Tratado de Direito Privado, Vol. XXIII - Direito das Obrigações: autoregramento da vontade e lei, alteração das relações jurídicas obrigacionais, transferência de créditos, assunção de dívida alheia, transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos [23, 4ª ed.] 9788520343357


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Tratado de Direito Privado, Vol. XXIII - Direito das Obrigações: autoregramento da vontade e lei, alteração das relações jurídicas obrigacionais, transferência de créditos, assunção de dívida alheia, transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos [23, 4ª ed.]
 9788520343357

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BELAÇÕES

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Diretor Responsável ASTONIO BRIXELO

Diretora ds Conteúdo Editorial GISSXE DE MELLO BRAGA TAPAI

Diretora de Operações Editoriais OBENE PAVAN

Coordenadora Editorial OANIELLE CANOIDO DE OUVEIRA

Analistas Documentais: Ariene Cristina Almeida do Nascimento, Bruno Martins Costa, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Henderson Fiirst de Oliveira, ítalo Façanha Costa e Mário Henrique Castanho Prado de Oliveira. Editoração Eletrônica Coordenadora RCSBJ CAMPOS DE CAKVALKO

Equipe de Editoração: Ariane Cristina Almeida do Nascimento, Adriana Medeiros Chaves Martins, Ana Paula Lopes Corrêa, Carolina do Prado Falei, Gabriel Bratti Costa, Ladislau Francisco de Lima Neto, Luciana Pereira dos Santos, Luiz Fernando Romeu, Marcelo de Oliveira Silva e Vera LúciSCirino. Produção gráfica: Caio Henrique Andrade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Miranda, Pontes de, 1892-1979 Direito das obrigações: auto-regramento da lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de divida alheia. Transferência da posição negativa dos negócios jurídicos. / Pontes de Miranda; atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.- (coleção tratado de direito privado: parte especial; 23) ISBN 978-85-203-4335-7 1. Direito das obrigações 2. Negócio jurídico I. Nery Júnior, Nelson. II. Nery, Rosa Maria de Andrade. lll.Título. IV. Série. 12-01555

CDU-347.115

índices para catálogo sistemático: 1. Direito das obrigações : Direito civil 347.115

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w-M Pontes de Miranda

TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL

TOMO XXIII DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos

Atualizado por

Nelson Nery Jr. Rosa Maria de Andrade Nery

EDITORA [ f ^ H r 1 0 0 a n o s REVISTA D O S TRiBUMAlS

TRATADO DE DIREITO

PRIVADO

P O N T E S DE M I R A N D A PARTE ESPECIAL TOMO XXIII DIREITO DAS OBRIGAÇÕES: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos NELSON NERY JR. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY

Atiializadores

© Originais do Tratado de Direito Privado - 60 Tomos: PONTES DE MIRANDA © Desta Atualização [2012]: EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS L T D A . ANTONIO BELINELO Diretor responsável Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel. 11 3613-S400-Fax 11 3613-S450 CEP 01136-000 - São Paulo. SP, Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução totá ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e ã sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (arL 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). CENTRAL DE RELACIONAMENTO R T

(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor: [email protected] Visite nosso site: www.rLcom.br Impresso no Brasil [06.2012] Profissional Fechamento desta edição [05.06.2012] »

*

EDITORA. A7IUASA ISBN 978-85-203-4335-7 ISBN da Coleção 978-85-203^321-0

À AMNÉRIS e à FRÂNCIS,

e gratidão de seu marido e de seu pai.

ÍNDICE G E R A L D O T O M O X X I I I

APRESENTAÇÃO, 9 APRESENTAÇÃO DOS ATUALIZADORES, 1 1 PREFÁCIO À L.A EDIÇÃO, 1 3 SOBRE O AUTOR, 2 7 OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR, 3 1 SOBRE OS ATUALIZADORES, 3 5 PLANO GERAL DA COLEÇÃO, 3 7 TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS, 4 1 BIBLIOGRAFIA DO TOMO X X I H , 5 2 9 ÍNDICES

Alfabético dos Autores citados, 561 Cronológico da Legislação, 572 Cronológico da Jurisprudência, 592 Alfabético das Matérias, 598

APRESENTAÇÃO

A Editora Revista dos Tribunais - RT tem a honra de oferecer ao público leitor esta nova edição do Tratado de Direito Privado, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, reconhecidamente um dos mais ilustres juristas brasileiros, senão o maior. Para nós, da Editora, a republicação desta obra tem importância única: ao se consubstanciar num marco científico e editorial, pela contribuição que há tantas décadas traz à ciência do Direito e, especificamente, ao Direito Privado. Essas fundamentais características se compõem com as comemorações do primeiro centenário desta Casa Editorial e com a evocação dos 120 anos de nascimento do grande tratadista. O respeito ao texto original, também publicado por esta Editora em 1983, foi um dos maiores cuidados que nos determinamos a tomar, desde a estrutura e organização do texto, passando por alguns recursos usados pelo Autor, até a ortografia da época, com exceção do trema nas semivogais. O Direito, porém, como todas as ciências, vem sofrendo grandes transformações nas últimas décadas. Por isso, com o intuito de inserir a obra no contexto presente, notas atualizadoras foram elaboradas por juristas convidados entre os mais renomados do País. Inseridas ao final de cada tópico (§), encontram-se devidamente destacadas do texto original, apresentando a seguinte disposição:

Panorama Atual: § x: A - Legislação: indicação das alterações legislativas incidentes no instituto estudado § x\ B - Doutrina: observações sobre as tendências atuais na interpretação doutrinária do instituto estudado § x: C - Jurisprudência: anotações sobre o posicionamento atual dos Tribunais a respeito do instituto estudado

Neste século de existência, a Editora Revista dos Tribunais se manteve líder e pioneira na promoção do conhecimento, procurando fornecer soluções especializadas e qualificadas aos constantes e novos problemas jurídicos da sociedade, à prática judiciária e à normatização. Nas páginas que publicou, encontra-se o Direito sendo estudado e divulgado ao longo de cinco Constituições republicanas, duas guerras mundiais e diversos regimes políticos e contextos internacionais. Mais recentemente, a revolução tecnológica, a era digital, e a globalização do conhecimento trouxeram desafios ainda mais complexos, e para acompanhar tudo isso, a Editora passou a compor, desde 2010, o grupo Thomson Reuters, incrementando substancialmente nossas condições de oferta de soluções ao mundo jurídico. Inovar, porém, não significa apenas "trazer novidades", mas também "renovar" e "restaurar". A obra de Pontes de Miranda permite tantas leituras, tamanha sua extensão e profundidade, que não se esgotam seu interesse e sua importância. E por isso, também - para inovar republicamos seu Tratado de Direito Privado. Não podemos deixar de registrar, ainda, nossos mais profundos agradecimentos à família Pontes de Miranda, pela participação que fez possível a realização de um sonho. EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

APRESENTAÇÃO DOS

ATUALIZADORES

O monumental Tratado de Pontes de Miranda tem, neste tomo XXIH, a continuação do tema do Direito das Obrigações, escrito com a desenvoltura de quem domina o núcleo duro do direito privado. O uso da terminologia técnica do direito das obrigações é o ponto alto do rigor, da coerência e da substância do escrito de Pontes de Miranda. Nossa tarefa na atualização permitiu-nos a revisitação ao pensamento do autor sobre o direito das obrigações, colocando-o para o leitor com a visão atual, tanto no apontamento da vigente legislação, quanto da doutrina e jurisprudência. Com isso esperamos que o livro possa ser lido de maneira a fazer com que se compreenda a doutrina sólida de Pontes de Miranda trazida para os dias de hoje, notadamente à luz do Código Civil de 2002, já que o Tratado foi escrito sob a vigência do revogado Código Civil de Clóvis Bevilaqua. Agradecemos a oportunidade que nos é dada pela Família de Pontes de Miranda e pela Editora Revista dos Tribunais, de participarmos deste Projeto de magnitude editorial, histórica e acadêmica que reaviva um dos monumentos da história cultural do País. São Paulo, maio de 2012 NELSON NERY JR. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY

PREFÁCIO À 1." EDIÇÃO

1. Os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sôbre elas, como se as marcassem. Em verdade, para quem está no mundo em que elas operam, as regras jurídicas marcam, dizem o que se há de considerar jurídico e, por exclusão, o que se não há de considerar jurídico. Donde ser útil pensar-se em termos de topologia: o que entra e o que não entra no mundo jurídico. Mediante essas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interêsses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. As proposições jurídicas não são diferentes das outras proposições: empregam-se conceitos, para que se possa assegurar que, ocorrendo a, se terá a'. Seria impossível chegar-se até aí, sem que aos conceitos jurídicos não correspondessem fatos da vida, ainda quando êsses fatos da vida sejam criados pelo pensamento humano. No fundo, a função social do direito é dar valores a interêsses, a bens da vida, e regular-lhes a distribuição entre os homens. Sofre o influxo de outros processos sociais mais estabilizadores do que êle, e é movido por processos sociais mais renovadores; de modo que desempenha, no campo da ação social, papel semelhante ao da ciência, no campo do pensamento. Esse ponto é da maior importância. Para que se saiba qual a regra jurídica que incidiu, que incide, ou que incidirá, é preciso que se saiba o que é que se diz nela. Tal determinação do conteúdo da regra jurídica é função do intérprete, isto é, do juiz ou de alguém, jurista ou não, a que interêsse a regra jurídica. O jurista é apenas, nesse plano, o especialista em conhecimentos das regras jurídicas e da interpretação delas, se bem que, para chegar a essa especialização e ser fecunda, leal, exata, a sua função, precise de conhecer o passado do sistema jurídico e, pois, de cada regra jurídica, e o sistema jurídico do seu tempo, no momento em que pensa, ou pensa e fala ou escreve.

Diz-se que interpretar é, em grande parte, estender a regra jurídica a fatos não previstos por ela com o que se ultrapassa o conceito técnico de analogia. Estaria tal missão compreendida no poder do juiz e, pois, do intérprete. Diz-se mais: pode o juiz, pois que deve proferir a sententia quae rei gerendae aptior est, encher as lacunas, ainda se falta a regra jurídica que se pudesse estender, pela analogia, ou outro processo interpretativo, aos fatos não previstos. Ainda mais: se a regra jurídica não é acertada, há de buscar-se, contra legem, a regra jurídica acertada. Nota-se em tudo isso que se pretendem contrapor a investigação do sistema jurídico, em toda a sua riqueza, dogmática e histórica, e a letra da lei. Exatamente o que se há de procurar é a conciliação das três, no que é possível; portanto, o sentido - dogmática e historicamente - mais adequado às relações humanas, sem se dar ensejo ao arbítrio do juiz. A separação dos poderes, legislativo e judiciário, esteia-se em discriminação das funções sociais (política, direito); e a história do princípio, a sua revelação através de milênios, a sua defesa como princípio constitucional, apenas traduz a evolução social. O êrro do legislador pode ser de expressão: prevalece, então, o pensamento que se tentou exprimir, se êsse pensamento é captável no sistema jurídico; não se desce ao chamado espírito, ou à vontade do legisladdr, porque seria atravessar a linha distintiva do político e do jurídico; não se contraria o princípio de que a lei é para ser entendida pelo povo, no grau de cultura jurídica em que se acham os seus técnicos, e não para ser decifrada. Por outro lado, as circunstâncias sociais podem ter mudado: o envelhecimento da regra jurídica participa mais do julgamento do povo do que do decorrer do tempo; o problema torna-se mais de mecânica social do que de fontes e de interpretação das leis. 2. O sistema jurídico contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo sôbre que elas incidem, apontado por elas. Aí é que se exerce a função esclarecedora, discriminativa, crítica, retocadora, da pesquisa jurídica. O conceito de suporte fáctico tem de ser guardado pelos que querem entender as leis e as operações de interpretação e de julgamento. A regra jurídica "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil" (Código Civil, art. 1.°) é regra jurídica de suporte fáctico simplicíssimo: "Homem". Se há um ser humano, se nasceu e vive um homem, a regra jurídica do art. 1.° incide. Incide, portanto, sôbre cada homem. Cada ho-

mem pode invocá-la a seu favor; o juiz tem dever de aplicá-la. Porém nem todos os suportes fácticos são tão simples. "São incapazes relativamente, os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos" (art. 6.°, I). Suporte fáctico: ser humano, dezesseis anos feitos. "Cessando a confusão, para lo^o se restabelecer, com todos os acessórios, a obrigação anterior" (art. 1.052). Suporte fáctico: A devedor a B, A sucessor do direito de B, mas a sucessão é temporária, qualquer que seja a causa. É fácil compreender-se qual a importância que têm a exatidão e a precisão dos conceitos, a boa escolha e a nitidez deles, bem como o rigor na concepção e formulação das regras jurídicas e no raciocinar-se com elas. Seja como fôr, há sempre dúvidas, que exsurgem, a respeito de fatos, que se têm, ou não, de meter nas categorias, e da categoria em que, no caso afirmativo, se haveriam de colocar. Outras, ainda, a propósito dos próprios conceitos e das regras jurídicas, que têm de ser entendidas e inteipretadas. A missão principal do jurista é dominar o assoberbante material legislativo e jurisprudencial, que constitui o ramo do direito, sobre que disserta, sem deixar de ver e de aprofundar o que provém dos outros ramos e como que perpassa por aquêle, a cada momento, e o traspassa, em vários sentidos. Mal dá êle por começada essa tarefa, impõe-se-lhe o estudo de cada uma das instituições jurídicas. Somente quando vai longe a sua investigação, horizontal e verticalmente, apanhando o sobredireito e o direito substancial, é que pode tratar a regra jurídica e o suporte fáctico, sôbre que ela incide, avançando, então, através dos efeitos de tal entrada do suporte fáctico no mundo jurídico. O direito privado apanha as relações dos indivíduos entre si, e cria-as entre êles; mas a técnica legislativa tem de levar em conta que alguns dêsses indivíduos são Estados, Estados-membros, Municípios, pessoas jurídicas de direito público, que também podem ser sujeitos de direitos privados. Interpretar leis é lê-las, entender-lhes e criticar-lhes o texto e revelar-lhes o conteúdo. Pode ela chocar-se com outras leis, ou consigo mesma. Tais choques têm de ser reduzidos, eliminados; nenhuma contradição há de conter a lei. O sistema jurídico, que é sistema lógico, há de ser entendido em tôda a sua pureza. ^ Se, por um lado, há tôda a razão em se repelir o método de interpretação conceptualístico (que se concentrava na consideração dos conceitos, esquecendo-lhe as regras jurídicas em seu todo e, até, o sistema jurídico), método que nunca foi o dos velhos juristas portuguêses nem o dos brasileiros, temos de nos livrar dos métodos que não atendem a que as regras

jurídicas se fazem com os conceitos e esses tem a sua fixação histórica e hão de ser precisados. Principalmente, tem-se de levar em conta que a regra jurídica, a lei, viveu e vive lá fora, - foi para ser ouvida e lida pelos que hão de observá-la e é para ser lida, hoje, por êles. Nem o que estava na psique dos que a criaram, nem o que está na psique dos que hoje a criam, têm outro valor além do que serve à explicitação do que é que foi ouvido e lido por aqueles a que foi dirigida, ou o é por aquêles a quem hoje se dirige. O elemento histórico, que se há de reverenciar, é mais exterior, social, do que interior e psicológico. Se assim se afasta a pesquisa da vontade do legislador, no passado e no presente, o subjetivismo e o voluntarismo que - há mais de trinta e dois anos - combatemos (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, A rchivfür Rechls undWirtschaftsphilosophie, 16, 5 2 2 - 5 4 3 ) , há de evitar-se passar-se a outro subjetivismo e a outro voluntarismo, - o da indagação da vontade da lei. Ratio legis não é voluntas legis; lei não quer; lei regra, lei enuncia. O sentido é o que está na lei, conforme o sistema jurídico, e não o que se atribui ao legislador ter querido, nem à lei querer agora. Nem o que E. R. BIERLING (Juristische Prizipienlehre, IV, 2 3 0 e 2 5 6 s.), nem o que K . B I N D I N G (Handbuch, 1 , 4 6 5 ) e J. KOHLER (Über die Interpretation der Gesetzen, Griinhuts Zeitschrifi, 13, 1 s.) sustentavam. Interpretar é revelar as regras jurídicas que fazem parte do sistema jurídico, - pode ter sido escrita e pode não estar escrita, mas existir no sistema, pode estar escrita e facilmente entender-se e apresentar certas dificuldades para ser entendida. Nas monocracias, os trabalhos preparatórios ficavam mais ocultos, raramente se publicavam com propósito de servir à interpretação, e quase sempre se perdiam, ao passo que a interpretação autêntica tinha todo o prestígio de lei, uma vez que não existia o princípio constitucional de irretroatividade da lei. Nas democracias, com o princípio da irretroatividade da lei, a interpretação autêntica ou é nova lei, ou não tem outro prestígio que o de seu valor intrínseco, se o tem; é interpretação como qualquer outra, sem qualquer peso a mais que lhe possa vir da procedência: o corpo legislativo somente pode, hoje, fazer lei para o futuro-, não, para trás, ainda a pretexto de interpretar lei feita. O tribunal ou juiz que consultasse o Congresso Nacional cairia no ridículo, se bem que isso já tenha ocorrido na Europa. Se o legislador A ou os legisladores A, A' e A", quiseram a e todos os outros legisladores quiseram b, mas o que foi aprovado e publicado foi c, c é que é a regra jurídica. Bem assim, se todos quiseram a, e foi aprovado e publicado c. Os trabalhos preparatórios são, portanto, elemento de valor mínimo. O que foi publicado é a letra da lei, com as suas palavras e frases. Tem-se de interpretar, primeiro, gramatical-

mente, mas já aí as palavras podem revelar sentido que não coincide com o do dicionário vulgar (pode lá estar rescisão, e tratar-se de resolução; pode lá estar condição, e não ser de condido que se há de cogitar; pode falar-se de êrro, e só se dever entender o erro de fato, e não o de direito). O sentido literal é o sentido literal da ciência do direito, tendo-se em vista que o próprio redator da lei ao redigi-la, exercia função da dimensão política, e não da dimensão jurídica, pode não ser jurista ou ser mau jurista, ou falso jurista, o que é pior. Demais, estava êle a redigir regra jurídica, ou regras jurídicas, que se vão embutir no sistema jurídico e tal inserção não é sem conseqüências para o conteúdo das regras jurídicas, nem sem conseqüências para o sistema jurídico. Jurisprudência contra a lei é jurisprudência contra êsse resultado. Por isso, regra jurídica não escrita pode dilatar ou diminuir o conteúdo da regra jurídica nova. Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter na mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Os erros de expressão da lei são corrigidos fàcilmente porque o texto fica entre esses dois componentes do material para a fixação do verdadeiro sentido. Na revelação de regra jurídica não escrita é que se nota maior liberdade do juiz. Nota-se; mas que é devido, só até o quanto da interpelação é ela eficaz; salvo se houve êrro do interpelante, que o credor conheceu (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 133; G. PLANCK, Kommentar,

II, 1, 4. a ed., 2 6 4 ; H . DE CLAPARÈDE,

Beitrãge,

112; F. PAECH, Der Leistungsverzug, 62). Nas obrigações em que se haja de prestar e contraprestar, toma-lá-dá-cá, "Zug um Zug", não é preciso, de regra, para a mora, que a interpelação se faça com a oblação da contraprestação: ao devedor cabe prestar, contra a prestação do credor, e exercer a exceção non adimpleti contractus, se aquêle falha. Se o devedor já exprimira antes estar pronto a pagar, com o conhecimento do credor, ou resulta de fatos concludentes, conhecidos do credor, precisa êsse de interpelar com a oblação da prestação, porque então a exceção non adimpleti contractus pode ser usada desde logo. Se a prestação havia de ser contra entrega de documentos e a interpelação se fêz sem que o credor estivesse habilitado a entregar, é ineficaz (C. CROME, System, II, 136). No caso de se interpelar quanto a acôrdo de transmissão, ou escritura pública que o contenha, faz-se mister a fixação do dia, se ao interpelante cabe a preparação dos papéis; se cabe ao outro, há de ser fixado prazo, salvo se o negócio jurídico fixou o dia. Tendo-se fixado prazo, a expiração dêle marca o início da eficácia da interpelação. Dentro dêle é que o interpelado tem, por sua vez, de fazer a prestação, fixando o dia. Se há condição ou eventualidade, a interpelação pode ser eficaz se o acontecimento é ato, ou enunciado do devedor, ou fato

que a êle ocorra, como para o caso do devedor não dar garantia, ou receber de terceiro certa quantia ( H . R E H B E I N , Das Bürgerliche Gesetzbuch, I I , 119; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 122; H . DE CLAPARÈDE, Beitrãge, 120; E. F. BRUCK, Bedingungsfeindliche Rechtsgeschãfte, A 1 7 2 ; diferente, K . COSACK, Lehrbuch, I , 6. ed., 4 2 1 ; F. PAECH, Der Leistungsverzug, 5 9 ) . A interpelação a têrmo é eficaz ( P OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 133; G. PLANCK, Kommentar, N, 1, 4.A ed., 267).

A mora começa de correr após o têrmo. Nascida a pretensão, e exigível a dívida, em princípio. 'A exigência é que põe em mora, se a mora não é ex re. Se ainda se espera que ocorra o fato que é condição, ou se chegou ao têrmo, ié inoportuna a interpelação? Na L. 49, § 3, D., de verborum obligationibus, 45, 1, P A U L O apenas fala de interpellatio ante diem, mas para dizer que, a despeito dela, se morre o escravo, não se perpetua a obrigação. A dúvida estava em se saber se a morte, de que cogita PAULO, é a) a morte após a interpelação e antes do vencimento, ou b) após êsse. C o m a), K . A . D . UNTERHOLZNER, Quellenmãssige der Lehre

des rõmischen

Rechts

von den Schuldverhaltnissen,

m). Como em a), ainda recentemente debitore,

85).

Zusammenstellung 116, nota

A L B E R T O M O N T E L {La Mora

dei

r

A ineficácia da interpelação ante diem é de ter-se por assente, ainda que se trate de têrmo certo. Se a condição consiste em ação ou omissão do devedor, ou disso depende, e à ação ou omissão é obrigado o devedor, a interpelação pode ser antes do implemento da condição ( G . REHBEIN, Mora debitoris, 9). Se o devedor pode prestar entre a data a (ou o fato a) e a data b (ou o fato b), sem que o credor possa interpelá-lo para fixação de data, somente há obrigação de prestar no último dia. Se a prestação e a contraprestação são toma-lá-dá-cá, a apresentação da prestação pelo devedor ao credor é tentativa de prestar e ao mesmo tempo interpelação (G. REHBEIN, Mora debitoris, 8); mas ao devedor cabe opor a exceção non adimpleti contractus, para não incorrer em mora (ou a exceção non rite adimpleti contractus), ou depositar a prestação, com a declaração de que o outro figurante não prestou, e o depósito somente pode ser levantado com o depósito ou entrega da contraprestação. De qualquer maneira, a interpelação judicial é aconselhável, para se evitar dificuldade na prova da mora.

Se o devedor tem a escolha nas obrigações alternativas, a interpelação é eficaz quando êle ainda não escolheu. Se ao credor é que toca a escolha, não pode êle interpelar sem ter escolhido (G. REHBEIN, Afora debitoris, 9). Na emptio ad mensuram, o credor pode interpelar o devedor para que se proceda à mensuração (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 48). A interpelação por mais do que é devido tem-se de tratar como plus petitio. O devedor interpelado não incorre em mora se ficar decidido, depois, que se exigiu antes do vencimento, ou que se-exigiu outra coisa, ou que se exigiu mais (G. REHBEIN, Mora debitoris, 10). Interpelado por mais, entende-se que foi no devido e, ineficazmente, no excesso, se divisível o que se pediu. 4. INTERPELAÇÃO E REVOGAÇÃO. - Discute-se se a interpelação pode ser revogada. Trata-se de ato jurídico stricto sensu, receptício; para que tenha efeito a revogação, é preciso que não se trate de interpelação já eficaz (isto é, que já começou de produzir os efeitos de mora), ou de expressa remissão da dívida, ou da obrigação, ou da eficácia de mora (cp. R OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

133; G. PLANCK, Kommentar,

ü,

1,

ed., 268; TH. KIPP, Rechtswahrnehmung, Festgabe für R. KOCH, 120; P. KLEIN, Zurücknahme von "Willensmitteilungen", Archiv für Bürgerliches Recht, 3 3 , 2 5 9 ) . Feita para têrmo a ser alcançado, não pode ser refeita para momento antes dêle (E. ZITELMANN, Selbstmahnung des Schuldners, 4."

Festgabe für IP. KRÜGER, 287 s.).

A interpelação não pode ser sob condição. Mas, se foi estabelecido pelo credor, na interpelação, sob condição, que se dá, com isso, outra oportunidade ao devedor, vale e é eficaz. Aí, a condição funciona como o prazo sobressalente. A doutrina alemã, com FRITZ PAECH (Der Leistungsverzug, 32), FR. LEONHARD (AUgemeines Schuldrecht, 511), H . KRESS (Lehrbuch des Allgemeinen Schuldrechts, 428), PH. HECK (Grundriss des Schuldrechts, 107), JOSEF ESSER (Lehrbuch des Schuldrechts, 139) e PALANDT (Bürger-

liches Gesetzbuch, 293), enveredou pelo errado caminho de atribuir efeito à exceção antes de ser oposta. Com isso esquecem-se os ensinamentos de P. OERTMANN (Einrede und Verzug, Zeitschrift für das gesamte Handelsrecht, 7 8 , 1 s.), ERNST SuPPES (Der Einredebegriff, 36), KONRAD HELLWIG (Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 1 , 2 4 8 e 250) e H . SIBER (em G. PLANCK, Kommentar,

E U 261).

A exceção exerce-se contra quem ataca. Se não foi exercida, nada feito. Exercendo-se, encoberta fica a eficácia da pretensão ou da ação. O exercício da exceção é que opera como braçal que apara o golpe, não a exceção mesma. Das mesmas considerações tira-se que a exceção não pode ser exercida somente judicialmente. E exercível extra judicialmente, em todos os casos em que, sem ela, a mora se constituiria (KONRAD HELLWIG, Lehrbuch des deutschen

Zivilprozessrechts,

I, 2 5 0 ; CARL CROME, System,

I, 183).

Exercida a exceção, não há mora enquanto haja efeito a exceção. Dir-se-á que, se houve incidência do princípio Dies interpellat pro homine, a mora, que deveria operar-se, automaticamente, não se operaria. Não basta o argumento para se enunciar que é a existência, e não o exercício da exceção, que afasta a incursão em mora. O vencimento deu-se, mas o vencia mento apenas é um dos elementos da mora. O inadimplemento é outro. E no tocante ao inadimplemento que a exceção tem a sua eficácia específica, depois de ser exercida: deixa de ser imputável o inadimplemento, porque podia ser encoberta a eficácia da pretensão-e o foi com o exercício da pretensão. O argumento maior contra a solução da eficácia dependente do exercício da exceção é de-;ser atribuída ao exercício eficácia retroativo, pois que o vencimento pode já haver ocorrido. Só após exercer-se a exceção é que se apreciaria o vencimento e se teria de julgar contra o autor que iniciou a ação de acordo com os princípios que regem o vencimento das obrigações. o

j

Ora, aí confunde-se com a mora o vencimento. O vencimento não é o único elemento do suporte fáctico das regras jurídicas sôbre mora. E preciso que haja o vencimento e haja o inadimplemento e a imputabilidade do inadimplemento ao devedor. A exceção já existe, ex hypothesi, ao tempo do vencimento, e o inadimplemento foi devido a ter-se a exceção contra o credor. No momento em que se vai contra o devedor e êsse exerce a exceção, tudo se tem de apurar porque a eficácia da pretensão está encoberta. O que, com isso, se declara é que 3 inadimplemento não é imputável. A mora não se produziu, porque, se é certo que incidiu o art. 960 do Código Civil, também incidiu o art. 963. A 2.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de junho de 1947 (R. F., 115, 527), disse que, não havendo obrigação líquida e certa, a interpelação não constitui em mora o devedor. Infringiu a r e g r a jurídica explícita do art. 960, 2.a alínea, do Código Civil.

Quanto acima dissemos se refere a quaisquer exceções, inclusive a de prescrição. N o que concerne à exceção non adimpleti

contractus,

ou à non rite

adimpleti contractus, a prestação e a contraprestação estão em situação de recíproca dependência. O devedor somente incorre em inadimplemento imputável e, pois, em mora se o credor está pronto a cumprir a contraprestação e pode fazê-lo (Código Civil, art. 1.092, alínea l. a : "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro"). A tendência mais recente da doutrina alemã é a de adotar para umas exceções o princípio da eficácia da existência da exceção e, para outras, o princípio da eficácia do exercício não satisfaz. Deixa de fazer a pesquisa no suporte fáctico da mora, por estarem os juristas preocupados com o vencimento. Quando o art. 960 diz que "o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu têrmo constitui de pleno direito em mora o devedor", supõe positividade e liquidez, vencimento e inadimplemento imputável. 5. PRESTAÇÃO TIDA COMO IMPRÓPRIA. - Se devedor e credor tiveram a prestação como imprópria, não é preciso fazer-se interpelação: já a houve. Se há de incidir, ou não, a regra da imputabilidade do ato ou omissão (art. 963), é outra questão. Se o devedor mesmo comunicou que em certo dia prestaria (H. SIBER, Interpellatio und Mora, Zeitschrift der SavignyStiftung, 42, 104; E. ZITELMANN, Seíbstmahnung des Schuldners, Festgabe für P. KRÜGER, 288 s.; "auto-interpelação"; E . HEYMANN, Das Verschulden, 148), ou que já prestara o devido (E. ZITELMANN, 2 8 2 s„ 292), também seria supérflua a interpelação. Se a prestação não satisfaz, o auto-interpelado incorre, ou incorreu em mora. Se o devedor, antes de ser exigível a prestação, declara que não cumprirá a obrigação, não é preciso interpelação para o caso de não cumprir (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4. a ed., 272; O. WARNEYER, I, 508; sem razão, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

Kommentar,

135). Se o devedor tem o dever de aviso, a mora começa pela infração dêsse dever; nao é preciso interpelação: haveria mesmo contradição entre essa e aquêle (A. VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I, 256). Tratando-se de obrigação de omissão, ou abstenção, não há interpelação (O. WENDT, Unterlassungen und Versáumnisse, Archiv für die civilistische Praxis, 92, 68; R. TREITEL, Unmõglichkeit und Verzug, 60, que o afirmam em absoluto); salvo se a omissão ainda pode ser realizada (e. g., A precisa de duas horas de silêncio

dos vizinhos no dia tal, entre 12 e 13 horas, para gravação de disco e a interpelação é para que seja de 13 a 14, cf. G . PLANCK, Kommentar, H, I , 4.A ed., 2 5 9 , contra as edições anteriores, G . LEHMANN, Die Ausweitun" der debitorischen Verzugswirkung, 266 s., E . ZITELMANN, Selbstmahnun^ des Schuldners, Festgabefür P. KRÜGER, 2 7 1 ) , ou se é continuativa (então° cada infração da omissão permite a interpelação para o futuro). Tem-se' aí, síntese entre a tese de não haver mora, mas impossibilidade, e antítese que seria a interpretação literal do art. 1 . 0 7 2 do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, trasladado ao art. 9 6 1 do Código Civil. 6. INTERPELAÇÃO E MORA. - Segundo o direito brasileiro, o devedor tem, por si mesmo, de solver a dívida, se o art. 960, l. a alínea, ou o art. 962 incide. A interpelação tem-se atribuído a eficácia do art. 960, alínea l. a : Dies interpellat pro homine. Desde a glosa "committitur" à L. 9, D., de usuris

etfructibus

et causis

et omnibus

accessoribus

et mora,

22, 1,

que se diz "interpellari videtur ab ipsa die constituta", e a regra jurídica passou a fazer parte do direito costumeiro. Depois,.inseriu-se em muitas codificações (Código Civil saxônico, § 736; Código Civil austríaco, § 1.334). O Código Civil francês, art. 1.139, aludiu a qualquer convenção: "Le débiteur est constitué en demeure, soit par une sommation ou par autre acte équivalent, soit par l'effet de la convention, lorsqu'elle porte que, sans qu'il soit lesoin d'acte et par la seule écheance du terme, le débiteur sua en demeure". Não há interpelação, ato jurídico stricto sensu-, o "interpellat" está, na parêmia, em sentido de causar, por si só, o efeito que a interpelação causaria. A eficácia é da inserção do têrmo, e não do dies em si mesmo, porque o dies não é ato jurídico. As expressões usadas pelos juristas são de repelir-se (e. g., FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 108; K. F. F. KNIEP, Die Mora des Schuldners, 133); porque o que constitui em mora é o pacto ou cláusula que marcou o têrmo, tornando dispensável a interpelação. A mora produz-se sem que o credor pratique qualquer ato, inclusive sem que interpele. O Código Civil, art. 960, alínea l. a , falou de têrmo, e não de condição. Há mora por incidência de r e g r a jurídica, que é a do art. 960, alínea l. a , em cujo suporte fáctico não há interpelação; não há interpelação por fôrça de lei, ou incidência da lei, expressão de juristas superficiais, que é preciso corrigir-se. Se foi dito que a partir do dia tal é devida a prestação e há de ser paga, se o credor está na cidade, o art. 960, alínea 1. não incide. Se foi dito que a partir do dia tal pode ser exigida, a prestação, é preciso interpelar-se. Se a prestação é de se ir receber, o art. 960, alínea l. a , também não incide (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 109; O.

FISCHER-W. HENLE, Bürgerliches Gesetzbuch, 1 5 9 ; sem razão, G . PLANCK, Bürgerliches Gesetzbuch, II, 93). Idem, quanto aos títulos de apresentação

(E. JACOBI, Die Wertpapiere,

129).

O art. 962 também atribui eficácia de constituição em mora ao ato ilícito absoluto (Semper moram fur facere videtur, L. 8, 1, D., de condictione furtiva, 13,1). Também aqui é erro dizer-se que o ato ilícito absoluto, 0 delito, interpela. A mora resulta de incidência da regra jurídica em seu suporte fáctico, no qual não há interpelação alguma. Se o devedor reconhece, desde antes do vencimento (e. g., antes do advento da condição), que não poderá cumprir a obrigação, a interpelação está dispensada, não porque se trate de sub-rogado da interpelação (assim, F. PAECH, Der Leistungsverzug, 81), mas sim porque houve, se houve, renúncia ao direito a ser interpelado (MAX M E Y E R , Die Mahnung, 73). O acordo entre devedor e credor pode dispensar a interpelação, não só porque o art. 960, alínea l. a , é ius dispositivum, como porque bastaria a própria renúncia do devedor, se séria (H. DE CLAPARÈDE, Beitrãge, I, 165; H. BETTMANN, Die Mahnung,

54; MAX MEYER, Die Mahnung,

73).

Também se dispensa a interpelação se o devedor comunica ter prestado, ou que está, no momento, prestando, ou que vai prestar no dia certo. Quanto às prestações negativas, o art. 961 deu a regra jurídica. Se o art. 960, alínea l.a, ou o art. 961, ou o art. 962 incide, o devedor acarreta com as conseqüências que teria a interpelação (cf. R . L O E N I N G , DerVertragsbruch,

165).

A mora estabelece-se pela incidência da regra Dies interpellat pro homine, se há dies e a dívida é certa e líquida, e pela interpelação, notificação ou protesto (Código Civil, art. 960, alínea 2.a). A citação contém interpelação. A absolvição da instância não tira à citação o efeito próprio de interpelar, que se rege pelo art. 960, alínea 2.a, e não se pode estender à constituição do devedor, ou do credor, em mora a regra jurídica, especial, do art. 175 do Código Civil. Dir-se-á, em defesa da solução contrária, que ao devedor constituído em mora pode alegar o credor que se interrompeu a prescrição, uma vez que na lei, além de se falar da espécie do art. 172, 1 (citação), se diz, no art. 172, IV, que a prescrição se interrompe "por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor". A isso havemos de responder que o art. 172, IV. foi redigido para os atos judiciais fora da citação, uma vez que o art. 172,1, já cogitara da citação. O que fica da citação é o efeito, próprio, do ato interpelacional, contido na citação, ato que tanto pode ser judicial quanto extrajudicial. Por outro lado, o art. 172, IV,

não disse que interromperia a prescrição qualquer ato que ponha em mora o devedor, mas, sim, que a interromperia qualquer ato judicial. Portanto, há casos de constituição em mora, sem que, em virtude dela, se interrompa a prescrição. A teoria da constituição em mora não é coextensiva à da interrupção da prescrição. Assim, no sistema jurídico brasileiro, ainda se sobrevém absolvição da instância, o réu, devedor ou credor, está interpelado desde a citação, incorrendo, desde a data em que foi citado, em mora (arts. 960, parágrafo único, 955 e 958). 7. LITISPENDÊNCIA. - Para algumas relações jurídicas a litispendência altera o conteúdo da dívida. No direito brasileiro, a citação constitui em mora o devedor (Código de Processo Civil, art. 166, IV) mas, para isso, é preciso que se trate de ação de cobrança, cumulada ou não à de execução. Outros sistemas jurídicos, por não terem atendido a que há na citação interpelação, redigem a regra jurídica em têrmos menos diretos e menos exatos (e. g., Código Civil alemão, § 291, onde se diz que os interêsses de dívida de dinheiro são devidos a partir da litispendência, ainda que o devedor não haja incorrido em mora). O devedor não presta os interêsses, feita a citação, ainda que não tenha incorrido em mora: o devedor, com a citação, que contém elemento interpelativo, incorre em mora, se nela já não incorreu. Passa o mesmo, qualquer que seja o objeto da prestação. Há a mora, desde a citação, para as obrigações de dar coisa certa, ou incerta; e as regras jurídicas sôbre impossibilidade, perda ou deterioração são as que concernem à mora, e não as que concernem à impossibilidade, perda ou deterioração, superveniente à conclusão do negócio jurídico mas anterior à mora. Nos casos em que há impossibilidade da prestação (aqui não se trata de mora) e o devedor tem de indenizar (Código Civil, arts. 865, 2.a alínea, 867, 870, 871, 2.a parte, 876 e 877, 879, 2.a parte, e 883), inclusive se a obrigação era de não fazer e a impossibilidade consistiu em se ter de fazer, há a pretensão do credor à indenização. 8. ADIMPLEMENTO NÃO-SATISFATÓRIO. - Os legisladores de todo o mundo, ao tratarem de impossibilidade e de não-adimplemento, não viam que faltava considerar-se o adimplemento, que ocorreu, porém não satisfez. O devedor não só está obrigado a prestar, mas sim a prestar de tal maneira que satisfaça. Se adimple de jeito que não baste, ou que cause dano, ou imponha despesas, satisfatoriamente, não adimple. Nem se há de pensai"

em ser impossível a prestação: foi feita; nem em faltar o adimplemento: adimpliu-se a obrigação, ou, se não havia obrigação, adimpliu-se a dívida. O consertador de máquinas, que fêz o conserto, mas ainda não trabalha com a eficiência, que se havia de esperar, a máquina, adimpliu insatisfatòriamente. Quem prometeu dez caixas de vinho e remeteu nove, no dia do vencimento, e uma, dia ou dias depois, insatisfatòriamente adimpliu. Se A vende ou aluga a B três garanhões e o empregado de B os recebe, de inferior qualidade, havendo a fecundação, A está obrigado à indenização, ainda que purgue a mora, remetendo depois os que prometera. São os chamados danos concomitantes (Begleitschaden), de que falam FR. LEONHARD CAllgemeines Schuldrecht, 542) e outros, ou danos suplementares. O cumprimento foi defeituoso. O construtor do edifício de apartamentos executa, lisa e satisfatoriamente, o que prometeu, mas - ao pintar o lado da casa - deixa cair sôbre o telhado do prédio vizinho lata de óleo que arrebenta as telhas e lhe danifica o tecto. O dono do prédio vizinho vem contra o dono da obra, invocando o art. 1.529 do Código Civil. Seria êrro considerarem-se êsses danos, se acabada obra, como suplementares ou concomitantes, ainda que o prédio vizinho pertença ao dono da obra, caso em que nasce ação do dono do prédio (e da obra) contra o construtor. Chama-se a êsse dever infringido dever de proteção, porque quem executa tem de executar sem causar danos, mas o conceito apenas, caberia, no caso de danos suplementares, no de dever de adimplemento satisfatório, e pois no de dever de prestar. Se o locatário causa danos à casa, por falta de limpeza, teve conduta contrária ao que foi convencionado, ou resulta do art. 1.211 do Código Civil. O adimplemento da restituição, por ocasião da entrega, é defeituoso, sem que possa pensar em mora, salvo se, interpelado, sôbre a indenização do dano, ou consêrto, deixa de solver. O devedor está obrigado pelo que resulte, em danos, do adimplemento insatisfatório, segundo os princípios que regem a constituição e a eficácia da mora ( H . STAUB, Die positiven Vertragsverletzungen und ihre Rechtsfolgen, 29 s.; cf. Tomo II, §§ 173 e 174). O devedor está obrigado a indenizar os danos que o credor sofra em seu patrimônio, ou em outros bens jurídicos, em conseqüência do adimplemento insatisfatório (cf. H . TITZE, Bürgerliches Recht, Recht der Schuldverhãltnisse, 4.A ed., 9 7 ; FR. LEONHARD, Allgemeines Schuldrechts, 5 4 2 ) . As expressões "infração positiva do contrato", "violação positiva do contrato", somente servem a parte das infrações que se têm como adim-

plemento insatisfatório. O adimplemento pode não ser de dívida de origem contratual. Por outro lado, a "positividade", aí, é em relação ao credor, porque atos positivos que não são de adimplemento podem violar contratos como a alienação do bem vendido a outrem. Mas é de entender-se, quando se emprega a expressão "violação (ou infração) positiva do contrato", que se trata de ato de adimplemento. Cumpre, finalmente, observar-se que o dever de indenizar que vem ao lado do dever de prestar, que se infringiu, precisa ser adimplido para que por adimplido se tenha a êsse. Também a respeito da infração positiva do contrato, ou, em geral, de insatisfatoriedade do adimplemento, não há trazer-se à tona o problema da culpa (ANDREAS VON TUHR, Der Allgemeine Teil, m , 461; H . SIBER, em G. PLANCK, Kommentar,

II, 1, 2 4 9 s.).

Quem recebeu a prestação e alega que o adimplemento não foi satisfatório, tem de provar o defeito (= insatisfatoriedade), os danos e a relação causai entre a violação positiva e o dano. Não tem de provar culpa, pôsto que o devedor possa provar que, ainda que o adimplemento houvesse sido satisfatório, o dano teria ocorrido (analogia com o art. 957, -in fine, do Código Civil).

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.803. A - Legislação Sobre obrigação de indenizar dano pelo fato da coisa: art. 938 do CC/2002.

§ 2.803. B - Doutrina Resolução é o meio de extinção do contrato por circunstância superveniente à sua formação. São motivos de resolução do contrato, por exemplo: onerosidade excessiva, inadimplemento absoluto, violação positiva do contrato, mora, morte de uma das partes nos contratos intuitu personae etc. Pressupõe a impossibilidade (ou inconveniência) da continuidade ou manutenção do vínculo contratual, haja ou não inadimplemento contratual. Caracteriza-se como meio concedido pela lei aos contratantes, e também a terceiros, de poder extinguir o contrato para obter a reparação dos prejuízos que o outro contratante causou pelo descumprimento do contrato, mesmo que o contrato seja válido, o que se faz por meio da reposição das coisas ao estado anterior à celebração do contrato (MANRESA Y NAVARRO, Jose

; i í

Maria. Comentários al Código Civil espanol. 4. ed. Madrid: Réus, 1929. vol. VIII, art. 1289, p. 662). É retroativa, com a restituição do recebido e pagamento de perdas e danos (art. 475 do CC/2002). A resolução não se confunde com a extinção do contrato pela execução, ou seja, pelo cumprimento de todas as suas cláusulas, fim mesmo do contrato.

§ 2.803. C - Jurisprudência Sobre o direito à redibição e pretensão indenizatória, manifestou-se o STJ que o descumprimento de contrato gera pretensão indenizatória em favor do contratante lesado, cuja procedência tem como requisitos: prova do contrato, do seu cumprimento imperfeito, da culpa do vendedor e da relação de causa e efeito entre o comportamento culposo e o dano que se quer reparar. Ação de indenização com tal fundamento não se confunde com a ação redibitória, que permite a enjeição da coisa por vícios ou defeitos ocultos (art. 1.101 do CC/1916), e que tem o prazo curto de decadência fixado no art. 178, §§ 2." e 5.°, IV, do CC/1916, que é de 15 dias ou seis meses, contados da tradição da coisa, em se tratando, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel. O direito de redibir independe de culpa do vendedor e mesmo de seu conhecimento do defeito, e s e aplica àqueles contratos onde o defeito, sendo oculto, pode ser percebido após a tradição, nos prazos mencionados. Na espécie, segundo consta dos autos, os defeitos s e manifestaram muitos meses depois do recebimento do bem. A decadência do direito de redibição não se confunde com a prescrição indenizatória pelos danos derivados do mau cumprimento do contrato (STJ, REsp 52.075/ES, 4. a T., j. 11.10.1994, v.u., rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.12.1994). Conferir a Súmula 76 do STJ: "A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor". Sobre o compromisso de compra e venda de imóvel, decidiu o TJSP: "Rescisão cumulada com reintegração de posse e indenização por perdas e danos. Pedido fundado em cláusula resolutiva expressa. Inadmissibilidade. Necessidade de prévia resolução judicial, antecedida de interpelação premonitória para a constituição do compromissário comprador em mora. Exegese do art. 1 d o Dec.-lei 745/1969" (TJSP, Ag 272.830-4/2, 2.a Cãm. de Direito Privado, j. 19.08.2003, v.u., rei. Roberto Bedran). Sobre objetos lançados da janela do edifício, o STJ decidiu que a impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros (STJ, REsp 64.682/RJ, 4. a T., j. 10.11.1998, rei. Min. Bueno de Souza, DJU 29.03.1999, RT767/194; RSTJ116/258).

§ 2.804. LUGAR E TEMPO DA INTERPELAÇÃO

interpelação supõe que se aluda ao lugar, ao tempo e ao modo da prestação. Não há confundir o lugar, o tempo, ou o modo da prestação, com o lugar, o tempo, ou o modo da interpelação. A regra é que o credor espere o tempo em que pode interpelar, para que o devedor se constitua em mora. Reclama-se. O que é preciso é que já se tenha a dívida e a interpelação se refira ao tempo em que se pode exigir. Portanto, a interpelação pode ser antes do têrmo ou da condição. 1. TEMPO DA INTERPELAÇÃO. - A

No direito comum, discutia-se se a interpelação antes do vencimento, a inopportuno loco et tempore, é ineficaz (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9. ed., 143, nota 4); mas afirmar que a interpelação havia de ser ao tempo da prestação, opportuno loco et tempore, proveio de confusão entre interpelar quanto ao lugar e tempo oportuno da prestação e interpelar no lugar e no tempo oportuno. É àquilo, e não a isso, que se refere a L. 32, pr., D., de usuris etfructibus

et causis et omnibus

accessionibus

et mora, 22, 1, tan-

tas vêzes mal traduzida. Aliás, do Código Civil, art. 960, alínea 2.a ("Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto"), não se há de tirar, tão-pouco, que a interpelação,' a notificação, ou o protesto, somente possa ser ao tempo e no lugar da prestação. Ainda diante do § 281 do Código Civil alemão, que fala de interpelação "após a entrada do vencimento" (nach dem Eintritt der Fãhigkeit), a doutrina teve de repelir a interpretação que exigia só ser após o vencimento a interpelan , 1, 4 . a e d . , 2 6 7 s . ; L . ENNECCERUS,

ç ã o ( G . P L A N C K , Kommentar, a

Lehr-

a

buch, II, 31. -35. ed., 176; O . W E N D T , Die exceptio doli generalis, 1 2 1 ;

F. PAECH, Der Leistungsverzug, Schuldverhaltnisse,

Lehrbuch

72; sem razão,

P. OERTMANN, Recht

1 3 3 ; H . DE CLAPARÈDE, Beitrãge,

des Schuldrechts,

der

1 0 3 ; KARL LARENZ,

I, § 2 2 , 1 ) .

É essencial saber-se que as regras jurídicas sôbre a mora somente podem incidir se o devedor não está liberado pela impossibilidade da prestação. Portanto, se é possível exigir-se a prestação. Se a mora não é ex re, isto é, se não incide o art. 960, nem o art. 961, nem o art. 962 do Código Civil, tem de haver interpelação. Se o vencimento depende de que o credor faça oblação da contraprestação, tem êle ensejo para a oblação e para a interpelação, aí simultâneas. Nada obsta a que o credor diga qual o lugar, o dia e o momento em que se há de prestar e de contraprestar, desde que se atenha aos têrmos do negocio jurídico bilateral.

A interpelação não precisa conter qualquer referência às conseqüências da mora. Não é negócio jurídico, mas ato jurídico stricto sensu. Nada se impugna (KARL LARENZ, Vertrag und Unrecht, I, 70), nada se objeta, nada se excetua. 2. I N T E R P E L A Ç Ã O E LUGAR. - A interpelação não depende do lugar da prestação. Se se faz noutro lugar, a mora somente começa depois do tempo indispensável a que o devedor providencie para cumprir a sua obrigação (O. WENDT, Die exceptio doli generalis, 121 s.). Aliás, as circunstâncias mesmas podem dar ao devedor a pretensão à tutela jurídica para pedir ao juiz fixação de tempo necessário, prudencial, se o credor não atende, pedindo-lho o interpelante; e. g., se foi decretado feriado de tôda a semana e o dinheiro está nos bancos.

A título de ilustração, porque em verdade é exemplo de como a meia-ciência pode encher de êrros os séculos, volvamos à apreciação da L. 32, pr., D., de usuris

et fructibus

et causis

et omnibus

accessionibus

et

mora, 22, 1: "Mora fieri intellegitur non ex re, sed ex persona, id est, si interpellatus oportuno loco non solverit" ^"Oportuno loco interpellatus" ou "oportuno loco solverit"? A . FABER ( R a t i o n a l i a in Pandectas, à L . 5, D., 12,1, e à L. 2, D., 13,4) entendia que se tratava de interpelar no lugar oportuno. A Glosa interpretava que o lugar oportuno da interpelação seria o do adimplemento, portanto, de regra, o do domicílio do devedor: "sed quid dicitur oportunus locus? Respondo potest dici ille in quo debitor potest conveniri invitus ut solvat, non alius, etiam ubi habet locum domicilii, sed non potest ibi conveniri". H . DE COCCEJUS (Exercitationes, d. LEX, 8) distinguiu as obrigações em que o devedor haveria de levar e as em que o credor teria de buscar. Ainda C. W. WOLFF (Zur Lehre von der Mora, § 22) o quis sustentar. Gramaticalmente, "oportuno loco" tanto se pode ler como ligado a "interpellatus" como a "non solverit" (C. O . v. MADAI, Die Lehre von der Mora, 41 s.), mas o mais provável, por ser melhor estilo, é que se haja pensado em "oportuno loco non solverit", porque não se disse, e mais de esperar-se fora, se se quisesse aludir à interpelação, que se dissesse, "oportuno loco interpellatus". Demais, a prestação pode ter sido levada a lugar impróprio, e a mora dar-se-ia, o que a L. 32, pr., também abrange. Não se compreende que K F. F. KNIEP (Die Mora des Schuldners, 524) houvesse remitido à argumentação de C. O. VON MADAI; menos ainda que C. FERRINI confundisse a interpelação com o exercício do ius petendi.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.804. B - Doutrina Por interpelação entende-se o meio escrito, a cargo do credor, de comunicar e fazer certa sua vontade ao devedor, de receber o que lhe é e como lhe é devido opportuno loco e tempore. Tal vontade pode s e revelar pela interpelação extrajudicial, pela citação judicial, pelo protesto de letras e pelo protesto que s e fazem para garantia de direitos.

§ 2.805. M O R A E D E N Ú N C I A

1. D E N Ú N C I A E PRAZO PARA PRESTAR. - É possível que a pretensão somente suija com a denúncia, ou depois de transcorrido o prazo, que se há de contar após ela. Então, o denunciante é que determina o dies, imediata ou mediatamente. Não se havia fixado o tempo, fixa-o o denunciante. Se o denunciante o fixa de tal modo que, se feita no negócio jurídico a fixação, seria preciso interpelar, tem de ser feita interpelação após tal denúncia. Se não se precisaria de interpelar (= os pressupostos necessários do art. 960, alínea l. a , foram satisfeitos), a denúncia, de si só, estabelece o suporte fáctico futuro para a incidência do art. 960, alínea l. a . 2. Dois o u MAIS CRÉDITOS. - A denúncia para dois ou mais créditos pode dispensar a interpelação para uni, ou alguns, e para outro ou outros não. As regras jurídicas do art. 960, alíneas l. a e 2.a, incidem conforme os seus suportes fácticos.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.805. A - Legislação Conferir o art. 473 do CC/2002, que trata da resilição unilateral. § 2.805. B - Doutrina Resilição é o modo de extinção do contrato por simples declaração de uma (resilição unilateral) ou de ambas (resilição bilateral) as partes. É o gênero do qual

são espécies o distraio, a denúncia,-a revogação e a renúncia. É extinção sem retroatividade das obrigações das partes. Sobre resiiição de contratos de longa duração a termo, v. NERY JR., Nelson. Soluções práticas de direito. São Paulo: Ed. RT, 2010. vol. II, n. 14, p. 429-439.

§ 2.805. C - Jurisprudência "Seguro-saúde. Plano grupai firmado com empresas. Cancelamento unilateral pela seguradora. Cláusula contratual dispondo a respeito. Liminar em medida cautelar. Concessão para a continuidade da assistência médico-hospitalar, enquanto tramita a ação que decidirá sobre a manutenção-do contrato" (TJSP, Ag 264.859-4/0, 7 a Câm. de Direito Privado, v.u., j. 06.11.2002, rei. Oswaldo Breviglieri). "Plano de saúde. Prestação de serviços de assistência médica. Submissão ao CDC" (TJSP, Ap 140.268-4/9, 2. a Câm. de Direito Privado, v.u., j. 24.06.2003, rei. Maia Cunha).

§ 2.806. IMPUTABILIDADE DO ATO O l t O M I S S Ã O 1. INADIMPLEMENTO DE ATO POSITIVO OU NEGATIVO. - O ato ilícito relativo supõe o inadimplemento, isto é, o inadimplemento imputável ao devedor. No direito romano, os textos exigem que o devedor saiba, ou que deva saber, que tem de prestar (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 57 s.; absolutamente sem razão, K . F. F. KNIEP, Die Mora des Schuldners, I, 330 s.). Não se pode responder, a priori, se o devedor incorre em mora por culpa leve, ou por culpa grave, ou somente pelo dolo, ou se pela simples ligação causai: mora é efeito; as regras jurídicas sôbre os elementos do suporte fáctico do ato ilícito relativo são as de cada negócio jurídico e perderam tempo os juristas em dar à "responsabilidade" ou a "imputabilidade" do devedor conteúdo uno e único. Tão-pouco, adiantaria dizer-se que, de regra, se exige, pelo menos, a culpa (e. g., P. OERTMANN, Rechí der Schuldverhãltnisse,

135; E . HEYMANN, Das Verschulden

beim

Erfüllungsverzug,

7), ou abstrair-se da culpa (R. WEYL, System der Verschuldensbegriffe, 499 s.; antes, F. ENDEMANN, Lehrbuch, I, 8.a-9.a ed., 779 s.; E. MEUMANN, Der Verzug des Schuldners,

20 s.; F. JUNGHERR, Haften

aus schuldlosen

Han-

16; depois, RÕMER, Erfordert der Schuldnerverzug ein Verschulden des Schuldners?, Deutsche Juristen-Zeitung, 12, 873). Certamente, a culpa não é elemento necessário do suporte fáctico do art. 963, que diz: "Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre êsse em mora";

deln,

portanto, salvo se há regra especial que exija a culpa, ou a culpa grave, ou o dolo, basta a imputabilidade; quer dizer: se, segundo as regras jurídicas concernentes à espécie, especialmente responde. A tautologia é evidente Dentro da relação jurídica, o devedor responde como deve responder. A mesma tautologia no § 285 do Código Civil alemão (verbis "zu vertreten hat"). A referência do art. 957 do Código Civil brasileiro à "culpa" é inoperante, diante do art. 963. Para o art. 963, não havendo fato, ou omissão, imputável ao devedor, não incorre êste em mora. A regra jurídica, que aí se contém, é de grande importância, tanto mais quanto o divisor de águas começou no direito comum e tomaram caminhos diferentes o Código Civil francês, art. 1.147, o alemão, § 285, o brasileiro, art. 963 (art. 957), e o suíço das Obrigações, art. 103. O Código Civil brasileiro afastou-se da teoria da culpa no inadimplemento, sem cair na teoria do fato do inadimplemento, que seria a de alguns juristas. Aproximou-se do Código suíço das Obrigações, art. 103, segundo o qual o devedor em mora deve as perdas e danos por causade inexecução tardia e responde mesmo pelo caso fortuito, pôsto que possa escapar a essa responsabilidade, se prova que se pôs em mora sem qualquer culpa sua, ou que o caso fortuito atingiria; a coisa devida, com prejuízo do credor, ainda se o devedor tivesse executado (cf. arts. 106 e 107), e, quanto à ignorância da existência da dívida, ou da pretensão (data da exigibilidade), escusável, ou à dúvida sôbre a validade da pretensão contra êle, a lei suíça não o levou em conta. A própria chamada ao serviço militar (dificuldade invencível de executar) não pré-exclui a mora. Importa, no direito brasileiro, concluir-se: a fôrça maior individual é inoperante; não desfaz o suporte fáctico de qualquer das regras jurídicas do art. 960, alíneas l. a e 2.a Se constitui impossibilitação, é outro problema. A duração do obstáculo à mora é que determina a não constituição em mora. Se o crédito seria de exigir-se a 15 de março e houve mudança de residência do credor, sem que o devedor pudesse descobri-lo, a pre-exclusão da mora é só enquanto não no descobre o devedor, ou não lhe chega a notícia. Se houve interpelação e a mudança se operou no intervalo entre a remessa, ou despacho, e a recepção, ou intimação, dá-se o mesmo; e não é exigida nova interpelação (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4.a ed., 276; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse, 135). Nenhum dos fatos, positivos ou negativos, que pré-obstariam à mora, são de qualquer efeito, depois de já ter o devedor incorrido nela (G. PLANCK, Kommentar, II, 1,

4 a ed., 276; sem razão, O . WARNEYER, Kommentar, I, 513, que reduz os obstáculos à mora, elementos fácticos pré-excludentes da incidência do art. 960, alíneas l.a e 2.a, a obstáculos à continuação da mora, portanto elementos fácticos excludentes, o que desvirtuaria a técnica jurídica do instituto). 2. MORA E EXCEÇÃO. - Se há exceção, o devedor não incorre em mora, se a exerce. Outrossim, se a sua prestação e a do credor têm de ser no momento seguinte, ou se ocorre impossibilidade da prestação. A dúvida do devedor sôbre a existência da dívida, ou da obrigação, não opera a favor do devedor, ainda se não podia conhecê-la, ou foi escusável o seu êrro (aliter, no direito alemão, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 135). O exercício do direito de retenção pré-exclui a mora. Mas, para que isso se dê, é preciso que tal direito já existisse desde o momento exato em que se incorreria em mora. Não basta começar de existir já depois do início da mora, ainda quanto aos efeitos desde êsse momento. Quem tem direito de retenção não pode, enquanto o tem, ser pôsto em mora, se o está exercendo (P. OERTMANN. Recht der Schuldverhãltnisse, 96 s.; discorda, P. LANGHEINEKEN, Anspruch undEinréde, 9 3 ) . Veja §§ 2 . 8 0 3 , 4, e 2 . 8 0 8 , 1 e 2.

