243 32 79MB
Portuguese Brazilian Pages [240] Year 2011
FLÁVIO MARTINS ALVES NUNES JÚNIOR
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS 4 a edição .
revista, atualizada e ampliada
IO l\lrDO DIREITO 11
PXl ELEMENTOS Coordenação
Marco Antonio Araujo ir. n
,
n
Darlan Barroso
ni
editoraI \lr revista dos tribunais
FLÁVIO MARTINS ALVES NUNES JÚNIOR Mestre em Direito Público pela UNESA/ RJ. Coordenador dos Cursos Jurídicos
do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Professor de Direito Constitucional
e Direito Processual Penal do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Um dos "
apresentadores do programa Prova Final" da TV Justiça. Coordenador do curso de Direito do Centro UNISAL de Lorena, nos biénios 2005-2006, 2007-2008 e no ano de 2009. Supervisor do Núcleo de Estudos Orientados de todos os cursos de Direito do Centro Universitário Salesiano do Estado de São Paulo. Autor de vários livros.
EDITORA RT7 REVISTA DOS TRIBUNAIS ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
Tel.: 0800-702-2433 www.rt.com.br
FLÁVIO MARTINS ALVES NUNES JÚNIOR
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS 4 3 edição .
revista, atualizada e ampliada
ÍRT
1 ELEMENTOS IDO DIREITO
L3)
Coordenação
Marco Antonio Araujo Jr. Darlan Barroso
EDITORA 1X11 REVISTA DOS TRIBUNAIS
(
1X3 ELEMENTOS mrpo DIREITO
m
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS Flávio Martins Alves Nunes Júnior Coordenação Marco Antonio Araujo Jr. Darlan Barroso
4.J edição revista, atualizada e ampliada 3." edição, 1." tiragem: agosto de 2009, 2.1 tiragem: março de 2010.
© desta edição [20121 0
Editora Revista dos Tribunais Ltda.
0 1
Antonio Belinelo
Diretor responsável Visite nosso site www.rt.com.br
Central de Relacionamento RT
(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800-702-2433 e-mail
de atendimento ao consumidor [email protected]
Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel. 11 3613-8400 - Fax 11 3613-8450
CEP 01136-000 - São Paulo, SP - Brasil todos os direitos riíservados. Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação ,
dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Impresso no Brasil [10.2011] Universitário (texto)
Fechamento desta edição [15.09.2011 ]
ISBN 978-85-203-3796-7
Para Elisabete
que a cada dia me torna uma pessoa melhor e que, de
,
forma inigualável faz com que a alegria do "hoje" só seja superada pela ,
expectativa do
"
amanhã
"
e pela certeza do "sempre".
Para os formandos 2008 do Curso de Direito do Unisal de Lorena, faculdade
da qual fui coordenador: como sempre lhes disse, "um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas um sonho que se sonha junto é realidade
" .
Foi sonhando conjuntamente que conseguimos transformar
nosso curso em um dos cinco melhores do Estado de São Paulo, segundo o Prémio
Melhores Universidades do País" - Ed. Abril. A conduta e o
"
empenho de todos vocês mostrou-me mais uma vez que minha opção pelo magistério foi acertada e que Walt Disney estava certo: Se você é capaz de "
"
sonhar com alguma coisa, é porque pode realizá-la
.
Nota da Editora
isando ampliar nosso horizonte editorial para oferecer livros
Jfy jurídicos específicos para a área de Concursos e Exame de Or-
_
dem, com a mesma excelência das obras publicadas em outras áreas, a Editora Revista dos Tribunais apresenta a nova edição da coleção Elementos do Direito.
Os livros foram reformulados tanto do ponto de vista de seu conteúdo como na escolha e no desenvolvimento de projeto gráfico mais moderno que garantisse ao leitor boa visualização do texto, dos resumos e esquemas.
Além do tradicional e criterioso preparo editorial oferecido pela RT, para a coleção foram escolhidos coordenadores e autores com alto cabedal de experiência docente voltados para a preparação de candidatos a cargos públicos e bacharéis que estejam buscando bons resultados em qualquer certame jurídico de que participem.
Apresentação da Coleção om orgulho e honra apresentamos a coleção Elementos do Direito, fruto de cuidadoso trabalho, aplicação do conhecimento e didática de professores experientes e especializados na preparação de candidatos para concursos públicos e Exame de Ordem. Por essa razão, os textos refletem uma abordagem objetiva e atualizada, importante para auxiliar o candidato no estudo dos principais temas da ciência jurídica que sejam objeto de arguição nesses certames. Os livros apresentam projeto gráfico moderno, o que torna a leitura visualmente muito agradável, e, mais importante, incluem quadros, resumos e destaques especialmente preparados para facilitar a fixação e o aprendizado dos temas recorrentes em concursos e exames. Com a coleção, o candidato estará respaldado para o aprendizado e para uma revisão completa, pois terá a sua disposição material atualizado de acordo com as diretrizes da jurisprudência e da doutrina dominantes sobre cada tema, eficaz para aqueles que se preparação para concursos públicos e exame de ordem.
Esperamos que a coleção Elementos do Direito continue cada vez mais a fazer parte do sucesso profissional de seus leitores. Marco Antonio Araujo Jr. Darlan Barroso
Coordenadores
Prefácio à 3." edição K f o ano de 2006 estive em Lorena, na UNISAL, para ministrar \ uma palestra para os alunos. Fui recebido pelo ilustre Coordenador do Curso de Direito, o Prof. Flávio Martins, quando o conheci. Naquele momento eu percebi que estava diante de um grande sonhador, de um verdadeiro exemplo de ser humano, que fazia de sua
profissão uma devoção, uma arte de viver. Fiquei impressionado como o Prof. Flávio havia motivado os alunos para a palestra e surpreso com quase mil pessoas naquele lugar encantador.
Nos anos de 2007 e 2008 fui novamente chamado para a semana jurídica e, mais uma vez, o Prof. Flávio lá estava e os alunos da querida UNISAL, também, muito empolgados.
O teatro estava reformado e senti que algo diferente acontecia ali. Percebi que os professores da UNISAL viviam para a faculdade e tudo aquilo era um grande sonho. Percebi que muitos professores eram ex-alunos, realizando a arte de educar com muito carinho e dedicação.
Outro dia, recebi a notícia de que o curso de direito da querida UNISAL (Lorena) estava sendo considerado um dos cinco melhores
cursos de Direito do Estado de São Paulo (ao lado da USP, UNESP, MA-
CKENZIE e PUC), tendo, inclusive, recebido um premio. Realmente
aquilo não me causou surpresa. Sabia que tudo que vivi nas oportunidades em que lá estive só poderia resultar na concretização de sucesso e qualidade. ,
Sem dúvida, dentre tantos outros fatores, tenho que creditar esse resultado exemplar a um comandante forte, chamado Flávio Martins. Pessoa que sonhou o sonho e que realizou o sonho sonhado. Parabéns professor Flávio, parabéns alunos da UNISAL (Lorena).
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
12
Assim
,
fiquei muito tranquilo quando recebi o convite para apresentar do importante trabalho sobre os Remédios Constitucionais do
esta 2.a edição
Prof. Flávio Martins, que, sem dúvida dada a sua clareza e objetividade, vai servir para que muitos possam concretizar tantos outros sonhos sonhados. ,
O trabalho se mostra bastante objetivo e antenado com os principais concursos públicos do País e a jurisprudência do STF, podendo servir de norte firme para os alunos. Não tenho dúvida que vai repetir a acolhida que conquistou em sua primeira edição. Mais sucesso, professor Flávio... e que continue nessa devoção diária
,
com suas aulas, os seus trabalhos e mais livros como este sobre os Remédios
Constitucionais, que, sem dúvida, só ajudam a encurtar o caminho dos nossos queridos alunos do Brasil. São Paulo, 15 de janeiro de 2009. Pedro Lenza
Sumário
NOTA DA EDITORA.
7
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO.
9
PREFÁCIO A 3.a EDIÇÃO .
11
1
.
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E OS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS.
19
1
CONCEITUAÇÃO.
19
12
Nomenclatura.
20
1
.
.
Direitos fundamentais em sentido material.
22
Antecedentes históricos.
23
12 .
1
3
.
1
Magna Charta Libertatum, de 1215.
24
13
2
Constitucionalismo do século XIX (Constituição norte-americana e Constituição francesa).
25
Evolução histórica dos direitos fundamentais no Brasil .
26
.
4
.
.
.
14
1
A Constituição de 1824 .
27
14
2
A primeira Constituição Republicana (1891).
28
14
3
A segunda Constituição Republicana (Constituição de
.
.
.
.
.
.
29
4
A "Polaca" (Constituição de 1937).
31
14
5
A Constituição de 1946 .
33
14
6
A Constituição de 1967 e a "Constituição" de 1969 (EC
.
.
.
.
.
01/69).
35
A Constituição de 1988 .
36
Conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
41
14 .
.
1934). 14 .
15
1
13 .
1
.
.
7
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
14
16 .
Direitos fundamentais como cláusulas pétreas. 16 .
16 .
3
ção Federal?.
45
A idade penal, prevista no art. 228, da Constituição Federal é cláusula pétrea?.
47
Direitos sociais são cláusulas pétreas?.
50 51
.
.
2
.
Os direitos individuais estão apenas no art. 5.°, da Constitui-
Titulares.
16
1 7
1
.
45
.
1
Estrangeiros residentes e não residentes no Brasil.
53
2
Pessoa jurídica (pessoas jurídicas, pessoas jurídicas estrangeiras, entes despersonalizados e pessoas jurídicas de direito público).
57
3
Embrião.
59
174
Titularidade post mortem dos direitos fundamentais.
61
1 75
Direitos dos animais.
63
8
Classificação dos direitos fundamentais.
66
19
Características dos direitos e garantias fundamentais.
68
10 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
79
10.1 Vinculação ao Poder Legislativo.
79
10.2 Vinculação ao Poder Executivo.
83
10.3 Vinculação ao Poder Judiciário.
87
10.3.1 A fiscalização dos demais Poderes.
87
10.3.2 O conteúdo das decisões do Poder Judiciário.
92
17
.
1 7
.
.
.
17 .
.
.
.
1
.
.
1
.
.
.
1
.
1
.
1
.
1
.
1 1 11 .
.
Aplicabilidade das normas definidoras de direitos e garantias fundamen-
tais .
94
11.1
Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais.
96
12 TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK.
99
13 Direitos de defesa, direitos a prestação e direitos de participação.
100
1
.
1
.
1 14 .
Conflito entre direitos fundamentais.
101
14.1 Regras e princípios.
101
14.2 Conflito entre regras.
101
14.3 Conflito entre princípios.
102
14.4 Conflito entre regras e princípios.
102
1.14.5 A regra da proporcionalidade.
103
14.5.1 Adequação.
104
1
.
1
.
1
.
1
.
1
.
SUMÁRIO
1 14.5.2
Necessidade.
105
14.5.3 Proporcionalidade em sentido estrito.
107
15 Direitos, garantias e remédios constitucionais.
110
O HABEAS CORPUS.
111
2 1
Matriz constitucional.
111
22
Origem histórica.
111
.
1 1
2
.
15
.
.
.
.
1
O habeas corpus na Inglaterra.
111
222
O habeas corpus nos Estados Unidos da América.
114
3
O habeas corpus no Brasil.
115
22 .
.
.
.
22
.
.
2
.
3
Conceito.
117
2
.
4
Natureza jurídica.
119
25
Espécies.
119
.
1
Habeas corpus preventivo.
120
2
Habeas corpus repressivo.
123
Legitimidade ativa (impetrante) .
124
25 .
2 5 .
6
2
.
1
Habeas corpus quando desautorizado pelo paciente.
125
2
Promotor de justiça.
125
2 6
3
Juiz de direito.
126
26
4
Impetração por pessoa jurídica em favor de pessoa física.
127
26
5
Habeas corpus e analfabetos.
128
26
6
Habeas corpus impetrado por estrangeiro.
128
26
7
Réu foragido.
129
O paciente.
130
.
.
26
.
.
.
.
.
.
.
7
.
26 .
2
.
.
.
.
.
.
2 7
1
Habeas corpus em favor de pessoa jurídica.
130
2 7
2
Habeas corpus em favor de animais.
131
3
Paciente falecido antes do julgamento.
132
2 74
Paciente desconhecido.
132
275
Adolescentes infratores.
133
Legitimidade passiva (autoridade coatora).
133
28 1
Particular como autoridade coatora.
134
2
O Ministério Público como autoridade coatora.
135
3
Delegado de Polícia como autoridade coatora.
135
.
.
.
.
2 7 .
.
.
2
8
.
.
.
.
.
.
28 .
.
28 .
.
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes lúnior
16
Tribunal como autoridade coatora.
135
29
Hipóteses de cabimento .
136
2 10
Competência.
144
10.1 Competência doTribunal Superior Eleitoral e doTribunal Regional Eleitoral.
148
10.2 Competência dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça.
149
2 11
Habeas corpus e prisão disciplinar.
150
2 12
Habeas corpus em matéria cível.
151
2
13 Habeas corpus no processo penal quando não há risco de prisão.
154
2
14 Quebra do sigilo bancário e fiscal.
155
2
15 Decisão que indefere liminar em habeas corpus.
155
28 .
.
.
2
.
2
.
.
.
.
.
2 16
156
17 Habeas corpus e agilização do processo.
157
HABEAS DATA.
159
3 1
Matriz constitucional.
159
32
Conceito.
159
33
Histórico.
160
34
Natureza jurídica.
162
35
Negativa de solicitação na via administrativa - condição da ação .
164
36
Hipóteses de cabimento.
166
3 7
Legitimidade ativa.
170
38
Legitimidade passiva.
172
39
Procedimento .
173
3 10
Competência.
176
MANDADO DE SEGURANÇA.
179
4 1
Matriz constitucional.
179
42
Conceito.
179
43
Histórico.
179
4
Natureza jurídica.
180
Espécies.
180
2
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
4
.
.
Efeito extensivo no habeas corpus.
.
3
4
.
.
.
.
4
.
45 .
.
SUMÁRIO
6
Hipóteses de cabimento.
181
47
Legitimidade ativa.
185
8
Legitimidade passiva.
186
4
.
.
4
.
48 .
189
4
10 Petição inicial e notificação.
191
4
11
Liminar.
191
4
12 Sentença.
192
4
13 Recursos.
192
14 Mandado de segurança em matéria penal.
192
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO.
195
5 1
Matriz constitucional.
195
2
Mandado de segurança individual e mandado de segurança coletivo ....
195
53
Legitimidade ativa.
197
.
.
4
.
.
5
.
.
53 .
1
.
Partidos políticos com representação no Congresso Nacional.
198
Organizações sindicais, entidades de classe e associações ..
201
4
Legitimidade passiva.
203
5
Objeto.
203
5.6
Liminar.
205
MANDADO DE INJUNÇÃO.
207
61
Matriz constitucional.
207
62
Conceito.
207
63
Histórico.
207
64
A INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
208
65
Hipóteses de cabimento.
209
6 6
Legitimidade ativa.
212
67
Legitimidade passiva.
212
68
Procedimento.
213
69
Competência .
214
10 Decisão e efeitos no mandado de injunção.
215
532 .
.
188
Competência.
.
6
Legitimidade passiva e litisconsórcio.
9
.
.
1
.
4
.
5
17
5
.
5
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
6
.
.
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
18
7
.
AÇÃO POPULAR.
219
7 1
Matriz constitucional.
219
72
Conceito.
219
7.3
Origem.
220
74
Natureza iurídica.
221
75
Hipóteses de cabimento.
221
76
Legitimidade ativa.
222
77
Legitimidade passiva.
224
78
Competência.
225
9
Sentença e recursos.
226
7 10
Reexame necessário.
227
7 11
Coisa julgada.
228
11.1 Sentença que julga improcedente a ação, por ser infundada
228
11.2 Sentença que julga procedente a ação.
228
.
.
.
.
.
.
.
7
.
.
.
7
.
7
.
7
.
11.3 Sentença que julga improcedente a ação, por falta de provas.
228
12 Isenção de custas e ónus de sucumbÊncia.
228
SÚMULAS.
231
8 1
Superior Tribunal de Justiça.
231
82
Supremo Tribunal Federal.
231
BIBLIOGRAFIA.
235
SITES E PERIÓDICOS CONSULTADOS .
237
7
.
8
.
.
.
Direitos e Garantias Fundamentais e os Remédios Constitucionais
1
1 CONCEITUAÇÃO
.
A Constituição de 1988 também é conhecida por muitos como "Constituição Cidadã", alcunha que pode ser atribuída ao então deputado federal Ulisses Guimarães. Um dos fatores que justificam essa nomenclatura é a posição de destaque que recebem os direitos e garantias fundamentais. Enquanto em Constituições anteriores os primeiros temas abordados se referiam à estrutura do Estado, à organização do Poder etc., a Constituição de 1988 traz como primeiro grande tema a preocupação com a proteção dos direitos fundamentais.
A nossa Constituição traz, em seu Título II, os direitos e garantias fundamentais. Qual a distinção entre direitos e garantias fundamentais? Rui Barbosa diferenciava as disposições meramente declaratórias das disposições assecuratórias. As primeiras têm a função de reconhecer a existência legal dos direitos reconhecidos. Já as últimas têm a função de assegurar a existência e aplicação dos direitos. Como lembra Alexandre de Moraes, não é raro "juntar-se, na mesma
disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito" (Direito constitucional, p. 28). A
note Dessa maneira, podemos dizer que as garantias possuem um caráter de instrumentalidade perante os direitos. Enquanto algumas normas definem quais são os direitos, outras normas asseguram a sua efetividade.
BEM
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
20
Como lembra Jorge Miranda, "os direitos representam só por si certos bens, as garantias se destinam a assegurar a fruição desses bens" (Direito constitucional, p. 29). Em outras palavras, como diz José Joaquim Gomes Canotilho: "Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção os seus direitos, quer no reconhecimento ,
de meios processuais adequados a essa finalidade (ex.: direito de acesso aos
tribunais para defesa dos direitos, princípio do nullum crimen sine lege e nulla "
poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio non bis in idem) (Direito constitucional e teoria da constituição, p. 394). 1 2 NOMENCLATURA .
Muitas vezes, doutrina e jurisprudência se utilizam de expressões serepresentando o mesmo fenómeno. Expressões como direitos naturais "direitos humanos "direitos individuais", "direitos públicos subjetivos etc. são utilizadas cotidianamente. melhantes
"
,
"
"
,
,
"
Sobre a polémica, Ingo Wolfgang Sarlet lembra que, "tanto na doutrina, quando no direito positivo (constitucional ou internacional), são largamente utilizadas (e até com maior intensidade) outras expressões, tais como 1direitos humanos,, 1direitos do homem,, 1direitos subjetivos públicos,, 'liberdades ,
públicas
,
'direitos individuais,, 'liberdades fundamentais, e 'direitos humanos
fundamentais,
"
apenas para referir algumas das mais importantes (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 33). ,
Façamos uma breve explanação sobre o tema. "
Direitos naturais" são aqueles inerentes à alma humana que nascem com o ser humano, independentemente de positivação. Não obstante ,
,
como lembra o professor José Afonso da Silva, facilidade a tese de que tais direitos sejam naturais, provenientes da razão "
não se aceita mais com tanta
humana ou da natureza das coisas" (Comentário contextual à Constituição,
55). Concordamos com o professor Ingo Wolfgang Sarlet, no sentido de que as expressões "direitos humanos" ou "direitos fundamentais" não podem ser confundidas com a expressão direitos naturais", isso porque, como diz o professor, a própria positivação em normas de direito internacional, de acordo com a lúcida lição de Bobbio, já revelou, de forma incontestável, a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam - ao menos em parte (mesmo para os defensores p
.
"
"
21
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
de um jusnaturalismo) - da ideia de um direito natural" (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 36). "
Direitos humanos" é uma expressão costumeiramente utilizada em
documentos internacionais, bem como a expressão "direitos do homem", que tratam da grande maioria dos direitos (que normalmente pertencem à pessoa humana), em contraposição aos direitos referentes às instituições, aos animais etc. "
é uma expressão cada vez menos utilizada, pois baseada no individualismo que fez gerar os primeiros direitos, a partir das "Direitos individuais
declarações do século XVIII. Não obstante, a Constituição brasileira, em
várias passagens, se utiliza dessa expressão, como no Capítulo I do Título II, que diz Dos direitos e deveres individuais e coletivos". Outrossim, no art. 60, § 4.°, IV, a Constituição determina, como cláusula pétrea, "os direitos e garantias individuais "
"
.
A expressão "direito público subjetivo" significa que o "direito subjetivo" é oponível contra o Estado. Primeiramente, direito subjetivo consiste numa posição de vantagem conferida pela lei (direito objetivo). Assim a lei (podendo ser a Constituição) dá a uma pessoa uma posição de vantagem (credor) em relação a outra pessoa (devedor). Se esta última "pessoa" é o Estado podemos chamar o direito de público subjetivo ,
"
"
.
,
As expressões "liberdades públicas" e "liberdades fundamentais" são cada vez menos utilizadas, já que vinculadas à concepção individualista do direito, consistente na esfera de inviolabilidade do direito individual exercido
contra o Estado, que nela não poderá interferir. São sinónimas as expressões "direitos humanos" e "direitos fundamentais"? Embora parte da doutrina entenda que sim, poder-se-ia fazer a seguinte distinção: enquanto os primeiros estão previstos apenas pelo direito internacional nos tratados internacionais etc., os segundos estão positivados na ,
Constituição de cada Estado.
