação do divórcio e da separação consensual, bem como da extinção da união estável, a Seção IV do Capítulo XV do CPC/2015 prevê
o procedimento a ser seguido na hipótese em que os cônjuges pretendem a alteração de regime de bens do casamento. Nessa hipótese, os cônjuges deverão requerer a alteração do regime de bens através de petição inicial assinada por ambos, com a exposição das razões pelas quais pretendem a alteração (art. 734 do CPC/2015). Diante da possibilidade de a alteração de regime ter como intuito final fraudar eventuais credores, ao receber a petição inicial o juiz deverá determinar a intimação do Ministério Público, bem como a publicação de edital para divulgar a pretensão de alteração do regime de bens. O § 1º do art. 734 do CPC/2015 prevê que o magistrado só poderá decidir sobre o pedido após o prazo de trinta dias da publicação do edital. Além disso, os próprios cônjuges poderão propor ao juiz meios alternativos de divulgação da alteração do regime de bens, como forma de resguardar o direito de terceiros (art. 734, § 2º, do CPC/2015). 6.1 Averbação Assim como no procedimento de homologação de divórcio, separação consensuais ou extinção de união estável, após o trânsito em julgado da sentença que altera o regime de bens, serão expedidos mandados de averbação para os cartórios de registros civil e de imóveis, bem como de registro público de empresas mercantis e atividades afins, quando um dos cônjuges for empresário.
LXVII TESTAMENTOS E CODICILOS
1. Introdução à especialidade do procedimento A Seção V do Capítulo XV trata do procedimento para a abertura de testamentos e de codicilos. Trata-se de procedimento voluntário não contencioso para abertura, registro e cumprimento de testamentos (público, particular ou cerrado), bem como de codicilos. O objetivo desse procedimento é verificar a presença dos elementos formais do testamento para constatar quais eram as declarações de última vontade do falecido para que sejam cumpridas. O testamento estava definido no art. 1.626 do CC/2016 como “ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte”. Referido dispositivo foi revogado no CC/2002, que disciplina o testamento nos arts. 1.857 e seguintes. Atualmente, define-se o testamento como ato unilateral, personalíssimo, gratuito, mortis causa, solene, imprescritível, revogável a qualquer tempo, através do qual o testador dispõe da totalidade ou de parte de seus bens para depois de sua morte. O § 2º do art. 1.857 do CC/2002 prevê a possibilidade de testamento que não tenha caráter patrimonial.
O codicilo, por sua vez, embora também se trate de disposição de última vontade, é mais restrito do que o testamento. O codicilo dispõe apenas sobre o enterro, esmola de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente aos pobres de certo lugar, legado de móveis, roupas ou joias de pouco valor, de uso pessoal da pessoa que o instituir (art. 1.881 do CC/2002). Foi necessária, portanto, a instituição de um procedimento específico para facilitar a abertura, a verificação e o cumprimento dos testamentos e codicilos. 2. Competência O art. 48 do CPC/2015 dispõe que “o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade (...)”. Tratando-se o testamento de um ato de disposição de última vontade do autor da herança, a competência para abrir o testamento cerrado é, portanto, do foro do domicílio do autor da herança. 3. Testamento cerrado O testamento cerrado, previsto no art. 1.868 do CC/2002, é aquele que também é conhecido como testamento secreto, ou seja, que é escrito pelo testador ou a seu rogo, e entregue ao tabelião para sua aprovação, na presença de suas testemunhas. O procedimento para sua abertura está previsto no art. 735 do CPC/2015. 3.1 Abertura do testamento cerrado Ao contrário dos outros procedimentos, para a abertura do testamento
cerrado não é necessário qualquer instrução ou requerimento formal. A parte interessada deve apresentar o testamento ao juiz, que, ao recebê-lo, deverá verificar se ele se encontra intacto. A verificação do estado do testamento é uma exigência do art. 735 do CPC/2015, que dispõe ser de competência do juízo verificar se não há vício externo que torne o testamento nulo ou falso. Não encontrando quaisquer vícios que tornem o testamento suspeito, o magistrado o abrirá e determinará que o escrivão o leia na presença do apresentante. A determinação para que o magistrado verifique a existência de possíveis vícios também está prevista no art. 1.875 do CC/2002. Ainda, o art. 1.972 do CC/2002 determina que o testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou que for aberto ou dilacerado com seu consentimento, será considerado como revogado. O ato de abertura do testamento deverá ser lavrado, assinado pelo juiz e por aquele que tiver apresentado o testamento em juízo. Além disso, no auto de abertura deverá constar o nome do apresentante, a forma como ele obteve o testamento, bem como a data e o lugar do falecimento do testador, apresentando-se as respectivas provas (por exemplo, certidão de óbito). Também deverá constar no auto de abertura qualquer circunstância digna de nota encontrada no invólucro ou no interior do testamento (art. 735, § 1º, do CPC/2015). 3.2 Intervenção do Ministério Público O Ministério Público deve ser intimado para intervir no procedimento como fiscal da lei, conforme prevê o art. 735, § 2º, do CPC/2015. O momento oportuno para a intimação do Ministério Público é após a
lavratura do auto de abertura do testamento. 3.3 Sentença e registro do testamento Após a manifestação do Ministério Público, os autos deverão ser remetidos à conclusão para apreciação do juízo. Se não houver vício externo que torne o testamento suspeito de nulidade ou falsidade132, o juiz deverá proferir sentença determinando seu registro, arquivamento e cumprimento testamento. O registro e o arquivamento do testamento serão feitos no cartório e o escrivão deverá enviar uma cópia do testamento a repartição fiscal para eventual recolhimento de tributos. Na hipótese de o juiz entender que o testamento é inválido, ele deverá determinar o registro e arquivo, mas não seu cumprimento. A parte interessada poderá interpor recurso de apelação contra a sentença que declarar a invalidade do testamento, na forma prevista nos arts. 1.009 e seguintes do CPC/2015. 4. Testamento público O testamento público é aquele em que as declarações do testador são tomadas por um oficial público, em livro de notas, perante duas testemunhas. Ele depende de uma série de requisitos previstos no art. 1.864 do CC/2002 que devem ser observados para ter sua validade garantida. Tratando-se, portanto, de um instrumento dotado de fé pública, qualquer interessado poderá requerer seu cumprimento ao juiz, desde que esteja dotado de traslado ou de certidão (art. 736 do CPC/2015). Ao cumprimento do testamento público deverão ser aplicadas, no que
couber, as regras previstas nos parágrafos do art. 735 do CPC/2015, que será estudado no item 6 deste capítulo. 5. Testamento particular O testamento particular, por sua vez, é aquele escrito pelo próprio testador, ou redigido por meio de processo mecânico, e lido a três testemunhas que assinam o testamento. A autenticidade do testamento particular depende da presença das três testemunhas. No entanto, caso ele seja escrito de próprio punho e assinado pelo testador, poderá ser confirmado pelo magistrado em circunstâncias absolutamente excepcionais, declaradas na cédula (art. 1.879 do CC/2002). 5.1 Publicação do testamento particular O procedimento de abertura de testamento particular tem o objetivo de verificar sua validade, justamente porque esse testamento foi feito sem o auxílio de tabelião133. O procedimento de abertura se inicia com o requerimento do herdeiro, legatário ou testamenteiro (art. 737 do CPC/2015) para que sejam inquiridas as testemunhas que ouviram a leitura e assinaram o testamento particular, que deve vir instruído com o testamento particular. Ao receber o pedido para publicação do testamento particular, o juízo determinará a intimação de todos os herdeiros legítimos para que se manifestem, com exceção daquele que tiver requerido a publicação (art. 737, § 1º, do CPC/2015). 5.2 Intervenção do Ministério Público O Ministério Público também deverá ser chamado para intervir como fiscal da lei, porque o art. 737, § 2º, do CPC/2015 assim determina. No
entanto, sua intervenção se dará após a realização da audiência e antes da prolação da sentença. 5.3 Audiência e sentença A audiência é o momento no qual o juiz deverá inquirir as testemunhas que ouviram a leitura e assinaram o testamento particular e tem por escopo garantir que as assinaturas foram apostas por elas, bem como certificar se as disposições de última vontade foram feitas pelo testador sem nenhum vício de consentimento134. Para essa audiência, deverão ser intimados aqueles a quem caberia a sucessão legítima, o testamenteiro, os herdeiros e os legatários que não tiverem requerido a publicação, bem como o representante do Ministério Público. A intimação será feita por edital se as pessoas elencadas nos incisos do dispositivo em apreço não forem encontradas na Comarca. Confirmado o testamento, após a oitiva do Ministério Público (que deverá atuar como fiscal da lei, por tratar-se de disposição de última vontade – art. 735, § 2º, do CPC/2015), ele deverá ser cumprido observando-se a forma dos parágrafos do art. 735 do CPC/2015, conforme determina o art. 737, § 4º, do CPC/2015, registrando-se e nomeando-se testamenteiro para cumprir as disposições testamentárias. 6. Testamentos especiais O § 3º do art. 737 do CPC/2015 determina que as disposições referentes à confirmação do testamento particular se aplicam aos testamentos marítimo, aeronáutico, militar, nuncupativo e ao codicilo. Os testamentos marítimo, aeronáutico e militar são tidos como especiais
pelo art. 1.886 do CC/2002. Assim são tratados porque a manifestação de última vontade é feita em condições especiais, criando-se formas diferenciadas para que o testador disponha de seus bens. O testamento marítimo é aquele elaborado em navios nacionais, seja de guerra ou mercante, em viagem de alto-mar. A qualificação do testador é irrelevante, podendo ser passageiro ou tripulante da embarcação. Nessa hipótese, nos termos do art. 1.888 do CC/2002, o comandante ou escrivão de bordo faz as vezes de notário, devendo redigir as declarações do testador, na presença de duas testemunhas idôneas que deverão assistir a todo o ato, quando tratar-se de testamento público. Na hipótese de testamento marítimo cerrado, o testador o entregará ao comandante ou ao escrivão de bordo, perante duas testemunhas que o reconheçam e entendam, que deverá certificar o ocorrido, datando e assinando-o com o testador e as duas testemunhas. É imprescindível o registro do testamento no diário de bordo, que funciona como o livro de notas do tabelião (art. 1.888, parágrafo único, do CC/2002). O testamento aeronáutico é aquele feito perante o comandante da aeronave militar ou comercial (art. 1.890 do CC/2002), da mesma forma do testamento marítimo, ou seja, observando-se a necessidade de duas testemunhas e do registro no diário de bordo. Pontua-se que, se o testador não morrer na viagem marítima ou aeronáutica ou nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque na terra, o testamento caducará (art. 1.891 do CC/2002). Já o testamento militar é aquele em que a qualificação do testador importa, uma vez que ele poderá ser feito apenas pelos militares e pessoas a serviço das forças armadas. Garante-se a pessoas com essa qualificação a
possibilidade de testar de forma especial e privilegiada, sem as complexidades ordinárias, optando-se pela forma pública ou secreta. Nesse caso, o comandante atuará como notário, que deverá assinar o ato na presença de duas testemunhas. Se o testador não puder assinar, uma terceira testemunha assinará por ele (art. 1.893 do CC/2002). Por fim, o testamento nuncupativo, de caráter excepcional e privilegiado, serve para que os militares ou pessoas a serviço do exército que estejam empenhadas em combate ou feridas possam testar oralmente, na presença de duas testemunhas (art. 1.896 do CC/2002). 7. Cumprimento do testamento Se o juiz entender que o testamento deverá ser cumprido, impõe-se ao testamenteiro, que é, em princípio, a pessoa nomeada pelo testador, a garantia do cumprimento das últimas disposições de vontade do falecido (arts. 1.976 e ss. do CC/2002). A nomeação do testamenteiro pelo testado é uma faculdade. Nesse sentido, o testador poderá nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados. 7.1 Ausência de testamenteiro nomeado Como a nomeação do testamenteiro não se trata de requisito necessário para a existência do testamento, há casos em que o testador não nomeia o testamenteiro. Ainda, há casos em que o testamenteiro nomeado declina do encargo imputado a ele ou está ausente no momento da assinatura do termo. Nessas hipóteses o magistrado deverá nomear testamenteiro dativo, observando-se a preferência legal (art. 735, § 4º, do CPC/2015). A preferência legal de que trata o referido dispositivo está prevista no art.
1.984 do CC/2002, devendo ser nomeado primeiramente um dos cônjuges, ou, na falta destes, o(s) herdeiro(s). 7.2 Compromisso do testamenteiro Após a realização do registro em cartório, o testamenteiro deverá ser intimado para assinar o termo da testamentária135 (art. 735, § 3º, do CPC/2015). Uma vez aceito o encargo de testamenteiro, o escrivão deverá extrair cópia do testamento para ser juntada aos autos de inventário ou de arrecadação da herança. 7.3 Deveres do testamenteiro O § 5º do art. 735 do CPC/2015 prevê que o testamenteiro deve, além de cumprir todas as disposições testamentárias, prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu. Além disso, o testamenteiro deverá cumprir com todas as obrigações do testamento (art. 1.982 do CC/2002), propugnando pela sua validade, defendendo a posse dos bens da herança, bem como requerendo ao juiz a concessão dos meios necessários para cumprir as disposições testamentárias. Outras funções que podem ser atribuídas ao testamenteiro são aquelas previstas no art. 1.976 do CC/2002. Ou seja, se o testamenteiro tiver a posse e administração dos bens, incumbe-lhe requerer inventário (art. 1.978 do CC/2002). Ele também tem o dever de cumprir as atribuições instituídas pelo testador (art. 1.982 do CC/2002)136. Nesse sentido, ressalta-se que é ineficaz a disposição testamentária que exime o testamenteiro da obrigação de prestar contas. Quando não houver
prazo estipulado no testamento para a prestação de contas, deverá ser observado o prazo legal de 180 dias, que devem ser contados a partir da aceitação da testamentária (art. 1.983 do CC/2002). Esse prazo poderá ser prorrogado pelo magistrado, caso ele entenda que há motivo suficiente (art. 1.983, parágrafo único, CC/2002). 7.4 Prêmio do testamenteiro O art. 1.987 do CC/2002 prevê o pagamento de um prêmio ao testamenteiro entre 1 (um) e 5 (cinco) por cento sobre a herança líquida. Esse percentual deverá ser arbitrado pelo magistrado, considerando a importância da herança e a dificuldade na execução do testamento. E, diante do que estabelece o parágrafo único do art. 1.987 do CC/2002, quando houver herdeiros necessários, ainda que a apuração do valor do prêmio seja feita com base na herança líquida, o pagamento será feito à conta da parte disponível137, preservando-se a legítima. Se não houver herdeiro necessário, o pagamento será deduzido de todo o acervo líquido. Em outras palavras, o percentual do valor do prêmio deverá ser apurado de acordo com todo o acervo líquido quando não houver herdeiro necessário; se houver herdeiro necessário, o prêmio deverá ser apurado com base na herança após a reserva da legítima. No entanto, o art. 497, I, do CC/2002 veda que o pagamento do prêmio seja efetivado mediante adjudicação de bens do espólio. Abre-se, todavia, a possibilidade quando o testamenteiro for meeiro. A finalidade do dispositivo é evitar que o testamenteiro venha a se beneficiar do pagamento do prêmio mediante adjudicação de bens dos quais exerce a posse ou administração, em inegável afronta à ética.
Portanto, pelo exercício de sua função, o testamenteiro terá direito à percepção de prêmio pelo exercício da testamentária. Todavia, perderá o direito ao recebimento do prêmio e será removido do cargo se não vier a cumprir suas funções138. Nesse sentido, os motivos que ensejam a remoção e perda do prêmio são a glosa das despesas por ilegais ou em discordância com o testamento, bem como o não cumprimento das disposições testamentárias. O art. 1.989 do CC/2002 estatui que o prêmio que o testamenteiro perder, por ser removido ou por não ter cumprido o testamento, deverá ser revertido à herança. O procedimento para a remoção do testamenteiro se dá conforme a disciplina dos arts. 1.194 a 1.198 do CC/2002, que tratam da remoção e dispensa de tutor ou curador. Além dos deveres do testamenteiro, a lei confere a ele o direito de outorgar-se ao testamenteiro e o de demitir-se do encargo se houver causa legítima. Em outras palavras, o pedido de demissão do testamenteiro deve ser justificado, e a esse respeito deverão ser ouvidos os interessados e o Ministério Público.
LXVIII HERANÇA JACENTE
1. Conceito A herança jacente é aquela deixada pelo de cujus sem herdeiros conhecidos e sem testamento139, conforme prevê o art. 1.819 do CC/2002. Também se considera jacente a herança que é renunciada por todos aqueles que são chamados a suceder (art. 1.823 do CC/2002). Nessa hipótese, determina a lei civil que os bens da herança deverão ser arrecadados e ficarão sob a guarda e administração de um curador até a entrega a sucessor devidamente habilitado ou a declaração de sua vacância. O fato de a herança jacente revestir-se de transitoriedade faz com que ela deixe de ser jacente assim que os herdeiros são encontrados ou tão logo seja declarada sua vacância. O procedimento especial previsto nos arts. 738 e seguintes do CPC/2015 prevê a forma que deverá ser observada pelo juízo para proceder à arrecadação e guarda dos bens da herança, bem como à busca dos herdeiros até a declaração da vacância da herança. 2. Competência
A competência para a arrecadação é do juízo do domicílio do de cujus (arts. 48 e 738 do CPC/2015). Se o falecido não tinha domicílio certo, aplicase o art. 48, parágrafo único, I, do CPC/2015, hipótese em que a competência será do juízo da situação dos bens. De outro lado, se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens imóveis em lugares diferentes, o juízo competente para a arrecadação será qualquer um destes (art. 48, parágrafo único, II, do CPC/2015), ou, ainda, não havendo bens imóveis, a competência é do foro do local de qualquer dos bens do espólio (art. 48, parágrafo único, III, do CPC/2015). 3. Legitimidade A legitimidade para requerer a arrecadação da herança jacente é garantia ao Ministério Público ou qualquer interessado, por exemplo, a Fazenda Pública. Também é permitido que o juiz instaure a arrecadação de ofício quando tiver conhecimento do falecimento de pessoa que aparentemente não deixou herdeiros. 4. Arrecadação Assim como no procedimento para abertura de testamento, o procedimento para a arrecadação de herança jacente independe da elaboração de pedido formal ao juízo. Após a notícia sobre o falecimento de alguém que tenha deixado patrimônio sem herdeiros, o juiz procederá pessoalmente à arrecadação, determinando que o oficial de justiça, na companhia do escrivão, ou do chefe de secretaria, e do curador arrole os bens do de cujus em auto circunstanciado (art. 740 do CPC/2015).
Na impossibilidade de comparecer pessoalmente, o magistrado deverá requisitar que a autoridade policial proceda à arrecadação e ao arrolamento de bens, na presença de duas testemunhas (art. 740, § 1º, do CPC/2015). Caso não haja curador nomeado, o juiz deverá designar depositário que ficará responsável pelos bens até a nomeação de curador. Nesse caso, os bens serão entregues ao depositário mediante simples termos nos autos depois de compromissado (art. 740, § 2º, do CPC/2015). O § 3º do art. 740 do CPC/2015 determina que o magistrado ou a autoridade policial proceda à inquirição dos moradores da casa e da vizinhança durante a arrecadação, com o objetivo de obter informações sobre a qualificação do falecido, o paradeiro de eventuais sucessores e a existência de outros bens. Essa medida tem como escopo encontrar herdeiros ou outros bens do de cujus. Quaisquer informações deverão ser lavradas no auto de inquirição e informação. O juiz deverá examinar os documentos (papéis, cartas missivas e livros domésticos) encontrados na arrecadação. O § 4º do art. 740 do CPC/2015 impõe que esse exame será feito “reservadamente” pelo magistrado, diante da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, da CF/88). Se o magistrado concluir que os documentos não apresentam qualquer interesse para a arrecadação, mandará empacotá-los e lacrá-los para que sejam entregues aos sucessores do falecido ou queimados quando forem declarados vacantes. Na hipótese de o juiz verificar a existência de bens em outra Comarca, mandará expedir carta precatória para que os bens sejam arrecadados pelo juízo deprecado (art. 740, § 5º, do CPC/2015).
4.1 Hipótese em que não se procederá à arrecadação A arrecadação não deverá ser iniciada na hipótese de os bens serem reclamados pelo cônjuge ou companheiro, herdeiro ou testamenteiro notoriamente reconhecido. Se já tiver sido iniciada a arrecadação, ela deverá ser suspensa, conforme determina o art. 740, § 6º, do CPC/2015. A suspensão da arrecadação depende da não oposição motivada do curador, de quaisquer interessados, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública. Observe-se que o art. 1.822, caput, do CC/2002 estabelece que a declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem. De outro lado, o parágrafo único desse mesmo dispositivo legal estatui que os colaterais ficarão excluídos da sucessão se não se habilitarem até a declaração de vacância. Ou seja, eventual arrecadação não prejudica os herdeiros, desde que estes se habilitem antes da declaração de vacância da herança. 4.2 Publicidade Após as providências atinentes à arrecadação de bens, deverá o juiz mandar expedir edital, que deverá ser publicado na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde deverá permanecer por três meses (art. 741 do CPC/2015). Não havendo sítio, o edital deverá ser publicado por três vezes, com intervalo de um mês para cada um, no órgão oficial e na imprensa da Comarca, com o intuito de que venham a habilitar-se os sucessores do de cujus no prazo de seis meses contados da primeira publicação140.
A publicação de editais também tem como objetivo dar ciência a eventuais credores do de cujus a respeito da arrecadação, na medida em que o art. 1.821 do CC/2002 estabelece a garantia do direito dos credores para pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança. Se for constatada a existência de sucessor ou de testamenteiro em lugar certo, sua citação será feita pessoalmente, independentemente da publicação do edital (art. 741, § 1º, do CPC/2015). Além disso, se o falecido for estrangeiro, o fato deverá ser comunicado à autoridade consular para que esta adote as providências cabíveis no país de origem do falecido. 4.3 Habilitação de credores Durante a arrecadação de bens, os credores poderão habilitar-se, sendolhes assegurado o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança (art. 1.154 c/c art. 1.821 do CC/2002). O procedimento de habilitação dos credores é o mesmo a ser observado no inventário. Além disso, faculta-se aos credores, assim como no inventário, a propositura de ação de cobrança (art. 741, § 4º, do CPC/2015). 5. Guarda, conservação e administração da herança jacente: deveres do curador Efetuada a arrecadação, a herança jacente deverá ficar sob a guarda, conservação e administração do curador até a entrega ao herdeiro ou a declaração de vacância (art. 739 do CPC/2015)141. Nessa linha também é o que dispõe o CC/2002 em seu art. 1.819. Por esse motivo, nos termos do que determina o § 1º do art. 739 do
CPC/2015, compete ao curador representar a herança em juízo ou fora dele com a intervenção do Ministério Público (inc. I); ter em boa guarda e conservação os bens arrecadados e promover a arrecadação de outros (inc. II); executar as medidas necessárias para a conservação dos direitos da herança (inc. III); apresentar mensalmente balancete da receita e despesa ao juízo (inc. IV); e prestar contas ao final de sua gestão (inc. V)142. Ao curador aplicam-se as disposições referentes ao depositário e ao administrador (arts. 159 a 151 do CPC/2015), portanto o curador terá direito a uma remuneração que será fixada pelo juiz levando-se em conta a situação dos bens ao tempo do serviço e a dificuldade de sua execução. Além disso, o curador também poderá ser responsabilizado pelos prejuízos que causar à parte por dolo ou culpa, perdendo parte da remuneração que lhe foi arbitrada, mas mantendo-se o direito de haver o que legitimamente despendeu no exercício de seu encargo (art. 161 do CPC/2015). 5.1 Alienação de bens A alienação de bens se dará com autorização judicial, que poderá ser concedida quando (i) os bens imóveis forem de conservação difícil ou dispendiosa; (ii) os bens semoventes não forem empregados na exploração industrial; (iii) houver fundado receio de depreciação dos títulos e papéis de crédito; ou (iv) a herança não dispuser de dinheiro para o pagamento da integralização de ações de sociedade. Além disso, se os bens imóveis ameaçarem ruína e não convier repará-los, ou se estiverem hipotecados e não houver dinheiro para pagamento quando a dívida vencer, poderão ser alienados mediante autorização judicial143. No entanto, a alienação não deverá ser autorizada pelo magistrado quando o
habilitando ou a Fazenda Pública tiver adiantado a importância das despesas (art. 742, § 1º, do CPC/2015). Os bens com valor afetivo (retratos, objetos de uso pessoal, livros e obras de arte) só poderão ser alienados após a declaração de vacância da herança, ainda que estejam na iminência de perecer (art. 742, § 2º, do CPC/2015). O valor afetivo dos bens garante uma preservação maior para que eles sejam eventualmente entregues aos sucessores. 6. Habilitação de herdeiros e conversão em inventário A habilitação de herdeiros tem o condão de converter a arrecadação em inventário. Isso ocorrerá sempre que for (i) julgada procedente a habilitação requerida pelo herdeiro, (ii) reconhecida a qualidade de testamenteiro ou (iii) provada a identidade do cônjuge ou companheiro (art. 741, § 3º, do CPC/2015). A conversão em inventário ocorre porque, na hipótese de surgirem herdeiros, a herança perde a qualidade de jacente144. 7. Declaração de vacância e incorporação dos bens Após um ano da primeira publicação do edital, se não houver herdeiro habilitado, tampouco habilitação pendente, a herança deverá ser declarada vacante (art. 743 do CPC/2015). Semelhante regra encontra-se estampada no art. 1.820 do CC/2002. Os colaterais deverão habilitar-se até a declaração de vacância, sob pena de ficarem excluídos da sucessão, conforme prevê o parágrafo único do art. 1.822 do CC/2002. Se houver pedido de habilitação pendente, a vacância deverá ser declarada
pela mesma sentença que julgar a improcedência do pedido de habilitação. Quando forem várias as habilitações, a vacância deverá ser declarada junto com a improcedência da última (art. 743, § 1º, do CPC/2015). Após o transcurso do prazo de cinco anos contados da abertura da sucessão, os bens arrecadados que não forem reclamados pelos seus sucessores145-146 passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, e ao domínio da União, quando situados em Território Federal (art. 1.822 do CC/2002). A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem, nos termos da parte inicial do art. 1.822 do CC/2002. Contudo, uma vez transitada em julgado a sentença declaratória de vacância, o cônjuge, herdeiros e credores só poderão reclamar seu direito por intermédio de ajuizamento de ação direta147. Trata-se da denominada ação de petição de herança, prevista nos arts. 1.824 e seguintes do CC/2002.
LXIX BENS DOS AUSENTES
1. Introdução A ausência se caracteriza quando uma pessoa desaparece de seu domicílio sem que haja notícia dela ou sem que ela tenha deixado qualquer representante ou procurador para administrar seus bens (art. 22 do CC/2002). Nessa hipótese, qualquer interessado ou o Ministério Público poderá requerer que o juiz declare sua ausência para que se nomeie um curador. Portanto, conclui-se que a ausência deflui da incerteza a respeito da existência de pessoa que desapareceu sem deixar vestígio ou mandatário. Também será declarada a ausência com a nomeação de um curador quando, ainda que haja mandatário, este não queira ou não possa mais exercer ou continuar exercendo o mandato, ou quando os poderes a ele investidos não forem suficientes (art. 23 do CC/2002)148-149-150. O procedimento previsto nos arts. 744 e 745 do CPC/2015 deverá ser observado para que se proceda à arrecadação dos bens do ausente, e, caso haja interessados, à abertura da sucessão provisória, que poderá ser convertida em definitiva, se o ausente não regressar.
2. Competência A competência para a declaração de ausência é do foro do último domicílio do ausente. Conforme previsto no art. 49 do CPC/2015: “a ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também é competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e cumprimento de disposições testamentárias”151. Tratando-se de pedido de declaração de ausência com o intuito de instruir pedido de natureza previdenciária, a competência será da Justiça Federal. Esta é a orientação sedimentada na Súmula 32 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal processar justificações judiciais destinadas a instruir pedidos perante entidades que nela têm exclusividade de foro, ressalvada a aplicação do art. 15, II, da Lei 5.010/1966”152. 3. Registro da declaração de ausência O art. 94 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) impõe o registro das sentenças declaratórias de ausência que nomearem curador no cartório do domicílio anterior do ausente, com as mesmas cautelas e efeitos do registro de interdição. No mesmo registro deverão constar: (a) data do registro; (b) nome, idade, estado civil, profissão e domicílio anterior do ausente, data e cartório em que foram registrados o nascimento e o casamento, bem como o nome do cônjuge, se for casado; (c) tempo de ausência até a data da sentença; (d) nome do promotor do processo; (e) data da sentença, nome e vara do juiz que a proferiu; (f) nome, estado, profissão, domicílio e residência do curador e os limites da curatela. 4. Arrecadação dos bens do ausente
O procedimento de arrecadação de bens do ausente é igual ao procedimento para a arrecadação da herança jacente (arts. 739 a 742 do CPC/2015), inclusive o art. 744 do CPC/2015 faz remissão expressa à “forma estabelecida na Seção VI” para a arrecadação dos bens e a nomeação do curador. Requerida a arrecadação por qualquer interessado, pelo Ministério Público ou determinada de ofício, o juiz deverá mandar o oficial de justiça, juntamente com o escrivão ou chefe de secretaria, acompanhados do curador, arrolar os bens do ausente (art. 740 do CPC/2015). O juiz deverá acompanhar pessoalmente o ato de arrolamento de bens; se não puder comparecer ao local, deverá requisitar à autoridade policial que proceda à arrecadação e ao arrolamento de bens, acompanhada de duas testemunhas que deverão assistir às diligências (art. 740, § 1º, do CPC/2015). A nomeação do curador pelo juízo da arrecadação dos bens do ausente só será necessária se a decisão que declarou a ausência não houver nomeado curador, ou se o curador nomeado não puder exercer a curadoria (art. 740, § 2º, do CPC/2015). Assim como na arrecadação da herança jacente, durante a arrecadação dos bens do ausente é importante que o magistrado ou a autoridade policial interrogue os vizinhos e moradores da casa sobre o ausente para obter informações com relação à existência de outros possíveis sucessores e de outros bens, devendo-se lavrar tudo no auto de inquirição e informação. Além disso, se o juiz constatar a existência de outros bens em outra Comarca, expedirá carta precatória para que o juízo deprecado proceda à arrecadação.
4.1 Curadoria Como já dito, após a arrecadação o juiz nomeará curador a quem incumbirá, principalmente, a guarda, conservação e administração dos bens arrecadados. O art. 24 do CC/2002 determina que o juiz, ao nomear o curador, deverá fixar os poderes e as obrigações, conforme as circunstâncias, observando, no que couber, o disposto a respeito dos tutores e curadores. O art. 739 do CPC/2015 estabelece quais são as obrigações do curador com relação aos bens arrecadados. Nesse sentido, o § 1º do mesmo dispositivo prevê que incumbe ao curador: (i) a representação dos interesses dos bens em juízo e fora dele, com a intervenção do Ministério Público; (ii) ter boa guarda e conservação dos bens, além de promover a arrecadação de outros bens que porventura existirem; (iii) executar as medidas conservatórias dos direitos dos bens; (iv) apresentar mensalmente balancete da receita e da despesa ao juiz; e (v) prestar contas ao final de sua gestão. Também se aplicam ao curador as regras previstas nos arts. 159 a 161 do CPC/2015 (regras referentes ao depositário e ao administrador). Nos casos de ausência, existe uma ordem de preferência que deve ser respeitada na nomeação de curador. Assim, o cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente ou de fato por mais de dois anos antes da declaração de ausência, será seu legítimo curador (art. 25, caput, do CC/2002). Na falta de cônjuge, a curadoria dos bens dos ausentes incumbe aos pais ou aos descendentes, nessa ordem, desde que não haja impedimento que os iniba de exercer o cargo (art. 25, § 1º, do CC/2002). Em caso de não haver qualquer dessas pessoas para o exercício da curadoria, competirá ao juiz a escolha do curador153.
A curadoria cessará nas hipóteses de (a) comparecimento do ausente, de seu procurador ou de quem o represente, salvo, nessas últimas hipóteses, se o mandatário não quiser ou não puder exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes (art. 23 do CC/2002); e (b) ser requerida a sucessão provisória, disciplinada no art. 745, § 1º, do CPC/2015. Observe-se que a decisão de cessação de ausência pelo aparecimento do ausente deverá ser averbada no livro de emancipações, interdições e ausências no cartório do domicílio anterior do ausente (art. 104 da Lei de Registros Públicos – Lei n. 6.015/73). 4.2 Publicidade Após a nomeação de curador e arrecadação dos bens, o juiz deverá mandar publicar editais na rede mundial de computadores no sítio do Tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde deverá permanecer por um ano. Não havendo sítio do Tribunal, os editais deverão ser publicados no órgão oficial e na imprensa da Comarca durante um ano, reproduzida de dois em dois meses, anunciando-se a arrecadação e chamando o ausente para tomar posse de seus bens (art. 745 do CPC/2015)154. 5. Sucessão provisória O art. 745, § 1º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de os interessados requererem a abertura da sucessão provisória, transcorrido o prazo de um ano da publicação do primeiro edital, para que o ausente tome posse de seus bens. Nesse mesmo sentido dispõe o art. 26 do CC/2002, que vai além, ao prever que, se houver representante ou procurador, após três anos sem o reaparecimento do ausente, poderá ser requerida a declaração de ausência
com a abertura da sucessão provisória. 5.1 Legitimidade São legitimados a requerer a abertura de sucessão provisória os interessados elencados no art. 27 do CC/2002. Nessa linha, a abertura da sucessão provisória pode ser requerida pelo cônjuge não separado judicialmente, pelos herdeiros presumidos, legítimos e testamentários, por aqueles que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte e pelos credores de obrigações vencidas e não pagas. A sucessão provisória também poderá ser requerida pelo Ministério Público (art. 28, § 1º, do CC/2002). 5.2 Citação dos herdeiros Ao requerer a abertura da sucessão provisória, o interessado deverá pedir a citação pessoal dos herdeiros presentes na arrecadação e do curador. De outro lado, deverá pedir a citação por edital dos herdeiros ausentes na arrecadação para requererem a habilitação, nos termos dos arts. 689 a 692 do CPC/2015155. 5.2.1 Ausência de herdeiros: declaração de herança jacente Na hipótese de o interessado requerer a sucessão provisória e de não comparecerem herdeiros ou interessados para requerer o inventário no prazo de trinta dias, que deverão ser contados do trânsito em julgado da sentença de abertura da sucessão provisória, proceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente, segundo a disciplina dos arts. 1.819 a 1.823 do CC/2002, ou seja, a herança será considerada jacente (art. 28, § 2º, do CC/2002).
5.3 Decisão da abertura O art. 28 do CC/2002 dispõe que a decisão que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeitos após cento e oitenta dias da publicação pela imprensa. No entanto, tão logo transite em julgado a sentença de abertura da sucessão provisória, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e à partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido. A abertura da sucessão provisória gera a transmissão da posse aos herdeiros quando provada essa qualidade (art. 30, § 2º, do CC/2002)156, ou quando prestada caução, se não forem ascendentes, descendentes ou cônjuge. A caução pode ser prestada mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos (art. 30 do CC/2002). Caso o herdeiro não possa prestar a garantia, ele será excluído, mas os bens que lhe deviam caber ficarão sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, desde que esse herdeiro preste a garantia (art. 30, § 1º, do CC/2002). Uma vez empossados nos bens, os sucessores provisórios representarão ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que forem movidas posteriormente (art. 32 do CC/2002). Ressalta-se que os bens do ausente não ficam à inteira disposição dos herdeiros. Os bens imóveis só poderão ser alienados para evitar a ruína (art. 31 do CC/2002). 6. Conversão da sucessão provisória em definitiva O § 3º do art. 745 do CPC/2015 dispõe que a sucessão provisória poderá ser convertida em definitiva se presentes os requisitos legais, previstos nos arts. 37 e 38 do CC/2002.
A conversão da sucessão provisória para a definitiva ocorrerá a requerimento dos interessados, após dez anos do trânsito em julgado da decisão que concedeu a abertura da sucessão provisória. Nesse momento, deverão ser levantadas todas as cauções prestadas pelos herdeiros. Outra hipótese para a conversão da sucessão provisória em definitiva é a possibilidade de o ausente encontrar-se com oitenta anos de idade e de já terem se passado cinco anos sem notícias dele. Se o ausente não retornar em dez anos e os interessados não requererem a conversão da sucessão provisória em definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou serão incorporados ao domínio da União quando situados em Território Federal (art. 39, parágrafo único, do CC/2002). A sucessão definitiva cessa a sucessão provisória, e o ausente é presumido morto pela lei civil (art. 6º do CC/2002)157, salvo quando houver certeza de sua morte. Observe-se que o § 1º do art. 1.571 do CC/2002 estabelece que haverá dissolução do casamento nessa hipótese. Cumpre mencionar ainda a Súmula 331 do Supremo Tribunal Federal, que afirma: “É legítima a incidência do imposto de transmissão causa mortis no inventário por morte presumida”. 7. Retorno do ausente Se o ausente retornar, o juiz determinará a citação dos sucessores provisórios ou definitivos, do Ministério Público e do representante da Fazenda Pública para apresentarem contestação. Após a apresentação da contestação, deverá ser observado o procedimento comum.
Os sucessores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública também serão citados para contestar o pedido de entrega de bens feito pelos descendentes ou ascendentes do ausente. Se o ausente aparecer, ou se for comprovada sua existência após a concessão da posse provisória, as vantagens dos sucessores provisórios cessarão (art. 36 do CC/2002). Nesse caso, os sucessores ficam obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas até a entrega dos bens. Todavia, se o ausente aparecer e ficar comprovado que a ausência foi voluntária e injustificada, ele perderá sua parte nos frutos e rendimentos em favor do sucessor provisório (art. 33, parágrafo único, do CC/2002). Na hipótese de o ausente regressar dentro de dez anos da abertura da sucessão definitiva, ele poderá reclamar a entrega dos bens existentes no estado em que se encontrarem, assim como seus descendentes ou ascendentes, observando-se o procedimento acima descrito. A entrega dos bens também poderá ser requerida em relação aos bens sub-rogados em seu lugar, bem como em relação ao preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados (art. 39, caput, do CC/2002).
LXX COISAS VAGAS
1. Introdução ao conceito de coisa vaga O art. 746 do CPC/2015 disciplina o procedimento para a aquisição de propriedade de bem móvel pela descoberta. A descoberta se constitui quando alguém encontra coisa vaga – alheia – perdida (art. 1.233 do CC/2002). A descoberta é o antigo instituto da invenção (art. 603 do CC/16). Por se tratar de uma forma diferente de aquisição de propriedade, é necessária a observância de procedimento diferenciado. A necessidade de um procedimento diferenciado se justifica porque o art. 1.233 do CC/2002 determina que aquele que encontrar a coisa vaga deverá restituí-la ao dono ou possuidor legítimo158. Caso o descobridor desconheça o dono ou possuidor legítimo, deverá tentar encontrá-lo e, caso não o encontre, deverá entregar a autoridade competente (art. 1.233, parágrafo único, do CC/2002). O Código Civil de 2002 alterou o instituto da descoberta ao: (a) estabelecer um piso mínimo (5%) para a recompensa (art. 1.234 do CC/2002), que inexistia no CC/16 (art. 604), (b) prever regras abertas para que a remuneração possa ser objeto de sopesamento do juiz (art. 1.234,
parágrafo único, do CC/2002), também inexistente no CC/16; (c) prever que o remanescente de eventual venda pública do bem deve ser entregue ao Município, em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido (art. 1.237, caput, do CC/2002); no CC/16, tais valores cabiam aos Estados ou ao Distrito Federal em que se encontrou o objeto perdido e, excepcionalmente, à União (art. 606 do CC/16). As coisas vagas são os bens móveis que eventualmente foram perdidos pelo dono e encontrados pelo descobridor. Importante pontuar que, mesmo perdido, o bem não deixa de pertencer a seu dono e por esse motivo é necessária a previsão de procedimento para a devolução da coisa vaga. Como já dito, o CC/2002 prevê parte das regras que incidem quando o descobridor restitui a coisa vaga nos arts. 1.233 a 1.237 do CC/2002. Evitando-se a repetição, o CPC/2015 passou a prever apenas o procedimento a ser observado para a aquisição de propriedade, suprimindo os artigos que repetiam as regras do CC/2002. 2. Competência O foro competente é o do local do domicílio do possuidor legítimo ou dono da coisa se for conhecido (art. 46 do CPC/2015). Se o possuidor legítimo ou o dono da coisa não for conhecido, o foro competente é o juízo do descobridor da coisa (art. 46, § 2º, do CPC/2015). Nada obsta, no entanto, que a coisa vaga seja remetida ao juízo competente quando a entrega tiver sido feita à autoridade policial (art. 746, § 1º, do CPC/2015). 3. Procedimento
O procedimento previsto no art. 746 do CPC/2015 inicia-se com a entrega da coisa alheia perdida à autoridade judiciária ou policial pelo descobridor. Recebida a coisa, o juiz mandará lavrar o respectivo auto, em que deverá constar a descrição do bem e as declarações do descobridor (art. 746 do CPC/2015). 3.1 Recompensa O CC/2002 prevê o pagamento de recompensa àquele que encontrar a coisa vaga e a entregar à autoridade judicial com o percentual mínimo de cinco por cento sob o valor da coisa. Além disso, a lei determina que sejam restituídos os valores eventualmente depreendidos para a conservação e o transporte da coisa pelo descobridor. A fixação do valor da recompensa deverá considerar os esforços desenvolvidos pelo descobridor para a localização do dono ou legítimo possuidor, bem como todas as despesas desprendidas. 3.1.1 Responsabilidade do descobridor Além da previsão de recompensa para aquele que descobre coisa alheia vaga e a entrega ao juízo competente para a arrecadação, o CC/2002 prevê também a responsabilidade subjetiva do descobridor pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo (art. 1.235 do CC/2002). Essa hipótese de responsabilização só ocorre quando se comprova que o descobridor agiu com dolo e prejudicou o legítimo possuidor ou o dono. 3.2 Publicidade Após o depósito da coisa vaga pelo descobridor, o juiz tem o dever de garantir a publicidade do auto de arrecadação. A medida tem como objetivo
garantir que o dono ou o legítimo possuidor possa reclamar a coisa. Por esse motivo, nos termos do que prevê o § 2º do art. 746 do CPC/2015, após o depósito da coisa, o juiz determinará a publicação de edital na rede mundial de computadores, no sítio do Tribunal a qual o juízo estiver vinculado, bem como na plataforma do Conselho Nacional de Justiça. Se inexistir sítio do Tribunal, o edital deverá ser publicado no órgão oficial e na imprensa da Comarca. Quanto ao conteúdo, o edital deverá conter a descrição da coisa e as circunstâncias em que foi encontrada para facilitar a identificação para o possuidor legítimo ou dono. A publicação no sítio do Tribunal é dispensada quando a coisa for de pequeno valor. Nessa hipótese, o edital deverá somente ser fixado no átrio do edifício do Fórum. 3.3 Comparecimento do dono ou do legítimo possuidor É possível que o dono ou o possuidor legítimo compareça e reclame a coisa durante o prazo de sessenta dias da publicação do edital (art. 1.237 do CC/2002). Nesse caso, o dono ou legítimo possuidor deverá provar seu direito sobre a coisa e, em seguida, o juiz abrirá vista ao Ministério Público e ao representante da Fazenda Pública (dado seu interesse, em virtude do possível arrecadamento em seu favor). Se comprovado o direito do dono ou do legítimo possuidor, após a oitiva do Ministério Público e da Fazenda Pública, a coisa será entregue ao dono ou legítimo possuidor.
3.4 Coisa vaga não reclamada Se após sessenta dias da publicação do edital ou da divulgação da notícia pela imprensa o possuidor legítimo ou dono não se apresentar, ou se apresentar sem documento comprobatório de seu direito, a coisa será levada a hasta pública e eventual proveito econômico será revertido para o Município (art. 1.237 do CC/2002). No entanto, se se tratar de coisa de pequeno valor, o Município poderá conceder a entrega da coisa vaga ao descobridor (art. 1.237, parágrafo único, do CC/2002).
LXXI INTERDIÇÃO
1. A interdição e a curatela A Seção IX do Capítulo XV do Título II do Livro I da Parte Especial do Código de Processo Civil disciplina o procedimento para a interdição, que é o procedimento através do qual se reconhece a incapacidade superveniente do maior de 18 anos, nas hipóteses previstas no art. 1.767 do CC/2002, e concede esse encargo a terceiro. A curatela, por sua vez, é o instituto previsto no Código Civil (arts. 1.767 e ss.) para atribuir o encargo de dirigir a pessoa interditada e administrar seus bens a terceiro. Em outras palavras, a pessoa incapaz-interditada fica sujeita à curatela. Segundo o art. 1.767 do CC/2002, estão sujeitos a curatela (a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, (b) os ébrios habituais e os viciados em tóxicos e os (c) pródigos. Além disso, o art. 1.780 do CC/2002 prevê que o nascituro está sujeito à curatela se o pai falecer estando grávida a mulher, caso a mãe não tenha o poder familiar. 1.1 Alteração proposta pela Lei n. 13.146/2015 e os reflexos no CPC/2015 A Lei n. 13.146 de 2015 trata da inclusão da pessoa com deficiência e é
conhecida no ordenamento brasileiro como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Tendo em vista o objetivo da lei – de incluir as pessoas com deficiência –, ela alterou alguns dispositivos do CC/2002 que tratam da capacidade civil da pessoa. Nesse sentido, revogaram-se parcialmente os incisos do art. 1.767 do CC/2002, que dispunham sobre as características das pessoas que estão sujeitas à curatela. Passou-se a prever o instituto da “Tomada de Decisão Apoiada” para as pessoas com situação de vulnerabilidade, restringindo-se a curatela apenas àquelas pessoas tidas como absolutamente incapazes de administrar seus bens e a si mesmas. Essa alteração promovida na lei material teve reflexos no CPC/2015 principalmente no tocante à questão da extensão da curatela. Nesse ponto, o CPC/2015, além de colocar a interdição como exceção e não como regra, impõe que o juiz fixe os limites da curatela quando a incapacidade da pessoa for apenas parcial. Com relação às próprias alterações promovidas pelo CPC/2015, podemos citar a avaliação, que deverá ser feita pelo juiz, antes realizada na forma de interrogatório e agora de entrevista, que poderá ser acompanhada por especialista, como veremos a seguir. E, demonstrando o interesse na reabilitação do curatelado, o CPC/2015 determina expressamente que o curador busque meios para a reabilitação do curatelado. 2. Legitimidade A legitimidade para promover a interdição é garantida (a) ao cônjuge ou companheiro, (b) aos parentes ou tutores, (c) ao representante da entidade em
que o interditando se encontra abrigado e (d) ao Ministério Público (art. 747 do CPC/2015). Com relação aos parentes legitimados pelo inciso II do art. 747 do CPC/2015, entendemos que a legitimidade ativa se restringe as hipóteses dos arts. 1.591 e 1.592 do CC/2002. Os referidos dispositivos preveem que são parentes em linha reta as pessoas que estão uma para com as outras em relação de ascendentes e descentes, e em linha colateral ou transversal até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco. Ou seja, são legitimadas a propor a ação de interdição na qualidade de parentes apenas as pessoas que estão uma para a outra em relação de ascendência ou descendência (pais ou filhos), ou em linha colateral até o quarto grau (irmãos, primos, tios e sobrinhos). A legitimidade da entidade em que o interditando se encontra abrigado é uma inovação do CPC/2015, que pretende garantir o acesso ao judiciário da pessoa incapaz ou vulnerável, que muitas vezes fica abandonada nessas instituições. Além das hipóteses previstas no art. 747 do CPC/2015, o art. 1.768 do CC/2002, com a alteração da Lei n. 13.146 de 2015, passou a prever expressamente a possibilidade de o próprio interditando requerer a interdição. 3. Competência A competência para processar e julgar a ação de interdição é do foro do domicílio do interditando159. É o que determina o art. 46 do CPC/2015 ao prever que as ações fundadas em direito pessoal serão propostas no foro do domicílio do réu. 4. Atuação do Ministério Público
4.1 Legitimidade ativa A legitimidade ativa do Ministério Público para propor a interdição é garantida principalmente na hipótese de pessoa acometida por doença mental grave. No entanto, o Ministério Público deve propor a ação apenas quando não houver conhecimento de cônjuge ou companheiro, ou de parentes e tutores (art. 747, I e II, do CPC/2015), ou quando os legitimados dos incisos I e II forem incapazes ou não promoverem a interdição (art. 748 do CPC/2015). 4.2 Fiscal da ordem jurídica Além de ter legitimidade para propor a ação de interdição, o Ministério Público deve atuar como fiscal da ordem jurídica (art. 752, § 1º, do CPC/2015). Isso significa que nas ações em que não figurar como autor, o Ministério Público deverá ser chamado para intervir como fiscal da lei, por se tratar de ação que versa sobre interesse de incapaz (art. 178, II, do CPC/2015). Por esse motivo, o Ministério Público deverá ser intimado para intervir no processo no prazo de 30 dias. 5. Procedimento 5.1 Petição inicial Ao propor a ação de interdição, em primeiro lugar, o interessado deverá comprovar sua legitimidade, através de documentação que deverá acompanhar a petição inicial (art. 747, parágrafo único, do CPC/2015). A petição inicial deverá cumprir os requisitos do art. 319 do CPC/2015,
cabendo ao juiz determinar a emenda dela quando verificar que estão ausentes os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC/2015 (art. 321 do CPC/2015). Além disso, o autor deverá especificar na petição inicial os fatos que revelam a incapacidade do interditando para administrar seus bens ou, quando for o caso, de reger sua pessoa160, apontando em que momento a incapacidade se revelou. O art. 750 do CPC/2015 prevê a obrigatoriedade da apresentação do laudo médico para provar as alegações com relação à condição do interditando. Quando for impossível apresentar o laudo médico, o autor deverá informar as causas da impossibilidade no momento da propositura da demanda, instruindo-se a inicial com documentos comprobatórios de suas alegações (art. 320 do CPC/2015). 5.2 Tutela antecipada Admite-se ainda a concessão da tutela provisória, baseada na urgência (art. 749, parágrafo único, do CPC/2015), com o objetivo de nomear curador provisório para o interditando. 5.3 Entrevista Verificada a presença dos requisitos dos arts. 319, 320, 747, parágrafo único, e 749 do CPC/2015, ao receber a inicial o juiz deverá determinar a citação pessoal do interditando161 para comparecer perante o juízo para entrevista minuciosa acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para formar sua convicção acerca do estado mental do interditando (art. 751 do CPC/2015). Na impossibilidade de o interditando deslocar-se até o juízo para a
entrevista, o juiz deverá ouvi-lo no local em que se encontrar (art. 751, § 1º, do CPC/2015). Tanto a entrevista realizada em juízo quanto a realizada no local onde o interditando se encontra poderão ser acompanhadas por especialista (art. 751, § 2º, do CPC/2015). Além disso, é assegurada a utilização de recursos tecnológicos para permitir ou auxiliar o interditando a manifestar sua vontade e preferência, bem como para responder às perguntas formuladas. No momento da entrevista, o juiz poderá, a seu critério, requerer a oitiva de testemunhas para comprovar a condição do interditando, conforme determina o art. 751, § 4º, do CPC/2015. 5.4 Impugnação do interditando O interditando será intimado na própria entrevista para impugnar o pedido do requerente da interdição no prazo de quinze dias. A impugnação poderá ser oferecida pelo advogado ou pelo curador, quando não houver advogado constituído. Observe-se ainda que, caso o interditando não constitua advogado, o cônjuge, companheiro ou qualquer parente poderá intervir no processo como assistente (art. 752, § 3º, do CPC/2015), hipótese na qual será nomeado curador especial (art. 752, § 2º, do CPC/2015). 5.4.1 Representação do interditando A representação do interditando poderá ser feita por intermédio de advogado. A constituição de advogado também poderá ser feita por parentes sucessíveis, elencados no art. 1.829 do CC/2002. Se não houver advogado constituído, caberá à Defensoria Pública a defesa do interditando, e, na
hipótese de a Defensoria já atuar como curadora especial, ela deverá cumular as funções. O Ministério Público não pode atuar como representante judicial (arts. 127 e 129 da CF/88). 5.5 Perícia Após o decurso do prazo de quinze dias para a impugnação do interditando, independentemente de apresentação de impugnação pelo interditando, o juiz determinará a produção de prova pericial, que poderá ser realizada por equipe composta por experts, com função multidisciplinar, para avaliar a capacidade do interditando. A perícia deverá perquirir a respeito da incapacidade do interditando162. Na hipótese de tratar-se de interdição parcial, o laudo deverá apontar especificamente quais os atos civis que poderão ser praticados pelo interditando e quais necessitarão da curatela. Os interessados poderão indicar assistentes técnicos para acompanharem a perícia. Após a apresentação do laudo, o juiz deverá designar audiência de instrução e julgamento para ouvir eventuais testemunhas e até mesmo o próprio perito, quando necessário. 6. Sentença Produzidas todas as provas aptas a demonstrar a incapacidade do interditando (ainda que parcialmente), o juiz deverá proferir sentença (art. 754 do CPC/2015). Se o juiz entender que a interdição é procedente, deverá decretá-la, nomeando curador (art. 755, I, do CPC/2015). Ao nomear o curador, o juiz deverá estabelecer os limites da curatela, segundo o estado ou o
desenvolvimento mental do interdito, dispondo, quando for o caso, dos atos que o interditando poderá praticar livremente (art. 755, II, do CPC/2015). A interdição do pródigo só o privará de emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração sem o curador (art. 1.782 do CC/2002). Para garantir a publicidade da interdição, a sentença deverá ser registrada no Cartório de Registro das Pessoas Naturais (art. 29, V, da Lei n. 6.015/73) e publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa de interdição e os limites da curatela (art. 755, § 3º, do CPC/2015)163. 6.1 Curador: nomeação e função A escolha do curador deverá ser baseada no melhor interesse do curatelado (art. 755, § 1º, do CPC/2015), observando-se a ordem prevista no art. 1.775 do CC/2002, que estabelece a preferência ao cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, aos pais e, destes, aos descentes. O art. 1.783 do CC/2002 prevê que, quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo se houver determinação judicial. Com relação à autoridade do curador, o art. 757 do CPC/2015 estabelece, em consonância com o art. 1.778 do CC/2002, que ela se estende à pessoa e a todos os bens do interdito que se encontrarem sob sua guarda, exceto se o juiz considerar outra solução mais conveniente aos interesses do incapaz. Nesse sentido, se houver pessoa incapaz sob a guarda ou responsabilidade do interdito, o juiz poderá atribuir a curatela a terceiro que atender o melhor
interesse do interdito e do incapaz que estava sob sua guarda (art. 755, § 2º, do CPC/2015). O curador deverá buscar tratamento e apoio para que o interdito conquiste autonomia civil sempre que possível (art. 758 do CPC/2015). 6.2 Recurso Contra a sentença que decretar a interdição caberá recurso de apelação, que não terá efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º, VI, do CPC/2015). Em sentido similar, dispõe o art. 1.773 do CC/2002 que a sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso164. 7. Levantamento da curatela A interdição poderá ser levantada na hipótese de cessar a causa que a determinou (art. 756 do CPC/2015)165. O requerimento de levantamento da interdição poderá ser formulado pelo próprio interdito. O curador e o Ministério Público também têm legitimidade para requerer o levantamento da interdição (art. 756, § 1º, do CPC/2015). Após o pedido de levantamento, o juiz deverá determinar a realização de perícia médica, que fará exame de sanidade no interdito. Entregue o laudo, será designada audiência de instrução e julgamento (art. 756, § 2º, do CPC/2015)166-167. O acolhimento do levantamento da interdição se dá por meio de sentença, que deverá ser publicada pela imprensa local e órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 dias, após o trânsito em julgado. Além disso, a sentença de levantamento da interdição deverá ser averbada no Cartório de Registro de Pessoas Naturais (art. 756, § 2º, do CPC/2015).
A interdição também poderá ser levantada parcialmente quando restar comprovado que o interdito tem condições de praticar alguns atos da vida civil (art. 756, § 4º, do CPC/2015). 8. Breves comentários acerca da “tomada de decisão apoiada” Como dito anteriormente, trata-se de instituto criado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146 de 2015) que busca a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. Por esse motivo, a ideia principal é permitir que ela não perca totalmente a possibilidade de tomar decisões acerca da administração de seus bens e de si mesma, mas que essas decisões sejam assistidas por outra pessoa. Nos termos do art. 1.783-A do CC/2002, é uma medida em que a pessoa em situação de vulnerabilidade elege ao menos duas pessoas idôneas, com as quais mantém vínculo e confia, para prestar-lhe apoio na tomada de decisões sobre atos de sua vida civil. Não se trata propriamente da curatela, mas sim de um procedimento diferenciado para pessoas que precisam apenas de algum apoio, mas que ainda conseguem exercer os atos da vida civil. Esse procedimento deve ser requerido pela própria pessoa, que deverá indicar quem serão seus apoiadores, indicando os limites do apoio, os compromissos, o prazo e a necessidade de respeito à vontade, aos direitos e aos interesses do requerente. O pedido só será deferido após a oitiva do Ministério Público e da realização de audiência, na qual o magistrado, assistido de uma equipe multidisciplinar, entrevistará a pessoa. Os apoiadores deverão agir sempre com presteza e cumprir suas funções de acordo com o que foi determinado e requerido pelo apoiado, fornecendo-
lhe informações e elementos necessários para as tomadas de decisões na prática de atos civis. O apoiado poderá requerer judicialmente, a qualquer tempo, que cessem os efeitos da decisão que deferiu a medida.
LXXII DAS DISPOSIÇÕES COMUNS À TUTELA E À CURATELA
1. Introdução: ponto de convergência entre a tutela e a curatela O regime de tutela está previsto nos arts. 1.728 e seguintes do CC/2002. Se a incapacidade da pessoa defluir do fator idade, a representação (incapacidade absoluta) ou a assistência (incapacidade relativa) da pessoa compete aos pais, nos termos do que dispõe o art. 1.634, V, do CC/2002. A tutela é o instituto do direito civil que garante a representação ou assistência aos menores de 18 anos em caso de (i) falecimento dos pais, ou quando estes forem julgados ausentes, ou quando (ii) os pais decaírem do poder familiar (art. 1.728 do CC/2002). Na ocorrência de qualquer uma dessas hipóteses, os filhos menores serão representados ou assistidos pelo tutor. Na hipótese de a incapacidade não decorrer da idade da pessoa, o incapaz será assistido ou representado pelo curador, por meio da interdição. Os arts. 759 e seguintes do CPC/2015 tratam das disposições comuns à tutela e à curatela, tendo em vista que são institutos que visam à representação ou assistência de pessoa incapaz por terceiro. A incapacidade (total ou parcial) civil pode ser temporária ou definitiva.
A tutela se ocupa das hipóteses nas quais a incapacidade se deve ao fator idade, e a curatela é o instituto para representação e assistência de pessoas que estão incapacitadas por problemas decorrentes de saúde. Justamente por se tratar de uma situação decorrente de problemas médicos (temporários ou definitivos), a curatela possui um procedimento inicial (estudado no capítulo anterior) para que seja analisada a condição de incapacidade do interdito. A tutela, por sua vez, decorre única e exclusivamente do fator idade e por isso dispensa a necessidade da entrevista e de perícia médica. Passemos a analisar as disposições que são comuns ao procedimento da tutela e da curatela. 2. Compromisso prestado pelo tutor ou curador Sendo nomeado o tutor ou o curador nas hipóteses previstas na lei civil, eles deverão prestar o compromisso de exercer a tutela ou curatela. O art. 759 do CPC/2015 estabelece o prazo de cinco dias, contados da nomeação feita em conformidade com a lei (inc. I), ou intimação que mandar cumprir o testamento ou o instrumento público que houver instituído (inc. II), sendo a primeira referente à curatela e a última, à tutela. A forma do compromisso está prevista no § 1º do art. 759 do CPC/2015. O referido dispositivo estabelece que o compromisso será prestado por termo em livro, que deverá ser rubricado pelo juiz. Somente após prestar o compromisso é que o tutor ou curador assumirá a administração dos bens do tutelado ou do interditado (art. 759, § 2º, do CPC/2015). 2.1 Escusa do dever
O terceiro nomeado para administrar os bens e a pessoa tutelada ou interditada poderão se eximir do encargo com a apresentação de escusa ao juízo no prazo de cinco dias. A escusa pode ocorrer antes da aceitação do encargo, hipótese na qual o prazo fluirá a partir da intimação para prestar compromisso, ou após o exercício do encargo. Nessa última hipótese, o prazo de 5 (cinco) dias deverá ser contado a partir do dia em que sobrevier o motivo da escusa. O exercício da escusa caberá aos maiores de 60 anos, àqueles que estiverem sob sua autoridade mais de três filhos, aos impossibilitados por qualquer enfermidade, por habitarem lugar longe de onde se haja de exercer a tutela ou curatela, aos militares em serviço ou àqueles que já exercerem a tutela ou curatela de outra pessoa. No caso da tutela, o art. 1.737 do CC/2002 permite a escusa daquele que não for parente do menor, quando houver no lugar parente idôneo, consanguíneo ou afim, com condições de exercer o encargo. Se o tutor ou curador nomeado não apresentar escusa no prazo de cinco dias, precluirá no direito de escusar-se do encargo e será considerado como se houvesse renunciado ao direito de escusar-se (art. 760, § 1º, do CPC/2015). O tutor ou curador nomeado só poderá deixar de exercer o encargo após a decisão que o dispensar transitar em julgado. Caso o juízo não admita a escusa, o nomeado deverá exercer a tutela e a curatela enquanto não houver dispensa (art. 760, § 2º, do CPC/2015). 3. Remoção do tutor ou curador A remoção do tutor ou do curador poderá ser requerida por qualquer interessado legítimo ou pelo Ministério Público (art. 761 do CPC/2015).
Nesse sentido, o tutor ou curador poderá ser destituído de seu encargo quando for negligente, prevaricador ou incorrer em incapacidade (art. 1.766 do CC/2002168. No caso da tutela, o art. 1.735 do CC/2002 exonera do encargo de tutor aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens, que no momento de deferimento da tutela se acharem constituídos em obrigação para com o menor, que tiverem que fazer valer direitos contra ele mesmo ou aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demandado contra o menor. Além disso, não poderão exercer a tutela os inimigos do menor ou de seus pais, ou que tiverem sido expressamente excluídos pelos pais da tutela, os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade ou qualquer crime contra a família e os bons costumes, independentemente do cumprimento da pena. As pessoas de mau procedimento ou com falhas na probidade ou aquelas que tiverem sido julgadas como culpadas em abuso tutorial anterior também não poderão exercer a tutela. Além disso, estão excluídos da tutela aqueles que exercem função incompatível com a boa administração da tutela. A legitimidade do Ministério Público para requerer a exoneração do tutor ou curador decorre da sua função de fiscal da lei (art. 178, II, do CPC/2015). Quando qualquer interessado requerer a remoção do tutor ou curador, ele será intimado para contestar a arguição no prazo de cinco dias. Decorrido o prazo de cinco dias, será observado o procedimento comum (art. 761, parágrafo único, do CPC/2015). Na hipótese de o tutor ou curador não apresentar contestação, incidirão sobre ele os efeitos da revelia (art. 344 do CPC/2015), e, por esse motivo, os fatos alegados pelo interessado presumir-se-ão como aceitos pelo tutor ou
curador. Se o tutor ou curador apresentar contestação, o juiz deverá designar audiência de instrução e julgamento, momento no qual deverá conduzir à instrução probatória. Observe-se que a responsabilidade do juiz pelos prejuízos causados ao incapaz quando não houver a remoção do tutor ou curador é subsidiária (art. 1.744, II, do CC/2002)169. 3.1 Nomeação de substituto interino Demonstrada a extrema gravidade do pedido de remoção, o juiz poderá nomear substituto interino, suspendendo o tutor ou curador do exercício de suas funções (art. 762 do CPC/2015)170. A nomeação do tutor interino deverá obedecer à regra do art. 1.731 do CC/2002; a do curador, do art. 1.775 do CC/2002171. 4. Exoneração do tutor ou curador O termo de compromisso poderá ser fixado por prazo determinado. Nesse caso, cessando as funções do tutor ou curador pelo decurso do prazo, ele poderá requerer a exoneração do cargo em 10 dias (art. 763, caput e § 1º, do CPC/2015). Se o tutor ou curador não requerer a exoneração no prazo de dez dias, ele será reconduzido automaticamente, exceto na hipótese de dispensa pelo juízo. 5. Prestação de contas Além da própria obrigação de prestar contas mensalmente ao juízo, ao exonerar-se do encargo de tutor ou curador, o terceiro deverá prestar contas
assim que deixar de exercer suas funções. A prestação de contas deverá seguir o estabelecido nos arts. 1.755 e seguintes do CC/2002.
LXXIII ORGANIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS FUNDAÇÕES
1. Fundações: conceito e instituição As fundações são pessoas jurídicas criadas com o objetivo específico de promover (i) a assistência social, (ii) a cultura, a defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, (iii) a educação, (iv) a saúde, (v) a segurança alimentar ou nutricional, (vi) a defesa e preservação do meio ambiente, assim como o desenvolvimento sustentável, (vii) a pesquisa científica, o desenvolvimento de tecnologias alternativas, (viii) a ética, cidadania, a democracia e os direitos humanos e (ix) a prática de atividade religiosa (art. 62 do CC/2002). Basicamente, a fundação é um patrimônio dotado de personalidade jurídica, e, por esse motivo, ela deve ser instituída por escritura pública ou testamento, no qual se deve especificar qual o fim a que se destina, declarando-se de que forma ela será administrada. Na hipótese de os bens serem insuficientes para a instituição da fundação, eles deverão ser incorporados a outra fundação existente e que se proponha a fim igual ou semelhante àquela que se pretendia instituir, salvo se houver
disposição diferente pelo instituidor (art. 63 do CC/2002). A pessoa a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio deverá formular o estatuto da fundação quando tiver ciência do encargo, e, em seguida, deverá submetê-lo à aprovação do Ministério Público, que poderá aprovar ou não a instituição da fundação. Se o estatuto não for elaborado no prazo previsto pelo instituidor (quando houver), caberá ao Ministério Público sua elaboração (art. 65 do CC/2002). Após a aprovação do Ministério Público para a instituição da fundação, qualquer alteração no estatuto ficará sujeita à sua aprovação. Submetido o estatuto ao Ministério Público pelo interessado, ele deverá aprová-lo, denegálo ou indicar as modificações que entender necessárias. Se aprovado, o estatuto deverá ser levado a registro (art. 45 do CC/2002 e art. 114, I, da Lei n. 6.015/73 – Lei de Registros Públicos). Na hipótese de o Ministério Público não aprovar o estatuto elaborado pela pessoa interessada ou a alteração proposta pelo interessado após a instituição da fundação172, o interessado deverá recorrer ao Poder Judiciário. É dessa hipótese que trata o procedimento previsto nos arts. 764 e 765 do CPC/2015. A alteração do estatuto da fundação deve respeitar as regras previstas no art. 67 do CC/2002. Ou seja, ela deve ter sido deliberada por pelo menos dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação173. Além disso, não deve contrariar ou desvirtuar o fim da fundação. Se
as
alterações
não
forem
aprovadas
pela
unanimidade
dos
administradores, eles deverão requerer, ao submeterem as alterações à aprovação do Ministério Público, que se dê ciência à minoria vencida para que possam impugná-las no prazo de 10 dias (art. 68 do CC/2002). O art. 764, II, do CPC/2015 prevê também a hipótese de o interessado
discordar do estatuto elaborado pelo Ministério Público. 1.1 Atuação do Ministério Público 1.1.1 Aprovação do estatuto O art. 66 do CC/2002 determina que o Ministério Público deverá velar pelas fundações. Nesse sentido, o estatuto da fundação deverá ser submetido ao Ministério Público, que deverá verificar se foram observadas as bases da fundação e se os bens são suficientes ao fim a que ela se propõe. Se a fundação estender a atividade para mais de um Estado, o Ministério Público de cada estado deverá velar por ela (art. 66, § 2º, do CPC/2015); quando estiver situada no Distrito Federal, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios deverá cumprir esse encargo (art. 66, § 1º, do CPC/2015). 1.1.2 Elaboração do estatuto O Ministério Público detém legitimidade para elaborar o estatuto e submetê-lo à aprovação do juiz quando o instituidor não o fizer, nem nomear quem o faça, no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, dentro de 180 dias (art. 65, parágrafo único, do CC/2002). 2. Organização e fiscalização das fundações: função do judiciário 2.1 Intervenção judicial para suprir aprovação do Ministério Público O interessado pela instituição da fundação que teve o estatuto não aprovado pelo Ministério Público, ou quando o Ministério Público exigir modificações das quais o interessado discorda, ele deverá propor demanda judicial com o objetivo de suprir a aprovação do Ministério Público (art. 764
do CPC/2015)174. Ou seja, o judiciário é chamado pelo interessado a intervir quando o Ministério Público não aprovar o estatuto elaborado pelo interessado, quando o Ministério Público propor modificações de que o interessado discorda ou quando o interessado discordar do estatuto elaborado pelo Ministério Público. Considerando que o estatuto das fundações deverá seguir o previsto no Código Civil, além da observância da lei, o juiz poderá requerer que o interessado faça modificações no estatuto antes de aprová-lo, com o objetivo de adequá-lo ao interesse do instituidor (art. 764, § 2º, do CPC/2015)175. 2.2 Extinção da fundação Caso a finalidade da fundação torne-se ilícita, a manutenção da fundação se torne impossível ou inútil ou o prazo de sua existência vença, qualquer interessado ou o Ministério Público poderá promover sua extinção (art. 765 do CPC/2015)176-177. Quando a fundação for extinta por qualquer das hipóteses previstas no art. 765 do CPC/2015, salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou no estatuto, o patrimônio será incorporado ao patrimônio de outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante, designada pelo juiz178.
LXXIV RATIFICAÇÃO DOS PROTESTOS MARÍTIMOS E CARTAS TESMEMUNHÁVEIS FORMADOS A BORDO
1. Objeto e o conceito O direito marítimo está regulamentado no Código Comercial e em algumas legislações esparsas, como já dito em capítulo anterior. O CPC/2015 passou a prever o procedimento para a ratificação dos protestos marítimos e dos processos testemunháveis formados a bordo, em seus arts. 766 e seguintes. Nesse sentido, o CPC/2015 restringiu-se a disciplinar apenas o procedimento para a ratificação dos protestos marítimos e testemunháveis formados a bordo e, portanto, não abrange outros aspectos do direito marítimo, por exemplo a responsabilidade. Por protestos marítimos e testemunháveis formados a bordo entende-se o termo emitido pelo comandante quando há ocorrências com relação a avarias, perdas e acidentes durante a navegação, no qual constará não apenas a
descrição dos fatos, como também a visão subjetiva do comandante acerca deles. Em outras palavras, sempre que ocorrer avaria que não se enquadre como grossa ou despesa imprevisível, é necessário que se leve a termo e elabore o protesto, com o registro das avarias, perdas ou acidentes leves durante a navegação, bem como seu registro no Diário de Navegação. A lei garante a autoridade de elaborar os protestos ao comandante da embarcação. No entanto, nas hipóteses de este falecer durante a navegação ou estar impedido, tem legitimidade para elaboração do protesto aquele que o suceder, nos termos do que prevê o art. 541 do Código Comercial. Além disso, cabe ao piloto a elaboração do protesto quando o comandante recusar sua orientação (art. 539 do CCom). 2. Legitimidade Tendo em vista que o comandante é quem elabora os protestos, a competência para requerer a ratificação é dele, conforme determina expressamente o art. 766 do CPC/2015. 3. Procedimento O comandante deverá apresentar todos os protestos testemunháveis formados a bordo e que foram lançados no Diário de Navegação, no prazo de 24 horas após a chegada da embarcação. A petição inicial deverá conter todos os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC/2015, e o art. 767 do CPC/2015 determina que deverá conter na petição inicial a transcrição dos termos lançados no Diário da Navegação, instruída com as cópias das páginas que contenham os termos a serem ratificados.
Além disso, a petição inicial deverá estar acompanhada de documentos de registro da embarcação, de identificação do comandante e de eventuais testemunhas arroladas, e do rol de tripulantes. Quando for o caso, a petição inicial também deverá ser instruída com o manifesto das cargas que sofreram sinistro, bem como com a qualificação de seus consignatários. Nesses casos, é permitido que, quando necessário, seja apresentada a tradução de forma livre para o português. A petição inicial, conforme dispõe o art. 768 do CPC/2015, para ratificação de atos marítimos deverá ser distribuída com urgência para que haja a prestação de compromisso no mesmo dia. O comandante e as testemunhas deverão comparecer ao ato independentemente de intimação. Na hipótese de se tratar de pessoa estrangeira, ela deverá se apresentar acompanhada de tradutor, que prestará o compromisso em audiência. Se o autor estrangeiro não estiver acompanhado de tradutor, o juiz deverá nomear outro que preste o compromisso em audiência. Após as formalidades iniciais, o juiz deverá realizar audiência na qual apregoará os consignatários das cargas indicados na petição inicial, ou eventuais interessados, devendo nomear curador para os ausentes no ato. O magistrado deverá inquirir o comandante e as testemunhas na audiência e poderá ratificar os atos marítimos por sentença, dispensando-se o relatório, se restar comprovada a veracidade dos fatos. Com o julgamento da demanda, antes mesmo do trânsito em julgado, os autos deverão ser entregues ao autor ou aos seus advogados, com a apresentação de translado (art. 770, parágrafo único, do CPC/2015).
LXXV NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO E O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
1. Considerações introdutórias O acesso à Justiça, previsto constitucionalmente no art. 5º, XXXV, não se constitui apenas no direito à obtenção de decisão judicial. Mesmo sob a perspectiva infraconstitucional, o direito (processual) de ação não atribui apenas o direito à prolação de decisão de mérito. O direito de ação, além de atribuir ao jurisdicionado o direito à obtenção de decisão que promova o acertamento do direito, atribui-lhe também o direito à obtenção da efetiva satisfação empírica da parte, ao lado do acautelamento que se faz necessário em certas hipóteses, conforme tratado no capítulo relativo às tutelas provisórias. Tanto é assim, que o legislador ordinário expressamente reconheceu a atividade satisfativa como inerente à prestação da tutela jurisdicional, que deve ser prestada, ademais, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), conforme se pode extrair do art. 4º do CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa”179. Dessa forma, inclui-se na função do Poder Judiciário a atividade satisfativa, que se faz por meio do cumprimento de sentença ou, em certas hipóteses, do próprio processo de execução. A atividade desempenhada pelo juiz na execução é sensivelmente diversa daquela exercida no bojo do processo de execução. Segundo Araken de Assis, na “atividade cognitiva, a missão judicial transforma o fato em direito (trabalho de gabinete); na execução, o direito, ou seja, a regra jurídica concreta, há de traduzir-se em fatos (trabalho de campo)”180. Com efeito, o que se objetiva no processo de execução ou no cumprimento de sentença é a alteração da realidade fática, pois tem lugar, como regra, quando não ocorrer o cumprimento espontâneo de determinada obrigação. É importante advertir, porém, que a execução não se presta apenas a promover a efetivação do direito cuja correspondente obrigação não foi cumprida espontaneamente por seu devedor. Presta-se também a evitar a própria ocorrência da lesão, em caso de ameaça de violação a direito, afinal o art. 5º, XXXV, da CF é claro ao tutelar o jurisdicionado em razão da lesão ou da ameaça de lesão a direito181. A execução, como processo ou fase, tem lugar quando aquele que busca a sua utilização (exequente) ostenta título executivo. É ele que torna desnecessária a atividade cognitiva do julgador, no tocante ao acertamento do direito, para debruçar-se sobre a implementação, na ordem prática, do direito do autor materializado no título. Ademais, é a natureza do título executivo que conduzirá à adoção do processo de execução ou do cumprimento de sentença. Tratando-se de algum dos títulos executivos extrajudiciais previstos no art. 784 do CPC, adotar-se-á
o processo de execução regido pelos arts. 771 e seguintes do CPC. Tratandose de títulos executivos extrajudiciais (art. 515 do CPC), adotar-se-á o cumprimento de sentença. Antes de adentrar no estudo mais especificado da execução e do cumprimento de sentença, é importante que sejam analisados temas que dizem respeito a ambos. 2. Autonomia e sincretismo Durante grande parte da vigência do CPC/73, existiam três espécies de processo: conhecimento, cautelar e execução. Ainda que as três espécies processuais se interligassem muitas vezes (basta pensar que o processo cautelar deveria ser, em princípio, preparatório ou incidental a processo de conhecimento ou de execução), havia entre elas certa independência. Na vigência do Código Buzaid, dizia-se que o processo de execução era autônomo, pois não dependia do processo de conhecimento, tampouco do processo cautelar. Aliás, mesmo em se tratando de execução de sentença judicial, preservada estaria a dita autonomia, porque a parte vitoriosa em processo judicial (processo de conhecimento, em que se promovia o acertamento do direito), munida de título executivo, voltaria ao Judiciário para novamente formular pedido, desta vez de natureza executória. Com efeito, ia-se ao Judiciário primeiro para obter o acertamento do direito e, em seguida, ia-se novamente para pleitear o cumprimento forçado daquilo que foi decidido anteriormente. Havia, sob essa perspectiva, pouca diferença entre os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, pois ambos ensejavam a formação de uma relação jurídica processual. No caso dos títulos judiciais, forma-se uma nova relação
processual distinta daquela em que formado o título executivo. Todavia, a Lei n. 11.232/2005 alterou significativamente esse panorama, pois excluiu a necessidade de ajuizamento de nova demanda (executiva) para que o jurisdicionado obtenha a satisfação daquilo que lhe foi garantido por decisão de mérito. Reservou-se a formação de processo autônomo de cumprimento de sentença apenas às hipóteses de cumprimento de sentença penal condenatória e de sentença arbitral. A aludida Lei, portanto, acrescentou os arts. 475-I e seguintes ao CPC/73, que passaram a regular o cumprimento de sentença. Com efeito, a execução de título judicial, que, até o advento da Lei n. 11.232/2005, fazia-se por processo executivo autônomo, passou a ter lugar no bojo do próprio processo, havendo apenas a formação de uma nova fase do mesmo processo: a fase de cumprimento de sentença. Trata-se do propalado processo sincrético, que reúne conhecimento e execução. É bem verdade que, essencialmente, não houve distanciamento entre as execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, pois no seio de cada um dos procedimentos há notas que marcam a similitude entre eles. Houve, segundo Araken de Assis, atenuação do princípio da autonomia da execução, mas “do seu ponto de vista estrutural, mas não apagou o caráter imanente”182. A regra instituída pela Lei n. 11.232/2005 foi mantida pelo CPC vigente, que trata do cumprimento de sentença como fase do processo, enquanto a execução dos títulos executivos extrajudicial se faz por processo executivo autônomo. Em síntese, enquanto o processo de execução de títulos extrajudiciais continua a ser autônomo em relação ao processo de conhecimento, o cumprimento de sentença integra o processo, tratando-se apenas da sua fase satisfativa.
Seja como for, não há dúvidas de que o processo de execução e o cumprimento de sentença estão interligados, tanto é que as regras daquele se aplicam subsidiariamente a este (art. 771 do CPC). Por essa razão, sempre que houver referência à “execução”, estar-se-á falando do processo de execução e do cumprimento de sentença, terminologias estas que servirão para designar cada uma das espécies de execução. 3. Execução e mérito Como já se disse anteriormente, na vigência do CPC/73 podia-se falar em três espécies de processo: conhecimento, execução e cautelar. Com o advento do CPC/2015, parece-nos não haver mais processo cautelar, pois os arts. 294 e seguintes cuidaram de regular conjuntamente a tutela cautelar e a antecipatória, trazendo-as para o bojo do próprio processo de conhecimento ou de execução, como técnicas diferenciadas para tutela do próprio jurisdicionado. Hoje, portanto, pode-se falar apenas em duas espécies de processo: conhecimento e execução. No processo de conhecimento, como também já se disse, busca-se o acertamento do direito. O que pretende o autor da ação de cobrança, v.g., é ver o réu condenado a prestar aquilo que lhe é devido, não sem antes passar pelo elemento declaratório, ínsito a toda constituição (positiva ou negativa) e condenação (positiva ou negativa). No processo de conhecimento, como regra, não há dificuldade em identificar sobre o que recairá a atividade cognitiva do juiz, ou seja, qual é o objeto, o pedido do autor. Define-se, então, o mérito com relativa facilidade. E, se a função do processo de conhecimento é permitir que o jurisdicionado que exerce adequadamente o seu direito de ação obtenha uma
decisão de mérito, que aplique o direito ao caso concreto, é preciso reconhecer que aquilo que se decidir a respeito do mérito, do pedido, deve permanecer imutável, como garantia da segurança jurídica. É por isso que consideramos a coisa julgada uma das características da jurisdição, conforme tratado no capítulo dedicado ao tema. No processo de execução (bem como no cumprimento de sentença), não se busca a aplicação do direito ao caso concreto. O autor não quer que o juiz construa a norma jurídica do caso concreto, mas sim, pelo contrário, que faça com que o direito já assegurado a ele, autor, por decisão judicial ou por documento com força executiva (títulos extrajudiciais), seja efetivado, isto é, implementado na ordem prática. O que pede o exequente, então, é a própria execução, ou a satisfação de seu direito. É esse, portanto, o mérito da execução. Diante disso, pode-se notar que o mérito do processo de conhecimento e o do processo de execução são demasiado distintos. A par disso, não se pode dizer que a execução não tem mérito pelo só fato de não haver decisão judicial que promova o acertamento do direito. Afinal, se a satisfação do credor integra a atividade jurisdicional, razão não haveria para dizer que o pedido executório não se constitui no mérito da execução. Assim, o pedido executório é, ao que nos parece, mérito, diferente, porém, do mérito do processo de conhecimento, o que é natural, já que conhecimento e execução são também diferentes. A despeito de ser esse o conteúdo do mérito no processo de execução e no cumprimento de sentença, nada impede que sejam travadas, no bojo da execução, discussões próprias do processo de conhecimento. É, v.g., o caso do pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado no bojo da
execução (art. 134, caput, do CPC), que ensejará a prolação de decisão de mérito a respeito da responsabilidade dos sócios e administradores. Tratar-seá de incidente cognitivo no bojo da execução, que terá o seu próprio mérito (desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese). 4. Princípios da execução Além dos princípios gerais do processo civil, já analisados anteriormente nesta obra, tem-se, em sede de execução e cumprimento de sentença, princípios específicos que regem a matéria. 4.1 Princípio da iniciativa O princípio da iniciativa é expressão do princípio dispositivo, que rege o processo civil como um todo, conforme se extrai do art. 2º do CPC. Pode-se dizer, então, que a atividade jurisdicional é inerte, razão pela qual o jurisdicionado que dela pretende se valer deve provocar a sua atuação. Porém, uma vez provocada a tutela jurisdicional, seguirá o processo por impulso oficial. Em relação aos títulos executivos extrajudiciais, é claro o CPC ao estabelecer no art. 778 quem são os legitimados a propor a ação de execução de título extrajudicial. Disso se extrai que a execução deve ser instaurada por iniciativa do credor (art. 778, caput) ou de terceiros relacionados ao credor (art. 778, § 1º), sendo defeso o agir oficioso do juízo. No mesmo sentido, no cumprimento de sentença que imponha obrigação de pagar quantia, o princípio da iniciativa também se mostra claro, tendo em vista que o art. 523 do CPC, aplicável também ao cumprimento provisório (cf. art. 520, caput), faz expressa referência ao “requerimento do exequente”.
Em relação ao cumprimento de sentença que imponha obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, vale notar que o CPC/2015 (arts. 536 e 538) prevê que o juiz deverá determinar, de ofício, a adoção de medidas capazes de impor o cumprimento da obrigação, repetindo, aliás, o que previam os agora revogados arts. 461 e 461-A do CPC/73. Segundo Arruda Alvim, a determinação de tais medidas, de ofício, não importa em mitigação do princípio da iniciativa, afinal a “inércia da jurisdição já teria sido rompida quando da provocação inicial, na fase de conhecimento”183, caso em que tais medidas teriam por finalidade apenas “atingir a completa e satisfatória entrega da prestação jurisdicional”184-185. Araken de Assis afirma que “é desnecessária a iniciativa do exequente quanto às ordens judiciais para os fins do art. 536 (...). Porém, nos casos de condenação (v.g., a obrigação assumida por B perante A de não fabricar o produto Y e utilizar embalagem similar, por certo período) a iniciativa da parte é indispensável”186. Em síntese, o que se nota é que no processo civil, como um todo, repousa a ideia de que o Judiciário só pode prestar a sua tutela jurisdicional se devidamente provocada a sua atuação pela parte interessada. 4.2 Princípio do título Conforme dito anteriormente, a execução e o cumprimento de sentença exigem a existência de título executivo, extrajudicial ou judicial, respectivamente. Ademais, dispõe o art. 783 do CPC que o título deverá ser líquido, certo e exigível, ou seja, é preciso saber quem deve, para quem se deve, quanto se deve e quando deveria ter sido adimplida a obrigação. Faltando liquidez,
certeza ou exigibilidade, será nula a execução (cf. art. 803, I, do CPC), o que se denota também da máxima nulla executio sine titulo. Coube à lei estipular quais são os títulos executivos extrajudiciais (art. 784 do CPC), que, como regra, são documentos elaborados pelas próprias partes ou por tabeliães, que, dadas as suas características próprias, merecem ser desde logo executados, independentemente do acertamento do direito. Da mesma forma, é a lei processual que estabelece quais são os títulos executivos judiciais, conforme se extrai do art. 515 do CPC. Tais títulos, como regra, formam-se após o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece a existência da obrigação. Em todos os casos, há o reconhecimento, pelo legislador, de que tais documentos ostentam força executiva, cabendo ao Poder Judiciário, no exercício de sua função precípua, compelir o devedor da obrigação a adimplila, imiscuindo-se no patrimônio deste, se o caso, para satisfazer o credor. Questão interessante diz respeito ao cumprimento provisório de sentença. Prevê o art. 520 do CPC que, sendo interposto recurso não dotado de efeito suspensivo, poderá a decisão ser imediatamente executada. Outros dispositivos do CPC/2015 também aludem à hipótese, como se pode perceber da leitura do art. 297, parágrafo único, relativo às tutelas provisórias, bem como do art. 356, § 2º, alusivo ao julgamento antecipado parcial de mérito. Nessas hipóteses, poder-se-ia dizer que não existiria título executivo, afinal a decisão judicial a ser cumprida não teria transitado em julgado, caso em que haveria exceção ao princípio aqui analisado. Isso, porém, não é o que nos parece. Em verdade, as decisões judiciais que são objeto de cumprimento provisório constituem título executivo, diferindo daqueles formados após o trânsito em julgado apenas pelo fato de que estes
são definitivos, enquanto aqueles são provisórios. Ou seja, no cumprimento provisório de sentença (a lei processual – Capítulo II do Título II do Livro I da Parte Especial – alude à sentença, mas é indiscutível que o procedimento ali previsto se aplica a qualquer espécie de decisão judicial), o que é provisório é o próprio título187 e não o cumprimento, em si. Temos presente, portanto, que não há execução sem título, que deverá ser líquido, certo e exigível. Mesmo nos casos de cumprimento provisório de sentença, haverá título, que será, todavia, provisório, e que se tornará definitivo tão logo transite em julgado a decisão executada, caso seja mantida a decisão exequenda. 4.3 Princípio do resultado Ao contrário do processo de conhecimento, em que a finalidade é o acertamento do direito, que pode favorecer autor ou réu, indistintamente, na execução há apenas uma finalidade: a satisfação do credor. É por isso que se pode dizer que a execução, como tudo, tem fim único. É, aliás, o que disciplina o art. 797 do CPC, que ressalva apenas a hipótese de insolvência do devedor, que enseja a instauração do concurso universal. Nos demais casos, o objetivo maior da execução deve ser a satisfação do direito do exequente. Assim é porque o pressuposto para a execução é, como já dissemos, a existência de título executivo que materialize a dívida, motivo pelo qual a sua única razão de ser é atribuir, na prática, o direito ao seu titular, isto é, ao exequente. Tanto é assim que “uma execução é bem-sucedida, de fato, quando
entrega rigorosamente ao exequente o bem da vida, objeto da prestação inadimplida, e seus consectários, ou obtém o direito reconhecido no título executivo (execução in natura)”188. 4.4 Princípio da disponibilidade Na execução, o que se objetiva, como visto, é a satisfação do credor, razão pela qual se trata de processo (ou fase) de fim único. Por essa razão é que o credor tem livre disponibilidade em relação ao processo de execução e ao cumprimento de sentença, afinal ambos se destinam, unicamente, a tutelar o seu exclusivo interesse de ver satisfeita a pretensão. Conquanto vigore no processo civil, como um todo, o princípio dispositivo, como já se afirmou anteriormente, a desistência encontra tratamento diverso na fase de conhecimento e na fase de cumprimento de sentença e processo de execução. Na fase cognitiva, o autor da ação poderá desistir até a sentença (cf. art. 485, § 5º, do CPC), mas só poderá fazê-lo sem o consentimento da parte contrária se manifestar vontade antes da contestação (cf. art. 485, § 4º, do CPC). Justifica-se tal previsão porque na fase de conhecimento, cujo objetivo é o acertamento do direito, também o réu tem interesse na solução do conflito de interesses, motivo pelo qual deve concordar com a desistência manifestada pelo autor, caso tenha oferecido contestação, sobretudo porque, em caso de desistência, não estará o autor impedido de repropor a ação (cf. art. 486, caput, do CPC)189. No processo de execução e no cumprimento de sentença, por outro lado, a desistência, como regra, independe de anuência da parte contrária, afinal,
diferentemente da fase cognitiva, o executado não tem interesse na solução do conflito favoravelmente a si, já que se trata de processo de fim único. Com efeito, prevê o art. 775 do CPC que o exequente tem direito de desistir do processo de execução ou do cumprimento de sentença, ou de alguma medida executiva, independentemente da anuência da parte contrária, isto é, do executado. Só há necessidade de anuência do executado se a impugnação ou os embargos à execução disserem respeito a questões materiais (cf. art. 775, parágrafo único, II), pois, nesse caso, haverá interesse do executado na decisão judicial relativa à sua defesa. De outro lado, se a impugnação ou os embargos à execução disserem respeito apenas a questões processuais, mantida estará a regra geral de que a desistência independe de anuência do executado. Em síntese, cabe ao exequente, e apenas a ele, decidir se mantém ou não o curso da execução, podendo ainda desistir de determinados atos executivos, como a penhora sobre certo bem, v.g.190 Importa notar, ademais, que a desistência atinge a pretensão à tutela jurisdicional executiva, e não o direito material que está sendo efetivado. Quando o ato de disposição da parte disser respeito ao direito material em si, ter-se-á renúncia ao crédito, por exemplo, que também põe fim à execução ou ao cumprimento de sentença (cf. art. 924, IV, do CPC), mas sem possibilidade de ser reiniciada a execução, afinal é o próprio direito material que terá sido objeto do ato de disposição. 4.5 Princípio da menor onerosidade Importante princípio da execução é o chamado princípio da menor
onerosidade. Como dito acima, a execução (incluído o cumprimento de sentença) se desenvolve sempre em benefício do credor, pois se trata de processo (ou fase) de fim único. Se pensado isoladamente, o princípio do resultado da execução poderia ensejar a precipitada conclusão de que o devedor da obrigação permanece em posição de inalterável passividade na execução, vendo o seu patrimônio integralmente exposto à atividade jurisdicional executiva. Muito embora a execução objetive, é verdade, a satisfação integral do credor, tal finalidade não pode impor prejuízo maior do que o estritamente necessário à aludida satisfação. Com efeito, se houver mais de um meio efetivo para obter a satisfação do credor, dever-se-á optar por aquele que for menos oneroso ao devedor, afinal a atividade executiva não se presta a penalizar o obrigado. É, aliás, o que se extrai do art. 805, caput, do CPC: “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”. Caso, por exemplo, o credor busque a satisfação prática consistente no recebimento de dinheiro (obrigação de pagar quantia), sendo igualmente possível e efetiva (ou seja, se ambas forem suficientes para fazer frente à execução) a penhora de um automóvel e de um bem imóvel, caberá ao juiz optar pelo bem cuja constrição e posterior expropriação causar menor prejuízo ao devedor. Nesse exemplo, poder-se-ia pensar na penhora sobre o veículo, tendo em vista que, como regra, a penhora sobre imóvel é mais onerosa ao devedor do que a penhora sobre automóvel. Nessa hipótese, é importante destacar, caberá ao executado indicar qual meio executivo seria menos oneroso a ele, embora de igual efetividade, tal
como prevê o parágrafo único do art. 805: “Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados”. 4.6 Princípio da atipicidade dos atos executivos A atividade executiva, como já se afirmou anteriormente, integra a prestação da tutela jurisdicional, afinal deve ela ser efetiva, trazendo benefício prático ao jurisdicionado. Com efeito, o art. 5º, XXXV, da CF atribui ao jurisdicionado o acesso efetivo à Justiça, e não o mero acesso formal. Dessa forma, se a satisfação prática da parte vitoriosa também integra a prestação da tutela jurisdicional, cabe ao Estado-juiz empreender meios eficientes para promover a implementação prática do direito da parte. Trata-se dos meios executivos, isto é, das técnicas de que pode se valer o juiz para fazer implementar na ordem prática o direito de que é titular o exequente, seja porque ele apresenta título executivo judicial, seja porque apresenta título extrajudicial. Pode-se, de modo geral, classificar os meios executivos em diretos, ou seja, em meios sub-rogatórios, e em indiretos, ou seja, em meios coercitivos. Meios executivos diretos, ou sub-rogatórios, são aqueles que permitem ao juiz substituir o agir do devedor, reticente em cumprir a sua obrigação. Noutros termos, se o devedor obrigado a pagar quantia ao credor deixa de fazê-lo a tempo e modo ajustados, cabe ao Judiciário, na prestação da tutela jurisdicional, imiscuir-se no patrimônio do devedor e de lá retirar quantia suficiente para satisfazer o credor.
O cumprimento espontâneo da obrigação por parte do devedor decorreria de manifestação sua, ainda que a vontade para tanto seja irrelevante para o direito. Nessa hipótese, o Judiciário substitui essa ação humana – pagamento – retirando do patrimônio do devedor a quantia que seria devida ao credor. De outro lado, os meios executivos indiretos, ou coercitivos, são aqueles que objetivam coagir o próprio devedor a cumprir a obrigação191. Não há, portanto, substituição do agir do devedor por parte do Judiciário, mas a coação para que ele próprio cumpra a obrigação. É, por exemplo, o caso da prisão civil do devedor de alimentos, que será analisada mais detalhadamente em capítulo dedicado ao cumprimento de sentença. Na hipótese do art. 528, § 3º, do CPC, o devedor de alimentos que não justificar satisfatoriamente a mora no adimplemento será recolhido à prisão, não como forma de punição (pena) por não prestar adequadamente os alimentos, mas como forma de satisfazer o débito (tanto é que o § 5º do art. 528 diz que o cumprimento do prazo da prisão – 3 meses – não desobriga o devedor). Trata-se, em verdade, de meio previsto pelo ordenamento jurídico para coagir o devedor de alimentos a adimplir o débito. Ou seja, enquanto nos meios executivos diretos se torna irrelevante o agir do devedor, porque substituído pela atuação jurisdicional, nos meios executivos indiretos esse agir ainda é necessário, prestando-se tais meios, justamente, a exercer pressão sobre o devedor, a fim de que aja. Sob a regência do CPC/73, vigorava o chamado princípio da tipicidade dos meios executivos, pelo qual, como regra, só seria possível o emprego dos meios executivos previstos pela própria lei para cada espécie de obrigação192. Assim, no cumprimento de sentença que reconhecesse obrigação de pagar quantia, o meio coercitivo legalmente previsto era a incidência da multa
moratória prevista no art. 475-J (acrescido ao CPC/73 pela Lei n. 11.232/2005). Não havendo o cumprimento da obrigação, o meio executivo subsequente seria a penhora de bens. Com o advento do vigente CPC, passou-se a ter no direito brasileiro o princípio da atipicidade dos meios executivos, consoante se extrai do art. 139, IV, assim redigido: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Houve, portanto, ampliação do espectro em que tem aplicação a atipicidade dos meios executivos, que antes se restringia às obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro, atingindo, agora, todas as espécies de execução, indistintamente. O art. 139, IV, do CPC, todavia, não cria a possibilidade de que sejam empregados quaisquer meios executivos, de maneira indistinta. É preciso, acima de tudo, que se trate de meios idôneos, isto é, meios que não sejam vedados pelo ordenamento jurídico, e que, ao lado disso, sejam efetivos, isto é, sejam capazes de, em tese, substituir a atuação do devedor ou coagi-lo efetivamente a adimplir a obrigação. O cumprimento de sentença que fixa obrigação alimentícia conta com excepcional meio coercitivo, que é a prisão civil, já referida linhas atrás. Trata-se de meio concebido pelo legislador para compelir o devedor a adimplir seu débito, caso não apresente justificativa suficiente para a sua mora (cf. art. 528, § 3º, do CPC). Considerando que o CPC admite o emprego de meios executivos atípicos, poder-se-ia cogitar da aplicação do aludido dispositivo ao cumprimento de
sentença que tenha fixado outras espécies de obrigação. A despeito da previsão contida no art. 139, IV, do CPC, parece-nos claro que o exemplo acima referido não é admissível no direito pátrio, pois, ainda que seja juridicamente possível o intercâmbio de meios executivos previstos para as variadas espécies de obrigação, é necessária a verificação da idoneidade do meio. Dizemos que o exemplo não seria admissível porque a Constituição Federal é expressa ao permitir a prisão civil apenas em caso de dívida de alimentos193, razão pela qual não seria possível a transposição desse meio coercitivo, que é admitido pela CF apenas para a obrigação alimentar, para qualquer outra espécie de obrigação, já que nesses casos não haveria autorização constitucional. Essa, porém, é hipótese que nos parece receber fácil solução do ordenamento jurídico. Há casos, porém, que vêm sendo bastante discutidos pela doutrina e pela jurisprudência. Multiplicaram-se, logo após a entrada em vigor do CPC, decisões interlocutórias em sede de execução que, por exemplo, suspendiam a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o passaporte dos executados, sob o fundamento, modo geral, de que aqueles que não podem adimplir suas dívidas também não devem se utilizar de automóveis ou viajar ao exterior. Porém, os tribunais de segundo grau parecem caminhar no sentido de que esses meios coercitivos não seriam idôneos, pois violariam a liberdade dos indivíduos, ainda que devedores, que não deve ser atingida, quer por se tratar de direito fundamental, quer porque o que responde pelas dívidas de determinada pessoa é o seu patrimônio e não ela própria, não sendo lícito o emprego de punições pessoais pelo inadimplemento194.
Recentemente, porém, o STJ apreciou recurso ordinário em habeas corpus, decidindo que a liberdade de locomoção é vulnerada pela suspensão de passaporte, mas que a suspensão da carteira de habilitação não viola tal direito, daí por que seria lícita a sua utilização como meio coercitivo indireto da execução195. A despeito da previsão genérica do art. 139, IV, do CPC, que autoriza a adoção de medidas atípicas sem qualquer espécie de limitação à natureza da obrigação, o que amplia, a nosso juízo, a atipicidade prevista no CPC/73 também às obrigações pecuniárias, parece-nos que se deve privilegiar as medidas especificamente previstas pelo legislador para cada caso. Ou seja, o art. 523, § 1º, do CPC prevê como primeiro meio coercitivo a incidência de multa de 10% sobre o montante devido pelo executado no cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia. A incidência dessa multa moratória é o meio típico concebido pelo legislador, razão pela qual deve ser privilegiado, sob pena de tornar tais medidas meras “sugestões” do legislador. Portanto, conquanto seja lícito ao juiz adotar medidas não previstas especificamente pela lei, ou não previstas como meio executivo para determinada espécie de obrigação, desde que idôneas, isso só tem lugar quando se constatar que os meios típicos não foram efetivos. Deve-se, portanto, priorizar os meios típicos previstos para cada espécie de obrigação, aplicando-se o princípio da atipicidade dos meios executivos em caráter suplementar196. 5. Classificação 5.1 Quanto à origem do título
Conforme já se disse no tópico precedente, a execução se faz por meio de processo autônomo, dito “processo de execução”, ou por meio de “mera” fase do processo, dita “fase de cumprimento de sentença”. A nota distintiva entre as duas espécies de execução é, nesse passo, a origem do título executivo. Ter-se-á, então, processo de execução quando houver título executivo extrajudicial; ter-se-á cumprimento de sentença quando o título tiver origem judicial (ou jurisdicional, para abarcar a sentença arbitral). Os títulos executivos são aqueles documentos aos quais o ordenamento jurídico atribui força executiva197. São extrajudiciais aqueles documentos particulares ou públicos que se acham previstos pelo art. 784 do CPC. Para a sua formação não concorre a atuação de magistrado ou árbitro, ambos detentores de poder jurisdicional, formando-se, portanto, fora do ambiente do processo. Os títulos executivos judiciais, de outro lado, são aqueles formados no bojo do processo, submetido à atuação do magistrado ou do árbitro, conforme prevê o art. 515 do CPC. É importante notar que, no mais das vezes, o título executivo judicial será a decisão judicial que promove o acertamento do direito, por exemplo, condenando o réu a pagar determinada quantia. Esse, porém, é somente um exemplo de título executivo judicial (art. 515, I), podendo-se mencionar o formal de partilha e o crédito do auxiliar da justiça (honorários periciais homologados pelo juízo, v.g.). Com efeito, o que torna “judicial” o título executivo é a participação do magistrado ou do árbitro na sua formação, atuando com maior ou menor intensidade na formação do título, a depender da hipótese. Justifica-se a distinção ora apresentada porque o ordenamento jurídico
reconhece a existência de maior “força” nos títulos formados no bojo de processo judicial ou arbitral, sob a direção do magistrado ou do árbitro, do que aqueles formados pelas próprias partes, ainda que com a participação de oficial público (tabelião). Isso se evidencia, por exemplo, quando se verifica que o espectro de matérias que podem ser alegadas pelo executado nos embargos à execução – meio pelo qual se insurge o executado, em caso de execução de título extrajudicial – é muito mais amplo do que o espectro de matérias dedutíveis em impugnação ao cumprimento de sentença (defesa do executado no cumprimento de sentença). O art. 525 do CPC prevê as restritas matérias que podem ser alegadas pelo executado, em caso de impugnação ao cumprimento de sentença, não admitindo a reabertura de qualquer discussão travada no bojo da fase cognitiva do processo. O art. 917 do CPC, por seu turno, conquanto reproduza diversos incisos do mencionado art. 525, prevê (art. 917, VI) todas as matérias dedutíveis como defesa em processo de conhecimento. Ou seja, enquanto na impugnação ao cumprimento de sentença não há a possibilidade de rediscussão da decisão que se tornou título executivo, sendo admissível apenas a discussão de questões processuais e questões que, mesmo sendo de direito material, não foram objeto de análise na fase cognitiva (não estão, portanto, acobertadas pela coisa julgada material ou também pela eficácia preclusiva da coisa julgada), nos embargos à execução o executado pode alegar todas as matérias passíveis de serem alegadas em processo de conhecimento, sem qualquer restrição às matérias meramente processuais. Isso se justifica, justamente, pela ausência da figura do juiz (togado ou
árbitro) na formação do título executivo extrajudicial, o que enseja maior campo de defesa para o executado. Os títulos executivos judiciais, de seu turno, por contarem com a participação do julgador na sua formação, gozam de maior “força” concedida pelo sistema normativo, afinal a sua formação no bojo do processo judicial ou arbitral, além de contar com a chancela jurisdicional, faz presumir o exercício de todos os direitos e garantias inerentes ao processo198. 5.2 Quanto à estabilidade do título Classifica-se também a execução em relação à estabilidade do título que lhe rende ensejo. O processo de execução e o cumprimento de sentença são, como regra, definitivos, pois lastreados em títulos executivos definitivos. Ainda que haja certa distinção entre os títulos executivos judiciais e os extrajudiciais, como noticiado no tópico anterior, sobretudo no que toca às matérias de defesa que podem ser aventadas pelo executado, certo é que em ambos os casos tem-se título executivo definitivo. É importante notar que a execução definitiva fundada nesses títulos pode ser resistida pelo executado, caso em que se alegará, de modo geral, a inexistência, a nulidade (ou anulabilidade) ou a ineficácia do título. Há casos, porém, como dito anteriormente, em que o CPC autoriza o cumprimento provisório de decisão judicial (art. 520), hipótese em que há verdadeiro título executivo provisório. Desse modo, tratando-se de decisão judicial impugnada por recurso sem efeito suspensivo, poderá a parte vitoriosa (ainda que não em caráter definitivo) promover o cumprimento provisório da decisão, que é, em tudo e
por tudo, título executivo, mas também provisório, pois sujeito à decisão do órgão ad quem a respeito do recurso interposto. Portanto, nem sequer nos parece correto dizer que o cumprimento provisório de sentença (rectius: de qualquer decisão que possa ser efetivada, a despeito do interposto recurso) mitiga o princípio do título, tratado anteriormente, pois nessa modalidade de cumprimento também há título, que é, porém, provisório, em razão da submissão do seu conteúdo (conteúdo decisório) a outro órgão jurisdicional. 5.3 Quanto aos meios executivos Já se anunciou, ao tratar do princípio da atipicidade dos meios executivos, a diferença entre a execução direta e a execução indireta. Trata-se, como dito, de distinção que decorre dos meios executivos (instrumentos de que se utiliza o juiz para fazer cumprir a obrigação do executado) empregados no processo de execução e no cumprimento de sentença. São diretos os meios que substituem o agir do executado; são indiretos aqueles que não substituem esse agir, mas se constituem em meios coercitivos para que o próprio executado aja (ou deixe de agir, nas obrigações de não fazer). Desse modo, fala-se em execução direta quando os meios executivos empregados pelo juiz objetivam substituir a atuação do devedor tendente a cumprir a obrigação. É, por exemplo, o caso da penhora de dinheiro depositado em conta bancária titularizada pelo executado, caso em que o que se obtém por meio dessa medida (penhora de dinheiro) se confunde com o objeto da prestação devida. Mas não só a penhora de dinheiro se constitui em meio executivo sub-
rogatório. A penhora sobre qualquer espécie de bem, porque haverá, mais cedo ou mais tarde, a sua conversão em dinheiro ou a sua utilização como forma de pagamento (adjudicação), constitui meio direto de execução. Parece-nos também ser medida sub-rogatória a busca e apreensão de bem móvel que seja objeto da prestação devida pelo executado, quando se estiver diante de obrigação de dar coisa diversa de dinheiro. A execução indireta, por outro lado, utiliza-se de meios executivos que, conquanto não atribuam ao exequente, desde logo, o objeto da prestação que lhe é devida, objetivam coagir o devedor a fazê-lo. Essa modalidade de execução (rectius: modalidade de meios executivos) tem lugar quando a ação do devedor é relevante, não sendo efetiva, sob a perspectiva do cumprimento específico da obrigação (dar ao credor o objeto de seu crédito, sem conversão em perdas e danos), a sub-rogação por parte do Estado-juiz199. Claro exemplo de aplicação de meio executivo indireto é a aplicação de multa diária ao devedor relutante em adimplir obrigação de fazer. É, aliás, nas obrigações de fazer e não fazer que têm maior aplicação os meios executivos indiretos, afinal nessas espécies de obrigação o que sobressai é, justamente, o agir ou o não agir do devedor. Contudo, o procedimento para cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia fornece claro exemplo de meio indireto, ou coercitivo, que é a incidência de multa de 10%, caso não seja cumprido o prazo de 15 dias para pagamento (art. 523, § 1º, do CPC). Ou seja, ainda que o objeto da prestação devida pelo executado possa ser obtido por meio de penhora (meio executivo direto), o legislador concebeu a imposição da multa como forma de coagir o executado a adimplir espontaneamente o débito,
utilizando-se de meios sub-rogatórios apenas se não houver o cumprimento do mencionado prazo de 15 dias. Isso não ocorre com a execução de título extrajudicial, quando em causa obrigação de pagar quantia, pois o art. 829 do CPC prevê que, não pago o débito em três dias, haverá, desde logo, a penhora de tantos bens quantos forem necessários para satisfazer o crédito do exequente. 6. Responsabilidade patrimonial As dívidas devem ser adimplidas, seja voluntariamente, seja de maneira forçada, pois às obrigações correspondem os direitos violados, que devem ser preservados, satisfazendo-se os seus titulares. Tratando-se de execução forçada da obrigação, cabe ao Estado, titular do poder de império, coagir e constranger o devedor a adimplir a obrigação, fazendo-o por meio das técnicas executivas. No Estado Democrático de Direito, porém, não se admite que o próprio devedor, isto é, seu corpo, responda pelo adimplemento de suas obrigações. Tal responsabilidade recai, em verdade, sobre o seu patrimônio. É dizer: a obrigação é de determinada pessoa, mas quem responde pelo seu cumprimento é o seu patrimônio e não ela própria, em si. Não se admite, pois, que a execução forçada da obrigação atinja o próprio devedor, obrigando-o a realizar trabalhos, por exemplo. É claro que alguns meios executivos, especialmente os coercitivos, ou indiretos, buscam impingir ao devedor situação desfavorável. Isso, todavia, não significa que seu corpo, v.g., responderá pelo adimplemento da obrigação. Tanto é assim que, mesmo na ocorrência da prisão civil do devedor de alimentos, que é, ao que nos parece, a mais severa técnica
executiva, não se considera satisfeita a obrigação ao cabo do período em que o devedor deve permanecer preso (cf. art. 528, § 5º, do CPC). Com efeito, o que se nota é que os meios executivos indiretos, que se destinam à pessoa do devedor (ou responsável, como se tratará neste tópico), não importam na satisfação da obrigação, destinando-se apenas a coagir o obrigado a adimplir a obrigação ele próprio. Por isso, dispõe o art. 789 do CPC que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”. O que diz o dispositivo, pois, é que quem responde pelo cumprimento das obrigações é o patrimônio do seu devedor, em regra, atingindo o patrimônio de outras pessoas, eventualmente, quando se tratar de responsável, resguardadas, porém, algumas restrições legais, como é o caso das impenhorabilidades tratadas pelos arts. 833 e 834 do CPC, por exemplo. A noção de responsabilidade patrimonial, bem destaca Araken de Assis, permite que se distinga, também no plano processual, a dívida da responsabilidade200. Pense-se numa relação jurídica obrigacional, como um contrato de locação. De um lado, tem-se o locador, que se obriga a ceder o uso da coisa locada, um imóvel, por exemplo. De outro lado, tem-se o locatário, que se obriga a pagar a contraprestação devida, isto é, o aluguel. Noutra relação jurídica, acessória à primeira, tem-se o fiador, que se responsabiliza por adimplir a obrigação do locatário, caso este não o faça oportunamente. Imagine-se, ademais, que em determinado momento o locatário deixe de pagar ao locador o valor dos aluguéis. Neste momento, passará a haver uma obrigação do locatário, já que se trata de dever jurídico exigível,
correspondente à pretensão do credor, isto é, o locador. Nesse caso, o locatário, que já era devedor da prestação aguardada pelo locador, também sujeita o seu patrimônio à excussão, por parte do Judiciário, para que dele se retire a quantia devida ao credor. O locatário, portanto, é devedor, pois inserido na relação jurídica obrigacional, e responsável, pois seu patrimônio está sujeito à execução. Mas, ao lado disso, surge a sujeição do fiador, garantidor do locatário, que põe à disposição o seu patrimônio para que haja o cumprimento de obrigação que não é sua, pois ele não está inserido em um dos polos da relação jurídica obrigacional, situando-se apenas na relação jurídica acessória. O fiador, pois, não é devedor da obrigação, mas a ela sujeita o patrimônio, dada a garantia pessoal prestada, razão pela qual se torna responsável. Significa isso dizer que nem sempre o sujeito passivo da execução (processo ou fase) corresponderá apenas ao devedor, assim entendido como aquele que participou da relação jurídica de direito material tida por principal. Pelo contrário, diversos são os casos em que o patrimônio de outras pessoas será atingido, por força da aplicação da lei. Essa distinção entre dívida e responsabilidade se deve à doutrina alemã, que
identificou
a
separação
entre
Schuld
(débito)
e
Haftung
(responsabilidade), conforme se colhe das lições de Otto von Gierke201, do início do século XX, que desenvolveu as ideias de Bekker e Brinz, do final do século XIX. Dessa separação entre dívida e responsabilidade decorre, pois, a distinção, no plano processual, entre a responsabilidade patrimonial primária e a responsabilidade patrimonial secundária. Responsabilidade patrimonial primária têm aqueles que são, a um só
tempo, devedores e responsáveis. Trata-se, com efeito, daquele que foi parte na relação jurídica de direito material, em cujo bojo assumiu determinado dever jurídico que foi, posteriormente, descumprido. De outro lado, serão responsáveis secundários aqueles que, não sendo devedores da obrigação, achar-se-ão sujeitos à execução por serem considerados responsáveis pela lei. Como corretamente destaca Araken de Assis, comumente se trata os responsáveis secundários por “terceiros”, o que poderia levar à incorreta conclusão de que eles podem ser atingidos sem que se afigurem como “parte” na execução202. Assim, quando se fala em “terceiros”, no âmbito da responsabilidade patrimonial, não se utiliza da expressão como oposta ao conceito jurídico de parte processual, afinal o responsável secundário, para sujeitar-se à execução, deve ser integrado à relação jurídica processual executiva. Diz-se que os responsáveis secundários são terceiros, portanto, porque o são sob a ótica do título executivo, isto é, a obrigação não foi atribuída a ele, terceiro, pelo título executivo, mas a outrem. Mas, mesmo sendo terceiro em relação ao título executivo, tal pessoa acaba por ser chamada à execução forçada para adimplir o débito, por força de lei. Importante questão diz respeito à posição do fiador e do corresponsável, em relação ao cumprimento de sentença. No exemplo tratado linhas acima, a partir do qual se abordou a distinção entre débito e responsabilidade (Schuld e Haftung), disse-se que o fiador é responsável, mas não é devedor. Porém, o art. 513, § 5º, do CPC impede que se promova o cumprimento de sentença contra o “fiador, coobrigado ou corresponsável” que não tenha participado da fase de conhecimento. Tal dispositivo, em princípio, levaria à
incompreensão das responsabilidades primária e secundária, que levam em conta a presença ou não de determinada pessoa no título executivo. Trata-se, porém, de falsa constatação, pois o mencionado art. 513, § 5º, nada mais faz que provar que a responsabilização secundária depende de autorização legal, ou seja, para que se promova a execução contra quem não figura no título executivo como devedor, é preciso que haja lei expressa. Assim, é certo que as noções de débito e responsabilidade conduzem à distinção entre responsabilidade patrimonial primária e secundária, o que não significa dizer, necessariamente, que todo responsável, sob a perspectiva do direito material, será responsável patrimonial secundário, sob a ótica do direito processual. Com efeito, o fiador, conquanto seja responsável pelo pagamento dos aluguéis, embora não seja devedor, não poderá ser considerado responsável patrimonial secundário, pois a lei exige que ele participe do processo de conhecimento, figurando, pois, no título executivo. Por outro lado, tratando-se de título executivo extrajudicial, eventual fiança prestada autoriza que o fiador seja também demandado, como prevê o art. 779, IV, do CPC, limitando-se a restrição tratada no art. 513, § 5º, ao título executivo judicial. Conceituadas as responsabilidades primária e secundária, passa-se à análise das hipóteses previstas pelo CPC/2015. 6.1 Responsabilidade patrimonial primária O mais claro exemplo de responsabilidade patrimonial primária é a do próprio devedor, que figura no título executivo como tal e que vê seu patrimônio sujeito à execução.
Afigura-se também como primária a responsabilidade prevista no art. 792, III, do CPC, que alude aos bens do devedor, ainda que em poder de terceiros. Ora, tratando-se a responsabilidade patrimonial da sujeição do patrimônio à execução, tratando-se de bem do devedor, o fato de estar ele na posse ou detenção de outrem não o retira do patrimônio do devedor, razão pela qual é a sua esfera patrimonial que será atingida pela execução, daí a razão de se tratar de responsabilidade primária. Para Araken de Assis, também constituem hipóteses de responsabilidade primária as previsões do art. 792, V e VI, que aludem, respectivamente, aos bens alienados em fraude à execução ou em fraude contra credores (desde que tenha sido desconstituído o negócio jurídico)203. Com efeito, para o autor, trata-se de responsabilidade patrimonial primária porque será do patrimônio do devedor, como tal constante do título, que sofrerá excussão. Na fraude à execução, que será mais bem analisada à frente, a alienação ou oneração de bem é considerada ineficaz perante o credor, razão pela qual a transferência de determinado bem ou direito do patrimônio do executado para o patrimônio de terceiro será tida, na execução, como não ocorrida (ineficácia em relação ao credor). Com efeito, sob a ótica do processo de execução ou da fase de cumprimento de sentença, voltar-se-á o exequente, segundo Araken de Assis, contra o patrimônio do devedor, integrado também pelo bem alienado fraudulentamente, para o fim de receber seu crédito. Nessa hipótese, porém, cremos ser necessário não deixar de considerar que, sob a ótica do terceiro adquirente, o bem sairá de seu patrimônio, já que nele terá ingressado validamente, só não sendo oponível ao exequente a transferência do bem. Com efeito, haverá, de fato, um decréscimo patrimonial do terceiro, que, com efeito, responderá com o seu patrimônio pela dívida de
outrem. Na fraude à execução, pois, retira-se o bem do patrimônio do terceiro, apenas porque se considera não ter havido a transferência do bem. Em verdade, é “como se”204 o bem voltasse ao patrimônio do devedor alienante apenas em relação ao credor fraudado, daí por que cremos se tratar de responsabilidade patrimonial secundária205. Na fraude contra credores, a alienação ou oneração do bem é considerada anulável, por constituir vício social do negócio jurídico (arts. 158 a 165 do CC). Nesse caso, a desconstituição do negócio, em ação própria, fará com que o bem efetivamente retorne ao patrimônio do alienante, onde permanecerá até ser expropriado em proveito do credor. Trata-se, pois, de hipótese distinta da fraude à execução, em que o bem integrará o patrimônio do terceiro, o que só não poderá ser oposto ao credor, enquanto na fraude contra credores a desconstituição do negócio fará com que o bem volte formal e materialmente ao patrimônio do alienante. Assim, parece-nos que apenas o atingimento do bem que tenha sido alienado ou gravado em fraude contra credores é que constitui hipótese de responsabilidade primária, já que o decréscimo patrimonial do terceiro decorrerá da procedência da ação pauliana, nada dizendo com a cobrança da dívida do alienante. É dizer, o terceiro perderá o bem ao final da ação pauliana, enquanto o alienante o perderá, no bojo da execução movida pelo credor, quando houver a expropriação do bem, fruto de anterior penhora. Trata-se, realmente, de hipótese de responsabilidade primária do executado. 6.2 Responsabilidade secundária Como dito acima, são responsáveis as pessoas que sujeitam o seu
patrimônio ao adimplemento de obrigação alheia. Com efeito, tais terceiros, a despeito de não figurarem no título executivo, acabam por ser incluídos na execução, a fim de que se possa atingir seu patrimônio. A primeira hipótese de responsabilidade secundária diz respeito à figura do sucessor do bem a título singular, quando a execução disser respeito a direito real ou a direito pessoal que tenha natureza reipersecutória (art. 790, I). Assim, se no curso do processo em cujo bojo foi formulado pedido reipersecutório, consistente, v.g., na celebração de contrato de venda e compra, conforme prometido pelas partes, com a consequente transmissão da propriedade e imissão na posse, o fato de o réu vender o imóvel no curso da ação, como é lícito que faça, na forma do art. 109 do CPC, não atingirá a legitimidade ad causam, razão pela qual também o adquirente, porque sucessor a título singular do réu, então proprietário do imóvel, será atingido pelo cumprimento da sentença. Com efeito, julgada procedente a ação, o imóvel deverá ser transmitido ao autor da ação, tal como a posse sobre ele, subtraindo-se o bem do patrimônio do terceiro. O inciso II do art. 790 do CPC trata da responsabilidade patrimonial “do sócio, nos termos da lei”. O dispositivo não trata da desconsideração da personalidade jurídica, mas sim dos casos em que a lei expressamente prevê a responsabilidade do sócio, ainda que se mantenha hígida a personalidade da pessoa jurídica. É, por exemplo, o caso da sociedade em nome coletivo, já que o art. 1.039 do CC diz serem solidária e ilimitadamente responsáveis os sócios. Com efeito, as obrigações da sociedade em nome coletivo vinculam também o patrimônio dos sócios, que responderão pela execução. É também responsável secundário o cônjuge ou companheiro, em relação
aos bens próprios ou à sua meação, que respondem pelas dívidas do consorte (art. 790, IV). A depender do regime de bens adotado pelo casal, algumas dívidas contraídas por um dos cônjuges vinculará o patrimônio do outro, por se reverter em proveito da família. No regime da comunhão parcial de bens, por exemplo, as dívidas contraídas por um dos cônjuges, no exercício da administração dos bens do casal, vincularão não só os seus próprios bens, mas também os de seu consorte, à vista da expressa previsão do art. 1.663, § 1º, do CC. Tal como afirmado no tópico precedente, o atingimento de bens alienados ou gravados em fraude à execução (art. 790, V) constitui, em nosso juízo, hipótese de responsabilidade patrimonial secundária, já que o retorno do bem ao patrimônio do executado consistirá apenas em ficção jurídica, diante da ineficácia relativa do negócio, em relação ao exequente. Por fim, diferentemente da hipótese prevista no inciso II do art. 792, aquela prevista no inciso VII se destina aos casos em que o sócio ou administrador, como regra, não são responsáveis pelas dívidas da sociedade personificada, mas que se tornam vinculados a ela em razão da desconsideração da personalidade jurídica. Com efeito, havendo a desconsideração da personalidade jurídica, que deverá observar o procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do CPC, e que contém seus requisitos autorizadores na legislação material, como é o caso do art. 50 do CC, o sócio ou administrador, caso atingidos, terão seus bens sujeitos à execução promovida contra a sociedade. De igual modo, tratando-se de desconsideração inversa da personalidade jurídica, a procedência do pedido de responsabilização da sociedade pela dívida do sócio vinculará o seu patrimônio ao pagamento da dívida de
outrem. 6.3 Questões específicas da responsabilidade patrimonial Ao lado de tratar da responsabilidade patrimonial primária e secundária, o Capítulo IV do Título I do Livro II da Parte Especial do CPC/2015 trata de questões específicas da responsabilidade patrimonial. Diz o art. 791 do CPC que, se o executado for proprietário de imóvel em relação ao qual tenha sido constituído direito real de superfície, previsto nos arts. 1.369 e seguintes do CPC, ou se trate do próprio superficiário, vincularse-á à execução apenas o direito real de que seja titular o executado, ou seja, o direito de propriedade, resguardando-se o direito real de superfície, ou o próprio direito real de superfície, caso o seu titular seja o superficiário, resguardando-se o direito de propriedade. Limita-se, com isso, a responsabilidade patrimonial. Nesse caso, o registro da penhora que recair sobre o bem far-se-á em separado, de modo a bem identificar quem é o executado e sobre quais bens ou direitos terá recaído a penhora e, pois, a responsabilidade patrimonial. Também há limitação à responsabilidade patrimonial do executado quando o exequente, exercendo direito real de retenção, como no caso do contrato de depósito, por exemplo (cf. art. 644 do CC), permanece na posse do bem. Nesse caso, diz o art. 793 que, primeiro, dever-se-á excutir o bem retido, atingindo-se outros bens apenas se o retido for insuficiente ao pagamento do débito, por exemplo. Por fim, interessante questão diz respeito ao chamado “benefício de ordem”, que consiste no direito de alguns responsáveis de verem excutidos, em primeiro lugar, os bens do devedor para, só então, subordinar seus bens à
execução. Dessa forma, o fiador poderá opor o benefício de ordem ao exequente, caso o devedor tenha bens situados na mesma comarca (ou subseção judiciária) e sejam livres e desembaraçados (cf. art. 794, caput, do CPC). Esse direito, porém, não atinge o fiador que tenha renunciado ao benefício de ordem (art. 794, § 3º), caso em que os bens do fiador poderão ser penhorados diretamente, sem necessidade de que se demonstre a falta de bens do devedor. Não havendo renúncia ao benefício de ordem e se constatando a insuficiência de bens do devedor situados na mesma localidade, seguir-se-á à excussão dos bens do fiador (art. 794, § 1º). Caso o fiador pague a dívida, ocorrerá a sub-rogação, conforme prevê o art. 346, III, do CC, o que o autoriza a cobrar do devedor, nos mesmos autos, o montante pago (art. 794, § 2º, do CPC). Da mesma forma, responsabilizando-se o sócio pela dívida da sociedade, na forma do art. 790, II206, terá ele o direito de ver excutidos os bens da sociedade em primeiro lugar (art. 795, § 1º), caso em que deverá indicar os bens da sociedade que, situados na mesma localidade, livres e desembaraçados, são suficientes à satisfação da obrigação (art. 795, § 2º). Ademais, com idêntico fundamento ao da sub-rogação do fiador, quando paga a dívida do afiançado, também pode o sócio, quando pagar a dívida da sociedade, cobrar dela o montante nos mesmos autos (art. 795, § 3º). 6.4 Fraude à execução Tema dos mais relevantes no processo de execução e no cumprimento de sentença diz respeito à fraude à execução.
Não raras vezes, verificam-se situações em que o devedor, com o intuito de se furtar ao cumprimento da obrigação, transfere seus bens a terceiros. Por outro lado, a existência de ação pendente contra determinada pessoa não torna seus bens indisponíveis. Pelo contrário, o demandado continua a ter, salvo decisão judicial em sentido contrário, a livre disposição dos seus bens, sem que isso o autorize a criar ou asseverar situação de dificuldade ou verdadeira impossibilidade de serem executadas forçadamente as suas obrigações. Por isso, como regra, a alienação ou oneração de bens do réu não importa em fraude, mas, se isso acabar por prejudicar a satisfação do crédito cobrado pelo autor da ação, ter-se-á por possível a ocorrência da fraude à execução. De qualquer forma, sempre que se pretender ver reconhecida a ocorrência de fraude à execução, é preciso que se dê ciência prévia ao terceiro que terá adquirido o bem ou direito, para que, assim desejando, oponha embargos de terceiro no prazo de 15 dias, conforme prevê o art. 792, § 4º. A inobservância desse prazo permitirá que seja apreciado o pedido formulado pelo exequente sem manifestação do terceiro, sem prejuízo de o adquirente opor, após esse prazo, seus embargos de terceiro, já que não se trata de prazo decadencial para a sua propositura207. É preciso notar, ademais, que a fraude à execução não se confunde com a fraude contra credores. Ambas têm como ponto comum o fato de a sua prática acarretar prejuízo aos credores do proprietário do bem ou titular do direito, que o aliena ou constitui direito real (tratando-se de coisa, é claro). Contudo, o regramento dado a cada uma das fraudes é sensivelmente distinto. A fraude contra credores, como já se noticiou linhas acima, é espécie de
defeito social que macula a validade do negócio. Trata-se, pois, de defeito que se encontra no plano da validade do negócio jurídico. Desse modo, ocorrendo alguma das hipóteses previstas pelos arts. 158 e 159 do CC, cabe ao credor lesado mover ação anulatória de negócio jurídico, comumente chamada da “ação pauliana”. Objetiva-se, com tal ação, que se desconstitua o negócio jurídico fraudulento, reintegrando-se o bem alienado, a partir de então, ao patrimônio do alienante. Assim, até que haja a desconstituição do negócio, o bem alienado permanecerá no patrimônio do adquirente (ou de eventual sucessor a título universal ou singular). Somente a decisão de mérito transitada em julgado, pois, é que será capaz de anular o negócio fraudulento. De outro lado, a fraude à execução constitui ilícito descrito pela própria lei processual. Conquanto se trate, igualmente, de conduta fraudulenta, por frustrar os interesses do credor, trata-se de ilicitude mais grave, pois seu pressuposto é a prévia existência de processo em que se discuta eventual dívida, razão pela qual não se frustra apenas o interesse do exequente, mas a própria atividade estatal (atenta, portanto, contra a dignidade da Justiça)208. Conquanto a nomenclatura “fraude à execução” sugira que o seu pressuposto é a existência de processo de execução ou fase de cumprimento de sentença, basta à sua ocorrência que o réu tenha sido citado em processo judicial, haja ou não título executivo, isto é, trata-se de processo de execução ou de conhecimento. Com efeito, a fraude é potencial, atingindo a futura execução. Pensemos no seguinte exemplo, que ilustra a questão: A move ação indenizatória contra a sociedade empresária B Ltda., sob o fundamento de que esta lhe teria causado dano material no importe de R$ 100.000,00.
Citada, B Ltda. oferece defesa, impugnando o pedido indenizatório. Ao lado disso, após a citação, B Ltda. doa seu único bem, o imóvel de sua sede, avaliado em R$ 300.000,00, para terceiro não integrante de seu quadro societário, que passa a locar o imóvel à sociedade. Com isso, B Ltda. passa a não ter mais patrimônio suficiente para responder, caso seja condenada ao pagamento da indenização pretendida por A. Caso o pedido indenizatório seja julgado procedente, poderá A, já na fase de cumprimento de sentença, requerer a declaração de fraude à execução, ouvindo-se previamente o donatário (art. 792, § 2º, do CPC), já que a alienação do bem terá ocorrido após a citação de B Ltda. para o processo. De outro lado, se julgada improcedente a ação, não haverá falar em fraude, ao menos em relação a A, já que não será credor de B Ltda. Diferentemente da fraude contra credores, que demanda ação própria, de natureza desconstitutiva (ação pauliana), a fraude à execução pode ser reconhecida nos próprios autos do processo fraudado, em caráter incidental. Seu reconhecimento, ademais, importa em ineficácia do ato de alienação ou oneração de bem, conforme prevê o art. 782, § 1º, do CPC. Portanto, enquanto a fraude contra credores macula a validade do negócio, por se tratar de defeito, demandando ação própria209, a fraude à execução pode ser reconhecida incidentalmente, constituindo causa de ineficácia do ato de alienação ou oneração de bem, o que significa dizer que o negócio entre alienante e adquirente existirá e será válido, mas não produzirá efeitos em relação ao credor prejudicado. Vejamos, neste passo, os requisitos para a caracterização da fraude à execução.
