A Civilização Bizantina

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Foi o xército reorganizado por Tibério e Maurício que 111'l'Íu'lio I 'vou à vitória nas prolongadas Guerras Persas, e IJ 111, I~ a ti to, foi dominado pelas invasões árabes. As conquistas 1\1 rUI" >1108 roubaram ao império o Egito, a África e a Síria, c f i com dificuldade, após anos caóticos, que a fronteira da ia Menor pôde ser defendida contra êles. Durante êsse pe··· ríodo, a reorganização do exército foi completada, através de fila s que não podemos acompanhar: até que no século VIII, finalmente, os imperadores isáurios aperfeiçoaram o sistema dI "temas". A origem dês se sistema está no estacionamento de certos r igimentos ou "temas", certas combinações. regulares de grupos, para defender determinados distritos fixos, e a nomeação do comandante do regimento, ou strategus, para a chefia também do govêrno civil. Os distritos eram por isso conhecidos como "temas", e a princípio cada um dêles recebeu o nome do regimento que o ocupava, como os optimácios ou os bucelários. Mas à medida que o império se ordenava e a vida civil se recuperava novos temas eram criados em distritos reclamados pelo govêrno e na fronteira. Recebiam, então, nomes geográficos, como carsiniano ou selêucio, de acôrdo com suas principais cidades, ou capadócios ou peloponesos, segundo o velho nome da província. Os "ternas" eram subdivididos em duas ou talvez três turmarquias, ou merê, distrito ocupado pela turma, ou principal divisão do regimento, comandado por um turmarca ou merarca. A turma, por sua vez, se dividia em três moirai, cada um dêles sob um drungário, e a moita em dez grupos ou tagmata, tendo à frente um comes. A medida que a fronteira avançava, as turmarquias iam sendo separadas de seus "temas" originais, e com o acréscimo de novos territórios, passavam a constituir "temas". Foi assim que Leão VI criou o "tema" de Selêucia. Certos distritos de fronteira, particularmente os passos, não eram incluídos na organização temática, ficando sob ocupação militar permanente. Eram chamados kleisourai

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ou clissurae, e seu comandante era um clissurarca. êles podiam ser elevados a "temas".

Também

O exército assim organizado era principalmente uma arma de defesa, e nos períodos em que o império estava na defensiva constituía a sua arma mais importante. O estratego do "tema" anatólio, o mais importante dentre êles, era até o século IX o comandante-chefe da Ásia, e até mesmo no século X ocupava um lugar extraordinàriamente alto na hierarquia oficial. Junto às tropas das clissurae - e possivelmente por vêzes controlando-as - estavam os barões da fronteira, os acritas, tais como o herói épico Digenes, que realizava uma guerrilha de pilhagem permanente contra os sarracenos, mas que provávelmente se unia aos exércitos imperiais para qualquer expedição organizada. Durante o século IX aumentou a importância de um nôvo ramo do exército, a tagmata, ou os quatro regimentos dos guardas imperiais - os scholae, os excubitors, os arithmos ou vigIa (vigias) e os hicanati. Os últimos foram, aparentemente, organizados por Nicéforo I, e os outros descendiam dos guardas palacianos do império antigo. Constituíam-se de regimentos de cavalaria:, provàvelmente sem grande poderio as "escolas" do século X tinham apenas 1.500 homens cada um dêles comandado por um "doméstico", exceto o regimento vigia, que tinha como comandante um drungário, Adidos a êles estavam os numeri, soldados de infantaria cuj o número era de 4.000 aproximadamente, e os hetaeria, a verdadeira Guarda Imperial, recrutada entre estrangeiros - últimos sucessores dos foederati. Essas tropas ficavam estacionadas habitualmente na Trácia ou na Bitínia e acompanhavam o imperador em suas campanhas ou, com o tempo, o "doméstico" dos scholae assumia as funções de comandante-chefe, quando o imperador não ia pessoalmente à frente das tropas. Durante o longo período de quase um século que vai de Basílio I a Nicéforo II, e quando nenhum dos imperadores era soldado, o "doméstico" tinha sem dúvida o pôsto militar mais importante do império, embora sua precedência fôsse inferior ao do estratego dos anatólios. A transição para a guerra ofensiva, no curso dêsse período, apenas fortaleceu sua posição, até que em 963 o "doméstico" Nicéforo Focas era o candidato natural para o império durante a menoridade dos imperadores porfirogênetos. Os deveres das diferentes tropas eram claramente estabelecidos. O exército temático guardava as fronteiras contra

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/I /11\II IH' I' 1I/lIlHI~i!"us. Quando os sarracenos cruzavam a 11111111'1/1o rnmundante local comunicava imediatamente o I I I /111 /,0 do "I ma", que avisava sem demora os "temas viziIIlltI " 1/1111,; IlId() sua cavalaria em perseguição dos invasores, '11'1111111'" H infantaria ocupava os lugares por onde êles teriam d, pu li!", n regresso. Os "temas" vizinhos, nesse meio tempo, 1111111/111\ uas tropas principais e preparavam-se para convergir "I••tl um mesmo ponto, para onde se supunha que o inimigo il iu, S a concentração dessas fôrças fôsse bem preparada e I'Illl'idnda, os invasores poderiam ser surpreendidos e cercados, 1'011I1) O orreu em 863, ocasião em que o general sarraceno OIlIU!"foi sitiado no Hális pelo exército temático da Ásia. Fazium-se também contra-ataques, dando instruções à frota para ti ivastar a costa sarracena. Quando o exército bizantino realizava um contra-ataque, o imperador ou o "doméstico" da scholae saía de Constantinopla com a tagmata, e a êle se uniam, em determinados pontos da grande Estrada Militar da Ásia, contingentes de tropas dos vários "temas", principalmente infantes, embora também enviassem alguma cavalaria, pois sabemos que o imperador devia ser sempre acompanhado de 8.200 cavaleiros no mínimo e a tagmata provàvelmente não dispunha de mais de 6.000.' Restam-nos muito poucas informações sôbre os processos adotados durante as ofensivas em território inimigo. Quando Leão VI escreveu sua Tactica, elas eram raras, e pouco mencionadas, Até mesmo o soldado de Nicéforo Focas, que descreveu a antiga guerra defensiva, declarava que suas experiências estavam desatualizadas, na época. Somente num pequeno manual anônimo, (o Liber de Re Militari) é analisada a invasão de terras estrangeiras, e mesmo assim - embora na época já João Tzimices levasse seus exércitos à Palestina e aos arredores de Bagdá as regras mencionadas são cautelosas e imprecisas, tratando principalmente do sítio de cidades inimigas. A cautela, na verdade, era a chave da estratégia bizantina. Os ataques dos bárbaros e dos infiéis eram tão freqüentes e por vêzes tão inesperados que uma política agressiva, ousada, dificilmente era praticável. O exército bizantino não era grande, como o dos sarracenos, e sua manutenção era custosa. Tinha, por isso, de ser usado do melhor modo, sem perda de vidas ou de equipamento. Todos os livros didáticos militares bizantinos insistem nas advertências contra a precipitação os generais deviam sempre prevenir as emboscadas e ataques de 8

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surprêsa e não deixar nunca seus flancos descobertos. Deviam possuir batedores de confiança e servir-se de estratagemas sempre que possível. Na verdade a ética ensinada era a menos rigorosa possível. A palavra empenhada devia ser mantida, a vida dos prisioneiros poupada, as mulheres respeitadas; os têrmos da paz não deviam ser impiedosos, se o inimigo lutara bravamente. Recomendavam-se, porém, as conversações insinceras para ganhar tempo e espionar o inimigo, o envio de cartas falsas aos generais inimigos, para intrigá-Ias com seus comandantes, e a manutenção da boa disposição das tropas narrando-se-Ihes histórias de vitórias imaginárias. Tais recursos podem ter sido úteis, mas a fôrça real dos bizantinos estava na inteligência com que enfrentavam seus vários inimigos. Aprendiam os métodos bélicos particulares de cada um dos adversários, e o melhor processo de anulá-Ias. Assim, os francos foram vítimas de sua precipitação, pois Iâcilmente se deixavam levar a emboscadas. Seu abastecimento era mau, e a fome provocava deserções. Eram indisciplinados e corruptos. Evitando uma batalha direta, onde a coragem e fôrça individual muito os ajudavam, constituíam um adversário fácil de desgastar. Os turcos, que incluíam os magiares e os petchenegos, eram também astutos, e suas tropas se constituíam de hordas de cavaleiros com armas leves. O general bizantino devia, ao enfrentá-Ias, precaver-se contra emboscadas e forçá-Ias à batalha o mais depressa possível. Seus cavaleiros pesados podiam derrotá-Ias sem que os turcos conseguissem atingir as linhas da infantaria bizantina. Os eslavos, infantes de armas leves, só eram perigosos em terreno montanhoso e difícil. Nas planícies, seu armamento deficiente e sua indisciplina não lhes permitiam resistir às tropas imperiais. Os sarracenos eram, portanto, os inimigos mais importantes. Podiam reunir exércitos enormes, moviam-se com grande rapidez e haviam feito estudos da arte da guerra. Continuavam, porém, um tanto desorganizados, e seu ânimo se alquebrava à derrota. Um ataque noturno num momento em que, carregados com os resultados das pilhagens, se viam obrigados a mover-se mais devagar, podia lançá-Ias em pânico. Também o clima os atingia, principalmente o frio e a chuva. Homem por homem, seus cavaleiros não eram adversários para os bizantinos e portanto êstes não temiam a batalha aberta, exceto quando a proporção numérica era muito desfavorável. Também a arte do sítio tinha suas regras especiais, segundo a natureza da cidade sitiada e da região que a

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'I ni~ r gras foram cuidadosamente cstabelecidas, rígidas. Um recurso nôvo era sempre bem rece111.1" (:I'I'IlUm'no pedia aos generais que pensassem sempre I 111IIIIVO -rn itodoe, e Ana Comnena louvava seu pai, Aleixo I, 1'1,111 novidades por êle criadas. Os sitiados deviam examinar I' dI' cobrir a Iôrça e o temperamento do inimigo. Cecaumeno I I'('um .ndava sortidas e certas artimanhas. Por outro lado, as rOl'tifi ações foram objeto de um estudo cuidadoso. A fôrça do exército bizantino estava nos cavaleiros de 1II'1I1IInlnto pesado, os caballarii. Usavam capacetes de aço e rulu ti' malha, com um frontal de aço para oficiais e soldados du linha de frente; tinham mantos de linho e lã para recobrir 11 urmadura, segundo o tempo. Suas armas eram a espada, a ndaga, o arco e flecha, e uma lança. As côres dos ornatos e manto variavam segundo o regimento. Os infantes eram principalm nLe arqueiros certas províncias forneciam soldados com azagaias, ao invés de arqueiros. Havia também infantes ('Om mu .hados, lanças, espadas e escudos, e que defendiam os plltl!l s montanhosos, onde o emprêgo da cavalaria era difícil. ) f go greguês, principal característica da guerra naval bízantiua, era usado pelo exército apenas para afastar os sitiantes.

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Informações diversas são dadas quanto ao salário das tropas. Os estrategos dos "temas" milit~res da Ásia recebiam ntre 20 a 40 libras de ouro por ano. Os turmarcas recebiam aparentemente pelo menos 3 libras, e os oficiais de menor patente, 2 ou 1. Entre os soldados, os recrutas, ao que parece, ganhavam 1 numisma no primeiro ano, 2 no segundo, e assim por diante, até chegar a 12 ou mesmo 18. Cecaumeno recomendava enfàticamente que o salário dos soldados não fôsse nunca reduzido. Calculou-se que os exércitos dos "temas" ocidentais, inclusive a Trácia e a Macedônia, custavam ao Tesouro pelo menos 500.000 libras esterlinas, ou 22.500.000 francos-ouro por ano. O pagamento era efetuado pelo cartulário de cada "tema", autoridade essa controlada pelo govêrno central. Freqüentemente, porém, o pagamento dos soldados se fazia em terras. Os soldados da cavalaria eram recrutados principalmente entre os pequenos proprietários, que tinham uma obrigação hereditária de prestar serviço militar, e em compensação estavam isentos de todos os impostos, exceto o territorial, A obrigação do serviço militar podia, entretanto, ser evitada. A mãe de santo Eutímio, o Jovem (n. cêrca de 820), que era viúva, casou-o muito cedo para que, tendo duas mulheres e

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uma casa a sustentar, pudesse êle livrar-se do serviço militar. Os hetaerii eram tão bem remunerados que os estrangeiros costumavam pagar para ser admitidos às suas fileiras. Em seus melhores dias, o exército bizantino tinha provávelmente apenas cêrca de 120.000 homens, dos quais 70.000 nos exércitos do Oriente, e o resto nos "temas" ocidentais e nos regimentos do exército central. A êsse total, porém, devemos acrescentar o grande número de pessoas que acompanhavam o exército. Os soldados podiam levar criados e escravos, para que não se cansassem com as tarefas de armar tendas e cavar trincheiras. O abastecimento ficava a cargo de não-combatentes. Um corpo de; engenheiros, também não-combatentes, estava sempre presente para organizar o acampamento noturno. Além disso, havia um corpo médico muito eficiente, com uma erganização de transporte de feridos de que se podia orgulhar qualquer exército. Nos grandes postos militares, como Dorileu, havia grandes bandos coletivos para os soldados. Em 1071 o Imperador Romano Diógenes, violando todos os cânones da estratégia bizantina, levou suas tropas à derrota em Manziquerte. O exército bizantino não se recuperou jamais, não tanto devido a êsse grande desastre, mas devido ao fato de ter êle provocado a perda da maior parte da Ásia Menor e a desordem de tôda a organização temática. O eunuco Nicéforo, o Logóteta, e, depois dêle, Aleixo I, conseguiram reunir um exército que bateu os normandos e os petchenegos e prestou bom serviço no reinado de João, filho de Aleixo - sendo desgastado na Armênia e na Hungria por seu neto Manuel, finalmente, perdido em Miriocéfalo. Foi porém um exército quase improvisado, reunido dia a dia, da melhor forma possível, sem uma organização estável para mantê-lo. Por medida de economia, tinha de ser desmobilizado cada inverno. Os imperadores eram obrigados a se valerem, cada vez mais, de mercenários estrangeiros. A guarda pessoal da côrte imperial sempre Iôra constituída de estrangeiros, e o rebelde Bardas Focas tinha uma guarda de georgianos escolhidos, todos da mesma altura e vestidos com uma armadura branca. "A famosa guarda varangiana foi organizada durante a primeira metade do século XI, e no reinado de Aleixo dela participavam estrangeiros de tôdas as origens - russos, "colbíngios", turcos, alanos, inglêses, germanos e búlgaros. Formavam êles, com os hicanati, os vestiantes, os imortais (remanescentes da antiga tagmata, reunidos após Manziquerte pelo eunuco Nicéforo em 1078) e os archon-

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10/I,d" (11I' Hllizlld por Aleixo para os filhos dos nobres morItI I 11 '1IIde o d exército. Foi a guarda varangiana, composta I" 1111 '1,"1111 '111 de inglêses, que os normandos derrotaram em

.m 1081. Já não havia exército temático: os "temas" rlissolvidos e os Comnenos preferiam centralizar. Passou 11 lurvcr dois comandos principais, o "doméstico" do Oriente I 1/ "prop'orciona a receita segundo a qual tais resultados fo.ram obtidos no século X. Contra os cazares, por exemplo, podia-se convocar os petchenegos ou os búlgaros negros; contra os petch_enegas, os russos e húngaros, e ass.im por diante. Cada naç~~ tinha inimigos potenciais, que podIam ser usad~s p~ra contra balançar suas fôrças. Até os últimos dias, os hízantinos foram adeptos da arte de jogar as nações umas contra as outras.

Sob o verniz da pompa, a diplomacia bizantina era sutil, clarividente e um tanto sem escrúpulos. As obrigações dos tratados eram sempre observadas com cuidado, mas os bizantinos não consideravam deslealdade incitar tribos estrangeiras contra um vizinho pacífico. Leão VI, que era religioso demais para se dedicar pessoalmente à luta contra seus companheiros cristãos, os búlgaros, não hesitava em apoiar os ímpios húngaros para que atacassem os primeiros pela retaguarda. Do mesmo modo, Nicéforo Focas incitava os russos contra os búlgaros,

O casamento ocupava grande papel na diplomacia bizant~na. Até os imperadores podiam ser levados a se casarem com n.Olvas estrangeiras. Duas princesas cazares sentaram-.se no trono lmpei rial, as mulheres de Justiniano II e Constantmo Romano d casou seu neto, o futuro Romano lI, con: uma pn~cesa ba~tar a da Itália. A mulher de Miguel VII fOI a ado,ravel Mana ~e " No rem' ado dos Conrnenos e dos Paleologos, as espoAI ama. " d ' sas ocidentais tornaram-se .comuns; há uma longa serre e Impe, ratrizes nascidas no Ocidente e mal-adaptadas em seu novo

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ambiente, que o orgulho bizantino jamais permitiu que se tornassem populares em Constantinopla_ Diplomàticamente, tais casamentos foram um fracasso nenhuma vantaaem trouxeram , . o, ~ ~o ser."uam para provocar reprovação geral ao imperador. O último Imperador, Constantino XI, viu sua inutilidade, e às vésperas da queda da cidade procurava uma noiva no Oriente. Por outro lado, o casamento de damas bizantinas com potentados estrangeiros era, às vêzes, expediente proveitoso. Constantino VII. afirmava que havia três coisas que nenhum imperador devia conceder a um estrangeiro a coroa, o searêdo do f0!S0 greguês. e a mão de uma princesa imperial. O'" preceito fOI desobedecido com freqüência. Romano I, para tristeza de Constantino, deu sua neta Maria em casamento ao tzar da Bulgária, e as próprias netas de Constantino Teófano e Ana torna~an~-se res~e~tivamente imperatriz ociden~al e grã.duques~ da H~ssIa. O ultm~o .caso foi particularmente humilhante, pois o , Grao-Duque Vladimir era um bárbaro incorriafvel. Basílio II • I:> . s~ con~e~tIU no sacrifício de sua irmã para conseguir objetivos diplomáticos urgentes converter os russos transformá-los em aliados e salvar Quersônia. Foi durante o go~êrno em Nicéia e ..os Paleólogos que as filhas dos imperadores se casaram frequentemente no exterior, principalmente com os monarcas dos esl~v?s. Nos últimos séculos, os imperadores da Trebizonda verificaram que a famosa beleza de suas filhas era bem de grand~ valor,. m.as ao. se servirem dela agiam de um modo que a diplomacia imperial tradicional desaprovava. Damas de origem menos alta, porém, saíam freqüentemente de Constantinopla p~ra, com yroveito, civilizar um noivo principesco numa terra distante. A medida que as dinastias armênias e caucásicas se foram colocand~ sob a esfera de influência imperial, seus ~embros eram ~stImulados a buscar suas noivas na grande CIdade. Alguma Jovem bela, de boa família, de preferência ligada à Casa Imperial, partia de vez em quando para Tarona ou Ani, com um dote suntuoso e provàvelmente uma relíquia não muito importante como presente de núpcias do imperador _ Romano III deu à sua sobrinha um prego da Verdadeira Cruz quando de seu casamento com o Rei Bagrate de Abasgia; Teófano foi para o Ocidente levando o corpo de São Pantaleão de Nicomédia e o marido agradecido olhava ainda com maior respeito para a côrte de Constantinopla. Os príncipes Iomhardos do sul da Itália já haviam recebido, em fins do século VIII, espôsas de Bizâncio - como Grimaldo de Bene-

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v nto, que desposou a cunhada de Constantino VI. No século I, dois doges de Veneza, João Orseolo e Domenico Selvio, ca aram-se com damas bizantinas. No trono da Hússia, no êculo XI, sentaram bizantinas. No século XII, no reinado dos .ornnenos, o fato tornou-se ainda mais comum. Maria Com11 na e Teodora Comnena, sobrinhas do imperador, foram rainhas de Jerusalém; outra sobrinha de Manuel I casou-se com o Duque da Áustria sacrificada à bêsta selvagem do Ocidente, como disse o poeta da côrte de sua mãe. Já então, a antiga reserva dos Porfirogênetos desaparecera, resultando disso que a honra de ter uma espôsa imperial era menor, e portanto o seu valor diplomático declinava. Ao mesmo tempo, Bizâncio gostava de colecionar pretendentes a tronos estrangeiros. Encontravam-se invariàvelmente na côrte imperial pretendentes aos tronos da Bulgária e da érvia, quase sempre casados com damas de Constantinopla. Romano I, embora tivesse Pedro da Bulgária desposado sua filha, procurou instalar no trono búlgaro o irmão mais velho, Miguel, a quem conservava em Constantinopla com tôdas as honrarias. Quando Carlos Magno pôs fim ao seu reinado lombardo, o antigo príncipe Adelquis fugiu para Constantinopla, onde todos os seus planos receberam apoio. Apenas meio século untes da queda final do império, um pretendente turco abrigou-se m Constantinopla e dali partiu para atacar o Sultão Murad 11. A diplomacia bizantina era bastante cara. Presentes, do1 s, subsídios a nações inteiras, tudo isso recaía sôbre o Tesouro, em somas enormes. Até mesmo os bloqueios econômicos, por vêzes realizados com eficiência contra os sarracenos, eram também custosos ao império. O govêrno estava inteiramente disposto a pagar aos seus inimigos, diretamente, para que não invadissem seu território. Os príncipes sem lei, do outro lado da fronteira, tornavam-se assim clientes, quase assalariados, preferindo a renda regular do ouro bizantino às incertezas de uma incursão. Quando, por vêzes, Bizâncio tinha alguma razão para não querer ir à guerra, pagava uma quantia anual a Bagdá ou Preslav. O califa ou o tzar podiam chamá-Ia de tributo, se quisessem. Para o imperador, era apenas um investimento pruti nte; quando estivesse pronto para a luta, o pagamento cesava, Tudo isso, porém, dependia de um tesouro abarrotado. Enquanto houvesse dinheiro, florescia a diplomacia bizantina. Ma quando Constantinopla deixou de ser o centro financeiro do mundo, o declínio chegou.

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V ârias rotas eram utilizadas pelo comércio oriental. Podia guir através do Turquestão até o Cáspio e daí, quer pelo 1I01't até o Volga e o Mar Negro, no Quersoneso, quer pelo ul, através da Pérsia Setentrional até Nisibin, na fronteira imp rrial, ou através da Armênia, para Trebizonda. Podia atravessar a índia e o Afeganistão e o centro da Pérsia, até Nisibin ou a Síria; ou podia seguir por mar até o Gôlfo Pérsico e então atravessar para a Síria; ou ainda fazer todo o trajeto marítimo, Mar Vermelho acima até o Egito. Apenas duas rotas evitavam u Pérsia, a do extremo norte, que dependia da rara estabilidade dos povos das Estepes ou a do extremo sul, a rota marítima, que exigia uma frota mercante a leste de Suez. A Pérsia constituía uma ameaça ao comércio. Levantava altas barreiras tariIárias e, em tempo de guerra, cortava todo o abastecimento. Na realidade, restrições forçadas periódicas não eram más para O equilíbrio comercial do império, mas provocavam o desemprêgo nas suas fábricas de sêda. A diplomacia imperial, durante todo o século V e especialmente o VI, procurou salvaguardar as duas rotas livres, negociando com os reinos dos hunos c turcos, nas Estepes, ou com os abissínios, cujo Reino de Axum comandava o Mar Vermelho.

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CAPÍTULO

VII

COMÉRCIO Se Bizâncio devia sua fôrça e segurança à eficiência dos seus Serviços Públicos, era o comércio que lhe permitia pagá-los. Sua história é fundamentalmente a história da sua política financeira e a do comércio da Idade Média. Poucas cidades gozavam de uma localização comercial tão privilegiada quanto Constantinopla, situada que estava à margem do canal marítimo entre o Norte e o Sul e a. ponte peninsular entre o Leste e o Oeste. E poucas raças foram tão aptas para o comércio quanto os gregos e armênios, que constituíam seus cidadãos. Não é surprêsa o fato de ter sido Constantinopla, durante séculos, sinônimo de riqueza, uma cidade cujo tesouro "não tinha fim nem medida". Mas êsse tesouro não fôra adquirido por acidente. Os desvelos e as circunstâncias é que enriqueceram a cidade. Até Colombo e Vasco da Gama abrirem uma nova era, o principal comércio do mundo realizava-se do Extremo Oriente para o Mediterrâneo. A esfera mediterrânea podia abastecer-se de alimentos e suprir as próprias necessidades; mas, sempre que se tornava próspera, punha-se a desejar os artigos de luxo que só o Oriente podia fornecer. Nos primeiros séculos da era cristã, o comércio oriental era muito florescente. Roma importava largamente especiarias, ervas e madeira de sândalo das índias e, acima de tudo, sêda bruta da China. Tudo isso custava bom preço e as exportações de vidro, esmalte e artigos manufaturados do Mediterrâneo não eram suficientes para pagá-lo. Uma soma enorme de ouro ia anualmente para o Leste e essa drenagem conduziu à depressão que gradualmente envolveu o mundo romano. Mas a procura da sêda continuava e a busca de uma rota menos dispendiosa para importá-Ia passou a constituir a preocupação das autoridades.

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O século VI foi a grande era do comércio oriental. O imo pério, sob Anastásio e nos primeiros anos da Casa de Justino, encontrava-se num estado de renovada prosperidade e o caminho para Leste atravessava povos ordeiros. A sêda ainda viajava principalmente por terra, através da Pérsia, para os postos alfandegários de Nisibin e Dara. Daí, partia para as fábricas de Constantinopla ou de Tiro e Bérito. Mas alguns viajavam com tôdas as especiarias das índias pela rota marítima. Um marítimo aposentado, Cosme, apelidado Indicopleustes, o Marinheiro das índias, escreveu um livro para provar, com base na sua larga experiência, que a terra era plana; e nêle descreve o comércio com a índia. O centro distribuidor, ou empório, do Oriente, era Ceilão. Ali, as mercadorias orientais - sêda da China, sêda, alo és, cravo e sândalo da Indochina, pimenta de Malabar, çobre de Caliana_ (perto de Bombaim) e almíscar e rícino de Sindu , eram reunidas às jóias de Ceilão. A sêda era em geral adquirida pelos mercadores persas que a levavam Gôlfo Pérsico acima. As outras mercadorias eram transportadas principalmente por embarcações abissínias para Adulis, no Mar Vermelho, a capital do Axum e daí, mais exclusivamente por navios imperiais, até 9

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o ponto alfandegário de Jotabe, na extremidade da península do Sinai e daí para Clisma, perto de Suez, onde residia um funcionário imperial, o Logóteta, que visitava anualmente a índia. Os navios imperiais não iam com freqüência ao Ceilão, embora ali houvesse colônias cristãs nestorianas, e em Caliana, Malabar e Socotra muitos habitantes falassem o grego. Mas a moeda preferida pelos mercadores orientais de tôdas as raças era a imperial, o que constituía grande vantagem para o comércio imperial. Os abissínios também mantinham relações comerciais com a África Central, muitas vêzes acompanhados por mercadores imperiais. Cada dois anos, velej avam para o sul, depois marchavam a pé para o interior e, em troca de diversos artigos manufaturados, voltavam carregados de lingotes de ouro. O próprio Cosme, numa viagem para o sul, viu uma vez alhatrozes. Através do mundo mediterrâneo, as mercadorias orientais eram distribuídas por mercadores sirios, que possuíam estações em cada pôrto e agiam incidentalmente como portadores de notícias. Um mercador sírio contou a São Simeão, o Estilita, a história de Santa Genoveva. Durante o reinado de J ustiniano, a situação começou' a se alterar. As guerras persas interferiam no abastecimento da sêda e a tentativa de manter baixo o preço dês se produto serviu apenas para arruinar os fabricantes particulares, cujas fábricas então comprou, tornando assim a sêda, quase incidentalmente, um monopólio imperial. J ustino II, encontrando o império ainda esfomeado por sêda devido às guerras pérsicas, tentou abrir, de maneira adequada, o caminho através das Estepes, mas a tarefa foi superior à diplomacia imperial. Nesse ínterim, porém, dois monges nestorianos tinham chegado a Constantinopla com o segrêdo do hicho-da-sêda e alguns ovos em seus bordões ocos. Passou-se algum tempo antes que a criação do bícho-da-sêda se espalhasse pelo império; mas daí por diante a importação do Oriente começou a declinar. (43) Veio em seguida a conquista árabe da Síria e do Egito. Embora o império em seu todo possa ter sofrido, Constantinopla ganhou. A frota mercante síria foi destruída e os gregos ficaram com o comércio do Mediterrâneo Oriental. A princípio, o tráfego direto entre a Síria e o império foi interrompido.

(43) Quanto 330 e ss.

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H,

!'vi • mo no século VIII, o comércio se desviara pelo Egito, Ãfrieu, icília e, por Monenvásia, para o Egeu - a rota escolhida (l ila praga que devastou Constantinopla sob Constantino V.

Mas, gradualmente, as mercadorias orientais redescrobriram o aminho por terra através da Ásia Menor ou foram, com freqüência cada vez maior, ao Mar Negro, em Trebizonda, de onde naves gregas as transportavam para o mercado de Constantinopla. A indústria da sêda estava crescendo, entretanto, e a fábrica imperial de Constantinopla logo se viu dona do monopólio mundial de artigos manufaturados preciosos. Os árabes, a leste, e os cazares, ao norte, assim como as nações ocidentais, todos clamavam pela comprados brocados de Bizâncio. Nos séculos IX e X, o comércio bizantino atingiu o apogeu. aves gregas entregavam-se de preferência ao comércio de cabotagem, especialmente no Mar Negro. O comércio do Mediterrâneo Oriental era pequeno. A importação de milho do Egito e da África cessou com a conquista árabe e o constante desenvolvimento da agricultura na Ásia Menor; e os piratas árabes do Egeu desencorajavam os empreendimentos marítimos. Mas as mercadorias do Extremo Oriente e as ervas da índia ainda eram importadas, viajando, quer através da Pérsia e da Arrnênia para Trebizonda, ou Gôlfo Pérsico acima para Bagdá e daí na direção norte para o mesmo pôrto. Os árabes tinham dominado todo o comércio do Oceano fndico o Reino Axumita caíra -- mas não queriam abrir a rota de Suez. Harum Al-Haxide pensara em construir um .canal ali, mas temia que os navios gregos viessem a tomar o comércio do Mar Vermelho. Mas isso apenas aumentava a importância de Trebizonda, que se tornou o grande pôrto do Oriente. Depois da reconquista de Antioquia, certa parcela do comércio oriental foi desviada por Alepo para Antioquia e para o mar, em Selêucia. Entrementes, o comércio setentrional estava crescendo. As peles, os escravos, o peixe salgado das Estepes eram trazidos pelos cazares e seus vizinhos para Quersônia, na Criméia, ou transportados por navios russos do Dnieper para Constantinopla, enquanto o âmbar do Báltico e as peles e metais da Europa Central se dirigiam a Tessalonica, de onde eram distribuídos por -navios gregos. Também navios gregos transportavam parte do comércio entre Constantinopla e o Ocidente. Bari, a capital da Itália bizantina, era um pôrto florescente, se bem que servido principalmente pela marinha mercante local. E gradual-

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mente as frotas mercantes italianas expulsaram os gregos das águas italianas. O incremento da riqueza do Ocidente significava nova atividade em todos os portos italianos. Cêrca do século X, Amalfi e, em menor escala, Nápoles e Gaeta, tinham desenvolvido amplas relações além-mar e, um pouco mais tarde, apareceram os comerciantes pisanos e genoveses. Por volta do século X, havia um Residente Amalfiense permanente em Constantinopla e uma colônia crescente; em cêrca de 1060, o patrício amalfiense Pantaleão possuía ali um palácio magnífico. Mas o principal pôrto do Ocidente era Veneza, admiràvelmente situado para realizar tanto o comércio com a Lombardia como com a Alemanha. Em fins do século X, o Adriático estava nas mãos dos venezianos. Êstes ainda eram nominalmente vassalos do império, e as autoridades imperiais continuamente e com êxito variável publicavam editos proibindo-os de negociar com os árabes. Basílio 11 concedeu-Ihes privilégios especiais; permitiu-lhes que pagassem um impôsto de exportação reduzido à saída de Constantinopla, sob a condição de policiarem o Adriático e garantirem o transporte das tropas imperiais. O mercado de escravos de Veneza era particularmente famoso. O embaixador de Basílio I ali adquiriu alguns missionários eslavônicos e surgiam protestos freqüentes contra a venda de cristãos aos infiéis. Os embaixadores do Ocidente, tais como Liudprand, em geral viajavam em navios venezianos, que também transportavam o correio. O século XI viu o InICIO do declínio do comércio bizan. tino. No último-qua;t~l, osinfortúnios-suced~am~ império. Sua vida econômica foi conturbada pela perda da maior parte da Ásia Menor em mãos dos seljuques, que destruíram a organização do exército e da armada imperiais, assim como a linha de abastecimento de alimentos. Invasores normandos perturbaram o Ocidente e, em 1147, Rogério II capturou Tebas e Corinto, carregando bichos-da-sêda e tecelões para a Itália e destruindo as rotas comerciais do mundo em detrimento de Constantinopla. As mercadorias não mais viajavam para Trebizonda ou através da Ásia Menor - os seljuques fechavam o caminho - mas eram embarcadas nos portos da Síria Latina e transportadas por barcos italianos diretamente para o Ocidente, evitando os direitos tarifários de Bizâncio. Só restava a Constantinopla o comércio do Norte. Êste poderia ter sido suficiente, uma vez que o comércio do Extremo Oriente cada vez mais seguia uma rota setentrional, viaj ando por terra através do

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Turquestão para o Mar Negro. Mas as circunstâncias políticas também o entregaram nas mãos dos italianos. Em troca do uuxílio necessário às suas armadas ou como precaução contra 111\ incursões de piratas, os imperadores da dinastia dos Comnen 8 concederam privilégios cada vez maiores primeiro a Veneza , depois a Pisa e Gênova. Os mercadores dessas cidades obtiveram licença para pagar direitos tarifários de apenas 4% em vez dos 10% que os próprios cidadãos do império tinham que pagar. Entrementes, receberam distritos dentro da própria cidade em outros portos, onde estabeleceram colônias de govêrno autônomo. Cêrca de 1180, havia 60.000 ocidentais em Constantinopla. Sob Andronico I houve uma reação: grandes massacres de italianos ocorreram através do império e os privilégios foram extintos. Mas era muito tarde. A amarga situação conduziu à Quarta' Cruzada e à ruína do império. O Império Latino morreu nos não deviam durar muito fundamentos de um domínio o comércio do Oriente. Suas todo o Mediterrâneo Oriental,

na infância. Os principados latitempo. Mas Veneza lançou os comercial que comandaria todo colônias situavam-se ao longo de o Egeu e o Mar Negro.