3. CASO FORTUITO OU FÔRÇA MAIOR E MORA. - Se há caso fortuito, ou fôrça maior (transindividual), está excluída a imputabilidade do ato ou omissão, se não há, em regra jurídica especial, tal responsabilidade. Resta saber se o fato pessoal do devedor, que impeça a execução, a exclui. O exemplo clássico é o da doença do devedor, que lhe tolha a aptidão a adimplir, quando não se trata de impossibilitação da prestação mesma. Se a responsabiüdade, na espécie, é pelo caso fortuito ou fôrça maior transindividual, a fôrça maior individual não excluiria a responsabilidade, nem os efeitos da mora. Se responde o devedor por culpa, mora só há se culpa houver em não prestar. Se somente responde por culpa grave, não é só preciso imputabilidade; algo mais se exige para qualquer responsabilidade. Mora somente há se responsabilidade - segundo a espécie - houve; se não há responsabilidade segundo a espécie, não há mora, ainda que tenha havido culpa leve do devedor. Diante da confusão, que os juristas fizeram, entre infração (ato ilícito relativo) e mora, compreende-se que a luta, desde o direito comum, se ferisse em tôrno das espécies de inadimplemento sem mora. A dissociação entre pretensão nascida e mora aparece, claramente, quando o credor dá "prazo de espera" ou "de graça", ou quando há direito

de exceção contra o crédito e o devedor o exerce, peremptória, como a de prescrição, ou dilatória. São circunstâncias que podem tornar não imputável ao devedor o inadimplemento: a) a mudança de domicílio ou residência do credor, sem aviso ao devedor, ou sem comunicação de enderêço do cessionário; b) a não-legitimação do cessionário; c) se o credor se ausentou e não é caso de depositar-se. 4. PROVA DA NÃO IMPUTABILIDADE. - O ônus da prova da não-imputabilidade toca ao devedor. O credor prova os elementos do suporte fáctico do art. 960, alínea l. a , ou alínea 2.a, ou 961; o devedor, os do art. 963. Se a obrigação é toma-lá-dá-cá, tem o credor o ônus de provar a oblação da contraprestação (FR. LEONHARD, Die Beweislast, 3 6 5 ) , não, porém, que a prestação não se efetuou (sem razão, F R . LEONHARD; com razão, G. PLANCK, Kommentar, II, 1,4.a ed., 277). Somente se a colaboração do credor é necessária, precisa êsse prová-la, se o devedor alega que faltou e prova que diligenciou prestar. O devedor é que tem de provar o seu direito de exceção e exercê-lo, ou tê-lo exercido; bem assim o direito de retenção, que tinha e tem. 5. DECLARAÇÃO DO DEVEDOR DE SE ACHAR EM MORA. - ^Trata-se de comunicação de conhecimento se enuncia o devedor que incorreu em mora? Pensou-se em algo»como intimação. Pensou-se na bilateralidade da declaração, para que a convenção estabelecesse a mora. Mas ^que é declaração de se achar em mora? A comunicação de conhecimento pode ser somente do fato de não ter pago. Pode ser comunicação de não querer pagar. Ali, o enunciado de fato tem a importância que se lhe possa atribuir, como a de ter havido interpelação oral feita pelo credor sem que o devedor pudesse solver. Aqui, o devedor manifesta vontade. O devedor, que ainda não incorreu em mora e declara que àquele momento incorre, faz declaração de vontade presente e futura (= não quero cumprir no dia do vencimento e quero manter essa vontade) e declaração do fato de tal vontade.

§ 2.807. N A T U R E Z A D A M O R A E P U R G A Ç Ã O

devedor, ou credor, constitui-se em mora, porque demora em prestar, ou em receber. A mora nao e 1. CONTRARIEDADE A DIREITO E MORA. - O

fato jurídico; é efeito de fato jurídico. Desde que se compôs o suporte fáctico do art. 960, alínea l.a, ou do art. 960, alínea 2.a, ou do art. 961, ou dò art. 962, sem que a espécie do art. 963 pré-exclua a incidência de qualquer daquelas regras jurídicas, há o fato jurídico do ilícito relativo, ou absoluto (art. 962), com o início de estado contrário a direito, de que resultam a mora e as conseqüências da mora (mora-efeito, a produzir efeitos). O fato jurídico foi a violação da obrigação, ou a infração de dever por ato ilícito absoluto. Durante o estado contrário a direito (= durante a mora), pode o devedor prontificar-se à prestação, acrescida dos prejuízos decorrentes desde a mora até o dia da oblação (art. 959). É a p u r g a t i o ou emendatio

morae:

"Purga-se

a mora: I. Por parte do devedor, oferecendo êste a prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta" (art. 959). Também o credor pode fazê-lo (art. 959, II: "Por parte do credor, oferecendo-se êste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data"). Prevê-se a renúncia como causa de purgação: "Por parte de ambos, renunciando aquêle que se julgar por ela prejudicado os direitos que da mesma lhe provierem" (art. 959, IH). A purgação concerne ao passado, apanha todo êle até o momento da satisfação. O qye a oblação consegue é só no tocante ao futuro, de modo que, se falha, nada obteve. Também o contrato pode fazer cessar a mora e purgá-la. Se nôvo prazo se convenciona, entende-se que só se excluem os efeitos da mora daí por diante até o têrmo do nôvo prazo, sem que se elimine a possibilidade (questão de interpretação do negócio jurídico) de ser nôvo prazo sem exclusão dos efeitos ex nunc da mora, ou de alguns deles (o que não se presume, cf. G. PLANCK, Kommentar, n, 1, 4.a ed., 278). Também é questão de interpretação se a renúncia ou o contrato exclui ex tunc os efeitos da mora, o que se há de resolver conforme as circunstâncias do caso (H. WALSMANN, Der Verzicht, 237), e não se presume a afirmativa. A revogação da interpelação não é purgação. Aí, não se deu o ilícito relativo, nem, portanto, o seu efeito, a mora. Não tendo existido, pela retirada da vox, a mora, não há efeitos dela, que se tivessem de excluir. A retirada da interpelação não leva em si implícita remissão da mora (sem razão, TH. KIPP, Rechtswahrnehmung, Festgabefür R . KOCH, 120 s.): ou produziu a mora, e então a retirada é renúncia da mora para o futuro; ou ainda não produziu, e não há renúncia da mora: não houve mora. Se o devedor (art. 959,1) quer prestar sem "a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta" quer fazer apenas parte da prestação, porque êle

já deve o.que devia ao tempo da mora mais x. O credor, que o recusa não incorre em mora. Se a aceita, não se pode concluir, somente daí, que haja renunciado à "importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta" (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

130).

2. OBLAÇÃO CÔNGRUA E PURGA DA MORA. - O ato ilícito relativo, ou absoluto (art. 962), produziu-se; o devedor, ou credor, tem direito a purgar ou emendar a mora, se a oblação é côngrua. "CELSO, O jovem, escreve que aquêle que incorreu em mora de entregar o escravo Estico, que prometera, pode emendar essa mora, entregando-o depois; porque essa é questão de bondade e de eqüidade (esse enim hanc quaestionem de bono et aequo), gênero de questões em que perniciosamente se erra, muitas vêzes, investigando-se, sob a autoridade da ciência do direito" (L. 91, § 3, D., de verborum obligationibus, 4 5 , 1, tirado de MARCELO, que serviu a Pio e a Marco Aurélio, sendo CELSO, o-jovem, pretor em 106 ou 107 e cônsul em 129). Resta saber-se se êsse direito de purgar, munido de pretensões e ações, pode ser renunciado. O exercício pode ser revogado, porque se trata de oferta, vox, e não já de depósito em consignação, oü de levantamento do depósito feito, que se regem por seus princípios. Quanto à renúncia ao direito de purgar, FR. MOMMSEN (Die Lehre von der Mora, 329) respondia negativamente; C. O . VON MADAI ( D i e Lehre von der Mora, 497), afirmativamente. A oblação ao credor pode ser por terceiro (art. 930 e parágrafo único). Não há regra jurídica geral sôbre a oblação do devedor ter de ser real (Realoblation). Tem de ser como teria de ser antes da mora; ordinariamente, efetivá. Nas dívidas de vir, ou mandar buscar (Holschuld), basta a oblação verbal, - sem que se dê a transformação, com a mora, da dívida de vir, ou mandar buscar, em dívida de levar (.Bríngschuld), como, sem razão, pretenderam H . REHBEIN (Das Bürgerliche Gesetzbuch,

II, 131) e F. PAECH (Der Leistungsverzug,

182).

3. CITAÇÃO E PURGA DA MORA. - Feita a citação, pode o demandado purgar a mora, nas ações condenatórias, nas constitutivas e nas mandamentais, até a contestação, exclusive. Nas ações executivas, se há penhora inicial, dentro das vinte e quatro horas de que fala o art. 927 ou o art. 300 do Código de Processo Civil; se não há início de execução, antes de contestação, até essa, exclusive. Não se procurem semelhanças em direito estrangeiro, para se chegar às conclusões acima, nem para as refugar. Não as há. Nas Ordenações

Filipinas, Livro IV, Título 39, § 2, que, aliás, tratavam das enfiteuses eclesiásticas,'aludia-se à purgação da mora, "antes que seja citado em juízo, ou depois de citado" "antes da lide contestada". Entendeu-se ser regra jurídica geral que aí se exprimia. Caindo em mora o devedor, há de se saber se ainda é útil ao credor a prestação tardia. Se não no é, não se pode pensar em purgação da mora. Por outro lado, preciso apurar-se se ainda é possível. Se, impossível, a superveniente impossibilidade proveio de culpa do devedor, ou não, é outro problema, que não se deve misturar com aquêle de que tratamos. Se fôssemos admitir que o devedor é responsável por tôda mora, sem poder solver a dívida senão quando o credor cobrasse, partiríamos de princípios que de modo nenhum levariam a soluções justas das situações criadas entre devedores e credores. O direito romano considerou a mora creditorís, surgida após a mora debitoris: se o que devia dez os quis prestar ao credor, e êsse se recusou a recebê-los sem justa causa, podia amparar-se na exceptio doli (L. 72, pr., D., de solutionibus

et liberationibus,

46, 3). Os

romanistas recentes são propensos a ligar a essa exceptio doli o conceito da emendatio ou purgatio

morae; m a s os argumentos" não satisfazem (cf. H.

SIBER, Rõmisches Recht, n, 255). A explicação pela exceptio doli serviria,

hoje, para se esclarecer a razão da proponibilidade da purga até antes da contestação. Mas a verdade é que, no direito anterior às Ordenações Filipinas, a mora só se produzia com a contestação da lide, o que pré-excluiria a purgação anterior: mora não havia, se por outra causa nela não incorrera, antes, extrajudicialmente, o devedor (cf. MIGUEL DE REINOSO, Observationes Practicae,

446).

O autor não pode recusar a purga tempestiva da mora, porque incorreria em mora de credor (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisiones, 496). Autor não pode purgar a mora, pendente a lide (GABRIEL PEREIRA DE 496), salvo se réu, na reconvenção, ou nos embargos de terceiro ou de executado.

CASTRO, Decisiones,

SILVESTRE GOMES DE MORAIS (Tractatus de Executionibus,

II, 254)

também pôs por princípio geral - e cogitava de obrigações fadendo - que "Mora purgari potest usque ad litis contestationem". MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Commentaria, IV, 189) foi claro: "regulariter mora purgari possit usque ad litem contestatam, si ius creditoris non est factum deterius et res sit integra". Quanto às ações em que há prazo para solver, enquanto se está dentro dêle se pode purgar a mora (IV, 195).

N e m CARLOS DE CARVALHO ( N o v a Consolidação,

art. 8 7 8 ) , n e m

LACERDA DE ALMEIDA ( O b r i g a ç õ e s , 1 9 8 ) , n e m M . I. CARVALHO DE M E N DONÇA CDoutrina e Prática

das Obrigações,

I, 5 0 1 ) ,

trataram do tempo em

que o devedor poderia purgar a mora. Depois da contestação da lide não há mais purga da mora. Há satisfação,

e m q u e o a u t o r c o n s i n t a , o u consignação

em pagamento,

que o

juiz julgue com a ação de condenação que se propusera, ou transação, ou compromisso, - não, purga da mora, no preciso conceito. Os credores notificados do enfiteuta podem purgar a mora (Código Civil, arts. 959,1, e 930). Se o credor é o senhorio, pode purgar a mora ou resgatar o prédio (art. 693). Têm de ser notificados os credores hipotecários e os credores pignoratícios cujos direitos constem do registo de imóveis (Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, arts. 14-21; Decreto-lei n. 2.612, de 20 de setembro de 1940, art. l.°), inclusive os credores pignoratícios por penhor de créditos hipotecários (Decreto n. 24.778, de 14 de julho de 1934, arts. l.° e 2.°). 4. TERCEIRO E PURGA DA MORA. - Se terceiro se prontifica a prestar, em lugar do devedor constituído em mora, tudo se passa como se tivesse sido o devedor quem a purgou. Também aí a mora deixa de pé tôdas as conseqüências da mora até se extinguir com a purgatio morae.

§ 2.808. M O R A E E X C E Ç Ã O 1. ADIMPLEMENTO E EXCEÇÃO. - Enquanto há exceção, o credor está exposto a que se não. produza a mora. Está exposto; não se entenda que a mora não se produz. A mora pode produzir-se e, pois, ter-se produzido se não exerce a exceção o devedor. A respeito, houve quem tentasse sustentar que a simples existência da exceção produzisse o efeito de evitar a mora debendi. A confusão é evidente, a despeito de nela terem caído E. ZITEL-

MANN (Allgemeiner

Teil, 3 0 s.), H . SIBER (Der Rechtszwang,

tros. Evitaram-na K .

HELLWIG (Anspruch

2 4 8 e 2 5 0 ) , E . SUPPES (Der Einredebegriff

PLANCK, Kommentar, Teil, I, 2 9 4 gesamte

s.) e

des BGB.,

142 s.) e ou-

3 5 2 ; Lehrbuch,

(Einrede und Verzug, Zeitschrift

7 8 , 1 s.).

I,

3 6 ) , H . SIBER ( e m G.

II, 1, 4.A ed., 2 6 1 s.), A . VON TUHR (Der

P. OERTMANN

Handelsrechte,

und Klagrecht,

Allgemeine für

das

2. EXERCÍCIO DA EXCEÇÃO E MORA. - A exceção há de ser exercida; não tem eficácia antes de o ser; se o é, opera desde que nasceu. Se o credor interpela o devedor e êsse não exerce o seu direito de exceção, a mora estabelece-se. Se não há ação proposta, cabe ao titular da exceção exercer o seu ius excepcionis, extrajudicial ou judicialmente. Por isso mesmo, o devedor fica interpelado pelo capital e deve interêsses da mora (efeito da interpelação) se a exceção não é exercida. Tratando-se de mora ex re, a exceção não tem de ser exercida desde logo, porque a exceção é contra o exercício (eficácia) da pretensão, e não contra a pretensão em si. Assim, se B deixou de pagar a A o que haveria de ser pago a 7 e A propõe a ação de cobrança, a exceção, aí, encobre a eficácia da pretensão, porque a mora, essa, já se operou.

§ 2.809. CONSEQÜÊNCIAS DA MORA

devedor em mora responde por todos os danos que a mora cause. No direito comum, podia o credor exigir a prestação mais a indenização do dano que a dilação produzisse; se o interêsse do credor cessava, ou exigia êle o correspondente em dinheiro, ou, nas obrigações recíprocas, recusava-se a contraprestar, ou, se já contraprestara, pedia a restituição da contraprestação (FR. MOMMSEN, 1. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR EM MORA. - O

Die Lehre von der Mora, 258; Zur Lehre vom Interesse,

26). O direito de

resolução é criação posterior: em vez de se exigirem danos, ou de se poder denegar a prestação, ou de se repetir o que se prestou, o direito contemporâneo (art. 1.092, alínea l. a e parágrafo único) adotou, nos contratos bilaterais, a denegação (exceptio non adimpleti contractus), a exigência do cumprimento, com perdas e danos, ou o direito de resolução, tenha sido, ou não, satisfeito o devedor em mora. Transformou-se, pois, a ação de restituição ou repetição em ação de resolução. Por outro lado, ao credor ficou exigir a prestação mais as perdas e danos, ou a indenização por inadimplemento (arts. 1.056 e 956, parágrafo único). Portanto, há, nos contratos bilaterais, a) a pretensão à prestação devida mais a pretensão às perdas e danos pela mora (art. 956); b) a pretensão à indenização total (falta da prestação mais perdas e danos pela mora), que o credor, se não tem interêsse na prestação (art. 956, parágrafo único, verbis "se tomar inútil ao credor"), pode preferir, ou, sempre, pôr em alternativa a favor do devedor; c) exer-

cível a seu libito, a pretensão à resolução do contrato bilateral (art. 1.092 parágrafo único). No direito brasileiro, a ação do art. 956, parágrafo único', que é a ação de indenização total, ou de indenização pelo inadimplemento' nasce quando se estabelece a "inutilidade" da prestação, para b credor ou se sobreveio impossibilidade durante a mora; não, porém, a ação de resolução do contrato bilateral, que independe de ter desaparecido o interêsse do credor na execução da prestação (art. 1.092, parágrafo único). Não assim no direito alemão (§ 326, alínea 2.a, verbis "kein Interesse"). Além dessas ações, há a do art. 302, XII, do Código de Processo Civil ("A ação cominatória compete: XII. Em geral, a quem, por lei ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo"). Nas obrigações continuativas ou duradouras, a resolução é só ex nunc, ou a partir de têrmo, ou condição, e chama-se resilição, tal como acontece nas locações (em virtude de denúncia vazia ou cheia), na sociedade e noutros contratos. É típico das obrigações continuativas, se já iniciada a execução (e. g., se o locatário já está de posse da coisa locada), a resolução do contrato bilateral ser do presente para o faturo, e não no passado. A mora não extingue o direito de escolha (obrigações alternativas). Não era assim no direito comum (L. 2, §§ 2 e 3, D., de eo quod certo loco dari oportet,

13,4).

-

2 . D E V E R E S E INFRAÇÃO. - O devedor incorre em mora, por infração do dever de adimplir. Pois que deixa de adimplir, atrasa-se, e a lei o considera faltoso, isto é, em mora. Já vimos que a falta pode ser sem culpa; e nada têm os sistemas jurídicos com o sentido especialíssimo de "faute", palavra francêsa. Em caso de impossibilidade objetiva da prestação, o devedor pode alegar e provar que a responsabilidade não lhe cabe. Se não lhe cabe a responsabilidade, é porque não se lhe atribuem os riscos: então, alega e prova que houve caso fortuito ou fôrça maior. Se a responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior há de ser suportada por êle (e. g., Código Civil, art. 877), nada adiantaria alegar e provar o caso fortuito ou fôrça maior.

Se há impossibilidade, que libere o devedor, não há pensar-se em mora. Para que se cogite de incursão em mora, é preciso que haja dever de adimplir. Sem dever de adimplir, não há margem para inadimplemento imputável. Se há mora, o devedor está obrigado a satisfazer o credor, ou com a prestação, se é o caso, ou com a indenização. Porém, ainda se

presta, a despeito da mora, há de ressarcir os danos que a mora causou. Por êsse meio, o credor cobre os prejuízos que sofreu, por exemplo, por ter feito despesas para suprir a falta da prestação, com que contava, por ter deixado de vender o que lhe havia de ser entregue e não foi, ou com as despesas judiciais. Se a dívida é de moeda, pode o dano consistir na desvalorização dessa, durante a mora. Também pode ocorrer impossibilidade superveniente à mora e ter de prestar o devedor o equivalente à prestação mais o valor dos danos. Pode ocorrer que cesse todo o interêsse do credor na prestação. Então cessa a possibilidade da purga da mora. Depois da mora, ainda nas espécies em que só há inadimplemento ou adimplemento ruim com o ato do devedor, as conseqüências da mora são segundo o art. 957 do Código Civil. Tudo que acontece lhe é imputável, devido ao estado de mora que se criou. O devedor que incorreu em mora e envia, com atraso, a mercadoria, assume o risco dos acidentes, inclusive ferroviários, marítimos e aeronáuticos. Somente se forra à responsabilidade se alçga e prova que o dano ocorreria ainda que a prestação tivesse sido cumprida oportunamente (Código Civil, art. 957,'2.a parte). Os exemplos, a respeito de acidentes, não são de fácil concepção. Em todo caso, se a obrigação era de despachar a 3 e o devedor despachou a 4, ou a 5, e a mercadoria seguiu pelo primeiro transporte depois de 2, que foi a 8, o devedor pode alegar e provar que, se tivesse despachado a 2, ou a 3, teria a prestação seguido no mesmo trem, no mesmo navio, ou na mesma aeronave. O devedor tem de ressarcir todos os danos resultantes da mora, ou que tiveram causa em caso fortuito ou fôrça maior ocorridos após a mora. A ignorância da dívida não é justa causa para deixar de adimplir. Se herdou a dívida e o ignora, a lei estabeleceu que não seria responsável além do que houvesse recebido do ativo. Tão-pouco é justa causa ter perdido o patrimônio, se a perda não diz respeito à prestação mesma e não acarreta com ela o devedor, segundo algum dos princípios que regem a atribuição dos riscos. A mora do devedor implica violação do contrato. Há dever, de que êle se afasta. Mas a atitude contrária aos deveres pode ser sem culpa. Por isso é que, tornando-se impossível, objetivamente, a prestação, o sistema jurídico pre-elimina a constituição em mora. Os juros moratórios começam de fluir desde que se infringe alguma das cláusulas sôbre lugar, tempo, forma e

qualidade do pagamento. Não se pode indagar de ter havido, ou não, culpa, para se contarem, ou não, interêsses moratórios. Nenhuma distinção se faz' no direito brasileiro, entre indenizações pela mora e fluência de juros, para que se pense em duas espécies de mora, uma, objetiva, para dar direito a juros moratórios, e outra, subjetiva, para que haja as outras conseqüências da mora, como ocorre no direito suíço, com os arts. 107 e 103 (art. 106) do Código suíço das Obrigações. Se o devedor contravém os seus deveres tem de reparar o dano causado por sua atitude, que é ato ilícito relativo, seja positivo seja negativo o ato. Se se lhe atribui mora, o que êle pode alegar é que mora não houve, objeção que consiste em afirmar que não se deu algum dos pressupostos para a constituição da mora. A insuficiência de meios patrimoniais não o livra da mora. Se absolutamente incapaz, a violação por deveres, pelo representante legal, determina a mora. 3. D A N O REPARA VEL. - O dano que se tem de reparar é o proveniente da falta, em sentido próprio, e não no sentido de culpa, que tem, em língua francesa, "faute" Tem o devedor de indenizar: tôda diminuição ou eliminação das vantagens que o credor teria tirado da prestação se a dívida se houvesse solvido em tempo oportuno; as despesas que o credor fêz para receber a prestação, inutilmente, devido à mora (e. g a passagem de avião que teve de comprar e outras despesas, feitas para ir buscar a prestação; o aluguer do piano para não suspender os estudos, uma vez que contava com o que comprara com dia certo de entrega, ou com direito de fixar a data de entrega); o que teve de pagar a terceiro, por infração de contrato com êsse, ou pela pena convencional, se deixou, com a mora do devedor, de prestar o que prometera ao terceiro; a depreciação do objeto da prestação, prejuízo que teria sido evitado se o devedor houvesse prestado em tempo devido; a diferença entre o valor do objeto, entre a data em que deveria ter sido prestado e o preço máximo alcançado após aquela data e a da entrega ou oblação. Cláusula do negócio jurídico pode preestabelecer o quanto ou o quanto máximo da indenização ou indenizações que haja de pagar o devedor em mora. Com a mora, o devedor tem de responder pela guarda e conservação da prestação mais estritamente do que responderia, se mora não tivesse havido. No Código Civil, art. 957, diz-se que "o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de

caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso; salvo isenção de culpa", mas logo ressaltam a impropriedade da expressão e contradição que existiria em admitir impossibilidade resultante de caso fortuito ou fôrça maior com culpa e impossibilidade resultante de caso fortuito, ou fôrça maior sem culpa. Ou a alusão à "isenção de culpa" é aquela que se enuncia em seguida ("dano [que] sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada"), ou foi lapso do legislador, que pôs a expressão "culpa" em lugar de "ligação causai". 4. JUROS MORATÓRIOS. - Os juros moratórios são indenização ao credor; não restituição das vantagens que tem ou poderia ter o devedor com ter ficado com a prestação. Alguns sistemas jurídicos onde se insinuou a noção de culpa para se compor a figura da mora não inseriram em suas regras jurídicas a de serem os juros moratórios (note-se a contradição) independentes da mora, mas atribuíram a fiuência de juros a retardamento objetivo, o que ainda é cair em contradição (juros moratórios sem mora). O sistema jurídico suíço teve a sua escapula um tanto disfarçada: redigiu regra jurídica especial sôbre a fiuência dos juros. Compreende-se, porém mais acertado seria voltar à perfeição lógica e à análise dos fatos e proclamar-se que as regras jurídicas sôbre dolo, culpa, fôrça maior ou caso fortuito, e responsabilidade pela perda ou deterioração da prestação são distintas e independentes das regras jurídicas sôbre mora. No sistema jurídico brasileiro, ninguém, atentamente, poderia pretender que os juros moratórios só se contam se houve culpa do devedor. Trata-se, precisamente, de indenização ao credor que a lei considerou prejudicado. O expediente técnico da contagem de juros moratórios, com taxa legal, teve a finalidade de evitar as dificuldades de avaliação dos danos. Com êle, dispensou-se qualquer alegação e prova dêles, e fêz-se surgir a pretensão a juros moratórios ainda que, fàcticamente, não tenha havido danos, ou não possam ser provados, ou se haja provado não terem existido. - Se há cláusula penal, o devedor que não adimple incorre em mora e em pena (S. STRYK, USUS modemi Pandectarum, título De usuris, § 7; C. G. WEHRN, Doctrina iuris, 342). Mas é possível conceber-se a pena com a mudança do dia para vencimento. 5. MORA E CLÁUSULA PENAL.

Então, há a fiuência dos juros, mas admite-se que a prestação seja depois da data em que se tornou exigível.

6. GUARDA E CONSERVAÇÃO DA PRESTAÇÃO. - Há prestações que estão insertas, indiscernivelmente, no patrimônio do devedor. É o caso das dívidas de dinheiro. Também o é a de mercadorias ou produtos agrícolas ou fabricados, se não se concretizou o que se havia de prestar. Aí a guarda e conservação do bem são de interêsse imediato do devedor. A perda ou deterioração começam a ser mais relevantes para o credor em se tratando de restituição (Código Civil, arts. 869-871), ou em se dando mora debitoris. Seja como fôr, a responsabilidade do devedor, em caso de mora, agrava-se. Se a prestação era de coisa certa, a impossibilidade objetiva superveniente à dívida e antes de haver mora, oriunda de caso fortuito ou fôrça maior (se houve dolo do credor, há exceptio doli), dá ensejo à resolução do contrato. Se superveniente à mora, o devedor tem de indenizar quaisquer danos que só se produziram por ter incorrido em mora (= que não se produziriam se "a obrigação fôsse oportunamente desempenhada", Código Civil, art. 957,2. a parte, infine). Nas obrigações alternativas, os arts. 885-888 do Código Civil perderam a incidência. O que rege é o art. 957: se a escolhia tocava ao credor e uma das prestações não pôde ser escolhida, pode o credor, ainda que a perda haja resultado de caso fortuito ou fôrça maior, exigir a prestação subsistente, ou o valor da outra, com perdas e danos; se a escolha seria do devedor e ocorre a impossibilidade objetiva de uma delas, o devedor continua com a escolha e, pois, presta a que subsiste. Se a impossibilidade objetiva atinge as duas prestações, em vez de se extinguir a obrigação (cp. Código Civil, art. 888), é responsável o devedor pelo valor da que o credor apontou, ou da que o devedor disser, respectivamente. 7. PRETENSÃO À RESOLUÇÃO DO CONTRATO BILATERAL. - Nos contratos bilaterais, a mora do devedor confere ao credor a pretensão à resolução do contrato, pretensão que há de ser e x e r c i d a judicialmente e depende de sentença. Não se trata de "condição resolutiva" tácita, como está no art. 1.184,1 ,a alínea, do Código Civil francês ("La condition résolutive est toujours sous-entendu dans les contrats synallagmatiques, pour le cas ou 1'une des deux parties ne satisfera point à son engagement"). O Código Civil, art. 1.092, parágrafo único, absteve-se de falar de condição; e deu ao credor a pretensão à resolução do contrato. "Requerer" está, no art. 1.092, parágrafo único, em vez de "pedir ao juiz", " d e m a n d a r judicialmente pela resolução" (cf. Tomo n, §§ 172, 7, 173, 5, 174, 1, IV, § 413, 6, V, §§ 544, 5, 546, 1, 558, 4, 575, 6, 582,1, e 605, 2). Trata-se de exercício de direito f o r m a t i v o extintivo (Tomos II, § 204, 1, e V, § 541, 6, 544, 5).

Antes de pedir a resolução do contrato, pode o credor fixar ao devedor prazo prudencial (Nachfrist) para purgar a mora, ou se decretar a resolução do contrato. A permissão de purga da mora é oportunidade que se dá ao devedor para evitar que prossigam as conseqüências da mora e ocorra a decretação da resolução. A resolução é fato grave, que se pode afastar com a purgação da mora. No sistema jurídico brasileiro, a resolução é determinada pelo fato do inadimplemento, e a fixação superveniente de prazo significa que o credor preferiu as conseqüências da mora à declaração da resolução, mas ainda pôs ao devedor o dilema: purgai" a mora, ou sofrer a resolução. Se purga a mora, tollitur quaestio; se não purga, há as conseqüências da mora, com a resolução. O prazo posterior, o Nachfrist, não pode ser estabelecido sem que o devedor já esteja incorrido em mora, e nada tem tal prazo com o que acaso correu para se iniciar a mora. Durante o pós-prazo, a mora persiste. O devedor tem de pagar os juros moratórios e responde pelo caso fortuito ou fôrça maior, conforme o art. 957 do Código Civil. Não se trata de convite a pagar ou a purgar; mas de comunicação de vontade, sem se tratar de negócio jurídico. 0 prazo prudencial há de ser razoável, para ser eficaz. Mas, se não tem eficácia, por essa ou outra razão, as conseqüências da mora persistem, e é sempre possível repetir-se a marcação. Durante o prazo, o credor pode prolongá-lo (em sentido técnico, prorrogá-lo). E pode renová-lo. Salvo, num e noutro caso, se exerceu o direito de recusar a prestação, conforme o art. 956 do Código Civil. 8. PRESTAÇÃO TORNADA SEM UTILIDADE PARA O CREDOR. - A prestação, devido à mora, pode tornar-se sem utilidade para o credor. Tal acontece se não mais seria de seu interêsse recebê-la (e. g., comprara o cavalo para as grandes corridas, e não chegou no tempo marcado; contratou o serviço de consêrto para certo dia, e teve, no dia, de recorrer a outro profissional; tomou em locação a casa de campo para veraneio, e só lhe levaram as chaves depois de iniciada a estação). Diz o art. 956, parágrafo único: 'Se a prestação, por causa da mora, se tornar inútil ao credor, êste poderá enjeitá-la, e exigir satisfação das perdas e danos". A regra jurídica do art. 956, parágrafo único, é de grande alcance, porque não é preciso que se tenha de entender o negócio jurídico como se os figurantes, ao concluírem o contrato, ou o negócio jurídico unilateral, houvessem previsto como possível tornar-se inútil para o credor, com a mora, a prestação.

9. NEGÓCIO JURÍDICO FIXO. - A determinação do dia em que se há de adimplir dispensa a interpelação (Código Civil, art. 960, alínea l. a ): Dies interpellatpro homine. Porém tal determinação, só por si, não faz negócio jurídico fixo (negócio fixo, Fixgeschãft) o que os figurantes concluíram. As expressões empregadas, para êsse, são outras: "à tal data, impreterivelmente", "no dia marcado, sem falta", "na data exata" "para ser entregue no dia tal, passado o qual é inútil a prestação", "no dia tal, ao mais tardar"; todavia, pode resultar dos têrmos do contrato que se concebeu negócio fixo (e. g., A precisa de dez automóveis, no dia tal, às dez horas, para condução de convidados à sua fazenda"). O que é mister é que conste do negócio jurídico que o credor não receberá a prestação tardia (= nenhuma purga de mora, porque o inadimplemento não mais pode ser feito em natura). Se a fábrica parou e o fornecedor da peça promete entregá-la no dia tal, porque, se o não faz, o fabricante não poderá preparar a encomenda, pode resultar das circunstâncias que o negócio jurídico é negócio fixo.

No Código Comercial, art. 138, diz-se que os efeitos da mora somente começam a correr desde o dia em que o credor, depois do vencimento, exige, judicialmente, o seu pagamento. Distingue-se do dia do, vencimento o do inicio da eficácia da mora, à diferença do que acontece em direito civil (Código Civil, art. 960). O art. 138 do Código Comercial é, contudo, ius dispositivum, e o próprio texto o diz (verbis "não havendo estipulação no contrato"). A eficácia da mora pode coincidir com o vencimento: a) em se tratando de negócio fixo (Fixgeschãft); b) se foi pré-excluída, em cláusula ou pacto posterior, qualquer exigência de interpelação; c) se decorre da natureza do contrato e fixação da data. d) nos títulos cambiários e cambiariformes; d) se foi estipulado prazo certo para entrega de gêneros pelo condutor ou comissário de transportes (Código Comercial, art. 111); e) se o objeto da mora deve ser entregue após pagamento, ou s i m u l t a n e a m e n t e , e o devedor se atrasa em adimplir;/) nas obrigações negativas (Código Civil, art. 961; Código Comercial, art. 121). É preciso advertir-se em que, no direito brasileiro, acontecida a mora, não é preciso fixar-se qualquer prazo, razão por que, se o credor o determina, é de entender-se que comunicou prazo de graça, ou para resolução do contrato, caso não o atenda o devedor. Quando o credor pede perdas e danos, ou a resolução do contrato, deixa de exercer a pretensão à execução da dívida (pretensão condenatoria, ou pretensão condenatória-executiva, ou pretensão executiva). Ha, ai, concorrência de pretensões (Tomo V, §§.619 e 621, 3). A respeito cumpre

observar que ainda em grandes juristas há o êrro técnico de se falar, aí, de renúncia (Verzicht) à pretensão ao adimplemento, para se pedir a indenização ou a resolução do contrato (principalmente em torno do § 326 do Código Civil alemão ou do art. 107 do Código suíço das Obrigações). Percebe-se que ainda não haviam aprofundado o estudo da concorrência das pretensões. Quando há alternativa, quem escolhe não renuncia, concentra, prefere, opta. Não renuncia quem põe a, que não estava em seu patrimônio, no lugar de b: afortiori, quem no patrimônio tem a ou b ou c e escolhe a, como poderia escolher 6 ou c. 10. ALTERNATIVA, EM CASO DE IMPOSSIBILIDADE PARCIAL, NAS OBRI-

- Nas obrigações de dar coisa certa, se a impossibilidade é parcial (e. g., deterioração do objeto), não havendo culpa do devedor, tem o credor escolha entre receber a coisa, com abatimento do preço, ou a resolução do negócio jurídico (Código Civil, art. 866). Aí, fala-se de culpa, porque não se trata de mora: a mora pode vir a ocorrer, se o devedor não comunicar, desde logo, o fato, para que o credor escolha. Os juristas que aí falam de renúncia cometem êrro grave. GAÇÕES DE DAR COISA CERTA.

Dá-se o mesmo, se a obrigação é de dar coisa incerta e já houve a concretização (Código Civil, art. 876). 11. RESSALVA DAS PRETENSÕES INDENIZATÓRIAS. - O fato de o credor receber a prestação que o devedor tardiamente fêz não lhe tira as pretensões à indenização pela mora. Assim, se B deve x a A e, ao invés de pagar-lhe no primeiro dia do mês, como devera (Código Civil, art. 960), só lhe faz a oblação no décimo dia, ou meses ou anos após, pode A receber e exigir, desde logo, as indenizações pela mora, ou depois. A ressalva das pretensões indenizatórias não é necessária, à diferença do que ocorre com as ressalvas que se hão de fazer em caso de cláusula penal, pela alternatividade de que se fala no art. 918. 12. MORA SOMENTE QUANTO A PARTE DA PRESTAÇÃO. - Pode dar-se que a mora seja somente quanto a parte da obrigação (mora parcial), e então as ações do credor são as seguintes: a) a da pretensão à parte da prestação ainda devida mais a pretensão às perdas e danos; b) a da pretensão a indenização total, se não tem interêsse na parte prestada e na execução do resto, restituindo o que recebeu, por ser principal o resto, ou por ser de interesse para êle tão-só o todo (parte prestada + resto); c) a da resolução

ou resilição do contrato bilateral, restituindo, no caso de resolução, o que recebera. À restituição impossível ou impraticável reduz a eficácia resolutiva à resibilidade (e. g., nas obrigações continuativas em parte cumpridas). Quem compra terreno com água para instalar usina elétrica e não recebe a água, que comprara, pede resolução, e não resilição, porque a intenção (art. 85) foi comprar o todo. 13. PREJUÍZOS RESULTANTES DA MORA. - Diz o art. 956: "Responde o devedor pelos prejuízos a que a sua mora der causa (art. 1.058)". As conseqüências da mora fundam-se em sua contrariedade a direito, isto é, na contrariedade a direito que houve no ato ilícito relativo (arts. 960 e 961) ou absoluto (art. 962); e não em ficção da sua impossibilidade. Sem razão, portanto, os que assimilaram conseqüências da mora e conseqüência da impossibilidade, ou conceituaram e classificaram a mora como impossibilidade no tempo ( G . PLANCK, nas primeiras edições, ao § 284 e 286; H . TITZE, Die Unmõglichkeit, 35). O Código Civil discriminou as espécies, insofismàvelmente (arts. 865-867, 877 e 876, 879 e 882; 1.056-1.058). É da essência mesma da mora produzir a obrigação do'devedor às perdas e danos decorrentes da mora e, se não mais pode prestar, ou se o credor não mais tem interêsse na prestação, à indenização, em lugar da prestação. O direito de resolução r do contrato, com a pretensão e a ação do art. 1.092, parágrafo único, é criação técnica, excelente, porém não resulta da essência da mora. A responsabilidade forçada, pelo caso fortuito, ou fôrça maior, segundo o art. 957, também não resulta da essência da mora: é criação técnica. Quanto a algumas obrigações de omissão ou abstenção, a mora torna-as impossíveis, pela indesfazibilidade do ato; quanto a outras, não. Quanto a essas, rege o art. 883: "Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode dêle exigir que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos" (cf. Código Civil francês, art. 1.143: "...le créancier a le droit de demander que ce qui aurait été fait par contravention à 1'engagement soit détruit; et il peut se faire autoriser à le detruire aux dépens du débiteur, sans préjudice des dommages et intérêts, s'il y a lieu"). A responsabilidade segundo o art. 956 é inconfundível com a responsabilidade segundo o art. 956, parágrafo único (desaparição do interêsse do credor na prestação, verbis "inútil ao credor") e com a responsabilidade segundo o art. 957 (impossibilitação da prestação). A impossibilidade pe-

los prejuízos decorrentes da mora (art. 956) é a de ressarcimento ao credor de todo ganho que perdeu com a demora (frutos e demais proveitos). Nas obrigações pecuniárias (= obrigações a prestação em dinheiro; pecunia, de pecu, gado, como "pecúlio" e "pecuária", o que revela a origem remotíssima do têrmo, em povos criadores de gado, que era a moeda), os prejuízos decorrentes da mora ou são prefixados pelo negócio jurídico, ou pela lei. Daí dizer o art. 1.062: "A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano"; e o art. 1.063 acrescentar: "Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por fôrça de lei, ou quando as partes os convencionem sem taxa estipulada". Os juros do art. 1.063 não são moratórios. No art. 1.064, esclarece-se: "Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora, que se contarão assim às dívidas de dinheiro, como às prestações de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes". Não há juros de juros moratórios; nem juros moratórios de juros estipulados;(não-moratórios), mas o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, art. 5.°, admitiu a elevação de um por cerito a êsses, pela mora, o que, de certo modo, é contagem de juros moratórios a juros estipulados: "Admite-se que, pela mora dos juros contratados, êstes sejam elevados de 1% e não mais". . O princípio a priori é o da elevabilidade dos juros moratórios acima da taxa legal; mas a interpretação do art. l.° do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, combinado com o art. 5.°, é no sentido de se não permitirem juros moratórios superiores a treze por cento (máximo da taxa dos juros estipulados mais um por cento). O credor não pode, nas obrigações pecuniárias, exigir mais do que o estipulado (juros + um por cento pela mora), ainda que as perdas sejam maiores e possa prová-las. 14. REEMBOLSO DE DESPESAS. - Além das perdas e danos decorrentes da mora, tem o devedor de reembolsar o credor do que haja gasto em conseqüência mediata da mora (custas, paga do seguro de transporte na crença de que o devedor lhe houvesse enviado a coisa devida). Se, durante a mora, o objeto a que se refere a obrigação se perde, ou se dana, ou a prestação se torna, por outra razão, inadequada, no todo, ou em parte, responde o devedor ( M o r a debitoris borum obligationibus,

obligatioperpetua

fit,

L . 91, §§ 3 s., D., de ver-

45, 1; L. 24, § 2, D .,de usuris et fructibus

et omnibus accessionibus

et mora, 22, 1; L . 58, § 1, D., de

et

causis

fideiussoribus

et mandatoribus, 46, 1), pôsto que se exima se prova que a perda ou dano ou Ímpossibilitação, teria ocorrido ainda que houvesse executado, como devera, a prestação. É isso o que estatui o art. 957: "O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se estes ocorrem durante o atrasosalvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada (art. 1.058)". Portanto, há a responsabilidade, por presunção de que tudo que ocorreu resultou da mora; o devedor tem de alegar e provar que o nexo causai não existiu. Por exemplo: se a coisa baixou de preço, pode o credor exigir a diferença, se é de entender-se que o credor a teria vendido após a entrega, ou teria aproveitado a alta; se a coisa subiu de preço e a Ímpossibilitação foi durante, a mora, tem o devedor de ser indenizado pelo que seria suficiente para a aquisição da coisa. Tais princípios também regulam a baixa e alta das moedas. O ônus da prova de que o credor teria alienado a coisa no momento do melhor preço não no tem o credor, porque tal ônus destoaria do art. 957. A parte final do art. 957 do Código Civil é expressiva de atitude doutrinária que o legislador assumiu. Já no direito romano, PRÓCULO e CÁssio d i v e r g i a m (PAULO, L . 4 0 , pr., D . , de hereditatis

petitione,

5, 3); e a con-

trovérsia chegou ao direito comum, através dos glosadores e dos juristas H. DE COCCEJUS ( D i s s e r t á t i o de Mora, thesis 27) que nenhuma exceção abria a favor do devedor, por se tratar de ato ilícito relativo, e J. B. L. B. DE WERNHER ( S e l e c t a e Observationes forenses, I, 952), que distinguia o caso do causador do ato ilícito absoluto (Código Civil, art. 962) e do causador do ato ilícito relativo, incumbindo-lhe, porém, o ônus da prova de que o dano sobreviria ainda que mora não tivesse havido (assim, HUGO DONELO e FRANCISCO DUARENO, sôbre a L. 3, D . , de verborum obligationibus, 45,1; cf. G . PROUSTEAU, Recitatio ad L. 23, D., de regulis iuris, em G. MEERMANN, Novus

Thesaurus,

III, § 2 8 , 5 4 3 ) .

1 5 . INDENIZAÇÃO PELO INADIMPLEMENTO E INDENIZAÇÃO PELA

diferença da indenização pela mora, que é junto à prestação, adicionada a ela, a indenização pelo inadimplemento, que é em lugar da prestação, substitui a prestação, faz-lhe as vêzes. Por isso, a técnica legislativa teve de separar as duas regras jurídicas: a do art. 956 (perdas pela mora) e a do art. 956, parágrafo único, que concerne à i n d e n i z a ç ã o pelo inadimplemento. Essa indenização somente cabe se a prestação se tornou inútil ao credor (= o credor não mais tem interêsse na execução).

MORA. - À

É, pois, elemento do suporte fáctico ter desaparecido o interêsse do credor nó adimplemento tardio. Sem essa "inutilidade" sem essa desaparição de interêsse, o art. 956, parágrafo único, não incide; portanto, não pode o credor enjeitar a prestação e exigir, em vez dela, a satisfação de perdas e danos. A recusa da prestação, ou do resto, se houve prestação de parte, por ser, já então, inútil ao credor, supõe a mora e essa desaparição do interêsse do credor. É ação de condenação, para que se execute o contrato: fôrça condenatória tem a sentença, e eficácia mediata executiva para a actio iudicati. Não se trata de ação de resolução do contrato, que seria constitutiva negativa. As regras jurídicas dos arts. 956, parágrafo único (ação condenatória, com sentença hábil à ação executiva), e 1.092, parágrafo único (ação constitutiva negativa, com eficácia imediata condenatória), são inconfundíveis. Ali, o interêsse do credor é no cumprimento do contrato; aqui, na desconstituição desse. O dano, que se tem de ressarcir, é o dano concreto (e. g., o que o comprador tem de despender para adquirir coisa igual, pois já havia, por sua vez, vendido a coisa; o dano oriundo de ter deixado de concluir algum negócio jurídico, como não ter vendido, por sua vez, a bom preço, a coisa), ou o dano abstrato (e. g., a diferença entre o preço de agora e o que teria obtido, se houvesse vendido a coisa, destinada ao comércio, ao tempo da execução devida, podendo o devedor provar que o credor não na teria vendido). O dano concreto aprecia-se no momento em que se deu o fato de que resultou (e. g., em que o credor teve de adquirir coisa semelhante, ou em que teve de pagar a outrem pena convencional). O cômputo abstrato atende ao melhor momento para o credor, desde a mora; salvo se o devedor alegar e provar que, não obstante, o credor não o teria aproveitado. Fixada a indenização, vence juros desde o momento em que o dano concreto ou abstrato se deu, e não só desde a fixação da indenização em sentença (inteligência do art. 1.064). A indenização pelo inadimplemento é a indenização pela falta da prestação. Se a pede o credor, não se exime de contraprestar, nem, se já contraprestou, pode repetir. Tal solução (teoria da destroça, Austauschtheorie) é combatida pela teoria da diferença (Differenztheorie) que exime o credor de prestar, tendo êsse a pretensão a que o devedor preste a diferença de valor que há, para êle, entre a prestação e a contraprestação. A primeira, também chamada Surrogationstheorie, tem por si F SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhaltnisse, 203), P. OERTMANN (Recht der Schuldverhãltnisse, 195); Die Vorteilsausgleichung, 51), H. DERNBURG (Das Bürgerliche

Recht,

a

a

II, i , 4. ed., 250, nota 14) F. ENDEMANN {Lehrbuch,

706), C. CROME ( S y s t e m , II, 181), F. PAECH (Der H . TITZE (Die Unmõglichkeit

der Leistung,

a

I, 8. -9. ed

Leistungsverzug,165)

183), F. KLEINEIDAM

(Unmõg-

144), W KISCH (Die Wirkungen, 132; Der Schadensersatz wegen Nichterfüllung bei gegenseitigen Vertrágen, Jherings Jahrbiicher, 44, 68 s.), A . VON TUHR (Schadensersatz wegen Nichtfülluno-, lichkeit

und Unvermógen,

Deutsche Deutschen

Juristen-Zeitung, Juristentages,

I X , 7 5 9 s.), VON MAYR (Verhandl.

des

27

II, 167). Pela teoria da diferença, W. SCHÕLLER

(Schadensersatz wegen Nichterfüllung bei gegenseitigen Vertrágen, Gruchots Beitrãge, 44, 603 s., e 45, 511 s., especialmente 608), STAFFEL (Zur E r l ã u t e r u n g d e r §§ 3 2 5 , 3 2 6 B G B . , Archivfür

die civilistische

4 6 7 s.), E . GOLDMANN-H. LILIENTHAL (Das Bürgerliche 377), H . KRAHMER ( G e g e n s e i t i g e Vertrage, s.) e G. PLANCK-H. SIBER (Kommentar,

Praxis,

Gesetzbuch,

56), J. BINDER (Beitrãge,

92, 1, 1,45

N, I , 4. a ed., 383).

Pedir cumprimento do contrato (e é o que ex hypothesi, com o plus de ter desaparecido o interêsse na prestação, o credor pede) não há de ser exigir a diferença de valor: o operacional, no art. 956, parágrafo único, apenas consiste em enjeitar-se a prestação, já sem interêsse para o credor, e substituir-se pela indenização, acrescida das perdas e danos pela morosidade. A teoria da diferença iria além, com a segunda operação de se proceder à subtração, no que daria resto favorável ao credor. Sair-se-ia, com ela, do terreno jurídico, para o terreno contabilístico; e já seria desfazer o contrato, em vez de executá-lo, tanto mais quanto, se o credor já contraprestara, teria o devedor de repetir a contraprestação. Ora, o sistema jurídico, trabalhado por elementos históricos e críticas doutrinárias, chegou exatamente a soluções entre si inconfundíveis: a do recebimento da prestação mais as perdas e danos decorrentes da mora, que é cumprimento do contrato; a da rejeição da prestação, pela superveniência da falta de interêsse do credor, conseqüente à mora, e indenização pelo inadimplemento mais as perdas e danos decorrentes da mora, o que também é cumprimento do contrato; e a da resolução do contrato, em que não se cumpre o contrato. Aqui, sim, se restitui, se repete, se deixa de contraprestar, com perdas e danos, a favor do que exerceu direito de resolução. Se A e B trocaram as fazendas de gado, a&b, pelas fábricas a e b, a inexecução por B ou dá ensejo ao inadimplemento tardio com perdas e danos (art. 956), ou à indenização total (art. 956, parágrafo único), ou à resolução (art. 1.092, parágrafo único). S.e A propôs a ação de indenização total, mostrando que, com a mora de B, teve de adquirir outra fazenda de

oado, ou outra fábrica, a teoria da diferença só lhe daria a pretensão à diferença entre o valor de a e o de b, tendo êle de receber, de volta, a fazenda, ou a fábrica, que transmitira, - e não seria acertado obrigá-lo a isso, pois que não propôs ação de resolução do contrato. A teoria da destroça ou da sub-rogação somente permitiria a A pedir o valor de b, tendo de entregar a, ou, se já entregara, não podendo pedir a repetição. Síntese: Se A ainda não entregou, pode pedir a indenização total ou pedir a diferença, mais as perdas e danos da mora; se já entregou, cabe-lhe a escolha entre a ação do art. 956, parágrafo único, e a ação de resolução (art. 1.092, parágrafo único). Não há razão para se permitir que a teoria da diferença deturpe a ação do art. 956, parágrafo único, isto é, a ação de indenização em lugar da prestação. Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 45, § 3, falava-se de "compor a coisa vencida com seu interêsse", ou "pagar o preço, que por ela recebeu, qual o réu vencido mais quiser"; por onde se vê que nenhuma alusão se fazia à diferença entre valores. Cumpre advertir em que a pretensão oriunda da incidência do art. 956, parágrafo único, é unitária (indenização em lugar da prestação mais indenização pela mora). É como todo, por exemplo, que entra em todos os raciocínios, e. g., na compensação, nas impugnações ( O . WARNEYER, Kommentar,

I, 575).

Se o objeto da prestação, entre o tempo da mora e a decisão judicial, muda de valor, o direito comum assentava que se deveria prestar o maior valor alcançado no intervalo (C. W . WOLFF, Zur Lehre von der Mora, 4 5 6 ; G. F. PUCHTA, Pandekten,

9.A ed., § 268, 4 1 3 ; L . ARNDTS, Lehrbuch

der

A

Pandekten, 8. ed., 427). Alguns entendiam que tal proposição só se podia atender em caso de dívida ex delicio (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 208 s.; F. VON SAVIGNY, System, VI, 209 s.; B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9.A ed, 150; H . DERNBURG, Pandekten,

II, 7. A

ed, 1 1 6 ) . No direito brasileiro, se o objeto (bem corpóreo ou incorpóreo) pode ser prestado in natura, sem deterioração, o devedor tem de prestar os interêsses e os lucros que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação (Código Civil, art. 1.059, parágrafo único). Se não pode ser prestado, incide o art. 957. O valor é o do dia em que teria de ser prestado o objeto, ou o da data do pagamento da indenização, se cresceu, uma vez que o credor alegue e prove que só com êsse preço poderia readquirir igual objeto Se, no intervalo, o objeto subiu ao mais alto preço, pode o credor alegar e provar que poderia naquele momento tê-lo vendido e não o fêz porque não o tinha (G. REHBEIN, Mora debitoris, 63 s.).

No caso de inadimplemento da obrigação oriunda de contrato bilateral, surge o direito de resolução, que já se refere à extinção das obrigações (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). 16. RESOLUÇÃO POR INADIMPLEMENTO. - Nos contratos bilaterais, o credor, lesado pelo inadimplemento, pode pedir a resolução. Tal direito, acompanhado de pretensão e ação, não depende, no direito brasileiro, de ter cessado o interêsse do credor na prestação (aliter, Código Civil alemão, § 326). No direito argentino, art. 1.204, só há resolução em virtude de cláusula expressa. No direito francês, subentende-se condição resolutória (art. 1.184). Não há, no direito brasileiro, prazo prudencial, necessário como elemento do exercício do direito de resolução: em todo caso, pode o credor dar ensejo à execução, tanto mais quanto é possível que o seu interêsse ainda seja na execução e saiba que vai cessar. Nada obsta a que peça a resolução para- o caso de se não prestar até tal dia. Porque o direito brasileiro não exige o prazo prudencial, nada obsta a que se use do preceito cominatório, só se julgando a infração do preceito, é claro, depois da mora. O credor que exigiu o cumprimento com as perdas e danos, pode, ainda, se o interêsse na prestação desaparece, exigir a indenização total, ou, nos contratos bilaterais, sem se fazer mister o elemento da desaparição do interêsse, a resolução. Não pode, depois de haver pedido a resolução, pedir o cumprimento, com as perdas e danos, ou a indenização total. Com a resolução do contrato bilateral, a relação jurídica desaparece, ex tunc, ou, se a obrigação é continuativa, a resolução, sob o nome de resilição, opera a extinção ex nunc. A resolução exclui qualquer indenização em lugar da prestação (art. 956, parágrafo único), ou junto à prestação (art. 956): não se pode fazer efetiva obrigação que se resolve, nem se pode pedir indenização em lugar de prestação que, ex hypothesi (resolução), não é devida (sem razão, E . ECKSTEIN, Der Untergang der Obligation, Archiv für Bürgerliches Recht, 37, 436; certo, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 198). As perdas e danos a que se refere o art. 1.092, parágrafo único, verbis "com perdas e danos", são peculiaridade do direito brasileiro. Além da resolução, prestam-se perdas e danos, isto é, indeniza-se o credor do que a resolução do contrato bilateral lhe traz de prejuízo. Houve o ato ilícito relativo do devedor, que levou o credor a exercer o seu direito de pedir a decretação da resolução; resolvido o contrato, os danos, que a mexecução lhe causou, hão de ser ressarcidos.

17. P R É - C O N T R A T O S . - A respeito da mora nos pré-contratos inclusos nos arts. 16 e 22 do Decreto-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937 (pré-contratos de loteamento), regem o art. 14 do mesmo Decreto-lei, que diz: "Vencida e não paga a prestação, considera-se o contrato rescindido" - queria dizer "resolvido" - "30 dias depois de constituído em mora o devedor", e o § 1.°, que acrescenta: "Para êste efeito, será êle intimado a requerimento do compromitente, pelo oficial do registo, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, juros convencionados e custas da intimação". No § 2.°, permite-se a purga da mora. O devedor somente se expõe à resolução depois de trinta dias, contados do dia seguinte à interpelação, de jeito que tem trinta dias para purgar a mora. É o prazo sobressalente, o Nachfrist dos textos alemães e suíços. Os pré-contratos não podem encurtar êsse prazo. Seria de discutir-se se é dilatável, por convenção explícita ou implícita; mas a melhor solução é considerar-se cogente o art. 14. Quando lei especial, tratando de certos negócios jurídicos, cria prazo sobressalente, necessariamente derroga a lei geral,, que o não tinha. O prazo é sobressalente exatamente por isso: o direito còmum não o tinha; e a só aplicação da lei geral, que o não tem, feriria o direito do devedor, a quem a lei beneficiou com o prazo especial. O que é preciso é que o pré-contraente comprador ofereça o restante do preço ou o preço, - o que se subentende se pediu a intimação do pré-contraente vendedor "para dá-la (a escritura definitiva de compra-e-venda) nos cinco dias seguintes, que correrão em cartório" (Código de Processo Civil, art. 346). Se, nos cinco dias, o pré-contraente vendedor alega que se há de liquidar, antes, o débito, tem o pré-contraente comprador cinco dias para a contestação (§ 2.°), seguindo-se a prova no tríduo, se fôr preciso (§ 3.°). Liquidada a dívida, tem o pré-contraente comprador de depositar o preço, ou o restante do preço, tal como se fixou. O depósito ou a) se faz logo apos os cinco dias, se não houve qualquer alegação do pré-contraente vendedor que leva à contestação pelo pré-contraente comprador, ou b) depende de liquidação, a que se há de proceder, para que o depósito se faça antes da adjudicação, isto é, depois de o juiz julgai- improcedentes as alegações ou alegações do pré-contraente vendedor e ordenai" que se deposite o que se liquidou, ou c) houve alegações do pré-contraente vendedor e tem de ser julgadas antes, fazendo-se o depósito, se improcedentes, antes da adjudicação.