6.4.1 Hipóteses de fraude à execução e seus requisitos O art. 792, I a V, do CPC prevê as hipóteses em que se considera havida em fraude à execução a alienação ou oneração de bens. O inciso I do art. 792 alude à pendência de ação fundada em direito real ou pretensão reipersecutória, desde que a sua pendência tenha sido registrada no respectivo órgão, caso se trate de bem submetido a registro. Nesse caso, a ineficácia do negócio jurídico dirá mais respeito à vinculação do próprio bem à execução, já que a pretensão deduzida em juízo a ele se refere (direito real ou pretensão reipersecutória), do que à própria responsabilidade patrimonial, já que o bem não servirá à execução com a finalidade de ser convertido em pecúnia, ou entregue ao exequente como forma de adimplemento da obrigação com bem de natureza diversa do devido. O que é devido, nesse caso, é o próprio bem210. Com efeito, sendo formulada pretensão fundada em direito real ou direito pessoal de natureza reipersecutória, caberá ao exequente requerer o registro da pendência do processo na matrícula do imóvel, se se tratar de bem dessa natureza. Trata-se de exigência que se coaduna com o art. 54, I, da Lei n. 13.097/2015, de seguinte redação: “Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias”. O inciso II do art. 792 do CPC trata da alienação ou oneração de bem, quando houver prévio registro da pendência do processo de execução, conforme autoriza o art. 828 do CPC. O art. 828 autoriza que o exequente,
após a admissão da execução (o que também se aplica ao cumprimento de sentença), requeira o registro da pendência do processo perante qualquer órgão de registro de bens sujeitos à execução. É, por exemplo, o caso do Registro de Imóveis, ou mesmo o registro de veículos feito perante o departamento de trânsito. Com efeito, uma vez realizado o registro, a alienação do bem será considerada como fraudulenta, conforme também prevê o art. 828, § 4º, do CPC. É o que também prevê o art. 54, II, da Lei n. 13.097/2015, cuja referência ao art. 615-A do CPC/73 deve ser lida como sendo ao art. 828 do CPC/2015. O inciso III do art. 792 diz respeito à averbação de hipoteca judiciária ou qualquer outro ato de constrição judicial, o que também é tratado pelo art. 54, II, da Lei n. 13.097/2015. A hipoteca judiciária, prevista no art. 495 do CPC, tem lugar em caso de procedência de pedido de natureza pecuniária ou que decorra da conversão da obrigação específica (fazer, não fazer ou dar coisa diversa de dinheiro) em obrigação genérica (indenizar). Cria-se, com isso, verdadeira hipoteca, que tem como título a sentença de procedência. Sobre o tema se falará mais detalhadamente no capítulo destinado à análise do cumprimento de sentença. As “demais constrições” a que se refere o inciso III do art. 792 dizem respeito à penhora e também às medidas de natureza cautelar, como o arresto e o sequestro. Nesses casos, o registro da hipoteca judiciária ou da constrição importará em presunção absoluta de fraude à execução. Além disso, prevê o inciso IV do art. 792 do CPC que é fraudulenta a alienação de bens ou a sua oneração caso, no momento em que tiver ocorrido a alienação ou oneração, tramitasse “contra o devedor ação capaz de reduzi-lo
à insolvência”. Para que incida o referido dispositivo, é preciso que se demonstre, ainda que sumariamente, que ao tempo da alienação ou oneração a ação pendente era capaz de reduzir o executado à insolvência. Não se trata, é claro, de demonstração pormenorizada da insolvência, tampouco se há de falar em decretação de insolvência civil ou falência. Aliás, bem destaca Araken de Assis que o art. 750, I, do CPC/73, ainda vigente, por força do art. 1.052 do CPC/2015, estabelece presunção de insolvência, quando não são localizados bens penhoráveis em nome do executado. O que é necessário ter presente, no tocante à fraude prevista no inciso IV do art. 792, é que a impossibilidade de adimplemento da obrigação, materializada em título executivo (judicial ou extrajudicial), ou ainda em perspectiva, decorrente da afirmação de direito do autor da ação (processo de conhecimento), deverá ser contemporânea à alienação ou oneração do bem, pois, do contrário, será imposto ao terceiro de boa-fé o perene risco de ser atingido pela execução movida contra aquele que alienou o bem, v.g., caso este não venha a adimplir suas obrigações. Com efeito, se, ao tempo da alienação ou oneração do bem, o alienante, que futuramente se tornará executado, tiver bens suficientes à satisfação da obrigação que lhe poderá ser imposta, tratando-se de processo de conhecimento, não nos parece haver fraude à execução. Assim, ainda que, posteriormente à alienação, o executado venha a sofrer decréscimo patrimonial, a execução não se poderá voltar contra o adquirente do bem, pois àquela época não havia estado de insolvência atual ou potencial. Interessa notar que o art. 54, IV, da Lei n. 13.097/2015 exige que haja, por determinação judicial, o registro da pendência de processo com repercussão
patrimonial tal que possa reduzir o proprietário à insolvência. O mencionado dispositivo, pois, admite a ocorrência de fraude à execução, por insolvência do proprietário, apenas quando houver a averbação da pendência do processo de conhecimento no registro imobiliário. Portanto, tratando-se de bem imóvel, é necessário o registro da pendência do processo, por força do art. 54, IV, da Lei n. 13.097/2015. Tratando-se de bem móvel, ainda que submetido a registro, não há necessidade de averbação, já que a mencionada lei só se aplica aos bens imóveis, aplicando-se aos demais o regramento do próprio CPC. Conforme se disse nas linhas anteriores, a mencionada Lei n. 13.097/2015 exige a averbação, no registro imobiliário, da pendência de ação contra o proprietário do bem, ou a existência de constrição que recaia sobre ele. Objetiva-se, com isso, preservar o interesse do terceiro adquirente. Tanto é assim que o parágrafo único do art. 54 da mencionada lei prevê que: “Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel”. Isso, porém, não significa que a falta de averbação importará, necessariamente, na higidez do negócio jurídico, pois, como bem destaca José Miguel Garcia Medina, o art. 54, parágrafo único, da Lei n. 13.097/2015 se destina a proteger o “terceiro de boa-fé”, razão pela qual a prova da má-fé do terceiro impedirá que a mencionada restrição, prevista no art. 54 da Lei n. 13.097/2015, incida sobre o caso concreto211.
O inciso V do art. 792 do CPC, por fim, trata dos “demais casos expressos em lei”, que podem estar previstos no próprio CPC ou em outras leis. É, por exemplo, o caso da negativa do terceiro em relação à existência de crédito do executado, quando este for objeto da penhora (art. 856, § 3º, do CPC),e a fraude à execução fiscal, prevista no art. 185 do CTN. Além disso, é importante que se analise a quem cabe a prova da ocorrência ou inocorrência da fraude. Conforme se disse, nas hipóteses dos incisos I a III do art. 792 do CPC, a averbação da pendência da ação ou da constrição que recai sobre o bem, quando se tratar de bem sujeito a registro, importará em presunção absoluta de ciência por todos, razão pela qual bastará ao exequente provar que houve a alienação ou oneração do bem e que se trata de uma das três hipóteses referidas. Tratando-se de bem não sujeito a registro, caberá ao terceiro adquirente comprovar que tomou as cautelas de praxe, por meio da apresentação de certidões de distribuição, de protestos, de dívida ativa, entre outras, relativas ao domicílio do alienante e ao foro de situação do bem (art. 792, § 2º). Nesse ponto, resta superada a parte final da Súmula 375 do STJ, que atribui ao exequente o ônus da prova. Convém observar que o art. 792, § 2º, do CPC apenas atribui o ônus da prova ao terceiro adquirente se se tratar de bem não sujeito a registro, o que permite concluir que, em relação aos bens sujeitos a registro, especialmente em relação à hipótese do art. 792, IV, do CPC, que não depende de registro de qualquer ato, o ônus da prova continua a ser do exequente, na forma da Súmula 375 do STJ. Isso, porém, não impede que seja invertido o ônus da prova, na forma do art. 373, § 1º, do CPC, pois em muitos casos é possível
que seja mais fácil ao adquirente provar que tomou as cautelas de praxe, do que o exequente provar a má-fé do terceiro. Assim, tratando-se de alegação de fraude à execução decorrente da redução do executado ao estado de insolvência (art. 792, IV), caberá ao exequente provar a má-fé do executado, caso se trate de bem sujeito a registro, redistribuindo-se o ônus da prova, caso ao terceiro adquirente seja mais fácil a prova de fato desconstitutivo do direito alegado, isto é, que houve aquisição de bem ou direito de boa-fé, na forma do art. 373, § 1º, do CPC. Tratando-se de bem não sujeito a registro, o ônus recairá sobre o terceiro adquirente (art. 792, § 2º), salvo se também for o caso de inversão do ônus da prova, caso a produção de prova seja mais fácil ao exequente. Diante do que se afirmou nas linhas anteriores, são os seguintes os requisitos para a caracterização da fraude à execução: a) litispendência; b) alienação ou oneração de bem; c) ocorrência de alguma das hipóteses do art. 792 do CPC: a. existência de averbação da pendência de processo em que se discuta direito real ou haja pretensão reipersecutória; b. existência de averbação da pendência do processo de execução, na forma do art. 828 do CPC; c. existência de averbação de hipoteca judiciária ou outro meio de constrição; d. existência de averbação da pendência de processo capaz de reduzir o proprietário do bem imóvel à insolvência; e. existência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência,
independentemente de qualquer registro, caso não se trate de bem imóvel; f. em qualquer das hipóteses anteriores, caso não haja averbação, haja prova da má-fé do terceiro adquirente. 6.4.2 Averbação premonitória Interessa-nos analisar a chamada “averbação premonitória”. Diz o art. 828 do CPC que o exequente poderá obter certidão de distribuição da execução, que identificará as partes e o valor da causa. Tal certidão será averbada, a requerimento do exequente, no registro de imóveis, veículos ou de qualquer outro bem sujeito à execução, com o objetivo de dar ciência a terceiros a respeito da tramitação da execução, constituindo, pois, presunção absoluta de que a alienação ou oneração do bem dar-se-á em fraude à execução, conforme preveem os arts. 792, III, e 828, § 4º, do CPC212. Conquanto o dispositivo esteja inserido no contexto do processo de execução, é indubitável que sua aplicação se dá, também, ao cumprimento de sentença213, razão pela qual o exequente, ao formular o requerimento de instauração da fase de cumprimento de sentença, poderá obter a dita certidão, para fins de averbação no cartório de imóveis ou no órgão de registro de qualquer outro bem registrável. Importa destacar que o art. 828, caput, trata da certidão de admissão da execução, o que significa dizer que é pressuposto de sua expedição o prévio recebimento da petição inicial pelo juízo (ou do requerimento de instauração da fase cognitiva). De outro lado, o art. 799, IX, do Código prevê que ao exequente cabe requerer a averbação da distribuição da ação de execução ou da prática de atos constritivos no respectivo registro do bem (se registrável), a fim de dar
ciência a terceiros. Na mesma linha, o art. 54, II, da Lei n. 13.097/2015, aplicável apenas aos bens imóveis, autoriza que o exequente registre na matrícula imobiliária o ajuizamento da execução ou da fase de cumprimento de sentença, fazendo expressa referência ao agora revogado art. 615-A do CPC/73, correspondente em parte ao vigente art. 828. O art. 615-A, note-se, não exigia o prévio recebimento da petição inicial. O que se deve questionar, pois, é se tais dispositivos tratam da mesma averbação e, pois, se é necessário aguardar o recebimento da petição inicial ou do requerimento de instauração do cumprimento de sentença. Para Flávio Cheim Jorge e Marcelo Abelha, o intuito do legislador, ao alterar o marco temporal a partir do qual se faz possível a averbação, com a alteração redacional do art. 615-A do CPC/73, para o art. 828 do CPC/2015, teve o intuito de proteger o patrimônio do executado contra a averbação temerária214. Porém, reconhecem os autores que a incoerência do Código, em certos aspectos, fez com que o art. 799, IX, fosse aprovado exigindo apenas a distribuição da execução (art. 312 do CPC). Por isso, sugerem que a interpretação dos dispositivos seja a mais alargada, de modo a permitir que o exequente promova a averbação tão logo seja distribuída a petição inicial da execução, na forma do art. 799, IX, do CPC215. José Miguel Garcia Medina, de outro lado, sustenta que os dispositivos não regulam exatamente a mesma matéria. Segundo ele, é possível a averbação do ajuizamento da execução no registro imobiliário, na forma do art. 54, II, da Lei n. 13.097/2015, e a averbação da admissão da execução no registro público de qualquer espécie de bem, na forma do art. 828 do CPC216.
Cabe ao exequente informar no processo, no prazo de 10 dias contados da concretização, que foi feita a averbação (art. 828, § 1º). Além disso, se, no curso da execução, forem penhorados bens em quantidade suficiente à satisfação do débito e remanescer o registro da pendência da execução no registro de outros bens (não penhorados), caberá ao exequente diligenciar, no prazo de 10 dias, para que sejam canceladas as averbações, o que objetiva minorar os prejuízos do executado (cf. art. 828, § 2º). Descumprido o prazo, caberá ao juiz determinar a providência de ofício ou a requerimento do próprio executado (art. 828, § 3º). Por fim, tratando-se de averbação indevida ou não sendo requerido o cancelamento na forma do § 2º do art. 828, prevê o § 5º do mesmo dispositivo que o exequente responderá pelos prejuízos que causar executado. Será indevida a averbação, por exemplo, quando o bem em cujo registro for averbada a pendência da execução for de valor demasiadamente superior ao crédito, havendo outros bens de menor monta, mas ainda assim suficientes à satisfação do exequente. Vê-se, em tal conduta, má-fé do exequente que, podendo obter vantagem (lícita) por um meio, opta por outro que será mais gravoso ao executado (opção pelo bem mais caro, a despeito de haver outros suficientes, v.g.). 6.4.3 Fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica Importante questão diz respeito ao marco temporal para a ocorrência da fraude à execução, quando houver a desconsideração da personalidade jurídica. Diz o art. 792, § 3º, do CPC que, “Nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Referido dispositivo, à primeira vista, sugere que o marco temporal para a caracterização da fraude à execução, na alienação dos bens do sócio, ainda que ainda não seja responsável pelas dívidas da sociedade, será o momento da citação da própria pessoa jurídica por ele integrada, aplicando-se a mesma regra à desconsideração inversa da personalidade jurídica. Nesse caso, seria necessário ao adquirente tomar todas as cautelas tocantes à verificação de eventuais processos em nome não só do alienante do bem, mas de eventuais pessoas jurídicas de que o sócio faça parte. Trata-se, evidentemente, de medida das mais custosas e difíceis ao adquirente. Vislumbremos a seguinte hipótese: C, consumidor, move ação indenizatória contra D Ltda., fornecedor de produtos, em decorrência de fato do produto por ele fabricado e comercializado. Após a citação de D Ltda., seu sócio E, que não integrava o processo, aliena um automóvel a F, que realiza as pesquisas necessárias (certidões de distribuições, certidões de protesto, certidões de dívida ativa etc.). Anos após a venda do veículo, inicia-se a fase de cumprimento de sentença contra D Ltda., ante a procedência do pedido indenizatório, momento em que se constata a insuficiência de bens de D Ltda. para satisfazer o crédito de C. Na forma do art. 28 do CDC, o descumprimento da obrigação pecuniária devida pelo fornecedor é hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, o que poderá ocorrer no caso hipotético em tela. Assim, incluir-se-á E no polo passivo da execução, após o regular processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse caso, é possível que F, adquirente do bem, seja atingido pelo cumprimento de sentença que impôs obrigação pecuniária a D Ltda., da qual era sócio o alienando do automóvel, E. Seria, pois, de incontestável dificuldade a verificação prévia da existência de ação contra o alienante e todas as pessoas jurídicas de que faça parte (ou das quais seja administrador, ainda que não seja sócio ou acionista), por parte do adquirente. Para Humberto Theodoro Jr.217, só se pode considerar que a fraude à execução, na hipótese de haver a desconsideração da personalidade jurídica, tem como marco temporal a citação do sócio, no caso de desconsideração direta, ou da sociedade, no caso da desconsideração inversa, pois, do contrário, é tutelado o interesse do exequente, em detrimento do terceiro que presumivelmente atuará de boa-fé, dada a dificuldade de se saber previamente que a execução restará fraudada quando, ao tempo da alienação, nem sequer existia processo contra o alienante218. De outro lado, não se pode desconsiderar que, em muitos casos, o sócio já terá ciência do débito da pessoa jurídica, bem como da possibilidade de que seu patrimônio seja atingido, vindo a dissipá-lo antes da citação para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Parece-nos, pois, que é preciso compatibilizar o disposto no referido art. 792, § 3º, com a boa-fé, de modo a considerar como fraudulenta a alienação ou oneração de bens do sócio, a partir da citação da pessoa jurídica que terá sua personalidade posteriormente desconsiderada, apenas se for possível, minimamente, que o terceiro, diligentemente, possa ter conhecimento da pendência da ação contra a sociedade. Dessa forma, parece-nos que é preciso aferir, além dos requisitos para ocorrência da fraude à execução, já tratados anteriormente, se objetivamente
era possível que o terceiro adquirente tomasse conhecimento da pendência do processo contra a pessoa jurídica, preservando-se, com isso, a boa-fé do terceiro, quando não fosse possível ter ciência a respeito da existência do processo. 7. Suspensão e extinção da execução 7.1 Suspensão 7.1.1 Hipóteses de suspensão da execução O processo, enquanto instrumento para que se exerça a jurisdição, inclusive em sua atividade satisfativa, deve, como regra, seguir sempre em direção ao seu objetivo, isto é, à satisfação integral do exequente, no tocante ao processo de execução e ao cumprimento de sentença. Há casos, porém, em que o processo de execução e o cumprimento de sentença podem ou devem permanecer suspensos, tal como ocorre em relação ao processo de conhecimento (arts. 313 a 315 do CPC), conforme se extrai dos arts. 921 e 922 do CPC, aplicáveis também ao cumprimento de sentença. O processo pode ou deve permanecer suspenso porque as hipóteses de suspensão podem ser voluntárias ou necessárias. Há casos em que a suspensão do processo é compulsória, de acordo com expressa disposição legal, como nas hipóteses de nascimento ou adoção por parte da advogada ou advogado, quando forem os únicos a atuar no processo (art. 313, IX e X, do CPC). Trata-se, portanto, de suspensão necessária. É possível, noutros casos, que as próprias partes convencionem a respeito da suspensão do processo, caso, v.g., estejam mantendo negociações preliminares a possível transação. Tem-se, nesse caso, suspensão voluntária.
O inciso I do art. 921 faz referência às hipóteses de suspensão previstas na Parte Geral do Código (arts. 313 a 315), já tratadas em capítulo próprio. Portanto, em caso de morte de uma das partes, por exemplo, suspender-se-á a execução, por força do art. 313, I, combinado com o art. 921, I, do CPC. A segunda hipótese de suspensão da execução, prevista pelo art. 921, II, diz respeito ao recebimento dos embargos à execução com efeito suspensivo. A despeito da redação do dispositivo, é certo que ele também se aplica à suspensão do cumprimento de sentença em razão do efeito suspensivo conferido à impugnação, em razão do regramento subsidiário desse dispositivo ao cumprimento de sentença. Como regra, os embargos à execução e a impugnação ao cumprimento de sentença não têm efeito suspensivo, ou seja, não obstam o prosseguimento da execução (cf. arts. 525, § 6º, primeira parte, e 919, caput, do CPC). Preenchidos, porém, os requisitos que autorizam a concessão de tutela provisória219, somada à garantia do juízo, deverá o juiz conceder o dito efeito suspensivo, de modo a suspender o curso da execução (cf. arts. 525, § 6º, parte final, e 919, § 1º, do CPC). É possível, ademais, que o efeito suspensivo não atinja toda a execução, como na hipótese de os embargos ou a impugnação se dirigirem a parte do débito, que estaria prescrito, por exemplo. Nesse caso, a suspensão será apenas parcial, pois a defesa do executado dirá respeito apenas a parcela do débito (cf. arts. 525, § 8º, e 919, § 3º), o que também ocorre quando houver litisconsórcio passivo na execução e apenas um ou alguns dos executados se opuserem (ou obtiverem efeito suspensivo), prosseguindo-se a execução em relação aos demais (cf. arts. 525, § 9º, e 919, § 4º). Portanto, a suspensão do processo de execução ou do cumprimento de sentença pode ser total ou
parcial, a depender do objeto ou dos sujeitos que tenham se oposto à execução. Ainda que se trate de suspensão integral da execução, são possíveis, a teor do que preveem os arts. 525, § 7º, e 919, § 5º, do CPC, a substituição, o reforço e a redução da penhora, bem como a avaliação de bens. Interessante notar que o art. 739-A, § 6º, do CPC/73 admitia a efetivação da penhora e a avaliação de bens, durante o período de suspensão da execução, decorrente do efeito suspensivo atribuído aos embargos à execução. O que se nota é que os dispositivos do CPC vigente acima referidos não mais admitem a realização da penhora, mas apenas a modificação daquela já realizada no processo. É bem verdade que o reforço de penhora importa, em última análise, na efetivação de nova penhora sobre outros bens. Isso, porém, não parece afastar a conclusão de que o CPC em vigor restringiu as hipóteses em que podem ser praticados atos durante o período de suspensão do processo. Todavia, é preciso considerar, de outro lado, que o CPC condiciona a concessão de efeito suspensivo à garantia do juízo por parte do executado (cf. arts. 525, § 6º, e 919, § 1º, do CPC), caso em que haverá a penhora, depósito ou caução. Dessa forma, parece-nos que, de fato, só se pode realmente pensar em adequação da penhora e na avaliação de bens porque o Código, em seus arts. 525, § 6º, e 919, § 1º, tem a garantia do juízo como requisito para a suspensão da execução, razão pela qual não haveria a necessidade de realização de penhora, mas quando muito de seu reforço. A terceira hipótese de suspensão da execução, prevista pelo inciso III do art. 921, diz respeito à inexistência de bens penhoráveis do executado. Nessa hipótese de suspensão se enquadra a não localização de bens do executado,
bem como a localização de bens impenhoráveis, tema de que trataremos em capítulo dedicado aos atos expropriatórios. O inciso IV do art. 921 faz suspender a execução quando houver tentativa frustrada de alienação dos bens penhorados (por iniciativa particular ou em leilão), somada à inércia do exequente em requerer, no prazo de 15 dias, a adjudicação dos bens. Como se verá mais detidamente à frente, a expropriação dos bens do executado se dá por meio da adjudicação (atribuição do bem penhorado ao próprio exequente), pela alienação do bem particularmente ou em leilão e pela apropriação de frutos e rendimentos (art. 825 do CPC). O que prevê o art. 921, IV, é a possibilidade de o exequente obter para si o bem levado infrutiferamente a leilão ou oferecido ao público por iniciativa particular. Assim, caso não seja requerida tal providência, que objetiva a satisfação do próprio exequente, suspender-se-á o processo de execução ou o cumprimento de sentença. O inciso V do art. 921 só tem aplicação à execução de título extrajudicial, pois o art. 916 do CPC expressamente exclui a sua incidência no cumprimento de sentença (cf. § 7º do art. 916). Referido dispositivo confere direito potestativo ao executado, citado e intimado para pagamento do débito em três dias, de obter o parcelamento da dívida, depositando desde logo 30% do valor da dívida, acrescido das custas processuais e dos honorários advocatícios, pagando o saldo remanescente em seis parcelas. Durante o período de pagamento do débito, o processo de execução permanecerá suspenso, como também prevê a parte final do § 3º do art. 916. A última hipótese de suspensão do processo de execução e do cumprimento de sentença, prevista pelo art. 922, é a convencional. A
possibilidade de suspensão do processo por livre disposição das partes já se encontra abarcada pelo art. 921 do CPC, na medida em que o seu inciso I se refere expressamente às hipóteses do art. 313, cujo inciso II já alude à convenção das partes. O que se nota, então, é que o art. 922 concebe caso específico de suspensão por convenção das partes, pois diz respeito à suspensão do processo quando houver acordo entre as partes (não se trata do parcelamento previsto pelo art. 916), com, v.g., o parcelamento do débito, ou a concessão de maior prazo para pagamento. Cremos que a grande diferença entre as duas hipóteses de suspensão do processo por convenção das partes – arts. 313, II, e 922 – resida no prazo máximo de suspensão do processo. Em caso de suspensão por convenção das partes, fundada no art. 313, II, o prazo de suspensão não pode exceder a seis meses, conforme se extrai da parte final do § 4º do art. 313. De outro lado, havendo, por exemplo, parcelamento do débito pelo executado, com a concordância do exequente, não há limitação temporal para o período de suspensão220, senão o próprio período necessário para que haja o integral pagamento do débito. Desse modo, se exequente e executado ajustarem o pagamento do débito em 12 parcelas mensais, findos seis meses desde a suspensão, não voltarão os atos processuais a serem praticados, pois, tendo incidido o art. 922 do CPC, não há falar na incidência do § 4º do art. 313, que se limita apenas à suspensão por convenção das partes prevista pelo inciso II do mesmo dispositivo, senão quando, silentes as partes quanto ao prazo, utilizar-se o juiz dessa baliza221. Além das hipóteses de suspensão previstas nos arts. 921 e 922 do CPC, há
outros casos em que a lei determina que deixem de ser praticados atos processuais na execução. O art. 678 do CPC, por exemplo, permite que seja atribuído efeito suspensivo aos embargos de terceiro, caso em que serão suspensas as medidas constritivas, bem como mantida ou reintegrada a posse do terceiro. Haverá, nesse caso, suspensão parcial da execução, na medida em que, ao menos em relação ao bem objeto dos embargos de terceiro, nenhum ato constritivo poderá ser praticado, podendo prosseguir, porém, contra o exequente, caso também não haja suspensão em relação a ele. Também se suspende a execução quando houver a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 3º, do CPC). A Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação), em seu art. 6º222, também prevê hipótese de suspensão da execução (e das demais ações) contra o devedor, em caso de decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial. Por fim, prevê o art. 923 do CPC que, durante o período de suspensão do processo de execução e do cumprimento de sentença, nenhum ato processual pode ser praticado, à exceção da adoção de providências urgentes. Também excetua essa regra, como mencionado acima, a substituição, o reforço e a redução da penhora, bem como a avaliação de bens. Assim, de modo geral, nenhum ato processual pode ser praticado, à exceção das medidas urgentes, a substituição e a adequação da penhora, bem como a avaliação de bens. 7.1.2 Prescrição intercorrente A prescrição recebeu tratamento específico do CPC/2015, que inovou no ordenamento jurídico ao regular expressamente o reinício do prazo prescricional por inércia do exequente.
Prescrição é matéria de direito material e atinge a pretensão, nascida com a violação do direito (art. 189 do CC). Com efeito, a partir do momento em que há violação a direito, o seu titular passa a poder exigir do ofensor que seja respeitado o direito. Segundo Pontes de Miranda, “pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa”223. A pretensão, todavia, não se protrai indefinidamente no tempo, ao menos a princípio, sendo alcançada pelo instituto da prescrição (extintiva) se, passado certo prazo previamente estabelecido pela lei, não for exercido o direito. A prescrição, então, não atinge o direito em si, mas apenas o poder do seu titular para exigir o seu cumprimento. Pontes de Miranda dizia que a “prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação”224-225. Desse modo, aquele que tem seu direito violado deve exercê-lo dentro do prazo previsto pelo ordenamento jurídico para fazê-lo, sob pena de não poder mais exigir o seu cumprimento. Há hipóteses, porém, em que o prazo prescricional não flui, seja porque há causa suspensiva (arts. 197 a 201 do CC), seja porque houve a sua interrupção (arts. 202 a 204 do CC). O art. 202, I, do CC, bem como os arts. 240, § 1º, e 802 do CPC, preveem que o despacho que ordenar a citação interrompe a prescrição, prevendo a lei processual que a interrupção retroagirá à data da propositura da ação, caso tenham sido adotadas pelo autor ou exequente as providências necessárias para que se realize a citação (art. 240, § 2º, do CPC). Assim, proposta a ação e determinada a citação do réu, operar-se-á a interrupção da prescrição, cujo curso manter-se-á interrompido enquanto o autor da ação, titular da afirmação de direito, continuar a agir com vistas ao
cumprimento daquilo a que afirma ter direito, conforme dispõe o art. 202, parágrafo único, parte final, do CC. Há, segundo Arruda Alvim, um ônus permanente226 que toca ao titular da afirmação de direito (ou do próprio direito, em relação à execução), consistente na constante prática de atos, a fim de impedir a fluência do prazo prescricional. Para o autor, “rigorosamente, para cada ato do processo, interrompe-se a prescrição, novamente, sempre com a inutilização do período já corrido”227. Com efeito, no que interessa ao presente capítulo, se o exequente deixa de praticar os atos que lhe cabem, como a indicação de bens à penhora, volta a fluir a prescrição, cujo prazo será o mesmo da pretensão, ou da ação, conforme entendimento sedimentado pelo STF, cristalizado na Súmula 150: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Transcorrendo
o
referido
prazo,
ocorrerá
a
chamada
prescrição
intercorrente228. Durante o período de suspensão do processo, todavia, não flui o prazo prescricional, pois, se nenhum ato processual pode ser praticado, não se pode dizer que a parte autora se manteve inerte, ou deixou de agir por desídia. O art. 791, III, do CPC/73 já previa a hipótese de suspensão da execução por ausência de bens penhoráveis, caso em que, de acordo com a jurisprudência do STJ, não fluía o prazo prescricional229. Todavia, o aludido Código não previa a partir de quando passaria a fluir o prazo prescricional, afinal não havia limitação temporal expressa para a suspensão do processo em razão da ausência de bens penhoráveis230. O CPC/2015 veio a regular definitivamente a questão, admitindo a suspensão do processo em razão da não localização de bens penhoráveis (art. 921, III), mas limitada a 1 ano (art. 921, § 1º), período em que não será
computado o prazo prescricional. É preciso destacar que, conquanto trate o dispositivo de “suspensão” da prescrição, temos presente que durante a suspensão do processo será mantido o estado de interrupção da prescrição, decorrente do exercício do direito de ação pelo titular do direito ou da afirmação de direito (propositura da ação ou da execução). Passado o prazo de 1 ano, não localizado o executado ou não localizados bens penhoráveis, os autos serão remetidos ao arquivo (art. 921, § 2º, do CPC), passando a fluir o prazo prescricional (art. 921, § 4º), salvo se o exequente voltar a dar andamento ao processo de execução ou cumprimento de sentença. Ademais, ainda que haja arquivamento dos autos, é lícito ao exequente requerer o seu desarquivamento, a fim de dar andamento à execução (art. 921, § 3º, do CPC). Tendo transcorrido o prazo prescricional, deverão as partes ser intimadas para se manifestar a esse respeito, no prazo de 15 dias (arts. 9º, caput, 10 e 921, § 5º, do CPC), podendo ser reconhecida de ofício a prescrição. Nesse caso, ainda que ao juiz pareça clara a ocorrência da prescrição, é imprescindível a oitiva das partes, sobretudo do exequente, para que possa demonstrar, por exemplo, a ocorrência de alguma causa de suspensão ou interrupção da prescrição231. Portanto, tem-se, em síntese, que, não havendo bens penhoráveis, suspender-se-á a execução durante 1 ano, justamente para permitir que o exequente tente localizar o executado e seus bens penhoráveis. Findo o prazo sem qualquer pedido de providência pelo exequente, serão os autos remetidos ao arquivo e a prescrição voltará a correr. Passado o prazo prescricional para o exercício do próprio direito executado, caberá ao juiz, ouvindo as partes,
decretar a prescrição, extinguindo a execução total ou parcialmente, a depender do caso (art. 924, V, do CPC). De outro lado, se no término do prazo de 1 ano o exequente requerer providências para localização do executado ou de seus bens, demonstrando não estar inerte, permanecerá interrompida a prescrição (interrupção ocorrida com o despacho que tinha ordenado a citação – arts. 240, § 1º, e 802 do CPC e art. 202, I, do CC). Questão interessante diz respeito às regras de direito intertemporal previstas pelo CPC/2015 a respeito da prescrição intercorrente. Dispõe o art. 1.056 que “Considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código”. De acordo com tal regra de transição, o prazo prescricional nas execuções voltou a fluir em todos os processos de execução e cumprimentos de sentença pendentes na data em que entrou em vigor o CPC, isto é, 18 de março de 2016. É claro que, para as execuções em que o exequente vem praticando atos, não há falar em início do prazo prescricional com a entrada em vigor do Código. Pelo contrário, o art. 1.056 do CPC diz respeito apenas aos casos em que haja inércia do exequente em dar andamento à execução232. Porém, é preciso ter presente que, se no momento da entrada em vigor do Código já estava em curso o prazo da prescrição intercorrente, não terá aplicação o art. 1.056 do CPC/2015, afinal o referido dispositivo, claramente, objetiva fixar termo inicial do prazo da prescrição extintiva e não simplesmente dilargar esse prazo233. Com efeito, em relação às execuções anteriores ao CPC/2015 que não
tenham sido suspensas, mas que não prosseguiam por inércia do exequente, não se aplica o art. 1.056 do vigente CPC, pois nessas hipóteses o prazo prescricional terá voltado a fluir a partir do último ato praticado no processo (art. 202, parágrafo único, do CC), ainda na vigência do revogado Código. De outro lado, em relação às execuções anteriores ao vigente Código já suspensas à época do CPC/73, aplica-se o art. 1.056 do CPC/2015, sendo o dia 18 de março de 2016 o termo inicial do prazo prescricional234. Por fim, às execuções posteriores ao Código de 2015, aplica-se a própria regra do art. 921, § 4º, isto é, superado o prazo de 1 ano de suspensão do processo sem manifestação do exequente, volta a fluir o prazo prescricional. 7.2 Extinção O art. 924 do CPC elenca as hipóteses de extinção do processo de execução e do cumprimento de sentença. A primeira hipótese aventada pelo dispositivo é o indeferimento da petição inicial. O pedido de execução de títulos extrajudiciais deve ser deduzido em petição inicial, pois eles não se formam no bojo de processo judicial, sendo autônoma a execução. Forma-se, como já foi dito anteriormente, relação jurídica processual inteiramente nova. A execução de título judicial, de seu turno, pode se formar por requerimento do exequente no próprio processo em que formado o título, inaugurando-se apenas uma nova fase do processo sincrético (fase de cumprimento de sentença). Há casos, porém, em que a execução de título judicial rende ensejo à formação de uma nova relação processual, como no caso da sentença penal condenatória (art. 515, VI e § 1º, do CPC) e da sentença arbitral (art. 515, VII, do CPC). Nesses casos, o pedido de
cumprimento de sentença é formulado também por meio de petição inicial. Tratando-se de petição inicial ou de simples requerimento de instauração da fase de cumprimento de sentença, fato é que o que se exige é pedido expresso da parte, afinal a execução “subordina-se ao princípio da demanda”235. E ainda, trate-se de simples requerimento ou de petição inicial, é certo que o Código exige que sejam cumpridos alguns requisitos para que tenham prosseguimento o processo de execução e o cumprimento de sentença, os quais serão mais detalhadamente tratados nos capítulos dedicados aos procedimentos de cumprimento de sentença e da execução de título extrajudicial. Verificada falha na petição inicial (aplica-se também o art. 330 do CPC, além das regras específicas do processo de execução e do cumprimento de sentença) ou no requerimento para instauração do cumprimento de sentença, cabe ao juiz intimar o exequente para corrigir o vício no prazo de 15 dias, conforme preconiza o art. 801 do CPC, aplicável também ao cumprimento de sentença. Transcorrido o prazo sem correção dos vícios, deverá ser extinta a execução. Convém notar que o art. 321 do CPC, que cuida da emenda à inicial no procedimento comum, exige em sua parte final que o juiz indique com precisão o que deve ser corrigido na petição inicial. Parece-nos que a mesma regra vale para a execução, isto é, ao determinar a emenda à inicial ou ao requerimento executivo, cabe ao julgador, por força do art. 321 do CPC, bem como do próprio princípio da cooperação, indicar expressamente de quais vícios padece a manifestação do exequente, a fim de propiciar a sua correção. Segundo Araken de Assis, nem sempre será necessária a abertura de prazo
para a correção do vício, pois em determinadas situações ele será insanável, como é o caso da inexistência de título236. Assim, se a petição inicial nem sequer fizer referência à existência de título executivo extrajudicial, por exemplo, não haveria, de acordo com o autor, a necessidade de intimação do exequente para que, no prazo de 15 dias, emende a petição inicial. Conquanto respeitável a posição, sobretudo porque o processo não deve ter atos processuais inúteis, parece-nos necessário considerar que mesmo os vícios aparentemente insanáveis podem ser, em certos casos, corrigidos. Na hipótese aventada acima, em que o exequente nem sequer faz referência à existência de título executivo extrajudicial, a falta de intimação para correção do vício acarretaria a extinção do processo de execução, ao passo que a intimação para manifestação poderia ensejar a melhora redacional da petição inicial, explicitando-se qual é o título que teria rendido ensejo ao pedido executivo, seguido da juntada aos autos do documento. Cremos, portanto, que em certos casos alguns vícios que parecem insanáveis podem, em concreto, mostrar-se sanáveis, razão pela qual se deve optar, sempre, pela intimação da parte para correção do vício, sobretudo porque os arts. 9º e 10 do CPC exigem abertura de prazo para que as partes (ou a parte exequente, no caso) se manifestem a respeito dos fundamentos que serão utilizados na decisão. Ou seja, se a execução vier a ser extinta em razão do indeferimento da inicial, quer-nos parecer que, antes disso, deve ter sido oportunizada a manifestação do exequente, no mínimo para que demonstre estar completa a sua petição inicial (ou requerimento). Também ocorre a extinção da execução quando for satisfeita a obrigação (art. 924, II). A execução, como já se afirmou, é processo (ou fase) de fim único, qual seja, a satisfação do credor, que é titular do direito materializado
no título executivo. Não há, em sede de execução, o acertamento do direito, mas a sua implementação na ordem prática, a sua efetivação. Se é essa a única finalidade do processo de execução e do cumprimento de sentença, razão não há para que eles prossigam quando for satisfeita a obrigação do devedor para com o credor. Desse modo, sendo, v.g., adimplida a obrigação de pagar quantia, deve-se extinguir a execução. De acordo com o art. 904 do CPC, o crédito do exequente é satisfeito por meio da entrega de dinheiro ou pela adjudicação dos bens ao credor. Tal dispositivo diz respeito, propriamente, às obrigações de pagar quantia (obrigações pecuniárias), pois aludem à entrega de dinheiro ou de coisa conversível em dinheiro (bens penhorados). Todavia, o aludido art. 904 tem aplicação nos casos de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro quando houver a conversão da obrigação principal em obrigação genérica de indenizar (perdas e danos). Nesse caso, altera-se a natureza da obrigação, passando a execução a se submeter ao regramento da execução de obrigação de pagar quantia. A hipótese de extinção da execução fundada no inciso III do art. 924 contempla variadas possibilidades. Alude o dispositivo à obtenção, pelo executado, da extinção da dívida237. É, por exemplo, o caso da extinção da execução em razão da procedência dos embargos à execução ou da impugnação ao cumprimento de sentença, quando disserem respeito à integralidade da dívida. Aqui se enquadra também a hipótese de a obrigação se submeter a condição resolutiva, por exemplo. Demonstrando o exequente o implemento da condição, que extingue a obrigação, extinguir-se-á também a execução, já que não haverá mais obrigação a ser satisfeita.
De igual modo, havendo confusão (art. 381 do CC) ou compensação (art. 368 do CC), extingue-se a obrigação e, igualmente, a própria execução, com fundamento no citado art. 924, III, do CPC. Caso o exequente renuncie ao crédito perseguido, também deverá ser extinta a execução (art. 924, IV, do CPC), afinal também não haverá mais obrigação a ser satisfeita. Trata-se, a bem da verdade, de hipótese já abarcada pelo inciso anterior (art. 924, III), pois a renúncia ao crédito extingue a obrigação. A última causa de extinção da execução prevista pelo art. 924 é o reconhecimento da prescrição intercorrente (inciso V), de que se tratou no tópico anterior. Além das hipóteses previstas pelo citado art. 924, aplicam-se ao processo de execução e ao cumprimento de sentença as hipóteses de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 485)238. Não nos parece haver espaço para aplicação do art. 487 do CPC (resolução de mérito), porque na execução não há questão a ser solucionada, como já se disse. Além disso, os incisos do art. 487, que seriam, em tese, aplicáveis à execução, já se encontram abarcados pelo art. 924. O reconhecimento da prescrição ou da decadência (art. 487, II) se encontra contemplado pelo art. 924, III; nesse mesmo inciso se enquadra a transação (art. 487, III, b); a renúncia à pretensão (art. 487, III, c) está contemplada pelo art. 924, IV239. Dentre as hipóteses de extinção previstas pelo art. 924 do CPC, admite-se a repropositura da execução quando se tratar de indeferimento da inicial (inciso I), desde que sanado o vício (art. 486, § 1º, do CPC). De igual modo, se houver desistência da execução, nada impede que a parte exequente a reproponha, pois mantém-se incólume o direito, em si.
Em se tratando de extinção da execução em decorrência da satisfação do exequente, paira certa dúvida na doutrina em relação à possibilidade de ser novamente instaurada a execução. Segundo Araken de Assis, “o efeito desse pronunciamento judicial [sentença que extingue a execução] respeita à extinção da relação processual executiva (coisa julgada formal, na concepção clássica). Por isso, admite-se a renovação do processo executivo, a requerimento do credor, alegando a existência de resíduos insatisfeitos do crédito (...)”240. José Miguel Garcia Medina, de seu turno, afirma que, “conjugando-se os arts. 924, II, e 925 do CPC/2015, infere-se que, ao declarar que a obrigação foi satisfeita, profere o juiz sentença que tem o condão de liberar o executado do cumprimento da obrigação. Diante disso, proferida tal decisão, não se deve admitir, em princípio, pedido de execução de parcela que não teria sido paga”241. Segundo o autor, é preciso que o exequente seja intimado para se manifestar a respeito da satisfação do crédito pelo executado, sem possibilidade de renúncia tácita. Porém, havida a intimação, a falta de manifestação da parte exequente ensejará o reconhecimento da satisfação do crédito242. Nesse sentido já se posicionou a Corte Especial do STJ, ao julgar recurso pelo rito dos repetitivos, na vigência do CPC/73, constando do acórdão que “A extinção da execução, ainda que por vício in judicando e uma vez transitada em julgado a respectiva decisão, não legitima a sua abertura superveniente sob a alegação de erro de cálculo, porquanto a isso corresponderia transformar simples petitio em ação rescisória imune ao prazo decadencial”243. Essa posição, segundo Araken de Assis, desconsidera que “o órgão
judiciário não emite juízo quanto à extinção do crédito, mas dá por encerrada a execução”244-245. Porém, conclui o autor que, se se admitir a formação de coisa julgada material nessa hipótese, terá cabimento a ação rescisória246. Parece-nos que falta à sentença que extingue a execução a cognição exauriente necessária à formação da coisa julgada material. Na execução, ademais, não há acertamento do direito, afinal o pedido nele veiculado é apenas a implementação de certo direito na ordem prática. Cremos, portanto, que, havendo a satisfação do crédito, não haverá possibilidade de ser reproposta a ação, não porque existe coisa julgada, mas porque não seria possível cobrar novamente aquilo que já foi pago247. 7.2.1 Sentença na execução O art. 925 do CPC prevê que a extinção só produz efeito quando declarada por sentença. Os “efeitos” a que se refere o dispositivo legal são os efeitos processuais, isto é, só há efetiva extinção do processo, com as consequências daí advindas (baixa no cartório distribuidor ou arquivamento dos autos, v.g.). Muito embora o processo só possa ser integralmente extinto com a prolação de sentença (art. 203, § 1º, do CPC), é evidente que pode haver extinção parcial da execução248. Basta pensar na cumulação de execuções de dois cheques não compensados. A cada um dos títulos corresponde uma ação (um pedido), que são cumulados por medida de economia processual e porque o ordenamento jurídico autoriza (art. 780 do CPC). Imaginando-se que um dos cheques esteja prescrito, não há dúvida de que parte da execução deverá ser extinta, pois não poderá prosseguir com vistas à satisfação integral do exequente, mas apenas parcial, em relação ao cheque ainda exigível. Nesse caso, temos presente que será proferida decisão interlocutória que
extinguirá parcialmente a execução em relação ao cheque prescrito. Trata-se de decisão interlocutória porque a sentença deve pôr fim à execução, o que não ocorre no exemplo acima, em que a execução prosseguirá em relação ao cheque não prescrito. Portanto, apenas a extinção total da execução é que demandará a prolação de sentença. Em se tratando de extinção parcial, proferir-se-á decisão interlocutória (art. 203, § 2º, do CPC). Em se tratando de extinção total, haverá, efetivamente, sentença, que poderá ser recorrida pela via da apelação, na forma do art. 1.009, caput, do CPC. Sendo parcial a extinção, o recurso cabível será o agravo de instrumento, com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do CPC.
LXXVI CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
1. Noções gerais sobre a execução de título judicial Conforme já se falou anteriormente, quando se tratou das noções gerais sobre o processo de execução e o cumprimento de sentença, este último é espécie de execução forçada que se destina ao cumprimento dos títulos executivos judiciais, isto é, aqueles títulos executivos que se formam no bojo de processo judicial ou arbitral. Como regra, sobretudo após o advento da Lei n. 11.232/2005, que alterou o CPC/73 e introduziu no ordenamento jurídico o chamado “sincretismo processual”, a execução dos títulos executivos judiciais constitui “mera” fase do processo em que se formou o próprio título exequendo. Diferentemente
da
execução
de
título
extrajudicial,
em
que
necessariamente se forma uma relação jurídica processual inteiramente nova, a execução de título judicial, como regra, não faz surgir nenhuma outra relação processual. Diz-se “como regra” porque em alguns casos o cumprimento de sentença faz surgir um novo processo, como ocorre no cumprimento de sentença arbitral, de sentença penal condenatória e de sentença e decisão interlocutória estrangeiras. Tratar-se-á do tema mais
detidamente linhas abaixo, quando tratarmos da competência para o cumprimento de sentença. Todavia, pode-se adiantar que, nessas hipóteses, há a formação de nova relação processual em razão da competência material do juízo criminal, que não inclui a execução de condenações de natureza civil, em relação à sentença penal condenatória, em razão do fato de que o juízo arbitral, conquanto exerça jurisdição, não é dotado de poder de império capaz de fazer cumprir coercitivamente as suas decisões e em razão de a competência do Superior Tribunal de Justiça, que engloba apenas a homologação ou concessão de exequatur às decisões estrangeiras, não incluir o seu cumprimento, que fica a cargo da Justiça Federal (cf. arts. 105, I, i, da CF e 965 do CPC). Por essas razões é que o cumprimento desses títulos executivos tem lugar perante outro juízo, diverso daquele que constituiu o título ou que concedeu eficácia ao título no Brasil. Convém dizer que, mesmo quando o cumprimento de sentença for requerido perante outro juízo, que não aquele que constituiu o título, ter-se-á apenas o início de fase de cumprimento da decisão, sem formação de novo processo. De acordo com o art. 516, parágrafo único, do CPC, o exequente, ao invés de requerer o cumprimento de sentença perante o juízo que constituiu o título, pode optar por fazê-lo perante (a) o foro de domicílio do executado, (b) o foro da localidade em que deva ser cumprida a obrigação de fazer ou não fazer imposta pelo título ou (c) no foro de situação dos bens sujeitos à execução. Nesses casos, haverá remessa dos autos ao juízo da execução, conforme prevê a parte final do referido art. 516, parágrafo único. Note-se, todavia, que, no mais das vezes, de acordo com a praxe forense, a execução de títulos executivos judiciais se realiza no mesmo processo em que se constituiu o título, como fase do processo, perante o juízo que constitui o
título executivo. 2. Títulos executivos judiciais O art. 515 do CPC elenca os títulos executivos judiciais, que são aqueles documentos formados no bojo do processo judicial ou arbitral, aos quais a própria lei outorga força executiva, isto é, torna desnecessária a discussão a respeito de haver ou não direito, seguindo diretamente à sua efetivação. No caso dos títulos executivos judiciais, passa-se direto à efetivação porque já houve prévia fase cognitiva, seja em relação ao próprio mérito, seja em relação às questões que surgem no curso do processo, como o valor dos honorários do perito (art. 515, V), por exemplo. Tratemos, então, de cada um dos títulos executivos judiciais. 2.1 Decisão judicial O art. 515, I, trata do mais comum exemplo de título executivo judicial, que é a decisão judicial que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro. Trata-se, por exemplo, da sentença de procedência da ação de cobrança, que deve ser executada a pedido do credor, de modo que o Estado-juiz empreenda meios para a efetivação da decisão. De início, é importante observar que a redação do aludido dispositivo reconhece a exequibilidade não só das sentenças, conforme constava da redação do art. 475-N, I, do CPC/73, mas de todas as espécies de decisões judiciais, sejam sentenças, decisões interlocutórias ou acórdãos. Questão relevante diz respeito à natureza da decisão proferida, isto é, se declaratória, constitutiva ou condenatória. Discutia-se ao tempo do CPC/73,
antes mesmo do advento da Lei n. 11.232/2005, se as sentenças meramente declaratórias poderiam ser executadas249. A esse tempo, o STJ proferiu paradigmática decisão que reconheceu força executiva à sentença meramente declaratória, quando tivesse delimitado todos os contornos da obrigação. O que se decidiu no REsp 588.202/PR, relatado pelo Ministro Teori Zavascki250, quando ainda integrante do colegiado, foi que, se a decisão de mérito percorrer todos os elementos da obrigação (existência, validade e eficácia), não haveria razão para submeter a questão a novo processo cognitivo, a fim de constituir título executivo. O art. 515, I, do CPC prevê que são títulos executivos judiciais “as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”. Tal redação se coaduna com a orientação do STJ251 acima referida, que também já se amoldava à redação do art. 475-N, I, do CPC/73, introduzido pela Lei n. 11.232/2005, razão pela qual se pode dizer que, mesmo quando a decisão judicial tiver conteúdo meramente declaratório, poderá ser ela executada. Exige-se, todavia, que todos os elementos da obrigação sejam delineados pela decisão252. É também a opinião externada por José Miguel Garcia Medina, para quem “não só as decisões condenatórias, mas também as decisões declaratórias podem constituir título executivo”253-254-255. Em relação às decisões constitutivas (positivas ou negativas), não parece haver grande justificativa para se outorgar eficácia executiva a elas, afinal o objeto da pretensão deduzida pelo autor da ação, que é a constituição ou desconstituição, opera-se com a própria sentença, que constitui ou desconstitui a relação jurídica256.
Ainda que as decisões constitutivas tenham consequências práticas, que podem inclusive ser antecipadas, caso presentes os requisitos (arts. 300 e 311 do CPC), a execução forçada dirá respeito à parcela da decisão que terá natureza condenatória. Pense-se no seguinte exemplo: A move ação anulatória de contrato de compra e venda de um automóvel contra B, alegando ter manifestado vontade viciada, razão pela qual pleiteia a desconstituição
do
negócio
jurídico.
Uma
das
consequências
da
desconstituição do negócio jurídico, caso não haja confirmação ou cumprimento do contrato por parte do devedor, ciente do vício (art. 174 do CC), será a restituição da coisa alienada ao autor da ação, A, que manifestou vontade viciada. Nessa hipótese, o efeito da desconstituição do negócio jurídico – restituição da coisa alienada ao vendedor – constituirá parcela condenatória da decisão, não se confundindo com a desconstituição, em si. Assim, caso não seja restituído o bem espontaneamente, poderá A requerer o cumprimento da decisão, que será, nesse particular, condenatória. Em relação às decisões condenatórias que imponham obrigação sujeita a condição ou termo, prevê o art. 514 do CPC que “o cumprimento da sentença dependerá de demonstração de que se realizou a condição ou de que ocorreu o termo”. O dispositivo diz respeito ao termo inicial e à condição suspensiva, que suspendem a eficácia do negócio jurídico (arts. 125 e 131 do CC). Diferenciam-se, a condição e o termo, apenas em relação à certeza quanto à ocorrência do evento, ou seja, submete-se a “termo inicial” a obrigação subordinada a evento futuro (quanto ao momento) e certo (quanto à ocorrência); submete-se a “condição suspensiva” a obrigação subordinada a evento futuro e incerto.
Tratando-se de negócio jurídico sujeito a evento futuro (certo ou incerto), caberá ao exequente, em seu requerimento de instauração da fase de cumprimento de sentença, demonstrar o implemento da condição ou a ocorrência do termo, a depender do caso. 2.2 Decisão homologatória de autocomposição judicial É possível que as partes, no curso do processo, cheguem à autocomposição, caso em que será proferida decisão (interlocutória ou sentença, a depender da amplitude do acordo) que, por disposição legal, será de mérito (art. 487, III, b, do CPC). Nesse caso, ainda que o julgador não se vá debruçar sobre o mérito, por não haver necessidade de substituição da vontade das partes, que acordaram a respeito da solução do litígio, optou o legislador por elencar a decisão homologatória entre as hipóteses de resolução de mérito, o que, a bem da verdade, está correto, já que, ao fim e ao cabo, há resolução do mérito atingida pelas próprias partes. Em síntese, não há cognição judicial a respeito do mérito, mas, ainda assim, haverá resolução de mérito, por vontade das partes, razão pela qual, aliás, descabe, em princípio, a propositura de ação rescisória (art. 966, caput, do CPC), senão que terá cabimento ação anulatória (art. 966, § 4º, do CPC). Havendo autocomposição judicial, o eventual cumprimento forçado do acordo será realizado por meio do cumprimento de sentença, pois o art. 515, II, diz ser título executivo judicial a decisão homologatória. Convém notar que o § 2º do art. 515 autoriza que a autocomposição envolva relação jurídica estranha ao processo, bem como envolva pessoas que não figurem em nenhum dos polos da relação processual. Significa isso
dizer que, se as partes objetivarem pôr fim ao litígio relacionado ao pedido formulado na petição inicial, bem como a outros que nem sequer se relacionem à causa de pedir, ou que envolvam outras pessoas que não figurarem no polo ativo ou passivo do processo, deverá ser homologada a autocomposição (caso presentes os elementos de existência e requisitos de validade do acordo), constituindo título executivo judicial, inclusive no tocante à relação jurídica estranha à causa de pedir e às pessoas que, até então, não figuravam no processo. 2.3 Decisão homologatória de autocomposição extrajudicial Ao lado da possibilidade de homologação da autocomposição judicial, permite a lei processual que as partes levem a juízo o acordo que celebraram extrajudicialmente, a fim de obter a chancela do Poder Judiciário. Em relação à autocomposição judicial, faz-se necessária a homologação porque já houve a formulação de pedido ao Estado-juiz, razão pela qual é preciso que seja proferida decisão judicial, ainda que de conteúdo meramente homologatório. Em relação à autocomposição extrajudicial, como regra, não se exige a homologação judicial como elemento de existência do negócio jurídico, tampouco importando em requisito de validade ou mesmo de eficácia. Porém, pode-se obter a homologação judicial como forma de constituir título executivo judicial, que tem, como já se disse, maior “força” do que os títulos executivos extrajudiciais, em razão da amplitude de matérias que podem ser aventadas em impugnação ao cumprimento de sentença e em embargos à execução. O pedido de homologação de autocomposição extrajudicial é aventado por
meio de procedimento especial de jurisdição voluntária, sendo regido pelos arts. 719 e seguintes do Código (cf. art. 725, caput e inc. VIII, do CPC). 2.4 Formal ou certidão de partilha O inventário ou arrolamento são procedimentos especiais de jurisdição voluntária previstos pelo CPC para que haja, entre herdeiros e legatários, a divisão dos bens deixados pelo autor da herança. Conquanto aos herdeiros a herança se transmita no instante exatamente posterior à morte (art. 1.784 do CC), por força do princípio da saisine juris, o inventário ou arrolamento se fazem imprescindíveis para que seja racionalizada a divisão dos bens constantes do espólio, permanecendo, até que se ultime tal divisão, em mancomunhão dos herdeiros (art. 1.791, parágrafo único, do CC). O inventário e o arrolamento, previstos pelos arts. 610 e seguintes do CPC, são encerrados por sentença, formando-se, em seguida, o formal (art. 655 do CPC) ou certidão de partilha (art. 655, parágrafo único), destinada aos quinhões que não excedam cinco salários mínimos. De acordo com o art. 515, IV, do CPC, tais documentos são títulos executivos judiciais257. Questão importante diz respeito aos limites subjetivos desse título, isto é, em relação a quem terá eficácia executiva o documento. Isso porque o aludido dispositivo prevê em sua parte final que a certidão ou formal de partilha valerão como título executivo apenas “ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal”. Em suma, só poderão executar esse título o inventariante e os sucessores a título singular (legatário) e universal (herdeiros). De igual modo, só poderão ser executadas essas mesmas pessoas.
Então, se determinado herdeiro recebeu, quando em vida o autor da herança, valores que ultrapassem o seu quinhão hereditário, v.g., deverá ele colacioná-los, restituindo o montante excedente ao espólio, a fim de igualar os quinhões dos herdeiros258. Estabelecendo-se tal obrigação pela sentença homologatória da partilha, poderão os demais herdeiros, bem como o inventariante, instaurar fase de cumprimento de sentença para fazer com que o herdeiro preste aos demais o montante excedente de seu quinhão. Além disso, ao limitar subjetivamente o título executivo ao inventariante e sucessores do de cujus, o inciso IV do art. 515 também acabou por limitar a formação do título executivo à partilha de bens decorrentes do falecimento do seu titular. Ou seja, só incide o art. 515, IV, do CPC à partilha decorrente de inventário ou arrolamento. Isso, todavia, não significa que a decisão tocante à partilha de bens, por exemplo, em razão do divórcio, não poderá ser cumprida forçadamente. Nesse caso, o descumprimento de uma das partes, que deve, v.g., entregar coisa ao ex-cônjuge, far-se-á com fundamento no inciso I do art. 515, pois se tratará de decisão judicial. Ademais, se as partes acordarem quanto à partilha, haverá decisão homologatória que poderá ser executada com fundamento no art. 515, II. Por fim, o art. 610, § 1º, do CPC autoriza que o inventário seja realizado extrajudicialmente, perante tabelionato de notas, quando forem capazes os herdeiros e legatários e, além disso, houver consenso entre eles. Lavra-se, nesse caso, escritura pública de inventário, que não se constitui em título executivo judicial, já que não emanado da autoridade judiciária. De qualquer forma, tal documento ainda assim terá eficácia executiva, já que o art. 784, II, atribui tal qualidade à escritura pública firmada pelo
devedor. Assim, se o herdeiro, obrigado a restituir bens ao espólio, por força da escritura pública de inventário, deixar de fazê-lo, poderão os interessados ajuizar execução de título extrajudicial. 2.5 Crédito do auxiliar da justiça O art. 515, V, atribui força executiva ao crédito dos auxiliares da justiça (custas, emolumentos e honorários), quando aprovados por decisão judicial. Em verdade, atribui-se força executiva à própria decisão que aprova o valor devido aos auxiliares da justiça. Trata-se de previsão inovadora, eis que o art. 475-N do CPC/73, que trazia o rol de títulos executivos judiciais, não previa que tal crédito constituía título executivo. Pelo contrário, tratava-se de título executivo extrajudicial, a teor do que previa o art. 585, VI, do CPC/73. O CPC/2015, portanto, tornou os créditos dos auxiliares da justiça (art. 149 do CPC) título executivo judicial e não mais extrajudicial. Como regra, cabe às partes a antecipação de todas as despesas do processo, em relação aos atos por elas praticados ou requeridos (art. 82, caput, do CPC). Contudo, o art. 98, § 6º, permite que, ao invés de ser concedida integralmente a gratuidade, permita-se que a parte suporte as despesas processuais de maneira parcelada, deixando, portanto, de antecipar integralmente o montante necessário à prática de determinado ato processual. Assim, se houver mora no adimplemento por parte daquele que foi beneficiado pelo parcelamento, poderá o auxiliar do juízo desde logo exigir o cumprimento da decisão, com lastro no art. 515, V, do CPC. O STJ259 reiteradamente vem reconhecendo eficácia executiva à decisão que arbitra honorários ao advogado dativo, caso em que poderá o advogado cobrar do Estado o valor dos seus honorários, independentemente de ter o
ente público participado do processo. 2.6 Sentença penal condenatória Um mesmo ato ilícito é capaz de produzir efeitos em mais de um ramo do Direito, ou seja, um mesmo ato pode constituir ilícito civil, administrativo, penal, entre outros. Prevê o art. 935 do CC que a responsabilidade civil é independente da criminal, o que significa dizer que, mesmo em caso de absolvição criminal, ainda poderá responder civilmente o suposto agente, salvo se a absolvição decorrer da ausência de autoria. De outro lado, uma vez condenado o réu na esfera criminal, oportunidade em que se reconhece a autoria e a materialidade delitiva, isso não mais poderá ser discutido no âmbito civil, pois o art. 91, I, do Código Penal torna certa a obrigação do condenado a indenizar a vítima. Significa isso dizer que, declarada a responsabilidade criminal, reconhecer-se-á, também, o dever do condenado de indenizar o ofendido. Trata-se, segundo Araken de Assis, de eficácia anexa da sentença penal condenatória, não havendo, propriamente, decisão condenatória cível260. Por isso, diz o autor que “o efeito anexo à sentença penal condenatória decorrerá, automaticamente, da própria lei. É irrelevante o fato de o juiz indicá-lo ou não no provimento (...)”261. É importante notar, além disso, que o art. 387, IV, do CPP estabelece que é requisito da sentença penal a fixação do valor mínimo indenizatório devido à vítima. Assim, a sentença penal condenatória fixa o an debeatur (dever de indenizar) e o valor mínimo da indenização. A par disso, o quantum debeatur será apurado perante o juízo cível, em liquidação de sentença. Desse modo, transitando em julgado a sentença penal condenatória,
poderá a vítima promover a liquidação do dano perante o juízo cível e, em seguida, requerer o seu cumprimento, conforme preveem os arts. 515, VI, do CPC e 63 do CPP. Questão interessante diz respeito à possibilidade de ser revista a sentença penal condenatória após o trânsito em julgado, por meio da revisão criminal (arts. 621 e ss. do CPP). Havendo a absolvição daquele que foi anteriormente condenado, desaparecerá também o efeito decorrente da sentença condenatória (indenização da vítima), desaparecendo, com efeito, o próprio título executivo judicial (art. 525, VI, do CPC). Estando em curso o cumprimento da sentença, ou mesmo quando já exaurida a obrigação, caberá ao exequente restituir o executado ao estado anterior, garantido ao exequente a possibilidade de sustentar, no bojo da ação movida pelo até então executado, com o objetivo de ser indenizado, que, a despeito da absolvição criminal, subsiste o dever de indenizar, por se tratar de ilícito civil262. Além disso, a eficácia civil da sentença penal condenatória atinge apenas a pessoa do condenado, razão pela qual não se pode cogitar, por exemplo, de o exequente se voltar contra aqueles que têm responsabilidade objetiva (art. 932 do CC), afinal contra eles não haverá título. Questão também interessante diz respeito ao acordo celebrado entre o réu na ação penal e o Ministério Público, quando se tratar de processo-crime submetido ao rito da Lei n. 9.099/95. De acordo com o art. 89 dessa Lei, quando a pena cominada para o crime do qual é acusado o réu for igual ou inferior a um ano, poderá o Ministério Público, titular da ação penal, propor a suspensão condicional do processo, que exige, dentre outros requisitos, a reparação do dano, sempre que possível (art. 89, § 1º, I, da Lei n. 9.099/95).
Estabelecendo-se a reparação do dano como condição para a suspensão do processo, pode-se questionar se o descumprimento da obrigação pelo acusado autorizaria que a vítima buscasse a execução forçada da obrigação. Por ocasião da realização da I Jornada de Direito Processual do Conselho da Justiça Federal (CJF), entendeu-se que “O acordo de reparação de danos feito durante a suspensão condicional do processo, desde que devidamente homologado por sentença, é título executivo judicial” (Enunciado n. 87). Dessa forma, a sentença homologatória que fixar as condições para a suspensão do processo penal terá a mesma eficácia executiva da sentença penal condenatória, afinal, sob a perspectiva do processo civil, o conteúdo será o mesmo: imposição de obrigação de reparar o dano. Por fim, importante questão diz respeito à possibilidade de ser executada provisoriamente, no âmbito cível, a sentença penal condenatória. Diz o art. 5º, LVII, da CF que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Na mesma linha, o art. 283 do CPP somente admite a prisão em flagrante delito, a prisão preventiva, a prisão temporária ou a prisão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Se o principal efeito da sentença penal condenatória é a aplicação da pena e a prisão é uma das formas de apenamento (art. 32 do CP), poder-se-ia dizer, com segurança, que as consequências advindas da condenação criminal só se poderiam aperfeiçoar na ordem prática após o seu trânsito em julgado, admitindo-se atenuações quando houver lei expressa, como é o caso do art. 283, caput, do CPP, que trata da prisão temporária, preventiva e em flagrante delito. Todavia, o STF263 admitiu recentemente a possibilidade de início do
cumprimento provisório da pena quando encerrada a jurisdição em segundo grau, pois a partir desse momento não se pode mais discutir matéria fática. Ante esse entendimento, é possível indagar se a sentença penal condenatória também poderia ser executada provisoriamente, em caso de condenação em segundo grau. Considerando o texto constitucional (art. 5º, LVII), bem como a própria redação do art. 515, VI, que aludem ao trânsito em julgado (também em relação ao próprio cumprimento da pena, é preciso dizer), não parece haver razão para o cumprimento provisório dessa decisão, que só constituirá título executivo judicial após o trânsito em julgado264. 2.7 Sentença arbitral Como já se tratou anteriormente, ao ensejo de analisar a jurisdição, a arbitragem é meio alternativo de solução de conflitos pelo qual as partes, por meio de cláusula compromissória ou compromisso arbitral, atribuem a terceiro, ou terceiros, o poder de decidir determinada lide, substituindo a vontade delas próprias. Por meio da convenção de arbitragem, as partes renunciam à jurisdição arbitral, atribuindo o poder jurisdicional a terceira pessoa imparcial, que decidirá a lide com força de coisa julgada, razão pela qual a sentença proferida em processo arbitral produz os mesmos efeitos que exerceria a sentença judicial, a teor do que dispõe o art. 31 da Lei n. 9.307/94. O poder que se atribui ao árbitro, porém, diz respeito apenas à cognição a respeito do mérito, não autorizando que esse terceiro, particular, exerça qualquer ingerência sobre nenhuma das partes, com vistas a fazer cumprir a sua decisão. Ou seja, o árbitro não detém poder de império, capaz de fazer
cumprir forçadamente as suas decisões, motivo pelo qual a sentença arbitral, se não cumprida espontaneamente pela parte sucumbente, deve ser executada perante o Poder Judiciário. Também têm eficácia executiva as decisões do tribunal arbitral, comumente chamadas de “ordens processuais”, que determinem medidas de urgência, conforme dispõem os arts. 22-A e 22-B da Lei n. 9.307/94. Tem-se, nesse particular, que o cumprimento da decisão far-se-á pelo cumprimento provisório, tal como preveem os arts. 297, parágrafo único, e 519 do CPC. 2.8 Sentença estrangeira Em virtude das mais variadas relações jurídicas existentes entre países e entre pessoas de diferentes países, é imperioso que todos os Estados cooperem entre si com vistas a dar efetividade às decisões proferidas pelos demais países. Dessa forma, a CF, em seu art. 105, I, i, com redação dada pela EC n. 45/2004, atribui ao STJ a competência para conhecer do pedido de homologação de sentença estrangeira, que, uma vez homologada, será eficaz também no Brasil (art. 961 do CPC), constituindo-se em título executivo judicial, a teor do que dispõe o art. 515, VIII, do CPC. Trata-se de medida que, a um só tempo, garante a observância das decisões estrangeiras em solo brasileiro e, de outro lado, preserva a soberania nacional, submetendo ao crivo do Judiciário pátrio a decisão estrangeira, especialmente no tocante aos requisitos de ordem pública. Convém destacar que o art. 960, § 3º, do CPC admite a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras, afinal o Brasil é signatário da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 52/2002, objeto do Decreto n. 4.311/2002, que trata, justamente, do reconhecimento da eficácia das sentenças arbitrais estrangeiras em território nacional. Desse modo, realizado o juízo de delibação pelo STJ, que analisará se a decisão judicial ou arbitral não ofende a ordem pública brasileira, será ela eficaz no Brasil, tornando-se título executivo judicial, que será executado perante o juízo federal competente, de acordo com as regras de competência previstas pelo próprio CPC (arts. 42 e ss.). É importante destacar, por fim, que o CPC dispensa a necessidade de homologação das sentenças estrangeiras de divórcio consensual (art. 961, § 5º, do CPC). Nesse caso, o exame da adequação da decisão à ordem pública brasileira caberá ao juízo que vier a conhecer da questão, seja como questão principal, seja como questão incidental. Nesse caso, a decisão que decretar o divórcio consensual será desde logo eficaz no Brasil. 2.9 Decisão interlocutória estrangeira Tal como ocorre com as sentenças estrangeiras, judiciais ou arbitrais, o Brasil reconhece eficácia às decisões interlocutórias estrangeiras, que chegam ao país por meio de carta rogatória. Uma vez homologada a decisão estrangeira, cabe ao STJ conceder o exequatur à carta rogatória, que consiste na ordem para que o pedido de cooperação de Estado estrangeiro seja cumprido. Assim, uma vez homologada a decisão interlocutória e concedido o exequatur, ter-se-á título executivo judicial, conforme prevê o art. 515, IX, do CPC.
3. Legitimidade ativa Ao cumprimento de sentença se aplica o disposto no art. 778 do CPC, que diz respeito à legitimidade ativa para a execução de títulos extrajudiciais. Como destaca Araken de Assis, o aludido dispositivo diferencia a legitimidade ordinária primária e superveniente265-266. Tal distinção diz respeito ao momento da formação do título executivo, ou seja, é primária a legitimidade daquele que consta do título como credor; é superveniente a legitimidade daquele que se torna, após a formação do título, credor da obrigação nele insculpida. Legitimação ordinária, rememore-se o conceito já tratado anteriormente, é a legitimidade de que dispõe a parte para tutelar, em nome próprio, interesse próprio, que é a regra do processo civil individual, conforme prevê o art. 18 do CPC. É primária a legitimidade da própria pessoa a quem a lei atribui título executivo (judicial ou extrajudicial), conforme se colhe do caput do art. 778. Trata-se, v.g., do autor da ação julgada procedente. Bem recorda Araken de Assis267 que o art. 23 da Lei n. 8.906/94 atribui ao advogado o direito de cobrar os honorários arbitrados ou de sucumbência fixados em decisão judicial. Por essa razão, mesmo que o advogado não conste do título executivo (sentença, por exemplo), terá ele legitimidade ordinária primária para cobrar o valor que lhe é devido, já que a lei (art. 23 da Lei n. 8.906/94) atribui a ele esse direito. Nesse caso, o advogado tutelará, em nome próprio, direito próprio. Ao lado disso, o STJ268 reconhece que a própria parte tem legitimidade para cobrar, no cumprimento de sentença, o valor que a parte adversa foi condenada a pagar, a título de honorários de sucumbência. Trata-se de
atribuição de legitimação extraordinária à própria parte, que pode tutelar, em nome próprio, direito alheio269. Ao lado do próprio credor, o Código considera legitimado ordinário primário o Ministério Público (cf. art. 778, § 1º, I). Trata-se de legitimação ordinária primária porque a lei, em certos casos, atribui legitimidade ativa ao Ministério Público, razão pela qual também pode o órgão requerer a execução do título executivo que se originar da ação por ele proposta. Noutros casos, é possível que a legitimidade ativa do Ministério Público seja superveniente, já que o art. 100 do CDC autoriza que o Parquet promova a liquidação e o cumprimento de sentença coletiva se, decorrido 1 ano do trânsito em julgado da sentença coletiva, não houver a “habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano”. Os demais incisos do art. 778, § 1º, do CPC cuidam dos legitimados ordinários supervenientes para a execução. O primeiro deles é o espólio, os herdeiros ou sucessores do credor, em decorrência da morte deste. Até que haja a partilha dos bens do morto, a universalidade de direito consistente no conjunto de bens é denominada “espólio”. Desse modo, ainda que os herdeiros recebam, no instante exatamente posterior ao óbito, os bens do morto, enquanto não se ultimar a partilha, todos eles serão tratados como universalidade de direito, estando sob mão comum de todos os herdeiros. Se o patrimônio do morto é integrado por crédito, tal direito se transfere aos herdeiros. Ocorrendo a morte do credor, antes ou durante o cumprimento de sentença, poderá propor, ou prosseguirá no processo, o seu espólio. Ocorrida a partilha de bens, sucederá o espólio (ou requererá o cumprimento, se não iniciado) o herdeiro ao qual se tiver atribuído o crédito.
Ademais, o aludido inciso II do art. 778, § 1º, alude ao sucessor do credor morto. Pensa-se que a expressão alude apenas ao legatário, pois, ao falar de “herdeiros”, abarca os legítimos e os testamentários. Assim, ao falar em “sucessores do credor” falecido, quer o art. 778, § 1º, aludir ao legatário, que recebe bem individualizado do patrimônio do morto. Se o bem legado for o próprio crédito, poderá o legatário, após a formalização do recebimento do crédito, promover o cumprimento de sentença ou nele prosseguir, na qualidade de sucessor do credor morto. O inciso III do art. 778, § 1º, trata da legitimidade ordinária superveniente do cessionário. Esse dispositivo diz respeito apenas à sucessão inter vivos, pois a sucessão causa mortis é tratada pelo inciso anterior. Nessa hipótese, tendo sido cedido o crédito a outrem, cabe ao novo credor requerer o cumprimento de sentença ou prosseguir na execução já instaurada anteriormente. Se, v.g., a parte vitoriosa em ação de cobrança cede seu crédito a outrem como forma de dação em pagamento, o terceiro que recebe o crédito terá legitimidade para requerer o cumprimento da sentença. Da mesma forma, havendo sub-rogação legal ou convencional (arts. 346 e 347 do CC), poderá o credor sub-rogado dar cumprimento ao título executivo, ou prosseguir no processo, assumindo a posição do antigo credor (cf. art. 778, § 1º, IV). O art. 778, § 1º, II a IV, trata da sucessão da parte, ou seja, os sucessores (em sentido lato) passam a assumir a mesma posição do credor, atuando no seu lugar. Contudo, diferentemente da regra da sucessão processual prevista pelo art. 109, § 1º, do CPC, que exige a anuência da parte contrária, em razão do princípio da perpetuatio legitimationis, no processo de execução e no cumprimento de sentença é dispensada a anuência do executado, conforme
dispõe o § 2º do art. 778. Trata-se de dispositivo que acolheu a posição já adotada pelo STJ270 na vigência do CPC/73, no sentido de que a transferência do crédito independe de consentimento do devedor. Desse modo, cedido o crédito no curso do cumprimento de sentença, poderá o cessionário integrar a relação processual, sucedendo o cedente, queira ou não o devedor. 4. Legitimidade passiva Assim como a legitimidade ativa para o cumprimento de sentença é o mesmo do processo de execução, a legitimidade passiva, em ambos os casos, tem o mesmo regramento. Além disso, também na legitimidade passiva se pode falar em legitimidade ordinária primária e superveniente271. Tal como na classificação da legitimidade ordinária ativa, essa distinção diz respeito ao momento da formação do título executivo, ou seja, é primária a legitimidade daquele que consta do título como devedor; é superveniente a legitimidade daquele que se torna, após a formação do título, devedor da obrigação nele materializada. É legitimado passivo, em primeiro lugar, aquele que consta do título executivo judicial ou extrajudicial como devedor, conforme prevê o art. 779, I, do CPC. Para que seja legitimado passivo o executado, é imprescindível que tenha ele constado do título expressamente, pois o art. 513, § 5º, do CPC não admite que o exequente se volte contra o fiador272, coobrigado ou corresponsável que não tenha participado da fase de conhecimento. Desse modo, optando o credor por ajuizar a ação apenas contra um dos devedores solidários (cf. art. 275 do CC), não poderá ele, na fase de cumprimento de sentença, incluir os demais devedores solidários no polo
passivo, pois eles não constarão do título. Nessa hipótese, os devedores solidários só poderão figurar no polo passivo da execução se, em defesa, tiver o devedor demandado (réu) promovido o chamamento ao processo (art. 130, III, do CPC)273. Os incisos II a VI do art. 779 tratam dos legitimados passivos supervenientes. Dentre os legitimados passivos supervenientes, alguns ostentam a condição de devedores e responsáveis (art. 779, II e III), enquanto outros são apenas responsáveis (art. 779, IV a VI), diferenciação já feita quando se tratou da responsabilidade patrimonial na execução. É relevante a distinção porque, em relação aos legitimados passivos que são devedores e responsáveis, tem-se legitimação ordinária, ao passo que, em relação aos responsáveis que não são devedores, tem-se legitimação extraordinária devidamente autorizada pela lei processual274. O segundo inciso desse dispositivo trata do espólio, dos herdeiros ou sucessores do devedor (sucessores causa mortis). Aqui, aplicam-se integralmente as considerações feitas no tópico precedente, especialmente em relação ao inciso II do art. 778, § 1º. É preciso acrescentar, apenas, que o herdeiro não é responsável pelo pagamento de valor superior àquilo que recebeu, afinal o art. 1.792 do CC limita a responsabilidade do herdeiro “às forças da herança”. Na mesma linha, o art. 796 do CPC prevê que, após a partilha, cada qual dos herdeiros responde com o seu quinhão pela dívida do falecido, que não pode superar esse montante. Disse-se acima que os “sucessores” a que alude o art. 779, II, do CPC são os legatários – sucessores causa mortis a título singular – porque os sucessores por ato inter vivos já se encontram abarcados pelo inciso III do mesmo dispositivo, que trata da hipótese de assunção de dívida, que exige
concordância do credor (art. 299 do CC). O inciso IV do art. 779 diz respeito à legitimidade passiva do fiador, com expressa referência aos títulos executivos extrajudiciais. Como dito acima, a presença do fiador no processo de conhecimento, somada à sua condenação, em caráter solidário ou subsidiário, transforma-o em legitimado passivo primário (art. 779, I). Como os títulos executivos extrajudiciais têm essa natureza independentemente da preexistência de processo judicial, basta que o documento com força executiva tenha sido afiançado. Portanto, tal dispositivo só tem aplicação no processo de execução de títulos extrajudiciais, já que para a execução de títulos judiciais exige-se a participação do fiador na fase de conhecimento (art. 513, § 5º, do CPC). O inciso V do art. 779 trata do proprietário do bem dado em garantia real ao credor, como é o caso do proprietário do imóvel hipotecado em benefício de credor de terceiro, v.g.275. O último inciso do art. 779 (inc. VI) alude ao responsável tributário que, conquanto não seja o sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte), vincula-se ao débito por força de lei (art. 121, parágrafo único, II, do CTN). É também o que prevê o art. 4º da Lei n. 6.830/80, que autoriza o ajuizamento da ação de execução fiscal também contra o responsável tributário (art. 4º, V). Ademais, é importante consignar que também têm legitimidade passiva os responsáveis pela execução, de acordo com o que dispõe o art. 790 do CPC, tema já tratado em capítulo anterior. Nessas hipóteses, tem-se também legitimidade passiva extraordinária, na medida em que os responsáveis, que veem seus bens sujeitos à execução de dívida alheia, são apenas responsáveis, sem serem devedores.
4.1 Intimação do executado A legitimidade ativa e passiva para o cumprimento de sentença, como se afirmou, tem tratamento idêntico à execução de títulos extrajudiciais, tanto é que os dispositivos que cuidam do tema são os mesmos (arts. 778, 779 e 790 do CPC). Interessa analisar, neste passo, tema que diz respeito apenas à execução de títulos judiciais, notadamente quando se tratar de fase do processo e não de processo autônomo, pois nesses casos não há a necessidade de citação do executado, mas de intimação para cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. Instaurado o cumprimento de sentença, será o executado intimado por meio do Diário Oficial, na pessoa de seu advogado, na forma do art. 513, § 2º, I. Trata-se de previsão que se aplica apenas à parte que tenha constituído advogado particular, pois, se tiver sido representada pela Defensoria Pública na fase de conhecimento ou não tiver procurador constituído nos autos, a intimação do executado será pessoal, por meio de carta com aviso de recebimento (art. 513, § 2º, II). Ademais, o art. 246, § 1º, do CPC determina que as pessoas jurídicas de direito público ou privado mantenham cadastro para recebimento de citações e intimações por meio eletrônico, prevendo o § 2º desse mesmo dispositivo que essa obrigação recai também sobre os entes públicos e as entidades públicas. Em relação ao cumprimento de sentença, havendo tal cadastro, prevê o art. 513, § 2º, III, que a intimação seja eletrônica, quando a parte não tiver procurador constituído nos autos. Caso o executado tenha sido revel na fase de conhecimento, sua intimação
para cumprimento do título executivo dar-se-á por edital, sempre que a sua citação na fase cognitiva também tenha se dado por edital (art. 513, § 2º, IV). Nota-se que esse dispositivo exige que também a citação tenha sido realizada por edital, o que afasta a possibilidade de intimação por edital do réu revel que, porém, tenha sido citado pessoalmente ou por hora certa, na fase de conhecimento. O STJ276, na vigência do CPC/73, enfrentou a questão, decidindo que, nesses casos, aplica-se a regra de que os prazos se contam desde a publicação da decisão, independentemente de intimação do revel (art. 322 do CPC/73, com parcial correspondência no art. 346 do CPC/2015)277. O art. 535, caput, trata da intimação da Fazenda Pública, quando for executada por título executivo judicial. De acordo com esse dispositivo, a Fazenda Pública deverá ser intimada na pessoa de seu representante judicial (art. 75, I a IV, do CPC) por “carga, remessa ou meio eletrônico”. Diferentemente das demais hipóteses de cumprimento de sentença, em que o executado é intimado para cumprimento da obrigação insculpida no título, a intimação dirigida à Fazenda Pública se destina a iniciar o prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, pois o regime executivo da Fazenda Pública é diferente do regime “comum” da execução, tema que será abordado com mais detalhe quando se tratar do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública. Além disso, excetua a regra do art. 513, § 2º, do CPC a intimação para o cumprimento de sentença que fixe obrigação alimentar, pois o art. 528, caput, do CPC exige que a intimação do executado seja pessoal, o que se justifica, no mínimo, em razão de ser menor o prazo para pagamento (3 dias), além de haver a possibilidade de prisão civil do devedor. Questões interessantes dizem respeito às inovações promovidas pelo
CPC/2015 no tocante à intimação para pagamento. De acordo com o § 3º do art. 513, se o executado mudar de endereço sem informar previamente ao juízo, e a intimação para cumprimento de sentença for dirigida ao endereço constante dos autos, ter-se-á por realizado o ato de comunicação, observado o art. 274, parágrafo único, do CPC, que prevê a fluência do prazo a partir da juntada aos autos do aviso de recebimento. Isso porque é dever da parte informar ao juízo qualquer mudança no seu endereço, a teor do que dispõe o art. 77, V, do CPC. Outra interessante previsão do art. 513 é o seu § 4º, que se ateve à questão prática relacionada à vigência do mandado do advogado da parte sucumbente. Ao tempo do CPC/73, não raras vezes o credor dava início ao cumprimento de sentença tempos após o trânsito em julgado da decisão, sendo o advogado que representou a parte sucumbente, que poderia não ter mais ligação com seu constituinte, ou mesmo já ter se encerrado o mandato, intimado na qualidade de procurador da parte sucumbente. Atento a isso, o legislador previu que, se o cumprimento de sentença for requerido após 1 ano do trânsito em julgado da decisão exequenda, a intimação deverá ser feita na pessoa do próprio devedor, por meio de carta com aviso de recebimento, observando-se, novamente, o parágrafo único do art. 274, bem como o § 3º do art. 513. Importante questão é levantada por Cassio Scarpinella Bueno278, tocante à contagem do prazo para pagamento. Bem observou o autor que o art. 231, § 3º, do CPC diz se iniciar o prazo para prática de atos diretamente pela parte na “data em que se der a comunicação”. Desse modo, aplicando-se o mencionado art. 231, § 3º, ao cumprimento de sentença, tem-se que o termo final para adimplemento da obrigação será aquele assinalado pelo juiz
(obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa) ou previsto pela própria lei (obrigação de pagar quantia ou obrigação alimentar), contado o interregno desde a intimação e não da juntada aos autos do comprovante de intimação ou da publicação no Diário Oficial. 5. Competência O art. 516 do CPC cuida da competência para a execução de títulos judiciais. De acordo com o inciso I do dispositivo, os tribunais são competentes para fazer cumprir as decisões proferidas em processos de sua competência originária. A regra diz respeito aos tribunais locais, bem como aos tribunais superiores. Desse modo, imaginando-se que certa ação rescisória contra sentença seja julgada procedente, inclusive no juízo rescisório (rejulgamento da causa), será o tribunal local competente também para processar o cumprimento de sentença, afinal a ação rescisória terá se iniciado nesse órgão. Aliás, ainda que o acórdão que vier a transitar em julgado na ação rescisória seja de tribunal superior, a competência continuará a ser do tribunal local, já que é a sua a “competência originária” (art. 516, I). Se se tratasse de ação rescisória já iniciada perante os tribunais superiores, porém, a competência para processar o cumprimento de sentença seria do STF ou do STJ, já que a competência originária, nesse caso, seria de tais tribunais. Nas hipóteses em que não há competência originária de tribunal, o que é a maioria dos casos, é bem verdade, será competente para o cumprimento de sentença o órgão jurisdicional que conheceu da causa na origem. Trata-se, então, do primeiro grau de jurisdição.
Assim, a decisão do STF proferida em recurso extraordinário será cumprida não perante a própria Corte, mas perante o juízo de primeiro grau em que tiver se iniciado o processo. Essas regras se aplicam aos casos em que o cumprimento de sentença é mera fase do processo, pois leva-se em consideração, na fixação da competência, a preexistência de processo judicial que tenha tramitado perante determinado órgão jurisdicional, que, portanto, também terá competência para processar a execução do julgado. Justamente por isso, trata-se de hipóteses de competência funcional e, pois, absoluta. Em se tratando de sentença arbitral, sentença penal condenatória e sentença estrangeira, nos casos em que há a formação de nova relação processual o órgão prolator da decisão não tem competência para processar o cumprimento de sentença. Em relação à sentença arbitral, é preciso dizer que o tribunal arbitral não terá, na verdade, jurisdição, já que a jurisdição privada está limitada à fase de cognição, não adentrando à execução, encerrando-se quando transitada em julgado a sentença arbitral. No tocante à sentença penal condenatória, o art. 63 do CPP estabelece expressamente que a competência para o cumprimento da sentença penal, especialmente em relação à reparação dos danos, é do juízo cível. A decisão estrangeira, por sua vez, conquanto homologada pelo STJ (exceção feita ao divórcio consensual), não deve ser cumprida perante o tribunal superior, mas perante a Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, X, da CF, bem como o art. 216-N do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Nesses casos, a competência observará as regras gerais do CPC, previstas
nos arts. 42 e seguintes. Além dessas regras, pode o exequente se valer do parágrafo único do art. 516, de que se falará em seguida. Especialmente em relação à decisão estrangeira homologada (bem como à decisão interlocutória que tenha recebido o exequatur), a competência será absoluta em relação à Justiça Federal, mas, dentre os vários juízos cíveis federais, a competência poderá ter natureza relativa (fixação em razão do domicílio do réu, por exemplo). Note-se que o inciso III do art. 516 alude em sua parte final ao acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo279. Trata-se de disposição que perdeu sua utilidade, na medida em que o texto do Código aprovado nas Casas Legislativas dizia ser título executivo judicial o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo. Todavia, o art. 515, X, do CPC foi vetado pela Presidência da República, veto que não foi derrubado pelas Casas Legislativas, razão pela qual a previsão de competência para processar o cumprimento dessa decisão de natureza administrativa perdeu relevância. Disse-se acima que, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 516, a competência dos órgãos jurisdicionais é funcional, o que, de regra, não comporta alteração por vontade das partes. No cumprimento de sentença, essa regra se mantém em relação à competência dos tribunais, mas em relação ao órgão jurisdicional em que se iniciou o processo, admite o Código que o exequente opte por requerer o cumprimento de sentença fora do juízo absolutamente competente, conforme se extrai do parágrafo único do art. 516280. De acordo com esse dispositivo, nas hipóteses dos incisos II e III do art. 516, pode o exequente optar pelo foro de domicílio do executado, pelo de situação dos bens sujeitos à execução ou pelo foro do local em que deva ser
cumprida a obrigação. Trata-se de regra que objetiva facilitar a execução, seja por tramitar em local mais próximo do executado, seja para permitir que o cumprimento espontâneo ou forçado seja mais célere (desnecessidade de expedição de cartas precatórias para constrição de bens, por exemplo). O art. 528, § 9º, do CPC autoriza ainda que o cumprimento de sentença que reconheça obrigação de natureza alimentar seja requerido no foro de domicílio do alimentante, medida que se destina a facilitar a via executiva ao credor dos alimentos. Por fim, vale notar que o art. 516 do CPC aplica-se não só ao cumprimento definitivo de sentença, mas também ao cumprimento provisório. A distinção entre ambos, assim, dirá respeito apenas à necessidade de formação de autos apartados para o cumprimento provisório, o que não ocorre com o cumprimento definitivo, em que, via de regra, há apenas a instauração de nova fase do processo. 6. Hipoteca judiciária De acordo com o art. 495 do CPC, a decisão que condena a parte ao pagamento de quantia, ou que converte obrigação de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro, em obrigação pecuniária (perdas e danos) é título constitutivo de hipoteca judiciária. Hipoteca é direito real de garantia vinculada a bem imóvel, conforme se extrai dos arts. 1.473 e seguintes do CC. Trata-se de direito real que, dentre outras características, outorga ao credor (titular do direito real de garantia) o direito de sequela, isto é, o direito de buscar o bem no patrimônio de quem quer que seja, justamente porque ele serve de garantia do pagamento de
determinada dívida. Pontes de Miranda, comentando o art. 466 do CPC/73, que também tratava do tema, dizia que “a hipoteca judiciária é um plus – cria o vínculo real, de modo que, na execução imediata ou mediata, está o vencedor munido de direito de sequela, que não tinha281”. Assim, tão logo seja registrada a hipoteca na matrícula do imóvel, constituir-se-á o direito real de garantia em questão, atribuindo-se ao credorexequente o direito de sequela. Não é necessário, ademais, que o julgador expressamente diga que a decisão condenatória pode ser inscrita no registro imobiliário, a fim de se constituir a hipoteca. Pelo contrário, o art. 495 do CPC/2015, tal como fazia o art. 466 do CPC/73, atribui efeito anexo à decisão282-283. O Código admite a constituição da hipoteca, mesmo que a condenação seja genérica (art. 495, § 1º, I). Significa isso que, ainda que a decisão necessite ser liquidada, ainda assim poderá o exequente inscrevê-la no registro imobiliário, obtendo a garantia hipotecária. Também não impede a constituição da hipoteca judiciária a possibilidade de ser cumprida provisoriamente a decisão (art. 495, § 1º, II), ou seja, ainda que possa a parte vitoriosa executar, mesmo que provisoriamente, a decisão, poderá ela obter a garantia hipotecária. E ainda, basta que seja proferida decisão condenatória para que se possa constituir a hipoteca, de modo que mesmo a interposição de recurso com efeito suspensivo não impede tal eficácia da decisão (art. 495, § 1º, III). Essa disposição merece especial atenção, pois, como regra, a interposição de recurso dotado de efeito suspensivo ope legis ou ope judicis impede que qualquer efeito da decisão possa se fazer sentir na ordem prática.
O que o art. 495, § 1º, III, do CPC faz é excetuar essa regra geral, ao prever que o efeito suspensivo do recurso não atinge a eficácia da decisão recorrida no que toca à constituição da hipoteca. Diante disso, pode-se dizer que a apelação, conquanto tenha efeito suspensivo ope legis, não impede que a parte vitoriosa inscreva o título (decisão judicial) na matrícula de imóvel de propriedade da parte sucumbente, a fim de constituir a hipoteca judiciária. Porém, não parece possível admitir que seja inatingível a eficácia imediata do art. 495 do CPC, em razão do que dispõe o seu § 1º, III. Isso porque é indubitável que a constituição da hipoteca pode, no caso concreto, acarretar risco de dano ao recorrente284, por exemplo, que, somada à probabilidade de provimento do recurso, pode fazer com que o efeito suspensivo da apelação abarque também a possibilidade de constituição da hipoteca judiciária. Trata-se de interpretação sistemática do art. 495, § 1º, III, que diz ser eficaz desde logo a decisão condenatória, a despeito da interposição de recurso dotado de efeito suspensivo, mas que não pode tornar absoluta essa regra, na medida em que o acesso efetivo à justiça (art. 5º, XXXV, da CF) por vezes passa pela necessidade de suspensão dos efeitos da decisão recorrida, quando o recurso se mostrar plausível. Assim, crê-se que, como regra, nenhum recurso é dotado de efeito suspensivo suficiente para impedir a constituição da hipoteca judiciária (nem mesmo a apelação), podendo o recorrente, demonstrados os requisitos para concessão de efeito suspensivo (art. 995 do CPC), obter dito efeito ope judicis. Portanto, imposta obrigação pecuniária à parte, poderá o credor registrar na matrícula de imóvel de propriedade do devedor o título executivo judicial, tornando-se credor hipotecário do executado. A partir disso, passa o credor a ter direito de sequela, estando autorizado a buscar o bem dado em garantia no
patrimônio de quem o titularizar. 7. Liquidação de sentença 7.1 Considerações iniciais O art. 491, caput, do CPC exige que a decisão judicial exprima com exatidão o quantum devido pela parte sucumbente, em se tratando de obrigação de pagar quantia. Porém, os incisos do caput do art. 491 aludem às hipóteses em que o legislador dispensa que a decisão seja líquida, permitindo, portanto, que ela seja genérica. De acordo com o inciso I do art. 491, caput, admite-se a iliquidez da decisão quando “não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido”. Significa isso que, se no momento da prolação da decisão não for possível dimensionar o quantum devido, poderá a decisão condenar a parte a pagar quantia ao seu adverso, mas sem indicar precisamente qual é o montante devido. Essa previsão se relaciona ao art. 324, § 1º, que cuida das hipóteses em que o autor pode formular pedido genérico, tema de que se tratou ao falar da petição inicial. O caput do art. 491 aduz que a decisão deve ser líquida, ainda que genérico o pedido, razão pela qual se deve considerar que, se no momento da prolação da decisão de mérito já for possível individualizar o pedido que foi formulado e que será acolhido, deverá ser líquida a decisão. De outro lado, se ainda não for possível tal individualização, admissível será a decisão genérica, que será liquidada em momento posterior. Tomemos um exemplo: A ajuíza ação indenizatória contra B, em decorrência de acidente de trânsito que teria sido causado pelo réu, permanecendo o autor internado em hospital para tratamento de seus
ferimentos. No momento da propositura da ação, A não tem a dimensão do prejuízo que lhe causou B. Ele até pode dimensionar os prejuízos relacionados ao seu veículo, mas os custos com o seu tratamento aumentam a cada dia, já que permanece internado. Nessa situação, o art. 324, § 1º, II, do CPC autoriza que A formule pedido genérico, consistente na condenação de B a indenizá-lo. Quando da prolação da sentença, se A já não mais sofrer qualquer prejuízo em decorrência do aludido acidente, deverá a decisão ser líquida. Por outro lado, se em tal momento processual A continuar a sofrer prejuízos em razão do acidente causado por B, a sentença poderá ser líquida em relação àquilo que já foi provado e que não sofre qualquer aumento (dano material relacionado ao conserto do veículo, v.g.) e ilíquida em relação ao prejuízo material decorrente do tratamento médico. Isso decorre do fato de que, no momento da prolação da decisão de mérito, quando o julgador já reúne condições de aferir o an debeatur, não é ainda possível estabelecer o quantum debeatur, já que o autor continua a sofrer danos. O inciso II do art. 491, caput, prevê que pode ser ilíquida a sentença quando a prova do seu valor for de “realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença”. Trata-se de previsão que homenageia os princípios da economia e da celeridade processual, pois a prova dispendiosa e demorada poderia ser inútil se, no momento da prolação da decisão de mérito, se constatasse que a parte a quem aproveita a prova da extensão do dano não tem razão. É dizer, se o autor alega ter sofrido dano causado pelo réu e a prova do montante do dano depender, por exemplo, de complexa perícia, é bastante lógico que se decida, primeiro, se o réu deve indenizar o autor, para só então ser realizada a prova demorada e dispendiosa, em fase de liquidação. Nessa
hipótese, primeiro se decide se o réu deve ao autor, apurando-se o quanto é devido posteriormente, em razão dos custos para a apuração do montante. Ao lado dessas hipóteses, tem-se a possibilidade de liquidação nas ações coletivas que versem direitos individuais homogêneos. De acordo com o art. 97 do CDC, em caso de procedência da ação coletiva que tutele direitos individuais homogêneos, os beneficiários da decisão poderão liquidar seus danos, obtendo, na sequência, o cumprimento individual do quanto decidido. Os direitos individuais homogêneos, conquanto individuais, recebem tutela processual coletiva, dada a homogeneidade, razão pela qual cabe ao legitimado extraordinário tutelar essas relações homogêneas, enquanto aos particulares, se assim desejarem, cabe a liquidação do dano e o início do cumprimento de sentença coletiva. Decide-se, primeiro, que os substituídos são credores e, em segundo lugar, por meio da liquidação, quanto é devido e para quem, especificamente, é devido. Muito embora o caput do art. 491 expressamente se refira à decisão, o seu § 2º alude ao acórdão que alterar a “sentença”. A despeito disso, é certo que o referido dispositivo se aplica também à decisão interlocutória de mérito, que poderá, nas hipóteses previstas nos incisos acima tratados, ser ilíquida, podendo sê-lo também o acórdão que julgar o agravo de instrumento interposto contra essa decisão (art. 1.015, II, do CPC), tal como expressamente autoriza o art. 356, § 1º, do CPC, prevendo o § 2º do aludido dispositivo que seja liquidada desde logo a decisão interlocutória de mérito. Portanto, nessas hipóteses, ter-se-á título executivo ilíquido, que não autoriza o início da execução285. Por essa razão, é preciso, antes de se iniciar a fase de cumprimento de sentença, que seja liquidado o valor devido, isto é, faz-se necessária a precisão do quantum debeatur. É o que prevê o § 1º do
art. 491 do CPC, ao dizer que, se a decisão que constituir o título executivo não precisar o valor devido, dever-se-á proceder à liquidação. É possível, aliás, que uma mesma decisão tenha parte líquida e parte ilíquida. Nessas hipóteses, pode o credor promover, simultaneamente, o cumprimento da parte líquida e a liquidação da parte ilíquida da decisão, fazendo-o em autos apartados (art. 509, § 1º). O procedimento da liquidação de sentença está previsto nos arts. 509 a 512 do CPC. Conquanto se refira à “sentença”, é claro que os dispositivos se aplicam à liquidação de qualquer espécie de decisão judicial que tenha conteúdo condenatório (decisão interlocutória, sentença e acórdão). Diferentemente do pedido de cumprimento de sentença, que só pode ser feito pelo credor ou por seus sucessores, já que ao devedor resta apenas pagar o débito espontaneamente (cf. art. 526), na liquidação, também o devedor tem legitimidade ativa, conforme se extrai do caput do art. 509. O aludido dispositivo exige, portanto, requerimento da parte interessada (credor ou devedor), não sendo possível o início da liquidação por impulso oficial, ou seja, de ofício. Trata-se, uma vez mais, de previsão afinada com o princípio dispositivo. Se a liquidação tiver lugar no mesmo processo em que proferida a decisão liquidanda, bastará o mero pedido. Se a liquidação for promovida em juízo diverso, nas mesmas hipóteses que autorizam o cumprimento de sentença em juízo diverso, conforme tratado em tópico anterior, far-se-á a liquidação mediante pedido da parte, aventado por meio de petição inicial. A redação original do CPC/73 previa que a liquidação de sentença poderia se dar por cálculos do contador (art. 604), por arbitramento (art. 606) ou por artigos (art. 608). A Lei n. 11.232/2005 revogou os arts. 603 a 611, passando
a reger a liquidação de sentença nos arts. 475-A a 475-H. Ademais, referida lei previa a liquidação de sentença por arbitramento (art. 475-C) e por artigos (art. 475-E). Quando a apuração do valor devido dependesse apenas de cálculos aritméticos, caberia ao próprio credor formular, desde logo, o pedido de cumprimento de sentença, apresentando os devidos cálculos (art. 475-B), dispensando-se, em princípio, a realização de cálculos pelo contador do juízo. O CPC/2015, em certa medida, manteve o regramento do CPC/73, após as alterações promovidas pela Lei n. 11.232/2005, deixando, porém, de falar em “liquidação por artigos”, mas em “liquidação pelo procedimento comum”. Manteve-se, outrossim, a liquidação por arbitramento. Tal como no Código anterior, em sua última redação, quando a decisão ilíquida depender de meros cálculos aritméticos, é o próprio exequente que deverá apresentá-los no requerimento do cumprimento de sentença, conforme preveem os arts. 509, § 2º, e 524, caput, do CPC286. Ademais, o procedimento da liquidação não poderá contrariar o que foi decidido, ou seja, deve respeitar a coisa julgada material, conforme prevê o § 4º do art. 409, que veda a rediscussão da lide e a modificação da decisão que julgou os pedidos. Esse dispositivo nada mais faz que deixar claro que, mesmo sendo ilíquida a decisão, o seu comando decisório terá formado coisa julgada material, qualidade que também pode ter recoberto as questões prejudiciais decididas na forma do § 1º do art. 503. Na mesma linha, ainda que se trate de liquidação provisória, em que não há coisa julgada, por haver recurso pendente de julgamento, não é possível que o título liquidando tenha seu conteúdo vulnerado. Desse modo, o procedimento da liquidação, conquanto complemente a
atividade jurisdicional, não pode ensejar nova decisão a respeito do mérito, já imutável ou que, no mínimo, encontra-se em ato (litispendência). Trata-se da “regra da fidelidade ao título, que decorre da própria finalidade da liquidação, que visa, apenas, a integrar”287-288. A propósito, tal dispositivo também engloba todas as matérias que poderiam ter sido aduzidas, mas não foram, conforme preconiza o art. 508 do CPC289. Além disso, importa notar que a liquidação é encerrada por decisão interlocutória, pois não há o encerramento da fase de conhecimento ou de execução, ainda que haja decisão de mérito. A função dessa decisão interlocutória
é
integrativa,
complementando
a
decisão
liquidanda,
propriamente dita. Contra essa decisão, tem cabimento o agravo de instrumento, conforme se extrai do art. 1.015, parágrafo único, do CPC290-291292
. Nada garante, aliás, que após a liquidação se apure crédito do autor, se
vencedor. Pelo contrário, é possível que o resultado da liquidação seja “zero”, caso em que se terá reconhecido, por decisão de mérito, que o réu praticou determinado ato ilícito, por exemplo, mas na liquidação se constate a inexistência de dano293. Admite-se, ainda, que seja provisória a liquidação. Prevê o art. 512 do CPC que seja promovida a liquidação da decisão, ainda que penda recurso contra ela, mesmo que seja dotado de efeito suspensivo294. Desse modo, ainda que suspensa a eficácia da decisão, em razão da interposição de recurso com efeito suspensivo, é possível que se promova a sua liquidação, de modo a otimizar o processo, de forma tal que, se for mantida a decisão, poderá ela ser desde logo cumprida. Há casos, porém, em que a realização da liquidação antes do trânsito em
julgado da decisão liquidanda pode gerar prejuízo à parte. Basta pensar na hipótese de ser ilíquida a decisão em razão dos custos para apuração do quantum (art. 491, II), caso em que a probabilidade de provimento do recurso interposto pela parte sucumbente autoriza, em princípio, a suspensão da própria liquidação, a fim de se evitar o custo para produção da prova que poderá se mostrar inútil, ante o possível provimento do recurso. Dito isso, tratemos das duas espécies de liquidação previstas pelo CPC. 7.2 Liquidação por arbitramento De acordo com o art. 509, I, dá-se a liquidação por arbitramento quando assim determinar o título, quando convencionado pelas partes ou quando assim exigir a natureza da obrigação fixada na decisão liquidanda295. A liquidação por arbitramento, diferentemente da liquidação pelo procedimento comum, não leva em consideração qualquer fato novo, mas exige, todavia, conhecimento técnico específico para apuração do quantum debeatur. Nessa modalidade de liquidação, todos os elementos necessários à produção da prova de conteúdo técnico já constam dos autos, não sendo possível/necessário trazer qualquer outro elemento aos autos296. É, por exemplo, o caso da sentença ilíquida em decorrência dos custos para realização de prova pericial para apuração do valor do dano (art. 491, II). Nesse caso, é possível que se determine a liquidação por arbitramento, pois os fatos relevantes à apuração do dano já terão sido alegados, sendo necessária a realização de estudo técnico para dimensionar o quantum debeatur. Diferentemente do CPC/73 (art. 475-D), que exigia, desde logo, a nomeação de perito, o CPC/2015 permite que as próprias partes produzam a
prova de natureza técnica. Não se trata, evidentemente, de prova pericial, mas sim documental, o que não retira a característica da liquidação por arbitramento, destinada à apuração do quantum por meio de conhecimento técnico específico. Dessa forma, prevê o art. 510 do CPC que, havendo liquidação por arbitramento, sejam as partes intimadas para apresentar pareceres técnicos ou elementos elucidativos no prazo fixado na decisão. Somente haverá nomeação de perito se, a despeito da juntada de pareceres e outros documentos pelas partes, o juiz não puder decidir, isto é, não reunir elementos suficientes para a complementação da decisão liquidanda. Sendo necessária a nomeação de perito, aplicar-se-ão ao caso as regras tocantes à produção da prova pericial. Produzidas as provas necessárias pelas partes, ou por meio de perito, será julgada a liquidação por meio de decisão interlocutória, como se disse anteriormente. Tal decisão arbitrará o valor devido com base nas provas que foram produzidas nessa fase do processo. 7.3 Liquidação pelo procedimento comum A liquidação pelo procedimento comum era chamada no CPC/73 de “liquidação por artigos” (cf. arts. 475-E e 475-F). A despeito da alteração de nomenclatura, trata-se, substancialmente, do mesmo instituto. Essa espécie de liquidação se destina às hipóteses em que a apuração do quantum debeatur depende da comprovação de fatos novos, conforme prevê a parte final do art. 509, II, do CPC/2015. Se a decisão liquidanda for ilíquida em virtude da impossibilidade de delimitação da extensão do dano (art. 491, I), por exemplo, terá lugar a
liquidação pelo procedimento comum, pois no momento anterior ao cumprimento da decisão será necessário levar aos autos os elementos fáticos e probatórios que permitirão a apuração do exato prejuízo sofrido pela parte. O fato de a necessidade de conhecimento técnico caracterizar a liquidação por arbitramento não significa que não se possa produzir prova pericial, de natureza eminentemente técnica, na liquidação pelo procedimento comum. O que distingue ambas as espécies de liquidação é o momento em que o fato surgiu no processo, tendo-se como parâmetro o momento da prolação da decisão liquidanda297. Ou seja, ainda que o fato, em si, seja anterior à sentença, será “fato novo” se sua notícia vier aos autos posteriormente (quando for possível a apresentação de fatos novos, é claro). Assim, se no momento da prolação da sentença o autor ainda estiver sofrendo danos em decorrência da conduta do réu, será ilíquida a decisão (art. 491, I). É possível, ademais, que a prova do dano dependa da realização de perícia, o que será plenamente admissível na liquidação, sem que isso desnature a liquidação pelo procedimento comum. Fala-se em “liquidação pelo procedimento comum” porque o seu procedimento será o mesmo previsto nos arts. 319 e seguintes do CPC, observadas algumas peculiaridades (cf. parte final do art. 511 do CPC). Assim, tratando-se de liquidação de sentença a ser promovida no mesmo processo, não será apresentada nova petição inicial, mas “mero” requerimento de liquidação. Pela mesma razão, não haverá citação da parte contrária, que será intimada na pessoa de seu advogado para apresentar contestação, no prazo de 15 dias. Havendo liquidação em processo autônomo, como se dá na liquidação de sentença penal condenatória, por exemplo, necessária será a petição inicial,
bem como a citação da parte contrária para apresentação de contestação no aludido prazo. O objeto da contestação, nesse caso, não engloba todas as matérias de defesa. É preciso, como já se afirmou, que seja respeitada a decisão liquidanda, tenha ou não transitado em julgado, de modo que será amplo o espectro de defesa apenas em relação aos fatos novos e suas respectivas provas, além, é claro, da própria admissibilidade da liquidação. Além disso, importa notar que a falta de contestação torna o réu revel, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pela parte que houver requerido a liquidação (seja o credor ou o devedor), na forma do art. 344 do CPC. O efeito material da revelia – presunção de veracidade – evidentemente só ocorrerá se não incidir o art. 345 do CPC. Produzidas as provas necessárias à apuração do quantum debeatur, decorrente dos fatos novos levados aos autos, será proferida decisão interlocutória, contra a qual tem cabimento o agravo de instrumento (art. 1.015, II). 8. Espécies de cumprimento de sentença Analisadas as questões comuns a todas as espécies de execução de títulos judiciais, deve-se analisar o procedimento de cada uma delas separadamente, com especial enfoque nas suas especificidades. 8.1 Cumprimento definitivo da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.1.1 Considerações iniciais O CPC trata do cumprimento definitivo de sentença (rectius: de qualquer
espécie de decisão transitada em julgado) entre os arts. 523 e 527, sem prejuízo do regramento subsidiário dos dispositivos tocantes ao processo de execução e ao processo de conhecimento (cf. art. 771 do CPC). Deve-se registrar que sempre que se falar em “cumprimento de sentença”, expressão adotada pelo CPC, está-se referindo ao cumprimento de qualquer espécie de título executivo judicial. Havendo condenação ao pagamento de dinheiro, ainda que a decisão não tenha percutido o mérito, mas tenha, por exemplo, fixado honorários de sucumbência, o procedimento a ser adotado será aquele previsto nos arts. 523 e seguintes do CPC. De modo geral, não sendo adimplida espontaneamente a obrigação pecuniária, o Código autoriza que o credor se utilize do procedimento aqui tratado para obter a sua satisfação. Caso já seja líquido o título executivo, pode o exequente requerer, desde logo, a intimação do devedor para pagamento em 15 dias, sob pena de multa. De outro lado, sendo ilíquido o título, deverá o exequente, antes de requerer o cumprimento da decisão, por exemplo, promover a liquidação, conforme já tratado linhas acima. Importa observar que o caput do art. 523, além de tratar da liquidez da decisão exequenda, deixa claro que é definitivo o cumprimento de decisão interlocutória de mérito contra a qual não haja mais recurso pendente de julgamento, conforme preconiza o art. 356, § 3º, afinal o aludido art. 523, caput, faz expressa referência à “decisão sobre parcela incontroversa”. A despeito dessa expressa referência, é evidente que o dispositivo não se aplica apenas ao julgamento antecipado parcial de mérito fundado no art. 356, I, do CPC. Aplica-se o dispositivo, igualmente, à decisão interlocutória de mérito fundada também no inciso II do dispositivo, que alude às hipóteses
em que não há necessidade de produção de prova em relação a um ou mais pedidos, ou, ainda, a parcela deles. Assim, especialmente em relação à decisão judicial (art. 515, I, do CPC), que é o mais comum dos títulos executivos judiciais, será definitiva a execução relativa à sentença e à decisão interlocutória de mérito, desde que não mais sujeitas a recurso, ou seja, deve ter ocorrido o trânsito em julgado. Em suma, para que seja definitivo o cumprimento de sentença, é imprescindível que tenha havido o seu trânsito em julgado, pois, pendendo recurso, ainda que não dotado de efeito suspensivo, o cumprimento será provisório (cf. art. 520, caput). Aliás, algumas espécies de títulos executivos judiciais nem sequer admitem cumprimento que não seja definitivo, isto é, fica excluída a possibilidade de cumprimento provisório, como é o caso da sentença penal condenatória (art. 515, VI), que alude ao trânsito em julgado, e da sentença estrangeira (art. 515, VIII), que, como regra, necessita da homologação do STJ. Como já se disse no capítulo destinado à parte geral da execução de títulos judiciais e extrajudiciais, a execução é regida pelo princípio dispositivo, assim como o processo civil, de maneira geral. Por essa razão, o cumprimento de sentença se inicia a requerimento do credor ou dos demais legitimados, conforme se extrai do art. 523, caput. É possível, porém, que a parte condenada a pagar quantia, antes da instauração do cumprimento de sentença (a requerimento do credor), compareça em juízo para adimplir o débito, caso em que deve apresentar memória descritiva do valor que entende devido (art. 526, caput, do CPC). Vale notar, a propósito, que, muito embora o caput do art. 526 faça expressa referência ao “réu”, é evidente que também o autor pode depositar em juízo o
valor devido, pois também pode ele ser condenado, por exemplo, ao pagamento de honorários de sucumbência298. Nessa hipótese, terá o credor o prazo de cinco dias para se manifestar sobre o valor apurado pelo devedor, podendo levantar, desde logo, o valor incontroverso (art. 526, § 1º). Caso o credor impugne o valor apurado pelo devedor, caberá ao juiz decidir pela suficiência ou insuficiência do depósito feito. Entendendo por suficiente, declarar-se-á satisfeita a obrigação; se se entender pela insuficiência, ao valor da diferença será aplicada multa de 10%, além de honorários de sucumbência de iguais 10%, realizando-se em seguida a penhora de bens (art. 526, § 2º). À falta de impugnação pelo credor, o juiz declarará satisfeita a obrigação, extinguindo-se o processo (art. 526, § 3º). Significa isso dizer que o juiz só poderá entender por insuficiente o depósito se o próprio credor, no seu próprio interesse, alegar a insuficiência, não sendo admissível o agir oficioso do juiz. Não havendo pagamento espontâneo por parte do devedor, caberá ao credor requerer o cumprimento de sentença, como já se afirmou, razão pela qual se faz necessária a análise dos requisitos do requerimento de cumprimento de sentença, quando não houver pagamento voluntário por parte do sucumbente. 8.1.2 Requisitos da petição O art. 524 do CPC elenca diversos requisitos que devem constar do pedido de instauração do cumprimento de sentença. Antes de se analisar cada um deles, é preciso notar que, nas hipóteses em que o cumprimento de sentença
ensejar a instauração de uma nova relação processual, devem ser observados também os requisitos previstos pelos arts. 319 e 320, naquilo que for compatível com o cumprimento de sentença, pois nesses casos o pedido de cumprimento de sentença será ventilado, verdadeiramente, por meio de petição inicial. Com especial enfoque nos requisitos do art. 524, verifica-se que o legislador exige, primeiramente, que seja apresentado demonstrativo discriminado e atualizado do crédito exequendo. Cabe ao exequente, portanto, efetuar a atualização do valor devido pelo executado, corrigindo monetariamente o montante, fazendo, ainda, incidir os juros devidos (art. 524, caput). Caso os cálculos apresentados pelo exequente aparentemente não correspondam ao montante da condenação, de acordo com o juízo, será o executado intimado para pagamento do montante integral, mas eventual penhora só poderá recair sobre o montante indicado pelo próprio juízo como sendo o correto (art. 524, § 1º). Essa fixação pelo juiz será provisória, pois o valor efetivo da execução será apurado por cálculos do contabilista do juízo, que terá o prazo de 30 dias para elaborá-los, caso outro não lhe seja conferido (art. 524, § 2º). Há casos, porém, em que a elaboração dos cálculos depende de dados em poder de terceiros ou do próprio executado, caso em que o juiz deve requisitá-los, sob pena de desobediência (art. 330 do CP), conforme prevê o art. 524, § 3º. Noutras hipóteses, é possível que a complementação do demonstrativo necessite de informações em poder do executado, caso em que o juiz as requisitará, fixando prazo de 30 dias (art. 524, § 4º), sob pena de reputarem-
se corretos os cálculos apresentados pelo exequente (art. 524, § 5º). É preciso, ainda, que sejam qualificados o exequente e o executado (cf. art. 524, I), o que se mostra mais relevante quando exequente ou executado não coincidam com as partes do processo de conhecimento, pois, havendo coincidência, parece mero formalismo a exigência de que sejam qualificadas novamente as partes, a não ser que haja alteração de qualquer dado, como o domicílio, por exemplo. A fim de permitir que o juiz e o próprio executado verifiquem a correção do valor cobrado (art. 524, II), é imprescindível que o exequente indique o índice de correção monetária adotado em seus cálculos, que deverá corresponder àquele fixado na decisão exequenda. Da mesma forma, cabe ao exequente indicar a natureza dos juros cobrados (se moratórios ou compensatórios), bem como a respectiva taxa. Em relação aos juros moratórios, à falta de estipulação da taxa pelas partes ou pela decisão exequenda, incidirão os juros legais, na forma do art. 406 do CC. Ainda em relação à incidência de juros, é preciso que o exequente indique o termo inicial e o termo final de sua incidência (art. 524, IV), bem como a periodicidade de sua capitalização, se se tratarem de juros compostos (art. 524, V). Além disso, é preciso que o exequente indique se há eventual desconto obrigatório a ser feito, como a incidência de tributos, por exemplo. O último requisito de que trata o art. 524 (inc. VII) é a indicação de bens do executado passíveis de penhora. Não se trata de requisito essencial do requerimento, pois nem sempre é possível que o exequente saiba, desde logo, quais são os bens do executado passíveis de penhora. Portanto, à falta dos requisitos previstos pelos incisos I a VI do art. 524,
deverá o exequente ser intimado para sanar o vício, emendando a petição inicial ou o seu requerimento de instauração da fase de cumprimento de sentença. No tocante ao requisito previsto pelo inciso VII desse dispositivo, a sua falta não implica qualquer vício da petição, tendo em vista que não se trata de requisito essencial, podendo ser indicados bens à penhora posteriormente. 8.1.3 Intimação do executado e prazo para pagamento Formulado o pedido de instauração da fase de cumprimento de sentença e estando preenchidos os requisitos acima tratados, será o executado intimado para pagamento integral do débito (principal acrescido das despesas processuais) no prazo de 15 dias, sob pena de multa e de penhora de bens, conforme se tratará no tópico subsequente. Havendo a formação de nova relação jurídica processual, será o executado citado299 para integrar o processo (art. 238 do CPC) e intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias, também sob pena de multa e de penhora de bens. Com o advento do CPC/2015, importante discussão surgiu na doutrina, relativa à forma de contabilização do referido prazo de 15 dias, pois o art. 219, caput, prevê que os prazos serão computados em dias úteis, ao passo que o seu parágrafo único parece restringir a incidência do caput aos “prazos processuais”. Discute-se na doutrina, então, o que são os “prazos processuais” a que alude o parágrafo único do art. 219. Para Sérgio Shimura300, prazos processuais são aqueles praticados pelo advogado, enquanto representante da parte. São, portanto, os atos que exigem a atuação pessoal do advogado, como na elaboração de peças processuais, por exemplo. Segundo afirma o art. 219 do CPC, consubstancia-se em benefício
aos advogados, de modo que, nos dias em que não há expediente forense, não haja também o cômputo dos prazos, tendo em vista que, à luz do CPC/73, tais dias apenas não eram computados se fossem o termo inicial ou final do prazo. Trata-se, portanto, segundo o autor, de benefício destinado ao advogado e não à parte. Para o autor, o prazo para pagamento do valor insculpido no título, para o referido autor, é destinado à parte, que não goza da especial forma de cômputo do prazo prevista pelo art. 219, razão pela qual o pagamento deve ocorrer no prazo de 15 dias corridos, excluindo-se o dia de início e incluindose o dies ad quem (art. 224 do CPC). Há autores, de outro lado, que sustentam ser tal prazo “processual”, pois todos os prazos compreendidos no processo têm essa natureza, sejam ou não relativos a atos processuais a serem praticados pelo advogado, representando a parte301. Em que pesem os argumentos levantados em prol da contagem do prazo de 15 dias em questão, de maneira corrida, crê-se que a correta interpretação é a de que os prazos processuais são todos aqueles que fluem durante o processo, sejam ou não praticados por advogado. O art. 219, parágrafo único, ao aduzir a “prazos processuais”, não criou distinção entre atos processuais praticados pela parte diretamente e atos processuais praticados por advogado. Ao que parece, a expressa referência aos “prazos processuais” teve por intuito excluir a aplicação do art. 219, caput, aos prazos estranhos à relação processual, como o prazo de impetração do mandado de segurança, por exemplo, previsto pelo art. 23 da Lei n. 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança), que é prazo decadencial do direito à impetração. Ainda que se trate de prazo relacionado ao processo, seu cômputo é sabidamente anterior à
formação da relação processual, motivo pelo qual não se há de cogitar da aplicação do art. 219 ao mandado de segurança. Portanto, o que se crê é que o prazo para pagamento do valor exequendo deve obedecer à nova regra geral do processo civil brasileiro, consistente na contagem dos prazos apenas em dias úteis, consoante dispõe o já referido art. 219302. Além da necessidade de se saber se o prazo para pagamento do débito se conta em dias úteis ou corridos, interessa analisar qual é o termo inicial da contagem desse prazo. Como se disse em tópicos precedentes, o art. 513, § 2º, do CPC estabelece as formas de intimação do executado para pagamento do débito. Como regra, a intimação se dá na pessoa do advogado (inc. I), salvo se o executado não tiver procurador constituído nos autos (inc. II), puder a parte receber intimações por meio eletrônico, na forma do art. 246, § 1º (inc. III), ou tiver sido revel na fase de conhecimento, não se fazendo representar por advogado (inc. IV), bem como se o cumprimento de sentença houver sido requerido mais de um ano após o trânsito em julgado da decisão (art. 513, § 4º). Nas hipóteses em que há intimação pessoal do devedor para cumprimento da obrigação, o prazo de 15 dias tratado pelo art. 523 tem início imediato, não sendo necessário aguardar a juntada aos autos do comprovante de que houve a intimação (juntada do aviso de recebimento, por exemplo), afinal o art. 231, § 3º, do CPC excetua a regra geral tocante à contagem de prazos, quando houver intimação da parte para prática de ato que independa de advogado303. Já em relação à intimação por edital, deve-se observar o disposto no art. 231, IV, do CPC, que diz respeito especificamente à citação e intimação por edital. Nesse caso, portanto, o termo inicial para pagamento será o dia útil
seguinte ao término do prazo assinalado no edital (cf. art. 257, III, do CPC). Por fim, é preciso consignar que o prazo de 15 dias se destina à obtenção do pagamento integral. Havendo pagamento parcial, incidirão multa e honorários sobre o valor remanescente. Além disso, diferentemente da execução de título extrajudicial, não pode o executado, cobrado pelo adimplemento de obrigação pecuniária materializada em título executivo judicial, obter o parcelamento compulsório do débito, previsto no art. 916 do CPC, como é possível no processo de execução, pois o § 7º desse dispositivo expressamente afasta a incidência da regra no cumprimento de sentença. 8.1.4 Meios executivos: multa e penhora O art. 523, § 1º, do CPC prevê que, à falta de cumprimento da obrigação de pagar quantia no prazo de 15 dias, incide multa de 10% do valor do débito. Havendo pagamento parcial, a referida multa incidirá sobre o montante não pago (art. 523, § 2º). Ao lado disso, prevê o § 3º do art. 523 que será expedido mandado de penhora e avaliação, tão logo se constate ter sido inadimplida a obrigação no prazo de 15 dias (úteis). Como já se disse ao tratar do princípio da atipicidade dos meios executivos, o legislador optou por dois meios executivos distintos para obter a satisfação do credor de obrigação pecuniária. Ao ser intimado para pagamento do débito, sob pena de incidência de multa, exerce-se coação sobre o devedor, que deve optar pelo pagamento da dívida sob a influência do temor em ver aumentada a dívida em 10%. Ou seja, esse meio executivo indireto exerce coação sobre o devedor entre a sua intimação para pagamento e o término do prazo de 15 dias para pagamento
“espontâneo”. Vencido o prazo, será expedido mandado de penhora e avaliação, que culminará, em regra, na realização do ato de constrição, que é meio executório direto (sub-rogatório). Assim, no cumprimento de sentença fundado no art. 523 do CPC, exercese, primeiro, coação (risco de incidência da multa) e, em segundo lugar, utiliza-se de meio sub-rogatório. A despeito de a multa de 10% ter natureza coercitiva, já que, em princípio, se presta a constranger o executado a solver o débito, sob pena de tornar-se devedor de quantia ainda maior, não se pode negar que ela também tem característica sancionatória ao devedor em mora304. Ou seja, a multa prevista pelo § 1º do art. 523 também tem natureza de multa moratória, que é pena pelo descumprimento da obrigação no devido tempo. O art. 523, caput, estabelece o prazo em que deve ser cumprida a obrigação, e o seu § 1º, ato contínuo, sanciona a mora do devedor. Portanto, pode-se dizer que a aludida multa tem natureza dúplice. Embora sobressaia a natureza sancionatória (multa moratória), não se pode negar que, de alguma maneira, a sua previsão objetiva coagir o executado a adimplir a obrigação dentro do interregno fixado pelo caput do art. 523305. 8.1.5 Honorários advocatícios Na vigência do CPC/73, sobretudo após a Lei n. 11.232/2005, discutia-se se haveria incidência de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença. Se em relação à execução de títulos extrajudiciais não mais havia dúvida, tendo em vista que a Lei n. 11.382/2006 acresceu o art. 652-A ao Código, que previa a fixação de honorários advocatícios já de início, que
seriam devidos à metade, se o devedor cumprisse a obrigação no prazo de três dias, em relação à execução de títulos judiciais remanescia certa discussão, pois o CPC/73 não regulava expressamente a matéria. Decidiu o STJ, àquele tempo, sob o regime dos recursos repetitivos, que eram devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, mas apenas quando definitivo, não incidindo tal verba no cumprimento provisório306. O CPC/2015 pacificou a questão, prevendo no art. 85, § 1º, que são devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, seja ele provisório ou definitivo. Na mesma linha, a parte final do § 1º do art. 523 alude à fixação dos honorários em 10% do valor do débito, prevendo o art. 520, § 2º, que os honorários previstos no art. 523, § 1º, também se aplicam ao cumprimento provisório. Portanto, descumprido pelo devedor o prazo de 15 dias para pagamento do débito, acrescer-se-á ao débito principal e às custas processuais o valor da multa de 10% e dos honorários advocatícios de iguais 10%, incidentes sobre o principal. Trata-se de disposições bastante relevantes, tendo em vista que o não cumprimento espontâneo da obrigação enseja o aumento do trabalho do advogado, razão pela qual os honorários fixados na fase de conhecimento não podem se prestar a remunerar o trabalho do profissional também na fase executória. 8.1.6 Protesto do título O CPC admite que a sentença (rectius: decisão de mérito, qualquer que seja a natureza) seja protestada, medida que objetiva constranger o devedor a
adimplir a obrigação. Trata-se, então, de meio coercitivo indireto, que objetiva exercer coação sobre o devedor, a fim de que cumpra a obrigação307. O art. 517 do CPC admite o protesto da decisão transitada em julgado, quando seja imposta obrigação de pagar quantia ao executado. Soma-se a isso a necessidade de que tenha se esgotado o prazo de 15 dias para pagamento do débito, previsto pelo art. 523, § 1º. Portanto, transcorrido o prazo de 15 dias úteis para pagamento do débito, sem que o executado tenha cumprido a obrigação, poderá o exequente, munido de certidão de teor da decisão (art. 517, § 1º), requerer ao tabelião de protestos que seja protestado o título executivo judicial. Essa certidão deverá ser emitida pelo próprio juízo e deverá contar com a qualificação das partes, número do processo, valor do débito e a data em que findou o prazo para pagamento espontâneo. A certidão, ademais, deverá ser emitida no prazo de três dias (art. 517, § 2º). Ademais, caso tenha sido ajuizada ação rescisória, pode o executado requerer que tal informação conste à margem do apontamento. Nesse caso, prevê o § 3º do art. 517 a anotação será feita às expensas do próprio executado, que se responsabiliza também pela inscrição. Ademais, adimplido o débito exequendo, cabe ao executado requerer que o juízo determine o cancelamento do apontamento, por meio de ofício ao tabelião, a ser expedido no prazo de três dias (art. 517, § 4º). Por fim, vale notar que o Código também estabelece a possibilidade de inclusão do nome do devedor em rol de inadimplentes. Não se trata de protesto, mas de medida de igual natureza (coercitiva), que visa compelir o executado a adimplir a obrigação, utilizando-se do apontamento negativo em seu nome como forma de coação (cf. art. 782, §§ 3º a 5º, do CPC).
8.2 Cumprimento provisório da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.2.1 Considerações iniciais O cumprimento de sentença, como já se assinalou, pode ser definitivo ou provisório. Será definitivo o cumprimento se o título não mais se sujeitar a recurso, ou seja, deve ter havido o trânsito em julgado (ou a preclusão, no que toca às decisões interlocutórias de mérito, v.g.). Será provisório o cumprimento, por sua vez, se a decisão que originar o título for objeto de recurso desprovido de efeito suspensivo. Assim, interposto recurso especial, v.g., que não é dotado de efeito suspensivo (art. 995 do CPC), poderá o vencedor requerer a instauração da fase de cumprimento provisório de sentença (acórdão, no caso). Ao cumprimento provisório se aplicam as disposições atinentes ao cumprimento definitivo de sentença, conforme se extrai do caput do art. 520. Esse dispositivo, além dos arts. 521 e 522, estabelece regramento específico do cumprimento provisório, aplicando-se, em relação às matérias não tratadas pelos três artigos, as disposições dos arts. 523 e seguintes. Ademais, como já se disse ao tratar da multa moratória e dos honorários advocatícios na fase de cumprimento definitivo de sentença, ao cumprimento provisório também se aplica o art. 523, § 1º, do CPC, razão pela qual, em se tratando de obrigação pecuniária, incidirá multa de 10% sobre o valor do débito, sendo, ainda, fixados honorários advocatícios, qualquer que seja a natureza da obrigação. Estes, porém, submetem-se à sorte do título exequendo, ou seja, se confirmada a decisão, converte-se em definitivo o cumprimento; se reformada ou invalidada, deverá o executado ser restituído ao estado anterior, inclusive em relação à multa moratória e aos honorários
advocatícios. O pressuposto para que seja provisório o cumprimento de sentença, como se disse, é a não ocorrência do trânsito em julgado, que foi postergado em razão da interposição de recurso sem efeito suspensivo (efeito obstativo dos recursos). Desse modo, não é possível que o cumprimento provisório da decisão objeto de recurso, que já é, desde logo, eficaz, tenha lugar nos mesmos autos em que proferida a decisão, que serão, física ou eletronicamente, remetidos ao órgão ad quem. A competência para processar o cumprimento provisório segue a regra do art. 516 do CPC, já tratado acima. Com efeito, se o acórdão que julgar a apelação for objeto de recurso especial ou extraordinário, será a decisão colegiada imediatamente eficaz (art. 995). Todavia, os autos do processo serão remetidos ao STJ ou STF, caso seja admitido o recurso na origem (tribunal a quo). Se a competência para processar o cumprimento de sentença (provisório) for, nesse caso, do juízo em que se iniciou o processo (juízo de primeiro grau), conforme prevê o art. 516, II, será preciso que sejam formados outros autos, a fim de permitir que o recurso siga para o órgão ad quem, enquanto o cumprimento provisório de sentença tenha lugar perante o órgão competente, na forma do art. 516. Em razão disso, é preciso que o exequente formule o seu pedido (princípio da iniciativa) diretamente ao juízo competente, conforme prevê o art. 522, caput. Foi, no exemplo acima, o juízo que conheceu da causa em primeiro grau. Assim, proferido o acórdão, seguido da interposição de recurso especial ou extraordinário pela parte vencida, os autos principais serão remetidos ao STJ ou STF (se admitido for o recurso), enquanto a parte vitoriosa deverá formular requerimento de cumprimento provisório da decisão diretamente no
juízo de primeiro grau. Ademais, exige o parágrafo único do art. 522 que, caso o processo tramite em autos físicos, a petição seja instruída com cópia da decisão exequenda (inc. I), certidão de interposição do recurso sem efeito suspensivo (inc. II), instrumentos de mandato outorgados por ambas as partes (inc. III), decisão de habilitação, se o caso (inc. IV), além de outras peças que o exequente julgar necessárias para demonstrar a existência do crédito (inc. V). Prevê o art. 522, parágrafo único, que é possível que o próprio advogado afirme a autenticidade das cópias apresentadas, sob sua responsabilidade pessoal, o que dispensa a apresentação de cópias autenticadas por tabelião ou pelo próprio cartório judicial. A petição do exequente, pela qual pleiteia o cumprimento do título provisório, deverá, ainda, obedecer ao que prevê o art. 524, especialmente em se tratando de obrigação pecuniária. Cumpridos esses requisitos, além da juntada dos documentos essenciais previstos pelo art. 522, caso os autos principais sejam físicos, deverá o executado ser intimado para pagamento do débito em 15 dias úteis, sob pena de multa e da incidência de honorários advocatícios. Vencido esse prazo, inicia-se novo prazo de 15 dias, também úteis, para que o executado ofereça impugnação ao cumprimento provisório de sentença, previsto no art. 525 do CPC. É possível que o executado, intimado para pagamento do débito, cumpra a obrigação no prazo de 15 dias previsto pelo Código, o que não pode ser considerado ato incompatível com a vontade de recorrer, conforme prevê o art. 520, § 3º. De regra, o adimplemento espontâneo da obrigação fixada na decisão importa em preclusão lógica do recurso a ser interposto contra a
decisão, pois o ato de cumprir a obrigação seria incompatível com o ato de se insurgir contra a decisão. Todavia, quando o executado é intimado para pagamento do débito, sob pena de multa e da incidência de honorários advocatícios, a obediência do devedor não pode ser encarada como obstáculo ao conhecimento do recurso por ele próprio interposto (pressuposto para que seja provisório o cumprimento de sentença), por expressa disposição legal – art. 520, § 3º. Pensar o contrário, aliás, significaria impor situação teratológica ao executado que, para ter seu recurso conhecido, necessitaria se submeter à incidência de multa e de honorários. Portanto, ainda que o executado pague o valor da execução no prazo assinalado pelo Código (art. 523, § 1º), isso em nada afetará o recurso por ele interposto, que objetiva reformar ou invalidar a decisão exequenda. Questão importante diz respeito ao regime da apelação e do agravo de instrumento, especialmente no que toca às decisões de mérito. Prevê o art. 995 do CPC que nenhum recurso impede a eficácia da decisão recorrida, salvo disposição legal expressa em contrário ou concessão de efeito suspensivo ope judicis. No sistema do CPC/2015, a apelação é dotada de efeito suspensivo ope legis (art. 1.012), razão pela qual a sentença não tem a aptidão de produzir seus efeitos imediatamente após a sua prolação, ficando sujeita à interposição de apelação. O agravo de instrumento, de outro lado, não impede a eficácia imediata da decisão interlocutória agravável, o que permite crer que, sendo proferida decisão interlocutória de mérito (art. 356 do CPC), recorrível por agravo (art. 1.015, II, do CPC), será essa decisão imediatamente eficaz, a despeito da interposição do agravo.