Os Paleólogos recuperaram o império com o auxílio dos genoveses; e os genoveses tiveram que receber sua paga. Sua recompensa foi o resto do comércio do Mar Negro e a cidade de Pera, do outro lado do Chifre de Ouro. Com apenas duas cidades do Mar Negro tinham proibição de comerciar: Matraca (provàvelmente na península de Tamânia) e Rosia (Kertch), reservadas aos gregos. Mas a marinha mercante grega foi liquidada com a concorrência. O enorme incremento do comércio do Mar Negro, causado pela prosperidade do Império Mongol, enriqueceu apenas os cofres de Gênova. Sob o império dos Paleólogos, enquanto Pera florescia e se desenvolvia, Constantinopla gradualmente decaía. Suas fábricas de sêda ainda produziam tecidos luxuosos conhecidos no mundo inteiro, mas seus mercados permaneciam vazios e seus cais desertos, salvo pelos barcos que transportavam as mercadorias para os trapiches fronteiros de Pera. Tessalonica conservou-se próspera mais tempo. Ali, mercadores gregos ainda controlavam as exportações dos Balcãs, mas o movimento marítimo estava principalmente nas mãos de italianos. O mesmo ocorria com Trebizonda, onde o comércio com a Pérsia e o Cáucaso ainda trazia dinheiro para o Tesouro do Grande Comneno, mas os genoveses o levavam para o Ocidente.

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Foi sua posIçao nas rotas do comércio mundial que deu a Constantinopla seus grandes dias de prosperidade. Uma taxa geral de 10% recaía sôbre tôdas as exportações e importações. Os direitos de importação eram cobrados em Abidos, no Helesponto, ou em Hierão, no Bósforo; os direitos de exportação, em Constantinopla. Até que os italianos obtivessem privilégios especiais, nenhuma mercadoria podia passar pelosj canais sem pagar direitos. Éstes forneceram ao Tesouro Imperial um fluxo constante de riqueza, enquanto os vizinhos do império foram bastante prósperos para comprar mercadorias aos preços gravados por essa sobrecarga. Quando o mundo inteiro, como no século VII, ou mesmo apenas o Oriente, como no século Xi, se encontrou num estado de desordem e empobrecimento, imediatamente o império veio a sofrer. Suas alfândegas tornaram o comércio de trânsito demasiado dispendioso.

cf

Éle também sofreu pelo fato de as manufaturas locais serem de artigos de luxo. As fábricas situavam·se. sobretudo em Constantinopla. A maior delas era provàvelmente o gineceu imperial, em que numerosos operários e mulheres eram empregados na confecção das sêdas, brocados e tecidos dourados que faziam o encanto do mundo. Os ourives e joalheiros tinham quase a mesma importância. As taças de ouro, os relicários esmaltados, os entalhes em marfim ou pedras preciosas de Bizâncio eram igualmente famosos, e de vez em quando produziam uma obra- prima como os leões de ouro do Palácio, que rugiam. Várias partes do império também produziam vinhos, vendidos às tribos do Norte. Essas exportações eram severamente controladas. Não interessava às autoridades permitir que os artigos de luxo se tornassem muito vulgarizados fora do império. Seu preço e sua raridade tinham que ser mantidos. Alguns tecidos nem sequer eram colocados no mercado e só chegavam ao exterior como presentes ocasionais a côrtes estrangeiras. Liudprand, o embaixador italiano, que tentou contrabandear algumas sêdas para fora de Constantinopla em 968, viu-as confiscadas pelos funcionários da alfândega. As mercadorias, antes de exportadas, tinham de ser marca das com o sinête do Estado. Outras cidades possuíam suas fábricas. Antes da conquista árabe, Tiro, Bérito e Alexandria fabricavam sêda e, por volta do século XI, Tebas e Corinto eram centros dessa indústria. Fabricavam-se tapêtes no Peloponeso. Cêrca do século X, Esparta os exportava para a Itália.

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As principais importações eram de sêda bruta, especialm nte até o século VII, embora as chamadas "mercadorias da f ndia" fôssem populares mesmo no século X; madeira e peles' v!nham do Norte; armas - as lanças árabes eram muito apreciadas e os venezianos traziam muito armamento do Ocidente' uns poucos artigos manufaturados de luxo, tais como tapêtes persas e especiarias do Oriente; e, acima de tudo, escravos, tanto de Veneza como das Estepes. Tôdas essas importações estavam sujeitas ao imposto de 10%, cobrado em Abidos ou Hierão, A Imperatriz Irene permitiu importações livres durante algum tempo, mas seu sucessor, Nicéforo I, tornou a lançar o iI?pôsto e até tomou medidas para que as mercadorias, principalmente escravos, vendidas por negociantes ocidentais nos mercados a Oeste de Abidos, não escapassem ao lançamento, como ocorria até então. Durante o império niceno, João Vatatzes lançou um embargo total sôbre as mercadorias estrangeiras. Os funcionários da alfândega eram conhecidos corrio Commerciarii e faziam parte do gabinete do Sacellarius. Os mercadores estrangeiros eram cuidadosamente fiscalizados pelo prefeito da Cidade. Tinham que se apresentar à chegada no seu gabinete e só podiam ter uma permanência de três meses na cidade. A venda de qualquer de suas mercadorias, depois dêsse período, ficava a cargo do prefeito, que prenderia o dinheiro até o ano seguinte. Suas compras eram cuidadosamente fiscalizadas pelas autoridades, a fim de que não cometessem infrações aos regulamentos das alfândegas. Algumas nações, tais como os russos e mais tarde os italianos, adquiriram privilégios especiais e liberação de taxas em troca de serviços políticos. No século X, os russos tiveram permissão de ocupar gratuitamente alojamentos e banhos em São Mamas, nos arredores da cidade, nos quais porém só podiam entrar sob escolta durante sua estada, enquanto os comissários do grão-duque da Rússia, que os conduzia, possuíam concessões especiais. O comércio interno do império atendia principalmente às necessidades vitais. O trigo vinha do Egito e da África, antes da conquista árabe. Depois, foi cultivado na Ásia Menor e mais tarde na Trácia, e era transportado para Constantinopla principalmente por mar, partindo dos portos locais. A carne também vinha dos mesmos distritos. A conquista seljuque restringiu a agricultura na Ásia Menor e, nos últimos anos do império, o declínio da população de Constantinopla foi sem dúvida acelerado pela crescente dificuldade de obter alimentos para uma

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grande cidade, principalmente ·quando o Estado não tinha meios para importar muito. A vida comercial do império era cercada por inúmeros regulamentos. Bizâncio foi acusada de ser o paraíso dos privilégios de monopólio e do protecionismo. A acusação não é completamente válida. O protecionismo era, sem dúvida, um ideal bizantino. A intervenção do Estado em auxílio da indústria era freqüente, embora as tarifas servissem também ao propósito de produzir receita. Concediam-se privilégios a mercadores estrangeiros, especialmente e por fôrça das circunstâncias a partir do século XII; havia monopólios estatais, como o do comércio da sêda e, por motivos óbvios, a manufatura de armamentos. Mas não havia corrupção legalizada, tanto quanto podemos julgar. Quando os favoritos de Leão VI receberam privilégios especiais em relação ao comércio da Tessalonica, a transação foi considerada tão escandalosa que tais fatos não podiam ter sido comuns. As restrições e regulamentos baixados pelo Govêrno e os amplos órgãos empregados para executá-los impediam muito a iniciativa privada, mesmo de natureza corrupta. Tudo era circunscrito. O dinheiro só podia ser emprestado a uma taxa de juros fixa. Antes de Justiniano, a taxa máxima tinha de ser de 12%. Justiniano permitiu 12% apenas para dinheiro empregado em empreendimentos ultramarinos; os agiotas profissionais (em geral, os ourives) podiam cobrar 8%, as pessoas comuns 6% e os magnatas ricos apenas 4%. Mas êsses cálculos tinham sido efetuados originalmente quando havia 100 numismas para 1 libra de ouro. Constantino reduziu o número de numismas para 72 e através da história bizantina a taxa fixa de juros tendeu sempre a ajustar-se ao nôvo valor, com vantagens para o agiota, até que, cêrca do século X, 6% tinham-se transformado em 6 numismas por 1 libra de ouro, o que significa 8,33%. Mas isto ainda não era bastante; tempestades, piratas, cartas geográficas defeituosas, representavam demasiados perigos de viagem. Os investidores, particularmente porque o processo legal de recuperação de dívidas era difícil e demorado e causava prejuízos aos usurários, preferiam naturalmente investir em terras, em detrimento, em última análise, do império. Os riscos do comércio marítimo são melhor ilustrados pelo "Código Ródio", a lei comercial dos lsáurios. Segundo essa lei, a hipótese era a de que o mercador e o armador, em geral o comandante, trabalhavam de sociedade e compartilhavam

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0$ encargos de qualquer dano sofrido pela carga, embora os passageiros também pudessem ser sócios da companhia. É provável que essas condições se tenham mantido mesmo depois da legislação isáuria se ter tornado obsoleta.

O contrôle exercido pelo Estado sôbre o comércio e a indústria se efetuava através de um sistema de corporação. Um manual escrito por volta do ano 900, conhecido como o Eparchikon Biblion, ou Livro do Prefeito, sobrevive para dar uma idéia do sistema. O prefeito era o funcionário encarregado de tudo, embora o questor tivesse a incumbência das obras públicas e uma ou duas corporações ficassem sob a sua jurisdição. Cada indústria possuía sua corporacão e nenhum homem podia pertencer a duas simultâneamente; cada corporação nomeava seu presidente, nomeação essa que provàvelmente tinha que ser aprovada pelo prefeito. A corporação comprava a matéria-prima necessária à indústria e a dividia entre seus membros, que vendiam o produto fabricado num local público definido com um lucro fixado pelo gabinete do prefeito. As horas de trabalho e os salários dos operários eram igualmente regulamentados. Os intermediários tornavam-se assim desnecessários e qualquer tentativa de adquirir grandes quantidades de mercadorias e vendê-Ias a varej o nos momentos apropriados era estritamente proibida. Os padeiros e os açougueiros, de cuja eficiência dependia o abastecimento da cidade, estavam sujeitos a fiscalização ainda mais severa e minuciosa, e o preço dos gêneros alimentícios era mantido em baixo nível mesmo em tempo de fome. As padarias constituíam um monopólio estatal, controlado pelo questor, até que Heráclio aboliu as doações de pão e a tradição da interferência estatal desvaneceu-se. Nicéforo Focas foi acusado de obter um magnífico lucro, quando imperador, com a compra do fornecimento de trigo do império durante uma época de fome e com a venda do mesmo à corporação, a preço mais elevado. Qualquer infração aos regulamentos da corporação era punida com a expulsão, o que significava uma aposentadoria forçada. V ários graus de mutilação podiam ser acrescentados à penalidade, quando a infração fôsse particularmente grave. As corporações podiam também ser chamadas, ao que parece, a desempenhar certos serviços públicos gratuitos. Os .armadores tinham que prestar auxílio em caso de emergência naval; e provàvelmente os direitos dos demes quanto às multas passavam, quando se tornaram mais ou menos nominais, às corporações. Não havia desemprêgo. Os operários só podiam

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ser disp,e~lsado: com as maiores dificuldades e se qualquer homem válido ficasse desempregado forçavam-no a ocupar um emprego qualquer de utilidade pública ou de caridade sob a jurisdição do questor. "A falta de ocupação", dizia Leão o Isáurio, na Ecloga, "conduz ao crime e qualquer supérfluo' resultante do trabalho de uns deve ser dado aos fracos e não aos fortes". A corporação da sêda possuía uma posição à parte, uma ~e~ _que sua indústria constituía um monopólio est~tal: Era _dmlpda por um funcionário do govêrno de importancia considerável. O conspirador Leão Focas, em 972 tentou ~anh~r _o ~poio do dir:tor da época, devido à sua' grande influência sobre os operários, A

Êsse sistema perdurou durante todo o império. Constantinopla, ao que parece, conservou-o até o fim e ainda pode ser observado em Tessalonica no século XIV_ Garantia os interêsses do consumidor e permitia um certo lucro ao mercador ~~b_or~ êste nunca pudesse fazer fortuna, o que desencorajava ~ I~ICIatIv_a_ Mas provou ser muito dispendioso para o Estado e so f~n~IOnou enquanto Constantinopla gozou do monopólio do comercio do seu mundo. A concorrência estrangeira destruiu-o. A partir do século XI, a intervenção da Itália no comércio do Mediterrâneo Oriental, intensificada um pouco mais tarde pelas Cruz~da_s, apressou a constante desvalorização da moeda, o que constituiu a causa principal do declínio e queda de Bizâncio. Cos,m~, ~ MaI:inheiro das Índias, atribuiu a prosperidade do comercio imperial a duas causas, o cristianismo e a moeda. E~lqua,nt? as vantagens comerciais de cristianismo podem ser dIS~~tIVeIS, a cunhagem imperial foi inquestionàvelmente fator pOSItIVO. De Constantino I até Nicéforo Botoniato durante mais de seis séculos, seu valor se manteve inalterado_' Bizâncio era monometálica; a cunhagem baseava-se na libra de ouro. A moeda padrão, o numisma, desde os dias de Constantino valia setenta e dois avos de libra de ouro - o equivalente a' 14,40 francos-ouro. (44) O numisma subdividia-se em 12 miliaressia, cada qual por sua vez subdividida em 12 pholles. Nicéforo Focas foi acusado de introduzir um numisrna desvalorizado _ , pro;ável que falsamente, uma vez que não deixou vestígios. B t mato reduziu a quantidade de ouro na moeda. Aleixo I

(44) 1/1'

I 11/

111111011,

Andreades, De la Monnaie v. r, 75 e S8.

daus l'Empire

Byznntin,

em

tentou restaurá-Ia, mas viu-se forçado a pagar as próprias despesas numa moeda que inventou numismas principalmente ele latão, com o valor dois terços inferior ao numisma de ouro. O sistema não funcionou. Sob os Comnenos, o numisma começou a cair, a princípio muito lentamente; o "bezante" ainda era aceito no exterior. Depois de 120L1, porém, e sob os Paleólogos, a queda tornou-se cada vez mais rápida, até atingir um sexto do seu valor primitivo e perder a estabilidade que lhe permitia circular fora do império. Do custo de vida em Bizâncio restou-nos muito pouca informação precisa. O trigo tinha o mesmo preço em 960 e em 1914 (1,85 francos-ouro por módium), mas todos as outras mercadorias eram provàvelmente cinco ou seis vêzes mais baratas. Nicéforo I tentou manter os preços em baixo nível restringindo a quantidade de moeda em circulação, mas é provável que haja ocorrido um aumento gradativo do custo de vida em todo o império, com um acréscimo do volume de moeda a partir dos Isáurios, O preço do trigo elevou-se com certeza até atingir, no tempo dos Paleólogos, o dôbro do verificado sob os macedônios, mas isso principalmente porque os seljuques destruíram a agricultura da Ásia Menor, e as guerras e as dificuldades de transporte reduziram o trigo disponível. Além disso, o incessante colapso da moeda acarretava um caos financeiro crescente. Na realidade, os dias dos Paleólogos constituem um triste capítulo final do império. A moeda que o rei do Ceilão amava acima de tôdas as outras estava então desonrada até em Pera. As mercadorias que pagavam altos direitos nos trapiches de Constantinopla eram transportadas ao longo dos seus muros pelos genoveses sem se deterem, ou seguiam uma rota distante pela Síria e barcos de Veneza. Sua situação era agora insígnificante e seu orgulho monetário fôra humilhado e desprezado, A tragédia da longa agonia de Bizâncio é acima de tudo uma tragédia financeira.

CAPÍTULO VIII

VIDA URBANA

E VIDA RURAL

.uo os romanos, as raças de todo o mundo mediterrâneo se mtrelaçaram e amalgamaram. Os camitas do Egito, os semitas da Síria uniram-se às tribos na Europa. O Imperador Filipe era árabe, Heliogábalo, um mestiço romano-sírio. Essa catolicidade durou até a era bizantina. Arcádio, espanhol de ascendência, desposou uma goda, Eudóxia, e seu filho, Teodósio 11, casou-se com uma helena pura. Em fins do século VII, um sírio foi bispo de Roma. Os habitantes de Constantinopla descendiam de tôdas as tribos, embora a nobreza gostasse de reivindicar ascendência romana. A perda do Egito e da Síria, no seculo VII, restringiu a mistura de sangue. Daí por diante, a espinha dorsal do império foi o povo da Ásia Menor, um misto de frígios, hititas, gálios, iranianos e semitas, além de muitas outras raças, em proporções que ninguém pode calcular. Mas novas misturas ainda vinham, principalmente as de eslavos e armênios.

Seria perigoso generalizar a respeito da vida quotidiana dos habitantes do império. Nossas fontes são muito escassas. As vidas. dos grandes, da côrte imperial e da alta nobreza, são ilustradas, em pormenores variados, pelos historiadores e cronistas; mas as das classes mercantes, dos agricultores, dos po· bres da cidade e do campo, sabemos apenas umas poucas informações, obtidas em sua maioria na vida dos santos populares ou nos manuais legais de regulamentos, que governavam suas vidas. Além disso, nos onze séculos decorridos entre o primeiro e o último Constantino, tôdas as circunstâncias exteriores da vida se alteraram muitas vêzes. O cidadão do império permaneceu até o fim consciente de ser o produto mais civilizado da raça humana, consciente de ser romano, consciente de sua ortodoxia e consciente de ser o herdeiro do refinamento grego; mas o nobre de rosto escanhoado do século IV, envolto nas pregas sôltas de uma toga e falando um latim sonoro, nunca teria reconhecido seu sucessor do século XV, barbado e coberto por um turbante, vestido num pesado casaco de brocado e falando um grego cujas vogais haviam perdido a diversidade de sons.

As invasões eslavas, iniciadas no século VI, a princípio perturbaram apenas a etnologia das províncias balcânicas e, um pouco mais tarde, a península grega. Quando começou a ocorrer uma certa estabilização, aumentaram os casamentos mistos e, em fins do século IX, homens de raça eslava pura ou mestiça ocupavam altas posições no império. O Pretendente Tomás era eslavo, assim como o eram muitas das grandes figuras dos séculos X e XI: a Imperatriz Sofia, mulher de Cristóvão Lecapeno, ou o Patriarca Nicetas. Depois da conquista da Bulgária, a aristocracia ainda foi mais fermentada pelos casamentos inter-raciais com as famílias reais e de nobres búlgaros. Em fins do século XI, os eslavos estavam ora completamente absorvidos dentro do império, ora inteiramente atraídos para os Estados eslavos independentes dos Balcãs.

A própria base racial do império estava sofrendo contínua modificação. O império era no início cosmopolita, o que os gregos chamavam ecumênico, englobando todo o mundo civilizado. A nacionalidade constituía um conceito que lhe era estranho. Quando o velho Império Romano começou a se desinterar, o nôvo império baseou-se não na nacionalidade, mas na ortodoxia, depois do século V, e na língua grega, no VII. Sua etnologia permaneceu complexa. A "proporção de gregos puros era provàvelmente menor. Novas raças, ilírios, cítios e asiáticos, se haviam misturado ao sangue grego ainda na era helenística.

O caso dos armênios foi um pouco diferente. Não imigravam em tribos completas, exceto quando havia migrações forçadas, mas sim como aventureiros individuais, desempenhando um papel muito parecido com o dos escoceses na história da Inglaterra. Demasiado prolífica para seus estreitos vales, a raça enviava seus filhos mais empreendedores à procura de poderio e fortuna no campo mais vasto que o império oferecia. Já no século VI, o grande general de Justiniano, Narses, era um armênio; no entanto, foi nos séculos IX e X que o movimento atingiu o auge. O Imperador Leão V foi um aventureiro

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armemo; Basílio I, filho de deportados armênios ; João I Taimices era um nobre arrnênio, Quando Romano I dirigia o Estado e seu filho Teofilacto dirigia a Igreja, João Curcuas era o general- chefe - todo o império estava em mãos de arrnênios. Ouvia-se continuamente falar em princesas ou altos oficiais de sangue armênio e em tôdas as cidades encontravam-se artesões e mercadores armênios. A única esfera em que êles não penetravam (com exceção de Teofilacto, uma cínica nomeação erastiana}, era a Igrej a. O imigrante armênio, ao ser admitido no serviço imperial, tinha que renunciar à sua heresia e aceitar a doutrina de Calcedônia, mas as autoridades eclesiásticas nunca simpatizavam com os conversos e desconfiavam de sua conversão. As invasões dos seljuques e os subseqiientes levantes da Ásia separaram a Armênia do resto do império e o fluxo gradualmente cessou, o que foi uma perda para o império. Os annênios tinham fornecido não só muitos dos seus dirigentes mais vigorosos, mas também uma grande pro· porção dos seus melhores homens de negócios; possuíam também uma grande - se bem que discutida - influência sôbre a arte e o artesanato bizantinos. Nenhuma outra raça imigrou em escala tão importante quanto a armênia, mas através da história bizantina um fluxo de aventureiros, provenientes de inúmeros países, veio buscar fortuna sob o imperador. A passagem de um lado para o outro da fronteira sarracena era contínua. Os bizantinos passavam·se para o Islã e os árabes para o cristianismo, conforme o imperador ou o califa oferecessem melhores oportunidades. O pai do herói épico Digenes Acritas era um converso sarraceno; o Imperador Nicéforo I era de sangue árabe. Os imigrantes do .Norte e do Oeste, especialmente nos últimos séculos do império, tendiam a voltar aos seus lares uma vez feita fortuna os varângios para as brumas da Escandinávia ou da Inglaterra, os francos para a Flandres ou a Catalunha. Mas por vêzes ficavam; casavam-se ; seus filhos mestiços podiam vir a governar o império na próxima geração. Havia muito pouco preconceito racial entre os bizantinos, seu sangue era misturado demais. Quem fôsse ortodoxo e falasse grego era aceito como cidadão. Seu profundo desprêzo pelos estrangeiros dirigia-se aos heréticos e selvagens ignorantes dos refinamentos da civilização imperial. O estrangeiro convertido e naturalizado podia desposar qualquer bizantino, qualquer que fôsse sua origem. As mulheres nobres bizantinas casavam-se livremente com aventurei-

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r08 francos ou orientais, e entre as noivas dos imperadores contam-se duas cazares de pura origem turca e inúmeras princesas ocidentais. É verdade que quando Justiniano 11 obriaou uma dama de família do Senado a desposar seu cozinheiro negro, os cortesãos se sentiram ultraj ados, mas com certeza mais por preconceito social do que racial. O crescente contacto com o .Ocid.ent: e o lento martírio do império às mãos das repúhlicas italianas tornaram os estrangeiros mais odiados em Constanti~op,la, mas, era antes a civilização do que o sangue que constituía o anatema. As nações eslavas que deviam sua cultura a Bizâncio só abrigavam êsses ódios raciais em tempo de guerra e mesmo os turcos, que copiavam os enzodos de Bizâncio pareciam preferíveis aos seus irmãos cristãos ofrancos. ' . A única raça instalada no império que nunca pôde ser assimilada devido a religião foi a judaica. Os judeus nunca foram porém, muito numerosos. Havia colônias suas de Iínaua gI'elYa' ' o o' na Á·sia 1\1enor, mas no século XII, pelo menos, encontravam-se pequenas colônias judaicas em tôdas as cidades bizantínas: nos negócios, ~ ~orém, êles não eram mais astutos do que os gregos .e armemos e, ao que parece, estavam sujeitos a impostos maiores e perseguições periódicas. No caso de se converterem, porém; podiam até unir-se às fileiras da aristocracia A irmã da Imperatriz Irene desposou um descendente de um certo Sarantapequis, judeu renegado de Tiberíades. . Tanto a ~isci~enação de raças quanto a intensidade do sentimento nacionalista podiam ser observadas em seus extremos na própria capital, Constantinopla. Desde o momento de sua fundação, Constantinopla dominou o império. A burocracia e ~s finanças centralizavam-se cada vez mais ali; sua posição fazia dela a chave econômica e estratéaica de dois continentes . Para reger o império era essencial, e::' primeiro lugar, tomar Constantinopla. Roma já estava em declínio quando foi fundada a nova capital e não havia nenhuma outra grande cidade no Ocidente; Cartago e Milão ainda estavam bem atrasadas. As cidades patriarcais do Oriente, Alexandria e Antioquia, eram as suas rivais mais sérias; Alexandria, até a conquista árabe, era pou~o menos im~ortan~e do. que Constantinopla, mas o ódio que dedicava ao governo imperial levou-a a tomar uma atitude de campeã dos direitos e aspirações locais, o que diminuiu sua importância ecumênica. Antioquia, por outro lado, sofreu um declínio gradual por motivos de ordem geográfica. A medida que o Ocidente se tornava mais pobre e desorganizado, as m r. lf'/

cadorias do Oriente, que eram transportadas. para o. Mediterrâneo através de Antioquia, tomaram um caminho mais sententrional e atravessavam a Ásia Menor com destino à nova metrópole. Por volta do século VII, Constantinopla não tinha rival. Já pelo século V, a população de Constantino~la, _ com exclusão dos subúrbios, devia atingir cêrca de um milhão de pessoas e permaneceu mais ou menos nes,:e ní~e~ até à con; quista latina, declinando, a partir de entao, rapIdamente, ate possuir menos de cem mil almas em 1453._( 45) A. ~rea da cidade era ainda maior do que essa populaçao podena JUStificar. A base do triângulo sôbre a qual ela assentava possuía cêrca de oito quilômetros de comprimento, estendendo-se as muralhas terrestres construí das por Teodósio 11, numa dupla linha de Mármara até o Chifre de Ouro, e perfuradas por onze portas, alternada mente militares e civis. De cada lado, as muralhas marítimas estendiam-se por mais de onze quilômetros cada uma, antes de se encontrarem no vértice rotundo do Bósforo. Dentro das muralhas havia várias cidades e aldeias superpovoadas, separadas por pomares e parques. Tal como a velha Roma, Constantinopla orgulhava-se de sete colinas. Estas se elevavam sôbre o Bósforo e o Chifre de Ouro, mas no Mar de Mármara as encostas eram mais suaves e a distribuição mais espaçosa. O viajante que chegasse por mar do sul ou do oeste, ao se aproximar da cidade, veria à sua direita as cúpulas e os pórticos ladrilhados do Grande Palácio, com Santa Sofia erguendo-se por trás e jardins estendendo-se em declive até o Bósforo; depois, a enorme muralha curva que ainda sustenta a extremidade sul do Hipódromo elevando-se acima da baía do Palácio e da Igreja de São Sérgio e São Baco, e um bairro baixo semeado de pequenos palácios. A intervalos, à esquerda, a muralha marítima, com suas tôrres ocasionais, seria interrompida para permitir um pequeno pôrto artificial para 08 barcos que não desejassem fazer a volta pelo Chifre de Ouro. Em redor dêsses portos, as casas seriam próximas umas das outras; atrás, especialmente no vale do pequeno rio Lico,. havia pomares e até trigais, mas o cume da serra era dominado pela Igreja dos Santos Apóstolos e outros grandes edifícios. Mais (45) Metroon,

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De Ia PopuIation de Constantinople, Destruction of the Greek Ernpire, 192

V. Andreades,

v. I; Pears,

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longe ainda, para a esquerda, a paisagem era plana. Na praia, havia o bairro populoso de Estúdio, com o seu famoso mosteiro. Por trás, os tôpos das muralhas terrestres podiam ser avistados descendo até o mar, mas, mesmo além das muralhas, as casas dos subúrbios aglomeravam- se ao longo da costa por outros dois quilômetros ou mais. Do outro lado do Chifre de Ouro, a aparência da cidade era muito diferente. Lá, em frente das muralhas, via-se uma praia, que crescia gradualmente com os séculos, coberta de depósitos, armazéns e cais, nos quais ancoravam ·navios mercantes e, mais acima, até casas eram construídas sôbre pilares dentro da água. Numerosas portas abriam-se para os ruidosos bairros situados logo atrás. Aqui se via pouca verdura. As ladeiras íngremes que levavam à elevação central eram cobertas de casas, exceto apenas no quarteirão da cidadela, na extremidade oriental, e o bairro mais espaçoso de Blaquerne, no extremo oeste, onde um palácio imperial e uma igreja muito consagrada davam certa dignidade ao local. No meio ficava o centro da atividade comercial da cidade, os escritórios dos armadores e dos exportadores, os estabelecimentos dos comerciantes estrangeiros. Foi ali que os negociantes italianos obtiveram licença para se instalar pela primeira vez. O bairro comercial mais elegante ficava para o interior. Ao longo da serra central, três quilômetros a partir da entrada do Palácio e do Hipódromo, corria na direção do ocidente uma rua chamada Mesê, a Rua Central, larga, com arcadas de ambos os lados, que atravessava dois foros - espaços abertos decorados com estátuas o Foro de Constantino, próximo ao palácio, e o Foro de Te;dósio, maior - e finalmente se subdividia em dois ramos principais; o que atravessava os Foros do Touro e do Arcádio, dirigindo-se para Estúdio, a Porta de Ouro e a Porta de Pega, e outro que passava pela Igreja dos Santos Apóstolos em direção a Blaquerne e a Porta Cariiana. Ao longo das arcadas da Rua Mesê ficavam as lojas mais importantes, ordenadas em grupos segundo as mercadorias - os ourives, ao lado os cinzela dores de prata, os vendedores de tecidos, os fabricantes de móveis, e assim por diante. Os mais ricos ficavam todos perto do Palácio, nos banhos de Zeuxipo. .Havia os empórios de sêda no grande bazar conhecido como a Casa das Luzes porque suas vitrines se iluminavam à noite. Não havia nenhum bairro residencial elegante. Palácios, tugúrios e casas de cômodos acotovelavam-se lado a lado. A 10

casas dos ricos eram construídas no velho estilo romano, de dois andares, com uma fachada exterior fechada, e abertas para o interior em tôrno de um pátio, às vêzes coberto e em geral adornado com uma fonte ou qualquer outro ornamento exótico que a fantasia pudesse sugerir. As casas mais pobres eram construídas com balcões ou janelas em balanço sôbre a rua, nos quais as senhoras preguiçosas da família pudessem observar a vida quotidiana dos vizinhos. As ruas residenciais tinham sido em sua maioria edificadas por construtores particulares, mas uma lei de Zeno tentou introduzir-lhes alguma ordem. As ruas tinham que ter 4 metros de largura, e os balcões não podiam estender-se a mais de três metros do muro fronteiro e ficar 5 metros acima do nível do solo. As escadas exteriores eram proibidas e nos locais em que as ruas já tivessem sido edificadas com menos de 4 metros não eram permitidas janelas largas, mas apenas grades para ventilação. Essa lei conservou-se como carta básica do planejamento urbanístico de Bizâncio. Havia regulamentos severos para os esgotos. Todos os esgotos levavam cuidadosamente ao mar e ninguém, exceto uma personagem imperial, podia ser enterrado dentro da cidade. Funcionários médicos em cada paróquia cuidavam da saúde pública. Em contraste com as ruas estreitas havia amplos jardins públicos, conservados a expensas da municipalidade. O Grande Palácio e seus jardins ocupavam o canto sudeste da cidade, estendendo-se por quase um quilômetro. Vizinho ficava o Palácio do Patriarca, com tôdas as suas dependências, e havia outros palácios imperiais pela cidade. Quase que em cada esquina se encontrava uma igreja; havia enormes Igrejas de Santa Sofia, dos Santos Apóstolos, a Nova Basílica de Basílio I e uma centena de santuários menores. Muitos dêles tinham em anexo mosteiros, em enormes claustros austeros e hospitais, orfanatos e hospedarias. Havia edifícios de universidade, bibliotecas, aquedutos, cisternas, banhos públicos e acima de tudo o grande Hipódromo. Uma estátua de Afrodite assinala o único bordei da cidade, no bairro chamado Zeugma, no Chifre de Ouro. As ruas principais, especialmente os foros e o Hipódromo, eram museus em que as melhores peças da escultura antiga eram expostas. Nos primeiros séculos existira um verdadeiro Museu, a Casa de Lauso, mas foi incendiado com todos os seus tesouros no ano 476. A estatuaria das ruas, porém, sobreviveu até ser destruída ou roubada pelos cruzados latinos.