O art. 346 do Código de Processo Civil, na concepção da ação de adjudicação, afastou-se da técnica legislativa da ação de consignação em pagamento (Código de Processo Civil, art. 314): na ação de consignação em pagamento, a intimação é para receber o pagamento "sob pena de ser feito o respectivo depósito"; na ação de adjudicação, a intimação é para o intimado outorgar a escritura definitiva nos cinco dias seguintes, que correrão em cartório. Se o pré-contraente vendedor outorga a escritura nos cinco dias, tollitur quaestio. Se não a outorga, nem alega matéria relevante, o juiz ordena o depósito da dívida e, cumprido o despacho, adjudica ao intimante o bem. Não é preciso que se deposite, logo após a intimação, a quantia devida, porque ainda se espera que o pré-contraente vendedor anua em outorgar, nos cinco dias, a escritura, e é na ocasião de ser assinada que se presta o devido. Não há consignação em pagamento; há depósito prévio para a adjudicação, se ela tiver de ocorrer.

18. IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO E MORA. - Lê-se no art. 957 do Código Civil: "O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada". O art. 957 contém regra jurídica de extensão da responsabilidade do devedor em mora, quer se trate de dívida por ato ilícito relativo, quer por ato ilícito absoluto (art. 962). Se a responsabilidade nasceu de ato-fato ilícito, ou de fato ilícito stricto sensu, ou de ato lícito, não é preciso invocar-se o art. 957, porque as conseqüências continuadas dilatam a importância do dano, por ser a mesma a causa inicial, mas pode ocorrer que o não seja, como se, não tendo o devedor, responsável pela fôrça maior ou pelo caso fortuito, restituído, deixando de adimplir a obrigação, nôvo caso fortuito ou fôrça maior ocorre, agravando a perda, ou se o responsável pela reparação fundada nos arts. 160, II, e 1.519, se põe em mora. A afirmação de que o dano sobreviria ainda se tivesse sido c u m p r i d a a o b r i g a ç ã o é objeção,

e não

exceção.

O devedor responde, em virtude do art. 957, não somente pelo que resultou da sua mora (= do ato ilícito de que derivou a mora) como também pelo que ocorreu à coisa, danificando-a, a ponto de se impossibilitar a prestação. Se o dano é parcial, rege o art. 866 ou o art. 867, ou o art. 871, ou o art. 876, ou o art. 880 ou 881, ou o art. 883. Quem pode prestar presta como deve.

A fôrça maior, ou o caso fortuito, que ocorreu e impossibilitou a prestação, pode ser diferente daquele que a teria atingido se o devedor tivesse adimplido a obrigação. O caso fortuito não precisa ser o mesmo, nem a mesma a fôrça maior. Nem idêntico (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

138; L . TRÂGER, Der Kausalbegriff

im Straf-

und

263). Não é de admitir-se a opinião de OSER (nota 4 ao art. 103 do Código Civil suíço), H. BECKER (nota 11 ao art. 103) e VOSER (Schuldnerverzug, 60), que exigiram a mesmeidade do caso fortuito ou da fôrça maior (e. g., o mesmo incêndio devorou a casa do devedor em mora e a do credor). No fundo, a regra jurídica do art. 957, 3.a parte (verbis uo dano sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada"), diz que pelo dano resultante do caso fortuito ou da fôrça maior fica responsável o devedor em mora se o bem não seria atingido sem a sua atitude ilícita. Com a mora, expôs o bem ao caso fortuito ou à fôrça maior. Deve responder por isso. Se o bem teria sofrido o mesmo dano se tivesse sido entregue ao credor, não. Zivilrecht,

Ponto assaz importante é o que se refere ao momento em que ocorreu o caso fortuito ou a fôrça maior que, entregue o bem, teria sofrido, com o credor, o mesmo dano. O caso fortuito ou fôrça maior, que teria atingido o bem, se tivesse sido cumprida a obrigação, há de ter sido posterior à mora e anterior ao caso fortuito ou à fôrça maior por que há de responder o devedor em mora, ou, quando muito, simultâneos. Não basta o caso fortuito ou a fôrça maior posterior (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 138; O. WARNEYER, Kommentar,

I, 516).

Caso fortuito, no seu art. 957, é qualquer acontecimento sem qualquer ato (positivo ou negativo) do devedor. Por isso mesmo, se, após a mora, algum ato de intervenção estatal na economia torna impossível a entrega, o devedor em mora responde: o acontecimento impossibilitante sobreveio (O. WARNEYER. Kommentar,

I, 516).

O art. 657 do Código Civil nada tem com o credor em mora. O art. 657 incide se a impossibilidade é simultânea à mora (G. PLANCK, Kommentar, 1,1,180); aliter, se a mora seria imediatamente após a Ímpossibilitação, porque, então, mora não há. O devedor é que tem o ônus de alegar e provar que o caso fortuito ou a fôrça maior produziu, durante a mora, o que teria ocorrido se a obrigação tivesse sido adimplida (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, § 280, 15; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 128; H. DERNBURG, Das Bürgerliche Recht, 11,1,186, nota 11; F. ENDEMANN, Lehrbuch, I, 8.A-9.A ed.,

785; F. PAECH, Der Leistungsverzug, Leistung,

113;

145; H . TITZE, Die

sem razão, J. MEISNER, Das Bürgerliche

Unmõglichkeit der Gesetzbuch,

N, 29)

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.809. A - Legislação O art. 413 do CC/2002 dispõe que a cláusula penal deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. O art. 412 do CC/2002, por outro lado, prevê um limite à cláusula penal, que não pode ultrapassar o valor da dívida principal.

§ 2.809. B - Doutrina A mora produz os seguintes efeitos contra o devedor moroso: (I) obrigar o devedor a responder por prejuízos (frutos percebidos e percibiendos; juros legais desde a mora; satisfazer cláusula penal); (II) satisfazer o credor pelas perdas e danos experimentadas pelo retardo, no caso da inutilidade da prestação; (III) pela perpetuação da obrigação, nos casos em que a impossibilidade da prestação se dá por fortuito ou força maicr, mas já colhe o devedor em mora. A mora produz os seguintes efeitos contra o credor moroso: (a) não responsabilidade pela conservação da coisa, e pelas conseqüências dos efeitos do caso fortuito ou da falta de diligência; (b) sujeitar o devedor a receber a coisa pela mais baixa estimação, se houver alteração durante o tempo que medeia o contrato e o pagamento; (c) sujeitar o credor a indenizar o devedor das despesas feitas com a conservação da coisa; (d) fazer cessar desde logo o curso dos juros moratórios. Se ambos, devedor e credor, tiverem incorrido em mora: (a) satisfazer perdas e danos; (b) fazê-los. sofrer a diminuição do preço ou depreciação sobrevinda ao objeto da prestação, desde a época do contrato; (c) fazê-los passíveis das perdas e danos fortuitos (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Inácio. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. aum. e atual, por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1956.t. I, n. 265 e 266, p. 483-485).0s juros convencionais correm a favor do credor em mora, porque o devedor continua no gozo do capital. Os juros moratórios, estes sim, cessam (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Inácio. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. aum. e atual, por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1956. n. 266, p. 484).

§ 2.809. C - Jurisprudência Conferir o Enunciado 163 da III Jornada do STJ: "A regra do art. 405 do CC/2002 aplica-se somente à responsabilidade contratual, e não aos juros mo-

ratórios na responsabilidade extracontratual, em face do disposto no art. 398 do CC/2002, não afastando, pois, o disposto na Súmula 54 do STJ". Também já se decidiu: "Juros de mora ex re. Incidência a partir da citação. Impossibilidade. Os juros de mora incidentes sobre o débito têm, como termo inicial, o vencimento de cada parcela, e não a citação. Trata-se de mora ex re. Consoante já se registrou, a incidência de juros, a partir da citação, ou de outro termo, que não o do vencimento da parcela, somente é possível para a hipótese de mora ex persona, hipótese em que se impõe a constituição do devedor em mora, não se operando seus efeitos de pleno direito" (2.°TACivSP, 10.a Câm., Ap 573328-0/6, j. 27.01.2000, v.u., rei. Juíza Rosa Maria de Andrade Nery). Conferir a súmula 163 do STF: "Salvo contra a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros moratórios desde a citação inicial para a ação". Neste sentido: STF, RE 109.156/SP, 2. a T.,j. 16.06.1987, rei. Min. Aldir Passarinho, DJU

07.08.1987.

Súmula 54 do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual". "Termo inicial dos juros legais e da correção monetária de valor liquido. A correção monetária, mera reposição do capital, conta-se mesmo dos respectivos vencimentos, já que o valor é liquido; e os juros de 12% ao ano são legais, observado que se contam da citação do réu (art. 405^do CC/2002)" (TJSP, Ap 9076462-64.2008.8.26.0000, 34. a Câm. de Direito Privado, j. 06.02.2012, rei. Soares Levada).

CAPÍTULO V I I I MORA DO CREDOR

§ 2.810. P R E L I M I N A R E S

1. MORA DO CREDOR E MORA DO DEVEDOR. - Pois que um deve e outro tem direito, a infração do dever não iguala a falta do credor, que é a de colaboração.para que o devedor adimpla a sua obrigação. Ou, melhor, a sua dívida; porque o devedor, cuja dívida é desmunida de obrigação, pode querer solver e por ser sem pretensão o crédito não deixa de incorrer em mora o credor que não coopera para o adimplemento. Dá-se o mesmo se a pretensão está prescrita. É preciso que se não confunda a recusa do credor com a remissão da dívida: ali, o credor, a despeito da sua atitude de não cooperar para a execução da dívida, continua titular da dívida ou da dívida e da pretensão; aqui, a dívida ou a pretensão e a dívida se extinguem. 2. ELEMENTOS DO SUPORTE FÁCTICO. - A mora é fato complexo, que entra no mundo jurídico e altera a relação jurídica. É atraso no adimplemento, por ter o credor omitido a cooperação, especialmente a recepção, indispensável à liberação do devedor. Ou o credor se negou, sem justa causa, a receber a prestação, ou deixou de praticar os atos preparatórios sem os quais o devedor não poderia adimplir.

Conforme teremos de acentuar, o trato do instituto da mora creditoris tem sido prejudicado pelo emprêgo de palavras que têm hoje sentido próprio, preciso, que não era o do direito romano, e por más interpretações de textos romanos através de séculos. Não se pode falar de "oferta" pelo devedor, nem de "aceitação" pelo credor. O que é preciso, da parte do devedor,

é o início de adimplemento, o que pode ocorrer, conforme as espécies, por simples ato verbal (oral ou escrito), ou de simples sinal, como se o vendedor das laranjas acordou com o comprador que êsse viria, ou mandaria buscar o que comprara, no dia imediato àquele em que êle hasteasse a bandeira nos seus terrenos, ou desse sinal com badaladas de sino. O ato de início de cumprimento varia com o conteúdo do negócio jurídico. O Código Civil brasileiro dedicou à mora do credor: a) o art. 955, 2.a parte: "Considera-se em mora...o credor que o (pagamento) não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058)"; b) o art. 958: "O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, em que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fôsse oportunamente desempenhada (art. 1.058)"; c) o art. 959: "Purga-se a mora: II. Por parte do credor, oferecendo-se êste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até à mesma data; III. Por parte de ambos, renunciando aquêle que se julgar por ela prejudicado os direitos que da mesma lhe provierem". O art. 1.058, parágrafo único, define o caso fortuito ou fôrça maior: "O caso fortuito, ou de fôrça maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir". Desde logo é de observar-se: (a) que nenhuma referência se fêz. a culpa como pressuposto da mora do credor; (b) que o problema de interpretação que surge da leitura dos arts. 957 e 963 nada tem com a mora de credor. 3. "OBLATIO" OU APRESENTAÇÃO DA PRESTAÇÃO. - Preliminarmente, tem-se de eliminar tôda doutrina que veja no ato do devedor, na oblação, dita, erradamente, pelo menos na terminologia científica de hoje, oferta, qualquer declaração de vontade, ou simples manifestação de vontade. O que há na oblatio é mero ato, que entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico, que é o pagamento. Prestar não é negociar; é adimplir. Se pagar não é negócio jurídico, ,-como o poderia ser o ir pagar? (Tomo II, §§ 159, infine,

209).

Os atos do credor necessários ao adimplemento, sem serem a simples recepção, são, como os atos preparatórios do devedor, antelativos. O tempo que precede à recepção é o tempo da antelação. A oblação faz-se durante êle ou após êle. Para o adimplemento pode haver atos preparatórios, quer do lado do devedor quer do credor, mas, ainda que haja todos menos um, de cuja falta

resulte não se adimplir a dívida, o direito tem de levar em conta o ocorrido para determinar a incursão em mora, ou do lado do devedor, ou do lado do credor. Na L. 30, D , de solutionibus

et liberationibus,

46, 3, e n a L. 72,

pr, procurou-se ver mais do que atos para prestar: manifestação de vontade feita ao credor. Alguns apontaram algo de negociai; outros, ato jurídico stricto sensu (sôbre isso, cf. R. LEIDEN, Voraussetzungen und Wirkung der Schuldhinterlegung, 26; F. RAUTMANN, Rechte des Verkaufers bei mora accipiendi des Káufers, 14). O "nollet accipere" da L. 30 (ULPIANO) de modo nenhum significa que, para haver mora, é preciso que o credor não queira aceitar; nem, tão-pouco, se pode inferir tal necessidade do "accipere recusavit" da L. 72, pr. (MARCELO). A mora do credor apenas supõe a falta de receber, o não-receber. A conduta do credor também pode demorar o adimplemento. Incorre êle, então, em mora. Com a mora do credor, o devedor continua obrigado, até que cesse a dívida, inclusive pela impossibilidade. Se o contrato é bilateral, o devedor continua com o seu crédito. Se o contrato é unilateral, a responsabilidade se reduz às despesas de que fala o art. 958 ; do Código Civil. Enquanto o devedor pode cumprir, ainda que a dívida seja desmunida de obrigação, ou prescrita a pretensão, a mora do credor pode dar-se. Se há oblação, somente a recusa fundada enseja evitar-se a mora do credor. Todavia, se, no momento da oblação, o devedor não pode realizai' a prestação oblata, a mora do credor não se dá. Se o credor tem de contraprestar e, no momento, não faz a oblação, a oblação pelo devedor pode ser retirada e a mora creditoris

exsurge.

A realização da prestação é resultado de série de atos que acabam na figura do adimplemento. O devedor, que presta, como o credor, que contrapresta, percorre caminho, que é o da promoção do cumprimento. O que é preciso é que não fique ao credor, para receber a prestação, mais do que atos seus, ainda que negativos (e. g., se o devedor tem de depositar na conta bancária do credor o que lhe deve). Se ao devedor apenas incumbe falar ou fazer sinal, a oblação verbal ou mímica ou simbólica deixa ao credor tudo mais para que apanhe, colha, ou recolha a prestação. Nas obrigações que consistem em prestação de serviços, é de mister que o devedor esteja em situação de os poder prestar. Aí, a impossibilidade seria objetiva, porque o objeto é o facere. Idem, em se tratando de obrigações de não fazer, porque o ato negativo é que é o objeto.

A recusa pelo credor há de fundar-se em que aquilo de que se fez oblação não é o que se deve. Se a prestação é defeituosa, pode recusá-la o credor, sem que incorra em mora. Se o vício é oculto e a recebeu o credor, mora não houve e o devedor liberou-se. Mas há, para o credor, o remédio da rescisão por vício redibitório ou o da ação quanti minoris. Na oblação não há declaração de vontade, nem comunicação de vontade; há ato-fato jurídico. Tão-pouco é receptício. O padeiro deixa o pão, na ausência do freguês, ou se êsse se mudou sem avisar, ou se faleceu. Se o credor declarou que não vai receber a prestação, basta a oblação verbal pelo devedor, porque pode ser dispendioso e inútil ir levar ou remeter a quem, segundo diz, não vai receber. A oblação verbal, em tal espécie, tem sentido. É como se o devedor dissesse: "Pôsto que hajas declarado que não vás receber, estou pronto a prestar, se mudasses de propósito". Às vêzes a oblação verbal é silente, como se o dono da casa comercial ou o gerente diz aos empregados que não abrirá o estabelecimento no dia 10, ou no dia seguinte. Está entendido que o dono da casa comercial, ou o gerente, pode mudar de intenção e retirar a declaração. Os empregados, êsses, com o seu silêncio, têm a atitude de quem dissesse: "Bem; se houver contra-ordem, estou pronto a vir". Se, por ocasião da declaração, um dos empregados aproveita o ensejo para dizer: "Nesse caso, aposso ir a São Paulo e estar aqui no primeiro dia de serviço?", há a declaração do dono da casa comercial ou do gerente, o "estou pronto a vir, se mudar de propósito" e a oferta de dispensa, que depende de aceitação (negócio jurídico bilateral). Quando a prestação é para se ir buscar, a oblação é verbal. Todo ato posterior a isso é de entrega. Se o devedor diz ao credor que pratique os atos necessários à recepção em data certa, ou que as entregas começam do dia tal, ou ao comprador para que prove ou examine (Código Civil, art. 1.144), implícita está a oblação verbal. O devedor há de ter pronta a prestação, de tal maneira que, se o credor a quer receber, nada mais se oponha a isso. O alfaiate que disse estar pronta a roupa e, no momento de prová-la, verifica que precisa de retoques, fêz oblação ineficaz, de modo que outra terá de ser feita, oportunamente. Se não há necessidade de oblação real, como se a coisa está em poder do credor (e. g„ é possuidor imediato), não se pode dizer que a oblação deixa de ser indispensável. Há sempre momento em que ocorre a dação de

posse, ou ato-fato semelhante. A afirmativa de SCHENKER (Erfüllungsbereitschaft und Erfüllungsangebot, Jherings Jahrbücher,19, 141) e de PH. HECK (Grundriss des Schuldrechts, 113) sôbre a desnecessidade, em tais casos, da oblação, é de repelir-se. Não há só a oblação real e a verbal; há a oblação por sinal e a oblação por ato negativo.

Panorama atual pelos Atualizadores §2.810. A - L e g i s l a ç ã o Mora do credor e responsabilidade do devedor pela conservação da coisa (art. 400 do CC/2002). Caso o devedor tenha tido despesas com a conservação da coisa, o credor em mora deve ressarcir o devedor dessas despesas, desde que necessárias à conservação da coisa (art. 96, § 3.°, do CC/2002).

§2.810. B - D o u t r i n a Na mora do credor o fundamental "é a oferta do r devedor, mas oferta da cumprir imediatamente e não simplesmente de estar pronto a cumprir". "O tempo em que a oferta do devedor deve ser feita é qualquer, quando a obrigação é pura. Quando é a termo, o devedor só pode fazê-la válida para o efeito da mora accipiendi se o termo for estipulado em seu favor. Em regra, porém, presume-se o termo estipulado a favor do devedor; logo, pode este, em regra, constituir o credor em mora por oferta válida antes do termo, contanto que ofereça ao credor tudo quanto a este caberia receber se o termo expirasse como estava previsto na convenção" (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignácio. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956.1.1, n. 263 e 264, p. 479 e 480). A mora produz os seguintes efeitos contra o credor moroso: (a) não responsabilidade pela conservação da coisa, e pelas conseqüências dos efeitos do caso fortuito ou da falta de diligência; (b) sujeitar o devedor a receber a coisa pela mais baixa estimação, se houver alteração durante o tempo que medeia o contrato e o pagamento; (c) sujeitar o credor a indenizar o devedor das despesas feitas com a conservação da coisa; (d) fazer cessar desde logo o curso dos juros moratórios. (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignácio. Op. cit., n. 265 e 266, p. 483 a 485).

§ 2.810. C - Jurisprudência Sobre o tema tratado neste parágrafo, cf. o seguinte acórdão: "O credor tem razão em afirmar que o fato superveniente da inflação determinou a necessidade de modificação do contrato, celebrado quando presentes outras circunstâncias,

mas para isso deveria ter proposto a devida ação de revisão judicial do contrato a fim de que fossem reexaminadas as cláusulas e estipulados novos critérios que garantissem o reequilíbrio da avença. Nas circunstâncias do negócio, não poderia o banco surpreender o devedor, quando do vencimento, recusando o pagamento ofertado, para exigi-lo em novas bases" (STJ, REsp 32488/GO, 4. a T„ j 07.11.1994, v.u., rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 05.12.1994).

§ 2.811. CONCEITO DE MORA DO CREDOR 1. PRECISÃO. - O devedor deve a prestação. Tem, pois, dever de prestar. O credor não tem, de regra, dever de receber. O devedor entrega a prestação devida, ou, pelo menos, pratica os atos que êle tinha de praticar para que a entrega e a recepção se dessem. O credor recebe a prestação, ou, pelo menos, procede de tal maneira que a solução da dívida se possa dar. Já vimos que o têrmo "oferta" se ainda se emprega, é ambíguo (há "oferta" de contrato), ou, até, equívoco. A definição científica tem, pois, de evitar qualquer alusão a oferta, tanto mais quanto o ato do credor, positivo ou negativo, somente entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico, à semelhança do ato de adiâplemento.

2. CONCEITO. - Mora do credor é a omissão do credor em cooperar para que a dívida se solva, até onde essa cooperação é indispensável. Para que a mora creditoris se dê, é preciso que: a) ao que presta seja permitido prestar e possa prestar, porque, se não lhe é permitido, ou ainda não no é, ou não pode prestar no momento de o ter de fazer, não se há de pensar em omissão do credor (e. g., estabeleceu-se que só se prestaria no dia certo e nunca antecipadamente, ou que o negócio seria a data fixa, Fixgeschãft, como a passagem pelo avião das J horas, no dia 5; ou ocorreu impossibilidade da prestação); b) que tenha havido o ato, positivo ou negativo, de prestar, ou de preparação para isso até o ponto em que só seria preciso o ato do credor, e tal apresentação da prestação tenha sido no tempo devido, no lugar devido e conforme o conteúdo da dívida, e tenha praticado o ato quem o podia praticar para solver; c) que do lado do credor tenha havido ato ou omissão que impediu o adimplemento. 3 . PRESSUPOSTOS. -

4. R E C E P Ç Ã O E MORA DO CREDOR. - De regra, para adimplir, precisa o devedor da colaboração do credor, a que se chama recepção. Por exemplo: se A vendeu a B a casa a, - sem na escritura pública se ter feito, desde lo^o, a transferência (acordo de transmissão), a que bastaria a transcrição, - tem A de fazer intimar a B para o acordo de transmissão, porque, sem isso, não se poderia transferir a B a casa vendida. Quase sempre, o locador de serviços, ou o devedor de trabalho, ou obra, não pode adimplir sem que o credor colabore. Se o credor se recusa a isso e, assim, impede o adimplemento, incorre em mora. Se, para o adimplemento, não é necessária essa colaboração do credor (e. g., dever de omissão, de renúncia a direito real, como ocorre no Código Civil, art. 589,13, e § 1.°, ou de reparar danos a objeto, pertencente ao credor, que se acha em poder do devedor, de destruir documento ou coisas em poder do devedor ou existentes em lugar acessível a êle, de expedir mercadorias ou bagagens), não há pensar-se em mora creditoris. Tôda colaboração do credor seria plus. Se o devedor tem de cumprir simultaneamente à contraprestação pelo credor, isto é; quando se trate de contrato bilateral em que o devedor não haja de prestar em primeiro lugar, o credor incorre em mora se está disposto a receber a prestação oblata, e não faz oblação da contraprestação. Ou o credor faz a oblação, ou recusa. Não lhe é permitido receber a prestação sem fazer a contraprestação, simultâneamente. Pode dar-se, em todo caso, que haja de existir a simultaneidade, sem se ter determinado o dia da prestação e, pois, da contraprestação. Então, tem de ser acordado o tempo para a prestação, ou para a contraprestação, ou ser avisado o credor, com razoável antecipação. O credor não tem o dever de previsão do dia do adimplemento, nem de receber e contraprestar sem que se haja marcado o dia. Não pode ser pôsto em mora sem que esteja prevenido para receber e contraprestar. Se, no caso acima referido, o devedor deixa de avisar, corre o risco de oblação intempestiva, ou de ter de entregar e marcar dia em que possa receber a contraprestação. Se o credor não pode receber, ou contraprestar, os gastos que o devedor fêz ou haja de fazer por ter sido ineficiente a oblação, correm por sua conta. Trata-se de avisos cheios de vontade, que nao se podem ter como simples comunicações de conhecimento. É, rigorosamente, o anúncio volitivo (Tomo II, § 235, 1), ato jurídico stricto sensu, receptício.

5 . E M PRINCÍPIO, NÃO HÁ DEVER DE RECEBER. - R . RÕMER (.Abhand-

lungen aus dem rõmischen Recht, 143-148) falava, contra a opinião dominante no direito comum, de dever geral de receber. M. VOIGT (Das ius naturale, aequum et bonum und ius gentium der Rõmer, III, 3 3 9 e 6 1 6 s.), F. TH. ULRICH (Die Deposition und Dereliction, e RICHARD K O C H ( D / E Mora creditoris, 9) iam ao extremo de falar de dever do credor quanto à liberação do devedor. B . WINDSCHEID também cogitou de alternativa ao credor: receber ou renunciar (?!), mas corrigiu, depois, o êrro em que incorrera (.Lehrbuch, II, 9.a ed., 447, nota 10). Referiu-se, então, ao interêsse do devedor no recebimento pelo credor (melhor teria dito na liberação). Sôbre a matéria, C . SCHANZENBACH {Gibt es oder 2)

inwieweit gibt es in gegenseitigen Vertrãgen eine Pflicht zur Annahme der Gegenleistung?, 1 s.), A . ROSENTHAL (Das Annahmepflicht des Glãubigers nach dem BGB., 1 s.) e KARL STROHL (Culpa ais Element des Glaubigerverzugs, 3 2 s.).

Também J. VON SCHEY (Begriff und Wesen der mora creditoris, 9 4 s.), que formulou teoria do dever geral de receber, caiu na contradição com o "qui suo iure utitur neminem laedit", que invocou. Por outro lado, é de afastar-se qualquer concepção de paralelismo entre a plus petitio reta. plus petitio tempore, a que aludia F . A . CARL (Der Glaubigerverzug, 34). A respeito de alguns contratos, especialmente da compra-e-venda (L. 9, D., de actionibus

empti venditi,

19, 1: "Si is, qui lapides ex f u n d o eme-

rit, tollere eos nolit, ex vendito agi cum eo potest, ut eos tollat"), aparecia a necessidade de cooperar o credor no adimplemento. Se quem comprou pedras de um terreno não as quer retirar, pode ser exercida contra êle, disse POMPÔNIO, na L . 9, a ação de venda. Aí, há interêsse do devedor em que se levem as pedras. Pensou-se haver na L. 9 princípio geral, de que se dava exemplo, donde a interpretação extensiva que foi seguida por tantos juristas (e. g., G. C. TREITSCHKE, Der Kaufcontract in besonderer Beziehung auf den Waarenhandel, § 77; C. H. L. BRINCKMANN, Lehrbuch des Handelsrechts,

§ 1 0 0 ; H . T H Õ L , Das

Handelsrecht,

I, 6 . a e d . , § 2 7 2 ; PAUL HIRS-

CH, Zur Revision der Lehre vom Glãubigerverzuge, 191; P. SCHINGNITZ, Inwieweit ist zur Erfüllung einer Obligation die Mitwirkung des Glãubigers erforderlich?, 26 s.).

Outros, os partidários da teoria do interêsse (Interessentheorie), que se contrapôs à da generalidade, sustentaram que a L. 9 ou qualquer regra jurídica correspondente à L. 9 somente incide onde há interêsse do devedor

era que o credor receba (e. g., E. ECK, Vortrãge, II, 2.a ed., 283-288). O interêsse há de ser diferente do interêsse comum de adimplir. Outros viam na L. 9 simples caso particular, que seria o do vendedor das pedras (J. KOHLER, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücherfür die Dogmatik,

17,265 e 275; B. WINDSCHEID, Lehrbuch,

MOMMSEN, Die Lehre von der Mora,

II, 9.A ed., 4 5 2 s.; FR.

134).

No Código Comercial, art. 201, está escrito: "Sendo a venda feita à vista de amostras, ou designando-se no contrato qualidade de mercadoria conhecida nos usos do comércio, não é lícito ao comprador recusar recebimento, se os gêneros corresponderem perfeitamente às amostras ou à qualidade designada; oferecendo-se dúvida, será decidida por arbitradores". O art. 201 nada tem com a mora. Não temos a regra jurídica da L. 9, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, nem a de alguns códigos estrangeiros. O

art. 973, II, do Código Civil, que permite o depósito em consignação "se o credor não fôr nem mandar receber a coisa", é para as espécies em que não tenha o devedor de prestar no próprio domicílio, por se haver estabelecido lugar diferente para o adimplemento, ou resultar das circunstâncias, da natureza da obrigação ou da lei (Código Civil, artr:950). Há regra jurídica no sistema jurídico brasileiro, não escrita, que se pode redigir nos seguintes têrmos: "As circunstâncias, a natureza da obrigação e a lei podem preestabelecer dever de o credor cooperar no adimplemento". A formulação atende à terminologia do art. 950 do Código Civil. A segurança do tráfico, a necessidade de ser protegido o interêsse do devedor (A. DÜRINGER-M. HACHENBURG, Das Handelsgesetzbuch, El, 5 0 ) e as circunstâncias, que se têm por levadas em conta pelos figurantes, podem determinar que o credor tenha de receber. Mas a mora ocorre, haja ou não êsse dever, que não é ordinário, desde que o credor tenha deixado de receber sine iusta causa. Isso põe claro que, ao lado da mora, pode existir responsabilidade por ato ilícito absoluto. Se o devedor entende que não lhe basta a proteção que deriva do art. 958 do Código Civil, tem a do art. 973, II, do Código de Processo Civil, que independe de qualquer dano (C. F. KOCH, Das Recht der Forderungen,

345).

Pretendeu-se que, em princípio, o vendedor e o empreiteiro tinham de ser tratados com especial regra jurídica, por serem prováveis ou ordmàriamente ocorríveis os prejuízos decorrentes da mora creditoris (e. g., M. HACKERT, Die Begriffe "Ablieferung", "Empfangnahme" im Kauf- undFrachtrecht

"Abnahme", "Annahme" und nach bürgerlichem undHan-

delsrecht, 37). Mas isso apenas seria sugestão para se redigir regra jurídica

dispositiva, ou interpretativa, ou se revelar, no sistema jurídico, tal re^ra jurídica não escrita. A cooperação do credor às vêzes é fáctica; outras, jurídica. Deixou A o paletó para que B o consertasse e, depois, ao fim da semana, o apanhou. Comprou C o imóvel e tem de assinar com o devedor, D, que o vendera, a escritura pública. Aí estão dois exemplos. Em vez de A, pode ir buscar o paletó o empregado da sua casa; em vez de C, o procurador ou mandatário (J. KOHLER, Annahme und Annahmeverzug, Jahrbiicher für die Dogmatik,

17, 264).

Não raro, a cooperação do credor é antes da prestação, como se tem de escolher, nas obrigações alternativas, ou nas obrigações genéricas (F. WARSCHAUER, Der Tatbestand LER, Der Tatbestand

des Annahmeverzuges,

des Glãubiger-Verzuges,

5; F. HIRSCH-

27). E m princípio, não

é de mister que o credor coopere, em se tratando de obrigação de não fazer (FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 137; P. SCHINGNITZ, Inwieweit

ist zur Eifiillung

erforderlich?,

einer Obligation

die Mitwirkung

des

Glüubigers

§ 6).

O credor somente tem dever de receber se, expressa ou tàcitamente, foi convencionado tal dever, ou se resulta da natureza da obrigação, ou de lei. ? O dever de receber, se existe, consiste em ter de tomar, ou retirar, ou colhêr a prestação (= receber a prestação), e não em praticar atos que são da incumbência do devedor, embora indispensáveis ao adimplemento. Se há, ainda, dever de pedir a quem fornece as prestações ao devedor, a infração dêsse dever por ter o devedor provocado o credor a fazer o pedido, ou os pedidos, é infração do dever de receber e, pois, causadora de mora creditoris (assim, L. ENNECCERUS, Lehrbuch., N, 200 s., nota 15); e não mora debitoris (A. DÜRINGER-H. HACHENBURG, Das Handelsgesetzbuch,

III, 50 s.).

6. MORA DO CREDOR NADA TEM COM A CULPA. - A culpa não é pres-

suposto da mora do credor. Na L. 26, D., soluto matrimonio dos quemadmodumpetatur, 24, 3, PAULO nenhuma alusão faz a culpa; nem na L. 73, § 2, D., de verborum

obligationibus,

4 5 , 1 , onde se fala da exceptio doli mah

oponível ao credor que se recusa a receber (certe enim doli mali exceptio nocebit ei, qui pecuniam oblatam accipere noluit). Na L. 37, D., mandati vel contra, 17, 1, AFRICANO SÓ se refere à frustração (frustratio), elemento comum à mora do devedor e à do credor (etenim neutri eorum frustratio suaprodesse debet). Na L. 72. pr., D., de.solutionibus et liberationibus, 46,

3 MARCELO refere-se à recusa sem justa causa (et ille sine iusta causa ea accipere recusavit), que dava ensejo à exceptio doli mali: deve-se considerar como pago aquilo que o credor foi moroso em receber (quare pro soluto id, in quo creditor accipiendo moram fecit). Se a recusa era justificada, como se era deficiente ou defeituosa a prestação, mora não havia. Porém daí não se havia de tirar que fôsse pressuposto necessário da mora a culpa. Sôbre isso foram definitivas as observações de J. KOHLER (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücherfiir dieDogmatik, 1 7 , 2 6 5 s. e 4 0 9 s.) e PAUL HIRSCH (ZurRevision

der Lehre vom Glãubigerverzuge,

F. SCHÕMANN (Lehre vom Schadensersatze, geri Zusãtze u. Berichtungen

215 s.). N o mesmo sentido, 10), J. A. FRITZ (Erlãuterun-

zu v. Wening-Ingenheims

C. F. F. SINTENIS (Das praktische A. BRINZ (Lehrbuch der Pandekten,

gemeíne

Civilrecht,

Lehrbuch,

357 s.),

II, 3." e d , 217 s.),

II, 2.A e d , 287), L. KUHLENBECK (Von

den Pandekten zum BGB., II, 109 s.) e outros. Sem razão, C . O . MADAI (Die Lehre von der Mora, § 2), C. W. WOLFF (Zur Lehre von der Mora, 252), J. VON SCHEY (Begriffund

Wesen der mora creditoris, 7 1 s.), F. MANNS (Von

der Mora, ein Fragment, 5 s.), W. MUNK (Wesen und Voraussetzungen

Mora creditoris, 33 s.) e outros.

der

-

Na L. 91, § 3, D , de verborum obligationibus, 45,1, PAULO refere-se à culpa, quando informava que, para os antigos, sempre que intervém culpa se perpetua a obrigação, e foi em tal texto que se firmou tôda a ardilosa e habilidosa teoria da culpa pressuposto da mora. Mas ali só se falava da perpetuação da obrigação, e PAULO exatamente inquire sôbre o que acontece se apenas o devedor incorreu em mora: ^a perpetuação obstaria à emenda da morosidade? Acrescenta que CELSO admitia a emenda. ^Onde a afirmação de não haver mora sem culpa? A L. 72, pr. D , de solutionibus et liberationibus, 46, 3, fala da mora do credor por ter havido oblatio pelo devedor, quer dizer o apresentar, o pôr defronte do credor a prestação. Fala-se de ser "sine iusta causa" a falta de cooperação do credor. Culpa pode ter tido o devedor em que tal falta do credor se desse, e MARCELO na L . 72, pr, o prevê e previne. Os que não encontram na L. 72, pr, argumento contra a teoria subjetiva ou da culpa erram, e foi o caso de H . DERNBURG (Pandekten, II, 7.a ed, 120 s.), W. MUNK (Wesen und Voraussetzungen der Mora creditoris, 40) e PAUL MÜHSAM, Die gerichtliche

Hinterlegung,

23).

Sob o antigo Código Civil suíço, discutia-se se a mora do credor supõe culpa do credor. Mas já antes da revisão a jurisprudência se decidira pela negativa, sob a inspiração dos estudos de JOSEF KOHLER.

A mora do credor não é infração de dever (C. F. F. SINTENIS, Das II, 197, nota 50 F. WARSCHAUER, Das Tat-

praktische gemeine Civilrecht, bestand des Annahmevcrzuges,

45; KARL STROHL, Culpa ais Element

des

Glãubigerverzugs, 17 sem razão, L. ROSENBERG, Der Verzug des Glãubigers, Jherings

Jahrbücher,

43, 2 0 3 s.).

Nenhuma culpa se exige para que ela se constitua. O que se impôs aos nossos dias foi a concepção de JOSEF KOHLER (cf. Der Glaubigerverzug, Archivfür

Bürgerliches

Recht,

13, 150), q u e prevaleceu no Código

Civil alemão. Foi ela exposta em 1879 (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücher für die Dogmatik, 17, 262 s.). Abstraiu-se de qualquer culpa, porque o conceito sempre fôra, em boa doutrina, estranho ao de mora (cf. H. KORNFELD, Die Voraussetzungen HL, Culpa ais Element

des Glãubigerverzugs,

des Glãubigerverzugs,

14; KARL STRO-

53).

§ 2.812. PRESSUPOSTOS DA MORA DO CREDOR 1. ENUMERAÇÃO. - Para que haja mora, é preciso: a) que ao devedor (ou ao terceiro, segundos art. 930 e parágrafo único do Código Civil) seja permitido prestar e o possa; b) que inicie o ato de adimplemento, de jeito que o inadimplemento seja imputável ao credor (ainda que culpa não tenha êsse, porque a culpa é estranha aos pressupostos da mora do credor); c) que o credor não haja recebido (= haja recusado), ou haja omitido ato positivo ou negativo de cooperação indispensável a que se desse o adimplemento. 2. PERMISSÃO DE PRESTAR. - 1 . a) É permitido prestar, em princípio, logo que nasce o crédito (Código Civil, art. 952, verbo "imediatamente"), ou ao implemento da condição (art. 953), ou ao advento do têrmo (art. 952, verbis "época para o pagamento"), ou, ainda, antes do vencimento, nas espécies do art. 9 5 4 (art. 1.490; Decreto-lei n. 9.228, de 3 de maio de 1946, sôbre liquidação de bancos, art. 4.°, b): "a liquidação determina o vencimento antecipado das obrigações civis e comerciais do estabelecimento liquidando e, conseqüentemente, as cláusulas penais dos contratos unilaterais assim vencidos não serão atendidas, nem correrão juros, ainda que estipulados, contra a massa, enquanto não fôr pago integralmente o passivo"; Decreto n. 9.346, de 10 de junho de 1946, art. 6.°, b).

b) Também é de exigir-se que, ao tempo da oblação - oblatio é, aí, o movimento do devedor para o pagamento - o devedor (ou o terceiro) possa prestar. Não basta estar disposto, ter intenção, sem se pré-excluir que possa prestar e preste quem o faz contrariado. Se ao devedor (ou ao terceiro) é permitido prestar e poderia êle prestar, porém lhe faltam meios para isso, a oblação foi só aparente. O credor pode alegar e provar que o devedor, a despeito de atos preparatórios, ou de comunicações de vontade, ou de ato final de adimplemento, não podia prestar. Respectivamente: pediu vagão para o embarque das mercadorias sem as ter e sem poder adquiri-las a tempo; escreveu carta, ou telegrafou, ou telefonou, dizendo que recebesse na estação o automóvel, e não o poderia remeter, por não haver lugar no trem ou no navio; entregou os carneiros, mas - ao ter de o credor passar ao empregado o cuidado dêles (tomada da posse, por servidor da posse) deixou de os receber porque foi avisado por alguém que os carneiros não eram do devedor. Sempre que há impossibilidade objetiva para o devedor prestar, não há pensar-se em mora do credor (= a impossibilidade objetiva da prestação pré-exclui a mora creditoris). Não se confunda com os obstáculos que, ao tempo do adimplemento, impedem que o credor coopere na execução da obrigação, ou recebe a prestação. A impossibilidade subjetiva, para o devedor, também pré-exclui a mora creditoris. Os impedimentos pessoais do credor ou fôrça maior individual não pré-excluem a mora do credor. A morte da mulher ou parente do credor não impede a mora; nem a do filho; nem a chuva torrencial que lhe obste chegar ao lugar em que teria de receber a prestação. Poder-se-ia argumentar que o art. 164 do Código de Processo Civil aponta espécies em que a citação não se pode fazer em determinadas ocasiões ou durante certo trato de tempo (I, ao funcionário público, na respectiva repartição; n, a quem estiver assistindo a qualquer ato religioso; EI, ao cônjuge ou ascendente, ou irmão do morto, ou afim nos mesmos graus, no dia do óbito ou nos sete dias seguintes; IV. aos noivos, nos três primeiros dias de bodas; V. aos doentes, enquanto grave o seu estado). As citações, as notificações judiciais, as interpelações judiciais e as intimações não podem ser feitas durante aqueles momentos. Mas sim, as oblações, se, não as fazendo o devedor, êsse incorreria em mora. Na repartição pública, se o funcionário público pode, no momento, receber estranhos ao serviço, a oblação verbal é possível, ou a gesticular ou mímica, entendendo-se, porém, que, cabendo, na espécie, tal oblação, a

entrega se fará aí mesmo, oü no lugar que fôra estabelecido, ou decorrente de regra jurídica. Se a entrega pode ser feita na repartição pública, depende do regulamento interno da repartição. Durante ato de culto religioso, tôdaintercepção, ou oblação que o perturbe, é de pré-excluir-se, salvo se o devedor, não a fazendo, incorreria em mora, como se lhe tinha de ser entregue medicamento urgente, ou certidão indispensável ao enterro de alguém. Quanto aos dias de enojo, a natureza da prestação decide. O critério mais seguro é o de verificar-se.se o devedor, não prestando, incorreria em mora. Se incorreria, pode prestar no dia ou nos sete dias de que fala o art. 164, IH, do Código de Processo Civil. O que se disse quanto ao art. 164, III, do Código de Processo Civil, é invocável para a espécie do art. 164, IV. e para a espécie do art. 164, V. O credor não incorre em mora se ao tempo de adimplir o devedor não poderia prestar. Se a oblação é real, a hipótese dificilmente ocorre. Quem apresenta fàcticamente pode prestar. Mas a coisa pode ser de outrem e então o devedor não pode prestar. A impossibilidade para o devedor, que pré-exclui a mora do credor, é a impossibilidade objetiva, e não a subjetiva (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 148; sem razão, P. DOCHNAHL, Die Gefahrtragung beim Werkvertrage, Jherings Jahrbücher, 48, 241 s.). O credor é que tem o ônus de alegar e provar que ao tempo do adimplemento o devedor não poderia adimplir (L. KUHLENBECK, ./. v. Staudingers Kommentar,

n , 212).

Se a dívida é de ir buscar, de regra a oblação é verbal, para que o credor providencie (O. WARNEYER, Kommentar, II, 526), salvo se havia dia determinado para o recebimento. Se o credor está pronto a receber a prestação oblata, mas se recusa a contraprestar, a mora de credor ocorre. Se é terceiro quem vai solver, sem ser como procurador do devedor, com podêres para receber a contraprestação, pode êle exigir do credor a quitação, porém não a contraprestação. O credor pode receber do terceiro e fazer oblação ao devedor. Tratando-se de servidor da posse, a entrega da prestação é de entender-se para receber a contraprestação. Se o devedor exige a quitação, o credor não incorre em mora enquanto o devedor não presta as despesas da quitação (O. WARNEYER, Kommentar,

I, 526).

3 OBLAÇÃO. - H A prestação tem de ser oblata (evitemos dizer "oferta", porque a terminologia jurídica reservou "oferta" à manifestação de vontade a que há de corresponder a aceitação ou a recusa de contratar: o étimo é o mesmo, mas os significados são distintos e ninguém diz oblação, em vez de oferta). A oblação é a apresentação ou a prática de algum ato que seja início de adimplemento, ou simples comunicação, se, in casu, basta (oblação verbal, mímica, ou por sinal). A oblação há de ser conforme o conteúdo, tempo e lugar da prestação. Há de ser feita pelo próprio devedor, ou por pessoa a que se permita fazer, e dirigir-se ao credor ou a pessoa a que se possa eficazmente pagar. Se são dois ou mais os credores e a prestação só a todos conjuntamente pode ser feita, a oblação tem de ser a todos. Se, em vez disso, os credores são solidários, a oblação a um põe em mora de receber a todos. Da parte do devedor, é preciso que êle haja procedido para adimplir como era de seu dever e só a falta de cooperação do credor haja impedido o adimplemento. Se, da parte do credor, o ato indispensável é apenas receber, tem o devedor de entregar a prestação. Se, ao invés, é de mister cooperação anterior à entrega (e. g., escolha da prestação, indicação de terceiro a quem se entregará, ou do lugar da prestação, apresentação de documentos legalmente necessários à aquisição), basta a oblação verbal, ou, o que se há de entender que a contém, a provocação (Aufforderung) ao credor, para que coopere (cf. Tomo II, § 235,10). Para o credor não poder recusar-se a receber a prestação, é preciso que a prestação seja oblata com as despesas e interêsses, inclusive os interesses moratórios até à oblação e qualquer reparação de dano causado pelo atraso do devedor. Se a dívida é de ir buscar, ou se provém de compra-e-venda à distância, tendo sido excluída a expedição, a mora creditoris pode resultar da falta em que incorra o credor, a despeito de não ter havido oblação. Não basta que o devedor leve parte do dinheiro, ou tenha consigo parte do dinheiro, dizendo que a outra parte é em compensação de dívida do credor a êle. Há de levar tôda a prestação, para que, exercido, na ocasião, o direito de compensação, se deduza o que se compensa ( O . WARNEYER, Kommentar, I, 523).

Qualquer ressalva que o devedor faça, quanto a direitos A serem exercidos no futuro, não faz ineficaz a oblação. Nas dívidas com remessa, basta que se haja remetido ao credor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

144).

Se o devedor só faz oblação de parte da prestação, não há mora do credor (G. PLANCK, Kommentar, II, 1,293; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse, 144); outrossim, se a oblação é de outra coisa, embora mais valiosa, e de coisa certa a obrigação (Código Civil, art. 863). Se o que se entregou ou de que se fêz oblação é mais do que o devido, não obsta isso à mora do credor se o receber o excesso não cria prejuízo ou dificuldades ao credor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse, 142). O pagamento em dinheiro trocado ou miúdo só é de recusar-se se embaraçaria em demasia o credor (P. KRÜCKMANN, Ist der Droschkenkutscher verpflichtet zu wechseln?, Das Recht, V, 85 s.). Se a coisa prestada tem defeito, não incorre em mora o credor (G. II, 1, 2 9 3 ; sem razão: F. SCHOLLMEYER, Erfüllungspflicht und Gewáhrleistung für Fehler beim Kauf, Jherings Jahrbücher, 49, 101; MAX WOLFF, Sachmãngel beim Kauf, 56, 8). Se, pelo contrato, o credor apenas pode exigir abatimento no preço (e. g., compra do que haja em depósito), ou recebe, ou incorre em mora (G. PLANCK, Kommentar, II, PLANCK, Kommentar,

1 , 2 9 3 s.; O. WARNEYER. Kommentar,

1,523).

A doutrina segundo a qual, se o credor deixa de comunicar o enderêço nôvo, não é de mister a oblação, tem de ser repelida, como;reveladora de regra jurídica geral, porqiíe ou o enderêço é indicação do lugar da prestação e a regra jurídica é de tôda relevância, ou o enderêço é para cominação, em caso de dever de retirada, ou é indicação do domicílio do credor para qualquer aviso ou citação. Se a prestação é de mercadoria para se entregar no domicílio do credor, ou no lugar que êle mencionou, a oblação tem de ser feita, com a nota de não ter sido encontrado o credor. As dívidas de dinheiro e outras mais não permitem que se lhes dê o mesmo trato. Daí o não se poder dizer, como P. OERTMANN {Recht der Schuldverhaltnisse, 145), JOSEF KOHLER (Der Glaubigerverzug, Archiv für Bürgerliches Recht, 1 3 , 1 9 9 ) , ser desnecessária a oblação, nem, como L. KUHLENBECK (J. v. Staudingers

Kommentar,

II, 2 0 9 ) , CARL CROME (System,

L . ROSENBERG (DerVerzug des Glãubigers, Jherings

Jahrbücher,

II, 152) e 43,160,

sôbre depósito em consignação ou oblação verbal edital), ser necessária. A oblação verbal do terceiro, ainda se terceiro interessado, não basta. Somente é suficiente se o terceiro tem legitimação independente para satisfazer o credor (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 199, nota 7). Se a cooperação do credor, que não seja só recepção, a) há de^ser em dia certo, ou b) em momento determinado por denúncia, a oblação so e necessária se o credor praticou, tempestivamente, o ato que lhe incumbia.

Se não o praticou, já a mora creditoris se caracterizou. São exemplos de b) a fixação da hora para operação, para representação teatral, ou para aulas (cf. L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar,

Kommentar,

II, 211; O. WARNEYER,

I, 525).

A cláusula ou pacto adjecto pelo qual a prestação haja de ser até o dia tal não é, para a incidência do art. 955, 2.A parte, dia certo. O devedor é que incorre em mora se não presta no último dia; o credor, não. Porque o credor não sabe quando o devedor vai prestar. E de mister que se determinem o dia e a hora para que os interessados estejam no lugar do adimplemento (O. WARNEYER, Kommentar,

I, 525).

A fixação do dia pode constar de cláusula do negócio jurídico, ou de acôrdo posterior, ou ato unilateral do credor, mediante denúncia em que diga para quando quer a prestação (G. PLANCK, Kommentar, n , 1,301), se lhe foi deixado determinar o dia, ou se é caso do art. 952 do Código Civil, ou mediante comunicação de que a cooperação indispensável já foi satisfeita (E. ZITELMANN, Selbstmahnung, Festgabe für PAUL KRÜGER, 291 s.). Se o credor pratica, tempestivamente, o ato necessário ao adimplemento, a oblação tem de ser real; somente se êle deixa de praticá-lo é que basta a oblação verbal (G. PLANCK, Kommentar, II, 1 , 3 0 1 ; L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar, II, 211; sem razão, F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 140, que se satisfazia com a oblação verbal). 4. OBLAÇÃO REAL E OBLAÇÃO VERBAL. - Discute-se se a oblação há de ser real (Realoblation), ou se há de ser verbal. Se a oblação tem de ser real, precisa o devedor fãcticamente já ter iniciado a entrega. Se há de ser verbal, tem o devedor de comunicar que está pronto a prestar e em verdade já vai prestar (cf. R. KOCH, Die Mora creditoris, 11). Não há solução a priori. Depende da natureza da dívida, das circunstâncias, da interpretação do negócio jurídico e da lei (C. O. VON MADAI, Die Lehre von der Mora, 234 s.; C. W. WOLFF, Zur Lehre von der Mora, 4 1 4 s.; FR. MÓMMSEN, Die Lehre von der Mora, 141; F. RAUTMANN, Rechte des Verkãufers bei mora accipiendi des Kãufers, 15; WALTER MUNK, Wesen und Voraussetzungen der Mora creditoris, 10). Para PAUL HIRSCH {Zur Revision der Lehre vom

Glaubigerverzuge, 207), a regra é ser de exigir-se a oblação verbal, por só ser necessária a oblação real nas obrigações de ir levar, onde levar e prestar são inseparáveis. Pretendiam H. DERNBURG (Pandekten, II, 7.A ed., 120) e W. SCHMIDT-SCHARFF, Wirkungen der mora accipiendi des Kãufers, 1 s.) que em prin-

cípio é deexigir-se a oblação real, mas basta a verbal se o credor ainda tem de praticar atos para que se sigam atos do devedor, ou se não é de uso a oblação real, ou se seria perigoso não estando pronto à recepção o credor. Nem tôda entrega da prestação há de ser precedida de atos de preparação. Não é de acolher-se a doutrina de CHR. FR. VON GLÜCK (Ausführliche Erlãuterung der Pandecten, IV, 408 s.), para quem, em se tratando de bem móvel, a oblação tenha de ser real, e, para as obrigações de fazer, verbal. O devedor não fica dispensado de oblação se o credor declava, com antecedência, que não receberá a prestação. A solução a) de não mais ser preciso que inicie o adimplemento é condenável. Restam duas: b) considerar-se sem relevância essa declaração do credor; c) ter-se como bastante, então, a simples oblação verbal. O problema oriundo da declaração do credor de que não receberá a prestação teve de ser resolvido, legislativamente, pelo Código Civil alemão, que, no § 295, considerou ser suficiente, então, a oblação verbal. O credor diz: não receberei. O devedor responde: "Estou pronto a pagar"; ou "Pode praticar o ato necessário ao adimplemento"; ou: "De minha parte, tenho a prestação a fazer-se"; "Pode vir buscar". No sistema jurídico brasileiro, é o que se há de entender, a despeito da falta de regra jurídica escrita. Se o credor declarou que não vai receber, há de ter razões para isso, mas só se poderiam levar em conta se expressas na declaração de que não receberá. O devedor pode fazer, do seu lado, a oblação verbal, com a afirmação da improcedência do alegado, ou a oblação real, para que o credor se convença de que não tinha base para o que alegou. Se o devedor faz oblação verbal, ou mesmo real, mas não está em situação de poder prestar (e. g., não pode levantar o dinheiro que tem no banco, ou o bem não é seu), não há pensar-se em mora do credor. Dá-se o mesmo se, fixada a data da entrega para ato do credor, o devedor não esta em situação de prestar. Idem, nas obrigações de vir buscar (O. WARNEYER, Kommentar, I, 526). Aqui, não importa apurar-se se é objetiva ou subjetiva a impossibilidade em que se acha o devedor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

148; A. MEYER, Zur Lehre von der

Gefahrtragung

der Leistung, 39; sem razão, P. DOCHNAHL, Die Gefahrtragung beim Werkvertrage nach rõmischem Recht und dem BGB.

für die Unmõglichkeit Jherings Jahrbiicher,

48, 241).

Ao credor cabe o ônus de alegar e provar que ao tempo da oblação o devedor não está em situação de cumprir a obrigação ( L . KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar,

II, 212),

Se o arquiteto ou o construtor ligado a uma emprêsa vai trabalhar noutra emprêsa e não pode ser cumprido o contrato, por ser insubstituível (pelo contrato, ainda que só se refira o nome do arquiteto ou do construtor), incorre em mora de devedor a emprêsa. Se o que a encarregou da obra deixa de praticar atos necessários, que o arquiteto ou construtor aponta, ou a faz paralisar, incorre em mora de credor (J. WACHSNER, Voraussetzungen und Wirkungen des Annahmeverzugs, der Leistungsmõglichkeit,

12; MAX SCHULZ, Über die

Bedeutung

13).

Se a obrigação é toma-lá-dá-cá, o devedor incorre em mora não fazendo oblação da prestação, se o credor se prontifica a receber. Se o credor tem de dar quitação, não incorre em mora se o devedor não presta o que há de custar a quitação. O terceiro, que presta, tem igual direito à quitação; não, porém, a receber a contraprestação. Pode exigir que se contrapreste ao devedor (G. PLANCK, Kommentar, hãltnisse,

II, 1, 302; F. SCHOLLMEYER, Recht der

Schuldver-

143).

Não cabe apurar-se qualquer culpa ou não-culpa do credor. Quanto ao devedor, há de ser-lhe imputável a falta. 5. FALTA DE COOPERAÇÃO. - H3. O credor há de ter faltado à cooperação indispensável ao adimplemento, quer por omissão de ato, ou prática de ato, ou por ter-se recusado a receber. Receber sem ser como cumprimento

não é receber pré-excludente da mora creditoris.

Se o devedor que tem de prestar simultaneamente à contraprestação inicia o adimplemento e exige a contraprestação, o credor incorre em mora de receber, se, ainda que esteja disposto a receber, não faz oblação da contraprestação. O credor que recusa a quitação (Código Civil, art. 939, l. a parte), ou não devolve o título (art. 942), deixa de cooperar no adimplemento. Incorre em mora

creditoris.

A recusa pelo credor determina a mora. Mas omitir o que de cooperação é indispensável para o adimplemento importa em recusa. Se há impossibilidade objetiva, ou se o devedor, que diz poder solver, não pode, mora do credor não há. Porém é preciso que o próprio devedor revele não poder, ou que os fatos revelem por êle, e o credor possa provar que a oblação só

verbal ou mímica não levaria à solução. Diante da atitude do devedor, o que de mais prático pode fazer o credor é prosseguir no caminho para a recepção. Nesse caminho tem êle de encontrar o momento em que o devedor deixa de adimplir. Se o credor omite ato necessário, de sua parte, ao adimplemento, incorre em mora; se omite ato necessário, de sua parte, o devedor, é êle que se constitui em mora. Se, não tendo o credor faltado, como faltou, à cooperação para o cumprimento da dívida, o devedor teria adimplido, a mora é do devedor. Êsse é o ponto principal. Se o devedor faltou e o credor não poderia receber, por estar, por exemplo, ausente, contra o combinado, há mora do devedor e mora do credor. Á casa comercial fechou por morte de um dos sócios e o empregado, sem ser por isso, faltou ao serviço (= não foi até o emprêgo), há mora do devedor, e não do credor, porque o empregado tinha de estar presente à hora do ponto, salvo se havia sido avisado de não haver ponto no dia. Se A contratou com B o transporte e, no dia, as mercadorias não estão prontas, há mora do devedor, e não do credor. Se B está enfêrmo e deixa de ir transportar, incorre em mora. Porém não assim se, devido ao tempo, o transporte se tornou impossível. Também pode dar-serque hajam desaparecido as bases objetivas do negócio jurídico, isto é, se tenha tornado inatingível a finalidade do contrato. Então, se não foi por ato, positivo ou negativo, imputável ao credor, mora dêle não há. Por exemplo: o pintor não adimple o que prometeu ao dono do edifício porque o desabamento do morro obstruiu a entrada da rua; o pai não exige do professor as aulas, porque o filho desapareceu, ou morreu. Nem o pintor pode pintar, nem o professor pode dar a aula. Nem o dono do edifício pode exigir a pintura, nem o pai do menino as lições. Não houve impossibilitação com culpa do devedor, de modo que se resolve a obrigação (Código Civil, art. 8 7 9 ; cf. F R . LEONHARD, Allgemeines Schuldrecht, 565). Não há pensar-se em mora, nem do devedor, nem do credor. Todavia, nem sempre se trata (ou nem só se trata) de obrigação de fazer. Pode o pintor ter feito despesas (licença, materiais que somente adquiriria para aquela obra, contrato de trabalhadores para a obra). O devedor não foi culpado na impossibilitação, de modo que o credor tem de indenizar o que, com as despesas, desembolsou ou tem de desembolsai" o devedor, pôsto que possa ficar com as coisas e direitos, ou apenas indenizar o prejuízo.

