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Portuguese Pages [180]
KARL MANNHEIM
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO II Volume
B rés
(Edição portuguesa em 2 volumes)
Título Original ESSAYS ON THE SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE Tradução
Maria da Graça Barbedo
ORoutledge & Kegan Paul Ltd
Direitos reservados para língua portuguesa
RÉS-Editora, Lda.
Pr. Marquês de Pombal, 78 4000 PORTO PORTUGAL
Capítulo V
A COMPETIÇÃO COMO FENÓMENO CULTURAL
Este artigo pretende lacionados. Em primeiro ma da competição e, em uma teoria sociológica da No que diz respeito
analisar dois problemas estreitamente relugar, é nossa intenção ilustrar o problesegundo lugar, dar uma contribuição para mente. à competição, espero que este artigo sirva
como
que
complemento
Leopold
von
competição
Wiese,
enquanto
do
(1)
que
disse o anterior
deu
uma
tal do ponto
Eu, por meu turno, proponho-me perspectiva da sociologia histórica Agrada-me afirmar que estou o Professor von Wiese no que diz
ofador,
discussão
o Professor
sistemática
da
de vista da sociologia formal.
discutir o problema a partir da aplicada. completamente de acordo com respeito ao assunto, e avançarei
sobre as suas conclusões sem mais discussão.
Assim, submeto-me sem discussão à correcção da sua principal afirmação segundo a qual a competição deve ser olhada como um traço não só da vida económica, mas da vida social como um
(1) Conferência feita no 6º Congresso de Sociólogos Alemães, que decorreu em Zurich, de 17 a 19 de Setembro de 1928.
Sociologia do Conhecimento
todo, e proponho-me delimitar o seu papel como uma determinante na vida intelectual onde a sua importância foi até agora pouco
reconhecida.
O que significa dizer que a competição actua como uma «determinante» na vida intelectual? O termo é empregue para sugerir que a competição não opera somente à margem, como um estímulo, uma motivação, uma causa esporádica de produção intelectual
(o que todos admitimos em qualquer caso), mas que ela entra co-
mo um elemento constituinte na forma e conteúdo de todo o produto ou movimento cultural. Este reconhecimento do papel da competição como um determinante na vida intelectual não significa, porém, uma declaração de fé num «sociologismo» desenfreado. Estou longe de sugerir que só com base numa análise da génese dos modelos ou produtos mentais é possível retirar conclusões directas relativas à sua validade ou verdade. Há dois pontos de vista extremos relativos ao papel da competição na vida intelectual. Há aqueles que recusam atribuir à competição mais do que um papel periférico, ao contrário daqueles que nada mais vêm nas criações culturais do que um sub-produto do processo social de competição. A minha posição encontra-se
algures entre estes dois extremos. Para dar uma ideia mais exacta
da minha posição em relação a estas duas visões extremas: enquanto que a primeira escola de pensamento considera o papel da competição na vida intelectual como periférico, e a segunda como determinante, na minha opinião, a competição é co-determinante. Não me proponho, no entanto, alongar neste raciocínio, embora os problemas epistemológicos aludidos sejam certamente próximos do meu tema. Por razões de economia, e para manter a discussão a um nível factual, sugeriria conservarmos todas as questões de validade epistemológica para outra altura. Farei algumas observações acerca destas coisas no final da minha conferência, mas peço para tomarem em atenção em primeiro lugar os aspectos puramente sociológicos do tema.
A Competição como Fenómeno Cultural
A afirmação segundo a qual a forma que a competição assume entre os sujeitos intelectualmente criativos, num dado momento, é co-determinante do modelo cultural aparente está estreitamente relacionada com uma convicção mais profunda que muitos de vocês partilham, que é a de que não só a competição, mas tam-
bém todas as outras relações e processos sociais, incluindo o modelo de vida social prevalecente, são determinantes da vida mental
correspondente a esta estrutura particular. Para usar uma fórmula curta e clara: levantamos aqui o problema da sociologia da mente, a qual consegue formulações não ambíguas e exames empíricos detalhados. Enquanto que a geração que viveu a Revolução Francesa e que sofreu o processo de reflexão correspondente desejou o desenvolvimento de uma «fenomenologia do espírito» e de uma filosofia da história que revelasse, pela primeira vez, a dinâmica e a morfologia da mente e o papel do momento histórico como co-determinantes do conteúdo dos produtos intelectuais, a nossa geração pode, parece-me e graças às condições históricas do nosso tempo, promover a compreensão do papel da vida do corpo social como um determinante do fenómeno mental. Alguns problemas antigos ganham nova acuidade se vistos neste contexto. Assim, problemas já pensados por Wegelin (as correntes intelectuais o que são?. Que factores determinam o seu ritmo interno?) parecem solucionáveis quando vistos a partir deste ângulo. Penso que uma aplicação coerente do método da análise sociológica à vida mental mostrará que muitos fenómenos originalmente diagnosticados como manifestações de leis imanentes da mente podem ser explicados em termos do modelo estrutural prevalecente de determinação na sociedade. Parece-me, pois, que não estou a seguir um falso trilho quando afirmo que o dogma da evolução e da mudança
«dialéctica» distinta da evolução linear, contí-
nua, na vida mental, pode ser resumido em dois determinantes estruturais de carácter social muito simples: a existência de gera-
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Sociologia do Conhecimento
ções (1) e a existência do fenómeno da competição que tratamos aqui.
Já se disse tanto como introdução, quanto como análise preliminar do assunto. Depois desta discussão mais geral, no entanto,
espero que me acompanhem
no exame de um segmento estreita-
mente circunscrito do campo a que pertence este assunto. No interesse do concreto, vou formular o problema em termos mais especializados. Farei inicialmente algumas observações preliminares. Para começar, gostaria de delimitar, examinare descrever, de alguma maneira ao modo do médico, a área de demonstração, o campo em que opera a competição. Não me proponho determinar o papel que a competição desempenha na vida mental como um todo, mas tão só no reino do pensamento, e mesmo aqui não me ocuparei de todo o pensamento, mas só de uma espécie particular de pensamento: não o das ciências naturais exactas, mas de uma espécie particular de pensa-
mento que gostaria de chamar existencialmente determinado. Neste conceito de pensamento existencialmente determinado incluem-se o pensamento
história, e como o pensamento
histórico (a maneira como o homem
interpreta a
a apresenta aos outros), o pensamento político,
das
ciências
culturais
e sociais e também
o pensa-
mento comum diário. Descrever facilmente este tipo de pensamento é contrapô-lo
ao pensamento das ciências naturais exactas. Há as seguintes diferenças: (a) no caso do pensamento existencialmente-determinado, os resultados do processo de pensamento são parcialmente determinados pela natureza do sujeito pensador;
(1) Cf. Das Problem der Generationen artigo
está
relacionado
directamente
(neste volume, pág. 115 e com
contribuições para uma sociologia da mente.
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o
que
vemos
agora,
seg.). Este são ambos
A Competição como Fenómeno Cultural
(b) nas ciências naturais, o pensamento é elaborado, pelo menos idealmente através de uma «consciência» abstracta enquanto tal, enquanto que no pensamento existencialmente determinado, e para usar uma frase de Dilthey, «todo o homem» está a pensar. Mas que é que isto significa exactamente? Com um exemplo simples podemos sentir a diferença. No raciocínio «2 + 2 = 4» não há indicação do sujeito e do lugar de produção do pensamento. Por outro lado, é possível dizer,no caso de pensamento existencialmente determinado, se o pensador não só pelo conteúdo, mas também pela forma e pelo aparelho conceitual empregue se aproximou da realidade histórica e social do ponto de vista da «escola histórica», do «positivismo ocidental» ou do marxismo.
Levanta-se aqui um ponto importante. Se adoptarmos uma metodologia baseada nas ciências naturais exactas como modelo veremos neste ponto um defeito do pensamento existencialmente determinado. Contra isto afirmaria que cada tipo de pensamento deve ser compreendido atendendo à sua natureza mais profunda. Isto não significa que certos items do conhecimento insusceptíveis de uma interpretação e formulação absoluta sejam arbitrários e subjectivos; o que significa é que eles são função de um ponto de vista ou perspectiva particular; o que quer dizer que certos traços qualitativos de um objecto de processo vivo da história só são acessíveis a mentes com uma certa estrutura. Há certos traços qualitativamente distintos dos objectos historicamente existentes que só estão abertos à percepção de uma consciência formada e projectada por circunstâncias históricas particulares. Esta ideia da «relatividade existencial» de certos items do conhecimento, que a escola fenomenológica, juntamente com algumas outras, está agora a desenvolver com crescente clareza, está longe de significar um relativismo sob o qual toda a gente e ninguém está correcto; o que isto implica é antes uma relação que afirma que certas verdades «qualitativas» não podem ser compreendidas ou formuladas, excepto na estrutura de uma correlação existencial entre sujeito e objecto. Isso significa, no nosso contexto, que certas perspectivas relativas a alguns aspectos qualitativos do processo vivo da história só são acessíveis
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Sociologia do Conhecimento
à consciência quando formadas por certas circunstâncias históricas e sociais, de forma que a formação histórico-social do pensamento e do sujeito perceptor assume importância epistemológica. A nossa área de análise no momento é o pensamento existencialmente determinado. Qual a nossa tese? Defendemos, em primeiro lugar, quea competição opera no pensamento (a partir de agora, o termo significará sempre pensamento existencialmente determinado) e em segundo lugar, que a competição é uma co-determinante no processo de formação. A primeira questão que se levanta quando desenvolvemos esta tese é a seguinte: o processo de pensamento, a luta pela verdade, compreende a competição?
Estamos convencidos de que esta formulação do problema nos exporá à crítica de estarmos a projectar categorias especificamente económicas
para a esfera mental,
e devemos
enfrentar esta
crítica. Esta reprovação, plausível como parece ser à primeira vista, e feliz porque vai ao encontro da opinião dos que gostam de ver no reino da inteligência o domínio imutável da criação incondicional absoluta, deve ser rejeitada por inadequada. Parece-me realmente que é precisamente o contrário. Nada é generalizado a partir da esfera económica, pelo contrário; quando os fisiocráticos e Adam Smith demonstraram o importante papel da vida económica, só estavam na verdade a descobrir a relação social geral no contexto particular do sistema económico.
O «social geral», a interacção das
forças vitais entre os indivíduos de um grupo tornou-se visível primeiramente na esfera económica, e se deliberadamente adoptamos
o emprego de categorias económicas na formulação das inter-rela-
ções sociais na esfera mental, isto deve-se ao facto de até agora a existência do social ser mais facilmente discernível nas suas manifestações económicas. O objectivo último, no entanto, deve ser despir o nosso aparato categorial de tudo o que seja especificadamente económico de forma a compreender o facto social suí generis. Aceitar a afirmação de que o fenómeno da competição também se encontra na esfera mental não implica que o conflito teórico seja apenas reflexo da competição social, mas sim-
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A Competição como Fenómeno Cultural
plesmente que o conflito téorico é também uma manifestação do «social geral». Fenomenologicamente falando, o conflito teórico é uma esfera auto-suficiente, como também o é o conflito social num sentido mais geral. Não basta separar as esferas mantendo-as sob controle. Temos de explorar a interpretação, a conjunção destes «planos de experiência», cuja separação pertence somente ao domínio da fenomenalidade, não passando frequentemente além do dado imediato. Quando tal acontece, levanta-se a questão: como é que o
conflito teórico se relaciona com o conflito social?
A exactidão da tese segundo a qual a competição opera na vida mental, isto é, no pensamento existencialmente determinado, é facilmente demonstrada pela demonstração de alguns dos traços geralmente típicos da competição, enquanto tal, na vida intelectual. Em primeiro lugar, é claro que no caso do pensamento histórico, tal como em todo o pensamento existencialmente determinado, deparamos com uma rivalidade entre as diferentes partes que procuram um objectivo idêntico, e igualmente com aquilo a que von Wiese chamou «uma discrepância de nível inferior». Podem revelar-se outras características gerais de competição no pensamento existencialmente determinado, a tendência quer para entrar em conflito, em luta, quer para mudar para uma relação de associação. Não seria difícil demonstrar no pensamento existencialmente determinado os dois tipos de competição definidos por Oppenheimer: a contestação hostil e a rivalidade pacífica. Finalmente, os agentes sociais de competição, os indivíduos, os grupos e as colectividades abstractas podem tomar esta função e pode mostrar-se como assumem diferentes formas, consoante as partes em competição são grupos ou indivíduos, o pensamento e o princípio da competição nele operativa. O escritor americano Ross fez algumas observações muito úteis sobre este assunto, em particular em relação à competição entre as instituições. É assim claro que as características do fenómeno sociológico geral da competição se confrontam com o pensamento existencialmente determinado. Há apenas uma dificuldade: Como demonstrar “
Sociologia do Conhecimento
que as demos ma que o que
diferentes partes procuram interesses idênticos? Como podefinir o pensamento existencialmente determinado de forse torne visível o factor sociológico da competição e ainda, podemos tomar como objectivo idêntico perseguido pelos
competidores
minado?
na
esfera
do
pensamento
existencialmente
deter-
Resulta evidente que as diferentes partes estão todas a com-
petir pela exclusividade de uma análise social correcta (Sicht), ou, pelo menos, pelo prestígio que advém da posse desta análise correcta. Ou, para usar um termo mais significativo para caracterizar este objectivo idêntico: as partes em luta desejam influenciar o que o fenomenologista Heidegger chama «a interpretação pública da realidade». Não pretendo dizer, com isto, que Heidegger, como filósofo, teria concordado com a teoria sociológica que proponho. A filosofia, meus senhores e minhas senhoras, olha este assunto diferentemente; mas do ponto de vista das ciências sociais, cada parte do conhecimento histórico, ideológico, sociológico (mesmo que pudesse provar ser a Verdade Absoluta), baseia-se e é levada a cabo pelo poder e reconhecimento de grupos sociais e particulares que querem tomar a sua interpretação do mundo universal. A sociologia e as ciências culturais não são excepção a este; princípio porque nelas vemos apenas o velho campo da aceitação universal de uma interpretação particular da realidade, levada a cabo com meios científicos modernos. Podemos aceitar ou rejeitar a tese segundo a qual todas as interpretações pré-sociológicas da realidade se baseavam em crenças ou superstições gratuitas, e que só a nossa concepção de realidade é científica e correcta. Mas mesmo aqueles que aceitam esta tese incondicionalmente devem admitir que o processo pelo qual as interpretações científicas dominam a sociedade tem a mesma estrutura do processo pelo qual predominam os modos de interpretação pré-científicos. Isto para dizer que mesmo a interpretação «correcta», «científica» não resulta de um desejo puro, contemplativo de conhecimento, mas preenche a velha função de conseguir encontrar para qualquer grupo o seu caminho no mundo que o rodeia. Esta interpretação surge e existe exactamente
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A Competição como Fenómeno Cultural
da mesma
maneira que os tipos pré-científicos de orientação, isto
é, como função da interacção das forças vitais. A natureza da interpretação geral do mundo num dado momento é de importância decisiva na determinação da natureza particular do estádio de evolução histórica que se alcançou nesse momento. O que é dizer que ela não é só uma questão da «opinião pública» que se reconhece em geral como um fenómeno superficial da psicologia colectiva, mas do inventário da nossa série de significados fundamentais
em
termos dos quais experimentamos o mun-
do exterior e também as nossas respostas profundas. O homem quando vive no mundo e não nas nuvens (e não discutiremos aqui se é possível este completo viver nas nuvens, que involve indiferença para a interpretação prevalecente de realidade) não existe no mundo em geral, mas num mundo de significados, interpretado de um modo particular. O filósofo Heidegger chama a este sujeito colectivo que nos fornece a interpretação pública prevalecente da realidade «das
Man» — «Eles». É este «They»
(«Eles») que está presente nas ex-
pressões francesas, como Que dit-on, ou Que dira-t-on, que não é só o sujeito colectivo responsável pela coscuvilhice e tagarelhice, mas igualmente o profundo Algo que sempre interpreta, de algum modo, em mais ou menos superficialidade ou profundidade, e que faz com que pensemos sempre o mundo de uma forma preconceituada. Encontramos logo à nascença um mundo já interpretado, um mundo que já foi tornado compreensível, com um significado atribuído a cada parte, de forma que não conhece vazios. O que a vida significa, o que significam o nascimento
e a morte, qual deve
ser a atitude pessoal face a certos sentimentos e pensamentos, tudo está mais ou menos definitivamente estabelecido: algo, este «eles», existente
antes
de
nós,
determinou
pelo
menos
aparentemente,
que nada nos fosse deixado fazer a este respeito. O filósofo não está interessado em descobrir como surge este «eles», este Algo secreto; e é precisamente nesta porta, que o filósofo não passa, que começa o trabalho do sociólogo. 13
Sociologia do Conhecimento
A análise sociológica revela que esta interpretação pública da realidade não está simplesmente «ali» e que nãoé por outro lado, o resultado de um «pensar sistemático»; esta interpretação é, sim, a fogueira por que lutam os homens. E a luta nãoé orientada por motivos de pura sede contemplativa de conhecimento. As diferentes interpretações do mundo correspondem, na sua maior parte, a posições particulares que os vários grupos ocupam na sua luta pelo poder. É na resposta à questão de saber como este «eles», esta interpretação da realidade publicamente prevalecente, se torna realidade, que mencionarei quatro espécies de processo social como
factor gerador.
A interpretação pública da realidade pode expressar-se:
(1) com base num consenso de opinião, de espontânea cooperação entre grupos e indivíduos; (2) com base numa posição de monopólio de um grupo particular; (3) com base na competição entre vários grupos, cada um deles decidido a impor aos outros a sua interpretação particular do mundo. (Chamaremos a este caso «composição atomiística», em“ bora devamos acrescentar que nunca se consegue o pretendido quando a atomização é completa, quando os indivíduos entram em competição com indivíduos, e os grupos de pensadores completamente independentes com outros igualmente isolados). (4) comum tado do centra à
nantes.
com base na concentração em torno de um ponto de vista dos vários grupos atomisticamente concorrentes, em resulqual a competição como um todo gradualmente se convolta de alguns pólos que se tornam cada vez mais domi-
Como se vê, as interpretações públicas da realidade, tal como qualquer outro produto objectivo, ganham o seu sentido através das relações e processos sociais.
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A Competição como Fenómeno Cultural
Seguir-se-ão exemplos concretos que ilustram estes quatro casos típicos e procuraremos, demonstrar ao mesmo tempo, que a génese socialmente determinada de qualquer concepção do mundo influencia tão profundamente a sua estrutura interna que, uma vez feita a sua análise sistemática desta correlação pela sociologia do conhecimento, qualquer especialista será capaz de indicar, com base numa simples inspecção de uma qualquer concepção ou modelo de pensamento do mundo, se ela (ou ele) resultou de uma competição entre grupos individuais, de uma base no consenso, ou de um monopólio de um grupo dominante. É necessário ainda uma outra observação preliminar. Os quatro tipos mencionados são tipos puros. Nas sociedades actuais, com
um
mínimo
de desenvolvimento,
encontrar-se-ão vários tipos
em co-existência ou em conjunção; talvez um tipo tenda, no entanto, a predominar. Este será o tipo «dominante de interpretação» da sociedade em questão. Tomemos
agora cada um dos tipos, um por um.
O primeiro tipo, baseado no consenso, na sua forma pura encontra-se em estratos ou sociedades socialmente homogéneas, onde o raio e a base de experiência é uniforme e onde os incentivos ou impulsos do pensamento tendem a ser os mesmos para todos
os indivíduos.
O principal requisito para o aparecimento deste tipo de pensamento é o de que as relações sociais sejam estáticas. O que torna possível que esquemas de experiência já abandonados sejam confirmados e usados de novo; a tendência tradicional é sempre apropriada ao meio, e quaisquer pequenos ajustamentos nos modos de experiência que lhes corresponde e que podem ser necessários mesmo
em tal meio estático, são facilmente realizados sem necessidade de se tornarem conscientes ou reflectivos. Um outro requisito desta interpretação é o de que prevaleça
a verdadeira democracia intelectual de natureza característica das sociedades primitivas, arcaicas, onde todos são capazes de entender o querido pela tradição e de o adaptar às condições de mudança:
todos os indivíduos trazem consigo as mesmas disposições tradicio-
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Sociologia do Conhecimento
nais para a percepção. As características externas deste tipo de conhecimento são exemplificadas pelos mitos, pelos provérbios e outras amostras da sabedoria tradicional popular. E logo nos surpreendemos com o seu carácter não dialéctico. Em nós o «ele» observa-nos
e governa
o mundo.
«É assim», diz o povo
(é esta a
implicação, pelo menos, do modo como se nos dirigem); aqueles exemplos eles são o reflexo e a expressão de uma experiência não ambígua e não dialéctica da vida. «Será assim», é a mensagem directa contida
te sancionados.
nas prescrições dos usos e costumes tradicionalmen-
Este tipo de pensamento nunca desaparece completamente, e existe mesmo hoje na nossa sociedade em estratos que se mantêem afastados da dinâmica poderosíssima da nossa era moderna. Mas, o que é mais
importante,
mesmo
na nossa consciência, já tão
vivamente dinâmica, existem formas de pensamento e experiência que respondem a certos elementos do nosso meio cultural que ainda não foram afastados pela dinâmica da era moderna, e que não foram afectados por ela. O senso comum que formula os princípios que regem as nossas relações com as coisas mais simples, possui este carácter. A maioria
dos provérbios
são desta natureza; devem ser incluídos no
tipo de pensamento consensual, mesmo se se provar entretanto que a teoria da «sedimentação cultural» (tal como é apresentada, por exemplo, por Naumann) se aplicaria a alguns deles. Esta teoria defende que os provérbios, juntamente com a maior parte da cultura popular, são o «sedimento» de uma cultura moldada pela anterior élite dirigente, e que o «povo» enquanto tal adoptou e transformou estas criações culturais após um certo tempo de intervalo. Verdadeiro ou não que qualquer provérbio individual e os provérbios
em
geral sofrem
mudanças
de direcções
no sentido
as-
cendente e descendente, o certo é que eles apelam, em qualquer caso, só para um mecanismo da consciência. A nossa teoria de modo algum ignora a atitude mental correspondente a este mecanismo que podemos designar de «espírito primitivo da comunidade». A forma do provérbio, sem interessar qual a origem do seu conteú-
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A Competição como Fenómeno Cultural
do, corresponde completamente ao princípio consensual de formulação da experiência enquanto que a consciência de estratos superiores e mais intelectualizados só em parte está sujeita à sua auto-
ridade.
Porque o mundo da infância se constrói inteiramente de relações muito simples que subjazem aos provérbios, podemos dizer que a consciência do homem adquire inicialmente este tipo de estrutura; e regressa a esta estrutura mesmo num estádio posterior de desenvolvimento, sempre que é confrontada com relações simples. Temos muitas vezes a impressão que o dinamismo sempre constante da nossa época abafa a totalidade das nossas relações vitais (e por isso também a totalidade da nossa vida mental); mas isto não é verdade, e um exame mais aproximado revela que não é, pelo menos, verdade nesta medida. Apesar de toda a dinâmica, mesmo no indivíduo citadino (que está mais sujeito a influências
dinâmicas) permanece
ções
primitivas,
com
intocado uma camada substancial de rela-
os modelos correspondentes
de atitudes pri-
mitivas. A verdade de uma afirmação de lugar comum como, por exemplo, mais vale um pássaro na mão do que dois a voar mantém-se inalterável em face de toda a dinâmica; por exemplo, os modelos emocionais do mistério e dos medos primitivos que dificilmente se
alteram com
o desenrolar do processo dinâmico. No entanto, o
nosso sentimento de segurança baseia-se precisamente nesta camada relativamente constante da nossa experiência; o movimento di-
nâmico e a instabilidade das nossas relações em geral ter-nos-iam
desequilibrado há muito tempo se não fosse a estabilidade relativa destas relações originais, primitivas. As dificuldades de relações complicadas só podem ser toleradas desde que as relações primitivas revelem uma certa segurança e estabilidade, ou, pelo menos, desde que elas criem a ilusão de segurança e estabilidade. O segundo tipo de interpretação compreende aquele tipo de pensamento que se baseia no monopólio da posição de um grupo (geralmente um grupo de status próximo). A interpretação eclesiástica medieval do mundo e a tradição cultivada pelos /iterati chi-
neses pertencem a este tipo.
17
Sociologia do Conhecimento
Uma posição monopólica deste tipo pode ser sustentada exclusivamente pelos meios intelectuais, ou por instrumentos não intelectuais de poder; em geral, são ambos empregues. Na Idade Mé-
dia, o monopólio do clérigo assentava exclusivamente numa base
muito simples: em primeiro lugar, só eles sabiam ler e escrever; em segundo lugar, o latim era a língua da cultura; e em terceiro lugar, só os que reunissem estas condições podiam ter acesso à fonte de verdade:a Bíblia e a tradição. Este tipo de pensamento apresenta certos traços comuns com os do tipo consensual. Ambos necessitam do mesmo pré-requisito para a sua existência: um corpo social estruturalmente estável, (o que não quer dizer que nada acontece em tal sociedade, mas apenas que a base de todo o pensamento é homogénea, e que a extensão da sensibilidade está estritamente delimitada).
Por «extensão de sensibilidade» quero significar o alcance e
conteúdo daquela área de experiência em que ocorrem automaticamente com toda a segurança os actos intuitivos que precedem o conhecimento e lhe fornecem o material conceitual de tal forma que todo o indivíduo pode realizar cada acto intuitivo dentro de tal raio. Assim, uma comunidade de caçadores ou de camponeses, por exemplo, tem esta extensão delimitada de sensibilidade em relação aos objectos naturais, é uma associação de artífices, em relação aos instrumentos e objectos da sua arte; e uma comunidade particular em relação a certas experiências do extâse. A diferença entre a uniformidade de uma comunidade de experiência baseada numa situação de monopólio e uma uniformidade baseada no consenso parece assentar no facto de a primeira conservar o seu carácter de uniformidade por meios artificiais, enquanto que a última
é capaz
de manter a uniformidade, homogeneidade e a estabili-
dade interior em virtude de factores socialmente enraizados de natureza orgânica. A base de pensamento numa
namente
determinada,
situação de monopólio é exter-
i.e. encontra-se estabelecida em obras sagra-
das. O pensamento é largamente dirigido para uma interpretação dos textos e não para uma interpretação da realidade. Quando eventualmente
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se ocupa
da interpretação da realidade, os resulta-
A Competição como Fenómeno Cultural
dos são assimilados a uma interpretação textual. Aqui a essência de pensamento obriga a que cada novo facto tal como surge seja enquadrado numa ordo determinada, pré-existente; o que se consegue na sua maior parte, pela interpretação e re-interpretação dos «factos». Portanto, torna-se fácil reconhecer o carácter teológico e interpretativo do pensamento desta natureza. O melhor exemplo de
tal ordo é talvez o Suma de Tomás de Aquino. chama
É grandiosa a compreensão da ordo por St. Tomas. O que nos logo a atenção no seu sistema é o método aparentemente
dialéctico. O modo como as teses são confrontadas com as contra-teses é, pelo menos,
memória da dialéctica. No entanto, não é tal-
vez uma verdadeira dialéctica no sentido de as diferentes teses representarem factores sociais antagónicos em luta; pelo contrário, parece que as controvérsias aparentes apenas servem para eliminar aquelas inconsistências que podem ter ficado do estádio anterior de competição, estádio este em que numerosos grupos competiam pela imposição da sua interpretação do mundo e a posição de monopólio de uma visão não conseguiu ainda predominância. Na análise destas questões, não devemos ignorar um ponto importante. A uniformidade da base de pensamento e experiência não implica a ausência de conflito e controvérsia. Pelo contrário, na Idade Média o povo sofreu os mais violentos combates, ainda que estes combates se mantivessem dentro de certos limites previamente estabelecidos. Algumas pretensões religiosas permaneceram indiscutíveis, e um certo método de formulação e afirmação codificados. Deve sempre lembrar-se quanto, apesar do conflito, é silenciosamente tomado como certo. Ambos os tipos de pensamento acima descritos (baseados na posição consensual e na posição monopolista respectivamente) coexistiram na Idade Média. Ambos se podem desenvolver lado a lado, porque, como já dissemos, está presente o pré-requisito comum: a estabilidade estrutural do corpo social. Com uma sociedade estática, ambos os tipos de pensamento dividem o campo mental entre si.
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Sociologia do Conhecimento Mesmo
a este nível, encontramos
no entanto,
certas compli-
cações, que desempenham um papel decisivo em posteriores desenvolvimentos. A interpretação prevalecente do mundo já assume um carácter dualista. Distinguimos, por um lado, uma interpretação oficial, académica (bildungsmaessig) e, por outro lado, uma interpretação corrente, do tipo consensual. Por seu turno esta duali-
dade manifesta-se de dois modos. Um dos seus sintomas é uma di-
ferenciação social. Há grupos cuja principal actividade consiste na interpretação oficial, académica do mundo; outros grupos não vão além da interpretação espontânea, do tipo consensual comum ao seu meio. E a mesma dualidade pode revelar-se na consciência dos indivíduos. O indivíduo vive potencialmente em qualquer plano num dado momento, responde à sua situação em termos académicos, e noutro
pontâneo cionar,
momento
responde
no
modo
tradicionalmente
es-
da vida do seu estrato social particular. Podemos men-
por
exemplo,
as mentalidades
especificadamente
«aristo-
cráticas» e urbanas, que na Idade Média co-existiam juntamente com a interpretação do mundo. No entanto, os desenvolvimentos posteriores tenderam precisamente para a transformação das relações recíprocas destes dois modos de pensamento (o monopolista, eclesiástico, e o consensual não institucionalizado). A interpretação oficial eclesiástica não conseguiu manter a sua posição monopolista; foi despedaçada pelas tensões prevalecentes numa sociedade crescentemente dinâmica. No momento da queda, surgiram candidatos de ambos os lados: em primeiro lugar, a nova élite dos humanistas que proclamavam o monopólio da interpretação académica da realidade; a interpreta- . ção devia ser secular; manteve-se ainda a grande distância entre o culto e o inculto. Em segundo lugar, apareceu igualmente em cena uma ideologia representando uma tradição não escolar do povo comum, uma democracia de pensamento de tipo consensual que pretendia ultrapassar a interpretação oficial de realidade.
As inter-relações continuamente mutáveis das várias élites intelectuais, opostas às aspirações dos porta-vozes do povo, são o traço principal da época seguinte, na qual o pensamento tem já a estrutura básica da interpretação da realidade que estudaremos a seguir.
20
A Competição como Fenómeno Cultural
O terceiro tipo de interpretação corresponde à competição atomística. Tal como já foi mencionado, este tipo de pensamento é representativo do período que se seguiu à queda do monopólio eclesiástico, e caracteriza-se pelo facto de muitos grupos sociais isolados e concretos se esforçarem por ultrapassar a herança da interpretação oficial do mundo. Um monopólio absoluto no sentido de que todas as oposições pretendiam o que nunca foi conseguido pela Igreja, mesmo no cume do seu poder. Por exemplo, houve sempre oposição dentro da Igreja sujeita a controle. No seu caso, podemos falar de uma oposição tendencial (eingekapselt); podemos citar, como exemplos, os grupos de oposição dentro da Igreja, os místicos, os Franciscanos, etc. Que mesmo a este nível as diferentes linhas de pensamento se relacionavam com as diferenças entre os grupos sociais em competição é revelado na observação de Honigsheim (1), segundo a qual os aderentes de duas escolas filosóficas, a Realista e a Nominalista, recrutavam os seus membros em grupos sociais diferentes e bem circunscritos. O realismo era o estilo de pensamento da Igreja, possuidora do poder central sobre o corpo inclusivo mais organizado do tempo. O nominalismo, que se desenvolveu depois, encontrou simpatizantes e aderentes em grupos inferiores da hierarquia da Igreja, isto é, ao nível da diocese e da paróquia, etc.. A correlação entre os estilos de pensamento e os grupos em conflito é visível mesmo a este nível: os antagonistas na luta social são os mesmos antagonistas na esfera ideológica. Mas tudo isto é somente um preâmbulo da diferenciação social e ideológica que se desenvolverá mais completamente durante os séculos subsequentes.
(1) P. Honigsheim, Zur Soziologie der mittelalterlichen Scholastik. Die soziologische Bedeutung der nominalistischen Philosophie. No Erinnerungsgabe
para Max Weber, Munique, Leipzig, 1923, vol. Il, pp. 175 rios
ensaios
de
Honigsheim,
no
simpósio
Versuche
ss. Cf. também vá-
zu einer Soziologie
des
Wissen editado por M. Scheler, Munique-Leipzig, 1924,
21
Sociologia do Conhecimento
A Igreja encontrou um forte adversário no estado absoluto, o
qual se esforçou por monopolizar os meios de educação de forma a ser ele o veículo da interpretação oficial da realidade; nesta altura, O principal instrumento educacional era a ciência. Honigsheim chama a atenção para a semelhança entre este tipo de pensamento
e o ensino eclesiástico, e designa por «escolástica» com base nesta semelhança
mento.
estrutural esta forma
monopolista
As Universidades e as Academias
de estado de pensa-
(a investigação de Dilthey
sobre a sociologia das academias resultou em estudos interessantes (1)), reclamam a partir de agora um monopólio rival do velho
monopólio da Igreja. Mas a importância destes tipos institucionalmente protegidos de pensamento foi em grande parte obscurecida por outros surgidos entre grupos sociais concretos que desempenharam um papel cada vez mais importante na modelação da interpretação pública da realidade. Anteriormente, como vimos, o tipo de pensamento «não oficial», corrente, revelava variações marcadas de um grupo social para outro e de uma região para outra. No entanto, enquanto se manteve o monopólio da Igreja, este tipo de pensamento não aspirou à dignidade de interpretação oficial da realidade. Assiste-se a uma tendência democratizante pelo facto de a interpretação secular do mundo
tal como
é apresentada
pela mente
dos simples procurar reconhecimento como interpretação oficial. Este movimento observa-se e compreende-se mais claramente na exigência das seitas protestantes de uma interpretação da Bíblia particular. Não é aqui o lugar para enumerar todos os grupos sociais concretos que desempenharam a partir deste momento um papel
crescentemente
importante
na
modelação
da interpretação
pública da realidade e que, na verdade, rivalizavam entre si pela interpretação dominante do mundo. Estes grupos não deixarão de (1) W. Dilthey, Gesammelte Schriften, Berlin-Leipzig, 1927, vol. IV.
22
A Competição como Fenómeno Cultural
se multiplicar aquando da queda do monopólio eclesiástico ao tempo da Revolução Francesa. Num dado momento, é a Corte e a assim chamada «nobreza da Corte» com ela associada, que procuram fixar o tom do modo de vida e pensamento prevalecentes; num outro momento, é o patriciado, a «grande» burguesia e a alta finança que procuram ditar a moda através dos seus salões; alguns destes grupos imitavam a Corte e a nobreza em algumas coisas, mas a maior parte, conscientes do seu direito de nascimento, desenvolveram uma atitude men-
tal apropriada às circunstâncias e um modo de pensamento que a acompanhasse. Mais tarde, a média e a pequena burguesia entraram em cena; o sacerdócio surgiu ao seu nível social, algum tempo antes, como o centro de um estilo específico de vida. Estes são, no entanto, somente alguns exemplos sumários seleccionados a partir de uma grande variedade de grupos de diferentes carácteres que surgiam à medida que a sociedade que se tornava mais complexa e diferenciada. Omitiremos a descrição detalhada deste mundo com os seus muitos mundos competitivos e tentaremos, em sua vez, traçar as características básicas deste modo de pensamento correspondente a este modo particular de competição. O que nos chama inicialmente a atenção é a.característica negativa deste tipo de pensamento; na sua maior parte, ele não se ocupa a enquadrar os novos factos numa determinada ordo. Levado ao seu extremo, não quebra nenhum dogma nem nenhuma autoridade quando se trata de julgar coisas. O método de Descartes é paradigmático a este respeito. Duvidar de tudo o que se não pode manter perante o tribunal da razão, ser capaz de analisar todo o pensamento individual como um todo, começando com os seus postulados mais fundamentais é o ideal cartesiano, uma atitude que coloca o seu acento na epistemologia. Os homens queriam libertar-se de todos os pressupostos, isto é, libertar-se de todos os princípios, com excepção dos indispensáveis, dos impostos pela Razão enquanto tal; e quis-se determinar exactamente
quais eram estes pressupostos. O programa só vagaro-
samente foi cumprido;
mas quanto
mais foi compreendido, mais
23
Sociologia do Conhecimento
claramente se tornou visível um facto em que ninguém tinha pen-
sado: ninguém pensa de acordo com as mesmas linhas. Tornou-se
claro por exemplo, que as pessoas em Manchester não pensavam como as pessoas nos círculos Pietistas alemães, nem, por seu turno as pessoas dos salões franceses como as pessoas das Universidades alemãs. Cada grupo concreto tinha a sua própria perspectiva, dife-
rentes das outras.
Traduzido em termos de lógica, isto tem a seguinte implicação para cada um dos estilos de pensamento em questão: cada grupo concreto com a sua particular perspectiva, encontrará a esfera da realidade que se tornará paradigmática e que adquirirá a dignidade ontológica do realmente existente (1). Cada área da realidade alimentará, porém, uma atitude cognitiva particular, um modo de pensamento, — precisamente aquele que fôr mais adequado à tarefa de explorar a área em questão. Tal como certas áreas de existência adquirem uma particular dignidade ontológica, certos tipos de cognição adquirem uma dignidade epistemológica particular. Hoje por
exemplo,
mo
na
o
primado
epistemológico
pertence
ao
tipo
de
pensamento representado pelas ciências naturais exactas. O pensamento concreto é, na verdade, muito mais variado do que os livros de textos sobre a lógica nos fariam supor. É impossiível caracterizar totalmente o pensamento actual pelo princípio da contradição com algumas afirmações formais do mesmo teor. Messua
estrutura
formal,
o pensamento
real é infinitamente
mais variado; e a sua variedade baseia-se nos modelos fundamentais que o pensamento desenvolve no esforço de regulamentação de uma determinada área da realidade. Os diferentes modos de pensamento caracterizam-se, em primeiro lugar, por esquemas ou «modelos» (ex. aqueles de que falam os físicos), concretos e estes modelos di(1) Sobre a questão da diferenciação social em ontologia, cf. K. Mannheim, «Das Konservative Denken». Soziologische Beitrage zum Werden des politischhistorischen Denkens in Deutschland. Archiv fir Sozialwissenschaft und Sozialpolitik. Vol. 57, pp 489 ff.
24
A Competição como Fenómeno Cultural
ferem
segundo
referência
delo.
a área
da
realidade
que
serviu como
ao acto primário de orientação
que deu
estrutura da
lugar ao mo-
Enquanto que em Manchester (que apenas se cita aqui como símbolo de uma certa viragem no pensamento) a economia foi o campo da experiência primária, fornecendo estruturas de referência e modelos de pensamento dominante particularmente adequados a este meio, nos círculos peitistas na Alemanha a experiência primária, paradigmática foi a experiência do renascimento religioso. Num grupo cuja orientação primária é a economia, as tentativas de compreender as leis estruturais da história baseiam-se igualmente em modelos de pensamento económico. Na Alemanha, por seu lado, as interpretações da história são inspiradas por experiências de renovação (ex. Joahnnes von Miiller, Ranke, Hegel, etc. As origens religiosas do esquema categorial hegeliano usadas na interpretação da história foram recentemente trazidas à luz por
investigação recente).
A acrescer a estas experiências paradigmáticas particulares dos vários grupos concretos, que mencionamos apenas como exemplos, sem procurarmos ser completos, há também outras experiências, umas trazidas de um período próximo outras novas. Encontramos, assim, lado a lado pensadores que usam a categoria de «mecanismo» e «organismo» procurando cada um tornar universalmente válido o seu princípio de explicação. Os vários grupos concretos apresentam diferentes esquemas de orientação, de tal forma que podemos, afinal, descobrir que diferenças metodológicas reflectem a luta entre experiências paradigmáticas diferentes características dos vários grupos concretos.
Faz parte do processo de democratização da vida mental que cada perspectiva particular queria ser estrutura de referência universalmente aceite, e é tarefa da sociologia da inteligência mostrar como mesmo na metodologia, na procura dos vários modelos de pensamento, o que está em última análise em conflito são as forças sociais e os impulsos sociais.
25
Sociologia do Conhecimento
Este processo de competição atomística entre os vários grupos concretos, que resulta numa crescente rejeição e que radica numa ordo externamente determinada (tal como é reconhecido pelo tipo de pensamento monopolístico), e na aspiração de fundar o pensamento
exclusivamente
em
pressupostos
racionais,
conduziu
afinal aos seguintes resultados, que só se nos tornaram visíveis depois de terem sido rejeitados por outros: quando se atinge este es-
tádio moderno, (a) não existe nenhuma série de axiomas universalmente
aceites, (b) não existe nenhuma
hierarquia de valores uni-
versalmente reconhecida, e (c) só existem ontologias e epistemolo-
gias radicalmente diferentes. Tudo parece fragmentar-se, como se o mundo em que vivemos não fosse o mesmo. Em lugar da velha ordo, temos agora a concepção multi-polar do mundo que procura fazer justiça à mesma série de factos recentemente aparecidos a partir de diferentes pontos de vista. Como reacção à crescente fragmentação trazida pela competição atomística, desenvolveu-se um quarto tipo de competição que é o tipo dominante na nossa era — um processo de concentração dos grupos e tipos de orientação competitivos. Também aqui, podemos elucidar melhor os aspectos mentais do nosso problema apontando para processos análogos na esfera económica. Tal como, através da competição, diferentes mercados (originalmente autónomos e isolados) se tornaram interdependentes (um facto que é expresso na crescente uniformidade dos níveis
de preços), ou, para dar um outro exemplo, tal como no mercado
de trabalho, as organizações de empregadores e trabalhadores ten-
dem a substituir os negociantes individuais,
da mesma forma na es-
fera intelectual encontramos que muitos conflitos locais e isolados
tendem a tornar-se crescentemente interdependentes e, por outro lado, a polarizar-se em extremos. Esta espécie de processo de pola-
rização é exemplificado na crescente consolidação dos dois campos que já podemos identificar pelas suas divisas: o racionalismo e o irracionalismo. Podemos observar os pormenores deste processo de consolidação, acompanhamos
26
o modo
como os diferentes tipos de
A Competição como Fenómeno Cultural
«irracionalismo» surgiram e estabeleceram uma frente comum contra o «racionalismo» (estes diferentes tipos de irracionalismo reunem o particularismo dos estados feudais na luta contra o absolutismo centralizador, o irracionalismo romântico glorificador da inidualidade e personalidade, o irracionalismo pietistico, oposto à disciplina institucional da Igreja, etc.) (1). Enquanto que aqueles a quem faltam conhecimentos económicos de especialista vêm apenas os mercados locais individuais com que o indivíduo lida directamente e continuará a lidar no futuro, o economista pode já visualizar o aparecimento de um mercado mundial integrado. De modo semelhante, o sociólogo deve olhar para lá das relações directas em que os indivíduos se concentram, descobrir as polaridades decisivas que se escondem por detrás das controvérsias das várias escolas de pensamento e tentar compreender os resultados importantes dos vários conflitos locais.