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Em tôrno da cidade ficavam os subúrbios, alguns dos quais, corno Calcedônia, ou mais tarde o italiano Gálata, movimentadas cidades comerciais, outras, como Hierão, onde Teodósia possuía seu palácio favorito, ou as aldeias Bósforo acima, simples vilegiaturas residenciais, onde os ricos se refugiavam no verão. Em Pega, logo além das muralhas, ficava um famosu santuário da Virgem. Em Hebdomonte, sete milhas além da pedra fundamental da Porta do Grande Palácio, ficava um famoso campo de paradas, onde se passaram muitas das cenas vitais da história bizantina. A aparência exterior da cidade nos seus dias de fausto permanece objeto de conjeturas. As abóbadas e peristilos fantásticos, as arcadas coloridas que formam o pano de fundo dos manuscritos iluminados dão uma impressão demasiado alegre, porque o arquiteto bizantino conservava seus efeitos mais ricos para os interiores. Mas mesmo sob os Paleólogos, quando enormes trechos da cidade jaziam em ruínas e o próprio Grande Palácio era inabitável, os viajantes ficavam impressionados pelo esplendor que Constantinopla ainda apresentava. A aparência dos cidadãos de posses era igualmente impressionante. A toga romana foi abandonada no século V pelos longos casacos de pesado brocado. O scaramangium, a veste que todos os nobres usavam nas cerimônias - e eram guardadas principalmente no Palácio -, tinha sido copiado dos hunos e provàvelmente se inspirara, muito antes disso, nas túnicas dos mandarins da China. (46) A medida que os séculos avançam, as vestes se tornam mais trabalhadas; estranhas peças ornavam as cabeças de homens e mulheres, chapéus pontudos enfeitados de peles ou altos turbantes acolchoados. A partir do século VII as barbas tornaram-se comuns; barbear o queixo era ocidental e vulgar. Os cosméticos estavam na moda, especialmente no tempo dos Paleólogos. Mesmo as mulheres jovens e bonitas cobriam o rosto de pintura. O borgonhês La Brocquiêre ficou horrorizado pela quantidade usada pela Imperatriz Maria, que era uma dessas belezas famosas, as Princesas de Trebizonda. A vida quotidiana tinha uma regulamentação e um cerimonial tão rígidos quanto o vestuário. As autoridades interfe-

(46)

Kondakov, Les Costumes Orientu1tX à la Oour Byzantine, v. I, 7 e ss.

em Byzantion,

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riam em tudo. Preços, lucros, horas de trabalho, tudo era controlado pelo gabinete do prefeito da cidade. A Igreja possuía suas próprias instruções para jejuns e festas. O imperador, regente supremo do império, tinha uma vida ainda mais circunscrita do que seus súditos. Além dos assuntos do govêrno que, se íôsse consciencioso, lhe tomavam a maior parte do tempo, ainda tinha quase diàriamente de comparecer a cerimônias, nas quais era adorado como uma divindade e, quaisquer que fôssem seus pontos de vista a respeito dos esportes, tinha que se mostrar ao povo nos espetáculos do Hipódromo. Continuamente, era obrigado a mudar de roupa, a andar em longas procissões com um pesado diadema na cabeça, a receber embaixadores e estar preparado para ser levantado de repente bem alto no ar, sentado em seu trono, para impressionar os simples forasteiros. No verão podia retirar-se para passar as férias num arejado palácio, mas é mais provável que tivesse que conduzir seus exércitos através dos altiplanos da Ásia Menor. Leão VI e seu filho Constantino VII acharam tempo para escrever livros, mas nem um nem outro foi soldado, como também Teodósio lI, que como Constantino VII, foi hábil pintor. Os imperadores que desejavam levar vida de prazeres no trono ou tinham que ter ministros capazes e leais ou nêle permaneciam muito pouco tempo. Até o século XII, o imperador vivia quase inteiramente no Grande Palácio, embora pudesse por vêzes visitar outro de seus palácios, dentro ou fora da cidade. O Grande Palácio, chamado pelos viajantes ocidentais de Bucoleão, do pôrto do Palácio do mesmo nome, onde uma enorme estátua de um touro em luta com um leão ficava antigamente, era um aglomerado sem método de edificações, vestíbulos, oratórios, banheiros, alas residenciais, construídas por diversos imperadores. Do Palácio dos dias de Justiniano sabe-se pouco. Depois do século VII, parece que certas partes precisavam de reparos. Teófilo construiu o famoso salão de recepção, o Triconco. Basílio I fêz muitos acréscimos, enquanto Nicéforo Focas construiu uma ala baixa perto do mar, onde gostava de residir e onde foi assassinado. Os Comnenos, embora tanto Aleixo I como João I permanecessem em geral fiéis ao Grande Palácio, preferiam o Palácio de Blaquerne, no Chifre de Ouro, ao noroeste da cidade, e Manuel I residiu quase exclusivamente ali. Êste foi um grande caçador e achava melhor residir junto às muralhas do que ser obrigado a percorrer oito quilômetros pelas ruas antes de atin148

~il'

campo. Os primeiros imperadores latinos instalaram-se Grande Palácio, mas Balduíno II não pôde mantê-Ia. Duranle o seu reinado, até o Palácio de Blaquerne caiu em ruína. Ouando Miguel Paleólogo entrou na cidade, o Grande Palácio (' lava em condições ruins demais para valer a pena ser repa1'(100, considerando a pobreza geral, e mesmo Blaquerne necesit u de várias semanas de limpeza antes de poder ser habitado. T dos os Paleólogos moraram em Blaquerne e o Grande Palácio, ti época da conquista turca, tinha de pé apenas alguns dos R us edifícios. )lU

A riqueza total de Constantinopla surpreendeu os Cruzados de 1204. Villehardouin não podia crêr que fôsse real. Mas enquanto o palácio de Blaquerne, com seus mármores e mosaios, afrescos e brocados, os impressionou desmedidamente, o Grande Palácio ainda lhes pareceu mais surpreendente. Nêle se conservavam os principais depósitos de tesouros, moeda, jóias e materiais preciosos. Havia os salões de recepções imperiais, com os leões de ouro que urravam e os pássaros de ouro que cantavam, feitos para o Imperador Teófilo. Nêle também a fim de santificar o local acima de todos os outros estava a mais bela coleção de relíquias de tôda a cristandade. Numa colina dentro dos limites do Palácio ficava um farol cuja luz guiava as embarcações pelo Bósforo e, ao seu lado, uma capela da Mãe de Deus, o museu em que se guardavam êsses tesouros sem preço, até que os Cruzados os dividiram entre si e Balduíno II empenhou o melhor do que restara. O Palácio era o centro de Constantinopla. De seu interior o império era governado. Era a casa comercial mais rica do império. O comércio da sêda era monopólio imperial e no gineceu, a habitação das mulheres, ficavam os teares em que se faziam os tecidos mais caros. Além dos escritórios públicos, e da vasta habitação do imperador, havia os edifícios em que residiam a imperatriz e sua côrte, aposentos sob seu contrôle exclusivo, onde o imperador nunca penetrava sem sua permissão. De fato, quando a Imperatriz Teodora morreu em 548 e seu viúvo J ustiniano se pôs a examinar seus pertences encontrou escondido numa camarinha o ex-patriarca herético Antimo, que . ela ocultara durante doze anos. Mas, embora o gineceu fôsse guardado por eunucos e nêle nunca penetrassem homens, a imperatriz entrava e saía a seu bel-prazer. Visitava o imperador em seus aposentos e jantava com êle em seus salões; como re-

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gente, entrevistava os ministros quando o desejava. Dentro do Palácio era quase tão poderosa quanto o imperador. Escolhia-se tradicionalmente a imperatriz na Parada das Noivas. Emissários percorriam o império arrebanhando môças bonitas e bem-educadas, dentre as quais o imperador faria sua escolha. Freqüentemente, considerações de ordem política ou uma paixão intempestiva forneciam noiva ao imperador e o expediente tornava-se desnecessário. Foi empregado, porém, quando Irene quis casar seu filho Constantino VI - a seleção parece ter sido feita mais por Irene do que pelo imperador: a noiva era moralmente admirável, mas nada atraente, embora os agentes lhe tivessem medido cuidadosamente a altura e os pés; foi usado também quando do casamento de Estaurácio e, caso mais famoso, quando Teófilo escolheu Teodora, deixando de lado a poetisa Cássia por causa da ousadia de suas respostas. J unto ao Palácio havia dois outros grandes centros da vida da Cidade, a Igreja da Sabedoria Divina, Santa Sofia, e o Circo ou Hipódromo. O Hipódromo era uma vasta construção, capaz de conter umas 40.000 pessoas sentadas. Nos edifícios que se aglomeravam em tôrno ficavam os estábulos de todos os animais usados nas lutas, e os tugúrios dos inúmeros empregados do Circo. Os espetáculos eram gratuitos, subsidiados pelo Estado. Assistir aos jogos no Hipódromo, aos combates com animais e às corridas de carros eram as grandes distrações do populacho e, na competição entre as facções do Circo, os Azuis e os Verdes, as paixões eram tão exaltadas que chegav~m a causar complicações políticas e motins. O imperador e a nnperatriz eram obrigados a assistir aos espetáculos; podia-se chegar ao camarote imperial vindo diretamente do Palácio. Seus movimentos obedeciam a um ritual complicado, que prescrevia todo o processo da corrida e da premiação. Nos primeiros séculos, o Hipódromo tornou-se o local onde o imperador podia avistar-se com o povo e fazer-lhe proclamações. Ali era aclamado imperador. Foi lá que Ariadne anunciou a seus súditos quem havia escolhido para espôso e imperador; foi lá que Justiniano discutiu com os smotinados enfurecidos na sedição de Nica. Mais tarde, porém, cêrca do século X, essas cenas passaram a ter lugar na grande praça fronteira ao Palácio. Foi ali que o populacho exigiu Constantino VII como imperador em 944 e Zoé como imperatriz em 1032. O Hipódromo tornava-se menos popular. Os corredores de carros dos séculos V e VI, como Porfírio, no reino de Anastásio, tinham sido os ídolos da 150

(idade e as intrigas do Hipódromo, tais como as que cercavam juventude de Teodoro, podiam afetar a política do império. Por volta do século IX, tudo estava mudado, O corredor de rurro profissional mergulhou na obscuridade, Era o cavaleiro nmador, como Basílio, o Macedônio, que atraía a atenção, ou como Filoreu, o môço de cavalariça do século X, que foi uivo da admiração de tôda Bizâncio por ter galopado em redor do Circo de pé sôbre o cavalo, manejando a espada com amuas as mãos. A introdução da cavalaria ocidental por Manuel omneno fêz do Hipódromo durante algum tempo o local de torneios de cavalaria. Sob os Paleólogos, foi pràticamente abanIonado, embora jovens príncipes e nobres o freqüentassem de tempos em tempos para praticar a cavalaria e para jogar pólo. 11

Todos os nobres que dispunham de recursos possuíam casas na cidade, embora pudessem visitar suas residências de campo no verão; no entanto, a residência permanente forçada nestas últimas equivalia ao exílio e à desgraça. Em geral, os homens ocupavam alguma posição no govêrno e passavam o tempo desempenhando essas funções. Em caso contrário, com uas mulheres, ocupavam-se na côrte imperial nos dias de festa os homens desfilavam cerimoniosamente diante do imperador e as senhoras diante da imperatriz e entregavam-se às intrigas. Tanto quanto possível transformavam seus palácios em pequenas côrtes, formando um círculo de clientes, santos e poetas. A primitiva nobreza do império tinha a fortuna e o poder durante as invasões do século VII e sob a tirania dos imperadores, tais como Focas e J ustiniano 11. Até o século IX a terra constituía um investimento incerto. A única grande família que sobreviveu foi a dos Melissenos, que parece ter sido originária de Constantinopla e obtido sua riqueza provávelmente através de propriedades urbanas, embora mais tarde se tenha estabelecido na península grega e ainda era florescente no próprio crepúsculo do império a última duquesa de Atenas era uma Melissena. Mas, a partir da segunda metade do século IX, as famílias parecem possuir grandes propriedades na Ásia Menor, por exemplo, os Focas, os Ducas, os Escleros, os Comnenos. Um pouco mais tarde, depois que a conquista da Bulgária fixou as províncias da Europa, as grandes famílias européias entraram em cena: os Cantacuzenos, os Briênios ou os Tornicas, uma casa principesca da Armênia, estabeleciam-se nas proximidades de Adrianópolis, enquanto os Ducas adquiriam propriedades na Europa. Traçar a descendência das grandes J51

famílias bizantinas é, porém, difícil, de vez que, quer por rei quinte, quer por amor à variedade, os filhos freqüentemente tomavam o nome da mãe, e não o do pai. Assim, o pai de Ana Dalassena chamava-se Cáron, sendo Dalassena o nome de sua mãe; o último Ducas, segundo Psellos, só era Ducas pela linha feminina; os filhos de Ana Comnena tinham os sobrenomes Comneno e Ducas, enquanto seu pai era um Briênio. As grandes famílias levavam vida de clã, trabalhando e até habitando em comum. Nas primeiras páginas da história de Ana Comnena, vêem-se os irmãos Comneno agindo como uma unidade sob as ordens de sua mãe, Ana Dalassena, e promovendo os interêsses do mais hábil, embora não o mais velho dêles, Aleixo. Essas mesmas páginas mostram como era excitante e agitada a vida da aristocracia em tempo de crise, os homens sempre galopando para fora da cidade durante a noite em busca de refúgio ou para tentar conquistar o apoio do exército e as mulheres, em geral as intrigantes mais perigosas, precipitando-se, muitas vêzes em vão, para o santuário de algum altar. Mesmo em épocas mais pacíficas, a riqueza dos nobres tornava sua posição insegura. Sob Nicéforo Focas, Romano Saronites, sob a suspeita e a fiscalização às quais estava sujeito apenas devido ao fato de ser muito rico - era dono do cavaleiro de circo Filoreu - e de ser genro de um antigo imperador, Romano I, sentiu uma tensão tão forte que, em desespêro de causa, pensou em rebelar-se, retirando-se porém para um mosteiro a conselho de São Basílio, o Menor. De que consistiam as grandes riquezas em Bizâncio não podemos conjeturar. Não há informação sôbre a riqueza nos primeiros tempos do império. Quando Justiniano aboliu o Consulado, êste custava aos seus ocupantes mais de Cr$ 60.000.000,00 por ano e nenhum particular tinha recursos para sustentá-lo. As riquezas diminuíram nos séculos VII e VIII. Teoctiste, a mãe de Teodoro de Estúdio, que era rica e muito generosa, só dava aos criados pão, toucinho e vinho, com carne ou frango nos dias santos e domingos, e era considerada um tanto extravagante; não sabemos, porém, quantos criados tinha. Os Sessenta Mártires de Jerusalém viajaram, segundo consta, com um séquito principesco, com cêrca de 730 pessoas. Danielis, a viúva que era amiga de Basílio I, possuía a melhor parte do Peloponeso e deixou ao imperador 3.000 escravos. O Basílio Paracomomeno, embora filho bastardo de um imperador, mesmo nos piores dias de des-

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graça, levava consigo um séquito de 3.000 pessoas. As somas mencionadas no poema de Digenes Acritas foram infelizmente alteradas pela licença poética. É difícil acreditar que o dote de sua espôsa fôsse na realidade de cêrca de 9.000.000 de francos-ouro e muito maior se o herói o desejasse, enquanto seu palácio, inteiramente revestido de ouro e mosaicos, representa a casa de campo ideal e não uma que realmente tivesse sido construí da. Mas mesmo o humilde agricultor Filáreto, em seus melhores dias, oferecia jantares a trinta e seis convivas em tôrno de uma mesa de marfim e ouro e possuía 12.000 cabeças de gado ovino, 600 bois e 800 cavalos nas suas pastagens, 200 bois e 80 cavalos e mulas de trabalho e um grande número de servos. Sua riqueza provinha de propriedades nos arredores das cidades-feiras da Ásia Menor; não possuía casa em Constantinopla. A riqueza privada subsistiu mesmo sob os Paleólogos. A descrição feita por Metoquites do seu palácio destruído nas arruaças mostra-o cheio de mármores e metais preciosos, suntuoso numa medida desconhecida no Ocidente contemporâneo, e, segundo seus inimigos, Lucas Notaras escondia, em 1453, ouro em quantidade suficiente para ter comprado um exército inteiro para a salvação da cidade. Até o fim, a aristocracia permaneceu uma aristocracia de dinheiro. Em conseqüência, as fileiras da aristocracia não eram fechadas. Qualquer um com dinheiro suficiente investido em terras, o único investimento permanente seguro, podia encontrar uma família nobre, comprar-lhe o título e ver assim seus filhos se tornarem membros das classes senatoriais. A maneira mais comum era tornar-se servidor público, provàvelmente soldado, e ser recompensado pela doação de grandes propriedades. Foi assim que a prosperidade dos Focas começou com o grande soldado, o Nicéforo mais velho. Ou então o imperador podia interessar-se pelos filhos de algum estadista ou de algum amigo. Assim Teófanes, o cronista santo, foi em criança protegido do Imperador Leão IV, porque seu defunto pai se tinha distinguido como estratego das ilhas egéias; e tivesse Teófanes querido, poderia ter gozado de tôdas as regalias mundanas. Assim também os Comnenos, dois jovens irmãos trácios, foram protegidos por Basílio 11, a quem seu pai tinha servido, e receberam terra na Paflagônia; ou, de maneira mais humilde, Romano Lecapeno foi ajudado na marinha pela influência imperial por ter seu pai, um camponês chamado Teofilacto, o Insuportável, salvo certa vez a vida de Basílio I. Adquirir proprio-

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da de por pura habilidade financeira, como, por exemplo, o patrício Nicetas no comêço do século X, era ao que parece menos respeitável. Era também menos seguro. Os imperadores ficavam aterrorizados com tais tendências e o proprietário de terras ambicioso podia ver-se obrigado, como o protovestiário Filocales, a voltar à pobreza a pretexto de ter cometido uma contravenção aos Estatutos da Preempção. Os imperadores procuravam também impedir o crescimento das propriedades cujo núcleo houvesse sido adquirido de forma respeitável; isto porém era mais difícil. Sabe-se muito pouco das amenidades da vida da sociedade bizantina. As cerimônias da côrte provàvelmente forneciam tôda a diversão formal na própria Constantinopla, mas festas íntimas parecem ter sido freqiientes. Pulquéria jantava todos os domingos depois do ofício com o patriarca para com êle discutir a política da Igreja. Foi num jantar íntimo que Basílio, o Macedônio, e sua mulher ofereciam a Miguel lU que Basílio foi levado a planejar o assassinato do imperador. Nas vidas dos santos ouve-se falar de amigos jantando com os monges em seus mosteiros ou santos recusando-se a comparecer a festas oferecidas pelos seus ricos patronos. Fócio dava festas intelectuais em que se discutiam livros e assim fazia, séculos mais tarde, Metoquites. Festas em casas de campo não existiam, porque a casa de campo era lugar de exílio ou de retiro discreto, salvo apenas quando viajantes distintos estavam de passagem, embaixadores, ministros do império ou o próprio imperador. Filáreto teve de receber a missão que estava em busca de uma possível noiva para Constantino VI. Aleixo I hospedara-se com parentes de sua mulher quando em viagem pela Trácia. Quando Eustátio Maleino recebeu Basílio 11, a maznificência da hospitalidade provocou, como no caso inglês de Lord Oxford e Henrique VII, a desgraça do hospedeiro. Basílio não tinha compreendido que seus súditos eram tão poderosos. Cecaumeno era enfàticamente de opinião que as festas que incluíssem a hospedagem 'dos convidados eram um êrro. Os convidados hóspedes, dizia êle, servem apenas para criticar a administração da casa e seduzir a mulher do dono da casa. Tal como o Palácio Imperial, os palácios da nobreza tinham seu gineceu, as habitações das mulheres. Mas estas participavam plenamente da vida dos homens. As môças solteiras viviam em certa reclusão e podiam só ver seus maridos depois de

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fi lido o casamento, mas, uma vez casadas, agiam com a maior lib! rdade, muitas vêzes, como Teoctiste, dominando todo o círculo Inmiliar. A mãe era particularmente respeitada. O poder de Ana Dalassena era famoso, mas a deferência do filho para com t'la não era considerada desarrazoada. Quando Digenes Acritas juntava em casa - jantava simplesmente, servido por apenas 11m criado, que êle chamava com uma campainha - êle e sua mu.lher dirigiam-se para a sala de jantar logo que a refeição estivesse pronta e deitavam-se em divãs; sua mãe checava um . d b pouco mais tal' e e sentava-se numa cadeira. Mesmo no crepúsculo do império foi apenas a influência da última das Imperatrizes, a anciã Helena Dragases, que conservou a paz entre RCUS filhos, Constantino XI e os irmãos. Nas freqüentes conspirações que agitavam a vida dos aristocratas, as mulheres invariàvelmente desempenhavam uma parte e em geral partilhavam com seus homens das punições, sendo porém poupadas das piores indignidades e sofrimentos físicos. Ana Dalassena foi certa vez recolhida a um convento; a mulher de Constantino Ducas, quando sua rebelião falhou em 913 e êle foi cegado, viu-se obrigada a retirar-se para sua propriedade rural. Por outro lado, a mulher de Bardas Focas, que tinha até defendido a fortaleza de Tirieu contra as fôrças do imperador, nunca foi punida, tanto quanto sabemos, após a derrota de seu marido, em Abidos. A vida dos pobres é mais ou menos igual em qualquer época ou país e decorre numa ansiosa luta pelos meios de subsistência. Os pobres de Constantinopla viviam em grande miséria, seus casebres acotovelando-se ao lado dos palácios dos ricos, mas passavam talvez melhor do que os pobres de muitas nações. O Circo, sua única recreação, era-Ihes aberto gratuitamente. A distribuição gratuita de pão tinha cessado com Heráclio, mas os homens que trabalhavam para o Estado na conservação dos parques e aquedutos, na reparação ou no serviço das padarias do Estado ainda recebiam comida de graça. Era função do questor providenciar para que os desvalidos tivessem trabalho útil e que não houvesse desemprêgo. Para promover êsse estado de coisas, ninguém podia entrar na cidade, a não ser autorizado. Havia, além disso, abrigos e hospitais para os velhos e enfermos, fundados em geral pelo imperador ou por algum nobre, anexos a um mosteiro ou convento, que os administravam. Possuímos vários títulos de diversas fundações dos

Comnenos. Para os filhos dos pobres havia orfanatos do Estado. O orfanótrofo, funcionário encarregado dos orfanatos, tinha sido a princípio considerado um membro importante di hierarquia do Estado, dispondo de enormes somas sob seu contrôle. Sob os iconoclastas, a Igrej a, durante certo tempo, apoderou-se dos orfanatos, mas os imperadores macedônios os retomaram para as autoridades civis e realçaram a posição do orfanótrofo. O maior orfanato ficava dentro dos muros do Grande Palácio. Um terremoto o destruiu no reinado de Romano IH, mas Aleixo I tornou a fundá-lo, esquecendo os encargos do Estado quando cuidava das crianças. Com tôdas essas instituições de caridade era provável que existisse de fato pouca fome. Note-se que quando o populacho se sublevava em arruaças nunca era levado por desejos anárquicos ou comunistas. O povo podia depor um ministro opressor ou destruir estrangeiros odiados, mas nunca procurava alterar a estrutura da sociedade. Na realidade, era para salvar o rubro sangue imperial do excesso de ousadia de algum usurpador que o povo, o mais das vêzes, dava expressão à sua soberania básica. Havia, no entanto, além dos pobres livres, uma considerável população escrava. Qual era seu número é impossível dizer. Logo se sentiu que não era correto escravizar cristãos, embora os servos dos distritos rurais fôssem pouco menos do que escravos. Mas em todo caso, até o século XII, os infiéis e os escravos pagãos eram empregados no serviço particular, nas minas do Estado e em outras obras oficiais. Eram cativos SãITilcenos ~não-resgatados ou, mais freqüentem'ente, ,~inham ~mo mercadorias, trazidos pelos mercadores das Estepes. Em particular os russos costumavam vender as vítimas das suas incursões nos mercados de Constantinopla. Mas durante todo o tempo havia um sentimento crescente contra a escravatura. Teodoro de Estúdio proibiu os mosteiros de empregar escravos e lançou um impôsto especial sôbre êstes últimos. Aleixo I, em particular, legislou no sentido de permitir que êles se casassem livremente. No entanto, mesmo em fins do século XII, o Arcebispo Eustátio de Tessalonica possuía um grande número de escravos que exigiu fôssem libertados após a sua morte, porque a escravidão não era natural. Gradualmente, o desenvolvimento da civilização elevou o preço da mercadoria humana a alturas impo síveis, mas ainda se encontravam escravos domésticos .em Cnllfltuntinopla no século XIV. Os escravos em mãos de par: I,,()

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provàvelmente levavam vida bastante confortável e intolerável, embora seus companheiros de propriedade do E Indo pudessem ser tratados como gado (47).

li.

111111

Entre os pobres e a nobreza flutuavam classes médias. Dio(,I•.ciano pretendeu que cada qual seguisse a profissão de seu pai o filho de soldado teria de ser soldado, o do padeiro, padeiro. AI '. erto ponto, essa situação prevaleceu, mas a sociedade não permuneceu tão estática quanto Diocleciano desejara. Se havia um filho para continuar a tradição paterna, seus irmãos poderiam rutrar para a Igreja, o exército ou o serviço público, e, caso tivessem êxito, tôda a família partilharia da nova fortuna. Hav ria doações de dinheiro, compras de terras e assim um nôvo ramo da nobreza aparecia. João, o Orfanótrofo, ministro ti Zoé, nascera na classe média e sua irmã desposou um forIl icedor de navios. Mas conseguiu elevar um de seus irmãos • depois dês te o sobrinho, filho do fornecedor, até o trono imperial. Ou uma irmã poderia fazer um bom casamento, porque a beleza freqüentemente elevava uma mulher acima de sua situação social. Teodora, atriz nascida no circo, e Teófano, filha de hoteleiro, tornaram-se ambas imperatrizes e houve outros exemplos quase tão espetaculares. Regularmente os novos parentes afins do imperador acorriam ao Palácio e davam início, qualquer que fôsse sua origem, a uma nova carreira na aristocracia. A ambição era característica comum em Bizâncio, e os pais da classe média faziam tudo para estimular seus filhos mais inteligentes. A mãe de Psellos fêz grandes esforços para dar ao rapaz a educação que ela própria nunca recebera, embora seus parentes se reunissem para comentar que êle não o merecia. A mãe de São Teodoro, o Siceota, sonhava com uma grande carreira para seu filho no exército e ficou profundamente desapontada quando êle escolheu o caminho pouco lucrativo da santidade. A irmã de Santa Maria, a Jovem, ela própria mulher . de um oficial, casou-a com um colega do marido, cheio de futuro, que se elevou em pouco tempo de drungário a turmarca de Bízia e teria chegado a maiores alturas não fôsse a terrível

( 47) Quanto à questão da escravatura, ver Chalandon, Jean Ler Comnene, 612; Constantinescu, Buüetin. o] the Roumanian academy, v. 11, 100; Boissonnade, Le Travail dans l'Europe Chrétienme au Moyen Age, 55, 76, 413 (diminuindo a extensão da

escravatura)

.

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tragédia da morte da espôsa, mártir de sua brutalidade. Seus filhos gêmeos estavam destinados um ao exército, outro à Igreja. A narrativa de Psellos sôbre a vida familiar, na oração fúnebre a sua mãe, mostra uma família muito unida, que ela dominava inteiramente. A única pessoa que Psellos verdadeiramente amava era uma irmã, morta aos dezoito anos. Não eram muito abastados, mas tinham um ou dois criados, e Teódote achou tempo, depois de seu casamento, para aprender a ler e escrever corretamente, porque sua educação tinha sido descurada de maneira invulgar. O pai era mercador, mas Psellos, com suas aptidões excepcionais, foi educado para ser erudito e até o mandaram viajar, para estudar com os melhores mestres. Era uma família muito piedosa, especialmente Teódote, que alimentava uma esperança de que Psellos abrigasse ambições eclesiásticas. A casa do turmarca de Bizia era um pouco mais rica. Possuía diversos criados e um gineceu, mas sua tentativa para manter a espôsa dentro do gineceu foi considerada como errada, e pouco cristã a atitude de impedir que ela fôsse à festa do domingo anterior à Páscoa. Para que um rapaz tivesse realmente êxito poderia ser sensato mandar castrá-lo, porque Bízâncio era o paraíso dos eu nucoso Mesmo os pais mais nobres não hesitavam em mutilar seus filhos para promover o seu progresso, nem havia nisso nenhuma desgraça. Um eunuco não podia usar a coroa imperial nem tampouco, por sua natureza, transmitir direitos hereditários e nisso residia seu poder. Um menino nascido muito perto do ttono podia ser, assim, afastado da sucessão, seguir tranqüilo, atingindo altas posições. Assim Nicetas, filho de Miguel I, foi castrado quando seu pai caiu e mais tarde, apesar do seu nascimento perigoso, chegou a ser o Patriarca Inácio. Romano I castrou não apenas seu filho bastardo Basílio, que, como Paracomomeno, o Grande Camareiro, dirigiu o império durante várias décadas, mas também seu filho legítimo mais môço, Teofilacto, que êle desejava viesse a ser patriarca. Grande proporção dos patriarcas de Constantinopla era de eunucos, e os eunucos recebiam estímulos especiais no serviço civil, onde um portador castrado de um título tinha precedência sôbre o competidor não-mutilado e onde muitas carreiras eram l~º--as ap~s ~~nucos. Mesmo no exército e na marinha o eunuco ocupava freqüentemente um comando. Narses, no século VI, e Nicéforo

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, foram talvez os exemplos mais brilhantes. Aleixo I unuco por almirante, Eustátio Cimineano, e após o Manziquerte foi um ennuco, Nicéforo, o Logóteta, que t t.tI. uiu reformar o exército. Uns poucos postos, tais como t Itll fl'ilura da cidade, lhes eram tradicionalmente vedados; til 11 1111110, somente quando as noções ocidentais de sexo e cava10111/1 começaram a influenciar Bizâncio foi que se começou a estig!II/llÍz11' a castração. Na realidade, foi o emprêgo de eunucos, .l, uma forte burocracia controlada por eunucos, a grande arma .l, IIlzâncio contra a tendência feudal da concentração do poder 11/1 mãos de uma nobreza hereditária, que provocou tantas I" I1 urbações no Ocidente. A significação dos eunucos na vida t.ll.Illltina era a de que davam ao imperador uma classe diri"1111 na qual êle podia confiar. Não há tampouco nenhuma I klência de que suas limitações físicas deformassem seu caIIIIt 1'. Através da história bizantina, os eunucos não parecem 111111 corruptos nem intrigantes, nem menos vigorosos ou pa1I lutas do que seus companheiros mais completos. Nas classes inferiores, os eunucos eram mais raros, embora pud sse ser de utilidade para a clientela de um médico o fato til' ser êle castrado, como neste caso poderia atender os conventos e hospitais de mulheres. Algumas instituições femininas porém eram tão estritas que só permitiam médicas. A fluidez geral da sociedade era fomentada pelo interêsse eral pelo comércio. A idéia de que ganhar dinheiro fôsse .oisa degradante é outra noção ocidental alheia a Bizâncio. A ôrte imperial era a maior casa comercial de Constantinopla, com o seu monopólio do negócio da sêda. Nicéforo Focas especulava no comércio do trigo, com lucro maior do que honestidade, nquanto João Vatatzes ganhou com a sua granja avícola dinheiro bastante para comprar uma nova coroa para a imperatriz. A nobreza freqüentemente entregava-se a atividades comerciais; a viúva Danielis era fabricante de tapêtes e o favorito de Leão VI, Músico, tinha interêsses no pôrto de Tessalonica. Até a Igreja figura ocasionalmente como emprêsa bancária, financiando as guerras de Heráclio contra os persas. Não era .porém possível fazer uma grande fortuna no comércio. Com os severos regulamentos impostos pelo Estado para o bem-estar dos cidadãos, os lucros eram forçosamente mantidos em baixo nível. Mas é provável que o contrôle do Estado fôsse exercido

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com certa elasticidade. Os pais de São Tomás de Lesbos, cujo negócio ia mal na ilha, foram autorizados a mudar-se para Calcedônia e ali instalar seu comércio, apesar da desaprovação oficial à movimentação dentro do império, e a proibição de imigração em Constantinopla não impedia um grande número de armênios de se transferirem para a capital e abrir lojas e fábricas. Ir para Constantinopla constituía o objetivo natural de todo homem ambicioso porque Constantinopla era, sem dúvida, o centro do império. Na Europa, só Tessalonica podia, até certo ponto, competir com ela. Tessalonica ficava na extremidade de uma das grandes rotas comerciais da Europa, descendo da planície húngara para Belgrado e correndo na direção sul pelo Morava acima e pelo Vardar abaixo. Tinha sido uma grande cidade desde os primeiros dias do império. No fim do século IX, tomou o maior volume do comércio búlgaro e a partir daí, apesar do saque pelos piratas árabes em 908, cresceu sempre. Na grande feira anual de São Demétrio a cidade ficava cheia, durante uma semana inteira, de mercadores e aventureiros de tôdas as partes do mundo. O satirico Timarion deixou uma descrição muito vívida da agitação e da alegria de tudo isso. Sob os Paleólogos, Tessalonica ainda se tornou mais próspera do que a própria capital. Seus nobres e mercadores eram provàvelmente mais ricos que os de Constantinopla e ela tornou-se um centro intelectual. As outras cidades européias do império, com exceção de uns poucos portos, Mesêmbria, Dirráquio, Patras e Bari, eram cidades-feiras adormecidas ou então importantes como fortalezas, embora por volta do século XII Tebas tivesse uma importante indústria local de sêda. Nos primeiros tempos, Alexandria e Antioquia tinham sido dignas rivais de Constantinopla; mas a perda das grandes províncias do suleste para os árabes inaugurou seu declínio. Na Ásia Menor havia diversas grandes cidades fortificadas e capitais provinciais, mas só os portos possuíam vida ativa. Esmirna perdeu alguma de sua importância quando a rota comercial se desviou pelo norte, para o Bósforo. Trebizonda, no entanto, foi até o fim o grande pôrto para a Armênia, a Pérsia e o Oriente e, como capital de um império independente por dois séculos e meio, seu prestígio aumentou muito; tal como Tessalonica, tornou-se um centro intelectual, particularmente famoso por seus astrônomos e matemáticos. Nicéia tinha seu passado

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11 nulo para distingui-la e gozou de nova prosperidade como c'lIpiltll do império no exílio. Brusa era famosa por suas águas. 1':1'Il LI principal cidade balneária de Bizâncio e freqüentada espeI'IlIlmente pela Imperatriz Irene. Antioquia ainda era uma grande c hlud quando as tropas de Nicéforo Focas a reconquistaram pltt'O Bizâncio, mas estava declinando e ainda declinou mais durante as Cruzadas, embora fôsse a capital de um principado 1111 ino o comércio árabe atingiu o Mediterrâneo mais ao sul.

A vida nos distritos rurais

não era, em absoluto,

uniforme.

Nos distritos europeus podiam-se encontrar eslavos, albaneses ou vuláquios levando uma existência pastoral segundo velhos costuCII'li tribais através das propriedades da nobreza greco-romana. 1 mo na Ásia Menor havia pequenas colônias de raças alieníenas, sírios, possivelmente, ou búlgaros, esparsos pelas terras. Em conjunto, o campo era ocupado pelas comunidades rurais de d uas espécies, a serva e a livre (48). O aldeão, ou servo, estava !lI'êso ao solo, cujo proprietário pagava os impostos, mas também tumava o produto da terra. Os filhos dos servos eram servos •.omo seus pais, embora por favor dos senhores pudessem ser li!>irados e entrar em outras profissões, tais como a Igreja. Havia ínmbém agricultores arrendatários em muitas propriedades de Ii os, que pagª-Y.B-mo aluguel em dinheiro ou em espécie e eram rontados como homens livres, mas na prática não tinham possihilidade de mudar seu destino para melhor. Estavam fixados onde se encontravam. O aldeão estava quase igualmente prêso ao solo, porque as autoridades centrais não gostavam de deserções da terra. Sua grande preocupação era o abastecimento de ConsIuntinopla e para talos trigais das províncias, da Trácia e da Ásia Menor, tornavam-se cada vez mais necessários. O aldeão livre devia pagar certos impostos sôbre sua propriedade, o mesmo ocorrendo a seus herdeiros, o que dificultava sua liberação da terra, Por conseguinte, não podia deixar a aldeia. Outro sistema estreitou êsses laços ainda mais. A comunidade rural foi taxada orno comunidade. Assim, se qualquer membro faltasse ao pagamento do impôsto, um ônus extra recaía sôbre todos os seus I

(48) Quanto à questão agrária, v. Panchenko, Propriedade RU1'al em Bizâncio, em Ievestia, do Instituto Russo de Constantinopla, v. 9; Sokolov, Lei da Propriedade no Império Greco-Rornomo (ambos em russo); Ashburner, The Farmer's Law, J. H. S., v. 30, 97 e ss., v. 32, 875 e ss.; Testaud, Des Rapports âes Puissants et (l Peiits PTopTietaries Ruraux âans Z'Empire Byzantin. 11

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vizinhos. Era de interêsse dêles, portanto, conservá-Io trabalhando em seu meio.