Se nenhum ato tem de praticar o credor, nem, sequer, o de receber, como se o devedor tem de depositar no banco a prestação, para ser creditada ao credor, que tem conta aberta, a mora creditoris não ocorre. Não é, porém, inconcebível que se dê: e. g., se o credor fecha a conta, ou pede ao banco que a torne secreta, ou não admite que se faça o depósito. Nos créditos de omissão, o devedor pode incorrer em mora: o credor, de regra, não. Também aqui não é de afastar-se a possibilidade de mora creditoris, como se o credor cria estado de coisas que tenha de levar o devedor a praticar o ato de que se deveria abster (e. g., a obrigação era de não entrar com automóvel pelo portão próximo à casa do vizinho, credor, e êsse, fazendo obras, fêz ruir muralha e tornou impraticável a entrada pelo outro portão). Se o crédito é de manifestação de vontade, elemento de negócio jurídico, como ocorre nos pré-contratos, é de mister a cooperação do credor. Se a declaração de vontade é unilateral, não. Todavia, há mora creditoris se o credor impede que o devedor a faça (e. g., pagou ao cônjuge para que recusasse o assentimento, ou prendeu em cárcere privado, ou fêz prender pela polícia, no dia da solução, o devedor). Se é indispensável algum ato do credor pari que afinal se dê a recepção e o credor não se acha no lugar em que teria de receber a provocação, cumpre distinguirem-se os casos em que foi acordado o enderêço, qualquer que seja a mudança de circunstâncias, e aquêles em que o enderêço comunicado foi o do momento, suscetível de substituição, o que supõe dever de comunicação de mudança, feita pelo credor. Na doutrina, discutiu-se se, não estando presente o credor, nem havendo quem por êle receba a prestação, ou a provocação, é preciso que se dê a interpelação judicial ou a notificação edital. A despeito das soluções simplistas, que se encontram na doutrina alemã sôbre a recepticiedade ou não-recepticiedade da oblação ou da provocação, o assunto ainda não teve o trato que êle merecia. De um lado, afirmativamente, L. ROSENBERG (Der Verzug des Gláubigers, Jherings Jahrbücher, 43, 157) e muitos outros; negativamente, JOSEF KOHLER (Der Gláubigerverzug, Archiv für Bürgerliches Recht, 13, 199), G. PLANCK {Kommentar, II, 1, 4.A ed., 296) e P. OERTMANN (Recht der Schuldverhãltnisse, 144). A oblação ou a provoca-

ção tem de ser dirigida ao credor, ou quem possa receber a prestação, ou possa receber a provocação. Porém nem aquela nem essa é manifestação de vontade receptícia. Pode dar-se que o credor incorra em mora sem ter tido ciência da oblação ou da provocação. Todavia, se não há quem possa receber a prestação, em lugar do credor, ou quem possa ser servidor do cre-

dor para ser-lhe.endereçada a provocação, o único meio para se endereçar ao credor a oblação ou a provocação é o edital, com ou sem a consignação da prestação, ou com a nota provocativa em juízo. Se o lugar fôra marcado, o devedor que leva a prestação no tempo e lugar devidos suscita a mora do credor que no tempo e lugar não comparece. Aí, a ausência do credor basta; e de nenhum edital se precisa. Não se pode dizer o mesmo se há necessidade de algum ato do credor e não se sabe a quem endereçar. Tem de ser provocado. Se a provocação pode não ser feita por edital depende do negócio jurídico e da existência de enderêço. O edital somente é preciso quando não há enderêço. Cumpre frisar que a mora do credor se pode dar antes da consignação em pagamento e pode provir da eficácia do edital, tendo havido a consignação em pagamento. A consignação para pagamento é em ação, cuja citação tem de ser feita ao credor e, como tôda citação, é receptícia. A oblação e a provocação, ainda orais, não precisam ser conhecidas pelo credor. O que importa é o enderêço. Sem o enderêço, ou a endereçabilidade, é que se tem de fazer por edital (Código de Processo Civil, art. 973, III: "Se o credor fôr desconhecido, estiver declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil").*0 edital, nas espécies do art. 973,1 e n, é após a mora. A mora já se deu sem edital. A impossibilidade subjetiva do credor para a cooperação não é óbice à sua mora. De um lado, o devedor responde pelos riscos, se ocorrem na sua ambiência (enfermidade sua, falta de meios de comunicação, perda de documentos); do seu lado, o credor responde pelo que acontece na sua (falta de matérias-primas, de eletricidade, ou de água; falta de outros operários sem os quais as máquinas não podem funcionar). Chamou-se a essa doutrina teoria das esferas de riscos (Sphárentheorie). Certos J. KOHLER {Lehrbuch,

II, 349; e D e r Glãubigerverzug, Archivfür

Bürgerliches

Recht,

desde as primeiras edições, cf. § 2 8 0 , 1 e II), CARL CROME (System, 1 , 1 4 9 ) , TRAUTMANN (Unmóglichkeit und Annahmeverzug beim Arbeitsvertrag, Gruchots Beitrãge, 59, 434 s.), BÔER, Leistungsunmõglichkeit und Annahmeverzug, 5 4 , 4 9 3 s.) e H . TITZE, 1 3 , 2 0 0 ) , L . ENNECCERUS {Lehrbuch,

e m V. EHRENBERG, Handbuch

II, 197,

des gesamten

Handelsrecht,

II, 744).

Se o credor está impedido, conforme o contrato, de receber a prestação, somente se dá a mora se o devedor que lhe tem de anunciar a prestação o faz com tempo que lhe permita preparar-se para isso, segundo o negócio jurídico, ou os usos do tráfico. E. g., se-no contrato se fala de estrebaria,

que o credor está construindo, e o devedor, que tem de entregar o cavalo vendido, até 31 de dezembro, pretende fazer a oblação a 10 de agosto. As circunstâncias podem mostrar que, na espécie ou no caso, o credor há de ter prazo pradencial. Êsses prazos antelativos podem ser fixados por cláusulas expressas, ou serem de acordo com a natureza do negócio jurídico, ou com os usos e costumes. Se, faltando à contraprestação, o credor não pode alegar iusta causa, incorre em mora clebendi (= mora de credor, quanto à prestação; mora de devedor, quanto à contraprestação). Admite-se, em parte da doutrina, que não haja mora creditoris quando a coisa comprada se tornou, ainda por fato concernente ao credor, objetivamente sem interêsse, antes da mora. Por exemplo: a) se B comprara perna artificial e morre antes de ter de ser entregue; b) se o incêndio destruiu a casa que tinha de ser pintada ( G . PLANCK, Kommentar, II, 1, 2 9 5 ; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 1 4 3 , e Leistungsunmõglichkeit und  n n a h m e v e r z u g , Archiv für die civilistische

s.; H .

DERNBURG, Das Bürgerliche

Unmõglichkeit

der Leistung,

Recht, II, 1,193,

nota

Praxis,

116, 1

2 ; H . TITZE, Die

22; G. MARTIUS, Der Bergführervertmg,

48; J.

und Ungewissheit, 3 0 ) . A espécie a) não é, de modo nenhum, pré-excludente da mora creditoris. Nem o é a segunda, que só texto de lei poderia considerar suficiente para a resolução do contrato. É o caso do art. 879, l. a parte, do Código Civil; também o do art. 882. Se a impossibiüdade objetiva o é para o devedor, também o é para o credor: não pode êsse receber o que aquêle não pode prestar. A perna artificial encomendada pode ser feita; o distraio depende dos interessados (no exemplo, do cônjuge sobrevivente ou dos herdeiros), e o aviso da morte, para o distrato posterior, é recomendável. A mora creditoris não está pré-excluída. No exemplo do incêndio, o pintor não pode executar a prestação, por impossibilidade objetiva. Nem êle nem o credor podem incorrer em mora. As considerações que aqui fizemos servem para se limpar de conseqüências exageradas a opinião oposta à dos que acima citamos e está em CARL CROME (System, II, 149), J. KOHLER (Der Gláubigerverzug, /I rchivfiir Bürgerliches Recht, 1 3 , 2 0 0 ) , BÔER (Leistungsunmõglichkeit und Ânnahmeverzug, Gnichots Beitrãge, 5 4 , 4 9 3 ) , ERNST ECKSTEIN (Der Untergang der Obligation durch Unmõglichkeit, Archiv für Bürgerliches Recht, 3 7 , 4 7 7 ) . U. SCHRÕDER, Unmõglichkeit

Se o tempo da prestação não foi determinado, ou não resulta de lei, ou se o devedor pode, segundo o negócio jurídico, ou a natureza da dívida, liberar-se antes do tempo determinado, o credor não incorre em mora se

está impedido, passageiramente, de receber a prestação, salvo se houve anúncio volitivo com distância temporal razoável. Êsse anúncio volitivo (Tomo II, §§ 235, 1, e 236) é receptício (cf. G. PLANCK, Kommentar,

II, 1, 304; P. OERTMANN, Recht der

Schuldverhalt-

nisse, 149). Pode ser revogado, mas a revogação aproveita ao credor, e não ao devedor, que fica auto-interpelado, e o devedor tem de reparar os danos que haja causado ao devedor com a revogação ( G . PLANCK, Kommentar, II 1, 304; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse,

149; E. GOLDMANN-H.

Gesetzbuch, I, 3 4 9 ) , inclusive por ter adiado o adimplemento. Foi êsse último efeito que levou ERNST ZITELMANN (Selbstmahnung des Schuldners, Festgabe für PAUL KRÜGER, 286 s.) a pensar em auto-interpelação do devedor, quem anuncia a data em que vai adimplir, não havendo data determinada e podendo determiná-la, se auto-interpela. Aliter, se o aviso é apenas porque pode sol ver entre o dia a e o dia c: não determina data, exerce faculdade alternativa. Por onde se vê que a crítica, demasiado superficial, de L . ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 175, nota 8) não pôs por terra o pensamento de ERNST ZITELMANN. LILIENTHAL, Das Bürgerliche

Na compra-e-venda com reserva de especificação (Spezifikationskauf), nos negócios jurídicos (não só compra-e-venda) em que o outorgado se reservou fixar o momento da entrega, ou em que o outorgado tem de completar as indicações (e. g., medidas exatas, ou cores), ou instruções de pormenor (construção, pinturas, estradas de rodagem, como se a estrada há de ser de x quilômetros mas falta parte do projeto quanto ao traçado), são atos preparatórios que incumbem ao credor. Bem assim, a conta de despesas que hão de ser reembolsadas, ou das mensalidades ou prestações periódicas que tinham de ser fornecidas a terceiro. De regra, o credor não cai em mora se o devedor não o provocou a praticar o ato preparatório, e o ato há de anteceder à oblação. Mas pode isso resultar se o impõe o negócio jurídico, ou a lei, ou a própria natureza da dívida. 6. NATUREZA DO ATO, NEGATIVO OU POSITIVO, DO CREDOR. - Quando se fala de mora accipiendi e se traduz isso por mora de aceitar, dá-se a aceitar significado demasiado largo, ou se deforma o fato com a expressão. É raro que o recebimento da prestação, o ato com que o credor colabora com o devedor para que a solução se dê, consista em aceitar. Rigorosamente, isso só ocorre no adimplemento de pré-contratos. São muitos e diferentes os atos com os quais o credor coopera na e x t i n ç ã o da dívida pela solução. Definir a mora creditoris como a falta no aceitar é atitude a

repelir-se, pôsto que tenha sido a de tantos juristas (e. g., B. WINDSCHEID), II, 9-a ed., 4 4 1 s.; W. MUNK, Wesen und Voraussetzungen der creditoris, 3; H. DERNBURG, Pandekten, II, 7.a ed., 119). A falta do

Lehrbuch,

Mora credor é em não receber, ainda que tal aconteça por pequena omissão na cooperação necessária.

Pois que há mora, a dívida e o crédito continuam-, apenas algo se muda jurídica pessoal. Regra-se diferentemente o tempo a vir. Agrava-se a situação do incurso em mora. à relação

Os riscos da coisa vendida até o momento da tradição correm por conta do vendedor (Código Civil, art. 1.127). Se o credor está em mora de recebê-la, por ter sido posta à sua disposição no tempo, lugar e modo que foram estabelecidos, os riscos passam ao credor (art. 1.127, § 2.°). Idem, se foi expedida para lugar diverso, por ordem do comprador (art. 1.128). Em geral, a responsabilidade em caso de mora é a mesma (art. 958), salvo dolo do devedor. Pôsto que haja diferença entre as regras jurídicas dos arts. 864-868, 876 e 877, e as do art. 1.127 e § 2.°, deve-se entender que a mora do credor lhe acarreta a transferência de todos os riscos, salvo dolo do devedor, a despeito de a êsse dolo não se referir o art-; 1.127, § 2.°. A manifestação de vontade do credor no sentido de que não receberá a prestação não é negócio jurídico, mas sim ato jurídico stricto sensu (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, Handlungsfáhigkeit,

145; PAUL ELTZBACHER, Die

I, 178; P. KLEIN, Die Rechtshandlungen

im

engeren

Sinne, 163, nota 182, e Zurücknahme von "Willensmitteilungen", Archiv Recht, 33, 251; sem razão; L. KUHLENBECK, J. V. Stau-

fiir Biirgerliches

dingers Kommentar,

13,210).

Qualquer alegação do credor não pré-exclui a mora; e. g., "não existe a dívida", "não existe a obrigação", "está prescrita a pretensão", "foi decretada a nulidade (ou anulação) do negócio jurídico". Qualquer delas apenas pretende fundamentar a recusa, mas a recusa ocorre e, pois, a mora, salvo verdade, do que alegou.

Se a solução da dívida pode ser por partes, o credor, que não recebe a parte que poderia ser prestada, incorre em mora. Se o credor revoga a sua recusa (a recusa é manifestação de vontade não negociai), afasta a eficácia da mora ex nunc. de modo que não é mais preciso outra oblação (J. MEISNER. Das Bürgerliche Gesetzbuch, II, 33; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

146).

A recusa pelo devedor pode ter justa causa. Então, mora não há. Se B vai pagar quantia a A no momento em que A entra no trem, ou em restau-

rante, ou está a passeio com amigos, ou tem jantar em casa com pessoas de cerimônia, tem A justa causa para deixar de receber imediatamente, ou marcar hoje para que venha pagar, ou vá pagar. Ali, o lugar e o tempo são impróprios; aqui, o tempo. Se o credor se acha na situação descrita no art. 52 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, e o devedor vai pagar dívida não vencida (art. 52,1), há justa causa para a recusa. Idem, se (art. 52 II) vai pagar em dinheiro em vez de em títulos endossáveis, ou vice-versa.

§ 2.813. LEGITIMAÇÃO PARA PROVOCAR A MORA DO CREDOR 1. PONTUALIDADE DO DEVEDOR E IMPONTUALIDADE DO CREDOR. - A

mora do credor, como a do devedor, é impontualidade: tudo se passa no tempo, em momento preciso. - A oblação pode ser feita pelo devedor, pelo terceiro interessado, ou por terceiro, que o faça em nome do devedor e por conta do devedor (cf. Código Civil, art. 930-, parágrafo único). Na L . 5 3 , D . , de solütionibus et liberationibus, 46, 3, permitia (GAIO) que qualquer pessoa pagasse pelo que ignora e contra a vontade dêle (Solvere pro ignorante et invito cuique licet), porque se estabelecera em direito civil que é lícito fazer melhor a condição ainda do que ignora e contra a vontade dêle (cum sit iure civili constituíam licere etiam ignorantis. invitique meliorem condicionem facere). Mas é preciso atender-se à L. 72, § 2, o que sempre se fêz (e. g., C. O. VON MADAI, Die Lehre von der Mora, 246; C. W. WOLFF, Zur Lehre von der Mora, 424). O adimplemento pelo terceiro precisava ser em nome do devedor e por sua conta, como está, hoje, no Código Civil, art. 9 3 0 , parágrafo único, e a L . 72, § 2, o dizia (cf. FR. MOMMSEN, Die Lehre von der Mora, 1 5 9 ; LAMPRECHT, Verzug bei demKauf, 32). 2 . Q U E M PODE PRATICAR O ATO OBLATIVO.

§ 2.814. DEVER DE RETIRAR

1. CONCEITO. - O dever de retirar, a que os juristas alemães chamam Abnahmepflicht, é inconfundível com o dever de receber, porque híplus, naquele, em relação a êsse. Quem tem dever de receber, infringindo-o,

incorre em mora creditoris e em mora debendi

(P. OERTMANN,

Schuld-

tem de indenizar o devedor pelos danos que resultem de não ter recebido, isto é, de não ter adimplido obrigação de fazer (Código Civil, arts. 8 7 8 - 8 8 1 ) . Quem tem o dever de retirar tem o de receber e o de afastar do lugar em que está, no momento da recepção, a prestação. Mas pode o credor receber e infringir o dever de retirar. recht, I, 7 8 ; G . PLANCK, Kommentar,

II, 1, 2 9 0 ) :

Pode haver mora de retirar sem haver mora de receber, portanto infração de dever (mora do devedor da retirada) sem mora do credor. Recebe, porém deixa de retirar. O devedor está liberado; quem não está é o credor, como sujeito passivo do dever de retirar. O devedor tem ação contra êsse sujeito passivo, não contra o credor ( H . MAKOWER, Handelsgesetzbuch, notas aos §§ 375 e 376 do Código Comercial alemão; L. ROSENBERG, DerVerzug des Glâubigers, Jherings Jahrbücher, 43, 260; cp. A. HOHENSTEIN, Der Abnahme-Annahme verzug des Káufers-Glãubigers, Archiv für Bürgerliches Recht, 25, 79).

2. CONSEQÜÊNCIAS DA MORA A RESPEITO DO DEVER DE RETIRAR. - S e

a mora é somente quanto ao dever de retirar (E. JACOBI, Die Abnahmepflicht des Káufers, Jherings Jahrbücher, 45, 260 s.), não pode o outro figurante alegar ou pedir resolução do contrato (Código Civil, arts. 865, l. a parte, 876 e 879), salvo se a retirada faz parte do conteúdo da dívida principal, e. g., venda dos materiais do edifício ao demolidor (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 356).

3 . COMPRA-E-VENDA E DEVER DE RETIRAR. - No direito comum, discutiu-se se o comprador era obrigado a retirar as coisas compradas. Afirmavam-no G. C . TREITSCHKE (Der Kaufcontract, 2 7 3 ) , W . SCHMIDT-SCHARFF (Wirkungen der mora accipiendi, 3 1 s.) e C . H . L . BRINCKMANN (Lehrbuch dee Handelsrechts, § 1 0 0 ) . Negou-o JOSEF KOHLER (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücher für die Dogmatik, 1 7 , 2 6 1 s , e Der Glãu-

bigerverzug, Archiv für Bürgerliches.

Recht, 13, 276 s.).

O dever de retirar estaria na L. 9, D , de actionibus empti venditi, 19,1.

Chamou a atenção J. KOHLER (Der Gláubigerverzug, Archiv für Bürgerliches Recht, 13, 244) para o têrmo "lapides" e interpretou o texto de POMPÔNIO no sentido de se tratar de dever de retirar o que prejudica o prédio que há de ser cultivado. Seria dever de retirar derivado da espécie, e não, sequer, dever de retirar ligado ao contrato de compra-e-venda de pedras.

No Preussisches Allgemeines Landrecht, I, II, § 215, e no antigo Código Comercial alemão, § 346, aparecia dever de receber, se convencionado ou em virtude de lei. No Código Civil alemão, § 433, alínea 2.a, aparece em lei o dever de retirar, que tem o comprador. A retirada há de ser fáctica, corporal (P. OERTMANN, Recht

der Schuldverhãltnisse,

3 8 0 ; CARL CROME,

System,

II, 424, nota 32; L. KUHLENBECK, ./. v. Staudingers Kommentar, N , 579; R I, 938; sem razão, K . R . ROMEICK, Zur Technik des BGB., I, 58; P A U L LABAND, Zum zweiten Buch des Entwurfes, Archiv für die civilistische Praxis, 74, 304). Pode dar-se que o comprador retire sem receber (L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar, N , 581). O dever de retirar apenas é, de regra, dever acessório. Tem ação própria (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 379; P A U L LABAND, 74, 304; sem razão, J. KOHLER, Der Glãubigerverzug, Archiv für Bürgerliches Recht, 13, 243). ENDEMANN, Lehrbuch,

No direito brasileiro, não há, para o comprador, em lei, o dever de retirar. Mas pode resultar dos têrmos do contrato, ou da espécie de contrato de compra-e-venda, ou dos usos do tráfico. Se o prospecto ou catálogo da casa diz que os objetos comprados somente se guardam x dias, não é de entender-se que se estipulou dever de retirar.

§ 2.815. CONSEQÜÊNCIAS DA MORA - Os efeitos da mora ou a) atenuam a responsabilidade do devedor, que entra em tempo em que estaria com o credor a prestação, ou b) atribuem ao credor os riscos, ou c) dão ao devedor a possibilidade de se liberar definitivamente, e. g., depositando em consignação a prestação, ou d) dão ao devedor pretensão por maiores despesas. 1. CLASSIFICAÇÃO DOS EFEITOS.

2 . ATENUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO CREDOR. - C o m a mora

cre-

ditoris, o devedor fica livre de tôda responsabilidade a respeito do objeto da prestação, salvo se há dolo seu. Quer dizer: as regras jurídicas do Código Civil, arts. 865, alínea 2.a, 867, 870 e 871, 2.a parte, bem como as dos arts. 876, 877 e 879, 2.a parte. O art. 958 do Código Civil estatui: "A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade p e l a conservação da coisa, obriga

o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela sua mais alta estimação, se o seu valor oscilar entre o tempo do contrato e o do pagamento". A regra jurídica que daí se pode tirar a propósito de atenuação da responsabilidade do devedor é de redigir-se nos seguintes termos: "Após a mora do credor, o devedor, quanto ao objeto da pretensão, somente responde por dolo". O devedor, com a mora do credor, continua devedor, continua ligado ao dever de prestar. Se a coisa, que havia de ser prestada, não é de natureza que permita ser depositada em consignação, pode o devedor, em caso de mora do credor, pedir a venda judicial no lugar fixado para a prestação, consignando-se o preço alcançado. Outrossim, se é de temer-se o perecimento ou deterioração da coisa, ou se a sua conservação importaria em despesas excessivas, ou se não se poderia mais tarde adimplir a obrigação (e. g., a casa comercial do vendedor vai acabar), ou adimpli-la com segurança. O art. 704 do Código de Processo Civil é invocável. É a venda por legítima defesa, se foi pactuada, ou venda judicial pagamento

(O. WARNEYER, Kommentar,

para consignação

em

I, 528). *

Se, em virtude de fôrça maior ou caso fortuito, a prestação se torna impossível (e. g., durante o tempo de guerra não pode ser entregue ao credor), o devedor continua com a pretensão à contraprestação. No que diz respeito aos proventos do objeto devido, a responsabilidade do devedor passa a ser apenas pelos que efetivamente haja percebido, em vez do que se estatui no art. 873, parágrafo único, do Código Civil. No art. 8 7 3 , remete-se aos arts. 5 1 0 - 5 1 3 , em que se distinguem o devedor de boa fé e o devedor de má fé. Após a mora do credor, não há invocar-se qualquer dos arts. 5 1 0 - 5 1 3 . No art. 5 1 3 , diz-se que o possuidor de má fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, "bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber". Com a mora do credor, o art. 513 não mais é invocável: o devedor responde pelo que em verdade percebeu, e somente por seu dolo pode ter de responder pelo que, não percebeu, (cf. G. PLANCK. Kommentar,

I I , 1, 3 0 6 ; L . KUHLENBECK, / . v. Staudingers

Kom-

mentar, II, 217). No direito brasileiro, a responsabilidade somente pelo dolo resulta da interpretação do art. 958 do Código Civil. Se a dívida tem interêsses convencionais, ou legais não moratórios, a mora do credor interrompe a fiuência dêles. Se o devedor, após a mora, percebeu interêsses da prestação, ou outros proveitos (e. g., se o depósito feito em banco rendeu juros), têm de ser entregues ao credor como provei-

t o s (F. SCHOLLMEYER, Recht

der Schuldverhãltnisse,

1 4 5 ; H . DERNBURG

n, 1, 198, nota 5; L . ROSENBERG, Der Verzug des Gláubigers, Jherings Jahrbücher, 43, 287; B. MATTHIASS, Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, 335). Por isso mesmo, o art. 178, § 10, m , concernente à prescrição dos juros ou outras prestações acessórias não é invocável Das Bürgerliche

Recht,

( L . KUHLENBECK, J. v. Staudingers

Das Bürgerliche

Recht,

Kommentar,

I I , 2 1 6 ; H . DERNBURG

II, 1, 198, n o t a 5).

O credor em mora, purgando-a, sujeita-se às conseqüências da mora até a data em que a purga. A dívida de ir levar altera-se em dívida de ir buscar (RIEDINGER, Verwandlung von Bringschulden in Holschulden, Juristische

Wochenschrift,

43, 736).

Se o devedor está em mora e faz oblação ao credor, com tudo que lhe há de prestar em virtude da mora, e o credor o recusa, cessa a mora do devedor e o credor incorre em mora. Uma das conseqüências é a de cessarem de fluir os juros moratórios. Após a mora, não pode o credor recusar-se a contraprestar, com a a l e g a ç ã o d e t e r e x c e ç ã o non adimpleti

contractus,

o u non rite

adimpleti

contractus, ou outra.

Se, conforme o contrato, a contraprestação é exigível quando o devedor faça a prestação, e o credor incorre em mora creditoris, pode o devedor exigir a contraprestação. Porque a mora do credor não pode prejudicar o devedor. Purgada a mora do credor, se a contraprestação havia de ser simultânea à prestação, começa a mora do devedor. Com a mora do credor, o devedor não tem de pagar multa convencional, nem interesses moratórios (L. 122, § 5, D., de verborum obligationibus, 45,1), ainda que pudesse solver antes de ter de solver e se prontificasse a isso, s u s c i t a n d o a mora creditoris

(cf. L . 9, C, de usuris, 4, 32).

3 . Riscos QUE SUPORTA O CREDOR EM MORA. - Se a impossibilidade total subseqüente à mora do credor não foi causada por dolo do devedor, o crédito extingue-se. Se a parcial impossibilidade subseqüente à mora do credor não foi causada por dolo do devedor, reduz-se o crédito. Se o contrato é bilateral, subsiste o dever de efetuar a contraprestação.

Se a impossibilidade total superveniente à mora do credor foi causada por dolo do devedor, o crédito persiste e o devedor responde por perdas e danos.

Nas obrigações genéricas, o risco passa, com a mora, ao credor, pois deixou de receber o que lhe foi apresentado, com a concretização - escolha dentro do gênero - feita pelo devedor (cp. Código Civil, art. 876). Se a concretização foi anterior ao vencimento (art. 876), a mora já encontra situação que se não diferencia da que resulta da mora nas obrigações de dar coisa certa. É preciso que haja oblação, com a concretização anterior ou simultânea, para que haja mora do credor. Se é o credor que tem de escolher (= concretizar, nas dívidas de gênero, ou concentrar, nas dívidas alternativas), a oblação tem de ser sem distinção, para que o credor exerça o direito de escolha (concretize ou concentre a prestação). Se a oblação foi verbal, só se transfere o risco se a oblação se refere a coisas determinadas, ou, se referente a grande provisão, tôda ela perece ou se deteriora em sua totalidade. Pode acontecer que a mora creditoris se produza antes de ter havido oblação, como se o credor não se apresenta na emprêsa devedora para receber ou retirar o que comprara; então, a mora do credor é simultânea à sua falta. Se, porém, a cooperação do credor não consiste em receber ou retirar, mas em ato preparatório, discute-se de quando é que se inicia a transferência dos riscos pela mora: a) da data da falta do credor, ou b) da data da oblação subseqüente. No sentido de a), H . A. FISCHER (Konzentration und Gefahrtragung bei Gattungsschulden, Jherings Jahrbücher, 51, 200),

(Der Verzug des Gláubigers, 4 3 , 2 7 8 ) , F. SCHOLLMEYER (Erfüllungspflicht und Gewáhrleistung für Fehler beim Kauf, 4 9 , 9 6 e 1 1 9 , contra a opinião anteriormente externada), H . TITZE (Die Unmõglichkeit

L . ROSENBERG

der Leistung,

1 9 s.), H . SIBER ( e m G . PLANCK, Kommentar,

outros. No sentido de b),

P. OERTMANN (Recht der

2 1 ) , F. SCHOLLMEYER ( R e c h t der Schuldverhãltnisse,

(.Lehrbuch des bürgerlichen

Schuldverhãltnisse, 1 0 ) , H . MATTHIASS

Rechts, 1,335), KONRAD COSACK (Lehrbuch,

4 2 6 ) , TH. KIPP ( e m B . WINDSCHEID, Lehrbuch,

(Das Bürgerliche

I I , 1, 5 4 ) e

Gesetzbuch,

I,

I I , 9. A e d . , 4 3 ) , H . REHBEIN

II, 144) e E. ECK (Vortrãge,

288).

Para a mora creditoris, nas dívidas de ir buscar, basta a oblação verbal, ainda que não se haja dado a escolha, mas a passagem dos riscos ao credor somente começa da escolha pelo devedor. Se o credor é que teria de escolher, os riscos passam-lhe com a oblação verbal e a sua falta de cooperação. Com a mora do credor, o devedor continua no dever de prestar. Tem de evitar que a coisa se perca ou danifique, para que se lhe não possa atribuir dolo (Código Civil, art. 958). A partir da mora do credor, as despesas

de conservação correm por conta do credor. Se dolo do devedor não houve não responde êle pela perda ou depreciação. Ainda que por sua culpa (sem dolo) a coisa se perca, ou se deteriore, libera-se o devedor. Por isso mesmo nos contratos bilaterais, continua a sua pretensão à contraprestação. Nos casos em que o devedor está sujeito à restituição de proventos, só se lhe pode exigir o que efetivamente obteve, ainda que, se mora do credor não tivesse havido, fôsse de sua obrigação indenizar pelos que culposamente não houvesse obtido. Essa regra jurídica, não escrita, decorre do art. 958 do Código Civil, onde se pôs por princípio que a responsabilidade do devedor só se pode fundar no dolo (cf. art. 1.127, § 2.°). Se a dívida era com interêsses, cessam êles com a mora do credor. Todavia, se o devedor deu destino à soma a ser paga, ou locou a coisa, os interêsses tocam ao credor. Não são os interêsses que o devedor teria de pagar. Nas obrigações genéricas, os riscos, antes da concretização, tocam ao devedor. Depois, ao credor (Código Civil, arts. 876 e 877). Se o credor incorre em mora por se ter recusado a receber a coisa, os riscos passam ao credor. Se o que foi escolhido pelo devedor e por êle ia ser prestado perece, ou se deteriora, sem dolo do devedor, libera-se o devedor. É preciso (convém que se acentue) que tenha havido, com a oblação verbal, a separação do que se escolheu, ou que por outro modo tenha ficado inequivocamente determinado de que coisas se tratava, ou qual a quantidade. A oblação real, essa, supõe a escolha feita e a perceptibilidade da concretização, como se a entrega há de ser no domicilio do credor e o devedor já fêz a remessa. Se a escolha toca ao credor, incorre êle em mora se não a faz a tempo, a ponto de não poder ser feita a oblação real, - o que independe de provocação, se o dia para a escolha fôra marcado no negócio jurídico, ou em pacto posterior. Se o credor, a quem cabe escolher, prèviamente recusar-se a isso, basta a oblação verbal pelo devedor. Por onde se vê que o credor pode escolher e cair em mora (escolheu, porém não recebeu), como o devedor pode escolher e cair em mora (escolheu, e não fêz a oblação). A concretização pode dar-se sem que a mora do devedor, ou do credor, se dê (sem razão, H. T I T Z E , Bürgerliches Recht, Recht der Schulderhãltnisse, 4. A ed., 2 0 ; cp. F R . L E O N H A R D , Allgemeines Schuldrecht, 98). Se o credor incorre em mora de credor, os riscos transferem-se-lhe no momento da mora; salvo se houve concretização anterior, por ato do devedor, ou do próprio credor, porque, se tal aconteceu, a transferência dos riscos precedeu à mora (cf. Código Civil, art. 876).

Também a respeito dos contratos bilaterais, cumpre que se distinga. a) Se a prestação se fêz impossível, sem culpa do devedor, libera-se êsse. Porém não pode reclamar a contraprestação: há a resolução para ambos os contraentes. b) Se o credor incorreu em mora e a prestação se tornou impossível depois, o devedor, sem dolo, está liberado, sem que perca a pretensão à contraprestação. 4. A U T O - L I B E R A Ç Ã O DO D E V E D O R . - Após o início da mora do credor, pode o devedor depositar em consignação o que teria de prestar. Se não podem ser depositados em consignação, ou se seria perigoso, pode pedir ao juiz a venda judicial, a fim de ser depositado em consignação o preço. Em qualquer das duas espécies, libera-se o devedor. Regem o art. 973,1 e II, do Código Civil e os arts. 704 e 705 do Código de Processo Civil. No antigo direito alemão e no direito romano, podia o devedor, se em mora incorria o credor, abandonar a coisa (para o direito germânico, J O S E F K O H L E R , Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücher für die Dogmatik, 17, 2 9 3 s.; O . V O N G I E R K E , Der Humor im deutschen Recht, 3 7 s.; 2.A ed, 4 9 s , 5 2 s.; P. H E U E R , Der Annahmeverzug im ãlteren deutschen Privatrecht, 6 7 s.; para o direito romano, F R . M O M M S E N , Die Lehre von der Mora, 3 0 8 s.; J: V. S C H E Y , Begrijfund Wesen der mora creditoris, 2 9 s.; J. K O H L E R , Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücher für die Dogmatik,

17, 287 s , e D e r Gláubigerverzug, Archiv für

Recht, 13, 2 0 1 s.; L . Jahrbücher,

ROSENBERG,

Bürgerliches

Der Verzug des Glâubigers,

Jherings

43, 213 s.).

Fala-se em obrigação de continuar a conservar a coisa. Quanto à posse do imóvel, cabe notificação. Quanto aos bens móveis, ou o devedor os guarda e conserva, ou os deposita em consignação, ou promove a venda e deposita em consignação o preço (Selbsthilfeverkauf). Se o devedor pede a resolução, ou a resilição do contrato, é de seu interêsse guardar e conservar o bem. Veja Tomo XXTV. Quanto ao problema do abandono do objeto da prestação pelo devedor, se o credor incorre em mora, havia duas opiniões no direito anterior ao Código Civil: a de C O E L H O DA R O C H A {Instituições, I, 86) e de L A C E R D A DE A L M E I D A (Obrigações, 195), que negou ao devedor o poder abandonar o objeto da prestação, ainda se o faz sem dolo; e a de alguém a que LACERDA DE A L M E I D A (195, nota 7) parece ter aludido, se apenas não se referia a discordância no direito comum. O jurista brasileiro não estava em dia com o que se assentava entre os romanistas. Não conhecera a obra de FR.

MOMMSEN ( 1 8 5 5 ) ,

nem a J. v. SCHEY

(1884),

nem os escritos de J.

KOHLER

( 1 8 7 9 e 1 8 9 7 ) , n e m o d e L . ROSENBERG ( 1 9 0 1 ) .

Se se trata de imóvel, o devedor pode, após cominação, abandonar a posse (Tomos I, § 36, 5, II, §§ 159, infine, 210, 1, 213, e X, §§ 1.064,

10, 1.098, 2, e 1.101), ao iniciar-se a mora do credor. Não importa se o terreno tem, ou não, construções. Após isso, nenhum cuidado lhe incumbe. Se a mora do credor é quanto à aquisição da propriedade, não pode o credor renunciar a ela, ainda que abandone a posse. Quanto à propriedade, continua ligado o devedor: tem de adimplir. Para o direito alemão, Código Civil alemão, § 303. Sôbre as cominações, Tomo II, § 233, 4. O abandono da posse é ato de auto-liberação do devedor, e não oblação da posse ou oferta de transferir a posse (G. PLANCK, Kommentar, II, I, 308; sem razão, J . KOHLER, Der Glàubigerverzug, Archivfíir Biirgerliches Recht,

13, 208; L . ROSENBERG, Der Verzug des Gláubigers,

43, 217; L.

v. Staudingers Kommentar, II, 217). À cominação pode cumular-se a oblação, em forma judicial. No direito brasileiro, há depósito em consignação de imóvel. KUHLENBECK, J.

No direito brasileiro, não há cominação impraticável. A publicação de editais basta. Quando há o deveride receber ou o dever de retirar, o devedor tem pretensão e ação para que o credor receba ou retire. A obrigação é de fazer (Código Civil, arts. 879-881; Código de Processo Civil, arts. 302, XII, e 998). Em certas circunstâncias, pode o devedor invocar o próprio art. 881 do Código Civil. É preciso atender-se a que, aí, o credor é devedor, e em casos freqüentes a coisa comprada ou encomendada tanto pode ser entregue na emprêsa vendedora, ou no domicílio do locador de obra, quanto no domicüio ou residência do credor. É menos e mais cômodo do que pedir depósito em consignação ou venda judicial (cp. E. JACOBI, Die Abnahmepflicht des Kâufers,. Jherings Jahrbücher, 4 5 , 278 s.; M . HACKERT, Die Begriffe

"Ablieferung",

im Kauf- und Frachtrecht,

"Abnahme",

"Annahme"

und

"Empfangnahme"

37).

Se a prestação consiste em bem móvel, cuja propriedade já pertence ao credor, pode êle derrelinqüir; se em bem imóvel, de que o credor ja e dono, tem de haver a renúncia segundo os arts. 589, n, e § 1.°, do Código Civil, ou o abandono conforme o art. 589, HI, e § 2.° Aí, nenhuma dúvida poderia surgir quanto a poder o devedor abandonar a posse (Tomo X, § 1.101). Quanto aos imóveis, êsse abandono pode ser anterior à renúncia ou ao abandono de propriedade pelo credor, ou só da posse, se não é proprie-

tário. Quanto aos móveis, depende do que se previu, implícita ao explicitamente, no negócio jurídico. 5 . P R E T E N S Ã O DO D E V E D O R A I N D E N I Z A Ç Ã O D E D A N O S E D E GASTOS

- Se, em conseqüência da mora do credor, o devedor fêz gastos a mais, quer na ocasião da oblação quer da guarda e conservação da prestação, tem de ser reembolsado dêles, uma vez que tenham sido indispensáveis. Por essas despesas tem o devedor pretensão e ação de reembolso e direito de retenção. Os danos que a coisa, após a mora do credor, cause ao devedor, não são indenizáveis pelo credor; porque a culpa não é elemento necessário do suporte fáctico da mora. Isso não quer dizer que não possa haver indenizabilidade por ato ilícito absoluto do credor (que nada tem com a mora), como se o credor, ao ser-lhe feita a oblação, se recusou a receber a prestação, de modo violento, a ponto de danificá-la. A MAIS.

Os gastos que têm de ser indenizados pelo credor são, principalmente, os de armazenagem, prêmios de seguro, despesas de assistência, alimentação de animais. . O credor, se estava obrigado a receber a prestação, tem de indenizar os danos sofridos pelo devedor. Se o credor também incorre em mora debendi, no tocante à contraprestação, ou a dever do receber, ou de retirar, são de ressarcir-se os danos produzidos pela mora do devedor ou pela infração do dever de receber, ou de retirar. O devedor somente tem pretensão a reembolso de despesas a mais se eram necessárias, a despeito de não ter logrado que o credor recebesse a prestação, e não seriam feitas, ou não seriam feitas no excesso, se mora do credor não tivesse havido ( H A N S R E I C H E L , Mehrkosten des erfolglosen Leistungsangebots, Das Recht, 14, 811).

No direito comum discutiu-se quanto à extensão da pretensão indenizatória do devedor contra o credor em mora. Alguns juristas entendiam que a ação era apenas a) pelas despesas a mais; outros b) por elas e por outras causas. No sentido de a), F R . M O M M S E N (Die Lehre von der Mora, 297), JOSEF K O H L E R (Annahme und Annahmeverzug, Jahrbücherfür die Dogmatik, 17, 3 7 6 s.), P A U L H I R S C H (ZurRevision der Lehre vom Glãubigerverzuge, 141 s.) e L. R O S E N B E R G (Der Yerzug des Glãubigers, Jherings Jahrbücher, 43, 2 9 2 s.). No sentido de b), C. W . W O L F F (Zur Lehre von der Mora, 4 8 4 ) . O assunto interessa grandemente ao sistema jurídico brasileiro, porque há, escrita, no Código Civil (art. 958), regra jurídica que se assemelha à que se

inseriu no Código Civil alemão, § 304: "O devedor pode, em caso de mora do credor, exigir indenização pelo aumento de despesas que êle precisou fazer devido à oblação sem resultado e pela guarda e conservação do objeto devido". A atitude dos intérpretes ou seria a de se considerar o § 304 como inteligível a contrario senso (= não há outras pretensões por dano, fundadas na mora) ou a não se ver no § 304 mais do que regra jurídica sôbre as pretensões referidas, sem se pré-excluírem outras, que a mora fêz nascer. Certamente, não há pensar-se, aí, de maneira nenhuma, em pretensões não causadas pela mora, porque se ligariam a atos ilícitos absolutos ou atos-fatos ilícitos ou fatos ilícitos pelos quais tivesse de responder o credor. Não mencionamos a opinião c) que pré-excluia qualquer indenização, sob fundamento de estar livre de qualquer responsabilidade o devedor, porque nenhuma base tinha (e. g., C. F . F . SINTENIS, Daspraktische gemeine Civilrecht, H, 214; C. O. v. MADAI, Die Lehre von der Mora, 450).

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV. Título 70, § 1 (também referente aos negócios jurídicos sem cláusula penal, devido ao dístico e ao princípio do Título 70, onde "judiciais" é "legais"), não se limitou às despesas em excesso a indenização. LACERDA DE ALMEIDA (Obrigações, 1 9 5 ) somente se referia às despesas de conservação. M . I , CARVALHO DE M E N D O N Ç A (Doutrina e Prática das Obrigações, I, 500) tratou igualmente o devedor e o credor, em caso de mora do outro figurante (verbis "obrigá-los a satisfazer as perdas e danos").

A opinião b), que admitia indenização fora da regra jurídica correspondente ao art. 958 do Código Civil (Código Civil alemão, § 304), invocava a L. 8, D., de tritico vino vel oleo legato, 33, 6, onde POMPÔNIO diz que, tendo sido condenado o herdeiro a dar o vinho que houvesse nos toneis, e ocorreu que o legatário não o recebeu, pode o herdeiro opor exceção de dolo (exceptio doli niali) se, ao exigir-se o vinho, o legatário não quisesse prestar o que o herdeiro sofreu com a mora (quod propter moram eius damnum passus sit heres). A opinião a) repele que na L. 8 se cogite de pretensão geral oriunda do dano causado pela mora, porque "damnum", na L. 8, é apenas o damnum emergens, como hoje se diz, e não o lucrum cessans. Ora (diz-se), o que pode resultar da mora só há de consistir em despesas, com a guarda e conservação do bem a ser prestado. Assim, a L. 38, § 1, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, e a L. 1, § 3, D., de periculo À d i f e r e n ç a da mora debitoris,

et commodo

a mora creditoris

rei venditae, 18, 6. não supõe infra-

ção de dever. Por isso mesmo, não há obrigação de indenizar oriunda do

simples fato da mora. Tem-se, portanto, de indagar quais são as situações criadas pela mora de que podem resultar danos, inclusive despesas. O art. 958 do Código Civil não exaure os casos em que pode o credor responder pelos danos, porém é de mister, para que a responsabilidade se dê, que o fato da mora haja produzido o dano. Por exemplo: o devedor teve de pagar as despesas de volta do bem devido, que fôra enviado ao credor, como se estipulara. Essa é despesa ressarcível sem ser despesa com a conservação da coisa. O art. 958 só se referiu a "despesas empregadas em conservá-la". 6. C O N S I G N A Ç Ã O DA PRESTAÇÃO E A B A N D O N O D A POSSE. - O devedor, a despeito da mora do devedor, continua com o dever de prestar. Se se trata de coisa, está adstrito a guarda e conservação, pôsto que só responda por dolo. Todavia, permite o sistema jurídico que se livre de tal responsabilidade, aliás de estar exposto a que atos seus, positivos ou negativos, possam ser considerados dolosos. Há os meios jurídicos do depósito em consignação (Código de Processo Civil, arts. 314-318), ou da venda judicial (Código de Processo Civil, arts. 704 e 705). Se o objeto é imóvel (prédio), também pode o devedor abandonar-lhe-a posse, notificando previamente o credor. 7 . IMPOSSIBILIDADE D E Q U E É R E S P O N S Á V E L O C R E D O R . - Pode dar-se que o credor seja responsável pela impossibilitação da prestação, como se o próprio comprador quebra a peça comprada antes de ter-lhe sido entregue.

(a) Se unilateral a relação jurídica obrigacional, o devedor está liberado, quer a impossibilidade tenha sido antes da mora, quer depois, se de coisa certa, ou de fazer ou de não fazer a obrigação. (b) Se a obrigação é genérica e a impossibilitação foi antes da mora e antes da concretização ou escolha, a responsabilidade do credor nada tem com a obrigação: pelo ato ilícito absoluto, ou pelo ato-fato ilícito, ou pelo fato stricto senso ilícito, responde o credor, segundo os princípios, porém não como credor. Se já houvera a concretização, tudo se passa como se disse em (a). (c) Se já ocorreu mora do credor, o devedor está liberado, porém, nos contratos bilaterais, a pretensão do devedor à contraprestação persiste. (d) O credor não tem dever de receber. O dano que o locatário causa à coisa locada é dano feito pelo credor e o art. 1.193 do Código Civil o previu. Responde êle pelo ato dos seus representantes e serviçais. Aí se reflete regra jurídica geral, não escrita.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.815. B - D o u t r i n a A mora produz os seguintes efeitos contra o devedor moroso: I. obrigar o devedor a responder por prejuízos (frutos percebidos e percibiendos; juros legais desde a mora; satisfazer cláusula penal); II. satisfazer o credor pelas perdas e danos experimentadas pelo retardo, no caso da inutilidade da prestação; III. pela perpetuação da obrigação, nos casos em que a impossibilidade da prestação se dá por fortuito ou força maior, mas já colhe o devedor em mora. A mora produz os seguintes efeitos contra o credor moroso: (a) não responsabilidade pela conservação da coisa, e pelas conseqüências dos efeitos do caso fortuito ou da falta de diligência; (b) sujeitar o devedor a receber a coisa pela mais baixa estimação, se houver alteração durante o tempo que medeia o contrato e o pagamento; (c) sujeitar o credor a indenizar o devedor das despesas feitas com a conservação da coisa; (d) fazer cessar desde logo o curso dos juros moratórios. Se ambos, devedor e credor, tiverem incorrido em mora: (a) satisfazer perdas e danos; (b) fazê-los sofrer a diminuição do preço ou depreciação sobrevinda ao objeto da prestação, desde a época do contrato; (c) fazê-los passíveis das perdas e danos fortuitos (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignácio. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956.1.1, n. 265 e 266, p. 483 a 485).

§ 2.816. E X T I N Ç Ã O DA M O R A

mora do credor extingue-se com a purgação (purgatio morae). Também pela impossibilidade posterior da prestação se extingue a mora, ficando, porém, as suas conseqüências (P. O E R T M A N N , 1. C A U S A S

Recht

DE EXTINÇÃO.

der Schuldverhãltnisse,

- A

142; L . KUHLENBECK, J. V.

Staudingers

D, 205), pela extinção da dívida e pelo n e g ó c i o jurídico em que o devedor abra mão dos direitos, pretensões e ações nascidos com a mora do credor e pelo fato da mora do credor.

Kommentar,

2. C E S S A Ç Ã O E D E C L A R A Ç Ã O D E I N E X I S T Ê N C I A D A MORA. - A cessação da mora é inconfundível com a declaração da sua inexistência. Quando sobrevém sentença que declara inexistência do n e g ó c i o jurídico, de que se teria irradiado o crédito, ou lhe decreta a invalidade (nulidade ou anulaçao), ou a ineficácia, parte da eficácia sentenciai é, em todas as três espécies,

declaratória

da inexistência

da dívida. N ã o h á pensar-se e m cessação da

mora. Dívida não havia; mora, portanto, não houve. Se o credor recusa a prestação por achá-la defeituosa (vício redibitório), há recusa, e a mora estabelecida somente se tem por inexistente se, proposta no prazo a ação redibitória, ou a ação quanti minoris, é julgada procedente. Se o credor, ao recusar, alega invalidade ou ineficácia do negócio jurídico, incorre em mora, salvo se, com a eficácia, que é ex tunc, fôr decretada a invalidade, ou declarada a ineficácia. Se o devedor admite a invalidade, ou a ineficácia, a solução técnica é o negócio jurídico de distraio,

ou o negócio

jurídico

declaratório



ineficácia, ou apropositura de ação desconstitutiva ou declaratória, respectivamente. É fora dos princípios dizer-se, como fêz A . VON TUHR (Partie Générale du Codefédéral

des Obligations,

II, 474), q u e a r e c u s a p o r inva-

lidade do contrato, "pode ser considerada como proposição tácita de anular (?) o contrato", "proposição que o devedor tem o direito de aceitar". 3. PURGAÇÃO DA MORA DO CREDOR. - O credor que quer a purga da mora prontifica-se a receber (ou a retirar, conforme a espécie) e a indenizar o que deve em conseqüência da mora. Se havia dever de receber, ou de retirar, houve também mora debendi, com o séquito dos seus efeitos. O ato ou os atos que tem de praticar o credor são os mesmos que teria de praticar para não incorrer em mora. Além disso, há de prestar o que deve em conseqüência da mora. Diz o art. 959 do Código Civil: "Purga-se a mora: II. Por parte do credor, oferecendo-se êste a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até à mesma data".

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.816. B-Doutrina Vide § 2.815. B.

TÍTULO I I MUDANÇA

DOS

SUJEITOS

DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

PESSOAIS

PARTE I TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS DE PRETENSÕES, OBRIGAÇÕES : È AÇÕES

CAPÍTULO I SUCESSÃO EM CRÉDITOS

§ 2.817. DADOS HISTÓRICOS SÔBRE SUCESSÃO E M CRÉDITOS 1. DIREITO ROMANO. - Em direito romano, o credor podia outorgar a outra pessoa cobrar, processualmente, o crédito, ou por outro modo exercer, processualmente, o direito, a pretensão e a ação. Era o mandatum ad agendum. Mediante expediente de fórmula, foi possível que o outorgado, dito cognitor ou procurator, obtivesse sentença em seu nome, de modo que iniciasse, com o procedimento executivo, a incursão nos bens do devedor. Sem isso, ainda não seria êle o autor, na actio iudicati. Autor, exeqüente, ainda era o credor, e nova alteração de fórmula foi de mister para que - não tendo havido a transposição de sujeitos, na ação de condenação - alguém fôsse autor na actio iudicati concernente a crédito de outrem.

Da transposição de sujeitos, na ação de condenação, dá-nos notícia GAIO (IV, 86): "Quem acionar em nome de outrem toma a intentio à pessoa do dono do negócio e converte na sua pessoa a condenação (Qui autem alieno nomine agit, intentionem quidem ex persona domini sumit, condemnationem autem in sua persona convertit). Por exemplo, se L. Tício aciona por P. Mévio, é assim concebida a fórmula: Se parece (= se é entendido) que N. Negídio deva dar dez mil sestércios a P. Mévio, condena, juiz, N. Negídio a dar dez mil sestércios a L. Tício; se não parece, absolve-o (Nam si verbi gratia L. Titius pro P. Mevio agat, ita formula concepitur: si paret N. Negidium P. Mevio sestertium X milia dare oportere, íudex, N. Negidium L. Titio sestertium X milia condemna, si non paret, absolve).

Se intenta ação real, mesmamente: diz na intentio que segundo o direito quiritário

é de P, Mévio a coisa, e converte e m sua própria pessoa a

condenação". Se a conversão subjetiva não se dera na ação de condenação, isto é se não h o u v e cognitor

in rem suam, o dominus

litis, na ação iudicati, era

o credor, e não o cognitor, Dai os juristas clássicos terem lançado mão de outro expediente de transposição de sujeitos. O cognitor convertia-se em beneficiário da ação. A relação jurídica entre o dono do negócio e o cognitor ou procurator persistia, por ser de direito material e subjacente. Daí caber àquele a actio mandati. Salvo se tornara mandatum in rem suam a outorga de podêres. Note-se, todavia, que o próprio mandatum in rem suam não produzia a transmissão singular do crédito: antes da conclusão do pleito, o credor continuava como sujeito ativo da relação jurídica obrigacional; depois, não se operava substituição de sujeito ativo da relação jurídica de direito material, - ocorria, precisamente, a novatio necessaria. Quem fala de novação pré-exclui tratar-se de cessão. Quem nova não cede, nem nova quem cede. O direito romano conheceu a sucessão universal em créditos, não conheceu a sucessão singular. A novação foi o expediente para se obterem os resultados que importavam. Os inconvenientes eram enormes (e. g., extinguiram-se os privilégios e as garantias). Por outro lado, a necessidade de ser figurante o devedor embaraçava a feitura do negócio jurídico. O expediente da transposição processual de sujeitos foi outro caminho. Também êsse tinha inconvenientes. Enquanto não se concluía a litis contestatio, podia o outorgante revogar o mandato e, credor que era, podia extinguir o crédito. Mais: não ficava privado de pleitear, por sua vez, a condenação do devedor; podia transigir ou remitir a dívida; se falecia, ou se falecia o outorgado, extinguia-se o mandato. Nos tempos imperiais, deu-se ao outorgado ação própria, actio utilis, isto é, ação segundo o modêlo de outra já existente, dita directa. A actio utilis competia-lhe, pendente ou cessado o mandato, e até sem mandato, se o outorgante queria o resultado (no fundo: se queria a cessão). Sôbre o assunto: C H R . F . M O H L E N B R U C H (Die Lehre von der Cession der Forderungsrechte, 1 8 8 s.); F R . E I S E L E (Die actio utilis des Cessionars, Festschrift für J. J. W. PLANCK, 26,40 s.), que reputa actio fictícia a ação do outorgado, ficção de delegação (si Titius N.um A.° delegavesset), o que depois reafirm o u (Die actio utilis suo nomine des Cessionars, Zeitschrift

der

Savigny-

§2.817. DADOS HISTÓRICOS SÔBRE SUCESSÃO EM CRÉDITOS



327

Stiftung (27, 46 s.); E. LEVY ( S p o n s i o , f i d e p r o m i s s i o , f i d e i u s s i o , 165 s , e Die Konkurrenz der Aktionen, I, 2 2 4 ; F R I T Z S C H U L Z , Klagen-Zession im

Interesse des Zessionars oder der Zedenten im klassischen rõmischen Recht, Zeitschrift der Savigny-Stiftung,

27, 82 s.).

A discussão sôbre ser em nome próprio, ou não, a actio utilis do outorgado alimentou-se durante muito tempo; mas sem razão. A ação não era a do outorgante, que se transferisse. Era ação atribuída ao outorgado, em lugar do objeto da obrigação; e não por transferência da obrigação, ou do débito. Às vêzes os textos parecem permitir que até aí se vá, mas em verdade só se trata de maneiras inexatas de expressão (e. g„ L. 2, § 8, D., quibus modis pignus vel hypotheca solvitur, 20, 6; L. 64, § 4, D , soluto matrimônio dos quemadmodumpetatur, 24, 3; L. 66, p r . D , ad senatus consultam Trebellianum, 3 6 , 1 ; L . 2 3 , C , mandati, 4 , 3 5 ; B . W I N D S C H E I D ,

Lehrbuch, II, 9.ü ed, 363). Não havia, portanto, transposição de sujeitos, como era o caso da mudança na fórmula, de que antes se falou. A L. 18, C, de legatis, 6, 37, diz-se: "Ex legato nominis, actionibus ab his qui successerunt non mandatis, directas quidem actiones legatarius habere non potest, utilibus autem suo nomine experietur". Em virtude de legado de crédito, não tendo havido mandato quanto às ações pelos que sucederam, não pode certamente ter o legatário as ações diretas, mas pode exercer, em seu próprio nome, as úteis. NaL. 5, C, quando fiscus vel privatus debetoris sui debitores

exigere potest,

4, 15, lê-se: "In solutum

nomine dato non aliter nisi mandatis actionibus ex persona sui debitoris adversus eius debitores creditor experiri potest. suo autem nomine utili actione recte utetur". Dado em soluto um crédito, o credor, sem se lhe ter outorgado mandato quanto às ações, não pode exercê-las, como ações do seu devedor (ex persona sui debitoris) contra devedores dêsse. Todavia, é de usar, com direito, em seu próprio nome, a ação útil. Na L. 4, C, quae res pignori obligari possunt vel non et qualiter

pig-

nus contrahatur, 8, 16, constituição de Alexandre Severo, está escrito: "Nomen quoque debitoris pignerari et generaliter et specialiter posse pridem placuit. quare si debitor is satis non facit, cui tu credidisti, ille, cuius nomen tibi pignori datum est, nisi ei cui debuit solvit nondum certior a te de obligatione tua factus, utilibus actionibus satis tibi facere usque ad id, quod tibi deberi a creditore eius probaveris, compelletur, quatenus tamen ípse debet". Já faz tempo que se estatuiu que, geral e especialmente, se pode penhorar o crédito de um devedor. Por isso, se o devedor não satisfaz o que tu lhe prestaste, será compelido, pelas ações úteis, aquêle cujo crédi-

to te foi dado em penhor (salvo se o pagou àquele a quem devia, não tendo ficado certo por ti de tua obrigação), a satisfazer-te até aquilo que provares que por seu credor se te deve, mas até onde êle deve. Também se encontra na L. 3, C, de novationibus

et

delegationibus

8, 41 , que é de Gordiano: "Si delegatio non est interposita debitoris tui ac propterea actiones apud te remanserunt, quamvis creditori tuo adversus eum solutionis causa mandaveris actiones, tamen, antequam lis contestetur vel aliquid ex debito accipiat vel debitori tuo denuntiaverit, exigere a debitore tuo debitam quantitatem non vetaris et eo modo tui creditoris exactionem contra eum inhibere". Se não se interpôs delegação do teu devedor e permaneceram contigo as ações, ainda que hajas outorgado mandato quanto às ações para a solução, todavia, antes que se conteste a lide, ou algo se receba da dívida, ou que se haja notificado o teu devedor (vel debitori tuo denuntiaverit), não se te inibe que exijas de teu devedor a quantidade adequada e dêsse modo impeças a exação de teu credor contra êle. Dos dois textos interpolados, que por seu extraordinário interêsse reproduzimos, tira-se que o outorgado podia impedir que o devedor pagasse, com eficácia liberatória, ao outorgante, desde que houvesse; a denuntiatio do que se passou. Chegou-se quase à concepção da cessão de crédito; não à cessão de crédito, que é construção do direito comum. A "notificação" segundo o art. 1.069 de Código Civil tem raízes na denuntiatio dos textos de Alexandre Severo e de Gordiano, mas a eficácia, hoje, é eficácia da cessão, estendida ao terceiro; no direito romano pós-clássico, apenas era eficácia dó mandato

em causa própria

ou do exercício

da ação

útil.