Os antagonismos parciais que opõem uma escola ou grupo concreto a uma ou outro, estão a agrupar-se em correntes intelectuais maiores e mais decisivas e em contra-correntes que as combatem. O que nos traz ao problema da função das correntes doutri-
nais (Geistesstrômungen). Anteriormente também existiam corren-
tes doutrinais, mas elas faziam mais parte da natureza das reflexões e reproduções de certas atitudes fundamentais, dos modos de interpretação.
É também
verdade
que
estas
correntes,
mesmo
nos
primeiros tempos deram lugar a contra-correntes. Mas nenhuma destas correntes anteriores era tão inequivocamente funcional em natureza, e nenhuma
delas reflecte tão bem o processo de concen-
tração e polarização dos grupos concretos, tal como as correntes doutrinais contemporâneas. O que é compreensível. O mundo
nunca antes formou, apesar
de tudo, e sob a influência organizadora das forças económicas, um todo corrente e unificado e, consequentemente, grupos com
(1) Podemos encontrar um exame mais detalhado deste assunto no meu artigo sobre o «Pensamento Conservador».
27
Sociologia do Conhecimento
uma posição estruturalmente análoga nunca se poderiam ter encontrado em cada região do mundo. A nova função das correntes doutrinais consiste, então em permitir que se fundam, grupos espacialmente separados de posições estruturalmente análogas tornando correntes modos e atitudes de vida que originariamente se levantavam dentro de um grupo apertado e que se mostravam auxiliadoras na resolução ou, pelo menos, na expressão artística de algum problema típico. Assim, todos os grupos com problemas similares tenderão a adoptar a atitude básica em questão, enquanto que grupos com uma visão diferente e com interesses diferentes estarão mais fortemente impelidos a projectar a sua atitude antagónica criando ou aderindo a uma doutrina antagónica. Dois importantes grupos de fenómenos (ou o que pode ser chamado um movimento dual) contribuem para esta situação. Por um
lado, uma
corrente
doutrinal, criada a partir do núcleo do gru-
po concreto dentro do qual se organiza, tende a mediar os impulsos e modos de interpretação dos outros grupos que se lhe juntam, grupos estes com uma posição análoga mas ainda com uma experiência
concreta
diferente.
Por
outro
lado,
na
medida
em
que
«viaja», i.e. na medida em que é adoptada por pessoas que aderem a outros modos de vida, a corrente doutrinal absorverá os ingredientes de todas estas aliadas, a partir de diferentes meios locais. Assim, as correntes doutrinais trabalham pela uniformidade, mas também pela conservação das peculiares das condições locais. O Iluminismo, por exemplo, surgiu em Inglaterra como expressão de uma atitude mental e espiritual quase apropriada à sociedade capitalista. Uma concepção tipicamente moderna do mundo foi lançada a partir de uma esfera estreita e expandida em França, onde reuniu grupos e indivíduos cuja posição era análoga. Porque os
elementos característicos do pensamento inglês eram aproveitados por estes grupos franceses, estes necessariamente sacrificaram certos modos de pensamento que eram em princípio mais coerentes
com a sua situação; mas na medida em que transformaram os estímulos estranhos e lhe acrescentaram alguns elementos específicos (tal como um maior radicalismo) atribuíram àquela corrente uma
28
A Competição como Fenómeno Cultural
nota distintiva nacional. Surgiu um «Iluminismo» especificamente francês. O mesmo processo de incorporação e modificação aconteceu na Alemanha; ali, tal como se sabe bem, o Iluminismo foi teologizado. É este o modo pelo qual a estrutura formal de uma «corrente», enquanto tal, opera uma concentração de impulsos inicialmente fragmentados numa competição atomística, Uma força integradora ainda maior assenta no facto de a vida política desde a Revolução Francesa ter imposto crescentemente decisões rígidas e uma polarização efectiva quanto aos modos de pensamento e atitudes, e isto não só numa esfera estreitamente política. Enquanto que no caso do Montesquieu e Herderé difícil determinar se o seu tipo de pensamento é progressista ou reaccionário (Wahl, por exemplo, mostrou uma dualidade a este respeito na obra de Montesquieu (1)), na medida em que os seus estilos de pensamento e modo de experiência são, em larga medida, ambivalentes, as revoluções de 1789, 1830 e 1848 trouxeram consigo uma polarização crescente da sociedade em relação a quase todos os assuntos.
Isto não quer dizer que o pensamento ambivalente tivesse desaparecido (especialmente se por pensamento ambivalente queremos significar que a mesma filosofia se pode associar a mais de uma tendência política, ou vice versa, que a mesma tendência política se pode combinar com mais de uma filosofia); mas que há um
alcance decrescente em tais ambivalências. À medida que o proces-
so de concentração prossegue, torna-se cada vez mais fácil identificar se uma certa atitude é «liberal», «conservadora» ou «socialista». Além disso, é fundamentalmente falso supor, (como o fazem os observadores apolíticos que desconhecem as bases volitivas de cada teoria) que os movimentos políticos existentes procuram uma
(1) Wahl, A., «Montesquieu als Vorlâufer von Aktion and Reaktion Historische Zeitschrift, vol. 109, 1912.
29
Sociologia do Conhecimento
companhia
filosófica a que se possam
combinações
dependessem
somente
aliar. Na verdade, se estas
de um
processo de concentra-
ção na esfera política afins, todo o fenómeno da concentração que examinamos aqui se ocuparia exclusivamente do estudo das «ideologias», e poderíamos dizer que estes fenómenos observáveis na política não podem afectar a vida intelectual na sua «objectividade máxima». Seguir-se-ia que uma filosofia que se ligasse a uma tendência política se degradaria até mera «ideologia»; a verdadeira filosofia, na sua pureza, não teria nada a ver com a influência
que os factores sociais exercem na esfera mental como já vimos.
Se pensarmos assim, se olharmos as coisas com um tal espírito não-activista, não político, será difícil conseguirmos ver. Temos que compreender caso a caso que a filosofia, qualquer filosofia ainda não ligada a uma causa política, é sempre o produto de uma mentalidade particular, e mesmo
sempre uma terminado
na sua origem,
uma
filosofia reflecte
direcção particular do impulso interpretativo; um de-
estilo de pensamento, com uma
raíz na sua maior parte,
mais profunda, tem algo em comum com a tendência política a que mais tarde se associa. Quando o Liberalismo que liga ao IHuminismo, o que acontece é como que a reunião e o reconhecimento mútuo de crianças há muito separadas da mesma mãe. Assim, é em si mesmo errado aplicar um método atomístico à história das ideias e concentrar-se exclusivamente sobre combinações e influências recíprocas disponíveis entre ideias e motivos de pensamento enquanto
tais; temos de observar o modo como a síntese no reino
das ideias é determinada por uma concentração primária no reino dos impulsos do pensamento. Já se disse que precisamos de aprender a pensar
em
termos
de «sistemas económicos»
(Sombart,
no
encontro do Verein fur Sozialpolitik). Eu diria antes, seguindo o mesmo pensamento, que ao tratarmos da história das ideias seria melhor pensarmos em termos de estilos de pensamento. Quero dizer que é impossível compreender o moderno processo de concentração no reino das correntes doutrinais quando nos concentramos exclusivamente sobre as filiações dos motivos que observarmos à superfície, em vez de empregarmos
30
os processos de integra-
A Competição como Fenómeno Cultural
ção e divisão fundamentalmente decisivos ao nível do grupo que atribui significado aos processos secundários que compõe a história das filiações dos motivos. Depois desta pequena análise das funções polarizadoras e concentradoras das modernas correntes doutrinais, temos de levantar a questão de saber se não há processos mentais que se dirijam à concentração para lá das correntes doutrinais. Num exame mais próximo revela-se claro que uma «corrente» como veículo de uma atitude mental «polarizada» não pode transportar modos de pensamento da sua região de origem para outras regiões a não ser que a polarização tenha de algum modo sido realizada na região de origem. Antes, porém, da corrente doutrinal poder seguir o seu caminho, deve haver, na região de origem, um processo que traga consigo uma concentração e polarização iniciais. Torna-se assim nossa tarefa examinar este processo da polarização inicial mais claramente. À questão que se nos levanta é a de saber como tal polarização pode revelar-se antes de se fazer sentir qualquer corrente doutrinal. Qual o método que a vida reúne muitas posições volitivas particulares numa única plataforma compre-
ensiva?
O método usado pela Vida, o processo pelo qual existencialmente determinadas dos sujeitos pensantes é, de novo, a competição, que neste caso opera para os impulsos a reter. Num recente ensaio importante contribuição para
as posições se reúnem seleccionar este assun-
to, Thurnwald (1) propôs substituir o termo «investigação» por «selecção»; e Múnzner (2) fez também uso de um mecanismo se-
lectivo ou «investigador» na explicação da propagação da propagação da «opinião pública».
(1) Thurnwald,
R. «Fiúherschaft
und Siebung», Zeitschrift fr Vólkerpsycho-
logie und Soziologie, Jahrgang A 1926. (2) Munzner, G., Offentliche Meinuug und Presse, Karlsruhe, 1928.
31
Sociologia do Conhecimento
A nossa
teoria, vamos
dizê-lo
de novo, ocupa-se de algo mais
fundamental do que a formação e a propagação da opinião pública, que em si mesma é só um traço superficial da vida intelectual. O ponto para o qual quero chamar a atenção é o de os processos de mudança nos estratos mais profundos da interpretação do mundo, as modificações do instrumento categorial, poderem ser em larga medida, explicados em termos de competição. O problema que exige e é susceptível de explicação em pormenor concreto, mas não em termos de um facto histórico bruto a registar é o dos homens num determinado lugar e tempo pensarem em termos deste ou daquele conceito e categoria.
De um modo semelhante, o princípio da competição e o princípio da selecção que com ele está relacionado proporcionará a explicação mais natural para certos factos registados pela história das ideias, por exemplo, o facto de certas posições políticas e filosóficas se polarizarem e se conservarem no decurso do desenvolvimento, enquanto outras se marginalizam ou são integradas pelas contra-correntes. Como evidência desta afirmação, mencionarei um exemplo concreto da formação de uma «plataforma» ideológica com base na competição e na selecção: a génese do modelo ideológico do Partido Conservador Alemão. Também aqui, como sempre se pode ver que uma posição intelectual ou volitiva, como qualquer outro tipo de interpretação da realidade, não aparece do vazio, mas resulta de um processo de selecção de uma variedade de crenças e impulsos dos grupos em competição. O que aqui se revelar como verdadeiro no processo de formação de uma plataforma política aplica-se, também, mutatis mutandis, a todo o pensamento existencialmente determinado. Somos da opinião que é menor o risco que corremos quando explicamos os movimentos intelectuais em termos políticos do que quando tomamos o caminho oposto e de uma atitude puramente teórica projectamos
um
modelo
de
pensamento
meramente
contemplativo,
interno, teórico sobre o próprio processo concreto e real da vida. Na vida real, o que liberta o pensamento é sempre um centro volitivo; a competição, a vitória, e a selecção a que obriga, determina, em
32
larga medida, o movimento do pensamento.
A Competição como Fenómeno Cultural
Não queremos dar a impressão de que a vida mental como um todo é tão só uma questão política, tal como anteriormente não quisemos fazer dela um mero segmento da vida económica; apenas queremos dirigir a atenção para o elemento vital e volitivo no pensamento existencialmente determinado que é mais fácil de compreender e mais fácil de analisar a uma luz correcta na esfera política, contrariando assim a influência errónea da tradição histórica germânica com o seu acento unilateral sobre uma doutrina con-
templativa.
O processo de formação de ge com o aparecimento, aqui e uma posição defensiva em face Assim os velhos círculos feudais,
uma plataforma conservadora surali, de grupos dispostos a adoptar da nova realidade social a nascer. de seguida certos grupos literários
cada vez mais orientados para a reacção, depois, os representantes
da burocracia e certos grupos universitários tornaram-se cada vez mais reaccionários, e assim por diante. Cada um destes grupos trouxe consigo um modo de pensamento, passível de análise estilística exacta, especificamente adoptado à sua própria situação, tradições, etc; e cada um deles experimentava a sua oposição ao mundo moderno emergente de um modo especificamente diferente. Cada um descobria esta oposição num ponto diferente no processo de mudança interna e externa, e cada um produzia uma diferente ideologia para exprimir a sua oposição. Inicialmente, estas diferentes oposições surgiam como unidades
isoladas
e atomísticas,
mas
tendiam
a agrupar-se
logo que se
manifestavam contra o adversário comum. O Liberalismo encon-
trou a sua primeira expressão teórica numa afirmação coerente com os seus objectivos; esta afirmação necessariamente provocou no Conservadorismo a formulação de uma contra-afirmação programática. Isto era necessariamente o caso numa estrutura da situação competitiva. Uma espécie de «competição com base na qualidade», que força cada um a acompanhar o seu adversário, e a duplicar as últimas realizações (Sombart), forçou os Conservadores, muito embora o pensamento sistemático não seja de modo algum o seu forte, a produzir uma plataforma teórica sistemática.
33
Sociologia do Conhecimento
O que não se consegue tão facilmente, no entanto. Muitas décadas passaram antes da sua realização. A demora é, em parte, atribuída às dificuldades de conseguir um acordo: cada facção, cada grupo individual quer ver o seu ponto de vista particular co-
mo credo oficial do Partido Conservador.
Sthal foi a primeira pessoa a conseguir uma síntese das ideologias conservadoras competitivas no seu sistema da filosofia da lei, e através do seu trabalho prático sobre o programa do Parti-
do
Conservador;
e, curiosamente,
o seu sistema como
uma
amál-
gama de elementos intelectuais díspares é uma réplica exacta do equilíbrio conseguido pelos grupos sociais competitivos dentro do campo conservador. O mesmo se verifica não somente na estrutura da plataforma política, mas também na sub-estrutura filosófica subjacente à interpretação conservadora do mundo. A rejeição completa do panteísmo hegeliano foi uma resposta directa à adopção deste panteísmo pelos grupos de esquerda dos «jovens hegelianos»; a vitória do irracionalismo
personalístico
foi o resultado de
uma crescente eliminação completa de todos os elementos liberais-racionais da interpretação do mundo, agora deliberadamente restringida a termos irracionalistas. Uma análise completa deste exemplo que, no entanto, não podemos ensaiar nesta conjuntura (1), levaria a conclusão de que sempre que um movimento compreensivo se constitui como resultado de uma combinação de grupos inicialmente isolados, é possível seguir a um nível elevado de abstracção o processo de realização de conjugação dos vários mo-
dos de pensamento, que revela os elementos e proporções dos grupos concretos que participam no novo movimento.
(1) Dada a impossibilidade de uma análise detalhada, devo referir de novo
o
artigo sobre o «Pensamento Conservador», em que procurei mostrar em pormenor a intercombinação dos sistemas conceituais fundamentais de dois grupos concretos
comprometidos
vimento comum.
34
no processo de apagar as diferenças num
mo-
A Competição como Fenómeno de Cultura
A observação da génese da plataforma marxista do movimento socialista revelaria a estrutura fenomenal que já vimos associada à génese da plataforma conservadora. Será suficiente mencionar uma sequência de acontecimentos que melhor iluminam a nossa tese — a luta entre Marx e Bakunine. Se o programa oficial do Socialismo finalmente se expressou em termos «dialéctico», se rejeitou completamente a atitude mental correspondente ao modo de actuação anarquista explosivo e se cortou rente com a visão anti-história, escatológica, de acordo com a qual tudo pode acontecer a todo o momento, tal deve-se, este
acontecimento
intelectual deve-se simplesmente à reflexão, na es-
fera lógica, do facto político massivo da facção Marx ter saído vi-
toriosa sobre a de Bakunine.
A vitória da categoria lógica da dialéctica como uma chave para a interpretação da história sobre uma doutrina não-história, escatológica que não reconhece qualquer articulação definida na história e, por isso, não tem qualquer utilidade para o conceito de evolução, mas que considera a revolução como possível e necessária em qualquer momento, esta vitória doutrinal, dizíamos, reflecte a vitória de uma facção sobre outra, o sucesso de um adversário contra o outro na luta sobre a questão de saber qual a filosofia que servirá como interpretação oficial do partido sobre a realidade. Mas mesmo quando o impulso de aparecimento de posições não é de natureza política, descobrimos que há sempre elementos volitivos no centro de tal fenómeno. As posições nunca se combinam, tal como já dissemos elementos do pensamento,
acima, através de uma simples soma de mas sempre como resultado de um en-
contro de impulso fundamentais de vontade, modos de interpretação, concepções da realidade. O aparecimento destas posições deve-se, não ao sujeito contemplativo dentro de nós (se é de todo legítimo distinguir um sujeito contemplativo dentro de um sujeito activo), mas ao sujeito activo e, em última instância, político, na medida em que a actividade dirigida para a mudança do mundo é o objectivo político.
35
Sociologia do Conhecimento
Se, portanto, na análise da fusão de ideias, concentrarmos a nossa atenção sobre a sua fonte volitiva e não sobre o seu conteúdo manifesto, e tentarmos encontrar o que controla as combinações em que entram os impulsos de pensamento, descobriremos que em última análise o movimento do pensamento depende de tensões que dominam a esfera social. Depois desta caracterização geral do quarto tipo de competição, a que corresponde
ao estádio da concentração, temos de per-
guntar de novo: O que é o pensamento neste estádio da evolução? Como é que se estrutura da nossa sociedade e como é que a cultura intelectual se reflecte na situação com que se depara o nosso pensamento? Em primeiro lugar, não temos hoje bases uniformes para o pensamento. Não só não dispomos de nenhuma ordem uniforme na qual possamos inserir cada novo facto, mas antes caminhamos para uma situação em que é precisamente o contrário que acon-
tece,
Esta nova situação desenvolveu-se em três fases. A primeira fase correspondeu, como vimos, à multi-polaridades das posições básicas. A concentração destas posições produziu gradualmente a segunda fase, onde podemos falar de posições que se agruparam em várias plataformas rivais. Estas plataformas, no entanto, não devem, de modo algum, ser tidas como estáticas ou imutáveis, mas sempre dinâmicas. O que é dizer que elas sempre se ajustam na forma e estrutura em resposta a novas situações. Esta transformação histórica é, na sua maior parte, desconhecida dos vários indivíduos
que aderem à plataforma em questão. Só o historiador, capaz de recuar e analisar longos fios do tempo, está realmente em posição de dizer que mudanças o Liberalismo e o Socialismo, o Positivismo ou o Historicismo sofreram desde o seu começo. O indivíduo que analisa os factos em termos de uma plataforma precisa dispõe, a este nível de um modelo de ordem; só o «público» em geral não defende já a mesma ordo; fragmenta-se a velha e coerente imagem do mundo.
36
A Competição como Fenómeno de Cultura
Se este movimento dinâmico se mantém a este nível (e se não prevalecem tendências estabilizadoras, resultantes quer dum con-
senso, quer do aparecimento de uma situação de monopólio), sur-
girá uma situação em que o pensamento não consistirá já na ade-
quação dos factos a uma ordo preconcebida, mas pelo contrário, na modificação da validade de qualquer modelo de ordem em que novos factos não se encaixam prontamente. Para aqueles que se converteram à relatividade existencial do conhecimento, que reservam a sua posição e não se comprometem incondicional e exclusivamente com uma doutrina particular, a situação com que se debate o nosso pensamento hoje é a seguinte: os vários grupos estão comprometidos com experiências existenciais dentro de modelos de ordem particulares, e nenhum deles tem suficiente validade geral para acompanhar in toto a realidade do dia-a-dia. Contra a luta de cada posição individual que procura a predominância sobre todos os outros, parece haver só uma influência compensatória em curso, que é o facto de as posições se fusionarem apesar de tudo, como se a própria vida, procurando ganhar claridade em si mesma, tentasse fazer justiça à complexidade crescente da situação histórica alargando constantemente a base de pensamento. No entanto, não devemos afastar-nos da situação que existe hoje, ou tratar hipóteses plausíveis como se elas fossem realidades. Tomemos antes um problema puramente factual. É possível demonstrar a verdade da nossa afirmação de que ao nível da concentração na evolução da competição tem lugar uma polarização das formas de pensamento? Uma prova exacta e
reveladora só poderia ser dada com base numa análise filológica e história. Uma tal análise teria de examinar os elementos mais im-
portantes do nosso pensamento (conceitos, imagens e categorias) para ver se se encontrariam quaisquer tendências para a polarização, isto é, se se poderia mostrar que os conservadores tendem a ver os problemas diferentemente, a usar conceitos com um significado diferente, ou a organizar o mundo em categorias diferentes das dos Liberais ou Socialistas, e assim por diante. 37
Sociologia do Conhecimento
Esta prova não pode ser dada aqui de uma forma completa, mesmo se só num caso único. O que podemos fazer é mais ilustrar do que provar a nossa tese ao apontarmos alguns exemplos de polarizações típicas no pensamento moderno, que se situam em afinidade visível no campo social e político. Não é necessário dizer que todos estes exemplos serão «tipos ideais», concatenações de motivos idealmente típicos. Cada caso concreto terá provavelmente as suas próprias peculariedades, e se não pode enquadrar-se completamente em nenhum dos nossos tipos, ele não deve ser posto de lado como um exemplo que invalida a nossa tese. O ponto para que chamo a atenção é o das polarizações de que vou falar representarem tendências historicamente decisivas; se isto é assim, conconclui-se que qualquer excepção aparente deve ser explicada em termos de constelações particulares e condições específicas. É possível maior clareza no estudo da polarização se examinamos várias atitudes típicas face a um mesmo e único problema. Escolho um dos mais importantes e instrutivos problemas neste
contexto, o do conhecimento liberto de valores (Wertfeiheit).
As atitudes idealmente típicas do problema das diferentes partes podem ser brevemente expostas da seguinte forma: A. O Liberalismo foi caracterizado, logo desde o início, por uma aproximação tipicamente intelectual que, procurava uma separação clara entre o racional e o irracional. A Alfred Weber disse um dia que a marca frisante do modernismo no pensamento era o esforço de expurgar os elementos irracionais de todo o pensamento. Admite-se, na verdade, que todo o pensamento vivo (indisciplinado) é uma mistura de teoria e de elementos não-teóricos, puramente volitivos, mas acredita-se que é possível expurgar a teoria de todas as misturas de impulsos volitivos, da irracionalidade
e da
valoração.
Schmitt, seguindo
O
interesse primário era o da discussão
(Carl
Donoso Cortes (1), declarou ser esta a caracte-
(1) Carl Schmitt, Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Souverânitát,
Munich-Leipzig,
1922,
pp.
52
Cf.
do
mesmo
autor: Die
Geistes-
geschichtliche Lage des Heutigen Parlamentarismus, 22 ed., Munich, Leipzig, 1926.
38
A Competição como Fenómeno Cultural
rística realmente distintiva da burguesia ramente intelectual puro, acreditava que das em diferenças existenciais poderiam no pensamento, diferenças estas que, no
tar graças à uniformidade da razão. Uma
liberal), e de um modo puas tensões racionais baseaser reduzidas a diferenças entanto, era possível afas-
das outras razões porque os liberais e os democratas es-
tavam interessados em criar uma plataforma de discussão e mediação entre os outros partidos era o facto de serem partidos a meia distância. Esta fé na mediação e discussão é incompatível com a admissão da existência de diferenças irreconciliáveis, de conflitos que não podem ser solucionados por meios puramente intelectuais. Porque esta teoria defende que a valoração pode ser em princípio separada da teoria, recusa-se do exterior a reconhecer a existência do fenómeno existencialmente determinado, de um pensamento que contêm, por definição, e inseparavelmente, elementos irracionais introduzidos na sua própria textura. B. O Conservadorismo, como a oposição de direita que combate o modernismo, insiste precisamente no primado do irracional. Do ponto de vista conservador, o irracional é essencialmente o cen-
tro das convicções fundamentais de uma pessoa (das Weltanschauliche). O conservador é razoável defende a ideia de que todo o pensamento é alimentado por uma série de convicções fundamentais, e tende a recuar a tais convicções mesmo coisas aparentemente desprovidas de irracionalidade, tal como o conhecimento matemático ou a análise e cálculo capitalista. O tipo conservador de pensamento atribui a sua expressão máxima quando oferece, oferece à evidência o facto de que mesmo o mais racional dos fenómenos da cultura e no seu âmago irracional, por exemplo, que o acento capitalista
sobre
no
cálculo não se baseia em si mesmo
a convicção
fundamental
que,
para
no cálculo,
lá de qualquer
mas
prova
racional, se expressa em termos altamente racionais.
C. O Socialismo
ao irracionalismo
representa uma terceira posição em relação
que qualifica o pensamento
do adversário como
irracional. É importante notar, no entanto, em que é que o irracional se manifesta de acordo com a visão socialista. O irracional que
39
Sociologia do Conhecimento
está intrinsecamente ligado ao racional e que evita que o último se manifeste na sua pureza original não é uma convicção fundamental, mas antes o interesse e interesse colectivo e classisista. Para compreendermos esta diferença de interpretação devemos considerar de novo as situações concretas de grupo dos membros de ambos os partidos, e o modo como estas situações determinam as experiências. Quando o conservador olha para si introspectivamente, ele vê o que é quase verdade, motivos religiosos, tradicionais e hierárquicos ainda inquestionados, qual teia na qual mantém o seu pensamento. Quanto aos interesses subjacentes às suas acções, que na sua maior parte operam
inconscientemente, ele não tem, no iní-
cio, completa consciência deles. Porque se a estrutura da sociedade é tal que as instituições existentes automaticamente promovem os nossos interesses e garantem a satisfação das nossas aspirações, os interesses são por assim dizer, apropriados pela ordem social objectiva em si mesma. Se vive na estrutura de tais instituições, nunca precisa de se tornar consciente destes interesses, como parte consciente da minha experiência pessoal. Assim, eles não se me revelariam por introspecção. Por isso, por exemplo, o senhor feudal patriarca de um estado, desde que nenhuma questão se levante quanto aos direitos sobre a sua propriedade e ao controlo sobre os seus servos, só descobrirá por introspecção os seus benevolentes sentimentos patriarcais. E, deste ponto de vista, podemos compreender como certas pessoas muito ricas (especialmente mulheres) podem hospedar uma atitude não egoísta e sublimada. A estrutura da sociedade, por assim dizer, tem cuidado com as motivações egoístas que precisam de manter o estilo de vida em que vivem. Mas com o acordar da consciência da classe do proletariado tudo é diferente. Só porque em todas as situações a oposição que encontra
é desta
natureza,
o proletariado
tenderá
a descobrir os
escondidos interesses de classe em qualquer ponto da estrutura social. As irracionalidades das várias séries de convicções fundamentais não lhe interessam;
ou as ignora deliberadamente ou tradu-las
imediatamente em interesse de classe.
40
A Competição como Fenómeno Cultural
Nesta conexão designamos o interesse como «irracional», porque é um factor estranho a destruidor da abstracção auto-suficiente da «teoria pura». O pensamento do proletariado descobre, então, o pensamento situacionalmente determinado (aqui, determinado pelo interesse) no adversário. Mas e o seu próprio pensamento? Duas possibilidades surgem: ou o pensamento do proletariado segue o caminho do liberalismo e, permanecendo dentro da tradição da lei natural, interpreta-o como «teoria pura»; ou, nos países em que o pensamento estava mais influenciado pelo historicismo, reconhece a sua própria irracionalidade (dependência de interesses), e recorre então a uma teoria da harmonia pré-estabelecida, de forma a fazê-la coincidir com a ideia de verdade (isto é, o interesse de classe particular do proletariado é identificado com os da sociedade como um todo: a consciência de classe do proletariado é a consciência correcta, tal como a tradição marxista na forma
dada por Lukácks).
A polarização que tentamos demonstrar em relação ao problema do conhecimento valorativamente neutro reaparece em quase todos os conceitos importantes e controversos; esta polarização afecta o aparato categorial do pensamento em si mesmo. Poderia demonstrar que mesmo conceitos fundamentais aparentemente simples como o de «prática» que está, e de que forma, relacionado com a «teoria», conceitos estes que pensamos só poderem ser construídos de uma forma, são vistos a uma luz diferente, dependendo do pólo do corpo social em que nos situamos (1). Para mencionarmos apenas um exemplo em vez de muitos, mostrando
como
mesmo
o aparato
categorial
do pensamento
se tor-
nou social e politicamente diferenciado em resultado da competi-
ção ao nível da concentração. A maior dificuldade com que se de-
(1) Uma análise extensiva deste exemplo em termos da sociologia do conhecimento
na minha
investigação é o estudo: «The Prospects os Scientific Poli-
tics», que se encontra
no livro «Ideology and Utopia», London,
1937, Kegan
Paul.
41
Sociologia do Conhecimento
bate o nosso pensamento hoje é, podemos dizer, o de fazermos uso
de várias categorias inteiramente diferentes ao analisarmos cientifi-
camente um determinado acontecimento histórico. O principal golpe na objectividade e na imparcialidade não assenta no facto de os historiadores tomarem diferentes lados sobre assuntos políticos, ou outras matérias de interesse. Tais diferenças poderiam ser eliminadas por uma estrita abstenção de avaliação; deste modo, obteríamos um campo corrigido da teoria posicionalmente neutra. O perigo, no entanto, é mais profundo do que isso, e parece-me que a formulação usual deste problema, que acentua sobretudo a abstenção dos juízos de valor, não consegue fazer toda a justiça às dificuldades presentes. O verdadeiro erro assenta no facto de podermos usar modelos de ordem e categorias fundamentalmente diferentes quando isolamos o material, ao definirmos o objecto. Assim, desde que teve lugar a polarização política e social do pensamento, assistimos ao contraste entre uma apresentação da história «sintetizadora» e uma apresentação «analítica», ou, para colocar a questão mais rigidamente, temos num extremo, uma interpretação
da história
pretação baseada na antítese fundamental, do pensamento. Mas tão é que inserida no cas do mundo,
baseada
na análise, e no outro, uma
inter-
intuição morfológica. O que constitui uma cujos antecedentes vão até à história passada o que nos é importante no período em quescampo das interpretações históricas e políti-
esta antítese tende para se tornar a base da diferen-
ciação moderna entre as «plataformas» de que falamos acima. A importância decisiva desta antítese deve-se ao facto de desempenhar um largo papel mesmo na delimitação e definição original do assunto; mesmo no tratamento de um objecto singular (seja ele um ser humano individual ou um acontecimento), as conclusões a que chegamos dependem em larga medida de estarmos ou não a praticar uma aproximação «morfológica» ou «analítica». O modo como apresentamos e concebemos a história de uma série de acontecimentos ou de feitos de um homem, faz uma grande diferença consoante a olhamos como desenvolvimentos de um «germe» pré-existente (tendendo, por assim dizer, para um objecti-
42
Sociologia do Conhecimento
progressista: — naquele ponto da evolução histórica, foi o conservadorismo que fez uso desta aproximação intuitiva à realidade. Passa-se precisamente o contrário com o tipo de análise dissecadora. Logo que o objecto é concebido em termos analíticos,
deixa de ser um correlativo de contemplação
intuitiva. O modo
como um objecto ou um complexo significante nos aparecem intuitivamente, o que ele nos comunica, ou o que pretende ser ou significar, já foi ignorado, desgastado e relativizado em virtude da aproximação analítica do sujeito. A premissa escondida deste tipo de pensamento é: tudo poderia ser de outro modo; a realidade existente é fragmentada nos seus elementos e se necessário, novas realidades podem surgir. Esta espécie de aproximação só por si quebra a realidade, torna-a fluída; pelo menos, foi este o papel desempenhado pela primeira vez pelo pensamento analítico durante o período que estudamos. Este contraste entre a intuição e a análise corresponde a outra alternativa fundamental que diferenciou a oposição dos vários grupos adversários no começo do processo de polarização das «plataformas» (i.e. nas discussões do princípio do séc. XIX), a alternativa entre «fazer» e «deixar andar». «Fazer» e «deixar andar» são dois dos esquemas fundamentais de que já falamos anteriormente, que exercem uma influência decisiva nas opiniões dos homens sobre o mundo e que são responsáveis pelo facto de diferentes pessoas professarem diferentes filosofias. Aqueles que estudam a filosofia com o modelo do «fazer» presente, quebram a sua substância para lá de qualquer reconhecimento; aqueles que, por seu turno, analisam a história a partir da categoria do «deixar andar» são surpreendidos com a sua finalidade, possivelmente com a finalidade de algum acontecimento singular, mas sobretudo com a do processo histórico como um todo. Os conceitos de «fazer» e «deixar andar» representam dois extremos no largo campo das aproximações possíveis à história; de acordo com a facção que defende nesta grande luta entre as forças históricas e políticas, um pensador considerará uma maior ou menor parte da realidade como, respectivamente, final ou fluída o que deter-
44
A Competição como Fenómeno Cultural
vo pré-determinado), ou a consideramos como um complexo particular de características gerais que em outras circunstâncias pode-
riam ser diferentemente combinadas.
Na atitude morfológica, que vê o objecto como produto necessário de um desenvolvimento inevitável para um objectivo prescrito a partir de um germe que lhe é já inerente, repousa um impulso profundamente conservador, desejando a continuidade e a permanência que é mais fundamental do que o simples conservadorismo político; é este o gesto de benção do que sente que o que está, está bem. Se a contemplação do Ser é colocada a um nível superior ao que lhe é atribuído pela análise, resulta daqui um particular sentimento de estabilidade. Então, o que quer que seja que esteja aqui e agora, tenderá a ser tomado como «tinha de ser como tal». Isto
não acontece em todos os casos, porque mesmo este tipo de pensa-
mento intuitivo pode rejeitar uma má realidade através do expediente de distinguir entre a essência e a mera factualidade contingente. Mas este é um caso excepcional que não precisamos de analisar já que tratamos aqui dos «tipos ideais» fundamentais de pensamento sociologicamente determinado e não das suas descrições históricas determinadas. É útil por vezes, para a coerência da investigação científica, não atender a excepção e concentrar-se sobre as principais tendências de evolução.
A contemplação intuitiva não deixa de não ter um compo-
nente analítico, mas este é fundamentalmente diferente da espécie de análise que mencionámos acima, a qual compreende os dois processos separados de dissecção e recombinação. A espécie de análise intuitiva resulta da articulação natural do objecto; compreendendo a sua estrutura geral sem fragmentações. Se se trata de uma questão de desenvolvimento através do tempo, esta espécie de análise traça o desenvolvimento tal como ele é em cada nível e per-
mite que se torne mais claro o objectivo antecipado. No momento em que concebemos a realidade, o dado em termos morfológicos, intuitivos, imobilizamo-lo virtualmente mesmo antes de termos dito qualquer coisa. Isto, o que observamos na encruzilhada que separa os caminhos do pensamento conservador e do pensamento
43
A Competição como Fenómeno Cultural
minará, a medida pela qual diremos se ele pertence a um ou a outro estilo de pensamento. Contentamo-nos com estes dois exemplos dos tipos ideais de pensamento polarizador. Devemos perguntar agora: A competição a este nível provoca apenas uma polarização, ou produz também uma síntese? Todos aqueles para quem constitui conclusão inevitável a tensão social não ser em princípio passível de conciliação, apoiam-se na argumentação segundo a qual a polarização é de fundamental importância e interpretam-na num sentido absoluto. Há, em primeiro lugar, o porta-voz das doutrinas sociais e intelectuais radicais, incluindo, por um lado, aqueles que, tal como já mencionamos,
negam como questão de princípio que qualquer tensão existencial ou intelectual possa ser mediada e, por outro lado, aqueles que interpretam a irreconciliabilidade classisticamente determinada das diferenças teóricas num sentido absoluto. um
Na nossa opinião, estes dois grupos extremos olham apenas
aspecto
parcial, ainda que
relativamente justificado, de uma
situação global; nós, pelo nosso lado, devemos ser suficientemente abertos para reconhecer a síntese que se pode verificar, apesar do
processo de polarização. Na verdade defendemos, que a síntese acontece no processo, e que precisamente as sínteses desempenham um importante papel na evolução do pensamento. As sínteses devem a sua existência ao mesmo processo social que provoca a polarização; os grupos ultrapassam os modos de pensamento e as realizações intelectuais de grupos rivais com base
na lei da «competição pelo resultado». Sombart (1) diferencia na
esfera
económica,
sugestão e da força. mas de competição tição social e como to. Não seguiremos
como
se sabe, a competição
pelo
resultado, da
Também aqui se pode mostrar como estas forsão moldadas pelos princípios gerais da competambém elas ocorrem na região do pensameneste curso de raciocício e indicaremos apenas
(1) Cf. W. Sombart, Das Wirtschaftsleben im Zeitalter des Hochkapitalismus Munich, Leipzig, 1927, Il, Halbband, pp. 557.
45
Sociologia do Conhecimento
que no processo de pensamento socialmente determinado, mesmo o adversário é, em última análise, forçado a adoptar aquelas categorias e formas de pensamento que são mais adequadas à orientação num determinado tipo de ordem do mundo. Na esfera económica, um dos resultados possíveis da competição é o de um dos competidores ser obrigado a acompanhar as vantagens tecnológicas
do outro. Do mesmo modo, quando vários grupos entram em com-
petição para verem acente a sua interpretação da realidade, pode acontecer que um dos grupos tome do adversário algumas hipóteses ou categorias proveitosas, isto é, tudo o que promete vantagens
cognitivas. Também aqui, vamos ilustrar e não demonstrar a nossa
tese, com um único, mas clássico exemplo de uma síntese desta natureza — Hegel. O pensamento de Hegel pode ser considerado, com alguma justificação, uma síntese entre o pensamento do Iluminismo, com a sua propensão absolutista, e o pensamento do romantismo e do historicismo conservador, orientado para o fenómeno da mudança social. No primeiro terço do séc. XIX, defrontravam-se entre si dois tipos extremos de pensamento. Encontramos, de um lado, o lluminismo, com a pretensão de se determinar exclusivamente por princípios de «rectidão» não sujeitos a mudança histórica. Para este tipo de pensamento, era possível deduzir da razão pura os princípios da única solução correcta para qualquer problema; tudo o que se opunha a esta solução supostamente «correcta» era sentido como um impedimento, um erro absoluto. Tal atitude fazia com que esta espécie de pensamento não compreendesse o fenómeno
da
génese
e desenvolvimento
históricos. Por outro
lado,
encontramos o historicismo dos conservadores que, por seu turno,
negavam
precisamente
a possibilidade de deduzir por raciocínio
puro um sistema de soluções em si mesmo correcto. Os conservadores opunham-se a qualquer sistema, eles opunham-se aos sistemas enquanto tal. Eram extremamente cépticos em relação à Razão, e duvidavam que o método dedutivo-construtivo pudesse alguma vez produzir algo verdadeiro ou aplicável. Para eles, só existiam o objecto que gradualmente se desenvolvia ao longo do tempo, e o significado contido neste processo de realização, e em últi-
46
A Competição como Fenómeno Cultural
ma instância, nada mas apenas épocas isoladas, completamente auto-suficiente. A verdade só podia ser formulada como relativa em relação a esta realidade histórica, mas nunca como absoluta. Ranke dá a expressão clássica desta doutrina na afirmação: «Cada
época é matéria de
Gott»).
Deus»
(«Jedes Zeitalter ist unmittelbar zu
Aqui de novo, nos debatemos com um caso de polarização acentuada, e a função do pensamento de Hegel, no que respeita ao assunto de que tratamos, consiste precisamente em ultrapassar-
mos esta tensão.
Hegel tentou encontrar uma posição onde estas duas espécies de pensamento se pudessem encontrar na sua exactidão parcial, e ao mesmo tempo interpretou-as como aspectos subordinados de uma síntese superior. Infelizmente, só podemos fazer aqui uma breve delienação da sua solução: cada época é uma entidade auto-suficiente que pode e deve ser compreendida em termos de um modelo que lhe seja inerente. O desenvolvimento histórico como um todo, as séries de épocas individuais, representam uma aproximação em estádios progressivos a um Absoluto. De acordo com Hegel, este estádio terminal do Absoluto como uma actualidade foi conseguido no seu tempo, quer no Estado, quer no seu próprio pensamento filosófico. Se tentarmos traduzir o conceito de presen-
te como a actualidade do Absoluto em termos sociológicos concretos, descobriremos que este não é senão o Estado prussiano do
tempo de Hegel, do seu ponto de vista. Não nos cabe tomar posição por ou contra esta solução, mas antes ver como ela corporiza a tentativa de reconciliar numa síntese as formas históricas e absolutistas de pensamento. Depois, de Hegel, tornou-se possível combinar estes dois modelos de pensamento, algo com que ninguém sonhou enquanto dominou a tendência de polarização. A propensão para a síntese de que isto constitui uma manifestação decisiva permeia o pensamento Hegeliano totalmente. Não só é o princípio construtivo básico que ele aplica na reconciliação das forças antitéticas numa síntese superior; mes-
mo em questões de pormenor, ele quase sempre sintetiza tendên-
47
Sociologia do Conhecimento
cias díspares do seu tempo. A sua relação com o racionalismo e o irracionalismo é igualmente sintetizadora: seria, portanto, errado aliar Hegel às formas racionalistas ou irracionalistas do seu tempo. O que ele procura é uma síntese em que a tese e a antítese se com-
pensem.