Essa situação, todavia, parece conduzir à incoerência de se admitir que, se os pedidos forem julgados por sentença, não será possível o cumprimento provisório da decisão, senão após o julgamento pelo tribunal, enquanto, se forem julgados (parcela deles) por decisão interlocutória de mérito, admite-se o cumprimento provisório da decisão. A literalidade do Código, ao que parece, ofende o princípio da isonomia, pois enseja tratamento (bastante) distinto para jurisdicionados que, de certa forma, se encontram em posição bastante semelhante, afinal ambos terão seus pedidos, ou parcela deles, julgados procedentes pelo julgador. Assim, àquele que optou pela cumulação de pedidos outorga-se a possibilidade de dar cumprimento, ainda que provisoriamente, à decisão, ao passo que aquele que não cumulou pedidos, ou que, mesmo cumulando, não obteve decisão interlocutória de mérito, deve aguardar o julgamento da apelação para só então obter o cumprimento da decisão. Por essa razão, crê-se que, em relação ao regramento do cumprimento provisório das decisões interlocutórias de mérito, é preciso dar o mesmo tratamento do cumprimento provisório da sentença, de tal modo que, somente após o julgamento pelo tribunal, se mantida a decisão, é que poderá ser dado cumprimento provisório a ela. Isso decorre, em verdade, daquilo que parece ser constitucionalmente correto: o agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito deve ter efeito suspensivo, à semelhança da apelação (art. 1.012). 8.2.2 Responsabilidade do exequente No cumprimento provisório de sentença, a provisoriedade diz respeito ao próprio título, pois a decisão de que se origina, embora já seja eficaz, ainda
está sujeita à análise do órgão competente para julgar o recurso contra ela interposto, que poderá, conhecido o recurso, manter a decisão, reformá-la ou invalidá-la. Não sendo conhecido o recurso ou, mesmo que conhecido, se mantida a decisão recorrida, que é também objeto de cumprimento provisório, manterse-á hígido o cumprimento. Transitada em julgado a decisão do tribunal, o título executivo provisório se converte em título definitivo, passando o cumprimento provisório a adotar todo o procedimento atinente ao cumprimento definitivo de sentença. Em razão da possibilidade de ser desconstituído o título provisório, por meio da reforma ou da invalidação da decisão que lhe rende ensejo, o art. 520, I e II, do CPC exige que o exequente se responsabilize pelo retorno do executado ao status quo ante, caso haja modificação ou invalidação da decisão, ainda que isso diga respeito a apenas parte da decisão (art. 520, III). Por isso, diz-se que o exequente responde objetivamente pelos prejuízos que o executado sofrer em razão do cumprimento provisório, caso seja desconstituído o título executivo provisório. Responsabilidade objetiva, aliás, é aquela que independe da apuração de culpa do responsável, que deve suportar as consequências de determinado ato (instauração do cumprimento provisório, in casu) pelo simples fato de tê-lo praticado e de haver nexo causal com o dano sofrido pela parte contrária. A responsabilidade objetiva na execução, a propósito, é bastante razoável, pois seria difícil imaginar o agir culposo do exequente que, munido de título executivo (provisório ou definitivo), busca a efetivação de seu direito. Mesmo em relação à execução provisória, não parece ser possível falar em negligência, imprudência ou imperícia do exequente ao requerer o
cumprimento, pois, ainda que o título não seja definitivo, o exequente já obteve decisão judicial favorável, já eficaz308. Diz, com precisão, Marcelo Abelha que a possibilidade de cumprimento provisório da decisão constitui benefício ao credor, razão pela qual se impõe a responsabilidade objetiva a ele como forma de “equilibrar o risco da execução fundada em título instável”309. Assim, preserva-se, a um só tempo, o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito e, de outro, o interesse do devedor em ter garantias de que, sagrando-se vitorioso, retornará ao estado anterior. Medida que também visa garantir o devedor, caso haja modificação ou invalidação da decisão, é a exigência de caução para a prática de atos de alienação da posse, da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre bens, tema que será mais amplamente tratado no tópico seguinte. Impende dizer, por ora, que o restabelecimento do estado anterior, em benefício do executado que reverte a sua situação no julgamento do recurso contra a decisão exequenda, deve dizer respeito, em primeiro lugar, à própria restituição dos bens expropriados310, caso tenha havido expropriação. Todavia, se, por hipótese, já tiverem sido alienados os bens penhorados em leilão, a assinatura da carta de arrematação impedirá que seja atingido esse ato, que se considera perfeito, acabado e irretratável, conforme prevê o art. 903 do CPC, bem como o art. 520, § 4º. Desse modo, desconstituído o título executivo, sem possibilidade de restituição do bem já arrematado, converter-se-á a obrigação específica do exequente (restituir a coisa penhorada ao executado) em obrigação genérica (indenização por perdas e danos), utilizando-se da caução para satisfazer a pretensão do executado vitorioso.
Os prejuízos sofridos pelo executado, além disso, serão liquidados nos próprios autos do cumprimento provisório. Ou seja, o dever de indenizar já será certo, mas o quantum debeatur dependerá de comprovação dos danos por parte do executado, que se torna exequente, adotando-se o mesmo procedimento de liquidação de sentença, já tratado linhas acima. 8.2.3 Caução Como se disse anteriormente, o Código exige que certos atos executórios só sejam praticados no cumprimento provisório mediante prestação de caução, que se destina a preservar o interesse do executado em ver-se restituído ao status quo ante, caso venha a obter a desconstituição do título executivo provisório, por meio da reforma ou invalidação da decisão que deu ensejo ao cumprimento provisório de sentença. Diz o art. 520, V, do CPC que “o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos”. Exige-se a caução, portanto, quando houver o levantamento de dinheiro ou quando for praticado ato executório que importe na transferência da propriedade ou de outro direito real do executado a outrem, bem como quando a execução provisória gerar risco de dano ao exequente. Assim, pretendendo o exequente, v.g., a alienação de bem imóvel penhorado, é preciso que, antes da alienação, seja prestada caução idônea e suficiente, isto é, “realizável praticamente” e que cubra “todo o valor de eventual prejuízo que a execução provisória possa acarretar ao executado”311.
Nesse caso, é preciso que o exequente preste caução de valor tal que permita tornar indene o executado, que perderá, pela alienação, a propriedade sobre o bem, além de necessitar ser conversível em proveito do executado. Segundo sustenta Marcelo Abelha, é difícil que o juiz, a quem compete arbitrar a caução, estabeleça previamente o valor mais adequado dessa garantia, pois não tem elementos suficientes para estipular qual poderia ser o dano sofrido pelo executado, em caso de reversão da decisão exequenda. Por isso, sustenta o autor que o arbitramento da caução “deve ser precedid[o] de contraditório, até para que o magistrado possa definir, com alguma solidez, a suficiência da caução a ser prestada”312. A caução, além de ser necessária para o levantamento de dinheiro e para os atos de alienação de posse ou de qualquer direito real, é exigida também nos casos em que a execução causar grave dano ao executado. Essa hipótese diz respeito aos casos em que os atos executórios interfiram, por exemplo, na atividade econômica do executado. Cabe ao executado demonstrar os possíveis prejuízos que podem advir desses atos, que deverão ser sopesados pelo juiz ao fixar a caução idônea e suficiente. Em certos casos, porém, permite-se que, mesmo nas hipóteses do art. 520, IV, seja dispensada a caução (cf. art. 521). A primeira hipótese de dispensa de caução diz respeito aos créditos de natureza alimentar (inc. I), independentemente de sua origem – direito de família, responsabilidade civil ou ato de vontade do alimentante e seus sucessores. Os créditos alimentares, dada a sua natureza, na visão do legislador não se podem submeter à prestação de caução, como requisito para o levantamento de valores. Ao lado disso, tem-se que a verba alimentar é irrepetível, razão pela qual na execução dessa natureza nem sequer há retorno
ao estado anterior, quando modificada ou anulada a decisão. Também é dispensada a caução quando o exequente não puder prestá-la (inc. II). A caução, como dito acima, é medida que visa tutelar o interesse do executado, quando instaurado o cumprimento provisório de sentença. Há casos, porém, em que o exequente não reúne condições de prestar caução idônea e suficiente, hipótese em que impedir que se ultimem os atos executórios, pela falta de caução, poderia importar em denegação do acesso à justiça (art. 5º, XXXV), que, como já se disse, inclui também a satisfação do direito. A possibilidade de dispensa da caução, com fundamento no inciso II do art. 521, fica mais evidente quando a parte é beneficiária da gratuidade judiciária (arts. 98 e ss. do CPC). Todavia, o fato de a parte não ser beneficiária da gratuidade não significa, necessariamente, que ela não poderá ser dispensada de prestar a caução. É possível, no caso concreto, que a parte, conquanto possa arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família, não tenha condições de prestar a garantia, dependendo do objeto da prestação que visa ver cumprida. Também fica dispensada a prestação de caução quando pender de julgamento agravo em recurso especial ou em recurso extraordinário, previsto no art. 1.042 (art. 521, III). Trata-se, como dito em capítulo próprio, de recurso de competência do STJ e do STF que objetiva fazer conhecer o recurso excepcional anteriormente interposto, que teve seu seguimento negado no tribunal de origem, ao exercer o primeiro juízo de admissibilidade do recurso. O que se crê, nesse caso, é que são menores as chances de ser revertida a decisão objeto de cumprimento provisório, pois já terá havido, no mínimo,
julgamento pelo tribunal de justiça ou regional federal, tendo sido negado seguimento ao recurso excepcional perante o tribunal a quo. Soma-se a isso o fato de que o objeto dos recursos excepcionais é bastante restrito, pois se trata de recursos de fundamentação vinculada (arts. 102, III, e 105, III, da CF), o que contribui para a maior probabilidade de que a decisão exequenda seja mantida. O inciso IV do art. 521 dispensa a caução quando a decisão exequenda estiver em consonância com súmula do STF, do STJ ou com tese fixada em julgamento de casos repetitivos (art. 928 – IRDR e recursos repetitivos). Trata-se de dispositivo que, à semelhança de diversos outros do CPC/2015, valoriza a jurisprudência, reconhecendo-se, ademais, que também há menor probabilidade de reforma da decisão exequenda quando fundada em súmula dos tribunais superiores ou em decisão que julgar IRDR ou recursos repetitivos. Interessa notar que o art. 356, § 2º, do CPC autoriza a imediata liquidação e execução da decisão interlocutória de mérito, independentemente de caução. Além das considerações feitas linhas acima, quando se falou do cumprimento provisório da decisão interlocutória de mérito e da sentença, é preciso reconhecer que a dispensa da caução promovida pelo aludido § 2º não parece dispensar a contracautela nas hipóteses do art. 520, IV, do CPC. Em verdade, trata-se de artigo dispensável, na medida em que o cumprimento provisório de sentença nem sequer exige a prestação da caução, que somente se torna necessária quando houver alienação de bens, levantamento de dinheiro e risco de grave dano ao executado. Desse modo, também em relação ao cumprimento provisório da decisão interlocutória de mérito, dispensa-se a caução para a sua instauração, mas,
nos casos previstos pelo art. 520, IV, incide a exigência da garantia. Fora das hipóteses de dispensa da caução previstas pela lei, não há razão para que o juiz dispense a sua prestação, que é exigência legal. Desse modo, as exceções à obrigatoriedade da caução devem estar previstas na lei. À falta de norma expressa, impossível é o levantamento de valores, alienação da posse, alienação de direitos reais e a prática de atos que causem grave dano ao executado, sem que seja prestada caução idônea e suficiente313. Aliás, é possível que se exija a caução mesmo nos casos em que a lei expressamente a dispense, em razão da existência de risco de dano grave de difícil ou incerta reparação, conforme prevê o parágrafo único do art. 521. É certo que, no caso concreto, muitas situações exigem que o julgador pondere entre garantir o acesso efetivo à justiça do exequente, mesmo que impossibilitado de prestar caução, por exemplo (art. 521, II), e o exercício do contraditório, pelo executado, que deve atribuir benefício prático à parte, que restaria violado se se admitisse que seriam irreversíveis as consequências advindas do cumprimento provisório fundado em decisão posteriormente reformada ou invalidada. Noutros termos, o exercício do contraditório deve trazer benefício à parte, não se tratando de mera formalidade, razão pela qual a sua preservação exige a possibilidade de restabelecimento do status quo ante, o que muitas vezes pode colidir com o acesso efetivo à justiça. 8.3 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer e dar coisa 8.3.1 Considerações iniciais Toda prestação diz respeito a pessoa, razão pela qual a sua atuação é sempre relevante para o cumprimento da obrigação. Contudo, há prestações
em que o que sobressai é a própria atuação do seu devedor; noutros casos, o que sobressai é a entrega de coisa. Têm-se, então, as obrigações positivas de fazer e de dar coisa, respectivamente, sendo que esta última pode consistir na entrega de dinheiro (obrigação pecuniária) e na entrega de coisa diversa de dinheiro. Ao lado disso, há casos em que a obrigação consiste na omissão do seu devedor, isto é, cabe ao devedor não fazer algo. Nesse caso, é a inação do devedor que interessa, o que ocorre nas obrigações de não fazer. Tratou-se da execução de títulos executivos judiciais que imponham obrigação de pagar quantia (obrigação pecuniária). Tratar-se-á agora das demais espécies de obrigação: fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro. Os arts. 536 e 537 do CPC cuidam do regramento específico das obrigações de fazer e não fazer, ao passo que o art. 538 se dedica ao cumprimento de obrigação de dar. Há, porém, disposições que, embora destinadas ao cumprimento de obrigação de pagar quantia, como é o caso do § 1º do art. 523, especialmente quando trata da fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia, aplicam-se ao cumprimento de sentença relativo às demais espécies de obrigação. O art. 536, § 5º, do CPC prevê que as disposições atinentes ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer se aplicam “ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional”. Crê-se que a redação do dispositivo carece de certa precisão, ou, ao menos, merece especial atenção, pois a “obrigação” pode ou não advir de negócio jurídico. Muitas vezes, o fazer ou não fazer advêm de imposição legal e nem por isso deixam de ser obrigação. Por isso, o
que parece dizer o dispositivo em apreço é que os arts. 536 e 537 do CPC não se aplicam apenas à execução forçada de obrigações de fazer e não fazer originadas dos negócios jurídicos, podendo decorrer, v.g., da abstenção a que todos são obrigados, em relação aos bens de outrem (direito de propriedade tem natureza absoluta, sob a perspectiva de que os devedores desse dever de abstenção são todos aqueles que não são o próprio proprietário). Assim, a sentença que imponha obrigação de fazer consistente na realização de obra contratada pela parte contrária e não realizada pelo devedor será cumprida de acordo com os arts. 536 e 537, da mesma forma que a sentença que impuser obrigação de não emitir gases poluentes na atmosfera (obrigação de não fazer) a determinada indústria será cumprida de acordo com o procedimento aqui analisado. O tratamento dado às obrigações de fazer e não fazer314 passou por sensível mudança no histórico do direito material e processual. Há autores que sustentavam a impossibilidade de se fazer cumprir forçadamente uma obrigação de fazer ou não fazer, já que ambas dependiam da própria atuação (ação ou omissão) humana. Para tal corrente, não cumprida espontaneamente a obrigação, dar-se-ia a sua conversão em perdas e danos315. Contudo, não se podia negar que tal ideia relegava a segundo plano o próprio interesse do credor, para quem interessaria, a bem da verdade, o objeto da prestação assumida pela parte contrária, ou seja, o fazer ou não fazer. Nessa linha, a Lei n. 8.952/94 alterou o art. 461 do CPC/73, e reforçou essa ideia, prevendo que caberia ao juiz adotar todas as medidas idôneas para garantir o cumprimento da obrigação específica. Em 2002, a Lei n. 10.444 acrescentou o art. 461-A àquele Código, que passou a prever a tutela específica das obrigações de dar.
O CPC/2015, na mesma linha, manteve a regra de que cabe ao juiz adotar todas as medidas capazes de fazer cumprir a obrigação específica, conforme se pode extrair do art. 536, caput, bem como dos arts. 497 a 501. Importa notar, ainda, que as obrigações de fazer podem ser fungíveis ou infungíveis. Sempre que o fazer puder ser cumprido apenas pelo seu devedor, tem-se obrigação infungível, pois ela não pode ser prestada por outrem. As obrigações de não fazer, aliás, são sempre infungíveis, pois não é possível cogitar de o “não fazer” advir de outrem, que não o devedor. Assim, o famoso arquiteto contratado para projetar um edifício não pode simplesmente ser substituído por outrem, sem que se trate de nova relação jurídica. Tem-se, nesse caso, contrato intuito personae (leva-se em consideração as características pessoais da parte contratante), que imponha que o próprio devedor cumpra a obrigação, pessoalmente, da mesma forma que o não fazer (não emitir som alto a partir de determinado horário, por exemplo) só pode advir do próprio obrigado e não de outrem, até porque, se isso fosse possível, ter-se-ia, na verdade, liberação do obrigado para que praticasse o ato em relação ao qual se deveria abster. De outro lado, sempre que a obrigação de fazer puder ser cumprida por outrem, tem-se obrigação fungível. É, por exemplo, o caso do pintor de paredes contratado para pintar determinado imóvel, caso em que as características pessoais do contratado não sobressaem a ponto de só ele poder cumprir a obrigação, mas qualquer outro capacitado para pintar paredes. Para as obrigações fungíveis, que por definição não precisam, necessariamente, ser prestadas pelo próprio obrigado, admite-se que a obrigação seja satisfeita por terceiro, às custas do devedor, conforme prevê o art. 816, caput, do CPC. Nessa hipótese, diz o Código (art. 817) que ao juiz é
“lícito” autorizar o cumprimento da obrigação por terceiro. Trata-se, a nosso juízo, de medida impositiva, obrigatória, já que, se for fungível a obrigação de fazer e o credor optar pelo cumprimento por parte de terceiro, não há razão para indeferir esse pedido. Basta, é evidente, que o exequente antecipe os valores que serão devidos ao terceiro, cobrando do executado em seguida (cf. art. 817, parágrafo único). Já as obrigações infungíveis, que por natureza não podem ser prestadas por outrem, reclamam especial atenção, justamente por isso. Tratando-se de obrigação de fazer infungível, cabe ao exequente requerer que o juiz assinale prazo para cumprimento da obrigação (art. 821 do CPC), impondo-se, ademais, os meios coercitivos necessários a garantir o cumprimento específico da obrigação (arts. 497 e 536 do CPC). Conquanto preveja o parágrafo único do art. 821 que a mora no adimplemento acarretará a conversão da obrigação em perdas e danos (obrigação de indenizar – genérica), é evidente que isso depende de requerimento do credor ou que se tenha tornado impossível o objeto da prestação, afinal o art. 499 é claro ao atribuir ao exequente o direito de optar pela conversão da obrigação em perdas e danos. Noutros termos, havendo mora no adimplemento, pode o exequente, ainda assim, insistir no cumprimento específico da obrigação, requerendo, por exemplo, a adoção de outros meios executivos indiretos, a fim de efetivamente coagir o devedor ao cumprimento da obrigação. Com efeito, somente se não for mais interessante ao credor receber o específico objeto da prestação, ou se este se tornar impossível, é que haverá a conversão em perdas e danos. De outro lado, tratando-se de obrigação de não fazer, que como dito é sempre infungível, a requerimento do exequente, será concedido prazo ao
executado para que desfaça o ato (art. 822). Havendo recusa do devedor, poderá o exequente requerer ao juiz que mande desfazê-lo, à custa do obrigado, “que responderá por perdas e danos” (art. 823). Sendo impossível desfazer o ato, haverá a conversão da obrigação em perdas e danos (art. 823, parágrafo único). Nessa hipótese, também é preciso reforçar que se deve buscar sempre o cumprimento específico da obrigação. Em relação ao ato do executado, de que se deveria abster, de fato não há como impor outros meios coercitivos, devendo o executado indenizar o autor, ao lado de pagar, por exemplo, o valor da multa coercitiva estipulada previamente. Isso, todavia, não exclui a necessidade de que sejam empreendidos meios coercitivos para evitar que o executado volte a praticar o ato de que se deveria abster. Em suma, em relação ao ato praticado que seja irreversível, não há mais necessidade de adoção de meios coercitivos, enquanto, havendo a possibilidade de reiteração do ato vedado ao executado, faz-se necessária a manutenção dos meios executivos indiretos, justamente para evitar que haja nova violação do direito do credor. Há casos, ademais, em que a obrigação de fazer consiste na manifestação de vontade, caso típico dos pré-contratos (arts. 462 a 466 do CC), em que se promete manifestar vontade futuramente. Nessas hipóteses, não há necessidade de se empreenderem meios tendentes à efetivação da tutela específica, pois o art. 501 substitui a vontade da parte pela decisão de mérito transitada em julgado, que produzirá os mesmos efeitos da vontade não manifestada pela parte, medida que é bastante lógica, justamente porque a jurisdição substitui a vontade das partes na solução do conflito. Assim, se se pactua promessa de venda e compra de imóvel e, no momento da celebração do contrato prometido, recusa-se uma das partes sem
fundamento jurídico (o pré-contrato é irretratável, por exemplo), a decisão de mérito que reconhecer ao autor o direito à celebração do contrato de venda e compra produzirá o mesmo efeito que a declaração do réu, que havia se recusado a manifestar vontade. Celebra-se, portanto, o contrato de compra e venda com a decisão de procedência da ação. As obrigações de dar, por sua vez, consistem na obrigação de entregar coisa, destinando-se as presentes linhas à obrigação de dar coisa diversa de dinheiro, já que a entrega desse bem já foi tratada linhas acima. As obrigações de dar, ademais, podem ter por objeto coisas certas e coisas incertas. São certas as coisas individualizadas, ou seja, pontualmente identificadas316. São incertas, de outro lado, as coisas identificadas apenas pelo seu gênero e quantidade (cf. art. 243 do CC). 8.3.2 Tutela específica da obrigação De acordo com o art. 497 do CPC, “na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. O art. 498, de seu turno, prevê que, “Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação”. Esses dispositivos exigem que, nas obrigações que não tenham por objeto a entrega de dinheiro, mas sim o fazer, não fazer ou dar coisa que não seja dinheiro, priorize-se o cumprimento específico da obrigação, isto é, que seja prestado o próprio objeto da prestação. Por essa razão é que o art. 499 admite a conversão da obrigação específica em obrigação genérica (obrigação de indenizar) apenas quando assim quiser
o credor ou quando for impossível o cumprimento da obrigação específica ou do resultado prático equivalente. Não há, advirta-se, qualquer margem de “discricionariedade” do julgador nesse caso, pois a escolha pela conversão recai apenas e tão somente sobre o credor, de modo que, ainda que o juiz entenda cabível a conversão em perdas e danos, dever-se-á observar a vontade do credor, a menos, é claro, que se tenha tornado impossível o objeto da prestação317. A impossibilidade de cumprimento da obrigação, a que se fez referência, diz respeito à impossibilidade material, ou seja, impossibilidade de que o objeto da prestação seja prestado no mundo empírico318. Além disso, o resultado prático equivalente não configura hipótese de conversão da obrigação específica em obrigação genérica, segundo bem aponta Humberto Theodoro Jr.: “continua sendo específica toda aquela [obrigação] que, por qualquer via, gera os mesmos efeitos práticos esperados do adimplemento espontâneo. Não há conversão de uma obrigação em outra, como ocorre quando se substitui o fato (ou obra) devido por indenização em moeda”319. É caso de obtenção do “resultado prático equivalente”, a atribuição do “fazer” a terceiro, quando for fungível a obrigação dessa natureza. Em síntese, se o credor opta por buscar o cumprimento específico da obrigação, é para essa finalidade que devem ser estipulados os meios executivos indiretos que serão empregados e de que se tratará em seguida. Apenas se for materialmente impossível o objeto da prestação ou se não mais interessar ao credor, haverá a conversão em perdas e danos, que, a propósito, são cumuláveis com eventuais multas aplicadas ao devedor, afinal a sua natureza jurídica é coercitiva e não indenizatória (cf. art. 500).
De acordo com o art. 536, § 1º, do CPC, cabe ao juiz adotar todos os meios executivos idôneos para fazer cumprir a obrigação específica. É, em certa medida, o que decorre também do art. 139, IV, do CPC, de que se tratou quando abordado o princípio da atipicidade dos meios executivos. O mencionado § 1º enumera a “multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva” como meios executivos. Porém, não se trata de rol exaustivo, sendo possível a adoção de todos os outros meios possíveis, desde que úteis ao cumprimento da obrigação e que sejam idôneos. Esse dispositivo, aliás, também se aplica ao cumprimento de obrigação de dar coisa, por força do art. 538, § 3º, do CPC. A adoção de um ou de outro meio executivo dependerá do próprio objeto da prestação, afinal, em certos casos será mais efetiva a adoção de multa pecuniária, enquanto noutros, deve-se adotar a busca e apreensão, v.g. Assim, tratando-se de obrigação de fazer infungível, ou obrigação de não fazer, é especialmente útil a imposição de multa pecuniária, que exerce coação sobre o devedor da obrigação, a fim de que preste o que é devido (ou se abstenha de agir), sob pena de ser penalizado com a incidência da multa. Já nas obrigações de dar coisa, conquanto seja possível a imposição de multa, v.g., para o caso de ser descumprida a ordem judicial, é certo que a busca e apreensão do bem se mostra mais efetiva, já que acaba por atribuir ao credor o bem da vida. Na mesma linha, se aquilo que fez o executado, quando deveria se abster, puder ser removido por ordem judicial, será essa a técnica executiva que melhor servirá ao cumprimento específico da obrigação. É, v.g., o caso de o réu edificar acima da altura permitida, a despeito de ter ordem judicial para
não o fazer, hipótese em que a demolição parcial atribuirá ao credor da obrigação (Município, por exemplo) o cumprimento específico da obrigação. O art. 536, § 1º, autoriza também o uso de força policial para dar cumprimento específico à obrigação. Tratando-se de busca e apreensão de pessoas ou coisas, diz o § 2º desse mesmo dispositivo que o mandado deverá ser cumprido por dois oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, que trata da possibilidade de o executado impedir o acesso do oficial de justiça no local em que estão os bens passíveis de penhora, caso em que o juiz determinará (se presentes os requisitos) o arrombamento das portas. O § 3º do art. 536, de seu turno, diz ser litigante de má-fé o executado que deixar de cumprir injustificadamente a determinação judicial, “sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência”. Nessa toada, ao lado de eventual multa que pode ter sido aplicada em razão do atraso no cumprimento da obrigação, aplicar-se-á a pena por litigância de má-fé, prevista no art. 81 do CPC, tratando-se de “mais uma hipótese de litigância de má-fé, fora daquelas previstas no CPC 80”320. O dispositivo trata também da responsabilização do executado por crime de desobediência, previsto no art. 330 do CP321. 8.3.3 Multa em razão do atraso O art. 536, § 1º, do CPC, como dito acima, prevê que uma das formas, ou dos meios, para que se obtenha a efetivação da obrigação específica é a imposição de multa pecuniária. O art. 537, por sua vez, dá mais detalhado regramento ao referido meio executivo. A imposição de multa constitui meio executivo indireto, pois objetiva
exercer pressão (coação) em relação ao devedor da obrigação, a fim de que a cumpra. O referido meio coercitivo tem especial relevância quando se tratar de obrigação de não fazer ou de fazer infungível, pois nesses casos não há possibilidade de cumprimento específico da obrigação por terceiro (resultado prático equivalente). Isso, todavia, não exclui a sua utilização como meio executivo indireto nas obrigações de fazer fungíveis, mesmo que o “fazer” possa ser cumprido por terceiro, afinal nem sempre será igualmente efetiva a prestação de terceiro (o devedor já pode ter elaborado projeto para construção, por exemplo). Esse meio coercitivo tem origem no direito francês, que concebeu a figura das astreintes, que não é, propriamente, meio executivo (direto), mas um meio de pressionar o executado322. Trata-se de criação jurisprudencial que visava romper com a antiga ideia, já referida anteriormente, de que não se poderia constranger o devedor pessoalmente ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, o que recebeu resistência da doutrina francesa por ser entendida como contra legem323, afinal o art. 1.142 do Código Civil de Napoleão dizia converter-se em perdas e danos a obrigação de fazer e não fazer inadimplida. No direito brasileiro, o CPC/1939 (art. 999) já tratava da possibilidade de utilização de meios executivos destinados a obter o cumprimento específico da obrigação. O CPC/73, por sua vez, previa em seu art. 287 a possibilidade de aplicação de multa em razão do atraso do obrigado, o que também previa, em certa medida, o art. 644. Com o advento da Lei n. 8.952/94, reforçou-se a proteção ao credor, interessado no cumprimento específico da obrigação, prevendo o art. 461, alterado pela aludida lei, e também o art. 461-A, introduzido posteriormente, a adoção de todos os meios idôneos para que se
assegurasse o cumprimento específico das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro. O CPC/2015, de certa forma, manteve o regramento da última redação do CPC/73, trazendo, todavia, pontuais alterações, como em relação à modificação do valor e periodicidade da multa pecuniária, de que se tratará em seguida. O CPC/2015, além disso, pacificou importante questão existente na vigência do Código passado, relativa à destinação que deve ser dada ao valor da multa, afinal, se ela se presta a constranger o obrigado a cumprir a ordem judicial, poder-se-ia dizer que, em princípio, a incidência da multa aproveitaria ao Estado. Na vigência da lei processual passada, o STJ324 já havia decidido que a multa aproveitava ao próprio exequente, entendimento que foi adotado pelo CPC, em seu art. 537, § 2º. Por fim, vale notar que o art. 537, § 4º, prevê que “a multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado”. Desse modo, intimada a parte, inicia-se o prazo para cumprimento da decisão. Findo o prazo assinalado pelo juiz, sem que tenha havido adimplemento, passa a incidir a penalidade em questão, o que perdurará até o cumprimento da obrigação. 8.3.3.1 Fixação da multa: valor e periodicidade A multa em questão pode ser fixada no processo de conhecimento ou de execução (processo ou fase) e pode servir para coagir o obrigado, seja em razão da concessão de tutela provisória, seja porque já foi proferida decisão de mérito contra ele. Por se tratar de meio coercitivo, sua fixação independe de provocação da
parte, como é expresso no caput dos arts. 536 e 537. O que se exige, ao que parece, é o requerimento do credor para dar cumprimento à decisão, mas a adoção dos meios executivos cabe ao próprio juiz. De acordo com o art. 497, já referido, deve o juiz, ao julgar o pedido, estabelecer os meios executivos que servirão ao cumprimento da decisão, sejam diretos, sejam indiretos. Tratando-se da imposição de multa, deverá o juiz fixar desde logo o seu valor e a periodicidade de sua incidência. O valor deve ser fixado em patamar capaz de efetivamente coagir o obrigado a cumprir a obrigação, sob pena de sofrer com a incidência dessa penalidade325. Seu montante, é claro, não pode importar em excessiva oneração ao executado, afinal o que se almeja é o cumprimento da obrigação específica, e não que se arruíne o executado, como bem pondera Humberto Theodoro Jr.326 Em verdade, a multa deve ser fixada em patamar capaz de convencer o executado de que o melhor é cumprir a obrigação, sem que, para isso, seja necessário impor penalidade exagerada a ele, comprometendo, por exemplo, a sua própria manutenção. O valor da multa, com efeito, depende da própria pessoa do obrigado, sobretudo de seu aspecto econômico, isto é, quanto maior for o patrimônio do obrigado, maior deve ser o valor da multa, pois é preciso garantir que esse montante efetivamente crie temor no executado, coagindo-o a cumprir a ordem judicial, sem que com isso se coloque em risco a subsistência do executado (pessoa natural), ou a atividade econômica, em se tratando de sociedade empresária, por exemplo. Ao lado disso, deve-se fixar a periodicidade da incidência da multa. É bastante comum, sobretudo nas obrigações positivas, em que se exige o “agir” do obrigado, que a multa incida diariamente. Isso, todavia, não impede
que seja fixada periodicidade distinta. Há casos, aliás, em que a multa é aplicada para cada oportunidade em que há violação do direito, sobretudo nas obrigações de não fazer. Ou seja, se o executado é obrigado a não fazer algo e, a despeito disso, pratica a conduta da qual deveria se abster, incidirá a multa tantas vezes quantas forem as oportunidades em que tiver havido violação do direito. Isso não significa que nas obrigações de não fazer a incidência deva sempre corresponder à quantidade de vezes em que é praticada a conduta contrária ao interesse do executado. Há casos em que a obrigação de não fazer, uma vez descumprida, atinge de maneira continuada o credor da obrigação, como no caso de ser aberta janela a menos de um metro e meio do imóvel vizinho (art. 1.301 do CC). Enquanto não for fechada a janela, o vizinho continuará a suportar as consequências negativas da violação do direito, caso em que se pode cogitar da incidência da multa por dia de atraso na cessação da conduta gravosa. Diferentemente, se a obrigação de não fazer consistir em não fazer barulho após determinado horário, pode-se cogitar da incidência da multa por ato praticado pelo obrigado, de cuja prática deveria se abster. Em síntese, o que se nota é que a periodicidade e o valor da multa dependem sempre da natureza da obrigação e do porte da pessoa obrigada. Cabe ao juiz, ademais, fixar o prazo para cumprimento da obrigação, o que também deve levar em conta, evidentemente, a natureza da obrigação. Há casos em que a prestação a cargo do obrigado é de rápida realização; noutros casos, o cumprimento da obrigação demanda maior prazo. Isso, então, deve ser levado em consideração pelo julgador, a fim de conceder prazo suficiente para que cumpra a obrigação, sem sujeição à multa prevista no art. 537 do
CPC. 8.3.3.2 Alteração do valor e periodicidade da multa De acordo com o § 1º do art. 537, é possível a modificação do valor da multa ou a da periodicidade de sua incidência quando ela se tornar insuficiente ou excessiva (inc. I), ou quando o executado demonstrar ter cumprido parcialmente a obrigação ou que há justa causa para o não cumprimento (inc. II). Não há, portanto, coisa julgada em relação ao valor da multa e à sua periodicidade327. Se a multa pecuniária se destina a coagir o devedor a cumprir a obrigação, é certo que a constatação de que o seu valor ou a sua periodicidade torna inútil a medida deve ser levada em consideração para o fim de ser majorado o montante ou diminuída a periodicidade, de modo a efetivamente constranger o executado a cumprir a obrigação. De outro lado, se a multa acaba por se mostrar excessiva, colocando em risco a atividade do executado, ou penalizando-o de maneira desproporcional, deve-se reduzir o valor ou aumentar a periodicidade. Nesse ponto, é preciso destacar que o alto valor devido pode ser indicativo de que a multa não serviu ao seu propósito, que é servir de meio coercitivo, razão pela qual deve o juiz se valer de outros meios mais efetivos. O inciso II do art. 537, § 1º, autoriza a redução ou exclusão da multa quando o executado demonstrar ter cumprido parcialmente a decisão ou não tê-la cumprido em razão de justa causa. Nesses casos, sendo apresentada razão justificável para o descumprimento da obrigação, deve-se modificar os parâmetros para incidência da penalidade, já que estará demonstrada a impossibilidade de cumprimento específico da obrigação, total ou
parcialmente. A respeito da alteração do valor e periodicidade da multa, convém notar que, ao tempo do CPC/73, muito se discutia sobre isso, pois a demora no cumprimento da obrigação fazia com que o total da multa fosse elevado, o que poderia importar em vantagem excessiva ao credor, notadamente se se considerar que o objetivo da aplicação da penalidade não é locupletar o credor, mas coagir o devedor a cumprir a obrigação. Sob essa perspectiva, a 4ª Turma do STJ estabeleceu critérios para fixação do valor da multa pecuniária, julgado recurso em que se discutia a adoção desse meio coercitivo. Decidiu-se nessa ocasião que a fixação da penalidade deve levar em consideração (a) o valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado, (b) o tempo para cumprimento da obrigação, (c) a capacidade econômica e de resistência do devedor e (d) a possibilidade de se empregar outros meios executivos e o dever do credor de mitigar o próprio prejuízo328. Crê-se que a posição adotada pela 4ª Turma do STJ reflete bem as balizas que devem ser utilizadas pelo julgador para fixar o valor e a periodicidade da multa, bem como o prazo para cumprimento da obrigação. É preciso destacar, apenas, que o CPC/2015 trouxe importante alteração, em relação ao CPC/73. O art. 461, § 6º, do revogado Código admitia a alteração do valor e periodicidade da multa, sem fazer qualquer distinção entre o montante já vencido e o montante a vencer. O art. 537, § 1º, todavia, é claro ao autorizar a alteração dos parâmetros das “astreintes” somente em relação às vincendas, ou seja, já tendo incidido a multa, não há, pela redação do Código, possibilidade de alteração do valor ou da periodicidade, de modo que eventual alteração será apenas pro-futuro.
O mencionado dispositivo parece coadunar com o § 2º, também do art. 537, que atribui ao exequente o crédito decorrente da aplicação da penalidade. Reconhece-se, pois, que a multa, após ser aplicada, deixa de ser “mero” meio coercitivo, tornando-se também direito do credor de receber o seu valor. Desse modo, fixada a multa e intimado o devedor da obrigação, cabe-lhe recorrer da decisão, se entender excessivo o montante, inadequada a periodicidade ou diminuto o prazo para cumprimento da obrigação, obtendo, ainda, o provimento do recurso. Caso não seja interposto recurso, opera-se a preclusão, de modo que a recalcitrância do devedor ensejará a aplicação da penalidade. Ainda que posteriormente sejam alterados os parâmetros anteriormente estabelecidos, a decisão só poderá produzir efeitos prospectivos, conforme deixa claro o § 1º do art. 537329. Desse modo, se o devedor recorrer da decisão que fixar a multa e obtiver o provimento do recurso, a decisão do órgão ad quem terá efeito retroativo, atingindo a multa que já tiver sido aplicada. De outro lado, se se operar a preclusão, seja porque não foi interposto recurso, seja porque o recurso interposto não foi conhecido ou provido, tornar-se-á indiscutível o valor e a periodicidade da multa vencida, permitindo-se apenas que a multa vincenda seja posteriormente alterada, já que em relação a ela não há coisa julgada material. 8.3.3.3 Cumprimento provisório O Código vigente admite o cumprimento provisório do valor da multa, cabendo ao executado depositar o correspondente valor nos autos. A redação
original do art. 537, § 4º, permitia o levantamento do montante, pelo exequente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito favorável à parte ou quando pendesse de julgamento, agravo em recurso especial ou extraordinário, fundado na inadmissão decorrente da existência de orientação preponderante dos tribunais superiores no sentido do acórdão recorrido ou quando o STF já houvesse decidido pela inexistência de repercussão geral. É o que diziam os incisos II e III do art. 1.042. Com o advento da Lei n. 13.256/2016, foi inserido no CPC/2015 o duplo juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais, razão pela qual foi alterado o art. 1.042, praticamente de maneira integral. Ao lado disso, a referida lei modificou a redação do § 3º do art. 537, que agora admite o levantamento do valor depositado apenas após o trânsito em julgado da decisão de mérito favorável à parte. Como a execução se dará antes do trânsito em julgado, ter-se-á cumprimento provisório da decisão que fixar a multa, submetendo-se ao regramento dos arts. 520 e seguintes do CPC. Desse modo, sendo fixada astreinte em decisão interlocutória concessiva de tutela provisória, o descumprimento da obrigação, por parte do réu, ensejará a incidência da multa, que poderá ser objeto de cumprimento provisório. Nessa hipótese, deverá o réu depositar nos autos do cumprimento provisório o valor da multa, procedendo-se à penhora de bens, caso não haja o depósito voluntário. O levantamento do montante, todavia, fica condicionado ao trânsito em julgado da decisão de mérito que vier a confirmar a tutela provisória concedida. 8.3.4 Obrigação de dar coisa: particularidades
Conforme já se afirmou, as regras destinadas pelo CPC/2015 ao cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer ou não fazer se aplicam às obrigações de dar coisa diversa de dinheiro, por força do art. 538, § 4º. Há, todavia, especificidades das obrigações de dar coisa que reclamam tratamento individualizado, o que será agora analisado. 8.3.4.1 Forma e prazo para cumprimento Já se afirmou que a escolha dos meios executivos que devem ser empregados no caso concreto depende sobremaneira da natureza da obrigação, razão pela qual o cumprimento específico da obrigação de dar coisa, por vezes, reclama meio executivo direto, já que, nessas hipóteses, o que sobressai na obrigação é a própria entrega e não a ação pessoal do obrigado, razão pela qual se pode cogitar, v.g., da ordem de busca e apreensão da coisa ou na imissão na posse, conforme prevê o caput do art. 538, o que certamente não exclui a aplicação de outros meios executivos que, no caso concreto, se mostrem mais efetivos. Assim como nas decisões que imponham obrigação de fazer ou não fazer, nas obrigações de dar é necessária, desde logo, a fixação do prazo para cumprimento (arts. 498, caput, e 538, caput). Caso não haja fixação de prazo, aplica-se o art. 806 do CPC, que prevê o prazo de 15 dias (úteis, segundo se crê), já que tal dispositivo se aplica subsidiariamente ao cumprimento de sentença (cf. art. 513)330. 8.3.4.2 Benfeitorias Como já se disse anteriormente, a coisa pode ser certa ou incerta.
Tratando-se de obrigação de dar coisa incerta, cabe ao autor, já na petição inicial da ação de conhecimento, individualizá-la, caso a ele caiba tal escolha; caberá ao réu fazê-lo, de outro lado, se a ele couber a opção, conforme prevê o art. 498, parágrafo único, do CPC. O § 1º do art. 538 trata da alegação de que o réu realizou benfeitorias na coisa, previstas no art. 96 do CC331. Em diversas hipóteses, aquele que é obrigado a dar a coisa a outrem tem direito a levantar as benfeitorias que fez, indenizando-se, caso não seja possível o levantamento. Quando o réu alegar que tem direito de levantar as benfeitorias feitas, deverá fazê-lo na fase de conhecimento (contestação, em virtude do princípio da eventualidade), conforme determina o art. 538, § 1º, do CPC. Nessa oportunidade, deve discriminar as benfeitorias realizadas, atribuindo, quando possível, o seu valor. Da mesma forma, havendo direito de retenção da coisa em razão das benfeitorias feitas, isso deve ser alegado em contestação, sob pena de não mais poder ser exercido o direito de retenção (art. 538, § 2º). É importante notar que, mesmo que o réu não alegue ter realizado benfeitorias em contestação, isso não lhe retira o direito de ser indenizado ou de levantá-las. O que não poderá, apenas, é alegar essa matéria em impugnação ao cumprimento de sentença, tampouco se recusar à entrega da coisa, sob o fundamento de ter direito de retenção. 8.4 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação alimentar Os arts. 528 a 533 tratam do cumprimento de sentença (rectius: de qualquer decisão de mérito) que reconheça a exigibilidade de prestação alimentar.
As verbas de natureza alimentar podem ter três diferentes origens. Os alimentos podem se originar das relações familiares, tendo em vista que o art. 1.694 do CC atribui aos parentes e cônjuges o dever de prestar alimentos uns aos
outros,
quando
necessário.
Também
podem
se
originar
da
responsabilidade civil, nas hipóteses em que o dano causado à pessoa a impede de obter os recursos necessários à própria mantença (cf. arts. 948 a 951 do CC). Os alimentos podem ter origem também por manifestação de vontade do próprio alimentante, que se obriga a prestar verba dessa natureza. De regra, a prestação de natureza alimentar é fixada em dinheiro, o que faz do cumprimento de sentença que reconhece débito alimentar execução de obrigação pecuniária. Porém, dadas as particularidades do crédito alimentar, sobretudo de sua própria destinação – manter o alimentando –, exige-se que haja regramento próprio para a sua cobrança, que diz respeito aos meios executivos à disposição do exequente. A ação de alimentos segue o procedimento especial previsto pela Lei n. 5.478/68. O cumprimento da sentença que julgar o pedido, porém, faz-se de acordo com o disposto nos arts. 528 a 533 do CPC, notadamente porque os arts. 16 a 18 da aludida lei especial foram revogados pelo art. 1.072, V, do CPC. Na vigência do CPC/73, mesmo após a criação do “processo sincrético”, com a Lei n. 11.232/2005, o cumprimento de sentença que reconhecesse débito de natureza alimentar reclamava o ajuizamento execução, conforme se extraía dos arts. 732 e 733. O vigente Código, de maneira acertada, tornou sincrético o processo de conhecimento em que se veicula pedido de natureza alimentar, razão pela qual não há mais a necessidade de ajuizamento de ação de execução para dar cumprimento à sentença.
Vale notar, além disso, que os mencionados artigos se aplicam tanto ao cumprimento definitivo quanto ao cumprimento provisório, pois o caput do art. 528 alude à “sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos”. Tratando-se de cumprimento definitivo, seu curso se dará nos mesmos autos, ao passo que, se de cumprimento provisório se tratar, dar-se-á o cumprimento em autos apartados, embora se trate ainda de um mesmo processo (art. 531). Tratandose de cumprimento provisório, a propósito, o levantamento de valores e a alienação de bens independe de prestação de caução, na forma do art. 521, I, do CPC. Requerido o cumprimento de sentença, será o executado intimado pessoalmente para pagar o débito em três dias (úteis), provar que já pagou anteriormente ou apresentar justificativa para o não pagamento do débito. O caput do art. 528 exige que a intimação do executado seja pessoal, excetuando a regra geral do art. 513, § 2º, regra que parece decorrer das características próprias desse procedimento, afinal o prazo para cumprimento é mais curto do que na execução por quantia certa (15 dias), além de ser possível a adoção da prisão civil como meio coercitivo indireto, que sabidamente é consequência das mais gravosas ao executado. Além disso, Humberto Theodoro Jr.332 levanta o fato de só o executado ter conhecimento dos motivos que o levaram a não pagar o débito, razão pela qual é mais efetiva a sua intimação pessoal, a fim de que preste esclarecimento. Além disso, diz José Miguel Garcia Medina que as únicas matérias de defesa passíveis de alegação em execução de alimentos, tratando-se de título judicial, são aquelas previstas pelo art. 528, caput e § 1º, ou seja, o pagamento prévio ou a impossibilidade de pagamento, não havendo, segundo
afirma, previsão de impugnação ao cumprimento de sentença333. Isso, ao que parece, não exclui a possibilidade de serem alegadas matérias de ordem pública no bojo do cumprimento de sentença, na forma do art. 518 do CPC334. Ao lado disso, tem-se que a justificativa para o não pagamento da prestação alimentícia deve dizer respeito à impossibilidade absoluta da satisfação (art. 528, § 2º). Significa isso dizer que, mesmo que o executado não reúna, quando configurada a mora no adimplemento, condições financeiras de pagar o débito, é preciso investigar se a origem da falta de recursos é absoluta ou relativa. O desemprego, por exemplo, não tem sido reconhecido como causa de impossibilidade absoluta de prestar alimentos335. Porém, há decisões que reconhecem o desemprego, somado a outros fatores, como causa de impossibilidade absoluta de prestar alimentos336. O que se nota, pois, é que o que se deve analisar é a desídia do obrigado à prestação alimentar, isto é, se poderia ele ter obtido recursos por outros meios, ou se deixou de auferir renda por vontade própria, sempre considerando que a alteração das circunstâncias fáticas enseja a revisão da verba alimentar, o que demanda o ajuizamento de ação própria. De acordo com o § 1º do art. 528, o não pagamento do valor do débito, a ausência de prova de que houve satisfação do crédito ou a falta de justificativa enseja o protesto do título executivo judicial, medida de cunho coercitivo que pode ser tomada de ofício pelo juiz. Cabe ao exequente, ademais, optar por uma das formas de execução previstas, isto é, a prisão civil do devedor, a adoção do procedimento de cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia, a inclusão do valor da execução em folha de pagamento ou a constituição de
capital para pagamento do débito. Além disso, se o executado praticar condutas procrastinatórias no curso da execução, caberá ao juiz dar ciência ao Ministério Público, em razão da possível prática do crime de abandono material, tipificado no art. 244 do CP, conforme determina o art. 532 do CPC. 8.4.1 Prisão civil Como já se teve a oportunidade de referir anteriormente, a Constituição brasileira não autoriza, como regra, a prisão por dívida, justamente porque o que deve responder pelo cumprimento da obrigação é o patrimônio do obrigado, e não ele próprio. Disso trata o art. 5º, LXVII, da CF, bem como o art. 7, item 7, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). No direito brasileiro, portanto, só é autorizada a prisão por dívida de natureza alimentar, excluindo-se a possibilidade de prisão por qualquer outro fundamento (mesmo no caso da prisão civil do depositário infiel, conforme já se tratou ao falar da atipicidade dos meios executivos). Trata-se de meio coercitivo que objetiva compelir o alimentante a adimplir o débito, diante do temor que deve causar o recolhimento à prisão. Trata-se, por isso, de prisão civil e não de prisão-pena, que é meio de punição àquele que pratica ato ilícito. A distinção é importante porque na prisão civil o seu cumprimento não exime o obrigado de pagar, ainda assim, o montante devido (art. 528, § 8º), enquanto, em caso de prisão-pena, o transcurso do prazo de recolhimento à prisão constitui o próprio cumprimento da penalidade, o que exime o condenado, ao menos na esfera penal. Ademais, se no curso da prisão o executado vier a pagar integralmente o
débito, será suspensa a aplicação da medida coercitiva (art. 528, § 6º). Cabe ao juiz, ao decretar a prisão, fixar o prazo de cumprimento da medida, que deve variar de 1 a 3 meses (art. 528, § 3º, parte final). Justificam-se as balizas dadas pelo legislador porque o tempo de encarceramento não deve ser curto o suficiente a ponto de não atingir a sua finalidade coativa, tampouco longo o bastante para punir em excesso o devedor da prestação alimentícia. A pena será cumprida em regime fechado, mas o devedor deverá ser mantido afastado daqueles que cumprem pena de prisão (natureza criminal), ainda que em caráter cautelar (cf. art. 528, § 4º). Ainda, é preciso notar que o débito que autoriza a utilização desse meio coercitivo – prisão civil – é aquele relativo aos três meses pretéritos ao requerimento de cumprimento de sentença, acrescido dos vencidos no curso do processo. Nesse ponto, nota-se que o art. 528, § 7º, do CPC acolheu orientação já sedimentada pelo STJ, conforme se extrai da Súmula 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”. Reconhece-se, nesses casos, que os débitos pretéritos já ganharam características eminentemente pecuniárias, não se justificando a prisão civil, que se destina à preservação da vida do alimentando337. Por fim, importante questão diz respeito à possibilidade de utilização desse meio coercitivo na execução dos alimentos de natureza indenizatória. Para José Miguel Garcia Medina, o Código não faz distinção entre os alimentos oriundos do direito de família e aqueles decorrentes de ato ilícito, razão pela qual seria cabível a prisão civil também no cumprimento de sentença que reconheça obrigação alimentar decorrente da responsabilidade
civil338-339. 8.4.2 Adoção do procedimento do cumprimento de obrigação pecuniária É lícito ao exequente optar pelo procedimento do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia (obrigação pecuniária), seja em relação à totalidade do débito, seja em relação aos débitos anteriores aos três meses que antecedem o início do cumprimento de sentença, que não podem ser cobrados se utilizando da prisão civil como meio coercitivo (art. 528, § 8º). Nesses casos, sendo concedido efeito suspensivo à impugnação que porventura seja apresentada pelo executado, não haverá óbice ao levantamento mensal do valor da prestação devida pelo alimentante. 8.4.3 Inclusão em folha de pagamento Permite-se ainda que seja incluída em folha de pagamento a prestação alimentícia, quando o devedor for “funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho” (art. 529, caput). Com isso, passa a haver desconto da pensão alimentícia já na folha de pagamento do empregador, dispensando-se a iniciativa do executado de, recebendo sua remuneração, repassar ao alimentando o montante que lhe é devido. A inclusão em folha de pagamento deve ocorrer até o pagamento da remuneração do alimentante posterior à data do protocolo do ofício enviado ao seu empregador, sob pena de cometimento do crime de desobediência (art. 529, § 1º).
O ofício deverá conter os dados pessoais do devedor, a quantia mensal devida, o tempo em que deve ser pago o valor e a conta bancária para a qual deve ser remetido o montante da prestação. Importante previsão é a do art. 529, § 3º, que autoriza o desconto em folha de pagamento dos valores devidos pelo alimentante, sem prejuízo das parcelas vincendas. Ou seja, é possível que sejam descontados da remuneração do devedor as parcelas mensais que se vencerem no curso do processo, além do valor devido por ele antes do início da execução. É preciso, todavia, que a somatória das parcelas descontadas (alimentos vencidos e vincendos) não ultrapasse 50% da remuneração líquida do devedor, medida que se destina a preservar também a manutenção do próprio alimentante. 8.4.4 Constituição de capital O art. 533 do CPC se destina ao cumprimento de obrigação alimentar oriunda de ato ilícito. Autoriza o caput desse dispositivo que o exequente requeira que o executado constitua capital, cuja renda servirá ao cumprimento da obrigação. A constituição do capital é medida executiva que visa garantir o pagamento dos débitos futuros, podendo englobar apenas o débito de natureza alimentar decorrente da responsabilidade civil, ou seja, não inclui despesas processuais, entre outras verbas possíveis340. O capital será constituído por bens imóveis, direitos reais sobre imóveis, aplicações financeiras ou títulos da dívida pública (art. 533, § 1º). Nesse caso, os bens continuarão a ser de titularidade do executado, mas não será possível a sua alienação, constituindo-se patrimônio de afetação, que será liberado
após a extinção da obrigação de prestar alimentos (art. 533, § 5º). Os frutos percebidos desses bens, pois, servirão ao cumprimento da obrigação alimentar. Pode-se substituir a constituição de capital pela inclusão do credor em folha de pagamento da devedora, quando se tratar de “pessoa jurídica de notória capacidade econômica” (art. 533, § 2º), conceito que é indeterminável e, por isso, dependerá das circunstâncias do caso concreto (valor da prestação alimentícia, comparada ao porte da pessoa jurídica, por exemplo). É possível, ainda, que seja substituída a constituição de capital por fiança bancária ou constituição de direito real, conforme se extrai do mesmo art. 533, § 2º. Objetiva-se, com isso, permitir que o exequente obtenha garantia do pagamento da pensão alimentícia, reduzindo, em contrapartida, os prejuízos do executado, já que a ele cabe oferecer a substituição do capital pela fiança bancária ou pelo direito real. Os §§ 3º e 4º do art. 533 dizem respeito à própria fixação do valor da pensão alimentícia devida ao alimentando. O § 3º autoriza a redução ou majoração do valor do pensionamento, à vista das mudanças fáticas, tal como ocorre com os alimentos oriundos do direito de família, afinal também nesse caso se deve atentar para o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante. Significa isso que aos alimentos decorrentes da responsabilidade civil aplica-se o art. 505, I, do CPC, que autoriza a submissão de questões decididas, com força de coisa julgada, a novo julgamento, quando se tratar de relação jurídica de trato continuado. O § 4º, por sua vez, autoriza que a pensão seja fixada em salários mínimos341. 8.5 Cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública
O Estado, em relação às obrigações pecuniárias, não se submete ao mesmo regime executivo dos particulares. Em relação aos particulares, como visto, o descumprimento de obrigação pecuniária autoriza que o Estado-juiz se imiscua no patrimônio do devedor, a fim de dele retirar bens suficientes para adimplir a obrigação. Quando o devedor da obrigação pecuniária for o Estado, todavia, não é lícito ao juiz adentrar no patrimônio público para dele retirar bens para a satisfação do credor. Pelo contrário, exige a Constituição Federal (art. 100) que seja expedido precatório em proveito do credor, que será pago por ordem de antiguidade, ressalvadas pontuais prioridades. É possível, ainda, que o pagamento se dê por requisição de pequeno valor, conforme prevê o art. 100, § 3º, da CF. Essa forma de cumprimento das obrigações do Estado, reconhecidas em decisão judicial, justifica-se pelo fato de que o dinheiro público não se presta apenas ao pagamento dos credores, mas também ao funcionamento dos órgãos públicos, de suas entidades e à prestação de serviços públicos, por exemplo. Admitir que a execução contra a Fazenda Pública pudesse seguir o mesmo procedimento que a execução contra os particulares permitiria que todos os credores do Estado, que sabidamente são muitos, pudessem obter a penhora de parte do patrimônio público, o que comprometeria o funcionamento do Estado. Bem por isso é que o regime executivo, quando em causa o cumprimento de obrigação pecuniária, contra a Fazenda Pública é diferenciado, sendo impenhoráveis os seus bens. Há, quando muito, a possibilidade de sequestro de verba pública, quando restar demonstrado que o ente público não vem depositando mensalmente o montante necessário ao pagamento dos débitos da Fazenda.
Isso porque o § 5º do art. 100 da CF exige que seja incluído no orçamento o montante destinado ao pagamento dos débitos dos entes públicos de cada uma das três esferas, valores esses que são depositados em conta judicial administrada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, cujo Presidente tem a competência para administrar o pagamento aos credores, observando-se as ordens cronológica (art. 100, caput, da CF) e preferencial (art. 100, §§ 1º e 2º, da CF). Não havendo a dotação orçamentária, ou em caso de não observância de preferência do credor, pode (rectius: deve) o presidente do tribunal, a requerimento do credor, proceder ao sequestro de dinheiro público em quantia suficiente para pagar o precatório titularizado pelo credor que requer a providência (art. 100, § 6º, da CF)342. Diante do regime especial do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, não há falar em expropriação de bens, tampouco na incidência da multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC, notadamente porque a intimação da Fazenda Pública, como se verá a seguir, não se destina a obter o pagamento do débito, mas ao oferecimento de impugnação. Só haverá mora da Fazenda, nesses termos, se for atingido o prazo para pagamento do precatório, de acordo com o art. 100 da CF, e não houver a satisfação do credor, caso em que será possível o sequestro de verba pública, como destacado acima343. Questão
também
importante
diz
respeito
à
impossibilidade
de
cumprimento provisório de decisão que reconheça a obrigação de pagar quantia, por parte da Fazenda Pública. Isso porque o art. 2º-B da Lei n. 9.494/97 autoriza a execução de decisão que determine a “liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
inclusive de suas autarquias e fundações” somente após o trânsito em julgado. Mais do que isso, o próprio art. 100, §§ 1º, 3º e 5º, da CF faz expressa referência à sentença transitada em julgado, o que permite crer que apenas o título executivo judicial definitivo é que pode ensejar a expedição de precatório em proveito do credor344. De outro lado, há posição do STJ345 admitindo o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública, que fica limitada à fase de impugnação, isto é, não há expedição do precatório, mas agiliza-se o procedimento naquilo que for possível antes do trânsito em julgado346. Além disso, entende o STJ que a restrição da Lei n. 9.494/97 não abrange outras espécies de obrigação, como a reintegração de servidor347. Veja-se, neste passo, o procedimento do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública. 8.5.1 Requisitos da petição Prevê o art. 534 do CPC que o cumprimento de sentença que reconheça obrigação pecuniária a cargo da Fazenda Pública se inicia a requerimento do credor, que deverá apresentar planilha discriminada do débitos, contendo, tal como previsto no art. 524, o nome do exequente, seu número junto ao Cadastro de Pessoas Físicas ou de Pessoas Jurídicas (CPF ou CNPJ), o índice de correção monetária aplicada, os juros incidentes e suas respectivas taxas, o termo inicial e final da incidência de juros e correção monetária, a periodicidade da capitalização, se o caso, e a especificação de eventuais descontos feitos. Fato bastante comum é a existência de ações contra a Fazenda Pública movidas por diversos autores, geralmente incluídos na mesma situação fática.
Nesses casos, reconhecendo-se a obrigação de pagar quantia por parte da Fazenda, cada um dos exequentes deverá apresentar seus próprios cálculos, observando-se o que dispõe o art. 534, conforme prevê o seu § 1º. Referido dispositivo, a propósito, autoriza a limitação do litisconsórcio multitudinário, previsto no art. 113, §§ 1º e 2º, do próprio CPC. 8.5.2 Intimação da Fazenda Pública Como já se disse anteriormente, a intimação da Fazenda Pública, em caso de cumprimento de sentença que reconheça a obrigação de pagar quantia, não se destina a instar a devedora a cumprir a obrigação no prazo assinalado pela lei, sob pena de incidência de multa. Pelo contrário, de acordo com o art. 535 do CPC, dá-se a intimação para que a Fazenda Pública apresente, no prazo de 30 dias, impugnação ao cumprimento de sentença, fazendo-o nos próprios autos. Referido prazo, aliás, não se conta em dobro, tendo em vista que é previsto especificamente para a Fazenda Pública, incidindo o art. 183, § 2º, do CPC. Caso a Fazenda Pública não apresente impugnação, ou o faça apenas de maneira parcial, prosseguir-se-á o cumprimento de sentença com a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, a depender da quantia cobrada pelo exequente. Será integral se não houver impugnação, ou se for ela intempestiva; será parcial se a impugnação também o for. Do mesmo modo, se for rejeitada a impugnação, será expedido o precatório ou a requisição de pequeno valor (art. 535, §§ 3º e 4º). É preciso notar, todavia, que, conquanto diga o § 3º do art. 535 que a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor decorra da rejeição da impugnação, é certo que deverá ocorrer o trânsito em julgado da
decisão que não acolher as alegações da Fazenda Pública. Assim, interposto recurso contra a decisão, não será possível a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, diante do efeito obstativo do trânsito em julgado, de que são dotados os recursos. 8.5.3 Obrigação de fazer, não fazer ou dar Como visto acima, os arts. 534 e 535 do CPC aplicam-se apenas ao cumprimento de sentença que reconheça obrigação pecuniária da Fazenda Pública, regime que necessita ser diferenciado em razão da impossibilidade de serem expropriados os bens públicos, além de ser necessária a observância dos critérios cronológico e preferencial previstos pelo art. 100 da CF. Em relação às obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro, a cargo da Fazenda Pública, inexiste a necessidade de tratamento diferenciado, pois não há qualquer particularidade que exija regramento próprio, como forma de garantir a isonomia, motivo pelo qual se deve observar o procedimento previsto nos arts. 536 a 538 do CPC. Todavia, é certo que, se a obrigação específica for convertida em obrigação genérica (obrigação de indenizar), necessária será a adoção do procedimento de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, previsto nos acima tratados arts. 534 e 535 do CPC.
LXXVII PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL
1. Considerações iniciais Tratou-se no capítulo precedente da execução de títulos judiciais, que se caracteriza pela preexistência de processo judicial ou arbitral, sendo constituídos sempre por juiz ou árbitro, ou seja, sempre sob o manto do poder jurisdicional. Ao lado dos títulos executivos judiciais, têm-se os títulos executivos extrajudiciais, que são documentos públicos ou particulares aos quais a lei atribui eficácia executiva, diante do grau de confiabilidade que ostentam. Permite-se, com isso, que o credor de obrigação insculpida nesses documentos possa ir ao Judiciário, não para obter o acertamento do seu direito, mas para pleitear, desde logo, a sua efetivação. Nesse caso, cabe ao devedor da obrigação se insurgir contra o título ou contra o processo executivo, o que deve ser feito, via de regra, por meio da oposição de embargos à execução. Neste capítulo, serão tratados os títulos executivos extrajudiciais, bem como o procedimento do processo de execução. Antes disso, porém, é preciso
destacar que em muitos aspectos o processo de execução de títulos extrajudiciais se aproxima do cumprimento de sentença, notadamente porque o regramento daqueles se aplica subsidiariamente a este, razão pela qual serão feitas referências ao capítulo precedente, quando necessário. 2. Títulos executivos extrajudiciais Os títulos executivos extrajudiciais se encontram previstos, em geral, no art. 784 do CPC. Na vigência do Código passado, tais títulos eram elencados pelo art. 585, que teve sua redação mantida em grande parte pelo vigente art. 784. Porém, algumas alterações são de grande importância, como a inclusão dos créditos decorrentes de contrato de locação, ou as despesas ordinárias e extraordinárias dos condomínios edilícios, sobre os quais se falará mais à frente. É de se destacar, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro não exige que os títulos executivos extrajudiciais estrangeiros sejam homologados pelo STJ, como é necessário para que os títulos judiciais tenham eficácia no país, conforme sobressai do art. 784, § 2º. Desse modo, reconhece-se a eficácia dos títulos extrajudiciais estrangeiros no Brasil “quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação” (cf. art. 784, § 3º, do CPC). Significa isso dizer que será eficaz no Brasil o título executivo extrajudicial que tenha observado os requisitos para a sua constituição no país de origem, ao que se soma a eleição do Brasil como local de cumprimento da obrigação. Segundo Araken de Assis, a esse requisito se deve acrescentar a exequibilidade do título, ao menos no Brasil348.
Ademais, é necessário que o documento estrangeiro seja vertido ao vernáculo (art. 192, parágrafo único, do CPC) por tradutor juramentado, sendo necessária, também, a conversão do seu valor para a moeda nacional. Além disso, o art. 785 prevê que o credor pode optar pelo ajuizamento de ação de conhecimento, mesmo que tenha título executivo extrajudicial. Não há, portanto, falta de interesse processual no ajuizamento da ação cognitiva, o que se justifica pelo fato de que os títulos judiciais têm mais “força” do que os títulos extrajudiciais, já que formados sob o manto do poder jurisdicional, o que reduz o espectro de matérias alegáveis em impugnação ao cumprimento de sentença, se comparado à amplitude dos embargos à execução, razão pela qual é lícito ao credor optar pela via que lhe outorgará título judicial, caso seja julgado procedente o pedido. Vejamos, neste passo, cada um dos títulos executivos extrajudiciais tratados pelo art. 784 do CPC/2015. 2.1 Títulos de crédito O art. 784, I, do CPC diz serem títulos executivos extrajudiciais “a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque”. Trata-se de títulos de crédito aos quais a lei atribui, além de suas características próprias, previstas pelo direito cambiário, a eficácia executiva. Tais documentos materializam a existência de determinada obrigação. A letra de câmbio e a nota promissória eram regidas pelo Decreto n. 2.044/1908, que sofreu sensível alteração com o advento do Decreto n. 57.663/66, que aprovou a Convenção de Genebra para adoção de lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. A Lei n. 7.357/85, por sua vez, regula o cheque. Referida norma sofre clara influência da Lei
Uniforme de Genebra sobre essa espécie de título de crédito, que motivou a sua edição. A duplicata, por sua vez, encontra-se prevista na Lei n. 5.474/68, enquanto a debênture encontra previsão na Lei n. 6.404/76. Ao lado dessas disposições, também se aplicam aos títulos de crédito os arts. 887 a 903 do CC, de maneira supletiva, isto é, na falta de norma específica prevista nas normas de regência acima referidas. Nem todos os títulos de crédito ganham do ordenamento jurídico a eficácia executiva, razão pela qual não se pode dizer que todos eles autorizam a adoção, de imediato, da via executiva. É preciso, portanto, que haja previsão legal de que determinado título de crédito constitui título hábil a ensejar a execução, inclusive em respeito ao princípio da tipicidade dos títulos executivos349. 2.2 Documento público O art. 784, II, do CPC atribui eficácia executiva à escritura pública ou qualquer outro documento público assinado pelo devedor. Documento público é todo aquele para cuja formação concorre manifestação de autoridade pública, qualquer que seja ela. Escritura pública, por sua vez, é espécie de documento público lavrado por tabelião. Como os documentos públicos são lavrados por oficial público, dotado de fé pública, reconhece-se que eles são dotados de confiabilidade bastante para ensejar, diretamente, a satisfação do direito, sem necessidade de instauração de fase cognitiva. Segundo Pontes de Miranda, os documentos públicos “fazem prova de sua formação e dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declara que ocorreram na sua presença”350. Nesse sentido, prevê o art. 405 do CPC que:
“O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”. Importa destacar que a lei processual exige que do documento público conste a assinatura do devedor, requisito essencial para que seja outorgada eficácia executiva a ele. Desse modo, faltando a assinatura do devedor, não há título executivo extrajudicial, conforme trata o art. 784, II, do CPC. Como já se antecipou, ao tratar do formal ou certidão de partilha, enquanto título executivo judicial (art. 515, IV), a escritura pública por meio da qual se realiza a partilha de bens do autor da herança não constitui título judicial, quando feita perante o tabelionato de notas, o que não exclui a sua força executiva, já que se trata de escritura pública (art. 784, II). Ademais, tem-se reconhecido eficácia executiva aos instrumentos contratuais celebrados pela Administração Pública, já que são documentos públicos. Nesses casos, admite-se o ajuizamento de execução contra o ente ou a entidade, com fundamento no art. 784, II, do CPC/2015. Basta, nessa hipótese, que seja certa, líquida e exigível a obrigação materializada no instrumento contratual351. 2.3 Documento particular Também constitui título executivo o documento particular assinado pelo próprio devedor e por duas testemunhas. Em relação aos documentos públicos, o que os diferencia dos demais documentos, a ponto de lhe outorgar eficácia executiva, é a fé pública do agente público que o constitui. Em relação aos documentos particulares, é a assinatura do próprio devedor352 e de mais duas testemunhas que torna suficientemente “confiável”
o documento, para que se lhe atribua eficácia executiva, mesmo que o documento tenha natureza particular (não concorreu “vontade” do Estado na sua formação). Segundo já decidiu o STJ, a exigência legal se destina a dar maior segurança de que as partes manifestaram vontade livre, isto é, sem qualquer vício353. Importante questão diz respeito à necessidade de que as testemunhas presenciem o ato de celebração do negócio jurídico ou, pelo contrário, basta que haja a sua assinatura, ainda que posterior à celebração. O STJ354, logo que criado pela Constituição de 1988, decidiu que as testemunhas em questão poderiam ser instrumentais, ou seja, sua presença era dispensável no momento da celebração do negócio jurídico. De acordo com a Corte, o art. 135 do CC/1916, vigente à época, assim como o art. 585, II, do CPC/73 (correspondente ao vigente art. 784, III), não faziam referência à presença das testemunhas, mas tão somente à sua assinatura. Segundo constou do acórdão, o legislador, quando exigia a presença das testemunhas, fazia-o expressamente, conforme se colhia dos arts. 193 e 199 do CC/1916, por exemplo. O art. 135 do CC/1916 não encontra integral correspondência no CC/2002, tendo em vista que o art. 221 do CC/2002 não mais alude às testemunhas. O art. 1.534 do CC/2002, conquanto não corresponda integralmente ao art. 193 do CC/1916, continua a exigir a presença das testemunhas. Da mesma forma, o art. 1.540 do CC/2002 exige a “presença” das testemunhas, o que parece manter hígida a conclusão a que chegou o STJ anteriormente, que foi reiterada já na vigência do CC/2002355. Desse modo, tem-se que o STJ entende que a presença das testemunhas no ato da celebração do negócio jurídico materializado em instrumento
particular não é exigida, bastando que haja a aposição de suas assinaturas no instrumento, pois a lei é sempre clara quando exige a presença, o que não é o caso do agora vigente art. 784, III, do CPC. É de se referir, ademais, que, recentemente, a 4ª Turma do STJ356 entendeu por dispensável a assinatura das testemunhas quando for possível provar por outros meios a existência e a validade do contrato (a ocorrência de manifestação de vontade não viciada, em verdade, afinal a verificação da existência e da validade são matérias de Direito). Essa posição, todavia, não parece defensável a Humberto Theodoro Jr.357, para quem a exigência das testemunhas, no plano do direito processual, tem característica formal, fruto dos princípios da tipicidade e da taxatividade dos títulos executivos, razão pela qual a possibilidade de ser provado o conteúdo do instrumento não poderia se sobrepor à exigência do art. 784, III, do CPC. Compartilha-se da mesma opinião do referido autor. Conquanto se tenha presente que a assinatura das testemunhas tenha o condão de conferir confiabilidade maior ao documento particular, tem-se que isso é levado em consideração apenas para que o instrumento particular firmado por duas testemunhas constitua título extrajudicial. Nessa hipótese, se o devedor entender que o negócio jurídico inexiste, é inválido ou é ineficaz, caberá a ele alegar tais matérias em embargos à execução, em que se poderá discutir o direito material, em si. Ou seja, a presença das testemunhas inverte o ônus argumentativo, pois ao exequente será lícito requerer a execução, sem necessidade de alegar ou provar que o título deflui de negócio jurídico existente, válido ou eficaz. Cabe, isso sim, ao executado controverter a higidez do título e do negócio do qual deflui. Para efeitos processuais, então, a presença das testemunhas, que dá
“força” ao documento particular, presta-se apenas a qualificá-lo como confiável o suficiente para ensejar a execução, dada a sua previsão como título executivo extrajudicial, fruto da prévia valoração feita pelo legislador. Dessa forma, faltando a assinatura de duas testemunhas no instrumento particular, mostra-se necessária a prova dos fatos necessários à verificação da existência, validade e eficácia do negócio jurídico, exigindo decisão de mérito, o que o aproxima do processo de conhecimento. Assim, se se adota o processo de conhecimento, não se pode dizer que o documento particular é título executivo, senão após a prolação de decisão de mérito que diga que o instrumento particular reflete a existência da dívida, o que equivale a dizer que é a própria decisão de mérito que terá força executiva (art. 515, I). Ao lado disso, a lei processual também resguarda o credor munido de documento particular sem força executiva (pois faltam testemunhas, por exemplo), que pode se valer da ação monitória (arts. 700 e ss.). Nesse caso, reconhece-se que o documento tem força probante, atribuindo-se ao réu o ônus de provar que não deve (fato desconstitutivo do direito do autor). À falta de embargos à monitória, converter-se-á em título executivo o mandado monitório, instaurando-se, ato contínuo, a fase de cumprimento de sentença. Por essas razões, tem-se que a assinatura de duas testemunhas, ainda que não contemporâneas à assinatura pelo devedor, é requisito indispensável à qualificação do documento particular como “título executivo extrajudicial”. Faltando, pois, as testemunhas, pode o credor se valer do procedimento monitório ou do procedimento comum, em que buscará cognição exauriente acerca do mérito, afinal, será necessária a prova dos fatos constitutivos do direito do autor (presença dos elementos de existência e dos requisitos de validade e eficácia do negócio jurídico).
2.4 Instrumento de transação referendado O inciso IV do art. 784 diz ser título executivo extrajudicial o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados das partes transatoras ou por conciliador ou mediador credenciado no tribunal. Têm ganhado relevância os meios extrajudiciais de solução de conflitos, que podem ter lugar perante o Ministério Público, a Defensoria Pública ou a Advocacia Pública. A conciliação e a mediação também vêm ganhando justo espaço. Caso as partes cheguem ao consenso no curso do processo, haja ou não atuação de conciliador ou mediador, constituir-se-á título executivo judicial (art. 515, II). Caso as partes cheguem ao consenso extrajudicialmente e requeiram a homologação do pacto pelo juiz, também haverá título judicial (art. 515, III). Por fim, se o consenso for prévio à existência de processo, fruto da realização de sessões extrajudiciais de mediação ou conciliação, na forma da Lei n. 13.140/2015, ter-se-á título executivo extrajudicial (art. 784, IV). Não se pode deixar de considerar, ademais, a importância dos advogados particulares na solução dos conflitos. Na grande maioria dos casos, é o advogado particular que faz o primeiro contato com o conflito em que está inserido o seu cliente, fato que o coloca em privilegiada posição de agente da pacificação do conflito, pois capaz de orientar seu cliente a respeito da melhor forma de solucionar o problema, ainda que para isso sejam necessárias concessões de ambas as partes, v.g. Nesses casos, se o instrumento contratual for subscrito pelas partes e por seus advogados, tem-se título executivo extrajudicial. O instrumento do negócio jurídico, ainda que não referendado, poderia ser
título executivo extrajudicial se contasse com a assinatura de duas testemunhas. Nesses casos, porém, dispensa-se a assinatura de duas testemunhas, pois a maior “confiabilidade” do documento advirá do referendo do Ministério Público, da Defensoria Pública, do órgão da Advocacia Pública, dos advogados das partes ou de conciliador ou mediador registrado perante o tribunal. Importa notar, além disso, que, muito embora o dispositivo trate da “transação”, tem-se presente que será título executivo extrajudicial todo documento referendado que tiver por finalidade a extinção de obrigação sem pagamento, como, v.g., a dação em pagamento ou a novação (arts. 356 a 367 do CC). Nesses casos, não há, propriamente, transação, prevista nos arts. 840 a 850 do CC, mas um dos efeitos jurídicos é o mesmo: a extinção da obrigação anterior. Desse modo, acordando as partes pela dação em pagamento (substituição do objeto da prestação por outro no momento do pagamento – art. 356 do CC), o instrumento contratual que materializar a avença, caso referendado, constituirá título executivo extrajudicial. 2.5 Contrato garantido por caução, hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia O Código de 2015 (art. 784, V) tipifica como título executivo extrajudicial o contrato (instrumento contratual, na verdade) que seja garantido por hipoteca, penhor, anticrese, caução ou qualquer outro direito real de garantia. Pontes de Miranda, comentando o art. 585, III, do CPC/73, dizia ser imprecisa a redação do dispositivo, pois não deixava claro que o que constituía título executivo era o instrumento do negócio jurídico garantido
por direito real e não o direito real de garantia, em si358. Importante questão diz respeito à necessidade de se ajuizar a ação de execução contra o devedor e o terceiro garantidor, quando a garantia for prestada por pessoa diversa do próprio devedor (caução fidejussória, por exemplo). Tem-se por correto dizer que não há entre devedor e terceiro garantidor litisconsórcio necessário, mas apenas facultativo, afinal o terceiro será responsável pelo débito e não o devedor, diferenciação feita quando se tratou da responsabilidade patrimonial (Capítulo LXXV). Pode-se, portanto, executar apenas o devedor, sem que figure como executado o terceiro garantidor, por ser título executivo o contrato com garantia. Isso, porém, certamente não autoriza que se execute a própria garantia, pois para tanto é preciso que o terceiro, titular do bem dado em garantia, seja parte na execução, conforme prevê o art. 779, V, do CPC. Da mesma forma, havendo garantia fidejussória, a presença do fiador na execução é indispensável para que seu patrimônio seja excutido (art. 779, IV, do CPC). 2.6 Contrato de seguro de vida, em caso de morte Originalmente, o art. 585, III, do CPC/73 dizia ser título executivo extrajudicial o contrato de seguro de vida ou de acidentes pessoais, quando houvesse a morte ou a incapacidade do segurado. Com o advento da Lei n. 11.382/2006, retirou-se a força executiva do contrato de seguro de acidentes pessoais. O art. 784, VI, do CPC/2015 manteve a regra, destacando expressamente que só haverá título executivo se ocorrer a morte do segurado, o que, todavia,
já defluía do dispositivo, já que é essa a condição suspensiva da eficácia da cláusula do contrato de seguro que estipula o pagamento da indenização, por parte da seguradora. Segundo Marcelo Abelha, destina-se essa restrição a impedir que, em razão da execução, passe a haver discussão a respeito da ocorrência ou inocorrência da incapacidade do segurado. Optou-se, pois, “por deixar apenas a morte, cujo fato é objetivo, para evitar a polêmica de outrora”359. Nos demais casos, cabe ao credor se valer de ação monitória, se o contrato constituir documento hábil para tanto, ou do procedimento comum. 2.7 Crédito decorrente de foro e laudêmio O inciso VII do art. 784 do CPC diz ser título executivo extrajudicial o crédito decorrente de foro e laudêmio. Em verdade, não é propriamente o crédito que constitui título executivo, mas o documento que o materializa. Foro e laudêmio são institutos que remontam ao Código Civil de 1916, que contemplava a enfiteuse como direito real (cf. art. 674, I, do CC/1916). Consistia a enfiteuse na atribuição, por ato inter vivos ou causa mortis, pelo proprietário, do domínio útil a terceiro. Atribuía-se, portanto, o direito de gozar dos poderes inerentes à propriedade. Constituída a enfiteuse, caberia ao enfiteuta (adquirente do domínio útil) pagar pensão anual, certa e invariável, a que se dava o nome de “foro”. Além disso, o Código Civil de 1916 previa que o senhorio direto (proprietário) tinha direito de preferência na aquisição do domínio útil, quando o enfiteuta desejasse aliená-lo (cf. art. 683 do CC/1916). Da mesma forma, o enfiteuta tinha direito de preferência na aquisição do domínio direto, caso o senhorio direto quisesse aliená-lo (cf. art. 684 do
CC/1916). Na primeira hipótese (alienação do domínio útil pelo enfiteuta), caso o proprietário (senhorio direto) não quisesse exercer o direito de preferência, ser-lhe-ia devido o laudêmio, isto é, participação no produto da alienação, consistente em 2,5% do preço, ou outro montante previsto no contrato (cf. art. 686 do CC/1916). Com o advento do Código Civil de 2002, foi proibida a constituição de novas enfiteuses, remanescendo, porém, as existentes, conforme prevê o art. 2.038 do Código, mantendo-se, portanto, o regramento do CC/1916 a esse respeito. Portanto, o inciso VII do art. 784 do CPC só tem aplicação em relação às enfiteuses constituídas até 2003, quando entrou em vigor o Código Civil vigente, que vedou a constituição de novos direitos reais dessa natureza. Com efeito, o instrumento negocial pelo qual as partes acordam pela constituição da enfiteuse é título executivo extrajudicial, caso haja mora no adimplemento do foro ou laudêmio. Especialmente em relação ao laudêmio, é preciso provar, além da existência do título executivo extrajudicial (instrumento que constituiu a enfiteuse), que foi alienado o domínio útil, que é essencial para o surgimento do crédito tocante ao laudêmio360. 2.8 Crédito decorrente de contrato de locação De acordo com o art. 784, VIII, do CPC, constitui título executivo extrajudicial “o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio”.
Em verdade, não é o crédito que constitui título executivo, mas o documento que o exprime. Segundo Araken de Assis, o que o dispositivo em comento, que só diz respeito à locação imobiliária, exige é que o próprio contrato de locação, para ser título executivo, observe a forma escrita, muito embora se trate de contrato que não exige forma específica361. Todos os créditos decorrentes do contrato de locação e que se achem expressamente previstos no contrato poderão ser submetidos à execução, pois, nesse caso, o instrumento contratual constituirá título executivo extrajudicial. Com efeito, não só o aluguel, que constitui a contraprestação devida pelo locatário ao locador pelo uso da coisa dada em locação, mas todas as demais rubricas devidas, tais como a taxa condominial, caso as partes pactuem que tal obrigação caberá ao locatário. De modo geral, inclui-se também nos deveres do locatário o pagamento das verbas descritas pelo art. 23, I, da Lei n. 8.245/91, que, por essa razão, também pode ser objeto de execução, caso não haja o adimplemento voluntário. Ademais, ainda que haja prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado, quando inicialmente se tenha ajustado prazo, na forma dos arts. 46, § 1º, e 47, caput, da Lei n. 8.245/91, haverá título executivo extrajudicial, que consistirá no instrumento contratual que inicialmente pactuou pela locação da coisa362. Além disso, na hipótese de ser prorrogado o período locatício por prazo indeterminado, remanescerá a garantia fidejussória que porventura tenha sido prestada, já que o art. 39 da Lei n. 8.245/91, após a sua alteração pela Lei n. 12.112/2009, resguarda expressamente as garantias, autorizando o fiador, porém, a se eximir da obrigação notificando o locador, na forma do art. 40,
X, da Lei n. 8.245/91, também alterado pela Lei n. 12.112/2009363. 2.9 Certidão de dívida ativa Certidão de dívida ativa é o documento elaborado unilateralmente pela Fazenda Pública e que materializa as dívidas das quais a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias são credores, constituindose título executivo extrajudicial, na forma do art. 784, IX, do CPC. A execução fiscal encontra regramento na Lei n. 6.830/80, socorrendo-se subsidiariamente do CPC. De acordo com o art. 2º da Lei de Execução Fiscal – LEF (Lei n. 6.830/80), podem ser incluídos em dívida ativa, de que se extrai a certidão que servirá como título executivo, todos os débitos de que os entes públicos e as autarquias sejam credores, tenham ou não origem tributária. Os requisitos para inscrição do crédito em dívida ativa estão previstos no art. 202 do CTN, bem como no art. 2º, § 5º, da LEF. A certidão então emitida, por sua vez, “conterá, além dos requisitos da inscrição a indicação do livro e da folha em que se realizou (CTN, art. 202, parágrafo único)”364. Portanto, caso a autoridade administrativa julgue que o ente ou a entidade pública é titular de determinado crédito, deverá apurá-lo em procedimento administrativo que culminará na inscrição do valor em dívida ativa, ato do qual se extrairá certidão, que, na forma da legislação processual, constituirse-á em título executivo extrajudicial, cobrado pela via da execução fiscal. 2.10 Crédito decorrente de despesas condominiais O CPC/2015 inovou, em matéria de execução, ao estabelecer que “o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de
condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas”, constitui título executivo. Mais uma vez, é preciso notar que não é o crédito, em si, que constitui título executivo extrajudicial, mas sim o documento que o materializar. O inciso X do art. 784 do CPC destina-se ao condomínio edilício, isto é, aquele regulado pelos arts. 1.331 e seguintes do CC, não se constituindo título executivo extrajudicial eventual crédito existente entre condôminos, no caso de condomínio comum. Na forma do art. 1.336, I, do CC, o condômino é obrigado a participar do rateio das despesas do condomínio edilício. Como regra, a participação do condômino deve ser proporcional à sua fração ideal, o que cede espaço a eventual regramento distinto por parte da convenção de condomínio (cf. parte final do dispositivo). Desse modo, todas as despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio edilício devem ser suportadas pelo condômino. O documento que materializar tais despesas (ata de assembleia que aprova o valor da “taxa condominial”, ou aquela em que se aprova a realização de determinada obra, que ensejará despesa extraordinária, por exemplo) constituirá título executivo extrajudicial. Importa destacar que a Lei n. 13.465/2017 introduziu no CC o art. 1.358A, que trata do chamado “condomínio de lotes”, assim entendido como sendo os “condomínios fechados” em que há partes comuns e partes exclusivas do condômino. Diz o art. 1.358-A, § 2º, que ao condomínio de lotes se aplicam, quando possível, as regras do condomínio edilício, o que inclui as questões tocantes
ao rateio de despesas ordinárias e extraordinárias, tal como afirmado acima. Por essa razão, tem-se presente que as despesas originadas do condomínio de lotes também poderão dar ensejo à constituição de título executivo extrajudicial, na precisa forma do Enunciado 100 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF365. A inclusão dos créditos condominiais entre os títulos executivos (rectius: os instrumentos que os materializem) constitui medida das mais relevantes para os condomínios, já que em muito facilita a cobrança das dívidas. Como se sabe, sempre que um condômino deixa de adimplir sua obrigação, todos os demais acabam por ser prejudicados, já que as despesas do condomínio, ordinárias ou extraordinárias, continuarão a precisar ser pagas, o que direta ou indiretamente afeta o patrimônio dos condôminos adimplentes. Sob o regime processual anterior, aos condomínios edilícios, dotados de personalidade judiciária, cabia apenas a via da ação de conhecimento, o que invariavelmente redundava em demora na satisfação do crédito e, por consequência, na diminuição dos prejuízos dos demais condôminos, ainda que a cobrança se desse pelo rito sumário (cf. art. 275, II, b, do CPC/73). A partir da vigência do CPC/2015, tornou-se desnecessário o acertamento do direito, já que o instrumento que materializar o débito, isto é, que servir como prova da existência do crédito, bem como da inadimplência do condômino, constituirá título executivo extrajudicial. Com efeito, para que o condomínio possa se utilizar da via executiva, será necessária a comprovação documental da existência do débito, da origem da dívida (se se trata de despesa ordinária ou extraordinária), da quota-parte de cada condômino e o fato de estar em mora o devedor. Ademais, é preciso
também que se comprove a posse do síndico, a fim de comprovar a capacidade processual366. Em suma, é preciso que os documentos apresentados pelo exequente demonstrem a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito exequendo367. 2.11 Certidão de oficial de registro ou tabelião Os oficiais de registro e tabeliães exercem, em caráter privado, função pública delegada pelo Estado, conforme deflui do art. 236 da CF368. Tratandose de atividade privada, os registradores e tabeliães são remunerados por “emolumentos”, assim definidos como a “contraprestação remuneratória devida em razão da prestação dos serviços de notas e registros públicos”369, conforme se extrai do art. 236, § 2º, da CF. Dada a natureza da atividade desempenhada pelos registradores e tabeliães, o valor dos emolumentos deve ser fixado pelos estados-membros e pelo Distrito Federal, conforme prevê o art. 1º da Lei n. 10.169/2000, que regula o art. 236, § 2º, da CF. Com efeito, a partir da atuação do tabelião ou registrador, que dá sua fé pública às relações jurídicas levadas ao seu conhecimento, cabe a ele emitir certidão, que indicará os emolumentos devidos. Essa certidão, após o advento do CPC/2015, passou a constituir título executivo extrajudicial, dispensando, pois, a propositura de ação de conhecimento para o reconhecimento do débito. 2.12 Outros títulos previstos em lei Como já se afirmou anteriormente, ao se tratar dos princípios da execução, determinados documentos só gozam de eficácia executiva se assim disser a
lei. Noutros termos, a execução é regida pelo princípio da tipicidade. O que se exige, portanto, é que os documentos recebam eficácia executiva por força de lei, não sendo correto dizer, evidentemente, que apenas os títulos descritos no art. 784 do CPC gozam dessa eficácia. Pelo contrário, o princípio da tipicidade exige que só se constitua título executivo por lei, ainda que se trate de legislação esparsa. Prova disso é que diversas leis (lato sensu) extravagantes atribuem força executiva a determinados documentos. É, por exemplo, o caso das decisões dos Tribunais de Contas, conforme deflui dos arts. 71, § 3º, e 75, caput, da CF; o compromisso de ajustamento de conduta, conforme prevê a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5º, § 6º; os contratos com alienação fiduciária em garantia, na forma do art. 5º do Decreto-Lei n. 911/69; e as cédulas de crédito bancário e imobiliário, previstas pelos arts. 20 e 28 da Lei n. 10.931/2004. Questão interessante diz respeito ao contrato de abertura de crédito, que passou por divergência jurisprudencial a respeito de sua natureza de título executivo extrajudicial, conforme dá notícia Humberto Theodoro Júnior370. Atualmente, todavia, resta pacificada a orientação do STJ, que editou a Súmula 233, de seguinte redação: “O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta corrente, não é título executivo”. Em seguida, a Corte reconheceu que nem mesmo a nota promissória emitida em garantia do contrato de abertura de crédito constitui título executivo extrajudicial, conforme se extrai da Súmula 258: “A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou”. Portanto, de acordo com a jurisprudência do STJ, o contrato de abertura de crédito não constitui título executivo extrajudicial. Ao lado disso, quando são
emitidas notas promissórias em garantia do contrato de abertura de crédito, há perda da autonomia da promissória, típica de alguns títulos de crédito, razão pela qual também ela – promissória – não terá eficácia executiva. 3. Legitimidade ativa Conforme se tratou no capítulo anterior, a legitimidade ativa no cumprimento de sentença encontra previsão no art. 778 do CPC, que está inserido no Livro II da Parte Especial do Código, destinado ao processo de execução (de título extrajudicial). Assim, independentemente da natureza do título executivo – judicial ou extrajudicial – aplicam-se aqui as considerações feitas anteriormente. 4. Legitimidade passiva Da mesma forma que à legitimidade ativa para a execução de títulos extrajudiciais se aplica aquilo que se falou a propósito dos títulos judiciais, a legitimidade passiva encontra idêntico regramento, conforme se extrai do art. 779 do CPC, razão pela qual se remete ao que foi dito no capítulo anterior. É preciso reforçar, apenas, que em relação à legitimidade passiva há pontual diferença, que já foi referida no Capítulo LXXV. Trata-se do art. 779, IV, que se refere ao “fiador do débito constante em título extrajudicial”. Conforme se disse, tal dispositivo apenas se aplica ao processo de execução de título extrajudicial, pois a legitimidade passiva do fiador, tratando-se de processo judicial, depende da sua inclusão no próprio título, afinal o art. 513, § 5º, do CPC exige que o fiador integre o processo de conhecimento para que, então, possa ser atingido pela execução. Também tem especial relevância para o processo de execução de títulos
extrajudiciais o inciso VI do art. 779, que alude ao responsável tributário, pois a certidão de dívida ativa é documento emitido pelo ente público e constitui título executivo extrajudicial (art. 784, IX, do CPC). Conforme já se afirmou no tópico destinado à análise dos títulos executivos extrajudiciais, a Fazenda Pública cobra os seus créditos pela via da execução fiscal, sendo a Certidão de Dívida Ativa (CDA) o título executivo constituído pela própria Fazenda Pública para materializar seus créditos. Com efeito, caso a Fazenda Pública vislumbre a existência de devedor e responsável tributário, caberá a ela inscrever em dívida ativa o crédito, indicando não só o devedor, mas também o responsável. Nessa hipótese, portanto, será legitimado passivo o responsável, podendo, evidentemente, discutir judicialmente a sua qualidade de responsável tributário. Bem destaca Humberto Theodoro Jr., a propósito, que “o que não é possível é pretender usar o processo de execução instaurado contra outrem – a sociedade – para reclamar a atuação de uma responsabilidade”, de modo que, “tendo a Fazenda Pública inscrito a dívida apenas contra a pessoa jurídica, carece de título executivo contra a pessoa física do sócio gestor”371. 5. Competência Na execução de títulos extrajudiciais, não há, diferentemente da competência para o cumprimento de sentença, critério funcional de fixação, pois o título não terá sido constituído sob o manto da jurisdição. A competência para a execução dos títulos extrajudiciais é regida pelo art. 781 do CPC. Segundo dispõe o inciso I do art. 781, a execução será proposta no foro do
domicílio do executado, no foro de eleição ou no foro de situação dos bens sujeitos à execução. É de se notar que o dispositivo atribui ao exequente a faculdade de promover a execução em algum dos foros mencionados pelo dispositivo, o que decorre do fato de que, nas duas primeiras hipóteses (domicílio do executado e foro de eleição), não haverá prejuízo ao executado, enquanto, na terceira hipótese (foro de situação dos bens), haverá benefício ao próprio processo de execução, por facilitar a satisfação do crédito exequendo. Caso o executado tenha mais de um domicílio, ao qual correspondam foros diversos, qualquer um deles será competente para processar a execução, conforme prevê o art. 781, II. De outro lado, se for desconhecido ou incerto o domicílio do executado, a execução terá lugar no foro em que for encontrado ou no de domicílio do próprio autor (cf. art. 781, III). Assim como ocorre no processo de conhecimento, em caso de litisconsórcio passivo, o foro do domicílio de quaisquer dos executados será competente para a execução, na forma do art. 781, IV, do CPC. Por fim, também se considera competente o foro do lugar em que a obrigação deve ser adimplida ou daquele em que tiver ocorrido o fato ensejador da constituição do título (cf. art. 781, V, do CPC). 6. Procedimento da execução de obrigação pecuniária Parte do regramento dado aos procedimentos da execução de títulos extrajudiciais coincide com o regramento dado ao cumprimento de sentença, que foi analisado no capítulo precedente. A bem da verdade, os procedimentos do cumprimento de sentença e do processo de execução são, em grande medida, semelhantes, até em razão de o
regramento deste se aplicar subsidiariamente àquele. Ao lado disso, fato é que as técnicas executivas previstas em cada caso não levam em consideração, precipuamente, a natureza do título executivo (se judicial ou extrajudicial), mas, acima disso, a natureza da obrigação dele materializada. Com efeito, excetuadas as questões tocantes ao próprio início da execução, que nesse caso se faz a partir da petição inicial, enquanto no cumprimento de sentença há, como regra, “mero” requerimento (diz-se como regra porque alguns títulos executivos judiciais não autorizam cobrança dentro da mesma relação processual, como é o caso da sentença arbitral), bem como ao prazo para pagamento, regramento dos honorários advocatícios e a possibilidade de parcelamento, o procedimento a ser observado na execução por quantia certa será o mesmo do cumprimento de sentença que imponha obrigação pecuniária. Com efeito, havendo pagamento no prazo estipulado, extinguir-se-á a execução. Não havendo pagamento, realizar-se-á a penhora de bens do executado, seguindo-se à avaliação. Tais procedimentos serão mais bem analisados no capítulo seguinte. Ao lado disso, poderá o executado opor embargos à execução, que serão analisados no Capítulo LXXVIII (item 3). Vejamos, neste passo, os pontos de destaque da execução por quantia certa. 6.1 Requisitos da petição inicial Os requisitos da petição inicial, no processo de execução, coincidem com aqueles previstos nos arts. 319 e 320 do CPC.
Ao lado deles, porém, põem-se outros requisitos tratados pelo art. 798 do CPC. Exige-se, pois, que a petição inicial seja instruída com o título executivo (I, a), que é documento essencial, na forma do art. 320 do Código. É necessária, ainda, a juntada de demonstrativo do débito atualizado, quando a natureza da obrigação exequenda for pecuniária (I, b), que deverá observar os requisitos previstos pelo parágrafo único do dispositivo – indicação do índice de correção monetária utilizado, a taxa de juros, as datas de início e fim da incidência de juros e correção monetária, a periodicidade de capitalização dos juros, se o caso, e a especificação de eventuais descontos. Ainda, caberá ao exequente trazer aos autos a prova de que a condição se implementou ou que tenha havido o advento do termo, caso se trate de obrigação condicionada ou atermada (I, c) e a prova de que o exequente adimpliu a obrigação que lhe cabia, caso o executado seja obrigado a adimplir apenas após o recebimento da prestação devida pelo exequente (I, d). Cabe ao exequente, outrossim, indicar o procedimento executório que será utilizado, quando incidir mais de uma regra (art. 798, II, a). Trata-se, por exemplo, da execução de alimentos, que poderá se desenvolver na forma do art. 911, parágrafo único, combinado com o art. 528, § 3º, especialmente (execução de alimentos com utilização da pena de prisão como meio executivo indireto), na forma do art. 912 (execução de alimentos com desconto em folha) ou do art. 913, combinado com o art. 824 (execução por quantia certa). Ademais, a petição inicial deverá indicar a qualificação das partes (art. 798, II, b), o que também decorre do art. 319, II, do CPC. Ainda, caberá ao exequente indicar os bens do executado que sejam passíveis de penhora (art.
798, II, c), desde que seja possível apurar, desde logo, quais são os bens sujeitos à execução372. Faltando algum dos requisitos da petição inicial (à exceção da indicação dos bens penhoráveis), dada a dificuldade de se saber, de antemão, quais são eles, deverá o magistrado determinar a emenda, no prazo de 15 dias, na forma do art. 801 do CPC. Descumprida a determinação, a petição inicial será indeferida, com a consequente extinção do processo. Não há, propriamente, falar em extinção “sem julgamento de mérito”, expressão própria do processo de conhecimento, mas, de qualquer maneira, não haverá, de fato, entrega do bem da vida almejado pelo exequente, ou seja, não será apreciado o seu pedido executório. 6.2 Citação e intimação para pagamento Estando apta a petição inicial, o executado será citado para integrar a relação processual e intimado para pagar o débito no prazo de três dias ou opor embargos à execução em 15 dias. No despacho inicial, ademais, serão fixados os honorários advocatícios, que corresponderão a 10% do valor da execução (art. 827, caput). O prazo para pagamento do débito – três dias – conta-se da citação (art. 829, caput), ao passo que o prazo para oposição de embargos à execução será contado na forma do art. 231, conforme prevê o art. 915 do CPC (ver item 3.2 do Capítulo LXXVIII). Sendo pago o débito no prazo de três dias, prevê o § 2º do art. 827 que os honorários advocatícios serão reduzidos à metade, isto é, a 5%, o que importa em inequívoco intuito do legislador de estimular o cumprimento do aludido prazo.
Convém notar que a citação para o processo de execução, sob a égide do CPC/2015, far-se-á por correio, diferentemente do que determinava o CPC/73, cujo art. 222, d, exigia que o ato fosse praticado por oficial de justiça. Com efeito, atualmente, não há mais restrição à utilização da citação postal, quando se tratar de processo de execução, conforme se colhe do art. 247 do CPC/2015. Além da ordem de pagamento, o mandado de citação conterá a ordem de penhora e avaliação (art. 829, § 1º), recaindo a constrição sobre os bens indicados pelo exequente, salvo se o executado indicar outros e o juiz os aceitar (art. 829, § 2º). Sobre esse tema, ver o item 2 do Capítulo LXX. Interessante previsão é a constante do art. 830 do CPC, que determina a realização e arresto de bens do executado, caso ele não seja localizado para receber a citação. Disso se tratará no tópico seguinte. 6.3 Arresto Prevê o art. 830 do CPC que, “se o oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução”. De início, é preciso superar o fato de que a citação, como regra geral, não será aperfeiçoada por oficial de justiça, mas por correio (cf. art. 247 do CPC). Com efeito, parece-nos que o art. 830 só terá aplicação se o exequente requerer, desde o início, que a citação seja realizada por oficial de justiça ou se, após a frustração da primeira tentativa (por via postal), seja requerida a citação por oficial de justiça. Pois bem. Realizada a diligência sem localização do executado, cabe ao oficial de justiça arrestar tantos bens do executado quantos bastem à satisfação do crédito. O dispositivo em questão sugere que o ato a ser
praticado consistirá no acautelamento da execução, pois faz expressa alusão ao arresto, que era medida cautelar típica, na vigência do CPC/73 (v. Capítulo XXII, item 2). Contudo, se disso se tratasse, seria imprescindível que houvesse, ainda que presumidamente, risco de inutilidade do processo de execução, afinal só se justifica a concessão de tutela cautelar quando há urgência. Com efeito, o art. 830, em verdade, trata de procedimento prévio à penhora373. Ou seja, caberá ao oficial de justiça praticar verdadeiro ato de constrição, afetando o bem à execução. Tanto é assim que, após a citação, dito arresto converter-se-á em penhora, independentemente da lavratura de termo (art. 830, § 3º). Após a realização do arresto, caberá ao oficial de justiça diligenciar em busca do executado por duas vezes, no prazo de 10 dias da efetivação do arresto, a fim de citá-lo. Caso haja suspeita de ocultação do executado, será ele citado por hora certa, na forma do art. 252 do CPC (cf. art. 830, § 1º). Ademais, prevê o § 2º do art. 830 que o exequente deverá requerer a citação do executado por edital, caso sejam frustradas as tentativas de citação pessoal e por hora certa. O referido dispositivo merece alguma atenção, sobretudo no tocante à necessidade de publicação de edital, quando frustrada a citação por hora certa. Isso porque a citação por hora certa, ao lado da própria citação por edital, constitui meio ficto de citação do réu e, mais especificamente, do executado. Assim, o não comparecimento do executado na data aprazada pelo oficial de justiça não impedirá a realização da citação, conforme dispõe o art. 253, § 1º, do CPC. Com efeito, se o § 1º do art. 830 determina que se realize a citação do
executado por hora certa, caso haja suspeita de ocultação, não nos parece haver razão para, em seguida, exigir a publicação de edital para citação, já que, juridicamente, considerar-se-á realizada a citação na data de retorno do oficial de justiça, conforme prevê o art. 253, § 1º, do Código. Assim, parece-nos que a publicação de edital citatório é necessária apenas quando a citação pessoal for frustrada, pois a citação, quando realizada por hora certa, realizar-se-á, ainda que fictamente. Entendimento contrário, ao que nos parece, redundaria em tornar letra morta o art. 830, caput, parte final, sem prejuízo de impor ao exequente o custeio de atos desnecessários (pagamento das diligências do oficial de justiça e da publicação do edital), já que se destinam à mesma finalidade – citar o executado. 6.4 Parcelamento do débito O art. 916 do CPC encarta interessante possibilidade, que consiste no direito potestativo374 do executado de, no prazo para oposição dos embargos à execução (15 dias), obter, com apenas a sua manifestação de vontade, o parcelamento do débito exequendo. Referido dispositivo só tem aplicação quando se tratar de execução por quantia certa, cabendo ao executado pagar o débito em dinheiro. Não se admite, pois, que haja, por essa via, a dação em pagamento (adimplemento por meio de objeto da prestação distinto do esperado pelo credor), por exemplo. Além disso, o Código foi expresso ao excluir a aplicação do art. 916 ao cumprimento de sentença, conforme deflui de seu § 7º. Resta, pois, superada a orientação do STJ, à luz da lei processual anterior, de que o art. 745-A se aplicava à execução de sentença375.
Ademais, o pressuposto para a formulação do requerimento em questão é o reconhecimento do débito (art. 916, caput, primeira parte). Só por isso já haveria óbice à oposição de embargos à execução, já que consubstanciaria prática de ato incompatível com o ato anterior (reconhecimento da dívida), obstada pela preclusão lógica. Porém, a fim de que não haja qualquer dúvida a esse respeito, quis o legislador deixar claro que a utilização do benefício previsto pelo art. 916 importa em renúncia ao direito de opor embargos à execução (cf. § 6º do art. 916). Com efeito, para que o executado exerça o direito aqui tratado, cabe-lhe informar ao juízo que pretende se valer do benefício do art. 916, depositando nos autos, desde logo, 30% do valor atualizado da execução, ao qual se devem somar as custas processuais e os honorários advocatícios (10%, já que não terá havido pagamento integral no prazo de 3 dias). Os remanescentes 70% devem ser pagos em até seis parcelas mensais, que deverão ser acrescidas de juros de 1% ao mês e correção monetária, observados os índices oficiais. Nesse ponto, convém notar que o caput do art. 916 não exige que as parcelas sejam iguais, mas apenas que sejam mensais e que somem, no máximo, seis meses. Por isso, parece-nos lícito, ao menos a princípio, que o executado conceba plano de pagamento do débito com valores mensais distintos, desde que haja atualização do valor e pagamento no prazo máximo de seis meses. Trata-se, como se disse, de direito potestativo do executado, que lhe é outorgado pela lei processual, como também fazia o art. 745-A do CPC/73, razão pela qual não fica, em tese, subordinado à manifestação de vontade de quem quer que seja. Nessa hipótese, caberá ao juiz a função de verificar se, no caso concreto, estão presentes os requisitos para o parcelamento, ou seja,
se a oferta (suporte fático) coincide com a hipótese de incidência do art. 916. Antes de decidir, o juiz deverá ouvir o exequente, que se manifestará, justamente, a respeito do preenchimento dos requisitos do art. 916, caput, conforme prevê seu § 1º. Até que seja proferida decisão, caberá ao executado depositar nos autos os valores das parcelas em questão, admitindo-se o levantamento, pelo exequente (art. 916, § 2º). Assim, se a oitiva do exequente, somada à tomada de decisão, pelo magistrado, demorar mais de 1 mês, desde a formulação do “pedido” de parcelamento, caberá ao executado depositar nos autos o valor de todas as parcelas mensais vencidas nesse período. Sendo deferida a proposta, haverá a suspensão do processo de execução pelo prazo de cumprimento do parcelamento (até 6 meses), suspendendo-se a prática de qualquer ato executivo, conforme determina o § 3º do art. 916. Nesse período, o exequente poderá levantar os valores depositados. Nessa hipótese, havendo mora no adimplemento por parte do executado, serão três as consequências: (a) haverá o vencimento antecipado das parcelas subsequentes (art. 916, § 5º, I, primeira parte), (b) o processo de execução voltará ao seu curso normal, retomando-se a prática de atos executivos (art. 916, § 5º, I, segunda parte), e (c) será aplicada, ao executado, multa de 10%, calculados sobre o valor das parcelas vincendas. De outro lado, caso a proposta não seja admitida, o que pode ocorrer, por exemplo, se o executado não tiver depositado o correspondente a 30% do total do débito, prosseguir-se-á com a execução. Nessa hipótese, o valor depositado nos autos até então será convertido em penhora (art. 916, § 4º). 7. Procedimento da execução de obrigação de fazer, não fazer e dar
coisa Foram analisados no capítulo precedente, no item 8.3, os procedimentos de cumprimento de sentença condenatória à prestação de fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro, tratados nos arts. 536 a 538 do Código. Por sua vez, o procedimento do processo de execução de obrigação de dar coisa está previsto nos arts. 806 a 813, enquanto o procedimento da execução de obrigação de fazer e não fazer se encontra entre os arts. 814 e 823 do CPC. Os procedimentos da execução e do cumprimento de sentença devem ser essencialmente os mesmos, pois as técnicas executivas colocadas à disposição do exequente devem levar em consideração mais a natureza da obrigação do que a natureza do título executivo. Como corretamente pondera Marcelo Abelha, admitir tratamento díspar entre a execução e o cumprimento de sentença, quando em causa obrigações de mesma natureza, importaria em violação ao princípio da isonomia376. Por isso, tem-se presente que o intercâmbio entre técnicas executivas previstas para o cumprimento de sentença e para o processo de execução é absolutamente possível. Basta que uma ou outra se mostre mais efetiva, no caso concreto. O processo de execução, qualquer que seja a natureza da obrigação constante do título, inicia-se a pedido do credor, que o faz por meio de petição inicial. Os dispositivos que tratam da execução de obrigação de dar, fazer e não fazer (arts. 806 a 823) não tratam dos requisitos da petição inicial. Por isso, deve-se utilizar dos requisitos estampados nos arts. 319 e 320 do CPC, bem como no art. 798, destinado especialmente às várias espécies de execução. O art. 798 é dispositivo genérico, aplicável a todo o processo de execução,
razão pela qual é necessária a adequação de sua redação à natureza da obrigação exequenda. Com efeito, verifica-se que, à luz desse dispositivo, são requisitos da petição inicial das ações de execução de títulos extrajudiciais que materializem obrigações de fazer, não fazer ou dar coisa: i) a juntada do próprio título, que é documento essencial (inciso I, a), ii) a prova de que houve o advento do termo ou a implementação da condição (inciso I, c), iii) a prova de que foi adimplida a contraprestação, se o exequente devesse prestála em primeiro lugar (inciso I, d), iv) a indicação do procedimento adotado (inciso II, a) e v) a qualificação das partes (inciso II, b). Não havendo cumulação de execução de obrigação de pagar quantia, não se aplicarão às execuções aqui tratadas o inciso I, alínea b (e, por consequência, o parágrafo único), e o inciso II, c. Nada impede, porém, que o exequente, antevendo a possibilidade de conversão da obrigação específica (dar, fazer ou não fazer) em obrigação genérica (indenizar), indique os bens do executado passíveis de penhora (art. 798, II, c). Acrescenta-se aos requisitos da petição inicial a individualização da coisa, quando se tratar de execução para entrega de coisa incerta, conforme prevê o parágrafo único do art. 811. Vejamos, então, algumas das especificidades da execução de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa. 7.1 Prazo para cumprimento da obrigação e medidas executórias Recebida a petição inicial, caberá ao juiz determinar a citação do réu para integrar a relação processual e intimá-lo para que cumpra a obrigação no prazo assinalado.
Tratando-se de obrigação de dar coisa, o prazo para cumprimento será de 15 dias (úteis), conforme consta do art. 806 do CPC. Importa notar, neste momento, que os arts. 806 a 810 do Código dizem respeito à execução de obrigação de dar coisa certa, ou seja, coisa individualizada (cf. art. 233 do CC). Tratando-se de coisa incerta, o procedimento a ser adotado será o previsto nos arts. 811 a 813, de que se tratará linhas abaixo. Com efeito, tratando-se de entrega de coisa certa, caberá ao juiz, ao despachar a inicial, “fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo” (art. 896, § 1º). É importante observar que o dispositivo trata da fixação da multa como “faculdade”, pois se utiliza da palavra “poderá”. Tem-se, porém, que é impositiva a adoção de alguma medida executiva. Neste momento inicial, de fato parece útil a adoção de medida indireta, qual seja, a imposição de astreinte, já que, em princípio, o temor do executado de lhe ser imposta a penalidade deve incentivar o adimplemento tempestivo da obrigação. Nada impede, porém, que se adote outro meio executivo neste momento. A parte final do § 1º do art. 806 alude à possibilidade de alteração das astreintes, caso seu valor se torne excessivo ou insuficiente. Não há, porém, fixação dos critérios para tanto, razão pela qual nos parece adequado dizer que se aplica o disposto no art. 537, § 1º, que dá regramento mais detalhado à multa, enquanto meio executório de índole coercitiva. Ao lado disso, o mandado citatório já conterá a ordem de imissão na posse (se o bem for imóvel) ou de busca e apreensão (se se tratar de bem móvel), o que será cumprido de imediato, caso o executado não observe o prazo de 15 dias para entrega da coisa (art. 806, § 2º).
Tratando-se de obrigação de dar coisa incerta, assim definida apenas pelo gênero e quantidade (art. 243 do CC), o executado será citado para que, no prazo assinalado pelo juiz, entregue a coisa individualizada (art. 811, caput, do CPC), caso a individualização caiba a ele. Individualizada a coisa pelo credor ou pelo devedor, poderá a outra parte impugnar a escolha no prazo de 15 dias, caso em que o juiz deverá decidir de imediato, nomeando perito, se o caso (art. 812 do CPC). Entregue a coisa, será lavrado termo de entrega, considerando-se a obrigação satisfeita. Porém, havendo frutos ou prejuízos a serem ressarcidos, a execução prosseguirá em relação ao pagamento da quantia, conforme prevê o art. 807, caput, aplicável também quando se tratar de coisa incerta, na forma do art. 813 do CPC. Além disso, caso o possuidor tenha realizado benfeitorias na coisa e por elas tenha direito de ser indenizado, cabe-lhe opor embargos à execução, que terão fundamento no art. 917, VI, se apenas tiver direito de ser indenizado, ou no art. 917, IV, se tiver, também, direito de retenção. De todo modo, apurando-se saldo em proveito do executado ou do terceiro que, porventura, tenha realizado as benfeitorias, caberá ao exequente depositar em juízo o montante, ao requerer a entrega da coisa (art. 810, parágrafo único, I). Se o saldo aproveitar ao exequente, caberá a ele cobrar o valor no bojo da mesma execução (art. 810, parágrafo único, II). Em relação às obrigações de fazer e não fazer, o executado será citado e intimado a cumprir a obrigação no prazo assinalado pelo juiz, salvo se outro tiver sido estipulado no título executivo. Além disso, assim como se dá com a obrigação de dar coisa, cabe ao julgador determinar quais meios executórios serão empregados. O art. 814,
tal como o art. 806, § 1º, faz referência à imposição de multa (meio executivo indireto) – astreinte –, mas é claro que outros meios podem ser utilizados, caso se mostrem mais efetivos. Neste ponto, valem as ponderações feitas no item 8.3.3, no capítulo anterior. É necessário acrescentar, apenas, que o parágrafo único do art. 814 prevê que o valor da multa, conquanto possa estar previsto no título, poderá ser reduzido, se se mostrar excessivo. Nesse ponto, merece destaque o fato de que é de todo ilógico cogitar da possibilidade de a multa por descumprimento da ordem judicial ser fixada pelas partes. Como já se abordou mais profundamente no item 8.3.3 do capítulo anterior, a multa tem natureza eminentemente processual, constituindo medida executiva indireta, ou coercitiva. A multa prevista comumente nos negócios jurídicos constitui a cláusula penal, que tem origem civil (arts. 408 a 416 do CC) e que só pode ser reduzida nas específicas hipóteses do art. 413 do CC – se for excessivo o valor, a depender da natureza do negócio, ou se a obrigação tiver sido substancialmente cumprida. Não se há de confundir, pois, a referida multa, que atua como pré-estipulação de indenização ao credor, com as astreintes, que atuam como medida executória indireta. Portanto, parece-nos que é de pouca aplicação o art. 814, parágrafo único, do CPC, já que diria respeito apenas às improváveis hipóteses em que as partes tenham expressamente estipulado qual valor e periodicidade da multa seria razoável. Nesse caso, poderia o juiz alterar tais parâmetros. Ademais, em quaisquer dos casos, ainda que não haja previsão expressa, é fora de dúvida que o juiz também deverá, ao receber a petição inicial, fixar os honorários advocatícios, aplicando-se analogicamente o art. 827, §§ 1º e 2º377,
até porque o art. 85, § 1º, do CPC não distingue as espécies de processo de execução. 7.2 Alienação ou deterioração da coisa Com especial atenção para a execução de obrigação de dar coisa diversa de dinheiro, verifica-se que no momento da apreensão do bem ou da imissão na posse é possível que se constate que a coisa fora alienada ou que se tenha deteriorado. Se a alienação da coisa tiver ocorrido no curso do processo de execução, ter-se-á alienação de coisa litigiosa, que, na forma do art. 109 do CPC, não altera a legitimidade das partes. Nesse caso, diz o art. 809 do CPC que o mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão será expedido contra o adquirente, que responderá pela execução na forma do art. 790, I (responsabilidade secundária). Nesse caso, o possuidor da coisa deverá entregar o bem ao exequente, requisito sem o qual não poderá se manifestar (cf. parte final do art. 809). Trata-se, a rigor, de disposição que excepciona a regra geral do Código, de que os embargos à execução não dependem de prévia garantia do juízo. De outro lado, se o exequente não quiser se voltar contra o terceiro adquirente do bem, caberá ao executado indenizá-lo, pagando o valor da coisa, acrescido de eventuais perdas e danos, na forma do art. 809, caput, parte final. Além da alienação da coisa, é possível que ela se tenha deteriorado, razão pela qual sua entrega é impossível. Nesse caso, o exequente também terá direito de ser indenizado, na forma do caput do art. 809, direito que também tem em caso de não ser entregue o bem, ainda que não decorra da
deterioração ou alienação da coisa. Interessa notar que o valor do bem a que se refere o art. 809, caput, será aquele constante do título. Todavia, caso o título não contenha a indicação do preço da coisa, realizar-se-á a avaliação do bem. Porém, se não for possível a avaliação, como na hipótese de ter havido a deterioração, por exemplo, caberá ao exequente apresentar estimativa do preço, que será arbitrado pelo juiz (art. 809, § 1º). Trata-se, a rigor, de procedimento de liquidação dos danos sofridos pelo exequente (art. 809, § 2º). 7.3 Satisfação da obrigação fungível por terceiro Caso o prazo assinalado pelo juiz, na forma do art. 815, seja cumprido, serão ouvidas as partes em 10 dias e, não havendo impugnação, será considerada satisfeita a obrigação (cf. art. 818, caput). Havendo impugnação, caberá ao juiz decidir se houve ou não o adimplemento da obrigação (art. 818, parágrafo único). De outro lado, caso não seja cumprida a obrigação pelo executado, em regra o exequente terá direito de optar pelo prosseguimento da execução específica, por meio da adoção de outras medidas executórias mais efetivas, ou a conversão da obrigação específica em obrigação de indenizar. Contudo, tratando-se de obrigação de fazer fungível, soma-se ao rol de opções do exequente a possibilidade de realização do objeto da prestação por terceiro378. Nesse caso, o art. 817 autoriza que a prestação seja realizada por terceiro, às custas do executado, cabendo ao exequente adiantar as despesas daí decorrentes (parágrafo único). É dizer: o exequente pagará a terceiro para que realize o “fazer” esperado, ressarcindo-se, em seguida, do executado.
Nesse caso, caberá ao terceiro formular sua proposta nos autos, em que deverá indicar os serviços que serão realizados, o tempo para execução e o valor da contraprestação devida. De fato, Marcelo Abelha tem razão quando afirma que mais fácil seria que o exequente requeresse a conversão da obrigação específica em obrigação genérica (indenizar), incluindo em suas perdas e danos o valor a ser gasto com o terceiro, “já que de qualquer forma quem irá custear a prestação do terceiro é ele, exequente”379. Porém, também não se pode perder de vista que o procedimento para que a prestação seja realizada por terceiro com aprovação judicial, na forma do parágrafo único do at. 817, acaba por tornar mais fácil a imposição do custo ao executado. Ou seja, se houver apenas a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, poderá o executado se insurgir contra o valor despendido com o terceiro, no procedimento de liquidação dos danos. De outro lado, se o valor devido ao terceiro for apurado já no bojo do processo, o exequente só despenderá o montante quando expressamente autorizado pelo juízo, o que impossibilita, ao menos em tese, posterior questionamento por parte do executado. De qualquer maneira, determinando-se a realização da prestação por terceiro, na forma do art. 817, o descumprimento do prazo ou a prestação defeituosa, também por ele, chamado de “contratante”, autorizará que o exequente requeira que ele próprio possa concluir a prestação ou a reparar, conforme prevê o art. 819, caput. Nessa hipótese, o contratante (terceiro contratado para realizar a prestação originariamente devida pelo executado) será ouvido no prazo de 15 dias. Será seu o dever de custear as despesas desnecessárias (art. 819, parágrafo único).
Por fim, o art. 820 do CPC atribui direito de preferência ao exequente para que realize ou coordene a realização do objeto da prestação devida pelo executado. Admite-se, pois, que o próprio exequente preste o “fazer” assumido pelo devedor, fazendo-o às custas deste. Para tanto, é preciso que haja igualdade de condições em relação aos terceiros, ou seja, o valor a ser despendido com o exequente não poderá ser superior ao custo da realização por terceiro, tal como aprovado pelo juízo. Por essa razão, é preciso, primeiro, que seja apresentada a proposta pelo terceiro. Assim, no prazo de cinco dias, contados da aprovação da proposta vencedora, o exequente deverá se manifestar a respeito do exercício do direito de preferência (art. 820, parágrafo único). 7.4 Satisfação da obrigação infungível Há casos em que a obrigação de fazer é infungível, pois leva em consideração as características pessoais do devedor. Da mesma forma, as obrigações de não fazer são sempre personalíssimas, pois ao credor interessa que determinada pessoa se abstenha da prática de determinado ato. Nota-se, portanto, que as obrigações de fazer personalíssimas e as de não fazer são infungíveis. Nesse caso, não há meios para que o Estado-juiz se sub-rogue, manifestando vontade no lugar do executado. Pelo contrário, cabe-lhe apenas a adoção de meios executivos de natureza coercitiva, com vistas a compelir o executado a adimplir a obrigação, que não pode ser prestada por outrem. Porém, constando-se o inadimplemento da obrigação, a obrigação específica (fazer ou não fazer) será convertida em perdas e danos, assim como ocorre com a não entrega da coisa (cf. item 7.2 acima), na forma dos
arts. 821, parágrafo único, e 823, parágrafo único, do CPC. Com efeito, convertendo-se a obrigação em perdas e danos, o procedimento executório que, até então, dizia respeito à obrigação de fazer (ou não fazer) será convertido ao procedimento de execução por quantia certa, conforme determina a parte final do art. 821, parágrafo único, do CPC. 7.5 Desfazimento daquilo que o executado deveria se abster de fazer Nem sempre o “não fazer” esperado pelo credor pode ser desfeito, quando houver violação ao dever de abstenção. Se o vizinho é obrigado a não ligar seu aparelho de som em volume muito elevado, o descumprimento dessa obrigação não pode ser simplesmente desfeito, pois as ondas sonoras, como é óbvio, não voltarão ao aparelho eletrônico, tampouco deixarão de ser percebidas pelo credor da obrigação. Noutros casos, porém, é possível o desfazimento. Basta pensar que, se determinado construtor for impedido de construir prédio acima de determinada altura, o descumprimento desse dever de abstenção poderá ser remediado por meio da demolição da obra que exceder o limite de altura. Os arts. 822 e 823 do CPC, portanto, destinam-se a hipóteses como essa. Diz o art. 822 que, se o executado era obrigado por lei ou por contrato a se abster de praticar determinada conduta, a sua prática imporá a concessão de prazo para que ele próprio desfaça o ato, o que, na verdade, constitui imposição de obrigação de fazer, ao executado. Nesse ponto, é importante notar que, muito embora o dispositivo faça alusão à vedação legal ou contratual à prática do ato, fato é que a utilização do procedimento executivo demandará, inexoravelmente, a existência de título executivo.
Com efeito, o só fato de haver, v.g., descumprimento do dever imposto ao dono do prédio pelo art. 1.288 do CC, que dele exige suportar as águas que naturalmente advêm do imóvel superior, não autoriza que o proprietário do imóvel superior mova ação de execução. É preciso, pelo contrário, que o exequente tenha título executivo, razão pela qual o art. 822 do CPC, quando aplicável ao processo de execução, demandará a existência de título executivo extrajudicial, como é o caso do contrato380. Por isso, no exemplo acima, o proprietário do imóvel superior necessitaria mover ação de conhecimento para, então, obter título executivo (judicial). Contudo, caso os proprietários dos dois imóveis tivessem celebrado acordo extrajudicial, o descumprimento da obrigação poderia ensejar a propositura de ação de execução fundada no título executivo previsto pelo art. 784, III, do CPC. Pois bem. Determinado o desfazimento do ato que não deveria ter sido praticado (art. 822), o descumprimento do prazo permitirá que o exequente requeira o desfazimento por outrem, à custa do executado, que será responsável por indenizar o exequente (art. 823, caput, do CPC). Por fim, não sendo possível desfazer o ato, converter-se-á a obrigação em perdas e danos, que serão liquidados, convertendo-se também o procedimento em execução de pagar quantia. 8. Procedimento da execução de obrigação alimentar Assim como no cumprimento de sentença que imponha obrigação alimentar, a execução de título extrajudicial que materialize tal espécie de obrigação, bastante comum quando há atuação pré-processual da Defensoria
Pública, por exemplo, também se subordina a procedimento próprio, distinguindo-se, em certa medida, das demais espécies de execução. O processo de execução pelo qual se busca a satisfação de obrigação alimentar também se inicia por meio de petição inicial, cujos requisitos são aqueles já tratados anteriormente, extraídos dos arts. 319, 320 e 798 do CPC. Os arts. 911 e 912 do CPC igualam o procedimento da execução ao cumprimento de sentença que reconheça débito alimentar. Aquele dispositivo determina que o executado seja citado e intimado para pagar o débito em três dias (úteis), no que se incluem as parcelas vencidas e vincendas. No mesmo prazo, poderá o executado provar que já efetuou o pagamento ou que não reúne condições de fazê-lo, o que terá lugar nos próprios autos da execução. O parágrafo único do art. 911 atrai ao processo de execução a aplicação do disposto nos §§ 2º a 7º do art. 528, que cuidam do justo empecilho ao pagamento da dívida e da utilização da prisão civil como meio coercitivo. Por isso, aplica-se integralmente ao processo de execução o que se afirmou no Capítulo LXXV, item 8.4. Aliás, o art. 912 regula a execução por meio do desconto em folha de pagamento, caso o executado seja “funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho”. Trata-se de previsão idêntica ao art. 529 do Código, razão pela qual também aqui se aproveita o que foi dito no Capítulo precedente, especialmente no item 8.4.3. Além disso, o Código permite ao exequente que, querendo, utilize-se do procedimento da execução por quantia certa (tal como faz o art. 528, § 8º, no tocante ao cumprimento de sentença), caso em que buscará a satisfação do crédito por meio das técnicas expropriatórias, sem utilização da prisão civil
como meio coercitivo, ou do desconto em folha como meio sub-rogatório (cf. art. 913, primeira parte). Por fim, impende notar que a oposição de embargos à execução, ainda que recebidos com efeito suspensivo, não impedirá que os valores penhorados sejam levantados mensalmente pelo exequente, no limite do valor do crédito (art. 913, parte final). Tal previsão se justifica pela própria natureza da obrigação. É dizer: o exequente, que precisa do numerário para a sua subsistência, não pode aguardar o julgamento dos embargos à execução para, só então, receber o seu crédito. Isso, porém, só se aplica às parcelas que se vencerem no curso do processo de execução, pois o mencionado dispositivo é claro ao admitir o levantamento mensal apenas da importância devida periodicamente. Com efeito, havendo cobrança de parcelas vencidas e vincendas, a liberação dos valores penhorados terá por intuito o pagamento das parcelas que se vencerem no curso do processo, caso seja atribuído efeito suspensivo aos embargos à execução. Eventual penhora no valor do crédito vencido, referente aos meses pretéritos, portanto, só autorizará o levantamento após a revogação do efeito suspensivo ou o julgamento de improcedência dos embargos à execução. 9. Procedimento da execução contra a Fazenda Pública A execução contra a Fazenda Pública, quando devedora de quantia em dinheiro, não se faz pela via do procedimento expropriatório. Seus bens, pois, não ficam sujeitos à afetação para a execução, pois, em geral, já estão afetados ao interesse público.
Ao lado disso, o art. 100 da CF cuidou de estabelecer a forma como as dívidas pecuniárias do Estado devem ser pagas381. Diferentemente do capítulo do Código destinado a regrar o cumprimento de sentença que reconheça obrigação pecuniária da Fazenda Pública, o capítulo relativo à execução contra a Fazenda Pública não faz expressa menção à natureza da obrigação, o que poderia levar a crer que toda espécie de obrigação devida pela Fazenda Pública, se materializada em título extrajudicial, ensejaria a adoção desse procedimento. Contudo, corretamente destaca Araken de Assis que a redação do § 1º do art. 910 já faz desaparecer qualquer dúvida, pois trata da expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, que sabidamente dizem respeito às obrigações pecuniárias382. Com efeito, referido dispositivo só se aplica às obrigações pecuniárias da Fazenda Pública, devendo-se aplicar a ela o regramento comum, quando se tratar de obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa. Nesse caso, a Fazenda Pública será citada para, querendo, opor embargos à execução no prazo de 30 dias, conforme se tratará mais detalhadamente no item 3.7 do Capítulo LXXVIII. Não sendo opostos os embargos à execução ou, ainda que opostos, sendo rejeitados ou julgados improcedentes, será expedido precatório ou requisição de pequeno valor, na forma do art. 100 da CF (cf. art. 910, § 1º). Por fim, o § 3º do art. 910 determina que à execução por quantia contra a Fazenda Pública se apliquem as disposições tocantes ao cumprimento de sentença, tratados no item 8.5 do capítulo anterior. 10. Procedimento da execução de obrigação alternativa
Obrigações alternativas são aquelas em que é possível o adimplemento por meio da prestação de objetos distintos. Há, pois, pluralidade de objetos, mas o adimplemento depende da prestação de apenas um deles. Como regra, a escolha do objeto da prestação cabe ao devedor (cf. art. 252 do CC). Nesse caso, o art. 800 do CPC determina que o executado seja citado para, em 10 dias, escolher qual será o objeto da prestação e, pois, prestá-lo. Segundo a dicção do caput do art. 800, só não se observará o referido prazo de 10 dias se houver previsão legal ou contratual em sentido contrário. Parece-nos, pois, não haver espaço para que o juiz fixe outro prazo para cumprimento. Descumprido o prazo para escolha do objeto da prestação, será atribuído ao credor o direito de escolha (art. 800, § 1º). Nesse caso, o executado deverá ser novamente intimado, agora apenas para a prestação do objeto da obrigação. Importa notar que a natureza do objeto escolhido pelo credor (fazer, não fazer, dar coisa ou dar dinheiro) importará na adoção de um ou outro procedimento. Noutros termos, se o executado poderia adimplir a obrigação por meio da entrega de determinada coisa ou da confecção de algo (obrigação de fazer), a opção pelo fazer, exercida pelo exequente, fará com que se adote o procedimento previsto nos arts. 814 a 821 do CPC. Por fim, recaindo a escolha sobre o credor desde o início, caberá a ele, exequente, indicar o objeto da prestação na petição inicial, desde logo adotando o procedimento próprio para o tipo de obrigação (art. 800, § 2º).
