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Portuguese Pages 75 Year 1991
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EDITORA
o final do ano de 1989, o muro de Berlim ruiu, levan tando uma espessa poeira que turvou a vista de muitos. Os conservadores encenaram uma festa , tentando esconder, atr ás daquela poeira, sua responsabilidade na construção do muro, nas numerosas e cruéis ditaduras capitalistas e, sobretudo, tentando desviar nossa atenção da imensa miséria do terceiro (e quarto) mundo. É esta, na verdade, a conta mais pesada do século XX que não pode ser debitada aos regimes que se proclamavam socialistas. Aos poucos, por ém, a festa dos conservadores se apaga e a poeira levantada pelo muro se abaixa. No meio dela, algumas linhas já se aclaram, confirmando posições políticas e afirmações teóricas que muitos homens e mulheres marxistas, há tempos, defendiam. Ou seja, que o socialismo não é um ho rizonte mecanicamente dado e definido, nem o marxismo pode ser uma escolástica ou o Partido uma Igreja . Fica claro, agora, para todos que Marx não tem dono, nem ninguém pode cercar seus escritos com arames farpados, arvorando- se o direito de intérprete autorizado. O muro de Berlim, ao ruir, levou consigo esses arames farpados, liberando Marx de toda sentinela autoritária. Com isso, todos os interessados e estudiosos, munidos do simples método histórico - filológico, podem abrir suas páginas sem que alguma sentinela lhes grite: "quem vem lá?". O presente estudo de Mario A. Manacorda , eximiamente traduzido por Newton Ramos-de-Oliveira , ganha ho je especial destaque justamente porque é o resultado do trabalho de um insigne filólogo que se esforça em datar os textos marxianos, se possível até com os meses e os dias, reconstruindo as cir cunstâncias político-ideológicas que influenciavam Marx na elaboração de
seus textos. Manacorda, neste livro, traduz as nuanças semânticas dos termos e expressões mais importantes da linguagem marxiana. Sua análise vai desvelando os sentidos exatos do ensino politécnico e do ensino tecnológico, proposto por Marx , elaborando a construção gradativa e firme do conceito de onilateralidade do ser humano. Assim , atrav és da ciê ncia filológica , o livro ex plica o que Marx escreveu sobre Edu cação e Escola; revela também as incer tezas e as certezas que tinha. Por causa de seu método, esse trabalho de Manacorda é profundamente moderno e sua permanência está garantida. Obviamente, Manacorda não é apenas um bom filó logo, é também um homem politicamente engajado. Por isso, nos capítulos finais do livro, debate-se a problemá tica educacional p ó smarxiana. Para isso, por ém , utiliza não apenas a luz dos princípios, mas também suas sombras, suas dúvidas e seus silêncios, transformando-os em amplos espaços para uma pessoal criatividade intelectual e tomada de posição. Finalmente, no Ap êndice, abre espaço para outros autores, marxistas e nãomarxistas, de Gramsci a Galvano Delia Volpe, dos pensadores católicos aos “ independentes”. Marx e a Pedagogia Moderna é, na verdade, uma lúcida exposição do debate a múltiplas vozes sobre Escola e Educação que se abriu na sociedade industrializada a partir da decisiva intervenção de K . Marx.
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presente estudo de Mario A Manaooi da (...) ganha hoje especial destaque
justamente porque é o resultado do trabalho de um insigne filólogo que se esforça em datar os textos marxianos, se possível at é com os meses e os dias, reconstruindo as circunstâncias político- ideológicas que influenciavam Marx na elaboração de seus textos. Manacorda, neste livro, traduz as nuanças semânticas dos termos e expressões mais importantes da linguagem marxiana. Sua análise vai desvelando os sentidos exatos do ensino polit écnico e do ensino tecnológico, proposto por Marx, elaborando a construção gradativa e firme do conceito de onilateralidade do ser humano. Assim , através da ciência filológica, o livro explica o que Marx escreveu sobre Educação e Escola; revela também as incertezas e as certezas que tinha. Por causa de seu método, esse trabalho de Manacorda é profundamente moderno e sua permanência está garantida. Paolo Nosella
Paolo Nosella IS 3N
5 — 249 — 0387 — 2
© ÉêKSSS a
788524 903878
EDITORA AUTORES ASSOCIADOS
BIBLIOTECA DA EDUCAÇÃO Série i ESCOLA
Mario Alighiero Manacorda
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Volume 5
t Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câ mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
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Manacorda, Mario Alighiero Marx e a pedagogia moderna / Mario Alighiero Manacorda; tradução de Newton Ramos de Oliveira ; revisão técnica de Paolo Nosclla ; prefácio de Dermeval Saviani São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1991. (Biblioteca da educação Série 1 Escola ; v 5)
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ISBN 85 249 0387 2
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1 Educação e Estado 2 Socialismo e educação 3. Sociolo gia educacional I. Título II Série
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CDD 370.12 370.19 379
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91 1871
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I
MARX E A PEDAGOGIA MODERNA
índices para catá logo sistemá tico:
Tradu çã o de
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Newton Ramos-de-Oliveira
1 Educação e Estado 379 2 Estado e educação 379 3 Pedagogia socialista : Educação 370.12 4 Sociologia educacional 370.19
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Revisão Técnica de
Paolo Nosella Prefá cio de
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Dermeval Saviani Jt /2iGORT
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EDITORA
AUTORES ASSOCIADOS
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Do igunl italiano i MARX lí I.A PEDAGOGIA MODERNA Marlo Alijihiero Manacorda
Sumário
Comelho Ediloriai Anionio Joaquim Sevcrino, Casem iro dos Reis Filho, Dcrmcval Saviani, Gilberu S. de Martino Jannuzzi, Milton de Miranda, Moacir Gadotti e Walter Estcvcs Garcia.