Essa distinção é importante, sobretudo para fins didáticos, haja vista que a eficácia dos
"
direitos humanos" (previstos no direito internacional, mas não
positivados no direito interno) pode ser diferente dos direitos fundamentais" (positivados em nossa Constituição). Isso porque a incorporação desses direitos depende de ratificação por parte do Congresso Nacional, podendo variar, segundo alguns, a hierarquia normativa, no momento do ingresso no "
ordenamento brasileiro.
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
22
Diante desse cenário
podemos fazer a seguinte distinção:
,
DIREITOS HUMANOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Previstos no direito internacional e dependem de recepção na ordem jurídica
Positivados na Constituição de cada país
interna
De forma diferente
o professorjosé Joaquim Gomes Canotilho sustenta: "Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-institucionalmente garantidos ,
,
e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (Direito constitucional e teoria da constituição, p. 391). ,
"
12 1 .
.
Direitos fundamentais em sentido material
Em sentido material
os direitos e garantias fundamentais são todas as pretensões que, em cada momento histórico se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana. Com o decorrer da história e o desenvolvimento da civilização novas pretensões vão surgindo e, diante da importância destas, ganham o atributo de fundamentais ligadas que são à dignidade da pessoa humana. Segundo Gilmar Mendes o problema persiste, porém, quanto a discernir que pretensões podem ser capituladas como exigências desse valor. E aqui, em certos casos, a subjetividade do intérprete interfere decisivamente, mesmo que condicionada à opinião predominante informada pelas circunstâncias sociais e culturais do momento considerado" (Curso de Direito Constitucional, p. 237). ,
,
,
"
,
,
Verifica-se que com o passar do tempo, o Supremo Tribunal Federal reconhece que certos direitos, embora não previstos em catálogos hermeticamente fechados da Constituição (art. 5. por exemplo) recebem o atributo ,
°
,
de fundamentais (como o direito de recorrer, a anterioridade tributária, a
anualidade eleitoral etc.). Para tanto, bastou ao Supremo Tribunal Federal reconhecer que há um vínculo entre o bem jurídico protegido com alguns dos valores essenciais de resguardo da dignidade da pessoa humana (vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade).
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
23
Recordando: GARANTIAS
DIREITOS
Normas de conteúdo declaratório.
Normas de conteúdo assecuratório.
Ex: direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade etc.
Ex: inafastabilidade do controle jurisdicional, habeas corpus, mandado de segurança etc.
1
3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
.
Como afirma Alexandre de Moraes, "a origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milénio a. C., onde já eram previstos alguns mecanismos para proteção in-
dividual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes (Direitos Humanos Fundamentais, p. 24-25). "
Na Grécia, surgiram vários estudos sobre a necessidade da igualdade e liberdade do homem, dentre os quais podem ser destacadas as previsões de participação política dos cidadãos (democracia direta de Péricles), a crença na existência de um direito natural anterior e superior às leis escritas, conforme o pensamento dos sofistas e estoicos.
Maior destaque teve o Direito romano, que criou inúmeras regras destinadas a tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A
Lei das XII tábuas foi um veemente exemplo de texto escrito consagrador da liberdade, propriedade e demais direitos dos plebeus. Outro marco importante na história dos direitos fundamentais é o cristianismo. Segundo Gilmar Ferreira Mendes, o cristianismo marca impulso relevante para o acolhimento da ideia de uma dignidade única do homem, a ensejar uma proteção especial. O ensinamento de que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a ideia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio direito positivo (Curso de Direito Constitucional, p. 232). "
"
Não obstante
o mais importante antecedente histórico das declarações de direitos humanos fundamentais é a Magna Charta Libertatum, de 1215, outorgada pelo rei João I, da Inglaterra (mais conhecido como João Sem Terra). ,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
24
13 .
.
1 Magna Charta Libertatum, de 1215
João I de Inglaterra ou João Sem Terra (Lackland, em inglês) nasceu em 1166 e morreu em 1216. O motivo de receber tal alcunha deve-se ao fato de
não ter herdado nenhuma terra quando da morte de seu pai. Chegou ao trono incidentalmente, haja vista que seu irmão, Ricardo Coração de Leão morreu depois de regressar das cruzadas. Ocorre que João Sem Terra foi conhecido por aumentar vertiginosamente os tributos, a ponto de ser inserido da lenda de "Robin Hood" como o rei vilão. Pressionado pelos barões ingleses João Sem Terra viu-se obrigado a assinar um documento que reconhecesse limitações ao seu próprio poder. Dessa maneira, a Magna Charta Libertatum não nasceu com o objetivo de ser uma carta de direitos do povo inglês mas uma regra de convivência entre o rei e a burguesia delimitando-se a interferência ,
,
,
,
do poder estatal nos direitos individuais.
Sobre esse aspecto, corretas são as palavras do professor português J.J. Gomes Canotilho: "A Magna Charta Libertatum não se tratava de uma manifestação da ideia de direitos fundamentais inatos mas da afirmação de direitos ,
corporativos da aristocracia feudal em face do seu suserano. A finalidade da Magna Charta era pois, o estabelecimento de um modus vivendi entre o rei o os Barões (Direito Constitucional, p. 380). ,
"
Apesar de não ter esse objetivo, sua interpretação foi fonte de direitos fundamentais. Célebre é o artigo 39: "No free man shall be taken imprisoned, disseised outlawed, banished, or in any way destroyed, not will we proceed against or prosecute him, except by the lawful judgment of his peers and by the law of the land." ("Nenhum homem livre será deito ou sujeito à prisão ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado ou de qualquer modo molestado e nós não procederemos, nem mandaremos proceder contra ele senão em julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país"). ,
,
,
,
,
Malgrado célebre, a Magna Charta Libertatum não foi respeitada por
f
muitos monarcas ingleses. Por esse motivo, muitas outras leis surgiram nos séculos seguintes. Em 1628, a Petition of Rights previa que, dentre outros tantos direitos ali previstos, nenhum homem livre icasse sob prisão ou detido ilegalmente. Em 1679, o habeas corpus act regulamentou uma prática já existente na jurisprudência consistente em mandados (writs) de apresentação. Em 1689 a Bill of Rights previa, dentre outros direitos, o princípio da legalidade, o direito de petição, liberdade de eleição dos membros do parlamento, veda,
,
ção às penas cruéis etc.
25
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
13 .
2 Constitucionalismo do século XIX (Constituição norte-americana e Constituição francesa)
.
Séculos depois da Magna Charta Libertatum, outro marco histórico no surgimento e proliferação dos direitos fundamentais é a Constituição norteamericana, de 1787. Antes dela, outros documentos norte-americanos são
-
de imensa importância: Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776), elaborada essencialmente por Thomas Jefferson.
Essa última, como diz Luís Roberto Barroso, "foi inspirada por ideias de John Locke, especialmente pelo Second treatise on civil government. O texto, de forte teor retórico, procura enunciar as causas que levaram a decisão extrema" (Curso de direito constitucional contemporâneo, p. 16). Quanto à Constituição norte-americana de 1787, curiosamente, como
lembra Luís Roberto Barroso, "não possuía uma declaração de direitos, que só foi introduzida em 1791, com as primeiras dez emendas, conhecidas como Bill of Rights. Nelas se consagravam direitos que já constavam das constituições de diversos Estados e que incluíam as liberdades de expressão, religião, reunião e os direitos ao devido processo legal e a um julgamento justo" (idem, p. 18). No mesmo período, na França, a Assembleia Nacional promulgou, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, texto que contou com 17 artigos. Analisa brilhantemente tal documento o professor italiano Norberto Bobbio. Segundo ele, a discussão que levou à aprovação do documento se processou em dois tempos. De 1.° a 4.° de agosto discutiu-se se devia proceder a uma declaração de direitos antes da emanação de uma Constituição. (...) A Assembleia Legislativa decidiu, quase por unanimidade, que "
,
uma declaração dos direitos - a ser considerada, segundo as palavras de um membro da Assembleia, inspiradas em Rousseau, como o ato da constituição
de um povo - devia ser proclamada imediatamente e, portanto, preceder a Constituição. De 20 a 26 de agosto, o texto pré-selecionado pela Assembleia foi discutido e aprovado" (A era dos direitos, p. 99). Por fim, assinala o autor que os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalavam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do género humano (A Era dos Direitos p. 99). Em seguida, a Constituição francesa de 1791 trouxe uma melhor regulamentação dos direitos humanos fundamentais. "
"
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
26
Esses marcos do constitucionalismo no final do século XVIII se espalharam por toda a Europa e por todo o mundo. Como lembra Alexandre de Moraes
,
"
a maior efetivação dos direitos humanos fundamentais continuou
durante o constitucionalismo liberal do século XIX
tendo como exemplos a Constituição espanhola de 19.03.1812 (Constituição de Cádis) a Constituição portuguesa de 23.09.1822 a Constituição belga de 07.02.1831 e a Declaração francesa de 1848" (Direitos humanos fundamentais p. 29). ,
,
,
,
No início do século XX, inúmeras constituições vieram fortemente
marcadas pelas preocupações sociais como se verifica na Constituição de Weimar, de 11 deagostode 1919. Por ela o Império Alemão procuraria obter uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores e que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade um mínimo ,
,
de direitos sociais. Recordando: ANTECEDENTES HISTÓRICOS
. .
Origem dos direitos individuais: antigo Egito e Mesopotâmia; Código de Hammurabi (1690 a C ): primeira codificação a consagrar um rol de direi.
.
tos comuns a todos os homens;
.
Na Grécia surgiram vários estudos sobre a necessidade da igualdade e liberdade do homem;
. . . .
.
. .
Direito romano: criou inúmeras regras destinadas a tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais; Outro marco importante na história dos direitos fundamentais é o cristianismo; Magna Charta Libertatum de 1215; ,
Constituição norte-americana de 1787: antes dela, outros documentos norte-america,
nos são de imensa importância: Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776); Na França a Assembleia Nacional promulgou, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, texto que contou com 17 artigos; Constituição francesa de 1791 ; Constituição espanhola de 19 03.1812 (Constituição de Cádis), a Constituição portuguesa de 23.09.1822, a Constituição belga de 07.02.1831 e a Declaração francesa de ,
.
1848.
1
.
4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL
Desde a primeira Constituição brasileira (de 1824 outorgada por D. Pedro I), percebe-se que nossos textos constitucionais sempre se preocuparam, ,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
27
em maior ou menor intensidade, com o direito de liberdade do indivíduo,
dentre outros tantos direitos fundamentais. Assim, sempre houve no ordenamento jurídico constitucional a previsão dos chamados elementos limitativos, que restringem o exercício de poder do Estado, por meio da fixação de direitos individuais ao cidadão.
Temos o escopo de, nos itens a seguir, identificar, ainda que de forma perfunctória, o tratamento dado pelas Constituições brasileiras aos direitos fundamentais.
1.4. 1
A Constituição de 1824
A Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, previa alguns dispositivos que diziam respeito à interferência do Estado na esfera de liberdade do indivíduo. Primeiramente, a Constituição monárquica, ao tratar do "Poder Judicial", afirmava que uma das principais funções do Imperador como chefe do Poder Executivo era a de nomear magistrados. Dispunha o artigo 102 da Constituição: "O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principaes attribuições: I - Convocar a nova Assembléa Geral ordinaria no dia tres de Junho do terceiro anno da Le-
gislatura existente; II - Nomear Bispos, e prover os Benefícios Ecclesiasticos; III - Nomear Magistrados". Num só dispositivo (art. 179), a Constituição de 1824 previu vários direitos individuais dos brasileiros. Esse dispositivo, além de dispor sobre o princípio da legalidade (Nenhum Cidadão pôde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei), a irretroatividade das leis (Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercício deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar), liberdade de pensamento (Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercício deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar), liberdade de ir e vir (Qualquer pôde conservar-se, ou sahir do Império, como lhe convenha, levando comsigo os seus bens, guardados os Regulamentos policiaes, e salvo o prejuízo de terceiro), inviolabilidade de domicílio (Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolável. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
28
determinar), direito de propriedade (E, garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso ,
e emprego da Propriedade do Cidadão será elle previamente indemnisado do valor delia. A Lei marcará os casos em que terá logar esta única excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação), inviolabilidade de correspondência (O Segredo das Cartas é inviolável. A Administração ,
,
do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste Artigo) dentre outros. ,
1 4 .
.
2 A primeira Constituição Republicana (1891)
a primeira Constituição Republicana brasileira, inspirada igualmente tratou do Poder Judiciário (substituindo a anterior expressão "Poder Judicial") e do processo. Primeiramente
,
no modelo norte-americano
,
No tocante aos direitos individuais
a Constituição de 1891 previu o princípio da legalidade ( Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" - art. 72 § 1.°), liberdade de religião ( Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum - 72 § 3.°), a desvinculação da Igreja e Estado ("Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou ,
"
,
"
,
"
,
,
dos Estados" - art. 72, § 7.°), o direito de associação e reunião ("A todos é
lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública" - art. 72 § 8.°), invio,
labilidade do domicílio ("A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei ) liberdade de pensamento ("Em qualquer assunto é livre a "
,
manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato ) direito de propriedade ( O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante ,
"
,
"
indenização prévia"), inviolabilidade de correspondência ("É inviolável o sigilo da correspondência ), e outros. É importante verificar que muitos dos "
direitos previstos na primeira Constituição Republicana já estavam previstos na Constituição monárquica de 1824 sendo a redação de muitos dispositivos ,
constitucionais muito semelhante, inclusive.
29
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
14 .
3 A segunda Constituição Republicana (Constituição de 1934)
.
A segunda Constituição Republicana, bem mais ampla que as duas anteriores, previu de forma bem mais esmiuçada o Poder Judiciário. Pela primeira vez em nossa história, é feita previsão constitucional da tríplice garantia dos magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) , bem como foi estabelecida vedação ao exercício de outra função pública salvo o magistério (art. 65), a vedação da atividade político-partidária (art. 66) e o recebimento de quaisquer custas (art. 69). Foi a primeira a institucionalizar o Ministério Público, reservando-lhe capítulo específico. No tocante aos direitos individuais, a Constituição de 1934 reiterou
direitos previstos anteriormente, acrescendo outros. Previu novamente o princípio da igualdade ("Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas ) legalidade ("Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei"), a liberdade de consciência "
,
e culto (
É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o
"
livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costume. As associações religiosas adquirem personalidade
jurídica nos termos da lei civil"), a inviolabilidade da correspondência ("É inviolável o sigilo da correspondência"), a liberdade de pensamento ("Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada
um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar.
Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social ), o direito de reunião e associação ( A todos é lícito se reunirem sem armas, não podendo intervir a autoridade senão para assegurar ou restabelecer a ordem pública. Com este fim, poderá designar o local onde a reunião se deva realizar, contanto que isso não o impossibilite "
ou frustre
"
- art
.
"
113, n. 11); "É garantida a liberdade de associação para fins
lícitos, nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida senão por "
sentença judiciária ) inviolabilidade de domicílio ("A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Nela ninguém poderá penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir a vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei ) direito de propriedade ("É ,
"
,
30
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ,
,
ulterior ) etc. "
A Constituição de 1934 inovou ao tratar da irretroatividade da lei. Diferenciando-se das duas anteriores
mencionou expressão utilizada até mesmo nos dias de hoje: A lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 113, n. 3). Já na seara penal, previu a retroavidade penal benéfica: A lei penal só retroagirá quando beneficiar o ,
"
,
"
"
réu
(art. 113, n. 27).
Inovou igualmente trazendo outros direitos individuais tais como a assistência religiosa nas expedições militares, penitenciárias etc. ( Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais, sem ónus para os cofres públicos, nem constrangimento ou coação dos assistidos. Nas expedições militares a assistência religiosa só poderá ser exercida por sacerdotes brasileiros natos ), a liberdade de trabalho (É livre o exercício de qualquer profissão observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público ); possibilidade de expulsão do estrangeiro ("A União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos ,
"
,
"
,
aos interesses do País ) etc. "
Quanto ao processo, novamente a Constituição de 1934 prevê expressamente a garantia da ampla defesa: A lei assegurará aos acusados ampla "
defesa, com os meios e recursos essenciais a esta" (art. 113 n. 24). ,
Previu, pela primeira vez, a concessão da assistência judiciária aos necessitados:
A União e os Estados concederão aos necessitados assistência
"
judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos" (art. 113, n. 32), bem como a veda"
ção de prisão civil ( Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas" - art. 113 n. 30) e o mandado de segurança ( Dar-se-á mandado de segurança "
,
para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
31
de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias "
competentes
-art
.
113, n. 33).
Previu novamente a intranscendência da pena ("Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente" - art. 113, n. 28) e vedou novamente as penas cruéis ( Não haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em "
tempo de guerra com país estrangeiro" - art. 113, n. 29). Outra novidade no texto constitucional é a previsão da integração da lei
feita pelo juiz: "Nenhumjuiz deixará de sentenciar por motivo de omissão na lei. Em tal caso, deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de direito ou por equidade (art. 113, n. 37). Tal norma, hoje de tratamento infraconstitucional, foi levada à categoria constitucional apenas na Constituição de 1934. "
1 4 .
4 A "Polaca " (Constituição de 7 937)
.
Em 10 de novembro de 1937, sob o argumento previsto no preâmbulo de que estaria atendendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente Getúlio Vargas outorga a "Polaca". Tal Constituição concentrava por demais os poderes na mão do ditador, que "
"
,
poderia, verbi gratia, dissolver a Câmara dos Deputados (art. 75, d), deter ou suspender a imunidade de um de seus membros (art. 169) etc. No tocante ao Poder Judiciário, previu a Constituição de 1937 que seu
órgãos seriam: a) o Supremo Tribunal Federal; b) os Juízes e Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; c) os Juízes e Tribunais militares (art. 90).
Repetiu o texto da Constituição anterior acerca da tríplice garantia dos membros do Poder Judiciário (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos).
Novamente, seguindo a tradição constitucional, vedou aos juízes o exercício de qualquer outra função pública (art. 92), bem como retirou do Poder Judiciário a possibilidade de "conhecer de questões exclusivamente políticas (art. 94). "
A "Polaca" previu alguns direitos constitucionais vetustos no ordenamento jurídico brasileiro, tais como: a igualdade perante a lei, locomoção, liberdade de culto, liberdade de profissão, direito de associação e reunião (embora este último podendo ser limitado), direito de propriedade etc. Não
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
"
"
obstante, curiosamente, deixou de prever o princípio da legalidade mostrando que o Estado não estava subordinado à criação da lei, podendo adentrar na esfera da individualidade por meio de decretos-leis etc. ,
Não obstante, alguns direitos foram alterados. Verbi gratia a inviola,
bilidade de domicílio e de correspondência que sempre possuiu previsão constitucional e cuja limitação encontrava-se na própria Constituição passa a ter uma abertura bem maior qual seja, a possibilidade de violação por intermédio de hipóteses infraconstitucionais: "a inviolabilidade do domicílio e de correspondência salvas as exceções expressas em lei (art. 122, n. 6). Da mesma forma foi possibilitada a censura como mecanismo de coibir as manifestações ideológicas e culturais: todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude; c) providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado (art. 122, n. 15). Embora vedasse a pena perpétua, a Constituição de 1937 previu a pena de morte para diversos crimes (não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxilio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra; d) tentar com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição; e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; 0 o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade). Quanto à prisão, a Constituição de 1937 previu dispositivos semelhantes às anteriores Constituições: "à exceção do flagrante delito, a prisão não ,
,
,
"
,
,
"
,
,
,
"
,
,
33
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente.
Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa (art. 122, n. 11). Neste mencionado "
dispositivo, previstos estão, portanto, o princípio do contraditório aplicável ao processo penal, bem como a ampla defesa. Previu o instituto do habeas corpus: "dar-se-á habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar (art. 122, "
n
.
16).
Não obstante, quebrando uma tradição constitucional brasileira, deixou de prever o "princípio do juiz natural", admitindo que: "os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guarda e
o emprego da economia popular serão submetidos a processo e julgamento perante Tribunal especial, na forma que a lei instituir (art. 122, n. 17). "
Todavia, nada é mais incisivo do que o artigo 123 da Constituição de
1937. Ao dispor que todos os direitos e garantias poderão ser excepcionados em nome da ordem pública, mostrando a fragilidade de tais direitos e seus respectivos mecanismos de defesa. Afirma a Constituição: A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e "
direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na
Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como
as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição (art. 123). "
14 .
5 A Constituição de 1946
.
A Constituição de 1946 consiste num marco da retomada da democracia.
Por exemplo, depois do hiato deixado pela "Polaca" de Getúlio Vargas, nova-
mente disciplinou, em capítulo específico, o Ministério Público (art. 125 e ss.). Quanto aos direitos e garantias individuais, a Constituição de 1946 reiterou o que a tradição constitucional brasileira quase sempre tratou, prevendo o
princípio da igualdade, da legalidade, o direito à intangibilidade dos direitos adquiridos, a liberdade de pensamento, a inviolabilidade da correspondência e liberdade de credo, liberdade de reunião e associação (sem as limitações
34
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
feitas pela Constituição anterior) inviolabilidade de domicílio, direito de propriedade etc. Foram acrescidos outros direitos que ultrapassam a esfera individual e que a doutrina muitas vezes denomina direitos de segunda geração" tais como o direito à greve ( É reconhecido o direito de greve cujo exercício a lei regulará" - art. 158). Quanto ao processo, uma garantia constitucional é inaugurada: a inafastabilidade do controle jurisdicional Assim dispõe o artigo 141 § 40: "A ,
,
"
,
"
,
.
,
lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual". Da mesma forma
regras referentes à prisão e sempre previstas nas Constituições brasileiras são colocadas na Constituição de 1946: "Ninguém será ,
preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei (art. 141, § 20); "Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei" (art 141, § 21). "
.