LXXVIII PENHORA, REMIÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DE BENS
1. Considerações iniciais A execução, como já se afirmou, é processo (ou fase) de fim único, qual seja, a satisfação do credor. Quando se está diante de obrigação pecuniária, a satisfação do credor constitui, necessariamente, a entrega de dinheiro ao credor. Por outro lado, quando se tratar de obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro, a satisfação do credor se dará, primordialmente, por meio do fazer, não fazer ou pela entrega da coisa. Ainda assim, há casos em que a obrigação específica (fazer, não fazer ou dar) se torna impossível de ser cumprida ou o objeto da prestação não mais interessa ao credor, hipóteses em que haverá a conversão dessa obrigação em obrigação genérica, isto é, em obrigação de indenizar. É possível, ademais, que seja imposta multa pecuniária ao executado, caso em que haverá obrigação pecuniária a ser adimplida, mesmo que tenha origem em medida executiva coercitiva. Com efeito, seja quando a obrigação específica já é a entrega de dinheiro,
seja quando a obrigação específica é convertida em obrigação genérica ou que haja imposição de pena pecuniária, é possível que se faça necessária a execução forçada para compelir o executado a pagar quantia. Em tais hipóteses, o poder de império do Estado de fazer cumprir as obrigações exige que o Estado-juiz avance sobre o patrimônio do devedor ou de eventuais responsáveis, inicialmente praticando atos constritivos, culminando na expropriação de bens do devedor ou responsável em quantidade suficiente para satisfazer o crédito. O presente capítulo, portanto, destina-se a analisar os atos executivos praticados no curso da execução ou do cumprimento de sentença que antecedem a satisfação do credor. Ao lado disso, tratar-se-á da remição da execução, medida que toca ao executado e que objetiva adimplir a obrigação, ainda que a destempo. Antes disso, é preciso reforçar que o regramento dado pelo CPC à penhora, à remição e à expropriação de bens se encontra no Livro II da Parte Especial do Código, destinado ao processo de execução, o que não significa dizer que só a ele se aplicam, incidindo também sobre o cumprimento de sentença, como ocorre, por exemplo, com a disciplina da fraude à execução, tratada no art. 792 do CPC (integra, pois, o Livro II da Parte Especial do Código), que também se aplica à fase de cumprimento de sentença. Vejamos, então, como são tomados os atos executivos tendentes a ver satisfeito o crédito que tem por objeto a entrega de soma em dinheiro. 2. Penhora Penhora é ato de constrição judicial que constitui medida executiva direta, ou sub-rogatória383, afinal objetiva que se realize aquilo que caberia ao
executado realizar, isto é, a entrega de dinheiro. Por seu intermédio, com efeito, ocorre a afetação de determinado(s) bem(ns) ou direito(s) do executado, que passará(ão) a se vincular à sorte do processo executivo384, o que significa dizer que os bens alcançados pela penhora ficarão à disposição do juízo, com a finalidade de satisfazer a obrigação385. É claro que a penhora, em si, não constitui a satisfação do crédito titularizado pelo exequente. Contudo, tal medida é, inquestionavelmente, imprescindível a que se perfaça a execução por expropriação, tratando-se do “primeiro ato oficial por meio de que o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva”386. Desse modo, a penhora não retirará o bem do patrimônio do devedor, mas apenas o tornará vinculado ao processo em que realizada a constrição, razão pela qual eventual alienação do bem permitirá a sua retirada do patrimônio de quem o titularizar, por se tratar de hipótese de ineficácia de eventual alienação, frente ao credor, conforme se dessume do art. 792, § 1º, do CPC. Conforme se disse nos capítulos destinados à análise do cumprimento de sentença e da execução de título executivo extrajudicial, a execução por quantia se inicia a requerimento do credor, cabendo ao juízo determinar a citação ou intimação do devedor (a depender de se tratar de processo ou fase de processo), oportunidade em que o demandado será instado a pagar a dívida no prazo de 15 (cumprimento de sentença, cf. art. 523, caput, do CPC) ou 3 dias (execução de título extrajudicial, cf. art. 829 do CPC). Em qualquer dos casos, não havendo o pagamento no prazo assinalado, segue-se a tomada de medidas constritivas, o que, de ordinário, consistirá na penhora de bens do executado em quantidade suficiente para satisfazer o credor, conforme se colhe dos arts. 523, § 3º, e 829, §§ 1º e 2º, ambos do
CPC. No cumprimento de sentença, diz o art. 523, § 3º, do CPC que o mandado de penhora será expedido após o decurso do prazo para pagamento voluntário. Significa isso dizer que, inicialmente, o executado é intimado para pagamento do débito, e, apenas após o vencimento do prazo é que será expedido o mandado de penhora e avaliação de bens. De outro lado, no processo de execução, o mandado de citação e intimação para pagamento, no prazo de três dias, já contém também a ordem de penhora e avaliação (cf. art. 829, caput e § 1º, do CPC). Com efeito, passado o prazo para pagamento, cabe ao oficial de justiça, a princípio, inteirar-se do pagamento ou não do débito. Constado o descumprimento do prazo, deverá o oficial se dirigir ao domicílio do devedor para realizar a penhora de tantos bens quantos bastarem à satisfação do crédito. Aliás, de acordo com o art. 851 do CPC, somente se autoriza a realização de nova penhora se a primeira for anulada, se os bens penhorados não forem suficientes à satisfação do crédito ou se o exequente desistir da primeira penhora realizada, o que lhe é lícito fazer, daí a razão da necessidade de que o primeiro ato já objetive, na medida do possível, garantir integralmente o crédito. É preciso notar que interessante questão sobressai do procedimento da penhora no processo de execução. Na vigência do CPC/73, a citação para o processo de execução sempre se fazia por oficial de justiça, na forma do art. 222, d, daquele Código. Com o advento do Código de 2015, não há mais exigência de que a citação para o processo de execução se faça por oficial de justiça, já que o processo executivo não está mais previsto no rol de exceções à citação por correio, agora constante dos incisos do art. 247.
No CPC/73, portanto, era mais lógica a regra de expedição de um único mandado para a realização da citação do executado e de ordenação da penhora e avaliação, pois ambos os atos seriam praticados pelo mesmo agente. Já no CPC/2015, caberá ao oficial de justiça, salvo requerimento expresso e justificado do exequente (cf. art. 247, V, do CPC/2015), realizar apenas a penhora e avaliação, citando-se e intimando-se o executado para pagamento por correio, o que torna questionável a possibilidade de que o meirinho controle o cumprimento dos prazos para adimplemento da obrigação. Portanto, parece-nos que, na prática, caberá à própria serventia controlar o cumprimento do prazo para pagamento, bem como ao próprio exequente, maior interessado na satisfação do crédito. Assim, vencido o prazo de três dias, dever-se-á, na prática, comunicar o oficial de justiça para que proceda à penhora de bens e à sua avaliação, que será tratada mais à frente. Uma vez realizada a penhora, deverá ser nomeado depositário do bem, que será o responsável pela sua guarda e conservação. Tratando-se de aplicação financeira ou pedras e metais preciosos, o montante deverá ser depositado junto à Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, qualquer outra instituição financeira de que o Estado ou Distrito Federal seja titular de mais da metade do capital social ou, na sua falta, de qualquer instituição financeira designada pelo juízo (cf. art. 840, I, do CPC). Tratando-se de penhora de bens ou direitos relativos a móveis, imóveis urbanos ou semoventes, deverá ser nomeado depositário judicial (cf. art. 840, II, do CPC), que passará a guardar e conservar a coisa. Vale observar que o próprio exequente pode ser nomeado depositário do bem penhorado. Por fim, havendo penhora de bens ou direitos relativos a imóvel rural e ao
maquinário necessário à atividade agrícola, será o próprio executado nomeado depositário, cabendo-lhe prestar caução idônea (cf. art. 840, III, do CPC). Além disso, o executado deverá ser intimado da penhora (art. 841, caput, do CPC). Se ele ainda não estiver representado nos autos, a intimação será pessoal, preferencialmente por via postal, salvo se estiver presente no ato da penhora (cf. art. 841, §§ 1º e 3º, do CPC), ao passo que, havendo procurador constituído nos autos, a intimação será feita em seu nome (ou da sociedade profissional por ele integrada, conforme prevê o art. 841, § 2º, do CPC). Ademais, prevê o § 4º do art. 841 que será considerada realizada a intimação da penhora se o executado, mudando de endereço, deixar de comunicar ao juízo a alteração, o que também é previsto pelo art. 274, parágrafo único, a que faz referência a parte final do mencionado § 4º. Além disso, se a penhora recair sobre bem imóvel em relação ao qual o executado seja titular de direito real, impõe o art. 842 do CPC que se dê ciência ao cônjuge do devedor, salvo se casado sob o regime da separação absoluta de bens. Ao lado da intimação do executado e de seu cônjuge, se o caso, exige o Código, no art. 799, que se dê ciência aos credores pignoratício, hipotecário, anticrético ou fiduciário, caso a penhora recaia sobre o bem dado em garantia (inciso I); ao titular do direito de usufruto, uso ou habitação, se a penhora recair sobre o imóvel gravado (inciso II); ao promitente comprador, se a penhora recair sobre bem que seja objeto de promessa de venda e compra registrada (inciso III); ao promitente vendedor, se a penhora recair sobre o direito aquisitivo previsto na promessa de venda e compra registrada (inciso IV); ao superficiário, enfiteuta ou concessionário, quando a penhora recair
sobre imóvel submetido a tais regimes (inciso V); ao proprietário do imóvel sobre o qual haja direito real de superfície, uso ou concessão especial, quando a penhora recair sobre tais direitos (inciso VI); e à sociedade, quando a penhora recair sobre quota social ou ação de companhia fechada, a fim de que informe esse fato aos demais sócios ou acionistas, a fim de que exerçam o direito de preferência, conforme prevê o art. 876, § 7º (inciso VII). Ademais, com a alteração promovida no Código Civil, primeiro pela Medida Provisória n. 759/2016, e, posteriormente, pela Lei n. 13.465/2017, passou-se a ter no direito brasileiro o chamado “direito real de laje”, regulado pelos arts. 1.510-A a 1.510-E do CC. Com o advento da aludida lei de 2017, o CPC/2015 foi alterado, introduzindo-se os incisos X e XI ao art. 799. Com efeito, exige-se também a intimação do proprietário da construção-base e dos titulares das lajes anteriores, quando o direito real de laje for objeto de penhora (inciso X). Imagine-se, nesse caso, que a última laje de determinado imóvel é penhorada para pagamento de dívida de seu titular. Nesse caso, dar-se-á ciência ao proprietário da construção-base (a parte inferior do prédio, que toca o solo). Além disso, devem ser intimados os proprietários das lajes que estiverem abaixo (ou acima, se o lajeamento for subterrâneo) da laje penhorada. Da mesma forma, se a penhora recair sobre a construção-base, os titulares do direito real de laje serão intimados (inciso XI). A penhora, ademais, realiza-se por meio de auto ou termo, que necessariamente conterá a indicação do local e data em que praticado o ato, o nome das partes, a descrição do bem penhorado e a indicação de quem fora nomeado depositário do bem (cf. art. 838 do CPC).
Por fim, uma vez realizada a penhora sobre bem sujeito a registro, caberá ao exequente buscar a imediata averbação do ato constritivo, justamente para que se dê ciência inequívoca a terceiros de que o bem se acha afetado a determinada execução (cf. art. 844 do CPC). 2.1 Objeto da penhora Como já se afirmou anteriormente, especificamente no capítulo destinado aos aspectos gerais da execução e do cumprimento de sentença, a execução é sempre patrimonial. Ainda que em determinadas hipóteses os meios executivos atinjam a própria pessoa, como flagrantemente é o caso da prisão civil do devedor de alimentos, por exemplo, é fato que os meios executórios, sobretudo os sub-rogatórios, atingirão sempre os bens do devedor ou do responsável, afinal é o patrimônio que responde pelas dívidas da pessoa. Trata-se, aliás, da garantia genérica aos credores, conforme prevê o art. 789 do CPC. Com efeito, se a execução forçada atingirá o patrimônio do devedor e a penhora constitui medida executiva direta (sub-rogatória), é de se concluir que ela recai sobre bens ou direitos do executado ou daquele que, porventura, venha a responder pela execução. Contudo, nem todos os bens e direitos titularizados pelo devedor ou responsável são penhoráveis. Pelo contrário, há bens e direitos que são inatingíveis,
isto
é,
impenhoráveis,
conforme
se
abordará
mais
detalhadamente no tópico seguinte. Ademais, é preciso que se analise a legitimidade para indicação de bens e direitos à penhora. De acordo com os arts. 524, VII, e 829, § 2º, do CPC, cabe ao exequente
indicar os bens do executado que sejam passíveis de penhora, já no requerimento de instauração da fase de cumprimento de sentença ou na petição inicial da execução de título extrajudicial, respectivamente. É, a propósito, o que também prevê o art. 798, II, c, do CPC. É claro que nem sempre será possível ao exequente indicar, desde logo, os bens integrantes do patrimônio do executado que sejam passíveis de penhora, razão pela qual não há qualquer óbice ao regular prosseguimento do processo sem a prévia indicação dos bens penhoráveis. Nessa hipótese, caberá ao exequente diligenciar, no curso da execução, a fim de apurar quais bens integram o patrimônio do devedor ou daqueles que, por hipótese, sejam responsáveis pela execução (responsáveis secundários), o que pode ser obtido inclusive com a concorrência da atuação do próprio juízo, por meio dos sistemas informatizados de que dispõe, vinculados à Receita Federal do Brasil, ao Banco Central do Brasil ou aos Departamentos de Trânsito, por exemplo. Também é possível que o próprio executado indique bens à penhora, conforme prevê o próprio art. 829, § 2º, do CPC. É possível, aliás, que o exequente indique determinado bem à penhora e o executado se oponha, indicando outro ao juízo, cabendo-lhe provar que a constrição do bem por ele indicado lhe será menos onerosa, ao lado de não causar prejuízo ao exequente. Trata-se, é claro, de hipótese que homenageia, a um só tempo, os princípios do resultado (execução tem fim único) e da menor onerosidade ao executado. Além disso, também o fiador pode indicar os bens do devedor à penhora, conforme se extrai do art. 794, caput, do CPC, direito que também recai sobre o sócio, na forma do art. 795, § 3º.
Tem-se, portanto, que qualquer das partes pode indicar bens e direitos à penhora, assim como o fiador (quando não renunciar ao benefício de ordem) e o sócio, quando responsáveis, recaindo a constrição sobre aquele que menor prejuízo causar ao exequente (bem mais facilmente alienável, por exemplo), ao lado de não impor onerosidade excessiva ao executado. Importa notar, outrossim, que a penhora não impede que se aliene o bem, mas apenas torna o ato de disposição ineficaz em relação ao credor (exequente), conforme prevê o art. 792, § 1º, do CPC. Da mesma forma, a existência de penhora não impede que sejam realizados outros atos constritivos sobre o mesmo bem. É dizer, em mais de um processo de execução ou fase de cumprimento de sentença, poder-se-á individualizar a responsabilidade patrimonial em um mesmo bem, caso em que se terá multiplicidade de penhoras. Nessa hipótese, todos os exequentes dos variados processos terão garantidos os seus créditos, interessando a ordem de realização da penhora apenas por ocasião da expropriação do bem penhorado, cuja distribuição do produto da alienação observará a ordem de vinculação do bem e tal ou qual processo (cf. art. 797, parágrafo único, do CPC), além de interessar à preferência na adjudicação, de que se tratará em seguida. Vejamos, nesse passo, o regramento dado pelo CPC à ordem de realização da penhora e algumas específicas hipóteses de bens e direitos constritos. 2.2 Ordem de realização da penhora O art. 835 do CPC elenca a ordem de preferência que se deve observar, quando da realização da penhora. Trata-se, como deflui do caput do dispositivo, de preferência, o que significa dizer que, em princípio, não
haverá qualquer ilegalidade, caso haja necessidade de alteração da ordem, no caso concreto. Com efeito, apenas a penhora de dinheiro é que será prioritária aprioristicamente, já que é, em última análise, a sua transferência ao credor que se objetiva por meio da execução pecuniária (cf. art. 835, § 1º). Não havendo dinheiro a ser penhorado, deverá recair a constrição sobre títulos da dívida pública (art. 835, II), títulos e valores mobiliários (art. 835, III), veículos de via terrestre (art. 835, IV), imóveis (art. 835, V), móveis em geral (art. 835, VI), semoventes (art. 835, VII), navios e aeronaves (art. 835, VIII), ações e quotas de sociedades simples e empresárias (art. 835, IX), percentual de faturamento da sociedade devedora (art. 835, X), pedras e metais preciosos (art. 835, XI), direitos aquisitivos sobre imóveis decorrentes de promessa de venda e compra ou alienação fiduciária em garantia (art. 835, XII) e outros direitos (art. 835, XIII). A despeito de se tratar de ordem preferencial de penhora, é certo que alguns bens são de mais dificultosa alienação, razão pela qual o art. 865 dispõe que será residual e subsidiária a penhora de estabelecimento, semoventes, plantações, edifícios em construção, embarcações e aeronaves. Da mesma forma, a penhora de faturamento exige que não haja outros bens penhoráveis (art. 866, caput). Ademais, ainda que se trate de algum dos bens arrolados no art. 835 e que não se trate de hipótese de impenhorabilidade, de que se tratará mais à frente, não se realizará a penhora se o produto da alienação do bem se limitar a satisfazer as custas da execução (art. 836, caput), o que encontra lastro no princípio da menor onerosidade, pois não haveria razão para subtrair bem do patrimônio do executado se o produto da sua alienação não puder beneficiar o
exequente, a quem interessa a execução. Além disso, não sendo encontrados bens penhoráveis, caberá ao oficial de justiça descrever os bens que guarnecem o domicílio do executado ou o imóvel em que estiver instalada a pessoa jurídica, conforme prevê o art. 836, § 1º. Em relação aos bens que guarnecem o domicílio do executado (pessoa natural), é de se notar que, em princípio, eles não podem ser destinados à satisfação da execução, já que se trata de hipótese de impenhorabilidade, na forma do art. 833, II, do CPC. Com efeito, parece-nos que o mencionado art. 836, § 1º, nesse particular, destina-se a permitir que o juízo e a parte exequente tenham ciência de quais são os bens que se acham no domicílio do devedor, a fim de aferir se se trata de bens de elevado valor, que fogem ao médio padrão de vida, a que faz referência a parte final do art. 833, II, do CPC, e, pois, são penhoráveis. Enquanto não houver decisão a respeito da realização ou não da penhora sobre tais bens, o próprio executado ou seu representante legal será nomeado depositário (art. 836, § 2º). Por fim, uma vez realizada a penhora, o executado poderá, no prazo de 10 dias (cf. art. 847, caput, do CPC), requerer a substituição do bem (observado o prazo de 3 dias para manifestação do exequente, na forma do art. 853), caso não tenha sido observada a ordem legal de preferência, o que deverá ser feito com indicação pormenorizada dos bens, na forma dos incisos do § 1º do art. 847. Significa isso dizer que, se o executado, inconformado com a penhora de determinado bem, por inobservância das prioridades legais, deixar de indicar pormenorizadamente o bem que deveria ter sido penhorado, não haverá
qualquer ilegalidade no ato constritivo, mantendo-se, pois, hígida a penhora. Também poderá ser requerida a substituição da penhora nas hipóteses do art. 848, que também inclui a inobservância da ordem legal de preferência (inciso I), diferenciando-se da hipótese tratada no art. 847 do CPC, apenas por atribuir legitimidade também ao exequente, ouvido o executado (cf. art. 853 do CPC). Ademais, o art. 835, § 2º, equipara ao dinheiro, para fins de substituição da penhora, a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que seu valor supere o crédito exequendo em ao menos 30%. Vejamos, nesse passo, os regramentos específicos dados pelo CPC a algumas espécies de bens penhorados. 2.2.1 Penhora de dinheiro ou aplicação financeira A penhora de dinheiro ou aplicação financeira é regida pelo art. 854 do CPC. Aludido dispositivo, no caput, trata da chamada penhora online, que consiste na integração do Poder Judiciário ao Banco Central. Por meio de ordem emitida pelo magistrado no sistema próprio do Banco Central (art. 854, § 7º), ao qual estão ligadas as instituições financeiras, é tornado indisponível o montante da execução em todas as instituições financeiras em que o executado mantenha dinheiro. É importante notar que o caput do artigo em comento exige que não se dê ciência prévia ao executado, justamente para evitar que, ciente do ato que se avizinha, retire seus ativos financeiros das contas bancárias, por exemplo. Constatando-se a excessiva indisponibilidade, será o excedente liberado por ordem do juízo no prazo de 24 horas (cf. art. 854, § 1º). Logrando-se localizar numerário suficiente à satisfação total ou parcial do
crédito, será o executado intimado, pessoalmente ou por seu advogado, a respeito da prática do ato (cf. art. 854, § 2º). Após a intimação do executado, este terá o prazo de cinco dias para requerer a liberação do montante, caso seja ele impenhorável (art. 854, § 3º, I) ou haja indisponibilidade excessiva (art. 854, § 3º, II). Acolhida a alegação do executado de que o montante não poderia ser bloqueado, haverá a liberação da monta no prazo de 24 horas (art. 854, § 4º). Igual providência deve ser tomada se o executado pagar a dívida de outra maneira, tornando desnecessária a vinculação do montante à execução (art. 854, § 6º). De outro lado, caso seja rejeitada a alegação ou quando não houver pedido do executado, a indisponibilidade será convertida em penhora, sem a lavratura de termo, devendo a instituição financeira transferir o montante à conta judicial (art. 854, § 5º). Ademais, o CPC tratou de responsabilizar objetivamente as instituições financeiras
pelos
prejuízos
eventualmente
advindos
do
incorreto
cumprimento das ordens judiciais, seja em relação ao valor a ser tornado indisponível, se exceder o montante, seja em relação à demora na liberação do valor (art. 854, § 8º). Além disso, o § 9º do art. 854 dedicou-se a tratar da penhora de ativos financeiros dos partidos políticos. Com efeito, caberá ao juízo determinar a pesquisa de bens que estejam vinculados, especificamente, ao órgão partidário que houver dado causa ao dano ou que, de modo geral, seja responsável pelo pagamento do valor exequendo. Com efeito, tratando-se de dívida contraída pelo diretório municipal de determinada agremiação, não se poderá tornar indisponíveis os valores
depositados em conta bancária titularizada pelo diretório nacional do partido. Importante questão diz respeito à possibilidade de que a indisponibilidade recaia sobre numerário pertencente não apenas ao executado, mas também a terceiro, caso sejam titulares de conta bancária conjunta, o que é bastante comum, caso em que se presume a titularidade do montante em frações iguais. Nesse caso, caberia ao terceiro se valer dos embargos de terceiro, a fim de excluir seu percentual do dinheiro da constrição. Poder-se-ia cogitar, outrossim, de o terceiro se valer do próprio procedimento previsto pelo art. 854, § 5º, do CPC, de menor formalismo387. A nosso juízo, qualquer que seja a forma a ser utilizada (petição nos autos da execução ou embargos de terceiro), temos presente que o cotitular da conta tem direito de livrar parcela do dinheiro tornado indisponível da execução, já que integra a sua esfera patrimonial. O STJ, porém, tem firme entendimento de que, havendo conta conjunta, há solidariedade ativa entre os seus titulares, razão pela qual a dívida de um poderá ser satisfeita com a integralidade do saldo depositado388. Com a devida vênia, parece-nos que o entendimento da Corte não se harmoniza com o instituto da solidariedade ativa. Caracteriza-se a solidariedade ativa pela possibilidade de que qualquer um dos credores cobre do devedor a integralidade do crédito (cf. art. 267 do CC), mas isso não torna somente seu o crédito, já que deve responder aos seus consortes pelas suas respectivas quotas-partes (cf. art. 272 do CC). Ou seja, havendo dois titulares de conta bancária, qualquer deles pode obter da instituição financeira a integralidade do valor depositado, mas isso, em hipótese alguma, retira do cotitular da conta o direito de obter daquele que
levantou a totalidade do valor, o percentual que lhe cabe. O que ocorre, nessa hipótese, é que a instituição financeira se exime da obrigação de restituir o dinheiro (cf. art. 269 do CC), nada alterando na relação jurídica existente entre os cocredores. Portanto, a dita solidariedade ativa entre cotitulares de uma mesma conta bancária não significa, a nosso juízo, que se trata de bem integralmente pertencente a um dos cotitulares, que apenas tem o direito de levantar sozinho o montante, respondendo ao outro pela sua quota-parte. 2.2.2 Penhora de créditos Os arts. 855 a 860 do CPC tratam da penhora de créditos do executado. Com efeito, se o executado for titular de determinado crédito, poderá ele ser penhorado, o que ocorrerá tão logo haja a intimação do terceiro – devedor da obrigação a que corresponde o crédito do executado –, a fim de que pague a dívida ao exequente (cf. art. 855, I) e do executado, a fim de que não aliene o crédito ou pratique qualquer ato com esse escopo (art. 855, II). Tratando-se de direito materializado em título de crédito, a penhora se realizará pela apreensão do documento, o que decorre do princípio da cartularidade, que rege o direito cambiário (art. 856 do CPC). Ademais, ainda que não se localize o título, a confissão do terceiro de que é devedor da obrigação fará com que ele se torne depositário do montante (art. 856, § 1º), exonerando-se da obrigação quando depositar em juízo o respectivo valor (art. 856, § 2º). Caso o terceiro, em conluio com o executado, negue a existência do crédito, eventual quitação dada pelo executado a ele será havida em fraude à execução (art. 856, § 3º).
Em qualquer hipótese, a apuração da existência do crédito poderá ensejar a designação de audiência para o fim de se tomar os depoimentos do executado e do terceiro que pretensamente é devedor daquele (art. 856, § 4º). Havida a penhora, o exequente sub-rogar-se-á na posição de executado, enquanto credor do terceiro, limitando-se, é claro, às balizas do próprio crédito (art. 857, caput, do CPC). Caso o sub-rogado não receba o valor devido pelo terceiro, ou o receba, mas seja insuficiente à satisfação integral de seu crédito, ser-lhe-á lícito o prosseguimento da execução contra o executado (cf. art. 857, § 2º). É possível, de outro lado, que o exequente opte, no prazo de 10 dias, por alienar judicialmente o crédito penhorado (cf. art. 857, § 1º), que seguirá o procedimento de expropriação, que será mais à frente abordada, excluindo-se, logicamente, a adjudicação, ao menos em princípio, já que o exequente terá manifestado desinteresse em se tornar titular do crédito. Tratando-se de obrigação periódica ou de adimplemento diferido, poderá o exequente levantar o montante, sempre que houver o pagamento, abatendo-se do saldo devedor o montante recebido (cf. art. 858). Ademais, se o crédito penhorado consistir na restituição de coisa diversa de dinheiro, caberá ao executado depositá-la em juízo por ocasião do vencimento do prazo para restituição, a fim de que sobre esse bem recaia a execução (art. 859). Por fim, é também possível que a penhora recaia sobre crédito discutido em juízo, caso em que terá lugar a chamada “penhora no rosto dos autos” (cf. art. 860). Nessa hipótese, adimplida a obrigação no bojo do processo em que o executado contende com terceiro, tal montante será imediatamente transferido ao juízo em que tramita a execução ou cumprimento de sentença
entre exequente e executado, a fim de que seja satisfeita a obrigação. 2.2.3 Penhora de quotas ou ações Quando o executado for sócio ou acionista de sociedade personificada, será possível que o seu percentual da sociedade seja penhorado, a fim de servir à satisfação do crédito exequendo. A essa constatação, porém, não se pode chegar sem maior reflexão, pois as sociedades personificadas podem ser de capital ou de pessoas. Tratando-se de sociedade de capital, em que sobressai o elemento econômico do sócio e não as suas características pessoais, pouca dificuldade haveria em admitir que o percentual da sociedade, integrante da esfera patrimonial do executado, poderia ser penhorado e, então, alienado, a fim de satisfazer o crédito. É, por exemplo, o que ocorre com as ações da companhia, já que as sociedades por ações são sempre sociedades de capital. Já nas sociedades de pessoas, como é o caso das sociedades limitadas em que os sócios exercem, eles próprios, a atividade econômica, interessando à empresa as suas particulares habilidades, v.g., haveria alguma dúvida a respeito da possibilidade de a execução atingir as quotas, sobretudo porque a sua expropriação atingiria, em princípio, a própria sociedade, que figura como terceira, alheia à execução. Chegou-se a sustentar, como dá notícia Araken de Assis, que as quotas, em si, não seriam penhoráveis, por ferirem a affectio societatis, mas apenas a sua projeção econômica389. Todavia, com o advento da Lei n. 11.382/2006, que introduziu o inciso IX ao art. 835 do CPC/73, passou-se a admitir a penhora de ações e quotas das sociedades, integrando-as, pois, à ordem de preferência da constrição, regra
que foi mantida pelo CPC/2015, conforme se extrai do art. 835, IX. Tratando-se de sociedade por quotas de responsabilidade limitada ou por ações, mas de capital fechado, prevê o art. 861 do CPC que o juízo deverá conceder prazo razoável à própria sociedade, não inferior a três meses, para que ela apresente balanço especial (inciso I), que servirá à apuração do real valor das quotas ou ações390. Também caberá à sociedade, no prazo assinalado, oferecer as quotas ou ações aos demais sócios ou acionistas, observado eventual direito de preferência de origem legal ou contratual (inciso II) e, à falta de interesse dos demais sócios ou acionistas na aquisição das quotas ou ações, proceder à sua liquidação, depositando em juízo o montante apurado (inciso III), que poderá contar com a participação de administrador nomeado pelo juízo para tanto, que submeterá ao órgão judicial a forma de liquidação das quotas ou ações (art. 861, § 3º). Ao lado disso, o § 1º do art. 861 admite que a sociedade, a fim de não ver liquidadas as quotas ou ações, adquira-as ela própria, mantendo-as em tesouraria, caso em que não haverá redução do capital social. Não havendo aquisição das quotas ou ações pelos demais sócios ou acionistas, ou pela própria sociedade, serão elas alienadas judicialmente, por meio da alienação por iniciativa particular ou em leilão judicial (cf. art. 861, § 5º). Tratando-se de sociedade por ações de capital aberto (comercializadas em bolsa), as ações penhoradas serão adjudicadas ao exequente ou, à falta de interesse do credor, serão vendidas em bolsa de valores (cf. art. 861, § 2º). Por fim, como o objetivo da realização da penhora sobre quotas ou ações não é comprometer a atividade econômica da sociedade, mas apenas
satisfazer o crédito do exequente, admite-se que o prazo para apresentação de balanço e liquidação das quotas ou ações seja ampliado caso se constate que o pagamento das quotas ou ações liquidadas supera “o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação” (art. 861, § 4º, I), ou coloca “em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária” (art. 861, § 4º, II). 2.2.4 Penhora de estabelecimento, semoventes, plantações, edifícios em construção, embarcações e aeronaves Na hipótese de a penhora recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, semoventes, plantações ou edifícios em construção, deverá o juiz nomear administrador, que também será depositário dos bens. O administrador é auxiliar do juízo (cf. art. 149 do CPC), que será responsável por elaborar o plano de administração do bem penhorado, apresentando-o no prazo de 10 dias. Objetiva-se, com isso, “impedir a ruína total e a paralisação da empresa, evitando prejuízos desnecessários e resguardando o interesse coletivo de preservar quanto possível as fontes de produção e comércio e de manter a regularidade do abastecimento”391. Apresentado o plano de administração, serão as partes ouvidas, seguindose a decisão a respeito da forma como será administrada a penhora (cf. art. 862, § 1º). É possível, outrossim, que as próprias partes consensualmente estabeleçam a forma de administração do bem penhorado, conforme se extrai do § 2º do art. 862. Trata-se de hipótese de negócio jurídico processual, que deverá, por expressa previsão da parte final do dispositivo, ser homologada pelo juízo. Ademais, caso a penhora recaia sobre edifício em construção submetido
ao regime de incorporação imobiliária, a constrição somente poderá recair sobre as unidades ainda não comercializadas, em clara preservação do interesse dos promitentes compradores (cf. art. 862, § 3º), regra que se coaduna com a impenhorabilidade dos créditos oriundos da alienação das unidades, prevista no art. 833, XII, que será mais à frente analisada392. Sendo necessário, poderá ser afastado o incorporador, caso em que a incorporação será gerida pela comissão de compradores ou, tratando-se de construção financiada, pela instituição financeira que fornecer os recursos ou pessoa por ela indicada, ouvido, necessariamente, o representante dos adquirentes (cf. art. 862, § 4º). Tratando-se de penhora de empresa concessionária ou permissionária de serviços públicos, a constrição deverá recair, a depender do valor do crédito, sobre as rendas, sobre certos bens ou sobre a totalidade da organização, nomeando-se depositário, que, preferencialmente, será algum de seus diretores (cf. art. 863, caput). Recaindo a penhora sobre a renda da empresa ou alguns bens, caberá ao administrador-depositário apresentar o plano de administração, contendo a forma de pagamento do valor exequendo, aplicando-se, no mais, os arts. 867 a 869, no que couber (cf. art. 863, § 1º). Se a penhora recair sobre todo o patrimônio da pessoa jurídica, serão os bens alienados, ouvindo-se, antes da expropriação, o ente público que houver concedido ou permitido a atividade (cf. art. 863, § 2º). Caso a penhora recaia sobre navio ou aeronave, ela não impedirá a sua circulação até a expropriação, mas a autorização para que continuem a operar exige que o executado comprove ter contratado seguro contra riscos, garantindo, com isso, que eventual fatalidade não afete a execução, conforme
prevê o art. 864 do CPC. Objetiva-se, pois, impedir que a penhora de bens de elevada monta, como os navios e aeronaves, interfira na atividade econômica de seus proprietários, sem deixar de lado a garantia à execução (seguro do bem penhorado). Por fim, prevê o art. 865 do CPC que a penhora dos bens tratados na referida seção é residual, tendo espaço apenas quando não houver outros bens a serem penhorados, o que se justifica pela dificuldade de alienação dos bens e pelo prejuízo que isso traz ao executado. 2.2.5 Penhora de faturamento À falta de outros bens penhoráveis, permite o art. 866, caput, do CPC que haja a penhora de percentual de faturamento da sociedade, caso em que o juízo deverá determinar o percentual do faturamento que será penhorado (cf. dispõe o § 1º do dispositivo). Nesse ponto, é preciso ter em mente que o percentual da penhora deverá levar em consideração as despesas da sociedade, a fim de que o ato constritivo não acabe, em último termo, por inviabilizar a atividade empresária. Ademais, também nesse caso será nomeado administrador-depositário, que será responsável por auxiliar o juízo na gestão da penhora. Ao administrador caberá prestar contas mensalmente, entregando ao juízo os devidos balancetes, bem como os valores mensalmente constritos, conforme se extrai do § 2º do art. 866. Nesse particular, é preciso notar que a função do administradordepositário se restringe à administração da própria penhora, isto é, do faturamento da sociedade devedora, razão pela qual exorbita de suas funções
e, pois, atenta contra o art. 866, § 2º, do CPC o administrador que deixa de prestar as devidas contas em juízo, deixa de depositar o percentual do faturamento destinado à satisfação da obrigação e, de modo geral, pratica qualquer conduta que não se relacione com o estrito objeto de seu mister. Por fim, também a essa espécie de penhora se aplicam os arts. 867 a 869, no que couber. 2.2.6 Penhora de frutos e rendimentos Admite-se a penhora dos frutos e rendimentos dos bens móveis ou imóveis (ainda que impenhorável, na forma do art. 834 do CPC) se se constatar que tal providência será mais vantajosa à execução do que a penhora do próprio bem, conforme prevê o art. 867 do CPC. Nessa hipótese, também será nomeado administrador-depositário, que passará a gozar de todos os poderes necessários à sua fruição, direcionandose o produto à satisfação do credor, podendo, o administrador, inclusive, celebrar contrato de locação do imóvel (cf. art. 869, § 4º). Tal função poderá recair sobre o exequente ou o executado, mediante a concordância da parte contrária. Não havendo consenso, será nomeado terceiro (art. 869, caput). Caberá ao administrador elaborar o plano de administração e a forma de prestação periódica das contas. Não havendo consenso entre as partes e o administrador, caberá ao juízo decidir a forma como se dará a administração da penhora (cf. art. 869, § 2º). Até que sejam satisfeitos o crédito exequendo, as custas processuais e os honorários de advogado, o executado perderá o direito de gozar do bem, conforme prevê o art. 868, caput, do CPC. A partir da publicação da decisão que determinar a penhora dos frutos
decorrentes de bem imóvel, ou de sua inscrição no registro imobiliário, a constrição terá eficácia em relação a terceiros, conforme prevê o art. 869, § 1º, do CPC. A mencionada averbação será requerida pelo próprio exequente, independentemente de ordem judicial, por meio da apresentação de certidão de inteiro teor do ato de penhora (art. 869, § 2º). Com efeito, se o bem locado for penhorado por dívida do locador, os aluguéis – frutos civis – deverão ser pagos ao exequente ou ao administrador, se se tratar de terceiro (cf. art. 869, 3º), responsabilizando-se o locatário se, mesmo ciente da penhora, pagar ao executado (locador) o valor do aluguel. Adimplida a obrigação, será dada quitação ao executado por termo nos autos, conforme prevê o § 6º do art. 869. 2.3 Impenhorabilidade Como regra, todo o patrimônio do devedor ou responsável está adstrito à execução, pois se trata da garantia genérica aos credores. Contudo, há casos excepcionais em que o legislador tornou insuscetíveis de serem excutidos alguns bens do responsável primário ou secundário, seja por razões de garantia da sobrevivência do obrigado ou responsável, seja por razões de ordem pública, como a preservação do patrimônio público, por exemplo. Trata-se, pois, das hipóteses de impenhorabilidade de bens e direitos, previstas nos arts. 833 e 834 do CPC, sem prejuízo de outros diplomas legais, como é o caso da Lei n. 8.009/90. Vejamos, pois, algumas das hipóteses de impenhorabilidade. De acordo com o art. 833, I, do CPC, são impenhoráveis os bens declarados inalienáveis, seja por expressa previsão legal, seja por declaração
de vontade (art. 833, I, do CPC). Trata-se, por exemplo, dos bens públicos que, a teor do art. 100 do CC, são inalienáveis, bem como da estipulação de cláusula de inalienabilidade estipulada na forma do art. 1.911, caput, do CC. Os bens inalienáveis são aqueles que não podem ser dispostos pelo seu titular, isto é, aqueles que não podem ser tornados alheios ao seu proprietário. Com efeito, aquilo que não pode ser retirado do patrimônio do devedor (ou responsável) também não poderá ser penhorado, notadamente porque se trata de medida que objetiva, em última análise, a expropriação do bem. Também se inclui no mencionado inciso I do art. 833 a impenhorabilidade decorrente de negócio jurídico, no bojo do qual se estipule que eventual execução não poderá ser satisfeita pela excussão de determinados bens ou direitos. Como bem destaca Araken de Assis, se as partes podem, antes mesmo de haver crédito e litígio, estabelecer que determinado bem servirá ao propósito de satisfazer eventual execução (hipoteca, penhora e anticrese, por exemplo), mostra-se igualmente possível, embora improvável, que as partes excluam determinados bens e direitos de futura (e eventual) execução393. Trata-se de impenhorabilidade oponível apenas ao exequente que tenha celebrado o negócio jurídico em cujo bojo se tenha estipulado a cláusula de impenhorabilidade, não produzindo efeitos em relação a terceiros, dada a eficácia relativa dos contratos394. Também há impenhorabilidade sobre “os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida” (cf. art. 833, II, do CPC). Segundo aponta Humberto Theodoro Júnior, “prevalece, na espécie, além
do resguardo da dignidade da pessoa humana, o intuito de evitar penhora sobre bens que geralmente não encontram preços significativos na expropriação judicial e cuja privação pode acarretar grandes sacrifícios de ordem pessoal e familiar para o executado”395. O dispositivo em questão exclui da responsabilidade patrimonial, portanto, todos os bens que integram o domicílio do executado, ainda que destinados ao uso profissional, mas situados no domicílio do devedor, conforme se depreende do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 8.009/90. Aliás, referido dispositivo diz serem impenhoráveis tais bens apenas se já quitados. É importante observar que a limitação à responsabilidade patrimonial só atinge os bens que guarneçam o domicílio do executado, razão pela qual são penhoráveis aqueles que se acharem alocados no escritório do executado, por exemplo, bem como em outros imóveis, como casas de veraneio396. De igual modo, excetua a impenhorabilidade tratada no inciso II do art. 833 do CPC a existência de bens de valor elevado ou que superem as necessidades de padrão de vida médio. Ou seja, nessas hipóteses se admite a penhora dos bens que guarneçam o domicílio do devedor, como é o caso da existência de vários aparelhos de televisão, por exemplo. Tal limitação, ademais, também se extrai do art. 2º da Lei n. 8.009/90, que exclui da regra da impenhorabilidade “os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. Também são impenhoráveis o vestuário e os bens de uso pessoal do devedor, conforme prevê o art. 833, III, do CPC, regra que também objetiva manter o mínimo necessário à sobrevivência digna do devedor. Ao lado disso, objetiva-se que a execução não se revista de caráter meramente vingativo, afinal a expropriação de roupas e demais itens de uso
pessoal, como regra, não importaria em grande benefício ao credor, mas traria elevado infortúnio ao devedor. Assim, sendo praticamente inexistentes os benefícios à execução pela expropriação de tais bens, não se justificaria a sua penhora. Contudo, tal como em relação aos bens que guarneçam o domicílio do executado, tratando-se de vestuário ou outros bens de uso pessoal de elevada monta, será admissível a penhora e, pois, a sua expropriação, seja porque o seu montante sobressai ao médio padrão de vida, seja porque a sua expropriação trará, efetivamente, benefício à execução. O inciso IV do art. 833 trata da impenhorabilidade das verbas de natureza alimentar, descritas como “vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. Referido rol, por óbvio, não é taxativo, limitando-se a elencar algumas hipóteses de verbas que têm natureza alimentar397. Referida hipótese de impenhorabilidade também se destina a preservar a subsistência do executado e de sua família. Assim, o que importa à incidência do dispositivo aqui tratado é que a verba recebida pelo executado tenha natureza alimentar, independentemente de sua origem, o que significa dizer que não há necessidade de que se trate de fruto do trabalho do executado. Basta pensar na hipótese em que o universitário contrai dívida e por ela é executado. Aquilo que o universitário recebe de seus genitores para a sua manutenção constitui, a nosso juízo, verba de natureza alimentar, sendo, pois, impenhorável398.
A despeito do claro intuito dessa regra – preservar a subsistência do devedor e sua família –, é de se notar que há duas exceções à impenhorabilidade, ambas previstas no § 2º do art. 833. Com efeito, não é oponível a impenhorabilidade ao crédito alimentar, bem como ao valor que exceder 50 salários mínimos. Em relação ao crédito de natureza alimentar, razão não haveria para preservar apenas a subsistência do executado, se também o exequente depende do recebimento do crédito para a sua própria subsistência. Contudo, isso não significa que toda a verba alimentar do executado pode ser penhorada, pois, ainda assim, é preciso preservar a sua mantença. Na vigência do CPC/73, cujo art. 649, IV, também previa a impenhorabilidade aqui tratada, sem limitar o percentual que poderia ser penhorado, passou-se a servir de parâmetro, na prática, o limite previsto pela Lei n. 10.820/2003 (art. 6º, § 5º), que trata do teto de comprometimento das verbas recebidas da Previdência Social, pelo segurado, e que exige a preservação de 70% da verba alimentar399. Com o advento do CPC/2015, tornou-se desnecessária a observância da aludida Lei n. 10.820/2003, pois o art. 529, § 3º, expressamente previu que o limite de comprometimento da verba alimentar titularizada pelo executado é de 50%, razão pela qual, tratando-se de execução de verba alimentar, a impenhorabilidade tratada no inciso IV do art. 833 dirá respeito a apenas 50% da verba do executado, admitindo-se, pois, que a remanescente metade seja afetada à execução. Conforme destacado acima, também é exceção à impenhorabilidade ora debatida a verba que supere os 50 salários mínimos, o que torna penhorável o que sobejar de tal montante. Com isso, o legislador reconheceu que os 50
salários mínimos são suficientes para garantir o sustento do executado e sua família. Na vigência do CPC/73, o STJ400 chegou a admitir que havia limite à impenhorabilidade, que consistiria no teto constitucional do serviço público, qual seja, o valor dos subsídios dos Ministros do STF. Ademais, a impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 833 tem limitação temporal, afinal, se o objetivo da norma é garantir o sustento do executado, havendo saldo remanescente ao final do mês, tal montante, em tese, perderá a sua natureza de verba alimentar, já que não utilizada no sustento do executado e sua família, conforme já reconheceu o STJ401. Esse entendimento, porém, parece-nos merecer alguma reflexão. Tratando-se, o executado, de empregado, com remuneração paga em periodicidade mensal, realmente não há como crer que as sobras mensais têm natureza alimentar. Todavia, há casos em que a verba alimentar não é auferida pelo executado na mesma periodicidade. Basta pensar no profissional liberal que, porventura, não obtenha ganhos mensais, caso em que o recebimento de determinado montante em certo momento terá que ser utilizado para sustentá-lo não só no mês corrente, mas nos seguintes, enquanto não obtiver nova receita. O que se quer dizer, pois, é que a existência de saldo ao final do mês não pode, sem análise do caso concreto, significar descaracterização da natureza alimentar da verba. É necessário, pelo contrário, que se analise a periodicidade com que o executado aufere renda, a fim de se poder apurar, efetivamente, se o montante é ou não necessário à sua subsistência. É também vedada a penhora de “livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado” (art. 833, V, do CPC), o que objetiva
permitir que o executado continue a realizar o seu ofício, com objetivo tanto de obter o seu sustento como também de reunir recursos suficientes para saldar suas dívidas. Em referido dispositivo se incluem todos os bens móveis – não se incluindo os imóveis, portanto – necessários ao desempenho de atividade econômica, desde que lícita. É preciso, ademais, que os bens ainda sejam essenciais à atividade, razão pela qual os bens obsoletos são penhoráveis. Ademais, para que se considere impenhorável o bem, basta que ele seja útil à atividade econômica desenvolvida pelo executado, independentemente de seu valor402. Não incidem, nesse caso, as limitações tratadas anteriormente, relativas aos bens de elevado valor, que superam o padrão médio de vida. Como regra, o benefício da impenhorabilidade só toca as pessoas naturais, o que inclui o empresário individual, que recebe tratamento próprio das pessoas jurídicas, sobretudo para fins tributários, mas que não constitui pessoa distinta da pessoa natural que exerce a atividade. O STJ também já admitiu serem impenhoráveis os utensílios úteis ao trabalho, quando de propriedade das micro e pequenas empresas, tendo-se como elemento nuclear o fato de os sócios exercerem pessoalmente a atividade que constitui seu objeto social403. Além disso, o § 3º do art. 833 prevê que os utensílios úteis à atividade agrícola, de propriedade da pessoa natural que explore essa atividade, bem como da “empresa individual” que exerça atividade no campo, são impenhoráveis.
Referido
dispositivo,
ademais,
apenas
exclui
a
impenhorabilidade (diz ser penhorável, portanto) se houver vinculação do bem à própria dívida (quando constituída alienação fiduciária em garantia, por exemplo) ou quando se tratar de dívida trabalhista, previdenciária ou
alimentar. O inciso VI do art. 833 cuida da impenhorabilidade do seguro de vida. Trata-se de dispositivo que se coaduna com o disposto no art. 794 do CC, que impede que o valor do seguro de vida seja utilizado para a satisfação de dívidas do segurado. Além da expressa previsão legal, seria também ilógico cogitar da penhorabilidade do seguro de vida, considerando que se trata de estipulação em favor de terceiro, que receberá indenização em caso de morte do segurado. Ou seja, nem sequer é direito do segurado receber o valor, tratando-se apenas de direito expectativo do terceiro beneficiário, instituído, isso sim, pelo segurado. O inciso VII do art. 833, de seu turno, trata da impenhorabilidade dos materiais destinados às obras em andamento, desde que estas não sejam penhoradas. Objetiva-se, com isso, evitar que se paralisem as obras, estimulando a penhora delas próprias, na forma do art. 862 do CPC404. Ademais, na linha do que já se falou anteriormente, ao tratar de outras hipóteses de impenhorabilidade, também não se admite que a pequena propriedade rural, utilizada pela família como meio de sustento, vincule-se à execução (art. 833, VIII). Trata-se, aliás, de disposição que constitui garantia fundamental, conforme deflui do art. 5º, XXVI, da CF, que diz respeito, especificamente, às dívidas decorrentes da própria atividade agrária, tendo, pois, menor abrangência que a disposição legal. O art. 833, IX, do CPC impede que se realize a penhora de recursos públicos destinados a “instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social”, justamente porque a finalidade da atribuição da verba ao particular transcende o interesse do exequente. Também os valores depositados em caderneta de poupança são
impenhoráveis, até o limite de 40 salários mínimos, conforme prevê o inciso X do art. 833 do CPC. Objetiva-se, com isso, preservar a economia popular, já que a poupança é a mais comum forma de investimento e de reserva de recursos financeiros, sobretudo entre a população de baixa renda, como nos dá notícia Araken de Assis405. O limite máximo da impenhorabilidade, ademais, deve abarcar todas as contas poupança titularizadas pelo executado, pois o que se almeja é proteger a pequena economia. Entendimento diverso permitiria considerar que a grande economia, fatiada em diversas contas bancárias, não poderia ser atingida para o fim de satisfazer o crédito exequendo. Ademais, também não incidirá a vedação à realização da penhora se se tratar de dívida de natureza alimentar, conforme preconiza o § 2º do art. 833. Com a mesma razão de ser da impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por particular para investimento em saúde, educação e assistência social, também não é penhorável o montante recebido pelos partidos políticos, que são pessoas jurídicas de direito privado, oriundos do fundo partidário, na forma da legislação eleitoral (cf. art. 833, XI, do CPC). Buscase, pois, resguardar o interesse público e a própria natureza jurídica da verba oriunda do fundo partidário (pública), que é garantir, em tese, a representatividade democrática no país. Ainda, considera-se impenhorável o crédito recebido em razão da alienação de unidades imobiliárias decorrentes de incorporação imobiliária devidamente registrada (cf. art. 822, XII, do CPC). Trata-se do chamado “patrimônio de afetação”, tratado pelo art. 31-A da Lei n. 4.591/64, alterada pela Lei n. 10.931/2004. Com isso, busca-se preservar o interesse dos promitentes compradores, a
fim de que não vejam os valores por eles pagos à construtora ou incorporadora sendo utilizados para saldar dívidas destas, comprometendo financeiramente o andamento das obras. Em todos os casos tratados pelo art. 833 do CPC, não se impõe a restrição à penhorabilidade dos bens, às dívidas decorrentes da coisa ou de sua própria aquisição, conforme prevê o § 1º do mencionado dispositivo. Ao lado das hipóteses previstas pelo art. 833 do CPC, o dispositivo subsequente admite que sejam penhorados os frutos ou rendimentos dos bens inalienáveis, que, como regra, também são impenhoráveis, se não houver outros bens e direitos a serem excutidos. De sua redação, pois, extrai-se, a contrario sensu, que os bens em questão (frutos e rendimentos) são impenhoráveis, a não ser que inexistam outros bens ou direitos que possam responder pela execução. Questão importante diz respeito à alteração redacional do mencionado dispositivo (art. 834 do CPC), se comparado ao art. 650 do CPC/73, que também trazia hipótese de impenhorabilidade, que era excetuada caso a execução fosse de obrigação de natureza alimentar. Ou seja, os frutos e rendimentos, como regra, só poderiam ser penhorados caso não houvesse qualquer outro bem a ser excutido. Contudo, tratando-se de obrigação de natureza alimentar, a penhora de tais frutos e rendimentos não restaria limitada pela necessidade de inexistência de outros bens, razão pela qual, nesse ponto, não haveria impenhorabilidade. O Código de 2015, conforme se colhe da redação do art. 834, não repetiu a aludida exceção, razão pela qual se pode dizer, em boa companhia406, que a impenhorabilidade em questão também pode ser oposta ao credor de obrigação alimentícia, que só poderá obter a penhora de frutos e rendimentos
de bens inalienáveis se demonstrar inexistirem outros bens penhoráveis. Conforme dito anteriormente, não apenas o CPC prevê hipóteses de impenhorabilidade, sendo claro exemplo a Lei n. 8.009/90, já mencionada noutras passagens, que trata do bem de família. Na forma do seu art. 1º, caput, é impenhorável o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, que “não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. Com efeito, o imóvel em que se firma a família – qualquer que seja a sua configuração – não poderá ser utilizado para a satisfação das dívidas de seus proprietários, salvo as restrições previstas no art. 3º da Lei n. 8.009/90. Impende notar, aliás, que o conceito de família exige mais de uma pessoa. Contudo, a jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que a proteção ao “bem de família” se estende aos solteiros, separados e viúvos, conforme se extrai da Súmula 364 da Corte. Ademais, a caracterização do bem de família pode decorrer tanto da incidência do art. 1º, caput, como da sua instituição voluntária pelos proprietários, que, sendo proprietários de mais de um imóvel, poderão fazer averbar na matrícula de um deles a afetação à vida familiar. As exceções à impenhorabilidade do bem de família sofreram alteração pela Lei n. 13.144/2015, bem como pela Lei Complementar n. 150/2015. Esta última, aliás, revogou o inciso I do art. 3º, que cuidava da inoponibilidade da impenhorabilidade aos créditos dos trabalhadores da própria residência. Essa alteração legislativa sugeriria, em princípio, que os empregados da família, que prestam serviço no próprio imóvel, não se poderiam valer dele
para satisfazer seus créditos trabalhistas. Essa, porém, não é a posição adotada por parte da doutrina, que reconhece a incidência do art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 aos créditos alimentares, de modo geral407. Vale ressaltar, outrossim, que, via de regra, não se admite a penhora do bem de família nem mesmo quando se tratar de imóvel de elevado valor, conforme vem reconhecendo o STJ408. 2.4 Avaliação dos bens penhorados Realizada a penhora, passa-se à avaliação dos bens ou direitos penhorados, a fim de apurar a sua projeção econômica. A avaliação do objeto da penhora é de fundamental importância porque o valor apurado corresponderá ao parâmetro para a sua alienação409. A avaliação, como regra, será realizada pelo oficial de justiça, salvo se ela depender de conhecimentos específicos, caso em que será nomeado avaliador, que terá o prazo de até 10 dias para entregar o laudo de avaliação (cf. art. 870). Com efeito, se a penhora recair, por exemplo, sobre obras de arte, cujo conhecimento é sabidamente específico, não se poderá atribuir ao oficial de justiça o dever de avaliar o bem, nomeando-se, pois, especialista para quantificar a projeção econômica da obra afetada à execução. Por outro lado, é também possível que nem sequer se realize a avaliação oficial, quando as partes consentirem quanto ao valor do bem penhorado (art. 871, I), salvo se houver fundada dúvida do juízo quanto ao efetivo valor do bem (art. 871, parágrafo único), quando a penhora recair sobre bens negociados em bolsa, comprovada por certidão ou publicação oficial, como é
o caso, por exemplo, da penhora de ouro (art. 871, II), quando a constrição recair sobre títulos da dívida pública ou negociados em bolsa, cuja avaliação corresponderá à cotação oficial do dia, comprovada mediante certidão ou publicação do órgão oficial (art. 871, III) ou quando o bem penhorado consistir em veículo automotor ou outro bem que tenha avaliação oficial ou que conte com avaliação média de mercado (art. 871, IV). Neste último caso, diz a parte final do art. 871, IV, do CPC que a comprovação do valor de mercado caberá a quem fez a nomeação do bem à penhora. O laudo de avaliação, elaborado pelo oficial de justiça ou por terceiro avaliador, deverá contar com a descrição do bem penhorado, seu estado de conservação e o seu valor, conforme dispõe o art. 872. O laudo de avaliação e a vistoria serão anexados ao auto de penhora, passando, pois, a ser parte integrante desse documento. Caso se trate de penhora sobre imóvel de cômoda divisão, a avaliação poderá ser apenas parcial, levando em consideração o valor do crédito exequendo, cabendo ao oficial de justiça, ou ao avaliador, sugerir a forma de divisão do bem (cf. art. 872, § 1º). Assim, se é penhorada, v.g., uma fazenda, para satisfação de dívida de valor bastante inferior, em tese, ao do objeto da penhora, poderá ser avaliada apenas parte da área, em proporção suficiente à satisfação do crédito, propondo, por exemplo, que determinado trecho da propriedade rural seja desmembrado e alienado, satisfazendo integralmente a execução. Em qualquer caso, poderão as partes se manifestar no prazo de cinco dias a respeito da avaliação (cf. art. 872, § 2º). Ademais, é possível que se faça nova avaliação, caso qualquer das partes
alegue, de maneira fundamentada, a existência de erro ou dolo na avaliação (art. 873, I), se houver alteração no valor do bem, posteriormente à avaliação (art. 873, II), o que muitas vezes ocorre quando transcorre considerável tempo entre a avaliação e a expropriação, ou quando houver dúvida do juízo quanto ao valor da avaliação (art. 873, III). Nessa última hipótese, aplica-se à segunda avaliação o art. 480 do CPC, que trata da realização da segunda perícia. Realizada a avaliação, que apurará o valor real dos bens penhorados, será lícito às partes requerer ao juízo que reduza a quantidade de bens penhorados, se superarem o crédito exequendo, as despesas processuais e os honorários advocatícios, ou reforce a penhora, caso se constate que os bens penhorados são insuficientes, conforme se extrai do art. 874 do CPC. Tomadas todas as providências aqui descritas, seguir-se-á à expropriação dos bens. 3. Remição da execução A execução forçada decorre da inércia do devedor em adimplir espontaneamente sua obrigação. Com efeito, à falta de atuação espontânea do executado, têm lugar os meios executivos diretos e indiretos, exercidos por força de poder de império do Estado. Como se afirmou acima, a função da penhora é individualizar a responsabilidade patrimonial. Se, antes de iniciada a execução, o credor tem como garantia genérica da satisfação de seu crédito todo o patrimônio presente e futuro do devedor (art. 789 do CPC), com a penhora ocorre a afetação
de determinado
ou
determinados
bens
ou
especificamente servirão ao desiderato de satisfazer o credor.
direitos,
que
Contudo, a vinculação do bem ou direito à execução não é imutável, tanto é que se admite a substituição da penhora. Mas, ainda que não se faça presente nenhuma hipótese de substituição da penhora, ou mesmo de liberação, por haver excesso de garantia, é possível a liberação do bem por meio da chamada remição. Remir, diferentemente de remitir, que significa perdoar, é o “ato capaz de impedir a execução ou fazê-la extinguir”410. A remição, pois, importa no pagamento da dívida, total ou parcialmente (daí haver remição total ou parcial), com a finalidade de extinguir a execução também parcial ou integralmente, o que redunda também na liberação do bem penhorado, que se desvincula do pagamento da dívida. Bem destaca Araken de Assis411 que perdeu utilidade distinguir a remição da execução e a remição de bens (penhorados). Na redação original do CPC/73, o art. 787 atribuía ao cônjuge, aos descendentes e aos ascendentes do devedor o direito de remir o bem que houvesse sido penhorado (ou arrecadado no procedimento de insolvência). Tal dispositivo, porém, foi revogado pela Lei n. 11.382/2006, que também introduziu o art. 685-A ao Código, cujo § 2º atribuía ao cônjuge, descendentes e ascendentes do executado o direito de adjudicar para si o bem penhorado. Ou seja, o direito à aquisição do bem corretamente deixou de ser hipótese de remição do bem, tornando-se meio de expropriação, já que o bem sairá do patrimônio do devedor, ainda que permaneça no mesmo núcleo familiar. Igual regramento foi dado pelo CPC/2015, conforme se abordará em linhas seguintes, ao se tratar da adjudicação, razão pela qual, de fato, correntemente se há de falar, propriamente, apenas em remição da execução.
Impende notar, apenas, que subsiste a possibilidade de remição do bem penhorado apenas quando se tratar de bem dado em hipoteca e que tenha sido penhorado na execução movida pelo credor pignoratício, conforme se extrai do art. 877, § 3º, do CPC, de que se tratará mais à frente. Pois bem. Diz o art. 826 do CPC que o executado, bem como os responsáveis e eventuais terceiros, interessados ou não, têm direito a remir a execução, ou seja, que podem, a qualquer tempo, pagar o débito. Isso, porém, só pode ocorrer até a adjudicação ou alienação dos bens penhorados, isto é, até que haja a expropriação dos bens afetados à execução por meio da penhora. A indicação da expropriação dos bens como termo final para que o executado promova a remição da execução se destina, nitidamente, a preservar a higidez do ato judicial que faz transferir a propriedade do bem penhorado a outrem (ou que constitui causa bastante para tanto, apta a ser registrada no ofício de imóveis, se o caso). Como se colhe da doutrina, formou-se o entendimento, ainda à luz do CPC/73, de que o momento até o qual é possível a remição da execução é a assinatura do auto de arrematação ou de adjudicação, momento que torna absolutamente imune a aquisição da propriedade por parte do terceiro ou do próprio exequente. O auto de arrematação deve ser assinado imediatamente, conforme prevê o art. 901, caput, do CPC/2015, enquanto o auto de adjudicação deve ser assinado em cinco dias, na forma do art. 877, caput, também do CPC/2015, razão pela qual se pode dizer que são estes os momentos últimos em que poderá haver o pagamento do valor exequendo, com o fito de livrar os bens da execução. Por isso, “o executado há de diligenciar a apuração do quantum
devido antes de consumar-se a adjudicação ou a alienação coativa”412. Portanto, apurado o valor atualizado da execução, bem como das despesas processuais e honorários advocatícios, caberá ao executado, ao responsável ou ao terceiro, interessado ou não, pagar ao exequente ou depositar nos autos o montante, liberando, por consequência, os bens penhorados. Tratando-se de remição integral, todos os bens penhorados serão liberados e a execução será extinta, na forma do art. 924, II, do CPC. Sendo parcial a remição, só haverá a liberação dos bens penhorados caso superem o valor remanescente, caso em que haverá excesso de garantia. Nessa hipótese, prosseguir-se-á a execução em relação ao saldo remanescente, com a preservação da penhora proporcional ao crédito exequendo. Por fim, é importante notar que a remição da execução não se confunde com a substituição da penhora por dinheiro, prevista no art. 835, § 2º, do CPC. Nesse caso, continuará a existir o ato de constrição, que somente terá seu objeto alterado, o que pode decorrer, por exemplo, do interesse do executado de apresentar oposição à execução, por meio de embargos à execução, impugnação ou exceção de pré-executividade. Na remição, por outro lado, há o pagamento da dívida. 4. Expropriação de bens Prevê o art. 824 do CPC que a expropriação de bens é o meio executivo típico da execução por quantia certa, tenha origem em título judicial ou extrajudicial. Esse meio executivo consiste na retirada de bens do patrimônio do devedor para entregá-los, in natura ou em pecúnia, ao credor. Em verdade, o que ocorre é a alienação do bem, retirado forçadamente do
patrimônio do devedor, que, tendo deixado de adimplir pontualmente a sua obrigação, viu-se sujeito ao poder do Estado de fazer cumprir o que é devido. Diz o art. 825 que a expropriação se dá pela adjudicação (inciso I), alienação (inciso II) ou apropriação de frutos e rendimentos (inciso III). Trata-se, em qualquer hipótese, de alienação dos bens ao próprio exequente ou a terceiros, por iniciativa particular ou em leilão judicial. Questão das mais relevantes é levantada por Araken de Assis, tocante à natureza jurídica da aquisição da propriedade, por parte do exequente ou dos terceiros. Segundo o autor, a alienação forçada de bens tem, de um lado, manifestação do próprio Estado, que se sub-roga na posição de proprietário (devedor), que se subordina ao regime jurídico de direito público e processual; de outro lado, tem-se manifestação do adquirente que, sob a perspectiva do direito privado, manifesta livremente a vontade de adquirir o bem. Trata-se, portanto, de “típico negócio bilateral”, sem que se trate de contrato413. Por consequência, assevera o autor que a modalidade de aquisição da propriedade, em caso de alienação forçada, é derivada, ligando-se ainda à cadeia de domínio do bem. Por essa razão, a forma de alienação é regida pelo direito processual (adjudicação ou alienação judicial, em detrimento do contrato), mas a forma de aquisição da propriedade continuará a ser regulada pelo direito material, o que importa dizer que o bem móvel arrematado só será transferido à propriedade do arrematante quando houver a sua tradição, enquanto o bem imóvel arrematado só migrará para a esfera patrimonial do arrematante com o registro público do título aquisitivo, que consiste na carta de arrematação ou adjudicação414. Isso, todavia, não significa que o adquirente se torna responsável por tudo
aquilo que era devido em razão do bem ou que, a vários títulos, liga-se à coisa. Tratando-se de alienação da coisa estritamente sob o regime de direito privado, eventuais débitos do alienante que decorram de sua posição de proprietário, como o Imposto sobre a Propriedade Imobiliária (IPTU), ou as contribuições condominiais, nos condomínios edilícios, transferem-se imediatamente ao adquirente, que passa a ser o proprietário do bem. Na alienação judicial, contudo, não há a assunção de todas as dívidas do alienante, relacionadas ao imóvel, pelo adquirente. Em relação aos débitos tributários, por exemplo, diz o art. 130, parágrafo único, do CTN que os tributos não pagos relacionados ao imóvel, quando houver alienação judicial da coisa, sub-rogar-se-ão no preço, ou seja, do produto da alienação forçada se deve reservar quantia suficiente ao pagamento das dívidas tributárias. Igual regramento foi dado pelo art. 908, § 1º, do CPC, que também diz se subrogarem os créditos de natureza tributária e propter rem, não se transferindo, pois, ao adquirente. Conforme destacado acima, o art. 825 do CPC arrola as modalidades de alienação forçada dos bens penhorados. O regramento dado à matéria pelo legislador revela a elaboração de ordem preferencial de meios de expropriação, priorizando-se a adjudicação, seguida da alienação por iniciativa particular e, então, a alienação em leilão (cf. art. 880 do CPC)415. Dito isso, cabe-nos analisar as modalidades de alienação forçada do bem penhorado. 4.1 Adjudicação A adjudicação consiste na aquisição da propriedade do bem penhorado
pelo próprio exequente ou por algum dos colegitimados416. Tratando-se de adjudicação pelo próprio exequente, a prestação pecuniária que lhe é devida será paga por meio da entrega de bem de natureza distinta. Essa modalidade expropriatória constitui, como já se deu notícia linhas acima, na prioritária forma de alienação do bem penhorado, o que se justifica pela maior facilidade de sua atribuição ao credor (ou a algum deles, quando houver multiplicidade de credores), em detrimento da alienação a terceiros, com todas as formalidades inerentes à alienação por iniciativa particular ou em leilão judicial. Nesse caso, há, como bem aponta Marcelo Abelha, “atenuação do princípio processual da fidelidade da tutela jurisdicional prestada com a pretensão veiculada, admitindo que seja dada ao autor (exequente) uma tutela jurisdicional de resultado prático equivalente ao recebimento da quantia”417. Tratando-se de adjudicação pelo cônjuge, companheiro, descendentes ou ascendentes do executado, v.g., justifica-se a prioridade do meio expropriatório, pela proteção do interesse da própria família em manter em seu seio o bem penhorado, embora mude de titularidade. Ademais, conquanto tenha o legislador elegido a adjudicação como meio prioritário de expropriação de bens, tendo lugar antes da tentativa de alienação particular ou em leilão, certo é que, uma vez frustradas as tentativas de alienação a terceiros, é lícito ao exequente ou demais legitimados requerer a adjudicação, conforme prevê o art. 878 do CPC, abrindo-se, pois, nova oportunidade para a adjudicação. Pois bem. Para que se realize a adjudicação, é preciso que se congreguem dois requisitos: (a) deve ser formulado requerimento por algum dos legitimados à adjudicação e (b) deve ser oferecido preço não inferior ao da
avaliação. Vejamos, então, as questões tocantes aos requisitos para a adjudicação e o procedimento para tanto. 4.1.1 Legitimidade para requerer a adjudicação O art. 876, caput, do CPC prevê que o exequente tem o direito de tomar para si o bem penhorado, isto é, requerer que lhe seja adjudicado o bem afetado à execução. O mesmo direito se atribui aos demais credores quirografários (sem garantia real) do executado que tenham obtido a penhora do bem, caso em que há multiplicidade de penhora, na forma do art. 797, parágrafo único, do CPC, cabendo a qualquer deles tomar para si, por preço não inferior ao da avaliação, o bem objeto da constrição (cf. art. 876, § 5º, do CPC). É preciso notar, nesse particular, que nem sempre o credor (ou mesmo o exequente) poderá adjudicar para si o bem, depositando nos autos apenas a diferença entre o preço de avaliação do bem e o valor do seu crédito. Havendo multiplicidade de penhoras recaídas sobre o mesmo bem, deverse-á observar a ordem de realização da penhora. Por isso, se o credor que adjudicar para si o bem não for o primeiro na ordem de preferência, deverá depositar nos autos o valor ofertado pelo bem, de modo a que se paguem todos os credores quirografários que lhe têm precedência. Também podem adjudicar os bens as pessoas indicadas nos incisos II a VIII do art. 889, por força do art. 876, § 5º, do CPC. Trata-se do coproprietário de imóvel indivisível, caso tenha sido penhorada parte ideal pertencente ao executado, o que se justifica pela necessidade de preservar o interesse do coproprietário, que não é devedor ou responsável, de não se ver
consorciado com terceiro desconhecido no condomínio (inciso II). Trata-se também do “titular de usufruto, uso, habitação, enfiteuse, direito de superfície, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso”, caso a penhora recaia sobre o bem gravado, o que objetiva preservar o interesse do terceiro (inciso III). Da mesma forma, legitima-se o proprietário do imóvel gravado, caso a penhora recaia sobre tais direitos (inciso IV). Também se admite a adjudicação requerida pelo credor pignoratício (com garantia real) ou que tenha penhora previamente realizada (inciso V). Nesse ponto, vale ressaltar que o dispositivo trata novamente da legitimidade do credor que também tenha obtido a penhora do bem, anterior ou posteriormente. Contudo, o inciso V do art. 889 do CPC trata apenas dos credores que tenham obtido previamente a penhora, restrição que não é feita pelo art. 876, § 5º. Com efeito, é certo que a legitimidade do credor quirografário, tal como afirmado acima, não depende de ter obtido a penhora previamente. Também se legitima à adjudicação do bem o promitente comprador, caso a penhora recaia sobre o bem cuja alienação tenha sido prometida, desde que a promessa de venda e compra tenha sido registrada, garantindo-se, com isso, que o terceiro, também desvinculado da obrigação, não seja prejudicado (inciso VI). Paralelamente, pode o promitente vendedor adjudicar para si o direito aquisitivo decorrente da promessa de venda e compra registrada, quando penhorado, mantendo consigo o bem cuja alienação fora prometida (inciso VII). Ainda, legitima-se à adjudicação a União, o Estado e o Município, quando o bem penhorado houver sido tomado (inciso VIII).
Ainda, admite-se a adjudicação requerida pelo cônjuge, companheiro, descendentes e ascendentes do proprietário do bem penhorado (art. 876, § 5º). Tratava-se, como já se falou (item 3 deste capítulo), de hipótese que anteriormente constituía remição do bem penhorado, que corretamente foi convertida em hipótese de adjudicação, já que há, nesse caso, retirada do bem da esfera patrimonial do exequente, com destinação ao patrimônio do seu familiar. Questão interessante diz respeito à legitimidade do cônjuge, quando separado ou divorciado. Como bem aponta Araken de Assis, tratando-se de separação de fato, a subsistência da sociedade conjugal impõe a fácil constatação de sua legitimidade para requerer a adjudicação dos bens418. Em relação à separação judicial e ao divórcio, afirma o autor que a noção de interesse patrimonial é de relevo, pois na primeira hipótese ainda não terá havido a partilha dos bens amealhados na constância da união (por ainda subsistir o vínculo conjugal) e na segunda, é possível que ainda não se tenha ultimado a partilha, casos em que é de se justificar a legitimidade do cônjuge separado ou ex-cônjuge para requerer a adjudicação do bem para si419. Além disso, o art. 876, § 7º, do CPC prevê que, em caso de penhora de quotas ou ações de companhia fechada, deverá a sociedade ser intimada, a fim de que dê ciência aos demais sócios ou acionistas, que poderão exercer seu direito de preferência, o que também deflui do art. 861, II, do CPC. Trata-se, em última análise, de legitimidade do sócio (e da própria sociedade, com a manutenção das quotas ou ações em tesouraria) para aquisição do direito penhorado (quotas sociais ou ações). Aliás, parece-nos acertado dizer que, nesse caso, a preferência para a aquisição deverá ser dos demais sócios, justamente com o fito de preservar a affectio societatis, razão
pela qual o interesse do exequente de ver adjudicadas a si as quotas ou ações deverá ceder espaço à manifestação de vontade do próprio sócio ou acionista. 4.1.2 Preço da avaliação O segundo requisito para que haja a adjudicação do bem penhorado é que a transferência da propriedade se dê, no mínimo, pelo preço de avaliação do bem, conforme deflui do caput do art. 876 do CPC. Significa isso dizer que, diferentemente da alienação em leilão judicial, em que se admite, no segundo ato, que se arremate o bem por preço inferior ao da avaliação, desde que não seja vil (cf. art. 891 do CPC), em caso de adjudicação não é lícito ao legitimado oferecer preço menor do que aquele apontado como sendo a projeção econômica do bem. Note-se que a oferta de adjudicação não poderá ser por preço “inferior” ao da avaliação, o que significa que é possível oferecer preço superior, o que se justifica quando houver mais de uma oferta de adjudicação, caso em que prevalecerá o maior lance, aplicando-se as regras de concorrência apenas entre os lances de igual condição. Se o crédito exequendo for menor que o valor de avaliação do bem, caberá ao legitimado à adjudicação depositar nos autos a diferença entre o seu crédito e o valor do bem (cf. art. 876, § 4º, I), salvo se não for ele o primeiro na ordem de preferência de pagamento, caso em que deverá depositar integralmente o preço do bem penhorado, levantando posteriormente apenas a quantia que lhe tocar no produto da expropriação do bem420. Por outro lado, se o crédito exequendo for superior ao preço de avaliação do bem, prosseguir-se-á a execução pelo saldo remanescente (art. 876, § 4º, II), ressalvada, novamente, eventual prevalência de outros créditos, em
detrimento do crédito do adjudicatário, caso em que também deverá depositar a integralidade do valor de avaliação. É de se considerar, evidentemente, que o crédito exequendo poderá corresponder integralmente ao valor de avaliação do bem. Nessa hipótese, não há falar em relação ao depósito de diferença, tampouco em prosseguimento da execução, ressalvada, uma vez mais, a eventual prevalência de outros créditos. 4.1.3 Concorrência entre pretendentes Havendo mais de um requerimento de adjudicação do bem penhorado, diz o art. 876, § 6º, do CPC que deverá ser realizada licitação entre os interessados. Dizia o art. 789 do CPC/73 que o bem deveria ser adjudicado ao requerente que houvesse oferecido o maior preço. Tal dispositivo, porém, fora revogado pela Lei n. 11.382/2006, não se repetindo no CPC/2015. Por essa razão, aponta Humberto Theodoro Jr. que, havendo requerimentos dos legitimados, com oferta de preço igual ou superior ao da avaliação, todos eles estarão habilitados a licitar, cabendo ao juízo da execução estabelecer o procedimento que será adotado421. Assim, após a licitação entre os interessados, havendo lance maior, será ao ofertante adjudicado o bem, ainda que não se trate de legitimado que goze de preferência em relação aos demais. De outro lado, se, mesmo após a licitação, subsistir o empate entre os valores dos lances, dever-se-ia observar as regras de preferência previstas pela lei. Temos presente, porém, que solução mais célere pode ser dada pela escolha do lance mais elevado, já no requerimento inicial dos legitimados à adjudicação. Ou seja, havendo múltiplos pedidos de adjudicação do bem,
deve-se optar, desde logo, por aquele de maior valor, partindo-se para a licitação apenas em caso de empate entre legitimados de igual posição na ordem de preferências422. Ademais, de acordo com os arts. 861, II e § 1º, e 876, § 7º, ambos do CPC, tratando-se de penhora de quotas ou ações, a preferência pela sua adjudicação será dos sócios e da própria sociedade. Nas demais hipóteses, a preferência será do cônjuge, companheiro, descendentes e ascendentes do executado, na forma do art. 876, § 6º, do CPC, nessa específica ordem. Assim, concorrendo, em igualdade de condições, o cônjuge e o filho do executado, prevalecerá a vontade daquele de ver adjudicado a si o bem, v.g. Havendo identidade de ofertas entre credores, mesmo após a licitação, terá preferência o credor que obtiver a penhora em primeiro lugar423. 4.1.4 Procedimento da adjudicação O procedimento da adjudicação se inicia por requerimento do interessado. Formulado o pedido, prevê o art. 876, § 1º, I a III, que se dará vista ao executado, que será intimado na pessoa de seu advogado, caso esteja representado nos autos, por carta com aviso de recebimento, caso seja representando pela Defensoria Pública ou não tenha procurador constituído nos autos, ou por meio eletrônico, caso não tenha procurador constituído nos autos e for hipótese de aplicação do art. 246, § 1º, do CPC. Assim como se dá em relação à intimação a respeito da penhora, tendo o executado mudado de endereço sem comunicar ao juízo, será considerada realizada a intimação tocante ao pedido de adjudicação, caso seja dirigida ao endereço constante dos autos (cf. art. 876, § 2º, c/c art. 274, parágrafo único,
ambos do CPC). Além disso, dispensa-se a intimação caso o executado tenha sido citado por edital e não tenha constituído procurador nos autos, conforme prevê o § 3º do art. 876, o que é de todo razoável, já que, nessa hipótese, não se terá notícia nos autos do endereço em que é residente ou domiciliado o executado. O executado terá o prazo de 5 dias para se manifestar a respeito do pedido de adjudicação (cf. art. 877, caput, do CPC), oportunidade em que poderá alegar, por exemplo, a impossibilidade de expropriação do bem. No mesmo prazo, outros legitimados a requerer a adjudicação poderão se manifestar, impugnando o pedido formulado por um deles, caso, v.g., o deferimento do pedido de adjudicação importe em violação à ordem de preferência. Superado o prazo e resolvidas eventuais questões levantadas, será determinada a lavratura do auto de adjudicação, que, uma vez assinado pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria e pelo próprio executado, se presente ao ato, tornará “pronta e acabada” a alienação da propriedade. O auto de adjudicação consistirá no ato jurídico que dará causa à transmissão da propriedade. Tratando-se de aquisição de direito pessoal, a sua assinatura por todos aqueles arrolados no § 1º do art. 877 terá o condão de transferir a sua titularidade; tratando-se de bem móvel, será necessária, ainda, a sua tradição, caso em que será determinada a entrega do bem ao adjudicatário (cf. art. 877, § 1º, II); tratando-se de bem imóvel, será necessário o registro do título translativo da propriedade, instrumentalizado pela carta de adjudicação, que será expedida após a lavratura do auto de adjudicação, justamente com a ordem de imissão na posse, pelo adjudicatário
(cf. art. 877, § 1º, I). Nesse último caso, ultimada a adjudicação, por meio da lavratura do respectivo auto, será lavrada a carta de arrematação, que conterá a descrição do imóvel, referência ao seu registro imobiliário, cópia do auto de adjudicação e a prova do pagamento do tributo incidente (ITBI), caso incidente (art. 877, § 2º). O § 3º do art. 877 do CPC alude à possibilidade de que o executado resgate o bem hipotecado, quando objeto de penhora. Trata-se de dispositivo que permite ao devedor que extinga a garantia hipotecária (cf. art. 1.499, V, do CC) por meio da remição do bem, hipótese que nos parece ser a única que remanesce sendo de resgate apenas do bem penhorado, já que nos casos anteriormente previstos pelo CPC/73 (“remição” do bem pelo cônjuge, descendentes e ascendentes), conforme analisado no item 3 deste capítulo, tem-se hipótese de adjudicação do bem. O direito do executado de remir o bem penhorado se achava previsto no art. 1.482 do CC, que foi revogado expressamente pelo CPC/2015. Todavia, subsiste tal direito, já que o art. 877, § 3º, do CPC expressamente trata dele, limitando temporalmente o seu exercício ao momento da assinatura do auto de adjudicação. Com efeito, o que permite o mencionado dispositivo é que o bem hipotecado, se objeto de penhora em proveito do credor hipotecário, possa ser resgatado pelo devedor, extinguindo-se a garantia real. Para tanto, é preciso que o executado deposite nos autos o valor de avaliação do bem ou o valor do maior lance, caso tenha havido concorrência para a adjudicação. Ainda que seja liberado o bem, com a extinção da garantia real, é certo que a existência de saldo remanescente a ser pago ao executado o autoriza a
requerer a penhora do próprio bem, garantindo, sob a regência do direito processual, o recebimento do objeto da prestação. A penhora sobre o bem imóvel, nesse caso, não decorrerá de sua pré-disposição à excussão (hipoteca), mas porque é bem integrante do patrimônio atingível (penhorável) do devedor. Por fim, o direito de remir o bem se transfere à massa falida e aos credores em concurso, caso o executado venha a falir ou a ser declarado insolvente. Nesse caso, o exercício desse direito deverá ocorrer nas mesmas condições da licitação, isto é, preço de avaliação ou maior preço, caso haja concorrência (cf. art. 877, § 4º, do CPC). 4.2 Alienação À falta de interessados na adjudicação do bem penhorado (cf. art. 880), segue-se a sua alienação a terceiros, que, na forma do art. 879 do CPC, se fará por iniciativa particular ou por meio de leilão judicial. É preciso destacar, desde logo, que a alienação por iniciativa particular se mostra medida mais efetiva à expropriação do bem, seja porque tem maiores chances de obter proveito econômico igual ou maior que o preço de avaliação, seja porque é meio menos dispendioso do que a alienação em leilão. Tanto é assim que o art. 881 do CPC diz ser cabível a alienação por meio de leilão judicial apenas quando não efetivada a adjudicação do bem penhorado ou a sua alienação por iniciativa particular. Vejamos, então, cada uma das formas de expropriação. 4.2.1 Alienação por iniciativa particular
Como dito acima, a alienação por iniciativa particular é medida expropriatória bastante útil, tendo em vista que permite a venda do bem por preço igual ou superior ao da avaliação e, ao lado disso, dispende menos tempo e recursos financeiros do que a alienação em leilão judicial. O pressuposto para que haja a alienação por iniciativa particular é a inocorrência da adjudicação, que é a prioritária forma de expropriação de bens. Diferentemente do CPC/73, cujo art. 700 apenas cogitava dessa modalidade de alienação em caso de expropriação de bem imóvel, o CPC/2015, em seu art. 880, admite amplamente a sua utilização, cabível independentemente da natureza do bem penhorado. Trata-se, evidentemente, de medida das mais adequadas, já que não só os bens imóveis são de mais útil alienação no próprio mercado, e não em ato solene (leilão judicial), mas também outros tantos bens, como os automóveis, por exemplo. É dizer, parece-nos sensivelmente mais efetiva a tentativa de alienação, v.g., de veículo automotor, em revendedora de carros, com público variado, do que por intermédio de leiloeiro oficial, que comumente tem público mais restrito, geralmente mais habituado às licitações judiciais. Na alienação particular, de um lado se tem a atuação do Estado-juiz, que se sub-roga na posição do proprietário, que não pode optar por não alienar o bem, e, de outro, a manifestação de vontade livre do terceiro interessado na aquisição do bem penhorado. Essa modalidade expropriatória, pois, consiste, efetivamente, na alienação feita por sub-rogação do Estado na vontade do proprietário – devedor –, mas que se diferencia da alienação em leilão judicial, meio mais comum de alienação, porque não exige o formalismo e a solenidade que toca essa
modalidade expropriatória. O título aquisitivo da propriedade, pois, será lavrado pelo próprio juízo, não se tratando de contrato celebrado entre alienante e adquirente, como haveria de ocorrer sob o regime de direito privado. Lavrado o auto, que consiste no título translativo da propriedade, haverá a efetiva transmissão do bem pela tradição (bem móvel) ou pelo registro imobiliário (bem imóvel). 4.2.1.1 Procedimento Como bem destaca Marcelo Abelha424, o legislador corretamente deixou de regular pormenorizadamente o procedimento da alienação por iniciativa particular, o que a torna mais atrativa. Com efeito, o art. 880 do CPC limitase a elencar os requisitos mínimos para que se realize a alienação em tal modalidade, cabendo ao juízo estipular as regras de cada caso concreto, sem prejuízo da possibilidade de que os tribunais editem disposições complementares sobre tal procedimento, incluindo-se a realização por meio eletrônico e o cadastramento de corretores ou leiloeiros públicos (cf. art. 880, § 3º, do CPC)425. Vejamos, então, o procedimento para a alienação por iniciativa particular. Não sendo requerida a adjudicação do bem penhorado por qualquer dos legitimados, cabe ao exequente requerer que a expropriação se dê por alienação particular do bem, o que exclui o agir oficioso do juízo, sem prejuízo da possibilidade de o órgão judicial indeferir o pedido, à vista das características do bem426. É de se notar que o caput do art. 880 alude a duas hipóteses de alienação particular: (a) por intermédio do próprio exequente ou (b) por intermédio de
corretor ou leiloeiro público. Com efeito, é possível que o próprio exequente busque compradores para o bem penhorado, sem prejuízo da possibilidade de que se nomeie corretor ou leiloeiro judicial, desde que estejam devidamente cadastrados perante o tribunal, com ao menos três anos de exercício da profissão, salvo se não houver profissionais com essas qualificações na localidade em que será alienado o bem (cf. art. 880, § 4º, do CPC). Em relação à intermediação da venda pelo próprio exequente, tem-se que isso não impede que ele próprio nomeie intermediário, o que, todavia, não atribui ao terceiro o munus público da intermediação, já que o corretor ou leiloeiro judicial nomeados no processo serão considerados auxiliares do juízo. Assim, seria possível de se cogitar, por exemplo, de o exequente, responsável pela alienação particular do automóvel penhorado, deixá-lo em concessionária de veículos para venda, ficando os vendedores responsáveis, perante o exequente, pela oferta do bem a eventuais interessados. Lograndose localizar interessado na compra do bem, ter-se-á, no bojo do processo, como sendo realizada pelo próprio exequente a intermediação. Se se optar pela intermediação por corretor ou leiloeiro, a comissão de corretagem será incluída nos custos do processo, que, por fim, será suportada pelo executado. Tais custos, porém, se decorrentes da escolha do próprio exequente, responsável pela intermediação, por se fazer auxiliar por corretor particular, não poderão ser imputados ao executado, já que o exequente não terá optado pela intermediação por profissionais cadastrados perante o órgão judicial427. Uma vez requerida a alienação por iniciativa particular, oportunidade em que o exequente deve indicar se pretende realizar, ele próprio, o trabalho de
intermediação, ou se pretenderá se valer de corretor ou leiloeiro devidamente cadastrados no tribunal, se o caso, caberá ao juízo avaliar se é conveniente a alienação por esse método. Deferida a alienação particular do bem, caberá ao juízo fixar o procedimento que será observado, a forma de publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento e, sendo o caso, como será remunerado o trabalho do intermediário nomeado (art. 880, § 1º). É possível que o magistrado, pois, determine a publicação da venda do bem em sítio eletrônico, ou na página de “classificados” de jornais. Cabe ao juízo, ademais, definir se o pagamento do preço far-se-á à vista, a prazo ou se haverá parcelamento, por exemplo. Objetiva-se, pois, tornar o negócio, tanto quanto possível, atrativo. Obtida oferta pela aquisição do bem, a alienação se dará por termo nos autos, que deverá ser assinado pelo exequente, pelo adquirente, pelo juiz e pelo executado, se presente no ato (art. 880, § 2º). Tratando-se de bem imóvel, será expedida a carta de alienação, ordenando-se a imissão do adquirente na posse do bem (art. 880, § 2º, I). A carta de alienação, ademais, será levada a registro perante o ofício imobiliário, para que haja a transmissão da propriedade. Se o bem alienado for móvel, será ordenada a sua entrega ao adquirente, que por si transmitirá a propriedade (tradição). É preciso notar, nesse particular, que, se o bem móvel consistir em veículo automotor, sujeito a registro perante a autoridade de trânsito, parece-nos necessário que se dê ao adquirente documentação necessária ao registro da transferência feita. Muito embora essa comunicação ao órgão de trânsito tenha natureza
eminentemente administrativa, tendente a permitir que a Administração Pública tenha conhecimento de quem é o sujeito passivo das obrigações tributárias incidentes, bem como quem é, em princípio, o condutor do veículo, em caso de cometimento de infração de trânsito, sem produzir o efeito de transmitir a propriedade, que se dá pela tradição, como já se afirmou, é necessário destacar que o registro é medida que se impõe. Por isso, deve-se fornecer ao adquirente, ao que nos parece, carta de alienação, para que este leve a registro a transmissão da propriedade, perante o órgão de trânsito. Uma vez formalizada a alienação por meio do auto de alienação, considerar-se-á também pronta e acabada a expropriação. 4.2.1.2 Preço de alienação do bem Importante questão tocante à alienação por iniciativa particular diz respeito ao valor mínimo de alienação do bem. Na vigência do CPC/73, o art. 685-C, § 1º, dizia caber ao juízo a fixação do preço mínimo para alienação, por iniciativa particular, do bem penhorado, fazendo expressa referência ao art. 680, que aludia à avaliação. Concluía-se, àquela época, pois, que o preço mínimo de expropriação do bem, na alienação por iniciativa particular, era o valor apurado na sua avaliação. Entendia-se, pois, que a alusão ao valor mínimo de alienação do bem decorreria da possibilidade de que ele fosse alienado por preço superior ao da avaliação428. O art. 880, § 1º, do CPC/2015 igualmente estabelece que o juízo deverá fixar o preço mínimo de alienação do bem, quando havida por iniciativa particular. Porém, diferentemente de seu antecessor (art. 685-C do CPC/73),
que fazia referência expressa ao dispositivo que tratava do valor de avaliação do bem (art. 680 do CPC/73), referido dispositivo (art. 880, § 1º, do CPC/2015) não mais alude expressamente ao valor de avaliação. Diante disso, autores de escol passaram a sustentar que, à falta de regramento expresso em sentido contrário, aplica-se à alienação por iniciativa particular a permissão a que a expropriação se dê por preço inferior ao da avaliação, desde que não seja vil (cf. art. 891 do CPC/2015)429. Araken de Assis, por outro lado, sustenta que continua vedada a alienação particular do bem por preço inferior ao da avaliação, a despeito de não mais haver referência. Segundo sustenta, admite-se a alienação por preço inferior ao da avaliação, na segunda licitação (leilão judicial), apenas se a primeira for infrutífera, razão pela qual se amolda o preço de alienação do bem ao interesse do mercado. Na alienação particular, não há, segundo afirma, como provar o desinteresse do mercado, mas apenas dos pontuais interessados que se tenham apresentado ao exequente, corretor ou leiloeiro430. Parece-nos acertada a posição esposada por Araken de Assis. De fato, admite-se a alienação do bem, em leilão judicial, por preço inferior ao da avaliação, desde que não seja vil, porque o insucesso do primeiro leilão, para o qual são convocados por edital os interessados, que faz presumir a ciência geral, revela o desinteresse do mercado na aquisição do bem pelo preço avaliado pelo oficial de justiça ou avaliador nomeado para esse fim. Na alienação por iniciativa particular, de outro lado, não há publicação de editais, razão pela qual não há, ao menos a princípio, qualquer elemento que permita concluir que os eventuais interessados foram cientificados da alienação do bem, justamente porque a publicação de edital é própria da alienação por leilão judicial.
Com efeito, falta à alienação particular a presunção de desinteresse do mercado pela aquisição do bem pelo preço de avaliação, que se faz presente na alienação por leilão judicial, razão pela qual a admissão da expropriação por preço inferior redundaria, como diz Araken de Assis, na espoliação do executado, o que não é a finalidade da execução431. Não se pode desconsiderar, porém, que, na prática, é possível que a alienação particular se mostre infrutífera, justamente pela recusa dos interessados no bem em ofertar a sua aquisição pelo preço de avaliação. Cremos que, nesse caso, cabível seria a realização de nova avaliação, a fim de se apurar se o bem ainda tem a projeção econômica que tinha quando da avaliação, o que seria admissível com fundamento no art. 873, I e II, do CPC/2015, já que poderia haver erro na primeira avaliação, daí o insucesso da alienação, ou poderia ter decorrido tempo razoável entre esse ato e a tentativa de alienação. Com isso, tem-se que haveria efetiva e formal apuração do valor de mercado do bem penhorado. 4.2.2 Alienação em leilão judicial Não ocorrendo a adjudicação do bem penhorado ou a sua alienação por iniciativa particular, tem lugar a sua alienação em leilão judicial (cf. art. 881 do CPC/2015). Na vigência do Código anterior, falava-se em hasta pública (art. 686, caput), que tinha como espécies a praça, destinada à alienação de bens imóveis, e o leilão, destinado à alienação de bens móveis (art. 686, IV). O CPC vigente simplificou a questão, tratando qualquer hipótese de licitação como “leilão judicial” (art. 879, II), que será realizado por leiloeiro público, salvo se os bens penhorados puderem ser alienados em bolsa de
valores (art. 881, §§ 1º e 2º). O leilão judicial, ademais, será realizado, preferencialmente, por meio eletrônico, conforme deflui do art. 882, primeira parte, do CPC, realizando-se presencialmente apenas quando não for possível a realização por meio eletrônico, caso em que caberá ao juízo designar o local de sua realização (art. 882, § 3º). Trata-se, uma vez mais, de dispositivo que otimiza e informatiza o processo civil contemporâneo. A fim de dar confiabilidade e segurança ao leilão judicial eletrônico, devese observar as regras expedidas pelo CNJ432 (art. 882, § 1º). Além disso, a realização eletrônica do ato demandará a observância da ampla publicidade, garantindo-se, ainda, os padrões de segurança e autenticidade dos atos praticados eletronicamente. Nesse ponto, o § 2º do art. 882 alude às normas que regulam a certificação digital, que objetiva dar autenticidade aos atos praticados em meio eletrônico. Em qualquer dos casos – realização do leilão eletrônico ou presencial –, caberá ao juízo nomear o leiloeiro público que conduzirá o ato, podendo o exequente indicar determinado leiloeiro ao juízo (cf. art. 883). O leiloeiro tem direito de ser remunerado pelos serviços que serão prestados, conforme prevê o art. 884, parágrafo único, do CPC, que diz ser do arrematante a obrigação de pagar a quantia fixada em lei ou arbitrada pelo juízo. Cabe ao leiloeiro, na forma dos incisos I a V do art. 884, publicar o edital de convocação para o certame, o que inclui também a sua elaboração, como é da praxe forense, realizar o leilão judicial, presidindo-o, expor o bem a ser alienado aos interessados, receber o pagamento do arrematante, depositandoo no prazo de 1 dia em juízo e, por fim, prestar contas, em juízo, no prazo de
dois dias contados do depósito. Vejamos, então, o procedimento que deverá ser seguido nessa forma de expropriação de bens do executado. 4.2.2.1 Procedimento À falta de interessados na adjudicação do bem penhorado ou na sua aquisição particular, cabe ao exequente requerer a sua alienação em leilão judicial, indicando, se o caso, o leiloeiro que entende capacitado à função (cf. art. 883, parte final). Deferida pelo juízo a alienação do bem, será nomeado o leiloeiro judicial, que poderá ou não ser o indicado pelo exequente (art. 883, primeira parte). Nessa oportunidade, deliberar-se-á pela realização de leilão eletrônico ou presencial. Ademais, caberá ao julgador fixar o preço mínimo de alienação do bem, as condições de pagamento e as garantias que deverão ser prestadas pelo arrematante (cf. art. 885). Dar-se-á, ademais, ciência ao leiloeiro, a fim de que se manifeste a respeito da aceitação ou não do munus. Aceita a nomeação, caberá ao leiloeiro, em prazo assinalado pelo juízo, elaborar o modelo de edital que será publicado. Os requisitos essenciais do edital se encontram previstos no art. 886 do CPC. De sua redação, extrai-se que o edital deverá conter, necessariamente, a pormenorizada descrição do bem que será alienado, indicando-se, ainda, a sua situação e divisas, bem como o número de matrícula e demais registros, caso se trate de bem imóvel (inciso I). Prevê o art. 887, § 2º, parte final, que a descrição do bem penhorado deverá conter, sempre que possível, imagens do
bem penhorado, bem como a indicação da forma de realização do leilão judicial (presencial ou eletrônica). Também constará do edital o valor de avaliação do bem, o preço mínimo de arrematação, as condições de pagamento e o valor ou percentual de comissão do leiloeiro (inciso II), o local em que se situam os bens, se se tratarem de bens móveis, em geral, bem como a indicação dos autos do processo em que foram penhorados créditos do executado, caso seja esse o objeto da penhora (inciso III). Constará também do edital o local em que se realizará o leilão presencial, ou o site em que se realizará o leilão eletrônico, bem como a data de realização (ou período, tratando-se de leilão eletrônico) do primeiro leilão (inciso IV), bem como do segundo, caso infrutífera a primeira licitação (inciso V). Por fim, deverá constar do edital a indicação de eventuais gravames que recaiam sobre o bem, bem como a situação do processo em que realizada a penhora, notadamente a existência de recurso ou processo pendente de julgamento e que digam respeito ao bem que será alienado (inciso VI). Aprovado o edital, será ele publicado na Internet, em site designado pelo juízo (art. 887, § 2º, primeira parte), cabendo ao leiloeiro dar ampla divulgação ao certame (art. 887, caput). Caso não seja possível a publicação do edital na Internet, ou na hipótese de o magistrado entender que essa forma de publicação não é efetiva na localidade em que se realizará a licitação, determinar-se-á a publicação do edital em “local de costume” (local de grande circulação de pessoas, na comarca, por exemplo). Nessa hipótese, deverá ser publicado resumo do edital, ao menos 1 vez, em jornal de ampla circulação local (cf. art. 887, § 3º). Ainda, a depender da natureza dos bens levados a leilão, bem como das
condições da sede do juízo, será possível alterar a frequência de publicação dos editais, a forma de publicidade, bem como a divulgação do leilão em emissoras de rádio e televisão locais, bem como em sites, se se tratar de medida útil (cf. art. 887, § 4º). Caso o bem penhorado consista em imóvel ou veículo automotor, o edital deverá ser publicado na imprensa (ou outro meio de divulgação, caso haja distinto meio mais efetivo na localidade), preferencialmente em seção destinada à comercialização desses bens (cf. art. 887, § 5º). Trata-se, a rigor, de dispositivo que determina o anúncio da alienação dos bens na chamada seção de “classificados” dos jornais. Em qualquer caso, pode o julgador “determinar a reunião de publicações em listas referentes a mais de uma execução” (art. 887, § 6º). Objetiva-se, com isso, reunir as publicações de leilões judiciais, a fim de atrair a maior quantidade possível de interessados em dar lances, barateando, outrossim, a publicação dos editais. Além disso, é preciso que se observe o prazo mínimo entre a publicação do edital e a realização do leilão, ou início do período do leilão eletrônico, que é de cinco dias, conforme prevê o art. 887, § 1º, do CPC. Como bem observa Humberto Theodoro Jr., o referido prazo se destina a dar ciência a terceiros potencialmente interessados no bem a respeito da sua alienação em leilão judicial. Não se trata, portanto, de prazo processual, daí por que diz o autor correr no período de férias433. Acrescente-se a isso, pela mesma razão, que o aludido prazo não se conta em dias úteis, já que o art. 219 do CPC diz respeito apenas aos prazos processuais. Também deve anteceder a realização do leilão a intimação das pessoas elencadas nos incisos do art. 889 do CPC. Trata-se do próprio executado,
pessoalmente ou por procurador, se constituído nos autos (inciso I), salvo se tiver sido revel, sem posterior comparecimento (parágrafo único). Também deverão ser intimados da designação do leilão o coproprietário do imóvel indivisível que tenha sido penhorado (inciso II); o titular do direito de “usufruto, uso, habitação, enfiteuse, direito de superfície, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso”, quando a penhora recair sobre o direito de propriedade (inciso III); o proprietário do bem, quando a penhora recair sobre outro direito o direito de “superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso” (inciso IV); o credor pignoratício ou que tenha penhora previamente averbada, quando a constrição recair sobre o bem dado em garantia ou penhorado, salvo se o credor for parte na execução (inciso V); o promitente comprador, quando a penhora recair sobre o bem cuja alienação foi prometida, desde que o instrumento tenha sido registrado (inciso VI); o promitente vendedor, caso o direito aquisitivo sobre o bem houver sido penhorado, desde que registrada a promessa (inciso VII); e a União, Estado ou Município, quando a penhora recair sobre bem tombado (inciso VIII). A intimação de tais pessoas deverá ocorrer também com antecedência mínima de cinco dias, conforme se colhe do art. 889, caput, do CPC. Caso, por qualquer motivo, não seja realizado o leilão na data aprazada, deverá ser publicado novamente o edital, bem como ser intimadas as pessoas elencadas no mencionado art. 889 do CPC, conforme se extrai do art. 888, o que se destina a dar ciência aos interessados em relação à nova data do ato. Interessa notar que o parágrafo único do art. 888 atribui responsabilidade civil ao “escrivão, chefe de secretaria ou leiloeiro que culposamente der causa à transferência” da data do leilão. Com efeito, o dispositivo responsabiliza
subjetivamente o auxiliar do juízo que, por ato culposo, frustrar a realização do leilão. É, por exemplo, o caso de ser publicado o edital de convocação com antecedência menor do que os cinco dias, prevista pelo art. 887, § 1º, o CPC, por desídia do leiloeiro. Nesse caso, será necessária a redesignação de data para realização ou início do leilão, causando prejuízos, no mínimo, pela necessidade de nova publicação do edital. De outro lado, publicado o edital e realizadas as intimações tempestivamente, seguir-se-á a realização do leilão. Na data prevista, realizar-se-á o primeiro leilão, realizando-se o segundo apenas na hipótese de não ser arrematado o bem na primeira ocasião. Por fim, diz o art. 900 do CPC que, se for ultrapassado o horário de expediente forense, dever-se-á suspender o leilão, que será retomado no dia útil subsequente, à mesma hora, independentemente de nova convocação por edital. Vejamos, nesse passo, as questões tocantes ao preço mínimo de arrematação dos bens. 4.2.2.2 Preço mínimo O art. 692 do CPC/73 vedava a oferta de preço vil pela compra do bem penhorado, fazendo expressa referência à segunda hasta pública. Justificavase a referência à segunda tentativa de alienação porque se admitia que na primeira hasta pública o lance mínimo corresponderia ao valor de avaliação do bem. Com efeito, na primeira hasta, os eventuais licitantes deveriam oferecer, no mínimo, o valor de mercado do bem (valor da avaliação) e, apenas em caso de insucesso da primeira tentativa de alienação pública do bem, é que se poderia cogitar de lances em valor inferior, desde que não
fossem vis. O CPC/2015 não repetiu, ao menos expressamente, a aludida regra, pois o art. 891, correspondente ao antigo art. 692 do CPC/73, não faz mais referência ao segundo ato. Isso, somado à redação dos arts. 885 e 886, II, que determinam ao juízo que fixe o preço mínimo de avaliação, levou alguns autores a concluir que é lícito ao magistrado autorizar que, já no primeiro leilão, ofereça-se lance inferior ao preço de avaliação, desde que não se trate de preço vil434. Tal constatação, porém, parece-nos merecer mais detida análise. Como já se afirmou no item 4.2.1.2 do presente capítulo, destinado a tratar do preço mínimo de alienação do bem penhorado, por iniciativa particular, o valor da avaliação serve como parâmetro da projeção econômica do bem, isto é, trata-se de seu valor de mercado. A execução forçada, como também se disse, tem por finalidade a satisfação do credor, sem que isso importe em “espoliação do executado”, como corretamente aponta Araken de Assis435. Com efeito, se o executado deixa de cumprir determinada obrigação de pagar quantia e se vê sujeito à tutela executiva do Estado, é preciso que se retire de seu patrimônio quantia suficiente para satisfazer o crédito exequendo. Não se deve, pois, retirar mais ou menos do patrimônio do executado do que o estritamente necessário à satisfação do exequente. Parece-nos, pois, que não há razão para admitir que, na primeira oportunidade em que o bem penhorado será ofertado à alienação, se aceite a venda por preço inferior ao valor de mercado, o que claramente viola o direito de propriedade do executado, que responde com seu patrimônio por suas dívidas, até o limite do quantum devido a outrem.
Assim, apenas quando se verificar, após o primeiro leilão, que não há interesse do mercado em adquirir o bem pelo preço de avaliação é que se admitirá a venda por preço inferior, desde que não seja vil, justamente porque não se deve perder de vista a finalidade da execução: satisfazer o credor. Com efeito, na hipótese de o magistrado vislumbrar, antes do primeiro leilão, que o valor de avaliação do bem não se coaduna com as práticas de mercado e que isso afastará eventuais interessados, tem-se, na verdade, hipótese de realização de nova avaliação, com fundamento no art. 873, III, do CPC. Por isso, parece-nos que o valor de avaliação do bem continua a ser o parâmetro mínimo dos lances no primeiro leilão, já que corresponde, em princípio, ao seu valor de mercado. Havendo dúvida quanto à atratividade do bem, dado o seu valor, deverá o juízo, em verdade, determinar a realização de nova avaliação, já que aquela anteriormente feita poderá não corresponder ao real valor de mercado. É preciso, noutros termos, que ao menos se busque a alienação do bem pelo seu valor de mercado (valor de avaliação). Já no segundo leilão, quando terá restado infrutífera a primeira tentativa de alienação do bem, admitir-se-á a arrematação por preço inferior ao da avaliação, já que o princípio do resultado impõe que não se tome por absoluta a preservação do patrimônio do executado. É dizer: demonstrando-se que não houve interesse do mercado em adquirir o bem pelo preço de avaliação, permite-se que outro valor seja considerado como base para os lances em segunda tentativa. Pois bem. Pela mesma razão acima exposta, tocante à proteção do patrimônio do executado e pela impossibilidade de que a execução se
transmute em mero meio de espoliação do devedor ou responsável, o art. 891 do CPC impede que se realize a venda do bem por preço considerado vil. Na vigência do CPC/73, inicialmente não se admitia qualquer ilicitude na alienação do bem penhorado por preço muito inferior ao da avaliação, surgindo na jurisprudência a discussão tocante à vileza do lance vencedor. Posteriormente, a Lei n. 6.851/80 alterou o art. 692 do Código Buzaid, que passou a vedar expressamente a alienação do bem penhorado por preço vil. Contudo, referido dispositivo não fornecia parâmetros para se definir o que era “preço vil”, razão pela qual sua definição dependeria do caso concreto, firmando-se entendimento jurisprudencial de que a alienação do bem por preço inferior à metade do valor de avaliação constituiria venda a preço vil436. Nesse contexto, haveria nulidade da arrematação se o juízo não fixasse o preço mínimo dos lances, estabelecendo o que se consideraria “preço vil” no caso concreto, caso o bem fosse adquirido por preço inferior a 50% do valor de avaliação. O legislador, atento aos infortúnios causados pela falta de parametrização mínima da vileza do preço, introduziu, no parágrafo único do art. 891, presunção absoluta de vileza do preço, quando o lance for inferior a 50% do valor de avaliação do bem. Ou seja, cabe ao juízo, conforme preveem os arts. 885 e 886, II, do CPC vigente, estabelecer o valor mínimo dos lances, considerando-se vil o lance inferior a ele, conforme dicção da primeira parte do art. 891, parágrafo único, do CPC. Contudo, à falta de fixação do preço mínimo dos lances, pelo juízo, considerar-se-á como vil qualquer oferta inferior à metade do valor de avaliação.
É possível, evidentemente, que o magistrado fixe percentual superior à metade do valor de avaliação, inadmitindo qualquer oferta menor, por exemplo, que 70%. Porém, o contrário não é verdadeiro, sendo absolutamente inadmissível a fixação do valor mínimo inferior a 50% do montante apurado em avaliação, justamente porque há presunção absoluta da vileza do preço. Questão interessante diz respeito ao lance para aquisição de bem pertencente a incapaz. Diz o art. 896 do CPC que, tratando-se de leilão judicial de bem de incapaz, a não obtenção de lance de, no mínimo, 80% do valor de avaliação importará em suspensão da alienação pelo prazo de até 1 ano, período em que o bem ficará sob a guarda e administração de depositário idôneo. Objetiva-se, com isso, tutelar o interesse do executado, quando incapaz, impedindo-se que a venda se dê por preço inferior a 80% do valor de avaliação, em segundo leilão (já que no primeiro os lances deverão observar, como mínimo, o valor da avaliação). Dessa forma, em segundo leilão, não havendo lances que superem os 80% do valor de avaliação, suspender-se-á a alienação do bem, ficando ele sob os cuidados de depositário idôneo nomeado pelo juízo. Nesse interregno, havendo interessado que ofereça e garanta, mediante caução idônea, o pagamento do valor de avaliação, ordenar-se-á a alienação (art. 896, § 1º). Caso o pretendente desista da aquisição, ser-lhe-á aplicada multa de 20% sobre o valor da avaliação, que será revertida em proveito do executado incapaz, que gozará de título executivo (art. 896, § 2º). Ao lado disso, é possível que o bem seja locado, conforme autoriza o § 3º do art. 896, caso em que os frutos deverão ser utilizados para abater o saldo
devedor. Tratar-se-á, pois, de penhora dos frutos do bem. Vencido o prazo de 1 ano sem que se obtenha a alienação do bem, na forma do § 1º do art. 896, não sendo suficientes à satisfação do crédito os valores recebidos a título de aluguel, realizar-se-á novo leilão, agora sem a limitação do art. 896, caput, mas apenas a do art. 891 do CPC, salvo se outro percentual houver sido fixado pelo juízo. Vejamos, nesse passo, como se dá a arrematação do bem. 4.2.2.3 Arrematação A arrematação é o ato pelo qual o leiloeiro declara ter sido aceita a oferta formulada pelo licitante. Arremata-se, pois, quando se oferece lance que é aceito pelo leiloeiro, enquanto auxiliar do juízo. Tem-se, pois, que, com a arrematação, o arrematante obtém o direito de tomar para si, contra pagamento do preço, o bem penhorado que foi levado à alienação. Interessa-nos, nesse passo, saber quem são os legitimados a oferecer lances e, pois, figurar como arrematantes. Em verdade, a legitimação à arrematação é residual, pois o art. 890, caput, do CPC diz serem legitimados todos aqueles que têm a livre disposição de seus bens (os pródigos – arts. 4º, IV, e 1.782 do CC – não podem arrematar, v.g.), excetuadas as pessoas arroladas nos incisos I a VI do próprio dispositivo. A vedação à arrematação pelas pessoas elencadas nos incisos do art. 890 decorre de sua posição em relação ao próprio bem, em relação às partes ou em relação ao próprio processo. Assim, impede-se que os tutores, curadores, testamenteiros,
administradores
ou
liquidantes
adquiram
os
bens
administrados (inciso I), assim como os mandatários, responsáveis pela alienação (inciso II), o juiz, o membro do Ministério Público ou da Defensoria Pública, bem como os serventuários da justiça e demais auxiliares do juízo, em relação aos bens alienados na localidade em que atuam, ou quando sujeitos à sua autoridade, conforme se extrai do inciso III do dispositivo (nada impede, por exemplo, que um magistrado vinculado ao TJSP arremate bem levado a leilão por órgão judicial vinculado ao TJRJ, por exemplo), os servidores públicos, em relação aos bens da pessoa jurídica à qual estejam vinculados, ou em relação aos quais exerçam administração direta ou indireta (inciso IV), o leiloeiro e seus prepostos, em relação aos bens por eles postos à licitação (inciso V) e os patronos de quaisquer das partes (inciso VI). Aliás, interessa notar que o Código não impede que o próprio exequente arremate o bem, caso em que ficará dispensado de depositar o valor da arrematação, salvo se não for o único credor ou se o valor do bem superar seu crédito, caso em que deverá depositar o valor no prazo de três dias, conforme prevê o art. 892, § 1º, do CPC. Vale notar que, muito embora o exequente pudesse ter requerido a adjudicação do bem para si, pelo preço de avaliação, tratando-se de leilão judicial, atingindo-se o segundo leilão, poderá ele oferecer lance como qualquer outro licitante, desde que não seja vil437, razão pela qual pode ser mais vantajosa ao exequente a aquisição do bem pela via do leilão judicial. Conforme se disse anteriormente, ao tratar do procedimento do leilão judicial, caberá ao juízo fixar a forma de pagamento do preço pela aquisição do bem. Caso não haja estipulação especial no caso concreto, caberá ao arrematante depositar imediatamente o preço (art. 892, caput). Sendo
arrematante o exequente, conforme dito acima, o prazo para pagamento será de três dias. Havendo múltiplos interessados, arrematará o bem aquele que der o maior lance. Porém, subsistindo o empate, terão preferência o “cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do executado”, conforme dicção do art. 892, § 2º. Não sendo nenhum deles o licitante, prevalecerá a oferta feita em primeiro lugar. Caso o bem penhorado seja tombado, a preferência pela aquisição será da União, do Estado ou do Município, nessa ordem (art. 892, § 3º). Ademais, tratando-se de leilão de diversos bens, terá preferência o licitante que ofertar a compra de todos eles conjuntamente. Caso algum dos bens não tenha obtido lance, caberá ao licitante, para que tenha a preferência aqui tratada, oferecer lance igual ao valor de avaliação do bem, igualando o maior lance dado, em relação aos demais bens (art. 893). Tratando-se de penhora de imóvel que admita cômoda divisão, poderá ser alienada apenas parte dele, tal como já se afirmou, ao tratar da penhora de parte do bem e sua avaliação, cabendo ao exequente requerer a venda de apenas parte do bem com tempo suficiente a que se realize a sua avaliação, cabendo ao credor apresentar a planta e o memorial descritivo do imóvel, subscrito por profissional habilitado (art. 894, § 3º). É preciso, apenas, que a porção alienada do bem seja suficiente para satisfazer o crédito exequendo, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 894, caput). Se não houver lance, o imóvel será alienado integralmente (art. 894, § 1º). Ao fixar os contornos da alienação do bem, poderá o juízo exigir que sejam prestadas garantias do adimplemento da obrigação do arrematante, isto é, o pagamento do preço. Nesse caso, não sendo pago o preço no prazo
estipulado (ou de imediato, se não houver estipulação em sentido contrário – art. 892), o arrematante perderá, em proveito do exequente, a caução prestada, conforme preconiza o art. 897. Trata-se de hipótese de resolução da arrematação, decorrente do inadimplemento do arrematante. Nesse caso, o bem será novamente submetido a leilão, em que não poderão oferecer lances o arrematante e seu fiador. Caso o fiador do arrematante pague o valor do bem, ser-lhe-á lícito requerer que o bem arrematado lhe seja transferido (art. 898), ou seja, o pagamento do preço pelo fiador o legitima a receber o próprio bem arrematado. Tratando-se da venda de vários bens do executado, tão logo se apure que o produto das arrematações é suficiente para o integral cumprimento das obrigações deverá ser suspensa a arrematação, conforme prevê o art. 899 do CPC, justamente para que não sejam expropriados mais bens do executado do que os necessários ao cumprimento de suas obrigações. É possível, ademais, que eventual interessado em adquirir o bem de maneira parcelada proponha, por escrito, adquirir o bem, indicando o pagamento de, no mínimo, 25% do preço à vista e o remanescente em até 30 meses, com garantia hipotecária do próprio bem, se se tratar de imóvel, ou caução idônea, se se tratar de bem móvel (cf. art. 895, § 1º, do CPC). A proposta deverá conter, então, a específica indicação do preço, forma de pagamento e índice de atualização monetária do montante (art. 895, § 2º). Se a proposta escrita for apresentada antes do início do primeiro leilão, o preço mínimo será o da avaliação do bem (art. 895, I). Se a proposta vier aos autos antes do início do segundo leilão, admitir-se-á a oferta de qualquer valor, desde que não seja vil, assim definido pelo próprio juízo ou,
subsidiariamente, pelo art. 891, parágrafo único, do CPC (art. 895, II). Nessa hipótese, não haverá a realização do leilão, propriamente dito, mas ainda assim poderá haver licitação entre os interessados, caso dois ou mais se apresentem nos autos para oferecer propostas de aquisição do bem penhorado. Em qualquer caso, a simples proposta não suspenderá a realização do leilão (art. 895, § 6º), que só não ocorrerá se for aceita a proposta. Caso haja concorrência entre os interessados, caberá ao juízo optar pela proposta mais vantajosa e, subsistindo o empate, seguir-se-á a ordem cronológica das ofertas, conforme prevê o art. 895, § 8º438. Ademais, terá preferência a oferta de pagamento do preço à vista (art. 895, § 7º). Tratando-se de pagamento parcelado, os valores pagos pelo arrematante serão destinados ao exequente, até o limite do seu crédito, atribuindo-se ao executado o valor remanescente (art. 895, § 9º), salvo, é claro, se o exequente não for o credor com preferência ou, no tocante ao saldo remanescente, houver outros credores aguardando a alienação do bem. Alienado o bem, a impontualidade no pagamento do preço acarretará a incidência de multa de 10% do valor das parcelas vincendas (art. 895, § 4º), podendo o exequente optar por pleitear a resolução da arrematação ou a cobrança do saldo remanescente. Em qualquer dos casos, o pedido será formulado incidentalmente nos autos do próprio processo de execução em que tiver ocorrido a arrematação (art. 895, § 5º). Assim como ocorre na adjudicação e na alienação por iniciativa particular, arrematado o bem, será lavrado auto de arrematação (art. 901), do qual será extraída carta de arrematação, se o caso (se se tratar de bem imóvel), bem como a ordem de entrega do bem móvel ao arrematante ou de imissão na
posse do bem imóvel, pelo adquirente, o que ocorrerá tão logo seja pago o preço ou prestadas as garantias e paga a comissão do leiloeiro e as demais despesas da execução (art. 901, § 1º). A carta de arrematação, ademais, “conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula ou individuação e aos seus registros, a cópia do auto de arrematação e a prova de pagamento do imposto de transmissão, além da indicação da existência de eventual ônus real ou gravame”. O auto de arrematação, além disso, conterá a assinatura do juiz, do arrematante e do leiloeiro, oportunidade em que se considerará pronta e acabada a alienação, ou seja, não mais sujeita à sorte da execução (art. 903, caput). Com efeito, ainda que se trate, por exemplo, de cumprimento provisório de sentença, a alienação do bem penhorado, quando possível (art. 520, IV, do CPC), não será revertida em caso de extinção do título provisório que deu ensejo ao cumprimento provisório. Ou seja, alienado o bem, poderá o executado, quando muito, pleitear a reparação civil, por parte do exequente, que responde objetivamente pela execução (art. 520, II), não se atingindo o arrematante. Há casos, porém, em que se pode atingir a arrematação, o que ocorrerá quando for ela inválida, ineficaz ou for resolvida. Será inválida a arrematação quando realizada por preço vil ou quando contiver qualquer outro vício, como a violação ao art. 890, por exemplo, que trata da legitimidade para a arrematação (art. 903, § 1º, I). Será ineficaz, de outro lado, quando não for observado o art. 804, isto é, a arrematação não produzirá efeitos em relação ao credor pignoratício, caso não tenha sido intimado da alienação do bem dado em garantia (art. 903, § 1º,
II). Será resolvida a arrematação quando o preço não for pago, caso o exequente opte pela extinção da arrematação, em detrimento da cobrança do saldo devido pelo arrematante, ou não for prestada caução (art. 903, § 1º, III). Tais matérias deverão ser alegadas no prazo de 10 dias contados do aperfeiçoamento da arrematação, isto é, da sua ocorrência. Nesse caso, caberá ao juízo decidir a respeito da alegação, o que antecede a expedição da carta de arrematação (art. 903, § 2º). Com efeito, superado tal prazo, caberá ao interessado pleitear a anulação, declaração de ineficácia ou resolução da arrematação pela via da ação própria, para a qual deverá ser citado o arrematante, necessariamente (art. 903, § 4º). Aliás, a suscitação de qualquer vício da arrematação, com o fito de fazer com que o arrematante desista da aquisição do bem, constitui ato atentatório à dignidade da justiça, respondendo o suscitante pelos prejuízos daí advindos, além do pagamento de multa, que deverá ser arbitrada pelo juízo em até 20% do valor atualizado do bem, revertendo-se o montante em benefício do exequente (art. 903, § 6º). Por fim, admite-se que o arrematante desista da arrematação quando provar, no prazo de 10 dias, que o bem penhorado contém gravame não mencionado no edital (art. 903, § 5º, I), ou se alegar, antes da expedição da carta de arrematação, alguma hipótese de invalidade e ineficácia do negócio (art. 903, § 5º, II), valendo destacar que a remição feita pelo dispositivo ao § 1º do mesmo artigo leva a crer, à primeira vista, que o executado poderia desistir da arrematação pelo não pagamento do preço, o que não nos parece admissível. Por fim, o arrematante poderá desistir da arrematação se, “uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo,
desde que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação” (art. 903, § 5º, III). 4.3 Apropriação de frutos e rendimentos O inciso III do art. 825 prevê que a expropriação de bens do executado far-se-á pela “apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens”, que consiste na tomada, não do bem em si, mas daquilo que dele advém. Trata-se, em última análise, de consequência da realização da penhora de frutos e rendimentos, tema de que se tratou no item 2.2.6 do presente capítulo, pois só há que se falar em apropriação dos frutos e rendimentos se, antes disso, houver a sua penhora. Tal medida, a despeito de constar do rol previsto no art. 825 do CPC, não constitui, propriamente, meio expropriatório, pois a sua retirada do patrimônio do devedor se dará, na verdade, por meio da adjudicação ao exequente ou algum outro legitimado, ou pela alienação do bem. Pense-se na seguinte hipótese: pendendo ação de execução contra o proprietário de determinado imóvel, que é locado a terceiro, pode-se penhorar os frutos civis, isto é, os aluguéis, que deverão ser pagos ao exequente ou administrador nomeado, caso em que o objeto da penhora será atribuído ao exequente, por ter a mesma natureza da prestação que lhe é devida. Nesse caso, a apropriação do produto da locação pelo exequente em tudo se aproximará da adjudicação. De outro lado, pense-se no caso de serem penhorados os frutos de uma fazenda produtora de grãos. Nesse caso, é possível que o exequente não tenha interesse em se tornar dono desses frutos naturais, razão pela qual seria mais
vantajosa a sua alienação. Nesse caso, seguir-se-ia a sua venda, por exemplo, por iniciativa particular. Significa isso dizer, pois, que a apropriação de frutos e rendimentos dos bens do executado não importa, propriamente, em meio expropriatório, mas em meio executivo mais ligado à própria penhora, que objetiva, em último termo, satisfazer o credor, sem trazer o indubitável prejuízo ao executado de ser expropriado. 5. Satisfação do crédito Há duas formas de ser satisfeito o crédito cobrado pelo exequente nos autos do processo de execução ou da fase de cumprimento de sentença: expropriam-se bens do devedor, que são alienados e o produto da venda (dinheiro) é entregue ao exequente, ou expropriam-se bens do devedor, que são adjudicados ao próprio exequente, caso em que recebe prestação de objeto distinto do devido (cf. art. 904 do CPC). Há casos em que não é possível satisfazer de uma só vez o exequente, ou seja, que se lhe atribua dinheiro ou bens em monta suficiente à satisfação integral do crédito. Nesses casos, pode o exequente requerer ao juízo que libere os valores depositados nos autos, até a satisfação integral do crédito. É, por exemplo, o caso da penhora sobre faturamento da empresa, a que alude o caput do art. 905 do CPC. Nessa hipótese, se os depósitos feitos nos autos, relativos à penhora do percentual de faturamento, forem mensais, por exemplo, mensalmente poderá ser levantado o montante pelo exequente, abatendo-se o valor do saldo devedor. Isso, porém, dependerá da comunhão de três requisitos. Os dois primeiros estão previstos nos incisos I e II do art. 905 do CPC, que exigem que o credor
tenha sido o primeiro a obter a penhora sobre os bens, tendo, pois, preferência na sua excussão, e que não haja outro crédito com preferência em relação ao do exequente, como seria, por exemplo, o caso do crédito alimentar. Excluem-se, é preciso destacar, as hipóteses de insolvência civil e falência, em que há a arrecadação dos bens para pagamento dos credores em concurso. O terceiro requisito decorre, a contrario sensu, dos arts. 525, § 7º, e 919, § 5º, que tratam dos limites do efeito suspensivo atribuído à impugnação ao cumprimento de sentença e aos embargos à execução. Conforme deflui de tais dispositivos, a atribuição de efeito suspensivo à impugnação ou aos embargos à execução impede que se pratiquem atos expropriatórios, limitando-se a execução, no máximo, aos atos anteriores, como a realização da penhora439. Com efeito, para que se admita o levantamento dos valores depositados nos autos, é preciso que não haja oposição do executado ou que, havendo oposição, não se lhe tenha atribuído efeito suspensivo. Portanto, o levantamento de valores depende dos seguintes requisitos: (a) o credor deve ter sido o primeiro a obter a penhora, (b) que não haja qualquer outra espécie de preferência ao seu crédito e (c) que não tenha sido atribuído efeito suspensivo a eventual impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução. Ademais, prevê o parágrafo único do art. 905 que é vedada a autorização à liberação de valores ou bens apreendidos durante o plantão judiciário. Considera-se adimplida a obrigação com a simples expedição do mandado de levantamento, caso em que se dará imediata quitação ao executado (cf. art. 906, caput). Significa isso dizer que a mora do exequente em efetivamente
levantar o dinheiro depositado em conta judicial será irrelevante ao executado, que não mais será considerado em mora desde a expedição do documento. O alvará, ademais, pode ser substituído pela transferência eletrônica do valor depositado em conta judicial para conta bancária indicada pelo exequente (art. 906, caput). Trata-se de previsão que, claramente, busca minorar a burocracia na fase final da execução, ao lado de compatibilizar o procedimento com a informatização. Caso o produto da expropriação de bens do executado supere a quantia devida ao exequente, ao seu advogado e ao Estado (custas processuais), a diferença deverá ser restituída ao executado, já que o limite de sua responsabilidade patrimonial é o valor integral do débito (art. 907 do CPC). Por fim, conforme se disse anteriormente, ao tratar da ordem de preferência à adjudicação dos bens, havendo concorrência entre credores, o produto da alienação dos bens será destinado, primeiro, aos credores com preferência (art. 908, § 1º). Tratando-se de concorrência entre credores de mesmo nível, observar-se-á a ordem de realização da penhora (art. 908, § 2º). Nesse momento, será lícito aos credores se manifestar, desde que relativamente à ordem de preferência e à precedência da penhora, caso em que deverá o juízo em que tramita o processo em cujo bojo houve a expropriação do bem decidir a respeito da atribuição do produto da venda e tal ou qual credor (cf. art. 909 do CPC).
LXXIX OPOSIÇÕES DO EXECUTADO
1. Primeiras considerações Como já se abordou no capítulo introdutório do processo de execução e do cumprimento de sentença, a execução depende, necessariamente, da existência de título executivo, ainda que seja ele provisório (cf. art. 520 do CPC). A execução, como também se afirmou, é processo ou fase que objetiva implementar na ordem prática o direito materializado no título. É dizer: o título é necessário porque ele exprime o direito do credor, de modo a dispensar o acertamento do direito, seja porque ele já ocorreu (título executivo judicial), seja porque ele se faz desnecessário (título executivo extrajudicial), segundo a visão do legislador. O fato de haver título executivo que exprima a certeza, liquidez e exigibilidade do débito, porém, não significa que o executado estará necessariamente fadado a adimplir a obrigação. Há casos, por exemplo, em que o título executivo extrajudicial tem lastro em obrigação oriunda de negócio jurídico nulo. Noutros casos, é possível conceber a hipótese de o exequente pretender receber benefício maior do que
o correspondente à obrigação materializada no título. Em suma, o fato de existir título executivo não significa, necessariamente, que a obrigação deverá ser irremediavelmente imposta ao executado, tampouco que o exequente terá cobrado exata e precisamente aquilo que lhe é devido. Por isso, concebe-se, na execução, a necessidade de que o executado possa se opor a ela, fazendo-o por meio dos embargos à execução, quando se tratar de título executivo extrajudicial, ou de impugnação ao cumprimento de sentença, quando se tratar de título executivo judicial. Ao lado de tais modalidades de oposição do executado, tem-se também a chamada “exceção de pré-executividade”, criada pela praxe forense, que constitui meio de oposição do executado sem observância das formalidades próprias dos embargos à execução ou da impugnação ao cumprimento de sentença, destinando-se a combater vícios da execução que sejam cognoscíveis de ofício. Tratemos, portanto, de tais modalidades de oposição. 2. Impugnação ao cumprimento de sentença A impugnação ao cumprimento de sentença está prevista no art. 525 do CPC, que contém as matérias alegáveis pelo executado nessa sede. Em relação à execução contra a Fazenda Pública, o regramento consta do art. 535 do CPC. Muito embora o art. 525 esteja inserido no contexto do cumprimento de sentença que imponha obrigação de natureza pecuniária, é certo que ele se aplica também aos títulos judiciais que materializem as demais espécies de obrigação (fazer, não fazer e dar coisa distinta de dinheiro).