Ca/m: Carlos Cl é men Preparação dt originais: Vicente Chel Composição: Art Graph Inform á tica Edição dt texto: Danilo A. Q. Morales Revisão: M á rcia L. Bitcncourt, Rita de Cássia M. Lopes, Simone Brito de Ara ú jo Supervisão editoriais Antonio de Paulo Silva
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Prefácio à edição brasileira Prefácio
VII 1
Primeira Parte A “pedagogia" marciana
I. Instru çã o e trabalho 1. 1847 48: Os Princípios do Comunismo e o Manifesto 2. 1866-67: As Instruções aos Delegados e 0 Capital 3. 1875: A Crítica ao Programa de Gotha 4. Lê nin “discí pulo” de Marx II. O que é o trabalho? 1. Trabalho: uma expressão negativa 2. A atividade vital ou manifestaçã o dc si mesmo 3. Continuidade da mesma tem á tica 4. Objeções provocadas por essa antinomia 5. O reino da liberdade III. O homem onilateral 1. Unilateralidade do proletá rio e do capitalista 2. Uma moral dividida 3. Aspectos positivos do homem unilateral 4. O conceito de homem onilateral IV. Escola e sociedade: o conteú do do ensino 1. Ensino tecnológico c trabalho infantil 2. Rela ção da escola com a sociedade, o Estado c a Igreja
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Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do
autor c dos editores .
r6- marxismo de Labriola ao marxismo de Gramsci 2. EnsTno e trabalho em Gramsci 3. Desenvolvimento harmonioso e integral do indivíduo 4. Contra o inatismo e o individualismo 5. Uma escola de noções rigorosas 6. Utilidade de uma leitura “gramsciana ” de Marx Apêndice ,
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DISCUTINDO COM LEITORES E CRÍTICOS DE MARX 1. Galvano delia Volpe: trabalho c liberdade 2. Lamberto Borghi: a liberdade pode surgir da necessidade? 3. Roberto Mazzetti: a rela ção dc Marx com os utó picos 4. Os católicos e a pedagogia marxista: uma oportunidade perdida a) Marx segundo Bongioanni b) Marx segundo Catalfamo 5 Uma discussão a muitas vozes a) Uma pedagogia n ã o-abstrata ' b) O tempo livre
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índice Onomástico
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173 180 185 186 192 197
Manacorda é um autor já relativamente conhecido nos meios educacionais brasileiros. Este livro, assim como IL Principio Educativo in Gramsci já circulava por aqui, ainda que intermitentemente, em edições em l í ngua espanhola. Em 1986, a Revista ANDE publicou uma entrevista com esse autor, o mesmo ocor rendo em 1989 desta vez através da Revista Educação em Questão , Ali ás, esta ú ltima entrevista foi obtida quando de sua visita a nosso pa í s a convite do Programa de Pós-Gradua çã o em Educa çã o da Universidade Federal de São Carlos, ocasi ã o em que proferiu confer ências em universidades de vá rias capitais brasileiras. E mais recentcmcnte foram publicados no Brasil História da Educação,
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VII
Segunda Parte: A pedagogia marciana frente ás demais pedagogias I Tentativa dc contextualiza çâo histórica 1. Escola c n ão-escola na histó ria 2. Uni ão dc ensino c trabalho na hist ória 3. Marx e as pedagogias p ós- marxianas 4. O marxismo e os problemas atuais do ensino II. A pedagogia marxista na Itá lia: Antonio Gramsci . A . Doj> rô- marxismo de Labriola ao marxismo de Gramsci 2. EnsTno e trabalho em Gramsci 3. Desenvolvimento harmonioso e integral do indiví duo 4. Contra o inatismo e o individualismo 5. Uma escola de noções rigorosas 6. Utilidade de uma leitura “gramsciana ” de Marx
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Apêndice
DISCUTINDO COM LEITORES E CRÍTICOS DE MARX 1. Galvano delia Volpc: trabalho c liberdade 2. Lamberto Borghi: a liberdade pode surgir da necessidade? 3. Roberto Mazzetti: a rela ção dc Marx com os utópicos 4. Os católicos e a pedagogia marxista: uma oportunidade perdida a) Marx segundo Bongioanni b) Marx segundo Catalfamo 5 Uma discussão a muitas vozes a) Uma pedagogia n ão-abstrata ' b) O tempo livre
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Manacorda é um autor já relativamente conhecido nos meios educacionais brasileiros. Este livro, assim como IL Principio Educativo in Gramsci já circulava por aqui, ainda que intermiten temente, em edições em l í ngua espanhola. Em 1986, a Revista ANDE publicou uma entrevista com esse autor, o mesmo ocor rendo em 1989 desta vez através da Revista Educação em Qpestão . Ali ás, esta ú ltima entrevista foi obtida quando de sua visita a nosso pa ís a convite do Programa de Pós Gradua ção em Educa ção da Universidade Federal de Sã o Carlos, ocasi ã o em que proferiu confer ê ncias em universidades de vá rias capitais brasileiras. E mais recentemente foram publicados no Brasil História da Educação,