Observe-se que a actio utilis foi dada por Justiniano ao donatário de crédito (L. 4, C, quando

dies legati vel

fideicommissi

cedit, 6, 53), - o que

correspondia a pensamento generalizador, que se apoderara dos compiladores (cf. L. 5, C, quando fiscus vel privatus

debitoris sui debitores

potest, 4 , 1 5 ; H.

127

STEINER,

Datio in solutum,

exigere

s.).

Aqui, convém atender-se a que o espírito romano viu os inconvenientes, em relação ao devedor, de haver dois legitimados contra êle: o outorgante e o outorgado. Se pagava ao outorgante, ou se com êle se estabelecia a litis contestatio, era ineficaz a actio utilis do outorgado. Não importava se a espécie era de mandatum in rem suam, ou se era de propositura de actio

utilis. A actio directa do outorgante pré-ineficacizava a pretensão e a ação do outorgado. Havia a exceção do devedor, a exceptio transacti negotii, se o devedor ignorava a outorga pelo credor e transigira com êsse (PAPINIANO, L. 17, D., de transactionibus, 2, 15: "...exceptio transacti negotii debitori

§ 2.818. PRECISÕES CONCEPTUAIS • 329

propter ignorantiam suam accommodanda est"). É de crer-se que, se solvia ou concluía litis contestado com o outorgado, lhe cabia exceptio doli

contra o credor outorgante. Em todo caso, as fontes somente cogitam de tal exceção no caso de pactum de non petendo com o outorgado (ULPIANO, L. 16, pr., D., de pactis, 2, 14).

2. CONCEPÇÃO GERMÂNICA E DIREITO COMUM. - A concepção da cessão translativa, com tôda a estrutura que hoje tem, pôsto que se houvessem lançado raízes para isso já no direito romano, só se assentou com o direito comum, por influência do direito germânico.

!

Panorama atual pelos Atualizadores

!

§ 2 . 8 1 7 . B - Doutrina

I

Diferentemente do direito real, o direito pessoal cria situação jurídica relativa entre pessoas específicas (o credor e o devedor), permitindo que o primeiro exija do segundo uma prestação, um fato, ou uma abstenção. Por isso o direito pessoal é definido como o "direito de exigir de uma pessoa determinada uma prestação, um fato ou uma abstenção" (Gaudemet. Théorie générale des obligations. Paris: Recueil Sirey, 1937. p. 6), por virtude da lei, do fato, do ato, do contrato, do delito, ou de outras fontes que podem ser identificadas como variae causarum figurae (Gaio, D XLIV, 7,1).

!

Somente sobre os bens do que contrair nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado, ficando os outros credores exonerados por esse fato (art. 365 do CC/2002).

§ 2.818. PRECISÕES CONCEPTUAIS

1. RELAÇÃO IURÍDICA E PÓLOS DA RELAÇÃO. - Tôda relação é entre dois têrmos ou pólos. A grande evolução a respeito das mudanças foi no sentido de se admitir que mudem os têrmos, os pólos, os sujeitos, sem que mude a relação jurídica. Na sucessão em créditos e na sucessão em dívidas, muda um dos pólos da relação jurídica: o sujeito ativo ou o sujeito passivo.

Na sucessão em pretensões, dá-se o mesmo; apenas a relação jurídica é diferente: é entre obrigado e titular da pretensão. Caso típico é o do art 621 do Código Civil. Na sucessão em ações, a relação jurídica é entre legitimado ativo à ação e legitimado passivo à ação, e muda a titularidade de direito material ou o sujeito passivo. 2. P L A N O D E EXPOSIÇÃO. - Temos de tratar da sucessão em dívidas, como se versou o assunto da sucessão em créditos, para depois cogitarmos dos institutos que se dirigem a isso, isto é, que colimam a translação do sujeito ativo e do sujeito passivo (respectivamente, cessão de créditos e assunção de dívida). A transferência da posição jurídica no negócio jurídico já é assunto da Parte H(§§ 2.871-2.881).

Panorama atual pelos Atualizadores §2.818. A-Legislação A segunda parte do parágrafo único do art. 1.267 do CC/2002 prevê hipótese de tradição subtendida pela cessão do direito de pretender a restituição da coisa.

§2.818. B - D o u t r i n a A relação jurídica se estabelece, "normalmente, entre dois sujeitos (ou, mais corretamente, entre duas partes ou polos" (LÜMIA, Giuseppe. Lineamenti di teoria e ideologia dei diritto, 3. ed. Milano: Giuffrè, 1981. p. 104 - fragmento traduzido por Alcides Tomasetti Júnior, 1999). Os sujeitos ocupam posições jurídicas e, por posição jurídica subjetiva entende-se o "lugar" ocupado pelos sujeitos na relação jurídica.

§ 2.818. C - J u r i s p r u d ê n c i a Nas hipóteses de furto ou roubo não se dá a transmissão da propriedade, nem se transfere legitimamente a posse. Portanto, não perde o titular o direito de seqüela, de seguir a coisa e obtê-la de quem a detenha ou possuía. Ao terceiro de boa-fé cabe o direito de regresso contra quem lhe transferiu o bem (STJ, RMS 1710-2/SP, 5.aT., j. 31.08.1994, rei. Min. Edson Vidigal, DJU07.11.1994, p. 30025).

CAPÍTULO SUCESSÃO EM

II DÉBITOS

§ 2.819. DADOS HISTÓRICOS SÔBRE SUCESSÃO EM DÍVIDAS 1. DIREITO ROMANO. - O direito romano desconheceu a sucessão particular em dívidas. A novação era o único meio para se substituírem as pessoas, passivamente, nas relações obrigatóriás, o que de si só conceptualmente afasta que se operasse substituição subjetiva na relação jurídica. Para se obterem os resultados a que hoje em dia se chega, procurou-se o caminho do mandatum in rem suam, quer dizer, aí, em prejuízo próprio (CÉVOLA, L. 67, § 3, D,, de condictione indebiti, 12, 6). Não se dava a transposição dos sujeitos passivos: com a litis contestatio, o que

surgia, contra o cognitor ou o procurator

in rem suam, era fundado,

processualmente, na novatio necessária. Algumas expressões das fontes podem levar a enganos, como o "suscipere obligationem" da L. 45, pr., D., mandati vel contra, 17, 1: "ut suscipiam obligationem"; L. 2, § 5, D., ad senatus consultum Velleianum, 16,1: "suscipit enim in se alienam

obligationem"). A sentença dava-se contra o cognitor ou procurator e contra êle se dirigia a execução (Fragmenta Vaticano, § 317; ULPIANO, L . 2, § 5, D., 16, 1; PLÁUCIO, segundo PAULO, L. 61, D., de procuratoribus et defensoribus,

3, 3; ULPIANO, L. 4, pr., D., de re iudicata

aententiarum et de interlocutionibus,

et de effectu

42, 1, onde, em vez de "procura-

tor", se deve ler "cognitor"). Enquanto não se concluía litis contestatio do credor com o nôvo devedor nenhum direito lhe assistia contra êle. Nem, sequer, podia obrigá-lo a defender-se, tomando parte no processo (cf. B . DELBRÜCK, Die iibernahme fremdcr Sehulden, 1 2 1 s.; L . AVENARIUS, Der Erbschaftskauf im rõmischen

Recht, 9 1 s.; M . A . VON BETHMANN-HOLLWEG, Der rõmische

Civüvroies?

II, 450 s.). Podia dar-se que terceiro se obrigasse perante o devedor a seguir o processo iniciado pelo credor, como procurator, e a solver a dívida. Aí havia assunção de dívida só entre devedor e terceiro, sem se atribuir ao credor qualquer direito a mais. O direito romano não conheceu a assunção de adimplemento (Erfüllungsübernahme), pela qual alguém, que promete ao devedor, fica obrigado a satisfazer a dívida sem que nasça ao credor qualquer direito a isso. Note-se que não se assume a dívida, nem a obrigação, nem a posição passiva na ação. Há apenas promessa de pagamento a terceiro, sem que ao terceiro nasça qualquer direito. O assuntor não se insere na relação jurídica entre credor e devedor. A sucessão de dívida, a assunção translativa de dívida, é produto de concepção germânica, oriunda do conceito de obrigação em que a relação jurídica não prende a si o devedor, como algo que lembra a escravidão ou a ameaça disso. Em verdade, deixou-se longe o elemento romano. direito comum reconheceu que, mantida a identidade da relação jurídica e da dívida, se pode pôr em lugar do devedor outra pessoa, que passa a ser o devedor. Superou-se, assim, a técnica do direito romano, que já se desenvolvia, conforme se viu, no sentido de solução mais prestável que as suas. Para a assunção de dívida entre terceiro e credor já B . WINDSCHEED (.Lehrbuch, II, 400) não exigia o assentimento (Zustimmung) do devedor. Se entre devedor e terceiro a assunção de dívida, era de mister o assentimento expresso ou tácito ( H . GÜRGENS, Singularsuccession in die Schuld, Jahrbücher für die Dogmatik, VIII, 274 s.; B. WINDSCHEID, Lerbuch, II, 400 s.; J. U N G E R , Schuldübernahme, 13) contemporânea ou sucessivamente (só nos nossos dias se pensou no assentimento prévio). O assuntor ou assumente ficava vinculado até que o credor se manifestasse, podendo ocorrer que outra assunção ocorresse no intervalo, com assentimento do credor (H. G Ü R G E N S , Singularsuccession in die Schuld, Jahrbücher für die Dogmatik, V m , 306 s.), ou que tivesse êle de escolher entre duas ou mais. Hoje, não ha razão para se conceber a assunção como sob a condição resolutiva do assentimento do credor, o de que falaremos oportunamente. Admitia-se a assinação de dívida, por negócio jurídico de última vontade. 2 . D I R E I T O COMTJM. - O

A construção da assunção de dívida era variamente concebida (à semelhança da alienação de coisa alheia, por se entender que alterar a obri-

§2.819. DADOS HISTÓRICOS SÔBRE SUCESSÃO EM DÍVIDAS



333

„ a ção é dispor, H. GÜRGENS, L. ARNDTS, A. F. RUDORFF, J . U N G E R , C. G. BRUNS, F. REGELSBERGER; como contrato a favor de terceiro, E . D A N Z e outros; transferência do débito, que é bem - embora negativo - no patrimônio, B . DELBRÜCK, E . GAUDEMET; obrigação-galho, J . E . K U N T Z E ; mandato ou outorga de poder ao credor, feita pelo devedor, para que aquêle possa ir contra o terceiro, O . B À H R ; cessão tácita, Z A U N ; contrato entre terceiro e os dois sujeitos, ativo e passivo, da dívida, E . M E N Z E L ) . " Reputava impossível O . B Ã H R (Zur Beurteilung des Entwurfs eines BGB, Kritische Vierteljahrschrift, 30, 369: "ein juristische unmõglicher Gedanke!") a translação de uma dívida, passivamente. Foi o livro de B E R T H O L D DELBRÜCK (Die übemahme fremder Schulden, 10 s , 16 s.), em 1853, que precisou, pela primeira vez, tratar-se, na assunção de dívida, de sucessão singular na dívida (não ainda, para êle, substituição do sujeito passivo), e não de mudança da relação jurídica. Caracterizou êle a diferença entre a relação jurídica e os seus pólos e firmou o princípio da assunção de dívida segundo o direito comum. Depois veio o escrito de H . GÜRGENS, em 1 8 6 6 (Die Singularsuccession in die Schuld, Jahrbücher für die Dogmatik, VIII, 222 s.), que investigou o direito comum escrito e costumeiro. Quando a relação jurídica deixou de ser ligada à pessoa, em vez de apenas ser entre pessoas, e o pensamento doutrinário teve de conceber a translação subjetiva passiva da dívida, inevitáveis tacteamentos ocorreram. As diferentes explicações e as discussões revelam, hoje, como se procurava ver, nos fatos, mas nem sempre com isenção, o que eles esboçavam ou já urdiam. O paralelismo com a cessão de crédito impunha-se a alguns. Daí quererem alguns que, em vez de mudança de sujeito, apenas houvesse sucessão na dívida, como, diziam, se dava no tocante aos créditos. Note-se que se pretendia acentuar a diferença entre suceder como credor e ser cessionário do crédito, para se dizer que sucessão na dívida e não substituição de devedor é que acontece se há assunção de dívida. Compreende-se que aí estivesse um dos senões da teoria de B . DELBRÜCK (Die übemahme fremder Schulden, 17 s , 45 s.), que via, na assunção de dívida, transferência da dívida, e não mudança do devedor. Ressalta que aí se distinguiriam relação jurídica e dívida, ou mal se disfarçaria a alusão à novação. Também os que, como R. SALEILLES (De la Cession des dettes, 14 s.), acentuam a transferência da quaüdade do devedor, de certo modo evitam falar de substituição. A doutrina da assunção de dívida por delegação ressoou em E . GAUDEMET (Etude sur le Transport de dettes à titre particulier,

oferta ao credor (delegatário).

311 s.): delegação mais

3. D I R E I T O CONTEMPORÂNEO. - O direito contemporâneo teve o momento culminante, na evolução do instituto da assunção de dívida, com o Código Civil alemão, mas a técnica legislativa não chegou à perfeição a que hoje se poderia chegar. „ A princípio havia duas teorias sôbre a assunção de dívida: uma, a teoria do contrato, que apenas a via como contrato entre o credor e o terceiro com eficácia a favor do devedor, pbrque liberatória; a outra, a teoria da ratificação, que fixava tôda a pesquisa no negócio jurídico entre o devedor e o terceiro, que só sc priva do seu direito com o ato de assentimento, aí ratificativo. Posteriormente, ficou èvidenciado que as duas teorias apenas correspondiam a duas espécies: a da assunção de dívida pelo terceiro, diante do credor, e a assunção de dívida pelo terceiro, diante do devedor. Já o Código Civil alemão, §§ 414 e 415, atendeu à dualidade de relações jurídicas, que se conhecem como assunção de dívida. No Código suíço das Obrigações, somente por ocasião da revisão (1911) a assunção de dívida entrou em texto legal. • J \ No Código suíço das Obrigações, arts. 176-180, a teoria do contrato foi a que se seguiu, de jeito que se tornou a assunção de dívida negócio jurídico entre o credor e o terceiro, sempre. Só a propósito da assunção de patrimônio (Código, suíço das Obrigações, art. 181) ou de alienação de imóveis em caso de direito "de penhor (Código Civil suíço, art. 832), houve afastamento da teoria. A convenção entre o terceiro e o devedor passou a ser simples promessa do terceiro de assumir a dívida. Tem-se de oferecer ao credor; êle aceita ou não aceita a oferta. Se aceita, está assumida a dívida; se não aceita, houve apenas proniessa de assumir, entre terceiro e devedor, e oferta que, não sendo aceita, se ineficaciza. : Tanto no direito, brasileiro quanto no português (cf. A . F. CARNEIRO P A C H E C O , Da Sucessão singular nas dívidas, 9 5 s.) e nos outros sistemas jurídicos em que se não redigiu regra jurídica sôbre a assunção de dívida, tem-se de construir. A autorização judicial de que se cogita no Código Civil, art. 427, 2.a parte, é de exigir-se em qualquer assunção de dívida, ou em qualquer assunção de adimplemento (Erfüllungsübernahme, G. PLANCK, Kommentar, IV, 4.a ed., 716; A. F U C H S , Vormundschaftsrecht, 4.a ed.. 209; sem razão, R. SCHULTHEIS,

Der deutsche

Vormundschafisrichter,

118).

Panorama atual pelos Atualizadores

§2.819. A - L e g i s l a ç ã o Os arts. 299 a 303 do CC/2002 regulam a assunção de dívidas.

§ 2.819. B - Doutrina A transmissão singular de dívidas, ou a transmissão passiva das obrigações por ato entre vivos, dá-se por negócio jurídico celebrado para esse fim, ou seja, com a finalidade de liberar e exonerar o primitivo devedor entre: (a) o antigo e o novo devedor; (b) o novo devedor e o credor (expromissão). Em qualquer caso, é imprescindível que o titular ativo do vínculo obrigacional, ou seja, o credor consinta expressamente na assunção de dívida por terceiro. A assunção de dívida tem origem no direito alemão, na Schuldübernahme do BGB § 414, que tem como perfil próprio a possibilidade de se realizar a transmissão passiva de obrigações sem a necessidade de extinção do vínculo obrigacional primitivo. Assim, quando, mediante contrato, a obrigação se transfere com as mesmas características com que foi criada, ou seja, guardando a mesma identidade daquela contraída pelo primitivo devedor, em virtude de alguém ter assumido à posição de sujeito passivo de uma dívida que vinculava outrem, diz-se ter ocorrido espécie de transmissão de obrigação denominada assunção de dívida.

§ 2.819. C - Jurisprudência Enunciado 16 da I Jornada de Direito Civil do STJ: "O art. 299 do CC/2002 não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor".

§ 2.820. INSTITUTOS HODIERNOS 1. RELAÇÃO JURÍDICA E SUJEITO PASSIVO. - O que aqui nos importa é o que se passa com a relação jurídica, em que alguém é sujeito passivo, se essa pessoa obtém ou a favor dela outrem assume a responsabilidade ou a dívida. A assunção da dívida, liberando o devedor, ou resulta de negócio jurídico com o credor, ou com o devedor. 2. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA A L H E I A . - ( 1 ) Assim, assunção de dívida (.Schuldübernahme, reprise de dette) é negócio jurídico bilateral pelo qual

nôvo devedor fica no lugar de quem o era. Na doutrina há divergência na construção, porque, se é certo que a) a opinião dominante assenta que no lugar do devedor que o deixa de ser se põe o nôvo, havendo sucessão na dívida (= a relação jurídica é a mesma), houve b) quem disso discordasse, sustentando que surge nôvo crédito contra quem assumiu a dívida. Com à opinião dominante, que é a opinião a), B. MATTHIASS (Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, I , 2 5 9 ) , G . P L A N C K ( K o m m e n t a r , I I , 1, 4. A ed., 5 9 2 - A . M E R K E L , Juristische Encyklopãdie, 2 8 3 ; O . VON G I E R K E , Schuldnachfol»e und Haftung, Festschrift für F. VON M A R T I T Z , 4 5 ) , P. K N O K E (Die Sondernachfolge in die Schuld bei der befreienden Schuldübernahme, Jherings Jahrbücher, 60,407 s.) e outros. Com a opinião b), E . STROHAL (Schuldübernahme, Jherings Jahrbücher, 107, 273), K. R. ROMEICK {Zur Technik, m , 86) e R. S O H M (Der Gegenstand, 2 5 , nota 5 ) . Quem assume dívida, assume-a perante alguém. Isso não quer dizer que se não possa prometer assumir, unilateralmente, alguma dívida. (a) A assunção de dívida perante pessoa determinada pode ser entre o assumente e o credor. Então, aquêle se torna devedor, em lugar de quem o era. O assentimento do devedor não é de mister. O negócio jurídico tem eficácia entre os figurantes e o devedor está liberado. Pensam alguns (e. g., O . W A R N E Y E R , Kommentar, I , 7 1 2 ) que o negócio jurídico entre o credor e o assuntor ou assumente não é desde logo assunção de dívida (= ainda não o é). Seria preciso algum assentimento do devedor. Tal raciocínio revela que se quer simetrização da assunção de dívida entre assuntor ou assumente e credor com a assunção de dívida entre assumente e devedor. Ora, a translatividade liberatória da assunção de dívida entre o terceiro e o credor não depende dos mesmos princípios que a translatividade liberatória no tocante à chamada assunção de dívida bifigurativa.

(b) Se a assunção de dívida é entre o devedor e quem assume, a eficácia do negócio jurídico em relação ao credor depende de ratificação (melhor, aprovação) do credor, ou do seu assentimento prévio. Antes disso a assunção de dívida alheia é promessa de adimplemento a terceiro, sem qualquer sucessão passiva de dívida. A assunção de dívida é unifigurativa (= a um membro, eingliedrig) ou bifigurativa (= a dois membros, zweigliedrig), conforme o assuntor ou assumente a conclui com o credor ou com o devedor com a co-eficacização pelo credor (respectivamente, vertical ou horizontal). Essa co-eficacização tem sido mal observada pelos juristas, tanto mais quanto não

é certo que o consentimento ou a ratificação pelo credor torne plurilateral o n e g ó c i o jurídico. Não há negócio jurídico entre o devedor, o assuntor ou assumente e o credor. O consentimento ou a ratificação é apenas para eficácia a respeito dêle. Quem melhor feriu êsse ponto foi B. MATTHIASS (Lehrbuch, 259 e 261), por ter frisado que entre os dois devedores, o que o deixa de ser e o que assume a dívida, se conclui assunção de adimplemento. Ora, isso mostra que a assunção de dívida se perfaz entre assumente e devedor, sem eficácia perante o credor enquanto êle não consente no que foi feito ou não o ratifica. Êsse consentimento, ou ratificação, está contido no consentimento que se exige à conclusão da assunção de

adimplemento.

Nem sempre os juristas o viram. Quase sempre notam o efeito e não apontam o negócio jurídico que em verdade há. O chamado consentimento ou a ratificação apenas diz respeito à vontade que, contida na manifestação de vontade para a assunção de adimplemento, consente, ou ratifica a assunção de dívida em que foram figurantes - e em verdade só eles o foram - o devedor e o assumente. Pode dar-se que o devedor obtenha de terceiro que prometa assumir a dívida, em-negócio jurídico com o credor (assunção unifigurativa de dívida) e, não o fazendo, preste a indenização dos danos (B. M A T T H I A S S , Lehrbuch,

I, 260).

3. ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DÍVIDA. - ( 2 ) Assunção

cumulativa

de dí-

vida é a assunção de dívida em que não há substituição do devedor originário: reforça a dívida anterior, não lhe substitui o sujeito. Donde dizer-se assunção reforçante (bestãrkende) ou cumidativa (kumulative Schuldübernahme). Também dita ( O T T O VON G I E R K E , H A N S R E I C H E L ) co-assunção de dívida (Schuldmitübernahme), porque se insere (triti) junto à outra dívida, donde a expressão de W. WESTERKAMP, hoje também usada, em alemão, Schuldbeitritt (cf. B . MATTHIASS, Lehrbuch, 2 5 9 ; G . P L A N C K , Kommentar, D, 1, 5 9 4 ; W. WESTERKAMP, Bürgschaft und Schuldbeitritt, 1 s.; J. ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts,

191 s.; Weigelin, Der Schuldbeitritt,

1 s.).

A dívida traspassa-se com as suas exceções, salvo as que só dizem respeito à pessoa do devedor (H. GÜRGENS, Singularsuccession in die Schuld, Jahrbücher für die Dogmatik, VIII, 299; B . D E L B R Ü C K , Die iibemahme fremder Schulden, 108 s.), e com os direitos acessórios (H. GÜRGENS, VHI, 289 s.) As pretensões oriundas da invalidade do negócio jurídico entre o devedor e o terceiro não são de invocar-se contra o credor ( B . DELBRÜCK, Die übemahme fremder Schulden, 48), salvo a coação do terceiro. Hoje,

temos de só pensar em coação do terceiro ao tempo da comunicação ao credor, não era coação que cessou antes. Para a assunção cumulativa de dívida entre o assumente e o devedor não é de mister consentimento ou ratificação pelo credor (HANS REICHEL Die Schuldmitübernahme, 147; E . S T R O H A L , Schuldpflicht und Haftun^' a FestgabefürDR. K A R L B I N D I N G , 125; K. COSACK,Lehrbuch, I, 6 e d , 466; L. E N N E C C E R U S , Lehrbuch, II, 287, texto e nota 10; L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar, II, 483; sem razão: W. WESTERKAMP, Bürgschaft und Schuldbeitritt, 224; O . VON G I E R K E , Schuldnachfolge und Haftung, Festschrift für F. VON M A R T I T Z , 52, nota 3; W. K L U C K H O H N , Die Vetfügungen zugunsten Dritter, 52; G. P L A N C K , Kommentar, II, 1, 595). Às vêzes os juristas confundem a co-assunção de dívida que libera com a que não libera. Porém o que importa saber-se é se o credor, que ainda não consentiu, nem ratificou, adquire desde logo o crédito cumulado. Ora, isso ocorre segundo os princípios que regem o contrato a favor de terceiro (Código Civil, art. 1.090, parágrafo único, l. a parte): o terceiro, a. favor de quem se estipulou, adquire direito e pretensão. O argumento contra essa solução, assente em base científica, de que, assim, o credor se expõe a que o segundo devedor alegue compensação, é frágil. Porque o credor, que aí é terceiro, pode não admitir o segundo crédito. A co-assunção de dívida, com o consentimento do credor, ou sua ratificação, não extingue a dívida a que se cumula a do terceiro. Os dois devedores passam a ser solidários. Uma das conseqüências é que o devedor assumente pode opor a defesa e as exceções que qualquer devedor solidário poderia opor, bem como alegar compensação. A assunção cumulativa de dívida nunca perfaz sucessão. A assunção cumulativa de dívida pode ser entre o credor e o assuntor ou assumente, ou entre êsse e o devedor (B. MATTHIASS, Lehrbuch, 259 s.; H A N S R E I C H E L , Die Schuldmitübernahme, 141). Não se deve dizer entre o assumente e o anterior devedor, porque se pode assumir, cumulativamente, dívida que ainda não existe (dívida futura) e então a divida cumulada é anterior à dívida a respeito da qual alguém assumiu dívida. A co-assunção de dívida não se confunde com a fiança. Na fiança, a segunda dívida é acessória; na co-assunção de dívida, não. O assuntor ou assumente em cumulação, pôsto que possa a co-assunção ter fim economico de garantia, não é garantia. O co-assumente responde como devedor solidário. Se o fiador presta o que prometeu, a sua prestação é outra prestação que a do devedor afiançado. Se o co-assumente presta, o que prestou e

o que o devedor prestaria (HANS R E I C H E L , Die Schuldmitübernahme, WESTERKAMP,

Bürgschafi

Schuldübernahme,

und Schuldbeitritt,

4 5 ; BRATTIG, Die

69; W.

kumulative

2 s.).

A assunção cumulativa de dívida tem eficácia de solidarização, e não de liberação. O tratar-se de assunção cumulativa, abstrata, de dívida não pré-exclui a eficácia de fazer devedor solidário o assuntor ou assumente (cf. L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, § 90, nota 10). Para se saber se os contraentes quiseram assunção (liberatória) de dívida ou assunção cumulativa de dívida tem-se de interpretar o negócio jurídico de assunção, verificando-se quais os termos empregados, a intenção do terceiro (Código Civil, art. 85), as circunstâncias e, principalmente, o fim do contrato. W. VON B L U M E (Beitrâge zur Auslegung des deutschen BGB., Jherings

Jahrbiicher,

39, 4 1 9 ) admitia, na dúvida,

que

se trate de assunção (liberatória) de dívida; mas R. S T A M M L E R {Das Recht der Schuldverhãltnisse, 2 0 7 ) e K . H E L L W I G ( D i e Vertrage auf Leistung an Dritte, 179) entendiam que, na dúvida, é em assunção cumulativa que se há de pensar. L. E N N E C C E R U S ( L e h r b u c h , II, 289) afasta qualquer regra jurídica interpretativa. A assunção de adimplemento (Erfüllungsübernahme) é inconfundível com a assunção de dívida. Trata-se de negócio jurídico pelo qual alguém se faz devedor, perante o devedor, de prestar ao credor (portanto em que se obriga a solver a dívida do outorgado). O devedor continua devedor e obrigado a prestar. Apenas adquire crédito contra o assuntor ou assumente do adimplemento. O dever e a obrigação desse são o de cumprir a obrigação, no lugar do devedor. Não importa como êle solve. Pode o assumente pagar, dar em soluto, consignar, sem que possa alegar compensação com crédito seu contra o credor. Nenhum direito, pretensão ou ação nasce ao credor contra o assumente do adimplemento. Se ao credor se atribui direito, pretensão ou ação, houve estipulação a favor de terceiro, o que muda a figura, que passa a ser a da co-assunção de dívida ou assunção cumulativa de dívida. Na assunção de adimplemento não há sucessão. A dívida não é assumida pelo outorgante. 4 . ASSUNÇÃO DE A D I M P L E M E N T O . - ( 3 )

5. PROMESSA DE ASSUNÇÃO E DE CO-ASSUNÇÃO DE DÍVIDA - O negócio jurídico pelo qual terceiro promete ao devedor assumir a dívida é distinto do negócio jurídico da assunção de divida. Trata-se de pré-contrato. Promete-

-se assumir. De ordinário, é de entender-se que satisfaz a obrigação se assume a dívida perante o devedor ou se a assume perante o credor. Mas é possível que, pelos têrmos do negócio jurídico, se haja precisado o modo de adimplemento. Se a dúvida é quanto a se tratar de promessa de assunção de dívida, ou de co-assunção de dívida (assunção cumulativa de dívida), tem-se de interpretar que se exigiu assunção, e não co-assunção. A promessa de assunção de dívida é promessa de contratar, e não de liberar. Promessa de liberar é outra coisa, como outra coisa é assunção de adimplemento. Aqui, já se assume; ali, só se promete assumir. No Código Civil alemão, § 329, diz-se que, se, em contrato, um dos figurantes se obriga a desinteressar um credor do outro figurante, sem, todavia, tomar sôbre si a dívida, não se deve, na dúvida, entender que o credor deva adquirir imediatamente o direito de lhe exigir a prestação. O instituto a que o § 329 se refere é a assunção de adimplemento, a Erfüllungsübemahme, e não a promessa de contratar assunção de dívida. Tão-pouco se há de confundir o instituto da assunção de adimplemento com o contrato a favor de terceiro credor, pelo qual o devedor se obriga, perante o credor, a adimplir a obrigação do credor perante o credor do credor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

2 1 3 ; H A N S R E I C H E L , Die

Schuldmitübernah-

150 e 310; K. H E L L W I G , Die Vertrãge aufLeistung an Dritte, 133; sem razão, G. P L A N C K , Kommentar, II, 1, 421, que tentou reduzir a assunção de adimplemento a espécie de contrato a favor de terceiro, cp. J. BINDER, Die Korrealobligationen, 562). A assunção de adimplemento também é de distinguir-se da promessa abstrata de dívida, pela qual se torna devedor o promitente, e não apenas se obriga a adimplir a dívida do outro figurante. me,

6. NOVAÇÃO COM MUDANÇA DE SUJEITO PASSIVO. - Também se há de distinguir da assunção de dívida a novação com mudança do devedor. Nesse instituto, a relação jurídica a que a dívida nova se refere extingue-se; a dívida nova é irradiação de negócio jurídico que corresponde a outra relação jurídica. Na assunção de dívida, só há transposição do devedor: um deixa de ser e o outro sobrevém, sucedendo-lhe. Na novação com mudança de devedor, a relação jurídica não persiste a mesma; não se muda só o devedor, - a relação jurídica, que era, extingue-se, e outra surge. 7 . A S S U N Ç Ã O DE DÍVIDA ALHEIA E EXTENSÃO DA EFICÁCIA SUBJETIVA.

-

Q u a n d o se i n s c r e v e m p e n h o r a s , arrestos e seqüestros (Decreto n. 4.857, de 9 de n o v e m b r o d e 1939, arts. 178, a), VI, e 279), ou citações de ações

pessoais reipersecutórias (arts. 178, a), VII, 2.a parte, e 281), ou promessas de compra-e-venda de terreno não loteado (art. 178, a), XIV; Decreto-lei n. 57, de 19 de novembro de 1937, art. 22; Lei n. 649, de 11 de março de 1949,' art. l.°, ou contrato de locação de prédio, no qual tenha sido inserta a cláusula de continuação em caso de se alienar a coisa locada (art. 178, a), IX' Código Civil, art. 1.197), ou se averba contrato de promessa de venda de terreno loteado (arts. 178, b), e 282, VI), ou se transcreve contrato de compra-e-venda com reserva de domínio (Decreto-lei n. 1.027, de 2 de janeiro de 1939, art. 1.°), não se cria direito real, apenas se atribui eficácia erga omnes à relação jurídica pessoal: devedor continua de ser somente o devedor originário ou o sucessor hereditário, ou quem assumiu a dívida, ou por outra causa passou a ser o devedor. Quando se faz registo preventivo, apenas se estende a terceiros a. eficácia; o que se estende não é a titularidade. Em direito, é da máxima importância que se distinga da existência do negócio jurídico a sua eficácia. O negócio jurídico pode existir e não ser eficaz. Pode ser eficaz a respeito de B, e não no ser a respeito de C. Ou ser eficaz perante B e C, e não perante D, ou erga omnes. Ã eficácia que tem agora pode ser desde agora ou mais tarde estendida a D, ou a todos. Trata-se, então, de extensão de eficácia.

Panorama atual pelos Atualizadores §2.820. A - L e g i s l a ç ã o Os arts. 299 a 303 do CC/2002 regulam a assunção de dívidas. A Lei de Registros Público regula, especialmente nos arts. 167,1 e II, o procedimento de registro e averbação de bem imóveis. A Lei 11.977, de 07.07.2009 (DOU 08.07.2009), determina que os atos que devam ter ingresso nos registros públicos, instituídos e regulados pela LRP, devem ser feitos por meio de registro eletrônico: "Art. 37. Os serviços de registros públicos de que trata a Lei 6.015, de 31.12.1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico". Para que sejam feitos os registros eletrônicos, os cartórios devem servir-se do sistema de chaves públicas brasileiras (MedProv 2200-2, de 24.08.2001, DOU27.08.2001). Art. 38 da Lei 11.977/2009: "Art. 38. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), conforme regulamento. Parágrafo único. Os serviços de registros públicos disponibiliza-

rão serviços de recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico". V. Dec. 6.605, de 14.10.2008 (DOU 15.10.2008), que dispõe sobre o Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - CG ICP-Brasil, sua Secretaria-Executiva e sua Comissão Técnica Executiva - Cotec. Para o art. 577 do CPC, atos executivos são os atos jurídicos processuais tendentes a preparar e efetivar a determinação forçada do executado a cumprir a obrigação que consta do título executivo (execução direta), bem como a reprimir e apenar condutas que resistam a e s s a execução forçada (execução indireta). Ao juiz, cabe a prática dos atos executivos, e a seus auxiliares, o cumprimento dess e s mesmos atos. São exemplos de atos executivos: penhora, depósito da coisa penhorada, prisão do executado (art. 733, § 1.°, do CPC), arrematação, entrega do dinheiro fruto da desapropriação do bem penhorado (art. 708,1, do CPC), imissão na posse (art. 625 do CPC) etc.

§ 2.820. B - Doutrina O vocábulo registro não é univoco. Inserido no contexto do registro de imóveis (art. 167 da Lei 6.015/1973), ele é utilizado pela Lei de Registros Públicos em duas acepções: (a) a primeira, referente ao ofício público - determinadora da publicidade dos direitos reais; (b) a segunda, relacionada ao ato ou assento praticado em livro desse ofício para realizar o referido fim (CARVALHO, Afránio. Registro de imóveis. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 136). O termo registro tem extensa generalidade que encobre diversos termos específicos: inscrição, averbação e transcrição. E s s e s três termos específicos designam, respectivamente, o assento seletivo de declarações ou por extrato, o assento dependente da existência anterior, marginal a esta, e o assento copiativo das declarações em inteiro teor (CARVALHO, Afrânio. Op. cit., p. 136). A divisão teórica existente entre a inscrição e transcrição, pela qual o primeiro termo era a trasladação do extrato ou do negócio jurídico e o segundo constituía-se na trasladação do documento para ofício para o livro do oficial público (DINIZ, Maria Helena. Sistemas de registros de imóveis. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 42), perdeu a razão de ser diante do texto do art. 168 da LRP, que reconheceu a natureza formal que os termos passaram a ter quando da adoção da transcrição por extrato - já que não há em nosso sistema de registro cópia ipsis litteris de títulos (cf. DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42). A averbação é assento modificativo que altera, por qualquer razão, o assento principal (registro), pressupondo, por isso, a existência de um assento anterior, à margem do qual ela (a averbação) é lançada. No registro imobiliário, os fatos que ensejam averbação e, por isso, são modificativos do registro, são os elencados no art. 167, II, da LRP. Com o advento da Lei de Registros Públicos e a criação do instituto de matrícula do imóvel, a distinção entre atos de transcrição e inscrição restou-se despicienda, e ambos os atos foram unidos em um só - o registro (RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 1 (Parte Geral), p. 51-92). Assim, a inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante, cobre as aquisições (atos

transmissivos de propriedade - antiga transcrição) e onerações de imóveis (atos constitutivos de ônus reais - antiga inscrição), que são os assentos mais importantes, ao passo que a averbação cobre os demais, que alterem por qualquer modo os principais (atos modificativos posteriores) (CARVALHO, Afrânio. Op. cit., p. 138). A matrícula, inovação da Lei de Registros Públicos no que tange ao registro de imóveis, é o primeiro ato realizado e consiste na individualização física e jurídica de um imóvel de modo a estremá-lo de dúvida em relação a outros para, a contar dela, serem feitos os registros que digam respeito ao bem (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 8. ed. S ã o Paulo: Saraiva, 1993. p. 401).

Assim, em se tratando de registro de imóveis, o primeiro ato realizado é a matrícula; em seguida, faz-se o registro - das circunstâncias que eram inscritas e transcritas anteriormente - , e por fim ocorrem as averbações na ficha da matrícula, ou seja, o lançamento de todas as ocorrências ou fatos que, não estando sujeitos ao assento, venham a alterar o domínio, afetando o registro relativamente à perfeita caracterização e identificação do prédio ou do titular da propriedade (DINIZ, Maria helena. Op. cit., p. 45). Ainda hoje, porém, encontramos o termo registro ora para expressar qualquer uma das situações - matrícula, registro (stricto sensu- inscrição/transcrição) e averbação, ora significando o registro propriamente dito. Os registros públicos servem à excepcional finalidade de tornar eficaz erga omnes negócio jurídico de direito de obrigações perante terceiros (t. XXII, § 2.679,1 e 2, deste Tratado). O art. 215 do CC/2002 não repete em sua inteireza a regra do art. 134 do CC/1916, especificamente, na parte em que considera como da substância do ato a escritura pública para os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior ao que fixava (art. 134, II, do CC/1916). Porém, o art. 108 do CC/2002 o faz. A constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário-mínimo vigente no País se faz, obrigatoriamente, por escritura pública, que é a forma prescrita em lei. As prescrições sobre o que vem a ser um título registrável estão contidas no art. 221,1, II, III, IV e V; 222 a 226 da Lei 6.015/1973. Em alguns casos de constituição de direito real o Código civil exige, expressamente, a escritura pública: para o direito real de superfície (art. 1.369 do CC/2002). A regra do art. 42 do CPC confirma a autonomia do direito processual relativamente ao direito material. As alterações neste ocorridas não interferem no teor da relação jurídica processual, que permanecerá inalterada. O art. 42, § 1 d o CPC fixou como regra a estabilidade subjetiva da relação processual. Com a citação válida, verifica-se a perpetuatio legitimationis processual. As alterações de direito material que ocorram, contudo, antes do ajuizamento da ação de execução, provocam conseqüências de direito processual quanto à legitimidade de parte para promover a ação de execução e para lhe dar seguimento. Pode também ser citado para a execução o cedente responsável pela solvência do devedor, se assim tiver sido pactuado entre eles (art. 296 do CC/2002). Se isto ocorrer, do cedente o cessionário pode reaver o que tiver recebido do devedor, mais os juros; além disso, aquele terá que ressarcir as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança (art. 297 do CC/2002). Se a ação

tiver sido iniciada pelo cedente, tendo este falecido, pode o cessionário habilitar-se em seu lugar, na forma do art. 1.061 do CPC.

§ 2.820. C - J u r i s p r u d ê n c i a Arrematação não inscrita. Vínculo meramente obrigacional. Inexigibilidade erga omnes. A não inscrição da arrematação no registro de imóveis pressupõe relação jurídica meramente obrigacional, sem efeito erga omnes, vinculando apenas os sujeitos do negócio jurídico (art. 532, III do CC/1916) (STJ, AgRg no Ag 88561/AC, 3. a T„ j. 26.03.1996, v.u., rei. Min. Waldemar Zveiter, DJU 17.06.1996, p. 21488).

CAPÍTULO I I I CESSÃO DE

§ 2.821.

CRÉDITOS

FONTES DO SISTEMA

JURÍDICO

1. DIREITO ROMANO E DIREITO GERMÂNICO. - N O direito romano não havia, conforme vimos, sucessão singular em créditos, ou em dívidas. Daí ter-se lançado mão da novação, para a qual, é claro, se exigia a cooperação do devedor (delegatio nominis). Depois, com a intensificação do comércio e o influxo do ius gentium, foi que se criou algo de transmissão sem cooperação do devedor, com a concepção, que melhor estudamos no capítulo anterior e desenvolveremos a respeito do mandato e da procuração em causa própria.

O procurator in rem suam era constituído para o processo, de modo que, estabelecida entre êle e o demandado a relação jurídica processual, a condenação, que atingisse o demandado, era para prestar ao outorgado, e êsse, por estar em juízo em interêsse próprio, podia reter o que obtivesse do juízo (GAIO, Inst., II, §§ 38 e 39, e IV, § 86; L. 3 § 5, D., de in rem verso, 15, 3). Entende-se que tal procurador judicial também podia tratar amigavelmente. Os inconvenientes eram, ainda assim, grandes, e. g., o devedor podia prestar ao credor outorgante, o outorgante podia revogar e o outorgante ou o outorgado podia morrer. A actio utilis viera obviar a êsses inconvenientes, com a notificabilidade do devedor. No fim da evolução, que no direito romano se operara, teve-se apenas a sucessão singular no direito (independente) a exigir crédito alheio. A concepção romana do crédito ligado ao credor encontrou-se com a concepção germânica, a que repugnava essa dependência. No século XV, e evidente a síntese. Já o outorgado sucede no direito, pretensão, ou ação,

ou exceção, que se cedeu. Foi tardia a tentativa de CHR. F. MÜHLENBRUCH no comêço do século passado (1817), para se voltar à concepção romana.' A cessão, com a mudança subjetiva e a permanência objetiva, é concepção p ó s - r o m a n a . S ó o successor

in universum

ius, quod defunctiis

ha-

buit, sucedia, no sentido que damos hoje à sucessão singular nos créditos e nas dívidas. O jurista romano não poderia pensar como G . F. PUCHTA a (.Pandekten, 9. ed, 72 s.) ou como H. G Ü R G E N S (Singularsuccession in die Schuld, Jahrbücher für die Dogmatik, VIII, 223 s.). 2 . D I R E I T O GERMÂNICO. - Ainda para o direito germânico antigo sustenta-se que era de mister consentimento do devedor, na cessão de crédito, para a transferibilidade (H. B R U N N E R , Forschungen, 6 0 2 e 6 5 3 ) , o que, depois, o próprio O . S T O B B E , ( H a n d b u c h des deutschen Privatrechts, III, 3. A ed, § 2 2 6 , nota 2 ) admitiu (para o direito neerlandês, FOCKEMA-ANDREAE, Het Oud-Nederlandsch burgerlijk Recht, II, 21; para o direito nórdico, K A R L VON A M H U , Nordgermanisches Obligationenrecht, I, 5 8 s.). Contra tal necessidade, G E O R G B U C H ( D i e übertragbarkeit von Fprderungen im

deutschen

mittelalterlichen

Recht,

115 s.).

Também no direito germânico empregou-se o mandato processual como meio para se transferir o crédito, inclusive, na Idade Média, com a cláusula "para ganho ou perda" ( G E O R G B U C H , Die übertragbarkeit von Forderungen

im deutschen

mittelalterlichen

Recht,

111).

A permissão da transmissibilidade era diferente do assentimento ou do consentimento, com que sistemas posteriores, defeituosos, quiseram construir a cessão de crédito (assentimento ao negócio jurídico da cessão, ou consentimento em negócio jurídico unilateral). Mas exatamente na transferibilidade por fôrça da permissão do devedor consistiu a originalidade do direito germânico e êsse elemento original foi ponto de partida para a concepção dos créditos transferíveis em virtude de autorização intrínseca à transmissão por ato unilateral do credor ( H . B R U N N E R , Forschungen, 6 4 6 s„ 653 s. e 660). Foi o que deu ensejo à circulabilidade dos títulos a ordem e ao portador, inclusive títulos incorporantes, como as letras hipotecárias e as cédulas pignoratícias. No caminho da evolução da transmissão dos créditos e direitos incorporados em títulos convém lembrar que houve a livre transferência unilateral de direitos que tinham sido declarados em sentença e constantes de traslados ou certidões. À medida que se avançava no tempo, menos se requeria a vontade do devedor (para o direito germânico, GEORG B U C H , Die übertragbarkeit von

Forderungen

im deutschen

mittelalterlichen

Recht,

118 s.; p a r a o direito

nórdico, K. VON AMIRA, Nordgermanisches Obligationenrecht, I, 60, e II, 84- para o direito neerlandês, FOCKEMA-ANDREAE, Het Oud-Nederlandsch burgerlijk Recht, II, 21 s.).

O contacto do direito germânico com o direito romano foi assaz fecundo para a civilização ocidental. Até no direito justinianeu o outorgado continuou credor do devedor, - cedia-se sem em verdade se ceder. Foi o direito germânico que completou a evolução até se chegar à concepção de hoje: o bem incorpóreo passa a ser do outorgado como era do outorgante (sôbre a história do usus modernus, J. E . K U N T Z E , Die Obligation und Singularsuccession,

18 s.; GEORG BUCH, Die Übertragbarkeit

gen im deutschen

mittelalterlichen

Recht,

von

Forderun-

132 s.).

- Segundo o Código Civil, a cessão de créditos transmite o crédito mesmo, e não só o seu exercício (art. 1.065: "O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor"). A cessão ou se opera em virtude 3 . DIREITO BRASILEIRO.

de negado jurídico,

ou por lei, o u por decisão

judicial.

E m q u a l q u e r das

três espécies, o cessionário passa a ser titular do crédito cedido, em vez do cedente.

Panorama atual pelos Atualizadores §2.821. A - L e g i s l a ç ã o Nos arts. 286 a 298 do CC/2002 está prevista a cessão de crédito.

§ 2.821. C - Jurisprudência Evolução do instituto. Historicamente, no Direito Romano, não era permitida a sucessão particular de dívidas, pois havia uma concepção rígida de obrigação, sendo admitida apenas a novação, ensejando a extinção de uma obrigação anterior e a criação de uma nova. Modernamente, há uma maior flexibilização dos polos da relação obrigacional, conferindo um maior dinamismo na mobilização do crédito e passando-se a admitir institutos como a cessão de crédito, a assunção de dívida e a cessão da própria posição contratual (STJ, REsp 1141877/MG, 3.a T., j. 20.03.2012, v.u., rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 27.03.2012).

SEÇÃO I CESSÃO DE CRÉDITOS EM SUA EXISTÊNCIA E VALIDADE

§ 2.822. CONCEITO E NATUREZA

1. CONCEITO. - A cessão de crédito é negócio jurídico bilateral de transmissão de crédito entre o credor e outrem. À base dêle pode haver negócio jurídico, porém a cessão de crédito independe dêle, ou da sua existência. A manifestação de vontade é elemento de acôrdo de transmissão, e êsse acôrdo, semelhante ao acôrdo de transmissão da propriedade imobiliária ou mobiliária, opera a transmissão sem precisar de qualquer outro elemento (e. g„ na transferência da propriedade imobiliária, o registo; na transferência da propriedade mobiliária, a tradição, ou outro ato, inclusive registo). Conforme dissemos e mostraremos adiante, a translação ocorre, na cessão de crédito, e na assunção de dívida, concluída entre .credor e terceiro, com a conclusão dò contrato entre o credor e o terceiro; ao passo que, na assunção de dívida, concluída entre o devedor e terceiro, a conclusão do contrato não tem desde logo a eficácia translativa. Naquelas, o que falta, antes da ciência pelo devedor, é a eficácia relativa a êsse; nessa, o devedor não está liberado desde que se concluiu o contrato entre êle e o terceiro, e a eficácia translativa depende de negócio jurídico unilateral, em que haja consentimento do credor. O acôrdo de transferência do crédito tem completo o seu suporte fáctico com as manifestações de vontade do credor e do terceiro. A notificação é apenas para a eficácia no que toca ao devedor, que se supõe não conhecer o que se passou a respeito da sua dívida. O acôrdo de transferência, na assunção de dívida entre terceiro e devedor, é vinculativo, p o r é m n ã o

translativo.

O credor cede porque é titular do direito. Quem tem direito cessível tem o poder de cedê-lo, não importa se real ou pessoal o direito (cf. E. R. BIERLING, Juristische grijfdes

subjektiven

Prinzipienlehre, Rechts,

I, 165; WILHELM SCHUPPE, Der Be-

157).

Superou-se a concepção romana, que ligava o crédito à pessoa, a concepção do "tipo imutável" de obrigação. Ao credor nasce o poder de dis-

por. Precisou-se o que se ata à personalidade, porque dela depende ou é indispensável a ela, e o que dela não depende, nem lhe é indispensável. A pessoa, em sua posição de sujeito, passou, em muitos créditos e dívidas, a ser "fungível". Quem fala de sucessão alude à derivatividade, à causação, à aquisição de direito à custa de outrem, e não de outro direito, o que só se poderia apontar nas constituições de direito sôbre direito (usufruto, à custa do domínio; penhor, à custa da propriedade ou .do crédito). Há muito de substancialismo filosófico em se ver na aquisição da propriedade ou na cessão de crédito nascimento de direito à custa de outro direito (cp. H A N S LESSING, Begriff des Rechtsnachfolge, 1 0 s.; C L A U D I U S V. SCHVERIN, über den Begriff der Rechtsnachfolge, 4 s.; H. R E U K A U E P , über den Begriffder Rechtsnachfolge

nach bürgerlichem

Recht, 9).

2 . CESSÃO DE CRÉDITO, NEGÓCIO JURÍDICO ABSTRATO.

- Trata-se de negó-

cio jurídico abstrato, porém não contrato de direito das coisas

(juri-real,

dinglicher Vertrag). É válida e eficaz a cessão, ainda que a causa não exista, seja ilícita, ou não se realize. Se houve cessão, sem causa, e o cessionário se enriqueceu injustificadamente, pode o cedente pedir a repetição: o crédito volta; mas,, enquanto não passa em julgado a sentença, o crédito pertence ao cessionário. A cessão de crédito é negócio jurídico abstrato. Porque a cessão é abstrata, em si, não pode ser nula por ilicitude de objeto. Se o negócio jurídico subjacente é nulo, cabe a repetição. A afirmação de O . VON G I E R K E (Deutsches Privatrecht, III, 186 s.), de que se trata de negócio jurídico juri-real como os de direito das coisas, levaria a confusões graves: porque, com a cessão, se transfere direito, O . VON GIERKB entendia que tal transferência não podia, rigorosamente, ser posta no direito das obrigações; não há obrigados, há transmitentes; nenhuma obrigação nasce, transmitem-se direito, pretensão, ação, ou exceção. Tais argumentos não convencem. A cessão de créditos é negócio jurídico abstrato, porém não juri-real (dinglicher Vertrag).

Se a cessão foi concebida condicionalmente e se elevou a existência da coisa à categoria de condição, o negócio jurídico da cessão torna-se causai (CARL CROME, Die Abfindungscession, Festgabe für P A U L K R Ü G E R , 199 s.). O negócio jurídico de cessão é bilateral, abstrato, acôrdo de transmissão, que independe do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente (cessão de crédito para servir de garantia a negócio jurídico de outrem, ou do próprio cedente). O efeito translativo, a imediata transferência do

crédito ao cessionário, é independente do fim que se colimou, cedendo-se o crédito. Vale, e é eficaz, a transferência, ainda que se venha a decretar a nulidade, ou a anulação, ou a ineficácia do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse, 307). A declaração de vontade de cessão não supõe contrato, ou outro negócio jurídico obrigacional de cessão, nem o contém, nem determina obrigação de ceder O negócio jurídico subjacente ou sobrejacente à cessão não é, necessariamente, abstrato; pode ser dependente, ou não, da cessão mesma. Os direitos e deveres do cedente perante o cessionário não derivam de contrato obrigacional que se contenha na cessão, salvo os que concernem ao fornecimento de indicações necessárias para a exigência do crédito, entrega dos títulos ou feitura, à custa do cessionário, de nôvo título da cessão (O. WARNEYER, Kommentar,

I, 6 8 0 ) .

3. FORMA. - A cessão de crédito não está sujeita a forma especial. Bastam fatos concludentes. No art. 1.067, diz-se: "Não vale, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se se não celebrar mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do art. 135". "Vale", está, aí, por "é eficaz". A cessão de crédito oralmente concluída vale e é eficaz, s&não há regra jurídica especial (cp. art. 1.078); bem assim, a cessão tácita, ou por fatos concludentes. Quanto aos terceiros, tais cessões são relativamente ineficazes: a lei exige a forma escrita da cessão. Algumas questões surgem; e. g., a) se a notificação foi por escrito, como tem de ser, feita pelo credor, item eficácia a cessão oral, quanto ao devedor cedido?; b) se o devedor cedido conhece a falta da forma escrita da cessão e foi notificado, i,pode exigir que se escreva? As respostas são, respectivamente: a notificação tem eficácia, quanto ao devedor cedido, porém não se pode dispensar a entrega do título pelo cessionário ao devedor cedido, que paga, nos mesmos casos em que se poderia exigir ao credor originário; se o devedor cedido, saiba ou não, da cessão, exige a prova de ter havido cessão escrita, somente incorre em mora depois de ser satisfeita tal exigência.

Parece-se com a cessão oral a transferência da relação jurídica nos casos em que basta a tradição. Entre os dois institutos está o da transferência de títulos de crédito, que se faz por cessão mais entrega do título. A cessão escrita parece-se com o endosso, porém o endosso dispensa a notificação ao devedor cedido, e - nos títulos cambiários e cambiariformes - é transferência que implica direitos e deveres, pretensões e obrigações, independentes das que tinha o endossante. Tratando-se de cédulas hipotecárias,

a cessão há de ser feita por escrito. A cessão da hipoteca ou da anticrese exige a escritura pública, tendo de inscrever-se para que lhe nasça a eficácia real. O crédito, a favor do qual se inscreveu hipoteca, pode ser cedido, sem ser exigência a da forma que haveria de ter a cessão da hipoteca; mas a hipoteca, em tal caso, não se transfere. Para que se transfira a hipoteca, é preciso que tenha sido outorgada para o crédito e suas cessões, que se haja observado a exigência de forma e se inscreva. Se na cessão por escrito se deixou em branco o lugar em que deveria estar o nome do outorgado, entende-se que o recebedor da declaração de vontade pode encher o branco, com o seu nome, ou com o de outrem. A validade e a eficácia de tal cessão independem de se exigir, na espécie, ou não, a forma escrita. Quanto à construção jurídica, pensou-se em que tal título se faz ao portador, embora por algum tempo (enquanto não se enche), mas não há a regra jurídica que dê ao credor o poder de transformar em título ao portador os créditos que apenas permitem a cessão, tanto mais quanto faltaria o pressuposto da autorização de lei federal, a que se refere o art. 1.511. Também é de repelir-se a construção que reduz a cessão em branco a oferta de cessão a pessoa incerta, determinável pelo que recebe o instrumento da cessão, porque seria protrair-se a essa determinação o aperfeiçoamento da cessão, o que se chocaria com os fatos e com os efeitos reconhecidos à cessão desde que ela se fêz, e. g., ter-se-ia de considerar não havido, abrindo-se o concurso de credores ou a falência do cedente; seria penhorável no patrimônio do cedente (sem razão, portanto, A. VON T U H R , Der Allgemeine Teil, II, 416). Em verdade, a cessão em branco é cessão, desde logo e com tôda a eficácia, exceto a que depende da notificação ao devedor, pois a autorização de encher é o reconhecimento mesmo da estipulabilidade a favor de terceiro. (Claro que se há de pensar, à parte, nas espécies em que o efeito real exigiria a individuação do adquirente do direito, titular do direito real, e em que houve proibição de cessão em branco.) Para L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 265), a cessão opera-se desde logo, mas a eficácia fica pendente; ao encher-se o documento, tem o enchimento efeitos ex nine. Mas há, aí, confusão entre o ato jurídico e seus efeitos; os efeitos são os direitos, pretensões, ações, exceções, deveres e obrigações: se o ato jurídico não os produziu, a todos, cai-se na admissão da penhorabilidade do crédito ainda no patrimônio do credor cedente e na influência do concurso ou falência desse. Os efeitos são desde logo, exceto os que dependem da individuação do cessionário: é ineliminável a transferência ao que recebeu, a despeito de se não haver pôsto o seu próprio nome e a

despeito de se vir a inserir o de outrem. Ainda a respeito dos endossos em branco, a circulação ao portador, intercalar, pode vir a ter efeitos práticos, e teoricamente os tem sempre. O contrato de cessão de crédito é negócio jurídico por ato dispositivo-, quanto ao cessionário ou terceiro a favor de quem se dispõe, ato aquisitivo. A cessão pode ser a favor de terceiro. Também pode ser deixado em branco o nome do adquirente. É verdade que o art. 1.067 exige, para a eficácia em relação a terceiros, a observância do art. 135, porém isso não pré-exclui que se possa ceder por outro modo para efeitos em relação aos figurantes, nem a disposição a favor de terceiro supõe, na espécie do nome deixado em branco, que não tenha havido a assinatura dos figurantes e as mais formalidades que se possam ter satisfeito. Questão surge quanto à data da eficácia, em relação ao terceiro, isto é, se é a) a partir do momento da inserção do nome, ou b) ex tunc (retroeficácia), ou c) a começar da irrevogabilidade da estipulação a favor de terceiro (cf. Código Civil, arts. 1.199 e 1.100). A opinião a) atende a que se cedeu ao figurante outorgado, para que êsse inserisse o nome, então já ato só seu. A opinião b), de L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 299), parte do que se passa com os endossos em branco, pôsto que o não diga. A opinião c) faz depender da irrevogabilidade pelo cessionário, estipulante a favor de terceiro, a eficácia. Somente a opinião"a) pode ser acolhida, porque a inserção do nome do terceiro, que estava em branco, é outra cessão. Ou se raciocina assim, ou se deixa lapso entre o momento da cessão e o da inserção. A cessão de crédito, a favor de terceiro, cujo nome fica em branco, é cessão em que o cessionário, e não o terceiro, adquire, mas pode inserir o nome do terceiro. Não se trata, propriamente, de elemento do suporte fáctico da cessão, do ato dispositivo. O cedente dispôs. Alguém adquiriu. Não podia ter sido o terceiro. Foi, evidentemente, o cessionário, que juntou, materialmente, ao negócio jurídico da cessão, o negócio jurídico da inserção do nome do terceiro, para que o cedente não possa opor ao terceiro as exceções que, sem a disposição com o nome do terceiro em branco, poderia opor ao cessionário. Se não consta a data da inserção do nome somente se pode entender que foi imediatamente à conclusão do negócio jurídico, mas o cedente pode alegar e provar que foi posterior. - Discute-se se pode ser cedido o crédito, reservada a pretensão, ou a ação, e a resposta há de ser afirmativa (sem razão, O . W A R N E Y E R , Kommentar, I, 6 8 1 , que não vê, aí, interêsse 4 . CRÉDITO, PRETENSÃO E AÇÃO.

pré-processual para o cessionário). A afirmativa tem por si L . KUHLENBECK (J. v. Staudingers Kommentar, II, 451; cp. G. PLANCK (Kommentar, II, 1, 551 s.). Ao cessionário, então, cabe receber o crédito; não exigi-lo, nem demandar por êle (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 552). Pode dar-se que se trate de cessão de crédito para encaixe (Inkasso), de modo que se cede para cobrança e depósito ou entrega (SCHÕNINGER, Forderungsabtretung zum Zweck des Einzugs [Cession zum Inkasso], Archiv für die civilistische Praxis, 9 6 , 1 6 3 s.), cessão fiduciária. A cessão de crédito com reserva da pretensão, ou só da ação, é dita (P. KRÜCKMANN, Beschrãnkter Rechtserwerb oder qualitative Teilung nach rõmischem Recht, Archiv für die civilistische Praxis, 103, 377 s„ nota 97). cessão qualitativa

A cessão restrita ou qualitativa é classe, de que a cessão de encaixe (Inkassozession), a cessão de segurança e outras formas são subespécies. Uma delas é a cessão quieta (stille Zession), pela qual se pré-exclui a exigência pelo cessionário para evitar abalo no crédito do cedente (JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 1 8 8 ) . Ê de repelir-se a teoria que, devido a tais alterações à eficácia normal da cessão de crédito, a tem por nula. Também se permite a cessão plural de créditos, concebida como cessão de máximo (Maximalzession), pela qual se transmitem créditos como total, ou em globo, até certa quantia, com escolha pelo devedor (transmissão de gênero de crédito ou de gênero restrito, ou de objeto alternativo). O crédito que passa ao cessionário é o mesmo crédito, a que apenas se mudou o sujeito. As pretensões que já existiam transferem-se; bem assim, as ações. Não há pensar-se em pretensões e ações que se moldaram pelas do credor anterior (cf. R . STAMMLER, Das Recht der Schuldverhãltnisse, 2 0 3 ; R . Das Rechs- Unfallversickerungsrecht, 1 , 1 4 7 ; C . E . RIESEMFELD, Das besondere Haftpflichtrecht der deutschen Arbeitsversicherungsgesetze, 94; ERICH MICHELSEN, Der Forderungsübergang kraft Gesetzes [cessio legis] in historischer unddogmatischerDarstellung, 41), nem, tão-pouco, em ficção (R. STAMMLER, Das Recht der Schuldverhãltnisse, 2 0 3 ; F. SCHOLLMEYER, Der gesetzliche Eintritt in die Rechte des Glãubigers, 2 9 ; cf. A. ESSLEN, Der gesetzliche Übergang von Forderungsrechten, 111 s.).