Façamos agora uma outra afirmação. Sociologicamente falando, não é de modo algum acidental que tenha sido Hegel e mais
ninguém
o descobridor da dialéctica.
Por «dialéctica» entendo
aqui, não uma disciplina esquemática lógica, mas um concreto modelo de história viva pelo qual, tendências antitéticas, polarizadas são reconciliadas numa síntese superior. O facto de ter sido Hegel, em particular, a descobrir isto, explica-se, em parte, pelo facto de ele e o seu tempo terem experimentado pela primeira vez na história um período de polarização estrita (em resultado da competição no estádio de concentração), seguida de uma curta fase de liberdade de decisão, resultando na primeira síntese geral. Realmente, Hegel descobriu na dialéctica (as suas origens re-
ligiosas, recentemente investigadas, não estão aqui em discussão) a
lei da estrutura do seu próprio pensamento, e ao mesmo tempo a lei estrutural fundamental do seu tempo. É significativo que por volta dessa mesma altura, em França, Comte
procurasse
uma
síntese semelhante.
Esta síntese, como
se
relaciona com uma situação diferente em França, é diferentemente
constituída
no
seu
conteúdo
e nos seus pormenores variados; no
entanto, Hegel e Comte como fenómeno cultural, se considerados do ponto de vista do ritmo comum dos movimentos intelectuais na Europa moderna, representam grosso modo o mesmo estádio. Oppenheimer (1) tentou recentemente analisar o pensamento de Comte
numa perspectiva sociológica como um exemplo de síntese,
e seria interessante e valioso sujeitar o paralelo Hegel-Comte a uma análise sociológica paralela, não apenas no que diz respeito às suas semelhanças, mas também no que diz respeito às suas diferenças.
(1) Oppenheimer, Richtung der neuren deutschen Soziologie, Jena, 1928.
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A Competição como Fenómeno Cultural
Há períodos na história moderna durante os quais uma geração representativa consegue uma síntese. Estas gerações tentam uma aproximação nova ao conseguirem olhar de uma plataforma superior de uma síntese, aquelas alternativas e antagonismos que os seus pais interpretaram de um modo dogmático, absoluto. Então, os problemas existenciais ainda não solucionáveis são experimentados por esta geração em contextos inteiramente distintos; mas os velhos antagonismos,
tornam-se
menos
agudos, e será pos-
sível encontrar um ponto, por assim dizer, anterior, em que as posições adversárias são julgadas parciais e relativas e por isso. mesmo,
transcendidas.
(Parece, a propósito, que a própria sociologia do conhecimento fornece esta visão com recuo no tempo, a partir da qual as diferenças teóricas filosóficas que não se reconciliam com o seu conteúdo presente são vistas na sua parcialidade e, em consequência, tornadas adoptáveis a uma síntese. A existência deste ponto de partida continuamente recuador, que erroneamente estaremos tentados a interpretar como sinal de uma reflexão sempre crescente, apresenta-se-nos com um problema até agora intocado mas apesar de tudo importante da sociologia do conhecimento). A questão de uma síntese é demasiado complicado para nos
permitir aqui uma aproximação à solução.
Basta-nos que a síntese existe, e que a história do pensamento nos tempos modernos fornece exemplos não só de polarização, mas também de associação, de ultrapassagem e de síntese. Não devemos, no entanto, perder de vista uma coisa: as sínteses não estão confinadas a correntes puramente intelectuais; representam também interpretações de forças sociais. A pura história das ideias apresentaria o pensamento de Hegel como uma ponte entre o «lluminismo» e o historicismo; mas devemos ir mais longe perguntar questões como esta com base numa análise da génese destes tipos de pensamento, e do seu desenvolvimento posterior, que grupos e estratos se situam por detrás do historicismo? Como fazer um diag-
nóstico sociológico exacto da situação em que a síntese se torna possível? As sínteses também não pairam no ar, não sujeitas à gra-
49
Sociologia do Conhecimento
vitação social; é a configuração estrutural
da situação social que
torna possível o seu aparecimento e desenvolvimento.
É assim claro que não acreditamos em nenhuma síntese absoluta, a síntese absoluta que possa transcender o processo histórico e, por assim dizer, com os «olhos de Deus» directamente compreender o «significado da história». Devemos evitar esta decepção em que Hegel caiu completamente, mesmo se consideramos uma síntese como
a melhor
Na
este
coisa que o pensamento
pode
produzir do
ponto de vista da função socialmente unificadora do conhecimento. (Repito: do ponto de vista da função socialmente unificadora do conhecimento). O plano desta conferência não me permite desenvolver a ideia complementar, sugerindo os limites necessários de toda a síntese, segundo a qual certos elementos existencialmente determinados no pensamento nunca podem ser desapossados deste carácter; nem devem, já que o seu significado próprio seria ignorado se eles fossem englobados numa síntese). A instabilidade e relatividade de qualquer síntese é demonstrada pelo aparecimento, em lugar do sistema hegeliano em si mesmo, do hegelianismo de direita e de esquerda. análise
cisma,
no
entanto,
vemos
que
em
ambas
as
partes permanece um resíduo a-problemático da síntese hegeliana, um inventário de conceitos e modelos de pensamento que em época
anterior
foram
objecto de discussão. Através dum
processo
de
selecção, um certo resíduo separa-se do conjunto de matéria problemática à volta da qual foi conduzida a principal luta, e é incorporado, quase sem se dar por isso, na visão e orientação primária de todas as partes. Exactamente do mesmo modo, muitas descobertas e novas categorias são pacificamente abandonadas. Podemos ver claramente hoje, por exemplo, como a aproximação sociológica, originalmente
apresentada
pelos grupos de oposição e com-
batida pelos grupos dominantes ligadosa uma orientação ideológica, foi gradualmente, quase de um modo secreto, em geral adoptada só porque permitia o modelo de orientação primário mais ade-
quado à situação contemporânea. 50
A Competição como Fenómeno Cultural
Numa palavra, a síntese significa selecção. O processo de polarização é acompanhado, passo a passo, por um contra-movimen-
to correspondente que deseja uma síntese. Vimos já como mesmo
ao nível de um partido, uma plataforma só surge através de uma síntese isto é, que é necessária uma síntese para consolidar as perspectivas parciais de grupos e de facções individuais num programa de partido que exerça um apelo forte para permitir uma «corrente»; e já vimos também que para lá do raio de alcance destas sínteses intra-partidos há constantes tentativas de mediar numa síntese geral as maiores tensões que se levantam no processo histórico-social. E finalmente vimos que apesar desta grande síntese nunca ser verdadeiramente alcançável, os esforços para ela resultam afinal numa acumulação selectiva de um inventário
comum
de conceitos, como se tratasse de um consenso ex post
conseguido pelas diferentes partes. A acrescer, então, ao consenso primitivo representado pelo fundo herdado de ansiedades, emoções e vontade comum, tratamos igualmente de um consenso posterior ex post, que nasce da tensão e que gradualmente se consome na discussão. Entre estes fica, no
entanto,
a região
turbulenta,
problemática
da vida dentro
da qual tudo está ainda aberto a questões. Temos de perguntar agora: Qual é o princípio subjacente a esta selecção? Em que medida uma parte da plataforma original do partido sobreviverá na luta de facções dentro do partido, e quanto da doutrina anteriormente defendida se perderá irrecuperavelmente no processo? Mais, o que é que todos os partidos tomarão tacitamente uns duns outros? O que é que, na longa corrida, tende a estabelecer-se acima e além do consenso do partido como o
consenso de uma inteira comunidade histórica?
Evidentemente que é o que é mais aplicável, isto é, aquilo que cada partido precisa para se orientar na situação contemporânea. Agora este fundo comum de conhecimento que se impõe como um consenso tácito partilhado por todos é, em grande medida, existencialmente determinado, apesar de existencialmente determinado a um nível superior, mais abstracto.
51
Sociologia do Conhecimento
A corrente da história tende, então, a examinar na longa corrida aqueles conteúdos, modelos e modos de experiência que são do maior valor pragmático. Neste momento, a questão que se levanta é inevitavelmente a seguinte: O pragmaticamente valioso é necessariamente também verdade? Com esta questão, o nosso problema, originalmente relativo à sociologia do conhecimento, transforma-se num problema epistemológico. Mas o problema epistemológico não pode ser colocado no presente contexto. Por outro lado, está fora de questão que se deve interromper uma certa análise num ponto crucial quando aí começa o domínio reconhecido de um outro departamento científico (um modo de procedimento típico da organização burocratizada da ciência). Neste momento, gostaria pelo menos de sugerir como os problemas destes vários campos se reunem num único contexto vivo. Levantamos o véu da corrente de dúvidas espontâneas, alcançamos este nível de análise seguindo a dialéctica profunda do problema, e vamos agora olhar em volta. Permitam-me que lhes abra por momentos a janela sobre a paisagem dos problemas epistemológicos.
O pragmaticamente
valioso é também
necessariamente ver-
dade? Porque esta questão é epistemológica, não conseguiremos resposta pelo método da sociologia do conhecimento. Enquanto que a sociologia do conhecimento tem que ver com questões de facto, a epistemologia trata de questões de direito. Enquanto que qualquer descoberta da sociologia do conhecimento corporiza uma afirmação de facto que pode ser invalidada por um registo factual contraditório, a solução para um problema epistemológico está sempre largamente dependente do conceito de verdade pressuposto e usado na discussão. A sociologia do conhecimento, porém, está em posição de facultar uma espécie particular de informação factual relativa aos vários conceitos e epistemologias de verdade, informação factual esta que tem em si mesmo implicações epistemológicas que nenhuma epistemologia futura pode desconhecer. Não desprezando a sua exigência de uma ciência fundamental e a crítica de toda a experiência como tal, a epistemologia na ver-
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A Competição como Fenómeno Cultural
dade sempre existiu só como uma justificação de um modo de pensamento já existente ou a aparecer (1). Se aparece um novo código de cognição, como por exemplo, a ciência natural moderna, a epistemologia tentará explicá-lo e justificá-lo. A epistemologia gostaria de ser tomada como uma ciência crítica, quando na verdade representa uma espécie de conhecimento sustentador e justificador. Ela encontra a sua verdade num modelo de verdade externamente determinado, e este modelo parcial servirá como um modelo total de orientação; o seu conceito de verdade será também o produto da sua situação ex post . Olhada histórica e factualmente, a epistemologia mantém relação com qualquer modo de pensamento determinado, da mesma forma como, por exemplo, a filosofia da lei mantém relação com qualquer sistema legal prevalecente. Ela
exige reconhecimento como um modelo absoluto, um tribunal, um
crítico, enquanto que na verdade é uma estrutura adventícia, um mero sistema de justificação para um estilo de pensamento já exis-
tente.
Do ponto de vista da sociologia do pensamento, uma disciplina que tem sempre inteira configuração histórica dentro dos seus objectivos, o principal ponto não é o de, ao contrário do que seríamos tentados a pensarà primeira vista, uma epistemologia que luta com outra, mas de uma luta que sempre se mantém acesa entre os modos de pensamento e cognição que as várias teorias do conhecimento só servem para justificar. Na estrutura histórica e social, as teorias do conhecimento. São apenas postos avançados na luta entre os estilos de pensamento. Não me proponho examinar aqui as implicações epistemológicas destas descobertas factuais da sociologia do conhecimento e qual a sua relevância para o problema da validade; apenas lhes lan-
ço estas perguntas, na esperança de que lhes possam procurar uma
resposta. Estou profundamente consciente, claro, que ao proceder assim, me liberto de um problema complicado que vos deixo.
(1) Cf. «Strukturanalyse der Erkenntnistheorie», Kantstudien, Erganzungsheft,
Nº 57, Berlin, 1922, pp. 72.
53
Sociologia do Conhecimento
Esta questão, no entanto, está para lá do alcance do nosso tópico original que é o do papel da competição na esfera intelectual. A discussão dos problemas sociológicos levantados teve a sua conclusão com a análise feita da dialéctica hegeliana, no decurso da qual tentamos mostrar que o modelo da dialéctica com o seu movimento entre a antítese e a síntese se pode explicar, em parte,
pela moderna tendência polarizadora das correntes intelectuais no
estádio da concentração. Com esta conclusão, voltamos de novo ao nosso ponto de partida, o conceito de uma sociologia da mente que, assim esperamos, elucidará com novos aspectos os mistérios da dinâmica da mente, do problema da função das correntes doutrinais. Qualquer que seja a vossa atitude para com Hegel e a interpretação sociológica da dialéctica, espero pelo menos ter dado uma ideia necessariamente pequena e concisa de que a estrutura social é certamente
uma
co-determinante
da
forma
concreta
do pensa-
mento existencialmente determinado; de que, em particular, as várias formas de competição (incluindo as suas formas extremas)
tendem a deixar a sua marca na estrutura de pensamento com que
se relacionam; e finalmente, que na tentativa de dar luz à situação intelectual actual (que confronta o indivíduo com o desespero absoluto, e que trata a visão científica com desprezo), não nos podemos dispensar de uma visão sociológica, neste caso, com a técnica da sociologia do conhecimento. Isto não significa que a mente e o pensamento sejam expressão e reflexo das várias «localizações» na produção social e que só existam correlações funcionais quantitativamente determináveis e nenhuma «liberdade» potencial enraizada na mente; isto só significa que mesmo dentro da esfera intelectual, há processos susceptíveis de análise racional, e que seria misticismo errado que lançaria as coisas numa obscuridade romântica, num ponto em que a
cognição racional ainda é praticável, pensar o contrário. Todo aquele que se queira arrastar para o irracional onde a lucidez e a acuidade da razão ainda devem governar por direito, apenas revela que tem receio de encararo mistério no seu legítimo lugar.
54
Capítulo VI
A NATUREZA DA AMBIÇÃO ECONÓMICA E SEU SIGNIFICADO PARA A EDUCAÇÃO SOCIAL DO HOMEM
Este problema pode ser formulado de dois modos: podemos perguntar como a natureza da ambição afecta o sistema económico, ou como este sistema, ao cultivar a ambição económica, afecta a personalidade humana. Trataremos neste ensaio por esta última perspectiva e não nos ocuparemos assim com o significado da luta pelo sucesso económico em relação com a esfera económica objectivada, mas com o efeito do último aspecto no desenvolvimento e formação do homem. O nosso tema é, pois, o da contribuição dos factores económicos na formação da personalidade humana. 1. A EDUCAÇÃO SOCIAL DO HOMEM
O objectivo da nossa investigação é de natureza pedagógica;
aproximamo-nos da tarefa da educação de um ângulo novo. A educação teve sempre como objecto a formação do homem. Sempre quis modelar a geração mais nova, de acordo com alguns ideais conscientes e inconscientes, e sempre procurou controlar cada factor da personalidade e de formação. Vamos mencionar
55
A Sociologia do Conhecimento
apenas dois dos
modos
típicos de educação: os necessários para
conseguirmos tornar visíveis os novos factores, a nova aproximação à educação que cada vez mais se define.
(1) Os educadores sempre souberam que no contacto pessoal entre os seres humanos assenta um factor muito profundo que influencia o desenvolvimento psíquico. A personalidade de um professor, dos pais, de amigos exerceu, em certas circunstâncias uma influência mais profunda numa criança do que o seu ambiente institucionalizado, cultural. O contacto pessoal a inspiração exercida pela personalidade vital de um chefe, tem um efeito directamente estimulante e não pode ser substituído por meros produtos culturais objectivos.
(2) Em segundo lugar, os educadores também reconheceram
a importância de um grupo recentemente determinado de factores educacionais, os produtos objectivos e as realizações de uma cultura. Estes factores são de duas naturezas: (a) os factores educacionais relativos a áreas especializadas de conhecimento e especialização pelas quais a acção humana se torna mais eficiente; (b) os fac-
tores educacionais relativos aos valores morais e estéticos de uma cultura, que, apesar de não directamente
funcionais ou utilitários,
assistem na formação das atitudes e ideias. (3) Finalmente, os educadores estão conscientes da importância do desenvolvimento de hábitos automáticos e quase-instintivos, cujo carácter não desviante empresta maior estabilidade aos indivíduos e aos grupos do que as ideias que deixaram de ser convincentes, ou do que as estritas exigências sociais que precisamente por serem muitas estritas, não atingem muitas vezes o efeito pre-
tendido. Todos estes modos e meios de influenciar os homens têm em
comum uma tendência para se limitarem às possibilidades permitidas pelas relações mútuas dos indivíduos, e por isso, retiram a tarefa da educação da esfera social e histórica, tornando-a, por assim dizer, íntima e pessoal. Aprendeu-se, na verdade, que a educação não teve só lugar nas esferas mais ou menos artificialmente isola-
56
A Educação Social do Homem
das da escola ou da casa, nas relações íntimas entre homem
e ho-
mem, entre o «eu» e o «tu». Compreendeu-se que os processos
decisivos determinantes da formação da personalidade se desenvolvem na sua maior parte no mundo público, a que vagamente nos referimos como «vida». Mas pouco ou muito, também o pensamento contribuiu para a formação da personalidade nesta assim chamada «vida», ou para a investigação desta contribuição de um
modo científico.
Num estádio pré-sociológico, a «vida» é observada fatalísticamente como algo vasto e incompreensível, «irracional»; por isso pensa-se que jovens cuidadosamente educados em casa e na escola quando deixam a casa de seus pais, ficam abandonados à corrente da vida e sujeitos a riscos incalculáveis. Ninguém negará os riscos incalculáveis e duvidosos na vida; ninguém negará que há acidentes no curso dos acontecimentos, conjunturas únicas de circunstâncias
incontroláveis. É impossível prever que encontraremos, ou que efeitos desconhecidos um homem ou uma experiência podem ter em nós. Não podemos dizer quão profundamente podemos ser afectados pelas experiências ou até que ponto o relacionamento
com certas pessoas nos pode fazer encontrar-mo-nos. Mas esta ca-
deia de experiências futuras, imprevisíveise por isso insusceptíveis de investigação, não deveria ser confundida com os factores típicos que acontecem no meio que nos circunda e que tendem a forçar o nosso desenvolvimento mental ou espiritual numa direcção particular. O pensamento pré-sociológico nunca compreendeu que não tratarmos
da
«vida
em
geral»,
na
sua
abstracção
supostamente
vaga, mas sempre de uma forma de existência social muito concreta numa situação particular. A maior parte das nossas vidas passa-se numa
tentativa contínua
para lutar contra os poderosos facto-
res que se repetem e que caracterizam um certo meio social concreto. A natureza destas influências, a sua força, a direcção em que desenvolvem ou atrofiam as personalidades, seria susceptível de investigação
e
descrição
e
poderia
ser mais
facilmente
sujeita
controlo, se fossem investigadas racionalmente do mesmo modo que os outros dados da existência humana o têm sido até agora.
a
57
Sociologia do Conhecimento
Se a educação não observa estes factos e se não os toma em consideração, insistindo em treinar os «homens em geral» em vez de os treinar de um modo adequado a um certo ambiente social, obtém em consequência uma abstracção vazia cujo resultado só pode ser uma frustração para todos aqueles que tentam aplicar as máximas aprendidas pela educação ao mundo concreto no qual devem entrar. Por outro lado, se uma pessoa tem uma vitalidade pessoal suficientemente poderosa para afastar estas máximas impraticáveis, ela pode conseguir compromisso tendendo cada vez mais para «resolver» o problema que elas lhe levantam considerando-as como «ideais» sem uma verdadeira força motivadora, mas ignorando-as ao mesmo tempo quando se trata de tomar decisões verdadeiramente importantes. Os princípios educacionais não sociológicos são propensos a produzir aquilo a que Hegel chamaria a «consciência infeliz», «infeliz» porque premissas muito ideais demasiado abstractas inculcadas pela educação artificial tornam o seu portador incapaz de dominar os conflitos que são a matéria da vida real; tende a sentir-se em
casa só quando
trata do possível, do potencial e tende a consi-
derar a priori toda a realidade como «má». O verdadeiro significado e a função da «ideia» é lançar a realidade um
passo atrás; mas
tal «consciência idealista» artificialmente cultivada conduz antes a
um segundo «mundo ideal», que, apesar de ter uma qualquer relação com o presente histórico e social concreto, só existe para nos afastar da realidade indominável do mundo «primário» e para nos conduzir do reino do puro idealismo ao seu adversário mais perigoso, o Romantismo. A queda do idealismo abstracto para o mundo cruel do poder político, que foi um traço comum na história do séc. XIX de muitas nações e grupos sociais, é só a reflexão e a projecção em grande escala do processo de decadência das ideias falsas que podemos observar na vida real; estas ideias são falsas e estão condenadas a cair precisamente porque desde o início foram concebidas sem qualquer relação com a vida real. No entanto, o nosso acento sobre os factores sociais na educação não significa que queiramos minimizar ou suprimir os facto-
58
A Educação Social do Homem
res sobre os quais se baseou o velho tipo de educação, por exemplo, os contactos inter-pessoais, os valores culturais e as capacidades tradicionais. Antes queremos complementar estes velhos factores, torná-los mais concretos e acrescentar-lhes a terceira dimensão
ausente: a dimensão social.
Para uma teoria sociológica da educação, a investigação dos factores sociais, o significado do ambiente social para a educação, são importantes de dois modos. Em
primeiro
lugar, é necessário saber tão exactamente quan-
to possível a espécie de mundo em que a nova geração espera viver. Queremos ser capazes de acordar e cultivar todas aquelas capacidades de que o indivíduo provavelmente necessitará naquele meio. Devemos tomar em consideração o facto de vivermos hoje em larga medida num mundo industrial e de este mundo, quer nos seus momentos
superiores,
quer
nos seus momentos
inferiores, necessitar
de tipos especiais de homens com aptidões especiais não adquiridas naturalmente na forma exigida e na medida necessária. Deve ter-se ainda presente que este tipo de homem se exporá a certas transformações sociais, ataques, possibilidades de conflitos nos quais se deverá mostrar firme como um indivíduo e nos quais deve também provar a sua capacidade para se comprometer em resistência colectiva. A elucidação das influências típicas presentes na vida quoti-
diana de uma sociedade industrial tornará mais fácil desenvolver as capacidades necessárias e também cultivar nele, de um modo planeado, as atitudes que lhe permitirão afastar influências perniciosas. O segundo caminho em que tal investigação se revela importante, toca já na política. O que acabamos de ver foi a importân-
cia do conhecimento dos factores sociais no treino dos homens de
forma que eles se sintam capazes de realizar as tarefas que lhe surjam, prevenindo assim que o rápido desenvolvimento social e industrial da nossa sociedade torne o mundo insuportável para o homem
moderno.
Este conhecimento
pode, porém,
ter uma
função
mais larga. Não se trata somente de adaptar os homens a um certo nível de desenvolvimento, mas de produzir homens capazes de de-
59
Sociologia do Conhecimento
senvolver a forma existente de sociedade para uma fase superior. Algo já se disse sobre uma «pedagogia industrial» como um instrumento de reforma social, e pode esperar-se que numa era de transformação social tal como aquela em que vivemos, o homem voltará a sua atenção
cada vez mais conscientemente
para a inves-
tigação daquelas influências presentes na vida quotidiana da sociedade que favorecem o desenvolvimento de um novo tipo de homem. A tarefa da educação, portanto, não se destina somente a criar gente ajustada à presente situação, mas também a criar gente que esteja em posição de actuar como agente de desenvolvimen-
to social conducente a um estádio superior.
As relações sociais que governam a vida quotidiana são um objecto importante para a investigação se se deseja retirar do reino do «acidental» cada vez mais factores para a educação social dos homens. Um precessor da investigação deste tipo foi a assim chamada «investigação do meio», que tentou descobrir a natureza da influência presente nos diferentes tipos de meio social. A conexão
entre o homem social e económico e o seu desenvolvimento men-
tal e espiritual será trabalhada por outras secções da vida social, por outros ramos da sociologia e o resultado reunido destas investigações resultará, num futuro não muito distante, num conhecimento unificado da estrutura social e da medida em que a existência espiritual do homem pode ser conscientemente moldada. A investigação do milieu, porém, é só um começo útil, já que separa o milieu como um factor e problema distinto do seu contexto na estrutura das forças sociais dinâmicas. O que é que é na verdade um milieu? É uma constelação concreta, uma combinação única de factores causais típicos. Estes últimos, necessitam de ser investigados como tal antes de se tomar em consideração uma combinação individual por eles formada num determinado
tempo
e espaço.
Mas o que é que está na origem
do
processo pelo qual diferentes milieux se desenvolvem ou desaparecem? A transformação dos factores sociais dinâmicos está, na verdade na origem dos vários milieux. O mundo social não é claramente uma justaposição de mosaicos de diferentes meios. Conce-
60
A Educação Social do Homem
bê-lo como tal significaria manter a observação a um nível intuitivo directo a atribuir à aparência exterior das sucessivas fases de um processo maior importância do que aos princípios que determinam o seu desenvolvimento, diferenciação e transformação. A investigação do milieu numa análise próxima prova ser somente a guarda avançada de um plano de estudo cada vez mais lato, cujo objecto é compreender a vida na sua dimensão social e também na sua dimensão espiritual em termos dos princípios de desenvolvimento das diferentes estruturas que nele se desenvolvem. Os princípios subjacentes ao desenvolvimento das várias formas possíveis de experiência e pensamento e das suas conexões com aquela realidade social governadora, têm de ser investigados, assim como todas as questões decisivas que se relacionam com este tema central. É arbitrário e indiferente o ponto por onde começamos tal investigação, o ponto em que decidimos começar a desenredar as interconexões de acontecimentos; o que é importante é ver que a investigação é sempre lançada para o último limite das interconexões estruturais, em direcção ao ponto em que as formas mentais e sociais são mutuamente dependentes e condicionadas. Se começarmos com o sistema económico e tentarmos observar o trabalho das influências que dele resultam, seremos certamente capazes de tratar apenas de uma das possíveis questões referentes
à relação
entre
a economia
e a pessoa humana,
nomeada-
mente, ao modo como o sistema económico afecta o homem. Isto
não significa, porém, que também não seja necessário perguntar a questão ao contrário, i.e. como o homem afecta a economia e ainda mais, como ele a poderia afectar por acção deliberada. Mas precisamente porque esta segunda questão representa a razão de toda a investigação, a ela só poderemos responder mais tarde; antes de a podermos tratar, devemos examinar a primeira questão, a de saber como o sistema económico afecta o homem. Só a resposta a esta
pergunta pode determinar a natureza do campo em que deve trabalhar aquele que quer mudança; e, a não ser que acreditemos que o homem é capaz de todas as coisas em que qualquer lugar, desde que tenha vontade, precisamos de saber, com exactidão crescente,
61
Sociologia do Conhecimento
qual a natureza do seu meio concreto e que mudanças são ao mesmo tempo significativas e possíveis para ele querer mudar (1). Como realistas que somos, devemos examinar primeiro a influência da vida social, ou, mais concretamente, do sistema económico, no homem. Queremos saber porque canais de diferentes experiências e diferentes incentivos se forma a ambição nesta esfera. O sistema económico
é uma
parte essencial da vida social e uma força forma-
tiva poderosa no ambiente do homem, operando através do mecanismo psíquico da ambição, da luta pelo sucesso.
11. O QUE É O «SUCESSO»? Para analisarmos a natureza da ambição, a luta pelo sucesso, devemos saber primeiro o que entendemos por «sucesso». É inútil descrever o conceito sem atendermos à sua estrutura sociológica. Descrever como uma maçã cai de uma árvore não é ciência. A observação só se torna ciência quando se descobre o princípio relevante, a estrutura ou a lei, neste caso a lei da gravidade. Na
(1) Há mais duas razões pelas quais se deveria dar prioridade à investigação das influências causais exercidas pela economia. Max Weber, que é geralmente
considerado como um defensor da primazia do «espiritual», declarou mesmo que, não desprezando a importância dos factores «espirituais» na investigação da génese do capitalismo, as tendências inerentes à estrutura económica da sociedade
determinam
largamente
os aspectos
«espirituais»
do
período
do
capitalismo desenvolvido (cf. Religions soziologie, 1920, vol. |, pp.55). Para o nosso período, é mais importante considerar os efeitos espirituais das causas económicas mete
do que vice versa. Além
um campo
disso, esta linha de investigação pro-
científico mais lato, porque os factores económicos podem
ser descritos mais objectiva e exactamente quanto
do que os factores espirituais. En-
que os factores causais psíquicos são imprecisose dificilmente acessí-
veis a uma análise científica exacta, é possível conseguir jectiva de um
certo número
uma
mudanças objectivamente discerníveis no reino da economia.
62
apreciação ob-
de resultados psicológicos automáticos de certas
A Educação Social do Homem
exposição seguinte, tentaremos transcender o fenómeno social, e e tal como ele é inquestionavelmente aceite pela historiografia e tentaremos explorá-lo em termos dos seus princípios estruturais subjacentes. Partimos do princípio de que há uma relação entre as várias formas de manifestação da ambição, por um lado, e a estrutura do sistema económico e social por outro. Consequentemente, temos de analisar os elementos objectivos no fenómeno do «sucesso económico»
antes de podermos considerar as mudanças do modo sub-
jectivo como experimentarmos o sucesso. Para compreendermos o fenómeno subjectivo da ambição (luta pelo sucesso) temos de analisar inicialmente a sua contrapartida objectiva,o próprio suceso. Mais, a variedade de formas que a ambição pode tomar deve ser compreendida em termos da variedade de possíveis espécies de sucesso. Só deste modo é que pode ser desenvolvida e substanciada a tese (1) essencialmente marxista de que as mudanças estruturais no mundo objectivo trazem consigo mudanças nas formas subjectivas da experiência humana. Uma análise estrutural do «sucesso» deve, portanto, preceder uma análise estrutural da «ambição». O que é o «sucesso»? Qual a sua definição estrutural? É mais fácil responder a esta pergunta se distinguirmos entre «sucesso» e outro fenómeno próximo da realização. O que é que o «sucesso» e a «realização» têm em comum? Qual é o termo genérico que os engloba a ambos, e qual é a diferença específica entre eles? O termo genérico que reúne o sucesso e a realização é o termo realização em geral. Ambos têm em comum o facto de, ao contrário dos resultados potenciais, imaginados, desejados e procurados, serem ambos realizações. Por exemplo, ao contrário do velho sonho de o
(1) É algo estranho que a literatura marxista tenha negligenciado a especificação
dos canais através dos quais mudanças
se produzem
mudanças
na estrutura económica
espirituais e culturais. Quanto
objectiva
aos temas específicos
da «ambição» e do «sucesso», podemos encontrar algumas pistas nas obras de Freud, de Adler e T. Reik.
63
Sociologia do Conhecimento
homem ser capaz de voar, de ver a grandes distâncias, etc., a prossecução destas possibilidades é sempre uma realização. Ao contrário de uma sinfonia projectada, a escrita é uma realização. As realizações são possíveis numa grande variedade de esferas: na tecnologia, na arte, na ciência, na organização económica, etc.. Quando a realização é de natureza cultural ou artística e não material ou
tecnológica, falamos dela como uma «obra». Os trabalhos e outras
realizações da mesma natureza são realizações, «objectivações» dentro de uma esfera de actividade produtiva, e os padrões pelos quais se afere a sua qualidade são modelos objectivos daquela esfera. No entanto, podemos conseguir uma boa organização, oferecer um óptimo serviço de sapatos, fazer uma sinfonia perfeita, mas es-
tas realizações não trazerem necessariamente com elas o sucesso.
Este exemplo imediatamente ilumina a diferença essencial entre o sucesso e a realização: uma realização é uma espécie de objectivação ou realização dentro de um particular campo de actividade produtiva. A existência e a validade de uma realização são independentes da aceitação social e destino do seu autor. O «sucesso», por outro lado, é uma realização no campo das relações sociais (inter-
-individuais).
Devemos determinar agora mais concretamente a forma especial desta realização social. A forma específica da realização no campo inter-individual que é fundamental para o sucesso pode ser designada como «aceitação». É importante, porém, distinguir duas
espécies de aceitação: (a) a aceitação conseguida pela realização en-
quanto tal (o sucesso objectivo) e a aceitação conseguida pelo autor da realização (sucesso subjectivo). II. O SUCESSO OBJECTIVO E SUBJECTIVO
Comecemos
com o sucesso objectivo. Uma realização que in-
fluencia ou altera a vida («o sendo») ou a conduta do homem ou
dos grupos sociais, tem um sucesso objectivo no nosso sentido da palavra. Examinemos alguns exemplos de sucesso objectivo nas suas formas diferentes. Uma peça de música é bem sucedida. Isto
64
A Educação Social do Homem
significa que afecta o homem na medida em que este gosta dela, se comove com ela, sente com ela um sentimento de profunda elevação, modificando-se talvez até pelo facto de a ter ouvido. Pode conseguir sucesso objectivo se com a audição da música ganhou alguma coisa que emprestou a trabalhos futuros de forma que, como resultado disto, ele se sente de algum modo diferente do que seria de outra forma. Para darmos um outro exemplo: os homens conseguem voar, conseguem ver a grande distância. E o seu comportamento é completamente alterado pela penetração bem sucedida na vida quotidiana destas descobertas. Estas novas possibilidades de transporte e comunicação
podem
afectar a vida dos homens muito radicalmen-
te e em muitos sentidos, e é precisamente destas suas influências que podemos medir uma realização. Um último exemplo: uma organização económica (ex. o Taylorismo, mo) convence o público. Esta realização é, za, social, e a distinção acima
torna-se vaga. Quando só se podem
pelo alcance e natureza o sucesso objectivo de realização no campo da o Fordismo, o Fayolispor sua própria nature-
feita entre «realização» e «sucesso»
não só o sucesso mas também
realizar num
a realização
contexto social, os dois tornam-se sinó-
nimos, ou de alguma forma, muito próximos. Assim, a questão do sucesso ou do fracasso (em ambos os sentidos da palavra: «fracasso em conseguir» e «fracasso em conseguir aceitação») não tem a mesma importância em todas as formas de realização. Nalgumas esferas, uma realização depende no seu valor da medida de sucesso objectivo que o acompanha. Por outro lado, o valor de muitas realizações é independente do seu sucesso momentâneo. O sucesso objectivo de um comandante de armada, de um industrial, de um educador, de um padre, não é totalmente irrelevante para a valoração das suas realizações, sempre que o reconhecimento social de,
digamos, um trabalho de um matemático, nada tem a ver com a
sua correcção, etc., isto é, com o seu valor como realização. É da natureza destas realizações directamente relacionadas com a vida
social que o seu sucesso objectivo seja também relevante para o seu valor como realização. Para estas realizações, o sucesso desempe-
65
Sociologia do Conhecimento
nha um papel não muito distante do da experiência nas ciências naturais; ele fornece a verificação empírica das hipóteses, ou a sua invalidação, exigindo uma revisão das hipóteses. Acentuamos esta forma objectiva de sucesso porque em regra as pessoas tendem a significar por «sucesso» apenas o seu lado subjectivo,
i.e. o sucesso pessoal
do autor da realização.
Na
verdade,
no entanto, o sucesso total deve sempre conter os dois aspectos;
quer a realização enquanto tal, quer o seu autor como pessoa devem ganhar aceitação social. Pode acontecer que a realização seja reconhecida, mas não o indivíduo que por ela é responsável. Neste caso, podemos ainda legitimamente falar de sucesso. Mas do nosso ponto de vista não é permitido falar de sucesso quando alguém consegue uma posição elevada sem um qualquer esforço pessoal de realização real. Neste caso podemos falar antes de «sorte», ou talvez, de «sorte
imerecida»,
mas não de «sucesso», porque no nosso
sentimento da palavra a realização tem de estar presente. Por outro lado, porque a análise sociológica exige flexibilidade, não devemos adoptar modelos demasiado rígidos quanto à valorização desta ou daquela realização, ou deste ou daquele sucesso subjectivo ligado à realização. É irracional que os sistemas sociais valorizem as realizações em diferentes esferas diferentemente e forneçam correspondentemente diferentes possibilidades de sucesso a diferentes classes de realização. Enquanto que há critérios objectivos para a apreciação do valor das realizações dentro dos vários campos, a apreciação
de
um
campo
como
um
todo é socialmente
determinada,
de
forma que podem atribuir às realizações maiores ou menores oportunidades de sucesso social. Pelo escame de um sapato se vê se está bem feito, e pela análise da transacção comercial se foi um bom negócio. Mas saber qual é a realização mais valorizada (a artesã ou a mercantil?) numa sociedade particular, e saber consequentemente qual pode oferecer melhores hipóteses de realização nesta esfera, dependerá da estrutura social e económica prevalecente. Este aspecto
objectivo
do sucesso,
do reconhecimento
social
merece atenção, visto que estamos habituados a olhar qualquer ambição, qualquer luta pelo sucesso como algo suspeito, mergulha-
66
A Educação Social do Homem
dos como estamos numa atmosfera moral formada largamente por homens de pensamento (grandes religiosos e filosóficos) isto é, por homens cuja função económica se restringe à de consumidor. Não nos devemos esquecer que o reconhecimento social também tem o seu aspecto objectivo e que isto não é só uma vontade justificável mas pode constituir uma nova realização em si mesma quando um homem faz tudo o que pode para conseguir sucesso objectivo no seu trabalho, quando ele faz todos os esforços para ver como influencia a vida e o comportamento dos seus colegas ao mais alto
grau possível.
Mas apesar do grande valor moral atribuído ao sucesso objectivo, o sociólogo volta a sua atenção cada vez mais para as formas de sucesso subjectivo; ele sabe que o desejo de sucesso subjectivo está na base da nossa vida social e que o homem em sociedade não deseja, como sabemos, directa e simplesmente a realização para si mesmo, mas deseja-a pelo caminho travesso do desejo de sucesso social. Em geral e na média, os homens apenas pretendem conseguir alguma coisa quando de algum modo eles mesmos conseguem ganhar prestígio a partir da realização. Vamos agora dirigira nossa atenção para o problema do sucesso subjectivo.
IV. FORMAS DE SUCESSO SUBJECTIVO INSTÁVEL E RELATIVAMENTE ESTÁVEL
A. Falamos de uma forma de sucesso subjectivo instável quando a recompensa social ganha pela pessoa responsável por uma realização consiste no alcançar de uma qualquer espécie de reconhecimento, de uma ou outra espécie de «prestígio». A forma
mais conhecida de prestígio é a fama. B. Falamos de uma forma relativamente estável de sucesso
subjectivo quando a realização de exercer influência social, ou materiais. Se exprimimos desta do sucesso subjectivo envolver propriedades («o poder dispôr
faculta ao seu autor oportunidades lhe dá o poder de dispôr de coisas forma complicada o simples facto também a aquisição de dinheiro e de coisas materiais») ou de posição
67
Sociologia do Conhecimento
(«oportunidades de exercer influência social»), é porque a análise das «oportunidades» tal como foi introduzida por Max Weber se ajusta melhor ao esclarecimento do significado das formas de sucesso do que uma discussão em termos de «propriedade» ou «posição». O dinheiro, a propriedade, a posição são, em última análise, só nomes para exprimir o facto de um particular indivíduo numa particular sociedade poder esperar ter controlo sobre particulares coisas materiais ou ter influência numa direcção particular na sociedade. Podemos falar de um sucesso «relativamente estável» porque a garantia que o dinheiro, a posição ou a propriedade continuam a proporcionar e que conferem certas vantagens ao seu dono dependem da estabilidade desta espécie de sucesso que no momento assegura a sua validade. Para os propósitos correntes a estabilidade desta natureza de sucesso podem ser tomados como absoluta,
mas para o sociólogo que deve pensar em termos mais latos, a esta-
bilidade do sucesso só pode ser relativa, já que ela por seu turno pressupõe a estabilidade da ordem social. A linguagem comum faz uma distinção que corresponde à distinção que fazemos entre sucesso «instável» e sucesso «relativamente instável»; a linguagem comum distingue entre sucesso «puramente moral» e sucesso «real». A linguagem comum tem a sua própria ontologia, inconscientemente retirada das categorias sociológicas e distingue entre diferentes graus de intensidade no ser. Podemos perguntar agora em
que
esferas
da vida social
podemos
encontrar o «verdadeiro»
sucesso? Onde é que é possível este sucesso relativamente estável? Se olharmos à nossa volta na sociedade, observaremos que um sucesso relativamente estável no sentido de aquisição de oportunidades garantidas de influência e de poder de disposição sobre coisas se encontra em três esferas, de forma que podemos falar de sucesso em termos de poder (1) sucesso na vida económica e sucesso numa carreira.
(1) Definimos aqui o «poder» de acordo com Max Weber, como uma influência baseada
na
compulsão
actual
ou
potencial
da força
bruta,
económica não tem, por definição, qualquer dose de «poder».
68
A influência
A Educação Social do Homem
Torna-se imediatamente claro que esta tripla divisão não é homogénea. As primeiras duas podem ser claramente distinguidas, mas a última sobrepõe-se a ambas. Estamos mais interessados em mostrar como é possível o sucesso de tipo relativamente estável nestas esferas,
do
que
em
fazer
uma
enumeração
absolutamente
clara
num sentido lógico. Mas levanta-se imediatamente uma questão fundamental. Porque haveria o sucesso nestas esferas de ser mais estável do que, por exemplo, a fama? Qual é o significado estrutural da sua estabilidade? Assentará ela no facto de só estas esferas conhecerem linhas interdependentes de conduta, susceptíveis de coacção? Logo que se adquire o controlo de posições-chave com as oportunidades que o acompanham
de influenciar toda uma
série de actividades, a natu-
reza altamente interrelacionada da actividade nestas esferas torna possível considerar, em grande medida, a permanência destas posições e oportunidades sociais. Aquele que se apropriou ou a quem foi conferido o poder de comando
numa
estrutura de «poder»
pode
contar com
uma
reac-
ção humana previsível aos seus comandos, já que a força sob a estrutura de poder torna a conduta dos que estão dependentes do centro de poder homogénea e controlável. Porque na esfera social é primariamente a acção que conta, e porque os motivos que a acompanham nas circunstâncias individuais desempenham apenas um
pequeno
papel,
a ontologia quotidiana de que já falamos expe-
rimenta esta estrutura interdependente de actividade como realidade, considerando todos os fenómenos mentais acompanhantes como meras ideologias; como já vimos, esta ontologia fala com alguma justificação do sucesso que assenta naquela estrutura interdependente
de
actividade
como
«real», denominando-a
que assenta so-
bre a «opinião» e o «reconhecimento» como «puramente moral». Há uma forma de conduta semelhante, interdependente e largamente predizível e controlável na esfera da economia de mercado. Neste caso, no entanto,
a força não é o factor determinant:
antes o interesse pessoal do indivíduo que dá a sua homogeneidade e calculabilidade ao comportamento económico de mercado.