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pretensa ‘supera çã o’ do marxismo n ão ser á, no pior dos casos, mais que uma volta ao pr é-marxismo e, no melhor, a redescoberta de um pensamento já contido na ideia que se acredita superar” (SARTRE, 1963, p. 18). Esta id éia de Sartre se ancora na consideração dc que uma filosofia é viva enquanto expressa a problem á tica pr ó pria da é poca que a suscitou e é insuper ável enquanto o momento histó rico de que é expressã o n ão tiver sido sup é rado. Ora , os problemas postos pelo marxismo sã o os problemas fundamentais da sociedade capitalista e enquanto estes problemas n ã$ forem resolvidos/superados n ã o se pode falar que o marxismo terá sido superado . A vitalidade do marxismo se expressa n ã o apenas pela persist ência dos problemas por ele formulados, mas também por sua capacidade de exercer a crí tica tanto externamente, isto é, em relaçã o à sociedade burguesa à qual se contrap õe, quanto internamente, quer dizer, em rela çã o à s diferentes apropria ções de Marx e do marxismo efetuadas por aqueles que se definem como marxistas. Assim é que desde Marx , passando por Engels, Lê nin, Gramsci at é os contemporâ neos, construi -se uma tradiçã o de cr í tica e de pol ê mica que atesta a sua presen ça viva na hist ó ria da nossa é poca. É nesse quadro que as experi ências realizadas em seu interior foram alvo da crí tica dos pró prios marxistas. N ã o se trata de reconstituir aqui o copioso debate travado nesse terreno. Pretende-se apenas ilustrar com alguns exemplos esse fen ô meno a fim de responder satisfatoriamente à s perguntas formuladas em torno da supera çã o ou n ã o do pensamento de Marx. Henri Lefebvre, em trabalho escrito em 1956, já formulava uma cr í tica bastante aguda da vis ã o dogm á tica constru í da sobre o pensamento de Marx dc modo especial na Uni ã o Sovi é tica. Afirma ele que em menos de um século as ideias de Marx “ que pareciam t ã o vigorosas, petrificaram , esclerosaram -se, transformaram -se no seu contrá rio: em dogmas... A crí tica radical do Estado e a teoria do enfraquecimento do Estado transformaram -se em ideologia de Estado. A cr í tica radical da burocracia, ligada em Marx à crí tica teó rica e prá tica do Estado, tornou -se ideologia favorita e jus-
tificadora de enormes burocracias estatais (dc que os pi ó prim chefes de Estado reconhecem a enormidade c sublinham * »s abusos). A crí tica das ideologias transformou -sc cm ideologia » a cr í tica do existente em apologia ‘incondicionada ’ de um u- rto existente...” ( LEFEBVRE, s/ d , p. 72). Essa cr í tica de Lefebvre, ao mesmo tempo que detecta utiu interpreta çã o dogm á tica do marxismo, procura pô r em evid ê ncia a fecundidade das contribui çõ es de Marx as quais n ã o autorizam o dogmatismo constatado.
No campo educacional , a introdu çã o ao cap í tulo sobre “ a experiê ncia sovié tica ” ( 1917-1932) do livro “a internacional comunista e a escola de classe” organizado por Daniel Lindenberg e publicado na Fran ça em 1972, ao registrar um balanço cr í tico da educa çã o sovié tica nesse per í odo, põe em evid ê ncia os limites da tentativa de ajustar o ensino à s necessidades dos trabalhadores: “A chave do desequil í brio é, bem entendido, a ausê ncia do proletariado enquanto for ça social tendo uma express ã o pol í tica aut ó noma. Na ausê ncia, pois, de toda linha de massa, depois do desaparecimento de fato dos sovietes operá rios e camponeses pobres, a hegemonia prolet á ria n ã o pode se impor por decreto ” ( LINDENBERG, 1972, pp. 299-300). Portanto, desde aquela época já se evidenciavam as dificuldades de implanta çã o do socialismo na Uniã o Sovié tica .
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N ã o se trata , obviamente, de se criticar as interpreta ções e as experi ê ncias apontando-se os seus desvios, tendo em vista a manuten çã o de uma rela çã o dogm á tica com o autor principal , no caso, Marx. Ou seja , n ã o se trata de tomar as contribui ções dc Marx como verdades acabadas e incontestes, isto ê, como dogmas. Ali á s, o pr ó prio Marx, assim como o seu colaborador Fugcls , u nham consciê ncia dos limites de suas an á lises, como explicita en faticamente Engels em 1895 na Introdu çã o a uma nova edi çã o do texto de Marx “As lutas de classe na Fran ça de 1848 a 1850”. Ali , ap ós tecer considera ções sobre os problemas implicados na tarefa de se analisar a história enquanto ela se realiza diante de nós, expressa, sobre a expcctativa ent ã o manifesta de que a revolu çã o XI
de 1848 na Fran ça viesse a se transformar numa revolu çã o proletá ria, a seguinte aprecia ção: “A hist ória nos desmentiu, bem como a todos que pensavam de maneira an á loga. Ela demonstrou claramente que o estado de desenvolvimento econó mico no continente ainda estava muito longe do amadurecimento necessá rio para a < suspensã o da produ çã o capitalista” (MARX e ENGELS, s/d , vol. 1, p. 99).
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Portanto, o que está em jogo n ã o é manter a todo o custo uma fidelidade ao marxismo ou uma subserviê ncia à s id éias de Marx. 0 que est á em causa é verificar em que medida as transforma ções pol í ticas em curso neste in ício da d écada de noventa do século 20 autorizam a conclusã o de que Marx foi ultrapassado n ã o fazendo mais sentido tom á-lo como refer ência para o estudo dos problemas contemporâ neos.