O habeas corpus continua sendo previsto na Constituição Federal (art 141, § 23), recebendo novamente a companhia do mandado de segurança, que esta.
va ausente na Constituição de 1937: Para proteger direito líquido e certo não "
amparado por habeas corpus conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder" (art. 141 § 24). Ainda quanto ao processo manteve-se a garantia do contraditório e da ampla defesa no § 25 do mesmo artigo ( É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela desde a nota de culpa, que, assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória ) bem como ressurge em nível constitucional o princípio do juiz natural disposto em dois dispositivos: "Não haverá foro privilegiado nem Juízes e Tribunais de exceção (art. 141, § 26) e "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na ,
,
,
"
,
,
"
,
,
"
forma de lei anterior" (art. 141 § 27). ,
Quanto à pena, além de manter a retroatividade penal benéfica, previu a Constituição de 1946 a individualização da pena: A lei penal regulará a individualização da pena e só retroagirá quando beneficiar o réu" (art 141, § 29). Manteve igualmente a instituição do júri, agora mais pormenorizada"
.
mente delineada.
Restringe-se novamente a pena de morte (art. 141 § 31), veda-se a prisão civil por dívida (art. 141, § 32), retoma a previsão constitucional sobre a assistência judiciária (art. 141 § 35). ,
,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
35
Por fim, a Constituição de 1946 afastou a restrição que havia sobre a aplicação e extensão dos direitos e garantias prevista na Constituição anterior: A especificação, dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios queelaadota (art. 144). "
"
1 4 .
6 A Constituição de 1967 e a "Constituição"de 1969 (EC 01/69)
.
Durante a ditadura desencadeada pelo Golpe Militar de 1964, foi outorgada a Constituição de 1967, emendada e praticamente alterada na íntegra pelaEC l,de 17 de outubro de 1969 (que muitos constitucionalistas chamam de Constituição de 1969). Uma característica marcante na Constituição de 1967 (com a alteração
de 1969) é a ampliação dos Poderes. Isso porque, depois de dizer que "à
Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas (art. 129, caput), afirmou que esse foro especial estender-se-á aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares "
"
"
(art. 129, § 1.°).
Quanto aos direitos e garantias individuais, muitos direitos de tradição constitucional brasileira foram repetidos na Constituição outorgada pela ditadura. Assim, estão na Constituição o princípio da igualdade; princípio da
legalidade, a proteção aos direitos adquiridos, a inafastabilidade do controle jurisdicional (embora condicionando o ingresso em juízo ao exaurimento das vias administrativas), liberdade de culto, liberdade de pensamento, inviolabilidade da correspondência e domicílio etc.
No tocante à aplicação da pena, foram repetidos dispositivos já previs"
tos nas Constituições anteriores, tais como: Ninguém será preso senão em
flagrante deli to ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal" (art. 153, § 12) e "Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. A lei regulará a individualização da pena" (art. 153, § 13).
Previu-se o habeas corpus (art. 153, § 20) e o mandado de segurança (art. 153,§21),a insti tuição do júri (sem a previsão de alguns princípios constantes na Constituição anterior), a vedação da prisão civil (art. 153, § 17) etc. Por fim, demonstrando o regime que se encontrava ao largo da democracia, o artigo 154 previa a relatividade extrema dos direitos e garantias,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
36
"
afirmando o seguinte: O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa" (art. 154). ,
14 .
7 A Constituição de / 988
.
A Constituição de 1988 (chamada por muitos de "Constituição Cidadã") tem alguns pontos principais que mostram a retomada da democracia no Brasil. Primeiramente, uma forte mudança pode ser percebida na novel Lei Maior: enquanto todas as outras Constituições brasileiras sempre iniciaram seu regramento sobre a estrutura do Estado, o exercício do Poder etc., a Constituição de 1988 começa com um grande tema: os direitos e garantias.
Outrossim, a mudança do tratamento dos direitos e garantias não é apenas tópica. Eles foram nitidamente ampliados, assim como foram ampliadas as formas de consecução de tais direitos (a previsão constitucional do mandado de injunção, da ação popular etc.). O tratamento constitucional dado ao processo igualmente se alterou. Nunca tivemos no Brasil uma Constituição que desse tanta importância ao processo como a Constituição Federal de 1988. No tocante aos direitos e garantias individuais muitos deles, de tradição constitucional, foram previstos, tais como o direito à igualdade perante a lei (incluindo-se a expressão "homens e mulheres") - art. 5.°, I; princípio da legalidade (art. 5.°, II); liberdade da manifestação do pensamento (art. 5.° IV); ,
,
,
liberdade de consciência e credo (art. 5.° VI); inviolabilidade de domicílio ,
(art. 5.°, XII); inviolabilidade de correspondência (art. 5.°, XII); liberdade de trabalho (art. 5.°, XIII); direito de reunião e associação (art. 5.°, XVI e XVII),
direito à propriedade (art. 5°, XXII) etc. No tocante à pena a Constituição de 1988, além de repetir inúmeros ,
direitos tradicionalmente previstos, acrescentou outros, tais como o direito de o preso permanecer calado (art. 5.°, LXIII), direitos específicos das presidiárias (art. 5.°, L), individualização da pena (art. 5.° XLVI) etc. ,
Quanto ao processo, o tratamento constitucional foi ímpar. Primeiramente, repetiu o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
,
37
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
"
excluindo a restrição anterior sobre o esgotamento da via administrativa: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.°, XXXV). "
Manteve o "princípio do juiz natural", que somente esteve ausente na Polaca" de Getúlio Vargas: "não haverá juízo ou tribunal de exceção" (art.
5° .
,
XXXVII) e "ninguém será processado nem sentenciado senão pela auto-
ridade competente (art. 5.°, LIII). "
Da mesma forma, consta do texto constitucional o princípio do devido processo legal: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5.°, LIV) e o inédito princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos: "são inadmissíveis, no processo, "
as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5.°, LVI). "
Quanto ao princípio do contraditório e da ampla defesa, houve uma nítida ampliação: na Constituição anterior, tal garantia aplicava-se apenas ao processo penal. Na Constituição de 1988 está previsto que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. "
"
5
.
° ,
LV).
O princípio da publicidade dos atos processuais também é expressa na Constituição: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem "
"
(art. 5.°, LX).
Outra demonstração da importância atribuída ao processo, foi a previsão da Assistência Jurídica gratuita: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5.°, LXXIV). "
É imperioso ressaltar que, ao contrário das Constituições anteriores, que se "
assistência judiciária gratuita (correspondente apenas ao auxílio ligado ao processo) referiu-se a novel Constituição a qualquer auxílio jurídico
referiam à
"
,
(daí a expressão mais ampla "assistência jurídica gratuita"). Outra novidade da Constituição de 1988 foi a previsão de que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5.°, LXXV). "
Da mesma forma
previu o habeas corpus (art. 5LXVIII), o mandado de segurança (art. 5.°, LXIX), o mandado de segurança coletivo (art. 5.°, LXX), o mandado de injunção (art. 5. LXXI), o habeas clata (art. 5.°, LXXII), ação popular (art. 5.°, LXXIII) etc. ,
°
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes /únior
Recordando:
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL CONSTITUIÇÃO DE 1824 .
Previsão do princípio da legalidade a irretroatividade das leis, liberdade de pensamento, liberdade de ir e vir, inviolabilidade de domicílio, direito de propriedade, inviolabilidade de correspondência, dentre outros; ,
PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA (1891) .
Previsão do princípio da legalidade liberdade de religião, a desvinculação da Igreja ,
e Estado, o direito de associação e reunião, inviolabilidade do domicílio, liberdade
de pensamento, direito de propriedade, inviolabilidade de correspondência
,
e outros;
SEGUNDA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA (CONSTITUIÇÃO DE 1934); .
Prevê a tríplice garantia dos membros do Poder Judiciário: vitaliciedade inamovibilida,
de e irredutibilidade de vencimentos;
.
Foi a primeira a institucionalizar o Ministério Público reservando-lhe capítulo especí,
fico;
.
Previu o princípio da igualdade legalidade, a liberdade de consciência e culto, a inviolabilidade da correspondência, a liberdade de pensamento, o direito de reunião e associação, inviolabilidade de domicílio, direito de propriedade etc;
.
Inovou ao tratar da irretroatividade da lei Diferenciando-se das duas anteriores, men-
,
.
cionou expressão utilizada até mesmo nos dias de hoje: "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 113, n. 3); já na seara penal previu a retroatividade penal benéfica: "A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu (art. 113, n. 27); Inovou trazendo outros direitos individuais tais como a assistência religiosa nas expedições militares, penitenciárias etc., a liberdade de trabalho; possibilidade de expulsão do estrangeiro etc; Previu pela primeira vez, a concessão da assistência judiciária aos necessitados, bem "
.
,
"
.
.
,
,
como a vedação de prisão civil e o mandado de segurança.
A "POLACA" (CONSTITUIÇÃO DE 1937) .
Concentrava por demais os poderes na mão do ditador que poderia, verbi gratia, dissolver a Câmara dos Deputados (art. 75, d), deter ou suspender a imunidade de um de ,
seus membros (art. 169) etc;
.
A inviolabilidade de domicílio e de correspondência que sempre possuiu previsão constitucional e cuja limitação encontrava-se na própria Constituição, passa a ter uma ,
abertura bem maior, qual seja, a possibilidade de violação através de hipóteses infraconstitucionais: a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei (art. 122, n. 6); "
"
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
39
Da mesma forma, foi possibilitada a censura como mecanismo de coibir as manifestações ideológicas e culturais; Embora vedasse a pena perpétua, a Constituição de 1937 previu a pena de morte para diversos crimes;
Previu o instituto do habeas corpus;
Deixou de prever o "princípio do juiz natural" todos os direitos e garantias poderão ser excepcionados em nome da ordem pública: A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição (art. 123). "
"
CONSTITUIÇÃO DE 1946 Marco da retomada da democracia;
Disciplinou, em capítulo específico, o Ministério Público (art. 125 e seguintes); Previu o princípio da igualdade, da legalidade, o direito à intangibilidade dos direitos adquiridos, a liberdade de pensamento, a inviolabilidade da correspondência e liberdade de credo, de reunião e associação (sem as limitações feitas pela Constituição anterior), inviolabilidade de domicílio, direito de propriedade etc.; Foram acrescidos outros direitos, que extrapolaram o direito individual e que a doutrina muitas vezes denominou de direitos de segunda geração", tais como o direito à greve; Quanto ao processo, uma garantia constitucional foi inaugurada: a inafastabilidade do "
controle jurisdicional;
O habeas corpus continuou previsto na Constituição Federal (art. 141, § 23), recebendo novamente a companhia do mandado de segurança, que estava ausente na Constituição de 1937; Restringiu-se novamente a pena de morte (art. 141, § 31), vedou-se novamente a prisão civil por dívida (art. 141, § 32), retomou a previsão constitucional sobre a assistência judiciária (art. 141, § 35);
Por fim, a Constituição de 1946 retirou a restrição que havia sobre a aplicação e extensão dos direitos e garantias prevista na Constituição anterior: "A especificação, dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota" (art. 144).
CONSTITUIÇÃO DE 1967 E A "CONSTITUIÇÃO" DE 1969 (EC 01/69)
Ampliação da Justiça Militar;
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
Muitos direitos de tradição constitucional brasileira foram repetidos na Constituição outorgada pela ditadura. Assim, estão na Constituição: o princípio da igualdade; princípio da legalidade, a proteção aos direitos adquiridos, a inafastabilidade do controle jurisdicional (embora condicionando o ingresso em juízo ao exaurimento das vias administrativas), liberdade de culto, liberdade de pensamento, inviolabilidade da correspondência e domicílio etc;
Previu-se o habeas corpus (art. 153, § 20) e o mandado de segurança (art. 153 § 21), a instituição do júri (sem a previsão de alguns princípios constantes na Constituição anterior), a vedação da prisão civil (art. 153, § 17) etc; ,
Por fim, demonstrando o regime que se encontrava ao largo da democracia o artigo 154 previa a relatividade extrema dos direitos e garantias, afirmando que: "O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou ,
de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa (art. 154). "
CONSTITUIÇÃO DE 1988 Enquanto todas as outras Constituições brasileiras sempre iniciaram seu regramento sobre a estrutura do Estado, o exercício do Poder etc., a Constituição de 1988 começa com um grande tema: os direitos e garantias; No tocante aos direitos e garantias individuais, muitos deles, de tradição constitucional, foram previstos, tais como o direito à igualdade, perante a lei (incluindo-se a expressão: homens e mulheres") - art. 5.°, I; princípio da legalidade (art. 5.°, II); liberdade da manifestação do pensamento (art. 5.°, IV); liberdade de consciência e credo (art. 5.°, VI); inviolabilidade de domicílio (art. 5.°, XII); inviolabilidade de correspondência (art. 5.°, XII); liberdade de trabalho (art. 5.°, XIII); direito de reunião e associação (art. 5.°, XVI e XVII), direito à propriedade (art. 5.°, XXII) etc.; "
Quanto ao princípio do contraditório e da ampla defesa, houve uma nítida ampliação: na Constituição anterior, tal garantia aplicava-se apenas ao processo penal;
Previsão da Assistência Jurídica gratuita: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5.°, LXXIV). É imperioso ressaltar que, ao contrário das Constituições anteriores, que se referiam à assistência judiciária gratuita (correspondente apenas ao auxílio ligado ao processo), referiu-se a novel Constituição a qualquer auxílio jurídico (daí a expressão mais ampla "assistência jurídica gratuita ); "
"
"
"
41
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Outra novidade da Constituição de 1988 foi a previsão de que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na "
.
"
sentença (art. 5.°, LXXV);
.
1
.
Da mesma forma
previu o habeas corpus (art. 5.°, LXVIII), o mandado de segurança (art. 5.°, LXIX), o mandado de segurança coletivo (art. 5.°, LXX), o mandado de injunção (art. 5.°, LXXI), o habeas data (art. 5.°, LXXII), ação popular (art. 5.°, LXXIII) etc. ,
5 CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Cada vez mais a doutrina brasileira destaca e analisa o "conteúdo essen-
dos direitos fundamentais, com o escopo de identificar os aspectos daquele direito e que não podem ser restritos pela legislação infraconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se utilizou da expressão "conteúdo essencial", "
cial
embora sem uma unanimidade conceituai. Por exemplo, já disse o Min.
Celso de Mello que a utilização do método da ponderação de bens não pode importar em "esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (RTJ 188/858 - 912) - grifamos. "
O Min. Gilmar Mendes, ao abordar a inconstitucionalidade da Lei de
Crimes Hediondos, que vedava a progressão de regimes, ferindo o princípio da individualização da pena, disse: "O núcleo essencial desse direito, em relação aos crimes hediondos, resta completamente afetado. Na espécie, é certo que a forma eleita pelo legislador elimina toda e qualquer possibilidade de progressão de regime e, por conseguinte, transforma a ideia de individualização enquanto aplicação da pena em razão de situações concretas em maculatura (HC 84.862) - grifamos. "
Concordamos com o professor Virgílio Afonso da Silva quando critica o entendimento de que a definição de um núcleo essencial dos direitos fundamentais é desnecessária, haja vista que esses direitos não podem ser afetados pela legislação infraconstitucional, em razão da rigidez constitucional. Referido entendimento confunde, portanto, o núcleo essencial dos direitos fundamentais com as cláusulas pétreas.
Cláusulas pétreas são as matérias previstas na Constituição e que não podem ser suprimidas. Segundo a Constituição brasileira, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir" as cláusulas pétreas, previstas no art. 60, § 4. "
°
.
No caso brasileiro, os direitos e garantias são considerados cláusulas pétreas. Nesse ponto, infelizmente, o texto constitucional não foi muito
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
42
feliz, haja vista que referiu-se aos "direitos e garantias individuais". Sobre a polemica, veja o item seguinte. Ainda de acordo com Virgílio Afonso da Silva a declaração de um conte"
,
údo essencial destina-se, sim, ao legislador ordinário, pois é esse que em sua tarefa de concretizador dos direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a Constituição chama de 'conteúdo essencial," (Direitos Fundamentais p. 24). ,
,
A Constituição brasileira não disciplina expressamente a possibilidade de restrições e regulamentações a direitos fundamentais. Isso faz com que o próprio Supremo Tribunal Federal se utilize de malabarismos lógicos quando se vê perante a natural limitação dos direitos fundamentais feita pela lei infraconstitucional.
Ao analisar a constitucionalidade da Lei Complementar 75/93 que trata do sigilo bancário e da possibilidade da limitação desse direito alguns ministros mencionam como pressuposto de validade o art. 5.° XII, da Constituição, que expressamente permite a redução do direito pela lei (é a chamada norma constitucional de eficácia contida, utilizando-se a expressão de José ,
,
,
Afonso da Silva).
Ocorre que o tema "sigilo bancário" não pode ter como sustentáculo XII, que trata da comunicação e da sua respectiva inviolabilidade. Vê-se, portanto, que a utilização desse dispositivo constitucional só se deu por conta da expressa previsão de restrição infraconstitucional. Ora, se tivermos a convicção de que o direito constitucional pode ser regulamento e restrito por lei infraconstitucional, mesmo quando se tratar de uma "norma constitucional de eficácia plena", como nos exemplos que se seguem, não precisaríamos nos utilizar do subterfúgio utilizado na argumentação de nossa Suprema Corte. constitucional o art. 5.°
,
Inúmeras leis brasileiras limitam e regulamentam direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal. Por exemplo, a Constituição Federal prevê, no art. 5. caput, o direito à vida e o Código Penal admite o aborto sentimental (quando a gravidez é oriunda de estupro). Enquanto a Constituição prevê o direito à ampla defesa (e implícito neste o direito de presença do réu) a Lei 11.900/2009 regulamentou o interrogatório do réu preso por videoconferência. Da mesma forma, enquanto a Constituição considera inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, o Código de Processo Penal, graças à Lei 11.690/2008, permitiu a admissão das provas ilícitas derivadas quando não for evidente o nexo causal entre as provas ou quando elas são obtidas por meio de uma fonte independente. °
,
,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
43
Segundo Virgílio Afonso da Silva, "é possível também perceber algumas dificuldades de fundamentação nos votos que pretendem incluir o sigilo bancário na garantia constitucional do direito à privacidade. Em geral recorrem eles ao inciso XII, e não ao inciso X, do artigo 5. da CE Isso porque no inciso °
XII haveria menção ao 1sigilo de dados,. O recurso ao inciso XII, a partir de um modelo amplo de suporte fático, seria ao mesmo tempo problemático e desnecessário. Problemático porque há fortes argumentos que sustentam que a proteção do inciso XII se refere apenas ao sigilo da comunicação de dados.
E desnecessário porque, a partir do paradigma de um suporte amplo, o sigilo bancário, por proteger - sempre ou excepcionalmente - esferas da vida privada dos indivíduos, deve ser inserido, sem qualquer dúvida, no âmbito de proteção do direito à privacidade do inciso X" (Direitos Fundamentais, p. 121-122). Temos que entender que as normas definidoras de direitos fundamenregras No dizer de Robert Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das condições fáticas e jurídicas existentes. Essas condições raramente são ideais, motivo pelo qual tal direito dificilmente será realizado por completo. "
tais são "princípios e não ,
"
"
.
Outrossim, é normal nos depararmos com a colisão entre dois desses direitos (princípios). Havendo tal colisão, não se pode falar em declaração de invalidade de um desses direitos, nem em instituição de uma cláusula de exceção. Assim, analisado no caso concreto o conflito entre esses dois direitos,
ambos continuam tão válidos quanto antes. Ou seja, não se pode dizer que um institui uma exceção ao outro, já que algumas vezes prevalecerá um e, em outras vezes, prevalecerá o outro. Um exemplo pode ser visto na colisão entre
a liberdade de imprensa (ligada à liberdade de manifestação do pensamento) e o direito à privacidade e à honra. O conflito deve ser analisado caso a caso. Caso emblemático foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2010. A 2.a Turma do Supremo Tribunal Federal negou provimento a recurso de agravo regimental contra decisão do ministro Celso de Mello que anulou condenação imposta a um jornalista em indenizar o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A negativa da Segunda Turma encerra a discussão sobre a indenização no STF em análise no Agravo de Instrumento (AI) 505.595, e significa que deverá prevalecer a decisão tomada pelo Min. Celso de Mello. Em 11 de novembro de 2009, o ministro Celso de Mello rever-
teu a decisão do Tribunal de Justiça do Rio dejaneiro que havia condenado o jornalista à indenização por expressar comentário desfavorável ao presidente da Confederação. Celso de Mello julgou improcedente a ação indenizatória
44
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes lúnior
que levou Kfouri a depositar o equivalente a R$ 50 mil em juízo na 8.a Vara Cível do Rio de Janeiro.
O ministro Celso de Mello explicou que no caso o jornalista exerceu, de forma concreta, o exercício da liberdade de expressão e de crítica. Segundo o sobremencionado Ministro, o conteúdo da matéria jornalística que motivou a condenação do recorrente ao dever de pagar indenização civil por danos morais, ao ora recorrido, longe de evidenciar prática ilícita contra a honra subjetiva do "
,
suposto ofendido, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esse profissional da imprensa, da liberdade de expressão cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e mesmo que em tom contundente contra quaisquer pessoas ou autoridades Para ele, a crítica jornalística quando inspirada pelo interesse público ainda mais quando dirigida a figuras públicas ,
,
,
"
.
,
,
com alto grau de responsabilidade na condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta à "
,
dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível por isso mesmo, em situações de caráter ordinário de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo Havendo colisão entre o princípio definidor do direito fundamental e uma regra infraconstitucional, o critério para solução será diverso. Segundo Robert ,
,
"
.