PILOTY,

A pretensão futura pode ser cedida. Bem assim, a ação futura. Podem ser cedidas todas as pretensões contra determinada pessoa, como as que nasçam contra possuidor atual, ou quaisquer possuidores futuros. Porém não a pretensão futura que nasça de crime ou contravenção penal, salvo

se em contrato de seguro. Surge, então, delicada questão: se A cede a B as ações futuras contra o possuidor atual, mas, após a cessão, A adquire a posse, ipode B ir contra A ? Negaram-no R. VON JHEUING (ííbertragung der rei vindicatio

auf Nichteigentümer, Jahrbücher für die Dogmatik

110), A . EXNER (Die Lehre

vom Rechtseriverb

G . A . LEIST (Die Sicherung

von Forderung

durch Tradition, durch

übereignung

f

193 s.) e von

Mo-

s.); afirmaram-no O . BÂHR (Zur Cessionslehre, Jahrbücherfür die Dogmatik, I, 444), H. DERNBURG (Pandekten, I, 7.a ed, 524) e outros. Dubitativo, B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 337, nota 5, depois da 5.a ed, e. g., 9.A ed, 396; antes pensava afirmativamente). A questão tem de ser posta, hoje, em têrmos precisos e de ser respondida com atenção a ser a posse poder fáctico. Assim, a) se o cedente adquiriu a posse que tinha quem dera ensejo às pretensões cedidas, não está livre de contra êle ir o cessionário; b) se o cedente adquire originàriamente a posse, ou de outrem que não a adquirira do possuidor que dera ensejo às pretensões, o cessionário não pode ir contra êle; c) se a cessão foi para que o cessionário não fôsse molestado pela posse de outrem, por lhe interessar que o proprietário a tivesse, ou êsse interêsse está satisfeito, e não se compreende que vá contra o proprietário, que obteve a posse, o cessionário, ou o proprietário não procede como fora de esperar-se, e pode ir contra êle o cessionário como contra qualquer possuiçlor. biiien,

29

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.822. B - Doutrina A cessão de crédito é contrato translativo de direitos (SAVATIER, René. La théorie des obligations en droitprivé économique, 4. ed. Paris: Dalloz, 1979. n. 267, p. 321) e se consubstancia, ao mesmo tempo, na aquisição (pelo cessionário) e na perda (pelo cedente) do direito cedido, no que toca ao seu titular. Não é contrato real (dinglicher Vertrag) [Gierke. Deuts. Privatrecht, v. III (Schuldrecht), § 180, II, 2, c, p. 186], mas contrato abstrato [Karl Larenz. Schr 114 § 34, I, p. 579], "que independe da causa subjacente ou sobrejacente para que se o tenha como existente, válido e eficaz. Por isso é que, para sua validade, é irrelevante analisar-se o negócio que lhe antecedeu. Ainda que esse seja nulo, é válida a cessão. Essa circunstância é importante para o significado de autonomia da cessão relativamente ao negócio anterior. Quando a cessão é realizada sob condição, o negócio jurídico torna-se causai" (Carl Crome. Die Abfindungscession, FG Krüger, p. 199 et seq.). Sendo o crédito um bem patrimonial, o credor pode, como relativamente a outros

§ 2.823. CEDIBILIDADE E INCEDIBILIDADE DOS CRÉDITOS • 355

bens, transmiti-lo por um contrato translativo de direitos. A cessão é uma forma de alienação, porque a alienação (alienatio) é a "transferência de um direito a outrem, por ato volitivo do titular" (ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. Teoria geral das relações jurídicas de obrigação. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1944. vol. II, 1.1, p. 232) e a cessão tem esse caráter duplo, de perda e de aquisição de um direito, no que toca ao seu titular. É uma forma de sucessão da titularidade de uma relação obrigacional. Sobre a cessão de créditos tributários e sua natureza jurídica, v. NERY, Nelson. Soluções práticas de direito. São Paulo: Ed. RT, 2010. vol. 2, n. 6, p. 237-240. A titularidade ativa da relação creditícia por ele vivenciada a outrem (cessionário), se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor.

§ 2.822. C - Jurisprudência Cessão gratuita e onerosa. A cessão de crédito pode ocorrer a título oneroso ou gratuito, não havendo necessidade do prévio consentimento do devedor, embora deva ele ser dela notificado da sua ocorr6encai para que produza plenos efeitos em relação a ele (STJ, REsp 1.141.877/MG, 3. a T„ j. 20.03.2012, v.u., rei. Min. Paulo'de Tarso Sanseverino, DJe 27.03.2012).-

§ 2.823. C E D I B I L I D A D E E I N C E D I B I L I D A D E D O S C R É D I T O S

1. CONTEÚDO DO ART. 1.065 DO CÓDIGO CIVIL. - Princípio geral é o de que os créditos são cedíveis: "O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza, da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor" (Código Civil, art. 1.065). Em virtude do art. 1.078, também as pretensões reais e os direitos que não são créditos. O que se cede é o crédito, não a relação jurídica, e apenas se há de entender que se inseriu) cessionário, na mesma relação jurídica, em lugar do cedente, que não só a lei pode estabelecer (cp. H. SIBER, em G. PLANCK, kommentar, 13,1, 555 s.); a própria eficácia, após a notificação, é eficácia do que se cedeu, e pois resultante da inserção ia relação jurídica (cp. H. DEMELIUS, Vertragsübernahme, herings Jahrbücher, 7 2 , 241 s.; como dissemos, A . VON TUHR. Der Allgemeine Teil, I, 220). A lei permite que a transferência e dê, com a

substituição do credor. A cessão dos créditos futuros apenas exige que se haja caracterizado o que se cede, isto é, que ao nascer o crédito, e saiba, ao certo, qual será o

crédito cedido. O que é preciso que não se precise de concretização quanto ao crédito cedido, pôsto o crédito cedido possa ser correspondente a dívida genérica. É da mais alta importância a distinção. No momento em que ao cedente nasce o crédito traspassa-se ao cessionário, mas eficácia em relação ao devedor está sujeita à regra jurídica o art. 1.069 do Código Civil bem assim, em relação a terceiros, do art. 1.067, infine. O cessionário adquire o crédito como sucessor do cedente, não diretamente (SCHUMMAN, Die Fonhrungsabtrctuna im deutschen,franzõsischen und englischen Recht, 109; H. RÜHL, Eigentumsvorbehaltung und Abzahlungsgeschaft, 46; cfr. FR. LEONHARD, Allgemeines Schuldrecht, 656; A. VON TUHR, Der Allgemeine Teil, II, 362).

Pode-se ceder todo o lado ativo da relação jurídica (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9.a ed., 390, nota 13, e 415, nota 4), ou só o direito, a pretensão, a ação, ou exceção, cedível, que se aponta como objeto (CHR. F. MÜHLENBRUCH, Die Lehre von der Cession der Forderungsrechte,

3. a ed., 310

s.). Assim, quando dizemos que se cedeu o crédito, o que se cedeu foi tôda a eficácia do negócio jurídico, ou do ato-fato jurídico, ou do fato jurídico stricto sensu, lícito ou ilícito.

Sempre que o crédito não é a única e tôda a relação jurídica que se irradia, há relação jurídica antes dela, conceptualmente, de que se originam créditos e, pois, relações jurídicas. Então, é necessário frisar-se a diferença entre a relação jurídica fundamental e as relações jurídicas de crédito (e portanto de pretensões, ações e exceções) que derivam daquela. Os créditos a que correspondem obrigações naturais e aquêles a que não correspondem pretensões, ou ações, ou a que foi encoberta a eficácia (dívidas prescritas), podem ser cedidos. Não seria possível, no tocante a pretensões que não existem, cederem-se as pretensões, porém nada obsta a que se ceda o crédito. Quanto às pretensões prescritas e às ações prescritas, existem, e podem ser cedidas. O que não seria possível seria o mandatum agendi. Sem razão, ainda no direito comum, H . A. SCHWANERT (Die Naturalobligationeii, 176 s.) e A. SCHMID (Die Grundlehren

der Cession, I, 54 s.).

Na jurisprudência está assente quanto à cedibilidade dos créditos a têrmo ou sob condição (6.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de agosto de 1948, R. dos T., 176, 307). 2 . ÓBICES A CESSÃO DE CRÉDITO. - O

à natureza da obrigação,

à cedibilidade.

art.

à lei e à convenção

1.065

do Código Civil refere-se

com o devedor, como óbices

A natureza da obrigação impede a cessão se, admitido que se cedesse o crédito, se lhe alteraria o conteúdo. Exemplos de vedação legal da cessão têm-se na Constituição de 1946, arts. 155, parágrafo único, e 160. Há prestações a que por sua natureza não é indiferente quem seja o credor. Os exemplos mais relevantes são o contrato de locação de serviços, o de mandato e gestão de negócios (e. g., gerência) e, de regra, o de locação de coisa. Daí os arts. 1.232, l. a parte (ius cogens), 1.201, parágrafo único (ius dispositivum), 1.300 (ius dispositivum). Idem, prestações derivadas de pré-contratos, sempre que está em causa o empréstimo ou outro negócio jurídico em que a pessoa do credor seja de importância para o devedor (e. g,, locação de serviços ou de coisa). Em todo caso, a regra jurídica, não escrita, é

dispositiva.

3. CONTEÚDO INALTERÁVEL DO CRÉDITO E INCEDIBILIDADE. - Os créditos que, satisfeitos a outrem, e não ao credor primitivo, seriam atingidos em seu conteúdo, não podem ser cedidos. Tal ocorre às prestações de alimentos, às pretensões a receber empréstimo, porque a consideração da pessoa do mutuário ;ou do comodatário entra por muito (aliter, se apenas se trata de cessão da pretensão à entrega da quantidade mutuada), à prestação de locação de prédio, que somente é transferível por cláusula expressa (ainda que possível a sublocação, Código Civil, art. 1.201). A pretensão da emprêsa jornalística à prestação de serviços do redator político não pode ser cedida ao adquirente da emprêsa se há, com isso, mudança de política partidária (O. WARNEYER, Kommentar, I, 688). Tão-pouco é cedível a pretensão à inserção de anúncios ou reclames (A. EBNER, Zwei konkursrechtliche Fragen aus dem Anzeigenrecht, Leipziger

Zedtschrift,

VI, 5 4 s.).

As quotas ou as ações em sociedades de navegação de cabotagem para transportes de mercadorias não podem ser cedidas a estrangeiros, bem assim as quotas ou as ações de sociedades de armadores que façam o mesmo comércio (Constituição de 1946, art. 155, parágrafo único). Também as quotas e ações de emprêsas jornalísticas e de radiodifusão (Constituição de 1946, art. 160). Aqui é a lei que obsta à cessão. 4. QUALIDADE DO CREDOR E INCEDIBILIDADE. - A incedibilidade pode provir- de qualidade do credor, ou a qualidade do credor ser ligada. A pretensão entre sócios a liquidação

e divisão

(Auseinandersetzungsanspruch)

pode ser cedida. A pretensão do garante a liberar-se (e. g., Código Civil, arts. 985, II, e 1.495) e outras semelhantes não são cessíveis, salvo, quanto A do garante, ao credor garantido (FLECHTHEIM, Das Absonderungsrecht des

"Dritten" im Konkurse des Haftpflichtversicherungsnehmers, Leipziger Zeitschrift, TI, 8 1 4 ; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 5 5 9 ; sem razão, HANS REICHEL, B G B . § 329, Leipziger

Zeitschrift,

V. 406).

5. INCEDIBILIDADE POR LIGAÇÃO A DETERMINADA COISA. - A intransferibilidade do crédito pode originar-se de relação com determinada coisa. Por exemplo: a prestação de gás e luz elétrica, porque só destinada a determinado espaço e não pode ser desviada para outro (O. WARNEYER, Kommentar, I, 689); a pretensão por futura reparação se o vizinho, não proprietário, prometeu abstenção ou ato positivo concernente ao uso do prédio. 6. OUTRAS ESPÉCIES. - Se a prestação é indivisível, não há pensar-se em cessão de crédito quanto a parte da pretensão. Se é divisível e se acordou em que o credor tem de receber o todo, ou parte (Código Civil, art. 889, in fine), a pretensão é cessível e é de admitir a partilha da pretensão entre comuneiros por meio de cessão, (HANS REICHEL, Die Schuldmitübemahme, 4 5 9 ; J. BINDER, Die Korrealobligationen, und Schuldbeitritt,

5 9 2 ; W. WESTERKAMP,

Bürgschaft

310).

O direito oriundo de oferta de contrato ainda não é crédito; não pode ser cedido ( O . WARNEYER, Kommentar, I, 689). Todavia, pode a oferta prever a cessão (de direito,^Código Civil, art. 1.078) e, aí, o direito é cedível. Idem, se de uso no tráfico. Os créditos litigiosos podem ser cedidos. Apenas a cessão é ineficaz com relação ao litigante ou litigantes contrários. De modo que o demandado pode ser condenado, se o cessionário também vai contra êle. Na ação em que se fêz litigioso o crédito cedido apóia litispendência, o cessionário pode ser admitido como assistente equiparado ao litisconsorte, ao lado do cedente. A sentença tem eficácia de coisa julgada contra o cedente e contra o cessionário, que é sucessor. Os direitos que apenas se destinam a acompanhar outra relação jurídica (= não têm outra significação independente, - são dependentes ou resultantes), somente podem ser transferidos com os direitos a que se prendem. Por exemplo: os direitos reais de garantia, as pretensões a prestação de contas e a comunicações e avisos. Não assim se, a despeito de sua procedência, têm valor patrimonial próprio, cómo as pretensões de juros e as pretensões oriundas de penas convencionais. 7. INCENDIBILIDADE LEGAL.

lei expressa e demos exemplos.

- Já falamos da incedibilidade oriunda de

O crédito absolutamente impenhorável é, de regra, crédito incedível (Código de Processo Civil, art. 941): os bens inalienáveis por fôrça de lei (art. 942,1) e os gravados de inalienabilidade; os vencimentos dos magistrados, professores e funcionários públicos, o soldo dos militares, os salários e soldadas, salvo para pagamento de alimentos à mulher ou aos filhos, se o credor foi condenado a prestá-los (art. 942, VII); as pensões, tenças e montepios, percebidos dos cofres públicos, de estabelecimentos de previdência, ou provenientes de liberalidade de terceiro, e destinados ao sustento do credor ou da família (art. 942, V I I I ) ; a prestação do seguro de vida (art. 942, XIV); os rendimentos de bens inalienáveis destinados ao sustento de incapazes, mulheres viúvas ou solteiras (art. 943,1). Se o crédito é incessível por ser impenhorável, mas só o é em parte, pode ceder-se o que escapa à impenhorabilidade (L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers

Kommentar,

II, 4 5 7 ; G . PLANCK, Kommentar,

II, 1, 5 6 3 ) .

8. "PACTUM DE NON CEDENDO". - A cessão pode ser pré-excluída pelo cedente, ou pelo credor cessionário, em convenção com o devedor. A convenção entre o cedente e o cessionário só teiil eficácia pessoal. O assunto merece trato especial.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.823. A - Legislação Nos arts. 286 a 298 do CC/2002 está prevista a cessão de crédito.

§ 2.823. B - Doutrina Se as partes celebrarem negócio de cessão, dar-se-á o que a doutrina denomina de alteração subjetiva da relação obrigacional. Na cessão de crédito opera-se a transferência do crédito a terceiro, a título oneroso ou gratuito (art. 286 do CC/2002), mas não se opera a transferência de direitos formativos, como o direito de resolver o negócio, salvo na hipótese do art. 294 do CC/2002 (ROSADO DE AGUIAR, Ruy. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003. p. 208). Isto porque são incedíveis os direitos de formação: o de escolha na obrigação alternativa; o de notificar, denunciar, resilir, anular um negócio. Assim têm decidido nossos tribunais: ao simples cessionário não é facultado o direito de remir, direito que, por sua índole, não é suscetível de cessão (RF73/108).

§ 2.824. " P A C T U M D E N O N C E D E N D O " 1. "CONVENÇÃO COM O DEVEDOR" (CÓDIGO CIVIL, ART. 1.065, "IN FINE").

- A cedibilidade pode ser pré-eliminada pelos contraentes; ou pelo devedor em virtude de negócio jurídico unilateral. A incedibilidade pode ser restrita; e. g., se se estabelece que somente pode haver cessão com o assentimento do devedor, ou somente a determinada pessoa, ou a determinadas pessoas, ou com observância de certas regras sôbre forma (G. PLANCK, Kommentar,

II, 1, 5 6 2 ) .

O devedor não pode impedir que o credor ceda o crédito. Todavia, pode o devedor pactuar de non cedendo. Não importa qual o motivo que sugeriu ao devedor estipular a incedibilidade do crédito. A incedibilidade pode ser restrita no tempo (não pode o credor ceder no primeiro ano, ou até 31 de dezembro de 1959), inclusive por meio de condição (e. g., se o credor assinar a escritura de transmissão da propriedade do prédio a). A ineficácia da cessão de crédito se houve infração da incedibilidade oriunda de negócio jurídico é erga omnes, se houve registo, ou se o pacto consta do negócio jurídico de que resulta o crédito e a cessão tem de ser com o conhecimento do instrumento do negócio jurídico. Sempre que a eficácia é erga omnes, entendem-se incluídos os credores do cedente. A ratificação pelo devedo:- eficaciza a cessão de crédito com infração da incedibilidade de origem negociai. Se a cessão foi pré-excluída em convenção entre o credor e terceiro, a eficácia de tal pré-exclusão é só pessoal, de modo que não se torna incessível o crédito. Mas a convenção entre o devedor e o credor, anterior, simultânea ou posterior ao contrato, estabelece a incedibilidade, o que significa atribuir-se qualidade objetiva ao crédito (BRÜCKMANN, Bedeutung-und Tragweite des Abtretungsverbots aus § 399 BGB., Seufferts 7 1 , 4 3 7 s.; L . RAAPE, D a s gesetzliche s.; H . KAUFMANN, Das Eigentum

Verãusserungsverbot

am Gesellschaftsvermogen,

Blãtter,

des BGB.,

171

40).

O pactum de non cedendo pode referir-se a dívida futura, ou a dívida a têrmo ou condicional ( O . WARNEYER, Kommentar, I. 6 9 0 ) . O fiador pode convencionar com o credor ou com o credor e o devedor a incedibilidade do crédito; só na última espécie o crédito se torna objetivamente incessível (cf. P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 311). O crédito não pode ser cedido se foi pré-excluída, pelo devedor, a cessão, em acôrdo com o credor, ou vice-versa (ali, o devedor ofertou a pré-exclusão; aqui, o credor, mas os acordos de pré-exclusão não apresen-

tam, uma vez concluídos, qualquer diferença). A cessão pode ter parecido incômoda, ou desagradável, ou inoportuna, para qualquer dos figurantes, mais freqüentemente para o credor. O acordo pode anteceder ou suceder à constituição do crédito. O crédito fica privado

de cedibilidade,

e m vez d e

apenas ser obrigado o credor a não ceder. É o que resulta das palavras do art. 1.065, infine, do Código Civil. A cessão contra o que foi convencionado não tem eficácia, em relação a todos, inclusive os credores do cedente. Não se trata de simples proibição de alienar, mas sim de inalienabilidade do direito, estabelecida por acordo do devedor e do credor (e não de pacto de ineficácia relativa, isto é, só em relação ao devedor, WÜNSCHMAKN, Vom pactum

de non cedendo,

Gruchots

Beitrãge,

54, 2 2 2 s. e 2 0 5 ; n e m

simples obrigação que o credor assumiu, como queriam L. Lehrbuch,

REHBEIN, Das Bürgerliche

Gesetzbuch,

14. A

Kommentar,

II, 1, 563), H. KAUFMANN (Das Eigentum

ed,

417). A

311 s , H.

II, 388, cf. PALANDT,

Gesetzbuch, vermõgen,

EVNECCERUS,

II, 267, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

opinião certa está em H .

40) e L. RAAPE (Das gesetzliche

Bürgerliches

SIBER ( G . PLANCK,

am

Gesellschafts-

Veraausserungsverbot,

171).

Se o devedor aprova a cessão feita coín infração do art. 1.065, in fine, passa a ser eficaz, por analogia do art. 1.343 do Código Civil (H. KRESS, Lehrbuch des Schuldrechts,

des Allgemeinen

Schuldrechts,

5 0 1 ; PH. HECK,

197; H . SIBER, e m G . PLANCK, Kommentar,

OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse,

Grundriss

Et, 1, 562; P

311; F SCHOLLMEYER, Recht

der

Schuldverhãltnisse, 365), salvo se a incedibilidade foi preestabelecida a favor de terceiro. 2. FORMA DA CLÁUSULA OU DO PACTO DE MÃO CEDER. -

A cláusula de não ceder tem de ter a forma do negócio jurídico em que se insere. Ao pacto anterior ou posterior é de exigir-se a forma do negócio jurídico de que vai fazer parte, se a lei impôs aquela forma ao negócio jurídico (diferente na doutrina alemã, onde ao pacto posterior não se exige a mesma forma, cf. G. P L A N C K , Kommentar,

II, 1, 562, o q u e é d e repelir-se, de lege

ferenda).

Todavia, o pacto sem a devida forma tem efeito obrigacional entre devedor e credor. A cessão que não obedeceu à forma que seria a sua (e não foi estabelecido com o devedor o emprêgo da outra forma de que se usou) é ineficaz em relação ao credor. Será nula se a forma foi imposta por lei à própria cessão. A cedibilidade pode exsurgir tàcitamente.

A destinação de prestação do seguro contra fogo a reconstrução -exclui que se possa ceder a outrem que o reconstrutor.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.824. A - Legislação A regra estampada na primeira parte do art. 286 do CC/2002 repete o texto do art. 1.065 do CC/1916 e celebra o princípio de que, em regra, todo crédito é suscetível de cessão. Ou seja: a cedibilidade é a regra, e a incedibilidade, a exceção.

§ 2.824. B - Doutrina A incedibilidade significa a impossibilidade legal, de iure e de facto, de determinado direito ou bem poder ser objeto de cessão. Entram nessa categoria os bens fora do comércio, os bens impenhoráveis bem como os intransmissíveis (e. g., crédito de alimentos). O direito alemão é expresso ao não permitir a cessão de bens que não possam ser penhorados (BGB § 400). Neste sentido: ROHE, M a t h i a s . Kommentar

zum Bürgerlichen

Gesetzbuch.

2. e d . Heinz Georg

Bamberger e Herbert Roth (coords.). München: Verlag C.H.Beck, 2007. vol. 1. c o m e n t . B G B § 4 0 0 , p. 1 7 7 6 s s . ; ROTH, G ü n t e r H. Münchener

Kommentar

zum

Bürgerlichen Gesetzbuch. 5. ed. KRUGER, Wolfgang (coord.). München: Verlag C.H.Beck, 2007. vol. 2 (Schuldrecht - Allgemeiner Teil), coment. BGB § 400, p. 2516 ss. O fundamento da incedibilidade é a impossibilidade de esses bens e direitos serem alienados ou onerados pelo cedente. Se não os pode alienar ou onerar, não os pode ceder, porque a cessão é espécie de alienação, quer dizer, de transferência de titularidade, de translação de propriedade. A incedibilidade do crédito pode decorrer da natureza do vínculo obrigacional de que ele deriva, da lei ou de convenção celebrada entre as partes, quais sejam, credor e devedor (,pactum de non

cedendo).

§ 2.824. C - Jurisprudência Direito de remição. Cessão. Inadmissibilidade. Ao simples cessionário não é facultado o direito de remir, direito que, por sua índole, não é suscetível de cessão, e cabe somente ao executado ou a sua mulher, ascendentes e descendentes (RF 73/108).

§ 2.825. INFRAÇÃO DA PROIBIÇÃO DE CEDER 1. QUESTÃO PRÉVIA. - A questão prévia a respeito da infração da proibição de ceder é a da sanção, {A cessão de crédito que se fêz sem poder ser feita é nula ou só ineficaz ?

Na doutrina, houve mais divergências do que discussão científica. Por outro lado, o problema de lege lata há de ser pôsto desde o início, para que se não perca demasiado tempo com indagações a priori. De legeferenda, a solução não pode ser uma só. A infração da proibição por lei haveria de ser tratada como causa de nulidade, e não só como de ineficácia. A infração da proibição negociai mereceria a sanção menor de ineficácia. De lege lata, o Código Civil, no art. 145, II, considera causa de nulidade o ser ilícito ou impossível o objeto do negócio jurídico. A alienação dos bens inalienáveis é nula. 2. EFICÁCIA DA INCEDIBILIDADE. -

Se O crédito é incedível porque a cessão seria contra a natureza da obrigação, ou contra a lei, a eficácia é erga omnes. Se a-incedibilidade resulta d e cláusula

o u pactum

de non

cedendo,

têm-se de distinguir as espécies: a) se se trata de cláusula, quem conhece o negócio jurídico em que se insere a cláusula conhece a cláusula; b) se é de pacto que se cogita, é preciso que se possa ter por assente que conhece o pacto quem conhece o negócio jurídico, porque não se poderia exigir que o terceiro, a quem se apresenta, por exemplo, o instrumento do contrato, conheça o pacto anterior, simultâneo ou posterior que não faz parte, materialmente, do contrato.

Se a incedibilidade proveio de convenção entre credor e devedor e houve infração com o fato de o credor ceder o crédito, o assentimento do devedor eficaciza a cessão, se o fito da proibição era apenas o de proteger o devedor (L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar, II, 456; BRÜCKMANN, Bedeutung und Tragweite des Abtretungsverbots aus § 399 BGB., Seufferts Blãtter, 71, 4 3 8 ; L . ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 2 6 7 ; cp. WÜNSCHMANN, V o m pactum de non cedendo, Gruchots Beitrãge, 54, 2 2 2 s.);

sem prejuízo, entenda-se, dos direitos de terceiro. Subsiste, por exemplo, a penhora feita pelos credores do cedente antes do assentimento do devedor (O. WARNEYER, Kommentar, 1,690; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, nota 21; sem razão, WÜNSCHMANN. Vom pactum de non cedendo, Beitrãge, 5 4 , 2 0 9 ) .

11,267, Gruchots

3 . ELIMINABILIDADE DA INCEDIBILIDADE. - Salvo quando a lei cogente faz incedível o crédito, podem os interessados fazê-lo cedível. As circunstâncias podem vir a tornar admissível a cessão, mas, para que isso se dê é preciso que se possa interpretar que os interessados assim entenderiam (O. WARNEYER, Kommentar,

I, 6 8 9 ) .

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.825. B - Doutrina O Código Civil inova na segunda parte do artigo, para proibir a eficácia convencional da incedibilidade do crédito em face de cessionário de boa-fé. Prescreve, com acerto, que a proibição, para surtir efeitos obstativos de direitos contra o cessionário de boa-fé, deve constar do mesmo instrumento constitutivo da obrigação (PONTES DE MIRANDA. Fontes evolução do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Pimenta de Melo & C, 1928. p. 265-266). Sobre cessão de crédito bancário, v. NERY, Nelson. Soluções práticas de direito. São Paulo: Ed. RT. 2010. vol. 3, n. 6, p. 247-274; sobre cessão de direitos decorrentes de contrato de honorários advocatícios, v. NERY, Nelson. Soluções práticas de direito. São Paulo: Ed. RT, 2010. vol. 4, n. 1, p. 26-31.

§ 2.826. C E S S Ã O F I D U C I Á R I A D E D I R E I T O S 1. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITO E TRANSFERÊNCIA FIDUCIÁRIA DA PRO-

- A transmissão fiduciária pode ser entre vivos e a causa de morte. Os princípios são os mesmos, exceto no que influi o art. 1.572 do Código Civil (saisina).

PRIEDADE.

Conforme o direito que se transfere fiduciàriamente, ou há cessão de direito

o u transferência

da propriedade,

o u de direito

real limitado

(e. g.,

do direito enfitêutico). Há, portanto, duas espécies de transferências fiduciárias: a cessão fiduciária e a transferência da propriedade, dando ensejo à titularidade fiduciária do direito pessoal, ou à titularidade fiduciária do direito real. A transferência fiduciária, por cessão ou por transferência da propriedade, só o é porque fica sujeita a fim, que não é o da transmissão mesma

e implica a reversão ipso iure, ou o dever do fiduciário de retrotransmitix. Uma das espécies é a transferência

fiduciária

para

segurança.

Tem-se discutido se é preciso, ou não, legislar-se especialmente sôbre os n e g ó c i o s jurídicos fiduciários, ainda em se tratando de negócios de crédito internacionais (ERNST WINCKLER, Empfiehlt sich eine gesetzliche ReCRGLUNG des Treuhãnderverháltnisses?, Deutsche Juristen-Zeitung, 36,1135 s.). Há conveniência em se pôr em regras jurídicas escritas o que a doutrina assentou, mas a discussão oriunda de países em que ainda não se chegou à precisão dos princípios pode prejudicar, de muito, a obra legislativa. 2. CONSTITUIÇÃO E EFICÁCIA DA CESSÃO FIDUCIÁRIA. - A cessão

fiduciária

é espécie de transmissão fiduciária, como o é a transferência fiduciária da propriedade. Ao cedente, como ao transferente da propriedade fiduciária, fica direito contra o cessionário, ainda em caso de concurso ou de falência, se não se trata de cessão de segurança, isto é, cessão pela qual se transfere ao cessionário o crédito para se pagar, se não fôr até certo têrmo ou condição solvida alguma dívida. A cessão- de segurança não pode ser revogada; não assim, a que se faz somente no interêsse do cedente (cessão para cobrança, em que a transferência apenas serve à outorga do poder de cobrança). A cessão para cobrança contém cessão (transferência de crédito) e outorga de poder de cobrar, de modo que deixa de ser com causa a transferência desde o momento em que se extingue, ainda em virtude de revogação, o poder outorgado. Revogada a outorga do poder, fica sem causa a aquisição da propriedade pelo cessionário, podendo o cedente exigir restituição (retrotransferência). O devedor, devido à natureza abstrata da cessão, somente pode deixar de pagar ao cessionário, se, ao ser notificado da cessão, ou ao dar-se por ciente, lhe foi comunicada a fidúcia (cf. Código Civil, art. 1 . 0 6 9 ) . A cessão fiduciária para segurança opera-se como as demais cessões de crédito, desde que se contrai, ainda que se não haja notificado o devedor, ou êsse dela não tenha ciência. O art. 1.069 só se refere à eficácia, não à existência ou à validade da cessão, a despeito do "não vale" que aí se pôs, por incúria legis. Por isso, os comerciantes e industriais podem e costumam descontar nos bancos e casas bancárias, ou com particulares, os créditos contabilizados, cedendo-os fiduciàriamente para segurança dos seus empréstimos sem terem de notificar o devedor (cf. H. HOENIGER. Die Diskontiemng

von Buchforderungen,

8 s.).

3. CESSÃO FIDUCIÁRIA PARA SEGURANÇA. - Na cessão fiduciária de segurança, o cessionário pode cobrar o crédito quando já exigível, no seu interesse (pois que foi garantido com a cessão) e no do credor cedente, que se libera e tem direito a receber o excesso sôbre o seu débito. Por onde se vê que, ao se tornar exigível o crédito cedido, tem o cessionário autorização de cobrar. L . ENNECCERUS e H . LEHMANN ( L e h r b u c h , II, 31. A -35. A ed., 5 2 6 nota 6) viram nesse plus mandato, e não autorização (Ermáchtigimgy, mas sem razão, porque, se a exigibilidade da dívida do cedente foi anterior à do crédito cedido, não se pode pensar em ter havido mandato, que é negócio jurídico bilateral, e o cessionário não pensara nisso.

A respeito da cessão fiduciária para segurança, só há retrotransferência ipso iure (reversão automática, como se dá com a propriedade imobiliária resolúvel), se a cessão fiduciária foi sob a condição resolutiva de ser solvida a dívida pelo cedente. A opinião de L . ENNECCERUS, nas edições até a 30.a ed. do Lehrbuch (§ 80, IV), entendia que, ainda aí, ao cedente somente nascia exceptio doli contra o cessionário se êsse exigia o crédito, a despeito de se ter extinguido a dívida. Contra isso, há argumentos decisivos: nem sempre há má fé, dolo, do cessionário; não é'contrária aos princípios a resolução ipso iure, isto é, com a reversão automática, pois é o que se passa em casos similares (quanto ao penhor, Código Civil, art. 802, I; quanto à hipoteca, art. ; 849,1). Como determinação inexa à cessão fiduciária para segurança, está o ato-fato jurídico do pagamento: se o cedente paga, resolve-se a cessão, e d á - s e a r e v e r s ã o ipso iure, o ipso-iure

Riickfall.

cessão fiduciária para cobrança tem por baixo a outorga de poder e normalmente não se tem de retrotransferir o crédito, porque, com o recebimento, o cessionário se torna do que recebeu devedor ao cedente. Não é o mesmo entregar-se somente para cobrança, como se há outorga de poder de receber, sem ser de mandato; porque, aí, verdadeiramente, não há cessão: o crédito continua sendo do outorgante; tudo se passa no interêsse dêsse, de modo que o devedor pode compensar contra o crédito, que se cobra, crédito contra o outorgante, ainda que posterior à outorga; e não pode compensar contra o crédito, que se cobra, o crédito contra o outorgado. Tal outorgado não pode ceder o crédito: não é o credor. Nem o remitir: não é o credor. O outorgante pode revogar a outorga, salvo pacto em contrário. Mas tal revogação tem de ser notificada, ou ser c o n h e c i d a pelo 4 . CESSÃO FIDUCIÁRIA DE CRÉDITO PARA COBRANÇA. - A

devedor, para que seja eficaz em relação a êle (analogia com o art. 1.318 do Código Civil). 5. CESSÃO FIDUCIÁRIA E AUTORIZAÇÃO. - Havendo, no sistema jurídico, a figura do mandato, é útil a figura da outorga de poder, da "autorização", da Ermãchtigungl A autorização é declaração unilateral. Se se insere cláusula de ser aceita pelo outorgado, tal cláusula é condição e só diz respeito à eficácia, não à composição do negócio jurídico (cf. Tomo m , § 278, 2). O mandato é contrato. Com a autorização, o outorgado está investido de poder; de tal jeito que pode alienar o que é do outorgante, ou cobrar ao devedor o crédito do outorgante, em seu próprio nome. O devedor tem de pagar ao outorgado, porque o outorgado tem o poder de cobrar e receber, sem que possa objetar, como não poderia se se tratasse de mandato. Para o devedor, é indiferente que o poder de quem lhe cobra a dívida ao outorgante tenha emanado de negócio jurídico bilateral ou de negócio jurídico unilateral: a sua posição é a mesma; é a mesma, perante o devedor, a de quem cobra. Na cessão plena, fiduciária ou não, há transmissão do crédito; no mandato e na autorização, só se outorga o poder concernente ao crédito (e. g., cobrar). A diferença é a mesma que entre transferir a propriedade, fiduciàriamente ou não, e dar poder de cortar as árvores, jogar fora as frutas imprestáveis, entregar as chaves ao inquilino, levar ao conhecimento da polícia que os ladrões roubaram gado. É preciso limpar-se a doutrina de alguns conceitos errados de autorização, de cessão e de mandato. Tratando-se de cobrança, há cessão fiduciária para cobrança, mandato de cobrança e autorização: a cessão fiduciária para cobrança não é, de modo nenhum, outorga oculta de poder de representação, como pareceu ao juiz SCHÕNINGER (Forderungsabtretung zum Zweck des Einzugs [Cession zum Inkasso], Archiv für die civilistische Praxis, 9 6 , 1 6 3 s.), nem outorga irrevogável de poder de cobrança, como pretende H . SIBER ( G . PLANCK, Kommentar, H , 4. A ed., 5 5 1 s.). 6. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE AÇÕES NOMINATIVAS. -

Na prática e na doutrina assenta-se que as ações nominativas podem ser cedidas fiduciàriamente. Escreveu TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE ( S o c i e d a d e s por Ações, I, 1 9 4 ) que não temos a transferência das ações nominativas em garantia. Temos, no entanto: d) a cessão fiduciária das ações nominativas, com a condição de resolutividade, que pode constar do livro de transferências e deve constar se se quer que se opere ipso iure a reversão; b) a cessão fiduciária das

ações nominativas incondicional, com a obrigação, sob condição suspensiva, se algum fato ocorrer (e. g., o pagamento da dívida do fiduciante, se se trata de cessão fiduciária para segurança); c) a autorização para ceder; e d) a procuração para ceder. A forma da autorização e da procuração não precisam de constar do livro da sociedade por ações. Nenhuma base se poderia apontar para que se afirmasse não se ter, no direito brasileiro, a transferência fiduciária das ações nominativas: basta que se tenham satisfeito os pressupostos de forma e de conteúdo da transferência e que haja, a mais, a fidúcia. Por outro lado, não se pode afastar o fideicomisso de ações nominativas, condicional ou a têrmo (Código Civil, arts. 1.733-1.740). 7. TRANSMISSÃO FIDUCIÁRIA DA PROPRIEDADE MÓVEL. - N a

transmissão

fiduciária da propriedade, inclusive de títulos ao portador e de títulos endossáveis, o fiduciário passa a ser dono do bem móvel ou imóvel, mas tem de voltar ao fiduciante a propriedade, ou em virtude de resolução da propriedade ipso iure, ou porque ocorreu a condição suspensiva para o nascimento da obrigação de restituir. O fim que se tem com a fidúcia exprime-se na condição, que se concebe, fazendo resolúvel a propriedade, ou suspensa a obrigação de restituir. Tal fim pode ser o de segurança. A transferência fiduciária de propriedade tanto pode concernir a bens corpóreos quanto a bens incorpóreos suscetíveis de direitos reais. O fiduciário é proprietário em relação a todos, inclusive o fiduciante. Qualquer direito do fiduciante no concurso de credores ou na falência do fiduciário é ligado ao que constitui a fidúcia, e não ao que constitui o direito de propriedade, como, no concurso de credores ou na falência do fiduciante, o fiduciário só tem direito ligado ao que concerne à definitividade da transmissão, afastada a condição resolutiva (e. g., a satisfazer-se com o bem, em caso de transferência fiduciária para segurança). Não se pode dizer que a transferência fiduciária da propriedade seja credor-penhor (GRÜNEBAUM, Die Mobiliarhypothek im Interesse unseres Wiederaufbaues, Deutsche Juristen-Zeitung,

25, 585 s.); nem cabe, no di-

reito brasileiro, que admitiu a propriedade resolúvel, ainda em se tratando de imóveis, arrolarem-se argumentos contra o instituto que, a despeito do que escreveram H . HOENIGER ( D i e Sicherungsübereignung von Warenlagern, 2.A ed., § 3) e MARCK (Zur Konstruktion der Sicherungsübereignung, Deutsche Juristen-Zeitung, 18, 343 s.), se introduziu na doutrina, depois de se haver implantado na prática.

Na transmissão fiduciária, o fiduciário é possuidor em seu próprio nome, não é possuidor imediato, ou mediato, tendo posse própria o fiduciante, êrro de M A R T I N W O L F F ( L e h r b u c h , III, 27.a-32.a ed., 25, nota 1 0 ) que combatemos (X, § 1 . 0 7 1 , 5, e Questões Forenses, IV. 446 s.; com razão, HECKELMANN, § 868 BGB. und die Rechtsprechung des Reichsgerichts zum Sicherungsübertignungsvertrag, Leipziger

Zeitschrift,

IX, 1.429 s.; O.

II, 18). Já escrevemos alhures: A questão tem preliminar, que é a de existir e valer, na espécie, a fidúcia. Tem-se, aí, a figura contrária da reserva de domínio: o domínio vai, e fica ao transmitente, que se fiou no adquirente, apenas a eficácia que se irradia da relação jurídica de direito das obrigações, inclusive, se houve condição resolutiva, o direito à separação da massa concursal, se tem os requisitos de publicidade, e para se embargar de terceiro a execução do bem como do fiduciário. Dir-se-á, que, havendo a relação jurídica de direito das obrigações (administrador, mandatário, credor pignoratício, cobrador, locatário) há de haver posse do fiduciante, e, pois, mediatização dela, pela natureza da relação jurídica entre êle e o fiduciário. Porém a mediatização da posse não depende só de ter posse o que está em relação jurídica de direito das obrigações, ou de outro ramo de direito pessoal, com aquêle de quem na houve, - é de exigir-se que o transmitente também tenha posse. Assim, o problema reduz-se ao de se saber se o fiduciante conserva a posse. Primeiro, o proprietário sem posse pode transmitir fiduciàriamente (e. g,, em fidúcia para garantia ao advogado que vai pedir ou recuperar a posse). Segundo, casos há em que, pela associação com o constituto possessório, o fiduciante fica com a posse, mas posse de possuidor imediato, sendo mediato o fiduciário. Se a transmissão fiduciária nenhum acordo contém sôbre a posse, tôda a posse está com o fiduciário, porque a posse é fato e perante o alter. Assim como o locatário, antes de ter consigo a coisa locada, não é possuidor, assim também o fiduciante, se não fica com algo da posse (e. g., constituto possessório), não é possuidor. Se o fiduciário recebeu a coisa com a obrigação de, após a transmissão, dar a posse ao fiduciante, o fiduciante imediatiza-se e mediatiza-se o fiduciário. Não nos esqueça que a propriedade é direito absoluto, e há a impossibilidade de se tirar, in abstracto, à propriedade todo o direito a posse, sem regra jurídica especial, como a respeito da compra-e-venda com reserva de domínio. WARNEYER,

Kommentar,

A transmissão da propriedade para segurança consiste em o devedor transmitir ao credor a propriedade da coisa, mas convencionando que o credor, solvida a dívida, a restitua. Tal restituição ou se opera ipso iure,

ou é conteúdo de obrigação do fiduciário. No direito romano só havia a transmissão incondicional. A propriedade fiduciária, resolúvel, é de origem germânica (H. B R U N N E R , Forschungen zur Geschichte des 'deutschen undfranzõsischen Rechtes, 620 s.). No direito romano, a fidúcia pura era a fiducia

cum amico

contracta;

a fidúcia i m p u r a , fidúcia cum creditore

con-

tracta, sem que a propriedade fôsse resolúvel. Hoje, tanto na transmissão fiduciária pura quanto na impura, ainda que não se trate dt fiducia cum creditore contracta, pode haver a resolutividade da propriedade. O direito expectativo do fiduciante é, na trasmissão fiduciária da propriedade com reversão ipso iure, direito expectativo à propriedade; na transmissão fiduciária da propriedade sem reversão ipso iure, à restituição (obrigação do fiduciário). Na transmissão fiduciária da propriedade mobiliária, inclusive dos títulos endossáveis e ao portador, para segurança, ou a) se concebe a propriedade sob a condição resolutiva da solução da dívida (paga a dívida, reverte a propriedade, automaticamente), ou b) se concebe incondicionalmente a propriedade, mas ligada à obrigação, para o credor, de retrotransmitir a propriedade, se fôr pago, obrigação que está sujeita, portanto, à condição suspensiva da solução da dívida. Se foi adotada a transmissão fiduciária para segurança com a figura da classe a), ou com a figura da classe b), é questão de interpretação do negócio jurídico.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.826. C - Jurisprudência Substituição do cedente pelo cessionário no polo ativo da execução. A falta de anuência do devedor, relativamente à substituição do polo ativo da execução, do cedente pelo cessionário, não opera o efeito de obstar essa substituição. Isto porque se aplica ao caso o art. 567, II, do CPC, que regula o processo de execução, e não a regra geral do processo de conhecimento, que é incompatível para a espécie (STJ, REsp 588.321/MS, 3.a, j. 04.08.2008, rei. Min. Nancy Andrighi, DJ 05.09.2005). É possível a penhora sobre direitos de bem alienado fiduciariamente, ainda que não se admita a penhora sobre o próprio bem, por não integrar o patrimonio do devedor fiduciante (2.° TACÍvSP, Ag 798690-0/8, 10.a Câm., j. 18.06.2003, v.u., rei. Juiz Soares Levada).

§ 2.827. E F I C Á C I A D A C E S S Ã O D E C R É D I T O

1. INÍCIO DA EFICÁCIA. - A eficácia do contrato de cessão de crédito começa com a própria conclusão. Concluso o contrato, transfere-se o crédito. Credor é o cessionário, desde que ficou perfeito o negócio jurídico bilateral; pois o cedente deixou de ser o titular do direito de crédito. Não era assim no direito comum, a despeito das discussões. A opinião predominante era a de que o crédito só se transferia com a denuntiatio, ou ato que a ela eqüivalesse (e. g., aceitação de pagamentos parciais, propositura de ação). Aliás, era não atender-se à L. 16, pr. D , de pactis, 2, 14, onde ULPIANO fala de exceptio doli contra o outorgado demandante (cp. L. 18, p r . D , depigneraticia

actione vel contra, 1 3 , 7 ) , e à L. 17, D , de

transac-

tinnibus, 2,15. onde se cogita da pretensão do devedor contra o outorgado se, ao tempo do negócio jurídico, não tivera notícia dêle (exceptio transacti negotii debitori propter ignorantiam suam accommodanda est). No direito comum havia três atitudes doutrinárias: a) a dos que entendiam que, após a cessão, inclusive a legal, só o credor cedente é credor, - o cessionário só se faria credor com a notificação "ao devedor, sem se precisar de qualquer tomada de posse, - antes o seu direito é somente contra o credor cedente (B. WINDSCHEID, Die Actio des rõmischen Civilrechts, 140 s , que depois mudou de opinião); b) a dos que viam correalidade ativa entre o cedente e o cessionário, até que se notificasse o devedor ou por outro modo do ato ficasse ciente o devedor (CHR. F. M Ü H L E N B R U C H , Die Lehre von der Cession der Forderungsrechte, 3.a e d , 491 e 501; G. F. P U C H T A , Cession, J. WEISKE, Rechtslexikon, II, 654; A T T E N H O F E R , Die Bedeutung der Denunciation bei der Cession nach heutigem praktischem Recht, Zeitschrift des Bemischen Juristenvereins, 17, 572 s.); c) a dos que têm a cessão, logo que se conclui, por eficaz para a transferência, de modo que o cessionário é o único credor ( O . B Ã H R , Zur Cessionslehre, Jahrbücher für die Dogmatik, I, 369 s.; A. SCHMID, Die Grundlehren der Cession nach rõmischem Recht a dargestellt, II, 296 s.), H. DERNBURG (Pandekten, II, 7. ed, 136 s.), RICHARD RYCK ( D i e Lehre

von den Schuldverhaltnissen,

4 8 7 ) , O . RUER (Die

soge-

nannte cessio legis, 35) e outros. A distinção entre eficácia completa e eficácia subjetivamente relativa ainda era pouco conhecida e superficialmente estudada. O que hoje podemos dizer é que a transferência e outros efeitos ocorrem à conclusão da cessão, porém dependem do conhecimento pelo devedor os efeitos que, se os tivesse antes, lhe seriam lesivos (ineficácia relativa).

No direito contemporâneo, a transferência opera-se, cabalmente. Não há pensar-se em pretensão e ação do cedente contra o devedor para o cumprimento da obrigação. Não é mais credor. Credor é o cessionário. A cessão do crédito oriundo de contrato bilateral é eficaz ainda antes de se fazer a contraprestação. A exceção non adimpleti contractus ou non fite adimpleti contractus pode ser oposta contra o cessionário. O que não há contra êle é ação fundada na obrigação de contraprestar, porque só se lhe transferiu o crédito,

não a

dívida.

Do contrato de cessão de crédito, que é acôrdo de transmissão com eficácia imediata, não exsurgem direitos e obrigações para o cedente e o cessionário, salvo os que resultam do art. 1.073 do Código Civil e de ter de entregar ao cessionário os documentos do crédito cedido e indicações necessárias ao exercício do direito, pretensões e ações e documento da cessão ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, I , 680). Com a cessão, o cessionário adquire o direito de crédito, com as pretensões, ações e exceções que dêle se irradiam. Pode dar-se que o crédito não seja munido de pretensão, ou de ação, ou esteja prescrita. Às vêzes a jurisprudência não atende à concepção do contrato de cessão de crédito, tal como se apresenta no direito civil brasileiro. Perambula pela doutrina estrangeira, sem fixar-se nos textos do Código Civil. Por outro lado, a ignorância da diferença entre existência, validade e eficácia chega a afirmações contristadoras (e. g., o acórdão da 5.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 7 de junho de 1949, R. dos T., 188, 402).

2 . D I R E I T O S ACESSÓRIOS, D I R E I T O S S E C U N D Á R I O S E DIREITOS AUXILIARES.

- Ao concluir-se o contrato de cessão de crédito, transfere-se êsse ao cessionário, que é o nôvo credor. A transferência é com as vantagens e as desvantagens. As expressões "com todos os direitos e privilégios" e outras semelhantes apenas explicitam o que o sistema jurídico determina, implicitamente. "Salvo disposição em contrário", diz o Código Civil, art. 1.066, "na cessão de um crédito se abrangem todos os seus acessórios". (Aqui, a expressão "acessório" tem tôda a propriedade. Aliter, nos arts. 58, 59, 60, 61, 62,213,716, 810, E , e 864.) O art. 1.066 é ius dispositivum, e não cogente. Os direitos acessórios podem ser pré-excluídos da cessão. É o que significa o "Salvo disposição

era contrário". A explicitude do Código Civil, art. 401, foi melhor solução que a lacuna do § 401 do Código Civil alemão; porém também nesse se entende dispositiva a regra jurídica (L. KUHLENBECK, J. V. Staudingers Kommentar, II, 457).

A hipoteca, o penhor e a caução acompanham o credito; bem assim as pretensões que dêles derivam. Para bem se colher o conteúdo do art. 1.066 - que se refere a direitos acessórios, mas devemos entender direitos acessórios e direitos anexos - é preciso que se distingam os direitos auxiliares e os não auxiliares. (a) Os direitos auxiliares (Hilfsrechte) são os que asseguram ou facilitam a realização ou exercício do direito, direitos, êsses, que se transferem, com o crédito cedido, ao cessionário, salvo cláusula em contrário do contrato de cessão de crédito. No direito brasileiro, a hipoteca só se transfere com o crédito que ela garante, pôsto que o crédito possa ser transferido sem se transferir a hipoteca (Tomo XX, § 2.455, 2; aliás, pode haver aquisição da hipoteca sem aquisição do crédito, 3). Diferente o direito alemão. O direito de penhor e as fianças são direitos auxiliares. Se há cessão do crédito, com exclusão do direito de penhor, extingue-se o penhor; entende-se que houve renúncia do credor (Código Civil, art. 802, IH). Quanto à fiança, excluí-la da cessão é extingui-la. A opinião que não admite a exclusão é de repelir-se (e. g., O, WARNEYER, Kommentar, I, 692; com razão, G . PLANCK, Kommentar, II, 1, 565; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 271); outrossim, a que entende continuar o fiador responsável ao cedente pelo pagamento da dívida ao cessionário (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuch, E, 271). Os créditos e pretensões oriundos de penas convencionais são direitos e pretensões auxiliares. Idem, a pretensão à apresentação de contas. Os direitos e pretensões íiduciàriamente transmitidos em garantia do crédito não são simples direitos auxiliares, apesar de serem direitos de garantia, nem o fiduciante pode transmitir o direito, nem há ação do cessionário contra o cedente para haver o que foi dado em fidúcia para segurança (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 2 7 1 , nota 2 0 ; sem razão, O. WARNEYER, Kommentar, 1,693). A propriedade reservada (reserva de domínio) até solução da dívida não se transmite com o crédito ( G . PLANCK, Kommentar, 11,1,564; R . JAFFÉ, Der Eigentumsvorbehalt beim Kauf BGB, § 4 5 5 , 4 6 , 6 4 s.; E. JAEGER, Kommentar zur Konkursordnung, 4 / e d„ 1 9 3 ; O. WARNEYER, Kommentar, I, 6 9 3 ; sem razão, A. SCHLOTTER, Eigentumsvorbehalt im Konkurse des Verkãufers, Leipziger Zeischrift, V, 49).

Quanto às penas convencionais, transferem-se com o crédito, porém não as vencidas, moratórias (Tomo V, § 575, 6). Não se transfere, a despeito da sua acessoriedade, o direito de retenção

( P O E R T M A N N , Recht

der Schuldverhãltnisse, 3 1 6 ; G . P L A N C K , Kommentar, H, 1, 565; L. KUHLENBECK, J. V, Staudingers Kommentar, II, 457; F. S C H L E G E L B E R G E R , Das Zurückbehaltungsrecht, 1 0 8 ; cp. H. EMMERICH Pfandrechtskonkurrenzen, 285).

Os direitos auxiliares, direitos que só se destinam à segurança ou à realização do crédito, transferem-se com o crédito ao cessionário. A regra jurídica é ius dispositivum, como resulta do próprio texto do art. 1.066 do Código Civil. Assim, a translação ocorre a respeito da hipoteca ou do penhor, bem como dos direitos que derivam das protocolizações, averbações e anotações preventivas

(e. g., Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de

1939, arts. 178, a), EI, IV: V VI, VII e XIII, 208, 209, 216, 262, 279-281, 284 e 285). Outrossim, quanto às fianças. Se se pré-exclui da cessão o direito de penhor, extingue-se êle, salvo se o acôrdo de constituição previu que continuaria a garantir ao cedente o adimplemento ao cessionário (cf. Código Civil, art. 802, IV). Discute-se se (a) o cedente pode reservar-se o direito contra o fiador (= o cessionário tem a pretensão contra o devedor e o cedente contra o fiador), ou se (b), pré-excluída da cessão a fiança, necessàriamente se extingue. Como em (b). H . K R E S S ( L e h r b u c h des Allgemeines Schuldrechts, a 508), P. O E R T M A N N (Recht der Schuldverhãltnisse, I, 5. ed., 2), PALANDT (Bürgerliches Gesetzbuch, 16.a ed., 417); como em (a), A . V O N T U H R (Der Allgemeine Teil, 1,234), FR. L E O N H A R D (Allgemeines Schuldrccht, 665) e H. SIBER (G. P L A N C K , Kommentar, II, 1,4. a ed., 565). A verdadeira solução (c) é a que distingue: se o credor cedente garantiu a solvência do devedor, pode ter interêsse em satisfazer, desde logo, o cessionário, e ir contra o fiador. O crédito contra o fiador é que não pode ser cedido sem o crédito principal, porque se trata de crédito acessório que de modo nenhum poderia interessar sem a cessão do crédito principal. Se foi pré-excluída da cessão a fiança, continua o fiador de responder ao cedente pelo adimplemento ao cessionário. É de repelir a opinião que diz ser impossível a cessão do crédito de fiança sem a cessão do crédito garantido ou principal, se foi previsto que, cedendo-se o crédito a, a fiança continuaria, garantindo o crédito b, e as-

sim por diante. No direito comum, B. W I N D S C H E I D ( L e h r b u c h , II, 9 a ed., 391) sustentou a tese geral da transmissibilidade da fiança, contra CHR F. MUHLENBRUCK (Die Lehre von der Cession der Forderungsrechte, § 28), G . F PUCHTA ( P a n d e k t e n , 9 . a e d . , 4 3 6 ) , K . AD. VON VANGEROW ( L e h r b u c h

III, 1, ed. 108) e C . F. F. S I N T E N I S (Das praktische gemeine Civilrecht, 801). A tese da cedibilidade em separado só é de admitir-se se foi previsto no contrato de fiança. Em geral, contra a cessão da fiança sem a dívida garantida, P. O E R T M A N N ( R e c h t der Schuldverhãltnisse, 312), H . DERNBURG (Das Biirgerliche Recht, II, 1, 384), H A N S R E I C H E L (Die Schuldmitübemahme, 459), B . B E N D I X (Die Haftung für den Rechtsbestand der Pandekten,

von Rechten [Forderungen], Archiv für Bürgerliches WESTERKAMP PLANCK,

( B i i r g s c h a f t und Schuldbeitritt,

Kommentar,

Recht, 32, 325), e W.

390); contra, H.