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Se nos reportarmos ao pró prio pensamento de Marx vamos verificar que seu empenho se dirigiu no sentido de compreender cientificamente as leis de transforma çã o e desenvolvimento do processo hist órico, como assinala a resenha cr í tica de O Capital publicada no “Mensageiro Europeu ” em 1872: “Quando Marx fixa , como seu prop ósito, pesquisar e esclarecer, desse ponto de vista, a ordem econ ó mica capitalista, está ele apenas estabelecendo, com m á ximo rigor cient í fico, o objetivo que deve ter qualquer investiga çã o correta da vida econ ó mica ... O valor cient í fico dessa pesquisa é patente:' ela esclarece as leis especiais que regem o nascimento, a exist ê ncia, o desenvolvimento, a morte de determinado organismo social , e sua substitui çã o por outro de mais alto n í vel . É esse o m é rito do livro de Marx ” (Apud MARX, 1968, p. 16). Na pesquisa levada a cabo por Marx o “organismo social ” referido no texto se materializa na sociedade capitalista. É esta que Marx estuda e cujas leis de nascimento, exist ê ncia, desenvolvimen to, morte e substitui çã o por outra de mais alto n í vel, ele revela. O socialismo é apenas o nome dessa forma social de mais alto n í vel que se gesta no interior do pr ó prio capitalismo a partir de suas contradi ções internas. Mas Marx n ã o estudou a sociedade socialista e, como cientista, nem poderia fazê-lo; e isso pela simples XII
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razã o de que esse novo tipo de sociedade n ã o estava e n ã o est á ainda constitu í da . Para Marx essa nova forma social s ó sc constituiria ap ós o esgotamento pleno de todas as possibilidades con tidas no pr ó prio capitalismo como se patenteia nesta passagem: “ Uma organiza ção social nunca desaparece antes que sc dcscnvol vam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; numa relações de produ çã o novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de exist ência destas rela ções sc produzam no pr ó prio seio da velha sociedade” (MARX, 1973, p. 29, grifos nossos). Ora, se ainda hoje n ã o se esgotaram todas as possibilidades do capitalismo, compreendem -se as dificuldades do chamado “socialismo real" cuja origem data do in í cio deste século. Por outro lado, essa experi ê ncia, alé m de n ão se ancorar no desenvolvimento pleno das forças produtivas capitalistas, foi uma tentativa localizada, parcial e paralela à sociedade capitalista tendo esta continuado a se desenvolver nas outras partes do mundo. Ora , para Marx , a nova forma social só pode prevalecer quando se manifesta, sen ã o de fato, pelo menos como tend ê ncia dominante e global . Assim é que no final do posfá cio à 2* edi çã o alem ã de O Capital, após referir-se ao cará ter crí tico e revolucion á rio da dialé tica, con sidera que, para o burgu ês prá tico, as contradi ções do capitalismo sã o captadas de modo mais evidente nas crises peri ódicas que cul minam na crise geral. E acrescenta que a crise geral “ de novo se aproxima, embora ainda se encontre nos primeiros est ágios; mas, quando tiver o mundo por palco e produzir efeitos mais intensos, fará entrar a dial é tica mesmo na cabeça daqueles que o bamb ú rrio transformou cm eminentes figuras do novo sacro impé rio prus siano-alem ã o ” (MARX, 1968, p.17). A expressão “quando tiver o mundo por palco” deixa evidente que a supera çã o do capitalismo só pode se dar de forma global. Parece plaus ível, portanto, a conjectura de que sc Marx tivesse acompanhado a experi ê ncia da Uni ã o Sovi é tica , ele n ã o teria ilusões a respeito e não estaria surpreso com os eventos que se sucedem hoje naquele pa ís. Isto não significa, entretanto, que ele
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desautorizaria ou invalidaria a referida experiê ncia. Provavelmente ele a avaliaria de forma positiva, embora evidenciando os seus limites objetivos como o fez com a Comuna de Paris. Isto porque, segundo ele, mesmo quando uma sociedade compreende o significado da lei objetiva que determina o seu desenvolvimento, “n ã o pode éla suprimir, por saltos ou por decreto, as fases naturais de seu desenvolvimento. Mas, ela pode encurtar e reduzir as dores do parto” (MARX, 1968, p. 6). É provavelmente com esse objetivo que Marx participou diretaní ente elincentivou de todas as maneiras a seu alcance as iniciativas pr á ticas de luta pelo socialismo em todos os lugares e circunst â ncias e, com certeza, teria incentivado també m as iniciativas do mesmo tipo que ocorreram neste século e isto independentemente de que correspondessem predominantemente às suas pr ó prias ideias. Ali ás, convém registrar que, embora tenha sido o organizador, incentivador e grande l íder da I Internacional dos Trabalhadores, suas id éias n ã o eram propriamente hegem ó nicas nessa Organiza çã o como n ã o o foram na experi ê ncia da Comuna de Paris. O mesmo ocorreu com a II Internacional que acabou hegemonizada pelos partidos oper á rios alem ã es sob a influ ê ncia da social-democracia. E a III Internacional , por sua vez, embora idealizada , fundada e organizada sob a lideran ça de Lênin em 1919, com a morte deste em 1924 acabou , posteriormente, sob a hegemonia do Stalinismo. Em suma, o desmoronamento dos regimes do Leste Europeu , em lugar de significar a supera çã o de Marx , constitui, ao contrá rio, um indicador de sua atualidade. Levando-se em conta que uma filosofia ^ é viva e insuperável enquanto o momento hist órico que ela representa n ã o for superado, cabe concluir que, se o socialismo tivesse triunfado é que se poderia colocar a questã o da supera çã o do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiriam seriam de outra ordem . Mas, os fatos o mostram , ele n ã o triunfou . O Capitalismo continua sendo ainda a forma social predominante. Portanto, Marx continua sendo n ã o apenas uma refer ê ncia vá lida, mas a principal referê ncia para compreendermos a situa çã o atual. XIV
Faz , pois, todo o sentido lev á -lo em conta no nosso estorvo cm compreender radicalmente a problem á tica educacional da nossa época. Esta é, portanto, uma obra necessá ria , oportuna e extrema mente atual. A Cortez Editora e a Editora Autores Associados est ã o de parabé ns pela iniciativa de lan çar , neste momento, a edi çã o brasileira da obra Man: e la pedagogia moderna de Má rio Alighiero Manacorda . Trata-se, afinal, de um trabalho que explicita o pensamento educacional do criador daquela que, no dizer de Sartre, é a filosofia viva e insuperável dos nossos tempos.
REFER ÊNCIAS LEFEBVRE, H. Materialismo dialético e Sociologia. Lisboa, Presen ça, s/ d. LINDENBERG , D. (org.). Vintemalionale com muniste et 1‘école de classe , Paris, Maspero, 1972. MARX, K. e ENGELS, F. Obras acolhidas, vol. 1. Sã o Paulo, Alfa-Omcga, s/d . MARX, K. 0 Capital, Rio dc Janeiro, Civiliza çã o Brasileira, 1968. MARX, K. Contribuição para a critica da economia política, Lisboa, Estampa, 1973. SARTRE, J . P. Critica I uma pcrjpinta que deixa sem resposta: 'Que tianslmmaiao « dirtiu I wado numa sociedade comunis ta? Em outros termos , quais fun ções M H I U I I |>rrsistir ào, ali , que sejam an álogas ás atuais funções e s t a l a i » D e qualquer modo, trata-se de uma pergunta que pressupõe uma limita çã o dessa » fun ções Cf. Lê nin , Discono al I Congreuo Pu nmio iull'hlru / ionr , de 23 de agosto de 1918, em Sutiã Gioventu e sulla Scuola , Edizioni Rinauita, 1949 , pp. 84 85; e o Discono al // Congresso Panrusso degli Iniegnunli Inlrmuxionalisli, de 18 de janeiro de 1919, em Socinenija , XXVIII , pp. 196 98).