Alexy, deve haver um sopesamento entre o princípio constitucional e o princípio no qual se baseia a regra. Segundo Virgílio Afonso da Silva, não se trata de "
colisão, mas de restrição. Segundo ele, Em geral não se pode falar em colisão propriamente dita. O que há é simplesmente o produto de um sopesamento, feito pelo legislador entre dois princípios que garantem direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito ordinário. A relação entre a regra e um dos princípios não é, portanto, uma relação de colisão, mas uma relação de restrição. A regra é a expressão dessa restrição. Essa regra deve portanto, ser simplesmente aplicada por subsunção (Direitos Fundamentais, p. 52). ,
,
,
"
É claro que essa restrição, se excessiva, será inconstitucional. Por exemplo, entendemos que a Lei 11.690/2008, restringiu excessivamente a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, no momento em que previu e definiu as provas ilícitas por derivação descobertas através de uma fonte independente. Alguns entendem que esse conteúdo essencial do direito fundamental é absoluto. É o que dizjorge Miranda: afigura-se que para, realmente, funcionar como barreira última e efectiva contra o abuso do poder como barreira que o legislador, seja qual for o interesse (permanente ou conjuntural) que "
,
45
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
prossiga, não deve romper, o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito" (apud Virgílio Afonso da Silva, Direitos Fundamentais, p. 187). Recordando: CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
.
Núcleo essencial dos direitos não é o mesmo que cláusulas pétreas; A declaração de um conteúdo essencial destina-se, sim, ao legislador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretizador dos direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a Constituição chama de conteúdo essencial (Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais, p. 24); Inúmeras leis brasileiras limitam e regulamentam direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Por exemplo, a Constituição Federal prevê, no art. 5.°, caput, o direito à vida e o Código Penal admite o aborto sentimental (quando a gravidez é oriunda de estupro). Enquanto a Constituição prevê o direito à ampla defesa (e implícito neste o direito de presença do réu), a Lei 11.900/2009 regulamentou o interrogatório do réu preso por videoconferência. Da mesma forma, enquanto a Constituição considera "
.
'
.
'"
inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, o Código de Processo Penal, graças à Lei 11.690/2008, permitiu a admissão das provas ilícitas derivadas quando não for evidente o nexo causal entre as provas ou quando elas; As normas definidoras de direitos fundamentais são princípios e não regras No dizer de Robert Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das condições fáticas e jurídicas existentes. Essas condições raramente são ideais, motivo pelo qual tal direito dificilmente será realizado por completo.
.
1
.
"
"
"
,
"
.
6 DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO CLÁUSULAS PÉTREAS
O art. 60, § 4.°, da Constituição Federal, ao elencar as cláusulas pétreas, direitos e garantias individuais". Diante desse cenário, devemos fazer algumas perguntas: a) os direitos individuais estão previstos apenas no artigo 5. da Constituição Federal?; b) a idade penal, prevista no artigo 228, da Constituição Federal, é cláusula pétrea? b) os "direitos sociais", previstos nos arts. 6. a 11 da Constituição Federal, são cláusulas pétreas? arrola os
"
°
°
1 6 .
.
1
Os direitos individuais estão apenas no art. 5. °, da Constituição Federal?
O Supremo Tribunal Federal, na ADIn 939, excluiu a tese de que "direitos e garantias individuais" estariam circunscritos ao art. 5.° da Constituição
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
46
Federal. O mesmo ocorreu na ADIn 3685, julgada em 2006 acerca da Emenda Constitucional 52, que alterou o art. 17 da Constituição Federal. Vejamos essas duas importantes decisões. ,
Na primeira ADIn (939-7), o Supremo Tribunal Federal considerou que o princípio da anterioridade tributária, insculpido no artigo 150 da Constituição Federal é cláusula pétrea, por ser um direito individual do contribuinte. Nessa ADIn, o relator foi o Min. Sydney Sanches. Segundo o Min. Celso de Mello: "Admitir que a União no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional pudesse excepcionar a aplicação dessa garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados Destacamos trecho do voto do Min. Marco Aurélio Mello: "(...) o Diploma ,
,
"
.
Maior admite os direitos implícitos, os direitos que decorrem de preceitos nela contidos e que, portanto, não estão expressos. Senhor Presidente para mim as exceções a esses direitos, insertas na própria Carta, apenas os confirmam e ninguém coloca em dúvida, por exemplo, que a propriedade é um direito do cidadão; no entanto, esse direito está mitigado pela regra insculpida no inciso XXIV do artigo 5.°, que cuida da desapropriação. Ninguém duvida também, que a exclusão da pena de morte é um direito, é um direito previsto no rol do artigo 5. e está excepcionado pela regra insculpida na própria alínea a do inciso XLVII do artigo 5.°, admitindo-se-a em caso de guerra declarada nos termos do artigo 84, inciso XIX. Senhor Presidente, os antigos já diziam que nada surge sem uma causa, sem uma justificativa, decorrendo daí, o princípio do motivo determinante. Indago-me: por que a União desprezou o teor do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal e ao invés de utilizar-se do meio adequado nele inserto para a criação de um novo imposto, lançou mão de emenda constitucional? A resposta é, desenganadamente, a tentativa de burlar as garantias constiucionais vigentes drible que não pode prosperar, porquanto o inciso IV do § 4. do artigo 60 é categórico no que veda a tramitação de proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Buscou-se mediante esse instrumento, que é a emenda constitucional, viabilizar um imposto que pela própria nomenclatura tem repercussões inconciliáveis com certas garantias do contribuinte(grifamos). ,
,
,
°
1
,
,
,
,
°
,
'
na ementa da decisão proferida na ADIN 3.685, o STF disse: A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, proPor sua vez
,
"
47
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
vocando
,
assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia
das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rei. Min. Octávio Gallotti, DJ 12.02.93). Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rei. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes ã disputa eleitoral (ADI 3.345, rei. Min. Celso de Mello). Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5. § 2.°, e 60, § 4.°, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5. caput) e do devido processo legal (CF, art. 5. LIV). (...) Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1.° da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência (grifamos). "
"
°
,
°
,
°
,
"
Dessa maneira, podemos dizer, com convicção, que os direitos individuais não estão limitados aos incisos do art. 5.° do texto constitucional. ,
1 6 .
2 A idade penalprevista no art. 228, da Constituição Federal é cláusula pétrea ?
.
Dúvida existe sobre a natureza do art. 228, da Constituição Federal, que define a idade penal, afirmando que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis e a eles se aplica legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Entendemos que a idade penal de 18 anos é cláusula pétrea, pois é direito individual do menor de 18 anos. Se não fosse esse o escopo do constituinte de 1988, não teria colocado tal dispositivo na Constituição Federal, deixando-o na lei infraconstitucional, à mercê de qualquer alternação posterior. Outrossim, entendemos que o que deve ser mudado é o Estatuto da Criança e do Adolescente, aumentando o prazo máximo da internação, como medida socioeducativa. Segundo o ECA, a internação tem o prazo máximo de 3 anos, devendo ser
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
48
reavaliada a cada seis meses no máximo. Assim, um adolescente internado, ,
depois de praticar um ato infracional gravíssimo pode voltar às ruas depois de 6 meses de internação. Parece-nos uma regra irrazoável e indefensável. ,
Não obstante
não podemos nos restringir a uma regra maniqueísta, segundo a qual ou temos uma redução da idade penal colocando os adolescentes na prisão ou temos uma impunidade absoluta. Temos o meio termo! Podemos aumentar a rigidez do Estatuto da Criança e do Adolescente ,
,
,
.
concordamos integralmente com os brilhantes professores Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Segundo os professores, "a tese da redução da maioridade penal (hoje fixada em dezoito anos no Brasil) embora conte com apoio da maioria da população (pesquisa Datafolha de 2006 - FSP 13 ago 06, indicava que 84% da população defendia a redução da maioridade penal), é incorreta, insensata e inconsequente. Mas também é certo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não é razoável quando fixa um único limite máximo de internação (três anos) como regra geral (e inflexível) válida para todas as situações. Essas duas posturas extremadas (redução da maioridade versus inflexibilidade do ECA) devem ser evitadas. O legislador por sua vez, pressionado pelos apelos midiáticos e populares, acabará por aprovar a redução da maioridade penal e dessa forma haverá o incremento do que já se conhece como o maior caos legislativo autoritário de toda a história latino-americana" (Zaffaroni). Para este autor o período que estamos vivendo será visto como o mais degradante da nossa história penal (El enemigo en el Derecho penal Colômbia: Bogotá, 2006, p. 103). Embora tenha forte aclamação popular, a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos deve ser refutada, em razão, sobretudo, do seguinte: (a) da sua ineficácia e insensibilidade; (b) da sua impossibilidade jurídica e (c) do fato de que são poucos os delitos violentos que envolvem os menores. Vejamos: (a) se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia dos criminosos adultos) teria como consequência inevitável a sua mais rápida integração nas organizações criminosas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos presídios, (b) do ponto de vista jurídico é muito questionável que se possa alterar a Constituição brasileira para o fim de reduzir a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4. ) Pensamos positivamente tendo em vista o disposto no art. Dessarte
,
,
,
,
,
"
,
°
.
5
° .
,
,
§ 2.°, da CF, c/c arts. 60, § 4.° e 228. O art. 60, § 4.°, antes citado, veda
49
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual, (c) Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelam que de janeiro a outubro de 2003 os menores participaram
de apenas 1% dos homicídios dolosos, 1,5% do total dos roubos e 2,6% dos latrocínios" (Redução da maioridade penal. Disponível em: [http://www.lfg. com.br]. Acesso em: 12.03.2010). Abaixo da norma constitucional (mas acima das leis) encontramos a
Convenção Sobre os Direitos da Criança (que ingressou no direito brasileiro graças ao Decreto presidencial 49, de 12 de setembro de 1990). Primeiramente, o artigo 1.° dessa sobredita norma afirma que "para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito
anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes (grifamos). Já no artigo 40, a referida Convenção demonstra a real preocupação com a criança ou adolescente que pratica ato infracional (estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade. Por fim, no item 3, desse mesmo artigo, afirmou que "os Estados Partes buscarão promover o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido Malgrado a própria Convenção permita que cada país possa estabelecer a idade penal entendemos que reduzir a idade penal seria inconstitucional pois, diante da previsão constitucional, no direito brasileiro, a idade penal tem status maior, fazendo parte do rol dos direitos das "crianças" e dos "adolescentes". Alterar "
"
.
,
o art. 228 da Constituição seria um retrocesso imediato na tutela dos direitos
fundamentais dos menores de 18 anos. Adotada, de forma ampla, a teoria da proibição do retrocesso, tal medida seria inconstitucional. Assim, concordamos com a advogada Danielle Rinaldi Barbosa, que disse: Ultrapassado esse ponto, identifica-se outro motivo proibitivo da redução da idade penal: o princípio da proibição do retrocesso, que impede a adoção de orientação jurídica que importe revogação de normas que concedam ou ampliem direitos fundamentais (Cf. Barroso, in Rubio, 2004, p. 328). Os direitos galgados pela sociedade são lacrados por esse princípio, tornando-se intocáveis e indeléveis. Nem mesmo após uma ruptura constitucional esses direitos poderiam ser violados. A redução da idade penal, nesses termos, independentemente da proteção das chamadas cláusulas pétreas, revela-se medida incompatível com a Constituição. Não se "
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
admite retrocesso na caminhada evolutiva de direitos fundamentais (Redução "
da Maioridade Penal: uma abordagem garantista. Disponível em: [http://www. lfg.com.br.]. Acesso em: 04.12.2009).
É sempre oportuno lembrar que o problema da violência pública nunca será resolvido pela alteração legislativa. Leis nunca foram capazes de isoladamente, diminuírem a criminalidade. Beccaria dizia que o que diminui a criminalidade não é a quantidade da pena, mas a certeza da punição. Corretas são as palavras do penalista José Carlos Robaldo: É sempre oportuno destacar que a simples mudança da lei por si só, para reduzir a maioridade penal, ainda que constitucionalmente seja possível, no que tenho dúvida não trará a contenção da violência que tanto nos intranquiliza. Antes de modificar as leis, sobretudo as penais, devemos cumpri-las. A Lei de Execução Penal e o ECA que o digam" (A redução da maioridade penal volta à discussão. Disponível em: [http://www.lfg.com.br]. Acesso em: 20 de março de 2009). ,
"
,
,
1 6 .
3 Direitos sociais são cláusulas pétreas?
.
Se a resposta for negativa, poderiam ser retirados do texto constitucional direitos como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço salário mínimo, ,
décimo terceiro salário etc.
Os direitos sociais, sendo a segunda etapa histórica dos direitos fundamentais, consistem indubitavelmente num corolário da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, entendemos que não se pode fazer uma interpretação literal do art. 60, § 4.°. A Constituição Federal brasileira não se referiu
,
em
"
nenhum dos outros dispositivos, à expressão direitos e garantias individuais". A interpretação isolada desse dispositivo (art. 60, § 4.°, IV) pode nos levar a conclusões equivocadas e que destoam da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Aliás o Ministro Marco Aurélio Mello, na célebre ADIn ,
939-7, afirmou:"Tivemos, Senhor Presidente, o estabelecimento de direitos
e garantias de forma geral. Refiro-me àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 5. da Carta, os que estão contidos, sob a nomenclatura direitos sociais,, no art. 7.° e, também, em outros dispositivos da Lei Básica Federal isto sem considerar a regra do § 20 do art. 5.°". °
'
,
Esse assunto é evidentemente importante, na medida em que nascem interesses vários no sentido de se extinguirem direitos sociais, máxime direitos dos trabalhadores. Portanto, entendemos que são cláusulas pétreas não apenas os direitos individuais, previstos no art. 5. da Constituição Federal, °
como também os direitos sociais.
r
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
>t
Outro argumento apto a impedir a revogação de direitos sociais presentes "
na Constituição Federal é a proibição do retrocesso Segundo Ingo Wolf"
.
gang Sarlet, as normas constitucionais que reconhecem direitos sociais de caráter positivo implicam uma proibição de retrocesso, já que, uma vez dada satisfação ao direito, este transforma-se, nessa medida, em direito negativo, ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar "
1
contra ele
"
(A eficácia dos direitos fundamentais, p. 410).
Recordando: DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO CLÁUSULAS PÉTREAS
.
.
.
.
Os direitos individuais estão apenas no artigo 5 da Constituição Federal?; Não. ADIn (939-7), o Supremo Tribunal Federal considerou que o princípio da anterioridade tributária, insculpido no artigo 150 da Constituição Federal é cláusula pétrea, por ser um direito individual do contribuinte; ADIN 3 685, o STF disse que a anterioridade eleitoral, prevista no artigo 16, da Constituição, é cláusula pétrea; A idade penal prevista no artigo 228, da Constituição Federal é cláusula pétrea?; Entendemos que a idade penal de 18 anos é cláusula pétrea, pois é direito individual do menor de 18 anos. Se não fosse esse o escopo do constituinte de 1988, não teria colocado tal dispositivo na Constituição Federal, deixando-o na lei infraconstitucional, a mercê de qualquer alternação posterior. Direitos sociais são cláusulas pétreas? Sim, segundo o STF: ADIn 939-7 ("Tivemos, Senhor Presidente, o estabelecimento de direitos e garantias de forma geral. Refiro-me àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 5.° da Carta, os que estão contidos, sob a nomenclatura 'direitos sociais', no art. 7.° e, também, em outros dispositivos da Lei Básica Federal, isto sem considerar a regra do § 2.° do art. 5.° ) °
.
,
.
,
"
.
1 7 TITULARES .
Na primeira edição deste livro o presente subitem tinha a denominação ,
de "destinatários" dos direitos fundamentais. Entendíamos, como a maioria
da doutrina, que os termos "titulares" e "destinatários" poderiam ser utilizadas como sinónimos.
Não obstante, é possível fazer uma distinção. Titular é o "dono" do direito ou garantia fundamental, aquele que pode exercê-lo. Por sua vez, destinatário é a pessoa contra a qual aquele direito ou garantia poderá ser exigido. Como lembra Ingo Wolfgang Sarlet: "Titular do direito, notadamente na perspectiva da dimensão subjetiva dos direitos e garantias fundamentais, é quem figura
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
52
como sujeito ativo da relação jurídico-subjetiva ao passo que o destinatário ,
é a pessoa (física, jurídica ou mesmo ente despersonalizado) em face da qual o titular pode exigir o respeito proteção ou promoção do seu direito (A eficácia dos direitos fundamentais p. 211). "
,
,
De forma distinta mas mantendo a nomenclatura destinatários", Uadi "
,
Lammêgo Bulos prefere dizer que o destinatário imediato dos direitos e garantias é o Poder Público
ao passo que o destinatário mediato é o povo (Curso de direito constitucional, p. 408). ,
Diante do princípio da universalidade que rege os direitos e garantias ,
fundamentais, todos são titulares desses direitos. Aliás o caput do art. 5.° ,
"
afirmou que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)". Evidentemente, haverá algumas distinções feitas pela própria Constituição, expressamente ou autorizadas pelo princípio da igualdade na sua acepção material. ,
Primeiramente, a própria Constituição estabelece algumas distinções entre brasileiros natos e brasileiros naturalizados. Os brasileiros naturalizados
,
por exemplo, não poderão ocupar determinados cargos (como Presidente, Vice-Presidente, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal Ministro do Supremo Tribunal Federal etc.). ,
Como lembra Alexandre de Moraes: "A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos (Direito constitucional, p. 32). "
No caso acima mencionado, é absolutamente razoável diferenciar o
brasileiro nato do brasileiro naturalizado, em razão da segurança nacional e do interesse público. No mesmo sentido somente é razoável limitar a idade para a inscrição em concurso público quando justificado pela natureza das atribuições a serem exercidas. Aliás, é o que diz a Súmula 683 do STF: O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.°, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido". ,
"
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
53
Assim, diante do princípio da igualdade material, é possível que a lei ou o juiz tratem desigualmente as pessoas, de acordo com suas especificidades e peculiaridades. Tal fato, em vez de contrariar o texto constitucional, na realidade, configura concretização do princípio da igualdade material. 1 7 .
1 Estrangeiros residentes e não residentes no Brasil
.
O art. 5.°, caput, da Constituição Federal determina que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)" (destacamos).
Se fizermos uma interpretação literal do artigo mencionado, chegaremos à conclusão de que estrangeiros em trânsito pelo território nacional, bem como pessoas jurídicas, não possuem os direitos ali elencados.
Não obstante, tal conclusão não nos parece verdadeira. O estrangeiro que se encontra regularmente em território nacional também é detentor
dos direitos elencados no art. 5.° da Constituição Federal. É o que entende igualmente Pedro Lenza: "A doutrina e o STF vêm acrescentando, através da interpretação sistemática, os estrangeiros não residentes (por exemplo, a turismo), os apátridas e as pessoas jurídicas. Nada impediria, portanto, que um estrangeiro, de passagem pelo território nacional, ilegalmente preso, impetrasse habeas corpus (art. 5.°, LXVIII) para proteger o seu direito de ir e vir. Deve-se observar, é claro, se o direito garantido não possui alguma especificidade, como ação popular, que só pode ser proposta pelo cidadão (Direito constitucional esquematizado, p. 673). Neste mesmo sentido entendem Alexandre de Moraes (Direito constitucional, p. 30) e Uadi Lammêgo Bulos (Curso de direito constitucional, p. 408). "
Não obstante, é um equívoco afirmar que o estrangeiro (ainda que residente no Brasil) é detentor de todos os direitos destinados aos brasileiros. Há
direitos elencados na Constituição Federal que são privativos de brasileiros, dentre eles os direitos políticos. Outra distinção importante entre brasileiros e estrangeiros refere-se à titularidade de direitos fundamentais de livre iniciativa, sendo negada ao estrangeiro a lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica (art. 176, § 1. CF), bem como a propriedade de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, CF). °
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
54
Outrossim, deve-se lembrar que há direitos específicos dos estrangeiros, como o asilo político e a invocação da condição de refugiado. Lembremos que a concessão de asilo político é um dos princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais (art. 4.°,X, CF). Diante desse cenário
podemos afirmar que é criticável a redação do art. caput, da Constituição ( garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ) inspirada na Constituição de Rui Barbosa (Constituição 5
°
.
,
"
,
"
,
de 1891).
Aliás, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal. No HC 74.051 no voto do Min. Marco Aurélio, consta a seguinte passagem: A garantia ,
"
de inviolabilidade dos direitos fundamentais, salvo as exceções de ordem constitucional se estende também aos estrangeiros não residentes ou ,
domiciliados no Brasil. O caráter universal dos direitos do homem não se
compatibiliza com estatutos que os ignorem. A expressão residentes no Brasil, deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade e o gozo dos direitos fundamentais dentro do território 1
brasileiro".
Portanto, segundo essa interpretação a expressão residentes no Brasil não se refere aos estrangeiros, mas sim aos brasileiros e estrangeiros. O objetivo da Constituição, portanto, é afirmar que a validade e o gozo dos direitos fundamentais estão assegurados dentro de nosso território. "
"
,
Parece-nos que essa é a postura acolhida pela União no âmbito do Poder no momento em que, em 2007, foi editada pelo Ministério do Trabalho um material gráfico (Brasileiras e brasileiros no exterior: informações úteis, Brasília: MTE - CGlg, 2007) destinado aos brasileiros residentes no exterior, informando-lhes sobre quais as atividades que o consulado brasileiro poderá e não poderá realizar. Baseado nesse material fizemos um breve resumo, que abaixo segue. ,
Executivo
,
,
Recordando:
SITUAÇÃO ESPECÍFICA Problemas de saúde
O CONSULADO PODE Indicar médicos, clínicas ou hospitais na região.