SIBER

(em G.

II, 1, 565).

(b) Os direitos que não são auxiliares, já vencidos, não se têm por transferidos, dispositivamente. Na doutrina alemã, tem-se procurado introduzir regra jurídica interpretativa não escrita, que permita levar-se em conta, na interpretação, serem acessórios ou secundários e, pois, formarem todo econômico. Porém essa regra jurídica não está no direito brasileiro. E. g., ou a interpretação tem meios para afirmar que foram cedidos os juros vencidos, ou não os tem. A 6.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 23 de agosto de 1946 (R. F., 110, 148), considerou transferidos ao cessionário os juros convencionais vencidos anteriormente à cessão. Sem razão. Seria preciso que se houvessem cedido, ou que o vencimento deles fizesse vencida a dívida. Juros vencidos, como frutos, separam-se: assim como os frutos se fazem bens móveis, distintos do bem de que eram pars, assim os juros, vencidos, são objeto de direito distinto, que, na dúvida, não se consideram cedidos com o crédito. Caso sutil é o que teve de ser decidido pelo Reichsgericht alemão. Terceiro, que assumiu o adimplemento da dívida, a favor do credor, ficando, pois, como devedor solidário com o outro, discutia se tinha direito aos direitos auxiliares, como se cessionário fôsse (Entscheidungen des Reichsgerichts, 65, 169). A decisão foi pela incidência do § 401, alínea I a , do Código Civil alemão; portanto, afirmativa (contra, H A N S R E I C H E L , Die Schuldmitübemahme, 461). No direito brasileiro, tal não há de ser a solução, porque êsse terceiro, antes de pagar, é apenas legitimado à sub-rogacão pessoal, segundo o art. 985, III, do Código Civil, e para a aplicação analógica do art. 1.066, seria de mister que a assunção de adimplemento

fosse eficaz em relação ao credor. Aliter, se faz o pagamento. Mas, aí incide o art. 985, III. Note-se, além do que argumentamos, que o art. 987, parágrafo único, só se referiu ao art. 986,1. 3 . P R I V I L É G I O S E D I R E I T O S D E P R E F E R Ê N C I A L I G A D O S AO CRÉDITO.

-

O que não é personalíssimo, vai com o crédito cedido. Não importa que s e j a m privilégios

gerais ou especiais,

ou direitos de separação

(Absonde-

rungsrechte), como o direito de restituição de que fala a lei de falências (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, arts. 76-78), incluída a ação de embargos de terceiro (Decreto-lei n. 7.661, art. 79). A transferência ocorre desde que ao tempo da conclusão do negócio jurídico de cessão de crédito não se haja aberto o concurso. Em todo caso, a cessão de crédito pode ser atingida pela incidência do art. 52 do Decreto-lei n. 7.661, ou pela sentença de que cogita o art. 53 do Decreto-lei n. 7.661. 4. O B J E Ç Õ E S E E X C E Ç Õ E S . - O devedor pode opor ao nôvo credor as objeções e as exceções que contra o cedente existiam ao tempo de se concluir o negócio jurídico da cessão de crédito. A priori, a cessão - negócio jurídico entre credor e terceiro - não pode prejudicar a situação do devedor. O crédito transfere-se tal qual é. Daí dizer o art. 1.072 do Código Civil: "O devedor pode oportanto ao cessionário como ao cedente as exceções que lhe competirem no momento em que tiver conhecimento da cessão; mas não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente". "Exceções" está, no art. 1.072, por "objeções e exceções". A transmissão opera-se com a cessão. As objeções e exceções posteriores à conclusão da cessão de crédito já são objeções e exceções nascidas ao crédito do cessionário; delas é êsse, e não o cedente, o titular Mas, por ainda não ter havido, ex hypothesi, a ciência do devedor, são tratadas igualmente. Pode êle opô-las ao cessionário como ao cedente: ao cedente, porque ignorava a cessão; ao cessionário, porque exerceu a pretensão contra a qual se opõe a objeção ou a exceção. Não importa qual a objeção ou exceção de que se trata: por exemplo, exceptio

doli, exceção non adimpleti

contractus

ou non rite

adimpleti

contractus, objeção de pagamento; nem qual o direito formativo extintivo, ou modificativo, ou a pretensão extintiva, ou modificativa. Assim, pode exercer contra o cedente como contra o cessionário o direito de resolução do contrato, a ação quanti minoris ou de redibição. O cedente é que somente pode exercer tais direitos com o. consentimento do credor, que lhe outorgue tal poder.

0 crédito transfere-se ao cessionário no momento da conclusão do contrato de cessão de crédito. Com êsse, vão as objeções e exceções. O art. 1.072 do Código Civil é regra jurídica de proteção ao devedor, corolário, pode-se dizer, do art. 1.069, l. a parte. Tem-se de tutelar o devedor que ainda não conhece a cessão. Daí os arts. 1.071 e 1.072. Na técnica legislativa, seria mais explícito, em vez do art. 1.072, dizer-se que as objeções e exceções se transmitem com a cessão, mas a eficácia, em relação ao devedor, depende da ciência da cessão por parte dêsse. É a inteligência que se há de dar, precisamente, ao art. 1.072. O art. 1.072 do Código Civil não é cogente (ius cogens). O devedor, no negócio jurídico de que se irradiou o crédito cedendo, pode ter admitido a cessão de crédito sem que seja preciso notificá-lo, ou ter êle ciência (art. 1.069). Cf. L . KUHLENBECK ( / . v. Staudingers Kommentar, II, 4 6 4 ) . Assim podem credor e devedor pactuar, antes, simultânea ou posteriormente ao negócio jurídico de que nasce o crédito cedendo, que o prazo de espera para pagamento que o credor deu ao devedor, não pode ser objeto de exceção ao cessionário ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, I, 6 9 6 ) . Também credor e devedor podem pré-exclüir, a favor do futuro cessionário, a exceção non adimpleti

contractus

ou non rite adimpleti

contractus.

Se o pacto se refere a exceção que não poderia ser oposta só tem o papel de explicitação (cf. CARL CROME, System, II, 3 3 8 , nota 2 6 ) . A renúncia às exceções não se perfaz sem observância dos princípios comuns às renúncias. Fala-se de renúncia tácita no caso de ao nôvo credor declarar o devedor que reconhece e aceita (?) a cessão (e. g., L. E N N E C C E RUS, Lehrbuch, II, 2 7 0 ; O . W A R N E Y E R , Kommentar, I, 6 9 6 ) . Porém não há aceitação da cessão pelo devedor: a cessão de créditos só se conclui entre cedente e cessionário. O que pode declarar o devedor, ou simplesmente comunicar, é que teve conhecimento da cessão, e tal conhecimento ou resulta da notificação ou do escrito público ou particular a que se refere o art. a 1.069, 2. parte, do Código Civil. Ao devedor também toca a exceção de prescrição, quer se haja consumado antes quer depois da cessão (L. K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers Kommentar,

n , 463).

E preciso que se não confunda com a renúncia às exceções, por parte do devedor, a renúncia às objeções ao crédito, à pretensão ou às ações, porque, para isso, seria de mister que o devedor houvesse feito promessa (abstrata) de dívida, que então se adjectaria ou se substituiria ao crédito cedido (cf. G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 569).

Após a cessão, não pode o cedente, por ato que pratique como credor, no próprio nome, melhorar a situação do cessionário, como exigir cumprimento de obrigação de segurança (dação de fiança, ou penhor, ou outra garantia), ou outro direito acessório, nem interromper a prescrição, em seu próprio nome. É de discutir-se se essa vedação começa à data da cessão ou da notificação ou conhecimento da cessão pelo devedor. No primeiro sentido, O. W A R N E Y E R ÇKommentar, I, 696); mas o art. 1.069 do Código Civil frisou que a eficácia da cessão, em relação ao devedor, somente começa com a notificação, ou com a declaração de ciência de que se fala na 2.a parte do art. 1.069. O princípio da oponibilidade das objeções e exceções que poderiam ser opostas ao cedente é ius dispositivum. Também se há de invocar nos casos de cessão legal, ou judicial. Devedor e credor podem acordar em restrições, aumentos e precisões quanto a objeções e exceções; e. g., quanto a não ficar o cessionário sujeito a ter de fazer interpelação, ou exceção non adimpleti contractus, ou non rite adimpleti contractus (cf. C A R L CROME, System,

ET, 338).

O art. 1.072 do Código Civil também apanha as exceções processuais ( G . P L A N C K , Kommentar, I I , 5 6 9 ; A. R A P P A P O R T , Die Einredè aus demfremden Rechtsverhaltnisse, 7 2 s.; sem razão, E. E C K S T E I N , Wirken prozessuale Vertrage für und gegen r den Zessionar des materiellen Anspruchs?, Gruchots Beitrãge, 5 6 , 4 6 1 s.). O cessionário está sujeito à exceção de litispendência. Quanto à exceção de incompetência, se ligada à pessoa do cessionário por ser pessoa de direito público, e. g., Constituição de 1 9 4 6 . art. 1 0 1 , 1 , d), e) e k), e 103, D, a), sobrevém a remesa dos autos ao outro juízo (Código de Processo Civil, art. 279 e parágrafo único). Na espécie do art. 101, II, b), 2.A parte, da Constituição de 1946 ("partes um Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no Brasil), o juízo não muda, quer se trate de cessão feita pelo Estado estrangeiro quer de cessão feita pela pessoa domiciliada no Brasil. A exceção de compromisso é oponível ao cessionário ( G . PLANCK, Kommentar, I I , 1 , 5 6 9 ; O . W A R N E Y E R , Kommentar, I , 6 9 7 ) . Idem, a exceção de coisa julgada, ainda que se origine de decisão arbitrai. As objeções oriundas de negócios jurídicos insertos no processo (desistência, transação) são oponíveis. As objeções e exceções Intimamente ligadas à pessoa, como a de não poder o estrangeiro ter propriedade em determinada zona, ou exercer certas indústrias, não se transferem ao cessionário; mas, de ordinário, o negócio jurídico, de que se diz irradiado o direito ou a pretensão ou ação de direito

material, é nulo, Se a limitação é apenas pré-processual, ou processual, não se transfere a objeção ou a exceção. Assim, a exceção de caução às custas não mais pode ser oposta ao cessionário, se êsse não se inclui entre as pessoas de que cogita o art. 67 do Código de Processo Civil. Se o cessionário encontra despesas feitas e não pagas, sem que se haja prestado a caução às custas, assume o processo e o dever de as pagar. Se a cessão de crédito é em segurança de outro crédito, com a condição de retrocessão no caso de se satisfazer a êsse, a isso está sujeito o segundo cessionário, ou outro posterior (O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 697). As exceções de não-adimplemento e a objeção de resolutividade, ou de resilibilidade, bem como a exceção do ius retentionis, em caso de venda de imóvel, podem ser opostas ao cessionário. A cessão da pretensão à soma do seguro está sujeita às objeções e exceções contra o segurado. Em geral, à exceção de enriquecimento injustificado, ou à ação, se não há, na espécie, a exceção, está sujeito o cessionário. O reconhecimento da divida, feito pelo devedor ao cessionário, sem se aludir a exceção de não-adimplemento (exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus), existente contra o cedente, tem como conseqüência o extingui-la. Os princípios que regem a compensação, em caso de cessão de crédito, são os seguintes: a) A compensação contra o cedente que já existe ao tempo da cessão é alegável contra o cessionário. b) A compensação contra o cedente surgida entre a cessão e a notificação ao devedor, ou a sua declaração de conhecimento, é alegável contra o cessionário. c) A compensação contra o cedente há de ser alegada perante o cessionário, mas a que foi alegada perante o cedente antes da notificação ou da declaração de conhecimento pelo devedor é eficaz contra o cessionário. O Código Civil contém regra jurídica explícita para a solução do problema (art. 1.021): "O devedor que, notificado, nada opõe à cessão, que o credor faz a terceiros, dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente". Aí está conseqüência da regra jurídica do art. 1.069.

5 . CESSÃO DE CRÉDITO O R I U N D O DE CONTRATO BILATERAL. - S e a c o n -

traprestação ainda não foi feita, tem o devedor a exceção non adimpleti contractus contra o cessionário. Porém não a ação por inadimplemento da contraprestação (ação condenatória), pois o que se transferiu foi o crédito, e não a dívida. Também no caso de não ter havido adimplemento satisfatório por parte do cedente, o devedor tem a exceção non rite adimpleti contractus, se o

cumprimento foi posterior à cessão. Pode o devedor alegar condição resolutória, somente pactuada com o cedente, antes da eficácia em relação ao devedor, ainda que só se impla depois da cessão. 6. S I M U L A Ç Ã O E N T R E o DEVEDOR E o CREDOR CEDENTE. - O devedor não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente, diz o Código Civil, no art. 1.072, infine, Simulação havida entre devedor e credor. Se o devedor fêz título de dívida, simuladamente (Código Civil, arts. 102-105), com intuito de prejudicar a terceiro, ou para infringir lei, não pode alegar a simulação. Se o fêz sem tais intuitos, há a alegabilidade (art.;103), mas cessa a possibilidade de alegar a simulação inocente se houve cessão e estava de boa fé o cessionário no momento em que se lhe cedeu o crédito. Se o nôvo credor conhecia, ao tempo da cessão, a verdade sôbre o crédito simulado, ou tinha de conhecê-la, protege-se o cessionário contra cedente e devedor, e não somente contra o devedor. O crédito era apenas aparente, porque aparece (simulado) o negócio jurídico. A êsse respeito cumpre, todavia, atender-se a que, no sistema jurídico brasileiro, a simulação é alegável como causa de anulabilidade, e não de nulidade. O negócio jurídico só aparente passa a ser negócio jurídico válido, por medida legislativa de proteção. Não importa indagar-se da boa fé se já se trata de segunda ou posterior cessão, se a primeira ou outra já se operou em relação a outorgado de boa fé. Se a primeira cessão não foi a pessoa de boa fé, sim, a inalegabilidade depende da boa fé do segundo ou posterior cessionário. O devedor não pode trazer a exame o que, ainda por escrito, que não conste daquele ou daqueles que foram apresentados ou entregues ao cessionário, consta de outros documentos, ou acôrdos anteriores, contemporâneos ou posteriores (cf. G. PLANCK, Kommentar, I I , 1, 571; H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, II, 1, 391; sem razão, M . WELLSPACHER, Das Vertrauen aufaussere Tatbestande, 65). A regra jurídica do art. 1.072, infine, do Código Civil, não se estende a outras causas de nulidade ou anulabilidade; e. g., por ilicitude do objeto

(art. 145,1, l. a parte), ignorada pelo cessionário. A regra jurídica do art. 1 Ó72, infine, é de proteção, e não de abstratização do negócio jurídico. O reconhecimento de dívida não sério também é simulação, no sentido do art. 1.072, infine, inclusive o de compensabílidade. Não cabe sob a regra jurídica do art. 1.072, infine, o reconhecimento de dívida que se fêz por êrro. 7. N U L I D A D E E A N U L A B I L I D A D E D A CESSÃO. - O devedor pode opor a nulidade da cessão (Código Civil, arts. 145, 146 e 1.065), inclusive por ser nulo o negócio jurídico de que se disse originar-se o crédito cedido. Quanto às anulabilidades, a que emana de incapacidade relativa do cedente (Código Civil, art. 147,1) pode ser oposta pelo devedor (aliter, se a causa é êrro, violência, dolo e simulação); bem assim, a que provém da fraude contra credores. É preciso que se não confundam com as objeções e exceções do devedor a respeito do crédito cedido as objeções e exceções contra a cessão mesma. 8. P R O C U R A Ç Ã O E M CAUSA P R Ó P R I A E CESSÃO D E C R É D I T O . - A procuração em causa própria não é cessão do crédito. E poder de representação como qualquer outro. Leva à cessão; não é cessão (sem razão, a 5.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de outubro de 1933, R. dos T., 91, 80). Pode ter havido cessão de crédito e ser a procuração em causa própria o instrumento para mais fácil cobrança, ou mais cômodo, por outra razão; porém não è verdade que o mandante, na procuração em causa própria, seja responsável pela existência do crédito, em virtude do art. 1.071 do Código Civil. Se o credor quer continuar credor e somente conferir a outrem o poder de dispor do crédito, tem de dar ao outorgado mandato, ou, em geral, poder de representação. A cobrança será em seu nome, ou em seu nome a cobrança e a propositura de ação. Todavia, nada obsta a que outorgue poder para figurar o outorgado, no exercício do crédito, pretensões e ações, em seu próprio nome. A procuração em causa própria mantém credor quem o é e permite que o outorgado exerça em nome próprio o crédito, as pretensões e ações. Ainda não há a sucessão na dívida. Alguns sistemas jurídicos não têm ou vacilam diante da admissão da procuração em causa própria. Às vêzes levantam-se argumentos contrários, como o de ser a cobrança ato dispositivo; mas todos insustentáveis.

Receber prestação não é dispor. No direito luso-brasileiro e no brasileiro, a procuração em causa própria radicou-se, e é um dos institutos de que mais se lança mão no tráfico civil, comercial e processual (procurador em causa própria, legitimado processual). Na doutrina alemã, a outorga de podêres de cobrança, no nome do outorgado, sem transmissão do crédito, suscitou discordâncias profundas, que no sistema jurídico brasileiro seriam sem sentido (ainda recentemente', permitem-na L Õ B L , Die Geltendmachung fremder Forderungsrechte im eigenen Namen, Archiv für die civilistische Praxis, 1 2 9 , 2 5 7 s.; W . SIEBERT Das rechtsgescháftliche des Schuldrechts,

verhãltnisse, A . NIKISCH,

contra:

Treuhandverhaltnis,

2 0 8 ; H . TITZE,

1 2 2 ; H . KRESS,

Bürgerliches

A . VONTUHR,

Lehrbuch

Recht,

2 6 2 s.; PH. HECK,

Bürgerliches

des Allgemeinen

Das Recht

Der Allgemeine

Recht,

Grundriss

Recht der SchuldSchuldrechts,

517;

der Schuldverhãltnisse,

Teil, I I , 6 1

s.;

FR. LEONHARD,

51;

Allge-

Schuldrecht, 61A s.; K A R L L A R E N Z , Vertrag und Unrecht, I , 1 2 2 ) . Com a escapatória de cessão do direito de crédito para que o exercite, estão alguns; outros, com a de cessão do direito de crédito somente perante o devedor (LÕBL, Die Geltendmachung fremder Forderungsrechte im eigenen meines

N a m e n , Archiv für die civilistische

Praxis,

129, 2 5 7 e 2 9 6 s.), o q u e destoa

do próprio sistema jurídico alemão. Tratar-se-ia de cisão monstruosa. No sistema jurídico brasileiro, não existem os inconvenientes da outorga de poder para cobrança em nome do outorgado, porque a procuração em causa própria é irrevogável (Código Civil, art. 1.317,1,2. a parte). Com a procuração em causa própria, não pode o devedor opor ao outorgado exceções que apenas contra o cessionário teria, - só lhe assistem as exceções contra o credor. Nem pode compensar contra o procurador em causa própria. Nem se trata de cessão, nem de cessão fiduciária. 9. N E G Ó C I O JURÍDICO BÁSICO E CESSÃO DE CRÉDITO. - Com a cessão de crédito, muda a titularidade do direito, pretensão ou ação. Já o devedor não está obrigado a solver a dívida ao credor anterior, se conhecia a cessão, conforme o art. 1.069 do Código Civil. Negócio jurídico abstrato, - quando se insere referência à causa, faz-se condicionado à validade do negócio jurídico básico. Se nenhuma alusão se fêz ao negócio jurídico básico, o equilíbrio patrimonial só se obtém segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado. No direito brasileiro, o cedente responde pela existência do crédito, se onerosa a cessão. Isto é, em boa técnica, se houve referência à causa,

portanto ao negócio jurídico básico. A responsabilidade pela existência do crédito, regulada diferente mente segundo o negócio jurídico básico foi oneroso ou gratuito, não deriva da cessão mesma, e sim do negócio jurídico básico. A respeito d a cláusula

de responsabilidade

pela solvência

do

devedor, cumpre advertir-se que não é cláusula da cessão de crédito, nem de negócio jurídico básico, mas pacto que se adjectou à cessão de crédito.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.827. B - Doutrina Transferência ex lege da posição subjetiva do segurado. O art. 785 e §§ 1 e 2.° do CC/2002 tratam da hipótese de o contrato de seguro de dano ser transferido a terceiro com a cessão ou alienação do interesse segurado. Se o instrumento do contrato é nominativo, o segurador deve ser notificado por instrumento assinado por cedente e cessionário (art. 785 e § 1 ° do CC/2002). Se, entretanto, tratar-se de apólice ou bilhete à ordem, a transferência se faz por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e endossatário'(art. 785 e § 2.° do CC/2002).

§ 2.828. I N S T R U M E N T O E F O R M A D A

CESSÃO

1. CESSÃO DE CRÉDITO E INSTRUMENTAÇÃO. - Contrato pelo qual se transfere crédito, os figurantes da cessão de crédito são o credor, que deixa de ser, e o cessionário, que se torna credor. A cessão, por ato unilateral, é oferta de cessão, e não cessão. Para que seja cessão de crédito, tem-se de compor o negócio jurídico bilateral. Todavia, a aceitação tácita é freqüente. O pacto de cedendo não é cessão de crédito; por êle apenas se assume dever e obrigação de ceder. O crédito, que se cede, pode ter nascido de negócio jurídico a que se impôs, em lei, forma especial, mas a exigência da forma especial ao negócio jurídico, de que se irradiou o crédito, não se contagia à cessão do crédito. Tratando-se de crédito em títulos que não sejam círculáveis por endosso, ou ao portador, a cessão de crédito supõe o negócio jurídico da cessão de crédito e a entrega do título. O título, aí, é pertença do crédito.

Se o título incorporante é transferível por endosso, ou ao portador, não há pensar-se em cessão de crédito. O título é, então, objeto da transmissão e o direito de crédito se incorporou nêle. A cessão do crédito constante de título endossável dão transfere o crédito, pois são de mister o ato de endosso e a entrega do título. Tal cessão de crédito é pacto de endossar, promessa de endossar e entregar a posse do título. cessão de crédito não está sujeita a regra jurídica especial sôbre forma, salvo para eficácia em relação a terceiros. Para que possa ter eficácia erga omnes é de mister que tenha sido feita por escritura pública ou por instrumento particular revestido das solenidades do art. 135, isto é, feito e assinado pelo cedente, ou somente assinado por êle, e registado no registo de títulos e documentos! Diz o art. 1.067 do Código Civil: "Não vale" (leia-se: não tem eficácia), "com relação a terceiro, a transmissão de um crédito, se se não celebrar mediante instrumento público, ou instrumento particular, revestido das solenidades do art. 135 (art. 1.068)". 2 . FORMA. - A

O art. 1.067 é regra jurídica sôbre eficácia. Em relação a terceiros, não tem eficácia jurídica a cessão de crédito se não se fêz por instrumento público, ou por instrumento particular, com as formalidades do art. 135, entre as quais está o registo. Não se edictou, no art. 1.067, regra jurídica sôbre validade, de modo que1 se possa invocar o art. 145, EL Alguma regra jurídica pode ter de ser atendida, mas devido à natureza do direito cedido; não, por existir o art. 1.067. Foi devido a não ter entendido, devidamente, o art. 135 e, pois, o art. 1,067, que a 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 6 de junho de 1940 (R. dos T., 134, 85), falou da observância dos arts. 135 e 1.067, no tocante ao registo, e aventurou que tal finalidade não tem o alcance que a faça comum ao direito civil e ao comercial. Não se trata de requisito de validade, mas a falta do registo, assim em direito civil como em direito comercial, expõe o cessionário a que se prove não ser verdadeira a data em que se diz ter sido feita a cessão de crédito e se possa exigir aos figurantes a prova da data verdadeira. No art. 1.067, parágrafo único, foi explicitado que "o cessionário do crédito hipotecário tem, como o sub-rogado, o direito de fazer inscrever a cessão à margem da inscrição principal" A 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de setembro de 1940 (R. dos T., 135, 69), entendeu que a regra jurídica do art. 1.067, parágrafo único, apenas dá faculdade ao credor para se pôr a salvo de impugnações. Citou a LAFAIETE R O D R I G U E S P E R E I R A (Direito das Coisas, II, 280); mas o autor citado escre-

veu sob regras jurídicas diferentes, ao tempo em que o direito de hipoteca se transferia sem se registar. O art. 1.066, que diz abranger a cessão os direitos acessórios, "salvo disposição em contrário", não importa em que se afirme que, feita a cessão, os direitos acessórios cuja transferência depende de registo ou de outro requisito se transfiram automaticamente. A situação do cessionário, em relação à garantia hipotecária, após a cessão de crédito, é, por fôrça do art. 1.066, a de outorgado em acordo de transmissão de direito de hipoteca, e não a de titular do direito de hipoteca. Enquanto não se procede ao registo (Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 286), não há a transferência do direito de hipoteca. O art. 1.067, parágrafo único, apenas alude ao direito de registar que tem o outorgado da cessão, como tem, aliás, o outorgante. Passa-se o mesmo a propósito de qualquer formalidade que se exija à transmissão de outro direito (e. g., penhor agrícola e penhor pecuário). O acórdão da 3.a Câmara Cível, a 11 de setembro de 1940, não atendeu à diferença entre o direito anterior e o vigente.

SEÇÃON NOTIFICAÇÃO D O D E V E D O R E REVOGAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO

§ 2.829. N O T I F I C A Ç Ã O D O D E V E D O R

1. EXIGÊNCIA LEGAL, NO PLANO DA EFICÁCIA. - No plano da eficácia, o art. 1.069 do Código Civil exige que se notifique o devedor para que, em relação a êle, a cessão de crédito tenha efeitos. Lê-se no art. 1.069: "A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas, por notificado se tem o devedor, que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita". A primeira observação que se tem de fazer é quanto à impropriedade do verbo ("vale"). O que se há de entender é que a cessão de crédito é ineficaz, em relação ao devedor, enquanto não lhe é notificada. As leis, por falta de cultura técnica dos le-

gisladores, por vêzes empregam "nulidade", "não vale", "é inválido", por "ineficácia", "não é eficaz", "é ineficaz". 2. N A T U R E Z A D A N O T I F I C A Ç Ã O A O D E V E D O R . - A notificação da cessão ao devedor é ato jurídico stricto sensu ( G . P L A N C K , Kommentar, II, 1 583 s.; P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 326; L. E N N E C C E R U S ' H, 278; sem razão, H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, II, 1. 395 que vê na notificação ou aviso, Anzeige, da cessão negócio jurídico; R. S O H M , Der Gegenstand, 6 8 ; M . W E L L S P A C H E R , Das Vertrauen anfãusscre Tatbestãnde, 72; P. K L E I N , Z U B G B . § 409, Svufferts Blütter, IA, 597). Os prin-

cípios relativos aos negócios jurídicos, quanto à validade, são invocáveis. A notificação feita pelo tutor ou curador, que não poderia ceder o crédito do tutelado ou curatelado sem autorização judicial, é nula, se faltou tal autorização ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, 1706). A entrega do título ou documento, nos casos em que basta à quitação, como se prevê no Código Civil, art. 942, mais a entrega do instrumento da cessão legitimam o cessionário ao recebimento, no próprio nome, porque a entrega do instrumento da cessação contém notificação. 1 A simples apresentação apenas comunica a existência da cessão e dá ensejo à declaração escrita do devedor, de que se fala no art. 1.069 do Código Civil. A mera notícia de que o terceiro tem em mãos o instrumento da cessão não é, sequer, apresentação ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, I, 707). A notificação tem de ser recebida pelo devedor. A aposição do ciente, seja judicial seja extrajudicial a notificação, é declaração escrita do devedor (comunicação de conhecimento). A declaração de conhecimento de que se fala no final do art. 1.069 do Código Civil é para os casos de notificação não escrita, ou de notificação escrita que o notificante não concebeu para nela ser aposto o ciente. A 2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 5 de maio de 1946 (]., 28, 197 s.), aplicou acertadamente o art. 1.069, argumentando que a) basta a ciência em declaração de concordância do devedor como um dos herdeiros do devedor premorto, tendo aquêle assumido a dívida, e b) com a possibilidade de se notificar, como elemento da citação na ação de cobrança: "a citação inicial para a presente ação de cobrança vale como notificação especial da cessão, produzindo os mesmos efeitos. A falta de notificação só aproveitaria ao apelante se êste provasse que pagou a dívida ao credor originário, no caso a Caixa Econômica Federal, em data anterior à citação inicial".

A ciência pelo devedor pode ser em autos ou em ofícios de registo. O que se exige é a forma escrita. Basta a notificação por telegrama, se a repartição expedidora declara que a minuta está autenticada (cf. Código de Processo Civil, arts. 9.° e 167). Quanto à notificação por telefone, é notificação escrita (Código de Processo Civil, arts. 10 e 167). A declaração do devedor pode ser, por analogia, conforme os arts. 9° e 10 do Código de Processo Civil. 3 . OCORRÊNCIAS APÓS A NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR. - Feita a notificação pelo antigo credor ou pelo cessionário, o que se passar entre o devedor e o cessionário é como entre devedor e credor, inclusive pagamento, ainda que haja sobrevindo decisão judicial favorável ao cedente contra o cessionário ( K . H E L L W I G , Wesen und subjektive Begrenzung der Rechtskraft, 3 8 6 ; H. WALSMANN, Die streitgenõssische Nebenintcrvention, 1 8 3 ) , salvo se foi chamado à relação jurídica processual o devedor, ou se foi intimado da sentença.

O devedor solidário que paga ou por aígum negócio jurídico solve, altera ou nova a dívida, em contrato com o cessionário, após a notificação, está incólume à alegação do credor de não haver notificado os demais credores solidários. 4. LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA A NOTIFICAÇÃO. - A notificação há de ser feita pelo antigo credor, cedente, ou pelo cessionário, credor atual. A notificação tem de ser feita pelo credor cedente, ou, com a apresentação do documento da cessão, pelo cessionário, ou por ambos. A notificação feita pelo cessionário, sem apresentação do documento da cessão, é ineficaz.

5. EFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO. - A notificação eficaciza a cessão de crédito em relação ao devedor (antes, faltava êsse efeito). O efeito é a favor do devedor; não contra êle. Todavia, se nega a existência, a validade ou a eficácia da cessão, obra a seu próprio risco. 6. REGISTO E OUTRAS FORMALIDADES. - Às vêzes, para a eficácia da cessão de créditos em relação ao devedor, é preciso que se observem regulamentos, estatutos ou instruções internas em que se exige registo da notificação, ou da própria cessão, na repartição pública, ou no estabelecimento, publico ou privado, que há de pagar, ou registo e arquivamento do instru-

mento da cessão, ou outra formalidade. A validade da cessão não está em causa; apenas está em causa a eficácia em relação ao devedor, Estado ou estabelecimento privado. Pode ter-se previsto o registo até certo dia, para a primeira prestação, ou para a prestação única. 7. R E A Ç Ã O DO DEVEDOR NOTIFICADO. - O devedor notificado pode alegar inexistência, invalidade e ineficácia da cessão. Pode opor que a cessão é simulada, ou em fraude de credor contra si (e. g., tem crédito a compensar com o cedente). O art. 1.072 do Código Civil fala de não poder o devedor opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente. Essa simulação, a que se refere o art. 1.072, não é a simulação concernente à cessão, negócio bilateral entre o antigo credor e o nôvo credor, mas sim a simulação no negócio jurídico entre o credor e o devedor (certo, C L Ó V I S BEVILÁQUA, Código Civil comentado, IV, 232). Quanto à simulação no negócio jurídico da cessão, pode dar-se que tenha interêsse o devedor em alegá-la (P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhaltnisse,

327).

-

A reação do devedor contra a cessão do crédito incessível, pode ser apenas defensiva. É conveniente, porém, que desde logo se manifeste, alegando a incedibilidade legal ou negociai. 8. S I M U L A Ç Ã O DO C E D E N T E . - O devedor não pode opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente (Código Civil, art. 1.072,2 a parte). Uma vez que houve a constituição do crédito cessível (= uma vez que há crédito cessível), o devedor, que foi notificado, ou que se deu por ciente, não pode alegar que houve simulação. Se o crédito foi simulado, o credor cedente e o devedor estão em situação que é a dos figurantes simuladores inocentes (Tomo IV, §§ 477, 470 e 471). Desde o momento em que o credor cede o crédito, há intuito de lesar ao cessionário. Mas seria injusto que o devedor pudesse alegar a simulação se o cessionário ignorava o que havia de simulado no negócio jurídico, como seria injusto que não pudesse alegá-la se o cessionário conhecia a simulação. Assim, se o cessionário conhecia os fatos ou tinha de os conhecer, é oponível a êle a exceptio simulationis (Tomo IV, § 457, 4). No sistema jurídico alemão, § 405, redigiu-se regra jurídica parecida com a do art. 1.072, 2.a parte, para o caso de haver documento de divida. No sistema jurídico brasileiro, a cessão, para ter efeitos em relação ao devedor, há de ser escrita (art. 1.067), ainda que não tenha sido escrita a constituição da dívida cedida. Haja, ou não haja d í v i d a irradiada de negócio jurídico constante de documento de dívida, a simulaçao

somente pode ser alegada se de má fé o cessionário. A abrangência do art. 1.072, 2.a parte, é maior. Trata-se de regra jurídica limitada à simulação. Porém é de entender-se que o mesmo tratamento há de ter a alegação de incedibilidade negociai, de que adiante se fala. A regra jurídica não pode ser estendida às objeções por nulidade, por ilicitude (Código Civil, art. 145, II, l. a parte; O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 698), ou incapacidade dos figurantes do negócio jurídico de que se irradiou o crédito cedido (arts. 145,1, e 147,1, cf. P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 320; salvo o estatuído no art. 155). O art. 1.072,2. a parte, do Código Civil, de modo nenhum pode ser invocado para que o devedor possa alegar simulação se, por exemplo, em se tratando de mútuo, o dinheiro teria de ser prestado por outrem, e não pelo devedor, devendo ceder-se ao terceiro o crédito. O art. 1.072, 2.a parte, concerne ao crédito cedido, e não à cessão. A alegação de ser simulada a cessão é sempre possível, se há os pressupostos dos arts. 104 e 105 do Código Civil (cf. F. S C H O L L M E Y E R , Recht der Schuldverhãltnisse,

31 A] L.

KUHLENBECK,

J.

V.

Staudingers

Kommentar,

II, 463).

9. OBJEÇÃO DE INCEDIBILIDADE DE ORIGEM N E G O C I A L . - Se foi estabelecido, entre credor e devedor, que aquêle não cederia o crédito, e houve, a despeito disso, a cessão, a objeção de incedibilidade somente cabe se o cessionário conhecia, ou, pelo documento da dívida, tinha de conhecer a cláusula de incedibilidade.

§ 2.830. DECLARAÇÃO DE CONHECIMENTO FEITA PELO DEVEDOR 1 . TEXTO LEGAL E PROBLEMA DE INTERPRETAÇÃO. - N o a r t . 1 . 0 6 9 d o C ó -

digo Civil, diz-se que "por notificado se tem o devedor, que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita". A declaração do devedor é recognitiva: o devedor declara que lhe foi comunicada a cessão de crédito; é como um recibo da notificação. Por isso, por notificado se tem o devedor que declara ter conhecimento da cessão.

A declaração tem de ser por escritura pública ou por escrito particular. Tal escrito basta ser datado e assinado. Não precisa de testemunhas. Se o exigisse a lei, teria remetido ao art. 135 do Código Civil. 2.

N A T U R E Z A DA DECLARAÇÃO ESCRITA FEITA P E L O DEVEDOR.

de comunicação

de conhecimento,

à s e m e l h a n ç a d a quitação,

- Trata-se

Ato jurídico

stricto sensu, e não negócio jurídico. O declarante pode atacar o escrito por falsidade, falsificação, violência, êrro, ou incapacidade. Terceiros, por simulação ou fraude. A declaração escrita do devedor é enunciativa de que foi notificado. Não há, portanto, dois conceitos: o de notificação do devedor e o de declaração escrita do devedor ciente. A declaração escrita do devedor ciente é prova da notificação. O devedor, que o declara, tem-se por notificado. No sistema jurídico brasileiro, não há a questão de se saber se se presume, ou não, o conhecimento da cessão de crédito, por parte do devedor. O ônus de alegar e provar êsse conhecimento cabe ao credor-cedente, ou ao credor-cessionário, que nisso tenha interêsse; não ao devedor. Somente se tem por ciente o devedor se houve a notificação, ainda que por edital, se era o caso disso, ou a declaração escrita do devedor de que está ciente, com a respectiva data. O devedor não tem de preocupar-se com o ter ou não ter havido a cessão. Ainda que alguém lhe dê notícia de ter havido a cessão, ou de a terem o cedente e o cessionário instrumentado publicamente. A ciência, por parte do devedor, poderia ser na própria escritura pública, ou no texto, ou ao pé do instrumento particular. Se tal ciência não houve, escrita, nem outra, à parte, por instrumento público, ou particular, se fêz, nem declaração escrita do devedor foi feita, ciência não houve. O problema que surge é o do devedor que em juízo confessa que se lhe deu conhecimento da cessão. Ou a tal confissão se atribui eficácia ex tunc, ou apenas ex nunc. Para haver confissão é preciso que se trate de depoimento em processo; mas a confissão somente tem eficácia contra o confitente e seus herdeiros (Código de Processo Civil, art. 231).

§ 2.831. R E V O G A Ç Ã O D A N O T I F I C A Ç Ã O

1. P R I N C Í P I O S . - A notificação pode ser feita pelo cedente, ou pelo cessionário, exibido o instrumento da cessão de crédito, e pode ser re-

vogada, se faz a nova notificação quem fizera a anterior, ou, no caso de ter sido feita por ambos, com o consentimento do cidente e do cessionário. A retirada da vox, aí, é somente ex nunc, A extinção apenas para o futuro, deixa incólumes tôdas as posições jurídicas que o devedor tenha obtido, como, por exemplo, adiantamentos feitos ao cessionário, direito de compensação nascido contra êle (sôbre êsse ponto, L. E N N E C C E R U S , Lehrbuch, I I , 2 7 9 ; H . SIBER, em G . P L A N C K , Kommentar, I I , 4 . A ed., 5 8 5 , que se afastou das edições anteriores; O . W A R N E Y E R , Kommentar, 1 , 7 0 8 ) . Se a revogação foi comunicada pelo cedente e ainda não se manifestou o cessionário, os efeitos quanto a êsse se produzem até que se manifeste (GRAU, ZU §§ 407, 409 B G B . , Scufferts

Blãitter,

76, 236).

O problema da revogação da notificação não foi tratado com a devida profundeza. Primeiramente, há a questão terminológica: no Código Civil alemão, o § 409, alínea 2.a, fala de Zurücknahme, retratação, em vez de dizer revogação, Widerruf. No Código Civil brasileiro, a propósito de assentimento para casamento de filho o têrmo empregado foi retratação (art. 187). Ao tratar da "renúncia" do herdeiro (artí 1.590), também se aludiu a retratação. Idem, a respeito de "revogação" de oferta (art. 1.081, IV) ou de aceitação (art. 1.085). A lei acima encambulhou os conceitos. Na doutrina alemã, G. P L A N C K {Kommentar, 13, 585) manteve a terminologia do Código Civil alemão; L. E N N E C C E R U S {Lehrbuch, II, 279) preferiu "Widerruf', revogação. No direito brasileiro, não há revogação tácita da notificação. Se ao devedor se exige que declare por escrito ter tido conhecimento da cessão, não se compreenderia que o cedente e o cessionário ou quem fêz a notificação a pudesse revogar tàcitamente. A ratio legis é a segurança do devedor. notificação, que somente foi feita pelo credor cedente, pode ser revogada por êsse, e se não ocorreu notificação pelo cessionário, nada fica com o credor, que o ligue ao cessionário. Se somente foi feita pelo cessionário e êsse retira o que comunicou, dá-se o mesmo. Se a notificação foi feita pelo cedente e pelo cessionário, ou se o foi por aquêle, ou por êsse, e, depois, pelo outro figurante da cessão, a eficácia da notificação só se perfaz quando as duas revogações tiverem ocorrido, se não foi feita por ambos os figurantes. 2 . PERFEIÇÃO DA REVOGAÇÃO. - A

§ 2.832. O B R I G A Ç Õ E S D O

CEDENTE

1. D E T E R M I N A Ç Ã O DAS OBRIGAÇÕES. - As obrigações entre o cedente e o cessionário são as que resultam do negócio jurídico bilateral da cessão. O art. 1.073 do Código Civil enfrentou o problema da responsabilidade pela existência da dívida (veritas) e aos arts. 1.074 e 1.075 tocou o da responsabilidade

pela solvabilidade

do devedor

(bonitas).

art. 1 . 0 7 3 , l. a parte, é ius dispositivum-. "Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que se não responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu". 2. "VERITAS". - O

A pesquisa da onerosidade ou da gratuidade é relativa ao negócio jurídico que está à base da cessão de crédito, e não relativa à cessão mesma, que é negócio jurídico abstrato. Daí a responsabilidade do cedente, em vez de se entrar na indagação da causa da cessão, que ela não tem. Quando o Código Civil, no art. 1.073, fala de cessão "por título oneroso" e de cessão "por título gratuito", emprega elipse: deveria ter falado de cessão cujo negócio jurídico subjacente (ou sobrejacente) foi a título oneroso e de cessão cujo negócio jurídico subjacente (ou sobrejacente) foi a título gratuito. Do lado cedente, há o ato de disposição. Do lado do cessionário, o ato de aquisição. Se o crédito não existe, ou não pertence ao cedente, a cessão é ineficaz, e o cedente responde ao cessionário, mesmo porque nenhum princípio protege o cessionário de boa fé, no tocante à aquisição. É preciso que o crédito saia do patrimônio do credor e entre no patrimônio do cessionário para que se possa falar de cessão de crédito. A "cessão por título oneroso", para repetirmos as expressões a despeito da elipse da lei, é cessão em que se cede por interêsse em contraprestação. Se o crédito não existe, com o recebimento da contraprestação enriquece-se o cedente. Daí o princípio de que o cedente, se a título oneroso a cessão, responde pela existência do crédito. O problema da responsabilidade, se não há a contraprestação, nem há encargo (modus), segundo se prevê no art. 1.181, parágrafo único, do Código Civil (cp. art. 1.187, II), teve de considerar dois elementos: o elemento negativo, mas objetivo, que é o de não existir onerosidade (contraprestação, ou modus), e o elemento positivo, objetivo, da má fé, em que estava, ao ceder, o credor. Tem-se dito, refletindo-se na jurisprudência, que o cessionário somente pode ir contra o cedente depois de ter pleiteado contra o devedor (e. g-,

6.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de novembro de 1953, R. dos T., 222, 210). Não está certo. Pode o cessionário, antes de ir com a ação declaratória, ou de condenação, ou outra, que caiba, contra o devedor, convencer-se de que não existe a relação jurídica entre o cedente e o terceiro, que seria o devedor. Seria abusivo expor-se o cessionário a essa atitude contrária à sua convicção e à do seu advogado, a pleitear pela existência de crédito, que eles sabem não existir. Há outros meios para o cessionário ir contra o cedente, que lhe cedeu o que não tinha. Se o cessionário prefere acionar, primeiro, o terceiro, apontado como devedor, ou interpelá-lo, é outra a situação: toca-lhe escolher o caminho para chegar à afirmação de que o crédito não existia. As soluções do art. 1.073 correspondem às do Código Civil suíço, art. 171, alíneas 1 .a e 3.a, mas, a propósito da cessão a título gratuito, o Código Civil brasileiro introduziu o requisito da má fé, por parte do cedente, para que haja de responder pela existência do crédito. ^Que se há de entender por "existência do crédito"? A existência, em sentido exato, ou a existência e a eficácia? O crédito só existe se o negócio jurídico, o ãto-fato jurídico, ou o ato ilícito, ou o fato stricto sensu ilícito existiu. Em se tratando de negócio jurídico nulo, o crédito não existe. Se o negócio jurídico é anulável e sobrevém a anulação, o crédito existiu, mas deixou de existir ex tunc. Se o negócio jurídico só é sujeito a alguma exceção, o crédito existe e apenas está encoberta a sua eficácia. Se o crédito existe e não existe a obrigação, tem-se como responsável o cedente: portanto, na expressão "existência do crédito" se inclui a "existência da pretensão"; portanto basta que não exista a pretensão para que o cedente seja responsável. Se o crédito não pode ser exigido ou acionado porque o impede exceção, responde o cedente, - o que mostra quão imprópria é a expressão "existência do crédito". Idem, se pode ser excluído, no todo ou em parte, pela compensação, ou por haver condição. Ou se já fôra solvido. O que existe é a verdade do objeto da cessão, o nomen verum. Daí "existência do crédito" estar por "ser o crédito tal qual, pelo negócio jurídico da cessão, se pensou adquirir" Na jurisprudência, a despeito de impropriedade de expressões, cf. os acórdãos da 3.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 28 de junho de 1945 (./, 26-27,538 s.) e da 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 25 de novembro de 1942 (R. dos T., 145, 644).

Se há crédito, mas o titular não é o cedente, cedeu-se o que não se tinha (= o crédito cedido não existia). As regras jurídicas do art. 1.073 estendem-se aos direitos acessórios. Os arts. 1.073 e 1.074 são nis dispositivum, de modo que se do negócio jurídico consta que o crédito não é munido de pretensão, ou de ação, ou que está prescrita a pretensão ou a ação, não há pensar-se em responsabilidade segundo o art. 1.073; nem de responsabilidade segundo o art. 1.074, se lá está que o devedor não se acha em boa situação financeira, ou está insolvente, ou quase falido, ou falido. O equilíbrio patrimonial, para que se evite o enriquecimento injustificado, se não há negócio jurídico causai, que seja subjacente (ou sobrejacente) à cessão, restabelece-se pela condictio (ação de enriquecimento injustificado, Código Civil, arts. 964-966). Se há o negócio jurídico causai, e. g., compra-e-venda, rege o art. 1.073, l. a parte, ou o art. 1.073, 2.a parte, com a distinção fundada na onerosidade ou na gratuidade. O art. 1.073 não pode ser invocado se ao negócio jurídico da cessão de crédito, que é abstrato, não subjaz ou sobrejaz negócio jurídico causai. (A obrigação do art. 1.073 não tem por fundamento o dever de prestar as indicações necessárias para o recebimento da dívida e de entrega do título, como pareceu a L . E N N E C C E R U S , Lehrbuch, II, 2 8 1 , e, antes, a T H . KEPP, Über den Begriff der Rechtsverletzung, Festgabefür O T T O GIERKE, 15 s., nem, tão-pouco, infração da propriedade do cessionário sôbre o crédito, extravagante explicação de F R . L E O N H A R D , Allgemeines Schuldrecht, 7 0 . ) A cessão de crédito a título oneroso é baseada em contrato bilateral. O cedente responde pela existência da dívida, que é a sua prestação. Se a cessão de crédito é a título gratuito, o cedente não responde pela veritas. O que pode dar-se é que haja de responder pelo interêsse negativo, em caso de dolo (Código Civil, art. 1.073, 2.a parte: "A mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má fé"). O art. 1.073 não incide em caso de cessão legal de créditos. Supõe-se que exista a dívida; aí, o crédito é elemento necessário do suporte fáctico: se falta, há insuficiência dêle, não só deficiência. O cedente do crédito, ou, em virtude do art. 1.078 do Código Civil, de qualquer direito, responde pela existência do crédito ao tempo da cessão. Se não existe, tem o cedente de indenizar. O que mais importa é saber-se

que o art. 1.078 contém exceção à regra jurídica do art. 145, II, 2.A parte, segundo a qual é nulo o negócio jurídico que tem objeto impossível (A. BECHMANN, Der Kaufnach gemeinem Recht, II, § 2 3 9 ; H. A. FISCHER, Ein Beitrag zur Unmõglichkeitslehre, 2 9 ; P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 3 8 4 ; H. R E H B E I N , Das bürgerliche Gesetzbuch, I I , 1 5 6 ; M A R C K , Die Nichtigkeit von Rechtsgeschãften ais Folge der Unmõglichkeit, 71; sem razão: A. SCHIREMANN, Die Haftung des Cedenten, 6 4 ; H. T I T Z E , Die Unmõglichkeit der Leistung, 6 4 e 2 6 8 ; S . SCHLOSSMANN, Anspruch, Klage,

Urteil und Zwangsvollstreckung auf Herbeiführung eines Rechtserfolges, Jherings Jahrbücher,

4 5 , 1 1 3 ; G . P L A N C K , Kommentar,

H , 1, 3 2 2 ) .

a

O art. 1.073, l. parte, somente concerne à responsabilidade pela existência do crédito ao tempo da cessão {verbis "pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu"). Pelo que acontece após a cessão, a situação do cedente rege-se pelos arts. 865 (P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 384; G. P L A N C K , Kommentar, II, 338; B. B E N D I X , Die Haftung für den Rechtsbestand von Rechten, Archivfür

Bürgerliches

Recht,

32, 330), 869

e 870, pôsto que rara a incidência dos arts. 869 e 870. A pretensão que nasce da incidência do art. 1.073, l. a parte, é assaz larga, pois que se dirige a interêsse positivo do adimplemento, e de modo nenhum se limita ao que o cessionário prestou de sua parte; por exemplo: não importa que a contraprestação tenha sido abaixo do valor nominal, ou do preço da bolsa ou do mercado (L. K U H L E N B E C K , / . v. Staudingers Kommentar, D , 595; P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 384). O art. 1.072 só se pode invocar a propósito da verdade do crédito, do nomen verum, e não d a b o n d a d e ,

bonitas.

A responsabilidade pela existência do crédito tanto ocorre se o crédito não mais existe, ou nunca existiu, como se êle está subordinado a condição, que o cessionário ignorava, ou a objeção ou exceção (O. WARNEYER, Kommentar I, 7 5 6 ) , ou se é nulo ou anulável o negócio jurídico ( K . H E P W I G , Anspruch und Klagrecht, 2 0 ; G . P L A N C K , Kommentar, J., 1, 3 3 9 s.; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 3 8 4 L . K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers Kommentar, I I , 5 9 4 ; H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, I I . 2, 5 9 ) .

Se a dívida está sujeita a compensação, o cessionário tem a ação do art-1.072, l. a parte; porque a compensação a extingue, com causa anterior a cessão ( O . WARNEYER, Kommentar, I, 7 5 6 ) . Idem, se o conteúdo do crédito é diferente daquele que se mencionou no negócio jurídico da cessão (E. g., outro têrmo ou duração, outro lugar de adimplemento, P. OERTMANN,

Recht der Schuldverhãltnisse, stung,

3 8 4 ; H . T I T Z E , Die Unmõglichkeit

der Lei-

268).

A responsabilidade também se estende à existência de direitos acessórios, pretensões acessórias e ações acessórias (P. B E N D I X , Die Haftung f ü r R e c h t s b e s t a n d v o n R e c h t e n , Archiv für Bürgerliches

Recht,

32, 331).

a

A responsabilidade segundo o art. 1 . 0 7 3 , l. parte, pode ser restringida, ou eliminada, pois que o art. 1 . 0 7 3 , conforme já dissemos, é regra jurídica dispositiva. Também é possível estendê-lo à responsabilidade pela solvabilidade do devedor (P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 385). Se foi cedido crédito, que se disse garantido por hipoteca, ou penhor, e não há tal hipoteca, ou tal penhor, o art. 1.073, l. a parte, incide, porque se trata de direito acessório, que falta. Também é de invocar-se o art. 1.073, l. a parte, se foi cedida hipoteca e não há hipoteca. Se a cessão é de crédito garantido por hipoteca e fiança e falta a fiança, dá-se o mesmo quanto à responsabilidade do cedente. Se foi dito que havia hipoteca e se mencionou o grau e há a hipoteca, porém de grau inferior, o art. 1.073, l. a parte, não incide. Se houve referência ao imóvel, que foi gravado, e há hipoteca mas de outro imóvel, não é caso para se pensar em aplicação do art. 1.073, l.a parte (O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 757). O art. 1.073, l. a parte, também é invocável em caso de desconto de título cambiário ou cambiariforme (WechselDiskontierungsgeschãft). Quem desconta responde conforme a lei cambiaria e conforme o art. 1.073, l. a parte, no que concerne à existência do crédito ou direito. Tal responsabilidade pode ser acima do valor do título cambiário ou cambiariforme (cf. L . KURLF.NBECK, J. V. Staudingers Kommentar, II, 5 9 4 ) . A venda de ações para controle ou maioria em sociedade é, ao lado da venda das ações, cessão dos direitos que o grupo de ações dá, de modo que o art. 1.073, l. a parte, incide. Não se subordina ao art. 1.073, l. a parte, o que se transfere por fôrça de lei, ou por transferência de patrimônio ( P . O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse,

385), ou em assunção de dívida pro solvendo

(L.

II, 594; P . O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 386), isto é, se a antiga dívida só se extinguira se a nova fôr paga.

KUHLENBECK,

J.

V.

Staudingers

Kommentar,

3 . "BONITAS". - Quanto à solvabilidade do devedor, estatui o art. 1 . 0 7 4 do Código Civil: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor". O art. 1.074 é ius dispositivum.

Ou houve estipulação da responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, pela bondade (bonitas) do crédito, ou não houve. Se não houve, não há pensar-se em pretensão contra o cedente. Se houve, prevê o art. I.075: "O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança" O art. 1.075 também é ius dispositivum. Assumida a responsabilidade pela solvência do devedor, entende-se, em caso de dúvida, que só se garante a solvabilidade no momento da cessão, salvo se ainda não se venceu a dívida. A regra jurídica, não escrita, é de grande interêsse. O cedente pode ter dito: "cedo o crédito contra A, que é solvável", ou "o devedor é pessoa em boa situação financeira", "respondo pelo pagamento que A tem de fazer". Nas duas primeiras espécies, só há responsabilidade no momento da cessão; na terceira, até que prescreva ou se extinga por negligência do cessionário. Sempre que as circunstâncias indiquem outro momento, posterior à cessão de crédito, como aquêle até quando se responsabilizou o cedente, não scfiá de pensar no momento da cessão como aquêle que se fixou, ainda que não vencida a dívida. Assim, se houve a assunção da responsabilidade e o crédito já se venceu, a responsabilidade da solvência somente é no momento da cessão do crédito. Se o crédito ainda não se venceu, ou não pode ser exigido, a responsabilidade é até o vencimento ( W Ü R Z B U R G E R , Über die Haftung des Zedenten für Güte und Einbringlichkeit einer Forderung, Gruchots Beitiüge, 5 1 , 7 2 1 ; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 3 8 6 ; L . KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kommentar, N , 5 9 8 ; H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht,

II, 2, 61; sem razão, ainda em sistema jurídico que tem, escrita, a regra jurídica no § 438 do Código Civil alemão, L. E N N E C C E R U S , Lehrbuch, II, 359, nota 14). A responsabilidade do cedente pela solvência do devedor é inconfundível com a fiança: trata-se de obrigação assumida por ocasião da cessão de crédito, mas de modo nenhum acessória do crédito cedido, obrigação cujo adimplemento pode ser exigido ainda que o crédito cedido não exista ( L . KUHLENBECK,

J.

V.

Staudingers

Kommentar,

II, 5 9 8 ) .

A responsabilidade pelapercebibilidade é mais do que êle pela suficiência do preço do imóvel e pela solvência do devedor); porém submete-se à mesma regra jurídica interpretativa (ius interpretativum). Quem cede hipoteca e se submete à responsabilidade pela bonitas não responde pela solvência do devedor, mas fica sujeito à mesma re-

gra jurídica interpretativa no tocante ao valor do imóvel ( O . W A R N E Y E R , Kommentar, I, 759). Se a responsabilidade se estende à percebibilidade (Einbringlichkeit), responde a responsabilidade pela bonitas do crédito solvência do devedor. Não se pode pensar, todavia, em que o cedente haja de ficar com o prédio. Se o cedente se responsabilizou pela pontualidade do devedor e êsse falha, tem o cessionário ação contra o cedente sem precisar acionar o devedor (O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 760). 4. O U T R A S O B R I G A Ç Õ E S . - O cedente tem de dar ao cessionário as informações necessárias para a eficácia translativa e para o exercício do crédito, desde que tenha posse dos documentos. Se o cedente tem interêsse legítimo em conservá-los (e. g., porque só cedeu parte do crédito), só é obrigado a obter, à custa do cessionário, certidão ou pública-forma ou outra cópia de eficácia jurídica, para lhe entregar ( H . D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, II, 1, 398; P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhaltnisse, 317; L. K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers Kommentar, II, 459; sem razão, E S C H O L L M E Y E R , Recht der Schuldverhaltnisse, 369 s.; H. R E H B E I N , Das Bürgerliche Gesetzbuch, II, 392, que não distinguiam, e G. P L A N C K , Kommentar,

II, 1, 5 6 8 ) .

O cedente, demais disso, tem de facilitar a cobrança do crédito, ou a cobrança e a execução adiantada, se é o caso. Há de abster-se de qualquer ato que torne impossível (TH. KIPP, Über den Begriff der Rechtsverletzung, Festgabefür O T T O G I E S R K E , II, 15 s.), ou difícil, qualquer ação do cessionário, oriunda do crédito. Se, por exemplo, o cedente algo recebe do devedor, tem de entregar o que recebeu, com os juros e indenização, se cabe. As despesas para a documentação conveniente da cessão de crédito são pagas pelo cessionário. O cedente pode exigi-lo, antecipadamente. Trata-se de direitos auxiliares, que só se destinam à prova e eficácia do crédito. Se o cessionário cede, por sua vez, o crédito, ao segundo cessionário transferem-se êsses direitos auxiliares, salvo disposição em contrário; e pode êsse exercê-los perante o primeiro cedente (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 2 8 1 ; F. S C H O L L M E Y E R , Recht der Schuldverhaltnisse, 3 7 0 ; H. R E H B E I N , Das Bürgerliche Gesetzbuch, II, 3 9 2 ; H. S I B E R , em G. PLANCK, a Kommentar, II, 1, 4. ed., 5 6 8 s.; H. D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, II, 1 , 3 9 8 ; sem razão, P. O E R T M A N N , Recht Schuldverhaltnisse, 318). Se o documento ou meio de prova se acha em mão de terceiro, tem-se de entender que se compreende na cessão e na posterior cessão, se houve,

a cessão da pretensão à restituição (O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 695), ou à exibição. Se a cessão de crédito foi parcial, o cedente somente é obrigado a fornecer ao cessionário, às custas dêsse, prova ou documentação baseada na prova ou documento que tem ( P . O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 317; H. D E R N B U R G , Das Bürgerliche Recht, II, 1, 398, nota 5; sem razão, F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 369 s.). O que acima se disse também se entende com as cessões legais (O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 695), como se dá no caso do art. 913 do Código Civil (devedor solidário que satisfaz a dívida por inteiro), ou do art. 1.493 (co-fiador que presta, se não houve estipulação do benefício da divisão), e com as cessões

judiciais.