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Transcrito de Leonardo "Orno Sanza LeUere ”, de Giuseppina Fumagalli , Floren ça , Sansoni, 1938, pp. 47-48. Estas pá ginas de Leonardo são de grande beleza , em forte contraste com a tend ência geral, embora n ão exclusiva , dos
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Inslruklionen , cit., p. 118 ( IIMarxismo t PEJucaiione , cit. p. 83).
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matem á ticas”, nas quais se “silencia a l í ngua dos contendores” 24. É grande, sem d ú vida, o fascí nio que emana dessas pá ginas de Leonardo, dessa perspectiva de Marx, de um ensino que se restrinja apenas às coisas certas e aos instrumentos para a sua aquisição e uso. Mas será verdadeira e absoluta essa distin çã o? E é verdade que no ensino n ão h á lugar para as ciências mentais? A distin ção é, na essência, atual e antiqu í ssima entre ci ências humanas e ci ê ncias matem á tico-naturais, entre matérias literá rias e mat é rias cient í ficas, entre ci ê ncias do trívio e do quadr ívio, artes sermoànales e artes reales. Mas, por acaso, estas ú ltimas estã o livres de “acusações” ? Por exemplo, e para permanecermos no campo do ensino, por acaso, conseguiu-se silenciar os contendores do darwinismo? Ou as matem á ticas modernas suscitam discussões menores que a historiografia ? Uma distin çã o rigorosa que pretenda discriminar entre o discut í vel e o certo é, sem d ú vida, ilusória. Não obstante, parece nos que o discurso de Marx, baseado nessa distin ção, não é arbitrá rio; objetiva excluir do ensino toda propaganda, todo conteú do que n ã o seja uma aquisi çã o imediata de saber; objetiva construir um ensino rigoroso de noções e de t écnicas. Se se leva em considera çã o o tipo de escola para trabalhadores que existia em seu tempo e na perspectiva do futuro ligada ao trabalho de fá brica e fundamentada na teoria e na prá tica de uma modern í ssima ciê ncia da tecnologia vê-se que h á pouco lugar para uma cultura “desinteressada ”. No entanto, exatamente no texto mais expl í cito da sua “ pedagogia ”, isto é, nas Instruções aos Delegados, de 1866, Marx tinha colocado em primeiro lugar o “ensino intelectual ” , mas sem defini-lo posteriormente .Que pode ser isso sen ã o, exatamente, tudo aquilo que nã o é imediatamente ú til, instrumental, operativo, isto é, a abertura à quele mundo das letras, das artes, da hist ó ria, do pensamento que Marx , por seu lado, t ã o bem sabia apreciar? Talvez a chave para bem entender o pensamento de Marx esteja justamente
humanistas.
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aqui, no fato de que une, com austero rigor, a estrutura da escola à necessidade social de “ reproduzir a vida ”, de “ regular o intercâ mbio orgâ nico com a natureza ”, onde a liberdade humana se explicita apenas como “ regulamenta çã o racional ” desse interc â mbio. Mas n ã o nega que isso permaneça sempre “ um reino da necessidade” e que “ para alé m dele começa o desenvolvimento das capacidades huma26 nas , que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade” . Só que, para ele, a estrutura escolar continua essencialmente destinada à aprendizagem do que é necessá rio ao homem no “ reino da necessidade”; o restante, o que o coloca no “ reino da liberdade”, muito longe de negá-lo, remete-o antes de mais nada, à vida cotidiana, ao intercâ mbio espiritual com os adultos. Em resumo, estamos perante uma determinada concep çã o da rela ção escola sociedade, do lugar que a escola local de trabalho das crian ças pode ter nela . Marx , frente à tend ê ncia objetiva da ind ú stria do seu tempo para atrair crian ças e adolescentes de ambos os sexos à obra da produ ção social uma tend ê ncia para ele progressiva, saud ável e justa, em que pese o modo terr í vel como se realizava sob o dom í nio do capital a considerava como um fato permanente, inerente ao sistema de produ ção moderno, correspondente a uma “ situa çã o racional da sociedade”. Al é m disso, não tinha sempre todo sistema de produ ção atra ído à sua atividade també m as crian ças? Frente a essa tend ê ncia objetiva c progressiva , punha a quest ã o també m emergente dessa realidade de associar o ensino ao trabalho de fá brica . O papel social da escola configura se, pois, para ele, sobretudo, como uma integu ç m à f á bri » a do mesmo modo como a aprendizagem dos ofícios cia uma integra çã o á oficina artesanal. Nilo lia d ú vida de ( jur o desenvolvimento posterior n ã o lhe deu razã o, pel < mtnOt| tê ftfOfl, licite primeiro século após ter tra çado essas pcrspctiiv .iv A i l i n j r . .1 < ola » resteu també m no interior, mas principalmente, ao redo í r pm f o i a d o m u n d o da produ çã o, como estrutura aut ónoma , como lo» al rspr » Ifico da gera çã o que est á em crescimento , ainda que, de munrii .it d i s t i n t a s e em diversas medidas,
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II CapitaU , III, cit., p. 933. Sobre este tema fundamental , diicute sc noutro lugar deste livro com Delia Volpc e outro » interlocutorei , como Badaloni.