69
Sociologia do Conhecimento
Assim, as posições de poder político e económico são relativamente estáveis. Por outro lado, a agrupação social com que relaciona a fama, é o público (i.e., é o público que concede a fama). O termo público indica, no entanto, uma forma de associação humana que não se baseia nos interesses vitais e no comportamento determinável, mas somente na opinião, opinião esta que tende a flutuar mais violentamente
quanto
mais nos afastamos das formas
tradicionais
de vida social. O sucesso que consiste na fama e no prestígio é tanto mais instável quanto mais nos aproximamos do estádio histórico de desenvolvimento em que a opinião pública é toda poderosa. V. A ESTRUTURA SOCIAL E AS OPORTUNIDADES
DE SUCESSO
1. Em geral, pode afirmar-se que a ambição é dirigida para aquela forma de sucesso subjectivo que parece permitir a melhor garantia de permanência e segurança. Por outras palavras, em regra, as pessoas tendem a procurar o reconhecimento e influência social primariamente naquelas esferas da estrutura que oferecem as melhores garantias de que a conduta das pessoas é controlável. Esta tendência quase geral e formal só é válida no entanto, no pressuposto de que estas esferas ainda não estão na posse de qualquer grupo dominante, já que o «domínio» implica que todas as oportunidades dentro da esfera monopolizada estão nas suas mãos. Assim, por exemplo, em sociedades com uma certa estrutura, só certos grupos sociais têm acesso ao poder burocrático, militar e a outras
posições
de «poder».
A estrutura actual
da sociedade,
por
conseguinte, tem uma influência muito directa na canalização da ambição. 2. Podemos observar, neste contexto, um segundo facto (1). Pode dizer-se que no seu todo, nos primeiros tempos as esferas de comportamento interdependente, calculável dentro das quais os indivíduos conseguiam adquirir posições de poder e influência, (1) Cf. Max Weber, Wirtschaft und Geselleschaft, pp. 364.
70
A Educação Social do Homem
só surgiam na esfera do poder (militar e político). É esta a razão porque os estratos privilegiados tentavam assegurar-se as oportunidades de sucesso primeiramente nesta direcção. Como, no entanto, a estrutura económica
da sociedade
tendeu
cada vez mais para
tomar as características de uma economia comercial e de mercado,
desenvolvendo-se ultimamente para o capitalismo, o próprio comportamento económico tornou-se cada vez mais interdependente, calculável e controlável, razão pela qual as oportunidades de controlo e influência nesta esfera se tornaram cada vez mais desejáveis e a valoração social do sucesso se levantou prontamente nesta direcção. O que acabamos de descrever corresponde no seu todo à bem conhecida observação de Sombart segundo a qual o anterior fenómeno, o da riqueza através do poder, é cada vez mais simplesmente por um novo fenómeno, o poder dado pela riqueza. Antigamente, aqueles que dominavam o poder estavam em posição de adquirir riqueza; agora, aqueles que têm riqueza podem assegurar posições de poder. 3. Se a forma actual de processo estável depende assim em grande medida da situação históricae social do indivíduo que procura o sucesso, um papel de alguma importância é também desempenhado pela própria natureza da realização a que se liga o sucesso. Por exemplo, parece que há alguma coisa na natureza das realizações culturais na nossa sociedade que assegura que a sua primeira recompensa seja o sucesso subjectivo instável, i.e. a fama, e que as outras garantias suplementares do sucesso objectivo que a ele andam ligado sejam consideradas como meros acessórios. Isto está aparentemente ligado a uma mudança estrutural, nomeadamente, a de que cada vez mais a realização cultural nãoé função da participação em grupos burocráticos ou estatutários (tal como aconteceu na Índia, na China ou no Ocidente na época medieval) que têm como fenómeno marginal de menor importância a intelligentsia, mas que esta realização se tende a materializar na média da opinião pública abrangendo todos os estratos e grupos sociais. Esta mudança aumenta a importância do sucesso subjectivo, já que o criador dos valores culturais não pode mais contar com honorários auto-
n
Sociologia do Conhecimento
maticamente recebidos ou com outras recompensas garantidas pelo seu estatuto ou posição oficial; deve agora conseguir reconhecimento de um público em que todos os estratos estão representados (a não ser que lhe esteja assegurado um trabalho governamental). Isto pode explicar a repentina apoteose da «fama» durante o Renascimento, quando a cena das realizações culturais passou das
velhas hierarquias para a esfera mais livre dos modernos grupos literários. Desde aquela altura, tem-se assistido a um crescer da importância da fama atribuída pela opinião pública, que, por seu turno se concretizou na dissolução gradual da posição monopolista hierárquica dos grupos com uma função cultural específica. A importância da opinião pública para a estabilização do sucesso vai hoje tão longe, na verdade, que frequentemente mesmo onde uma realização intelectual está ligada a uma posição oficial (tal como no caso de professores universitários ou académicos), tal posição só pode ser conseguida através de alguma espécie de sucesso público. 4. Tal como já apontamos, as esferas de realização são, elas também, dependentes da sua apreciação social na estrutura social como um todo. As maiores diferenças na apreciação dos feitos militares na Inglaterra, ou no Império Chinês em paz, por um lado, e a Prússia militarista, por outro, são exemplos desta dependência. Ou, para tomarmos diferenças históricas e não nacionais, há uma atitude muito diferente hoje face ao desporto da atitude da época
anterior.
Pode ver-se logo como
são grandemente crescentes as
oportunidades de sucesso subjectivo e também objectivo neste campo. Este aumentar de possibilidades está ligado ao facto de o sucesso no desporto tender a ser mais altamente avaliado numa sociedade capitalista desenvolvida, — o que é compreensível, já que o valor atlético é mais importante para um homem sujeito às con-
dições do industrialismo moderno.
5. O domínio actual da esfera económica na moderna estrutura social tem várias consequências profundas. Iremos discutir ape-
nas
duas
delas,
da ambição.
72
directa ou
indirectamente
influentes na formação
A Educação Social do Homem
(a) A corrente de energias mais altamente avaliadas na esfera económica e o maior valor das recompensas a ter nesta esfera produzem uma «democratização» da sociedade, uma democratização que é mais profunda que a sua contra-partida política. O sucesso social na esfera económica, mensurável em termos económicos, está menos sujeito ao monopólio dos grupos de estrato, sobretudo se a natureza da economia é largamente competitiva e não planeada ou controlada. O poder pode ser monopolizado por grupos de estratos. Quando,
no entanto,
o sucesso económico se torna o ob-
jecto primário da ambição (desde que a competição seja relativamente livre), o acesso a oportunidades de sucesso será livre e a estratificação rígida da sociedade em termos de estratos será cada vez mais indeterminada. O anonimato do dinheiro traz consigo a supressão gradual do velho e relativamente integrado e pessoal tipo de estrutura de poder. (b) Com o aparecimento do domínio da esfera económica
surge uma nova forma de conduta mais ou menos calculável ou
controlável. O comportamento dentro da estrutura económica torna-se homogeneizado, numa dada medida calculável e controlável, pelo trabalho de interesses compreensíveis do indivíduo. A pressão exercida pelo sistema económico, embora deixando o indivíduo formalmente livre para actuar de acordo com a sua vontade livre (ele está sempre livre de actuar ou não de acordo com os seus inte-
resses económicos), não deixa no entanto de não produzir à /a /on-
gue a um óptimo mais ou menos determinado de conduta «exemplar» para cada situação que todo o indivíduo procura conseguir e alcançar.
Deste modo,
a liberdade formal de cada indivíduo para
seguir o seu próprio interesse torna-se num meio muito mais poderoso de «domesticação» ou de adaptação social; mas não de força, porque a força não pode penetrar em todas as malhas da complicada
rede
social, enquanto
que
a esfera
económica,
na medida
em
que se torna dominante, tende, dada a sua inter-relação de todas as linhas
racionais
de
conduta,
a trazer
para
a sua
órbitra
todas as
actividades humanas, incluindo mesmo acções e reacções que nada têm a ver directamente com o comportamento económico. O di-
73
Sociologia do Conhecimento
nheiro, apesar do facto de a sua predominância pressupor e seguir um tipo de liberdade, é, no entanto, muito mais tirânico e determinante do destino do indivíduo do que o despotismo cruel do, por exemplo, príncipe feudal, que afinal só dispunha de meios políticos de compulsão. Esta crescente interdependência da actividade económica resultante do operar natural do interesse ego ístico individual, que rapidamente se torna um factor unificador de primeira importância na sociedade, é também um produtor de grande mudanças na função social e, consequentemente também na forma actual dos factores intelectuais, espirituais e culturais da
sociedade.
Uma sociedade baseada na força e no poder, mesmo se exaustivamente organizada, sentir-se-á obrigada a recorrer em alguma medida a ideias religiosas e morais. De um ponto de vista puramente funcional, é claramente impossível controlar mais do que algumas
posições-chave
na estrutura social pelos meios
militares e bu-
rocráticos; por essa razão, o excedente incontrolável, os vazios na esfera de poder, por assim dizer, a vida diária, deve por força ser deixada
ao abandono, excepto na medida em que se possa recorrer
a meios ideológicos de uma ou outra natureza (que pelo decurso do tempo tendem a tornar-se tradicionais e habituais) para tornar estes aspectos do comportamento que não podem ser dominados pela força mais ou menos homogéneos e estereotipados e, por conseguinte, susceptíveis de supervisão e controlo. São precisamente as sociedades cuja estrutura de poder assegura o comportamento continuamente predizível através de grupos sociais muito ramificados, que são forçados a recorrer a ajudas religiosas e ideológicas (ignorando, no momento, outras tendências inerentes à mentalidade pré-capitalista que também pressionam nesta direcção). É esta a razão porque em todas as estruturas sociais anteriores existia uma divisão de funções entre aqueles poderes sociais que representam, por um lado, os elementos tradicionais, ideológicos (os padres), e, por outro
lado, os poderes que corporizam
a força física (os guer-
reiros). Em consequência desta divisão de funções, as instituições fundamentais e os princípios das crenças predominantes são social-
74
A Educação Social do Homem
mente garantidos, de tal forma que a sua posterior influência «pacificamente» penetra toda a teia social, espontaneamente assegurando um raio de operação efectiva do poder prevalecente e da estabilidade da estrutura social mesmo naqueles pontos em que o próprio poder na sua forma nua e crua não está directamente presente ou é directamente sentido. Uma sociedade que se baseia primariamente na força não pode nunca dispensar os meios ideológicos de controlo, já que a força por si só não pode nunca penetrar
a estrutura social em todas as suas ramificações (ex. a conversa privada, a «boca», etc.). Mas, quanto maior o crescimento acompanha
o desenvolvimento
de interdependência
económico
que
do capitalismo, e quan-
to maior a tendência para os factos económicos predominarem na sociedade,
mais certo se torna que os vazios na estrutura da condu-
ta predizível, inicialmente sujeita somente a controlo indirecto pelo cultivo de respostas ideológicas tradicionais, se tornarão mais ou menos determináveis e calculáveis no sentido de que, pelo menos, o comportamento óptimo que serve o interesse ego ístico e racional do indivíduo se tornará predizível em qualquer situação determinada. Numa sociedade cuja estrutura é essencialmente racional e integrada, o comportamento tornar-se-á crescentemente predizível mesmo
nos seus aspectos
«irracionais»,
porque
mesmo
a conduta
que é determinada pelo pânico e por motivos irracionais recebidos de épocas anteriores será susceptível de ser compreendida, pelo menos no que respeita à sua direcção, mas sobretudo no que diz respeito ao ponto mais provável da estrutura social racional para a qual tende a desenvolver-se. Quanto mais tende a reduzir-se a ex-
tensão do irracionalismo dentro de uma estrutura social crescentemente racional, mais calculáveis e controláveis se tornam estes elementos racionais. Os efeitos do pânico na bolsa, por exemplo, são agora tão calculáveis como, digamos, a direcção e a natureza das reacções irracionais de grupos anónimos no processo de luta social. Esta actividade reaccionária, como sabemos, associa-se regularmente a resíduos
irracionais
de
estádios
anteriores
de
consciência,
e
75
Sociologia do Conhecimento
tende também a aparecer em situações de um tipo muito bem definido numa forma largamente predizível. Assim, naqueles pontos
(os tais vazios na estrutura de poder) em que até agora o compor-
tamento predizível só era assegurado pelo desenvolvimento, com a ajuda da ideologia, de reacções tradicionalizadas, os factores económicos aparecem agora a assegurá-lo pelo simples operar do interesse egoístico individual. Isto significa, porém, numa terminologia menos precisa, que o moderno sistema económico (só porque as necessidades económicas penetram cada vez mais na teia da nossa vida quotidiana) pode «permitir-se» dar aos «ideólogos» mais liberdade do que até agora foi possível. O sistema económico não só está longe de uma imediata desintegração quando as suas ideologias são indeterminadas, mas é mesmo numa certa medida desejável para a elasticidade que está a tornar-se uma condição de existência que os indivíduos abandonem reacções que são muito rigidamente determinadas pela tradição e por factores ideológicos, em favor da capacidade de se adap-
tarem sob a pressão de factores socializantes de natureza mais puramente económica. O sistema económico desenvolvido funciona
melhor quando o comportamento necessário na sua estrutura se es-
vaziou de qualquer conteúdo de motivação idealista. Dado que, no entanto,
a racionalidade económica
permeia a vida social como um
todo, podemos observar o relaxamento da regulamentação ideológica, revelada pelo facto de as consciências não serem controláveis.
É esta a fonte social da moderna ideia da tolerância (1).
Ao contrário deste eclipe de todos os elementos ideológicos no comportamento económico e em aspectos muito próximos da vida quotidiana, podemos observar ao mesmo tempo uma importância crescente do factor ideológico na política (de tal forma que
(1) A India revela outro tipo de tolerância. A opinião teológica (mata) pode ser completamente
mentada.
76
livre porque
a prática
(dharma)
é rigorosamente
regula-
A Educação Social do Homem
todo o campo de cultura intelectual e estética se submete ao domiínio da política). Este fenómeno compensatório pode também ser explicado em termos da moderna estrutura da sociedade. Em sentido estrito, só uma
sociedade exclusivamente económica pode ser
inteiramente liberta de todos os elementos ideológicos. Sabemos no entanto que a garantia final de estabilidade do nosso sistema económico assenta na força; um elemento do «poder» é visível em todas as questões relativas à aquisição e defesa da propriedade. Na nossa sociedade, há um constante jogo de transacções pela posse de posições não só de poder económico, mas especialmente de posições-chave; a luta social não é só de natureza económica. Enquanto que todo o comportamento que se origina a partir de ou é motivado somente por factores económicos tende a libertar-se de elementos ideológicos, todas as actividades que servem para conquistar ou combater o poder têm um carácter fortemente ideológico. A relação entre o poder e tradição (que é simplesmente a ideologia tornada hábito) característica das primeiras sociedades deu lugar na nossa sociedade a uma relação entre poder e o sistema económico. Tal como antigamente as posições chave na estrutura tradicional-religiosa da sociedade foram garantidas pela força e a «domesticação» do homem tomou conta dos campos culturais e espirituais, é suficiente na estrutura social moderna garantir as posições chave na esfera económica unicamente pelo uso da força; tudo o mais é garantido pelo automatismo económico (que acentua, por assim dizer, como o braço estendido dos acentos de poder). Assim, numa sociedade economicamente determinada, a luta pelo sucesso económico é o motivo de acção que, em geral pode ser considerado operativo. Quando o homem
aceitou a necessidade
de ambição económica e de luta pelo sucesso nesta esfera, a sua conduta tornou-se correspondentemente adaptável e predizível. Se a estrutura económica funciona perfeitamente, é possível renunciar a todo
o controlo sobre a opinião e as «ideias». Porque na
acção económica, que é a preocupação dominante da sociedade moderna, é possível dispensar os factores ideológicos, tornou-se
77
Sociologia do Conhecimento
um hábito para o homem moderno afastar todos factores «religiosos» e «éticos» como factores «puramente ideológicos». A natureza derrogatória e depreciativa desta caracterização inconscientemente reflecte a capacidade da estrutura social moderna para dar livre mais
curso aos factores ideológicos e culturais sobre um campo largo, e, na verdade, em alguns casos concede esta liberda-
de (1). Quem quer que seja que experimente isto sem compreensão sociológica do processo inclinar-se-á para acreditar que só esferas interdependentes de reacções racionais podem legitimamente reclamar ser «realidade» e tenderá por isso, a olhar tudo o que é «mental» ou «intelectual» como acessório e «ideologia pura». É este o segredo estrutural da moderna ontologia que corresponde ao capitalismo. VI. O SUCESSO NUMA CARREIRA
Há uma forma especial de sucesso estável que devemos tratar mais especificamente: a estrutura característica da cadeia de possibilidades garantidas que, no seu todo, geralmente designamos por uma «carreira». Uma «carreira» caracteriza-se pelo facto de (a) o poder de dispôr sobre as coisas (na forma de ordenado, salário,etc. (b) as oportunidades de exercer influência (esferas de influência, poder de comando) e (c) o prestígio social do sucesso que faculta serem todos a priori racionados e devidos ao indivíduo que procu-
(1) A apreciação modificada da sexualidade é um bom exemplo do eclipse do elemento ideológico. Os modelos de comportamento sexual que nos aparecem agora moralmente
neutros, traziam consigo uma
enorme
carga de relevo mo-
ral em épocas passadas. As sociedades anteriores sentiam-se compelidas a impôr uma regulamentação estritamente ideológica sobre a conduta sexual, cujos efeitos teriam sido de outro modo, explosivos. Na nossa sociedade, no entanto,
instituições alteradas (tais como
a maior
independência das mulheres)
neutralizaram largamente aqueles efeitos potenciais. À medida que a organização social se tornou mais «racional», o elemento ideológico perde peso.
78
A Educação Social do Homem
ra o sucesso por graus previamente estabelecidos. A essência de uma carreira é o racionamento e a distribuição gradual do sucesso pelos vários graus. Enquanto
que na esfera militar, política ou económica
o in-
divíduo mais ou menos cria o seu próprio lugar, os graus de sucessoe influência que um homem e uma mulher que procuram numa carreira burocrática estão já traçados. O facto do indivíduo procurar um lugar para si na estrutura económica ou de poder significa que depende do indivíduo a parcela de oportunidades de domínio e de
controlo
económico
sobre
as coisas socialmente
disponíveis
que ele apropriará e organizará no seu estatuto social. No que diz respeito a uma carreira, no entanto, estas possibilidades só existem
em
medida limitada. As possibilidades de exercer influência são
limitadas, já que as jurisdições estão rigidamente divididas entre os vários departamentos; os registos de salário limitam as oportunidades económicas; as oportunidades de prestígio são definidas por cédulas de promoção pré-existentes que fixam, por assim dizer, as doses de referência que um indivíduo pode exigir. Enquanto que numa
carreira, a personalidade só se pode fazer sentir na medi-
da em que for capaz de injectar oportunidades pré-determinadas de influência e poder com a sua vitalidade e espírito, no poder e na estrutura económica, qualquer posição a que se chegue pode em grande medida ser moldada pela personalidade individual. Para continuarmos com esta análise estrutural do sucesso na forma de carreira, podemos perguntar em que espécies de sociedades é possível tal racionamento e graduação do sucesso a priori. Em princípio, a resposta é a de que a carreira no sentido dado acima é possível nas sociedades em que o futuro é predizível, onde a distribuição de poder não é já uma questão de disputa, e onde pode ser elaborado e executado qualquer espécie de plano com base em decisões pré-existentes. Numa só palavra, onde a racionalização e a burocratização das tarefas é possível a priori, é também possível conseguir uma distribuição de poderes e criar a estrutura de carreiras num sentido burocrático. O termo «carreira», então, é usado exclusivamente num sentido burocrático; falar da «carrei-
79
Sociologia do Conhecimento
ra» de Napoleão só seria aceitável num sentido metafórico. Qualquer campo em que seja possível a «carreira» no sentido em que utilizamos a palavra, constitui ponto pacífico e relativamente imperturbável dentro da sociedade como um todo. A verdadeira luta social processa-se então, fora deste ponto; o que vemos nele é tão só uma luta competitiva entre os membros de um grupo bem sucedido pela maior parcela de posições de influência disponíveis e à disposição com base em cédulas de racionamento. Uma esfera da sociedade que seja capaz de burocratização e controlo pela administração é assim, neste sentido, essencialmente desprovida de conflito. Por isso, há aqui uma conexão essencial entre a adequação de um sector social ao controlo racional por um lado, e a ausência de conflitos e a existência de uma «carreira» burocrática, por outro. VII. OS SECTORES SOCIAIS SUJEITOS E DESPROVIDOS
DI: CONFLITO
Aprofundando o que dissemos, devemos distinguir agora entre os sectores em que há uma verdadeira luta e aqueles em que
não há. Devemos ainda distinguir entre duas formas fundamentais
de luta, a luta pelo poder em que é a força que decide e a luta económica em que é o mercado que decide. nem
Estas duas áreas de conduta não estão claramente separadas no tempo, nem no espaço. Nem os indivíduos vivem exclusi-
vamente
num
sector cheio de conflitos ou num sector livre deles;
e as actividades dos indivíduos não são alternadamente totalmente
conflituosas, totalmente pacíficas. Algumas vezes, é verdade, podemos atribuir a certas actividades estas designações exclusivistas; outras vezes, no entanto será apenas este ou aquele aspecto de actividade que pode ser explicado em termos de conflito e ausência de conflito. Seria igualmente incorrecto imaginar que toda a actividade orientada pelo poder ou pelo lucro só tem lugar no sector de conflitos da vida social. Quando o camponês alimenta o gado, ou quando
o militar executa
os exercícios
militares, ambos
vivem no
momento uma esfera de que se eliminou o conflito, mas os objectivos de longo alcance que dão às suas actividades um sentido de
80
A Educação Social do Homem
algum modo apontam para o sector dos conflitos. O camponês terá provavelmente de vender os seus produtos no mercado; o soldado deve talvez relacionar a sua actividade com uma guerra futura. Assim, quer na esfera económica, quer na esfera política, há pontos, campos
de
longas
acção,
correntes de comportamento
-relacionado que são naturais ou, pelo menos, riamente desprovidas de conflito, e é aqui que reira são possíveis. Há burocracias económicas as estruturas económicas e políticas contém
de conflito.
inter-
artificial e temporaa burocracia e a care políticas, porque pontos desprovidos
É possível classificar os sistemas políticos e económicos de acordo com a importância quantitativa e qualitativa que as áreas burocratizadas e as restantes áreas em que o conflito domina res-
pectivamente
possuem
neles.
No
caso
extremo,
o conflito
pode
permeabilizar todo o átomo do sistema político ou económico. Este estádio de «be/lum omnium contra omnes» é naturalmente só
um hipotético caso marginal, mas é necessário postulá-lo de forma a
compreendermos
extremo.
Deparamos
os
tipos
com
transitórios
o outro
conducentes
tipo quando
ao
outro
sectores inteiros
são neutralizados, burocratizados e libertados do conflito em re-
sultado da integração e polarização de partes conflituantes, de forma que o conflito só acontece naqueles poucos pontos em que estes
outros
sectores
pacificados
colidem
uns com
os outros. Tal
como na política, inicialmente são os pequenos grupos que lutam entre si, depois inteiras províncias que eventualmente se unem para formar grandes estados; na esfera económica podemos traçar igualmente um movimento semelhante da competição relativamente livre entre os indivíduos, através da competição entre grupos, para a competição final entre uns poucos realmente grandes poderes económicos na forma de trusts. Esta distinção entre sectores sujeitos e desprovidos de conflito é de importância decisiva para nós, por causa da estrutura do sucesso possível ser muito diferente em cada caso e por a cada tipo
de sucesso corresponder um diferente tipo de ambição ou luta pelo
sucesso, juntamente com um diferente tipo de ser humano e final-
81
qa Sociologia do Conhecimento
mente um tipo correspondentemente diferente de cultura. As várias formas
de
luta pelo sucesso dependem
da essência e estrutura do
sucesso que se procura. A estrutura objectiva do sucesso acessível a um indivíduo e por ele desejado tem um efeito contínuo na sua
atitude mental e moral. Muito,
portanto, haveria a dizer sobre a natureza do sucesso,
não sobre a sua natureza filosófica ou «significado», mas sobre a sua estrutura real. Vamos passar agora ao segundo ponto e tentar compreender a importância do sucesso do ponto de vista subjectivo tal como ele é sentido pelos sujeitos e descrever a sua influência no desenvolvimento destes. Em primeiro lugar, trataremos da ambição em geral e só depois no fenómeno específico da ambição
económica.
VIII. LUTANDO PELO SUCESSO EM GERAL
A psicologia da religião ao longo dos anos tem reconhecido a importância decisiva da ambição na vida humana; Esta psicologia revelou até que ponto a ambição modela a lama do homem, que a construção espiritual, a natureza mais profunda do homem é fundamentalmente diferente segundo ele luta ou não pelo sucesso. Os pensadores religiosos da Índia já distinguiam o assim chamado modo
de acção
do modo
de Renúncia, meditação e contemplação.
O mesmo problema ocupou os místicos ocidentais e encontramos, por exemplo, O mestre Eckhart que no sermão sobre Marta e Maria, fala do modo de trabalhar, do caminho da contemplação e o que é curioso, contrariamente à interpretação bíblica da história, atribuiu a Marta, a fazedora dos trabalhos, o primeiro lugar. De um modo semelhante, devemos perguntar como a luta pelo sucesso influencia a estrutura da personalidade de um indivíduo e devemos levar a análise até aos seus efeitos mais profundos, que tendem a ser ignorados quando só se considera a psicologia do sucesso. Devemos chegar às mudanças básicas na estrutura da psicologia individual porque é responsável a natureza da ambição e não restringir-nos somente às poucas sequências causais simples e directas.
82
A Educação Social do Homem
Somos da opinião que a ambição, a luta pelo sucesso, é o transformador vital através do qual se exerce a influência do sistema económico, inicialmente nos hábitos sociais e psicológicos do individuo e subsequentemente, na natureza das suas realizações culturais. O processo
deve, portanto, ser examinado em concreto, e de-
cifrados os laços intermediários fenómeno
se
torna
efectiva.
através dos quais a influência do
Discutiremos
nas
páginas
seguintes
certos efeitos da ambição, analisando-os em termos de várias categorias importantes da realidade psíquica. A. A influência da ambição na experiência individual do tempo e do eu
A atitude do homem em relação ao tempo e a si mesmo depende de ele ser ou não ambicioso. A existência de um objectivo, sempre a iluminar o homem ambicioso, dá uma certa continuidade à sua vida a que sempre se pode agarrar e para o qual sempre se pode virar. Mesmo quando sofre um fracasso ocasional inevitável, e o plano temporariamente se malogra, de tal forma que a desin-
tegração e o desespero ameaçam, um homem com uma meta rapidamente recupera o seu equilíbrio e a sua determinação e não se dá por vencido. Abandonado aos seus próprios recursos, procurará sempre algum meio de restaurar o plano desaparecido e continuará com redobrada energia, reorganizando radicalmente a sua vida fase a fase até à meta desejada. A vida do homem que renuncia à influência e ao sucesso, por seu turno, é instável e flutuante. O tempo para ele é descontínuo e episódico, está sujeito a humores passageiros e sempre o espreita a possibilidade de auto-abandono. Esta possibilidade de perda do eu é um
tormento
constante,
a não ser que a necessidade aguce o
engenho e todo o modo de vida se altere para acompanhar a situação: perder o eu torna-se a meta da vida. Assim, é precisamente esta perda do eu que é o traço básico da concepção indiana de Nirvana e do desejo cristão místico de mergulhar o eu em Cristo e de se perder n'Ele.
83
Sociologia do Conhecimento
Tomar um caminho ou outro é algo que na maior parte das vezes está decidido à partida pela tradição em que vive, e que claramente define qual das duas alternativas é preferível e superiorà outra. Mas realmente, por detrás da decisão encontra-se sempre um diálogo permanente entre dois tipos humanos básicos. Em cada um de nós, estes dois tipos mantêm um diálogo constante, embora raramente este diálogo apareça à superfície da consciência. O tipo activo, ambicioso acusa o tipo mais passivo de perder a sua vida, não atendendo ao seu dever quanto ao «aqui e agora», afastando a responsabilidade do real ao refugiar-se numa realidade superior que o não compromete com nada. O tipo passivo replica, defendendo que
o seu opositor sacrifica o seu
«eu»
profundo
ao «mundo»,
de não se preocupar com a sua alma, concentrando-se apenas com
e
objectivos mundanos. Qual dos dois tipos está correcta, é coisa que não nos interessa aqui. Mas um simples olhar, torna esta situação muito mais simples: em ambos os casos pode haver soluções genuínas e soluções falsas; qualquer que seja a alternativa por que finalmente nos decidamos, é sempre possível que o resultado na prática se mostre ser uma mera caricatura das potencialidades reais da escolha. É possível que pela persistência e luta todas as possibilidades de uma personalidade e de uma situação possam ser realizadas, mas é também possível que o mundo só se descubra longe dele. Ao contrário, pode acontecer que a rejeição do mundo pelo místico o conduza ao vazio e esterilidade; ou que
mais do que desassossego.
uma
luta incansável não produza nada
B. Relações com outros eus
A luta pelo sucesso conduz à descoberta do «outro eu», mas não
como
um
todo
real, uma
entidade
humana
verdadeira,
mas
como um participante na luta, um opositor ou um rival, a quem temos de nos ajustar. Quando desafiamos o mundo exterior desco-
brimos
tantas dimensões diferentes de outros eus. A ambição é
precisamente o caminho que nos conduz ao Outro. O grau em que
84
A Educação Social do Homem
podemos penetrar nos segredos profundos do mundo e de outros eus depende do que queremos obter deles e com a sua ajuda. Se
o que procuramos é o sucesso, veremos os outros, não como outros «eus»
com o
seu direito próprio, mas apenas como
instrumen-
tos ou dados de cálculo. O que o «outro» realmente é só pode ser visto por alguém e que o ame. Se o que procuramos é simplesmen-
te o sucesso só estamos interessados em saber como nos apresenta-
mos no seu plano, tal como o outro só se preocupa em saber como se apresenta no nosso plano. Surge, assim, um laço especial entre os indivíduos, uma combinação mútua dos seus planos de vida, pela qual cada um é só por si, ainda que não se veja obrigado a tomar o outro em atenção. Esta consideração negativa torna-se um laço real e surge assim uma espécie de respeito pelas regras e reciprocidades do jogo que muitas vezes é, mais estrito do que as restritivas compulsões morais. Em tais circunstâncias, a alma revela-se numa intersecção não muito usual e a extensão desta atitude na esfera cultural produz uma psicologia particular do interesse egoístico. As novelas de Stendhal, por exemplo, descrevem como aparece o outro «eu» ao indivíduo ambicioso que deseja fazer carreira e como ele descobre a sua própria alma e a alma do outro como um mecanismo alta-
mente colorido, mas mesmo assim bastante calculado. Por seu tur-
no, Dostoievsky nas novelas mostra como os indivíduos que se movem pela ambição não se conseguem ver nos outros, um aspecto da alma que está escondido ao observador quotidiano e que só é visível aos que têm atrás de si uma longa tradição religiosa que os inclina para a introspecção e a contemplação e que lhes abre a pro-
fundidade da vida espiritual.
com
C. A auto-observação o que
-
E
O que os homens estão determinados a conseguir do mundo, querem
ser nele, não só influencia as suas relações com
os
seus colegas, mas também o seu conceito de si mesmos. As possibilidades de um homem ambicioso compreender e interpretar o seu
85
Sociologia do Conhecimento
eu profundo são diferentes das de um homem que renuncia ao sucesso. A auto-observação é possível para ambos, mas de um ponto
de
partida
diferente
em
cada
caso.
O
conhecimento
que um
ho-
mem ambicioso tem de si não deriva de uma auto-análise narcisis-
ta, ou de contemplação mística; é fruto da sua constante preocupação com a impressão que dá, com o efeito que consegue. Ele não
quer entrar dentro de si, mas conseguir o melhor de si. Muita dife-
rença há, portanto, entre o homem ambição. D. A
ambicioso e o que renuncia à
racionalização («Vollzugsbedachtheit»)
A diferença de opinião de que falamos, produz certas características especiais da qual a mais típica é a designada por von Gottl (1) pelo termo Vollzugsbedachteit, que significa uma análise minuciosa
dos
processos
de
trabalho
como
um
meio
de racionalizar a
produção. O indivíduo que procura o sucesso está sempre preocupado com a «racionalização» dos seus métodos, porque não quer deixar o sucesso ou o fracasso aos caprichos do destino, especialmente no estádio presente de desenvolvimento da nossa existência racionalizada. Está sempre à procura de erros em si mesmo, nunca deixa que a sua mente fuja das realidades da situação e está sempre aberto à correcção. Assim ele tende sempre a analisar os diferentes factores com
que se debate, e tenta sempre conseguir um controlo
mental e prático de toda a área de trabalho de que se ocupa. Isto resulta finalmente numa devoção completa ao pormenor da realidade que é também um característica da nossa organização económica e do positivismo científico que a acompanha. O tamanho gigantesco de uma unidade produtora numa ordem económica racionalizada como a nossa significa hoje que um aumento da produtividade é resultado da acumulação de pequenas economias: con-
(1) Cf. Gottl-Ottilienfeld, Vom Sinn der Rationalisierung, Jena, 1929; cf.também L. Schucking, Die Familie im Puritanismus, Leipzig-Berlin, 1920.
86
A Educação Social do Homem
sequentemente, os homens tendem a olhar a verdadeira estrutura do mundo cada vez mais na coordenação subtil de factores infinitesimais insignificantes. E. A dissipação de sentimentos de ansiedade
Esta tendência
para uma constante auto-correcção e esta von-
tade para se adaptar a toda a nova situação quando esta surge, esta procura de perfeição com o interesse de conseguir um determinado objectivo, quando ele permeabiliza toda a personalidade tem como consequência mesmo na vida diária o afastamento a pouco e pouco da escuridão mental em que de outro modo caímos. O homem que se sente cada vez mais seguro de si, que encontra o seu caminho
cada
dia com
mais clareza em
geral na vida social, tende
a perder o sentimento de que está sujeito a ela, e chega a sentir que a imprevisibilidade da vida se submeteu ao seu controlo. Uma vez seguro na sua esfera social, sentir-se-á seguro na sua relação com «o mundo». «O mundo», é óbvio, é algo mais do que uma mera soma de interacções sociais; o homem, no entanto vai usar o modelo de orientação que o sirva no seu meio social como um modelo geral de orientação no mundo. O modo como um homem reagiu e reage ao mundo e a si mesmo pode ser largamente adivinhado a partir do conhecimento de como ele se sente seguramente ancora-
do, protegido, abrigado, ou antes isolado e ameaçado no seu meio
social. Os sentimentos de ansiedade, de medo, de ameaças externas
e um sentido de impotência face às insondáveis profundidades da personalidade de alguém desaparecem à medida que o homem é bem sucedido na descoberta do seu caminho nas relações calculáveis da vida profunda e social. Isto ajudar-nos-á a analisar o optimismo do homem que está seguro do seu sucesso, e também do pessimismo e fatalismo dos grupos desamparados. Naturalmente que devemos ser muito cuidadosos ao fazermos tais observações, sobretudo para não estabelecermos correlações fixas. A luta pelo sucesso e a insistência sobre
a racionalização não precisa de ser acompanhada
de crueldade em
87
Sociologia do Conhecimento
todos os casos. Quanto mais o desenvolvimento da razão do homem
provoca
um
crescimento da auto-confiança e um domínio da
vida, maiores são as oportunidades de um indivíduo tomar mais responsabilidades; esta tendência não deve no entanto, ser exagerada, e nem deve assumir uma certa pressão moral e prática «a partir
de baixo».
A atitude mente
uma
de
«não se importar com o amanhã»
característica
dos
vagabundos,
dos
que é igual-
boémios,
e dos
monges mendicantes, e que os distingue do homem que procura o sucesso, oculta uma vida em que há pouca claridade e muita escuridão e nevoeiro impenetrável. Preta é a vida do que se não importa com o amanhã, porque a área central do eu permanece irracional e nada pode ser expresso em termos objectivos; o mundo só se manifesta através de impressões vagas, «atmosféricas». O homem ambicioso, por seu turno, exige que todos os factores objectivos que o homem contemplativo só experimenta «marginalmente», quer sob a forma de possibilidades incalculáveis, quer sob a forma de opacidade do momento vivido, sejam removidas da opinião ou objectivadas e a ansiedade abandonada por esta observação e objectivações. As origens sociais do Freudianismo tornam-se agora claras. A sua função social é precisamente esta liquidação de ansiedades e medos através da eliminação do incerto; surge de um desejo de saber qual o caminho constante na alma, do desejo de tornar a escuridão que ensombra a nossa vida diária de certo modo cupotável. Saber se esta análise racionalizadora das funções psíquicas con-
segue realmente penetrar na natureza humana, ou se só consegue
perceber o essencial, não interessa aqui. O que é importante é que a área de ansiedade desapareça no processo, ou, pelo menos, que a ansiedade seja relegada para aquelas margens com que a acção
racional nada tem a ver. Talvez hoje só a morte se mantenha como o objecto final que nenhuma actividade racional pode penentrar ou controlar.
88
a
A Educação Social do Homem
F. A adaptabilidade e o poder de decisão A insegurança e os sentimentos exagerados de ansiedade surgem na personalidade passiva ou frágil não só graças à impenetrabi-
lidade e escuridão originais de toda a vida humana, mas também
em parte graças à perplexidade patológica em face de coisas e condições que uma pessoa racional, praticamente orientada acharia suficientemente suportáveis. É esta a razão porque as pessoas que têm medo do «mundo» e renunciam ao sucesso tendem a assumir a presença de «profundidades», «segredos» e o trabalho do «destino», quando na verdade só entram em jogo factores controláveis. A pessoa activa, enérgica, sente desprezo por tais atitudes e tem razão ao fazê-lo já que a mistificação das relações que só são obscuras por causa da incapacidade pessoal de percebê-las claramente, merece censura. A personalidade
hesitante, indecisa com
a sua in-
capacidade para tomar decisões e de se adaptar ao mundo, desenvolverá, afinal, um bloqueamento total da acção, mecanismo que foi recentemente descrito na literatura psicanalítica. Este grupo inclui um tipo de pessoa que destrói as suas próprias oportunidades de
sucesso.
Há
um
considerável
grupo
de
pessoas
que
têm
uma
aptidão especial para inconscientemente colocarem obstáculo após obstáculo entre a sua concepção inicial de um objectivo e a sua realização real: assim, apenas conseguem frustrar o objectivo ou, conseguem alcançá-lo, mas tão tarde que deixa de ter qualquer sentido (1). Grande parte destes bloqueamentos surgem em conexão com aquelas formas de condução de frustrações que a sociedade impõe a homens que perdem a sua segurança, porque não há nenhum campo em que se possam revelar; através de uma falta de oportunidade para tomarem decisões e para tentarem as suas capacidades, a sua energia é dirigida para falsos canais. Uma mania para pouparem e uma tendência para substituirem uma renúncia
(1) Cf. Th. Reik, «Ergolf und unbewusste Gewissensangst», in Die psycholoanalytische Bewegung, vol. |, p. 54.
89
Sociologia do Conhecimento
contínua e desnecessária por uma realização objectiva e positiva são as principais características deste tipo de pessoa. Encontramos este tipo de pessoa naqueles grupos que vivem de rendimentos onde as mudanças
que
ocorrem
na sua
situação
são
suceptíveis de
provocarem sentimentos de destino irracional, que não permitem nenhuma conexão regular entre uma acção pessoal e o seu sucesso e que minam todas as oportunidades e capacidades de tomar decisões pelas quais um homem poderia provar o que vale. G. A experiência da realidade
Do que dissemos podemos concluir que a aproximação pessoal à realidade depende largamente da uma decisão de procurar ou se afastar do sucesso. A realidade para o homem activo restringir-se àqueles campos em que se pode tornar activo: só é «real» o que está relacionado de algum modo com o sucesso que procura ou corresponde à sua concepção de objectivo. Assim, de todas as actividades da alma, ele só reconhecerá como reais aquelas que forem calculadas; das relações objectivas do mundo, apenas aquela corrente dentro da qual ele procura o sucesso. Num dado momento
e numa
dada
conexão,
só o poder,
num
outro
momento
e noutra conexão, só os factores económicos constituem a realidade, e tudo o mais aparece como incidental. No realismo de Bismark, por exemplo, só a estrutura de poder é aceite como «real», isto é, aquele sector da realidade em que o homem político essencialmente vive e procura sucesso. É uma situação semelhante que dá origem ao «realismo económico», uma atitude muito visível no marxismo, mas longe de se restringir à psicologia do proletariado; na verdade ela também caracteriza a visão capitalista do mundo. A «realidade» do tipo contemplativo e passivo de homem é algo de diametralmente oposto. Ele sente-se inclinado a olhar como «real» apenas aquilo que pode ser divinizado pela intuição intelectual: a forma original da vita contemplativa surgiu do êxtase apático dos grupos aristocráticos não trabalhadores que pressupunham que a realidade última só é compreensível pelo mergulho
90
A Educação Social do Homem
da alma na meditação passiva, e que por isso só aceitavam modelos estáticos para analisar os processos mundiais. Este tipo tende a olhar o mundo através da alma imóvel, como se se tratasse algo estático. Só uma personalidade lutadora, que produza o sucesso pode experimentar como realidade a natureza de um processo. IX. A LUTA PELO SUCESSO ECONÓMICO
Depois desta descrição dos efeitos subjectivos da ambição em geral, temos de examinar agora a forma específica da influência sobre a estrutura da personalidade humana da luta pelo sucesso económico. O que temos a dizer deve ser apresentado em duas fases. Em primeiro lugar responderemos à questão de saber como é que a ambição na esfera económica opera em geral e só depois, à questão de saber qual é a natureza da sua influência durante as diferentes
épocas e em diferentes sociedades.