O CONSULADO NÃO PODE Pagar consultas, remédios, internação hospitalar ou tratamento médico de brasileiro no exterior.
55
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
SITUAÇÃO ESPECÍFICA Apoio jurídico e problemas policiais
O CONSULADO PODE Informar sobre a existência
de serviços locais de assistência jurídica gratuita. Sugerir advogados locais que possam orientar sobre serviços jurídicos. Acompanhar, quando solicitado, o desenrolar das investigações e apuração do crime, inclusive junto à Justiça
O CONSULADO NÃO PODE
Representar o cidadão brasileiro em juízo ou responsabilizar-se por despesas com advogados e custas judiciais.
local. Prisão
Informar, desde que autori-
Contratar advogados para a
zado pelo brasileiro preso,
assistência jurídica do preso.
o fato a seus familiares no Brasil. Visitar o brasileiro
preso e verificar sua situação pessoal e jurídica.
Hospedagem e trabalho
Informar, desde que autorizado pelo brasileiro preso,
Custear acomodação e obter trabalho ou autorização de
o fato a seus familiares no
trabalho.
Brasil.
Visitar o brasileiro preso e verificar sua situação pessoal e jurídica.
Contudo, é obrigatório ressaltar que há inúmeros acordos, convenções e
regras internacionais que tratam dos trabalhadores migrantes e dos membros de sua família.
Exemplo disso é a convenção sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias (ONU, 1990). A referida convenção entrou em vigor em 2003. Tem particular significado, sobretudo, por ser um instrumento internacional que reconhece e protege a dignidade e os direitos básicos de todos os trabalhadores migrantes, independentemente de estarem em situação migratória regular ou não. O art. 2.° da Convenção define que "trabalhador migrante é a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado do qual não é nacional E, na Parte "
.
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
56
estabelece uma série de direitos que são assegurados a todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias, documentados ou não estejam ou não em situação regular. Destacam-se dentre outros: direito à vida, à dignidade humana, à liberdade, à igualdade entre homens e mulheres, à não discriminação e submissão ao trabalho desumano forçado ou degradante, à liberdade de expressão e de religião, à segurança à proteção contra prisão arbitrária, à identidade cultural, à igualdade de direitos perante os tribunais e ao direito inalienável de viver em família. Assegura, ainda que os trabalhadores migrantes devem beneficiar-se de um tratamento não menos favorável que aquele concedido aos trabalhadores nacionais em matéria de retribuição III
,
,
,
,
,
,
e outras condições de trabalho. Dessa forma
o Brasil, malgrado não tenha poderes diretos de assegurar os direitos àqueles que se encontram no exterior é signatário de acordos internacionais que exigem reciprocidade de tratamento digno àqueles que ,
,
se encontram em seus respectivos territórios.
Não obstante, esse entendimento de que os estrangeiros não residentes no Brasil são detentores dos direitos elencados no texto constitucional (que defendemos) não é uníssono.
José Afonso da Silva faz as seguintes ponderações: "Quando a Constituição assegura tais direitos aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, indica concomitantemente, sua positivação em relação aos sujeitos (subjetivação) a quem os garante. Só eles, portanto, gozam do direito subjetivo (poder ou permissão de exigibilidade) relativamente aos enunciados constitucionais dos direitos e garantias individuais (Comentário contextual à Constituição, p. 65). ,
"
Interpretando o art. 5.°, caput, da Constituição Ingo Wolfgang Sarlet Tal distinção [entre estrangeiros residentes e não residentes] por ter sido expressamente estabelecida na CF, não pode ser pura e simplesmente desconsiderada, podendo, contudo, ser interpretada de modo mais ou menos restritivo, ou seja, ampliando a titularidade e, por conseguinte, a proteção constitucional dos direitos das pessoas, ou excluindo a significativa parcela das pessoas da proteção de direitos fundamentais" (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 232). ,
afirma:
"
,
Nesse sentido, prega esse autor que o estrangeiro, embora não residente que mantém com o País um vínculo maior, uma certa permanência mais longa aqui (dá exemplo do estrangeiro que trabalhe no Brasil e resida com familiares ou o estrangeiro com visto permanente) seria detentor dos no Brasil
,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
57
direitos fundamentais, em razão dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e universalidade.
Por sua vez, na opinião desse autor, o estrangeiro de passagem no Brasil (apenas visitando alguns amigos ou fazendo um passeio de uma semana, por exemplo) não estaria abrangido pelo manto do art. 5. caput, da Constituição, sendo-lhe reservados apenas os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e os direitos garantidos pela lei infraconstitucional (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 232). Portanto, quanto à extensão dos direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes no Brasil, podemos fazer o seguinte esquema: °
,
Equiparação do estrangeiro residente e estrangeiro não residente
Distinção entre os direitos
do estrangeiro residente e não residente no Brasil
no Brasil
Posição intermediária: classificação de estrangeiros não residentes no Brasil
Consequência: todos os direitos reservados aos
Consequência: aos estrangeiros não
estrangeiros residentes no
residentes no Brasil serão
residente tem um maior
Brasil são extensíveis aos
aplicados os direitos
vínculo de permanência
"
"
estrangeiros em trânsito (aplicação do princípio da
Duas situações:
a) quando o estrangeiro não
previstos em normas
(visto permanente, por
infraconstitucionais.
exemplo) é detentor de todos os direitos - princípio
universalidade)
da universalidade
b) quando o estrangeiro não tem maior vínculo de
permanência (turista, por exemplo), tem os direitos previstos em normas infraconstitucionais, bem como os direitos
relacionados à dignidade da pessoa humana. Quem adota: Pedro Lenza,
Quem adota: José Afonso
Alexandre de Moraes,
da Silva
Quem adota: Ingo Wolfgang Sarlet
Flávio Martins
1 7 .
.
2 Pessoa jurídica (pessoas jurídicas, pessoas jurídicas estrangeiras, entes despersonalizados e pessoas jurídicas de direito público)
Embora pequena parte da doutrina entenda que, não havendo previsão constitucional expressa, os direitos da pessoa jurídica, ainda que reconhecidos por lei, não gozam de status constitucional, podendo ser facilmente alterados pelo legislador infraconstitucional, concordamos com o professor José Afonso
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes lúnior
58
cia Silva, que afirma positivamente: A pesquisa no texto constitucional mostra "
que vários dos direitos arrolados nos incisos do art. 5. se estendem às pessoas jurídicas, tais como o princípio da isonomia, o princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo da correspondência e das comunicações em geral, a inviolabilidade do domicílio a garantia ao direito adquirido ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, assim como a proteção jurisdicional e o direito de impetrar mandado de segurança. Há até direito que é próprio de pessoa jurídica, como o direito à propriedade das marcas, aos nomes de empresa e a outros signos distintivos (logotipos marcas de fantasia, por exemplo) (Comentário contextual à Constituição, p. 65). °
,
,
,
"
Evidentemente, há direitos fundamentais que não são e não podem ser aplicados às pessoas jurídicas, pela incompatibilidade conceituai. Por exemplo, o habeas corpus, que é uma ação constitucional destinada a tutelar o direito à liberdade de locomoção não pode ser utilizada por pessoa jurídica, mas apenas e tão somente pela pessoa física. ,
O mesmo raciocínio se aplica às pessoas jurídicas estrangeiras constituídas sob as leis pátrias e que tenham sua sede no Brasil. Por exemplo o art. 222 caput, da CF determina que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País" - grifamos. ,
"
,
,
Quanto às "quase-pessoas jurídicas", também denominadas de entes despersonalizados (como Senado da República Câmara dos Deputados, Câmaras dos Vereadores Assembleias Legislativas, Tribunais etc.), afirma parte da doutrina que possuem direitos fundamentais referentes às suas respectivas naturezas. Por exemplo, terão direito, como partes, ao devido processo legal ao contraditório, à ampla defesa, mas não terão direito de se valer do habeas corpus, por exemplo. ,
,
,
Na realidade, a atribuição de direitos fundamentais às pessoas jurídicas tem o escopo final de proteger as pessoas físicas que com elas possuem uma vinculação direta ou indireta. Por exemplo: quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu à pessoa jurídica o direito de assistência judiciária gratuita, garantiu que as pessoas físicas que integram aquela pessoa jurídica tenham a possibilidade de bater às portas" do Judiciário (STF, Rcl-ED-AgR 1905/SP). "
Tema importante é se a pessoa jurídica de direito público também é titular dos direitos fundamentais, máxime porque, normalmente, é ela destinatária. Brilhante a explanação de Ingo Wolfgang Sarlet: "(...) conside-
59
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
especialmente em se tratando de um Estado Democrático de Direito, tal qual consagrado pela nossa Constituição, que o Estado e a Sociedade rando
,
não são setores isolados da existência sociojurídica, sendo precisamente no
amplo espaço do público que o indivíduo logra desenvolver livremente sua personalidade, designadamente por meio de sua participação comunitária, viabilizada em especial por meio dos direitos políticos e dos direitos de comunicação e expressão, não há como deixar de reconhecer às pessoas jurídicas de direito público, evidentemente consideradas as peculiaridades do caso, a titularidade de determinados direitos fundamentais" (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 240). esse é o atual entendimento do STE No MI 725 (cf. Informativo 466/ STF, j. 10.05.2007, DJ 28.05.2007), o Min. Gilmar Ferreira Mendes entendeu que não se deve negar aos municípios peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais (...) e a eventual possibilidade das ações constitucionais cabíveis para a sua proteção Assim, destacando que as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares de direitos fundamentais, "parece ser bastante razoável a hipótese em que o município, diante da omissão legislativa infraconstitucional impeditiva do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção Aliás
,
"
,
"
.
"
.
173 .
.
Embrião
Quando falamos de embriões, devemos verificar a existência de duas espécies diversas: (a) os embriões que se encontram nos laboratórios, con-
gelados ou não, aguardando o destino que lhes será dado; (b) os embriões já implantados no útero. Quanto aos últimos (embriões já implantados no útero), é cada vez maior o rol de direitos que lhes é reconhecido. Não é à toa que o art. 2. do Código °
Civil determina que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direito do nascituro. Primeiramente, é inegável o direito à vida dos embriões. Ora, no Brasil, o aborto é considerado crime, encontrado no art. 124 e seguintes do Código Penal. Não obstante, como sabido e consabido, esse direito não é absoluto,
haja vista as exceções legais (quando a gravidez é oriunda de estupro e quando causa risco para a vida da mãe). Trata-se de aplicação do princípio da proporcionalidade, fixado pela legislação infraconstitucional, diante de parâmetros preestabelecidos dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
60
Como veremos mais adiante nessa obra
a proporcionalidade consiste na somatória dos seguintes requisitos: (a) necessidade; (b) adequação; (c) proporcionalidade em sentido estrito (ou ponderação de interesses). Isso porque as ,
restrições a um direito fundamental serão lícitas apenas na medida do necessário à harmonização pretendida. A mitigação que se faça ao direito deverá ser a menor possível. Necessidade: quando não for possível outro jeito de harmonizar os dois direitos (no caso, levar adiante a gravidez trará danos psicológicos irreversíveis à gestante; portanto a interrupção pode ser necessária). Adequação: o meio é adequado ao fim a que se destina (por mais gravosa que seja a medida ela será adequada para fazer cessar, ou pelo menos atenuar, os males que assolam o equilíbrio psicológico da gestante). Proporcionalidade em sentido estrito: ponderação de interesses em conflito (no caso da gravidez oriunda de estupro, de um lado está a vida do feto e de outro o bem-estar psicológico da gestante fazendo a legislação infraconstitucional a opção pelo segundo bem jurídico; no caso de a gravidez causar risco para a vida da gestante estaremos diante de dois bens jurídicos semelhantes - vida da gestante e vida do feto - sendo que a primeira já está formada merecendo maior tutela legal que a segunda). ,
,
,
,
,
,
Exemplo importantíssimo de que o embrião já implantado no útero é titular de direitos é a Lei 11.804, de 05.11.2008 que trata dos alimentos "
,
"
gravídicos ou seja, os alimentos devidos pelo suposto pai desde a concepção até o parto, sendo, depois do parto, convertidos em pensão alimentícia em ,
favor do menor. Tais alimentos serão devidos sendo o feto viável ou inviável, ,
°
enquanto durar a gravidez (art. 6. )
.
Sem dúvida, a legislação sobre os alimentos gravídicos veio suprir uma grande lacuna existente no nosso ordenamento jurídico: a inexistência de regulamentação legal dos alimentos devidos ao nascituro, e percebidos pela gestante ao longo da gravidez. Segundo Patrícia Donati de Almeida, a Lei de Alimentos-Lei5.478/68-era considerada, pela maioria da doutrina um óbice à concessão de alimentos ao nascituro, haja vista a exigência, nela contida, da comprovação do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar. (...) A nova legislação entrando em contato com a realidade social, dispensa tais requisitos, sendo suficientes, para a concessão dos alimentos ao nascituro, nos termos do seu art. 6. indícios da paternidade. Note-se que os critérios para a fixação do valor a ser pago são os mesmos hoje previstos para a concessão dos alimentos convencionais: a) necessidade da autora da ação, leia-se, da gestante; b) possibilidade do réu (suposto pai). Há que se notar que, em razão da própria natureza dessa espécie de alimentos - gravídicos -, a sua duração se restringe à gravidez. Com o nascimento, com vida, do nascituro, eles se convertem em "
,
,
°
,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
61
pensão alimentícia. É o que se extrai do art. 6. parágrafo único, da norma em °
,
"
comento
(Disponível em: [www.lfg.com.br]. Acesso em 07.09.2008).
Questão extremamente polémica versa sobre os embriões que não se
encontram em fase gestacional (com vida extrauterina). É o que ocorre com os embriões excedentes que se encontram nos laboratórios destinados à realização de procedimentos direcionados à fertilização. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal se manifestou recentemente, na ADIn 3.510, ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra a Lei 11.105/2005, conhecida como "Lei de Biossegurança" (que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, e estabelece condições para essa utilização). Podemos resumir os argumentos utilizados pelo Min. Ayres Britto da
seguinte forma: (a) a lei contribuirá para a pesquisa, que potencialmente auxiliará na recuperação da saúde de muitos; (b) pessoas físicas são aquelas que sobrevivem ao parto; (c) não obstante, a dignidade da pessoa humana", na sua aplicação infraconstitucional, aplica-se aos nascituros; (d) o casal que se utiliza do procedimento da fertilização in vitro não está obrigado juridicamente a se utilizar de todos os embriões, pois não há lei que o determine (art. 5.°, II), sendo eventual imposição contrária ao planejamento familiar "
do casal (art. 226, § 7.°, CF); (e) se a vida se encerra com o fim da atividade encefálica, não havendo cérebro, não há vida.
Lembremos que a decisão do Supremo Tribunal Federal tem efeito portanto, vincula todo o Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, federal, estadual e municipal. Parece-nos, portanto,
vinculante e
,
embora digna de respeito, não mais aplicável a posição de Maria Helena Diniz no sentido de que, embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável, com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que o início legal da personalidade jurídica é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher, pois os direitos da personalidade, como o direito à vida, à integridade física e à saúde, independem do nascimento com vida (Curso de direito civil brasileiro, p. 296). "
"
1 7 .
4 Titularidade post mortem dos direitos fundamentais
.
Sobre o tema, esclarece o professor Ingo WolfgangSarlet: "No direito constitucional comparado, sempre volta a ser mencionada a assim designada sentença Mefisto do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, onde se estabeleceu
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
que a obrigação por parte do Estado de tutelar a dignidade da pessoa humana (assim como os direitos de personalidade que lhe são inerentes) não cessa com a morte. Nesse contexto situam-se, por exemplo, os direitos ao bom nome, à privacidade, à honra, bem como o dever (e direito) de respeito ao cadáver, o direito a um funeral condigno, assim como a discussão sobre a possibilidade de disposição de órgãos, entre outros" (A eficácia dos direitos fundamentais p. 236). ,
,
O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 268.660/RJ, cujo relator foi o Min. César Asfor Rocha, j. 21.11.2000, afirmou: "Os direitos da personalidade de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, como bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí por que não se pode subtrair da mãe o direito de defender a imagem de sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha de normalidade mais se desvanecem com a exaltação feita à memória e à imagem de falecida filha como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que possa lhe trazer mácula. Ademais a imagem de pessoa famosa projeta efeitos económicos para além de sua morte pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo" (grifamos).
,
,
,
,
,
Outrossim, no REsp 625.16 l/RJ, cujo relator foi o Min. Aldir Passarinho Jr., o Superior Tribunal dejustiça afirmou, dentre outros argumentos, que o devido funeral dado ao morto resulta de sua dignidade. Interessantíssima e de enorme sensibilidade constitucional foi a deci-
são prolatada pela juíza federal Cristiane Pederzolli Rentzsch, no processo 118-44.2010.4.01.3400, no processo em que o requerente era a Embaixada
da Áustria no Brasil e o requerido era o Distrito Federal em janeiro de 2010. ,
Segundo a magistrada, "a República Federativa do Brasil possui, como um
de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana (art. 1.°, caput e inciso III). Nesse diapasão a dignidade da pessoa humana não abrange o ser humano, tão somente, em seu aspecto moral, mas, também, em seu aspectofísico no direito de ter seu corpo íntegro, seja durante a vida seja após a sua morte (morte digna). Vale lembrar que conforme noticiado nos autos, o corpo de Monika Maria ,
,
,
Neuper já estaria em avançado estado de degeneração o que vem a reforçar a necessidade urgente de sua liberação e entrega aos seus parentes. (...) Assim sendo, vejo relevantes os fundamentos expostos na inicial, potencializando o fumus boni júris. (...) Ante o exposto, defiro o pedido de liminar para determinar a imediata liberação do corpo da Sra. Monika Maria Neuper (grifamos). ,
"
63
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Evidentemente, nem todos os direitos são aplicados ao falecido (direito à liberdade de locomoção, direito ã liberdade de expressão, liberdade de associação ou reunião etc.), por motivos óbvios. Não obstante, outros direitos ligados à personalidade e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana perduram após a morte. Como diz Maria Helena Diniz, ao cadáver é devido respeito. Certos direitos produzem efeito após a morte, como o direito moral do autor ( ), o direito à imagem e à honra (Curso de direito civil brasileiro, p. 224). "
"
...
Acreditamos que esse foi o entendimento do atual Código Civil, se fizermos uma interpretação conjunta dos arts. 11 e 12. Isso porque, se os direitos de personalidade são intransmissíveis, em caso de direito à imagem do morto, por exemplo, não se trata de direito dos herdeiros, mas sim direito do falecido, que será pleiteado pelos herdeiros. Não se trata, pois, de pleitear em nome próprio direito próprio, mas, sim, pleitear em nome próprio direito alheio (do falecido). 1 75 .
.
Direitos dos animais
Tradicionalmente, afirmava-se que os animais não podem ser titulares de direitos, e eventuais agressões a esses seres vivos atingiriam reflexamente o
homem (patrimonialmente, por exemplo). Não obstante, com a evolução do direito, tem-se reconhecido valor à dignidade da vida não humana, sobretudo em casos de prática de maus-tratos a animais. Como lembra Sarlet: ( ) embora o direito constitucional positivo não reconheça direta e expressamente "
...
direitos fundamentais como direitos subjetivos aos animais, no sentido de serem estes titulares de direitos desta natureza, o reconhecimento de que a vida não humana possui uma dignidade, portanto, um valor intrínseco e não meramente instrumental em relação ao homem, já tem sido objeto de chan-
cela pelo direito, e isto em vários momentos, seja no que concerne à vedação de práticas cruéis e causadoras de desnecessário sofrimento aos animais,
seja naquilo em que se vedam práticas que levem à extinção das espécies, e não pura e simplesmente por estar em risco o equilíbrio ecológico como um todo, que constitui outra importante (mas não a única) razão para a tutela constitucional, pelo menos tal qual previu o constituinte brasileiro "
.
A dúvida recai sobre a seguinte questão: existe apenas uma tutela jurídicoobjetiva da vida não humana ou existe uma titularidade subjetiva dos direitos fundamentais por parte dos animais? Ainda que seja adotada a segunda posição, evidentemente, não poderiam ser tais direitos pleiteados pelos seus detentores, mas pelo ser humano indiretamente interessado. -
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
Inclinamo-nos a defender a primeira posição ou seja, existe uma tutela jurídico-objetiva da vida não humana, amparada em vários dispositivos constitucionais que versam sobre a proteção da fauna, a necessária proteção ,
dos animais etc.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal analisou caso interessante: o conflito entre o direito à manifestação cultural e a conhecida farra do boi". Trata-sedo REsp 153.53 l/SC, com a seguinte ementa: "Costume. Manifestação cultural. Estímulo. Razoabilidade. Preservação da fauna e da flora. Animais. "
Crueldade. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da Constituição Federal
,
no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado 'farra do boi'" (grifamos). Nesse mesmo julgamento, um dos argumentos do voto do Min. Francisco Rezek é extraordinário. Afirma ele que a negligência quanto aos maus-tratos de animais, desrespeitando um dispositivo constitucional, sob o argumento de que ele não é tão relevante quanto os dispositivos constitucionais que tratam da dignidade da pessoa humana, é um grande passo em direção ao ato de negligenciar a realização de direitos humanos. Disse o Ministro: "Por que num país de dramas sociais tão pungentes, há pessoas preocupando-se com ,
a integridade física ou com a sensibilidade dos animais? Esse argumento é de uma inconsistência que rivaliza com sua impertinência. A ninguém é dado o direito de estatuir para outrem qual será sua linha de ação qual será, dentro da Constituição da República, o dispositivo que, parecendo-lhe ultrajado deva merecer seu interesse e sua busca de justiça. De resto com a negligência no que se refere à sensibilidade de animais anda-se meio caminho até a indiferença a quanto se faça a seres humanos. Essas duas formas de desídia são irmãs e quase se reúnem, escalonadamente ,
,
,
"
.