se tende a fazê-la corresponder às exigê ncias da produ çã o. N ã o apenas isto, mas a escola desenvolveu també m a tend ê ncia de n ão limitar-se simplesmente ao ensino das técnicas culturais c das noções exatas, mas a investir, cada vez mais, nas ciê ncias “ mentais”, a identificar, em suma, em seus objetivos o ensino e a educa ção. É prov á vel , aliás, que exatamente nos paises onde a tend ê ncia a integrar a escola à fá brica aparece mais claramente, como nos socialistas, se fa ça sentir at é mais forte a tend ê ncia de fazer da escola um centro de educa ção al é m de ensino. Nã o seria concebí vel, hoje, uma escola que se limi tasse ao ensino entendido como instrumento, como aquisi çã o de técnicas e renunciasse aos objetivos da educação e da “formação dos sentimentos”. Parece-nos, no entanto, que justamente essa realidade obriga a ajustar as contas seriamente com a exigê ncia marxiana de n ã o admitir na escola o discut í vel , aquilo que possa permitir conclusões de gru pos. Porque, se é verdade, como dizia Lê nin , que a escola separada da polí tica é uma mentira e uma hipocrisia , se é verdade que toda escola é ideologicamente orientada , queiram ou n ã o todos aqueles que atuam em seu interior ou que a julgam do exterior, é també m verdade que, tanto mais por esta razã o, se torna necessá rio determinar de que modo e at é que ponto esse tipo de compromisso social da escola deva ou possa realizar-se.
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4. Quais opções pedagógicas e quais conteúdos educativos? A leitura dessa intervenção de Marx na Internacional permitiu nos verificar sua proposta central relativa à uni ão de ensino e trabalho e determinar outras, relativas à rela çã o escola -sociedade e à objetividade do ensino publicamente organizado. Resta ver melhor como formulava os conte ú dos especí ficos desse ensino objetivo e, em geral, qual era a sua orienta çã o quanto à s correntes pedagógicas que podemos esquematicamente indicar como conservadoras (da discrimina çã o social, da divisã o entre ci ê ncia e trabalho, dos conte údos literá rios, da autoridade do docente) e inovadoras (da vocação natural dos indiv í duos, dos conteú dos predominantemente cien 105
simplesmente modernos, do ensino centrado na crian ça). É evidente que o marxismo se coloca em pol ê mica direta com aquelas tend ê ncias pedagógicas novas que, representando uma oposição vá lida às institui ções escolares e às posições pedagógicas tradicionais da sociedade dividida, podem , no entanto, proporcionar uma supera çã o apenas aparente e parcial. Frente à pedagogia tradicional do determinismo ambiental, que reduzia cada homem a um processo formativo limitado e predeterminado pela situa ção social, as pedagogias novas, que, por diversas vias, destacam a natureza da crian ça ou do homem , produzem , sem d ú vida , uma ruptura , mas per manecem limitadas a um desenvolvimento espont â neo e, por isso mesmo, parcial; põem o homem frente apenas a si mesmo e n ão diretamente frente ao mundo concreto das coisas e das rela ções sociais; substituem um processo educativo “ heter ônomo” por um processo “ autónomo”, que é igualmente limitado. Relembre-se, pelo contrá rio, a pol ê mica do jovem Mane contra Stirner: “ Nos vá rios est á dios da vida, Stirner nada mais v ê que ‘descobertas de si mesmo’ e essas ‘descobertas de si mesmo’ se reduzem sempre a uma situa ção de consci ê ncia . A modifica ção í f sica e social que se opera nos indiv í duos e que produz uma modifica çã o na consciê ncia naturalmente n ã o lhe interessa. Porque em Stirner a criança , o jovem e o homem encontram sempre o mundo pronto e acabado, da í que nada mais la ç am do que ‘descobrirem -se a si mesmos’; n ã o se faz absolutamente nada ' para que alguma coisa possa ser encontrada ”27. Trata-se de uma ilara tomada de posição contra toda pedagogia naturalista, baseada na " autonomia ” da individualidade singular, que é ela pr ó pria por naturr / a «• IMO tem ncicsiidade a n ã o ser de um desenvolvimento aut ónomo I l o m p a r e se , ainda , essa clara tomada de posi çã o com a breve , mas im mva . irlrr ê mia - que já mencionamos contra a pedagogia baseada no |ogo, quando Marx define como um “ profé tico pressentimento contra Hasrdow r * ru « repetidores modernos”, a observa çã o de John Bellers dr que " uma ocupa ção infantilmente estú pida torna est ú pidas as mentes infantis"28. Como, para ele, o t í ficos ou
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L’Ideologia Tedesca, cit., p. 118. Cf. II Capitale, I, cit., p. 535, n1 309 ( por nós ji mencionado).