Desse modo, não só o cumprimento de sentença que imponha obrigação pecuniária ao executado pode ser impugnado por ele, mas também o cumprimento de sentença que imponha obrigação de fazer, não fazer e de dar coisa de natureza distinta de dinheiro. O mesmo se aplica, pois, à Fazenda Pública, quando executada por obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa diversa de dinheiro. A impugnação ao cumprimento de sentença surgiu no direito brasileiro com a Lei n. 11.232/2005, que introduziu o art. 475-L ao CPC/73. Antes disso, a necessidade de instauração de nova relação jurídica processual para que houvesse o cumprimento da decisão judicial reclamava, pois, que a oposição do executado se desse pela via dos embargos do devedor. Com efeito, tornando-se sincrético o processo, que passou a englobar a fase cognitiva e a fase executiva, criou-se também a figura da impugnação ao cumprimento de sentença. 2.1 Natureza jurídica da impugnação A impugnação ao cumprimento de sentença se constitui como meio de defesa do executado que, no bojo do próprio processo em que requerido o cumprimento de sentença, visa desconstituir a própria execução ou algum ato executivo. Destina-se, pois, a atacar a execução injusta, alegando-se questões materiais, ou substanciais, ou a atacar a execução ilegal, alegando-se questões processuais440. Trata-se, efetivamente, de meio de defesa do executado tipicamente prevista (arts. 525 e 535 do CPC), “que tem uma pretensão de destruir os atos do procedimento executivo, fundamentando-se em defesas materiais e/ou
processuais”441. No processo de conhecimento, a natureza defensiva da contestação se mostra patente porque, até a prolação da decisão de mérito, não haverá direito acertado. No cumprimento de sentença, por outro lado, a existência de título, por si só, revela que o credor é titular do direito, razão pela qual a sua defesa – impugnação – acaba por ter característica um pouco distinta da “mera” contestação, já que necessita, verdadeiramente, desconstituir o título, o que não ocorre na fase cognitiva. A despeito disso, não nos parece haver dúvida de que a impugnação é defesa, adaptada às necessidades de seu procedimento, isto é, o cumprimento de sentença. A impugnação ao cumprimento de sentença é apresentada nos próprios autos do processo, que se acha em fase satisfativa, instaurando verdadeiro incidente processual de natureza cognitiva nessa fase442. Isso porque na execução, como regra, a cognição exercida pelo magistrado não é a mesma daquela exercida no processo de conhecimento. Todavia, com a impugnação, passa a haver a necessidade de que o juízo decida, efetivamente, as questões suscitadas pelo executado, ultrapassando o limite cognitivo típico da fase executiva. A depender do resultado do julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença, serão cabíveis o agravo de instrumento ou a apelação. Se a impugnação não for acolhida pelo juízo, a consequência será a continuidade do cumprimento de sentença, razão pela qual o pronunciamento terá natureza de decisão interlocutória (art. 203, § 2º)443. De outro lado, se a decisão acolher a impugnação e tiver como consequência a extinção do processo, terse-á sentença (art. 203, § 1º). Contudo, é preciso notar que nem sempre o integral acolhimento da
impugnação terá como consequência a extinção do cumprimento de sentença. É possível, por exemplo, que a impugnação tenha apenas versado o excesso de execução (cf. art. 525, V, do CPC). Nesse caso, o acolhimento da oposição apresentada pelo executado terá como única consequência a redução do valor da execução, que prosseguirá, em tese, até a satisfação do credor. Nessas hipóteses, portanto, o pronunciamento judicial terá natureza de decisão interlocutória. Com efeito, se o julgamento da impugnação, favorável ou não ao executado (impugnante), não resultar na extinção do cumprimento de sentença, ter-se-á a prolação de decisão interlocutória, recorrível por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do CPC). De outro lado, se o julgamento da impugnação resultar na extinção do processo, e, pois, da fase de cumprimento de sentença, haverá sentença, recorrível por apelação (art. 1.009, caput, do CPC). 2.2 Prazo para a impugnação O caput do art. 525 do CPC prevê que o prazo para impugnação ao cumprimento de sentença é de 15 dias (úteis – art. 219 do CPC). Ademais, o termo inicial do aludido prazo coincide com o término do prazo para cumprimento da obrigação. Trata-se de disposição que alterou o regime do prazo de impugnação previsto no CPC/73. Na vigência do Código Buzaid, após a alteração promovida pela Lei n. 11.232/2005, previa-se que a impugnação poderia ser oposta no prazo de 15 dias contados da penhora, ou seja, era necessária a garantia do juízo para que, então, pudesse o executado impugnar o cumprimento de sentença.
Com efeito, com o advento do CPC/2015, a impugnação ao cumprimento de sentença se desvinculou da prévia penhora, iniciando-se o prazo tão logo se encerre o prazo inicial para cumprimento da obrigação. Ademais, conquanto o art. 525, caput, faça referência ao prazo de pagamento previsto no art. 523 (15 dias), é certo que deverá ser observado o prazo assinalado pelo juízo, quando se tratar de cumprimento de sentença que imponha obrigação de outra natureza. Assim, o termo inicial do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença corresponde ao último dia do prazo assinalado na intimação para adimplemento da obrigação444. Aliás, é preciso que conste do mandado de intimação que o prazo para impugnação terá início após o prazo de pagamento, conforme se colhe do Enunciado 92 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF445. Como já se observou ao tratar dos prazos processuais, em processo eles se contam excluindo o dia de início e incluindo o dia de término (cf. art. 224, caput, do CPC), razão pela qual o primeiro dia de contagem do prazo de impugnação corresponderá ao dia útil seguinte ao fim do prazo de pagamento. Vejamos o seguinte exemplo: imagine determinado mês em que não haja qualquer feriado. Nesse caso, sendo o executado intimado para pagamento do débito (obrigação pecuniária), no dia 1º do mês, segunda-feira, o termo ad quem para pagamento será o dia 19 do mesmo mês, sexta-feira. Com efeito, a contagem do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença terá início no dia 22 do hipotético mês, segunda-feira, já que aos sábados e domingos não se contam os prazos processuais. Assim, o termo final para impugnação ao cumprimento de sentença será o
dia 9 do mês subsequente, considerando-se também não haver feriado nesse período. Ao lado disso, havendo litisconsórcio passivo no cumprimento de sentença, os prazos para impugnação terão curso individualmente, isto é, contam-se a partir da intimação de cada um dos coexecutados e, pois, do término do prazo para pagamento. Porém, caso os coexecutados sejam representados por advogados de escritórios de advocacia distintos, aplicar-seá a eles a contagem dobrada do prazo, prevista no art. 229 do CPC, por força do art. 525, § 3º. Com efeito, o prazo se inicia a partir da intimação de cada executado, mas será dobrado, na hipótese do art. 229 do CPC. Ademais, observa-se que, muito embora o prazo para impugnação só se inicie após o prazo para pagamento, o protocolo antecipado da oposição será considerado tempestivo, na forma do art. 218, § 4º, do CPC. Ao lado disso, tratando-se de impugnação a ser oposta pela Fazenda Pública, quando for ela a executada, o prazo será de 30 dias, contados da intimação pessoal do representante judicial da Fazenda, na forma do art. 183, § 1º, do CPC. Vale notar, nesse particular, que não haverá a contagem em dobro prevista pelo caput do art. 183, porque o prazo previsto pelo art. 535 – 30 dias – já constitui disposição específica para a Fazenda Pública, constituindo a exceção prevista no § 2º do art. 183 do CPC. 2.3 Matérias passíveis de alegação As matérias passíveis de alegação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença são tipificadas pelo Código, ou seja, o próprio legislador estabeleceu aquilo que pode ser levantado pelo executado, com vistas a combater o cumprimento de sentença ilegal ou injusto.
Tais matérias, em geral, encontram-se previstas nos arts. 525, § 1º, e 535 do Código. Este dispositivo se aplica à Fazenda Pública, enquanto aquele se destina a regular as demais hipóteses de impugnação ao cumprimento de sentença. Ambos têm, praticamente, a mesma redação, distinguindo-se apenas em relação ao inciso IV do art. 525, que não tem correspondência no art. 535, o que decorre do fato de que contra a Fazenda Pública não há penhora, tampouco avaliação, motivo pelo qual seria inócua a previsão de impugnação sob esse fundamento. Com efeito, em relação às demais matérias, há identidade de fundamentos entre a impugnação ofertada pelo particular e pela Fazenda Pública, daí por que se tratará do tema conjuntamente. Ao lado de tais dispositivos, também o art. 32 da Lei n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem) estabelece matérias que podem ser alegadas em impugnação ao cumprimento. A sentença arbitral, como já se tratou no Capítulo LXXV, constitui título executivo judicial, na forma do art. 515, VII, do CPC. Assim, uma vez iniciado o cumprimento de sentença arbitral, a alegação de nulidade da sentença arbitral ou do próprio processo poderá ser aventada em impugnação, conforme prevê o art. 33, § 3º, ou em ação própria, conforme prevê o caput do mesmo art. 33 da Lei de Arbitragem. Pois bem. Dentre as matérias alegáveis, pelo CPC/2015, em impugnação ao cumprimento de sentença, tem-se, primeiramente, a falta ou nulidade da citação, quando, na fase de conhecimento, o processo tiver corrido à revelia do réu (arts. 525, § 1º, I, e 535, I). Essa previsão consubstancia a única possibilidade de se alegar vício ocorrido na fase de conhecimento em sede de cumprimento de sentença. Assim, proferida a decisão de mérito contra o réu que não foi citado, ou foi
citado invalidamente, somada ao seu não comparecimento nos autos (revelia), poderá o executado pleitear a desconstituição do título executivo judicial. Assim, se o réu compareceu espontaneamente ao processo (cf. art. 239, § 1º, do CPC), não haverá espaço para a impugnação ao cumprimento de sentença, ao menos sob esse fundamento. Aliás, caso tenha havido o comparecimento do réu para arguir a nulidade ou mesmo a inexistência de citação e tal alegação não tenha sido acolhida, com maior razão não se poderá falar em retomada da discussão em sede de cumprimento de sentença. Interessante questão é levantada pela doutrina, relativa à possibilidade de impugnação com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC, no cumprimento provisório de sentença, em que é plenamente cabível a oposição de impugnação (art. 520, § 1º). Marcelo Abelha, por exemplo, sustenta que a falta ou nulidade de citação poderá ser alegada em impugnação, mesmo que a fase de conhecimento ainda esteja em curso (daí ser provisório o cumprimento de sentença), pois “a) são questões de ordem pública informadas pelo princípio inquisitivo; é dever do juiz conhecê-las de ofício; c) poderiam ser alegadas em sede de petitio simplex; d) não precluem porque são normas cogentes; e) o processo ou fase ou módulo cognitivo está em curso”446. De outro lado, sustentam Fredie Didier Jr., Leonardo da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira que “essa alegação pressupõe que a decisão tenha transitado em julgado em processo de que não fez parte o executado, exatamente em razão de não ter sido citado ou tê-lo sido invalidamente”447. Parece-nos abalizada a posição defendida por esses autores. De fato, haveria certo contrassenso em suscitar a falta de citação (ou a sua nulidade)
em sede de impugnação ao cumprimento provisório de sentença, se o processo de conhecimento ainda está em curso. O pressuposto para a alegação dessa matéria em impugnação é, ao lado do vício na citação, o transcurso do processo à revelia do réu, razão pela qual nos parece mais adequado seguir o caminho do comparecimento espontâneo do demandado, na fase de conhecimento, ainda que com o objetivo de arguir a nulidade ou inexistência de citação. Por isso, temos presente que, estando em ato a fase de conhecimento, será este o ambiente adequado para alegação da falta ou nulidade da citação. Porém, transitando em julgado a decisão, abrir-se-á a possibilidade de alegação dessa matéria no bojo do cumprimento (definitivo) de sentença, por meio da impugnação, desde que a falta ou nulidade da citação não tenha sido aventada na fase cognitiva. Também pode ser objeto de impugnação ao cumprimento de sentença a ilegitimidade de parte (arts. 525, § 1º, II, e 535, II, do CPC). Trata-se, portanto, de alegação que diz respeito às condições da ação executiva. Não se discute, portanto, se as partes eram legitimadas ad causam para figurar nos polos ativo e passivo na fase de conhecimento, mas sim na fase de cumprimento de sentença. Com efeito, eventual alegação de ilegitimidade de parte na fase de conhecimento, se não reconhecida no curso da fase cognitiva, só poderá ser alegada em ação rescisória (art. 966, V, do CPC), pois ter-se-á formado coisa julgada sobre o comando decisório. Em sede de impugnação, o que poderá o executado alegar é a desvinculação do exequente ou dele próprio ao título, seja ele definitivo ou provisório, o que também abrange os responsáveis secundários, de que se
tratou no Capítulo LXXV. Desse modo, se, por exemplo, no cumprimento de sentença o exequente se volta contra o fiador que não participou da fase de conhecimento, este poderá suscitar sua ilegitimidade passiva ad causam pela via da impugnação, já que o art. 513, § 5º, só reconhece a legitimidade do fiador, na execução de sentença, quando ele tiver participado da fase cognitiva. A inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação também consubstanciam hipótese de impugnação ao cumprimento de sentença (arts. 525, § 1º, III, e 535, III). Trata-se, ao que nos parece, da hipótese que mais enseja discussões, conforme se tratará nos itens seguintes. Na vigência do Código anterior, previa o art. 475-L, II, que era alegável a “inexigibilidade do título”. O Código vigente, por sua vez, fala em “inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação”, ou seja, distinguiu-se o óbice à execução por força da impossibilidade de o próprio título dar ensejo a ela, do óbice decorrente da própria obrigação. Inexequível é o título que ainda não pode ser oposto ao executado, ou seja, é aquele que ainda não se pode submeter à execução, já que o pressuposto desta é que o título ostente obrigação líquida, certa e exigível (cf. art. 783). Segundo aponta Araken de Assis, a inexequibilidade pode se fundar na interposição de recurso dotado de efeito suspensivo, razão pela qual a decisão recorrida não poderá ser eficaz desde logo, bem como na ausência de remessa necessária, quando exigível, ou na ausência de imposição de obrigação ao executado448. A inexigibilidade, de seu turno, diz respeito à obrigação, razão pela qual se liga à própria relação jurídica material e, pois, ao conteúdo da decisão exequenda.
Com efeito, é inexigível, por exemplo, a obrigação imposta na sentença que se subordine a condição ou termo. Assim, sem o implemento da condição ou o atingimento do termo, não há como impor ao executado o cumprimento da obrigação, já que ela será ainda inexigível. Da mesma forma, o art. 525, § 12, do CPC diz ser inexigível a obrigação fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF. Desse tema se tratará no tópico subsequente. A incorreção da penhora ou a avaliação errônea do bem são matérias que só podem ser alegadas em impugnação ao cumprimento de sentença quando a executada não for a Fazenda Pública, já que, como se disse acima, os bens públicos não se acham sujeitos à excussão judicial. Por isso, somente o art. 525, em seu § 1º, inciso IV, é que trata do tema como fundamento da impugnação. Nesse particular, é importante notar que a apresentação da impugnação, por outros fundamentos, não impede que o executado se insurja contra a penhora incorreta ou a avaliação errônea, quando tais atos ocorrerem após a prática do ato impugnativo. É dizer: já impugnado o cumprimento de sentença, a posterior penhora ou avaliação equivocadas poderão ser impugnadas pelo executado, que o fará por meio de petição autônoma, na forma do art. 525, § 11, que concede ao executado o prazo de 15 dias para arguir a nulidade da penhora, da avaliação ou de qualquer outro ato da execução que tenha ocorrido após o (início) do prazo para impugnação. Não se opera, nesse particular, a preclusão consumativa, notadamente porque a nulidade terá origem posterior à impugnação, propriamente dita. Impende notar, ademais, que, muito embora o inciso IV do art. 525, § 1º, se refira à avaliação errônea, prevista no art. 873, I, primeira parte, é fora de
dúvida que também pode ser alvo de impugnação a avaliação que tenha sido realizada com dolo do avaliador, prevista na parte final desse dispositivo449. O executado também pode se insurgir por meio da impugnação quando houver excesso de execução, por parte do exequente, ou cumulação indevida de execuções (arts. 525, § 1º, V, e 535, IV). O art. 917, § 2º, do CPC, aplicável ao cumprimento de sentença, trata do excesso de execução como matéria de embargos à execução. Em seus incisos, cuidou o legislador de identificar as hipóteses em que se considerará excessiva a execução, tratando da cobrança de quantia superior à constante do título (inciso I), da cobrança de coisa diversa daquela constante do título (inciso II), do processamento da execução de modo diverso do indicado no título (inciso III), da cobrança feita pelo exequente sem que, antes disso, tenha adimplido a sua obrigação (inciso IV) e da cobrança sem demonstração de que se operou a condição suspensiva da eficácia do título (inciso V). No mais das vezes, o excesso de execução revelar-se-á pela incompatibilidade entre o valor constante do pedido de instauração da fase de cumprimento de sentença e o título executivo judicial. Como já se abordou no Capítulo LXXVI, o título executivo judicial não depende de liquidação se a apuração de seu quantum exigir apenas a realização de operação aritmética. Nesses casos, cabe ao próprio exequente apresentar sua memória de cálculo, conforme exige o art. 524, caput, do CPC. Apenas nessa hipótese é que a disparidade entre o valor cobrado pelo exequente e aquele constante do título executivo poderá servir de fundamento à impugnação ao cumprimento de sentença. Assim, se houver a necessidade de liquidação da sentença (art. 509 do CPC), eventual disparidade entre o
valor apurado e o título que lhe deu ensejo deverá ser objeto de recurso, não cabendo a discussão em sede de impugnação ao cumprimento de sentença450. Mas pode-se dizer que, de modo geral, haverá excesso de execução sempre que o objeto da prestação almejada pelo exequente for diferente do objeto da prestação constante do título executivo judicial. Tratando-se de excesso de execução decorrente da cobrança de quantia superior àquela indicada no título executivo, caberá ao executado indicar, já na impugnação, o valor que entende devido, cabendo-lhe carrear aos autos a memória de cálculo (cf. arts. 525, § 4º, e 535, § 2º). Faltando à impugnação a indicação do valor devido ou a memória de cálculo, diz o Código que a impugnação não será conhecida, caso seja esse o seu único fundamento. Havendo outros fundamentos, apenas o excesso de execução é que não poderá ser conhecido pelo julgador (cf. arts. 525, § 5º, e 535, § 2º, parte final). Trata-se, a rigor, da mesma consequência da falta de indicação do valor devido ou da memória de cálculo, quando se tratar de título executivo extrajudicial, caso em que os embargos à execução serão liminarmente inadmitidos (art. 917, § 4º, I) ou processados, mas não conhecida a matéria tocante ao excesso de execução, caso a impugnação tenha mais de um fundamento (art. 917, § 4º, II). Ao lado do excesso de execução, é fundamento à impugnação ao cumprimento de sentença a “cumulação indevida de execuções”. Na forma do art. 780 do CPC, é admissível a cumulação de execuções quando o executado for o mesmo, o juízo for competente para conhecer de todas as ações e o procedimento também for idêntico, ainda que haja vários títulos. A bem da verdade, no cumprimento de sentença é incomum haver
cumulação de execuções, pois, no mais das vezes, o cumprimento de sentença, por ser mera fase de processo, sucedendo a fase cognitiva, é instaurado perante o mesmo juízo que prolatou a decisão de mérito, muito embora seja possível, na forma do art. 516, parágrafo único, do CPC, a alteração do juízo. Há casos, porém, em que é vislumbrável a mencionada cumulação. Basta pensar que o auxiliar do juízo pode ter créditos a receber de uma das partes do processo, por força de mais de um título (art. 515, V). O perito, por exemplo, pode ter elaborado dois laudos no processo, tendo direito ao recebimento
de
remuneração
homologada
por
decisões
diferentes,
constituindo-se, pois, dois títulos executivos judiciais, caso em que nos parece plenamente possível a cumulação das execuções. Portanto, é admissível a cumulação de execuções também no âmbito do cumprimento de sentença, embora seja mais rara do que na execução de título extrajudicial. Com efeito, inobservado o art. 780 do CPC, poderá o executado se insurgir por meio da impugnação. Também são alegáveis em impugnação ao cumprimento de sentença a incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução (arts. 525, § 1º, VI, e 535, V). Assim como a legitimidade ad causam, a matéria aqui alegável aduz apenas à competência do juízo da execução, pois, se a incompetência fosse do juízo em que tenha tramitado o processo na fase de conhecimento, haveria causa de rescisão da decisão transitada em julgado, se se tratasse de incompetência absoluta (art. 966, II, do CPC), enquanto, se houvesse incompetência absoluta, a não alegação em contestação faria com que houvesse a prorrogação da competência (art. 65 do CPC). Ademais, admite-se a oposição da impugnação ao cumprimento de
sentença em razão da existência de “qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença” (art. 525, § 1º, VII). Já o art. 535, VI, do CPC traz a mesma redação, exigindo, porém, que as causas modificativas ou extintivas sejam posteriores ao trânsito em julgado. Tratando-se de execução de título judicial, as causas modificativas ou extintivas do direito do autor devem ter sido alegadas na fase cognitiva, na exata forma do art. 336 do CPC. Assim, se, por exemplo, o crédito alegado pelo autor na inicial estiver prescrito e não houver tal reconhecimento pelo juízo, caberá ao réu, uma vez condenado a pagar a quantia, recorrer da decisão. Transitando em julgado a decisão, poderá, ainda, mover ação rescisória, se presentes os seus requisitos. De qualquer forma, o que o executado não poderá fazer é renovar a alegação de prescrição (ou fazê-lo pela primeira vez) em sede de cumprimento de sentença, pois, com o trânsito em julgado, “considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas” possíveis, conforme prevê o art. 508 do CPC. Por outro lado, se o fundamento da prescrição, que é fato extintivo do direito, for posterior à prolação da sentença – operou-se a prescrição intercorrente, por exemplo –, a matéria poderá ser alegada em impugnação ao cumprimento de sentença. Os dispositivos acima referidos – arts. 525, § 1º, VII, e 535, VI – aludem a pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, que são exemplos de causas extintivas ou modificativas do direito materializado no título. Não houve, vale ressaltar, o estabelecimento de rol taxativo de fundamentos, mas apenas de exemplos de causas que podem ser levantadas em impugnação, como deixa clara a locução “como”, constante de ambos os
dispositivos. Portanto, se o executado, antes de iniciada a fase executiva, paga a dívida, o cumprimento de sentença requerido pelo exequente deverá ser impugnado, com fundamento no art. 525, § 2º, VII, do CPC, já que a obrigação materializada no título executivo terá sido extinta. Da mesma forma, se tiverem as partes transacionado, a cobrança da dívida, tal como disciplinada no título executivo judicial, estará fadada ao insucesso, devendo-se acolher a impugnação do executado. Por fim, o art. 525, em seu § 2º, estabelece que a suscitação de impedimento ou suspeição do juiz far-se-á na forma dos arts. 146 e 148 do CPC. O art. 146, em verdade, trata do procedimento para a alegação da suspeição e do impedimento, que deverão ser suscitados no prazo de 15 dias, contados da data em que a parte tiver ciência da causa de imparcialidade do juiz. Reconhecido o impedimento ou a suspeição, os autos do processo serão remetidos ao substituto legal do magistrado impedido ou suspeito. Não sendo aceita a alegação, o juiz terá o prazo de 15 dias para apresentar suas razões, autuando-se o pedido em apartado, com a remessa ao tribunal para julgamento. O art. 148, de seu turno, faz aplicar ao membro do Ministério Público, aos auxiliares do juízo e aos “demais sujeitos imparciais do processo” as causas de impedimento ou suspeição. 2.3.1 Inconstitucionalidade anterior à formação do título – inexigibilidade da obrigação Os arts. 525, § 12, e 535, § 5º, do CPC consideram inexigível a obrigação
materializada em título executivo judicial quando a decisão se fundar em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF. Trata-se, a rigor, de dispositivos que substituem os arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do CPC/73 e que se ligam, em verdade, à questão da chamada “coisa julgada inconstitucional”, também tratada no item 2.6 do Capítulo XXXIV. Contudo, importa notar que as previsões de ambos os Códigos contêm especiais distinções. Primeiramente, nota-se que o CPC/2015 corretamente previu que a decisão do STF deve ser anterior à formação da coisa julgada (arts. 525, § 14, e 535, § 7º). Reconheceu-se, pois, superando as discussões existentes na vigência do CPC/73, que a decisão de mérito, ainda que contrária à Constituição, forma coisa julgada material, reclamando desconstituição pela via da ação rescisória (arts. 525, § 15, e 535, § 8º). Na vigência do CPC/73, discutia-se a respeito do tema porque os arts. 475L, § 1º, e 741, parágrafo único, não explicitavam se a decisão do STF poderia ser posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. À luz da lei processual anterior, o STF decidiu que a sua decisão, reconhecendo a inconstitucionalidade, deveria ser anterior ao trânsito em julgado, para que o executado pudesse simplesmente se opor à execução pela via da impugnação. Se a decisão do STF fosse posterior ao trânsito em julgado, caberia ao interessado o ajuizamento de ação rescisória451. O Código vigente, portanto, remeteu à via da ação rescisória o combate à coisa julgada formada sobre decisão fundada em norma inconstitucional, quando não houver decisão anterior do STF a respeito (cf. § 15 do art. 525 e § 8º do art. 535). Pois bem. Admite-se que a obrigação imposta por decisão de mérito
fundada em norma inconstitucional não poderá ser imposta ao executado, haja vista a prévia decisão do STF, no exercício da jurisdição constitucional. O art. 475-L, § 1º, do CPC/73 tinha redação semelhante ao art. 525, § 12, do CPC/2015. Contudo, o Código revogado não especificava a espécie de controle de constitucionalidade que deveria ser exercido pelo STF, isto é, se concentrado ou difuso, para tornar inexigível a obrigação. Como deflui da Constituição Federal, a decisão proferida pelo STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tem eficácia erga omnes e opera efeito vinculante (cf. art. 102, § 2º, da CF). Reconhecida a inconstitucionalidade pela via do controle concentrado, a lei ou ato normativo é retirado do mundo jurídico. De outro lado, quando a inconstitucionalidade é reconhecida pelo STF em sede de controle difuso, rigorosamente essa decisão só será aplicável às partes do processo em que proferida a decisão. Pessoas estranhas à relação processual, portanto, só poderiam ser atingidas se, além da decisão do STF, houvesse Resolução do Senado Federal suspendendo a eficácia da norma, a teor do que dispõe o art. 52, X, da CF. Por isso, entendia-se, ao tempo do Código revogado, que a causa de inexigibilidade do título executivo judicial só poderia decorrer do reconhecimento da inconstitucionalidade em sede de controle concentrado. Tratando-se de decisão em sede de controle difuso, essa matéria só poderia ser alegada em impugnação ao cumprimento de sentença se houvesse Resolução do Senado Federal retirando a eficácia da norma452. O CPC/2015, todavia, expressamente prevê que a decisão do STF que dá causa à inexequibilidade do título poderá decorrer do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade.
Parece-nos que, a rigor, os arts. 525, § 12, e 535, § 5º, do CPC não poderiam equiparar o controle difuso ao controle concentrado, senão quando houvesse concorrência de atuação do Senado, ao suspender a eficácia da norma453. O papel desempenhado pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da CF, já havia sido debatido pelo STF quando do julgamento da Reclamação 4.335/AC, em que se tratou da vinculação de decisão do STF em sede de Habeas Corpus, em cujo bojo se teria reconhecido a inconstitucionalidade de disposições da Lei de Crimes Hediondos. Segundo a posição defendida pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, o papel da Resolução do Senado teria passado a ser de mera informação, dando publicidade à decisão do STF, fruto da chamada “mutação constitucional”. Por ocasião do julgamento da referida reclamação, havia sido aprovada a Súmula Vinculante 26, que tratava da progressão de regime na Lei de Crimes Hediondos, tema central da reclamação, o que relegou a segundo plano a discussão tocante aos efeitos da decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade. Com efeito, não houve, propriamente, adesão à tese de que o art. 52, X, teria sofrido mutação constitucional. Porém, a jurisprudência do STF parece ter guinado definitivamente para a chamada “abstrativização do controle difuso”, equiparando os seus efeitos àqueles operados pela decisão da Corte em controle concentrado454. Além disso, o STF, julgando ADI455 proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra o art. 741 do CPC/73, acima referido, decidiu que é constitucional a previsão de que a decisão inconstitucional possa ter sua execução barrada pela via da impugnação ao cumprimento de sentença. Importa notar, ademais, que em referida decisão foi feita expressa
referência aos arts. 525, §§ 12 a 15, e 535, §§ 5º a 8º, do CPC/2015. Ou seja, parece-nos que o STF tende a reconhecer a eficácia expansiva das suas decisões, inclusive quando se tratar de controle difuso de constitucionalidade, de molde a ter por inexigível a obrigação quando, previamente, o STF tiver declarado incidentalmente a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo que sirva de fundamento à decisão456. Porém, não se pode perder de vista a necessidade de se ler os mencionados dispositivos de lei infraconstitucional à luz da Constituição. Considerando-se que o texto constitucional exige a edição de Resolução, pelo Senado Federal, para que a decisão do STF espraie seus efeitos sobre todos457, e não só sobre as partes do processo em que houver sido declarada a inconstitucionalidade incidentalmente,
temos
presente
que
somente
nesse
caso
a
inconstitucionalidade declarada em controle difuso poderá ser alegada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença. Do contrário, ao que nos parece, a função constitucional do Senado restará violada, já que, para todos os efeitos, o efeito prático advindo da declaração de inconstitucionalidade incidirá sobre todos, ainda que sua eficácia não tenha sido formalmente suspensa pela Casa Legislativa. Além disso, o § 13 do art. 525 e o § 6º do art. 535 autorizam que o STF module os efeitos de sua decisão, em prol da segurança jurídica, o que poderá influenciar na possibilidade de alegação da matéria em impugnação ao cumprimento de sentença. Para isso, basta pensar que o STF decida pela inconstitucionalidade, dando efeitos prospectivos à decisão (eficácia da decisão postergada para 1 ano após a decisão, por exemplo), com vistas à preservação da segurança jurídica (cf. art. 27 da Lei n. 9.868/99). Nesse caso, as decisões judiciais transitadas em julgado nesse interregno
não poderão ser impugnadas pelo executado, quando do cumprimento de sentença, ao menos com fundamento no § 12 do art. 525, já que os efeitos da decisão da Corte terão sido modulados. Tratemos, nesse passo, dos arts. 525, § 15, e 535, § 8º, do CPC. 2.3.2 Inconstitucionalidade posterior à formação do título – cabimento de ação rescisória Os arts. 525, § 15, e 535, § 8º, do CPC preveem que, se a coisa julgada se formar antes da prolação da decisão do STF que vier a reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo que lhe serviu de fundamento, caberá ao interessado, se assim desejar, ajuizar ação rescisória. Reconheceu-se, portanto, que, se a decisão do STF for posterior à decisão transitada em julgado, esta terá formado coisa julgada material e que só poderá ser desconstituída pela via da rescisória. Nesse particular, acolheu-se corretamente a orientação do STF a respeito da matéria, conforme se disse no tópico precedente458. Contudo, ambos os dispositivos acabaram por estabelecer que o termo inicial do prazo de dois anos para propositura da ação rescisória será a data do trânsito em julgado da decisão do STF. Diante disso, pode-se chegar à teratológica situação de se iniciar novamente o prazo para propositura de ação rescisória se, depois de dois anos do trânsito em julgado da decisão, sobrevier decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da norma que fundamentou a sentença. Diz-se “teratológica” a situação porque a indefinição quanto à possibilidade de rescisão da decisão transitada em julgado é motivo dos mais relevantes para a instabilidade jurídica459. É dizer: a prosperar a interpretação
literal do dispositivo, perpetuará no direito brasileiro a insegurança jurídica, já que a coisa julgada, mesmo após o decurso do prazo para propositura da ação rescisória, na forma do art. 975 do CPC, poderá ser desconstituída se e quando for proferida decisão pelo STF, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma que tiver servido de fundamento à decisão de mérito460. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, comentando o art. 525, § 15, do CPC, são categóricos ao afirmar que a interpretação literal do dispositivo (assim como do art. 535, § 8º) não é a mais adequada, pois leva a crer que existiriam dois prazos para propositura de ação rescisória – o primeiro, iniciado com o trânsito em julgado da própria decisão; o segundo, iniciado com o trânsito em julgado da decisão do STF –, o que significa dizer que a decisão do STF faria renascer o prazo decadencial. Segundo sustentam, a ação rescisória constitui exceção à garantia constitucional da coisa julgada, razão pela qual deve ser interpretada restritivamente. Por essa razão, entendem que “somente pode ser iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não tiver sido extinta a pretensão rescisória cujo prazo tenha-se iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda. Em outras palavras, o que o texto comentado autoriza é uma espécie de alargamento do prazo da rescisória que está em curso”461. Trata-se de posição justificável, sobretudo porque não há óbice à prorrogação do prazo para propositura da ação rescisória, como se pode perceber do art. 975, § 2º, do CPC, por exemplo. Por motivos próximos, sustenta Luiz Guilherme Marinoni que o § 15 do art. 525 (e, pois, também o art. 535, § 8º) é inconstitucional, pois viola a garantia à intangibilidade da coisa julgada. Segundo afirma, a desconstituição
da coisa julgada é medida excepcional e, por isso, deve ensejar interpretação restritiva462. Não é possível, portanto, que a norma infraconstitucional atinja de tamanha forma a coisa julgada. De todo modo, isto é, entendendo-se ou não que o dispositivo é inconstitucional e que, no mínimo, merece interpretação conforme a Constituição, é de se ter presente que os arts. 525, § 13, e 535, § 6º, poderão ser especialmente relevantes para evitar, na prática, a insegurança jurídica, pois com isso se dará solução pragmática ao problema do termo inicial do prazo decadencial para propositura da ação rescisória, por meio da modulação de efeitos, pelo STF. É dizer: com vistas à preservação da segurança jurídica e em razão da intangibilidade da garantia constitucional da coisa julgada, é preciso que o STF, ao julgar inconstitucional determinada lei ou ato normativo, expressamente decida se a declaração produzirá efeitos em relação às decisões transitadas em julgado. 2.3.3 Regra de transição a respeito da coisa julgada inconstitucional O legislador, atendendo à segurança jurídica, estabeleceu que a impugnação ao cumprimento de sentença fundada nos arts. 525, §§ 12 e 14, e 535, §§ 5º e 7º, e a ação rescisória fundada nos arts. 525, § 15, e 535, § 8º, só poderão ser aforadas quando combaterem decisões transitadas em julgado depois da entrada em vigor do CPC, aplicando-se o CPC/73 às decisões transitadas em julgado anteriormente. Com efeito, as decisões transitadas em julgado até 17 de março de 2016 serão alvo de impugnação ou ação rescisória, na forma do CPC/73. Às decisões transitadas em julgado a partir de 18 de março de 2016, inclusive,
aplicar-se-á o CPC/2015. 2.4 Efeito suspensivo Como regra, a impugnação ao cumprimento de sentença entre particulares não suspende o curso da execução. Pelo contrário, a execução (em sentido amplo), que é processo (ou fase) de fim único, prossegue, até que seja proferida decisão que anule algum ato executivo, ou que reconheça a própria inexistência de título, por exemplo. É o que diz o art. 525, § 6º, que, inclusive, admite que sejam praticados atos expropriatórios, mesmo quando sub judice a impugnação. Ou seja, ainda que o executado alegue, por exemplo, ser parte ilegítima, é possível que ele veja seus bens serem expropriados. Ao final, quando julgada a impugnação, o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva ad causam fará com que o exequente seja obrigado a indenizá-lo, mas os bens expropriados não retornarão ao patrimônio do impugnante. Contudo, é possível que o cumprimento de sentença seja suspenso, caso se congreguem os seguintes requisitos: (a) o juízo esteja seguro com penhora, caução ou depósito; (b) haja relevantes fundamentos na impugnação; (c) haja risco de que o prosseguimento da execução possa causar dano de difícil ou incerta reparação; e (d) haja pedido da parte executada, sendo vedado o agir oficioso do juiz (cf. art. 525, § 6º). O risco de dano, convém notar, deve ser aquele que foge ao risco lícito a que está submetido o executado, justamente pelo fato de se tratar de execução. Como aponta Araken de Assis, com a sua particular eloquência, “não se inventou, ainda, execução que não produza dano para o executado.
Todavia, trata-se de atividade lícita e o dano (diminuição patrimonial) não se revela injusto, mas conforme ao direito. O inevitável desfalque patrimonial não bastará, desse modo, à concessão do efeito suspensivo, porque inerente à função desse processo. É preciso algo mais: a grandeza do desfalque ou a qualidade do bem que deixará o patrimônio do executado”463. Daí a razão de ser dos termos utilizados pelo legislador: “o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação” (art. 525, § 6º, parte final, do CPC). A atribuição de efeito suspensivo, como já se falou em diversas outras passagens desta obra, constitui espécie de concessão de tutela provisória. Contudo, em relação à impugnação ao cumprimento de sentença, exige-se, além da probabilidade do direito e do risco de dano, típicos das tutelas de urgência, que haja a segurança do juízo. Justifica-se a exigência porque, diferentemente do processo de conhecimento, em que não há qualquer título que assegure a existência do direito, no cumprimento de sentença o credor já ostenta título executivo judicial, razão pela qual não basta, em princípio, a “mera” probabilidade de acolhimento da impugnação para que seja possível suspender o curso do cumprimento de sentença. Importa notar, ademais, que, estando presentes os requisitos acima tratados, é de se impor a atribuição de efeito suspensivo à impugnação, não havendo espaço a qualquer espécie de discricionariedade464. Ainda que seja concedido o efeito suspensivo, certo é que os atos de substituição, reforço ou redução da penhora, bem como a avaliação, não serão obstados, conforme preconiza o § 7º do art. 525. Significa isso dizer que os atos executórios continuarão a ser praticados, até o momento
exatamente anterior à expropriação465. Tratando-se de impugnação parcial, será também parcial a suspensão da execução, conforme prevê o art. 525, § 8º, do CPC. Com efeito, se a impugnação disser respeito, por exemplo, apenas ao excesso de execução, o preenchimento dos requisitos tratados pelo § 6º do dispositivo autorizará a suspensão da execução, mas apenas em relação à quantia que, segundo diz o executado, excede os limites do título. É dizer: em relação à parte não impugnada, prosseguir-se-á o cumprimento de sentença. Da mesma forma, a atribuição de efeito suspensivo à impugnação oposta por um dos litisconsortes passivos não beneficiará o outro, salvo se houver fundamento comum entre eles (art. 525, § 9º). Desse modo, tratando-se de fundamento comum (excesso de execução, por exemplo), a impugnação a todos aproveitará; se se tratar de fundamento pessoal (impenhorabilidade de determinado bem, por exemplo), o efeito suspensivo atribuído à impugnação beneficiará apenas o executado que houver obtido a medida. Por fim, interessa notar que a atribuição de efeito suspensivo à impugnação, seja integral ou parcial, ainda assim autoriza que se prossiga com a execução, bastando que o exequente o requeira ao juízo, que deverá fixar “caução suficiente e idônea” a ser prestada pelo exequente nos próprios autos (cf. art. 525, § 10). Deve-se perceber que o mencionado § 10 do art. 525 incide na hipótese de ser concedido o efeito suspensivo à impugnação, razão pela qual o seu acolhimento é provável (§ 6º). Essa, pois, é a justificativa para a imposição de caução a ser prestada pelo exequente, que, muito embora ostente título executivo, provavelmente verá reconhecida a existência de execução ilegal ou injusta.
2.4.1 Efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública Diferentemente da impugnação ao cumprimento de sentença entre particulares, a impugnação ofertada pela Fazenda Pública tem o condão de suspender o curso da execução por quantia certa. Como já se abordou no Capítulo LXXV, o cumprimento de sentença que imponha obrigação de pagar quantia à Fazenda Pública não se reveste de meios executivos diretos e indiretos. Isso porque a Fazenda Pública, de acordo com o art. 100 da CF, não se subordina aos procedimentos de penhora e expropriação. Pelo contrário, os débitos da Fazenda Pública são adimplidos por meio de precatórios ou de requisições de pequeno valor, não sendo lícito ao Estado-juiz se imiscuir no patrimônio público para dele retirar bens em quantidade suficiente à satisfação do credor. Por isso, não há, propriamente, atos executivos a serem praticados no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, daí por que a oposição da impugnação acabará apenas por retardar a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor. Com efeito, diz o § 3º do art. 535 do CPC que, se a impugnação for rejeitada ou não for apresentada, será expedido o precatório, por meio de ato do Presidente do Tribunal competente (inciso I). Tratando-se de quantia qualificada como de pequena monta, assim definida em lei (cf. art. 100, § 3º, da CF), caberá ao próprio órgão jurisdicional determinar o pagamento da quantia ao exequente, no prazo de dois meses, por meio de depósito do numerário em agência do banco oficial mais próximo da residência do credor. Para tanto, a Fazenda Pública executada deverá ser intimada na pessoa de seu
representante (inciso II). Por fim, vale notar que, tal como na impugnação entre particulares, a falta de impugnação integral ao cumprimento de sentença autoriza que se prossiga com a execução em relação à parte não impugnada (art. 535, § 4º), o que, como dito, autorizará a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, ainda que em relação apenas a parcela da obrigação, conforme art. 535, § 3º, do Código. 2.5 Procedimento da impugnação O legislador não cuidou de regular especificamente o procedimento da impugnação ao cumprimento de sentença, como fez com os embargos à execução, conforme se extrai dos arts. 918 e 920 do CPC466. Por isso, tais dispositivos, inclusive por força da aplicação subsidiária do Livro II da Parte Especial do CPC (Processo de Execução), ao cumprimento de sentença, devem ser aplicados à impugnação. Com efeito, é possível, primeiro, o julgamento liminar da impugnação, na forma do art. 918 do CPC. Nesse ponto, é preciso apenas que se faça a necessária adaptação ao cumprimento de sentença, já que, v.g., no mais das vezes não há falar em “petição inicial”, mas em petição “intermediária”. Nada impede, todavia, que a falta de rigor formal enseje o seu indeferimento, tal como ocorre no indeferimento da inicial. Ao lado disso, deve-se observar o procedimento previsto pelo art. 920, que exige a abertura de vista ao impugnado (exequente), na forma do inciso I. É possível, além disso, que seja produzida prova, caso a matéria alegada na impugnação demande dilação probatória (inciso II). Ao final, a impugnação será julgada. Caso o julgamento da impugnação
resulte na extinção do processo, o pronunciamento terá natureza de sentença; se não extinguir o processo, que se encontra em fase de cumprimento de sentença, tratar-se-á de decisão interlocutória. Questão interessante diz respeito à disciplina dos honorários de sucumbência quando houver oposição do executado por meio de impugnação. Como restou tratado no Capítulo LXXV, descumprido o prazo para cumprimento da obrigação, o advogado do exequente terá direito ao recebimento de 10% do valor da condenação, a título de honorários advocatícios. Se a impugnação for acolhida, com o reconhecimento de que a obrigação foi extinta, haverá a inversão da obrigação de pagar os honorários. Antes, caberia ao executado fazê-lo; com o acolhimento da impugnação, somada à extinção da obrigação, passa ao exequente a obrigação. De outro lado, ainda que a impugnação seja acolhida, o fato de não ser extinta a obrigação não autorizará que sejam fixados honorários de sucumbência ao advogado do executado. É, por exemplo, o caso de ser acolhida a impugnação apenas para reconhecer que determinado bem não pode servir à satisfação do crédito, pois impenhorável. Ademais, caso a impugnação seja rejeitada, manter-se-á hígido o direito do advogado do exequente de receber os honorários fixados no início da fase de cumprimento de sentença. Ponto que merece destaque diz respeito à majoração dos honorários advocatícios. Em relação ao processo de execução, o art. 827, § 2º, autoriza que os honorários fixados em 10% sejam majorados até o limite de 20%, caso haja rejeição dos embargos à execução ou haja excesso de trabalho ao
advogado do exequente. O regramento dado ao cumprimento de sentença pelo CPC, porém, não contém disposição semelhante. A Súmula 516467 do STJ prevê que a rejeição da impugnação não enseja a fixação de honorários advocatícios. Essa orientação, todavia, firmou-se à luz do art. 20, § 1º, do CPC/73, de redação sensivelmente mais restrita do que a do art. 85, § 1º, do CPC/2015, que expressamente alude ao cabimento da verba no cumprimento provisório e à execução, haja ou não resistência. É de se notar, portanto, que a interpretação conjugada dos arts. 85, § 1º, e 827, § 1º, do CPC (aplicável por força do art. 513) leva a crer que o juiz pode (rectius: deve) majorar os honorários fixados no momento inicial do cumprimento de sentença, caso a impugnação seja rejeitada ou, ainda que não oposta a impugnação, haja excesso de trabalho ao advogado tal que justifique a majoração468. Deve-se, nesse caso, utilizar-se o art. 85, § 2º, do CPC, que prevê os parâmetros a serem observados na fixação dos honorários. 3. Embargos à execução Ao lado da impugnação ao cumprimento de sentença, apresentam-se os embargos à execução como meio de oposição do executado à execução injusta ou ilegal. Os embargos à execução eram, até a Lei n. 11.232/2005, a forma como o executado poderia se insurgir contra a execução, fosse ela decorrente de título executivo judicial ou extrajudicial. A partir de referida lei, os embargos à execução ficaram limitados à oposição à execução de títulos extrajudiciais (art. 736) e à oposição da Fazenda Pública à execução contra ela dirigida, qualquer que fosse a natureza do título executivo (art. 711). De acordo com o art. 475-L, a insurgência do
executado contra a execução de título judicial far-se-ia, como já se abordou, pela via da impugnação ao cumprimento de sentença. O CPC/2015 manteve a distinção entre os embargos à execução e a impugnação, tal como tratado na última versão do CPC/73. Porém, alterou-se a questão tocante à Fazenda Pública, já que os embargos passaram a dizer respeito apenas à execução de título extrajudicial (art. 910), cabendo à Fazenda impugnar o cumprimento de sentença contra ela proferida (art. 535), se o caso. No vigente Código, manteve-se, ademais, uma importante distinção entre os embargos à execução e a impugnação. Esta, como já se afirmou linhas atrás, é oferecida nos próprios autos do cumprimento de sentença, instaurando verdadeiro incidente cognitivo em sede executiva. Aqueles, de seu turno, inauguram nova relação jurídica processual, tramitando, pois, em autos apartados. Ademais, já na vigência da redação final do CPC/73, não se exigia a prévia garantia do juízo para que o executado pudesse se opor à execução por meio dos embargos do devedor (cf. art. 736 daquele Código), diferentemente da impugnação ao cumprimento de sentença. No CPC/2015, manteve-se a dispensa da segurança do juízo como requisito prévio à oposição dos embargos à execução, conforme se extrai do caput do art. 914. Vejamos, então, as principais questões tocantes aos embargos à execução. 3.1 Natureza jurídica dos embargos Conquanto a impugnação ao cumprimento de sentença e os embargos à execução ostentem, em certa medida, a mesma finalidade, que é desconstituir
a execução injusta ou ilegal, é certo que o distinto regramento dado a ambos pelo ordenamento jurídico acaba por influenciar sensivelmente em sua distinta natureza jurídica. Na impugnação ao cumprimento de sentença, traço marcante de sua natureza é o intuito defensório, ou seja, sobressai a sua característica de defesa. Nos embargos à execução, por outro lado, muito embora a característica de defesa se faça presente, sobressai a sua característica de ação. Segundo Pontes de Miranda, os embargos são “contra-ação” do executado, “como o é a reconvenção”469. Porém, diferentemente da reconvenção, que tem lugar no bojo da mesma relação jurídica processual (ela, em verdade, é ofertada na mesma peça que a contestação, conforme prevê o art. 343 do CPC), os embargos à execução formam novo processo, incidentalmente à execução. É bem verdade que algumas matérias arguíveis em embargos à execução se confundem com as matérias alegáveis em impugnação ao cumprimento de sentença. Dentre elas, ademais, sobressaem algumas que são meramente processuais, como o erro na avaliação do bem (art. 917, II, parte final, do CPC). Tais circunstâncias fazem com que José Miguel Garcia Medina sustente que a natureza jurídica dos embargos à execução dependerá da matéria nele tratada. Tratando-se de matéria substancial, tocante à própria obrigação, ter-se-ia “ação”; tratando-se de matéria processual, tocante ao processo e o procedimento executivo, ter-se-ia “defesa”470. A despeito da posição defendida pelo autor, temos presente, em boa companhia, que a natureza dos embargos à execução é, de fato, a de ação. A propósito, diz Araken de Assis que: “na verdade, os embargos constituem uma ação, quer dizer, o agir correspondente ao direito de se opor à pretensão
a executar, exercida injustamente ou ilegalmente, e as circunstâncias de trazerem à cognição do juiz matéria de defesa não descaracteriza o remédio ou o transforma em contestação: a defesa, no processo de conhecimento, inclui a resistência do réu, por meio de defesa passiva (processual ou de mérito) e de defesa ativa (reconvenção). E esta última ostenta inconfundível natureza de ação (= pretensão à tutela jurídica do Estado)”471. Tem-se, pois, que os embargos à execução constituem ação e, como tal, são aforados por meio de petição inicial, que deve observar os requisitos previstos pelos arts. 319 e 320 do CPC. Ao lado disso, cabe ao executado, ao opor os embargos à execução, carrear aos autos as cópias das principais peças do processo de execução, que poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade. Ademais, a distribuição dos embargos far-se-á por dependência ao processo de execução (art. 914, § 1º), ou seja, como regra, será dirigida ao mesmo juízo em que tramitar o processo de execução. Diz-se “como regra” porque é possível que os embargos à execução sejam julgados por juízo distinto daquele em que tramita a execução. Prevê o § 2º do art. 914 que, se a citação ou intimação do executado se der por carta, ser-lhe-á lícito opor os embargos à execução perante o juízo deprecado. Em geral, caberá ao juízo deprecado remeter os embargos ao juízo deprecante. Porém, se a matéria dos embargos à execução disser respeito apenas às questões tocantes à penhora, avaliação ou expropriação de bens realizadas pelo próprio juízo deprecado, a competência para conhecer dos embargos será desse juízo. A possibilidade de oposição dos embargos à execução perante o juízo deprecado se destina a garantir que o executado, residindo em Comarca
distinta daquela em que tramita o processo de execução, possa opor os embargos à execução sem necessidade de deslocamento até o foro competente. Isso, por certo, tem especial relevância em localidades em que a distribuição ainda se faz por meio físico. Porém, não se pode perder de vista que, mesmo em relação aos processos eletrônicos, é possível cogitar da aplicabilidade do dispositivo quando, por exemplo, o sistema de informática utilizado pelo tribunal a que está vinculado o juízo competente dependa de comparecimento pessoal do advogado para realização de cadastro. Nesse caso, a ausência de cadastro prévio do advogado do executado importará em certa dificuldade a que os embargos à execução sejam opostos diretamente perante o juízo competente, razão pela qual lhe é lícito opor os embargos perante o juízo deprecado, que se responsabilizaria por sua remessa ao juízo deprecante. 3.2 Prazo para oposição dos embargos A execução de título extrajudicial, como já se tratou no Capítulo LXXVI, inicia-se a requerimento do credor. Recebida a petição inicial, o executado é citado e intimado para pagamento do débito em três dias (ou para entrega da coisa distinta de dinheiro, para fazer ou deixar de fazer), contados do recebimento da comunicação, ou para opor embargos à execução, no prazo de 15 dias, contados na forma do art. 231 do CPC (cf. art. 915, caput). O mencionado art. 231 regula de maneira genérica a forma de contagem de prazos no processo. Com efeito, se, por exemplo, a citação e intimação do executado se derem por carta, como é a regra geral, o prazo para oposição dos embargos correrá da data da juntada aos autos do aviso de recebimento (art. 231, I).
Portanto, o prazo para pagamento é contado da data da intimação para pagamento, mas o prazo dos embargos contar-se-á da juntada aos autos do comprovante de realização do ato. Trata-se de prazo processual, razão pela qual sua contagem levará em consideração apenas os dias úteis, na forma do art. 219. Ademais, havendo litisconsórcio passivo, a contagem do prazo para oposição dos embargos à execução será autônoma, razão pela qual cada um dos executados terá o ônus de opor seus embargos no prazo de 15 dias, contados da juntada aos autos do seu próprio comprovante de intimação. O § 1º do art. 915, em sua parte final, excepciona a regra, aludindo à situação dos cônjuges ou companheiros, quando forem também litisconsortes. Nesses casos, o prazo para oposição dos embargos terá início na data da juntada aos autos do último comprovante de intimação. Figuremos, pois, a seguinte hipótese: A move ação de execução de título extrajudicial contra B, C e D. Os dois últimos – C e D – são casados. Imagine-se, ademais, que os avisos de recebimento das cartas de citação e intimação dos executados sejam juntados aos autos da execução, respectivamente, nos dias 1º (segunda-feira), 2 (terça-feira) e 3 (quarta-feira), de determinado mês em que não há feriados. O prazo para oposição dos embargos à execução, como regra, conta-se individualmente, razão pela qual o prazo de B, iniciado no dia 1º (termo a quo), vencer-se-á no dia 22 do mesmo mês, segunda-feira. O prazo de C, porém, não será iniciado no dia 2, quando juntado aos autos o comprovante de sua citação, por ser casado com D, seu litisconsorte. Com efeito, o prazo de ambos terá início no dia 3 (juntada do último comprovante de citação), razão pela qual seu vencimento ocorrerá no dia 24 do mesmo
mês, quarta-feira. Se a citação e intimação do executado se der por carta, o prazo para oposição dos embargos terá início na data da juntada aos autos da própria carta precatória, rogatória ou de ordem, do comprovante de citação, caso a matéria alegada nos embargos diga respeito apenas a “vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens” (art. 915, § 2º, I). Caso os embargos digam respeito a qualquer outra matéria, que não aquela prevista no inciso I do art. 915, § 2º, o prazo para oposição terá início na data da juntada, nos autos de origem, da comunicação da realização da diligência, prevista no § 4º do art. 915. Não havendo comunicação, o prazo terá início na data da juntada da própria carta precatória nos autos de origem (art. 915, § 2º, II). Percebe-se, portanto, que, havendo citação e intimação por carta, a matéria que será alegada nos embargos à execução influenciará no dies a quo do prazo para oposição, o que decorre do fato de que as matérias tratadas pelo art. 915, § 2º, I, do CPC serão julgadas pelo próprio juízo deprecado, na forma do art. 914, § 2º, parte final. Convém notar, ademais, que, diferentemente da impugnação ao cumprimento de sentença, em que se aplica o benefício previsto no art. 229 do CPC (cf. art. 525, § 3º), aos embargos à execução não se aplica o benefício da contagem dobrada do prazo, quando os litisconsortes forem representados por advogados integrantes de escritórios distintos, caso o processo tramite em autos físicos. Portanto, o prazo para oposição dos embargos à execução não será dobrado (cf. art. 915, § 3º). 3.3 Julgamento liminar dos embargos à execução
O art. 918 do CPC trata da rejeição liminar dos embargos à execução. Tem-se, nesse caso, procedimento que em alguns pontos se distingue do procedimento comum. No procedimento comum, só se há de falar em julgamento liminar quando houver indeferimento da inicial (art. 330) ou julgamento liminar de improcedência (art. 332). As matérias tratadas no art. 918 do CPC, além de dizerem respeito às formas de julgamento liminar, de acordo com o procedimento comum, tratam de outras hipóteses. Trata-se, primeiro, da intempestividade (inciso I). De fato, não haveria razão para prosseguir com os embargos à execução se a sua oposição tiver ocorrido fora do prazo de 15 dias previsto pelo art. 915. A segunda causa de indeferimento liminar dos embargos à execução diz respeito às hipóteses de indeferimento da petição inicial, bem como de improcedência liminar do pedido. O inciso II do art. 918 contempla as hipóteses que mais se aproximam do procedimento comum, pois as causas de indeferimento da petição inicial são aquelas previstas pelo art. 330 do CPC. Em relação ao julgamento liminar de improcedência, também se deve importar para o processo de execução o que dispõe o art. 332 do CPC. A terceira causa de julgamento liminar dos embargos à execução diz respeito à sua natureza manifestamente protelatória (art. 918, III). Cabe ao juiz repelir a atuação temerária do executado, assim relevada pela oposição dos embargos à execução completamente descabidos, ou seja, sem qualquer respaldo fático ou jurídico. Conquanto se reconheça que o agir temerário do executado deva ser
combatido, é também importante que se preserve o seu direito de ação. Com efeito, temos presente que a rejeição liminar dos embargos à execução, nessa hipótese, demanda que o intuito protelatório seja realmente evidente, não bastando para tanto que o juiz, em juízo sumário de cognição, anteveja o possível resultado negativo ao executado, por discordar de seus fundamentos. Pelo contrário, os embargos devem ser desprovidos de fundamento para que sejam taxados de protelatórios. De todo modo, o reconhecimento do caráter protelatório dos embargos à execução faz imperativa a aplicação de multa ao executado, por se tratar de ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 918, parágrafo único). A penalidade pela prática de atos atentatórios à dignidade da Justiça, ao que nos parece, encontra baliza no art. 774 do CPC. Referido dispositivo elenca, em sede de execução, quais condutas são consideradas atentatórias à dignidade da Justiça: fraudar a execução (inciso I); opor-se maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos (inciso II); dificultar ou embaraçar a realização da penhora (inciso III); resistir injustificadamente às ordens judiciais (inciso IV); e não indicar, quando intimado, os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores, nem exibir a prova de sua propriedade e, assim sendo exigido, a certidão negativa de gravame (inciso V). Parece-nos que a oposição de embargos à execução meramente protelatórios se amolda ao inciso II do art. 774, razão pela qual a penalidade que deverá ser aplicada ao executado corresponderá a até 20% do valor atualizado do débito, que será revertido em proveito do exequente e cobrado nos próprios autos. Em quaisquer das hipóteses, parece-nos que a oitiva prévia do embargante é de rigor, em respeito ao que dispõem os arts. 9º e 10 do CPC. Ao lado
disso, tratando-se de rejeição liminar decorrente do indeferimento da petição inicial, impõe-se, antes disso, a abertura de prazo para que o embargante sane o vício, na forma do art. 321 do CPC. 3.4 Matérias passíveis de alegação O art. 917 do CPC elenca as matérias que podem ser alegadas pelo executado, em sede de embargos à execução. Trata-se, essencialmente, de rol próximo àqueles dos arts. 525 e 535 do Código, tocantes à impugnação ao cumprimento de sentença por particular e pela Fazenda Pública, respectivamente, distinguindo-se em alguns pontos, de modo a compatibilizar o regramento ao processo de execução. Daí a razão, v.g., para não se tratar da nulidade ou inexistência de citação no processo de conhecimento como fundamento para os embargos, afinal não há fase ou processo cognitivo prévio. Com efeito, em relação à inexequibilidade do título e inexigibilidade da obrigação (art. 917, I), penhora incorreta ou avaliação errônea (art. 917, II), excesso de execução ou cumulação indevida (art. 917, III) e incompetência do juízo, seja absoluta ou relativa (art. 917, V), valem as considerações feitas no item 2.3 deste capítulo. Da mesma forma, o impedimento ou suspeição do juiz (ou do membro do MP, auxiliares da Justiça ou qualquer outro sujeito imparcial que participe do processo – art. 148) serão alegadas na forma do art. 146, ou seja, não haverá, aqui, oposição de embargos à execução, mas apenas o protocolo de petição simples, chamada no direito anterior de “exceção de impedimento ou suspeição”, em que a parte questionará a imparcialidade do juiz. Assim como na impugnação ao cumprimento de sentença, os embargos à
execução que objetivem o reconhecimento de excesso de execução deverão contar com a demonstração de que se trata de uma das hipóteses do art. 917, § 2º, do CPC, cabendo ao embargante indicar, desde logo, o valor que entende devido, apresentando memória de cálculo (art. 917, § 3º), sob pena de rejeição liminar dos embargos (art. 917, § 4º, I) ou não conhecimento da matéria, caso haja outros fundamentos nos embargos (art. 917, § 4º, II). Tais dispositivos também foram abordados anteriormente (item 2.3), já que se aplicam também à impugnação ao cumprimento de sentença. Cabe-nos, nesse passo, analisar os fundamentos tratados pelos incisos IV e VI do art. 917 do CPC, que se distanciam das hipóteses dos arts. 525 e 535 do Código. O inciso IV acima referido admite que o executado oponha embargos à execução quando se tratar de execução para entrega de coisa diversa de dinheiro, a fim de alegar ter direito de retenção da coisa em razão da realização de benfeitorias úteis ou necessárias. Segundo dizia Caio Mário, “Chamam-se benfeitorias as obras ou despesas feitas na coisa, com o fim de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Mas excluem-se de sua conceituação os incrementos naturais, independentes da ação do homem (Código Civil, art. 97). Não restringimos a ideia apenas às obras, como na definição dada por Clóvis Beviláqua, seguido de outros porque o conceito deve estender-se também às despesas que não se materializem em obras, e que igualmente concorrem para a conservação, melhoria ou aformoseamento, e tanto podem realizar-se na coisa móvel quanto no imóvel”472. Com efeito, são benfeitorias necessárias aquelas que se destinam a corrigir defeitos da coisa principal. Por outro lado, são úteis as benfeitorias feitas na
coisa para melhorar a sua funcionalidade ou utilidade, isto é, “para torná-las melhores”473. Pois bem. Nessa hipótese, caso o executado tenha realizado tais benfeitorias na coisa, terá ele direito à sua retenção, na forma do art. 1.219 do CC. É dizer: o possuidor de boa-fé tem direito de reter a coisa, a fim de que seja indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias. Referido possuidor também terá direito de ser indenizado ou de levantar as benfeitorias voluptuárias (destinadas ao mero aformoseamento da coisa), mas isso não lhe atribui o direito de retenção. Já o possuidor de má-fé, conquanto tenha o direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias, não tem direito de retenção, também não podendo levantar as benfeitorias voluptuárias (cf. art. 1.220 do CC). Com efeito, havendo título executivo extrajudicial, o exercício do direito de retenção, pelo possuidor, far-se-á pela via da oposição de embargos à execução, comumente chamados, nesse caso, de “embargos de retenção”. Tais embargos, pois, destinam-se a permitir que o possuidor da coisa, quando de boa-fé, exerça o seu direito de retenção, já que o exequente será obrigado a indenizá-lo pelo valor atual das benfeitorias feitas (art. 1.222, parte final, do CC). Ademais, prevê o CPC que o exequente poderá requerer que o valor das benfeitorias seja compensado com os frutos percebidos pelo executado, bem como com a indenização que porventura seja devida pelo possuidor da coisa (art. 917, § 6º). Nesse caso, deverá ser nomeado perito para apuração dos valores, caso em que haverá verdadeira liquidação do título, na forma do art. 810 do CPC. Além disso, o exequente, mesmo diante do exercício do direito de
retenção, por parte do executado (embargante), poderá requerer a imissão na posse, desde que preste caução ou deposite nos autos o valor das benfeitorias ou o valor resultante da compensação (art. 917, § 7º). Objetiva-se, com isso, garantir a observância do princípio do resultado da execução (fim único: satisfação do credor), sem prejuízo do acautelamento do executado, que se afirma titular de direito de retenção por benfeitorias. O inciso VI do art. 917 do CPC, por sua vez, autoriza que o executado alegue “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”. Trata-se, a rigor, de dispositivo que permite ao executado alegar toda sorte de matérias nos embargos à execução, bastando que pudesse ser alegada como matéria de defesa no processo de conhecimento. Portanto, diferentemente dos arts. 525 e 535, que concebem róis taxativos de matérias impugnáveis pelo executado, o art. 917, VI, do CPC deixa aberto o espectro de matérias que podem ser aventadas pelo executado em seus embargos à execução. É possível, por exemplo, que o executado alegue matérias como a nulidade do instrumento particular firmado por duas testemunhas (art. 784, III, do CPC). Dada a natureza dos embargos à execução – ação –, sobretudo em razão da amplitude de matérias que podem ser alegadas, tem-se presente que a inobservância do prazo para a sua oposição, tratado no tópico precedente, não importa, necessariamente, na intangibilidade da execução. À primeira vista, poder-se-ia cogitar de que a perda do prazo para se opor à execução tornaria impossível qualquer posterior atingimento dos atos executivos.
Isso, porém, redundaria em reconhecer que o executado não teria mais o direito de discutir os contornos da dívida materializada no título executivo, razão pela qual Araken de Assis aponta, com exatidão, que “o executado poderá controverter a execução, sem empecilhos, por meio de ação autônoma. Assim, o executado poderá propor, após tal prazo, ação visando declarar a extinção da obrigação, mediante pagamento, por exemplo”474. Seria, em verdade, contrassenso concluir que a falta dos embargos à execução, que têm natureza de ação, poderia importar em perda do direito à própria discussão da matéria de fundo da oposição. Da mesma forma, a rejeição dos embargos à execução, por não ensejar decisão de mérito, também não obsta que a matéria de fundo seja discutida ulteriormente. É possível, por exemplo, que se inicie o processo de execução, pelo qual o exequente busque ver adimplida a obrigação materializada em cheque. Porém, o pretenso emitente do cheque move ação declaratória de inexistência de relação jurídica, sob o fundamento de que o cheque teria sido assinado por falsário, fazendo-se passar por ele, não havendo qualquer relação jurídica, ainda que de direito cambiário, entre ele, emitente, e o beneficiário da cártula. É claro que a procedência dessa ação impactará no processo de execução, mesmo que não se trate de embargos à execução, pois o seu prosseguimento seria verdadeiramente incompatível com a decisão que já teria desconstituído o título. 3.5 Efeito suspensivo Assim como ocorre com a impugnação ao cumprimento de sentença, a oposição dos embargos à execução não suspende o curso do processo de execução (art. 919, caput).
Contudo, é possível a atribuição de efeito suspensivo ope iudicis aos embargos, a requerimento do embargante (executado), exigindo o § 1º do art. 919, para tanto, que sejam preenchidos os requisitos para a concessão da tutela provisória (arts. 300 e 311 do CPC) e, além disso, que haja a segurança do juízo, por meio de penhora, depósito ou caução. Nota-se que a redação do mencionado art. 919, § 1º, tem sensível distinção em relação ao art. 525, § 6º. Esse dispositivo, ao admitir a atribuição de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença, exige que o prosseguimento da execução possa causar dano além do tolerável ao executado. O art. 919, § 1º, por outro lado, alude aos requisitos para concessão de tutela provisória, que podem ou não depender da existência de risco de dano. É dizer: na forma do último dispositivo tratado, é possível que o efeito suspensivo dos embargos à execução decorra da concessão de tutela da evidência (art. 311), somada à garantia do juízo475. Caso sejam alteradas as circunstâncias que tenham motivado a concessão do efeito suspensivo, poderá o embargado requerer a modificação ou revogação do dito efeito a qualquer tempo, devendo ser proferida decisão fundamentada (cf. arts. 93, IX, da CF, 489, § 1º, e 919, § 2º, do CPC). Além disso, assim como ocorre com a impugnação ao cumprimento de sentença, o efeito suspensivo dos embargos à execução poderá atingir apenas parte da execução, caso os embargos sejam também parciais (art. 919, § 3º). O efeito suspensivo, outrossim, beneficiará apenas o embargante que o obteve, salvo se se tratar de fundamento comum (art. 919, § 4º). Ademais, a suspensão da execução não impedirá a efetivação dos atos de substituição, reforço ou redução da penhora, bem como a avaliação de bens (art. 919, § 5º).
Questão interessante diz respeito à possibilidade de se combater a execução sem a oposição de embargos. Disse-se acima que a finalidade dos embargos à execução (combate à execução ilegal ou injusta) pode ser atingida em ação autônoma. Contudo, é de se reconhecer que a utilização da referida via implica, necessariamente, a impossibilidade de suspensão do curso da execução, já que o Código claramente estabeleceu que a suspensão da execução decorrerá da atribuição de dito efeito aos embargos à execução. Por isso, Araken de Assis atribui a tal fato a distinção entre a opção pelos embargos à execução e pela ação autônoma: “a perda do prazo para embargar apenas impede o executado de travar a execução por intermédio de um remédio para o qual essa é sua específica finalidade, preenchidas as condições legais”476. 3.6 Procedimento dos embargos à execução Analisadas as particularidades dos embargos à execução, interessa-nos analisar brevemente o procedimento que deverá ser observado. Opostos os embargos à execução, caberá ao juízo, primeiro, apreciar eventual pedido de atribuição de efeito suspensivo (art. 919 do CPC), bem como verificar se há causa para o julgamento liminar dos embargos (art. 918 do CPC). Entendendo que há causa para o julgamento liminar, o juízo deverá abrir vista ao embargante para que se manifeste, na forma dos arts. 9º e 10 do CPC, ou para que corrija eventual vício, na forma do art. 321. Se o julgador não se convencer de que os embargos à execução devem prosseguir, será proferida sentença terminativa (art. 918, I e II, primeira parte) ou definitiva (art. 918, II, segunda parte, e III). Contra ela caberá apelação (art. 1.009, caput).
Não havendo razão para o julgamento liminar dos embargos, ser-lhes-á atribuído efeito suspensivo, se preenchidos os requisitos legais. Pode ocorrer, também, de ser negada a atribuição de dito efeito. Em quaisquer dos casos, a parte interessada poderá interpor agravo de instrumento, na forma do art. 1.015, X, do CPC. Aliás, é preciso notar que o referido inciso X, conquanto se refira expressamente à “concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução”, não poderia validamente excluir a sua concessão, pois com isso feriria a isonomia. De qualquer forma, ainda que se pudesse interpretar literalmente o dito dispositivo, nesse particular, fato é que o cabimento do agravo de instrumento teria lastro, no mínimo, no inciso I do art. 1.015. Pois bem. Atribuído ou não o efeito suspensivo aos embargos, o embargado (exequente) será ouvido a respeito dos embargos à execução (art. 920, I, do CPC). A defesa do embargado, nesse caso, é comumente chamada de “impugnação” (que não se confunde com a impugnação ao cumprimento de sentença), que deverá ser apresentada no prazo de 15 dias. À referida peça processual se aplicam, indistintamente, todos os dispositivos tocantes à resposta do réu, especialmente em relação aos arts. 336 e 342 do CPC. Aliás, admite-se inclusive a reconvenção, tendo em vista que não há expressa vedação legal e, a rigor, não há incompatibilidade entre o referido contraataque e a existência da execução, afinal, trata-se de processos distintos477. Questão interessante diz respeito à falta de impugnação por parte do embargado. Tratando-se a impugnação de modalidade de defesa do embargado, que noutro processo figura como exequente, a inércia do demandado implicará revelia (cf. art. 344, primeira parte, do CPC). À vista da
existência de título executivo, há quem sustente que os efeitos materiais da revelia (presunção de veracidade dos fatos – art. 344, parte final, do CPC) não poderiam ser aplicados nos embargos à execução. Isto é, o fato de o embargado já mover ação (executiva) contra o executado (embargante) tornaria ilógica a existência do efeito material da revelia478. De outro lado, não se pode perder de vista que os embargos à execução têm natureza de ação, submetida, em princípio, ao procedimento comum, não havendo qualquer restrição legal à aplicação integral do art. 344 do CPC. Aliás, “é verdade que o título confere certeza ao crédito e, ao credor, uma posição de nítida vantagem, ensejando a atuação dos mecanismos executivos na esfera jurídica do devedor. Mas semelhante eficácia opera no processo de execução, e somente a ele, não se transportando, simplesmente, aos embargos, que visam desfazer o título. E, de resto, a certeza, reconhecida ao título, é relativa”479. Esta última posição, ao que nos parece, afigura-se a mais correta, ou seja, não havendo impugnação pelo embargado (defesa), haverá não só o efeito processual da revelia (fluência dos prazos independentemente de intimação), mas também o seu efeito material, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial dos embargos. Com efeito, se o embargante, em sua petição inicial, alegar, por exemplo, que a condição suspensiva da eficácia do título ainda não se aperfeiçoou (art. 917, I, do CPC) e o embargado se mantiver inerte, presumir-se-á que, realmente, não terá sido implementada a dita condição suspensiva, o que poderá ou não fazer com que seja prolatada decisão de mérito favorável ao embargante, na medida em que o juiz não está adstrito a se convencer em razão da aludida presunção (art. 345, IV, do CPC)480.
Pois bem. Havendo ou não impugnação por parte do executado, haverá o julgamento antecipado de mérito, na forma dos arts. 355 e 356, ou, sendo requerida a produção de provas, haverá a dilação probatória (art. 920, II), caso em que designará audiência (caso haja necessidade, é claro). Por fim, encerrada a instrução probatória, será proferida sentença, que resolverá o mérito dos embargos à execução (art. 920, III, do CPC). Tratando-se de sentença, o recurso cabível será a apelação, na forma do art. 1.009, caput. Nesse particular, interessa observar que o art. 1.012, § 1º, III, do CPC retira dessa apelação o efeito suspensivo de que é dotado, como regra (art. 1.012, caput), quando os embargos à execução forem extintos sem julgamento de mérito ou julgados improcedentes. Nesse ponto, importa que se faça breve reflexão a respeito dos efeitos da interposição de apelação contra a sentença de improcedência dos embargos à execução aos quais se tenha atribuído, previamente, efeito suspensivo. Na vigência do Código anterior, previa o art. 587 que: “É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739)”. Com efeito, enquanto pendesse de julgamento o recurso de apelação interposto contra a sentença que tenha julgado improcedentes os embargos à execução, quando estes tivessem sido previamente recebidos com efeito suspensivo, a execução de título extrajudicial seria provisória. O CPC/2015 não repetiu a referida regra. Nem por isso, todavia, autores de escol deixaram de considerar provisória a execução de título extrajudicial nessa hipótese. Segundo Humberto Theodoro Jr., a redação do § 2º do art. 1.012, que diz ser provisório o cumprimento de sentença, quando a apelação
não for dotada de efeito suspensivo, como é o caso da rejeição ou improcedência dos embargos à execução, autoriza que se mantenha a conclusão a que chegava anteriormente, a partir do art. 587 do CPC/73481. De outro lado, há autores que sustentam a definitividade da execução nessa hipótese482. De fato, o que é provisório na execução é o título e não ela própria. É dizer: no cumprimento provisório de sentença, fala-se em provisoriedade porque o título executivo ainda está em formação – a decisão de mérito ainda está em julgamento. Os títulos executivos extrajudiciais são sempre definitivos, pois não dependem de qualquer confirmação. Por isso, há certa impropriedade em admitir que a interposição de apelação contra a sentença que rejeitar ou julgar improcedentes os embargos à execução tenha o condão de transformar em provisória a execução que, até então, era definitiva, sobretudo porque a própria decisão dos embargos será desfavorável ao executado (embargante). Com efeito, o art. 1.012, § 1º, III, parece ter o claro propósito de superar o estado de suspensão do processo de execução, decorrente da atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução, já que, com a sentença, estes terão sido rejeitados ou não acolhidos por decisão que será desde logo eficaz. A esse respeito, prevê a Súmula 317 do STJ que: “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos”483. Interessa-nos tratar, também, do regramento dado aos honorários advocatícios em sede de embargos à execução. Na forma do art. 827, caput, os honorários advocatícios serão fixados em 10% do valor da execução. Havendo pagamento, tal percentual será reduzido à metade (art. 827, § 1º). Os embargos à execução, como já se afirmou reiteradas vezes, fazem
surgir nova relação processual, distinta do processo de execução, o que leva a crer que em seu julgamento deverá haver a fixação de honorários. Não se pode perder de vista, porém, que os embargos à execução estão intimamente ligados ao processo de execução, em cujo início são fixados honorários, na forma do art. 827, caput, do CPC. O STJ já decidiu que “Os honorários fixados no despacho inicial da execução podem ter caráter provisório e ser substituídos na oportunidade de arbitramento de honorários nos embargos à execução, em que o magistrado considerará todo o trabalho dos advogados até aquele momento”484. Contudo, a Corte também já entendeu que os embargos à execução constituem ação autônoma e, por isso, não há óbice à cumulação: “É firme o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, a despeito da possibilidade de cumulação dos honorários da execução com os dos
embargos,
é
possível
a
sucumbência
final
ser
determinada
definitivamente pela sentença da última ação, desde que se estipule que o valor fixado atenda a ambas”485. Parece-nos, de fato, que o julgamento dos embargos à execução reclama condenação ao pagamento de honorários de sucumbência. Sendo procedente o pedido, de molde a acarretar a extinção da execução, o advogado do embargante deverá receber de 10% a 20% do valor da causa, que corresponde ao valor da execução. Sendo julgados improcedentes os embargos, caberá ao embargante pagar ao advogado do embargado (exequente). Nesse particular, é preciso ter presente que o art. 827, § 2º, do CPC trata da majoração dos honorários (de 10% para até 20%) em caso de improcedência dos embargos à execução, o que leva a crer que, nessa hipótese, os honorários poderão não ser fixados nos
embargos, mas na própria execução, diante da íntima relação entre embargos e execução. Em qualquer hipótese, a soma dos honorários de sucumbência não poderá exceder 20%, na forma do art. 85, § 2º, do Código, conforme entende o STJ486. 3.7 Embargos à execução contra a Fazenda Pública Como já se afirmou em outras passagens, a Fazenda Pública, ao menos em regra, não é citada e intimada para adimplir da obrigação pecuniária, mas para tomar ciência da execução e, no prazo de 30 dias, opor-se a ela, conforme prevê o art. 910, caput, do CPC. Diferentemente do art. 917, que elenca diversas matérias que podem ser alegadas em embargos à execução (muito embora o inciso VI desse dispositivo torne praticamente irrelevante a especificação), o art. 910, § 2º, limita-se a dizer que, nos embargos à execução contra a Fazenda Pública, será possível “alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento”. Trata-se, em verdade, de dispositivo idêntico ao mencionado art. 917, VI. Com efeito, distinguem-se os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública, quando houver execução por quantia certa contra o ente ou entidade pública, daqueles opostos pelos particulares apenas em relação ao prazo – 30 dias para a Fazenda Pública e 15 dias para o particular –, já que a matéria a ser aventada em ambos os casos, conquanto haja especial distinção na redação dos arts. 917 e 910, § 2º, é essencialmente a mesma. 4. Exceção de pré-executividade
Ao lado da impugnação ao cumprimento de sentença e dos embargos à execução, meios típicos de oposição do executado à execução injusta ou ilegal, tem-se a chamada “exceção de pré-executividade”, criada, não pelo legislador, mas pela prática forense. Deve-se a Pontes de Miranda o surgimento do referido meio de oposição. Em 1966, o jurista exarou parecer em proveito da Companhia Siderúrgica Mannesmann, que era alvo de pedido de decretação de sua falência, sem prejuízo das diversas execuções de títulos extrajudiciais. Os títulos executivos, porém, eram falsos, pois assinados por quem não poderia fazê-lo em nome da dita companhia, razão pela qual não haveria, propriamente, título executivo contra a multiplamente executada. À época, vigorava o art. 1.008 do CPC/1939, que exigia a prévia garantia do juízo para que o executado opusesse embargos. Com efeito, em princípio, a companhia só poderia alegar a falsidade dos títulos executivos depois de garantir a execução. A executada, então, suscitou a falsidade dos títulos. Em seguida, questionou o insigne jurista se o julgador poderia exigir a prévia penhora de bens em quantidade suficiente à satisfação da execução, para, só então, apreciar a referida alegação. Em resposta, asseverou Pontes de Miranda que, “Uma vez que houve alegação que importa em oposição de exceção pré-processual ou processual, o juiz tem de examinar a espécie e o caso, para que não cometa a arbitrariedade de penhorar bens de quem não estava exposto à ação executiva”, razão pela qual a penhora só poderia ser exigida como requisito prévio aos embargos do executado e não às oposições de “exceções préprocessuais487.
Portanto, parece-nos que, de fato, com isso surgiu, ao menos com ares de cientificidade, a correntemente chamada “exceção de pré-executividade”, conquanto não tenha o autor, nesse momento, utilizado de tal nomenclatura. Em verdade, a concepção de que essa manifestação do executado consistiria em “exceção de pré-executividade” se deve a Galeno Lacerda. Segundo o jurista, a regra então vigente (art. 737, I, do CPC/73), ao exigir a garantia do juízo, decorrente da penhora de bens do executado, pressupunha execução regularmente processada, isto é, com observância aos pressupostos da execução. Por isso, questões que, antes da legitimidade da penhora, diziam respeito à própria regularidade formal da execução demandariam atuação imediata e incondicionada do executado. Segundo
dizia,
“constituiria
violência
inominável
impor-se
ao
injustamente executado o dano, às vezes irreparável, da penhora prévia, ou, o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa se, acaso, não possuir ele bens penhoráveis suficientes”, para que, então, pudesse apresentar sua insurgência contra a execução488. Essa nomenclatura, porém, não escapa às críticas de setores da doutrina. Barbosa Moreira, por exemplo, sustentava, primeiro, que a expressão “préexecutividade” era de pouca utilidade, na medida em que não se discute por essa via o ‘“antes’ ou ‘depois”’ da execução, mas, pelo contrário, o ‘“sim’ ou ‘não”’489. Por isso, na visão do autor, melhor seria falar em “não executividade”. Ao lado disso, irresignava-se o jurista em relação à expressão “exceção”. Segundo o professor, dentre as várias acepções do mencionado vocábulo, sobressai a característica comum: exceção “denota a impossibilidade de conhecimento ex officio pelo juiz, com a correspondente criação, para o
interessado, do ônus da alegação”490. Com efeito, na visão do ilustre jurista, a utilização da expressão “exceção” mais relevaria as matérias não cognoscíveis de ofício, do que as cognoscíveis independentemente de requerimento do interessado. De fato, a nomenclatura adotada pouco diz sobre o instituto, já que não são utilizadas palavras unívocas. Porém, é indubitável que a prática forense acabou por consolidar o nome do instituto, daí a razão de assim tratar o tema nesta obra. Além disso, a despeito da nomenclatura adotada, fato é que, essencialmente, a exceção de pré-executividade nada mais é que a petição simples de que se utiliza o executado para se insurgir contra os vícios que porventura atinjam a ação ou o processo executivo491. O que interessa notar é que a “exceção de pré-executividade”, muito embora tenha surgido como mecanismo para transpor o requisito da segurança do juízo, para, só então, ser possível a apresentação de oposições típicas (embargos, à época), o que não é mais exigido (cf. arts. 525, caput, e 914, caput, do CPC), remanesce hígida no sistema jurídico, já que consubstancia mecanismo por meio do qual o executado leva ao conhecimento do juiz fatos e fundamentos que atingem a própria estrutura do processo e, pois, poderiam/deveriam ser conhecidos de ofício. De todo modo, ainda que se quisesse dizer que a exceção de préexecutividade não mais existe no direito brasileiro, é de se observar que diversos dispositivos do Código acabam por revelar a possibilidade de suscitação de vícios por mera petição, independentemente, pois, da oposição de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença. Os arts. 525, § 11, e 917, § 1º, admitem a alegação de incorreção da
penhora ou da avaliação fora da impugnação ou dos embargos, respectivamente, já que isso importa em nulidade dos atos executórios. Além disso, o art. 803 trata das causas de nulidade da execução, que decorrem da incerteza, iliquidez ou inexigibilidade do título executivo (inciso I), ausência de regular citação do executado (inc. II) ou ausência de implementação da condição ou do advento do termo previsto no título (inc. III). Essa última causa, a rigor, já estaria abarcada na inexigibilidade do título, prevista no inciso I do art. 803. Além disso, é de se notar que as causas de nulidade da execução não se esgotam em tais hipóteses. Pelo contrário, a interpretação do dispositivo deve ser sistemática, de modo a considerar nula a execução sempre que faltar qualquer pressuposto processual de validade492. Ao lado disso, deve-se reconhecer, também, os vícios tocantes à carência da ação executiva e, pois, da própria inexistência jurídica do processo. O que interessa notar é que o parágrafo único do mencionado dispositivo admite que a nulidade seja pronunciada pelo juiz de ofício ou a requerimento da parte, cuja alegação independerá da oposição de embargos à execução (trata-se de previsão inserta no Livro II da Parte Especial do CPC). Ou seja, se a alegação independe de embargos à execução (e de impugnação, quando se tratar de título judicial), é porque a questão pode ser levada a juízo por simples petição493. Vejamos, nesse passo, as matérias que podem ser alegadas pelo executado em sede de exceção de pré-executividade. De modo geral, são passíveis de alegação em sede de exceção de préexecutividade as matérias cognoscíveis de ofício, tal como são as condições da ação e os pressupostos processuais, o que perpassa pela própria existência e validade do título executivo, no que se inclui a análise de sua certeza,
liquidez e exigibilidade. Aponta Humberto Theodoro Jr.494, com inquestionável acerto, que é passível de alegação em sede de exceção de pré-executividade o pagamento ou qualquer outra forma de extinção da obrigação (novação, compensação, confusão, dação em pagamento, transação etc.), pois, nessa hipótese, será inexigível a obrigação materializada no título executivo (porque extinta a obrigação, no plano material). Basta, para tanto, que a alegação de extinção da obrigação seja acompanhada de provas pré-constituídas do fato. Não se admite, noutros termos, a dilação probatória em sede de exceção de pré-executividade495. É, a propósito, o que se extrai da Súmula 393 do STJ, aplicável à exceção de pré-executividade em execução fiscal. Diz a mencionada Súmula que: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”. A oposição da exceção de pré-executividade, em princípio, não obsta que a execução prossiga, da mesma forma que ocorre com os embargos à execução e a impugnação ao cumprimento de sentença. Nada obsta, todavia, que seja concedida tutela provisória, cabível em qualquer procedimento, dado o seu fundamento constitucional (conferir Capítulo XXII). Ademais, após o oferecimento da exceção e da possível concessão de tutela provisória a ela, deverá o exequente ser ouvido, em respeito ao contraditório. Não há, evidentemente, prazo expresso na lei processual para que o exequente se manifeste, razão pela qual acolhemos o alvitre de Araken de Assis, que diz se aplicar por analogia o prazo de 15 dias previsto nos arts. 350 e 351 do Código496. Assim como se dá em relação à impugnação ao cumprimento de sentença,
que tem lugar no bojo da mesma relação jurídica processual da execução, diferentemente dos embargos à execução, o acolhimento da exceção de préexecutividade que acabe por extinguir o processo terá natureza de sentença. Nessa hipótese, o exequente deverá ser condenado a pagar os honorários do advogado do executado, invertendo-se, em verdade, a verba anteriormente fixada. De outro lado, o não acolhimento da exceção demandará a prolação de decisão interlocutória. Nessa mesma linha, também se tratará de decisão interlocutória se o acolhimento da exceção de pré-executividade não redundar na extinção do processo, o que ocorre, por exemplo, quando se reconhece, por essa via, que o executado não é legitimado passivo para responder pela integralidade do crédito exequendo. Se a exceção for integralmente rejeitada, manter-se-ão os honorários já fixados na fase inicial do processo de execução ou da fase de cumprimento de sentença, com a possibilidade de aplicação do art. 827, § 2º, do CPC, dado o eventual trabalho adicional do advogado do exequente. Por outro lado, ainda que não haja extinção integral da execução, mas apenas parcial, como na hipótese acima aventada, é cabível também a condenação em honorários de sucumbência, afinal o advogado do executado terá logrado reduzir a quantia que seria devida por seu cliente. Nessa hipótese, o executado pagará ao advogado do exequente os honorários calculados sobre o valor por ele devido, ao passo que o exequente pagará ao advogado do executado os honorários decorrentes da quantia indevida.
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1. Djanira Maria Radamés de Sá Ribeiro. Teoria geral do direito processual civil: a lide e sua resolução, p. 13. 2. As menções aos dispositivos do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), para melhor fluidez na leitura deste Curso, nem sempre serão acompanhadas de referência específica ao Código. 3. Nas lições de Arruda Alvim, “a decisão extra petita poderá consistir num pronunciamento excedente sobre o tipo de ação (‘pedido imediato’) propriamente dito, como, ainda, será também extra petita se, conquanto atendido o pedido, tal ocorra por outra causa petendi. Assim, se alguém solicita separação judicial, fundada em determinada injúria grave, e o juiz decreta a separação, mas baseado em adultério (não alegado), padece tal sentença do referido vício” (Manual de direito processual civil, v. 2, item 311, p. 617618). 4. Perfilha esse entendimento Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 664. Teori Albino Zavascki, por sua vez, assim expressa seu entendimento: “Declarada a procedência ou a improcedência da ação declaratória de constitucionalidade ou da ação direta de inconstitucionalidade, haverá coisa julgada material insuscetível de ser modificada mediante nova ação, ainda que com outro fundamento legal” (Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, item 5.2, p. 107). 5. Expõe com pertinência Nelson Nery Jr. que “existe um Direito Constitucional Processual, para significar o conjunto das normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional” (Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 26). 6. Joan Picó i Junoy, Las garantías constitucionales del proceso, p. 17. 7. Joan Picó i Junoy, Las garantías constitucionales del proceso, p. 20. 8. Alex Carocca Pérez, Garantía constitucional de la defensa procesal, p. 38. 9. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 70. 10. Prestigiando o tratamento igualitário aos litigantes, tal como também consta do art. 139, I, do CPC, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: “Processual civil. Princípio do contraditório. Intimação obrigatória ao agravado para oferecer resposta. O juiz tem o dever de dirigir o processo, assegurando às partes igualdade de tratamento. É ele obrigado a intimar o agravado a oferecer sua resposta, sob pena de ser violado o princípio do
contraditório. Recurso provido” (STJ, REsp 199565/SP, 1ª T., j. 16.03.1999, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 03.05.1999). 11. STF, Tribunal Pleno, ADIn 2797/DF, j. 15.09.2005, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2006. 12. Eduardo Arruda Alvim, Devido processo legal judicial: enfoque tributário do princípio, Revista Tributária e de Finanças Públicas 36/77. 13. Afirma James Marins que a classificação das ações tributárias em exacionais e antiexacionais leva em consideração a posição das partes na relação jurídica processual. Observa ele que, “a partir de tal critério, presente a Fazenda Pública (Federal, Estadual, Municipal ou Distrital) como sujeito ativo da relação processual cujo mérito tenha referibilidade com obrigação tributária, temos, como primeira espécie de ação tributária, as ações exacionais (...). Doutra parte, estando não a Fazenda Pública, mas o contribuinte no polo ativo da relação jurídica processual com referibilidade ao direito tributário, encontramos, como segunda espécie de ação tributária, as ações antiexacionais” (idem, p. 387-388 – destaques do autor). 14. A respeito desse preceito, conferir artigo de nossa autoria intitulado As tutelas de urgência e o Poder Público: algumas considerações sobre a LC 104/2001, Revista Tributária e de Finanças Públicas 42/161-167. 15. É o que está disposto no fim da Lei n. 10.406/2001, no art. 2.045. Outras partes do sistema do Código Comercial já haviam sido precedentemente superadas. 16. A título exemplificativo, os arts. 883, 884 e 893 são alguns dispositivos insertos na CLT que tratam de matéria processual. 17. O art. 342 do Código Penal tipifica o crime de falso testemunho. 18. Vale ressaltar que, quando o delito de apropriação indébita é praticado por agente na qualidade de depositário judicial, a pena é aumentada de um terço, de acordo com o que dispõe o inciso II do § 1º do art. 168 do Código Penal. 19. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmam que “somente quando tiver transitado em julgado é que a sentença penal condenatória se constitui como título executivo judicial. Mesmo assim, há de ser líquida (CPC/2015 783 e 803 I). Faltando à sentença penal o requisito da liquidez, terá de, primeiramente, ser liquidada por meio de ação de liquidação de sentença (CPC/15 509), processada e julgada no juízo cível (CPC/15 516 III). Com a sentença de liquidação integrando a sentença penal condenatória, abre-se oportunidade para que ela
aparelhe processo de execução, servindo-lhe de fundamento” (Comentários ao Código de Processo Civil, nota 13 ao art. 515, p. 1268). 20. E também nas hipóteses do art. 65 do CPP, ou seja, reconhecimento de que o ato tenha sido praticado em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito. 21. Também é esse o significado do art. 935 do CC: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. É interessante observar que o art. 386, caput e inciso I, do CPP dispõem: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato”. A exigência legal de fazer constar o fundamento da absolvição “na parte dispositiva” da sentença explica-se, justamente, pela eficácia que se liga ao fundamento da absolvição. Se estiver provada a inexistência do fato, constando isso do fundamento da sentença, este integra o dispositivo, com eficácia de coisa julgada, inclusive no cível. 22. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., nota 1 ao art. 110, p. 367. 23. Nesse sentido, ver: Fernando da Fonseca Gajardoni et al., Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015, p. 947. 24. Há diversas leis que implantaram, decisivamente, entre nós, um sistema de ações coletivas. Com a Lei da Ação Civil Pública, Lei n. 7.347, de 24.07.1985, passaram a ser protegidos determinados bens. Este tipo de ação veio a ser previsto pela CF/88, art. 129, III, que dispôs, como visto, caber ao Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, sem excluir a legitimidade de outros (CF/88, art. 129, § 1º); segue-se-lhe a Lei n. 7.853, de 24.10.1989 (regula o apoio às pessoas portadoras de deficiência e institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas); em sequência, veio a Lei n. 7.913, de 07.12.1989, em que se disciplinou “a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores de valores mobiliários”, aplicando-se, “no que couber, o disposto na Lei n. 7.347, de 24.07.1985” (art. 3º da Lei n. 7.913/89); sucessivamente, a Lei n. 8.078, de 11.09.1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. O Código do Consumidor alterou alguns textos da Lei n. 7.347/85, acrescentando-lhe o art. 21 (oriundo do art. 117 do CDC), que generaliza o uso do sistema processual do consumidor, ou seja, dispõe: “Art. 21. Aplicam-
se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. Por esse art. 21, compreendem-se, também, interesses e direitos individuais, ou seja, individuais homogêneos. Ainda, o Código do Consumidor (art. 110) acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei n. 7.347/85, ou seja, aplica-se o sistema da Lei da Ação Civil Pública a qualquer outro interesse coletivo ou difuso. Por esse inciso IV, passa a valer a Lei da Ação Civil Pública a qualquer interesse coletivo ou difuso. Pela Lei n. 8.884/94, acrescentou-se o inciso V ao art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, com o objetivo de se defender, através das ações coletivas, a ordem econômica. Há que se ter presente, ainda, o texto da Medida Provisória n. 2.180-35, de 24.08.2001, que, dentre outras providências, promove importantes alterações na Lei n. 7.347/85. Mais recentemente, a Lei n. 12.016/2009 passou a disciplinar o mandado de segurança coletivo no âmbito infraconstitucional, mais precisamente nos arts. 21 e 22 de referido diploma legal. 25. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, v. 1, p. 29.
26. Atualmente, o perfil da arbitragem decorre, entre nós, da Lei n. 9.307/96, recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015. 27. Como regra, a autotutela é considerada crime, salvo raríssimas exceções, como vimos no capítulo precedente deste trabalho. Quando praticada pelo particular, configura exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345), e pelo Estado, exercício arbitrário ou abuso de poder (CP, art. 350). 28. Sobre a ideia de Estado de Direito e sua correlação com o processo, examinar, com riqueza de detalhes, Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, p. 167. 29. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, p. 9. 30. Já tivemos oportunidade de sustentar que os procedimentos dos Tribunais de Contas devem obedecer ao princípio do devido processo legal, em artigo escrito em coautoria com Angélica Arruda Alvim, intitulado Devido processo legal e Tribunal de Contas, Licitações e contratos administrativos: uma visão atual à luz dos Tribunais de Contas, p. 57. Ver, também, nesse sentido, Adilson Abreu Dallari, Observância do devido processo legal pelo Tribunal de Contas, Licitações e contratos administrativos: uma visão atual à luz dos Tribunais de Contas, p. 22-25. 31. Nesse sentido: Tribunal Pleno, MS 24781/DF, rel. Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 02.03.2011, DJe 08.06.2011, DJ 09.06.2011. 32. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 388. 33. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 9. 34. Observe-se que na arbitragem, os árbitros também exercem jurisdição, malgrado a sua natureza privada. 35. Quando dizemos “autoridade que torna a decisão imutável”, queremos significar que aquilo que é objeto de decisão (parte dispositiva), mercê da ocorrência de coisa julgada material, torna-se imutável. Por isso, o art. 502 do CPC/2015 dispõe que: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. A terminologia e o seu significado devem ser atribuídos a Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, p. 36. 36. Questões prejudiciais são aquelas que devem, necessariamente, ser decididas antes do mérito, tendo em vista que a sua solução influencia naquilo que será decidido em relação ao próprio objeto. Com demasiada clareza, diz Thereza Alvim que “será prejudicial aquela questão que predeterminar, em sua solução, a outra que lhe está condicionada” (Thereza
Alvim. Questões prévias e limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: RT, 1977. p. 150). 37. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 17 (destaque no original). 38. Ver, a propósito, Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 199 e s. 39. Este o percuciente alerta de Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 10. 40. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 98. 41. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 180. 42. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 119-120. 43. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 119. 44. A Resolução n. 82/2009 do CNJ estabelecia que o magistrado, declarando-se suspeito por motivo de foro íntimo, devesse fazer esta afirmação nos autos e, em ofício reservado, expor as razões de aludido ato à Corregedoria local, se se tratasse de juiz de primeiro grau, ou à Corregedoria Nacional, se de magistrado de segundo grau se tratasse. Entidades nacionais representativas de magistrados ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade e impetraram Mandado de Segurança, no STF, contra mencionada resolução. O MS 28.215/DF teve seu pedido de medida liminar deferido, “para que os magistrados não sejam compelidos a externar as razões de foro íntimo quando, nos termos parágrafo único do art. 135 do CPC [correspondente ao § 1º do art. 145 do CPC vigente], se declararem suspeitos” (MS 28.215/DF, j. 24.04.2010, rel. Min. Ayres Brito, DJe 01.03.2009). Contudo, o STF entendeu que o Mandado de Segurança não seria o meio hábil para impugnar a referida resolução, motivo pelo qual a liminar foi revogada e a segurança negada (AgR no MS 28.215/DF, j. 22.09.2015, rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 05.10.2015). A Ação Direta de Inconstitucionalidade, por sua vez, perdeu o objeto, em razão da revogação, pelo plenário do CNJ, da Resolução n. 82/2009 (ADIn 4.260, j. 09.09.2016, rel. Min. Rosa Weber, DJe 19.09.2016). A revogação foi motivada justamente pela previsão do art. 145, § 1º, do CPC, que dispensa a necessidade de o Magistrado externar suas razões ao se declarar suspeito. 45. A sentença é composta de relatório, fundamento e parte dispositiva, de acordo com o art. 489, I, II e III, do CPC/2015. 46. Assim: “(...) Sobre a norma jurídica concreta, inserida na parte dispositiva da sentença,
que decide a pretensão, é que recairá o efeito da imutabilidade, inerente à coisa julgada (...)” (REsp 1200850/SP, 3ª T., j. 04.11.2010, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 22.11.2010). 47. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 12. 48. Daí por que, com a autoridade que lhe é própria, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina: “Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: ‘a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal’” (Curso, cit., p. 401 – destaques do autor). 49. Lúcia Valle Figueiredo, Curso de direito administrativo, p. 220. 50. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 172. 51. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., nota 12 ao art. 300, p. 858. 52. É o que diz a letra do art. 261, caput, do CPP: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. 53. Ver, a respeito do tema, Hélio Tornaghi, Curso de processo penal, v. 1, p. 489; José Frederico Marques, Elementos de direito processual penal, v. 1, p. 427. 54. Dentre aqueles que adotam o nome de princípio da bilateralidade da audiência, destacam-se Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 37; Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 174. 55. Por isso utilizamos a expressão “princípio da bilateralidade da audiência” no presente trabalho quando tratamos do processo civil. Preferimos reservar a expressão “princípio do contraditório” para o processo penal. 56. O cientista do direito deve, sempre, procurar designar realidades distintas por denominações específicas. Quanto ao assunto, ver Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 13. ed., p. 6, no sentido de que as proposições emitidas pela linguagem científica vêm carregadas “da harmonia dos sistemas presididos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segundo critérios que observam, estritamente, os princípios da identidade, da não contradição e do meio excluído, que são três imposições formais do pensamento, no que concerne às proposições apofânticas”. Segundo esse autor, a ciência do direito tem por escopo a descrição e o ordenamento do complexo de normas jurídicas válidas em um país, eis que “os membros das Casas
Legislativas, em países que se inclinam por representam os vários segmentos da sociedade. industriais, agricultores, engenheiros, advogados, confere um forte caráter de heterogeneidade, representativos” (p. 2-5).
um sistema democrático de governo, Alguns são médicos, outros bancários, dentistas, comerciantes, operários, o que peculiar aos regimes que se queiram
57. Quanto ao tema, ver José Frederico Marques, Elementos, cit., v. 1, p. 89; Hélio Tornaghi, Curso, cit., v. 1, p. 18; Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito processual penal, p. 176-177. 58. Vejamos, a respeito, alguns julgados encampando entendimento tradicional, no sentido de que predomina o princípio inquisitório na fase do inquérito policial: “Recurso ordinário em habeas corpus. Improcedência das alegações de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa; de inexistência de indícios de autoria e de materialidade dos delitos imputados ao recorrente; de obtenção ilícita de provas; de ofensa à coisa julgada; de a pequena quantidade de droga apreendida não autorizar a persecução criminal pela prática de tráfico de entorpecentes; e da abolitio criminis. Decreto de prisão preventiva que está fundamentado corretamente, não só para a garantia da ordem pública, mas também para a garantia da aplicação da lei penal. Recurso a que se nega provimento”. Consta do voto do relator: “Improcedem as várias alegações do ora recorrente. Com efeito, relativamente à alegação de que não teve conhecimento da tramitação do inquérito policial instaurado a respeito dos fatos narrados na denúncia, o que ofendeu os princípios do contraditório e da ampla defesa, é sabido que esse inquérito, sendo mero procedimento informativo, sem caráter jurisdicional, mas, sim, inquisitório, não se realiza necessariamente sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que são princípios que têm de ser observados na persecução penal em juízo, conforme reconhece a jurisprudência desta Corte” (STF, RHC 82.370/SP, 1ª T., j. 29.10.2002, rel. Min. Moreira Alves, DJ 28.03.2003). Ainda nessa linha, STF, HC 72.864/SP, 2ª T., j. 05.09.1995, rel. Min. Néri da Silveira, DJ 18.08.2000. No mesmo sentido: STJ, AgRg no Inq. 544/BA, Corte Especial, j. 05.09.2007, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 09.10.2007; STJ, RHC 16.047/MG, 5ª T., j. 09.05.2006, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 12.06.2006. 59. Calha referir e aplaudir, neste passo, acórdão prolatado pelo STF, no sentido de que, mesmo em inquéritos policiais, tem-se assegurado o exercício do contraditório. Confira-se, a respeito, trecho da decisão do Min. Gilmar Mendes, em decisão monocrática proferida por ocasião do julgamento do HC 92.599 MC/BA, j. 06.11.2007, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJ 13.11.2007: “Com relação à argumentação expendida pelo acórdão recorrido no sentido de que o inquérito policial seria procedimento investigatório e inquisitorial não envolto pelo contraditório, é pertinente traçar algumas considerações. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem assegurado a amplitude do direito de defesa mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou originários (...). Da leitura dos precedentes colacionados, verifica-se que tais julgados respaldam a tendência interpretativa de garantir aos investigados e indiciados a máxima efetividade constitucional no que concerne à proteção dos direitos fundamentais mencionados (CF, art. 5º, LIV e LV). Destarte, nos termos da jurisprudência colacionada, entendo não haver razão jurídica plausível para que a Corte Especial do STJ indefira pedido de juntada do laudo pericial requerida pela defesa do ora paciente. Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito, constato a existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora). Ante os fundamentos expostos, defiro o pedido de medida liminar para determinar a juntada dos expedientes 127.270/2007 e 126.577/2007 aos autos do Inq. 544/BA, em trâmite perante o STJ. Nessa extensão do deferimento, o representante do Ministério Público Federal oficiante deverá ser oportunamente intimado da juntada da documentação referida. Após, abra-se vista ao Procurador-Geral da República (RISTF, art. 192)” (STF, HC 92599 MC/BA, j. 06.11.2007, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 13.11.2007 – decisão monocrática). 60. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 155. 61. Aos membros do Ministério Público são hoje asseguradas as mesmas garantias (CF/88, art. 128, § 5º, I, a, b e c), o que leva a que se fale com inteira pertinência em princípio do promotor natural. Desse tema trataremos com mais vagar no capítulo destinado aos princípios do direito processual civil. 62. Quanto ao sentido de vitaliciedade, as palavras de José Cretella Jr.: “Em relação ao grau de aderibilidade ao cargo, a vitaliciedade é mais que a estabilidade, assim como esta é mais do que a interinidade, ou demissibilidade ad nutum. O estável pode ser afastado do cargo por vários modos, até por processo administrativo, mas este último procedimento é insuficiente para afastar o vitalício (...). Vitaliciedade é a maior garantia que a regra jurídica constitucional dá ao agente público e, por isso, ficam excluídas da proteção as regras jurídicas ordinárias, que poderiam, se valessem, dar, e depois, pelo princípio do paralelismo, tirar. A despeito da enumeração tríplice que as regras constitucionais fazem, quanto aos juízes, outorgando-lhes três garantias, costuma a doutrina explicar que a
vitaliciedade importa a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos. Não pretenderam os legisladores constituintes que os dois últimos atributos decorressem do primeiro ou nele se enquadrassem, fundindo-se os três. A separação foi no sentido de deixar claro que a sentença judicial, transitada em julgado, pode afastar do cargo o juiz vitalício, mas existem juízes que não o são. São vitalícios, regra geral, os juízes togados. Os togados temporários ficam fora da incidência da regra da vitaliciedade (...). Vitaliciedade é a garantia constitucional concedida ao juiz que não deixará o cargo a não ser (a) por sentença judicial, transitada em julgado, (b) exoneração a pedido, (c) aposentadoria compulsória aos 70 anos, (d) aposentadoria voluntária ou por tempo de serviço, (e) aposentadoria em razão de invalidez comprovada e (f) morte” (Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 6, p. 3026-3028). 63. A respeito das garantias do magistrado, calha mencionar que o Pleno do STF veio a dar improvimento ao RE 549560, no qual se discutiam as prerrogativas de foro de desembargador aposentado. Ao julgar referido recurso, o STF veio a reafirmar orientação segundo a qual os magistrados que se aposentam perdem a prerrogativa de foro (STF, RE 549.560, Pleno, j. 22.03.2012, rel. Min. Ricardo Lewandowski). 64. Nesse sentido: “Magistrados. Princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados em face da desvalorização da moeda. E tranquila a jurisprudência desta Corte no sentido de que em face da Emenda Constitucional 1/69, a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos dos magistrados não implica que se proceda a revisão automática desses vencimentos em virtude da desvalorização da moeda, sendo que esse reajustamento só poderá decorrer de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 117857, 1ª T., j. 30.10.1990, rel. Min. Moreira Alves, DJ 08.02.1991). 65. Vale ressaltar, conforme observa José Afonso da Silva, que a Emenda Constitucional n. 19/98 veio a modificar o sistema remuneratório dos agentes públicos, com a criação do subsídio como forma de remunerar agentes políticos e certas categorias de agentes administrativos civis e os militares. Segundo esse notável autor, a Emenda Constitucional 19 “usa a expressão ‘espécies remuneratórias’, como gênero que compreende: o subsídio, o vencimento (singular), os vencimentos (plural) e a remuneração” (Comentário contextual à Constituição, p. 340). Observa, a propósito, Maria Sylvia Zanella di Pietro: “Abandonada a expressão subsídio na Constituição de 1988, volta a ser prevista na Emenda Constitucional 19, porém para algumas categorias de agentes públicos. Com isso, passaram a coexistir
dois sistemas remuneratórios para os servidores: o tradicional, em que a remuneração compreende uma parte fixa e outra variável, composta por vantagens pecuniárias de variada natureza, e o novo, em que a retribuição corresponde ao subsídio, constituído por parcela única, que exclui a possibilidade de percepção de vantagens pecuniárias variáveis. O primeiro sistema é chamado, pela Emenda, de remuneração ou vencimento e, o segundo, de subsídio” (Direito administrativo, p. 459 – destaques da autora). 66. A EC 19/98 extinguiu a isonomia salarial para os servidores públicos ao dar nova redação ao art. 39, modificando as garantias conferidas aos magistrados. O texto constitucional vigente, alterado pela Emenda n. 19, agora prevê, para determinada categoria de servidores, inclusive os magistrados, o subsídio (cuja característica fundamental é sua fixação em parcela única) como forma de retribuição salarial, a teor do art. 39, § 4º, vedando quaisquer acréscimos, como gratificações, adicionais, abonos, prêmios ou verbas de representação, salvo os casos previstos no § 3º do mesmo dispositivo. Carlos Alberto Menezes Direito explica que a reforma “abriu a possibilidade de percepção de uma forma de remuneração, que denominou subsídio, previsto no § 4º do art. 39, obrigatório para o ‘membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais’. O subsídio é ‘fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória’, tudo subordinado ao teto (...). O que essa regra alcança é a transparência no sistema remuneratório dos membros de Poder e detentores de mandato eletivo, ademais de categoria determinada de ocupantes de cargos estatais” (Reforma administrativa: a Emenda n. 19/98, RDA 213/137 – destaques do autor). Ainda, quanto à figura do subsídio, cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso, cit., p. 251-253. 67. Reconhecendo o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu conforme a ementa seguinte: “Constitucional. Ato Administrativo. Nulidade. Declaração Judicial. A assertiva de que somente a Administração pode declarar a nulidade de seus atos constitui evidente sofisma. Dizer que o judiciário não pode declarar nulidade de atos administrativos é fazer tábula rasa da garantia constitucional que consagra a ubiquidade do Poder Judiciário” (STJ, EDcl no RMS 11.681/PR, 1ª T., j. 08.04.2003, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 19.05.2003). 68. E sem que esse exame da legalidade implique qualquer afronta ao princípio, constitucionalmente assegurado, da independência dos Poderes. Veja-se: “Administrativo e tributário. Ato administrativo discricionário. Dação em pagamento. Indeferimento do
pedido. Ausência de motivação. Respaldo legal. Nos atos discricionários, desde que a lei confira à Administração Pública a escolha e valoração dos motivos e objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo administrador em procedimentos que lhe são privativos, cabendo-lhe apenas dizer se aquele agiu com observância da lei, dentro da sua competência. Recurso ordinário improvido” (STJ, RMS 13.487/SC, 2ª T., j. 04.09.2007, rel. Min. Humberto Martins, DJ 17.09.2007). 69. Assim, confira-se julgado do STJ em que se deu provimento a recurso especial tendo em vista que o ato administrativo vinculado impugnado não foi praticado em conformidade com o modelo legal: STJ, REsp 436.239/RJ, 2ª T., j. 10.08.2004, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 11.10.2004. 70. Veja-se, exemplificativamente, na RDA 38/350, em face de ato discricionário, em que se admite o exame para ver se esse poder discricionário não resultou em arbitrariedade, o que contraria o fim público que deve informar o ato. Assim, diante de ato administrativo discricionário, incumbe ao Judiciário examinar se o motivo em que se fundamentou o ato é legítimo, em face da lei; nada mais. 71. Se o Judiciário constatar, numa dada hipótese que embasa um ato administrativo, que este foi praticado em conformidade com os elementos fáticos definidos no texto normativo, não é possível cogitar-se de ilegalidade, e, acrescente-se, ainda que examinado o ato pelo Judiciário, deve o ato permanecer incólume (RDA 99/145). De outro lado, tem-se decidido que se o ato for praticado com base em motivo falso ou inexistente, tal ato administrativo sujeita-se ao controle pelo Judiciário, que poderá invalidá-lo: “A Administração, ao autorizar a transferência ou a remoção de agente público, vincula-se aos termos do próprio ato, portanto, submete-se ao controle judicial a morosidade imotivada para a concretização da movimentação (Teoria dos Motivos Determinantes). 2. Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 3. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: ‘a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade’ (f.) (...). Acórdão a quo em consonância com a jurisprudência deste
Tribunal (Enunciado 83 da Súmula do STJ). 6. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no REsp 670.453/RJ, 6ª T., j. 18.02.2010, rel. Min. Celso Limongi, Desembargador convocado do TJSP, DJe 08.03.2010). 72. Nesse sentido: “Mandado de Segurança. Ato administrativo. Demissão de funcionário municipal que deu contribuição para que terceiros realizassem saques de importância em dinheiro do PASEP. Ato e procedimento administrativos que estão regulares, e portanto, eivados de legitimidade – Poder Judiciário que não pode analisar o mérito da decisão administrativa, por ser elemento do poder discricionário da Administração. Writ que não é meio idôneo para examinar fatos apurados em inquérito disciplinar e para aferir a injustiça da penalidade. Segurança denegada” (TJSP, MS 19.501-0/SP, j. 27.10.1993, rel. Djalma Lofrano). 73. Nesse sentido, conferir artigo de nossa autoria e de Angélica Arruda Alvim, intitulado Devido processo legal, cit., p. 54. Conferir, ainda, a já citada Súmula Vinculante 3 do STF. 74. Acerca da natureza jurídica da arbitragem, cf. Arruda Avim. Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem in: Arbitragem: estudos sobre a lei n. 13.129, de 26.05.2015. Org. Francisco José Cahali; Thiago Rodovalho; Freire Alexandre. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 133-144. 75. STF, Plenário, AgRg na SE 5.206/Espanha, j. 12.12.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.04.2004. 76. Veja-se, a propósito, o teor do pronunciamento do Min. Moreira Alves: “(...) proponho que o julgamento seja convertido em diligência, a fim de ser ouvido o Ministério Público Federal sobre o problema de saber se a lei em causa [Lei n. 9.307/96], que disciplina a arbitragem, contraria, ou não, o princípio, que se insere entre os direitos fundamentais, do livre acesso ao Poder Judiciário. Trata-se de problema delicado, pois pode envolver a questão da renúncia de direito fundamental, que, em princípio, são irrenunciáveis por sua própria natureza. Proponho, assim, a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, para o exame incidente da inconstitucionalidade da Lei n. 9.307/96”. 77. Consta ainda do voto do Min. Carlos Velloso: “(...) a lei não institui a arbitragem em termos obrigatórios, caso em que ocorreria ofensa ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, mas, simplesmente, faculta às partes prevenirem ou terminarem o litígio mediante a arbitragem”. 78. “Processual civil. Embargos de declaração. Art. 535 do CPC. Ausência dos pressupostos. Homologação de sentença arbitral estrangeira. Lei n. 9.307/96. Aplicação
imediata. Constitucionalidade. Utilização da arbitragem como solução de conflitos. Ausência de violação à ordem pública. Impossibilidade de análise do mérito da relação de direito material. Ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Inexistência. fixação da verba honorária. Art. 20, § 4º, do CPC. Embargos de declaração rejeitados. I. Os embargos de declaração devem atender aos seus requisitos, quais sejam, suprir omissão, contradição ou obscuridade, não havendo qualquer um desses pressupostos, rejeitam-se os mesmos. II. A sentença arbitral e sua homologação é regida no Brasil pela Lei n. 9.307/96, sendo a referida Lei de aplicação imediata e constitucional, nos moldes como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. III. Consoante entendimento desta Corte, não viola a ordem pública brasileira a utilização de arbitragem como meio de solução de conflitos. IV. O controle judicial da homologação da sentença arbitral estrangeira está limitado aos aspectos previstos nos arts. 38 e 39 da Lei n. 9.307/96, não podendo ser apreciado o mérito da relação de direito material afeto ao objeto da sentença homologanda. Precedentes. V. Não resta configurada a ofensa ao contraditório e à ampla defesa se as requeridas aderiram livremente aos contratos que continham expressamente a cláusula compromissória, bem como tiveram amplo conhecimento da instauração do procedimento arbitral, com a apresentação de considerações preliminares e defesa (...)” (STJ, EDcl na SEC 507/GB, j. 06.12.2006, rel. Min. Gilson Dipp, Corte Especial, DJ 05.02.2007). 79. Joel Dias Figueira Jr., Manual de arbitragem, p. 96-97. 80. Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos, Lei da arbitragem comentada, p. 19. 81. Nesse mesmo sentido, afirma Nelson Nery Jr. que, “à luz do regime trazido pela nova LArb [Lei de Arbitragem], não resta nenhuma dúvida sobre o caráter jurisdicional da atividade do árbitro, isto é, de aplicar o direito ao caso concreto (...). A sentença arbitral, como é aplicação do direito ao caso concreto por juiz não estatal, é manifestação de atividade jurisdicional. A consequência disso é que se reveste da autoridade da coisa julgada” (Princípios do processo civil, cit., p. 109-111). 82. Em relação ao procedimento do pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira, observam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, ao tempo do CPC/73: “O regime jurídico do pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira deduzido perante o STJ é o estabelecido na LArb, aplicando-se, no que for cabível, o CPC 483 e 484. O sistema da LICC 15 [antiga Lei de Introdução ao Código Civil, hoje denominada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro] só incide nos pedidos de homologação de sentença judicial estrangeira, mas não nos de sentença arbitral. A Resolução STJ 9, de 04.05.2005,
regula o procedimento da ação de homologação de sentença estrangeira no âmbito daquele tribunal” (CPC comentado, cit., 9. ed., nota 1 ao art. 36 da Lei n. 9.307/96, p. 1170).
83. Confira-se, a respeito, o que foi decidido no STJ, CC 130.972/SP, decisão monocrática, j. 27.02.2015, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 04.03.2015. 84. Vejamos, a propósito da competência da justiça federal, as seguintes Súmulas: Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”. Súmula 150 do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. Aparentemente, adotando o disposto na súmula, o art. 45, caput, do CPC previu a remessa do processo à Justiça Federal em caso de intervenção da União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente. Nesta hipótese, se o juízo federal excluir o ente federado do processo, os autos deverão ser restituídos ao outro juízo (art. 45, § 3º, do CPC). Súmula 517 do STF: “As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém como assistente ou opoente”. Súmula 183 do STJ: “Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo”. Cumpre-nos ressaltar que no julgamento de recurso de embargos declaratórios no CC 27.676/BA, na sessão de 08.11.2000, a Primeira Seção do STJ deliberou pelo cancelamento da referida súmula. 85. Nesse sentido, afirma Arruda Alvim que “as Turmas de Recursos, já previstas em diversas Constituições estaduais, (...) virão a ser concretamente disciplinadas por leis de organização judiciária, no que diz respeito ao respectivo funcionamento” (Manual, cit., v. 1, item 65, p. 260). Vale ressaltar que, no Estado de São Paulo, a Lei Estadual n. 5.143/86, em seu art. 3º, § 1º, dispõe que “a organização e funcionamento dos Colégios Recursais (Lei Federal n. 7.244, de 7 de novembro de 1984, art. 41, caput e § 1º, e art. 56, II), bem como a designação de seus membros, serão objetos de Resolução do Tribunal de Justiça”. O Provimento n. 2.203/2014 do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, revogando as disposições previstas no Provimento n. 1.670/2009 do mesmo Tribunal, veio a dispor, dentre outros assuntos, sobre a organização e funcionamento dos Juizados Especiais e dos Colégios Recursais nesse Estado da Federação. 86. A esse respeito, veja-se a Súmula 640 do STF, cujo teor é o seguinte: “É cabível
Recurso Extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por Turma Recursal de Juizado Especial Cível e Criminal”. 87. Este o autorizado escólio de Athos Gusmão Carneiro, Recurso especial, agravos e agravos internos, p. 13-14. 88. Cf. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 63, p. 258. 89. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 63, p. 258. 90. A Constituição Federal atribui aos Estados Federados a competência para regulamentar a organização de suas respectivas Justiças, ao conceder, em seu art. 96, II, d, iniciativa aos Tribunais de Justiça para propor às respectivas Assembleias Legislativas a alteração da organização e da divisão judiciárias. 91. Sobre sucumbência é a lição de Nelson Nery Jr.: “Há sucumbência quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial diverge do que foi requerido pela parte no processo (sucumbência formal), ou quando, independentemente das pretensões deduzidas pelas partes no processo, a decisão judicial colocar a parte ou o terceiro em situação jurídica pior daquela que tinha antes do processo, isto é, quando a decisão produzir efeitos desfavoráveis à parte ou ao terceiro (sucumbência material), ou, ainda, quando a parte não obteve no processo tudo aquilo que poderia dele ter obtido” (Teoria geral dos recursos, p. 315-316). 92. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro, Poderes do relator e agravo interno – arts. 557, 544 e 545 do CPC/73, RePro 100/17. 93. Nesse sentido: Emenda Regimental n. 21/2007 alterou a redação do art. 21, § 1º, do RISTF, que passou a ter a seguinte redação: “(...) Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do CPC”. 94. Mário Helton Jorge, O Conselho Nacional de Justiça e o controle externo administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário: violação do pacto federativo, Reforma do Judiciário, p. 493. 95. Nesse sentido, observam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que “os atos administrativos do CNJ podem ser controlados judicialmente, apenas por meio de ação (CF 5º XXXV), que será processada e julgada pelo STF (CF 102 I r)” (Constituição Federal comentada e
legislação constitucional, nota 2 ao art. 103-B, p. 302). 96. No julgamento da ADIn 3.367/DF, o STF decidiu que o Conselho Nacional de Justiça tem competência unicamente administrativa, e que seus atos são passíveis de controle jurisdicional pelo STF (STF, Tribunal Pleno, ADIn 3.367/DF, j. 13.04.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 17.03.2006). 97. Dessa mesma opinião, Luís Roberto Barroso, que em artigo intitulado Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho Nacional de Justiça, defende a legitimidade do CNJ (Reforma do Judiciário, p. 442). 98. Essa é, por exemplo, a opinião de Mário Helton Jorge, segundo o qual “o controle centralizado a ser exercido pelo Conselho sobre todos os tribunais e órgãos do Poder Judiciário, em âmbito nacional, fere o pacto federativo” (O Conselho Nacional de Justiça, cit., Reforma do Judiciário, p. 494). 99. Luís Roberto Barroso, Constitucionalidade e legitimidade, cit., Reforma do Judiciário, p. 443. 100. CF, art. 103-B, XIII. 101. A composição do Conselho Nacional de Justiça foi alvo de críticas por parte do Ministro Franciulli Netto, que afirmou, em trabalho doutrinário: “A circunstância de estar prevista a preponderância de magistrados na composição do Conselho não tem a importância ressaltada por alguns dos defensores da triste inovação. Basta a presença de uma única pessoa estranha aos quadros da magistratura para tornar o órgão heterogêneo, portanto, espúrio” (Reforma do Poder Judiciário. Controle externo. Súmula vinculante, Reforma do Judiciário, p. 142).
102. José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 389. 103. “Parte” é quem propõe ou em face de quem se propõe uma ação. Segundo a definição de Chiovenda, parte é “aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandado) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada” (Istituzioni de diritto processuale civile, v. 2, p. 214). Segundo Liebman, parte é “aquele que pede ao juiz um provimento sobre determinado objeto jurídico e aquele contra o qual tal provimento é pedido” (Manuale di diritto processuale civile, v. 1, p. 133). Para Waldemar Mariz de Oliveira Jr., “partes são as pessoas que pedem ou em face das quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional” (Substituição processual, p. 26). 104. Para Cristiano Chaves de Farias, o Ministério Público, como fiscal da lei, pode pleitear a antecipação dos efeitos da tutela (O Ministério Público interveniente (custos legis) e a possibilidade de pleitear a antecipação dos efeitos da tutela: a busca da efetividade do processo, RePro 111/50). Sustenta aludido entendimento Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 103. 105. Sobre conceito vago, v. Arruda Alvim, A arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 14-15, de onde se extrai: “Sobre os conceitos indeterminados [ou vagos] há quem diga que são portadores de um ‘núcleo conceitual’ e de um ‘halo conceitual’, envolvente daquele. A região das ‘dúvidas conceituais’ está neste halo; ou, mais precisamente, essa região que resta em aberto ao aplicador da lei é tornada certa, por obra deste aplicador. Pode-se, pois, comparando-se o conceito indeterminado ou vago, com o rígido e determinado, afirmar que o legislador abdicou de ser minucioso e exauriente na descrição da hipótese normativa, com o que, ipso facto, teria transferido parte de sua tarefa ao aplicador da lei. Fundamentalmente, isto assim se passa porque a disciplina minuciosa seria inconveniente às finalidades últimas, do próprio legislador, e a única forma de realização desses fins últimos é, precisamente, a de ‘confiar’, em certa, e na verdade, às vezes, em larga medida, no aplicador da lei”. 106. Amílcar de Araújo Falcão afirma: “O conceito indeterminado não enseja uma opção ou liberdade de escolha entre várias soluções ou atividades possíveis. Pelo contrário, ao estabelecê-lo, quer o legislador que uma única solução seja adotada, a que resulta do comando legal introduzido pelo conceito indeterminado: o problema no caso, para concreta determinação do conceito, é apenas, como acentuam os autores, de interpretação” (cf. Fato gerador da obrigação tributária, p. 61). 107. Correto o posicionamento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery a
respeito da intervenção do órgão do Ministério Público: “Trata-se de ato complexo. Somente quando as duas instituições (Magistratura e MP) quiserem e estiverem de acordo é que se dará a intervenção. Caso uma das duas não queira, não intervirá o MP. A nenhuma delas cabe, sozinha, decidir se haverá intervenção do MP. Se só o MP quiser, o juiz poderá indeferir sua intervenção, que será definitiva se o tribunal negar provimento a eventual recurso. Se só o juiz quiser, não poderá ele, tampouco o tribunal, ordenar que o MP intervenha no processo, dada a independência jurídica e funcional do órgão do MP. Incorreta a decisão que entendeu poder o juiz ordenar a intervenção ao MP, que teria de obedecer (TJMG-RT 599/189)” (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 670-671). 108. Importa registrar o que a CF/88, em seu art. 103, § 1º, estatui: “O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”. Em relação aos processos em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça, inexiste semelhante obrigatoriedade, estatuindo o art. 266, § 4º, do RISTJ: “Se for caso de ouvir o Ministério Público, este terá vista dos autos por vinte dias”. 109. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Ministério Público. Intervenção. CPC, art. 82, III. O só fato de existir interesse patrimonial da Fazenda Pública na causa não torna obrigatória a intervenção do MP. Necessidade de evidenciar-se a conotação do interesse público (...)” (STF, RE 96.899, 1ª T., j. 03.09.1985, rel. Min. Néri da Silveira, DJ 05.09.1986). 110. Nesse sentido, vejamos: “Não cabe ao Ministério Público, como fiscal da lei, velar pelos interesses das pessoas jurídicas de direito público, mas pela correta aplicação da lei, e muito menos suprir as omissões dos procuradores de tais entidades. A CF, em seu art. 129, IX, parte final, veio expressamente proibir a defesa e a consultoria de entes públicos por parte de membro do Parquet” (TRF 4ª Reg., AMS 9404208400, 2ª T., j. 08.06.2000, rel. Des. Fernando Quadros da Silva, DJ 30.08.2000). 111. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 163, p. 527. 112. Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 302. 113. Vide, a propósito, acórdão publicado em rjtjesp 80/182, relatado por Arruda Alvim, em que se busca a compreensão dos interesses públicos, conceituando-os. 114. Nesse sentido, v. STJ, REsp 1182808/AC, 2ª T., j. 07.12.2010, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.05.2011.
115. “Recurso Especial. Ação acidentária típica. Auxílio-acidente. Recurso de agravo de instrumento. Ministério Público. Intimação. Nas ações acidentárias típicas é indispensável a intervenção do Ministério Público, porquanto configurado o interesse público. Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp 230.175/RJ, 5ª T., j. 18.09.2001, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.10.2001). 116. STF, RE 103.641, 2ª T., j. 07.10.1986, rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 14.11.1986. 117. Hugo Nigro Mazzilli, O Ministério Público na Constituição de 1988, p. 52. 118. Nesse sentido, v. STJ, REsp 712.824/RS, 1ª T., j. 01.09.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 10.10.2005. 119. Hugo Nigro Mazzilli, O Ministério Público na Constituição de 1988, cit., p. 107. O que se exige, muitas vezes, para a verificação da legitimidade do Ministério Público para a tutela de direitos ou interesses individuais é que tais direitos ou interesses se encartem no interesse social, transcendendo o meramente individual, a justificar, portanto, o seu agir. Nesse sentido, conferir o que foi decidido no TRF da 1ª Região, à luz do CPC/73, AC 01000359959/PA, 4ª T., rel. Juíza conv. Vera Carla Cruz, DJU 04.08.2000. 120. Nesse sentido, v. STF, RE 163.231, Tribunal Pleno, j. 26.02.1997, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29.06.2001. 121. Nesse sentido: “(...). Segundo precedentes desta Corte, até mesmo nas causas em que a intervenção do Parquet é obrigatória em face a interesse de menor, é necessária a demonstração de prejuízo deste para que se reconheça a referida nulidade. Recurso Especial improvido” (STJ, REsp 1.010.521/PE, 3ª T., j. 26.10.2010, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 09.11.2010). 122. Aliás, a propósito, é de se referir que muitos doutrinadores falam, com inteira razão, em princípio do promotor natural. É o que observam, com inteira pertinência, Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 123, e Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, p. 147. 123. Veja-se, aliás, interessante julgado: SaTJ, REsp 904.422/SC, 5ª T., j. 22.05.2007, rel. Min. Felix Fischer, DJ 11.06.2007. 124. A propósito, conferir as lições de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro acerca do princípio da independência funcional: “Princípio maior da instituição, que se traduz no direito de o Promotor ou Procurador de Justiça oficiar livre e fundamentadamente de acordo com sua consciência e a lei, não estando adstrito, em qualquer hipótese, à orientação de quem quer
que seja. Esta independência funcional é ilimitada, não estando o membro do parquet sujeito sequer às recomendações do Conselho Superior do Ministério Público para o desempenho de suas funções, ainda naqueles casos em que se mostre conveniente a atuação uniforme” (O Ministério Público no processo civil e penal. Promotor natural. Atribuição e conflito, item 1.4, p. 43-44). 125. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público, cit., item 1.2, p. 41. 126. Atualmente, este órgão é regulado pela Lei Complementar n. 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União) e pela Lei n. 9.028/95, que dispõe sobre o exercício de suas atribuições institucionais, em caráter emergencial e provisório. 127. Já decidiu o STF, à luz do Código de Processo Civil de 1973, que, “Uma vez subscrito o ato por detentor do cargo de advogado da União, dispensável é a apresentação de instrumento de mandato, da procuração” (STF, AO 1.757, 1ª T., j. 03.12.2013, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 18.12.2013). 128. Nesse contexto, a respeito da prescindibilidade da atuação do advogado diante da Administração Pública, oportuno mencionar a Súmula Vinculante 5 do STF, cuja redação é a seguinte: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. 129. No Código Civil, o contrato de mandato está disciplinado no art. 653 e s. 130. A capacidade postulatória, como abordaremos com mais vagar, é pressuposto processual de existência da relação jurídica processual. De acordo com Arruda Alvim, ainda à luz do CPC/73, “não deve ser confundida a capacidade postulatória, tratada no art. 36 et seq., com a capacidade das partes ou capacidade do próprio mandatário (representante voluntário das partes, hoje sem expressão maior no processo civil, diante da regra geral do art. 6º), pois a capacidade postulatória antecede às outras, sendo requisito da existência da relação jurídica processual (...). Devemos, ainda, salientar que a capacidade postulatória, se é requisito da existência da relação jurídica processual, no que diz respeito ao autor, não o é com pertinência ao réu. A capacidade postulatória também é requisito para o réu ingressar em juízo para se defender, mas não da existência da relação jurídica processual, que se forma com a citação ou com o comparecimento (art. 214 – este artigo alude à validade, mas o legislador significou existência)” (Manual, cit., item 154, p. 507). 131. Nesta última hipótese, vale referir a Súmula 425 do TST, que limita a atuação das partes, sem advogado, às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho: “O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e
aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho”. 132. Na ADIn 1.127-8/DF, julgamento publicado no DJU 14.10.1994. 133. Ver, nesse sentido, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Jr., Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei n. 10.259, de 10.07.2001, p. 186 e s. 134. STF, ADIn 3168-6, Tribunal Pleno, j. 08.06.2006, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03.08.2007. 135. Isto porque no art. 105 é feita referência ao instrumento público ou particular “assinado pela parte”. Nesse sentido, José Frederico Marques afirmava, ao tempo do CPC/73, que “O mandato por instrumento particular deve estar assinado pela parte (CPC, art. 38), pelo que, não podendo ou não sabendo esta assinar, a procuração judicial tem de ser em instrumento público” (Manual, cit., v. 1, p. 378). 136. Conforme explica Leonardo Carneiro da Cunha, “a palavra Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública. A expressão Fazenda Pública é utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira. Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e às suas respectivas autarquias e fundações” (A Fazenda Pública em juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 5-6). 137. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 399. 138. Diz a Súmula 306 do STJ que: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”. Tal entendimento, à luz do CPC/15, resta superado. 139. A respeito da figura do depositário e de sua prisão, cumpre mencionar que o STF recentemente veio a editar A Súmula Vinculante 25, no sentido de ser “ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. 140. Nesse sentido, importa destacar a redação do art. 80 do Estatuto da Pessoa com
Deficiência: “Devem ser oferecidos todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que a pessoa com deficiência tenha garantido o acesso à justiça, sempre que figure em um dos polos da ação ou atue como testemunha, partícipe da lide posta em juízo, advogado, defensor público, magistrado ou membro do Ministério Público. Parágrafo único. A pessoa com deficiência tem garantido o acesso ao conteúdo de todos os atos processuais de seu interesse, inclusive no exercício da advocacia”.
141. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 282, item 71. 142. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., v. 1, item 116, p. 187. 143. Veremos, mais adiante, que a competência de foro (território) não pode ser confundida com a de juízo. 144. Utilizamo-nos aqui da classificação adotada por Chiovenda, elaborada a partir de três critérios distintos, a saber, critério funcional, critério territorial e critério objetivo, sendo que a competência em razão da matéria e em razão do valor da causa podem ser extraídas a partir deste último critério (cf. Giuseppe Chiovenda. Instituições de direito processual civil, v. 2). 145. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 70, p. 273. 146. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 71, p. 282. 147. Assim já decidiu, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Paraná: Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba, AR 0407997-4/02, 4ª Câm. Cív., j. 07.08.2007, rel. Des. Marcos de Luca Fanchin, v.u. 148. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., 14. ed., item 63.2, p. 104. 149. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 1 ao art. 87, p. 323. 150. RT 636/167. 151. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 93, p. 328. 152. STJ, REsp 130.118/SP, 1ª T., j. 01.09.1998, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 05.10.1998. 153. V. RTJ 95/347, em que se decidiu: “Mesmo sendo réu o Estado, que normalmente responde perante vara especializada da Capital, deve prevalecer a competência do foro da situação do imóvel”. 154. “A intervenção da União em ação rescisória de acórdão proferido por tribunal estadual desloca a competência para a Justiça Federal. 2. Admitida a União como assistente especial na ação rescisória, a competência para o julgamento da causa desloca-se para a Justiça Federal a quem compete a verificação de existência de interesse jurídico, nos termos da Súmula 150/STJ. 3. Conquanto, em princípio, ao Tribunal de Justiça caiba analisar ação rescisória intentada contra julgado proferido juízes ou órgãos colegiados a ele vinculados, não viola a legislação federal de índole infraconstitucional a remessa dos autos à Justiça Federal para julgar o mérito da pretensão, quando ente federal tenha sido admitido na
rescisória como autor, réu, assistente ou opoente. 4. Precedentes específicos desta Corte. 5. Aplicação analógica da Súmula n. 365/STJ. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para anular os atos decisórios e encaminhar os autos à justiça federal” (STJ, REsp 843.924/RS, 3ª T., j. 20.09.2001, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 26.09.2011). 155. Nesse sentido: REsp 1041279/RJ, 1ª T., j. 12.08.2008, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 27.08.2008. 156. A propósito, v. STJ, CC 115.649/RJ, 1ª S., j. 14.09.2011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 22.09.2011. 157. V. STJ, AgRg no CC 96.634/RS, 1ª S., j. 22.10.2008, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 05.03.2009. A propósito, conferir a letra das Súmulas 254 e 224 do STJ: Súmula 254: “A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual”; Súmula 224: “Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar o conflito”. 158. Nesse sentido, confira-se o que restou decidido no STJ, REsp 574.697/RS, 1ª T., j. 13.12.2005, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 06.03.2006. 159. Há julgado, contudo, no sentido de que a intervenção nos moldes do parágrafo único do art. 5º da Lei n. 9.469/97 – baseada no interesse meramente econômico – não tem o condão de deslocar a competência para a justiça federal (STJ, REsp 1097759/BA, 4ª T., j. 21.05.2009, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 01.06.2009). 160. Nesse sentido: STJ, SEC 5.302/EX, Corte Especial, j. 12.05.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 07.06.2011. 161. No STJ o assunto não é pacífico. Há decisões no sentido de que sentença estrangeira não pode ser homologada se existir, no Brasil, processo em curso sobre o mesmo tema ou decisão que tenha apreciado a mesma matéria, mesmo que ainda não transitada em julgado, porque, nesse caso, a homologação afrontaria a soberania nacional. Nesse sentido, a Corte Especial decidiu que decisão liminar em processo nacional ainda em tramitação, regulando a guarda de menor, obstava a homologação de sentença estrangeira com o mesmo teor: “Homologação de sentença estrangeira. Visitação e hospedagem de filho brasileiro. Tema apreciado pela justiça pátria. Não se pode homologar sentença
estrangeira envolvendo questão decidida pela Justiça brasileira. Nada importa a circunstância de essa decisão brasileira não haver feito coisa julgada” (SEC 819/PR, Corte Especial, j. 30.06.2006, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.08.2006). No mesmo sentido: SEC 841/US, Corte Especial, j. 15.06.2005, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 29.08.2005; SEC 832/US, Corte Especial, j. 15.06.2005, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 01.08.2005. De outro lado, há recente julgado da mesma Corte em sentido diverso, qual seja, o de que a pendência de ação no Brasil não impede a homologação da sentença estrangeira que tenha o mesmo objeto (SEC 3.668/US, Corte Especial, j. 15.12.2010, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 16.02.2011). 162. Arruda Alvim, Competência internacional, Studi in onore di Enrico Tullio Liebman, v. 2, p. 753. 163. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., 14. ed., item 50, p. 82. 164. V. STJ, AgInt 11.771/RS, 4ª T., rel. Min. Bueno de Souza, j. 20.04.1993, rel. p/ acórdão Min. Athos Gusmão Carneiro, DJ 14.06.1993. 165. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III. p. 1013. 166. No mesmo sentido: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1503-1504. 167. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III. p. 1013-1014. 168. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III. p. 1013-1014. 169. Nesse sentido: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. I. p. 194. 170. Nesse sentido: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 111. 171. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 81, p. 298. 172. Nesse sentido, conferir o julgado do STJ, REsp 127.082/MG, 4ª T., j. 13.04.1999, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 17.05.1999. 173. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1, p. 481.
174. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 96, p. 349. 175. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. § 18, p. 212. 176. Patricia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, p. 224. 177. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 96, p. 347. 178. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 96, p. 349. 179. Patricia Miranda Pizzol, A competência, cit., p. 226. 180. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 96, p. 348. 181. Nesse sentido: 1º TACSP [extinto], 1ª Câm., Ap. 972.239-8, j. 12.07.2001, rel. Juiz Silva Russo, TJSP, 4ª Câm. Dir. Priv, AC 74.592-4/Guarulhos, j. 28.01.1999, rel. Des. Fernando Horta. 182. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 2 ao art. 3º da Lei dos Juizados Especiais, p. 1469. 183. TJSP, CC 21.054-0, Câm. Esp., j. 17.11.1994, rel. Des. Yussef Cahali. 184. TJSP, CCom 36.829-0, Câm. Esp., j. 07.08.1997, rel. Des. Dirceu de Mello. 185. Manual, cit., v. 1, item 96, p. 347. 186. A competência, cit., p. 267-268. 187. CPC comentado, cit., 10. ed., nota 5 ao art. 111, p. 367. 188. CC 70019644327, 18ª Câm. Cív., j. 30.08.2007, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, DJ 13.09.2007. 189. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 96, p. 350-351. 190. Nesse sentido: STJ, CC 752/MG, 2ª S., j. 08.11.1989, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 11.12.1989; TJSP, CC 21.440-0/SP, j. 04.08.1994, rel. Yussef Cahali. 191. TJSP, CC 21.417-0/SP, j. 28.07.1994, rel. Des. Ney Almada. 192. STJ, REsp 13.125/SP, 4ª T., j. 22.09.1992, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 03.11.1992. 193. Nesse sentido, RT 679/156. 194. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery afirmam: “A competência é do foro da residência da mulher e não de seu domicílio, pois este é fixado pelo marido; e o que a lei quis foi derrogar o princípio da competência domiciliar em favor da mulher em todas as ações relativas a seu estado” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 4 ao art. 100, p. 355).
195. Assim: STJ, REsp 27483/SP, 3ª T., j. 04.03.1997, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 07.04.1997. 196. Súmula 1 do STJ: “O foro do domicílio do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos”. 197. 1º TACSP [extinto], Ac. 16.706, j. 15.06.1993, rel. André Mesquita. 198. STJ, REsp 84.642/DF, 3ª T., j. 13.05.1996, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 24.06.1996. 199. REsp 4603/RJ, 3ª T., j. 23.10.1990, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 17.12.1990. 200. Nesse norte, Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 90, p. 319. 201. Nesse sentido: STJ, REsp 949.382/MG, 1ª T., j. 23.10.2007, rel. Min. José Delgado, DJ 19.11.2007; 202. 1º TACSP, Ac. 4978, j. 11.10.1989, rel. Mendonça de Barros. 203. Nesse sentido: RT 655/134. Assim também: TJRS, AgIn 70016291551, 18ª Câm. Cív., j. 18.09.2006, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes. 204. “O juiz do foro escolhido em contrato de adesão pode declarar de ofício a nulidade da cláusula e declinar da sua competência para o juízo do foro do domicílio do réu. Prevalência da nossa ordem pública, que define o consumidor como hipossuficiente e garante sua defesa em juízo. Conflito conhecido e declarada a competência do suscitante” (STJ, CC 19.301/MG, 2ª Seção, j. 11.11.1998, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 17.02.1999). 205. Eis a ementa do julgado: “Conflito Negativo de Competência Ação que questiona a propriedade de bem imóvel objeto de ação de desapropriação ajuizada pelo DER – DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM contra terceiros Distribuição por dependência Possibilidade Conexão não configurada Causa de pedir e pedido distintos. No entanto, ainda que não sejam conexos, há conveniência de reunião dos processos, para julgamento conjunto, nos termos do artigo 55, § 3º, do CPC/2015, vez que patente o risco de decisões conflitantes Eventual procedência da ação que questiona a propriedade do bem imóvel em desapropriação que interferirá no resultado do processo de desapropriação, não em relação ao valor indenizatório, mas em relação a quem a indenização deverá ser efetivamente paga Conflito negativo de competência julgado procedente, para declarar competente o suscitado (5a. Vara da Fazenda)” (TJSP, Câmara Especial, Conflito de Competência n. 0031167-45.2017.8.26.0000, rel. Des. Renato Genzani Filho, j. 19.2.2018).
206. A propósito do assunto, conferir trabalho de nossa autoria, escrito juntamente com Fernando C. Queiroz Neves, intitulado A competência da Justiça do Trabalho e as ações indenizatórias por acidente de trabalho, à luz da Emenda Constitucional 45/2004, in Reforma do Judiciário: análise interdisciplinar e estrutural do primeiro ano de vigência, p. 77-91, onde dizemos que as ações indenizatórias decorrentes da relação de trabalho, ajuizadas pelo empregado contra o empregador, serão de competência da Justiça do Trabalho diante da nova redação dada pela EC 45/2004 ao art. 114 da Constituição Federal, em especial seu inciso VI. 207. É essa a orientação do STF (STF, AgIn 634728 AgR, 1ª T., j. 01.06.2010, rel. Min. Ayres Britto, DJe 05.08.2010, DJ 06.08.2010). 208. STF, RE 553562 AgRg, 2ª T., j. 16.12.2008, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 05.03.2009, DJ 06.03.2009. No mesmo sentido, o STJ: “Conflito de competência. Ação de indenização. Acidente de trabalho. Emenda Constitucional 45/2004. Alteração do art. 114, VI, da CF. Precedente do STF. I. Tratando-se de ação de indenização em razão de acidente do trabalho e doença profissional, a competência para apreciá-la é da Justiça do Trabalho, consoante julgamento do Supremo Tribunal Federal (CC 7.204-1/MG), após a EC 45/2004, alterando a redação do art. 114, VI, da Constituição Federal. Isso, se ainda não proferida a sentença, segundo entendimento assentado na 2ª Seção desta Corte (CC 51.712). II. Com essa nova diretriz, restou superada a orientação antes prevalecente, consolidada no Enunciado 15 da Súmula deste Tribunal, que se encontra, tacitamente, cancelada. Embargos de declaração acolhidos, apenas com fins aclaratórios” (STJ, EDcl no AgRg no CC 63.230/AP, 2ª S., j. 28.02.2007, rel. Min. Castro Filho, DJ 19.03.2007). . V., ainda, STF, AgIn 667119 AgRs, 1ª T., j. 26.05.2009, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 25.06.2009, DJ 26.06.2009; STF, AgIn 669077 AgRg, 2ª., j. 10.03.2009, rel. Min. Ellen Gracie, DJe 02.04.2009, DJ 03.04.2009. 209. Eis o teor da Súmula: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004”. 210. Nesse sentido: “A fixação da competência para julgar mandado de segurança deve levar em consideração a natureza ou condição da pessoa que pratica o ato, e não a natureza
do ato em si” (STJ, AgRg no CC 118.872/PA, 1ª S., j. 23.11.2011, rel. Min. Humberto Martins, DJe 29.11.2011). 211. Neste contexto, imperioso distinguir os atos complexos e os atos compostos para identificar a autoridade coatora nestes casos e, consequentemente, determinar a competência. Os atos administrativos complexos são formados pela vontade conjunta de vários órgãos administrativos levando à edição de um único ato, e este somente estará aperfeiçoado quando emanada a vontade da autoridade superior. Neste caso, todas as autoridades que colaboraram com a edição do ato devem ser citadas, mas a autoridade de maior hierarquia é que definirá a competência. Conforme observava Lúcia Valle Figueiredo, “em tese, não é, apenas, do último ato que se poderá dar impugnação judicial. Embora, é bem verdade, somente este último deflagrará os efeitos típicos, efeitos, esses, aos quais está preordenado” (Mandado de segurança, 5. ed., p. 101). Nos atos administrativos compostos, diversamente, a autoridade superior apenas chancela o que tiver sido feito pela autoridade inferior (o ato da autoridade superior, neste caso, é condição de eficácia do ato praticado pela inferior). Aqui, a autoridade coatora será aquela da qual emanou o ato aprovado e não a autoridade que apenas chancelou o ato. 212. Uma observação se faz necessária neste passo, a respeito da interpretação que tem sido dada, pelo STJ, ao art. 109, I, da CF, em face do que consta do inc. VIII deste mesmo dispositivo. Dispõe o art. 109, VIII, que compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança e habeas data em face de ato de autoridade federal. Tenha-se presente, ainda, a redação do inc. I do art. 109, segundo o qual “aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. A dúvida que se colocava era se, a despeito do silêncio do inc. VIII, a ação de natureza diversa do mandado de segurança (p. ex., ação cautelar), em que se discute a respeito da legalidade e/ou legitimidade de ato praticado por autoridade federal (no caso, trata-se de atividade delegada praticada por dirigente de estabelecimento particular de ensino superior) seria também de competência da Justiça Federal, ou, diversamente, somente se se tratasse de mandado de segurança haveria competência da Justiça Federal. E o que se teve oportunidade de constatar é que, atualmente, a jurisprudência dominante no STJ entende que, mesmo se tratando de ação cautelar, e respectiva ação principal, a competência é da Justiça Federal, uma vez que se discute atividade delegada pela União, encartada essa competência no âmbito do art. 109, I, da Constituição, havendo quatro conflitos de
competência da 1ª Seção do STJ, todos com votação unânime, afirmando a competência da Justiça Federal, ainda que haja ação cautelar e ação ordinária, àquela sucessiva (CC 35.105/PR, 1ª S., j. 26.06.2002, rel. Min. Luiz Fux, DJ 23.09.2002; CC 32.302/MG, 1ª S., j. 24.10.2001, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 04.03.2002; CC 21.776/MA, 1ª S., j. 24.06.1998, rel. Min. José Delgado, DJ 21.09.1998; 1ª S., CC 32.377, j. 18.02.2002, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 21.10.2002). De outro lado, no sentido de que, se a instituição de ensino for particular, a competência é da Justiça Estadual, v. STJ, CC 45.660/PB, 1ª S., j. 18.10.2004, rel. Min. Castro Meira, DJ 11.04.2005.
213. Augustín A. Gordillo, Introducción al derecho administrativo, v. 1, p. 176, apud Geraldo Ataliba, República e Constituição, p. 6. 214. Celso Antônio Bandeira de Mello, Criação de secretarias municipais, RDP 15, p. 284285. 215. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 222-225. 216. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 225. 217. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 230-231. 218. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 69. 219. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 72. 220. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 235. 221. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 145. 222. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 71. 223. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 78. 224. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 68. 225. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 108-109. 226. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 111. 227. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. São Paulo:
Forense, 2015. v. I. p. 81. 228. Cabe anotar que se trata de princípio expressamente previsto na Constituição Federal, art. 5º, LIV, estando encartado entre os direitos e garantias individuais, e, portanto, é cláusula pétrea, conforme o disposto no art. 60, § 4º, IV, da CF, de modo que não pode ser objeto de emenda constitucional tendente a suprimi-lo. 229. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 60. 230. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., v. 1, item 22, p. 29. 231. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 61-62. 232. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei n. 9.784/99, p. 161. 233. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo, cit., p. 162. 234. Juiz Vanderbilt, da Suprema Corte dos Estados Unidos, na obra de Bernard Schwarts Los diez mejores jueces de la historia norteamericana, p. 79 e s. 235. Apud Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário e due process of law, p. 16. 236. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 62. 237. Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário, cit., p. 13. 238. Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário, cit., p. 23-24. 239. V., a propósito, com riqueza de detalhes, Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário, cit., p. 25. 240. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo, cit., p. 166-167. 241. Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário, cit., p. 30. 242. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 64. 243. Antônio Roberto Sampaio Dória, Direito constitucional tributário, cit., p. 33. 244. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo, cit., p. 172. 245. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 66. 246. A propósito, anota com oportunidade Egon Bockman Moreira que tal é perfeitamente compreensível pela importância que a jurisprudência assume como fonte do direito nos países de common law, de modo que a “concepção jurídica de ‘direito’ na Inglaterra é historicamente derivada da ideia de processo” (Processo administrativo, cit., p. 157).
247. Sobre o caráter substancial do due process of law, cf. Ada Pellegrini Grinover, A garantia constitucional do direito de ação e sua relevância no processo civil, p. 35. 248. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo, cit., p. 166. 249. Egon Bockman Moreira, Processo administrativo, cit., p. 177. 250. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 60. 251. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 1, item 82, p. 208. 252. Cândido Rangel Dinamarco sustenta, em relação à Fazenda, que, se a estrutura do Estado é burocrática e impede o cumprimento dos prazos, esta prerrogativa deveria ser estendida a outras entidades que têm o mesmo “problema” e nem por isso são beneficiadas com prazos dilatados. Quanto ao Ministério Público, o autor sustenta que, atualmente, trata-se de uma “entidade diligente e organizadíssima, para a qual os prazos privilegiados são apenas uma cômoda vantagem a mais” (Instituições, cit., v. 1, item 83, p. 211). 253. Nesse sentido, expõem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Os litigantes tiveram despesas com advogado, de sorte que devem ser ressarcidos de forma igualitária. Isto porque a Fazenda, se vencedora em ação condenatória, teria a seu favor honorários entre 10% e 20%. Na parte em que discrimina a Fazenda Pública, a norma é inconstitucional. Em conclusão, quando a Fazenda Pública for vencida em ação condenatória, deverá o juiz fixar os honorários de advogado de acordo com o CPC 20 § 3º, entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o total da condenação, sendo-lhe vedado utilizar o critério do CPC 20 § 4º” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 22 ao art. 20, p. 224). 254. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery entendem que, “em decorrência do ônus da sucumbência, o vencido suportará o pagamento de todas as despesas do processo, inclusive as realizadas a requerimento do MP ou da Fazenda Pública. A norma apenas incide quando o MP e a Fazenda Pública não forem partes na causa. Sendo partes, devem arcar com as despesas necessárias à realização das provas, porque somente assim podem desincumbir-se do ônus da prova que o sistema impõe a todo e qualquer litigante. A norma prevê, contrario sensu, a dispensa do depósito prévio para pagamento das despesas requeridas pelo MP e pela Fazenda Pública (v. CPC 19 e 27). No entanto, nem o perito nem o oficial de justiça estão obrigados a pagar as despesas realizadas para a consecução de seu trabalho, no interesse do MP ou da Fazenda Pública” (CPC comentado, cit., 10. ed., notas 1 e 2 ao art. 27, p. 237). Nesse mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: STJ, REsp 238.596/RN, 1ª T., j. 03.02.2000, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 08.03.2000.
255. Nesse sentido cf. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 13 ao art. 19, p. 220. 256. No mesmo sentido o disposto no art. 39 e respectivo parágrafo único da Lei n. 6.830/80, que regula as execuções fiscais. 257. STJ, REsp 508478/PR, 1ª T., j. 07.10.2003, rel. Min. José Delgado, DJ 15.03.2004. 258. Há, ainda, orientação segundo a qual cabe à Fazenda Pública, à qual o Ministério Público se encontre vinculado, arcar com tais despesas: “Processual civil. Ação Civil Pública. Perícia. Honorários do perito. Despesa processual. Adiantamento pelo autor da ação (Ministério Público). Impossibilidade. Incidência plena do art. 18 da Lei n. 7.347/85. 1. O art. 18 da Lei n. 7.347/85 constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil. 2. Considera-se aplicável, por analogia, a Súmula 232 desta Corte Superior, a determinar que a Fazenda Pública à qual se acha vinculada o Parquet arque com tais despesas. 3. Essa linha de orientação vem encontrando eco no Supremo Tribunal Federal: RE 233.585/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJe 28.9.2009 (noticiada no Inf. STF 560/2009). 4. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 864.314/SP, 2ª T., j. 10.08.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.09.2010). 259. “Processo civil. Ação Civil Pública. Honorários periciais. Ministério Público. Art. 18 da Lei n. 7.347/85. 1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como estabelecido nas normas próprias da Lei n. 7.347/85, com a redação dada ao art. 18 da Lei n. 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC. 2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando o autor for considerado litigante de má-fé. 3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese. 4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública. Precedentes. 5. Recurso especial não provido” (STJ, REsp 891.743/SP, 2ª T., j. 13.10.2009, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 04.11.2009). No mesmo sentido: STJ, AgRg no REsp 1091843/RJ, 2ª T., j. 12.05.2009, rel. Min. Humberto Martins, DJe 27.05.2009.
260. Súmula 190 do STJ: “Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça”. 261. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 13 ao art. 19, p. 220. 262. Tenha-se presente a Lei n. 10.259/2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, que em seu art. 13 dispõe: “Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário”. 263. Vide, a propósito, Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 95; do mesmo autor com Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 2 ao art. 475, p. 712. Já à luz do Código de Processo Civil de 1939, que erroneamente enquadrava a “apelação ex officio” como recurso (art. 822, Título II do Livro VII “Dos recursos”), escreveu Alfredo Buzaid que a apelação ex officio não poderia ser vista como recurso, catalogando-a como “mera providência” marcada por duas características: a ordem de devolução a instância superior e o conhecimento integral da causa por esta última (Da apelação ex officio, p. 48-49). 264. No que se refere à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, conferir, com mais detalhes, nosso Antecipação da tutela, cit., p. 337-368. 265. Que é princípio de teoria geral dos recursos, assim conceituado por Barbosa Moreira: “Há reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso” (Comentários, cit., 13. ed., v. 5, p. 434). 266. A propósito da remessa necessária, vejamos as seguintes súmulas: Súmula 620 do STF: “A sentença proferida contra autarquias não está sujeita a reexame necessário, salvo quando sucumbente em execução de dívida ativa”. Súmula 34 do TFR: “O duplo grau de jurisdição (CPC, art. 475, II) é aplicável quando se trata de sentença proferida contra a União, o Estado e o Município, só incidindo, em relação às autarquias, quando estas forem sucumbentes na execução da dívida ativa (CPC, art. 475, III)”. Súmula 423 do STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”. 267. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 95. 268. RSTJ 35/468. 269. Nesse sentido: STJ, REsp 738.586/PR, 1ª T., j. 06.09.2007, rel. Min. Luiz Fux, DJ
15.10.2007; STJ, EDcl no REsp 228763/SC, 1ª T., j. 04.04.2000, rel. Min. José Delgado, DJ 08.05.2000. 270. No mesmo sentido: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 892-893. 271. Artigo intitulado O princípio constitucional da igualdade em confronto com a lei que confere tratamento processual privilegiado aos idosos (análise da constitucionalidade da Lei n. 10.173, de 09.01.2001), Informativo Incijur 20, mar. 2001. 272. Adolfo Armando Rivas, El amparo, referindo-se, nas p. 14-15, a decisão, precisamente no mesmo sentido, da Corte da Província de Buenos Aires, verbis: “En ausencia de normas específicas que reglamenten el amparo, es admisible que los jueces pretorianamente elaboren directivas para llenar ese vacío. Si el a quo utilizó fundamentalmente el habeas corpus, ello no es discutible por inaplicabilidad de ley”. 273. A título ilustrativo, anote-se que o art. 11 do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968, preconizava: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”, violando, de conseguinte, o § 4º do art. 150 da CF/67, de teor análogo ao ora analisado inciso XXXV do art. 5º da CF/88. Esse dispositivo do mencionado Ato Institucional n. 5/68 veio a ser “constitucionalizado” pelos arts. 181 e 182 da Emenda Constitucional n. 1/69. Desse modo, só lhes seria possível questionar a constitucionalidade admitindo-se a existência de normas inconstitucionais dentro do próprio corpo da Constituição (esta é a posição encampada por Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 131-132). 274. Seabra Fagundes, há mais de cinquenta anos, já anotava, em obra clássica: “A propósito e como consequência da execução coativa das obrigações públicas, pode ter lugar controle jurisdicional sobre as atividades da administração, seja provocado pela própria autoridade administrativa, seja pelo indivíduo. Esse controle, ao qual é chamado o Poder Judiciário, em consequência das situações contenciosas motivadas pela execução, pode exercer-se preventivamente ou a posteriori, conforme se destine a evitar os atos executórios ou a reparar lesão deles decorrente, e, em certos casos, a sustá-los em seus efeitos” (O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 263). 275. San Thiago Dantas especificou com clareza e perfeição a nota mais salientemente característica do Estado de Direito ao dizer que aquilo que o caracteriza é a sujeição do Estado ao próprio direito (citado por Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 167).
276. STF, SE 5.206/Ep-Espanha, Tribunal Pleno, j. 12.12.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.04.2004. 277. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 240-241. 278. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 241-242. 279. Redação da EC 7/77. 280. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 23. ed., p. 823. 281. TFR (extinto Tribunal Federal de Recursos), Súmula 247: “Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei n. 6.830/80”. No mesmo sentido: STJ, REsp 183969/SP, 1ª T., j. 21.03.2000, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 22.05.2000, p. 74. 282. Súmula 112 do STJ. 283. Como não poderia deixar de ser, estão dispensados do depósito prévio exigido pelo art. 488, II, os beneficiários da justiça gratuita. Nessa linha: “É firme nesta Corte o entendimento segundo o qual a parte beneficiária da justiça gratuita não está obrigada a fazer o depósito de que trata o art. 488, II, do CPC” (STJ, EDcl na AR 4.401/RJ, 1ª S., j. 26.10.2011, rel. Min. Humberto Martins, DJe 07.11.2011); “É inexigível o depósito do artigo 488, II, do CPC ao beneficiário da justiça gratuita, sob pena de afronta ao direito constitucional de livre acesso ao Judiciário. Precedentes. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1253338/SP, 2ª T., j. 07.06.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 16.06.2011). V., ainda, STJ, AR 941/SP, 3ª S., j. 27.09.2000, rel. Min. Felix Fischer, DJ 16.10.2000. Também estão dispensados desse recolhimento prévio a União, suas autarquias e fundações, igualmente o FGTS e quem o representar (Lei n. 9.028/95, art. 24-A, acrescido pela MP 2.180-35/2001). 284. Ainda, a propósito, é de ser verificada a Súmula 175 do STJ: “Descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pelo INSS”. 285. Arruda Alvim diz: “(...) somente é juiz aquele integrado no Poder Judiciário, na conformidade do que esteve prescrito em leis anteriores ao caso que seja por ele decidido. É o princípio do juiz natural” (Manual, cit., item 52, p. 180). 286. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 98. 287. Roberto Rosas, Direito processual constitucional: princípios constitucionais do
processo civil, p. 32. 288. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 108. 289. Hugo Nigro Mazzilli, O Ministério Público na Constituição de 1988, cit., p. 78. 290. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 127. Nesse mesmo sentido, consultar Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, p. 95. 291. Neste norte, confira-se o que foi decidido no STF, HC 67.759/RJ, Tribunal Pleno, j. 06.08.1992, rel. Min. Celso de Mello, DJ 01.07.1993. 292. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 172. 293. Dentre aqueles que adotam o nome de princípio da bilateralidade da audiência destacam-se Arruda Alvim (Manual, cit., v. 1, p. 374) e Nelson Nery Jr. (Princípios do processo civil, cit., p. 174). 294. Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 222-225. 295. Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 222-225. 296. Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 277. 297. Nesse sentido é a Súmula Vinculante 3 do STF: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. No mesmo sentido, os julgados do STJ: AgRg no Ag 1239482/RJ, 5ª T., j. 20.05.2010, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 21.06.2010. 298. Como referência, cf. HC 92599 MC/BA, Decisão Monocrática, j. 06.11.2007, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 13.11.2007. 299. De acordo com Luiz Fux, em sede de execução “o direito já se encontra definido à espera de sua realização pelo obrigado. Nessa hipótese, a forma de tutela não é mais de simples cognição senão de ‘realização prática do direito’ através dos órgãos judiciais (...) restaura efetivamente a ordem jurídica afrontada pela lesão, realizando a sanção correspondente à violação. A atividade judicial que atua nessa sanção denomina-se ‘execução’. Através dela o Estado cumpre a promessa do legislador de que, diante da lesão,
o Judiciário deve atuar prontamente, de sorte a repará-la a tal ponto que a parte lesada não sofra as consequências do inadimplemento” (A reforma do processo civil, p. 82-83). Complementa Marcelo Abelha Rodrigues que, caso o devedor não cumpra a obrigação “no prazo assinalado pelo juiz no provimento que impõe a prestação, restará então ao credor insatisfeito a necessidade de atuar, na prática, a norma jurídica concreta. Deve-se observar, entretanto, que, nas relações obrigacionais, o próprio direito substancial ‘exige’ que se oportunize ao devedor a chance de cumprir a obrigação devida que foi reconhecida como existente na norma jurídica concreta. Só depois de não cumprida espontaneamente é que nasce o momento executivo. É daí que nasce o intervalo entre a atividade jurisdicional executiva e a atividade jurisdicional cognitiva nas relações obrigacionais” (Manual de execução civil, p. 24-25). 300. Nesse sentido, Marcelo Abelha Rodrigues, Manual, cit., p. 59-60. 301. A exceção de pré-executividade é admitida, inclusive, na execução fiscal, conforme orientação sedimentada na Súmula 393 do STJ, cuja letra é a seguinte: “A exceção de préexecutividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”. 302. VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, conclusão 2: “Não constando do mandado o prazo de defesa (CPC, art. 225, VI) e a advertência prevista no art. 285 do CPC, é nula a citação”. Tal orientação, que temos por correta, decorre do art. 247, que teremos oportunidade de estudar no capítulo destinado ao estudo das nulidades, que estatui: “As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais” (nulidade de forma, absoluta, porque prescrita em lei). Deve-se ter em mente, todavia, a regra do art. 249, § 1º, do CPC, no sentido de que não se deve decretar a nulidade se não houver prejuízo. 303. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 99, p. 269-270. 304. Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, v. 2, item 6.4, p. 75. 305. Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, v. 2, item 6.4, p. 75. 306. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 185. 307. Quanto à provisoriedade das medidas liminares no processo cautelar, ver, por exemplo, o art. 807 do CPC. Conferir, também, nosso Antecipação da tutela, cit., p. 159 e s. 308. De acordo com Eduardo Cambi, durante o CPC/73, a “prova ilícita é aquela que
contraria o ordenamento jurídico, visto pelo prisma dilatado da Constituição, que abrange tanto a ordem constitucional e a infraconstitucional quanto os bons costumes, a moral e os princípios gerais do direito. Essa compreensão ampla parece coadunar-se com as regras contidas no art. 5º, LVI, combinadas com a do art. 5º, § 2º, CF, com a prevista no art. 332 do CPC, que admite todos os meios probatórios, ‘moralmente legítimos’, que sejam hábeis para demonstrar a veracidade dos fatos alegados em juízo” (A prova civil: admissibilidade e relevância, p. 69-70). No mesmo sentido, entende João Batista Lopes que a prova ilícita é aquela produzida ou apresentada em juízo que desobedece a mandamentos constitucionais, “uma vez que a vedação às provas ilícitas é mandamento constitucional” (A prova no direito processual civil, p. 87). 309. Dando respaldo a esse entendimento, observa José Celso de Mello Filho que “a ilicitude da prova deriva: a) de um ato contrário ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório (invasão domiciliar, violação do sigilo epistolar, quebra de segredo profissional, subtração de documentos, escuta clandestina, constrangimento físico ou moral na obtenção de confissões ou depoimentos testemunhais etc.). É a ilicitude material; ou b) decorre de forma ilegítima pela qual ela se produz, muito embora seja lícita a sua origem. É a ilicitude formal. A ilicitude material diz respeito ao momento formativo da prova. A ilicitude formal, ao momento introdutório da mesma. Em suma, razões de legalidade e de moralidade atuam como causas restritivas da livre atividade probatória do Poder Público” (A tutela judicial da liberdade, RT 526/298-299, nota de rodapé 32). 310. Confira-se a decisão prolatada por ocasião do julgamento, pela 6ª T., do ROMS 8559/SC, j. 12.06.1998, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 03.08.1998. 311. Ver RTJ 84/609. 312. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., p. 200-201. 313. Em sentido contrário o posicionamento de João Carlos Pestana de Aguiar, expresso em Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, p. 76 e s. 314. Nesse sentido: STJ, REsp 1113734/SP, 6ª T., j. 28.09.2010, rel. Min. Og Fernandes, DJe 06.12.2010. 315. Nessa linha, em sede doutrinária, entende Nelson Nery Jr. que, “sendo norma de exceção, o disposto no inciso XII do art. 5º da CF deve ser interpretado restritivamente. Quer isto dizer que somente o juiz criminal pode autorizar a interceptação telefônica, quando ocorrerem as hipóteses previstas na Constituição Federal. O juiz do cível não pode determinar escuta telefônica para formar prova direta no processo civil. Entretanto,
entendemos ser admissível a produção da prova obtida licitamente (porque autorizada pela CF) para a investigação criminal ou instrução processual penal, como prova emprestada no processo civil. Desde que a escuta tenha sido determinada para servir de prova direta na esfera criminal, pode essa prova ser emprestada ao processo civil. Para que seja admissível a prova emprestada no processo civil a doutrina exige que a parte contra quem vai ser produzida tenha efetivamente participado do processo penal de onde proveio a prova a ser emprestada. Caso contrário, em atenção ao princípio do contraditório, a parte terá de ratificar a prova no juízo cível. Mas, de qualquer sorte, admite-se a prova emprestada, como regra, do processo penal para o processo civil, dadas a unidade da jurisdição e a teoria geral da prova” (Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil, cit., 8. ed., p. 203). No mesmo sentido, ver Eduardo Cambi, Interceptação telefônica: breves considerações sobre a Lei n. 9.296/96, p. 144-145; Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades do processo penal, p. 234-235. Na jurisprudência, podemos colacionar o julgado publicado na RT 843/371. Assim, também, TRF-4ª R., MS 200470020003610/PR, 3ª T., j. 16.01.2006, rel. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJU 10.05.2006. Devemos mencionar, ainda, julgados do STJ, onde restou afirmada a possibilidade de utilização dos resultados de interceptação telefônica determinada no processo criminal como prova emprestada em ação de improbidade administrativa: REsp 1115399/MT, 2ª T., j. 02.03.2010, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.04.2011; REsp 1163499/MT, 2ª T., j. 21.09.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.10.2010. 316. Eduardo Cambi, A prova civil, cit., p. 53-54. 317. No mesmo sentido é o entendimento de João Batista Lopes, que afirma ser necessário “que a prova emprestada tenha sido produzida em processo envolvendo as mesmas partes e, além disso, é mister que, no processo anterior, tenha sido observado o princípio do contraditório” (A prova, cit., p. 57). Ainda, nesse sentido é o entendimento de Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, v. 2, item 17.2, p. 66. 318. STF, RE 328138/MG, 1ª T., j. 16.09.2003, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003. 319. A regra é, tipicamente, de eficácia restringível, na terminologia de Maria Helena Diniz (Norma constitucional, cit., p. 101). Para José Afonso da Silva, a regra é de eficácia contida (Aplicabilidade, cit., p. 91 e s.).
320. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 52, p. 183. 321. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 335. 322. Especificamente em relação à necessidade de fundamentação das decisões antecipatórias de tutela, Diógenes M. Gonçalves Neto (Decisões judiciais: motivação inexistente, parcial ou fictícia e a violação ao estado democrático de direito, Revista do Advogado 84) afirma que “decidir que ‘presentes os requisitos exigidos pelo art. 273, defiro a tutela requerida’ ou ‘ausente a verossimilhança, indefiro a tutela antecipada’ é nada motivar. Numa decisão como essa não há indicação dos elementos de fato, suas valorações, muito menos apreciação da aplicação das normas de direito material que ensejam a pretensão e, quiçá, a concessão da medida. Não há, portanto, decisão válida de acordo com os arts. 165, 273, § 1º, e 485 do CPC e com o art. 93-IX da Constituição Federal”. 323. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RMS 33.931/PI, 2ª T., j. 14.06.2011, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 31.08.2011; REsp 231528/SP, 2ª T., j. 21.02.2002, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 24.06.2002. 324. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 1, item 93, p. 241. 325. STJ, REsp 965.084/MG, 3ª T., j. 20.04.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 07.05.2010. 326. José Frederico Marques, A reforma do Poder Judiciário, v. 1, p. 84. 327. V., por exemplo, Constituição de Weimar, art. 102. Assim também a atual Constituição alemã, art. 97 (1), vinculando essa submissão exclusivamente à lei, à independência do juiz. Esta última – independência do juiz – consta do rubrum desse texto constitucional. 328. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 215. 329. Rita Dias Nolasco, Conselho Nacional de Justiça e o controle externo do Poder Judiciário, Reforma do Judiciário: análise interdisciplinar e estrutural do primeiro ano de vigência, p. 457. 330. José Frederico Marques, A reforma, cit., v. 1, p. 89. 331. José Frederico Marques lembra que, entre nós, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional lei (Lei n. 2.790) precisamente porque, por seu intermédio, adentrou-se em matérias da competência privativa (exclusiva) do Judiciário, no âmbito do respectivo poder regimental (A reforma, cit., p. 90).
332. Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 192. Entre as demais características da jurisdição geralmente apontadas está a terzietà do juiz (= imparcialidade e equidistância do litígio). Ainda, a coisa julgada explica-se pela circunstância, justamente, de que, ao lado da equidistância em que se coloca, o juiz atua superpartes, ou seja, impõe a sua decisão. 333. Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 192. 334. Quando se afirma que há de prevalecer o que decidiu o Judiciário, refere-se à coisa julgada que reveste suas decisões (parte dispositiva das decisões de mérito). No entanto, é perfeitamente possível, por exemplo, haver uma transação em que se supere o que haja decidido o Judiciário, vindo a valer e a ter eficácia o que foi objeto da transação, desde que as partes sejam capazes e o bem objeto da transação seja disponível. 335. Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, p. 138. 336. Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, cit., p. 141. Mais adiante, continua a autora: “Ainda que não se visse, a esse propósito, um princípio constitucional manifesto e autônomo, no sentido da garantia do duplo grau de jurisdição, sem dúvida alguma seu desrespeito configuraria ofensa ao princípio da isonomia. Quer se trate de um princípio constitucional autônomo, garantido, implicitamente embora, pela nossa Constituição; quer se trate daquele princípio da igualdade a que já nos referimos, haverá, em nosso entender, desrespeito às regras constitucionais do processo quando se suprimir o duplo grau de jurisdição (...) O duplo grau de jurisdição, ainda que não configure – ad argumentandum – garantia constitucional autônoma, faz parte, sem dúvida alguma, daquele conjunto de garantias que configuram o devido processo legal” (p. 143-144). 337. Oreste Nestor de Souza Laspro, Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, p. 27. 338. Joel Dias Figueira Jr., Juizados especiais cíveis, in Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei n. 9.099/1995, p. 288-307. 339. Afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery que a regra insculpida no art. 557 do CPC “alcança todo e qualquer recurso, bem como a remessa necessária que, embora não seja recurso, tem o procedimento da apelação” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 3 ao art. 557, p. 960). Nesse mesmo sentido: STJ, AgRg no REsp 868.563/MT, 1ª T., j. 17.04.2007, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 07.05.2007; STJ, REsp 412.975/RS, 2ª T., j. 01.06.2006, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 02.08.2006; STJ, REsp 156311/BA, 2ª T., j. 19.02.1998,
rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 16.03.1998. V., ainda, o teor da Súmula 253 do STJ: “O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário”. 340. TJAC, ApCiv 2009.003074-9, j. 29.10.2009, rel. Des. Miracele Lopes. 341. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. p. 88. 342. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 258. 343. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 70-71.
344. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processo de conhecimento, p. 33. 345. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 57. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. I. p. 152. 346. José Afonso da Silva, Comentário contextual, cit., p. 130. 347. Celso Bastos, Curso de direito constitucional, p. 251. 348. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 57. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. I. p. 152. 349. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 143. 350. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 144. 351. Em alguns casos, é possível a propositura de processo de execução de título judicial autônomo, como no caso de ser a executada a Fazenda Pública, ou ainda nas hipóteses dos incisos VI, VII, VIII e IX do art. 515 do CPC, segundo se prevê no § 1º desse mesmo artigo, que determina expressamente a citação do devedor, indicando que nova relação processual há de ser instaurada para que se proceda à execução. Seja como for, é importante consignar que a execução do título judicial faz-se em um processo, na denominada fase de cumprimento. Esse processo, todavia, ao menos como regra, não é autônomo. 352. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 144. 353. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 154. 354. Processualista alemão. 355. Processualista italiano. 356. Segundo Ovídio A. Baptista da Silva, “o resultado alcançado por Wach vinha assim reforçar e destacar ainda mais a importância de uma outra pesquisa levada a efeito por Oskar Von Bülow, outro jurista alemão que, alguns anos antes, chamara a atenção dos processualistas para a necessidade de estudar-se não apenas a relação de direito material configuradora da pretensão para cuja tutela seu titular servia-se do processo, como objeto central do direito processual, mas também a relação de direito público que se formava entre
o demandante e o Estado a que aquele invocava a proteção jurisdicional (excepciones procesales...). Como se sabe, o processo como ciência teve seus alicerces formados por estas duas pesquisas célebres” (Curso de processo civil, 5. ed., v. 1, p. 95-96). 357. Ver, a propósito, Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 152. 358. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso, cit., 5. ed., v. 1, p. 97. 359. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 153. 360. José Frederico Marques, Manual, cit., v. 1, p. 13. 361. Os arts. 9º e 10 do CPC/2015 preveem expressamente a necessidade de garantia do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as hipóteses previstas no parágrafo único, 362. Georges Abboud e José Carlos Van Cleef de Almeida Santos, comentários ao art. 332, em Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas, org., Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 905. 363. Embora o referido dispositivo esteja inserido no Título II, “Da tutela de urgência”, e não haja previsão com o mesmo teor no Título III, “Da tutela da evidência”, esta última tutela, para ser concedida, também deve ser reversível. 364. A propósito, cf. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 26 e s. 365. José Frederico Marques, Manual, cit., v. 1, p. 13. 366. Nesse sentido, conferir, com extensa fundamentação, Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 373-374. Verificar também, no sentido de que o juiz exerce atividade jurisdicional, ainda que não reconheça a presença das condições da ação, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p. 48. 367. Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 375. 368. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 2, p. 109. 369. Crisanto Mandrioli, L’azione executiva, p. 501, apud José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, 2000, v. 2, p. 17. 370. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, 3. ed., p. 59. 371. Contra o uso cada vez mais corrente da locução em face de para substituir a
preposição contra são as palavras conclusivas de Sérgio Bermudes: “Num país em que tanto se deve reformar, da estrutura de várias instituições, ao caráter de muitos homens, convém deixar quieto, no seu canto, o que não precisa ser mudado. Também, no aspecto focalizado neste artigo, é preciso ser do contra; a favor do contra; contra ao em face de, aliás, de pureza vernacular duvidosa – mas não me pronuncio sobre este último ponto porque já começo a ouvir o ne sutor ultra crepidam, de Apeles” (A favor do contra, RePro 65/223). 372. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 150. 373. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 151. 374. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 152. 375. J. E. Carreira Alvim, Teoria geral do processo, p. 136. 376. Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 377. 377. José Frederico Marques, Instituições, cit., 1958, v. 2, p. 7. 378. José Frederico Marques, Instituições, cit., 1958, v. 2, p. 9. 379. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso, cit., p. 387-388. 380. Cf. nosso Mandado de segurança. 2. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2010. p. 262 e s. 381. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso, cit., p. 388 – destaques do autor. 382. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada P. Grinover e Cândido R. Dinamarco, Teoria geral do processo, cit., p. 256. 383. José Frederico Marques, Manual, cit., v. 1, p. 223-224.
384. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, cit., 3. ed., p. 62-63. 385. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 156. 386. Humberto Theodoro Júnior. Pressupostos processuais e condições da ação no processo cautelar, RF 292/18. 387. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, 3. ed., p. 81. 388. Arruda Alvim, Tratado, cit., v. 1, p. 379. 389. E prossegue “Afirmar-se que não mais existem as condições da ação e, via de consequência, que inexiste carência da ação, como faz parcela da doutrina brasileira, é entendimento que se encontra apartado tanto do sistema legal do CPC/2015, quanto da teoria geral do direito processual civil. O fraco argumento de que, ‘porque a lei não mais repete as expressões condições da ação, e carência da ação, essas figuras jurídicas teriam desaparecido’, não é de ser prestigiado. Primeiro porque categorias jurídicas teóricas prescindem da lei para serem consideradas. A doutrina das condições da ação, que teve seu nascimento e desenvolvimento na Itália, até hoje é grandemente prestigiada, não tem repercussão na lei processual peninsular, já que o CPC ital. não contém uma só palavra sobre condições da ação. Em segundo lugar, lei não revoga doutrina (!), de sorte que o CPC/2015, por não mais repetir as expressões condições da ação e carência da ação, não revogou a teoria geral do direito processual civil, que trata e considera as duas figuras!” (Nelson Nery Junior. Princípios do processo na Constituição Federal. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 72). Também sustentando que as condições da ação não foram abandonadas pelo Código de Processo Civil vigente, cf. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. v. II. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 351-352. 390. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 116. 391. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 54. 392. José Joaquim Calmon de Passos. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. III. p. 245. 393. Confiram-se, a propósito os seguintes recursos julgados sob a vigência do CPC/73: STJ, REsp 920.403/RS, 2ª T., j. 06.10.2009, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15.10.2009.
394. Simpósio de Direito Processual Civil (Curitiba/1975), Conclusão XV: “A preclusão não se opera quanto às matérias enumeradas nos incisos IV, V, VI do art. 267 do CPC [correspondente ao art. 485, IV, V e VI, do CPC de 2015]”. 395. Observava com acuidade Barbosa Moreira que a “coisa julgada” não é propriamente um efeito a ser produzido pela sentença, mas “um efeito que a sentença recebe, um efeito que sobre ela se produz. A sentença é, aí, mais paciente que agente. Preclusas que ficam as vias recursais, passa ela a viver em nova situação, em novo status, e sofre o impacto de semelhante transição, que a põe – salvo casos excepcionais – fora do alcance de ulteriores impugnações” (Temas, cit., p. 88). 396. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 1140. Nesse sentido, à luz do CPC/73: STJ, REsp 897.739/RS, 3ª T., j. 05.05.2011, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 18.05.2011. 397. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 1 ao art. 268, p. 514. 398. STJ, REsp 48.974/GO, 3ª T., j. 13.10.1997, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 01.12.1997. 399. Diferentemente, Ovídio Batista da Silva diz: “Quando o juiz declara inexistente uma das ‘condições da ação’, ele está em verdade declarando a inexistência de uma pretensão acionável do autor contra o réu, estando, pois, a decidir a respeito da pretensão posta em causa pelo autor, para declarar que o agir deste contra o réu – não contra o Estado – é improcedente. E tal sentença é, já, sentença de mérito. A suposição de que a rejeição da demanda por falta de alguma ‘condição da ação’ não constitua decisão sobre a lide, não fazendo coisa julgada e não impedindo a reproposição da mesma ação, agora pelo verdadeiro legitimado ou contra o réu verdadeiro, parte do falso pressuposto de que a nova ação proposta por outra pessoa ou pela mesma pessoa que propusera a primeira, agora contra outrem, seria a mesma ação que se frustrara no primeiro processo” (cf. Curso de direito processual civil, v. 1, item 9, p. 90). 400. A propósito é o entendimento de Pontes de Miranda, ao afirmar que “não é outra ação no sentido próprio; é outra ‘ação’, no sentido processual, de pedido de prestação jurisdicional: outro processo, outro estabelecimento de relação jurídica processual, que se desfizera” (Comentários ao Código de Processo Civil, 4. ed., t. III, p. 502-503). 401. José Ignacio Botelho de Mesquita et al., O colapso das condições da ação? Um breve ensaio sobre os efeitos da carência da ação, Revista do Advogado 88/125. 402. O critério da utilidade e necessidade da prestação jurisdicional também é reconhecido
pela jurisprudência, como se colhe, por exemplo, do AgRg no REsp 902.458/SP, 1ª T., j. 17.03.2009, rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.03.2009. 403. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 1113. 404. STJ, REsp 264.676/SE, 5ª T., j. 01.06.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 02.08.2004. 405. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, cit., 3. ed., p. 173. 406. “Parte”, como já dissemos, é quem pede (parte ativa), ou em face de quem se pede (parte passiva) a tutela jurisdicional (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 1112). 407. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 162. 408. De acordo com Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “a alguns entes despersonalizados é reconhecida a capacidade para estar em juízo, como é o caso do espólio (CPC 75 VI), da massa falida (CPC 75 IV), do condomínio de apartamentos (CPC 75 X), das sociedades sem personalidade jurídica (CPC 75 VIII e § 2º; RT 521//150), da massa insolvente civil, das instituições financeiras liquidadas extrajudicialmente, dos órgãos públicos de defesa do consumidor (CDC 82 III), dos órgãos públicos com prerrogativas próprias (Mesas de Câmaras Legislativas, Presidências de Tribunais, Chefias de Executivo, Ministério Público, Presidências de Comissões Autônomas etc.) [...]. Esses entes não têm personalidade jurídica, mas sim personalidade judiciária, isto é, podem estar em juízo como partes ou intervenientes” (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 371). 409. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, cit., 3. ed., p. 136-137. 410. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2017. p. 162. 411. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, cit., 3. ed., p. 138. 412. O art. 6º do CPC não deixa a menor dúvida de que a legitimação ordinária é a regra; a extraordinária, a exceção. 413. Rodolfo de Camargo Mancuso, Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas, p. 408. 414. Todavia, é bem de ver que o legitimado extraordinário pode excepcionalmente atuar
como legitimado ordinário e como legitimado extraordinário, como sucede na hipótese do art. 623, II, do Código Civil [de 1916], caso em que será atingido, também, pelos efeitos da coisa julgada material, consoante observa Thereza Alvim (O direito processual de estar em juízo, p. 97). Tal observação revela-se perfeitamente atual à luz do art. 1.314 do vigente Código Civil. 415. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 97-98. 416. Thereza Alvim afirma que a legitimação nas ações coletivas é própria, mas não é ordinária. O art. 5° da Lei n. 7.347/85 denominou de legitimação (O direito processual de estar em juízo, cit., p. 119). Por sua vez, Teori Albino Zavascki afirma que, no caso de direitos difusos e coletivos, a legitimação ativa é exercida em regime de substituição processual (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 76). 417. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 1113.
418. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 191. 419. O réu que ingressa no feito tem-se como citado a partir da juntada aos autos da procuração que outorgou para sua defesa (STJ, REsp 684.437/DF, 1ª T., j. 06.09.2007, rel. Min. Denise Arruda, DJ 15.10.2007). 420. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 3 ao art. 285-A, p. 554. 421. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 504. 422. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 504-506. 423. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, p. 509-512. 424. STJ, RMS 18.477/DF, 4ª T., j. 16.11.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 06.12.2004. 425. No mesmo sentido: STJ, MS 13.293/DF, 3ª S., j. 14.03.2011, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 08.04.2011. 426. A respeito da capacidade postulatória como pressuposto processual de existência, diz com pertinência Teresa Arruda Alvim: “Não basta haver um advogado, genericamente habilitado para o exercício da advocacia, atuando no processo. É necessário que seja procurador do autor, portanto, legitimado em face da situação concreta. Todavia, há que se ter presente que a Lei n. 8.906, de 04.07.1994, dispõe, no art. 4º, serem nulos os atos privativos de advogados praticados por pessoa não inserida na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas (...). Como se trata de lei posterior ao CPC e de mesma hierarquia, à primeira vista pode parecer que houve revogação parcial do art. 37 do CPC, no ponto em que, em seu parágrafo único, alude a que seriam inexistentes os atos praticados no processo pelo autor, sem que o advogado tenha juntado a procuração (...). O resultado da conjugação desses dois dispositivos é a impossibilidade de se classificar com tranquilidade a capacidade postulatória como pressuposto processual de existência, já que a inexistência só ocorre quando não se junta o instrumento de procuração. Os exemplos de aplicação do dispositivo colhidos na jurisprudência demonstram que, em tais casos, se estará não apenas diante de ausência de capacidade postulatória, mas de ausência da própria parte: se não outorgou mandato, não se pode dizer que postulou em juízo” (Nulidades, cit., p. 44-45). 427. V. STJ, REsp 616.248/BA, 2ª T., j. 16.06.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 15.08.2005.
428. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., 1. ed., nota 3 ao art. 321, p. 946. 429. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery observam que, “quando a petição inicial contiver alguma irregularidade, é preciso que se indague sobre a natureza do vício. Sendo sanável a irregularidade, o juiz deve dar oportunidade ao autor para emendar a petição inicial, sob pena de cerceamento de defesa. Sendo insanável, o indeferimento da inicial pode ser decretado de imediato, sem a necessidade de qualquer outra providência por parte do magistrado” (Comentários, cit., nota 11 ao art. 330, p. 959). 430. A esse respeito, o STJ já decidiu, sob a vigência do CPC/73, com base no art. 295, I (330, I, CPC/2015), pela possibilidade de determinar a emenda da petição inicial antes de indeferi-la de plano mesmo após apresentação de contestação pelo réu: STJ, REsp 837.449/MG, 1ª T., j. 08.08.2006, rel. Min. Denise Arruda, DJ 31.08.2006. 431. Arruda Alvim, Manual, cit., item 5.3, p. 196. 432. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., 1. ed., nota 7 ao art. 485, p. 1181. 433. Súmula 252 do STF: “Na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”; Súmula 72 do STF: “No julgamento de questão constitucional, vinculada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos os ministros do Supremo Tribunal Federal que ali tenham funcionado no mesmo processo, ou no processo originário”. 434. Destacamos que as condições da ação e os pressupostos processuais são cognoscíveis de ofício (arts. 485, § 3º, e 337, § 5º). Nas instâncias superiores, sob a vigência do CPC/73 já se decidiu que “ainda que se trate de um dos pressupostos processuais, como a irregularidade de representação, sua apreciação de ofício não atinge este Superior Tribunal de Justiça, cuja competência se limita às ‘causas decididas’ pelos tribunais de segundo grau” (STJ, REsp 302905/SP, 4ª T., j. 19.04.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 25.06.2001). Há, todavia, decisões recentes do STJ admitindo o conhecimento de matérias ex officio, desde que tenha sido conhecido o recurso especial: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – COBRANÇA DE DESPESAS CONDOMINIAIS – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DOS AGRAVANTES. 1. A interposição do agravo interno com razões dissociadas dos fundamentos da decisão agravada enseja a aplicação, por analogia, do óbice da Súmula 182/STJ ante a ausência de impugnação aos fundamentos da decisão agravada.2. A ausência de prévio debate sobre o mérito de teses suscitadas no recurso
especial atrai o óbice da Súmula 211/STJ, por ausência de prequestionamento. 3. Por força do efeito translativo dos recursos, permite-se que o tribunal conheça, de ofício, de matérias de ordem pública não havendo falar em reformatio in pejus. 4. Agravo interno conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido” (STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 848.116/RS, rel. Min. Marco Buzzi, j. 26.06.2018). 435. Nos dizeres de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “a norma fala em nulidade do processo, como pena para o autor que, intimado, não regulariza o defeito no prazo devido. Caso isto ocorra, os atos praticados no processo devem ser anulados e, em seguida, extinto o processo sem resolução do mérito (...) (CPC 485 IV)” (Comentários, cit., 1. ed., nota 6 ao art. 13, p. 436). 436. STJ, REsp 61749/RS, 3ª T., j. 13.05.1999, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 21.06.1999. 437. Cf. Manual, cit., 11. ed., v. 1, p. 512. 438. Enrico Tullio Liebman, Manuale, cit., 4. ed., v. 1, p. 78. 439. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 5 ao art. 357, p. 1035. 440. Comentários, cit., nota 2 ao art. 505, p. 1302. 441. STJ, REsp 199421/RJ, 5ª T., j. 02.08.2001, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 08.10.2001. 442. O Superior Tribunal de Justiça, sob a égide do CPC/73, decidiu nesse sentido: “Se o juiz difere para a sentença o exame de uma das questões processuais controvertidas, por vêla confundida com o mérito, nem por isso a decisão é irrecorrível; ao Tribunal pode parecer conveniente decidir desde logo o que o juiz deliberou postergar, estando autorizado a se pronunciar sobre todas as matérias sujeitas a exame ex officio, v.g., pressupostos processuais, condições da ação etc. – hipótese, todavia, em que a decisão de 1º grau está melhor conformada às peculiaridades da espécie. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 329054/SP, 3ª T., j. 16.10.2001, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 04.02.2002). 443. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery. Comentários, cit., 1. ed., nota 7 ao art. 485, p. 503; Fredie Didier Jr., Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo, p. 337-338; Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 1, item 3.3.3, p. 408-409. 444. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 56. 445. Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, item 31, p. 117.
446. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., 1. ed., nota 8 ao art. 485, p. 1209. 447. Assim, Fredie Didier Jr. explica que “são fatos que não podem ocorrer para que o procedimento se instaure validamente. São fatos estranhos à relação processual, que, uma vez existentes, impedem a formação válida do processo” (Pressupostos processuais e condições da ação, cit., p. 172-173). 448. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., 1. ed., nota 8 ao art. 485, p. 1209.
449. Ressalvamos que o instituto da coisa julgada também será nosso objeto mais adiante, com mais profundidade. 450. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil (arts. 444-475), n. 139, p. 191, com largo apoio na demonstração dessa significação. 451. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada, cit., n. 141, p. 196. V., também, Barbosa Moreira, Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada, RBDP 32, n. 5 e 6, p. 47 e 49; ou Temas de direito processual – 3ª série, p. 107 e 109. 452. João de Castro Mendes, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, p. 24. 453. V. Mario Velani, La naturaleza de la cosa juzgada, em que discute, largamente, quais são os destinatários da coisa julgada, repelindo posição de Allorio, no sentido de que os destinatários seriam, exclusivamente, os juízes, aos quais a ordem jurídica vedaria que decidissem novamente a mesma questão, já objeto de coisa julgada. Diferentemente, segundo Velani (p. 30 e s.), os particulares também são destinatários das normas jurídicas, dizendo, para finalizar, verbis: “Estas considerações parece que induzem a entender que, no âmbito do nosso direito, estão efetivamente prescritas regras de conduta também para os particulares, que se convertem, desta forma, em destinatários de tais normas”. 454. Celso Neves, Coisa julgada civil, p. 504, 1ª conclusão. 455. V. Giovanni Tesoriere, Contributo allo studio delle preclusioni nel processo civile, cap. I, 3, p. 35, ao transcrever texto de Chiovenda, nas Istituzioni di diritto processuale civile, v. 1, p. 343, em que este último também distingue a coisa julgada da preclusão, que produz efeitos internos ao processo. 456. Em contraste com essa ideia – segurança extrínseca das relações jurídicas –, pode-se dizer que a preclusão, ao assegurar a irreversibilidade dos atos praticados no processo, realiza a segurança intrínseca do processo, dentro do processo. 457. O princípio da congruência ou da correlação entre o pedido e a sentença é manifestação do princípio dispositivo. 458. Celso Neves, Coisa julgada civil, cit., p. 504, 3ª conclusão. 459. A causa de pedir, como dito, identifica o pedido. Por isso mesmo, o órgão jurisdicional não pode julgar senão com base na causa petendi invocada na petição inicial, pois, do contrário, estaria decidindo fora do pedido (extra petita). Ou seja, se ação I versar determinado pedido de indenização por danos morais pelo fundamento A, o juiz não poderá julgá-la procedente por outro fundamento que não aquele invocado: A. De outro lado, se a
ação I, cujo pedido foi alicerçado no fundamento A, for julgada improcedente e transitar materialmente em julgado (art. 269, I, do CPC), não se poderá invocar a coisa julgada como obstativa da propositura da ação II de indenização por danos morais, agora calcada no fundamento B. 460. Celso Neves, Coisa julgada civil, cit., 8ª conclusão. É precisamente esta a posição da lei brasileira (art. 504, I e II). É a regra que se encontra no art. 503: “A decisão, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e da questão principal expressamente decidida”. 461. Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, 3. ed., p. 53. 462. V., amplamente, Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada, cit., n. 146, p. 202 e s. 463. João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 24 (o texto em itálico e entre colchetes é nosso). 464. A norma que regulamenta o efeito preclusivo é a do art. 508: “Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”. 465. V., amplamente, João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 46 e s. 466. O que se quer dizer é que as balizas para o juiz decidir restam fixadas pelo pedido e sua causa de pedir, decorrência lógica do princípio da congruência ou correlação, de modo que se decida no espectro delineado na inicial (art. 492). Se, todavia, isso não ocorrer, porque o juiz decidiu além do pedido ou fora dele, haverá coisa julgada nos limites exarados no decisum. 467. Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos, cit., 3. ed., p. 53. 468. Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos, cit., p. 50. 469. Pontes de Miranda, Tratado da ação rescisória, p. 193. 470. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades, cit., p. 507. 471. João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 32. 472. João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 26-27. 473. Dá respaldo a esse entendimento Marcelo Abelha Rodrigues, quando diz que “são
vícios de inexistência na relação jurídica processual a ausência de condição da ação (...), a ausência de pressuposto processual de existência e, ainda, a ausência de decisum na sentença” (cf. Elementos de direito processual civil, cit., 2. ed., v. 2, p. 77). 474. Arruda Alvim, Manual, cit., 7. ed., item 18.6, p. 744. 475. Arruda Alvim, Manual, cit., item 18.4, p. 742. 476. Arruda Alvim, Manual, cit., item 18.3, p. 741. 477. Arruda Alvim, Manual, cit., item 27.7.4, p. 1013. 478. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada, cit., p. 102. 479. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada, cit., p. 251. 480. A indicação do texto de lei, ou leis, em que se fundamentou o autor sempre foi considerada irrelevante, e por isso pode e deve, se for o caso, o juiz alterar o fundamento legal – v., amplamente, Arruda Alvim, Teoria geral do processo de conhecimento, v. 2, p. 74. 481. A causa petendi é significativa de um fato (ou fatos) que justifica a ação, vale dizer, que dentre as condições da ação é o interesse de agir ou interesse jurídico. No direito italiano é chamada de titolo della domanda; no regime italiano de 1865, a propósito da identidade das ações, tendo em vista a coisa julgada, lia-se no art. 1.351 que a ação, para ser igual a outra, havia que estar fundada sobre a medesima causa. Outros autores, como Betti (Diritto processuale civile italiano, 40, p. 174), referiam-se à ragione dell’azione. No texto da Ley de Enjuicimiento Civil espanhola (arts. 153 e 156), o nome é o mesmo; na doutrina fala-se em título da pretensão ou o “conjunto de acaecimientos jurídicos (hechos, actos o negocios) que son invocados por una persona como fundamento de la petición que interpone ante el órgano jurisdiccional” (v. Jayme Guasp, Comentarios a la ley de enjuiciamiento civil, 62, 5, a, p. 342). 482. Em relação aos direitos obrigacionais, pode-se dizer que não é discrepante o entendimento de que, alterada a causa petendi, ipso facto, de outra ação se trata, sendo inviável cogitar-se de coisa julgada (v. Chiovenda, Saggi di diritto processuale civile, v. 1, 8, p. 166, no trabalho intitulado Identificazione delle azioni. Sulla regola ne eat iudex ultra petita partium). Em relação aos direitos reais, vários autores entendem que “a relação jurídica [situação jurídica] é suficientemente identificada somente com a indicação dos sujeitos e do objeto” (v. Arruda Alvim, Teoria geral, cit., v. 1, p. 153, nota 128). Chiovenda afirmou que tanto bastava a invocação do direito de propriedade e, havendo
decisão a respeito, “non cessa l’eccezione di cosa giudicata per solo fatto che si faccia vale un altro titolo” (Principii di diritto processuale civile, § 12, p. 284). Diferentemente, no Brasil, e a nosso ver com razão, José Ignácio Botelho de Mesquita, A causa petendi nas ações reivindicatórias, RDPC 6/194. No direito alemão, basicamente em posição idêntica a Botelho de Mesquita, v. Stein, Jonas et al., Kommentar, comentários ao § 263, III, b. 483. Há acórdão da Corte de Cassação italiana, de 30.06.1954 (v. Ugo Rocco, Trattato de diritto processuale civile, v. 1, p. 352, que bem delimita os poderes do juiz: “Il potere del giudice di qualificare sotto l’aspetto giuridico i fatti, che la parte gli prospetta, incontra il limite constituito dal rispetto del principio della corrispondenza tra il chiesto ed il pronunciato, nel senso che il giudice non può attribuire ai fatti esposti della parte, un effetto giuridico diverso da quello che à domandado dalla parte stessa, ancorchè in linea di diritto tale effetto si ricolleghi ai fatti dedotti”). 484. V., amplamente, Arruda Alvim, Teoria geral, cit., v. 2, p. 66. Para o direito alemão, austríaco e italiano, no particular, v., na obra imediatamente citada, v. 2, notas 82 e 83, p. 145. Para que ocorra um dos fenômenos é irrelevante que se altere a posição de autor para a de réu, e vice-versa (v., amplamente, Arruda Alvim, Teoria geral, cit., p. 145, nota 82). Esta inversão, do polo ativo ao passivo, não altera a identidade ou a condição jurídica da parte (v. Karl Wolff, Grundriss des österreichischen Zivilprozess, p. 207; igualmente, Oskar von Bülow, La teoría de las excepciones procesales, p. 37). Assim era, também, no direito romano (Digesto, Livro III, Tít. III, 32: “Pluribus procuratoribus in solidum simul datis, occupantis melior conditio erit: ut posterior non sit in eo, quod petit procurator”). Trata-se, neste texto, da hipótese de um credor conferir poderes a diversos representantes seus, para cobrança do mesmo crédito, excluindo a atividade de um deles a do outro. Verifica-se inexistir identidade física, mas existir identidade jurídica, ou identidade da função jurídica, entre um e os demais; daí a exclusão dos demais. 485. Ernesto Heinitz, Limiti oggettivi della cosa giudicata, p. 13 (v., também, p. 87 e 129), o qual observa – com razão – que o fenômeno da coisa julgada não se exaure no trancamento da segunda ação, mas que indubitavelmente é esse o aspecto mais relevante do tema. 486. No sistema precedente, do Código de Processo Civil de 1939, o texto que dava margem a discussões era o parágrafo único do seu art. 287, verbis: “A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária
da conclusão”. Duas interpretações se formaram a respeito do entendimento desse parágrafo único do art. 287 do CPC/39: 1ª) a de que, como o texto se referia a que se consideravam “decididas todas as questões que constituem premissa necessária da conclusão”, isto implicaria que toda e qualquer relação jurídica prejudicial, isto é, com vida própria e autonomia tendo em vista a relação principal, estaria decidida. Nesse sentido encontramos o posicionamento de Thereza Alvim, que a propósito do aludido artigo assim diz: “O que este parágrafo [parágrafo único do art. 287 do CPC/39] consagra é a extensão da imutabilidade a todas as premissas necessárias da conclusão da sentença, abrangendo, assim, os pontos e as questões prejudiciais e não todos os motivos ou a fundamentação da sentença, pois são coisas diversas” (Questões prévias, cit., p. 59); 2ª) outro entendimento orientava no sentido de que esse mesmo texto a tal realidade não dizia respeito, senão que aí estava estabelecida a eficácia preclusiva da coisa julgada (atualmente disciplinada no art. 508) – v. José Carlos Barbosa Moreira, Temas, cit., 1ª série. 487. Hellwig, System des deutschen Zivilprozess, I, p. 777, onde anota os seguintes pontos nucleares do seu entendimento: o efeito específico das sentenças é a sua declaração (“Die spezifische Wirkung der Urteile ist ihre Feststellungswirkung”), e esse efeito encontra-se em todas as sentenças, por isso mesmo, sublinha: a) há tal efeito declaratório na sentença em que se reconheça a existência de uma obrigação; b) há igualmente na sentença em que se determine a modificação de uma situação, e, em decorrência disso, essa sentença demande ulterior execução; c) a aptidão para a execução – mesmo nos casos em que isso conste da sentença – não pertence ao conceito de coisa julgada (“Die Fähigkeit zur Vollstreckung (…) gehört nicht zum Wesen der Rechtskraft”); d) há muitas sentenças que à luz do seu conteúdo nunca poderão ser executadas, ao passo que há sentenças, ainda não cobertas pela coisa julgada, que são executáveis. 488. Para uma visão histórica e sua evolução, a respeito das significações dos termos, função positiva e negativa, v. João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 37-38. 489. Pode-se dizer que o juiz, ao examinar o que foi objeto de julgamento, revestido pela autoridade de coisa julgada, realiza uma análise cuja causa final é a de impedi-lo, dentro desse âmbito coberto pela autoridade de coisa julgada, de decidir novamente. Importa, portanto – mercê do conhecimento do que foi decidido e, dentro do decidido, o que ficou coberto pela coisa julgada –, o reconhecimento da coisa julgada, o dever de abstenção em decidir novamente o que já o foi, nessas condições.
490. João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 39. 491. A solução do direito português, em face da “exceção” peremptória da coisa julgada, é a de exigir “novo” julgamento, conducente à absolvição da instância, pois nessa sentença deve repercutir inteiramente o conteúdo da decisão anterior – João de Castro Mendes, Limites objectivos, cit., p. 47, para quem essa não foi a melhor solução, senão que correto teria sido qualificar essa “exceção” como dilatória. 492. É o que expressivamente se sustenta na doutrina alemã – Othmar Jauernig, Das Fehlerhafte Zivilurteil, p. 175 e nota 129, onde se veem as seguintes colocações, linguisticamente expressivas: a) trata-se, uma tal sentença, de um golpe no ar (Schlag in die Luft – Hellwig, v. nota infra); b) de um golpe na água (Schlag ins Wasser – Seckel). 493. V., também, Hellwig, System, cit., § 174, I, p. 174, que trata desse tema dentre as sentenças inexistentes, constituindo-se estas em sentenças a que faltam elemento(s) essencial(ais), e, pois, ainda que emanadas como sentenças, tais não podem ser consideradas (idem, § 174, II, p. 555). 494. Arruda Alvim, Teoria geral, cit., I, p. 77. 495. Há um monografista italiano – Giuseppe Franchi, La litispendenza, p. 205, nota 63 – que diz que a litispendência e os critérios que existem para eliminar uma dualidade de litispendência estão “fondati sul principio ne bis in idem, il quale nel suo significato letterale, è più amplio di quelle che si potrebbe chiamare ne iterum in idem”. Ou seja, não se justifica percorrer o mesmo caminho. 496. João de Castro Mendes, Manual de processo civil, 67, p. 155. 497. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., 58. ed., I, p. 204. 498. Os tribunais firmaram orientação no sentido do cabimento de ação meramente declaratória de interpretação de cláusula contratual, muito embora não se trate propriamente de discutir a existência ou inexistência de relação jurídica, conforme se vê dos seguintes julgados: STJ, REsp 285.837/RO, 4ª T., j. 01.03.2001, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 09.04.2001; STJ, REsp 273.181/MG, 4ª T., j. 17.10.2000, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 11.12.2000. Ainda nesse sentido, confira-se o teor da Súmula 181 do STJ: “É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual”. 499. Calha mencionar que o incidente de falsidade de que tratam os arts. 390 e seguintes nada mais é do que uma ação declaratória incidental de arguição de falsidade documental
(art. 4º, II). Trataremos do assunto com mais vagar em capítulo próprio. 500. José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, p. 550. 501. Em última análise, parece ser essa a opinião de Barbosa Moreira, ao afirmar que “podemos classificar as sentenças de acordo com o conteúdo, ou de acordo com os efeitos. O que decididamente não podemos é passar, no meio do caminho, de um critério a outro” (Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças, RDDP 7/38). 502. Arruda Alvim, Teoria geral, cit., v. 2, p. 66. 503. Arruda Alvim, Manual, cit., 7. ed., item 4.4.3.2, p. 171. 504. Arruda Alvim, Teoria geral, cit., v. 2, p. 68. 505. Arruda Alvim, Manual, cit., item 4.4.3.2, p. 182. 506. V. STJ, REsp 1140420/SC, 2ª T., j. 26.04.2011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 05.05.2011. 507. Caso contrário, o juiz mandará emendá-la (art. 321), sob pena de indeferimento (art. 321, parágrafo único). 508. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., notas 10 e 11 ao art. 319, p. 941. 509. “A identidade de demandas que caracteriza a litispendência é a identidade jurídica, quando idênticos os pedidos, visam ambos os mesmos efeitos jurídicos” (STJ, REsp 88.354/SP, 1ª T., j. 05.08.1996, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 02.09.1996). 510. Nessa tradição pode-se apontar a Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), que, pelo seu art. 18, inspirou as demais e sucessivas leis. Seguiu-lhe a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), art. 16. Ao depois, a Lei n. 7.853, de 24.10.1989 (regula o apoio às pessoas portadoras de deficiência e institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas), art. 4º, caput: “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. 511. O significado de nova prova não é o de uma prova surgida ulteriormente ao término da ação civil coletiva julgada improcedente, senão que essa prova, conquanto existente ou mesmo preexistente a essa ação civil coletiva julgada improcedente, nela não foi apresentada. O adjetivo nova, portanto, quer significar, apenas, novidade em relação à ação civil coletiva, igual à precedente, julgada improcedente, por insuficiência de prova. De
resto, essa contemporaneidade da prova ao processo precedente, ou, se se quiser, a percepção ou a “suspeita” de sua existência pelo juiz, é elemento indicativo de que, por isso mesmo, o juiz terá entendido ter havido insuficiência de prova. Só é concebível cogitar-se de insuficiência de prova a partir da convicção de que tudo indica devam existir mais elementos probatórios. 512. Cf. Relações entre demanda coletiva e demandas individuais, in Direito processual coletivo e o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 156.
513. Segundo Araken de Assis, “o litisconsórcio constitui a assunção, no mesmo processo, da função de parte, por mais de uma pessoa, independentemente do emprego de uma das modalidades de intervenção de terceiros para assumir tal condição. Designam-se tais pessoas de litisconsortes. A pluralidade de partes provoca transformações na dinâmica do processo” (Do litisconsórcio no Código de Processo Civil, RAP 1, p. 284). 514. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 138. 515. Não é correto falar em parte única em relação ao litisconsórcio necessário simples, pois o que se exige no litisconsórcio necessário simples é, por ser necessário, imprescindivelmente a presença de todos; mas, justamente por ser simples, há independência na atuação dos litisconsortes, pois a sentença pode ser diferente para uns e outros, no plano do direito material. Se se tratar de litisconsórcio necessário-unitário, terse-á: a) a necessária presença de todos no processo; b) por ser também unitário, não há independência, sendo eficazes os atos válidos dos ativos em relação às omissões dos que não agiram. 516. José Frederico Marques, Manual, cit., v. 1, p. 349. 517. Araken de Assis, a propósito, diz: “A simples pluralidade de partes não implica a cumulação de ações. Tampouco há pluralidade de relações processuais, porque o processo é único. Em princípio, a pluralidade de partes induz a ideia, de olhar fito no direito material, de que há pluralidade de ações. O objeto litigioso de determinado processo se multiplicaria na proporção do número de partes. O processo em si é único. Porém, semelhante impressão natural se desfaz mediante o exame mais atento dos motivos que conduzem várias pessoas a litigarem conjuntamente. Existem laços que tornam a demanda conjunta somente conveniente e outros que a tornam rigorosamente indispensável. Neste último caso, a despeito da pluralidade de partes, há um só objeto litigioso” (Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 285). 518. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.3.5, p. 507. 519. Nesse sentido: AgRg no REsp 474.921/RJ, 3ª T., j. 05.10.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 19.10.2010. 520. Menciona-se, neste passo, que há julgado admitindo a condenação direta do denunciado em hipótese que não tratava de denunciação da lide feita à seguradora pelo segurado: STJ, REsp 23.102/RS, 3ª T., j. 09.03.1993, rel. Min. Nilson Naves, rel. p/ acórdão Min. Dias Trindade, DJ 05.04.1993.
521. Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, p. 43. 522. Fredie Didier Jr., A denunciação da lide e o chamamento ao processo nas causas coletivas de consumo, RAP 1, p. 67. 523. Já se decidiu, por exemplo, sob a vigência do CPC/73, “ser inadmissível litisconsórcio entre os locatários em ação de despejo, se celebraram com o autor contratos diferentes, com características e períodos diversos. Isto porque a espécie não se enquadra nas hipóteses do art. 46 do CPC, que são taxativas” (2º TACivSP, AgIn 123.669, j. 19.11.1980, v.u., rel. Joaquim de Oliveira). 524. Montero Aroca, La intervención adhesiva simple, 5-A, p. 16. Entre nós, principalmente, no que diz respeito ao litisconsórcio facultativo, v. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, 4. ed., p. 312 e s. 525. Arruda Alvim, CPC comentado, cit., v. 2, p. 422 (destaques do autor). 526. Nessa linha é o entendimento firmado pelo STJ, na vigência do CPC/73 e que não se alterou com o CPC/2015: “Processual civil. Litisconsórcio eventual. Ações cumuladas. Ação anulatória de débito fiscal contra o município de Jundiaí. Pedido sucessivo de repetição de indébito em desfavor do município de São Paulo. Arts. 46 e 289 do CPC. Viabilidade. 1. A Corte de origem considerou descabida a propositura de ação anulatória de débito tributário em desfavor do Município de Jundiaí, com pedido sucessivo de repetição de indébito contra o Município de São Paulo, justificando seu posicionamento na falta de afinidade entre as demandas, incompatibilidade entre os pedidos e impossibilidade de incluir-se no polo passivo do feito litisconsortes com interesses conflitantes. 2. Segundo a lição de Cândido Rangel Dinamarco, ‘tem-se o cúmulo eventual, quando uma ação é proposta para o evento de que outra seja rejeitada. O autor formula duas demandas, tendo preferência pela primeira mas pedindo ao juiz que conheça e acolha a segunda (que por isso mesmo se considera subsidiário) no caso de não poder a primeira ser atendida’ (in Litisconsórcio. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 391-392). 3. Ambas as demandas ostentam causa de pedir comum, qual seja, a prestação de determinados serviços de engenharia que desencadearam a obrigação de recolhimento do ISS, de maneira que fica configurada a conexão a autorizar o litisconsórcio, nos termos do art. 46, III, do CPC. 4. Forte na interpretação do art. 289 do CPC (‘É lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior’) conjugada com as características do litisconsórcio eventual, não se vislumbra incompatibilidade dos pedidos de anulação de cobrança e repetição de indébito em virtude
do caráter sucessivo que lhes foi conferido pela petição inicial. Em outras palavras, o escalonamento contorna uma pretensa falta de harmonia entre os pleitos. 5. O conflito de interesses entre os Municípios de Jundiaí e São Paulo não representa empecilho à inclusão de ambos os entes na demanda na qualidade de litisconsortes passivos, sendo igualmente certo, sublinhe-se, que esta situação de antagonismo é intrínseca ao litisconsórcio eventual. 6. Desde que atendidos os requisitos genéricos previstos no art. 46 do CPC e não haja incompatibilidade absoluta de competência e procedimento, é viável o ajuizamento conjunto de ações conexas pela causa de pedir com pedidos sucessivos contra réus diversos, hipótese cognominada litisconsórcio eventual. 7. Há que se reintegrar ao polo passivo da demanda o ente municipal indevidamente excluído, sendo impositivo o retorno dos autos à instância ordinária para que se dê continuidade ao feito com a apreciação integral dos pedidos deduzidos pela ora recorrente. 8. Recurso especial provido” (REsp 727.233/SP, 2ª T., j. 19.03.2009, rel. Min. Castro Meira, DJe 23.04.2009). 527. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP n. 1, p. 290-291. 528. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP n. 1, p. 291. 529. Araken de Assis, Cumulação de ações, 4. ed., p. 168. 530. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 291. 531. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, v. 1, 18. ed., p. 447. 532. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, 4. ed., item 82, p. 392. 533. Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, p. 447. 534. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., item 82, p. 393. 535. Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, p. 448. 536. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 291. 537. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., item 82, p. 393. 538. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 291. 539. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., item 82, p. 394-395. 540. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 290. No mesmo sentido, admitindo a possibilidade de litisconsórcio sucessivo, Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, p. 476. 541. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 290. 542. O CPC/73 previa no art. 46, inc. II, a possiblidade de litisconsorte em caso em que “dos direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito”.
Conforme afirma Nelson Nery, a hipótese prevista no inc. II foi suprimida porque parte da doutrina defendia que ela era idêntica a hipótese prevista no inc. III, que trata da possibilidade de litisconsórcio quando houver “conexão pelo pedido ou pela causa de pedir” entre as causas, atualmente prevista no art. 113, inc. II, do CPC/2015 (Nelson Nery e Rosa Nery, Comentários, cit., item 10 do art. 113, p. 560). 543. Araken de Assis, Cumulação de ações, cit., 4. ed., p. 169. 544. Araken de Assis, Do litisconsórcio, cit., RAP 1, p. 290. 545. Conferir o que foi decidido por ocasião do julgamento do REsp 84.790/SP, 4ª T., j. 05.06.2001, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24.09.2001. 546. Vejamos a respeito, antes do parágrafo único do art. 46: RJTJSP 120/192; v., também, RJTJSP 90/224 (no qual se estabelece esse princípio da separação dos grupos, pelas questões que guardem afinidade). 547. STJ, MS 7.683/DF, 3ª S., j. 13.03.2002, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 29.04.2002. 548. Trecho da ementa de julgado do STJ, REsp 112058/BA, 2ª T., j. 19.09.2000, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 30.10.2000. 549. Examine-se essa proximidade em face do art. 113. Este texto, nos seus diversos incisos, parte de causas mais próximas, umas das outras, começando com a hipótese de maior proximidade, no inciso I; já no caso do inciso III tem-se que o elo entre os litisconsortes é mais tênue, pois se exige mera afinidade de questões. É certo que, em relação ao inciso I, avulta, também, a própria contrariedade, ao menos lógica, de decisões, o que seria possível se as demandas fossem propostas separadamente; já em relação ao extremo do elenco do art. 113, o inciso III, é certo que aí avulta o princípio da economia processual, dado que a contrariedade, ainda que só lógica, tem peso menor, conquanto possível. 550. Assim: TRF-1ª R., AC 01000266721/MG, 3ª T., rel. Juiz Eustaquio Silveira, DJU 17.12.1999; TRF-1ª R., Ag 01000297270/DF, 3ª T., rel. Juiz Cândido Ribeiro, DJU 18.12.1998; TJRS, AgIn 70000959353, 17ª Câm. Cív., rel. Des. Elaine Harzheim Macedo, j. 23.05.2000. 551. STJ, MS 5819/DF, 3ª S., j. 11.11.1998, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 07.12.1998. 552. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 126. 553. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., p. 352. 554. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 15 ao art. 113, § 1º, p. 561.
555. Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, item 5, p. 481. 556. Outro não tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo se extrai do TJSP, AgIn 182.331-5, 3ª Câm. Dir. Públ., j. 12.09.2000, rel. Des. Rui Stoco. 557. Cf. Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, t. I, p. 453-454. 558. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 126. 559. EI em AP 2000.01.00.119802, 1ª S., j. 06.12.2000 – RT 790/424. No mesmo sentido: TRF-2ª R., AgIn 91.02.07476-1/RJ, 3ª T., rel. Juiz Arnold Lima, DJU 10.12.1991. 560. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 125. 561. Nesse sentido, acórdão do STF, RE 96.873/PR, 2ª T., j. 05.11.1982, rel. Min. Alfredo Buzaid, tendo em vista que tal nomenclatura não foi reproduzida pelo CPC/73. 562. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 2, p. 335. 563. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 127. 564. Nesse sentido a opinião de Celso Agrícola Barbi, Comentários, cit., v. 1, n. 293, p. 266. 565. É este o percuciente alerta de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 10 ao art. 46, p. 256. 566. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., p. 89. 567. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 39, p. 95. 568. Ovídio Baptista da Silva, Curso, cit., v. 1, p. 265. 569. Ovídio Baptista da Silva, Curso, cit., v. 1, p. 266. 570. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 139. 571. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 2, p. 355-356. 572. Ovídio Baptista da Silva, Curso, cit., p. 260. 573. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 144. 574. STJ, REsp 976.679/SP, 3ª T., j. 08.09.2009, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.10.2009. 575. A unitariedade do litisconsórcio não conduz à unitariedade apenas nas hipóteses de litisconsórcio facultativo unitário, em que há legitimação extraordinária. 576. Sobre o assunto, conferir a sempre abalizada opinião de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery
no sentido de que o autor, que deveria agir em companhia de um litisconsorte necessário ativo, pode agir sozinho, desde que mova a ação também contra aquele que deveria ser seu litisconsorte necessário ativo (Comentários, cit., nota 8 ao art. 114, p. 566). 577. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 2, p. 354. 578. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 40, p. 99-100. 579. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 16 ao art. 114, p. 568. 580. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 9 ao art. 115, p. 576. 581. STJ, REsp 43.531/SP, 3ª T., j. 26.04.1994, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 23.05.1994. 582. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 175. 583. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., item 237, p. 436-438. 584. Araken de Assis enumera três caminhos para o executado invalidar o processo que formou o título e se desenvolveu sem citação válida: “a impugnação (art. 475-L, I)[art. 525, § 1º, inc. I, do CPC/2015], a ação autônoma (art. 486) [art. 966, § 4º, do CPC/2015] e a rescisória fundada em infração da lei (art. 485, V) [art. 966, inc. V, do CPC/2015]. Entre tais remédios processuais, existirá concurso eletivo: deduzida a nulidade nos embargos, nenhum dos outros meios se mostrará cabível, pois ocorrerá, conforme a hipótese, litispendência ou coisa julgada, a partir da identidade dos elementos das demandas, a teor do art. 301, § 2º [art. 337, § 2º, do CPC/2015]” (Cumprimento de sentença, p. 319). 585. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 145. 586. Luiz Fux, A reforma, cit., p. 134. 587. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., v. 1, item 238, p. 439. 588. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 154, p. 505. 589. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., p. 246. 590. Cândido Rangel Dinamarco, a esse propósito, afirma: “Apenas ao litisconsórcio necessário unitário se aplica a regra da ineficácia, ditada no art. 47 do Código de Processo Civil. Outros casos de litisconsórcio necessário existem, porém não emergem do art. 47. São casos de necessariedade decorrente, de modo exclusivo, de disposições legais específicas” (idem, p. 296). 591. Arruda Alvim, CPC comentado, cit., v. 2, p. 377. 592. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 15 ao art. 114, p. 568.
593. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 3 ao art. 116, p. 577. 594. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 152-156. 595. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 152. 596. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 160. 597. Nesse sentido entendem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, aduzindo que, “como a decisão não pode ser cindida, devendo atingir os litisconsortes unitários de modo uniforme no plano do direito material, o recurso de apenas um deles se estenderá aos demais” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 1 ao art. 509, p. 843). Há julgados no sentido de que a regra do art. 509 se aplica aos casos de litisconsórcio simples em que as defesas dos litisconsortes forem comuns. Nessa linha: STJ, REsp 292.596/RJ, 2ª T., j. 25.11.2003, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 10.05.2007. 598. STJ, REsp 203.042/SC, 2ª T., j. 10.12.2002, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 05.05.2003. 599. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 164. 600. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 166. 601. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 167. 602. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., p. 126. 603. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 3 ao art. 345, p. 1019. 604. Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos, cit., 2. ed., v. 2, p. 144. 605. Nesse sentido Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 2 ao art. 509, parágrafo único, p. 843. 606. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., nota 1 ao art. 49, p. 267. 607. Do mesmo sentir, Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 140. 608. STJ, REsp 271.015/PR, 3ª T., j. 30.05.2001, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 20.08.2001. 609. STJ, REsp 181.761/SP, 4ª T., j. 23.09.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18.12.1998. 610. STJ, AgRg no Ag 151.449/SP, 4ª T., j. 06.06.2000, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 28.08.2000.
611. Nesse sentido, antes do advento da Lei n. 11.232/2005, já decidiu o STJ: “I. O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurídica de decisão interlocutória, sujeita, portanto, à interposição do recurso de agravo. II. Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso na espécie” (STJ, REsp 164729/SP, 4ª T., j. 29.04.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 01.06.1998). 612. Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, p. 193. 613. Merecem especial menção alguns acórdãos do STJ, proferidos na vigência do CPC/73, que temos por corretos, no sentido de que, havendo litisconsórcio passivo com diferentes procuradores, o prazo é contado em dobro independentemente de requerimento de um dos litisconsortes, ainda que apenas um deles apresente defesa: “Processual civil. Litisconsortes com procuradores diversos. Existência de substabelecimento sem reservas. Benefício do prazo em dobro para contestar. Inteligência do art. 191 do CPC [art. 229 do CPC.15]. 1. A constituição de mandatário judicial diverso, por um dos litisconsortes, ainda que por intermédio de um substabelecimento sem reserva, basta, por si só, para legitimar a invocação da norma inscrita no art. 191 do Código de Processo Civil [art. 229, CPC/2015], que veicula o benefício excepcional da dilatação dos prazos processuais. Isto porque, consoante a melhor doutrina, o substabelecimento sem reservas caracteriza renúncia à representação judicial (Pontes de Miranda, Serpa Lopes, Orlando Gomes, Clóvis Bevilacqua). 2. É cediço no E. STJ que o direito ao prazo em dobro, previsto no art. 191 do CPC [art. 229 do CPC/2015], não está sujeito à prévia declaração dos litisconsortes passivos de que terão mais de um advogado e nem ao fato de os advogados pertencerem à mesma banca de advocacia, sendo assegurado à parte a apresentação da peça, ainda que posteriormente ao término da contagem do prazo simples. 3. ‘Em interpretação integrativa, é de aplicar-se a regra benévola do art. 191, CPC [art. 229 do CPC/2015], mesmo quando apenas um dos corréus contesta o feito, e no prazo duplo’ (REsp 277.155/PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 11.12.2000). 4. A jurisprudência do STJ assenta o entendimento de que, havendo litisconsórcio passivo, com diferentes procuradores, o prazo para contestação é contado em dobro, de sorte que não se apresenta possível proclamar revelia antes de expirados trinta dias da efetiva citação do último réu. 5. Recurso especial provido, para reformar o acórdão recorrido, dando provimento ao agravo de instrumento e determinando o recebimento da contestação e o consequente prosseguimento regular à instrução processual” (REsp 713.367/SP, 1ª T., j.
07.06.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005). No mesmo sentido: REsp 453.826/MT, 4ª T., j. 18.02.2003, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 14.04.2003; REsp 277155/PR, 4ª T., j. 07.11.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 11.12.2000; REsp 268.260/SP, 5ª T., j. 13.03.2002, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 20.05.2002; REsp 713.367/SP, 1ª T., j. 07.06.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005; REsp 390.247/PR, 2ª T., j. 04.04.2006, rel. Min. Castro Meira, DJ 18.04.2006; AgRg no Ag 1146930/MG, 5ª T., j. 09.03.2010, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 12.04.2010. 614. STJ, REsp 610.056/ES, 4ª T., j. 09.05.2006, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2006. 615. 1º TACivSP, Ap 641551, j. 10.10.1995, rel. Juiz Remolo Palermo. 616. No STJ, de outro lado, há julgados no sentido de que na hipótese de denunciação da lide há litisconsórcio, o que autoriza a aplicação da regra estampada no art. 191 do CPC/73, atual art. 229 do CPC/2015: “Conta-se em dobro (CPC, art. 191) o prazo para apelação, no caso de denunciação da lide mantida nos autos até a sentença, que condena denunciante e denunciado, os quais, ademais, apelam, representados por diferentes procuradores” (STJ, AgRg no REsp 1167272/BA, 3ª T., j. 18.11.2010, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 10.12.2010); “Processual Civil. Denunciação da lide. Litisconsórcio. Prazo para recurso. 1. A recorrente, na condição de denunciada, comparecendo ao feito, não nega a qualidade que lhe é atribuída, mas impugna o nexo causal entre os danos experimentados pelo recorridoautor e a obra edificada no terreno da denunciante, que teria executado cuidadosamente. Assim, decidindo-se pela sua qualidade de denunciada, é ela considerada litisconsorte passiva, beneficiando-se, por conseguinte, do cômputo em dobro do prazo recursal (CPC, art. 191 [art. 229 do CPC/2015]). 2. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 145.356/SP, 4ª T., j. 02.03.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 15.03.2004). No mesmo sentido: STJ, REsp 72.614/SE, 4ª T., j. 04.10.2001, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 18.02.2002. 617. Cândido Rangel Dinamarco, A reforma da reforma, p. 74.
618. “O instituto da assistência é modalidade espontânea, ou voluntária, de intervenção de terceiro, que reclama, como pressuposto, interesse jurídico (...)” (STJ, AgRg no REsp 1080709/RS, 1ª T., j. 24.08.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 10.09.2010). 619. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., 4. ed., p. 48. 620. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 9. ed., nota 6 ao art. 50, p. 232. 621. STJ, REsp 1182123/PE, 2ª T., j. 11.05.2010, rel. Min. Castro Meira, DJe 21.05.2010. 622. STJ, REsp 1143166/RJ, 3ª T., j. 16.12.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03.11.2011. 623. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 209-210. 624. No sentido da inadmissibilidade de assistência em ação de execução, v. o que se decidiu no REsp 329.059/SP, 6ª T., j. 07.02.2002, rel. Min. Vicente Leal, DJ 04.03.2002. 625. Cf. Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, p. 64, v. 3. Admitem também a intervenção do assistente na execução Fredie Didier Jr. et al., Curso de direito processual civil, 2009. p. 210, v. 5; Luiz Fux, O novo processo de execução, p. 111; Araken de Assis, Manual da execução, 11. ed., p. 406. 626. Confira-se, admitindo a assistência na ação de execução, o seguinte julgado: “Processual. Advogado. Honorários. Sub-rogação. Contrato de honorários. Assistência. O advogado que, no processo de execução, apresenta seu contrato de honorários com o exequente tem direito a se sub-rogar, até o limite de seu crédito, na quantia a ser por este recebida. Deve, por isto, ser admitido, como assistente, no processo (CPC, art. 50). Age com abuso de poder o juiz que, em tal situação, indefere a assistência” (STJ, REsp 146.124/MG, 1ª T., j. 09.10.1997, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 09.12.1997). 627. Redação original do art. 19 da Lei n. 1.533/51: “Aplicam-se ao processo de mandado de segurança os arts. 88 a 94 do Código de Processo Civil”. 628. Já tivemos oportunidade de expor nosso entendimento com mais detença no nosso Mandado de segurança, cit., p. 73. Ver também a 2ª edição dessa mesma obra, intitulada Mandado de segurança. 629. Há, no entanto, julgados do STJ, à luz da Lei n. 1.533/51, no sentido de ser incabível a assistência em mandado de segurança, sendo essa a linha que prepondera naquele tribunal superior (REsp 899.726/SP, 1ª T., j. 27.02.2007, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 15.03.2007). Na mesma linha, v. STF, SS 3273 AgRg-segundo/RJ, Tribunal Pleno, j. 16.04.2008, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.06.2008.
630. Cf. Fredie Didier Jr., Recurso de terceiro, p. 55. 631. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery a respeito são categóricos: “Porque lei geral do processo, o CPC se aplica a todo o processo de MS e não somente na parte que regula o litisconsórcio, sempre que houver lacuna na LMS e desde que a norma do CPC não seja incompatível com o sistema da LMS” (cf. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 10. ed., p. 1566, nota 2 ao art. 19, da Lei n. 1.533/51). 632. No sentido da admissão da assistência em mandado de segurança coletivo, pelo titular do direito material é a opinião de Alfredo Buzaid, Considerações sobre o mandado de segurança coletivo, p. 58-59. 633. Assim: “A assistência, simples ou litisconsorcial, tem cabimento em qualquer procedimento ou grau de jurisdição, inexistindo óbice a que se admita o ingresso do assistente em mandado de segurança, ainda que depois de transcorrido o prazo decadencial do writ” (STJ, REsp 616.485/DF, 2ª T., j. 11.04.2006, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 22.05.2006). 634. V. STJ, REsp 1199940/RJ, 3ª T., j. 01.03.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 04.03.2011. 635. STJ, REsp 660.833/SP, 3ª T., j. 26.09.2006, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 16.10.2006. 636. STJ, REsp 724507/PR, 1ª T., j. 21.09.2006, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 05.10.2006. 637. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 214. 638. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 187. 639. Diz, com acerto, Athos Gusmão Carneiro: “O assistente simples, a rigor, não é afetado pela imutabilidade dos efeitos da sentença. A ‘coisa julgada’ não o atinge, pela mera razão de que não está em julgamento o direito do assistente, mas sim o direito do assistido. Será, todavia, afetado pelos efeitos reflexos da sentença, já que a assistência se funda exatamente no interesse jurídico do assistente na vitória da parte a quem assiste. Mas estes efeitos reflexos se produziriam houvesse ou não ingressado como assistente. O ingresso na relação processual, todavia, impede ao assistente, em processo posterior, discutir a ‘justiça da decisão’ (CPC, art. 55), isto é, discutir os fatos e os motivos que serviram de fundamento à anterior sentença, na causa em que ocorreu a assistência” (Intervenção de terceiros, 16. ed., p. 202). Observemos, ainda, as considerações de Cassio Scarpinella Bueno: “A ‘justiça da decisão’ significa que o assistente simples não poderá posteriormente pretender rediscutir
os motivos que serviram de fundamento à sentença do processo em que interveio, salvo na ocorrência de uma das situações disciplinadas nos dois incisos do art. 55. A justiça da decisão, assim, vincula o assistente aos motivos da sentença, o que, em geral, não ocorre, mesmo para as partes (CPC, art. 469, I), embora não fique ele sujeito à imutabilidade de sua parte dispositiva, campo próprio de atuação da coisa julgada” (Partes e terceiros no processo civil brasileiro, p. 160). 640. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 47, p. 133. 641. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 214. 642. Terminologia algo imprópria, pois sugere que o assistente seja parte, quando este (assistente) tecnicamente não pode ser chamado de parte, principal ou não. 643. “O assistente luta pela vitória do assistido, ou porque a sua relação jurídica é vinculada àquele, ou a res in iudicium deducta também lhe pertence. De toda sorte, além desses fatores, o assistente intervém porque a decisão proferida na causa entre o assistido e a parte contrária interferirá na sua esfera jurídica” (STJ, AgRg no REsp 1080709/RS, 1ª T., j. 24.08.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 10.09.2010). 644. Nelson Nery Jr., Teoria geral dos recursos, cit., p. 309. 645. Como se verá adiante, defende-se o entendimento de que apenas a oposição expressa do assistido é apta a impedir o atuar do assistente. Nesse sentido, v. STJ, REsp 99.123/PR, 6ª T., j. 03.06.2002, rel. Min. Vicente Leal, DJ 01.07.2002. 646. STJ, REsp 146.482/PR, 5ª T., j. 20.04.1999, rel. Min. Felix Fischer, DJ 31.05.1999. 647. STJ, REsp 15785/SP, 4ª T., j. 14.09.1992, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 05.10.1992. 648. STJ, REsp 1093191/PE, 1ª T., j. 11.11.2008, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 19.11.2008. 649. Nelson Nery Jr., Teoria geral dos recursos, cit., p. 311. 650. STJ, EDcl na MC 16.286/MA, 4ª T., j. 15.06.2010, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 19.10.2010. 651. STJ, REsp 695.792/PR, 4ª T., j. 01.10.2009, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 19.10.2009. 652. Fredie Didier Jr., Recurso de terceiro: juízo de admissibilidade, p. 56-57. 653. Nesse sentido também opinam Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello.
Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 245. 654. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 485. 655. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 221. 656. “Assistência litisconsorcial. Requisitos. Art. 54, CPC. 1. Na assistência litisconsorcial, também denominada qualificada, é imprescindível que o direito em litígio, sendo também do assistente, confira a este legitimidade para discuti-lo individualmente ou em litisconsórcio com o assistido. 2. Insatisfeito esse requisito, não há como deferir-se o pedido de admissão no feito dos requerentes. 3. Recurso Especial não conhecido” (STJ, REsp 205.249/MG, 2ª T., j. 20.03.2001, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 04.06.2001). 657. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 231. 658. STJ, REsp 623.055/SE, 2ª T., j. 19.06.2007, rel. Min. Castro Meira, DJ 01.08.2007. 659. Nesse sentido, afirma Arruda Alvim: “O assistente litisconsorcial, apesar de não ser originariamente litisconsorte, é categorizado dessa forma e autorizado pela lei a agir como tal. Assim, seus poderes processuais são amplos, podendo praticar todos os atos que, em tese, seriam em benefício do assistido, mesmo contra a vontade deste, pois, com tais atos, em ultima ratio, colima também beneficiar-se a si próprio. E esta assertiva se concretiza em que, se a parte não recorrer, poderá fazê-lo o assistente litisconsorcial; se a parte transigir, esta transação poderá ser impugnada pelo assistente litisconsorcial, que sobre ela haveria de ter sido ouvido (...). Tanto o assistente simples como o litisconsorcial não podem requerer ação declaratória incidental, pois que a autonomia do assistente litisconsorcial não é de tal porte (= não foi originariamente litisconsorte) a que se lhe reconheça o direito de afetar a esfera jurídica do assistido. Tem autonomia no que lhe diz respeito, não podendo, todavia, inserir-se, a seu turno, na esfera do assistido, da mesma forma que um litisconsorte unitário não pode, sozinho, propor esse tipo de ação, senão que somente poderá fazê-lo em conjunto com o seu consorte na lide” (cf. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, p. 129-130). 660. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Constituição Federal comentada, cit., 2006, nota 4 ao art. 109, p. 314. 661. Cassio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros, cit., p. 172-174.
662. AgRg no REsp 393.323/RS, 2ª T., j. 07.08.2007, rel. Min. Humberto Martins, DJ 17.08.2007. 663. Nesse sentido: EDcl no AgRg no CC 89.783/RS, 1ª S., j. 09.06.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.06.2010. 664. STF, RE 415.454, Pleno, j. 08.02.2007, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 26.10.2007. 665. TRF-2ª R., AgIn 98.02.10947-9, rel. Juiz Federal Guilherme Couto, DJ 06.04.1999. 666. STJ, REsp 574.697/RS, 1ª T., j. 13.12.2005, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 06.03.2006.
667. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 198. 668. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p. 27. 669. Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, Curso avançado de processo civil, 7. ed., item 2.10.1, p. 269. 670. Destarte, sendo julgada improcedente a ação principal, e por isso mesmo não tendo maior razão de ser a denunciação da lide, restará esta prejudicada. 671. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 494. 672. Veja-se, a propósito, o seguinte julgado: “Havendo denunciação da lide, o juiz deve decidir, na mesma sentença, o litígio entre autor e réu e aquele entre denunciante e denunciado. A sentença que decide apenas a ação principal, omitindo-se quanto à ação secundária de denunciação da lide, é nula” (STJ, REsp 843.392/MT, 3ª T., j. 25.09.2006, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 23.10.2006). 673. Nessa linha: “Intervenção de terceiros. Denunciação da lide. Determinação de ofício pelo juízo. Inadmissibilidade. Providência reservada a quem possui direito de ressarcimento futuro. Agravo provido” (RJTJSP 126/297). 674. Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, 16. ed., item 42, p. 104. 675. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 512. 676. STJ, REsp 209.383/PB, 4ª T., j. 04.03.2004, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17.05.2004. 677. Celso Agrícola Barbi, Comentários, cit., v. 1, nota 407 ao art. 70, p. 339. 678. Celso Agrícola Barbi, Comentários, cit., v. 1, p. 339-341. 679. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 256. 680. O STJ vinha entendendo que, não feita a denunciação da lide, não perde o evicto o direito a recobrar o preço que pagou pela coisa evicta, podendo exigi-lo em demanda autônoma (STJ, REsp 255.639/SP, 3ª T., j. 24.04.2001, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11.06.2001). 681. Diz-se teoricamente contraditórias porque, sendo julgada procedente a ação onde poderia ter havido denunciação da lide e não houve, teria sido muito provável que a
denunciação fosse também julgada procedente. Não tendo havido denunciação, pode ser que o juiz da ação regressiva autônoma empreste outro significado aos fatos, diferente do que fez o juiz da causa principal. Mas a contrariedade é apenas teórica, porque subsistem e têm eficácia ambas as sentenças. 682. Cassio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros, cit., p. 248-249. 683. Cassio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros, cit., p. 250. 684. Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, p. 212. 685. Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, p. 212. 686. Sobre o art. 70, I, do CPC/73, cujo conteúdo corresponde ao que dispõe o atual art. 125, I, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini observam: “A lei, no art. 70, I, contém evidente imperfeição, na medida em que ao autor designa de terceiro, quando diz que ‘a denunciação da lide é obrigatória ao alienante na ação em que terceiro reivindica a coisa’. Evidentemente, o ‘terceiro’ que reivindica a coisa não é terceiro, mas o próprio autor. O terceiro é que é, na verdade, o autor, e o alienante é o terceiro, isto é, aquele para quem a lide deve ser denunciada” (Curso avançado, cit., 7. ed., p. 270). 687. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, p. 773-774. 688. Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, cit., 16. ed., item 45, p. 111. 689. STJ, REsp 255639/SP, 3ª T., j. 24.04.2001, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11.06.2001. 690. Nesse sentido, diz Rodrigo Barioni que o adquirente que não promover a denunciação da lide nos termos do art. 70, I, não perde o direito à devolução do preço corrigido monetariamente, mas perderá o direito à indenização de que trata o art. 450 do CC (cf. Rodrigo Barioni, A denunciação da lide no novo Código Civil, p. 310). 691. Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, nota 2 ao art. 88, p. 852. 692. Assim: STJ, REsp 464.014/SP, 3ª T., j. 23.08.2007, rel. Min. Castro Filho, DJ 10.09.2007. 693. STJ, AgRg no Ag 334.901/RJ, 4ª T., j. 27.11.2001, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 18.03.2002. 694. Nessa linha, entendem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, desde a vigência do CPC/73: “a
denunciação, na hipótese do CPC 70, III, restringe-se às ações de garantia, isto é, àquelas em que se discute a obrigação legal ou contratual do denunciado em garantir o resultado da demanda, indenizando o garantido em caso de derrota. Daí não ser admissível a denunciação da lide, quando nela se introduzir fundamento novo, estranho à lide principal. Exemplo dessa inadmissibilidade é a denúncia da lide, pela Administração, ao funcionário que agiu com dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva), quando a denunciante é demandada pelo risco administrativo (responsabilidade objetiva)” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 13 ao art. 70, p. 284). 695. STJ, REsp 235182/RJ, 1ª T., j. 23.11.1999, rel. Min. José Delgado, DJ 28.02.2000; STJ, AgRg no REsp 348113/RJ, 1ª T., j. 07.03.2002, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 08.04.2002. 696. Cassio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros, cit., p. 222-225. 697. “Civil. Administrativo. Processual. Responsabilidade civil do Estado (art. 37, § 6º, CF). Pedido. Denunciação da lide (...). Admite-se que o Estado promova a denunciação da lide em ações de responsabilidade civil” (STJ, REsp 167.132/RJ, 1ª T., j. 06.12.2001, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 05.08.2002). Nesse mesmo sentido: STJ, AgRg no Ag 396.230/BA, 2ª T., j. 20.11.2001, rel. Min. Paulo Medina, DJ 11.03.2002. 698. STJ, AgRg no REsp 631.723/CE, 1ª T., j. 19.08.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 13.09.2004. 699. Arruda Alvim, Manual, cit., 11. ed., v. 2, item 71, p. 172. Para o autor, “a distinção teórica (...) mais clara (ainda que não idealmente completa) é encontrada na obra de Salvatore Satta (iluminando a doutrina italiana existente), quando alude à garantia própria como aquela inerente, ou, se se quiser, necessariamente dedutível, da pretensão do autor, na ação principal. Por exemplo, alude à evicção, como decorrência natural, isto é, legal ou sistemática da possibilidade da perda da ação reivindicatória. Outras hipóteses seriam constitutivas de garantia imprópria (ou garantia simples), como as denomina esse mesmo autor. Temos para nós que a garantia própria envolve, com a hipotética propositura da denunciação, na realidade, um verdadeiro juízo analítico, realizado na denunciação, em relação à ação principal; vale dizer, suficiente será desdobrar no bojo da denunciação o fundamento da ação principal, para se chegar à identificação do fundamento da ação de garantia (garantia própria). Por outras palavras, em face de uma ação reivindicatória, está embutida, pelo próprio sistema jurídico, a ideia de garantia pela evicção; donde, então, proposta a denunciação, com fulcro no art. 70, I, nada mais estará fazendo o réu-
denunciante que explicitar volitivamente essa possibilidade jurídica, certamente porque deseja vê-la apreciada. No entanto, devemos dizer que o texto brasileiro não autoriza, em si mesmo, e nem sistematicamente, essa distinção. O nosso texto é amplo e o art. 70, III, alude à lei e ao contrato. Diga-se, ainda, que no próprio direito italiano considera-se a ação do segurando contra o segurador como significativa de garantia imprópria, hipótese que, entre nós, muitos juristas têm considerado, a nosso ver, em equívoco, como representativa de garantia própria. Ora, no direito brasileiro, dispõe o art. 109: ‘o juiz da causa principal é também competente para a reconvenção, a ação declaratória incidente, as ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro interveniente’. Deve-se, pois, dizer o seguinte: 1°) no próprio direito italiano, se o juiz for o competente para a causa principal e para a causa representativa de garantia imprópria, deve-se dar a reunião das causas; 2º) no direito brasileiro, o art. 109 é expresso a respeito da mesma competência do juiz da causa principal e para as de garantia; 3º) se, no art. 109, se alude à causa principal, é porque existe a que não é principal, e, entre estas, está a de garantia, a qual pode pender simultaneamente com a principal, ponto que não parece suscitar maiores dúvidas; 4º) ocorre, no entanto, que o mesmo art. 109 estabelece a mesma competência para ‘outras [causas] que respeitam ao terceiro interveniente’, ao lado da causa principal, e, curialmente, dentre estas causas, por certo, efetivamente se incluem as de garantia imprópria, além das ações de garantia (dita própria), mesmo porque a lei não distingue; e porque, ainda, o art. 109 inclui na competência do mesmo juízo ‘outras [aceite-se que além das ações de garantia própria] que respeitam ao terceiro interveniente’ (...) Ademais, de tudo quanto foi dito, sentido prático algum teria inadmitir-se a denunciação nos casos rotulados como garantia imprópria (ainda que a lei mesmo, no particular, não distinga), se a ação em que se peça o objeto da garantia imprópria pode ser movida separadamente e há de pender no juízo outra ação. Assim, ainda que esta distinção exista no sistema jurídico, é ela irrelevante, todavia, para se pretender inadmitir a denunciação da lide, pela chamada garantia imprópria” (Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 71, p. 173-175). 700. Fernando Setembrino, Denunciação da lide: art. 70, III do CPC, RePro 70/201. 701. STJ, REsp 39.092/ES, 4ª T., j. 22.02.1994, rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 11.04.1994. 702. STJ, REsp 8.698/SP, 4ª T., j. 25.06.1991, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 02.09.1991. 703. STJ, AgRg no Ag 1190904/SP, 3ª T., j. 27.10.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 06.11.2009.
704. Nessa linha confira-se: “Prescrição. Silêncio do réu denunciante. Defesa do denunciado. Efeitos. A defesa do denunciado aproveita ao denunciante. Daí a ausência de preclusão pelo fato de o primeiro não haver veiculado, como matéria de defesa, a prescrição. Artigos 74 e 75 do Código de Processo Civil” (STF, ACO 381, Tribunal Pleno, j. 12.06.1991, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09.08.1991). 705. Ao tempo do CPC/73: STJ, REsp 138.057/SP, 3ª T., j. 25.08.1997, rel. Min. Nilson Naves, DJ 06.10.1997. No mesmo sentido: STJ, REsp 68.420/SP, 4ª T., j. 03.10.1995, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 27.11.1995; STJ, REsp 72.614/SE, 4ª T., j. 04.10.2001, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 18.02.2002; STJ, REsp 145.356/SP, 4ª T., j. 02.03.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 15.03.2004; STJ, AgRg no REsp 1167272/BA, 3ª T., j. 18.11.2010, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 10.12.2010. 706. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. P.509. 707. Compartilha desta opinião Arruda Alvim, que assim afirma: “Quem é (ou pretende ser) parte ilegítima passiva ad causam, na ação principal, ipso facto, sê-lo-á parte ilegítima ativa na denunciação” (Manual, cit., v. 2, item 68, p. 162). No mesmo sentido, RT 581/213. 708. Nesse norte, afirma Arruda Alvim: “Tratar-se-ia de exceção, portanto, ao princípio da eventualidade da defesa, se a denunciação fosse matéria de defesa, mas, em realidade, configura ela a propositura de ação, do denunciante contra o denunciado” (Manual, cit., v. 2, item 68, p. 162). 709. Em ação movida contra a Fazenda do Estado de São Paulo, não se admitiu, com inteiro acerto, a denunciação da lide contra a Fazenda do Estado do Mato Grosso, caso em que o juízo privativo da Capital de São Paulo seria absolutamente incompetente – RJTJSP 67/113. 710. STJ, REsp 686.762/RS, 3ª T., j. 29.11.2006, rel. Min. Castro Filho, DJ 18.12.2006. No mesmo sentido: STJ, REsp 1249029/SC, 3ª T., j. 15.12.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 01.02.2012. 711. Assim: STJ, REsp 188.158/RS, 4ª T., j. 15.06.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.07.2004.
712. Nos dizeres de Athos Gusmão Carneiro, “pelo chamamento ao processo, ao réu assiste a faculdade (não a obrigação) de, acionado pelo credor em ação de conhecimento sob rito ordinário, fazer citar os coobrigados a fim de que estes ingressem na relação jurídica processual como seus litisconsortes, ficando destarte abrangidos pela eficácia da coisa julgada material resultante da sentença” (Intervenção de terceiros, cit., 16. ed., p. 159). 713. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 2, p. 36. 714. Assevera Fredie Didier Jr. que “o objetivo da lei é a inclusão de todos (chamante e chamado) na mesma condenação, porque o título que se forma é judicial e a sua execução só pode ser dirigida em face dos que participaram do seu processo de formação. O ato decisório do juiz representará título executivo certo para o credor e condicional para o devedor que satisfizer a dívida: para aquele que cumprir a condenação, a sentença consubstanciar-se-á em título executivo, sem a necessidade de maiores delongas (art. 132 do CPC)” (Curso de direito processual, 18. ed., v. 1, p. 516). 715. Luiz Rodrigues Wambier et al., Curso avançado, cit., 7. ed., v. 1, p. 273. 716. Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, cit., p. 95. 717. A propósito, decisão proferida pelo Min. Teori Albino Zavascki, na vigência do CPC/73, antes da edição da Lei n. 11.232/2205, no que atina com a possibilidade de execução de sentenças de cunho declaratório definidoras de obrigação: STJ, REsp 588.202/PR, 1ª T., j. 10.02.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 25.02.2004. 718. Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, cit., 16. ed., p. 161. 719. De acordo com os autores, “o chamado ao processo pode, como réu que é da ação secundária, deduzir chamamento ao processo sucessivo, contra outro coobrigado solidário” (Comentários ao Código de Processo Civil, nota 7 ao art. 131, p. 618). No mesmo sentido entendem Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, Curso avançado, cit., 7. ed., v. 1, p. 278. 720. Arruda Alvim, CPC comentado, cit., v. 3, p. 359. 721. Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, cit., p. 34. 722. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 201. 723. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.4.1, p. 515. 724. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1002491/RN, 4ª T., j. 28.06.2011, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 01.07.2011.
725. Confira-se, nesse sentido: TJSP, AgIn 196320-1, j. 29.09.1993. 726. Oportuno referir, quanto à responsabilidade do fiador em relação ao devedor principal, algumas orientações trilhadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Devem ser mencionadas, a esse respeito, os verbetes sumulares 214, 268 e 332 de referido Tribunal Superior, que não foram revogadas com o advento do CPC/2015 e cujas redações são as seguintes: “214. O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”; “268. O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”; “332. A fiança prestada sem a autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia”. 727. Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao processo, cit., p. 80. 728. Arruda Alvim, CPC comentado, cit., v. 3, p. 346. 729. Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, cit., 16. ed., p. 161. 730. Jurisprudência Catarinense 34/408; JTARS 36/362; RSTJ 54/269, com citações doutrinárias. 731. José Miguel Garcia Medina, Chamamento ao processo: questões polêmicas, RePro 101/260. 732. No STJ, contudo, sob a vigência do CPC/73 já decidiu contrariamente afirmando inadmissibilidade de chamamento ao processo nos autos de ação monitória pelo réu que não ofereceu embargos à monitória: “Monitória. Chamamento ao processo. Não cabe o chamamento ao processo na ação monitória, a requerimento do réu que não embargou. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 337.683/ES, 4ª T., j. 02.05.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 10.03.2003). Consta do voto do relator: “No procedimento monitório, tenho por inadmissível o chamamento a juízo do obrigado solidário (art. 77, I, CPC) [art. 130, inc. I, do CPC/2015], com suspensão do processo (art. 79) [sem correspondência no CPC/2015], a requerimento do réu que não embarga. O chamamento ao processo do fiador ou do devedor solidário (art. 77 do CPC) [art. 130 do CPC/2015] é possibilidade afeita ao procedimento ordinário, tanto que expressamente proibida no procedimento sumário (art. 280, I) [sem correspondência no CPC/2015]. Com mais razão, deve ser afastada da ação monitória, a qual tende à formação de título executivo contra o demandado e somente admite a defesa pelos embargos. Se no procedimento que se quer célere for admitido o chamamento de terceiros, apenas para beneficiar a posição do réu e definir a sua relação com outros, estará frustrada no nascedouro a tentativa de simplificação do processo. No caso, o réu não embargou, apenas pediu o chamamento, com a suspensão
do feito nos termos do art. 79 do CPC [sem correspondência no CPC/2015]. Posto isso, reconhecendo a existência de respeitável doutrina em sentido diverso, voto pelo não conhecimento do recurso”. 733. Cf. Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, t. I, p. 521-522. 734. Manual, cit., item 12.4.1, p. 515. 735. Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de terceiros, cit., 16. ed., p. 174. 736. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 3 ao art. 131, p. 618. 737. Elementos, cit., 2. ed., v. 2, p. 306-307. 738. Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado, cit., 8. ed., nota 3 ao art. 101, p. 899. 739. A Lei n. 11.101/2005, Lei de Recuperação de Empresas e Falência, que revogou o Decreto-lei n. 7.661/45, aplica-se às sociedades seguradoras desde que ocorra alguma das hipóteses do art. 26 do Decreto-lei n. 73/66. Nos termos do art. 26 do Decreto-lei n. 73/66, “as sociedades seguradoras não poderão requerer concordata e não estão sujeitas à falência, salvo, neste último caso, se decretada a liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo menos a metade dos credores quirografários, ou quando houver fundados indícios da ocorrência de crime falimentar”. Tais empresas estão sujeitas a procedimento específico denominado liquidação empresária, ou liquidação extrajudicial promovida pela Susep (Superintendência de Seguros Privados). A exclusão, entretanto, da Lei de Falências é parcial, eis que, se decretada a liquidação extrajudicial e o ativo for insuficiente para o pagamento de, pelo menos, metade do passivo quirografário, bem como na hipótese de fundados indícios de prática de crime falimentar, a Susep, via agente investido nas funções, pode formular o pedido falimentar. 740. Fredie Didier Jr., A denunciação da lide e o chamamento ao processo, cit., RAP 1, p. 66. 741. Os consumidores por equiparação são aqueles disciplinados pelo parágrafo único do art. 2º, art. 17 e art. 29 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), a saber, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (parágrafo único do art. 2º do CDC); todas as vítimas do evento danoso quando se tratar de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (art. 17 do CDC); todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e contratos a que aludem os
Capítulos V e VI do Título I do CDC (art. 29 da Lei n. 8.078/90). Claudia Lima Marques, a respeito dos consumidores por equiparação a que se refere o parágrafo único do art. 2º do CDC, nos dá o exemplo de uma criança, filha do adquirente, que ingere produto defeituoso e vem a adoecer por fato do produto (cf. Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, comentários ao art. 2º, parágrafo único, do CDC, p. 87).
742. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, 18. ed., 2016, v. 1, item 6.1, p. 520-521. 743. Cf. Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 536-537. 744. Dizia com precisão Caio Mário que “Todo homem é dotado de capacidade jurídica, que o habilita a adquirir direitos. Todo homem é sujeito da relação jurídica. Mas não é somente a ele que o ordenamento legal reconhece essa faculdade (...) Mas a complexidade da vida civil e a necessidade de conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem ora de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações” (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 20. ed. Atual. Maria Cecília Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 297). 745. Orlando Gomes. Direito das obrigações. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 5 e 17. 746. Orlando Gomes, Direito das obrigações, cit., p. 18-19. 747. Rubens Requião. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). RT, v. 803. São Paulo: RT, 2002. p. 751-764, especialmente p. 752 e 756. 748. Fredie Didier Júnior. Regras processuais no Código Civil: aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 6. 749. Rubens Requião. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). RT, v. 803. São Paulo: RT, 2002. p. 757. 750. Rubens Requião. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), cit., p. 756. 751. Assim afirma o autor: “desconsiderar a pessoa jurídica é diferente de atos de despersonalização. Naquela, reconhece-se a existência e validade da pessoa jurídica, mas, pare determinado caso em concreto e excepcional, em que os requisitos legais estão configurados, ela será ineficaz (...). Na despersonalização, diversamente, a pessoa jurídica
deixa de existir enquanto ente autônomo e é desconstituída para todos os casos existentes e futuros, precisamente, pela falta inicial ou posterior de condições legais de existência e validade” (Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 526). 752. Rubens Requião. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). RT, v. 803. São Paulo: RT, 2002. p. 760. 753. Disse Rubens Requião que “(...) não é essa a doutrina que sustentei tão ardorosamente. Ela visa excluir o sócio ou sócios convencidos de fraude ou abuso. Mas a titularidade do direito da ação não se restringe, nem se pode restringir, a “qualquer dos sócios ou do Ministério Público”. O Projeto, como se vê, não legitima o direito de estranhos prejudicados com o mau uso da personalidade jurídica dos sócios, que devem ser os maiores destinatários do interesse de impedir a consumação da fraude. Nem se explica o porquê da intervenção do Ministério Público em assunto visceralmente de Direito Privado; nem se compreende porque deva a sociedade, mesmo em circunstâncias especiais, ser dissolvida” (Rubens Requião. Aspectos modernos do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 3. p. 66). Na mesma linha, disse Marçal Justen Filho que “O Projeto dá tratamento em nível de invalidade, ao problema ora enfocado. A dissolução da sociedade, provocada por conduta abusiva, é solução totalmente desproporcionada e despropositada. A exclusão do sócio ‘responsável’ pelo abuso não significa solução (...) Vale dizer, ao invés de evitar o sacrifício do interesse, o Projeto preconiza a punição aos autores do sacrifício” (Marçal Justen Filho. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1987. p. 152). 754. Essa é a posição que, aliás, sedimentou-se no STJ (STJ, 4ª Turma, REsp 1.096.604/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.08.2012). 755. Arruda Alvim, Manual, cit., 2016, item 12.5.2, p. 533. 756. Nesse sentido, v.g., REsp 920.602/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 27.05.2008, DJe 23.06.2008. 757. Arruda Alvim, Manual, cit., 2016, item 12.5.2, p. 532. 758. Arruda Alvim, Manual, cit., 2016, item 12.5.2, p. 533. 759. Arruda Alvim, Manual, cit., 2016, item 12.5.3, p. 535. 760. V. STJ, 3ª T., REsp 1.236.916/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.10.2013.
761. V. STF, Ag na ADI 748/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJU 18.11.1994. 762. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, 58. ed., 2017, v. 1, p. 500. 763. Adhemar Ferreira Maciel, Amicus curiae: um instituto democrático, p. 281. 764. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.1, p. 538. 765. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.1, p. 536. 766. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.1, p. 537. 767. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.1, p. 538-539. 768. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., v. 1, 58. ed., 2017, p. 501. 769. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.3, p. 541. 770. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.4, p. 541. 771. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.4, p. 542. 772. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.4, p. 543. 773. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., v. 1, 58. ed., 2017, p. 503. 774. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.2., p. 539. 775. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.2., p. 540. 776. Arruda Alvim, Manual, cit., item 12.6.5, p. 543.