Torna-se claro, à medida que avançamos que só é possível fazer afirmações muito gerais acerca da luta pelo sucesso económico em geral, iá que o que quer que seja importante nele reside nas suas manifestações concretas e variáveis; o que pode dizer acerca deste fenómeno
enquanto
tal derrete-se em
poucas definições for-
mais. A razão para isto deve-se ao facto de as categorias de signifi-
cado só receberem a sua «esfericidade» e substancialidadea partir de constelações históricas concretas. No entanto, é também necessário indicar aquelas características gerais; confinar-nos-emos a alguns exemplos. A. A mensurabilidade do sucesso económico
É característica do sucesso económico a sua mensurabilidade, ao contrário do sucesso na forma de poder ou fama, que é mais ou menos imponderável e insusceptível de soma. O que acabamos de
dizer vale tanto para o sucesso numa economia «natural» como para o sucesso numa economia «monetária», excepto que nesta úl-
tima, o volume
de produção e igualmente o volume de receitas po-
91
Sociologia do Conhecimento
de ser expresso em termos de dinheiro, de tal forma que todo o sucesso económico é mensurável como uma quantidade homogénea.
Introduz-se um elemento de cálculo em todas as fases de conduta na esfera económica: a «razão calculadora» (tal como o conservador alemão do sec. XIX lhe chamou) torna-se uma arma e tende a assumir o grande papel de instrumento principal de orientação no mundo. O modo pelo qual o cálculo, inicialmente um instrumento puro e simples do sucesso, invade todas as esferas da existência hu-
mana ilustra o facto da estrutura da vida humana se determinar
sempre pelo seu objectivo. A natureza do objectivo modela, em grande medida, o desenvolvimento do homem cujas ambições lhe são impostas. E porque a meta, a medida do sucesso na esfera económica, é quantificável, cada passo preparatório que conduz a este objectivo tenderá igualmente e de um modo crescente a ser considerado como algo quantificável. Uma situação semelhante existe também em outras esferas onde o sucesso é procurado; na esfera económica,
no
entanto,
a conexão
existente entre a natureza
do
objectivo e o esforço que para ele se faz, por um lado, e a natureza humana comprometida na luta, por outro, não pode tornar-se tão evidente porque a qualificação não é possível. A natureza humana como um todo será sempre determinada pela estrutura e natureza do objectivo que o homem se propõe a si mesmo alcançar, já que fora deste objectivo se encontra a linha que liga toda a cadeia da sua conduta. Ao lado do tipo de sucesso característico da esfera económica está o que se consegue através de uma carreira. Aqui, na verdade, o grau de sucesso não é quantificável (ignorando, de momento, o factor mensurável de lucros que também aqui existem), mas não deixa de estar, tal como já vimos, a priori sujeito a «racionamento». Este «racionamento» não é a mesma coisa que «quantificabilidade
(já que a promoção «racionada» é baseada numa apreciação qualitativa), mas aproxima-se desta. O poder e prestígio, não computáveis como tal, sujeitos apenas a estimativa e aproximação, são, apesar disso, graduados a priori numa carreira, graças à segurança da posse e promoção que caracteriza as carreiras burocráticas.
92
A Educação Social do Homem
O indivíduo que faz carreira nunca se expõe a surpresas; pode contar com um certo grau de sucesso que lhe estará reservado em cada ponto; ele apenas assiste para que todos os elementos irracionais potencialmente perturbadores sejam eliminados da sua vida sempre que possível e sempre que possível todos os aspectos do seu comportamento se conformam de acordo a carreira oficial. Aqui também, a natureza da esfera social dentro da qual é possível uma carreira, com a segurança e a susceptibilidade de racionalização que a caracteriza, deixa marcas no homem que procura este tipo de sucesso. O homem adapta-se às exigências e às condições estruturais da esfera social em que assentam as oportunidades de sucesso. Tal como com outras formas de realização de ambições, também no caso de uma carreira, os passos que conduzem à realização do objectivo são largamente condicionados pela própria natureza do objectivo. A única diferença é a de que neste caso o objectivo modela o processo de luta, não por quantificabilidade «irradiadora»,
mas
pela forma
característica de um
sucesso
racio-
nado que se pode esperar com toda a certeza. A ambição económica, com
a concepção
puramente
quantitativa do sucesso procura-
do, tende a conduzir a uma completa perda de apreciação do qualitativo hic et nunc; por outro lado, a luta pelo sucesso racionado que acompanha cada estádio de uma carreira tende a eliminar toda a apreciação do que podemos chamar de imprévu na vida. A abstracção quantitativa tende a substituir a questão: «Quem é ele?» com uma alternativa que na América parece predominar hoje: «Quanto é que ele vale?». A caução do homem que quer fazer carreira, que deseja segurança, tende cada vez mais a conciliá-lo com as forças vitais operativas na vida. A luta pelo sucesso, pela sua própria natureza tende a esquecer e mesmo a excluir do conhecimento de um indivíduo, a incerteza criativa, a natureza radicalmente problemática de toda a existência, sobretudo porque o planeamento que inevitavelmente acompanha a ambição lança uma teia de juízos de valor sociais sobre as relações vitais originais, sem permitir ao indivíduo compreender que ao virar a sua atenção exclusivamente para a teia artificial auto-criativa ele está, na verdade,
93
Sociologia do Conhecimento
a tornar impossível para ele mesmo compreender a verdadeira realidade. Se, interpretarmos o mundo em termos exclusivamente económicos, pressuporemos no final que a própria vida é mensurável, ou que o grau de segurança da existência humana como tal é computável. De repente, o homem começa a pensar que nenhuma situação lhe é estranha, que pode conseguir todas. Ele não compreende que está mais ou menos no sítio da partida e que não fez nenhum progresso na compreensão do mundo. Nunca lhe passou pela cabeça que estava apenas a fazer a sua própria teia de situações cuidadosamente calculadas e trabalhadas na qual todos os homens e coisas têm o seu lugar escolhido, irreal.
B. Natureza do comportamento na luta económica Esta quantificação de todos os valores que acabamos de descrever em relação ao sucesso económico, cria um segundo mundo, uma cobertura tipo máscara que encobre outros valores e caracteres. Este disfarce, esta «reificação» do mundo já foi observada na esfera económica e interpretada como uma ossificação. No entanto isto é apenas um aspecto do fenómeno económico. Não se deve esquecer que a luta está muito acesa nos tipos mais importantes de actividade económica e que o preço, que numa economia competitiva é a expressão do sucesso, é sempre um preço competitivo. A natureza do comportamento na luta económica precisa assim de ser mais cuidadosamente determinada. Em primeiro lugar, devemos distingui-la da luta que envolve violência. A luta económica não é medida pela aplicação de força sobre o inimigo, mas pensando sempre em termos estruturais) pela utilização no grau mais completo de todas as oportunidades permitidas por uma dada situação, e tomando partido sem hesitação das oportunidades negativas inerentes à situação do adversário. Os procedimentos não tomam a natureza do combate corpo a corpo, mas o da negociação, tentado
obter o melhor do adversário através de uma exploração mais ade-
quada de determinadas vantagens, fazendo coisas no momento exacto, tirando partido de tendências que não foram criadas por si.
94
A Educação Social do Homem
O «subjaz» à luta actua geralmente desta forma não tanto como um resultado de uma agressão directa por um adversário; mas como resultado de um dinamismo que parece trazer consigo um veredicto puramente objectivo. Por causa desta natureza anónima da luta, há algo abstracto e, contudo, sinistro na vida económica. C. O risco pessoal na luta económica
A natureza abstracta da luta económica empresta algo de demiurgo à vida económica. A «razão calculadora» que, no final, ultrapassa o irracional, tem algo de grandioso e de destino em si.
Assim, O significado último, positivo da luta económica é o de idealmente falando, o indivíduo assumir os riscos pessoalmente, arriscando tudo no jogo. Este abismo está sempre presente, há sempre a possibilidade iminente de «queda». Isto não é experimentado pelo burocrático de carreira; quando este consegue alguma coisa, ele não perderá nada provavelmente, desde que não se esquive e deixe fugir a sua posição. Na esfera económica no entanto,e em teoria, permanece sempre em perigo potencial de perder tudo. Aqui está a tensão e também a força formativa da luta económica. Este perigo para o «eu» produz um tipo de indivíduo que «vive experimentalmente», para usar uma expressão cunhada por Lorenz von Stein numa análise de Saint-Simon (1). Este risco absoluto, pelo menos na esfera social, aguça todas as capacidades humanas, acorda os sentidos, desenvolve a adaptação a circunstâncias mutáveis e fomenta a intuição. Mas também agita um estado permanente de não descanso e mata o sentido de contemplação. É esta a razão porque as religiões ao colocarem a contemplação acima de tudo o mais sempre proibiram a ambição económica. Pelo contrário, um grupo envolvido na luta económica nunca pisou o caminho contemplativo para a salvação. O confucionismo, uma religião tí-
(1) Cf. Lorenz von Stein, Geschichte der sozialen Bewegung, Munich, 1921, vol. Il, p. 141. 95
Sociologia do Conhecimento
pica da burocracia, não desprezou a riqueza já acumulada, mas denunciou toda a luta pela riqueza muito mais veementemente. A ambição económica é o elemento da tentação que perturba a harmonia da alma, ideal desta intelligentsia burocratizada (1). Muito haveria a dizer ainda acerca das características gerais da ambição económica e da sua influência na estrutura da personalidade humana e no modo de viver a vida. Já apontamos, porém, que a ambição económica não pode ser adequadamente compreendida e descrita em termos tão gerais e que as suas características mais essenciais só vêm à luz quando considerada nas suas manifestações históricas concretas. É ao analisarmos deste modo que se torna claro que a ambição económica não é, de modo algum, um fenómeno uniforme mas muda de acordo com o tipo de ordem económica dentro da qual se encontra, i.e., de acordo com o sistema prevalecente, consoante este é mercantilista, liberal (o laissez faire), ou capitalista. Mais, torna-se claro que a ambição económica é também socialmente diferenciada, i.e. que aparece diferente-
mente dentro de um mesmo sistema económico de acordo com as
possibilidades de sucesso permitidas a um indivíduo da sua posição social. A esta mutação histórica e esta diferenciação social das várias formas de ambição económica chamaremos flexibilidade, pedindo o termo emprestado ao estudo dos milieux. Uma vez estabelecida a flexibilidade da ambição económica, será tarefa da psicologia social e económica mostrar uma semelhante flexibilidade no arranjo psicológico dos correspondentes tipos humanos. X. A FLEXIBILIDADE HISTÓRICA DA AMBIÇÃO ECONÓMICA
É impossível apresentar em toda a sua riqueza as variações históricas da ambição económica e os seus efeitos no âmbito deste ensaio. Vamos confinar-nos a um exemplo desta flexibilidade histórica; tomando uma profissão particular como exemplo, observa-
(1) Cf. Max Weber, Religionssoziologie, 1. Túbingen, 1920, p. 532. 96
A Educação Social do Homem
remos como a ambição se desenvolve nela em relação com as mudanças nas suas funções e produz tipos diferentes de homens em diferentes fases da história. Escolhemos como exemplo o chefe ou executivo de negócios, e tentaremos mostrar como as tendências na estrutura económica geral alteram os modelos da influência económica e por conseguinte, modificam as personalidades daqueles que exercem a influência económica. Porque este processo evolucionário é já muito bem conhecido dele vamos falar pouco. Começaremos com o período das corporações, em que o artesão combinava as funções de director, inventor e trabalhador que ainda se não diferenciavam, e não estavam hierarquicamente subordinados uns aos outros, e quando a realização e o sucesso eram mais ou me-
nos sinónimos, na medida em que o lucro in se não tinham ainda ganho autonomia como um objectivo próprio. Em tal situação, era
possível algo da chamada «gratificação pelo trabalho» (Werkseligkeit) O trabalho era experimentado como um processo dignificativo e esta é a razão porque ainda podemos «glorificar» uma peça de trabalho bem feita. A teoria que defende que o trabalhador foi afastado do significado do seu trabalho, de planear, combi-
nar e inventar funções, está certamente correcta e tal está a afirma-
ção de que o capitalista o separou dos meios de produção, e o sistema económico como um todo o afastou da sua segurança ao dar-lhe «liberdade». É claro que onde a área de luta económica esta cuidadosamente regulamentada pelas corporações, o patrão individual não pode ter ambições económicas. O seu lema não é já o do moderno entrepeneur: mais, e sempre mais lucro. Sem muito risco, com um modelo prescrito de realização (a subsistência), resultados abstractos, o cálculo dos rendimentos do capital era absolutamente estranho ao assim chamado entrepeneur desta época. Esta espécie de ambição económica, em que o trabalhador ainda se glorifica no seu produto e onde o objectivo é somente a manutenção
de um
certo nível de segurança
produz
uma mentali-
dade meditativa e contemplativa; os valores espirituais importam e, no caso extremo, há sempre a possibilidade misticismo descansado.
é que de um
97
Sociologia do Conhecimento
É evidente
que o cabeça
de uma empresa no sistema mercan-
tilista é um tipo muito diferente do homem correspondente medieval. No seu negócio ele é já um organizador, e já não um produtor; na sociedade em geral e especialmente no seu tratamento com as
autoridades, ele é um oficial. Ele não conhece nem os riscos nem
quaisquer outras virtudes do lutador. Acima dele está o inspector. Os talentos de um oficial superior (diplomacia, perspicácia e jeito para o negócio) garantem-lhe as oportunidades de segurança de natureza burocrática. A segurança burocrática é o segundo tipo de ambição que é compatível com uma cultura de natureza contemplativa. Mas é evidente neste ponto que a contemplação sossegada e o orgulho pelo trabalho do artesão têm outras raízes que não a confiança do burocrático. A livre competição produz, em primeiro lugar, um entrepeneur cuja ambição e atitudes mentais gerais são radicalmente diferentes desta. Comecemos com algumas observações desta função alterada sob as novas circunstâncias da livre competição. Basicamente, ele tem a difícil tarefa inicial de investir numa realização, criando a estrutura económica dentro da qual pode trabalhar. Mesmo quando esta já é realidade e se toma uma empresa existente, o chefe tem ainda funções características próprias: conseguir capital, maximizar os lucros, e ultrapassar a concorrência. Ao lado destas novas funções, surge um novo tipo de mentalidade. Aparece uma ambição de natureza muito especial, essencialmente dinâmica, de tal forma que quem já a tem está sempre a lutar para além das suas últimas realizações para maiores objectivos. A sua personalidade revelará as virtudes combativas necessárias à luta económica: ousadia, realismo, capacidade de analisar a psicologia de um concorrente, cabeça fria quanto aos interesses na exploração da intercorrelação das coisas, antecipação constante de possibilidades posteriores, apontando para lá de qualquer realização pensar no futuro e não no presente; recusa de se satisfazer com o que quer que seja; insistência sobre oportunidades futuras que esperam realização, mais importantes do que algo já conseguido; em poucas palavras, uma incapacidade de se demorar no presente e um esforço perpétuo para se ultrapassar.
98
A Educação Social do Homem
Além destas virtudes combativas, desenvolvem-se igualmente vícios combativos: crueldade, avidez, auto-engrandecimento, negação completa de todos os valores de natureza contemplativa. Para se ser mais correcto, o dinamismo também existe na esfera do poder e o próprio Rei tem um carácter não contemplativo quando comparado com o monge. Mas o homem cuja ambição é o poder não persegue o seu objectivo com a mesma continuidade e a mes-
ma estreiteza de mente corroendo qualquer outro interesse; a sua actividade é mais flutuante e esporádica, esperando oportunidades quando elas se lhe oferecem desprovidas de qualquer carácter
sistemático.
A mentalidade empresarial que descrevemos está mais desenvolvida no período do industrialismo nascente, onde tudo rompia sem conhecimentos prévios: a empresa em si e a estrutura económica dentro da qual vai trabalhar nasciam também. A regular o trabalho tarefa não há nada: nem inibições, nem regras de jogo tal
como existem muito desenvolvidas numa economia madura. Estes pioneiros foram correctamente descritos como piratas que usavam todos os meios à sua disposição para se engrandecerem. Identifica-
vam completamente a sua pessoa e a sua fortuna com a empresa
que dirigiam; os seus impulsos para produzir, possuir e dominar fortaleciam-se mutuamente uns aos outros. Nos grandes fundadores dos impérios industriais como Rockefeller e Vanderbit a velha violência e falta de escrúpulos dos pioneiros dos séc. XV e XVI como Jacques Coeur e Fuggers vive de novo. O último período é aquele em que tem lugar a integração e concentração de motivação e capitais, o período em que muitos pequenos produtores independentes são afastados do negócio e os
anteriores tomadores de decisões transformados em funcionários
dirigidos e controlados por uma autoridade superior. De um ponto de vista estrutural, isto significa uma transformação da natureza da ambição de um tipo burguês, individualista, dinâmico para um tipo burocrático, uma transformação que afecta grande número de indivíduos que certamente não são negligenciáveis do ponto de vista geral, quer porque são muitos, quer porque o seu destino é típico.
99
Sociologia do Conhecimento
Juntamente com a eliminação progressiva dos produtores independentes, podemos observar uma regulação concertada das condições de mercado, em relação às comodidades e também em relação ao trabalho. Esta transformação do mercado de trabalho transforma cada vez mais o trabalhador, nem que seja só, de agente livre com uma existência não garantida, numa espécie de brinquedo oficial. As tendências dominantes significam um estreitar do campo da luta e um crescimento da área racionalizada, burocrática da sociedade. Qualquer decisão da parte do indivíduo sobre si mesmo é gradualmente eliminada pelo campo crescentemente racionalizado em que opera; o que até então só era alcançável pelos meios da luta, torna-se agora uma questão de administração. As decisões individuais só são possíveis num caso extremo ou marginal. A esfera económica e social das operações aproximam-se cada vez mais de um espaço que contém uns poucos corpos piramidais em luta entre si, mas de tal forma que todo o calor do combate se concentra somente no cume das pirâmides cujas bases largas são crescentemente pacificadas, desprovidas de conflito e disponíveis ao controle e administração. Pode pensar-se que as energias de combate se tornam mais intensas quanto mais se aproximam dos cumes. Em parte, isto é verdade, mas há outras tendências que se manifestam contrariamente. A intensidade dinâmica do «cume» é modificada por uma divisão das funções, e sabemos que uma tal divisão também conduz à diferenciação das formas de luta pelo sucesso. A divisão das funções consiste
nisto; no assim chamado
«período
heróico»
do capitalis-
mo, as funções do capitalista e do executivo concentravam-se num único homem. O capitalista foi também o chefe, o administrador real da ocupação. Como resultado dum aumento do capital necessário para levar a cabo tal empresa, tornou-se impossível para o indivíduo ou para a sua família reunir o dinheiro exigido. Assim, houve uma transição da empresa familiar para o moderno grupo companhia. Este processo, que está especialmente desenvolvido hoje na América, verifica-se igualmente na Alemanha. Em primeiro lugar, isto significa que o anterior capitalista se torna automatica-
100
A Educação Social do Homem
mente num homem que vive de rendimentos e a função de gestão é atribuída ao executivo. O capitalista relegado à posição de homem que vive de rendimentos com um resultado cada vez mais standartizado é o exemplo flagrante de como uma luta dinâmica unitemporal pelo sucesso se pode transformar numa contemplação estática. O que observamos é um desintegrar e depois um voltar de face do modelo de ambição que já caracterizou o empresário que foi também um capitalista. No «mero capitalista», a mentalidade do chefe de indústria que procurou o poder que podia retirar da sua riqueza substituída por um modelo estável de ambição. Com esta análise, levanta-se o problema de saber que formas de consciência contemplativa são compatíveis com o modo de vida de um homem que vive de rendimentos. Ainda nos fica o executivo. (Em alguns casos, esta função pode ser exercida ainda pelo proprietário do capital). O seu modelo de ambição demonstrará, de alguma forma, o elemento dinâmico numa forma pura e intensificada. Na verdade, ele está primariamente interessado em alargar o seu campo de influência e o seu negócio; as suas funções são ainda as de iniciativa, chefia e direcção; em vez das virtudes de combate, porém, ele precisará de ter, acima de tudo, capacidade organizativa. Já que esta chefia dinâmica e de gestão não se coaduna directamente com um aumento da propriedade pessoal (pelo menos não na mesma medida do anterior), ela tende a tornar-se impessoal. O executivo trabalha com grande vigor e combatividade, mas o rationale do seu trabalho tende a ser a empresa enquanto tal, a empresa que se torna um fetish. A natureza impessoal do dinamismo é também ilustrada pelo facto de a chefia não se encontrar já nas mãos de uma só pessoa, mas dispersa em vários quadros. Tudo isto é importante também porque revela como mudanças de função e o quebrar das funções económicas, podem contribuir para a despersonalização e, por conseguinte, para uma moralização
da
ambição
e incentivo
económico.
Se seguimos esta ideia
em todas as suas implicações, chegaremos à conclusão que ao mo-
dificarmos o alcance da actividade económica e ao criarmos novas 101
Sociologia do Conhecimento
funções, o processo económico pode modificar os motivos que modelam o comportamento económico. O exemplo que acabamos de analisar foi escolhido para mostrar concretamente
como
a natureza da ambição
do homem,
e o
seu último refúgio, o próprio homem como um tipo humano, se está a modificar quando a sua ocupação (neste caso a função executiva), o seu campo de actividade e a sua função na sociedade so-
frem uma transformação. Para retirarmos deste exemplo tudo o
que ele contém de valor para a nossa análise, vamos elucidar melhor o princípio estrutural é expresso por estas mudanças. É de importância fundamental para a compreensão das mudanças mentais que observamos saber até que ponto o indivíduo ou a ocupação em questão se incluem num dado momento naquela área da sociedade dominada pelo conflito ou na área burocratizada em que prevalece a harmonia. Além disso observamos correlações entre os diferentes tipos de ambição e os vários tipos possíveis de cultura que até agora só elucidamos parcialmente. Queremos agora facultar, pelo menos, um quadro mais completo com esta base. XI. TIPOS DE AMBIÇÃO; TIPOS DE PERSONALIDADE; TIPOS DE CULTURA
As categorias que nos auxiliaram no estabelecimento da correlação entre o desenvolvimento das atitudes mentais e os tipos de cultura social tiveram de natureza estática e dinâmica. Vimos que há certos grupos de funções e ocupações sociais que pela natureza da ambição que perseguem tendem inevitavelmente a produzir uma mentalidade estática e uma cultura contemplativa. Da análise anterior resulta automaticamente três estilos de ocupação: o artesão, o homem que vive de rendimentos e o burocrático. De um modo semelhante, surgiram automaticamente três tipos dinâmicos: (a) o tipo dos que procuram o poder, (b) o dos que procuram o
sucesso económico na livre concorrência, e (c) o dos que procuram
o sucesso económico na concorrência imperfeita. Não temos intenção de cobrir com esta classificação toda a multiplicidade de tipos possíveis. Tentamos apenas recolher e comparar os tipos que sur-
102
A Educação Social do Homem
gem em enderia entre o homem
resultado do exame anterior. Uma análise exacta comprena verdade trabalhar passo a passo as diferenças concretas tipo de contemplação e de passividade características do que vive de rendimentos, do burocrático e do artífice.
Confinar-nos-emos, no entanto, a uma breve análise de um destes
tipos e tomaremos como nosso exemplo a mentalidade burocrática, que provavelmente será mais importante no futuro do que as outras duas. É importante analisar a forma de ambição característica do burocrata e da psicologia estática que lhe corresponde, entre outras coisas, pelo facto de estarmos a assistir a uma burocratização crescente do mundo que parece ser o que nos está reserva-
do. É irrelevante o facto de gostarmos ou não gostarmos disto; a
única questão que se levanta é a de sabermos tirar o melhor partido desta situação e saber que componentes suas podemos desenvolver e contrariar. Vamos analisar em primeiro lugar a natureza específica da segurança dentro da qual naturalmente se desenvolve a ambição burocrática (a carreira). Vamos fazê-lo comparando-a com a segurança e a peculiaridade estática do modo de vida do artesão. O burocrata distingue-se do artesão, em primeiro lugar, pelo facto de aquele estar envolvido em relações de dependência, muito embora elas sejam impessoais e institucionalizadas, enquanto que a independência relativa é talvez a principal característica do estatuto artesão. As relações de dependência pessoal moldam a vida do homem que quer fazer carreira numa organização burocrática de tal forma que nos vemos quase obrigados a aceitar o juízo segundo o qual não há meios pelos quais os homens possam ser mais profundamente dominados do que pela subordinação burocrática inerente a uma carreira. Não só a graduação de funções e poderes tornará a priori as suas reacções uniformes e calculáveis, mas mesmo a sua estrutura mental, a atitude que se espera que tome, será em parte consciente e em parte inconscientemente regulada. Só isto constitui uma diferença essencial entre a racionalidade da conduta tal
como encontramos na esfera burocrática e económica. Quando a principal preocupação é a de fazer dinheiro, os motivos psicológi-
103
Sociologia do Conhecimento
cos e éticos que actuam no indivíduo são negligenciados dentro de certos limites. O que conta é só saber se o cimo reage um partido de contra-acção num modo calculado. Em períodos estáveis, quando um grupo particular tende a predominar na sociedade, podemos falar ainda da atitude «obrigatória» esperada dos funcionários. Mas quando várias atitudes estão em conflito na sociedade, e o controlo político é dispersado em alianças mutáveis, a burocracia também reflectirá as várias atitudes que os tempos permitem, ainda que duma forma embotada e indirecta, já que burocrata tem orgulho em levar apenas a cabo a decisão de outros e em não obedecer a nenhum impulso político no exercício das suas funções de funcionário. Esta atitude «esperada» no funcionário tenderá, então, a resultar num cancelamento e numa neutralização mútua dos diferentes objectivos políticos na sociedade e na substituição duma atitude especificadamente «objectiva» por estes vários objecti-
vos (1).
Na verdade, tal como somos obrigados a revelar os aspectos negativos e os perigos do modo de vida burocrático, devemos igualmente fazer justiça as suas possibilidades e apontar que dificil mente
se encontra
uma
área onde
o sucesso dependa em tão gran-
(1) Pode assim surgir uma moralidade especificadamente burocrática, um fenómeno que se pode explicar em parte pelo facto de a burocracia ser a única força
social que
É norma
subsiste
intacta ao tumulto social dos dois últimos séculos.
sociológica a que afirma que a natureza
relativamente autónoma e
a continuidade das suas normas. Em França, o aparelho burocrático manteve-se relativamente imutável desde o Ancien Régime, e através de Revolução, a era napoleónica, a Restauração, o reinado de Louis Philippe, a Segunda República, o Segundo Império, a Terceira República; um mesmo funcionário serviu, nalguns casos, durante três ou quatro regimes. Nos últimos 30 anos, por
outro
burocracia.
lado, assistimos à infiltração As
forças exteriores
do espírito do movimento
reforçam e interferem com
corporação fechada. Cf. o capítulo sobre a burocracia em types sociaux chez Balzac et Zola.
104
social na
a autonomia
Paul
da
Louis Les
A Educação Social do Homem
de medida duma objectividade característica, tal como acontece em todo o aparelho da burocracia. Não devemos no entanto ignorar que esta atitude «não partidária», esta objectividade forçada, se inclina subtilmente para a parcialidade. Em tais casos, o burocrático esconde uma correcção formal e desrespeita a justiça. No
entanto, em toda a esfera burocratizada existe uma certa tendên-
cia para a supressão da arbitrariedade; esta é a razão porque em momentos críticos, quando a arbitrariedade e a falta de leis tornar-se realidade, a burocracia parece ser o ponto de cristalização à vontade do qual se desenvolve uma nova «ordem». Pode ainda dizer que estes modelos de pensamento e acção relativamente desligados, e também aqueles meios de vida que mais facilmente são transmitidos de uma ordem histórica e social para outra, tendem a ancorar-se naqueles compartimentos da realidade social que estão relativamente desprovidos de conflito. Já nos referimos ao modo mais ou menos fácil pelo qual uma burocracia é transferida da estrutura de poder de uma sociedade para outra e mesmo quando
uma tal transferência não tem lugar sem fricção, as burocracias, em
regra, são mais facilmente transferíveis do que muitos outros grupos. O segredo de tão grande adaptabilidade assenta no facto de as posições de chave nesta esfera adquirem uma enorme importância em resultado da burocratização e da graduação de poder que a acompanha. Em virtude do facto de a estrutura estar construída à partida e a iniciativa ser outorgada exclusivamente ao chefe político, negando-se desde o princípio às restantes pessoas qualquer influência das decisões políticas vitais, desenvolve-se um hábito constante, podemos dizer mesmo, incorrigível, de acomodação às circunstâncias que deixa traços indeláveis na mentalidade burocrática. Os abusos a que isto conduz, não os discutiremos aqui; mencionarmos apenas o facto banal da experiência segundo o qual a energia não consumida da fonte de poder normal sob estas circunstâncias tenderá a encontrar escapes. O tipo de funcionário submisso aos seus superiores e tirano para com os seus subordinados, sobre os quais exerce todo o seu poder, é muito familiar. Enquanto que o artesão, para voltarmos ao exemplo inicial, encontra uma
105
Sociologia do Conhecimento
saída normal para todas as energias numa grande variedade de relações normais e no trabalho, de tal forma que ele é menos frequentemente «tirânico», a predominância das relações de dependência pessoal na vida do funcionário produz, por assim dizer, reviravoltas dialécticas na sua alma, exagerando, às vezes, a tensão resultante daquelas relações de dependência, tentando outras vezes ultrapassá-las. Um dos meios de ultrapassar a tensão inerente à estrutura
de uma carreira é o uso correcto do «ócio». A existência de «tem-
po livre» que também é totalmente regulada, aproxima o funcionário da posição do trabalhador. O verdadeiro artesão, o verdadeiro homem de negócios, o verdadeiro estudioso não têm realmente «tempo livre». O homem que trabalha para si, que é responsável por si, não pode restringir os seus esforços de realização e sucesso a certos limites de tempo. Nem pode ele fazer a distinção importante entre o que é «público» e o que é «privado». O facto de o burocrata se encontrar em posição de traçar uma linha rígida entre a sua actividade oficial e privada, entre o tempo de escritório e o tempo livre tem as suas vantagens e as suas desvantagens. Uma vantagem é claramente a variedade que assim introduz na sua vida. De forma alguma e tenta reunir as suas actividades oficiais com as suas actividades de ócio. Ele vive em dois mundos e deve, por assim dizer, ter duas almas. Mas isto não é verdadeiro no que diz respeito ao artesão, que na verdade tira descanso do seu trabalho e cujas actividades se enquadram clara e organicamente na vida que o circunda, desde
que o sector económico
do artesanato seja conserva-
do pelo desenvolvimento social. Ele descansa, não entra num mundo novo no seu tempo-livre. Além disso, esta diferença não se relaciona somente com o problema do ócio, mas também com o conteúdo e objecto do trabalho
pessoal.
Deste ponto
de vista, podemos também
ver como a
existência burocrática é paralela à do trabalhador e contrária a do
artífice. Ao operário e ao funcionário são dadas tarefas que fazem parte de um todo mas que, na maior parte, aqueles não as conse-
guem
106
compreender como tal. Quanto mais baixo está um funcio-
A Educação Social do Homem
nário na hierarquia burocrática, tanto mais o seu destino ocupacional se assemelha ao do operário. A falta de significado da tarefa (1) produz, no entanto, certas estruturas mentais que podem, de novo dialecticamente, resultar num sem sentido da vida privada (ex: o ir beber a tabernas), ou numa ultrapassagem da falta de significado através de alguma actividade compensatória. Chegamos agora a um ponto importante da análise. Este dualismo, a actividade pública/actividade privada, tempo de trabalho/ /tempo de lazer, associações oficiais/associações sociais livres, significa que quer o trabalhador quer o funcionário tendem a desenvolver uma mentalidade adaptada a uma existência dual. As suas mentes têm de ser construídas de tal forma que possam conseguir compensação ao menos num mundo que o outro mundo não consegue dar-lhes. Em qualquer, caso, os homens tendem sempre a procurar o que a sua existência quotidiana não lhes dá num mundo
de sonhos. No caso do funcionário, no entanto, este dualismo pode materializar-se concretamente na sua vida actual; aquilo que lhe falta na sua existência de funcionário, tenta ele conseguir no seu tempo de ócio. Assim, ele não resolve o seu problema transportando a impotência que caracteriza a sua actividade ocupacional para a sua esfera privada, nem vagueia pelos bares; ele pode pedir do seu lazer o que as horas de trabalho não lhe dão. O expoente mais profundo da mentalidade burocrática, o cronista da querida vida burguesa, Charles Louis Philippe, disse do amor: «O amor é tudo aquilo que não se tem»; e isto aplica-se igualmente ao segundo mundo criado por este tipo superior de burocrata. Este modo
(1) Este é um aspecto importante da existência de empregados;cf. Hans Speier
«Die Angestellten», Magazin der Wirtschaft, nº 13, Marco 28, 1930. Speier
cita uma observação de um psicólogo americano, Elliot D. Smith, relativamente ao efeito segundo o qual o trabalho mecânico se faz melhor em estado de semi-sonolência. Neste estado desenvolve-se "uma necessidade, que é satisfeita pela imagem. Cf. também Emil Lederer e Jacob Marschak, «Derneue Mittelstand», no Grundriss der Sozialôkonomik, Set. IX, vol. |.
107
Sociologia do Conhecimento
alternativo, o modo de compensar a vida quotidiana no tempo de ócio, é a maior possibilidade cultural da existência contemplativa do burocrata. Todos nós conhecemos pessoas (operários ou funcionários) que, fazem do lazer a sua vida. Começando com um pequeno hobby, há uma escala ascendente que conduz a soluções cada vez mais refinadas e valiosas deste problema de existência. Há
dois modos
essencialmente
diferentes de cultivar o tempo livre
depois do trabalho. Um é o de intensificar tudo o que só é satisfeito de um modo fragmentado ou rudimentar no trabalho diário com um aprofundar do conhecimento do trabalho, de forma a conseguir melhores resultados ou conseguir dele uma melhor visão. O especialista procura ser um melhor especialista e tenta ultrapassar a compartimentação que os modernos métodos de trabalho criam,
tentando dar ao seu conhecimento
especializado
uma
base
mais sólida. O outro caminho é de natureza explicitamente com-
pensatória. O indivíduo procura obter no lazer aquilo que doutro
modo não conseguiria; se o seu trabalho é pobre de significado, poderá ser-lhe dado um significado pelo estudo, pelo viver a um nível mais alto, pelas viagens, pelo conhecimento de outras pessoas, por um alargar de horizontes. Muito mais se poderia dizer no seguimento destas linhas. Mas vamos limitar-nos a indicaro difícil ponto de conexão entre proble-
mas aparentemente desconexos. Vamos revelar o problema estru-
tural que nos poderá dar uma pista quanto ao modo de resolver os problemas que a vida económica moderna cria para a nossa cultura. Nesta cadeia de problemas, é de decisiva importância a questão da utilização possível e modelação da contemplatividade burocráti-
ca. Já vimos claramente como muitas influências se cunjugam para
tornar este tipo de vida cada vez mais prevalecente. Não nos interessa saber se aprovamos ou não este desenvolvimento. O processo social, ele mesmo, nos colocou esta questão. Não nos interessa queixar-nos da existência difícil e malograda do funcionário: o que nos interessa aqui e agora é prestar atenção às possibilidades positivas deste modo de vida. Uma análise próxima, revelará que ele já sofreu poderosas modificações. Quando pensamos hoje nos
108
A Educação Social do Homem
funcionários, já não os imaginamos como os velhos empregados sujos de província: o desenvolvimento de uma burocracia política e económica
e de uma
espécie de burocracia
de executivo,
particu-
larmente nas actividades designadas por «mistas» ou semi-públicas, alarga o campo já variado que não só pode ser explorado, mas que
também deve ser conscientemente moldado e desenvolvido ao lon-
go da linha das possibilidades nunca antes possível. XIl.
A FLEXIBILIDADE
DA
positivas que oferece, em
AMBIÇÃO
DE ACORDO
COM
medida
A DIFERENCIA-
ÇÃO SOCIAL
Depois desta excursão na região dos efeitos culturais das dife-
rentes formas de ambição, voltemos de novo ao nosso principal assunto. Nas páginas anteriores, tentamos mostrar a flexibilidade da ambição económica na dimensão temporal da história, usando exemplos concretos; o que nos falta fazer é observar esta flexibilidade na dimensão da diferenciação social. Devemos mostrar que a luta pelo sucesso mesmo dentro do mesmo sistema económico e no mesmo período histórico, é variável e elástica. Vamos dar um exemplo. Ao mostrarmos. a flexibilidade dos incentivos típicos nas realizações económicas que influenciam os indivíduos, demonstraremos que o esforço do trabalho é diferentemente motivado em diferentes pontos da estrutura social. O desconhecedor da sociologia pode pensar que os motivos de procura de sucesso económico e de realização de uma obra são assuntos inteiramente subjectivos e que só podem ser compreendidos pela exploração da estrutura íntima de cada personalidade individual. Contra isto, no entanto, um rápido relance revelará que os motivos que impelem as pessoas a procurar o sucesso ou a realizar uma obra, são largamente típicos e que a sua incidência mostra uma diferenciação marcadamente social. O que é dizer que questões como a de saber se um homem trabalha, a razão porque trabalha, se é ambicioso e, se sim, que espécie de sucesso procura, estão em larga medida pré-determinadas
109
Sociologia do Conhecimento
pelo conjunto de motivos e incentivos comuns associados ao seu grupo social. Indo mais longe, podemos retirar da mera observação empírica da influência exercida no indivíduo pelo seu milieu um problema genuinamente estrutural e perguntar porque é que certos motivos estão ligados a este grupo social particular e outros a outros. Descobriremos que um exame da posição dos vários grupos sociais na sociedade e no processo de produção nos dará uma chave razoavelmente compreensível da natureza dos incentivos susceptíveis de caracterizar o seu comportamento médio. Max Weber (Cf. Wirtschaft und Gesellschaft, p. 60) tentou recolher todos os incentivos e impulsos que levam à actividade económica. Daqui resultou que uma classificação adequada destes impulsos só seria possível com base na diferenciação social. Max
Weber chegou à conclusão de que eles variavam numa economia de troca segundo o lugar do sujeito no processo de produção. Deste ponto de vista, Weber distinguiu três grupos de sujeitos:
1. Os não proprietários; 2. As pessoas com cultura (cujo equipamento cultural em última análise se baseia na riqueza). 3. As pessoas que com oportunidade de viverem de rendimentos. Tomamos esta classificação como o ponto de partida, mas vamos modificá-la aqui e ali de forma a torná-la mais concreta. Distinguiremos os seguintes principais grupos correspondentes às categorias de Max Weber:
(a) os trabalhadores assalariados.
(b) a chamada intelligentsia profissional — os funcionários ou
técnicos.
(c) os indivíduos ligados ao negócio, quer como proprietários
capitalistas, quer como executivos.
A esta classificação social dos sujeitos económicos corresponde, tal com o Max Weber viu, uma classificação dos motivos econó-
110
A Educação Social do Homem
micos típicos. À primeira categoria pertence ao indivíduo que não
se quer expôr, a si e à sua família, ao risco de não ter meios de subsistência, e aquele que, sob a influência sugestiva do seu grupo, consciente ou inconscientemente adopta a ideia de trabalhar como
o único conteúdo aceitável da vida.
Numa só palavra, a actividade económica no primeiro grupo é motivada, pela pressão da vontade, ou pelo hábito mais ou menos automático. No que diz respeito à segunda categoria, a intelligentsia profissional, o trabalho é primariamente motivado pelo desejo de reconhecimento;
as vantagens
económicas
diferenciais, no entanto,
não devem ser desprezadas porque são um forte motivo suplemen-
tar.
Da justaposição destes dois casos torna-se claro que, segundo
o seu lugar na hierarquia social, um indivíduo é afastado de certos
objectivos de ambição superiores, ou dispensado de determinadas motivações primitivas. O trabalhador «livre» não privilegiado nunca conhece os incentivos que só são acessíveis ao homem profissional: o desejo de obter reconhecimento através de realizações importantes. Pelo contrário uma pessoa educacionalmente privilegiada assenta quase exclusivamente no desejo de reconhecimento como um incentivo ao trabalho (pôrque no seu círculo é o usual) e sente-se muito infeliz se as circunstâncias o forçam a trabalhar somente para a subsistência e não para o reconhecimento. Um outro facto relacionado com estas variações estruturais que estamos a analisar é o de em particular o trabalhador não qualificado nunca estar em posição de «glorificar» o seu trabalho. Isto deve-se, em grande parte, ao facto de as tarefas que lhe cabem se tornarem cada vez mais desprovidas de significado e de as suas circunstâncias serem tais que ele não pode ter qualquer outro motivo para além de fugir da necessidade que o aperta. Na medida em que a sua fibra moral permanece intacta, e o trabalhador conserva necessidade de algum sentimento
de dignidade, ele tentará a sua satisfação fora da esfera
de trabalho, digamos, na política. Se avançassemos por aqui, seria fácil indicar que leis particulares governam a tendência da acentua-
111
Sociologia do Conhecimento
ção de valor de uma esfera para outra. Descobriríamos as razões porque num período e num grupo social determinados é o trabalho, e noutro a política, que recebem a apreciação máxima; e poderia mostrar-se em cada caso que se se esvazia uma esfera da actividade humana do seu significado em resultado de mudanças na estrutura social, o homem procurará transferir as energias libertadas noutra direcção. Viremos agora a atenção para o terceiro grupo, o dos capitalistas e executivos e dos motivos que lhes são peculiares. Além do desejo de possibilidades intermináveis de consumo neste caso há também um desejo de poder que exige satisfação. Este grupo (particularmente os executivos), é também activado pela vontade particular de provarem o seu valor através de sucesso financeiro. Numa só palavra, o homem cujo principal motivo é obter reconhecimento, encontrar-se-á, em regra, numa diferente posição social do homem cujo principal motivo é obter poder. O engenheiro, o funcionário desejam, no seu todo, o reconhecimento; o executivo industrial deseja poder. Nestes casos também, quaisquer desejos que não possam
ser satisfeitos na vida de trabalho destas pes-
soas deve, encontrar satisfação numa outra esfera ou desaparecer. Só o executivo pode satisfazer o seu desejo de poder na esfera económica; abaixo de certa posição e nas presentes condições de vida a vontade poder não se pode desenvolver. Mas logo que se consegue uma posição onde o poder é um objectivo legítimo, as forças do meio favorecerão o seu alcance. O potencial é trazido à fruição.