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trabalho nã o pode tornar-se um jogo da maneira como queria Fourier també m o ensino, que integra um conjunto com o trabalho, n ã o pode ser simplesmente jogo29. E se à essas determina ções acrescentamos sua severa insistê ncia quanto ao fato de que na escola n ã o se pode ensinar sen ã o disciplinas que consistam em rigorosas noções incontest áveis e que n ã o permitam conclusões pessoais, como a matem á tica ou a gram á tica , e seu radical rep ú dio a tudo que no processo de ensino pode ser subjetivo30 o que convenhamos, n ã o quer dizer em absoluto exclusã o da validade do que n ã o seja aprendizagem de noções exatas, pois Marx coloca todo esse processo de “ educa çã o” verdadeira e aut ê ntica na pr ó pria vida onde as crian ças se integram aos adultos; se acrescen tamos esses conteú dos que ele atribui ao ensino como processo especí fico a alcan çar num local específico, teremos o quadro de uma escola concreta e severa; em resumo, de um reino da necessidade, e n ã o da liberdade, para as crianças, cujo valor intr í nseco e positivo consistirá justamente nessa apropria ção de uma totalidade de possibilidades de dom í nio sobre a natureza e sobre o pr ó prio homem . Mas pode-se extrair dos escritos de Marx algumas afirma ções mais concretas sobre o que considera conte ú do do ensino? Qual deve ser para ele se n ã o é o humanismo livresco, nem um ensino orientado para a prá tica o tipo, o conte ú do e o m é todo da forma ção do homem integral , apenas refor çados pela uni ã o de estudo e traba lho e pelo ensino tecnol ógico teó rico e prá tico ? Estas palavras que Marx emprega num contexto em que adquirem uma fecundidade insofism ável n ã o encontram em seus escritos e na realidade da é poca qualquer correspond ê ncia, qualquer determina ção real. Haverá em Marx indica ções mais concretas nesse sentido? També m aqui devemos nos apoiar sobretudo nas pá ginas da juventude, às quais Marx n ã o teve oportunidade de retornar, onde trata , embora n ã o de maneira expressa , de alguns temas relativos às ciê ncias e á rela çã o entre ciê ncia e filosofia . Destes argumentos podem vir indica ções para compreender qual pode ser a orienta çã o de
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Grundrisse , cit., p. 599. Cf. també m a p. 107
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com problemas de classifica ção das ciê ncias como o fará, mais tarde, Engels, em Dialética da Natureza e no Antiduebring - e de organiza çã o do ensino, no entanto, por sua coincid ê ncia com as formulações de Marx maturo, levam nos, com certeza , a uma ênfase dos conteú dos “ cient íficos”, entendidos como elementos de rigor objetivo ou como conteú dos integrais que permitem uma compreensã o geral do mundo natural e humano. Mas já sabemos o lugar que Marx reserva ao tempo livre e às atividades culturais extra-escolares na forma çã o do homem ; esse reino da liberdade é o reino das voca ções individuais, das atividades desinteressadas, n ão imediatamente produtivas, que sã o, para Marx, parte integrante da pessoa humana e, portanto, da sua forma ção ou educa ção.
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r SEGUNDA PARTE A Pedagogia Marxiana Frente à s demais Pedagogias
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I L
Tentativa de Contextualizaçã o Histó rica
At é aqui nos limitamos a definir o ponto de partida para uma investigação necessariamente sum á ria, mas, tanto quanto possível com o m á ximo rigor , sobre os fundamentos de uma poss í vel “ pedagogia ” existente na obra marxiana ; chegou , agora , o momento de tentar inseri-la na história das institui ções educativas e das teorias pedagógicas, o que permitir á, inclusive, verificar as eventuais con tribuições que da í possam vir à problem á tica pedag ógica atual . Expondo, de maneira esquem ática, o resultado da pesquisa marxiana sobre os temas de forma ção do homem que nada mais sã o que um aspecto dos temas da sua emancipa çã o como indiv í duo social , isto é, como ser singular inserido na sociedade de que participa pode ser enunciado como m é todo da associa çã o do trabalho em fá brica e de ensino numa escola essencialmente “ tecnol ógica ”, com a finalidade de criar o homem onilateral
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r Mas limitar-se a essas enuncia ções, aliás já enucleadas, desde Lê nin , na tradiçã o pedagógica dos pa í ses que se orientam pelo marxismo, n ã o é suficiente para distinguir a proposta marxiana das demais propostas que, mais ou menos, anunciam assumir o trabalho no processo educativo e a finalidade da integralidade do homem. Essa fórmula “ metade trabalho e metade escola ”, que sintetiza, hoje, a mais avan çada proposta e realiza çã o de ensino nos pa íses socialistas, encontra-se em 0 Capital, mas n ão é de Marx, e sim dos Relatórios dos Inspetores de Fábrica, de 31 de outubro de 1865, naquela Inglaterra, que era o “ demiurgo do mundo burgu ês” 1. Dele, essa fórmula n ão nos revela muito, pois è claro que os inspetores ingleses de fá brica, representantes do sistema burgu ês, mesmo que honestos e filantropos, atribu í am-lhe um sentido e um peso certamente bem diferentes dos de Marx. Mas a diferen ça substancial entre a “ pedagogia ” de Marx e qualquer outra pedagogia , e, por outro lado, entre todo o seu m étodo de pesquisa antiideológico e qualquer outra teoria, consiste no fato de que, frente a um processo real , n ã o se propondo considerá-lo natural e eterno à maneira dos economistas cl ássicos, n ão contrapõe as suas teorizações nem para retornar a uma solu ção ideal de equil í brio anterior, nem para aperfei çoá-lo eliminando os seus aspectos negativos ou contradit órios2, mas, ao contrá rio, assume toda a realidade contradit ória c at é vê no desenvolvimento das contradições, no emergi » do dado negativo, antagó nico, a ú nica via hist ó rica de solu ção , rode . mim , imerir a tonwdri a çã o desses problemas no quadro mais amplo da divis ão, ou melhor, da alienaçã o do homem e da Zurueck nabme ou elimina ção dessa aliena ção, sem cair na fantasia de um
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// Capital* , cit, pp. 529 30 É a acusação que Marx faz explicitamcntc ao socialismo pequeno- burgu ês, entre obras, no Manifesto, onde, após ter dito que as classes medias qucr ~ crcm fazer girar para trás a roda da histó ria (cd. cit., p. 41 ), afirma , referindo se a Sismondi , aue quer restabelecer velhos meios de produ ção c as velhas relações de propriedade (c Lênin dará rigorosa sequ ência a essa polê mica). Na Miséria delia Filosofta , cit., ao contrá rio , encontra se uma cr í tica ao falso hegelianismo de Proudhon e ao seu desejo de suprimir o lado negativo da sociedade burguesa para conserv á-la; cf., em especial , as pp. 51 , 57 c 91-92: Basta , na realidade, propor se eliminar o lado negativo, para liquidar num“ golpe o
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movimento dialé
tico”.