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Os aldeãos servos tinham sido mais comuns no tempo dos grandes proprietários de terras do comêço do império, mas no caos dos fins do século VI e do século VII, a sociedade rural foi reorganizada e as comunidades livres tornaram-se a regra geral. O Estado costumava pagar aos soldados com doações de terras, conservadas sob condição de serviço militar, criando assim uma classe de pequenos proprietários rurais militares hereditários. Gradualmente, à medida que a ordem era restaurada, o grande proprietário rural reaparecia. O rico assumia as obrigaçõea do homem pobre e assim transformava-o num locatário ou num servo, Às vêzes a safra falhava e o pequeno proprietário não podia mais existir como homem livre. Ou um aldeão piedoso morria e deixava sua propriedade para a Igreja, e a Igreja, tal como a nobreza, procurava investir seus bens em terras. Assim, apareciam novos magnatas territoriais leigos e eclesiásticos, que eram perigosamente ricos e cuja intervenção perturbava o sistema tributário. Contra isto legislaram, em vão, vários imperadores. Romano I em seus estatutos da preempção ordenava que apenas os pobres podiam comprar terras dos pobres e o comprador devia pertencer a uma comunidade rural, tendo os parentes precedência na oferta. Mas embora os imperadores subseqüentes insistissem nessas determinações elas eram sem dúvida inúteis porque nas épocas difíceis apenas os ricos tinham dinheiro para pagar os impostos que o Estado exigia sem piedade. Era um círculo vicioso, levando inevitàvelmente o pequeno proprietário livre a se tornar cada ~ez. menos freqüente à medida que os séculos avançavam; os Isaunos haviam tentado abolir a servidão' os Macedônios foram obrigados a restaurar seu direito legal.' A Lei dos Agricultores do século VIII dá uma idéia da vida da comunidade. Em tôrno da aldeia ficavam os pomares e os vinhedos, cercados, e além dêles os campos aráveis, não cercados, mas também de propriedade privada. No círculo exterior ficavam as pastagens naturais, de propriedade comum, mas se estas fôssem limpas e cultivadas passavam às mãos do que as houvesse recuperado. Pesadas penalidades recaíam sôbre quem, voluntàriamente ou por descuido, danificasse a propriedade dos aldeãos. O ladrão de uma campainha de gado era responsabilizado pelo animal, o ladrão de um cão-pastor, pelo rebanho todo. O homem que soltasse seus animais em seu campo, antes

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d, que tôdas as safras de seus vizinhos estivessem recolhidas. , tI t\ ujeito a uma multa, porque os animais podiam extra111 Tomavam-se providências contra tôdas as possibilidades IIguia-se o critério do dano que poderia ser causado à agrii ultura da comunidade, em seu todo. A vida dos santos "Hllplementam êsse quadro. O senso de obrigação de viziuhunça era sempre muito forte. Quando Filáreto, em fins do '('ulo VIII, se achou em dificuldade, seus vizinhos o ajudaram , quando teve de receber a missão imperial, êles o abasteceram d, mantimentos. O serviço militar era uma carga, especialmente HO distritos da fronteira, em que uma milícia especial se reunia "I\l caso de invasões j ustificadamente, porque os invasores "/llIlumavam abater-se sôbre o distrito destruindo as safras do /1110 e carregando consigo o gado e os rebanhos ovinos. Mas 1"'tI possível fugir do serviço militar mesmo quando numa propd dade militar. Havia sempre queixas contra o pêso dos imo 1'0 l S, mas o coletor agia como amigo do povo em época de lume, fornecendo alimentos ao distrito. A ordem era bem ruuntida. Havia polícia para coibir os roubos. Era necessário pll881lporte para viajar pelos distritos da fronteira. Exceto entre o nobres e a Igreja, a riqueza era pouca. Santa Teodora de 'l'essalonica, filha de um pároco de aldeia de Egina, fêz no J uizo geral, um ótimo casamento quando desposou um homem 11 u morreu logo após, deixando-lhe 300 numismas (4_320 r runcos-ouro ) e 9 escravos. O mêdo das invasões tinha despevoado e empobrecido o campo. O Estado tomava medidas drásti 'as para atrair novos colonos. No século IX, Santa Atanásia d Egina, uma bela e piedosa viúva, viu-se obrigada certo dia, !: m horror, a desposar um imigrante bárbaro. No entanto, muitos distritos, em especial nas ilhas egéias, permaneceram d sertos durante muito tempo. A história do século X de Santa 'J' octiste de Lesbos, apesar de sua suspeita semelhança com a 11 Santa Maria, a Egipcíaca, era perfeitamente possível. Ela viveu nua e tranqüila durante muitos anos numa ilha do Egeu, cl pois de ter escapado aos piratas sarracenos, e foi finalmente ~ncontrada por alguns eubeus, que alí tinham ido praticar o porte. Falaram dela a um monge de Paros, que repetiu a história a Nicetas, uma noite em que uma tempestade os fêz HP rtar na ilha numa viagem diplomática a Creta. As viagens não eram muito estimuladas comunidades fixas eram mais fáceis de taxar

no império; as e controlar e as

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únicas migrações aprovadas pelas autoridades eram as migra. ções forçadas de arrnênios para a Europa e de eslavos para a Ásia, para isolar elementos rebeldes. Mas homens empreende. dores, como Basílio, o Macedônio, conseguiam encontrar modo de chegar a Constantinopla; jovens de futuro tinham de boa vontade permissão para percorrer o império em busca dos melhores mestres e as peregrinações à Terra Santa, ou para ver as coleções de relíquias de Constantinopla, eram sempre permitidas. Processos legais traziam continuamente visitantes à capital e imperadores caridosos, como Romano I, construíram albergues onde êles pudessem hospedar-se. Dos distritos da costa, de Trebizonda ou de Tessalonica, a viagem em geral era feita por mar. Havia no entanto boas estradas, sempre bem conservadas, principalmente pelo seu valor militar e provàvelmente vedadas ao tráfego civil quando utilizadas por tropas. A conservação era paga em parte por pedágios; apenas os funcionários do govêrno, embaixadores estrangeiros e certos altos membros da nobreza estavam isentos dessas taxas. Duas estradas principais levavam de Constantinopla para o Oriente, uma a Estrada Militar, que corria através de Dorileu, se subdividia a leste do Hális, um ramo dirígindo-se através de Sebástia para a Armênia e outro voltando-se para o sul e levando a Cesaréia e Comagena ou através de Tiana para as Portas Cilícias e a Síria ; a outra, a Estrada dos Peregrinos, era um pouco mais curta, mas menos fácil. Começava mais ao norte através de Ancira, depois voltava-se para o sul, em direção a Tiana. Na Europa a estrada principal, se as condições permitissem seu uso, era a antiga Via Inácia, que ia de Dirráquio a Tessalonica e de lá a Constantinopla. A estrada Belgrado-Sófia-Adrianôpolis raramente estava em mãos bizantinas. Considerando a diversidade de sangue, os meios de vida e os longos séculos de transformação da existência do império, pode parecer audacioso atribuir a Bizâncio características nacionais. No entanto, através da história bizantina certos traços aparecem com tamanha persistência que merecem ser considerados como o temperamento bizantino. O mais notável é o sentimento religioso. Tôda a cristandade da Idade Média era profundamente religiosa, profundamente preocupada com o futuro da alma. Mas o bizantino era religioso com uma intensidade B lvagem, rara de se encontrar no Ocidente. Exigia precisão l lógica, mas aspirava mais ainda por contacto e experiêncià

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\!1'MHoal.Seu império era teocrático. A pompa e a glória da eram para elevar o vice-rei de Deus; faziam parte do culto divino tal como os ofícios das igrejas. Os festivais e o carnaval que davam vida ao ano bizantino, embora permitissem alegrias mundanas, eram simples incidentes da liturgia perpétua. A simpll' atitude pagã dos antigos gregos em relação ao prazer pe:', .lera-se totalmente; um senso religioso transcendental obscurecia 11 alegrias da vida. Os poetas bizantinos encontravam sua ( pressão natural em hinos, em elegias que celebravam a maje:. rude divina ou descrições de comunhão mística. Mesmo os escrrtor s mais vívidos, homens como Psellos, aceitam a religião sem cli cutir e têm como certa a falta de importância da vida na Terra, desculpando-se por mostrarem interêsse pelas ciências paI(ü , enquanto os adversários da religião, os racionalistas como Constantino V, que não admitia o título de santo nem para os Apóstolos, e os debochados, como Miguel Il I e Alexandre, exprimiam sua emancipação através da caricaturas dos rituais 1\ da Missa Negra. Não se podiam libertar inteiramente do nmbiente. Mas, embora o esplendor de sua vida fôsse planejado em homenagem a Deus, os bizantinos admiravam acima de tudo nquêles que abandonavam os prazeres do mundo e se prepa· rnvam para a eternidade através da contemplação e da sujeição da carne. Os mosteiros e conventos viviam repletos. Depois das 1''' ocupações da administração doméstica, dos ardores d~ vida i-nmeroial ou da tensão da alta política, era agradável retirar-se pnra a paz monástica e fortificar a alma em lugares calmos e eh ios de beleza. Mas a vida monástica não era suficientemente I'il(orosa. Os monges constituíam uma classe profundamente 1 cspeitada e procurar sua companhia era sinal de graça - êsse 1(1'> to fêz crescer muito a popularidade de Romano I, e Aleixo I, para agradar sua mãe, sempre mantinha um monge em sua n-nda quando em campanha. Muito mais reverentes e influentes eram os eremitas, que viviam em miséria solitária em cavernas. Muitas vidas dêsses santos abnegados ilustram a prodigiosa iníluência que exerciam. O beato Lucas, o Menor, era quase a nul ri da de máxima na Grécia no século X; o estratego visitnva-lhe continuamente a caverna para pedir e seguir seu conelho. São Nícon, cognominado Metanocite ou "Arrepende-te", I(overnou o Peloponeso pouco antes, e pouco mais tarde 'São Nilo dominou a Calábria, chegando a exercer seu poder na lloma dos Otos. São Nicéforo de Mileto era bastante poderoso

1'(IJ'l

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para fazer Nicéforo II perdoar o impôsto sôbre o óleo da Igreja. Os santos estilitas que passavam a vida no alto de plataformas sôbre colunas eram particularmente admirados. Houve uma longa e venerada seqüência dêles, desde o primeiro Simeão, a partir do século IV. São Daniel, o Estilita, tinha uma coluna em Constantinopla no século V e era muito popular na côrte. Sempre que havia uma tempestade, o Imperador Teodósio II mandava imediatamente saber como êle estava passando e finalmente, depois de muita persuasão, induziu-o a permitir a construção de um pequeno telhado sôbre sua cabeça. Quando se descobriu que a coluna era de construção defeituosa, o arquiteto foi ameaçado de morte. Era um grande curandeiro, tal como São Simeão, o Jovem, que, depois de ter dito com grande precocidade, na idade de dois anos: "Eu tenho um pai, mas não tenho nenhum, eu tenho uma mãe, mas não tenho nenhuma", foi viver no alto de uma rocha perto de Antioquia. Santo Alípio, o Paflagônio, e São Lázaro, o Galisioto, govemaram mosteiros de suas colunas; o primeiro ficou paralítico depois de estar em pé cinqüenta e três anos e teve que ser deitado. São Teodoro, o Siceota, do século VII, passou uma Páscoa numa jaula, mas seu discípulo Arsino viveu quarenta anos numa plataforma perto de Damasco. São Teódulo, um correspondente de Teodoro de Estúdio, pintou quadros audaciosos do alto de sua coluna, Houve mesmo uma ou duas mulheres estilitas. O último estilita eminente, São Lucas, viveu no tempo de Romano I, cujo reino foi a idade de ouro dos santos. A plataforma de São Lucas ficava na Calcedônia e sua proximidade da capital fêz dêle um curandeiro útil. Curou dois criados da Imperatriz Sofia, um mordomo e o homem que alimentava a fornalha que aquecia o banho da imperatriz, e até curou uma doença de infância do príncipe patriarca em perspectiva, Teofilacto. Seu contemporâneo, São Basílio, o Menor, também foi protegido pela côrte dos Lecapenoso Aconselhou a imperatriz como fazer para ter um filho, Depois do século X os santos se tornaram mais raros, embora ainda houvesse estilitas nos séculos XI e XII e mesmo mais tarde ainda era possível alcançar a coroa do martírio e um halo, como, por exemplo, São Nicetas, o Jovem, no século XIV, infiltrando-se entre os turcos maometanos e provocando perturbações durante o Ramadã. O apêlo dos mosteiros nunca diminuiu. As princesas da dinastia dos Comnenos freqüentemente declaravam sua intenção de se retirarem do mundo, embora

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a realizassem e muitas senhoras que terminavam a vida mosteiros em geral o faziam contra a vontade. Mas a última '"IIH ratriz, Helena, terminou voluntàriamente seus dias num , ""V .nto com o nome de Irmã Hípômene. 1',,11('0

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Era possível também que homens de ação, não desejosos retirar completamente do mundo, fizessem votos parciais .I, ascetismo. Nicéforo Focas era muito admirado pela sua absI, lição de carne e quando, tentado pela ambição do impél:io , p 10 amor da imperatriz, êle infringiu êsse preceito na noite do asamento com Teófano, seu prestígio recebeu um duro golpe , mbora conservasse o corpo e a roupa em venerável sujeira, p/lra desgôsto do embaixador italiano Liudprand, aquêle voto brado custou-lhe para sempre o afeto de Constantinopla.

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O gôsto de quase todos os imperadore~ pela compan~ia monástica era incentivado pelo interêsse que tinham na teologia. A discussões reliaiosas constituíam a substância principal da to f . , I runversa em muitas mesas dos imperadores e 01 com terrrve urprêsa e choque que Cinamo e o bispo de Neopatras o~;iram ndronico I pedir-lhes que falassem em outro assunto, ja que 11 T ligião era tão cacête. Andronico mereceu o horrendo des11110 que encontrou logo depois .. A religião era acompanhada abertamente da superstição. O amor dos bizantinos pelas suas relíquias era evidente pelo IoIl'ande orgulho que mostravam diante das coleções de C~nst.anrinopla. Cada século, elas eram aumentadas de novas relíquias. Santa Helena lançou os fundamentos da coleção do Palácio nos dias de Constantino. Heráclio acrescentou muitos objetos sacros conservados em Jerusalém, para salvá-los dos persas e dos árabes _ a Madeira da Cruz, o Sangue Sagrado, a Coroa de Espinho.s: n Lança, a Túnica Inconsútil e os Cravos. Cadáveres santos. ja c' meçavam a chegar de todos os lados. Helena trouxe DameI; .' ão Timóteo, Santo André e São Lucas vieram no tempo de .onstantino, Samuel no tempo de Arcádio e Isaías no de Teodôsio lI; os Três Inocentes no tempo de Leão I, Santa Ana no cl J ustiniano e Maria Madalena e Lázaro no de Leão VI; R mano I acrescentou a imagem de Odesea, Nicéforo Focas, 08 cabelos de João Batista e João Tzimices as sandálias de Cristo. manto de Elias era conservado na Nova Basílica, os pães do milagre sob a coluna de Constantino, enquanto as relíquias da Virgem podiam, em sua maior parte, ser vistas nas igrejas de Blaquerne e Calcoprácia, a ela dedicadas. Os museus de reli-

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quias não tinham rivais no mundo e, apesar do Estado não gostar de es~rangeiros não-autorizados, os peregrinos que quisessem cultuá-Ias eram sempre bem recebidos e assistidos. A história da questão iconoclástica mostra o quanto valiam as imagens para os bizantinos. Mas os objetos religiosos possuíam também um grande valor prático. Não só eram muitos dos monges e eremitas eficientes curandeiros, mas os santuários cristãos assumiram as qualidades benéficas dos templos pagãos, que os antecederam. Os homens e as mulheres não iam mais aos templos de Asclépio e de Lucina para curar seus males. Comprimiam-se, ao invés, na Igreja de São Damião e São Cosme, os Anargiros, os Médicos do Povo. Os santuários de São Miguel Arcanjo eram muito medicinais, em especial sua catedral em Cone, enquanto São Diomedes tinha quase a mesma eficiência. Para os males sexuais, os homens recorriam a Santo Artêmio e as mulheres à sua companheira, Santa Febrônia. Os santos podiam até proteger uma cidade. Por duas vêzes São Demétrio em pessoa salvou Tessalonica, e Constantinopla estava sob a proteção da Virgem; Edessa durante muito tempo ficou tranqüila, confiando na promessa de Cristo de que nunca seria capturada. A promessa, no entanto, caducou. A superstição possuía o seu lado negro. Diabos e demônios estavam em tôda parte. Satã, em forma de cão, atacou o Bispo Partênio de Lâmpsaco. Até o grande Iustiniano vendeu a própria alma e era possível vê-lo à noite vagando pelo Palácio carregando a própria cabeça entre as mãos. João, o Gramático, o patriarca iconoclasta do século IX, entrezava-se à feitiçaria e realizava sessões com freiras que agiam como médiuns, e julgava-se que Fócio tinha conseguido seus prodigiosos conhecimentos ao preço de negar Cristo. O Patriarca Cosme, no século XII, amaldiçoou a Imperatriz Berta para que ela nunca tivesse filhos. Seu contemporâneo Miguel Sicidites podia tornar as coisas invisíveis e pregava peças com o auxílio dos demônios. Cometas e eclipses pressagiavam desastres. Havia homens que podiam ler o futuro; continuamente, monges loucos ou crianças inspiradas reconheciam o futuro imperador. A Astrologia era uma ciência. O Professor Leão, o Filósofo, no século IX, conhecia o significado das estrêlas, embora o povo esperasse que os seus maiores êxitos, tais como a previsão e prevenção da fome na Tessalonica, fôssem resultado de orações e não de magia. Um cartomante previu para Leão V, Miguel II e o 168

urpador Tomás o alto destino que teriam, e com êste seria nu rligado. Leão V soube de sua morte próxima por um livro .I oráculos e figuras simbólicas. O Imperador Leão VI foi ,ognominado o Sábio por su~ c~pacidade divinat~ria. . Sa~ia t'. ntamente quanto tempo seu irrnao Alexandre devia reinar e uma série de versos que lhe são atribuídos são proféticos e previnm o desastre de 1204 e a restauração do império pelos 1'111 ólogos. Havia muitas outras prof~ci~s sôbre a ,queda da •.idade. Apolônio de Tiana, o grande magico, que se fez c.ontemporâneo da fundação de Constantinopla, escreveu uma lista de rodos os futuros imperadores e enterrou-a na coluna de Consumtino. Ocasionalmente, porém, as profecias erravam. O ateni nse Catanances era muito popular no tempo de Aleixo I, mas 11118ndoprofetizou a morte do imperador, apenas o le~o ~rediII'lO do Palácio morreu. Tentou de nôvo, e dessa vez fOI a nnperatriz-mâe. Sonhos e visões dirigiam os acontecimentos. Um Honho revelou a Leão V que Miguel, o Amório, o apunhalaria. João 11 não quis coroar seu filho mais velho por cau:a ti um sonho. A mãe de João Cantacuzeno, quando no balcao ti sua casa de campo apreciava o nascer da Lua, foi prevenida por um visitante fantasma que seu filho estava em per~go. Acreditava-se que tôda gente possuía um stoicheion, um objeto inanimado, ao qual sua vida estava ligada. Assim, Alexandre exigia que se tomassem os maiores cuidados com um javali. ~e bronze do Circo que êle julgava fôsse o seu, e um monge sábio Ili se a Romano I que certo pilar era o stoiclieioti de Simeão (Ia Bulgaria. O pilar foi decapitado e o velho tzar por consep;uinte morreu. Outras esta tuas sofreram destruição por motivos jrrualmente surpreendentes. Em 1204 uma multidão enfureci da t'> • rlestruiu uma grande estátua de Atena porque parecIa estar acenando para os latinos do Ocidente. \I

Os bizantinos tinham reputação de corruptos, intrigantes cruéis bem como de supersticiosos. Os raros imperadores que morreram de morte natural são citados como prova dis.so. Que a ambição pessoal desempenhava um grande papel na VIda de quase todo estadista bizantino conhecido não pode ser nezado, mas deve-se recordar que os menos ambiciosos raras vêzes têm suas vidas registradas. Houve certamente figuras como Justino I, Irene, o César Bardas, Basílio I ou Cerulário em quase tôda geração, intrigantes despidos de escrúpulos e de honra, embora poucas vêzes de patriotismo. Mas também deve ter ha169

v~do muitos c~mo o Paracemomeno Teófanes, no comêço do sec~lo X~ servidores ~desinteressados do Estado, de quem se OUVIU~Ulto pouco. Nao se pode julgar a extensão da corrupção. Por vezes, como no tempo de Leão VI, era certamente muito difundi?~, mas não temos motivos para supor que sob Teófilo ou Basílio II o poder do dinheiro desempenhasse papel preponderante, A crueld~de foi também muito exagerada. O populacho de Constantmopla, como qualquer multidão meridional quando suas paixões e ódios eram despertados, tornava-se terríveI. Imperadores e ministros caídos em desgraça podiam sofrer tormentos indizíveis em suas mãos. Miguel V foi arrastado, aos gritos, do santuário de Estúdio, Andronico I teve a barba arrancada, os dentes quebrados e um ôlho e uma das mãos cortados feito em pedaços no Hipódromo imagens nada agradáveis de contemplar. Mas nenhuma multidão enfurecida se lembra de ser boa. Nos momentos de calma, Constantinopla era menos brutal. O caminho para o trono era freqüentemente semeado de cadáveres, mas nem sempre. A punição que as autoridades mais gostavam de infligir era a internação num convento para salvar a alma do criminoso. A pena de morte raramente era empregada. A mutilação, a penalidade comum do crime, embora horrorize os princípios modernos, constituía uma alternativa humanitária à morte e era certamente preferivel à prisão ou a multas que deixavam o criminoso na miséria. Em muitas ocasiões a mercê das autoridades mitigava até castigos muito bem merecidos. A Imperatriz Teodósia não permitiu que Miguel, o Amório, fôsse queimado vivo, embora êle tivesse sido, sem sombra de dúvida, julgado responsável por crime de alta traição em relação ao marido dela, Leão V. O castigo impôsto aos conspirador~s D.ucas em 913 foi considerado ultrajado, porque diversos cúmplices foram condenados à morte e tôda gente lamentou a pr~f.erência de Constantino VIII pela cegueira, mesmo quando as vitimas eram reconhecidamente criminosas: êle porém considerava êsse castig.o m~is suave do que a pena de ~orte. Quanto aos prazeres, os hizantinos podem comparar-se muito favorávelm:nte com. ~s romanos. Os presos não eram lançados aos leoes n~ Hipódromo ; as corridas de carros, e não os combates de .gladIador~s, eram a melhor diversão. As organizações de caridade, abrigos e hospitais não constituem indicação de um povo desalmado. Os defeitos dos bizantinos parecem ser antes a inconstância e a falta de lealdade pessoal, a amargura e um 170

f·illi

pouco caridoso, o que torna pouco atraente mesmo os reveladores de seus escritores, Psellos, Ana Comnena ou Frantzes. Não era a vida humana, mas sim a natureza humana, qu êles consideravam baixa demais. 1110

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o entanto, possuíam muitas qualidades. Orgulhavam-se do império e de sua civilização. Amavam o conhecimento e a beleza. 'ultivavam seus gostos intelectuais até o requinte. Era a educa'iío, e não o nascimento, que permitia o ingresso na sociedade hizantina. Foi a ignorância da cultura que tornou Romano I ( seus amigos desprezados nos melhores círculos, enquanto o Patriarca Nicetas, no século XI, foi objeto de ridículo por causa do seu sotaque eslavônico e o estadista Margarites foi tratado com desrespeito no século XIII porque falava com voz pouco ngradável. Os bizantinos apreciavam um espírito bem educado, capaz de se exprimir com delicadeza e de citar os clássicos. Muitos atingiam essa educação, e sua cultura não era apenas afetação: interessavam-se apaixonadamente, desejavam conhecer os negócios dos seus vizinhos e tomavam de empréstimo de boa vontade os ontos dos árabes e os divertimentos do Ocidente. O amor que dedicavam à beleza era ainda mais profundo. A hcleza humana os atraía. No século VII, os soldados quiseram fazer do arrnênio Mizizo imperador porque o achavam belo. A aburda Imperatriz Zoé salvou-se do ridículo pela sua beleza. Mesmo aos sessenta anos parecia uma jovem, com seus cabelos louros e sua pele impecável, e os simples vestidos brancos que usava eram objeto de grande admiração. Amavam as belas paisagens. Jardins, parques e flôres constituíam para êles objetos de encantamento - os jardins de Digenes Acritas são descritos com grande entusiasmo - e construíam seus mosteiros em locais de onde se descortinavam os mais belos panoramas que pudessem encontrar. Seus edifícios, seus tecidos, seus livros, tudo refletia o mesmo anseio de beleza, mas uma beleza não inteiramente dêste mundo. A beleza possuía um sentido interior para êles. Ajudava-os na contemplação mística; era parte da glória de Deus. A vida era monótona e feia, mas o adorador, o cidadão de Santa Sofia ou o eremita do Monte Atos estava longe de tudo isso. A arquitetura humana da Catedral e a divina arquitetura da Monlanha o elevavam acima do mundo comum e o aproximavam de Deus e da Realidade Verdadeira. Para os bizantinos, a beleza e a religião caminhavam de mãos dadas, para vantagem de ambas,

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Compreende-se melhor essa aliança quando se recorda a origem da vida bizantina. Os bizantinos viviam num mundo muito pouco digno de confiança. Além das fronteiras vagavam os bárbaros, e eram demasiado freqüentes as vêzes em que irrompiam através das províncias ou do mar e suas hordas atingiam as portas da própria capital. As fogueiras dos hunos, dos persas, dos búlgaros, luziam diante da cidade, os navios dos sarracenos e dos russos cobriam o mar ao pé de suas muralhas. Grandes fôrças armadas quase tiveram êxito antes dos piratas venezianos e dos turcos. No comêço do século VIII, todo cidadão recebeu ordem de manter provisões capazes de durar três anos, tais eram os perigos que espreitavam em tôrno. Assediados pelo mêdo e pela incerteza, os bizantinos não podiam deixar de desconfiar, de ter nervos que fàcilmente explodiam em fúria ou pânico. Inevitàvelmente procuravam refúgio nas coisas extraterrenas, na união com Deus e na esperança da vida eterna. Sabiam que a existência era triste. O riso simples e a felicidade dos pagãos estavam perdidos. O espírito do bizantino era ácido; seu humor exprimia-se por motejos e sarcasmos. Na verdade, a vida parecia uma pilhéria. O grande império, o último lar da civilização num mundo tempestuoso e sombrio, estremecia continuamente diante dos bárbaros e só se recuperava para enfrentar um nôvo ataque. Durante séculos a grande cidade permaneceu inviolada, parecendo aos olhos dos forasteiros um símbolo de poder e riqueza eternos. Mas os bizantinos sabiam que o fim chegaria algum dia, que um dêsses assaltos triunfaria. As profecias escritas por tôda Constantinopla em colunas ou em livros de sabedoria contavam a mesma história, dos dias em que não mais existiriam imperadores, dos últimos dias da cidade, dos últimos dias da civilização.

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CAPÍTULO

EDUCAÇÃO

IX

E ENSINO

Uma boa educação era o ideal de todo bizantino. Apaideusia, a falta de cultura mental, era considerada um infortúnio e uma desvantagem, quase um crime. O ignorante era alvo ,~e consta~t~s zombarias - o grosseiro Imperador Miguel lI, vitima ~e mumeros libelos, o patrício eslavo Nicetas, de quem Constantmo VII zombava, o filósofo João ftalo, que nunca perdera o sotaque italiano , e Constantino Maraarites, cuja linguagem era tão ~ . vulgar (parecia criado com cevada e farelo ) - enquanto escntores, t~IS como Ana Comnena elogiavam sempre a pessoa dotada de espírito bem cultivado. O objetivo e o processo da educação não variaram muito através da história bizantina. A primeira matéria ensinada a um menino, pelos seis anos de idade, era a gramática ou "a helenização da língua". Incluía, além da leitura e da .e~crita, da gra· mática e da sintaxe no sentido moderno, o conhecimento e comentário dos clássicos, particularmente Homero, cujas obras tinham que ser decoradas ..• Sinésio, no século V, fala da habilidade .de seu jovem sobrinho, capaz de recitar Romer? (decorava .cmqiienta versos por dia), enquanto Psellos, no se,culo XI, sab.la a Iliada de cor na mais tenra idade. O resultado e que todo bizantino era capaz de reconhecer uma citação de Hornero. Ana Comnena, que emprega sessenta e seis na sua Alexíada, raras v,ê~es acrescenta "como diz Romero": era inteiramente desnecessano. Outros poetas eram lidos e até estudados, mas nenhum teve posição tão elevada e duradoura; Pelos quatorze anos, o aluno passava à Retórica, que incluía a correção da pronúncia e o estudo . de autores como Demóstenes e outros prosadores. Depois da Retórica vinham uma terceira ciência, a Filosofia, e as quatro artes, a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia; e o Direito, a Medicina e a Física podiam ser acrescentados. A educa-

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í ção religiosa era ministrada passo a passo com o ensino leigo, mas sempre em separado e ministrada por sacerdotes. As crianças estudavam a Bíblia a fundo: logo depois de Homero, esta era a principal fonte de alusões e citações na literatura bizantina. Os professôres podiam pertencer a escolas ou universidades ou eram mestres particulares. Tôda a questão dos estabelecimentos de ensino de Constantinopla é um tanto obscura. (49) No início do império, as primeiras letras eram ministradas provàvelmente por monges, mas logo o aluno entrava para alguma escola onde recebia todo o resto de sua educação secular. Constantino fundou uma escola no Pórtico e Constâncio transferiu-a para o Capitólio. Juliano, o Apóstata, proibiu os cristãos de nela ensinarem e embora a proibição tivesse sido levantada, os principais professôres do século V parece terem sido pagãos. Teodósio 11 estabeleceu nela dez gramáticos gregos e dez latinos, cinco sofistas gregos e três latinos, dois j mistas e um filósofo. Anexa à escola havia uma biblioteca pública fundada por Juliano, com um acervo de 120.000 volumes. Esta incendiou-se durante o reinado de Basilisco, em 476. Havia outras universidades fora de Constantinopla Antioquia, onde ensinava Libânio; Alexandria, a terra de Hipácia; Bérito, com suas escolas de Direito; Atenas, famosa por sua filosofia e Gaza, por sua retórica. Depois de Justiniano, a Escola é raramente mencionada. Sabe-se que, com sua paixão pelo cristianismo e pela uniformidade, êle fechou a escola de Atenas, confiscando-lhe os bens deixados em doação, proibindo o ensino do Direito fora de Constantinopla, Roma e Bérito; e todos os professôres universitários tinham que ser cristãos. Nos últimos tempos de seu reinado diminuiu-lhes os salários. Diz-se que Focas finalmente fechou a Universidade. Na obscuridade do século VII, a educação tornou-se menos difundida. Durante os séculos seguintes os meninos eram educados principalmente por professôres particulares; Teodoro de Estúdio e o Patriarca Nicéforo começaram os estudos com um grammatistes e mais tarde entraram para um seminário. Ananias de Xiraque (que viveu em cêrca de 600-650) foi educado por um professor da moda Tíquico de Bizâncio, que tinha aprendido Filosofia em Atenas e depois se fixado em Trebizonda, onde sua vasta (49) Ver Bréhier, L' Enseignement Supériem" à Constantinople, em Byzantion, v. 3, 73-94; v. 4, 13-28; Schemmel, Die Hocbsohuie von Konstantinopel, passirn.

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hihlioteca constituía mais uma atração. Mas entrementes a Igreja lava chamando a si a educação. Heráclio fundou uma escola ob o contrôle do patriarca na Calcoprácia e havia escolas aneli ao mosteiro de Estúdio e à Igrej a dos Quarentas Mártires, ulém de uma grande escola na Igreja dos Santos Apóstolos onde, 110 século XI, uma educação leiga muito geral era ministrada. Mesmo os jovens que iam a Trebizonda estudar com Tíquico I rarn levados a essa escola pelo diácono do patriarca.