Recordando:
TITULARES
.
Regra: princípio da universalidade ("todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza ); Há distinções entre brasileiros natos e brasileiros naturalizados (estes não poderão ocupar determinados cargos etc.); O estrangeiro que se encontra regularmente em território nacional também é detentor dos direitos elencados no art. 5.° da Constituição Federal; ,
"
. .
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
TITULARES
Há direitos específicos dos estrangeiros, como o direito ao asilo político e a invocação da condição de refugiado, bem como direitos específicos de brasileiros (direitos políticos, por exemplo); Vários dos direitos arrolados nos incisos do art. 5.° se estendem às pessoas jurídicas, tais como o princípio da isonomia, o princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo da correspondência e das comunicações em geral, a inviolabilidade do domicílio, a garantia ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e
à coisa julgada, assim como a proteção jurisdicional e o direito de impetrar mandado de segurança; Há direitos fundamentais que não são e não podem ser aplicados às pessoas jurídicas, pela incompatibilidade conceituai. Por exemplo, o habeas corpus, que é uma ação constitucional destinada a tutelar o direito à liberdade de locomoção, não pode ser utilizada por pessoa jurídica, mas apenas e tão somente pela pessoa física. Quanto às "quase pessoas jurídicas", também denominadas de entes despersonalizados (como Senado da República, Câmara dos Deputados, Câmaras dos Vereadores,
Assembleias Legislativas, Tribunais etc.), afirma parte da doutrina que possuem direitos fundamentais referentes às suas respectivas naturezas. Por exemplo, terão direito, como partes, ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, mas não terão direito de se valer do habeas corpus, por exemplo. Pessoa jurídica de direito público também é titular dos direitos fundamentais (Ml 725 cf. Informativo 466/STF, j. 10.05.2007, DJ 28.05.2007). Embrião: primeiramente, é inegável o direito à vida dos embriões. Não obstante, como sabido e consabido, esse direito não é absoluto, haja vista as exceções legais (quando a gravidez é oriunda de estupro e quando causa risco para a vida da mãe). Embrião que não está no ventre materno não é titular de direitos fundamentais, segundo o STF (argumentos: I - a lei contribuirá para a pesquisa, que potencialmente auxiliará na recuperação da saúde de muitos; II - pessoas físicas são aquelas que sobrevivem ao parto; III - não obstante, a dignidade da pessoa humana", na sua aplicação infraconstitucional, aplica-se aos nascituros; IV - o casal que se utiliza do procedimento da fertilização in vitro não está obrigado juridicamente a se utilizar de todos os embriões, pois não há lei que o determine - art. 5. II -, sendo eventual imposição contrária ao planejamento familiar do casal-art. 226, § 7. CF-;V-se a vida se encerra com o fim "
°
,
°
,
da atividade encefálica, não havendo cérebro, não há vida).
Titularidade post mortem - a obrigação por parte do Estado de tutelar a dignidade da
pessoa humana (assim como os direitos de personalidade que lhe são inerentes) não cessa com a morte.
Animais: os animais não podem ser titulares de direitos, e eventuais agressões a esses seres vivos atingiriam reflexamente o homem (patrimonialmente, por exemplo).
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
66
1
.
8 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A doutrina classifica os direitos fundamentais de acordo com uma ordem
cronológica, conforme foram surgindo ao longo da história. Realmente os direitos fundamentais passaram por várias transformações seja quanto à amplitude eficácia, titularidade etc. Diante dessas transformações ocorridas no decorrer da história os direitos fundamentais foram classificados em gerações (direitos de primeira geração segunda geração, terceira geração etc.). ,
,
,
,
,
Não obstante
essa nomenclatura (geração) é cada vez mais criticada pela doutrina, porque dá a ideia de substituição de uma "antiga" geração por uma mais moderna Diante desse cenário ao contrário do que fizemos na 1 .a edição desta obra, passaremos a classificar os direitos em "dimensões" e não mais em gerações seguindo doutrina pátria e alienígena majoritária. ,
"
"
.
,
,
"
"
,
surgiram os direitos individuais, também denominados liberdades públicas" pois consistem nos chamados direitos civis e políticos, que, em sua maioria, correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, embora ainda estejam presentes em praticamente todos os textos constitucionais Esses são os chamados direitos de primeira dimensão. Como diz Celso de Mello, no MS 22.164/MS enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos económicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento e expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis pela Primeiramente
,
"
,
"
,
,
,
nota de uma essencial inexauribilidade
" .
Como exemplos de direitos de primeira dimensão temos a vida a liberdade, a propriedade, a igualdade perante a lei etc. Esses direitos foram posteriormente complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (como a liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc.) pelos direitos de participação política, como o direito de votar e ser votado, e por algumas garantias processuais (habeas corpus, direito de petição etc.). ,
,
Atualmente, novos direitos têm sido elencados pela doutrina dentre eles o direito de mudança de sexo, o de morrer dignamente etc. Sobre esse último ,
,
W7
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Elisabete Teixeira Vido dos Santos (O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana no tratamento de pacientes terminais, p. 137) fez sua dissertação de mestrado. Diz a professora: "Não se justifica, portanto, prolongar a vida em situações inaceitáveis, de tal modo que não só a vida seja prolongada,
mas, principalmente, a agonia do paciente e de todos os seus entes queridos. ( ) Não é a morte em si que deve ser evitada, mas a morte prematura, de tal modo que todas as medidas devem ser utilizadas, se houver a possibilidade de se devolver o bem-estar à pessoa, mas de maneira nenhuma se pode negar que a morte faz parte da vida, e, uma vez iniciado o processo irreversível de morrer, onde se esgotou toda a possibilidade de cura, tal situação não pode ...
ser encarada como um fracasso da medicina, mas sim o reconhecimento de um momento inevitável da vida
" .
Não obstante, como dissemos acima, trata-se de direitos de primeira dimensão, vistos sob o aspecto da atualidade, de acordo com os valores contemporâneos.
os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, económicos e culturais. O momento histórico gerador foi a Revolução Industrial europeia, Assim
,
a partir do século XIX.
Uma grande diferença se nota entre os direitos de primeira e de segunda dimensão: enquanto os direitos de primeira dimensão consistem em liberdades públicas", numa conotação negativa por parte do Estado (o Estado não poderá invadir nossa esfera de liberdade, intimidade etc.), os direitos de segunda dimensão possuem uma dimensão positiva, exigindo uma atuação positiva do Estado, para propiciar a todos o direito de participar "
do "bem-estar social". Na Constituição brasileira de 1988, tais direitos são
encontrados em inúmeros dispositivos, sobretudo a partir do art. 6. chamadas
° ,
com as
liberdades sociais", como a liberdade de sindicalização, o direito
"
de greve, bem como o reconhecimento de inúmeros direitos fundamentais dos trabalhadores, como direito a férias, décimo terceiro salário, garantia de um salário mínimo etc.
Os direitos de terceira dimensão são os direitos mais "globais", como o
preservacionismo ambiental, a proteção dos consumidores, corolários, pois, da solidariedade. A maior diferença entre esses direitos e os anteriores é a
amplitude da titularidade, mais difusa, indefinida, indeterminável, como se verifica na proteção ao meio ambiente.
Por sua vez, parte da doutrina já elenca os direitos de quarta dimensão, que seriam decorrentes da evolução no campo da engenharia genética. Segundo o
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
68
professor italiano Norberto Bobbio, já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo (apud Pedro Lenza, Direito constitucional esquematizado p. 695). Essa definição de direitos de quarta dimensão não está imune a críticas haja vista que, segundo parte da doutrina, não se trata de uma nova fase qualitativamente diversa mas apenas de uma nova roupagem dada aos tradicionais direitos individuais ligados à liberdade "
,
,
"
,
,
,
.
definição diversa é adotada por Paulo Bonavides, seguida por Ingo Wolfgang Sarlet. Para os ilustres constitucionalistas, a quarta dimensão seria composta pelos direitos à democracia direta e ao pluralismo Por esse motivo
,
.
1
9 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS
.
FUNDAMENTAIS
Podemos elencar as seguintes características dos direitos fundamentais:
a) historicidade: os direitos e garantias fundamentais possuem um caráter histórico
,
na medida em que nasceram no Cristianismo e foram evoluindo no
decorrer da história. Outrossim
,
na medida em que a sociedade evolui, tendo
novas necessidades e novos anseios
,
novos direitos vão surgindo, bem como,
de acordo com o pensamento da época certos direitos podem ser eventual,
mente afastados. Como diz Gilmar Mendes o caráter da historicidade ainda, "
,
,
explica que os direitos possam ser proclamados em certa época desaparecendo ,
em outras, ou que se modifiquem no tempo. Revela-se desse modo, a índole ,
evolutiva dos direitos fundamentais. Essa evolução é impulsionada pelas lutas em defesa de novas liberdades em face de poderes antigos - já que os direitos fundamentais costumam ir-se afirmando gradualmente - e em face das novas feições assumidas pelo poder (...). Ilustração de interesse prático acerca do aspecto da historicidade dos direitos fundamentais é dada pela evolução que se observa no direito a não receber pena de caráter perpétuo. Tanto a Constituição atual como a anterior estabeleceram vedação à pena de caráter perpétuo Esse direito que antes de 1988 se circunscrevia à esfera das reprimendas penais, passou a ser também aplicável a outras espécies de sanções". .
,
Outro caso interessante de demonstração dessa historicidade foi o
tratamento dado ao princípio do duplo grau de jurisdição A maior mudança que pôde ser vista nos últimos anos ocorreu na jurisprudência do Supremo .
Tribunal Federal. Malgrado a doutrina sempre tenha sustentado que o duplo grau de jurisdição tinha status constitucional (Ada Pellegrini afirmava que
69
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
estava implícito na estrutura do Poder Judiciário prevista na Constituição, com competência recursal; Cândido Dinamarco afirmava que estava implícito no princípio da ampla defesa etc.), o STF afirmava que tal direito tinha status infraconstitucional.
É o que se verifica na decisão proferida em 2000, pelo STF, no FIC 79785/ RJ pelo Tribunal Pleno, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence. ,
Disse o Tribunal: "I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para cor-
responder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, á moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção ,
Americana de Direitos Humanos (Pacto de Sãojosé), na qual, efetivamente, o
2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de toda pessoa acusada de delito durante o processo, 1de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior,. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, art. 8.°
,
'
,
,
sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos
,
que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São
José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de
proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas" (grifamos). Atualmente
,
não é essa mais a posição dos Tribunais Superiores. No HC
88.420-2, o rei. Min. Ricardo Lewandowski afirmou: "bem sopesada a questão, tenho para mim que o direito ao duplo grau de jurisdição tem estatura constitucional, ainda que a Carta Magna a ele não faça menção direta, como o fez a Constituição de 1824. Isso porque entendo que o direito ao dueprocess oflaw, abrigado no 5. LIV, da Lei Maior, contempla a possibilidade de revisão, por tribunal superior, de sentença proferida por juízo monocrático °
,
"
.
Esse também é o entendimento atual do STJ: "Tribunal de Justiça do
Mato Grosso do Sul não conheceu do recurso de apelação, por considerálo intempestivo vez que o paciente deveria se recolher à prisão para poder -
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes lúnior
70
apelar. A garantia do duplo grau de jurisdição está expressamente prevista no Pacto de São José da Costa Rica sendo corolário do Princípio do Devido Processo Legal e como tal, tem estatura constitucional. Assim, a impossi,
,
bilidade de revisão da decisão por Tribunal fere princípio constitucional do devido processo legal não podendo prosperar. (HC 90687/MS, rei. Min. Jane Silva, desembargadora convocada do TJ/MG) ,
.
b) universalidade: destinam-se de modo indistinto, a todos os seres ,
humanos. Por esse motivo
,
a interpretação restritiva do art. 5.°, caput, da CF,
que exclui o estrangeiro de passagem pelo território brasileiro, não nos parece acertada. Não obstante
,
como lembra Ingo Wolfgang Sarlet, "de acordo com o
princípio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas, são titulares de direitos e deveres fundamentais
,
o que, por sua vez, não significa
que não possa haver diferenças a serem consideradas, inclusive, em alguns casos por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expres,
samente estabelecidas pela Constituição como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado algumas distinções relativas aos estrangeiros, ,
,
"
entre outras
(A eficácia dos direitos fundamentais, p. 229).
Evidentemente
quando afirmamos que todos" são titulares dos direitos "
,
fundamentais
devemos entender tal expressão, com reservas. Isso porque há certos direitos que são reservados apenas a algumas pessoas em razão da sua ,
,
natureza jurídica ou em razão de suas peculiaridades fáticas Assim, apenas .
brasileiros e portugueses equiparados são titulares de direitos políticos Da mesma forma alguns direitos são específicos das pessoas jurídicas (nome empresarial etc.). Assim podemos dizer que, atendidas as peculiaridades específicas de cada direito partimos do pressuposto que todos são titulares .
,
,
,
dos direitos.
c) limitabilidade ou relatividade: os direitos fundamentais não são absolu-
tos, mas relativos. Como é absolutamente natural que haja um conflito de direitos fundamentais
,
na análise de um caso concreto, se tivéssemos um direito
fundamental absoluto
qualquer outro direito que contra ele se opusesse, seria aprioristicamente afastado. A relatividade dos direitos fundamentais pode ,
ser constatada até mesmo na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no seu artigo 29: "Toda pessoa tem deveres com a comunidade posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. ,
No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais e do bem-estar de uma sociedade democrática
71
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Algumas vezes essas limitações são previstas expressamente na Constituição Federal. Quanto a Constituição estabelece, em seu art. 5.°, XIII, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, logo na sequência dispõe: "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Ou seja, a lei pode limitar o acesso a algumas profissionais, baseando-se em outros direitos fundamentais.
Até mesmo a vida, que é o maior bem jurídico (já que, sem ela, não se posso gozar de nenhum outro direito, via de regra), não é um direito absoluto. A própria Constituição Brasileira admite a pena de morte, em caso de guerra declarada. No nosso Código Penal Militar, crimes como a traição são punidos com a pena capital. Da mesma forma, é admitida no direito brasileiro uma hipótese bastante controvertida de aborto legal: o aborto sentimental (quando a gravidez decorre
de estupro). É inegável que, passados alguns meses, o embrião tem vida e dela é titular (como vimos em item anterior). Não obstante, baseando-se em
outros direitos fundamentais, o Código Penal, em seu art. 128, admitiu tal modalidade de aborto.
Inúmeros outros direitos podem ser limitados pela lei ou por outros direitos. A liberdade de manifestação encontra limites na intimidade, na honra
alheia, por exemplo. A liberdade de religião igualmente não é absoluta, pois jamais admitiríamos uma seita que adote como prática religiosa o sacrifício humano etc.
Não obstante, parte da doutrina busca elencar alguns direitos absolutos. Norberto Bobbio menciona um direito, proclamado em instrumentos inter-
nacionais, que seria absoluto: o direito a não ser escravizado (apud Gilmar Mendes Curso de Direito Constitucional, p. 241). Gilmar Mendes afirma que o direito de não ser submetido a penas cruéis (art. 5. XLVII, e) não parece ,
°
"
,
tampouco suscetível de limitação. Isso talvez se explique tendo em conta que tal direito, na realidade, expressa perspectiva do núcleo essencial do direito à incolumidade física" (Curso de Direito Constitucional, p. 241).
O exemplo mais comum mencionado pela doutrina de "direito absoluto" está previsto no art. 5. Ill, da Constituição Federal: "ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante". °
,
Diz Uadi Lammêgo Bulos: "Aqui não existe relatividade alguma. O marginal, assaltante, sequestrador, meliante, corrupto ou monstro da pior estirpe não pode ser torturado com o uso de expedientes psíquicos ou materiais. Aqui o inciso 111 do art. 5. da Carta Maior consagra, sim, uma garantia ilimitada e '
°
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
72
absoluta. Do contrário, fulminar-se-ia o Estado Democrático de Direito (CF art. 1. ) fomentando-se a cultura do 1olho por olho, dente por dente,. (...)
,
°
,
Assim, salvo hipóteses específicas, como a da proibição à tortura as liberdades ,
públicas possuem limites, não servindo de substrato para a salvaguarda de práticas ilícitas (Curso de direito constitucional, p. 424). "
Esse argumento, embora sedutor e garantista, encontra exceções fora do Brasil, sobretudo quando confrontado com situações absolutamente extremas, como a prática do terrorismo. Jorge Marmelstein (Disponível em: [www. direitosfundamentais.net). Acesso em 01.12.2008) lembra que o Presidente dos Estados Unidos George Walker Bush defendeu abertamente a utilização em caso de terrorismo, da técnica de interrogatório chamada waterboarding, que consiste basicamente em pendurar o prisioneiro de cabeça para baixo e descê-lo até o pescoço em um recipiente com água, causando a sensação de sufocamento, sob o argumento de que não se trata de tortura (mas sim uma técnica para obtenção da verdade, no intuito de salvar vidas humanas). No mesmo cenário, a Alta Corte de Justiça de Israel decidiu que não constitui tortura a colocação de sacos na cabeça durante o interrogatório de presos acusados de terrorismo. A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) também julgou no mesmo sentido, considerando válidas algumas técnicas bastante rígidas utilizadas pela polícia britânica para interrogar pessoas suspeitas de envolvimento com o IRA. ,
Recentemente, houve um embate ideológico no Jornal Carta Forense, realizado entre o juiz Guilherme de Souza Nucci e o Promotor dejustiça Eduardo
Roberto Alcântara Del-Campo. Os argumentos são fortes de ambas as partes. Disse o juiz que: "por qualquer ângulo que se possa analisar a questão a tortura é crime equiparado ao hedindo, manifestamente torpe devendo ser banida de vez do cenário jurídico inexistindo qualquer fundamento lógico para ressuscitála, trazendo-a ao palco das necessidades instrumentais de combate ao crime, seja este qual for. O Estado brasileiro é democrático e de direito; jamais deve ,
,
,
-
"
voltar-se à tirania e à violência contra a sociedade que o sustenta De outro lado
.
o Promotor dejustiça sobremencionado afirma que, se considerarmos esse direito realmente absoluto e intangível, teríamos de en,
"
frentar o paradoxo hipotético extremo de ter de sacrificar toda a humanidade
para garantir o direito de silêncio ou a integridade de um único ser humano, o que não seria razoável nem lógico Por fim, diz o Promotor: "Os que estiverem no interior de uma aeronave sequestrada, ao lado de sua família, a caminho da morte, que respondam se desejam sacrificar suas vidas pelo direito à integridade física do terrorista. Todo o resto é hipocrisia e farisaísmo "
.
"
.
73
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Entendemos que, como os direitos fundamentais são postos em nossa Constituição como princípios, e não regras, devem ser considerados como mandamentos de otimização, ou seja, devem ser cumpridos no grau máximo de sua efetividade. No caso do art. 5.°, III, da Constituição Federal, ele realmente chega bem perto da eficácia absoluta. Ora, ninguém em sã consciência
defenderá a prática da tortura para se obter confissão em crimes hediondos ou quaisquer outros crimes ocorridos em nossa realidade contemporânea. O Brasil já passou recentemente por um período em que a tortura era utilizada como método de investigação produzindo uma chaga que jamais será "
"
,
cicatrizada.
Ocorre que, não se pode olvidar que, em situações extremas, longínquas da realidade social brasileira, a tortura pode ser a única forma de se salvar milhares, milhões de pessoas. Muitos chamam essa exceção hipotética de cenário da bomba-relógio (Ticking Bomb Scenario). O exemplo hipotético seria esse: Suponha que alguém envolvido em um ataque terrorista iminente, que matará milhões de pessoas, foi capturado pelas autoridades e que só se for torturado revelará as informações necessárias para impedir o atentado. A informação obtida dá conta de que em uma hora, haverá explosões simultâneas em todo o país. O terrorista capturado tem em suas mãos um controle remoto capaz de desarmar num clique todas as bombas, apenas com uma senha. A polícia leva o terrorista até o STE Qual a solução? Morramos todos em nome da integridade física do terrorista e em respeito ao art. 5. III, da "
,
°
,
Constituição Federal?
É claro que esse exemplo é exagerado. Ele só é feito nessas proporções porque a vedação à tortura é quase absoluto, por fazer parte do elemento essencial do direito à integridade física. Evidentemente, essa exceção não pode ser vista como a porta de entrada das exceções, admitindo-se a tortura para outras situações menos extremas.
Jamais! A tortura é crime equiparado a hediondo e, se praticada no Brasil, por quem quer que seja, terá o tratamento rigoroso dado pela Constituição (crime inafiançável, insuscetível de graça, anistia etc.) e pelas leis (regime inicialmente fechado etc.).
Tentando desconstruir o argumento do "Cenário da Bomba-Relógio", a Associação para a Prevenção da Tortura - The Association for the Prevention of Torture (APT), entidade não governamental criada em 1977 e localizada em Genebra, publicou um texto denominado: Defusion the Ticking-Bomb Scenario" (Desativando o Cenário da Bomba-Relógio). Diz o texto: "Qualquer "
74
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
exceção jurídica criada devido ao Cenário da Bomba-Relógio nos precipitaria inevitavelmente em uma ladeira escorregadia ao fundo da qual a tortura se tornaria arbitrária e impune ou disseminada e sistemática, ou tudo isso. O resultado final de qualquer brecha na proibição da tortura é a erosão das instituições democráticas e a destruição de qualquer sociedade aberta, livre e justa. Em conclusão, teremos muito mais a perder, criando uma exceção jurídica para acomodar um futuro Cenário da Bomba-Relógio, do que mantendo a proibição absoluta da tortura, mesmo que isto signifique assumir algum risco hipotético. E isso devido ao fato de não estar em jogo o que poderíamos fazer em um futuro imaginário, mas o tipo de sociedade na qual queremos viver hoje ,
,
e todos os dias
" .