777. Aliás, oportuno salientar as lições de Arruda Alvim: “Esses artigos [276 a 283] sugerem, vistos por outra perspectiva, que interessa primordialmente, no ato processual, o seu fim, o qual, uma vez atingido, faz com que não se justifique a decretação de nulidade do ato, mesmo que desconforme ao modelo (art. 277). De outra parte, mesmo que não tenha o ato produzido os efeitos a que se destinava, deixa-se à parte interessada a opção de arguir ou não a nulidade, desde que, evidentemente, não se trate de nulidade absoluta, decretável de ofício” (Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 569). Nesse sentido, v. STJ, 3ª T., AgRg no Ag 1205539/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 07.06.2011, DJe, 10.06.2011. 778. Oportuno mencionar, todavia, que o art. 276 do CPC somente tem aplicação em se tratando de nulidades que não podem ser conhecidas de ofício. Nessa linha, já decidiu o STJ, à luz do CPC/73, que “o art. 243 [art. 276, do CPC] da Lei Processual Civil não tem aplicação quanto às nulidades absolutas, como a competência em razão da matéria” (STJ, REsp 961.407, 6ª T., j. 19.08.2008, rel. Min. Paulo Gallotti, rel. p/ acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 06.10.2008). 779. O mencionado dispositivo, aliás, rompe com o entendimento consolidado à luz do CPC/73 de que a falta de procuração juntada aos autos só poderia ser corrigida nas instâncias ordinárias, não se aplicando o agora revogado art. 13 ao STF e STJ. O art. 76 do CPC/2015 é expresso ao admitir a correção do vício também perante as Cortes Superiores, conforme prevê o § 2º do dispositivo. 780. STJ, REsp 412484/RS, 2ª T., j. 16.04.2002, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 01.07.2002. 781. Cf. Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT. p. 164 e s. 782. Cf. Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, 2. ed., v. 2, p. 69 e s. 783. Discutiremos à frente, quando tratarmos do efeito translativo nos recursos excepcionais, a respeito da possibilidade de serem conhecidas as invalidades em primeira mão pelos tribunais superiores. 784. Nesse sentido, cf. Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 391-392, e Marcelo Abelha Rodrigues. Elementos de direito processual civil, 2. ed., v. 2, p. 77. 785. Nesse sentido, STJ, REsp 1015133/MT, 2ª T., j. 02.03.2010, rel. Min. Eliana Calmon,
rel. p/ acórdão Min. Castro Meira, DJe 23.04.2010. 786. A respeito, vejamos a explicação de Teresa Arruda Alvim: “As sentenças nulas serão atacáveis pela via rescisória, em prazo que se conta a partir de seu trânsito em julgado (embora nem todas as sentenças rescindíveis sejam nulas) e que termina, de regra, quando transitar em julgado a última sentença proferida no processo (art. 975) (...). Já as sentenças inexistentes serão vulneráveis por meio de ação declaratória de inexistência, pois nada haverá a desconstituir-se. Rigorosamente, a actio nullitatis, com tal denominação, é incompatível com o atual estágio de desenvolvimento do processo civil, pois que as sentenças nulas devem ser desconstituídas (rectius, a coisa julgada deve ser desconstituída) e as inexistentes, declaradas como tais. A única observação importante a esse respeito é a de que a expressão actio nullitatis é reminiscência de uma época em que o nulo era igual ao inexistente (e ao que não produz efeitos!). Rigorosamente, esta ação seria declaratória de inexistência jurídica da sentença!” (Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 427-428). 787. Em verdade, parece-nos mais correto falar em ação declaratória de inexistência. 788. STF, RE 97.589/SC, Tribunal Pleno, j. 17.11.1982, rel. Min. Moreira Alves, DJ 03.06.1983. 789. REsp 12.586/SP, 3ª T., j. 08.10.1991, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 04.11.1991. 790. Com acerto, pondera Arruda Alvim: “O processo não se constitui sem a citação do réu. A citação, segundo os princípios que regem o direito processual civil, é requisito para a existência do processo. Sem ela, não se forma a relação processual, que é triangular, estabelecendo-se entre autor-réu-juiz. A sentença, que é fruto de processo em que não houve citação do réu, é, portanto, inexistente, e não passa em julgado (...). A falta de citação é vício de tal gravidade que sobrevive à própria coisa julgada. Basta lembrar a possibilidade de alegação deste vício em embargos à execução fundada em título executivo judicial, conforme dispõe o art. 741, I, do CPC” (parecer, RePro 41/237, especialmente p. 238-240). O art. 741, I, atualmente corresponde ao art. 525, § 1º, I, do CPC/2015, que trata dos fundamentos para impugnação ao cumprimento de sentença. 791. Relativamente ao meio de ataque à sentença, quando houver falta de citação de litisconsorte, afirma Teresa Arruda Alvim: “Reiterando ideias já consignadas, o mesmo raciocínio é adequado para resolver o problema do litisconsorte não citado, quando se trata de litisconsórcio necessário, seja unitário ou simples. O que varia, na dependência de que tipo de litisconsórcio se trata (unitário ou simples) é o interesse de agir para impugnar a
sentença proferida nestas condições. Admitir-se opinião diferente desta implicaria a necessidade de reformulação do conceito de processo, que repousa sobre a ideia de uma relação entre autor, réu e juiz. Parece lógico, a partir disso, poder afirmar-se que, não havendo esta, não haverá processo”. Prossegue a autora tratando da possibilidade de ser alegada a inexistência incidenter tantum, que, todavia, não autoriza a formação de coisa julgada, podendo-se retomar a discussão futuramente, se necessário. Nessa linha, de acordo com Teresa Arruda Alvim, haverá coisa julgada a respeito da inexistência do processo (ou da sentença) se a questão for principal, ou seja, deduzida como pedido: “Havendo a declaração de inexistência jurídica de uma sentença, incidenter tantum, isto é, no bojo de um outro processo para cuja solução a matéria importe, o tema ficará fora da proteção da coisa julgada, podendo assim ser rediscutido, para outros fins (não para o efeito de se justificar o que tenha sido decidido definitivamente, ou seja, o petitum/decisum)” (Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 407). 792. REsp 26.898/SP, 3ª T., j. 28.09.1992, rel. Min. Dias Trindade, DJ 26.10.1992. 793. É o que expressivamente se sustenta na doutrina alemã, conforme já dissemos quando estudamos a litispendência e a coisa julgada, a respeito de tais vícios excepcionalmente graves e que, ocorrentes, levam a que se deva considerar como não existente o processo e a sentença nele proferida – Othmar Jauernig, Das Fehlerhafte Zivilurteil, cit., p. 175 e nota 129, em que se veem as seguintes colocações, linguisticamente expressivas: a) trata-se, uma tal sentença, de um golpe no ar (Schlag in die Luft – Hellwig); b) de um golpe na água (Schlag ins Wasser – Seckel). 794. Nesse contexto, são pertinentes as considerações de Arruda Alvim, que, sobre o assunto, já se manifestou com detença em parecer publicado na RePro 41, p. 237 e s., especialmente p. 238-239, conforme os trechos que aqui transcrevemos: “É inexistente a sentença proferida em processo em que deveria ter havido litisconsórcio necessário e não houve, porque um dos litisconsortes não foi citado. O processo não se constitui sem a citação do réu. A citação, segundo os princípios que regem o direito processual civil, é requisito para a existência do processo. Sem ela, não se forma a relação processual, que é triangular, estabelecendo-se entre autor-réu-juiz. A sentença, que é fruto de processo em que não houve citação do réu, é, portanto, inexistente, e não passa em julgado (...) Acreditamos dever-se dar o tratamento equivalente às sentenças proferidas sem que haja citação (ou haja manifestação) do réu (se for um só) e haja revelia, e às sentenças proferidas em processo em que não tenha havido citação (ou tenha havido citação nula) de
um dos colegitimados, somada à sua revelia, em caso de litisconsórcio necessário (...) Efetivamente, trata-se de um vício mais grave do que a nulidade. Este vício afeta o processo, e, consequentemente, a sentença, desfigurando-a, pois que atinge a sua essência. (...) A sentença inexistente não transita em julgado. De fato, a ação rescisória não é meio idôneo para vulnerá-la, pois nada há a desconstituir-se. O que não existe não pode ser rescindido. De sorte que não há que se falar em ação rescisória de sentença inexistente”. 795. Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 15. ed., v. 5, p. 101. 796. Observa Marcelo Abelha Rodrigues, ainda à época do CPC/73: “Uma vez transitada em julgado a decisão de mérito, que contenha alguns dos vícios deste tópico (de forma cominado com pena de nulidade, e de fundo por vício de nulidade), o remédio cabível será a ação rescisória, prevista no art. 485 do CPC. Isso porque o processo existiu, porém não foi validamente extinto. Só se pode rescindir aquilo que existiu e que é nulo. A referida ação está sujeita a prazo decadencial de dois anos – ou seja, não ajuizada a ação no citado prazo (art. 495 do CPC), a parte interessada perderá o direito à rescisão, e a decisão que era maculada com vício de nulidade não mais poderá ser atacada (...) se o processo foi extinto com julgamento [resolução] de mérito, porém foi maculado por vício de inexistência que não foi arguido ao longo do seu curso, o remédio cabível será a ação declaratória de inexistência de relação jurídica processual (art. 4º do CPC). Não se rescinde processo inexistente, mas apenas se declara tal inexistência ” (Elementos, cit., v. 2, p. 77). 797. Com efeito, mesmo os autores que, como nós, entendem que, diante de processo findo, a que tenha faltado pressuposto processual de existência, o meio adequado para vulnerá-lo é o da ação declaratória de inexistência, reconhecem que o tribunal poderá conhecer do vício no bojo de ação rescisória, uma vez que a nulidade ipso iure há de ser reconhecida e assim declarada de ofício em qualquer processo e grau de jurisdição. Nesse sentido é o entendimento de Humberto Theodoro Júnior (Curso, cit., 58. ed., v. 1, p. 756). Esse mesmo jurista, em artigo publicado na RePro, afirma: “Isto não quer dizer, contudo, que no bojo de ação rescisória seja vedado ao juiz reconhecer a nulidade ou a inexistência do julgado. Se é na pendência da ação rescisória que se revela ou se demonstra a nulidade ou a inexistência da sentença, ali caberá ao julgador reconhecer ditos vícios. O que não será correto é pronunciar julgamento com o sentido de rescisão de sentença nula ou inexistente. O dispositivo do julgado haverá de ser decretação de nulidade ou declaração de inexistência, conforme o caso” (RePro 19/28). Ver, a respeito, o REsp 11.290/AM, 4ª T., j. 04.05.1993, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 07.06.1993. O Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, ainda quando Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decidiu, com propriedade, que, em casos que tais, haverá de se conhecer da inexistência, por falta de citação, no bojo de ação rescisória, “quer em obséquio ao princípio da instrumentalidade do processo, quer porque, nessa hipótese, nos encontramos em face de uma nulidade pleno iure, que enseja a invalidação do ato em ação própria ou incidentalmente, em qualquer procedimento e até mesmo de ofício” (RBDP 49/165). Essa posição continua a ser adotada pelo STJ (STJ, 3ª T., REsp 1.600.535/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.12.2016). 798. Na hipótese de decisão infra petita, por exemplo, trata-se de caso de inexistência, por haver falta de decisum, razão pela qual não há que se falar em coisa julgada material. É, aliás, o que decidiu a Corte Especial do STJ em julgamento de embargos de divergência (STJ, Corte Especial, EREsp 1.264.894/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.09.2015). 799. V. STJ, AgRg no REsp 234.371/SP, 3ª T., j. 21.10.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 28.10.2010. 800. Teresa Arruda Alvim critica a afirmação de que a coisa julgada é sanatória das nulidades no processo. Assevera a autora que: “deve-se pôr em dúvida o princípio de que a res judicante é sanatória geral de todos os vícios. Se assim o fosse, a sentença não permaneceria impugnável mesmo depois do trânsito em julgado, que, por si só, teria transformado o que era inválido (= nulo) em válido. Não é, todavia, o que ocorre, já que as nulidades absolutas sobrevivem à coisa julgada, ensejando ação rescisória. Por outro lado, as nulidades relativas não são “curadas” pela coisa julgada, já que terão, muito antes, ficado preclusas no curso do processo, se não se as impugnou em tempo hábil. Arriscado dizer o que, todavia, hoje, nos parece absolutamente verdadeiro: a coisa julgada nada sana” (Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 405). 801. Nesse sentido, observa Thereza Alvim ao tratar especificamente da hipótese de falta de citação de algum dos litisconsortes necessários: “Assim, pode-se afirmar, que em estando faltante a citação de um dos litisconsortes necessários, a sentença proferida pelo juiz será inutiliter data, ou seja, será ineficaz. Assim, não poderá produzir efeitos jurídicos. Sobre ela nunca poderá recair a autoridade da coisa julgada material. Ademais, para que seja retirada do mundo jurídico independe da ação rescisória, sendo suficiente, por ter havido ato do judiciário e somente nessa medida, petição simples, exceção de préexecutividade ou mesmo ação declaratória de nulidade da decisão anterior, o que a faz independer do prazo decadencial, a que está sujeita a ação rescisória” (Thereza Alvim, O
direito processual de estar em juízo, p. 175). 802. Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 169-171. 803. Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 173. 804. V. STJ, REsp 810.792/PR, 1ª T., j. 18.04.2006, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 11.05.2006. 805. STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1127896/RR, 2ª T., j. 22.11.2011, rel. Min. Humberto Martins, DJe 25.11.2011. 806. Nelson Luiz Pinto, a propósito, diz: “Para tanto, pois, é necessário que a questão a ser enfrentada no recurso especial já tenha sido ao menos levantada na instância inferior, exceto, entendemos, quando se tratar daquelas questões de ordem pública, que geram nulidade absoluta do processo e das decisões nele proferidas e que, por isso, deve ser decretada até mesmo ex officio a qualquer tempo e grau de jurisdição, razão pela qual dispensam o prequestionamento explícito” (Recurso especial para o STJ, p. 139). 807. No sentido da necessidade de prequestionamento, mesmo relativamente a questões de ordem pública, o escorreito posicionamento de Nelson Nery Jr., Teoria geral dos recursos, cit., p. 288. 808. STJ, REsp 30615/SP, 5ª T., j. 15.12.1993, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 07.03.1994. Referido julgado foi comentado por Arlete Inês Aurelli, que, todavia, expressa opinião contrária ao mesmo (v. comentários a acórdão intitulado Arguição de matéria de ordem pública em recurso especial: desnecessidade de prequestionamento, RePro 89/266-280). 809. STJ, AgRg nos EREsp 999.342/SP, Corte Especial, j. 24.11.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.02.2012. 810. Nesse sentido, confira-se julgado do STJ em que se decidiu, à luz do CPC/73, que as invalidades de fundo e de forma com cominação de pena de nulidade podem ser conhecidas independentemente de prequestionamento se o recurso especial vier a ser conhecido por outros fundamentos: STJ, EDcl no REsp 765.975/PR, 2ª T., j. 11.04.2006, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 23.05.2006. Assim também: STJ, AgRg no AREsp 26.542/RO, 1ª T., j. 28.02.2012, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 02.03.2012. 811. Este parece ser o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, que afirma: “Sendo assim, tais requisitos [pressupostos processuais e condições da ação] são indispensáveis todo o
tempo durante o qual o Estado exerce a jurisdição, não sendo possível ou lógico distinguirse, quanto a isso, entre a atuação estatal por diferentes órgãos ou perante diferentes instâncias. Quer isso dizer que, mesmo perante os tribunais superiores, e não obstante sua função no sistema, aqueles pressupostos devem estar presentes e, nessa medida, ser objeto de fiscalização por parte do órgão judicante. De fato, seria contrário à lógica do sistema imaginar que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça – embora considerado seu diferenciado e relevante papel – pudessem conhecer de um recurso extraordinário ou especial, se presentes os requisitos constitucionais para tanto, e que, nessa hipótese, passassem a julgar a questão constitucional ou federal mesmo diante de óbice à existência ou à validade do processo. Assim, não parece razoável que, sendo o caso de conhecimento do recurso extraordinário ou especial, o STF ou o STJ deixem de conhecer de matéria de ordem pública, tão somente sob o argumento de que esta não teria sido alvo da devida apreciação pela instância inferior. A presença dos pressupostos processuais é antecedente lógico do julgamento do mérito e, nessa medida, tais pressupostos são também antecedentes lógicos do julgamento do mérito dos recursos pelo STF e STJ” (Litisconsórcio necessário e efeito devolutivo do recurso especial, O processo: estudos e pareceres, p. 100). 812. Ver, a este respeito, a opinião de Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades, cit., 5. ed., p. 278-279. 813. No sentido de que a intimação do Ministério Público não elide a nulidade no caso de não haver sua manifestação nos autos de mandado de segurança: STJ, EREsp 11.729, 1ª S., j. 03.12.1991, rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ 29.06.1992. 814. No sentido de que basta a intimação do Ministério Público para elidir a nulidade, entendimento que temos por correto ante a independência funcional entre o órgão do Ministério Público e o Judiciário: STJ, REsp 137.093/RS, 3ª T., j. 19.02.1998, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 27.04.1998; STJ, RMS 20.817/MG, 2ª T., j. 13.05.2008, rel. Min. Humberto Martins, DJe 27.05.2008; STJ, REsp 602.849/RJ, 2ª T., j. 27.11.2007, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.11.2009. 815. Assim, confiram-se os seguintes julgados do STJ proferidos sob a vigência do CPC/73: REsp 948.090/DF, 5ª T., j. 26.05.2009, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 03.08.2009. 816. Nesse sentido, conclusão 42 do IV Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: “A intervenção da Procuradoria da Justiça em segundo grau evita a anulação de processo no qual o MP não tenha sido intimado em primeiro grau, desde que não demonstrado o
prejuízo ao interesse do tutelado”. 817. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 1, item 145, p. 477. 818. Dispositivo semelhante ao art. 278 do CPC/39: “A nulidade de qualquer ato não prejudicará senão os posteriores, que dele dependam ou sejam consequência”; e correspondente ao art. 248 do CPC/73. 819. Nesse sentido, verificar: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1. p. 580.
820. Por isso, à época, reputamos sem fundamento a ADIn 3.695-5/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo objeto foi a Lei n. 11.277/2006, que introduziu o art. 285-A no Código de Processo Civil de 1973. Essa ADIn, porém, foi extinta sem julgamento de mérito. Conferir, a propósito, trabalho de um dos autores do presente texto (Eduardo Arruda Alvim. Do julgamento de improcedência dos casos repetitivos, à luz da Lei n. 11.277/2006: algumas reflexões atinentes ao art. 285-A do CPC, Revista de Direito da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo 13, passim). 821. Joel Dias Figueira Jr., Julgamento de mérito conforme o estado inicial do processo: análise do art. 285-A, CPC (Lei n. 11.277, de 07.02.2006), RAP 2/369. 822. Idem, ibidem. Nessa mesma linha, também, Fredie Didier Jr., Julgamento de causas repetitivas: improcedência prima facie, in A terceira etapa da reforma processual civil, p. 58. 823. O que significa que, antes da citação, é o autor livre para alterar o pedido ou a causa de pedir, consoante preceitua o art. 329, I, do CPC/2015. 824. STJ, REsp 1170459/PE, 3ª T., j. 12.08.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 20.08.2010. 825. “O autor tem direito processual de promover alteração (substituição) dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) antes da citação do réu (art. 329, I, CPC). Após a citação, o autor só poderá fazê-lo com o consentimento do demandado, ainda que revel (art. 329, II, do CPC), que terá novo prazo de resposta, pois a demanda terá sido alterada (...)”. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução do direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 578. 826. A propósito, v. STJ, REsp 1291225/MG, 2ª T., j. 07.02.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.02.2012. 827. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 3 ao art. 180, p. 445. 828. Nesse sentido: “A simples retirada dos autos do processo durante a fluência de prazo recursal comum, fora de uma das exceções previstas no art. 40, § 2º, do CPC, caracteriza o obstáculo criado pela parte, descrito no art. 180 do CPC, apto a suspender o curso do prazo em favor da parte prejudicada. 2. A devolução do prazo recursal prescinde de petição prévia, podendo ser deduzida nas próprias razões recursais. 3. Recurso não provido” (STJ,
REsp 1191059/MA, 3ª T., j. 01.09.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 09.09.2011). Nessa mesma linha: STF, RE 100.434-7/RS, 2ª T., j. 14.08.1987, rel. Min. Djaci Falcão, DJU 02.10.1987. 829. V. art. 687 e s. do CPC/2015 sobre habilitação. 830. STJ, REsp 1234015/RS, 2ª T., j. 26.04.2011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 05.05.2011. 831. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “a lei não especifica se mediante sucessivas convenções é ou não permitido obter afinal uma soma de tempo maior que essa. Em princípio, porém, tal prática deve ser repudiada porque em direito não é lícito obter por vias oblíquas aquilo que de modo direto não se pode obter; mas quando não ficar sequer insinuada uma fraude como essa – e especialmente se a suspensão for conveniente para os bons resultados do processo – é razoável admitir as convenções sucessivas que, ainda que, somadas, venham a exceder o limite de seis meses” (Instituições, cit., v. 3, p. 157). 832. STJ, REsp 332.230/RO, 4ª T., j. 27.11.2011, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18.02.2002. 833. A esse respeito, indica-se: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1552. 834. Ibidem, p. 1.551. 835. V. STJ, EDcl no REsp 1030572/PR, 4ª T., j. 15.12.2011, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 06.02.2012. 836. No sentido de que a suspensão do processo não pode perdurar por mais de um ano, confiram-se os seguintes julgados: TJ/SP, AI 1.296.466-4, Santa Izabel, 3ª Câm. do Ext. 1º TAC, j. 15.02.2005, rel. Des. Itamar Gaino. 837. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1. p. 714. 838. Há julgado no sentido de que a greve de serventuários caracteriza força maior para efeito de suspensão do processo. Nesse sentido: STJ, REsp 27.173/SP, 3ª T., j. 06.10.1992, rel. Min. Dias Trindade, DJ 09.11.1992, p. 20374. O TJSP considerou a desapropriação como causa apta a ensejar a suspensão do processo por força maior: RT 636/102. Considera-se, ainda, motivo de força maior doença que acomete o advogado de forma a impossibilitá-lo para o exercício de sua função. Nesse sentido, STJ, AGA 27.848/MG, 4ª T., j. 15.03.1994, rel. Min. Torreão Braz, DJ 18.04.1994.
839. Veja-se, ainda, julgados nos quais a força maior não restou reconhecida: “A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar pedido de suspensão de prazos processuais em virtude de greve dos Advogados Públicos da União, entendeu que o movimento paredista, então deflagrado, não constituía motivo de força maior apto a suspender os prazos, nos termos dos arts. 265, V, e 507 do Código de Processo Civil” (STJ, AgRg no Ag 873.114/RJ, 6ª T., j. 01.06.2010, rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), DJe 21.06.2010); “A Corte Especial firmou já compreensão, em espécie idêntica à presente, no sentido da incaracterização da força maior de que cuida o art. 265, inc. V, do CPC, não comportando a própria natureza do movimento grevista a suspensão dos prazos processuais” (STJ, AgRg no Ag 1214985/DF, 1ª T., j. 17.12.2009, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 02.02.2010); “Greve dos defensores públicos da União (DPU). Suspensão dos prazos processuais. Alegação de força maior. Art. 265, V, do CPC. Não caracterização. Precedentes do STJ. Agravo improvido. 1. ‘A greve de defensores públicos não caracteriza a força maior prevista no art. 265, inc. V, do CPC’ (...). Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no Ag 953.575/RS, 5ª T., j. 26.05.2009, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 29.06.2009). 840. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários, cit., comentários ao art. 269, p. 61. Afirma Fredie Didier Jr., a respeito da alteração introduzida no art. 269, que “a expressão resolução do mérito, em vez de julgamento de mérito, é mais correta, pois abrangente das diversas decisões passíveis de ser tomadas com base neste artigo. (...) Rigorosamente, só haveria julgamento nas hipóteses previstas nos incisos I e IV do art. 269. As demais decisões (incisos II, III e V) pertencem a outra categoria. A decisão que se profere nestes casos é homologatória” (Novas regras sobre a sentença, in A terceira etapa da reforma processual civil, item 2, p. 73-74). 841. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1. p. 1010. 842. Arruda Alvim, Manual, cit., item 27.2., p. 977. 843. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1551. 844. STJ, REsp 90.738/RJ, 4ª T., j. 09.06.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 21.09.1998 – Bol. AASP 2.187, p. 166; também publicado na RT 761/196. 845. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 73.
846. Nesse sentido: “Matéria de ordem pública. Prequestionamento. Necessidade (...). Segundo a firme jurisprudência do STJ, na instância extraordinária, as questões de ordem pública apenas podem ser conhecidas, caso atendido o requisito do prequestionamento” (STJ, AgRg nos EREsp 999342/SP, Corte Especial, j. 24.11.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.02.2012). 847. A substituição da expressão “julgamento” por “resolução” se deve ao advento da Lei n. 11.232/2005, que alterou o caput dos arts. 267 e 269 do CPC/73. Cumpre ressaltar que referida redação foi recepcionada pelo CPC/2015, em seus arts. 485 e 489. Conforme dissemos, aludida alteração foi salutar, uma vez que só havia julgamento de mérito propriamente dito no inc. I, art. 269, CPC/73, correspondente ao inc. I, art. 487 do CPC/2015. Nesse sentido, dizem Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina: “O mérito, no sentido do art. 269 do CPC, corresponde ao pedido formulado pelo autor. Assim, haverá julgamento do mérito sempre que o pedido tiver sido apreciado (inc. I do art. 269). No caso do inciso IV do art. 269, parece-nos que se está diante de hipótese assimilável à improcedência do pedido, de sorte que o pronunciamento do juiz que reconhece a prescrição ou a decadência do direito também consiste em julgamento do mérito da causa, na medida em que conduzem à improcedência do pedido. As situações referidas nos incs. II, III e V do art. 269, a rigor, não correspondem a um julgamento de mérito, já que o pedido não é propriamente julgado pelo juiz, nestes casos. Parece-nos, diante disso, que andou bem o legislador, ao substituir a expressão ‘julgamento’, outrora constante do caput do art. 269, por ‘resolução’, já que a expressão ‘resolução’ é mais ampla que julgar” (Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil 2, p. 61). 848. A propósito, o escólio de Leo Rosenberg (Tratado de derecho procesal civil, v. 2, § 131, n. 6, p. 344), que também afirma que o reconhecimento jurídico do pedido não implica, necessariamente, aceitação dos fatos. Perfilha esse entendimento Ovídio Baptista da Silva (Curso, cit., 7. ed., v. 1, p. 316), que aduz: “Ao contrário da confissão, que é o reconhecimento da existência de alguns ou de todos os fatos que sirvam de fundamento à demanda, o reconhecimento do pedido não importa em qualquer admissão da veracidade dos fatos e pode até mesmo conter a expressa inconformidade do réu quanto à existência de tais fatos. Quem reconhece o pedido manifesta simplesmente a vontade de submeter-se ao pedido contra si formulado pelo autor, não contendo, portanto, tal ato processual a menor dose de manifestação de conhecimento, limitando-se, ao contrário, a uma pura
manifestação de vontade”. No sentido de que o reconhecimento jurídico do pedido pressupõe a aceitação dos fatos, ver Clito Fornacciari Jr.: “Marca-se o reconhecimento jurídico do pedido pela aceitação não só dos fatos deduzidos pelo autor, como também das consequências jurídicas invocadas. Através dele, admite o réu a própria pretensão do autor. Constitui-se um ato jurídico unilateral, independendo, em nosso sistema, da aceitação da parte a quem o reconhecimento favorece. Basta, para sua validade, a manifestação da vontade do réu. Não se trata, como sem razão afirma Schönke, de um negócio jurídico material, pois com este ato não se adquirem, resguardam-se, transferem-se, modificam-se ou se extinguem direitos. Diversamente, o reconhecimento é a afirmação do réu de que não tem realmente direitos e que estes pertencem ao autor que lhe está demandando” (Reconhecimento jurídico do pedido, p. 5-6 – destaques do autor). Esse mesmo autor, conquanto diga que o reconhecimento jurídico do pedido pressuponha a aceitação dos fatos, observa: “Somente poderá haver reconhecimento do pedido válido e operante no processo desde que presentes as condições da ação. Por isso, não reconhece o pedido quem, aceitando os fatos relatados pelo autor e as consequências jurídicas pretendidas, alega falta de qualquer das condições da ação” (idem, p. 67 – destaques do autor). 849. V. STJ, REsp 19758/RS, 4ª T., j. 03.05.1994, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 30.05.1994. 850. Yussef Cahali, Honorários advocatícios, p. 399. 851. STJ, REsp 48974/GO, 3ª T., j. 13.10.1997, rel. Min. Cláudio dos Santos, rel. p/ acórdão Min. Costa Leite, DJ 01.12.1997. 852. STJ, REsp 151303/SP, 3ª T., j. 10.03.1998, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, rel. p/ acórdão Min. Costa Leite, DJ 19.10.1998. 853. V. STJ, EREsp 160.850/SP, Corte Especial, j. 03.02.2003, rel. Min. Edson Vidigal, rel. p/ acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 29.09.2003. 854. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, p. 236-237, n. 93, nota 82-D.
855. Barbosa Moreira já se havia debruçado sobre o tema de há muito: “Acerca do ponto muito se debateu em doutrina, sobretudo na Alemanha, onde prestigiosa corrente se opôs à franquia, com maior ou menor rigor. Não se poderia reconhecer à autonomia da vontade, no campo processual, atuação tão ampla como a que se lhe abre no terreno privatístico; no processo, ramo do direito público, deveria considerar-se proibido tudo quanto não fosse permitido. Com algum exagero, receava-se a entronização do “processo convencional”. Em nossos dias predomina a tese da admissibilidade de convenções não autorizadas expressis verbis na lei, conquanto se esforcem os escritores em estabelecer limites, sem que se haja até agora logrado unanimidade na fixação dos critérios restritivos” (José Carlos Barbosa Moreira. Temas de direito processual civil: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 91). 856. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 572-574. 857. Diz Antonio do Passo Cabral: “No entanto, quando investigamos a possibilidade de transportar as definições da teoria geral dos fatos e atos jurídicos para o direito processual, vemos que os negócios jurídicos processuais também podem ter conceituação muito similar à do direito privado. Negócio jurídico processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontade unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de constituir, modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento” (Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 48-49). 858. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 572-574. 859. Para o autor, o negócio jurídico sugere a existência de interesses contrapostos, ao passo que as convenções relevam interesses convergentes das partes (Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 572). No mesmo sentido, v. Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 68. 860. “Parece-nos que os negócios jurídicos processuais são espécies de negócios jurídicos, que se caracterizam, porém, como processuais por terem como finalidade produzir efeitos em um processo, presente ou futuro”. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 573. 861. Neste mesmo sentido: Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 760.
862. Tinham, a nosso juízo, a mesma natureza a convenção sobre o ônus da prova (art. 333, parágrafo único, do CPC/73), a convenção sobre a suspensão do processo (art. 265, II, do CPC/73), a convenção sobre o adiamento da audiência de instrução e julgamento (art. 453, I, do CPC/73) e a convenção sobre liquidação por arbitramento (art. 475-C, I, do CPC/73), por exemplo. 863. Sobre isso, diz Cabral que, “Na técnica da cláusula geral, o legislador não tipifica, limitando-se a positivar uma espécie normativa com incompletude estrutural: nem todos os elementos do suposto normativo estão presentes, e nem sempre são previstas as consequências jurídicas que se extraem do seu preenchimento pelo suporte fático” (Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 91). 864. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm. 2015. v. 1. p. 380. 865. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 225. 866. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 579. 867. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm. 2015. v. 1. p. 380. 868. Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 398. 869. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 583. 870. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm. 2015. v. 1. p. 384-385. 871. Nesse sentido: “Para que seja declarada nula, a cláusula continente de negócio jurídico processual constante de contrato de adesão tem que ser abusiva”. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 401. 872. STJ, REsp 1073962/ PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.03.2012. 873. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 584. 874. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 227. 875. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm. 2015. v. 1. p. 390. 876. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 226. 877. V. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm. 2015. v. 1. p. 387-388. 878. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 584. 879. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 588-589. 880. NOGUEIRA, Pedro Henrique. Comentário ao art. 191. In: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 634. 881. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 589-590. 882. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 590. 883. Pedro Henrique Nogueira. Comentário ao art. 191. In: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 635. 884. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1. p. 471-472. 885. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 590.
886. Arruda Alvim, Manual, cit., item 16.1, p. 638. 887. TJ/MG, EDcl na Ap. Cív. 333.413-4/01, 3ª Câm. Dir. Civ., j. 08.08.2001, rel. Des. Jurema Miranda, DJ 22.08.2001. 888. Arruda Alvim, Manual, cit., item 16.2, p. 639 889. Arruda Alvim, Manual, cit., item 16.3, p. 640. 890. Sob a vigência do CPC/73, confira-se: STJ, REsp 731.582/RS, 1ª T., j. 07.06.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 08.08.2005. 891. Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 37. ed., nota 2 ao art. 180 do CPC/73, p. 273, regra esta que deflui do § 1º do art. 183 do CPC/73. 892. Remarque-se: não pode ser confundida a suspensão do prazo (art. 220), de que estamos tratando agora, com a sua interrupção. Suspenso o prazo, a sua (re)contagem dá-se a partir do término da suspensão, mediante o cômputo de todos dias que (eventualmente) tiverem corrido antes da suspensão. O prazo interrompido, diversamente, conduz à contagem do prazo desde a data da cessação da interrupção, desconsiderando os dias que eventualmente tiverem corrido antes da interrupção (Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, notas 3 ao art. 220, p. 761). 893. A respeito da interrupção da prescrição, Arruda Alvim trata o tema com profundidade: “A posição do direito brasileiro, tanto do Código de 1916, quanto do atual, implica admitir que com a propositura da ação, e quando e por causa da sucessiva citação, fica interrompida a prescrição (...). Na realidade, o que interrompe a prescrição, tratando-se do assunto relacionado ao processo judicial, é a citação. Este é o sistema do Código de Processo Civil vigente (art. 219, que dispõe que a citação válida produz efeitos civis, quais sejam o de interromper a prescrição e de tornar a coisa litigiosa, além dos efeitos processuais aí mencionados). Pelo § 1º do art. 219 – ‘§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação’ – (...), significando que o ato interruptivo decorrente da citação não terá seu termo inicial nesta, senão no ato da propositura da ação, ou seja, à luz do disposto no art. 263 do CPC, quando despachada pelo juiz, ou, havendo mais de uma vara, quando de sua distribuição. O atual Código Civil dispôs no inc. I do seu art. 202 que se considerará interrompida a prescrição: ‘I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual’. Parece que o inc. I do art. 202 do Código Civil eliminou a distinção que decorre do art. 263 do Código de Processo Civil, dado que por este texto era possível, no
caso de pluralidade de juízos competentes, que com a mera distribuição se considerasse, desse momento, interrompida a prescrição, dependente de vir a ser feita, tempestivamente e sem mora do autor, a citação do réu” (Da prescrição intercorrente, in Prescrição no novo Código Civil: uma análise interdisciplinar, p. 31 e nota de rodapé 6 – grifos do autor). 894. Nesse sentido, sob a vigência do CPC/73 o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu o seguinte julgado: “Processo civil. Fluência de prazo recursal. Suspensão. Convenção das partes. Arts. 180, 182 e 265, II, CPC. Doutrina. Recurso desacolhido. Às partes, por convenção, não se faculta suspender prazo recursal, haja vista que peremptório” (STJ, REsp 10.864/SP, 4ª T., j. 16.03.1993, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 26.04.1993). Baseado nas lições de Pontes de Miranda, aduz o relator: “a suspensão do processo, oriunda de convenção das partes, não apanha os prazos para recurso, já iniciados, nem a subida, ou o andamento e a subida dos recursos interpostos”. Mais adiante, afirma: “fluindo o prazo para interposição do recurso de apelação, não poderiam as partes ter convencionado a suspensão do processo. Tal procedimento só teria lugar depois de manifestado o apelo (...). Em conclusão, o que impende consignar é que às partes, por convenção, não se faculta suspender prazo peremptório”. 895. Comentários ao Código de Processo Civil, 4. ed., v. 2, comentários ao art. 182, p. 126-127. 896. STJ, AgRg no REsp 1160145/MG, 3ª T., j. 28.02.2012, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 07.03.2012. 897. STJ, REsp 1191059/MA, 3ª T., j. 01.09.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 09.09.2011. 898. STJ, RMS 32.880/SP, 1ª T., j. 20.09.2011, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 26.09.2011. 899. Súmula 310 do STF: “Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”. Enunciado 1 do TST: “Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial será contado da segunda-feira imediata, inclusive, salvo se não houver expediente, caso em que fluirá do dia útil que se seguir”. 900. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sob a vigência do CPC/73: “Agravo
regimental. Recurso especial. Acórdão recorrido publicado no sábado. Intimação prorrogada para o primeiro dia útil subsequente (art. 240, parágrafo único, do CPC), a partir do qual inicia-se a contagem do prazo recursal. Improvimento. I. Tendo sido publicada, no dia 10.03.07 (sábado), a Súmula do Acórdão que rejeitou os Embargos de Declaração, nos termos do parágrafo único do art. 240 do Código de Processo Civil, considera-se ela publicada no dia 12.03.07 (segunda-feira), iniciando a contagem de prazo para a interposição do apelo excepcional no dia 13.03.07 (terça-feira). Dessa forma, é tempestivo o Recurso Especial interposto em 27.03.07. II. Agravo Regimental improvido” (STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1021883/MG, 3ª T., j. 19.03.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 03.04.2009). 901. No sentido de que, efetuada a intimação no sábado, considera-se realizada na segundafeira, iniciando-se a contagem do prazo na terça-feira, Arruda Alvim, em lição vazada nos termos seguintes: “Outra orientação, que, no fundo, se filia ao mesmo princípio ou razão de ser que imediatamente anterior é a que estabelece que, havendo a intimação no sábado, o prazo começa a correr na segunda-feira” (Manual, cit., item 16.5, p. 655). 902. V. interessante julgado do STJ: RMS 28.441/SP, 3ª T., j. 24.03.2009, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.04.2009. 903. Esse pode-se dizer o entendimento clássico dos tribunais, notadamente do STJ, diante da regra segundo a qual não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (art. 207 do CC). Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: STJ, RMS 13062/MG, 1ª T., j. 11.06.2002, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 23.09.2002. 904. Explica o autor: “Hoje afigurar-se-nos correto o entendimento de que, se o termo final de prazo recair em dia não útil, prorrogar-se-á até o primeiro dia útil seguinte, mesmo que seja de decadência dito prazo. Do contrário, haveria amputação do prazo (reduzir-se-ia sua utilidade). Por outro lado, não se trata, propriamente, de prorrogar o prazo, senão que de se reconhecer da impossibilidade da prática processual, utilmente, no último dia do prazo. Daí é que, embora já tenhamos pensado diferentemente, acreditamos que esta é a orientação correta” (Arruda Alvim, Manual, cit., item 16.5, p. 655). 905. STJ, REsp 828.373/SP, 3ª T., j. 17.08.2006, rel. Min. Castro Filho, DJ 11.09.2006. 906. O STJ já decidiu que o depósito do rol de testemunhas a oito dias da audiência não é razão suficiente para a anulação do processo, conforme se colhe do REsp 648.457/MT, 3ª T., j. 04.08.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 29.08.2005. 907. A respeito das causas suficientes para caracterizar a “justa causa” a que alude o art.
223, ver STJ, AgRg no REsp 533.852/RJ, 3ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 05.09.2005. 908. Nesse sentido, diz com pertinência Arruda Alvim: “A preclusão, saliente-se, não se confunde com as sanções processuais. Sanção é a consequência jurídica, subsequente ao não cumprimento da norma jurídica. Já a preclusão temporal deriva da não prática de um ato, no prazo em que ele deveria ter sido praticado. Acontece que, na sanção, supõe-se uma obrigação que, não cumprida a tempo, sê-lo-á, depois, normalmente, mercê da aplicação da sanção. Ou, ainda, a sanção é a consequência à infração de um dever jurídico. A sanção origina-se do não cumprimento de uma obrigação, como, por exemplo, a da testemunha que se recusa a depor e é obrigada, posteriormente, a fazê-lo. Já a preclusão deriva da não prática de ato no prazo em que a parte deveria tê-lo praticado: decorrido, v.g., o prazo para a contestação, ou para solicitar o depoimento pessoal, a parte não mais poderá contestar ou lograr o depoimento” (Manual, cit., item 16.7, p. 658). 909. Antônio Alberto Alves Barbosa, Da preclusão processual civil, p. 52 – destaque do autor. 910. V. STJ, REsp 1252842/SC, 2ª T., j. 07.06.2011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.06.2011. 911. Salvo nas instâncias extraordinárias, em que se exige que a matéria (ainda que de ordem pública, ou seja, inclusive esta) tenha sido prequestionada, vale dizer, que tenha sido examinada pelo acórdão recorrido, bem como que a seu respeito haja pedido expresso no recurso. 912. É o que se extrai do art. 189 do CC/2002: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. 913. A propósito dos conceitos sanção, preclusão, prescrição e decadência, ensina Arruda Alvim: “A preclusão, saliente-se, não se confunde com as sanções processuais. Sanção é a consequência jurídica, subsequente ao não cumprimento da norma jurídica. Já a preclusão temporal deriva da não prática de um ato, no prazo em que ele deveria ter sido praticado. Acontece que, na sanção, supõe-se uma obrigação que, não cumprida a tempo, sê-lo-á, depois, normalmente, mercê da aplicação da sanção. Ou, ainda, a sanção é a consequência à infração de um dever jurídico. A sanção origina-se do não cumprimento de uma obrigação (...). Já a preclusão deriva da não prática de ato no prazo em que a parte deveria tê-lo praticado (...). A preclusão, outrossim, não se confunde com a decadência. A decadência é um prazo estabelecido pela lei para o próprio exercício de um pretensão ou (mesmo por
ajuste) para exercer um determinado poder. Ocorrendo a decadência, isto é, verificando-se que não foi utilmente usado dentro de determinado prazo o direito, estará o mesmo definitivamente morto (se, porventura, tivesse existido). A preclusão, ademais, não se confunde com a prescrição. Esta é também um prazo, dentro do qual, eficientemente, pode ser exercitado o direito de ação. Se não for este usado dentro desse prazo útil, entender-seá, segundo a teoria civilista, se o réu alegar que a ação está prescrita, embora o direito, desmunido de ação, exista. Em termos práticos, porém, dificilmente prosperará a pretensão, já que, atualmente, da prescrição poderá o juiz conhecer ex officio – art. 219, § 5º, na redação da Lei n. 11.280/2006 (na verdade, a pretensão não podendo prosseguir por encontrar-se prescrita, passou a ser errado dizer-se que existiria o direito). Esse texto rompe com uma longa tradição, em nosso direito. O Código Civil estabelece de maneira expressa que o que se extingue pela prescrição é a pretensão, e não a ação, nos seguintes termos: ‘Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206’. Ademais, em princípio, a prescrição e a decadência ocorrem extraprocessualmente (em regra, são decretadas no processo), enquanto a preclusão ocorre, sempre e necessariamente, no âmbito do processo” (Manual, cit., item 152, p. 496-497). 914. Quanto à formação de coisa julgada material nos casos de reconhecimento da prescrição e da decadência, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery observam: “Quando o juiz pronuncia a decadência ou a prescrição, está julgando o mérito, mesmo quando não ingresse na análise das demais questões agitadas no processo. Havendo recurso dessa sentença, poderá o tribunal examinar todas as matérias suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro” (CPC comentado, cit., 10. ed., nota 12 ao art. 269, p. 517). 915. “Recurso Especial. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério Público. Prazo em dobro para recorrer. Prerrogativa. Arts. 188, CPC, e 198, II, do ECA. Na linha da jurisprudência desta Corte, o Ministério Público tem prazo em dobro para recorrer, seja nos casos em que atua como parte, seja naqueles em que oficia como fiscal da lei. O art. 198, do ECA, aplica-se somente na parte expressamente diversa do Código de Processo Civil, que continua a ser adotado no atinente à sistemática recursal, na qual inclui a prerrogativa prevista no art. 188, do CPC. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 706.704/SC, 5ª T., j. 04.08.2005, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 05.09.2005); “O Ministério Público, seja na condição de parte, seja na condição de custos legis, goza do benefício do prazo em dobro para recorrer de que trata o art. 188 do CPC” (STJ, REsp
509.885/SP, 2ª T., j. 13.05.2003, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 09.06.2003). Nesse mesmo sentido, STF, RE 195774/MG, 2ª T., j. 14.03.2000, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 05.05.2000; STF, RE 94064/SP, 1ª T., j. 22.06.1992, rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1982. 916. Ressalvamos o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, que sustenta que os prazos privilegiados para a Fazenda Pública e o Ministério Público não se justificam. Ao primeiro porque, se a estrutura do Estado é burocrática e impede o cumprimento dos prazos, esta prerrogativa deveria ser estendida a outras entidades que têm o mesmo “problema” e nem por isso são beneficiadas com prazos dilatados. Ainda, sustenta o autor que esse “privilégio” concedido ao Ministério Público e à Fazenda Pública decorre do “vício de origem totalitária herdado do Código de Processo Civil de 1939 e do regime do Estado-Novo que outorgou. Esses privilégios são ao menos discutíveis, em face dos princípios do Estado de Direito e das garantias que a Constituição Federal oferece ao cidadão” (Instituições do direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 2, item 829, p. 682). 917. Observe-se o teor da Súmula 641 do STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”. 918. STJ, AgRg no Ag 963.283/MG, 3ª T., j. 17.04.2012, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 23.04.2012. 919. Merece especial menção a orientação do STJ, segundo a qual, havendo litisconsórcio passivo, com diferentes procuradores, o prazo é contado em dobro independentemente de prévio requerimento de um dos litisconsortes, ainda que apenas um dos corréus apresente defesa. Nessa linha, ver REsp 268.260/SP, rel. Min. Jorge Scartezzini, 5ª T., j. 13.03..2002, DJ 20.05.2002. 920. Nesse sentido, asseveram Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Os opostos são citados, nas pessoas de seus advogados, para contestarem a ação de oposição. Devem fazê-lo no prazo comum de quinze dias. Não se aplica, aqui, o CPC 229, porque há regra específica que derroga aquela, geral” (Comentários, cit., nota 5 ao art. 683, p. 1570). 921. Havendo beneficiários do ato impugnado pelo mandado de segurança, estes recebem tratamento de litisconsortes passivos necessários da pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertença a autoridade coatora, devendo ser, os mesmos, citados nessa qualidade (art. 24 da Lei n. 12.016/2009). Nesse sentido, sob a vigência do CPC/73: STJ, REsp 493.679/RS, 2ª T., j. 16.11.2004, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 17.12.2004.
Entendemos que a autoridade impetrada não é a parte passiva no processo de mandado de segurança, senão que apenas presenta a pessoa jurídica (de direito público, no mais das vezes, embora não necessariamente), cujos quadros integra quando presta as informações. Temos para nós que essa orientação, inclusive, não veio a ser modificada pela recente Lei n. 12.016/2009, ainda que esta determine que seja efetivada a notificação da autoridade coatora para que preste as informações no prazo de 10 dias (art. 7º, I), bem como que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para que querendo, ingresse no feito (art. 7º, III). 922. Lei n. 4.717/65, inc. IV do art. 7º: “O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias prorrogáveis por mais 20 (vinte), a requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital”. 923. TRF-4ª R., AG 910422527, 2ª T., j. 07.10.1993, rel. Des. Luiza Dias Cassales, DJ 19.01.1994.
924. Arruda Alvim, Manual, cit., item 15.1, p. 591. 925. Arruda Alvim, Manual, cit., item 15.1, p. 591. 926. No sentido de que, havendo comparecimento espontâneo do réu, dá-se por suprida a citação, v. STJ, REsp 1091044/PR, 3ª T., j. 17.11.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 24.11.2011. 927. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários, cit., 9. ed., p. 162. 928. O referido art. 214, § 2º, corresponde ao art. 239, § 1º, do CPC/2015, enquanto o art. 219 corresponde ao atual art. 240. 929. V., a respeito, STJ, AgRg no AREsp 136.205/SP, 2ª T., j. 17.04.2012, rel. Min. Humberto Martins, DJe 25.04.2012. 930. Isso porque o comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação. 931. Nesse expresso sentido, colaciona-se o seguinte julgado do STJ, ainda que se referindo impropriamente à ação declaratória de nulidade: STJ, REsp 194.029/SP, 6ª T., j. 01.03.2007, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 02.04.2007. 932. No sentido do cabimento de ação declaratória de inexistência, admitindo, contudo, que a inexistência seja alegada por outros meios, ver STJ, REsp 1015133/MT, 2ª T., j. 02.03.2010, rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Min. Castro Meira, DJe 23.04.2010; STJ, REsp 1105944/SC, 2ª T., j. 14.12.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.02.2011; STJ, AR 569/PE, 1ª S., j. 22.09.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.02.2011. 933. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 73-74. 934. No mesmo entender, explica Nelson Nery Jr. Que, “Quando o processo inexiste porque lhe falta algum pressuposto de existência, a sentença também inexiste e, por conseguinte, a coisa julgada material não se forma. Exemplos de inexistência de sentença e, portanto, de inexistência de coisa julgada material: (...) sentença dada em processo em que não houve citação (falta ‘citação’)” (Teoria geral dos recursos, cit., item 3.8.6, p. 504). 935. Explica com pertinência Nelson Nery Jr. que o contraditório no processo civil não tem a mesma amplitude do processo penal, bastando aqui – processo civil – “que seja dada oportunidade aos litigantes para se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco, da paridade de tratamento e da liberdade de discussão na causa. Essa oportunidade tem de ser real, efetiva (...). Por esta razão é mais apropriado falar-se em bilateralidade da audiência, como princípio no processo civil. O réu deve ser, portanto,
citado. Isto se verificando, mesmo nos casos de ele tornar-se revel, deixando de apresentar contestação, terá sido atendido o princípio constitucional do contraditório” (Princípios do processo civil, cit., p. 173-174). No mesmo sentido, v. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 95, p. 244. 936. O termo não foi empregado pelo Código em sentido técnico-jurídico, mas em sentido comum. 937. A palavra induz, que era também a palavra utilizada nos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973 (respectivamente, art. 166 e 219), não tem sentido no atual sistema, como já não tinha no regime anterior. Arruda Alvim (Ensaio sobre a litispendência no direito processual civil. São Paulo: RT, 1970, obra republicada com o título Teoria geral do processo de conhecimento, v. 1, Parte III, II, A litispendência no direito brasileiro (de 1939), letra F, sob o título A citação “induz” ou “produz” litispendência, v. 1, p. 240 e s.) procurou demonstrar a inadequação dessa palavra. Tinha aí em conta que o significado de induzir é o de levar para (Antenor Nascentes). Ora, já com o Código de Processo Civil de 1939, e com o atual, ocorrida a citação, está, ipso facto, produzida a litispendência; a documentação do ato citatório nos autos, v.g., como a juntada do mandado, marca, apenas, o início do prazo para defesa. O sentido da expressão induzir era adequado para fases precedentes ao Código de Processo Civil de 1939. No Regulamento 737, dispunha-se que com a citação ocorria litispendência, mas que a ação só se considerava pendente “quando a citação é acusada em audiência” (art. 93). Aqui, sim – e na generalidade dos nossos Códigos de Processo estaduais e sistemas mais antigos –, tinha sentido a expressão, porque a litispendência dependia, além da citação, de acontecimento ulterior. A citação induzia/levava para a litispendência, mas não a produzia. 938. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p 614. 939. Segundo orientação do STJ, o art. 219, § 5º, também era aplicável às execuções fiscais, nos termos da Súmula 409 do referido tribunal, cuja redação é a seguinte: “Em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício (art. 219, § 5º, do CPC)”. 940. No mesmo sentido a abalizada opinião de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery. Explicam os autores que “a expressão ‘em qualquer grau de jurisdição’, constante na norma sob comentário, deve ser entendida acrescida da locução ‘ordinária’, porque não se pode alegar a prescrição, pela primeira vez, em grau de recurso especial nem de recurso extraordinário.
A CF 102 III e 105 III exigem, para a admissibilidade do RE e do REsp, que a matéria tenha sido decidida em única ou última instância, razão por que o STF e o STJ, apreciando o RE e o REsp, só podem rejulgá-la e nunca julgá-la” (Código Civil comentado e legislação extravagante, nota 3 ao art. 193, p. 288). 941. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados do STJ: REsp 1144465/PR, 5ª T., j. 27.03.2012, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 03.04.2012. 942. Quanto ao prazo do mandado de segurança, cumpre registrar que o seu transcurso conduz à implicação de não utilização desse tipo de ação; não significa, todavia, que, tendo havido decadência para impetração do mandado de segurança, isto leve também à decadência do direito material subjacente, que poderá ser discutido por outro tipo de ação, a respeito do que, aliás, é expresso o art. 19 da Lei n. 12.016/2009. Por isso, já escrevemos que a expressão “prazo extintivo” do mandado de segurança é mais apropriada do que “prazo decadencial” (cf. nosso Mandado de segurança, 2. ed., publicada em 2010 pela Editora GZ, p. 137). Assim também escreveu Alfredo Buzaid, Do mandado de segurança, v. 1, p. 153. Registre-se, todavia, que a nova Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009), em seu art. 6º, § 6º, encampou orientação segundo a qual o prazo do art. 23 é decadencial, ao estatuir: “O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito”. 943. Todavia, é evidente que, em se tratando de prazo decadencial, onde se lê “interrompe a prescrição”, há de ler-se “obsta a decadência”. 944. Yussef Said Cahali, Aspectos processuais da prescrição e da decadência, p. 48. 945. Nesse sentido é o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 8 ao art. 219, p. 469. 946. “1. Esta Corte Superior de Justiça consolidou o entendimento de que a citação válida, excepcionando-se as causas do art. 267, II e III, do Código de Processo Civil, interrompe a prescrição. 2. Na presente hipótese, mesmo tendo sido extinta sem resolução de mérito a ação anteriormente proposta, a citação no prazo e na forma da lei processual é suficiente a obstar a suscitada prescrição e viabilizar o prosseguimento do feito” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 316.215/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.06.2013). 947. Nesse sentido: TJRS, ApCiv 70005819917, 13ª Câm. Cív., j. 28.09.2004, rel. Des. Roberto Carvalho Fraga. 948. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, p. 186-187.
949. O art. 106 do CPC/73 regulava a competência de juízo, dentro da mesma comarca, ao passo que o art. 219 do mesmo diploma tratava de competência de foro. No primeiro caso, a competência fixava-se em torno do juízo que despachou em primeiro lugar; no último, a competência era do foro em que se deu a primeira citação válida. 950. Arruda Alvim, Manual, cit., item 15.2.10, p. 616. 951. A prevenção, nesta hipótese, terá ocorrido em relação à causa conexa que, cronologicamente, seja reputada a primeira delas, pelo critério previsto no art. 59. 952. STJ, EDcl no REsp 388.423/RS, 4ª T., j. 07.12.2006, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 05.02.2007. 953. STJ, REsp 1108202/PR, 2ª T., j. 15.10.2009, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 28.10.2009. 954. REsp 284.190/SP, 1ª T., j. 24.04.2001, rel. Min. José Delgado, DJ 20.08.2001. Parecenos que referida orientação, no essencial, permanece atual mesmo após as inovações introduzidas pela Lei n. 11.232/2005 e recepcionadas pelo CPC/2015, conquanto hoje, ao menos como regra, não mais se possa falar em processo autônomo de conhecimento, de liquidação ou de execução do título judicial. 955. Vale mencionar que há julgados, também do STJ, no sentido de que o cessionário não possui legitimidade para executar o devedor se não houver consentimento deste último. Assim: STJ, REsp 803.629/RS, 1ª T., j. 01.06.2006, rel. Min. José Delgado, DJ 26.06.2006. 956. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, p. 404. 957. “Agravo de Instrumento. Ação monitória. Citação. Comparecimento ao local pelo oficial de justiça fora do horário estabelecido no artigo 172, caput, sem autorização expressa do juiz. Intimação para citação com hora certa feita a empregado da residência. Ausência de expedição de comunicação à parte ré da citação por hora certa. Violação aos artigos 172, 227, 228 e 229 do CPC. Ocorrência. Nulidade da citação. Necessidade” (TJDF, AgIn 220125, 20040020059797, 5ª T. Cív., j. 21.02.2005, rel. Des. Asdrubal Nascimento Lima, DJ 25.08.2005). 958. A regra do § 3º do art. 212, porém, restou superada, no caso de processo eletrônico, pelo parágrafo único do art. 3º da Lei n. 11.419/2006. Com efeito, segundo dispõe o parágrafo único do art. 3º da Lei n. 11.419/2006, serão consideradas tempestivas as petições eletrônicas transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia de prazo. Assim, em se tratando de processo eletrônico, não há que se falar em protocolização dentro
do expediente forense de que trata o art. 212 do CPC/2015. 959. Por exemplo, ações relativas a casamento, separação judicial, divórcio etc. 960. Arruda Alvim, Manual, cit., item 15.2.1, p. 598. 961. Nesse sentido: STJ, REsp 712.609/SP, 5ª T., j. 15.03.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 23.04.2007. 962. Importante notar que os poderes próprios da cláusula ad judicia, como regra, não autorizam o recebimento de citação, para o que a lei exige poderes específicos (art. 105 do CPC/2015). 963. Em sentido diverso: STJ, REsp 540.376/SP, 3ª T., j. 09.09.2003, rel. Min. Castro Filho, DJ 29.09.2003; STJ, REsp 790.233/RN, 3ª T., j. 10.08.2006, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 09.10.2006. 964. Cumpre-nos ressaltar que o STJ já se posicionou no sentido de que não é dado ao gerente do banco receber citação quando não tem poderes de representação: STJ, REsp 35.198/SP, 1ª T., j. 24.08.1994, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 26.09.1994. 965. Arruda Alvim, Manual, cit., item 15.2.6, p. 609. 966. STJ, AgRg no Ag 132.169/SP, 3ª T., j. 06.05.1999, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 14.06.1999 967. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 10. ed., nota 1 ao art. 229, p. 481. No mesmo sentido, Arruda Alvim entende que a expedição da carta confirmatória “é obrigatória e indispensável” (Manual, cit., v. 2, item 95, p. 250). 968. STJ, REsp 687.115/GO, 3ª T., j. 28.06.2007, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01.08.2007. 969. Diz, a propósito, José Carlos de Araújo Almeida Filho: “Citação por meio eletrônico é prática ainda não aconselhada e felizmente o texto legal ressalva que a mesma poderá assim proceder. Não se trata de norma de direito cogente. Ocorrendo a citação nos termos das legislações específicas, nada impede que haja uma digitalização com autenticação eletrônica e a certificação nos autos da sua juntada. Neste primeiro momento, é o que mais de seguro se poder pensar” (Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil, p. 245-246). 970. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 95, p. 250. 971. De acordo com Arruda Alvim, “no Estado de São Paulo a função do curador da lide
deixou de ser atribuição do Ministério Público, passando a ser mister de advogados nomeados, caso a caso, pelo juiz, de oficiante (Lei Complementar estadual n. 667, de 26.11.1991, cujo art. 16 extinguiu os cargos de Promotor de Justiça Curador Judicial de Ausentes). Todavia, a Lei Complementar federal n. 80, de 12.01.1994, que organizou a defensoria pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, além de dar normas gerais para sua organização nos Estados, prescreve, em seu art. 4º, VI [atual art. 4º, XVI, com a redação dada pela Lei Complementar n. 132/2009], ser função institucional da Defensoria Pública atuar como curador especial nos casos previstos em lei, dentre eles o art. 9º do Código de Processo Civil em exame” (idem, item 12, p. 47). 972. Art. 22 da Lei n. 6.538/78: Os responsáveis pelos edifícios, sejam os administradores, os gerentes, os porteiros, zeladores ou empregados são credenciados a receber objetos de correspondência endereçados a qualquer de suas unidades, respondendo pelo seu extravio ou violação. 973. STJ, EREsp 117.949/SP, Corte Especial, j. 03.08.2005, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 26.09.2005. 974. “Cumpre atentar, ademais, para a ressalva de que o Superior Tribunal de Justiça também já se havia posicionado de modo favorável à possibilidade de recebimento da citação por terceiros, no endereço da parte interessada, para demandas que seguissem o procedimento da Lei n. 6.830/80, que trata das Execuções Fiscais, visto que o art. 8º da norma especial não exigia que o recebimento fosse em nome do demandado, bastando a entrega realizada no endereço do executado. Diante desta decisão, apontam alguns autores que o óbice restava unicamente relacionado à literalidade do art. 223 do CPC/73, que estaria agora superado no caso dos condomínios e loteamentos fechados”. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 601. 975. Dentre outras causas, levam à impossibilidade de receber a citação a cegueira, paralisia, surdo-mudez, alguns graus de arteriosclerose, de deficiência mental etc. 976. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu conforme a seguinte ementa: “Citação. Pessoa jurídica. Para que haja citação válida de pessoa jurídica, é preciso que ela seja feita a quem a represente legitimamente em juízo, de acordo com a designação do estatuto ou contrato social. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 6.606/MS, 4ª T., j. 18.12.1990, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 11.03.1991). 977. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. v. 1. p. 549. 978. Excepcionalmente, os réus podem não ser individualizados, se não for possível vencer a incerteza (nesse sentido, J. J. Calmon de Passos, Comentários, cit., v. 3, p. 140-141; Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, comentários ao art. 282, p. 155-156; Pontes de Miranda, Comentários, cit., 2. ed., t. II, comentários ao art. 282, p. 16. É o que sucede, exemplificando, com ação cautelar proposta para impedir que determinado sindicato, cuja assembleia de fundação se conhece apenas por notícia de jornal, seja criado (pede-se a citação de quem se apresentar como membro da mesa diretora dos trabalhos, identificando os membros pela qualidade que se atribuíram, pelo local, pela hora e pela data da reunião). 979. Tem-se decidido, com acerto, que, se do mandado citatório consta prazo maior do que o de lei para o oferecimento de defesa, o réu não pode ser penalizado por erro da máquina judiciária, devendo-se ensejar-lhe o prazo consignado (ainda que superior ao legal) para contestar (RT 686/216). 980. Importante consignar que os tribunais têm entendido que, tendo sido a procuração outorgada a vários advogados, é suficiente que apenas um deles seja intimado, para que gere efeitos no processo: STJ, REsp 905.632/SP, 1ª T., j. 22.04.2008, rel. Min. Luiz Fux, DJe 02.06.2008. 981. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, p. 431. 982. No mesmo sentido: STJ, REsp 744.273/PE, 1ª T., j. 08.11.2005, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.11.2005. 983. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 105, p. 274. 984. A partir de 2008, o STJ passou a utilizar o serviço do Diário de Justiça Eletrônico, de modo que, segundo se extrai do art. 5º da Resolução n. 8/2007, que instituiu o Diário da Justiça Eletrônico do STJ, o único meio oficial para publicação de atos judiciais, administrativos e de comunicação em geral daquele Tribunal é o DJ eletrônico, ao passo que a contagem dos prazos tem início no primeiro dia útil seguinte ao considerado como a data da publicação, de acordo com o art. 4º, § 3º, da Lei n. 11.419/2006. Os Estados de São Paulo (Provimento n. 1.321/2007 do TJSP, que instituiu o Diário de Justiça Eletrônico, alterado pelos Provimentos n. 1.414/2007 e 1.668/2009), Paraná (Resolução n. 8/2008), Santa Catarina (Resolução n. 8/2006), Distrito Federal (Portaria Conjunta n. 48/2007) e Rio Grande do Sul (Ato n. 31/2006 do TJRS), por exemplo, já disponibilizam o Diário da Justiça Eletrônico em conformidade com a alteração legislativa.
985. Nesse sentido, STJ, REsp 722.772/MT, 1ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 29.08.2005. 986. Nesse sentido: STJ, EDcl no REsp 700.245/PE, 6ª T., j. 11.09.2008, rel. Min. Nilson Naves, DJe 06.10.2008. 987. Assim já decidiu o STJ: REsp 127.369/SP, 2ª T., j. 17.02.2000, rel. Min. Peçanha Martins, DJ 27.03.2000. 988. Questão que se põe é saber o que significa essa intimação pessoal, contudo. Hugo Nigro Mazzilli escreveu: “O direito de receber intimação pessoal é norma prevista na LONMP e já provinha da legislação processual codificada; aplica-se a qualquer processo e grau de jurisdição (Lei Complementar n. 75/93, art. 18, II, h). Tal privilégio processual se justifica pelas peculiaridades da instituição, sem violar o princípio da igualdade das partes. Como a intimação será pessoal, não é contada a partir do recebimento dos autos pela secretaria da promotoria ou da procuradoria, mas sim da ciência pessoal do promotor ou do procurador” (Regime jurídico, cit., p. 332). 989. Nesse sentido: TJSP, ApCiv 0011483-80.2007.8.26.0196, Franca, 34ª Câm. Dir. Priv., j. 02.04.2012, rel. Des. Gomes Varjão. 990. Do inciso III, § 1º, do art. 275 consta, equivocadamente, a expressão “interessado”, em vez de “intimado”. 991. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., 47. ed., v. 1, p. 310. 992. A ciência inequívoca da decisão, já se entendeu, deflagra o prazo para interposição de recurso, considerando-se intimado aquele que é informado da decisão por qualquer meio, ainda que antes da publicação da decisão. Nesse sentido é o entendimento do STJ: AgRg no REsp 1051441/RS, 6ª T., j. 09.12.2008, rel. Min. Jane Silva (desembargadora convocada do TJMG), DJe 19.12.2008; REsp 869.308/SC, 3ª T., j. 09.08.2007, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 27.08.2007. A propósito, aliás, é de se ter presente o que dispõe o § 1º do art. 9º da Lei n. 11.419/2006: “As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais”. 993. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 105, p. 273. 994. Nesse sentido: TJPR, AgIn 0324350-3/Teixeira Soares, 14ª C. Cív., j. 29.03.2006, v.u., rel. Des. Maria Aparecida Blanco de Lima. 995. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo nesse sentido, conforme se vê do
julgado seguinte: “Quando o juiz estadual está investido de jurisdição federal, suas decisões são submetidas ao Tribunal Regional Federal, como acontece com o juiz federal. Ambos, pois, submetidos ao mesmo colegiado, que é o competente para apreciar a matéria” (STJ, CComp 291, 1ª S., j. 08.08.1989, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 04.09.1989). 996. Segundo dispõe o parágrafo único, art. 216-H, do Regimento Interno do Supremo Tribunal de Justiça.
997. Sobre o tema, diz Arruda Alvim que: “Portanto, obstar-se a concessão das cautelares que tenham como fundamento o periculum in mora e o fumus boni iuris, só porque o efeito prático perseguido podia coincidir com o efeito prático decorrente do julgamento do mérito da causa (não sendo aquelas, diferentemente desta, definitivas) parecia mesmo conflitar com o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. Isto porque, como se afirmou atrás, por vezes, era e é necessário antecipar-se para, com isso, acautelar (= tornar possível a plena eficácia do processo principal, seja de conhecimento ou de execução)” (Arruda Alvim. Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nós: evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do instituto da antecipação de tutela. As obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominantes na evolução de nossos dias. Revista de Processo, v. 97. São Paulo: RT, 2000. p. 70). 998. Destaque-se que também foram objeto da Lei n. 8.952/94 os arts. 461 e 461-A do CPC/73, especialmente relevantes no âmbito da tutela antecipada. 999. Para Ovídio Baptista, tal requisito “é o perigo em si mesmo, referido à possibilidade de uma perda, sacrifício ou privação de um interesse juridicamente relevante e não o perigo de um retardamento na prestação jurisdicional” (Ovídio Baptista da Silva. As ações cautelares e o novo processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 28). 1000. V. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 704-705. 1001. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 65. 1002. “A garantia constitucional da tutela jurisdicional somente se cumpre efetivamente se forem asseguradas plenas condições de obtenção tempestiva da proteção requerida. Isso pressupõe o poder de pleitear a adoção, de medidas idôneas e suficientes para adequar, em tempo hábil, a situação de fato à realidade jurídica afirmada. São providências destinadas a eliminar os inconvenientes causados pelos efeitos do tempo necessário à plena cognição dos fatos e fundamentos desse suposto direito. Inafastável, portanto, a necessidade de o sistema processual prever e regular uma providência jurisdicional destinada a eliminar qualquer risco decorrente da demora na oferta da prestação requerida. Trata-se, sem dúvida, de proteção inerente à garantia constitucional da ação, que não pode ser objeto de restrição por parte do legislador ordinário” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 85). 1003. Piero Calamandrei. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares.
Campinas: Servanda, 2000. p. 42. 1004. É o que um dos autores do presente estudo já tratou em Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 152. 1005. Andrea Carla Barbosa. Direito em expectativa: as tutelas de urgência e evidência no projeto de Novo Código de Processo Civil. Breves comentários. Revista de Processo, v. 194. São Paulo: RT, 2011. p. 244. 1006. Sobre o tema: “A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder ‘tutela provisória’” (Daniel Mitidiero. Comentário ao art. 300. In: Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (coords.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 782). 1007. “Deveras, se se argui a nulidade de um título protestável, no bojo de ação declaratória, é certo que a sustação do protesto consubstancia antecipação da tutela, de parte dos possíveis efeitos da sentença de procedência” (Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 116). 1008. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 69. 1009. Nesse sentido: “A fungibilidade de que trata o § 7º do art. 273 deve ser entendida como abrangendo os dois sentidos. Afigura-se-nos irrelevante que o requerente da cautelar, que será tomada como antecipação de tutela, tenha mero fumus boni juris, o que para alguns seria menos do que é exigido para a concessão da antecipação de tutela. Mesmo porque as distinções entre esses requisitos são mais teóricas do que concretas; ou melhor, são de difícil mensuração no plano empírico” (Arruda Alvim; Araken de Assis; Eduardo Arruda Alvim. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 555-556). 1010. A exigência legal é alvo de críticas de parte da doutrina: “seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável” (Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 204). 1011. V. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p.
709, e Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 169. 1012. A propósito, dizia Athos Gusmão Carneiro que: “Como o procedimento antecipatório surge sob o signo da provisoriedade, decorrente da sumariedade da cognição, sempre é possível (embora não provável) que após a cognição plena chegue o juiz à conclusão de que as coisas não eram como de início pareciam ser, e deva proferir sentença de improcedência da demanda. Nestes casos, as situações fácticas, e as relações entre pessoas, irão retornar ao ‘statu quo ante’, na medida do possível (sim, porque o decorrer do tempo, e quem persistiu atuante a AT, pode haver dado azo a sequelas irreparáveis. Quando menos, teremos o ‘tempo perdido’...)” (Athos Gusmão Carneiro. Da antecipação de tutela. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 79). 1013. A propósito de analisar o requisito em questão à luz do CPC/73, dizia Teori Zavascki que: “A vedação inscrita no citado § 2º deve ser relativizada, sob pena de comprometer quase por inteiro o próprio instituto da antecipação de tutela. Com efeito, em determinadas circunstâncias, a reversibilidade corre algum risco, notadamente quanto à reposição in natura da situação fática anterior. Mesmo nestas hipóteses, é viável o deferimento da medida desde que manifesta a verossimilhança do direito alegado e dos riscos decorrentes da sua não fruição imediata. Privilegia-se, em tal situação, o direito provável em prejuízo do improvável” (Teori Albino Zavascki. Antecipação da tutela. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 100). 1014. Nesse sentido, v. Enunciado 40 da I Jornada de Direito Processual Civil, do CJF: “A irreversibilidade dos efeitos da tutela de urgência não impede sua concessão, em se tratando de direito provável, cuja lesão seja irreversível”. 1015. A esse respeito: “O Estado defere essas restrições no pressuposto de que o bom resultado do processo, que aparentemente deve ser favorável ao requerente, esteja de fato dependendo das medidas de prevenção. Não há, todavia, de certo e definitivo em torno daquilo em que se apoia, na realidade, a tutela preventiva. Por isso, a lei faz que o requerente da tutela de urgência assuma todo o risco gerado por sua execução. Recorrente e certeira é a afirmação de que a tutela de urgência é sempre praticada por conta e risco do promovente. Nessa ordem de ideias, o art. 302 do NCPC impõe ao requerente o dever de responder pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa” (Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. p. 673). 1016. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 215.
1017. Sobre o tema já se pronunciou um dos autores da presente obra: “(...) os référés vêm previstos pelos arts. 484 a 492 do Code de Procédure Civile francês, cuja sistemática, em síntese, dispõe acerca da existência de juízos distintos, um competente para o référé, apreciando e eventualmente estabelecendo a ordem do référé, e outro competente para apreciar o mérito. O ponto mais interessante do instituto francês é o fato de que a decisão proferida pelo juge du référé pode solucionar, na ordem prática, o conflito, sem que haja necessidade de exaurimento da cognição judicial. Por meio dos référés, portanto, as partes têm a possibilidade de satisfazer suas necessidades práticas mesmo sem a discussão da questão de fundo. Esse procedimento, porém, não impede que o mérito seja discutido futuramente perante o juízo competente para apreciá-lo, o que, aliás, poderá ser feito a qualquer tempo, já que essa decisão baseada em cognição sumária não se torna imutável. Não há formação de coisa julgada material” (Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 201). 1018. Assim já se tratou: “Dispõe o art. 700 que, se presente a ‘urgência’, pode a parte requerer ao juízo competente a concessão de medida idônea para assegurar provisoriamente os efeitos de eventual decisão de mérito. Como regra geral, obtida a medida, a parte tem de formular o pedido de mérito em prazo de até 60 dias, sob pena de cessar a eficácia da tutela provisória. No entanto, e aqui está a inspiração para o CPC/2015, prevê o mencionado § 6º do art. 669-octies que, caso se trate de tutela antecipada de urgência, não haverá a submissão do autor a prazo peremptório para propositura da ‘ação principal’, sendo claro o dispositivo, ainda, que não cessará a eficácia do provimento sumário (satisfativo) com a não propositura da referida demanda que tenda a percutir o mérito” (Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 202). 1019. “A inversão do contencioso consiste no seguinte: em vez de ser o requerente da providência a ter o ónus de propor uma acção principal destinada a confirmar ou consolidar a tutela cautelar decretada, cabe ao requerido dessa mesma providência instaurar uma acção de impugnação com a finalidade de obstar à consolidação da tutela provisória” (Abílio Neto. Novo Código de Processo Civil anotado. 2. ed. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 437). 1020. A esse respeito, disse Arruda Alvim, com precisão, que “A estabilidade do art. 304, § 1º, do CPC/2015, em verdade não tem a mesma natureza jurídica da coisa julgada material. Esta é imutabilidade sobre o comando da decisão judicial; aquela é uma preclusão sobre a eficácia. A estabilização é mais próxima da preclusão pro judicato do que da coisa julgada material, inclusive, pois a coisa julgada ostenta efeitos negativos (impedir a
rediscussão do que foi decidido) e positivos (obrigar à observância no futuro, em outros processos)” (Arruda Alvim. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016. p. 189). No mesmo sentido, v. Luiz Guilherme Marinoni. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017. p. 246. 1021. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 218. 1022. A questão já foi assim apreciada: “É dizer: o aditamento não é pressuposto para que haja estabilização, mas sim para que o processo se mantenha em curso, a fim de que ao réu caiba optar por interpor ou não recurso contra a decisão antecipatória de tutela. Mantido o estado de litispendência (pelo aditamento da petição inicial), poderá haver a aplicação do art. 304, caput, do CPC/2015, caso não sobrevenha recurso por parte do réu” (Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 218). 1023. Nesse sentido, v. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 232-233, e Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria de Oliveira. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. II. p. 608. 1024. Em sentido contrário, admitindo que a contestação é meio idôneo para que o réu obste a estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, v. STJ, 3ª T., REsp 1.760.966/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 04.12.2018. 1025. Nesse sentido: “Quer parecer que se trata de um prazo decadencial, pois após transcorrido, o que perece é o direito a rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada” (Arruda Alvim. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016. p. 187). 1026. Nesse sentido, v. Enunciado 46, da I Jornada de Direito Processual Civil, do CJF: “A cessação da eficácia da tutela cautelar, antecedente ou incidental, pela não efetivação no prazo de 30 dias, só ocorre se caracterizada omissão do requerente”. 1027. Diz o autor que a tutela da evidência se caracteriza pela verificação de um direito “cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou impassíveis de contestação séria” (Luiz Fux. Tutela de segurança e tutela da evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 313). 1028. Diz Luiz Guilherme Marinoni, a esse respeito, que: “No processo de conhecimento clássico-destituído de tutela antecipatória o tempo do processo é suportado unicamente pelo autor, independente das particularidades da situação de direito material e do caso litigioso. Isso certamente não é justo nem está de acordo com a necessidade de se prestar
tutela jurisdicional adequada às pessoas. O tempo do processo não pode prejudicar o autor e beneficiar o réu, já que o Estado, quando proibiu a justiça própria, assumiu o compromisso de, além de tutelar de forma pronta e efetiva os direitos, tratar os litigantes de forma isonômica” (Luiz Guilherme Marinoni. Tutela de urgência e tutela da evidência. São Paulo: RT, 2017. p. 277). 1029. A propósito, diz Bruno Bodart: “considera-se tutela de evidência a técnica de distribuição do ônus decorrente do tempo do processo, consistente na concessão imediata da tutela jurisdicional com base no alto grau de verossimilhança das alegações do autor, a revelar improvável o sucesso do réu em fase mais avançada do processo” (Bruno V. da Rós Bodart. Tutela de evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 111). 1030. É o que já foi defendido em Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 367-368. 1031. É o que já se afirmou em Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 317-318. Em sentido contrário, admitindo que a tutela da evidência possa ter natureza cautelar, v. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Forense, 2015. v. I. p. 677). 1032. É o que também afirmam Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria Oliveira. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2. p. 621, e Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 201. 1033. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 56. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Forense, 2015, v. I. p. 681. 1034. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 328. 1035. Assim: Bruno V. da Rós Bodart. Tutela da evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 129. 1036. Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 330. 1037. BODART, Bruno V. da Rós. Tutela da evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 134. 1038. A prova referida pelo inciso IV do art. 311 não se restringe ao documento
propriamente dito, abarcando também as provas que são documentadas, como é o caso da prova emprestada ou da prova produzida em procedimento antecipado (art. 381 e seguintes do CPC). Basta, por isso, que a prova seja pré-constituída (Eduardo Arruda Alvim. Tutela provisória. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 331). 1039. Trata-se de hipótese “em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu – e não pelo autor que já se desincumbiu de seu ônus probatório documentalmente” (Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 203).
1040. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. 3. p. 426. 1041. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: RT, 2016, nota 1 ao art. 319, p. 992-963. 1042. Oportuno, neste contexto, rememorarmos o conceito de lide, e para tanto nos valeremos das palavras de Thereza Alvim: “A lide somente existe no processo; é aquilo que, do conflito de interesses, é levado perante o Estado-juiz, pelo autor, que lhe fixa os contornos para a aplicação da vontade concreta da lei” (Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada, cit., p. 9). 1043. Na adstrição do juiz ao pedido, não se incluem o fundamento ou os fundamentos legais invocados, os quais, em nome do princípio iura novit curia (“o tribunal sabe o direito”), desde que respeitados os fatos articulados e o pedido, poderão vir a ser alterados. Foi o que decidiu a 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 7.958/SP, 4ª T., j. 01.12.1992, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05.02.1993. No mesmo sentido: STJ, REsp 1.007.692/RS, 3ª T., j. 17.08.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 14.10.2010; STJ, AR 3.562/PR, 3ª S., j. 10.4.2013, rel. Min. Og Fernandes, DJE 3.5.2013. 1044. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro-São Paulo, 1974, t. 5, comentário ao art. 461 do CPC/73, p. 97. 1045. STJ, REsp 164.110-SP, 4ª T., j. 21.03.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 08.05.2000. 1046. “O autor tem direito processual de promover alteração (substituição) dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) antes da citação do réu (art. 329, I, CPC). Após a citação, o autor só poderá fazê-lo com o consentimento do demandado, ainda que revel (art. 329, II, do CPC), que terá novo prazo de resposta, pois a demanda terá sido alterada (...)” (Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 1. p. 587). 1047. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 755. 1048. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 2 ao art. 285, p. 897.
1049. O nosso sistema processual adotou a teoria da substanciação, para a qual não é suficiente a indicação dos fundamentos do seu pedido, e que se contrapõe à teoria da individuação. V., com mais profundidade, Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.6, p. 744. 1050. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery definem com precisão estes dois conceitos: “Fundamentos de fato. Compõem a causa de pedir próxima. É o inadimplemento, a ameaça ou a violação do direito (fatos) que caracteriza o interesse processual imediato, quer dizer, aquele que autoriza o autor a deduzir pedido em juízo. Daí por que a causa de pedir próxima, imediata, é a violação do direito que se pretende proteger em juízo, isto é, os fundamentos de fato do pedido. (...) Fundamentos jurídicos. Compõem a causa de pedir remota. É o que, mediatamente, autoriza o pedido. O direito, o título, não podem ser a causa de pedir próxima porque, enquanto não ameaçados ou violados, não ensejam ao seu titular a necessidade do ingresso em juízo, ou seja, não caracterizam per se o interesse processual primário e imediato, aquele que motiva o pedido” (CPC comentado, cit., 16. ed., notas 9 e 10 ao art. 319, p. 964). 1051. Nesse sentido, já estabelecia a Súmula 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. 1052. Assim, ver STJ, CC 142.849/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., j. 22.03.2017, DJe 11.04.2017. 1053. STJ, REsp 1226016/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 15.3.2011, DJe 25.03.2011. 1054. STJ, REsp 1226016/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 15.3.2011, DJe 25.03.2011. 1055. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, 16. ed., nota 2 ao art. 56, p. 381. 1056. STF, Pet. 584/AC, Tribunal Pleno, j. 13.04.1992, rel. Min. Celso de Mello, DJ 05.06.1992. 1057. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 2 ao art. 286, p. 900. 1058. Leonardo Greco reputa inconstitucional tal disposição, por considerar que o cancelamento da distribuição em razão do não recolhimento ou da insuficiência de custas ou taxa judiciária viola a garantia à tutela jurisdicional efetiva (Instituições de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. II. p. 25). Todavia, o autor reconhece ser
“utópico” supor que nossos tribunais venham em curto prazo reconhecer a incompatibilidade de dessa exigência em face da Constituição (idem, p. 26). 1059. No mesmo sentido dispõe o art. 5º, § 1º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB). 1060. STJ, REsp 652.641/RS, 1ª T., j. 02.12.2004, rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.02.2005. 1061. STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 173.328/RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 19.06.2012, DJe 25.06.2012. 1062. Nesse sentido a Súmula 58 do STJ: “Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada”. 1063. Vale destacar, no entanto, as observações feitas por Cândido Rangel Dinamarco, no sentido de que “essa exigência não impede que contenha expressões em latim ou em língua estrangeira, desde que empregadas com sensata parcimônia e na medida do conveniente à boa transmissão das ideias. O que importa é transmitir as ideias. Não se exclui sequer a validade de petições iniciais escritas em versos, porque a lei não exige que o sejam em prosa, nem haveria razão para que o exigisse – mas sempre que contenham de modo inteligível todos os requisitos inerentes ao conteúdo indispensável” (Instituições, cit., 7. ed., v. 3, p. 429). 1064. Manual, cit., 17. ed., cap. 9, item 9.2, n, p. 301. 1065. Manual, cit., cap. 18, item 18.6, p. 743. 1066. No caso dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, a incompetência conduz à extinção do processo, por força do disposto no art. 51, II, da Lei n. 9.099/95. 1067. Ou, no caso do art. 190, parágrafo único (contrato de adesão), se o juiz não decretar de ofício, na primeira oportunidade, da nulidade da cláusula de eleição de foro. 1068. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 7 ao art. 319, p. 964. 1069. Nessa linha, v. STJ, REsp 231.313/RS, 1ª T., j. 22.08.2000, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 25.09.2000. 1070. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.6., p. 744. 1071. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1.189, p. 433. 1072. Segundo Arruda Alvim, “a referência feita pelo legislador a fatos (‘fatos jurídicos’) demonstra que o sistema adotou a teoria da substanciação (relação jurídica ou conflito de interesses imantado ou emergente de fatos), que se opõe à da individualização (relação
jurídica ou conflito de interesses imantado ou emergente de fatos)” (Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.6, p. 744). 1073. Nesse sentido decidiu o STJ (AgInt nos EREsp 1208207/RN, CE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17.05.2017, DJe 24.5.2017). 1074. Assim: “I – Se o autor requereu, na inicial, a produção de provas, não é lícito ao juiz desprezar tal pedido. Impõe-se-lhe decidir expressamente, deferindo ou denegando o pedido. Não se admite indeferimento implícito. II – Não pode o juiz, após indeferir a produção de provas requeridas pelo autor, alegar insuficiência da prova, para declarar improcedente a ação” (STJ, REsp 199.970/DF, 1ª T., j. 13.04.1999, rel. Min. Garcia Vieira, rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.06.1999); “Correto o reconhecimento de cerceamento de defesa pois o magistrado de 1º grau, após indeferir a prova pericial requerida pela parte autora, julgou antecipadamente a lide, reconhecendo a improcedência do pedido justamente em face da insuficiência de provas. Precedentes” (STJ, AgRg no Ag 732.711/SP, 3ª T., j. 02.09.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 15.09.2010). 1075. A esse respeito, confira-se pertinente passagem extraída de Cassio Scarpinella Bueno, sob égide do CPC/73: “É entendimento assente em doutrina e jurisprudência de que é suficiente para atender ao disposto no inciso VI do art. 282, mero protesto genérico por provas, já que somente a dinâmica do processo revelará a necessidade quanto à realização concreta e específica desse ou daquele meio de prova. Sobretudo, diz-se, a necessidade concreta quanto à produção de uma ou de outra prova somente será aferida após a contestação do réu e a definição do objeto litigioso, vale dizer, o âmbito das questões que deverão ser enfrentadas pelo magistrado para proferir sentença (...). Não obstante, o que parece ser importante para dar ao art. 282, VI, alguma utilidade no sistema – afinada, evidentemente, ao ‘modelo constitucional do direito processual civil’, no qual vige o princípio da atipicidade das provas – é que o autor decline, desde logo, quais as provas pretende produzir, nominando-as e justificando sua pertinência. É dizer de forma direta: que o autor demonstre para o juiz, desde logo, como ele pretende provar suas alegações, convencendo o magistrado de que os fatos constitutivos de seu direito ocorreram da forma como ele expõe em sua inicial, reclamando, assim, a incidência das consequências jurídicas que ele, autor, entende incidir. Até porque há provas que, não obstante a tolerância da práxis forense, devem ou, quando menos, podem ser produzidas com a petição inicial” (Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2, t. I, p. 102-103). Vejamos, ainda, o
que assevera Vicente Greco Filho: “Ao autor incumbe a prova do fato constitutivo de seu direito; assim, deve desde logo indicar os meios de prova que pretende produzir. Salvo os documentos que deverão ser juntados com a inicial (art. 283), basta a indicação da natureza da prova (testemunhal, pericial etc.). A indicação, porém, não deve ser tão genérica a ponto de obrigar o juiz a mandar especificá-las posteriormente” (Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 109). 1076. STJ, AgRg no Ag 388.759/MG, 3ª T., j. 25.09.2006, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 16.10.2006. 1077. STJ, AgRg no REsp 1536824/CE, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3 T., j. 01.12.2015, DJe 11.12.2015; AgRg no REsp 1536824/CE, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., j. 01.12.2015, DJe 11.12.2015. 1078. STF, RE 78.372/GO, 2ª T., j. 04.02.1983, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 20.05.1983. 1079. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1.197, p. 453. 1080. Cf., por exemplo: STJ, AgInt no AREsp 840.817/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª T., j. 15.09.2016, DJe 27.09.2016. 1081. Nesse mesmo sentido: Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.6, p. 746. 1082. Arruda Alvim critica a interpretação literal do art. 334 do CPC/2015, por entender que, havendo oposição de uma das partes à realização da audiência, esta não deverá ser designada pelo juiz (op. cit., 17. ed., p. 746-747). 1083. Examinando, à luz do CPC/73, no que consistiriam os documentos indispensáveis à propositura da demanda, são os julgados do STJ, conforme os trechos que transcrevemos: “Segundo a lei (art. 283 do CPC), com a inicial, a parte juntará os documentos indispensáveis à propositura da ação. Na repetição de indébito, a indispensabilidade da documentação é manifesta para se saber se houve pagamento (de tributo) indevido e quanto se pagou. Sem essa comprovação, a ação é inviável. E sendo o documento indispensável à propositura da demanda, curial é que se não pode postergar a sua juntada, na fase de liquidação” (STJ, REsp 87227/SP, 1ª T., j. 22.06.1999, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 20.09.1999); “Por documentos ‘indispensáveis’, aos quais se refere ao art. 283, CPC, entendem-se: a) os substanciais, a saber, os exigidos por lei; b) os fundamentais, a saber, os que constituem o fundamento da causa de pedir” (REsp 114052/PB, 4ª T., j. 15.10.1998,
rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 14.12.1998); “Cabe ao autor instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283, do CPC). Esses documentos, no caso da pretensão à correção monetária sobre os valores recolhidos a título de empréstimo compulsório sobre energia elétrica, são aqueles que comprovam a qualidade de contribuinte do autor, bem como os períodos em que contribuiu” (STJ, REsp 1294587/SC, 2ª T., j. 27.03.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.04.2012); “Em sede de repetição de indébito, os documentos indispensáveis à propositura da ação são aqueles hábeis a comprovar a realização do pagamento indevido e a legitimidade ativa ad causam do contribuinte que arcou com o referido recolhimento. 2. Em se tratando de débitos repetidos e de igual conteúdo, a verificação do quantum debeatur pode ser postergada para a liquidação” (STJ, AgRg no Ag 975.516/PR, 2ª T., j. 17.04.2008, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 06.05.2008). 1084. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 4 ao art. 320, p. 967. 1085. STJ, REsp 827.242/DF, 1ª T., j. 04.11.2008, rel. Min. Luiz Fux, DJe 01.12.2008. 1086. Já decidiu o STJ, em sentido mais ou menos conforme, que “a prova documental não se esgota com a petição inicial; assim, não há que se falar em indeferimento liminar da peça inicial se o documento é suscetível de posterior exibição, eis que prova indispensável não equivale a documento essencial; ademais, o art. 283 do CPC não tem o alcance de substituir a prova do fato no momento processual próprio” (REsp 107109/SP, 3ª T., j. 28.04.1998, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.08.1998). 1087. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1202, p. 460. 1088. O pedido subsidiário é aquele que é formulado para a eventualidade de rejeição do principal (CPC/2015, art. 326: “É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior”). 1089. Sobre o valor da causa na ação de consignação em pagamento, enuncia a Súmula 449 do STF: “O valor da causa, na consignatória de aluguel, corresponde a uma anuidade”. 1090. Vide, por exemplo, a opinião de Leonardo Greco (op. cit., v. II, 3. ed., p. 20), para quem, à luz do CPC/73, o juiz só poderia rever de ofício o valor da causa quando a atribuição errônea ocasionasse vício de nulidade absoluta (p. ex., quando influenciasse na fixação da competência absoluta do juízo ou no procedimento a ser adotado). 1091. Silogismo (Dicionário Aurélio): “Dedução formal tal que, postas duas proposições,
chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente implicada, chamada conclusão”. 1092. Como bem aduzem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Outra causa de inépcia é a falta de conclusão lógica, comparada com a narração. A petição inicial é um silogismo composto da premissa maior, premissa menor e da conclusão. Narrando o autor uma situação e concluindo de forma ilógica relativamente à narração, tem-se a inépcia da petição inicial, pois a conclusão deve decorrer logicamente da premissa menor subsumida à maior” (CPC comentado, cit., 16. ed., nota 16 ao art. 330, p. 983). Nesse mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL – Inépcia da inicial – Da narrativa dos fatos não decorre logicamente o pedido reparatório por danos morais – Aplicação do art. 330, I, e par. 1º, III, do CPC/2015 – Extinção da ação sem resolução do mérito mantida – Recurso não provido” (TJSP, Apel. 1003750-21.2016.8.26.0070, rel. Rebouças de Carvalho, 9ª Câm. Dir. Pub., j. 28.08.2017). 1093. A ausência completa de silogismo gera inépcia da petição inicial quando o pedido nela formulado não guarda coerência com os fatos dela constantes. No MS 59, julgado pelo STJ, foi reconhecida a inépcia da petição inicial. Consta do relatório: “Ora, no caso em exame, verifica-se, precisamente, a terceira hipótese acima considerada: o pedido não guarda coerência lógica com os fatos narrados”. O impetrante desse mandado de segurança havia se utilizado de exceção de suspeição (na realidade, impedimento) contra ministro, não conhecida, por intempestiva; sucedeu-se agravo regimental, havido por prejudicado, dado que aquele ministro já se afastara da turma julgadora; e, no mandado de segurança, em que insiste no impedimento, pede a nulidade dos julgamentos em que esse ministro havia participado. O que se entendeu é que não era viável, no mandado de segurança, depois do não conhecimento da exceção que opusera e do agravo regimental, não conhecido, insistir no impedimento” (STJ, MS 59/DF, Corte Especial, j. 30.06.1989, rel. Min. Bueno de Souza, DJ 21.08.1989). 1094. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.7, p. 749. 1095. Vejamos o seguinte julgado, proferido à luz do CPC/73: “Pedido genérico. Admissibilidade. Admite-se o pedido genérico, segundo os termos do art. 286, II, do CPC, quando se sabe o an debeatur, mas não o quantum debeatur. Doutra parte, não se rejeita o pedido genérico se, mesmo deficientemente formulado, permitir a correta compreensão de seu alcance e a ampla defesa da parte adversa” (TJGO, Ap. 3954.5.195, 2ª Câm. Civ., j. 30.04.1996, rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, DJ 15.05.1996).
1096. Ap. 433.592-2, 4ª C., j. 25.04.1990, rel. Juiz Amauri Ielo – RT 660/114. 1097. Enquanto no CPC/2015 o pedido genérico é vedado, admitido apenas nas hipóteses elencadas nos incisos do § 1º do art. 324, no CDC a formulação de pedido genérico é a regra para as ações coletivas. É o que se extrai da leitura do art. 95. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 2 ao art. 322, p. 971. Oportunas, aliás, as considerações de José Marcelo Menezes Vigliar, à luz do CPC/73: “Sob tal título [pedido genérico], pretendo destacar não aquelas exceções toleradas pelo Código de Processo Civil, em seu art. 286, I a III. Mais que isso; desejo ressaltar que há um determinado procedimento, previsto na Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, o denominado Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, que, disciplinando um procedimento especial para interesses especiais, prevê a possibilidade, como regra, de que a sentença de mérito a ser prolatada seja genérica (art. 95 do referido diploma) (...). Eis a fórmula: pedidos genéricos (para que se viabilize a tutela) e sentenças genéricas (...). Assim, há um sistema processual, acompanhado de um procedimento especial que tutela tais interesses. Aqui, a regra é a do pedido genérico. Aqui, a sentença, igualmente, será genérica” (Pedido genérico e projeto de sentença, in Causa de pedir e pedido no processo civil, p. 302-303). . Assim também se extrai do voto da Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do REsp 761.114/RS: “Com efeito, traço marcante das ações que tutelam direitos individuais homogêneos é o de que o pedido é genérico, e, por consequência, a condenação não se particulariza em valores líquidos, razão pela qual é preciso proceder à sua liquidação e, posteriormente, à sua execução” (REsp 761.114/RS, 3ª T., j. 03.08.2006, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.08.2006). 1098. O Código de Processo Civil de 1939 previa um rito especial para as ações cominatórias no art. 302 e s. No CPC/73, as ações cominatórias seguiam, em princípio, o procedimento comum ordinário. 1099. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.7, p. 751. 1100. Aludida situação é bem ilustrada pelo exemplo do art. 19 do CDC. A propósito, diz com pertinência Zelmo Denari: “A escolha é do consumidor que, livremente, fará opção pela sanção mais adequada à reparação do vício de quantidade” (Zelmo Denari et al., Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, nota 2 ao art. 19, p. 210, trecho escrito por Zelmo Denari). No mesmo sentido, Thereza Alvim afirma: “O consumidor, na vertente hipótese, pode reclamar e exigir, alternativamente, o
abatimento proporcional do preço, ou a complementação do peso ou medida, ou, ainda, a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os vícios ou, por fim, pode optar pela restituição da quantia paga, corrigida, o que não obstará possa ele postular por perdas e danos ocasionados pelo vício de quantidade do produto” (cf. Arruda Alvim et al., Código do Consumidor comentado e legislação correlata, comentários ao art. 19, p. 57, trecho escrito por Thereza Alvim). 1101. Nesse sentido, já se decidiu, ainda sob égide do CPC/73: “Responsabilidade por vício do produto. Automóvel Santana. Falhas no sistema de injeção eletrônica. Art. 18 do CDC (...). Transcorrido o prazo de 30 dias, que a empresa concessionária teve para conserto de falha mecânica constatada no veículo, abre-se para o consumidor a possibilidade de postular a substituição do automóvel ou a restituição do preço contra qualquer dos fornecedores solidários. (...) Possibilidade de formulação de pedidos alternativos, facultada pelo art. 288 do CPC” (TJRS, ApCiv. 70001597426, 9ª Câm. Civ., j. 14.11.2000, rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino). Assim também observa Zelmo Denari: “Não sendo sanado o vício, no prazo legal, o consumidor poderá exigir, à sua escolha, três alternativas” (Zelmo Denari et al., Código Brasileiro de Defesa do Consumido comentado pelos autores do anteprojeto, nota 3 ao art. 18, p. 206, trecho escrito por Zelmo Denari). 1102. Nesse sentido, segue decisão do STJ, proferida sob à égide do CPC/73: “Recurso especial. Processual Civil. Ação de cobrança. Contribuições condominiais. Relação jurídica continuada. Prestações vincendas. Pedido implícito. Sentença. Natureza. Dispositiva e determinativa. Inclusão na execução. Termo final. Efetivo pagamento. Princípio. Economia processual. (...) O art. 290 do CPC/73 prevê que as prestações vencidas e vincendas no curso do processo têm natureza de pedido implícito, as quais devem ser contempladas na sentença ainda que não haja requerimento expresso do autor na inicial. 5. Em virtude da previsão do art. 290 do CPC/73, a sentença das relações continuativas fixa, na fase de conhecimento, o vínculo obrigacional entre o credor e o devedor. Basta, para a execução, que se demonstre a falta de pagamento das prestações vencidas, ou seja, que se demonstre a exigibilidade do crédito no momento da execução do título executivo judicial. Ao devedor, cabe demonstrar a eventual cessação superveniente do vínculo obrigacional.6. As verbas condominiais decorrem de relações jurídicas continuativas e, por isso, devem ser incluídas na condenação as obrigações devidas no curso do processo até o pagamento, nos termos do art. 290 do CPC/73 (...)” (STJ, REsp 1548227/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 07.11.2017, DJe 13.11.2017).
1103. Cassio Scarpinella Bueno observa, a respeito, que, “analisado o dispositivo desse ângulo, o que se verifica é que o art. 291 nada mais fez do que transportar, para o plano do processo, uma específica situação de direito material. A legitimidade que o próprio direito material reconhece, para cada um dos coobrigados por uma obrigação indivisível exigir, do devedor, seu adimplemento integral e isoladamente, encontra, no dispositivo em análise, seu correspondente. Trata-se, assim, de hipótese em que a própria lei material cria uma situação de legitimação extraordinária” (Curso sistematizado, cit., v. 2, t. I, p. 92-93). O art. 291, inserido no CPC/73, corresponde ao art. 328 do CPC/2015. 1104. Nesse sentido: “Seguro. Ação regressiva da seguradora por indenizações que pagou a segurados em razão de oscilação de energia elétrica. Cumulação de pedidos. Possibilidade ante a presença dos seus requisitos. O art. 327, § 1º, do CPC/2015 possibilita ‘a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão’ desde que ‘I – os pedidos sejam compatíveis entre si; II – seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III – seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.’ (§ 1º) Requisitos legais todos preenchidos. Cumulação irrecusável. Inexistência de formação de litisconsórcio. Recurso provido” (TJSP, AI 225867227.2016.8.26.0000, rel. Gilberto Leme, 35ª Câm. Dir. Priv., j. 17.07.2017). 1105. Sobre a possibilidade de cumulação de pedidos contra réus distintos, veja-se o seguinte julgado, proferido sob égide do CPC/73: “Cumulação de pedidos. Art. 292 do CPC. Cabimento. Requisitos. Diversidade de réus (...). É assente nesta Corte a possibilidade de cumulação de pedidos, nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil, quando houver na demanda ponto comum de ordem jurídica ou fática, ainda que contra réus diversos. 3. A expressão ‘contra o mesmo réu’ referida no art. 292 do CPC deve ser interpretada cum grano salis, de modo a se preservar o fundamento técnico-político da norma de cumulação simples de pedidos, que é a eficiência do processo e da prestação jurisdicional. 4. Respeitados os requisitos do art. 292, § 1º, do CPC (= compatibilidade de pedidos, competência do juízo e adequação do tipo de procedimento), aos quais se deve acrescentar a exigência de que não cause tumulto processual (pressuposto pragmático), nem comprometa a defesa dos demandados (pressuposto político), é admissível, inclusive em ação civil pública, a cumulação de pedidos contra réus distintos e atinentes a fatos igualmente distintos, desde que estes guardem alguma relação entre si. 5. Seria um equívoco exigir a propositura de ações civis públicas individuais para cada uma das várias licitações impugnadas as quais, embora formalmente diversas entre si, integram uma sequência temporal de atos de uma única administração municipal e ocorreram no âmbito
do mesmo órgão e programa social. 6. Agravo Regimental não provido” (STJ, AgRg no REsp 953.731/SP, 2ª T., j. 02.10.2008, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2008). 1106. Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., 47. ed., p. 414. 1107. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.7, p. 751. 1108. Arts. 406 e 407 do CC. 1109. Súmula 254 do STF: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação”. 1110. Súmula 562 do STF: “Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, dos índices de correção monetária”; Súmula 43 do STJ: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”. Estabelece a Lei n. 6.899/81, em seu art. 1º: “A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios”. Sobre a desnecessidade de pedido para a condenação com correção monetária, v. Juriscível do STF 101/86. Vejamos, ainda, a Súmula 271 do STJ, com o seguinte enunciado: “A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário”. 1111. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 4 ao art. 322, p. 971. 1112. Nesse sentido, ver STJ, AgRg no REsp 1.191.598/DF, 4ª T., j. 10.04.2012, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 18.04.2012. 1113. “(...) 3. Tratando-se de dívida líquida com vencimento certo, os juros de mora e a correção monetária devem incidir desde o vencimento da obrigação, mesmo nos casos de responsabilidade contratual. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 1001068/MG, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 21.11.2017, DJe 27.11.2017). 1114. STJ, AgRg no REsp 1.089.211/RJ, 1ª T., j. 16.12.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 21.02.2011. 1115. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 2 ao art. 321, p. 969. 1116. James Eduardo Oliveira, Juízo de admissibilidade da petição inicial, RT 688/39. 1117. Os arts. 284 e 295 do CPC/73, em comento no texto, correspondem, respectivamente, aos arts. 321 e 330 do CPC/2015.
1118. A demonstrar a natureza constitucional da exigência, já decidiu, corretamente, o TJSP, à luz do CPC/72: “Petição inicial – Emenda – A decisão agravada, além de não estar fundamentada, não permite, exatamente pela falta de fundamentação, a emenda porquanto não se sabe em que termos entende o MM. Juiz deva a inicial ser ementada – Recurso provido em parte para pronunciar a nulidade da decisão” (TJSP, AI 000913367.2003.8.26.0000, rel. Silveira Paulilo, 11ª Câm (Extinto 1º TAC); j. 20.02.2003). 1119. “(…) 1. O prazo do art. 284 do Código de Processo Civil não é peremptório, mas dilatório, ou seja, pode ser reduzido ou ampliado por convenção das partes ou por determinação do juiz, nos termos do art. 181 do Código de Processo Civil. 2. No presente caso, entretanto, tendo em vista a concessão de várias oportunidades para a regularização da petição inicial e a ausência de justificativa plausível para o não atendimento da ordem judicial, restou configurada a conduta desidiosa e omissiva dos recorrentes (…)” (STJ, AgInt no REsp 1487532/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. 07.03.2017, DJe 14.03.2017). 1120. Como exemplifica Luis Guilherme Aidar Bondioli: “Nada impede que, após a diligência do autor, o juiz, considerando ainda existente alguma imperfeição na petição inicial, determine nova emenda ou complementação. Pode acontecer de o autor não ter captado tudo o que o julgador dele exigia ou ter cometido algum equívoco no ato da emenda ou complementação que comporte correção. Pode acontecer, ainda, de o juiz detectar imperfeição na petição inicial até então não verificada” (Comentário ao art. 321 do CPC. In: Cassio Scarpinella Bueno (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2. p. 868). 1121. STJ, REsp 1133689/PE, rel. Min. Massami Uyeda, 2ª S., j. 28.03.2012, DJe 18.05.2012. 1122. Consoante já decidiu o STJ: “Processual civil. Inépcia da inicial. Emenda. Possibilidade. 1. Deve o magistrado, em nome dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, determinar a emenda da petição inicial que deixa de indicar o pedido com suas especificações. 2. O fato de já existir contestação do réu não há de ter, só por si, o efeito de inviabilizar a adoção da diligência corretiva prevista no art. 284 do CPC, em especial nos casos em que a falta for de convalidação possível. 3. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no REsp 752.335/MG, rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., j. 02.03.2010, DJe 15.03.2010). 1123. STJ, AgRg no AREsp 197.630/MS, rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., j. 06.12.2016, DJe
14.12.2016. 1124. V. Nicolò Trocker. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè: 1974. P. 370 e s. 1125. Dizem, nessa linha, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Trata-se de prazo impróprio, porque, se descumprido, não há consequência processual relevante. Seria conspirar contra a economia processual entender-se que o juiz, depois de ultrapassados os três [cinco] dias, não possa retratar-se. Verificando que assiste razão ao autor-apelante, deve o juiz retratarse, evitando a continuação do procedimento recursal, em flagrante e intolerável perda de tempo. É admissível a retratação enquanto os autos, com o recurso de apelação, não subirem ao tribunal ad quem” (Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 6 ao art. 331, p. 986). 1126. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.10, p. 759. 1127. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.10, p. 760. 1128. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., cap. 18, item 18.10, p. 760. 1129. Nesse sentido, Cláudio Nunes Nascimento (Do julgamento conforme o estado do processo, JB 58/17), ao tratar não propriamente da expressão “julgamento antecipado da lide”, mas sim da expressão “julgamento conforme o estado do processo”, observa: “O nosso sistema, no entanto, baseado no português, não prescinde de todos os elementos de plena convicção do juiz para dizer o direito por meio de sentença, quer terminativa, quer definitiva, de modo que o julgamento não é propriamente conforme o estado do processo, mas quando a causa está pronta para ser composta, independentemente dos atos posteriores de instrução”. Especificamente em relação à expressão “julgamento antecipado da lide”, afirma Marcelo Abelha Rodrigues que o julgamento antecipado da lide recebe esse nome porque, primeiro, “já há julgamento de mérito, já que o juiz aprecia a lide e decide por sentença definitiva, possuindo todas as características normais de uma sentença desse tipo. O vocábulo antecipado vem apenas dizer que a sentença está sendo antecipada de seu momento normal, ou seja, antecipa-se a fase decisória, justamente porque não há necessidade de realização da fase instrutória. Ratificando, pois, a antecipação relaciona-se, exclusivamente, com o fato de que a sentença estará sendo antecipada do seu momento normal. A antecipação só ocorre pela desnecessidade da fase instrutória” (Elementos, cit., v. 2, p. 358 – destaques do autor). 1130. A propósito do art. 285-A do CPC/73 (análogo ao art. 332 do CPC/2015), Glauco Gumerato Ramos afirma tratar-se, mutatis mutandis, de “verdadeira ‘antecipação de tutela’
– seja-me permitido enxergar assim – em favor do réu, que sempre terá em seu favor a tutela jurisdicional diante da improcedência do pedido contra si dirigido, tendo em vista a declaração negativa do direito evocado pelo autor, o que sempre ocorrerá nas hipóteses de improcedência” (Resolução imediata do processo, in Reforma do CPC, p. 379 – destaques do autor). 1131. A propósito do assunto, expõe com pertinência Cândido Rangel Dinamarco: “Não se pode tachar de inconstitucionalidade uma solução autorizada pela lei e posta em prática pelo juiz, quando aquele que ainda não está na relação processual e portanto não exerceu as atividades ou defesas inerentes à garantia do contraditório recebe um julgamento inteiramente favorável” (Instituições, cit., 7. ed., item 1.223, p. 481). 1132. Por isso reputávamos sem razão a ADIn 3695-5/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo objeto é a Lei n. 11.277/2006, que introduziu o art. 285-A no Código de Processo Civil de 1973. 1133. No sentido do texto: Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., p. 761, e Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., item 1.223, p. 482. 1134. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 8 ao art. 332. 1135. Quanto ao assunto, conferir trabalho de nossa autoria, escrito juntamente com Angélica Arruda Alvim, intitulado As modificações ocorridas no instituto da prescrição: como compatibilizar a possibilidade de sua decretação ex officio com a possibilidade de renúncia prevista no art. 191 do Código Civil, in Atualidades de direito civil, v. 1, passim. Sobre o tema, cf., ainda, Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 1. p. 609-610; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 737. 1136. Parte da doutrina, quanto à possibilidade de retratação prevista no § 1º do art. 285-A do CPC/73 (cujo conteúdo foi recepcionado pelo CPC/2015 em seu art. 332, § 3º), fala em “efeito regressivo ou repositivo do recurso” (Glauco Gumerato Ramos, Resolução imediata do processo, cit., in Reforma do CPC, p. 393). 1137. Nesse sentido, segue decisão proferida ainda à época do CPC/73: “Sentença liminar de improcedência do pedido (art. 285-A, CPC). Decisão que, mantendo sentença de improcedência da ação nos termos do art. 285-A do CPC, determinou a citação do réu para contestar o pedido e apresentar resposta ao recurso no prazo legal. Inadmissibilidade. Inteligência do art. 285-A, § 2º, do CPC. Prevalecendo o juízo negativo de admissibilidade da petição inicial, será determinada a citação do réu apenas para apresentar contrarrazões
ao recurso de apelação, não havendo que se falar, nesta fase processual, em apresentação de contestação. Somente na hipótese de provimento do recurso do autor é que será aberto prazo para que o réu apresente contestação. Decisão reformada. Agravo Provido” (TJSP, AgIn 7.260.619-8, Guarulhos, 20ª Câm. Dir. Priv., j. 30.06.2008, rel. Des. Francisco Giaquinto). 1138. Tal possibilidade decorre do efeito devolutivo da apelação e da ampliação das hipóteses de aplicação da teoria das causas maduras ao recurso de apelação (art. 1.013, § 3º).
1139. Arruda Alvim, Manual, cit., item 19.1. 1140. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, v. 1, 18. ed., 2016, p. 275. 1141. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, v. 1, 18. ed., 2016, p. 275. 1142. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Carrilho Vasconcelos Lopes, Teoria geral do novo Código de Processo Civil, p. 57. 1143. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 276. 1144. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 276. 1145. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 277. 1146. Arruda Alvim, Manual, cit., item 19.2. 1147. Arruda Alvim, Manual, cit., item 19.2. 1148. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 278-279. 1149. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 273. 1150. Fredie Didier Jr., Curso, cit., p. 274. 1151. Arruda Alvim, Manual, cit., item 19.3. 1152. Arruda Alvim, Manual, cit., item 19.3. 1153. Arruda Alvim, Manual, cit., v. 2, item 310, p. 615.
1. Manual de direito processual, cit., 17. ed., item 20.1, p. 768. 2. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 57. ed., v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 788. 3. Frise-se, que, como foi exposto nas noções introdutórias desse capítulo, a reconvenção não é modalidade de defesa nem constitui, rigorosamente, um ato de contestação. Trata-se de resposta que, apenas sob a perspectiva formal, está contida na peça contestatória. E, como será visto oportunamente, por ser a reconvenção uma verdadeira ação, nela incidem os mesmos princípios aplicáveis à ação originária. Diante disso, todo o raciocínio desenvolvido no texto a propósito do pedido do autor e dos limites de seu julgamento é aplicável ao pedido formulado pelo réu na reconvenção, já que este (o réu, reconvinte) nada mais é que o autor da ação reconvencional. 4. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. III, 7. ed., item 1.267, p. 548. Em sentido diverso, por considerar que há defesas cujo conteúdo configura a alegação de “contradireitos”, alargando o objeto do próprio processo: Fredie Didier Jr. Curso de direito processual. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. I, p. 638-640. 5. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 27.8.1, p. 1.014. 6. Nesse sentido, entende Teresa Arruda Alvim: “As causae petendi têm a função de identificar o pedido, exatamente da mesma forma que os fundamentos do decisório delimitam o seu sentido. Assim, deve entender-se que a identidade entre objeto do pedido e objeto da sentença envolve também a identidade de causa de pedir (da petição inicial) e de fundamento (da sentença). Por isso é que se tem decidido que também será extra petita a sentença que aprecie e conceda o pedido, mas por outro fundamento que não a causa de pedir invocada pela parte” (Nulidades, cit., 5. ed., p. 309-310). 7. Daí por que, corretamente, já se decidiu ser nula a decisão proferida com base em fundamento jurídico não invocado pelo autor como causa do pedido. Assim, “o pedido foi de execução de garantia hipotecária, enquanto a sentença, repito, pela sua fundamentação, reconheceu a validade de cheques emitidos em branco para os apelados, vale dizer, a procedência do pedido inserto na peça de ingresso baseou-se em fundamento diverso do que nela foi invocado pela autora exequente, tornando, a toda evidência, nula a sentença em afronta ao princípio processual da adstrição” (TJMG, Ap. Civ. 2.0000.00.3615041/000(1), 4ª Câm. Cív., j. em 26.06.2002, rel. Des. Saldanha da Fonseca, DJ 10.08.2002). 8. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades, cit., 5. ed., p. 460. 9. STF, AgIn 413210 AgR-ED-ED, 1ª T., j. em 24.11.2004, rel. Min. Ellen Gracie, DJ
10.12.2004. 10. A propósito, ver nosso trabalho, escrito em coautoria com Fernando C. Queiroz Neves, Controle de constitucionalidade e tutelas coletivas em matéria tributária, RAP 1/82-83. 11. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, cit., item 13.6, p. 664. 12. AR 166/SP, 1ª S., j. em 28.05.1991, rel. Min. Helio Mosimann, DJ 09.09.1991. 13. Na verdade, costuma-se referir à hipótese do art. 341 do CPC/2015 como se tratando de presunção; deve-se, todavia, ter presente que, na verdade, a ideia de presunção corresponde a “um processo lógico-jurídico, admitido pelo sistema para provar determinados fatos. Por esse processo, uma vez conhecido um determinado fato auxiliar (indício), admite-se como verdadeiro um outro fato, que é desconhecido, e que é (este último) o inserido no objeto da prova” (Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.3.3, p. 845-846. Vê-se, assim, que só em sentido impróprio se pode aludir ao fenômeno jurídico de que trata o art. 341 como sendo uma presunção. 14. Entendendo que a Fazenda Pública também está dispensada da impugnação especificada: “Processual civil. Embargos à execução fiscal. Ônus da impugnação específica dos fatos. Inaplicabilidade à Fazenda Pública. (...) O ônus da impugnação específica dos fatos consagrado no art. 302 do CPC [de 1973] não se aplica à Fazenda Pública, versando a controvérsia sobre direitos indisponíveis, no caso, o crédito fazendário” (TRF-3ª R., AC 200603990386132, 3ª T., j. em 29.07.2010, rel. Des. Márcio Moraes, DJF3 09.08.2010); “Tributário. Processual civil. Embargos à execução fiscal. (...) Ônus da impugnação específica (art. 302 do CPC). Inaplicabilidade à Fazenda Pública. (...) Inaplicável à Fazenda Pública o ônus da impugnação especificada a que se refere o art. 302 do CPC [de 1973], uma vez que não se podem presumir verdadeiros os fatos não impugnados em embargos à execução fiscal ante a presunção de liquidez e certeza do título executivo fiscal e o caráter indisponível do crédito fazendário. 4. Precedente: TRF3, 2ª Turma, AC 97030591124, Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. em 28.03.2006, v.u., DJU 05.05.2006, p. 724. 5. Remessa oficial provida” (TRF-3ª R., REO 199903991137960, 6ª T., j. em 04.02.2010, rel. Des. Consuelo Yoshida, DJF3 15.03.2010). No mesmo sentido, no STJ: “(...) 2. Cabe ao réu, nos termos do art. 302 do CPC, manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, sob pena de recair sobre eles a presunção de veracidade. Tal presunção, todavia, não se opera se não for admissível, a respeito dos fatos não impugnados, a confissão (art. 302, I do CPC). 3. O direito tutelado pela Fazenda Pública é indisponível e, como tal, não é admissível, quanto aos fatos que lhe dizem
respeito, a confissão. Por esta razão, a condição peculiar que ocupa a Fazenda Pública impede que a não impugnação específica dos fatos gere a incontrovérsia destes. (...) Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 1187684/SP, rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., j. em 22.5.2012, DJe 29.5.2012). 15. Estas são, na acepção de Arruda Alvim, ações dúplices (Manual, cit., 17. ed., item 24.6, p. 782). Nas edições anteriores desse curso (5. ed., p. 433), adotou-se uma acepção mais ampla do termo “ação dúplice”, para designar também aquelas ações em que se permitia ao réu, na própria contestação, a formulação de pedido contraposto, fundado nos mesmos fatos da ação originária – caso do procedimento comum sumário (art. 278, § 1º, do CPC/73) e dos Juizados Especiais Cíveis (art. 31 da Lei n. 9.009/95). Tal concepção era relevante, então, para indicar a falta de interesse do réu na reconvenção sempre que a lei lhe permitisse a formulação de pedido contraposto na contestação. Com o CPC/2015, devese reconhecer que as diferenças entre o pedido contraposto e a reconvenção tornaram-se ainda mais sutis, pois esta última deixou de ser proposta em peça autônoma e passou a integrar, formalmente, a peça contestatória. De todo modo, é importante esclarecer o seguinte: diversamente do que ocorre, por exemplo, com a ação declaratória, em que a mera defesa do réu no sentido da improcedência do pedido é suficiente para assegurar-lhe o direito a uma declaração de conteúdo oposto ao pretendido pelo autor, nas ações que comportam a formulação de pedido em sede de contestação (tenha esse pedido índole reconvencional ou natureza de pedido contraposto) é imprescindível que o réu deduza expressamente o pedido de prestação jurisdicional, esclarecendo a respectiva causa de pedir, como ocorre com o ajuizamento de qualquer ação judicial. 16. Vicente Greco Filho, Direito processual, cit., v. 1, p. 115. 17. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 20.3.4, p. 778. 18. Araken de Assis, artigo intitulado Restituição tardia dos autos e revelia, RePro 101/5270. Nesse sentido, sob a vigência do CPC/73, já decidiu o STJ: “A devolução tardia dos autos não enseja a decretação da intempestividade da peça contestatória apresentada no prazo legal. Não se pode impor pena tão grave à parte quanto a revelia, quando a infração, perpetrada pelo advogado, é passível de sanção própria” (REsp 138164/SP, 3ª T., j. em 01.10.1998, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 14.12.1998); V., também: STJ, REsp 47.931/RJ, 3ª T., j. em 31.10.1994, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 05.12.1994. V., ainda, no TJSP: Ag Ins. 0030595-31.2013.8.26.0000, rel. Des. Ponte Neto, 8ª Câm. Dir. Púb., j. em 15.05.2013, ApCiv 9095081-42.2008.8.26.0000, Araçatuba, 1ª Câm. Dir. Priv.,
j. em 03.04.2012, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy; AgIn 0305409-35.2010.8.26.0000, Ribeirão Preto, 36ª Câm. Dir. Priv., j. em 30.09.2010, rel. Des. Edgard Rosa; AgIn 0081299-97.2003.8.26.0000, Ribeirão Preto, 6ª Câm. (Extinto 1º TAC), j. em 16.03.2004, rel. Des. Coutinho de Arruda. 19. J. J. Calmon de Passos, Comentários, cit., 8. ed., p. 253. 20. Súmula que, apesar de editada ainda na vigência do Código de 1939, continua atual, conforme notas de Theotônio Negrão (CPC, cit., 37. ed., nota 1a ao art. 20, p. 138). 21. Yussef Said Cahali, Honorários advocatícios, cit., p. 76. 22. Saliente-se, como já foi abordado quando do estudo da improcedência liminar (art. 332), que, em algumas hipóteses excepcionais, o processo se forma e o mérito da causa é resolvido antes mesmo da citação do réu. 23. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., 16. ed., nota 5 ao art. 332, p. 989. A propósito, confira nosso trabalho intitulado Do julgamento de improcedência de casos repetitivos, cit., Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo 13, passim. 24. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., 16. ed., nota 6 ao art. 239, p. 836. 25. “Processual civil. Ausência de citação de litisconsorte passivo necessário. Habilitação dos herdeiros necessários. Rejeição. Citação dos litisconsortes. Ausência. Hipótese de querella nulitatis. Arguição por simples petição. Possibilidade. 1. As hipóteses excepcionais de desconstituição de acórdão transitado em julgado por meio da ação rescisória estão arroladas de forma taxativa no art. 485 do Código de Processo Civil [de 1973]. Pelo caput do referido dispositivo legal, evidencia-se que esta ação possui natureza constitutiva negativa, que produz sentença desconstitutiva, quando julgada procedente. Tal ação tem como pressupostos (i) a existência de decisão de mérito com trânsito em julgado; (ii) enquadramento nas hipóteses taxativamente previstas; e (iii) o exercício antes do decurso do prazo decadencial de dois anos (CPC, art. 495 [de 1973]. 2. O art. 485 em comento não cogita, expressamente, da admissão da ação rescisória para declaração de nulidade por ausência de citação, pois não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. É que nessa hipótese estamos diante de uma sentença juridicamente inexistente, que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Falta-lhe, portanto, elemento essencial ao cabimento da rescisória, qual seja, a decisão de mérito acobertada pelo manto
da coisa julgada. Dessa forma, as sentenças tidas como nulas de pleno direito e ainda as consideradas inexistentes, a exemplo do que ocorre quando proferidas sem assinatura ou sem dispositivo, ou ainda quando prolatadas em processo em que ausente citação válida ou quando o litisconsorte necessário não integrou o polo passivo, não se enquadram nas hipóteses de admissão da ação rescisória, face a inexistência jurídica da própria sentença porque inquinada de vício insanável. 3. Apreciando questão análoga, atinente ao cabimento ou não de ação rescisória por violação literal a dispositivo de lei no caso de ausência de citação válida, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que o vício apontado como ensejador da rescisória é, em verdade, autorizador da querela nullitatis insanabilis. Precedentes: STF, RE 96.374/GO, rel. Ministro Moreira Alves, DJ de 30.8.1983; STJ, REsp n. 62.853/GO, Quarta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 01.08.2005; AR 771/PA, Segunda Seção, rel. Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 26.02.2007. 4. No caso específico dos autos, em que a ação tramitou sem que houvesse citação válida do litisconsórcio passivo necessário, não se formou a relação processual em ângulo. Há, assim, vício que atinge a eficácia do processo em relação ao réu e a validade dos atos processuais subsequentes, por afrontar o princípio do contraditório. Em virtude disto, aquela decisão que transitou em julgado não atinge aquele réu que não integrou o polo passivo da ação. Por tal razão, a nulidade por falta de citação poderá ser suscitada por meio de ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nullitatis, ou, ainda, por simples petição nos autos, como no caso dos autos. 5. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1105944/SC, 2ª T., j. em 14.12.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.02.2011). 26. Nesse sentido: STJ, REsp 330293/SC, 4ª T., j. em 07.03.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 06.05.2002. 27. “O princípio da fungibilidade autoriza que a querela nullitatis assuma também a feição de outras formas de tutela – incluindo a ação rescisória –, cuja escolha dependerá da situação jurídica em que se encontrar o interessado no momento em que toma conhecimento da existência do processo (concurso eletivo): se antes do prazo de dois anos, previsto no art. 495 do CPC/73, caberá ação rescisória ou ação de nulidade; se depois de transcorrido o biênio, somente esta, já que não é atingida pelos efeitos da decadência (...)” (STJ, REsp 1600535/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. em 15.12.2016, DJe 19.12.2016). 28. STJ, REsp 1.133.495/SP, rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., j. em 06.11.2012, DJe
13.12.2012; STJ, AgRg no REsp 1339888/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. em 19.09.2013, DJe 27.09.2013. 29. A respeito da possibilidade de repropositura da ação, a teor do que dispõe o art. 486, § 1º, a ação só pode ser reproposta desde que implementada a condição da ação anteriormente dada por faltante. 30. Remetemos o leitor, todavia, ao capítulo XXXV, em que abordamos o tema da relativização da coisa julgada. 31. Têm capacidade de direito aqueles que podem adquirir direitos e deveres (arts. 1º e 2º do CC/2002). 32. Têm capacidade plena de exercício os maiores e capazes que não se enquadrem no rol dos arts. 3º e 4º do CC/2002. 33. Compartilham essa opinião: Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, 18. ed., p. 653, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Código de processo civil comentado, cit., 16. ed., nota 14 ao art. 337, p. 1.009; Luis Guilherme Aidar Bondioli. Comentário ao art. 337 do CPC. In: Cássio Scarpinella Bueno (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 2, p. 82. 34. “A premissa legislativa é óbvia: a convenção de arbitragem é cláusula negocial firmada por pessoas capazes, envolvendo direitos disponíveis. Se uma das partes desobedece essa disposição negocial, demandando perante o Poder Judiciário, cabe à parte adversária alegar esse descumprimento, demonstrando a existência da convenção de arbitragem; se não o fizer, é como se aceitasse a jurisdição estatal, de resto provocada pela parte autor, que, por isso, também renunciou tacitamente à jurisdição arbitral; assim, ambas as partes, ao aceitarem a jurisdição estatal, abdicam da convenção de arbitragem, em um distrato tácito” (Fredie Didier Jr., Curso, cit., v. 1, 18. ed., p. 654). 35. Já se entendeu que a contestação deve ser admitida no prazo assinalado erroneamente no mandado, ainda que superior ao previsto em lei (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1470216/GO, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 23.10.2014, DJe 30.10.2014). 36. Araken de Assis, Restituição tardia dos autos e revelia, cit., RePro 101/52-70, especialmente p. 65-66. V. também STJ, AgRg no REsp 799.172/MT, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., 06.08.2009, DJe 08.09.2009. 37. Araken de Assis, Restituição tardia dos autos e revelia, cit., RePro 101/52-70, especialmente p. 65-66. 38. STJ, REsp 80066/MG, 4ª T., j. em 29.04.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DJ 01.06.1998. 39. Neste sentido: “Deve-se considerar, ademais, que, quando o réu adianta a contestação, ele abre mão do restante do prazo legal de apresentação de resposta, de maneira que eventual tentativa de aditar a contestação será freada pelo óbice da preclusão consumativa” (STJ, REsp 1099439/RS, 3ª T., j. em 19.03.2009, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 04.08.2009). 40. A questão ainda não foi devidamente amadurecida pela doutrina e pela jurisprudência, cabendo, aqui, a ponderação sobre a possível insegurança do interessado na resolução definitiva da questão prejudicial a respeito de como serão interpretados os requisitos legais. Eventualmente, poderá o interessado argumentar que a verificação do “contraditório prévio e efetivo”, a que alude o § 1º do art. 503, não lhe garante a certeza de que a questão será resolvida como se principal fosse, o que pode vir a justificar o interesse no ajuizamento da ação declaratória. 41. Nesse sentido o acórdão inserto na RT 536/116, em cujo bojo ressalta-se corretamente que a presunção de revelia diz respeito a fatos. Por isso já decidiu o STJ, muito corretamente, que “os efeitos da revelia não incidem sobre o direito da parte (art. 319 do CPC [de 1973]), afetando apenas a matéria de fato. Improcedente o pedido em razão das provas, no caso, concludente que a revelia não abrangeu o pedido aplicável. De fato, a revelia não significa necessária procedência” (REsp 108.824/RS, 1ª T., rel. j. em 03.09.1998, Min. Milton Luiz Pereira, DJ 03.11.1998). 42. J. J. Calmon de Passos, Comentários, cit., v. 3, item 192.1, p. 280. 43. José Frederico Marques, a propósito, dizia: “O réu, em juízo, é também colaborador da justiça. A contestação, por isso, além de peça de defesa, constitui um elemento para abrir caminhos e pesquisas na investigação da verdade. Ora, uma contestação de conteúdo genérico, que apresente só uma negativa informal, refoge dessa função. O réu, em tal caso, longe de contribuir para a elucidação do litígio, estará criando problemas e controvérsias, que poderiam ser evitados. Com a negação geral, a controvérsia se distende através de todos os ângulos e faces do pedido, tornando-se fluida e sem contornos definidos. A própria evidência e notoriedade podem ser tidas como objeto dessa negativa de caráter vago e de amplitude ilimitada” (Instituições, cit., 1959, v. 3, p. 153). 44. O art. 302 do CPC/73 corresponde ao art. 341 do CPC/2015. 45. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 20.4.1, p. 771.
46. STJ, REsp 192.681/PR, 4ª T., j. em 02.03.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24.03.2003. 47. Em sentido mais ou menos conforme, STJ, REsp 41547/SP, 3ª T., j. em 12.09.1995, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 16.10.1995. 48. De forma um pouco distinta, José Roberto dos Santos Bedaque confere maior abrangência à atuação probatória do juiz (cf. Poderes instrutórios do juiz, p. 81-83). No mesmo sentido: Sérgio Alves Gomes, Os poderes do juiz na direção de instrução do processo civil, p. 259. O assunto é tratado com mais detença no capítulo destinado ao estudo da teoria geral das provas. 49. STJ, REsp 71.778/RJ, 3ª T., j. em 28.05.1996, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 01.07.1996. 50. TJMG, ApCiv 408.805-5, 3ª Câm. Cív., j. em 11.02.2004, rel. Des. Edilson Fernandes, publ. 21.02.2004. 51. TJMG, ApCiv 325.048-2, 3ª Câm. Cív., j. em 23.03.2001, rel. Des. Jurema Miranda, publ. 31.03.2001. 52. J. J. Calmon de Passos, Comentários, cit., 2000, v. 3, item 197.2, p. 287. 53. A propósito, Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 11.10, p. 475. 54. REsp 104.136/CE, 3ª T., j. em 04.12.1997, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 09.03.1998. 55. Deve ser referida, novamente, a posição de Arruda Alvim, a propósito: “Se o réu contestar alguns fatos e outros não, aplicar-se-á quanto àqueles o art. 341 do CPC/2015, salvo se ocorrerem quaisquer das exceções do próprio art. 341 e desde que os fatos não especificamente contestados se revistam de credibilidade” (Manual, cit., 17. ed., item 20.1, p. 769. A propósito, cf. julgado do STJ, à luz do CPC/73, REsp 60239/SP, 3ª T., j. em 28.05.1996, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 05.08.1996. 56. Artigo intitulado Audiência preliminar no direito processual moderno, A segunda etapa da reforma processual civil, p. 334 e ss. 57. Consoante se extrai do seguinte julgado do extinto 2º TACSP: “Prova – Momento – Especificação – Desrespeitado – Efetivação posterior – Ineficácia. Para o autor, a especificação das provas é feita com a petição inicial (CPC, art. 282, VI [sem correspondência]), podendo haver especificação na oportunidade da réplica caso a contestação traga fato impeditivo, modificativo ou extintivo do pedido (CPC[de 1973], art. 326); para o réu, somente pode ocorrer na contestação (CPC [de 1973], art. 300). A
especificação de provas posteriormente a esses momentos é absolutamente inócua, pois não obriga o magistrado a admiti-las”. AgIn 342.408, 7ª Câm., j. em 18.02.1992, rel. Juiz Boris Kauffmann. No mesmo sentido: Ap c/ Rev 352.267, 7ª Câm., j. em 09.11.1993, rel. Juiz Ary Casagrande. 58. Cf., por exemplo: STJ, AgInt no AREsp 840.817/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª T., j. em 15.09.2016, DJe 27.09.2016. 59. Cf. julgados referidos à nota 64, supra, embora prevaleça, atualmente, o entendimento contrário, no sentido de que o requerimento formulado na fase saneadora se sobrepuja às manifestações iniciais. 60. “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRODUÇÃO DE PROVAS. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Preclui o direito à prova quando, a despeito da existência de requerimento na contestação, a parte se omite quando intimada para especificação. 2. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no REsp 1536824/CE, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., j. em 01.12.2015, DJe 11.12.2015). 61. Sérgio Sahione Fadel, CPC comentado, v. 1, p. 547. 62. Confira-se: “Juiz. Suspeição. Amizade com o réu. Exceção, paradoxalmente, arguida por este. Improcedência. Simples relações de cortesia, de iniciativa do próprio excipiente. Inteligência dos arts. 254, I, e 256 do CPP” (TJPR – RT 535/328); “Exceção de suspeição. Alegação de amizade íntima. Ação civil pública cominatória c/c improbidade administrativa e indenização contra a municipalidade e o respectivo prefeito. Antecipação de tutela indeferida. Magistrado fotografado ao lado do prefeito, em evento público denominado ‘Mega Show’. Ausência de relacionamento pessoal e de laço afetivo com a parte. Amizade íntima não configurada. Exceção rejeitada. Sem relacionamento pessoal e laço afetivo do qual se possa apontar algum sinal de imparcialidade, não se pode extrair de fotografias de autoridades em evento público (‘Mega Show’), dentre elas, o magistrado e o prefeito, veiculadas em jornais locais, causa de suspeição por amizade íntima (art. 135, I, do CPC [de 1973])” (TJSP, Exceção de Suspeição 0509677-51.2010.8.26.0000, Fernandópolis, Câmara Especial, j. em 17.01.2011, rel. Des. Luís Antônio Ganzerla – Presidente da Seção de Direito Público). 63. Trata-se de entendimento adotado para a exceção de incompetência no CPC/73, aplicável ao incidente de impedimento ou suspeição sob a égide do CPC/2015: STJ, AgRg
no REsp 1045568/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 02.04.2009, DJe 13.04.2009; REsp 973.465/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. em 04.10.2012, DJe 23.10.2012. 64. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1.289, p. 577-578. 65. Remete-se o leitor à acepção referida à nota de rodapé n. 16, deste capítulo. Veja-se, ainda, a distinção feita por Cândido Rangel Dinamarco entre as ações dúplices e aquelas que comportam pedido contraposto (v.g., art. 31 da Lei n. 9.099/95: “Em algumas espécies de litígios ou tipos de procedimento a lei permite que a sentença possa ter, se for o caso, o efeito de outorgar ao réu uma tutela jurisdicional diferente e na prática mais útil do que a simples improcedência da demanda do autor (...). Nesses casos extremamente raros e verdadeiramente excepcionais no sistema, tal resultado favorável ao réu não depende da formulação de um pedido por ele, fosse mediante reconvenção, fosse pela via do pedido contraposto (...). A diferença entre as ações dúplices e aquelas em que se admite o pedido contraposto está em que naquelas sequer um pedido precisa ser feito pelo réu, fosse em contestação, fosse onde fosse, para que o juiz possa dar-lhe a tutela jurisdicional plena” (Instituições, cit., v. 3, 7. ed., 1.297, p. 588). 66. Como observava Moacyr Amaral Santos, o réu pode simplesmente negar o fato jurídico em que se funda o pedido do autor; pode, ainda, alegar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Tanto num, como noutro caso, todavia, trata-se sempre de defesa, visa a repelir o ataque do autor, nada mais (v., com mais detalhes, Primeiras linhas, cit., p. 218-219). 67. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., p. 222. 68. Humberto Theodoro Jr. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I, p. 798. 69. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 20.6, p. 781. 70. Confira-se a opinião manifestada na 5. ed. deste curso, p. 471 e, na mesma linha, Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção, cit., p. 93. 71. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1.299, p. 591. 72. José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo, cit., 23. ed., p. 45. 73. Exemplos colhidos de Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 47. ed., v. 1, p. 446. 74. Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, p. 208. 75. Nesse sentido, Clito Fornacciari Jr., tratando do art. 109 do CPC/73, reconhecia no
mesmo “regra de modificação de competência”, frisando que suscetíveis de modificação (prorrogação) são apenas as competências fixadas em razão do valor e do território. Ao depois, complementa com exatidão: “Todavia, o art. 109 em nada afeta as regras de competência funcional e material, não as derrogando a reconvenção. Se a ação deve ser proposta por força dessas regras, perante outro órgão, o réu há de deduzir a sua pretensão de forma autônoma diante do órgão competente. Se oferecida reconvencionalmente, no entanto, a solução é o desentranhamento da peça da reconvenção para remessa e julgamento pelo órgão competente” (Da reconvenção, cit., p. 110-111). 76. Vejamos, por exemplo, o caso em que o STF decidiu pela impossibilidade de se opor reconvenção, que seria ação de competência da Justiça Federal, em ação que tramita em Vara Cível da Justiça Comum Estadual: RE 93843/BA, 1ª T., j. em 17.03.1981, rel. Min. Soares Munoz, DJ 03.04.1981. 77. O exemplo é de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 23 ao art. 343, p. 1.009. 78. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, “desde que a ação que se processa por procedimento especial seja compatível com o processamento da reconvenção, é esta admitida. Sempre cabe reconvenção quando, depois de determinada providência preliminar inicial (oblação, na consignação em pagamento – CPC 539 § 1º e CPC 542 I), a ação de procedimento especial tomar o rito comum ordinário” (Comentários, cit., nota 9 ao art. 343, p. 1.007). 79. A respeito da matéria já havia Enunciado de Súmula STJ, à luz do CPC/73 – que, ao contrário do CPC/2015 (art. 792, § 6º), não previa expressamente o cabimento da reconvenção na ação monitória: “Súmula 292. A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário”. 80. “A reconvenção, como demanda de tutela jurisdicional mediante sentença de mérito, é ato específico do processo de conhecimento de jurisdição contenciosa. Não se admite na fase de cumprimento de sentença ou no processo executivo autônomo, nos quais a sentença de mérito não existe, nem nos processos antecedentes com pedido de tutela urgente, que não têm a finalidade de propiciar diretamente a tutela jurisdicional plena; nem é admissível nos processos de jurisdição voluntária, que não têm por objeto uma pretensão a ser satisfeita mediante sacrifício de interesse alheio” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1.294, p. 585). 81. Como bem pondera Arruda Alvim: “Por outro lado, não se admite reconvenção nas
ações tipicamente dúplices, em que a improcedência do pedido do autor significa exatamente a procedência em relação ao réu. É o caso das ações possessórias e ação renovatória de locação; nestes casos, a reconvenção não desempenharia papel prático algum, pois o autor da ação reconvencional padeceria de interesse de agir, eis que já dispõe de autorização legal para formular o pedido em sede de contestação” (Manual, cit., item 20.6, p. 782). 82. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 17. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 1.068. 83. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 17. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 1.103.