I

O contrôle eclesiástico aumentava os infortúnios do império com o seu trabalho contra um ensino universal. O ensino leigo I"O~ seu passado pagão era visto com certa suspeita. Pacômio, 110 século VIII, contrasta a verdadeira ciência da Teologia com 11 ciência profana "que conduz muitos à perdição" e o Patriarca Nicéforo compara a última a Agar e a primeira a Sara. E as p srturbações da Igreja durante o período iconoclasta ace~ltuaram essa suspeita. Mas no século IX, a situação tornou-se mais calma ( a suspeita das autoridades eclesiásticas se reduziu. O melhorumento das relações com os árabes levaram ao estudo das lendus do Islã. Houve um grande reflorescimento do ensino, embora 1l0US pioneiros, homens como Fócio e João, o Gramático, fôssem considerados pelo populacho como mágicos. O tio e ministro de Miguel IH, o César Bardas, fundou uma nova universidade do Eslado em Magnaura. O professor de Filosofia era o reitor - o Oeconemicos Didaskalos com os professôres de Gramática, eometria e Astronomia a êle subordinados. Leão, o Filósofo, que estava ensinando na Escola Religiosa dos Quarenta Mártires foi nomeado para o pôsto. Mas um grupo da Igreja - os inimigos do erudito Fócio - ainda permanecia hostil; um dos dis.ípulos de Leão, um monge chamado Constantino, escreveu um poema venenoso contra o mestre, expondo os perigos do Helenismo, como a cultura pagã da Grécia era conhecida. No século X, o autor do Philopatris podia ainda injuriar () estudante de platonismo e, mesmo 110 século XI, o velho soldado Cecaumeno podia declarar que o conhecimento da Bíblia de um pouco de raciocínio teórico e lógico era o que bastava n um rapaz. Mas o ensino se difundia cada vez mais. De fato, no reino de Constantino VII a côrte era quase uma academia para () estudo da História. O santo do século X, nascido de pais de classe média ou superior, aprendia a "helenizar a língua" obri~atõriamente, embora a piedade o levasse a especializar-se, ainda muito jovem, em Teologia. No entanto, em certa época a univer-

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) sidade fundada por Bardas foi extinta. Provàvelmente isto foi por obra de Basílio 11, que pensava, como o autor de Philopatris, que um ensino muito desenvolvido não fazia bem ao Estado, além de constituir uma extravagância custosa. Quanto PseIlos e seus contemporâneos, nascidos em princípios do século XI, quiseram receber educação, tiveram que ser autodidatas ou estudar com professôres particulares ou nas escolas religiosas. O Imperador Romano 111, que se orgulhava da própria cultura, nada fêz para remediar a situação. Mas Constantino IX impelido pela lamentável situação do conhecimento jurídico - os advogados eram quase todos autodidatas e incompetentes - fundou em 1045 uma escola de Direito que todos os advogados eram obrigados a freqüentar antes de exercer a profissão; e ao mesmo tempo estabeleceu uma cadeira de Filosofia, compreendendo Teologia e os clássicos. O professor de Direito, o Nomophylax, era o reitor da Universidade. Constantino nomeou para o pôsto um juiz notável, João Xifilim, enquanto Psellos se tornava professor de Filosofia. Parece que esta organização durou até 1204. As facilidades educacionais aumentaram quando Aleixo I voltou a fundar as escolas- orfanatos. A Universidade do Estado e os Orfa· natos estavam diretamente subordinados ao Imperador. Êle nomeava, pagava e demitia os professôres e freqüentemente inspecionava as aulas, fazendo perguntas e assistindo às preleções existe ainda um retrato de Miguel VII ouvindo uma conferência de Psellos. Aleixo advogava, acima de tudo, o estudo da Bíblia, mas no tempo dos Comnenos o ensino dos clássicos teve um impulso que nunca alcançara antes. É no entanto difícil dizer até que ponto o ensino atingia as várias camadas sociais. O poeta paupérrimo Pródromo estudou Gramática, Retórica, Aristóteles e Platão, mas queixava-se de que os sotaques ásperos da praça do . mercado tinham expulsado a prosódia elegante e que os pobres não dispunham de bibliotecas para estudar. De fato a falta de bibliotecas parece ter constituído uma dificuldade constante. Desde 476 não havia biblioteca pública. Os mosteiros e as igrejas possuíam freqüentemente bibliotecas, mas, se a coleção de livros do estabelecimento de São Cristódulo em Patmos era típica, aquelas eram em primeiro lugar teológicas. De 330 livros de Patmos, 129 eram de liturgia e apenas 15 seculares. Por certo existiam grandes bibliotecas particulares, às quais sem dúvida tinham acesso os eruditos; e havia numerosos escribas - principalmente leigos, embora alguns monges fôssem copistas - que copiavam manu critos; os belos livros constituíam um dos produtos de

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exportação de Bizâncio. Mas os livros c'Ontinuavam caros. No princípio do século X, Aretas, o bibliófilo bispo de Cesaréia, pagou 1\, numismas quase Cr$ 900,00, segundo o poder aquisitivo utual - por uma boa edição de Euclides. O saque de 1204 pôs por terra tôda a organização educa.ional. O movimento helenístico estava no apogeu; Miguel Acominato .tinha acabado de viajar para Atenas cheio de entusiasmo pelo seu passado clássico e um grande homem da Igreja, Eustátio de Tessalonica, vinha de terminar recentemente os comentários a Píndaro. Com o saque, os eruditos se dispersaram, seus fundos desapareceram e seus livros foram destruidos pelas chamas latinas. Apesar disso, a erudição sobreviveu e logo se centralizou em tôrno da côrte em exílio, em Nicéia. Aí, o erudito Blemidas se estabeleceu. Seu pai tinha sido médico em Constantinopla e se retirara para Brusa em 1204. No caos que se seguiu à catástrofe, Blemidas tinha encontrado dificuldade em achar professôres e finalmente tinha aprendido mais com um recluso, chamado Pródromo, nas montanhas de Bitínia, que lhe ensinou Aritmética, Geometria e Astronomia. Em 1238, viajou pelo antigo mundo bizantino coletando manuscrito, armado com cartas de apresentação do imperador niceno. Graças em grande parte aos seus esforços, a educação atingiu um nível elevado em Nicéia; Paquímero e Acropolita ali estudaram e ensinaram, e a côrte nicena, especialmente sob a Imperatriz Irene, mulher de João Vatatzes, e seu filho Teodoro, patrocinava o ensino com grande dedicação. Irene certa vez chamou Acropolita de) tolo porque êste disse que o eclipse era causado pela interposição da Lua entre o Sol e a Terra, mas depois lhe pediu desculpas, dizendo ao marido, que ã aconselhava a não se aborrecer - Acropolita não passava de um menino - "Não é justo aplicar essa expressão a uma pessoa que expõe teorias científicas" . Mas, apesar dessa atitude, parece que não havia escolas ou universidades organizadas em Nicéia. O Govêrno provàvelmente não podia mantê-Ias. Os dias dos Paleólogos, quando Bizâncio já perecia de forma lenta, mas inexorável, foram, em contraste, o período mais esplêndido do ensino bizantino. Cheios de problemas, com um futuro negro diante de si, os bizantinos dos séculos XIV e XV . voltavam-se, mais ansiosos do que nunca, para as glórias do passado. Escritores como o estadista Teodoro Metoquites ou Nicéforo Grégoras, ou as últimas grandes figuras, Gemisto Pléton, Genádio e Bessarion, estavam profundamente imbuídos das

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lend~as clássicas além d08 estudos dos teólogos cristãos. Os pro. fessôres da épo?a, Planudes Moscópulo ou Triclínio, possuíam u~ belo ~o~heclmento da filologia e da literatura. Crisoloras, cuja erudição surpreendeu seus discípulos na Itália era um representante pouco digno da educação bizantina do seu tempo O pensamento ocidental era também estudado; Acindino e Cidones sofreram ambos a influência do escolasticismo tomista. Até e.m !~ssalonica havia círculos de leitura onde as melhores obras hterarI~s. eram deb:ti~as; e Trebizonda era famosa pelos seus Íahoratórjos astronômicos, Seus doutôres letrados tais como Jorge Coníades e Jorge Crisococes, estudaram na Pérsia e trouxeram para a pátria os segredos do conhecimento oriental. ~ Se havia alguma escola do Estado no tempo dos Paleólogos, n.ao . se pod~ saber. Gregos de todo o mundo, particularmente os cipriotas, ainda gostavam de vir a Constantinopla para seus estu~os; mas é provável que tivessem que estudar em academias particulares d? diversos professôres. As escolas religiosas provávehnente contmuavam, mas agora seus currículos se limitavam sem dúvida, à Teologia. Apesar disso, a extensão do ensino era com certeza muito ampla e viajantes estranzeiros ficavam viva. men.te impressionados pela pureza do grego "'falado pelos poucos habitantes da Cidade até as vésperas de sua queda. . Das facilidades da educação feminina nada se sabe. Havia ~Ultas .m,u~eres erudit,as na história bizantina, desde a profess?ra Hlpac~~ "" Atenaíde, mulher de Teodósio lI, que estudava todas as ciencias, escrevia poesia e fazia discursos até Cássia . .. " a espirrtuosa compositora de hinos, cujas respostas lhe custaram o trono, ou a grande historiadora Ana Comnena além de outras cultas princesas das Casas Comnenos e Paleólog~s. Sabe-se com certeza que havia mulheres médicas e a maioria das correspondentes dos grandes cultores do gênero epistolar parecem ter sido pessoas bem-educadas. Mas a mãe de Psellos não tinha nenhuma instrução, embora considerasse isso um desgôsto e uma desvantagem. Em ~e~hum ponto ?a história bizantina ocorre menção a escolas femlm~as. Jtprovavelmente justo admitir que as môÇM, das cl~sses mais abastadas recebiam, grosso modo, a mesma edu~aÇ.ao que seus irmãos, embora estudassem com professôres particulares e~ casa; mas, nas classes médias, eram em geral apenas alfabetIzadas e nada mais. O ensino era. cons~dera.do eminentemente desej ável, mas grande parte do ensmo bizantino nos pareceria rude ou estranho.

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língua grega era, na verdade, ensinada a fundo. Os autores clásou poetas, eram lidos e apreciados. A Bibliotheca de Fócio, sua lista de leituras de formação durante um uno, apresenta uma extraordinária amplitude, indo desde Herôdoto a Sinésio, com inteligentes comentários, enquanto Ana omnena conhecia os poetas tão bem que citava os trágicos, mbora atribua a Safo um verso em geral atribuído a Alceu. Mas os bizantinos possuíam uma paixão infeliz pelas condensações, as edições melhoradas e as anotações. Cometas, no século X, corrigiu e repontuou Homero, enquanto Constantino Hermoníaco, no século XV, condensou a Ilíada; e o professor do século XI, Nicetas, via alegorias em cada verso de Homero. Psellos orgulhava-se de restaurar a ciência da Esquedografia, o bicho-papão de Ana Comnena - que consistia na análise gramatical minuciosa de trechos selecionados - exaltando a Gramática acima da Literatura, na opinião de Ana - e era ainda popular no tempo dos Paleólogos. Moscópulo escreveu um glossário esquedográfico. Os bizantinos achavam difícil o estudo da poesia grega clássica porque a pronunciavam de conformidade com a acentuação escrita e tinham que aprender a pronúncia antiga para apreciar-lhe a métrica e ritmo. i os, prosadores

O estudo do Latim estava morrendo no tempo de J ustiniano, embora êle próprio fôsse de língua latina. Cêrca do século VIII, a "I'mgua dos romanos " era o grego. Q"uase nmguem em Constantinopla falava o latim, enquanto ninguém em Roma, mesmo no tempo de Gregório, o Grande, falava o grego. No século IX, o próprio erudito Fócio não falava latim. As letras latinas ainda eram empregadas, porém, na cunhagem de moedas, mesmo no tempo de Alexandre, e aclamações latinas deturpadas eram Iançadas nas cerimônias do Estado. No século X houve um reflorescimento dos estudos latinos, coincidindo com um reflorescimento do grego em Roma - nomes gregos cristãos, tais como Teofilacto e Teodora ficaram então na moda. Por volta do século XI, o conhecimento do latim não era invulgar em Constantinopla. Romano lU falava latim; Psellos afirmava conhecer essa língua; e o seu conhecimento era obrigatório para o professor de Direito da Universidade de Constantino IX. As cartas de Aleixo I para o Monte Cassino são escritas num latim surpreendentemente ruim é possível que se trate de simples rascunhos. Ana Comnena aparentemente não sabia latim nem tampouco, com certeza, seu sobrinho Manuel I, embora filho êste de mãe húngara. Mas sua mulher, uma princesa francesa

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~le.Antioquia, sabia ambas as línguas e pegou em flagrante um mterprete que estava tentando enganá-lo, A conquista latina forçosamente tornou mais vulgar o conhecimento do latim e no tempo _dos Paleólogos diversos gregos, tal como Leão Coríntio, trad~zlam obras gregas - principalmente hagiográficas - para o latim,

E~tu?avam-se ~oucas línguas além dessas. (50) É provável que eXlstJ~sem eru_dltos hebreus e a côrte possuía intérpretes para as necessidades diplomáticas. É óbvio que existiam numerosos lin~üistas ará?icos em Constantinopla e armênios que ainda sabiam sua Imgua de origem. Mas os filólozos como Santo Cirilo, o missionário, - que com certeza conhecia o hebraico aprendeu o cazar e foi o fundador dos estudos eslavônicos ~ eram s~m dú~i~a uma raridade. Bizâncio herdou a arrogância da antiga Crécia em relação ao mundo bárbaro, Ana cheaa a pedir desculpas por introduzir nomes bárbaros em sua história: Embora apaixonadamente curioso, o bizantino não podia considerar as línguas bárbaras como matéria diana de erudi'o o çao sena. A Hi~tória também não era matéria de erudição. Pelo contrário, a Julgar pelo número de historiadores e ainda mais de cronistas populares e as edições freqüentes das crônicas, parece tratar-se de as.sunto de interêsse geral. Os bizantinos gostavam de ler a respeito das passadas glórias do império e as crônicas preferidas chegavam até à Criação e a Adão e Eva incluindo a I:enda ?e Tróia. Os imperadores e santos do passado surgiam vívidos diante dos seus olhos. Um dos mais comoventes momentos ~a reconquista de Constantinopla em 1261 foi quando Miguel Paleologo encontrou numa cape linha diante das muralhas o corpo ?e seu grande ant~cessor, Basílio, o matador de búlgaros. O Imperador morto ha tanto tempo foi novamente sepultado com o maior entusiasmo. E Constantino XI, quando a cidade estava caindo, pôde estimular seus concidadãos a um esfôrço final, falando das proezas de seus ancestrais da antiga Grécia e de Roma. o



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A Filosofia sempre foi assunto favorito para os bizantinos. Os patriarcas da Igreja conheciam os filósofos pagãos e muito deviam ao neoplatonísmo. Nos séculos VII e VlIloa decadência do conhecimento desmereceu os estudos filosóficos embora

cês. J80

Ana menciona um grego que sabia o normando fran(Anna Comnena, 343).

(50)

monge Cosme, em 710, tivesse lido Platão e Aristóteles - mas ~('ulo IX viu o seu reflorescimento. Leão, o Filósofo, gostava pnrticularmente de Aristóteles, mas sob a sua direção Platão, Epi('111'0 e os neoplatônicos eram todos lidos. No século XI, houve um KJ'lwde reflorescimento do neoplatonismo, liderado por Psellos, r-mbora sua afirmação de ter sido o iniciador dêsse movimento eja um tanto arrogante, Romano 111 e seus cortesãos fizeram o possível para entender Pia tão - sem êxito, diz Psellos, e o r 'Ira to que o imperador fazia de si mesmo como um segundo Marco Aurélio é patético. O contemporâneo de Psellos, Joã Mauropo, bispo de Eucaita, era adepto do platoni o, enq to () discípulo de Psellos, João ftalo, deixou que o pI gorismo o tentasse a uma enorme heresia. No século seguinte, Miguel A ominato preferia o estoicismo ao aristotelismo. Então, o estudo da filosofia grega era aceito como parte da educação e no tempo dos Paleólogos o estudo do escolasticismo ocidental era muitas vêzes acrescentado àquele. Mas nenhum filósofo bizantino produziu obra original, exceto o último dêles, Jorge Gemisto Pléton, () último grande neoplatônico - cuj a liberdade de pensamento era favorecida pela sua indiferença ao cristianismo, Porque emhora a Igreja não desaprovasse o ensino filosófico, era um tanto difícil combinar um sistema filosófico com a ortodoxia. I)

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A Teologia continuou uma ciência à parte, sob o contrôle da Igreja. Mas era uma ciência muito complicada e a sutileza e a erudição dos grandes teólogos João Damasceno ou Fócio, Marcos de Efeso ou Bessarion - eram imensas, Homens educados gostavam de se dedicar à Teologia - Fócio deve ter adquirido seus vastos conhecimentos como leigo - principalmente os imperadores como Chefes Supremos da Igrej a, mas êsses amadores imperiais raramente eram bons teólogos. Os Isáurios, de fato, levaram o império a heresias horríveis. Justiniano e Heráclio, apesar de sua admirável piedade, enveredaram por um caminho errado e Manuel 1 tentou ser hábil demais na questão do holosfirismo, enquanto muitos dos Paleólogos enganaram-se com os erros dos latinos, Até o erudito João Vatatzes demonstrou uma lamentável ignorância em relação a duas espécies de culto, proso kunêsis e latreia. Era mais sensato admirar a Teologia de longe. Ana Comnena ficou vivamente surpreendida ao descobrir que a leitura favorita de sua mãe eram as obras do místico do século VII, Máximo, o Confessor.

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conhecimento bizantino da Matemática, embora constituísse fonte de orgulho para êles, não ultrapassava provàvelmente o da

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antiga Grécia. Na Aritmética prejudicavam-se pelos seus números desajeitados. Os gregos já tinham avançado tanto quanto possível com o emprêgo de letras em lugar de algarismos, sem um sistema decimal. Coube aos árabes trazer a contribuição seguinte, Na Geometria, embora os árabes também estudassem Euclides os bizantinos contavam casos para mostrar que conheciam melhor o raciocínio geométrico. O aluno de Leão, o Filósofo, que era um escravo de Bagdá, surpreendeu os sábios da côrte do erudito califa Marnum com a sua mestria no assunto. Mas Euclides perman~ceu, como até épocas recentes, o limite do conhecimento geomêtnco. Os gregos antigos também continuaram insuperáveis em outros ramos do conhecimento. Ptomoleu ainda dominava a Astronomia; enquanto Ana Comnena aparentemnte aceita a doutrina das esferas era rotação, com a Terra no centro de um grupo concêntrico de globos, para explicar o universo - doutrina promulgada por Anaximandro no século V a. C. Havia revoltas ocasionais contra a teoria de Ptolomeu. Cosme Indicopleustes escreveu suas memórias depois que o comércio com a índia lhe permitiu prova~ a si mesmo que a Terra era retangular e plana, como uma sala terrea, tendo o céu como teto e o Paraíso no primeiro andar - Moisés usara tal desenho no Tabernáculo. O Sol era muito menor do que a Terra e estava escondido à noite por uma montanha cônica muito alta na extremidade ocidental. Em redor da Terra ficava o oceano e além dêste a região onde os homens viviam além do Dilúvio. O conhecimento geográfico dos bizantinos era bom. Seus map~s não sobreviveram - será injusto julgá-los pelo mosaico do seculo VI da Palestina, em Madaba, embora êste possua seus méritos. Constantino Porfirogêneto comete pouquíssimos erros geográficos, embora seja freqüentemente obscuro. Ana Comnena é muito bem informada, em geral correta, a respeito de correntes e ventos; Aleixo I, diz ela, possuía um mapa do Adriático, em que êsses estavam assinalados. Os fenômenos da Natureza eram mal entendidos. Cecaumeno tenta explicar o trovão e compreende que o ruído e o relâmpago são simultâneos; e Acropolita sabia a causa dos eclipses. Mas êsses fenômenos eram em geral considerados como avisos ou castigos enviados do alto - até Aleixo I, que acreditava realmente que um cometa "dependia de alguma causa natural", consultava os adivinhos quando algum aparecia - porque a verdadeira explicação parecia ser antes moral do que física. 182

Na Química, a única boa contribuição de.. Bizâncio foi o fogo greguês, o líquido infIam~vel que lhe permitIU ganhar batalhas. Mas o segrêdo de sua formula era tao bem guardado que não pôde servir de ponto de partida par~ ex~eriências suhse(!üentes. Na mecânica, o gênio prático dos hizantinos encontrou-se mais à vontade. Suas realizações arquitetônicas, principalmente I perfeição das abóbadas, foram consideráveis. Executaram e 11 senvolveram o sistema romano de abastecimento de água e drenagem, produzindo belas obras de engenharia. Os relógios e brinquedos, os leões uivantes e o trono que s~ elevava, qu~ tornavam o Palácio tão impressionante para os barbaros, constituem xemplos de seu crescente engenho mecânico. A Medicina era um assunto de grande interêsse para os hizantinos. O ensino médico não era restrito aos futuros profissionais, c em conseqüência amadores como PseIlos e Ana .C?mn~na es;avam convencidos que sabiam tanto quanto os profissionais autenticos, enquanto Manuel I foi capaz de medicar seu convidado, o Imperador Conrado. Eram muitos os que se~ ocupavam da profissão. Hipocondríacos, como Romano lI!, nao :aZlam nad.a ~em onsultar os doutôres mas Cecaumeno dIZ que éstes constItUlam uma ameaça positiva' e provocavam doenças com o fim de enr.iquecer. Comendo pimenta para o fígado e fazendo uma e~n~na três vezes por ano e, em caso de doença fazendo repouso, Jejum conservando-se agasalhado, poder-so-á passar sem médicos, afirma êle. E com certeza a saúde e os nervos de Teodoro II foram destruídos por excessivos cuidados médicos. Mas em seu todo, a Medicina bizantina era admirável mais pelo seu bom-senso do que pelas suas teorias. A teoria não tinha avançado além de Hipócrates. Sua base eram os quatro humores do corpo, o sa~gue, a fleuma a bile amarela e a bile negra, e os quatro graus, seco e úmido, quente e frio, e tudo dependia das respectivas proporções. Todos os grandes escritores médicos de Bizâncio, Oribásio, Aécio, Paulo de Egina, Simeão Sete e Agápio de Creta, trabalhavam nessa base e os populares calendários dietéticos aconselhando a respeito do que se deveria comer em cada estação do ano. fazi~ uma interpretação primária dos graus. O resultado dISSO fOI criar uma tendência à gôta, uma doença infelizmente comum em Bizâncio. Mas o tratamento médico parece ter sido tão sen-sato quanto tudo o que a Europa conheceu até épocas comparativamente recentes. A sangria e a cauterização eram talvez drásticas e nem sempre bem sucedidas, mas na gôta fizeram-se tentativas razoáveis de purgar o ácido; empregavam-se massa-

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gens; prescreviam-se repouso e temperatura constante em tôdas as doenças e receitavam-se ervas. Ana Comnena recomenda exercicios regulares como preventivo de doenças, provàvelmente repetindo a melhor opinião corrente no seu tempo - embora sua descrição extraordinàriamente viva e precisa da última doença de seu pai demonstre um interêsse e um dom invulgares para os assuntos médicos, Mas a medicina de Bizâncio atingiu seu máximo na organização de hospitais, Não somente o exército possuía um corpo médico eficiente, mas as grandes instituições de caridade dispunham de enfermarias altamente eficientes em anexo às mesmas. O hospital do mosteiro Pantocrator, fundado por João 11 em 1112, era atendido por dez médicos e uma médica, doze assistentes do sexo masculino e quatro do feminino, oito auxiliares do sexo masculino e dois do sexo feminino, oito serventes do sexo masculino e dois do sexo feminino e três cirurgiões e dois patologistas para darem o diagnóstico em consultórios. Hospitais menores possuíam a mesma organização, em menor escala, A enfermagem era exercida pelos pacientes em estado menos grave porque os hospitais eram sempre anexos a mosteiros, conventos ou asilos para os desamparados. Não se pode calcular quantos dêsses hospitais havia, mas os imperadores e nobres piedosos costumavam fazer doações a essas instituições e, embora sem dúvida grande número de miseráveis sofresse sem socorro em seus tugúrios, ainda assim qualquer um tinha a possibilidade de ser admitido nessas enfermarias. As médicas só trabalhavam ao que parece nos hospitais. As senhoras da sociedade em geral tratavam-se com eunucos e êstes atendiam também muitos dos conventos.

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CAPÍTULO X

LITERATUHA BIZANTINA

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Em tudo isso, a Medicina é típica do ensino bizantino. Porque o amor bizantino pela teoria e a cultura, embora largo e altamente louvado, era estéril. Inesperadamente, era na eficiência prática que seu gênio se patenteava.

A literatura bizantina sofria algumas das mesmas limitações do ensino bizantino. Faltava-lhe uma certa espontaneidade criadora. Enquanto o gênio bizantino encontrava plena e ma~nífica expressão na arte, na literatura florescia ap~~as nos dOIS xtremos de profundo misticismo e bom senso pràtico. ~penas em hinos e obras de devoção mística, de um lado, e em sux:ples histórias e biografias, de outro, conse~ti~ra~l os aut?res bizantinos alcançar elevação. Mas, embora Bizâncio produaisse poucos triunfos literários imortais, podia orgulhar-se de uma longa série de escritores capazes e inteligentes, em número muito maior do que o de qualquer nação contemporânea. Desde seus primórdios, a literatura bizantina foi prejudicada pelas dificuldades da linguagem. Havia. três formas de grego conhecidas em Constant~no'pla: a ro~aIca, o grego popular das ruas e a linguagem elíptica e deSCUIdada com um vocabulário selecionado e uma gramática infantil; o grego falado pelas classes educa das, a língua em que escreviam car~s, em qU,e ~s palavras eram frisadas de acôrdo com. ~ acentuaçao e a maI~na das vogais e ditonzos estavam adquumdo o som de um iota longo. Esta língua bvariou através das época:; ,nos séculos XI e XII era muito mais próxima do grego clássico do que nos século~ VIII e IX, e um grego excelente era falado na soci~d~c1e no tempo dos Paleólogos. Finalmente havia o grego clássico

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(5.1)

Ver Krumbacher, Geschichte der ByzantinÍBchen tuo livro essencial sôbre êste assunto. co~tém as e~ições de obras bizantinas publicadas até 1897. As publlcaç~es mais ~ecentes podem ser encontradas na bibliogra::ia do artigo .de Díeterich sôbre Literatura: Bizantina na Catholw 1i!ncyclopaedta, v. 3, e nas bibliografias da Carnbridge Medieval H1story, v. 4. (51) teratur,

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com sua pronúncia arcaica acentuada, que tôda pessoa educada aprendia cuidadosamente. O homem de letras tinha de escolher entre essas línguas. Até o século VII não havia muita dificuldade para a prosa. A gramática e o vocabulário estavam pouco adulterados, de modo que um estilo cuidadoso podia passar por clássico, mas na poesia a nova acentuação acarretava novas regras de prosódia, que eram seguidas pelos poetas do século VI. Mas os versos clássicos, principalmente os iâmbicos, escritos em obediência rigorosa aos valores clássicos, foram produ. zidos durante tôda a existência do império. O cronista Teófanes, no século IX, foi o primeiro escritor a usar definidamente a linguagem falada, uma linguagem simples não muito elegante, repleta de palavras de origem mista, latina, eslava e oriental. Um século mais tarde, Constantino VII compilou livros na linguagem falada, mas tratava-se de uma língua que seria ligeiramente mais compreensível a um grego antigo. Depois do grande renascimento clássico da metade do século XI, o grego clássico tornou-se quase exclusivamente o único veículo de um escritor de certa cultura, em detrimento de sua livre individualidade e auto-expressão, pois estava sempre escrevendo numa língua ligeiramente diferente da sua. Bizâncio não produziu um Dante para legitimar seu vernáculo, porque o seu vernáculo, o romaico, foi desprezado pelas classes cultas e na realidade tornou-se quase incompreensível a elas, enquanto o vernáculo erudito foi impedido pelos numerosos renascimentos clássicos de se libertar do seu antigo modêlo. A prosa sofreu menos do que a poesia. Quando Constantino fundou a nova capital, os Pais da Igreja e os últimos filósofos neoplatônicos ainda estavam produzindo obras dentro da tradição clássica. Os últimos tornavam-se vagos ou fantásticos em seus pensamentos, mas homens como Proclo e Porfírio ainda eram escritores elegantes e vigorosos. Os pais cristãos estavam em seu apogeu. Se hoje em dia apenas o historiador ou o teólogo se aprofunda na leitura de São Basílio, São Gregório de Nissa ou São Gregório Nazianzeno, a literatura grega pode ainda orgulhar-se dêles, pois a sabedoria prática de São Basílio, o pensamento místico de São Gregório de Nissa, a exaItação feroz do Nazianzeno, exprimem-se todos com uma certa grandeza. Comparados a êles, Eusébio de Cesaréia, o teólogo-biógrafo de Constantino, parece um pouco cru, embora tenha sido escritor de mérito considerável; mas os sermões de São João Crisóstomo, no século seguinte, fornecem alguns dos mais belos

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tr hos de prosa retórica da língua grega .. No mesmo século, upareceu uma obra anônima, que se. diz~a ~er ?e Dionís~o, o Al' opagita, obra que exerceu lar.ga mflue~c~a. sobre a cr~st~n(1IIde: era uma tentativa de combinar o místícismo neoplatônico com a fé cristã, admiràvelmente exposta num grego que bem p dia ter sido do século I. Nos séculos VI e VII, houve ainda grandes escritores reli/oIiosos, tais como Leôncio de Bizâncio e o místico Máximo, o Confessor, cujas obras eram difíceis demais para a compreeneão de Ana Comnena, embora sua mãe quase não lesse outras. Mas já a Teologia se tornava polêmi:a e d~ cer,to modo ~erdera flua antiga plenitude. Os grandes teologo.s lcono~u~os, Joao D~masceno, Teodoro de Estúdio e o Patnarca Nícêforo, e mais tarde o anti-romano Fócio, estavam demasiado ocupados em ontar pontos na argumentação de suas obras teológicas para possuírem o alcance dos Pais primi~ivos. De~ois de. Fó:io, a Teologia em Bizâncio quedou adormecida por mais de dois s~culos, até que no tempo dos Paleólogos florescer~m o gran.de antI~ogomilo Eutímio Zigabeno e os teólogos humanistas dos fms do seculo 11, Eustátio de Tessalonica e Miguel Acominato de Cone. a época dos Paleólogos, a questão hesicasta e a questão romana deram nôvo ímpeto à Teologia. Os participantes da última, Maros de Efeso e Genádio, de um lado, e Bessarion, de outro, não passavam de secos polernistas, mas do hesicasma emergiam algumas das mais belas obras do misticismo oriental, os de Palamas e Nicolau Cabasilas. O século VI, que viu o declínio da Teologia, viu o nascimento da História profana. O primeiro grande historiador depois da fundação de Constantinopla foi o biógra!o d,e Constantino o teôlozo Eusébio de Cesarêia, mas os historiadores do 'o d J .. século V não se destacaram. Com a época e ustImano começou uma nova era. Procópio, embora sua História Secreta seja um conalomerado amargo de mexericos, deve, pela sua narrao tiva das guerras do imperador, colocar-se entre os maiores historiadores de todos os tempos. Sua linguagem é vigorosa, seus iulgamentos claros e seus podêres descritivo~ ví~idos. Seu, c?ntemporâneo mais jovem, Agátias, também historiador de mento, fazia com êle um perfeito contraste: era um poeta. e seu amo.r às palavras por vêzes obscurece o sentido. O remo ~e JUStIniano viu também o início de um nôvo gênero de literatura histórica. João Malalas, de Antioquia, escreveu a primeira dessas crônicas simples, que começavam em geral com Adão e Eva

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e que constituíam a delícia do mais humilde leitor bizantino. Malalas é beato, discursivo e muitas vêzes impreciso, no entanto consegue dar pormenores valiosos e vívidos da vida quotidiana de seu tempo e sua obra contém as primeiras concessões à língua falada. Os principais historiadores dos fins do século VI e do princípio do século VII, o soldado Menandro Protetor, o supersticioso Evágrio e o autor da Crônica Pascal, foram dignos sucessores dos historiadores de J ustiniano. Mas depois dêles, a história bizantina silencia durante dois séculos, até que, em princ~pios do século IX, o monge Teófanes escreveu sua longa crônica em grego popular. Teófanes escreveu com definida tendenciosidade monástica, mas não fêz julgamento, e sua obra permanece a única autoridade fidedigna para os séculos anteriores. Seu contemporâneo, Nicéforo, o Patriarca, era um historiador menos admirável. Quis que sua crônica adquirisse popularidade e deliberadamente incluiu nela apenas o que julgava capaz de divertir o público ou influenciá-lo na direção certa. Obras menores do século IX, como o fragmento anônimo sôbre Leão, o Armênio, mostram que a história ainda não fôra desprestigiada e no século X ela recebeu o estímulo do patrocínio da côrte. Constantino VII mostrava-se ansioso para que a crônica ?e Teó~anes fôsse atualizada e quando Genésio escolhido para lSSO deixou de executar a contento a tarefa, êle próprio editou a compilação conhecida como Theophanes Continuatus e acres. centou a ela uma biografia cheia de tato e muito bem escrita do seu avô Basílio I. Os autores dessa compilação serviram-se amplamente das obras de um cronista monástico do século IX Jorge, o Monge, e de um cronista secular do princípio do século X, Simeão, o Logóteta - escritores que fizeram surgir inúmeros problemas para os modernos bizantinistas. As obras do p.róprio Constantino sôbre administração e cerimônias do impéno, apesar de seu grande valor histórico, mal podem ser consideradas como literatura devido à falta de acabamento. A partir daí a seqüência de historiadores e cronistas é cont~nua, exceto durante o reinado de Basílio lI, que desprezava todas as formas de literatura. Os mais notáveis dêles foram Leão Diácono, em fins do século X, cuja história do seu tempo é talvez o exemplar mais bem escrito da historiografia bizantina cheia de sabedoria, vívida e escrita num estilo clássico simples e direito (embora chamasse os búlzaros de mésios e os russos de citas); Miguel Psellos, em me~dos do século XI, o

mais moderno dO:3 escritores bizantinos, cmico, divertido, culto e sensível, mas autolaudatório, inábil e ligeiramente afetado; Miguel Ataliates, seu contemporâneo, cuja narrativa mais honesta constitui um corretivo útil; o César Nicéforo Briênio e sua portentosa espôsa, a Porfirogêneta Ana Comnena, que apesar da sua elaboração e consciência de si mesma permanece a maior das historiadoras; Cinamo, menos exuberante, mas quase tão bem informado; os cronistas Cedreno, Zonaras e Glicas, o primeiro enfeixando a crônica primitiva de Cilitze, o segundo uma crônica escrita com um esfôrço consciente de estilo, o terceiro didático e amante da História Natural; e Nicetas Acominato de Cone, o historiador da queda de 1204, o mais imparcial dos historiadores bizantinos. A seqüência continua no reino dos imperadores nicenos e os Paleólogos - Jorge Acropolita, cuja obra abrange a maior parte do século XIII até a reconquista da cidade; Jorge Paquímero, teólogo apaixonado, que levou a história do império até 1308, e cuja linguagem empolada, obrigatória dos literatos do seu tempo, deixava perceber um verdadeiro espírito humorista e espontâneo; Nicéforo Grégoras, que iniciou sua história em 1204, mas na realidade concentrou-se em sua própria época (1320-1359); o Imperador João Cantacuzeno, cuja apologia é, apesar de tendenciosa, uma obra fidedigna e bem escrita; e finalmente os historiadores da agonia do império, CaIcondilas, Frantzes, o leal cortesão, o doméstico Ducas e Critóbulo, turco pelo sentimento e excelente imitador do seu herói Tucídides quanto ao estilo. Os historiadores de Bizâncio comparam-se favoràvelmente com os de qualquer nação até os tempos modernos. Em estilo, julgamento, sutileza e· capacidade crítica ultrapassaram de muito seus contemporâneos ocidentais. Compilavam suas informações cuidadosamente e estudavam as obras de seus antecessores. Na realidade, Cilitze começou sua crônica com uma crítica de todos os historiadores desde Teófanes - alguns são demasiado tendenciosos, outros muito estreitos quanto à amplitude ou à visão. Próximos dos historiadores e até mais numerosos foram os biógrafos. Êstes eram quase exclusivamente hagiógrafos. Desde que Atanásio escreveu sua Vida de Santo Antônio, raro o eminente eclesiástico que não foi objeto de uma Vida, em geral variando de mérito de acôrdo com a posição do herói. Há poucas vidas de santos dos primeiros séculos, exceto por diversas biografias curtas escritas por Cirilo de Citópolis, no século VI,