Não precisamos de desenvolver em pormenor o facto de não
ser de modo algum, essencial que uma pessoa se sinta motivada pela necessidade, pelo desejo de reconhecimento, ou pelo desejo de poder, já que a personalidade total é decisivamente modelada pelos motivos que
mais frequentemente
determinam
o comportamento.
Porque a actividade económica de uma pessoa não é um negócio em part-time, os motivos que a ela andam ligados sempre modelam e determinam a personalidade. Por conseguinte, a ocupação de uma pessoa, ou melhor, o lugar que ela ocupa na estrutura social sempre se torna um ingrediente mais ou menos importante do
112
A Educação Social do Homem
carácter da pessoa. Não é só o seu raio de visão que depende da sua esfera de actividade económica, e da natureza das syas ambições, mas também o modo geral como trata das coisas com que se con-
fronta nas outras esferas da vida. Em conclusão e sobre o conhecimento dos vários estádios de flexibilidade da ambição, podemos dizer:
A. O raio de influência da mudança económica e social é cada vez mais susceptível de determinação exacta. A tese geral segundo a qual o sistema económico forma homens, e a sociedade os molda, é crescentemente confirmado por todas as análises concretas feitas ao longo destas linhas. Precisamos de análises tão detalha-
das para mostrarmos em pormenor como é que a transformação
que se dá na esfera económica afecta a formação da personalidade, se nenhuma interferência exterior se manifesta. Só podemos influenciar este processo por acção deliberada depois de termos observado o seu curso imperturbável e assim conseguido uma aproximação à sua estrutura. Precisamos de saber qual a tendência básica das forças em acção, qual a sua susceptibilidade à transformação, qual o grau de flexibilidade, antes de podermos compreender o que poderia ser feito no caminho da despersonalização e moralização das modificações médias. No decurso da nossa investigação, anotamos exemplos que mostram que um motivo eticamente menos desejável pode ser substituído por um outro mais desejável. O próprio processo económico assistiu em muitas situações a executivos preocupados em conseguir o que é economicamente desejável in se, em vez do desejo do poder. Uma teoria da educação económica terá que tomar em consideração cada vez mais o raio de actividade para o qual vamos educar este ou aquele aluno. Isto pressupõe a análise sociológica; na verdade, as investigações sociológicas e as pedagógicas só serão significativas se combinadas. As normas abstractas, não relacionadas com o mundo real, não nos ajudarão. Precisamos de normas que respondam às possibilidades psicológicas numa situação concreta. As normas não relacionadas com a concreta situação da vida apenas substituem a
113
Sociologia do Conhecimento
«edificação» por educação, e o homem moderno despreza esta «edificação» que, ao bloquear o caminho para uma aplicação pragmática, nada permite mais do que estados emocionais gratuitos, estéreis. A maior vantagem moral dos tempos modernos consiste precisamente no facto de não mais querermos tais normas. B. Se até aqui tendemos a formular o problema como se o sistema económico formasse homens só porque quisessemos por ora revelar todas as implicações de um aspecto da conexão entre os dois. Mas não quisemos de modo algum sugerir que os homens devem aceitar fatalisticamente tudo o que nasce «inevitavelmente» da estrutura económica. Pelo contrário, somos da opinião de que, em certas circunstâncias, os homens também podem formar os seus sistemas económicos e sociais. Isto, no entanto, não pode ser
conseguido pela acentuação da doutrina da liberdade abstracta dos homens enquanto tal, mas apenas pela exacta observação do campo de actividade dentro do qual a liberdade pode ser exercida. Para isto, necessitamos
de um
conhecimento
exacto
do mundo em que
o homem vive agora, neste preciso momento. Se nos sentimos irresistivelmente atraídos pelo estudo da determinação social da vida mental e moral, não é porque queiramos
mente
a qualquer
custo
determinado,
e a deixarmos
que
todo o comportamento
seja objectiva-
de forma a desculparmos nossas deficiências
o processo
social
anónimo
decidir sobre tudo, em
vez de assumirmos as responsabilidade por uma decisão que nos cabe. Pelo contrário, o motivo mais profundo deste estudo é o desejo de descermos ao laboratório onde estas forças escondidas estão em acção, para conseguirmos compreender a sua inter-acção e sermos capazes de, num convite a uma vontade forte as dominarmos e colocarmos ao serviço de um trabalho educacional na perso-
nalidade em formação que podemos conseguir em ponsabilidade totais.
114
liberdade e
res-
Capítulo VII
O PROBLEMA DAS GERAÇÕES
1. SITUAÇÃO ACTUAL DO PROBLEMA A. A formulação positivista do problema A primeira tarefa a fazer é rever o estado da investigação do problema. Muito frequentemente acontece que a investigação cai no tratamento de problemas isolados para os quais todas as ciências dão o seu contributo individual, sem se prestar atenção à continuidade da investigação como um todo. Precisamos mais do que dar uma simples análise das contribuições do passado relativamente ao problema das gerações. Precisamos de fazer uma aprecia-
ção crítica do estado presente da discussão (12 Parte); isto ajudar-nos-á na análise do problema (22 Parte). Duas
doutrinas sobre o problema
foram
elaboradas no passa-
do: uma «positivista» e outra «romântico-histórica». Estas duas escolas representam dois tipos antagónicos de atitudes face à realidade,
e os modos
diferentes de aproximação
ao problema
reflec-
tem este contraste de atitudes básicas. A ideia metódica dos positivistas consistiu em reduzir os problemas a termos quantitativos;
115
Sociologia do Conhecimento
eles procuravam minantes, em
cola adoptou
uma
última
formulação quantitativa dos factores deteranálise, da existência humana.
A segunda es-
uma aproximação qualitativa, afastando firmemente
o primado da matemática e invertendo todo o problema.
Comecemos pelo primeiro. O positivismo sentiu-se atraído pelo problema das gerações porque isso lhe dava o sentimento de contacto com alguns dos factores últimos da existência humana enquanto tal. Há a vida e a morte; um espaço definido, mensurável de vida; a gerações sucedem-se gerações em intervalos regulares. Aqui, pensa o positivista, a estrutura do destino humano é compreensível, é uma forma mensurável. Todos os outros dados são condicionados dentro do próprio processo da vida: são apenas expressão de relações particulares.
Podem
desaparecer, e o seu desapare-
cimento significa somente uma perda de uma entre muitas formas possíveis de existência histórica. Mas se as relações humanas últimas se alteram, a existência do homem tal como o compreendemos termina também e a cultura, a criatividade, a tradição desaparecem, ou, pelo menos, aparecem
a uma
luz totalmente diferente.
Hume analisou a ideia de uma modificação destes dados últimos. Suponhamos, diz Hume, que o tipo de sucessão das gerações se altera tão completamente
que passa a assemelhar-se
ao de uma
borboleta ou ao de um tractor de tal forma que a geração mais velha desaparece a um abalo e a nova surge imediatamente. Mais, suponhamos que o homem se desenvolve em tal grau mental que é capaz de escolher racionalmente a forma de governo que lhe é mais adequada. (Este era, como é óbvio, o principal problema no tempo de Hume). Nestas condições, diz Hume, seria possível e correcto que qualquer geração, sem referência à opção dos seus antecessores, escolhesse a sua forma particular de estado. Só porque a humanidade é o que é, e as gerações se mudem em corrente contínua, de tal forma que sempre que alguém morre, outra nasce para a substituir, achamos
necessário preservar a continuidade das nossas
formas de governo. Hume traduz assim o princípio da continuidade política em termos de continuidade biológica de gerações. 116
O Problema das Gerações
Também
Comte (1) meditou sobre esta ideia: Comte tentou
elucidar a natureza e o tempo do progresso (o problema central do seu tempo) pressupondo uma mudança nos dados básicos da sucessão de gerações e na média de duração da vida. Se a duração média da vida de cada indivíduo diminuísse ou aumentasse, diz Comte, o
tipo do progresso também duração
normal
da vida
se alteraria. Aumentaria o período de
significaria travar o tempo
do progresso,
enquanto que reduzir o tempo de duração presente da vida em metade ou um quarto significaria acelerar correspondentemente o tempo, porque a influência restritiva, conservadora, a forma de travão da geração mais velha operaria por um período longo se a geração vivesse mais, e por um período curto, se a geração vivesse mais, e por um período curto, se a geração desaparecesse mais depressa. Uma
velocidade
excessivamente
retardada
é perniciosa, mas
há também o perigo de que uma aceleração elevada possa resultar numa frivolidade, sem nunca se exaurirem completamente as potencialidades da vida. Sem querer dizer que o nosso mundo é o melhor dos mundos possíveis, Comte pensava, no entanto, que a duração de vida e o período médio de 30 anos de geração eram correlativos necessários do nosso organismo, e que o progresso len-
to da humanidade estava directamente relacionado com esta limi-
tação orgânica. O tempo de progresso e a presença de forças conservadoras e também de forças reformadoras na sociedade são assim directamente atribuídos a factores biológicos. Assim surje o problema quando olhado duramente. Tudo é quase matematicamente claro: tudo é susceptível de análise nos seus elementos constituintes, a imaginação construtiva do pensador celebra o seu triunfo; ao combinar livremente os dados disponíveis, Comte conseguiu compreender os elementos últimos, constantes da existência humana, e o segredo da História é-nos revelado.
O racionalismo do positivismo é uma continuação directa do
racionalismo
clássico e ele revela a mentalidade francesa em acção
(1) Sobre as citações de Hume e Comte, cf. Mentré (19), pp. 179 e 66.
117
Sociologia do Conhecimento
no seu domínio próprio. Na verdade, os importantes estudiosos do problema são, na sua maior parte, franceses. Comte, Counot, J. Dromel, Mentré, e outros fora da Alemanha são positivistas ou, de qualquer forma, cairam sob a sua influência. Ferrari, o historiador, e O. Lorenz, o historiador austríaco, todos trabalharam na altura
em que o positivista se estendia a toda a Europa (1).
As suas formulações do problema têm algo em comum. Todos queriam encontrar uma lei geral para exprimir o ritmo do desenvolvimento
histórico,
baseado
na
lei
biológica
da
duração
limitada de vida do homem e da sobreposição das gerações novas e velhas. O objectivo presente era o de compreender os modelos mutáveis de correntes intelectuais e sociais em termos biológicos e elaborar a curva do progresso das espécies humanas em termos da sua sub-estrutura vital. No processo, tudo, na medida do possível, era simplificado: uma psicologia esquemática assegurava que os pais seriam sempre uma força conservadora. Apresentada a esta luz, a história das ideias aparece reduzida a um quadro cronológico. O centro do problema, depois desta simplificação, é o de descobrir o período de tempo médio do processo de substituição na vida pública da velha geração pela nova e principalmente o de descobrir o ponto de partida natural na história a partir do qual contar um novo período. A duração de uma geração é estimada diferentemente: muitos avaliam-na em 15 anos (ex. Dromel), mas a maior parte tomam-na por 30 anos, com base no facto de nos primeiros 30 anos de vida as pessoas se encontrarem ainda a aprender, de a criatividade individual em regra só começar nessa idade, e de aos 60 anos um homem abandonar a vida pública (2). Mas muito mais difícil é encontrar o começo das séries (1) Os títulos de todos os trabalhos referidos neste ensaio encontram-se na bibliografia indicada no final do livro. (2) A tentativa de Rúmelin parece ser a mais científica; Rúmelin tentou avaliar os períodos de gerações em vários países, usando simplesmente métodos estatísticos e ignorando todos os problemas relacionados com a história inte-
118
O Problema das Gerações
de gerações, porque o nascimento um todo se seguem continuamente tervalos completos só existem numa do de tempo relativamente grande
idade inútil.
do
e a morte na sociedade como um a seguir ao outro, e os infamília em que há um períoantes das crianças alcançarem
Isto constitui o âmago desta aproximação ao problema: tuo mais representa meras aplicações do princípio a exemplos
concretos da história. Mas a mentalidade analítica mantém-se em
acção todo o tempo e traz a luz muitas ramificações importantes do problema quando trabalha no material histórico.
Particularmente Mentré (1) , que colocou o problema histori-
camente, deu a toda a formulação uma base mais sólida. Mentré toma a análise do problema das gerações na família humana depois de um
estudo do
mesmo
fenómeno
entre os animais, baseado
no
trabalho de Espinas («Les Societés Animales», Paris, 1877). Só depois de ter investigado estes aspectos elementares do problema é que Mentré vai analisar os aspectos mais complexos, tal como a questão das gerações sociais e intelectuais. Temos ainda de tomar em consideração um refinamento que Mentré traz ao problema ao seguir a distinção (na esteira de Lévy-Bruhl) entre «instituições» e «séries libres». Um ritmo na sequência das gerações é muito mais visível no reino das séries libres (agrupamentos humanos livres, como os salõese os círculos literários), do que no reino das instituições que na sua maior parte impõe um modelo de comportamento duradouro, quer pela imposição de obrigações quer, pela organização de obras colectivas, pre-
(Cont.) lectual. Os dois factores decisivos do seu cálculo eram a idade média
de casamento dos homens e metade do período médio de fertilidade marital. Um período de geração é obtido pela soma destes dois quantitativos (que variam de acordo com os grupos sociais e os países). Na Alemanha o período
de geração era de 36 e meio e em França de 34 e meio. (1)
Só discutiremos
aqui
em
pormenor
aqueles estudiosos do problema
das
gerações cujas contribuições apareceram depois da obra de Mentré.
119
Sociologia do Conhecimento
venindo assim a novas gerações a revelação da sua originalidade. Uma parte essencial do seu trabalho ocupa-se com a questão de saber se há aquilo a que ele chama uma esfera pré-eminente na história (por exemplo, a política, a ciência, a lei, a arte, a economia,
etc.) que determine todas as outras. Mentré chega à conclusão de
que não há tal esfera dominante que imponha o seu próprio ritmo de desenvolvimento às outras, já que todas estão mergulhadas na corrente geral da história, embora a esfera estética seja, porventura, a mais apropriada para reflectir as mudanças gerais do clima mental. Uma análise da história desta esfera na França desde o séc. XI conduziu-o à opinião segundo a qual as mudanças essenciais tiveram lugar com intervalos de cerca de 30 anos. O livro de Mentré é útil como o primeiro exame compreensivo do problema, embora na verdade ele resulte em pouco, considerando o volume da obra; Mentré não conseguiu provar profundamente ou formular o problema em termos sistemáticos. O facto de os franceses estarem recentemente tão interessados no problema da mudança de geração deve-se, em larga medida, ao facto de eles terem sido testemunhas do eclipse súbito do cosmopolitanismo liberal, em resultado do aparecimento de uma geração jovem nacionalista. A mudança de gerações apareceu como algo imediata-
mente dado e também como um problema que se estende fora do
campo académico, um problema cujo impacto sobre a vida real podia ser observado de um modo concreto, por exemplo, através da distribuição de questionários (1). Embora Mentré se permita ocasionalmente a observações não puramente quantitativas, poderemos considerá-lo como um positivista cujo tratamento do problema das gerações representa assim até agora a última palavra da escola sobre este assunto.
(1) Cf. também os livros de Agathon (1), Bainville (3), Ageorges (2), Valois
(30). E. R. Curtius (7) e Platz (25), que também tomam sempre em consideração o factor geração.
120
O Problema das Gerações
Vamos
voltar agora a nossa atenção para a abordagem alter-
nativa: a romântica-histórica.
B. A formulação romântica histórica do problema
Atmosfera substancialmente diferente é a da Alemanha onde
vamos proceder a uma análise do problema. Dificilmente encontraríamos melhor prova da tese segundo a qual os modos de formulação dos problemas e os modos de pensamento diferem de país para país e de época para época, de acordo com as tendências políticas dominantes, do que as soluções contrastantes oferecidas ao nosso problema nos vários países em épocas diferentes. É verdade que Rumelin, que atacou o problema do ponto de vista estatístico,
e O. Lorenz, que usou os dados de investigação genealógica como
ponto de partida, permaneceram fiéis ao espírito positivista da sua época. Mas todo o problema das gerações tomou um carácter especificadamente «alemão» quando Dilthey o tomou a ombros. Todas as tradições e impulsos reviveram no trabalho de Dilthey; em Dilthey assistimos ao reaparecimento súbito, sob forma revista, dos problemas e categorias que a abordagem romântica-histori-
cista fundou
nas ciências sociais e históricas na Alemanha.
Na
Alemanha e em França, as tendências dominantes de pensamento nas últimas épocas surgiram proximamente relacionadas com as respectivas estruturas históricas e políticas. Em França prevalecia um tipo de pensamento positivista, derivado directamente da tradição do Iluminismo. Este tipo de pen-
samento dominou não só as ciências naturais como também as ciên-
cias culturais. Ele inspirou grupos progressistas e da oposição, e ao mesmo tempo o conservadorismo militante e o tradicionalismo. Na Alemanha, por seu turno, passou-se precisamente o contrário: as escolas românticas e históricas, apoiadas por um impulso conservador forte dominaram sempre. Só as ciências naturais se desenvolveram na tradição positivista; as ciências culturais baseavam-se inteiramente na atitude romântico-histórica e o positivismo só esporadicamente conseguiu conquistar terreno, na medida em que de tem-
121
Sociologia do Conhecimento
pos em tempos estas ciências eram controladas por grupos da oposição. Embora se não deva exagerar a antítese, não deixa de ser verdade que ela conseguiu pontos de contacto na luta que estava a ser conduzida praticamente em cada categoria lógica; o próprio problema
das gerações
constitui somente
uma
fase no desenvolvi-
em
França, o problema
mento desta campanha mais larga. Só se situarmos esta antítese entre o positivismo francês e o romantismo alemão no seu contexto mais largo, é que podemos compreendê-la em relação ao problema mais particular das gerações. Para o tipo positivista liberal, comum
das gerações
é usado como prova a favor da sua concepção unili-
near de progresso.
Este tipo de pensamento, que surgiu dos modernos impulsos
liberais,
adoptou
um
conceito
de
tempo
mecanicista,
externo
e
tentou usá-lo como medida objectiva do progresso unilinear em virtude da sua tradução em termos quantitativos. Mesmo a sucessão de gerações foi considerada como algo articulado, sem quebrar a continuidade unilinear do tempo. Para esta abordagem o aspecto mais relevante das gerações era o facto de elas constituirem uma das forças essenciais condutoras do progresso. É este conceito de progresso, por outro lado, que se altera pela mentalidade romântica e historicista alemã que, assentando nos dados fornecidos pela técnica conservadora de observação, utiliza o problema das gerações precisamente como evidência contra o conceito de desenvolvimento unilinear na história (1). O proble-
ma das gerações é considerado por este pensamento como o problema da existência de um tempo interior que não pode ser medido, mas apenas experimentado em termos puramente qualitativos.
(1) Para um conceito a publicar brevemente. Para um
conservador de tempo, cf. «Conservative Thought»,
repúdio do conceito de progresso
tal como
foi usado para ex-
pressar o desenvolvimento histórico, cf. por exemplo, Pinder (23), p. 138.
122
O Problema das Gerações
A relativa novidade da obra de Dilthey consiste precisamente nesta distinção que faz entre o conceito quantitativoe qualitativo de tempo. Dilthey interessa-se pelo problema das gerações porque, tal como afirma a adopção da geração como uma unidade temporal da história da evolução intelectual torna possível substituir tais unidades puramente externas como as horas, os meses, os anos, as décadas, etc. por um conceito de medida que opera de dentro (eine von innen abmessende Vorstellung). O uso das gerações como unidades torna possível apreciar os movimentos intelectuais por um processo intuitivo de re-ordenamento (1). A segunda conclusão a que Dilthey chega em relação ao fenómeno das gerações é a de que não só é importante a sucessão de uma após outra, mas também que a sua co-existência tem um sig-
nificado diferente do mero significado cronológico. As mesmas in-
fluências dominantes resultantes das circunstâncias intelectuais, sociais e políticas prevalecentes são experimentadas pelos indivíduos contemporâneos quer nos primeiros anos formativos, quer nos seus últimos anos. Estes indivíduos são contemporâneos, constituem uma geração, porque estão sujeitos a influências comuns. Esta ideia segundo a qual do ponto de vista da história das ideias, a contemporaneidade significa o estar sujeito a influências semelhantes e não um mero dado cronológico, afasta a discussão de um plano em que se arriscava a degenerar numa espécie de misticismo aritmético para a esfera de um tempo interior que pode ser compreendido por compreensão intuitiva. Assim, um problema aberto a tratamento quantitativo, matemático é substituído por um outro qualitativo, centrado na noção de algo que não é quantificável, mas suceptível de experimentação. O tempo de intervalo que separa as gerações é agora tempo subjectivamente experimentável; e a contemporaneidade é uma
condição subjectiva de sujeição às mesmas forças determinantes.
(1) Cf. Dilthey (8), pp. 36. 123
Sociologia do Conhecimento
Desta posição à posição fenomenológica de Heidegger vai só um passo. Heidegger faz uma interpretação muito profunda desta relação qualitativa que para ele, constitui a matéria e substância de Destino. O destino não é a soma de destinos individuais, tal como o agrupamento não pode ser compreendido como uma mera reunião visível de vários sujeitos. O agrupamento no mesmo mundo, e a consequente preparação para uma série distinta de possibilidades, determina a direcção dos destinos individuais. O poder do destino é, então, desencadeado nas relações pacíficas e no conflito da vida social. O destino irrecusável da vida numa geração e com uma geração completa todo o drama da existência humana indivi-
dual (1).
O conceito qualitativo de tempo sobre o qual se baseou a abordagem de Dilthey, subjaz também a formulação dada ao
problema
pelo historiador de arte Pinder (2). Dilthey, numa res-
trição feliz, só desenvolveu as possibilidades originais abertas pela aproximação romântica-qualitativa. Na verdade, Dilthey aprendeu com o positivismo. Pinder, por seu turno, deixou-se envolver profundamente em todas as confusões do romantismo. Pinder consegue análises muito profundas, mas não sabe como evitar o excesso natural de romantismo. «A não contemporaneidade do contemporâneo» é o que mais interessa a Pinder em relação às gerações. Diferentes gerações vivem no mesmo tempo. Mas porque o tempo experimentado é o único tempo real, todas elas na verdade, vivem em eras subjectivas qualitativamente diferentes. «Todas as pessoas convivem com pessoas da mesma e de diferentes idades, numa variedade de possibilidades de experiência que as confronta a todas: Mas para cada uma o «mesmo tempo» é um tempo diferente,
isto é, ele representa
um
diferente período
do seu eu, que
só pode ser partilhado com pessoas da mesma idade» (3).
(1) Heidegger (12), pp. 348. (2) Pinder (23), p. 21. Itálicos de Pinder. (3) Pinder (23), p. 20. 124
O Problema das Gerações
Cada
momento
do tempo
é, assim
na realidade,
mais do que
um acontecimento pontual; é um volume temporal com mais do que uma dimensão, porque é sempre experimentado por várias ge-
rações em
diferentes estados de desenvolvimento. Um
exemplo
musical empregue por Pinder é o de que o pensamento de cada época é polífono. Num dado ponto no tempo devemos fazer sempre ouvir as vozes individuais das várias gerações onde cada
uma delas se encontra à sua maneira.
Uma outra ideia sugerida por Pinder é a de que cada geração constrói uma «enteléquia» própria pela qual se pode tornar realmente uma unidade qualitativa. Embora Dilthey acreditasse que a unidade interna de uma geração existia na comunidade de in-
fluências determinantes de natureza intelectual e social o laço de contemporaneidade enquanto tal não adquiria uma forma puramente qualitativa na sua análise. Heidegger procurou remediar este facto com o conceito de «destino» como o factor primário a produzir a unidade; Pinder, então, na tradição da história da arte moderna, sugeriu o conceito de «enteléquia». Segundo Heidegger, a enteléquia de uma geração é a expressão da unidade do seu «objectivo profundo», do seu modo próprio de experimentar
a vida e o mundo.
Considerada
à luz da tradição
da história de arte alemã, este conceito de «enteléquia» representa uma transferência do conceito de Riegl de «motivo artístico»
(Kunstwollen) (1) do fenómeno da unidade dos estilos artísticos
para o da unidade de gerações, da mesma forma que o conceito de «motivo artístico» resultou do rejuvenescimento e frutificação,
sob a influência do positivismo, da tendência morfológica já presente no conceito historicista de «espírito do povo» (Volksgeist). O conceito de «espírito de uma época» (Zeitgeist) com que trabalhamos até agora, revela ser e tomando uma outra analogia musical favorita de Pinder, um coro acidental, uma harmonia apa-
(1) Cf, K. Mannheim,
«Sobre a
interpretação da Weltanschauung» neste volu-
me.
125
Sociologia do Conhecimento
rente, produzida pela coincidência vertical de notas que na verdade devem a sua aliança horizontal primária às partes diferentes (i.e. a enteléquia de geração) de uma fuga. As enteléquias de geração servem assim: para destruir os conceitos puramente formais de uma época super-acentuada no passado (ex. o espírito de uma época ou idade). A época, como unidade, não revela um impulso condutor homogéneo, não tem um princípio de forma homogéneo, não tem enteléquia.
A sua unidade consiste, na maior parte, na natureza re-
lacionada dos meios que o período dispõe para a realização das diferentes tarefas históricas das gerações que nela vivem. Os períodos têm as suas características de cor: «tais cores, existem na verdade, mas existem como o tom de cor de um verniz através do qual podemos ver as muitas cores das diferentes gerações e grupos de
idade» (1).
Embora esta negação da existência de uma enteléquia particular a cada época signifique que as épocas não podem servir como unidades de análise histórica e que o conceito de Zeigeist se torne assim,
inaplicável e relativizado,
outros termos habitualmente
usa-
dos como unidade na história das ideias são considerados válidos."
Segundo Pinder, e a somar às enteléquias de gerações, existem enteléquias de arte, linguagem, e estilo, enteléquias de nações e tribos, mesmo uma enteléquia da Europa; e finalmente, enteléquia dos próprios indivíduos. O que constitui, para Pinder, o processo histórico? A inter-acção de factores constantes e transitórios. Os factores constantes são a civilização, a nação, a tribo, a família, a individualidade e o tipo; os factores transitórios são as enteléquias mencionadas. «Afirma-se que o crescimento é mais importante do que a experiência (as «influências», as «relações»). Defende-se que a vida da arte, tal como é vista pelo historiador, consiste na interacção de enteléquias
determinantes, nascidas de misteriosos processos da natureza, com as fricções as influências e as relações igualmente experimentadas
(1)
126
Pinder (24), p. 28
O Problema das Gerações
no desenvolvimento actual destas enteléquias»(1). O que chama imediatamente a atenção aqui é o facto de o factor social não ser sequer aludido nesta enumeração dos factores determinantes.
Esta tendência romântica na Alemanha obscureceu completamente o facto de entre o natural, o físico e as esferas mentais haver um nível de existência em que operam as forças sociais. Ou se mantém uma atitude completamente espiritual e tudo é deduzido das enteléquias (cuja existência não se nega), ou introduzimos algum elemento de realismo e, nesta hipótese, alguns dados biológicos crus como a raça e a geração (que, de novo, devem ser considerados existentes) são considerados como produtores de factos culturais por um que existem mistérios
«misterioso processo natural». Sem duvida no mundo, mas devemos usá-los como
princípios explicativos no seu lugar próprio, e não em pontos onde ainda é perfeitamente possível compreender a aglomeração de forças em termos de processos sociais. A história intelectual e
cultural
é
seguramente
determinada,
entre
outras
coisas,
pelas
relações sociais em que os homens originalmente se confrontam uns com os outros, por grupos em que encontram estímulo mútuo, onde a luta concreta produz enteléquias e por isso influencia também e, sem larga medida, modela a arte, a religião, etc. Seria talvez proveitoso perguntarmo-nos se a sociedade não pode produzir mais do que «influências» e «relações», ou se, pelo contrário, os factores sociais possuem também uma certa energia criativa, um poder formativo, uma enteléquia social própria. Será possível que esta energia, que surge da inter-acção de forças sociais, constitua o laço entre as outras enteléquias da arte, do estilo, da geração, etc., que
doutro
modo
só acidentalmente
se cruzariam ou se aproxima-
riam? Se recusamos olhar esta questão deste ponto de vista e se defendemos uma relação directa entre o espiritual e o vital sem quaisquer factores sociológicos e históricos que medeiem entre eles, seremos facilmente tentados a concluir que as gerações espe(1) Pinder, op. cit., p. 154, itálicos de Pinder.
127
Sociologia do Conhecimento
cialmente produtivas são «os produtos do acaso» (1) e o «problema do tempo de nascimento apontará para um outro ainda mais
difícil e misterioso que é o problema do tempo da morte» (2). Co-
mo é mais sóbria e como está mais em sincronia com os impulsos genuínos da investigação, a seguinte afirmação em que Diltey, por assim dizer, levanta antecipadamente tais especulações: «No que diz respeito ao tempo, a afirmação mais natural pareceria ser aquela segundo a qual, se no seu todo, o grau e a distribuição de capacidade são os mesmos para dada geração, o nível de eficiência dentro da sociedade natural constante, os dois outros grupos de condições (3) explicariam quer a distribuição, quer a intensidade de realização. Valiosa, verdadeiro golpe de génio, é a ideia de Pinder da «não-contemporaneidade do contemporâneo» e também o seu conceito de enteléquias; ambos são resultados da aproximação romântico-histórica e ambos indubitavelmente não conseguíveis pelo positivismo. Mas o procedimento de Pinder revela-se altamente prejudicial para o espírito científico quando lhe escolhe a utilização do método da analogia. Este modo de pensamento, que na verdade resulta de especulações sobre a filosofia da natureza corrente durante o Renascimento, foi revivido e exagerado pelo romantismo; é usado frequentemente por Pinder sempre que este procura revelar um ritmo mundial biológico. O seu objectivo último tam-
bém era o de estabelecer intervalos mensuráveis na história (embora, é certo, um pouco mais flexíveis que o normal) e usar fórmula
mágica
das gerações para descobrir os ciclos de nascimento que
exercem uma influência decisiva na história. Joel (4), aliás, um estudioso eminente, entrega-se a outras construções injustificadas
(1) Pinder, op. cit. p. 30. (2) Ibid., p. 60. (3) Isto é, a «situação cultural» e as «condições sociais e políticas». Dilthey
(8) p. 38.
(4) Ver (16) na bibliografia.
128
O Problema das Gerações
neste campo. A sua última publicação sobre o ritmo secular na história lembra imediatamente ao leitor as especulações românticas. É erro supor, tal como o fazem a maior parte dos investigadores, que existe uma só verdade do problema de gerações na medida em
que se pode estabelecer o ritmo de gerações, que surge em
intervalos regulares. Mas mesmo que se prove ser improvável estabelecer tais intervalos, o problema das gerações manter-se-ia como
um campo de investigação proveitoso e importante. Pode, porventura, haver um ritmo secular em acção na história que um dia seja descoberto. Mas devemos repudiar definitivamente qualquer tentativa de descobri-lo através de especulações imaginativas, sobretudo quando estas especulações, quer de natureza lógica, quer de natureza espiritual, se usam simplesmente como um pretexto para evitar a investigação no tecido mais próximo e mais transparente
dos processos sociais e a determinação
influência no fenómeno
da sua
das gerações. Qualquer ritmo biológico
deve poder revelar-se através dos acontecimentos sociais; e se se não analisa este importante grupo de factores formativos e se tudo é retirado directamente dos factores vitais, todas as potencialidades proveitosas na formulação original do problema (1) acabam por ser abandonadas à sua solução. H. O PROBLEMA SOCIOLÓGICO DAS GERAÇÕES
O problema das gerações é suficientemente importante para merecer uma consideração séria. É um dos guias indispensáveis para uma compreensão da estrutura dos movimentos sociais e intelectuais. A sua importância prática torna-se clara logo que tenta-
(1) O. Lorenz procurou substituir o século como unidade por uma outra dade mais racionalmente deduzível de três gerações. Scherer acentua um mo de 600 anos na História da literatura, pp. 18. Vamos referir-nos à obra modernos historiadores literários Kummers e Peterson, e também a L. Wiese na próxima parte desta investigação.
uniritdos von
129
Sociologia do Conhecimento
mos
obter uma compreensão
das mudanças
mais exacta da velocidade acelerada
sociais características do nosso tempo. Seria lamen-
tável se métodos extra-científicos se conciliassem permanentemente com elementos do problema susceptíveis de investigação
imediata.
Resulta claro do exame anterior que fizemos do problema tal como ele se apresenta hoje que não existe uma aproximação universalmente aceite. As ciências sociais nos vários países só esporadicamente tomam em consideração o conseguido pelo seus vizinhos. Em particular, a investigação alemã do problema das gerações ignorou os resultados conseguidos nos outros países. Além disso, o problema tem sido abordado por especialistas em diferentes ciências na sucessão; assim, possuímos uma série de perspectivas interessantes sobre o problema e também contribuições a uma solução
rigida todo.
geral,
com
mas
base
nenhuma
numa
investigação
formulação
conscienciosamente
clara do problema
como
di-
um
A multiplicidade de pontos de vista, resultante das peculiaridades das tradições intelectuais das várias nações e das várias ciências individuais, é ao mesmo tempo atractiva e proveitosa; e não pode haver dúvidas de que tal problema só pode ser resolvido em resultado de cooperação entre as mais diversas disciplinas e nacionalidades. No entanto, a cooperação deve, de algum modo, ser planeada e dirigida a partir de um centro orgânico. O estado presente do problema das gerações permite assim uma ilustração surpreendente da anarquia de ciências sociais e culturais, em que cada uma começa sempre a partir do seu ponto de vista (em certa medida, isto é ao mesmo tempo necessário e proveitoso), sem fazer uma pausa para considerar os vários aspectos como parte de um único problema mais geral, de forma que se deveria planear as contribuições das várias diciplinas para uma solução colectiva. Qualquer tentativa para uma super-organização das ciências sociais e culturais é naturalmente indesejável; mas, pelo menos, vale a pena considerar se não há talvez uma disciplina, de acordo com a natureza do problema em questão, que possa actuar como o
130
O Problema das Gerações
centro organizador de trabalho para todas as outras. No que diz respeito às gerações, a tarefa de delinear o mecanismo do problema pertence, sem qualquer dúvida, à sociologia. Parece ser tarefa da
sociologia
formal analisar os factos
mais simples e, ao mesmo
tempo, mais fundamentais relacionados com o fenómeno das gerações. Dentro da esfera da sociologia formal, no entanto, o problema situa-se na fronteira entre os tipos de investigação estático e dinâmico. Enquanto que a sociologia formal tendeu até agora na sua maior parte a estudar a existência social do homem a partir exclusivamente de um ponto estático, este problema particular parece ser ter algo a ver com a compreensão da origem do dinamismo social e das leis que governam a acção dos componentes dinâmicos do processo social. Neste ponto temos de fazer a transição do estático formal para o dinâmico formal e a partir daqui aplicar a sociologia histórica, abrangendo estes tipos todo o campo da investiga-
ção sociológica.
Nas páginas seguintes procuraremos analisar em termos sociológicos formais todos os factos elementares relativos ao fenómeno das gerações, sem a elucidação dos quais não pode existir a investigação. Tentaremos incorporar os resultados das investigações passadas que se mostraram relevantes, ignorando aqueles não su-
ficientemente fundados.
A. O grupo concreto — a posição social (Legerung)
Para conseguirmos uma ideia clara da estrutura básica do fenómeno das gerações, devemos clarificar as inter-relações especificas dos indivíduos que compreendem uma única unidade de gera-
ção.
A unidade de uma geração não consiste primariamente num laço social da espécie que conduz à formação de um grupo concre-
to, embora possa algumas vezes acontecer que um sentimento de unidade
de uma
geração se torna conscientemente
a base para a
formação de grupos concretos, tal como acontece no caso do mo-
131
Sociologia do Conhecimento
vimento actual da juventude alemã (1). Mas neste caso, os grupos
são, na maior parte dos casos, meras facções, com a característica distintiva de a formação de grupo se basear na consciência de pertença a uma e mesma geração, e não em objectivos definidos. Além
deste
caso
particular
é possível,
no
entanto,
esboçar
uma distinção entre as gerações como meros factos colectivos, por um lado, e grupos sociais concretos, por outro.
As organizações com objectivos específicos, nomeadamente a
família, a tribo, a seita, etc., são exemplos de tais grupos concretos A sua característica comum reside no facto de os indivíduos componentes
formarem
um
grupo em concreto, quer a entidade se ba-
seie em laços vitais, existenciais de «proximidade» ou na aplicação consciente da vontade racional. Todos os grupos de «comunidade» (Gemeinschaftsgebilde), tal como a família e a tribo, pertencem à primeira alternativa enquanto que a última compreende grupos de «associação» (Gesellschaftsgebilde). A geração não é um grupo concreto no sentido de uma comunidade, i.e. um grupo que não pode existir sem que cada um dos seus membros tenha conhecimento concreto dos outros, um grupo que termina como uma unidade mental e espiritual logo que se destrói a proximidade psíquica. Por outro lado, não é de modo algum comparável a associações, como as associações formadas para um objectivo específico, por que estas são caracterizadas por um acto deliberado de fundação, com estatutos escritos e dotadas de um mecanismo destinado à dissolução da organização; estes traços servem para manter o grupo coeso, mesmo que lhe faltem os laços de proximidade espacial e de comunidade de vida.
Por grupo concreto queremos então designar a união de vá-
rios indivíduos
através
de
laços
naturalmente
desenvolvidos
ou
(1) Neste contexto, seria desejável analisar as diferenças exactas existentes entre os modernos grupos de juventude
e os grupos de idade de homens perten-
centes a sociedades formadas entre os povos primitivos, cuidadosamente des-
critos por H. Schurtz (27).
132
O Problema das Gerações
conscientemente desejados. Embora os membros de uma geração estejam indubitavelmente ligados de certo modo, os laços entre eles não resultam num grupo concreto. Como podemos, então definir e compreender a natureza da geração como um fenómeno
social?
Encontraremos talvez uma resposta se reflectirmos na natureza de uma espécie diferente de categoria social, materialmente diferente da geração,
mas mantendo
estrutural, nomeadamente,
indivíduo na sociedade.
com
ela uma
certa semelhança
a posição de classe (K/assen/age) de um
No seu sentido lato, a posição de classe pode definir-se como a «posição» comum (Lagerung) que um certo indivíduo ocupa por destino na estrutura económica e de poder de uma determinada sociedade. Uma pessoa é operário, empresário, ou rendeiro, e é-o precisamente porque tem consciência da natureza da sua «posição» específica na estrutura social, i.e. das pressões e possibilidades de vida resultantes de tal posição. Este lugar na sociedade não tem semelhanças com a participação numa organização determinada por um acto consciente de vontade. Nem é obrigatória no sentido em que o é a participação numa comunidade Gemeinschaft, obrigatoriedade que significa que um grupo concreto afecta todo e qualquer aspecto da existência individual. É possível abandonar a posição de classe através de uma que-
da ou ascensão colectiva ou individual na escala social, sem aten-
dermos aqui ao facto de tal se dever ao mérito, ao esforço pessoal, a conquista social ou ao mero acaso. A participação numa comunidade termina logo que fazemos intenção de a abandonarmos; a coesão do grupo de comunidade deixa de existir se as disposições mentais e espirituais sobre que se baseia a sua existência deixa de operar em nós ou nos nossos companheiros; e a posição de classe perde o seu relevo logo que adquirimos
uma
nova
posição em
resultado de uma
mudança
no nosso
estatuto económico e de poder. A posição de classe é um facto objectivo, quer o indivíduo em questão conheça a sua posição de classe ou não, e quer a reconheça ou não.
133
Sociologia do Conhecimento
A consciência de classe não acompanha necessariamente uma posição de classe, embora em certas condições sociais esta última possa dar lugar à primeira, emprestando-lhe certas características e determinando a formação de uma «consciência de tal classe» (1). De momento, no entanto, estamos só interessados no fenómeno geral da posição social enquanto tal. Além do grupo social concreto, há igualmente o fenómeno da posição semelhante de uma série de indivíduos numa estrutura social, sob a qual se enquadram quer
as classes, quer as gerações.
Demos agora o primeiro passo para uma análise do fenómeno da «localização», distinto do fenómeno do «grupo concreto», e torna-se de qualquer forma claro que a unidade de gerações é constituída essencialmente por uma semelhança: de posição de vários
indivíduos dentro de um todo social.
B. A formulação biológica e sociológica do problema das gerações
A semelhança de posição só pode ser definida pela especificação da estrutura dentro da qual e através da qual os grupos de posição surgem na realidade histórico-social. A posição de classe baseia-se na existência de uma estrutura económica de poder mutável na sociedade. A posição da geração baseia-se na verificação do ritmo biológico na existência humana: a vida e a morte, a duração limitada de vida o envelhecimento. Indivíduos que pertencem à mesma geração, que partilham do mesmo ano de nascimento, estão ligados, por esse facto, a uma posição comum na dimensão histórica do processo social.