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mundo original ou de um mundo futuro. (J á vimos como Marx, em que pese nele um certo ausp í cio de um mundo regenerado, ao contrá rio dos socialistas utó picos, nunca lhe tra çou quaisquer determina ções concretas.) A histó ria da sociedade humana , observada sobretudo onde se apresenta uma possibilidade de pesquisa cient í fica , isto é, em suas estruturas de base for ças produtivas e rela ções de produ çã o, onde os homens ingressam entre si na produ çã o da sua vida material e espiritual é o terreno concreto sobre o qual ele sempre se move. E, então, embora Marx não tenha estudado exprofesso o processo de forma çã o hist ó rica das instituições ou estruturas educativas, como parte das estruturas da sociedade civil de que investiga a anatomia, poderá , no entanto, ser ú til tentar confrontar o resultado da sua pesquisa, que o leva a indicar na uni ã o do ensino e do trabalho o germe do ensino do futuro, com o concreto desenvolvimento histó rico dessas instituiçõ es ou estruturas, examinadas de um ponto de vista o mais marxiano poss ível.
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Escola e não-escola na hist ó ria
Partimos do princ í pio de que, na sociedade dividida em classes, isto é, na sociedade em que o trabalho está dividido e em que essa divis ã o se apresenta , essencialmente, como divisã o entre trabalho manual e trabalho mental , ou como divis ã o entre campo e cidade, o ensino e o trabalho aparecem també m divididos, dois termos até antagó nicos. A “escola ” mas é óbvio que o emprego desta palavra é anacr ónico quando aplicado a é pocas mais antigas e sobrepõe novos sentidos para instituições marcadamente diferentes das que modernamente recebem esse nome enquanto estrutura específica de forma çã o de um determinado tipo de homem “ dividido ”, nasce historicamente no interior das classes possuidoras, como estrutura destinada exclusivamente à sua forma ção; n ão existe para as demais classes. Apenas as classes possuidoras t ê m essa institui çã o espec í fica que chamamos escola e que como veremos apenas h á pouco tempo, ou seja, aproximadamente a partir do in ício da revolu ção industrial, começa a tornar-se, em perspectiva , uma coisa de toda a
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propriedade natural , animal e humana dopaterou patr ão) . Uma fam í lia em que a divisão do trabalho cria a figura social da ama (feminina ou masculina, como no Egito, ou , como ê, manifesta mente, Fé nix para Aquiles, em Homero5 e é esta a primeira figura histó rica de educador . Historicamente, assim , é exatamente da educa çã o, confiada no interior da “fam í lia ” a educadores especialistas, aos filhos dos pode rosos (do fara ó, dos “ minos ”, do anax , do basileu , do pater) e, em torno dos quais se agregam os filhos de vá rias fam ílias eminentes, que surgem as primeiras “ escolas p ú blicas ”, ou seja, abertas aos jovens de vá rias fam í lias que se interessavam , cada vez mais, pela vida p ú blica e se caracterizam por esse conte ú do espec í fico. Essas escolas, com apoio na divisão do trabalho existentes no pr ó prio interior das classes dominantes, aparecem , por um lado, como escola de cultura para os “ pensadores de classe”, seus “ ide ólogos ativos” 6. ( Frequentemente castas sacerdotais, dada a identidade entre ciê ncia e sacerd ócio, que se reproduzirá, com grande variedade de formas no transcorrer de toda a nossa hist ória, até a sua atual dissolu ção; o porttifex, desde há mil é nios, n ã o se ocupa nem de pontes, nem de calend á rio ou de astronomia, nem de registros hist óricos) e, por outro lado, como gin á sios ou tribunas onde os cidad ã os guerreiros se educavam para o exerc í cio do poder pol í tico e da arte militar (assim como Aquiles se educou , na escola de Fé nix , para ser “orador de palavras e operador de fatos ”). Mas, fossem escolas de sacerdotes ou de cidad ã os-guer reiros, permaneciam como estruturas espec í ficas e exclusivas para a formaçã o das classes dominantes; na hist ória grega , pode-se acompanhar o confluir progressivo de duas tradições em direçã o a uma instituiçã o que como observa Marrou 7 assume o car á ter cada vez mais de “escola do escriba ”, embora com novos conte ú dos “ livrescos”, e deixa dissolverem-se os de escola do cidad ã o-guerreiro ( mas, para que isto se tornasse poss í vel foi necess á rio a dissolu çã o das
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sociedade. Tem -se falado tanto, e ainda se fala a toda hora, da oposiçã o entre a escola do trabalho e a escola do doutor, entre escola desinteressada e escola profissional - e, nesse contexto, é oportuno e tem sentido o discurso sobre “ duas culturas ” mas , na realidade, por mil é nios, a oposiçã o tem -se dado n ã o entre escola e escola, mais sim entre escola e n ão-escola . Ou , para usar uma expressã o quase marxiana, a escola se coloca frente ao trabalho como n ão-trabalho e o trabalho se coloca frente à escola como n ã o-escola. Apenas as classes possuidoras, dizíamos, conheceram uma institui çã o espec í fica para o cuidado e a educa çã o das jovens gerações; as classes produtivas n ã o a conheceram , isto é, nunca existiu para elas um local que fosse exclusivo das crian ças e dos jovens. Desde o tempo em que os escribas do antigo Egito, como na recomenda ção de Ptahotep 3, orgulhoso da sua sorte de pessoas que, através da escola, se destinaram a uma situa çã o social “sem chefes”, a contrapunham à sorte de quantos eram educados para trabalhar duramente sob a supervis ã o de outros, a escola tem-se apresentado, na sociedade histó rica, com essa fun çã o. ( E, naturalmente, isto també m é vá lido se indiv í duos provenientes das classes subalternas pudessem ser nela admitidos e, através dela , serem educados para as fun ções superiores. O destino do cita Anacá rsis, acolhido pelo mundo cultural grego, • U mud .i quanto ao destino dos citas, observava Marx.) 4. De ma "i "nen . g i .il , ali is, .1 escola , como local especí fico para a educa ção dos l > v ir. , n .iM r lus corto » dos primeiros estados histó ricos da Mesol " » i .ttni ,i r lo valo do Nilo