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e Leôncio de Nápolis, no VII, mas foi a persegUlçao dos iconoclastas que produziu a primeira grande safra de biografias. Humildes mártires iconódulos, os patriarcas ortodoxos, até a piedosa Imperatriz Teodora, tiveram seus feitos cantados por admiradores devotos. Logo apareceram mais e mais biografias: biógrafos contavam dos estilitas, de mulheres sovadas pelos maridos, assim como de bispos e patriarcas. Algumas dessas obras eram de alto valor literário, tal como a vida fragmentária do Patriarca Eutímio, ou a vida do século XI de São Simeão, o Menor, por Nicetas Estétato, que dava como testemunha dos incidentes relatados a abadêssa Ana ou outros amigos seus. No século X, a maior parte das vidas de santos foram coletadas por Simeão Metafrastes e ordenadas num menológio. Nem sempre era êle porém cuidadoso na redação; na vida de São Teoctisto deixou ficar um trecho que dizia que a glória tinha desaparecido com Leão VI, o que tanto irritou Basílio 11 que êste tentou destruir tôda a edição. Depois do século XI, a hagiografia tornou-se um pouco mais freqüente. Biografias menores foram produzidas em orações fúnebres, em que amigos falavam a respeito de mortos distintos. A maioria das que sobreviveram, tais como a de Teodoro de Estúdio sôhre sua mãe, a do bibliófilo bispo Aretas de Cesaréia sôbre o Patriarca Eutímio, ou as inúmeras escritas por Psellos sôbre sua mãe, sôbre o jurista Xifilino, o estadista Licudes e o patriarca Miguel Cerulário são belas obras de literatura retórica. Autobiografias e memórias são raras. A única autobiografia memorável é a de Nicéforo Blemidas, o grande sábio mal-humorado do Império Niceno. As histórias de Psellos e João Cantacuzeno quase podem ser classificadas como memórias e muito próximas destas estão a descrição de João Cameniates de suas aventuras no saque sarraceno de Tessalonica de 904, uma história bem escrita, vívida e terrível, contada por um padre teimoso e ignorante, e as obras do velho soldado Cecaumeno, rude e vigoroso amontoado de conselhos e anedotas extraídos das experiências pessoais do autor, seus amigos e seus ancestrais. Fora dessa categoria poucas foram as obras bizantinas em prosa dignas de importância. Houve um ou dois tratados sem icientíficos, semidescritivos, tais como o de Cosme Indicopleustes e os diversos manuais militares, legais e administrativos, todos escritos com grande clareza e competência. Houve várias obras descritivas, tais como o De Aedificiis, de Procópio, a Pátria, narração dos monumentos de Constantinopla, tradicional e errôneamente atribuída a Codino, ou o pequeno livro de Nicetas

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Acominato sôbre as estátuas destruídas pelos latinos em 1204; havia obras enciclopédicas, tais como o Lexicon de Suídas, ~omentários freqüentes aos clássicos ou a valiosa Bibliotheca de F OClO, coletânea de comentários dos prosadores clássicos e bizantinos que o autor havia lido durante um ano. Mas tôdas essas obras, embora escritas com algum esfôrço de estilo, eram mais didáticas do que literárias em seu principal objetivo. Até a sátira era rara. Havia um ou dois diálogos pseudoluciânícos, tais como o Pliilopatris e o mais digno de admiração, Timarion, e a Visita de Mazáris ao Inferno o primeiro uma produção espirituosa do século XII contendo uma vívida descrição da grande feira anual de Tessalonica, a última uma obra um tanto elaborada do século XIV. O romance bizantino pràticamente não existia. Havia um ou dois romances em prosa na língua popular, tais como Syntipas, o Filósofo, que Miguel Andreópulo traduziu do sírio mais ou menos no século XII e Stephanites e Icnelates, traduzido por Simeão Sete um pouco mais cedo do arábe, ambos baseados em histórias indianas - o Livro dos Sete Mestres Sábios e o Espelho dos Príncipes. Mas o único grande romance bizantino foi o romance religioso e moral de Barlaão e !osafá - uma história também de origem indiana, mas com a teologia budista transformada em cristã. Esta história, bem escrita embora longa, que realmente pode ser de João Damasceno, a quem é atribuída, era merecidamente um dos livros mais lidos da Idade Média oriental. Mas o ramo mais prolífico da literatura em prosa bizantina é o epístolar. Existem copiosas coleções, muitas ainda não publica das, da correspondência de ilustres romanos, imperadores, patriarcas, bispos e estadistas, desde os grandes Pais do século IV até os sábios da côrte dos séculos XIV e XV - São Basílio ou São João Crosóstomo até Nicéforo Grégoras ou Genádio. Entre as cartas há algumas que constituem verdadeiros documentos de Estado, outras tratam da administração da Igreja, inúmeras cartas de condolências e de exortação, e quadros pessoais de notícias e mexericos. As cartas mais longas são escritas com cuidado, em geral em estilo retórico; as curtas são freqüentemente simples, diretas e íntimas. Como grande literatura, as cartas são em geral destituídas de importância, mas . quase tôdas mostram o dom bizantino de auto-expressão prática à sua melhor luz e muitas delas, tais como as do embaixador Leão Querosfacta, em fins do século IX, ou de Nicéforo Grégoras, no XIV, são de grande interêsse social, enquanto, para

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fins históricos, o interêsse e o cuidado epistolar tornaram a posteridade extremamente grata.

dos hizantinos

Na poesia, a falta de espírito literário criador dos hizantinos é mais aparente. O número de poetas bizantinos é comparativamente pequeno e embora o gôsto e a cultura consciente de Bizâncio impedissem o padrão de cair realmente muito, também combinavam com o problema lingüístico para esterilizar a espontaneidade e a autenticidade. Apenas a poesia religiosa conseguiu, através da genuína intensidade do sentimento religioso bizantino, atravessar a barreira e atingir a grandeza. Sua forma, tal como a religião que ela celebrava, vem da Síria oriental. Havia poetas entre os Pais do século IV, principalmente Gregório Nazianzeno. No século V, a Imperatriz Eudócia, mulher de Teodósio lI, era compositora de hinos de não poucos méritos, mas a educação clássica que recebera de seu pai, o professor pagão Leôncio, transparecia por vêzes em detrimento da sinceridade religiosa. O maior dos poetas de hinos de Bizâncio viveu no século VI, o diácono Romano, um judeu convertido de Bérito. Em estâncias acrósticas, cuj o ritmo variado, baseado na acentuação, parece mais complexo do que de fato é, freqüentemente empregando o diálogo, para ser cantado em antífonas e refrãos, Romano consegue uma combinação de simplicidade de linguagem e magnificência de imaginação incomparável na poesia religiosa. Cêrca dessa mesma época foi escrito o Acathistus, um grande hino anônimo em louvor da Virgem. O segundo poeta religioso em importância, também um sírio, João Damasceno, era mais místico - Romano se tinha preocupado mais com a glória do Senhor, a grandeza do contraste entre Sua majestade e Seu sofrimento - mas no seu tempo a simplicidade estava desaparecendo. Pouco antes de sua época, André, arcebispo de Creta, inaugura uma nova forma de poesia religiosa, os Cânones, versos de métrica variável reunidos num t~do bastante longo. João era excelente nessa arte, em detrimento de sua poesia, e ela arruinou a obra de seu contemporâneo Cosme de Jerusalém. A freira Cássia, no século IX, candidata rejeitada à mão do Imperador Teófilo, é típica dos poetas de hinos subseqüentes. Certo senso do belo, da originalidade e de uma piedade real está presente em seus hinos, lidos mais como obras de composição do que como espontâneas explosões de sentimento. Os poetas dos fins do império, homens como João Mauropo no século XI e Teodoro Metoquites, no XIV, lodos apresentam igualmente uma inspiração antes acadêmica

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do que emocional. Mas há tantos hinos bizantinos por publicar nas bibliotecas da Europa que é impossível que a pesquisa não possa ainda desenterrar um grande poeta religioso. O drama religioso de Christus Paschon, atribuído outrora a Gregório Nazianzeno, mas cuja data hoje varia entre os séculos IV e XII, é uma obra um tanto cansativa em iâmbicos, mas em certos pontos atinge a alturas emocionais; algumas de suas passagens eram cópias de Romano, o Hinodista, ou foram por êle copiadas. Os autores bizantinos de hinos compunham suas próprias músicas que permanecem, exceto pelas canções populares tradicionais, a única música bizantina a sobreviver. Mas tanto a notação musical paleobizantina quanto a notação redonda, introduzida no século XIII, ainda são até certo ponto objeto de controvérsia. A música de hino era modal e antifonal quanto à forma e para ser cantada, como tôda música da Igreja Ortodoxa, Bem acompanhamento. Enquanto os hinos bizantinos tomavam a forma de cânones, a poesia profana bizantina variava entre três métricas principais, o clássico iâmbico, em geral restrito aos epigramas, o trimétrico iâmbico de doze sílabas e o chamado verso político, troqueus de quinze sílabas, iniciados fora do acento tônico. Devido ao que se chamou a atitude objetiva dos escritores bizantinos, a poesia lírica não floresceu. A forma mais próxima da lírica foi o epigrama, em que a elegância e a sofisticação do sentimento secular bizantino encontravam sua mais adequada expressão. Jorge de Pisídia, no século VII, o inaugurador do iâmbico trimétrico, escreveu epigramas, alguns demasiado longos, sôbre os principais acontecimentos do seu tempo. Teodoro de Estúdio escreveu uma série vívida de epigramas sôbre os incidentes da vida monástica e Cássia diversos epigramas espirituosos semi-religiosos, Mas o apogeu do epigrama foi nos séculos X e XI. Não só foi então compilada a Antologia Palatina, cujo conteúdo é, em grande parte, obra de autores bizantinos, como entre os autores de epigramas da época estavam muitos dos melhores poetas bizantinos, Constantino de Rodes, João Geômetro, Cristóvão de Mitilene e João Mauropo. Mais tarde o epigrama declinou; nem Teodoro Pródromo, no tempo dos Comnenos, nem Manuel Files, no tempo dos primeiros Paleólogos, escreveram poemas que se revestissem . de outra coisa além de mérito histórico. O epigrama em certas épocas fundiu-se com a poesia descritiva, gênero em que mais uma vez os poetas bizantinos encontravam fácil expressão. Ao cantar as glórias de Constantinopla sentiam algo da reverência 13

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que emprestava sentimento verdadeiro aos seus hinos. A descrição de Santa Sofia por Paulo, o Silenciário, e a descrição dos mosaicos dos Santos Apóstolos por Constantino de Rodes foram feitas com verdadeiro senso de magnificência e admiração. O horror e a tristeza emprestavam alguma dessa intensidade aos poemas de João Geômetro sôbre os desastres que recaíram sôhre o império na segunda metade do século X. Mas a maioria dos poemas hizantinos são produções enfadonhas de intenção didática, tais como as obras filológicas de João Tzetzes ou as obras astrológicas de João Camatero, ambos escritores do século XII, ou as obras científicas de Manuel Files; ou são poemas da côrte, tais como os versos de súplica dirigidos por Teodoro Prôdromo a vários membros da dinastia dos Comnenos, os epitáfios cheios de tato escritos por Teodoro Metoquites por ocasião da morte de vários príncipes Paleólogos ou a descrição fastidiosa das guerras de Nicéforo Focas por Teodósio, o Diácono. A poesia épica deixou pràticamente de existir com o egípcio Nono, o último autor a empregar hexâmetros, que escreveu em princípios do século V um poema épico fantástico sôbre os dias de Dioniso na índia e após sua conversão, outro que constitui, decididamente, uma paráfrase do Evangelho de São João. No século XIV, Jorge Lapites escreveu uma longa alegoria épica, mas seu tom moral e didático e seu estilo autoconsciente e alentado tornam sua leitura extremamente difícil. O único poema longo digno de nota produzido em Bizâncio pertence à categoria do romance popular. A maior parte da poesia popular bizantina é crua. As chamadas Profecias de Leão, o Sábio, mal merecem a designação de poesia; as crônicas rimadas de Manassés e Efraim (escritas respectivamente nos séculos XII e XIV) não podem ser designadas por êsse nome, Mas por vêzes os romanceiros são realmente vivos e vigorosos. Durante o século X apareceu, escrito em versos políticos, um longo poema épico popular em dez livros relatando a carreira de um guerreiro na fronteira oriental, Digenes Acritas. Foi comparado à Chanson de Roland. O poema ocidental é talvez mais dramático, mas, no brilho de suas descrições e na delicadeza de sua psicologia, Digenes Aeritas é obra infinitamente superior e pode bem reivindicar o título de melhor canção de gesta jamais escrita. Nenhum dos romances posteriores atingiu tal elevação. O renascimento clássico do século XI introduziu os antigos romances gregos como modêlo, de um lado, e de outro tornaram-se conhecidos os romances ocidentais de cavalaria. O resultado disso foi

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tornar as canções de gesta bizantinas autoconscientes. Os romanceiros do século XII, como Callimaehus e Chrisorrhoe ou Beltandrus e Chrysantz são escritos sôbre temas ocidentais numa tentativa artificial de linguagem clássica, enquanto mes~o poetas de Constantinopla como Teodoro Pródromo e Eustátio Macrebolites tentavam sem êxito produzir histórias de amor rimadas. Havia adaptações populares de romances franceses - Flora e Br~neafIor aparece como Phlorius e Pla!ziaphlora e Reynard .a R.aposa produziu uma numerosa descendencIa de poemas anImaIs. no Oriente. Mas nos dias finais do império surgiram novos tipos de poemas populares. As canções d~ am?I: de Rode~ do século XIV inauguram um gênero de poesra erotica, possumdo alguns encanto e beleza espontâneos. Havia também poemas relatando as zrandes histórias clássicas do declínio do império - trenodias da tlqueda de Constantinopla, de Atenas, de Trebizonda. ~m sua sinceridade despretensiosa formam um estranho canto de CIsne da literatura requintada de Bizâncio. A literatura bizantina permanece um tanto remota da corrente principal da literatura mundial. Suas primeiras obras teológicas, até João Damasceno, tiveram influência profunda sôbre o pensamento ocidental e suas obras históricas ~st~beleceram o modêlo de crônica minuciosa que os eslavos, principalmente os russos, seguiram durante muito tempo. No entanto é a~tes ~os feitos conservadores do que aos criadores da literatura hizantiua que a posteridade se sente grata. Devemos aos literatos de ~izâncio não só os seus triunfos originais como a conservaçao carinhosa de tantos tesouros do passado e da tradição clássica da filosofia, da especulação e da curiosidade. Apesar disso, seu triunfo é real no que toca aos hinos, à história e a um único grande poema épico.

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., CAPÍTULO

XI

ARTE BIZANTINA (52) o gemo bizantino pode, na literatura, ter tido falta de fôrça criadora e originalidade. Na arte, porém, não o foi: nas obras de arte, Bizâncio deixou ao mundo o mais magnífico e permanente dos legados. A arte bizantina é um espelho fiel da síntese que constituiu a civilização bizantina. Nela podem ver-se todos os seus elementos constituintes greco-romanos, aramaicos e iranianos - em proporções variáveis, mas sempre fundidos perfeitamente num todo, em algo único e original em tôdas as suas derivações. O nome bizantino tem atemorizado os modernos historiadores de arte. Tal como os historiadores políticos procuram hoje, cuidadosamente, dar ao Império Bizantino antes o nome de Império Romano Oriental, ou Império Romano Posterior, assim também sua arte é disfarçada com os nomes de cristã oriental, ou cristã primitiva. Tais precauções são desnecessárias, e até errôneas. Sua arte foi, essencialmente, a arte da Constantinopla imperial, perdurando suas características fundamentais enquanto imperadores reinaram no Bósíoro. Arte sobretudo religiosa, mas nem por isso cristã. Era antes o produto da época religiosa em que o cristianismo triunfou. Suas características podem ser vistas na arte da Igrej a antes de Constantino, mas são também aparentes nas manifestaçôes artísticas empregadas por Diocleciano para aumentar a deificação da majestade imperiaL

(52) V. Dalton, Byzantine Art and Archaeology e East Ohristian Art; Diehl, Manuel d'Art Byzantin; Kondakov, Histoire de l'Art Byzantin; Bréhier, L'Art Byzantin; Bayet, L'Art Byzantin; Millet, L'Art Byzantin, em Michel, Histoire de l'Art, vols. I e 3 -

todos trabalhos

gerais.

Origvn ot Ohristian

]96

Para

o período inicial, v. Strzygowsky, e Tyler, L' Art Byzantin, vol. 1.

Churcli and A1't,

Constantino fundiu essas duas religiões, transformando-se no vice-rei de Deus, e a partir de então a arte que glorificava o Estado glorificava também o Deus cristão. Entretanto, ~u~ inspiração estava num sentimento transcendental, quase místíco, de adoração, e não no simbolismo particular do cristianismo, que limitava a influência da arte eclesiástica. Em fins do século IH, a arte greco-romana já não podia progredir. O antigo naturalismo grego, d,is~osto c0n;t graça .e gôsto, fôra complicado no período helenístíco (e ainda mais sob os romanos) com uma minúcia de detalhes e um aumento no tamanho que fazia de cada trabalho de arte um tour de force colossal. O século IV provocou uma reação do Oriente. As religiões de origem síria, ou sírio-egípcia, se haviam tornado mais populares em todo o mundo. Seus adeptos eram fundamentalmente esotéricos e descontentes com o mundo; a complacência do naturalismo helênico não tinha sentido para êles. A Natureza parecia-Ihes, com freqüência, feia e estavam preparados para enfrentar essa feiúra. Deixaram de lado a delicadeza do desenho e o equilíbrio da composição - queriam uma arte que Ihes falasse diretamente sem concessões, que desp~rtasse uma emoção intensa, e não que os embalasse numa satrsfação estética. O triunfo do cristianismo inevitàvelmente implicava o fortalecimento dessa concepção aramaica da arte. Cristo não poderia ser retratado do mesmo modo que Apelo. Êle era o Deus que sofrera, o Grande Juiz, o Redentor. Seus seguidores deviam senti-lo como tal, e para isso as linhas do sofrimento, da íôrça e da benevolência divina deviam estar evidentes em seu rosto. A religião exigia um impressionismo desconhecido do mundo greco·romano. O Oriente contribuiu ainda com outro elemento. A nova concepção de soberania que viera da Pérsia, dos Sassânidae, tinha uma majestade mais simples e mais direta do que a complicada magnificência de Roma. Seu caminho fôra preparado pelo mitraísmo, a religião surgida no Irã para o culto do Sol todo glorioso. O mitraísmo, ou o masdeísmo de que derivava, tinha uma arte própria, igualmente distante do naturalismo helênico e do realismo emocional aramaico, e dotada de um simbolismo que parecia ter vindo, originàriamente, dos altiplanos do Turquestão. Essa arte já influenciava os artistas aramaicos do Oriente Próximo e, de certa forma,--éompensava· olhes a indiferença pelo sentido grego da composição.

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A nova arte, composta dêsses elementos, surgiu no início mesmo do século. Nas estátuas que representam a tetrarquia de Diocleciano, os retratos imperiais dos séculos anteriores, nos quais o imperador era apresentado com um porte magnífico, para dístingui-Io dos súditos, haviam dado lugar a uma arte impessoal simbólica que acentuava diretamente a majestade de Roma frente aos bárbaros. O cristianismo completou o movimento. O público cristão exigia da arte um apêlo emocional direto, ao invés da perfeição técnica, tal como as autoridades imperiais exigiam que o retrato do imperador representasse antes a soberania romana e não uma semelhança individual com os vários imperadores efêmeros. Os artistas helênicos, tendo esgotado todos os segredos técnicos de sua arte, enfrentavam o problema de adaptar sua técnica ao nôvo mundo. Provàvelmente, tal como os requintados, atiraram fora, de boa vontade, os antigos desenhos que copiavam caprichosamente a vida, com uma anatomia cuidadosa e exagerada, com suas perspectivas brilhantes e sua riqueza de detalhes, para fazer experiências com a nova corrente artística. Enquanto isso, o artista oriental ainda rude viu-se apoiado pela côrte. Não lhe era possível mostrar o mesmo domínio técnico dos artistas requintados, e o gôsto pela arte elaborada foi diminuindo. Assim, ocorreu durante o século IV uma revolução, da qual Constantinopla saiu como a capital do nôvo mundo estético. Embora derrotado, o helenismo não morreu. Suas concepções estavam muito enraizadas no sangue dos gregos. Durante tôda a existência do Império Bizantino, êle costumava reaparecer de tempos em tempos, para forçar a arte bizantina a um retrocesso no sentido do velho naturalismo. A nova arte era direta, mas não simples. A adoração, principalmente dos imperadores, devia ser retratada com fausto. O artista bizantino teve de atingir essa suntuosidade com seus próprios recursos. O pintor bizantino preferia trabalhar com mosaicos do que com tintas, em painéis ou afrescos. Mesmo nos trabalhos em painel usava um fundo de ouro. E o ouro dominava as iluminuras dos manuscritos. As estátuas eram talhadas em pórfiro, em bronze colorido ou dourado. Nos tecidos, sêdas e brocados, os fios de ouro tinham um papel saliente. Êsse amor pelos materiais ricos evitou que a magnificência ficasse limitada ao volume, apenas. Eram materiais muito raros, de alto custo. Exceto quando as finanças do império vinham em seu auxílio - o que aconteceu quando Justiniano construiu Santa Sofia

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ao custo de, segundo diziam 320.000 libras de ouro (52) o artista bizantino trabalhava habitualmente em escala pequena, e freqüentemente era nos trabalhos mais delicados, nos pequenos entalhes de esteatita, nos baixos-relevos de marfim ou nas placas esmaltadas em miniaturas que sua arte atingia o equilíbrio perfeito, a riqueza de tessitura ou de côr que correspondia à simplicidade da linha. Os diversos ramos da arte bizantina revelam as diferentes proporções do elemento oriental e helênico nela existente. A pintura e a escultura eram !reqüentemente influ~nciadas, pe~o helenismo. A arquitetura, porem, encontrou uma smtese propna e desenvolveu-se naturalmente dentro de linhas peculiares. Na verdade, a arquitetura bizantina tem um lugar à parte. O pintor e o escultor parecem ter, no século IV, recuado um passo na técnica; o arquiteto, pelo contrário, avançava firmemente. A principal contribuição ·da arquitetura bizantina foi o segrêdo do equilíbrio de uma cúpula sôbre uma construção quadrada segundo as necessidades do nôvo mundo. É na arquitetura das igrejas que melhor podemos observar essa realização, pois somente as igrejas sobreviveram em número bastante para servir de estudo. Os edifícios seculares do império desapareceram. Para os primeiros cristãos, como para os pagãos, bastava uma sala para seu culto. Sua basílica tinha um interior tão simples como o dos templos clássicos. Gradualmente, porém, e em especial no século IV, a Igreja começou a copiar o ritual cerimonial do Estado. Como as novas dinastias de imperadores semidivinos exigiam palácios com salas de trono e salas de vestir, e um gineceu para a imperatriz, a Igreja começou a sentir-se insatisfeita com seus interiores simples. Exigiu um ambiente mais complicado, sem sacrifício da unidade de desenho. Uma cúpula colocada sôbre o centro da basílica teve o efeito de dividir o interior, dando-lhe ainda maior impressão de esplendor. Mas o problema era fixar a cúpula. A cúpula sôbre uma rotunda, tal como a do Panteão em Roma, era conhecida, de há muito, pelos arquitetos. Agora, porém, tornava-se necessário colocá-Ia sôbre um retângulo. O método mais simples (53) Ou seja, 345.600.000 francos-ouro (:U4.000.000) - evidentemente, um grande exagêro. (Scriptores Originum Oo1tstantinopo. litani, ed. Teubner, 102).

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era sustentá-Ia em consolos, o que constituía uma solução primária e poderia provocar elipses. No século V, encontrou-se um processo mais satisfatório. Se essa solução se deve aos nômades do extremo iraniano ou aos arquitetos da Itália, é assunto controverso e nenhuma ~as duas hipóteses é bastante convincente. A primeira teoria e fo:~ada, a seg;tnda muito improvável, pois a cúpula deixou a Itália ~om a corte, acompanhando o patrocínio imperial, para Constantmopla. A fonte de inspiração continua ainda duvidosa. O.s arquitetos que. ap~rfeiçoaram a técnica foram gregos e armêmos'A s~ndo os pr,lm~uos os construtores mais procurados pelos Sassânidas da Pérsia, (53) Eram dois os processos. Podiam usar-se pendículos - triângulos que se elevavam dos ângulos A do retângulo e se curvavam unindo-se num círculo - ou arcos pe.quenas abóbodas absidais ligando os ângulos do retângulo: seja num tambor quadrado ou ao nível dos principais arcos de suporte. Os pendículos eram conhecidos nas épocas anteriores a Constantino. Um antigo exemplo existe em Jerash na Transjordânia, e encontram-se indícios dêles na Ásia Menor, Seu exemplo mais famoso no século V é a tumba de Gala Placídia em ~avena e, no século VI, Santa Sofia de Constantinopla. O .arco fOI recurso um pouco posterior. Talvez sua origem seja onental, embora os primeiros exemplos que podem ser datados c~m segurança estejam na Itália: o batistério de Nápoles e São V~tal. em Rave~a (século VI). Mas foi nos séculos X e XI que atmgl~ a plenitude, em construções como a Grande Igreja no Mosteiro de São Lucas, em Fócia. A basílica sofria, nesse Ínterim, modificações. Evidenciara sempre duas tendências principais. A basílica helena tinha um tet~ achatado de made~r~, com três ou cinco alas e galerias, e, mais tarde, um clerestono nas alas laterais. A basílica oriental era .a~que~da, com paredes maciças. A cúpula, porém, forçou m~dlÍlcaçoes estruturais. A compressão sôbre as paredes lateral~, as par~es norte e sul da igreja direcional, demandava reforço, particularmente porque, com o advento da cúpula, a altura tornou-se mais importante do que o comprimento. Arco-

Fausto de Bízãncio, trad. Langloís, 281. O general pera ,seus soldados, antes da batalha contra os gregos e armêníos aliados, para capturarem o maior número possível de gregos, para que construam palácios para os persas. .(54)

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botantes como os usados pelos arquitetos góticos eram estranhos ao espírito bizantino, que continuava bastante clássico para insistir na adequação estrutural do desenho, em si mesmo. As igrejas de câmara única, quadrada ou poligonal, passaram a ser o desenho indicado, com adaptação da cúpula à construção quadranguIar. Nelas, a compressão se fazia igualmente em tôda a volta. Na Igreja Octogonal dos Santos Sérgio e Baco, em Constantinopla, que data do início do reinado de Justiniano, pode-se observar êsse tipo de construção, numa de suas melhores formas. A piedade ou a ingenuidade dos arquitetos já os levava a tentar fazer edifícios em forma de cruz. Há igrejas de cemitério com essa forma, e a tumba de Gala Placídia é uma cruz com braços do mesmo tamanho e uma cúpula no cruzamento. A Igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla, com uma cúpula central e uma cúpula sôbre cada braço, foi considerada como o exemplo perfeito. Copiaram-na os arquitetos da Igreja de São Marcos, em Veneza. Finalmente, êsses três tipos - a basílica, a retangular e a cruciforme - foram sintetizados pelos arquitetos Antêmio de Trales e Isidoro de Mileto, na grande Igreja de Santa Sofia. Uma longa linha de colunas preserva o interior no estilo basílica, embora as proporções externas sejam, pràticamente, as de uma construção retangular, enquanto a pressão lateral é solucionada por transeptos com arcobotantes, coroados por uma meia-cúpula. A primeira cúpula central caiu com um terremoto, em 558, e a segunda teve a mesma sorte em 989, quando foi construída a atual, por um armênio, Tiridates, arquiteto da grande catedral armênia de Ani. Santa Sofia foi a realização arquitetura I bizantina máxima. Os próprios bizantinos assim a consideravam, e por muito tempo serviram-se dela como modêlo. Mas a arquitetura bizantina não era estacionária. Gradualmente e quase certamente devido ao problema do pêso - o tipo de desenho, conhecido como de cruz grega, evoluiu. Nêle, os transeptos são altos e abobadados, usualmente cobertos, como a nave e o côro, com um espigão baixo. Os ângulos da cruz são ocupados por câmaras baixas, os do ocidente servem como alas laterais da nave, e os do oriente, como a protese e o diacônico exigidos pelo ritual. A simplicidade e o perfeito equilíbrio estrutural de seu risco fazem dêsse tipo de planta talvez o mais admirável na arquitetura . A cruz grega originou-se provàvelmente na Armênia. As conquistas árabes haviam aumentado a importância daquela nação. As guerras mais ao sul fizeram dela a mais segura rota 201

comercial entre o Oriente e o Ocidente, e um número cada vez maior, ?e armênios buscou fortuna no império. Sua posição geográfica tornava-os receptivos às idéias artísticas que vinham tanto. do ~ste como do Oeste, e eram bastante engenhosos para experímentâ-las. A cruz grega surge na Grécia em fins do século VIII, em Skiprou, na Beócia, província que tinha muito contacto com o Oriente. Seu exemplo mais célebre foi a Nova !greja constr~ída por Basílio I no recinto do palácio. Essa Igreja, destruida pelos turcos, era provàvelmente o único edifício de grandes proporções na forma de cruz grega. Via de regra, as igrejas bizantinas eram então de reduzidas proporções. A tendência era no sentido de fazê-Ias graciosas e leves - apena.s a altu~a tinha importância. Uma abside tríplice, na extremidade onental, a tricora ou trifólio, fôra por vêzes usada desde o século VI, para tornar mais leve o efeito. Seu uso fêz-se mai: comum. Colun?s substituíram os pilares que sustentavam a cupula, que podena ser colocada sôbre um tambor alto. l\;Ieias-cúpulas poderiam ser colocadas nos braços da cruz. As hnha~ re~as do espigão. do fôrro eram substituídas por curvas. As ligações com o OCIdente introduziram ocasionalmente tôrres de c~mpanário, com sinos em lugar das simandra, os gongos de madeira que convocavam os ortodoxos para as orações. A cruz grega, assim modificada, continuou e ainda continua como a base de quase tôda a arquitetura eclesiástica ortodoxa mas não teve em C,on~tantinopla a mesma popularidade que desfrutou nas provincias, onde os arquitetos parecem ter sido em grande parte, armênios. ' . É difícil falar d~s formas das construções seculares, pois m~Jto . P?u.cas sobre~lveram_ As salas dos palácios, como o crisotriclínio ou o tnconco no Grande Palácio, eram formadas c.omo as igrej as da época, com cúpulas, absides, nártexes e' trifóh?s. A casa de. campo ideal, de Digenes Acritas, tinha três cupulas, e sua prmcipal sala de recepções era cruciforme. Nas casas antigas, na Fanar de hoje, muitas salas têm absides e trifólios, freqüentemente. Mas uma casa não podia ter a unidade de uma igreja. O Palácio era, na verdade, um aglomerado de salas, galerias, igrejas, banheiros, guarda-roupas, salas de armas bibliote~as e conjuntos _de aposentos, museu, tudo isso ajuntado sem umdade de plane] amento, em três grupos principais. As alas residenciais eram habitualmente de dois andares, estando no primeiro os aposentos principais. O andar térreo era baixo f} quase sempre abria para uma arcada num jardim interno.

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Dificilmente os edifícios tinham mais de dois andares, exceto as tôrres militares. Digenes Acritas gaba-se de um palácio de quatro pavimentos - mas ao redor dêles, tudo era notável. Para as fortificações, aquedutos e pontes, copiavam-se e aperfeiçoavam-se os modelos romanos, e o Circo, embora mais comprido do que os romanos, tinha naqueles a sua inspiração. As cisternas subterrâneas de Constantinopla, construí das nos séculos V e VI, eram mais originais. Uma de suas características são as numerosas e bem trabalhadas colunas que sustentavam o teto. As portas eram quase tôdas quadrangulares. As j anelas dos edifícios seculares podiam ser retangulares ou arqueadas. Nas salas e nas igrejas eram quase circulares, alongadas e estreitas, para afastar a brilhante luz oriental. Ficavam hbitualmente colocadas num canto, em grupo de três, com persianas de mármore ou madeira na base, cobertas de vidro, mica ou alabastro, no alto. O material empregado variava de acôrdo com a região. Em locais de muita pedra, as paredes eram revesti das de pedra trabalhada, com cascalho por dentro. Constantinopla estava construída principalmente de tijolos queimados, embora a pedra fôsse usada com freqüência em camadas alternadas com os tijolos, para decorar exteriores. A pedra das paredes externas era por vêzes modelada ou entalhada, principalmente na Armênia e nos distritos onde predominava a influência oriental. A pequena igreja metropolitana em Atenas é exemplo disso. As paredes interiores dos edifícios importantes eram revestidas de material decorativo, com mármores de várias côres dispostos em combinações ou ainda mosaicos. Nas regiões mais pobres, e em Constantinopla na época dos Paleólogos, quando o dinheiro era escasso, o mais habitual era decorar as paredes inteiramente com afrescos. As colunas, tendo de suportar maior pêso do que nas épocas clássicas, tinham de ser mais sólidas, particularmente nos capitéis, trabalhados com esmero. Sobreviveram modificações do acanto coríntio, mas os desenhos entrançados, a escultura de animais ou os medalhões com monogramas cristãos simples tornaram-se mais comuns. Também na escultura o Oriente triunfou, e nesse campo houve antes uma revolução do que um aperfeiçoamento. A escultura tridimensional clássica era estranha aos arameus, que viam as coisas sem relêvo, em duas dimensões - mais picto203

rialmente do que esculturalmente. A estatuária tinha de ser vista de apenas um ângulo - somente a sombra poderia representar a terceira dimensão. A aplicação dêsse princípio à escultura ocorreu simultânea mente com o aparecimento dos motivos iranianos. O panejamento na escultura começou a seguir desenhos geométricos, ao invés das curvas naturalistas da arte helênica. As estátuas da nova arte eram, freqüentemente, quase desagradáveis. Os traços do rosto eram exagerados pelo amor da sensação que tinham os ararneus. O corpo era envolto em vestes geométricas. O conj unto era impessoal e, com tôda a sua imperfeição, bastante impressionante. Atendia às novas condições do mundo. A estátua do século IV que se vê em Barleta é típica dessa transição. Nela, a figura foi visualizada em profundidade, e trata-se evidentemente de um retrato; foi feita, porém, sem dúvida, para ser vista de frente, e não há nenhum realismo nos trajes militares, o rosto é simples, com a linha do nariz à bôca intensificada para acentuar o símbolo da fôrça majestosa. .É quase um trabalho dedicado à religião do império. Dentro em pouco, as tentativas de estatuária tridimensional tornavam-se muito raras. Os artistas cristãos nunca a adotaram. Era uma arte não apreciada pelo oriental, e a Igreja Oriental começou, desde o princípio, a associá-Ia com o ídolo anematizado por Jeová. Sobreviveu quase integralmente nos retratos imperiais, um tanto impessoais, feitos em Constantinopla e por v~zes ali utilizados para celebrar a majestade imperial, ou envIa.dos a uma comunidade vassala, tal como Roma, para que o Imperador pudesse estar presente às deliberações do govêrno local. A escultura tornou-se ràpidamente uma arte do baixo-relêvo, pouco mais do que a pintura, onde as sombras tomavam o lugar dos efeitos de côr. As portas, os púlpitos, ou mais remotamente, os sarcófagos, eram entalhados em madeira ou pedra com uma técnica bidimensional. A princípio, o artista tentou conservar a capacidade de mostrar um fundo, acumulando-o verticalmente atrás do assunto principal, mais ou menos como uma perspectiva chinesa. Mais tarde, porém, abandonou a tentativa sem êxito. Os melhores baixos·relevos eram feitos em escala pequena, entalhes em metal, em esteatita e mais ainda em marfim. (55) (55)

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V. Ebersolt, Les Arts Somptuaires de Byzance.