(1) É objecto da investigação histórica e sociológica descobrir em que estádio
do seu desenvolvimento, e em que condições, uma classe ganha consciência de classe, e de um
modo
semelhante, quando
é que os membros
ração se tornam conscientes da sua situação comum cia a base da sua solidariedade de grupo.
de uma ge-
e fazem desta consciên-
Porque é que as gerações se tornam
tão conscientes da sua unidade hoje? É esta a primeira questão a que teremos de responder neste contexto.
134
O Problema das Gerações
Podemos afirmar agora que o fenómeno sociológico da posição se explica por, e é dedutível destes factores biológicos bási-
cos. Mas isto significaria cair no erro de todas as teorias natural s-
ticas que tentam deduzir o fenómeno sociológico directamente dos factores naturais, ou que perdem de vista o fenómeno social juntamente com uma massa de dados primariamente antropológicos. A antropologia e a biologia só nos ajudam na explicação do fenómeno da vida e da morte, da duração limitada da vida e das mudanças psíquicas, mentais e espirituais que acompanham o envelhecimento enquanto tal; não oferecem qualquer explicação para o relevo que estes factores primários têm na modelação das inter-relações sociais no seu fluxo histórico. O fenómeno sociológico das gerações baseia-se, em última
análise, no ritmo biológico do nascimento e da morte. Mas basear-se num
factor não significa necessariamente ser deduzivel a partir
dele, ou ser pressuposto por ele. Se um fenómeno se baseia noutro,
ele não pode existir sem o último; no entanto, o primeiro possui certas características que lhe são peculiares, características que de nenhum modo são emprestadas pelo fenómeno básico. Se não fosse
a existência
da interacção
social entre os seres humanos,
se
não fosse a estrutura social definível, se não fosse a história que
se baseia numa espécie de continuidade, nenhuma geração poderia existir como um fenómeno social localizado; existiram apenas o nascimento, o envelhecimento e a morte. O problema sociológico das gerações começa assim no ponto em que se descobre o relevo sociológico destes factores biológicos. Começando com o fenóme-
no elementar em si mesmo, devemos começar por compreender a
geração como um particular tipo de posição social. C. A tendência «inerente» a uma posição social Por pertencerem
a uma
mesma
classe, ou a uma mesma
gera-
ção ou grupo de idade os indivíduos têm em comum uma posição no processo social e histórico, e uma limitação da extensão específica da experiência potencial, predispondo-lhes um certo modo
135
Sociologia do Conhecimento
característico de pensamento e experiência, e um tipo caracteristico de acção historicamente relevante. Qualquer posição determinada exclui então, uma série de modos possíveis de pensamento, experiência, sentimento e acção e restringe o raio de expressão aberto ao indivíduo a certas possibilidades circunscritas. Esta delimitação negativa, no entanto, não esgota a questão. Num sentido positivo há em qualquer posição uma tendência que aponta para certos modos definidos de comportamento, sentimento e pen-
samento. Falaremos assim neste sentido de uma tendência inerente a «qualquer
posição social»; uma tendência que pode ser determina-
da a partir da natureza particular da posição enquanto tal. Para qualquer grupo de indivíduos que partilham a mesma posição de classe, a sociedade aparece sempre sob o mesmo aspecto, familiarizada
pela
experiência
dizer-se em geral que os membros uniformemente
«determinados»;
constantemente
repetida.
Pode
de uma certa sociedade não são o que se passa é antes que cada
classe tem acesso apenas a uma série destes dados, restritos a um «aspecto» particular. Assim, o operário apenas apropria uma fracção da herança cultural da sua sociedade, do mesmo modo que o seu grupo. Mesmo um clima mental tão rigorosamente uniforme como o da Idade Média católica se apresenta diferentemente para um teólogo, um rei ou um monge. Mesmo naquelas situações em que o material intelectual é mais ou menos uniforme ou, pelo menos, uniformemente acessível a todos, a aproximação ao material, o modo como é assimilado e aplicado, é determinado na sua direcção pelos factores sociais. Nestes casos dizemos habitualmente que a aproximação é determinada pelas tradições especiais do estrato social em causa. Mas mesmo estas tradições não são explicáveis e compreensíveis em termos da história do estrato, mas acima de tudo em termos da posição das relações dos seus membros dentro da sociedade. As tradições que sustentam uma particular direcção só se mantêm na medida em que as relações de posição do grupo que
as reconhece se mantêem mais ou menos inalteráveis. A forma con-
creta
136
de
um
modelo
concretamente
existente
ou
de um
produto
O Problema das Gerações cultural não resulta da história de uma tradição particular, mas antes da história das relações de posição em que originalmente aparece e se constitui numa tradição. D. Factos fundamentais relativos às gerações
De acordo com o que dissemos até agora, o fenómeno social «geração» nada mais representa do que uma espécie particular de identidade de posição, que compreende «grupos de idade» mergulhados num processo histórico-social. Enquanto que a natureza da posição de classe se pode explicar em termos de condições económicas e sociais, a posição de uma geração é determinada pelo modo como certos modelos de experiência e pensamento tendem a ser trazidos à existência pelos dados naturais da transição de uma geração para outra. O melhor modo de apreciar as características da vida social que resultam da existência das gerações é imaginar o que seria a vida social do homem se uma geração se mantivesse viva por muito tempo e nenhuma se aparecesse a substituí-la. Ao contrário de tão grande utopia, de tal sociedade imaginária, a nossa sociedade apresenta as seguintes características (1): (a)
novos
participantes
quanto que
(b) continuamente
neste processo;
aparecem
desaparecem
no
processo
os anteriores
cultural,
en-
participantes
(c) os membros de qualquer geração só podem participar numa secção temporariamente limitada do processo histórico, e
(d) torna-se assim necessário transmitir continuamente a herança cultural acumulada;
(e) a transição de uma geração para outra é um processo con-
tínuo.
(1) Porque as experiências reais não cabem na natureza das ciências sociais, esta
«experiência mental» pode ajudar, muitas vezes, a
isolar factores importantes.
137
Sociologia do Conhecimento
São estes os fenómenos básicos presentes na existência das
gerações, sem
se tomar agora em consideração o fenómeno espe-
cífico do envelhecimento físico e mental (1). Posto isto, vamos in-
vestigar de seguida o peso destes factos elementares na sociologia
formal.
(a) O aparecimento continuo de novos participantes no processo cultural
Ao contrário da sociedade imaginada sem gerações, a nossa, em que a uma geração se segue uma outra, caracteriza-se principalmente pelo facto da criação cultural e da acumulação cultural não serem realizadas pelos mesmos indivíduos; temos pelo contrário, o aparecimento contínuo de novos grupos de idade. Isto significa, em primeiro lugar, que a nossa cultura é desenvolvida por indivíduos que, sempre de novo, entram em contacto com a herança acumulada. Na natureza do nosso modo de ser fi-
sico, um
contacto fresco
(conhecer algo novo) significa sempre
uma relação de distância alterada do objecto e uma nova aproximação na assimilação, no uso e no desenvolvimento do material oferecido. O fenómeno do «contacto fresco» tem, acidentalmente, grande significado em muitos contextos sociais; o problema das gerações é apenas um entre muitos de que é suporte. Os contactos frescos desempenham um papel importante na vida do indivíduo sempre que ele é forçado pelos acontecimentos a deixar o seu próprio grupo
social e a entrar num
outro; quando, por exemplo, um
adolescente deixa a sua casa, ou um camponês deixa o campo e vai
(1) Cf. Spranger (28) sobre o «ser jovem» e o «envelhecer», e o significado intelectual e espiritual destes fenómenos. Spranger refere igualmente literatura sobre a psicologia do adolescente, sobre o que consultar também Honigsheim
(19)). Ver ainda A. E. Brinckmann (4) (que segue pelo caminho da análise in-
terpretativa das obras de arte), Jacob Grimm
(15), F. Bal (5), Giese (14 a).
A literatura que se relaciona com o movimento jovem, que só por si constitui
um problema, não está incluída no final do livro.
138
O Problema das Gerações
para a cidade, ou quando um emigrante muda o seu lar, arrivista esquece o seu estatuto ou classe social. Sabe-se que dos estes casos tem lugar uma transformação da consciência e surpreendente do indivíduo em questão: uma mudança
ou um em tovisível não só
no contexto da experiência, mas também no ajustamento mental
e espiritual do indivíduo a ela. Em todos estes casos no entanto, o contacto fresco é um acontecimento na biografia individual, enquanto que no caso das gerações, podemos falar de «contactos frescos» no sentido da adição de novas unidades psiquico-físicas que no sentido literal estão a começar uma «nova vida». Enquanto que relativamente ao adolescente, ao camponês, ao emigrante, ao arrivista só num sentido restrito se pode falar do começo de uma «nova vida», no caso das gerações, o «contacto fresco» com a herança social e cultural é determinada não só pela mudança social,
mas por factos biológicos fundamentais. Podemos, por conseguinte, distinguir dois tipos de «contacto fresco»: um baseado numa mudança das relações sociais e outro em factores vitais (a mudança de uma geração para outra). Este último tipo é potencialmente mais radical, já que com o advento do novo participante no pro-
cesso da cultura, a mudança de atitude tem lugar num diferente in-
divíduo cuja atitude face à herança deixada pelos seus antecessores é nova. Se não houvesse mudança de geração, não havia nenhum contacto fresco deste tipo biológico. Se o processo cultural fosse sempre conduzido e desenvolvido pelos mesmos indivíduos, os «contactos frescos» poderiam resultar ainda de mudanças nas relações sociais, mas perder-se-ia a forma mais radical de «contacto fresco». Uma vez estabelecido, qualquer modelo social fundamental (atitude ou tendência intelectual) seria provavelmente perpetuado, o que constitui em si mesmo uma vantagem, mas já não se consideramos os perigos resultantes da unilateralidade. Só pode haver uma certa compensação pela ausência de gerações frescas em tal sociedade utópica se as pessoas que nela vivem possuem, como é próprio dos habitantes de uma utopia, mentes perfeitamente universais, mentes capazes de experimentar tudo o que há para experi-
139
Sociologia do Conhecimento mentar, de saber tudo o que há para saber de gozar uma elasticidade tal que torne possível, em qualquer momento, começar de
novo.
Os
«contactos frescos» resultantes de mudanças na situa-
ção histórica e social só deveriam ser suficientes para provocar mudanças no pensamento e prática exigidas pelas condições mudadas se os indivíduos que experimentam estes contactos frescos gozam de tal elasticidade perfeita da mente. Assim, o aparecimento continuo de novos seres humanos na nossa sociedade actua como uma compensação para a natureza restrita e parcial da consciência individual. O aparecimento contínuo de novos seres humanos certamente resulta nalguma perda de objectos culturais acumulados; mas, por outro lado, só ele torna possível uma selecção fresca quando ela se revela necessária; este aparecimento facilita uma re-avaliação do nosso inventório e ensina-nos a esquecer o que já não é útil e a ambicionar aquilo que ainda tem de ser conquistado. (b) A continua retirada dos participantes anteriores no processo de cultura
A função deste segundo factor está já compreendida no que dissemos. Ele serve o objectivo social necessário do esquecimento. Se a sociedade vai continuar, a memória social é tão importante como o esquecimento e a acção que recomeça do nada. Neste ponto devemos tornar clara a forma social como se manifesta a memória e se acumula a herança cultural. Todos os dados psíquicos e culturais só existem realmente na medida em que são produzidos e reproduzidos no presente: por conseguinte, a experiência passada só é relevante quando existe concretamente incorporada no presente. No nosso contexto presente, temos de considerar os modos como as experiências passadas podem ser incorporadas no presente: (i) as experiências passadas podem ser incorporadas no presente como modelos conscientemente reconhecidos (1) pelos quais
(1) Não é este o local para enumerar todas as muitas formas de memória social. Por isso deliberadamente simplificamos a questão ao limitarmo-nos a
140
O Problema das Gerações
os homens pautam o seu comportamento (por exemplo, a maioria
das revoluções subsequentes tenderam a modelar-se mais ou menos conscientemente pela Revolução Francesa); ou
modelos inconscientemente
(ii) como
«condensados»
mera-
mente «implícitos» ou «virtuais»; consideraremos, por exemplo, como as experiências passadas estão «virtualmente» contidas em manifestações específicas como a da sentimentalidade. Qualquer actuação presente opera uma certa selecção entre os dados oferecidos na sua maior parte inconscientemente. Isto é, o material tradicional é transformado para se conter numa nova situação, ou descobrem-se novas potencialidades até agora não notadas ou esque-
cidas inerentes a este material no decurso do desenvolvimento de novos modelos de acção (1). Ao nível mais primitivo da vida social, encontramos grande-
mente a selecção inconsciente. Aí o passado tende a ser presente duma forma só «condensada», «implícita» e virtual. Mesmo no nível actual de realidade social, assistimos à acção desta selecção inconsciente nas regiões profundas das vidas intelectuais e espirituais, em que o tempo de transformação é menos significativo. Uma selecção consciente e reflexiva só se torna necessária quando
(Cont.) duas alternativas extremas. Os «modelos conscientemente reconhecidos» incluem, no seu sentido lato, também o corpo de conhecimento global,
contido nas bibliotecas. Mas esta espécie de conhecimento só se torna efectiva na medida
em
que
é continuamente
actualizado.
O que
pode acontecer de
dois modos: quer intelectualmente, quando é usado como um modelo ou guia para
a acção,
quer espontaneamente
quando
está «virtualmente presente»
como experiência condensada.
O instinto, e igualmente o conhecimento reprimido e inconsciente, tal como foi tratado em particular por Freud, necessitaria de tratamento separado.
(1) Este processo de descobertas de possibilidades escondidas presentes no
material transmitido só torna claro porque é que muitos movimentos cionários
e reformistas
são capazes
de
retirar as suas afirmações
revolu-
de velhas
proposições.
141
Sociologia do Conhecimento
uma transformação semi-inconsciente, e que possa ser afectada por uma mente tradicionalista, não é já suficiente. Em geral, a elucidação racional e a reflexão só invadem aqueles campos da experiência que se tornam problemáticos em resultado de uma mudança na situação histórica e social; quando tal acontece, a transformação necessária não pode ser já efectuada sem uma reflexão consciente e a sua técnica de estabilização. Estamos conscientes primariamente daqueles aspectos da nossa cultura que se tornaram objecto de reflexão;e estes contém só aqueles elementos que no decurso do desenvolvimento se tornaram, de algum modo, em algum ponto, problemáticos. Isto não quer dizer, no entanto, que uma vez tornados conscientes e reflexivos, eles não possam recuar a uma área a-problemática e intocada de vida vegetativa. Em qualquer caso, esta forma de memória que contém o passado em forma de reflexão é muito menos significante (ex. porque se estende a uma área de experiência muito
mais restrita do que aquela em que o passado só «implicita», «vir-
tualmente» está presente; e os elementos reflexivos estão mais vezes dependentes de elementos não reflectidos do que vice-versa. Devemos fazer aqui uma distinção fundamental entre memórias apropriadas e memórias pessoalmente adquiridas (uma distinção aplicável quer a elementos reflectidos, quer a elementos irreflectidos). É bastante diferente adquirir memórias por mim mesmo no processo de desenvolvimento pessoal, e recebê-las simplesmente de outrem. Eu só possuo realmente aquelas memórias que criei directamente a partir de mim, só aquele «conhecimento» que eu pessoalmente ganhei em situações reais. Esta é a única espécie de conhecimento que se mantém e só ele é sólido. Por isso, embora fosse desejável que as aquisições espirituais e intelectuais do homem constassem só de memórias individualmente adquiridas, isto poderia significar também que os primeiros meios de posse e aquisição inibissem a aquisição de novo conhecimento. É uma vantagem que a experiência se acumule com a idade. Por outro lado, o facto de à juventude faltar experiência só ilumina o lastro dos jovens;
142
isso
facilita
a sua
vida
num
mundo
em
mutação.
Uma
O Problema das Gerações
pessoa é velha (1) quando vive numa estrutura específica, indivi-
dualmente adquirida de experiências passadas utilizáveis, de tal forma que cada nova experiência tem a sua forma e o seu lugar largamente definido à partida. Na juventude, por seu turno, para quem a vida é novidade, as forças formativas estão a consolidar-se e as atitudes básicas no processo de desenvolvimento podem tirar partido do poder modelador das novas situações. Assim, uma raça humana que vivesse para sempre, teria de aprender a esquecer para compensar a ausência de gerações novas. (e) Os membros de qualquer geração só podem participar numa secção temporariamente limitada do processo histórico
As implicações deste facto básico também se analisam à luz
do que se disse até agora. Os dois primeiros factores ((a) e (b)) apenas se ocupavam com os aspectos do constante «rejuvenescimen-
to» da sociedade. Ser capaz de começar de novo com uma vida nova, construir um
sobre
uma
novo destino, uma nova estrutura de expectativas
série de experiências novas são coisas que só podem
acontecer no mundo por novos nascimentos. O factor de que tratamos agora, no entanto, deve ser analisado em termos da categoria da «semelhança de posição» que já discutimos acima, embora
não em pormenor (2).
(1) Isto é, se ignorarmos, como já dissemos, os factores biológicos do envelhecimento psíquico e psicológico.
(2) É preciso acentuar que esta «capacidade para começar de novo» de que falamos, nada tem a ver com o pensamento «conservador» ou «progressista» no
sentido normal de termos.
Nada
é mais falso do que a afirmação usual parti-
lhada de um modo não crítico pela maior parte dos estudantes das gerações, de que a geração jovem é «progressista» e a geração mais velha é eo ipso conservadora, As experiências recentes revelaram que a geração mais velha liberal tende a ser mais politicamente progressista do que certos sectores da juventu-
de (ex. a associação de estudantes alemã — Burschenchaften). O pensamento
143
Sociologia do Conhecimento
Os membros de uma geração estão «semelhantemente localizados», em primeiro lugar, na medida em que todos eles se expoêm à mesma fase do processo colectivo. Isto é, no entanto,
um critério meramente mecânico e externo do fenómeno da «lo-
calização semelhante». Para uma compreensão mais profunda, devemos voltar-nos para o fenómeno da «estratificação» da experiência» (Erlebnisschichtung), tal como anteriormente nos voltamos para a «memória». O facto das pessoas nascerem na mesma altura, ou o facto de a sua juventude, maturidade e velhice coincidirem por si só não significa semelhança de posição; o que cria uma posição semelhante é o facto de se encontrarem em posição
(Cont.) «conservador» e o «progressista» são categorias da sociologia histórica, escolhidas para designar os conteúdos descritivos do dinamismo de um período histórico da história, enquanto «contacto
fresco
de uma
geração
que «velho»
e «jovem» e o conceito de
são categorias que pertencem
à sociologia
formal. Se a juventude é conservadora, reaccionária ou progressista isso depende (se não inteiramente, pelo menos, parcialmente) de a estrutura social existente e a posição que nela ocupam lhes facultar oportunidades de promoção dos seus objectivos sociais e intelectuais. O seu «ser jovem», a «frescura» do seu contacto com o mundo manifestam-se pelo facto de serem capazes de re-orientarem qualquer movimento que abracem e de o adaptarem à situação total. (Assim por exemplo, os jovens procuram no conservadorismo a forma particular desta corrente política e intelectual que melhor sirva as exigências da situação moderna; ou dentro do socialismo, do mesmo modo, uma formu-
lação actual). Isto fortalece a tese fundamental deste ensaio, tese esta mais
tarde se explicitará, segundo a qual (tal como a juventude e a idade) os factores biológicos por si só não envolvem uma orientação intelectual ou prática definida (a juventude não pode automaticamente ser equacionada com uma atitude progressiva); eles apenas indicam certas tendências formais, cujas ma-
nifestações actuais dependerão, em última análise, do contexto social e cultural prevalecente. Qualquer tentativa de estabelecer uma identidade ou correlação directa entre os dados biológicos e culturais conduz a um quid pro quo
que só pode confundir a questão.
144
O Problema das Gerações
de experimentarem
os mesmos acontecimentos e os mesmos da-
dos, etc., e especialmente o facto de estas experiências caírem so-
bre uma consciência semelhantemente «estratificada». Não é difí-
cil ver como a mera contemporaneidade cronológica não pode por si só produzir uma posição comum de geração. Ninguém por exemplo, afirmaria que há uma comunhão de posição entre os jovens da China e da Alemanha em 1800. Só quando os contemporâneos se encontram em posição de definitivamente participarem como um grupo integrado em certas experiências comuns é que podemos correctamente falar de comunhão de localização de uma geração. A mera contemporaneidade só se torna sociologicamente significante quando compreende também a participação nas mesmas cir-
cunstâncias sociais e históricas. Além disso, devemos tomar em
consideração, neste ponto, o fenómeno da «estratificação» acima mencionado. Alguns grupos de geração mais velhos experimentaram certos processos históricos conjuntamente com a geração jovem e apesar disto não podemos dizer que tenham a mesma localização de geração. O facto de a sua localização ser diferente pode explicar-se, em primeiro lugar, pela diferente «estratificação» das suas vidas. A consciência humana, em sentido estrutural, caracteriza-se por uma particular «dialéctica» profunda. É de importância considerável para a formação da consciência saber que experiências actuaram no indivíduo para criar nele todas aquelas importantes «primeiras impressões» «experiências de juventude», que assim formaram o primeiro, o segundo e o terceiro «estratos». Por seu turno, ao avaliar o significado biográfico de uma experiência particular, é importante saber se ela foi vivida pelo indivíduo como
uma experiência decisiva de infância ou se foi vivida mais tarde
na sua vida, sobreposta a outras impressões básicas e iniciais. As primeiras impressões tendem a juntar-se numa perspectiva natural do mundo. Todas as experiências posteriores tendem, por seu turno, a receber o seu significado a partir desta série original, quer apareçam como verificação ou realização desta série, quer apareçam como a sua negação e antítese. As experiências não se acumulam no decurso de uma vida através dum processo de adição ou
145
Sociologia do Conhecimento
aglomeração, mas articulam-se dialecticamente do modo descrito. Não podemos analisar aqui as formas específicas desta articulação dialéctica, que está potencialmente presente sempre que agimos, pensamos ou sentimos mais profundamente (a relação de «antítese» é apenas um modo pelo qual novas experiências se enxertam sobre as velhas). No entanto, o certo é que se mesmo o resto da nossa vida consistisse num longo processo de negação e destruição da visão natural do mundo adquirida na juventude, as influências determinantes destas primeiras impressões seriam ainda predominantes. Porque mesmo na negação a nossa orientação está fundamentalmente centrada sobre aquilo que se nega e nós somos ainda inconscientemente determinados por isso. Se aceitamos que toda a experiência concreta adquire a sua forma e face particulares a partir da sua relação com estes estratos primários de experiências a partir do qual todos os outros recebem o seu significado, podemos apreciar a sua importância para o desenvolvimento posterior da consciência. Um outro facto próximo do fenómeno que descrevemos é o de duas gerações que se seguem uma à outra lutarem contra diferentes adversários, quer de dentro, quer de fora. Enquanto que a geração mais velha pode estar ainda a combater algo em si ou no mundo exterior de tal forma que todos os seus sentimentos ou esforços e mesmo os conceitos e categorias de pensamento são determinados por este adversário, para os jovens este adversário pode pura e simplesmente não existir: a sua orientação primária é outra
inteiramente diferente. O desenvolvimento histórico não se sucede
em linha recta, característica particularmente observada na esfera cultural, facto este que é largamente atribuído a esta mudança dos componentes «polares» da vida, isto é, ao facto de adversários internos
ou
externos
constantemente
desaparecerem
e serem substi-
tuídos por outros. Esta dialéctica particular de mudança de gerações estaria ausente na nossa sociedade imaginária. Os únicos traços dialécticos de tal sociedade seriam aqueles que apareceriam das polaridades sociais, desde que existissem tais polaridades. O estrato experiencial primário dos membros desta sociedade imaginária consistiria simplesmente nas primeiras experiências do homem; 146
O Problema das Gerações
todas
as experiências
posteriores receberiam
o seu significado a
partir deste estrato. (d) A necessidade de transmissão constante de herança cultural
Vamos
indicar agora alguns factos estruturais corolários do
que dissemos: Uma sociedade utópica, imortal,não teria de enfren-
tar esta necessidade importante
de transmissão cultural, cujo aspecto mais
é a passagem
automática
para as novas gerações dos
modos de vida, sentimentos e atitudes tradicionais. Os dados transmitidos pelo ensino consciente têm uma importância mais limitada,
quer quantitativa, quer qualitativamente. Todas aquelas atitudes e ideias que funcionam satisfatoriamente na nova situação e que ser-
vem como inventário básico da vida de grupo são inconsciente e inadvertidamente tomadas e transmitidas: elas infiltram-se sem que o professor ou o aluno saibam o que quer que seja acerca disso. O que é conscientemente aprendido ou inculcado pertence ao grupo daquelas coisas que no decurso do tempo se tornaram, de algum modo e algures, problemáticas e por isso convidativas à reflexão consciente. É esta a razão pela qual aquele inventário de experiência que é absorvido pela infiltração do meio na primeira juventude se torna o estrato de consciência historicamente mais velho, que
tende a estabilizar-se como a visão natural do mundo (1).
(1) É difícil decidir qual o ponto em que se completa este processo num indi-
víduo, em que se estabiliza este inventário vital inconsciente (que também contém as peculiariedades nacionais e de província a partir das quais se desenvolvem as enteléquias nacionais e da província). O processo parece parar logo que o inventário de uma experiência não problemática adquiriu virtualmente a sua forma final. A criança e o adolescente estão sempre abertos a novas influências quando colocados num novo milieu. Eles assimilam rapidamente novas atitudes e hábitos mentais inconscientes e mudam a sua linguagem ou dialecto. O adulto, transportado forma
para um
novo
meio, conscientemente trans-
certos aspectos dos seus modos de pensamento e comportamento, mas
147
Sociologia do Conhecimento
Mas mesmo na primeira infância muitos elementos reflexivos são assimilados do mesmo modo «a-problemático» que os elementos do inventário básico. O germe de uma vida intelectual e espiritual original que é latente no novo ser humano ainda não se concretizou. A possibilidade de questionar e reflectir sobre as coisas só surge no momento em que começa a experiência pessoal, aí por volta dos 17 anos de idade, algumas vezes mais cedo e algumas vezes mais tarde (1). É aí que os problemas da vida começam a ser localizados no presente e são experimentados como tal. Aquele nível de dados e atitudes que a mudança social tornou problemático e que precisa, por isso, de ser reflectido, conseguiu-se agora; pela primeira vez, vivemos «no presente». Grupos juvenis combativos lutam para clarificar estas questões, mas nunca compreendem que, embora radicais, eles apenas a transformar o estrato superior da consciência que está aberto à reflexão consciente. Porque parece que os estratos mais profundos não são facilmente destabiliza-
(Cont.) nunca se aclimatiza tão radical e profundamente a uma moda. As suas atitudes fundamentais, o seu inventário vital e outras manifestações externas, a sua linguagem ou dialecto, permanecem na sua maior parte a um nível anterior. Parece que a linguagem e a pronúncia oferecem uma indicação indirecta
sobre a questão de saber até que ponto uma
os fundamentos da consciência de
pessoa estão seguros, a sua visão básica do mundo estabilizada. Se se po-
de determinar
o ponto
em que a linguagem
e a pronúncia deixam de sofrer
alteração há, pelo menos, um critério externo para a determinação do ponto em que o seu inventário inconsciente de experiência deixa de acumular-se. Segundo A. Meillet, a linguagem falada e a pronúncia não sofrem alteração num
indivíduo
depois
dos
25
anos.
(A.
Meillet: Méthode
dans les sciences,
Paris, Alcan, 1911; cf. também o seu «Introduction à I'étude comparative des langues indo-européennes», 1903, citado por Mentré (19). p. 306). (1) Spranger considera também os 17 anos, mais ou menos, como uma idade de viragem importante.
148
O Problema das Gerações
isto se torna necessário, o processo recomedos (1) e que, quando e vai até ao estrato dos hábitos (2). O «esreflexão da nível ça ao tar em dia» da juventude consiste assim no seu estar mais próximo resultado do seu «contacto poten-
(em
«presentes»
dos problemas
cialmente fresco» discutido acima), e no facto de estarem dramati-
camente conscientes de tomarem parte num processo de desestabilização. Por seu turno, a geração mais velha agarra-se à re-orientação que foi o drama da sua juventude. A partir deste ângulo, podemos ver como uma educação ou instrução adequada dos jovens (no sentido da completa transmis-
(1)
O que
traz alguma
luz ao modo
como
as «ideias»
parecem
preceder
a
transformação social real. As «ideias» são compreendidas aqui no sentido francês e não no sentido platónico. Esta «ideia moderna» tem uma tendência para a desestabilização e para pôr em dúvida a estrutura social. Não se verifica nas unidades tónomas, Em
sociais estáticas, por exemplo, nas comunidades camponesas au-
que
tendem
a manter
um
modo
de vida tradicional,
inconsciente.
tais sociedades, não encontramos a nova federação, ligada a ideias desta
natureza, a levantar-se contra os mais velhos. «Ser jovem» aqui é uma questão de diferenciação biológica. Trataremos deste assunto mais tarde.
(2) O que se segue parece ser a sequência em que se desenrola o processo: em primeiro lugar, alteram-se as condições. O comportamento concreto começa inconscientemente a transformar-se numa nova situação. O indivíduo
procura
ciente.
reagir à nova
(Mesmo
tantemente
uma
o aderente mudança
situação,
por instinto, por ajustamento
mais fanático de uma ortodoxia adaptativa
do
incons-
permite-se cons-
seu comportamento
ao que
não
está aberto à observação consciente). Se a dinâmica da situação resulta numa mudança muito rápida e a subvelação é muito grande, se o ajustamento inconsciente lam
prova ser inadequado
infuncionais
na nova
e as adaptações de comportamento
situação
repentina,
tomando
se reve-
um aspecto da reali-
dade problemático, este aspecto da realidade torna-se-á então consciente ao nível da mitologia, da filosofia, ou da consciência, de acordo com o estádio de evolução
cultural
alcançado.
A partir deste ponto
revelam-se as camadas
mais profundas, tal como é exigido pela situação.
149
Sociologia do Conhecimento
são de todos os estímulos experimentais subjacentes ao conheci-
mento
pragmático)
encontrar
uma enorme dificuldade no facto
dos problemas experimentais dos jovens se definirem por uma série de adversários diferentes dos dos seus professores. Assim (à parte as ciências exactas), a relação professor-aluno não é a mesma do que a relação entre um representante da «consciência em geral» e outro, mas semelhante à relação entre um centro subjectivo possível de
orientação
vital
e
outro
que
lhe
seja
subsequente.
Esta
ten-
são (1) parece insusceptível de solução mas apresenta um factor
compensador: não só o professor educa o aluno, como também o aluno educa o professor. As gerações estão num estado de constante interacção. O que nos conduz ao seguinte ponto. (e) As séries ininterruptas de gerações. Porque a transição de uma geração para outra tem lugar continuamente, ela tende a tornar esta interacção harmoniosa; no processo desta interacção, não é o mais velho que imediatamente encontra o mais novo; os primeiros contactos são feitos com outras gerações «intermediárias», menos afastadas entre si. Felizmente nada se passa como o sugerem a maior parte dos estudiosos do problema das gerações: isto é, o intervalo de trinta anos só por si não é decisivo. Na verdade, todos os grupos intermediários desempenham o seu papel; apesar de não poderem eliminar a diferença biológica entre as gerações, podem, pelo menos, mitigar as suas consequências. A medida em que o problema das gerações mais jovens se reflecte sobre as mais velhas torna-se tanto maior quanto maior é o dinamismo da sociedade. As condições estáticas produzem atitudes de piedade, a geração mais nova tende a
(1) L. von Wiese (31) faz uma descrição viva deste antagonismo entre pais e filhos. De considerável importância é a sugestão segundo a qual o pai é mais ou menos forçado ao papel de representar a «sociedade» para o filho.
150
O Problema das Gerações
adaptar-se à mais velha, até ao ponto de se fazer passar por mais velha. Com o fortalecimento do dinamismo social, no entanto, a geração mais velha torna-se cada vez mais receptiva às influências
dos jovens (1). Este processo vai mesmo
ao ponto de, com uma
elasticidade mental obtida pela experiência, a geração mais velha conseguir uma maior adaptabilidade em certas esferas do que as gerações intermediárias, que podem não estar ainda em posição de abandonar a sua aproximação original (2). Assim, a evolução contínua nas condições objectivas tem a sua contrapartida no aparecimento contínuo de novas gerações que vão incorporar as mudanças no seu sistema de comportamento. Quanto mais se acelera o tempo de mudança, mais as pequenas modificações são experimentadas pelos jovens como significativas, e cada vez mais sombras intermediárias de impulsos novos se interpolam entre os sistemas de re-orientação dos mais velhose dos jovens. O inventário subjacente de respostas vitais, que permanece não efectuado pela mudança, actua em si mesmo como um factor unificador; a interacção constante, por seu turno, mitiga as dife-
renças na camada superior em que tem lugar a mudança, enquanto
que a natureza contínua da transição em termos normais diminui as fricções presentes. Em resumo: se o processo social não compreende mudança de gerações, os novos impulsos, que só se podem originar em novos organismos, não se reflectem sobre os representantes da tradição; e se a transição entre gerações não é contínua, esta acção recíproca não pode ter lugar sem friccção.
(1) Deve notar-se, por outro lado, como L. von Wiese (op. cit.) chama a atenção, que com a moderna tendência para o individualismo, o indivíduo reclama cada vez mais o direito de «viver a sua própria vida».
(2) Este é uma outra prova de que os factores naturais biológicos caracter ísticos da velhice podem ser invalidados pelas forças sociais e que os dados biológicos podem ser transformados nos seus contrários pelas forças sociais.
151
Sociologia do Conhecimento
E. Status da geração, geração como realidade, unidade de geração
São estes, em resumo, aqueles aspectos do fenómeno da geração que se retiram da análise formal. Eles determinariam completamente os efeitos resultantes da existência de gerações,se se pudessem seguir num contexto puramente biológico ou se o fenómeno geração pudesse ser compreendido como um simples fenómeno de localização. No entanto, uma geração no sentido de um fenómeno de localização não consegue acompanhar o fenómeno da geração na sua total realidade (1). Este último é algo mais do que o primeiro, do mesmo modo que o mero facto da posição de classe
não envolve ainda a existência de uma
classe conscientemente
constituída. A localização como tal apenas contém as potencialidades que podem ser materializadas, suprimidas, ou incorporadas noutras forças sociais e manifestadas de diferente forma. Quando dissemos que a mera co-existência no tempo não era suficiente para conseguir uma comunidade de localização de geração, estivemos próximos de fazer a distinção que chama agora a nossa atenção. Para partilharmos da mesma localização de geração, i.e., passivamente sofrermos ou activamente usarmos as capacidades e privilégios de uma localização de geração, devemos ter nascido dentro da mesma região histórica e cultural. Mas a geração como realidade vai precisar de mais do que uma mera co-presença em tal região histórica e social. É necessário um outro nexo concreto para que a geração se constitua como realidade. Este nexo adicional pode ser descrito como uma participação num destino comum desta unidade histórica e social (2). É este fenómeno que vamos estudar de seguida.
1800
Dissemos não
acima, por exemplo, que os jovens na Prússia de
partilhavam
de
uma
localização
comum
de geração
(1) Até este momento não diferenciamos entre localização de geração, geração como realidade, etc., distinções que faremos agora. (2) Cf. a citação de Heidegger, (ver atrás).
152
O Problema das Gerações
com os jovens da China do mesmo período. A participação numa mesma comunidade histórica é, então, o critério mais lato de comunhão de localização de geração. Mas qual é o seu critério mais estreito? Reunimos os camponeses, espalhados como estão pelas províncias mais remotas e quase afastados das subvelações correntes, num grupo de geração comum juntamente com a juventude urbana do mesmo período? Certamente que não, precisamente porque aqueles não são afectados pelos acontecimentos que movem os jovens nas cidades. Assim só falaremos de uma geração como uma realidade quando se cria um laço concreto entre os membros de uma geração pelo facto de estarem todos expostos aos sintomas sociais e intelectuais de um processo de dinâmica de desestabilização. Por isso, os jovens camponeses que mencionamos acima apenas partilham da mesma localização de geração, sem, no entanto, serem membros da mesma geração como realidade, juntamente com os jovens da cidade. Eles estão localizados de um modo semelhante, na medida em que potencialmente podem ser atraídos para o centro da mudança social e, na verdade, isto foi o que aconteceu nas guerras contra Napoleão que moveram todas as classes alemãs. Para os filhos destes camponeses, uma mera geração de localização transformou-se numa participação de uma geração como uma
actualidade. Os indivíduos da mesma idade só estavam e estão ligados como uma geração real se participam nas correntes sociais e intelectuais características da sua sociedade e período e se têm uma comum experiência activa ou passiva das interacções de forças que construiu a nova situação. No tempo das guerras contra Napoleão, quase todos os estratos sociais estavam comprometidos em
tal processo de dar e
tirar, inicialmente numa
onda de entusias-
mo de guerra e depois num movimento de revivalismo religioso. Aqui, no entanto, levanta-se uma nova questão. Suponhamos que pomos de lado todos os grupos que não participam activamente no processo de transformação social; isto significa que todos os grupos que assim participam constituem uma geração? A partir de 1800, por exemplo, vemos dois grupos contrastantes, um que se tornou cada vez mais conservador à medida que o tempo corria, e
153
Sociologia do Conhecimento
um outro grupo jovem que tendia a tornar-se mais racionalista e liberal. Não pode dizer-se que estes dois grupos se unificavam pela mesma mentalidade moderna. Podemos então falar, neste caso da mesma geração real? Parece que sim, desde que façamos uma outra distinção terminológica. Quer a juventude romântica consevadora, quer a liberal-racionalista pertenceram à mesma geração real; o
conservadorismo
romântico e o racionalismo liberal eram só duas
formas polares de resposta intelectual e social a um estímulo histórico experimentado em comum. A juventude romântica-conservadora e o grupo liberal-racionalista pertencem à mesma geração real mas formam «unidades de geração» separadas dentro dela. A unidade de geração representa um laço mais concreto do que a geração real enquanto tal. Fazem parte da mesma geração real os jo-
vens que experimentam os mesmos problemas históricos concre-
tos; e constituem unidades de geração separadas aqueles grupos que dentro da mesma geração real trabalham o material da sua experiência comum de modos especificos diferentes. F. A origem de unidades de geração
Levanta-se agora a questão de saber o que produz uma unidade de geração. Em que consiste neste caso a maior intensidade do laço? A primeira coisa que surpreende ao considerarmos qualquer
particular unidade de geração é a grande semelhança de dados que fazem a consciência dos seus membros. Os dados mentais são so-
ciologicamente importantes não só por causa do seu conteúdo real, mas também porque fazem com que os indivíduos que os partilham formem um grupo, tendo assim um efeito socializante. O conceito de liberdade, por exemplo, foi importante para a unidade de geração liberal não só por causa das exigências materiais nele contido, mas também porque nele e através dele era possível unir indivíduos espacialmente espalhados e separados de tantas maneiras (1). Mas o dado mental enquanto tal não é o factor primário
(1) Os dados mentais ao mesmo tempo unem e diferenciam socialmente. O mesmo conceito de liberdade, por exemplo, teve significados totalmente dife-
154
O Problema das Gerações
que
produz
um
grupo; esta função
pertence em
grande
medida
aquelas forças formativas que modelam os dados e lhes dão carác-
ter e direcção. Do slogan casual a um sistema razoável de pensamento, de um gesto aparentemente isolado a uma obra de arte acabada, a mesma forma formativa está presente, pelo que a sua importância social assenta no poder de reunir socialmente os indiviíduos. O significado emocional de um slogan, de um gesto expressi-
vo
ou de uma obra de arte assenta no facto de não os absorvermos
só como dados objectivos, mas também como veículos de tendências formativas e de atitudes integrativas fundamentais, identificando-nos assim como uma série de esforços colectivos. As atitudes integrativas e os princípios formativos fundamentais são também muito importantes no afastamento da tradição, em primeiro lugar porque só elas podem reunir os grupos e em segundo lugar, o que é talvez mais importante, porque só elas são susceptíveis de se tornarem a base da prática contínua. Uma mera afirmação de facto tem uma capacidade pequena para iniciar uma prática contínua. As potencialidades de um processo de pensamento contínuo,
por outro
lado, estão contidas em toda a tese suscep-
tível de provocar um agrupamento real; as intuições, os sentimentos e as obras de arte que criam uma comunidade espiritual entre os homens contêm também em si o modo potencialmente novo em que a intuição, o sentimento, a obra de arte em questão pode ser re-criada, rejuvenescida e reinterpretada em novas situações. Esta a razão porque a não ambiguidade, a total clareza é um valor social
qualificado; a não compreensão produtiva é muitas vezes uma con-
dição da continuidade de vida. As atitudes integrativas fundamentais e os princípios formativos são as forças primárias socializantes
(Cont.) rentes para a unidade de geração liberal e conservadora. Assim, é possível obter uma indicação da medida em que uma geração está dividida em unidades de geração pela análise dos diferentes significados atribuídos a uma ideia corrente. Cf. «Conservative
Thought», onde o conceito conservador de
liberdade é analisado em confronto com o conceito liberal do mesmo período.