A conclusão a que chega o sobredito documento nos parece exagerada e/ou equivocada: Por sua própria natureza, uma lei que estabeleça exceções para lidar com riscos futuros, em grande parte desconhecidos, pode enfraquecer a efetividade da proibição absoluta no presente. Isto em parte se deve ao fato de que a brecha legal precisa ser elaborada em termos amplos, para abranger elementos específicos de qualquer situação surgida no mundo real. Em decorrência disso, poderá ser aplicada a casos muito distintos daqueles para os quais foi originalmente elaborada. (...) A lei, como instituição, não pode acomodar qualquer exceção à proibição da tortura sem que esta rapidamente se torne inócua. Criar uma exceção legal à proibição da tortura, na prática, significaria abrir as comportas à aplicação da tortura de forma muito "
mais disseminada
" .
Ora, como sabemos, os princípios não são limitados apenas por leis. Não precisamos e não queremos uma lei infraconstitucional permitindo a tortura, em alguns casos. Seria ela inconstitucional. Não obstante não temos como impedir que o direito previsto no art. 5 III (ou qualquer outro direito fundamental) seja limitado, no caso concreto por outros direitos que com ,
0
,
,
ele entram em conflito.
d) concorrência: podem ser exercidos simultaneamente (ao mesmo tempo que o jornalista transmite uma notícia - colocando em prática o direito de informação emite sua opinião, colocando em prática o direito de opinião). Canotilho exemplifica a concorrência de direitos, que ele chama de "
acumulação de direitos
"
:
"Outro modo de concorrência de direitos verifica-
se com a acumulação de vários direitos que se entrecruzam entre si; um determinado 'bem jurídico, leva à acumulação, na mesma pessoa de vários direitos fundamentais. Assim, por exemplo, a 1participação na vida pública, -
,
75
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
é erigida pela CRP em 'instrumento de consolidação do regime democrático,. Para se obter uma eficaz proteção deste 1bem constitucional, é necessário '
acumular no cidadão vários direitos, que vão desde o direito geral de tomar parte na vida pública e na direção dos assuntos políticos do país (art. 48) até ao direito de sufrágio (art. 49), passando pela liberdade partidária (art. 51), o direito de esclarecimento e informação sobre os atos do Estado e gestão de assuntos públicos, o direito de petição e ação popular (art. 52) e o direito de ,
reunião e manifestação (art. 45) (Direito constitucional e teoria da constitui"
ção, p. 1251-1252); e) inalienabilidade: primeiramente, os direitos fundamentais são inaliepois são inegociáveis, instransferíveis, já que seu titular não pode se despojar deles, haja vista que são, normalmente, desprovidos de conteúdo económico patrimonial. Assim, os seus titulares não podem vendê-los, alienálos, comercializá-los etc. Exemplo: a função social da propriedade não pode ser vendida porque não corresponde a um bem disponível (art. 5. XXIII). náveis
,
-
°
,
Como lembra Gilmar Mendes "inalienável é um direito ou uma coisa em
relação a que estão excluídos quaisquer atos de disposição, quer jurídica compra e venda, doação -, quer material - destruição material do bem. Isso significa que um direito inalienável não admite que o seu titular o torne impossível de ser exercitado para si mesmo, física ou juridicamente. Nesse sentido, o direito à integridade física é inalienável, o indivíduo não pode vender uma parte do seu corpo ou uma função vital, nem tampouco renúncia
,
se mutilar voluntariamente
"
(Curso de direito constitucional, p. 242). Alguns
autores usam a inalienabilidade como sinónimo de indisponibilidade ou irrenunciabilidade. Quanto à indisponibilidade ou irrenunciabilidade, podemos afirmar que os direitos fundamentais não podem ser renunciados, malgrado a pessoa possa deixar de se utilizar de um direito por um tempo.
É o que diz Dirley da Cunha Júnior: "os direitos fundamentais são irrenunciáveis, uma vez que seu titular deles não pode dispor, embora possa deixar
de exercê-los. É admissíveis, portanto, sob certas condições, a autolimitação voluntária ao exercício dos direitos fundamentais num caso concreto, que deve estar sempre sujeita à reserva de revogação, a todo tempo" (Curso de direito constitucional, p. 587). Na realidade
,
esse é o pensamento de Canotilho, ao afirmar que
"
os
direitos fundamentais, como totalidade, são irrenunciáveis; os direitos, liber-
dades e garantias, isoladamente considerados, são também irrenunciáveis, devendo distinguir-se entre renúncia ao núcleo substancial do direito (constitucionalmente proibida) e limitação voluntária ao exercício (aceitáveis sob
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
76
certas condições) de direitos; (...) a admissibilidade de uma autorrestrição
mais ampla que a restrição legal está sujeita ao mesmo limite absoluto da reserva de lei restritiva - manutenção do núcleo essencial do direito afetado; a autolimitação voluntária ao exercício de um direito num caso concreto
(uma renúncia geral de exercício é inadmissível) deve considerar-se sempre sob reserva de revogação a todo tempo. (...) Da renúncia de direitos deve distinguir-se o não exercício fático de um direito. (...) Poderá, assim, existir uma disposição individual acerca de posições de direitos fundamentais mas o uso negativo de um direito não significa renúncia a esse mesmo direito" (Direito constitucional, p. 460). ,
,
1
Assim, diante da doutrina do mestre português, podemos chegar às seguintes conclusões: a) os direitos fundamentais na sua totalidade, são irrenunciáveis; ,
b) os direitos fundamentais, considerados isoladamente também são ,
irrenunciáveis;
c) a restrição voluntária a um direito fundamental num caso concreto
não pode ferir o núcleo essencial do direito fundamental (tema que vimos em item anterior);
d) a pessoa não pode renunciar ao seu direito fundamental mas pode não exercer faticamente o direito por certo tempo; ,
e) a autolimitação voluntária do direito está sujeita à revogação a todo ,
tempo (por exemplo, um candidato que participa de um reality show e portanto, deixa de exercer sua intimidade por um tempo, a qualquer momento pode desistir de participar desse programa, retomando seu direito fundamental). ,
Sobre esse tema (intimidade e reality shows), Paula Fernanda Gorzoni ( ) não deveria o Estado agir paternalisticamente neste âmbito e impor escolhas estritamente pessoais aos particulares como um ideal ou projetos relacionados a convicções religiosas, mesmo que estas escolhas violem seus próprios direitos fundamentais. Isso implicaria um juízo de valor por parte do Estado para decidir o que é bom ou ruim para cada indivíduo, um juízo acerca da verdade moral. Esse juízo depende de como cada pessoa determina o bem e o mal, isto é, seus valores morais religiosos, intelectuais e estéticos, que estão ligados a concepção de homem de cada um e das necessidades básicas da natureza de cada um. Assim,nestes casos, deveria prevalecer o princípio da autonomia pessoal. (...) um participante do Big Brother tem afirma:
"
...
,
,
sua privacidade violada, porém tal fato constitui resultado de situação que
77
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
a própria pessoa escolheu. Se o indivíduo decidiu participar do programa por convicção própria, porque considera relevante para sua vida (muitos participam com o intuito de alcançar a fama, se tornar uma celebridade), em princípio deveria prevalecer essa escolha do particular. Não cabe ao Estado decidir o que é melhor para a vida de cada um neste aspecto existencial e aqui não se enfatiza o fato de haver desigualdade fática entre os sujeitos privados (participantes do reality show e emissora de TV). Como é possível observar, a relação também é contratual, porém o que prevalece neste caso não é o aspecto patrimonial e sim existencial (Disponível em: [http://www.sbdp.org. br/arquivos/monografia/70 Paula%20Gorzoni.pdf]. Acesso em: 17.03.2010). '
,
"
_
f) imprescritibilidade: o passar do tempo não retira a possibilidade de exercício do direito fundamental. Como diz José Afonso da Silva,
"
o exercício
de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição" (Curso de direito constitucional positivo, p. 181). Por exemplo, um artista que por 20 anos praticou a denominada evasão de privacidade expondo sua vida íntima em todas as revistas com requintes de detalhes, poderá, na sua maturidade, exigir respeito do Estado e dos particulares à sua vida privada. "
"
,
,
Recordando:
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .
Historicidade;
.
Os direitos e garantias fundamentais possuem um caráter histórico na medida em que ,
nasceram no Cristianismo e foram evoluindo no decorrer da história. Outrossim, na
medida em que a sociedade evolui, tendo novas necessidades e novos anseios, novos direitos vão surgindo, bem como, de acordo com o pensamento da época, certos direitos podem ser eventualmente afastados; .
Universalidade;
.
Os direitos fundamentais são destinados de modo indistinto, a todos os seres humanos. ,
Por esse motivo, a interpretação restritiva do art. 5.°, caput, da CF, que exclui o estrangeiro de passagem pelo território brasileiro, não nos parece acertada; .
Limitabilidade ou relatividade;
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais não são absolutos, mas relativos. Como é absolutamente na-
tural que haja um conflito de direitos fundamentais, na análise de um caso concreto, se tivéssemos um direito fundamental absoluto, qualquer outro direito que contra ele se opusesse, seria aprioristicamente afastado; Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no seu art. 29; Algumas vezes essas limitações são previstas expressamente na Constituição Federal (art. 5.°, XIII, por exemplo); Não obstante, parte da doutrina busca elencar alguns direitos absolutos. Norberto Bobbio menciona um direito proclamado em instrumentos internacionais, que seria absoluto: o direito a não ser escravizado (apud Gilmar Mendes, Curso de Direito Constitucional, p. 241). Gilmar Mendes afirma que "o direito de não ser submetido a penas cruéis (art. 5.°, XLVII, e) não parece tampouco suscetível de limitação. Isso talvez se explique tendo em conta que tal direito, na realidade, expressa perspectiva do núcleo essencial do direito à incolumidade física (Curso de Direito Constitucional, p. 241); O exemplo mais comum mencionado pela doutrina de "direito absoluto" está previsto no art. 5.°, Ill, da Constituição Federal: "ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante"; "
Concorrência;
Podem ser exercidos simultaneamente (ao mesmo tempo que o jornalista transmite uma notícia - colocando em prática o direito de informação -, emite sua opinião colocando em prática o direito de opinião); Inalienabi lidade/indispon ibilidade/irrenunciabi I idade; Primeiramente, os direitos fundamentais são inalienáveis, pois são inegociáveis, intransferíveis, já que seu titular não pode se despojar deles, haja vista que são normalmente, desprovidos de conteúdo económico patrimonial. Assim, os seus titulares não podem vendê-los, aliená-los, comercializá-los etc; ,
,
a) Os direitos fundamentais, na sua totalidade, são irrenunciáveis; b) Os direitos fundamentais, considerados isoladamente, também são irrenunciáveis;
c) A restrição voluntária a um direito fundamental num caso concreto não pode ferir o núcleo essencial do direito fundamental (tema que vimos em item anterior); d) A pessoa não pode renunciar ao seu direito fundamental, mas pode não exercer faticamente o direito por certo tempo; e) A autolimitação voluntária do direito está sujeita à revogação, a todo tempo (por exemplo, um candidato que participa de um reality show e, portanto, deixa de exercer sua intimidade por um tempo, a qualquer momento pode desistir de participar desse programa, retomando seu direito fundamental); Imprescritibilidade; O passar do tempo não retira a possibilidade de exercício do direito fundamental. Por exemplo, um artista que por 20 anos praticou a denominada evasão de privacidade "
"
,
expondo sua vida íntima em todas as revistas, com requintes de detalhes, poderá, na sua maturidade, exigir respeito do Estado e dos particulares à sua vida privada;
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 1
.
79
10 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais, como se verá no item seguinte, vinculam não somente o Estado, como também os particulares (em maior ou menor
grau, de acordo com a teoria adotada). Quanto aos poderes constituídos, de forma inequívoca estão eles submetidos aos direitos fundamentais, devendo sempre estar em conformidade com eles. Como diz Gilmar Mendes, "o ,
fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos. A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos - dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem (Curso de direito constitucional, p. 245). "
1
.
10.1 Vinculação ao Poder Legislativo
Primeiramente, o legislador, no momento de edição das normas, deve se preocupar com seu conteúdo, que não poderá afrontar os direitos fundamentais. Não obstante, como vimos em item anterior, não é impossível que a lei limite o direito fundamental. Esse é um equívoco bastante comum na doutrina e até mesmo na jurisprudência. Como dispõem as constituições europeias, a limitação do direito fundamental é possível, desde que não haja afronta ao núcleo essencial do direito fundamental. No ordenamento jurídico brasileiro, encontramos leis infraconstitucionais que limitam os direitos fundamentais, de forma constitucional. Por exemplo, a Lei 11.900/2009 restringiu o direito
de presença, disciplinando o interrogatório por videoconferência, em casos excepcionais. Não obstante, se essa limitação feita pelo legislador atenta contra o núcleo essencial do direito fundamental, essa lei será inconstitucional.
Assim, entendemos que a Lei 11.690/2008, ao admitir a prova ilícita por derivação quando produzida por uma fonte independente, é inconstitucional (não por limitar o direito fundamental - pois, como sabemos, isso é possível mas por limitar demasiadamente tal direito, ferindo seu núcleo essencial).
-
o Supremo Tribunal Federal entendeu que a cláusula prevista no art. 2. da Lei de Crimes Hediondos que previa o regime integralmente fechado era inconstitucional por ferir o núcleo essencial do direito à individualização da pena. Da mesma forma
,
°
HO
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
Alguns exemplos de inconstitucionalidade material manifesta não chegaram a ser aprovados pelo Congresso Nacional mas são dignos de nota. ,
Em 2004, o deputado federal Nazareno Fonteles do PT do Piauí elaborou projeto de Lei Complementar (PLC 137) no intuito de estabelecer o limite máximo de consumo e a poupança fraterna Segundo o projeto de lei, nenhum ,
"
"
.
brasileiro poderia gastar mais de R$ 8.766,00 por mês, o que corresponderia ao Limite Máximo de Consumo", definido pelo art. 1.° como "dez vezes o valor da renda per capita nacional, mensal, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em relação ao ano anterior Outrossim, "
"
.
,
todos os valores que excedessem o "Limite Máximo de Consumo" deveriam ser depositados em contas de poupança no Banco do Brasil e na Caixa Económica Federal (a Poupança Fraterna) permanecendo retidos por sete anos, devendo ser devolvidos aos seus proprietários durante os quatorze anos seguintes, em parcelas mensais. ,
,
,
Ora, tal projeto de lei é de flagrante inconstitucionalidade limitando o direito à propriedade, previsto no art. 5.° da Constituição Federal de maneira ,
,
absolutamente exagerada demasiada e inadmissível. ,
Nesse mesmo período o deputado federal Irapuan Teixeira apresentou dois projetos de lei com igual característica. Um deles tornaria obrigatória ,
a adoção da Bíblia como livro didático obrigatório na disciplina de História no ensino médio. O art. 1.°
,
do referido projeto de lei apregoa: "É obrigatória
a adoção da Bíblia Sagrada como livro didático na disciplina de história nas escolas do ensino médio Ora, tal dispositivo, no nosso entender, viola enormemente o art. 5. VI, da Constituição Federal, na medida em que impõe aos estudantes o livro de uma religião específica olvidando-se que o Brasil é ,
"
.
°
,
,
um Estado laico, desde a Constituição de 1891.
Na mesma toada, outro projeto de lei do mesmo deputado previa a doação compulsória de órgãos" para os condenados a penas privativas de liberdade superiores a 30 anos. O projeto de lei chega a elencar quais são os órgãos que poderiam ser removidos compulsoriamente (1/3 do fígado um pulmão, um rim e uma córnea!). Ou seja, condenado a uma pena superiora 30 anos, o preso ficaria sem um rim, um terço do fígado ou cego de um olho. Dispõe o art. 3.° do referido projeto: "A pena de doação compulsória de órgãos em vida é cumulativa à pena privativa de liberdade e aplicável aos condenados com sentença transitada em julgado, em dois ou mais homicídios dolosos cuja pena seja igual ou superior a trinta anos de reclusão. Poderá ser doado apenas um dos órgãos duplos (córnea, rim, pulmão), além da medula ou 1/3 "
,
,
81
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
do fígado". Ora, uma Constituição que prevê que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5.°, III, CF), que veda a aplicação de penas cruéis (art. 5.°, XLVI) e tem como fundamento da República a digni-
dade da pessoa humana (art. 1.°) não toleraria jamais a mutilação de presos. Lembramos que a limitação dos direitos fundamentais, quando permitida (não ferindo o núcleo essencial), deve ser respeitada também se estivermos diante de normas constitucionais de eficácia contida, redutível, ou restringível. Assim por exemplo, o art. 5. XIII, prevê ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A lei pode (como já fez o Estatuto da OAB) limitar o acesso à advocacia, prevendo a necessária aprovação no sobredito Exame. °
,
,
Malgrado haja poucas decisões em sentido contrário, tal limitação é
constitucional. É um dos poucos casos de limitação de direito fundamental, permitida expressamente pela Constituição (art. 5. XIII). Não obstante, como dissemos, há poucas decisões, na sua maioria de primeira instância, °
,
declarando a inconstitucionalidade do Exame da OAB, em sede de controle
difuso de constitucionalidade. Por exemplo, ajuíza da 23.a vara Federal do Rio de Janeiro Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho em Mandado de ,
Segurança (2007.51.01.027448-4) julgou: "em virtude da inconstitucionalidade da exigência de aprovação em exame de ordem", determino que a OAB se abstenha de exigir dos autores a referida aprovação para fins de concessão de registro profissional aos impetrantes". Outrossim, conforme publicado "
em notícia na internet (Disponível em: [http://www.conjur.com.br/2007nov-15/exame ordem inconstitucional ilegal imoral?pagina=3]. Acesso em: 17 de março de 2010), Luciano Cavalheiro advoga há mais de um ano -
_
_
_
_
sem fazer o Exame de Ordem, com a decisão da 3.a Vara da Justiça Federal de
Porto Alegre - Ação 2004.71.00.036913-3 - exarada pelo juiz federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia que destaca: "Inconstitucional a exigência do Exame de Ordem há que se julgar procedente o pedido, de modo a assegurar a inscrição perante o quadro de advogados da OAB, RS Interpostos recurso e agravos pela OAB/RS, foram todos rejeitados pelo Desembargador Federal do TRF da 4.f Região, Edgar Antonio Lippmann Júnior. ,
"
.
Com o devido respeito, parece que todas essas decisões são equivocadas. Vimos em item anterior a possibilidade (e muitas vezes necessidade) de limitação de certos direitos fundamentais pela legislação infraconstitucional. O que nos parece ser absolutamente inadmissível é a limitação do número de exames da OAB por candidato (que, aliás, já foi objeto de proposta no passado). Isso seria inconstitucional, pois reduziria de forma demasiada o direito
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes lúnior
82
ao trabalho
,
ferindo seu núcleo essencial. Aliás, esse é o entendimento de Luiz
Alberto David Araújo: "O legislador infraconstitucional (...) não recebe uma autorização ilimitada de redução do comando constitucional. Deve sempre preservar um conteúdo mínimo do direito, sob pena de estar descaracterizando a norma constitucional. A legislação restritiva (autorizada constitucionalmente) deve limitar-se ao conteúdo mínimo sob pena de sufocar o direito garantido constitucionalmente. Figure-se a hipótese absurda de o legislador infraconsti,
tucional, ou mesmo o Conselho Federal da OAB, fixar o Exame da Ordem em
dez fases anuais e eliminatórias. Nesse caso, o exercício profissional só poderia ser exercido depois de dez anos de término do curso de cinco anos. Evidentemente, o direito ao livre exercício profissional estaria sufocado pela legislação infraconstitucional" (Curso de Direito Constitucional p. 20). ,
Além da possível limitação aos direitos fundamentais desde que respeitando o núcleo essencial dos direitos, o legislador muitas vezes tem o dever de legislar diante da determinação constitucional. Isso porque, muitas vezes, a Constituição prevê o direito a uma prestação jurídica. Segundo Gilmar Mendes, "há direitos fundamentais cujo objeto se esgota na satisfação pelo Estado de uma prestação de natureza jurídica. O objeto do direito será a normação pelo Estado do bem jurídico protegido como direito fundamental. Essa prestação jurídica pode consistir na emissão de normas jurídicas penais ou de normas de organização e de procedimento Por exemplo, no art. 5.°, XLII, a Constituição determina que a lei disciplinará o crime de racismo já antecipando que a pena será de reclusão ("a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei"). Da mesma forma, o artigo 5.°, XXXII, afirma que "o Estado promo,
,
"
.
,
verá, na forma da lei, a defesa do consumidor Nesses casos e em outros semelhantes, o dever do Estado é fazer a lei. Se não a fizer, estaremos diante "
.
,
da inconstitucionalidade por omissão. Por fim, outra vinculação ao Poder Legislativo pode ser vislumbrada. A partir do momento em que o Legislador regulamentou um direito fundamental, não pode revogar essa regulamentação, sem lhe dar um substituto a altura, sob pena de ferir o princípio da proibição do retrocesso Como diz Gilmar Mendes, quem admite tal princípio sustenta que, "no que pertine a direitos fundamentais que dependem de desenvolvimento legislativo para se concretizar, uma vez obtido certo grau de sua realização, legislação posterior não pode reverter as conquistas obtidas. A realização do direito pelo legislador constituiria, ela própria, uma barreira para que a proteção atingida seja desfeita sem compensações" (Curso de direito constitucional p. 246). "
"
.