Marfim entalhado, porta-j óias ou relíquia, dípticos consulares, capas de livros, dípticos e tripticos devotos . fo~am pr~duzidos durante tôda a história do império. Nos prImeIrOS qumhentos anos, até o século IX, predominaram as influências orientais as fiauras com cabeças expressivas, mal proporcionadas e por vêzes B mal desenhadas. Com o renascimento clássico dos séculos IX é X, surgiu um sentimento de composição e graciosidade que no entanto não destruiu a simplicidade e a ~ôrça. da escola oriental. Os melhores dos pequenos entalhes bizantinos o escrínio de Veroli, do Museu Vitória e Alberto, e o painel, de Romano e Eudócia, na Sala de Medalhas, pertencem a esse período. O último é realmente um dos triunfos do artesanato bizantino, composto com sentimento e habilidade, bem desenhado e admiràvelmente executado. Após o século XI, o entalh. declinou: os entalha dores parecem ter perdido o gôsto e a habilidade técnica. Dentro em pouco, a crescente pobreza do império dificultava a aquisição do material caro. Os entalhes de marfim eram habitualmente ornados a ouro e, ao que parece, também coloridos. A escultura decorativa em função da arquitetura, os capitéis de colunas, ornatos de portas, mostravam, na variedade de suas formas, a origem mista. A fôlha de acanto e o desenho de animais da fase naturalista pertenciam ao helenismo puro. O desenho geométrico, freqüentemente fluindo com graciosidade helênica lembrava os desenhos iranianos. A superfície lisa podia ser adornada por um simples monograma de Cristo, dentro do espírito grave e dramático dos arameus, _ A partir do ~éc~lo V, encontram-se todos êsses tipos de decoração, com uma técnica que se manteve num nível bastante razoável. O método, porém, modificou-se ligeiramente. O primeiro processo de tratar essa escultura decorativa foi o de desbaste, que atingiu seu auge no século V. O capitel teodosiano, ou de acanto, é típico do processo, destacando-se levemente a fôlha contra um fund~ apenas desbastado. No século VI, o desbastamento fOI substituído pelo entalhe, no qual o desenho se destacava como uma renda, aparentemente separado do fundo. Os capitéis de desenho entrançado de Santa Sofia foram feitos por êsse processo, tal como os da Igreja de São Sérgio e São .Baco. Após o século VII, êsse tipo de escultura perdeu popularidade, embora não fôsse nunca inteiramente abandonado, e possa ser visto com cabochons no século XIV, em Mistra. A escultura "rendada" foi a mais empregada nos séculos que se seguiram 205

ao VII. Nela o desenho é aplicado à pedra lisa, em fitas e traços que se interligam, muitas vêzes cercando uma figura geométrica, ou painéis com animais ou rosáceas. Capitéis com entalhes de animais pertencem ainda a êsse estilo. A quarta forma foi o champlevé, no qual os furos que formam o fundo são cobertos com uma composição marrom-avermelhada, feita principalmente de cêra, que contornava o desenho. Êsse processo ficou na moda no século X, aproximadamente. Pode ser visto na pequena Igreja de São Teodoro, em Atenas. Se a escultura livre perdeu com o triunfo do Oriente, a pintura só teve a lucrar. (56) A pintura helênica havia degenerado numa graciosidade superficial. Os arameus deram-lhe nova fôrça, com sua visão concisa e a intensidade de seu senti. mento. O impacto foi saudável, particularmente porque a influência helênica não desapareceu totalmente. Os dois estilos existiram lado a lado, cada qual procurando falhas no outro. O desenho descuidado dos arameus podia não satisfazer o público, mas demandava uma intensidade maior de emoção do que os helenos podiam dar, importava-lhe antes de mais nada o valor espiritual do quadro. O material utilizado na confecção dos trabalhos mais importantes contribuiu para a vitória aramaica. Os mosaicos, graças a seu esplendor, ultrapassavam qualquer outra forma pictórica, e nos mosaicos o claro-escuro delicado é quase impossível. O desenho deve ser ousado, as côres contrastantes, as linhas simples. Os afrescos seguiram naturalmente a orientação dos mosaicos. Foi apenas nas miniaturas, nos manuscritos iluminados, que a técnica helênica levou vantagem, e é, em conseqüência, nos manuscritos que a continuidade da influência helênica pode ser observada e foi através dêles que ela se fêz sentir, já que os artistas dos mosaicos e afrescos confiavam sua inspiração a miniaturas, fàcilmente portáveis. Mesmo nos mosaicos, a escola helênica, tendo os melhores artistas, levou vantagem durante muito tempo, adaptando-se apenas um pouco às exigências da época. Nos edifícios do século V, como o Mausoléu de Gala Placídia, ou a Igreja de São Jorge em Tessalonica, os assuntos são tratados numa maneira naturalista fluente. O fundo é, por vêzes, colocado ao alto, tal como

(56)

V.

Muratov, La Peintw'e Byzantine; Ebersolt, La Mivan Berchem e Clouzot, Mosa~ques Chrétiennes_

niature Byzantine;

206

nos baixos-relevos, pois o artista não podia tolerar que fi~asse vazio. Mas seu naturalismo já se fundia com o naturalismo do Irã. Os pavões e animais fabulosos que surgiam em sua arte eram inspirados pelo Oriente distante, e o Irã, através dos artistas armênios, ensinava a usar os animais de forma decorativa, e não como motivo principal, sem sacrifício da exatidão do desenho. No século VI, a influência semita tornou-se ainda maior. As figuras de Justiniano e Teodora e seus séquitos, em São Vital, em Ravena, são estilizadas e sem flexibilidade, mas vivas. Os mosaicos de Santa Sofia são provàvelmente do mesmo estilo. Em Tessalonica, porém, as idéias helênicas resistiram mais. As decorações feitas no século VI, em São Demétrio, conservam muito do antigo naturalismo, embora as figuras dos painéis tenham sido desenhadas com os mesmos traços duros e marcantes que se observam em São Vital. Enquanto isso, os mosaicos de chão, que por sua naturez.a tinham uma função mais decorativa, seguiram o mesmo mOVImento de afastamento do helenismo. Os pássaros e árvores continuaram naturalistas, mas eram envoltos por motivos de natureza meramente decorativa, que acabaram por superá-los, Os mosaicos são mais comuns na Síria e Palestina, e parecem ter sido feitos principalmente por alexandrinos e armênios. Os primeiros conservaram, naturalmente, tendências helênicas de Alexandria. O mapa em mosaico, do século V, existente em Jerash é evidentemente helênico. O mapa da Palestina e do Egito, 'que se encontra em Madaba, no Moabe, e feito no século VI, é menos formal, embora persista ainda uma certa delicadeza de desenho. Os armênios trabalhavam segundo sua própria síntese de desenhos geométricos e naturalismo. Os mosaicos de chão tornam-se raros após o século VI. Ao invés dêles, os pisos são cobertos com grandes formas geométricas, de mármore colorido. A iluminação de manuscritos foi, ao que parece, originalmente uma arte alexandrina. Os modelos alexandrinos foram copiados em todo o mundo greco-romano e continuaram clássicos até o séc. VI. Josué Roll, do séc. V, de quem temos apenas uma cópia do século X, tenta perspectivas e figuras em tôda espécie de atitudes. Os quadros são pintados com leves camadas de tinta e as côres recebem uma gradação graciosa. As iluminuras da /líada existente na biblioteca ambrosiana, (57) apro(57)

Milão, Ambrosiana,

No. F205.

207

ximadamente da mesma data, têm um tratamento perfeitamente clássico. Nas obras do século VI, particularmente as seculares, a tradição alexandrina ainda é respeitada. As iluminuras feitas no Dioscórides de Juliana Anícia, em cêrca de 512 só evidencia influência oriental por ter as margens das páginas ornamentadas. (58). E até mesmo os manuscritos do topógrafo cristão Cosme Indicopleustes, o negociante moralista, e provàvelmente copiados do original do século VI, têm ilustrações não-religiosas executadas no estilo clássico, enquanto as ilustrações de caráter religioso são profundamente orientais. Na verdade, as iluminuras religiosas ficavam, então, inteiramente a cargo do orientalismo. As produções foram, .não poucas vêzes, magníficas. O Evangelho de Rossano (59) e a Gênese de Viena (60) têm um fundo purpurino, e as letras são inteiramente prateadas. Os desenhos decorativos eram, com freqüência, ao mesmo tempo delicados e suntuosos. O desenho da pessoa humana porém era rude e desajeitado; tentava-se sem êxito a perspectiva vertical para o fundo. Dessa forma, a arte pictórica bizantina do século VI havia chegado a uma síntese difícil, na qual predominava a contribuição oriental. As conquistas árabes do século VII provocaram Ul~a ;e.volução. As províncias semíticas foram decepadas do imperro, e cresceu a influência armênia. Os muçulmanos, que não tinham pela arte representativa nenhuma simpatia, encontraram no Irã, à medida que avançavam para o Leste, uma arte ornamental que se adaptava admiràvelmente ao seu gôsto. Adotaram-na, revitalizando-a. A arte aramaica, com suas ~i~ur~s rígida~ e intensas, tornou-se privativa dos monges de Bizâncio. O seculo VII foi muito agitado para produzir grande número de trabalhos de arte. As únicas coleções de mosaicos importantes estão em território muçulmano, na cúpula da Rocha. em Jerusalém, e nos jardins da mesquita de Omã, em Damasco. Os antigos califas empregavam artistas e arquitetos gregos, mas essas duas obras parecem antes trabalho de nativos. A primeira consiste de ricos ornamentos com fôlhas e decorações geométricas, evidentemente de inspiração iraniana. A segunda é uma magnífica série de paisagens, árvores, Viena, Biblioteca Nacional, Med. o-; N.Q 1. (59) Em Rossano, na Calábria. (60) Viena, ius., Theol. Grat., N.Q 31.

montes e casas, dispostos num desenho fluente, ricamente coloridos e desenhados com leveza. Mas o naturalismo não é helênico: o desenho, e não a composição, é o mais importante. As duas séries representam o auge a que a arte síria chegara, antes que a fôrça esterilizante do Islã tivesse tempo para atuar (61).

.

O movimento iconoclasta do século VIII teve um efeito ainda mais profundo na arte pictórica. Esteticamente, foi uma luta entre armênios e iranianos, na qual interveio e saiu vitorioso o helenismo, tendo aprendido muito de ambos os rivais. O edito que proibiu o culto de ícones significava que a arte religiosa representativa perdia o patrocínio leigo e tornava-se ofício clandestino de monges perseguidos. Nessas circunstâncias, dificilmente poderia progredir. Ao invés dela, as autoridades imperiais estimularam a arte de desenhos decorativos, figuras geométricas e, principalmente, os desenhos de pássaros e fôlhas tão ao gôsto de armênios e iranianos. A pintura da figura humana não podia, entretanto, ser suprimida - apenas secularizou-se. Os artistas utilizavam a pintura decorativa de pássaros, animais e árvores em cenas de caça, que a impiedade dos imperadores iconoclastas consideravam próprias para a ornamentação de igrej as. Mas o bizantino era bastante oriental para amar as histórias. Se não lhe era permitido contar histórias religiosas, se não podia pintar o Cristo na Cruz, ou os santos aguardando o martírio, voltava à sua outra fonte de lendas, a mitologia clássica. O século IX trouxe um renascimento clássico, recebido com satisfação pela arte, mas que provocou, inevitàvelmente, o reaparecimento de tôdas as velhas teorias helênicas sôbre a pintura. As figuras já não ficavam eretas, de frente, mas se colocavam em atitudes graciosas; a perspectiva voltava a participar do quadro. Mas êsse neo-helenismo foi enriquecido pelos desenhos do Oriente, pelos pavões e pelas folhagens. Nenhuma manifestação importante dessa arte secular sobreviveu. Conhecemo-Ia apenas através de descrições, como a dos saguões construídos e decorados por Teófilo no Grande Palácio, e dos mosaicos da sala principal do palácio de Digenes Acritas - embora êste tivesse sido levantado após a derrubada do iconoclasmo e quadros de Moisés e Sansão ficassem lado a lado com o de Aquiles e Alexandre. O ma-

(1S8)

208

(61) V. Mlle. van Berchem, análise detalhada saicos, em Creswell, Early Muslem Architecture.

14

dêsses mo-

209

nuscrito de Cinegética de Opiano, em Veneza, do século X, dá uma idéia dêsse estilo. Os temas são quase idênticos aos descritos em Digenes e enriquecidos por cenas de caçadas em medalhões decorativos. A vitória das imagens trouxe a religião de volta à arte. Mas seus patronos, especialmente em Constantinopla, passaram a gostar do estilo neo-helênico. Os pintores religiosos tiveram de adaptar-se a um público helenista, tal como os pintores helênicos, quatro séculos antes, a um público religioso. A síntese dêsse conflito constituiu um êxito notável. Os séculos X e XI são os melhores períodos da arte bizantina, tanto na escultura como nas artes da pintura, As duas correntes, a helênica e a aramaica, ainda podem ser identifica das, mas agindo em conjunto. Os pintores religiosos, como os artistas que decoraram a Igreja de São Lucas, em Fócia, no século X, têm todo o fervor e intensidade dos séculos primitivos, o desenho e o colorido têm a mesma ousadia, mas já sem aquela rudeza, com grande variedade de atitudes, e transformando a antiga rigidez em dignidade de porte. O Livro dos Salmos existente no Museu Britânico, e que foi completado em 1066 por Teodoro da Cesaréia, é do mesmo gênero. As figuras são bem desenhadas, e embora não tenham fundo, guardam um sentido de profundidade. A própria Constantinopla preferia um sabor mais helênico nessa síntese. O Livro de Salmos do século X , existente na Biblioteca Nacional de Paris, e o de Basílio lI, atualmente em Veneza, (62) recuam quase até o helenismo do século V, sendo talvez influenciados por um antigo modêlo alexandrino. Apenas uma certa objetividade na composição demonstra a influência da Igreja. O famoso Menológio de Basílio lI, existente no Vaticano, mostra uma mistura de origem um pouco maior ainda - e que foi melhor sucedida, embora uma certa monotonia prejudique um pouco o efeito. Nêle, a figura principal se destaca, por vêzes com intensidade, contra um fundo simples de arquitetura formal, ou de paisagem. O desenho é simples, mas elegante e funcional; o colorido é rico, mas bem graduado. Cada quadro é emoldurado por uma margem de desenho diferente. A mesma síntese pode ser observada nos mosaicos da Igreja de Nea Moni, em Quios, e numa forma ainda mais perfeita, na Igreja de Dafni, na Atica _

(62)

210

Veneza, Biblioteca Marciana,

Gr., N." 17.

ambas construídas no século XI. Falta-Ihes, porém, a fôrça e o sentimento dos mosaicos de São Lucas, e em Dafni o corpo inclinado e as faces delicadas dos santos tornam-se ainda mais graciosas e frágeis em contraste com o Cristo Pantocrator da cúpula, onde um hábil artista monástico deu tôda asa à sua concepção da majestade de Deus, sem procurar conciliá-Ia com o gôsto de Constantinopla. No século XII, a influência helenizante continuou, embora a expensas da fôrça e da unidade. Os mosaicos executados pelos artistas gregos para Manuel, na Igreja da Natividade, em Belém, são decorativos inexpressivos, ao passo que os executados pelos mestres bizantinos para os governantes normandos da Sicília são ricos e esplêndidos, faltando-lhes estranhamente, porém, qualquer fôrça espiritual. O grande Cristo de Monreale não tem metade da fôrça expressiva do Cristo de Dafni. Há nos mosaicos de Veneza e Torcelo o mesmo defeito. Notam-se nêles a habilidade e o valor decorativo, mas não a intensidade da arte bizantina primitiva. A conquista latina não teve sôbre a arte bizantina o efeito mortal que se tem pretendido. A queda da cidade causou a diáspora; o trabalho das escolas e suas tradições foram interrompidos. Além disso, durante o século XIII as condições políticas eram muito instáveis para permitir o florescimento artístico, e depois dêle o império, mesmo após a retomada de Constantinopla, era muito pobre para patrocinar a aquisição dos materiais até então usados. Os mosaicos, que haviam sido o meio de expressão favorito, eram caros. Os afrescos tomaram lugar de destaque nos palácios. A pintura do afrêsco fôra praticada desde as épocas remotas como substitutivo do mosaico nas regiões mais pobres, ou nos locais das igrejas e palácios considerados menos importantes. Seu estilo seguia o dos mosaicos contemporâneos, exceto em regiões remotas, como as igrejas de rocha na Capadócia, onde uma austera, mas eficiente, tradição monástica aramaica permaneceu ininterrupta. Os novos afrescos tornaram-se, então, as formas mais importantes de pintura. A técnica do afrêsco introduzia novas possibilidades, permitindo uma certa dramaticidade, quase sentimentalismo, pràticamente impossível nos mosaicos. Os bízantinos da época dos Paleólogos eram clássicos convictos - o hclenismo revigorara suas energias, mais uma vez. Reapar coram nêles a perspectiva, os desenhos complicados da Iigurn humana, os fundos. Era porém um helenismo sem alegrin dI

viver. O vigor presente nêles era antes fruto da vontade do que espontâneo, e deixa entrever, através de uma certa tensão, o misticismo acendrado dos ortodoxos. O resultado foi uma arte muito próxima da praticada pelos pintores de Siena, e poso sivelmente influenciada por êles, já que Oréente e Ocidente estavam em contacto íntimo, então. Entretanto, as datas inscritas em alguns afrescos dêsse tipo, nos altares laterais de São Demétrio da Tessalonica são muito antigas para justificar tal hipótese. (63) Talvez seja possível ver a origem comum da pintura italiana e da pintura de Bizâncio na fase final, na Armênia Cilícia, cujos manuscritos iluminados do século XIII combinam riqueza e fôrça com um humanismo gracioso, que os bizantinos não conheceram nunca. As iluminuras bizantinas voltavam, entretanto, aos velhos modelos helênicos, ao estilo alexandrino dos séculos IV e V, tornados mais leves por um toque da decoração posterior. A dramaticidade humana chegou a penetrar também os mosaicos. Na Igreja de Cora, em Constantinopla, os mosaicos .feitos por Teodoro Metoquites, com todo seu esplendor, exprimem antes emoções humanas do que a fôrça espiritual das épocas anteriores, evidenciando ainda a fraqueza helênica. A dramaticidade perdurou, mas aos poucos a luta entre helenos e orientais recomeçou. Na capital, manteve-se a arte formada pela síntese das duas correntes, mas a pintura hizantina nas províncias dividiu-se em duas escolas, habitualmente chamadas de macedônia e cretense. A primeira, emanada da Sagrada Montanha, Atos, embora sentisse em 1300 a influência sienita, ou quase sienita, desenvolveu-se dentro dos padrões de objetividade e austeridade monástica. Embora mostrasse um certo sentimento da tragédia humana, sua ousadia e liberdade tornavam-na mais adequada às manifestações impessoais, aos espaços largos. A escola cretense estava em contacto mais íntimo com a Itália, particularmente com Veneza. Ainda que bàsicamente bizantina, e helênica na gradação dos tons e na contenção, adquiriu um certo encanto e .intimismo. No século XVI, foi bastante vigorosa para expulsar a escola macedônia do próprio monte Atos. Mas já então o império tinha caído, a arte secular estava morta e a Igreja tomara a si o contrôle da arte eclesiástica, determinando como e onde cada cena sagrada e cada santo deveriam ser pintados. (63)

212

A. D. 1304, Dalton, East

Ohristian

Art,

255.

Somente os pameis de ícones permitiam ainda ao artista uma certa (64) latitude, e poucos dos painéis anteriores ao século XVI sobreviveram, embora sua pintura devesse ter sido freqüente desde os primeiros dias do império, e tenham chegado até nós alguns pequenos painéis em mosaicos. Mas o painel de madeira, ou o ele tela, mais raro, era provàvelmente demasiado perecível. As artes menores de Bizâncio seguiram, na medida em que sua natureza o permitia, a moda da pintura e do baixo-relêvo. Os bizantinos brilharam em tôdas as artes decorativas. O trabalho com materiais ricos, o ouro, o verniz ou a sêda era-lhes extremamente adequado, pois tanto a contenção clássica como a ousada simplicidade religiosa davam às suas obras o valor decorativo que tinham, mantendo ao mesmo tempo a suntuosidadedo assunto, sem sobrecarregá-lo. Os trabalhos em metal fazem antes parte da escultura. As sêdas, os brocados, a púrpura ou as aplicações bordadas com ricos fios de ouro tinham em geral uma figura ou um animal no medalhão, repetindo-se noutro medalhão semelhante, voltado para a direção oposta. A sêda viera, a princípio, da Pérsia, e era portanto natural que predominassem os desenhos baseados em motivos persas da época dos Sassânidas, principalmente por serem tão adequados ao gênero. Os brocados bizantinos mantiveram-se sempre fiéis à arte decorativa iraniana, embora o desenho se modificasse, ocasionalmente, pela influência clássica. Também na arte do esmalte o Oriente triunfou. Bizâncio foi pioneira nesse setor. Encontram-se raros exemplos de esmaltes vindos das épocas romano-egípcias, mas a arte do cloisonné foi pràticamente criada pelos artesãos bizantinos. A técnica é trabalhosa; as linhas da base quase invariável• mente feita de ouro, metal mais adequado à fusão a altas temperaturas - colocadas entre as várias placas de côr, preservavam a delicadeza de qualquer desenho, particularmente pelo fato de que o todo nunca podia ter mais de alguns centímetros de comprimento ou largura. Os desenhos decorativos eram, quase sempre, os de maior efeito. Mas o bizantino, com (64) Restam vários quadros da Virgem, o melhor dêles talvez um do século XII, Nossa Senhora de Vladímír, atualmente em Moscou. A maioria dêsses retratos foi atribuída ao pincel de São Lucas.

213

seu sentimento religioso, não podia deixar de colocar a arte a serviço do cristianismo. Introduziu nós medalhões figuras humanas, desenhadas da forma mais simples possível num fundo chato. Era impossível manter o estilo helênico. 'No século XI, entr:tanto, .quando a .arte bizantina estava em seu apogeu, o~ artesaos haviam aperfeiçoado a técnica a tal ponto que po. diam reproduzir no cloisonné não só retratos com uma razoável semelhança, mas também, como na coroa que Constantino IX deu a? ~~i An?ré da Hungria, figuras de dançarinos com extraordmana dehcadeza e vigor. Nos últimos dias do império o esmalte, como outros materiais artísticos refinados era muito caro para ser usado livremente. ' Os trabalhos de Nielo e Damasceno foram feitos em Constantinopla. Seus desenhos eram semelhantes aos desenhos contemporâneos em medalhões de esmalte. É difícil falar do vidro e da cerâmica bizantinos, (65) já que foram poucos. o~ exempl~re~ que chegaram até nós, parti. cularmente ~a cerarmca. A tecnica parece ter sido surpreenden~em~nte rudimentar, e a inspiração dos ornatos principalmente iramana ou sarracena. Numa igreja do século X em Patleina na Bulgária, encontrou-se um ícone de cerâmica' de São Teo: doro. Sua inspiração é claramente bizantina, mas não conhec~mos nenhum ícone de cerâmica semelhante, de origem hizantma.

. , .Fazer justiça à arte bizantina num espaço tão limitado é difícil, Durante muito tempo, ela foi desprezada e somente agora. começa a receber a devida apreciação. A energia da pesquisa moderna está ampliando seu âmbito, propiciando melhor compreensão. Afrescos desconhecidos são descobertos mosaicos há muito ocultos por várias camadas de tintas estão sendo recuperados. Historiadores e estudiosos da estética concentram suas atenções sôbre essas descobertas, com uma intensidade nova. Dentro de uns poucos anos, poderemos avaliar melhor a grande dívida que o mundo da beleza tem para com os artistas de Bizâncio.

(65)

214

V. Rice, Byzantino

Glazed Pottery.

CAPÍTULO

XII

OS VIZINHOS DE BIZÂNCIO Supõe-se freqüentemente que o papel de Bizâncio na História foi passivo: constituir, por cêrca de mil anos, o baluarte da cristandade contra o infiél oriental-persa, árabe ou turco - e preservar para a Renascença Ocidental os tesouros da literatura e do pensamento clássicos. Os que assim julgam esquecem-se de que, durante tôda a sua existência, o império exerceu uma influência ativa sôbre a civilização do mundo, que a Europa oriental devia quase tôda a sua civilização aos missionários e estadistas de Constantinopla e, além disso, que a Europa ocidental estava permanentemente em débito para com êle, muito antes que os eruditos levassem os manuscritos e o neoplatonismo de Bizâncio para a Itália, e que o Islã recebia um fluxo constante de idéias, vindas do Bósforo . Até a tomada pelos latinos, Constantinopla era a capital indiscutida da civilização européia, O ocidental podia fingir desprêzo por Bizâncio, acusando-a de luxúria e esperteza, mas a riqueza e as facilidades existentes em Constantinopla faziam dela uma cidade encantada, com que sonhavam os homens da França, da Escandinávia, da Inglaterra. Na Europa oriental, junto mesmo das portas da cidade, o efeito era imensamente maior. Está ela próxima daquelas sombrias planícies da Ásia que lançavam onda após onda de bárbaros no mundo civilizado. Mesmo -na península balcânica, o choque das invasões godas, dos hunos e dos ávaros apagaram os traços da velha civilização romana. Quando finalmente a região foi inundada pelos eslavos, não encontraram êles tradições locais, nem trouxeram tradições próprias. Viam apenas num dos extremos da península uma enorme, brilhante e invencível cidade, cuja idade, comparativamente reduzida na realidade, parecia-lhes imensurável, remontando a um passado de que não tinham 011215

ciência. Tsarigrad, a cidade do imperador, sinônimo de civilização.

tornou-se

para êles

Em princípios do século VII os eslavos dos Balcãs reconheceram a soberania do Imperador Heráclio. Mas durante os dois séculos seguintes o império foi assolado pelo caos, pelos grandes ataques dos sarracenos e as perseguições dos iconoclastas, Somente no século IX Bizâncio pôde voltar para os eslavos uma atenção mais do que pragmática. Enquanto isso, várias modificações ocorriam entre êles, Em fins do século VII, uma tribo húngaro-huna, a quem davam o nome de búlgaros, atravessara o Danúbio (66). Não eram, provávelmente, muito numerosos, mas possuíam a capacidade de organização que faltava aos eslavos. Gradualmente, levantaram um forte reino que ocupou todo o interior da península, e lá pelo ano 800 controlavam a Transilvânia e a planície valáquia. Enfrentaram as tropas imperiais em várias guerras; em 811 seu chefe, o cã Krum, matou numa batalha o Imperador Nicéforo I. Até então, os búlgaros se haviam mantido fora do alcance da civilização. O cã Krum (cêrca de 797-814) e seu filho Omortag (815-833) foram, porém, administradores hábeis. Sob seu govêrno ordeiro, gregos e armênios começavam a penetrar no país. Os cãs queriam residências reais, e gregos e armênios iam construí-Ias. O país oferecia oportunidades ao comércio, que os negociantes do imperador não desprezaram. Nas guerras, as grandes fortalezas de Adrianópolis e Mesêmbria estiveram, durante certo tempo, em mãos dos búlgaros. Os cativos e as mercadorias capturadas falavam dos recursos e da riqueza da civilização bizantina. Mas os cãs eram, a princípio, desconfiados, e evidenciaram seu alarme perseguindo quaisquer mostras de cristianismo que surgiam. Gradualmente, o elemento búlgaro fundiu-se mais com o eslavo, e o reino da Bulgária experimentou por Constantinopla uma atração irresistíveI. Finalmente, em 865, o cã Bóris, neto de Omortag, resolveu em parte devido às necessidades diplomáticas imediatas, em parte devido a uma política previdente - converter-se ao cristianismo. Prontamente, o govêrno imperial enviou-lhe missionários. Os hi(66) Para detalhes ria do Reino da Bulgária Bulgarian Empire.

216

sôbre os búlgaros, v. Zlatarski, Histó(em búlgaro) e Runciman, The First

zantinos acorreram ao palácio de Plisca. Após seu batismo, Bóris - com o nome de Miguel, e tendo como padrinho Miguel III - procurou aproximar-se de Roma, para ver se encontrava ali uma forma mais conveniente de cristianismo. A intransigência e a disciplina romanas, porém, não foram de seu agrado. Voltou à Igrej a de Constantinopla, e recebeu do Patriarca Fócio o estímulo para uma igreja vassala autônoma, usando a liturgia no vernáculo. O estabelecimento final de uma Igreja Búlgara foi auxiliado por um movimento missionário contemporâneo, criado por Bizâncio. Ao término do século VIII Carlos Magno, com os búlgaros auxiliando-o no outro fIanco, destruiu o reino que os ávaros tinham estabelecido nas planícies do Danúbio Central, pouco mais de um século antes. Mas os francos ganharam muito pouco com a vitória. Meio século depois a planície era dominada pelo grande reino eslavo dos morávios. Em 862 Rostislav, o rei morávio, decidiu que um monarca tão grande como êle devia ser cristão, e mandou pedir instruções a Constantinopla. O Regente Bardas e o Patriarca Fócio escolheram para missionário um de seus amigos, o macedônio Constantino ou Cirilo, lingüista distinto, que realizara experiências com a filologia eslava e inventara um alfabeto para satisfazer as necessidádes das línguas eslavas. Cirilo e seu irmão Metódio partiram para Morávia e ali fundaram uma Igreja que tinha tanto a Bíblia como a liturgia no vernáculo. A Igrej a Morávia, porém, era muito jovem para sustentar-se sozinha. Constantinopla estava muito longe e entre elas havia o reino da Búlgaria. Cirilo, encontrando cristãos latinos entre seus vizinhos, resolveu colocar sua Igreja sob a sé de Roma. O grande Papa Nicolau I aceitou com alegria a filiação. Mas Roma nunca viu com simpatia as liturgias no vernáculo. Após a morte de Cirilo e de Nicolau, os novos papas criaram tantas dificuldades para Metódio e os bispos latinos da Alemanha intrigaram de tal forma contra êle, que o monarca morávio, Svatopulk, -sucesscr de Rostilav, desanimou. Quando Metódio morreu, sua obra de aproximação com o cristianismo fracassava. A onselho dos latinos, seus principais discípulos foram banido da Morávia, ao passo que os adeptos de menor proj ção era~ vendidos nos mercados de escravos de Veneza, onde o embaixador bizantino os comprou e mandou para Constantinopla. Fócio recebeu-os com prazer, e com êles fundou um seminário para missionários eslavos. Enquanto isso, os discípulos exila217

dos chegavam à Bulgária, onde não eram menos bem recebidos por Bôris, que os utilizou para "eslavonizar" sua Igreja. Com seu auxílio e o patrocínio do imperador e do patriarca, começou a existir a Igreja da Bulgária autônoma que empre· gava apenas a língua nativa. Morávia perdeu, assim, os frutos do trabalho dos irmãos macedônios, Pouco depois, era castigada por sua ingratidão. Em fins do século os ímpios magiares invadiram a planície do Danúbio e extinguiram o reino morávio. Foi a Bulgária que impediu que a obra de Cirilo perecesse, e os búlgaros, fino-húngaros de origem, têm a glória de terem sido o primeiro grande Estado civilizado entre os eslavos. Era uma civilização muito bizantina, apesar de ter um alfabeto próprio. Simeão, filho de Bóris, que se intitulava tzar e principal patrono da nova cultura, fôra educado em Constantinopla, onde lera muito Demóstenes e João Crisóstomo. Os tradutores afluíram à sua côrte para passar ao eslavo as crônicas, homílias e romances gregos; seus edifícios na enorme capital, Preslav, copiavam e concorriam ambiciosamente com os esplendores de Constantinopla embora escavações mais recentes mostrem acentuada influência iraniana, como na maior parte da arte búlgara primitiva. Isso se deve, sem dúvida, em grande parte aos artesãos armênios, que já haviam chegado, em grande número, à Bulgária. Entretanto, os modernos historiadores búlgaros vêem nela traços de uma arte nativa protobúlgara, levada pelos nômades búlgaros ao norte do Mar Negro, durante as migrações. O Tzar Simeão inaugurou nova moda, copiada por seus sucessores e pelos vizinhos sérvios, até os dias de Fernando, o Coburguense. Sonhava êle em reinar em Constantinopla, como herdeiro de todos os césares. Coroou-se imperador e deu à sua Igreja um patriarca, lançando-se em seguida contra as muralhas de Constantinopla. Foi em vão. Seu filho Pedro (927. 969), embora mantivesse o título imperial e patriarcal, desposou uma princesa bizantina, e o govêrno como a cultura caiu sob a influência bizantina. Quando Bizâncio recuperou sua fôrça em fins do século X, tomou a si a tarefa de esmagar o nascente império dos búlgaros. Foi um trabalho lento, porque os búlgaros lutaram àrduamente, sob a chefia do Tzar Samuel. Basílio lI, o matador de búlgaros, concluiu a conquista. Mas, embora a Bulgária 218

ficasse reduzida a uma província, deixaram-lhe sua língua e a organização de sua igreja - o núcleo de um nôvo reino independente, quando surgisse a oportunidade. Além do mais, ela havia inaugurado uma nova civilização, devendo tudo - literatura e arte - a Constantinopla ou aos armênios, mas cslava em si mesma. A Sérvia se convertera durante as missões dos irmãos macedônios, Como inimiga inevitável da Bulgária, ela caiu na órbita de influência de Constantinopla, mas era muito pobre, de início, para ter qualquer civilização firmada. Os Estados servo-croatas localizados mais para o oeste voltavam-se antes para. o Adriático. Também êles eram filhos espirituais de Cirilu, mas somente Rascia (Montenegro) manteve- se fiel a êle. A Croácia, surgindo como grande potência militar em fins do século IX, compreendeu, sob o reinado de Tomislav, que suas ambições na Dalmácia tornavam imprescindível a boa vontade de Roma. Nos Sínodos de Espalato, em 924 e 927, a Croácia e os países de sua esfera passaram à liturgia latina. Sua civilização teve, portanto, um colorido latino-dalmácio, sendo bizantina apenas de segunda mão. A derrocada do primeiro Império Búlgaro fôra auxiliada pelo aparecimento, na Bulgária, da heresia iniciada pelo Padre Bogomilo e que era indubitàvelmente influenciada pelos hereges armênios paulícios. Era um credo dualista, desaprovando ao mesmo tempo o trabalho e a procriação, e adotando uma atitude de resistência passiva, fatal a um Estado. Produziu uma literatura nativa de lendas e contos de fadas, alguns dêles indígenas, mas na sua maioria de origem grega, armênia ou oriental. Na Bulgária, as autoridades imperiais esmagaram os bogomilos no século que se seguiu à conquista. Mas a doutrina difundiu-se pelo Oeste, em direção à Sérvia, e firmou-se na Bósnia e na Croácia. Foi, na primeira, a religião predominante, até a chegada dos turcos. O século X viu um segundo grande movimento missionário. Os russos, como os búlgaros, eram um povo eslavo organizado por uma aristocracia estrangeira. (67) Bizâncio mano maiores detalhes sôbre os russos, v. Soloviev, His· (em russo); Uspenski, Rtí,ssia e Bizancio (em russo); Kluchevsky, História da Rússia (existe uma tradução ínglêsa de Hogarth); Golubinski, História da Igreja Russa (em russo); Leib, Kiev, Rome et Byznnce; Vasiliev, Was Old Russia a Vassal-St ate 01 Byzant'itóm? em Spcc!ól!.1n, vol. 7, 350. tória