84. Assim, Vicente Greco Filho, Direito processual, cit., p. 139. Igualmente, Arruda Alvim, Manual, cit., 7. ed., item 21.1, p. 790. Há quem empregue, todavia, a expressão “revelia” como sinônima de “contumácia”. Note-se que o CPC/2015, no art. 313, § 3º, usa o termo “revelia” em sentido algo equívoco, dispondo no seguinte sentido: “No caso de morte de procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz determinará que a parte constitua novo mandatário, no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual extinguirá o processo sem resolução do mérito, se o autor não nomear novo mandatário, ou ordenará o prosseguimento do processo à revelia do réu, se falecido o procurador deste”. Quer isso significar que, se o réu não constituir novo mandatário nesse prazo, o processo seguirá sem que este seja intimado dos atos subsequentes, aplicando-se-lhe o disposto no art. 346. Naturalmente, já tendo oferecido contestação, não se aplicará, em hipótese alguma, o disposto no art. 344. 85. Ver conclusão XIV do Simpósio de Curitiba, RT 482/271. 86. Aduzem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Verificado o defeito, o juiz deve suspender o processo e intimar a parte a regularizá-lo. Não pode, de imediato, extinguir o processo sem dar oportunidade à parte para a regularização da falta (...). Somente depois de intimado quem de direito a regularizar a representação é que se pode reputar revel o réu. Se faltar capacidade processual ao réu e não for intimado quem de direito para sanar o defeito, não operam os efeitos da revelia” (CPC comentado, cit., 16. ed., notas 3 e 8 ao art. 76, p. 440). 87. Vejamos o que já foi decidido pelo STJ sob a vigência do CPC/73: “Revelia. Art. 13 do CPC [de 1973]. Precedentes da Corte. 1. Havendo identificação de que o documento existente nos autos não servia como procuração, estando, assim, irregular a representação processual, cabível aplicar o art. 13 do CPC [de 1973], sendo necessário que se atribua prazo razoável para que seja regularizada antes do decreto de revelia” (REsp 627.792/SP, 3ª T., j. em 10.11.2005, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.04.2006). 88. Nesse sentido, antes da vigência do CPC/2015, confira-se: “Processual civil. Tempestividade da apelação. Arguição em embargos de declaração. Possibilidade. Termo a quo da contagem do prazo recursal para réu revel. Registro da sentença em cartório. Extemporaneidade do apelo reconhecida. 1. A tempestividade é requisito extrínseco de admissibilidade do recurso de apelação e constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição. 2. É assente neste STJ o entendimento de que, nos termos do art. 322 do Código de Processo Civil [1973], o prazo recursal para o revel corre a partir da publicação da sentença em cartório, independentemente de sua
intimação. 3. Registrada a sentença em cartório no dia 23.11.2005, há que reconhecer a extemporaneidade do recurso de apelação interposto em 09.02.2006, após o decurso do prazo legal de quinze dias. 4. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1027582/CE, 2ª T., j. em 05.11.2008, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.03.2009). No mesmo sentido: REsp 799.965/RN, 3ª T., j. em 07.10.2008, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 28.10.2008. 89. V. STJ, REsp 182750/PR, 4ª T., j. em 23.05.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 07.08.2000. A propósito, anotam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Intervindo no processo, por meio de advogado, o réu revel o assume no estado em que se encontra. Deve, a partir daí, ser intimado dos atos do processo. O novo texto do caput consagra prática que tem sido proclamada pela doutrina e jurisprudência” (Comentários, cit., nota 3 ao art. 346, p. 1.020). 90. Cf., exemplificativamente: Resp 677.720/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. em 10.11.2005, DJ 12.12.2005). 91. Não se trata propriamente de presunção no sentido lógico da palavra. Fala-se em presunção iuris tantum, pois a ocorrência da revelia não significa que os fatos sejam necessariamente verdadeiros, nem que haverá a procedência automática do pedido do autor, pois os fatos arrolados na inicial podem ser inverossímeis ou não suscetíveis de credibilidade. Assim, o juiz não está obrigado a aceitá-los como verdadeiros, pois decide de acordo com seu livre convencimento motivado. Segundo Arruda Alvim, a ideia de presunção corresponde a um “processo lógico-jurídico, admitido pelo sistema para provar determinados fatos. Por esse processo, uma vez conhecido determinado fato auxiliar (indício), admite-se como verdadeiro um outro fato, que é desconhecido, e que é (este último) o inserido no objeto da prova” (Arruda Alvim, Manual, cit., 7. ed., item 24.3.3, p. 845-846). 92. Assim, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 26 ao art. 343, p. 1.034. 93. Por tais razões, à luz do CPC/73, o STJ decidiu: “O art. 319 do CPC [de 1973] tem a seguinte redação: ‘Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor’. Entenda-se: a extensão normativa é restrita ao plano fático. Não significa, por isso, ser necessário ao juiz acolher o pedido. Constituiria contradição o magistrado proferir sentença que não traduzisse o bom direito. A presunção, assim, insistase, é limitada ao aspecto fático” (REsp 132706/DF, 6ª T., j. em 01.09.1997, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13.10.1997).
94. STJ, REsp 14.987/CE, 3ª T., j. em 10.12.1991, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 17.02.1992. 95. RTFR 159/73. 96. STJ, AgInt no AREsp 1029998/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a T., j. em 20.06.2017, DJe 23.06.2017. Note-se que o inciso IV do art. 344 do CPC/2015 já permite o afastamento da presunção de veracidade quando os fatos alegados pelo autor forem inverossímeis e quando estiverem em contradição com a prova dos autos. O acórdão citado, no entanto, vai além, ao afirmar, no voto da Ministra relatora, que o juiz deve considerar as próprias “alegações” das partes, em confronto com o acervo probatório. Logo, consideram-se elementos de convicção não apenas das provas, mas toda sorte de argumentos aduzidos pelo autor e pelo réu. 97. É preciso ter presente que os fatos constitutivos invocados pelo autor deverão ser efetivamente havidos como verdadeiros, mas isto não significa que a mera revelia os torne verdadeiros. Do contrário, se assim fosse, o processo seria constitutivo de direitos, o que não se compadece com a natureza do processo. Por outras palavras, não é pela circunstância de ter ocorrido revelia que, pura e simplesmente, tornar-se-iam verdadeiros os fatos constitutivos, quando, evidentemente, não forem ou não possam ser havidos como verdadeiros. 98. O TJSP já decidiu que não se aplicam os efeitos da revelia neste caso, mesmo que a contestação seja oferecida fora do prazo: “Ação de cobrança. Limite de crédito em conta corrente. Citação da ré por edital. O prazo para apresentação de defesa pelo curador especial é impróprio, e sua eventual inércia não pode prejudicar o substituído processualmente. Contexto dos autos que não permite o acolhimento da pretensão inicial. Verba honorária reduzida. Recurso parcialmente provido” (TJSP, Apel. 021737342.2009.8.26.0100, rel. Des. Luis Carlos de Barros, 20ª Câm. Dir. Priv, j. em 28.11.2016). 99. Nesse sentido, conclusão 17 do V Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: “Não se aplica o efeito da revelia, disposto no art. 319 do CPC [de 1973], ao revel que tenha sido citado por edital ou com hora certa”. 100. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC, cit., 16. ed., nota 18 ao art. 72, p. 419, esclarecendo, ainda, que “no sistema do atual CPC, esse entendimento se aplica no caso de ser nomeado curador o defensor público (hipótese que, aliás, é a regra). Caso perceba o juiz que o curador não cumpre os prazos processuais ou descura do direito do ausente, pode substituí-lo, mas não pode prejudicar aquele cujo direito de defesa depende da atuação do
nomeado, com múnus público para atuar”. 101. Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, p. 87-88. 102. J. J. Calmon de Passos, Comentários, cit., 9. ed., v. 3, p. 408. 103. Idem, p. 410. 104. Idem, p. 409-410. 105. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., v. 3, item 1320, p. 620. 106. STJ, AR 4.309/SP, rel. Min. Gilson Dipp, 3ª S., j. em 11.04.2012, DJe 08.08.2012. 107. Pontes de Miranda, Comentários, cit., t. II, p. 405. 108. AgInt no AREsp 1059688/SC, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. em 06.02.2018, DJe 15.02.2018. No mesmo sentido, exemplificativamente: REsp 434.866/CE, 4ª T., j. em 15.08.2002, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 18.11.2002; 3ª T., AgRg no AREsp 537.630/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 18.06.2015, DJe 04.08.2015. 109. Arruda Alvim, Manual, cit., item 21.2, p. 792. 110. AgRg no REsp 1194527/MS, rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., j. em 20.08.2015, DJe 04.09.2015. 111. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado, cit., 16. ed., nota 6 ao art. 121, p. 591. 112. Theotonio Negrão, CPC, cit., 47. ed., 2016, nota 8a ao art. 344, p. 834. 113. TJSP, AI 110.269-4/Marília, 1ª Câm. Dir. Priv., j. em 31.08.1999, rel. Des. Gildo dos Santos, v.u. 114. Permitindo a produção de provas nada obstante a revelia o acórdão do 2º TAC/SP: “Locação. Revisional de aluguel. Revelia. Prova pericial, inobstante, determinada pelo magistrado. Admissibilidade. Faculdade concedida ao julgador para embasar sua decisão, verificando se o pedido está em consonância com o conteúdo jurídico da norma legal” (RT 633/133). 115. STJ, REsp 192.681/PR, 4ª T., j. em 02.03.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24.03.2003. 116. José Roberto dos Santos Bedaque, Poderes instrutórios do juiz, cit., passim; v. também, do mesmo autor, Direito e processo – influência do direito material sobre o processo, conclusão 34.17, onde diz: “Deve o juiz participar ativamente do contraditório, buscando alcançar os escopos do processo”; Barbosa Moreira, O juiz e a prova, RePro 35/178 e ss., especialmente p. 180.
117. Permitindo a produção de provas pelo réu: “Locação comercial. Renovatória. Revelia. Intervenção do réu no processo. Prova pericial requerida. Julgamento antecipado da lide. Inadmissibilidade. Embora contestada extemporaneamente a ação renovatória de contrato de locação, não poderá se proceder ao julgamento antecipado da lide, quando intervém o réu no processo, nos termos do art. 322 do CPC [de 1973], requerendo a produção de prova pericial” (JTACSP-RT 108/454). 118. Confira-se: “Processual civil. Revelia. Produção de provas. Possibilidade. Encerramento da fase instrutória. Limites. Julgamento antecipado da lide. Arts. 322 e 330 do CPC [de 1973]. Precedentes. Agravo interno desprovido. I. Nos termos do art. 322, parágrafo único, do CPC [de 1973], o réu revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar. Assim, caso intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória, poderá o revel requerer a produção de provas. Precedentes” (AgRg nos EDcl no REsp 813.959/RS, 5ª T., j. em 14.11.2006, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 18.12.2006). 119. “A presunção de veracidade dos fatos é apenas um dos efeitos possíveis da revelia, sendo certo que, outro igualmente importante, é a falta de intimação da parte revel a respeito dos atos processuais. Note-se que, de acordo com a nova redação do art. 322 do CPC – nos termos da Lei n. 11.280/2006 –, ainda que tenha havido a ocorrência da revelia, conforme art. 236, § 1º, do CPC [de 1973], há a necessidade de que o advogado constituído nos autos seja devidamente intimado dos atos processuais, sendo esta providência desnecessária tão somente àquele revel que não tem patrono constituído nos autos. Precedentes. 4. Esta circunstância é de extrema relevância em demandas como a sub examine, em que se discute a prática de ato de improbidade administrativa. Isso porque, embora tenha um caráter eminentemente cível, é inegável o caráter sancionatório da demanda, tendo em vista as sanções aplicáveis – que implicam, inclusive, na suspensão transitória de direitos políticos –, e, ainda, a eventual irradiação dos seus efeitos para outras esferas, tais como, na administrativa e no penal. Assim, não só por se tratar de direitos indisponíveis, mas – e ainda o que é mais relevante – tendo em vista a natureza dos interesses envolvidos, sobreleva ainda mais a importância de se garantir exercício do direito de defesa ao requerido a fim de que o sistema de justiça possa prolatar uma resposta à sociedade que efetivamente proteja os interesses públicos envolvidos. 5. No caso em concreto, o próprio Tribunal a quo revelou que, nos presentes autos, houve a incorreta decretação da revelia, sendo certo que, deste ato, houve prejuízos à parte a quem desfavoreceu. Isso porque, expressamente, o Tribunal a quo consignou que não houve a
intimação dos patronos da parte ora recorrente para a produção de provas, embora tenha efetivamente existido o despacho (fl. 487 dos autos). Ou seja, embora não tenham sido imputados os efeitos da confissão, ainda assim houve prejuízo para o exercício de defesa da parte ora recorrente uma vez que a conclusão quanto ao julgamento antecipado da lide não levou em consideração se a parte ora recorrente, que é requerida na demanda de improbidade, tinha ou não interesse em produzir provas em sua defesa (embora pretensamente tenha sido intimado para tanto). Posicionamento da doutrina e inteligência da Súmula 231 editada pelo Supremo Tribunal Federal. 6. Incontroversos, assim, os prejuízos causados ao exercício da ampla defesa da parte ora recorrente em face da ilegítima decretação da revelia nos autos sub examine. Isso porque, embora tenha sido consignado que em se tratando de direito indisponível não há presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial (efeitos da revelia), é de se ressaltar que a falta de intimação da parte dos atos processuais, quando prolatado o despacho para a produção de prova pela autoridade julgadora, é efeito que inegavelmente lesa a esfera jurídica da parte ora recorrente. No caso em concreto, o julgamento antecipado da lide se deu com base exclusivamente nas provas produzidas pelo Ministério Público do Estado do Paraná, uma vez que à parte ora recorrente não foi dada a oportunidade de produção de provas. 7. Assim, constatada que a sentença foi de procedência no ponto que declarou a existência de ato de improbidade administrativa na conduta do ora Requerente, sem que ao mesmo tenha sido oportunizada a possibilidade de produção dos elementos de prova que entendesse necessário, sobreleva então a nulidade do processo ante a caracterização do cerceamento de defesa” (REsp 1330058/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. em 20.06.2013, DJe 28.06.2013). 120. Roberto Rosas, Direito sumular, cit., 12. ed., p. 104.
121. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 23.1, p. 808. 122. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., 7. ed., item 1.330, p. 633. 123. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 47. ed., v. 1, item 400, p. 456. 124. Idem, item 402, p. 457. 125. Os exemplos são colhidos de Pontes de Miranda, Comentários, cit., t. IV, p. 221. 126. Nesse sentido, sob a égide do CPC/73: “Processual civil – Juntada de documentos novos – Audiência da parte contrária – Obrigatoriedade – Princípio do contraditório – CPC, art. 398. Juntados pela autora novos documentos de interesse ao deslinde da causa, impõese a abertura de vista à parte contrária, proporcionando-lhe a oportunidade de contestá-los e de trazer aos autos as observações que achar necessárias. Agravo regimental provido para determinar a juntada aos autos da petição de tréplica” (STJ, Corte Especial, AgRg na SEC 911/EX, j. em 18.05.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 20.06.2005). Se, porém, os documentos forem reputados irrelevantes para o deslinde da causa, não haverá, de acordo com o mesmo STJ, nulidade da decisão: AgInt no AREsp 1141054/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. em 12.12.2017, DJe 02.02.2018). 127. Assim: “Prova. Questão de fato. Dilação probatória que requer, ainda que controvertido, seja o fato pertinente e relevante. Falta que importa no julgamento antecipado da lide” (RT 684/124). 128. Vejamos: “Julgamento antecipado da lide. Fundamento. Revelia. Presunção de verdade dos fatos alegados pelo autor. Art. 330, II, do CPC. Recurso não provido” (RJTJSP 128/207). 129. Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, CPC, cit., 37. ed., comentários ao art. 330, p. 430. No mesmo sentido, RT 621/166 e, também assim, RT 694/183: “Usucapião. Julgamento antecipado da lide. Admissibilidade se desnecessária a produção de outras provas em audiência”. 130. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 23.3.7, p. 820-821; idem, Questões controvertidas sobre os poderes instrutórios do juiz, a distribuição do ônus probatório e a preclusão pro judicato em matéria de prova. In: Fredie Didier Jr.; José Renato Nalini; Glauco Gumerato Ramos; Wilson Levy (coord.). Ativismo e garantismo processual, p. 97110. 131. Novo curso de direito processual civil, cit., v. 2. 3. ed., p. 269. 132. STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 184.595/SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em
29.08.2017, DJe 04.09.2017. 133. Arruda Alvim, Manual, cit., item 23.4, p. 826. 134. É o que se pode extrair dos comentários de Dierle Nunes e Natanael Lud Santos e Silva, para quem do art. 357, § 1º, se depreende, “em conformidade com a preclusão para o juiz e aplicação da boa-fé objetiva (art. 5º), uma estabilização decisória a impedir que o mesmo juízo de primeiro grau modifique seu comportamento e sua decisão. E, para as partes, o dever de pedir esclarecimentos e ajustes deve ser interpretado em conformidade como o art. 223, uma vez que a ausência de manifestação induz à preclusão. Daí a necessária cautela por todos os sujeitos processuais neste momento. No entanto, uma vez ocorrido novo pronunciamento do juiz, não existirá plena estabilização das partes, que poderão, no futuro, em face do peculiar modelo preclusivo de recorribilidade diferida da interlocutória (art. 1.009, § 1º), rediscutir a temática em sede de apelação” (Comentário ao art. 357. In: Lenio Streck; Dierle Nunes; Leonardo Carneiro da Cunha (org.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 528). 135. Diz-se “de um modo geral”, pois, de fato, a regra é a de que a ampla admissão das provas viabiliza um processo justo e aproxima o juiz da decisão mais justa possível, em conformidade com a verdade dos fatos. Todavia, nada obsta que, num determinado caso, a prova deferida na fase saneadora se revele ilícita (art. 5º, LVI, da CF), em franca violação a outros direitos fundamentais, como a intimidade, a incolumidade psíquica ou até mesmo os interesses de menores. Nesse caso, poderá ocorrer de a realização das provas ser ainda mais gravosa do que a abstenção de sua produção, de forma a autorizar a revogação da decisão de deferimento. 136. Poderes instrutórios do juiz, cit., 4. ed., item 1.2, p. 19. A corroborar o que se afirma, veja-se o entendimento do STJ: “A jurisprudência desta Corte é pacífica ao reconhecer que não há preclusão em matéria de provas, pois a iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. Precedentes. (...)” (2ª T., EDcl no REsp 1189458/RJ, rel. Min. Humberto Martins, j. em 26.08.2010, DJe 08.09.2010). 137. Instituições, cit., 7. ed., v. III, item 1.347, p. 654. 138. De acordo com esse posicionamento: Luís Eduardo Simardi Fernandes, Comentário ao art. 357. In: Teresa Arruda Alvim et al., Breves comentários, 2. ed., p. 1.039.
139. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., v. 1, 58. ed., item 634, p. 1.081. 140. Cássio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado, cit., v. 2, t. I, item 1, p. 317. 141. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso, cit., 3. ed., v. 1, p. 333. 142. Jefferson Carús Guedes, O princípio da oralidade – procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro, cit., item 5.2.3, p. 114-115. 143. “É permitido ao juiz decidir antecipadamente a lide, quando nitidamente desnecessária a realização da audiência de instrução e julgamento” (STJ, REsp 210.032/PR, 4ª T., j. em 17.04.2001, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 13.08.2001). 144. Quanto à necessidade de realizar-se a portas abertas: “Audiência – Realização com a porta encostada – Medida adotada a fim de permitir o uso de aparelho de ar condicionado – Procedimento que não impede o livre acesso do público à sala de audiência – Inexistência de ofensa ao princípio da publicidade – Nulidade afastada” (RT 684/331). 145. De acordo com José Afonso da Silva, algumas normas de eficácia contida “indicam elementos de sua restrição que não a lei, mas certos conceitos de larga difusão no direito público, tais como a ordem pública, segurança nacional ou pública, integridade nacional, bons costumes, necessidade ou utilidade pública, interesse social ou econômico, perigo público iminente etc., que, com a lei prevista ou a ocorrência de determinadas circunstâncias que fazem incidir outras normas constitucionais, importam limitação da eficácia de normas geradoras de situações subjetivas ativas ou de vantagem” (Aplicabilidade, cit., 6. ed., p. 103-104). 146. “Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: I – em que o exigir o interesse público; II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite”. 147. “Ação penal – Segredo de justiça – Fatos envolvendo a honra de advogados e de juiz de direito – Hipótese em que o interesse público autoriza exceção à regra da publicidade do julgamento – Impossibilidade, porém, de intervenção das partes durante o ato, as quais só poderão, na oportunidade própria e representadas por seus advogados, requerer e alegar o que de direito – Inteligência e aplicação dos arts. 792 e § 1º do CPP, 93, IX, da CF, e 155, I
e II, do CPC” (RT 645/263). 148. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., nota 5 ao art. 189, p. 751. 149. Lei n. 9.278/96, art. 9º: “Toda matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça”. 150. Nesse sentido Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários, cit., nota 5 ao art. 189, p. 751. 151. Outros casos: “Concubinato – Adulterino – Sociedade de fato – Comprovação – Ação proposta pela companheira contra homem casado – Processamento em segredo de justiça – Possibilidade – Hipótese enquadrável no art. 155, I e II, do CPC” (RT 562/108). 152. T. M. Cooley, Constitutional limitation, 1903, p. 829, apud Hely Lopes Meirelles, artigo intitulado Os poderes do administrador público, RDA, Seleção Histórica, p. 336. 153. VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, conclusão 43: “Não se deve decretar a nulidade por omissão da tentativa de conciliação nas causas de natureza patrimonial” – entendimento esse que, pelo menos como regra, se nos afigura correto, salvo se daí se puder vislumbrar a ocorrência de prejuízo. Este é, com efeito, o caminho que vem sendo trilhado pela jurisprudência e que reputamos inteiramente correto. No julgamento do REsp 252400/AM, relatado pelo Min. José Arnaldo da Fonseca, da 5ª Turma do STJ, consta da ementa do julgado o seguinte: “Recurso especial – Processual civil – Servidor estadual aposentado – Ação ordinária – Audiência de conciliação inexistente – Art. 331 do CPC [art. 357 do CPC/2015] – Violação não caracterizada. Conforme entendimento desta Corte, a norma do dispositivo supracitado tem como objetivo dar maior agilidade ao processo, mas, em verdade, as partes podem transigir a qualquer momento. Assim, a não realização da audiência de conciliação não deve importar em nulidade do processo, o que só acarretaria prejuízos, de toda sorte, por ambas as partes. Violação não caracterizada. Recurso desprovido” (REsp 252400/AM, 5ª T., j. em 13.09.2000, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 23.10.2000, p. 166). Em julgado da 3ª Turma, relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro, decidiu-se de acordo com a seguinte ementa: “Audiência de conciliação – Apresentação do rol de testemunhas – Nulidade. Não importa nulidade do processo a não realização da audiência de conciliação, uma vez que a norma contida no art. 331 do CPC [art. 357 do CPC/2015] visa a dar maior agilidade ao processo e as partes podem transigir a qualquer momento. Da mesma forma, não se declara nulidade pelo fato de o magistrado de primeiro grau ter estabelecido prazo diverso do previsto no art. 407 do CPC para a apresentação do rol de testemunhas se estas foram inquiridas e nenhum prejuízo houve para
a parte” (REsp 242.322/SP, 3ª T., j. em 21.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 15.05.2000). 154. RSTJ 50/188. 155. Assim: “Alimentos – Pensão alimentícia – Transação – Diminuição proporcional à medida que os filhos forem se tornando independentes economicamente, aumentando-se a parte devida à mulher – Previsão que, portanto, se estende para além do limite temporal de sujeição do alimentando ao pátrio poder – Hipótese em que o dever de sustento assume caráter de obrigação alimentar comum, sustentada na legislação civil ordinária – Necessidade presumida até que os filhos que estejam cursando escola universitária completem 24 anos” (RT 640/76). V., também, TJSP, AgIn 516-4/SP, 6ª CDPriv, j. em 07.03.1996, v.u., rel. Octavio Helene. 156. Em interessante julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso reconheceu, à luz do CPC/73 e do CC/19, a respeito de direitos obrigacionais de caráter privado pertencentes ao Poder Público, está permitida a transação: “Sentença homologatória – Transação – Nulidade – Município não tem poder de disponibilidade sobre patrimônio público – Inteligência do art. 1.035 do CC [art. 841 do CC/2002] – Recurso provido. É vedado a pessoa jurídica de direito público transacionar sobre direitos obrigacionais de caráter público. Admissibilidade somente quanto a direitos patrimoniais de caráter privado” (TJMT, AC 19.619 Classe II 21/Várzea Grande, 2ª Câm. Cív., j. em 04.11.1997, rel. Des. Mariano Alonso Ribeiro Travassos). O TJMG admitiu transação celebrada entre ente público e particular, desde que ela se norteie pela finalidade pública, de modo que as cláusulas pactuadas não impliquem perda para o interesse coletivo, porquanto só é possível dispor desse interesse mediante expressa autorização legislativa (Ap.Cív. 1.0433.05.152959-5/001, 7ª Câm. Civ., j. em 30.01.2007, rel. Des. Heloisa Combat, DJ 13.03.2007). 157. Registre-se que, em relação às causas que tramitam perante o Juizado Especial Federal, dispõe o parágrafo único do art. 10 da Lei n. 10.259/2001: “Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais”. 158. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso, cit., 20. ed., p. 70. 159. Neste exato sentido já decidiu o 1º TACSP, sob a vigência do CPC/73: “Audiência – Adiamento – Ausência da parte e de seu procurador – Força maior – Prova posterior à
abertura – Possibilidade – Inteligência do art. 453, § 1º, do CPC [art. 362, § 1º, do CPC/2015]” (RT 606/138). 160. Nesse sentido. “Alimentos – Ausência do requerido e do seu patrono à audiência – Revelia decretada e feito sentenciado – Inadmissibilidade – Ocorrência de caso fortuito ou de força maior (existência de neblina que deu origem à denominada ‘operação comboio’, empreendida pelo Polícia Rodoviária) – Necessidade da redesignação de audiência e da reabertura de prazo para oferecimento da contestação – Decretação da nulidade da sentença a partir da questionada audiência – Recurso provido” (TJSP, Ap.Cív. 122.439-4/Santos, 9ª CDPriv, j. em 14.12.1999, v.u., rel. Silva Rico). Não se reconhece, porém, ter havido cerceamento se a testemunha que compareceria independentemente de intimação ausentou-se e, a respeito dessa ausência, não se justificou a parte. Assim: “Audiência de instrução e julgamento – Testemunha – Atraso – Prova oral – Cerceamento de defesa – Testemunhas arroladas na inicial, com menção de que compareceriam à audiência independentemente de intimação – Realização desta, sem oitiva das testemunhas e sem qualquer manifestação da parte a respeito, limitando-se ela a reportar-se à inicial e a pedir a procedência dos pedidos – Petição posterior requerendo o adiamento da audiência, ao fundamento de que as testemunhas se atrasaram em razão de problema no trânsito – Indeferimento – Apelação com preliminar de cerceamento, acolhida por maioria pela Câmara – Voto vencido – Embargos infringentes. Ausentes as testemunhas que a parte se comprometeu a levar à audiência independentemente de intimação, presume-se a desistência de sua inquirição, ainda mais que nenhum requerimento foi feito, enquanto não encerrada a audiência, justificando a ausência. Recurso provido” (TJRJ, EI-AC 251/97 (Reg. 040398, 4ª CCív, Cód. 97.005.00251/RJ, j. em 28.01.1998, rel. Des. Carlos Ferrari). 161. Nesta trilha: “Prova – Questão de fato – Dilação probatória que requer, ainda que controvertido, seja o fato pertinente e relevante – Falta que importa no julgamento antecipado da lide” (RT 684/124); “Prova – Perícia – Desnecessidade – Inexistência de fato relevante, pertinente e controvertido – Deslinde da controvérsia, ademais, que ocorrerá, tão só, no plano do direito – Cerceamento de defesa inocorrente – Preliminar rejeitada” (JTJ 166/126). 162. Sobre fatos notórios: “Despejo – Uso próprio (art. 52, V, da Lei n. 6.649/79) – Prova da necessidade – Proprietário aposentado que pretende alugar a casa em que reside para morar na alugada – Fato que por si só a comprova – Dispensabilidade. Pedidos há em que a
documentação, os fatos e os esclarecimentos falam mais alto do que qualquer prova. Com efeito, para sobreviver com alguma dignidade deverá abandonar sua casa. A miserabilidade da aposentadoria é fato notório nos dias atuais, fato que, quando alegado, inexige qualquer prova. O fato prova a necessidade” (JTACSP-Lex 139/353) (tenhamos presente que a Lei n. 6.649/79 foi revogada pela Lei n. 8.245/91). Registre-se, por oportuno, que atualmente os Juizados Especiais são competentes para receber ações de despejo para uso próprio, conforme art. 3º, III, da Lei n. 9.099/95: “Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: (...) III – a ação de despejo para uso próprio; (...)”. 163. Nelson Palaia, O fato notório, p. 52. 164. Athos Gusmão Carneiro, Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares, itens 64 e 65, p. 82-84. No mesmo sentido, v. Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso, cit., v. 2, item 2.1, p. 207-208. 165. O art. 452 do CPC/73 corresponde ao art. 361 do CPC/2015. O art. 132 do CPC/73 não possui correspondente no CPC/2015. O art. 338 do CPC/73 corresponde ao art. 377 do CPC/2015. 166. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, item 1201, p. 636.
167. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 2, p. 329. 168. Cf., nesse sentido, Flávia Piovesan, Reforma do Judiciário e direitos humanos, Reforma do Judiciário, p. 72; José Carlos Francisco, Bloco de constitucionalidade e recepção dos tratados internacionais, Reforma do Judiciário, p. 103; Luiz Alexandre Cruz Ferreira e Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega, Reforma do Poder Judiciário e direitos humanos, Reforma do Judiciário, p. 456-457. 169. Flávia Piovesan entende que o direito brasileiro fez opção por um sistema misto, ou seja, regimes jurídicos diferenciados entre tratados de direitos humanos e tratados tradicionais (Reforma do Judiciário, cit., p. 7). A autora afasta entendimento de que, em face do § 3º do art. 5º, todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recepcionados como lei federal, por não terem se submetido ao quorum de aludido dispositivo, já que entende que aludidos tratados teriam força constitucional em razão do § 2º do art. 5º da CF/88 (Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 83, 109 e 110). 170. Carmen Tiburcio, A EC n. 45 e temas de direito internacional, Reforma do Judiciário, p. 126. Luís Roberto Barroso defendia a posição de que “no conflito de fontes interna e internacional, o estágio atual do direito brasileiro, consoante a jurisprudência constitucional e a melhor doutrina, é no sentido de que: a) os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior” (Interpretação e aplicação da Constituição, p. 33). Mais recentemente, o Min. Barroso manifestou opinião diferente (ADPF 347, referida nas linhas abaixo). 171. Esse chegou a ser o posicionamento (atualmente superado) do STF: RHC 79785, Pleno, j. em 29.03.2000, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 22.11.2002; AgIn 248761, 1ª T., j. em 11.04.2000, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 23.06.2000; RE 216257, 2ª T., j. em 15.09.1998, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 11.12.1998. 172. RE 466343, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. em 03.12.2008. 173. Cf. os votos dos Ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin na ADPF 347 MC, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 09.09.2015, DJe-031, Divulg 18.02.2016, Public 19.02.2016. 174. Ensina Arruda Alvim: “Tem o juiz liberdade, como regra geral, de valorar as diversas provas e até de mandar completá-las, desde que isto seja necessário ao seu convencimento,
nos casos em que a atividade produtora da prova, pelos litigantes, não resolva suficientemente as questões de fato” (Manual, cit., 17. ed., item 24.1.3, p. 832). 175. Manual, cit., 17. ed., item 24.1.3, p. 829. 176. Há interessante julgado STJ, proferido na vigência do CPC/73, na linha de que se houver necessidade de prova técnica, o juiz não deve pura e simplesmente desconsiderá-la, devendo, se for o caso, determinar a realização de segunda perícia (STJ, REsp 1035951/MT, 2ª T., j. em 20.04.2010, rel. Min. Mauro Campbell, DJ 07.05.2010). 177. AgInt no REsp 1532643/SC, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª T., j. em 10.10.2017, DJe 23.10.2017. 178. STJ, REsp 1559418/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. em 03.11.2015, DJe 17.12.2015. 179. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.1.3, p. 832. 180. A propósito, é expresso o art. 5º da Lei n. 9.099/95: “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica”. 181. Cf., por exemplo, os arts. 108 e 109 do CC/2002. 182. Há provas, porém, que já são produzidas na fase postulatória. São as provas documentais, pois, como se sabe, a petição inicial já deverá ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 320). Da mesma forma, a contestação deverá ser instruída com os documentos que provem suas alegações, já que, depois da contestação, só serão admitidos no processo documentos novos (arts. 336, 434 e 435). Na oportunidade do saneamento do processo, o juiz defere as provas que reputar pertinentes, dentre outras providências (art. 357, II). A audiência de instrução e julgamento é o momento para a produção de prova oral (oitiva de testemunhas, depoimentos pessoais e oitiva de peritos), conforme dispõe o art. 361. Excepcionalmente, a prova oral pode não ser produzida em audiência, como nas hipóteses do art. 453, I e II, ou nos casos de pessoas egrégias (art. 454), que são inquiridas em sua residência ou onde exercem sua função. 183. STJ, AgInt no AREsp 314.560/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Vueva, 3ª T., j. em 07.02.2017, DJe 14.02.2017. 184. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Comentários, cit., 16. ed., nota 7 ao art. 369, p. 1.069. 185. Arruda Alvim, Manual, cit., 7. ed., item 24.1.3, p. 831. 186. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, à luz do CC/1916: “Direito civil. Ação
negatória de paternidade. Presunção legal (CC, art. 340). Prova. Possibilidade. Direito de família. Evolução. Hermenêutica. Recurso conhecido e provido. I. Na fase atual da evolução do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. II. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça. III. O Superior Tribunal de Justiça, pela relevância da sua missão constitucional, não pode deter-se em sutilezas de ordem formal que impeçam a apreciação das grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento e orientação pretoriana” (REsp 4.987/RJ, 4ª T., j. em 04.06.1991, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 28.10.1991). 187. Pertinente ter presente, neste contexto, a orientação do STF em hipótese em que a gravação é feita por um dos interlocutores: “Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista” (HC 75.338-8/RJ, Tribunal Pleno, j. em 11.03.1998, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 25.09.1998). Ver também STJ, RHC 59.542/PE, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. em 20.10.2016, DJe 14.11.2016. 188. Cf. Flávio Luiz Yarshell. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 23-26. 189. Registre-se, todavia, que há precedente em que se admitiu a interceptação telefônica fora de tais casos expressamente previstos no Texto Supremo. Diante de situação em que o devedor de alimentos se ocultava, impedindo a sua localização por um período prolongado, o TJRS entendeu que, como o direito a alimentos foi também objeto de expressa preocupação pelo legislador constituinte (tanto que se abre ensejo à prisão civil no art. 5º, LXVII), justificar-se-ia, nesse caso, a interceptação telefônica para o fim de localizar o devedor. Temos por correto o entendimento expresso em referido julgado, desde que se tenha o cuidado de não estender essa prerrogativa a qualquer exequente, mas apenas ao credor de alimentos. É a seguinte a ementa desse acórdão: “Execução de alimentos – Interceptação telefônica do devedor de alimentos – Cabimento. Tentada a localização do executado de todas as formas, residindo este em outro Estado e arrastando-se a execução por quase dois anos, mostra-se cabível a interceptação telefônica do devedor de alimentos.
Se por um lado a Carta Magna protege o direito à intimidade, também abarcou o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes. Assim, ponderando-se os dois princípios, sobrepõe-se o direito à vida dos alimentados”. Consta do voto da relatora que “ocorrendo choque entre dois princípios constitucionais, é certo que impossível a aplicabilidade de ambos, um deverá necessariamente ser afastado, a partir de uma análise e interpretação sistemática do ordenamento jurídico relativamente ao caso concreto, aplicando-se a este o princípio da proporcionalidade (...). Assim, patente a sobreposição do direito à vida dos alimentados em frente à intimidade do executado” (TJRS, AgIn. 70018683508, 7ª Câm. Cív., j. em 28.03.2007, rel. Des. Maria Berenice Dias). 190. Art. 14 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”. 191. “O juiz pode considerar desnecessária a produção de prova sobre os fatos incontroversos, julgando antecipadamente a lide” (REsp 107313/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 17.03.1997). No mesmo sentido: REsp 1261943/SP, rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., j. em 22.11.2011, DJe 27.02.2012. 192. STJ, REsp 666.889/SC, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., j. em 25.11.2008, DJe 03.12.2008. 193. STJ, AgInt no AREsp 910.355/SP, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª T., j. em 15.09.2016, DJe 27.09.2016. 194. Luigi Paolo Comoglio, La garanzia costituzionale dell’azione e il processo civile. Padova: CEDAM, 1970. p. 148 e ss. 195. Mas não poderá produzir provas, em linha de princípio, em relação a fatos novos, que poderia ter alegado em contestação, mas não o fez. Vale dizer, desde que o juiz, mesmo diante da revelia, entenda que não é caso de julgamento antecipado do mérito (art. 355, II), não deve ser negado ao réu revel a possibilidade de produzir contraprova dos fatos alegados pelo autor. 196. Caso tenha havido revelia, mas não tenha lugar a aplicação da presunção do art. 344, então o juiz deverá, como visto anteriormente, determinar ao autor que produza as provas que pretende produzir, caso ainda não tenha indicado (art. 348). O réu revel poderá, todavia, produzir provas (se entrar no processo até essa fase) não sobre fatos novos que poderia ter levantado em contestação, mas não o fez (impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor), senão que poderá produzir apenas prova contrária aos fatos levantados pelo autor. Neste sentido é que deve ser entendida a Súmula 231 do STF, válida
perante o CPC/2015 e reforçada pelo art. 349. 197. Observemos, a propósito, a redação do art. 232 do CC/2002: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Posteriormente, foi editada a Súmula 301 do STJ, com o seguinte enunciado: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Mais recentemente, a Lei n. 12.004/2009 veio a consolidar dita orientação ao incluir o art. 2º-A à Lei n. 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. De acordo com o que prescreve o parágrafo único do art. 2º-A, da Lei n. 8.560/92, com redação da Lei n. 12.004/2009, “a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Já havia acórdãos nesse sentido, mesmo antes do advento do CC/2002 e da Lei n. 12.004/2009: “Processual civil. Recurso especial. Investigação de paternidade. Exame hematológico. Cerceamento de defesa. 1. A recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA induz presunção que milita contra sua irresignação. 2. Decisões locais que encontram fundamento em caudaloso conjunto probatório” (STJ, REsp 55958/RS, 4ª T., j. em 06.04.1999, rel. Min. Bueno de Souza, DJ 14.06.1999). 198. STJ, AgRg no Ag 249492/MG, 3ª T., j. em 25.10.1999, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 17.12.1999. 199. STJ, MS 7275/DF, 3ª S., j. em 28.03.2001, rel. Min. Félix Fischer, DJ 23.04.2001. 200. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, O ônus da prova no direito processual civil, p. 144. Neste sentido, confira-se a orientação adotada no acórdão do TJSC proferido sob na vigência do CPC/73, assim ementado: “Agravo de instrumento. Processual civil. Deferimento de prova a despeito do autos não tê-la requerido na petição inicial. Irrelevância. Poder instrutório do juiz. Art. 130 do CPC [de 1973]. Princípio da verdade real. ‘O juiz pode assumir uma posição viva, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório’ (Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, CPC comentado. São Paulo: RT, 1997. p. 439). ‘Admite-se o direito de produzir prova, ainda que omitida na inicial a sua indicação’ (RT 495/83)” (AgIn 96.008497-5/Tubarão, 1ª Câm. Cív., j. em 23.02.1999, v.u., rel. Des. Vanderlei Romer – Bol. AASP 2.120, p. 221-e). 201. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, O ônus da prova, cit., p. 151.
202. Idem, p. 152. 203. Bedaque, Poderes instrutórios do juiz, cit., 2. ed., p. 70. 204. Idem, p. 72-78. 205. Idem, p. 79-80. 206. Idem, p. 83. 207. Sérgio Alves Gomes, Os poderes do juiz, cit., p. 253. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do STJ, imprimindo interpretação extensiva ao art. 130 do CPC/2015, proferido sob a vigência do CPC/73: “Processo civil. Agravo no Recurso Especial. Iniciativa probatória do juiz. Perícia determinada de ofício. Possibilidade mitigação do princípio da demanda. Precedentes. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC [de 1973]. A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. Agravo no recurso especial improvido” (STJ, AgRg no REsp 738.576/DF, 3ª T., j. em 18.08.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 12.09.2005). 208. Idem, p. 257. 209. O art. 333 do CPC/73 corresponde ao art. 373 do CPC/2015, e o art. 130 do CPC/73 corresponde ao art. 370 do CPC/2015. 210. António Montalvão Machado, O dispositivo e os poderes do tribunal à luz do novo Código de Processo Civil, p. 367. 211. Idem, ibidem. 212. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery dizem, a propósito do art. 370 do CPC/2015: “A norma ora comentada não impõe limitação ao juiz para exercer, de ofício, seu poder instrutório no processo civil” (Código de processo civil comentado, cit., 16. ed., nota 8 ao art. 370, p. 1.075). 213. Nesse sentido, dizem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “Como não poderia deixar de ser, na medida em que nenhum poder é absoluto, a iniciativa probatória do juiz sofre algumas limitações (...). Outro limite há quando ocorre a revelia e, em consequência, sobrevém a incontrovérsia dos fatos: se os fatos deduzidos pelo autor não forem verossímeis, nada obsta que o magistrado determine que ele produza a prova das suas alegações; se, no entanto, forem verossímeis as suas assertivas, não estará autorizado o
julgador a exigir dele que as comprove, porque aí há uma nítida opção do legislador pelo valor efetividade” (cf. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2007. v. 2, p. 54). 214. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II, item 738, p. 524. 215. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II, item 738, p. 525. 216. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 58. ed., v. 1, p. 1.123. 217. João Batista Lopes, A prova, cit., p. 34. 218. Assim: “Compete ao réu demonstrar, quantum satis, a existência de fato impeditivo do direito do autor, ou seja, o réu, ao longo da dilação probatória, deve efetuar prova de que o locador tem outro imóvel disponível igual ou, ao menos, bem semelhante ao retomando” (JTACSP-RT 127/221). 219. Neste sentido: “Prova. Fato extintivo. Teor da contestação conflitante com a alegação não comprovada. Presunção da verdade militante a favor do autor. O ônus da prova, quanto à alegação de fato extintivo de direito, compete ao réu. Porém, quando o próprio teor da contestação conflita com o alegado fato, na falta de provas, a presunção fica do lado do autor e não do réu, que não negou a alegação inicial” (JTACSP-Saraiva 77/256). 220. A respeito das convenções sobre o ônus da prova, cf. Robson Renault Godinho. A autonomia das partes no projeto ao novo Código de Processo Civil: a atribuição convencional do ônus da prova. In: Alexandre Freire et al. (org.). Novas tendências do processo civil (estudos sobre o projeto de Novo Código de Processo Civil). Salvador: JusPodivm, 2014. v. III, p. 557-590; Rinaldo Mouzalas; Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior. Distribuição do ônus da prova por convenção processual. Revista de Processo, v. 240, fev. 2015, p. 399-421; Lucas Buril de Macêdo. Negócio processual acerca da distribuição do ônus da prova. Revista de Processo, v. 241, mar. 2015, p. 463-487. 221. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, O ônus da prova, cit., p. 135. 222. Dessa forma, já decidiu o TJSP, à luz do CPC/73: “Indenização. Responsabilidade civil. Veículo. Furto em estacionamento de agência bancária. Não comprovação da sua presença no local. Impossibilidade de se exigir do réu que providencie testemunhas para esclarecer sobre fato de existência duvidosa. Art. 333, caput, I, do CPC. Ônus da prova que cabe ao autor da ação. Ação improcedente. Recurso provido. Se permanece dúvida acerca
da existência do fato constitutivo, que é o furto, perde a causa o autor (art. 333, caput, I, do CPC [de 1973])” (TJSP, Ap.Cív. 138.546-1, j. em 01.06.1993, rel. Cezar Peluso). 223. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 216. 224. Idem, p. 166. 225. Idem, p. 167. 226. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.1.4, p. 834. 227. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.4.9, p. 860. 228. Cf. Jorge W. Peyrano (dir.), Inês Lépori White (coord.). Cargas probatorias dinámicas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2004; Maximiliano García Grande. Las cargas probatorias dinámicas: inaplicabilidade. Rosario: Juris, 2005; Robson Renault Godinho. A distribuição do ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais. In: Marcelo Novelino Camargo (org.). Leituras complementares de direito constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 293-311; Alexandre Freitas Câmara. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução, Revista Dialética de Direito Processual, n. 31, out. 2005. 229. Nesse sentido consta do voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar por ocasião do julgamento do REsp 316316/PR: “A teoria da dinâmica da prova transfere o ônus para a parte que melhores condições tenha de demonstrar os fatos e esclarecer o juízo sobre as circunstâncias da causa” (STJ, REsp 316316/PR, 4ª T., j. em 18.09.2001, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.11.2001). No mesmo sentido: STJ, REsp 69.309/SC, 4ª T., j. em 18.06.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 26.08.1996. 230. Verifique-se o que decidiu o STJ: “A regra contida no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que cogita da inversão do ônus da prova, tem a motivação de igualar as partes que ocupam posições não isonômicas, sendo nitidamente posta a favor do consumidor, cujo acionamento fica a critério do juiz sempre que houver verossimilhança na alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência. Por isso mesmo, exige do magistrado, quando de sua aplicação, uma aguçada sensibilidade quanto à realidade mais ampla onde está contido o objeto da prova cuja inversão vai operar-se” (REsp 140097/SP, j. em 04.05.2000, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 11.09.2000). V., ainda, REsp 171988/RS, 3ª T., j. em 24.05.1999, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 28.06.1999. 231. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.4.9, p. 862.
232. Neste rumo, precisa a lição de Humberto Theodoro Jr., para quem, se o fato invocado pelo autor/consumidor for indefinido – tanto que nem mesmo o autor teria condições de demonstrar a ocorrência do fato –, o ônus da prova não pode ser transferido ao réu, pois a prova lhe seria impossível, devendo ser a ação julgada improcedente, pois “não há argumento algum que possa justificar a procedência da demanda sem a prova de sua base fática apenas porque se refere a evento de prova impossível” (Direitos do consumidor, p. 139). 233. Considerando o saneamento como o momento adequado para a inversão do ônus da prova: “Entendemos que o momento adequado para a apreciação deste pedido [inversão do ônus da prova] ou sua concessão, de ofício, está situado entre o pedido inicial e o despacho saneador. Isto porque influenciará na produção das provas, na medida em que se altera a regra geral prevista no art. 333 do CPC [de 1973], sob pena de causar surpresa processual à parte, que, dependendo do momento em que for concedida a inversão, não terá possibilidade de reação, afrontando ao princípio do contraditório” (Ag. 309728-1, 13ª Câm. Cív., j. em 25.01.2006, rel. Milani de Moura, DJ 17.02.2006). No mesmo sentido, v. extinto TAMG, Ac. 0301800-0, 4ª Câm.Cív., j. em 01.03.2000, rel.: Juiz Alvimar de Ávila. Assim também o STJ, em decisão monocrática, conforme o trecho: “O momento processual adequado para se operar a inversão é o do saneador” (Ag. 821636/RS, j. em 16.11.2006, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 07.12.2006). Em sentido diverso, e também sob a vigência do CPC/73: “(...) Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova apenas no julgamento da ação consumerista. Essa possibilidade está presente desde o ajuizamento da ação e nenhuma das partes pode alegar desconhecimento quanto à sua existência” (STJ, 3ª T., REsp 1125621/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 19.08.2010, DJe 07.02.2011). 234. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, O ônus da prova, cit., p. 160. 235. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado, cit., 8. ed., comentários aos arts. 81 a 90, p. 796. 236. Cf. Flávio Luiz Yarshell. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 23-26. 237. “PROVA EMPRESTADA. CONTRADITÓRIO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 2. Quanto à violação dos artigos 330 e 332, ambos do CPC [de 1973], o entendimento do STJ é no sentido de que não há cerceamento de defesa pela utilização de prova emprestada se esta tiver sido produzida com a observância do
contraditório e do devido processo legal. 3. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ. 4. Agravo Regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 301.724/CE, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., j. em 25.03.2014, DJe 15.04.2014). 238. Comentário ao art. 372. In: Cassio Scarpinella Bueno (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva Jur, 2017, v. 2, p. 253. 239. Idem, ibidem. 240. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.6.1, p. 866-867. 241. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 24.6.2, p. 869-870.
242. Primeiras linhas, cit., v. 2, p. 449. 243. Nos dizeres de Pontes de Miranda, “as testemunhas são pessoas que aparecem no processo, porém não na relação jurídica processual; são fatos na existentia fluens dessa, que é a instância. Daí serem inconfundíveis com os sujeitos processuais, inclusive com o mais leve interveniente adesivo, que não chega a ser parte. Falta-lhe o pressuposto de qualquer interesse na causa” (Comentários, cit., 3. ed., t. 4, p. 420). 244. De acordo com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “a incapacidade da testemunha deriva de um vício objetivo, que a impede de presenciar adequadamente fatos ou de retratá-los de maneira compreensível ou correta” (Processo de conhecimento cit., p. 369). Para Moacyr Amaral Santos, “a capacidade é a regra. Mas há pessoas que, em razão de suas condições físicas, psíquicas ou patológicas, ou mesmo ainda por motivos de ordem moral ou jurídica, ou não se acham na situação de depor ou são presumidamente tidas, à vista do que a experiência milenária tem comprovado, como incapazes de esclarecer em juízo os fatos objeto da demanda, de forma a conscientemente se poder valer de suas declarações. Tais pessoas são incapazes de testemunhar em juízo ou incapazes de depor como testemunha” (Primeiras linhas, cit., v. 2, item 660, p. 452). 245. É a seguinte a redação original do dispositivo: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”. Este artigo do CC/2002 foi revogado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), que modificou o art. 4º do CC/2002 de modo a classificar como relativamente incapazes algumas das pessoas que, sob a vigência do dispositivo revogado, mereciam o rótulo de absolutamente incapazes. Veja-se a redação atual do art. 4º do CC/2002, verbis: “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial”. 246. Nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “o impedimento e a suspeição, ao contrário da incapacidade, dizem com a habilitação subjetiva da pessoa em depor. Derivam de causas que comprometem a fidelidade do depoimento, por se considerar que a testemunha não tem condições de ser imparcial na declaração que presta em juízo”
(Processo de conhecimento cit., p. 369). Moacyr Amaral Santos entende que, “quando os interesses de determinada pessoa sejam harmônicos, concorrentes ou colidentes com os das partes, ou sejam incompatíveis com os deveres inerentes à função de testemunhar, resulta a incompatibilidade daquela pessoa com o exercício de tal função. As pessoas que se acharem nessas condições são impedidas de testemunhar em juízo, ou impedidas de depor” (Primeiras linhas, cit., v. 2, item 660, p. 453). 247. Vejamos o que já se decidiu quando a testemunha for parente de ambas as partes: “Prova. Testemunha. Parente de ambas as partes. Admissibilidade. Exegese do art. 142, IV, do CC [art. 228, IV e V, do CC/2002] e art. 405, § 2º, do CPC. O parente até o 3º grau, de ambas as partes, em princípio pode ser testemunha, pois a lei considera-o impedido se o parentesco for apenas com alguma delas” (JTACSP-RT 122/316). 248. Adota-se, aqui, para efeitos de definição de qual lei seria anterior, o critério da data da publicação da lei (e não a data do início da sua vigência). Em consonância com nosso entendimento: Rosa Maria de Andrade Nery. Instituições de Direito Civil: v. V: família. São Paulo: RT, 2015. p. 436. Adolfo Mamoru Nishiyama; Roberta Cristina Paganini Toledo. O Estatuto da Pessoa com Deficiência: reflexos sobre a capacidade civil, Revista dos Tribunais, v. 974/2016, p. 35-62, dez./2016, p. 15. 249. Fredie Didier Jr. et. al., Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 249. 250. Para Moacyr Amaral Santos, a suspeição é causa que atinge a credibilidade da testemunha (Primeiras linhas, cit., v. 2, item 660, p. 452). 251. Assim: “Prova. Testemunha. Suspeição. Situação inamistosa. Irrelevância. Inadmissibilidade. Só a inimizade capital tem força bastante para gerar a suspeição, não caracterizando tal a simples situação inamistosa entre a testemunha e a parte” (Ap. c/ Rev. 282.258, 6ª Câm., j. em 06.02.1991, rel. Juiz Soares Lima). 252. “Prova. Testemunha. Suspeição. Amigo de bar da parte. Insuficiência para o acolhimento da pretensão. Contradita afastada. Interpretação do art. 405, § 3º, III, do CPC. Recurso não provido” (JTJ 143/209). 253. “Prova. Testemunhal. Arrolamento de escrevente que lavrou escritura pública objeto de ação anulatória. Inadmissibilidade. Reconhecimento da suspeição da testemunha arrolada, em face do flagrante interesse no deslinde do feito. Inteligência do art. 405, § 3º, IV, do CPC. Agravo retido desprovido” (ApCiv. 224.958-1/Ribeirão Preto, 1ª Câm. Civ., j. em 17.10.1995, rel. Guimarães e Souza, v.u.).
254. Note-se que a simples participação de uma das testemunhas nos fatos que se encontram sob discussão em juízo não é suficiente para “automaticamente” rotular essa testemunha como suspeita, cabendo verificar se, no caso concreto, tem ela interesse no litígio. Nesse sentido, STJ, REsp 8936/SP, 4ª T., j. em 07.04.1992, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 04.05.1992. 255. Interessante o seguinte julgado do STF, no qual se suscitava que funcionários da FUNAI seriam suspeitos para prestar testemunho em processo em que a entidade estava envolvida: “Não constitui agravo à parte a determinação de audiência de testemunhas para esclarecimento do juízo. O que torna suspeito o testemunho é o interesse pessoal, e não o social, no desfecho da causa. Às testemunhas dará o julgador o valor que merecerem, de acordo com as circunstâncias da causa, em seu livre convencimento. AgRg improvido” (STF, ACO-AgR-AgR 265/MT-AgRg em AgRg. Ação Cível Originária, Pleno, j. em 13.05.1982, rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ 09.09.1983). 256. “Prova. Testemunha. Suspeição. Interesse no litígio. Invalidade do depoimento. Art. 405, § 3º, IV, do CPC. Recurso não provido” (JTJ 122/137). 257. Nesse sentido: “Prova. Testemunha. Ausência de contradita no momento oportuno. Inércia da parte contrária. Preclusão consumada. Recurso improvido” (TJSP, Ap. c/ Rev. 790.496-0/8/Ribeirão Preto, 31ª Câm. Dir. Priv., j. em 26.06.2006, rel. William Campos, v.u., voto 9.373). 258. Colacionável, a propósito, o seguinte julgado: “Cerceamento de defesa. Prova. Testemunha. Não comparecimento, apesar de devidamente intimada. Prosseguimento do feito determinado pelo juiz. Inadmissibilidade. Necessidade de condução coercitiva ou deferimento de prazo para sua substituição. Recurso de habeas corpus provido” (STF – RT 616/409). 259. Nesse sentido: “Prova. Procedimento sumaríssimo. Testemunha. Residência em outra jurisdição. Determinação para que o depoimento se realize perante o juiz da causa. Inadmissibilidade. Aplicação do art. 410, II, do CPC” (RT 546/137). 260. Art. 342 do CP: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º As penas aumentam-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração
pública direta ou indireta. § 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”. 261. Neste sentido já decidiu o STF: “Habeas corpus. Crime contra a administração da justiça. Falso testemunho. Art. 342 do CP. 1. Testemunha que não prestou compromisso em processo civil por ser prima da parte, mas que foi advertida de que suas declarações poderiam caracterizar ilícito penal. 2. A formalidade do compromisso não mais integra o tipo do crime de falso testemunho, diversamente do que ocorria no primeiro Código Penal da República, Decreto 847, de 11.10.1890. Quem não é obrigado pela lei a depor como testemunha, mas que se dispõe a fazê-lo e é advertido pelo juiz, mesmo sem ter prestado compromisso pode ficar sujeito às penas do crime de falso testemunho. Precedente: HC 66.511-0, 1ª T. Habeas corpus conhecido, mas indeferido” (STF, HC 69358/RS, 2ª T., j. em 30.03.1993, rel. Min. Paulo Brossard, DJ 09.12.1994). Em sentido contrário: RT 710/267, RT 694/359. 262. Confira-se: “Advogado. Testemunha em processo. Sigilo profissional. Assunto que lhe foi confiado pelo constituinte. Inexistência com relação a outros fatos” (RT 559/99); “Processual Penal. Advogado. Testemunha. Recusa. Sigilo profissional. Artigo 7º, XIX, Lei n. 8.906/94. É direito do advogado ‘recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional’. Agravo regimental improvido” (AgRg na APn 206/RJ, Corte Especial, j. em 10.04.2003, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 04.08.2003). 263. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.5.8, p. 927. 264. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 159. 265. A propósito, cumpre mencionar que há, no STJ, julgado no sentido de que, sendo o advogado convocado a depor, cabe a ele definir quais fatos devem ser protegidos pelo sigilo profissional. Vale dizer, comparecendo em juízo, o advogado tem a prerrogativa de delimitar os fatos que devem estar amparados pelo sigilo profissional, podendo, inclusive, recusar-se a responder perguntas relativas a pormenores próprios do segrego profissional: “Advogado (testemunha). Depoimento (recusa). Conhecimento dos fatos (exercício da advocacia). Sigilo profissional (prerrogativa). Lei n. 8.906/94 (violação). 1. Não há como exigir que o advogado preste depoimento em processo no qual patrocinou a causa de uma das partes, sob pena de violação do art. 7º, XIX, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da
Advocacia). 2. É prerrogativa do advogado definir quais fatos devem ser protegidos pelo sigilo profissional, uma vez que deles conhece em razão do exercício da advocacia. Optando por não depor, merece respeito sua decisão. 3. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no HC 48843/MS, 6ª Turma, j. em 31.10.2007, rel. Min. Nilson Naves, DJ 11.02.2008). 266. STJ, RMS 9612/SP, 4ª T., j. em 03.09.1998, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 09.11.1998. 267. Nesse sentido, confira-se o seguinte aresto do STJ, exarado na vigência do antigo Código de Ética Médica (Resolução 1.246/88, do Conselho Federal de Medicina), mas inteiramente aplicável ao vigente Código (Resolução 1.931/2009): “O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos. Recurso desprovido” (STJ, RMS 11.453/SP, 5ª T., j. em 17.06.2003, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25.08.2003). 268. De acordo com Guilherme de Souza Nucci, “a expressão sem justa causa está a evidenciar que não é criminosa qualquer revelação de segredo, mas somente aquela que não possui amparo legal. Por outro lado, é preciso destacar que há muitas profissões protegidas pelo sigilo, ou seja, estão impedidas legalmente de divulgar o segredo, mesmo que autorizado pelo interessado (como ocorre com o médico e o advogado)” (Código Penal comentado, nota 155 ao art. 154, p. 614). 269. Nesse sentido, ver STJ. RMS 14.134/CE, 2ª T., j. em 25.06.2002, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 16.09.2002; (RMS 11.453/SP, 5ª T., j. em 17.06.2003, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25.08.2003). 270. Benedito Édison Trama, a respeito do tema, assim discorre: “A obrigação do segredo profissional cede às necessidades da defesa pessoal do advogado, quando for objeto de perseguição por parte de seu cliente. Pode revelar, então, o que seja indispensável para a sua defesa e exibir no caso os documentos que aquele lhe haja confiado” (Sigilo profissional do advogado, Revista IASP 4/40). 271. RT 515/316. 272. Vejamos: “Cerceamento de defesa. Indeferimento de perícia e de pergunta a testemunha. Matéria irrelevante como prova. Arguição de nulidade repelida” (RT 609/85).
No mesmo sentido: TJSP, Ap. 441.280-2, 1ª Câm., j. em 17.02.1992, rel. Oscarlino Moeller, JTA/Lex 132/216. 273. Consoante Moacyr Amaral Santos, para que haja começo de prova por escrito devem ser observados alguns requisitos, tais como: “a) que se apresente sob forma de escrito; b) que o escrito emane da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova; c) que o escrito torne verossímil o contrato cuja prova se pretende completar por meio de testemunhas” (Primeiras linhas, cit., v. 2, item 665, p. 462). 274. “Contrato. Prova. Testemunha. Começo de prova consistente em documento não assinado. Comprovação pela via testemunhal. Admissibilidade (art. 402, I e II, do CPC [de 1973]). Admite-se a prova testemunhal de contrato, quando houver começo de prova por escrito, reputando-se, como tal, documento que, por si só, não comprova o negócio que nele vem expresso, ante a ausência de assinatura das partes contratantes” (2º TACiv, Ap. 165.032, 8ª Câm., j. em 30.11.1983, rel. Juiz Martins Costa). 275. Pontes de Miranda, Comentários, cit., 3. ed., t. IV, p. 245. 276. A propósito já se decidiu, na vigência do CPC/73: “A falta de indicação da profissão da pessoa arrolada como testemunha não é por si causa para anulação do ato de sua inquirição, devendo ficar demonstrado o prejuízo concreto sofrido pela parte adversa. Art. 407 do CPC [de 1973]. (...) Induvidosamente estabelecido em favor da parte contrária o prazo previsto no citado artigo da lei processual. Visa a propiciar possa ser examinado o rol de testemunhas, com algum tempo, de maneira a permitir eventuais impugnações. A menção a depósito em cartório tem muita razão de ser. Cumpre assegurar-se, ao adversário, a possibilidade de, àquele se dirigindo, verificar se houve ou não entrega do rol e, se o caso, inteirar-se do nome e qualificação das testemunhas. Isso não lhe é ensejado se a questionada peça ali não se encontra e sim transitando por outras dependências do fórum. Não importa, no caso, pesquisar se a parte houve-se ou não com desídia, se fez ou não o que lhe cabia. Releva que os objetivos não foram atendidos” (REsp 114303/SP, 4ª T., j. em 01.04.1997, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.05.1997). 277. Neste sentido, confira-se: “Prova. Testemunha. Rol. Nome, profissão e residência. Indicação. Necessidade. Para que seja permitido à parte contrária pleno conhecimento das pessoas que irão depor, estando assim preparada para contraditá-las, se necessário, e melhor inquiri-las ou reinquiri-las, incumbe à parte, cinco dias antes da audiência, depositar em cartório o rol de suas testemunhas, precisando-lhes o nome, a profissão e a residência” (JTACSP-Lex 142/305).
278. STJ, REsp 40.212/BA, 3ª T., j. em 28.03.1994, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 02.05.1994. 279. No sentido de que testemunha referida não é só aquela a que outra fez referência como também aquela cujo nome consta de documento juntado aos autos, vide, em RSTJ 39/600, acórdão assim ementado, proferido à luz do CPC/73: “Processual civil. Processo. Caráter dispositivo. Restrição. Poder de instrução do juiz. Contraria o art. 130 do CPC o acórdão que desconsidera, por atentatório ao princípio de igualdade das partes, depoimento de testemunha determinado pelo juiz da causa”. 280. Marcelo Cintra Zarif. Prova testemunhal – Contradita – Acareação – Testemunha referida, RePro 21/121. 281. João Carlos Pestana de Aguiar Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, p. 353. 282. No sentido de que é vedado à parte requerer o próprio depoimento pessoal, confira-se a ementa do RE 96551, de lavra do Min. Djaci Falcão, j. em 07.06.1983, à luz do CPC/73: “Reza o art. 343 do CPC [de 1973]: ‘Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento’. Como está claro na regra, cabe ao juiz da causa determinar, de ofício, o depoimento pessoal das partes. Se tal não ocorre, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da parte adversária. O depoimento pessoal é um direito conferido ao adversário, seja autor, ou réu. A parte que o requer visa a alcançar a confissão, ou, pelo menos, revelações que possam contribuir para o esclarecimento da verdade. Por isso, não cabe à parte requerer o próprio depoimento. Tanto assim que nos §§ 1º e 2º do artigo citado é estabelecida a pena de confesso, caso a parte intimada não compareça, ou, comparecendo, se recuse a depor. Diante disso, não cabe à parte requerer o próprio depoimento, pois o depoimento pessoal é meio de prova, que somente interessa ao adversário. Aqueles que são litisconsortes participam da situação de autor ou réu, podendo ser chamados a depor a requerimento da parte contrária. Os litisconsortes passivos, como se dá no caso (corréus na relação processual), somente poderiam depor em virtude de determinação, de ofício, do juiz, ou a requerimento do autor, a quem poderia interessar o seu depoimento, para o esclarecimento da verdade. Jamais por iniciativa da ré na ação. Esta é a exegese compatível com a ratio essendi da norma inserida no art. 343 do CPC [de 1973]”. No mesmo sentido, no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo: TJSP, AC 1033597-04.2014.8.26.0114, 30ª Câm. Dir. Priv., j. em 14.12.2016, rel. Des. Penna Machado, DJe 14.12.2016; TJSP, AC
1008864-61.2016.8.26.0224, 20ª Câm. Dir. Priv., j. em 07.11.2016, rel. Des. Roberto Maia, DJe 07.11.2016. 283. Súmula 74 do TST: “I – Aplica-se a pena de confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor (...)”. Neste sentido: “Depoimento pessoal. Pena de confissão. Exegese do art. 343, §§ 1º e 2º, do CPC [de 1973]. A pena de confissão, meio de prova, aliás, que conduz a uma presunção relativa, e não absoluta, somente poderá ser aplicada se no mandado intimatório constar expressamente, para ciência inequívoca do intimado, que, se o mesmo não comparecer ou se recusar a depor, se presumirão verdadeiros os fatos contra ele alegados. Não é bastante a sucinta menção à pena de confesso” (STJ, REsp 2340/SP, 4ª T., j. em 29.06.1990, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 10.09.1990). Na mesma linha: STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1389193/MS, rel. Min. Raul Araújo, j. em 11.11.2014, DJe 15.12.2014. 284. Assim, Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.2.5, p. 890. 285. Vejamos: “Separação litigiosa. Revelia. Efeito. Confissão ficta. Prova insuficiente. Necessidade de comprovação da infração conjugal alegada. Prosseguimento do feito determinado. Recurso provido. A eficácia da confissão presumida, seja pela falta de contestação, seja pela recusa ao depoimento pessoal, é sempre relativa” (TJSP, ApCiv. 181.914-1, Penápolis, j. em 02.02.1993, rel. Des. Flávio Pinheiro). 286. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.2.4, p. 889. 287. “Apelação – Ação declaratória c.c. sustação de protesto julgada procedente – Audiência de instrução – Ausência da ré – Aplicação de pena da confissão ficta – Equívoco – Conteúdo probatório dos autos desmerece as contraditórias versões dos fatos apresentadas pela autora – Exegese do artigo 373 do Código de Processo Civil – Existência de relação negocial entre as partes – Serviços efetivamente prestados – Nota Fiscal acompanhada de comprovante assinado – Ausente demonstração de crédito a compensar – Sentença reformada – Recurso provido” (TJSP, Apel. 0004857-69.2010.8.26.0348, rel. Des. Claudia Sarmento Monteleone, 13ª Câm. Dir. Priv., 22.08.2016). 288. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, 7. ed., item 1192, p. 727. 289. “Prova. Depoimento pessoal. Pessoa física. Substituição por procurador. Inadmissibilidade. Se afigura legítimo o entendimento que inadmite seja a pessoa física substituída pelo próprio patrono da causa, no ato de prestar depoimento pessoal, ainda que munido de mandato com poderes específicos” (JTACSP-RT 118/377). V. ainda: TJSP, AC 0001560-79.2011.8.26.0296, 4ª Câm. Dir. Priv., j. em 02.10.2014, rel. Des. Enio Zuliani,
DJe 02.10.2014; TJRO, REEX 00235816720148220001, 2ª Câm. Especial, j. em 05.07.2016, rel. Des. Walter Waltenberg Silva Júnior, DJe 18.07.2016. 290. Arruda Alvim, Manual, cit., item 25.2.1, 17. ed., p. 881. 291. Nesse sentido se mantem o entendimento do STJ desde a vigência do CPC/73: “Processo civil. Recurso especial. Depoimento pessoal. Mandatário com poderes especiais. O depoimento pessoal é ato personalíssimo, em que a parte revela ciência própria sobre determinado fato. Assim, nem o mandatário com poderes especiais pode prestar depoimento pessoal no lugar da parte. Recurso parcialmente provido” (REsp 623.575/RO, 3ª T., j. em 18.11.2004, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 07.03.2005). 292. A propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, que assim afirmam: “O depoimento da parte pode ser prestado por procurador com poderes especiais para depor e para confessar (CC 661 § 1º). Uma das finalidades do depoimento pessoal é possibilitar que o juiz provoque a confissão da parte. Se o mandatário não tiver poderes para confessar, seu depoimento não deve ser aceito e seu comparecimento não exime o depoente faltoso de suportar o ônus da confissão ficta dos fatos alegados pelo autor” (Código de Processo Civil comentado, cit., 16. ed., nota 6 ao art. 385, p. 1107). 293. Júlio Fabbrini Mirabete, Código Penal interpretado, p. 2454-2457. Nesse sentido já decidiu o STJ: “Recurso especial. Penal. Falso testemunho. Testemunha. Influência de advogado. Mera orientação do testemunho. Inexistência de oferta de dinheiro ou outra vantagem. ‘Participante’ é qualquer pessoa que atua no iter criminis. ‘Autor’, quem realiza o ato de execução. O ‘coautor’ coparticipa da execução ou concorre para que o autor o faça. O falso testemunho é crime de mão própria. Só o agente indicado no tipo pode ser ‘autor’. Tal delito (crime de falso testemunho) não se confunde com o crime próprio. Em tese, porém, é admissível a participação, de que é exemplo orientar testemunha para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade. O Código Penal do Brasil, em alguns casos, seccionou a unidade jurídica, resultante do concurso de pessoas (CP, art. 29). Exemplos: o aborto consentido (art. 124) e o aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante (CP, art. 126), a facilitação de contrabando ou descaminho (CP, art. 318) e o contrabando ou descaminho (CP, art. 334), a corrupção passiva (CP, art. 317) e corrupção ativa (CP, art. 333). O mesmo ocorreu com o falso testemunho (CP, art. 342) e o art. 343 (sem nomen iuris). Há um crime para cada agente. O delito do partícipe é dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer vantagem a testemunha para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade. A pena cominada, de outro lado, é a mesma para ambas as infrações.
Logicamente, estabeleceu distinção entre a conduta de quem influencia oferecendo, ou não, dinheiro ou outra recompensa. Vale dizer, só incriminou o comportamento de terceiro que oferece a contraprestação. Resta, por isso, atípica a conduta, sem dúvida, imoral, contrária à ética do advogado que se restringe a solicitar que o depoimento se oriente no sentido favorável ao réu” (STJ, REsp 9.084/SP, 6ª T., j. em 17.03.1992, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 06.04.1992). 294. “Prova. Interrogatório formal e não formal. Distinção. Interrogatório não formal, previsto no art. 342 do CPC [de 1973], visa apenas esclarecimentos, não induz à pena de confissão. O formal, previsto no art. 343, comina, em seu parágrafo único [§ 2º], a pena de confissão à parte interrogada quanto aos fatos contra ela alegados [de 1973]” (JTACSP-Lex 139/491). No mesmo sentido já decidiu o TRF-3ª R., AI 118793, 1ª T., j. em 19.08.2002, rel. Des. Santoro Facchini; DJ 18.11.2002. 295. Cf. Curso de direito processual civil, v. 2, 11. ed., p. 157. 296. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.3.2, p. 892. 297. Assim: “Acidente do trabalho – Autarquia (inps) – Confissão – Admissibilidade, ante a disponibilidade de seus direitos. São indisponíveis os direitos acidentários dos trabalhadores, e não os do órgão segurador, que, assim, pode confessar” (JTACSP-RT 108/381). 298. “Processual civil. Depoimento pessoal. Ausência do depoente. Provas. A ausência do autor à audiência em que deveria prestar depoimento pessoal, por si só, não importa em improcedência do pedido, devendo o juiz examinar as provas e formar o seu convencimento, tanto mais quando deficiente a contestação que deixa de impugnar os fatos deduzidos na inicial, que se tornam controversos” (STJ, AgRg no Ag 43984/RJ, 4ª T., j. em 15.12.1993, rel. Min. Dias Trindade, DJ 28.03.1994). 299. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.3.2, p. 893. 300. Neste rumo: “Intervenção de terceiros. Denunciação à lide. Extinção do processo, em razão de transação, entre autora e litisdenunciada. Art. 269, III, do CPC. Impossibilidade. Hipótese de litisconsórcio incidental. Não consentimento dos demais litisconsortes passivos. Error in procedendo verificado. Ato judicial inválido. Recurso provido. A confissão feita por um litisconsorte ou a transação entre um litisconsorte e o adversário somente produzem os efeitos jurídicos que lhes sejam próprios se confirmadas ou consentidas pelos demais litisconsortes” (TJSP, ApCiv. 246.275-2/SP, rel. Franklin Neiva, j. em 22.11.1994, v.u.).
301. Arruda Alvim, Manual, cit., item 25.3.3, p. 895. 302. De acordo com Fredie Didier Jr., Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira, a confissão, nestas condições, “somente pode produzir efeitos com o consentimento do outro, salvo se o regime do casamento for o de separação absoluta (art. 391, par. ún., do CPC)” (Curso, cit., v. 2, p. 175). 303. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., 16. ed., nota 2 ao art. 394, p. 1.114. 304. “Art. 395. A confissão é, em regra, indivisível, não podendo a parte que a quiser invocar como prova aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável, porém cindir-se-á quando o confitente a ela aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.” 305. Leonardo Brandelli. Ata notarial. In: Leonardo Brandelli (coord.). Ata notarial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 44. 306. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I, p. 930. 307. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.1, p. 878. 308. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.1, p. 879. 309. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.1, p 879; Araken de Assis. Processo civil brasileiro, V. III: Parte Especial – procedimento comum (da demanda à coisa julgada). São Paulo: RT, 2015. p. 495. 310. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. 3, 7. ed., item 1351, p. 659. 311. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.1, 17. ed., p. 880.
312. “Quando a matéria de fato demandar conhecimento técnico e específico para sua adequada compreensão, escapando às regras de experiência comum, deve o juiz deferir a produção de prova pericial, a teor do art. 145, caput, e, a contrario sensu, do inciso I do parágrafo único do art. 420, ambos do CPC [de 1973], sob pena de configuração de cerceamento de defesa. 3. Nessas circunstâncias, não é dado ao julgador, ainda que detenha cultura técnica em outras áreas além da jurídica, valer-se de seus conhecimentos em detrimento da prova pericial, produzida nos termos da lei, com inteira submissão ao princípio do contraditório” (STJ, REsp 1549510/RJ, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., j. em 23.02.2016, DJe 04.03.2016). 313. RT 606/199. 314. Nesse sentido, o STJ já decidiu, à luz do CPC/73: “Processual civil – Ação cautelar de produção antecipada de provas – Não incidência do prazo do art. 806 do CPC [de 1973] (...) 2. A ação cautelar de produção antecipada de provas, ou de asseguração de provas, segundo Ovídio Baptista, visa assegurar três grandes tipos de provas: o depoimento pessoal, o depoimento testemunhal e a prova pericial (vistoria ad perpetuam rei memoriam). Essa medida acautelatória não favorece uma parte em detrimento da outra, pois zela pela própria finalidade do processo – que é a justa composição dos litígios e a salvaguarda do princípio processual da busca da verdade. 3. Ao interpretar o art. 806 do CPC, a doutrina e a jurisprudência pátrias têm se posicionado no sentido de que este prazo extintivo não seria aplicável à ação cautelar de produção antecipada de provas, tendo em vista a sua finalidade apenas de produção e resguardo da prova, não gerando, em tese, quaisquer restrições aos direitos da parte contrária. (...) a medida de antecipação de provas é levada a efeito por auxiliares do juízo e dela depende a propositura da ação principal, onde, através de provimento de urgência, pode-se evitar um mal maior e irreversível” (STJ, REsp 641.665/DF, 1ª T., j. em 08.03.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 04.04.2005). 315. Manual de direito processual civil, cit., 17. ed., item 25.6.2, p. 950. 316. Vejamos, nesse sentido, o seguinte julgado do STJ, proferido na vigência do CPC/73: “CPC, arts. 130 e 420, parágrafo único, I, II e III. 1. O ônus da prova é da parte (art. 333, CPC [de 1973]). Sendo o juiz destinatário, incumbe-lhe verificar da sua necessidade, ou não, e, suficientemente demonstrados os fatos, aptos à aplicação do direito, como titular do poder instrutório pode antecipar o julgamento da lide (art. 330, I, CPC [de 1973]), sem a configuração do cerceamento de defesa. 2. Demais, no caso, a questão de aplicação do plano de equivalência salarial, de ordinária repetição no foro, por si, não demanda
conhecimento técnico (perícia) para a solução da lide. 3. Recurso improvido” (REsp 76.389/BA, 1ª T., j. em 02.09.1996, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 07.10.1996). 317. O juízo relativo à pertinência da prova pericial deve ser realizado com cautela, pois o indeferimento de prova pericial essencial ao deslinde do feito pode implicar cerceamento de defesa e acarretar a nulidade do processo. Esta é a hipótese do seguinte julgado do STJ que à luz do CPC/73 decidiu: “É bem verdade que o art. 427 do CPC [de 1973], na redação dada pela Lei n. 8.455/92, dispõe que o juiz poderá dispensar a prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. Não se pode fazer leitura aligeirada desse artigo. Mais do que isso: é mister compatibilizar o que ali se dispôs com os princípios que informam o sistema. A perícia judicial somente pode ser dispensada, com base no art. 427 do CPC [de 1973], se não comprometer o contraditório, vale dizer, quando ambas as partes apresentam desde logo elementos de natureza técnica prestadios a que o juiz forme a sua convicção. É a exegese que se impõe, pois, fora daí, sequer haveria a igualdade no tratamento das partes, que a lei processual manda observar” (REsp 56963/MG, 3ª T., j. em 17.04.1995, rel. Min. Costa Leite, DJ 29.05.1995). No mesmo sentido: STJ, REsp 760.998/GO, 1ª T., j. em 06.03.2007, rel. Min. Luiz Fux, DJ 29.03.2007. 318. No mesmo sentido, o STJ proferiu decisão com a seguinte ementa, à luz do CPC/73: “Processo civil – Prova pericial – Indeferimento – Cerceamento de defesa. 1. Se o magistrado não dependeu de conhecimentos técnicos para proferir a sua decisão, fez-se pertinente a dispensa de prova técnica. 2. A prova pericial é prova do juiz e só tem pertinência quando são necessários conhecimentos técnicos para elucidar fatos controvertidos. 3. Prova documental suficiente para elucidar o magistrado da desnecessidade da retirada de sócio, fato pivô da alegação de distribuição disfarçada de lucros. 4. Recurso especial improvido” (REsp 539.209/RS, 2ª T., j. em 14.06.2005, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 15.08.2005). 319. Confiram-se os julgados do TJSP que corroboram com esse entendimento, proferidos à luz do CPC/73: “Prova. Perícia. Indeferimento. Prova dos fatos que independia de conhecimento especial técnico. Desnecessidade, ademais, em vista de outras provas produzidas. Art. 420, parágrafo único, I e II, do CPC [de 1973]. Cerceamento de defesa inocorrente. Preliminar rejeitada” (JTJSP 131/240); “Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa. Desacolhimento. Hipótese em que as provas documentais
produzidas eram suficientes para ensejar a entrega da prestação jurisdicional. Desnecessidade da prova pericial requerida evidenciada. Nulidade da sentença não caracterizada. Preliminar rejeitada” (TJSP, ApCiv 1.023.384-0/Marília, 24ª Câm. Dir. Priv, j. em 03.08.2006, v.u., rel. Des. Ana de Lourdes Pistilli). 320. Nesse sentido, o TJSP, já decidiu com base no CPC/73: “Prova pericial – Produção de forma indireta – Inadmissibilidade – Alteração do local do acidente face à reforma do prédio e do estado da coisa. O magistrado não fica adstrito ao laudo pericial (art. 436 do CPC [de 1973]). Pode em consequência indeferir a perícia quando impraticável ou quando possível não influenciar de maneira decisiva na solução da demanda. Recurso não provido” (AgIn 142.734-4/Osasco, 7ª Câm. Dir. Priv, j. em 23.2.2000, v.u., rel. Júlio Vidal). No mesmo sentido, JTJSP 129/162. 321. João Batista Lopes, A prova, cit., p. 121. 322. Assim já decidiu o TJMG, à luz do CPC/73: “Incapaz – Interdição – Perícia médica – Exigência legal não suprida por simples atestado médico em código – Necessidade de apresentação do laudo completo e circunstanciado do estado do interditado, sob pena de anulação do processo – Declaração de voto” (RT 675/175). 323. Nesta trilha: “Divisão. Ação cumulada com demarcatória parcial. Julgamento convertido em diligência. Perito nomeado pelo juiz para informar a respeito da linha divisória do imóvel. Inadmissibilidade. Necessidade de nomeação de arbitradores e agrimensor. Inteligência do art. 956 do CPC [de 1973]” (RT 570/99). 324. Ver STJ, REsp 769.879/SP, 3ª T., j. em 23.08.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 10.10.2005. 325. Confira-se: “Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive, formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, inexiste empecilho para que ele o adote integralmente como razões de decidir, dispensando as outras provas produzidas, inclusive os laudos apresentados pelos assistentes técnicos das partes, desde que dê a devida fundamentação. 2. ‘A livre apreciação da prova, desde que a decisão seja fundamentada, considerada a lei e os elementos existentes nos autos, é um dos cânones do nosso sistema processual’ (...). 3. A pretensão de se majorar o valor da indenização fixada, por ensejar o reexame do contexto fático-probatório na hipótese dos autos, em especial a prova pericial produzida, esbarra no óbice previsto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, REsp 197906/SP, 3ª T., j. em 22.06.1999, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 06.09.1999.
326. Neste sentido: “O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos, podendo determinar a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. II – Não há impedimento ao juiz de oficiar à recorrente, para que esta lhe preste os esclarecimentos que achar necessários para o deslinde da lide. III – Recurso especial improvido” (STJ, REsp 817.769/SP, 1ª T., j. em 09.05.2006, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 25.05.2006). 327. Neste passo, cabe lembrar o que dizem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “A segunda perícia não é outra perícia sobre outros fatos. Deverá ela recair sobre os mesmos fatos da primeira e atender às mesmas finalidades por ela visadas (art. 480, § 1º). É realizada, tão somente, com o objetivo de corrigir eventual omissão ou inexatidão no resultado alcançado na perícia anterior. Caso o juiz repute essencial para o bom resultado da segunda perícia, poderá ampliar o assunto que foi objeto da primeira. É possível, pois, que a segunda perícia assuma esse caráter complementar. Mas as regras da segunda perícia são as mesmas estabelecidas para a primeira (art. 480, § 2º). Não se deve alterar o local da perícia, o prazo para a entrega do laudo, o questionário apresentado pelo juiz e pelas partes etc., salvo expressa autorização judicial. Mas o perito não deve ser o mesmo – afinal, a diligência anterior não satisfez” (Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 299). 328. Segundo os ensinamentos de Arruda Alvim, “o juiz não fica vinculado ao laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos probatórios existentes nos autos. Em face do art. 480 do CPC/2015, o juiz, se tiver dúvidas que persistam mesmo após a realização da perícia, poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia que tenha por objeto os mesmo fatos considerados pela primeira (art. 480, § 1º, do CPC/2015). Mas a segunda perícia não substituirá (pelo menos necessariamente) a primeira (art. 480, § 3º, do CPC/2015), e o juiz apreciará, de conformidade com sua convicção, o valor de ambas” (Manual, cit., 17. ed., item 25.6.4, p. 952-953). 329. TJSP, ApCiv 169.929-1, 5ª Câm. Cív., j. em 20.09.1992, rel. Silveira Netto – JTJ 141/40. 330. Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 299. 331. Confira-se trecho do acórdão proferido pelo STJ, sob o regime do CPC/73: “Processual civil. Pronunciamento judicial que determina a realização de segunda perícia. Natureza jurídica. Irrecorribilidade. Princípios da não adstrição do juiz ao laudo e do livre convencimento motivado. CPC, arts. 131, 436 e 437. Exegese. Recurso provido. Como
consequência do princípio da não adstrição do juiz ao laudo na formação do seu convencimento, a lei processual o autoriza, como diretor do processo, a determinar a realização de nova perícia (CPC, arts. 436-437, não cabendo recurso, em princípio, desse pronunciamento” (REsp 160.028/SP, 4ª T., j. em 02.02.1999, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 12.04.1999). O extinto 2º TACivSP também já decidiu pelo não cabimento de recurso contra decisão que determina realização de segunda perícia, por entender que se trata de despacho de mero expediente (JTACSP-Saraiva 82/289). Em sentido contrário, pela recorribilidade: TJSP, AI 0013616-77.2002.8.26.0000, rel. Des. Marcus Andrade, 5ª Câm. Dir. Priv., j. em 10.10.2002; TJSP, AI 203290369.2014.8.26.0000, rel. Des. Isabel Cogan, 12ª Câm. Dir. Púb., j. em 30.07.2014. 332. O perito não deverá emitir opiniões sobre questões jurídicas, senão que deverá “emitir suas impressões técnicas e científicas sobre os fatos em discussão, baseados em sua especialidade profissional” (Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 290). 333. A respeito da possibilidade de determinação de produção de provas, de ofício, pelo juiz, remetemos o leitor ao Capítulo que tratamos da Teoria Geral das Provas. 334. Há certa tendência jurisprudencial, que temos por inteiramente correta, de abrandar o rigor desse entendimento, admitindo a apresentação de quesitos a qualquer tempo, durante o curso da perícia. Observemos os julgados do STJ, proferidos sob a vigência do CPC/73: “‘O prazo de cinco dias dado pelo MM. Juiz para que os agravantes indicassem assistente técnico e apresentassem quesitos não é peremptório. Assim, vem a jurisprudência admitindo que, mesmo além do período de cinco dias, pode o magistrado admitir a indicação de assistente técnico e apresentação de quesitos. A indicação do assistente e apresentação de quesitos, tardiamente feita, não pode prejudicar o andamento do processo, posto que, depois de realizada a prova pericial, não se há de refazê-la, pela extemporânea indicação e apresentação de quesito, devendo, a parte, receber o processo no estado em que se encontrar, tal como o revel. No caso, porém, ainda não havia sido iniciada a prova pericial, de modo que, mesmo fora do quinquídio concedido pelo MM. Juiz, podia ser admitido o assistente e apresentados os quesitos.’ (...) A doutrina e a jurisprudência, embora com posição divergente, afirmam entendimento no sentido de que o prazo estabelecido no citado dispositivo da lei processual civil, não sendo preclusivo, não impede a indicação de assistente técnico ou a formulação dos quesitos, a qualquer tempo, pela parte adversa, desde que não tenham sido iniciados os trabalhos periciais. E essa orientação é a
que melhor se harmoniza com os princípio do contraditório e da igualdade de tratamento às partes, já que a rapidez do compromisso do perito judicial e a elaboração dos quesitos pela parte, no prazo ali fixado, poderá, até, nada significar, em termos, face a uma célere produção de provas, muitas vezes procrastinada após tais providências”. Vejam-se, ainda: STJ, REsp 148.204/SP, 4ª T., j. em 21.10.1997, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 09.12.1997; REsp 27867/MG, 3ª T., j. em 08.03.1994, rel. Min. Costa Leite, DJ 18.04.1994, REsp 639.257/MT, 1ª T., j. em 13.12.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 13.02.2006. Mais recentemente: AgRg no AREsp 554.685/RJ, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16.10.2014, DJe 21.10.2014; AgInt no AREsp 885.444/RS, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 02.08.2016, DJe 12.08.2016. 335. Por tal razão, o STJ reputa suficiente, de forma geral, a intimação do advogado para a realização da perícia. Cf. AgRg no AREsp 120113/SP, 3ª T., rel. Min. Sidney Beneti, DJe 28.06.2012. 336. É o que ocorre nas ações que envolvem o interesse do menor, em que o STJ considera imprescindível o atendimento rigoroso ao contraditório, com ampla participação das partes e respectivos assistentes, devido à possibilidade de supressão de informações importantes no curso da realização da perícia. Nesse sentido: “Processo civil. Prova. Perícia. 1) Intimação de assistentes técnicos. Necessidade (...) 1. De acordo com precedentes desta Corte, na perícia psicológica os assistentes técnicos devem ser previamente intimados para entrevista do perito judicial com o menor. (...) 4. Recurso Especial provido em parte, apenas para determinar a intimação dos assistentes técnicos, mantido o indeferimento de filmagem ou gravação da entrevista pericial com os menores” (3ª T., REsp 1324075/PR, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 05.06.2012, DJe 03.10.2012). 337. “Ausência de intimação de assistente técnico para acompanhamento de perícia. Necessidade de demonstração de prejuízo. Nulidade inexistente. 1. A inobservância do disposto no art. 431-A do CPC/73, o qual não determina a intimação do assistente técnico para acompanhar a perícia, não ocasiona nulidade absoluta, devendo a parte demonstrar a existência de prejuízo, para que possa ser declarada a nulidade (...)” (STJ, 4ª T., AgInt no REsp 1556683/MG, rel. Min. Raul Araújo, j. em 27.06.2017, DJe 01.08.2017). 338. A propósito, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. III, 7. ed., item 1.349, p. 691. 339. Nesse sentido, confira-se julgado proferido sob a vigência do CPC/73: “Prova. Perícia. Laudo. Apresentação fora do prazo fixado. Motivo justo. Admissibilidade. Exegese do art.
427 c/c o art. 433, parágrafo único, do CPC. O perito e os assistentes técnicos, ainda que fora do prazo fixado pelo juiz, podem apresentar o laudo em até dez dias [hoje, à luz da Lei n. 8.455/92, esse prazo é de, no mínimo, 20 dias para o perito, segundo dispõe o caput do art. 433 antes da audiência de instrução e julgamento, bastando, para tal, justificar o motivo]” (JTACSP-RT 107/434). 340. Por tal razão, é insuficiente o prazo mínimo estabelecido no art. 477, caput, do CPC/2015. Refere-se o dispositivo ao prazo de, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento. Tal prazo não é suficiente, todavia, para que se cumpram os lapsos subsequentes (manifestação das partes e assistentes – 15 dias, cf. art. 477, § 1º; esclarecimentos escritos do perito – 15 dias, cf. art. 477, § 2º; intimação do perito ou assistente para esclarecimentos em audiência – 10 dias – cf. art. 477, § 4º). 341. AgInt no REsp 1563150/MG, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 11.10.2016, DJe 19.10.2016. 342. Nesse sentido, vejamos o seguinte julgado do STJ, que à luz do CPC/73 decidiu: “Processual civil. Locação. Ação revisional. Parecer do assistente técnico. Independência de intimação. Decêndio de apresentação. Termo inicial. Intimação da parte. Juntada do laudo do expert. Lei n. 8.455/92. Arts. 234, 237 e 433, parágrafo único, do CPC [de 1973]. 1. Segundo a disposição do art. 433, parágrafo único, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n. 8.455/92, o assistente técnico, independentemente de intimação, deverá oferecer o seu parecer no prazo de dez dias após a apresentação do laudo do perito, sendo certo que o termo inicial do decêndio se regulará pela efetiva intimação da parte, que diligenciará para a tempestiva juntada aos autos do trabalho de seu auxiliar técnico. 2. A interpretação do art. 433, parágrafo único, do CPC [de 1973] evidencia a desnecessidade de intimação do assistente técnico para o oferecimento do parecer; todavia, não afasta a regra processual que determina a regular intimação das partes ou seus patronos para os atos processuais em transcurso, conforme o disposto nos arts. 234 e 237 do CPC. 3. Recurso especial conhecido e desprovido” (REsp 207.400/SP, 5ª T., j. em 14.12.1999, v.u., rel. Min. Gilson Dipp, DJ 21.02.2000). 343. Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado, cit., 16. ed., p. 512). Opinião diferente a de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira. Para eles, o perito “deverá aguardar pelo fim do processo para que possa recebê-los [os honorários], quando serão pagos pelo não beneficiário, se vencido, ou pelo Estado, se vencido for o beneficiário” (Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 301).
344. Nesse sentido posicionou-se o STJ, já na vigência do CPC/73: “(...) 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o benefício da assistência judiciária compreende, também, a isenção dos honorários de perito, nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 1.060/50. Precedentes. 2. Não obstante o aresto recorrido tenha imputado ao recorrente a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do perito, visto que o autor é beneficiário da assistência judiciária gratuita, verifica-se que a Turma Julgadora não emitiu nenhum juízo de valor acerca dos arts. 11 e 12 da Lei n. 1.060/50, restando ausente seu necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF. 3. Recurso especial conhecido e improvido” (REsp 709.364/MG, 5ª T., j. em 22.05.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 11.06.2007); “Processo civil. Agravo de instrumento. Recurso especial. Prova técnica. Nomeação de perito oficial. (...) A assistência judiciária gratuita compreende a isenção de taxas judiciárias, custas, honorários de advogado e periciais, dentre outras despesas” (REsp 655.747/MG, 4ª T., j. em 16.08.2005, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 12.09.2005). 345. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Comentários, cit., v. 4, p. 215. Nesse sentido, confira-se o julgado proferido na vigência do CPC/73: “Agravo regimental – Depósito prévio – Honorários do perito judicial – Aplicação do art. 33 do CPC [art. 95 do CPC/2015]. O perito oficial não pode ser compelido a trabalhar de graça ou a esperar anos para receber seus honorários (...)” (STJ, AgRg no Ag 222.977/DF, 1ª T., j. em 04.05.1999, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 07.06.1999); “(...) III. Ressalvadas as exceções legais, o perito não é obrigado a efetuar o exame pericial sem o adiantamento dos seus honorários, podendo postergar a sua atuação até a liberação daquele precatório, ou até que alguém proveja o pagamento” (STJ, RMS 6924/MS, 4ª T., j. em 20.08.1996, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 16.09.1996); “(...) As despesas pessoais e materiais necessárias para a realização da perícia e confecção do respectivo laudo estão abrangidas pela isenção legal de que goza o beneficiário da justiça gratuita. Como não se pode exigir do perito que assuma o ônus financeiro para a execução desses atos, é evidente que essa obrigação deve ser desincumbida pelo Estado, a quem foi conferido o dever constitucional e legal de prestar assistência judiciária aos necessitados. Não fosse assim, a garantia democrática de acesso à Justiça restaria prejudicada, frustrando a expectativa daqueles privados da sorte de poderem custear, com seus próprios meios, a defesa de seus direitos. Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp 131815/SP, 4ª T., j. em 16.06.1998, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 28.09.1998). 346. A esse respeito, confira-se Leonardo José Carneiro da Cunha disse, com base no
CPC/73: “A Fazenda Pública, como se observa, não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos judiciais, em cujo conceito não se incluem a remuneração do assistente técnico nem os honorários do perito. Assim, considerando que cada parte deve pagar a remuneração do seu assistente técnico (CPC, art. 33, primeira parte), é curial que a Fazenda Pública arque com a remuneração do assistente técnico que indicar. Quanto ao perito, seus honorários são custeados pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerida por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz (CPC, art. 33, segunda parte). Nesse caso, tendo a Fazenda Pública requerido o exame pericial ou o juiz a tenha determinado de ofício, haverá de arcar com o pagamento dos correspondentes honorários periciais. É que, não integrando o conceito de custas nem de emolumentos, os honorários do perito não devem receber o tratamento conferido pelo art. 27 do CPC, sofrendo os influxos do aludido art. 33 do CPC. (...). A propósito, assim estabelece a Súmula 232 do STJ. Na verdade, desde que tenha requerido a perícia, a Fazenda Pública deve efetuar o pagamento antecipado dos honorários periciais, não recebendo, na espécie, tratamento diferenciado daquele que é conferido ao particulares” (cf. Leonardo José Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública em juízo, 4. ed., item 6.1, p. 103-108). 347. É o que consta da Súmula 232 do STJ: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. O mesmo se aplica ao Ministério Público, conforme o seguinte julgado: “(...) Não existe, mesmo em se tratando de ação civil pública, qualquer previsão normativa que imponha ao demandado a obrigação de adiantar recursos necessários para custear a produção de prova requerida pela parte autora. Não se pode confundir inversão do ônus da prova (= ônus processual de demonstrar a existência de um fato) com inversão do ônus financeiro de adiantar as despesas decorrentes da realização de atos processuais. 2. A teor da Súmula 232/STJ, ‘a Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito’. O mesmo entendimento deve ser aplicado ao Ministério Público, nas demandas em que figura como autor, inclusive em ações civil públicas. 3. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 846.529/MS, 1ª T., j. em 19.04.2007, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 07.05.2007). 348. Aduzem os autores: “As consequências para o desrespeito à ordem judicial de depósito variam a depender do tipo de honorários. Caso a parte responsável não deposite antecipadamente os honorários provisórios ou definitivos, arbitrados pelo juiz antes da realização da perícia, deve o juiz dispensar a prova pericial, arcando a parte com as consequências gravosas daí advindas. Mas se a prova foi determinada de ofício, e as partes
não depositam o valor referente à remuneração do perito, o juiz deve aplicar-lhe a multa do art. 77, IV e § 2º, CPC, por desacato à ordem judicial, e outras medidas de cunho coercitivo, bem como determinar a realização da perícia, independentemente da efetivação do depósito. Ao final da demanda, o vencido deverá remunerar o expert, sob pena de ser submetido a um processo de execução forçada. Caso a parte responsável, quando já realizada a perícia e entregue o laudo, não deposite o valor complementar dos honorários provisórios ou todo o valor relativo aos honorários definitivos – cujo depósito não se exigiu previamente –, deve o perito cobrar o quantum devido pelas vias executivas cabíveis e o juiz punir a parte pelo desrespeito às ordens judiciais (art. 77, IV, § 2º, CPC)” (Curso, cit., v. 2, p. 302-303). 349. Já sob a égide do CPC/73, era possível ao magistrado se socorrer de estabelecimentos especializados para a confecção da perícia, indicando apenas o instituto, para que dele seja escolhido o expert. O perito, profissional que realizará o exame pericial, deve ser pessoa física. Vejam-se, a respeito, os seguintes julgados: “Perito. Personalidade jurídica. Alegada necessidade de o perito ser pessoa física e não uma sociedade civil. Inadmissibilidade. Recurso não provido. O assistente técnico indicado pelo magistrado foi o Instituto Gallup. O que importa é a pessoa física que, representando a sociedade civil indicada, vai realizar a perícia. Essa pessoa deverá prestar compromisso de cumprir conscienciosamente o encargo (art. 422 do CPC [de 1973]), sujeita a ser recusada por impedimento ou suspeição (art. 423 [do CPC/73]) ou substituída (art. 424 [do CPC/73]), respondendo civil e criminalmente pelo que fizer em nome da empresa que representa” (TJSP, AgIn 162.185-1/Diadema, j. em 05.11.1991, rel. Flávio Pinheiro); “É função indelegável do juiz a nomeação de perito, podendo a escolha recair sobre pessoa natural ou jurídica, tudo em conformidade com o art. 421 do CPC” (TRF-2ª R., AgIn 9802033243/RJ, 1ª T., j. em 24.06.1998, rel. Juiz Ney Fonseca, DJ 20.10.1998). 350. Entre os que entendiam que perito deve ser pessoa física, Antonio Carlos de Araújo Cintra explicava, com base no CPC/73: “O perito, necessariamente, é pessoa física. É o que decorre das regras jurídicas que lhe dizem respeito. Realmente, quando fala em auxiliar do juízo, em profissionais de nível universitário, em profissionais qualificados, em impedimento ou suspeição pelos motivos relacionados no art. 135 etc., a lei pressupõe perito pessoa física” (Comentários, cit., v. 4, p. 214). Para João Batista Lopes, “o Código é parcimonioso na disciplina da prova pericial, deixando de regular pontos importantes, como os requisitos exigidos para ser perito, os limites de sua atuação etc. A doutrina esclarece, porém, que o perito é pessoa física, donde se conclui que a pessoa jurídica não
pode assumir esse mister” (A prova, cit., p. 123). Segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves, durante a vigência do CPC/73, “embora a lei não mencione expressamente, o perito deve ser pessoa física. É o que resulta implícito da leitura do CPC, art. 145 e parágrafos, que fazem alusão a profissionais de nível universitário que detenham conhecimentos técnicos. Não se admite, pois, a nomeação de pessoas jurídicas para o exercício desse mister” (Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 460). Para Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga – já sob a vigência do CPC/2015, “[perito] pode ser um autônomo legalmente habilitado (pessoa natural) ou pode ser integrante do quadro de profissionais de uma pessoa jurídica ou de um órgão técnico ou científico especializado” (Curso, cit., v. 2, p. 277). 351. Observem-se as considerações de Gildo dos Santos, antes das modificações trazidas pela Lei n. 8.952/94, que alterou a redação do art. 434 do CPC/73, suprimindo a exigência de o perito prestar compromisso: “Pela nossa legislação, o perito é sempre uma pessoa física ou natural. Assim também entende a jurisprudência. Esperamos, porém, que num futuro não muito remoto possam exercer essas funções instituições idôneas, como, hoje, já acontece com o Instituto de Polícia Técnica e o Instituto Médico Legal, órgãos públicos que realizam perícias válidas no processo penal, embora através de pessoas físicas, que são seus funcionários. No âmbito do processo civil, o perito é sempre pessoa física. Não se desconhece, porém, a existência de laudos feitos por entidades igualmente merecedoras de crédito, como o Instituto Oscar Freire, de São Paulo, em casos de investigação de paternidade. Mas a verdade é que, ainda assim, o perito é uma pessoa física dessas instituições. O próprio Código de Processo Civil prevê, timidamente, essa solução no art. 434, que diz: ‘Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento, ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. O juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame, ao estabelecimento, perante cujo diretor o perito prestará compromisso’. Compreende-se a cautela que ressalta do final desse dispositivo, no sentido de fixar-se a responsabilidade de uma pessoa, no caso de pedido de esclarecimentos e, principalmente, no caso de falsa perícia, uma vez que não se pode processar criminalmente uma instituição. Ainda assim, parece-nos que as perícias possam ser feitas por órgãos públicos ou particulares, assumindo, naturalmente, a responsabilidade pelo laudo aquele que subscrever essa peça, melhor diríamos, que realizar a perícia e assinar o laudo. Se tiverem que ser prestados esclarecimentos em audiência (art. 435), quem firmou o laudo comparecerá” (A prova no processo civil, p. 60-61).
352. Já decidiu o TJSP que a insurgência quanto à falta de conhecimento técnico ou científico do perito deve ser feita no momento de sua indicação, e não durante ou após a realização da perícia. Nesse sentido, observemos a seguinte ementa de acórdão proferido à luz do CPC/73: “Agravo de instrumento. Perícia. Substituição do perito judicial por suposta ausência de conhecimento técnico. Inadmissibilidade. Recurso desprovido. O perito é auxiliar do juiz e este tem o poder de substituí-lo. A crítica da parte às inexatidões da perícia pode conduzir o magistrado a rejeitá-la, mas não, necessariamente, à substituição do expert. Se a parte pretende se insurgir contra a indicação do perito, no que diz respeito à sua especialidade profissional, deve fazê-lo no momento da indicação e não, depois, em meio à realização da perícia” (TJSP, AgIn 898957-0/0/SP, 26ª Câm. Dir. Priv, j. em 13.06.2005, v.u., rel. Renato Sartorelli). 353. A substituição refere-se exclusivamente ao perito judicial, e não ao assistente técnico (REsp 45491/SP, 2ª T., j. em 06.03.1997, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 14.04.1997). 354. Art. 342 do CP: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º As penas aumentam-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. § 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”. 355. STF, HC 71.373-4/RS, Tribunal Pleno, j. em 10.11.1994, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 22.11.1996. 356. Do julgamento do HC 71.373-4/RS acima mencionado consideramos oportuno destacar alguns trechos dos votos dos ministros (recomendamos a leitura integral da decisão), tendo em vista que a decisão proferida, pela não admissão da condução coercitiva do réu, não foi unânime. Do voto do Min. Francisco Rezek, por exemplo, extraímos as seguintes considerações: “No presente caso estão em jogo interesses de duas menores. (...) O que temos afora em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade, ou o do indigitado pai à sua intangibilidade física. (...) O impetrante alega que a ordem de condução expedida contra si afronta o art. 332 do CPC. Da sua ótica, o exame é ilegítimo, já que ninguém pode ser constrangido a submeter-se a prova pericial contra sua
vontade. Ocorre que a lei, conquanto não autorize diretamente o exame hematológico, como qualquer outro exame, é geral. Tem o magistrado a faculdade de determinar as provas que julgar como necessárias à perfeita instrução do processo. Indefiro o pedido”. No mesmo sentido, o entendimento do Min. Ilmar Galvão: “Trata-se de interesse que ultrapassa os limites estritos da patrimonialidade, possuindo nítida conotação de ordem pública, aspecto suficiente para suplantar, em favor do pretenso filho, o egoístico direito à recusa, fundado na incolumidade física, no caso, afetada em proporção ridícula”. Em sentido contrário, opinião que prevaleceu, temos o voto do Min. Marco Aurélio, que votou pela não obrigatoriedade da realização do exame: “Senhor Presidente, para mim a violência é ímpar e discrepa, sobremaneira, não só da ordem constitucional em vigor, como também das normas instrumentais aplicáveis à espécie. É certo que inexistem no CPC dispositivos que disciplinem, de forma expressa, o tema. Todavia, há outros dos quais, uma vez interpretados, emanam luz suficiente à definição das consequências da recusa. Refiro-me ao teor do art. 343, § 2º, quanto ao depoimento pessoal, à intimação para prestá-lo, mostrando-se o destinatário silente e deixando de comparecer em juízo. Qual a consequência prevista expressamente no CPC? A execução específica da ordem judicial? Não. O legislador encontrou outra solução: a admissibilidade – ficta, é certo – dos fatos (...). No caso concreto, o juiz competente, que é o da investigação de paternidade, saberá dar à recusa do réu, ora paciente, o efeito jurídico-processual mais consentâneo, isto no âmbito da prova e da distribuição respectiva, afastada a execução específica e direta da obrigação de fazer”. 357. STF, HC 76.060-4/SC, 1ª T., j. em 31.03.1998, v.u., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15.05.1998. 358. Inclusive antes da citação do réu. É o caso da seguinte decisão do TJSP, em que a ré, antes mesmo da citação, havia sido intimada para acompanhar a inspeção judicial: “Prova – Inspeção judicial – Realização antes da citação – Interposição de exceção de suspeição do magistrado – Inadmissibilidade – Ato que pode ser atacado por recurso próprio – Hipótese, ademais, em que referida prova foi realizada para evitar mudança na situação fática da lide – Exceção rejeitada – Aplicação do art. 440 do CPC” (RT 628/82). 359. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições, cit., v. III, 7. ed.,item 1390, p. 703. 360. Como bem aduzem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, “a parte tem o dever de colaborar com o juízo na realização da inspeção (art. 379, II, CPC). Há quem reconheça à parte, porém, o direito de não ser inspecionada nos casos do art. 388 do
CPC, que a escusam de depor pessoalmente. Também se aplicam à inspeção judicial as regras que excluem o dever de exibir documento ou outra coisa (art. 404 do CPC). Ainda que a parte se recuse sem justo motivo à inspeção, não se pode constrangê-la à força a submeter-se ao procedimento probatório. Esse comportamento, no entanto, pode configurar-se resistência injustificada ao andamento do processo (art. 80, IV, CPC), além de poder ser considerado um indício que fundamente a presunção judicial do fato que se queria provar” (Curso, cit., v. 2, p. 307). 361. Manual, cit., item 25.7.1, p. 962. 362. Quanto à desnecessidade de inspeção judicial quando formado o convencimento do juiz, já decidiu o TJSC: “Prova. Inspeção judicial. Realização facultada ao julgador. Inexistência de obrigatoriedade, ainda que demonstrada sua conveniência. Aplicação do princípio do livre convencimento do juiz” (RT 629/206). 363. Nesse sentido, dizem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “A inspeção pode realizar-se na sede do juízo ou fora dela, mas dentro da competência territorial do juiz” (cf. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 308). 364. Arruda Alvim, Manual, cit., item 25.7.4, p. 964.
365. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 2, p. 385. 366. Carnelutti, citado por Humberto Theodoro Jr., diz: “[Documento] é uma coisa capaz de representar um fato” (Curso, cit., 47. ed., v. 1, p. 503). 367. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária, cit., v. 4, p. 33. 368. Arruda Alvim, Manual, cit., item 25.4.2., 17. ed., p. 899. 369. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 58. ed., v. 1, p. 1.214. 370. João Batista Lopes destaca, ainda, que a valorização da prova documental é reflexo também da vida nas grandes cidades, em que caiu em desuso “a palavra empenhada” (A prova, cit., p. 101). 371. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso, cit., 11. ed., v. 2, p. 188. 372. Aduzem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “(...) porque nosso direito acolhe, predominantemente, o princípio da escritura – em que pesem inúmeras concessões ao princípio da oralidade –, os atos do processo ficam, normalmente, documentados nos autos” (Novo curso de processo civil, v. 2, 3. ed., São Paulo: RT, 2017, p. 366). 373. Concluem os autores: “A prova continua tendo sua característica própria, de prova indireta, jamais se convolando em prova documental apenas pelo fato de encontrar-se materializada em um documento, ou melhor, por estar documentada” (idem, p. 366). 374. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, abordando o dispositivo legal mencionado (art. 215 do CC/2002), criticam a expressão “prova plena”. Aduzem os autores: “Essa expressão deve ser bem compreendida e interpretada à luz do princípio do livre convencimento motivado. Primeiramente, deve-se observar que o dispositivo apenas se refere à escritura pública, que é uma espécie de documento público, escrito em língua nacional (art. 215, § 3º, CC), cuja forma deve indicar, além de outros requisitos que lei específica eventualmente lhe imponha, os dados indicados no § 1º do art. 215 do Código Civil. Em segundo lugar, não se quer com isso dizer que esse tipo de documento é absoluto e que deve sempre prevalecer sobre qualquer outro documento ou meio de prova, como ocorre no direito italiano. A interpretação a ser dada é a de que a sua autenticidade e a veracidade do seu conteúdo são presumidas, embora essa presunção seja relativa. Só isso” (Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 202). 375. João Batista Lopes, A prova, cit., p. 105.
376. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.4.3, p. 899. 377. Remetemos o leitor à nota de rodapé 39. 378. Nesse sentido, observam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini: “Os documentos particulares são reputados autênticos: antes do processo, quando houver o reconhecimento da firma do signatário pelo tabelião, e, já como prova, desde que a parte contrária àquele que o apresentou admita a autenticidade, expressamente ou não. Cabe à parte, contra quem o documento pode produzir efeitos processuais, o ônus de impugná-lo. Com a omissão, a autenticidade é presumida. Todavia, desaparece se for demonstrado ter sido o documento obtido com vício de consentimento” (Curso avançado, cit., 7. ed., v. 1, p. 464). 379. Denomina-se “prova legal” ou “prova tarifada”. 380. Assim, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso, cit., v. 2, p. 205. 381. Idem, p. 198. 382. Assim já decidiu o STJ, à luz do CPC/73: “(...) 3. Consoante a jurisprudência e o uníssono escólio doutrinário, para a preservação da própria garantia do contraditório e da ampla defesa das partes, em se tratando de elementos de convicção não secundários, ligados aos fatos centrais da lide e voltados a fazer-lhes prova imediata que diga respeito diretamente ao objeto do pedido, deve o interessado colacionar aos autos os documentos na primeira oportunidade. 4. É pacífico na jurisprudência do STJ, à luz do art. 396 do CPC/73, que a parte autora deverá apresentar – juntamente com a petição inicial– a prova documental necessária à demonstração do direito vindicado. Não se enquadra na permissão do art. 397 do mesmo diploma processual a juntada de instrumentos já existentes no momento da propositura da ação, visando comprovar situação já consolidada à época, e que não deixaram de ser apresentados por motivo de força maior. 5. O recorrido, em sede de cumprimento de sentença, subitamente colacionou aos autos instrumentos de contratos de cessão de direitos – que ele próprio teria firmado com terceiros –, representando o ato clara afronta ao art. 396 do CPC/73, ao devido processo legal e ao regular exercício do contraditório. 6. Recurso especial parcialmente provido (REsp 1424936/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. em 7.11.2017, DJe 18.12.2017); “(...) 1. A regra prevista no art. 396 do Código de Processo Civil [de 1973], segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido
conhecidos pela parte em momento posterior (CPC, art. 397), o que não ocorreu, conforme relatado pelo Tribunal a quo. Precedentes do STJ (...)” (REsp 1618161/AC, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., j. em 13.12.2016, DJe 06.03.2017). 383. “Prova – Documento – Juntada na fase topográfica processual para contrapor os fatos alegados pela parte contrária – Admissibilidade – Inteligência do art. 398 do CPC” (RT 703/98). Da mesma forma, confira-se o seguinte julgado do STJ: “É fora de dúvida que o art. 396 do CPC [de 1973] estatui competir à parte instruir a petição inicial com os documentos destinados a provar-lhe as alegações. Tal disposição, contudo, não é absoluta, sendo lícito, como é, às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, não apenas para a prova de fatos supervenientes, mas, também, para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. E mais, é poder-dever do juiz requisitar nas repartições públicas, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, provas necessárias às alegações apontadas (art. 399, I, do CPC [de 1973])” (EDcl no REsp 208.050/SC, 6ª T., j. em 05.12.2000, rel. Min. Hamilton Carvalho, DJ 27.08.2001). 384. Já se decidiu que a manifestação da outra parte não é essencial quando se tratar de documento irrelevante para o julgamento da causa (RT 681/90). Para nós, pelo menos como regra, pode-se dizer que o juiz não deve, quando menos por prudência, deixar de intimar a parte contrária para se manifestar sobre documento que tenha sido juntado. Neste mesmo sentido já se manifestou o STJ, quando vigente o CPC/73: “Processual civil – Juntada de documentos novos – Audiência da parte contrária – Obrigatoriedade – Princípio do contraditório – CPC, art. 398. Juntados pela autora novos documentos de interesse ao deslinde da causa, impõe-se a abertura de vista à parte contrária, proporcionando-lhe a oportunidade de contestá-los e de trazer aos autos as observações que se acharem necessárias. Agravo regimental provido para determinar a juntada aos autos da petição de tréplica” (AgRg na SEC 911/EX, Corte Especial, j. em 18.05.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 20.06.2005). 385. Com relação à necessidade de demonstração do prejuízo para que se decrete a nulidade, confira-se o seguinte julgado à luz do CPC/73: “Prova – Documento – Juntada – Art. 398 do CPC [de 1973] – Inobservância – Peças presumidamente de conhecimento da parte contrária e prejuízo não demonstrado – Nulidade inocorrente – Incidência dos arts. 244 e 250, parágrafo único, do mesmo Código – Preliminar rejeitada” (JTJ 162/125). 386. Assim, o STJ também na vigência do CPC/73: “Somente os documentos tidos como indispensáveis, porque ‘substanciais’ ou ‘fundamentais’, devem acompanhar a inicial e a
defesa. A juntada dos demais pode ocorrer em outras fases e até mesmo na via recursal, desde que ouvida a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada e de surpresa do juízo” (REsp 431.716/PB, 4ª T., j. em 22.10.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 19.12.2002). E, ainda: “Agravo interno no recurso especial. Processo civil. Ação de cobrança. Juntada posterior de documentos. Regra do artigo 396 do CPC/73. Mitigação. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte admite a relativização da regra do artigo 396 do Código de Processo Civil de 1973, predominando o entendimento de que, inexistindo má-fé ou intenção de surpreender o juízo, é possível a juntada de documentos aos autos a qualquer tempo, desde que não sejam aqueles indispensáveis para a propositura da ação e que tenha sido respeitado o contraditório. 2. Agravo interno não provido” (AgInt no REsp 1608723/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. em 17.11.2016, DJe 25.11.2016). 387. Sérgio Rizzi, Ação rescisória, p.180. Aliás, para esse autor, em princípio, só o documento existente à época do processo encerrado enseja a rescisória com base no inciso VII do art. 485 do CPC/73 (correspondente ao art. 966, VII, do CPC/2015). 388. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ: “Processual civil – Execução fiscal – Informações sigilosas – Atuação do juiz – Regra – Exceção. (...) De regra, não cabe ao juiz determinar a expedição de ofícios às instituições portadoras de informações sigilosas. O juiz só poderá requisitar tais informações em favor da parte credora, quando o exequente demonstrar que foram exauridas, sem êxito, as vias extrajudiciais” (REsp 161378/RS, 2ª T., j. em 01.10.1998, rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 01.02.1999). 389. Podendo ser judiciais, se elaborados por escrivão (do foro judicial); notariais, se confeccionados por tabeliães ou oficiais de registros públicos (do foro extrajudicial); e administrativos, se provenientes de outras repartições públicas. 390. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 206. 391. Idem, p. 207. 392. Art. 161, caput, da Lei de Registros Públicos: “As certidões do registro integral de títulos terão o mesmo valor probante dos originais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo”. 393. Neste sentido, confira-se o seguinte julgado proferido à luz do CPC/73: “Ação de repetição de indébito – Reprodução de documentos públicos – Autenticação. Se as reproduções de documentos públicos estão autenticadas por oficial público, fazem elas a
mesma prova dos originais. Decisão reformada” (TJMG, Ag. 179.020-3/00, 5ª Câm. Cív., j. em 28.09.2000, rel. Des. Cláudio Costa, DJ 27.10.2000). 394. De outro lado, já decidiu o STJ que fotocópia não autenticada de documento público equivale a documento particular: “O art. 365, III, [de 1972] equipara, em tema de valor probante, o documento público à respectiva cópia. Tal equiparação subordina-se ao adimplemento de um requisito: autenticação por agente público. O CPC, contudo, não transforma em inutilidade a cópia sem autenticação. Fotocópia não autenticada equipara-se a documento particular, devendo ser submetida à contraparte, cujo silêncio gera presunção de veracidade (CPC, art. 372)” (REsp 162807/SP, 1ª T., j. em 11.05.1998, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.06.1998). 395. Cassio Scarpinella Bueno, abordando as alterações trazidas pela Lei n. 11.382/2006 ao CPC/73, aduzia: “Com relação à hipótese do inciso IV do art. 365, acrescentado pela Lei n. 11.382/2006, cumpre destacar que o dispositivo veio para generalizar, no melhor sentido da palavra, o que, timidamente, foi introduzido pela Lei n. 10.352/2001 no art. 544, § 1º: as cópias extraídas dos autos do processo jurisdicional podem ser declaradas autênticas pelos advogados independentemente da finalidade de seu uso (...). A lei não exige a observância de uma específica forma na autenticação do advogado, razão pela qual se faz suficiente que o profissional declare em cada documento, na própria petição que o produza em juízo ou, ainda, em declaração apartada devidamente juntada aos autos, que se trata de reproduções autênticas. A arguição de falsidade desses documentos observará, ou não, o incidente dos arts. 390 a 395 à medida que a parte contrária pretenda imunizar de ulteriores discussões aquela declaração” (Curso sistematizado, cit., t. I, p. 282-283). 396. Processo de conhecimento cit., p. 378. 397. A propósito, cabe ressaltar que Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero entendem, com razão, que as alterações trazidas pela Lei n. 11.419/2006 ao art. 365, especialmente incisos V e VI, possuem caráter expletivo. Segundo os autores: “Apesar de aparente relevância da norma, que disciplinaria o valor dos documentos eletrônicos – e, em que pese a exaustiva e absolutamente inoportuna relação de pessoas que podem produzi-los –, vê-se, na verdade, que a regra pouco acresce ao que já existia na ordem jurídica pátria. Com efeito, como já visto, o art. 225 do Código Civil já previa que qualquer reprodução eletrônica teria o valor idêntico ao original se não houvesse impugnação de seu teor. O mesmo faz o CPC. Regras como essas, todavia, são totalmente desnecessárias ao sistema processual, pois faz parte da força probante de qualquer prova e
do senso comum a sua aceitação se ambas as partes concordam com seu teor e sua direção. A rigor, basta a aceitação daquele a quem a prova prejudica, para que se tenha (ao menos por uma presunção relativa) a conclusão de que a prova reflete a realidade. Substancialmente, o importante não é disciplinar os casos em que há mútua aceitação do teor da prova, mas sim estabelecer critérios para a avaliação da prova cujo teor foi contestado pela parte a quem ela prejudica” (idem, p. 381). 398. Idem, p. 381. 399. É o caso do boletim de ocorrência, no caso de acidente envolvendo veículos e contendo as declarações dos envolvidos: “Acidente de trânsito – Boletim de ocorrência – Documento público que goza de presunção juris tantum de veracidade – Suficiência para determinar os participantes dos polos ativo e passivo nas lides em que se discute o sinistro – Ônus da prova da ilegitimidade passiva a cargo do réu – Aplicação dos arts. 364 e 333, II, do CPC – Declarações de votos vencedor e vencido” (RT 671/193); “ACIDENTE DE VEÍCULOS. PROVA. DECLARAÇÕES DE POLICIAL CONSTANTE EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. Por constituir-se em documento público elaborado por autoridade policial, tem o boletim de ocorrência forte valor probante (art. 364 DO CPC), só derrogado por prova em sentido contrário. Recurso improvido” (TJSP, Apel. 953548- 0/4, 26ª Câm. Dir. Priv., j. em 22.10.2007, rel. Des. Aparecido César Machado); “PROVA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PROVA. O documento público faz prova dos fatos que o funcionário declarar que ocorreram na sua presença (art. 364 do CPC). Três são as hipóteses mais ocorrentes: (I) O escrivão recebe declarações e as registra, quando então ‘tem-se como certo, em princípio, que foram efetivamente prestadas. Não, entretanto, que seu conteúdo corresponda a verdade’ (REsp 55.088/SP); (II) O policial comparece ao local do fato, e registra o que observa, quando então há presunção de veracidade (‘o boletim de ocorrência goza de presunção iuris tantum de veracidade, prevalecendo até que se prove o contrário’ – REsp 4.365/RS), e tal se da quando consigna os vestígios encontrados, a posição dos veículos, a localização dos danos, etc.; (III) O policial comparece ao local e consigna no boletim o que lhe foi referido pelos envolvidos ou testemunhas, quando então a presunção de veracidade e de que tais declarações foram prestadas, mas não se estende ao conteúdo delas (‘o documento publico não faz prova dos fatos simplesmente referidos pelo funcionário’ – REsp 42.031/RJ). Em todos os casos, a presunção é apenas relativa. Hipótese em que o boletim da ocorrência foi confirmado pelo testemunho do policial e por outras provas, fundamentando o julgado. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 135.543/ES, 4ª T., j. em
08.10.1997, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 09.12.1997). 400. Arruda Alvim, Manual, cit., 17. ed., item 25.4.13, p. 909. 401. Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 195. 402. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 58. ed., v. 1, p. 1.219. 403. A propósito do assunto, diz Fredie Didier Jr. que o dolo não é suficiente para invalidar a admissão, expressa ou tácita, do documento, a menos que tenha dado causa a um erro de fato. Segundo o autor, as hipóteses em que se admite a invalidação da admissão de documento se aproximam das hipóteses em que se admite a invalidação da confissão (CPC/2015, art. 393), hipóteses estas que se restringem ao erro de fato e à coação, conforme o art. 214 do CC (Curso, cit., v. 2, p. 208). 404. Sobre a distinção entre falsidade material e falsidade ideológica, diz Paulo José da Costa Júnior que, “na falsidade material, o documento é falsificado em sua essência (material). Na falsidade ideológica (intelectual), o documento é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo ideal. Um testamento apócrifo representa um caso de falsidade material. A autoridade policial que se declarar presente a um ato, quando em realidade esteve ausente, pratica uma falsidade ideológica. Mazzini assentava a distinção nas suas acepções que a expressão falsidade assume: não genuína e não verdadeira. Verifica-se a falsidade material quando o documento não é genuíno. Apresenta-se a falsidade ideológica quando o documento, apesar de genuíno, não é verdadeiro. (...) A falsidade material, que elimina a genuinidade do documento, poderá apresentar-se sob duas formas: como contrafação, quando o documento, redigido por seu verdadeiro autor, padecer as modificações retrorreferidas. O documento que não for nem contrafeito, nem alterado é genuíno. Se, embora genuíno, contiver declaração não correspondente à verdade, a falsidade será tida como ideológica. (...) a falsa genuinidade (autenticidade) está para a falsidade material, assim como a falsa veracidade está para a falsidade ideológica. A falsidade material diz respeito à autoria, à data e ao lugar da formação do documento. A falsidade ideológica recai sobre aquilo que vem atestado no documento. Em outras palavras: a falsidade material agride a genuinidade do documento, ou seja, a sua proveniência, que não é de autor real, mas aparente. A falsidade ideológica recai sobre a veracidade do documento, isto é, sobre o fato de este conter afirmações inverdadeiras. Não basta, porém, a competência do funcionário para redigir o ato, que é condição essencial, mas genérica. A ela deverão acrescentar-se outras, de natureza específica, que permitem ao funcionário público executar o ato” (Comentários ao Código Penal, p. 920-921). Segundo
Celso Delmanto, “na falsidade material, o que se frauda é a própria forma do documento, que é alterada, no todo ou em parte, ou é forjada pelo agente, que cria um documento novo. Na falsidade ideológica, a contrário, a forma do documento é verdadeira, mas seu conteúdo é falso, isto é, a ideia ou declaração que o documento contém não corresponde à verdade” (Código Penal comentado, p. 453). 405. É o que dispõe o § 2º do art. 1.245: “Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”. 406. Arruda Alvim, a respeito, ensina: “Apesar da sua autenticidade, o documento público apenas prova o que se denomina de verdade extrínseca das declarações, bem como aqueles fatos que se passaram diante da autoridade que lavrou o documento, e, como tais, constantes do mesmo” (Manual, cit., 17. ed., item 25.4.9, p. 859). 407. Humberto Theodoro Jr., Curso, cit., 58. ed., v. 1, p. 1.221. 408. Súmula 260 do STF: “O exame de livros comerciais, em ação judicial, fica limitado às transações entre os litigantes”. Súmula 390 do STF: “A exibição judicial de livros comerciais pode ser requerida como medida preventiva”. 409. Súmula 265 do STF: “Na apuração de haveres, não prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retirou”. 410. Neste sentido, já decidiu o STJ: “A Corte Especial deste Tribunal, analisando a extensão do teor contido no art. 384 do CPC [de 1973], combinado com as disposições do art. 21 da MP 1.542/97 [posteriormente convertida na Lei n. 10.522/2001], proclamou que as reproduções fotográficas dos documentos particulares autenticadas por servidores públicos merecem eficácia, de vez que seus atos, quando praticados no exercício da função pública, gozam de presunção de legalidade e veracidade” (EREsp 109779/SP, Corte Especial, j. em 17.06.1998, rel. Min. Vicente Leal, DJ 08.09.1998). 411. Confiram-se: “Prova – Documental – Exibição de cópia não autenticada – Admissibilidade – Inteligência do art. 385 do CPC [de 1973] – Ausência, ademais, de impugnação válida – Recurso provido. Em não se requerendo ou determinando a conferência com o original, a cópia passa a ter o mesmo valor probatório do original” (TJSP, AgIn 240.191-2/SP, 11ª Câm. Cív., j. em 16.02.1995, v.u., rel. Des. Mohamed Amaro). 412. Com relação à juntada de negativo, quando a prova for realizada através de fotografia,
vejamos as seguintes decisões: “Agravo de instrumento – Certidão de intimação – Fotografias – Negativos. A simples falta da juntada dos negativos das fotografias apresentadas pela parte não é motivo para o seu desentranhamento, e seu valor probante deverá ser estabelecido no momento adequado. Recurso conhecido em parte, pela divergência, mas improvido” (STJ, REsp 188953/PR, 4ª T., j. em 03.12.1998, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.04.1999). A propósito do assunto, dizem Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “A fotografia faz prova dos fatos ou das coisas nela representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade, isto é, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhe impugnar a exatidão (art. 422, CPC, c/c art. 225, Código Civil). Isso vale para as fotografias digitais e para aquelas extraídas da internet (art. 422, § 1º, CPC). Se impugnadas, deve a parte que a as trouxe aos autos apresentar a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível isso, deve ser realizada perícia (art. 422, § 1º, 2ª parte, CPC). É o que também se dá com o § 2º do mesmo art. 422, que determina que ‘se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela outra parte’. O CPC atual não cuidou da fotografia dita ‘convencional’ – isto é, obtida a partir de câmera de filme. De acordo com o § 1º do art. 385 do CPC-1973, a fotografia, para ser juntada aos autos, deveria estar acompanhada do respectivo negativo. A fotografia está para o seu negativo assim como a cópia de um documento está para o seu original” (Curso, cit., v. 2, 11. ed., p. 216). 413. Deve-se sublinhar que é também documento, num sentido restrito, todo e qualquer ato reduzido a escrito. Nesse sentido, v. Alfredo Buzaid (A ação declaratória no direito brasileiro, n. 102, p. 179-180). Um documento vale pelo seu conteúdo. Documento, na arguição de falsidade, deve ser entendido como prova literal. Em tendo presente o conceito de documento, e, ainda, em o confrontando com o direito alemão, que, no particular, exerceu sensível influência no direito brasileiro, verifica-se, corroborado o que foi afirmado, que Arwed Blomeyer afirma (Zivilprozeßrecht – Erkenntnisverfaren, v. 1/188, § 37) o seguinte: “Eine Urkunde ist echt, wenn sie von dem ‘angeblichen Aussteller’ herrführt” (“Um documento é autêntico, quando provém do seu autor [ou expositor]”). Stein-Jonas, em colaboração com Grunsky, Leipold, Münzberg, Schlosser e Schumann (Zivilprozeßordnung cit., comentários ao § 256, n. 5, v. II/03, 1ª parte), a seu turno, textualmente, desenvolvem as expressões de Blomeyer; Baumbach, em colaboração com Lauterbach, Albers e Hartmann (Zivilprozeßordnung, coms. ao § 256, n. 6, p. 728; comentários ao § 440, p. 1.186), desenvolve o tema na mesma e idêntica linha de
pensamento. No direito penal e processual penal corrobora-se este entendimento: v. José Frederico Marques