O cedente de conta corrente ou de outra conta bancária, ou de caixa econômica, não tem de entregar a caderneta. Incumbe-lhe dar o escrito que seja suficiente para que o banco ou caixa econômica faça a transferência. A simples entrega do documento da dívida não prova a cessão do crédito (L. K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers Kommentar, II, 4 5 9 ) . A pretensão do cessionário a que o cedente lhe dê o instrumento público ou particular de que precise também é direito auxiliar, que se transfere ao posterior ou posteriores cessionários. Todavia, enquanto o cessionário não adianta, ainda depositando, ou pondo em mãos do tabelião, as despesas, não há mora do cedente (L. K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers Kommentar, n, 460). Tais também apanham as cessões legais e as judiciais.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.832. B - Doutrina Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo do negócio que lhe serve de base (art. 578.°, 1.a parte, do Código Civil português), ou seja, segue a cadência lógica do negócio que lhe serve de base, o qual é o escopo da cessão. O negócio subjacente à cessão deve existir, ser válido e eficaz para que a cessão também possa fruir desses atributos. Se o negócio que lhe serve de base tem forma prescrita em lei, a cessão do direito subjacente a esse negócio deverá seguir a mesma forma do negócio originário. Por isso que se diz que a causa da cessão, isto é, "o negócio que lhe serve de base, pode ser qualquer um, desde que seja apto a produzir o efeito translativo desejado - por exemplo, uma compra

e venda, uma doação, uma dação em cumprimento etc. e o termo 'cessão de crédito' designa apenas o efeito translativo da posição creditória que esse mesmo negócio produz" (MONTEIRO, Antônio Pinto; CUNHA, Carolina. Sobre o contrato de cessão financeira ou de factoring. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Volume Comemorativo, t. 75. Coimbra, 2003, p. 550).

§ 2.833. C E S S Ã O D E

CRÉDITO

ANTES DA CIÊNCIA P E L O

DEVEDOR

- Feita a cessão de crédito, começa a sua eficácia entre os figurantes; salvo se há condição ou têrmo, casos em que começa, com a conclusão do negócio jurídico, a vinculação, mas a transferência do crédito só se inicia com o implemento da condição ou o advento do têrmo. Tais cessões de crédito não se hão de confundir com as promessas de ceder 1. PRECISÕES.

(pactum

de

cedendo).

O registo do título de cessão de crédito pode ter de ser feito para que a eficácia possa ser erga omnes. Todavia, como a eficácia da cessão, em relação ao devedor, depende da ciência por êsse, o que se publica, antes de tal ciência, é apenas a cessão tal como é a cada momento. Assim, o terceiro não pode pretender que haja, no que se refere a êle, efeitos que dependeriam da notificação do devedor ou da declaração escrita de que cogita o Código Civil, art. 1.069. 2 . S I T U A Ç Ã O J U R Í D I C A CRIADA P E L A CESSÃO D E C R É D I T O SE AINDA NÃO

- Se já houve a cessão de crédito e ainda não se notificou o devedor, nem êle declarou, por escrito, conhecer a cessão (ato jurídico stricto sensu), há cessão de crédito, mas a sua eficácia não vai até o devedor. H O U V E CIÊNCIA D O CREDOR.

O princípio geral é em proteção do devedor. Não há de êle sofrer conseqüências do que desconhece. O antigo credor que recusa o adimplemento, sem conhecer o devedor a cessão, determina a mora creditoris, de modo que em mora de receber está o cessionário (P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhãltnisse, 323; F. SCHOLLMEYER,

Recht der Schuldverhãltnisse,

379).

Se algum terceiro paga a dívida (Código Civil, art. 930 e parágrafo único), já sabendo o devedor que houve a cessão, paga mal: a ciência,

§ 2.833. CESSÃO DE CRÉDITO ANTES DA CIÊNCIA PELO DEVEDOR

por parte do terceiro, é sem importância verhaltnisse,

3 2 3 ; G . PLANCK, Kommentar,

BGB., Seufferts Blatter, me, Jherings Jahrbücher,

(P. OERTMANN, Recht der



401

Schuld-

I I , I , 5 7 8 ; ULSAMER, ZU § 4 0 7

sem razão: E . STROHAL, Schuldübernah2 4 2 ; BERNDT, Leistung eines Dritten an den

75, 777; 57,

bishering Glãubiger, Seufferts Blatter, 75, 676).

Se há litígio entre muitos pretendentes à titularidade do direito, que o devedor conheça, mais aconselhável para êsse é evitar a mora debitoris, e. g., depositando em consignação a prestação. - Se, antes da notificação ao devedor, ou da declaração dêle, escrita, de ter tido conhecimento da cessão, há litígio entre êle e o antigo credor, a sentença, que se profira, tem eficácia de coisa julgada material contra o nôvo credor e a fôrça e mais eficácia que sejam a da sentença. Qualquer litígio, entenda-se (ação, reconvenção; ação declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva; exercício de direito de compensação, ainda que em ação de depósito em consignação). 3 . EFICÁCIA SENTENCIAL ANTES DA CIÊNCIA DO DEVEDOR.

A eficácia sentenciai opera em relação ao cessionário, quer seja favorável ao credor cedente, quer lhe seja desfavorável, quer absolva da instância, quer julgue perempto o direito. Se, durante a lide entre o cedente e o devedor insciente da cessão do crédito, litigam cedente e cessionário, a sentença proferida na ação entre êsses nenhuma influência tem na ação entre aquêles. 4. ADIMPLEMENTO PELO DEVEDOR INSCIENTE DA CESSÃO. - A matéria do art. 1.071 do Código Civil consiste em objeção, que nasce ao devedor, a despeito de ter havido a cessão do crédito. A regra jurídica é de proteção ao devedor, porque o cedente deixou, em verdade, de ser credor (plano da existência); no plano da eficácia, o devedor, que ignora a cessão de crédito, solve ao cedente, que não é mais o credor. Diz o art. 1.071: "Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário, que lhe apresenta, com o título da cessão, o da obrigação cedida".

5. CESSÃO LEGAL DE CRÉDITO ("CESSIO LEGIS") E CESSÃO JUDICIAL DE CRÉDI-

TO. - Se a transferência do crédito se operou por fôrça de lei, é de invocar-se o que acima se disse. O conhecimento do fato que deu ensejo à incidência da lei sôbre a transmissão legal de crédito é que há de sobrevir para

mudar a situação. Porém não é preciso que se faça a notificação, nem que haja a declaração escrita de que fala o Código Civil, no art. 1.069, porque o art. 1.069 só se refere à cessão voluntária. Também é de invocar-se o que acima se disse se ocorreu cessão judicial de crédito por ter sido penhorado o crédito, sem que se haja notificado o devedor e sem que se haja declarado ciente (cf. Código de Processo Civil, art. 938-941). Se o devedor, na relação jurídica em que está o credor que sofre a execução, paga, sem conhecer a lide, ao credor, libera-se perante o credor penhorante ( L . STEIN, Der Drittschuldner, Festschriftfür ADOLF WACH, 1,15; p OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 5. A e d , § 4 0 7 , 5 , desgarrando-se de sua opinião anterior; H . LEHMANN, em L . ENNECCERUS, Lehrbuch II 2 8 3 , contra a opinião de L . ENNECCERUS, nas edições anteriores; sem razão, G . PLANCK, Lehrbuch, A

II, 1, 5 8 3 ; P. OERTMANN, Recht

der

Schuldverlmlt-

a

nisse, 3 . - 4 . e d , 3 2 4 ) .

Se o fiador do crédito paga ao credor, dá-se a cessio legis (sub-rogação pessoal, Código Civil, art. 1.495), libera-se o devedor prestando ao fiador. 6. AÇÃO DO CESSIONÁRIO CONTRA O CEDENTE. - A ação de indenização do cessionário contra o cedente, por ter continuado na lide, ou tê-la iniciado, após a cessão do crédito, é determinada pela relação jurídica entre eles. Pode ser a de gestão de negócios sem mandato, ou de ato ilícito, ou a de enriquecimento injustificado (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 3 2 4 ; G . PLANCK, Kommentar, I , 5 8 0 ; ERNST RABEL, Die eigene Handlung des Schuldners und des Verkàufers, Rheinische Zeitschrift, 1, 214 s.; TH. KIPP, Über den Begriff der Rechtsverletzung, Festgabe der Berliner juristischer

Fakultütfiir

OTTO GIERKE, I I , 1 5 s . ) .

7 . ENDOSSO COM EFEITOS DE CESSÃO DE CRÉDITO E NOTIFICAÇÃO. - O e n -

dosso posterior ao vencimento dos títulos cambiários ou cambiariformes tem a eficácia da cessão de crédito, não é cessão de crédito. E assim que se há de interpretar o art. 8.°, § 2.°, da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro d e 1908. Não é de mister a notificação do art. 1.069 do Código Civil: o devedor paga à apresentação do título cambiário ou cambiaiiforme. O devedor não pode pagar a quem foi endossante e não mais o é, nem a notificação do devedor, sem a apresentação do título para recebimento, impede que o devedor pague a quem apresente o título com o endosso. Daí ser perturbante

§ 2.834. CESSÃO DE CRÉDITO DEPOIS DA CIÊNCIA PELO DEVEDOR • 403

e inútil a notificação, que alguns juristas estrangeiros sugerem e a que a l. a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de maio de 1942 (R. dos T., 141, 639), se referiu. O endossatário-cessionário, chamemo-lo assim, pode opor as exceções que lhe competirem como se fôsse endossatário antes do vencimento o cessionário, mais as que teria contra o cedente no momento da apresentação do título. A referência à ciência da cessão pelo devedor seria impertinente, porque o art. 1.069 não incide: é supérfluo o que nêle se estabelece. O endosso após o vencimento nada estabelece, quanto ao devedor, que seja plus ou minus, Ignorava êle quem apresentaria o título, e continua de ignorá-lo. Se o tomador ou outrem lhe apresenta o título vencido e o devedor solve em parte, tem de exigir a documentação do pagamento parcial. Êsse pagamento parcial, se não constasse do título, não poderia ser oposto ao endossatário por endosso anterior ao vencimento, mas - se o endosso foi posterior ao vencimento - o pagamento parcial, devidamente provado, pode ser oposto ao endossatário, que é, no plano da eficácia, simples cessionário. -

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.833. B - Doutrina Quando a cessão é realizada sob condição, o negócio jurídico torna-se causai Carl. Die Abfindungscession, FG Krüger, p. 199 ss.). Mas, ainda que se entenda que a cessão pura seja um negócio causai (assim, GOMES DOS SANTOS, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de janeiro: Forense, 2007. n. 148, p. 246), essa causa é diferente da causa do negócio jurídico anterior. (CROME,

§ 2.834. CESSÃO DE CRÉDITO DEPOIS DA CIÊNCIA P E L O DEVEDOR

1. PROTEÇÃO DO DEVEDOR. - A lei protege o devedor contra a falta de notificação ou de declaração sua de ter conhecimento da cessão, e contra a notificação

inexata.

Já vimos qual a técnica protectiva em caso de falta da notificação. Aqui, o assunto há de ser restrito à notificação e à notificação inexata. 2. NOTIFICAÇÃO EXATA E SEUS EFEITOS. - A notificação há de ser entendida em seus têrmos precisos. Tem-se por exata, isto é, por ser expressão verdadeira do que se passou entre o credor, cedente, e o terceiro, cessionário. Por ser exata, as conseqüências que tem são as que esperavam cedente, cessionário e devedor. 3 . N O T I F I C A Ç Ã O I N E X A T A . - Se o credor, sem notificar o devedor, cede o crédito a uma pessoa, A, e comunica ao devedor que o cedeu a outra, B, o devedor que paga a B, ou com êle conclui negócio jurídico, está incólume ao que alegue A, ou o próprio antigo credor (cf. G . P L A N C K , Kommentar, II, I, 585). Na doutrina alemã, insinuou-se que o devedor só tem a proteção legal em tal caso de notificação inexata se de boa fé ( K . H E L L W I G , Wesen

und subjective

L . K U H L E N B E C K , J. V. Staudingers

Das Biirgerliche

Recht,

Begrenzung Kommentar,

der Rechtskraft,

385;

I I , 4 7 5 ; H . DERNBURG,

I I , 1, 5 8 5 ; L . E N N E C C E R U S , Lehrbuch,

I I , 3 7 9 ; P.

3 2 7 ) . Discordaram G . PLANCK e F. S C H O L L M E Y E R (Recht der Schuldverhãltnisse, 385), que não viram base para essa distinção em caso de boa fé e em caso de má fé. No direito brasileiro, a ciência do devedor é sujeita a regra jurídica especial: só se entende ciente o devedor que foi notificado ou que declarou por escrito ter conhecimento da cessão. A tese de G . P L A N C K não era injusta; no direito brasileiro, é a única possível, diante dos textos dos arts. 1.069 e 1.071 do Código Civil. OERTMANN,

(Kommentar,

Recht

der Schuldverhãltnisse,

II, 1, 5 8 5 )

Portanto, se o devedor vem a saber que a cessão fôra feita a A, e não a B, ou que primeiro foi feita a A, mas a notificação ou a sua declaração de ciência se referiu a B, pode acontecer: a) que A o tenha notificado antes da notificação feita pelo cedente, e então houve êrro do cedente, que não se precisa apurar porque A notificara o devedor, antes; b) que A o tenha notificado depois, o que permite ao devedor, por exemplo, depositar em consignação para pagamento a prestação, conforme o art. 973, IV, do Código Civil; c) que o devedor haja sabido, por fora (= sem ser pelo cedente, ou pelo cessionário, e sem que haja escrito declaração de ciência), da existência da cessão a favor de A. Na espécie c), o devedor apenas pode, ao aparecer A, ou ao aparecer B, para receber, depositar em consignação para pagamento o que há de prestar, ou pagar a B.

Com a notificação, ou com a declaração escrita que entregou ao credor, de que convém que o devedor guarde cópia com a declaração de recepção por parte do credor, ou do cessionário, o devedor adquire pretensão a que o antigo credor e o cessionário se subordinem aos termos da notificação ou da declaração escrita. Se o devedor vem a saber que a notificação foi inexata e não seria caso de sol ver a dívida ao cessionário, tem admitido a doutrina que o devedor responda, em caso de dolo, ao credor antigo (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhaltnisse,

326; G. PLANCK, Kommentar,

NBURG, Das Bürgerliche

Recht, II, 1, 3 9 6 ) . Mas é preciso que se separem

13,1, 584; H. DER-

os problemas: o da legitimação ativa à solução e o do dolo (aí, dolo em ato ilícito absoluto). Se o pagamento tem de ser feito contra entrega de título incorporante, ou de documento (pertença do crédito, mas expedido para que, ao se receber a prestação, se entregue), o devedor somente há de tratar o cessionário como legitimado a receber se devolve o título ou documento. O devedor tem exceção, dilatória e somente pode ser condenado ao adimplemento contra entrega do título ou do documento. Êsse título ou documento não se confunde com o documento da cessão de credito, que o antigo credor expediu. Também por isso tem o devedor exceção dilatória e direito de retenção. Não existe pretensão do devedor à entrega do título ou documento, que há de ser devolvido, nem à entrega do título ou documento da cessão. Todavia, pode depositar em consignação a prestação, para que o credor a levante mediante a entrega de algum deles, ou de ambos. 4. ÔNUS DA PROVA. - Na ação do cedente contra o devedor, tem êsse o ônus de alegar e provar que houve a notificação feita pelo cedente, ou pelo cedente e pelo cessionário, ou pelo cessionário, com apresentação do instrumento da cessão, - razão por que há de exigir, ao dar a declaração de ciência, que se lhe passe recibo, ou, ao ser-lhe feita a notificação pelo cessionário, com a apresentação do documento da cessão, que se lhe deixe certidão ou cópia, ou indicação do cartório. O cedente, que alega revogação, tem de prová-la e o consentimento do cessionário (FR. LEONHARD, Die Beweislast, 389). Pode ter de provar que o cessionário e êle distrataram a cessão, notificando-o no momento para a eficácia revocatória. O ônus de provar que houve a declaração escrita de ciência pelo devedor incumbe ao cedente, ou ao cessionário, que lhe afirma a existência.

Se o devedor diz que foi revogada a notificação, tem de prová-lo. Hão lhe cabe qualquer afirmação ou prova da razão para a revogação. Se o devedor argúi nulidade ou anulabilidade da cessão, o ônus da prova lhe cabe.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.834. A - Legislação Conferir art. 290 do CC/2002.

§ 2.834. B - Doutrina Muito embora a lei não prescreva forma solene para a celebração do negócio de cessão, motivo pelo qual o instrumento público não é da essência do ato, a forma prescrita em lei para que os escritos particulares surtam o efeito de atingir a esfera jurídica de terceiros obriga o interessado a precatar-se quando da elaboração do escrito particular. Este deve conter, por exigência legal, os seguintes requisitos: (a) conter a indicação do lugar onde foi lavrado o instrumento; (b) conter a qualificação das partes que, no caso de c e s s ã o de crédito, são: o cedente (credor) e o cessionário (adquirente do crédito). Embora não esteja no texto do art. 654, § 1 d o CC/2002 a exigência de registro do título, o texto do art. 221 do CC/2002 autoriza afirmar que a eficácia do negócio na esfera jurídica de terceiro desafia, também, que o escrito particular, confeccionado em atendimento às exigências do art. 654, § 1 d o CC/2002, seja levado a registro (art. 129, 9.°, da Lei 6.015/1973). Em outras palavras, devem ser observados os pressupostos legais do negócio de procura, por instrumento particular, nos termos da lei.

§ 2.834. C - Jurisprudência Formalidade para a notificação. Basta que o devedor s e tenha declarado ciente da cessão, em instrumento público ou particular (STJ, REsp 1.141.877/MG, 3. a T., j. 20.03.2012, v.u., rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 27.03.2012). Notificação do devedor. Dever de informação. A falta da notificação do devedor enseja a ineficácia da c e s s ã o de crédito em relação a ele, embora permaneça válida a operação entre cedente e cessionário. Trata-se de aplicação do dever de informação nascido do princípio da boa-fé objetiva (STJ, REsp 1.141.877/MG, 3.a T„ j. 20.03.2012, v.u., rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 27.03.2012). Finalidade da notificação. O objetivo da notificação é informar ao devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas conseqüências: em primeiro lugar

dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que o devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança (inteligência do art. 294 do CC/2002) (STJ, REsp 936.589/SP, 3.a T, j. 08.02.2011, rei. Min. Sidnei Beneti, DJe 22.02.2011).

SEÇÃO E I PLURALIDADE DE

NEGÓCIOS

JURÍDICOS QUANTO AO

CRÉDITO

§ 2.835. P L U R A L I D A D E D E DO CRÉDITO PELO MESMO

CESSÕES CREDOR

1. ESPÉCIE A SER TRATADA. - Na espécie, o credor cede mais uma vez o crédito que já antes cedera uma ou mais vêzes. Têm-se de precisar as conseqüências em relação ao devedor, não ciente ou ciente, e entre os cessionários sucessivos. Se a dívida consta de título, que haja de ser entregue ao cessionário, tal entrega é elemento necessário à perfeição do negócio jurídico bilateral da cessão. Tem-se aí o problema da necessidade ou desnecessidade da entrega do título. Por método, invertamos os assuntos: a) problema da necessidade da entrega do título e, pois, cessão com entrega do título e cessão sem entrega do título, aquela anterior a essa, ou vice-versa; b) cessões de datas diferentes, perfeitas, mas sem que o devedor tivesse tido ciência da cessão, ou das cessões anteriores; c) cessões notificadas ao devedor, ou com declaração do devedor de ter conhecimento delas. 2 . ENTREGA DO TÍTULO COMO ELEMENTO DE PERFEIÇÃO DA CESSÃO DO CRÉ-

DITO. -Lê-se

no Código Civil, art. 1.070: "Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do credito cedido". Com essas expressões, o legislador brasileiro deu a sua

solução ao problema da cessão de crédito. A técnica já conhecia: o) a solução que entendia dever ter-se como eficaz a que tivesse data mais antiga (Código suíço das Obrigações de 1881, art. 186, que foi retirado do Código revisto); b) a solução que atende a diferenças existentes entre direitos incorporados em títulos e direitos documentados (títulos documentais) e entre títulos nominativos endossáveis e não endossáveis. A respeito, Tomos XV, § 1.776, 2, XIX, § 2.272, e XXI, § 2.633. Quanto aos títulos incorporantes, seja real ou seja pessoal o direito incorporado, é óbvio que não se pode mudar a titularidade sem que se entregue ao outorgado o título. Porém, se ao portador o título, ou endossável, não cabe invocar-se regra jurídica sôbre a cessão de crédito. A propósito de títulos ao portador, porque são as regras de direito das coisas que hão de ser invocadas e, por vêzes, regras jurídicas especiais sôbre a aquisição da propriedade do título e, pois, do direito incorporado. A propósito de títulos endossáveis, porque a entrega é elemento essencial, por ser lançado o endosso no próprio título e ser a entrega o que mostra ter a declaração de vontade atingido o alter (endossatário). R e s t a m os títulos

nominativos.

O q u e e s c r e v e m o s n o Tomo XV. §

1.776, 3, há de ser relido. Pode haver a cessão do direito incorporado, mas segundo as regras jurídicas que disciplinam a espécie de título nominativo, quase sempre devido ao conteúdo do direito ou ao objeto dêle. (e. g., Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 25, 27, a), e §§ 1.° e 2.°). Não raro, há regras estatutárias, precisas, sôbre as transferências. Quanto às ações nominativas, em falta de regramento legal ou negociai, é que tem importância a invocação do art. 1.070 do Código Civil. Aos direitos documentados o art. 1.070 do Código Civil não há de ser referido, salvo excepcionalmente, porque os documentos são apenas pertenças do direito. Não houve incorporação. Mais exato é falar-se de documento do que de título. Todavia, se o documento foi concebido para se presumir a quitação da dívida com a entrega dêles (Código Civil, art. 945), ou para se presumir a remissão da dívida (art. 1.053). Nos casos em que caberiam tal presunção, o art. 1.070 incide. O art. 1.070 tem a conseqüência prática de fazer eficaz a cessão que se perfez com a entrega do título. Não se tire da regra legal que a entrega do título, a dação da posse imediata, é, sempre, pressuposto da existência da cessão. De modo nenhum. A cessão de crédito pode concluir-se sem a entrega da posse imediata do título, que é e continua a ser pertença do di-

reito cedido. O cessionário tem direito a que se lhe faça a entrega. Se o cedente cedeu a duas pessoas e a uma delas, digamos ao figurante da cessão posterior, fêz a entrega, "prevalece" essa. Tudo ocorre como se a alienação tivesse sido de imóvel e o segundo outorgado tivesse ido registar antes do primeiro outorgado. ^Quer isso dizer que a cessão de crédito não transfira? Não; apenas se protege quem se muniu cedo do documento probatório do crédito (não só da cessão). Cf. 8.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 14 de outubro de 1953 (A. J., 108, 605). Todavia, se o cedente ou o cessionário fêz registar o instrumento da cessão, de acordo com os arts. 135 e 1.067, há os efeitos contra terceiros, de jeito que não mais se precisa do expediente do art. 1.070, que aí não incide. É preciso que se interprete o art. 1.070 como regra jurídica que se inseriu no sistema jurídico brasileiro e tem de ajustar-se aos seus princípios. A cessão de crédito operou-se, mas a falta do registo do instrumento da cessão de crédito expõe o cessionário a não haver a eficácia contra terceiros, inclusive o segundo cessionário. Essa interpretação faz o art. 1.070 só incidir se não houve o registo de que fala o art. 135. Qualquer outra interpretação faria a pertença (o documento) passar à frente do principal. A entrega do documento (= da posse imediata) é elemento necessário se não houve transferência da posse mediata, seguida do registo de que fala o art. 135. Portanto: se houve o registo, o cedente apenas tem posse imediata do título, ou nenhuma posse, por se ter transformado em servidor da posse do cessionário conforme o registo. Se não foi feito o registo, a tradição do documento pode ter sido feita longa manu, brevi manu, ou pelo constituto possessório, ou pela cessão da pretensão à entrega. Somente no último caso, outra cessão pode "preferir" à que se fêz, por ter sido exercida, eficientemente, a pretensão à entrega. Se foi feito o registo, pode êle ter aludido à transferência da posse do documento, ou a terem sido perdidos ou furtados. Em qualquer dessas espécies, a entrega ao cessionário posterior não basta para que seja invocável o art. 1.070. O sistema jurídico brasileiro, em matéria de posse, abstrai do animus e do corpus.

Se o instrumento da cessão, levado a registo, nenhuma alusão faz à entrega, nem por isso se pode entender que não se fêz a entrega. Ou u credor cedente tinha a posse dos documentos e, com a cessão, se transfere ao cessionário, ou não a tinha, mas sim direito a ela, e então o que se transferiu foi êsse direito

àposse.

Aqui é que o art. 1.070 poderia ter invocabilidade. Mas hão de ser examinadas as espécies. Se o cedente, no intervalo entre a primeira e a posterior cessão, ou após essa, adquire a posse e a transfere ao cessionário posterior, procede contra o que está no registo (cessão, direito à posse transferido ao cessionário). O próprio cessionário posterior, que haja recebido o documento, entregue pelo cessionário non dominus, não pode alegar, eficazmente, que o tem, porque contra êle está o registo, Tratando de títulos de crédito que tenham modo especial de transferência, como é o endosso, o art. 1.070 não pode ser trazido à discussão. O art. 1.070 só se refere aos títulos-pertenças, e não aos títulos incorporantes. A 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 9 de dezembro de 1940 (R. dos T., 134, 156), confundiu até certo ponto as espécies. Se A emitiu notas promissórias a favor de B, cujo procurador, com podêres especiais para recebimento, as guarda, devendo com,o recebido solver a dívida hipotecária, não houve endosso, nem cessão de crédito. A destinação das quantias recebidas é cláusula de negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente, e não atinge as notas promissórias, que o tomador poderia endossar. O endosso ou o recebimento sem serem imputadas as quantias ao crédito hipotecário infringiria o negócio jurídico subjacente ou sobrejacente, não o negócio jurídico abstrato das notas promissórias. Se o vendedor que ficou encarregado de receber e pagar-se com o recebido cobrasse o crédito garantido por hipoteca, cobrasse a dívida hipotecária, o devedor poderia defender-se com a alegação de já ter pago. Aliás, com a exibição das notas promissórias pagas e do negócio jurídico subjacente ou sobrejacente, poderia pedir o cancelamento da hipoteca. Nenhuma oportunidade haveria para se invocar o art. 1.070, o que fêz a 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo. 3 . C E S S Õ E S D E DATAS D I F E R E N T E S , SEM C I Ê N C I A D O D E V E D O R QUANTO ÀS

- Princípio geral é o da liberação do devedor, se. antes de ter conhecimento da cessão, por ter sido notificado, ou por êsse conhecimento constar de declaração escrita (Código Civil, art. 1.069), tenta prestar ou interpela o antigo credor, ou presta ao antigo credor, ou conclui qualquer negócio jurídico com o mesmo, como transação, compensação ou denúncia. Noutros sistemas jurídicos, a ciência pelo devedor tem de ser provada pelo cessionário para que se afaste a liberação ou qualquer eficácia entre antigo credor e devedor. No direito brasileiro, a prova somente pode consistir em se provar a notificação, ou na exibição do documento escrito de que cogita o art. 1.069 do Código Civil.

ANTERIORES A U M A DELAS.

A regra jurídica do art. 1.071 do Código Civil é, por conseguinte, simples exemplo de ineficácia da cessão de crédito, em relação ao devedor, antes da ciência por êsse. Diz o art. 1.071: "Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento, da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título da cessão, o da obrigação cedida". 4. CIÊNCIA SIMULTÂNEA DE DUAS OU MAIS CESSÕES. - Notificado da cessão o devedor, ou entregue por êle a declaração escrita de que cogita o Código Civil, art. 1.069, infine, a eficácia da cessão, em relação a êle, está estabelecida. Se o título tinha de ser restituído, a notificação ou a declaração produz os seus efeitos, porém a risco do devedor se não exigiu que o cessionário lhe apresentasse o título. Por isso mesmo, se outra cessão lhe é notificada, ou dela teve ciência o devedor e há de declarar que lhe foi comunicada, tem êle de frisar que já fôra ciente, antes, de outra cessão. Por ocasião do pagamento, tem de depositar. É de tôda a conveniência que o devedor notificado da primeira cessão (imperfeita, por não se ter entregue o título restitüível à época do pagamento), oü que faz a declaração escrita, de que se fala no art. 1.069, infine, objete que à cessão falta a entrega, ou que mencione tal falta na declaração. Se o documento ou título não é da classe dos que têm de ser restituídos por ocasião da extinção da dívida (cf. Código Civil, arts. 945 e 1.053), a cessão a que se referiu a primeira notificação é que é a eficaz, ou aquela a que concerne a primeira declaração escrita. Assim, quando, no art. 1.071, se diz que "fica desobrigado o devedor... que, no caso de mais de uma cessão notificada" (ou de ciência declarada pelo devedor), "paga ao cessionário, que lhe apresenta, com o título da cessão, o da obrigação cedida", a regra jurídica só se pode entender para as espécies em que o título tem de ser restituído pelo credor no caso de pagamento ou remissão (cf. arts. 945 e 1.053). Se as cessões foram simultaneamente levadas ao conhecimento do devedor, sem que o título ou documento houvesse de ser restituído ao devedor, ao devedor incumbe depositar em consignação o que há de prestar, ou suscitar a apreciação judicial para se declarar a titularidade do direito.

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.835. A - Legislação O art. 17, § 1 p e r m i t e que o cheque seja emitido com cláusula "não à ordem". Nesse caso só é transmissível sob forma e com efeitos de cessão.

§ 2.835. B - Doutrina O vínculo obrigacional que favorece o portador nasce de negócio presumido pela lei. Por isso, o emissor se obriga "para com o portador a quem seja transferido o título, por via de uma c e s s ã o de direito, não no sentido do direito comum, mas em sentido muito mais lato, de moldes muito mais amplos, e com efeitos diversos" (INGLEZ DE SOUZA, Herculano Marcos. Títulos ao portador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1898. n. 108, p. 131-132). Como efeito da cláusula ao portador, o direito se incorpora no título, e disso decorre que: (a) a aparência regular do título obriga o emissor perante o terceiro de boa-fé; (b) se, depois de resgatado, o título for lançado à circulação, novamente, persiste a obrigação do emitente; (c) a s exceções que podem ser opostas aos portadores de boa-fé são, somente, as que resultam do próprio instrumento (INGLEZ DE SOUZA, Herculano Marcos. Op. cit., n. 114, p. 137-138).

§ 2.835. C - Jurisprudência Credor com título vencido em data anterior à do pedido de recuperação. Cheques emitidos em garantia de contrato de c e s s ã o de títulos, o que implica, necessàriamente, que s e u s valores não correspondem ao montante devido. Dívida que não conta com os privilégios do art. 49, § 3.°, da Lei de Falências. Quebra não decretada (TJSP, Ap 536.925-4/0, 4. a Câm. de Dir. Privado, j. 24.07.2008, v.u., rei. Des. Ênio Santarelli Zuliani, Boi. AASP 2634/5217). Endosso-caução. Reserva de domínio. Duplicatas dadas pelo vendedor em garantia de contrato de abertura de crédito em conta corrente, sem cessão e transferência do contrato de compra e venda. O credor pignoratício, a quem se transferiu, em garantia do contrato de abertura de crédito em conta corrente, duplicatas representativas da compra e venda com reserva de domínio, não tem o direito de pedir, na falência do devedor, a restituição das mercadorias, invocando a proteção da cláusula reservati dominii, s e aquela transferência tem o caráter de mero endosso-mandato e os direitos do contrato de compra e venda subsistem com o vendedor caucionante (TJSP, Ap. 45.836, j. 20.08.1999, rei. Des. Alceu Cordeiro Fernandes, RT183/780).

§ 2.836. S E G U N D A C E S S Ã O D O

CRÉDITO

1 . NOVA CESSÃO DE CRÉDITO E ART. 1 . 0 7 2 DO C Ó D I G O C I V I L . - S e o c e s a a

sionário cede, por sua vez, o crédito, o art. 1.072, l. e 2. partes, incide. O segundo cessionário está exposto às objeções e exceções como estaria o primeiro e, a respeito da simulação do cedente, somente é incólume se estava de boa fé ao adquirir o crédito. Entenderam alguns, sem razão, que para essa incolumidade basta que a primeira cessão tenha sido plenamente eficaz: a aquisição de boa fé pelo primeiro cessionário tem efeito constitutivo (G. P L A N C K , Kommentar, II, 1, 572; P. O E R T M A N N , Recht der Schuldverhaltnisse, 320; E . E C K , Vortràge, I, 396; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 270, nota 10; O. W A R N E Y E R , Kommentar, I, 699). É preciso que se medite: a primeira cessão de crédito pode ter sido simulada, como pode ter conhecido a incedibilidade o segundo cessionário, e não a ter conhecido o primeiro, ^como ficaria êsse, que conheceu a simulação da primeira cessão ou a incedibilidade do crédito? A própria simulação do primeiro cedente com o devedor pode o segundo cessionário ter conhecido, ^como ficar incólume, se está, ex hypothesi, de má fé? Êsses os nossos argumentos que apoiam a opinião de L . K U H L E N B E C K (J. V. Staudingers

Kommentar,

II, 466), H . DERNBURG ( D a s Bürgerliche

Recht,

II, 1, 391, nota 3), F. E N D E M A N N (Lehrbuch, I, 882, nota 38), C A R L CROME (System, II, 339, nota 33); F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhaltnisse, 375), B. MATTHIASS (Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, 255) e W Ü N S C H MANN (Vom pactum de non cedendo, Gruchots Beitrãge, 54, 225). O que acima se disse é de se observar também no concurso de credores e na falência. - Em virtude da regra jurídica do art. 1.072, 2.A parte, o devedor pode compensar contra o cessionário com crédito contra o cedente, pôsto que o não pudesse fazer, devido à simulação, contra o cedente. 2. COMPENSAÇÃO.

Panorama atual pelos Atualizadores §2.836. A - L e g i s l a ç ã o Neste sentido verificar art. 294 do CC/2002.

§ 2.836. B - Doutrina O devedor, em regra, só pode opor ao cessionário, ou seja, ao adquirente do crédito, a s exceções que, por sua natureza, decorrem dos direitos que acompanharam o crédito cedido e que, por isso, respeitam à causa do negócio que deu origem à cessão. Não pode opor vicissitudes supervenientes à cessão, que poderão ser estudadas no âmbito das situações jurídicas atuais, vivenciadas pelas partes, mas não respeitam ao negócio originário (ASCENSÃO, J o s é de Oliveira. Direito civil: teoria geral, relações e situações jurídicas. Coimbra: Coimbra Ed., 2002. n. 75, p. 154). Apesar de os direitos de formação, pela sua natureza, serem incedíveis, como já s e viu (art. 286 do CC/2002), o devedor tem o direito de poder opor contra o cessionário o direito de resolução do negócio, desde que o incumprimento tenha ocorrido antes da c e s s ã o (ROSADO DE AGUIAR, Ruy. Op. cit., p. 208). Bem assim, tem o direito de exercer a prerrogativa de escolha na obrigação alternativa; ou de notificar, denunciar, resilir, anular o negócio, desde que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, já estivesse vivenciando situação jurídica apta ao exercício d e s s e s direitos contra o cedente, credor originário.

§ 2.836. C - Jurisprudência Finalidade da notificação. O objetivo da notificação é informar ao devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas conseqüências: em primeiro lugar dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que o devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança (inteligência do art. 294 do CC/2002) (STJ, REsp 936.589/SP, 3. a T., j. 08.02.2011, rei. Min. Sidnei Beneti, DJe 22.02.2011).

SEÇÃO I V

EFICÁCIA DA CESSÃO EM RELAÇÃO A TERCEIROS

§ 2.837. P U B L I C I D A D E R E G I S T A R I A E E F I C Á C I A 1 . EFICÁCIA Q U A N T O AO DEVEDOR. - Já vimos que a) a eficácia entre cedente e cessionário começa com a conclusão do contrato de cessão de

crédito e b) a eficácia em relação ao devedor depende da notificação do devedor, ou declaração de ciência, conforme o art. 1.069 do Código Civil. Há, portanto, três momentos de eficácia: entre figurantes; em relação ao devedor; em relação a terceiros. O titular do crédito cedido é o cessionário. Mas, se o cedente, que deixou de notificar o devedor, e o não fêz, devidamente, o cessionário, o cede a outrem, de jeito que o devedor paga ao segundo cessionário, o adimplemento libera-o. Somente não se libera o devedor que solve ao segundo ou posterior outorgado que não é o titular do crédito, se foi notificado, ou se dêle há a declaração de que fala o art. 1.069 do Código Civil. Se a cessão de crédito foi notificada ao devedor, ou êle fêz a declaração de ciência de que fala o art. 1.069, porém não é verdade que se fêz a cessão, nem veio a fazer-se, solve bem se adimple ao que se lhe disse ser o cessionário. A notificação pelo cessionário só supõe prova da cessão. Se o devedor não fica com uma das vias, é aconselhável que somente solva se exibido o instrumento da cessão, de que pode exigir exemplar ou outro meio de prova. 2 . EFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROS E REGISTO. - N o a r t . 1 . 0 6 7

do Código Civil estatui-.se que "não vale, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se se não celebrar mediante instrumento público, ou particular revestido das solenidades do art. 1 3 5 (art. 1 . 0 6 8 ) " . Há, aí, a) a exigência da escrita, mais a dos requisitos do art. 135, se particular o instrumento (e pode-se dar que incida, in casu, o art. 133); e b) a regra jurídica sôbre eficácia erga omnes, com a publicidade registaria (cf. art. 135, 2.a parte: "Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1 . 0 6 7 ) , antes de transcrito no registo público"). O art. 1 3 4 , a), I , do Decreto n. 4 . 8 5 7 , de 9 de novembro de 1 9 3 9 , atende a isso, como os diplomas legislativos, a que êle corresponde, falando da transcrição "dos instrumentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor, bem como da cessão de créditos e de outros direitos, por eles criados, para valer contra terceiros, e do pagamento com sub-rogação" A solução da eficácia erga omnes dependente do registo foi acertada. Isso não significa, todavia, que terceiros que têm interêsse no patrimônio do cessionário não possam alegar a cessão e proceder quanto ao crédito cedido, ainda que registo não tenha havido. O que faltou foi a eficácia probatória do registo.

3 . CESSÃO DE CRÉDITOS COM GARANTIA REAL. - A lei fala. elipticamente, de cessionário de crédito hipotecário (Código Civil, art. 1 . 0 7 2 , parágrafo único); havia de dizer: cessionário de crédito garantido por hipoteca. A hipoteca, o penhor e anticrese são direitos auxiliares, que, salvo pacto em contrário, se transferem com o crédito. Bem assim, a fiança, garantia pessoal. Se há formalidade que seja indispensável ou de interêsse para a eficácia da cessão, o cessionário pode promovê-la. A regra jurídica é geral. O Código Civil apenas a revelou, no tocante à hipoteca, ficando à interpretação explicitá-la em tôda a sua inteireza. Diz o art. 1 . 0 7 2 , parágrafo único: "O cessionário do crédito hipotecário tem, como o sub-rogado, o direito de fazer inscrever a cessão à margem da inscrição principal". No Decreto n. 4 . 8 5 7 , de 9 de novembro de 1 9 3 9 , o art. 2 8 6 enunciou: "As averbações serão feitas pela mesma forma regulada e abrangerão, além dos casos já expressamente indicados, as cessões, sub-rogações e outras ocorrências, que, por qualquer modo, alterarem o registo, quer em relação aos imóveis, quer em atinência às pessoas que, nestes atos, figurem, inclusive a prorrogação do prazo da hipoteca, nos têrmos do art. 817 do Código Civil" O mesmo havemos de entender em relação a todos os outros direitos de garantia real.

Panorama atua! pelos Atualizadores § 2.837. A - Legislação O texto citado por Pontes de Miranda como s e n d o do art. 1.072, parágrafo único, do CC/2002, em verdade era o art. 1.067, parágrafo único, que hoje corresponde ao art. 289 do CC/2002.

§ 2.837. B - Doutrina O anterior art. 1.067, caput, do CC/1916 era algo diverso do art. 289 do CC/2002. Ele previa a invalidade da c e s s ã o de crédito em relação a terceiro, s e não s e realizasse mediante instrumento público, ou nas hipóteses em que o instrumento particular não estivesse revestido d a s solenidades do art. 135 do CC/1916. Além disso, confundindo um pouco o plano da eficácia dos atos e a função do sistema de publicidade dos atos, revelava ser "direito" do cessionário e do sub-rogado averbar a cessão hipotecária no registro imobiliário, ainda mais no caso de cessão de crédito hipotecário (art. 1.067, parágrafo único, do CC/1916), quando da substância do ato a escritura pública (art. 134, II, do CC/1916). No

Projeto de Código de Obrigações, a disposição normativa já celebrava a hipótese de ineficácia do ato contra terceiros (não mais invalidade), mas não se atinha às formalidades do escrito particular, senão pelo fato de que ele devesse estar de tal sorte elaborado que pudesse ser levado ao registro próprio, de títulos e documentos, conforme se permite nos termos do que está prescrito no art. 129,9.°, da Lei 6.015/1972. No Projeto do Código de Obrigações o texto está assim grafado: "É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão do crédito não celebrado por instrumento público, ou por instrumento particular não inscrito no registro próprio" (Código de Obrigações... cit., 158, p. 15). O Código Civil de 2002 é mais técnico que o Código Civil de 1916, mas mais confuso que o artigo correspondente do Código de Obrigações de Orozimbo Nonato, suprarreferido. O artigo em exame se refere à forma de que se deva revestir o negócio jurídico de cessão de crédito para vir a ter eficácia contra terceiros. A questão não se liga, portanto, à validade ou à existência do negócio jurídico. Celebra-se, aqui, a efetivação do que continha o texto do art. 130 do CC/1916, não repetido no novo Código: "Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei (art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma exigida". É o caso específico do art. 288 do CC/2002. Para a c e s s ã o valer contra terceiro existe uma forma legal, em ato público ou em escrito particular. A cessão, para valer contra.terceiros, não pode ter sido celebrada verbalmente. E mais. Se o ato for praticado por escrito particular, este deve ser grafado conforme prescrito no art. 654, § 1 d o CC/2002. A sanção cominada neste art. 288 do CC/2002, para a preterição da forma prescrita em lei, não é a invalidade do ato, mas a ineficácia dele perante terceiros. Logo, entre os celebrantes o negócio é válido, ainda que feito sem a formalidade prescrita, como já autorizava a doutrina: a lei não exige ato escrito para que a cessão se julgue completa e perfeita entre as partes e sim para que seja oponível a terceiro (CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Inácio. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. aum. e atual, por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1956.1.1, p. 114).

§ 2.838. C E S S Ã O L E G A L D E

CRÉDITOS

E C Ó D I G O C I V I L , ART. 1.067

- Depois de dizer o Código Civil que a cessão se há de revestir das formalidades dos instrumentos públicos, ou das que o art. 135 determinou, para o instrumento particular (art. 1.067), e de aludir à eficácia em relação a terceiros, bem como à legitimação do cessionário para promover as formalidades registárias (art. 1.067, parágrafo único), estabeleceu (art. 1.068): "A disposição do artigo antecedente, parte primeira, não se aplica à transferência de créditos operada por 1. FORMALIDADES REGISTÁRIAS.

lei ou por sentença". Mas a referência ao "artigo antecedente" é só no que concerne à forma e à eficácia. A lei não podia retirar ao cessionário do crédito, por lei ou por sentença, o direito de providenciar quanto aos direitos acessórios. 2. EFICÁCIA

EM RELAÇÃO A TERCEIROS.

- O que importa saber-se, portan-

legal e a cessão judicial

s ã o o p o n í v e i s aos terceiros sem

to, é q u e a cessão

qualquer formalidade (cf. Código Civil suíço, art. 166). Hão de ser tidos como terceiros o devedor, o cessionário em virtude de cessão posterior e os credores do cedente e os do cessionário.

Panorama atual pelos Atualizado res § 2.838. A - Legislação Neste sentido ver art. 919 do CC/2002.

§ 2.838. B - Doutrina Vide § 2.837.

§ 2.839. C O N S T R U Ç Ã O D E

CRÉDITOS

- Terceiros podem arrestar ou seqüestrar ou penhorar o crédito, de modo que o credor não pode transferi-lo, eficazmente, porque seria iludir a medida constritiva. Na técnica científica, validade e eficácia são, como temos frisado, conceitos distintos. Algumas vêzes, os legisladores trocam um pelo outro, dando ensejo a lamentáveis erros. Ao intérprete, na explicitação do sistema jurídico, restaurar o conteúdo exato das proposições. Lê-se no art. 1.077 do Código Civil: "O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra .o credor os direitos de terceiro". Todo o pensamento se desenrola no plano da eficácia, a despeito da redação defeituosa da lei. Existiu regra jurídica semelhante à do art. 1 . TERCEIROS E CONSTRIÇÃO.

1.077 do Código Civil brasileiro no antigo Código suíço das Obrigações (1881), art. 196: "La créance frappée de saisie ne peut plus être valablement cédée à partir du moment ou le créancier a eu connaissance dé la saisie. Mais le paiement est valable, si le débiteur Ta fait de bonne foi et avant d'avoir reçu connaissance de la saisie". C O E L H O RODRIGUES (Projeto, art. 505) não atinou com o conteúdo do texto suíço, que os intérpretes colocaram no plano da eficácia (e. g., VIRGILE ROSSEL, Manuel du Droit federal des Obligagations, 248) e trasladou a regra jurídica, com os seus defeitos de redação: "O crédito penhorado não pode mais ser cedido pelo credor, que tem conhecimento da penhora, mas o devedor que o paga, ignorando esta, fica liberado, salvo o direito de terceiros contra o respectivo credor", A mesma atitude foi a de C L Ó V I S B E V I L Á Q U A , no Projeto primitivo, art. 1.212. Em 1911, o Código suíço das Obrigações excluiu a regra jurídica. E fêz bem: primeiro, porque se trata de princípio geral sôbre eficácia das medidas constritivas, e não somente da penhora, nem somente no que concerne à cessão de créditos; segundo, porque o art. 196 do antigo Código suíço das Obrigações, como o art. 1.077 do Código Civil brasileiro, não fôra redigidà como deveria ter sido. 2 . PRINCÍPIO GERAL. - O princípio geral consiste em que, ultimada qualquer medida constritiva, qualquer transferência da propriedade, gravame, ou cessão é ineficaz em relação ao terceiro que a obteve. A ineficácia é relativa. E a essa ineficácia relativa a que se referem, aqui e ali, broncamente, os legisladores, dizendo que a transferência, o gravame ou a cessão, após as medidas constritivas, ou algum outro acontecimento que restrinja a eficácia, "não vale". "Vale" está, então, por ser eficaz; "não vale", por ser ineficaz.

Assim, o art. 1.077 há de ser fido como se lá estivesse dito: "O crédito, uma vez judicialmente constrito, não pode ser eficazmente transferido pelo credor que tiver conhecimento da constrição; mas o devedor que o pagar, não tendo cação da medida constritiva, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro". Já no art. 938 foi estabelecido que, "se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sôbre o crédito, ou da impugnação a êle oposta por terceiros, o pagamento não valerá (sic) contra êstes, que poderão constranger o devedor a pagar de nôvo, ficando-lhe, entretanto, salvo o regresso contra o credor" (cp. Código Civil, arts. 793, 964 e 1.069; Código Comercial, art. 437; Código de Processo Civil, art. 937).

No Código Civil comentado (IV, 2 3 6 ) , CLÓVIS BEVILÁQUA escreveu que "o devedor notificado da penhora também não pode mais pagar a dívida senão ao exeqüente, sob pena de pagar duas vêzes, salvo o seu direito de repetir o pagamento de quem indevidamente o recebeu". Não está certo. O devedor, notificado da penhora, não pode pagar ao exeqüente, salvo a seu risco. O caso é de pagamento em consignação (Código Civil, art. 973, V).

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.839. A - Legislação O art. 298 do CC/2002 constitui repetição ipsis litteris do art. 1.077 do CC/1916.

§ 2.839. B - Doutrina No direito constituendo anterior, o Projeto Coelho Rodrigues também previa regra semelhante: Art. 505: "O crédito penhorado não pôde mais ser cedido pelo credor, que tem conhecimento da penhora, mas o devedor que o paga, ignorando esta, fica liberado, salvo o direito de terceiros contra o respectivo credor" (COELHO RODRIGUES, Antonio. Projecto do Código Civil brazileiro precedido de um projecto de lei preliminar. 2. ed. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 1897. p. 73). No direito reinol falava-se, sem nenhuma técnica, em nulidade da alienação de bem penhorado pelo devedor, pois não era conhecido o plano tripartite do negócio jurídico (existência, validade e eficácia), que somente no final do século XX entrou na teoria geral do direito civil brasileiro, mediante os fantásticos trabalhos de Pontes de Miranda [Tratado A, 1.1 aVI [Parte Geral], passim), Antônio Junqueira de Azevedo (Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, São Paulo: Saraiva, 2002) e Marcos Bernardes de Mello (Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1,a parte. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004; Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, Eficácia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004; Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, Validade. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004), para referir os autores mais importantes da literatura brasileira sobre a teoria geral do negócio jurídico construída sob os planos da existência, validade e eficácia. Com efeito, a doutrina portuguesa interpretava o Livro III, Título LXXXVI, das Ordenações Filipinas, na parte em que proibia a alienação ou oneração de bens penhorados, como sendo nula, embora reconhecendo expressamente tratar-se de ato praticado in fraudem executionis (PEGAS, Emmanuelis Alvarez. Resolutiones forenses practicabiles, Pars prima. Conimbricae, Typog. Antoni Simoens Ferreyra, 1737.1.1, Capítulo V, n. 120 e 121, p. 453.°; SILVA, Emmanuelis Gonçalves da. Commentaria ad Ordinationes Regni Portugaliae, Tomus Tertius, Ulysiponne apud Haeredes Antonii Pedrozo Galram, 1742, Livro 3, Título 86, § 1.°, n. 33, p. 255; CORRÊA TELLES, José Homem. Di-

gesto portuguêz ou Tratado dos direitos e obrigações civis, accommodado às leis e costumes da nação portugueza, para servir de subsídio ao novo Código Civil. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1845/1846. vol. III, n. 218, p. 39 - " O s bens penhorados não podem ser vendidos pelo executado, sem licença do exequente, pena de nullidade"). A solução era, ainda, mais perversa, porque previa a prisão do devedor por dívidas, pelo só fato de haver alienado bem penhorado em fraude de execução [v, por exemplo, o Assento de 18.08.1774, da Casa de Suplicação de Portugal (Collecção chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível. 2. ed. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1817. Assento n. CCLXXXIII, p. 411). Os assentos eram uma espécie de súmula vinculante com força de lei editados pela mais alta Corte de Justiça de Portugal], Portanto, as considerações do antigo direito luso-brasileiro sobre o instituto da fraude de execução ("nulidade" do ato e prisão do devedor) não encontram eco no atual sistema constitucional, de direito privado e processual do Brasil. O resquício da "nulidade" é o único que ainda persiste em certos setores da doutrina brasileira atual, pois o da prisão por dívida foi abolido (art. 5.°, LXVII, da CF) e o da fraude de execução encontra solução processual na ineficácia do ato fraudulento.

§2.839. C-Jurisprudência Cessão de crédito objeto de penhora. Ineficácia diante da execução. Inteligência dos arts. 298, 166, VII, 168 e 1.460 do CC/2002. A cessão de crédito penhorado, realizada no curso do processo de execução, não é causa de nulidade do negócio jurídico, mas de sua ineficácia frente à execução. Erro material no julgamento. Possibilidade de correção, para a adequação devida. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos (TJSP, EDd 5007184901, 4. a Câm. de Direto Privado, j. 28.03.2008, v.u., rei. Des. Jacobina Rabello).

CAPÍTULO

IV

TRANSFERÊNCIA DE QUE NAO SÃO

DIREITOS

CRÉDITOS

§ 2.840. R E G R A S . J U R Í D I C A S E S T E N D I D A S E M S U A I N C I D Ê N C I A

1. TRANSFERÊNCIAS DE DIREITOS NÃO CREDITÓRIOS. - Já vimos que a palavra "crédito" é aqui empregada em sentido estrito. Sempre que a lei não estabeleça diferentemente, as regras jurídicas sôbre a cessão de créditos incidem em matéria de cessão de outros direitos. Primeiramente, advirta-se que incidem em se tratando de pretensões e ações, inclusive reais. Em princípio é o que se passa. Todavia, a renúncia ou a cessão da pretensão de propriedade do bem imóvel somente gera exceção (aliter, a remissão da dívida ou a cessão de crédito). Tratando-se de bem móvel, o que ocorre é brevi

manu

traditio.

Os direitos reais de ordinário estão sujeitos a regras jurídicas especiais quanto à transferência, sem que se pré-exclua a invocabilidade - no que a elas escapa - do art. 1.078 do Código Civil. 2. CÓDIGO CIVIL, ART. 1.078. - Lê-se no art. 1.078 do Código Civil: "As disposições dêste Título aplicam-se à cessão de outros direitos, para os quais não haja modo especial de transferência". A fonte está no § 413 do Código Civil alemão: "As regras (Vorschriften) sôbre a transferência de créditos têm aplicação correspondente (entsprechende Anwendung) à transferência de outros direitos, salvo se a lei dispôs diversamente". Mas já o Código Civil argentino, art. 1.438, em regra jurídica que supunha, embora não escrita, a regra jurídica do art. 1.078 do Código Civil brasileiro (Código Civil alemão, § 413), apenas ressalvava: "Las disposiciones de este

Título no se aplicarán á Ias letras de cambio, pagarés á la orden, acciones al portador, ni á acciones y derechos que en su constitución tengan designado un modo especial de transferencia". Passa-se o mesmo no sistema jurídico brasileiro: o que se transfere pela tradição, ou pelo endosso, ou por outro mono especial, escapa ao art. 1.078 do Código Civil. Os direitos potestativos de resolução, resilição, impugnação, revogação e concentração (obrigações alternativas) não são cessíveis, porque dependem da relação jurídica a que se referem (cf. E . SECKEL, Die Gestaltungsrechte, Festgabe R. K O C H , 221 s.). O direito de família tem regras especiais sôbre transferência de créditos e direitos. Idem, o direito das coisas e o das sucessões. Se não as têm, ou onde não as têm, as regras jurídicas da cessão de créditos incidem. Os direitos formativos subordinam-se, de regra, ao art. 1 . 0 7 8 , l. a parte (E. SECKEL, Die Gestaltungsrechte, Festgabe R. K O C H , 2 2 0 s.; A . BERGK, Übertragung

undPfãndung

künftiger

Rechte,

3 8 ) . E os d i r e i t o s d e propriedade

intelectual, ou industrial (propriedade de patentes de invenção, marcas de indústria e de comércio, desenhos e modêlos industriais, variedades novas de plantas e animais, segredo de fábrica ou indústria, sinais distintivos). A cessão da rei vindicatio não é cessão do direito de propriedade. O que se cede é a pretensão a reaver o bem. Não que se não possa transferir a propriedade sem a posse, mas sim porque, ex hypothesi, só se transferiu a pretensão reivindicatória (no direito romano é que só se podia transferir a propriedade com a posse, cf. R . VON J H E R I N G , übertragung der rei vindicatio auf Nichteigentümer, Jahrbücher für die Dogmatik, T, 190 s.; OTTO R U E R , Die sogenannte cessio legis, 11).

Panorama atual pelos Atualizadores § 2.840. B - Doutrina A cessão da posição contratual exige a celebração de contrato mais amplo e mais complexo que a cessão de créditos ou a transmissão de dívidas. Prescreve o Código Civil português 424.°: "1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão. 2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento". Pode-se antever nos contratos, principalmente nos contratos sinalagmáticos, que um feixe complexo de implicações jurídicas delineia a posição contratual das partes, criando um

I

peculiar contorno da posição contratual de cada sujeito, que se deve respeitar. Esse complexo de implicações jurídicas reúne direitos e deveres, créditos principais e acessórios, direitos potestativos, estados de sujeição, ônus, expectativas jurídicas, exceções de defesa (GALVÃOTELLES, Inocêncio. Direito das obrigações. 7. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1997. p. 18).

§ 2.840. C - Jurisprudência Cessão de posição contratual. A cessão de direitos e obrigações oriundos de contrato, bem como os referentes a fundo de resgate de valor residual, e seus respectivos aditamentos, implica a transferência de um complexo de direitos, de deveres, débitos e créditos, motivo pelo qual s e confere legitimidade ao cessionário do contrato (cessão de posição contratual) para discutir a validade de cláusulas contratuais com reflexo, inclusive, em prestações pretéritas já extintas (STJ, REsp 356383/SP, 3. a T., j. 05.02.2002, v.u., rei. Min. Nancy Andrighi). Cessão da posição contratual do devedor. Em contrato de compra e venda com reserva de domínio, havendo comprovação inequívoca da mora do comprador (art. 333, I, do CPC) e não subsistindo as teses invocadas na defesa e no recurso (art. 333, II, do CPC), correta se revela a sentença de procedência assegurando ao cessionário, que assume a posição contratual do vendedor, vitória em ação de apreensão e depósito (art. 1.071, e parágrafos, do CPC), buscando a rescisão do contrato e a retomada do bem vendido, ressalvado o direito de cobrança do remanescente (TJSC, Ap 32770-SC-2003.003277-0, 3. a Câm. de Direito Civil, j. 14.03.2008, rei. Des. Maria do Rocio Luz Santa Rita). Cessão da posição contratual. A cessão da posição contratual não pode ser confundida com a mera transmissão de débitos e créditos, senão de toda uma gama de direitos e obrigações que podem advir da relação jurídica transmitida. Daí que, se houve cessão da posição contratual dos agravantes para o agravado no contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, transmitiram eles, também, a posse direta a título de comodato. Notificados que foram, descumprindo o prazo da desocupação, configurado está o esbulho, legitimado o agravante à defesa possessória (STJ, Ag no REsp 136489/SC, 3. a T., j. 14.03.2010, rei. Min. Sidnei Beneti, DJe 22.03.2012).

§ 2.841. D I R E I T O S C U J A T R A N S F E R Ê N C I A NÃO SE R E G E PELOS PRINCÍPIOS DA CESSÃO D E CRÉDITOS

- Se há regra jurídica especial em contrário, o art. 1.078, 1." parte, do Código Civil não incide. Foi pre-excluída a analogia. Mas a regra jurídica pode não ser escrita. 1. REGRA JURÍDICA ESPECIAL EM CONTRÁRIO.

Se o negócio jurídico foi concebido como se a emprêsa outorgante tivesse de fornecer a certa data, ou quando fôr pedido, artigo ou material que substitua outro (