(67) Para da Rússia

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tivera, durante algum tempo, contactos com os grão-duques de Novgorod e Kiev, que mandavam todo ano flotilhas a Constantinopla para comerciar, e ocasionalmente assaltar, e haviam adquirido certos direitos comerciais na capital. Em meados do século, a Crã-Duquesa Olga convertera-se ao cristianismo e fizera uma visita a Constantinopla. Cinqüenta anos mais tarde, aproximadamente, seu neto Vladimir, o Grande, concordou em batizar-se, bem como a seus súditos, em troca da mão da irmã do imperador, Ana, A partir de então, a influência bizantina generalizou-se ràpidamente na Rúesia. Foi permitida aos russos a utilização da liturgia e do alfabeto cirílico, e fizeram bom uso de ambos. Foram os únicos dos povos esIavos que produziram uma literatura que não consistia meramente de traduções. Suas crônicas, como as chamadas crônicas de Nestor e de Novgorod, são trabalhos históricos de mérito, Sua arte, de origem bizantina, adquiriu características próprias, em grande parte pelas influências recebidas do Oriente. A grande Igreja de Santa Sofia, em Kiev, cujos planos gerais e os mosaicos são bizantinos, tem características que a aproximam das igrejas da Geórgia, e êsse intercâmbio de idéias aos poucos deu origem a um estilo genuinamente russo. É difícil dizer até que ponto desenvolveu-se a civilização medieval russa. O país era amplo e difuso, e no século XIII sofreu a invasão dos mongóis, que sufocaram seu crescimento e perturbaram-lhe a orientação, Quando a Rússia ressurgiu, era um país oriental. Até a Igreja, não mais inspirada pelo pensamento dinâmico de Bizâncio, mergulhou na passividade. As mulheres eram mantidas em reclusão, a ignorância e o analfabetismo invadiram mesmo a aristocracia, Pouco mais do que fórmulas e hábitos sem conteúdo, e o alfabeto cirílico, lembravam à Rússia a influência bizantina. Os Romanovs introduziram um híbrido verniz bizantino-ocidental e deram ao país uma grandeza superficial _ mas o Oriente triunfaria ainda uma vez. A mesma autocracia impiedosa e impessoal permitiu a Stalin, como a Cêngís-Cã, governar do Báltico ao Pacífico. Na verdade, nenhum dos afilhados de Bizâncio pôde atino gir a maturidade em paz. A Bulgária e a Sérvia reviveram em fins do século XII, e cada uma delas fundou impérios; o primeiro teve a duração de quase dois séculos, antes de cair frente aos turcos; o segundo durou cem anos mais, até que R campanha de Cossovo o reduzisse a uma vassalagem que logo se tornou escravidão. Ambos desenvolveram uma civilização 220

bizantina. A história da Bulgária sob a dinastia Asen é obscura. Pouco sobreviveu de sua literatura, e os registros existentes são esparsos e confusos. Mais de uma vez os tzares ameaçaram Constantinopla, durante o Império Latino. Mas a recuperação dos Paleólogos e o crescimento do império rival da Sérvia obscureceram os búlgaros. Tzares influentes, sérvios ou nascidos em Bizâncio, enfraqueceram-lhe a independência. Não obstante, produziram uma arte que se pode ver nas igrejas de Trnovo e nos afrescos de Boiana, cujas características básicas são bizantinas, mas que apresenta um caráter próprio, na simplicidade da forma e no colorido mais quente. O Império Sérvio foi mais faustoso. Na verdade, no século XIV o Tzar Estêvão Dusan era provàvelmente o monarca mais poderoso da Europa, e Constantinopla parecia induhitàvelmente ao seu alcance. O disciplinado sistema de govêrno búlgaro prestava-se fàcilmente à imperialização. A Sérvia tinha, porém, um sistema nativo que quase podia ser chamado de feudal -- o monarca não era, de forma alguma, senhor absoluto de seus vassalos, A Sérvia não chegou, por isso, a ser inteiramente bizantina, mas sofreu constantemente sua influência. V árias princesas bizantinas casaram-se ali, muitas embaixadas partiram de Constantinopla para a côrte sérvia - que princesas e embaixadores descreveram como desconfortável e austera. (68) Quando Estêvão Dusan resolveu promulgar um código, foi nos livros de Direito de Bizâncio que mais se inspirou, mantendo entretanto o feudalismo básico do país. A arte pictórica sérvia era muito bizantina, embora a arquitetura tivesse desenvolvido características nacionais. A proximidade da Dalmácia e uma rainha latina, Helena, filha do imperador latino e mulher de Estêvão Uros I, deram à Sérvia no século XIII uma tintura ítalo-gôtica. No século XIV, sua idade de ouro, os ideais e as rainhas bizantinas dominavam novamente; os arquitetos sérvios, porém, conservaram idéias próprias. Mas como a Rússia, nem a Bulgária nem a Sérvia tiveram tempo de levar seu desenvolvimento à plena maturidade. Os turcos logo os reduziram à escravidão, e sua civilização desmoronou -.:... salvando-se apenas o que a Igrej a, lutando com

(68) V. Lascárís, Princesas Bizantinas na Sérvia Medieval (em sérvio), passim, principalmente o trecho em que é reproduzido o relatório de Grégoras sôbre sua missão; V. relato de Metoquites sôbre sua missão, em B. G. M., vol. r, 154-93.

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humildade contra dificuldades inumeráveis, conseguiu, pela tenacidade, preservar. Não é, portanto, justo julgar a obra missionária bizantina pelo estado atual dos países balcânicos, pois êstes só recentemente emergiram de uma noite de quatro séculos. Ao invés disso, deveríamos cornpará-los, tal como eram antes da conquista turca, com o Ocidente do século XIV - comparar a Catedral de Salisbury com a grande igreja sérvia de Gratchenitsa. A primeira pode alçar-se em direção ao céu, graciosamente; a segunda, com a simplicidade de seu desenho, a economia de seu equilíbrio, a rica mas discreta decoração de seu interior, é obra de um povo não menos espiritual, mas muito mais requintado e culto. Em outros países .da Europa a influência bizantina não chegou nunca a dar frutos maduros. Na Hungria como na Croácia, seus primeiros êxitos deram lugar à influência de Ocidente e de Roma. Na Valáquia e na Moldávia só surgiram Estados permanentes durante o declínio de Bizâncio. A influência bizantina se fêz sentir nêles indiretamente, através de búlgaros e sérvios, e possivelmente com mais intensidade, através dos russos, sôbre os lituanos, e dêstes de volta ao Danúbio - mas o problema da influência lituana e de suas origens é ainda assunto controverso. Foi somente sob os turcos que os governadores Fanariotas deram a seus principados uma forma superficial e deturpada de bizantinismo. Os bizantinos realizaram outras missões, que falharam. Os cazares se obstinaram em considerar o judaísmo como religião melhor do que o cristianismo, e nem todo o esfôrço de Santo Cirilo, que aprendeu cazar e hebraico para realizar sua tarefa, conseguiu convencê-los. Os alanos das encosta i norte do Cáucaso converteram-se, por algum tempo, em princípios do século X. Mas sentiram logo que a fé cristã era insípida para seu gôsto, e exilaram todos os padres. As relações de Bizâncio com as nações ao sul do Cáucaso "armênios, geórgios e albanos eram algo estranhas. Na verdade, a influência armeniana sôbre Bizâncio foi provávelmente maior do que a influência bizantina na Armênia. (69) (69) Para detalhes sôbre a Arménia, v. Chamich, History oi Armenia; Adonts, História da Armênia (em russo); Laurent, L'Armênie entre Byzance et l'Islam; Strzygowsky, Baukunst der Armenier und Europa; Macler, em Cambridge Medieval History,

voI. 4, 153-93.

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O cristianismo fôra levado aos armemos no século lU por São Gregório, o Iluminador, partindo do oriente grego. Antes da vitória da Igrej a, ou da fundação de Constantinopla, o cristianismo era a religião oficial da Armênia, embora tivesse sofrido alguns retrocessos. Os arrnênios tinham grande orgulho de seu velho cristianismo e, ao não serem consultados no Quarto Concílio Ecumênico da Calcedônia, rejeitaram seus decretos. A partir de então, passaram a ser cismáticos, e para os espíritos ortodoxos, ligados aos monofisitas. Houve, assim, uma desconfiança mútua entre o império e a Armênia, fortalecida pela ligação armênia com a civilização persa - a primeira grande dinastia armênia, os Arsácidas, era um ramo da família real parta e, durante as guerras imperiais contra os Sassânidas, a Armênia foi o campo de batalha habitual, continuamente devastada por' ambos os lados. Devido às ligações com a Pérsia, a arte e a arquitetura armênias adquiriram traços dos Sassânidas, que ali desenvolvidos foram levados, de tempos em tempos, para o Ocidente, para dar nova vida à arte do império. Após a queda dos Sassânidas, os árabes dominaram a Armênia durante dois séculos. Nada lucraram êles com a civilização árabe, e pouco com a de Constantinopla. Muitos armênios partiam para buscar fortuna no império, e eram poucos os que regressavam. Foi no século IX que a ligação entre a capital e a Armênia voltou a estreitar-se. Uma grande dinastia nativa surgiu' nas encostas do monte Ararate, os Bagrátidas, que pretendiam descender de Davi e Betsabé e consideravam a Virgem Maria como sua prima. Estabeleceram uma certa hegemonia sôbre os principados menores que enchiam os vales armênios ; seu título de rei dos reis foi reconhecido tanto em Bagdá como em Constantinopla e gradualmente, após um retrocesso em princípios do século X, libertaram-se do domínio árabe. Receberam, para isso, grande ajuda do crescente poder do império, sob a dinastia macedônia, que se considerava ancestral dos Bagrátidas. O século X foi a idade de ouro da Armênia. Nessa época, os seus melhores edifícios, em Aktamar e em Ani, foram construídos; os seus melhores historiadores, João, o Católico, e Tomás Ardzruni, escreveram. É difícil, porém, dizer até que ponto essa civilização foi influenciada por Bizâncio. Os armênios ainda se dirigiam ao império em grandes números, mas os que permaneciam em sua nação eram fortemente nacionalistas, nutrindo pelos gregos cismáticos e por suas obras um ver-

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dadeiro ódio. Sua literatura, após o século IV, nada devia aos gregos. Um armênio, São Mesróbio, inventara um alfabeto próprio sôhre bases gregas, é certo e seus historiadores antigos, como Fausto de Bizâncio e Ananias de Xiraque, tinham um estilo nativo e ingênuo. A Igreja armênia tinha organização própria, com seu primado, o Católico - prelado que habitualmente tinha o sobrinho como sucessor. Até mesmo os escritores da idade dourada desconheciam, evidentemente, o grego. Não obstante, Constantinopla exercia uma atração irresistivel. Era em Constantinopla que os armênios esperavam enriquecer; para Constantinopla iam suas princesas, cujo prestígio aumentava ao serem recebidas pela côrte imperial. Os príncipes das províncias mais próximas do império, como Taron, mantinham mesmo um palácio em Constantinopla e muitos dêles se casaram com bizantinas. Entre êsses príncipes e aventureiros, as idiossincrasias da Igreja Armênia desapareciam ràpidamente. Mas nos vales do Ararate, êles continuavam sendo obstinadamente nacionalistas. Bizâncio tentou todos os recursos para estabelecer sua influência, e o Imperador Romano III chegou a casar sua sobrinha Zoé com o rei Bagrátida João Sembato Os armênios, porém, continuaram sem merecer muita fé, e o govêrno imperial acabou decidindo que a nação devia ser anexada, como precaução contra o provável ataque dos seljuques. Os príncipes de Taron já faziam parte da família hizantina dos Taronitas; o principado de Ardzruni, de Vaspurakan, às margens do lago Van, fôra tomado em 1023. Em 1044 o Rei Bagrátida Gagic 11 foi deposto e seu país tornou-se um dos "temas" imperiais. Gagic recebeu uma casa em Constantinopla e grandes propriedades na Ásia Menor, onde provocou escândalo ao convidar o bispo Marco de Cesaréia a jantar, e assassinando-o juntamente com seu cachorro, porque o bispo, tendo pelos armênios o mesmo sentimento que os inglêses do século XVIII tinham pelos escoceses, chamou o cão de "armênio", O govêrno bizantino foi conciliador. Os armênios continuaram com sua Igreja e sua língua. Basílio 11 já havia orientado a política nesse sentido. Quando' estava na Trebizonda, em 1022, convidou Católico para presidir a Bênção das Águas na Epifania. Após a anexação, quando Const~ntino IX cha,~?u Católico a Constantinopla, nomeou seu sobrinho como o smceIo" da Igreja Armênia, dando-lhe assim um reconhecimento oficial.

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Mas a anexação foi inútil. Em três décadas, a Armênia e grande parte da Ásia Menor. tinham passado às mãos dos turcos. Como os povos balcânicos alguns séculos mais tarde, o povo do Ararate foi esmagado pela servidão - só sua Igreja manteve vivo o ânimo, governando-o da Igreja metropolitana de Etchmiadzan, onde ainda existem os ossos de seus mártires, um pedaço da Cruz e uma tábua da arca de Noé. Não obstante, a vitalidade dos armênios era inquebrantável. Vencendo o caos, construíram na Cilícia um nôvo reino, vassalo do Império Bizantino no século XII, mas Estado independente de considerável poder e riqueza no século XIII. É difícil fazer uma estimativa da influência mútua entre o império e essa Armênia, mas provàvelmente foi menor do que a influência mútua entre a Armênia e os cruzados do Ocidente. Na verdade, em seus últimos dias, o reino foi um apanágio dos governantes franceses de Chipre. Tanto na pintura bizantina como italiana, a influência cilícia-armênia foi provàvelmente considerável. Com os povos além da Armênia - albaneses, circassianos e as tribos do Cáucaso, das quais o geógrafo árabe Mas'udi, do século X, disse que só Deus sabia o número, (70) Bizâncio teve poucas relações, embora seus nomes estivessem anotados nos registros diplomáticos imperiais. Apenas os geórgios tiveram um papel destacado no mundo bizantino. (71) Com seus vários descendentes - abasgianos, mingrelianos, iberos - os geórgios se haviam convertido ao cristianismo pouco depois dos armênios, e o mesmo São Mesróbio, com sua capacidade inventiva, dera-lhes um alfabeto. Mas ao contrário dos armênios, continuaram em perfeita comunhão com a Igreja Ortodoxa. A história geórgia antiga é obscura. No princípio do século VIII Leão, o Isáurio, ainda jovem, chegiou uma missão diplomática aos montes geórgios, e ali teve grandes aventuras. Provàvelmente, sua missão era principalmente a de recrutar homens, pois a função básica do Cáucaso era, para os bizantinos, fornecer mercenários. A Geórgia só surgiu como país civilizado em fins do século IX, quando uma dinastia abasgiana governou o país de suas fortalezas no litoral do Mar Negro, (70)

Maçoudi,

Prairies

d'Or,

II, 2-3; êle calcula em 72 tri-

bos. (71) V. Brosset, the Georgian People. 15

Histoire

de la

Géorçie;

Allen,

History

o]

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conquistando seu poderio a princípio em conseqüência da política bizantina, mas em fins do século X interferindo - nem sempre para ajudar - nas guerras civis imperiais, Em princípios do século XI os abasgianos fundiram-se com um ramo da dinastia Bagrátida, que atingira seu zênite com a rainha Tamar (1184-1212) e durou até o século XIX. Os geórgios foram sempre receptivos às influências bizantinas, particularmente após a fundação do império de Trebizonda, podendo encontrar-se idéias bizantinas em sua arquitetura e nas iluminuras de seus livros, apesar dos fortes traços sassânidas-arrnênios que perduram em seu estilo. As igrejas, altas, mais largas do que compridas, com pequenas janelas e cúpulas sob tetos cônicos de acentuada inclinação, eram características do país, embora tivessem influenciado um pouco a arquitetura da Rússia antiga. O prestígio espiritual de Bizâncio era, porém, tão grande, que o biógrafo do mártir Constantino da Ibéria, que era um armênio herege, desejando aumentar a glória de seu herói, forjou uma carta de condolências da imperatriz regente Teodora aos parentes dêle, após sua morte, copiando a carta na realidade escrita pela imperatriz a sua irmã Sofia, por ocasião da morte do marido desta, Constantino Babutzico, martirizado em Amório em 838. O papel de Bizâncio na evolução da civilização islâmica foi enorme. Os árabes que vinham do deserto eram um povo simples, muitos dêles analfabetos, respirando ascetismo. Quase todos os requintes que adquiriram posteriormente foram aprendidos com os povos que lhes eram vassalos, alguns com os persas e muitos outros com a civilização helênica, semita e cristã da Síria e do Egito. Essa civilização, já bizantina, era continuamente revítalizada por influência de Constantinopla, mesmo depois da Conquista. Não só os cristãos que viviam na Siria, corno o autor dos Troféus de Damasco de fins de século VII, consideravam-se súditos do imperador, como os caliías orniadas de Damasco se viram obrigados a empregar arquitetos, artistas e até estadistas gregos, cristãos tão conhecidos como o próprio João Damasceno. Os antigos edifícios muçulmanos, a mesquita dos Omíadas em Damasco ou o palácio campestre de Q'alat eram de linhas bizantinas e, na medida que a religião o permitia, bizantina era também a sua decoração. Mas não só isso: os registros senatoriais do califado eram mantidos em grego até princípios do século VIII. 226

A transferência da capital muçulmana para Bagdá aumentou a influência persa, fazendo decrescer a influência bizantina, embora até mesmo Bagdá tivesse sido parcialmente construída por arquitetos e pedreiros gregos. O movimento iconoclasta mostrou os efeitos do Islã sôbre Bizâncio, e no século IX o Imperador Teófilo foi sem dúvida estimulado pelas histórias da magnificência da côrte dos Abácidas. Mas seu reinado foi também a época de um renascimento intelectual em Constantinopla, pressurosamente copiado em Bagdá. Os grandes geômetras bizantinos, como João, o Gramático, não atenderam aos apelos para que instruíssem os sábios muçulmanos. A partir de então, as escolas de Constantinopla eram a Estrêla Polar da intelligentsia do Islã. Dois séculos mais tarde, Psellos relacionava entre seus alunos vários árabes e mesmo um babilônio. Nas fronteiras, o intercâmbio de idéias era permanente. O casamento entre noivos de nações diferentes não era raro, como evidencia a história de Digenes Acritas; dizia-se ainda que João Tzimices tivera uma ligação com uma senhora muçulmana de Âmida. Nesses casos, provàvelmente a civilização cristã, e não a árabe, predominava. A proteção não-oficial do império sôbre os súditos cristãos do califa não sofreu interrupção. Harum al-Raxide podia mandar as chaves do Santo Sepulcro para Carlos Magno, mas êsse gesto visava mais aborrecer o Imperador Nicéforo do que demonstrar admiração pelos francos, e suas conseqüências foram logo esquecidas. Na verdade, tornou-se um hábito de Bagdá fazer pressão contra Constantinopla perseguindo os cristãos. Êstes, sempre que o podiam, visitavam a côrte imperial. O patriarca Teófilo de Alexandria passou várias semanas com Basílio 11 em 1016 e atuou como mediador entre êle e o Patriarca Sérgio. Os patriarcas orientais seguiram Cerulário, tal como seus predecessores tinham seguido Fócio no cisma com Roma. Em 1042 Constantino IX reconstruiu a Igreja do Santo Sepulcro, destruída pelo califa louco Hakim. As Cruzadas dificultavam essa proteção. A Síria tornou-se um país de govêrno cristão, de hereges latinos na verdade, mas sem dúvida cristãos. Os imperadores Comnenos procuraram continuar exercendo tal proteção da melhor forma possível; Manuel I doou os mosaicos para o côro da Igrej a da Natividade em Belém, e ornamentos para o Santo Sepulcro, tendo mandado artistas para pintar a pequena igreja gótica de Abu Gosch. Mas os cristãos latinos

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haviam deitado raízes profundas na terra, e após 1204 a Igreja de Constantinopla, juntamente com o império, já não tinha recursos para continuar patrocinando os cristãos governados pelo sultão. Daí por diante, a influência bizantina sôbre as antigas terras do califado foi indireta e rara. Entre os turcos, porém, encontrou um nôvo campo. Os seljuques eram bárbaros e destruidores. (72) Haviam adotado o islamismo e adquirido um frágil verniz de cultura persa, mas não passaram disso. Como os antigos árabes, tinham de aceital' a ajuda dos gregos em todos os processos mais complicados de sua vida. Ao contrário dos árabes, nunca desenvolveram uma intensa cultura própria. Sua arte produziu apenas algumas mesquitas em Konia, imitação dos gregos com traços persas. Não perseguiram os cristãos, que preferiam, com freqüência, o govêrno dêles ao do imperador, devido aos impostos menores. Em fins do século XIII, os doutrinadores cristãos obtinham êxito entre êles, até mesmo em famílias de príncipes. f, possível que se não tivessem sido revitalizados pelos otomanos, talvez se tornassem súditos cristãos de um Império Bizantino pobre, mas renascente. O Império dos Sultões Otomanos tem sido chamado de Bizantino, o que é errôneo, pois embora fôssem ambos impérios governados pelo exército, os otomanos nada tinham além de uma magnífica organização militar. Sua burocracia era uma farsa. De Bizâncio pouco tomaram, a não ser a capital. Mesmo sua autocracia teocrática vinha não de Constantino, o Décimo-Terceiro Apóstolo, mas dos califas do Islã. A influência exercida pelos bizantinos sôbre a cultura italiana do século XV é reconhecida. O papel de homens como Crisoloras e Gemisto Pléton no estímulo do estudo do grego e do platonismo no Ocidente colocou tôda a Renascença em débito com os bizantinos. Mas a influência não começou então. Fêz-se sentir na Europa Ocidental, com intervalos, durante tôda a história do império. Vários foram os canais por ela utilizados. As conquistas de Iustiniano, embora de curta duração, não desapareceram inteiramente. Não só o exarcado de Ravena proporcionava um distrito na Itália onde a civilização e a arte bizantinas, e

o Direito Romano, podiam ser estudados, bem como o conta cto restabelecido com Constantinopla estimulava o interêsse pelos assuntos gregos. Muitos dos monges irlandeses do século VII falavam o grego, e o bispo de Ruão julgava que o grego era estudado com excesso em sua diocese; o Rei Ina de W cssex convidou para seu reino dois sábios gregos de Atenas. (73) A luta iconoclasta rompeu essa ligação. A princípio, a onda de refugiados, artistas religiosos, do império para Roma, frutificou em mosaicos e afrescos em muitas igrejas romanas, (74) mas, à parte os refugiados e suas obras, as coisas bizantinas eram recebidas com desaprovação no Ocidente, onde na verdade a civilização se reduzira. A renascença carolíngia provocou a renovação do interêsse pelo Oriente Próximo. O eunuco Eliseu, que foi a Aachen preparar a princesa Rotruda para ser noiva de Constantino V, ensinando-lhe o grego, encontrou ali vários alunos interessados, e Ravena proporcionou a maioria dos modelos da arte carolíngia. O exarcado foi então extinto, mas houve um nôvo canal: Veneza já iniciara seu papel de intermediária entre o Ocidente e o Oriente. Sua língua era o latim popular e manteve contacto estreito com os imperadores ocidentais, embora com Constantinopla o contacto fôsse ainda mais estreito. Sua arte era bizantina -- São Marcos era a réplica dos Santos Apóstolos. Mantinha uma missão comercial quase permanente no Bósforo e, até o século XI, seus doges mandavam os filhos mais velhos terminar os estudos sob a égide do imperador. Havia ligações também mais para o sul. Até mesmo em vida de Teodoro de Estúdio seus hinos eram citados na Sardenha e a reconquista do sul da Itália por Basílio I ampliou as vias de ligação. As cidades comerciais do sul - Nápoles, Amalfi e Gaeta aproveitaram-se das oportunidades comerciais que surgiam. Também elas enviaram missões a Constantinopla, que voltaram trazendo idéias bizantinas. Seus principais magistrados enviavam os filhos para concluir sua educação na côrte imperial, e os príncipes lombardos do sul seguiram o exemplo. Em Roma, os nomes greco-cristãos tornaram-se moda e, mais ao norte, o Rei Hugo da Itália cortejava o imperador com embaixadas freqüentes. As emoções do embaixador (73) Bury, Later Roman Empire [rom. Arcadius to [rene, 392-3; James, Learning and Literature, em Cambridge Medieoai Historu, vol. 3, 502 e ss. (74) Por exemplo, na Igreja de Santa Maria em Cosmedina.

n, (72)

228

V. o artigo

"Seljuques"

da Enciclopédia

Bl·itânica.

229

Liudpranel ao visitar ConstantinopJa, seu orgulho por conhecer o grego, sua admiração por tudo o que era bizantino, ilustram bem a época - época em que Desidério, abade ele Monte Cassino, mandava fazer sua placa dourada de abade em Constantinopla. Mas a moda não se generalizou, fora da Itália, e mais tarde no mesmo século, foi modificada pela conquista saxônica. Italianos oportunistas acharam prudente dirigir sua admiração para o imperador que lhes estava às portas. Quando Liudprand visitou Constantinopla novamente, como enviado de Oto I, num momento escolhido com pouco tato, teve uma recepção fria, e regressou declarando que tudo em sua terra natal era muito melhor, embora tivesse feito o possível para contrabandear peças de brocados. Poucos anos depois a moda voltou, quando Oto II casou-se com a princesa Teófano. No séquito dessa dama de espírito determinado, afluíram gregos do oriente e do sul da Itália, que se dirigiram para o norte e acompanharam a côrte à Alemanha, onde ela escandalizava os habitantes tomando banhos e usando sêda - hábitos horríveis que a mandariam para o inferno (onde uma freira a vira, em sonhos) tal como sua prima Maria Argira provocara um choque no bom São Pedro Damiano, introduzindo garfos em Veneza. O filho de Teófano, Oto lU, tinha extremo orgulho de seu sangue grego. Gostava de falar o grego e cercou-se do que julgava ser o verdadeiro cerimonial imperial. Sob seu patrocínio, muitos gregos foram para a Alemanha. Monges gregos estabeleceram-se em Reichenau, em Constança, muito antes de fins do século X. Na mesma época um certo Gregório - que segundo se dizia era aparentado com a Imperatriz Teófano fundava a casa religiosa de Burtscheid próximo de Aachen, e monges gregos construíam a capela de São Bartolomeu na Catedral de Paderborn. Pouco mais tarde, monges gregos, provàvelmente ganhando pão como artesãos, eram tão numerosos que o bispo Godehard de Hildesheim anunciava que êles só poderiam passar duas noites nos albergues que lhes eram destinados o bispo não aprovava os monges errantes. A marca dêsses artistas bizantinos pode ser vista nos ricos ornamentos da arquitetura germano-romanesca. Na França, a influência foi mais indireta. As grandes catedrais bizantinas de Aquitânia devem sua natureza mais provàvelmente aos modelos venezianos do que aos modelos bizantinos, de primeira mão. Santo Frontão, em Perigueux, tem

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uma forte semelhança com São Marcos. Hugo Cal to, da Frunça, ficou tão impressionado com o casamento de Oto 11 lJlI desej ou uma noiva bizantina para seu filho Roberto. O descj o não foi atendido. O intercâmbio entre as duas côrte COJltinuou a ser extremamente raro. Com a Inglaterra, os pontos de contacto foram poucos. As pedras esculpidas da Nortúmbria, datadas do século VII, são extraordinàriamente bizantinas, no sentido e na execução, e o ritual da coroação inglêsa tem semelhanças curiosas com o hizantíno. Provàvelmente ambos os fatos se explicam pela ininterrupta ligação q:ue a Inglaterra anglo-saxônica manteve com Roma, e esta com o Oriente. As Cruzadas colocaram o Ocidente e Bizâncio num contacto mais forte do que nunca. Mas a civilização sarracena constituía para o Ocidente uma novidade maior, e sua influência se fêz sentir com mais fôrça na Síria. As últimas princesas bizantinas que se casaram na Alemanha, damas da família Comneno, ou a adorável e trágica Irene Ângela, rainha dos romanos, não eram missionárias como Teófano ou as primeiras dogaresas. O ocidental de então via o bizantino com desprêzo, como um cismático rusé. Preferia receber as obras da Grécia clássica, de Aristóteles ou de Galeno, antes através dos sarracenos do que diretamente dos gregos medievais. Mesmo depois da conquista de 1204, os senhores latinos pouco aprenderam com seus súditos mais civilizados. Tinham vindo para saquear e destruir, e não para serem educados. Sàmente Frederico lI, a quem era estranha a complacência que habitualmente dominava a Europa Ocidental, aprendeu, graças à sua amizade com a côrte de Nicéia, algumas das idéias e métodos da velha forma de govêrno imperial. Foi sàmente no século XIV que os eruditos ocidentais começaram a compreender que tesouros de conhecimentos estavam armazenados em Constantinopla. Petrarca tentou, em vão, aprender o grego - seu mestre foi o calabrês Barlaão que mais tarde provocou a questão hesicasta. (75) Mas no século XV os sábios que acompanharam os imperadores Paleólogos em suas viagens de esmoleres ao Ocidente prestaram-se à tarefa de ensinar. As multidões que ouviam até mesmo um erudito medíocre como Crisoloras evidenciam o nôvo estado de coisas.

(75)

V_ Gibbon, Decline tnui r-ai, ed_ Bury, vo1. 7, 317-20.

231

Poucos anos mais tarde, a queda da cidade levou para a Itália novos sábios refugiados. O próprio Bessarion da Trabizonda, então cardeal, era patrono dêles, e com sua ajuda homens como Lascáris, pioneiro da impressão, Argirópulo e Calcocôndilas instalaram-se nas universidades ocidentais. Por fim a obra de conservação bizantina, quase destruída em 1204, começava a ser apreciada pelo Ocidente. Para o Oriente Cristão, Constantinopla continuou sendo a capital, até o fim. Mesmo os súditos do imperador da Trebizonda para lá se dirigiam sempre que podiam, os russos realizavam peregrinações até ela, e os cipriotas para lá enviavam os filhos, a fim de receberem educação. Na verdade, até mesmo os cipriotas mais ricos se sentiam como no exílio, pouca importância dando a seus reis Lusignanos. Lepentreno escreveu de Chipre uma longa carta a seu amigo Nicéforo Grégoras sôbre o triste estado do mundo grego no século XIV. O receio da censura fêz com que respondesse de modo evasivo à pergunta de Grégoras sôbre como podia tolerar a insolência dos latinos; entretanto, sua verdadeira opinião se mostra tristemente através de cada linha. Até mesmo o humilde cronista Maqueras, amigo dos Lusignanos, comoveu-se com a queda de Constantinopla e manifestou simpatia pela Rainha Helena Paleologena, sobrinha do imperador, pelo que sofreu na tragédia final.

cedida pela capacidade de estadista pelos esforços de Cenádio , ..

do sultão

conquistador,

e

Mas a águia de duas cabeças ]H não paira sôbre a Rússia, e o Fanar está perdido em incerteza e.mêdo.. Os últimos remanescentes estão agonizando ou mortos. Foi tudo como profetizaram os videntes de Bizâncio, os profetas que falavam incessantemente da sorte que se aproximava, dos dias finais da cidade. O bizantino exausto sabia que o destino sombrio tantas vêzes anunciado acabaria, algum dia, por envolvê-Io, E que importava? Era desnecessário queixar-se. O mundo era uma paródia louca, cheia de sofrimentos e de dolorosas lembranças e pressentimentos. A paz e a verdadeira felicidade estavam além dêle. O que era o imperador, o par dos apóstolos, o que era a própria Constantinopla, a grande cidade amada de Deus e de Sua Mãe, comparados ao Cristo Pantocrator e às gloriosas côrtes celestes?

Pois a tragédia foi, realmente, final. A 29 de maio de 1453 uma civilização foi irrevogàvelmente destruída. Deixara um legado glorioso na cultura e na arte, tirara do barbarismo países inteiros e dera refinamento a outros; sua Iôrça e inteligência constituíram, por séculos, a proteção do cristianismo. Durante onze séculos, Constantinopla fôra o centro do mundo de luzes. Seu brilho, seu interêsse pela estética dos gregos, a orgulhosa estabilidade e a competência administrativa dos romanos, a intensidade transcendental dos cristãos do Oriente, .amalgamados---fHffil.-a---massa--Scns'. foram apagados. Constantinopla deveria tornar-se o centro da fôrça bruta, da ignorância, do mau gôsto esplendoroso. Apenas nos palácios russos, para os quais fugiu a águia de duas cabeças da Casa dos Paleólogos, perduram vestígios de Bizâncio por mais alguns séculos/somente ali, e em sombrias salas do Chifre, de Ouro, ocultas entre as casas do Fanar, onde o patriarca mantinha sua côrte sombria, desfrutando a permissão de governar o povo cristão sujeito e dar-lhe alguma sensação de segurança, que lhe era con-

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