155
Sociologia do Conhecimento na história da sociedade, e é necessário vivê-las totalmente para participar na vida colectiva. A psicologia moderna fornece cada vez mais uma prova concludente em favor da teoria da Gestalt na percepção humana: mesmo nas nossas percepções mais elementares dos objectos, não nos comportamos como a velha psicologia atomística nos tinha feito crer; isto é, não avançamos para uma impressão global a partir da
junção gradual de uma série de dados sensoriais elementares, mas
pelo contrário, partimos de uma impressão global do objecto como um todo. Assim, se mesmo a percepção dos sentidos é governada pelo princípio da Gesta/t, o mesmo se aplica, em maior medida, ao processo de interpretação intelectual. Existem várias razões pelas quais o funcionamento da consciência humana se baseia num princípio de Gestalt, mas um factor provável é a capacidade relativamente limitada da consciência humana quando confrontada com a infinidade de dados elementares que só podemos considerar pela aproximação simplificadora e sumária da Gestalt. Vendo as coisas em termos de Gestalt, no entanto, também a Gestalt tem as suas raízes sociais que vamos tratar aqui. As percepções e as suas expressões linguísticas nunca existem isoladamente para um indivíduo isolado, mas também para o grupo social que está para lá do indivíduo. Assim, o modo pelo qual a consideração feita em termos de Gestalt modifica os dados enquanto tal, simplificando-os abreviando-os e elaborando-os ou preenchendo-os, corresponde sempre ao significado que o objecto em questão tem para o grupo
social como um todo. Sempre vemos coisas já dadas de um modo
específico; utilizamos conceitos que definimos em termos dum contexto específico. Ser realmente assimilado num grupo compreende mais do que a mera aceitação dos seus valores característicos, compreende a capacidade para ver as coisas a partir do seu aspecto particular, o dotar os conceitos
da sua sombra
de significado pró-
prio e experimentar impulsos psicológicos e intelectuais na configuração característica do grupo. Significa ainda, absorver aqueles princípios formativos e interpretativos que permitem ao indivíduo tratar das novas impressões e acontecimentos de um modo já largamente determinado pelo grupo.
156
O Problema das Gerações
A importância social destes princípios formativos e interpretativos encontra-se no facto de funcionarem como um laço entre os indivíduos espacialmente separados que podem nunca chegar a contactar entre si. Enquanto que a mera «localização» comum de uma geração é só de significado potencial, uma geração como uma actualidade é constituída quando contemporâneos semelhantes «localizados» participam num destino comum e nas ideias e conceitos que de algum modo estão ligados ao seu desenrolar. Nesta comunidade
de povos
com um destino comum
podem
surgir parti-
culares unidades de geração. Estas unidades caracterizam-se pelo facto de não só compreenderem uma participação lata de indivíduos num modelo de acontecimentos partilhado por todos igualmente, embora interpretado por diferentes indivíduos diferentemente, mas também uma identidade de resposta, uma certa afinidade no modo como todos se movem e são formados pelas experiências comuns. Assim, dentro de qualquer geração existem várias unidades de geração diferenciadas, antagónicas. Em conjunto, elas constituem uma geração «actual» precisamente porque se orientam umas para as outras, mesmo se só no sentido de luta contra outra. Aqueles que foram jovens por volta de 1810 na Alemanha constituiram uma geração real quer fossem simpatizantes da versão corrente das ideias liberais, quer aderissem às ideias conservadoras. Mas na medida em que pertenciam a unidades diferentes, eram conservadores
ou liberais.
A unidade de geração tende a impor um elo mais concreto e firme nos seus membros por causa do paralelismo de respostas que envolve. Na verdade, tais atitudes novas, abertamente criadas, integrativas de partidos que caracterizam as unidades de geração não
aparecem espontaneamente, sem um contacto pessoal entre os indivíduos; aparecem antes em grupos concretos onde o estímulo mútuo numa unidade apertada inflama os participantese lhes permite o desenvolvimento de atitudes integrativas que satisfazem as
exigências da sua «localização» comum. Uma vez assim desenvolvidas, estas atitudes e tendências
formativas podem desligar-se dos 157
Sociologia do Conhecimento
grupos concretos que lhes deram origem e exercer apelo a força congregadora sobre uma área mais ampla. A unidade de geração tal como a descrevemos, não é, enquanto tal, um grupo concreto, embora tenha como seu núcleo um grupo concreto que desenvolveu as novas concepções essenciais que foram subsequentemente desenvolvidas pela unidade. Assim, por exemplo, a série de ideias básicas que se tornaram prevalecen-
tes no desenvolvimento do moderno conservadorismo alemão teve
a sua origem na associação concreta «Christlich-deustche Tischgeselischaft». Esta associação tomou e reformolou todas as tendências irracionais correspondentes à situação geral prevalecente na época e a «localização» particular, em termos de geração, partilhada pelos jovens conservadores. Ideias que mais tarde aumentaram o seu raio de acção a outros círculos desenvolveram-se neste particular grupo concreto. A razão da influência exercida para lá dos limites do grupo concreto original por estas suas atitudes integrativas está primariamente no facto de conseguirem uma expressão mais ou menos adequada da «localização» particular de uma geração como um todo. Por isso, os indivíduos fora do grupo estreito, mas apesar de tudo semelhantemente
localizados,
encontram
nele a expressão satisfa-
tória da sua posição na configuração histórica prevalecente. A ideologia de classe, por exemplo, surge em grupos concretos mais próximos e pode encontrar o seu fundamento desde que os outros sejam nela uma expressão mais ou menos adequada e uma interpretação das experiências particulares desta particular localização social. De um modo semelhante, as atitudes integradoras básicas e os princípios formativos representados por uma unidade de geração, que estão originalmente ligados ao tal grupo concreto, só se tornam eficazes e susceptíveis de expansão em esferas mais largas quando formulam as experiências típicas dos indivíduos que partilham de uma mesma localização de geração. Os grupos concretos podem tornar-se influentes neste sentido se conseguirem um «contacto fresco» em termos de «estratificação de experiência», tal como descrevemos acima. Há, a este respeito, uma outra analogia
158
O Problema das Gerações
entre o fenómeno de classe e o da geração. Tal como uma ideologia de classe pode, em épocas que lhe sejam favoráveis, exercer um
apelo para lá da «localização» que é o seu habitat natural (1), certos impulsos particulares a uma geração podem, se a tendência dos tempos lhes é favorável, atrair também os membros individuais dos
primeiros e dos últimos grupos de idade. Mas isto não é tudo; acontece frequentemente que o núcleo
de atitudes particulares de uma geração é desenvolvido e praticado pelas pessoas mais velhas que estão isoladas na sua geração (avançadas) (2), tal como acontece com os pioneiros de uma ideologia de classe particular que frequentemente pertencem a uma classe
diferente.
Tudo
isto, no entanto,
não
invalida a nossa tese, segundo a
qual há novos impulsos básicos atribuíveis a uma particular localização de geração a que chamaremos, então, unidades de geração. O principal a manter é o facto de veículo natural destes novos impulsos ser sempre uma colectividade. O verdadeiro assento da ideologia de classe continua a ser a própria classe, com as suas oportunidades típicas e as suas capacidades, mesmo quando o autor de
(1) Nos anos 40, na Alemanha, por exemplo, quando a oposição estava em voga, os jovens da nobreza
também
partilhavam delas. Cf. Karl Marx: «Revolu-
tion and Counter — revolution in Germany» (German edition, Stuttgart, 1913). (2) Por exemplo, Nietzsche pode ser considerado o precursor do neo-roman-
tismo actual. Um outro exemplo célebre em França é Taine, que sob a influên-
cia dos acontecimentos de 1870-71
se voltou para o patriotismo, tornando-se
assim o precursor de uma geração nacionalista. (Cf. Platz (25), pp. 43). Em
tais casos, que envolvem precursores, seria aconselhável fazer uma análise casuística e estabelecer em que medida a estrutura básica da experiência no precursor difere da das novas gerações que realmente começam no ponto em que
o precursor pára. A este propósito, a história do conservadorismo alemão contém
um
exemplo
interessante,
o do jurista
Hugo,
que
podemos
considerar
como o fundador da «escola histórica». No entanto, ele nunca pensou em termos irracionalistas como
o fizeram
na geração seguinte os membros daquela
escola (e.g. Savigny) que viveram as guerras napoleónicas.
159
Sociologia do Conhecimento
uma ideologia, como pode acontecer, pertence a uma classe diferente, ou quando a ideologia se desenvolve e se torna influente para lá dos limites da posição de classe. De um modo semelhante, o verdadeiro assento dos novos impulsos continua a ser a «posição de geração» que selectivamente encorajará uma forma de experiência e eliminará as outras, mesmo quando possam ser afastadas por outros grupos de idade. Outro ponto importante que vamos notar é o seguinte: nem toda a posição de geração, nem mesmo todo o grupo de idade, criam novos impulsos criativos e princípios formativos originais e adequados à sua situação particular. Quando isto acontece, falaremos de realização de potencialidades inerentes à localização e é possível que a frequência de tais realizações esteja intimamente ligada com o tempo da mudança social (1). Quando em resultado de uma
aceleração
no tempo
de transformação
social e cultural as
atitudes básicas se modificam tão rapidamente que a adaptação continua latente e a modificação dos modelos tradicionais de expe-
riência, de pensamento e de expressão não são já possíveis, as no-
vas fases de experiência consolidam-se noutro lugar, formando um novo impulso claramente distinguível e um novo centro de configuração. Falamos em tais casos da transformação de um novo estilo de geração, ou de uma nova enteléquia de geração. Também aqui podemos distinguir duas possibilidades. Por um lado, a unidade de geração pode estender o seu trabalho e as suas acções inconscientemente a novos impulsos por ela desenvolvidos, tendo uma consciência intuitiva da sua existência como um grupo, mas não compreendendo o carácter de grupo como uma unidade de geração. Por outro lado, os grupos podem experimentare acentuar conscientemente o seu carácter como unidades de geração; tal é o caso do movimento de juventude alemã actual ou mesmo, em certa medida, o caso do seu precursor,o movimento da Associação
(1) A velocidade da mudança social, por sua parte, nunca é influenciada pela velocidade de sucessão de gerações, já que esta é constante.
160
O Problema das Gerações
de Estudantes
(Burchenschaft)
na primeira
metade
do séc. XIX,
que já manifestava muitas das características do moderno movi-
mento de juventude. A importância da aceleração da mudança social para a realização das potencialidades inerentes a uma localização de geração está claramente demonstrada pelo facto de comunidades largamente estáticas ou lentamente mutáveis, como a rural, não demonstra-
rem tal fenómeno, como o fazem as novas gerações abruptamente
desligadas dos precursores em virtude de uma enteléquia individual que lhes é característica; em tais comunidades, o tempo da mudança é tão gradual que as novas gerações se desenvolvem a partir dos seus antecessores sem qualquer quebra visível, e o que vemos é uma diferenciação puramente biológica e uma afinidade baseada na diferença ou identidade de idades. Tais factores biológicos são também eficazes na sociedade moderna, sendo os jovens atraídos
pelos jovens e os mais velhos pelos da sua idade. A unidade de ge-
ração, tal como a descrevemos no entanto, não podia surgir somente com base na pura e simples atracção entre os membros do mesmo grupo de idade. Quanto mais rápido é o tempo de mudança social e cultural, maiores são as oportunidades de grupos de geração localizados reagirem a situações mudadas pela produção de uma enteléquia própria. Por outro lado, é possível que um tempo muito acelerado possa conduzir a uma destruição mútua das enteléquias em embrião. Vamos observar, de perto, vários modelos contemporâneos de resposta elaborada de grupos de idade que vivem lado a lado; estes grupos de idade estão, no entanto, de tal modo próximos, que não chegam a conseguir uma formulação nova de distintas enteléquias de geração e princípios formativos. Tais gerações, frustradas na produção de uma enteléquia individual, tendem a ligar-se, sempre que possível, a uma geração anterior que tenha conseguido uma forma satisfatória ou a uma geração jovem que seja capaz de desenvolver uma
forma
mais nova. As experiências
de grupos cru-
ciais podem agir desta forma como «agentes cristalizadores» e é característico da vida cultural que elementos desligados sejam
161
Sociologia do Conhecimento
sempre atraídos para configurações perfeitas, mesmo quando o impulso não formado que se procura difere em muitos aspectos da configuração a que se liga. Deste modo, os impulsos e tendências
peculiares de uma geração podem conciliar-se em virtude da exis-
tência da demarcação da outra geração à qual se ligaram. De tudo isto resulta que uma geração não precisa de desenvolver o seu próprio modelo de interpretação e influência do mundo; o ritmo de sucessivas localizações de gerações, que se baseia sobretudo em factores biológicos, não precisa necessariamente de um ritmo paralelo de modelos sucessivos de motivação e de princiípios formativos. A maior parte das teorias da geração, no entanto, têm em comum a tentativa de estabelecerem uma correlação direc-
ta entre ondas de classes de nascimento decisivas (série de intervalos de 30 anos concebidas num espírito puramente naturalístico,
quantificador),
por um
lado, e as ondas de mudanças culturais por
outro. Assim, eles ignoram o facto importante de a realização das potencialidades escondidas da posição da geração ser governada por factores extra-biológicos, principalmente, como vimos, pelo tempo prevalecente e o impacto da mudança social. O facto de saber se um novo estilo de geração aparece todos os anos, todos os 30 ou 100 anos, ou ritmicamente, depende inteiramente da acção propulsora do processo social e cultural. Podemos perguntar, a este propósito, se a dinâmica social opera predominantemente através da esfera económica ou de outra ou outras esferas ideológicas; mas este é um problema que deve ser examina-
do em separado. No nosso contexto não interessa a resposta a esta
pergunta; o que temos de ter presente é que depende deste grupo de factores sociais e culturais saber se os impulsos de uma geração conseguirão uma unidade distinta de estilo, ou se eles ficarão latentes. O facto biológico da existência de gerações apenas permite que as enteléquias de geração apareçam; se as gerações não se sucedessem umas às outras, nunca encontraríamos o fenómeno dos estilos de geração. Mas a questão de saber que localizações de geração compreenderão as suas potencialidades encontra a sua resposta ao nível da estrutura social e cultural, nível este que geralmente é
162
O Problema das Gerações
omitido na teoria comum que parte do naturalismo e repousa no espiritualismo mais extremo. Uma clarificação sociológica formal da distinção entre as categorias «localização de geração», «geração como realidade» e «unidade de geração» é importante e mesmo indispensável para
qualquer análise mais profunda, já que não podemos compreen-
der os factores dominantes neste campo sem fazer esta distinção. Se falamos simplesmente de «gerações» sem qualquer outra diferenciação, corremos o risco de confundir fenómenos puramente biológicos com outros que são produto das forças sociais e culturais; chegamos assim a uma espécie de sociologia de quadros cronológicos (Geschichtstabellensoziologie), que parte da sua perspectiva para «descobrir» movimentos de geração fictícios que correspondem aos pontos de viragem cruciais na cronologia histórica. Deve admitir-se que os dados biológicos constituem o estrato básico dos factores que determinam o fenómeno geração; mas por esta mesma razão, não podemos observar directamente o efeito de factores biológicos; devemos antes ver como eles se reflectem no meio das forças sociais e culturais. Na verdade, o traço mais surpreendente do processo histórico parece ser o de os factores biológicos básicos operarem duma forma latente e só poderem ser compreendidos através dos fenómenos sociais e históricos que constituem uma esfera secundária acima deles. Na prática, isto significa que o estudante do problema da geração não pode especificar os efeitos atribuíveis ao factor geração antes de ter separado todos os efeitos devidos ao dinamismo espe-
cífico da esfera histórica e social. Se se omite esta esfera interme-
diária, cairemos imediatamente nos princípios naturalísticos, como a geração, a raça ou a situação geográfica, ao explicarmos o fenómeno devido ao meio e às influências temporais.
O erro desta aproximação naturalística assenta não tanto no
facto de acentuar o mas na sua tentativa constante, ignorando intermédia em que o
papel dos factores naturais na vida humana, de explicar os fenómenos dinâmicos por algo assim e distorcendo precisamente esta esfera dinamismo realmente aparece. Os factores di-
163
Sociologia do Conhecimento
nâmicos operam com base em factores constantes (factores antropológicos, geográficos, etc.) mas em cada ocasião os factores dinãmicos tomam diferentes potencialidades quanto aos factores constantes. Se queremos compreender os factores primários constantes
devemos observá-los na estrutura do sistema social e histórico das forças das quais recebem a forma. Os factores naturais, incluindo a sucessão de gerações, definem a extensão das potencialidades do processo histórico e social. Mas precisamente porque são constan-
tes e porque estão sempre presentes em qualquer situação, os tra-
ços particulares de um determinado processo de modificação não
podem ser explicados com referência eles. Só prestando atenção à camada formativa das forças sociais e culturais podemos atender ao seu relevo, isto é, ao modo particular por que se podem manifestar nesta ou naquela situação.
G. A geração e os outros factores formativos na história
Foi graças à teorização passada sobre as gerações que se man-
teve vivo o interesse científico neste factor indubitavelmente im-
portante na história da humanidade. Mas a sua unilateralidade, de acordo com a análise que fizemos, assenta na tentativa de explicar toda a dinâmica da história a partir deste único factor, uma unilateralidade evitável que se explica facilmente pelo facto de os descobridores tenderem frequentemente a entusiasmarem-se com os fenómenos que são os primeiros a ver. As teorias inumeráveis da história que floresceram tão luxuriantemente nos últimos tempos
manifestam todas esta unilateralidade: todas elas escolhem um único factor como o determinante único no desenvolvimento histórico. As teorias da raça, da geração, do «espírito nacional», do
determinismo económico, etc., sofrem desta unilateralidade, mas
em seu favor pode dizer-se que trazem à luz um facto parcial e chamam também a atenção para o problema geral dos factores estruturais que modelam a história. Nisto são definitivamente superiores àquele ramo da historiografia que se limita à determinação
das conexões causais entre os acontecimentos individuais e à des164
O Problema das Gerações
crição dos caracteres individuais e que repudia os factores estrutu-
rais na história; esta atitude resulta eventualmente na conclusão de
que nada pode ser afinal aprendido na história, já que todas as suas manifestações são únicas e incomparáveis. Não pode ser assim, todo aquele que toma a liberdade de pensar a história e não se limite a recolher dados, observando no dia-a-dia como cada novo momento ou revelação de personalidade opera num determinado campo, tem que estar consciente de que, embora em constante processo de mudança, ele é possível de ser descrito em termos estruturais.
Como nas tentativas de visualizar a estrutura da dinâmica his-
tórica recusamos deduzir tudo de um único factor, a pergunta que
fazemos é a de saber se não é possível fixar uma qualquer espécie
de ordem definida de importância nos factores estruturais implícitos, quer para um período em particular, quer em geral, porque, como é claro, não podemos assumir a priori que a importância relativa dos vários factores sociais e outros (como a economia, o poder, a raça, etc.) seja constante. Não vamos tentar aqui resolver todo o problema; tudo o que podemos fazer é examinar de mais próximo o problema da geração em relação a outros factores formati-
vos na história. Peterson (22) teve o mérito de se afastar de todo o monismo
histórico que caracterizou a maior parte das primeiras teorias das gerações. Ao tratar do caso concreto do romantismo, Peterson considerou o problema das gerações em conjunção com outras determinantes históricas como a unidade étnica,a região, o carácter nacional, o espírito de uma época, a estrutura social, etc. Mas apesar deste corte com a teoria monista ser bem vinda
não concordamos com uma mera justaposição destes factores (apa-
rentemente isto parece ser apenas um traço provisório da teoria); o sociólogo, além do mais, não pode sentir-se satisfeito com o tra-
tamento do factor social, pelo menos na sua forma presente. Se
mos
falamos
compreender
do
espírito
também,
de uma
como
com
época, por exemplo, outros
factores,
que
deveeste
Zeitgeist, a mentalidade de um período, não penetra toda a sociedade num determinado momento. A mentalidade que geralmente
165
Sociologia do Conhecimento
se atribui a uma época tem o seu assento próprio num grupo social
(homogéneo ou heterogéneo) que adquire importância social num
determinado momento e que pode colocar assim o seu toque intelectual em todos os outros grupos sem os destruir ou absorver.
Devemos tentar substituir a categoria de Zeitgeist de uma maneira diferente de Pinder. Pinder dissolveu o Zeitgeist como unidade
fictícia
e substituiu-a
verdadeiras
pelas
unidades,
i.e., para
Pinder, as enteléquias visíveis das gerações. Segundo ele, o Zeitgeist não é uma individualidade orgânica, já que não há nenhuma entelé-
quia real, orgânica que lhe corresponda. Parece-nos, também, que não é uma enteléquia de Zeitgeist que possa conferir unidade orgânica ao espírito de uma época; mas na nossa perspectiva, as uni-
dades reais a substituir pela unidade fictícia de Zeitgeist são as enteléquias de correntes sociais que dão tensão polar a qualquer segmento temporal da história. Assim, o séc. XIX não tem nenhuma Zeitgeist unitária, mas
uma
mentalidade composta feita (se considerarmos as suas mani-
festações políticas)
(1) de impulsos mutuamente antagónicos con-
(1) Deliberadamente escolhemos exemplos retirados da história das ideias políticas, em parte para contrabalançar a tendência (especialmente evidente na Alemanha) de estudar o problema das gerações exclusivamente no contexto da história da literatura e da arte, e em
parte para mostrarmos que acredita-
mos que é mais clara neste ponto a situação estrutural dos impulsos sociais decisivos e também a diferenciação entre gerações. As outras enteléquias e mudanças de estilo devem ser estudadas independentementee não podem ser retiradas dos factores políticos, mas as suas relações e afinidades políticas podem ser melhor compreendidas e tornadas claras a partir deste ponto de vista. O artista certamente que vive em primeira instância no mundo artístico com as suas tradições particulares,
mas como
às forças orientadoras da sua geração rente, e esta influência transforma artísticas e as enteléquias. Como um toda a estrutura, a história das ideias
ser humano
ele está sempre ligado
mesmo quando é politicamente indifesempre mesmo as relações puramente ponto de orientação para um exame de políticas parece-nos ser muito importan-
te. O assunto será tratado mais profundamente de seguida.
166
O Problema das Gerações
servadores tradicionais e liberais, a que se acrescentaram posteriormente os impulsos proletários socialistas.
Não iríamos, no entanto, tão longe quanto Pinder na sua ne-
gação de qualquer unidade temporal e na sua determinação de atribuir a homogeneidade encontrada nas manifestações de uma época a uma combinação acidental de várias enteléquias de outro modo separadas (os coros acidentais). O Zeitgeist é uma unidade singular (de outro modo não teria importância falar dele), na medida em que o consideramos a uma luz dinâmica-antinómica. A unidade dinâmica-antinómica de uma época consiste no facto de os opostos polares de uma época sempre interpretarem o mundo um em termos do outro, e de as várias orientações políticas opostas só se tornarem compreensíveis se consideradas como
tantas outras tentativas de dominar o mesmo destino e resolver os mesmos problemas sociais e intelectuais que o acompanham (1). Assim, deste ponto de vista, o espírito de uma época não é uma
coincidência acidental de enteléquias contemporâneas (tal como em Pinder); nem constitui em si mesmo uma enteléquia (um
centro unificado de volição, ou um princípio formativo, como em Peterson) igual às outras enteléquias. Concebemo-lo antes como uma relação dinâmica de tensão que se pode analisar em termos do seu carácter específico mas que não pode nunca ser tomado como
uma «coisa» substancial.
As verdadeiras enteléquias manifestam-se primariamente nas tendências ou correntes sociais e intelectuais de que falámos acima. Qualquer uma destas tendências ou correntes (que podem ser explicadas em termos de estrutura social) contêm certas atitudes básicas que existem acima e para lá de qualquer mudança de geração como princípios permanentes (embora constantemente mutáveis) formativos que subjazem o desenvolvimento social e histórico.
(1) Do nosso ponto de vista, o «espírito de uma época» é assim o resultado da
interacção dinâmica de gerações reais que se sucedem umas às outras numa série contínua.
167
Sociologia do Conhecimento
As gerações sucessivamente aparecidas sobrepõem as suas próprias
enteléquias de geração às enteléquias mais compreensivas e estáveis das várias tendências polares; é este o modo como as enteléquias das tendências liberais, conservadoras e socialistas se transformam de geração para geração. Podemos concluir disto que as unidades
de geração não são meras construções, já que têm as suas próprias
enteléquias; mas estas enteléquias não podem ser compreendidas em si mesmas; devem ser consideradas dentro da estrutura mais
larga das enteléquias de tendências. Segue-se ainda que é quase impossível limitar ou analisar gerações intelectuais (unidades de
geração) a não ser como articulações de certas tendências gerais. A
tendência da enteléquia é anterior à enteléquia de geração, e esta
só se torna efectiva e distinta dentro da primeira, mas isto não quer dizer que tendências conflituantes num determinado momento provocarão necessariamente novas gerações e enteléquias. É errado admitir, por exemplo, que nas primeiras décadas do
séc. XIX só existiu na Alemanha uma geração romântico-conserva-
dora (1), a que se segue mais tarde uma outra liberal-racionalista. Diríamos, mais precisamente, que nas primeiras décadas do séc. XIX a situação era tal que só aquele sector da juventude que tinha as suas raízes na tradição romântica-conservadora foi capaz de desenvolver novas enteléquias de geração. Só este sector deixou a sua própria marca no tom prevalecente da época. O que aconteceu nos anos trinta, então não foi o aparecimento de uma nova geração liberal ou racionalista, mas sim a mudança da situação que tornou possível pela primeira vez que outro sector da juventude reconstituísse a tradição de que derivava de forma a produzir a sua própria enteléquia de geração. Esta diferenciação fundamental e esta polarização estiveram sem dúvida alguma sempre presentes e qualquer corrente teve a sua geração mais jovem: mas a oportuni-
(1) O romantismo e o conservadorismo nem sempre andaram juntos. O romantismo foi originalmente um movimento revolucionário na Alemanha, assim como em França.
168
O Problema das Gerações
dade de desenvolvimento criativo dos impulsos básicos foi primei-
ro assegurada aos conservadores românticos e só depois aos liberais
racionalistas. Neste sentido podemos dizer que a distinção de Peterson (1)
entre um tipo de geração condutora, afastada e suprimida é ao mesmo tempo correcta e importante, mas ainda não expressa de forma suficientemente precisa, por que Peterson não conseguiu,a
diferenciação sociológica correspondente.
Peterson pressupõe uma interacção directa entre os tipos de carácter supra-temporal por um lado, e o Zeitgeist (que ele consi-
dera como um dado não ambiguamente determinável) por outro,
como
se o processo histórico consistisse nestes dois factores em
conflito entre si, e o destino dos indivíduos singulares fosse realmente determinado pela sua interpenetração recíproca. Tomemos, para ilustrar o método de Peterson, um indivíduo de tipo emocional; ele seria aquilo a que Peterson chamaria um carácter «romanticamente inclinado». Se este homem vive por hipótese, numa época em que o espírito é essencialmente romântico, esta coincidência pode resultar num peso das suas inclinações românticas, de forma que ele pertencerá ao «tipo condutor» da sua geração. Um outro indivíduo, em que as inclinações emocionais e racionais tendem mais ou menos a equilibrar-se umas às outras, poderia em circunstâncias semelhantes ser lançado para o campo romântico. Ele representaria assim o tipo a que Peterson chama afastado. Finalmente se tomamos um terceiro indivíduo por natureza racional mas a viver numa época romântica ele representaria o tipo suprimido. Apenas lhe eram deixadas duas oportunidades: seguir a corrente e, contra as suas próprias inclinações, seguir a tendência do seu tempo, o que conduziria a uma frustração, ou, em alternativa, permanecer se insistisse em manter a sua base, isolado no seu tempo, epígono do passado ou precursor de uma geração futura.
(1) Peterson (22), pp. 146.
169
Sociologia do Conhecimento
Além do modo quase superficial como são consideradas sinónimos as inclinações «emocional» e «romântica», há algo de correcto nesta classificação dos tipos de geração entre dirigente, afastado e suprimido. Mas o que acontece não é um choque entre disposições supra-temporais individuais existentes num reino supra-social por um lado, e o indiferenciado Zeitgeist unitário (que coisa não existe realmente) por outro. O individual e primariamente moldado por aquelas influências e correntes intelectuais que são específicas do particular grupo social a que pertence. O que quer dizer que, inicialmente ele não é afectado ou atraído pelo Zeitgeist como um todo, mas apenas por aquelas correntes e tendências do tempo que são uma tradição viva no seu particular meio social. Mas que precisamente estas tendências particulares e não outras tenham
as suas raízes e conservação no mundo
deve-se em última
análise ao facto de permitirem às oportunidades típicas da sua situação de vida a sua expressão mais adequada. Há um «espírito de época» indiferenciado que promove ou inibe as potencialidades inerentes ao carácter do indivíduo: in concreto o indivíduo expõe-se sempre a tendências ou correntes diferenciadas, polarizadas dentro do «espírito global da época» e em particular àquela tendência que encontrou o seu lugar no meio ambiente imediato. A estrutura da personalidade individual confronta-se em primeiro lugar com esta tendência específica. A
razão
porque
os historiadores
literários
tendem
a omitir
o facto de a maior parte das pessoas confinarem a sua existência aos limites de uma das tendências do seu tempo, e de o «espírito da época» estar sempre a fragmentar-se em várias tendências em
vez de ser exclusivamente romântico, exclusivamente racionalista, é a de que o seu material consiste nas biografias dos hommes de
lettres, um grupo social com
um carácter muito especial.
Na nossa sociedade, só os hommes de lettres existem como um grupo relativamente desligado (freischwebend!), (sendo isto, na verdade, um determinante sociológico da sua situação); por isso, só eles podem vacilar, seguindo ora uma tendência, ora outra. Na primeira
170
metade
do
séc.
XIX,
eles tenderam
a adoptar
as orien-
O Problema das Gerações
tações sustentadas por uma geração jovem que, favorecida pelas circunstâncias do tempo, tinha acabado de conseguir uma posição intelectualmente dominante, i.e. as tendências que permitiam a formação de enteléquias. O período da Restauração e o enfraquecimento social e político da burguesia alemã no começo do séc. XIX favoreceram o desenvolvimento de enteléquias no pólo romântico-conservador da geração mais jovem, o que também atraíu uma larga parte dos /iterati socialmente desligados. A partir dos anos trinta, a revolução de Julho e o crescimento da indus-
trialização do país favoreceu o desenvolvimento de novas entelé-
quias liberais racionalistas entre as gerações mais jovens; e muitos dos /iterati prontamente se juntaram a este campo. O comportamento destes hommes de lettres dá impressão de que num dado momento o «espírito da época» é inteiramente romântico e no seguinte inteiramente liberal-racionalista e mais, que o espírito da época é romântico ou racionalista pela determinação exclusiva destes /iterati — poetas e pensadores. Na verdade, no entanto, os impulsos decisivos que determinam a direcção da evolução social não surgem neles de maneira alguma, mas em grupos sociais muito mais largos, e reciprocamente antagónicos que estão para além daqueles, polarizados em tendências antagónicas. Este
ritmo ondulante na mudança do Zeitgeist deve-se unicamente ao
facto de, de acordo com as condições prevalecentes, agora um e depois outro pólo conseguir motivar uma juventude activa que, traz consigo as gerações intermediárias e em particular os indiví-
duos sosicalmente desligados. Não queremos substimar a enorme
importância destes estratos literários (o grupo social a que perten-
cem
a maior
parte
dos
grandes
poetas
e pensadores),
porque
na
verdade só eles dotam as enteléquias que surgem na esfera social de profundidade e de formas trabalhadas. Mas se lhes prestamos atenção exclusiva, não seremos capazes de analisar verdadeiramente este vector da estrutura das correntes intelectuais. Tomando em consideração todc u processo histórico e social, podemos dizer que nunca
houve
uma
época
inteiramente
romântica,
ou inteiramente
racionalista de carácter; pelo menos desde o séc. XIX, que temos de tratar sempre de uma cultura polarizada a este respeito. Pode
171
Sociologia do Conhecimento
afirmar-se, no entanto,
que é ora uma, ora outra destas tendências
que toma o lugar superior e se torna dominante. Em termos sociológicos, para resumir uma vez mais, isto quer dizer simplesmente que as circunstâncias do tempo favorecem a formação de uma nova enteléquia de geração em um ou outro pólo,e que esta nova enteléquia atrai sempre os estratos médios hesitantes, sobretudo as pessoas cultas do tempo. Assim, o indivíduo socialmente comprometido (qualquer que seja o «tipo» psicológico a que pertence) aliar-se-á aquela corrente que prevalece no seu círculo social particular; o homme de lettres socialmente desligado qualquer que seja o tipo psicológico a que pertence, clarifica geralmente a sua posição em atenção à tendência dominante do seu tempo. Para o indivíduo, o resultado desta batalha entre a sua disposição natural e a atitude mental mais apropriada a sua situação social, e a tendência dominante do seu tempo, sem dúvida alguma que difere de caso para caso; mas só uma personalidade muito forte manterá a sua disposição individual face à atitude mental contrária do círculo social da sua origem, especialmente se o seu grupo atravessa um processo de ascensão na escala social. Uma «burguesia» irracionalmente inclinada dificilmente conseguiria conquistar nos anos quarenta do Séc. XIX como um jovem aristocrata de inclinações ra-
cionais e determinado na defesa do seu racionalismo face à ascen-
são do romantismo e do revivalismo religioso do seu círculo social. Na sua grande maioria os opositores de uma nova enteléquia de geração compreendem
sobretudo
pessoas que, por causa da sua
«posição» numa geração mais velha, são incapazes ou não desejam assimilar-se à nova enteléquia que se desenvolve no seu meio. A posição da geração existe sempre como uma potencialidade que procura realização, mas o meio de tal realização não é o Zeitgeist unitário mas antes uma ou outra das tendências concre-
tas prevalecentes num determinado momento (1). Se as novas en(1) Também
isto pode ser observado no moderno movimento de juventude,
constantemente em processo na polarização social e política. Enquanto fenó-
172
O Problema das Gerações teléquias de geração se formarão num determinado pólo ou num outro do vector social espaço, depende, como vimos, dos destinos históricos do grupo. = o
Há ainda um factor a acrescentar aos outros e que não consi-
deramos nesta análise, que por si só já está suficientemente complicada. Uma nova enteléquia de geração recentemente aparecida não tem iguais possibilidades de se afirmar em todos os campos da procura intelectual. Alguns destes campos tendem a promover o aparecimento de novas enteléquias; outros, a impedi-lo. E podemos graduar os diferentes campos segundo a prova que fazem da existência de enteléquias de geração. Assim, por exemplo, as ciências naturais em que os factores de orientação total (We/tanschauung) desempenham um papel menos importante do que em outros campos, tendem definitivamente a ocultar as enteléquias de geração. A esfera da «civilização» (1) em geral, em virtude da natureza
unilinear dos seus desenvolvimentos tende a conciliar as transfor-
ções experimentais e volitivas em medida superior à da esfera da
«cultura». E dentro da esfera da cultura, Pinder tem decerto razão
em atribuir às manifestações linguísticas (à religião, à filosofia, à poesia, e às letras) um papel diferente do que é desempenhado pe-
las artes plásticas e pela música (2).
Precisamos ainda de uma outra diferenciação. Terá de demonstrar-se em que medida é que os vários impulsos sociais e de geração e os princípios formativos têm afinidades peculiares com
esta ou aquela forma artística, e se também eles não dão lugar ao aparecimento de novas formas de arte em certos casos.
(Cont.) meno puramente social ele representa uma geração real coerente, que só pode ser concretamente compreendida pelas «unidades de geração» em que
social e intelectualmente se diferencia. (1) Cf. A. Weber: «Prinzipielles zur Kultursoziologie» (Archiv fiir Soz. Wirt.
u. Soz. Politik, 1920).
(2) Pinder (23), p. 156.
173
Sociologia do Conhecimento
Devemos considerar ainda o grau em que as formas de interacção social revelam a estratificação segundo gerações. Também aqui, descobrimos que certas formas de interacção social são mais adequadas a uma série particular de tendências sociais e de geração
do que outras. Mentré (19) já mostrou que uma associação delibe-
radamente organizada com base em estatutos escritos é menos capaz de se moldar pelos impulsos das novas gerações do que os agrupamentos menos formais (como os sa/ons literários, por exemplo). Assim, parece que do mesmo modo que os factores no reino social e histórico exercem uma influência restritiva ou encorajadora no aparecimento de novas enteléquias de geração, o grau em que os vários campos culturais servem de base a uma nova geração
não pode ser exactamente determinado à partida. Tudo isto indica
de um outro ponto de vista que o factor geração, que em certo nível biológico opera dentro da uniformidade de uma lei natural, se torna mais evanescente ao nível cultural e social em que os seus efeitos só podem ser compreendidos com grandes dificuldades e
através de métodos indirectos.
O fenómeno das gerações é um dos factores básicos que contribuem para a génese da dinâmica do desenvolvimento histórico. A análise da interacção de forças a este propósito é em si mesma uma grande tarefa, sem a qual a natureza do desenvolvimento histórico não podia ser correctamente compreendida. O problema só pode ser resolvido com base numa análise estrita e cuidadosa de todos os seus elementos componentes. A análise sociológica formal do fenómeno da geração pode dar uma ajuda na medida em que dela podemos aprender o que podemos ou não atribuir ao factor geração como um dos factores que afectam o processo social.
174
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176
ÍNDICE 1º Volume
Nota: Editorial Ramulo
cos
ajacea o apare eai
| =Introdução:.
Sis.
1SxObesnações PrÓVIASS
HI. Influências.
o ponare ae cit
Ses
ssa cagar stia ação
= sra da as A
NS a
HI. O Desenvolvimento da sociologia do conhecimento .. IV. Crítica da sociologia do conhecimento de Mannheim .
5 7 7 17 42
Capítulo Il — Sobre a interpretação da Weltanschauung .....
49
I. A delineação do problema ................c.....
49
IV. Weltanschauung: Modos da sua apresentação. As três espócias-de sentido =. 55... sucos ccsre case vrerearo V. A estrutura pré-teórica dos produtos culturais. ...... VI. Como é que a visão geral pode ser cientificamente tra-
62 90
H. A luta por uma síntese. ... Hl. Racionalismo versus irracionalismo ...............
ROOMS
ce an
DO e crplete o ars terasito EA SE
Siaro Wi
50 55
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99
Capítulo Ill — O Historicismo..............ccccc.....
117
1. O Pensamento estático e dinâmico. ..............
117
!. O ponto de partida de uma teoria do historicismo
Rrosibsch)
rolo Gas
UE eai ceara piores
134 177
HI. As formas do movimento histórico .............. IV. Historicismo e sociologia V. Padrões dinâmicos no pensamento e na prática ..... Capítulo IV — O problema da sociologia do conhecimento. . 1. O problema constelação. ......
ara asia SG
HI. Posições teóricas ...... esa Rasa ado o E HI. A sociologia do conhecimento no ponto de vistajd
moderna fenomenologia (Max Scheler)..... feia o IV. A sociologia do conhecimento a partir da posição diRas nao disse cre regaatard SRI sense ca
178
.
21
ÍNDICE 2º Volume
Capítulo V — A competição como fenómeno cultural. .......
5
Capítulo VI — A natureza da ambição económica e seu significado para a educação social do homem .....
55
1. A educação social do homem. .........ccsccrcss
55
HI. O que é o «sucesso»? HI. O sucesso objectivo e subjectivo. .................
IV. Formas de sucesso subjectivo instável e relativamente
estável
os sia
Grrás E ecasiydo ni ATUA ES
V. A estrutura social e as oportunidades de sucesso .
Du a
VI. O sucesso numa carreira... .....ccccccscecccrrs
VII. Os sectores sociais sujeitos e desprovidos de conflito .. VIII. Lutando pelo sucesso em geral. .................. A. A influência da ambição na experiência individual
ORMNO E QNT QU sic B. Relações com outros eus .
5 Denise o ao
C. A auto-observação . .............
D. A racionalização (« Vollzugsbedachthei:
E. A dissipação de sentimentos de ansiedade .
F. A adaptabilidade e o poder de decisão. . G. A experiência da realidade. . ......ccicittttes
62 64 67
70
78
80 82
83 84
85
86 87
280 90
IX. A luta pelo sucesso económico. ...... ....iiioo
91
A. A mensurabilidade do sucesso económico. ....
91
B. Natureza do comportamento na luta económica. .. €. O risco pessoal na luta económica ...
94 95
X. A flexibilidade histórica da ambição económica. .... . XI. Tipos de ambição; tipos de personalidade; tipos de cul-
96
tura
Clação Social.
ss
rs
Capítulo VII — O problema das BOraÇÕES: 1. Situação actual do problema
E Sra conse
109 115
..........ciiiioo
115
A. A formulação positivista do problema. ......... B. A formulação romântica histórica do problema...
115 121
HI. O problema sociológico das gerações .............
129
A. O grupo concreto — a posição social (Legerung) .. 131 B. A formulação biológica e sociológica do problema das gerações . 134 C. A tendência «inerente» a uma posição social 1185
D. Factos fundamentais relativos às gerações... ....
137
F. À origem de unidades de geração. .....
0154
E. Status da geração, geração como realidade, unidade VETADO as scr O Do VE G. A geração e os outros factores formativos na histó-
IgE pia cas Cp
JAR
BIBLIOGRAFIAS SE
180
152
164 175
Livros
RÉS
ÁREA DE FILOSOFIA A COMUNICAÇÃO — Michel Serres O ESPÍRITO POSITIVO — Augusto Comte inho, Espinoza, Hegel, Dilthey, TEXTOS DE HERMENÊUTICA — S. Agost Nietzsche
— André Jacob INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA LINGUAGEM
MARGENS DA FILOSOFIA — Jacques Derrida os INTRODUÇÃO AOS PRÉ-SOCRÁTICOS — Álvaro J. dos Pened CAMUS — M. L. Borralho A METÁFORA VIVA — Paul Ricoeur O LIVRO DO FILÓSOFO — F. Nietzsche AURORA — F. Nietzsche TEXTOS PRÉ-CRÍTICOS — Kant
FILOSOFIA ANALÍTICA — Ferrater Mora BIOLOGIA E CONHECIMENTO — J. Piaget A CIÊNCIA ACTUAL E O RACIONALISMO — Robert Blanché KANT E O KANTISMO — J. Lacroix
A HISTÓRIA E ASCIÊNCIAS — P, Raymond
DESCARTES E O RACIONALISMO — R. Lewis HEGEL E O PENSAMENTO MODERNO - J. d'Ondt KANT E O KANTISMO — J. Lacroix ESPINOZA E OS SIGNOS — G. Deleuze O PERSONALISMO COMO ANTI-IDEOLOGIA — J. Lacroix
Este livro foi composto no estúdio de RÉS-Editora Lda., para uma tiragem
de 2 000 exemplares