,
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
1
10.2 Vinculação ao Poder Executivo
.
Assim como os direitos fundamentais vinculam o Poder Legislativo, também vinculam o Poder Executivo que, em todos os seus atos, deverá respeitar o conteúdo desses direitos fundamentais. Isso se aplica não apenas para as pessoas jurídicas de direito público, mas também para as pessoas de direito privado que disponham de poderes públicos, de faculdades do jus imperium, ao tratar com o particular. Como afirma Gilmar Mendes: A vinculação da Administração às normas de direitos fundamentais torna nulos os atos praticados com ofensa ao sistema desses direitos. De outra parte, a Administração deve interpretar e aplicar as leis segundo os direitos fundamentais. A atividade discricionária da Administração não pode deixar de respeitar os limites que lhe acenam os direitos fundamentais. Em especial, os direitos fundamentais devem ser considerados na interpretação e aplicação, pelo administrador público, de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados (Curso de Direito Constitucional, p. 247). "
"
Assim, por exemplo, na realização de um concurso público, não pode a Administração fixar a idade máxima, sob pena de ferir o princípio da igualdade (salvo quando houver estreita vinculação entre o limite etário e a atividade exercida).
Essa foi a posição do Supremo Tribunal Federal em várias situações A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, aplicável ao sistema de pessoal civil, veda diferença de critérios de admissão em razão de idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei
semelhantes:
"
e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Existência de disposição constitucional estadual que, a exemplo da federal, também veda o discrime "
(RE 140945 / RJ - Rio de Janeiro - Recurso Extraordinário - Rei. Min. limar
Galvão, Julgamento: 04/08/1995). Nesse mesmo sentido: "Inadmissibilidade do discrime, face ao princípio da igualdade que, em vista das normas em referência, aplica-se ao sistema de pessoal civil do Município, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Constituição e aquelas em que a limitação de idade constitua requisito necessário em razão da natureza e das
atribuições do cargo a preencher. Orientação assentada pela jurisprudência do STF, de que se desviou a decisão recorrida. Recurso provido. Segurança concedida (RE 165305/ RS, rei. Min. limar Galvão, 07.06.1994). Por fim, "
"
no RE 156404/BA, o Supremo Tribunal Federal decidiu: Concurso público: indeferimento de inscrição fundada em imposição legal de limite de idade,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
84
que configura, nas circunstâncias do caso, discriminação inconstitucional (CF, arts. 5.° e 7.°, XXX): segurança concedida. A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade (CF art. 7. XXX) e corolário, na esfera das relações de trabalho do princípio fundamental de igualdade (CF, art. 5.° caput), que se estende, a falta de exclusão constitucional inequívoca (como ocorre em relação aos militares - CF art. 42, § 11), a todo o sistema do pessoal civil. É ponderável não obstante, a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Esse não é o caso porém, quando, como se da na espécie, a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado". °
,
,
,
,
,
,
,
,
Por fim
"
segundo a Súmula 683 do STF, o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.°, XXX, da Constituição, ,
quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido Grande e antiga discussão versa sobre a possibilidade de o Poder Execu"
.
tivo declarar uma lei inconstitucional. Antes do advento da Constituição de
esse entendimento era pacífico. Isso porque somente o Procurador Geral da República poderia ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade. O chefe do Poder Executivo máxime prefeitos e vereadores, ficariam à mercê de leis flagrantemente inconstitucionais cujo cumprimento poderia prejudicar de forma irreversível a administração pública e por consequência, a população. 1988
,
,
,
,
Com a Constituição de 1988, a titularidade da Ação Direta de Inconsti-
tucionalidade foi bastante ampliada. Isso é consequência daquilo que Mauro Cappelletti e Brian Garth chamam de "ondas renovatórias" para o acesso à justiça. Segundo os sobreditos autores, três seriam as ondas renovatórias para garantir o acesso à justiça: a) a assistência jurídica gratuita; b) a tutela dos direitos difusos e coletivos; c) o aprimoramento do processo e das regras processuais. Inegavelmente, a Constituição de 1988 ampliou enormemente o acesso à justiça, garantindo a tutela dos direitos difusos e coletivos, prevendo expressamente os juizados especiais cíveis e criminais, garantindo a assistência jurídica gratuita (e não apenas a assistência judiciária gratuita) etc. Tanto é verdade que, diante desse fato, o desembargador aposentado José Carlos Barbosa Moreira chega a afirmar que o problema não é mais ingressar no Poder Judiciário. O problema é sair. Assim, com a Constituição de 1988, Presidente e Governador (do Estado ou do Distrito Federal) podem ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade,
85
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
fato que retira a força da teoria sobredita, segundo a qual poderia o chefe do Poder Executivo descumprir uma lei inconstitucional. A força dessa teoria estaria apenas presente para o Prefeito, que está fora do rol de legitimados do art. 103 da Constituição Federal.
apesar da mudança constitucional, doutrina majoritária e jurisprudência majoritária entendem ainda ser possível o chefe do Poder Executivo descumprir uma lei inconstitucional, até que o Poder Judiciário Não obstante
,
sobre ela se manifeste. É o que diz Gilmar Mendes: Se, com o advento da representação por inconstitucionalidade, a que o Presidente da República tinha "
fácil acesso, deixou-se de reconhecer legitimidade ao repúdio extrajudicial de leis por inconstitucionalidade, idênticos motivos devem conduzir a que se recuse ao governador, hoje, a prerrogativa de repelir a execução de lei que lhe pareça contrária a um direito fundamental, já que o chefe do Executivo estadual passou a gozar da titularidade da ação direta de inconstitucionalidade" (Curso de direito constitucional, p. 248). Pedro Lenza assim também entende: desde que não exista qualquer medida judicial em sentido contrário, tecnicamente, poderá o Chefe do Executivo determinar a não aplicação de lei flagrantemente inconstitucional" (Direito constitucional esquematizado, "
p 174). .
Esse também é o entendimento do STF e do STJ. Segundo o STF, "o controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os poderes executivo e legislativo, por sua chefia - e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais (ADIMC "
221/DF, rei. Min. Moreira Alves, 22.10.1993). Por sua vez, disse o STJ: "Lei inconstitucional. Poder Executivo. Negativa de eficácia. O Poder Executivo
deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional" (REsp 23121/GO, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, l.a T., 06.10.1993).
Para Canotilho, tal hipótese somente seria possível se o cumprimento da lei violadora de direitos fundamentais implicar no cometimento de crime (Direito constitucional, p. 406). Não obstante, há um consenso na doutrina: em se adotando a tese (majoritária) de que pode o Poder Executivo descumprir uma lei inconstitucional e que fere direitos fundamentais, esse atributo cabe apenas ao chefe do Poder Executivo, e não aos demais agentes. O agente público, ao verificar a inconstitucionalidade da lei, deverá provocar a autoridade hierarquicamente superior. Também há consenso doutrinário quando
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
86
o cumprimento da lei violadora de direitos fundamentais puser em risco a vida ou integridade de alguém consistindo sua aplicação no cometimento ,
de crime, como diz Canotilho. Por fim
podemos afirmar que o Poder Executivo possui dois limites intransponíveis: a) o descumprimento da lei por parte do Chefe do Poder ,
Executivo deve ser feito de forma muito cautelosa e fundamentada; b) esse descumprimento só poderá ser feito caso o Poder Judiciário sobre tal assunto ,
ainda não tenha se manifestado.
obviamente o Poder Executivo só pode descumprir a lei, de forma muito fundamentada. Isso porque o leviano descumprimento da lei pode configurar crime de responsabilidade (art. 85 VII, CF), dar ensejo à intervenção federal (art. 34, VI, l.a parte, CF) etc. Outrossim, se o Poder judiciário já se manifestou sobre tal assunto, o Poder Executivo está subordinado a essa decisão devendo respeitá-la. Primeiramente
,
,
,
Caso interessante ocorreu no Brasil. Diante de uma grande crise energética, o governo federal se viu obrigado a editar uma Medida Provisória (MP 2.152-2, de 1.° de junho de 2001) determinando o racionamento de energia. A referida Medida Provisória ficou conhecida como a MP do Apagão Segundo ela, todos os usuários (incluindo a Administração Pública) deveriam economizar 20% da energia elétrica consumida no ano anterior. Ocorre que, o então governador de Minas Gerais, Itamar Franco afirmou que não cumpriria aquela medida provisória. Perguntado a respeito, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Marco Aurélio Mello afirmou que o governador mineiro estava agindo de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Veja-se notícia do jornal O Globo da época: "O presidente do STF, ministro Marco Aurélio, disse no dia 06.06.2001 que nenhum governador está obrigado a seguir em seu estado as medidas instituídas pela medida provisória do plano de racionamento. Além de estar amparado na liminar concedida pela Justiça federal em Belo Horizonte, o governador Itamar Franco estaria amparado pela jurisprudência do Supremo. No primeiro caso sobre esse assunto, o plenário do tribunal desobrigou os administradores de cumprirem leis inconstitucionais" (O Globo, 07.06.2001). "
"
.
,
,
a insurgência do governador durou pouco, pois o Supremo Tribunal Federal, rapidamente julgou procedente a ADC 9 declarando a Medida Provisória constitucional, com os seguintes argumentos: "Atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade tendo em vista a preocupação com os direitos dos consumidores em geral, na adoção de medidas Não obstante
,
,
,
87
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
que permitam que todos continuem a utilizar-se, moderadamente, de uma energia que se apresenta incontestavelmente escassa. 3. Reconhecimento da necessidade de imposição de medidas como a suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores que se mostrarem insensíveis à necessidade do exercício da solidariedade social mínima, assegurada a notificação prévia (art. 14, § 4.°, II) e a apreciação de casos excepcionais (art. 15, § 5.°). 4. Ação declaratória de constitucionalidade cujo pedido se julga procedente". Malgrado não faça parte do Poder Executivo, o Tribunal de Contas também pode deixar de aplicar uma lei a um caso sob o seu exame, se entender
que esta é inconstitucional. É o que diz a Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal: "O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público
"
1
.
.
10.3 Vinculação ao Poder judiciário A vinculação dos direitos fundamentais ao Poder Judiciário se dá de duas
formas: a) o Poder Judiciário deve fiscalizar, quando provocado, os demais poderes quanto à aplicação dos direitos fundamentais; b) o Poder Judiciário deve zelar para que suas decisões tenham conteúdo que respeito os direitos fundamentais. 7
10.3.1 A fiscalização dos demais Poderes
.
Quanto ao primeiro aspecto, pode o Poder Judiciário declarar uma lei inconstitucional, quando o seu conteúdo ferir o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Foi o que o Supremo Tribunal Federal fez, ao declarar inconstitucional o regime integralmente fechado, previsto no art. 2.°, da Lei de Crimes Hediondos, por ferir o núcleo essencial do direito à individualização da pena, previsto no art. 5. da Constituição Federal. Outrossim, deve °
,
anular os atos administrativos que ferirem os direitos fundamentais, como
o concurso público que fixa indevidamente um limite máximo de idade, ferindo o direito à igualdade. Grande polemica há no tocante aos limites do Poder Judiciário na fiscalização do cumprimento do direito de prestação material. Os direitos podem ser classificados em: a) direitos de defesa; b) direitos de prestação; c) direitos de participação. Os primeiros impõem ao Estado um dever de não agir, uma abstenção. Como diz Gilmar Mendes, "os direitos de defesa vedam interferências estatais no âmbito de liberdade dos indivíduos e,
sob esse aspecto, constituem normas de competência negativa para os Poderes
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
88
Públicos. O Estado está jungido a não estorvar o exercício da liberdade do indivíduo quer material, quer juridicamente (Curso de direito constitucional p. 256). Os direitos de participação são aqueles destinados a garantir a participação dos cidadãos na formação da vontade do País (direito de votar, iniciativa popular etc.). Por fim os direitos de prestação, são divididos em dois: 1) direitos de prestação jurídica e 2) direitos de prestação material. "
,
,
,
Os direitos de prestação jurídica são aqueles que impõem ao Estado o dever de editar uma norma. Por exemplo a respeito do racismo, dispõe a Constituição que seja criminalizada a conduta, apenando-a com reclusão ,
(art. 5.°, XLI, CF). O dever do Estado, nesse caso, é editar a lei. Por sua vez,
direitos de prestação material são aqueles em que o Estado tem que fazer tem que agir. Como diz Gilmar Mendes, resultam da concepção social do Estado. ,
"
São tidos como os direitos sociais por excelência. Estão concebidos como
o propósito de atenuar desigualdades de fato na sociedade, visando ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número de indivíduos (Curso de direito constitucional, p. 259). A grande questão é: como o Poder Judiciário pode exigir a realização desses "
direitos sociais? Quais são os seus limites?
Primeiramente, esses direitos dependem da existência de uma situação económica favorável para que haja sua efetivação. Ora, não é porque a Constituição estabelece que o salário mínimo será capaz de suprir as necessidades vitais básicas de toda a família com moradia saúde, alimentação, transporte, lazer previdência social etc., que o valor milagrosamente será alterado. Na ,
,
realidade, é necessária uma lenta evolução histórica, um lento desenvolvi-
mento económico e social para que isso ocorra. O mesmo se aplica ao direito à saúde, à educação etc. Depois de séculos de descaso, não será um artigo da Constituição que mudará a situação da saúde no Brasil ou acabe com o anal-
fabetismo. É necessário um conjunto gigantesco de atividades, acompanhado de um desenvolvimento sustentável do país para que tudo isso ocorra. ,
Dessa forma
em regra, como lembra Gilmar Mendes, não cabe (...) ao Judiciário extrair direitos subjetivos das normas constitucionais que cogitam de direitos não originários a prestação. (...) Compreende-se, assim, que, por exemplo, do direito dão trabalho (art. 6. da Constituição) não se deduza um direito subjetivo do desempregado, exigível em juízo, a que o Estado lhe proporcione uma posição profissional (Curso de Direito Constitucional, p. 261). "
,
°
"
Não obstante, o fato de não gerar direitos subjetivos, em tese, não pode ser usado como argumento para a inércia estatal. Sob o argumento de que
89
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
somente no futuro esse direito será totalmente cumprido, não se pode cruzar os braços no presente. Outrossim, é um engano dizer que esses direitos à prestação material não gozam de qualquer eficácia. Primeiramente, gozam de eficácia jurídica, pois podem ser usados como parâmetro no controle de constitucionalidade, bem como revogam (ou não recepcionam) as leis
anteriores incompatíveis e também condicionam a legislação futura. Mais importante do que isso: esses direitos fundamentais à prestação material, segundo doutrina e jurisprudência contemporâneas, podem produzir efeitos concretos, pois possuem um "grau mínimo de efetividade O Ministro "
.
Gilmar Mendes diz: "A doutrina, porém, busca atenuar essas contingências decepcionantes com a teoria do grau mínimo de efetividade dos direitos a prestação material. Tenta-se extrair uma garantia a um mínimo social dos direitos a prestação" (Curso de direito constitucional, p. 263). Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal. Veemente é a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a distribuição de medicamentos para tratamento de Aids, com base no direito social previsto no art. 196, da Constituição Federal: "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular-e implementar - políticas sociais e económicas idóneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao
-
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes júnior
90
que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5 caput, e 196) e representa na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas especialmente daquelas que nada têm e ,
0
,
,
,
nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (RE 271286 AgR/RS, j. 12.09.2000, "
rei. Min. Celso de Mello). No mesmo sentido
só que tratando do direito à educação, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se: "A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem de ,
,
,
,
,
maneira concreta
,
em favor das crianças de zero a seis anos de idade (CF, "
"
art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações -
,
,
meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a ,
razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão
,
prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211,
§ 2.°) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade políticoadministrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendi-
mento das crianças em creche (CF art. 208, IV), não podem ser exercidas de ,
modo a comprometer com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente ,
91
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e
a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível,. Doutrina (RE 410715 AgR, j. 22.112005, rei. Min. Celso de Mello). "
Mais recentemente, no dia 17 de março de 2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal indeferiu nove recursos interpostos pelo Poder Público con-
tra decisões judiciais que determinaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) o fornecimento de remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo sistema a pacientes de doenças graves que recorreram à Justiça. Com esse resultado essas pessoas ganharam o direito de receber os medicamentos ou tratamentos pedidos pela via judicial. O ministro Gilmar Mendes foi o relator das Suspensões de Tutela (STA) 175, 211 e 278; das Suspensões de Segurança 3.724, 2.944, 2.361, 3.345 e 3.355; e da Suspensão de Liminar (SL) 47. No seu voto, foi cauteloso para que cada caso seja avaliado sob critérios de necessidade. Ele disse que obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Mendes diferenciou, por exemplo, tratamentos puramente experimentais daqueles já reconhecidos, mas não testados pelo sistema de saúde brasileiro. No caso daqueles, ele foi enfático em dizer que o Estado não pode ser condenado a fornecê-los. "Quanto aos novos tratamentos ainda não incorporados pelo SUS, é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na audiência pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa citou, lembrando que a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, como resultado disso, pacientes do SUS podem ser excluídos de tratamentos já oferecidos há tempos pela iniciativa privada. "Há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim não se pode afirmar que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas dos SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial completou. O ministro foi acompanhado, em seu voto, por todos os demais presentes à sessão. O ministro Celso de Mello julgou que ajustiça precisa agir quando o poder público deixa de formular políticas públicas ou deixa de adimpli-las, ,
"
,
"
,
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior
92
"
especialmente quando emanam da Constituição. O direito à saúde representa um pressuposto de quase todos os demais direitos e é essencial que se preserve esse estado de bem-estar físico e psíquico em favor da população, ,
que é titular desse direito público subjetivo de estatura constitucional, que é "
o direito à saúde e à prestação de serviços de saúde completou. ,
1
.
10.3.2 O conteúdo das decisões do Poder Judiciário
Como vimos, o Poder Judiciário está vinculado aos direitos fundamentais
não somente quando fiscaliza o cumprimento destes pelos demais Poderes. Ele também está diretamente vinculado aos direitos fundamentais no conteúdo ,
de cada decisão, bem como no seu modo de agir. Assim
,
deve o magistrado respeitar, na condução do processo, princípios
como contraditório, ampla defesa juiz natural, proibição de provas ilícitas, publicidade etc. ,
Outrossim, sua decisão deve respeitar os princípios da igualdade dignidade da pessoa humana etc. Caso ocorrido na cidade de São Paulo é a demonstração clara do que estamos afirmando. O jornal Agora São Paulo noticiou que um jogador de futebol estava negociando com o Fantástico, programa da TV Globo, para assumir no ar que era gay. Depois disso durante o programa Debate Bola, da TV Record, um dirigente do time de futebol Palmeiras foi questionado se o suposto jogador homossexual era do Palmeiras. O dirigente respondeu: O dirigente ao responder, apontou o nome de um conhecido ,
,
,
jogador que, por razões óbvias, sentiu-se ofendido em sua honra.
O jogador alegou que se sentiu ofendido e foi à Justiça oferecendo queixa-crime. Na sentença, o juiz da 9.a Vara Criminal de São Paulo rejeitou ,
"
a queixa-crime, ressaltando toda a masculinidade do futebol: Quem é ou
foi boieiro sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata '
,
instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num
tête-ã-tête,". Disse, outrossim
"
viril
,
,
que o futebol era coisa de
varonil, não homossexual
"
macho
" ,
esporte
" .
Felizmente, o Poder Judiciário paulista não fechou os olhos a esse disparate, aplicando ao magistrado a pena de censura por ter ele exagerado na linguagem ao fazer alusão a possível homossexualidade do jogador. Os desembargadores do Tribunal de Justiça, por 24 votos a 1, decidiram que: A gravidade dos autos, independente das questões anteriores, são suficientes para a aplicação da pena, por atingir a imagem do Judiciário ,
"
de São Paulo".
Cap. 1 . DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
93
Recordando:
A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos" (Gilmar Mendes. Curso de Direito Constitucional, p. 245); "
Vinculação ao Poder Legislativo; No momento de edição das normas, deve se preocupar com seu conteúdo, que não
poderá afrontar os direitos fundamentais;
É possível a limitação de tal direito feita pela lei. Não obstante, se essa limitação feita pelo legislador atenta contra o núcleo essencial do direito fundamental, essa lei será inconstitucional;
O legislador muitas vezes tem o dever de legislar diante da determinação constitucional. Isso porque, muitas vezes, a Constituição prevê o direito a uma prestação jurídica. Por exemplo, no art. 5.°, XLII, a Constituição determina que a lei disciplinará o crime de racismo, já antecipando que a pena será de reclusão;
A partir do momento em que o Legislador regulamentou um direito fundamental, não pode revogar essa regulamentação, sem lhe dar um substituto a altura, sob pena de ferir o princípio da proibição do retrocesso ; "
"
Vinculação ao Poder Executivo;
Assim como os direitos fundamentais vinculam o Poder Legislativo, também vinculam
o Poder Executivo que, em todos os seus atos, deverá respeitar o conteúdo desses direitos fundamentais;
Súmula 683 do STF: "O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.°, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido ; "
Possibilidade de o Poder Executivo declarar uma lei inconstitucional?;
STF: "o controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência
exclusiva do Poder Judiciário. Os poderes executivo e legislativo, por sua chefia - e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais" (ADIMC 221/DF, rei. Min. Moreira Alves, 22.10.1993);
STJ: "Lei inconstitucional - Poder Executivo - Negativa de eficácia. O Poder Executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional" (REsp 23121/ GO, 13. T., rei. Min. Humberto Gomes de Barros, 06.10.1993);
Vinculação ao Poder Judiciário;
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS - Flávio Martins Alves Nunes Júnior